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16 DE OUTUBRO DE 1984 3

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São volvidos mais de 100 anos sobre a inauguração da estátua de José Estêvão, a qual enfrentou, durante décadas, o antigo Palácio das Cortes.
A deambulação a que esta tem sido sujeita, talvez mais por ironia de desencontrados juízos históricos que por imposições de enquadramento estético, sugere-nos que lembremos que também em vida foi o nosso homenageado de hoje sujeito a constantes deambulações, nem sempre voluntárias, antes forçadas pelas circunstâncias de um tempo, como o seu, tão agitado da vida nacional.
A emigração, o exílio, a luta militar em diversas frentes, no continente como nas ilhas, até à guerrilha no Alentejo, são, de facto, imagens da sua vida irrequieta, que no seu todo se traduziu, no entanto, na afirmação de uma personalidade forte, de um patriotismo activo, de um esforçado defensor, através da espada, através da pena e sobretudo através da palavra, das perseguidas e constantemente ameaçadas concepções liberais, que acabariam por se impor no século passado com homens da têmpera de José Estêvão.
O Batalhão Académico de Coimbra pôde contar com ele, voluntariamente, interrompendo, assim, o seu curso de Direito, na luta contra D. Miguel e contra o absolutismo, de que era arauto e bandeira, e, mais tarde, na defesa dos mesmos ideais de liberdade bateu-se galhardamente como oficial do Exército, onde alcançou o posto de capitão, merecendo mesmo, pelos feitos durante o cerco do Porto, a Torre e Espada.
Na histórica vila de Almeida, consegue romper o cerco imposto àquela forte praça, onde seu pai esteve preso e um seu tio conheceu a morte nas subterrâneas «casas-matas», e prepara a sublevação de Trás-os-Montes.
Se referimos a sua passagem por Almeida, é para assinalar que José Estêvão é, de entre os muitos heróis que estão ligados aos feitos daquela vetusta praça militar, um dos mais lembrados pela sua bravura e patriotismo.
Mas o homem que honrou a espada não honrou menos a pena.
Tendo desembarcado na ilha Terceira com D. Pedro, foi ali redactor da Crónica da Terceira, lugar que só deixou quando o regente passou a Portugal, em 1832.
Foi fundador da Revolução de Setembro, cujo relevante papel desempenhado na história da imprensa portuguesa é em geral reconhecido.
Faz também sair o jornal A Liberdade, e, na sua terra natal, fundou O Distrito de Aveiro, onde insere colaboração da mais valiosa.
A força das suas convicções, o combate através da imprensa em prol dos seus ideais, não impedia, porém, que cultivasse um são respeito pelos próprios inimigos e, assim, intervém com veemência na defesa do jornal miguelista Portugal Velho, quando este foi processado por abuso de liberdade de imprensa.
Mas se a espada e a pena o distinguem na sua época e o impõem à consideração dos vindouros, José Estêvão é, sobretudo, o grande mago da palavra, o orador que fundia sabiamente o verbo, a voz e o gesto, que atraiu ainda mais o ouvinte que o simples leitor dos seus admiráveis discursos.
Discursar era, em José Estêvão, um dom natural, e um dom que desde muito cedo possuía. No dizer do seu próprio filho, chegou a pensar na carreira eclesiástica, «para onde o chamava, a par do encanto enlevado do sonho cristão, o génio da eloquência, e que na tribuna sagrada via o campo mais adequado à acção das suas balbuciantes faculdades oratórias».
Outra foi, porém, a sua carreira, e a vida política acabou por lhe propiciar e desenvolver as suas inatas qualidades oratórias.
Deputado às Constituintes de 1837, época em que, segundo os comentadores, ainda «as candidaturas se não decretavam no Terreiro do Paço e as localidades, na sinceridade primitiva de um regime novo, elegiam seu representante o homem de cujos méritos tinham conhecimento próprio, o conterrâneo que lhes parecia digno dessa honra», só deixará de ocupar o seu lugar nas Cortes durante o cabralismo, pois nelas reingressou após a revolução de 1851, integrado no chamado «Movimento da Regeneração», auxiliando então o marquês de Saldanha na organização do Ministério.
Só para citar alguns dos seus mais célebres discursos, lembraremos o da sua estreia parlamentar, a «Profissão de Fé», o do «Porto de Pireu», em polémica com essoutro grande parlamentar que foi Almeida Garrett, o discurso sobre o incidente nas águas moçambicanas da barca francesa Charles et Georges e, talvez o seu último grande discurso, sobre as exéquias de Cavour.
Se os seus dotes de rara e requintada eloquência permitem que distingamos José Estêvão como um caso ímpar de oratória parlamentar, não é menos verdade que esses dotes sempre foram postos ao serviço do seu povo, sobretudo dos mais humildes, numa estreita ligação da palavra à acção e dos ideais à tentativa da sua concretização.
Inclinamo-nos perante a grandiosidade do seu exemplo de homem livre e combativo. De político que afirmava nem conhecer a paixão nem o ódio e, nesta necessariamente breve evocação, que coincide com início da 2.ª Sessão Legislativa da III Legislatura da nossa vida constitucional pós Abril, atrevemo-nos a sugerir que, como forma de dar conteúdo a esta mesma evocação, a Assembleia da República se não baste em levar para mais perto do público o bronze em que se perpetua a figura do insigne parlamentar, mas faça também reunir - aliás, como há pouco verificámos ter sido já feito pela Câmara Municipal de Aveiro -, a curto prazo e em cuidada e comentada edição, os melhores dos seus discursos.
Se Feliciano de Carvalho tinha razão quando, ao escrever o belo epitáfio para a uma de mármore onde se guardam os restos mortais de José Estêvão, dizia ter ficado «viúva a eloquência e a Pátria», embora «tenha ganho a eternidade com a sua curta vida», é preciso que esse ganho de eternidade seja por acções continuado pelos presentes e pelos vindouros e pelos mesmos garantido.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por lapso, de que peço desculpa, não referi que assistem a esta