Página 2373
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131
ANO DE 1968 7 DE FEVEREIRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 131 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 6 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foram apresentados os Diários do Governo que inserem os Decretos-Leis n.ºs 48 224, 48 225, 48 226, 48 227 e 48 234.
O Sr. Deputado Neto de Miranda referiu-se ao 7.º aniversário do surto terrorista em Angola, prestando homenagem à acção das forças armadas na preservação da integridade nacional.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o aviso prévio, do Sr. Deputado Vaz Pires acerca do ensino liceal a cargo do Estado.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Valadão dos Santos, Henriques Mouta e António Cruz.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Jorge Barros Duarte.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
Página 2374
2374 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas 30 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários, apoiando o discurso do Sr. Deputado Vaz Pires ha efectivação do seu aviso prévio sobre o ensino liceal a cargo do Estado.
Vários, apoiando a intervenção do Sr. Deputado Augusto Simões em defesa dos vendedores ambulantes de azeite.
Vários, apoiando a intervenção dó Sr. Deputado António Santos da Cunha sobre a estrada n.º 311.
O Sr. Presidente: - Para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os Diários do Governo n.ºs 23 e 26, 1.ª série, de 27 e 31 de Janeiro findo, que inserem os seguintes Decretos-Leis.
N.º 48 224, que introduz alterações na pauta de direitos de importação, determina que as disposições do presente diploma se apliquem às mercadorias importadas a partir de 1 de Julho de 1967 e revoga o Decreto-Lei n.º 48 022;
N.º 48 225, que considera como novos direitos de base., substituindo, para os mesmos efeitos, os estabelecidos pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 46475, os direitos das mercadorias resultantes das alterações introduzidas na pauta de importação pelo Decreto-Lei n.º 48 224, estabelece, em relação aos artigos pautais 84.62.01 a 84.62.03, o programa de reduções dos direitos de base fixado no artigo 2.º do citado Decreto-Lei n.º 46 475, mantém incluídas na lista anexa ao Decreto-Lei n.º 47 958 as mercadorias classificadas pelos artigos pautais 84.62.04 e 84.62.05 e revoga o Decreto-Lei n.º 48 023;
N.º 48 226, que prorroga até 31 .de Dezembro de 1968 os prazos de vigência dos Decretos-Leis n.ºs 37 375 e 37 402, que determinaram a aplicação da pauta mínima às mercadorias classificadas pelos artigos 141, 142, 142-A, 143, 144, 144-A, 144-C, 145 e 388 da pauta de importação, os quais, na pauta actualmente em vigor, correspondem, respectivamente, aos artigos 27.09, 27.10.05, 27.10.04, 27.10.02, 27.10.03, 27.10.07, 27.10.09, 27.10.11 e 34.03.02;
N.º 48 227, que altera e completa algumas disposições dos Decretos-Leis n.ºs 42 412 e 45 932 relativas ao Museu de Marinha e ao Planetário Calouste Gulbenkian;
N.º 48 234, que actualiza as disposições em vigor relativas ao regime legal em que os serviços do Estado podem realizar despesas com obras ou aquisições de material, alarga à matéria completada no presente decreto-lei, com as necessárias adaptações, o regime geral de delegações e subdelegações de poderes estabelecido no Decreto-Lei n.º 48 059, dá nova redacção à alínea g) do n.º 2.º do artigo 6.º do Decreto n.º 22 257, adita um parágrafo ao mesmo artigo 6.º e revoga o Decreto-Lei n.º 27 563 e várias disposições do Decreto-Lei n.º 41 375.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Neto de Miranda.
O Sr. Neto de Miranda: - Sr. Presidente: Ocorreu no passado dia 4 mais um aniversário, o 7.º, do início terrorista em Angola. Os ataques de um grupo armado a agentes da ordem, elementos da Polícia de Segurança Pública, e a estabelecimentos de segurança da cidade de Luanda, à esquadra da estrada de Catete, à cadeia da comarca e a outros estabelecimentos de administração civil são os factos mais salientes daquele dia que marcou, tão dolorosamente, o início de uma luta que do exterior, desde logo, nos foi imposta.
Perante a surpresa desses ataques, as reacções que se seguiram visaram assegurar a tranquilidade e a defesa das populações, e, mercê dos elementos que então guarneciam ou serviam os locais atacados, foi possível também, com a ajuda imediata de elementos da população civil, restaurar imediatamente o sossego nos espíritos e a ordem que sempre se viveu na cidade de Luanda. Ainda por alguns dias continuou a vigilância, pois que da prevenção nasce sempre a tranquilidade de espírito, para que o trabalho de cada dia se faça com inteira produtividade.
O dia 4 de Fevereiro de 1961 não pode ser esquecido, em homenagem àqueles que tão traiçoeira e covardemente foram mortos no cumprimento do seu dever e àqueles que tão prontamente exerceram a reacção, que se impunha, de restaurar a paz na cidade.
Outra razão há também para que dele nos recordemos. Este foi o primeiro acto de terrorismo organizado que pouco mais de um mês depois eclodiria com feroz sanha assassina nas matas, fazendas e povoações do distrito de Uíge.
Página 2375
7 DE FEVEREIRO DE 1968 2375
Curvemo-nos respeitosamente sobre a memória de todos aqueles que desde então vêm pagando com a sua vida o preço dos ideais que defendemos para glória e imutabilidade da Lusitanidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os sete anos decorridos não têm sido fáceis para a defesa dos nossos territórios, e só uma esforçada acção militar, com os despachos materiais e humanos que lhe impõe, conseguiu detectar perfeitamente o grau da intensidade terrorista que sofremos e as medidas que se lhe deviam opor.
A Nação tem plena consciência disso e não se tem furtado a contribuir para o esforço militar que nos é exigido, e não se furtará a prestá-lo até que a ordem esteja firmemente estabelecida, pois que o serviço que em terras africanas prestamos ao Mundo, combatendo ideias, influências e acções comunistas, há-de ter o reconhecimento daqueles que amam verdadeiramente a paz e não a conspurcam com palavras de aliciamento e propaganda camufladas por desígnios de guerra e absorção totalitária da inteligência e da dignidade humanas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portugal continua serena e honestamente a construir o seu futuro, a cumprir com o programa que, desde a sua restauração e dignificação - movimento de Maio de 1926 -, o Sr. Presidente do Conselho imprimiu à administração pública e à unidade política nacional. Saibamos nós colher na sua perseverança e na sua inabalável fé o fruto da sua magnífica acção, da sua intensa firmeza de ânimo e da sua inesgotável oferta de justiça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E é certamente por isso que em cada parcela dos nossos territórios procurámos vencer obstáculos, criar riquezas, fortalecendo os meios de combate nas frentes económicas, sociais e militares.
Resta uma análise, ainda que fugidia, para nos mostrar o imenso trabalho a executar em complemento daquele, não menos intenso e mais difícil, que temos vindo desenvolvendo.
Quando em 1966, nesta mesma sala, tive ocasião de referir esta mesma data, preocupei-me com mostrar, ao contrário do que se ouvia ou mesmo os menos avisados pensavam, que não se deveu ao terrorismo o surto económico e o progresso social ou educacional que Angola atravessa desde então. O que se observa é que há mais intensidade na vontade em realizar cada um a missão que lhe compete, seja ele elemento governativo, seja entidade privada, pois que a máquina posta em acção para o aproveitamento de todos os recursos tem de ser continuamente alimentada na sua finalidade de criar riqueza material ou social. Desde então para cá aumentam as possibilidades económicas da província, como também aumentam as preocupações para que nada se perca do que está realizado e tudo se ganhe para futuro.
Todos os elementos activos da população, seja qual for o sector em que prevaleça o seu entusiasmo no labor de cada dia, mantém a mesma fé de defender todo o património que a Nação vem acumulando ao longo dos anos. Mas também há aqueles, alguns deles, que descrêem dos valores da sua própria existência ou vontade e que acabam por se tornar elementos menos activos ante o dinamismo da palavra de ordem de Salazar - para Angola imediatamente e em força -, para se amolecerem na tíbia dúvida da sua capacidade. Desses, alguns deles aguardam oportunidade, mas outros sentem-se um pouco desamparados na ignorância do valor da sua capacidade.
Para aqueles, uma atenção cuidada, pois que servem os seus próprios interesses e não os da colectividade. Para estes, o amparo do conselho, da doutrinação e apoio, se necessário, da força para combater a subversão de que estão sendo alvo.
Em todas as frentes e por todas as formas temos de combater e de dar o indispensável contributo às forças armadas para que possam realizar integralmente a sua missão. Só assim podemos mostrar-lhes a nossa gratidão e temos a consciência de que aqueles que tombaram esperam ainda de nós que os ajudemos a ganhar a luta em que andaram empenhados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sem esta coesão, sem esta consciência, de interajuda, seja no sector militar, seja no político, governativo, social e económico que a todos e a cada um compete, torna-se mais difícil estabilizar a paz nos espíritos e garantir a segurança da Fazenda.
Impõe-se à consciência de cada um de nós uma responsabilidade - a de sermos efectivos elementos combatentes, seja a nossa presença necessária na linha da frente ou na retaguarda, criando ou fortalecendo as estruturas económicas e políticas da Nação.
A constituição da retaguarda, não é de mais repeti-lo, que faça deste modo a cobertura da frente onde a nossa mocidade se dá tão nobre e gloriosamente em defesa do solo pátrio, é necessidade imperiosa que a todos respeita e a cada um compete exercer com redobrado esforço. Essa retaguarda não pode ser isolada da frente, antes tem de se interligar mercê de todos os elementos civis e militares para que constitua uma ponta de lança permanentemente dirigida contra o inimigo. É que a actividade de todos os dias onde colaboram todos os elementos da Nação só se completa se a nossa atenção for permanente, cuidada a análise das situações, conhecida ou esclarecida toda a manifestação interna ou externa que atinja a nossa segurança, disciplinada ou intransigente a defesa da nossa unidade como arma de combate aos tíbios, aos indiferentes, aos egoístas e aos que lançam nos espíritos dos mais fracos as incertezas da nossa força e da nossa determinação de um Portugal coeso e tradicionalmente responsável da sua missão histórica.
É das dificuldades que se nos opõem e do esforço para a sua eliminação que se formam os verdadeiros laços de uma unidade, pois é perante o perigo que pretende ferir os nossos sentimentos, privar-nos dos nossos haveres, ou destruir a nossa vida, que se consciencializam os valores humanos em prol da defesa comum. E esta só pode existir se soubermos protegê-la.
Que todos saibamos, pois, estar resolutamente unidos para combater abertamente o inimigo que nós hostiliza com armas, com a sua descrença, com a sua desconfiança» com o seu labor mal executado, com a sua negação e com a sua subversão.
Sr. Presidente:
Ao evocar o dia 4 de Fevereiro de 1961, que eu vivi com responsável emoção, desejo prestar as minhas homenagens, que estou certo são também as desta Câmara, às forças armadas que desde então vêm lutando pela defesa da integridade nacional.
Vozes: - Muito bem!
Página 2376
2376 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131
O Orador: - E melhor forma não teria para as homenagear que referir estas palavras de Salazar:
O Exército é o último quadrado que nas crises, mate graves defende o destino e a consciência da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Vaz Pires acerca do ensino liceal a cargo do Estado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Valadão dos Santos.
O Sr. Valadão dos Santos: - Sr. Presidente: Quando meditamos nos graves problemas que afligem o Mundo, ressaltam, como de primordial importância, os da educação e da saúde, pois suo eles a base de todo o desenvolvimento de qualquer país. Daí a razão por que todas as nações que querem progredir, que querem avançar, lhes estão a dedicar especial atenção. Pelo que nos diz respeito, temos, na verdade, de olhar para estes dois assuntos com desvelado cuidado e carinho e chamar a atenção do Governo para a necessidade imperiosa de soluções drásticas e eficazes, se não quisermos que eles se agravem cada vez mais. Eu sei, Sr. Presidente, que o Governo, sempre atento aos grandes problemas nacionais, fará tudo que estiver ao seu alcance para uma solução rápida e justa. E, pelo que diz respeito à educação, estou certo de que o Prof. Galvão Teles, ilustre Ministro da Educação, continuará a pôr toda a sua profunda inteligência e vasto saber ao serviço desta causa, que é, afinal, de todos nós. Também sei que o problema é de tal magnitude e complexidade que tem de contar com a compreensão e colaboração de todos, pois sem elas pouco de positivo se poderá fazer.
Ao entrar pròpriamente no debate deste aviso prévio sobre o ensino liceal a cargo do Estado, em tão boa hora efectivado, quero dizer, sem sombra de crítica, que gostaria de ver aqui debatido, não apenas o ensino liceal, mas todo o nosso ensino. É que, Sr. Presidente, já vários oradores nesta Câmara se têm referido à crise no ensino primário, no ensino técnico e liceal e no universitário.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora, parece-me que nos devíamos deter sobre essa crise, que engloba e afecta os diversos graus de ensino e em que os males de que eles enfermam são, na generalidade, comuns, para mais existindo, como existe, uma interdependência entre todos eles.
Gostaria, por exemplo, de ver aqui tratado e analisado o problema da escolaridade obrigatória, que agora, graças a Deus, é de seis anos, e gostaria de saber quando será que se estende, efectivamente, a todo o País, para então podermos começar a pensar em atingir aquele ciclo mínimo de oito anos, como o têm a Bélgica, a Holanda, a Alemanha, a Itália, e a Rússia, para já não falarmos nos que atingiram os dez anos, como a França, a Grã-Bretanha, a Grécia, e os Estados Unidos.
Gostaria de aprofundar as causas resultantes da carência do professorado que se faz sentir em todos os diversos graus e no gravíssimo problema dos programas. Crise de ensino que de forma tão notória se reflecte entre nós, mas que, infelizmente, é comum a muitos países deste mundo tão atribulado e a braços com problemas semelhantes.
Se é na escola primária que a criança se inicia nas primeiras letras e se começa a embrenhar no encanto das contas e na maravilha da leitura, se é naquela escola que ela começa a aprender os nomes daqueles heróis e santos que deram uma alma grande a esta nação, não é menos certo que é no ensino secundário que a sua inteligência se abre completamente para as coisas da vida e do espírito.
O aluno entra no liceu criança e sai, pràticamente, adulto. Ali se modelou a vontade, ali formou o carácter, ali se robusteceu a memória e desenvolveu a inteligência, dali saiu a compreender os fenómenos da vida em toda a sua amplitude, ali, praticamente, se fez homem ou mulher. Ali, no dia a dia, em contacto com os livros, com os condiscípulos, com os amigos e, sobretudo, com os professores, ele foi criando a sua personalidade e foi-se preparando para mais altos voos. Foi ainda ali que, positivamente, traçou o seu futuro, pensou na sua carreira, fez uma análise consciente às suas aptidões e possibilidades e adquiriu toda a bagagem base de uma cultura que tanto lhe há-de servir na Universidade como pela vida fora. A projecção que o ensino liceal tem na vida do País é de suma importância, e daí a necessidade de uma análise cuidadosa a tudo o que rodeia essa actividade e que, no fundo, não é mais do que plena actividade educativa. E a actividade educativa é das coisas mais importantes - se não a mais importante - na vida de uma nação. Não é ela que prepara a juventude? Não é ela que forma os homens? E a vida de hoje exige, mais do nunca, homens mais bem preparados e mais cultos, homens cientes da sua missão, homens que sabem o que querem e por que querem, em suma, homens no verdadeiro sentido da palavra.
Eu sei, Sr. Presidente, que neste problema de educação e de formação há um binómio importantíssimo, que se devia completar profundamente. Refiro-me ao binómio família-escola. Nem aquela, por mais salutar e exemplar que seja, poderá dar toda a formação ao indivíduo, nem esta o poderá formar integralmente se não tiver a família a completá-la. Mas que vemos hoje? De uma maneira geral, a família, assoberbada com os mais diversos problemas, esquece normalmente aquele que é, em última análise, o de maior relevância, ou seja o da educação e formação dos filhos; a escola, por sua vez, superlotadíssima e trabalhando nas mais precárias condições, não lhe é possível descer à família, desconhece-a, ignora-a.
E aquela conjugação de esforços para o mesmo fim, e aquele complemento que é a escola da família e vice-versa, e que tão útil e necessário é, não existe, com sérias repercussões na formação do indivíduo.
E de quem a culpa? Em boa verdade, de ambos: família e escola. E, sem querer analisar - pois não vem para o caso - as causas, por de mais conhecidas, do desinteresse e estranheza de muitas famílias perante os problemas dos filhos, vejamos então o que se passa nos liceus.
Crise no ensino liceal, porquê? Quanto a mim, por três motivos fundamentais: falta de professores devidamente qualificados, falta de edifícios e necessidade de uma profunda remodelação dos programas.
Carência de professores. Já atrás se disse que a falta de professores era problema grave nos diversos graus de ensino, mas talvez atinja maior gravidade e acuidade no
Página 2377
7 DE FEVEREIRO DE 1968 2377
ensino liceal. E porquê? Em primeiro lugar, porque ao cabo de uma licenciatura, que normalmente leva cinco anos, se exige ao candidato, a par do curso de Ciências Pedagógicas, um estágio com a duração de dois anos. Além de o estágio não ser remunerado, as dificuldades para nele entrar têm sido de tal monta que chegam a desencorajar não só licenciados com altas classificações, como até os mais optimistas. Basta ler-se o artigo 202.º do Decreto n.º 36 508; normalmente provas escritas de duas horas e provas orais de uma hora, imediatamente seguidas de dois interrogatórios de meia hora cada um, o que, na prática, perfaz as duas horas. E tudo isto, e para mais, sem programas previamente estabelecidos. Veja-se, apenas, como exemplo, o que diz esse artigo 202.º para os candidatos ao 3.º grupo. Provas escritas:
1) Exposição em inglês sobre um assunto de literatura inglesa, com elementos dados e sem qualquer auxílio (duas horas);
2) Prova idêntica à anterior relativa à língua alemã (duas horas).
Provas orais:
1) Leitura, tradução e análise linguística, literária e ideológica de um trecho de autor inglês moderno, sem qualquer auxílio (uma hora), seguidas de dois interrogatórios, em inglês, sobre o mesmo objecto e sobre literatura inglesa (meia hora cada um);
2) Prova idêntica à anterior, relativa à língua alemã;
3) Análise linguística, literária e ideológica de um trecho de escritor português (uma hora), seguida de um interrogatório sobre o mesmo assunto e sobre literatura portuguesa (meia hora).
Tudo isto, como já se disse, sem programas estabelecidos; e, como os assuntos são interdependentes, na prática os interrogatórios são de duas horas. Que eu saiba, não conheço concurso de provas públicas onde se exija tanto a candidatos que já possuem uma licenciatura. Resultado: entre 1947 (data da última reforma e estatuto) e 1965, ou seja em dezoito anos, não foram admitidos ao estágio, ou por falta de vaga, ou por terem reprovado (e estes são a grande maioria), tanto como 646 licenciados, dos quais 216 homens e 430 senhoras. Entretanto, e em igual período, concluíram o Exame de Estado 636 licenciados, sendo 218 homens e 418 senhoras, o que, no total e na prática, dá uma percentagem de reprovações superior a 50 por cento. Havemos de concluir que, tratando-se de indivíduos já licenciados, e por consequência., com uma certa preparação, representa uma percentagem excessivamente alta. Além disso, e isto é ponto que reputo da maior importância, no exame de admissão ao estágio há apenas a preocupação de aquilatar do grau do saber do candidato a professor, da sua cultura e erudição, mas quanto às qualidades pedagógicas, nada. E, se os primeiros são de grande importância, as segundas não o são menos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Num ensino com as características do liceal parece-me que um professor, a par de sabedor da matéria que ensina, tem de possuir, sobretudo, qualidades pedagógicas apreciáveis, aquelas qualidades que tanta vez nascem com o verdadeiro professor, pois só assim o ensino ministrado terá aquele rendimento desejado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De que servirá um mestre profundamente culto e erudito se, falando de cátedra, não consegue manter a disciplina e não desce ao raciocínio dos alunos, não lhes adivinha as dificuldades, não lhes transmite aquele muito saber devidamente ordenado, simples e acessível? Que utilidade terá tal professor? Ele próprio, não obstante a sua erudição, acabará por se sentir, dentro da sua profissão, um falhado, um frustrado. E daí o desentendimento que se gera algumas vezes entre alunos e professores. Ora, eu também sei que essas qualidades pedagógicas serão devidamente apreciadas (ou deviam sê-lo) durante o tempo de estágio. Mas pergunta-se: quantos, de entre aquele grande número de licenciados que vimos há pouco, não dariam valiosos elementos no magistério se a entrada no estágio não tivesse as características que tem? Além disso, dois anos em regime de bolsas, ou então sem qualquer provento - é outro motivo de deserção. Facilite-se ou acabe-se com o exame de admissão; reduza-se para um fino lectivo bem aproveitado a sua duração; e paguem-se ao estagiário as aulas que dá, não só como estagiário, mas também admitindo-se como professor eventual, e teremos dado um passo decisivo no meio de aquisição de novos e válidos elementos para o professorado.
Porém, independentemente das enormes dificuldades, que nos oferece o estágio, a grande carência de professores é sobretudo devida ao problema económico. Exigir uma licenciatura de cinco anos, depois um estágio de dois anos, e mais as ciências pedagógicas, e ainda com a agravante de durante vários anos andar a peregrinar de liceu em liceu até se estabelecer definitivamente, e sem ter um ordenado que o recompense de tanto sacrifício, de tanta canseira e incompreensões, havemos de concordar que não é nada aliciante. Neste campo as lamentações, as queixas, são profundamente justas e fundadas. Dê-se ao professor do liceu um ordenado compatível com aquilo que dele se exige e com a função de magna importância que ele tem na sociedade, onde possa viver decentemente com a família. Que ele tenha ainda o necessário para adquirir aqueles livros e revistas tão úteis à sua permanente actualização, pois o professor não pode estagnar, não pode cair na rotina.
Além disso, não se nos afigura justo que um professor efectivo com 30 e mais anos de serviço ainda receba o mesmo ordenado que tem aquele que completa os 20 anos. Daí a necessidade imperiosa de mais uma diuturnidade. Além de ser, indubitavelmente, mais uma compensação de ordem moral, dar-lhe-á também direito a ter na velhice uma aposentação que lhe permita encarar essa última etapa da vida sem apreensões de qualquer espécie. E isso é muito importante.
Depois, por que não lançar também mão das horas extraordinárias? Se são concedidas aos das ilhas adjacentes, se são permitidas aos professores do ensino técnico, por que não aos do ensino liceal no continente? E certo que seria mais uma sobrecarga de trabalho, mas também se sabe que muitos deles têm de se valer das lições particulares para poderem suprir económicamente aquilo que o Estado não lhes dá. Por que não as horas extraordinárias, mais que não fosse, em regime facultativo, para os do quadro do respectivo liceu? Seria mais uma importante compensação, sabido como é que as horas extraordinárias são as mais bem pagas.
Estou certo, Sr. Presidente, de que, se o problema do estágio for devidamente revisto, como atrás ficou exposto; se se subir, pelo menos, uma alínea em relação aos actuais ordenados; se se acabar para sempre com essa injusta posição de professores agregados e se se aumentarem para três as diuturnidades, além da concessão de horas extraordinárias, estou certo, ia a dizer, de que se resolveria
Página 2378
2378 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131
um dos mais graves problemas do nosso ensino: o da carência de professores. Carência que se traduz nos seguintes números, bastante sintomáticos:
Em 1947-1948, para uma população de 10429 alunos masculinos, havia 574 professores efectivos do 1.º ao 9.º grupo, bem como contratados do quadro de Canto Coral e Educação Física. Em 1965-1966, para uma população masculina de 31 320 alunos, ou sejam três vezes mais, havia tanto como 612 professores efectivos. Um aumento apenas de 38 professores efectivos. Isto em dezoito anos!
No que diz respeito à parte feminina, o quadro é o seguinte: em 1947-1948 o número de alunas matriculadas era de 7780 e o inúmero de professoras efectivas de todos os grupos, mais as contratadas de Canto Coral e Educação Física, era de 197. Em 1965-1966 o número de alunas matriculadas foi de 34 698 e o número de professoras efectivas foi de 358. Um aumento de 161 professoras para uma população escolar que, neste espaço de tempo, quintuplicou.
Evidentemente que, perante uma tal falta de professores devidamente qualificados, houve necessidade de lançar mão de professores eventuais, isto é, professores sem o estágio, na maior parte dos casos sem cadeiras pedagógicas, a grande maioria licenciados, mas infelizmente muitos deles apenas licenciandos ou com frequência de algumas cadeiras universitárias e até um número já bastante considerável tendo como habilitações o 7.º ano do liceu ou equivalente!
Mas os números são mais elucidativos e não necessitam de muitos comentários.
Assim, em 1947-1948 o número de professores de serviço eventual (não agregado) do 1.º ao 9.º grupo foi apenas de 5. E o número de professoras em idênticas circunstâncias foi de 18. Em 1965-1966 esse número subiu para 266 professores e 765 professoras licenciadas, havendo a acrescentar mais 61 professores e 197 professoras sem licenciatura, mas com frequência de algumas cadeiras universitárias, e ainda mais 85 professores e no professoras cujas habilitações foram o 7.º ano dos liceus ou equivalente ou até habilitações inferiores. Isto para o 1.º ao 9.º grupo e de Canto Coral, Educação Física e Lavores Femininos.
Ao todo prestaram serviço nos liceus da metrópole, Portugal continental e ilhas adjacentes tanto como 1484 professores de serviço eventual em 1965-1966.
Quero, todavia, dizer, por uma questão da mais elementar justiça, que um bom número desses professores cumpre o melhor que pode; que muitos deles são tão bons como os melhores, e que há que facilitar, por todos os meios, a sua entrada nos quadros efectivos do ensino liceal. Além disso, grande parte deles já trabalham há 5, 10 e 15 anos e não é justo não lhes dar uma oportunidade de fácil acesso. Evidentemente, refiro-me, àqueles que já deram provas cabais de serem autênticos professores. Infelizmente, também, um número bastante elevado, talvez a maioria, por aquilo que nos é dado saber, está longe de atingir o nível e o rendimento desejado. Na maior parte dos casos são indivíduos que se acolheram de passagem no ensino liceal, na esperança de conseguir melhor emprego; por conseguinte trabalham sem qualquer estímulo, sem vocação, sem brio profissional, sem amor. Do magistério pouco ou nada sabem e apenas esperam a resolução momentânea do seu problema económico - se é que chega a ser resolução -, pois nas férias, como, aliás, os agregados, não recebem qualquer provento, o que, diga-se de passagem, mas bem acentuadamente, é uma flagrante injustiça. E injustiça porque enquanto o Estado obriga os estabelecimentos do ensino particular a pagar aos seus professores no tempo de férias, o liceu não paga àqueles que se encontram em circunstâncias absolutamente idênticas aos daquele ensino.
Por tudo o que foi dito e pela eloquência dos números poder-se-á avaliar a gravidade da situação. Urge fazer um estudo em profundidade da questão e dar-lhe uma solução imediata. Os professores do ensino liceal merecem que o Governo se debruce atentamente sobre os seus problemas, eu ia a dizer sobre os seus aflitivos problemas e anseios, e querem ter aquele lugar de decência e de prestígio a que a delicadeza e a importância das suas funções lhes dão incontestável direito.
Carência de professores; falta de edifícios, disse eu no princípio destas considerações. Eu sei que uns são dependentes dos outros, isto é: de que nos servem belos e magníficos edifícios se não há professores? Mas uma coisa também é certa: é que a esta explosão escolar, chamemos-lhe assim, que se tem verificado nos últimos anos, não é lícito que se lhes negue lugar nos liceus, ou até que se lhe dificulte por qualquer meio a entrada, pois, com bons ou maus professores, efectivos ou eventuais, licenciados ou não, todos os alunos têm o direito de ser atendidos. E assim quase se tem feito. Acontece então que liceus construídos para uma população escolar de 800 a 1000 alunos estão funcionando com 3000 e tal. Podemos bem imaginar os problemas que se levantam com edifícios assim superlotados, em que todas .as salas acabam por se transformar em salas de aula, com turmas enormes, e em que os professores muitas vezes se têm de valer da fotografia para conhecer os alunos, e em que os reitores mal contactam com os professores e estes mal conhecem os colegas. Do exposto se vê que todos saem verdadeiramente prejudicados: os professores, porque não têm o ambiente propício para o trabalho, ao mesmo tempo que reconhecem que esse trabalho nunca poderá ter o rendimento desejado; os alunos e as famílias, descontentes, criticam com e sem razão o liceu; e, no fim e ao cabo, a causa do ensino acha-se altamente desprestigiada. De 1947-1948 a 1965-1966 apenas se construíram mais oito liceus, sendo três femininos e cinco masculinos com secção feminina. O número é mais do que diminuto, se atentarmos no grande aumento da população escolar. Felizmente este problema está a ser encarado de frente, pois há vários outros edifícios em construção. Porém, muitos mais haverá ainda a edificar, se quisermos, na realidade, possuir um ensino oficial em condições.
Finalmente, temos os programas e, intimamente relacionados com eles, os planos de estudo.
A necessidade de uma adequada estruturação de todos os programas do ensino liceal é premente. Há que modificá-los, que actualizá-los e, sobretudo, que simplificá-los. Vejamos o que se passa com as Ciências Naturais do 2.º ciclo - um exemplo entre muitos.
Sabemos a função excepcionalmente formativa e educativa daquela disciplina, e não a negamos. Todavia, achamos excessivo exigir a alunos de 12 e 13 anos o conhecimento da anatomia completa do coelho, do pombo e de muitos outros animais. A cristalografia é outro quebra-cabeças. Por outro lado, o programa de História está cheio de minúcias e de pormenores, que só servem para lançar o tédio e a fadiga intelectual nos alunos. O programa de Física no 3.º ciclo é de tal ordem extenso que tem de ser dado em velocidade. Isto são exemplos ao acaso, além de muitos outros que haveria a citar. Entretanto há tempos a mais para certas disciplinas (exemplo, Inglês do 2.º ciclo) e a menos para outras
Página 2379
7 DE FEVEREIRO DE 1968 2379
(Francês e Geografia do 2.º ciclo). A necessidade de uma disciplina de cultura portuguesa para os alunos que seguem a secção de Ciências é imperiosa, para não acontecer, como sucede actualmente, que médicos, engenheiros, veterinários, etc., pouco ou nada conheçam da nossa literatura, da nossa cultura. Uma revisão e actualização global dos programas das diferentes disciplinas tem de ser feita.
Os exames no fim do ano e os comentários que suscitam nos mais variados sectores são um reflexo de todos estas considerações, e neles os professores são muitas vezes injustamente atingidos, não esquecendo também que os alunos - e nisto eles têm parte importante -, com a sua apatia, negligência e preguiça, são na grande maioria dos casos os verdadeiros responsáveis, aqueles sobre quem recaem as grandes culpas, é certo, mas também nem todas se lhes devem atribuir ...
E já que falamos em alunos, por que não lhes conceder - aos alunos dos liceus- maiores facilidades na dispensa dos exames de ciclo, bem como abolir ou facilitar os exames de aptidão à Universidade? Facilite-se o ensino a todos e não se complique e obstrua aquilo que a todos deve ser dado, tanto mais que a falta de técnicos e de diplomados neste país é mais do que notória.
Independentemente de tudo o que ficou exposto, queria ainda dizer umas palavras muito breves acerca da parte administrativa e da Inspecção do Ensino Liceal. Na realidade, os números que citei há momentos são eloquentes, e por eles bem se vê como, felizmente, a população escolar tanto aumentou. Esse aumento, como é óbvio, trouxe, necessariamente, um grande acréscimo de movimento, e por consequência de trabalho, desde a Direcção-Geral, passando pela Inspecção, até às secretarias dos liceus. Todavia, que se verifica? Que a própria Direcção-Geral mantém o mesmo número de funcionários que em 1947. Por seu turno, a Inspecção criada pelo Decreto n.º 36 508, de 1947, e constituída por um inspector superior e mais quatro inspectores (actualmente tem três), está absolutamente desactualizada, pois, com tão diminuto número de inspectores, se poderá avaliar a sobrecarga de trabalho, que só a muito boa vontade e até o sacrifício dos seus componentes poderá suprir.
As secretarias dos liceus encontram-se em idênticas circunstâncias. Os quadros do pessoal de secretaria, e até do pessoal menor, mantêm-se praticamente os mesmos que em 1947, e entretanto, como já foi dito e redito, a frequência mais que triplicou.
Não será necessário, Sr. Presidente, encarecer o que tudo isto traz de transtorno, de aborrecimento, de atrasos para a marcha de um serviço que não se compraz com delongas e com demoras e que tem de ser absolutamente eficiente em todos os sectores e em todos os sentidos.
Vou terminar, Sr. Presidente. Tentei, nesta sucinta análise da situação do nosso ensino liceal, ser o mais objectivo possível e chamar a atenção do Governo para a situação de um ensino que requer urgente, profunda e radical transformação. Os males e deficiências estão à vista e as consequências toda a Nação as poderá vir a sentir. Mas nem tudo é pessimismo. A avultada verba atribuída no Plano de Fomento ao sector educativo e o alto espírito de servir dos responsáveis pela educação são penhor seguro de que, finalmente, vai ser encarado de frente e resolvido em toda a sua profundidade um dos mais prementes problemas da vida nacional, que é o ensino da nossa juventude, dessa juventude que merece todos os nossos sacrifícios e canseiras, toda a nossa atenção e carinho.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henriques Mouta: - Sr: Presidente e Srs. Deputados: Um dos problemas capitais de qualquer país é o do ensino. Não que a educação seja sinónimo de ensino ou de instrução, como sugeriram no século passado. Hoje, ninguém, verdadeiramente responsável, acredita que abrir uma escola seja fechar uma prisão, como sonhou Vítor Hugo, algo intoxicado de romantismo ingénuo e moderadamente naturalista e laico. Um teólogo pode ser mau cristão e acabar em réprobo. Nunca faltaram magistrados podres, a justificar a interrogação de Camões:
Pois, tu, parvo não sabias
Que lá vão leis, onde querem cruzados?
E um médico pode ser um assassino, como se viu em Urbino de Freitas. O ensino sem educação corre o risco de tornar os homens mais perigosos, porque mais capazes, audaciosos e confiantes no êxito dos seus crimes. Subiu, em nossos dias, o nível cultural, e reduziu-se a mancha do analfabetismo e até se extinguiu nas camadas juvenis, em Portugal metropolitano e insular e em vários países da Europa e da América. Mas não desceu, pelo contrário subiu, o índice de criminalidade, nomeadamente entre os jovens, e em proporções aterradoras. Aquele moço de 15 anos que manchou, há tempos, a história do século XX, assassinando, com uma descontracção arrepiante, um rapazinho de 7 anos e do. seu meio e relações, não era de país atrasado, nem filho da ignorância, nem da fome, da caverna ou do tugúrio, mas de antros dourados e iluminados ... fruto da árvore da ciência ... do bem e do mal, que se atravessou na garganta de sua mãe, como nó de dor alucinante e sem possível lenitivo.
Sr. Presidente: Sublinho e acentuo que ensino não é sinónimo de educação. Mas são consortes os dois, nos. frutos e nas responsabilidades, e não podem divorciar-se. O mestre que não seja educador ficará apenas triste ensinador ... um semiprofissional, entidade truncada e frustrada. O carácter não se prepara por uma vez e a inteligência por outra, alternadamente, em compartimentos, nem sem ideal ... Nem há ideal sem convicções. Não há educação sem ensino. E o ensino que não educa é deformado e deformante, acaba mesmo por deseducar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - São grandes as potencial idade s educativas do ensino, criando o culto da verdade, revelando as realidades cósmicas e culturais, afirmando o valor do trabalho e mostrando a solidariedade do mundo, nas coisas e nas relações humanas.
Não se pode educar sem ideias. Daqui, mais evidente se torna a importância educativa do ensino. Além de ministrar cultura, oferece dados ao pensamento. Qualquer disciplina pode ser utilizada para incutir amor ou desprezo da pátria e afirmar ou negar a existência de Deus. Mas algumas possuem especial eficiência pedagógica: Organização Política e Administrativa, Naturais, Filosofia, Literatura e História.
É fácil, porém, anular, discretamente, a função consciencializadora e mesmo a esclarecedora da Organização
Página 2380
2380 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131
Política. As Biológicas, Físico-Químicas e Mineralógicas, cujas leis e factos sugerem naturalmente caminhos de espiritualidade, são susceptíveis de se converterem em cursos de materialismo. E, se os textos tiverem sido elaborados tendenciosamente, a tarefa resultará simplificada. A Filosofia, por natureza alicerce racional das grandes certezas e valores da vida, pode converter-se em fábrica de cépticos, agnósticos ou negadores sistemáticos. Com a Literatura e um pouco de habilidade não é difícil montar um laboratório para manipular cérebros e almas jovens e inexperientes em sentido negativo e desumanizante, desviando-se, aliás, do plano estético para o ideológico. A história foi sempre a «mestra da vida» do homem de sempre. Não duvido ... Até o homem da caverna contava aos filhos a história sua e da família, transmitindo-lhes a sua experiência e a dos maiores. Sem a história não. se conhece a pátria, família de famílias. E não se pode amar o que não se conhece. E a Rússia aproveita, como ela sabe, as lições desta mestra para os seus objectivos. Qualquer desinteresse pelos aspectos éticos do ensino terá incalculáveis consequências.
O homem não nasce anjo, como deliberou Rousseau, nem monstro derrancado, como sentiu Lutero e negou Pascal e a consciência da humanidade recusa aceitar. Aquele jovem infeliz e assassino, de quem apeteceria dizer, como Cristo de Judas, que era melhor não ter nascido ... não é o monstro de nascimento. Atribui a responsabilidade do seu crime à desordem familiar. Sem admitir como fundada a acusação na sua totalidade, porque os pais não são os únicos responsáveis, pois não são os únicos educadores, aceito que a recriminação tenha validade parcial. Com efeito, é mais elevado o índice de criminalidade entre os filhos de famílias destroçadas ou mal constituídas. Porém, ao lado dos pais actuam, positiva ou negativamente, outros familiares, criados, vizinhos do prédio e rua, escola, meios de comunicação e a própria lei, nem sempre eficaz, por inobjectiva, na defesa dos lares.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Por melhor que se forme na família e na escola, os seus abjectivos podem ser anulados por um degradante marcantilismo cultural. Na era das democracias, proclama-se, em actos, por esse mundo além a realeza do dinheiro, sacrificando-lhe, o maior bem das repúblicas, a juventude. Perora-se contra a escravatura, mas mercadeja-se com a inocência e a juventude das nações.
Uma escola não pode, razoàvelmente, enjeitar as suas responsabilidades, se consente e até promove um relativismo doutrinal que nega a verdade e reduz a ciência à história e a história à opinião ... e identifica a moral com o arbítrio, a circunstância ou situação, nada se lhe dando da natureza do objecto ou acto, nem da razão. É fácil pais e filhos concluírem que não há valores permanentes, propendendo os segundos a supor ultrapassados os primeiros e aceitando estes o veredicto daqueles. E em muitos lares já parece considerar-se normal que os filhos eduquem os pais, pois lhes marcam as balizas e os rumos das suas tarefas educativas. Parece que a própria filiação estará condenada, por implicar uma dependência paternalista, insuportável ...
A doutrina está apenas indicada (direi até melhor: matéria, e não doutrina), não definida, nos programas. A definição vem-lhe dos compêndios. E estes, infelizmente, não têm sido sempre exemplares, no plano da isenção ideológica. E frequente deformarem as realidades, num sentido demolidor dos valores nacionais e universais. Alguns, de Literatura, insinuam que os poderes do Papa não procedem de Cristo, mas do imperador dos Romanos (que terá, pergunto, a literatura com o bispo de Roma?); que as ordens mendicantes foram impulsionadas pelo comércio e vida comunal; para negar as raízes cristãs da Nação, aludem aos fabricados factores democráticos na formação de Portugal; ensinam que, antes de Fernão Lopes, não havia literatura portuguesa, porque não era anticastelhana, reduzindo a literatura à luta política. E as incongruências continuam, no empenho de derrubar figuras nacionais: o Mestre de Avis é uma mediocridade; Zurara exalta o Infante, em prejuízo da Nação; as razões cristãs dos descobrimentos eram ideologia oficial, divorciada da Nação; a exploração económica do ultramar consistiu na apropriação dos beis dos países submetidos; a luta em Marrocos foi uma guerra de conquista; Bernardim Ribeiro é novelista do inconformismo e negador da vida do além; Gil Vicente integra-se na linha ideológica de Lutero; Lutero combate a venda (não se faz por menos) de indulgências; o pecado é o interesse pelas coisas da terra; Sá de Miranda protesta contra uma situação social e ataca a propriedade privada, a tender para um comunitarismo sem teu nem meu; António Ferreira faz da razão o único critério do comportamento humano; Camões, no seu poema, desenvolveu lugares-comuns, fez da história de Portugal uma sanguinosa guerra e tinha mentalidade històricamente improgressiva; a admiração pelo feito aeronáutico do Pe. Lourenço de Gusmão é prova do atraso de Portugal. Como contraste, apresento o depoimento de Eugênio d'Ors, um estrangeiro:
De Portugal, com efeito, provém metade da nossa história espiritual. Que digo? Da nossa? De toda a história europeia. Disse, muitas vezes, que neste composto que tem o nome de cultura a Europa apenas apresenta, segundo uma análise rigorosa, dois corpos simples: Grécia e Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dos compêndios de História também não direi mais que amostras. Um diz que o homem apareceu ria terra, tinha a mão menos adestrada, o cérebro menos complexo, e que a sua ideia da imortalidade derivou a ilusão, alienação ou transferência, apresentando a religião como produto político-económico-social: um eco do sociologismo de Comte, Marx e Durkheim. Os doze volumes de VV. Schmit mostram quanto está ultrapassada e foi efémera a moda destas modernas e já recessas teorias. E, em parêntese, uma pergunta inocente: como se sabem aqueles pormenores relativos aos primeiros homens, ignorando a ciência como apareceu no planeta? E faço uma segunda interrogação: por que não se alude à criação do homem?... Não será a Revelação um facto histórico e a Bíblia uma preciosa e monumental fonte histórica, cada vez mais confirmada por fontes profanas e coevas, reveladas pela arqueologia?
No mesmo compêndio sugere-se que a Divindade nasceu da ignorância, que o monoteísmo resulta de uma evolução (também aqui em oposição com os dados da ciência antropo-etnológica, acumulados nos já citados doze volumes de VV. Schmit). Apresenta Cristo aos alunos, dizendo que apareceu no tempo de Augusto, sem alusão à encarnação, e a conversão de Constantino como fruto de uma estratégia política, sem qualquer base documental ou circunstancial, apoiada no contexto histórico, e não como metanoia resultante da acção da graça, cujo sinal exterior, apontado por Eusébio de Cesareia na sua História, foi o episódio do Labarum, durante a batalha da Ponte Mil via. Os Papas consideram-se sucessores de S. Pedro, o monaquismo é produto do infortúnio social e anseio
Página 2381
7 DE FEVEREIRO DE 1968 2381
de compensação... e não dos conselhos de Cristo. As perseguições aparecem como fenómeno social, sem nítida motivação religiosa, ecos de Mommsen e porventura de Harnack, a quem se deve a proeza de escrever grossos volumes com escassíssimas fontes, européis de retórica torrencial e fecunda imaginação.
Supor que os cristãos deixaram a cidade para viverem, refugiados, nas catacumbas é posição errónea, embora corrente no século passado, mas desmentida pela topografia, pelo direito coevo e por outras fontes. Reduzir a mensagem de Cristo a uma bondade sentimental e social é ocultar a sua feição tipicamente espiritual e transcendente. Os mártires surgem, aqui, como escravos a lutar contra os senhores, e não a morrer pela sua fé.
Noutro compêndio, apesar de não constar de nenhuma fonte, afirma-se que o homem iniciou a sua aventura no planeta no... estado selvagem, teve de aprender a pensar, tornou-se erecta a postura, a capacidade craniana aumentou-lhe, o maxilar perdeu a sua robustez e as mãos executaram rudes invenções....
Ora a ciência nada averiguou de certo e definitivo neste domínio. E a posição cristã, admitindo como hipótese científica, cada vez com maior número de sufrágios, a evolução do somático, exclui a criação da alma, do espiritual, pelo processo evolutivo, isto por motivos filosóficos e teológicos. O que ninguém alvitra hoje, salva literatura barata e seus consumidores semianalfabetos, é que «o homem descende do macaco». Também me não parece que as classes sociais tenham nascido do urbanismo, mas da própria vida, com a sua diversidade de funções sociais e de missões humanas. É estranho que se diga que a arquitectura do Egipto era pesada e grave como a monarquia (nem pela redundância se salva); que o cristianismo se aliou ao Império Romano; que o monaquismo surgiu no século VI (três séculos depois de nascido...); que Santo Agostinho viveu no século X (cinco séculos depois de ter morrido...); que o humanismo fosse, sem mais, um movimento antropocêntrico, oposto ao teocentrismo; que Erasmo advogava uma reforma racionalista da Igreja; que a igreja espanhola adquirisse foros de igreja nacional; que, no conflito com Bonifácio VIII, a nação francesa apoiou o seu rei; que fazer de um país uma grande nação é absolutismo monárquico; que se admita a profundidade mordaz do superficial, embora enciclopédico, Voltaire; que se apresente a maçonaria apenas como sociedade defensora de um Estado laico; que, no século XVII o homem aprendeu o uso corajoso da razão, a repudiar as trevas da ignorância, do conformismo, contra o tradicionalismo cego e preconceitos... a contar, de olhar livre e cheio de clareza, com a omnipotência da razão; que a abolição da escravatura se deva mais à doutrinação dos filósofos que à doutrinação milenária da Igreja; que se relevem tanto os aspectos positivos da Revolução Francesa, sem informar dos crimes daquela imensa besta apocalíptica; que os irmãos Montgolfier hajam feito a primeira conquista do ar (74 anos depois do Pe. Bartolomeu Lourenço de Gusmão...). Sem falar em D. Henrique a organizar justas em Coimbra em festas de Viseu... nem em certos anacronismos de linguagem, como partidos e oposição, nitidamente deslocados do contexto histórico-sócio-cultural...
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não faço uma exposição académica, nem mesmo censuro, apenas documento deficiências. Admitindo boa fé e falta de informação, influências estranhas, pede-se apenas mais atenção. E seria prudente que, nas matérias teológicas e afins se ouvissem os pareceres das pessoas da especialidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já aludi ao poder pedagógico da história. Revela o homem e a vida, no concreto e complexidade das situações humanas no tempo e no espaço. Liberta-
nos das limitações da nossa experiência individual e local. Com a condição de ela mesma se libertar da ditadura positivista do século XIX ... de não ser capitalista, nem liberal, nem burguesa, nem comunista... mas simplesmente história. Servirá então para nos revelar o que seria impossível descobrir por nós... para enriquecimento humano, cultural e estético... Continuará a ser fermento de actividade criadora, em literatura, como o foi pelo menos desde Homero a Camões, Herculano e Fernando Pessoa, com a Iliada, Os Lusíadas, O Monge de Cister e a Mensagem. Não advogo historicismo, que não consiste, como é frequente supor-se entre nós, no predomínio dos estudos históricos, mas em liquidar todas as ciências na história encurralada num cepticismo relativista. Limito-me a pedir para a História de Portugal o lugar que lhe pertence. Penso que está bem, na escola primária. No liceu, não. No ciclo inaugural - o de maior receptividade - os alunos mal a cheiram. No 3.º ano, nem pelo olfacto entram em contacto com ela, como. já aqui sublinhei. No 4.º ano, retomam-na, mas dispersa pela... (mais que integrada na...) Universal... e utilizando compêndios nem sempre, satisfatórios.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Finalizo esta matéria com a observação de J. Rimaud, na recente Orientação da Idade Evolutiva:
Não é sem motivo que todos os homens políticos partidários ou revolucionários - a camuflam ou desconhecem sistemàticamente. A história, lealmente estudada, é mestra de sentimento nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A extensão excessiva dos actuais e decrépitos programas constitui um feio e nocivo aleijão didacto-pedagógico. Temos um curso geral dos liceus com pretensões enciclopédicas, complexo, pesado, trabalhoso, memorialista, armazenista.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os cérebros gastam-se, e os espíritos perdem capacidade de pensar, como os motores de automóveis - releve-se-me a comparação tirada da mecânica - afogados em combustível e paralisados por insuficiência de ignição. Em Biológicas, por exemplo, bem falam os programas de estudo elementar, de simples referências e descrição sumária. O pior são os compêndios. Um deles, de Zoologia do 3.º ano, apresenta o seguinte questionário, relativo ao esqueleto, só da cabeça, do coelho:
Como é formado? Que espécies de dentes tem? Quais os mais desenvolvidos? Quais os que faltam? Qual é a disposição e a forma dos dentes? Que diferença há entre a face anterior e a face posterior de um dente incisivo? Que conclusões poderá tirar deste tipo de dentição? Como são os côndilos das articulações da maxila inferior com o crânio? Segundo a forma dos côndilos mandibulares, como explica o movimento de vaivém da maxila inferior, quando o coelho come?
De que servem semelhantes pormenores a quem não segue Medicina nem Ciências?
Vozes: - Muito bem!
Página 2382
2382 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131
O Orador: - Porque se não reservam estas minúcias para os alunos do 3.º ciclo, onde se inicia a especialização?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que aproveita, a quem não segue Geográficas nem Económicas e Financeiras, milhares e milhares de nomes «encaixados»? ... Afora os que os jornais vão recordando, quotidianamente, alguns meses depois já os cérebros silo armazéns vazios, cemitérios e silêncio, silêncio dos mortos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O mesmo afirmo a respeito da História, onde por vezes o cascalho ocupa o lugar das pedras básicas, e da Literatura, que transforma a memória em ficheiro de autores, de obras, de palavras e de ideias... nem sempre significantes nem sadias.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A extensão dos programas esgota tempo e energias de muitos dos alunos cumpridores, que chegam à Universidade incapazes de prosseguir ao mesmo nível. Dificulta ou impossibilita o ensino activo, que torna o curso lento. E, se não aceito a exclusividade do ensino activo, néon que o ensino tradicional tenha sido exclusivamente passivo, são irrecusáveis as vantagens de ampliar as posições já conquistadas do ensino activo, na feliz combinação de métodos tradicionais e modernos, reforçando-se as potencialidades recíprocas em benefício do aluno. Com programas carregados, turmas enormes, não é legítimo esperar aplicação rendosa dos métodos activos. Até os pontos de exame. reflectem falhas de convergência. Não é difícil verificar que alguns, especialmente de Filosofia, são por vezes estruturados de maneira a forçar autores e professores a caminhar, mesmo aos empurrões, para o cepticismo. É frequente os pontos de apuramento carecerem de razoável gradação, no plano do nível e dificuldades das matérias. Mais frequente é ainda pecarem por desmedida extensão. Quanto a classificação, nunca pudemos concordar com o escasso valor de uma trabalhosa, demorada e fiscalizada prova escrita, em contraste com o exagerado valor atribuído a uma prova oral de 20 ou 25 minutos. A lei precisa de ser alterada, de forma a conjugar equilibradamente os elementos das duas provas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que uma prova oral de 20 ou 25 minutos invalide uma prova escrita de 90 minutos, é manifesto exagero. Que uma prova escrita de 13, 14 e até 15 valores seja inutilizada, com perda de ano ou de cadeira, se a oral não chegar a positiva, afigura-se-me conferir a uma prova o carácter de tortura inútil e à outra feição de infalibilidade, que não é de presumir até pelo condicionalismo psicológico do exame de júri solene.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta rendição incondicional da prova escrita u oral cria nos alunos complexo de inferioridade e ocasiona imerecida ou não fundada suspeição contra os examinadores, pelo facto de as classificações dos externos acusarem tendência para descer na oral, em contraste com o nível e tendência das suas provas escritas, fenómeno que se deve a outros factores, em que todavia os alunos não acreditam.
Ainda sobre exames, parece-me que talvez a barafunda deles resultante, que enerva professores e alunos, fosse notavelmente reduzida se aos colégios fosse reconhecida idoneidade jurídica e moral para organizar os exames dos seus alunos. Os problemas decorrentes, relativos ao nível e seriedade dos actos, pontos ou provas, escritas e orais, poderiam ser resolvidos com exigências e condições austeras, embora necessariamente razoáveis, a começar pelas habilitações dos professores, a que não se requereriam mais, que não seria viável nem justo, mas também nada menos, que no ensino oficial. E, para maior garantia, em cada júri dos colégios participaria sempre um professor do ensino oficial, como delegado, de plena confiança, do Ministério da Educação Nacional. Já é tempo de se acabar com o monopólio oficial do diploma.
Como está, a orgânica dos exames não satisfaz pedagogicamente, nem quanto à equidade no julgamento, mesmo quando todos os exames fossem feitos nos liceus. Na verdade, em cada um destes organizam-se quatro, cinco ou seis júris, e, por mais atenção que se dê à sua organização, não é evitável uma frequente, notória e por vezes escandalosa diferença de critérios e de câmbio. Sucede até que os alunos fazem diligências e tentam manobras para se escaparem de um júri para outro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No aspecto jurídico, verifica-se uma discriminação inaceitável. Os alunos do ensino particular podem beneficiar de bolsas de estudo, mas isso não desonera suficientemente os pais. bem castigados com o peso de um ensino particular totalmente pago por eles e mais sujeito às contingências do exame, em casa que não é sua, mas estranha, e com professores que não são os seus e cuja maneira de interrogar ignoram, entrando assim em manobras sem a competente rodagem de adaptação às circunstâncias, pessoas e métodos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Para corrigir deficiências e melhor aproveitamento do capital humano, ao serviço da justiça, das pessoas, das famílias e da própria Nação, importa fazer rectificações de base e de orgânica e lançar mão de todos os recursos, pedagógicos e técnicos. Urge recorrer à chamada «orientação profissional», que terá em conta aptidões, inclinações, buscará a colaboração ordenada do médico, do psicólogo e do educador, e não perderá de vista as observações colhidas nas actividades ginásticas e lúdicas e sobretudo, o rendimento global do aluno. Esta orientação, se ficar só orientação e não se transformar em imposição, nem em decisão precipitada ou prematura, evitará muitas frustrações. Neste domínio, muito se espera do Instituto de Psicologia Aplicada da jovem Universidade Católica de Portugal, com que a Igreja acaba de enriquecer a Nação, pois será uma escola de preparação de pessoal habilitado para tarefas delicadas e de transcendente importância social. O ciclo unificado é um passo, positivo, no caminho a percorrer...
Sabe-se que o Ministério da Educação Nacional, sob o impulso dinâmico do Sr. Prof. Doutor Galvão Teles, se empenha, com denodo, em contemplar a Nação Portuguesa com um ensino renovado e actualizado. Mas todas as reformas resultarão inúteis se os homens se não reformam. Refiro-me especialmente aos educadores. A orientação profissional não é menos necessária para a selecção de professores que para a descoberta das aptidões dos alunos. Pois, se ninguém acreditará muito em pedagogos natos, todos admitimos que haja natos não pedagogos...
Página 2383
7 DE FEVEREIRO DE 1968 2383
Acima de tudo, uma pedagogia convergente e valorizadora dos indivíduos e da Nação. O Estado não pode pagar a quem não sirva lealmente a sua pátria ou não respeite a consciência das famílias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na fidelidade aos valores humanos e nacionais, todos nós podemos dar as mãos para servir a maravilhosa juventude de Portugal, uma das mais sãs do planeta, e construir com ela um futuro digno do nosso passado e dos seus sacrifícios no presente. Ninguém melhor que ela saberá estar vigilante, para que se não frustrem tantas e tão fundadas esperanças. Ainda há dias. em Lisboa-Espaço, ela, a juventude, preconizava um ensino virado para a utilidade social e para o futuro, com programas de qualidade e não de quantidade. E conjugava ali os verbos escolher, suprimir, limpar e integrar, para, estruturar um ensino actualizado, que habilite os homens a aprender ao longo da vida e não pretenda fabricar sábios completos e definitivos, de empreitada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Só as palavras são minhas, as sugestões são da juventude, e eu estou de acordo com elas. Numa palavra, um ensino válido para a vida, a partir dela, para ela, que arme e não desarme os espíritos, tornando-os capazes de aprender e de filtrar a verdade, mais seguros em discernir, mais corajosos para realizar, menos copiógrafos e repetidores e mais investigadores. A juventude sabe o caminho, aponta-o e confia-nos responsáveis pelas decisões a tomar. E o País precisa desse ensino novo, que forme homens novos, aptos a participar na construção do mundo novo, a cumprir os seus deveres e a exercer os seus direitos, a obedecer e a mandar, servindo e realizando-se no plano da história e na perspectiva da transcendência, que é sua vocação. Tais homens não se fabricam dentro de moldes, em série, só com a didáctica e a técnica, a margem do esforço pessoal e da ética. Mas não se espere que a cadeira da Moral faça milagres. Corrijam-se as deficiências do seu condicionalismo, aperfeiçoem-se os métodos, seleccionem-se e valorizem-se os professores cada vez mais. Porém, a sua eficiência poderá ainda ser insuficiente, reduzida e até anulada, .se não houver a indispensável convergência, ao menos negativa, entre a Moral e as outras cadeiras, entre todos os professores e entre professores e alunos, como entre as escolas e as famílias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto aos alunos, como Roberto de Sorbon, capelão de S. Luís e fundador da Sorbona, aos estudantes do seu famoso colégio, receito: trabalho, emprego ordenado do tempo, atenção concentrada, tomar notas, discutir com os colegas as lições ouvidas e oração... espiritualidade, inseparável de autêntico humanismo, fonte de dignidade e condição de liberdade.
Urge tomar medidas... Quando a história andava de liteira, tínhamos reformas do ensino umas em cima das outras. Agora, que ela anda de jacto, fazem-se longas... demasiado longas experiências... Já se perdeu muito e precioso tempo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Cruz: - Sr. Presidente: A não haver outras razões que bem justificassem o aviso prévio do ilustre Deputado Dr. Martinho Vaz Pires sobre o ensino liceal, bastaria referir, em ordem a avaliar da sua oportunidade, o interesse que ele despertou da parte dos educadores, dos pais e de todos os que sinceramente se debruçam sobre os problemas da instrução e da formação da juventude. Tanto corresponderá a dizer que se deseja algo de novo, ambicionando-se, compreensivelmente, que sejam postos em equação problemas que não são apenas dos nossos dias, porque exigem soluções apontadas para o futuro.
Pretende-se que as mesmas e necessárias soluções venham a inserir-se no contexto de uma reforma que se exprima em termos adequados às exigências do nosso tempo - e logo, por isso mesmo, uma reforma em extensão e em profundidade. Será de perguntar: como empreendê-la e como executá-la?
E à escala portuguesa que essa reforma tem de ser encarada. E não apenas sujeita à contingência das possibilidades de ordem económica, se a queremos aferida por essa escala. Mas sujeita, isso sim, às exigências de uma formação tendente a impor o homem português, destacado pelo seu saber e também, ou sobretudo, pelo seu carácter.
O saber e a experiência de ilustres colegas nossos trouxeram já ao debate opinião válida, em todo o pormenor que toca de perto com a reforma de programas de ensino e a preparação de professores. Sublinhou-se, e bem, que esses programas, do ponto de vista científico, nem sempre correspondem às necessidades imediatas e às realidades do nosso tempo. Como não satisfazem, acrescentemos nós, às exigências da doutrina que informa toda a vida nacional e dos altos ideais que dela promanam, pelo que diz respeito à preparação dos nossos jovens. Adivinho uma pergunta:
E será esse um problema a inserir-se apenas no contexto do ensino liceal?
Na realidade, não se trata de problema exclusivo do ensino liceal, porque o é também do ensino técnico ou, até, do universitário, posto que a revestir-se aí de outros aspectos. Porém, o que hoje se debate é tudo quanto diz respeito ao ensino liceal, pelo que seria descabido trazer agora para aqui uma reflexão sobre matéria estranha. Tanto me dispensa, por isso, de considerações que desejaria fazer, limitando-me o campo de apreciação.
Com objectividade e clareza, o Dr. Martinho Vaz Pires focou no pormenor tudo o que importa fazer para atingir a desejada actualização do ensino liceal. Nem um só aspecto escapou à sua observação, desde a necessidade de reformar os programas adoptados até a preparação do corpo docente dos liceus. O pedagogo deixou o testemunho de uma experiência, o pai não calou os seus anseios, o homem atento às realidades não escondeu os receios que devem afligir-nos a todos.
Quem viva na cómoda posição do alheamento ou da ignorância, em relação aos mesmos anseios, às mesmas realidades e aos mesmos receios, poderá ter sido colhido de surpresa, quando soube da dificuldade que há de recrutar professores, devidamente preparados, para o ensino médio e quando soube também que os programas do mesmo ensino não estão adaptados às exigências do nosso tempo e não são adequados às possibilidades dos alunos a quem se destinam. Mas não foi colhido de surpresa quem vive, dia a dia para as tarefas da docência ou se mantém atento a tudo quanto interessa ao verdadeiro desenvolvimento da vida portuguesa e à defesa do património moral da Nação.
Página 2384
2384 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131
Pelo que diz respeito ao recrutamento de professores, queremos trazer a este debate uma observação, que pode apresentar-se como depoimento de quem procura aprender na escola da experiência. E só por esse facto um depoimento que pode interessar à discussão do problema em causa, pois que m(c) falha qualquer outra qualidade para o fazer.
Ninguém ignora que suo as Faculdades de Letras e de Ciências, dentro das nossas Universidades, aquelas que preparam o maior número de professores do ensino secundário liceal e técnico. Nem uma riem outra dessas Faculdades tom por missão exclusiva a referida preparação, uma vez que também habilitam para o exercício de outras funções estranhas à docência. Todavia, o maior número dos seus alunos é formado, sem dúvida, por aqueles que aspiram u seguir a carreira do magistério.
Para saber do cuidado posto na preparação dos futuros professores, bastará examinar os mapas estatísticos e colher aí a lição do confronto do número de diplomados com o daqueles que se inscreveram no primeiro ano do respectivo curso. Saber-se-á, então, das exigências e ainda da rigorosa selecção a que se procede, em ordem a só conceder o grau de licenciado ao aluno que dê provas suficientes da sua capacidade.
Impõe-se lembrar, pelo que diz respeito, de modo especial, às Faculdades de Letras, que raro é o caso de um dos seus alunos se sujeitar ao exame de licenciatura logo que finda o 5.º ano do seu curso. Obrigado a preparar uma dissertação para o mesmo exame, tanto o obriga a prolongar o curso, pelo menos, durante um ano. E ninguém deixará de reconhecer que ganhou, assim, em conhecimento - e logo em preparação.
Quando licenciado, o antigo aluno das Faculdades de Ciências e Letras está senhor da cultura geral e de especialidade que é necessária para o bom desempenho da função docente. Ministrou-lha a Universidade - e por ela se declarou responsável, ao conferir-lhe um grau. Para quê. então, outro exame, quando o diplomado quer ingressar no estágio que o habilite à docência?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para quê, se tal exame não visa outro fim que não seja averiguar dos conhecimentos do candidato?
Facultou-lhe a Universidade o conhecimento bastante, encaminhando-o para a tarefa da investigação ou da reflexão sobre um dado tema e ensinando-lhe, assim, a estudar com proveito. Variando o programa da cadeira a seu cargo, o mestre universitário adapta-se às realidades do nosso tempo e demonstra aos alunos que devem permanecer estudantes ao longo de toda a sua carreira e para além da formatura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A cultura geral e de especialidade adquire-a, assim, o candidato ao magistério do ensino liceal na Faculdade que frequenta. Quando esta lhe confere o grau de licenciado - e amanhã, como se projecta, o de bacharel -, implicitamente lhe reconhece capacidade bastante para o exercício da função de professor. Complementarmente, virá a carecer o mesmo candidato de preparação e prática pedagógica: mas não deve depender a sua obtenção de qualquer prova preliminar que visa apenas saher da sua cultura geral c da especialidade. Exigi-la será sempre o mesmo que pôr em dúvida o próprio magistério superior, na sua finalidade e na capacidade daqueles que o exercem. Exigi-la corresponderá, assim, a negar, de alguma maneira, a missão da Universidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As portas do estágio devem ser franqueadas a todos os licenciados que se mostrem inclinados à docência no ensino médio. Bem poucos serão eles, por muitas e variadas razões já enumeradas nesta tribuna. Por isso mesmo é que importa facilitar, em vez de dificultar, atraindo e não afastando.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, se nem assim, a curto prazo, é possível preencher as vagas dos quadros actuais - que estão, aliás, também desactualizados, porque são muito inferiores às necessidades decorrentes do progressivo aumento do número de alunos - , então o que se impõe é a concretização imediata do que foi anunciado, em tempo, pelo ilustre titular da pasta da Educação Nacional, criando-se para a carreira do magistério um terceiro grau universitário, a servir de coroamento a um curso que, embora reduzido, por hipótese, a três anos, habilite de modo suficiente os futuros professores do 1.º e 2.º. ciclos do ensino médio. O anunciado curso de formação e actualização destinado a futuros professores do ciclo preparatório e integrado na telescola, que vai funcionar a partir do próximo mês, como que deixa prever que não vai demorar a criação desse pretendido terceiro grau, uma vez que admite, como condições mínimas de preferência, a aprovação das cadeiras do 3.º ano do plano de estudos das Faculdades de Letras e Ciências. Façamos votos por que venha depressa a concretizar-se o que, ontem anunciado, agora começa a definir-se como projecto.
Ser-me-ia grato aditar uma palavra de apoio a quantas o autor do aviso prévio consagrou às condições materiais a que andam sujeitos os professores do ensino liceal. Ninguém pode negar fundamento sério às considerações feitas pelo Dr. Martinho Vaz Pires. Ninguém deixará de reconhecer que os vencimentos desses professores, não sendo suficientes, também não são atractivo para os novos, concorrendo assim para afastá-los da carreira docente. Mas a palavra de apoio que desejaria apresentar, essa vai endossada, não ao caso particular, mas sim ao geral.
Com efeito, desde o professor do ensino primário ao da Universidade, nem um só aufere, pelo exercício do seu magistério, rendimento bastante para enfrentar as exigências do custo de vida e manter uma sólida base material para a sua posição social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O problema, generalizando-se, abrange sectores diversos, e não apenas o dos professores do ensino liceal. Confiadamente, aguardemos a reforma, em estudo, dos vencimentos de todo o funcionalismo, para que seja feita inteira justiça aos professores portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Repetindo hoje palavras nossas dedicadas à apreciação do III Plano de Fomento, diremos agora, para atender à especialidade do aviso prévio, que a preparação dos quadros docentes do ensino secundário tem de ser distinguida com a prioridade, em relação a outras tarefas pertinentes ao novo surto de renovação. Se tem
Página 2385
7 DE FEVEREIRO DE 1968 2385
de ser preocupação dominante a atracção de elementos válidos para o exercício do magistério, em ordem a afastar toda a medida de emergência que obriga ao recrutamento de pessoas não preparadas para tal, também é verdade que não deve constituir preocupação menor a remuneração suficiente de todos os professores logo a partir do início da sua preparação pedagógica e sem haver nesse curto período qualquer diferenciação entre os candidatos do sexo masculino e os do feminino.
O Sr. Vaz Pires: - É claro!
O Orador: - Será também estímulo para os mais dotados a possibilidade de acesso aos quadros docentes do ensino superior. Lembramos, a propósito, que muitos dos professores das Faculdades de Letras e Ciências, honrando-as hoje com a sua docência, iniciaram a sua carreira no ensino médio. Todavia, quando chamados a essa docência, foram compelidos a renunciar de vez à posição que ocupavam nos quadros do ensino médio e a perder, assim, determinadas regalias que lhe eram inerentes, avultando, entre elas, a contagem de anos de serviço para efeito da concessão de diuturnidades.
Também aqui se carece de legislação adequada e que logo facilite a chamada, para a docência universitária, daqueles professores do ensino médio que se revelam dotados das qualidades suficientes para tal docência. Nem se trata de inovação, uma vez que em todo o tempo assim se procedeu. Mas requer-se, isso sim, que também neste particular surja a determinação legal que seja estímulo.
Por axiomático, nem é preciso dizer que não há escola onde faltar o professor, que não há ensino onde faltar a escola. Daí um outro problema que se insere no contexto do ensino liceal, qual seja o da multiplicação e distribuição de novos estabelecimentos destinados a esse ensino.
Não colhe unânime e favorável opinião, da parte dos responsáveis, tudo quanto venha a concorrer para o aumento de frequência dos liceus existentes, com todas as dificuldades de direcção e assistência pedagógica inerentes ao facto. Pelo contrario, o que parece mais aconselhável - e também a experiência assim o demonstra - é a criação de novos liceus ou de secções independentes dos que já existem, distribuídos pelas localidades de grande densidade populacional e que estão situados no centro de zonas ou regiões também caracterizadas pela mesma densidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estou a lembrar-me, a propósito, do que acontece em relação à vila de Santo Tirso, centro natural de uma região que conta mais de 130 000 habitantes, devendo atingir um número superior, e muito, a 140 000 em 1970. Com efeito, a progressão demográfica nesse concelho, bem como no vizinho de Paços de Ferreira, que lhe anda aliançado nas aspirações de ordem cultural, ultrapassa em muito a dos restantes concelhos do distrito do Porto e outros que lhe são vizinhos, para o que concorre, decisivamente, o seu desenvolvimento industrial.
Como já deduziu; em tempo, o Eng.º Mário de Azevedo, que é um dos mais salientes valores das novas gerações de tirsenses, quem recorrer aos dados relativos à distribuição de actividades no concelho de Santo Tirso, que podem ser extraídos do último censo da população, encontra aí algumas indicações do maior interesse e relativas à estrutura social do concelho. O exame final permite concluir que a percentagem de activos na agricultura ou actividades afins é de 25 por cento do total dos activos com profissão, percentagem essa em muito inferior à de todos os demais concelhos do distrito do Porto, com excepção da cidade e daqueles que lhe são limítrofes. E inferior, outrossim, aos concelhos do distrito vizinho. Concluir-se-á, do facto apurado, quer o grau de evolução social do concelho de Santo Tirso, quer o seu carácter urbano.
Superior à de todos os concelhos vizinhos, e muito superior, é a percentagem, dos activos ao serviço colectivo e da Administração. Essa percentagem bem denota a existência, em Santo Tirso, de camadas populacionais que impõem o concelho como centro bem caracterizado de interesses intelectuais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aguarda Santo Tirso que seja restaurado, com o 1.º e 2.º ciclos, o liceu que já ali funcionou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E assim o representou, por mais de uma vez, ao Ministério da Educação Nacional, documentando a sua pretensão com documentos bem elucidativos, a Câmara Municipal daquele concelho, a que dignamente preside o Dr. Délio Santarém, sempre acompanhada, nas suas diligências, pelas mais representativas individualidades locais. Assim o deseja a população tirsense, bem como a de Paços de Ferreira. Assim o esperam, confiadamente.
O Sr. Elísio Pimenta: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Elísio Pimenta: - Creio poder dizer que nessa justa e indispensável reivindicação do Liceu de Santo Tirso, que V. Ex.ª acaba brilhantemente de fazer, tem a solidariedade unânime de todos os Deputados pelo Porto.
O Orador: - Muito obrigado.
Por que não instalar em Santo Tirso, ao menos, uma secção do Liceu de Alexandre Herculano? Por que não servir, assim, os interesses de uma região, facilitando o acesso ao ensino liceal de milhares de crianças que vivem ai?
No seu alto critério, assim o esperamos, o Sr. Ministro da Educação Nacional não deixará de ponderar tudo quanto foi deposto, oportunamente, nas suas mãos e em ordem a obter a restauração, com o 1.º e o 2.º ciclos, do Liceu de Santo Tirso. Com espírito de justiça, assim o esperamos, o Prof. Doutor Galvão Teles há-de reconhecer que assiste inteira razão aos naturais daquele concelho e do vizinho concelho de Paços de Ferreira. E não deixará, por isso, de decidir pelo melhor - a bem do próprio ensino.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Página 2386
2386 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Hirondino da Paixão Fernandes.
João Duarte de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Gonçalves de Araújo Novo.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Sebastião Alves.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
André da Silva Campos Neves.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando de Matos.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Bull.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Tito Lívio Marra Feijóo.
O REDACTOR - Januário Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA