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Quinta-feira, 27 de Outubro de 1983

DIÁRIO da Assembleia da República

III Legislatura

1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos.

Ordem do dia. - Prosseguiu e concluiu-se o debate relativo à interpelação do PCP ao Governo, com vista à abertura de um debate de política geral centrado predominantemente sobre as medidas de política económica e financeira aplicadas, aprovadas ou anunciadas e as orientações de política económica, monetária e orçamental subjacentes ao acordo recentemente negociado com o FMI.

Produziram intervenções, a diverso título, além dos Srs. Ministros da Agricultura, Florestas e Alimentação (Soares Costa) e do Trabalho e Segurança Social (Amândio de Azevedo), os Srs. Deputados Hasse ferreira (UEDS), Jorge Lacão (PS), António Taborda (MDP/CDE), Almerindo Marques (PS), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Margarida Tengarrinha (PCP), Lopes Cardoso (UEDS), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Rogério de Brito (PCP), Marques Mendes (PSD), Basílio Horta (CDS), Custódio Gingão (PCP), Vasco Miguel (PSD), Leonel Fadigas (PS), Joaquim Miranda (PCP), Amélia de Azevedo (PSD), Agostinho Domingues (PS), Zita Seabra (PCP), Soares Cruz (CDS), José Manuel Ambrósio (PS), Rocha de Almeida (PSD), José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP), José Miguel Anacoreta Correia (CDS), Carlos Espadinha, João Amaral e Ilda Figueiredo (PCP) e António Gonzalez (Independente).

A encerrar o debate, intervieram o Sr. Deputado Carlos Brito (PCP) e o Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares).

Entretanto, foram aprovados 2 pareceres da Comissão de Regimentos e Mandatos relativos a autorizações e denegações para a comparência de alguns Srs. Deputados em tribunais de várias comarcas e juízos, tendo ainda sido aprovado um outro parecer da mesma Comissão considerando justificadas algumas faltas dadas pelo então Sr. Deputado Carlos Candal (PS) no ano de 1982.

O Sr. Presidente, depois de ter dado conta da entrada na Mesa de alguns diplomas, encerrou a sessão eram 21 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Estavam presentes na sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto. Acácio Manuel Frias Barreiros. Agostinho de Jesus Domingues. Alberto Manuel Avelino. Alexandre Monteiro António. Almerindo da Silva Marques. Amadeu Augusto Pires. Américo Albino da Silva Salteiro. Aníbal Coelho da Costa. António Cândido Miranda Macedo. António da Costa. António Domingues de Azevedo. António Frederico Vieira de Moura. António Jorge Duarte Rebelo de Sousa. António José Santos Meira. Beatriz Almeida Cal Brandão. Bento Elísio de Azevedo. Bento Gonçalves da Cruz. Carlos Augusto Coelho Pires. Carlos Cardoso Lage. Carlos Justino Luís Cordeiro. Dinis Manuel Pedro Alves. Edmundo Pedro.

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Eurico Faustino Correia.
Eurico José P. Carvalho Figueiredo.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Bastos Torres.
José da Cunha e Sá.
José Ferreira Pires Gestosa.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Martins Pires.
José António Borja S. dos Reis Borges.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Filipe Pessoa Santos Loureiro.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Angela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria de Jesus Barroso Soares.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues. Abílio Mesquita Araújo Guedes. Adérito Manoel Soares Campos. Agostinho Correia Brinquinho. Amadeu Vasconcelos Matias. Amândio S. Domingues Basto Oliveira. Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo. António Joaquim Bastos Marques Mendes. António Maria de Ornelas Ourique Mendes. António Nascimento Machado Lourenço. António Roleira Marinho. António Sérgio Barbosa de Azevedo. Arménio dos Santos. Carlos Miguel Almeida Coelho. César Augusto Vila Franca. Cristóvão Guerreiro Norte. Daniel Abílio Ferreira Bastos. Domingos Duarte Lima. Eleutério Manuel Alves. Fernando José Roque Correia Afonso. Fernando Manuel Cardoso Ferreira. Fernando Monteiro do Amaral. Fernando dos Reis Condesso. Francisco Antunes da Silva. Francisco Jardim Ramos. Gaspar de Castro Pacheco. Guido Orlando de Freitas Rodrigues. Jaime Adalberto Simões Ramos. João Evangelista Rocha de Almeida. João Luís Malato Correia. João Maurício Fernandes Salgueiro. João Maria Ferreira Teixeira. João Pedro de Barros. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro. Joaquim dos Santos Pereira Costa. Jorge Nélio P. Ferraz Mendonça. José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário. José António Valério do Couto. José Augusto Santos Silva Marques. José Bento Gonçalves. José Luís de Figueiredo Lopes. José Mário de Lemos Damião. José Silva Domingos. José Vargas Bulcão. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro Almeida. Leonel Santa Rita Pires. Luís António Martins. Manuel António Araújo dos Santos. Manuel da Costa Andrade. Manuel Ferreira Martins. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Maria Moreira. Manuel Maria Portugal da Fonseca. Manuel Pereira. Maria Margarida Salema Moura Ribeiro. Mariana Santos Calhau Perdigão. Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo. Mário Martins Adegas. Mário Júlio Montalvão Machado. Nuno Aires Rodrigues dos Santos. Pedro Augusto Cunha Pinto. Raul Gomes dos Santos.

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Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Victor Pereira Crespo

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro. António Anselmo Aníbal. António Dias Lourenço. António Guilherme Branco Gonzalez. António José de Almeida Silva Graça. António da Silva Mota. Belchior Alves Pereira. Carlos Alberto da Costa Espadinha. Carlos Alberto Gomes Carvalhas. Caros Alfredo de Brito. Custódio Jacinto Gingão. Domingos Abrantes Ferreira. Francisco Miguel Duarte. Georgete de Oliveira Ferreira. Jerónimo Carvalho de Sousa. João António Gonçalves do Amaral. João António Torrinhas Paulo. João Carlos Abrantes. Joaquim António Miranda da Silva. Joaquim Gomes dos Santos. Jorge Manuel Abreu de Lemos. Jorge Manuel Lampreia Patrício. José Manuel Antunes Mendes. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Rodrigues Vitoriano. Lino Carvalho de Lima. Manuel Correia Lopes. Manuel Gaspar Cardoso Martins. Manuel Rogério de Sousa Brito. Maria Alda Barbosa Nogueira. Maria Ilda Costa Figueiredo. Maria Luísa Mesquita Cachado. Maria Margarida Tengarrinha. Mariana Grou Lanita. Octávio Augusto Teixeira. Octávio Floriano Rodrigues Pato. Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira. Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares. António José de Castro Bagão Félix. Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira. Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca. Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia. Francisco António Lucas Pires. Francisco Manuel de Menezes Falcão. Henrique Conceição Madureira. Henrique Manuel Soares Cruz. Hernâni Torres Moutinho. João António de Morais Silva Leitão. João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre. João Gomes de Abreu Lima. João Lopes Porto. Jorge Manuel Gomes Barbosa. José Luís Nogueira de Brito. José Miguel Anacoreta Correia. José Vieira de Carvalho. Manuel António de Almeida Vasconcelos. Manuel Jorge Forte de Goes.

Manuel Tomás Rodrigues Queiró. Maria da Conceição Dias Neto. Narana Sinai Coissoró. Nuno Teixeira Lopes Tavares. Pedro José del Negro Feist. Tomás Rebelo Espírito Santo.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda. Helena Cidade Moura. João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira. António Manuel C. Ferreira Vitorino. António Poppe Lopes Cardoso. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Manuel Tilman. Ruben José Almeida Raposo.

Durante a sessão, tomaram assento na bancada do Governo, além do Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares), os Srs. Ministros de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos), da Justiça (Rui Machete), das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes), dos Negócios Estrangeiros (Jaime Gama), da Administração Interna (Eduardo Pereira), do Trabalho e Segurança Social (Amândio de Azevedo), da Agricultura, Florestas e
Alimentação (Soares Costa), do Equipamento Social (Rosado Correia), da Indústria e Energia (Veiga Simão), do Mar (Carlos Melancia) e da Qualidade de Vida (António Capucho) e os Srs. Secretários de Estado do Orçamento (Alípio Dias), das Florestas (Azevedo Gomes) e da Alimentação (Montalvão Gomes).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, iniciamos a sessão com a ordem do dia de hoje, que é a continuação da interpelação do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português ao Governo, com vista à abertura de um debate de política geral centrado predominantemente sobre as medidas de política económica e financeira aplicadas, aprovadas ou anunciadas e as orientações de política económica, monetária e orçamental subjacentes ao acordo recentemente negociado com o FMI.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças e do Plano, Srs. Ministros: Destina-se este debate a esclarecer-nos sobre a política económica e financeira do IX Governo Constitucional, pelo menos, é com esse sentido que gostaríamos de intervir. E começamos por afirmar, com tristeza, que a política económica do actual Governo é, para nós, decepcionante. Para fundamentarmos esta afirmação, no breve tempo que nos é concedido, passemos a analisar a Carta de Intenções dirigida ao Sr. De Larosiére pelos Drs. Ernâni

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Lopes e Jacinto Nunes, carta que, mais do que os capítulos financeiros - bastante vagos aliás - do Programa do Governo, exprimem bem as orientações futuras que se prevêem, pelo menos, até princípios de 1985. Porque, depois dessa data, parece fazer-se o vácuo, parece impor-se o deserto das ideias, pela completa ausência de explicitação de um modelo económico que norteie o desenvolvimento do país e que, embora com os recursos escassos existentes, procure, da melhor forma possível, combiná-los e optimizar a sua utilização.

Nós, deputados da UEDS, não contestaremos que são de monta as deficiências estruturais da economia portuguesa, como concordamos em que a balança de pagamentos do nosso país reflecte essa incapacidade estrutural, bem como as dependências em relação ao estrangeiro, designadamente em termos energéticos e alimentares. O que nos choca, pois, não é tanto a adopção de medidas de austeridade que permitam diminuir o desequilíbrio das contas de Portugal com o exterior, mas sim a não adopção de medidas que visem, efectivamente, reduzir a dependência externa e aumentar a capacidade do aparelho produtivo nacional, bem como a competitividade externa dos bens e serviços aqui produzidos.
Na carta ao Sr. De Larosiére, diz-se, por exemplo, que «serão adoptadas providências para promover a
reestruturação e a diversificação do sector industrial, quer em público quer em privado, para reduzir a dependência energética, aumentar a produtividade da agricultura e modernizar os sistemas financeiro e fiscal». É um conjunto de excelentes intenções. E damos também o nosso acordo a que «os progressos nestas áreas são essenciais para criar condições para a retoma do crescimento continuado da produção e do emprego no médio prazo e manter, ao mesmo tempo, uma posição externa viável»; afirmação feita no ponto 2 da mesma carta. Só que, Sr. Ministro das Finanças e do Plano, parece-nos que todas estas boas intenções se esquecem em favor da afirmação inicial do ponto 4, isto é, de que a principal contribuição para a estabilização resultará da contenção orçamental. Afirmação de cuja sinceridade não duvidamos, e que, aliás, no âmbito da contenção do défice orçamental já aqui foi ilustrada pela posição tomada pelo Governo no que respeitou às propostas de novos impostos, sobre as quais nós, deputados da UEDS, já tivemos ocasião de nos pronunciar.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Debrucemo-nos sobre o «país, país» - o tal país real de que falam os filósofos e os cronistas - e reflitamos, por exemplo, sobre a enunciada intenção de limitar a taxa de aumento de vencimentos dos funcionários públicos em 1984, associada à intenção expressa no ponto 9 da referida carta de manter os salários nas empresas públicas abaixo da taxa de inflação, quer em 1983 quer em 1984. Não será esse objectivo, mas o resultado, ou um dos resultados, será certamente a drenagem de quadros competentes, que os há, do sector público empresarial e administrativo para as empresas privadas, será desmobilizar o funcionalismo público e afastar os trabalhadores e os quadros do sector público empresarial do interesse pela realização das metas estabelecidas para as empresas em que trabalham. Este será o resultado de uma política traçada com a régua e o esquadro

da pura econometria, ignorando ou negligenciando os mecanismos de funcionamento da sociedade e as regras da gestão empresarial. Estes são aspectos de uma política financeira que não podemos avalizar.

Fala-se, por exemplo, de mecanismos de apoio apropriados que atenuem o impacto das medidas tomadas, mas não são explicitados quais. E, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Ministros, o que nos preocupa é que o tipo de política proposto pelo Dr. Ernâni Lopes, a manter-se duradouramente, pode pôr em risco, em nosso entender, o próprio regime democrático. Essencialmente, porque se trata de uma austeridade até aqui sem perspectivas, que pode bloquear o desenvolvimento a prazo da economia nacional, porque se trata de uma austeridade desmobilizadora. Integra uma perspectiva de redução do sector público que nós, deputados da UEDS, não podemos aceitar; engloba uma redução do investimento privado que porá em perigo o desenvolvimento necessário para numerosas empresas, que agravará o desemprego e que diminuirá a competitividade externa dos produtos portugueses. Nada disto nos pode entusiasmar.

Quando o desemprego continuar a aumentar, quando o investimento privado se reduzir, quando a situação nas empresas públicas se continuar a deteriorar, certamente que as tensões sociais aumentarão e assistiremos a uma de duas hipóteses ou, na pior perspectiva, à sua conjugação. A primeira hipótese será a da mobilização contra a actuação governamental, ou, pelo menos, contra a política económica governamental, de um conjunto significativo de sectores sociais de expressão partidária, apesar de tudo relativamente limitada mas com grande peso na rua e na opinião pública e a segunda, o aparecimento de assaltos a estabelecimentos e supermercados e o desenvolvimento, em grau elevado, da marginalidade, provocada essencialmente pelo desemprego. Qualquer destas duas hipóteses serão agravadas pelo crescimento das formas de economia paralela, nas esferas da produção e da troca, que vão florescendo no nosso País atingindo níveis que dificultam o próprio controle da conjuntura. Por isso, dizemos que esta política económica continuada pode, mesmo que reequilibre as contas externas, mesmo que traga estabilização financeira, porque não abre perspectivas para o futuro, vir a pôr em causa não só o Governo mas sim a estabilidade do regime. É uma política económica sem esperança. Porque dizemos que um povo pode aceitar a austeridade, quando compreende para quê. E isso, Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro das Finanças e do Plano, Srs. Deputados, é o que não se tem compreendido, ou porque não existem objectivos mobilizadores, ou porque eles não são claramente explicados.

A principal pergunta que os trabalhadores e o povo deste país fazem, afinal, é: e depois da austeridade, o quê? A austeridade, novamente? Pede-se ao Governo que explique o que se seguirá. Dizê-lo que o irá fazer em 1984 é pouco.
Sr. Ministro das Finanças e do Plano: O seu esquema de contenção do défice orçamental já está suficientemente compreendido, já é em demasia conhecido, diria mesmo que já é razoavelmente rejeitado, pelo menos, por largos sectores. Mas o modelo de desenvolvimento que V. Ex.ª proporá ao país, para aplicar no médio prazo qual é? Ele não ressalta do Programa do Governo, não se descortina na Carta de Intenções enviada

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ao FMI, nem transparece das declarações de V. Ex.ª Talvez o debate das Grandes Opções do Plano nos esclareça um pouco mais, já que apenas no fim dos próximos semestres V. Ex.ª apresentará os Programas de Recuperação e de Modernização previstos no Programa do Governo que esta Assembleia aprovou.
Mas, para além disso, na própria política que V. Ex.ª propõe para o curto prazo, existem motivos para alguma estranheza. Assim, e por exemplo, V. Ex.ª propõe a manutenção da desvalorização deslizante do escudo e, não parecendo preocupá-lo sobremaneira os consumos de energia, certamente as importações nesta área crescerão em valor, medido em escudos, a um ritmo elevado, o mesmo se passando com os custos das matérias-primas importadas. Ora contendo V. Ex.ª os salários e impedindo a renovação do equipamento das empresas com as restrições ao crédito, não parecerão possíveis substanciais ganhos de produtividade do trabalho ou melhorias na utilização das matérias-primas. Nas empresas públicas, proporá ainda, em alguns casos, aumentos de preços superiores aos custos e adiante diz que fará descer a inflação. De que forma se agrava a generalidade dos custos? Apenas pela redução do pagamento de salários? Ou será que se reduzirão os encargos financeiros das empresas?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não acreditamos em milagres na economia e compreendemos até a necessidade de certas medidas, mas não aceitamos a absolutização do valor da austeridade pela austeridade. Não cremos que seja inviabilizando empresas do sector público, provocando o desmoronamento de numerosas empresas do sector privado, restringindo brutalmente o crédito ao sector público, tornando obsoleto o aparelho produtivo e diminuindo ainda mais a participação do trabalho no rendimento nacional, que se torne este país economicamente viável. Como não será a precipitação para entrar na Europa da CEE que resolverá os problemas da inadequação do aparelho produtivo Luso, mas sim a adopção de medidas estruturais que tardam. Sem a confiança dos agentes económicos, qualquer política, por correcta que pareça, perderá ser inaplicável em democracia. E dos sectores empresariais e sindicais, do mundo do trabalho e dos círculos da gestão, elevam-se de forma cada vez mais ampla, críticas a esta política económica e financeira. Da CGTP à UGT, da CIP à AIP, passando pela Confederação do Comércio. Não se pode governar em democracia de forma duradoura e tendo, simultaneamente, contra, o país que trabalha, os cidadãos que gerem, o povo que está desempregado.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Está a ser este debate mais um passo na clarificação da política económica e financeira actualmente seguida pelo Governo. Sem capacidade, de momento, para a fazer-mos inflectir, nós, deputados da UEDS, deixamos aqui um breve mas sentido e reflectido aviso à navegação. Sabemos que os escolhos são muitos, conhecemos da gravidade dos rombos, alertamos para que muitos «marinheiros» começam a estar esfomeados e ou encolerizados, e não se vê no horizonte nem a «terra prometida nem a ilha dos amores», nem tão-pouco o «piloto» nos diz com clareza para onde vamos depois de passada a tormenta.
Respeitamos o Governo Constitucional e é por isso que, com a mais ciara firmeza, deixamos aqui manifes-

tado o nosso desagrado por esta política económica e financeira, especialmente pela falta de objectivos a médio prazo, falta de explicitação do modelo económico que nos deve orientar.
A contabilidade, ainda que pública e rigorosa, não pode estar no posto de comando. Aqui, como noutros lados, deve ser a política a estar no posto de comando. E esta deve servir os interesses da grande maioria do povo português!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pretende usar da palavra, para que efeito?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, pretendia fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Hasse Ferreira, V. Ex.ª disse que a política económica deste Governo era uma desilusão e, naturalmente, que as suas observações foram necessariamente feitas com base nos 4 meses de governação que já decorreram. Referiu que não tinha visto explicitado, por parte deste Governo, um modelo económico coerente mas, segundo o que resulta das suas declarações, desprezou ou pareceu desprezar todo o esforço que o Governo fez para evitar a ruptura financeira do Estado.

Queria, por isto, perguntar ao Sr. Deputado Hasse Ferreira se acha que é uma missão de menor importância a de, durante 4 meses, sem atingir as nossas divisas e as nossas reservas de ouro, conseguir desenvolver uma política que evitou essa ruptura. E não acha importante que, ao fim de 4 meses, um Governo possa apresentar-se nesta Câmara com a perspectiva de conceder ao país a possibilidade do desenvolvimento normal de uma estrutura produtiva, que todos sabemos deficitária e carecida de modernização, mas para a qual é necessária, como condição fundamental para o conseguir, evitar a ruptura financeira e o colapso do circuito económico normal do país? Acha que isso é um objectivo de menor importância e não pensa, ao contrário, que a realização desse objectivo é o passo fundamental, o passo prioritário, ...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É o passo para o abismo!

O Orador: - ... o passo necessário, como ontem aqui salientou o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, para que qualquer política de modernização possa ser feita?
Consideramos que esta política só pode ser realizada depois de esta condição prévia estar integralmente cumprida.

Como me parece que, acerca disto, o Sr. Deputado não disse nada, pedia-lhe que me esclarecesse sobre se considera que esta questão é menor nos objectivos, não apenas deste Governo, mas nos objectivos nacionais de salvação do país, perante as circunstâncias que este Governo herdou.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - O culpado é o «gonçalvismo» ...

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira, para responder.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, penso que a crise económica e financeira em que vive o país, para além de uma envolvente de carácter internacional e europeu, e que tem a ver com factores estruturais já aqui referidos - desde os sucessivos choques petrolíferos, a uma certa degradação dos termos de troca de Portugal com o exterior que, no fundo, se tem verificado nas últimas décadas - tem a ver também, na minha opinião, com a irresponsabilidade manifestada pelo governo anterior. Irresponsabilidade essa que é claramente ilustrada, embora diplomaticamente, por uma entrevista recente dada pelo Dr. Alípio Dias, na qual refere que:

A política então seguida foi realmente de contenção. Mas o que para mim é discutível é o grau dessa contenção, pois considerava que se tinha de ir mais longe.

De resto, este tipo de opiniões foram defendidas por diversos economistas, incluindo alguns do próprio partido então maioritário da coligação, no sentido que havia um adiar de decisões no plano económico e financeiro que viriam a ser pagas mais tarde.

Não sou, nem posso ser, dos que usam demagogia para dizer que tudo o que se passa, de bom ou de mau no momento actual, é da responsabilidade do actual Governo.

Sabemos que não é assim, sabemos que as decisões de política económica têm um tempo para serem implementadas e para se verificarem um certo número de efeitos. Daí que, consideremos que, não só em relação aos aspectos negativos, como a um ou outro aspecto positivo - ontem aqui referidos pelo Sr. Ministro Almeida Santos -, que se tenham verificado até meados deste ano, não terão tanto a ver com a acção deste Governo, embora possam estar relacionados com a perspectiva existente na altura de um governo deste tipo se vir a formar.

Portanto, aquilo que estava mal e grande parte das coisas que estão mal, não têm, efectivamente, a ver com este Governo. É evidente que este Governo proeurou o reequilíbrio das contas externas, que me parece correcto e que não pomos em causa. O que já pomos em causa, e era isso que lhe queria dizer, é que não nos parece que, em termos de mobilização da opinião pública para a aceitação das próprias medidas de austeridade, seja legítimo esperar que apenas durante o ano de 1984 - e fala-se até ao fim do 1 º semestre de 1984 - se apresente um dos programas e até ao fim do 2 º semestre do mesmo ano o outro. 15so é que nos parece que é tardio para, efectivamente, se poder mobilizar as pessoas. Diz-se às pessoas que têm de aceitar a austeridade e elas perguntam-nos «até quando e para quê?». Em resposta à primeira pergunta, dizemos «até ao princípio de 1985», porque fazemos fé naquilo que o Governo tem anunciado de que o programa de emergência é para durar 18 meses, mas elas insistem «e depois?». E nós temos de responder que não sabemos, mas que durante o próximo ano o Sr. Ministro das Finanças e do Plano vai propor umas «coisas», não sabemos o quê, mas vai propor. 15so é que nos parece estar a fazer-se muito lentamente.

Não tenho dúvidas - talvez seja demasiado crente que um governo homogéneo do Partido Socialista ou do Partido Social-Democrata já teria essas medidas propostas, mas eu nem critiquei o Sr. Ministro das Finanças e do Plano por não as apresentar no Programa do Governo, embora tenha chamado à atenção para a sua ausência. Agora o que penso é que é tempo de mais! Por outro lado, considero que a austeridade não é neutra e que o tipo de medidas de austeridade a propor não é o mesmo, consoante o tipo de desenvolvimento que se queira seguir no futuro. E esse é um problema centrai. Dizem-nos «vamos reequilibrar as contas externas». Okey, vamos reequilibrá-las, não contesto esse objectivo, pois é fundamental em termos de independência nacional.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sim, sim!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro sabe muito bem que penso que esse objectivo é fundamental e que o governo anterior o negligenciou. É a quarta vez que o digo e das primeiras três vezes que o fiz ninguém me contestou. Inclusivamente, houve Srs. Deputados do PSD que depois me disseram que estavam de acordo, como, aliás, o fizeram alguns, publicamente, ainda durante o anterior governo. Portanto, para além de toda a oposição de então, designadamente por parte do PS, da UEDS e da ASDI, houve até dentro do PSD pessoas que criticaram a orientação económica do anterior governo.

Entretanto, parte do público que assistia à sessão nas respectivas galerias lança panfletos para o hemiciclo.

O Sr. Presidente: - Desculpe a interrupção, Sr. Deputado.
Parece que as pessoas que vêm assistir ao debate não têm a noção das suas próprias responsabilidades e do dever de respeito que têm para com esta Assembleia.
Peço aos senhores guardas que mandem retirar as pessoas que se manifestaram.

Pausa.

Faça favor de continuar, Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Orador: - Concluiria muito rapidamente, embora o assunto seja grave, mas como dispomos de tempo ainda poderemos voltar, se for necessário, a intervir sobre ele.
Pensamos que o objectivo fundamental de evitar a ruptura financeira do Estado, só pecou por ser tardio. E isto não é culpa do actual Governo, mas sim do anterior e, designadamente, da crise que se instalou ao nível da liderança da AD, da forma que conhecemos, em Novembro e Dezembro do ano passado.
Alertamos aqui o Governo - e, designadamente, o Srs. Ministro das Finanças e do Plano -, no sentido de que não nos parece que as medidas de austeridade sejam neutras, pois o tipo de medidas não é o mesmo consoante o modelo de desenvolvimento a seguir. Nos tais «nós estratégicos» da economia portuguesa que referiu ontem, o tipo de medidas que tome dependem do tipo de política que quiser propor para este país depois de 1985. E isso não é neutro, Sr. Deputado Jorge Lacão!

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É por isso que alertamos para a ausência, neste momento, de um modelo de desenvolvimento a médio prazo, que é necessário se se quer mobilizar um povo, apesar da maioria esmagadora de que este Governo dispõe nesta Assembleia, pois não sendo neutras as medidas de austeridade, também não o é a maneira como se obtém o equilíbrio das contas externas.

Pensamos que esta é uma situação que se deve colmatar.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pede a palavra, para que efeito?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para um protesto, Sr. Presidente, dado que é essa a figura regimental que posso utilizar nesta circunstância.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lazão (PS): - Queria dizer ao Sr. Deputado Hasse Ferreira que registo com agrado que, afinal, dê a importância que merece ao combate contra os défices acumulados e contra o agravamento do endividamento externo. Continua, no entanto, e penso que essa preocupação lhe deve assistir, a manifestar algumas perplexidades quanto ao modelo de desenvolvimento.

Queria-lhe dizer, apenas, que da parte do Partido Socialista essa perplexidade não existe. Se essa questão e essa dúvida fosse suscitada por outra bancada, talvez da bancada do CDS onde há grandes dificuldades relativamente ao modelo de desenvolvimento que está consignado na Constituição da República, compreenderia melhor. Quanto ao Partido Socialista, como sabe, está inteiramente alinhado por aquilo que disse em matéria de revisão constitucional e por aquilo que então ajudou a consignar nessa sede, daí que o nosso modelo social e económico é o que se encontra inscrito na Constituição.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Não parece!

O Orador: - Quanto à possibilidade efectiva do desenvolvimento, registamos aquilo que ontem aqui disse o Sr. Ministro das Finanças e do Plano. Seria demagogia que, neste momento, muitas coisas se pudessem dizer acerca disso, mas estamos crentes que com esta política conjuntural séria, possamos, algures, no ano de 1984, com conhecimento de causa e com realismo, falar em concreto sobre as condições concretas do nosso desenvolvimento.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Nem o Dr. Mário Soares olha para esta brilhante afirmação!

O Sr. Presidente: - Deseja responder, Sr. Deputado Hasse Ferreira?

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sim, Sr. Presidente, sob a forma de contraprotesto.

O Sr. Presidente: - Como sabe, Sr. Deputado, está a contar no tempo que o seu partido dispõe neste debate. Para um contraproposto, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, não foi contra o modelo que me pronunciei, mas quanto à ausência de um modelo de desenvolvimento a prazo que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano ainda não explicitou. O Sr. Deputado fala do modelo económico e social consignado na Constituição. Quero afirmar-lhe que não tenho dúvidas de que a orientação do Partido Socialista é respeitá-lo, o que não quer dizer que, em coligação, se verifique exactamente o mesmo. Ora, o problema - e se não quer usar essa terminologia do modelo - é o da estratégia de desenvolvimento económico do país e dos objectivos a médio prazo que não estão suficientemente explicitados, ou até nada explicitados.
Não duvido das intenções do Partido Socialista, mas o que não conheço é a estratégia de desenvolvimento que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano vai propor. Como já disse, considero tardia essa ausência e, não duvidando que a política conjuntural possa ser séria, considero que não é suficientemente arrojada pois falta a articulação entre esta política conjuntural e uma estratégia de desenvolvimento a prazo. 15to é o que se passa em qualquer país da Europa onde existe, efectivamente, uma política de restrições orçamentais e de reequilíbrio das contas externas. Trata-se de saber «e depois, o quê?» 15so é que, até agora, por parte do Sr. Ministro das Finanças e do Plano - não me referi à orientação global do Partido Socialista - ainda não foi clarificada. Por isso, consideramos que este ponto deve ser explicitado a curto prazo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Começa a ser demasiado evidente a dificuldade que tem o Governo em definir uma política económica para o País. De facto, e apesar de, no seu Programa, o Governo reconhecer o primado da política que ultrapassa o curto prazo, apenas se definiu, até agora, aquilo que se designou por Programa de Gestão Conjuntural de Emergência (PGCE), desconhecendo-se, mesmo, os mais ténues contornos de tudo o que possa vir a fazer sentir os seus efeitos a mais de 18 meses de vista. E, mesmo assim, parece legítimo duvidar-se de que tenha sido o Governo português o verdadeiro autor do dito PGCE. Com efeito, dados os termos da chamada Carta de Intenções dirigida ao administrador-geral do FMI, mais parece ter sido este organismo «internacional» que definiu a orientação da política económica que teremos, e detém a faculdade de decidir sobre eventuais correcções a tal política, que se pretendam introduzir durante o período de vigência do PGCE.
Não se tratando, no caso do FMI, de uma instituição altruísta destinada a zelar desinteressadamente pelo bem-estar dos povos, e dadas as penosas consequências que, indiscutivelmente, advirão deste programa, legítimo seria esperar que o Governo tivesse tido a preocupação de, previamente, perspectivar o que nos aguarda passado este «pesadelo». É que, como escreveu o Sr. Deputado António Rebelo de Sousa num semanário, em Agosto último:

Ninguém compreende o sacrifício sem uma explicação racional para o mesmo; muito menos ninguém concorda com o sacrifício, mesmo quando

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se encontra uma explicação racional para o mesmo, quando é directamente lesado e não tem a sensação de estar perante algo de meramente temporário; todos propendem a defender as teses do «bota-abaixo» quando se sentem, injustificadamente, marginalizados dos processos de decisão.

Ora, foi dito ser este acordo determinado pela necessidade de solver os nossos compromissos com o exterior, derivados dos desequilíbrios das nossas contas com o exterior. Por isso, são definidos como os objectivos essenciais: a redução do défice da balança de transacções correntes, e a limitação do endividamento externo total. Mas o que é certo, é que esta política de contracção da despesa interna, acompanhada da estagnação ou recessão económica - com todas as nefastas consequências que acarreta, particularmente do ponto de vista social - não será capaz de evitar a manutenção do crescimento do endividamento externo e apenas conduzirá à atenuação, que não é supressão, do défice da balança de pagamentos. Assim sendo, que garantias são dadas de que, passados os 17 meses de vigência deste acordo com o FMI, a situação, certamente bem mais precária, não venha a servir de pretexto para um novo acordo ainda mais duro?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Em 27 de Março deste ano, no nosso programa eleitoral, quando apresentámos a nossa opção por «Uma nova política económica e social», como então a designámos, afirmámos:

A superação da crise económica e financeira que o PSD e o CDS agudizaram até limites nunca atingidos desde o 25 de Abril deverá constituir o fulcro da nova orientação política. Nem o agravamento do endividamento externo serviu para dinamizar o crescimento económico, nem a deterioração geral das condições de vida teve contrapartida na redução da deficiência e na vulnerabilidade da nossa economia.

O caminho para onde aponta a política conjuntural do Governo, e, sobretudo, a absoluta ausência de uma política económica ou de quaisquer medidas de natureza estrutural, faz-nos temer que estas palavras continuem a adequar-se, agora e no futuro, enquanto se mantiver este tipo de política que, na realidade, privilegia os aspectos conjunturais da economia. Argumenta o Governo que a alternativa à sua política seria a bancarrota imediata. Mas o que não garante, é que o espectro da bancarrota será, por esta via, definitivamente arredado. Em boa verdade, este tipo de actuação apenas consegue adiar, e não por muito tempo, a iminência de bancarrota financeira e à custa do agravamento das condições de vida da população - particularmente das camadas sociais mais desprotegidas - do aumento dos preços, do aumento do desemprego, etc.
É para isto que alerta a americana Cheryl Payer, autora do livro A Armadilha da Dívida Externa, quando diz:

Países nominalmente independentes percebem que as suas dívidas e a sua constante incapacidade para as necessidades correntes sem recorrer às

importações, os mantêm fortemente atados aos credores. O FMI ordena-lhes que continuem a trabalhar, ao mesmo tempo que se recusa a financiar-lhes os esforços para se estabelecerem no mundo dos negócios por conta própria. Trata-se da escravidão pela dívida, numa escala internacional. Metidos dentro deste sistema, os países devedores são condenados ao subdesenvolvimento perpétuo, ou antes, a uma política de exportações ao serviço das empresas multinacionais, à custa do desenvolvimento no sentido das necessidades dos seus próprios povos.

O que importa, pois, primordialmente, é criar as condições que permitam, no futuro mais próximo possível, a produção de bens ou a prestação de serviços susceptíveis de ou substituir importações indispensáveis ou resultarem em aumentos de exportações.
Assim, em lugar de erigir em objectivos essenciais, o equilíbrio das nossas contas externas, nós entendemos, como expressamos no nosso programa eleitoral, que «a opção fundamental é a de criar condições para aumentar a produção nacional e reduzir o défice da nossa economia, numa perspectiva de reforço do aparelho produtivo que faça face ao alargamento do mercado interno e que contemple a especialização necessária, no quadro da revolução tecnológica em curso e de um novo posicionamento de Portugal na divisão internacional do trabalho».
O próprio Governo nos dá razão quando, no comunicado do Ministério das Finanças e do Plano de 9 de Agosto de 1983, define o seguinte:

Objectivo principal da sua acção: reestruturar e modernizar o aparelho produtivo, isto é, descer à raiz das dificuldades, para criar condições do progresso a que o povo português justamente aspira.

Enquanto, por outro lado, reconhece que:

O programa de gestão conjuntural de emergência não traz em si, certamente, a cura para os males profundos da economia portuguesa.

Esta aparente sintonia de opiniões é desmentida pela prática governativa, que procede à aplicação de uma política conjuntural que apelida de emergência, sem cuidar de saber até que ponto ela compromete ou inviabiliza a consecução do seu «objectivo principal», nos próximos anos.
Efectivamente, o acordo com o FMI aí está, com todo o seu cortejo de medidas restritivas e recessivas para serem aplicadas, sob controle do próprio FMI, até para além do final do próximo ano, enquanto que os programas de recuperação financeira e económica e de modernização da economia portuguesa, só serão elaborados, na melhor das hipóteses, respectivamente, durante o 1 º e o 2 º semestres de 1984. Mas, então, perguntar-se-á, não seria prioritário fazer face à eventual situação de rotura derivada do esgotamento da nossa reserva de divisas? E evidente que sim. Temos consciência de que este é um constrangimento importante à aplicação da política económica que preconizamos. 15so mesmo expressamos no nosso programa eleitoral quando escrevíamos o seguinte:

Esta orientação confronta-se porém com condicionalismos específicos que resultam, no essen-

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cial: de um processo inflacionário permanente, com uma psicose altista já instalada; da carência de meios financeiros para fazer face, simultaneamente, ao aumento do consumo e do investimento e ao endividamento externo, e da extensão de uma economia paralela e clandestina de dimensões já alarmantes e crescentes.

No entanto, deve salientar-se que a superação destes condicionalismos se deve procurar, como é óbvio, sem perder de vista os objectivos fundamentais que devem ser previamente definidos, em consonância com a nossa «opção fundamental». Então, dir-se-á, apesar de tudo, seria inevitável a assinatura deste acordo com o FMI. Não é esta a nossa opinião. Para melhor se compreender a nossa posição, há que cindir esta questão em duas:
1.ª Não existirá alternativa ao recurso ao FMI?
2.ª Mesmo que se recorresse ao FMI, não seria possível conseguir um acordo em condições menos desvantajosas para a nossa economia?

O Governo vem dizendo que não existe qualquer alternativa ao recurso ao FMI. Não é verdade! Alternativas existem e compete ao Governo revelar porque não as encarou ou porque as rejeitou. Assim, é dever do Governo divulgar que esforços fez junto da banca estrangeira ou internacional, por exemplo, para conseguir os empréstimos de que carecia, com ou sem garantia de uma parte das nossas reservas de ouro. E não se diga que isto seria uma forma indirecta de alienação do nosso ouro, dado em garantia, porque isso será quase o mesmo que reconhecer que os empréstimos conseguidos por via do acordo com o FMI, também nada adiantarão, porque não seremos capazes de, sem recorrer de novo ao crédito, solver tais compromissos.
Por outro lado, dado o elevado volume das nossas reservas de ouro, não é possível encontrar mais de uma dezena de países do mundo com um nível de reservas de ouro mais elevado que o nosso, também seria legítimo procurar avaliar se tal hipótese seria mais gravosa para o País do que este acordo com o FMI. Porque, o que nos colocou numa clara situação de inferioridade, foi o Governo ter partido para as negociações com o FMI na disposição evidente de aceitar a política que aquele organismo quisesse impor-lhe.
Porque o que é certo é que, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, o FMI já tem firmado acordos menos gravosos com países que não dão, à partida, mais garantias do que as que nós estamos em condições de dar, neste momento. Aliás, carece de demonstração que a alteração da nossa situação de 1978 para o presente, justifique as diferenças dos acordos com o FMI. Na verdade, para além das diferenças quantitativas, como se explica que agora se não contemplem condicionantes como a taxa de crescimento positivo do PIB e o não agravamento do desemprego, ou mecanismos de compensação à política de preços altista como os aumentos do salário mínimo, do subsídio de desemprego e das pensões sociais ...

0 Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e se considerem medidas como o congelamento de admissões na função pública e o alargamento da base tributária por redução das isenções fiscais?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A não ser que esta seja, na realidade, a terapêutica que o Governo entende ajustada ao nosso caso, e se escude por trás do FM1 para a aplicar, dando razão aos responsáveis do Fundo que em Washington afirmaram que:

Para muitos governos constituímos um óptimo bode expiatório. Sem a nossa presença muitos governos não teriam coragem política para tomar decisões afinal imprescindíveis.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nós não questionamos a necessidade de, a curto prazo, se adoptarem medidas que se podem classificar « de austeridade» ou «de rigor». Mas apenas na condição de que tal constitua o ponto de partida de um programa de recuperação da economia, e desde que, como dissemos no nosso programa eleitoral, envolva «o não agravamento do poder de compra das camadas economicamente mais débeis». É que, também o dissemos, só assim, «esse programa pode conquistar a adesão e o empenhamento das camadas mais desfavorecidas da população portuguesa e designadamente dos trabalhadores organizados», ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... pois, «nenhuma recuperação económica é possível se não contar com o empenhamento da população laboriosa portuguesa».

A Sr.ª Ilda (Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O MDP/CDE entende que tal política só será possível com o empenhamento global de todos os democratas e de todas as forças interessadas no aprofundamento do 25 de Abril.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques para um pedido e esclarecimento.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Deputado António Taborda, se bem entendi, e num esforço de síntese da sua intervenção, diria que se preocupou, e parece-me que bem, com o problema do défice externo e da independência de Portugal. Parece-me que não há dúvida de que aceita que era necessário tomar um conjunto de medidas a que o Governo chamou «medidas de emergência». Fiquei, porém, com dúvidas sobre se as considera adequadas, embora tenha feito considerações em que as classificou como não adequadas. Mas o que importa, porque é esse o âmago do problema, é esta questão que lhe quero colocar.
Não recorrendo ao acordo com o FMI, deu a entender que haveria outras alternativas. Das que refe-

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riu, falou em hipóteses de contactos com a banca estrangeira e em hipóteses de articulação com as nossas reservas de ouro.
Pergunto ao Sr. Deputado se ignora, o que já é público em todo o Mundo, as dificuldades que o País tem tido nos últimos meses na realização de empréstimos externos? Tem em linha de conta, quando compara o acordo feito agora com o FMI com o acordo feito em 1978, a evolução da conjuntura internacional dos mercados financeiros e os lamentáveis e elevados desequilíbrios, não só do momento como acumulados, que existiam e existem na economia quando comparada com 1978?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda pata responder.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Deputado Almerindo Marques, apesar das limitações de tempo que são impostas ao meu partido, não quero deixar de responder às suas perguntas.

Concretamente, perguntou-me se, ao fazer a comparação entre o acordo firmado este ano com o FMI e o acordo de 1978, não tive em consideração os desequilíbrios financeiros, quer nacionais, quer internacionais e se, quanto às medidas de emergência, haveria outras alternativas.

É evidente que só o Governo está em condições de poder elucidar esta Assembleia se haveria outras alternativas e por que é que essas alternativas não lhe pareceram viáveis ou por que é que não as estudou.

Eu referi algumas hipóteses, uma das quais era a de aproveitar a nossa situação excepcional quanto às reservas de ouro para firmar empréstimos com outras entidades, por exemplo, com a banca estrangeira ou agrupamentos de bancos estrangeiros, que não tivessem para nós as gravosas consequências que teve este acordo.

Essa era uma das hipóteses, uma hipótese de um empréstimo puro e simples, sem condições que afectassem a direcção efectiva da nossa economia.

É evidente que o argumento, como disse na minha intervenção, de que nesse caso estaríamos a hipotecar o ouro, é igual para o caso do acordo com o FMI, porque, então, não acreditamos que podemos pagar este empréstimo que nos fez o FMI e teremos novamente de recorrer a um acordo.

É evidente que há desequilíbrios. E evidente que o FMI fez com outros países, que não dão tantas garantias de ouro como nós, outros acordos que não foram tão gravosos para as respectivas economias.
Porém, quanto a este acordo, e porque só trimestralmente é que o FMI fará uma avaliação do comportamento da nossa economia, neste caso a partir de 31 de Março, o Governo apenas poderá pensar em fazer um plano de recuperação económica, o que quer dizer que não existe hoje nenhum programa de recuperação económica porque o FMI não o permite. No fundo, é isto que acontece.
É evidente que há grandes desequilíbrios, financeiros e não só, e há uma diferença muito grande entre 1978 e o momento presente. Mas, Sr. Deputado, as reservas de ouro mantêm-se exactamente na mesma.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Nós queríamos informar o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, dada a sua ausência durante a nossa intervenção, vamos enviar-lhe de imediato o texto, que foi feito com base no nosso programa eleitoral.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Ministro
da Agricultura, Florestas e Alimentação.

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Alimentação (Soares Costa): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Por mais de uma vez nesta Assembleia da República tem sido referido, em tom de crítica, que durante a discussão do Programa do Governo, o Ministro da Agricultura, Florestas e Alimentação havia entrado mudo e saído calado. Ora, a grande maioria dos Srs. Deputados notou certamente a minha presença aqui durante todo esse debate e sabe que não pude intervir, apesar de ter uma intervenção preparada, porque outros Srs. Ministros tiveram necessidade de ultrapassar os tempos que lhes estavam distribuídos. Mas, ontem, o Sr. Deputado Rogério de Brito voltou a referir esse facto e isso é, pelo menos, injusto, para não dizer lamentável, já que, pela própria convicção do dever cumprido, o Ministro da Agricultura não tem dificuldade perante a Assembleia e muito menos quando as críticas vêm da bancada do Partido Comunista.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Então é descarado!

O Orador: - Há várias décadas que a agricultura portuguesa necessita que sobre ela, e em plena consonância com os interesses dos agricultores e do País, se aplique uma política agrícola que para ser coerente tem de ser realista nos objectivos e rigorosa na aplicação, que para ser de verdade não pode ser demagógica e que, resolvendo os problemas do imediato não deve comprometer mas antes aprofundar em bases sólidas, a sua evolução para uma agricultura de mercado, de perfil europeu, em que o recorte empresarial da sua estrutura seja garante consistente da sua viabilidade futura em mercados abertos.

O País e os seus agricultores têm de ter e têm consciência de que aquilo que fizeram agora terá reflexos no futuro e definirá o que será a nossa agricultura no final deste século.

Foi nesta óptica, a um tempo realista em relação ao presente e responsável em relação ao futuro, que o programa do IX Governo Constitucional para o sector agrícola foi elaborado.

Tratando-se de um programa de legislatura, foi ele concebido para um Horizonte temporal de 4 anos.

Ora, ontem, o Sr. Deputado Rogério de Brito cometeu o erro de julgar a actividade do Governo em matéria agrícola como se estivéssemos já no fim da Legislatura. É evidente que não é esse o caso.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Quase, quase! Não chegam lá. Nem lá nem a Belém!

O Orador: - São objectivos primordiais da política agrícola deste Governo o aumento da produção e a melhoria da produtividade.

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O aumento da produção é uma necessidade imediata, aliás em articulação com os imperativos do Plano de Gestão Conjuntural de Emergência que o Governo pôs em prática para o sector económico.

É necessário suster o défice da nossa balança comercial agrícola. Tal implica o aumento da produção de produtos agrícolas essenciais, como os cereais e as oleaginosas, que o País vem importando em largas quantidades para garantir o abastecimento, mas implica também o aumento da produção e da produtividade, aliada à melhoria da qualidade e ao aumento do valor acrescentado pela transformação dos produtos do agro em que temos vocação exportadora tradicional ou em relação aos quais novas perspectivas de exportação possam vir a ser abertas. Estão neste caso os produtos florestais, os produtos de produção precoce, nomeadamente os hortícolas e frutícolas, os vinhos de qualidade e, em futuro que desejamos próximo, a carne de pequenos ruminantes.

Ora, ontem, o Sr. Deputado Rogério de Brito defendeu aqui, se bem entendi, a tese de que deveremos prioritariamente produzir aquilo que precisamos de consumir, mas julgo que qualquer pessoa minimamente informada sabe que esta tese não é verdadeira, quando pretendemos, efectivamente, inserir-nos em mercados abertos e concorrenciais. Gostaria de chamar a atenção sobre qual é a perspectiva económica do Sr. Deputado Rogério de Brito em mercados abertos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não menos importante do que o aumento da produção, é o aumento da produtividade, o qual é a um tempo a forma mais correcta de obter aumentos de rendimentos para os agricultores e, também, de lhes assegurar no futuro condições de competitividade. Aumentar a produtividade exige criatividade e inovação tecnológica. Exige, acima de tudo, aumento da capacidade técnica e profissional dos nossos agricultores, dinamizando e privilegiando a figura do agricultor empresário, facultando o acesso à terra de novos agricultores, em especial os jovens, com formação profissional e empresarial adequada, que garantam o relançamento de uma agricultura moderna para o Portugal do futuro.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Abordarei seguidamente a questão dos preços dos produtos agrícolas e dos factores de produção.

O que este Governo já fez em matéria de preços dos produtos agrícolas à produção bem pode considerar-se uma viragem histórica.

Risos do PCP.

Durante várias décadas, e a situação ter-se-á até agravado ultimamente, os Governos sempre procuram conter os preços dos produtos alimentares aos consumidores, travando assim o aumento do IPC. Para isso, praticaram sistematicamente dois vectores de política económica: a utilização de subsídios e os baixos aumentos dos preços à produção dos produtos agrícolas essenciais. Esta terá sido uma das principais razões da estagnação da agricultura portuguesa.
Ora, no início de Julho, o Governo tomou a corajosa atitude de eliminar ou reduzir substancialmente os subsídios. Daqui resultaram naturais e inevitáveis aumentos dos factores de produção para a agricultura, nomeadamente dos adubos - e rações. Logo em julho o MAFA desencadeou o processo que culminou com

a adopção de algumas medidas compensatórias que são conhecidas e me dispenso de aqui referir.

Durante o mês de Agosto decorreram, aliás com grande celeridade, os necessários estudos para a correcção e ajustamento dos preços à produção, o que aliás foi feito com a participação em grupos de trabalho de elementos representativos da produção. E, em princípio de Setembro, o Governo tomou a decisão, não menos corajosa e importante, de fazer publicar, e fê-lo atempadamente, novos preços, estes agora vincadamente estimulantes da produção, para os produtos agrícolas essenciais sujeitos a preço de garantia.

O Governo tem a consciência de que o fomento da produção não se faz nem deve fazer-se apenas pelo preço, mas também sabe que na actual conjuntura uma tal orientação para além de inadiável era justa e necessária. Espera o Governo com a resposta positiva da lavoura e com a ajuda de condições climatéricas mais favoráveis, obter os resultados de que o país carece para melhorar a actual situação deficitária da sua balança comercial agrícola. Assume especial relevância o estímulo diferencial que foi dado à produção de cereais secundários, sucedâneos naturais do milho que o país vem, importando e para os quais o país tem vocação em vastas áreas menos dotadas para a cultura do trigo.

Tem o Governo consciência da importância actual e futura do fortalecimento da estrutura produtiva da lavoura. Por isso, está empenhado no reforço do associativismo agrícola de todos os tipos, em especial do associativismo económico, representado pelas cooperativas e suas formas de organização superiores e, fundamentalmente, no associativismo profissional.

As cooperativas, nomeadamente as de primeira transformação, assumem já hoje um papel muito relevante no contexto da economia e garantem a participação de uma boa parte dos agricultores nas indústrias agroalimentares.

Com vista ao fortalecimento deste sector associativo da lavoura delineou já o Governo as bases de um Programa de Lançamento de Infra-Estruturas de Apoio à Agricultura Associada (PLIAA).

Na mesma linha de orientação aprovou recentemente o Governo o decreto-lei que regulamenta as cooperativas de interesse público, régias cooperativas, forma empresarial de tipo cooperativo que permitirá a reorganização de algumas actividades de produção, industrialização e comercialização, no âmbito do complexo agroalimentar, com participação das organizações da lavoura.

Outro importante vector da actividade do Ministério é o de implementar e pôr finalmente em funcionamento um serviço operacional de extensão rural, de tipo globalizante, em que as componentes de assistência técnica e acompanhamento de projectos e de formação profissional, sirvam os objectivos de actuar como motor de desenvolvimento e de progresso social e técnico-profissional das populações rurais.

E aqui abro um parêntesis para corrigir uma informação dada ontem à Câmara pelo Sr. Deputado Rogério de Brito a propósito dos 70 % de técnicos do Ministério que se encontravam em Lisboa, o que não é exactamente verdade.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Quantos são?

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O Orador: - Embora haja correcções a fazer neste sector e neste sentido, a questão é que se contam dentro dos organismos centrais e dos seus efectivos pessoas que, de facto, não estão em Lisboa porque os organismos centrais - haja em vista a Direcção-Geral das Florestas, a Direcção-Geral da Pecuária, o próprio INIAER - têm organismos e técnicos espalhados pelo país.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Mas quantos são? Qual é o número?

O Orador: - No fim respondo-lhe, Sr.ª Deputada.

Está neste momento concluída a nova versão do decreto-lei que constituirá a nova lei orgânica das direcções regionais de agricultura. Aí se consagram os princípios fundamentais de separar os designados serviços de apoio regionais e a extensão rural e de basear esta última em equipas de extensão rural que terão como unidade territorial de actuação as zonas agrárias correspondentes a regiões homogéneas. Em simultâneo, e em perfeita articulação com este importante diploma, será também publicado o decreto regulamentar do INIAER.

Estão já em funcionamento alguns dos centros que constituem a rede nacional de centros de formação profissional agrícola, cuja construção e equipamento está a avançar no âmbito do programa de cooperação com participação do Banco Mundial. Novos cursos de formação profissional serão iniciados nas áreas das Direcções Regionais de Entre-Douro e Minho, Beira Litoral e Ribatejo-Oeste e por despacho recente determinei, também, o arranque de cursos para jovens agricultores em Beja e Évora.

No que respeita à política de estruturas, o Ministério actua de forma clara e transparente, em harmonia com o quadro legal que em cada momento existe.

Estão neste momento em fase muito adiantada de conclusão as propostas de lei que serão apresentadas à Assembleia da República relativas ao arrendamento rural e ao emparcelamento. Praticamente concluída está, também, a revisão do decreto-lei dos níveis mínimos de aproveitamento da terra e da unidade agrícola mista. Em elaboração está ainda um conjunto de legislação que regulamentará os bancos de terras e as zonas piloto.

No que respeita ao sector florestal, o Programa do Governo contém um modelo de política florestal integrada, que se baseia, fundamentalmente, numa acção de florestação envolvendo cerca de 50 000 ha por ano de beneficiação florestal em uso múltiplo; a valorização e protecção da floresta, nomeadamente a recuperação e ordenamento do montado de sobro, e outras acções sobre as matas produtoras de lenho e de resina; e o fomento, protecção e ordenamento da usufruição da vida selvagem, nomeadamente da fauna cinegética, aquícola e apícola.
Mas a implementação desta política florestal exige um enriquecimento do nosso código florestal, o que tem sido uma preocupação dominante da Secretaria de Estado das Florestas, preparando propostas legislativas de que destacarei as seguintes: a proposta de lei da beneficiação florestal de uso múltiplo dos incultos e marginais para o cultivo agrícola; a proposta de lei da valorização do património florestal, e a proposta de lei para o fundo de desenvolvimento

florestal que irá apoiar o desenvolvimento do subsector florestal.
Para além disso, e em complemento destas propostas legislativas básicas, estão igualmente elaboradas as propostas de lei do arrendamento florestal e a que regulamenta a compra de terras pelas indústrias pesadas da madeira.
Finalmente, está revista e em vésperas de ser submetida à apreciação dos caçadores, a proposta de lei da caça que oportunamente será apresentada à Assembleia da República.
No sector dos recursos hídricos, e para além da Resolução do Conselho de Ministros de 11 de Agosto, que aprovou o Programa Integrado de Aproveitamento dos Recursos Hídricos do Algarve, o qual tem uma forte componente agrícola e contempla, por outro lado, uma série de pequenas barragens de montanha, algumas delas de uso múltiplo, continuam em curso os programas de beneficiação dos regadios tradicionais e os projectos destinados a completar a beneficiação com obras secundárias de rega e enxugo e aumentar a área regada dos grandes regadios. Prosseguem, dentro do cronograma que estava estabelecido, as obras dos regadios de Macedo, Vale do Mondego e Cova da Beira. Também, vai ser criado o gabinete coordenador para os estudos do projecto integrado do Vouga.
O Ministério está empenhado em diversos programas de tipo vertical e horizontal. Gostaria apenas, para não abusar do vosso tempo, de me referir a um dos programas verticais que é o da reestruturação da vitivinicultura nacional, que é uma matéria extremamente urgente.
As bases deste programa foram aprovadas no Conselho de Ministros de 30 de Agosto. Posso dizer que a primeira versão do articulado dos instrumentos legislativos necessários já está concluída e nela se inclui a criação do Instituto Nacional dos Vinhos de Denominação de Origem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não poderei, porque isso seria naturalmente fastidioso, ocupar demasiado o vosso tempo para comentar a natureza e o conteúdo de mais de 100 diplomas, em cuja preparação o Ministério está neste momento envolvido. Mas não gostaria de concluir esta intervenção sem fazer uma menção, ainda que breve, a duas questões que nos últimos meses têm sido motivo de particular preocupação para o Ministério e por isso têm merecido o empenhamento pessoal do Ministro.
Trata-se do contrabando de gado/carne e da peripneumonia contagiosa dos bovinos. Em relação ao contrabando de gado/carne, o Conselho de Ministros aprovou recentemente o decreto-lei que reestruturou a Comissão Coordenadora das Acções de Combate ao Contrabando de Gado/Carne, definindo os seus objectivos, alterando a sua constituição em relação à comissão anterior, dotando-a de meios e flexibilizando a sua acção, tudo isto no sentido de ampliar e tornar mais eficaz o combate a esse terrível flagelo da nossa pecuária. Cumpre-me informar a Câmara de que estão em curso mais de 30 processos de inquérito, alguns já transformados em processos disciplinares, um desses inquéritos a cargo da Procuradoria-Geral da República, e outros da Inspecção-Geral do MAPA. Paralelamente, decorrem averiguações sobre matéria de supostos ilícitos criminais a cargo da Polícia Judiciária. No mesmo âmbito, e no sentido de aperfeiçoar as normas de

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circulação do gado e de regulamentar o seguro de reses, estão já revistos para publicação os Decretos-Leis n.ºs 58/81 e 345/81, bem como a Portaria n.º 1078/81.

No que se refere à peripneumonia procedeu o MAFA, pela Secretaria de Estado da Agricultura, à ampliação e alargamento do programa de combate a esta insidiosa doença. Todos sabemos que o programa tem por objectivo o critério da irradicação da doença, para a qual não existe tratamento e as acções baseiam-se no rastreio sorológico com despiste dos animais positivos e sua ocisão. Devido ao elevado grau de contagiosidade da doença, tem sido necessário adoptar medidas estritas quanto à circulação de animais, com encerramento de feiras e de salas de ordenha colectiva e outras medidas de ampla divulgação sobre a natureza da doença e seu combate.

Neste aspecto o MAFA regista e inaltece a colaboração que tem recebido das cooperativas e suas uniões que, através de convénios de cooperação sanitária e por outras formas, aliás voluntárias, têm colaborado nas acções de combate, nomeadamente no rastreio sorológico.

O MAFA está consciente de que o ponto capital destas acções é o pagamento atempado das indemnizações por abate dos animais positivos. Para isso, foram postos à disposição das direcções regionais fundos de maneio que permitissem agilitar esse pagamento. O Conselho de Ministros aprovou, também, que fosse colocado à disposição do MAFA uma verba até ao montante de 300 000 contos para ocorrer a este e outros encargos da campanha.

Além disto, foi recentemente criado por despacho conjunto um Gabinete Coordenador das Acções de Combate à Peripneumonia, o qual coordenará as acções dos vários Ministérios e organismos intervenientes no sector.

Foi, ainda, reformulada a linha de crédito que permite a reposição dos efectivos e após o vazio sanitário, outras medidas de apoio que estão em estudo, para as explorações dizimadas.

Não tenho a pretensão de ter respondido a todas as vossas dúvidas e muito menos de ter tratado todas as questões que giram à volta da actividade do complexo Ministério da Agricultura, Florestas e Alimentação. Espero, no entanto, ter lançado luz sobre algumas questões importantes e ter deixado alguns motivos de reflexão e debate.

Se, de facto, o consegui, terei ocupado de forma útil o tempo que me foi concedido.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - O Sr. Ministro desta vez não ficou mudo, mas limitou-se a meter a velha cassette ...

Risos do PS, do PSD e da ASDI.

... exactamente a velha «cassette» da AD sem tirar nem pôr.

Mas há outro aspecto que quero aqui salientar. O Sr. Ministro falou em 100 diplomas, em estudos e mais estudos, em papéis e mais papéis de gabinete. Não admira que o Sr. Ministro tenha ficado tão sentido e tenha sentido o toque do que aqui foi dito sobre os 70 % de técnicos em Lisboa. O Sr. Ministro é um homem de gabinete, não tem a lama das aldeias nos pés, pois a sua intervenção mostra, claramente, que não conhece a realidade da agricultura portuguesa.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Em nome de uma agricultura de mercado, de uma agricultura de perfil europeu, etc., em nome desta política que é, de facto, palavras da velha cassette e não mais do que isso, o Sr. Ministro fala na agricultura de mercado e no aumento da produção. Esquece-se, infelizmente, dos números que são postos nas Grandes Opções do Plano, em que se prevê, já para 1983, uma redução de 5 % na produção do sector agrícola, ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - ...redução do produto agrícola bruto essa que não corresponde, afinal, às intenções do Sr. Ministro sobre a tal agricultura de perfil europeu.

Aplausos do PCP.

São uma profunda contradição!

O Sr. Ministro falou, também, em vinhos de qualidade. Sem dúvida que precisamos de vinhos de qualidade! Mas é estranho que fale nisso, quando, neste momento, o Governo se prepara para subir a taxa sobre a produção de $20 para 3$ por litro - segundo fontes autorizadas da Junta Nacional dos Vinhos que ontem o disseram a órgãos de informação - e quando o Partido Comunista Português apresentou a esta Câmara um projecto de lei de retirada dessa taxa exactamente para que se possam produzir vinhos de melhor qualidade em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Ministro falou em alterações à lei do arrendamento rural. Pergunto: serão aquelas alterações que nos quiseram fazer engolir na altura dos pedidos de urgência, que tivemos ocasião de analisar e cujo preâmbulo era, sem tirar nem pôr, o mesmo do decreto-lei que a AD em 1982 não teve força para levar para a frente e que impingiu agora ao Partido Socialista nesta coligação para apresentar a título de urgência - mas que não tiveram tempo porque era urgência -, fazendo o tal preâmbulo em que a única palavra que estava alterada em relação ao decreto-lei da AD era a palavra «aliás», na 1.ª linha?

Aplausos do PCP.

Ontem, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano disse que o Governo vai actuar e que já está a actuar contra a corrupção. E do domínio público que um dos canais abertos à corrupção tem sido o crédito agrícola.

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São publicamente conhecidos os desvios que deram lugar aos célebres Jeep's e Mercedes do IFADAP.
Existem inquéritos sobre os desvios de crédito, nomeadamente na agricultura, que foram mandados instaurar pelo MAP e que foram metidos nas gavetas fundas desse Ministério, hoje MAFA, ao qual muita gente chama «Mafia».

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Esse inquérito que foi metido numa gaveta mostra, efectivamente, que este crédito deu origem a corrupções e nepotismos da mais diversa ordem, inclusivamente para a abertura de boîtes em Cascais.
O Sr. Ministro pode pedir esse inquérito que se encontra nas gavetas da Inspecção-Geral do MAP. Como está há muito pouco tempo nestas lides, talvez não saiba disso.
Considera correcto, Sr. Ministro, que agora seja aberta de novo, uma linha de crédito à agricultura, para dar continuidade aos investimentos que a tal linha de crédito anterior não tinha permitido que fossem, todos eles, cobertos?
Sabe que com este Governo, só na área da Direcção Regional do Alentejo, já se registaram novos casos de corrupção que somam 103 269 contos relativos à linha de crédito Procalfer, que foram entregues a 3 entidades privadas sem processos minimamente concludentes quanto ao destino dessas verbas e em detrimento de cooperativas com os processos já elaborados e entregues oficialmente?
Sr. Ministro, não se trata de UCP's cooperativas; são cooperativas que substituíram os ex-grémios, cooperativas que até têm gente de direita na direcção, gente sua, Sr. Ministro, que foram preteridas em favor de entidades privadas que não justificaram minimamente esse crédito.
Sr. Ministro, vão continuar com estes critérios na atribuição de crédito agrícola? É assim que o Sr. Ministro pretende colaborar com o seu Ministério no combate à corrupção? É nesta perspectiva que pretende apoiar a produção?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, há mais inscrições na Mesa, pelo que pretendo saber se o Sr. Ministro deseja responder já ou só no fim.

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Alimentação: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Ainda não é desta vez que lhe farei todas as perguntas que gostaria de fazer, porque infelizmente o tempo não me vai permitir.
Não vou reproduzir, portanto, as questões que lhe pus quando da discussão do Programa do Governo, ficam a aguardar resposta para uma melhor oportunidade da sua parte.
Devo-lhe dizer, para começar, e muito rapidamente, que ao ouvi-lo intervir e anunciar a larga lista de pro-

postas de lei em estudo no seu Ministério, interrogava-me se estava perante o representante do órgão de soberania executivo ou perante um representante do órgão de soberania legislativo e se o Sr. Ministro não estaria melhor deste lado da bancada, para dar largas à sua vocação legislativa.

Disse o Sr. Ministro que 100 diplomas estão em elaboração no Ministério. Mas concretamente, Sr. Ministro, nós continuamos a aguardar pelas medidas de fundo que possam responder às necessidades de aumento de produção e de produtividade. Afirmar que o Governo pretende aumentar a produção e a produtividade na agricultura, bom, penso que nenhum governo teria outro objectivo e, muito menos, teria, enfim, o desplante de vir aqui à Assembleia afirmar que não era o objectivo, mesmo quando, porventura, o não fosse.

O que gostaria de ouvir eram quais as medidas concretas que o Governo pensa tomar ou já tomou para atingir esse desiderato e, nomeadamente, quando falou dos cereais.

Pergunto ao Sr. Ministro se vamos continuar, no que diz respeito à zona tradicionalmente produtora de cereais, que coincide com a zona da reforma agrária, com a mesma indefinição que tem caracterizado até agora o Governo.

O Conselho de Ministros, numa das últimas reuniões, veio anunciar-nos que ia fazer estudos, porque afinal o Governo não sabia o que é que estava expropriado e não estava, o que havia por nacionalizar ou não havia, que ia desenvolver novos inquéritos às unidades colectivas, dando de barato o inquérito conduzido pelo anterior Governo, de que o partido de V. Ex.ª era o principal responsável. Meteu-o na gaveta e continuamos, não sei por quanto tempo, à espera de estudos.

O Sr. Ministro esqueceu-se de um outro assunto muito importante. Falou-nos nos preços da política de verdade, mas esqueceu-se de nos dizer sobre quem se repercutem os aumentos dos preços. Esqueceu-se, ainda, de nos dizer que há 2 processos de evitar as bichas nos talhos e nas outras lojas: um, é aprovisioná-los, outro, é reduzir de tal maneira o poder de compra, que nós, qualquer dia, seremos « superavitários» na produção de bens alimentares. Para lá caminhamos, nomeadamente, no caso da carne, com o lombo de vaca a 1000$ o quilo. Sobrarão, então, bens alimentares e nós vamos, até, passar a exportar aquilo que os portugueses poderiam comer, mas não comem, porque não têm dinheiro para comprar.

Falou, também, o Sr. Ministro dos preços, mas não nos falou dos circuitos comerciais, esse cancro. Em relação aos circuitos comerciais, queria apenas colocar uma questão muito importante, porque não tenho tempo para mais, ao Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Alimentação.

Há mais de 1 ano, acerca de 1 ano e meio, enviei ao Ministério da Agricultura de então um requerimento sobre a situação de anarquia e de caos que se vivia no principal mercado abastecedor de frutas deste país, o Mercado de Lisboa, que é gerido por uma comisso que ninguém sabe como surgiu, que movimenta milhares de contos à revelia da Junta Nacional das Frutas e do Governo. O Governo trouxe, com grandes paragonas, para os meios de comunicação social a intervenção no Mercado Abastecedor do Porto.

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Pergunto: quanto tempo vamos esperar ainda, Sr. Ministro, para que o Governo ponha cobro à situação que desde 1976 se vive no Mercado Abastecedor de Lisboa. 15to é apenas um dos exemplos da situação que o Sr. Ministro ignorou que se vive nos circuitos comerciais, que continuam a ser o paraíso dos especuladores e dos açambarcadores neste país.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, para fazer pedidos de esclarecimento.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Ministro, na discussão do Programa do Governo pusemos uma série de questões que foram remetidas para intervenções posteriores do Sr. Ministro e que acabaram por ficar sem resposta, como sabe. Temos já muito pouco tempo, pelo que faremos apenas duas perguntas muito rápidas ao Sr. Ministro.
Que medidas pensa o Governo tomar relativamente à pequena produção agrícola, com vista a aumentar a produção para dar resposta às necessidades prementes do consumo interno?
A segunda pergunta, Sr. Ministro, é sobre como pensa o Governo compatibilizar a adesão à CEE com a existência e a defesa dos interesses da agricultura minifundiária, tendo em conta a incapacidade dos restantes sectores económicos do País e da emigração para absorver a mão-de-obra excedentária?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito para fazer pedidos de esclarecimento.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Questões muito curtas, porque o tempo a mais não permite.
O Sr. Ministro fala na agricultura de mercado de perfil europeu para Portugal. É extremamente curioso este conceito quando temos uma agricultura no limiar do subdesenvolvimento e quando, mesmo assim, prossegue em recessão e depois fala-se nas agriculturas europeias ... É extremamente curioso!
Uma outra questão. Diz o Sr. Ministro, que este conceito de produzir para o consumo interno, que isto não se adapta, enfim, a uma economia aberta em que estamos inseridos. 15so pressupõe como contrapartida, porventura, a produção para exportação. Os resultados dessa política são sobejamente conhecidos e não tenho tempo para agora os estar a referir. Mas não deixa de ser curioso, perante uma agricultura que não satisfaz sequer, no que respeita aos bens de produção essenciais à alimentação do nosso povo, mais do que 30 %, que este pormenor não tenha importância e que seja devorado pelo conceito da economia aberta e de agricultura aberta à Europa.
Uma outra questão tem a ver com os preços dos produtos agrícolas, a que o Sr. Ministro chamou de viragem histórica. É uma viragem histórica aumentarem-se os produtos agrícolas, para de algum modo conter a degradação na agricultura, mas em simultâneo reduzem-se os consumos, porque o pessoal não tem dinheiro para pagar, para comer.
Também não deixa de ser curioso que, quando se fala que não é necessário produzir para o consumo interno, serem exactamente produtos como o leite e os cereais que têm actualizações de preços e mais nenhuns outros. Por outro lado, ainda, é extremamente curioso que perante esta situação, quando os salários,

rendas e rendimentos dos agricultores apenas absorvem, na formação dos preços ao consumidor 8 %, e todos os outros sectores a montante e jusante limpam 92 %, que a solução do problema de preços seja encontrada através do aumento consecutivo dos preços à produção. É evidente que os preços à produção carecem de ser elevados, mas o problema é que os produtores são permanentemente saqueados do produto do seu trabalho, o que leva a um círculo vicioso do qual não há saída a manter-se esta política.

Quanto aos recursos hídricos queria referir que não deixa de ser curioso que nas grandes opções do Plano sejam postos de lado projectos hidroagrícolas como os do Algarve e do Alqueva.

Afirmou o Sr. Ministro que se iriam fazer 50 000 ha de florestação ao ano. Não nos esqueçamos que já os outros diziam que o iriam fazer, já se deveriam ter feito 150 000 ha. De 150 000 ha que já deviam estar florestados, apenas terão sido florestados cerca de 30 000 ha.

Apoio ao associativismo? Certamente. Mas não se faz é quando o Estado, anualmente, acumula dívidas ao movimento cooperativo da ordem de 1 milhão e meio de contos. E o tempo a mais não permite.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Marques Mendes, tem a palavra.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Ministro, umas perguntas muito breves relativamente à intervenção que acabámos de ouvir.

Começo por reconhecer que, efectivamente, ao cabo deste tempo e num sector tão importante como é o da agricultura, em que as medidas têm, como V. Ex.ª
acabou de dizer, de ser encaradas com realismo, face até à situação que há décadas, como frisou, vem vivendo a agricultura, não será de exigir que neste momento possa o Programa do Governo que esta Assembleia aprovou estar já concretizado, até porque estamos ainda muito longe do termo da legislatura.

Falou o Sr. Ministro na reestruturação das zonas agrárias. Gostava de saber se nessa reestruturação é atendível apenas a divisão actualmente existente, designadamente a administrativa, ou a homogeneidade das respectivas zonas e a reformulação das próprias direcções regionais, no sentido de poderem e deverem acompanhar mais de perto os problemas das respectivas zonas que vão servindo.

Falou-se aqui em linhas de crédito e em crédito. Sobre isto gostava de saber se o problema das dívidas, de que sempre se vem falando, das UCP's já estão regularizadas.

Vozes do PCP: - E as do Governo às UCP's?! ...

O Orador: - O Sr. Deputado Rogério de Brito na sua intervenção de ontem abordou o problema da execução das decisões administrativas. Gostava de saber, Sr. Ministro, se quanto a essas anulações que houve, tanto quanto sei muitas delas são meros vícios de forma, o Ministério tem estado a repor, efectivamente, a legalidade para dar cumprimento às decisões.
Sr. Ministro, uma última pergunta. Quando se fala em agricultura, está-se, não sei porquê, a pensar e a

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bater sempre muito num aspecto que se liga com a zona de intervenção da Reforma Agrária. Perguntava ao Sr. Ministro, que falou no projecto de proposta de lei que tem preparado sobre emparcelamento, que certamente visa a zona do minifúndio, se poderia adiantar os principais critérios, digamos assim, básicos desse emparcelamento. Por exemplo, se se está a pensar no emparcelamento dito coercivo e quais as outras formas que o Ministério ou os seus técnicos terão, porventura, pensado para esta situação, porque V. Ex.ª sabe perfeitamente que uma das zonas em que a nossa agricultura padece de um anquilosamento de séculos e que precisa, efectivamente, de ser corrigida, embora reconheça também as inúmeras dificuldades com que temos todos que nos confrontarmos neste domínio, é a zona do minifúndio. Mas como V. Ex.ª disse que está em preparação ou que já está preparado esse projecto de emparcelamento, pedia-lhe, pois, se nos poderia adiantar alguma coisa sobre os meios a usar para redimencionar a propriedade na zona do minifúndio, tendo em conta inclusivamente as tais empresas familiares, viáveis e rentáveis.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Basílio Horta (CDS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Ouvi com particular atenção a sua intervenção e é com a prudência de quem conhece as profundas dificuldades do seu Ministério e a diversidade de interesses que nele se entrechocam, que gostaria de colocar algumas questões para clarificar a sua exposição.
V. Ex.ª deu particular ênfase à nova política de preços agrícolas, dizendo que ela visa aumentar a produção. Pois, Sr. Ministro, não duvidamos que aumentando a política de preços de garantia, certamente que um factor, e apenas um factor, está conseguido no sentido do aumento da produção. V. Ex.ª não ignora certamente, que os preços de garantia que nós já tínhamos fixado, eram eles próprios superiores entre 20 % e 40 % à média de preços de garantia da Comunidade Económica Europeia. Pergunto-lhe, Sr. Ministro, se V. Ex.ª com esta política de aumento de preços agrícolas, não está a transferir os subsídios que até agora eram pagos pelo Fundo de Abastecimento para o próprio consumidor. Pergunto-lhe se não são os consumidores que vão suportar, eles próprios, essa política de preços agrícolas?
Em segundo lugar, como é que é compatível a política de preços agrícolas que V. Ex.ª aqui anuncia com as metas de inflação do Governo. Como é compatível? Qual vai ser o preço futuro do pão quando entrar em vigor o novo preço do cereal? Qual vai ser o novo preço das rações? Em que medida é que feitas as contas não acabam por ser os agricultores, eles próprios, os principais prejudicados dessa política, que à primeira vista parece ser uma política que agrada, mas que acaba, eventualmente, por ser mais prejudicial do que uma política equilibrada que balanceasse os interesses da produção com os interesse do consumidor e com a necessidade manifesta que uma economia como a nossa tem de conter a inflação em limites razoáveis.
Em segundo lugar, Sr. Ministro, porquê começar pelos preços. Porque é que V. Ex.ª não falou aqui do crédito agrícola, que é manifestamente, e essa foi das principais dificuldades que sentimos, um crédito ina-

plicável e insuficiente. Porquê manter-se a falta de selectividade nesse crédito, as taxas desajustadas, em suma tudo isso que podia beneficiar a produção agrícola sem pesar excessivamente sobre os consumidores?

Em terceiro lugar, Sr. Ministro, uma pergunta de carácter diferente, e peço desculpa de a fazer rapidamente mas o tempo não abunda. Que pensa V. Ex.ª sobre a lei de bases da Reforma Agrária? Vai V. Ex.ª
manter a lei de bases e em caso afirmativo vai fazer as expropriações que faltam fazer? Vai V. Ex.ª alterar a lei de bases da Reforma Agrária e, nesse caso, em que sentido o vai fazer? Como vai V. Ex.ª, na zona de intervenção, compatibilizar a exploração cooperativa com a exploração privada, e com a exploração pública? Em relação às terras exploradas pelas cooperativas, vai V. Ex.ª disciplinar essa exploração, vai V. Ex.ª terminar com essa exploração? O que é que V. Ex.ª pensa sobre essa matéria que tão importante é mesmo em termos políticos?

Finalmente uma última questão que tem a ver com o seu Ministério. V. Ex.ª falou na nova lei das direcções regionais. Como é que V. Ex.ª vai compatibilizar a competência dos organismos centrais e a competência dos organismos periféricos. Vai manter essa diversidade ou vai aprofundá-la? E se vai aprofundá-la, pergunto-lhe, Sr. Ministro, como é que as direcções regionais vão ter meios humanos e técnicos para dar resposta positiva às competências que têm. É continuando a admitir tarefeiros ou, pelo contrário, gizando um regime de pessoal que permite a transferência da sede para a periferia sem novos encargos para a macrocefalia do Ministério que já de si tem tanto de macrocéfalo.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, se deseja responder, tem a palavra.

O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Alimentação (Soares Costa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Irei ser muito rápido, porque não quero que os meus colegas do Governo me possam acusar de tomar tempo que a eles está também destinado, mas irei tentar abordar ainda que rapidamente as questões que me foram postas pelos Srs. Deputados.

Em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha do Partido Comunista. Diz a Sr.ª Deputada que a minha intervenção foi no fundo uma velha cassette. Se na realidade a grande tónica que quis pôr nesta intervenção foi uma tónica de fé na agricultura e na sua mudança, perspectivando-a para uma agricultura de modelo europeu, não creio que essa possa ser considerada uma cassette porque, na realidade, do que se trata é de alterar aquilo que nas últimas décadas tem sido a agricultura portuguesa para aquilo que nós todos queremos que a agricultura portuguesa venha a ser.

Disse-me que falei aqui de muitos diplomas, que falei aqui de muitas realizações, que afinal são realizações de gabinete, que isso, mais uma vez, significa que não tenho experiência ou que não tenho a realidade vivida do que á a agricultura. Está a Sr.ª Deputada enganada, porque apesar de ser professor universitário, nunca deixei de ter contacto com a realidade dos nossos campos. Viajei muito por este país, trabalhei em muitas explorações e em contacto com as actividades do agro - e não só neste país, mas também

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no estrangeiro -, sujei as mãos e sujei os pés muitas vezes em trabalhos que também são de actividade agrícola e não sinto, por isso, qualquer despudor ou menos honra, antes pelo contrário.

Uma voz do PSD: - Ela é que nunca sujou!

O Orador: - De maneira de que esse tipo de argumentos, Sr.ª Deputada, em mim, sinceramente, não colhem. Por outro lado, em relação aos técnicos do meu Ministério, a verdade é aquela que eu disse, Sr.ª Deputada, e que há muita coisa a corrigir, que há muitos mais técnicos que devem ser enviados para a periferia e que necessitamos - deixei subentendida essa ideia - de os mobilizar nesse sentido. Não é verdade que todos os 70 % dos técnicos considerados dos efectivos dos serviços centrais estejam em Lisboa. Dizer isso seria uma injustiça para muitos técnicos de algumas direcções gerais deste Ministério, que estão efectivamente na província e não em Lisboa.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - São os 30 %!

O Orador: - Quanto ao problema dos vinhos de qualidade e das taxas, é certo que está prevista uma subida para as taxas da Junta Nacional dos Vinhos. Sabe a Sr.ª Deputada que isso é uma necessidade, pois essas taxas são extremamente antigas. Para além disso, quero dizer-lhe que essas taxas são pagas pelo armazenista e não são pagas directamente pela produção.

Uma voz do PSD: - Ignorância!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - São pagas pela produção!

O Orador: - Quanto ao problema da corrupção em matéria de crédito agrícola, pois se a Sr.ª Deputada conhece casos, aí está a alta autoridade que poderá utilizar convenientemente, ...

Aplausos do PS e do PSD.

... porque está bem claro, Sr.ª Deputada, no Programa do Governo que o crédito agrícola que defendemos é um crédito agrícola assistido, que significa não só despiste e acompanhamento das necessidades de crédito, apoio na elaboração dos projectos, mas também rigor e acompanhamento na aplicação do crédito agrícola. É isto que significa crédito agrícola assistido.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - E os 1000 contos ao Sr. Teles Rasquilho?

Vozes de protesto do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço o favor de manterem o necessário silêncio.

O Orador: - Diz-me a Sr.ª Deputada, também, de que em relação à aplicação do crédito pelas linhas de crédito Procalfer houve casos de corrupção em relação a cooperativas que têm na sua direcção gente do meu lado, gente de direita. Quero dizer à Sr.ª Deputada que nunca fui ...

Vozes do PCP: - As cooperativas é que não receberam!

O Orador: - ... de direita e, portanto, não tem necessidade de criar essa confusão.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Ah!

O Orador: - Passando ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, colega e amigo de longa data que muito respeito, iria responder a alguns aspectos da sua intervenção.
Diz-me, em primeiro lugar, que é evidente que nenhum Governo desejaria não aumentar a produção, não aumentar a produtividade e que daí ser uma redundância que fosse também este um objectivo do Governo. Não considero que seja uma redundância e é bom que aqueles princípios que são de facto os fundamentais sejam, uma vez mais, afirmados e reafirmados e, mais do que isso, que sejam explicados como eu tenho feito nos meus fins-de-semana em viagem pelo País e em contacto com a lavoura e com as cooperativas ...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É agricultor de fim-de-semana!

O Orador: - ... que seja explicada a razão porque se deve aumentar a produção, porque se deve aumentar a produtividade, e também como fazê-lo.
Evidentemente que em matéria de aumentar a produção alguns passos foram dados. Não depende só do Governo, depende muito da lavoura portuguesa e nós estamos convencidos que, sobretudo, depois da política de preços ter sido invertida em relação aos produtos agrícolas essenciais, que a resposta do lado da lavoura virá e o Ministério terá nessa parte defendido o ponto de vista do interesse nacional e o ponto de vista dos agricultores. Mas temos a consciência que outros acréscimos terão de vir e esses serão pela via da produtividade, que aqui qualifiquei de uma via mais sã de aumentar os rendimentos dos agricultores. Mas aí o Sr. Deputado Lopes Cardoso sabe tão bem como eu que a reacção não vem tão facilmente nem tão depressa como seria para desejar.
Nós, se queremos salvar este país, teremos de suster o défice da nossa balança comercial e aí o aumento da produção a curto prazo, por estímulos rápidos, é um imperativo e uma necessidade nacional.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - A gente diz isso há muito tempo.

O Orador: - Julgo que sobre isto o Sr. Deputado Lopes Cardoso também me dará razão.
Disse que continua a verificar-se indefinição na zona da reforma agrária. Bem, nesse aspecto o Sr. Deputado Lopes Cardoso sabe qual é o quadro geral em que nos movemos e também me conhece há muitos anos para saber que como Ministro da Agricultura nunca actuarei de outra forma que não seja dentro do quadro legal em que tenho de me mover.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Já estão a cometer ilegalidades! Posso provar-lhe!

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O Orador: - Os preços, sobre quem se repercutem? É evidente que os aumentos de preços à produção foram, na sua grande maioria, e irão ser repercutidos sobre o consumidor. Mas eu pergunto ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, e isto tem algo a ver também com a questão que foi posta pelo Sr. Deputado Basílio Horta, se seria justo que continuasse a agricultura portuguesa a pagar a factura.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - 15so é falacioso!

Vozes de protesto do PS e do PSD.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - 15so é estar a enganar o País!

O Orador: - Disso tem consciência o Governo e o Ministro da Agricultura.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - 15to é lindo! A agricultura está entregue aos bichos!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a vossa atenção.

O Orador: - Por isso, assumimos a responsabilidade de que os rendimentos dos agricultores têm de ser, efectivamente, aumentados e só assim se poderá esperar que eles correspondam ao grande esforço nacional que estamos a fazer para recuperar o País e a sua economia.

Aplausos do PS e do PSD.

Tocou o Sr. Deputado Lopes Cardoso num ponto concreto que tem a ver com os circuitos comerciais e que diz respeito ao problema dos mercados abastecedores. Julgo que o sinal que este Governo já deu pelo Ministério do Comércio e em parte pelo da Agricultura, através da Secretaria de Estado da Alimentação, em relação ao Mercado Abastecedor do Porto, será de algum modo um indicativo para o Sr. Deputado Lopes Cardoso do que é que pensamos em relação ao Mercado Abastecedor de Lisboa.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca pediu-me para apontar as medidas que temos para resolver os problemas da pequena produção agrícola. Julgo que é por demais evidente que será pelo apoio que queremos dar ao cooperativismo e às diferentes formas do associativismo, e que essa via será uma das formas de a pequena produção agrícola associada se estruturar e ganhar força, de forma a que se possa impor e avançar.
Temos o maior respeito e consideramos importante a contribuição que as pequenas e as muito pequenas empresas deste país dão para a produção de produtos agrícolas e para o abastecimento nacional. Mas também sabemos que isso será realizado a partir de medidas de emparcelamento. E quando falo em emparcelamento não me refiro ao emparcelamento clássico, tradicional, porque todos temos a consciência que nesse caso se trataria de obras extremamente caras, que o País hoje não poderia realizar, ao emparcelamento através de vias indirectas, como a utilização do crédito Procalfer e outras, que podem conduzir a pouco e pouco ao

redimensionamento e reestruturação das pequenas explorações do minifúndio.
Quanto à compatibilização da adesão às comunidades com a existência da agricultura de minifúndio, todos sabemos que esse tipo de agricultura, para além do vinho, existe sobretudo no sector leiteiro, ao qual a adesão às comunidades dá alguma protecção.
Em relação a outros sectores, temos hoje perfeitamente identificadas e analisadas quais as vantagens comparativas em cerca de 19 sistemas produtivos e o que poderá acontecer em termos de adesão às comunidades.
Por outro lado, também sabemos que há sectores, como o da ovinicultura, que terão uma posição privilegiada, bem como há outros sistemas produtivos que terão possibilidades futuras mesmo em termos de 1990.
O Sr. Deputado Rogério de Brito, relativamente à agricultura de mercado de perfil europeu voltou a insistir que isso é qualquer coisa com a qual, no fundo, não está de acordo.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Eu não disse nada disso!

O Orador: - Bom, mas pelo menos deu a entender que eu sou um defensor de uma agricultura de mercado e de perfil europeu.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Nem isso!

O Orador. - Sr. Deputado, tenho de lhe pedir desculpa, na medida em que, provavelmente, isto é uma mera divergência de opiniões. Mas a realidade é que nós somos um país europeu, da Europa Ocidental, onde nos queremos inserir e ou temos uma agricultura de perfil europeu ou não temos lugar na Europa, ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Então não temos!

O Orador: - ... pelo menos na Europa onde queremos estar, e não certamente naquela Europa em que o Sr. Deputado Rogério de Brito está a pensar. Lamento-o, mas são diferenças de opinião.

Aplausos do PS e do PSD.

E o mesmo lhe diria em relação ao conceito «produzir para abastecer o País, produzir para o consumo interno». É que nós não podemos hoje viver fechados sobre nós próprios, nem há país nenhum que o faça. Nós temos de produzir aquilo que temos aptidão para produzir, temos de manter a auto-suficiência naquilo em que temos sido capazes de a manter, ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... mas não podemos deixar de produzir aquilo que temos aptidão para exportar. E chamo a atenção para a aptidão que temos no sector florestal, no sector hortofrutícula e insisto, de novo, nos vinhos de qualidade e insisto amanhã na exportação de carnes do gado ovino.
Sr. Deputado Rogério de Brito, porque não abrirmos as portas a este país?

Uma voz do PCP: - E as celuloses, que é o que os outros não querem!

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O Orador: - Porque não abrirmos este país à Europa e fazermos com ele e dele aquilo que os portugueses esperam e não aquilo que o Sr. Deputado preconiza.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Eu não disse nada disso(

O Orador: - julgo que aquilo que aqui referi sobre a inversão que fizemos na política de preços dos produtos agrícolas essenciais foi efectivamente uma viragem histórica. O País aí está para o julgar; felizmente não é apenas o Sr. Deputado Rogério de Brito que pode ter uma opinião sobre este aspecto.
Para além disso, quero dizer-lhe que o Governo não tomou medidas apenas em relação aos preços dos produtos agrícolas essenciais. Há outras medidas que foram tomadas, já numa concepção europeia de preço de intervenção e de preço de orientação para produtos que têm neste país preços livres, como é o caso do vinho ou do azeite. Já sabem, pois, que também nessa matéria os preços de orientação foram aumentados.
Passaria a responder às questões levantadas pelo Sr. Deputado Marques Mendes que perguntou se a reestruturação das zonas agrárias se refere à reestruturação dos serviços. Ora, a resposta que posso dar é a de que o decreto-lei que está pronto sobre a orgânica dos serviços regionais os reformula totalmente na sua concepção, embora isso não aconteça no que respeita às suas áreas de influência.
O que é importante neste diploma é a concepção de separação daquilo que são os serviços de apoio do Ministério e do que são os serviços de apoio típicos regionais do sector da extensão rural, que queremos independentizar, porque necessitam de ter uma forma de actuação bem diversa, toda ela baseada sobre a unidade e essa unidade é a zona agrária que pretendemos que seja coincidente, tanto quanto possível, com zonas agrícolas homogéneas.
Julgo que é esta a filosofia subjacente e parece-me que por esta forma respondi no essencial à sua pergunta.
Quanto as linhas de crédito, pergunta-me ainda o Sr. Deputado Marques Mendes se as dívidas das UCPs já foram regularizadas.

Vozes do PCP - Então e as dívidas do Governo para com as UCPs?

O Orador: - Quanto a este ponto, devo dizer-lhe que esta matéria, aliás como certamente sabe, não é da responsabilidade do Ministério. Mas se quer referir ao crédito agrícola de emergência o que lhe posso dizer é que já está formulado um despacho que irá dar solução a esse caso.
Falou também sobre a lei do emparcelamento. Ora, julgo que, tratando-se de uma lei que pretendemos submeter à apreciação da Assembleia da República, não é este o momento de, com a indicação solicitada, avançar alguma discussão porque isso seria antecipar um debate que, no fundo, deve ser propriedade desta Assembleia.
Sr. Deputado Basílio Horta, irei escolher uma das questões que me colocou, porque o Sr. Ministro de Estado pede-me que termine. Disse V. Ex.ª que falei com ênfase da política dos preços agrícolas e pôs-me fundamentalmente duas questões a esse respeito. Pri-

meiro, como é que esta política se compatibiliza com a política de preços da Comunidade Económica Europeia já que em muitos produtos nós já temos hoje preços superiores?
Bom, a verdade é essa, só que daqui até aderirmos à CEE, e depois durante o período de transição, temos tempo de nos compatibilizar e de chegar a esse nível. É esse o sentido das minhas afirmações. Mas neste momento era essencial para o País - e penso que estará de acordo comigo - que tivéssemos tomado esta decisão.
Quanto a quem vai pagar a factura, pois naturalmente em grande parte tem de ser o consumidor. Não podíamos era continuar a seguir a política anterior. O Sr. Ministro das Finanças e do Plano já aqui o explicou: o Fundo de Abastecimento está esgotado e nós não podíamos continuar a pagar subsídios no montante de vários milhões de contos, como foi o caso, por exemplo, no ano passado, dos 5 milhões de contos para os adubos; este ano para os cereais e para as oleaginosas seriam necessários 18 milhões de contos. Ora, é impossível continuarmos esse tipo de política.
Em relação à lei de bases da reforma agrária, o Sr. Deputado Basílio Horta conhece qual é o quadro em que vivemos e qual é o acordo existente entre os partidos da coligação - julgo que esta resposta o poderá satisfazer.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Como não me resta outra figura, peço a palavra para um protesto, mas entenda-se esse protesto como um recurso regimental para poder responder a uma questão que o Sr. Ministro Soares Costa me colocou, e que não queria deixar sem resposta.

O Sr. Presidente: - O seu partido dispõe exactamente dos 2 minutos, que é o tempo regimental concedido para um protesto.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Ministro Soares Costa perguntou-me: quem vai pagar a factura? Deverá a agricultura continuar a pagar a factura? Bom, não discutamos agora o problema dos subsídios e do Fundo de Abastecimento, pois em 2 minutos não tenho tempo para o fazer.
Mas, relativamente à questão concreta de quem deve pagar a factura, pergunto se não seria possível intervir nos circuitos comerciais, aproximando o preço pago ao produtor do preço que o consumidor paga, deixando assim de fazer repercutir sobre o consumidor não apenas o preço pago à lavoura, mas as quantias arrecadadas pelos intermediários que se colocam neste circuito.
Não se poderia libertar a agricultura da factura sem que isso se fosse repercutir sobre o consumidor, actuando de imediato em relação à produtividade? Quanto a este aspecto, o Sr. Ministro disse-nos que se tornava complicado actuar porque a reacção não aparece. Ora, se me permite a blague, dir-lhe-ia que é pre-

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cisamente aí que a reacção aparece, porque o problema
da produtividade está ligado, entre outros, ao problema
das estruturas agrárias da exploração e da propriedade -
e aí, Sr. Ministro, pode ter a certeza que a reacção
aparece e aparece depressa.
Quanto ao Mercado Abastecedor de Lisboa, dir-lhe-ia apenas que não estou preocupado em saber o que é que o Governo pensa. O que queria era saber o que é que o Governo vai fazer perante uma situação que dura há 8 anos.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro Soares Costa, há ainda um outro orador inscrito para protestar. Deseja responder imediatamente ou no final?

O Sr. Ministro da Agricultura, dos Florestas e de Alimentação: - Imediatamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Ministro da Agricultura, das Florestas e da Alimentação: - Vou apenas responder à primeira parte do protesto do Sr. Deputado Lopes Cardoso precisamente para chamar a atenção que os preços de que estávamos a falar referem-se a produtos que têm preço de garantia, onde não há o circuito comercial a que o Sr. Deputado se refere.
Agora, em relação a todos os outros, aí sim, com certeza que terá de ser pela via do cooperativismo e do seu aprofundamento dentro do circuito comercial que o problema tem de ser resolvido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta, julgo que também para um protesto.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Formalmente assim é, Sr. Presidente.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pedi a palavra apenas para dizer ao Sr. Ministro que não estou contra a política de redução dos subsídios. Aliás, quero dizer que os subsídios em 1977 rondavam os 25 a 30 milhões de contos, em 1982 foram reduzidos previsivelmente para 12 milhões, tendo-se chegado ao valor final de 15 milhões. Agora, haja moderação! (Modus in rebus.) Uma coisa é um défice do Fundo de Abastecimento de 15 milhões de contos, outra coisa é um superavit do Fundo de Abastecimento de 32 milhões de contos que VV. Ex.as conseguem com essas medidas. É certo que é para pagar as dívidas acumuladas, mas isso é feito à custa do consumidor.
V. Ex.ª não ignora que, com os preços de garantia que estão previstos, o aumento do preço do pão tem de ser superior a 60 %, V. Ex.ª não ignora que em poucos meses o leite aumentou mais de 70 % e também não ignora que há limites para tudo, principalmente para que as tensões sociais se não avolumem e não ponham em perigo o próprio regime.
Finalmente, lamento que V. Ex.ª não tenha respondido às perguntas que fiz sobre a lei de bases da reforma agrária.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Ministro Soares Costa não deseja contraprotestar, dou a palavra ao Sr. Deputado Custódio Gingão, para uma intervenção.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Todos os

governos constitucionais têm trazido nos seus programas apresentados a esta Assembleia que é necessário produzir mais para fazer face às dificuldades económicas. É, porém, na agricultura que a este slogan tem sido dado maior ênfase.
No entanto, os governos têm-se sucedido, uns após outros, sem nunca terem sequer tentado levar à prática tal afirmação.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O desprezo que têm votado às organizações dos trabalhadores ficou bem demonstrado no passado dia 1 de Outubro quando em Avis se realizou mais um encontro anual das culturas de outono-inverno. Este encontro veio mais uma vez mostrar ao povo e ao País a vontade inquebrantável dos trabalhadores de semear mais e melhor, aproveitando todas as suas capacidades e energias, para que o ano agrícola que agora se inicia seja mais próspero e para que os rendimentos unitários alcançados no ano findo possam ser ultrapassados.
A este acto patriótico, responde o Governo com a sementeira da fome, da miséria, do desemprego, da repressão, do roubo e da pilhagem atirando a GNR para cima dos trabalhadores que produzem o pão, a carne, o leite, os cereais e os legumes.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Estes têm sido ofendidos, espancados, feridos e até mortos. No entanto, este governo já tirou mais de 1500 ha de terra que eles estavam a produzir, para a entregar a agrários cujas reservas recebidas anteriormente ultrapassam de longe as pontuações previstas na lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não é dando cobertura política e policial aos que nada fazem permitindo que tenham as terras abandonadas, as barragens cheias de água e que todos os anos deixem centenas de milhares de toneladas de azeitona por apanhar, que qualquer governo pode falar em aumento da produção. A qualquer governo que tivesse em conta as necessidades do país só lhe restaria uma alternativa: entregar a terra a quem a trabalha e penalizar severamente os que boicotam a agricultura e com ela a economia nacional.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Mas o Governo e a maioria em que se apoia, vão fazendo o contrário e aí estão outra vez nas terras da Reforma Agrária a farsa dos leilões de terras, a entrega de mais reservas, as execuções fiscais, o roubo da cortiça. A este propósito tenha-se presente a recente portaria sobre a comercialização da cortiça das UCP's/cooperativas. Depois de adiantarem 120$ por arroba, para pagamento das operações de extracção, o Governo estipula uma percentagem para as cooperativas de 8 % sobre os rendimentos líquidos da cortiça. Ou seja, o total atribuído às UCP's não dá sequer para pagar metade dos custos das operações de condução e limpeza do montado e de extracção da cortiça.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP). - Muito bem!

O Orador: - Em todos os pormenores este governo vai revelando o seu carácter classista.

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E para não destoar dos governos da AD, e ao contrário do que disse agora mesmo o Sr. Ministro, também não executa os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, favoráveis às UCP's/cooperativas.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Existe de facto alternativa a esta política. Os trabalhadores já demonstraram no balanço das conferências da Reforma Agrária e em vários encontros de culturas, e nós repetimos hoje aqui que o nosso país pode e deve produzir o trigo, a cevada, a aveia, o milho, as batatas, as hortaliças e legumes, a carne e o leite de que precisa. Bastará para tanto que o Governo leve por diante uma política de apoio e desenvolvimento da agricultura e acompanhe o esforço, o trabalho, o investimento, que os trabalhadores e os agricultores vêm fazendo.
Já em 1978 num estudo técnico sobre a produção, feito para o Sul do Pais, ficou demonstrado que é possível Portugal produzir grande parte dos alimentos que consome.
Assim, por exemplo, podíamos produzir 900 000 t de trigo. Para tanto seria necessário que se semeassem por ano cerca de 450 000 ha, de 1 300 000 ha disponíveis, com aptidão para este cereal. Esta produção está calculada com rendimentos unitários que não excedem os 2000 kg por hectare, média ultrapassada já em muitas UCP's/cooperativas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao centeio, existe uma área disponível de 150 000 ha que pode e deve produzir um mínimo de 195 000 t ao ano.
Temos de ter ainda em conta os 600 000 ha de terra que deveriam ser aproveitados para os cereais secundários, dos quais se poderiam colher 620 000 t.
Estes dados mostram que, levados à prática, é possível cobrir praticamente as necessidades internas.
Quanto à produção de carne também aqui há alternativa, pois é possível num período de 4 anos termos um acréscimo, que aos preços de 1982, se cifraria nos 20 milhões de contos. Também para se atingirem estes mínimos é preciso mudar de política. É necessária uma política virada para o aproveitamento dos recursos naturais e neste campo há uma vastíssima riqueza a aproveitar. Basta ter em conta 1 500 000 ha de terra para a silvopastorícia, mais 350 000 ha de solos menos férteis e mais 650 000 ha de solo sobcoberto e de prados plurianuais cujas potencialidades, devidamente aproveitadas, possibilitariam um forte incremento da pecuária com a simultânea redução dos consumos unitários de componentes alimentares e importados.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Existindo alternativa, cabe agora ao Governo responder se quer ou não aumentar a produção, diminuir o desemprego e resolver a crise. Se quiser tem de arrepiar caminho, tem de ter em conta os dados que aqui apresentamos, a vontade dos trabalhadores e as necessidades nacionais.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Se o Governo quiser uma agricultura desenvolvida e próspera, então tem a obrigação moral de apoiar a Reforma Agrária, pôr fim ao cerco económico às UCP's/cooperativas, repor a legalidade democrática nos campos do Sul, pôr a produzir as terras abandonadas entregando-as aos milhares de trabalhadores agrícolas desempregados, às UCP's/cooperativas e aos pequenos agricultores. Tem de levar por diante o plano de rega do Alentejo com o projecto do Alqueva. Assim o País sairá da crise, a agricultura desenvolver-se-á, desaparecerá o desemprego, as condições de vida serão melhores, as importações poderão diminuir, os preços baixarão e a vida nos campos será melhor.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Almerindo Marques inscreveu-se para que efeito?

O Sr. Almerindo Marques (PS): - É para um breve protesto.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - O Grupo Parlamentar do Partido Socialista ouviu, naturalmente, com a atenção devida a intervenção do Sr. Deputado Custódio Gingão. Acontece que se registámos os elementos que o Sr. Deputado carreou para a Câmara, registámos igualmente os termos com que apresentou algumas das divergências que quis manifestar, e é em relação a este último aspecto que não podemos deixar de manifestar o nosso protesto.
Na realidade, se continuamos com uma linguagem em que se utilizam expressões como «pilhagem», «ladrões», etc., começamos a ter perante o País uma situação deste tipo: este é um Governo de malfeitores, de ladrões, de pilhadores.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Ele não disse isso do Governo, mas sim do que fazem lá!

O Orador: - Em suma, penso que este tipo de linguagem não dignifica nem o debate, nem a Câmara, nem a democracia.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

Mais, Srs. Deputados: garanto-vos que a continuação da utilização desta linguagem - e a experiência dá-nos razão - irá tirando-vos, cada vez mais, razão.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão, para responder, se assim o entender.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou contraprotestar muito rapidamente pois o tempo é pouco.
Sr. Deputado Almerindo Marques, a linguagem que aqui utilizou mostra, claramente, o tom de classe e o desconhecimento real do que é a vida nos campos do Sul.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador:- ... É que há uma coisa que o Sr. Deputado se calhar não sabe, porque se soubesse certamente que não me acusava da forma como o fez. Porque até quero ver como é que o senhor vai intitular o que vou referir: numa cooperativa que comprou gado, vacas, porcos, palha, rações, etc., aconteceu que, quando os trabalhadores estavam no campo a trabalhar, apareceram representantes dos serviços do MAP acompanhados da GNR que lhes retiraram tudo, sendo presos e espancados os trabalhadores que se quiseram opor. 15to não é pilhagem? 15to não é roubo? 15to é o quê, Srs. Deputados?

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Deputado Almerindo Marques não é capaz de responder. E digo-lhe que por agora chega, mas se quiser ainda lhe posso dizer mais.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Temos consciência de quão difícil é fazer uma política agrícola que conduza a um equilíbrio entre os 2 vectores que consideramos essenciais: a produção e a produtividade.
Porque se queremos discutir este problema com seriedade, serenidade e sem demagogia, não podemos enveredar por um campo de dialéctica de escândalo, de destruição, nem da apresentação de dados que nada têm a ver com a actualidade.
Pois, os elementos apresentados pelo PCP reportam-se a uma análise do período 1976-1980 e foram generalizados para o presente.
As conclusões expressas da intervenção do Sr. Deputado Rogério de Brito, resultam de uma grande confusão de conceitos que o Sr. Deputado fez em relação à fonte que consultou. E continua a reportar-se ao período 1976-1980.
Temos que saber o que pretendemos e onde estamos e, como tal, temos de actuar em conformidade com a realidade e essa questão nada tem a ver com slogans mas, sim, com dados muito concretos que conhecemos, pois, preocupamo-nos com a situação actual da agricultura, sector que consideramos importantíssimo para a recuperação económica do país e para o bem-estar das populações.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Como tal, sentimos que é necessário que se faça uma política realista e de rigor, mas esta só pode vingar se tivermos não só o empenhamento do Governo, mas também o empenhamento muito claro de todos nós, diria mesmo que esta problemática requer uma mobilização e uma consciencialização nacional.
Todos os cidadãos sabem que a balança comercial agrícola é fortemente deficitária nos produtos essenciais a alimentação e que diminuir o défice neste aspecto é essencial para a sobrevivência de todos nós como nação.

Como tal, é preciso aumentar rapidamente a produção dos produtos essenciais para a alimentação - e cito os exemplos dos cereais e oleaginosas -,como também dinamizar as culturas hortícolas que poderão vir a constituir um potencial nosso para a exportação. Nesse campo é importante não esquecer o sector florestal que representa 20 % das nossas exportações e é o segundo sector depois dos têxteis, não podemos deixar de ter em conta que a Europa é o nosso principal comprador de produtos florestais e não podemos, de igual modo, alhearmo-nos da seguinte condicionante: é que o nosso país os solos com aptidão agrícola não são mais que um terço do território. Daí que o Governo se deve empenhar ou dar também grande incidência a uma política florestal.
Neste campo muito concreto de produção, se bem que há muito que fazer, apraz-nos registar algumas medidas tomadas pelo Governo que consideramos positivas, que vão de encontro às nossas aspirações e que correspondem certamente às aspirações dos agricultores portugueses.
Medidas governativas dos subidas de preço dos factores de produção como por exemplo: a actualização de linhas de crédito da pecuária para diversas espécies de animais; ajuste do preço do leite com efeitos a partir de 16 de julho de 1983 face ao aumento das rações; ajuste dos preços dos cereais de pragana, do tomate, do milho e do arroz, para a campanha 1982-1983; revisão do subsídio do gasóleo, publicação atempada dos preços de orientarão dos cereais de pragana, para a próxima campanha 1983-1984; fixação dos novos preços do leite a partir de Setembro; fixação para a campanha 1983-1984 dos preços de orientação para os vinhos de consumo corrente, e fixação do regime de comercialização do azeite e dos preços de orientação para a campanha 1983-1984.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se bem que o sector de produção é muito importante não é menos importante o aumento da produtividade, mas esta requer, ou significa, um esforço tecnológico e uma capacidade profissional dos agricultores, como muito bem foi referido pelo Sr. Ministro da Agricultura. Ora, isto só se consegue com um programa de apoio ao desenvolvimento da agricultura regional com vista a um equacionamento efectivo e prático da extensão rural e uma prioridade no apoio às cooperativas, implementação do programa de lançamento das infra-estruturas de apoio à agricultura associada. A produtividade também tem a ver com o desenvolvimento do sector agroindustrial e neste campo temos plena consciência que o investimento tem sido inferior a outras áreas, muito concretamente na da indústria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tal como no âmbito da produção temos conhecimento de inúmeras acções que o Governo vai desencadear para o aumento da produtividade e nós, sociais-democratas, temos plena consciência que só com o aumento da produtividade haverá mais justiça na repartição das riquezas e também estamos convictos que para sairmos da crise precisamos de uma
época de estabilização para de seguida se entrar numa
fase de expansão.

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Apesar de sabermos que o sector agrícola é o que mais lentamente responde ao crescimento em épocas de austeridade, estamos certos que o agricultor português com o seu poder criativo vai certamente criar as condições necessárias ao relançamento da nossa economia agrícola, mas também temos consciência de que não existe economia sem intermediários nem economia de mercado sem comerciantes. São uma peça insubstituível do sistema.
O que o Estado, como representante de todos os cidadãos, tem que garantir é que estes desenvolvam a sua actividade em condições de eficácia social e económica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Como em tudo na vida nós temos de ser práticos e objectivos e o que se trata neste momento é de resolver os problemas actuais. Nesse sentido o Governo já fez algo importante, muito concretamente na política de preços, pois, se até aqui se davam subsídios ao consumidor e se pagava a preços baixos à produção, com a finalidade de conter a inflação, fez este Governo uma viragem histórica com o acabar de subsídios e, numa perspectiva da CEE, enveredou por uma política de preços de garantia antes das sementeiras para depois, se possível e necessário, melhorar com preços na intervenção. No entender dos sociais-democratas esta é uma política patriótica que merece o nosso apoio.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Não posso finalizar, porém, sem chamar a atenção do Governo para alguns pontos que nos são bastante caros, muito concretamente o problema do apoio aos jovens agricultores, a criação do ensino técnico profissionalizante, sob pena de apenas termos generais de agricultura, esquecendo-nos que a agricultura é uma guerra e que na guerra também há sargentos e praças.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo deve continuar a distribuição de terras no Alentejo, mas as verdadeiras empresas agrícolas, tendo sempre em conta que essa distribuição deve ser feita de maneira a formarem-se empresas familiares economicamente viáveis e deve de seguida incentivar a criação de cooperativas após a entrega dos terras, apoiando os agricultores com linhas de crédito e apoio técnico, deve ainda este Governo ampliar ao máximo as actuais zonas de regadio com a criação de pequenas barragens.
No campo da vitivinicultura, onde reina a indisciplina, espera o PSD que as medidas anunciadas pelo Sr. Ministro sejam uma realidade, pois um sector tão importante como esse merece da parte do Governo um especial cuidado.
E para terminar quer o PSD deixar a seguinte nota: sejam firmes Srs. Membros do Governo, como firmes são os homens do campo. O PSD está firme.

Aplausos do PSD e do PS.

Risos do PCP.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Essa foi a melhor!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos a chegar à hora regimentalmente estabelecida para a suspensão dos nossos trabalhos. Antes disso, queria convocar para o meu Gabinete uma reunião dos presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares para as 14 horas e 30 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Fadigas.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Veio em boa altura esta interpelação ao Governo!

A Sr.ª Ilda (Figueiredo (PCP): - Muito obrigada!

O Orador: - Em primeiro lugar, porque veio demonstrar que o partido interpelante não está em forma, não assume o combate ao Governo com grande entusiasmo e, no seu íntimo, até deseja que ele governe por muitos anos e bons. E nós também!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É uma questão de fadiga!

O Orador: - É que a alternativa a este Governo não é um governo do PCP, e o PCP sabe-o. E sabe também que é preciso dar a impressão aos seus militantes de que deseja a queda do Governo da República. Senão ainda se desacredita mais do que já está. Ou não serão os problemas internos do PCP fruto disto mesmo? Da sua incapacidade de mobilização, da marcha «gloriosa» e «heróica» de «derrota em derrota» que começa a ser difícil de explicar e de entender?

Vozes do P5: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que está em causa é a necessidade que o PCP sente de demonstrar - não sei a quem - que é alternativa e lidera a oposição. Liderar a oposição pode liderar, se o CDS deixar; mas isso é questão que não nos preocupa. Ser alternativa é que não é. Porque para isso é preciso ter programas ajustados à realidade, soluções concretas para os casos concretos e credibilidade junto da opinião pública. E nada disto o PCP tem, como fica demonstrado por esta mesma interpelação. Interpelação que se limitou a repetir chavões críticas retomadas de textos antigos, com roupagens novas, mas pardacentas.
E teria sido tão fácil criticar com seriedade!
Criticar, por exemplo, a obtenção, pelo Governo, de acordos laborais em todas as 8 empresas públicas do sector dos transportes (envolvendo cerca de 70 000 trabalhadores), com a desconvocação da maior parte das greves declaradas e a obtenção de um clima de paz social.
Criticar, por exemplo, a elaboração pelo Governo de um projecto de «acordo de gestão» a firmar entre a tutela e os conselhos de gerência das empresas

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públicas do sector dos transportes, de modo a poderem ser definidos objectivos, responsabilizando as partes pela respectiva consecução.

Ou será que o PCP entende que a política deste Governo no domínio dos transportes e comunicações é de aplaudir, tal qual nós aplaudimos e apoiamos?

Gostaríamos de ser esclarecidos, para que se não suscitam mal entendidos!

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A título, apenas, de exemplo da acção deste primeiros 4 meses de Governo, merece realce o que tem feito no domínio dos transportes e comunicações, pela sua coerência, e pelo seu carácter estruturante.

Por aquilo que já fez e pelo que isso representa de compromisso com a reestruturação e saneamento económico e financeiro do sector, com destaque para a definição de um plano integrado de acção para o sector de transportes. 15to com o objectivo de recuperar as empresas públicas que apresentam situação económico-financeira grave; definir objectivos de gestão para cada uma das empresas; harmonizar esses objectivos tendo em conta a globalidade do sector; e fixar políticas de actuação às direcções-gerais, tendo em conta a obediência e metas e prioridades previamente estabelecidas.
E nem nos referimos sequer, por desnecessário, à criação da taxa municipal de transportes, consagrando o princípio de que o funcionamento dos transportes urbanos e suburbanos deve ser, em regra, suportado pelos utentes, directos ou indirectos, e, supletivamente, pelo Orçamento do Estado, e cuja autorização legislativa foi concedida por esta Câmara através da Lei n.º 25/83, de 8 de Setembro.
Mas não se tem ficado por aqui a acção do Governo no domínio dos transportes: encontram-se em preparação um conjunto de acções cuja implementação concretizará, a breve prazo, a definição das linhas de força estruturantes do sector do domínio dos transportes «expresso» e da «alta qualidade»; transporte de mercadorias perigosas por estrada; regulamentação dos períodos de descanso dos condutores dos veículos de aluguer; regulamentação de vários aspectos relacionados com a aviação civil, nomeadamente quanto a segurança de voo de aeronaves, tempo de voo e repouso das tripulações; programação dos Planos de Transportes das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.
Muito mais poderia acrescentar, se o tempo de que desponho não fosse tão curto.
E há mais para dizer: o saneamento económico e financeiro dos CTT e TU, que apresentam agora perspectivas de exercício equilibradas mas que, à data da posse do Governo, apresentavam défices previsionais no ordem dos 4 milhões de contos.
Foi possível, da mesma forma, proceder a uma reformulação e posterior aprovação dos planos de investimento das empresas do sector das comunicações e ainda viabilizar a conclusão, num ambiente de diálogo e sem conflitos sociais, dos acordos colectivos de trabalho dos CTT, TU e Companhia Portuguesa Rádio Marconi.
No domínio das comunicações a melhoria da qualidade dos serviços e as mudanças tecnológicas são 2 vectores determinantes da acção do Governo; e, nesse sentido, é importante aqui realçar o que já foi feito para a definição das bases gerais de relacionamento entre as empresas operadoras de comunicações e a

indústria do sector; para a estratégia de digitalização das telecomunicações; para o estabelecimento das metas, devidamente quantificadas, que as empresas do sector deverão atingir, nomeadamente na automatização do Sistema Nacional de Telecomunicações; na eliminação da lista de espera e postos de telex; na melhoria da distribuição postal; na redução gradual da lista de espera de postos telefónicos para níveis europeus; no aumento de fluidez dos tráfegos, e na produtividade dos recursos humanos, materiais e financeiros.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito já fez o Governo e muito ainda tem para fazer nos próximos 4 anos, com a nossa colaboração e o nosso apoio (apesar da moção de censura que o PCP não deixará de apresentar no fim da interpelação), porque isso o deseja o nosso eleitorado, porque isso desejam todos quantos, acima de tudo, querem continuar a trabalhar para que o futuro dos portugueses seja melhor que o seu presente.

Para que o Portugal que queremos deixar aos nossos filhos seja o Portugal com que sempre sonhámos: um Portugal de paz, de esperança e de homens solidários na dor e na alegria.

Aplausos do PS e PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ontem mesmo, pela boca do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, o Governo veio aqui afirmar que, com as medidas que está a pôr em prática e com as que preconiza e que acordou com o FMI, quer sarar algumas feridas profundas da nossa economia: a redução dos défices da balança de transacções correntes e do sector público administrativo. Depois, daqui a algum tempo, o caminho ficaria aberto para uma economia saudável.
Infelizmente, não é assim. O Governo, bem ao contrário, está a pôr veneno nas feridas e a aplicar uma receita fatal.

O Ministro das Finanças e do Plano confessou aqui que o Governo entende que existem 4 «nós estratégicos» de que depende o futuro da economia nacional; mas, quando os enuncia, logo se confirmam todas as acusações do PCP na abertura desta interpelação.
O primeiro «nó estratégico» é, segundo o Governo, a reorganização do sistema de crédito. Mas o que isso verdadeiramente significa é o estrangulamento da banca nacionalizada; é a elevação das taxas de juro; é a maior discriminação na atribuição de crédito; a corrupção e as peias burocráticas; o favoritismo; a sobrecarga e a discriminação das empresas públicas e das pequenas e médias empresas; é o crédito mal parado.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O segundo «nó estratégico», segundo o Governo, é o do reequilíbrio do sector empresarial do Estado. Mas, para o Governo, isso quer dizer: a ofensiva contra as nacionalizações, ...

Aplausos do PCP.

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... a abertura dos sectores básicos da economia ao grande capital, o apoio acelerado à formação de grupos económicos.
Dizer que o terceiro «nó estratégico» é o desenvolvimento regional sob a pura hipocrisia no momento em que o Governo prepara uma ofensiva contra os direitos do poder local, drenando-lhe recursos financeiros, que adquirem redobrada eficácia quando aplicados no plano local.

Aplausos do PCP.

Resta o último «nó estratégico» do Governo: a internacionalização da economia portuguesa. Trata-se de uma verdadeira expressão eufemística, através da qual o Governo alude, afinal, ao patente impasse e fiasco da famigerada adesão à CEE.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - No seu conjunto, estes «nós estratégicos» significam tão-só a manutenção da economia portuguesa amarrada - não aos «nós estratégicos» - mas aos nós cegos da política da AD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E, no que diz respeito à actividade comercial e industrial em que vamos centrar esta intervenção, esta política tem-se traduzido num verdadeiro desastre. De acordo com o último Inquérito Trimestral de Conjuntura à Indústria Transformadora, «durante o 2 º trimestre de 1983 a evolução detectada na actividade produtiva ficou muito aquém das previsões». Mais adiante: «Registaram-se igualmente alguns sinais de maior subutilização dos equipamentos». E, depois de fazer uma referência «a uma fase de crise acentuada», avança, em termos de conclusão, que «para o 3 º trimestre do ano (1983), o conjunto das previsões recebidas para o total da indústria transformadora indica tendência para níveis de actividade inferiores aos que seriam de esperar meramente por razões sazonais».

Na actividade comercial, verifica-se igualmente uma degradação contínua, ao ponto de se verificar já um ritmo de falências que, segundo a União das Associações de Comerciantes de Lisboa, atingirá já o valor impressionante de 200 por mês. O número dos que consideram deficiente a sua actividade cresce a um ritmo acelerado. No comércio retalhista, a percentagem dos descontentes aumenta de 24 %, no 1 º trimestre de 1982, para 37 % e 38 %, respectivamente
no 1.º e 2.º trimestres de 1983.
É este quadro, aliás, que se reforça pela análise, ainda que rápida, de alguns dos mais significativos sectores da nossa economia. Nas conservas de peixe, encontram-se várias empresas encerradas e outras têm laboração reduzida. A indústria de tomate perde terreno nos mercados internacionais e algumas empresas, como a CAIA, em Elvas, não chegaram a iniciar a sua laboração este ano; outras funcionam utilizando apenas parte da sua capacidade produtiva. Nas indústrias têxteis, o panorama é desastroso, com excepção para um pequeno núcleo de empresas viradas para a exportação.

Com uma estrutura desasjustada, com uma concorrência externa asfixiante nas indústrias têxteis; verificam-se todos os sintomas normais de uma situação de crise acentuada: empresas que encerram; recurso sistemático a subsídios e empréstimos - cuja aplicação geralmente não é controlada -, laboração a níveis bastante baixos; despedimentos a esmo; etc.
Situação semelhante se verifica na indústria vidreira e, em particular, na cristalaria. Neste campo, como noutros aliás, a situação que ocorre em empresas do sector público merece uma referência especial, já que a intervenção do Governo poderia minorar tal situação desastrosa. É o caso, por exemplo, da COVINA, cuja viabilização económica é possível se forem efectuados os investimentos de que carece e sem os quais o País corre o risco de ver suprimida a produção de vidro plano.
No sector metalúrgico e metalomecânico, por razões que se prendem com a estagnação económica e, particularmente, com o não avanço do plano siderúrgico nacional, a situação não desmerece em relação às actividades atrás referidas. Várias empresas foram declaradas em situação económica difícil (MDF, PRECIX, HANDY, etc.); muitas recorrem a empréstimos para pagamento de salários em atraso que, muitas vezes, não concretizam. A construção civil, por diversas razões, entre as quais se destacam a falta de uma política de habitação, o aumento das taxas de juro e a suspensão de obras públicas, conhece uma forte recessão, com a agravante das implicações gravosas em vários outros sectores.
A indústria naval conhece dias dramáticos, a que não são estranhos a asfixia a que os governos vêm votando as empresas públicas e a desastrosa postura dos sucessivos governos, e também deste, relativamente à necessária e urgente recuperação da frota mercante nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Poderíamos referir a situação de outros sectores; em muitos deles, encontraríamos um panorama semelhante e, para todos eles, as causas determinantes de um tal caos encontram o seu fundamento na política que vem sendo seguida desde alguns anos e que este Governo pretende ainda agravar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É a redução da procura interna - ou, melhor, a redução do poder de compra das classes mais desfavorecidas - determinada pela redução dos salários reais e pelo aumento brutal dos impostos; são as dificuldades no acesso ao crédito; é a política de restrição de investimentos; é a chamada «política de apoio às exportações».
Mas, se hoje a situação é já desastrosa, as perspectivas que se desenham são as piores. E elas seriam particularmente dramáticas para muitas pequenas e médias empresas. A generalidade das PME's laboram exclusivamente em função do mercado interno, precisamente o que o Governo visa restringir drasticamente. Daí decorre, como o refere um recente inquérito ao investimento da indústria feito pelo IACEP, que, em 58,5 % das pequenas empresas com menos de 20 trabalhadores, não há intenção de investir (em 1982

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a percentagem era de 45,8 %). Nas empresas com mais de 100 trabalhadores, ao contrário, tal intenção verificar-se-ia em 19 % .
No que respeita à taxa de utilização da capacidade produtiva instalada (não se trata já sequer de investir mas tão-só de aproveitar as capacidades existentes), os dados são igualmente elucidativos. Nas empresas com 20 trabalhadores de uma taxa de 75 %, no 1 º trimestre de 1980, passou-se para 64 %, em igual período de 1983 (nas empresas de maior dimensão a evolução foi de 83 % para 73 %).
Às medidas que afectam toda a economia juntam-se, no caso das pequenas e médias empresas, a concorrência desleal das empresas de maior poder económico e financeiro, a subida da carga fiscal e das rendas, a inexistência de apoios oficiais e as medidas governamentais discriminatórias, como a que recentemente estabeleceu os novos horários para o comércio.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas, com a concretização da política que este governo anuncia, seria também o sector empresarial do Estado um dos mais afectados - e ele tem um papel importante na recuperação da nossa economia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, como se não bastassem já as discriminações a que tem sido votado relativamente ao sector privado - em termos de recurso ao crédito; na política de preços; na discriminação; na adjudicação de projectos; na contenção de investimentos indispensáveis; na nomeação de gestores incapazes; no não pagamento, pelo Estado, de dívidas gigantescas; na entrega das suas partes mais rentáveis ao capital privado; na não efectivação de projectos de viabilização -, como se tanto não bastasse, aí temos, ainda, as imposições do FMI e as ameaças ontem mesmo aqui produzidas pelo Ministro das Finanças e do Plano.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A política deste governo, cosmo a dos governos que o antecederam, é uma política lesiva dos interesses nacionais e de desastre para o comércio e a indústria. É necessária uma política diferente que aponte para o fim das distorções existentes, que se têm traduzido nos elevados défices da balança comercial; uma política que modernize efectivamente o aparelho industrial, que alargue o mercado interno, de modo a escoar a produção nacional e a viabilizar as actividades comerciais. Mas, para isso, é necessário também uma nova política de crédito. Nas intervenções anteriores do meu grupo parlamentar, já apontámos, com clareza e exaustivamente, o caminho a seguir. O Governo porém persiste no desastre. Antes que seja tarde é necessário abrir as portas que levam ao caminho que apontámos. E isso conseguir-se-á certamente com uma política alternativa a este governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr. Deputada Amélia de Azevedo.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No sector governamental da educação, uma experiência significativa assinala o começo do novo ano lectivo, decorridos que são 4 escassos meses após a tomada de posse do governo PS/PSD. Refiro-me à criação dos cursos técnico-profissionais e profissionais a ministrar após o 9.º ano de escolaridade, através do Despacho Normativo n.º 194-A/83, de 21 de Outubro, que, ao mesmo tempo, estabelece as normas de estruturação e funcionamento dos respectivos cursos. É sabido que o País aguarda a feitura de uma lei quadro do sistema educativo, tendo sido apresentados sucessivamente vários projectos de lei e uma proposta de lei - do tempo do Sr. Vítor Crespo e provenientes de diversos partidos -, existindo ainda estudos, pareceres e comentários sobre toda a problemática do ensino e da educação em Portugal.

A primeira vista, poderíamos ser tentados a pensar que não seria aconselhável e curial por parte do Governo proceder-se, desde já, ao estudo e lançamento desta experiência piloto num domínio tão sensível e importante, directamente conexionado com o mercado de trabalho e a exigência de mão-de-obra qualificada.

Não o entendeu assim o Ministro da Educação e, a meu ver, muito bem; dado que é desejável, por um lado, assentar o sistema educativo em grandes linhas, que devem perdurar por vários anos e, paralelamente, oferecer uma estrutura educativa dotada de flexibilidade, suficientemente inovadora, que dê resposta adequada aos avanços tecnológicos, corresponda às carências de mão-de-obra a diversos níveis de qualificação, proporcione certificados de habilitação profissional e garanta o prosseguimento de estudos e especializações.

Vários anos são volvidos sobre uma experiência de ensino unificado, ou «licealizado», que tem canalizado, sem imaginação e respeito pelas tendências vocacionais e talentos manuais, os jovens para o forçoso prosseguimento de estudos de nível superior ou ... para o fracasso. É chegada a hora de encetarmos em novos moldes uma política educativa motivada pelas solicitações e perspectivas do mercado de trabalho, pelas condicionantes da política económica e pelas carências conjunturais. Quer dizer, toda a política educativa, neste importante sector, há-de ser uma política essencialmente notável, progressiva em termos de implementação e ajustada às necessidades. Daí que o próprio Despacho Normativo n.º 194-A/83, de 21 de Outubro, preveja o início da experiência piloto neste ano lectivo e o seu alargamento progressivo nos próximos 2 anos, procedendo-se, ao fim do terceiro ano, a uma avaliação global dos resultados alcançados para a desejável institucionalização e integração no sistema educativo.
Nesta linha de orientação, há que ter ainda em conta que os relatórios e pareceres mais recentes apontam para uma grande carência de técnicos não universitários de formação média, a par de uma satisfatória resposta em termos de diplomados pelas universidades, nos próximos anos.
Daí que, tal como o despacho normativo prevê, se deva incrementar o ensino superior politécnico, ao mesmo tempo que se revê e reforça a componente vo-

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cacíonal e tecnológica no ciclo unificado e se procura promover a informação e orientação escolar e profissional.

Assinale-se, todavia, que todo este planeamento só teve viabilidade pela estreita cooperação entre o Ministério da Educação, nos seus diversos níveis, com o Ministério do Trabalho e Segurança Social, através da Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional, com representantes da administração local, com os governadores civis, com as comissões de coordenação regional, com os representantes do ensino particular e cooperativo, etc.

Mostra-se assim todo um empenhamento comunitário para um projecto educativo, que, na realidade, arranca das legítimas aspirações de valorização pessoal, mas orientadas e integradas num contexto de desenvolvimento económico e social. Por isso, tem cabimento trazer à colação, numa interpelação sobre política económica aqui apresentada pelo PCP, questões que relevam da educação nacional num sector específico, como é o ensino técnico-profissional, componente importante e pressuposto do desenvolvimento económico e social do nosso país.

Neste sentido, aliás, se tem definido a linha política de orientação do Conselho da Europa, que apoia tecnicamente projectos-modelo de educação de adultos, tal como se passou entre nós com o projecto de educação de adultos de Mogadouro, agora reconvertido em projecto de desenvolvimento integrado de Bragança.

A participação das colectividades locais e regionais no lançamento do ensino técnico profissional foi, aliás, importante, não deixando de ter em conta as condicionantes do parque escolar dos recursos humanos, para a selecção das áreas do ensino técnico-profissional e profissional e para o estabelecimento da rede de implantação no presente ano lectivo.
A rede abrange 42 escolas distribuídas por todas as regiões do País, num esforço de cobertura de áreas diversificadas, desde a metalomecânica, à electricidade, à electrónica, agropecuária, etc.
É importante que se tenha partido de áreas tão diversificadas, mas não se deve esmorecer na busca de outras, que são já a pedra-de-toque das tecnologias avançadas. Refiro-me à informática, pela inevitabilidade da sua aplicação em múltiplos domínios e pela mutação profunda que trouxe à vida dos povos, relegando para o passado a era industrial e abrindo as portas de uma nova era.
Apraz-me ainda registar que, em qualquer dos casos, se faz a exigência do cumprimento da escolaridade de 9 anos para o ingresso, quer no ensino profissional (que é de 1 ano mais um estágio de 6 meses), quer no ensino técnico-profissional (que é de 3 anos corresponderdes aos 10 º, 11 º e 12.º anos de escolaridade).
Assim se lhe imprimiu um cariz social-democrata pela exigência de uma escolaridade de 9 anos, como condição de promoção social e de igualdade de oportunidades.
Assim se dignificará o técnico e o trabalhador manual, valorizando o homem nas suas múltiplas facetas e talentos, habilitando-o para a vida e rasgando-lhe os caminhos das diversas formas de expressão artística.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino, exprimindo a nossa confiança ao Governo. O que acabo de referir representa um sinal inequívoco de que o Go-

verno está a tomar medidas com realismo, procurando ir de encontro aos problemas da juventude, numa adequada articulação das políticas ministeriais.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): E para um muito curto pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, nós temos apenas 13 minutos até ao final de interpelação, de maneira que não nos podemos alongar. Em todo o caso, a Sr.ª Deputada tratou de tantos assuntos na sua intervenção e de uma forma que, para mim, não foi muito clara. Eu queria-lhe só fazer duas perguntas.
A primeira é que eu conheço o esquema do ensino profissional do Sr. Ministro, que teve a honra de se inspirar na nossa lei de bases do sistema educativo. Mas não conheço o conteúdo desse esquema - e os esquemas a nós dizem-nos muito pouco. Não sei se a Sr.ª Deputada terá tempo para me dizer qual é.
Outra coisa é exactamente o que é que entende por 9 anos de escolaridade unificada e 9 anos de escolaridade obrigatória, se é efectivada ou não efectivada.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo deseja responder?

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Desejo sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr.ª Deputada, tenho muito gosto em responder-lhe.
Na verdade, o esquema em que me baseei reporta-se ao Despacho Normativo n.º 194-A/83, de 21 de Outubro, tal com disse na minha intervenção. Com efeito, o próprio despacho normativo estabelece que os cursos técnico-profissionais e os cursos profissionais só podem ser frequentados por alunos que têm o 9 º ano de escolaridade.
Portanto, no caso dos cursos técnico-profissionais, esses cursos correspondem aos 10.º, 11 º e 12 º anos. E os cursos profissionais, após portanto a frequência do 9 º ano, correspondem à frequência de 1 ano mais um estágio de 6 meses. Admite-se ainda que possa haver um curso de especialização conforme certas necessidades locais ou regionais.
Assim, procura-se, através do ensino, dar saídas profissionais e, ao mesmo tempo, habilitar os alunos com certificado de habilitação profissional. E, tal como eu disse na minha intervenção, o que se tem feito até aqui é apenas levar os alunos a desembocar no ensino superior. Mas, como o ensino superior já está de per si cheio, já tem deficiências quanto à possibilidade de receber grandes contingentes de alunos, o que acontece é que aqueles que não conseguem ingressar no ensino

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superior, por razões várias - e uma delas é aquela que apontei -, ficam de mãos vazias, ficam com certificado de coisa nenhuma; não ficam habilitados a exercer qualquer mister. Sendo assim, obvia-se a essa dificuldade, por um lado, com a valorização pessoal dos alunos e, por outro lado também, procura-se responder, como há pouco referi, às carências de mão-de-obra qualificada, às carências que, na conjuntura, se apresentam como as mais prementes.
Queria referir ainda que não percebi muito bem a pergunta da Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura no que se refere ao problema do 9 º ano. Eu disse que o despacho normativo diz que tem de ter, como habilitação, para frequentar esses mesmos cursos o 9 º ano de escolaridade. 15to não impede evidentemente que, tal como nós já vimos propugnando, quer no diploma de lei de bases do sistema educativo que aqui apresentámos, quer como temos dito várias em programas eleitorais, estejamos a travar uma batalha pela implementação do ensino obrigatório de 9 anos de escolaridade, podendo evidentemente, no futuro, quando as condições de vida do pais o permitam, alargá-lo para 10 e 11 anos, como muitos países desde já exigem nomeadamente, países europeus.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A interpelação à política educativa ...

Vozes do PCP: - O quê? Educativa?!

O Orador: - ... do Governo por parte do PCP antecedeu 24 horas a interpelação à política económica. Surgiu aqui pela voz do Sr. Deputado Jorge Lemos, no período de antes da ordem do dia.
Confinados aos escassos minutos da figura de «pedido de esclarecimentos», não foi possível salientar perante esta Câmara e perante o país algumas das medidas de fundo, em vias de concretização, lançadas pela equipa do Ministério da Educação.
Não é ainda o tempo óptimo para avaliar os resultados da política educativa em curso. Sendo certo e notório que o Partido Comunista se precipitou - veio cedo demais pedir contas ao Governo (como aliás aqui reconheceu a outra oposição - o CDS)-, exigir resultados à vista ao Ministério da Educação, após curtos meses de exercício, relevada mais pura demagogia e irresponsabilidade.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Mas nós não perguntámos nada disso!

O Orador: - Mais uma vez fica provado que o Partido Comunista Português não está interessado na solução dos problemas deste país. Constantemente à procura dos lados negativos, cerrando olhos e ouvidos às acções positivas, o Partido Comunista Português, nas suas orientações para a acção, transforma os seus deputados, que pessoalmente nos merecem o maior respeito e simpatia, em autênticas carpideiras. O mínimo que podemos dizer, Srs. Deputados Comunistas, é que a vossa atitude nada tem de pedagógico. E, pelo menos em educação, um optimismo sadio é base indispensável

ao progresso na aprendizagem. Por isso, temos todos aprendido tão-pouco com o Partido Comunista Português!
Nem é necessário grande esforço, Sr. Presidente, Srs. Deputados, para atentar na obra já realizada pelos novos responsáveis da educação. Não sendo possível tomar muito tempo neste debate sobre política económica, vamos circunscrever-nos a algumas das medidas de fundo. Destaquemos, entre outras, o plano de emergência para o ensino técnico-profissional, a constituição de grupos de trabalho para elaboração de normas visando o cumprimento efectivo da escolaridade obrigatória, a criação de uma comissão interministerial de juventude, o lançamento de medidas tendentes a desbloquear a situação de crise nos serviços sociais universitários, despachos de desbloqueamento de pedidos de inquérito e de sindicância pendentes, no sentido de serem levadas à prática as políticas de austeridade e de luta contra a corrupção preconizadas pelo Governo, etc.

Mas as tarefas menos vistosas não são de menos importância. Os encarregados de educação e os alunos - sujeitos activos do processo educativo -, no seu legítimo pragmatismo, reivindicam, antes de mais, o normal funcionamento do ano escolar.

Tomando posse no termo do ano lectivo anterior, coube a esta equipa ministerial garantir o bom termo das actividades escolares. Fê-lo com sucesso, nomeadamente através de correcções legislativas pontuais que as circunstâncias e os condicionalismos específicos impunham.

A abertura do novo ano lectivo decorreu nos prazos normais e, pode considerar-se, em situação óptima relativamente ao país real que somos em matéria de ensino.

Não é honesto nem politicamente responsável acusar o Ministério da Educação de não abrir, nas melhores condições, as aulas em 1 de Outubro, quando toda a gente conhece os males estruturais do ensino em Portugal. Trata-se de carências profundas herdadas do fascismo, que só paulatinamente poderão ser colmatadas. A explosão da escolaridade, sem a correspondente construção de edifícios escolares em número suficiente e desacompanhada da formação de quadros docentes em quantidade e qualidade, é a causa mais visível da difícil situação presente. Se acrescentarmos a isto o peso burocrático de um Ministério altamente centralizado, tanto mais difícil de governar quanto maior é a instabilidade política, ficam à vista as intenções desestabilizadoras de quem lança sobre este Governo culpas descabidas. Partidos políticos, sindicatos, associações de pais, igrejas, professores, alunos e cidadãos em geral - todos devem, antes, assumir construtivamente a grave crise do ensino em Portugal, na busca das soluções possíveis. Estas passam também pela estabilidade política. Não é derrubando governos sem razões nacionais de fundo e sem alternativas patrióticas que os nossos problemas estruturais se resolvem. No entanto, é isto mesmo que o Partido Comunista pede: a queda do Governo. Pedagogicamente, Srs. Deputados do Partido Comunista, nós, socialistas, acreditamos que o Partido Comunista tem de mudar a sua orientação e a sua praxe. Para seu próprio bem, de Portugal e do povo português.

Antes de terminar, só mais algumas palavras sobre o ensino técnico-profissional.

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E abro aqui um parênteses para me solidarizar totalmente com a intervenção que acaba de fazer, em
nome do PSD, a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo,
que tratou - e bem - este assunto com profundidade.
Aproveitando a experiência colhida da vigência da
reestruturação dos cursos complementares nos primeiros governos constitucionais, o Despacho Normativo
n.º 194-A/83, de 21 de Outubro, vem contribuir para
atenuar o desemprego juvenil e as carências da nossa
economia em mão-de-obra qualificada. A diversidade
dos cursos técnico-profissionais criados e a diversificação regional das escolas que os vão ministrar, bem
como a definição das condições de funcionamento já
no presente ano lectivo - mesmo que se possa apontar imperfeições e lacunas ao esquema encontrado, tornam a equipa ministerial merecedora de aplauso, pela
celeridade do processo em obediência a imperativos da
economia nacional e a critérios de natureza social. Mas,
sobre isso, o Partido Comunista preferiu guardar silêncio. Silêncio que nós não podíamos respeitar, em
nome da mais elementar justiça de saudar membros
de um Governo apostado em trilhar os caminhos acertados - e íngremes - da reconstrução nacional.

Aplausos do PS e do PSD.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Peço a palavra,
Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É para fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Farei um curtíssimo protesto para dizer que da próxima vez o PCP, em vez de fazer uma interpelação sobre as medidas de política económica, vai fazer uma interpelação sobre as medidas de política educativa, para ver se assim conseguimos fazer com que, quer os economistas do PSD, quer os do PS, quebrem o silêncio, a fim de conseguirmos discutir ...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - ... com os deputados da maioria a situação económica e financeira do país. É que creio que se enganaram na ordem do dia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A interpelação não é sobre as medidas de política educativa, mas sobre as medidas de política económica e financeira deste Governo.
Creio que, felizmente, o Governo entendeu melhor, porque nem sequer ainda cá vi o Ministro da Educação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Agostinho Domingues deseja contraprotestar, tem a palavra.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Lamento profundamente que venha da «boca» da Sr.ª Deputada Zita Seabra - uma pessoa que tanto se tem aqui empenhado nos problemas educativos - um protesto do género daquele que fez.

É de perguntar se de facto os problemas sobre política educativa não têm uma componente económica bem notória e se esta interpelação, centrando-se fundamentalmente sobre as medidas de política económica, não se insere numa problemática de política geral.

Aplausos do PS e do PSD.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): -- Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um breve contraprotesto.

O Sr. Presidente: - Não pode, Sr.ª Deputada.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: «As questões agrárias serão encaradas com primeira prioridade na planificação do desenvolvimento, em sintonia com a sua importância fulcral.
O fortalecimento da organização produtiva da lavoura constituirá uma preocupação básica do Governo com orientação da actividade agrícola para um recorte progressivamente empresarial, com a consequente promoção e defesa do agricultor empresário e da empresa agrícola viável, organizada como regra em moldes de estatuto privado, abrindo as empresas do sector à competividade em mercados abertos».
Apelo à memória de VV. Ex.as recordando-lhes que acabo de citar os primeiros parágrafos do Programa do Governo, em matéria de agricultura. Qualquer cidadão menos avisado, veria nestas palavras a sequência lógica de um programa eleitoral, que se aprontava para cumprimento.
Tal facto não se observou, muito antes pulo contrário, aqueles documentos mais não foram do que um conjunto de promessas até agora sem satisfação. Tal vazio na orientação da política agrícola vê-se forçado pelo silêncio a que os seus responsáveis têm votado esta Câmara, o qual só hoje se viu quebrado.
Todos nós sabemos que não é de hoje a situação verdadeiramente dramática em que vive a agricultura portuguesa, à qual não é alheio o partido interpelante, quanto a nós, um dos grandes responsáveis pela degradação dos elementos produtivos.
Interessará, portanto, sublinhar que o empenho do CDS em tratar esta matéria no decurso da interpelação, está muito para além do Partido Comunista Português porque, para estes, mais não interessa do que provocar a já tradicional agitação social, ao passo que para nós, o que queremos é ver resolvidos, de uma forma conveniente, os problemas dos agricultores, quaisquer que eles sejam. No entanto, é também para nós claro que, com a política que o actual Governo tem seguido, as estruturas produtivas cada vez se degradam mais, o que dará como resultado que a breve trecho baixaremos dos 40 %-45 % de produção de bens alimentares para 20 %-25 %.
É facto inegável que, a continuar, a crise do sector empurrará inevitavelmente os empresários agrícolas para uma agricultura de auto-abastecimento, apenas

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com a preocupação de produzirem a sua alimentação e a dos seus. E isto porquê? Porque até à data, e já vão decorridos mais de 3 meses, ainda não se vislumbraram um mínimo de medidas, que projectem no horizonte a mais ténue das esperanças.
De norte a sul do país está instalado o desânimo nos campos, quaisquer que sejam as suas dimensões. Os empresários carecem urgentemente de ver resposta para as suas ansiedades, pelo que, e na sequência de alguns requerimentos que há dias apresentámos e para os quais aguardamos satisfação, achamos oportuno aqui levantarmos algumas questões: como pode V. Ex.ª, Sr. Ministro, pensar em esquematizar e orientar a agricultura portuguesa, torná-la verdadeiramente produtiva, capaz de a médio prazo ombrear com os parceiros europeus, se até agora ainda não conseguiu completar a regulamentação do seu Ministério? Será possível chegar à «produção» sem que os elementos do núcleo e da periferia estejam perfeitamente articulados, sem que os técnicos que com eles mais directamente contactem estejam com a sua estrutura claramente definida, as suas atribuições esclarecidas e as suas competências confirmadas?
Um dos grandes espartilhos do sector é, sem qualquer sombra de dúvidas, o esquema estabelecido para o recurso ao crédito. A burocracia com que se depara o empresário agrícola é ultra complexa, mesmo os mais bem preparados sob o ponto de vista técnico, não a conseguem ultrapassar, tendo por isso que recorrer a terceiros, com todos os agravamentos que daí advêm.
A análise de um processo demora meses, quando não anos, e muitas vezes a sua necessidade é imediata. Infelizmente, são por demais conhecidos os casos, em que quando o despacho é exarado já não é necessário o financiamento por perda de oportunidade. Os créditos concedidos raramente são acompanhados, de onde resulta que muitos dos financiamentos com o «rótulo verde» são desviados para outras actividades tradicionalmente não produtivas.
É necessário que, urgentemente, se reequacione esta metodologia, tornando o IFADAP uma instituição verdadeiramente operante e ao serviço da agricultura, articulando correctamente com as entidades de crédito e com os serviços técnicos oficiais intervenientes.
Um outro aspecto de capital importância para a agricultura portuguesa é a revisão urgente de toda a legislação fundiária. Enquanto não forem repostas a moral e a justiça, neste domínio, é impensável a existência de empresas convenientemente dimensionadas.
Sabemos que grande percentagem dos nossos solos tem uma aptidão silvo-pastorícia, a qual não se compadece com restrições a pequenas áreas, as quais inviabilizam qualquer técnica de maneio.
A actual carência de carne de bovino não acontece por acaso. Ela deve-se concretamente ao facto de não ser rentável explorar ruminantes de vocação creatófora em estabulação permanente. A situação agravar-se-á a curto prazo se não for acudida de imediato.
A este propósito, julgo ainda importante referir o que se está a passar com as ganadarias bravas. É impossível manter uma manada de gado bravo, sem a disponibilidade de terreno expressamente para o efeito. Sabemos que a sua exploração é com a utilização de solos pobres, em que apenas a rusticidade da raça permite tirar algum rendimento. Com a redução substancial de áreas a que se viram forçados, os criadores

logicamente reduziram a área afecta ao gado bravo, o qual exige um maneio especial. Algumas ganadarias houve que se extinguiram por carência de terra.
Entendemos dever este assunto merecer uma análise especial e uma solução imediata, em termos que se dotem os criadores de áreas especiais para a manutenção dos seus animais de raça brava.
Pode a alguns parecer esta questão uma atitude marialva, a esses apenas lembro que em termos nacionais a corrida de touros é a segunda manifestação em termos de popularidade, sublinhando ainda o seu interesse para o turista que nos visita - uma das poucas fontes de divisas que já nos resta.
Sr. Ministro da Agricultura, neste momento está ausente mas não deixo, em todo o caso, de me dirigir a ele: hoje, V. Ex.ª repetiu várias vezes, a propósito da lei das bases gerais da Reforma Agrária, que era conhecido o seu enquadramento legal e que a sua actuação por ele seria balizada.
Mas, Sr. Ministro, não era isso que a Câmara manifestou desejo em saber. Muito gostaríamos que nos dissesse se pensa ou não este Governo alterar a Lei n.º 77/77. O que pensa o Governo em relação às expropriações? Está nas vossas intenções reparar as injustiças que a referida lei provocou em relação aos indevisos? Dentro da vasta legislação que se aponta a sair, está contemplada a criação de um banco de terras? Encontra-se em elaboração algum esquema de transferência dos beneficiários de distribuição de terras, actualmente ocupando áreas não expropriadas ou envolvidas em reservas, para terras do Estado?
Mas as questões fundiárias não se centram exclusivamente na zona da Reforma Agrária, elas existem e em abundância nas regiões de minifúndio. Os agricultores que labutam na propriedade de reduzidas dimensões, a continuar a actual situação, têm o seu fim à vista.
Não é possível pensar num enquadramento europeu, tendo como base uma imensidão de empresas que apenas dispõem de 0,5 ha e por vezes até menos.
Grande número de empresários têm as suas pequenas leiras distribuídas por extensas regiões, onde só o tempo que perdem em deslocações é o seu mais elevado custo. Para quando a legislação sobre emparcelamento? Quais as medidas a que pensa o Governo recorrer para pôr em execução tal legislação?
Tem sido o arrendamento uma forma tradicional de exploração da terra. São conhecidos os valores actuais das rendas agrícolas de campanha, nalguns casos verdadeiramente escandalosos, pois aproximam-se a passos largos da centena de contos. Será comportável para um rendeiro/seareiro, por muito rentável que seja a sua cultura, trabalhar nestas condições? Quando surge a legislação moralizadora?
Igual questão levantaremos em relação ao arrendamento florestal. Criada a Comissão Interministerial para o Subsector Florestal (CIF), à qual competia o fomento e a coordenação da política florestal, nada se sabe da sua actividade.
A urgente lei sobre arrendamento florestal não surge, as linhas mestras do ordenamento são desconhecidas, as nossas já reduzidas matas, cada vez mais nos mostram a paisagem do inferno, por força dos repetidos incêndios que as tem vitimado.
Anuncia o Governo legislação reformuladora de todo o panorama vitivinícola nacional, numa perspectiva

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de defesa dos vinhos de qualidade. Contemplará essa legislação medidas fiscalizadoras, sanções fortemente repressivas e consequentemente desmotivadoras dos mixordeiros? Entende o Governo, como defesa da qualidade do vinho, uma apertada fiscalização em relação ao trânsito de mostos e vinhos de zonas incaracterísticas para zonas demarcadas ou tradicionais?
Também no domínio da pecuária, a situação é negra. Os efectivos, em especial os bovinos, cada vez se reduzem mais. Para além do flagelo da seca que, nos últimos 4 anos nos tem assolado, têm as manadas sido dizimadas por várias epidemias. Apesar de algumas precauções impeditivas da difusão das doenças e de toda a boa vontade que os serviços competentes e os seus técnicos têm manifestado, tal não tem sido suficiente por carência de meios. Não basta dizer que se dispõe de 300 000 contos para pagamento de indemnizações por abate de animais, é necessário e urgente que se ponham em prática os esquemas de saneamento. É imperioso que se monte uma campanha de divulgação através dos meios de comunicação (Rádio e TV), alertando os criadores para os perigos que incorrem em transitar com o seu gado, sem as precauções devidas. E urgente que se acabe, de uma vez por todas, com o contrabando de gado, muitas vezes agente disseminador de doenças.
Também aqui as medidas terão de ser drásticas e não se resumirem à criação de uma comissão, resultante de uma reunião de Conselho de Ministros.
Muitas e muitas outras questões haveria que levantar, mas finalizo retomando o assunto dos subsídios, preços e circuitos comerciais. Sr. Ministro, também nós somos sensíveis a uma diminuição dos subsídios aos factores de produção, pois também conhecemos as dificuldades criadas pelo depauperamento do fundo de abastecimentos. Mas essa diminuição de subsídios nunca poderá ser abrupta, porque cria problemas insolúveis à produção. Entendemos que se deve processar de uma forma gradual e escalonada e, de alguma forma, acompanhada por outros mecanismos compensadores, em termos que o empresário do sector primário não seja o único afectado.
Sabe V. Ex.ª que o aumento dos preços dos produtos, por si só, não é suficiente, até é uma forma de iludir a questão. A título de exemplo, basta referir que no sector da pecuária sem terra, área em que V. Ex.ª é um brilhante técnico, a situação é gravíssima, raras são as contas de exploração que não apresentam os seus resultados a vermelho.
A concretizar-se mais um aumento de preços para as rações, antes do fim do ano, onde vamos parar? Que carne vai haver para a alimentação da nossa população? Será possível curar da defesa do produtor e do consumidor, sem uma imediata moralização dos circuitos comerciais?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A exposição já vai longa. Muitos assuntos ficaram por tratar. Não pretendemos que a resposta para todos eles já se encontrasse concretizada, mas gostaríamos que a luz ao fundo do túnel se vislumbrasse, mas, por mais que olhemos, apenas deparamos com a noite.
Foram-nos anunciados cerca de 100 diplomas em carteira respeitantes à agricultura. Não pomos em dúvida que existam, mas uma certeza temos: a de que são meras intenções, pois a procissão há muito devia

estar no adro e até agora nem os sinos a anunciar o ofício ouvimos.
O horizonte temporal de VV. Ex.as é de 4 anos, mas permitam que vos diga que estão muito pouco acompanhados nessa perspectiva, pois o povo português não está disposto a continuar a assistir às deambulações do rei que vai nu.

Aplausos do CDS.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Protesto porque me surpreendeu a intervenção do Sr. Deputado Soares Cruz. Se não conhecesse em que grupo parlamentar se coloca, diria que estava a falar um deputado do Partido Comunista Português.
Disse o Sr. Deputado Soares Cruz que o Ministério da Agricultura nada tinha feito relativamente à política de preços. Lamento, Sr. Deputado, que não tivesse ouvido falar o Sr. Ministro da Agricultura ou, pelo menos, que não tenha conhecimento dos recentes preços anunciados pelo Governo.
O Sr. Deputado, como técnico - e é este o meu protesto - tem muito mais obrigação de saber os preços do que os agricultores. Posso contudo, informá-lo que neste momento os agricultores conhecem perfeitamente o pacote de preços do Ministério da Agricultura. Por isso as encomendas de sementes caem em catadupa nos órgãos responsáveis.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Deputado Vasco Miguel, surpreende-me muito a sua observação em relação ao meu posicionamento. Não é que me sinta afectado, mas por acaso não me situo e não me situarei na bancada que referiu. Nunca, por nunca ser, me passou pela cabeça tal situação.
Deixe-me dizer-lhe, no entanto, que a minha atitude não deixou de ser crítica em relação ao Governo, porque o Governo merece a crítica, visto a política agrícola deste governo ser altamente negativa e nefasta para o desenvolvimento da agricultura. Mas não sei se poderei dizer isto porque, na realidade, ela é nula, é igual a zero. Ainda não vi nenhuma medida agrícola promovida por este governo.
O Sr. Deputado diz ainda que eu não ouvi a intervenção do Sr. Ministro da Agricultura. Por acaso, ouvi e percebi-a. 15so já não aconteceu com V. Ex.ª que não percebeu a minha intervenção.

Risos do CDS.

Aquilo que eu disse em relação à política de preços foi que não concordava com a perspectiva do Sr. Ministro da Agricultura. A prática seguida em termos de política de preços é errada, é uma perspectiva errada para aquilo de que neste momento a agricultura carece, numa perspectiva de desenvolvimento da agricultura.
Em relação à catadupa de pedidos de sementes, V. Ex.ª tenha cuidado, olhe que pode ficar avassalado debaixo das sementes.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Ambrósio.

O Sr. José Manuel Ambrósio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Foi, na presente interpelação ao Governo, levantado nesta Câmara a situação da LISNAVE, bem como a enumeração de alguns pressupostos que lhe deram origem, na pretensão de fazer envolver o Governo, ou melhor, acusar o Governo como o causador principal da presente situação de dificuldades com que os trabalhadores e a empresa se debatem.
É aceitável que tenha o PCP, partido interpelante, a pretensão de denunciar a prática tida ao longo dos últimos anos pelos responsáveis mais directos pela administração da LISNAVE. Não é, no entanto, aceitável a pretensão do PCP em acusar o Governo de subestimar ou ser o causador da situação de dificuldades com as quais a empresa e os trabalhadores se confrontam, e que são, de todos nós bem conhecidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ignorar a manutenção de uma forte depressão económica mundial, com a consequente redução das trocas comerciais e internacionais ..., não ignoramos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ignorar um maior recurso aos oleodutos ..., não ignoramos. Ignorar a exploração de novas fontes de petróleo próximas dos países consumidores como, por exemplo, o mar do Norte, México e Alasca, o que por si só é suficiente para além de outras implicações, como é óbvio, uma alteração profunda na geopolítica do tráfego das ramas ..., não ignoramos. Ignorar uma forte concorrência mundial com particular destaque para os estaleiros do extremo oriente, de entre outros .. , não ignoramos. Ignorar um excesso de capacidade de transporte em unidades na ordem dos 150 milhões de toneladas ..., não ignoramos. Ignorar, por conclusão, de entre outros factores mais, a existência de uma situação difícil, num mercado do qual a LISNAVE depende em cerca de 90 % da sua carteira de encomendas ..., não ignoramos.
É, pois, tendo por base a existência destes factores, que, repetimos, não ignoramos, que se assiste no sector da indústria naval a uma forte depressão, e, em seu nome, são invocadas as justificações para as situações difíceis com que os estaleiros se confrontam, e neste caso particular, a LISNAVE.
Não reconhecer que semelhante conjuntura tem reflexos no sector, seria, no mínimo, demagógico. Afirmar contudo que esta é a sua causa principal, enfermaria por certo dos mesmos vícios.
É neste campo, de entre outros, que V. Ex.ª
Sr. Deputado José Manuel Maia, quando de sua interpelação sobre a LISNAVE, enferma pelo vício da ausência de uma análise realista e global, sem que contudo deixe de existir razoável identificação entre nós das denúncias feitas por V. Ex.ª a esta Câmara, no que respeita às políticas introduzidas na LISNAVE e, em particular, no que se refere à utilização dos empréstimos concedidos pela banca nacionalizada, que, em nome de uma política designada de diversificação, nenhuns benefícios trouxe, quer para a empresa quer para os seus trabalhadores.

Tentar envolver ou fazer ser o Governo um dos responsáveis pela presente situação da LISNAVE é também no mínimo inconsequente, não obstante, e ao contrário do aqui afirmado, ter somente o Estado, por força da nacionalização do ex-grupo CUF, 24 % do seu capital social, pelo que facilmente se reconhecerá ser esta uma quota insuficiente para ter obrigado à possível inversão das políticas introduzidas na empresa. E muito menos ser o Governo o culpado da crise de conjunturas de mercado internacional que afecta o sector, independentemente das responsabilidades que tem e deve de assumir na definição de uma política clara para o sector, não obstante o contexto difícil da conjuntura económica actual.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é, no entanto, estamos certos, por acaso que o PCP levanta na sua interpelação ao Governo a bandeira da LISNAVE, como se de uma ilha se tratasse, quando todos nós sabemos a crise profunda em que o sector está envolvido e dos aproveitamentos feitos ao nível dos responsáveis pelas administrações das empresas, que, em nome da crise do sector, levam a cabo políticas maximalistas que lesam profundamente os interesses dos trabalhadores, pondo em causa para o PCP, não obstante invocar matéria sensível aos interesses e direitos dos trabalhadores, não é resolver os problemas dos trabalhadores da LISNAVE, como demonstra claramente não só a realização de paralisações e greves de 40 dias consecutivos, tão do agrado dos responsáveis mais directos pela administração da LISNAVE face aos benefícios que daí lhe advinham para a degradação do quadro interno da empresa como era, e é, sua pretensão face aos objectivos propostos, como a retenção de navios, numa clara afronta à legalidade democrática, para além de um conjunto de acções, verdadeiros atentados à liberdade de expressão e reunião das correntes de pensamento divergentes ou por si não controladas, feitas através de acções de intimidação, coacção psicológica e mesmo agressão física.

Aplausos de alguns deputados do PSD.

O que está em causa para o PCP é, explorando o justo e legítimo descontentamento gerado nos trabalhadores, criar as condições que permitam, pela via de uma maior instabilidade e degradação da empresa, oferecer um maior campo de acção aos seus responsáveis mais directos a fim de estes exigirem do Governo a aplicação de medidas que lesem os interesses e os direitos dos trabalhadores para, a partir daí, face à sua eventual cedência, poder ter o PCP as justificações necessárias para intensificar a sua luta e os seus ataques ao Governo. Porquanto sabe o PCP que, se o país sair da crise profunda em que está envolvido e que a todos exige sacrifícios na perspectiva da sua superação, deixará por certo, de deter o capital de miséria necessário de que carece para ter alguns trabalhadores a soldo de interesses e estratégias que nada têm a ver com o futuro de liberdade e esperança por uma vida melhor e mais condigna.

Aplausos do PS e do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O descontentamento dos trabalhadores é legítimo, mas provocar que amanhã estes sejam vítimas dos direitos que lhes assistem, só

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quem está contra a melhoria das suas condições de vida o compreenderá, não obstante apresentarem-se como seus únicos e exclusivos defensores.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rocha de Almeida.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Ambrósio, peço-lhe a si e à Câmara que me desculpem por utilizar esta figura regimental do pedido de esclarecimento, porquanto não o é. É que fiquei esclarecido com a sua intervenção.
Tomo a palavra para o cumprimentar pela linguagem desassombrada, verdadeira, pela frontalidade com que soube aqui trazer um problema que é verdadeiro, é o pôr a mão na ferida e na chaga dos trabalhadores deste país.
É que o Partido Comunista, como V. Ex.ª disse e muito bem, tem utilizado, usado e abusado das necessidades e dos problemas que são dos trabalhadores, para deles fazer uma bandeira de uma luta que nada tem a ver com a defesa dos seus interesses no mundo laboral, mas tão-somente utilizá-los para defesa das suas ideias, para estar a servir-se, indevidamente, de uma coisa que é justa: a luta por melhores condições de vida, muitas das vezes, e pela defesa das acções prepotentes de patrões que de nome só têm o nome, porque de acção são autênticos algozes da classe trabalhadora.

Protestos do PCP.

V. Ex.ª, Sr. Deputado, teve a coragem de vir aqui - infelizmente contra a palavra do Sr. Deputado que muito respeito, o Sr. Deputado José Manuel Maia Nunes de Almeida, do Partido Comunista Português ou de Portugal, não sei bem o que quer dizer PCP ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Está em discussão9

O Orador: - Sim, está em discussão. Abre a discussão para o efeito.

Risos do PSD.

Mas quando o Sr. Deputado José Manuel Maia Nunes de Almeida veio aqui dizer que defender os trabalhadores da LISNAVE e suas famílias será através de formas de acção de luta, através de tomadas de navios, através do pagamento de mais horas extraordinárias do que as horas normais de trabalho, através de paralisações e greves para degradação da empresa, através de uma acção psicológica de coacção, V. Ex.ª tem, pelo menos, da minha parte o meu cumprimento - merece-o -, porque foi a primeira voz que teve a coragem de pôr o dedo da ferida e de ter apontado aos trabalhadores da LISNAVE, e não só, que ainda continuam manipulados pelo Partido Comunista, que daquela forma, daquele jeito, não defendem nem os seus postos de trabalho nem este país vai a lado nenhum.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rocha de Almeida pediu a palavra para esclarecimentos, mas acabou por fazer uma intervenção. Não o quis interromper porque é um costume - penso que é um mau costume desta Casa - utilizar fórmulas que não se coadunam com o próprio Regimento. Agradecia que isto se não repetisse.
Sr. Deputado José Manuel Ambrósio, há um outro Sr. Deputado que também quer pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. José Manuel Ambrósio (PS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia Nunes de Almeida.

O Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP): Sr. Deputado José Manuel Ambrósio, penso que V. Ex.ª vai fazer uma proposta ao Sr. Deputado Rocha de Almeida, no sentido de ele ir à LISNAVE para saber o que é trabalhar dentro de um navio, o que é trabalhar nas docas. Talvez ele assim consiga falar de outra maneira e aprender a defender os trabalhadores e a classe operária. Aliás, já conhecemos, há muito tempo, a forma como ele defende os trabalhadores e a classe operária!...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado José Manuel Ambrósio, ontem o Sr. Ministro de Estado Almeida Santos disse, relativamente à minha intervenção, que ela tinha sido uma interpelação ao monopolista Melo. Hoje, o Sr. Deputado acorreu lesto a responder ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, é ou não verdade que o Estado é o maior accionista da LISNAVE? É ou não verdade que o Governo tem lá o seu representante? O que é que tem sido feito por esse representante para que a situação seja modificada?
Mais: por que é que foram alterados - na altura pelo Governo PS - os estatutos da empresa apenas para que o Sr. José Manuel de Melo - o monopolista José Manuel de Melo - ficasse como presidente do conselho de administração? Porquê isto?

Aplausos do PCP.

Concorda ou não que a política deste Governo é precisamente a política da AD, mas mais reforçada, isto é, levada às últimas consequências, no sentido da política da restauração dos monopólios, como é exemplo a restauração do monopólio da família Melo, como se pode demonstrar por intervenções aqui feitas?
O Sr. Deputado fala na crise do petróleo, mas eu não disse que não havia uma crise do petróleo. No entanto, pergunto-lhe: é ou não verdade que 60 %
da frota dos petroleiros ainda passa pela nossa costa? É ou não verdade que a crise afectou fundamentalmente os grandes petroleiros? É ou não verdade que aumentou substancialmente a frota dos graneleiros?

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Então, por que é que a LISNAVE não repara os graneleiros, como sempre fez até aqui, e recusa essas encomendas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por que é que recusa as encomendas dos Jumboizings? Porquê essas recusas, se sempre foram feitas na LISNAVE? Por que é que essas encomendas são agora canceladas?
Sr. Deputado, então a nossa marinha mercante, a nossa marinha do comércio, a nossa marinha de pesca não precisam de navios? A construção dos navios não podia ser feita com a mão-de-obra existente na SETENAVE, na LISNAVE e noutros estaleiros? Esses navios não podiam ser aí construídos, quando nós gastamos, anualmente, milhões de contos em afretamentos?
Qual é, no concreto, a alternativa que tem para a LISNAVE? Concorda com a Navelink feita pelos Melos para «sacar» as divisas que deviam entrar em Portugal e que agora vão para a Suíça?

Aplausos do PCP.

Concorda com a constituição da Boliden que retira à LISNAVE o sector da desgazificação e limpeza? Penso que toda a gente sabe que 3 % das naftas eram retiradas dos navios e queimadas na SOPONATA. Neste momento, elas estão a ser enviadas para a Suécia a fim de serem queimadas na Noruega, e o protocolo diz que os suecos pagam em escudos. Como é que é, Sr. Deputado? Concorda com isto?
Concorda que a administração despeça 2000 trabalhadores? O que é que diz sobre os salários em atraso? Qual é a alternativa? Concorda com isso?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Ambrósio.

O Sr. José Manuel Ambrósio (PS): - Começo por agradecer as deferências que me foram enviadas pelo Sr. Deputado da bancada do PSD - e peço desculpa não referir o nome mas é que não sei.
Quanto ao Sr. Deputado José Manuel Maia Nunes de Almeida, penso que - aliás, já é próprio da bancada do PCP - contornou bastante bem, diga-se de passagem, o ponto fulcral que foi o objectivo da minha intervenção. É que digo na minha intervenção - e, se o Sr. Deputado José Manuel Maia estivesse com mais atenção, teria tirado, com certeza, esta ilação - que também concordo com parte das críticas que não só foram hoje enumeradas pelo Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida, como em relação à sua própria intervenção feita aqui ontem.
O Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida coloca algumas questões que são pertinentes, mas atrevia-me a dizer-lhe que o Estado não é o principal accionista da LISNAVE. O Sr. Deputado sabe perfeitamente que o Estado detém apenas 24 % do seu capital social, os suecos e holandeses 42 % e os restantes 16 % estão divididos por pequenos accionistas, muito concretamente penso que pelos representantes no estrangeiro da empresa.

Com esta resposta, penso que está respondida a questão que coloca.

Se eu concordo ou não com a política dos monopólios, Srs. Deputado, é óbvio que não só eu como o Partido Socialista não defende essa política, como é evidente. No entanto, foi uma política, que eu também critico - e critiquei-a na minha intervenção - levada a cabo pela administração da empresa. Mas nós também a criticamos, também reconhecemos - e eu disse isso na minha intervenção - que foi levada a cabo uma política que criou as condições para a situação difícil que a empresa neste momento atravessa. Nós também temos essa leitura.

O Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP): Mas que fazer agora?

O Orador: - Sr. Deputado, era capaz de lhe responder mais profundamente se não estivéssemos neste debate; temos de controlar, de certo modo, o tempo. No entanto, não deixo de lhe responder. A sua pergunta sobre quais as alternativas para a LISNAVE - e eu insisto nessa questão que colocou -, seria uma grande veleidade da minha parte estar aqui a dizer-lhe qual a política a aplicar na LISNAVE. É que, quando se fala na LISNAVE, foca-se uma questão profundamente melindrosa, uma questão que requer uma reflexão. Não carece simplesmente de um «sim» ou de um «não», ou de esta ou aquela política que pode ser introduzida neste momento. Seria um erro crasso da minha parte estar a dizer-lhe quais as políticas que podiam ser introduzidas.

O Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Só um momento, Sr Deputado.

No entanto, quero dizer-lhe que a alternativa é a de estudar a situação de conjuntura que a LISNAVE neste momento apresenta, dentro de uma política que salvaguarde os interesses dos trabalhadores e da empresa, para encontrarmos as políticas que melhor sirvam estas duas componentes. 15so é que é importante, Sr. Deputado.

Estar a fazer demagogia, também penso que é irrealismo. Penso que não é assim que se vão resolver os problemas da empresa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É óbvio que o Partido Comunista, como oposição, tem «montes» de questões que pode agarrar e trazer a esta Câmara e não só, inclusive à opinião pública, com críticas candentes que são extremamente sentidas pelos trabalhadores. No entanto, isto nada tem a ver com a realidade efectiva da conjuntura actual.

Protestos do PCP.

Esta é que é a grande verdade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é com as soluções que os senhores avançam que as questões se resolvem.

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Muito concretamente, pus-lhe uma questão: acha que é com 40 dias de paralisação consecutiva que os problemas da LISNAVE são superados? Acha que foi com o apresamento de navios, pondo em causa a legalidade democrática, pondo em causa o Estado português, que os problemas da LISNAVE são solucionados?

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Deputado poderá tirar as interpretações que quiser, é livre de o fazer ..., pelo menos nós damos-lhe essa liberdade ...

Vozes do PCP: - Muito obrigado, Sr. Deputado!... Estamos muito gratos!...

O Orador: - No entanto, há um tempo que temos de controlar. Peço-lhe imensa desculpa, mas não poderei dizer mais nada. Podemos guardar esta matéria para mais tarde e vamos ter tempo de discutir isto. Vamos ter tempo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. José Miguel Anacoreta Correia (CDS): Srs. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A posição do meu partido nesta interpelação está já definida: o objectivo do Partido Comunista não é o de estabelecer um diálogo sereno e esclarecedor sobre os grandes problemas da vida nacional e por isso não participamos nesta interpelação com as mesmas intenções.
Se está dito e redito que o CDS apoia os esforços no sentido de uma política de estabilização financeira, que em simultaneidade permita uma recuperação económica, não estamos, porém, de acordo com os métodos e as medidas que têm vindo a ser tomadas, pois que é nossa convicção que se, paralelamente à diminuição do papel do Estado na vida de Portugal, não foram criadas condições para a libertação das energias e capacidades da iniciativa privada, correremos o risco de vermos a nossa situação francamente degradada. 15to é, poderemos, eventualmente, ter as contas equilibradas a médio prazo, mas um país, irremediavelmente inerte e perdido economicamente.
Ao olharmos para o quadro VI da página 33 da Proposta de Lei Orçamental, que traduz a classificação orgânica das despesas orçamentais, vemos que as despesas aumentam em todos os capítulos, excepto na agricultura, florestas e alimentação, obras públicas, habitação e urbanismo e também no domínio do mar.
Não deixando de referir que a nosso ver não há viabilidade económica do país sem um forte esforço na agricultura, silvicultura e pescas seja pelas potencialidades que o país tem, seja pelos mais de 30 % de população activa neles envolvidos em áreas onde a produtividade é unanimamente reconhecida como baixa.
Dado que a estratégia anunciada pelo Governo é a de procurar uma estabilização a cerca de ano e meio, seguido de um relançamento das actividades, desejamos pôr algumas questões que se situam no campo do Ministério do Equipamento Social - e a não presença neste momento do Sr. Ministro não me impede que coloque as perguntas ao Governo que, solidariamente, está certamente de acordo com a política seguida - e que poderíamos reduzir a duas grandes

questões. Primeira questão: os transportes são ou não na óptica deste Governo um elemento condicionador e catalizador do desenvolvimento? Se sim, acha o Governo que a política adoptada está conforme com esses princípios?

A segunda questão é a seguinte: dados os compromissos eleitorais, o que vem contido no Programa do Governo, as declarações públicas, pensa o Governo conceder realmente apoio, ou no mínimo permitir a adopção de condições viabilizadoras às empresas de construção civil e obras públicas?
Estas são as duas grandes questões em relação às quais gostaria de obter uma resposta do Governo.
Mas gostaria também, porque os grandes números contidos na proposta de lei n.º 47/III, não me permitem tirar conclusões tranquilizadoras - pelo contrário - de perguntar o seguinte: falou-se na revisão do plano rodoviário. Foi feita? Se sim, quais as alterações nas prioridades?
As auto-estradas voltaram a ser consideradas como um «privilégio para os ricos» como já sucedeu, ou, pelo contrário, um instrumento motor do progresso, que diminui tempos de viagem, aumenta a segurança e permite a economia do combustível?
As verbas previstas pelo Orçamento do Estado são suficientes para um programa mínimo de manutenção da nossa rede viária ou assistiremos à degradação - por falta de reforços dos tapetes betuminosos, por falta de reforço nos investimentos absolutamente indispensáveis à manutenção - assistiremos à degradação do nosso sistema viário com as consequências económicas para os utentes e também para o próprio Estado que ameaça ver rupturado o sistema viário. O próximo período de chuvas - que após anos de seca os portugueses desejam farto - permite-nos estar confiantes em que não conheceremos a situação de 1976, em que o nosso sistema conheceu uma elevada degradação?
No que se refere aos transportes urbanos, suburbanos e interurbanos de passageiros, assistimos, em 1983, a um segundo aumento de tarifas de cerca de 30 %. Fala-se já num novo aumento de tarifas no início do próximo ano. Entretanto, o Governo não proeurou limitar os aumentos salariais nessas empresas públicas.
Assim pergunto: vamos continuar a assistir è dança de aumentos de salários e aumentos de tarifas com o público pelo meio a pagar?
Vamos continuar a assistir à degradação de empresas públicas sem que o acento tónico na sua acção esteja posto na racionalização da oferta e no aumento da produtividade?
Anotou devidamente o Governo que após o último aumento tarifário houve quebras sensíveis no tráfego?
O Governo tem consciência que esta retracção na procura é denunciadora de uma situação social grave, que é o da população portuguesa estar a perder a sua mobilidade?
Sente o Governo que ao manter o actual quadro urbanístico, o actual sistema anacrónico das rendas de casa; a discriminação (e estamos todos empenhados em superar as discriminações entre os portugueses) ao nível das áreas metropolitanas (onde vivem 40 % dos portugueses, e a maioria dos que trabalham na indústria e nos serviços); a discriminação, dizia eu, que se situa muito mais do que no campo salarial, no campo da renda de casa e acessibilidade.

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E o que se passa com a CP? O Governo prometeu um plano de recuperação da CP e o que temos? Um caminho de ferro, que todos temos que defender pelo seu valor económico e sobretudo estratégico, que perde competitividade, se degrada e se definha. Uma CP que suspende um programa de renovação da via. Uma CP que vê um assunto de transcendente importância, como o da ponte sobre o Douro, ser tratado em jeito de folhetim com manobras de informação e contra-informação e com o Governo a não responder aos requerimentos que são feitos nesta Câmara.
Passemos ao sector das obras públicas.
Este sector representa em Portugal 7 % do produto interno bruto, 55 % da formação bruta de capital fixo e 10 % do emprego - segundo dados de 1981.
É genericamente considerado em todos os países como um sector chave na vida de qualquer país. Especialmente num país com as características como Portugal.
Dada a incidência de relações intersectoriais, tanto no produto nacional como no emprego, pode afirmar-se que, quando a construção civil está mal, estão em crise 25 % do produto interno bruto e 30 % da população activa.
Sem ele, a vida do país fica perturbada e a recuperação é impensável.
Os candidatos dos partidos que hoje integram o bloco central foram pródigos em promessas neste domínio em Abril último.
E o que se passa? O Estado paga aos empreiteiros com a mesma solicitude como lança impostos?
O que se passa com a habitação? Continua tudo na mesma? O Governo ainda não compreendeu que sem comprometer activamente a iniciativa privada a questão habitacional arrisca-se a bloquear toda a vida portuguesa?
O Governo vai ou não mudar o regime das rendas habitacionais? Se sim, em que sentido? O que entende pela instituição do regime da «renda justa» de que fala o Programa do Governo e que é considerado como medida imediata?
Estar-se-á à espera de bloquear irremediavelmente o acesso à habitação de amplas camadas da população, especialmente dos mais jovens, que as discriminações habitação/acessibilidade se tornem insuportáveis; e para que depois se actue sobre os escombros do parque Habitacional reduzido e degradado?
O Governo reconhece ou não que a constituição habitacional é um meio de compensar, pelo menos parcialmente, a retracção no sector das obras públicas e uma forma válida de canalização de poupanças?
Srs. Membros do Governo: Deixo um lote de perguntas a que gostaria de ter resposta, bem como ser esclarecido sobre o sentido exacto do alcance de transferências de 2,5 milhões de contos do Fundo Especial de Transportes para os Transportes Terrestres para o Orçamento Geral do Estado «com o objectivo de fazer face a despesas de carácter reprodutivo».
A austeridade - com que concordamos - tem que ser conduzida de forma a que o país não deixe degradar as infra-estruturas de transportes e não reduza a capacidade produtiva.
Para além de argumentos de natureza económica, há razões de política social que nos deixam preocupados com o rumo seguido.
Há 5 meses que se fala na remodelação de conselhos de gerência. Este suspense é mau para as empresas

que se querem ver bem e economicamente geridas. Os problemas são graves mas não se resolvem por certo da melhor forma, se as atenções do Governo e dos estados-maiores dos partidos que o integram não estiverem concentrados na procura de soluções novas, mas apenas em definir um Tratado de Tordesilhas para a repartição de lugares de gestores que visa satisfazer pessoas e não ideias, que façam Portugal sair da crise.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Espadinha.

O Sr. Carlos Espadinha (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O sector das pescas emprega mais de 70 000 trabalhadores, considerada a actividade de captura e as actividades complementares.
É um sector que pode contribuir decisivamente para o desenvolvimento da economia e para o equilíbrio da balança comercial.
Hoje é um sector em crise.
Os governos da AD e o Governo PS/PSD aceleraram os factores que originaram a situação de desastre.
A frota encontra-se parada. É uma tristeza.
Ao Tollan juntam-se agora inactivos, os navios de empresas nacionalizadas. Os gestores eleitos pelos trabalhadores para as empresas públicas de pesca, até aqui não tomaram posse.
Das medidas e soluções propostas pelo actual Governo no seu programa, nenhuma foi concretizada.
E não se diga que 4 meses é pouco tempo. De facto, o que não bastou foi a criação de um Ministério do Mar, que não aumentou, nem valorizou a produção orientada para a captura de pescado na zona económica exclusiva; não organizou, nem disciplinou o mercado; não assegurou, nem garantiu uma justa distribuição dos rendimentos originados no sector; não implementou, nem definiu uma política eficaz de fiscalização.
As possibilidades de acordos vantajosos com outros países vizinhos e de língua portuguesa, não são aproveitados.
A renovação e a conversão da frota, factor de rentabilidade e de capacidade concorrencial não foi implementada. Pelo contrário, os barcos apodrecem no cais.
Esta política imobilista, de contracção do investimento, de recurso à importação e à dependência externa, da qual é responsável em grande medida o Ministro Hernâni Lopes, é a causa da actual crise.
Não sabemos sequer, se o plano de desenvolvimento das pescas e da marinha mercante não é concretizado porque o Ministro do Mar não quer, ou se é porque o Ministro da Economia não deixa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Portugal tem enormes potencialidades inaproveitadas.
É necessário um plano pesqueiro orientado para a defesa dos interesses nacionais, com a participação de todos os interessados e particularmente dos trabalhadores e pequenos e médios armadores.
É urgente uma política de apoio à produção nacional, com a salvaguarda dos recursos da nossa zona económica exclusiva.
Devem ser recuperados os direitos de pesca tradicionais, com pleno aproveitamento das oportunidades

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oferecidas pelos novos países africanos de expressão portuguesa e com vantagens mútuas. Merecem ser apoiadas as organizações de pesca artesanal nos aspectos de formação profissional e técnica.
A modernização da frota e o apoio ao sector cooperativo, com utilização da nossa indústria de construção naval, poderia criar riqueza e emprego.
O incentivo à indústria transformadora de pescado, contribuiria para o desenvolvimento das exportações, no caso das conserveiras, e a manutenção do mercado interno e de centenas de postos de trabalho actualmente em causa com a paralisia do sector.
A garantia dos preços à produção e a disciplina no abastecimento e comercialização do pescado permitiriam uma acção reguladora do mercado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É possível nas pescas diminuir as importações, de forma a reduzir o endividamento externo e os défices da balança de pagamentos.
E possível nas pescas aumentar a produção, aproveitar os recursos nacionais, criar postos de trabalho.
E possível desenvolver uma política de pescas, que tenha a participação dos trabalhadores e armadores, industriais e comerciantes, que tenha em conta os verdadeiros interesses nacionais.
E possível nas pescas uma política alternativa com a elaboração de um Plano Nacional de Pescas.
A corrupção e a delapidação deviam acabar de vez.
Este Governo não se mostra capaz de o fazer. Pelo contrário, agrava-se a situação da marinha mercante e das pescas.
Não se defendem os interesses nacionais, com navios parados, falta de protecção e incentivo, contenção de investimentos, venda em hasta pública de navios portugueses.
As tormentas dos homens do mar não resultam só das condições atmosféricas.
O período de 4 meses de política de direita do Governo PS/PSD é para os trabalhadores da pesca o período das baixas pressões e das superfícies frontais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas o Governo pode estar certo que esta política não vai longe.
Não se vê a luz do túnel, nem a luz do farol.
Os trabalhadores das pescas, em unidade com os Outros trabalhadores, saberão dobrar o Cabo das Tormentas da política governamental.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em 24 de Junho passado, quando da discussão do Programa do Governo, no frenesim das várias críticas que o PCP já então fazia ao Governo, antes mesmo de este governar, tive oportunidade de, apelando ao sentido da responsabilidade democrática, entendendo que os deputados da oposição e da maioria deviam deixar, antes de mais, o Governo exercer as suas funções. Só depois, e também dentro desse mesmo sentido de responsabilidade democrática, os deputados da oposição e da maio-

ria tinham o dever e o direito de apreciar e criticar os resultados da acção já então efectivamente exercida pelo Governo.
Não sei se, seguindo com impaciência tal ideia, a verdade é que o Partido Comunista, logo em Setembro, desencadeou o processo destinado a realizar a interpelação ao Governo.
O Partido Comunista considerou, assim, que passados menos de 3 meses, era necessário interpelar o Governo. Deixemos os aspectos processuais, mas concluamos que, pelo menos, responsabilidade democrática parece não ter havido, uma vez que não nos parece razoável que, passado tão pouco tempo, se pretendesse interpelar o Governo sobre a sua política económica e financeira, sobretudo quando, em breve, se discutiriam as peças fundamentais da governação, ou seja, o orçamento e as grandes opções do plano.
Era, pois, bem mais uma acção de demagogia instabilizadora o que se pretendia, e se pretende.
Reiniciados os trabalhos parlamentares, após férias, logo foi agendada a interpelação do Partido Comunista ao Governo, e é ao seu debate que estamos a assistir.
É assim que, passados 4 meses de exercício de funções pelo Governo, o PCP faz interpelação que vinha esgrimindo como propaganda política desde há semanas e, como se já pode ver pelas intervenções dos seus deputados, ao fazê-lo, mas mal, assumiu uma responsabilidade para com o país. Voltou apenas a fazer subjectivos diagnósticos da crise, subjectivas valorizações de algumas medidas tomadas, mas, entendamo-nos, de uma vez por todas, não fundamentou basicamente o quê? Em primeiro lugar, as críticas que faz ao Governo dentro e fora do Parlamento. Mas, sobretudo, o que o PCP não disse nem aos parlamentares, nem aos membros do Governo, nem, em especial, aos portugueses, foi qual seria a sua forma de superar a crise. 15to é, como correntemente se diz, qual seria a sua alternativa à política económica e financeira do Governo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O Sr. Deputado deve ter saído muitas vezes do Plenário.

O Orador: - Tenha calma, Sr. Deputado. Não se agite!
É verdade que não disse e temos boa pena que o não tenha feito.
É, aliás, questão importante para todos nós, portugueses, saber qual a razão, de fundo, pela qual a omissão do anúncio dessa alternativa se não tem verificado há longo tempo.
Só como método de exposição, faço 3 perguntas: Não haverá essa apresentação porquê? Será porque o seu modelo de ataque à crise é desajustado e ineficaz e, portanto, não pretendem apresentá-lo, sobretudo porque nos países onde foi aplicado não só não surtiu efeitos positivos e por isso mesmo poderiam cair em situação de mero vazio? Ou até mesmo ridícula? Ou será porque o modelo que defendem é tal que o não queiram previamente revelar aos portugueses?

Vozes do PCP: - É modelo que está na Constituição.

O Orador: - Será que não têm modelo algum de abordagem da crise económica que avassala o mundo e Portugal?

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O que convém reter é que a larga maioria dos portugueses pretende ganhar a crise que o país atravessa, mas também pretende fazê-lo com a salvaguarda dos valores democráticos e das liberdades políticas e sindicais!
Muito ganharia esta Assembleia e o país, quando soubesse as respostas às perguntas feitas e a outras, que o PCP tem, ou não tem, para dar aos portugueses.
Ontem, apenas pudemos ficar com o aviso, aliás, prudente, de um Sr. Deputado do PCP, no sentido de que não lhe devemos nós, deputados que apoiam o Governo, vir dizer que as soluções que o seu partido apresenta não seriam boas, mas sim más e inaplicáveis. Ficamos avisados, mas já desconfiávamos que assim fosse!
Podem explicar os Srs. Deputados do PCP qual é a coerência da vossa alternativa de política económica que, a partir da situação dos desequilíbrios estruturais da nossa economia, permite harmonizar? Por exemplo, a salvaguarda da independência relativa do país, em função da sua dívida externa e das suas reservas, com uma política de desenvolvimento, que, sem mais, abarca, logo assim, a imediata realização dos grandes projectos, tais como Alqueva, Moncorvo, etc., e assim como que uma espécie de batalha de produção sem saber de mercados e sobretudo sem cuidar de racionalização económica.
O controle de uma grave situação de desequilíbrio das contas externas, com uma política de desenvolvimento e modernização da economia, bem como de uma política de distribuição de rendimentos, de pouca exigência, aliás também pouco clara.
Como compatibilizar o controle da inflação e sua posterior redução, ao que penso defenderão esta tese com uma política que parece ser magnânima, de facilidades de crédito, de distribuições de rendimentos nominais, etc.
Como compatibilizar a redução dos défices do Orçamento do Estado com o não aumento de impostos; ou agindo também sobre as despesas, quais as despesas que devem ser reduzidas ou eliminadas?
Uma política de facilidades na distribuição de rendimentos, de facilitação de consumos, de incremento do investimento (incluindo os grandes projectos) - que muito bem defendem mas raramente fundamentam - com a necessidade imperiosa de reduzir a inflação?
E, por último, sem esgotar estes absurdos económicos todos: como harmonizar a demagogia da promessa de crédito e dinheiro fáceis e baratos - nem limites de crédito nem taxas de juros altas - com as actuais taxas de inflação?
Srs. Deputados do Partido Comunista e sobretudo Srs. Deputados economistas do PCP, a quem interessa esta forma de abordar questões de tão grande importância para os portugueses? Que interesses podem assim defender? Não são decerto os dos trabalhadores portugueses.
A abordagem que fazem é, provavelmente, uma visão de profetas, aliás, falsos profetas, que prometem «céus», mas depois realizariam «infernos». Não será, porém, uma abordagem de questões, nem digna de economistas, nem de políticos, aquela que vêm apresentando ao Parlamento.
Felizmente para o PCP, que não tem responsabilidades governamentais e, portanto, vai podendo, em-

bora cada vez menos, porque se vai sucessivamente desacreditando, afirmar tamanhas barbaridades económicas sem ter de assumi-las.
Mas, muito mais, felizmente para os Portugueses que não são governados pelos defensores de tão surpreendentes teses económicas, pois que se o fossem, então sim, teríamos um verdadeiro desastre económico.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados: Para além destas questões cuja abordagem tem pouco a ver com a ciência económica, e passando a analisar o conteúdo das intervenções realizadas na interpelação ao Governo, podemos em síntese (e permita-se-me tal exercício) concluir que: uma parte dessas intervenções diz respeito a ultrapassadas, mas sempre repetidas e repetitivas afirmações demagógicas sem correspondência no real, como muito bem sabem os Srs. Deputados do PCP, e em especial, os seus deputados economistas: um exemplo: «a política económica do Governo é um desastre porque é consequência da sua entrega ao imperialismo e ao FMI»; outro exemplo: «A inconstitucionalidade do recente pacote fiscal».
Recorde-se que o parecer do Tribunal Constitucional teve a conclusão que teve e que estes textos já estão promulgados pelo Presidente da República.
Uma outra parte das intervenções respeita a afirmações com algumas aderências à realidade - lá isso é verdade -, mas apenas e só na fase de diagnóstico da situação. Mas soluções ou no mínimo críticas fundadas se avançam. Por exemplo: «as medidas restritivas vão criar dificuldades às empresas e aumentar o desemprego». A parte menor das intervenções, infelizmente, é constituída, de facto, por algumas perguntas, poucas, e já respondidas pelo Governo. Entregues por escrito existem mais 12 perguntas que o Governo naturalmente irá responder.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados: Seria apenas isto que o Partido Comunista pretendia com a sua interpelação? É claro que não. Quereria mais, mas porque não tem dúvidas sobre a necessidade de uma política de austeridade, - só que não quer assumir esta atitude -, não tem perguntas a fazer ao Governo porque está esclarecido, nem, sobretudo e como já disse, não tem qualquer alternativa para esta política, tem que limitar-se à acção que exerceu no Parlamento.
Falou, em tom já conhecido, tipo de comício, sobre o acordo com o FMI, mas nada disse o PCP, sobre qual seria, nas circunstâncias actuais, a solução diferente que adoptaria, nem disse se tinha outra solução.
Critica as medidas restritivas em curso, mas nada diz quanto à opção que tomaria, para reduzir o défice externo, conter a dívida externa, enfim evitar rupturas financeiras graves, salvaguardar a independência. Adoptaria o PCP via diferente? Então diga qual, para os deputados e os portugueses saberem.
Só para perguntar: seria uma solução do tipo dos países do Leste? É só uma pergunta, Srs. Deputados.

A Sr.ª Ilda (Figueiredo (PCP): - Essa pergunta é velha. Muito velha.

O Orador: - Controle de câmbios, de fronteiras, de importações, controle de movimentos de pessoas; controle da economia pela via administrativa, controle, controle, etc.! Colectivação, burocracia e ineficácia?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Para finalizar, permita-se-me que conclua alguma coisa sobre este debate.

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Tendo embora sido indiscutivelmente um falhanço a interpelação pelo PCP, não pode, bem ao contrário, tirar-se daí a conclusão que o debate que aqui se trava, tenha também sido falhado. Bem ao contrário.
Além de ter garantido ao Governo, nesta Assembleia, explicitar e fundamentar a política que vem desenvolvendo, permitiu-lhe também, pela voz do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, nesta Assembleia da República - repito -, desenvolver com mais pormenor pela primeira vez nesta Assembleia as fases seguintes da sua política económica de recuperação de desequilíbrios e, depois, de modernização do nosso tecido económico.
Penso que todos os Srs. Deputados deveriam ter a intervenção do Sr. Ministro das Finanças.

Risos do PCP.

Protestos do PSD.

Não se riam porque isto é sério.
O Governo tem, pois, uma política e o Sr. Ministro já avançou, ainda que prudentemente, algumas datas para a sua formalização parlamentar.
Ganhou, pois, o Governo, esta interpelação. Mas, mais do que isso, ganhou sobretudo o país. E esta Assembleia apenas se limitou a exercer a função que lhe cabe.
O Grupo Parlamentar do PS, não recorrendo a qualquer espécie de demagogia, apoia leal mas exigentemente este Governo. Aliás, sendo assim, não poderia deixar de registar com grande apreço os factos que acabei de explicitar.
Comungamos das preocupações sobre as compensações sociais que o Governo, dentro dos escassos recursos, se esforça por encontrar.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não diga isso, que não é verdade!

O Orador: - Oh, Sr. Deputado, deixe-me falar com sinceridade e faça o mesmo exercício.
Estamos preocupados com o problema da habitação, tal como o Governo. Preocupa-nos seriamente, sem demagogia, o problema do desemprego.

Vozes do PCP: - Nota-se!

O Orador: - Preocupa-nos a evolução do sector público, e sabemos de idêntica preocupação no Governo.
Preocupam-nos seriamente os problemas da corrupção, das economias paralelas, das fugas fiscais, do contrabando, etc.
Acompanharemos e apoiaremos todos os esforços do Governo para compatibilizar, no mais curto prazo, a fase de emergência que vivemos com as fases de recuperação e modernização da economia portuguesa. Sobre esta matéria, aliás prudentemente, como se justifica, o Governo, pela voz do Sr. Ministro das Finanças e do Plano já nos aponta alguns indícios.
Em suma, o PS apoia este Governo na sua acção patriótica de salvar a economia, o país, e até talvez o regime. Apoio que, sem ser demagógico, é por isso exigente. Mas é o único apoio que sabemos dar - apoio leal.

Termino, pois, nos mesmos termos, com o mesmo espírito e com a mesma esperança com que o fiz na minha intervenção quando da discussão do Programa do Governo.
Dizia eu na altura:
A todos - Governo e Assembleia - pelo trabalho, pelo espírito de serviço público, e pelo patriotismo, cabe, nesta hora de crise, dar confiança e o exemplo aos portugueses.
Vamos, pois, todos trabalhar. Temos de merecer Portugal e os Portugueses.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto termos atingido a hora do nosso intervalo regimental, está suspensa a sessão até às 18 horas e 5 minutos.

Eram 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social (Amândio de Azevedo): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A política do Governo, na parte que respeita ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, não foi objecto de críticas novas, limitando-se o partido interpelante a repetir as suas posições já de todos conhecidas, com as mesmas afirmações demagógicas, desfocadas da realidade e desprovidas, quando serenamente analisadas, do mais ligeiro fundamento. A única surpresa estará talvez na falta de convicção com que foram formuladas.
Em matéria de legislação laboral insiste-se, de passagem, que o decreto-lei sobre a suspensão dos contratos de trabalho, recentemente aprovado, visa facilitar os despedimentos em massa e a generalização a todos os trabalhadores da insegurança no emprego.
Aqui está o primeiro exemplo da mais acabada demagogia, das afirmações irresponsáveis que nem pelo facto de serem repetidas todos os dias e a toda a hora deixam de ser exactamente o contrário da realidade.
É indiscutível, com efeito, para qualquer pessoa que se dê ao cuidado de ler as disposições deste diploma:
Que a redução ou suspensão da prestação de trabalho carece de autorização, mediante despacho conjunto dos Ministros do Trabalho e Segurança Social, das Finanças e do Plano e da Tutela, que só pode ser concedida quando se mostrem indispensáveis para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho (artigo 5 º, n.º 1, e artigo 15 º, n. º 2);
Que, em consonância com o carácter e a finalidade destas medidas, se fixa rigorosamente o limite da sua duração, que não pode exceder, em caso algum, o período de 1 ano, prorrogável, no máximo, e após reapreciação do caso, por mais 1 ano (artigo 16 º, n.ºs 1 e 2);

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Que, por consequência e por força do que expressamente se determina no n. º 3 do artigo 16 º, depois de «terminado o período da redução ou suspensão, são restabelecidos todos os direitos e deveres das partes decorrentes do contrato de trabalho», retomando assim o trabalhador o seu posto de trabalho com o direito a receber integralmente o respectivo salário.

Não se pode ser mais claro nem se vê que se pudesse ser mais preciso para se evitar que uma medida, por sua natureza transitória e que visa salvar postos de trabalho ameaçados, perca o seu carácter e venha a produzir efeitos realmente contrários aos desejados.
Neste, como noutros aspectos, o novo regime da suspensão é francamente mais favorável aos trabalhadores, sem deixar de corresponder adequadamente às necessidades e interesses das empresas, do que o regime estabelecido pelos Decretos-Leis n.ºs 353-H/77 e 353-1/77, de 29 de Agosto, para os casos limitados em que a suspensão era admitida. Basta lembrar que o artigo 6 º, n.º 1, do primeiro destes diplomas admitia a prorrogação do prazo da suspensão, sem fixar limite ao número das prorrogações, e que o artigo 3 º, n.º 1, do segundo só garantia aos trabalhadores suspensos o pagamento de uma garantia equivalente ao subsídio de desemprego, enquanto o artigo 12 º do novo diploma lhes garante uma retribuição mensal equivalente a dois terços da sua remuneração normal ilíquida, com limite máximo de triplo do salário mínimo nacional, além do subsídio de Natal, quando devido, e do subsídio de férias por inteiro.
Compreende-se o desespero do Partido Comunista Português ao ver que se quebra mais um dos tabus que com tanto esforço procuraram criar e manter para impedirem a recuperação económica e social do nosso país e, através dela, a melhoria efectiva das condições de vida da população e, em especial dos trabalhadores. Depois da revisão da Constituição que pôs termo às sequelas do «gonçalvismo» e às tutelas incompatíveis com regimes genuinamente democráticos, conseguiu-se finalmente, e ninguém negará, a não ser o Partido Comunista Português, que é um dos méritos deste Governo iniciar a revisão da nova legislação laboral, adaptando-a às novas realidades económicas e sociais, de modo a proporcionar as melhores condições de trabalho e de produção de riqueza, indispensáveis para a solidez das empresas e, consequentemente, para a garantia efectiva dos direitos dos trabalhadores.
O programa traçado está a ser rigorosamente cumprido, com participação assegurada de todos os interessados para além do que é exigido por lei.
Depois do decreto-lei que estabelece o regime jurídico da suspensão dos contratos de trabalho, que em breve será publicado no Diário da República, será submetido à apreciação e aprovação do Conselho de Ministros o projecto de decreto-lei sobre trabalho suplementar, terminando hoje o prazo da respectiva discussão pública. Dentro de uma semana será publicado e submetido à apreciação pública um projecto de decreto-lei sobre o regime jurídico do contrato de aprendizagem, estando já em fase de conclusão os trabalhos de preparação do anteprojecto de decreto-lei que regulamenta os piquetes de greve e o lock-out.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A este conjunto de 4 diplomas, todos eles orientados no sentido da promoção e da defesa do emprego, outro conjunto de diplomas se seguirá, devendo a escolha do Ministério do Trabalho e Segurança Social ser precedida de consultas aos parceiros sociais, prosseguindo-se com este método até à revisão completa da legislação laboral, tendo como modelo as legislações dos países membros da CEE.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Esse é o meu modelo!

O Orador: - A nova legislação laboral tem de ser, e será, assim um factor importante, se não mesmo decisivo, de progresso económico e de justiça social, proporcionando as melhores condições aos empresários honestos e capazes e aos trabalhadores que cumprem os seus deveres, e estabelecendo sanções adequadas, com possibilidade de aplicação efectiva, para todos aqueles, empresários ou trabalhadores, que ponham em causa, pela sua actuação, a viabilidade das empresas e a estabilidade das relações de trabalho.
As críticas e afirmações feitas pelo PCP em relação à política de emprego, ainda que em estilo diferente e, diga-se em abono da verdade, um pouco menos irresponsável, não se revelam menos fundamentadas.
Há que lembrar, antes de mais, que esta política tem de ser e é definida em face de uma determinada realidade e em total solidariedade com a política económica definida pelo Governo para lhe fazer face. E, neste contexto, reafirma-se quanto se disse na discussão do Programa do Governo no sentido de que a defesa do emprego, através de medidas conducentes à criação e à manutenção de postos de trabalho, é o objectivo principal, a verdadeira pedra angular, da política do Ministério do Trabalho e Segurança Social.
Quanto ao número de desempregados, a única coisa que se pode dizer com toda a segurança é que não há elementos seguros, em relação à situação presente ou em relação ao próximo futuro. Não obstante, e assumindo responsavelmente a inevitabilidade do aumento de desemprego, tendo em conta a situação económica e financeira do nosso país, e a sua provável evolução, sempre se dirá que se apresenta como manifestamente exagerada, demagógica e alarmista a afirmação de que o número de desempregados poderá atingir um milhão.
O Governo, na parte que lhe compete, está a fazer e continuará a fazer tudo o que é possível para defender o emprego e para conter no nível aceitável o aumento do desemprego, melhorando simultaneamente as prestações sociais atribuídas aos desempregados, designadamente evoluindo de um sistema de subsídio para um sistema de seguro de desemprego que se espera implementar já no ano de 1984.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - E a sopa dos pobres?

O Orador: - É nesta linha que se insere a transferência, claramente assumida, de 14 milhões de contos do Fundo de Desemprego para o Orçamento do Estado para comparticipação em investimentos públicos geradores de emprego e o aumento significativo da verba destinada a suportar os encargos com o subsídio de desemprego, que foi de 9 milhões de contos em 1983 e é de 14 milhões de contos em 1984, verba esta

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que se considera suficiente, mas que será evidentemente reforçada se, ao contrário do que se espera, tal se mostre necessário para pagar subsídios de desemprego a quem tenha o direito de os receber. Nesta linha se insere igualmente a definição dos novos critérios de apoio financeiro às empresas, pondo-se termo aos subsídios a fundo perdido, para que se não encontra justificação aceitável, condicionando a concessão destes apoios à demonstração de que a empresa é viável e, portanto, capaz de manter os seus postos de trabalho, e tornando ao mesmo tempo efectivos os meios de controle necessários para garantir que as verbas envolvidas não serão desviadas do seu fim. Deste modo, os recursos disponíveis são aplicados para salvar empresas e postos de trabalho que podem ser salvos e não para prolongar artificialmente a agonia de empresas condenadas ao desaparecimento, pagando salários a trabalhadores realmente desempregados, criando-se uma discriminação injusta em relação àqueles que recebem apenas o subsídio de desemprego. Deste modo, ainda, evitar-se-á que as empresas se atrasem propositadamente no pagamento dos salários pela razão invocada pelo Partido Comunista, isto é, apenas «para receber subsídios do Estado».
Por aqui se vê quanto é demagógica e irresponsável, uma vez mais, a posição do PCP a respeito do problema dos salários em atraso. É indiscutivelmente grave e preocupante a situação que se verifica em algumas empresas de atraso no pagamento de salários. E é manifestamente inadmissível que esse atraso possa estar relacionado com quaisquer intuitos das empresas de retirar lucros desta situação, sem que se verifique real carência de recursos financeiros. Não excluindo que possa haver abusos, diria melhor, crimes desta natureza, creio que se tratará sempre de fenómenos marginais.

Vozes do PCP: - Claro!

O Orador: - Na generalidade dos casos, as empresas que não pagam pontualmente os salários não têm realmente recursos disponíveis, apesar dos esforços desenvolvidos, para cumprir esta sua obrigação.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Como é que sabe?

O Orador: - Daqui resulta que o meio mais eficaz de combate a estas situações reside evidentemente na adopção de medidas que proporcionem às empresas em crise ou na eminência de crise, os meios necessários para enfrentar e evitar este tipo de dificuldades. É este o sentido geral das alterações que foram já e continuarão a ser introduzidas na legislação laboral, independentemente das medidas directas e concretas que estão a ser estudadas para impedir que situações de salários em atraso se mantenham ou venham a surgir.
Ao combater esta política e ao propor demagogicamente que o Governo pague os salários em atraso, o PCP mostra que se preocupa menos com a situação aflitiva dos trabalhadores atingidos do que em retirar efeitos políticos das suas dificuldades. Para realizar uma política de pagamento, sem mais condições, dos salários em atraso, sobretudo para quem pense dos empresários o que o PCP pensa, não chegariam ao Ministério do Trabalho e Segurança Social os 45 milhões de contos do Fundo de Desemprego, se é que durariam mais do que alguns, poucos, meses. E assim

ficariam prejudicadas as acções de formação profissional e o programa da construção de centros de formação profissional, e o subsídio de desemprego, para referir as verbas mais importantes do Fundo. É este um exemplo elucidativo das propostas alternativas do PCP!
Está o PCP muito preocupado, como se diz numa das suas perguntas, com as «tensões sociais incomportáveis» resultantes «das restrições à contratação colectiva e às actualizações salariais» e com a «diminuição real das verbas do orçamento» para a segurança social. Apetecia-me perguntar se não está antes preocupado com o contrário, isto é, com o facto de os parceiros sociais terem compreendido e aceitado as orientações gerais do Governo, que aliás eliminou as restrições à contratação colectiva, como resulta inequivocamente do facto de ter sido possível concluir até ao momento, por acordo, e num clima geral de paz social - apesar de desesperadas tentativas em contrário - cerca de 50 instrumentos de regulamentação colectiva, nas quais se incluem a generalidade das empresas do sector público, designadamente dos transportes e comunicações, bem como algumas das maiores empresas do sector privado, no ramo do material eléctrico, têxtil e do comércio em geral, abrangendo qualquer coisa como 400 mil trabalhadores.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - E os metalúrgicos?

O Orador: - Confio no bom senso e na capacidade de compreensão do povo português que saberá, como sempre tem sabido, distingir aqueles que sempre têm procurado instrumentalizá-lo, ao serviço de projectos que nada têm que ver com o seu bem-estar, daqueles a quem tem sempre dado maioritariamente a sua confiança e que neste momento assumem a responsabilidade de velar pelos seus legítimos interesses.
Uma nota, finalmente, sobre a alegada diminuição real das verbas do orçamento da segurança social. E é uma nota muito breve e bem demonstrativa, ainda desta vez, da total falsidade dos argumentos do PCP.
As despesas deste Orçamento foram em 1978 de 57,3 milhões de contos, em 1979, de 63,7, em 1980, de 92, em 1983, de 180,7 e em 1984 serão, de acordo com o Orçamento já apresentado nesta Assembleia, de 226,2, milhões de contos.
Mais uma vez, o que dói ao PCP é que este Governo, mesmo em tempo de grande contenção de despesas, tenha sido sensível aos problemas dos mais desfavorecidos que nem fazem greves nem contestações, apenas porque é um Governo constituído por partidos e por pessoas que se preocupam realmente e não demagogicamente com a justiça social.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Demagogia! Está tudo bem!

O Orador: - O que dói ao PCP é que o Governo tenha conseguido aumentar as pensões a uma taxa que acompanha a dos aumentos salariais com efeitos a partir do próximo mês de Dezembro, incluindo no aumento, ao contrário do que aconteceu no ano passado, o próprio subsídio de Natal.

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As questões do PCP sobre política de trabalho tiveram um mérito: o de dar ocasião para demonstrar que as suas críticas são totalmente inconsistentes e demagógicas, que as suas alternativas têm de ver com a demagogia e a irresponsabilidade, mas nada a ver com a realidade e os interesses do nosso país, e que a política do Governo está certa e se revela capaz de resolver os problemas dos trabalhadores.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Protestos do PCP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - 15to é revoltante, parece que está tudo bem! Dizer isto com a fome que a malta está a passar!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria de esperar quando o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social subiu à Tribuna que viesse aqui, no quadro da interpelação sobre política económica e financeira que o PCP fez ao Governo, justificar quais as consequências da política real que o Governo está a fazer na área do trabalho.
É bom que se diga que nada disso foi feito na palavrosa intervenção do Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

Aplausos do PCP.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - A intervenção não acrescentou nada e a grande questão que se levanta à volta das suas palavras é a seguinte: o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social veio justificar e dar o seu aval à política de fome, de maior miséria e de despedimentos, isto é, à concretização real no domínio do trabalho da política que o Governo tem vindo a seguir. É um Ministério do Trabalho que na área do emprego é o «Ministério do Desemprego», na área dos salários é o «Ministério da Diminuição dos Salários Reais», na áreas das condições de vida é o «Ministério da Diminuição das Condições de Vida».

Vozes do PCP: - É uma vergonha!

O Orador: - O Sr. Ministro falou de falta de convicção e de falta de responsabilidade e é exactamente acerca desses dois pontos que devemos aqui e agora conversar. Falta de convicção porque não teve um argumento que pudesse aduzir para justificar a sua política e irresponsabilidade porque deixou completamente ao abandono, sem nenhuma forma de protecção e resolução, os problemas que afectam os trabalhadores.
A questão é esta, Sr. Ministro: olhamos para as Grandes Opções do Plano e verificamos que o resultado directo dessas opções, tal como estão formuladas, é o aumento do desemprego em 172 000 trabalhadores, ou seja, a consequência directa das GOP's vai traduzir-se em mais desemprego.
Mais, Sr. Ministro: como é que pode vir aqui afirmar que a grande questão que se coloca neste momento é a de garantir a segurança dos empregadores.

Pergunto: então em relação à questão dos salários em atraso quais são as razões que o Sr. Ministro invoca para o quadro que traçou? Conhece os casos? O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social entende-se aqui como defensor das razões do patronato? Entende-se aqui como a pessoa capaz de dizer que o patronato tem razão quando não paga os salários?

Aplausos do PCP.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Por que é que não manda pagar à ANOP?

O Orador: - Onde é que está a actuação da Inspecção de Trabalho que era necessária existir em relação à situação dramática e de fome relacionada com a falta de pagamento dos salários?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Onde é que estão as medidas?
As medidas que apresentou são as seguintes: «agarramos no dinheiro do Fundo de Desemprego e transferimo-lo para o Orçamento do Estado, ou seja, assumimos que os salários em atraso continuarão em atraso, que os patrões têm razão em deixar os salários em atraso e que os trabalhadores devem pagar a factura da desastrosa política económico-financeira que o seu Governo prossegue». É esta a sua posição!

Aplausos do PCP.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Se não, é irresponsável!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, embora o seu tempo esteja a ser contado, devo informá-lo que esgotou o período de um pedido de esclarecimento e que, a partir de agora, começo a descontar no tempo global do seu partido.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente, termino já.
Sr. Ministro: quantas são as empresas, quantos são os trabalhadores com os salários em atraso, em que sectores, quais as razões, quais os elementos concretos que nos pode fornecer agora para justificar as suas afirmações? Qual é o dossier que tem na mão?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro antecipou o debate mas na quinta-feira, dia 3 de Novembro, toda a Assembleia será aqui confrontada com a resolução desta questão e veremos nessa altura que os senhores têm um dossier negro de responsabilidades por esta situação.

O Sr. Cardoso (Ferreira (PSD): - Vocês não têm culpas?! É preciso ter lata!

Vozes do PSD: - É só demagogia!

O Orador: - De responsabilidades políticas globais e da responsabilidade concreta de não tomarem medidas e por deixarem degradar a situação, mais, por vi-

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rem aqui concretamente assumir a irresponsabilidade do patronato que não paga os salários.

Aplausos do PCP.

Fica-lhe bem como Ministro do Trabalho e Segurança Social entender como questão central a definição de novos critérios de apoio às empresas. Aí está um modelo adequado ao Ministério do Trabalho e Segurança Social mas, no nosso ponto de vista, um Ministério do Trabalho e Segurança Social não é isso, é sim uma frente dentro de um Governo - num Portugal democrático seria isso que se exigiria de um Ministério do Trabalho - de apoio à situação dos trabalhadores e de defesa e garantia dos seus direitos fundamentais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E isso que o senhor não faz, é isso que o seu Governo não faz!

Aplausos do PCP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Vícios velhos1

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro Amândio de Azevedo, há mais Srs. Deputados inscritos para lhe pedirem esclarecimentos, deseja responder agora ou no fim?

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Sr. Presidente, desejo responder já.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Sr. Deputado João Amaral, num tom sereno que é o meu e que deve ser o desta Câmara, gostaria de lhe dizer que não podia ser mais infeliz no comentário com que começou as suas questões visto que a minha intervenção não é outra coisa que a resposta às perguntas que o PCP entregou na bancada do Governo e às perguntas formuladas durante a intervenção da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
Respondi porque estamos num debate, não vim para aqui falar sozinho nem para as galerias, mas sim para o partido interpelante e dei resposta completa a todas as perguntas que me fizeram ... talvez lhe doa isso mesmo!

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Que miséria! Não é isso, é a sua insensibilidade!

O Orador: - Sr. Deputado, gostaria de lhe fazer uma segunda consideração: não respondo nem a palavras vazias, nem a afirmações gratuitas, respondo a argumentos. Se no início da sua intervenção não houve argumentos depois houve aparentemente alguns e a esses eu respondo-lhe.
Diz que o Ministério do Trabalho e Segurança Social não deve ser defensor das empresas e que deve defender os trabalhadores. Creio poder deduzir daqui que para o Partido Comunista Português é possível defender postos de trabalho arruinando empresas, talvez esteja justificada a sua acção durante o «gonçalvismo»

que, esse sim, escreveu um livro bem negro e arruinou muitas empresas no nosso país que ainda não conseguiram sair dessa situação!

Aplausos do PS, do PSD e de alguns deputados do CDS.

Não concebo uma política de defesa dos interesses dos trabalhadores e de estabilidade no emprego que não passe necessariamente pela estabilidade e viabilidade das empresas. Se, porventura, tem alguma receita que passe por uma situação diferente desta apresente-a, só que ofereci totalmente o diálogo ao Partido Comunista e o Partido Comunista nunca foi capaz de me invocar outra solução mesmo perante a demonstração de que a solução do problema dos salários em atraso não podia estar, como não está, no Governo pagar com os seus fundos esses mesmos salários. Assim seria fácil a qualquer empresa que tivesse salários em atraso chegar ao Ministério do Trabalho e Segurança Social e pedir o dinheiro. Pergunto: onde é que isto nos ia levar?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Não é isso!

A Sr.ª Ilda de (Figueiredo (PCP): - Leia o nosso projecto de lei!

O Orador: - O Ministério do Trabalho e Segurança Social tem uma nova política de apoio às empresas na medida em que esse apoio vá permitir salvar empresas, isto é, postos de trabalho. A grande preocupação do Ministério do Trabalho e Segurança Social, como é lógico que assim seja, sem deixar de ser solidário com todo o Governo, é naturalmente a situação dos trabalhadores. Só que os interesses dos trabalhadores protegem-se com medidas sérias e racionais e não com as afirmações demagógicas e, continuo a dizê-lo, irresponsáveis do Partido Comunista Português.

Aplausos do PS e do PSD.

Vozes do PCP: - Onde é que respondeu?

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O Estado tem de defender o cidadão e há pessoas com fome?

Protestos do PS e do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo nas intervenções que tem aqui feito já passou pelo tom monocórdico do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, pelo tom acintosamente humorístico e desligado das realidades nacionais do Sr. Ministro Almeida Santos e pelo, finalmente, pretenso tom sereno do Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Viu-se!

O Orador: - Estão todos na mesma onda, têm todos a mesma insensibilidade real aos problemas com que

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se defrontam os trabalhadores portugueses e demonstram todos a sua incapacidade de responder, como era exigível e necessário que o fizessem, às questões que o País e os trabalhadores põem.

Aplausos do PCP.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - E o Governo dos patrões!

O Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares): - Temos 4 milhões de patrões a votar em nós!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Vá dizer isso à LISNAVE!

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada. Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social fez aqui uma intervenção de tal modo demagógica e de tal modo contra os trabalhadores que se a demagogia pagasse imposto o Sr. Ministro das Finanças e do Plano podia ficar descansado porque o País não precisaria mais de pedir empréstimos ao estrangeiro.

Risos do PCP.

Vozes do PSD: - Essa é velha!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Ficava sem o 13 º mês!

A Oradora: - É fácil desmistificar alguns dos chavões demagógicos que o Sr. Ministro aqui utilizou como, por exemplo, a criação de postos de trabalho como objectivo fundamental do Ministério do Trabalho e da Segurança Social.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro: pertence ou não V. Ex.ª ao Governo cujo Primeiro-Ministro Mário Soares afirmou numa conferência de imprensa que até ao final do ano, ou, pelo menos, admitiu, poderia haver mais 100 000 desempregados? É ministro do mesmo Governo em que o Sr. Ministro Almeida Santos que ontem aqui afirmou que o País ainda não atravessou o Cabo das Tormentas do desemprego? É ministro do mesmo Governo que apresentou à Assembleia da República as Grande Opções do Plano que apresentam uma diminuição do investimento na ordem dos 11,9 % e uma diminuição do PIB de 1,4 % para o próximo ano?
15to significa mais desemprego!
Será o Sr. Ministro responsável de um Secretário de Estado do Emprego, dito do Emprego, que afirmou no Funchal, numa conferência que os jornais fizeram eco, que Portugal tinha necessidade de, de uma forma brutal, aumentar o número de desempregados para o dobro já que noutros países da Europa da CEE isso era normal e que Portugal num curto espaço de tempo seria o país com maior taxa de desemprego, mesmo em relação aos países ricos da Europa? O Sr. Ministro pertence a esse Governo?
O que está aqui em causa - este é outro aspecto da sua demagogia - é o desemprego, são as condições de

vida dos trabalhadores, são as condições de vida daqueles que não recebem salários, dos mais de 100 000 trabalhadores deste país que estão sem salários há vários meses. Ontem mesmo aqui dei-lhe uma relação de 30 e tal empresas, algumas delas há mais de 1 ano que não pagam os salários, empresas que estão paralisadas, empresas que funcionam apenas com 20
e 30 % dos trabalhadores. O que é que fez o seu Ministério para resolver estes problemas?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Beneficiou os patrões!

A Oradora: - Nada, todos o sabemos!
O Sr. Ministro afirmou que a contratação colectiva estava a avançar, no entanto, o Sr. Ministro sabe muito bem que mentiu, sabe que, por exemplo, para os têxteis a Federação dos Sindicatos Têxteis, representativa da maioria esmagadora dos trabalhadores do sector, ainda não conseguiu sequer ser recebida quanto mais ter uma contratação para o seu sector.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É o diálogo!

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Não os recebo!

A Oradora: - A sua resposta agora foi clara! Sr. Ministro, em defesa de quem é que está a exercer funções?

O Sr. Jorge Lenhos (PCP): - Dos amarelos!

A Oradora: - A actuação deste Governo visa piorar as condições de vida do povo trabalhador, visa aumentar e agravar de tal modo o desemprego que dentro de pouco tempo teremos uma situação das piores de toda a Europa e seremos tristemente campeões, conforme afirmou o Sr. Secretário de Estado, dito, do Emprego.
Queria ainda dizer-lhe, Sr. Ministro, que os trabalhadores têm lutado, vão continuar a lutar cada vez com mais força e que, por isso, o desespero é do seu Ministério visto que, a curto prazo, será, felizmente para o País, corrido do Governo.

Aplausos do PCP.

Risos do PS e do PSD.

Vozes do PS e do PSD: - Boa, boa!

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro deseja responder de imediato?

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Quero sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, confesso que me custa a compreender como é que formulou a primeira questão.
Imaginem todos que o Sr. Primeiro-Ministro diz que o desemprego vai aumentar, que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano diz a mesma coisa, que o Sr. Secretário de Estado do Emprego afirma o mesmo e eu

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próprio digo o mesmo - a Sr.ª Deputada não esteve com atenção durante a minha intervenção -, como é que o Ministério do Trabalho e Segurança Social se pode atrever a dizer que tem uma política de criação e manutenção de postos de trabalho?

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O Mário Soares disse isso durante a campanha eleitoral!

Protestos do PS.

O Orador: - Oh Sr.ª Deputada, então lá porque as condições gerais da nossa economia nos levam a pensar que é provável, se não certo - diria mesmo certo porque assumo a realidade - que vá aumentar o desemprego, o Ministério do Trabalho fica de braços cruzados, não apoia o artesanato, não se lança em acções de promoção profissional, ...

Vozes do PCP: - O artesanato?

Risos do PCP.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - E assim que vamos para a CEE?

O Orador: - ... não procura criar o aparecimento de pessoas habilitadas em actividades onde há falta de mão-de-obra? A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo tem dificuldade em compreender estas coisas!

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-lhes o favor de não interromperem!

O Orador: - Não é fazendo barulho que calam a voz da razão, compreendo o vosso embaraço!

Aplausos do PS e do PSD.

A Sr.ª Deputada disse que o Ministro do Trabalho e Segurança Social não recebeu a Federação dos Sindicatos Têxteis e eu disse-lhe daqui que não a recebo, sabe porquê? Porque o Governo não é parte na contratação colectiva, a contratação colectiva faz-se entre os representantes das entidades patronais e os representantes dos trabalhadores e o Ministério do Trabalho e Segurança Social só intervém como entidade conciliatória através dos serviços de conciliação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E por este motivo que não há recepções nem a sindicatos, nem a empresários, enquanto dura a contratação colectiva.

Aplausos do PS e do PSD.

Protestos do PCP.

A Sr.ª Deputada afirma que vamos ter uma das piores situações de desemprego da Europa penso, no entanto, que não devia ter mencionado a Europa, porque falando de desemprego, a Sr.ª Deputada sabe-o, a nossa situação, apesar das nossas características especiais, é francamente melhor do que aquela que vimos por esses

países da Europa. Não é preciso acrescentar mais elementos porque toda a gente sabe que é assim!

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. António Mota (PCP): - Vamos ser um grande país produtor de yo-yo!

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (INDEP.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para nós ecologistas falar de política geral é sobretudo falar de opções no campo da gestão dos nossos recursos, cujas consequências atingem os mais escondidos recantos do nosso país e os mais variados sectores da vida dos portugueses.
E nesta perspectiva que intervenho na presente interpelação ao Governo, desenvolvendo algumas das questões já aqui abordadas aquando da minha intervenção no debate do Programa do Governo.
No decurso do debate realizado há 4 meses pus reservas ao Programa do Governo nas suas áreas dedicadas ao meio ambiente, defesa do consumidor e objecção de consciência. Foquei ainda questões importantes para os ecologistas portugueses como a política energética, apoio à reconversão de indústrias e à reciclagem de materiais já usados, lixos, águas poluídas, etc.
Referi a necessidade de combater as diversas formas de poluição, os gastos inúteis com o armamento, os efeitos nefastos da publicidade, a importação de animais sem boletins de inspecção sanitária, a invasão de zonas ecologicamente sensíveis por indústrias, pedreiras e habitação clandestina, os fogos nas florestas, a falta de estruturas de vigilância e investigação nos parques e reservas, o controle de ruídos e fumos nas cidades, a falta de zonas verdes, o desaparecimento de outras, engolidas pela especulação imobiliária, a despersonalização das nossas cidades vilas e aldeias pela invasão de uma arquitectura desumanizada e incaracterística e a falta de uma política de juventude que passe pela melhoria de condições nos estabelecimentos de ensino, tais como a alimentação nas cantinas, a prática desportiva, as salas de aula, os preços dos livros, o transporte, a ocupação de tempos livres, etc.
Passados estes 120 dias, aparentemente pouco tempo na vida de um Governo mas, na realidade, muito tempo dada a velocidade a que os fenómenos sociais se processam hoje, quais as medidas concretas que encontramos tomadas por este Governo e quais as soluções que ainda terá de apresentar para travar a descida suicida das nossas reservas e potencialidades?
Das várias alíneas da nossa análise destacamos:
1.º Política energética:
Para quando o amplo debate nacional sobre o nuclear que o Dr. Mário Soares nos prometeu? Pensa o Governo fazer uma vasta divulgação na rádio e na televisão a horas de grande audiência tratando-se de um assunto polémico que diz respeito a todos nós dados os problemas económicos, técnicos e de impacte ambiental que acarreta e por cuja opção ou recusa todo o País se deve sentir responsabilizado?
O facto de existir um filme, financiado pelo Governo leva-nos a suspeitar mais uma vez que este faz bluff

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e que estará para breve não um debate, mas sim a continuação da sensibilização da opinião pública para a «única alternativa viável para Portugal no campo energético» como se pode ler em vários documentos emanados do Governo ou de Ministros seus.
Trata-se do nuclear, tal como coloridos e falsamente inocentes folhetos desdobráveis que a EDP distribuiu em Lisboa querem provar. Chamar-se-ia a isso atirar poeira (radioactiva) para os olhos dos portugueses.
2.º Cooperativismo e autogestão:
No ponto de vista económico não tem sido grande a preocupação em aproveitar as capacidades do movimento cooperativo e das empresas em autogestão que só esperam ser reconhecidas e apoiadas na sua enorme potencialidade de trabalho, desde as cooperativas de consumo e de produção até às de metalo-mecânica, construção civil, pesca, educação, cultura, etc.
Claro que esta perspectiva económica se prende com uma visão de desenvolvimento regional para aproveitamento racional das potencialidades humanas, culturais, industriais e naturais de cada região.
3 º Regionalização:
Chegamos assim à regionalização; é quanto a nós fundamental uma verdadeira regionalização responsabilizando e empenhando de forma prioritária as potencialidades atrás descritas. É nesta perspectiva de desenvolvimento das regiões e de aumento dos poderes de intervenção das autarquias locais que o ataque aos problemas do ambiente e da qualidade de vida, urbana e rural deverão ser analisados. Por exemplo: Lisboa produz 1000 t de lixo diário que é despejado num enclave de Lisboa dentro do concelho da Amadora na lixeira da Boba, perto da Brandoa, enquanto em Beirolas a central do tratamento e reciclagem dos lixos de Lisboa não funciona por falta de uma verba para reparações no valor de 16 892 contos (preços de 1980).
4 º Defesa do consumidor:
Nota positiva para a instalação de um instituto de defesa do consumidor. Dada a composição deste organismo temos grandes esperanças neste sector, embora tenhamos algumas dúvidas quanto à sua futura operacionalidade se não lhe forem dados todos os meios técnicos de que precisa para combater contra as poderosas máquinas económicas e propagandísticas que extraem dinheiro através da manipulação dos anseios, ambições e carências da população das nossas cidades.
5 º Parques e reservas naturais:
Continuam sem vigilantes nem pessoal de investigação verificando-se atentados e depredações por todo o País. Quanto ao Decreto-Lei n.º 321/83, de 5 de julho, que cria a Reserva Ecológica Nacional, pensa o Governo revogá-lo, uma vez que a sua aplicação inviabilizaria economicamente concelhos inteiros por todo o País? A lei por exageradamente ampla permite a abertura de graves precedentes, não servindo pois de documento válido na defesa do nosso meio ambiente. Aliás este diploma tem vindo a ser intencionalmente ignorando por muito técnicos.
6 º Reflorestação:
Tem o Governo afirmado que irá reflorestar vastas áreas. A nossa satisfação só é perturbada pelas dúvidas seguintes:

a) Que tipo de árvores vão ser plantadas? O pinheiro ou o eucalipto, voraz sugador das reservas do solo?

b) As áreas a reflorestar compensarão as que ardem? Prevenir os fogos como se fez este ano em Sintra e noutras zonas do País resulta. Porque não aplicá-lo a todo o território? A colaboração entre bombeiros, autarquias, forças armadas, aeroclubes, grupos de voluntários, jovens dos tempos livres e população em geral resultará numa vigilância efectiva no ataque dos primeiros indícios de fogo e evitando a sua propagação, como aconteceu, por exemplo, na serra de Monchique.
E o apetrechamento das corporações de bombeiros com material moderno? Pensa o Governo iniciá-lo em 1984? Recordamos o investimento que Portugal quer fazer em torno da indústria da pasta de papel e na qual a árvore tem papel fundamental.

7 º Associações de protecção do património cultural e natural:
O I Encontro do Sul de Associações de Protecção do Património Cultural e natural a realizar em Setúbal nos últimos dias deste mês constituirá um importantíssimo passo para o debate dos problemas que afectam os bens culturais e naturais. A presença de membros do Governo neste encontro, será certamente importante, permitindo-lhe auscultar os problemas e dificuldades encontradas por estas colectividades, ao longo do seu trabalho anual com autarquias e estabelecimentos de ensino e, recolher as soluções por elas avançadas com vista à sua resolução.

Em Novembro vai realizar-se em Portugal um encontro de diversas organizações internacionais dos Amigos da Terra. Vai o Governo esquecer este encontro que se integra no vasto combate contra os atentados que as sociedades de consumo cometem directa ou indirectamente contra o nosso planeta, ou pelo contrário dar-lhes-á o apoio que merece esta organização internacional?

Defendemos que deverá ter o mesmo apoio a ser dado às realizações desenvolvidas pelas associações portuguesas.

8 º Paz internacional:
Quanto aos problemas da paz internacional consideramos importante que Portugal não embarque na sangria económica em que alguns se esgotam na corrida aos armamentos subvalorizando outras carências bem mais pungentes dos seus povos.
No tocante ao território nacional vamos continuar a alugar sem reservas o nosso solo, como ponto de passagem para equipamentos e armas de que desconhecemos os conteúdos e os fins em que irão ser aplicados, como é o caso das bases das Flores, Laje e Beja, além de instalações na base do Montijo e outras no Algarve (radar), etc.?
Autarquias de Braga e Faro, grupos ecologistas e pacifistas e vastas camadas da população dizem não à estada às claras ou às escondidas de armamento nuclear, nomeadamente em submarinos que estacionam por exemplo no Tejo ou em aviões militares que fazem escala nas pistas das bases aéreas atrás referidas.

Coloquei na minha curta intervenção de 7 minutos diversas questões. Todas elas se interrelacionam, uni-

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das que estão por uma mesma perspectiva - é necessário defender o meio ambiente, é urgente impedir que
os valores patrimoniais sejam degradados, desprezados,
espezinhados, como têm sido até agora. O Governo
tem de assumir essa responsabilidade.
As intervenções de alguns membros do Governo no
decurso desta interpelação não deixaram de me causar certa estranheza e mesmo preocupação. O Governo
permitiu-se por um lado não responder a muitas das
questões aqui trazidas e por outro tomar uma atitude
jocosa face a problemas tão graves como os que vivem
actualmente milhares de trabalhadores portugueses. Estas atitudes deixam-me sérias dúvidas quanto à abertura de espírito do Governo no tratamento das questões como as que foram objecto da minha intervenção.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a
palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE). -
Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente, Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo: Participamos nesta interpelação ao Governo, proposta pelo Partido Comunista
Português, na convicção de que é necessário fazer
uma pausa de reflexo nos caminhos por onde o poder
político se emaranhou.
Poder-se-ia pensar, seria lógico e normal, que a ida
de um partido socialista para o poder, com a forte
representatividade que o voto do povo português lhe
conferiu, no Portugal democrático, tivesse tido como
consequência imediata um certo desanuviamento nas
tensões sociais existentes, uma abertura ao diálogo
mais encorajadora dos esforços necessários, um reavivar da dinâmica social mais livremente expressa.
Nada disso aconteceu. A AD, que nos sufocou durante 3 anos, continua a sobrecarregar os nossos dias
com o mesmo forte manto do desprezo deitado sobre
os ombros da maioria dos portugueses; enquanto o Governo se enrola, se desindividualiza e se irresponsabiliza por detrás do biombo da crise.
Mercê das acções de despedimento, de abaixamento
do nível de vida, do aumento de toda a espécie de
transportes, da crescente dificuldade de habitação,
o português médio sente-se culpabilizado, no discurso
do poder. Se por acaso é trabalhador assalariado, e
por mais forte razão do sector nacionalizado do Estado,
o seu enorme complexo de culpa tende a alterar
profundamente a sua integração social e profissional.
O trabalhador sente-se julgado e classificado, e a sua
liberdade ameaçada. Porque a liberdade cívica para
aquele que trabalha não tem sentido sem a segurança
no emprego. A liberdade é o seu estatuto, é a sua
dignidade profissional, é o cumprimento dos seus deveres para com a sua família e os seus companheiros
de trabalho.
A classe governamental poderá desenrolar o seu discurso intelectual, cheio de razões cientificáveis e
mesmo exemplificativas de outras situações semelhantes; para o trabalhador esse discurso dar-lhe-á sempre
a sensação de estar a ser enganado porque o discurso
que ele entende, esse está imediatamente dependente
das condições materiais e morais da sua existência.
A crise, o seu caudal de argumentos, pesa social-

mente sobre nós todos porque sendo a nossa, a crise nacional, o seu estudo a sua quantificação é reduto do Governo.
Foi revelada há dias aos portugueses a Carta de Intenções do FMI. Ela aparece como uma autêntica história de terror. Há passagens acessíveis aos ouvidos de todos os portugueses e que dir-se-iam estrofes do poema anti-histórico e anti-heróico da nossa destruição.
O Governo narra assim os seus feitos. Ouçamo-lo:

[...] desvalorização efectiva do escudo de 12 %, um substancial aumento dos preços de uma vasta gama de produtos subsidiados, incluindo pão, óleos, rações para animais, leite, açúcar, adubos e produtos petrolíferos.

Por detrás destas medidas, e dos despedimentos em massa, estão os gritos de fome que, por várias vezes, já se ouviram nesta Assembleia, que se abriu em 1974 para acolher o povo português, dela afastado durante quase meio século!
Gritos que abalaram os últimos dias da AD, gritos incómodos para o sossego, a reflexão e a solenidade devida a um órgão de soberania. Mas gritos que marcam estas paredes e que sobre todos nós recaem, Srs. Deputados!

A Carta de Intenções dirigida ao FMI tem ainda um post scriptum, o parágrafo 18, que abre perspectivas de audiências e de consultas, num cenário de uma tal dependência que não virá longe o tempo em que um Conde de Abranhos seja de novo ouvido nesta Assembleia, gritando: «15ole-se o pobre.» Este apelo provinha, segundo o seu cronista, da sua visão larga do problema que o levava à criteriosa teoria de que «essa classe devia ser disciplinada e, por amor dos desprotegidos, regulamentada».

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ironia é consequência de um sentimento de frustração.

Srs. Deputados, aconselho-vos a leitura de Le met d'esprit de Freud.

Ainda ontem vimos o Ministro de Estado Almeida Santos usando, com a sua arte habitual, essa medida compensatória. E por várias vezes esta Câmara tem caído na mediocridade de redacções escolares, ironicazinhas, exactamente para tapar muita frustraçãozinha pequenina. Ainda há pouco tempo ouvimos. Também nós partilhamos dessa frustração possivelmente por razões inversas.

O MDP/CDE compreende a extensão dos problemas que se colocam à nossa responsabilidade de cidadãos e assume como partido político o seu papel, tendo como limites únicos à sua colaboração aqueles que se lhe são impostos pela honestidade política, e pelo peso que para nós tem a realidade concreta. Aquela realidade verde e encarnada a que se referiu o Sr. Ministro das Finanças e do Plano ontem, e que neste momento está, de facto, dominada pelo luto mais negro.

A análise que fazemos da situação económica, as alternativas que realisticamente o nosso programa propõe foram já expostas pelo meu colega António Taborda. Elas são resultantes de uma larga faixa de consenso conseguida ao longo de debates e de estudos feitos por técnicos que pertencem a um largo leque político, e por isso as nossas propostas alternativas

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expressam, para além de uma atitude partidária, uma atitude técnica, informada pelo objectivo de recriar um país com existência que os portugueses possam habitar.

Quer isto dizer que o MDP/CDE está consciente das dificuldades que o Governo enfrenta e não procura minimizar essas dificuldades.
Mas o MDP/CDE exige que as dificuldades sejam assumidas pelo diálogo, na participação, na política clara, num clima de verdade, numa vida nacional.

Já o afirmámos e nunca será demais repeti-lo: não é matando a Democracia todos os dias que havemos de a ver renascer clara e luminosa pela varinha mágica de um qualquer governo.
O Governo dissecou o tempo em etapas e arrumou cada uma no seu dossier.
O Governo escusa-se não só a olhar o percurso completo para chegar ao fim do tempo que em laboratório criou, mas nega-se ainda a agarrar o dia-a-dia que passa, a analisá-lo, a saber qual é o seu valor significante, o seu peso nacional, a sua marca no caminho do progresso que visa a realização dos objectivos constitucionais, que esta Câmara recentemente aprovou.
O Governo desresponsabiliza-se pelo presente real, em nome de um futuro teoricamente construído e em cada dia negado na prática.
A verdade é que as teorias económicas não são fatalidades geológicas indomáveis. Elas alimentam-se na urdidura de um tecido social, não vivem independentemente da existência do homem, porque é o uso que o homem faz das coisas que lhes confere significado. O mesmo comboio poderá ser usado por alguém para se meter debaixo dele ou para chegar tranquilamente, por exemplo, ao Cais do Sodré.
A escolha pertence ao homem e no reconhecimento desta verdade assenta a força da democracia.
Uma política económica é um meio para realizar uma escolha social, para atingir um objectivo global, um ministro nunca pode ser o inspirado autor de uma política económica. Ela pertence à responsabilidade de um governo e define o seu objectivo, é a expressão existencial desse mesmo governo.
Por isso a política económica num estado democrático tem de servir, obrigatoriamente, o equilíbrio social, tem de garantir a liberdade dos que trabalham, tem de respeitar o estatuto de participação de cada um, tem de valorizar o homem e tem de valorizar a terra.
O poder democrático não é um estado de graça adquirido pela eleição, é uma conquista diária que exige esforço, verdade, coerência, vontade firme, persistência, humildade e dignidade.
Pôr a democracia de lado em nome da salvação nacional para vencer uma crise económica é, de facto, uma forma original de conceber a democracia, de acreditar nas suas potencialidades sociais e na sua eficácia política.
Seria bom que este Governo, interpelado ou não, se explicasse, porque a confusão de valores é a mais requintada forma de obscurantismo.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Não se encontra inscrito mais nenhum Sr. Deputado.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Ministro Almeida Santos.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, é só para informar que não tendo já o Governo tempo para dar resposta a todas as perguntas que lhe foram formuladas, seleccionou as mais importantes e vai entregá-las por escrito à Mesa.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, está encerrado o debate, entrando-se no seu período de encerramento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Raramente uma interpelação ao Governo na Assembleia da República terá suscitado tanto interesse da opinião pública e da comunicação social como esta interpelação do PCP centrada sobre a política económica e financeira. O interesse manifestado confirma que a interpelação do PCP interpretou as perguntas que os portugueses fazem acerca do que vai ser a sua vida e trouxe aqui a interrogação capital: o que significa a política que estamos a sofrer? Para onde vamos? A inquietação que estas perguntas traduzem é comum a uma grande parte do País. Parte naturalmente dos trabalhadores mas parte também, de uma forma cada vez mais evidente, das camadas médias da população, dos empresários, dos quadros e das suas associações. Muitos não esperariam nada de bom da política da coligação PS/PSD mas poucos esperariam que fosse tão má.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta interpelação provou duas coisas essenciais: primeiro o Governo não conseguiu demonstrar que a sua política é a política necessária e menos ainda que eram inevitáveis o acordo que firmou com o FMI e as condições vergonhosas que subscreveu.

Aplausos do PCP.

Em segundo lugar, o Governo não conseguiu refutar a alternativa aqui exposta e defendida, com detalhe inédito, pelo PCP, e que comporta pontos em que convergem hoje sectores muito diferenciados, política e ideologicamente, da opinião pública portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ao longo do debate, o Governo revelou uma notória incomodidade. Tivemos sorrisos do Primeiro-Ministro quando eram denunciadas algumas das situações mais dramáticas com que se debatem os trabalhadores e o povo. Vimos a bisonha frieza com que o Ministro das Finanças e do Plano e a insensibilidade do Ministro do Trabalho e Segurança Social falam de despedimentos, de desemprego, de salários em atraso e outras situações que atingem gravemente o nosso povo. Foi chocante e inoportuno o tom chocarreiro com que o Ministro dos Assuntos Parlamentares se permitiu abordar a crise e algumas suas expressões sociais mais agudas como o não pagamento de salários e o roubo do 13 º mês.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Os economistas do PSD mais uma vez entraram mudos e saíram calados, o que se torna intrigante e tem inegável significado político. E num momento em que os GPO's prevêem uma diminuição de 5% do produto agrícola bruto (e o mais que decorre das imposições do FMI!) ouvir o Ministro da Agricultura, das Florestas e Alimentação dizer aqui que pretende perspectivar a agricultura portuguesa segundo em perfil europeu, faz perceber completamente por que é que esteve em silêncio até agora.

Aplausos o PCP.

O Governo que repete a política da AD repetiu também velhas sentenças falaciosas em defesa dessa política. Algumas delas conhecêmo-las ao Primeiro-Ministro desde 1976 (provavelmente iremos ouvi-las outra vez daqui a pouco, se calhar misturadas com algumas provocações à minha bancada). Cá tivemos e cá teremos a falaciosa sentença de que esta é «a única política», que o afundamento da economia é a «recuperação económica», que esta marcha para o abismo é o «caminho da modernização» e que «quem não apoia o Governo não é patriota», recordando um estilo e argumentação que ouvimos durante meio século de ditadura e até ouviremos também que a escravidão pela dívida, a que ficamos agora sujeitos com o acordo com o Fundo Monetário Internacional é a «salvação da bancarrota». Vamos ouvir tudo isso. Verão! ...
Esta penúria de argumentos torna mais evidentes algumas outras conclusões fundamentais que se desprendem do debate:

1.º O Governo PS/PSD continua, no fundamental, a política da AD e consegue agravá-la em alguns aspectos;
2." A política de recuperação capitalista seguida pelo Governo impede a recuperação económica e é um dos factores determinantes da crise;
3.º O Governo faz a guerra social em vez da prometida concertação e do famigerado «pacto social».

Mário Soares, numa das suas conferências de Março, afirmava, como quem esconjura perante si próprio as tentações do demónio, que «o PS entende não cometer, os mesmos erros que a AD cometeu». De nada valeu a advertência que fez a si próprio: o Governo liderado pelo PS está a fazer exactamente a mesma política!

Aplausos do PCP.

Se analisarmos em concreto as medidas que antes eram classificadas pelo PS na oposição de clamoroso desastre, veremos que a única diferença é serem hoje. chamadas de «salvação nacional».
Ao aumento incomportável do custo de vida dos governos AD, responde o Governo PS/PSD com o aumento brutal dos preços dos bens essenciais.
Ao desemprego arbitrário e ilegal, ao não pagamento de salários em dezenas de empresas, um dos males diagnosticado por Mário Soares como grande injustiça praticada pela AD (e foi-o sem dúvida!), ocorre o actual executivo com a terapêutica do desemprego legalizado, na chamada «lay-off», com a protecção imoral, desumana e ilegal - como ouvimos há pouco ao Ministro do Trabalho e Segurança Social- do patronato que em centenas de empresas não paga os salários aos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E não se passa a mesma coisa com o tecto salarial? A AD impunha-os por decreto-lei; o PS/PSD numa verdadeira operação de cosmética pretende manter «aumentos de salários abaixo da taxa de inflação quer em 1983, quer em 1984» e mesmo «inferiores à média», como reza, com crueza, o ponto 9 da Carta de Intenções do Fundo Monetário Internacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ao aumento das taxas de juro, à redução do investimento e dos consumos internos, à desvalorização do escudo, à sobrecarga fiscal, classificadas como medidas inadequadas por Mário Soares - oposicionista, responde Mário Soares - Primeiro-Ministro com a desvalorização do escudo, com a redução dos investimentos e da procura interna, com o aumento das taxas de juro e uma rajada de novos impostos.
Ao desmantelamento das empresas de comunicação social do Estado, ao clientismo político nas nomeações, à censura e manipulação da AD, dirigida pelo Sr. Alfaia, sucede-se a destruição PS/PSD. À ANOP junta-se a EPNC. A Proença de Carvalho, sucede Palma Ferreira. Pataca a mim, pataca a ti, assim são distribuídos os cargos dos gestores.

Aplausos do PCP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É um regabofe!

O Orador: - E se a AD teve a sua madrugada sangrenta no 1.º de Maio no Porto, o Governo PS/PSD soma já um negro passivo onde se inscrevem vergonhosamente as repressões dos seareiros de Alpiarça, dos vidreiros da Fontela, dos trabalhadores da CIFA e da LISNAVE, as ocupações e espingardeamentos na Marinha Grande ...
Esta é a mesma política!
À coragem eleiçoeira do diagnóstico do PS na oposição correspondeu uma terapêutica que mantém e agrava a doença.
A razão básica desta identidade de políticas reside antes de tudo, na identidade de objectivos das suas coligações governamentais. Para o Governo PS/PSD, como antes para os governos da AD, o objectivo determinante de toda a política é a restauração monopolista.
Este objectivo está claramente expresso em todos os documentos importantes emanados deste governo, desde os textos do acordo PS/PSD, passando pelo Programa de Governo, até às Grandes Opções e ao Orçamento de Estado para 1984.
Ressalta também da intervenção feita pelo Sr. Ministro das Finanças e do Plano no início deste debate, especialmente quando ao traçar os seus «nós estratégicos», colocou à cabeça a reorganização do sistema de crédito (isto é, a abertura da banca ao capital privado) e o reequilíbrio do sector empresarial do Estado (isto é, o prosseguimento da ofensiva contra as nacionalizações).

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A primeira autorização legislativa pedida pelo Governo PS/PSD à Assembleia da República foi para abrir a banca e os outros sectores básicos da economia ao grande capital. Isto é a revelação de toda uma política!

Aplausos do PCP.

O Governo prossegue com o mesmo desembaraço da AD, e por vezes ainda com maior brutalidade, a operação de centralização forçada nas mãos do grande capital, das mais-valias formadas no País, dos capitais disponíveis, dos recursos e bens do Estado, incluindo empresas nacionalizadas, assim como das terras e bens da Reforma Agrária.
Adiantada esta operação, a formação dos bancos privados será o passo necessário para a reconstituição dos antigos grupos financeiros ou a eventual formação de novos grupos. Ê esta uma tarefa central de que se ocupa o governo PS/PSD e o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
A este devemos dizer, no entanto, (para que se não gabe excessivamente de conseguir o que os seus antecessores não conseguiram) que a sua política não tem nada de novo nesta matéria. É a mesma: o PS é que mudou!

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - Não se trata de mérito do Sr. Ministro das Finanças e do Plano de direita, mas de demérito do PS que, depois de ter resistido connosco durante anos à inconstitucional abertura da banca e dos outros sectores privados ao grande capital, se prepara para realizar agora pelas suas mãos, isso que tem sido o objectivo fundamental da direita portuguesa desde 1975. Basta reparar no gáudio com que um ex-Ministro das Finanças do CDS sublinhou a importância desta medida. Assim vai o PS uma vez mais.
É particularmente grave o desembaraço com que o Governo envereda pelo caminho da inconstitucionalidade, contando. com as maiorias de que desfruta nos diferentes órgãos de soberania. A maioria comporta-se como se pudesse fazer a cada momento a Constituição que melhor lhe convém.
Não foi o próprio Sr. Primeiro-Ministro que, no Funchal, comentando as delirantes propostas do CDS de revisão da constituição económica, quem declarou que «a Constituição tem virtualidades necessárias para que sejam atingidos os objectivos daqueles que querem rever a Constituição»?! Quer-se coisa mais significativa?
Talvez por isso, com o mesmo à-vontade, o Ministro das Finanças e do Plano referia-se ontem aos projectos de progressiva liberalização da economia, como se o nosso quadro constitucional fosse letra morta.
A política de recuperação capitalista seguida desde 1976 pelos sucessivos governos não é a causa única mas é a causa fundamental da profunda crise económica e financeira que avassala o País. Ë uma política que socava os pilares básicos da nossa economia - a começar pelo sector nacionalizado.
Querendo sucessivos governos demonstrar que as nacionalizações são uma má coisa para Portugal e cabendo a esses mesmos governos nomear os gestores, ordenar os investimentos, determinar as orientações das empresas nacionalizadas, é evidente que tudo isto tinha de ter consequências extremamente negativas nas empresas nacionalizadas apesar da abnegação e esforço dos seus trabalhadores.
Com estas múltiplas acções de sabotagem, os governos de direita, e agora o PS, impedem que o sector nacionalizado desempenhe o papel para que reúne todas as condições como dinamizador da. economia e corrector dos atrasos e taras da nossa estrutura industrial.
O mesmo se pode dizer em relação à Reforma Agrária onde o magnífico esforço de renovação da agricultura e das suas estruturas e de aumento da produção e da produtividade, tem sido criminosamente contrariado pela política de direita com roubos de terras, e liquidação de UCP's e cooperativas, destruição de colheitas, abate e venda de gado ao desbarato, abandono de centenas dê milhares de hectares dados aos agrários como reservas... Isto tem sido e continua a ser. E a pergunta que se faz é esta, Sr. Primeiro-Ministro: com a nossa penúria de bens agro-alimentares, e quando a fome avassala já camadas do nosso povo, como pode continuar esta política de cega destruição?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Como pode prosseguir a política de destruição de todo o sector produtivo incluindo - e isso hoje já não oferece dúvida - o próprio sector privado?
Não era o Ministro das Finanças e do Plano que confessava ontem que quer «varrer de alto a baixo» o aparelho produtivo, a começar pr'a agricultura?!
A verdade é que quer e está a fazê-lo.
A conjugação das elevadas taxas de juro, das restrições ao crédito, das limitações ao investimento e à produção e a desvalorização - tudo leva à destruição do aparelho produtivo, à ruína das pequenas e médias empresas, à explosão das falências... E isto, debilitando o País, agrava o endividamento externo e põe-nos na dependência dos centros de decisão do imperialismo.
Expressiva demonstração disso é o escandaloso caso da LISNAVE que, por isso, quisemos trazer a este Plenário.
A continuação e aceleração da centralização forçada de capitais só põe nas mãos dos velhos e novos grandes grupos económicos instrumentos para a recuperação do seu próprio poder económico e político.
Hoje em dia em Portugal só estes estão contentes e pedem mais. A todos os outros o Governo faz a guerra! E não admira, portanto, que diminua a sua base social de apoio e cresça, no plano social, o número daqueles que fazem oposição ao Governo ou que nele deixaram de acreditar.
Sr. Primeiro-Ministro, generaliza-se entre os Portugueses a insegurança e a incerteza pelo dia de amanhã. E isto é extremamente grave para um regime democrático.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Face a isto o governo PS/PSD que se apresentou em Junho, tomando como ponto central da sua propaganda a ideia da concertação, do diálogo e do famigerado pacto social não ousa já fazer uso daqueles slogans e já não pode deixar de assumir-se como aquilo que é: um governo de guerra social contra os trabalhadores e contra o povo em geral.

Aplausos do PCP.

Um governo que mobiliza todos os meios para intensificar a exploração dos trabalhadores e desapossá-los dos direitos e conquistas alcançados após o 25 de Abril.
Vimos neste debate a frieza e a distância com que o Governo fala das medidas com que está a agredir o nosso povo.
Fala com indiferença de 1 milhão de portugueses desempregados; admite com naturalidade o despedimento de 30 000 ou mais trabalhadores da função pública. Nós viemos falar de mais 100 000 trabalhadores com salários em atraso e riram-se. E um Ministro, depois de gracejar, teve a ousadia de nos perguntar onde é que a Constituição obrigava o Governo a preocupar-se com os trabalhadores a quem não são pagos salários. E pelos vistos é esta a convicção do Governo, uma vez que o Ministro do Trabalho não soube responder a perguntas concretas que lhe fizemos, uma vez que não soube responder, como era a sua obrigação, a quantas empresas não pagam salários, quais são e quais as razões por que não os pagam.

Aplausos do PCP.

Trouxemos aqui o protesto popular pela baixa brutal do poder de compra, pelo aumento incomportável dos preços e da carga fiscal; falámos dos cortes orçamentais na saúde, no ensino, na habitação; denunciámos que a política governamental está a originar situações de verdadeira miséria e de fome. O Governo, revelando um espantoso desconhecimento da realidade, replicou-nos, soberano: «mas não há bichas».

Risos do PCP.

Nem isso é verdade, mas o pior de tudo é que já nem há dinheiro para haver bichas, de tal maneira se perdeu a capacidade de comprar!

Aplausos do PCP.

Numa visão desumanizada e gélida da governação, o Governo replica aos testemunhos e invocações que aqui fizemos a propósito das restrições às condições de vida do nosso povo, alegando secamente: estamos a «reduzir a procura interna!». E, na verdade, a isso se reduz a política governamental!
O povo português não se resignará, porém, a suportar tal coisa e está a mover uma firme e decidida oposição a esta política como ficou demonstrado nas grandiosas manifestações e marchas deste mês de Outubro!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador - Com esta política consegue-se realmente agravar as distorções e injustiças na repartição do rendimento nacional. Sabe-se que a percentagem da massa salarial no rendimento nacional baixou de 54,6% em 1977 para 44,9% em 1982. Este resultado foi efectivamente obtido com esta política. Mas os outros, os que na opinião do FMI e dos sucessivos Governos o justificam? Esses outros foram conseguidos? Diminuiu duradouramente o défice da balança e a dívida externa? Rotundamente não!
Em 6 anos, o défice da balança de transacções correntes e o défice da balança comercial em milhões de contos quadruplicaram e a dívida externa aumentou 68,2%.
Ê a demonstração de que os efeitos a curto prazo procurados com esta política não só têm vida efémera (com pesados sacrifícios do povo) como actuam negativamente sobre as causas da crise, agravando-a, num círculo vicioso, infernal e desastroso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O País fica pior, mais endividado, com menos capacidade produtiva, mais dependente. Para os Portugueses, particularmente para os trabalhadores, fica a factura: mais desemprego, piores salários, piores condições de vida.
O política que a Constituição impõe, a única política que pode resolver o problema estrutural da nossa economia, a política necessária é outra de sinal contrário: é o aumento da produção e não a redução do consumo.
É evidente que há consumos que devem ser reduzidos, aqueles que, pela sua natureza e pela sua desconformidade com o nível médio de vida dos Portugueses. sejam incomportáveis para a situação do País.
Essa é a política de rigor e austeridade que é necessária. Mas a questão central é outra. Como é possível, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, melhorar a longo prazo as condições de vida do povo português se no presente se deixa degradar o aparelho produtivo, se reduz o investimento, se atiram centenas de empresas para a falência e se reduz o mercado interno?
Dizem os fautores da política governamental que não se pode aumentar a produção nacional porque isso levaria ao aumento de importações, particularmente em bens de investimento o que, dizem, não é comportável, porque agravaria os défices.
É bom que fique claro: é uma falácia, sem suporte nos factos e nos números, sem nenhuma base científica e destituída de seriedade.

Aplausos do PCP.

Podemos produzir mais, importando menos. Primeiro, porque como demonstrámos durante este debate, há investimentos fortemente reprodutivos que praticamente não exigem componente importada.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Segundo, porque há outros investimentos que exigem importações, mas estas são largamente compensadas do ponto de vista cambial, econó-

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mico e social pela produção nacional de produtos que até aí se importavam.
Trouxemos aqui exemplos significativos. Não obtivemos resposta. Admitindo que dada a seriedade da questão a resposta tenha sido reservada para o Sr. Primeiro-Ministro e por isso recordamos e insistimos nalguns aspectos essenciais.
Como se pode admitir que continue paralisado o empreendimento do Alqueva, sabendo-se a sua enorme importância do ponto de vista agro-pecuário, e sabendo-se que praticamente não implica importações?
O que é que impede a produção e industrialização nacional da beterraba sacarina quando é sabido que, num projecto concreto, o dispêndio de 2,4 milhões de contos em divisas seria recuperado em 17 meses de produção, visto que o projecto permitia evitar a importação de açúcar no valor de 2 milhões de contos por ano, e isto sem contar com a produção de polpa e melaços?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É o artesanato!

O Orador: - Como se concebe que de 1976 a 1982 se tenham gasto mais de 150 milhões de contos em divisas para fretamento de navios estrangeiros de transporte de mercadorias e não se renove e deixe degradar a marinha mercante nacional?
Não existem estaleiros navais em Portugal vivendo graves dificuldades, como também ficou demonstrado neste debate?
Tudo isto, para não falar, por ser por de mais evidente, no que se passa na agricultura, na produção de forragens e cereais, no que é o verdadeiro escândalo das pescas - em que o País continua a importar milhões de contos de pescado - e no que se passa em vários sectores industriais, cujo incremento e desenvolvimento permitiria a produção nacional de produtos importados.
Dizem alguns, confrontados com a justeza da nossa proposta alternativa, que está tudo certo ... mas não há dinheiro!
Então não é do conhecimento geral que os acordos de compensação, que atingem actualmente cerca de 20% a 30% do comércio mundial, são uma forma possível e desejável para o financiamento da componente importada dos grandes investimentos?
E por que é que o Governo não combate - e pelo contrário favorece - a fuga de dezenas de milhões de contos para o estrangeiro que poderiam e deveriam ser canalizados para o pagamento das importações necessárias?! E por que não se limitam as importações desnecessárias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portugal não é o País pobre que Salazar apregoava e que se depreende da oração fúnebre do Sr. Ministro Ernâni Lopes.
Resolver o problema estrutural da economia nacional só se conseguirá através do aproveitamento das riquezas do País. Só investindo e aumentando a produção - designadamente em sectores em que é mais grave e maior a dependência do País - é que se pode sair da crise.
A história económica, mesmo a recente, é concludente: de todos os países que se submeteram ao FMI e se deixaram cair na armadilha da dívida externa nenhum de lá saiu ou conseguiu desenvolver-se.- Os exemplos do Brasil, Jamaica, Chile e todo o drama dos países do chamado Terceiro Mundo aí estão a demonstrá-lo.
Sem o aumento da produção, sem o aproveitamento dos recursos internos e uma política de independência nacional não só não há desenvolvimento económico e social como os países caem na dívida perpétua ...

Aplausos do PCP.

... na banalização do reescalonamento das dívidas - que se tem mostrado altamente lucrativo para os banqueiros do imperialismo. Cai-se na «escravidão pela dívida», nas importações impostas, numa posição «neo-colonial», subalterna e apendicular na divisão internacional capitalista do trabalho!

Aplausos do PCP.

Se não arrepiássemos caminho e não mudássemos rapidamente de política seria este destino de sujeição que nos estaria reservado, num momento em que o imperialismo acentua a sua agressividade e as suas exigências em relação aos países dependentes.
A brutal invasão de Granada pelos marines dos Estados Unidos às ordens do Sr. Reagan é um sinal disto mesmo. Mas a pronta declaração de apoio do Governo português a esta operação repugnante contra a soberania de um povo e os direitos do homem são a evidência da maneira como este governo amarra Portugal aos mecanismos da dependência e nos envolve nas aventuras belicistas do imperialismo.

Aplausos do PCP.

Neste quadro assumem enorme importância as grandes movimentações populares que se desenvolvem no País como por toda a Europa Ocidental com a participação de várias forças políticas - incluindo partidos socialistas e sociais-democratas - contra a instalação de armas nucleares, a favor do desanuviamento, do desarmamento e da paz.

Aplausos do PCP. Risos do PSD.

Estou muito admirado com as reacções da bancada do PSD. Não é verdade o que disse? Os sociais-democratas europeus e o presidente da Internacional Socialista, Sr. Willy Brandt, não estão participando nessas manifestações? Esses são sociais-democratas!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta interpelação permitiu uma aquisição fundamental. Está hoje provado que o povo português não está condenado a afundar-se com a política do Governo. A existência de uma alternativa geral e de medidas alternativas muito concretas de que aqui trouxemos os traços e em que convergem diferentes sectores da vida nacional é uma evidência indesmentível, e reconhecida pelo Governo no próprio debate.
O isolamento do Governo e da sua política é outro dado adquirido. Não passa certamente despercebido ao Sr. Primeiro-Ministro que são cada vez mais aqueces que não vos querem acompanhar nas companhias que

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foram por vós escolhidas. E que são cada vez mais à direita aqueles que buscam a vossa companhia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Dois exemplos: primeiro, a poucos meses das comemorações do X Aniversário do 25 de Abril assumem um enorme significado político as múltiplas recusas de participação na comissão organizadora governamental por parte de figuras das ma s destacadas da nossa vida intelectual e política. Porque a comissão que o Governo quis constituir era uma comissão onde os do 25 de Abril estavam para disfarçar o peso dos do 24 de Abril com quem o Governo está aliado!

Aplausos do PCP.

O segundo, e aqui mesmo são os apoios que o CDS prodigalizou ao Governo e as palmas com que o Sr. Primeiro-Ministro correspondeu ao CDS exprimem bem a clara deslocação do Governo para a direita ...! Com uma tão grande deslocação para a direita por parte do Governo, pergunto: e o CDS ainda hoje representa alguma coisa no País?

Risos do PCP.

Nas circunstâncias presentes, estes 2 dias da interpelação do PCP permitiram um importantíssimo esclarecimento.
Uma moção de censura poderia ser afastada pela maioria, que seria ainda por cima obrigada a fazer uma exibição de coesão e solidez. Poupamos esse esforço. A censura que está implícita nesta interpelação, partilhada por vastíssimos sectores da vida política e nacional, essa não pode ser rejeitada e vai continuar a agir sobre as fragilidades que minam o Governo e a coligação governamental.
Um sentimento comum à maior parte dos que assistiram a esta interpelação é sem dúvida o de que este governo não vai ter longa vida.
As grandes lutas populares, expressão do descontentamento, da resistência e da vontade de uma política alternativa estão em curso. As divisões internas que roem a coligação são evidentes já.
O Governo até entendeu por bem soprar a órgãos de comunicação social que se preparava para breve uma remodelação ministerial. Mas não tenha dúvidas, Sr. Primeiro-Ministro, que isso não dará mais vida ao Governo.

Sr. Primeiro-Ministro pode substituir nos seus cargos o Ministro da Agricultura, Florestas e Alimentação, o Ministro da Administração Interna, o Ministro da Educação e o Ministro do Equipamento Social. Mas o problema é fundamentalmente da política e não de quem a está a executar. É também o problema da falta de consonância entre a política que o Governo realiza e aquilo que o PS prometeu e se comprometeu com o eleitorado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por exemplo, a drástica redução do investimento e a redução da produção comprometem o futuro de Portugal. Com que mandato é que o

Sr. Primeiro-Ministro as vai realizar quando o PS prometeu, nas suas 100 medidas produzir mais para dever menos?
Há anos atrás o Sr. Primeiro-Ministro clamava contra o «socialismo da miséria». Depois meteu o socialismo na gaveta. Aparece-nos agora à frente de um governo que faz o capitalismo da miséria.

Aplausos do PCP.

O Governo e o Sr. Primeiro-Ministro querem convencer-nos e ao País - e para isso mobilizam toda a propaganda oficial - de que tudo se faz para bem de Portugal. Fizemos a prova de que assim não é, de que a política governamental é extremamente nefasta para Portugal e para os portugueses. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, sempre e em todas as circunstâncias não haverá política para salvar Portugal contra os Portugueses.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, para fechar o debate, o Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me encerrar esta interpelação e faço-o com o respeito que devo à Assembleia e gostosamente.
A posição do Governo durante este debate contrasta, aliás, com a posição do partido interpelante.
O que é que se diria do Primeiro-Ministro ou do Sr. Ministro da Defesa ...

Vozes do PCP: - Esse não está cá! Risos.

O Orador: - O Sr. Ministro da Defesa está ao serviço de Portugal numa reunião da NATO no Canadá, por isso não está cá, ...

Vozes do PCP: - Se calhar está em Granada! Risos.

O Orador: - Mas o que se diria - é bom que se saiba- do Primeiro-Ministro, ou do Ministro das Finanças e do Plano ou do Ministro dos Assuntos Parlamentares se não estivessem presentes - como estiveram - durante todo o tempo nesta interpelação?
Não vimos aqui nesta Assembleia o líder político do partido interpelante.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que o Dr. Álvaro Cunhal é alérgico à Assembleia da República, ...

Aplausos do PS e do PSD.

... conhecemos da sua incapacidade para debater e para dialogar. Sabemos que tem um complexo de inferioridade em relação ao Parlamento ...

Risos do PCP.

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... mas apesar disso não deixarei de registar a sua ausência como uma falta de respeito para com, o Parlamento e para com os eleitores que o elegeram.

Aplausos do PS e do PSD.

A circunstância da ausência do líder do Partido Comunista, o facto de os principais tenores do Partido Comunista não se terem dignado intervir e terem deixado as intervenções de fundo a segundas linhas, aliás simpáticos ...

Risos do PS e do PSD.

... não vai nesta apreciação nenhum desdouro para os próprios - mas de facto segundas linhas nas responsabilidades do próprio partido de fazerem uma interpelação cinzenta, baça, que não vai além das diatribes costumadas, que nós podemos ler todos os dias no Diário ou semanalmente no Avante, essa circunstância poderá querer dizer politicamente alguma coisa. E leva-nos a perguntar qual é o objectivo profundo desta interpelação que se faz ao Governo ao fim de 4 meses ...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Corre tudo bem!

O Orador: -... e se de facto há o desejo de confrontar políticas, de apresentar ou encontrar soluções no quadro parlamentar vigente.
A essa pergunta eu respondo resolutamente que não! Na verdade esta interpelação insere-se no quadro geral da política de desestabilização de sempre do Partido Comunista.

O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Parlamento, como aliás aqui foi dito e não por um membro dos partidos da maioria, serve para o Partido Comunista como uma caixa de ampliação e ressonância dos protestos que procura instrumentalizar, dos protestos de rua, das marchas com bandeiras negras, etc.
Pretende-se efectivamente desestabilizar por desestabilizar, com que fim? Para voltarmos outra vez a um novo PREC? Direi aos Srs. Deputados que não é com protestos, por mais violentos que sejam, não é com marchas, não é com alterações da ordem pública ...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): -Da ordem pública?...

O Orador: - Sim, porque também tem havido alterações e atentados à ordem pública, cortes de linhas, cortes de estradas, ocupações ou tentativas de ocupações de repartições públicas ... Não é assim que se defendem os interesses dos trabalhadores e que se resolve a crise por que o País está a passar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Subjacente à interpelação do PCP assim como às acusações que faz a este ou a qualquer outro governo democrático está uma filosofia política que não privilegia a consolidação do regime mas sim a sua instrumentalização táctica numa perspectiva que não é a de mudança de política ou de mudança de governo mas sim numa perspectiva de mudança de sistema e de mudança de regime.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

É esta a questão de fundo. O PCP acusará sempre este ou outro qualquer governo de que não faça parte, obviamente, de estar a fazer uma recuperação capitalista. O País está habituado a essas acusações desde sempre.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Que injustiça!

O Orador: - Mas a opção que se põe hoje a Portugal, como a todos os países europeus, não é a de escolher entre o capitalismo e o socialismo. A grande opção é entre a liberdade e o autoritarismo, vencer a crise em liberdade ou permitir que a crise destrua a liberdade e abra o caminho ao autoritarismo - que é o que o Partido Comunista deseja.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI, da UEDS e de alguns deputados do CDS.

Risos do PCP.

Tem um significado nacional importante - que eu aliás sublinhei com toda a consciência - a circunstância de nesta interpelação o CDS se ter demarcado claramente do PCP...

Vozes do PCP: - Pudera!!!

O Orador: -... porque de facto compreendeu, e bem!, qual é o objectivo que tem o Partido Comunista com esta interpelação.

Vozes do PCP: - E o Governo também.

O Orador: - Partimos de uma situação de crise aguda de que não somos responsáveis.

Vozes do PCP: - Quem é?

O Orador: - Em relação a essa crise aguda, que é uma crise antes de mais internacional com reflexos em Portugal,...

Vozes do PCP: - Ahhh!...

O Orador: -... foi por mim feito o diagnóstico antes das eleições em Março de 1983. Anunciámos também e antecipadamente às eleições qual era a terapêutica necessária e a terapêutica possível. Não fizemos promessas e apesar disso ganhámos as eleições - talvez por isso mesmo. Construímos uma ampla maioria como dissemos e anunciámos ao País que íamos fazer, porque dissemos desde logo que com uma crise tão grave não era possível governar em minoria. Temos, pois, uma ampla maioria parlamentar e social, ...

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Isso!...

O Orador: - que está a apoiar o Governo através de uma política que foi previamente anunciada e que, portanto, o País conhecia.

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O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Mentira.

O Orador: - Política essa, aliás, que no plano económico tem 3 vertentes que são: o programa conjuntural de emergência - de 18 meses -, o programa de recuperação financeiro-económica - de 2 a 3 anos, e o programa de modernização da economia portuguesa.
O primeiro deste programas age fundamentalmente sobre a conjuntura e os dois segundos sobre a estrutura produtiva.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É a «lusofarmacêutica».

Risos do PCP.

O Orador: - Estamos a trabalhar exactamente como dissemos. Previmos que iam ser pedidos ao povo português sacrifícios e estamos, com coragem, a fazer uma política de austeridade e rigor que implica sacrifícios.
Nenhum governo, ao contrário do que pensam os Srs. Deputados interpelantes, faz uma política restritiva por prazer, ou deixa de dar subsídios quando pode dar por prazer, ou deixa crescer o desemprego por prazer, ou deixa crescer a inflação por prazer, ...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Ou os lucros por prazer.

Risos do PCP.

O Orador: -... mas nós sabíamos que, nas condições objectivas em que se encontrava o nosso país, não era possível fazer, a curto prazo, durante a conjuntura, outra política.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Falso!

O Orador: - Não vejo, pois, como é que os Srs. Deputados interpelantes podem estranhar o política do Governo. Muito menos me parece que seja legítimo que ao fim de menos de 4 meses venham de novo - como, aliás, o quiseram fazer desde o primeiro dia - tentar pôr tudo em causa. Não é legítimo pedir resultados definitivos a nenhum governo ao fim de 4 escassos meses de governação.
Quando os resultados de uma política económica, conjuntural mais rápida e estrutural mais tenta, se contam não por meses, mas sim por anos. Para suprir vitoriosamente a crise este governo ou qualquer outro - escuso de lhes lembrar que estamos perante um governo legítimo e democrático, que conta com apoio parlamentar e social vasto - precisa de tempo, de estabilidade política e social. Isto é precisamente aquilo que o PCP pretende que não haja em Portugal. Contudo, é preciso a confiança dos agentes económicos. Toda a gente sabe isto.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - E o desemprego?

O Orador: - A situação de que partimos é, obviamente, muito difícil e conhecida. Estávamos na ameaça de um ruptura financeira, de bancarrota. Nunca ninguém no PCP contestou este facto. Em consequência desta crise financeira estávamos perante a ameaça da paralisação da vida económica, com tudo o que isso representa de sacrifícios, esses sim, inenarráveis para a população, se tal ruptura viesse a acontecer.
Estávamos na ameaça de que o País se tornasse ingovernável - este é o termo certo - em termos de democracia.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Falso!

O Orador: - De 1981 a 1982, o défice da balança de transacções correntes subiu de 11,5% para 14% do produto interno. Era o mais elevado de todos os défices dos países da OCDE e um dos maiores do mundo. A dívida externa duplicou em 3 anos. Em 1982 o peso...

Vozes do PCP: - De quem é a culpa?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Tudo isso aconteceu por causa da vossa política!

O Orador: - Oiçam com calma!

Estava a dizer que o peso dos juros da dívida é de cerca de 5% do produto nacional. O défice da balança de transacções correntes em 1982 foi de 3200 milhões de dólares. Este governo vai reduzir este défice para menos, porventura, de 2 biliões de dólares.
A parte da receita orçamental absorvida pelos juros da dívida pública passou de 19,3% em 1980 para 37,3% em 1983. A continuar assim, como é que os Srs. Deputados pensam que se poderá governar, em termos de democracia, este país?
Daí a necessidade imperiosa e patriótica -que ninguém com bom senso e com sentido das responsabilidades pode negar - de agir imediatamente sobre a conjuntura, sobre a redução dos défices e de conter a despesa interna, quer o consumo, quer o investimento.
Haveria seriamente outra política conjuntural possível? Ninguém se atreve, por mais que o PCP fale no aumento da produção -que não pode surgir a curto prazo -, a dizer. Aliás, temos todos os exemplos europeus, como sejam a Espanha, a Itália e da própria França. Esta, por exemplo, está a fazer a política de rigor e de austeridade que está a fazer o Governo português, com a presença no seu Governo de ministros comunistas. Não me consta que estes ministros comunistas estejam a denunciar essa política do Governo francês.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

É óbvio - e constatámo-lo na Cimeira de Atenas -: que os socialistas não gostam, nem têm vocação, para fazer políticas restritivas. Seria muito mais agradável para o PS não ter tido, por mandato popular - o mesmo sucedendo ao PSD -, a obrigação patriótica de vir tentar salvar o nosso país.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Isso era se fossem socialistas, mas não são!

O Orador: - Ë isso o que estamos a fazer com rigor e com consciência.

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Como, jogando com facilidade e com os inevitáveis descontentamentos que surgem naturalmente nas pessoas atingidas, nos vêm pedir simultaneamente para reduzir os défices e, ao mesmo tempo, manter ou aumentar os subsídios às empresas em dificuldades, de modo a estas poderem pagar salários, de que o Estado não tem responsabilidade? Como é que nos pedem ao mesmo tempo a contenção da inflação e o aumento do emprego? Onde é que na Europa, do ocidente ou do leste, foi feito um tal milagre? Certamente que ele não surgiu nos países do leste europeu.
Agora que os Srs. Deputados comunistas disseram com tanta ânsia e tanto ênfase que era vergonhoso o acordo com o FMI, pergunto se classificam da mesma maneira o acordo que foi feito entre o mesmo Fundo Monetário Internacional e a Jugoslávia ou os contactos que a Hungria, a Checoslováquia e a Roménia - para não falar na Polónia -, têm com o FMI.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O que nos interessa é Portugal!

O Orador: - Já sabemos que é Portuga] que interessa e que os países não interessam nada, porque os Srs. Deputados têm vergonha deles - e é natural que tenham.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS, da ASDI e de alguns deputados do CDS.

Que fez até agora, em 3 meses de árduo trabalho, o Governo? Fez somente esta «insignificância» - digo insignificância com ironia, apesar de não gostarem da ironia, como se viu após o discurso brilhante do Sr. Ministro Almeida Santos - ...

Risos.

... evitou a ruptura financeira, evitou situações de paralisia da nossa economia e, portanto, evitámos a fome, de que os Srs. Deputados falam. No Fundo de Desemprego estão apenas inscritos 40 000 trabalhadores e os Srs. Deputados ainda não foram capazes de fazer uma grande manifestação de desempregados. Estamos à espera dessa manifestação de desempregados.
O Governo evitou a fome, evitou as bichas, evitou os racionamentos.
Eu sei que os senhores estão mais ou menos habituados a esse tipo de coisas, particularmente às bichas e aos racionamentos e às lojas onde se paga com divisas estrangeiras e a que não têm acesso os nacionais.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, olhe que isso é primário!

Uma voz do PCP: - Essa é velha!

O Orador: - Restabelecemos, portanto, o crédito externo de Portugal e os senhores que, com certeza, lêem revistas da especialidade, sabem que é assim.
Pela primeira vez desde 1974 (e não é pequena coisa - diga-se entre parêntesis) um governo apresentou a este Parlamento, a tempo e horas, o OE para 1984 e apresentou também ao Conselho Nacional do Plano as Grandes Opções para o Plano de 1984.
Definimos uma política conjuntural e uma política estrutural que estamos a aplicar.
Claro que estamos perante uma política de austeridade, mas, neste caso, a austeridade é condição de esperança.
O Sr. Deputado Carlos Brito falou da escravidão pelas dívidas.
Eu penso que há outras escravidões bem piores e que essa das dívidas não representa uma escravidão.
O que seria grave e uma escravidão para o Pais era que Portugal não tivesse crédito, era que Portugal quisesse satisfazer os seus compromissos internacionais e não tivesse capacidade para encontrar financiamento, como estivemos em risco de isso acontecer.
Aliás não era possível encontrar em outras instâncias internacionais o crédito de que tínhamos necessidade. Houve aqui um deputado que nos fez essa pergunta: «Por que é que não foram a outro sítio para além do Fundo Monetário Internacional?»
Quem lhe diz, Sr. Deputado, que não se exploraram todas as vias possíveis para corresponder às necessidades de tesouraria do Banco Central?
No mercado internacional?
Seria o COMECOM que nos ia dar os fundos que ele próprio não tem para dar aos países de Leste?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Pergunte ao Dr. João Salgueiro!

O Orador: - Sim, ele poderá perfeitamente responder que isso não era possível para além do Fundo Monetário Internacional.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Depois de o ter acusado de ter deixado o País de rastos!

Risos do PCP.

O Orador: - Mas o que devo dizer aos Srs. Deputados comunistas é que não estamos aqui no Governo a esconder-nos atrás do biombo do Fundo Monetário Internacional.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Têm o rabo de fora!

O Orador: - A política que estamos a aplicar é a nossa própria política, definida conjunturalmente antes do acordo com o Fundo Monetário Internacional.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Leia-se a Carta!

O Orador: - E pensamos que essa política é a única possível, a única patriótica e estamos dispostos a discuti-la com qualquer autoridade deste país ou do estrangeiro.
Aliás os casos são conhecidos, e tantos eles são - quer de países europeus como a própria Itália, um país que tem mais de 30 anos de democracia, como o Brasil, o México e tantos outros exemplos - que nos

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mostram que as realidades económicas, e sobretudo estas, não se modificam com voluntarismos ou com discursos ideológicos.
Somos, evidentemente, por uma nova ordem económica internacional e gostaríamos muito que as realidades económicas internacionais fossem diferentes daquelas que são. Mas uma coisa são os nossos desejos e outra coisa são as realidades e quem está, responsavelmente, à frente de um país tem de jogar com as realidades, defender o interesse nacional e defender o interesse dos Portugueses.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Aliás, em 1978 fizemos com êxito a mesma política, que foi, na altura, muito atacada mas depois compreendida.
Mas também posso dizer que nessa altura tínhamos muito melhores condições de base, objectivamente muito mais favoráveis, do que as que temos agora.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Perderam l milhão de votos logo a seguir!

O Orador: - Simplesmente, depois do elogio geral dos técnicos responsáveis, a instabilidade política e social que se abriu, não por nossa culpa - e um dia apurar-se-ão essas responsabilidades -, no final e pela queda do II Governo Constitucional, conduziu-nos de passo em passo à situação em que hoje nos encontramos.
E a minha pergunta é muito simples: Querem os Srs. Deputados repetir o mesmo esquema?
Quer de novo o PCP que voltemos ao esquema das paragens e dos aceleramentos sem controle da economia nacional?
Cada crise governamental custa ao País um atraso de muitos anos e quem paga esses atrasos e essas crises, que os senhores desejam provocar, são os trabalhadores portugueses. São eles que vão pagar e isso é terrível para um partido que se reclama de defensor dos interesses dos trabalhadores.
Daí, eu faço um apelo muito responsável à responsabilidade e ao patriotismo, porque Portugal, em termos democráticos, não aguenta a instabilidade política e social em que estamos a viver, em que temos vivido e em que os senhores querem que continuemos a viver.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Há, obviamente, quem jogue na ruptura política e institucional portuguesa.
Felizmente uma certa direita saudosista, que se manifesta em certa imprensa e joga claramente nessa ruptura política e institucional, não encontrou eco nesta Assembleia.
E felicito-me por isso, porque a política da terra queimada, a política do quanto pior melhor e a política da sabotagem do regime democrático não leva nem augura, para o nosso povo, nada de bom.
Mas o que é extraordinário é que o Partido Comunista também joga na desestabilização e, objectivamente jogando na desestabilização como joga, está a fazer o jogo da extrema-direita revanchista em Portugal.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Partido Comunista não desiste do seu modelo colectivista que foi rejeitado pela maioria esmagadora do povo português em sucessivas eleições.
Os ataques contra a legalidade, os cortes de estradas, os sequestros de barcos e de outras instalações fabris não resolvem nada para os trabalhadores.
Não é gritando na rua, não é com marchas de fome ou paralisações que se aumenta a produção ou que se resolvem os problemas dos trabalhadores.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Nem com polícias, Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - A maneira de resolver os problemas dos trabalhadores, Srs. Deputados comunistas, é, em primeiro lugar, trabalhando, em segundo lugar dialogando, em terceiro lugar negociando com todos e em quarto lugar organizando a produção em novos moldes.
Não estamos apenas a agir para modificar a conjuntura depressiva. Interessa-nos também modificar a estrutura, e muitas vezes a crise e o ataque à crise possibilitam, porventura, modificações qualitativas.
Estamos no limiar da terceira revolução tecnológica, e o nosso país tem de se abrir a essa revolução da modernidade e a essa revolução tecnológica. Mas, atenção: o nosso modelo económico-social é um modelo europeu ocidental, é um modelo de uma economia aberta, o que significa participação, concertação, descentralização e critérios de responsabilização dos gestores e do sector público; o que implica luta contra a burocracia e defesa da concorrência e do espírito de concorrência entre sectores económicos fundamentais. Os fracassos dos modelos colectivistas e burocráticos no mundo é suficientemente grande e trágico para que nós não possamos voltar a esses modelos.
Na estrutura e nas modificações da estrutura indicou o Sr. Ministro das Finanças e do Plano a reorganização do sistema de crédito, o reequilíbrio do sector empresarial do Estado, o desenvolvimento regional e a internacionalização da economia portuguesa visto que a nossa economia é uma economia aberta que depende do Mundo no qual estamos inseridos e, acima de tudo, obviamente, da CEE.
A política de concertação tem de prosseguir e é indispensável que os representantes dos sindicatos, bem como os representantes do patronato, não se fechem numa atitude meramente negativista e possam eles próprios entrar nessa concentração.
Vou terminar visto que já está na hora, Sr. Presidente.
A interpelação do PCP resultou num verdadeiro fracasso. Foi talvez a mais baça e a mais vazia de todas as interpelações a que já assisti neste Parlamento - e suponho que assisti a todas.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Essa já estava escrita há 15 dias!

O Orador: - A exploração das dificuldades - e das dificuldades que existem realmente - pode tocar certos descontentes, pode ser fácil explorar os ressentimentos ou os descontentamentos, mas essa exploração das dificuldades, Srs. Deputados comunistas, não

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constitui por si só uma alternativa política. O PCP não tem credibilidade nacional nem força política eleitoral para apresentar uma alternativa.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se por absurdo viesse a ser governo ou a participar num governo - o que não me parece possível no quadro parlamentar actual -, seria caso para perguntar que política ia preconizar o PCP: faria mais nacionalizações? Fechava o País ao exterior? Afugentava de novo, como em 1975, os quadros e os técnicos? Paralisava os investidores? Reduzia a zero, como em 1975, o turismo? Assustava os emigrantes, que deixavam de enviar as suas remessas para Portugal?
O drama do PCP é que não é capaz de fazer simultaneamente a revolução dos seus sonhos, a qual está obviamente desajustada na Europa e no Mundo de hoje em plena revolução tecnológica, e, por vícios antigos de sectarismo - que, aliás, se revelaram neste debate -, não é capaz de ter uma vivência democrática e aceitar uma sociedade aberta e plural como aquela que nós estamos a construir.
O Governo está pois a trabalhar na conjuntura - e vai continuar a trabalhar - para modificar a estrutura produtiva portuguesa, recuperar a economia, modernizar o Estado e a sociedade.
É óbvio que é muito difícil o desafio e que importa quebrar o círculo vicioso da expansão seguida da retracção por razões de balança de pagamentos.
É difícil o desafio, mas é um desafio que implica, acima de tudo, patriotismo, bom senso, muito diálogo e muita paciência.
Pelo lado do Governo estamos disposto, como aqui demonstrámos nesta interpelação, a dialogar, mesmo que nos pareçam injustos, obtusos e com certeza obsoletos os pontos de vista defendidos. Pode discutir-se o ritmo, a selectividade das políticas e as medidas tomadas em concreto, mas o que não parece ser possível discutir, em termos sérios, é o sentido geral da política de fundo que o Governo está a praticar ao serviço da Nação.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Isso é mistificação!

O Orador: - E esta política é a única que permite, por um lado, fazer face à crise e, por outro, consolidar o regime democrático e pluralista em que queremos viver. Ê uma política que, apesar dos aproveitamentos que se pretendem fazer, tem a compreensão da grande maioria dos trabalhadores, bem como dos homens de boa-vontade e de recta consciência deste país.
Governamos porque temos um mandato. popular e legítimo para o fazer; governamos com autoridade mas sem autoritarismos; governamos abertos aos diálogos e às críticas legítimas da oposição ou de todas as oposições; governamos sobretudo porque temos amor a Portugal e queremos contribuir para salvar Portugal.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDL

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou a palavra ao Sr. Secretário da Mesa que vai dar conta de alguns documentos que entraram na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Chegaram à Mesa alguns relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, que irei passar a referir.
Um parecer no sentido de autorizar a perda de imunidade aos seguintes Srs. Deputados: Morais Leitão, para comparecer no 9.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa; José António Reis Borges, para comparecer no 15.º Juízo Cível de Lisboa, e João Gomes de Abreu Lima, para comparecer no Tribunal Judicial da Câmara de Vila Nova de Famalicão.
Outro parecer no sentido de denegar autorização ao Sr. Deputado João Joaquim Gomes, para comparecer no 8.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, ao Sr. Deputado Raul Rego, para comparecer no 5.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e ao Sr. Deputado João Gomes de Abreu Lima, para comparecer no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde.
Ainda um relatório e parecer no sentido de considerar justificadas as faltas dadas nos dias 6 e 7 de Dezembro do ano findo pelo Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão estes relatórios e pareceres.

Pausa.

Não havendo - inscrições, vamos votar.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Deu entrada na Mesa e foi admitido um voto de protesto, apresentado pelo MDP/CDE, sobre a invasão do território de Granada por forças militares dos Estados Unidos e de alguns países das Caraíbas.
Deram ainda entrada na Mesa os seguintes projectos de lei: n.º 228/III, apresentado pelo Partido Socialista, sobre a criação da freguesia de Porto Covo, no concelho de Sines; n.º 229/III, apresentado também pelo Partido Socialista, sobre a elevação de Riachos a vila, no concelho de Torres Novas, distrito de Santarém e n.º 331/III, apresentado pelo Partido Social-Democrata, sobre a constituição do Concelho Mundial das Comunidades Portuguesas.
Srs. Deputados, por deliberação tomada na reunião dos presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares, foi decidido que os dias de amanhã, sexta-feira desta semana e quarta-feira da semana próxima serão destinados à reunião das comissões.
Se se considerar necessária a reunião de qualquer comissão na próxima segunda-feira também há autorização para tal.
Convoco uma reunião dos presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares para as 17 horas da próxima quarta-feira.
O Plenário reunirá no dia 3 de Novembro, às 15 horas, com período de antes da ordem do dia, sendo a mesma fixada na reunião que acabo de convocar. Esta reunião terá em vista agendar a lei do enquadramento orçamental e a lei quadro dos municípios, se entretanto chegarem os pareceres das respectivas Comissões.

Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 50 minutos.

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Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

João Joaquim Gomes.

Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel Santos Magalhães. Maria Odete Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida. João da Silva Mendes Morgado.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa. António Gonçalves Janeiro. Avelino Feliciano Martins Rodrigues. Nelson Pereira Ramos. Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Augusto Lacerda de Queiroz. Cecília Pita Catarino. Fernando José Alves Figueiredo. José Angelo Ferreira Correia. Rogério da Conceição Serafim Martins. Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira. António José Monteiro Vidigal Amaro.

Centro Democrático Social (CDS):
Luís Filipe Paes Beiroco.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.

Respostas do Governo a algumas perguntas do PCP,
enviadas à Mesa para publicação

1.ª pergunta

Num país com elevados défices da balança comercial, como pode o Governo explicar o compromisso que assumiu perante o FMI de liberalizar importações, obrigando-se designadamente a não introduzir novas restrições e a diminuir as existentes, quando é certo que os próprios acordos do GAT as permitem? Para um país com elevados défices da balança comercial, não é isto a escravidão pela dívida?

Resposta

De harmonia com o seu programa e em consonância com a filosofia política que lhe é subjacente, o Governo propõe-se (e está a conseguir) obter melhorias na área das suas contas externas, através do

prosseguimento de políticas adequadas nos domínios monetários, cambial, orçamental, fiscal e de rendimentos e preços.
Concretamente, não está nas intenções do Governo a introdução de novas restrições quantitativas à importação e, no concernente à sobretaxa, estudos oportunamente realizados no Ministério das Finanças e do Plano conduziram à conclusão de que o objectivo a prosseguir com a sua implementação será melhor e mais facilmente atingido se o nível da sua principal taxa se situar nos 10 % ao invés dos 30 % em vigor, desde que a redução em apreço vá de par com os necessários ajustamentos na tramitação administrativa dos processos, reduzindo, na medida do possível, o volume de trabalho burocrático.

2.ª pergunta

Sendo certo que a política de redução brutal do investimento (formação bruta do capital fixo) em todas as formações económicas não permite qualquer modernização estrutural da economia e que tal política aumenta a dependência externa em bens de investimento, é ou não inevitável que qualquer relançamento, no futuro, do investimento a médio prazo vai obrigar a maiores importações, e, afinal, a maiores défices externos?

Resposta

A redução do investimento é um dos instrumentos usados na política conjuntural de ataque ao défice da balança de transacções correntes, na medida em que a componente importada é, em geral, bastante elevada. Dessa política só poderão resultar as consequências sugeridas na questão se a redução incidir sobretudo em sectores produtores de bens de equipamento. Ora, esses sectores têm, nesta altura, capacidade excedentária, pelo que não faria sentido canalizar para eles novo investimento.
Deste modo, a redução prevista não aumenta a dependência externa futura em bens de investimento. Aliás, a redução de FBCF pode ser feita - e vai ser feita - com um esforço paralelo de maximização de encomendas à indústria nacional produtora de bens de equipamento. E isso é tanto mais possível quanto é certo que a maior redução ocorrerá nos investimentos do sector público administrativo, predominantemente compostos por encomendas à construção civil. O programa de investimento do sector empresarial do Estado, se dele retirarmos os investimentos da TAP (sem impacte na indústria portuguesa) crescerá, em termos nominais, cerca de 22,4 %, pelo que é possível não reduzir em 1984, as encomendas à indústria nacional produtora de bens de equipamento.
E evidente, em consequência, que o relançamento do investimento pode originar, no futuro, algum aumento do défice comercial, mas não como resultado directo da redução prevista para 1984.

3ª pergunta

Sendo certo que da política de maiores restrições ao crédito, de novos aumentos das taxas de juro e da redução acentuada da actividade económica vão resultar necessariamente dificuldades económicas e

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financeiras acrescidas para muitos milhares de empresas fortemente endividadas, é ou não inevitável que vai subir em flexa o número de falências? Tem o Governo algum cálculo sobre o número de falências que vai conseguir com essa política? E tem alguma ideia sobre o volume de efeitos negativos que essas falências vão ter sobre a situação da banca?

Resposta

à primeira questão, aumento de número de falências, responde o Governo pela positiva, mas sem o pessimismo da subida em flexa.
De qualquer modo, e ainda sobre este tema, é necessário deixar bem claro que as falências perspectivadas incidirão mais sobre empresas degradadas
mesmo quando os limites de crédito estabelecidos (e estamos neste regime vai para 6 anos) não eram cumpridos com necessário rigor, quando as taxas de juro eram mais baixas e se proeurou, artificialmente, implementar uma política desenvolvimentista.
As falências de empresas a que viremos a assistir serão consequência inevitável dessa situação degradada, salvo se o Governo, irrealisticamente, as mantiver em actividade através de malabarismos financeiros. Responsavelmente não o faremos. Responsavelmente não permitiremos que recursos escassos continuem a ser desperdiçados em empresas que não são viáveis, mas tudo faremos para manter em laboração normal as empresas viáveis, assegurando o maior número de empregos.
À segunda questão que não se afigura bem formulada, responde o Governo que na sua prática política o número de falências não faz parte dos seus objectivos, ao contrário do que, como é sabido, já aconteceu em Portugal em ocasiões anteriores, designadamente quanto a tentativas de destruição da iniciativa privada. O Governo não pretende conseguir um determinado número de falências com a sua política, mas sim reduzir ao mínimo o número de falências de empresas que, devido a práticas inadequadas (algumas remontando a 1975) se encontram em situação difícil.
Quanto à terceira questão, a banca tem constituído provisões, e continuará a fazê-lo, para fazer face a uma situação que, repito, conduzirá a falências.
Haverá, como compete a um Governo responsável, a prudência de ajustar a evolução das duas variáveis, por forma a que a segurança e solidez do sistema bancário não sejam minimamente afectadas.

7.ª pergunta

Exigindo a satisfação dos interesses das populações, o reforço do poder local e o respeito pela sua autonomia, garantida pela constituição, como explica o Governo o compromisso que assumiu com o FM1 de obrigar as autarquias locais a «apresentarem pontualmente relatórios trimestrais ao Governo Central»? E como explica que, na proposta de Orçamento reduza para 17 % - e contra o disposto na lei - a percentagem de receitas que pretende transferir para as autarquias e lhes entregue novas competências sem os meios financeiros para as concretizar adequadamente? Como compatibiliza esta política de ataque à autonomia do poder local e de restrição dos seus

meios financeiros com as necessidades de desenvolvimento regional, parte integrante do desenvolvimento nacional?

Resposta

Ao contrário do que se diz na pergunta do PCP a proposta do Orçamento não reduz para 17 % a percentagem das receitas que o Governo pretende transferir para as autarquias locais.
A proposta do Orçamento eleva para 17 % essa transferência.
Como os Srs. Deputados Comunistas bem sabem, porque o escreveram e o disseram sistematicamente nos últimos anos, a percentagem das receitas das autarquias locais calculadas na base das despesas do Estado e de acordo com o artigo 8 º da Lei n.º 1/79 (incluindo portanto nas rubricas aí indicadas as remunerações certas e permanentes), dava em anos anteriores transferências para as autarquias locais valores que se situavam abaixo dos 10 % das despesas da administração central.
O Governo agora inclui as despesas com o pessoal nesse cálculo, como é do conhecimento geral, pois tal consta do projecto de revisão da Lei das Finanças Locais que está em circulação pelas câmaras há mais de 15 dias, e onde para evitar interpretações - equívocas - este aspecto foi aí claramente expresso. Pois bem, apesar do Governo agora incluir esta parcela, cujo valor atinge quase os 200 milhões de contos, as receitas dos municípios passam a representar 17 % das despesas da administração central, ou seja, as receitas dos municípios praticamente duplicam de 1983 para 1984.
Depois os senhores afirmam textualmente no novo projecto que o Governo «lhes entrega - às autarquias - novas competências sem os meios financeiros para os concretizar adequadamente».
Não é verdade.
O Governo garante que as novas competências que em 1984 vão ser transferidas para os municípios terão a necessária cobertura financeira. Todas as verbas inscritas no Orçamento do Estado para este fim, serão transferidas do orçamento da administração central para o das autarquias, recebendo cada câmara municipal exactamente as mesmas verbas que aos equipamentos do município se destinavam, se não tivesse havido descentralização.
O que o Governo faz em 1984 é dar o primeiro grande passo no sentido da descentralização. Com cuidado, e com apoio técnico e financeiro garantido. Vejamos se o Partido Comunista se vai arvorar agora em «Velho do Restelo» da descentralização e ao contrário do que apregoa segue afinal também aqui a política dos países comunistas e na prática advoga a centralização absoluta.
Finalmente perguntam como o Governo compatiliza o apoio às autarquias com a restrição dos meios financeiros. A resposta é esta: o Governo optou por reforçar o mais que foi possível a capacidade financeira dos municípios e enquanto as despesas da administração central na generalidade se reduzem ou mantêm e o próprio PIDDAC baixa em valor absoluto, de 1983 para 1984, de 64 para 58 milhões de contos, o Governo apostou nas autarquias e ao contrário dos outros sectores, aumentou as suas receitas quer através do reforço do Fundo de Equilíbrio Financeiro quer através das novas competências.

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Quanto ao 1 º ponto da pergunta, estive a ler a Carta de Intenções do FMI e o que o PCP diz é textual.
Dou-lhe aqui uma tentativa de interpretação.
A administração central tem vindo desde há bastantes anos a acompanhar a situação financeira dos municípios, tendo-se publicado desde 1976 relatórios onde se estudam e analisam, à semelhança do que se faz no Conselho da Europa, as receitas e despesas correntes e de capital dos municípios.
Para isso consultam-se além das contas de gerência, relatórios trimestrais elaborados pelas câmaras municipais que são tratados pelas comissões de coordenação regional e posteriormente globalizadas nos serviços centrais do MAI.
Acontece que nem todos os municípios têm em dia o fornecimento destes dados.
Pretende-se agora tão-somente tentar regularizar esta actuação.

9.ª pergunta

Como explica o Governo o facto de manter congelado o empreendimento do Alqueva, de inegável interesse nacional?

Resposta

O programa do Governo previa no seu ponto 3.2.2.13 a tomada de uma decisão a curto prazo sobre e projecto hidroagrícola do Alqueva.
Tal como ficou claro, quer no programa, quer na sua discussão, a tomada de decisão sobre os grandes projectos seria feita até ao final de 1983.
Por despacho de 12 de Julho do Secretário de Estado da Energia foi mandado preparar no prazo de 90 dias, informação actualizada sobre o projecto hidroeléctrico, prazo que foi cumprido.
Prevê o Governo que tendo sido entretanto também avaliado o projecto hidroagrícola, possa, tal como se comprometeu, tomar antes do final do ano uma decisão já agendada, aliás para um dos próximos Conselho de Ministros.

11.ª pergunta

Sabendo-se que Portugal, país com elevada capacidade de construção naval, gasta por ano 80 milhões de contos em divisas para pagamento de fretes a navios estrangeiros, não é uma política claramente contra os interesses nacionais continuar a privilegiar a utilização da frota estrangeira em vez de investir na construção de uma marinha mercante adaptada às necessidades do nosso comércio externo, viabilizando e incrementando simultaneamente o sector da construção naval nacional?

Resposta

A penúltima das 12 perguntas entregues pelo PCP e consideradas como essenciais pode resumir-se assim. Perante um défice de 80 milhões de contos na balança dos transportes marítimos vai o Governo investir na construção de uma marinha mercante adaptada às necessidades viabilizando e incrementando o sector da construção naval nacional ou não!
Eu podia responder muito simplesmente que a pergunta está respondida «se os Srs. Deputados se derem ao trabalho de ler as pp. 37 e 38 das Grandes Opções do Plano para 1984» que foram elaboradas e entregues

pela primeira vez em tempo oportuno. É assim extemporâneo na interpelação discutir esta matéria visto que terá lugar em tempo oportuno durante a discussão das grandes opções com maior pertinência a partir de uma posição definida pelo Governo e não do zero como agora.

É evidente que o Governo pretende inverter esta situação mas terá de limitar o conjunto das actuações enumeradas no decurso de 1984 pelas restrições impostas pelas disponibilidades financeiras no quadro geral do programa de gestão conjuntural de emergência.

Mas parece-me importante acrescentar algo mais para caracterizar onde estão as dificuldades porque a pergunta está formulada de modo que parece que se não se faz de imediato nada porque se não quer ou se não sabe.

A primeira decisão que se tomou em Agosto deste ano em Conselho de Ministros visa concluir os 3 graneleiros cujo fabrico se iniciou em 1978 na SETENAVE por decisão do II Governo Constitucional e que se encontram bloqueados a cerca de 50 % da sua construção e cujo destino é a CNN.

Estes graneleiros estão contratados por 23 milhões de dólares cada um, isto é envolvem um investimento global de cerca de 9 milhões de contos, mas implica que se atribua um subsídio de 3 milhões de contos ao estaleiro para cobrir os seus custos e se possa pôr à disposição da CNN um financiamento a 10 anos com taxas da ordem dos 8 % como as que obtêm no mercado internacional.

A crise da construção naval é mundial e todos os países subsidiam os estaleiros, mas os nossos recursos são escassos. No mercado internacional, designadamente no Japão, poder-se-ia adquirir navios desta dimensão por 16 em vez de 23 milhões de dólares beneficiando dos financiamentos japoneses aos estaleiros.

O problema é importante, complexo e não simples
como a pergunta parece induzir; o problema está a ser equacionado na sua globalidade desde Agosto pelo Governo para o conjunto do sector da marinha prevendo-se a curto prazo e a partir da celebração de contratos a prazo entre o armamento e os grandes importadores e exportadores do sector público definir uma estratégia global para a reconversão da marinha mercante.
15to permitirá arrancar para um futuro mais seguro mas as empresas designadamente a CTM e a CNN estão numa situação financeira gravíssima visto que dispõem de uma frota «inadequada» e acumulam prejuízos de tal montante que impedem o seu relançamento imediato como seria de desejar.
Só a CTM tem actualmente 19 milhões de contos de passivo e, se não fosse o impacte positivo que a marinha do comércio pode ter no equilíbrio do défice com o exterior, não haveria de facto solução para estas empresas de capital intensivo.
A nacionalização destas empresas foi de uma total irracionalidade económica visto que estas apresentavam já sérias dificuldades económicas, com uma frota ancilosada e uma situação financeira calamitosa.
Salvaram-se, com as nacionalizações das mesmas, apenas os seus accionistas de assumir as suas responsabilidades, e trouxe-se para o Estado um ónus de dimensões insuportáveis.
O lançamento nessa ocasião de uma nova empresa no «sector público» a partir do mercado dos transpor-

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tes do referido sector teria permitido, com as verbas já despendidas até agora, dispor hoje de uma marinha do comércio moderno com reflexos largamente positivos na balança com o exterior e com a absorção total dos trabalhadores do sector sem os ter conduzido como hoje a uma situação de salários em atraso ou desemprego.

12.ª pergunta

Apesar da riqueza inegável das costas portuguesas, importa-se mais de 14 milhões de contos de pescado por ano.
No entanto, as empresas de pesca, designadamente as nacionalizadas encontram-se paralisadas e assiste-se mesmo a manobras tendentes a desmantelar essas empresas como sucede por exemplo na SNAPA e na Companhia Portuguesa de Pescas.
Não é uma política claramente lesiva dos interesses nacionais condenar à degradação a nossa frota em vez de apoiar o desenvolvimento das empresas nacionalizadas, privadas ou cooperativas, resolver as graves dificuldades económicas que põem em risco a sua sobrevivência e criar as condições para um aumento de produção nacional?

Resposta

A riqueza inegável das costas portuguesas tem de ser preservada se queremos que os nossos netos possam contar com essa riqueza para a sua sobrevivência. Toda a gente sabe que tivemos de reduzir o esforço global de pescas na nossa costa para conseguir tal objectivo e que só no exterior poderemos aumentar as capturas para reduzir o pescado importado.
É nesse sentido que temos trabalhado.
O contencioso com a Mauritânia está desbloqueado, e até ao fim do ano deve ser possível definir com rigor as condições em que se poderá voltar a pescar naquelas águas.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros irá até ao fim do ano a Marrocos levando na agenda também o problema da consolidação do nosso acordo de pescas e a introdução de melhorias nas condições de trabalho naquela região para as nossas frotas. Prosseguem contactos com o Canadá e os EUA e com a Guiné, Moçambique e Angola.
A CPP e a sua frota só poderão ser utilizadas fora das nossas águas e o acordo com a Mauritânia vai permitir o seu primeiro arranque.

Resposta do Governo a afirmações contidas na intervenção
do deputado Nunes de Almeida (PCP), enviada à Mesa
para publicação.

Produziu o Sr. Deputado José Manuel Maia deputado do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, na sua longa intervenção acerca da LISNAVE, afirmações que o Governo entende dever esclarecer.
A LISNAVE é uma empresa de direito privado onde o Estado possui uma participação indirecta de 24 %, através da soma das participações da SOPONATA (sociedade de economia mista), e do IPE, S. A. R. L., (sociedade de capitais públicos), não sendo, ao contrário do afirmado, o maior accionista e muito menos o accionista maioritário.

O relacionamento do Governo com a empresa processa-se portanto nos moldes do que se verifica com as restantes empresas participadas e nos estritos termos da lei.

Como a LISNAVE, pela sua dimensão e relevância do sector em que se insere a sua actividade, tem grande impacte na economia, o Governo tem seguido atentamente a evolução dos seus problemas nos campos económico, social e financeiro.
Quando em Junho-Julho passados as ORTs, dominadas no seu órgão executivo, por forças conotadas com o partido interpelante, perfeitamente conhecedoras da situação de crise económica e financeira da empresa, entenderam desencadear formas de luta selvagens e ilegais, criando no estaleiro condições de terror sobre a maioria dos trabalhadores, o Governo, que pacientemente aguardara por uma solução do conflito, foi forçado a intervir, para cumprimento da deliberação dos tribunais, criando as condições para a saída dos estaleiros do navio tanque Doris, aí retido ilegalmente.

Essas acções foram, pelo menos, contra a vontade dos trabalhadores que retiraram o navio Doris das docas e que, na fase seguinte, foram ameaçados e até ofendidos na sua integridade física.

A politização do conflito e a sem-razão da sua continuação ficou provada a partir do momento em que os representantes das ORTs que assinaram o acordo com a administração sob a égide do Ministério do Trabalho e da Segurança Social vêm no dia seguinte atacá-lo e fazê-lo rejeitar em plenário de 2000 trabalhadores com 100 votos a favor, nenhum contra e nenhuma abstenção.

Tendo, em resultado da intervenção prudente do Governo, sido reposta a legalidade democrática, vêm dias depois, os mesmos representantes, assinar com as mesmas entidades um protocolo de acordo em condições mais penosas para os trabalhadores. Acordo que deturparam ao inventar um inexistente período de tréguas de 3 meses, que explicará, entre outras coisas, porque nunca até hoje divulgaram os seus termos aos trabalhadores da LISNAVE.

Por outro lado, será pertinente afirmar-se que, a adicionar à real crise do mercado que já obrigou todos os estaleiros de reparação naval da Europa à reconversão, a ausência acrescida de navios para reparar durante os últimos meses, também se deve à falta de confiança dos armadores na estabilidade laboral da LISNAVE.

É ainda pública a posição assumida pelas ORTs em se recusarem a prestar, conjuntamente com a administração, garantias perante os clientes, que casos como os do Doris se não repetirão.
O problema da LISNAVE é infelizmente mais complexo e de maiores consequências do que o que resulta da análise simplista do Sr. Deputado.
A diminuição do mercado como consequência da crise energética e da recessão mundial que se lhe seguiu é um facto. A tentativa de ignorá-lo, quer por parte dos governos anteriores, quer por parte dos representantes dos trabalhadores, e ainda agora por parte do Partido Comunista Português, não resolveu, antes avolumou, as suas consequências para a economia nacional, estando este Governo empenhado em ultrapassá-las.
A resolução do problema da LISNAVE tem porém de se inserir no âmbito mais vasto da política econó-

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mica global prosseguida pelo Governo, que rejeita intervenções precipitadas ou irrealistas.
Em local próprio, e dentro das regras estabelecidas pela lei, está sendo analisada a actuação global e coerente, de apoio à empresa, que se reconhece relevante para um sector em situação económica difícil e para a economia nacional, e a prazo curto o País tomará conhecimento, pelos órgãos competentes da Administração Pública, das soluções encontradas.
Soluções que inevitavelmente representarão para todos os parceiros sociais envolvidos sacrifícios pesados, por ter chegado ao fim o período das liberalidades incomportáveis e da anarquia reivindicativa, incompatíveis com a austeridade que está sendo exigida a todos os portugueses.
Se dos estudos em curso resultar que a defesa do interesse geral passa por um envolvimento financeiro adicional do Estado, a esse sacrifício que então o País fizer, têm de corresponder garantias efectivas por parte dos accionistas e dos trabalhadores da LISNAVE por forma a assegurarem que ele não será em vão.
As vantagens comparativas reais permanentes que fariam reactivar economicamente os estaleiros da Margueira não são de 1981, como diz o Sr. Deputado, mas de sempre:

Condições climatéricas favoráveis, para se poder trabalhar todo o ano, ao contrário do que acontece no norte da Europa;
Localização geográfica ideal quanto ao tráfego marítimo;
Mão-de-obra relativamente barata e estável socialmente;
Gestão que assegure competitividade ao estaleiro.

Se um único destes dois últimos factores se tornar duvidoso, de imediato se criarão condições de desconfiança que afastarão os clientes do estaleiro.
As decisões que sobre a matéria vierem a ser atempadamente tomadas pelo Governo serão naturalmente enquadradas nas regras vigentes e conterão as salvaguardas que permitam assegurar que o interesse geral será totalmente acautelado.

Voto de protesto enviado à Mesa para publicação

A invasão do território de Granada pelas forças militares dos Estados Unidos da América e de outros países das Caraíbas é um acto de ingerência nos assuntos internos de um país independente, que viola todos os princípios da convivência internacional.
É também um acto desestabilizador da situação na região e contraria o esforço do Grupo de Contadora no sentido da superação das tensões existentes numa das regiões que constituem focos de tensão internacional que agravam os perigos de uma conflagração mundial.
Nestes termos:
A Assembleia da República condena a invasão da República de Granada e manifesta a sua solidariedade com o povo granadino na sua resistência ao atentado de que foi vítima.

Palácio de S. Bento, 26 de Outubro de 1983. Os Deputados do MDP/CDE: Helena Cidade Moura António Taborda - Corregedor da Fonseca.

Relatório e pareceres
da Comissão de Regimento e Mandatos
enviadas à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 26 de Outubro de 1983, pelas 15 horas, foi apreciada a seguinte substituição de deputados:
1 - Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró (círculo eleitoral de Coimbra) por António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier (esta substituição é pedida para os próximos dias 27 e 28 de Outubro corrente, inclusive).

2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
4 - Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

5 - O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Mário Júlio Montalvão Machado (PSD), vice-presidente - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP), secretário - António da Costa (PS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Rui Monteiro Picciochi (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Manuel António de Almeida de A. Vasconcelos (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Em reunião realizada no dia 26 de Outubro de 1983, pelas 18 horas, foi apreciada a seguinte substituição de deputados:
1- Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

Joaquim Rocha dos Santos (círculo eleitoral do Porto) por Henrique António da Conceição Madureira (esta substituição é pedida para os dias 27 e 28 de Outubro corrente, inclusive).

2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

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4 - Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer-

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

5 - O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: António Cândido Miranda Macedo (PS), presidente - Mário Júlio Montalvão Machado (PSD), vice-presidente - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP), secretário - António da Costa (PS) -

Carlos Cardoso Lage (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Manuel António de Almeida de A. Vasconcelos (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Os Redactores de 1 º classe: José Diogo - Noémia Malheiro.

PREÇO DESTE NUMERO 128$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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