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19 DE MARÇO DE 1986

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O défice do Estado é, a nosso ver, muito pouco recomendável na economia portuguesa. Bem se pode dizer que é uma praga que não larga o País. Na última dezena de anos, o défice do Orçamento do Estado sempre atingiu valores relativamente elevados: 10% do produto interno bruto (PIB) em 1976, e depois, sucessivamente, 7,8 %, 8,9 %, 10,8 %, 10,7 %, 10,9 %, 9,7 %, 8,0 %, 9,5 % e
13,3 % em 1985.

Em 1986, a proposta do Orçamento do Estado apresenta um défice igual a 11,1 % do PIB projectado. É, sem dúvida, um défice ainda muito elevado, mas representa um esforço assinalável de redução face a 1985. Em termos nominais, o défice proposto para 1986 não chega a atingir o valor de 1985; em termos reais, fica obviamente, muito abaixo - 402 milhões de contos em 1986 contra 470 milhões de contos em 1985, a preços constantes deste ano.

Uma análise cuidada da receita e da despesa e a sua comparação com 1985 exigem que se tomem valores homólogos, para evitar o cálculo de variações não significantes.

Assim, do lado da receita - cujo aumento aparente previsto ultrapassa os 40% - surgem contributos não habituais, como o acréscimo de receita devido à introdução do IVA, as transferências do Fundo de Abastecimento que habitualmente tem sido deficitário, as transferências da CEE, os juros activos provenientes essencialmente das novas contas remuneradas do Tesouro e as receitas do ex-FETT, que foi integrado no Orçamento do Estado, e, finalmente, a recuperação de parte das cobranças em atraso. Por outro lado, perde-se a receita do Fundo de Desemprego que passava pelo Orçamento. Feitas estas correcções, o que é aparência desfaz-se e constata-se que as receitas homólogas, entre 1985 e 1986, aumentam apenas 19,1 %, mantendo, portanto, praticamente o seu peso no PIB nominal, o qual cresce 19,6%. Isto é, o PIB nominal cresce mais do que estas despesas homólogas de 1986 relativamente a 1985.

Do lado da receita há ainda que desfazer um equívoco em torno do invocado aumento da carga fiscal, dado que é indispensável que o confronto se faça tendo em consideração, por um lado, os valores liquidados e não cobrados que atingiram valores muito elevados em anos anteriores e, por outro, o acréscimo da eficiência trazido pelo próprio IVA. Feitas estas correcções, verifica-se que é praticamente nulo o aumento da carga fiscal em 1986.

Do lado da despesa, se excluirmos as verbas transferidas para a CEE e se em 1985, para efeitos de comparação, incluirmos alterações orçamentais das despesas efectivadas mas não aparentes por terem compensação em receita, teremos um crescimento da despesa em 1986 da ordem dos 19,5 %, o que igualmente corresponde a um peso no PIB praticamente constante. Excluindo, além disso, a parte absolutamente inevitável da despesa - juros e as amortizações da dívida pública - a despesa total cresce apenas 15 %, ou seja, não cresce em termos reais tendo em conta que o deflacionador da despesa pública não deve ser muito diferente de 15 %.

Temos de introduzir estas correcções, temos de considerar valores homólogos para confrontar os orçamentos das despesas e das receitas de 1986 com os de 1985. De outro modo, estamos a ser enganados pelas aparências.

A proposta do Orçamento do Estado para 1986 obedeceu a referenciais de ordem macroeconómica, que têm a ver com o financiamento e com a articulação com as projecções globais constantes das grandes opções do Plano.
Estimámos que as necessidades globais líquidas de financiamento da economia portuguesa andarão, em números redondos, algo acima dos 1000 milhões de contos em 1986. Refiro-me às necessidades globais líquidas de financiamento de toda a economia portuguesa.
A partir daí, fomos ver qual o défice máximo suportável do sector público administrativo e o valor limite a que chegámos foi praticamente metade das tais necessidades globais de financiamento da economia portuguesa. Deste défice máximo do sector público administrativo baixámos um pouco mais para determinar a sua parcela mais importante, que é o défice máximo do Orçamento do Estado para 1986, tendo chegado a um valor da ordem dos 470 milhões de contos.
O défice resultante dos trabalhos preparatórios do Orçamento do Estado para 1986 não poderia, de modo algum, ultrapassar este tecto dos 470 milhões de contos; de facto, o défice proposto à Assembleia da República é de 468,5 milhões de contos.
Independentemente deste modo de determinar o défice máximo, percorremos uma outra sequência de trabalhos para estimar as receitas orçamentais.
E do lado das receitas, as estimativas previsionais a que chegámos implicaram depois que, em conjunção com o citado défice máximo suportável, fôssemos fazer ginástica orçamental do lado das despesas, por forma a fazer o encontro entre as três grandes variáveis: o défice e a receita com valores prefixados, a despesa com valor resultante pelo encontro entre elas.
Do lado da despesa, considerámos cinco blocos fundamentais para análise de tratamento.
O primeiro bloco respeita ao PIDDAC e foi objecto de uma opção política de fundo, pois havia que aproveitar o financiamento conjunto dos fundos estruturais da CEE com outras fontes de financiamento.
E havia que fazer crescer o investimento do sector público administrativo de modo a restabelecer um nível razoável a partir da base diminuída no triénio 83-85 por efeito da severa política de estabilização.
Foram fixadas três directivas básicas de ordem quantitativa quanto a este primeiro bloco de despesas:

Primeira directiva: crescimento real de 20% da formação bruta de capital fixo do sector público administrativo;
Segunda directiva: participação do Orçamento do Estado com 100 milhões de contos, no máximo, para o PIDDAC;
Terceira directiva: tecto de 5 % do PIB para as despesas de capital do Orçamento do Estado.

O segundo bloco, que engloba os juros e os reembolsos da dívida pública, corresponde ao "peso do passado" e deve considerar-se como absolutamente inevitável. Além disso, pode defender-se o tratamento dos juros fora do conjunto das despesas correntes, na medida em que os juros compensatórios da inflação absorvem por completo os juros da dívida pública, pelo menos até ao presente. Daqui para o futuro talvez os juros da dívida pública já ultrapassem os juros meramente compensatórios da inflação. De qualquer modo, sobre este segundo bloco não poderíamos fazer qualquer ginástica orçamental.

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