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I SÉRIE - NÚMERO 87

refazer, em todas as épocas discípulos copiaram obras de arte a título de exercício, mestres as reproduziram para lhes assegurar difusão e falsários as imitaram para obter ganho material.
Mas as técnicas de reprodução são um fenómeno novo que se desenvolve ao longo da história e o nosso tempo é o tempo em que o autor e a sua obra se defrontam com técnicas cada vez mais aperfeiçoadas para reproduzir e para fazer chegar a cada vez mais pessoas aquilo que o autor foi capaz de imaginar e de criar.
Creio que no nosso tempo talvez só algumas criações sejam capazes de manter o seu carácter original e, por isso, aquilo a que chamamos autenticidade talvez não seja mais do que o sinal da presença do autor e de que a obra é uma sua extensão.
Talvez seja este o sentido profundo de termos modificado um pensamento, durante muito tempo corrente, e passarmos a considerar os direitos de autor, não no campo dos direitos de propriedade, mas no campo dos direitos do homem.
É nesse lugar que me pretendo colocar, tal como a Declaração Universal de 1948, para dizer que aquilo que está em causa é, no fundo, o respeito por alguém que foi capaz de criar alguma coisa que é expressão do seu pensamento, da sua sensibilidade e da sua vontade e por isso dom de si mesmo.
Creio que uma segunda vertente desta reflexão tem a ver com o comportamento dos sucessivos poderes em relação àquilo que constitui o acto de criação. Direi que, porque criar é introduzir o novo no mundo, a função de criação é de subversão essencial, atentatória ao conservadorismo e por isso é essa função prometiana que os vários poderes suportam mal.
É por isso que não há governo da cultura e é por isso também - e desculpar-me-á o Sr. Ministro - que a existência de um Ministro da Cultura é, só por si, algo que é de mau sinal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito se falou já dos defeitos do Código, e o trabalho feito em subcomissão permitiu, de modo particular, evidenciar uma concordância generalizada sobre alguns deles.
Relativamente ao artigo 83.º, relativo à compensação pela fixação e reprodução de obras, pergunto por que é que o decreto regulamentar, por exemplo, o remete para outro campo e para outro momento. Quando e como essa situação? E digo «decreto regulamentar» porque «despacho» não é possível e porque o n.º 5 do artigo 115.º o impede expressamente.
Não deixarei também de referir as remissões erradas, as contradições, a possibilidade de modificações no artigo 63.º E não falemos mais, porque o tempo já não é muito, no artigo 72.º
Já que estamos em matéria de direitos de autor, seja-me permitido recordar, dos irmãos Karamazov, a vinda à Terra, incógnito, de Cristo no século XVI e o seu encontro com o grande inquisidor que lhe dizia:

Afinal os homens não querem a liberdade, os homens querem a segurança; a segurança dou-lhe eu, não tu.

E concluía essa citação - anotei-a - com o seguinte: «Tu Cristo» (explica o Cardeal), «vieste para libertar os homens, o que é teoricamente melhor, com certeza, mas provocaria tantos problemas que mais vale que voltes para o Céu deixando-me agir, pois conheço os homens melhor do que tu.» Creio que esta poderia ser uma explicação da introdução deste artigo 72.º

O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma teoria!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não queria deixar de focar um último aspecto, que tem a ver com algo que muitas vezes aflorou ao longo deste debate e que foi chamado de dependência cultural.

Creio que o nosso tempo, também, é um tempo em que Robinson está perdido e o seu ciclo definitivamente encerrado, aliás como uma personagem de um conto de Cortazar, que é atingida na deserta ilha grega pelo desastre do avião que ele antes tinha servido. Creio que esse é, de facto, o fim do ciclo, porque, enquanto Robinson chegava à ilha por um naufrágio, não obstante dominava os elementos e construía uma nova existência, a personagem de Cortazar chega à ilha por sua vontade e é o naufrágio que o procura e que destrói a sua procura de uma nova existência.
O teatro perdeu também as suas paredes convencionais e o «teatro del mundo» deixou de ser uma simples metáfora para ser realmente uma realidade.

Um país como o nosso não pode ignorar, ou pretender ignorar, a sua abertura às correntes culturais universais. E creio mesmo que o sentido da universalidade que caracterizou a época mais rica da nossa história tem de ser retomado, muito mais do que a ideia de um equilíbrio cultural impossível e - direi - miserabilista de balança comercial.
Somos abertos, devemos ser abertos ao exterior e à sua influência cultural. Seria pueril e, além do mais, nocivo tentar lutar contra meios poderosos de criação e de irradiação cultural que, com características de alcance universal, aqui nos chegam. O que é importante, o que é realmente importante, é que tal exposição a correntes e influências culturais, as mais diversas, se não degrade em «seguidismo» imitativo.
Daí que uma atenção particular ao património cultural português possa e deva ser uma constante. Daí a importância fundamental de chamar a atenção, designadamente, para o nosso contributo para o processo histórico de criação cultural na Europa e, sobretudo, para a sua irradiação universal.

Quando, por exemplo, a Televisão portuguesa perceber que mais do que a promoção de alguns lhe interessaria fazer a promoção do todo que é o País que é nosso, creio que alguma coisa ganharíamos no sentido de alguma coisa criarmos em termos de independência cultural autêntica.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É já ponto assente nesta Câmara que vamos ratificar o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, introduzindo-lhe modificações que, de tal modo se impunham, quase todos os grupos e agrupamentos parlamentares presentes nesta Câmara suscitaram a sua ratificação e que, logo nos trabalhos preliminares da subcomissão, foi possível chegar-se a largo consenso quanto a modificações a introduzir e, por exemplo, à eliminação pura e simples do controverso artigo 72.º Penso que esse é um progresso manifesto. Com isso gostaria de terminar.
Muitas vezes, sucessivos governos têm invocado a necessidade de eficácia e de celeridade para legislarem por decreto-lei. Creio que aqui está uma lição - uma lição extremamente evidente - de como o debate parlamentar, apesar daquilo que provavelmente ele tem de mais demorado, tem, pelo menos, a virtude que lhe in-

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