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I Série-Número
Quinta-feira, 16 de Junho do 1983
DIÁRIO da Assembleia da República
III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATURA (1983-1984)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE JUNHO DE 1983
Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais
Secretários: Exmos. Srs.
Leonel Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia.- Em declaração política, o Sr. Deputado Raul de Castro (MDP/CDE) criticou a solução governativa encontrada em resultado das eleições do dia 25 de Abril.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Furtado Fernandes (ASDI) teceu considerações acerca da viabilidade ou não viabilidade de um contrato social no nosso país.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Fernando Condesso (PSD) referiu as condições em que a seu partido decidiu formar um governo de coligação com o PS. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Basílio Horta (CDS).
O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa (PCP) abordou a situação dramática dos trabalhadores que têm os seus salários em atraso e as suas causas.
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas (PCP) interpelou a Mesa, no sentido de esta propor à Assembleia um minuto de silêncio em memória de 3 jovens militantes do ANC (Congresso Nacional Africano), que foram executados na África do Sul.
Ordem do dia. - Após ter sido lido, foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados do PSD, PCP, CDS e MDP/CDE.
Apresentada pelo Partido Socialista, foi depois aprovada uma proposta que prorroga os trabalhos parlamentares até 30 de junho. Intervieram a este propósito, e a diverso titulo, os Srs. Deputados Carlos Laje (PS), Fernando Condesso (PSD), Carlos Brito (PCP), Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Gomes de Pinho (CDS) e Lopes Cardoso (UEDS).
Procedeu-se à votação dos representantes da Assembleia da República no Conselho de Estado, tendo sido eleitos 2 membros pelo PS, l pelo PSD, l pelo PCP e l pelo CDS. O Sr. Deputado Lucas Pires (CDS) congratulou-se, no final, pela eleição do representante do seu partido.
Foi discutido e rejeitado o recurso interposto pelo CDS, sobre a admissibilidade da Mesa do Projecto de Lei n.º 7/III, apresentado pelo PCP, sobre a interrupção voluntária da gravidez. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Tomás Espírito Santo (CDS), José Magalhães (PCP), Basílio Horta (CDS), Vítor Crespo (PSD), José Luís Nunes (PS), Raul de Castro (MDP/CDE), Nogueira de Brito (CDS) e Vilhena de Carvalho (ASDI).
Finalmente o Sr. Presidente, após anunciar a entrada na Mesa de diversos pedidos de ratificação e projectos de lei, encerrou a sessão eram 20 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Aleixo Curto.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Almeirindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António da Costa. António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge D. Rebelo de Sousa.
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António Manuel C. de Azevedo Gomes.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino F. Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto R. Santana Maia.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Luís Filipe Luís Gradas.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Emanuel Vasconcelos Jardim Fernandes,
Eurico Faustino Correia.
Eurico José P. Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Manuel dos Santos Gomes.
Francisco Augusto Sá M. Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo M. Curto.
Francisco Soares Mesquita Machado.
Frederico Augusto F. Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo C. Ferraz de Abreu.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Manuel Guimarães Quinta.
José de Almeida Valente.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Joaquim Pita Guerreiro.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José Narciso Rodrigues Miranda.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel Sousa Fadigas.
Luís Abílio da Conceição Cacifo.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Filipe Pessoa S. Loureiro.
Manuel Joaquim Rodrigues Masseno.
Manuel Laranjeira Vaz.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Sousa Ramos.
Maria de Jesus Barroso Soares.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Maria Helena Valente Rosa.
Mário Augusto Sotto Mayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Raposo das Neves.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso Sousa Freire Moura Guedes.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. C. Domingues Basto Oliveira,
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Coutinho Monteiro Freitas.
António Augusto Lacerda Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Barata Portugal.
António Maria de Orneias Ourique Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Cecília Pita Catarino.
César Augusto Vila Franca.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João M. Ferreira Teixeira.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
Jorge Nélio P. Ferraz Mendonça.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
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36 DE JUNHO DE 1983
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Ferreira.
Maria Leonor Beleza Mendonça Tavares.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo.
Mário Montalvão Machado.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Raul Gomes dos Santos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Victor Pereira Crespo.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António Manuel dos Santos Murteira.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jaime dos Santos Serra.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Alberto Ribeiro Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Batista Mestre Soeiro.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Margarida do C. Campos Costa.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete de Jesus Filipe.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Valdemar Rodrigues Henriques.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Alfredo Albano de Castro de A. Soares.
António da Gama Lobo Xavier.
António Gomes de Pinho.
António J. de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima R. de Almeida.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Henrique Paulo das Neves Soudo.
Hernâni Torres Moutinho.
João António de Morais Silva Leitão.
João Carlos Dias M. C. de Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
Manuel Augusto Lopes de Lemos.
Joaquim Rocha dos Santos.
José António de Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama.
José Girão Pereira.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida A. Vasconcelos.
Narana Sinai Coissoró.
Nuno Kruz Abecasis.
Tomás Rebelo Espírito Santo.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
José António Furtado Fernandes.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de acordo com o que na sessão de ontem ficou resolvido, foram introduzidas algumas alterações à ordem de trabalhos do dia de hoje, conforme ficou determinado na reunião dos líderes parlamentares.
Haverá, assim, um período de antes da ordem do dia, seguindo-se a primeira parte da ordem do dia, que será destinada à apreciação do prolongamento da sessão legislativa, à eleição dos representantes da
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Assembleia da República no Conselho de Estado, à apreciação do recurso apresentado pelo CDS sobre a admissão pela Mesa do Projecto de Lei n.º 7/III, acerca da interrupção voluntária da gravidez, e, por fim, terá lugar a apresentação do relatório da delegação portuguesa à reunião da União Interparlamentar. Da segunda parte da ordem do dia consta a discussão das alterações à Lei Orgânica da Assembleia da República.
Vamos, assim, iniciar os nossos trabalhos pelo período de antes da ordem do dia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tem a palavra, para produzir uma declaração política, o Sr. Deputado Raul de Castro do MDP/CDE.
O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num desdobrável, largamente distribuído pelo Partido Socialista na recente campanha para as eleições de 25 de Abril último, com o título «A verdade sobre a crise», afirmava-se que «Em 3 anos - 1980, 1981 e 1982 - os partidos da AD (PSD e CDS) fizeram duplicar os preços.» E acrescentava o PS:
Os partidos da AD - o PSD e o CDS - deixam um Portugal arruinado ao fim de 3 anos. Os partidos que desgovernaram o País não merecem a confiança dos portugueses.
O crédito destas afirmações veio a traduzir-se nos resultados eleitorais conhecidos, que retiraram aos partidos da AD - PSD e CDS - a maioria que possuíam nesta Assembleia, criando uma nova maioria, formada pelos partidos que estiveram em oposição aos partidos da AD. Em especial, a grande deslocação de votos a favor do PS tem um sentido, que ninguém decerto põe em causa, de desejo de mudança para a saída da crise, sentido este nascido da adesão às afirmações do PS quanto à responsabilização dos partidos da AD, PSD e CDS, por uma política que arruinou o País.
Aqueles que assim se identificaram com tal responsabilização viram, com justificado espanto, o PS formar Governo com o PSD, um dos partidos, e até o mais influente e responsável, que «desgovernaram o País e não merecem a confiança dos portugueses», como, pública e expressamente, denunciara o Partido Socialista. Se a esta primeira, mas profunda desilusão, se juntar o excessivo arrastamento e o isolamento das negociações para a formação do Governo PS/PSD e o conteúdo quer dos termos do acordo PS/PSD quer do discurso de posse do Primeiro-Ministro, Dr. Mário Soares, poderemos concluir que uma dinâmica da vitória popular e democrática se foi transformando numa situação de descrença, nascida do apagamento de um horizonte de mudança, substituído por uma política em grande parte orientada pelo principal responsável da AD.
Assim se frustraram os sentimentos de todos os portugueses que votaram por uma política democrática alternativa. Foi o próprio Dr. Pinto Balsemão quem afirmou que este Governo continuaria a política do anterior.
É, contudo, evidente que não há nenhum fatalismo que a tal obrigue. E mais até: não só é possível outra política, como ela é até imposta pelo próprio respeito
do quadro económico e social que caracteriza o actual regime constitucional e pelos interesses do povo português.
Contra uma estratégia restauracionista que visa a desintegração do sector empresarial do Estado para a subordinação da economia aos interesses dos grandes grupos económicos, nacionais e internacionais, é possível e necessário centrar a dinâmica económica no sector empresarial do Estado, no seu envolvimento com outros sectores da propriedade social e na sua articulação com o sector da iniciativa privada. Daí que o nosso povo não possa entender que se enfraqueçam alguns dos mais rentáveis sectores nacionalizados, abrindo-os à iniciativa privada, e ainda por cima desviando a favor de alguns lucros que constituam receitas de todos, porque são património do Estado.
Por outro lado, a política dos partidos da AD evidenciou que nem o agravamento do endividamento externo serviu para dinamizar o crescimento económico nem a deterioração geral das condições de vida teve contrapartida na redução da dependência da nossa economia. Também aqui o nosso povo não compreende que se insista em manipulações financeiras, através das quais cada português já deve hoje ao estrangeiro mais de 100 contos, e, ao mesmo tempo, prossiga o galopante aumento do custo de vida.
A opção fundamental é abandonar uma política monetarista e criar condições para aumentar a produção nacional, promovendo uma política de rendimentos e preços que concorra para o não agravamento do poder de compra das camadas economicamente mais débeis da população e restabeleça o aumento gradual do peso dos rendimentos do trabalho do rendimento nacional.
É, contudo, indispensável ter em conta que «nenhuma recuperação é possível se não contar com o empenhamento da população laboriosa», como se salientou na Declaração Final do Encontro Nacional do MDP/CDE, em Janeiro deste ano. Por isso, o nosso povo não compreenderá que através da limitação dos direitos dos trabalhadores se transforme em hostilidade o que devia ser a participação activa da população laboriosa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O recente discurso do Primeiro-Ministro, no acto de posse do Governo PS/PSD, agrava as preocupações quanto à política que vai ser posta em prática, a julgar pela falta de abertura e pelo autoritarismo que o caracterizam e ainda pela sua previsível incapacidade de mobilizar energias nacionais, condição indispensável para vencer a crise e resolver os problemas nacionais.
Para quem, como nós, MDP/CDE, e no respeito do quadro constitucional, a acção dos cidadãos não se esgota no cumprimento do direito de voto, mas se exerce na intervenção constante no espaço social em que se insere. Para quem, como nós, MDP/CDE, são de condenar todas as limitações à liberdade, independentemente das formas que assumam. Para quem, como nós, MDP/CDE, são fundamentais os direitos dos trabalhadores, o discurso do Sr. Primeiro-Ministro constitui motivo de profunda preocupação, não nos fazendo partilhar do seu optimismo quando afirma que, sendo fundamental para um governo uma larga base social de apoio, «não falta essa base ao Governo ora investido». Na verdade, a enveredar-se pela política anunciada, não tardará a evidenciar-se a acele-
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rada diminuição da sua base social de apoio, com as consequências daí resultantes.
Possa, ao menos, o propósito anunciado de prestigiar esta Assembleia da República, embora não explicitado, traduzir-se, por parte dos partidos do Governo, na possibilidade dela poder desenvolver a sua acção legislativa, como órgão de soberania, sem a artificial limitação da sua actividade.
Pela nossa parte, e julgamos que se trata de uma disposição comum a todas as forças partidárias que se opuseram aos governos dos partidos da AD, não deixaremos de procurar contribuir, através da nossa acção parlamentar, para as iniciativas legislativas que, em tantas matérias, possam melhorar as difíceis condições de vida do povo português.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Furtado Fernandes da ASDI.
O Sr. Furtado Fernandes (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Podemos dizer que nunca como agora se falou tanto em Portugal sobre contrato social. É evidente que, sem cairmos na estultícia de pensarmos que estamos perante uma panaceia para todos os males, não podemos deixar de nos congratular com o desejo reiteradamente afirmado por várias forças políticas da promoção do diálogo social gerador de consensos que nos permitam definir estratégias de combate à crise que não comprometam, antes potenciem, a médio prazo, o desenvolvimento económico e social.
Efectivamente, o País não pode continuar a viver entre períodos alternados de aplicação das receitas do Fundo Monetário Internacional e de ostentação de um aparente desenvolvimento traduzível, afinal, em saldos negativos insustentáveis da nossa balança de pagamentos.
Os sacrifícios que a todos é necessário pedir têm de ter as suas contrapartidas aceites pelos seus destinatários como tais, de outra forma é impossível mobilizar os cidadãos e os grupos sociais na construção do futuro.
Pela nossa parte, e como se afirma nas linhas programáticas da ASDI, «empenhar-nos-emos no diálogo democrático sem exclusões nem maldições e na vivência real da solidariedade entre os portugueses, pondo de lado polémicas e querelas estéreis».
Afigura-se, pois, como necessário o contrato social, evidência que decorre desde logo do seguinte facto:
Tem-se vindo a degradar persistentemente o nível de vida dos portugueses, designadamente e dos trabalhadores, que têm assistido ao decréscimo dos seus salários reais sem compensação nos sectores do emprego, habitação, saúde e segurança social.
Como disse recentemente o Dr. Monteiro Fernandes:
A necessidade da negociação social deriva de 2 factores: a independência das diversas áreas críticas em que pode decompor-se a situação económica e social e a insuficiência dos meios de actuação unilateral do poder político perante esse conjunto de problemas.
Mas não basta constatar que é necessário negocias: um contrato social em Portugal, importa, e esta é & questão subsequente, averiguar se ele é possível. Se assim não for estar-se-ia a confundir um mero desejo de forças e personalidades sociais e políticas com a realidade. O que, evidentemente, constituiria um mau critério que o voluntarismo de uns quantos nunca lograria transformar em sucesso.
Colocado assim o problema em toda a sua generalidade, é nosso entendimento, contudo, que a resposta é extremamente difícil.
Efectivamente, não é viável para Portugal desde já qualquer tipo de contrato social. Cada sociedade tem os seus condicionalismos específicos, os conflitos têm a sua dinâmica própria e apresentam uma maior ou menor acentuação ideológica. Portugal não é reconhecidamente a Suécia, onde há muito se encontra institucionalizado o diálogo social ...
Estamos no poder, sem apego ao poder, mas para com a nossa participação, em convergência patriótica de vontades, no respeito pelos direitos da oposição, e em diálogo parlamentar permanente e aberto, quer com aqueles que nele declarem querer participar, quer mesmo com aqueles que, ainda não iniciada a governação, já protestam a mais decidida e firme oposição, dentro e fora da Assembleia.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!
O Orador: - [...] ajudarmos a resolver os grandes problemas nacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A III Legislatura começa.
O nosso Grupo Parlamentar foi parcialmente renovado. Norteou-nos o desejo de diversificar na formação e melhorar globalmente a sua composição. Um deputado é um representante do povo, ao qual, no respeito fundamental das propostas de soluções avançadas para as diferentes questões da vida colectiva, durante os períodos eleitorais, em sintonia com o sentido e os interesses do seu eleitorado e da comunidade em geral, e no conhecimento permanentemente procurado das necessidades dos diferentes estratos sociais e do país, cumpre legislar e levar o governo a actuar de molde a que, dentro dos meios económicos e humanos disponíveis em cada momento, se possa ir caminhando para a melhoria do nível de vida dos cidadãos em geral.
Em nome do meu Grupo Parlamentar, cumprimento os novos mandatários do povo português, presentes nesta casa, fazendo votos para todos que saibamos sempre ser os reais intérpretes dos seus verdadeiros anseios.
Se assim, acontecer, o nosso trabalho terá valido a pena.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS):.- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer 3 perguntas muito simples ao Sr. Deputado Fernando Condesso.
Em primeiro lugar, saber se o Partido Social-Democrata considera, em termos de projecto nacional de Governo, idêntica a coligação que fez com o CDS em termos de Aliança Democrática, com aquela que vai fazer com o Partido Socialista.
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Em segundo lugar, se o PSD se considera ou não totalmente responsável pelos governos da Aliança Democrática que até às últimas eleições governaram o País.
Em terceiro lugar, gostaria de saber, muito claramente, se o PSD está de corpo inteiro neste Governo ou se está com um pé dentro e outro pé de fora.
Vozes do CDS : - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do teor daquilo que eu disse, resulta que, hoje como antes, nos apresentamos aqui em coligação. Antes fizemos uma coligação com ou outro parceiro - o CDS-, hoje fazemos uma coligação com o PS. Os objectivos que nos norteiam - e é isso que resulta da minha intervenção - são os de procurar a solução dos grandes problemas nacionais. Antes com quem tivemos uma maioria, hoje com quem podemos ter uma maioria.
A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quanto à pergunta se o PSD é ou não totalmente responsável pelos governos da AD que governaram o País até esta altura, devo dizer que o PSD é responsável na medida em que neles participou.
Quanto à pergunta se o PSD está por inteiro no Governo que agora faz coligação com o PS, devo dizer que o PSD está neste Governo de alma e de corpo para ajudar a resolver os grandes problemas nacionais, como afirmei na intervenção e na primeira parte da minha resposta.
Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Jerónimo de Sousa.
Entretanto tomou assento na bancada do Governo o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos).
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): -Sr. Presidente, queria perguntar à Mesa se posso ficar inscrito para a eventual sessão de amanhã, para fazer perguntas ao Sr. Deputado Furtado Fernandes. Se posso inscrever-me-ei, se não posso desisto do pedido de palavra.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode inscrever-se, mas a sessão de amanhã é ainda eventual, pelo que se não houver sessão não fará as perguntas. No entanto, se assim o entender, pode fazê-las agora.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Agora não, Sr. Presidente, para não perturbar o funcionamento do período de antes da ordem do dia, que sabemos extremamente complicado.
O Sr. Presidente: - Ficam então inscritos para a eventual sessão de amanhã, para formularem pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Furtado Fernandes, os Srs. Deputados Veiga de Oliveira, Manuel dos Santos, Manuel Lopes, Rocha de Almeida e Oliveira e Costa.
Tem agora a palavra, igualmente para uma declaração política, o Sr. Deputado Fernando Condesso do PSD.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A III Legislatura começa.
Num país em situação difícil, sem maiorias ou com maiorias, as legislaturas anteriores nunca viram chegar ao fim o período normal constitucionalizado para a sua vigência.
Em 1978 a inexistência de uma maioria coerentemente assumida deu origem a governos de iniciativa presidencial sem apoio político-partidário pré-negociado, contra o que se insurgiu o PSD, pedindo eleições antecipadas.
Em 1982 a crise de lideranças dos partidos da AD e as consequentes dificuldades aquando da constituição de um novo governo serviu ao PS para exigir o fim da legislatura.
PS e PSD são hoje, como antes, os 2 maiores partidos portugueses. Têm ambos hoje uma consciência profunda das dificuldades da governação e um sentido de Estado que a passagem pelo poder, embora em épocas diferentes, a ambos amadureceu. Iniciamos os trabalhos parlamentares em coligação.
Nenhum partido ganhou as eleições de 25 de Abriu passado, havendo que constatar que o PS, de há muito sem responsabilidades governativas, reforçou o seu apoio eleitoral, enquanto o PSD, apesar do desgaste natural que o exercício do poder, sobretudo em circunstâncias difíceis, deveria ter provocado, conseguiu uma dinâmica de adesão popular que todos reconhecerão assinalável.
Não tendo sido o partido mais votado e, portanto, a nós não sendo dirigível pelo Presidente da República o convite para formar governo, poderíamos ter-nos furtado a esta coligação. Mas qual o sentido da nossa recusa? Tendo sempre condenado os governos minoritários, com que dignidade poderíamos manter-nos, sem mais na oposição, sendo certo que, se não quiséssemos o Partido Socialista a governar com o Partido Comunista, estaríamos a pugnar por um governo minoritário, que o PS aliás não aceitaria @ conduziria rapidamente a novas e sucessivas eleições.
Será que um partido responsável, como o PSD, tendo presente os resultados eleitorais e a situação de grave crise financeira e económica, não deveria contribuir para a formação de uma maioria estável? Será que, em tal situação, fundamental não seria saber até onde poderíamos fazer vingar os nossos pontos de vista na defesa do interesse daqueles que em nós confiaram, dando-nos o voto?
Pensamos que sim, e, por isso, o actual Governo não é um Governo PS, nem um Governo do PS com apoio do PSD, mas um Governo PS/PSD, na medida em que, em face da proximidade programática e sobretudo porque ambos os partidos tiveram mais presente a situação do País do que as suas ideologias, o programa para que o protocolo de acordo aponta respeita os valores fundamentais de ambos os partidos e serve
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os interesses reais de todas as camadas da população portuguesa.
Pelas intervenções ontem aqui feitas pelos partidos da oposição, se vê que alguns prognosticam já o insucesso do Governo, que consideram criado num quadro adulterador do sentido da votação popular e enformado por um critério de bizarra selecção governativa.
Outros, desejando embora que a vida portuguesa entre numa fase de estabilidade, findo o período transitório, verificado com a entrada em vigor da Leu da Revisão Constitucional em que participaram, clamam ser necessário perspectivar já uma alternativa que dizem de mais liberdade.
Confiam aqueles nas dificuldades que atravessamos por razões internas e externas; preocupam-se estes com o papel que as direcções sindicais ou o Partido Comunista podem vir a desempenhar, coarctando a acção da governação.
Para aqueles, só a inclusão do PCP no Governo seria respeitador do voto popular, esquecendo-se que representam menos de um quinto da população portuguesa e que qualquer dos outros partidos parlamentares tinham como ponto de honra, no seu compromisso eleitoral, a não feitura de qualquer acordo político, com o PCP, tal como se esquecem de que algumas soluções menos acertadas, mesmo que existissem, na escolha dos dirigentes dos diferentes sectores da Administração, nada têm que ver com o acerto da solução governativa, em termos de coligação ou de programa, pois em qualquer altura se pode legitimamente propor a efectivação de remodelações de elencos governativos.
Em relação aos que se preocupam com o papel das direcções sindicais, dizemos que esperamos que sindicatos e associações empresariais compreendam o interesse mútuo em se entenderem para a defesa dos interesses de cada um, que é de todos, sem necessidade de greves e lutas continuadas, de modo a evitar que as condições de vida dos portugueses não se degradem continuamente. Nisso apostamos, pois disso depende muito do nosso futuro colectivo. Os interessados, mais tarde ou mais cedo, compreenderão que temos razão. Confiamos que não será tarde demais. Contra as vozes do medo e da desgraça, vaticinadores do insucesso que gostariam de ajudar a provocar, mais uma vez, partido responsável, dizemos presente.
A questão que claramente se suscita é, pois, esta: será possível negociar-se com êxito no nosso país alguma variante de contrato social, atenta a circunstância de o sindicalismo reformista não ser, contrariamente ao que acontece noutros países, esmagadoramente preponderante e ter o Partido Comunista Português implantação em sectores do operariado de certas áreas geográficas? Tudo isto sem esquecer declarações já produzidas por algum patronato saudosista que certamente preferia ver resolvidas as matérias laborais por métodos reputados mais expeditos, leia-se autoritários.
Concretizada, assim, a nossa situação social e detectadas algumas resistências de tipo ideológico, é, no entanto, nossa convicção que será possível negociar entre nós, se prevalecer, como esperamos, um mínimo de sentido pragmático, uma modalidade dos chamados pactos de crise. À semelhança do que aconteceu noutros países, designadamente em Espanha, também nós consideramos possível, dada a gravidade da nossa situação, que os parceiros sociais estabeleçam entre si um entendimento que permita começar a inflectir a tendência generalizadamente negativa que têm vindo a registar os nossos indicadores económicos e sociais.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Perguntar-se-à, no entanto, se tais problemas não serão melhor resolvidos através dos instrumentos já implementados, designadamente pela contratação colectiva, recorrendo as associações sindicais, se for caso disso, a processos grevistas.
Sem descurarmos, naturalmente, o significado que o direito à greve sempre terá para a defesa dos interesses dos trabalhadores, a experiência demonstra que não resultam favoráveis para os trabalhadores muitos conflitos onde é assumida esta forma extrema de luta social. Efectivamente, segundo um estudo do Ministério do Trabalho sobre os conflitos laborais de 1979, de 301 greves consideradas terão tido um efeito totalmente favorável aos trabalhadores 14,6 %, totalmente desfavorável 54,8 % e parcialmente favorável 30,6 %.
Torna-se, pois, evidente que o excessivo recurso ao direito à greve não conduz bastas vezes à efectivação dos objectivos dos seus promotores, sendo certo que implica quase sempre prejuízos sensíveis para as empresas.
O poder político tem de dialogar e os parceiros sociais não podem enveredar por comportamentos maximalistas.
Demonstrado, assim, que o nosso modelo de relações laborais é insuficiente, afigura-se legítimo esperar que se estabeleça uma trégua social, que não poderá ser, como alguns por vezes argumentam, um cheque em branco passado ao Governo, mas, bem ao invés, uma forma de viabilizar a obtenção, designadamente pelas camadas sociais mais carenciadas, das contrapartidas que sistematicamente lhe têm vindo a ser negadas.
O País necessita, pois, de um contrato social, não estando naturalmente em causa, como por vezes é aduzido, a legitimidade que o voto popular dá aos governos, em democracia, para assumirem as suas responsabilidades. O que está em causa, como recentemente escreveu um gestor de pessoal, é que «a realidade laboral é sociologicamente diferente da realidade política, quer na composição dos universos em questão, quer mesmo na reacção individual».
Posto isto, diremos então ser o contrato social sede própria para se abordarem matérias tão importantes como a criação de postos de trabalho, a competitividade das empresas, a regulamentação das relações laborais, a política de rendimentos e preços, o horário de trabalho, as horas extraordinárias, o absentismo e a produtividade. Mas não deverá o elenco de matérias cingir-se apenas às supra referidas. A satisfação das próprias necessidades sociais básicas deverá figurar como um dos mais relevantes capítulos de uma negociação, em que o Governo terá de ser também parte interveniente, e não apenas espectador.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Necessário e possível, o contrato social será, pois, também inevitável, se as várias forças políticas e sociais compreenderem que qualquer estratégia consequente de combate à crise impõe um sentido efectivamente praticado de solidariedade nacional. Como todos sabemos, a ex-
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pressão organizada dos vários interesses políticos e sociais só é possível em democracia e é da sua defesa que agora se trata.
Aplausos da ASDI, do PS e do PSD.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado dia 8, foram poucos, mas houve aqui quem tentasse ironizar com a voz daquele trabalhador da CIFA que das galerias reclamava o seu salário em atraso e o direito à subsistência dos seus filhos. Outros, e foram muitos, que se sentiram incomodados porque uma delegação de trabalhadores, de forma pacífica, cansados de encontrar portas fechadas e ouvidos surdos aos seus apelos e à sua luta; tentaram sensibilizar e confrontar a nova Assembleia com a realidade dramática que hoje se vive em muitas empresas do nosso país.
Ao caso concreto dos 1700 trabalhadores da CIFA, há já 5 meses sem salário, poderia acrescentar-se uma tão longa lista de empresas que os 10 minutos desta intervenção não seriam suficientes para as citar.
Desde a Lisnave à ANOP, desde a Vidreira da Fontela à J. Pimenta, desde a Bertrand à Loiça de Sacavém, passando por dezenas de empresas têxteis, conserveiras, de calçado e metalúrgicas, etc., milhares de trabalhadores são privados dos seus salários e de outras remunerações. É indesmentível que algumas empresas enfrentam dificuldades reais no plano da concorrência, da carteira de encomendas, do acesso ao crédito, da concretização dos contratos de viabilização, sendo sujeitas, muitas vezes, à movimentação e ao cerco dos grandes grupos económicos. Directa ou indirectamente, o dedo ou, antes, a mão dos governos PSD/CDS estiveram sempre aliados às razoes dessas dificuldades.
Mas os processos fraudulentos começam a ser usados por parte do patronato, de uma forma tão sistemática que nos leva a perguntar como é possível tamanha impunidade. Desde empréstimos da banca mal aplicados ou desviados para fins ilícitos, desde a criação de empresas fantasmas ou concorrentes criadas pelas mesmas entidades, desde a demora propositada no pagamento dos salários para beneficiarem dos juros bancários, até ficarem com o dinheiro dos descontos dos trabalhadores que deviam ser enviados para a Previdência e para os sindicatos, tudo serve a algumas entidades patronais para continuarem a usufruir, à larga, dos seus privilégios.
Esta impunidade só foi possível porque a inspecção e a justiça do trabalho se mantiveram mudas e quedas, submetidas aos ditames dos governos PSD/CDS.
Como afirma o meu camarada Jorge Leite, em livro publicado, e cito, «do ponto de vista social salienta-se o carácter alimentar do salário. Este constitui o principal ou mesmo o exclusivo rendimento dos trabalhadores. Neste sentido, o salário, se é certo que não se confunde com o direito à vida, traduz-se, porém, numa das suas mais significativas expressões, podendo dizer-se que constitui uma necessidade vital do trabalhador e respectiva família».
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Os governos do PSD e do CDS tinham como conceito das obrigações do Estado a defesa de interesses do patronato. Por isso protegeram e incentivaram tão grandes ilegalidades. Caíram. Foram derrotados pela luta dos trabalhadores, pelo funcionamento das instituições democráticas e severamente julgados e condenados nas eleições de 25 de Abril. Mas em 3 anos de política antioperária e antipopular fizeram mal suficiente para que hoje se sinta os seus terríveis efeitos.
Não são só os milhares de trabalhadores com o salário em atraso. São as centenas de milhar de contratados a prazo que ultimamente têm sido despedidos às dezenas, talvez porque o patronato se sinta acicatado pela promessa de alteração à lei dos despedimentos.
Foi a criação do decreto-burla do tecto salarial dos 17 %, responsável pela agudização dos conflitos laborais, particularmente no sector dos transportes.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Foi o desmembramento e o estrangulamento a frio de muitas empresas do sector público nacionalizado e participado, com evidência para a CTM e para a ANOP.
Foi a proibição ilegal, durante 3 anos, da entrada em funções dos gestores eleitos pelos trabalhadores nas empresas do sector empresarial do Estado.
Foi a legislação a granel arbitrária, antilaboral e inconstitucional, donde se destaca o famigerado Decreto-Lei n.º 201/83, e o pacote para a função pública.
Foi a política de Java-mãos perante o lock-out da Beralt-Tin que nas Minas da Panasqueira mais uma vez desrespeita as leis da República Portuguesa.
Até ao último momento de vida, o ex-Governo PSD/CDS quis vincar a sua marca classista demonstrada no aumento de mais l % do desconto para o Fundo de Desemprego. Como é possível, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se possa justificar tal aumento ^e dos 30 milhões de contos de receitas entradas só foram aplicados cerca de 7 milhões?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O rol das arbitrariedades e ilegalidades do Governo PSD e CDS é grande, demasiado grande. É necessário e urgente corrigir e rectificar a política que foi seguida.
O primeiro sintoma de preocupação para os trabalhadores foi ver que o partido com responsabilidades maioritárias nesta política de desastre tenha sido «repescado» de novo para o Governo.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, o protocolo aprovado pelo PS e pelo PSD não só silencia a correcção dos aspectos mais gritantes e injustos existentes no mundo do trabalho como avança ideias perigosas de revisão da legislação laboral, tentadas, mas não conseguidas, pelos sucessivos governos do PSD e do CDS.
Um terceiro aspecto não menos importante é o facto de o bloco central ter impedido que esta Assembleia discutisse e revogasse de imediato (hoje mesmo) essa aberração jurídica que impõe o tecto salarial de 17 %
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Foram defraudadas as expectativas de mais de 1 milhão de trabalhadores portugueses, desde os metalúrgicos aos jornalistas, que, envolvidos na negociação de novas convenções colectivas, confiavam
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que esta nova Assembleia enterraria para sempre e antes das férias essa peça exemplar do consulado PSD/CDS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP no cumprimento do seu Programa, atento às profundas aspirações dos trabalhadores portugueses, não se limitará a denunciar aqui as situações existentes. De uma forma construtiva apresentou já na Mesa da Assembleia alguns projectos de lei que visam responder aos apelos e justas reclamações que vêm das fábricas e das empresas considerados como prioritários pelo seu poderoso movimento sindical unitário.
Estamos seguros e confiantes de que os trabalhadores, com a sua luta e com o seu empenhamento na solução dos grandes problemas nacionais, saberão vencer os obstáculos que se irão levantar à sua frente.
Lembrando um orador que aqui me antecedeu, direi que não será demais recordar uma lição da história recente dos últimos anos. No Portugal de Abril não se pode governar sem os trabalhadores e muito menos contra os trabalhadores. Os que negarem ou esquecerem as lições da história, lançando ao vento o chavão de um qualquer contrato ou pacto social para aumentar a exploração dos trabalhadores e fazê-los pagar todo o preço da crise, acabarão por fracassar, acabarão por cair, acabarão por ser derrotados.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Não havendo mais oradores inscritos ...
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: 3 jovens patriotas da ANC, na África do Sul, Marcus Motaung, Jerry Mosoloni e Sinon Mogoerane, respectivamente de 27, 25 e 23 anos, foram condenados à pena capital e executados por enforcamento. O governo racista de Pretória manteve-se surdo aos múltiplos apelos de clemência feitos pela comunidade internacional.
A Assembleia da República, como o Sr. Presidente sabe, tem condenado, em várias sessões, não só a pena de morte como o apartheid. Pensamos, por isso, que a Assembleia da República não pode deixar passar em claro este trágico acontecimento, a exemplo das tomadas de posição da ONU, da OUA, dos movimentos não alinhados e de outros Parlamentos...
Protestos do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Peço o silêncio da Câmara.
O Orador: - [...], nomeadamente do Parlamento francês que inclusivamente suspendeu a sessão como forma de protesto.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado deseja interpelar a Mesa?
O Orador: - Sugeríamos, por isso, ao Sr. Presidente que convidasse a Câmara a 1 minuto de silêncio, de protesto e pesar, para que a Assembleia da República, num acto simples mas significativo, registasse este trágico acontecimento.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pelas suas declarações, concluo que não se trata de uma interpelação à Mesa. Se deseja apresentar qualquer voto nesse sentido ou noutro qualquer está no seu direito e a Mesa recebê-lo-á e proporá à Assembleia a sua solução. O que não cabe é à Mesa decidir agora sobre o problema levantado.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Dá-me licença. Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faz favor.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): -Sr. Presidente,, a interpelação foi a figura regimental que usei para me dirigir à Mesa e a V. Ex.ª
Com certeza que estará de acordo em que a Assembleia da República tome uma posição perante este trágico acontecimento. Por isso mesmo não se trata de um voto apresentado pelo meu partido, porque penso que a condenação do apartheid e a da pena de morte ultrapassa o meu partido e certamente está de acordo com a posição de vários partidos nesta Câmara.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Nesse sentido, sugeri ao Sr. Presidente da Assembleia da República que tomasse a iniciativa de propor a esta Câmara 1 minuto de silêncio para que ficasse registado este trágico acontecimento.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já várias vezes esta Câmara se manifestou contra o apartheid e condenou actos da natureza a que se refere.
Concretamente, o Sr. Deputado apresenta um voto delegando na Mesa, digamos assim, a sua apresentação. Não creio que isso seja um processo normal de fazer esse protesto. Se o Sr. Deputado deseja apresentar um voto nesse sentido, é evidente que a Mesa o porá à discussão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminado o período de antes da ordem do dia, entramos no período da ordem do dia.
ORDEM DO DIA
O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao abrigo do Regimento, pedimos uma interrup-
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cão da sessão por 30 minutos, antes de iniciarmos a discussão do primeiro ponto da ordem do dia de hoje.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se não vê inconveniente, procedíamos primeiro à leitura e votação de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos e só depois, porque é regimental o pedido do Partido Socialista, se faria então a interrupção da sessão.
O Sr. Carlos Lage (PS) - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Dou então a palavra ao Sr. Secretário José Manuel Maia para proceder à leitura do relatório e parecer.
O Sr. Secretário (José Manuel Maia): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Em reunião realizada no dia 15 de Junho de 1983, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
1) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro (círculo eleitoral de Aveiro) por José Augusto Ferreira de Campos (esta substituição é pedida para o dia 15 de Junho corrente);
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho (círculo eleitoral de Lisboa) por Amadeu Vasconcelos Matias (esta substituição é pedida para o dia 15 de Junho corrente);
Pedro Augusto Cunha Pinto (círculo eleitoral de Lisboa) por Vasco Francisco Aguiar Miguel (esta substituição é pedida para o dia 15 de Junho corrente);
Agostinho Correia Branquinho (círculo eleitoral do Porto) por Joaquim dos Santos Pereira Costa (esta substituição é pedida para o dia 15 de Junho corrente);
Manuel da Costa Andrade (círculo eleitoral de Coimbra) por António Manuel Barata Portugal (esta substituição é pedida para o dia 15 de Junho corrente);
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas (círculo eleitorial de Aveiro) por António Coutinho Monteiro de Freitas (esta substituição é pedida para o dia 15 de Junho corrente);
2) Solicitadas pelo Partido Comunista Português:
António José da Silva Graça (círculo eleitoral de Lisboa) por José Manuel Santos de Magalhães (esta substituição é pedida por um período não superior a uma semana, a partir do passado dia 14 de Junho corrente, inclusive);
António Dias Lourenço da Silva (círculo eleitoral de Santarém) por Valdemar Rodrigues Henriques (esta substituição é pedida por um período não superior a 1 mês);
Raimundo do Céu Cabral (círculo eleitoral de Santarém) por João Alberto Ribeiro Rodrigues (esta substituição é pedida por um período não superior a 1 mês);
3) Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:
José Luís da Cruz Vilaça (círculo eleitoral de Coimbra) por António da Gama Lobo Xavier (esta substituição é pedida para o dia 15 de Junho corrente);
João Lopes Porto (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Augusto Lopes Lemos (esta substituição é pedida para o dia 15 de Junho corrente).
4) Solicitada pelo Movimento Democrático Português/CDE:
Raul Fernandes de Morais e Castro (círculo eleitoral do Porto) por Artur Augusto Sá da Costa (esta substituição é pedida por um período não superior a 20 dias, a partir do próximo dia 20 de Junho corrente).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos Partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: Carlos Cardoso Lage (PS) - José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - Luis Silvério Gonçalves Saias (PS) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - José Maria Lemos Damião (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP)-Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Francisco Manuel de Menezes Falcão (CDS) - Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente José Luís Nunes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há ninguém inscrito para discutir este relatório e parecer, vou pô-lo à votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Dado o pedido feito pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista de suspensão da sessão por 30 minutos, declaro-a suspensa.
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Eram 16 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Declaro reaberta a sessão, depois do pedido de interrupção apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Eram 17 horas.
O Sr. Presidente: - A primeira parte da ordem do dia é subordinada ao seguinte item: decisão sobre o prolongamento da sessão legislativa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar Socialista, tendo reflectido sobre a prorrogação da sessão legislativa, considerou que essa prorrogação deverá ter um carácter excepcional, na medida em que se insere num período de suspensão da Assembleia da República destinado a apreciar matérias inadiáveis e de grande importância.
Por isso, consideramos que, ao abrigo do artigo 177.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição, que dizem, respectivamente, que «a sessão legislativa tem a duração de 1 ano e inicia-se a 15 de Outubro» e «o período normal de funcionamento da Assembleia da República decorre de 15 de Outubro a 15 de Junho [...]», e atendendo ao n.º 3 do mesmo artigo da Constituição, que diz que, «fora do período indicado no número anterior, a Assembleia da República só pode funcionar por deliberação do Plenário, prorrogado o período normal de funcionamento [...]» - e nos estritos termos deste n.º 3 -, nós, Grupo Parlamentar Socialista, propomos que a Assembleia da República prorrogue os seus trabalhos por 15 dias, a partir de amanhã até ao dia 30 do mis corrente.
Não excluímos, no entanto, a hipótese de ser necessário prorrogar por mais alguns dias este período, mas essa avaliação será feita após se esgotarem esses 15 dias que constam da proposta que acabamos de formular oralmente e que entregaremos, por escrito, na Mesa da Assembleia da República.
Naturalmente que fará parte do conteúdo deste período de 15 dias a discussão e votação do Programa do Governo, que, como os Srs. Deputados sabem, se iniciará na próxima segunda-feira à tarde, visto que no domingo se esgota o período de 10 dias, após a nomeação do Primeiro-Ministro, para apresentação do Programa do Governo. Essa apresentação será feita na próxima segunda-feira por declaração política do Sr. Primeiro-Ministro e durante a semana a conferência dos líderes parlamentares, que poderá reunir antecipadamente, organizará os termos do debate do Programa do Governo e das votações das eventuais moções de rejeição e ou de confiança que possam surgir.
Temos, assim, a semana seguinte para nos dedicarmos a matérias importante que a Assembleia da República deva analisar, discutir e votar antes de concluir esse período e, como já disse, se for caso disso, pois não somos rígidos, o Partido Socialista, juntamente com o PSD -o seu parceiro na coligação e no Governo - está disposto a admitir um prolongamento por mais alguns dias.
É tudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados. A nossa proposta foi formulada oralmente, entregaremos de seguida na Mesa uma proposta por escrito, esperando
que os restantes grupos parlamentares se pronunciem sobre ela e a votemos a seguir.
O Sr. Presidente: - Neste momento ficam abertas as inscrições para quem quiser pronunciar-se sobre este assunto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de dizer que, pelas razões expendidas pelo Sr. Deputado Carlos Lage, nós apoiamos a proposta de prorrogação da sessão legislativa até ao fim do mês.
O Sr. Presidente: - Mais algum Sr. Deputado deseja inscrever-se?
Pausa.
Sr. Deputado Carlos Lage, quer ter a bondade de fazer chegar à Mesa uma proposta por escrito para ser votada?
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, a proposta está neste momento a ser dactilografada.
Portanto, se V. Ex.ª achar bem, votamos a proposta tal como eu a formulei, com o entendimento de que todos a compreenderam, ou então aguardam-se uns momentos até ela ser dactilografada.
O Sr. Presidente: - Achava melhor que se fizesse chegar à Mesa a proposta por escrito.
Portanto, suspende-se a sessão por 60 segundos (risos) para dar tempo a que a proposta chegue à Mesa por escrito.
Pausa.
Srs. Deputados, deu entrada na Mesa a proposta do Partido Socialista para a prorrogação da sessão legislativa. Esta proposta vem subordinada à epígrafe do requerimento. Simplesmente, os requerimentos são aquela forma de organizar os termos do debate e o artigo 177.º da Constituição fala claramente em proposta.
Nesse sentido, será classificada pela Mesa como proposta e tem o seguinte teor:
Proposta
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PS requer a prorrogação do período normal do funcionamento da Assembleia da República por 15 dias, até 30 de Junho.
Os Srs. Deputados dispensam a distribuição prévia de fotocópias?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Presidente, aqui, na nossa bancada, estamos com muita dificuldade em ouvir, porque ainda não temos o material indispensável
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para esse efeito. Por isso mesmo, agradecíamos que fosse distribuído o texto por escrito.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado Carlos Brito, vou de imediato providenciar para serem distribuídas fotocópias.
De qualquer forma, a Mesa terá muito gosto em ler novamente a proposta, que é do seguinte teor:
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PS requer a prorrogação do período normal do funcionamento da Assembleia da República por 15 dias, até 30 de Junho.
Pausa.
Srs. Deputados, creio que já todos os grupos parlamentares receberam fotocópia da proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Assim, pergunto se algum Sr. Deputado se quer inscrever para a discutir.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP não se opõe ao prolongamento dos trabalhos da Assembleia da República. Em sucessivas tomadas de posição, incluindo já no Plenário da Assembleia da República, temo-nos manifestado firmemente a favor do prolongamento dos trabalhos da Assembleia da República, por entendermos que as próprias eleições e o debate que teve lugar durante a campanha eleitoral criaram no País a justa expectativa de ver a Assembleia com esta nova composição - e que é uma composição de mudança - dar resposta aos problemas que foram agitados e debatidos durante a campanha eleitoral, de ver a Assembleia da República deitar mãos aos graves problemas com que o nosso país e o nosso povo se defrontam. Por isso, não estamos contra o prolongamento da sessão legislativa, pois fomos os primeiros a defendê-lo. No entanto, entendemos que este prolongamento que é proposto é manifestamente insuficiente.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Esta será, de qualquer maneira, a mais pequena das sessões legislativas da Assembleia da República, uma vez que ela foi dissolvida e tivemos pelo meio o largo período da campanha eleitoral e os atrasos na entrada em funcionamento da Assembleia da República.
Por isso mesmo, este período de 15 dias de prolongamento proposto pelo Partido Socialista parece-nos insuficiente para que a Assembleia possa, de alguma maneira, corresponder a essa expectativa, às necessidades do País e aos problemas que o nosso povo defronta.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A proposta apresentada pelo Partido Socialista até nos parece que pode abrigar o plano para o qual temos vindo a chamar a atenção dos Srs. Deputados, a atenção da opinião pública, a atenção do País, isto é, aquilo que será a intenção do Governo de, uma vez obtida a investidura parlamentar e uma vez conseguidas algumas autorizações legislativas, encerrar as portas da Assembleia para, no segredo dos gabinetes, longe das vistas da oposição, longe da intervenção da opinião pública, poder legislar a seu belo prazer.
Isto para nós é surpreendente: um Governo que se arroga a maior maioria parlamentar de sempre tem assim tanto medo da Assembleia da República?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Receia assim tanto que a Assembleia da República reúna, debata, interfira, seja ela a legislar nas matérias da sua competência?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ê isso que temos vindo a concluir de alguns prenúncios da atitude do Governo em relação à Assembleia da República e é isso que agora em face desta proposta se nos confirma.
Então, segundo a proposta, teremos duas semanas de prolongamento, uma das quais será praticamente completada com a discussão do Programa do Governo. E a semana seguinte para que será? Será para as autorizações legislativas, visto que ninguém duvida de que o Governo vai trazer aqui um vasto rol de autorizações legislativas? Então, quando é que vamos discutir o Orçamento Geral do Estado, já que o País está a viver com um Orçamento Geral do Estado provisório? Será que o Governo do PS/PSD não quer dotar o País de um Orçamento Geral do Estado definitivo? E, então, quando é que esse Orçamento vai ser discutido?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É para Outubro, exactamente quando devíamos começar o processo de aprovação do Orçamento do Estado para 1984, porque, como sabem, esse Orçamento já terá de ser discutido e aprovado segundo o regime estabelecido pela revisão da Constituição?! Quando vamos discutir, Srs. Deputados do Partido Socialista, o Orçamento Geral do Estado definitivo para 1983? Quando vamos tomar as providências económicas e financeiras que o País reclama e que são da competência da Assembleia da República? E quando vamos tomar outras medidas? Quando vamos revogar as taxas sobre os medicamentos e sobre os serviços públicos de saúde? Isso está anunciado, são medidas do Partido Socialista e, ao que parece, isso está contido no acordo. Nós defendemo-lo firmemente, mas as revogações não podem ficar para as calendas, pois, para terem sentido político, têm de ser feitas a tempo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quando vamos revogar o tecto salarial? Quando vamos revogar o Decreto-Lei n.º 43/83, para me expressar nos termos do Governo, visto que o Governo e o Partido Socialista admitem a revogação do Decreto-Lei n.º 43/83? Quando? Depois de ter produzido efeitos e depois de ser praticamente impossível eliminar esses efeitos.
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Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não! A revogação tem um tempo para ser útil politicamente.
Aplausos do PCP.
O Governo é insensível à situação em que se encontra mais de uma centena de milhares de trabalhadores, mais de 100 000 famílias portuguesas, que têm os seus salários em atraso e de que tivemos aqui, no dia da eleição da Mesa da Assembleia da República, um testemunho que certamente tocou a consciência de uma grande parte, senão de todos os deputados da Assembleia da República, pelo menos daqueles que não têm a consciência de todo e completamente embotada em relação aos sacrifícios e à dureza da vida com que se defronta o nosso povo?
O Governo e o Partido Socialista não entendem que temos de fazer alguma coisa no sentido de pôr cobro a essa situação de haver mais de 100 000 trabalhadores portugueses que têm os salários em atraso ou que até de entre eles alguns milhares não recebem nenhum salário há meses e meses? A Assembleia da República não tem de deitar mãos a essa questão? O Partido Socialista não sente que é uma obrigação da Assembleia da República deitar mãos a essa questão?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Creio que os projectos de lei que o PCP entregou no primeiro dia de trabalhos da Assembleia da República comportam um bom programa de trabalhos para esta fase da sessão legislativa.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E um desses exemplos é também o nosso projecto de lei sobre a extracção e a comercialização da cortiça. E, Srs. Deputados, não podemos nós tomar medidas urgentes e imediatas no sentido da revogação do Decreto-Lei n.º 281/83, o decreto que permite a suspensão de trabalhadores, a redução de horários de trabalho, e que permite, portanto, a redução de salários? Vamos deixar que esse decreto produza efeito, que depois é extremamente difícil de eliminar?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, creio que não é preciso dizer muito mais para se fazer a demonstração de que a proposta apresentada pelo Partido Socialista não comporta, na verdade, as necessidades a que a Assembleia da República tem de dar resposta. Essa proposta prefigura aquilo que temos denunciado: a intenção de tapar a boca aos deputados, a intenção de silenciar a Assembleia da República, para que o Governo possa atenuar e disfarçar as contradições profundas que o minam e para que possa fazer uma legislação .contrária aos interesses do povo e do País, que vem congeminando há tempo e que está contida no acordo que serve de base ao Governo e à coligação parlamentar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Nesse sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós, que somos fervorosamente a favor do prolongamento dos trabalhos da Assembleia da República, não podemos ser a favor do prolongamento proposto pelo Partido Socialista.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.
O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já expressámos nesta Câmara, não propriamente aqui, no Plenário, mas em reunião de líderes, a nossa desconfiança, o nosso receio, pelo facto de a maioria parlamentar da Assembleia da República pretender encerrar o mais rapidamente possível os trabalhos parlamentares e entrar num tipo de férias contra o qual nos insurgimos.
É evidente, Sr. Presidente, que existe muita matéria por legislar. Já lá vão 2 meses desde as eleições e nós próprios, MDP/CDE, fizemos entregar hoje na Mesa projectos de lei sobre matéria que consideramos importante ser debatida nesta Assembleia. Existem, por outro lado, dezenas de projectos de lei apresentados por outros grupos parlamentares na Assembleia da República e não podemos estar de acordo com a proposta do Partido Socialista no sentido de esta Assembleia apenas ficar com quatro dias úteis de debates parlamentares, retirando os dias úteis que vão ser necessariamente utilizados para o debate do Programa do Governo.
A Assembleia da República, Srs. Deputados, tem uma função legislativa que não se pode compadecer com meros interesses partidários. Já manifestámos & nossa apreensão, Sr. Presidente, pelo facto de o Governo ir tentar, nos próximos 3 meses, apresentar um bloco de pedidos de autorização legislativa e governar sem que o público, através da comunicação social, estabeleça uma vigilância crítica para verificar se realmente as promessas eleitorais são ou não cumpridas. Em democracia, as coisas têm de ser perfeitamente claras e o Governo vai com certeza tentar legislar, e legislar gravemente, aliás como se referia claramente nas 100 medidas apresentadas pelo Partido Socialista e de que o exemplo mais gravoso é a autorização legislativa para a lei de delimitação dos sectores.
Recordo-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, da posição assumida em 3 oportunidades pelo próprio Partido Socialista quando a AD solicitou aqui, nesta Câmara, pedidos de autorização legislativa. Agora vamos assistir exactamente ao contrário e é contra isso que nos manifestamos. Existe uma tentativa de subalternização da capacidade legislativa da Assembleia da República, subalternização essa tanto mais grave quanto é certo que parte do PS, que sempre tem defendido o regime parlamentar e as suas virtualidades.
Não estamos nem nunca estaremos contra o prolongamento da sessão legislativa, mas propomos que, em vez de termos mais 4 dias de trabalhos parlamentares, a Assembleia da República se mantenha em pleno funcionamento até ao fim do mês de Julho, porque há muita matéria para desenvolver.
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Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não fiquei nada surpreendido que os Srs. Deputados Carlos Brito e Corregedor da Fonseca quisessem dramatizar este problema do prolongamento da sessão legislativa, considerando-o insuficiente e aproveitando tal facto para formular clarificações perfeitamente desproporcionadas, inadequadas e até ofensivas. Ora, não fiquei surpreendido com essa dramatização, porque ela é característica da forma do Partido Comunista estar na oposição, quando é contrariado nos seus propósitos e na sua táctica, mas que não tem qualquer validade nem tem qualquer base concreta de sustentação. E vou dizer porquê.
Em primeiro lugar, sob o ponto de vista constitucional, a Constituição revista estipula que o período normal de sessão legislativa vai de 15 de Outubro a 15 de Junho, e nessas circunstâncias os períodos de funcionamento suplementar da Assembleia são naturalmente períodos excepcionais e não devem ser transformados numa prática corrente, regular e instituída neste Parlamento.
Portanto, não há qualquer violação ou desrespeito nem da Constituição nem das leis na nossa posição.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado Carlos Brito faz lamentáveis confusões entre o poder do executivo e o poder legislativo, e não vale a pena, sequer, lembrar que o Sr. Deputado Carlos Brito, quando falou dos graves problemas dos trabalhadores e do País, que 6 necessário atacar e atender imediatamente, se referiu na sua grande maioria a problemas que podem ser resolvidos pelo Governo e que, como é evidente, fazem parte da esfera do Executivo.
Vozes do IPS: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, não há adiamento da solução desses problemas, não há desconhecimento nem silenciamento desses problemas. Muito pelo contrário, o Governo, durante os próximos meses, no exercício das suas competências legais e constitucionais, vai naturalmente executar uma estratégia de ataque a esses problemas, os quais, todos eles, se inserem no que nós consideramos ser uma grave crise do País, uma grave crise económica e uma grave crise social.
Deu até o exemplo espantoso da revogação do tecto salarial, que, na opinião do Sr. Deputado Carlos Brito, devia ser feita por esta Assembleia. Não sei porque é que isso vale mais do que a revogação feita pelo Governo do decreto do tecto salarial, já que faz até parte das medidas que o Partido Socialista apresentou ao País e fará, com certeza absoluta, parte do Programe do Governo. O Governo vai assim revogar o decreto que institui um tecto salarial e, por conseguinte, essa preocupação quase obsessiva do Sr. Deputado Carlos Brito não tem qualquer razão de existir.
Portanto, confusão de funções executivas e funções legislativas entre Governo e Assembleia da República.
Por outro lado, o Sr. Deputado Carlos Brito manifestou preocupações, e creio que também o Sr. Deputado do MDP/CDE, quanto à discussão dos projectos-leis que apresentaram e quanto ao exercício das competências da Assembleia da República, que - lamento dizê-lo - não têm qualquer razão de ser, porque os vossos projectos-leis serão discutidos na altura oportuna. Quando a sessão legislativa se iniciar têm oportunidade de agendar os vossos projectos-leis, de fixar ordens de trabalho para eles serem apreciados, discutidos e votados.
Nós não queremos tirar à oposição um centímetro, um grama ou um segundo - usando a expressão que o Sr. Deputado José Luís Nunes há pouco utilizou quando se encontrava na Mesa - sequer que seja dos vossos poderes, das vossas atribuições e das vossas competências. Pelo contrário, queremos valorizar a Assembleia. Já estivemos na oposição e nessa fase soubemos como era doloroso ver uma Assembleia desvalorizada, impotente e sem capacidade para resolver os problemas nacionais.
Fique assim tranquilo o Sr. Deputado Carlos Brito, bem como o Sr. Deputado do MDP/CDE, porque terão oportunidade, sem a menor dúvida e sem quaisquer ambiguidades, de fazer discutir os vossos projectos, de travar grandes debates nesta Assembleia da República. E nós pensamos que a contribuição da Assembleia e da oposição, de uma oposição salutar e equilibrada, é fundamental para a resolução dos problemas nacionais.
Por isso, Srs. Deputados Carlos Brito e do MDP/CDE, não vejo que as vossas preocupações devam assumir esse carácter de dramatismo que eu assinalei no início desta intervenção.
A Assembleia da República continua a ter naturalmente todos os seus poderes, quer os de iniciativa legislativa, quer os de controle e de fiscalização da actividade do Governo.
Vou-lhe dar mais um exemplo para fazer cair a vossa argumentação e que se refere às autorizações legislativas. Em primeiro lugar, os decretos que possam ser feitos ao abrigo das autorizações legislativas não são feitos no segredo dos gabinetes, de forma misteriosa, porque vêm a este Parlamento devidamente fundamentados.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Vamos ver como vêm!...
O Orador. - Logo, Srs. Deputados Carlos Brito e do MDP/CDE - e falo para aqueles deputados que intervieram -, as autorizações legislativas serão evidentemente fundamentadas, haverá um debate à volta do conteúdo e da matéria dessas autorizações legislativas e, finalmente, quando a sessão legislativa normal se iniciar, têm possibilidades de recorrer ao instrumento da ratificação dos decretos-leis que vierem a ser feitos e, por conseguinte, os poderes da Assembleia continuarem intactos.
Daí, apelo para a vossa tranquilidade, não estejam nervosos. O Partido Socialista respeitará a Assembleia, respeitará a oposição, mas não deixará de resolver os problemas nacionais, prendendo-se a questões de mero formalismo ou apenas a questões especiosas de alguns partidos da oposição.
Aplausos do PS, do PSD e da UEDS.
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O Sr. Presidente: - Para que efeito pediu a palavra Sr. Deputado Carlos Brito?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, devo dizer-lhe que poderia fazer uma segunda intervenção. Em todo o caso, como não quero prender a Câmara com uma polémica que poderá parecer fastidiosa, visto que as posições já estão definidas, pedia a palavra para fazer perguntas ao Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Presidente: - Então, faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Começava por dizer que é lamentável ouvir o Sr. Deputado Carlos Lage, um deputado que aqui se bateu contra a governamentalização da Assembleia da República, aparecer agora chapadamente como um deputado do Governo atento, venerador e obrigado.
Aplausos do PCP. Protestos do PS.
O Orador: - Neste caso houve mudança e uma rápida mudança.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Lage, se confusões aqui houve essas foram feitas por V. Ex.ª, deputado que não só não preza a competência da Assembleia da República como parece que se lhe põem os cabelos em pé quando julga que a competência legislativa do Governo é invadida. Nada daquilo que nós defendemos que a Assembleia da República fizesse é da competência do Governo; pode ser da competência da Assembleia da República e do Governo, mas nada é da competência exclusiva do Governo. Não havia nenhuma invasão da área da competência do Governo. Agora, da parte do Governo há a intenção de invadir a área da competência da Assembleia da República.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Queria dizer-lhe também, Sr. Deputado, que há obrigações formais e há obrigações políticas. O trabalho da Assembleia da República é uma obrigação política dos partidos que se apresentaram perante o povo português, afirmando, propondo e defendendo determinadas soluções durante a campanha eleitoral que agora, aqui, têm a obrigação de realizar, e aqui, antes de mais, na Assembleia da República.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ainda lhe queria dizer que não somos nós que dramatizamos a situação. A situação do País e do nosso povo é que é dramática e é mau que o Sr. Deputado não tenha consciência disso.
Mas a pergunta que lhe quero fazer é esta: reparei que o Sr. Deputado Carlos Lage falou daquelas questões em que o Governo pode ter legitimidade para governar, mas eu gostava de saber como é que nesse calendário apertado que propôs à Assembleia da Re pública vai introduzir a aprovação do Orçamento
Geral do Estado definitivo para 1983? O que é que o Sr. Deputado Carlos Lage, Sr. Deputado do Governo, o porta-voz do Governo na Assembleia da República pelo menos neste momento, nos tem a dizer acerca das intenções do Governo relativamente à aprovação do Orçamento Geral do Estado para 1983?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Pedi a palavra para uma intervenção, mas creio que há outros deputados inscritos antes.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Fica então inscrito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage, para responder, se o desejar.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recuso-me a responder às perguntas perfeitamente impertinentes que o Sr. Deputado Carlos Brito colocou.
O Sr. Octávio Pato (PCP):- Viva o diálogo!
O Orador: - E depois de ter sido tão deselegante com a forma como ...
Vozes de protesto do PCP.
... se referiu não à minha intervenção, mas à minha pessoa ...
Vozes de protesto do PCP.
... apenas quero referir-me a essa questão.
O Sr. Deputado Carlos Brito fez aqui aquilo que. na minha opinião, é habitual, que é um pendor, ou, se quiser, um tropismo do Partido Comunista: é que quando lhe faltam os argumentos políticos, os argumentos da razão e da clareza de pensamento, recorre aos argumentos contra a pessoa, os argumentos ad hominem.
Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.
Não reconheço ao Sr. Deputado Carlos Brito a capacidade de ser juiz dos meus actos, nem sequer me justifico perante o Sr. Deputado Carlos Brito, ao qual não reconheço qualquer autoridade moral que me leve a justificar perante si, pelo que considero deplorável e lamentável a intervenção que fez.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho, para uma intervenção.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós pensamos que o primeiro exemplo de eficácia que esta Câmara poderia dar -e a eficácia tem sido bastante reclamada nos últimos
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dias - seria resolver este problema rapidamente, de preferência, aliás, no âmbito mais restrito da conferência dos grupos parlamentares. Infelizmente, isso não foi possível, creio que já perdemos muito tempo e, portanto, a nossa intervenção vai ser muito breve.
Recusamo-nos a entender a proposta do Partido Socialista com o sentido restritivo ou, sequer, com o sentido de diminuição da dignidade e das competências desta Assembleia. Parece-nos que é uma proposta razoável, que é uma proposta que merece a nossa consideração, embora, por outro lado, nos pareça igualmente que vai ser bastante difícil que, no curto espaço que ela prevê para o prolongamento desta sessão legislativa, seja possível apreciar o conjunto de diplomas que estão pendentes, quer da iniciativa do Governo, quer da iniciativa dos vários grupos parlamentares, e o CDS tem também alguns cuja aprovação reputa de urgente.
No entanto, penso que o que deve determinar em definitivo a fixação desse prazo não são nem os interesses dos grupos parlamentares nem os interesses do Governo ou da oposição, mas os interesses do País.
E é nesse sentido que penso que essa averiguação só pode ser feita quando houver uma ideia clara de quais são os projectos e as propostas que estão em causa.
Nesse sentido, nós damos a nossa aprovação ao prolongamento que agora é proposto, com a condição e na pressuposição de que esse prolongamento poderá prolongar-se - passe a expressão - se for necessário para a aprovação dos diplomas que então continuem pendentes.
O que nos parece profundamente errado e negativo é que a propósito de uma questão como esta, que deveria ser serenamente discutida, se pretendam aqui invocar argumentos de carácter político, que eu diria mesmo argumentos de carácter demagógico, que não ajudam à resolução do problema, antes o confundem.
Aplausos do CDS e do Deputado da ASDI Magalhães Mota.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Estão a ver se conseguem meter alguém no Conselho de Estado!
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Nem assim o conseguem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já ultrapassamos a hora regimental para o intervalo. Contudo, se estivessem de acordo, faríamos o intervalo depois da votação deste ponto da ordem de trabalhos.
Não havendo objecções, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso, para uma intervenção..
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - São apenas 30 segundos, Sr. Presidente, para dizer que, em nosso entender, a proposta do Partido Socialista não implica que necessariamente a Assembleia termine os seus trabalhos no dia 30 deste mês, pois deixa em aberto a possibilidade de, se o Plenário por maioria assim o entender, prolongar os trabalhos.
Penso que se continuarmos neste debate corremos o risco de gastarmos o prolongamento a discutir se prolongamos ou não esta sessão. Este debate não produz nem a eficácia nem a dignidade de que os trabalhos desta Assembleia se devem revestir.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, vamos votar a proposta apresentada pelo Partido Socialista, que passo a ler:
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PS requer a prorrogação do período normal do funcionamento da Assembleia da República por 15 dias, até 30 de Junho.
Vamos votar.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI, votos contra do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez e a abstenção do PCP.
O Sr. Presidente: - Em virtude da aprovação desta proposta a Assembleia da República delibera, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais, prorrogar o período normal do seu funcionamento por 15 dias, até 30 de Junho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, para uma declaração de voto.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ficou fundamentada nas intervenções que tive ocasião de proferir durante o debate a razão da nossa abstenção. Consideramos este prolongamento manifestamente insuficiente e por isso mesmo no dia 30 de Junho o Grupo Parlamentar do PCP proporá que os trabalhos da Assembleia da República se prolonguem por mais um mês.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Niza pediu a palavra, também para uma declaração de voto?
O Sr. José Niza (PS): - Não, Sr. Presidente. Ê pare apresentar uma sugestão nossa em relação ao seguimento dos trabalhos do Plenário. O Sr. Presidente anunciou há pouco que se iria fazer o intervalo e depois disso seriam realizadas as eleições para os membros do Conselho de Estado.
Ora, nós propomos que se dê início imediatamente às eleições e que aproveitássemos o tempo que vai decorrer durante a contagem dos votos e apuramento dos resultados para o intervalo, pois isso poupar-nos-á tempo.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS e do deputado do PCP Jorge Lemos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, parece-me que a sugestão do Sr. Deputado José Niza colhe apoio generalizado.
Pausa.
Sendo assim, vão ser distribuídos os votos.
Convido para escritunadores a Sr.ª Deputada Maria Rosa Albernaz e o Sr. Deputado Roleira Marinho.
Srs. Deputados, peço a vossa atenção para o facto de que há quatro listas propostas. Ê evidente que cada Sr. Deputado só pode votar numa lista, se votar em mais do que uma o voto é anulado.
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Para se proceder à votação peço aos Srs. Deputados o favor de entrarem pelo lado direito da Mesa e saírem pelo lado esquerdo.
Em primeiro lugar, votará a Mesa e depois a Sr.ª Deputada Zita Seabra, que tem necessidade absoluta de se ausentar.
Vamos iniciar a chamada, por ordem alfabética, para a votação.
Procedeu-se à votação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrada a votação.
Antes de iniciarmos o escrutínio, queria lembrar aos Srs. Deputados que se não terminarmos a ordem de trabalhos que está estabelecida para esta sessão dentro do período regulamentar, haverá sessão da Assembleia da República amanhã, às 15 horas.
Está interrompida a sessão para se proceder ao escrutínio.
Eram 18 horas e 25 minutos. Procedeu-se ao escrutínio.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 19 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - A eleição dos membros para o Conselho de Estado, representantes da Assembleia da República naquele órgão, deu os seguintes resultados: votos entrados - 233; votos na lista A - 35; votos na lista B - 44; votos na lista C - 82; votos na lista D - 67; votos nulos - 3; votos brancos - 2. Foi eleito 1 representante pela lista A, 1 representante pela B, 2 representantes pela lista C e 1 representante pela lista D.
Sendo assim, foram eleitos os Srs. Deputados Francisco António Lucas Pires (aplausos do CDS), Álvaro Barreirinhas Cunhal (aplausos do PCP), Mário Alberto Nobre Lopes Soares e António Cândido Miranda de Macedo (aplausos do PS, da ASDI e de alguns deputados do PSD) e Carlos Mota Pinto (aplausos do PSD e de alguns deputados do PS e do CDS).
Da primeira parte da ordem de trabalhos consta ainda a apreciação do recurso interposto pelo CDS sobre a admissão do projecto de lei n.º 7/III - Interrupção voluntária da gravidez.
Está em discussão.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar pede 10 minutos de interrupção da sessão.
O Sr. Presidente: - É regimental, está concedido.
Está suspensa a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lucas Pires pediu a palavra enquanto eu lia os resultados da votação que acabou de ter lugar. A mesa não se apercebeu do pedido de palavra do Sr. Deputado Lucas Pires para uma intervenção, mas não vê nenhum inconveniente em que o Sr. Deputado use agora da palavra, se a Assembleia se não opuser.
Pausa.
Como ninguém se opõe, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sc o Sr. Presidente e os Srs. Deputados me autorizam, eu desejava apenas dizer que o CDS considera que todos nesta Câmara estamos de parabéns por esta eleição.
Esta Câmara reconheceu que o CDS era essencial à democracia portuguesa e eu próprio, como futuro representante no Conselho de Estado, me considerarei aí não apenas um representante do meu partido, do CDS, mas um representante dos valores éticos desta Assembleia, dos valores éticos da liberdade e dos valores da própria alternativa dentro da democracia portuguesa.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Muito bem!
O Orador: - É esse o sentido com que eu interpreto o voto que me foi aqui dado e, portanto, é este o significado - que eu considero muito profundo e que transcende o CDS e a mim próprio - desta eleição que acaba de ter lugar.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora iniciar a discussão do terceiro ponto da primeira parte da ordem de trabalhos e que é a apreciação do recurso interposto pelo CDS sobre a admissão do projecto de lei n.º 7/III - Interrupção voluntária da gravidez.
Tem a palavra o Sr. Deputado Tomás Espírito Santo.
O Sr. Tomás Espírito Santo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo um dos que pela primeira vez exerce as funções de deputado, cumpre-me saudar V. Ex.ª, Sr. Presidente, e todos os Srs. Deputados, e com a afirmação do meu propósito de tudo fazer para dignificar a Assembleia da República e para manter um diálogo aberto e leal como forma de contribuir para a eficácia dos nossos trabalhos.
Esta minha intervenção destina-se a justificar o recurso do Grupo Parlamentar do CDS para o Plenário da Assembleia da República de admissão do projecto de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez, apresentado pelo Partido Comunista Português. Devo confessar que foi sem surpresa, embora lamente, que vi este projecto incluído no grande número de projectos de lei aquando do nosso primeiro dia de trabalho.
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Não foi com surpresa, porque era de todos conhecido que o PCP haveria de voltar com esse projecto.
Mas não deixo de lamentar tal atitude porque a pressa com que foi apresentado parece resultar menos do problema em si mesmo do que da preocupação em criar dificuldades à estabilização da sociedade portuguesa numa altura em que todos os esforços se devem fazer para ultrapassar a crise que a todos diz respeito e que deve ser tarefa do Governo e da oposição.
Há cerca de 30 anos que me preocupo com a problemática da família, e por ela tenho lutado, em particular no que se refere ao aborto, analisando as suas causas e defendendo acções concretas que garantam e promovam «o fundamentalíssimo direito à vida».
Integrado em movimentos familiares, conheço os dramas das gentes das nossas aldeias, das nossas vilas e. das nossas cidades.
No cerne do problema está a fragmentação da vida familiar, porque mais do que adoptar medidas que facilitem a destruição da vida, devemos procurar contribuir para a dignificação da família, para a sua segurança e para a eliminação progressiva dos problemas que aparentemente estão na base do aborto.
A defesa da vida não deve limitar-se a palavras nem a promessas vãs, mas exige actos visíveis e reais, nomeadamente a educação correcta das consciências, a moralização dos costumes e o desenvolvimento de uma adequada política económica e social.
Pretender defender a justiça social e ao mesmo tempo tornar lícita a destruição de um ser humano inocente, que existe no seio materno, é atitude que poucos compreendem, que muitos interpretam como má fé ou hipocrisia e que outros atribuem a ignorância.
Nas campanhas para legalizar ou despenalizar o aborto recorre-se sempre aos 2 argumentos que melhor se gravam na imaginação: o sentimento e o número. Apela-se para o sentimento mediante uma hábil apresentação de casos dramáticos de mulheres que abortam, fazendo esquecer as tragédias das vidas que não chegam a ver a luz.
No que respeita ao número, utilizam-se cifras de abortos clandestinos difíceis de comprovar, porque são clandestinos.
A aceitação do argumento do número de abortos para a sua despenalização implicaria aceitar também, pela mesma razão, a despenalização dos roubos, dos assaltos, tantos são os que se verificam nos tempos de hoje.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Essa já é velha!
O Orador: - Para além disso, não se compreende como pode defender-se a morte de um ser inocente alegando motivos humanitários, em vez de se reconhecer que o melhor remédio para aceitar «uma criança não desejada» é querê-la.
Acompanhei os debates que em Novembro aqui tiveram lugar e estudei a argumentação produzida contra este projecto, em particular as dos Drs. Oliveira Dias, Vilhena de Carvalho e do Prof. Jorge de Miranda,, que eu perfilho inteiramente, e a argumentação a seu favor pela Sr.ª Deputada Zita Seabra.
Creio que, nesta altura, não valerá a pena repeti-las, tanto mais que o que está em causa é a admissão ou não do novo projecto do PCP nesta Assembleia.
De qualquer maneira, gostaria de salientar a afirmação da Sr.ª Deputada Zita Seabra, não só aqui mas também numa intervenção na televisão:
Contra o aborto somos todos. Ninguém, em parte nenhuma, o considera um bem, um recurso que se encare com ligeireza.
E disse mais:
O aborto impede-se e evita-se com mais pão e não com cadeias; o aborto evita-se com planeamento familiar e educação sexual e não com prisões.
Mas a questão que se põe em relação à Constituição é que abortar com intencionalidade é matar e, portanto, violar o direito à vida. O eufemismo utilizado para substituir a palavra «aborto» por «interrupção voluntária da gravidez» é uma maneira de evitar o termo biologicamente correcto que é «matar».
Poderia servir-me da excelente declaração do Dr. Oliveira Dias, mas, neste momento, apenas me vou referir ao testemunho do Dr. Bernard Nathauson, conhecido médico de Nova Iorque.
O conhecimento dos progressos da medicina demonstrando a existência de uma vida humana no feto levou-o a confessar:
Dramaticamente tenho de reconhecer que o feto não é um bocado de carne; é um paciente.
E mais: graças aos estudos do ciclo da vida, dos hábitos, da psicologia, da sensibilidade e da fisiologia do feto, concluiu que ele respira, dorme e é sensível aos sons.
Para o Dr. Nathauson tornou-se inegável que o feto é um de nós, da nossa comunidade e portanto uma vida que deve ser protegida.
Nenhum argumento técnico-jurídico ou imposição da lei positiva pode opor-se à ideia de um direito à vida ou de um direito ao nascimento do ser humano em gestação.
Como afirma Franco Montora, governador de S. Paulo, no seu livro Introdução à Ciência do Direito, «bastaria ao nascituro ser titular de um único direito para que não pudesse ser negada a qualidade de pessoa».
Se se entende necessário proteger interesses patrimoniais do nascituro, mais se justifica a defesa da sua vida. E se se considera imperioso proteger a vida de todos os seres humanos, impõe-se tutelá-la com particular zelo em relação aos mais indefesos e frágeis desses seres.
Portanto, a tutela jurídica dispensada em termos genéricos à vida humana deve estender-se à vida humana intra-uterina.
«Ninguém pode legitimar a morte de um inocente sem minar as próprias bases da sociedade».
Interromper a gravidez e matar, violando portanto um dos direitos fundamentais do ser humano.
Seria lamentável que a nossa Assembleia da República, ao propor leis, lhe parecesse mais fácil propô-las para eliminar crianças do que para protegê-las.
As leis devem cultivar o respeito pela vida humana, o respeito pela responsabilidade e o respeito pela educação.
O recurso do CDS não tem outro significado se não opor-se frontalmente a um projecto de lei que contra-
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ria um direito à vida. Colocar a questão no âmbito exclusivamente político ou religioso é minimizar a sua importância, é ofensa à consciência da grande maioria dos portugueses.
Não admitindo o projecto por manifesta inconstitucionalidade - violação aberta do artigo 24.º, n.º 1, da Constituição -, esta Assembleia contribuirá relevantemente para a estabilidade da sociedade portuguesa e para a defesa dos seus valores fundamentais.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando ontem ao fim da tarde o Grupo Parlamentar do CDS entregou na Mesa da Assembleia da República um requerimento, no sentido de impugnar a admissibilidade do projecto de lei do PCP tendente a legalizar a interrupção voluntária da gravidez, colocou esta Assembleia perante uma situação verdadeiramente estranha e insólita.
A intervenção que acaba de ser produzida pelo Sr. Deputado Espírito Santo leva o insólito aos limites do incomportável, uma vez que ele, estando a arguir supostamente a inconstitucionalidade de um projecto de lei, entrou afoitamente na matéria de fundo, comentou afirmações produzidas pela deputada Zita Seabra aqui e fora daqui, citou adrede doutrina que entendeu por correcta, pronunciou-se sobre experiências pessoais, testemunhos vários e outras coisas que sou incapaz de resumir de momento.
Atingimos, portanto, uma situação que ontem dificilmente poderia ser imaginada.
Na verdade, o PCP reapresentou o seu projecto de lei que aqui foi admitido, discutido e votado na passada legislatura. O projecto que aqui está tem teor propositadamente idêntico àquele que nós tínhamos apresentado e é insólito que surja hoje como impugnante, desde logo, um partido - o CDS - que na altura apropriada, e perante um projecto de lei de teor exactamente similar, não o fez.
E já que é tão cara ao Sr. Deputado Espírito Santo a lembrança de declarações do Sr. ex-Deputado Oliveira Dias, lembrar-lhe-ia que foi precisamente o Sr. ex-deputado Oliveira Dias - que então era Presidente da Assembleia da República - que face a esse projecto, depois de pedir um prazo de reflexão de 48 horas, emitiu um despacho em que, depois de exprimir as suas convicções pessoais, de resumir o estado do debate na doutrina e na jurisprudência desta matéria, dizia textualmente algo que o senhor não citou, mas que vale a pena citar e que, se me permite, irei fazer de imediato.
Dizia o Sr. ex-Deputado Oliveira Dias que importava sobretudo - e por isso ele admitia o projecto do PCP - «não desviar a análise profunda do problema para eventuais discussões periféricas, com base em questões meramente processuais». «Entendo - dizia o Sr. ex-Deputado Oliveira Dias - que problema tão grave deve ser debatido pelo Plenário da Assembleia com toda a profundidade, de maneira que todos os Deputados exprimam livremente as suas diferentes opiniões e assumam sobre ele as suas responsabilidades perante o povo de quem são representantes». O Sr. ex-Deputado Oliveira Dias afirmou isto textualmente.
O projecto do PCP, como toda a gente sabe, foi realmente admitido, foi objecto de ampla discussão parlamentar e pública e o povo português deu, em 25 de Abril, o seu voto favorável àqueles partidos que deram a sua aprovação ao projecto de lei do PCP, não o contrário. Foi isso que sucedeu.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E bem pode perguntar-se, então, o que é que mudou, o que é que motivou esta posição surpreendente do Grupo Parlamentar do CDS, tornada ainda mais surpreendente pela intervenção do Sr. Deputado Tomás Espírito Santo.
Nós constatamos que realmente não foi introduzido nenhum novo argumento, embora o Sr. Deputado se tenha permitido entrar na matéria de fundo. Repetiu um por um, e talvez não todos, alguns dos mais débeis argumentos produzidos ao longo destes meses sobre a matéria que quis abordar.
Mudou, então - tenho que o constatar olhando para a sua bancada -, a bancada, ela própria, uma vez que os argumentos são os mesmos. E mudou sem dúvida a direcção do CDS, mudou o número dos seus deputados ...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Minguou!
O Orador: - [...] e onde se constata que não há deputadas. O CDS desencadeou esforços desesperados para obter representação em cargos de Estado - e no caso do Conselho de Estado conseguiu-o - e anda à procura de uma saída para a situação difícil em que se encontra.
Isto e patente, foi tornado compreensível e só a esta luz, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que se pode compreender esta impugnação e o seu carácter insólito.
Trata-se, quanto a nós, de uma pura operação de pressão política -que terá ou não produzido os seus resultados, facto que no futuro veremos -, que instrumentaliza, ainda que de forma muito tosca, uma questão que não pode e não deve ser instrumentalizada nestes ou em quaisquer outros termos. Isto já o dissemos e repetimos agora.
Aplausos do PCP e do M DP/C DE.
E permitam-me que saliente que a base invocada e agora desenvolvida pelo Sr. Deputado arguinte é de tal maneira frágil que se o objectivo era colocar em dificuldades ex-parceiros de coligação, bem pode dizer-se que o máximo que os impugnantes conseguiram foi colocar-se a si próprios em dificuldades.
O CDS acaba de oferecer - creio que isso é claro -, e oferecer de mão-beijada, designadamente ao PSD, uma possibilidade única, mas verdadeiramente única, de encerrar expeditamente este incidente, fazendo simplesmente sua a posição que aqui assumiu o Sr. Deputado Oliveira Dias quando era Presidente da Assembleia da República e membro do CDS, como é óbvio,
Demonstram aspecto de chicana que a operação desempenhada pelo CDS tem, creio que talvez valha a pena que muito rapidamente, examinar
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a falta, eu diria confrangedora, de argumentos de que se reveste a posição que aqui foi expendida.
Srs. Deputados, em muitos meses de debate nacional e parlamentar creio que ficou claramente demonstrado que, se em torno da questão do aborto se coloca hoje alguma dúvida de constitucionalidade, é a da inconstitucionalidade da legislação que proíbe cegamente o aborto.
Aplausos do PCP.
Não partilhamos da opinião daqueles que vêem por toda a parte, por toda a Europa, por todo o mundo, inimigos do direito à vida. Aqui ao lado, em Espanha, acaba de se acrescentar uma legenda «inimigos do direito à vida» àquela que já existia perigosamente em turbas por toda a Europa, como se comprova.
Creio também que ficou muito claro - o que, aliás, era à partida defensável - por todo o mundo, e também aqui em Portugal, que não é a legalidade da interrupção voluntária da gravidez que esta no banco dos réus. Bem pelo contrário, quem se senta nesse banco dos réus são os defensores da penalização, é a penalização da interrupção voluntária da gravidez, e por uma razão simples: é que ela mantém o aborto clandestino e o aborto clandestino é responsável por sequelas trágicas e por mortes de muitas mulheres no nosso país e em todo o mundo.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Abreviando, direi que os argumentos aqui expendidos pelo Sr. Deputado Espírito Santo, se se der ao cuidado de ter o debate aqui travado, foram examinados detalhadamente por deputados das bancadas do PCP, do PS, da UEDS, do MDP/CDE, etc., durante o debate parlamentar competente. Os argumentos que agora foram utilizados não são novos - e não foram todos os expendidos nessa ocasião - e foram apreciados e valorados nessa altura, pelo que não os repetirei.
Limitar-me-ia a sublinhar que, além da Comissão da Condição Feminina, a Procuradoria-Geral da República teve ocasião de, a propósito desta matéria e do projecto do PCP, emitir um extensíssimo parecer - cuja leitura, aliás, é positiva e desejável - para afirmar aquilo que hoje em dia é generalizadamente reconhecido à face das mais diversas ordens jurídicas, com diferenças em relação à nossa ou das mais próximas da nossa.
Dessas conclusões fundamentais, que não enunciarei na sua globalidade, permito-me destacar três ou quatro.
Em primeiro lugar, a ideia, que é importante, de que as cláusulas constitucionais respeitantes à tutela da vida, sob qualquer das suas espécies, - são insusceptíveis de qualquer hermenêutica absolutizadora que exclua a legalização da interrupção voluntária da gravidez. Esta e uma demonstração que não se consegue fazer afoitamente; o Sr. Deputado não foi capaz de a fazer e isso é normal.
Em segundo lugar, aos nascituros é sempre reconhecível um certo grau de protecção jurídica, que não pode, no entanto, conduzir a lesados direitos da mulher.
A terceira conclusão, que é importante, vai no sentido de que a nova dignidade é
reconhecida por toda a parte à vida, ao viver da mulher, não permite senão uma protecção do seu próprio estatuto, defendendo-lhe a vida e a saúde, porque é também a vida e a saúde da mulher que estão em causa quando se fala em interrupção voluntária da gravidez.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, a protecção desejável da vida - e isso para nós é uma questão crucial - não se consegue, mas não se consegue de facto, através de meios de direito penal; só pode ser atingida através de um vastíssimo conjunto de medidas de carácter social, de carácter preventivo, mas admitindo também, em certas condições e como último recurso, a possibilidade de interrupção voluntária da gravidez, sob pena de criação de situações para as quais o sistema jurídico não dá resposta.
Nenhum valor pode justificar essa situação de bloqueio, na nossa opinião e na opinião da generalidade daqueles que aqui se pronunciaram sobre essa matéria.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Bem, Sr. Deputado, isto e reconhecido em numerosas ordens jurídicas, sancionado por numerosos tribunais constitucionais e órgãos de fiscalização de constitucionalidade e isto corresponde - é importante sublinhá-lo - ao sentir e à vontade da esmagadora maioria dos portugueses.
Portanto, o CDS, que estava isolado em 1982, está hoje completamente só, mais só do que nunca, aspecto que é importante sublinhar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E está isolado porque está a defender - há razões objectivas para isso - um quadro legal inteiramente hipócrita e repressivo, que, longe de conduzir aos objectivos de que se reclama, conduz a objectivos e resultados precisamente contrários e tem como único efeito - como toda, mas toda, a gente sabe e ninguém pode ignorar- a manutenção de um negócio chorudo, lucrativo e imoral, que é o negócio do aborto clandestino.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
E, Sr. Deputado Espírito Santo, eu concluiria com esta reflexão: o aborto clandestino é, Srs. Deputados do CDS, no nosso país e a nível geral, um drama de tal forma grave que não pode, não deve, a nenhum título ser convertido mim expediente político. Dissemos isto e fizemos isto.
Aplausos do PCP.
Continua a morrer-se nos meandros do aborto clandestino em Portugal, continua a haver gravíssimos problemas sociais por força da legislação repressiva que ainda está em vigor - embora com os retoques que lhe foram introduzidos no ano passado -, foi reduzido o número de consultas de planeamento familiar no ano transacto, como recentemente foi denun-
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ciado, e a situação neste momento é mais grave ainda do que era em Novembro de 1982.
A legalização do aborto, Srs. Deputados, não pode servir de moeda de troca ao CDS. A legalização do aborto não pode servir de expediente político, não pode servir de arma de pressão, não pode servir de arma de retaliação de parceiros desavindos de uma coligação desfeita.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ao apresentar o bloco de projectos sobre a defesa da maternidade em que se inclui o projecto de lei de legalização da interrupção voluntária da gravidez, o Grupo Parlamentar do PCP pretendeu, muito simples e claramente, reabrir aqui um debate que deve culminar, no devido momento, com uma assunção de responsabilidades e com a aprovação de um novo quadro legal pelos mesmos partidos que em Novembro de 1982 deram o seu voto favorável às propostas então apresentadas pelo PCP.
Estamos certos, Srs. Deputados - e com isto terminarei -, que hoje, por maioria de razão e também por razão de maioria, nada impedirá que o debate necessário seja travado e seja levado ao seu termo. Isso transparece um pouco do tom antecipadamente vencido da intervenção do Sr. Deputado Espírito Santo.
Mas nós estamos também certos de outra coisa: estamos certos de que esse debate, sendo sério, profundo e esclarecedor, será precisamente o contrário do que foi a impugnação feita, em má hora, pelo Grupo Parlamentar do CDS e que, nos termos regimentais e constitucionais, merece a rejeição pelo Plenário desta Assembleia.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e de uma Deputada do PS.
Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa o seguinte requerimento, apresentado pelo CDS: Ao abrigo das disposições do Regimento, o Grupo Parlamentar do CDS requer que a discussão do recurso continue além dos 20 horas, até à votação final. Seguem-se as assinaturas.
Vamos votar este requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, pedi a palavra para formular um protesto.
O CDS ao introduzir este tema fê-lo por uma questão de lealdade em relação a esta Câmara. O CDS entende que o projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista enferma de inconstitucionalidade. Está no direito de o afirmar, e de uma maneira clara, como o fez. Mau era que deixássemos seguir o debate e que numa fase posterior da sua discussão levantássemos uma questão que é prévia e que devia ser levantada agora, em sede própria.
Somos um partido de princípios e só quem não os tem pode interpretar tão mal a nossa intenção.
Quanto à matéria levantada pelo Sr. Deputado do Partido Comunista, ela sim, é uma verdadeira chicana, não em relação ao CDS, mas em relação a todas as pessoas que aqui nos honramos de representar, que têm dúvidas fortes de consciência, dúvidas éticas, em relação aos temas que os senhores acabam de apresentar.
Quando os senhores atacam o CDS da maneira como o fazem, não é à minha bancada que atacam, mas a todos aqueles que repugnam o aborto tal como é formulado no projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista.
Que o Partido Comunista, partido que se baseia no materialismo, que apenas vê o crescimento da sociedade numa dialéctica vazia, apresente essa proposta está no seu direito. Mas não pode, de maneira nenhuma, coarctar o direito daqueles que se fundam nos valores da pessoa humana de protestarem, pela via que considerarem mais aconselhável, contra as vossas iniciativas que vão, manifestamente, contra a pessoa humana.
Há outro aspecto aqui invocado. Diz o Sr. Deputado que nós nos encontramos isolados e sozinhos. Porque é que o Partido Comunista não referenda a matéria do aborto? Porque é que não pergunta ao país, directamente, para sabei quantas pessoas a apoiam e quantas a recusam?
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Porque é que o CDS não o faz?
O Orador: - Se o CDS tivesse uma iniciativa desta natureza teria de o fazer. O Partido Comunista, esse sim, instrumentalizando esta questão, sabendo as dúvidas de consciência que existem na bancada do PSD e até na bancada do Partido Socialista em relação a este tema, em vez de apressadamente apresentar esta lei, que tem em vista atacar o Governo que agora se constitui, é que deveria formular um debate nacional profundo. Por que é que não aprofunda esta temática, em vez de estar a fazer acusações, dizendo que nós estamos a instrumentalizar, quando de uma forma séria, consistente e fundamentada, apresentamos aqui os nossos argumentos?
O Sr. Deputado do Partido Comunista e a sua bancada sabem que esta questão, em termos jurídicos, não é pacífica. O então Sr. Presidente da Assembleia da República, Oliveira Dias, no seu despacho, levanta-as e formula-as. A Procuradoria-Geral da República, em parecer, também as levanta e as formula.
Vozes do PCP: - É falso!
O Orador: - Porque é que o Partido Comunista em vez de discutir claramente a parte jurídica e constitucional da sua proposta se refugia em biombos e debaixo de fórmulas, apenas desejando adormecer as consciências?
Sr. Deputado, podemos estar nesta Câmara sozinhos, mas daqui lhes respondemos que em matéria de tal importância mais vale só do que mal acompanhado.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito brevemente, Sr. Presidente. O CDS tem, realmente, uma nova direcção, é patente, mas com pouca memória.
Com pouca memória e muito isolamento. Porque no caso concreto o que vimos aqui fazer, com os fundamentos que são conhecidos, não foi a arguição da inconstitucionalidade do projecto de lei que apresentamos. Não foi aduzida argumentação sólida nesse sentido, nem na intervenção do Sr. Deputado arguinte nem na intervenção do protesto feito pelo Sr. Deputado Basílio Horta.
O CDS foi contraditório e insólito, ao fazer hoje o que não fez ontem, colocado perante a mesma situação O CDS foi inconclusivo, não demonstrou e nem sequer respeitou a matéria de facto. A Procuradoria-Geral da República - isto e elementar, leia o parecer...
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Já o li!
O Orador: - Excelente: Então, leia-o bem de novo. Como ia dizendo, a Procuradoria-Geral da República tem conclusões muito claras em relação ao projecto de lei do PCP e formula, em termos nítidos, as conclusões que eu próprio tive aqui ocasião de exprimir. É uma questão de ler e na altura em que fizermos aqui o debate da matéria de fundo o Sr. Deputado certamente terá ocasião de se pronunciar largamente sobre a matéria.
E vamos agora, finalmente, à ética. Em matéria de ética, Sr. Deputado, estamos realmente conversados A ética que está subjacente à posição isolada que o Sr. Deputado defendeu, é uma ética de repressão, é uma posição que se traduz na manutenção do quadro legal que está hoje em vigor, se não reforçado - veremos, se calhar, o CDS exigindo o se agravamento, para ser mais coerente ainda - com mais penas para a mulher, mais dificuldades, mais perseguição. É a defesa desse quadro legal obsoleto, injusto e retrógrado, que está' subjacente às posições do Sr. Deputado. Esse quadro legal, Sr. Deputado, não respeita a ética dos cidadãos. É um quadro que, em nome de certas concepções - aliás retrógradas -, impõe à grande maioria do povo português soluções que só uma pequena maioria partilha e que só um pequeno grupo de deputados ousa sustentar, nos termos, aliás, em que foi sustentado, nas alegações a que tivemos ocasião de assistir.
Portanto, não se invoque a ética para sustentar soluções que são profundamente antiéticas neste sentido, ou que não devem, pelo menos, ser extravazadas para a matéria legal.
Nós respeitamos as convicções, generalizadamente, mas acreditamos que no plano da solução legal é preciso encontrar as convicções de todos, não violando a consciência de ninguém. É esta ética que deve ser acolhida na lei, é por esta ética que o Grupo Pai lamentar do PCP se bateu e vai continuar a batei.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Crespo
O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Em face do recurso sobre a admissão do Projecto de Lei n.º 7/III, do PCP, sobre Interrupção Voluntária da Gravidez, apresentado pelo CDS, o Grupo Parlamentar do PSD dá aos seus deputados liberdade de voto sobre esta questão processual de admissibilidade.
Sem embargo desta nossa posição, desejo declarar que estamos de acordo com a parte do parecer de 5 de Fevereiro de 1982, do Presidente da Assembleia da República, Dr. Francisco de Oliveira Dias, que, sem embargo de ter aqui sido referido e de defendermos que esta Assembleia deve trabalhar com celeridade me permito passar a ler:
Assim, e não desejando sobretudo desviar a análise profunda do problema para eventuais discussões periféricas por se relacionar com questões meramente processuais, porquanto entendo que problema tão grave deve ser debatido no plenário da Assembleia, com toda a profundidade, de maneira que todos os deputados exprimam livremente as suas diferentes opiniões e assumam sobre ele as suas responsabilidades, perante o povo de que são representantes.
No entanto, entendemos dever prevalecer, nesta matéria grave, o princípio da liberdade de voto dos nossos deputados, no que se refere à mera questão processual. Não vamos, com é óbvio, discutir agora a problemática do aborto. Sem embargo desta nossa posição sobre a admissibilidade, questão de natureza meramente processual, repito, desejo aqui declarar que o PSD mantém, quanto à questão de fundo, a posição que teve quando foi discutida a questão na anterior legislatura. Então, votámos contra o projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista Português.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Limpem-se agora a este guardanapo!
O Sr. Presidente: - Paia uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos confrontados aqui, liminar mente, com duas questões A primeira, é o recurso interposto por parte do CDS quanto à admissibilidade deste projecto de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez. O outro é o problema do conteúdo do próprio projecto de lei. Examinaremos estas questões, separadamente, e no ponto restrito em que elas coincidem.
O primeiro problema é o da admissibilidade ou não admissibilidade deste projecto de lei. É evidente que ele é admissível e não é inconstitucional. É evidente que é admissível porquanto o problema da violação ou o problema da consagração do direito à vida tem infelizmente, na história, sofrido muitos desvios.
E eu penso que o CDS não deixará - como partido democrata-cristão que é - de aceitar que desde o bíblico «não matarás» até à definição e ao apoio e reposição da pena de morte em Inglaterra pela Primeira-Ministra, Sr. Margaret Thatcher, não vai, ou vai, conforme os casos, um ponto de incoerência clara. É evidente que o CDS, como partido democrata-cristão que é, sabe a diferença que vai desde o princípio bíblico «não matarás» à possibilidade de matar em guerra ou em exercício de uma legítima defesa. É evidente que o CDS sabe perfeitamente que entre esse princípio e à sua aplicação prática muita água passou sob as pontes.
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O segundo ponto e este: Mas, apesar de tudo, haverá uma violação do direito à vida quando se faz ou quando se defende a despenalização da interrupção voluntária da gravidez?
Eu direi que se trata de um ponto de vista puramente ideológico e de formação de consciência. Sim, Srs. Deputados, sei que há pessoas extremamente honradas e serias que defendem esse ponto de vista, como há pessoas extremamente honradas e sérias que não defendem esse ponto de vista. A questão e que muitas das primeiras, não todas, pretendem colocar os seus pontos de vista ideológicos sob a protecção da lei penal, enquanto há outras que, pura e simplesmente, não pretendem que os seus pontos de vista ideológicos estejam tutelados pela lei penal.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Num primeiro caso, temos inquisição, noutro caso temos a filosofia das luzes e a responsabilidade própria.
Aplausos do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns Srs. Deputados do PSD.
Nós não obrigamos ninguém a fazer aborto. Pensamos que o primeiro dever do cidadão, no respeito pela pessoa humana, é respeitar as suas próprias convicções. E mau seria que alguém, que em consciência se pronuncia contra o aborto, o praticasse envergonhadamente, no silêncio da sua consciência envergonhada, ou, pior ainda, o fizesse praticar.
Mas o que nós pensamos em relação a esta matéria é que não pode a lei penal, não pode a lei civil, não pode a lei do Estado proteger ou obrigar penalmente obrigações de consciência.
Isto dito, Srs. Deputados, e para não entrar a fundo na ordem de trabalhos, gostava de lhes dizer que me louvo naquilo que foi o despacho do, na época, Sr. Presidente Oliveira Dias, cuja memória está presente nesta Casa, e que tanto a prestigiou pela sua inteligência, capacidade de diálogo e compreensão humana e a cuja presidência eu aproveito aqui para render uma sentida homenagem, quanto é certo que trabalhei com ele muito apertadamente. Esse despacho resume-se numa simples frase: não estando de acordo com este projecto de lei não coarctarei aos outros o direito de o discutir.
É nesta base e neste princípio que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista votará contra o recurso entreposto pelo CDS, mas será na base deste princípio, também, que quando este projecto de lei for discutido neste Parlamento - como de resto ocorreu no outro debate - o Grupo Parlamentar do Partido Socialista dará aos seus deputados liberdade de voto para que possam votar de acordo com a sua consciência.
Aplausos do PS, do PSD, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do Deputado da ASDI Vilhena de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Castro.
O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensamos que a apreciação do recurso apresentado pela bancada do CDS se deve restringir à matéria que ela comporta. Na verdade, não deverá ultrapassar a discussão de fundo, como sucedeu por parte da mesma bancada ao defender a sua posição no seu recurso.
Há que distinguir duas matérias diferentes. Uma, a apreciação do recurso e, outra, o fundo do projecto de lei em causa.
Tal não significa que nós, bancada do MDP/CDE, não tenhamos uma posição clara sobre um e outro ponto. Tal não significa que ao distinguir dois momentos na discussão e ao ter presente que hoje não se deverá exceder esse primeiro momento, que é o do âmbito do recurso, nos queiramos furtar a tomar uma posição clara sobre o fundo do projecto de lei em causa.
O MDP/CDE não tem razões para alterar a posição já assumida no debate travado na Assembleia da República, quanto a esta matéria e, portanto, deixar de aprovar o projecto de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez.
No entanto, pensamos que não é este o momento de tal estar a discutir, quando está apenas em causa o recurso sobre a admissão deste projecto de lei.
O fundamento do recurso é a violação de um artigo da Constituição que estabelece a inviolabilidade da vida humana. Naturalmente que temos o maior respeito por este e outros princípios estabelecidos na Constituição. Mas servir-se dele para impugnar a admissão deste projecto de lei é, no fundo, uma questão metafísica. E é uma questão metafísica para a qual seríamos arrastados - se o deixássemos fazer-, porque ela iria significar que se iria aqui debater quando é que se inicia a vida humana: se é com as primeira células humanas se é, até, com o acto de impedir que essas primeiras células nasçam.
Essa é, para nós, efectivamente, uma questão metafísica. No fundo, o que está em causa é, efectivamente, impedir que esta Assembleia da República se pronuncie livremente sobre a matéria do projecto de lei. A nosso ver, este objectivo não tem o nosso apoio nem poderá ter o apoio, julgamos, da Assembleia da República.
Ninguém compreenderia que esta Assembleia impedisse que um projecto de diploma tão importante fosse apreciado livremente por essa mesma Assembleia. Seria este, contudo, o objectivo do recurso. E é por isso que nós não podemos dar-lhe a nossa concordância. Pensamos que é através da livre apreciação, do debate daquilo que consta do projecto, que será possível chegar a uma conclusão.
A votação no passado foi negativa, uma votação de rejeição, quando havia uma certa maioria nesta Assembleia da República, maioria que hoje desapareceu e que foi substituída por outra. Isso deixa-nos a fundada esperança de que este projecto de lei venha a ser aprovado pela nova maioria democrática, saída das novas eleições.
Por isso, o nosso parecer é no sentido da rejeição do recurso agora apresentado.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, para um protesto.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Deputado Raul de Castro acaba de dizer que o Grupo Parlamentar do CDS, ao impugnar a admissibilidade deste
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projecto de lei, está a tentar furtar a Assembleia da República a pronunciar-se sobre ele. Não é essa a intenção do CDS.
A intenção do Grupo Parlamentar do CDS é, precisamente, entregar a esta Assembleia, porque o recurso é para o Plenário da Assembleia, o julgamento da constitucionalidade do projecto de lei. E isso leva-me desde logo à questão que queria aqui pôr, que é a da memória e da coerência do Grupo Parlamentar do CDS.
O Grupo Parlamentar do CDS não perdeu a memória, é por uma questão de coerência que levanta o problema, neste momento.
Com efeito, quando na sessão legislativa passada e na legislatura passada, se discutiu a questão de fundo nesta Câmara, o Grupo Parlamentar do CDS levantou o problema da constitucionalidade do projecto de lei. Acabou por levantar e por centrar a sua discussão e a sua posição na constitucionalidade do projecto e, portanto, é uma questão de coerência do Grupo Parlamentar do CDS, é uma questão de lealdade e de respeito para com a Câmara, levantar essa questão neste momento, que é o momento próprio para o fazer, e erigir a Assembleia em juiz desta questão. Não há, portanto, falta de coerência nem de memória.
Uma outra questão, Srs. Deputados, é a da constitucionalidade ou inconstitucionalidade. Foi dito aqui que não havia dúvidas sobre a interpretação do n.º1 do artigo 25.º da Constituição, essas dúvidas existem, mas o CDS não tem dúvidas, tem uma certeza: quando a Constituição fala de inviolabilidade da vida humana, fala também da vida humana intra-uterina e não apenas depois 'do nascimento, ou extra-uterina. Esta a posição do CDS. E sendo esta a posição do CDS, tem que levantar a questão da constitucionalidade. E dúvidas surgiram, Srs. Deputados, mesmo quando a Procuradoria-Geral da República se pronunciou sobre o problema, porque o seu parecer, embora tirando conclusões que são parcialmente favoráveis à tese da constitucionalidade do projecto de lei do Grupo Parlamentar do PCP, não deixa de levantar dúvidas sobre o verdadeiro sentido do artigo 25.º ...
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É o artigo 24.º!
O Orador: - Tem razão, peço desculpa. Era 25.º, agora é 24.º
Como ia dizendo, essas dúvidas não são dúvidas surgidas apenas em Portugal e face à nossa ordem constitucional, são dúvidas surgidas em todos os países com preceitos constitucionais semelhantes aos do artigo 24.º e em que o problema também se colocou. Portanto, é pertinente a questão levantada pelo CDS e é esta a sede própria para o fazer.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Castro.
O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): - Creio que será muito claro, não só para nós mas para quem seguir os termos deste debate, que um recurso sobre a não admissão de um projecto de lei, se fosse aceite, teria como consequência o impedimento da sua discussão, por parte desta Assembleia.
Toda a argumentação do Sr. Deputado não consegue afastar esta realidade. É que efectivamente ninguém poderá estranhar que qualquer bancada queira discutir o mais amplamente possível um projecto de lei, o que se estranha é que alguma bancada, neste caso a do CDS, pretenda evitar que esta Câmara discuta um projecto de lei, e o objectivo do recurso é unicamente este.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos o recurso interposto pelo CDS como uma atitude que pretende, pela estreita via adjectiva, impedir a discussão de questões de fundo com a importância que, a muitos títulos, se deve atribuir à problemática do aborto, mais uma vez suscitada pelo PCP.
Não sabemos, mesmo, que mais estranhar e destacar: se uma atitude em tudo diversa da assumida na II Legislatura pelo CDS, aquando da apresentação do projecto de lei n.º 309/II, pronunciadora de divisões, ou ao menos de fraccionamento de opinião no seio do partido recorrente; se uma atitude de criação de supostos embaraços a um antigo aliado na defunta coligação AD; se a tentativa de um mero aproveitamento político-partidário, na base de um incompleto esclarecimento da opinião pública sobre o alcance do presente recurso, querendo fazer inculcar a ideia de que, mais uma vez e antes da discussão de fundo, o CDS se assume como o arauto, com carácter de exclusividade, contra o aborto.
Nós não embarcamos em atitudes destas e somos contra o aproveitamento partidário de questões cujo interesse releva de outra ordem de considerações, desde as de ordem moral às de real interesse da comunidade em geral.
Nós, que votámos contra o projecto de lei do PCP, e livremente, de harmonia com o nosso estatuto partidário, não nos eximiremos à sua reapreciação, sobretudo pela precariedade dos fundamentos do recurso interposto e, sobretudo, pelas razões que a seguir aduzo.
Em primeiro lugar, porque entendemos que quanto mais problemática e controversa uma questão se apresenta à consciência das pessoas, mais profunda e alargada deve ser a sua discussão.
Em segundo lugar, porque o projecto de lei em causa abrange ou poderá vir a abranger situações que, do nosso ponto de vista, extravasam um enquadramento único de desrespeito do direito à vida.
A consideração que nos merece, ou que também nos merece, o despacho do ex-Presidente da Assembleia da República, Dr. Oliveira Dias, admitindo à discussão o projecto de lei n.º 309/II e a conclusão do parecer da Procuradoria Geral da República que não considerou inconstitucional o mesmo projecto, são razões que, somadas às anteriores, determinarão o sentido do nosso voto, em relação ao recurso interposto.
Aplausos da ASDI e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação do recurso apresentado pelo CDS, quanto à admissibilidade do projecto de lei.
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Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI, os votos a favor do CDS e quatro abstenções do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de encerrarmos a sessão vou dar conhecimento de vários pedidos de ratificação e projectos de lei, entrados na Mesa.
Foram apresentados os seguintes pedidos de ratificação:
Ao Decreto-Lei n.º 219/83, apresentado pelo PCP; ao Decreto-Lei n.º 508/80, apresentado pela Sr.ª Deputada Odete dos Santos (PCP); ao Decreto-Lei n.º 128/83, apresentado pelo Sr. Deputado Lino Lima (PCP); ao Decreto-Lei n.º 421/80, apresentado pela Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP); ao Decreto-Lei n.º 355/82, apresentado pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 165/82, apresentado pelo Sr. Deputado João Amaral (PCP); ao Decreto-Lei n.º 352/81, apresentado pela Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP); ao Decreto-Lei n.º 1/81, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 344-A/82, apresentado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 255/82, apresentado pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 269/82, apresentado pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 293/82, apresentado pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 486/82, apresentado pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 260-E/81, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 13/83, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 272/82, apresentado pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 427/80, apresentado pelo Sr. Deputado João Amaral e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 156-A/83, apresentado pelo Sr. Deputado João Amaral e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 220/83, apresentado pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 294/82, apresentado pelo Sr. Deputado Silva Graça e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 149/81, apresentado pelo Sr. Deputado Silva Graça e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 292/81, apresentado pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 311/80, apresentado pelo Sr. Deputado Silva Graça e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 494/79, apresentado pelo Sr. Deputado Silva Graça e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 210/83, apresentado pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 312/80, apresentado pelo Sr. Deputado Silva Graça e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 382/81, apresentado pelo Sr. Deputado Silva Graça e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 525/79, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 126/83, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 210/81, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 125/82, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 187/79, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 211/81, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 477/82, apresentado pela Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP); ao Decreto-Lei n.º 90/83, apresentado pelo Sr. Deputado Lino Lima e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 191/83, apresentado pelo Sr. Deputado Lino Lima e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 402/82, apresentado pela Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP); ao Decreto-Lei n.º 39/83, apresentado pela Sr.ª Deputada Odete Santos e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 187/83, apresentado pelo Sr. Deputado Lino Lima e outros (PCP; ao Decreto-Lei n.º 401/82, apresentado pela Sr.ª Deputada Odete Santos e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 400/82, apresentado pelo Sr. Deputado Lino Lima e outros (PCP); ao Decreto-Lei n.º 557/80, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros (PCP).
Foram, também, apresentados na Mesa os seguintes projectos de lei:
Pelo Sr. Deputado Narana Coissoró e outros (CDS), sobre a reestruturação do ensino de contabilidade e administração; pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros (PCP); sobre o reforço das garantias de exercício dos direitos dos conselhos de redacção e dos seus membros; pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros (PCP), sobre a lei da Radiodifusão; pelo Sr. Deputado Girão Pereira e Bagão Félix (CDS), sobre a criação da freguesia de Nossa Senhora de Fátima, no concelho de Aveiro; pelo Deputado Manuel Moreira (PSD), sobre a elevação à categoria de cidade da vila de Vila Nova de Gaia; pela Sr.ª Deputada Zita Seabra e outros (PCP), sobre a garantia de protecção jurídica às pessoas em situação de união de facto, nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil; pelo Sr. Deputado Reinaldo Gomes e outros (PSD), sobre a criação da freguesia de Santo Onofre, no concelho das Caldas da Rainha; pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros (PCP), sobre a garantia de igualdade de tratamento fiscal aos corpos municipais de bombeiros; pelo Sr. Deputado Lucas Pires e outros (CDS), sobre o património cultural português; pelo Sr. Deputado Raul de Castro e Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), sobre a revogação do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 313/80, de 19 de Agosto, que permite a venda, em propriedade plena, de terrenos da Administração; pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros (PCP), que revoga as medidas governamentais tendentes ao desmantelamento da CTM - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, Empresa Pública; pelo Sr. Deputado Joaquim Rocha Santos e outros (CDS), sobre a elevação da vila de Matosinhos à categoria de cidade; pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e outros (CDS), sobre a Uni-
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versidade Internacional Luís de Camões; pelo Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha e outros (MDP/CDE), que revoga o Decreto-Lei n.º 356/79, de 31 de Agosto, atentatório da legalidade administrativa e da garantia dos direitos dos cidadãos; pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros (PCP), que revoga a Portaria n.º 494/83, de 30 de Abril, que estabelece o regime de mobilização de obrigações do Tesouro de 1977, nacionalizações e expropriações, para novos investimentos; pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros (PCP), que altera o Decreto-Lei n.º 117/83, de 25 de Fevereiro, que regulamenta a emissão de obrigações de caixa pelas, sociedades de investimentos.
Srs. Deputados, a próxima sessão será amanhã pelas 15 horas e terá como ordem de trabalhos o que ficou por discutir nesta sessão, ou seja: na primeira parte, a apresentação do relatório da delegação portuguesa à União Interparlamentar e, na segunda parte, os projectos de lei n.ºs 6 e 76/111 do PS, ASDI e UEDS, sobre alterações à Lei Orgânica da Assembleia da República. Haverá também período de antes da ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 45 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Bento Elísio de Azevedo.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Manuel Marcelo M. Curto.
João Joaquim Gomes.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
António Coutinho Monteiro Freitas.
Fernando José da Costa.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
João Evangelista Rocha de Almeida.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Bento Gonçalves.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria Leonor Beleza Mendonça Tavares.
Partido Comunista Português (PCP):
António da Silva Mota.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim Gomes dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
António da Gama Lobo Xavier.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró
Deputados que faltaram à sessão:
Partido Socialista (PS):
António Cândido Miranda Macedo.
Eurico José P. Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Jorge Manuel Guimarães Quinta.
José Joaquim Pita Guerreiro.
José Narciso Rodrigues Miranda.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Jorge Nélio P. Ferraz Mendonça.
Mário Montalvão Machado.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
PREÇO DESTE NÚMERO 52$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA