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I Série - Número 46

Quarta-feira, 19 de Março de 1986

DIÁRIO da Assembleia da República

IV LEGISLATURA

1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1985-1986)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE MARÇO DE 1986

Presidente: Ex.mº Sr. Carlos Cardoso Lage

Secretários: Ex.mº Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
António Eduardo Sousa Pereira
Jorge Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Deu-se conta de alguns diplomas entrados na Mesa.
Foram aprovados os n.ºs 37 e 38 do Diário.

Foi concedida prorrogação do prazo dado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para apreciação e votação na especialidade, dos projectos de lei n.ºs 4/lV, 84/JV, 130/1V e 137/IV.

Na sequência da aprovação de um voto de pesar pela morte de um dos filhos do Sr. Presidente da Assembleia (Fernando Amaral), a Câmara aguardou um minuto de silêncio.

Dispensada a leitura do relatório e parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano, iniciou-se a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 15/IV (grandes opções do Plano para 1986) e 16/IV (Ornamento do Estado para 1986). Intervieram no debate, a diverso titulo, além dos Srs., Ministros das Finanças (Miguel Codilhe) e da Defesa Nacional (Leonardo Ribeiro de Almeida), os Srs. Deputadas João Corregedor do Fonseca (MDP/CDE), Carlos Carvalhas (PCP), Lopes Cardoso (Indep.). Octávio Teixeira (PCP), José Lelo (PS/, Magalhães Mota (PRD), lida Figueiredo (PCP). José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE), João Amaral (PCP), Raul Castro (MDP/CDE). António Guterres (PS), Vidigal Amaro (PCP), Miranda Calha (PS), Nogueira de Brito, Lobo Xavier e Abel Almeida (CDS), Correia Gago (PRD), Alípio Dias (PSD). Helena Torres Marques (PS), Silva Marques e Próspero Luís (PSD). Eduardo Pereira (PS), Mendes Bota, Duarte Lima e Roleira Marinho (PSD), Rui Machete (PSD), Ivo Pinho (PRD). Vargas Bulcão (PSD), Silva Lopes (PRD), Borges de Carvalho (Indep.), Sottomayor Cardia (PS/e Ângelo Correia (PSD).
Entretanto, foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de um depurado do PS e outro do CDS.

O Sr. Presidente encerrou a sessão era 1 hora e 40 minutos do dia seguinte.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos. Alberto Monteiro Araújo. Alípio Pereira Dias. Álvaro Barros Marques de Figueiredo. Amândio Anes de Azevedo. Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo. António Joaquim Bastos Marques Mendes. António Paulo Pereira Coelho. António Roleira Marinho. António Sérgio Barbosa de Azevedo. Arlindo da Silva André Moreira. Arménio Jerónimo Martins Matias. Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas. Aurora Margarida Borges de Carvalho. Belarmino Henriques Correia. Cândido Alberto Alencastre Pereira. Carlos Alberto Pinto. Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho. Cecília Pita Catarina. Cristóvão Guerreiro Norte. Daniel Abílio Ferreira Bastos. Domingos Duarte Lima. Domingos Silva e Sousa. Fernando Dias de Carvalho Conceição. Fernando José Próspero Luís. Francisco Jardim Ramos. Francisco Mendes Costa. Francisco Rodrigues Porto. Guido Orlando de Freitas Rodrigues. Henrique Luís Esteves Bairrão.

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Henrique Rodrigues Mata. João Avaro Poças Santos. João Luís Malato Correia. João José Pedreira de Matos. João José Pimenta de Sousa. João Maria Ferreira Teixeira. Joaquim Carneiro de Barros Domingues. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim da Silva Martins. José de Almeida Cesário. José Assunção Marques. José Augusto Santos Silva Marques. José Filipe de Athayde Carvalhosa. José Francisco Amaral. José Guilherme Coelho dos Reis. José Luís Bonifácio Ramos: José Manuel Rodrigues Casqueiro. José Mendes Bota. José Mendes Melo Alves. José de Vargas Bulcão.
Luís António Damásio Capoulas. Luís António Martins. Luís Jorge Cabral Tavares Lima. Luís Manuel Costa Geraldes. Luís Manuel Neves Rodrigues. Manuel da Costa Andrade. Manuel José Marques Montargil. Manuel Maria Moreira. Maria Antonieta Cardoso Moniz. Mário Jorge Belo Maciel. Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas. Reinaldo Alberto Ramos Gomes. Rui Alberto Limpo Salvada. Rui Manuel Parente Chancerelle Machete. Valdemar Cardoso Alves. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues. Aloísio Fernando Macedo Fonseca. António Almeida Santos. António Cândido Miranda Macedo. António Carlos Ribeiro Campos. António Frederico Vieira de Moura. António Manuel Ferreira Vitorino. António Miguel de Morais Barreto. António José Sanches Esteves. António Manuel Maldonado Gonelha.
António Manuel de Oliveira Guterres. Armando dos Santos Lopes. Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel Luís. Carlos Manuel Pereira Pinto. Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Rosado Correia. Jorge Lacão Costa. José Apolinário Nunes Portada. José Augusto Fillol Guimarães. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. José dos Santos Gonçalves Frazão. Manuel Alegre de Melo Duarte. Manuel Alfredo Tito de Morais. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia. Mário Manuel Cal Brandão. Mário Nunes da Silva. Raúl da Assunção Pimenta Rêgo. Raúl Fernando Sousela da Costa Brito. Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro. Ricardo Manuel Rodrigues de Barros. Rui Fernando Pereira Mateus. Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa. Alexandre Manuel da Fonseca Leite. Ana da Graça Gonçalves Antunes. António Eduardo A. de Sousa Pereira. António Lopes Marques. Arménio Ramos de Carvalho. Bártolo de Paiva Campos. Carlos Alberto Narciso Martins. Carlos Alberto Rodrigues Matias. Carlos Artur Trindade Sá Furtado. Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa. Carlos Jorge Mendes Correia Gago. Fernando Dias de Carvalho. Francisco Armando Fernandes. Francisco Barbosa da Costa. Hermínio. Paiva Fernandes Martinho. Ivo Jorge dê Almeida dos Santos Pinho. Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos. João Barros Madeira. Joaquim Carmelo Lobo. Joaquim Jorge Magalhães Mota. José Alberto Paiva Seabra Rosa. José Caeiro Passinhas. José Carlos Torres Matos de Vasconcelos. José Emanuel Corujo Lopes.
José Maria Vieira Dias de Carvalho. José da Silva Lopes. José Rodrigo da Costa Carvalho. José Torcato Dias Ferreira. Maria Cristina Albuquerque. Maria da Glória Padrão Carvalho. Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Tiago Lameiro. Rodrigues Bastos. Vasco da Gama Lopes Fernandes. Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa. Victor Manuel Ávila da Silva. Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido, Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro. António Anselmo Aníbal. António Dias Lourenço da Silva. António da Silva Mota. António Manuel da Silva Osório. António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira. Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas. Carlos Alfredo de Brito. Carlos Manafaia. Cláudio José Santos Percheiro. Custódio Jacinto Gingão. Domingos Abrantes Ferreira. Francisco Miguel Duarte. Jerónimo Carvalho de Sousa. José António Gonçalves do Amaral.

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Jorge Manuel Abreu de Lemos. Jorge Manuel Lampreia Patrício. José Manuel Antunes Mendes. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Rodrigues Vitoriano. Luís Manuel Loureiro Roque. Manuel Rogério de Sousa Brito. Maria Margarida Tengarrinha. Maria Odete Santos. Octávio Augusto Teixeira. Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira. Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida. Adriano José Alves Moreira. António Filipe Neiva Correia. António José Tomás Gomes de Pinho. Francisco António Oliveira Teixeira. Francisco Manuel Menezes Falcão. Henrique Manuel Soares Cruz. Hernâni Torres Moutinho. Horácio Alves Marçal. João da Silva Mendes Morgado. José Luís Nogueira de Brito. Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca. José Manuel do Carmo Tengarrinha. Raul Fernando de Morais e Castro.

Deputados independentes:

António José Borges de Carvalho. António Poppe Lopes Cardoso (UEDS). Gonçalo Pereira Ribeiro Teles (PPM). Maria Amélia Mota Santos (Verdes).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 166/IV, da iniciativa do Sr. Deputado José Casal, do PRD, versando a integração da freguesia da Rifaria, concelho da Feira, no concelho de São João da Madeira, que foi admitido e baixou à 10.0 Comissão; projecto de lei n.º 167/IV, da iniciativa do Sr. Deputado António Paulo Coelho e outros, do PSD, sobre a criação da escola de pesca da Figueira da Foz, que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão; ratificação n.º 65/IV, da iniciativa do Sr. Deputado António Vitorino e outros, do PS, sobre o Decreto-Lei n.º 41/86, de 9 de Março, que prevê a extinção do Instituto de Análises da Conjuntura e Estudos de Planeamento (IACEP) que foi admitido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.` 37 e 38 do Diário, respeitantes as reuniões plenárias de 27 e 28 de Fevereiro findo.

Pausa.

Como não há oposição, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do pedido da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para lhe ser concedido novo prazo para apreciação e votação, na especialidade, dos projectos de lei n.ºs 4/IV, 84/IV, 130/IV e 137/IV.
Trata-se de um pedido de prorrogação de prazo para a emissão do parecer sobre estes projectos de lei.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Encontro-me a presidir a esta sessão num momento particularmente doloroso para o Sr. Presidente da Assembleia da República, provocado pelo falecimento de um filho. Não haverá, com certeza, dor mais profunda do que a provocada pela perda de um filho. Por isso, como Presidente em exercício e como amigo, juntamente com os Srs. Deputados que integram a Mesa, exprimimos ao Sr. Presidente o nosso pesar e garantimos-lhe que também comungamos da sua tristeza.
Deu entrada na Mesa, ainda a propósito do falecimento do filho do Sr. Presidente da Assembleia da República, assinado por deputados de todos os grupos parlamentares, um voto de pesar do seguinte teor:
A Assembleia da República, exprime o seu profundo pesar pelo falecimento do filho do Sr. Presidente desta Assembleia, deputado Fernando Amaral, e delibera observar um minuto de silêncio como expressão do seu pesar e da sua solidariedade.

Pausa.

Considero este voto de pesar aprovado por unanimidade, pelo que vamos observar o minuto de silêncio.

A Câmara aguardou de pé um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, vamos entrar na segunda parte da nossa ordem de trabalhos, da qual consta a apreciação, na generalidade, das propostas de lei n.º 15/IV (Grandes Opções do Plano para 1986) e n.º 16/IV (Orçamento do Estado para 1986). Vai agora ser lido o respectivo parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano ...
O Sr. Deputado António Capucho pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Capucho (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, sugerimos a V. Ex.ª que consulte as demais bancadas já que, do nosso ponto de vista, dispensamos a leitura do parecer, desde que dele possam ser distribuídos alguns exemplares a cada uma das bancadas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, creio que o parecer da Comissão tem 103 páginas. É evidente que é um texto muito longo,

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mas pergunto se o Governo, antecipadamente, já teve oportunidade de ler esse parecer. Em caso afirmativo, também dispensamos a leitura.

O Sr. Presidente - Sr. Primeiro-Ministro, o Governo já tomou conhecimento deste parecer?

O Sr. Primeiro-Ministro. (Cavaco Silva): - Já sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Assim sendo e estando as demais bancadas de acordo, dispensa-se a leitura dos referido parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano. Logo que esteja fotocopiado, ele será distribuído pelas bancadas.
Para uma intervenção, no início do debate na generalidade, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Miguel Cadilhe): Sr. Presidente; Srs. Deputados: No Programa, que VV. Ex.as apreciaram em Novembro passado, assumiu, o Governo o compromisso de impor a disciplina nas finanças públicas. Trata-se de um objectivo plurianual, a requerer, como se dizia na altura, uma estratégia gradualista de actuação.
Decorreram, entretanto, quatro meses. O tempo é curtíssimo, mas os factos são já suficientemente expressivos para que VV. Ex.as possam tirar conclusões sobre a velocidade e a eficácia das acções empreendidas pelo Governo em matéria de disciplina orçamental e financeira do Estado.
E se VV. Ex.as, a partir da situação conseguida nestes quatro meses, quiserem extrapolar para dois anos, ou mesmo para daqui a um ano, seguramente que poderão antever um estado das finanças públicas bem mais correcto do que aquele que o Governo ,encontrou em Novembro passado.
O Governo não tem dúvidas de que está a percorrer o longo e áspero caminho do rigor e da disciplina das finanças públicas. Mas não basta ter estas certezas, é indispensável que a Assembleia da República o reconheça e o afirme perante o País. É conveniente, do mesmo modo, que o Presidente da República o sublinhe. Porque, na verdade, do que se trata é de uma questão de interesse nacional, que tem a ver não apenas com a saúde da economia portuguesa, mas sobretudo com a dignidade das instituições democráticas, a solidez do regime, o prestígio dos órgãos de soberania e, afinal, o bom nome de cada um de nós como cidadãos a quem estão cometidas funções públicas de elevada responsabilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

o Orador: - Por isso, Srs. Deputados, independentemente das divergências profundas e substanciais que todos tenhamos sobre o modo e o tempo de resolver os grandes problemas do País, para além dos detalhes e da, análises que nos afastem, espera o Governo recolher da Assembleia da República uma indicação inequívoca de que, nesta matéria da disciplina das finanças Públicas, está, globalmente, no caminho certo e de que vale a pena prosseguir.
Divergências, é óbvio que as há.
Mas, a pretexto delas, não se vai certamente bloquear ou sequer empastelar o caminho que o Governo tem de percorrer.
Se me é permitida a linguagem figurativa, pode-se impor, nesse caminho, limites de velocidade e regras de trânsito, de aplicação genérica e universal, não se deve é mandar seguir o trânsito e, ao mesmo tempo, proibir a passagem; não se pode é pretender ser polícia sinaleiro e condutor automóvel ao. mesmo tempo.
Vem esta analogia, para a qual peço compreensão, a propósito de diversos domínios especialmente sensíveis da disciplina das finanças públicas. Referimo-nos, por exemplo, à extinção de direcções-gerais e institutos públicos ou organismos equiparados. Resolve o Governo extinguir um serviço porque o seu objecto entra em sobreposição e, portanto, em conflito potencial com outros serviços existentes; ou porque não corresponde, em utilidade, aos custos envolvidos; ou porque é uma máquina que emperra, com exigências de canseiras e encargos, a iniciativa de quem produz.
Pois, contra os princípios de eficiência, economia e reafectação de recursos, que presidem à extinção do serviço, levantam-se, de imediato, acusações de saneamento político e de decisão sem critério da parte do Governo. O que é natural, da parte de quem se vê desalojado de regalias e privilégios e é pouco inteligente para desejar, ou pelo menos compreender a mudança.
Mas já não será natural, nem correcto, da parte de quem tenha funções e responsabilidades de órgãos de soberania.
Referimo-nos, também, ao encerramento de certas empresas do sector público, tecnicamente falidas, economicamente irrecuperáveis, financeiramente insustentáveis, comprovadamente desastrosas. Resolve o Governo encerrar, no todo ou em parte, uma empresa nestas condições, porque o desperdício e a insolvência sobrecarregam, em última instância, o Orçamento do Estado. É uma questão, pois, de racionalidade microeconómica e de disciplina das finanças públicas. Mas, logo haverá quem acuse o Governo de fomentar o desemprego e prosseguir desígnios inconfessáveis contra o sector empresarial do Estado. Não faltará quem afirme existirem alternativas de racionalização e recuperação da empresa; e, eventualmente, não deixará um grupo parlamentar de requerer a ratificação pela Assembleia da República do acto do Governo.
Em tais domínios em que se provocou, ao longo de anos, uma hipersensibilidade social e política, será preciso, agora, muita coragem e capacidade de discernir de modo a fazer valer as razões da economia de recursos e a disciplinadas finanças públicas.
Srs. Deputados, se chamo à colação estas situações de extinção de organismos da Administração Pública ou de encerramento de empresas públicas, é porque, muitas vezes, elas estão esquecidas quando se fala do saneamento das finanças públicas. E não devem ser esquecidas. Em parte muito significativa, tais situações ajudam a explicar os défices do Estado, bem como a indisciplina orçamental.
Não é possível controlar os défices do Estado, sem primeiro acabar com a indisciplina orçamental. Os défices do Orçamento do Estado não são, em si mesmos, condenáveis; são-no, quando surgem associados à indisciplina orçamental, como vinha acontencendo entre nós; ou quando prejudicam as condições de financiamento do sector produtivo, como tem acontecido entre nós; ou quando decorrem de despesas que têm um efeito multiplicador reduzido, como parece ocorrer um multiplicador das despesas públicas da ordem dos 50% apenas.

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O défice do Estado é, a nosso ver, muito pouco recomendável na economia portuguesa. Bem se pode dizer que é uma praga que não larga o País. Na última dezena de anos, o défice do Orçamento do Estado sempre atingiu valores relativamente elevados: 10% do produto interno bruto (PIB) em 1976, e depois, sucessivamente, 7,8 %, 8,9 %, 10,8 %, 10,7 %, 10,9 %, 9,7 %, 8,0 %, 9,5 % e
13,3 % em 1985.

Em 1986, a proposta do Orçamento do Estado apresenta um défice igual a 11,1 % do PIB projectado. É, sem dúvida, um défice ainda muito elevado, mas representa um esforço assinalável de redução face a 1985. Em termos nominais, o défice proposto para 1986 não chega a atingir o valor de 1985; em termos reais, fica obviamente, muito abaixo - 402 milhões de contos em 1986 contra 470 milhões de contos em 1985, a preços constantes deste ano.

Uma análise cuidada da receita e da despesa e a sua comparação com 1985 exigem que se tomem valores homólogos, para evitar o cálculo de variações não significantes.

Assim, do lado da receita - cujo aumento aparente previsto ultrapassa os 40% - surgem contributos não habituais, como o acréscimo de receita devido à introdução do IVA, as transferências do Fundo de Abastecimento que habitualmente tem sido deficitário, as transferências da CEE, os juros activos provenientes essencialmente das novas contas remuneradas do Tesouro e as receitas do ex-FETT, que foi integrado no Orçamento do Estado, e, finalmente, a recuperação de parte das cobranças em atraso. Por outro lado, perde-se a receita do Fundo de Desemprego que passava pelo Orçamento. Feitas estas correcções, o que é aparência desfaz-se e constata-se que as receitas homólogas, entre 1985 e 1986, aumentam apenas 19,1 %, mantendo, portanto, praticamente o seu peso no PIB nominal, o qual cresce 19,6%. Isto é, o PIB nominal cresce mais do que estas despesas homólogas de 1986 relativamente a 1985.

Do lado da receita há ainda que desfazer um equívoco em torno do invocado aumento da carga fiscal, dado que é indispensável que o confronto se faça tendo em consideração, por um lado, os valores liquidados e não cobrados que atingiram valores muito elevados em anos anteriores e, por outro, o acréscimo da eficiência trazido pelo próprio IVA. Feitas estas correcções, verifica-se que é praticamente nulo o aumento da carga fiscal em 1986.

Do lado da despesa, se excluirmos as verbas transferidas para a CEE e se em 1985, para efeitos de comparação, incluirmos alterações orçamentais das despesas efectivadas mas não aparentes por terem compensação em receita, teremos um crescimento da despesa em 1986 da ordem dos 19,5 %, o que igualmente corresponde a um peso no PIB praticamente constante. Excluindo, além disso, a parte absolutamente inevitável da despesa - juros e as amortizações da dívida pública - a despesa total cresce apenas 15 %, ou seja, não cresce em termos reais tendo em conta que o deflacionador da despesa pública não deve ser muito diferente de 15 %.

Temos de introduzir estas correcções, temos de considerar valores homólogos para confrontar os orçamentos das despesas e das receitas de 1986 com os de 1985. De outro modo, estamos a ser enganados pelas aparências.

A proposta do Orçamento do Estado para 1986 obedeceu a referenciais de ordem macroeconómica, que têm a ver com o financiamento e com a articulação com as projecções globais constantes das grandes opções do Plano.
Estimámos que as necessidades globais líquidas de financiamento da economia portuguesa andarão, em números redondos, algo acima dos 1000 milhões de contos em 1986. Refiro-me às necessidades globais líquidas de financiamento de toda a economia portuguesa.
A partir daí, fomos ver qual o défice máximo suportável do sector público administrativo e o valor limite a que chegámos foi praticamente metade das tais necessidades globais de financiamento da economia portuguesa. Deste défice máximo do sector público administrativo baixámos um pouco mais para determinar a sua parcela mais importante, que é o défice máximo do Orçamento do Estado para 1986, tendo chegado a um valor da ordem dos 470 milhões de contos.
O défice resultante dos trabalhos preparatórios do Orçamento do Estado para 1986 não poderia, de modo algum, ultrapassar este tecto dos 470 milhões de contos; de facto, o défice proposto à Assembleia da República é de 468,5 milhões de contos.
Independentemente deste modo de determinar o défice máximo, percorremos uma outra sequência de trabalhos para estimar as receitas orçamentais.
E do lado das receitas, as estimativas previsionais a que chegámos implicaram depois que, em conjunção com o citado défice máximo suportável, fôssemos fazer ginástica orçamental do lado das despesas, por forma a fazer o encontro entre as três grandes variáveis: o défice e a receita com valores prefixados, a despesa com valor resultante pelo encontro entre elas.
Do lado da despesa, considerámos cinco blocos fundamentais para análise de tratamento.
O primeiro bloco respeita ao PIDDAC e foi objecto de uma opção política de fundo, pois havia que aproveitar o financiamento conjunto dos fundos estruturais da CEE com outras fontes de financiamento.
E havia que fazer crescer o investimento do sector público administrativo de modo a restabelecer um nível razoável a partir da base diminuída no triénio 83-85 por efeito da severa política de estabilização.
Foram fixadas três directivas básicas de ordem quantitativa quanto a este primeiro bloco de despesas:

Primeira directiva: crescimento real de 20% da formação bruta de capital fixo do sector público administrativo;
Segunda directiva: participação do Orçamento do Estado com 100 milhões de contos, no máximo, para o PIDDAC;
Terceira directiva: tecto de 5 % do PIB para as despesas de capital do Orçamento do Estado.

O segundo bloco, que engloba os juros e os reembolsos da dívida pública, corresponde ao "peso do passado" e deve considerar-se como absolutamente inevitável. Além disso, pode defender-se o tratamento dos juros fora do conjunto das despesas correntes, na medida em que os juros compensatórios da inflação absorvem por completo os juros da dívida pública, pelo menos até ao presente. Daqui para o futuro talvez os juros da dívida pública já ultrapassem os juros meramente compensatórios da inflação. De qualquer modo, sobre este segundo bloco não poderíamos fazer qualquer ginástica orçamental.

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O terceiro bloco, o das despesas de pessoal, constitui a massa mais crítica das despesas públicas, quer pela sua dimensão, quer pelo crescimento da sua componente física, ao longo dos 12 anos de regime democrático, quer ainda pela sua rigidez, sobretudo pela dificuldade política em actuar sobre ela numa economia que se encontra significativamente abaixo do pleno emprego e portanto muito longe de poder criar nos sectores produtivos oportunidades de reafectação de activos da função pública.
No bloco das despesas de pessoal, fixámos duas regras fundamentais:

Crescimento físico em 1986 igual a zero, excepto nas áreas da Saúde e da Educação. Em vez de admissões de pessoal em todas as restantes áreas, o que o Governo determinou é que. os serviços da Administração Pública devem recorrer à mobilidade e reafectação de pessoal da função pública;
A segunda regra, consiste no crescimento salarial acima da inflação - 14% esperada para 1986: o Conselho de Ministros viria a aprovar uma actualização dos vencimentos, da ordem dos 16,5%.
Este bloco muito importante das despesas de pessoal não nos deixa grandes margens de manobra; talvez aos poucos, nos anos seguintes, seja possível conseguir algumas economias mais.
O quarto bloco reúne as transferências para o sector público. Desdobra-se, aliás, em cinco subblocos: saúde, segurança social, regiões autónomas, autarquias locais e empresas públicas, os quais têm como único denominador comum tratar-se de transferências para o sector público e revestirem-se de particular relevância política, social ou económica. Havia, pois, que analisar cada um dos cinco subblocos à luz de lógicas e termos próprios.
Sendo, porém, elevadíssimo o seu montante global, não podíamos deixar de encarar este bloco das transferência como um dos domínios de ginástica orçamental por excelência, de modo. a acomodar o défice máximo suportável de 470 milhões de contos para o Orçamento do Estado de 1986.
A Saúde tem enormes carências a mitigar mas há economias a fazer e melhorias de produtividade a conseguir. A Segurança Social tem obrigações a cumprir e tem novas exigências, como a dos salários em atrasados. Mas também aqui há alguns ganhos possíveis na cobrança de atrasados e na gestão de tesouraria.
As regiões autónomas e as autarquias locais têm muito peso político e têm razões específicas para solicitar muito mais do que aquilo que se lhes pode contemplar no Orçamento do Estado. Mas havia que olhar também ao comportamento das receitas de outras fontes, que, não o Orçamento do Estado de 1986, sem se descurar, igualmente, a disciplina das finanças regionais e das finanças locais.
As empresas públicas têm direito a indemnizações compensatórias, nos casos em que os preços são administrados e obedecem a critérios de ordem política ou social e, além disso, pretendem ver reforçados os capitais próprios, de tal modo descapitalizadas elas andam. Mas deveriam encarar-se outras soluções e muito especialmente o recurso a outras fontes de reforço de capitais próprios ou quase próprios das empresas públicas.
Tudo ponderado, este quarto bloco das despesas públicas tinha que ceder alguma coisa nos cortes orçamentais, mas foi muito difícil consegui-lo.
Finalmente, o quinto bloco corresponde ao designado «agregado dos quatro»; é um bloco residual que engloba quatro grandes grupos de despesas públicas que são «outras transferências correntes», «outras despesas correntes», «transferências de capital» e «outras despesas de capital». Para este quinto bloco, foi determinado que, ao nível de cada ministério, as propostas orçamentais se inserissem numa severa contenção: o «agregado dos quatro» não poderia ter um crescimento real positivo nem sequer nulo.
Naturalmente, os ministérios «gemeram» - no sentido positivo - e foi nestas circunstâncias que pusemos à prova o princípio, que temos defendido, de que não há disciplina das finanças públicas se em cada ministério o ministro respectivo não se afirmar como um verdadeiro ministro das finanças. Assim tem sido e seguramente assim continuará a ser.
Como dissemos, partimos das necessidades globais de financiamento da economia e daí chegamos ao máximo défice suportável para o Orçamento do Estado, respeitámos esse défice, não através de uma solução artificial mas seguindo o caminho das receitas independentemente do caminho das despesas. Depois de orçamentadas as receitas fiscais e outras, fez-se o confronto com o défice máximo suportável e, então, finalmente, olhámos para as despesas onde impusemos a referida ginástica orçamental sobre os cinco blocos, excluindo obviamente o bloco dos juros e reembolsos da dívida pública.
Um ponto que também cuidámos muito especialmente neste Orçamento do Estado de 1986 - supomos que em anos anteriores isso não se terá passado, pelo menos no mesmo grau - foi a articulação entre a política monetária e a política orçamental.
O crédito global à economia, de origem interna e de origem externa, evoluirá no interior de uma forqueia em termos nominais que dá uma taxa entre 18% a 19%, Dezembro de 1986 sobre Dezembro de 1985. O crédito a empresas e particulares, crédito ao sector produtivo, portanto, será bastante menor, infelizmente, do que o crédito total à economia em termos de crescimento. Entre Dezembro de 1985 e Dezembro de 1986 deverá crescer na casa dos 14% a 15% em termos nominais, o eme, em termos reais, não deixa grande margem de crescimento real. A inflação de Dezembro de 1986 estará a baixo seguramente dos 14%, mas o crédito ao sector produtivo da economia, em termos reais, não deve crescer mais do que 1 % a 2%. Resulta, assim, que o sector público administrativo exerce efeitos de crawding-out sobre o sector produtivo; cerca de metade do crescimento do crédito total à economia em 1986 será absorvido no sector público administrativo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: 1986 constitui um primeiro e importante passo na estratégia gradualista de redução do peso do défice orçamental, que o Governo se propõe levar a cabo em vário anos.
O Orçamento do Estado para 1986 insere-se numa perspectivação de médio prazo que não se esgota, de forma estanque, no ano a que respeita. O Governo, realizou diversas projecções de cenários num horizonte de 5 anos, de 1987 a 1991, de modo a predeterminar que o défice relativo prossiga a vertente descendente já iniciada em 1986 a partir do pico de 1985 (11,1% e

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13,3 % do PIB, respectivamente). Conforme os pressupostos assumidos, o défice poderá atingir 7 0lo do PIB em 1991 num cenário menos exigente ou 4 % do PIB num cenário mais exigente. Quer num, quer noutro o défice em 1991 estará totalmente justificado pelos juros da dívida pública. Em qualquer dos casos, sempre com a economia a crescer a taxa elevada, porque, se assim não for, a "corcova" orçamental não descreverá uma vertente significativamente descendente.
Quais são as variáveis críticas nesta trajectória da "corcova" orçamental? Isto é, quais aquelas em que deveremos actuar e quais aquelas em que, não podendo actuar, esta projecção demonstra uma elevada sensibilidade?
Primeiro que tudo, as despesas de pessoal. Pusemos as despesas de pessoal a crescer, em termos reais, 1 % nos próximos 5 anos, significando isto uma melhoria do nível de vida dos funcionários públicos e não um aumento dos efectivos e empregados na função pública.
Os subsídios são a segunda variável crítica, sobre a qual temos de actuar muito fortemente. Eis-nos aqui perante as bonificações em particular. Temos de reduzir drasticamente o peso das bonificações de juro na economia portuguesa. Esperamos que isso se torne cada vez mais possível com a descida das taxas de juro nominais em correlação com a baixa das taxas de inflação. Mas também se incluem nestes subsídios alguns que são inevitáveis, enquanto houver, pela natureza dos serviços prestados, administração dos preços de algumas empresas públicas, por razões de carácter social.
Uma outra variável crítica é a taxa de tributação, isto é, todos os impostos em relação ao produto interno bruto.
Há uma última variável crítica neste domínio da trajectória nos próximos anos, do défice do Orçamento do Estado, que é o stock da dívida. É preciso aliar a imaginação e o bom senso para reduzir o stock da dívida pública. Se o conseguíssemos - e aqui, os órgãos de soberania têm de ser solidários - com imaginação, bom senso e fundamento económico, então aquela "corcova" orçamental seria muito mais simples.
O défice das finanças públicas tem de ser reduzido para bem da economia portuguesa, para bem do crescimento do produto e do emprego, para bem da redução da inflação e também para bem da correcção estrutural do défice externo. E a redução do défice das finanças públicas consegue-se mediante um dos cenários traçados, consegue-se com estabilidade governativa, condição necessária e não suficiente, consegue-se com a solidariedade e apoio dos outros órgãos de soberania, nomeadamente a Assembleia da República, e consegue-se com uma determinação muito grande em matéria de disciplina dos agentes que aplicam o Orçamento, seja qual for o seu nível hierárquico, seja ministro ou chefe de repartição ou de secção.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados: Os pressupostos em que assentámos as projecções macroeconómicas das grandes opções do Plano para 1986 alteraram-se radicalmente nas últimas semanas. Ninguém poderia, então, tê-lo previsto.
Ninguém poderá, agora, assegurar que tais alterações sejam, parcial ou totalmente, irreversíveis. Mas o que se passou justifica já uma revisão das projecções como aliás se fez em parte na informação adicional n.º I enviada à Assembleia da República em 7 de Março.

Os principais pressupostos alterados são o preço do petróleo e a cotação do dólar.
As implicações mais salientes a partir destas alterações serão: maior ganho de termos de troca (provavelmente mais de seis pontos contra os 1.5 previstos nas grandes opções do Plano); aumento das remessas de emigrantes expressas em dólares; melhoria substancial da balança de transacções correntes que pode ficar próxima do equilíbrio, caso se confirmem as presentes perspectivas; o reflexo das novas condições depende de em que medida os novos preços do petróleo serão repercutidos para o consumidor. Caso não o sejam ou sejam em pequeno montante
- o efeito sobre as rubricas da despesa e sobre a inflação será pouco importante - embora as exportações possam beneficiar do previsível maior incremento do comércio mundial e os excedentes gerados pelo Fundo de Abastecimento permitirão um menor crescimento dos agregados monetários (por redução do crédito líquido ao sector público) e um menor aumento da dívida do sector público administrativo.
Estas são as principais alterações que resultam da mudança radical de pressupostos nas últimas semanas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentou o Governo, em tempo curtíssimo, as presentes propostas de leis de Orçamento do Estado e grandes opções do Plano. Teve, para isso, de trabalhar em ritmo esforçado. Crê o Governo, além disso, que forneceu à Assembleia da República um conjunto de elementos de informação que muito terão enriquecido a apreciação da proposta do Orçamento do Estado para 1986. Citando apenas alguns deles, poderíamos referir os seguintes por supormos que constituíram novidade, neste ano de 1986: programação monetária para 1986; impacte macroeconómico do Orçamento do Estado de 1986; cenários de médio prazo para o Orçamento do Estado; stock da dívida do sector público administrativo e do sector empresarial do Estado; situação das principais empresas públicas.
Houve da parte da Assembleia da República um esforço assinalável para que os trabalhos fossem acelerados a nível das comissões. E houve também uma atitude de compreensão, digna de registo, relativamente à conveniência de fazer entrar em vigor, já em 1 de Abril, o orçamento das despesas.
Passado, assim, pouco mais de um mês da data de entrega pelo Governo das propostas do Orçamento do Estado e das grandes opções do Plano é possível reunir hoje para as apreciar neste Plenário.
Não poderia o Governo deixar de reconhecer estes factos positivos. Ambos os órgãos de soberania se esforçaram para que o Orçamento do Estado de 1986 e as grande opções do Plano venham a estar, o mais cedo possível, em vigor. São factos que prestigiam o País e a democracia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro das Finanças, os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Carlos Carvalhas, Lopes Cardoso, Octávio Teixeira, José Lello, Magalhães Mota, Ilda Figueiredo, José Manuel Tengarrinha, Raul Castro, João Amaral, António Guterres, Vidigal Amaro, Miranda Calha, Nogueira de Brito, Lobo Xavier e Abel de Almeida.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

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O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Ministro das Finanças, em matéria de fiscalidade, do trabalho desenvolvido em comissão parlamentar, concluiu-se que as medidas que o Governo entendeu propor não conseguem lograr completamente o intento de desagravamento fiscal. Pode dizer-se que não há praticamente desagravamento fiscal.
No entanto, Sr. Ministro, isso não obsta a que o Governo faça a sua propaganda manipuladora junto dos órgãos de comunicação social, que não é fundamentada em pressupostos reais.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Por exemplo, no que respeita ao imposto profissional, as descidas das taxas apenas apresentam um benefício efectivo para os contribuintes de baixo rendimento, os que recebem até 25 contos. E para os que recebem 125 contos, ou seja, 1750 contos anuais?
O Governo não deveria, na nossa opinião, tentar manipular a opinião pública ao dizer que diminuem os encargos fiscais sobre os rendimentos de trabalho.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Nem manipula!

O Orador: - A esmagadora maioria dós trabalhadores portugueses não beneficia rigorosamente nada, Sr. Ministro.
Por isso pergunto: por que razão o Governo impõe e mantém uma distorção tão grave? Não entende o Governo que os portugueses são aos mais gravemente afectados com cargas fiscais exageradas apesar de os seus rendimentos serem cada vez mais baixos?
Para agravar a situação, Sr. Ministro, temos ainda os impostos sobre o consumo, designadamente sobre o imposto complementar. Cerca de 95% do rendimento declarado é proveniente dos rendimentos de trabalho, enquanto cerca de 1,5% é proveniente de rendimentos da contribuição industrial, imposto de capitais e alguns outros. Verifica-se, assim, que o imposto complementar atinge mais duramente as famílias com menos rendimentos.
Como afirmam alguns especialistas/e poderemos citar o Sr. Dr. Medina Correia, o imposto complementar é um adicional ao imposto profissional que, segundo o parecer da Comissão Parlamentar de Economia, Finanças e Plano, constitui uma situação socialmente imposta, o que também resulta de outros factores como a elevada evasão fiscal.
A propósito destas questões, o Sr. Ministro é capaz de informar a Assembleia da República sobre o número de contribuintes do imposto complementar que tenham indicado rendimentos superiores a. 1000 ou. 1500 contos? Quantos são?
Recordemos que há relativamente pouco tempo, há muito poucos anos, apenas 2243 famílias, como está comprovado, tinham declarado rendimentos superiores a 1000 contos. Mantém-se este panorama, Sr. Ministro? Que vai fazer o Governo para prevenir está situação?
Não entende, finalmente, que o imposto complementar devia ser claramente corrigido? Será de manter um imposto desta natureza?
Uma outra questão: o Governo afirma a determinada altura que pretende estimular acções de associação empresarial e criar condições para o desenvolvimento de grupos empresariais de dimensão adequada. Poderemos entender pela expressão «dimensão adequada» que o Governo pensa em grandes empresas ao nível da CEE, só que, em nossa opinião, o Governo esquece deliberadamente as pequenas e médias empresas industriais e comerciais que têm no nosso país um peso importante e constituem um sector empregador de relevância.
Considerando o papel que as pequenas e médias empresas representam na nossa economia, que tipo de política vai o Governo aplicar em relação a essas empresas? Criar-lhe dificuldades, favorecendo apenas os grandes grupos empresariais ou pensa o Governo criar condições para as melhorar inserindo-as num plano de recuperação da nossa economia?
Não considera o Governo que grande parte das pequenas e médias empresas apresentam uma estrutura económica e financeira distorcida, gravemente afectada pela política de austeridade dos últimos anos pelo que estão a precisar não do seu aniquilamento, puro e simples, mas de uma assistência e apoio que lhes permita ultrapassar as actuais dificuldades e tornarem-se um factor positivo na política de progresso económico, Sr. Ministro?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª responde de imediato ou no final dos outros pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ministro das Finanças: - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: São duas notas prévias e três questões que eu gostaria de colocar.
Uma primeira nota diz respeito ao atraso do Governo na entrega dos documentos, diz respeito à entrega de informações adicionais a conta-gotas, com meias verdades e erros, o que contraria o rigor e a disciplina aqui, enfaticamente, autoproclamados. - A isto a Assembleia da República respondeu pronta e construtivamente. Por isso, o Governo não tem, quanto a nós, autoridade para vir fazer pressões e insinuações sobre a Assembleia da República, o que ficou expresso nas suas palavras iniciais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - A segunda nota é que as grandes opções do Plano não têm hoje qualquer correspondência com a realidade e, em nosso entender, as taxas de juro, que já foram diminuídas, embora insuficientemente, deviam-no ter sido também agora. Insiste o Governo em atrasar esta decisão? Com quê objectivos?
Segunda questão: o Governo fala de uma estratégia mista de substituição de informações e fomento das exportações, mas quando verificamos as quantificações vemos que as exportações crescem menos - e isto no primeiro ano de adesão - e que as importações aumentam (e isto mesmo com as importações de carne, de batata, etc., criando mais dificuldades aos agricultores). Aonde é que se está a verificar a substituição de informações, Sr. Ministro?

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Por último, como se pode verificar no relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, era possível um maior crescimento do produto interno bruto, sem desequilíbrio da balança de transacções correntes e dando resposta imediata às chagas sociais da pobreza, dos salários em atraso, das reformas de miséria e ao desemprego.
É ou não verdade, Sr. Primeiro-Ministro? É ou não verdade, Sr. Ministro das Finanças? Por que não apresenta, então, o Governo novas protecções para as grandes opções do Plano, como lhe foram solicitadas, nomeadamente em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Ministro das Finanças, V. Ex. e entendeu trazer aqui o problema da extinção dos organismos e empresas públicas. Não se eximiu, aliás como vem sendo hábito do Governo, de verberar o comportamento da Assembleia e não se coibiu até de fazer processos de intenção ao comportamento eventual dos grupos parlamentares e dos deputados. Mas passemos adiante!
O Sr. Ministro invocou, entre outros argumentos, para justificar a posição do Governo aquilo a que chamou "a racionalidade microeconómica". Aceitemos, sem conceder, que no caso concreto a que me vou referir a racionalidade microeconómica tenha justificado o comportamento do Governo quanto à extinção - admitamos, repito, sem conceder - da Empresa Pública de Parques Industriais (EPPI).
A questão que lhe queria colocar é se a racionalidade microeconómica justifica o modo como o Governo se comportou, isto é, extinguindo a empresa sem consultar os seus corpos gerentes, os trabalhadores, os órgãos autárquicos que estavam empenhados em investimentos em colaboração com ela, lançando, de imediato, no desemprego os seus trabalhadores sem qualquer aviso prévio, fazendo ocupar pelas forças de segurança as respectivas instalações, no exacto dia em que entrava em vigor o decreto-lei relativo à sua extinção.
Sr. Ministro, a questão poder-lhe-á parecer como uma questão menor, mas penso que ela corre o risco de o não ser, na medida em que se arrisca a ser uma questão paradigmática quanto ao comportamento deste governo.

Vozes do PS e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Ministro, ao contrário do que afirma o Governo a proposta de lei n.º 16/IV, relativa ao orçamento do Estado para 1986, não está elaborada com competência, não é um orçamento de verdade nem visa o desagravamento fiscal dos portugueses.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Nunca mais muda de discurso!

O Orador: - A proposta de lei do Orçamento chegou tarde e incompleta; apresenta mapas e quadros que não condizem uns com os outros; contém erros de cálculo, como sublinhou a Comissão de Economia, Finanças e Plano; o seu relatório geral é de uma pobreza confrangedora; a promessa de um orçamento "de verdade" fica-se por isso mesmo, isto é, por promessas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Há dotações de despesas insuficientes - anuncia-se já um orçamento suplementar - e há despesas efectivas não orçamentadas, subavaliando artificialmente o défice orçamental; há receitas subavaliadas e receitas não orçamentadas, criando autênticas "almofadas" ou "sacos azuis".

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja: esta proposta de lei do Orçamento não se destina a resolver os problemas dos portugueses, antes tem por objectivo resolver problemas de sobrevivência política do Governo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Deste modo, a minha primeira pergunta é a seguinte: o maior dos "sacos azuis" é, sem dúvida, o do Fundo de Abastecimento. Ora, a impressionante queda dos preços do petróleo e a depreciação do dólar estão a gerar mais algumas dezenas de milhões de contos de receitas fiscais, no entanto, como por artes de magia, o Governo não procede à baixa dos preços dos combustíveis nem à inscrição orçamental desse aumento de receitas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Abaixa dos preços dos combustíveis pode e deve fazer-se...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... , sem que isso coloque em causa os actuais subsídios concedidos pelo Fundo de Abastecimento, como o Governo muito bem o sabe.
Assim, porque é que o Governo não procede à baixa do preço dos combustíveis? O que leva o Governo a pôr em causa a própria competitividade de muitas empresas portuguesas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A segunda pergunta respeita ao propagandeado desagravamento fiscal, que é desmentido pela própria proposta de lei. É certo que existe desagravamento fiscal para algumas camadas da população de maiores recursos e para os rendimentos do capital, mas, por sua vez, aumenta a carga fiscal global e, sobretudo, a que incide sobre a grande maioria dos trabalhadores e das famílias, quer no imposto profissional, quer no complementar, quer fundamentalmente nos impostos indirectos.
O relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano é claro a este respeito e este é um dos aspectos em que aparece bem vincada a política de classe deste governo, pelo que é preciso corrigir esses aspectos.

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Por conseguinte, entende, o Sr. Ministro que isso descaracterizaria a - proposta de lei n.º 16/IV, sobre ó Orçamento do Estado para 1986?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente - Tem a palavra ó Sr. Deputado José Lelo.

O Sr. José Leio (PS): - Sr. Ministro, V. Ex.º ressaltou com certo triunfalismo o carácter expansionista da presente proposta de lei do Orçamento do Estado.
E o Sr. Ministro não se limitou a abordar esses eventuais benefícios em termos genéricos; pelo contrário, V. Ex.ª desceu fundo aos particularismos.
Portanto, não desconhecendo 'o papel relevante e preponderante do Sr. Ministro na elaboração desta proposta de lei, considerar-me-ei , relevado de colocar a V. Ex.ª uma questão, que seria talvez mais bem endereçada ao Sr. Ministro da Defesa. Mas como suspeito que não terei essa oportunidade; tanto mais que ele não está presente, aqui vai ela: como é do conhecimento generalizado é difícil comparar, nominalmente em certas áreas os Orçamentos de 1986 com os de 1985, já que no ano, transacto os aumentos com pessoal estavam anteriormente inscritos na dotação do Ministério das Finanças.
No caso, do Ministério da Defesa, se descontarmos nessa perspectiva os 8,38 milhões de contos referentes aos aumentos com pessoal e embora admitindo a inclusão da verba de 5 milhões de contos para aquisição das fragatas Meko 200, de utilização obviamente aleatória, teremos um orçamento global de 99 milhões de contos, contra os 92,8.do ano passado, ou seja, um orçamento sectorial que representa só 6,02 % . da despesa global inscrita no Orçamento do Estado.
A variação do orçamento da Defesa de 1985 para 1986 corresponde a um aumento nominal, nessa perspectiva, de apenas 6;2 milhões de contos, ou seja, 6,7 %. Quer dizer, não fossem os tais 5 milhões de contos das fragatas e teríamos apenas 1,2 milhões de contos de crescimento.
Nessa óptica, tal qual estão as coisas, relativamente aos 6,7% de aumento no orçamento da Defesa, quando a inflação de 1985 , rondou os 20 % e a do presente ano estará pelos 15 %, não quererá, Sr. Ministro, dizer que o aumento referido quanto ao orçamento da Defesa é apenas, um crescimento negativo, que colo; cará em causa, a funcionalidade e as missões que estarão cometidas às nossas Forças, Armadas?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr: Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota,(PRD): - Sr. Ministro, procurarei intervir nos rigorosos termos regimentais, pelo que formularei apenas pedidos de esclarecimento e não produzirei qualquer. intervenção preliminar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A primeira questão respeita à:- análise sobre a evolução das receitasse despesas, apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças; que se reportou apenas ao Orçamento do Estado, ou seja, deixou de lado as receitas e despesas dos serviços e fundos autónomos e da segurança social.

Assim, considera ó Sr. Ministro que a natureza económica das receitas e despesas dos serviços e fundos autónomos é de tal , maneira diferente das do Orçamento do Estado que se justifica, em termos económicos, a, análise separada de umas e de outras?

A importância que atribuímos a esta questão tem, em primeiro lugar, a ver com o facto de as variações das receitas e despesas do Orçamento do Estado perderem muito da sua importância, em virtude das alterações que se tem verificado no âmbito desse orçamento, nomeadamente devido a ele passar a integrar alguns fundos autónomos; e, em segundo lugar, porque o Orçamento do Estado representa apenas uma parte do sector público administrativo e a actividade financeira dos outros subsectores tem implicações económicas da mesma natureza.

A segunda questão prende-se com o facto de saber quando é que o problema de correcção estrutural do défice externo anunciado virá à Assembleia da República.

A terceira questão respeita ao facto de o emprego e, em especial, o desemprego de longa duração não serem contemplados nas grandes opções do Plano.
Na verdade, 12 anos passados sobre o 25 de Abril há jovens, que nunca beneficiaram de oportunidades de emprego. Ora, o que é que nos poderá dizer o Governo sobre isto?

Por último, quanto ao peso das despesas com pessoal no Orçamento do Estado pergunto: que racionalidade dessas despesas, que reforma administrativa de que tanto, se falou e agora pouco se fala?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr. Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro, se houvesse dúvidas, a intervenção de V. Ex.ª permitiu esclareces que a proposta de Lei do Orçamento é um instrumento de política financeira virado para o agravamento das condições de vida da população portuguesa e para a destruição das empresas públicas do sector empresarial do Estado - aliás, é de notar que o Sr. Ministro começou por aí a sua intervenção.
Ora, refiro que, por exemplo, enquanto nesta proposta de lendo Orçamento, bem como naturalmente na proposta de lei n.º 15/IV, relativa às grandes opções do Plano para 1986 se prevê que o investimento do sector privado cresça 10 %, para o. sector empresarial do Estado admite-se apenas um crescimento de 2,8 %. Mas a discriminação' não se fica por aí; ela é agravada com a previsão de verbas diminutas para as indemnizações compensatórias às empresas do sector dos transportes e comunicações, onde nem sequer são cumpridos os compromissos assumidos pelo Estado através dos contratos-programa.

Na verdade, como nota o parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano, seriam necessários 34,5 milhões de contos para o cumprimento dos
contratos-programa com as sete empresas com quem o Estado se comprometeu a cumprir determinadas indemnizações.
No entanto, na proposta de lei do Orçamento 0 Governo prevê apenas 27 milhões para o conjunto das indemnizações compensatórias a todas as empresas de transportes e comunicações, situação esta que é agravada com o IVA, que estas empresas estão a suportar

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e que dão certamente alguns milhões de contos ao Estado, sem que sejam consideradas na referida proposta de lei.
Idêntica situação se passa, aliás, com as empresas públicas do sector da indústria e energia, onde as dotações de capital são, em termos reais, as menores dos últimos anos.
Por exemplo, para a EDP, em que está previsto um investimento da ordem dos 80 milhões de contos, não há nada quanto a dotações de capital, no entanto só de IVA a EDP poderá ter de pagar este ano ao Estado 16 milhões de contos. Por isso mesmo, talvez não seja de estranhar que alguma imprensa fale já em desmantelamento da EDP, com todas as consequências que isto tem para os trabalhadores, para a economia do País.
Ora, é neste contexto e pelas implicações que tudo isto tem no emprego, que se impõe que o Governo esclareça as razões do não fornecimento de elementos sobre a estrutura do emprego e do desemprego, bem como sobre a repartição funcional e pessoal do rendimento nacional.
Apesar de o Governo estar de costas viradas para os problemas do povo, do País, dos trabalhadores, ë conhecido de todos - e o Governo também sabe, com certeza - que a situação social se está a agravar, que os trabalhadores da função pública continuam com salários muito baixos e aquém das reais possibilidades do País neste momento, que o desemprego e o subdesemprego se estão a agravar, que a instabilidade no emprego e o trabalho precário aumentam, que cerca de um terço da população está a viver em condições de pobreza.
É assim que em todas estas situações, que as medidas propostas para o sector empresarial do Estado irão sem dúvida agravar, se impõe que o Governo esclareça por que continua a não apresentar dados sobre a repartição funcional do rendimento. Não será para esconder que, afinal, a repartição funcional do rendimento irá aparecer agravada para os rendimentos do trabalho?
E, quanto ao emprego, não será, afinal, para esconder que com a política proposta não há crescimento de emprego e que os milhares de trabalhadores desempregados e os jovens à procura do primeiro emprego continuarão sem resposta e sem uma solução para os seus graves problemas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): Sr. Ministro, permita-me que lhe diga que considero que a intervenção com que apresentou a proposta de lei do Orçamento do Estado e a proposta de lei das grandes opções do Plano foi uma alocução pobre, e pobre sobretudo de visão e de perspectivas sociais! Pode dizer-se mesmo, porventura, das mais pobres desta natureza, apresentadas nesta Câmara!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª dá-nos uma visão tecnicista, mas, pior ainda, uma visão estreitamente tecnicista, onde é difícil vislumbrar o Homem com os seus problemas concretos, o Homem real que deverá estar sempre no centro de qualquer orçamento, no centro de qualquer visão do Estado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - A técnica ao serviço do Homem!

O Orador: - E um dos exemplos mais flagrantes das mais gritantes omissões que o Governo faz, diz precisamente respeito à falta de qualquer indicação que nos permita considerar como vai encarar decisivamente a sua posição em relação à política de emprego, ou seja, em que direcção a vai orientar e que medidas vai tomar.
Em contrapartida, porém, são bem consideradas as posições governamentais no que apelidou de "flexibilização" da área laboral. Sendo, como sabemos, um dos aspectos mais sensíveis do nosso país a sofrer níveis de desemprego dos mais elevados dos países da CEE, lógico seria que esse fosse um dos temas, um dos problemas centrais, dentro da vastidão dos problemas sociais, que não se encontram presentes, palpitantes, na intervenção do Sr. Ministro e, igualmente, na maior parte das páginas das propostas de lei do Orçamento e das grandes opções do Plano.
Perante a gravidade da situação e atendendo às grandes opções do Plano temos razões para ficar preocupados, preocupações agravadas com a intervenção introdutória que o Sr. Ministro produziu.
Por isso, Sr. Ministro, perguntamos: que tipo de actuação vai o Governo encetar para fazer diminuir o número de desempregados, até porque, como sabe, todos os anos aumenta fortemente o número daqueles que procuram o primeiro emprego?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro, suponho que está claro para todos que um dos aspectos centrais de uma política de desenvolvimento assentará na capacidade de financiamento que é desenvolvido a partir das autarquias
locais ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... e que uma política que se possa apelidar de desenvolvimento regional terá de partir das opções, da vontade e da capacidade de financiamento das autarquias locais, já que, neste momento, ainda não há regiões.
Suponho igualmente que a este nível falar em desenvolvimento e em bem-estar das populações corresponde exactamente a encontrar no Orçamento as verbas adequadas para se conseguir esses objectivos.
Ora bem, Sr. Ministro, terá por inegável aquilo que inegável é, olhando para o Orçamento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A evolução da despesa, em termos do Orçamento do Estado, para transferências para as autarquias locais, isto é, a verba do Fundo de Equilíbrio Financeiro é claramente inferior à verba de evolução da despesa geral do Estado; em termos de despesa de capital é notoriamente inferior.

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Lembro ao Sr. Ministro que a verba prevista de evolução nominal do PIDDAC é de 59 % e que, para a despesa de capital das autarquias, prevê uma evolução de 15 %, sendo esta inferior em termos de despesa corrente e de acordo com todos os índices. E se pensar, por exemplo, a nível das transferências em globo para a administração local, tal evolução não passa de 13,8 %.
Isto corresponde naturalmente a uma opção do Governo, como igualmente é uma opção do Governo - e é disto que falo ao Sr. Ministro das Finanças neste momento - falar de política de desenvolvimento regional quando o que faz é opções centrais e centralizadas sobre aquilo que entende que em cada região deve ser feito para benefício de quem entende que deve ser beneficiado com essas políticas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, não há uma política de desenvolvimento regional no quadro deste Orçamento e destas grandes opções do Plano.
Na verdade, só poderá haver política de desenvolvimento regional quando houver a participação das autarquias na definição dessa mesma política. Ora, o que acontece, de facto, é que não existe tal 'participação quando ela parte de um chamado "Plano de Desenvolvimento Regional", que é um documento elaborado por técnicos - serão qualificados mas são técnicos, o que não é um menosprezo, mas não é uma visão regional ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... documento esse que serve para conformar depois todas as opções feitas, nomeadamente a nível de aplicação dos , investimentos do FEDER para os planos integrados de desenvolvimento regional, etc., verbas com que o Governo decide centralmente como é que quer beneficiar esta ou aquela zona.
Neste quadro, o Sr. Ministro não se ofenderá se lhe disser que a proposta de lei do Orçamento do Estado para 1986 é centralista ao nível das opções e centralizadora ao nível das verbas; centralista ao nível das opções porque estas são feitas pelo Governo e não pelas regiões, não pelas autarquias; centralizadora ao nível das verbas porque fica com a "parte de leão" e dá menos às autarquias.
A questão que lhe coloco é muito simples: o
Sr. Ministro sabe perfeitamente que a posição assumida
unanimemente pelos municípios é substancialmente
diferente da do Governo. Ora, no quadro da posição
global que o Governo tem relativamente a estas matérias, V. Ex.ª considera-se tão centralista e tão centralizador que ignore, que passe ao lado daquilo que é
a afirmação clara da vontade das autarquias portuguesas, nomeadamente quando, através da Associação
Nacional de Municípios, em congresso extraordinário
realizado recentemente, disseram que queriam mais de
25 % de aumento em relação ao Fundo de Equilíbrio
Financeiro do ano anterior?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro, que é o próximo orador inscrito.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Ministro das Finanças, afirmou V: Ex.ª que o Governo está no caminho certo para a resolução dos grandes problemas nacionais. Todavia, diversos aspectos fundamentais consubstanciados no Orçamento e nas grandes opções do Plano não correspondem a esta afirmação.
Citarei três pontos, que submeto à apreciação e à resposta do Sr. Ministro.
Em primeiro lugar, o Governo afirmou que ia praticar um desagravamento fiscal dos rendimentos do trabalho.

O Sr: António Capucho (PSD): - Outra vez?

O Orador: - Mas, na realidade, aquilo a que se assiste, tal como foi reconhecido pela própria Comissão de Economia, Finanças e Plano, é, em especial nos impostos indirectos e nos, impostos sobre o consumo, ao agravamento da carga fiscal, que vai atingir em especial as camadas de menor recurso. Portanto, em vez de desagravamento há um agravamento.
Em segundo lugar, outro aspecto extraordinariamente grave do Orçamento é a percentagem atribuída às transferências para a administração local -13,8 % - correspondente à variação entre 1985 e 1986. É certo que o próprio Governo não se cansa de elogiar o poder local democrático, nascido do 25 de Abril.
Mas como é possível conciliar essa defesa da autonomia e da democraticidade do poder local com uma verba de 13,8 %, que é inferior não só às receitas dos impostos, que são de mais de 22,8 %, como ainda à taxa de inflação de 1985; que foi de 19,8 %, e mesmo à própria previsão do Governo para a taxa de inflação em 1986, que é de, 14 %?
Como é que as autarquias locais podem sobreviver com tão pequena percentagem de transferências?
Em terceiro lugar, no capítulo dedicado à indústria, energia e comércio, nas grandes opções do Plano aponta-se um conjunto de medidas genéricas, nomeadamente a elaboração de legislação de base e de enquadramento, programas de formação técnico-profissional, etc. Mas num debate desta natureza impõe-se clarificar e concretizar alguns aspectos mais salientes da actividade económica. Nisso as grandes opções do Plano são omissas.
Por isso, perguntaria ao Sr. Ministro das Finanças e Plano o seguinte: ,no plano das medidas concretas, o que é que o Governo vai fazer em relação como exemplo da área industrial- ao Plano Siderúrgico Nacional, à exploração dos mistérios de ferro de Moncorvo, às pirites alentejanas ou ao Projecto do Alqueva?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Vasco Miguel.(PSD): - Só sabem ler a cartilha.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. - António Guterres (PS): - Sr. Ministro das Finanças, tivemos, da sua parte, uma descrição detalhada daquilo a que poderíamos chamar algumas das árvores deste Orçamento. Não ficámos, porém, com uma visão clara da floresta.

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Por ,isso, quero fazer-lhe, fundamentalmente, uma pergunta, embora tecendo em seu torno alguns comentários.
A pergunta é a seguinte: que estratégia de relançamento sustentado da economia é servida por este Orçamento do Estado? Portugal tem vivido, como é conhecido, num ciclo vicioso de empobrecimento e de endividamento. Tivemos, em 1980, uma primeira oportunidade de romper este ciclo, oportunidade essa perdida uma vez que, como sabe, em três anos se duplicou a dívida externa sem que nenhum benefício duradouro e palpável tenha resultado para a economia portuguesa.
Mas temos agora uma oportunidade de ouro para romper este ciclo porque, pela primeira vez, coincide a redução a zero do défice externo, a eliminação, embora temporária, dessa restrição fundamental da economia portuguesa, com um período altamente favorável na conjuntura internacional.
Pela primeira vez podemos ter uma política de desenvolvimento que não esteja em contraciclo, ou seja, que se insira num período de expansão da economia e do comércio mundiais.
Os Portugueses não perdoariam a este governo se ele não fosse capaz de corrigir a atitude que tem mantido, ao preocupar-se sobretudo com as questões pontuais mais susceptíveis de reforçar a sua imagem perante a opinião pública, preocupando-se menos com a capacidade de definir uma estratégia de relançamento sustentado da economia e uma política de correcção- das deficiências estruturais dessa mesma economia.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Gostaria de sublinhar que o Sr. Ministro afirmou ter esta Assembleia tido um comportamento exemplar na discussão na generalidade da proposta de Orçamento com o Governo.
As suas afirmações, que foram do agrado desta bancada, estão, no entanto, em contradição com aquilo que tem sido o discurso do Governo, acusando a Assembleia da República de boicotar sistematicamente a acção do Executivo.

Protestos do PSD.

Esta aparente contradição tem, afinal, uma solução simples: sempre que o Governo tem iniciativas indispensáveis à solução dos problemas nacionais, sempre que o Governo procura os consensos que têm de se encontrar para que haja uma estratégia para o desenvolvimento, a Assembleia responde positivamente e este grupo parlamentar fá-lo também com todo o interesse e com todo o empenho.
Sempre que o Governo entra numa estratégia de confronto, toma iniciativas ou apresenta propostas em áreas extremamente polémicas do ponto de vista político, não pode esperar, desta Assembleia e deste grupo parlamentar, outra coisa que não seja uma oposição firme, embora naturalmente uma oposição politicamente rigorosa.
Sr. Ministro das Finanças, penso que é fundamental que o debate deste Orçamento possa decorrer tendo por parte do Governo uma atitude de maior rigor e de menor demagogia; uma preocupação mais nítida com a perspectiva de solução dos problemas nacionais e um menor interesse na propaganda; e, finalmente, que o
Governo revele um maior interesse pelo conteúdo das coisas e um menor empenhamento na defesa da imagem dos seus membros.
Pela nossa parte, estamos dispostos a corresponder integralmente, se essa for a preocupação do Governo, como estaremos sempre dispostos a colaborar com o Governo em todas as áreas em que seja indispensável encontrar os consensos, sem os quais uma estratégia nacional para o desenvolvimento não será possível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Ministro das Finanças, a saúde é dos sectores que mais desfavoravelmente é atingido neste Orçamento de Estado. Na realidade, é necessário dizer desde já que o aumento previsto para a saúde, no Orçamento do Estado deste ano em relação ao Orçamento de 1985, é de, apenas, cerca de 11 % - muito inferir à taxa de inflação prevista por este Governo, que é de cerca de 14%, ou aos 16,5 % da taxa de evolução de preços de consumo público corrente.
Analisando as grandes rubricas das verbas para o orçamento do Serviço Nacional de Saúde observam-se aumentos de apenas 7,9% no que diz respeito aos hospitais centrais e de 10% aos hospitais distritais.
De igual modo, as verbas para convenções e para medicamentos são largamente insuficientes, como, aliás, ficou bem demonstrado e foi reconhecido, por unanimidade, na Comissão de Saúde, Segurança Social e Família.
É, no entanto, de salientar - e isso torna-se, de certa maneira, curioso - que está inscrita uma verba de 5,6 milhões de contos nas receitas próprias. Ora, se em 1985 apenas foi cobrado cerca de meio milhão de contos, tal verba só se poderá justificar se o Governo aumentar as taxas moderadoras já existentes ou lançar novas taxas moderadoras para a saúde. Será isso o que vai fazer, Sr. Ministro?
Como coaduna, este Governo, a sua apregoada política social de bem-estar com este orçamento para a saúde? Certamente não me irá responder como o fez a Sr.ª Ministra da Saúde na Comissão de Saúde, Segurança Social e Família, afirmando-me que o Governo teve de escolher e que, então, optou pelo sector da educação. Então e a saúde, Srs. Membros do Governo?
O Orçamento do Estado para o sector da saúde revela bem o bom exemplo do falso rigor e da competência deste governo,
O Governo concorda ou não que as verbas inscritas são insuficientes e que para se conseguir chegar ao final do ano terá de haver um orçamento suplementar para a saúde?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Ministro das Finanças, recentemente o Sr. Primeiro-Ministro declarou que o Governo teve a coragem de atacar as despesas desnecessárias mas que logo surgiu a oposição de certos grupos.

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I SÉRIE - NÚMERO 46

Em virtude de se ter gerado uma ideia de que tais declarações seriam um ataque à oposição e na medida em que hoje - e só hoje começamos a discutir o Orçamento do Estado e ainda porque começamos a ficar preocupados com o tipo de opinião do Governo em relação ao Parlamento, sobre o qual tem multiplicado observações menos felizes, gostaria de saber, concretamente da parte do Sr. Ministro das Finanças a que é que se referiu o Sr. Primeiro-Ministro, ou seja, a que tipo de despesas se referia e que grupos referenciava nas suas observações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.º começou, hoje, apresentando o Orçamento do Estado para 1986, por fazer algumas referências conotadas com medidas de reforma administrativa.
Na realidade, as grandes opções do plano contêm várias referências à necessidade da reforma da Administração Pública. Designadamente, recordamos uma que cai particularmente bem na minha bancada - diminuição radical das interferências administrativas do Estado na economia.
Mas, Sr. Ministro, nós entendemos que são necessárias medidas de reforma administrativa para comprimir a despesa corrente, para comprimir o consumo público, para, finalmente, alcançar patamares que permitam um combate efectivo ao aumento do défice pela diminuirão da despesa global.
Mas não encontramos, para além do enunciado geral destes objectivos, no texto das grandes opções do plano e, particularmente, no Orçamento - e é do Orçamento que aqui se trata - medidas concretas de reforma. Aquelas que vêm enunciadas no artigo 8.º e as que se traduzem, porventura, na extinção dos organismos de coordenação económica - esta última repescada do Orçamento do Estado para 1985 - são pouco, neste domínio.
É certo que V.Ex.ª referiu medidas concretas de extinção de comissões ou de serviços desnecessários, mas seria bom que elas aparecessem á esta Assembleia com o Orçamento, que é a sua sede própria, devidamente enquadradas numa política dê reforma.
É essa política que não vejo, é sobre ela que, gostaria de ouvir o comentário do Sr. Ministro.
Falou também V. Ex.ª de empresas públicas e da sua extinção empresas que se revelam insustentáveis. Estamos inteiramente de acordo com essa política, Sr. Ministro, mas ela não aparece devidamente evidenciada no texto de Orçamento que V. Ex.ª propôs à aprovação da Câmara. Continuamos a ver a proposta de realização de operações de tesouraria para fazer operações activas com empresas públicas que estão condenadas à morte.
Como é que se justifica também, Sr. Ministro, que
este tipo de medidas não tenha sido enquadrado numa
explanação de política geral do Governo em relação ao
sector público da economia?
Delas vamos tendo conhecimento - um pouco aqui e ali - pelos jornais, em notícias que nos chegam das últimas decisões do Conselho de Ministros. Mas elas não estão devidamente enquadradas no Orçamento que nos foi proposto. Também quis chamar a atenção do Sr. Ministro para este tema e pedir-lhe, sobre ele, uma explicação.

O Sr. Presidente: - O penúltimo, orador inscrito é o Sr. Deputado Lobo Xavier. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Ministro das Finanças, só a cronologia das inscrições nos impediu de falar, em primeiro lugar, da falta de humanismo na sua intervenção - antes do Sr. Deputado Tengarrinha.
Estou até tentado a trazer aqui uma comparação que não o deslustra - com a declaração de um célebre Presidente da Assembleia Nacional Francesa, declaração essa - que costumamos usar para efeitos didácticos e em que ele dizia: "Trata-se de um debate técnico, peço silêncio àqueles que nada percebem de técnica!"

Risos do CDS.

Quero dizer que apesar disso, quanto a vários aspectos técnicos contidos na sua intervenção, nós registamos com bastante agrado que algumas das suas afirmações já aqui foram proferidas por nós.
Essa "ginástica" ou essa estratégia de serem as receitas a medir as despesas, esse recurso aos ensinamentos das finanças privadas, sempre aqui o reclamámos.
Esse reconhecimento de que há défices maus e de que o multiplicador das despesas públicas em Portugal é diminuto também o aceitamos e encaramos com bastante agrado.
Sobre as questões fiscais, quero dizer ao Sr. Ministro o seguinte: é que o que nos preocupa não é o montante de receitas cobrado nem é saber que ele, porventura, diminuirá - afirmação que o Governo parece apresentar com orgulho no que diz respeito aos impostos directos. O que nos preocupa é, antes, a distribuição da carga fiscal e nisso parece que nada muda para bem, sobretudo quando verificamos o grande aumento da percentagem dos impostos indirectos relativamente aos directos.
Parece-nos também uma questão gritante o facto de, por exemplo, os impostos extraordinários - que continuam a ser mantidos apesar de terem sido classificados de extraordinários por serem destinados a vigorar só para um exercício - excederem em montante as receitas do imposto complementar.
Em último lugar, quero dizer ao Sr. Ministro das Finanças que também não compreendemos - e enquanto não compreendermos somos obrigados a pensar que, desculpe o termo, se trata de demagogia o artigo 50.º da proposta de lei do Orçamento em que se pede autorização para fazer as modificações necessárias para cobrar impostos à função pública e aos titulares de cargos políticos. Não é por que sejamos contra isso - aliás na nossa recente campanha eleitoral falámos disso -, mas a verdade é que se trata de uma autorização perfeitamente evidente e da qual era desnecessário vir aqui falar.
Parece que é apenas uma proposta de fachada porque toda a gente sabe que a entrada em vigor do imposto único precisava desta modificação, deste alargamento, e não percebo como é que só vem esta referência ao alargamento e às questões relativas ao imposto único e não vêm outras que também são necessárias e que seria bom serem aqui discutidas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Abel Almeida, que é o último deputado inscrito para formular pedidos de esclarecimento.

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O Sr. Abel Almeida (CDS): - Sr. Ministro das Finanças, referiu V. Ex.º a necessidade de se proceder à redução do stock da dívida pública. A questão que desejo formular a V. Ex.º é a seguinte: no quadro da política governamental actual e mantendo-se estáveis os parâmetros financeiros essenciais, que redução estima o Governo como possível nos próximos anos, ainda que em termos percentuais e relativos?
A segunda questão que quero colocar tem a ver com o problema das bonificações e da necessidade da sua progressiva redução. Esta questão está, naturalmente, ligada ao eventual abrandamento das taxas de juro. A manterem-se constantes os actuais parâmetros, pergunto a V. Ex.ª se o Governo pensa proceder à redução das taxas de juro nos próximos meses.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças, para prestar esclarecimentos aos Srs. Deputados.

O Sr. Ministro das Finanças: - Srs. Deputados, o rol de perguntas é muito longo e o Governo tem o tempo muito limitado. Perdoar-me-ão, por isso, se não responder a todas elas ou se, em alguns casos, não responder de forma satisfatória.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca refere que o imposto profissional não desagrava a tributação sobre os rendimentos do trabalho. De facto, o imposto profissional não deve ser visto isoladamente; tem de ser visto em articulação com a redução do ex-Fundo de Desemprego e o que posso referir é que os nossos cálculos- demonstram que para 85 % dos contribuintes sujeitos a impostos sobre os rendimentos do trabalho há desagravamento ou, pelo menos, não há agravamento considerando o imposto profissional e o ex-Fundo de Desemprego - e que só para 15 % dos contribuintes é que há, de facto, agravamento. Só que é extremamente difícil fazer qualquer alteração num imposto progressivo porque a sua lógica é essa mesmo. Quer se mudem os escalões, quer se mudem as taxas, quer se façam ambas as coisas, haverá sempre um ou outro contribuinte penalizado. Se o imposto fosse de taxa única e proporcional, Sr. Deputado, este inconveniente nunca surgiria.
Quanto às empresas e ao perigo que vê na posição do Governo relativamente às pequenas e médias empresas, queria dizer-lhe, Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, que a política do Governo vai profundamente no sentido de apoiar e encorajar a vida empresarial em Portugal, seja ela tomada pelas pequenas e médias empresas que constituem, aliás, a esmagadora maioria do nosso universo seja ela tomada por uma grande empresa, também necessária entre nós.
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas fez-me perguntas que me surpreendem ...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Não me diga!?...

O Orador: - ... , dado que não esperaria que elas viessem da sua parte.
Quando me diz que não vê, em 1986, efeitos da substituição de importações ou do acréscimo de exportações, que projectámos a prazo, dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que, como muito bem sabe, qualquer esforço de investimento só produz efeitos passado o prazo de maturação. Assim, se fizermos hoje um esforço de investimento em que apostamos, os seus efeitos só aparecerão daqui a 2, 3 ou 4 anos, dependendo isso, repito, do prazo de maturação.
Quanto às novas projecções macroeconómicas, já me referi a elas no discurso inicial e já todos os Srs. Deputados tiveram acesso a uma informação adicional
- precisamente a n.º 1, de 7 de Março -, em que se faz uma primeira revisão das projecções macroeconómicas.
Sr. Deputado, as projecções macroeconómicas não valem por si mesmas; não se congelam. Mudando os pressupostos, há que mudar as projecções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - E vão mudar?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Foi isso que o Governo não fez!

O Orador: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, sobre a extinção de serviços e empresas públicas, lamento que o Sr. Deputado tivesse interpretado mal (pelo menos parcialmente) as minhas palavras.
O que eu disse foi, precisamente, que a disciplina das finanças públicas exige, além de outras coisas, a extinção de alguns serviços públicos e o encerramento, parcial ou total, de algumas empresas públicas.
Não o fazer - e tal deveria ter já sido feito há alguns anos atrás é adiar um problema visível para toda a gente e que, repito, está na raiz desta situação cancerosa, que é a indisciplina das finanças públicas e os défices do Orçamento do Estado.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira falou-me do Fundo de Abastecimento dos Combustíveis e dos preços dos combustíveis em Portugal.
Sr. Deputado, deixe-me fazer-lhe, entre outras, uma distinção fundamental: os preços de bens de consumo, como a gasolina, são uma coisa e os preços de factores de produção, como o fuel, são outra.
Quanto ao fuel e ao gasóleo, a nossa comparação com o que se passa lá por fora não é nada desprimorosa para a competitividade da indústria e da economia portuguesas em geral.
O gasóleo está em Portugal, comparado com muitos países, abaixo ou ao mesmo nível.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Está a dar 3 contos por tonelada! ...

O Orador: - É certo que, relativamente a alguns países, poderá estar acima, mas, em média, está precisamente um bocado abaixo da média geral da Europa.
Quanto ao fuel, também não está muito acima.
Portanto, em termos de competitividade, não estamos, neste momento, altamente pressionados para mexer nos preços dos combustíveis - isto quanto aos factores de produção, Sr. Deputado. Quanto ao bem de consumo, aliás não essencial, que é a gasolina, deixe-me dizer-lhe que não há, a nosso ver, razões políticas, económicas ou financeiras para mexer nesses preços. Aliás, nessa matéria estamos em perfeito acordo com o que se passa na Comunidade Económica Europeia e noutros países ...

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O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Que estão a baixar o preço dos combustíveis!

O Orador: - ..., que têm estado a recomendar que se introduza uma componente parafiscal nos preços dos combustíveis, de modo a evitar que se reduzam excessivamente os preços dos combustíveis e se percam poupanças energéticas feitas ao longo dos últimos anos.

Aplausos do PSD.

Aliás, Sr. Deputado, seria um erro gravíssimo estar a assentar uma mudança dos preços dos combustíveis; de bens não essenciais, em algo que pode ser puramente efémero, como o é a actual conjuntura de preços de combustíveis, preços de barril de petróleo e de cotação do dólar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas por que é que

confunde combustíveis com gasóleo?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - O que vocês querem é o «saco azul»!

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - E o que vocês querem é o vermelho!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os apartes são aceitáveis, mas o que não é regimental é um diálogo de apartes.

Faça favor de prosseguir, Sr. Ministro.

O Orador: - Sr. Deputado José Leio, o Ministro da Defesa Nacional, como tenho dito relativamente a todos os Ministérios, foi, efectivamente, um Ministro das Finanças para fins de orçamento militar.
No entanto - não sei se entendi bem a sua intervenção -, o Sr. Deputado estava a sugerir que houvesse reforços para fim de despesas, militares?

O Sr. José Leio (PS): - Não, estava, não!

O Orador: - É. que o nosso .Orçamento, que, de facto, é o fruto de forte disciplina nas finanças públicas, implicou, para a Defesa Nacional, que houvesse, da parte dos Chefes de Estado Maior - impecáveis na sua atitude para com o Orçamento -, um ajustamento no nível de actividade das Forças Armadas.
É por aí que temos de ir. Se o Orçamento não pode ser tão grande quanto seria desejável para satisfazer nível normal (normal por inércia) de actividade, o que se tem de fazer para evitar défice é reduzir ou reajustar o nível de actividade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao, Sr. Deputado Magalhães Mota, queria agradecer-lhe por se ter restringido apenas a perguntas.
Quanto ao Orçamento do Estado e ao sector público administrativo, estou completamente de acordo com o facto de termos de olhar para tal sector. Aliás, não temos feito outra coisa, Sr. Deputado, pois, quando estabelecemos a lógica macroeconómica que subjaz a este Orçamento do Estado, olhámos precisamente para o sector público administrativo, para o défice global que poderia ter e para as necessidades de financiamento que iria exigir.
De resto, referi (talvez longamente demais) na minha intervenção este ponto, e em alguns documentos informativos transmitidos à Comissão de Economia, Finanças e Plano, ele é também muito sublinhado. Portanto, estou de acordo com o facto de ser para o sector público administrativo, e não só para o Orçamento do Estado, que temos de olhar. Nós temos feito isso!
Quanto ao programa de correcção estrutural do défice externo, estamos a trabalhar nesse ponto e o Conselho Permanente de Concertação Social também o está a fazer - tal faz parte do seu programa de actividades para 1986.
Esperamos ter uma primeira versão acabada no fim do 1.º semestre de 1986 e, nessa altura, teremos muito gosto e muito interesse em trazê-lo ao conhecimento da Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Quanto à questão do emprego e do desemprego, Sr. Deputado Magalhães Mota, a taxa de desemprego em Portugal, como nos outros países, é algo que não se pode mudar de um ano para o outro.
Em 1986 não haverá aumento do desemprego e, em 1987 e nos anos seguintes, se a nossa estratégia macroeconómica for aplicada, haverá, gradualmente, redução da taxa de desemprego.
O crescimento da economia portuguesa, que se fará a boa taxa global, verificar-se-á graças ao aumento da produtividade que é bem necessária!, e ao aumento do emprego, que é, de facto, bem necessário também!

Vozes dó PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às despesas de pessoal, Sr. Deputado Magalhães Mota, V. Ex.ª diz que não fizemos grandes desenvolvimentos sobre a reforma administrativa.
A reforma administrativa há-de ser também, para além de todos os aspectos qualitativos que ela envolve, um efeito da disciplina das finanças públicas. Tal significa que não é a reforma administrativa que vai implicar disciplina nas finanças públicas. Ao invés, a disciplina no Orçamento do Estado, na sua execução, é que há-de trazer também, entre outros efeitos, a própria reforma e modernização administrativas.
Quanto às despesas de pessoal, consideramos que tal é um ponto vital nessa disciplina das finanças públicas - temos dito isso várias vezes.
Os efectivos da função pública não devem aumentar, salvaguardando as áreas da educação e da saúde. O que deveremos é actuar pela mobilidade e reafectação de pessoal dentro da função pública, aproveitando aqueles que estão a fazer muito pouco e recolocando-os em lugares em que façam muito.
Dou um exemplo muito recente: a administração do IVA precisa de centenas de funcionários. Pois a administração do IVA tem a proibição absoluta de admitir qualquer pessoa exterior à função pública, salvo, eventualmente, um ou outro caso de função muito específica...Como é que está a preencher os lugares (já lá têm dezenas assim)? Por reafectação da função pública, isto é, têm ido buscar funcionários aos diversos ministérios.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Suponho que isto, Srs. Deputados, é também um aspecto de reforma administrativa - claro que é um aspecto fundamental da disciplina das finanças públicas.

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A Sr.º Deputada lida Figueiredo falou do sector empresarial do Estado, falou do emprego e disse que havia falta de elementos. Ó Sr.º Deputada lida Figueiredo, alguma vez - suponho que não, mas poderei estar enganado - a Assembleia da República teve elementos em tão grande quantidade e em tanta qualidade como neste ano, a fim de apreciar a proposta do Orçamento do Estado?

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Então, onde está a repartição funcional dos rendimentos?

O Orador: - E sobre a falta de elementos respeitantes ao emprego, a informação adicional n.º 1, de 7 de Março, designadamente, dá-lhe a resposta. Isto se a Sr.º Deputada não tiver encontrado já resposta em exposições do Ministro das Finanças ou de outros membros do Governo. Aliás, poderá ainda encontrar nas próprias grandes opções do Plano, numa leitura inteligente, atenta a demorada - por falta de tempo poderá não o ter feito - referências a esse aspecto.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Então dê a resposta que lhe pedi! Quais são os elementos?

O Orador: - Sr. Presidente, dá-me licença...?

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro tem que se habituar
a estas reacções ...

Aplausos do PCP.

... , embora, de facto, sejam excessivas.
Eu disse que eram excessivas e, portanto, não há razão para aplausos, a não ser ao adjectivo excesso...

Risos.

Sr. Ministro, faça favor de prosseguir.

O Orador: - Sr. Presidente, muito obrigada pela neutralidade demonstrada e quero dizer-lhe que terei muito gosto nestas intervenções se V. Ex.ª as tiver em conta para fins de tempo.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Teve uma saída inteligente!

Risos.

O Sr. Presidente: - É sempre descontado; já é um sistema institucionalizado, Sr. Ministro.

O Orador: - Quanto à distribuição do rendimento, Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, asseguro-lhe que a distribuição de rendimento, em 1986, vai melhorar em benefício do trabalho.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas quanto? Diga quanto!

O Orador: - Asseguro-lhe isto como Ministro das Finanças, como membro do Governo e também pessoalmente, se isso valer alguma coisa para a Sr.ª Deputada.
Quanto ao Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha V. Ex.ª disse que a minha exposição foi pobre.
Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha, o que é pobre é o Orçamento do Estado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado queria que eu colocasse o homem no centro de quê? Da disciplina das finanças públicas?
É isso, Sr. Deputado, que está em causa neste Orçamento de Estado para 1986, porque esse é o problema mais grave que temos neste momento em matéria orçamental.
Quanto à baixa da taxa de desemprego nos próximos anos - já me referi a esse ponto a propósito da pergunta do Sr. Deputado Magalhães Mota -, é como o crescimento da economia, graças ao crescimento da produtividade e graças ao crescimento do emprego, que a taxa de desemprego vai, seguramente também, baixar nos próximos anos. Porém, Sr. Deputado, isso faz-se gradualmente.
Sr. Deputado João Amaral, quanto às autarquias locais e quanto ao desenvolvimento regional, permita-me que lhe peça para aguardar pelo discurso e pelos esclarecimentos do Sr. Ministro do Plano e Administração do Território, que serão realizados amanhã.
O Sr. Deputado Raul Castro afirmou que a carga fiscal aumenta. Porém, no meu discurso já disse que tal não se verifica.
Tendo em conta os impostos liquidados e não cobrados, que totalizam várias dezenas de milhões de contos só em 1985 - repito, impostos liquidados e não cobrados -, e, por outro lado, tendo em conta o aumento da eficácia do sistema fiscal, que resulta, em 1986, designadamente da entrada do IVA, Sr. Deputado Raul Castro, não há agravamento fiscal, em 1986, digno de nota. É isso que os meus serviços técnicos me dizem.
Quanto às autarquias locais, às grandes opções do Plano e à indústria e comércio, remeteria as suas perguntas, Sr. Deputado, para as intervenções do Sr. Ministro do Plano e do Sr. Ministro da Indústria e Comércio, que serão feitas proximamente.
Quanto ao Sr. Deputado António Guterres, V. Ex.ª desenvolveu uma exposição e, que me recorde, fez, quanto muito, uma pergunta sobre a estratégia de crescimento da economia portuguesa.
Sr. Deputado, a estratégia é visível, tanto mais para um leitor conhecedor como o Sr. Deputado, nos nossos documentos, quer no Programa do Governo, quer nas próprias grandes opções do Plano, quer ainda nas nossas intervenções.
A política macro-económica que apoia essa estratégia de crescimento está virada não só para o lado da procura, como tem sido tradicional entre nós, mas também para o lado da oferta. E aí desempenha um papel vital a nossa chamada política de redução dos custos unitários da produção, designadamente dos custos unitários de emprego.
Porém, tal não significa reduzir os salários reais pelo contrário, os salários reais poderão e deverão crescer. O que significa é reduzir outros custos do emprego, designadamente custos de ordem fiscal.
Pelo lado da procura, Sr. Deputado António Guterres, deixe-me dizer-lhe que a nossa política não é cegamente keynesiana. Aliás, como referi no meu discurso, as despesas públicas têm um multiplicador muito reduzido na economia portuguesa, que, segundo o modelo econométrico, consideramos muito acertado. Assim, o multiplicador das despesas públicas em Portugal não ultrapassará os 0,5.
Portanto, não é por aí que vamos dinamizar o crescimento mas, sim, pelo sector produtivo, pelas empresas.

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Quanto ao pedido de esclarecimento sobre o Ministério da Saúde, feito, pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro, devo dizer-lhe que, mais uma vez e ,como referi há pouco a propósito do Ministério da Defesa, a Sr.ª Ministra da Saúde foi um autêntico, ministro das Finanças no seu Ministério. E é com muito apreço que refiro aqui o esforço que fez para a contenção do Orçamento. Assim, espera a Sr. Ministra, da Saúde que consiga ajustar o ano de 1986 ao orçamento da saúde, graças a esforços de eficiência e de economia de despesa. Contudo a Sr.ª Ministra da Saúde vai, ter, certamente, oportunidade para lhe responder com muito mais, qualidade do que aquela com que estou a fazer.
Sr. Deputado Miranda Calha, quanto às despesas falei, de facto;, em alguns casos que revelam, para as palavras que, o Sr. Primeiro-Ministro terá referido, designadamente os casos, de extinção de serviços públicos.
Mas, felizmente, o Sr. Primeiro-Ministro não precisa de correios, nem precisa de recados ou pedidos de esclarecimento por interposto Ministro. Sr. Deputado, o Sr. Primeiro-Ministro responder-lhe-á, depois, certamente com muito, gosto.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, quanto à reforma administrativa, volto a dizer que está reforma e a modernização na função pública hão-de ser um, efeito da própria disciplina das finanças públicas, sem prejuízo da actuação noutros domínios e por outros lados, isto é, há-de ser uma consequência da disciplina orçamental, que tem a ver com os efectivos, com a produtividade, com os métodos e com a extinção de serviços.
Portanto Sr. Deputado, estranho que me venham dizer que este Governo não pensa em termos de reforma administrativa. Ora, quando, o Executivo está a pensar no âmbito da disciplina das finanças públicas, está a fazê-lo, implicitamente e, com grande força, na modernização da Administração Pública.
Diz-me também, V. Ex.ª que estranha, que se continuem a fazer operações de tesouraria, no que respeita às empresas públicas condenadas.
Sr. Deputado quanto a isso só estamos a respeitar a doutrina tecida pela Comissão de Economia, Fianças e Plano a propósito do orçamento suplementar que foi sancionada pela Assembleia da República.
Enquanto não estiver provado que uma empresa pública está efectivamente encerrada, não há que proceder de outro modo a não ser realizar operações activas financeiras. Foi esta a doutrina estabelecida há poucas semanas pela Assembleia da República e, a contragosto estamos a respeita-la.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não é verdade!

O Orador: - Sr. Deputado Lobo Xavier, no que, se refere à questão da carga fiscal já prestei esclarecimentos.
No que respeita à estruturada tributação directa e indirecta, o Sr. Deputado sabe que, quando temos um sistema fiscal caduco e introduzimos um imposto ,
altamente eficaz e poderoso como é o IVA, isso é inevitável. A estrutura
agrava-se no sentido da tributação indirecta; é inevitável. Só, quando modernizarmos todo o
sistema fiscal é que poderemos evitar isso.
Quanto à questão da tributação da ,função pública, ,deixe-me dizer-lhe que, de facto, a inclusão do artigo 50.º no Orçamento do Estado tem para o Governo um
valor emblemático. É importante que o Parlamento nos
diga que, podemos pôr em prática a tributação da função pública.
Sr. Deputado Abel de Almeida, no respeitante à questão do stock de dívida para os próximos anos e do respectivo valor relativo no PIB, pode V. Ex.ª ler a informação adicional n.º 13 do Orçamento de Estado, que inclui estes elementos analisados sob vários hipotéticos cenários.
Quanto ao caso da próxima redução das taxas, de juro, Sr. Deputado, vamos aguardar.
A inflação está, de facto, dentro da meta que o Governo estabeleceu e que era não ultrapassar os 14%. Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro vai ter oportunidade de se referir, muito proximamente e em profundidade, a esses aspectos:

Ap1ausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (Indep,.): - Para interpelar a Mesa; Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça, favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, gerou-se aqui uma situação que reputo menos agradável para o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro não entendeu a' pergunta, que lhe fiz
- certamente por culpa minha - e ficou impossibilitado, contra o que era seguramente a sua; vontade, de me responder.
Não inquiri o Sr. Ministro das razões que podem justificar a extinção de uma empresa pública, não lhe perguntei as razões que podem justificar a extinção da Empresa Pública de Parques Industriais, nas condições exactas em que foi feito, isto é, à revelia dos trabalhadores, colocando-os no desemprego sem aviso prévio; à revelia do conselho de gerência; ou à revelia das autarquias, com a ocupação da instalação ,pelas forças de segurança no dia da publicação do respectivo decreto-lei.

O Sr. António Capucho (PSD): - Isto não, é uma
interpelação à Mesa!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, sendo V. Ex.ª um grande regimentalista, sabe que não fez uma interpelação à Mesa, porque as interpelações à Mesa destinam-se á eliminar dúvidas sobre as decisões desta ou quanto à orientação dos trabalhos.
O Sr. Deputado fez uma pergunta ao Sr. Ministro
das Finanças que reputo de, legítima, mas que não
podia ter feito neste momento.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral(PCP): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:- Pode fazê-lo, mas com as regras que já defini, Sr. Deputado, e que vêm expressas no
n.º 2 do artigo 85.º do Regimento.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, lamento, mas não ouvi as regras.

Risos do PSD e do CDS.

No entanto, as regras "com que me coso" são as do Regimento e estou convencido de que não haverá qualquer espécie de problema.
Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa e V. Ex.º no sentido de obter uma informação do Sr. Primeiro-Ministro sobre uma questão que me parece extremamente importante e que é a seguinte: no Orçamento do Estado está prevista uma verba de 5,1 milhões de contos para financiamento do projecto das três fragatas e o problema que se põe é muito simples ...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é evidente que depois de tanto se falar de ginástica orçamental, também se pode fazer ginástica parlamentar.
Sr. Deputado João Amaral, tem V. Ex.º de colocar uma pergunta à Mesa e não ao Sr. Primeiro-Ministro.
Qual é a pergunta que faz à Mesa, Sr. Deputado?

O Orador: - Sr. Presidente, se V. Ex.º permite que eu conclua, gostaria de colocar uma pergunta à Mesa e que é a seguinte: dada a importância que tem aquela operação para os encargos orçamentais, bem como no plano das opções das Forças Armadas e do seu equipamento, gostaria de saber se o Sr. Presidente pode solicitar do Sr. Primeiro-Ministro uma informação no sentido de saber - dado que queremos interpelar o Governo sobre esta matéria - se o Sr. Ministro da Defesa Nacional vem ou não ao Parlamento e se pode responder às questões que lhe queremos colocar.
Portanto, esta interpelação tem o exacto sentido de o ser sobre a matéria em concreto que é a seguinte: vem à Assembleia o Sr. Ministro da Defesa e será possível colocar-lhe uma questão que para nós é central e da maior relevância?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, transmitirei a sua pergunta ao Sr. Ministro da Defesa, visto que, com certeza, ninguém do Governo a ouviu.
Srs. Deputados, de seguida e para uma intervenção, teria a palavra o Sr. Deputado Correia Gago. Contudo, dado que se aproxima o momento de interrompermos a sessão e dado que a exposição do Sr. Deputado Correia Gago se prolongaria para além do intervalo regimental - marcado para as 17 horas e 30 minutos -, considero ser preferível proferi-la após o reinicio da sessão.
Srs. Deputados, os trabalhos recomeçarão às 17 horas e 50 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Gago.

O Sr. Correia Gago (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao fazer a minha primeira intervenção nesta apreciação, em Plenário, das grandes opções do Plano para 1986, é me indispensável, como prólogo, contrastar o importante significado formal e político que as leis em vigor atribuem ao acto que estamos praticando, com o reduzido significado prático que as circunstâncias virão a atribuir-lhe.

O significado formal e político desta apreciação deveria ser a verificação conscienciosa, pela representação nacional que constituímos, da adequação e conformidade dos objectivos e medidas concretas que o Governo se proporia adoptar, para o horizonte temporal de um ano civil, com as opções e directrizes fundamentais que a Assembleia da República tivesse aprovado para a condução da política nacional de desenvolvimento e modernização - opções e directrizes que constituiriam o plano plurianual, cuja existência é norma constitucional desrespeitada.
Desse desrespeito está o actual Governo, por enquanto, inocente, e é de registar a intenção que manifesta de vir a preparar um plano para o período 1987-1990, bem como a inserção que pretende se faça das grandes opções que nos apresentou, no processo de preparação desse Plano plurianual.

Só que, no plano do significado prático desta apreciação e debate, a realidade é que os resultados que ela produza, a menos que sejam radicalmente negativos por uma eventual rejeição - e quanto às grandes opções do Plano, mesmo assim -, que desde já direi não se me afigurar desejável, esses resultados serão escassos, para não dizer irrelevantes. É que, Srs. Deputados, estamos em meados de Março a apreciar um programa anual, a sua consagração em lei dar-se-á com um quarto do ano transcorrido, e a matéria que nos é submetida é de tal forma difusa e genérica nos seus aspectos propositivos, de tal forma óbvia e consabida nos seus aspectos de diagnóstico e enquadramento, de tal forma previsível, face ao Programa do Governo que oportunamente debatemos nesta Câmara, que há muito pouco por onde convictamente se lhe agarre com vista a fazer que o debate produza resultados palpáveis na governação do Pais, até final do ano.

É certo que, se adoptássemos a perspectiva de médio prazo que o Governo nos diz ter sido uma das finalidades principais a que as grandes opções para 1986 corresponderam, se o fizéssemos, o carácter de generalidade das formulações, dos objectivos e das medidas, e a intencionalidade dos programas financeiramente quantificados, adquiririam outro sentido, pelo que dizem, pelo que calam e pelo que representam. Não creio, todavia, que possamos adoptar essa postura. Não deverá, em minha opinião, a Assembleia da República sancionar como embrião de um plano plurianual um documento que nem formalmente, nem legalmente, nem substancialmente, o é - porque se comprometeria prematuramente com o Governo, em matéria de fundamental importância, para além do ano que decorre. Nem creio, igualmente, aconselhável, impedir que o Governo disponha de um instrumento legal indispensável ao pleno exercício das suas competências e à total assunção das suas responsabilidades até final do ano, só porque as circunstâncias cronológicas e a história do passado próximo o obrigaram a apresentar tarde, mal arrumada e desenquadrada de um plano de médio prazo, que não existe, a proposta de lei que nos submete.

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Pela minha parte é, pois, designadamente que irei participar neste debate, como quem toma parte num ritual formalmente indispensável.
Creio, todavia, que esta Câmara terá dê preocupar-se a fundo com o cumprimento do imperativo constitucional de preparação de planos plurianuais aprovados pela Assembleia da República, dos quais os programas anuais constituirão concretizações e especificações que o Governo sé proponha executar. O simples enunciado desta preocupação, associado à instabilidade governamental que vem caracterizando, a história política da II República, enfatiza o enorme significado e importância de quero plano plurianual deverá revestir-se na prossecução continuada de objectivos estratégicos para um país com gravíssimos: problemas estruturais para resolver: Ao ser aprovado pela representação nacional, um plano plurianual haveria de manter toda a sua validade e enquadrar a acção de qualquer governo, enquanto o Parlamento, em resultado de eleições que significativamente lhe alterem a composição ou por verificar a necessidade de alteração das opções e directrizes fundamentais a que tal plano, se deverá reconduzir, enquanto o Parlamento, dizia não entenda dever substituí-lo. Os efeitos estabilizadores que daqui resultariam assumem tal relevância e, em nosso entender, correspondem tão claramente ao interesse nacional, que o Partido Renovador Democrático irá estudar e propor as iniciativas, legislativas susceptíveis de consagrar, esta concepção.
Dito isto, iremos tentar debater, com a convicção mitigada pela precária,, utilidade possível, mas com inteira honestidade, intelectual e política, aqueles aspectos que, no extenso, e prolixo, documento que nos ocupa, ofereçam para tal, matéria sofrivelmente concreta.
Nesta intervenção abordarei apenas, sem surpresa más com reforçada preocupação, á negligência e relativo desinteresse com que o Governo equaciona o papel que o sector público empresarial poderia e deveria desempenhar, na sua, do Governo, louvável tentativa de relançamento da actividade económica, e em especial, do investimento - a tão falada «estratégia de desenvolvimento controlado». Esta atitude é de todo incompreensível por parte do Governo de um. país em que o sector público tem a extensão e diversidade que se verifica em Portugal, e tanto mais incompreensível quanto o Governo não assume, pelo menos declaradamente, a intenção de reduzir, drasticamente, a presença directa do Estado no sistema produtivo. Tal não é em todo o caso, uma grande opção assumida no Plano, pelo que fica intransitiva, e torna o Plano, inconsistente, a afirmação que, no subcapítulo sobre política de crescimento, o Governo faz-se que cito: «Em suma, o Estado deverá ser essencialmente um produtor de infra-estruturas» é textual «e um difusor de informação útil nas melhores condições aos agentes económicos responsáveis pelo investimento produtivo». Cabe aqui perguntar, entre parêntesis,- se é, por causa deste papel de «difusor de informação, útil» que, na política de investimento que esboça, o sector das telecomunicações constitui, com o óbvio acrescento do energético, a única referência feita a. um papel importante das empresas públicas na indução de maior volume de investimento.
Aquela afirmação sobre o que o Estado deverá ser fica, disse intransitiva, porque o Estado não é, actualmente, apenas aquilo que o Governo entende que deve
ria ser, nem o Governo ousa propor, nada de concreto para que ele seja o que ele entende que devia. E torna o Plano inconsistente porque o afasta e despreocupa da valorização de poderosos instrumentos de que o Estado dispõe para agenciar o crescimento e o desenvolvimento: Não esqueço, a prometida extinção de empresas «que se mostram definitivamente inviáveis e que constituem um fardo insuportável para o Orçamento do Estado»; intenção formulada com perigosa ambiguidade mas que, mesmo sé correctamente aplicada, nada tem de opção política - será apenas a consequência administrativa de óbvias contingências da vida empresarial, pública ou privada. Mas o Governo esqueceu-se, por exemplo e salvo erro de explicitar no Plano os critérios de alienação de participações sociais, directas e indirectas, do Estado em empresas industriais, prática que já iniciou e que teria aqui perfeito cabimento e oportunidade de aferição quanto aos seus objectivos. Assinalarei como correctas, e merecedoras de apoio, as orientações de «devolver às empresas públicas a mais ampla autonomia de gestão consentida pelas circunstâncias de cada uma», a de prosseguir na via da exploração das virtualidades dos contratos-programa, e algumas outras que ò Governo; genericamente; refere como «elementos para a formulação do PISEE (Plano do Investimento, do Sector Empresarial do Estado)». Na economia global do Plano elas aparecem, estas medidas, todavia, mais, bastante mais, como penosas transigências com uma realidade que pesa ao Governo, do que como activa assunção da responsabilidade de vitalizar e aproveitar um conjunto de unidades empresariais. Onde se concentra á maior e melhor parte das potencialidades humanas técnicas, patrimoniais; de investigação e desenvolvimento e até, em alguns casos, financeiras, de que o País dispõe, e cujo enjeitamento, e consequente degradação, implicam pesada responsabilidade política em que nenhum governo haveria de incorrer!

Uma voz do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto, o sector público, empresarial tiver, pelo menos, a importância é a envergadura que lhe são constitucionalmente reservadas, o seu, papel na actividade económica será sempre determinante seja como motor seja como travão. É, enquanto constitucionalmente assim for, não têm pertinência, por parte dos governos, afirmações doutrinárias sobre o que deve ser o papel do Estado. No caso concreto deste governo, hão deixarei de assinalar, para mais, que as suas afirmações doutrinárias são) de um social-democratismo irreconhecível e que, neste Plano, ele opta pelo travão, ao projectar para o sector público empresarial uma taxa de crescimento na formação bruta de capital fixo que não chega aos 3%, quando pára o sector privado se admitem 10% e para o sector público administrativo se programam 20%.
Quanto a estes 20%, oxalá se cumpram, se concretizarem anunciada prioridade às infra-estruturas de transportes e comunicações e ao aproveitamento de recursos hídricos onde, aliás, o Guadiana continua inexplicavelmente esquecido (há 125 000 contos porventura para mais estudos e se tal prioridade for concentrada em projectos de impacte estruturante, em vez de, como mais parece se dispersar em miudezas.

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Quanto aos 10% de aumento que se esperam do sector privado, também é desejável que se concretizem. Mas, não convence ninguém que tal tenha de ser viabilizado através da contenção drástica do financiamento para formação de capital e saneamento das empresas produtivas do Estado. Não só porque pôde recentemente decrescer o endividamento do sector público empresarial, como porque, e é também o próprio Governo quem o reconhece, o crédito a empresas privadas e a particulares não vem sequer atingindo os limites estabelecidos pela autoridade monetária.
Neste contexto, é inaceitável o laconismo de apenas referir 40 milhões de contos, ao todo, para dotações de capital para investimento e saneamento financeiro das empresas públicas, no final das duas páginas que o PISEE merece no Plano para 1986. Em meados de Março, ainda não terá sido possível a desagregação desta verba por empresas, como foi possível desagregar, por comparação e minuciosamente, por ministérios e programas as verbas do PIDDAC? Não está aqui outra prova eloquente de intencional marginalização da importância do sector empresarial do Estado?
Face a este laconismo, importa, no mínimo, perguntar ainda: daqueles 40 milhões de contos, para efectivo investimento, quanto é? E saneamento financeiro, o que significa? O que contém? Que providências concretas se tomarão para assegurar o financiamento do que falta para os 164 milhões de contos de formação bruta de capital previstos? E sobre as dívidas das autarquias às empresas públicas, que pensa o Governo fazer? Continuar a contar com elas para ajudar na travagem e afundamento do sector empresarial do Estado?
Sei que houve informação adicional sobre algumas destas questões, elementos considerados pelo Governo como provisórios, mas que mesmo assim quis fornecer, posteriormente, à Comissão de Economia, Finanças e Plano. O meu companheiro de bancada, o Sr. Deputado Ivo Pinho, irá comentá-los a seu tempo.
Trata-se, todavia, de perguntas fundamentais a que as 104 páginas de texto e 40 de mapas da proposta do Governo não respondem nem sequer com ordens de grandeza nem sequer com informações sintéticas e agregadas, o que se afigura inaceitável.
Esperemos que o Governo queira corrigir esta grave lacuna.

Aplausos do PRD e do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia Gago, inscreveram-se para lhe formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Alípio Dias, Helena Torres Marques e Silva Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alípio Dias.

O Sr. Alípio Dias (PSD): - Sr. Deputado Correia Gago, ouvi com toda a atenção a sua exposição e gostaria de lhe colocar duas questões.
A primeira questão é a seguinte: pensa V. Ex.ª que, no actual contexto com que se defrontam as finanças públicas, o Governo deveria incentivar os investimentos do sector empresarial do Estado para além do estritamente necessário?
Adiantaria ainda uma segunda questão porque se o Sr. Deputado efectivamente concluísse pela afirmativa teríamos então de debater a questão de saber com que meios se deveriam financiar correctamente investimentos do sector empresarial do Estado. Efectivamente, julgo que muitos dos problemas com que se defrontam, nos nossos dias, as empresas públicas, decorrem, exactamente, de projectos de investimento levados a cabo no passado, mas incorrectamente financiados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Deputado Correia Gago, gostei muito de o ouvir, mas gostaria que me esclarecesse um dos pontos que focou.
Disse o Sr. Deputado que considerava positivo o facto de o Governo referir que quereria dar maior capacidade de gestão às empresas públicas e cumprir os contratos-programa. Gostaria de saber se considera que o facto de as indemnizações compensatórias serem inferiores às previstas nos contratos-programa significa esse cumprimento por parte do Governo ou se, por exemplo, o facto de o Governo não ter autorizado as empresas a repercutir o IVA nos custos ou não ter dado indemnizações compensatórias em relação ao facto de não deixar repercutir o IVA significa a não intromissão do Governo na gestão das empresas públicas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Correia Gago, o Sr. Deputado dirigiu uma pergunta ao Governo sobre um ponto para o qual o Governo tem proposta uma resposta clara.
O Sr. Deputado perguntou o que pensa o Governo fazer relativamente às dívidas das autarquias. Ora, precisamente sobre esse ponto há uma proposta clara nos documentos que o Governo nos apresenta, uma resposta articulada em sede de orçamento e uma proposta de caminho político em termos de política geral.
Por isso, o que seria oportuno seria perguntar o que é que o Sr. Deputado responde em vez de fazer tal pergunta sobre uma matéria relativamente à qual o Governo já tem a resposta. O Sr. Deputado concorda ou discorda da proposta que o Governo lhe apresenta? Eu, por exemplo, concordo. Alguém há-de começar, de forma global, coerente e justa para todos, & fazer a reconversão do nosso país e a pôr termo aos descalabros orçamentais e financeiros e às derrapagens sucessivas. O que resta saber é se todos os diferentes sectores do País aceitam ou não a necessidade de uma política séria de reconversão do nosso país e de abertura de um caminho de futuro sólido.
Ora, o Governo tem uma proposta clara - ainda por cima particularmente clara - relativamente à questão que o Sr. Deputado abordou. O que interessa saber é se estamos ou não de acordo com essa proposta.
O Sr. Deputado perguntou o que é que o Governo propunha. Ò que o Governo propõe, de facto, é uma atitude séria relativamente às dívidas das autarquias nos diversos sectores perante os quais elas têm dívidas, incluindo o sector empresarial do Estado.
A minha proposta é a de que estamos de acordo. Qual é a do Sr. Deputado?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Gago.

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O Sr. Correia Gago (PRD): - ,O Sr: Deputado Alípio Dias perguntou-me se penso que é de incentivar. o investimento nas empresas públicas.
A pergunta é eivada do mesmo enviesamento que encontrei nas grandes opções do Plano que nos foram apresentadas. Considero de incentivar todo o, investimento que se revista de uma rentabilidade potencial aceitável, seja ele público ou privado.
O que estranho é o desequilíbrio da aposta feita nos diferentes sectores, num país em que o sector empresarial do Estado tem, de facto, quer se queira quer não, um enorme peso. É esse desequilíbrio, essa desproporção, esse desinvestimento político - se assim lhe, posso chamar - que estranho e critico. Os investimentos valem pelo que valem, a partir dos resultados da análise da rentabilidade que deles se faça, interessando menos, em que sector da economia se situam.
Respondendo à Sr.ª Deputada, Helena Torres Marques, considero o ,instrumento dos contratos-programa um instrumento cheio de virtualidades. Nesta primeira intervenção, não quis analisar - e confesso, que nem estaria em condições pessoais de o fazer com rigor - a forma como o Governo está a utilizar um instrumento que considero rico de potencialidades.
Das minhas palavras não queira inferir que aprovo o que na prática sé está a passar e o eventual incumprimento - que já se vai registando com receios - de contratos-programa já firmados. É ao instrumento e às potencialidades que este encerra que me refiro não às suas eventuais perversões.
Sr. Deputado Silva Marques, o Governo agradecer-lhe-á a antecipação da resposta que quis dar-me em seu nome. O silêncio quanto a essa opção nas grandes opções do Plano parece-me grave e insisto em que ele seja colmatado.

O Sr. Presidente: - Para, uma intervenção, tem a palavra o Sr: Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos, Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: As grandes opções do Plano propostas pelo Governo não - são, ao contrário do que sustenta a propaganda governamental, nem um instrumento de progresso nem um contributo para ultrapassar, a profunda crise económica. Bem pelo contrário, o Governo quer, retomar e aprofundar a política de destruição que conduziu o País à situação em que se encontra. É uma política de retrocesso, não é uma política de progresso.
Como bem assinalou a Comissão de Economia, Finanças e Plano no seu ,relatório, a formulação das grandes opções do Plano assenta em pressupostos, sem correspondência na realidade. E isto dá que pensar, Srs. Deputados. Que quer o Governo?
A baixa do peço do petróleo e de muitas matérias-primas, a cotação do dólar, a baixa das taxas de juro internacionais e a reanimação das económicas europeias não se encontram reflectidas nas grandes opções do Plano. O Governo continuou a manter os valores dos seus agregados macro-económicos totalmente desajustados, com desvios significativos, para efeito de propaganda futura. Só a custo nos informou que as suas estimativas para a balança de transacções correntes já reduziam o défice para 300 milhões de dólares. Quanto ao resto, nada! O Governo não só não nos explicitou as variáveis do seu "modelo" nem as bases em que o assentou, como se recusou, na prática, a dar-nos informações objectivas sobre o andamento quantificado do desemprego - feminino, juvenil, de longa, duração
- sobre a repartição funcional pessoal do rendimento, ou sobre os actuais efeitos da conjuntura externa na economia portuguesa .
Estamos pois perante um documento de gabinete, um mero exercício econométrico, sem projecções sectoriais e regionais, sem uma distinção clara entre condicionantes e objectivos gerais e, pior do que isto elaborado à margem da orgânica do planeamento, sem qualquer participação efectiva dos trabalhadores e das populações e sem qualquer enquadramento a médio prazo, dos objectivos apontados. Estamos perante um documento que tanto poderia ter sido elaborado na "Gomes Teixeira" como, por exemplo, no Gabinete de Estudos do, Banco Português,
do Atlântico.

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Orador: - Importa pois mais do que algumas variáveis macro-económicas, analisar a prática deste governo, a orientação económica que se encontra exposta no documento e a sua tradução no Orçamento do Estado. Desde logo, a primeira verificação comezinha que ressalta é que à grande preocupação do Governo é a da sua autopropaganda é não a de dar reposta urgente aos grandes problemas, económicos e sociais. Em vez de concentrar, os esforços na reanimação rápida da economia, incentivando todas as formações económicas aproveitando a benéfica situação externa, o Governo procura reconstituir os latifúndios e repor os velhos esquemas de entrega das empresas nacionalizadas rentáveis ao grande capital. Em vez de aproveitar ò quadro actual para baixaras taxas de juro; diminuir com razoabilidade preço do fuel do gasóleo, do gás da cidade e das gasolinas, impulsionar o crescimento económico; alargar o mercado interno é travar seriamente a inflação, o Governo procura "encher" com dezenas de milhões de contos o grande saco azul do Fundo de Abastecimento, sem liquidar o stock da dívida, mas para as utilizar sem controle quando lhe for politicamente útil.
Em vez de dar combate às verdadeiras chagas da sociedade portuguesa, como os salários em atraso, o desemprego, as reformas de miséria e, a, pobreza, que atinge um terço da população, estabelecendo programas de acção específicas, o Governo preocupa-se, sim, com a venda ou entrega aos grandes senhores das, participações das empresas nacionalizadas: À transparência e rigor o Governo prefere a confusão e as meias. respostas, tal como se, pode verificar nos textos anexos que enviaram a esta Assembleia. À escolha feita por critérios de seriedade e competência o Governo prefere o clientelismo e o nepotismo.
É ver tudo quanto é, do PSD ou afecto à i linha do Primeiro-Ministro a ocupar os postos chave da comunicação social, da representação externa do. Estado, da CEE ou das, administrações e conselhos, de gerência.

Vozes do PSD: - Oh!

O Orador: - Srs. Deputados a cruzada de espoliações, a acumulação e centralização; causa fundamental da nossa crise económica e social, continua a ser um dos principais traços da chamada "política económica e financeira" em Portugal.

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As grandes opções são claras neste aspecto. O Governo afirma textualmente que «o esforço terá de assentar basicamente no sector privado» e que «o Estado deverá ser essencialmente um produtor de infra-estruturas» - e isto com o dinheiro dos impostos provenientes, no fundamental, dos «rendimentos do trabalho».
Mas o documento vai mais longe. Não só afirma que cabe «à iniciativa privada assegurar a modernização do aparelho produtivo nacional», abdicando o Estado das suas funções, como acrescenta, na p. 38, que o «apoio do Estado ao investimento privado» não se deve situar apenas «no mero plano da distribuição de benesses financeiras», mas também «na formação profissional e no desenvolvimento tecnológico». Em conclusão, o Estado, segundo o Governo, deve colocar os dinheiros públicos, as benesses, a formação profissional e as inovações tecnológicas realizadas nos institutos públicos ao serviço da acumulação das fortunas privadas. Isto, Srs. Deputados, não tem nada a ver com a Constituição da República e visa destruí-la.

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, o Governo diz-nos mesmo, na p. 83 do documento, que o Estado deve «criar condições para o desenvolvimento de grupos empresariais de dimensão adequada», isto é, deve criar as condições para a restauração de grupos económicos, tais como os que dominaram o País até ao 24 de Abril e que o deixaram na situação que conhecemos.

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Orador: - A orientação da política económica do Governo é, pois, simples: não intervir em tudo o que prejudique a maximização do lucro e intervir sempre desde que possa canalizar mais-valias e favores fiscais e financeiros conducentes a essa maximização. Poderíamos mesmo resumir o conteúdo das grandes opções num único postulado: o que é bom para a CIP é bom para Portugal!
É este o entendimento do Governo, mas não é o da maioria dos portugueses.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo propõe-se atingir um crescimento de 4% do produto interno bruto, meta que fica aquém das necessidades e potencialidades existentes - e isto sem desequilíbrio da balança de transacções correntes. Apesar das capacidades produtivas instaladas e subutilizadas e das favoráveis condições económicas externas, continuamos a deixar de aproveitar os nossos recursos e energias internas e a não reduzir o fosso que nos separa mesmo das economias europeias mais próximas.
Quanto ao investimento, o Governo aponta como estratégia um misto de substituição de importações e promoção das exportações. No entanto, no quadro da despesa final verifica-se que as importações sobem para 10,5% em volume e que as exportações são restringidas para 5,5%.
Isto significa, por um lado, que a estratégia da substituição de importações é letra-morta, o que, aliás, é a consequência natural da política do Governo e da adesão à CEE, de que a penetração de produtos espanhóis é já um exemplo concreto e, por outro lado, mostra que era demagógico o argumento de que com a CEE se nos abriam as portas de 300 milhões de consumidores, pois é o próprio Governo a confessar, logo no primeiro ano da adesão, nas grandes opções do Plano, que as «exportações sofrerão uma desaceleração».
Em relação à formação bruta de capital fixo, o Governo mostra também com clareza que o seu critério na avaliação de projectos não é o balanço entre custos e benefícios ou a eficácia económico-social dos mesmos, mas tão-só reduzir e subalternizar o sector empresarial do Estado, limitando-o a um acréscimo de apenas 2,8%. Em comparação e sem qualquer avaliação séria, o Governo fixa para o sector privado um acréscimo de formação bruta de capital fixo de 10%, num «misto de fé e indução», como nos informou «cientificamente» o Ministro das Finanças.
Nas condições da economia portuguesa, tendo em conta as diversas formações e a «larguíssima margem de manobra existente», como se afirma no relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, é possível um largo leque de combinações alternativas das principais variáveis macroeconómicas. Seria possível um forte crescimento do PIB e a resolução imediata das mais prementes questões sociais.
No entanto, é sintomático que, num ano em que o Orçamento acusa um volume de receitas excepcionais e um aumento da carga fiscal, penalizando duramente os trabalhadores e isentando os grupos económicos, sejam, por exemplo, o Serviço Nacional de Saúde e a Acção Social Escolar duas das rubricas com decréscimos reais na despesa.
Gostaria ainda de sublinhar que, quer no PIDDAC quer no PISEE, pouco se diz quanto ao aproveitamento dos nossos recursos e quanto à modernização do actual «stock de capital produtivo», nomeadamente nas empresas públicas - e isto mesmo depois de uma queda de 30% na formação bruta de capital fixo nos últimos três anos.
Nada se diz (e isso é péssimo augúrio) das vias de recuperação de sectores inteiros em crise e que serão profundamente afectados pela adesão à CEE, como os sectores têxtil, siderúrgico, metalúrgico, naval e agro-alimentar.
A barragem do Alqueva e dos Alamos, o aproveitamento do cobre de Neves Corvo e da sua metalurgia, o aproveitamento do ferro de Moncorvo e das pirites alentejanas são pura e simplesmente metidos na gaveta.
Pela prática do Governo e pelos documentos que nos forneceu, não é difícil verificar que estamos perante umas grandes opções do Plano e Orçamento do Estado elaborados a contar com a vitória de Freitas do Amaral, em que, para se obter resultados aparentemente positivos mercê de uma política demagógica na perspectiva de nova eleição, se sacrificam as reais possibilidades de desenvolvimento.
É de registar que, numa situação de queda das taxas de juro internacionais, o Governo nem sequer faz menção de renegociar a dívida externa de modo a diminuir a sua pressão em anos futuros.
Em 1980, o Governo fez a sua política demagógica e deixou-nos um «buraco» no Fundo de Abastecimento e na dívida externa. Este ano, se continuar a mesma política, não ficaremos com um «buraco» no fundo, mas serão desbaratados os «excedentes» sem deixar qualquer base séria de desenvolvimento.
A continuar esta política, os Portugueses olharão no futuro para 1986 como mais uma oportunidade perdida de relançamento económico e de desenvolvimento inde-

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pendente, ainda por cima num ano em que o "eü4uadramento externo" oferecia uma: "boa margem de

manobra".:

Vozes do PCP - Muito bem!

O Orador: - É que não ë com a intensificação da
exploração da mão-de-obra para que apontam as GOP,
quer através da ameaça dos despedimentos, a que o
Governo chama eufemisticamente "flexibilização", quer
através da repressão, Lei da Segurança Interna e serviço
de informação e segurança, a que o Governo apelida
"docemente" de medidas para a segurança dos Portugueses, que se vence a crise e se promove o desenvolvimento.

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Orador: - Com a política do Governo, o que já se está a ver é que aumentam os salários em atraso, as falências e o desemprego, ao mesmo tempo que se agravam os problemas sociais: pobreza, saúde e habitação.
Uma política de efectiva recuperação económica e de desenvolvimento tem por pressuposto não, a política do Governo, mas o aumento da produção nacional, com a intervenção activa e criadora dos trabalhadores, com o aproveitamento dos nossos recursos, .com a dinamização sem exclusões ou discriminações das formações económicas existentes no Portugal de Abril, no quadro da Constituição.
É esta a política de, que Portugal necessita, é esta a política que os Portugueses querem, é esta a política que defenderemos no decorrer deste debate.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos,
inscreveram-se os Srs. Deputados Alípio Dias e Próspero Luís.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alípio Dias.

O Sr. Alípio Dias (PSD): - Sr: Deputado, Carlos Carvalhas, acabei de o ouvir, mas, sinceramente, não consegui perceber na íntegra as suas conclusões.

Uma voz do- PSD: - É muito difícil!

O Orador: - O Sr. Deputado começou por dizer e somos capazes de estar de acordo neste ponto - que nalguns aspectos as grandes opções do Plano estarão desactualizadas.
De facto, a envolvente externa tem vindo a evoluir com grande rapidez, de resto como o próprio Sr.- Ministro o confirmou na Comissão de Economia, Finanças e Plano. Disse ele que, obviamente, não poderia estar permanentemente a actualizar as GOP, pois, de outra maneira, não teríamos hipótese de ter GOP, uma vez que há vectores desta envolvente externa que estão a mudar, praticamente, diariamente.
Enfim, da sua intervenção parece correcto concluir-se que a envolvente externa é mais favorável do que aquela que foi prevista pelo Governo aquando da elaboração das GOP.
Se é assim, julgo que vamos ter no final do ano uma situação diferente daquela que traçou. Vamos ter mais crescimento, mais emprego é melhoria do poder de compra e das condições de vida do povo português. Era esta a questão que gostaria que me confirmasse.

Por outro lado, quando citou o quadro da despesa final, referiu que o crescimento das importações se vai processar a uma taxa muito mais acelerada do que a das importações e que não vê onde. é que está aquela afirmação da política de que se vai caminhar no sentido de substituir importações.
Gostaria que o Sr. Deputado me esclarecesse se, quando se toma uma decisão de investir, o resultado desta decisão de investimento se materializa de imediato ou se é necessário um certo período para implementar o investimento. É que, se for assim, como julgo ser, os efeitos desta política terão de aparecer necessariamente não em 1986, mas em 1987 e anos seguintes.
. São esta as duas questões que gostaria de ver tratadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Próspero Luís.

O Sr. Próspero Luís (PSD): - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, a pergunta que lhe quero colocar muito claramente é a seguinte: conhecendo o Sr. Deputado tão bem ou melhor do que eu, porque tem muito mais tempo destas lides,...

Vozes do PSD: - Mas não aprende!

O Orador: - ... a rigidez das despesas públicas, nomeadamente nos aspectos respeitantes às despesas com o pessoal e aos encargos com a dívida do Estado, gostaria de saber se, quando diz que deveria haver um maior investimento e um aumento de algumas das despesas correntes, pretende que seja aumentado claramente o défice do Orçamento do Estado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Compreende que o Sr. Deputado Alípio Dias ,se encontre com algumas dificuldades em perceber as conclusões que tirei na minha intervenção. Compreendemos as suas dificuldades.
Depois, poderia dizer o seguinte: então, o Governo, pela voz do Sr. Ministro das Finanças, em Comissão, a muito custo deu-nos um número, um valor da balança de transacções correntes. Mas não podia dar outros? É difícil hoje estimar em quanto ficará, por exemplo, a média do barril de petróleo e a cotação do dólar? Será muito difícil estimar isto? .
Vamos aprovar um documento nesta Câmara, mas o que é aquilo? Que projecções são aquelas, a não ser para que o Governo venha dizer que nas grandes opções do Plano apresentou aqueles objectivos, mas que vai ficar além?
Não, Sr. Deputado. O que lhe. queria dizer muito concretamente é que o Governo não se obrigou - ainda hoje aqui foram feitas várias perguntas nesse sentido - a quantificar o que vai fazer quanto ao aumento de postos de trabalho, ao emprego (quer ao juvenil, quer ao feminino, quer ao de longa duração) e à repartição do rendimento - também não disse nada sobre isto, que foi aqui questionado por vários deputados de várias bancadas.

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Quanto ao facto de vir dizer que, como vai aumentar o investimento, teremos no fim do ano mais rendimento e a resolução de muitos problemas, o que se está a verificar, Sr. Deputado, é que neste momento - e o Governo já tem quatro meses e o PSD seis anos e quatro meses - os salários em atraso aumentam, a pobreza atinge um terço da população, as falências continuam a aumentar e não se vê que as principais chagas da sociedade portuguesa tenham programas específicos para a sua resolução.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estes são os casos concretos sobre que devemos raciocinar e discutir.
Quanto à filosofia de desenvolvimento, enquanto continuarem a tentar desbaratar as empresas públicas e reconstituir o latifúndio, ficando com as terras abandonadas, não vai haver aumento de produção nem resolução do problema
agro-alimentar e continuarão os défices e esta política de destruição, que tem sido a causa fundamental da crise em que hoje vivemos desde 1976. Enquanto continuar a política de recuperação capitalista e latifundista vamos continuar a ter crise.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Próspero Luís pergunta-me o seguinte: então, o Sr. Deputado propõe o aumento do investimento? Não trará isto o agravamento do défice?
Não, Sr. Deputado. Propomos o aumento do investimento, mas não um investimento como o Governo propõe. Não é só através da elevação da composição orgânica de capital - ou seja, traduzido para a linguagem keynesiana, a que está mais habituado, não é só com capital intensivo -, mas poderia ser também por outras formas com baixa composição orgânica de capital, sobretudo na agricultura, resolvendo-se os problemas e, inclusivamente, dando-se resposta imediata à substituição de importações, que é aquilo que nem o Sr. Deputado Alípio Dias nem o Governo (na pergunta e na resposta que me deu há pouco) conseguem vislumbrar.
Agora, é possível aumentar o investimento e o produto interno bruto, começar a dar resposta ao problema do desemprego e resolver as chagas sociais que hoje existem em Portugal sem diminuição do défice. Pelo contrário, há, com sabe, receitas subavaliadas, despesas no PIDDAC e, como o próprio Sr. Deputado Alípio Dias diz, não se conseguirá utilizar mais de 900lo, pelo que sobram dois milhões de contos e o sacão azul - nem lhe chamo saco - do Fundo de Abastecimento.
Portanto, criteriosamente, se utilizassem essas verbas, quer para liquidar o stock da dívida quer para fomentar o investimento numa política correcta de promoção do desenvolvimento, teríamos o aumento do investimento e a melhoria das condições de vida da população, material e culturalmente, e não teríamos agravamento do défice.
Todavia, esta seria outra política, na qual o Governo não está apostado. O Governo está apostado em ficar com o Fundo de Abastecimento cheio para utilizar politicamente quando lhe for útil e não para resolver os reais problemas da economia portuguesa e dos portugueses.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A análise a apreciação parlamentares, a que anualmente são sujeitas as propostas de lei das grandes opções do Plano e do Orçamento do Estado, desencadeiam um debate generalizado sobre os grandes objectivos que o Governo se propõe atingir que não se compadece, nem com o pouco tempo e a falta de elementos de que se queixam as comissões especializadas, nem com a metodologia deste em plenário.
Neste debate haverá, necessariamente, que apreciar: as promessas eleitorais feitas pelo partido ou partidos que apoiam o Governo; o programa que o Governo, na devida altura, submeteu à apreciação da Assembleia da República, face às novas realidades políticas, culturais, sociais ou económicas que se apresentem; as acções desenvolvidas e as medidas desencadeadas pelo Governo até ao momento do debate; os objectivos anunciados pelo Governo para o ano económico que se inicia.
A importância das propostas de lei em causa e o prestígio do Governo e da Assembleia da República exigem que se abandone o actual ritual e se garanta maior transparência nas opções.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão preenchidas as condições pura inflectir a política social, económica e financeira que, em circunstâncias conhecidas, o anterior Governo fez aprovar nos últimos três anos nesta Assembleia da República.
A necessidade de pôr termo ao agravamento de uma situação já de si difícil, fundamentalmente através da baixa do nível da inflação, da contenção da subida da taxa de desemprego e da redução dos desequilíbrios da balança de transacções correntes, que ameaçavam, a curto prazo, o nosso futuro como nação independente e as nossas justas pretensões de adesão às comunidades europeias como membro de pleno direito, condicionaram toda a política do anterior Governo.
A grande rigidez da nossa despesa pública, com destaque para os elevados valores dos juros da dívida e para os encargos com o pessoal, os condicionalismos estruturais da nossa economia e as repercussões nacionais da crise mundial, com relevo para a contínua subida dos preços do petróleo e para elevada cotação do dólar, não permitiram que se desse adequada satisfação a um sem-número de outras necessidades de modernização da nossa sociedade e de satisfação de carências básicas da nossa população.
Os resultados conseguidos com a política iniciada em 1983 e a nossa adesão à CEE, permitem agora o arranque de uma política de dinamização e de modernização que assegurem o financiamento do investimento produtivo e uma política de diferente distribuição que garanta a subida geral do nível de vida dos portugueses e, em particular, dos trabalhadores com maiores dificuldades.
A dissolução da Assembleia da República não permitiu que fosse o anterior Governo a iniciar e a prosseguir a fase de recuperação económica que era, afinal, o objectivo primeiro de toda a sua política. O País espera que não sejam negadas condições políticas a este governo para o conseguir e, pela nossa parte, .saberemos na oposição corresponder a essa esperança. Acrescentaremos, contudo, desde já, que é com grande preo-

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cupação que chegámos à conclusão de que estas grandes opções do Plano e este Orçamento do Estado pára 1986 não contribuem para tais objectivos.
Este debate reveste sei portanto, do maior interesse, por ser ainda possível corrigir aquelas propostas de lei, de forma a que venham a corresponder aos desejos de mudança acalentados.
Desejo neste debate questionar o Governo sobre' as razões que o levaram a tentar a mudança que se preconizada pior forma. Não é possível lançar, desenvolver e consolidar o desenvolvimento deste país sem assentar tal desenvolvimento numa maior desconcentração, na regionalização, na acrescida autonomia do poder local, na intervenção cada vez mais directa, mais interessada e mais responsável das populações. Não é para aí que apontam estas propostas de lei.
Uma vez ou outra mesmo, estas propostas revestem um sentido centralizador, anti-regional e antiautárquico, que não pode passar em claro sem o devido reparo.
O Governo deve aproveitar este debate para esclarecer como pretende compatibilizar o que velho apregoando com o que propõe; o que propõe com a sua prática; a sua prática com uma maior receptividade às sugestões que lhe são apresentadas.
Desejo, pois, questionar o Governo sobre a forma como se propõe: aplicar uma política de desenvolvimento regional, assegurando o envolvimento dos municípios na sua; concepção, preparação e execução; valorizar as energias/latentes e a capacidade de empreendimento dos portugueses, independentemente da freguesia ou do concelho onde exerçam a sua actividade; incrementar o aproveitamento do potencial de desenvolvimento endógeno regional; desincentivar a concentração espacial da actividade produtiva no litoral e nas grandes metrópoles; maximizar a nossa capacidade em beneficiar das despesas comunitárias, nomeadamente, através do acesso aos fundos estruturais e da sua repartição pelos projectos de investimento: das autarquias locais; desconcentrar, regionalizar e reforçar ó poder local; sem propor e dar passos significativos no caminho certo que hoje passa pela maior autonomia e acréscimo de meios das autarquias locais e amanhã pela criação das regiões administrativas;
Sem resposta adequada a estas questões, as posições anteriores e as promessas do partido que apoia o Governo não passarão de atitudes demagógicas de períodos eleitorais ou eleitoralistas, de épocas políticas em que não tinha qualquer responsabilidade directa nesta área' da governação; ou- puro seguidismo,- sem convicção das posições concretas assumidas pelo seu anterior parceiro de coligação. As questões que acabo de colocar resultam da minha convicção de que estão comprometidas, com estas propostas de lei, linhas de política que mereceram largo consenso deste Parlamento e a possibilidade de se atingirem os objectivos propostos pelo Governo anterior que ficam, aliás, aquém das possibilidades que hoje estão abertas a este governo.
Gostaria, ainda, de ser informado das razões que o levaram: à adopção da sua actual estrutura orgânica, sobretudo, no que respeita às competências e tutela relacionadas com as autarquias, por parte dos Ministérios da Administração Interna e do Plano e da Administração do Território; ao estabelecimento do exíguo valor do Fundo de Equilíbrio Financeiro e à sua inadequada é incompreensível distribuição pelos municípios; a não prosseguir na transferência de novas competências da administração central para a administração local, evidentemente acompanhadas dos respectivos meios financeiros; a nada fazer de verdadeiramente interessante na área dos incentivos financeiros de base regional; a não propor um novo programa de investimentos intermunicipais; em suma, a que nada fizesse para "reforçar uma política de regionalização que o partido que apoia o Governo diz defender e que agora, mais do que nunca, se justificava, quer porque já foi publicada a maior parte de legislação da consolidação do poder local, quer porque a nossa entrada na Europa das regiões o exige, se queremos beneficiar das ajudas que para regionalizar e por regionalizar nos podem ser concedidas.
Acrescento, ainda, a necessidade de o Governo se referir aos magros montantes de compromissos é de saques do FEDER e nos esclarecer sobre os acessos ao FEOGA, ao Fundo Social Europeu é à possibilidade de financiamentos do Banco Europeu de Investimentos.
Na maior parte das questões que levantamos ao Governo estou seguro que somos acompanhados não só pelos restantes partidos da oposição, como também pelos órgãos estatutários da Associação Nacional de Municípios, pela totalidade dos seus associados não sociais-democratas e pela maioria destes e, como muito bem diz a Associação estamos acompanhados também pela totalidade dos onze milhões de portugueses que os autarcas servem nas suas comunidades locais.

O Sr. António Capucho (PSD): - Votaram todos rio PS!

O Orador: - A .Associação, devia, por força do n.º 3 do artigo 9.4.º da Constituição, ter sido consultada aquando da elaboração das propostas de lei das grandes opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1986, pelo menos no que se refere ao conteúdo do capítulo V - (Finanças locais deste último documento.
Não andarei muito longe da verdade se afirmar que é a primeira vez que as autarquias locais não foram ouvidas sobre este tipo de propostas de lei submetidas à Assembleia da República: e é, seguramente, a primeira vez que tal se passa desde que existe a Associação Nacional de Municípios. Não pode, pois, deixar de ter- eco nesta Casa os seus apelos no sentido de que não se permita que uma minoria significativa dos municípios portugueses tenha o seu acréscimo real de transferências, da administração central, dramaticamente reduzido em relação a 1985. Voltemos às razões que não compreendo nestas propostas de lei para acrescentar algumas propostas que ajudem à garantir que os objectivos propostos serão atingidos.
A primeira reflexão levar-me-ia a afirmar que as autarquias perderam o Ministério da Administração Interna com esta nova estrutura orgânica do Governo e este ficou mais longe das autarquias.
Com efeito, O ministério da tutela autárquica passou a ser o Ministério do Plano é da Administração do Território, ou seja, as autarquias passaram a ter por ministério da tutela o mais centralizador do Governo, apesar de temporariamente as Finanças se terem separado do Plano.

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Foram separados, mas não foram postos de lado os meios de controle e de centralização, nomeadamente os técnicos e os financeiros. As inspecções administrativas às autarquias passaram para o Ministério do Plano, as comissões de coordenação regional deixaram de ser órgãos externos do Ministério da Administração Interna trabalhando para as autarquias, para serem órgãos externos do plano e das finanças, fiscalizadoras da sua acção e prontas a cortarem as veleidades de maior autonomia que estas venham a exigir.
A não ser que esta mentalidade mude, estamos no que se refere à autonomia das autarquias a caminhar para 1977, a regredir em vez de progredir.
No que se refere ao Fundo de Equilíbrio Financeiro o mínimo que podemos dizer é que ele foi mal calculado.
Na realidade, se aplicarmos ao valor transferido o ano passado para as autarquias, os elementos de correcção que o Governo adoptou para a actualização das despesas centrais, verificaremos que os municípios têm direito a transferências pelo valor global de cerca de 80 milhões de contos, a que se devem acrescer mais 4 milhões de contos para transportes escolares e ASE, verba que deve ser discriminada.
Pelas razões expostas, o meu grupo parlamentar irá depositar na Mesa uma proposta de alteração do artigo 51.º da proposta de lei n.º 16/IV em que, para além de outras disposições, se refere que a percentagem global das despesas do Orçamento do Estado, com base nas quais é calculado o FEF, será fixada, para o ano de 1986, em 12,7%.
Uma outra alteração incidirá sobre o artigo 52.º, que respeita à distribuição da FEF pelos municípios.
Uma análise cuidada sobre a distribuição proposta revela que existem municípios, pertencentes ao litoral mais desenvolvido, que nesta distribuição beneficiam de variações 86/85 de mais de 36% e outros, em número superior a vinte, com uma variação de 5%, a maioria dos quais pertencentes ao interior mais pobre.
Contribuíram, seguramente, para esta situação alguns índices utilizados, índices que já o ano passado tinham sido condenados e que este ano sofreram variações no pior sentido.
Por estas razões e a exemplo do ano anterior, não estamos disponíveis para aprovar, em caso algum, uma percentagem de variação inferior a 10%.
Chamamos ainda a atenção para o facto de, no cálculo desta variação, não dever ser levada em conta a verba dos transportes escolares e da ASE e ainda de que esta não deverá ser distribuída por todos os municípios, como por lapso se fez na proposta do Orçamento do Estado para 1986.
Por idênticas razões, apresentaremos na Mesa uma alteração ao artigo 56.º, possibilitando a inscrição no Orçamento do Estado para 1986 de uma verba que dê não só satisfação aos compromissos anteriores com a construção de sedes de juntas de freguesias, como ainda à cobertura das despesas do programa do Ministério da Administração Interna, para 1986.
Iremos, ainda, apresentar na Mesa propostas com as seguintes finalidades: inclusão no Orçamento do Estado para 1986 de uma verba que permita o cumprimento dos compromissos do Governo anterior, quer no que respeita aos serviços municipalizados de transportes. quer no que respeita aos compromissos com obras incluídas nos anteriores orçamentos do FETT; regulamentação pelo Governo, no prazo de 30 dias, da receita municipal da taxa devida pela primeira venda de pescado e pagamento aos municípios desta receita, com efeitos retroactivos a Janeiro de 1986; inclusão no Orçamento do Estado para 1986 de um novo artigo que determine que das receitas do IVA, provenientes da tributação das actividades turísticas, seja afecta às câmaras municipais, onde as actividades são efectivamente desenvolvidas, a percentagem de 37,5 %, que passará a constituir receita própria dos respectivos municípios; inclusão no Orçamento do Estado para 1986 de um novo artigo que determine que às isenções de impostos que constituam receitas dos municípios, decididas pelo Governo, se sigam as correspondentes transferências financeiras da administração central para os municípios lesados por tais isenções, de iguais montantes. Para finalizar este capitulo, seja-me, ainda, permitido apresentar algumas questões mais.

A primeira refere-se ao financiamento de projectos autárquicos com verbas provenientes do FEDER. Nada fazia prever, e as autarquias estavam longe de imaginar, que a distribuição do montante dos compromissos do FEDER afectasse tão negativamente os municípios.

Com efeito, como se estabelecia na p. 153 do Programa de Desenvolvimento Regional (PDR), preparado em Agosto de 1985, e remetido a Bruxelas, seria elegível pelo FEDER cerca de 4001o dos investimentos de responsabilidade da administração local, 45 % dos investimentos da responsabilidade da administração central e 15 % dos restantes investimentos.

Tendo sido proposto, ou pelo menos aceite pelo Governo, que a primeira análise dos projectos a serem financiados pelo FEDER incidisse sobre aqueles cujo custo fosse igual ou superior a 5 milhões de ECUS, houve natural beneficio de alguns projectos da administração central e real prejuízo das autarquias e do País.

Desta opção resultou que fosse bastante menor a verba a transferir pela CEE, para Portugal, em 1986, por ser menor a percentagem, capacidade de saque/valor dos compromissos e isto porque os projectos autárquicos se encontram terminados e com grande parte das obras iniciadas e os projectos centrais estão bastante mais atrasados.

Para obviar os inconvenientes de tal opção, o meu grupo parlamentar irá depositar na Mesa uma proposta para que seja aditado um novo artigo à proposta de lei n.º 16/IV, que autorize o Governo Português a substituir-se às Comunidades, em 1986, no financiamento dos projectos autárquicos ainda não considerados, vindo a ressarcir-se deste adiantamento logo que o FEDER ponha à disposição de Portugal a contribuição que lhe corresponde nestes investimentos.

Vêm a talho de foice fazer duas recomendações: a primeira é a de que seja sempre claramente consignada no Orçamento do Estado a componente nacional destes investimentos co-financiados pelo FEDER, como obriga a legislação comunitária; a segunda corresponde à necessidade de ser profundamente alterada a actual Lei das Finanças Locais, de modo a impedir-se a actuação discricionária da administração central na atribuição de novas fontes de financiamento comunitários às autarquias.

Para tal revisão, desde já anunciamos a nossa disposição para colaborar com as autarquias e com os outros grupos parlamentares.

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A segunda questão refere-se à necessidade de esta Assembleia da República ter conhecimento da listagem dos municípios em situação económica difícil e do montante previsto pelo Governo que permita 'a celebração de contratos de reequilíbrio financeiro entre as instituições de crédito e as autarquias, nomeadamente para a bonificação de juros.
Finalmente, não quero deixar de referir a preocupação do meu partido pela não contemplação, pela pouca consideração ou pela magreza das verbas postas à disposição de acções de elevado grau de prioridade.
Refiro-me, em especial, à ajuda a prestar às autarquias, aos organismos, às populações em dificuldade
que até agora vem sendo, com escassíssimos meios, da responsabilidade do Serviço Nacional de Protecção Civil.
Refiro-me, ainda, à necessária ajuda a prestar à Liga dos Bombeiros Portugueses e a todas as suas corporações de bombeiros, por intermédio do Serviço Nacional de Bombeiros.
Reservo-me para discutir; em, sede de especialidade, o programa de prevenção e combate aos fogos florestais de 1986 e a sua tradução financeira em termos, de
orçamento.
Não podemos virar as costas a estas questões, umas vezes porque não temos meios, e outras porque somos os egoístas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:, o que os nossos eleitores e o País esperam de nós, no momento em que analisamos e debatemos as grandes opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1986, será que salientamos os nossos pontos de discordância, acompanhando as críticas, quando as houver, com propostas de medidas que, em nosso entender, possam contribuir para melhorar aquelas propostas de lei.
Da parte do meu grupo parlamentar, saliento, uma vez mais, a nossa disponibilidade para encontrar as soluções adequadas.
Esperamos que os que estejam de acordo com as propostas de lei e o Governo. tenham a mesma disponibilidade para analisarem os pontos de vista aqui desenvolvidos.
Nem sempre tem havido está compreensão e esta correspondência da parte do Governo. Ainda é tempo de arrepiar caminho.
Veremos.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Mendes Bota, Próspero Luís, Duarte Lima, Silva Marques e Roleira Marinho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Deputado Eduardo Pereira, a sua intervenção foi, de facto,, uma intervenção de fundo. V. Ex.ª propôs tantas alterações de tarifo fundo à proposta de lei do Orçamento do Estado para 1986 que o mínimo que lhe poderei dizer é que V. Ex.ª ficou muito bem cotado na sucessão para à liderança do Partido Socialista.

Risos do PSD.

O Sr. Deputado focou, na sua intervenção, essencialmente problemas do poder local e disse que os elementos entregues pelo Governo às comissões especializadas eram poucos. Agradecia que tivesse o incómodo de ler o, relatório da Comissão da Administração Interna e Poder Local onde se refere; com agrado, que a grande maioria dos elementos que foram solicitados ao Governo pela Comissão foi, de facto, entregue e que, em relação àqueles que o não foram, foram dadas explicações do motivo por que o não foram.
Em terceiro lugar, V. Ex.ª defendeu a desconcentração da actividade produtiva das grandes sedes, das grandes capitais do litoral. Pergunto ao Sr. Deputado
se não acha que o primeiro passo - e talvez o mais
fundamental, - para caminharmos para essa desconcentração da actividade produtiva não será, efectivamente, o de, em sede própria, que é a do investimento,
privilegiarmos a construção de meios de comunicação,
de acessibilidade, de viabilidade dos transportes. Não
há actividade produtiva que seja desconcentrada, que
tenha viabilidade, se não tiver um suporte nos meios
de comunicação.
O Sr. Deputado referiu também a inadequada distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro pelos municípios. Pergunto: os critérios que serviram de base ao actual Governo para fazer essa distribuição não são os mesmos critérios que foram consignados na Lei das Finanças Locais de que V. Ex.ª foi responsável? E mais: maior parte dos dados que servem de base para a aplicação desses critérios não foram também os mesmos que V. Ex.ª defendeu e aplicou enquanto foi ministro do anterior. Governo? Efectivamente - e a Comissão chegou a esse consenso -, há grandes deficiências nos dados que servem de base à alguns desses critérios,
nomeadamente a questão da orografia, a própria questão do turismo, que também é discutível, e ainda a questão do recenseamento eleitoral que, aliás, já foram aqui afloradas.
V. Ex.ª referiu também que não há qualquer referência aos incentivos, financeiros de base regional. Aquando da discussão do Orçamento Suplementar do Estado para 1985, relembro que foi referida a intenção - e o Governo está a fazer esse trabalho - de apresentar, nos finais de Março ou nos princípios de Abril, um plano relativo aos incentivos financeiros de base regional. Demos tempo ao tempo, demos tempo ao Governo para governar e para trabalhar; não queiramos apenas vir, aqui fazer reivindicações, por vezes tão excessivas!
V. Ex.ª referiu-se ainda aos magros montantes de compromissos e de saques do FEDER, como se dependesse do Governo - do actual Governo e daquele de que V. Ex.ª e fez parte - definir quais eram os montantes do FEDER ou até definir quais eram os projectos que a Comunidade Económica Europeia podia e devia aprovar V. Ex.ª sabe muito bem que tem havido conturbações internas ao nível da discussão dos valores globais da Comunidade Económica Europeia para o FEDER e que essas decisões não dependem só do Governo.
O Sr. Deputado não acha que uma das principais ,razões pela qual alguns projectos do FEDER relativos às autarquias não foram aprovadas imediatamente pela Comunidade se deveu à falta de um critério muito preciso quanto à definição dos projectos prioritários para :apreciação por, parte da Comunidade? Assim, a Comunidade acabou por adoptar o critério de ir buscar os projectos maiores, e estes eram os das empresas públicas, eram os dê investimento do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Pergunto ao Sr. Deputado Eduardo Pereira se pretende responder já ou apenas no fim.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Respondo no final dos pedidos de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Próspero Luís.

O Sr. Próspero Luís (PSD): - Sr. Deputado Eduardo Pereira, queria fazer-lhe duas simples perguntas.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado referiu que as isenções fiscais decididas pelo Governo deveriam ser pagas por este. A pergunta que queria fazer-lhe é a de saber se, efectivamente, é o Governo que decide as isenções fiscais, ou se é esta Assembleia da República.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado apresentou um rol imenso de propostas que iria fazer no sentido de serem atribuídas mais e mais verbas para os municípios. Pergunto-lhe se tem ideia de qual seria o montante de acréscimo devido a essas suas propostas.

O Sr. António Capucho (PSD): - Isso não tem importância nenhuma para ele!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Eduardo Pereira, ouvi-o com todo o interesse e atenção e, mais uma vez, não perdi o meu tempo.
Tenho viva na minha memória a discussão que aqui se processou, no ano passado, a propósito do Orçamento do Estado e recordo-me que V. Ex.ª se encontrava na bancada do Governo como Ministro da Administração Interna. Então V. Ex.ª explicava, com bastante brilho, a generosidade da proposta do Governo em relação ao Fundo de Equilíbrio Financeiro e às outras verbas destinadas às autarquias.
Com uma violência semelhante á que V. Ex.º agora utilizou da Tribuna, a bancada do Partido Comunista procurava, também com não menor erudição, explicar a V. Ex.ª que não, que as autarquias estavam a ser roubadas - era o termo então utilizado - e V. Ex.ª replicava, de seguida, procurando explicar que isso não era assim, procurando combater tentativas semelhantes que aqui se fizeram de fazer cortes, de propor gastos, de mexer em verbas, de alterar rubricas.
Ora bem, parece-me que há qualquer coisa que se altera quando o Partido Socialista está no Governo e quando o Partido Socialista está na oposição. Pergunto: qual a visão genérica e globalizante que o Partido Socialista tem em relação ao Orçamento do Estado?
Vou explicar. Lembro-me que na altura o Sr. Deputado José Luís Nunes, líder da vossa bancada, verberando igualmente as tentativas, que então vinham da oposição, de fazer alterações das inscrições das verbas, com o brilho que o caracteriza, definia estas ideias como as ideias a reter em relação a uma discussão do Orçamento do Estado:

Todo e qualquer debate da proposta de lei do Orçamento e das grandes opções do Plano só terá sentido se discutir a política económica que o Governo pretende implementar, averiguando, de seguida, da adequação dos meios afectados a essa política. Contudo - importa sublinhá-lo -, alguns dos discursos ouvidos nesta Câmara pareciam encarar a proposta de lei em apreço como uma questão financeira a combater por meios financeiros.

Dizia ele, de seguida:

Discutiram-se verbas, propuseram-se cortes, sugeriram-se transferências, mas ocultou-se esta realidade essencial: quais as políticas económicas preconizadas a que as verbas se destinam, os cortes possibilitam ou as transferências melhoram?
Tentaremos não seguir por este caminho perigoso, a muitos títulos.

E finalizava o Sr. Deputado José Luís Nunes:

Ressalvando sempre o respeito por melhor opinião, o Orçamento do Estado é um assunto demasiado importante para ser discutido exclusivamente em termos financeiros. Trata-se menos de fazer economias e mais de explicar a política económica alternativa que permita fazer essas economias.
Trata-se ainda menos [...] "- dizia ele, e chamo-lhe particularmente a atenção para isto -" [...] de discutir cortes ou transferências de verbas e mais de caracterizar os sectores a beneficiar ou a prejudicar.
Trata-se, finalmente, menos de produzir afirmações, mais ou menos empoladas, de que é preciso gastar mais ou gastar menos e mais de explicitar como é possível gastar melhor com mais proveito para o País.

Reitero, Sr. Deputado, a minha pergunta: o que é que mudou para o Partido Socialista do ano passado para este ano? Esta filosofia sobre cortar verbas ou deixar de cortar verbas era má porque o Partido Socialista estava no Governo e agora passa a ser boa porque está na oposição?
Sei que vai responder-me com toda a clareza.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Eduardo Pereira, de facto não posso deixar de assinalar uma das suas primeiras observações, porque ela reflecte um instinto incontável da sua parte e, eventualmente, da parte de outros socialistas: espero que não se amofinem por eu referir isto, mas é que ela revela uma coincidência enorme com os comunistas.
Há pouco, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, depois de explanar a política que preconiza, terminou dizendo o seguinte: "E isto que os Portugueses querem." No entanto, o Partido Comunista teve apenas 15 alo dos votos nas eleições legislativas. É claro que o Partido Comunista, mesmo no dia em que tiver 1 ou 0,5%, continuará a dizer: "É isto que os Portugueses querem."

Risos do PSD.

Como é que o Sr. Deputado pode revelar um vício tão coincidente de vanguardismo relativamente ao povo português?

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O Sr. Deputado começou, por dizer: «As comissões reclamam.» No entanto, nem todas elas reclamaram. Se calhar, porque uma, duas ou três comissões reclamaram, o Sr. Deputado tomou isso como a globalidade. Os Portugueses são 100%. É claro que os senhores têm vindo a ser progressivamente penalizados, os senhores abusam da paciência dos Portugueses e devo dizer-lhe que para conseguirem os 1007o só sendo partido único. Mas a democracia persistirá, hão obstante.

Risos do PSD.

Relativamente à sua intervenção, o Sr. Deputado fez um elogio ao governo anterior. O Sr. Deputado já aqui ouviu colegas meus e eu próprio fazer o elogio da parte elogiável do governo anterior. Nós não somos sectários, nem sequer rejeitamos os compromissos em que estamos inseridos, pois na vida todos nós temos compromissos. Isso não tem mal; o que tem mal é perdermos a lucidez das coisas. Por isso, já, aqui nos viu fazer o elogio da parte elogiável do anterior governo e já nos ouviu fazer a crítica da parte criticável- do anterior governo. O que o Sr. Deputado queria era que a parte criticável do anterior governo continuasse, mas ai, felizmente, houve uma alteração assinalável.
O Sr. Deputado diz que este governo e centralizador, é antiautárquico, etc., quando precisamente - e aí há uma parte de responsabilidade de ministros socialistas, embora eu não rejeite a globalidade da responsabilidade do Governo, mas de qualquer modo, mas de qualquer modo, não posso desconhecer o facto - às grandes facadas na autonomia do poder local foram preparadas no Ministério onde (por acaso) era Ministro o Sr. Deputado Eduardo Pereira. Quem é que eliminou a percentagem mínima para o FEF? Quem é que preparou o documento? Quem é que fez a elucubração ao longo daquelas tardes do contacto com as autarquias e na audição dá Associação Nacional de Municípios? Estou mesmo a ver todos os autarcas em frente do Ministério da Administração Interna a dizer: «Abaixo a percentagem mínima do FEF. Abaixo!» E o Sr. Ministro à varanda recebendo os aplausos.
Deve ter sido isto o que aconteceu.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado Silva Marques.

O. Orador: - Sr. Presidente, vou concluir brevemente, mas solicito a tolerância de V. Ex.ª, até porque estamos num regime de tempos globais e, decerto, não quero um défice global dos tempos parlamentares. Contudo, descontará na minha dotação, se V. Ex.ª estiver de acordo.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado Silva Marques, embora estejamos a1 falar, de défices orçamentais.

O Orador: - Exacto. Quero seguir, coerentemente o princípio da redução dos défices, inclusivamente o dos tempos parlamentares, peio que não proponho o aumento do défice de tempo mas a redução da minha dotação, à medida que for falando.

Risos.

O Sr. Deputado Eduardo Pereira critica, imagine-se, a: separação que este governo fez entre a administração do território e o Ministério da Administração Interna e que, no fundo e de entre outros aspectos, tem como essencial a separação entre o ministério que está ligado às autarquias e o ministério que está ligado à segurança interna, às polícias. Imagine-se que o Sr. Deputado ainda queria que as duas coisas estivessem ligadas. Para quê? Não basta a tutela administrativa, a inspecção? É também preciso a polícia? Sr. Deputado, estou a caricaturar, mas repare como essa não tem sentido a crítica, pois essa é uma das coisas boas que este Governo fez. f Depois, V. Ex.ª abandonou as críticas infundadas e faz perguntas desnecessárias - porque há certas perguntas, que só têm uma resposta válida e que é a da acção. Assim, o Sr. Deputado, pergunta ao Governo como é que se vão criar as regiões administrativas. Eu não diria que este governo aproveitasse e perguntasse que trabalhos preparatórios fez V. Ex.ª enquanto ministro.

Risos do PSD.

...E se os poderia emprestar - não vou a esse ponto. No entanto, a resposta de V. Ex.ª, que é deputado e tem o poder da iniciativa legislativa, seria despropositada, pois a única resposta válida seria unicamente a de que teria aí um projecto de lei.
Portanto, Sr. Deputado Eduardo Pereira, abandonemos, esse mundo fastidioso e causador de défices, das palavras sem sentido e sem tradução real.
Depois, o Sr.ª Deputado passa às propostas e diz - apresento o exemplo - que há um montante x em compromissos relativamente a juntas de freguesias e que os mesmos devem ser cobertos. O Sr. Deputado queria que os défices do governo anterior continuassem mas, felizmente, O governo foi alterado e estamos a aprovar um novo Orçamento do Estado.
Finalizando, eu já disse aqui que certos Srs. Deputado, que hoje estão na Oposição mas que, antes, integraram o governo, têm tendência para levantar voo quando estão na oposição, tomados por um certo instinto para despesas perdulárias.
No entanto, foi outra a imagem que. me surgiu ao ouvir p Sr. Deputado; vi V. Ex.ª cavando, cavando, .atirando com comentários sem fundamento, fazendo propostas em avalanche e o défice a subir, a subir. E vi V. Ex.ª cavando, uma cratera tão grande como seria a do défice do Estado se estivesse nas suas mãos, mas felizmente que não está. Eu já sabia que era necessário mudar o governo anterior, mas agora, ao ouvir o Sr. Deputado, compreendo ò risco que todos corríamos.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem á palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Deputado Eduardo Pereira, foi com algum espanto que ouvi toda a intervenção de V. Ex.ª porque, na realidade, o Sr. Deputado esqueceu que foi exactamente Ministro da Administração Interna num governo em que - e particular na sua pasta - não houve essa vontade de descentralização, desconcentração e de apoio a esse

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movimento a que o Partido Social-Democrata sempre tem feito intenção de apoiar, e apoiará. Mas, e como ouvimos também dizer a alguns senhores deputados que aqui intervieram nesse campo, V. Ex.ª limitou-se a apresentar números, a exigir verbas e isso espanta-me. Dado que a proposta de lei n.º 16/IV não prevê a transferência de novas competências para as autarquias locais - e, aliás, isso é referido no relatório da Comissão de Administração Interna e Poder Local -, quero perguntar ao Sr. Deputado como é que compatibiliza essa exigência sôfrega de milhões de contos com o facto de não se dizer nem se demonstrar ou pedir que mais competências sejam dadas às autarquias locais.
Por outro lado, também me espanta que V. Ex.ª tenha referido que, pelo menos, seja preciso acorrer aos compromissos assumidos para os diversos serviços municipalizados de transportes. Referiu-se, com certeza, a compromissos assumidos em conversas de corredor, não orçamentados. Sendo um dado que um ex-companheiro de partido de V. Ex.ª se propôs levar a tribunal os «buracos» - e tratavam-se de buracos meio abertos, sendo este um buraco totalmente escondido como compatibiliza V. Ex.ª aquela situação com esses buracos. O Sr. Deputado também defende que os Srs. Ministros que assumiram esses compromissos sejam responsabilizados criminalmente?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, gostaria de saber de quanto tempo disponho, uma vez que o Sr. Deputado Silva Marques se alongou no pedido de esclarecimento que formulou pelo que considero que também terei de ter direito a mais algum tempo para lhe responder.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Eduardo Pereira, uma vez que se inscreveram cinco senhores deputados para formular pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª dispõe de quinze minutos para responder, o que creio ser suficiente.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Na verdade, com uma bancada como essa, vão ser necessários muitos equilíbrios para que este governo se aguente. É que os Srs. Deputados do PSD começam logo por perder a lucidez quando começam a interrogar quem não fez mais do que pedir-lhes...

Risos do PSD.

..., que reconsiderassem sobre alguns temas que eram «lançados para a mesa».
Que o Sr. Deputado Silva Marques não tenha percebido algumas coisas do que eu disse, ainda compreendo, agora, que o Sr. Deputado Mendes Bota não tenha percebido que apenas «li» o relatório da Associação Nacional de Municípios, que foi assinado pelo Sr. Deputado quando presidia à respectiva assembleia extraordinária, é que é algo muito lamentável.
Quando V. Ex.ª sair daqui depois da sessão de hoje, à 1 hora da manhã, peça ao seu colega de partido, Sr. Dr. Torres Pereira, que lhe empreste esse relatório e já agora leve também a minha intervenção. Se encontrar na minha intervenção algum ponto que não esteja patente nos pontos referidos pela Associação Nacional de Municípios, venha cá amanhã que lhe dou um rebuçado.
O Sr. Deputado Mendes Bota referiu alguns pontos que penso não terem muito interesse, pelo que vou apenas responder a alguns deles, com os quais me pareceu que V. Ex.ª me queria atingir directamente e que são os relativos ao FEDER, particularmente os que dizem respeito aos montantes e à escolha dos projectos.
Reparem os Srs. Deputados que W. Ex.as estavam em condições óptimas para não fazer algumas perguntas pois têm como Ministro de Estado um elemento que foi meu Secretário de Estado para o Desenvolvimento Regional e o actual Sr. Ministro da Administração Interna era presidente de uma comissão de coordenação regional.
Muitos dos meus erros, se os houve, foram-me endossados por eles; colaborei com eles porque tinham razão e só lamento que ao mudar o governo tenham mudado de ideias em algumas coisas.
Mas hoje à noite os Srs. Deputados podem trocar impressões com o Sr. Ministro, que lhes explicará que algumas das medidas que preconizei vinham a ser solicitadas pelos presidentes das comissões de coordenação regional quando eu estava no Terreiro do Paço.
E, aí, eu não estava à janela, pois à janela costumava estar o senhor quando era presidente da Câmara de Porto de Mós, ou quando era governador civil de Leiria. Depois do 25 de Abril já não se usa isso de ir à janela, abrir os braços e receber aplausos.

Aplausos do PS.

Risos.

O Sr. Deputado fez um processo estranho e quando se trata de aplausos, V. Ex.ª está sempre metido.
Relativamente ao FEDER em Bruxelas apresentaram-se projectos que atingiam um montante de cerca de 70 milhões de contos, sabendo que parte deles apenas estariam para ser considerados se os outros o não fossem.
Está-me a dar um certa satisfação o Sr. Deputado Alípio Dias estar-me a acenar que «sim» com a cabeça.

Risos do PSD.

Para a próxima vez têm de o criticar.
Mandaram-se para Bruxelas esses projectos, cujo montante total ronda os 70 milhões de contos e este governo resolveu - não sei bem se foi o Governo ou se foi Bruxelas que recomendou ao Governo e este assim o aceitou - começar a analisar os projectos por aqueles que eram de valor superior a 5 milhões de ECU.
É claro que aceitar esta proposição é condenar todos os projectos das autarquias.
E isso tem tanta mais importância, uma vez que os projectos das autarquias estão prontos e as obras a começar e há projectos do Governo que estão incluídos nesta verba e que nem em 1987 estarão em condições de arrancar. Portanto, ocupámos uma possibilidade, não vamos gastar o dinheiro e a diferença entre os compromissos e o saque vai ser enorme, na minha opinião, com culpas para o Governo.
O Sr. Deputado Próspero Luís fala-me das isenções. O que eu quis diz e foi que quando o Governo fez propostas, como o faz neste Orçamento, de poder eliminar determinados pagamentos - mesmo com boas in-

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tenções, como seja a de incrementar a construção tem de ter a consciência de que, ao fazê-las, deve transferir verbas idênticas àquelas em que .vai lesar, os municípios. No que se refere às autarquias, o Governo não deve fazer propostas ...

O Sr. Próspero Luís (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que eu interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Próspero Luís (PSD): - Sr. Deputado Eduardo Pereira, só lhe quero perguntar quem é que, afinal, toma a decisão, isto é, se é, efectivamente, o Governo ou a Assembleia.

O Orador: - Depois dê amanhã, à noite, quando chegarmos ao fim deste debate respondo-lhe a essa pergunta. Nessa altura, lembre-me essa pergunta que lhe responderei.
Sr. Deputado Duarte Lima, não há dúvida nenhuma de que há qualquer coisa que se altera quando o PS está no Governo ou na oposição. Agora, o que não há é algo que se altere quando isso se passa com ó PSD, pois esse está sempre com um pé no, Governo e outro na oposição. Mas este ano vai estar comum pé no Governo e outro na Assembleia da República, porque está lá sozinho. Vai, ser um espectáculo de "bradar aos céus".
Sr. Deputado Duarte Lima, metade da sua intervenção foi a leitura de uma intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes. Devo dizer-lhe que estou de acordo com a intervenção do Sr. Deputado José Nunes. Talvez V. Ex.ª não tivesse percebido; mas pode perguntar ao Sr. Dr. Torres Pereira que a proposta que fiz não dá aumento de montante na verba do reequilibro financeiro. O que não admito é que o Governo resolva, e por isso lhe chamo centralizador, fazer uma evolução do aumento dos investimentos da administração central da ordem dos 59,3 % e para as autarquias da ordem dos 15%.
Proponho muito simplesmente que se somem as duas verbas de investimentos e se aplique a mesma percentagem tanto para a administração central como para as autarquias. Dê essa evolução um aumento na ordem dos 44 % ou 46 %, aceitamo-la na mesma, pois esse valor dá os 80 milhões de contos que pedi. Portanto, nem sequer propus um aumento do défice, como penso que V. Ex.ª sugeriu.
Sr. Deputado Silva Marques, não fui eu que disse que tinha 11 milhões de portugueses por detrás de mim nem me referi às comissões. Como já lhe disse há pouco, só falei numa comissão, á Associação Nacional de Municípios, e quem disse que tinha 11 milhões de portugueses por detrás dele foi o seu companheiro de partido, Sr. Dr. Torres Pereira. Eu apenas o citei, pelo que, se ele tem razão, então esses 11 milhões de portugueses também estão por detrás de mim. Mas o Sr. Deputado logo à noite telefona-lhe para que ele lhe explique essa parte.
Quanto às grandes "facadas" na regionalização, Sr. Deputado, não me obrigue a dizer de onde vinham. No entanto, se falar com o Sr. Deputado Alípio Dias, talvez ele saiba algo sobre estas coisas e é natural que tenha uma palavra a dizer.

Risos do PS.

Sr. Deputado Roleira Marinho, peço-lhe desculpa por lhe dizer que, na verdade, não percebeu a minha proposta, pois quando falei do FETT e nas juntas de freguesia, não estava a pedir a este governo que fizesse qualquer favor de cobertura a verbas anteriores mas, sim, que. se portasse como pessoa de bem que tem de ser. Essas verbas estão nos orçamentos anteriores do FETT e têm de passar para este ano, pois há obras que estão em curso.
Foi prometida e assinada pelo Governo para este ano uma verba de 300 000 contos para juntas de freguesia. O Governo não pode inscrever 10 000 contos, mas tem de inscrever o que propunha, ou seja, os compromissos anteriores, os tais 300 000 contos. Se não quiser mais nenhuma junta de freguesia, esse é um problema do Governo, não é meu, não precisa de fazer favores nem de cobrir qualquer actuação do governo anterior. Aliás, o Governo não precisa disso mas, sim, de colocar no Orçamento do Estado para 1986 compromissos que estão no Orçamento do Estado para 1985 e que não podem ser esquecidos.
Suponho que respondi aos Srs. Deputados no que sabia. Naquilo que não sei, façam a tal consulta que sugeri e, na verdade, vão saber mais coisas.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mendes Bota, pede a palavra para que efeito?

c0 Sr. Mendes Bota (PSD): - Desejo usar do direito de defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Tenho tido as melhores relações com o Sr. Deputado Eduardo Pereira, nos campos profissional e pessoal, pelo que apenas poderei atribuir a uma má informação do Sr. Deputado ou à posse de documentos falsificados o facto de ter afirmado aqui que existe a minha assinatura em qualquer relatório da Associação Nacional de Municípios. Em primeiro lugar, não o fiz e, em segundo lugar, não teria legitimidade para o fazer, pois não pertenço ao conselho directivo da Associação Nacional de Municípios. Sou vice-presidente do respectivo congresso, limitei-me a presidir aos trabalhos do mesmo, fui subscritor de uma das propostas que apareceram e nem sequer fui subscritor da proposta final-síntese que dele se elaborou.
Tenho comigo o único relatório que conheço da Associação Nacional de Municípios e poderei facultá-lo ao Sr. Deputado para que verifique que não está cá qualquer assinatura minha, se bem que concorde com alguns dos pontos que nele estão inscritos e não concorde com outros.
Dou-lhe o beneficio de dúvida. Obviamente, não acredito que o Sr. Deputado venha aqui de má fé dizer que sou responsável por aquilo de que não sou.
Em segundo lugar, quero dizer que o Sr. Deputado Eduardo Pereira, talvez pelo demasiado tempo a que esteve exposto ao fogo cruzado por parte dos deputados da minha bancada, se saiu com uma comparação muito .infeliz e que foi a de dizer que o PSD estava com um pé no Governo e outro nesta Assembleia e que estava aqui para assistir a um espectáculo. De facto, a Assem-

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blefa da República trata de assuntos que merecem dignidade, uma dignidade de Estado, e não é, de forma nenhuma, um Parque Mayer onde venhamos para nos divertir uns com os outros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Tenho aqui na minha mão um documento da Associação Nacional de Municípios que termina com a assinatura do Sr. Deputado Mendes Bota. Pode ser que esteja enganado, talvez tenha lido mal, mas se assim foi peço-lhe desculpa. Contudo - e, para mais, este documento tem este carimbo, está agrafado - se alguém o falsificou não fui eu, Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à interrupção dos nossos trabalhos para jantar. A sessão recomeçará às 22 horas.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, vai ser lido um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão
de Regimento e Mandatos

Em reunião realizada no dia 18 de Março de 1986, pelas 16 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitada pelo Partido Socialista:

António Manuel Maldonado Gonelha (circulo eleitoral de Setúbal) por Américo Albino da Silva Salteiro. Esta substituição é determinada nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85 (Estatutos dos Deputados), a partir do dia 18 de Março corrente, inclusive.

Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró (circulo eleitoral de Coimbra) por António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier. Esta substituição é pedida para os dias 18 de Março corrente a 1 de Abril próximo, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções considerando a ordem de procedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.

Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, António Sousa Pereira (PRD) Secretário, José Manuel Mala Nunes de Almeida (PCP) Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - António Marques Mendes (PSD) Henrique Rodrigues da Mata (PSD) - Manuel José Marques Montargil (PSD) - Carlos Manuel Luís (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) José Manuel Antunes Mendes (PCP) - António José Borges de Carvalho (CDS) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação deste parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação á Mesa.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, queria perguntar se, por acaso, V. Ex.ª sabe se o Sr. Ministro das Finanças pensa estar presente na reunião desta noite.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado do Orçamento, poder-nos-á informar sobre se o Sr. Ministro das Finanças estará presente à sessão desta noite?

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Rui Carp): - Já está a chegar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo acompanhado os trabalhos da Comissão de Economia, Finanças e Plano e da Subcomissão, que no seu âmbito tomou a seu cargo a redacção do relatório com que as grandes opções do Plano e o Orçamento foram apresentados a esta Câmara, o CDS começa por se congratular com o modo como, apesar de tudo, foi possível analisar esses documentos cuja apreciação e votação constituem, sem dúvida, uma das intervenções mais relevantes do Parlamento na vida nacional.
Que possamos continuar a fazer trabalho sério, honrando a representação que nos foi conferida é o voto que aqui queremos exprimir.
As grandes opções do Plano e o Orçamento que, com base nelas, foi elaborado pelo Governo, apresen

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tam algumas novidades que já levaram um Sr. Deputado do Partido Comunista Português a considerar que «estamos perante um verdadeiro patamar».
As mais importantes dessas inovações não podem deixar de ser encaradas numa perspectiva benévola pelo CDS, que vê nelas a consagração do muito que aqui, nesta Casa, defendeu persistentemente no decurso dos dois últimos anos.
Antes de mais, a estratégia de progresso controlado, apontada como principal vector das grandes opções do Plano; destinado a tornar possível a eliminação dos desequilíbrios fundamentais que têm' afectado a nossa economia (défice externo, inflação; desemprego), aparece enquadrada numa política de «desenvolvimento» de mais largo espectro.
Trata-se, de decisão acertada, sendo certo que alguns dos objectivos em que se desdobra tal política de «desenvolvimento» correspondem a orientações pelas quais nos temos batido.
Estamos à pensar, sobretudo, nos propósitos de valorização das energias latentes e a capacidade de empreender dos Portugueses, há dinamização da economia, na concretização das potencialidades da organização democrática do Estado:
E estamos, também, a. pensar nos objectivos que a nível sectorial p Governo se propõe em consequência atingir de:

Reforço do investimento produtivo; basicamente assente no sector privado, cabendo ao Estado criar condições e oportunidades para uma adequada afectação desse investimento;
Desagravamento fiscal, que permita aumentarão rendimento real disponível das particulares e que torne mais justa a carga incidente sobre os rendimentos do trabalho;
Diminuição radical das interferências administrativas, do Estado na economia.
Neste aspecto, as grandes opções representam, sem dúvida e por estranho que pareça, um avanço em relação ao próprio Programa do Governo, que aqui nos foi apresentado mais como uma colecção de medidas sectoriais do que como um conjunto coerente:
Regista-se o progresso.
A segunda inovação que apresenta agora, não já o documento das grandes opções mas o Orçamento,- é a que resulta de com ele se pretende caminhar dê uma forma nítida, embora ainda tímida, no sentido da realização dá regra da universalidade orçamental.
Registam-se, neste sentido ás medidas de extinção do Fundo de Desemprego e sua integração no Orçamento da Segurança Social e a extinção do Fundo Especial de Transportes Terrestres e do Gabinete dós Cofres dos Tribunais, com integração das respectivas receitas no Orçamento do Estado.
Do mesmo modo se regista a preocupação de conferir maior verdade ao Orçamento, passando a prever despesas que até aqui escapavam ao controle orçamental, como ficou claramente demonstrado por ocasião da discussão do orçamento suplementar de 1985. Temos principalmente em mente os casos das bonificações de juros, das operações de tesouraria, dos atrasados do Fundo de Abastecimento e do Fundo de Garantia de Riscos Cambiais.
Em terceiro lugar, merece a nossa concordância reorientação da despesa a que se procede neste Orçamento.
Com efeito embora a despesa cresça em termos globais de um modo preocupante o certo é que a distribuição dessa despesa se faz com maior racionalidade.
Enquanto no Orçamento inicial para 1985 as despesas correntes em juros cresciam. 30,7-%, este ano crescem 17,2% o que, tem termos reais, equivale a um crescimento de apenas 0,6%.
Excluindo, por sua vez, as despesas com pessoal, o crescimento é mesmo negativo sendo apenas de 10,9% em termos nominais.
Descontando; ás divergências de dados, que não deixarão de embaciar a proposta, a tendência de diminuir a despesa corrente, e mais especificamente o consumo público (pessoal mais bens e serviços), encontra, sem dúvida alguma tradução no documento.
Segue-se pois, que o crescimento da despesa resulta fundamentalmente do aumento da dotação global para investimentos do plano que, em «relação á 1985, sobre 59,4% - 121,3 milhões de contos enquanto em 1985 orçamento inicial - subia apenas 28,5% em relação a 1984. Do mesmo modo, as despesas de capital sobem 29 % em termos nominais, o que equivale a 13% em termos reais.
Mas a intenção de retiram a despesa torna-se ainda mais nítida quando se verifica que os investimentos do Plano, vão concentrar-se, sobretudo, em três áreas orgânicas ou Ministérios - Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Plano e Administração do Território e Educação e Cultura.
É, pois, nas áreas que correspondem à dotação do País com infra-estruturas de transportes, comunicações e educação que o Governo sé propõe intensificar o seu esforço realizador.
Muito embora o relançamento da economia pela despesa releve de uma óptica que não é seguramente a óptica do CDS, como se demonstrará ao longo das várias intervenções que vamos: produzir, não podemos deixar de dar o nosso acordo, a todos os que reconhecem a necessidade de dotar o País com infra-estruturas que, ao menos na zona das obras públicas, pertence, sem dúvida, ao Estado concretizar e As GOP e o Orçamento não nos oferecem porém, apenas razões de concordância e constituem também no seu conjunto a fonte de algumas preocupações.
Desde logo, e antes de mais, não pode o CDS deitar de encarar conferir reserva o montante elevado da dívida á que o Estado vai Ter de recorrer para fazer face à despesa orçamentada: 498,5 milhões de contos para o chamado sector público administrativo, a que há que juntar 80 milhões para financiar operações activas do tesouro, sem contar com o endividamento que resultará também da emissão, de bilhetes do tesouro, tudo limite o Governo pretende, subir para 450 milhões de contos.
Ora, ninguém duvida já que o défice hipoteca cada vez mais as possibilidades de recuperação do País, retirando maleabilidade de actuação ao Governo e diminuindo o volume de crédito disponível para os verdadeiros dinamizadores da economia, nacional, os agentes económicos privados.
Que assim é resulta, sem margem para dúvidas, da circunstância de neste ano de 1986 as despesas com os juros subirem 44,5 % em relação ao que se passou em 1985, cifrando-se montante global dos juros a pagar pelo Estado em 396 milhões de contos.

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A continuarmos no mesmo caminho, o Governo acabará por se transformar num simples administrador de massa falida, submetendo ao Parlamento orçamentos destinados a pagar pouco mais que juros da dívida e encargos com o pessoal encarregado de os contabilizar...
A segunda fonte de preocupação refere-se à ausência, pouco menos do que total, de medidas de reforma administrativa capazes de conferir aos propósitos de diminuição da despesa corrente e do peso burocrático da Administração a seriedade que a sua importância reclama.
As medidas de gestão de pessoal enunciadas no artigo 9.º, e o propósito de extinção dos organismos de coordenação económica, repescada da Lei do Orçamento de 1985, não são em si suficientes como sinais de mudança efectiva.
É certo que o Governo tem vindo a anunciar medidas avulsas neste domínio, procedendo à extinção de alguns organismos considerados inúteis.
Lamenta-se, no entanto, que tais medidas não sejam enquadradas num plano de conjunto, constante do Orçamento de Estado como, sem dúvida, deveriam sê-lo.
A terceira fonte de preocupação, sem que a ordem em que é referida tenha qualquer significado quanto à importância que lhe é conferida pelo Grupo Parlamentar do CDS, é a que se refere à atitude fiscal evidenciada na proposta de Orçamento.
Fixando com metas a atingir pela sua política fiscal o alivio da carga incidente sobre as famílias e sobre a iniciativa empresarial, de modo a incentivar o trabalho e o investimento, o Governo não inclui medidas capazes de lograrem tal intento.
Assim, e no que respeita às famílias atingidas duramente, desde 1 de Janeiro deste ano, pela carga, sem dúvida, representada pelo lançamento do novo imposto de consumo que é o IVA, não são muitos os motivos de satisfação que a utilização das autorizações fiscais pedidas lhes irá proporcionar.
Antes pelo contrário, na medida em que, em matéria de imposto profissional e para todos os contribuintes que têm rendimentos situados entre os 25 e os 125 contos/mês, não haverá desagravamento mas um agravamento de 0,5%, mal compensado pela descida também de 0,5 % na taxa da contribuição social única.
Por sua vez, e no que respeita ao Imposto complementar, as medidas tomadas, embora representando um benefício real com a actualização dos escalões à taxa da inflação esperada e a diminuição da taxa do imposto nos seis escalões mais elevados, não é em si suficiente para compensar o que se passa com o imposto profissional, de modo a provocar o desagravamento efectivo da carga fiscal que directamente incide sobre os rendimentos das famílias.
E que o efeito pretendido de alivio da carga fiscal, só se conseguiria, neste domínio, pela actuação conjugada sobre os dois impostos, sendo certo, como é, que 94 % da base de incidência do imposto complementar é constituído pelos rendimentos tributados já em imposto profissional.
É claro que beneficiarão, também, as famílias, aumentando as suas disponibilidades reais, as medidas que se tomam no domínio da sisa em relação à possibilidade de aquisição de casa própria.
Trata-se, porém, de benefícios pouco significativos, muito embora susceptíveis de produzir efeitos também na iniciativa empresarial do sector da construção civil.

Segue-se, portanto, que as famílias sujeitas ao agravamento da carga fiscal indirecta resultante do IVA não verão essa carga aliviada, em termos pelo menos significativos, no domínio da tributação directa.
E o que se passa com as família, passa-se, também, ao menos em parte, com a iniciativa empresarial.
Ai só pode lamentar-se que o desagravamento efectivo conseguido em matéria de contribuição industrial, para os contribuintes de rendimentos superiores a 3 mil contos, tenha sido acompanhado da manutenção do imposto extraordinário sobre os lucros, criado em 1983, e do levantamento da suspensão do imposto complementar, secção B.
Quer isso dizer, que o desagravamento é, em boa parte, ilusório, também neste domínio.
Propiciadoras de benefícios reais são apenas as medidas que, visando, também, a iniciativa empresarial se dirigem à criação de incentivos à dinamização do mercado de capitais e, em especial, à constituição de capital de risco.
Já, porém, nos causa a maior preocupação, o modo como o Governo se propõe pôr finalmente em vigor o imposto sobre a indústria agrícola, sem escapar à acusação de retroactividade e sem cuidar verdadeiramente da preparação dos sujeitos passivos do imposto.
Finalmente, ao levantar a suspensão da secção B do imposto complementar, ao manter o imposto extraordinário sobre os lucros, ao manter uma parte dos impostos adicionais, ao abandonar o esforço de racionalização dos impostos indirectos iniciado no momento da entrada em vigor do IVA, o Governo não revela a mínima intenção de contribuir para disciplinar e simplificar a nossa fiscalidade.
Aliás, para além da anunciada medida respeitante à tributação dos funcionários públicos, nada mais se diz que aponte no sentido da reforma do sistema da tributação directa em direcção ao imposto único sobre o rendimento.
Do mesmo modo, nada se faz em direcção ao saneamento do sistema de benefícios fiscais e sua racionalização, embora se prometam medidas gerais nesse sentido.
Finalmente, nada se diz, também, sobre a reforma do contencioso tributário necessário ao exercício efectivo do direito da impugnação contenciosa dos actos da administração fiscal, consagrada na Constituição.
Outra causa de preocupação do Grupo Parlamentar do CDS é a que se refere à estratégia a desenvolver em relação ao sector público empresarial.
Não há, no Orçamento, a explanação de uma política global sobre o assunto, a enquadrar medidas pontuais como as que se traduzem na previsão da realização de operações activas de tesouraria em beneficio de empresas consabidamente inviáveis.
Que critérios vão ser utilizados para racionalização de um sector que, para além do peso que tem sobre a despesa, contínua a ser uma causa - uma das mais importantes - de indisciplina das finanças públicas?
É isso que lamentavelmente o Governo não diz em ponto nenhum do Orçamento, não se encontrando, também, previsto qualquer debate sobre a matéria.

Por último, uma palavra sobre a política cambial adoptada antes da proposta do Orçamento do Estado e não alterada nos documentos agora submetidos à apreciação da Assembleia.
Temos dúvidas sobre se ela não será, apesar de tudo, o que ultimamente se tem passado em domínio de câm-

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bios, penalizadora para a nossa actividade exportadora, impedindo-a de beneficiar da abertura que terá sido conseguida no âmbito da CEE.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo ponderado a nossa intervenção neste debate será orientada com vista a conseguir que as opções verdadeiramente libertadoras da economia portuguesa, na perspectiva da recuperação dos desequilíbrios fundamentais que a afectam, informem efectivamente as : medidas a adoptar no âmbito do Orçamento do Estado.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para fazer intervenções os Srs. Deputados Rui Machete, Ivo Pinho, Helena Torres Marques, Vargas Bulcão, Ilda Figueiredo, Silva Lopes e Próspero Luís.
Para esgotarmos os 25%. do tempo que cabe ao dia de hoje, precisamos ainda de ter l hora e 45 minutos de debate útil:
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em todos os Parlamentos, a discussão e. votação do Orçamento - no nosso caso acompanhado da proposta, de lei sobre as grandes opções dó Plano são o momento apropriado para passar em revista a situação económica do País e para um exame cuidadoso das finanças do. Estado. Constituem, sobretudo, a ocasião em que à Assembleia formula anualmente um juízo expresso sobre á política económico-financeira do Governo.
A aprovação do Orçamento traduz-se num voto dê confiança na acção do Executivo, a sua rejeição envolve, tal a sua importância, a condenação política do Governo e a sua queda. Pese muito embora o facto de o artigo 198.º da Constituição não a considerar como tal, a proposta de lei do Orçamento é, dó ponto de vista político, uma verdadeira moção desconfiança, moção de confiança que assume um particular significado quando o Governo, como nó caso presente, não dispõe de maioria na Câmara, uma vez que com ele só plenamente se identifica o Partido Social-Democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Cremos bem, porém, que após estudar as presentes propostas de lei das grandes opções e do Orçamento, esta Assembleia tem fundadas razões para lhe dar a sua aprovação, sem as modificar na sua traça substancial. Anote-se, de passagem, que, a registarem-se alterações de monta, isso equivaleria, afinal, a uma condenação implícita com as mesmas consequências de um acto formal de recusa.
E que o Governo, agindo como lhe competia em defesa dos interesses do País; apresentou à Câmara o Orçamento possível dentro do apertado contexto financeiro em que há alguns anos vivemos. Os juros do serviço da dívida, e a sua amortização, as despesas com o pessoal, representando em 1985 cerca de 95% das receitas fiscais, deixam pouco espaço de manobra :a quem não queira enveredar por aventureirismos irresponsáveis.
As grandes opções do Plano traçam as grandes linhas orientadoras da política macroeconómica em termos que consideramos aceitáveis e exequíveis, e até consensuais, para a maioria desta Assembleia! Julgamos mesmo que a evolução cambial do dólar e à descida do preço do petróleo - em termos que não formar previstos aquando da sua elaboração, modificam alguns dados do problema mas não infirmam a credibilidade dos objectivos que se propõem alcançar, acontecendo até que, no que respeita à balança de transacções correntes, poderá verificar-se um saldo positivo, ao contrário dos 7 milhões de dólares de défice na altura estimados, o quê dará ao Governo uma certa margem de manobra.
A «estratégia do progresso controlado», preconizada nas grandes opções do Plano, pretende assegurar limites de crescimento do PIB de 4% e provocar, em 1986, uma inversão na formação bruta de capital fixo de 10% e um aumento do consumo privado a uma taxa dê crescimento real próximo dos 3,5%; com uma taxa de inflação não superior a 14%. Para a consecução deste, progresso, dizem ainda as grandes opções do Plano que o esforço deverá assentar basicamente no sector privado, reconduzindo-se o Estado a ser um produtor dê infra-estruturas e um difusor da informação útil aos agentes económicos.
Subjaz também às grandes opções do Plano a necessidade imperiosa de tomar decisões imediatas no sector empresarial do Estado, apoiando inequivocamente as empresas viáveis e reconvertendo ou encerrando as que se reconhece não terem qualquer viabilidade económico-financeira.
As verbas para investimento e saneamento financeiro das empresas públicas terão de contemplar, necessariamente esta realidade.
A orientação da proposta; orçamental é coerente, como veremos; com os propósitos das grandes opções. Não se desconhece que poderão existir algumas dificuldades em conseguir o nível da formação bruta de capital fixo (FBCF) no sector privado no espaço de tempo previsto, mormente no que se refere à habitação, pois temos de ter em atenção que se trata de um movimento em que, embora induzido pelos poderes públicos, são os particulares os principais agentes económicos e, por outro lado, existe ainda presentemente um importante stock de habitações já construídas, disponíveis para venda. Também a programação monetária terá de ter preocupação de assegurar que o fluxo de créditos ao sector produtivo privado não seja comprimido pelas necessidades de financiamento do sector público administrativo e empresarial. Mas estas observações e outras poderiam fazer-se, como, por exemplo, sobre as consequências que advirão da baixa dos combustíveis derivados do petróleo se os seus benefícios passarem para o público e para às. empresas, aumentando o volume do consumo privado previsto com repercussões na inflação e nas importações - estas observações dizíamos, naturais a uma conjuntura em permanente mutação - não invalidam o essencial do que há pouco referimos: a razoabilidade dos objectivos das grandes opções do Plano e a sua compatibilidade com a proposta de Orçamento para 1986:
A proposta de Orçamento para 1986 insere-se, como dissemos, no esforço que os governos responsáveis vêm fazendo para pôr em ordem as finanças públicas e conter o défice: Do lado das receitas a sua novidade, em relação aos anteriores, é dada pelos acréscimos trazidos sobretudo pela entrada em vigor do IVA, em contraposição ao antigo imposto de transacções, e pelas somas provenientes do acesso aos fundos comunitários e ainda pelos 27 milhões de contos do Fundo de Abastecimento e de outros 27 milhões resultantes da cria-

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ção no Banco de Portugal de uma conta remunerada a favor , do Estado. Houve, assim, um aumento de receitas correntes de 43 % em relação ao Orçamento revisto de 1985. De notar, no entanto, o carácter único de cerca de metade, 19 % desses aumentos, insusceptível de se repetir nos anos seguintes.
É esse incremento de receitas que permite fazer face aos aumentos "rígidos" das despesas correntes e ao acréscimo deliberado nas despesas de capital sem agravamento do défice corrente em relação ao produto interno bruto (PIB); pelo contrário, prevê-se uma redução do défice corrente em relação ao PIB de 9,50lo do Orçamento revisto de 1985 para 7,9% na actual proposta, e uma redução do défice total (sem amortização da divida pública) de 13,3 % para 11,1 % do PIB. Trata-se de um resultado assinalável.
Os aumentos da receita não só do Estado como dos fundos autónomos e da Segurança Social - cerca de 40 % em termos nominais -, descontadas as contribuições financeiras da CEE e os rendimentos de propriedades, resultam da fiscalidade directa ou indirecta (IVA, Fundo de Abastecimento) mas revelam, contudo, um aumento da carga fiscal que haverá que diminuir em anos futuros se nos quisermos aproximar dos níveis de tributação de países com rendimentos per capita próximos do nosso. Compreende-se, no entanto, que num ano em que se pretende inverter a tendência decrescente da FBCF, passando a uma curva ascensional, se não diminuam as receitas do Estado, aliviando em muito a fiscalidade.
Quanto às despesas, já salientámos o esforço de contenção das despesas correntes, se excluirmos os acréscimos de gastos com o pessoal - + 62 milhões de contos/e com os juros da dívida pública + 121,9 milhões de contos. O Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central - PIDDAC - tem este ano - nestes oito meses próximos futuros - um elevado crescimento. O valor total da proposta ascende a 134,2 milhões de contos de que o Estado se propõe financiar 101,6 milhões.
Se cotejarmos as despesas de capital da proposta com o Orçamento revisto de 1985, sem a amortização da dívida pública, teremos um aumento em termos reais de 13%.
É através do aumento das despesas em capital, lançando novos projectos sobretudo nos domínios das obras públicas, transportes e comunicações e da construção de equipamentos escolares e de habitação e urbanismo que o Governo pretende criar infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento do sector privado e corporizar o crescimento da FBCF no sector público. É outro ponto positivo, a merecer ser sublinhado.
Apoiamos o Governo no seu esforço de conter as despesas com o pessoal. Julga-se, no entanto, que não será suficiente impedir que o número de funcionários aumente e que, por outro lado, essa política cedo conduzirá a um insustentável esclerosamento na função pública. A reforma da Administração passa por um exame global das possibilidades de desregulação, a deregulation dos Anglo-Saxónicos, feita ministério a ministério, instituto a instituto, de modo a saber que atribuições podem passar a ser exercidas pelas entidades privadas de raiz que pertencem à sua esfera ou mediante contrato e que funções devem com vantagem ser transferidas para o poder local ou até já se tornaram inúteis e por isso devendo cessar, extinguindo os órgãos que delas pretensamente se ocupam. Não é
tarefa para executar de jacto, apenas num exercício orçamental, mas tem de começar a ser feita com muita determinação.
Apesar da contenção das despesas correntes, que já se evidenciou, o défice total e corrente da proposta de Orçamento para 1986, correspondendo respectivamente a 11,8% e 7,4% do PIB estimado para o ano, representam valores ainda muito elevados. São um progresso em relação a 1985 - e é importante sublinhá-lo -, mas importará que a sua redução prossiga nos próximos anos, quando já não há a "novidade" dos aumentos de receita registados no presente. Não vai ser uma tarefa fácil!
A forte poupança negativa do sector público administrativo, em face da preocupação de conter a inflação abaixo de 14 % que não permite expandir a oferta de moeda, cria algumas constrições ao financiamento do sector produtivo, que serão mais sensíveis ainda no sector privado se as necessidades das empresas públicas estiverem calculadas com excessiva modéstia.
A absoluta necessidade de criar condições favoráveis à actividade estratégica dos agentes económicos privados impedem qualquer laxismo quanto aos limites do défice; por isso mesmo, embora com mágoa, compreendemos que as transferências para o poder local não possam ser melhoradas à custa do avolumar do défice proposto pelo Governo. Não queremos tão-pouco apoiar tentativas que, empolando as receitas ou confiando exageradamente em extrapolações sobre a evolução do dólar ou dos preços das ramas petrolíferas, venham a artificialmente obter "espaço" para novas despesas nos limites do défice proposto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política de austeridade do anterior governo conduziu ao reequilibro da balança de transacções correntes e ã desaceleração da inflação.
A opção pela elevação do crawling peg, antecedida de uma desvalorização discreta, privilegiou o sector exportador como motor de arranque da nossa economia. Teve, porém, como é sabido, custos elevados no que concerne ao investimento, que caiu acentuadamente, e à perda do poder de compra dos Portugueses.
O actual governo move-se ainda num enquadramento de crise financeira que se arrasta há longos anos. Vive, porém, numa envolvente internacional que lhe permite campo de manobra bem mais largo. Neste contexto traça o cenário da sua política macro-económica, e da sua política financeira, com são realismo e com a audácia que a consciência da responsabilidade consente. A sua política cambial, sustando a desvalorização deslizante primeiro, reduzindo a taxa de crawling peg depois, a diminuição "ousada" das taxas de juro, precedendo um pouco a desaceleração inflacionista, os incentivos ao investimento privado, o avolumar das despesas públicas de capital, criando infra-estruturas necessárias e orientando a procura em sectores onde tinha enfraquecido, todas essas medidas visam o robustecimento dos sectores internos da economia, designadamente o da construção civil.
Pretende, assim, o Governo realizar uma política desenvolvimentista, assente basicamente no sector privado - daí a parcimónia com que são tratadas as empresas públicas - que reanime a economia, sem pôr em risco, por gravosos défices da balança de transacções correntes, a recuperação consignada nas contas externas.

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Reconheçamos que continua a haver limitações importantes à liberdade de manobra do Governo, impostas pela rigidez e pelo desmesurado volume do serviço da dívida e pelas despesas correntes, designadamente com pessoal, e ainda pela debilidade estrutural da nossa balança de pagamentos. Mas registemos também que as grandes opções do Plano e a proposta de Orçamento que o Governo nos apresenta significam um esforço sério que aproveitando algumas condições inusitadas da nossa, envolvente externa, possibilitam darmos um significativo passo em frente, no ano em que nos tornámos membros de pleno direito da CEE.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Seja-me também permitido observar que a Assembleia da República, melhor a oposição, não deve ceder à tentação de se substituir ao Governo nos domínios que são deste e não podem ser invadidos pela Câmara, sob pena de violarmos a separação de poderes consignada na Constituição e, o que é mais grave, com manifesto prejuízo para o País.
Entendo assim a concluir que, sem prejuízo de alguns ajustamentos de pormenor que a discussão das grandes opções do Plano e do Orçamento venham a revelar úteis, a Assembleia da República deve apoiar ambas as propostas, evidenciando deste modo os partidos aqui representados, que sabem reconhecer os méritos mesmos naqueles que são seus adversários políticos. Com a nossa aprovação destas duas propostas prestaremos, afinal, um bom serviço ao País, e é para isso que aqui estamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ivo Pinho.

O Sr. Ivo Pinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na presente intervenção, concentrarei a atenção na análise das chamadas «grandes opções do Plano» para 1986 e formularei algumas considerações sobre o investimento público, entendido na acepção mais lata, isto é, englobando os denominados PIDDAC. (Plano de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central) e PISEE (Programa de Investimentos do Sector Empresarial do Estado). Tecerei, ainda, alguns comentários em torno da problemática do défice do sector público administrativo (SPA) para 1986 e da sua evolução a médio prazo.
Antes disso, porém, farei alguns reparos incidentes sobre questões de natureza metodológica e relativas às propostas das grandes opções do Plano e do Orçamento do Estado, apresentadas, pelo Governo.
Começando pela primeira, desejaria salientar que está Câmara precisará, oportunamente, de definir, com grande rigor, sobre que matéria se deseja, efectivamente, pronunciar.
A Assembleia deveria aprovar, salvo melhor opinião, um texto sintético e claro que elucidasse sobre as características principais da situação de partida, os objectivos prioritários a prosseguir - de preferência hierarquizados -, os meios e instrumentos fundamentais de actuação, as medidas de política adoptadas e os indicadores de execução - material e financeira -, seleccionados para avaliar os desvios entre o programado e o realizado. Em vez disso, os deputados são coloca-
dos perante um relatório técnico, naturalmente com: plexo, escassamente articulado com a proposta do Orçamento do Estado e que omite os fundamentos .e pressupostos técnicos e políticos de base, que presidiram à sua elaboração. De facto, às grandes opções: dó Plano são a reduzida parte visível de um complexo iceberg, cuja: visão global e completa requer um enquadramento intertemporal que não é fornecido/o modelo econométrico implícito nas grandes opções do Plano é um modelo de médio prazo. A análise dos resultados para 1986 só adquire verdadeiro sentido e alcance se for perspectivada no quadro da evolução das principais grandezas macroeconómicas nos próximos., dois a três anos. O Governo terá de optar, no futuro, entre dar à Câmara toda a informação de que dispõe ou criar «apetites» que não podem ser satisfeitos no «menu» que lhe fornece. Como quer que seja, o Governo deveria ter procurado traduzir, em proposta de lei - e ainda que no plano puramente qualitativo -, os aspectos essenciais da política económica que se propõe prosseguir. Isso não foi feito, como, de resto, reconhece o parecer do Conselho Nacional do Plano, o qual recomenda ao Governo que enuncie e hierarquize, com clareza, os objectivos centrais da sua política económica.
Uma segunda reserva, que deve ser formulada relativamente às grandes opções, do Plano, refere-se ao carácter muito agregado das projecções que foram realizadas. Do nosso ponto de vista e a experiência de planeamento em Portugal demonstra-o de forma inequívoca -, seria inútil modelizar o funcionamento do sistema produtivo, nas suas variadas vertentes. Todavia, teria sido importante que o Governo fornecesse uma ideia, ainda que grosseira, dos reflexos do modelo macroeconómico aos níveis, sectorial e regional,- ao menos para testar a veracidade e, sobretudo, a coerência das projecções globais realizadas. Uma última referência para assinalar que as grandes opções do Plano não consideram, com a atenção requerida, questões essenciais que antecedem e subordinam o desenvolvimento sócio-económico do País. A forma algo indirecta e superficial como são tratados aspectos como a dicotomia «emprego/desemprego» e a repartição funcional e pessoal dor rendimento são, disso, exemplos marcantes.
Quanto à proposta de Orçamento do Estado, seria injusto, criticar o Governo por não ter remetido à Assembleia a necessária informação de base. A Comissão de Economia, Finanças e Plano foi, efectivamente, siderada por uma montanha, dia a dia crescente, de informação.
Há pouco, o Sr. Secretário de Estado do Planeamento, voltou a enviar mais uma informação - que havia sido solicitada pela Comissão - pelo que se ressarciu, assim da pequena crítica que, a esse propósito, tinha sido feita no relatório e que agora, portanto, embora tardiamente, deve ser retirada. Só que, muita dessa informação não foi descodificada, foi enviada tardiamente: ou omite aspectos fundamentais. Para exemplificar, dir-se-á que a Comissão recebeu um volumoso dossier sobre a situação financeira das EP em 1984. Porém, só muito, mais tarde recebeu,- a seu pedido, informação provisória sobre a estimativa dos investimentos a realizar em 1986 pelo chamado «sector empresarial do Estado». Quanto ao PIDDAC recebeu-se um vasto manancial de informação que não foi tratada nos planos sectorial e regional e que não elucida sobre as prioridades dos programas nele conti-

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dos. Informação essencial sobre o grau de execução do Orçamento de 1985 ou sobre a verdadeira magnitude do défice da actividade do Estado naquele ano não foi ainda recebida.
Mas não pode, em boa fé, assacar-se, por inteiro, ao Governo, a responsabilidade pela situação descrita. A Assembleia precisa de definir, com detalhe e rigor, os elementos julgados necessários e úteis para a apreciação das propostas de Orçamento do Estado. Pela nossa parte, consideramos que tal desiderato pode ser cabalmente prosseguido no quadro dos trabalhos da subcomissão incumbida de analisar as propostas de alteração da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado.
Vistas as principais questões de natureza metodológica, centraremos, agora, a nossa atenção na proposta de «grandes opções do Plano» para 1986, apresentada pelo Governo.
A primeira referência vai, naturalmente, para a tentativa de consagração, ao nível institucional, da conhecida distinção entre crescimento e desenvolvimento económico. Esse aspecto encontra-se bem equacionado no plano genérico mas acaba por não ter qualquer tradução prática, quer ao nível dos objectivos quer ao nível das políticas sectoriais configuradas. É certo que tal dicotomia pode ser objecto de tratamento desenvolvido no «plano médio prazo» que o Governo nos promete. Bom seria que tal sucedesse e que pudéssemos, finalmente, avaliar os reflexos da opção entre crescimento e desenvolvimento ao nível de áreas críticas de transformação estrutural da sociedade portuguesa, como a valorização dos recursos humanos, o desenvolvimento regional, a estrutura da propriedade dos meios de produção, o posicionamento e inserção externa da economia portuguesa, os modelos de acumulação, de consumo e de repartição do rendimento, etc. O Governo merece, nesta área, o benefício da dúvida. Tal merecimento, de resto, é extensível à política económica preconizada, a qual concita, em termos genéricos, a nossa concordância.
Afirmámos, no nosso programa, que era possível prosseguir o crescimento económico combatendo a inflação, que a regulação da economia portuguesa teria que fazer-se «desanexando» a evolução das principais grandezas macroeconómicas do estigma dos 20%, reduzindo drasticamente a inflação, incentivando o investimento produtivo em detrimento de aplicações «rentistas» da poupança, utilizando a política monetária para potenciar equilíbrios internos, etc.
Em suma, defendemos que era tempo de substituir o «círculo vicioso» da recessão económica, com inflação galopante, pelo «círculo virtuoso» do crescimento económico com descida e controle da inflação. A política económica do Governo visa, no essencial, os mesmos objectivos. Não estamos, porém, de acordo com muitos dos meios preconizados pelo Governo para a sua consecução e não poderemos deixar de manifestar algumas preocupações quanto à viabilidade de concretização de certas metas enunciadas pelo Governo.
Assim:

Quanto à taxa de inflação programada para este ano, consideramos que a mesma é credível face às possibilidades existentes de controle directo dos preços de certos bens e serviços essenciais, à política cambial adoptada e ao enquadramento internacional particularmente favorável que se verifica. Porém, duvidamos que a evolução pretendida pelo Governo para a inflação - em 1987 e 6% em 1988 - seja exequível e, isso, por várias razões. Em primeiro lugar, consideramos que a overdose de estímulos que será injectada na actividade produtiva, aliada à retoma do crescimento económico internacional iniciada em meados do ano transacto, poderá recriar tendências inflacionistas que poderão ser intensificadas pela aplicação do IVA e pelo encarecimento de certos bens de consumo corrente - sobretudo os alimentares - determinados pela adesão à CEE.
Por outro lado, é possível que a expansão da oferta monetária necessária para acomodar o elevado défice do SPA, gere, igualmente, tendências inflacionistas não despiciendas. Como, além do mais, o défice do SPA continuará a ser muito elevado, pelo menos nos próximos anos, talvez que a evolução mais credível para a inflação em 1987 e 1988 aponte para valores de 12% e 10%, respectivamente.
Uma outra reserva, da maior importância, respeita às taxas de crescimento previstas para as exportações e importações. Quanto às exportações, tem que registar-se que os efeitos da política cambial projectada penalizam fortemente o sector exportador - de facto, o aumento do nível geral de preços implícito no PIB é, de acordo com o modelo das grandes opções do Plano, de 15,1% enquanto os preços de exportação apenas crescem 12%. Acresce que a desvalorização cambial prevista - que será da ordem dos 5 % a 6%, em termos de média anual - mesmo se acrescida dos ganhos de produtividade - que, certamente, não ultrapassarão os 3% - não permitirá cobrir, integralmente, o diferencial entre a inflação programada e a taxa média de inflação da CEE que, espera-se, ronde os 4%.
Não tendo havido reestruturação do sector exportador nem alteração das nossas condições de competitividade - as quais continuam a basear-se no binómio «preços/salários» - é provável que haja dificuldades em conseguir a taxa de expansão prevista -5,5%- quer porque o crawling-peg não parece actuar em termos de alteração dos preços relativos quer porque alguns dos nossos principais produtos de exportação continuarão condicionados por contingentes e plafonds pautais.
Quanto às importações, é de recear que o desmantelamento pautai e não pautai, o embaratecimento dos preços de algumas matérias-primas e a tendência para uma rápida reconstituição de stocks, favorecida pela política cambial prosseguida, possa determinar um ritmo mais vivo de crescimento das importações, com implicações óbvias no saldo da balança comercial.
O último comentário, reporta-se ao investimento: a meta prevista de crescimento em volume de 10% parece credível dado que a FBCF registou, nos últimos anos, decréscimos substanciais sucessivos (-20% em 1984 e -5% em 1985). Aliás, afigura-se importante salientar que o preconizado crescimento do PIB pode ser alcançado sem que aquela meta seja atingida, bastando para o efeito que se verifique uma maior utilização da capacidade instalada - a actual taxa

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de utilização é da ordem dos 75%. Mais do que a meta em si, interessaria conhecer e discutir os meios para a' prosseguir, designadamente no tocante à orientação, sectorial e regional do investimento, ao sistema de incentivação que será seguido e à distribuição do ritmo de crescimento pelos grandes sectores da actividade económica - o sector privado, o sector, público administrativo e o sector público empresarial. Neste último aspecto,, .é de sublinhar que, sem embargo da compatibilidade existente, em termos aritméticos, a articulação e coerência entre as taxas de crescimento previstas para o investimento privado e para o investimento do SEE parece controversa. Em 1985, a FBCF do SEE cresceu à taxa negativa de 14,5 % e a do SPA à taxa, também negativa, de - 8,4%, tendo o decréscimo do investimento privado sido de - 1,7%. Se, no tocante ao PIDDAC, se admite que o crescimento em, volume de 20% - particularmente orientado para os transportes, comunicações e obras públicas - seja coerente com à meta geral de 10% preconizada pelo Governo, já o mesmo não sucede quanto ao SEE - o qual, como é consabido, tem efeitos directos, indirectos e - induzidos muito, relevantes sobre a actividade do sector privado - cujo investimento crescerá, apenas, à taxa de 2,8%.
Feitas estas observações, ao. cenário de enquadramento macroeconómico das grandes opções do Plano, debruçar-nos-emos, agora sobre a problemática do investimento público.
O relatório da subcomissão incumbida de elaborar o parecer sobre a proposta do Orçamento do Estado para 1986. É, a este propósito, bem elucidativo. Para os presentes efeitos, limitar-me-ei, a salientar as questões que reputo de essenciais.
Quanto ao PIDDAC importa salientar que o elevado crescimento do investimento preconizado na respectiva proposta -- o qual atinge 39,8% em termos reais e 59,4% em termos nominais -, poderá colocar problemas importantes se for considerada a real capacidade de execução dos investimentos previstos nos nove meses que nos separam do fim do ano e, sobretudo, o nível de compromissos assumidos no futuro por força dos programas iniciados em 1986 e em anos anteriores.
Quanto ao primeiro aspecto citado, dir-se-á que, nos três Ministérios mais beneficiados - Transportes, Obras Públicas e Comunicações, Plano e Administração do Território e Educação e Cultura - que, por si só, representam mais de dois terços da dotação do PIDDAC, as verbas inscritas em 1986 são incomparavelmente superiores à execução estimada em 1985 - tal relação é quase dupla no caso do Ministério dos Transportes; mais que dupla no que concerne ao Ministério do Plano e atinge o valor de 2,52 no caso .do Ministério da Educação é pois provável que; mesmo que o grau de execução do PIDDAC venha a situar-se muito acima do nível verificado em 1985 (cerca de 70%) - o que exigiria a implementação dos sistemas expeditos de acompanhamento e controle de execução - se verifique uma folga em termos de investimento não realizado, que poderá atingir cerca de 12 milhões de contos. No que toca aos compromissos assumidos no futuro, dir-se-á que, se tomarmos como base as verbas inscritas no PIDDAC para 1986, os compromissos induzidos para 1987 ascendem a quase 128 milhões de contos e que, nos anos seguintes, esse quantitativo é da ordem dos 161 milhões de contos. Note-se que só os projectos plurianuais lançados em 1986 - cujo montante ascende a cerca de 29 milhões de contos - criam compromissos em 1987, da ordem dos 59 milhões, parecendo crucial que, no futuro, sejam lançados outros programas. O certo é que o simples efeito de recondução automática dos programas inscritos no PIDDAC para 1986 gera investimentos cujo montante, porventura, conceituará com o objectivo - necessário e urgente - de contenção do défice público.
Assim, é de admitir que o Governo não tenha valorizado devidamente, no quadro de uma política económica orientada para a correcção do défice público, as consequências emergentes da auto-reprodução dos investimentos plurianuais considerados no PIDDAC para 1986.
Quanto ao financiamento do sector empresarial do Estado, as questões angulares reportam-se à manifesta insuficiência das fontes de financiamento orçamental, ou seja, dos subsídios e indemnizações compensatórias e das dotações para aumento do capital estatutário.
As estimativas do investimento do SEE para 1986, fornecidas pelo Governo, apontam para valores da ordem dos 236 milhões de contos. Desse montante, 91,5% respeita ao investimento dos sectores da indústria e energia e dos transportes e comunicações, os quais, de resto, também absorvem o essencial (cerca de 90%) dos recursos orçamentais colocados à disposição do SEE.
O investimento estimado só sector da indústria e energia ascende a 127,6 milhões de contos, as dotações de capital - basicamente destinadas a apoiar o saneamento financeiro e não a expansão das empresas -, ascendem a pouco mais de 10 milhões de contos, ou seja, apenas a 8% do investimento total estimado. Os subsídios, por seu turno, que dão-se nos 8,8 milhões de contos, ou seja, 6,3% do investimento total. Vale a pena referir, a este propósito, que as grandes empresas - problema do sector a EDP, a CNP, a QUIMIGAL, a SIDERURGIA, e a SETENAVE - não concitam um apoio orçamental suficiente por outro lado, considerando os baixos níveis de auto-financiamento da generalidade das empresas, tal significa quê o mercado de capitais será o grande agente financiador do investimento estimado. É certo que o Governo prevê que uma parte do financiamento dós projectos da Tabaqueira, Portucel e EDP, no montante global de 23 milhões de contos, possa ser efectuado através da emissão de títulos de participação mas, tal circunstância, não ameniza os riscos de, a concretizar-se o nível do investimento estimado, vir a assistir-se a um agravamento do défice do sector público administrativo ou a um acréscimo significativo do endividamento - já de si elevado -, do sector.
É certo que, para além do financiamento canalizado via Orçamento, o Estado terá ainda que suportar, por operações activas do tesouro, 35,3 milhões de contos para financiar parte da dívida externa da CNP e 3,4 milhões de contos para financiar a dívida interna avalizada da SETENAVE mas, esse esforço financeiro, sendo condição indispensável para manter as citadas empresas, não potência, por si só, a sua viabilização.
Uma última referência às operações activas do tesouro de acordo com os elementos fornecidos pelo Governo, o Estado terá de financiar a dívida externa

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da EPSI (5 milhões de contos) e dotar a EPPI com 1 milhão de contos, verba que parece corresponder ao pedido de aumento de capital estatutário formulado pela empresa. Ora, tendo sido recentemente extinta a EPPI, tal operação só encontrará justificação se for destinada a apoiar a solução que vier a ser encontrada em matéria de assunção do passivo financeiro da empresa.
Segundo as estimativas fornecidas pelo Governo, o investimento no sector dos transportes e comunicações deverá rondar os 88 milhões de contos, valor que corresponde a cerca de 37,4 % do investimento total estimado para o SEE.
O montante global previsto para subsídios e indemnizações compensatórias -
note-se que o Governo não forneceu indicação da ventilação daquelas rubricas por empresa - ascende, para todas as empresas públicas no sector dos transportes e comunicações a, apenas, 27 milhões de contos, ora, em 1984, só para as oito empresas do subsector dos transportes, o montante de indemnizações compensatórias ascendeu a 17,5 milhões de contos e, em 1985, a 24,1 milhões de contos.
Em 1986, de acordo com o estipulado nos contratos-programa celebrados pelas empresas do subsector dos transportes (com excepção do Metropolitano), as indemnizações compensatórias deveriam montar a 34,5 milhões de contos (32 milhões, sem o Metro), sendo que, como se referiu, o Governo fixou em 27 milhões de contos o montante de subsídios e indemnizações compensatórias a conceder a todas as empresas do sector dos transportes e comunicações.
Assim, entende-se que o montante de subsídios e indemnizações compensatórias fixado é manifestamente insuficiente e poderá colocar graves dificuldades ao funcionamento normal das empresas, sobretudo se não for encontrada uma solução adequada em matéria de repercussão do IVA nos preços de venda dos serviços prestados.
Os 27 milhões de contos relativos a subsídios e indemnizações compensatórias representam, somente, cerca de 30 % das necessidades de financiamento das empresas do sector dos transportes e comunicações.
As dotações de capital, por seu turno, não ultrapassam os 15 milhões de contos - ou seja, escassos 17 % das necessidades de financiamento -, desconhecendo-se, ainda, a ventilação daquela verba por empresa e, bem assim, se a mesma se destina, basicamente, a apoiar a expansão do investimento ou a promover o saneamento financeiro das empresas.
Dado que, neste sector, apenas se encontra prevista a emissão de títulos de participação no caso do Metropolitano (3 milhões de contos), fácil é concluir que cerca de metade das necessidades de financiamento terão de ser obtidas no mercado de capitais, por razões que se prendem à precária situação financeira da generalidade das empresas em apreço, não são de augurar boas perspectivas de captação de crédito junto dos particulares e, mesmo, junto das próprias instituições financeiras, facto que em nosso entender poderá determinar, caso o investimento estimado se, concretize, o alargamento do défice do sector público administrativo.
Vejamos, finalmente, a questão do défice do SPA. Não nos preocuparemos com a análise comparada entre o défice registado em 1985 e o défice proposto em 1986. E isto, porque, de acordo com elementos disponíveis, é possível admitir, com grande verosimilhança, que o défice de 1985 estará fortemente sobreavaliado.

Por outro lado, a dimensão do défice proposto para 1986 parece altamente controversa. Por um lado, haverá operações activas do Tesouro - por exemplo, o pagamento de parte da dívida externa da CNP, no valor de 35,3 milhões de contos - que, são, na prática, despesas orçamentais efectivas não contabilizadas no défice. Há, também, razões para supor que a entrada de fundos do FEDER se encontra sobreavaliada em cerca de 4,2 milhões de contos. Mas, por outro lado, é possível que algumas receitas fiscais estejam subavaliadas - veja-se, a este propósito, o relatório da subcomissão - e que, devido ao efeito conjungado da queda da cotação do dólar e do preço do petróleo, as receitas do fundo de abastecimento possam atingir um nível consideravelmente superior ao previsto na proposta.
Também é de admitir, como já se referiu, que surja, em termos da execução do PIDDAC para 1986, alguma margem de manobra que poderá quantificar-se entre 10 e 12 milhões de contos. Estes aspectos carecem de ser examinados atentamente para que se possa, sem riscos de aumento do défice previsto, satisfazer despesas insuficientemente dotadas no Orçamento do Estado casos das autarquias locais e do Serviço Nacional de Saúde, fundamentalmente.
Como quer que seja, o défice será sempre elevado e, como já se disse, continuará a sê-lo nos próximos anos, parecendo difícil que possa descer abaixo dos 10% do PIB em 1988 (e isto, considerando um cenário algo róseo que, considerando os reembolsos da CEE nos prazos e proporções negociados). É caracterizado por uma taxa de câmbio estável, por um crescimento do PIB de 4% ao ano e por um acréscimo real anual do investimento e das exportações de 5 %.

O Governo, de resto, ensaiou vários cenários de evolução do défice, nos quais manipulou, como uma das variáveis para a contenção do défice, a carga fiscal indirecta. Este facto, parece surpreendente na medida em que deixa pressentir que, para o Governo, a margem de manobra na área das receitas fiscais é ilimitada. Portugal já tem - sem contrapartidas suficientes no plano da assistência social - uma das maiores cargas fiscais da Europa e um dos sistemas fiscais mais injustos. Será que, para reduzir o défice, a opção consistente no reforço indiscriminado da carga fiscal é verosímil? Como quer que seja, e de acordo com as citadas simulações, só com um aumento de um ponto percentual na carga fiscal indirecta se lograria um défice do SPA claramente abaixo dos 10 %, em 1988.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A necessidade de contenção do défice do SPA será, decerto, o principal constrangimento da política económica nos próximos anos. Face à rigidez - actual e potencial - de certas despesas (juros, despesas com pessoal, etc.) a redução do défice exige medidas adequadas e urgentes. Ora, segundo especialistas de reconhecido prestígio, o actual enquadramento internacional - basicamente caracterizado pela queda da cotação do dólar, pela descida significativa do preço do petróleo, pela concomitante baixa do preço de algumas matérias-primas e pela mais que provável redução da taxa de juro em cerca de 1,5 percentuais - acrescido das possibilidades financeiras abertas pelos fundos comunitários, pode traduzir-se num ganho para a economia portuguesa, no ano em curso, da ordem dos 1000 a 1500 milhões de dólares. Esta perspectiva - para além de pôr em causa todo o enquadramento

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macroeconómico constante das GOPs e de! determinar a sua urgente revisão -, reclama que sejam tomadas, em tempo útil, algumas medidas que muito poderão contribuir para amenizar alguns dós principais constrangimentos - mormente/financeiros da economia portuguesa.
Não seria, a bem dá credibilidade externa e do bom nome do Estado Português, de aproveitar este ensejo particularmente favorável para pagar alguns dos nossos empréstimos externos mais onerosos? Não seria de aproveitar esta «folga», esta «almofada» financeira para procurar solucionar alguns dos défices ocultos das nossas finanças públicas, nomeadamente, a promoção da regularização dos chamados «atrasados»?
Não seria de procurar aliviar a punção financeira que o serviço da dívida constitui para algumas EPs, aproveitando a ocasião para regularizar alguns dos seus empréstimos?
Às GOPs, ignoram este enquadramento excepcionalmente favorável e às sugestões formuladas, «dizem nada». Por outro lado da análise da proposta de Orçamento do Estado para 1986 resulta, inclusivamente,, que o ritmo de amortização da dívida desacelera em relação a 1985.
Por isso, a questão, adquire ainda mais relevância e será, certamente, objecto de aprofundada "discussão nos próximos dias. Espera-se que ò Governo não enjeite mais esta oportunidade para, sobre o assunto, emitir a sua opinião e dar conta dos seus propósitos.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, depois de. terem usado da palavra os Srs. Deputados Rui Macheie, presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, e Ivo Pinho, coordenador da subcomissão constituída no âmbito daquela, e para que não passe despercebido, permitam-me que saliente a qualidade, do relatório produzido por ambas com, base num trabalho intenso e numa cooperação muito fecunda.
Digo isto porque, de facto, o relatório é um documento que prestigia esta Câmara e que todos os Srs. Deputados devem conhecer.

Aplausos gerais.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marquês, para uma intervenção.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo:. Diz-nos o Governo que a política fiscal contemplada na proposta de lei do Orçamento do Estado/para 1986 se orienta no sentido de corrigirias situações mais críticas, procurando atenuar, os aspectos negativos e aumentar, a eficácia e transparência dó sistema fiscal. português.
Propõe-se ainda o Governo, abrir caminho para as necessárias alterações de fundo e desde já aliviar a carga fiscal que incide sobre, as famílias e a iniciativa empresarial.
Se estes objectivos encontrassem tradução no texto da proposta de lei do Orçamento do Estado para o corrente ano todos nos tinham os que felicitar por isso embora estes não sejam objectivos ambiciosos.
Com efeito, o Partido Social-Democrata, agora sozinho no Governo, foi durante os últimos anos responsável por este sector governamental e teve, portanto, tempo suficiente para pensar, propor e agora implementar a almejada revisão do sistema fiscal.
Fica-nos desde já, porém, uma certeza a de que o imposto único sobre o rendimento entra para o ano em vigor.
Esperemos que ao menos esta promessa venha a corresponder à realidade, já que os restantes objectivos a que o Governo a si mesmo se propôs, para o corrente ano, não encontram no texto do Orçamento fundamentação que nos permita concluir que os vai atingir. Bem pelo contrário.
Senão, vejamos: começa o Governo por afirmar que se propõe corrigir as situações mais críticas.
Vejamos quais são: em primeiro lugar, um peso completamente distorcido dos impostos indirectos relativamente aos impostos directos, distorção esta que é tanto mais grave quanto é certo que os impostos indirectos são suportados por todos, independentemente dos seus rendimentos e que, portanto, afectam particularmente os portugueses de menores recursos.
O que nos propõe então o Governo neste orçamento?
Propõe-nos que o peso dos impostos indirectos nas receitas fiscais do Estado passe de 55,8%, em 1985, para 63,3%, em 1986. Ou seja, dois terços das receitas fiscais do Estado passam a ser, este ano, resultado dos impostos; indirectos, e isto apesar da quebra de 72% prevista para os impostos aduaneiros em consequência da nossa adesão à CEE.
Permitam-me que lhes pergunte, Srs. Membros do Governo: é assim que se estão a «corrigir os aspectos mais críticos e a atenuar os aspectos negativos» do sistema fiscal português?
Por outro lado, uma análise dos impostos indirectos permite-nos verificar que o IVA é, de longe, a mais importante fonte de receita fiscal do Estado. Maior do que esta só a receita a arrecadar pelo Estado - sem autorização desta Assembleia- em consequência do aumento determinado pelo Governo dos preços dos combustíveis: e da simultânea descida dos preços do petróleo e do dólar; De acordo com os elementos disponíveis, esta receita, que o Fundo de Abastecimento considera no seu orçamento como imposto indirecto, renderá a mais do que os já previstos 104 milhões de contos, um valor que rondaria os 120 milhões de contos. Ou seja, de uma forma indirecta e ínvia, os Portugueses teriam de pagar mais uma receita para o Estado só por si superior aos impostos profissional e complementar em conjunto. Mas, oportunamente, no decorrer desta discussão sobre o Orçamento do Estado para 1986, a Assembleia da República terá oportunidade de se pronunciar sobre esta situação.
Voltemos, portanto, ao IVA. O cálculo da estimativa de receita global, elaborado pelos serviços de administração do IVA para o primeiro ano da sua aplicação, conduz ao valor- de 322 milhões de contos. Atendendo a que a receita a arrecadar durante o ano de 1986 sê refere apenas ao imposto liquidado nos primeiros dez meses do ano, o valor de cobrança possível foi fixado em 268 milhões de contos.
O Governo considerou prudente inscrever apenas a verba de 220 milhões de contos como receita prevista para 1986; o que corresponde a admitir a possibilidade de evasão fiscal potencial de 48 milhões de contos. Ou

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seja, é possível e previsível que também aqui o Governo venha a obter uma receita bem superior àquela que nos diz que vai cobrar.
Para além do IVA, o segundo imposto referido no orçamento que maior receita proporciona ao Estado continua a ser o imposto de selo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Se outras razões não houvesse para que Portugal fosse chamado o "país da burocracia", esta aqui está.
Quando num país o imposto de selo, o imposto da burocracia, rende mais 50 % do que a contribuição industrial, ou seja, o imposto sobre o que o País produz, é só por si superior a qualquer imposto directo cobrado, algo vai mal na República. Por outro lado, quando dez impostos indirectos são responsáveis por 95 % das receitas provenientes deste tipo de imposição fiscal, para quê massacrar os Portugueses com cerca de mais 30 impostos, taxas e emolumentos que rendem pouco mais de metade dos 48 milhões de contos que, por prudência, o Governo não prevê. cobrar no IVA?
Também no que respeita aos impostos directos se verifica que, contrariamente ao que o Governo afirma, os impostos sobre o trabalho surgem com posição acrescida.
Com efeito, o imposto profissional e o imposto complementar, o qual, como afirmou o Dr. Medina Carreira, constitui um verdadeiro adicional àquele imposto, representam, no corrente ano, 38 % do total dos impostos directos contra 31 %, em 1985, o que, inequivocamente, demonstra que a imposição sobre o trabalho em termos relativos aumentou.
Uma análise da evolução destes impostos ao longo dos anos permite-nos verificar como efectivamente os impostos sobre o trabalho têm crescido de forma perfeitamente extraordinária,
Há vinte anos, o imposto profissional correspondia a um terço da contribuição industrial, a dois terços do imposto complementar, sendo inferior quer ao imposto sucessório, quer à sisa.
Dez anos depois, o imposto profissional era já o principal imposto directo, embora pouco superior ao imposto complementar, um terço maior do que a contribuição industrial e mais do dobro da sisa e do imposto sucessório em conjunto.
Em 1986, o imposto profissional é 5,5 vezes maior do que o imposto complementar e só por si superior ao valor conjunto da contribuição industrial, da sisa e do imposto sucessório.
Mas será que mesmo assim em 1986 o imposto profissional vai ser reduzido? Veremos que não.
De facto, importa assinalar que a previsão de receitas do imposto profissional regista, em relação ao valor do orçamento suplementar para 1985, um acréscimo de 30 % (independentemente, portanto, do acréscimo de 2,2 milhões de contos atribuído à recuperação de atrasados), o que, mesmo tendo em conta o acréscimo nominal de salários de 17 % e o acréscimo previsto de 1 % no volume de emprego, representa um acréscimo de cerca de 10 % na taxa média de tributação. Tal acréscimo não surpreende se analisarmos com algum pormenor o conteúdo da proposta governamental relativamente a este imposto.
Em termos gerais, a proposta do Governo de baixar em 1,5 pontos percentuais as taxas aplicáveis a cada escalão, mantendo o valor nominal dos respectivos limites, significa, para muitos deles, um agravamento na
respectiva taxa de tributação de meio ponto percentual (os que entre 1985 e 1986 aumentaram de escalão), para uma parte substancial um aumento da respectiva taxa de tributação de 2,5 pontos percentuais (os que sobem dois escalões) e para alguns um desagravamento efectivo de 1,5 pontos, visto que, mesmo com um aumento de 17 % dos seus vencimentos, manter-se-iam no mesmo escalão.
Concluiremos, como o fez a Comissão de Economia, Finanças e Plano, que, "em matéria de imposto profissional, cuja cobrança representou, em 1984, 76,7% da totalidade dos impostos progressivos, o benefício é praticamente inexistente para a maioria dos interessados, com a agravante de a compensação operada com o desagravamento da taxa de segurança social poder em muitos casos ser destituída de significado".
Se não é através do imposto profissional que se consegue "aliviar a carga fiscal sobre as famílias", como nos propõe o Governo, vejamos se o é através do imposto complementar.
De acordo com os elementos fornecidos pelo Governo, a previsão das receitas do imposto complementar, em 1986, deveria registar uma diminuição de 200 000 contos,
No entanto, nada parece justificar tal previsão, pois a análise baseada nos elementos fornecidos pelo Centro de Estudos Fiscais, do Ministério das Finanças, permite verificar que a receita do imposto complementar estará subavaliada em, pelo menos, 1 milhão de contos.
Por isso podemos concluir, como o fez a Comissão de Economia, Finanças e Plano, que os benefícios resultantes do desagravamento introduzido nos rendimentos colectáveis superiores não produzirão, com certeza, os efeitos desejados pelo Governo e que muito provavelmente ir-se-á pagar mais pelo imposto complementar.
De qualquer modo, o desagravamento da carga fiscal das famílias - que o Governo diz procurar - só seria alcançado através de uma actuação muito mais drástica e simultânea sobre estes dois impostos - profissional e complementar -, actuação tanto mais justificada quanto é certo que 95 % da matéria colectável do imposto complementar provém de rendimentos do trabalho, tributados, portanto, já em imposto profissional e que, deste modo, os trabalhadores suportam uma dupla tributação progressiva.
Verifica-se, assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que duas das situações mais críticas - o peso distorcido dos impostos indirectos no conjunto da carga fiscal e o peso dos impostos sobre o trabalho no conjunto dos impostos directos - não só se não atenuam como, pelo contrário, se acentuam na proposta que o Governo agora nos apresenta.
Mas será, ao menos, que este ano, como o Governo nos refere, se começa "a abrir o caminho para as necessárias alterações de fundo do sistema fiscal"?
Parece-nos que não.
A aberração do nosso sistema fiscal, que o simples enunciado dos impostos cobrados revela à saciedade, mantém-se.
Quem tenha dúvidas sobre a capacidade de resistência dos Portugueses engana-se. Se há um povo que, depois de pagar a contribuição industrial, a contribuição predial, o imposto profissional, o imposto de capitais, o imposto complementar, o imposto extraordinário, o imposto de mais-valias, o imposto de incêndios, o imposto do cadastro, o imposto de sucessão e doa

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ção, a sisa, o imposto de uso, porte e detenção de armas, o imposto sobre veículos e o imposto especial sobre veículos, o imposto rodoviário e o imposto sobre avaliação de veículos automóveis, os direitos de importação, sobretaxa de importação, as estampilhas fiscais, o imposto de selo...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Porque é que não acabou com eles quando esteve no Governo?

A Oradora: - ..., o imposto de transacções, o IVA, o imposto sobre o consumo de tabaco; sobre b consumo de bebidas alcoólicas e cerveja, o, imposto interno de consumo, o imposto sobre prémios de seguro...

Vozes do PSD: - Já chega!

A Oradora: - ..., sobre minas, sobre pesca, sobre a marinha mercante, sobre o jogo, o imposto do comércio de armamento e munições, de desenvolvimento florestal...

Vozes do PSD: - Já chega!

A Oradora: - ... - também acho que já chega mas pelos vistos não chega -, o imposto extraordinário sobre despesas menos essenciais das empresas, sobre espectáculos e divertimento públicos e ainda a taxa militar, a taxa de regularização da situação militar, a taxas dos serviços de passaportes, judiciais, florestais, médico-legais, gerais e de licenciamento, as taxas de desconto para a ADSE, os emolumentos para o Tribunal de Contas e para a Guarda Fiscal, as multas, adicionais, derramas, juros de mora e taxas de relaxe, se depois de tudo isto este povo continua vivo e feliz é porque tem uma capacidade de resistência inexcedível, ou porque, pura e simplesmente, não paga os impostos devidos ou os paga o menos possível.

Aplausos do PS.

Ë do conhecimento geral que à carga fiscal em Portugal é já demasiado elevada, designadamente quando comparada com a de países de idêntico grau de desenvolvimento e rendimento. Recorde-se mesmo que, em 1981, Portugal foi o país da OCDE em quê a carga fiscal mais se agravou. No entanto, como documenta texto da Comissão de Economia, Finanças e Plano, proposta orçamental que o Governo agora nos apresenta «consubstancia um significativo aumento da carga fiscal», que passa de 28,8% para 31,1% do PIB.
Mas seria possível que este ano a situação fosse diferente e que a proposta do Governo tivesse assim realismo?
Penso que é claro para todos que este era precisamente o ano em que havia possibilidades de se introduzirem as alterações estruturais que o sistema fiscal exige, porque este é um ano de excepcionais recursos financeiros.
Todos os peritos financeiros que vieram à; Comissão de Economia, Finanças e Plano falar sobre propostas de lei das grande opções do Plano e do Orçamento de Estado para 1986 iniciaram as suas intervenções com referências às condições completamente excepcionais com que este ano nos deparamos, chegando-se a classificar este verdadeiro maná como um acontecimento bíblico.
Com efeito, este governo, para além de encontrar o País com uma balança de transacções correntes positiva - quem o imaginaria em 1983? - e uma taxa de inflação que no ano anterior desceu 10%, beneficia de uma situação caracterizada pela baixa da cotação do dólar e do preço do petróleo, bem como de outras .matérias-primas, o que significa que, quer no custo de importações de matérias-primas fundamentais, quer no .pagamento dos juros da dívida pública externa, o País poupará entre 1000 e 1500 milhões de dólares.
Se acrescentarmos que este ano as receitas fiscais aumentarão significativamente, em especial pela introdução de um novo imposto - o imposto sobre o valor acrescentado - e que pela primeira vez o País vai beneficiar das transferências de verbas normais da CEE para o nosso orçamento, compreende-se que estão reunidas condições mais do que suficientes para ser este ano de situação excepcional o das grandes reformas fiscais, dos pagamentos das dívidas mais onerosas e do relançamento controlado do investimento.
Já vimos que nada disso irá acontecer. O Governo, que se lamenta, e com razão, da reduzida margem de manobra a que o peso dos juros da dívida pública o obriga, propõe-nos o maior défice de sempre: 498,5 milhões de contos, eufemismo de quem não quer ultrapassar o limite psicológico de défice anual dos 500 milhões de contos, já que, na realidade e face aos elementos apresentados, tudo leva a crer que as necessidades líquidas de financiamentos do sector público administrativo sejam, em 1986, de 580 milhões de contos.
Todos os governos têm um interesse normal em poder realizar mais. Mas será legítimo aumentar as verbas do PIDDAC, só num ano, mais de 59%? Qual o governo que não gostaria de o fazer? O problema é que tal se faz, como se viu, à custa de um défice orçamental record e de um aumento da carga fiscal dos Portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A presente proposta de lei do Orçamento do Estado para 1986 não dá resposta satisfatória a qualquer dos nossos grandes problemas fiscais: mantém a estreiteza da base de tributação; não atenua as distorções acumuladas, em desfavor do trabalho; mantém a política de manipulação parcial das taxas; não ensaia qualquer tentativa de evitar a pluralidade de impostos sobre o mesmo rendimento; não reduz o elevado número de tributos sem qualquer utilidade; não simplifica qualquer ponto do sistema fiscal; não enuncia qualquer propósito de melhoria da administração fiscal, dos tribunais, da informação ao público e das estatísticas fiscais; mantém a política de adicionais e de impostos extraordinários; continua a adoptar uma política avulsa e não controlada na concessão de benefícios; sobe o nível de fiscalidade.
Como estamos longe dos objectivos enunciados pelo Governo, nesta matéria, e como todos nós merecíamos um orçamento melhor.

Aplausos do PS, do PCP, do MDP/CDE e ,dos deputados independentes Lopes Cardoso e Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Marques Mendes, Duarte Lima e Alípio Dias.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

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O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, ouvi com cuidado e atenção a intervenção que acabou de produzir, nomeadamente a enunciação que fez de uma série de impostos, num exercício que pareceu querer fazer-nos recordar todos os existentes.
A primeira pergunta que lhe faço é no sentido de se saber se, porventura, esses impostos que referiu existem no Orçamento apenas a partir deste ano ou se já vêm de há muito tempo.
Por outro lado, há muitos anos que se diz que o nosso sistema fiscal é arcaico, antiquado, constituindo uma sobrecarga em todos os aspectos. Disse a Sr.ª Deputada que este ano era um ano excepcional, fazendo designadamente referência à nossa adesão à CEE.
Ora, dado que a Sr.ª Deputada passou pelo governo anterior e sabendo-se já nessa altura que em 1 de Janeiro de 1986 se iria concretizar a adesão de Portugal às Comunidades, pergunto-lhe se foram feitos alguns trabalhos nesse domínio, no sentido de ser possível caminhar para uma reforma adequada, designadamente para o imposto único sobre o rendimento, de que se fala há tanto tempo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, ouvimo-la aqui enunciar, poder-se-ia dizer, super abundantia cordis todo um vasto estendal de impostos e devo dizer-lhe que, enquanto estava a ouvi-la, o meu primeiro pensamento foi de grande comiseração: como V. Ex.ª deve ter sofrido durante três anos no governo com tanto imposto iníquo e sem ter conseguido acabar com nenhum! ...

Risos do PSD.

Todavia, o meu segundo pensamento foi de uma certa congratulação, pois agora V. Ex.ª deve estar satisfeita por estar do lado de cá e não ter de carregar com esse peso.
A pergunta concreta que lhe deixo é esta: se, realmente, isto lhe deu, durante aqueles três anos que passou pelo governo, tanta preocupação e tanta canseira, que diligências é que V. Ex.ª fez para que alguns destes impostos fossem retirados de cima dos ombros do povo português?
Claro que estou a contar que V. Ex.ª me diga que a culpa é do meu colega Alípio Dias, que era o então Secretário de Estado do Orçamento.

Aplausos do PS.

Mas, contando já com essa resposta, pergunto-lhe: não tinha o governo um primeiro-ministro do seu partido a quem competia a coordenação geral da política do Executivo e, nomeadamente, já que V. Ex.ª considera estes impostos iníquos, atender às leis iníquas?
Que fez V. Ex.ª para além da promessa eleitoral do Sr. Deputado Almeida Santos de enterrar o papel selado com pompa e circunstância?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alípio Dias.

O Sr. Alípio Dias (PSD): - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, depois de ouvir a sua intervenção gostaria de recordar-lhe um ou outro ponto do tempo em que estivemos juntos no governo anterior.
Fez a Sr.ª Deputada uma enunciação da problemática do sistema fiscal e devo dizer-lhe que concordo consigo quando diz que ele carece de ser reformado. No entanto, recordo-lhe que no governo anterior e, de resto, já no VIII Governo se tinha iniciado a reforma da tributação indirecta, que conduziu à introdução do imposto sobre o valor acrescentado, tendo-se ainda lançado, embora talvez a um ritmo lento, a reforma fiscal da tributação directa. Ora, quando V. Ex.ª citou dois ou três impostos, como o imposto de consumo sobre bebidas alcoólicas e cerveja, etc., devia ter lembrado também que são impostos especiais que vêm complementar o IVA e, portanto, são parte integrante da reforma fiscal da tributação indirecta.
Todavia, não obstante essa sua preocupação sobre a reforma do sistema fiscal, que é legitima e com a qual comungo, a minha ilustre amiga criou, de facto, mais um imposto. Quer dizer, não só não propôs a eliminação de nenhum imposto como ainda criou mais um, que foi a taxa municipal de transportes.

Risos do PSD.

E ainda por cima fê-lo à revelia do Ministério das Finanças. Por isso, gostaria que explicasse à Câmara como é que isso pôde acontecer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, para responder.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de agradecer as interpelações que me foram feitas e desde já dizer que, se li tão exaustivamente todos os impostos que estavam referidos no Orçamento - e por acaso a taxa municipal de transportes não está lá referida -, foi por entender que só assim conseguiria traduzir o exagero, a falta de lógica, o excessivo do nosso sistema fiscal. Todos nós sabemos que é assim, mas, realmente, só quando se começa a ler e se repete todo aquele conjunto enorme de impostos é que se consegue traduzir como este sistema fiscal carece urgentemente de reforma.
Creio que é urgentíssimo que esta reforma se faça. Agora, já não sei é se não será necessário que o PS vá para o governo e tenha a responsabilidade pela pasta das Finanças para se poder fazer esta reforma, já que com o PSD no Governo ...

Protestos do PSD.

... , apesar de ter lá estado o meu querido amigo Alípio Dias, tal não foi possível.
Em relação à maior parte das perguntas que me foram feitas, endossá-las-ia ao Sr. Deputado Alípio Dias, que já fez o favor de a elas responder. Acrescento apenas que a taxa municipal de transportes foi aprovada nesta Câmara pelo PSD e pelo PS.

Aplausos do PS.

O Sr. João Salgado (PSD): - Mas o imposto extraordinário não foi!

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O Sr. Presidente: - Concedo a palavra ao Sr. Deputado Vargas Bulcão, para intervir.
Entretanto, solicito ao Sr. Vice-Presidente. José Vitoriano que me substitua na presidência da Mesa.
Nesse momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Vargas Bulcão (PSD): - Srs. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Há apenas alguns dias um ilustre deputado, â propósito do programa de celebrações do 10.º Aniversário dá Constituição, se louvava de algumas das suas realizações, mais importantes, nomeadamente, a consagração da autonomia dos Açores e da Madeira.
Também nós nos, congratulamos por, termos visto concretizada uma aspiração, velha de muitos anos, e, achamos mesmo que tal facto deverá constituir justo motivo de orgulho de um povo que soube reconhecer as aspirações autonômicas das populações insulares, fundamentadas nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais.
Numa perspectiva de reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os( portugueses, destes 10 anos de autonomia, não teremos dificuldade em concluir que eles contribuíram também decisivamente para o reforço da unidade entre os açorianos, para uma mais aprofundada tomada de consciência de uma cultura de que nos orgulhamos e para a recuperação do atraso económico ë social a que nos encontrávamos votados pelo poder central. Ainda, hoje, o rendimento per capita atinge apenas cerca de 69 % do valor apurado a nível nacional. Mas, se muito foi feito, muito se encontra por fazer.
Pedra negra, areia negra e um mar esverdeado, que de Inverno assalta, vagalhão atrás de vagalhão, este grande rochedo a pique, com fragas caídas lá no fundo e que as águas corroem num ruído incessante de tragédia. Céu muito baixo, nuvens esbranquiçadas. Braveza, solidão ê negrume. Olho para - isto tão pequeno e tão pobre, para os campos retalhados de muros escuros, para as meirinhas redondas com lajedo de lava e um pau ao meio, a que se junge o boi que debulha o trigo para os seres e ás coisas do mesmo tom apagado e uniforme; olho para a ilha descarnada pelo vento, tão forte de inverno que o sino tange sozinho e sinto-me como nunca me senti isolado do mundo. Que vim eu aqui fazer? Foi esta pedra isolado no mar com alguns seres agarrados às leiras que me levou à viagem? Foi este resto de vulcão, sem paisagem nem beleza, que me trouxe? Mas aqui não há nada que ver! Almas tão descarnadas como o penedo e uma vida impossível noutro mundo que não seja este mundo arredado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era nestes termos que, em 1924, Raul Brandão em As Ilhas Desconhecidas se referia à ilha do Corvo, a miais pequena e a mais isolada do arquipélago.. E hoje, decorridos que vão mais de 60 anos, será que tudo é muito diferente?' Não é, senhores deputados. A angústia que Raul Brandão sentiu é a mesma que eu senti quando, não há meia dúzia de anos, desembarquei no Corvo pela primeira vez. Não estava, então, ainda concluída a pequena pista de aviação que hoje torna um pouco mais fácil o contacto dos Corvinos com o exterior, atenuando, o isolamento desta gente, teimosamente: agarrada à sua ilha.
E se este é, certamente o caso mais impressivo, não se julgue que a situação, é radicalmente diferente em todas as outras ilhas.
Voltando ainda à ilha. do Corvo, poder-se-á levantar a questão se, num plano .de racionalidade económica, é correcto construir uma pista de aviação para servir umas escassas quatro centenas de pessoas. Naturalmente que não. E o mesmo é válido para as restantes ilhas.
Seguramente que para um território de pouco mais de 2000 km2 e cerca de 250 000 habitantes um só aeroporto seria suficiente. Mas somos 9 ilhas, espalhadas ao longo de algumas centenas de quilómetros do Atlântico. E isso implica custos tremendos. Tivemos de construir cinco aeroportos, vários portos, hospitais, escolas, estradas, enfim, todo um conjunto de infra-estruturas que, apesar do muito que foi feito ao longo destes dez anos, ainda está longe de ser suficiente. Tem sido um esforço muito grande, agravado, pôr vezes, pela fúria dá: natureza, que desencadeia as suas forças destruidoras contra estas ilhas, como aconteceu em 1980 com o sismo que destruiu parcialmente a cidade dê Angra do Heroísmo e várias povoações das ilhas Terceira, São Jorge e Graciosa e ainda há apenas algumas semanas com os violentos temporais que assolaram as ilhas, causando prejuízos avaliados em mais de um milhão de contos.
Para vos dar uma ideia do esforço que tem sido realizado, dir-vos-ei, Srs. Deputados, que nos últimos seis anos foram despendidos 43,213 milhões de contos em investimentos e 7,056 milhões de contos em despesas com a reconstrução das ilhas afectadas pelo sismo de 1980. Talvez se todo este investimento fosse concentrado numa só ilha, se tornasse mais evidente. Mas foi feito de acordo com uma política de desenvolvimento harmonioso de todas as ilhas, acorrendo prioritariamente àquelas cujo atraso era mais chocante. E todo este esforço foi conseguido sem grande ajuda do Estado, que não mantém na Região Autónoma dos Açores qualquer investimento. Mesmo agora, que estão à ser realizados dois empreendimentos de grande vulto o prolongamento dó aeroporto e Ponta Delgada e o porto da Praia da Vitória - o Estado em nada contribui, estando a ser integralmente pagos pela região.
É por isso que afirmamos aqui que não basta o reconhecimento formal da autonomia. A própria Constituição o reconheceu ao consignar, no artigo 231.º, que «os órgãos dê soberania asseguram em cooperação, com os órgãos de governo regional, o desenvolvimento económico e social das regiões autónomas, visando, em, especial, a correcção das desigualdades derivadas da insularidade».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito se tem falado dos custos de insularidade, mas quase nunca numa perspectiva correcta. Têm servido inclusivamente, para criar, junto da opinião pública, a ideia de que as regiões autónomas são grandes sorvedouros dos dinheiros públicos e desfrutam de uma situação privilegiada no Orçamento do Estado. Não raro, e dentro deste espírito, temos ouvido contrapor aos custos de insularidade os custos de interioridade. Não é que não tenhamos por essas regiões, também elas desfavorecidas, um sentimento de solidariedade. Mas entendemos que se trata de conceitos totalmente distintos e achamos que seria mais correcto comparar a interioridade com um outro conceito, que nunca vimos referido, mas que poderíamos designar de litoralidade.

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Parece-nos, assim, útil e oportuno aproveitarmos esta ocasião para fazermos um balanço, ainda que não exaustivo, do que tem sido a aplicação do princípio da solidariedade expresso na Constituição.
Nos últimos anos, o Estado transferiu para a Região Autónoma dos Açores, as seguintes verbas: em 1982, 4,3 milhões de contos; em 1983, 4,6 milhões de contos; em 1984, 4,5 milhões de contos; em 1985, 5,2 milhões de contos.
Facilmente se verifica que o crescimento das verbas destinadas à Região Autónoma dos Açores não acompanhou a taxa de crescimento dos Orçamentos do Estado e que em termos reais eram inferiores de ano para ano. E as verbas que apontei nem sequer foram as verbas inicialmente propostas no Orçamento, que essas eram substancialmente mais baixas. Só através de esforços porfiados, quer na discussão do Orçamento em sede de comissão ou, posteriormente, com os orçamentos suplementares, se chegou àqueles valores. Aliás, com os Açores acontecia um facto único em todo o Orçamento: era a única entidade que, cada ano, via reduzidas as verbas que lhe eram atribuídas no Orçamento. E tudo isto em relação a uma região cujo equilíbrio e regularidade da política orçamental têm caracterizado a sua vida financeira nos últimos nove anos e tem vindo a constituir um peso cada vez menor para o Estado, em nada contribuindo para agravar o desequilíbrio das contas públicas portuguesas. De facto, o auxílio financeiro prestado pelo Estado por força das obrigações que decorrem da Constituição é mesmo inferior ao custo dos serviços transferidos para aquela região autónoma, como é o caso dos serviços de saúde e educação.
Para além disso, a região rende mais ao Estado que aquilo que dele recebe. Em consequência do acordo das Lages, o Estado recebe anualmente 130 milhões de dólares, dos quais 100 milhões se destinam a equipamentos militares e 30 milhões e programas habitacionais. Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando, no ano passado nos queriam atribuir 3,6 milhões de contos, para além de tudo quanto referi, o Estado arrecadou, por via dos Açores e ao câmbio de então, mais de 22 milhões de contos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi minha intenção deixar perfeitamente claro que a solidariedade nacional tem exigido muito mais da Região Autónoma dos Açores do que aquilo que ela tem recebido do Estado. Por isso, sempre considerámos profundamente injusta, sobretudo nos dois últimos anos, a situação que nos foi criada e que nos levou mesmo, em 1984, a votar contra o Orçamento.
Vou concluir com algumas notas sobre o Orçamento agora em discussão.
Uma primeira referência vai para o disposto na alínea e) do artigo 28.º, que isenta da aplicação do IVA o transporte de mercadorias entre as ilhas que compõem as regiões autónomas e entre estas e o continente. Trata-se de uma medida que já havia sido aplicada ao transporte de pessoas e que, embora prevista no protocolo de adesão de Portugal às Comunidades, havia merecido tratamento diferente no que respeita às mercadorias. Sendo um assunto de manifesto interesse para as populações insulanas, já havia merecido o nosso cuidado e ficamos satisfeitos por vê-lo resolvido.
Uma segunda questão prende-se com o disposto no n.º 2 do artigo 58.º, sobre a reestruturação do Tribunal de Contas, com oo alargamento da sua competência, designadamente em matéria de parecer sobre contas das regiões autónomas. No que concerne aos Açores, entendemos que esta disposição não tem aplicação. De facto, o artigo 88.º do Estatuto de Autonomia determina que "a apreciação de legalidade das despesas públicas será feita, na região, por uma secção regional do Tribunal de Contas, com os poderes e funções atribuídos pela lei".
Ora, esta matéria encontra-se já regulamentada pela Lei n.º 23/81, de 19 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 137/82, de 23 de Abril, prevendo-se a entrada em funcionamento da secção regional do Tribunal de Contas já no próximo mês de Abril. Assim, a aprovação da citada disposição implica a revogação do estatuto, o que se nos afigura inconstitucional, já que o n.º 4 do artigo 228.º da Constituição é perfeitamente claro ao determinar que a Assembleia da República só pode introduzir alterações no estatuto depois de apreciação e emissão de parecer da Assembleia Regional.
Finalmente, quero referir que este ano será atribuída à Região Autónoma dos Açores uma verba de 6,422 milhões de contos. Não é suficiente para a total cobertura do défice, mas, pela primeira vez, não foi utilizado em relação a nós um tratamento discriminatório no que respeita à taxa de crescimento do Orçamento. E isso consideramos que já é um bom princípio.
Ao longo do ano se verá o comportamento do orçamento da região, assim como a evolução do Orçamento do Estado e então se ajuizará da necessidade de novos reajustamentos.

Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro das Finanças reafirmou hoje, cruamente, que um dos objectivos deste governo é a asfixia e destruição do sector empresarial do Estado (SEE), com todas as consequências de desemprego dos trabalhadores e de agravamento das já difíceis condições de vida do povo português.
Ignorando a Constituição da República, desprezando esta Assembleia e repreendendo os deputados por estes se "atreverem" a fiscalizar v actividade do Governo, nomeadamente no que se refere ao cumprimento do preceito constitucional do respeito e não discriminação das formações económicas existentes, o Sr. Ministro das Finanças tornou aqui claro que, ao prever um crescimento do investimento no sector empresarial do Estado de apenas 2,8 %, estava a pensar no desmantelamento de empresas públicas, na reprivatização das partes mais lucrativas e cobiçadas pelos grupos económicos e no encerramento do que não interessa ao capital privado.
Ao ignorar que o aumento do investimento da produção do sector nacionalizado gera o aumento do investimento e da produção nos restantes sectores, nomeadamente no privado, o Governo está a impedir o desenvolvimento económico e o bem-estar das populações.
O Governo sabe, mas prefere aparentar ignorância, que uma correcta escolha e coordenação dos investimentos do sector empresarial do Estado evitaria a importação de muitos equipamentos que poderiam ser produzidos pela indústria nacional. E porque o objectivo é prosseguir a asfixia e destruição do sector empre-

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sarial do Estado, passando tudo que for rentável para os grupos económicos e multinacionais e remetendo o Estado ao papel de produtor de infra-estruturas, ou seja, da realização dos investimentos não lucrativos é dos serviços não rentáveis; mas essenciais, para assegurar ao capital privado alta rentabilidade, o Governo, opta por um menor investimento no sector empresarial do Estado e por um maior crescimento nas importações.
Na imprensa sucedem-se as notícias sobre, prováveis decisões do Governo e dizem: «A CNP vai fechar, os CTT/TLP vão reprivatizar serviços; a TAP vai desinvestir, a RN vai ser redimensionada e á EDP desmantelada».
Entretanto, continuam adiadas decisões fundamentais para o País, como a necessária reestruturação da marinha mercante e da frota de pesca, possíveis com o aproveitamento da capacidade produtiva dos estaleiros navais nacionais, enquanto, por outro lado, se está a pagar ao estrangeiro mais de 60 milhões de contos por serviços de transportes» marítimos:
As consequências da errada política de destruição da marinha- mercante nacional estão à vista. A maioria dos trabalhadores das extintas CNN é CTM, por exemplo, estão no desemprego e novas ameaças pairam sobre os trabalhadores do sector da. indústria naval.
No domínio da metalurgia, o adiamento do plano siderúrgico nacional e da metalurgia do cobre,- para além de não permitir o aumento da produção siderúrgica nacional do cobre, ouro e prata, impede o aproveitamento das infra-estruturas portuárias e ferroviárias, o desenvolvimento da região transmontana, e tem como consequência o subaproveitamento da capacidade das empresas de metalomecânica pesada, como a SOREFAME, a EQUIMETAL, e a MOMPOR, asfixiando simultaneamente muitas pequenas e médias empresas privadas do sector metalúrgico.
Idêntica análise poderia ser, feita para o sector energético ou químico, dos transportes ou, das comunicações. Primeiro imperativo lançamento dos planos de, desenvolvimento, para depois afirmarem a inviabilidade das empresas. Foram dificultados ou mesmo negados financiamentos para investimentos, dilatando, em muitos casos, os ciclos de produção, com graves reflexos nos custos, na perda de. encomendas, nomeadamente no estrangeiro, perdendo-se, assim, mercados, potenciais.
Foi a obrigatoriedade do recurso, ao crédito externo, como meio de captação de divisas para o País com elevados custos financeiros para as empresas.
Esta política que continua e se agrava de asfixia e destruição do sector empresarial do Estado é igualmente visível no descalabro financeiro imposto às empresas públicas, quer através da recusa de dotações de capital, quer na permissão do crescimento assustar dor das dívidas do Estado e de outras entidades: públicas e privadas.
Por exemplo, relativamente à EDP, é afirmado pelo Governo que os principais factores da situação da empresa são: «as elevadas dívidas dos clientes (estimadas em mais de 180 milhões de contos), incluindo as dívidas do sector privado e do Fundo de Apoio: Térmico; o programa de investimentos (250 milhões de contos de 1977 a 1983), apenas financiado em 3,8% pelas dotações de capital, do Orçamento do Estado e 1,3% por comparticipações do Orçamento do Estado e autarquias locais.
No entanto, como também é referido no relatório do Governo, a produtividade do trabalho cresceu na EDP de 1977 a 1984 a um ritmo superior ao dos encargos médios por trabalhador, fazendo decrescer a participação das despesas com pessoal no valor acrescentado bruto de 38% para 19%.
Este ano as dotações de capital propostas pelo Governo para o sector da indústria e energia são, como já aqui foi demonstrado, ainda menores em termos reais do que nos anos precedentes e para a EDP nem sequer há qualquer dotação.
Quanto às empresas públicas de transportes e comunicações e previsão de verbas é diminuta e insuficiente para as indemnizações compensatórias, como muito bem refere o parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano. Com os cortes orçamentais, ficarão por, cumprir o cotratos-programa negociados com sete empresas (TAP, ANA, RN, CP, Carris, Metropolitano e Transtejo). de acordo com estes contratos as indemnizações compensatórias àquelas empresas, por prestarem um serviço público a preços inferiores ao custo, deveriam ser em 1986 de, 34,5 milhões de contos. No entanto, o Governo fixou em apenas 27 milhões de contos o montante global de indemnizações compensatórias. a todas as empresas do sector de transportes e comunicações, procurando ignorar que estas estão também a suportar os custos da introdução do IVA, entregando ao Estado alguns milhões de contos. E, como também refere o parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano, «não se pode esperar com realismo que as empresas de transporte venham a conseguir no futuro lucros susceptíveis de compensar os prejuízos que, nas condições actuais, são obrigadas a suportar».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao destruir o sector empresarial do Estado, ao vender as partes mais rentáveis das empresas públicas, o Governo quer abrir caminho e dar lugar aos grupos monopolistas que detinham o poder económico e político no 24 de Abril.
A política de destruição constante das grandes opções do Plano, e do Orçamento conduz ao desemprego de milhares de trabalhadores, agrava a dependência do País e impede o seu desenvolvimento.
Por ser contra os direitos dos trabalhadores, ofender a Constituição. da República e ignorar os interesses nacionais, esta política só pode merecer a nossa oposição.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do deputado do PS Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes.

Sr. Presidente, Srs., Membros do Governo, Srs. Deputados: Vou limitar-me a comentar as propostas do Governo relativas ao orçamento do sector público administrativo para 1986. Na discussão das propostas orçamentais do Governo não basta, em meu entender, que olhemos sobretudo pára o Orçamento do Estado, e que dediquemos uma atenção secundária aos orçamentos da parte restante do sector público administrativo. É verdade que não é essa a orientação que tem prevalecido nesta Assembleia, nem a que aparece expressa no relatório da lei da proposta orçamental do Governo. Esse relatório foi elaborado quase exclusivamente em termos do Orçamento do Estado e pouco se diz sobre os orçamentos dos fun-

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dos e serviços autónomos e da Segurança Social. Os
orçamentos desses subsectores do sector público administrativo apenas são apresentados de forma extremamente sintética nos mapas I, II e III e no mapa V da
proposta governamental, sem qualquer explicação ou
análise, à parte algumas breves notas sobre o orça
mento da Segurança Social.
Todavia, uma apreciação baseada apenas no Orçamento do Estado não pode de forma alguma ser correcta. Esse Orçamento deixa de fora uma parte muito
substancial das finanças públicas do nosso país. Além
disso, as fronteiras entre as receitas do Orçamento do
Estado e as dos fundos dos serviços autónomos e da
Segurança Social são em grande parte artificiais e têm
sido sujeitas a importantes variações de ano para ano.
As receitas próprias dos fundos e serviços autónomos
e as de segurança social têm, na maior parte dos casos,
a natureza de verdadeiros impostos. A natureza das
suas despesas também não difere das despesas do
Estado.
Reconheço que o tratamento diferenciado que se tem
vindo a conceder à análise do Orçamento do Estado
e à dos orçamentos dos outros subsectores do sector
público administrativo, resulta da legislação da contabilidade pública existente e é consagrada na própria lei
do enquadramento orçamental em vigor. Mas porque
se trata de uma diferenciação sem justificação económica válida, sou da opinião que ela deve ser reconsiderada, no âmbito dos trabalhos de revisão da lei do
enquadramento orçamental, que a Assembleia da República se propõe iniciar dentro em breve.
Em face das razões que acabo de apresentar, vou
basear a minha análise da proposta orçamental sobre
os quadros fornecidos pelo Ministério das Finanças
relativos ao Orçamento de 1986 e ao orçamento revisto
de 1985 do conjunto do sector público administrativo.
Esses quadros mostram que, se as previsões do
Governo se concretizarem, teremos as seguintes variações em relação ao orçamento revisto de 1985:

Aumento das receitas totais de quase 41%;
Aumentos de 30 % nas despesas correntes e de A simultaneidade destes três factores constitui uma
44 % nas despesas de capital; ocorrência excepcionalmente favorável, sem qualquer
Baixa do défice de 13,3% do PIB em 1985 para11,8% em 1986.

Conforme se explica no relatório da Comissão de Economia e Finanças, estes números devem ser considerados com várias reservas. Por um lado, eles baseiam-se numa metodologia que nem sempre é rigorosamente consistente com as regras da contabilidade pública. Por outro lado, é de admitir que em relação a muitas das verbas as receitas e despesas venham a mostrar desvios significativos entre as dotações ou previsões orçamentais e a execução efectiva. Há, de resto, boas razões para considerar que o Orçamento apresentado pelo Governo está ainda muito longe de ser um orçamento de verdade embora esteja muito mais próximo deste objectivo do que os orçamentos de anos anteriores. De facto, como se indica no relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano há despesas que estarão provavelmente subavaliadas, há operações de tesouraria que acabarão por vir a transformar-se em despesa efectiva e é provável que se verifiquem importantes desvios nas receitas cobradas em relação às previsões indicadas pelo Governo.
Não obstante estas reservas, para apreciar a política orçamental proposta para 1986 não tenho outra alternativa que não seja a de utilizar os dados constantes dos orçamentos do sector público administrativo apresentados pelo Governo.

O aumento das receitas, correspondendo a 23 % em termos reais, é verdadeiramente espectacular e não tem paralelo na nossa história económica recente.

Esta subida tão acentuada, só em parte relativamente modesta, pode ser explicada pelas contribuições financeiras liquidas a receber da CEE e pelas receitas não fiscais. O factor explicativo de longe mais importante é o agravamento da carga fiscal, como se mostra no relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano.

Acresce ainda que o valor das receitas fiscais previsto na proposta orçamental está por certo subavaliado por uma margem considerável. Com base nas projecções actuais dos preços do petróleo e de produtos alimentares importados, e se a política de preços desses produtos não for modificada, será provável que as receitas do Fundo de Abastecimento venham a exceder os valores projectados pelo Governo em mais de 100 milhões de contos. Em tal hipótese, a carga fiscal poderia atingir em 1986 cerca de 33,5010 do PIB contra 28,3 %, em 1985. Essa carga apresentaria assim um agravamento de cerca de 5 pontos de percentagem do PIB em relação ao ano passado.

A explicação para estes aumentos tão espectaculares está essencialmente na introdução do IVA e na melhoria das receitas do Fundo de Abastecimento.

O actual governo foi confrontado, no que respeita às receitas públicas, com a combinação de três importantes factores extremamente favoráveis:

A entrada em vigor do IVA, que vinha desde há anos sendo preparada por governos anteriores;

A entrada de Portugal na CEE, que proporcionou transferências financeiras importantes a favor do nosso país que antes não existiam;

A baixa dos preços do petróleo e de outros produtos importados que permitiu o aumento das receitas do Fundo de Abastecimento.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Perante o verdadeiro milagre em matéria de receitas públicas que assim se verificou, o Governo tinha a possibilidade de optar por três tipos de políticas. reduzir o défice financeiro do sector público administrativo, que tem sido excessivo e está a criar problemas de financiamento cada vez mais sérios; permitir a subida substancial das despesas públicas, em correspondência com as aumentos das receitas; ou aproveitar a ocasião única proporcionada pela subida de algumas receitas para reduzir alguns dos impostos que provocam as distorções mais gritantes no nosso sistema fiscal.
A primeira destas políticas - a da redução do défice - parece ter merecido alguma atenção do Governo. Como atrás referi, os valores constantes da proposta orçamental prevêem uma descida do défice do sector público administrativo equivalente a 1,5 pontos de percentagem do PIB. É, porém, muito provável que a descida efectiva venha a ser maior. Por um lado, embora muitas das despesas correntes de capital não

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venham a ter utilização total, como se aponta no parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano e, por outro lado, as receitas efectivas poderão ser bastante superiores; como atrás refen.
Apesar de tudo, é indubitável que o, espectacular aumento das receitas públicas deixa ampla margem para que o défice pudesse, ser reduzido ainda mais: O Governo não enveredou por essa via e preferiu aumentar muito acentuadamente, as despesas públicas.
Não repito aqui, por se encontrarem no relatório da Comissão de Economia,
Finanças e Plano, os números que, confirmam esta afirmação.
A preferência dada pelo Governo à subida das despesas e as dificuldades que haveria: em projectar um défice muito maior, levou-o a sacrificar o terceiro dos tipos de políticas que atrás mencionei: o ida correcção de algumas das distorções mais sérias do nosso sistema fiscal, através de educação das taxas de alguns impostos ou mesmo da, eliminação de alguns deles.
O Governo apresentou algumas propostas nesse, sentido, mas os seus efeitos e o seu alcance. são relativamente marginais. Além disso, alguns dos ajustamentos apresentados pelo Governo como desagravamentos fiscais, devem em bom rigor; ser antes considerados como destinados a evitar agravamentos que resultam da inflação. Assim, não se pode falar, como já frequentemente tem sido afirmado, que há uma redução generalizada da carga do imposto profissional. Embora muitos contribuintes possam vir, segundo a proposta do Governo, a beneficiar de reduções modestas, muitos outros verão a sua tributação agravada

Em qualquer caso, o projecto do Governo pouco ou nada faz para corrigir as sérias e numerosas distorções dó nosso sistema fiscal.
Teria sido, possível por exemplo, reduzir a incidência do imposto profissional, que se tem estado a tornar cada vez mais pesado ao longo dos anos. Teria sido possível, ainda, corrigir as distorções que o imposto de capitais sobre, os juros dos depósitos está, a introduzir no nosso sistema financeiro, com perigosas repercussões quer, para a poupança, quer para investimento. Teria sido possível, finalmente, eliminar alguns impostos que proporcionam receitas reduzidas, mas que envolvem um trabalho e custos de administração e para os contribuintes que conviria suprimir.
Perde-se assim uma oportunidade única de introduzir melhorias substanciais nó nosso sistema fiscal, que é, caótico.

O Governo, em vez disso, preferiu continuar a aumentar a carga, fiscal para poder financiar novos e acentuados aumentos das despesas públicas.
Em, muitos dos países da OCI).E têm-se desenvolvido;
em anos recentes, esforços pára travar o aumento, da
carga fiscal. O argumento utilizado tem: sido o de, que
essa carga, quando se torna demasiado pesada, prejudica o investimento, a poupança, os incentivos ao trabalho, e o crescimento económico.
De uma maneira geral, nos outros países são sobretudo os governos de direita aqueles que mais procuram travar a subida do peso dos impostos no produto nacional, ou que procuram mesmo a sua redução. Em Portugal temos, pelos vistos, um fenómeno contrário. Temos um governo que procura a sua base de apoio na parte direita do espelho político e que aparentemente se propõe aumentar a carga fiscal em, quase, 5 pontos de percentagem do PIB, como atrás ficou referido. Acresce que o nosso governo utiliza a subida das receitas públicas assim conseguidas não tanto para reduzir
o défice, mas sobretudo para expandir as despesas do
sector público administrativo até um nível que nos deixará muito perto da média dos países da OCDE, muito
mais ricos que, nós.
Este, comportamento aparentemente, paradoxal do actual governo tem uma explicação fácil. É que em Portugal são, os trabalhadores e a baixa classe média quem suporta uma parcela desproporcionalmente elevada, dos impostos directos e indirectos. Os titulares de rendimentos mais elevados têm múltiplas, possibilidades de escapar ao fisco; em muitos casos por via legal, noutros através da evasão fiscal. Embora não haja estudos rigorosos a esse respeito, podemos afirmar com bastante segurança que o nosso sistema fiscal é regressivo isto é, em termos proporcionais, os impostos oneram mais pesadamente as famílias de baixo ou médio rendimento do que as famílias de rendimentos mais elevados.
As despesas públicas também não contribuirão para
a equidade social. No total, e não obstante o peso das
despesas de Segurança Social, de educação e de saúde,
o efeito redistributivo das finanças públicas é provavelmente negativo.
Nessas circunstâncias, não temos de nos admirar com o facto de a estratégia escolhida na presente, ocasião ser a de aumentar a carga fiscal, e o peso das receitas no produto nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: Imagino que para justificar a sua política de agravamento da carga fiscal o Governo tenderá á utilizar dois, tipos de argumentos.
O primeiro será o de que uma boa parte do aumento
das receitas públicas se concentra no Fundo de Abastecimento; mas que essas receitas poderão vir a decrescer no futuro se os preços dos produtos
petrolíferos e dos bens alimentares importados passarem a ter, ainda no corrente ano uma evolução menos favorável.
O segundo argumento que o Governo poderá invocar, pode ser o de que as receitas públicas têm de crescer substancialmente porque a expansão acentuada das despesas é social e economicamente desejável e porque seria perigoso levar o défice orçamental, para além dos níveis programados pelo governo.
Apresentarei alguns breves comentários a respeito de
cada destes argumentos.
É verdade que a evolução até ao fim de 1986 dos preços internacionais do petróleo, dos cereais e de outros produtos alimentares importados pode vir a tornar-se menos favorável do que actualmente se espera. Nessas circunstâncias haveria efectivamente o risco de o aumento, das receitas do Fundo de Abastecimento ficar aquém dos valores que actualmente será razoável projectar.
As incertezas que assim possam surgir não teriam, porém, razão de ser se se, modificasse o método de fixação dos preços dos combustíveis líquidos no mercado interno. Nas presentes circunstâncias, seria por certo preferível, que para, calcular esses, preços se juntasse um elemento de tributação fixo aos preços resultantes das cotações internacionais e das margens de transporte, refinação e comercialização no mercado interno. Com uma solução desse tipo, que, aliás, foi já proposta na Assembleia da República, assegurar-se-ia uma flexibilidade do preço dos produ-

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tos petrolíferos que poderia garantir ao mesmo tempo três objectivos: um volume elevado de receitas fiscais, menos sujeito a variações provocadas por factores externos não controláveis; menores perturbações para a competitividade das actividades económicas em cujo custo de produção há uma grande influência directa ou indirecta dos preços dos combustíveis como o fuelóleo e o gasóleo, e contenção das importações de produtos petrolíferos.
É claro que nos termos das disposições constitucionais, o elemento fiscal incorporado no preço dos combustíveis tem de ser determinado pela Assembleia da República ...

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - ... embora isso não tenha sido feito aqui. Os trabalhos de discussão do Orçamento para 1986 que hoje iniciámos fornece a meu ver a oportunidade adequada para tal determinação. Na minha opinião justifica-se que, ao decidir mais eficientes do que alguns dos desagravamentos da carga fiscal que cada vez mais se impõem, nomeadamente em relação aos rendimentos do trabalho ...

Vozes do PRD e do PS: - Muito bem!

O Orador: - . . a solução adoptada pelo Governo pode ser a mais atractiva a curto prazo, mas considero que, numa perspectiva de médio e longo prazo, a correcção, ainda que parcial, da situação caótica do nosso sistema tributário contribuiria muito mais para estimular o crescimento económico e para reduzir as desigualdades sociais. E dificilmente voltaremos a ter uma oportunidade tão favorável a essa correcção como a que se nos oferecia este ano.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Passo agora a comentar o problema do nível do défice do sector público administrativo. Concordo que esse défice não deveria exceder o nível que nos foi proposto. Como em meu entender esse défice estará provavelmente sobreavaliado, sobretudo por subavaliação das receitas do Fundo de Abastecimento, parece-me de admitir que se venha a chegar a um valor inferior ao que está explicitamente projectado.
A necessidade de reduzir o défice das finanças públicas, que penso corresponder grosso modo à intenção do Governo, está a ser justificada pelas dificuldades crescentes para assegurar o financiamento desse défice.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Essas dificuldades estão aliás bem patentes no programa de financiamento para o ano corrente. Esse financiamento vai exigir aumentos da massa monetária e dos bilhetes do Tesouro em poder do público que põem em perigo o objectivo de abaixamento da inflação. Ao contrário do que o Governo sustenta, a política monetária programada para este ano não me parece compatível com o objectivo de abaixamento da inflação para 10% no ano que vem e de 6% nos anos seguintes. Se não houver um aperto drástico nessa política ainda este ano, ou, pelo menos, a partir do início do próximo ano, tenho por praticamente certo que a inflação não baixará tanto nos próximos anos

como o Governo nos propõe. Ela pode mesmo vir a subir. De resto, não seria a primeira vez que isto sucederia entre nós. Todos nós nos lembramos que o governo de 1980 nos prometia a baixa da taxa de inflação para os níveis médios da CEE no prazo de uns três ou quatro anos e todos nós sabemos o que aconteceu nos dois anos seguintes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se por outro lado o Governo levasse muito a sério os objectivos de redução da inflação que anunciou para próximos dois a três anos e apertasse muito a política monetária, criaria graves problemas ao financiamento do sector produtivo. Já este ano, segundo as projecções que nos foram comunicadas, o crédito ao sector produtivo crescerá apenas de 14,5 % , ou seja, apenas de 0,5 % em termos reais.
O Sr. Ministro das Finanças falou-nos mesmo em crowding out do crédito ao sector produtivo.
Receio bem que com taxas desta ordem de grandeza seja difícil atingir o objectivo de expansão de 10 % do volume do investimento do sector produtivo, embora muito dependa da evolução das possibilidades de autofinanciamento das empresas, sobre as quais dispomos de poucas informações.
É por todas estas razões que a redução do défice das finanças públicas é extremamente importante para a evolução futura da nossa economia. Em meu entender será necessário que a Assembleia da República tenha este ponto em consideração nas alterações que vier a introduzir na proposta de Orçamento do Governo. Importa, contudo, salientar neste contexto que, por outro lado, seria perigoso, numa perspectiva de curto prazo, ir longe demais nos esforços de redução do défice do sector público administrativo. Se essa redução fosse muito mais acentuada do que está previsto, o efeito da política orçamental sobre a conjuntura económica tornar-se-ia contraccionista e a recuperação da produção nacional tornar-se-ia mais difícil. Aliás, penso que o Governo reconheceu esta limitação.
Sr. Presidente, vou terminar com um breve comentário a respeito da recusa do Governo em autorizar o governador do Banco de Portugal a comparecer perante a Comissão de Economia, Finanças e Plano para nela prestar informações e apresentar o seu ponto de vista sobre a política monetária proposta para o corrente ano.
Não creio que em Portugal seja praticável atribuir ao banco central um elevado grau de independência em relação ao Governo na condução da política monetária. A nossa taxa de inflação e os nossos desequilíbrios da balança de pagamentos seriam todavia bastante menores, pelo certo, se o banco central estivesse habilitado, tal como sucede noutros países, a exercer um poder compensador e moderador em relação à política financeira dos governos. Mas, além de não ser essa a solução prevista na Constituição, teremos de reconhecer que não existem no nosso país condições válidas para a sua aplicação. Por razões análogas, também não penso que deva haver um regime legal rígido semelhante ao que se encontra noutros países, implicando que o governador do banco central seja inamovível antes do fim do seu mandato, embora se deva procurar assegurar a esse mandato a estabilidade adequada.

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Mas dai a concluir que o Banco de Portugal pode ser tratado por ministros e secretários de Estado como um simples departamento da Administração Pública; semelhante a outro qualquer, vai- uma grande distância:

Aplausos do PRD, do PS do PCP, do MDP/CDE e dos deputados independentes Lopes Cardoso, Ribeiro Teles e Maria Santos.

Mesmo que o Banco de Portugal não possa nem deva ter total autonomia nas decisões da política monetária aplicada entre nós, será vantajoso para o País que possa manter uma grande independência hás suas aná: lises económicas e nas declarações do governador dó Banco de Portugal. É isso o que sucede em todos os países europeus. Nesses' países 'são frequentes, são mesmo do dia-a-dia, as declarações públicas do governador do banco central a criticar abertamente à política financeira do governo. Em' muitos desses países não só seria inconcebível que ò governo impedisse o governador do banco central de comparecer perante o Parlamento, como está pelo contrário estabelecido, na lei e na prática, que essa comparência deverá ter lugar em intervalos regulares e nomeadamente por ocasião dos debates sobre as propostas orçamentais.
Em contraste com esses exemplos,- em Portugal tem-se procurado reduzir o governador do banco central ao silêncio ou a mero defensor da política financeira do Governo, por mais reparos que ela mereça. Pêlos vistos, temos ainda muito de aprender em matéria de funcionamento das instituições democráticas e em matéria de repúdio da censura como instrumento para fazer as opiniões dos governantes.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do MDP/CDE e dos deputados independentes Lopes Cardoso, Ribeiro Teles e Maria Santos.

A recusa do Governo em deixar vir o governador do Banco de Portugal à Comissão de Economia, Finanças e Plano teve, porém um grande mérito! Foi o de chamar á atenção desta Assembleia para a necessidade urgente da revisão do artigo 107.º do seu Regimento!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito bem!

O Orador: - Face a essa decisão, espero, que a Assembleia não hesite em estabelecer um, novo regime legal necessário para que casos como este hão se possam repetir.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP do MDP/CDE e dos deputados independentes Lopes Cardoso, Ribeiro Teles e Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Rui Machete e Borges de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Silva Lopes, não vou referir-me à sua longa e interessante intervenção, produzida aliás com a profundidade, e o brilho habituais, mas apenas ao último ponto que abordou acerca da audição, pela Comissão de Economia, Finanças e Plano, do governador do Banco de Portugal e faço-o a título de deputado e não na qualidade de membro dessa comissão.
V. Ex.ª disse, e penso quê com razão, que este problema, depende muito do modelo institucional escolhido.
Neste momento e entre nós, o governador do banco central não é nomeado pela Assembleia da República, pelo que não responde perante ela, é nomeado pelo Governos responde perante ele. O Governo, esse sim, é que pode ser demitido pela Assembleia da República se esta entender que não lhe merece confiança política.
Compreende-se, portanto, que não seja curial que possam estabelecer-se perante a Assembleia da República dissenções eventuais entre as posições defendidas pelo governador do banco central e o Ministro ou o Governo, perante o qual ele responde.

Vozes do PCP: - Ora essa! Porquê?

O Orador:.- Isto é claríssimo, Srs. Deputados!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para si!

O Orador: - Todavia, pode acontecer que outro seja o modelo que venha a ser preferido e nesse caso devemos actuar em coerência com ele.
O que não me parece correcto é que através de uma alteração do Regimento, sem se modificar um sistema de estruturação das relações entre o banco central e o Governo, venha a impor-se uma solução que não tem lógica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Penso que este ponto é extremamente importante, que deve ser debatido e analisado, mas não apenas invocando as experiências estrangeiras, sem entender exactamente os termos em que elas se colocam, pois elas são obviamente diferentes nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha ou na Alemanha Federal, porque dependem dos diversos sistemas em que são inseridas; portanto, é neste contexto que julgo que o problema deve ser analisado.
No fundo, a questão que lhe quero colocar é a seguinte: não acha que o que está em causa é o modelo que foi adoptado e que, eventualmente, devemos optar por outro?
Se assim for, naturalmente que tem lógica o exigir que o governador do banco central se apresente perante a. dita comissão; evidentemente a comissão pode sempre pedir isso, tem o direito de o pedir, mas neste momento o Governo tem, por sua vez, o direito de o recusar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Deputado Silva Lopes, grande parte daquilo que eu queria dizer-lhe foi já dito pelo Sr. Deputado Rui Macheie, mas, de qualquer maneira, quero aproveitar a oportunidade que: me é dada pela sua intervenção para dizer o seguinte: lendo conhecimento de factos passados e tendo tido contactos com vários governos, de várias «cores», que ao longo dos anos têm governado Portugal, tenho verificado que os membros do governo se queixam muitas vezes de problemas que lhes são postos sobre a actuação do Banco de Portugal. Até agora, têm respondido com uma frase do género desta: «O que querem? Nós não mandamos no Banco de Portugal!»

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Ora, independentemente da minha opinião em relação a saber se o Sr. Governador do Banco de Portugal deveria ou não ser ouvido pela Comissão de Economia, Finanças e Plano, neste momento tenho que saudar o Governo porque, pela primeira vez, houve um Governo em Portugal que disse claramente "nós mandamos no Banco de Portugal".
Protestos do PCP e do MDP/CDE.

Em segundo lugar, Sr. Deputado, e em relação à sua intervenção, devo dizer-lhe que ela foi um pouco mais longe do que aquilo que eu esperava de V. Ex.ª e, pois V. Ex.ª referiu-se a outros países em que é atribuído ao banco central e aos seus governadores uma espécie de poder fiscalizador do Governo.
Isto parece-me um pouco excessivo e parece-me que V. Ex.ª deveria, neste aspecto, ater-se aos termos da Constituição e dizer-nos em que artigo se baseia para conferir ao governador do Banco de Portugal e à sua administração poderes de fiscalização ou de critica da política do Governo.
Finalmente, devo dizer que compreendo a sua atitude, na medida em que parece tratar-se de uma atitude de defesa de interessas corporativos, que não lhe fica mal, em termos de solidariedade.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Protestos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder aos pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Silva Lopes.

O Sr. Silva Lopes (PRD): - Em relação á pergunta do Sr. Deputado Rui Machete, reconheço, tal como foi dito pelo Sr. Deputado, que existem sistemas diferentes em vários países.
Há países onde o banco central é totalmente independente do governo, conduzindo a sua política sem qualquer orientação do mesmo - são os casos da Alemanha Federal e dos Estados Unidos da América; isso é claro, eu disse-o claramente na minha intervenção, mas não penso que em Portugal um sistema desses seja possível pois, aliás, não seria constitucional.
Há países - nomeadamente alguns países subdesenvolvidos onde o banco central é, de facto, dirigido totalmente pelo Ministério das Finanças e há mesmo países onde o Ministro das Finanças é simultaneamente o governador do banco central; mas, como digo, isso acontece em países subdesenvolvidos.
Nos países europeus, nos países da CEE, há vários casos onde, de facto, quem traça a política monetária, quem traça as suas grandes orientações, é o governo e eu, na minha intervenção, procurei dizer que acho que essa é a solução adequada para o nosso pais. Portanto, a política monetária deverá ser essencialmente da responsabilidade do governo.
Mas os governadores dos bancos centrais desses países funcionam como conselheiros do governo para a política monetária e têm, de uma maneira geral, liberdade de exprimir em público os seus pontos de vista. Ao tomarem essa função, eles exercem um certo poder moderador, que é um dos ingredientes básicos do funcionamento de uma democracia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora bem, pelos vistos, o sistema que em Portugal é defendido, como o demonstra esta recusa de autorização da vinda do governador do Banco de Portugal à Assembleia da República, é o de tratar o governador do Banco de Portugal como um mero director-geral.
Compreendo que para ouvirmos directores-gerais tenhamos de pedir autorização ao Governo, porque há, aí sim, uma dependência hierárquica, uma integração nos serviços que os Ministros dirigem, que, realmente, não pode ser posta em causa através de contactos directos entre a Assembleia da República e as direcções-gerais, mas o caso do Banco de Portugal deve ter alguma autonomia. Não digo que seja uma autonomia total, mas deve ser uma autonomia suficiente para poder exercer o tal poder moderador e para expor as suas opiniões diferentes - como já disse, isso sucede em outros países e por causa disso os governos não caem nem vem o mal ao mundo.
Portanto, em matéria de política monetária, não sei o que é que pensa o governador do banco central, não sei se pensa o mesmo que o Governo, se de maneira diferente. Só sei é uma coisa: o banco central tem a melhor unidade de análise económica deste país, em matéria de política monetária. Portanto, o governador do banco central tem uma informação extraordinariamente útil de que nós somos privados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, defendo uma posição que não é, de maneira nenhuma, nem de dependência total nem de independência total, mas será de dependência na definição da política monetária, ressalvando alguma capacidade de exercer o tal poder moderador e é isso que, por enquanto, nós não temos.
Esta resposta dirige-se, também, em parte, às observações do Sr. Deputado Borges de Carvalho. É claro que eu não disse que o governador do Banco de Portugal deve exercer poder fiscalizador sobre o Governo, isso foi uma má interpretação daquilo que eu disse e de modo nenhum eu poderia ter querido significar uma coisa destas.
É claro, Sr. Deputado, que eu tive em atenção as limitações da Constituição. Se leu com atenção aquilo que eu disse, ou melhor, se ouviu com atenção aquilo que eu disse, pode ver que inclusivamente fiz referência às limitações da Constituição.
Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e dos Srs. Deputados Independentes Lopes Cardoso e Ribeiro Teles.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, embora esteja na hora para dar por encerrados os trabalhos, dou a palavra ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, que deseja fazer uma intervenção e amanhã não se encontra presente.
É uma intervenção curta, de cerca de 7 minutos, e penso que não existirão objecções.
Não havendo objecções, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional (Leonardo Ribeiro de Almeida): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero agradecer a VV. Ex.ª a tolerância com que depois de um dia de trabalho intenso se prestam, ainda, a ouvir-me.

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Mas a razão fundamental deste meu pedido filia-se na circunstância de amanhã estar ausente, em serviço de Estado, e estar, portanto, impossibilitado de comparecer, neste Plenário.
Mais do que o desejo de produzir uma intervenção muito breve, rápida e genérica, este meu pedido filiou-se na circunstância de ter sabido que alguns Sr. Deputado manifestaram, durante a sessão da tarde, o interesse em me pedirem alguns esclarecimentos.
O respeito que tenho por esta Câmara - e, no caso concreto, pelos Srs. Deputados que manifestaram o referido desejo - impôs-me que fizesse esta solicitação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é à primeira vez que tenho a oportunidade de usar dá palavra nesta Câmara sem que tenha a qualidade de seu membro.
A quem durante tantos anos aqui conviveu e trabalhou, com muitos de VV. Ex.ªs, é profundamente grata a circunstância de voltar a estar entre vós.

O Sr, José Magalhães (PCP): - Este é especial!

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Seja-me, portanto, consentido que, no limiar desta minha breve intervenção, apresente a todos VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os meus cumprimentos muito cordiais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, apresentada que foi à Assembleia da República a proposta de lei do Orçamento do Estado para 1986, o Ministério da Defesa Nacional forneceu depois à Comissão Parlamentar de Defesa elementos complementares de informação, quer no que respeita a maior detalhe sobre as despesas orçamentalmente previstas, quer no que toca às ajudas externas, provenientes de acordos bilaterais de defesa e ajuda militares: as primeiras, por solicitação da mesma comissão parlamentar; as segundas, no cumprimento estrito do disposto no artigo 9.º da Lei n.º 2-B/85, de 28 de Fevereiro:
Os elementos assim fornecidos, pelo grau de esclarecimento que permitiram a VV. Ex.ªs, permitem também e justificam a brevidade, já anunciada, desta minha intervenção.
O Orçamento do Estado prevê, portanto, no que respeita ao sector da Defesa Nacional despesas no montante global de 107414757000$, dos quais 6 753 510 000$ se referem a despesas com compensação de receitas.
Naquele total se inclui, ainda, a quantia de 5 092,000 000$, correspondente ao programa de aquisição das novas fragatas Meko, e às despesas que o mesmo imporá no ano em curso.
Complementarmente, inclui-se na proposta de lei agora em discussão e em anexo à mesma, com referência ao seu artigo 11.º, a descrição dos programas de reequipamento das Forças Armadas por força das já referidas ajudas externas.
Srs. Deputados, tal como o concebemos hoje, o conceito de Defesa Nacional não se esgota na sua componente militar; ele envolve necessariamente outras componentes, que se projectam nos campos político, económico, ético, social e cultural.
É este, de resto, o conceito amplo de Defesa Nacional que esta Assembleia perfilhou ao aprovar as grandes opções de que depois foi decorrência o conceito estratégico de Defesa Nacional.
Mas se assim é, não é menos verdade que as Forças Armadas continuam a ser o mais específico elemento da Defesa Nacional a elas compete a capacidade de dissuasão; e se esta se converter em agressão a elas cabe a missão suprema da defesa da independência e da integridade do território nacional.
Por estas razões, o Governo tem plena consciência da nobre missão que às Forças Armadas incumbe; e, por isso, é constante das suas preocupações, a dignidade e a eficácia da instituição militar.
O Governo e o Ministro da Defesa Nacional sabem, por isso, que o Orçamento do Estado para, 1986 não é, nos seus montantes e no que às Forças. Armadas é atribuído, nem o que o próprio Governo desejaria, nem o que merecem a capacidade, a competência ë o desejo de bem servir dos nossos militares.
O Governo não esquece as exigências da nossa defesa própria e a necessidade de possuirmos Forças Armadas com capacidade dissuasora autónoma e credível e não ignora os compromissos que decorrem da nossa posição na Aliança Atlântica.
Mas, face à situação económica financeira do País, o Governo, na elaboração do Orçamento, que a VV. Ex.ªs agora compete discutir e votar, adoptou, como critério essencial, o princípio de uma rigorosa e inflexível contenção de despesas. Essa opção não só se justifica, como é certo que parece não ter alternativa. A sua adopção teve, portanto, como não podia deixar de ser, os seus reflexos nas disponibilidades atribuídas: à Defesa Nacional e às Forcas Armadas.
Assim, e em coerência com este critério de política orçamental, ainda este ano houve a necessidade de fazer a atribuição das verbas às nossas despesas militares, dentro dos limites intransponíveis que aquele critério impõe, sem, todavia, deixar de ter em conta as suas necessidades fundamentais.
Srs. Deputados, cerca de um terço do montante total das despesas orçamentais, que estamos discutindo destina-se, exclusivamente, ao pagamento de encargos e amortização das nossas dívidas. Isto significa que nenhum ministério tem nó seu orçamento prevista verba que chegue a metade daquilo que precisamos para honrar, no decurso deste ano, os nossos compromissos.
Assim, ocorre perguntar se às Forças Armadas incumbe, como dever supremo e primeiro, defender através de todos os sacrifícios a independência nacional, não será defendê-la com igual honra procurar diminuir as nossas dívidas, vencer a crise que rios avassala e diminuir ou até extinguir de todo as dependências inevitáveis dos devedores crónicos? Não é isso também; lutar pela independência nacional?
Srs. Deputados, as Forças Armadas, com o seu patriotismo e o seu sentir cívico, compreenderam o sacrifício que. neste momento lhe é pedido.
Gostariam, certamente, no seu desejo de bem servir, de terem cada vez melhores disponibilidades, maiores e mais amplos meios de acção mas compreendem e~ aceitam a orientação que presidiu à elaboração do seu orçamento e à fixação das verbas que lhe foram atribuídas. Mais eu estou seguro - podemos todos estar

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seguros - de que as forças armadas portuguesas e todos os departamentos, institutos e serviços que do Ministério da Defesa Nacional dependem, vão suprir com a sua competência, o seu patriotismo, a sua criatividade e imaginação - e, sobretudo, com o zelo exemplar com que gerem os dinheiros públicos muito do que orçamentalmente parece, ã primeira vista, estar-lhes vedado.
Srs. Deputados, o orçamento da Defesa Nacional que à vossa consideração se submete é, pois, um orçamento ditado pelas exigências mais profundas da recuperação da nossa pátria.
Creio, firmemente, que o conseguiremos e que podermos, então, com orgulho e sem preocupações, atribuir às Forças Armadas, que tanto o merecem, todos os meios de que precisam.
Eis o que de essencial me pareceu dever dizer nesta curtíssima intervenção, em discussão, na generalidade, do orçamento do Ministério da Defesa Nacional.
Fico à inteira disposição de VV. Ex.ªs para, na medida do que me for possível, vos prestar os esclarecimentos que queiram pedir-me.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados João Amaral, José Lelo, Sottomayor Cardia, José Magalhães, Rui Machete e Ângelo Correia.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro da Defesa, naturalmente que está fora de questão - o Sr. Ministro bem o compreenderá - considerar se a informação que forneceu à Comissão, em termos de explicitação da despesa inscrita no Orçamento, foi ou não suficiente. Vamos, porém, considerar que foi suficiente.
A grande questão que aqui está colocada é que a parte mais substancial do orçamento das Forças Armadas passa por fora do Orçamento do Estado - essa é que é a grande questão, Sr. Ministro.
Temos agora, publicamente colocada, uma questão que tem implicações nacionais muito relevantes e que, muito concretamente, se traduz na chamada "Opção Fragata", ou seja, na compra das três fragatas Meko.
A questão que se coloca neste momento implica, naturalmente, uma certa definição da aplicação da chamada ajuda externa - que não é ajuda nenhuma, como já está mais do que provado, pois não passa de contrapartidas -, como implica um esforço orçamental relevante, este ano quantificado, se não estou em erro, em 5,1 milhões de contos.
Contudo, tal implica também, Sr. Ministro, uma outra questão, que é central: a de considerar que essa será, ou poderá ser, uma opção adequada, no quadro das opções que se põem, em termos de definição das missões estratégicas das forças armadas portuguesas, nomeadamente da quantificação do esforço financeiro em relação aos diferentes ramos.
Portanto, Sr. Ministro, a pergunta que lhe fazemos é muito simples: quem e a que título é que fez esta opção? Como é que é possível estar a apresentar à Assembleia da República um esforço financeiro, que este ano é de 5,1 milhões de contos, sem o debate, que tem de ser feito na Assembleia da República, de uma lei de programação militar, que diga e defina se esta Assembleia está ou não de acordo com a aquisição das fragatas?

Sr. Ministro, como é que é possível considerar que o equipamento das Forças Armadas pode continuar a ser decidido em termos que não impliquem o debate nacional, o que há-de implicar forçosamente o debate no órgão de soberania que, por excelência, pode fazer essa análise? Como é que é possível orçamentar verbas desse volume sem que esse debate seja feito?
Sr. Ministro, a questão das fragatas tem, naturalmente, implicações muito variadas.
Nós sabemos que para os alemães, no estado em que se encontram os estaleiros de Hamburgo e com as dificuldades que têm - não têm encomendas, etc. -, será extremamente vantajoso fazer fragatas para Portugal.

No entanto, o que perguntamos é o seguinte: será essa a opção necessária, quando se estão a orçamentar verbas com o valor que estas têm e não se procede ao reequipamento do Exército, quando a parte que vai para o Exército é praticamente nula e quando as verbas para o Exército são praticamente irrelevantes? Toda a questão está colocada nesse ponto, Sr. Ministro.
Como é que é possível que o Orçamento deste ano, passado um ano sobre tudo o que foi dito na discussão do Orçamento de 1985 - em que se pedia, muito concretamente, a inscrição de todas as verbas -, possa aparecer aqui com verbas de ajuda externa, que têm como valor global qualquer coisa como 40 milhões de contos, sem inscrição definida?
Como é possível que 40 milhões de contos possam ou não ser para as fragatas, como é isto possível sem a Assembleia definir se se quer fragatas, se se quer estas ou outras fragatas, ou se entende que as verbas para o equipamento das Forças Armadas devem ser diferentes?

Vozes do PCP: - Muito bem?

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Defesa Nacional preferirá, certamente, responder no fim a todos os pedidos de esclarecimento, não é verdade?

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Exacto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado José Leio.

O Sr. José Leio (PS): - Sr. Ministro, antes de mais gostaria de o cumprimentar pelo facto de ter vindo a esta Assembleia, possibilitando assim a resposta aos pedidos de esclarecimento que gostaríamos de lhe colocar.
Hoje, contrariando o tom optimista do Sr. Ministro das Finanças, provei aqui que o orçamento da Defesa, ao crescer nominalmente na ordem dos 6,7 %, diminuiu efectivamente na ordem dos 18 %, e o Sr. Ministro das Finanças disse que isso acontecia com assentimento dos chefes dos ramos das Forças Armadas.
Pergunto ao Sr. Ministro da Defesa se assim é, e pergunto-lhe ainda se a contrapartida de eficácia está garantida quando um colega do partido a que V. Ex.ª pertence, o Sr. Deputado Alípio Dias, escreveu no parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano o seguinte: " O ritmo do programa de modernização das Forças Armadas, globalmente considerado, vem conhecer algum abrandamento, com excepção das forças navais."

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Pergunto-lhe também como pensa compatibilizar a aprovação da proposta de lei de serviço militar, que o Governo apresentou a esta Assembleia, corri o Orçamento do Estado, sabendo que a sua aprovação; nos termos actuais, implica um reforço de verbas orçamentais em cerca de 8 a 10 milhões de contos.
A redução, tanto das despesas militares como de tempo de serviço militar, Sr. Ministro, colhe em termos de propaganda, em termos de opinião pública, já que será bom para a opinião pública trocar canhões por manteiga e, em face de um orçamento pobre, como o definiu o Sr. Ministro Miguel Cadilhe, o País gostará de ouvir coisas dessas.
Mas o que importa, obviamente, é ouvir a opinião
do Sr. Ministro da Defesa Nacional sobre esta matéria. Portanto, pergunto-lhe, também; em reforço do
que disse o Sr. Deputado João Amaral, como poderá
V. Ex.ª defender a inclusão no Orçamento de 5 milhões
de contos para fragatas quando não se verificou o cumprimento do preceito legal - que é aprovação de uma
lei de programação militar, face ao facto, de não se
conhecer uma versão open do Conselho Estratégico
Militar - nem se vê definido o sistema de forças ou
o dispositivo que permite reforçar esse tipo de aquisições?
Pergunto, designadamente, quando a própria aquisição das três fragatas ainda não tem uma definição
em termos de apoio financeiro, internacional, como é
possível concretizá-la?
Finalmente, perguntava-lhe, Sr. Ministro, quanta manteiga se compraria com 5 milhões de contos?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Ministro da Defesa Nacional, quero em primeiro lugar, cumprimentar V. Ex.ª nos mesmos termos em que nos cumprimentou.
Guardo excelente recordação do Sr. Ex-Deputado e
Ex-Presidente da Assembleia da República, Leonardo
Ribeiro de Almeida.
Mas o Sr. Ministro da Defesa é agora membro do Governo, não é mais deputado e eu sou-o, e da oposição, e não o acompanho nas críticas que V. Ex.ª dirigiu ao Executivo.
Ficámos a saber há pouco que o Governo não concorda que, o Sr. Governador do Banco de Portugal venha a prestar informações à Comissão de Economia, Finanças e Plano, mas verificámos que, embora por interposta entidade governativa, os chefes militares vêm fazer as suas considerações ao Plenário da Assembleia da República.
Não sou porta-voz de nenhuma instituição corporativa, sou apenas deputado da Nação e político e não estou ligado a nenhum grupo parlamentar de interesses na sociedade portuguesa.

Risos do PSD.

Há dias tive o prazer de cumprimentar, na Comissão dos Negócios Estrangeiros e Emigração, o Sr. Secretário de Estado da Cooperação pela forma extremamente digna como ele respondeu aos deputados que pretendiam que o orçamento destinado à Cooperação fosse acrescido. O Sr. Secretário de Estado comportou-se como um verdadeiro homem de Estado

porque se solidarizou inteiramente com o Orçamento do Governo, sem embora desfavorecer o interesse do sector que representa; ele agiu no respeito do princípio da solidariedade ministerial.
A minha pergunta é dirigida ao Sr: Primeiro-Ministro, e é a seguinte: considera V. Ex.ª admissível que o Sr. Ministro da Defesa venha aqui ao Parlamento fazer críticas ao Governo a que V. Ex.ª preside?

Risos do PSD e CDS.

Não exige V. Ex.ª ao Sr. Ministro da Defesa solidariedade ministerial?
Já vamos tão longe na ausência de autoridade do Governo? Também neste sector se admite um corporativismo ilimitado?

Risos do PSD e do CDS.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sortilégio nocturno!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, apesar do adiantado da hora, gostava de dirigir ao Sr. Ministro da Defesa algumas breves interrogações a propósito deste problema das fragatas.
Se eu bem percebo, alguns deputados insurgem-se pelo facto do Governo propor inscrever uma verba determinada no Orçamento do Estado para compra dessas fragatas, o que não pressupõe naturalmente que a Assembleia se oponha.
Esta é uma questão que já vem a ser discutida no seio do Governo e na própria Assembleia, não apenas a propósito deste orçamento, mas de orçamentos anteriores, visto que o problema da aquisição de três fragatas para a marinha de guerra portuguesa não é uma questão nova.
Relembro que ela foi discutida na Comissão de Defesa Nacional em Janeiro do ano passado, recordo ainda que as negociações com diversos países que, eventualmente, estavam interessados no seu fornecimento datam de há vários anos - de há mais de cinco anos - e, por consequência, não pode sequer dizer-se que esta seja uma questão recente.
Efectivamente, não há ainda uma lei de programação militar, dado o relativo atraso com que o complexo processo de definição de diversos conceitos que permitem a elaboração dessa lei foi realizado, mas o problema básico fundamental é este: é do conhecimento da Assembleia, já há largos anos, que existem nesta matéria negociações difíceis e morosas è ainda no tempo do anterior governo, salvo erro, em Outubro, houve uma resolução do Conselho de Ministros, que tive a honra de propor, em que justamente se preconizava uma determinada orientação em matéria da aquisição das fragatas Meko 200, resolução que resultou de laboriosas negociações e da obtenção de financiamentos extremamente avultados por. parte da República Federal da Alemanha.
A questão que, no fundo, se põe à Câmara e, naturalmente, se põe também ao Ministério da Defesa Nacional e ao Governo, é a de saber se, pela ausência de uma programação militar, o caso das fragatas pode ser adiado em termos que causam prejuízos gravíssimos ao reequipamento da marinha de guerra portuguesa.

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Aliás, também não percebo porque é colocada apenas a questão das fragatas, dado que a questão da aquisição dos aviões P-3 se põe nos mesmos termos, a questão do reequipamento do Exército se coloca exactamente nos mesmos termos e, por consequência, o que eu gostaria de perguntar é se, no fundo, não estamos, a propósito da questão das fragatas, a criar um problema político difícil, na medida em que obstaculamos ao reequipamento das Forças Armadas.
Nestas circunstâncias, em primeiro lugar, queria perguntar ao Sr. Ministro da Defesa se é verdade ou não que estas negociações já se arrastam há mais de cinco ou seis anos.
Em segundo lugar, perguntaria se nas negociações que têm havido os 5,5 milhões que estão previstos no Orçamento não têm, em termos de País, contrapartidas, visto que está acordado que haja compras em Portugal num montante de, pelo menos, 90% - era um montante acordado no tempo em que eu detinha a pasta da Defesa, não sei quanto é agora -, e se V. Ex.ª não considera que essas laboriosas e difíceis negociações correspondem hoje, graças aos esforços de vários governos que se sucederam e que sempre se orientaram no mesmo sentido, manifestamente ao interesse nacional, tendo a concordância dos chefes militares. Aliás, o que é importante não é que os chefes militares decidam, mas que informem e manifestem - como também é importante que o governador do Banco de Portugal se manifeste - a sua concordância ou discordância com as políticas que são seguidas.
Também aqui é relevante que se refira esse tema, ou seja, se é ou não verdadeiramente importante, do ponto de vista do interesse nacional, que essa política prossiga e que não se atrase mais, ou até se perca a oportunidade da aquisição daquele equipamento.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Ministro da Defesa Nacional, em primeiro lugar, peço-lhe desculpa pelas perguntas que lhe vou fazer a uma hora destas e espero que a influência da hora não provoque em mim o mesmo efeito que provocou no Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

Risos do PSD.

Em primeiro lugar, Sr. Ministro da Defesa Nacional, quero testemunhar-lhe sinceramente o meu apreço pela simplicidade, sinceridade e verticalidade do seu discurso, um discurso simples, mas sincero e honesto, e nesta Casa devem sempre ser apreciadas e louvadas as afirmações sérias quando elas são proferidas por um homem sério como V. Ex.ª.

Aplausos do PSD.

Em segundo lugar, quero dizer-lhe o seguinte: há cinco anos fui presidente da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional desta Assembleia e este é o ano em que, no âmbito das Forças Armadas, noto que esta Comissão foi mais informada, obteve maior dose de informação. Qualquer grupo parlamentar - quer o do PCP quer o do CDS - o pode testemunhar com isenção e rigor. Felicitamos V. Ex.º por esse feito.

Em terceiro lugar, quero também manifestar o prazer que a alegria e disponibilidade presente do Sr. Ministro nos concedeu durante várias reuniões, que ajudaram a um clima de bom entendimento num diálogo importante sobre um assunto que comporta problemas sérios para o País, como é o das Forças Armadas e da Defesa Nacional, mas para o qual concorreu, naturalmente, o excelente entendimento que V. Ex.ª ajudou a propiciar.
Aqui, coloco duas perguntas. O Sr. Deputado João Amaral colocou a questão dos 40 milhões de contos de uma forma não rigorosamente objectivada em termos de Orçamento do Estado, e eu pergunto se esta é ou não a primeira vez que num Orçamento do Estado surge um valor discriminado relativamente às várias origens e a algumas das aplicações de fundos estrangeiros e se essa origem de fundos não permite, nesta fase, que ele possa ser afectado ou como um empréstimo ou como uma dávida neste momento da vida nacional e, por causa disso, ele não possa ser colocado e inserido numa sede mais rigorosa e mais precisa, exactamente devido à natureza da sua outorga? Isto porque, no momento em que o Governo apresenta esse valor à Assembleia da República, ele ainda não sabe se parte ou a totalidade desse valor nos serão concedidos sob a forma de empréstimos ou sob a forma de dávidas.
Por isso mesmo, não será uma impossibilidade política e orçamental do próprio Governo o fazer esta discriminação? Ou, pelo contrário, não será um mérito só de per si a sua justificação e apresentação no seu globo?
A segunda pergunta traduz-se na questão das fragatas, que é uma questão muito séria que a Assembleia da República deve discutir com amplitude e estou de acordo com todos os Srs. Deputados, meus colegas de Parlamento, que assim a colocaram.
Todavia, a minha pergunta vai para si, Sr. Ministro: não foi V. Ex.ª que, mais uma vez com a sua disponibilidade completa, provou e levou à Comissão essa informação? Não foi o Sr. Ministro que, mesmo antes de a própria Comissão ter feito um pedido formal de indicação de valores e de explicitação mais detalhada do que significava o programa de aquisição das fragatas, se prestou, no âmbito da Comissão Parlamentar - e por isso lhe faço a pergunta, para a retransmitir aqui hoje -, a apresentar a curto prazo todo um conjunto de indicações, mesmo que não se ativessem completamente, no plano jurídico, a uma lei de programação militar, de modo a habilitar-nos àquilo que é a política do Governo e o nosso desejo?
Por tudo isto e acima de tudo, Sr. Ministro, quero manifestar-lhe, como
ex-parlamentar que foi e como ministro que é, a minha solidariedade e o testemunho do meu apreço pessoal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto à pergunta que o Sr. Deputado João Amaral me coloca sobre a "opção fragatas", como VV. Ex.ªs sabem, não data de agora mas de 1976 o inicio da consideração, a nível de Ministério da Defesa Nacional e das Forças Armadas - nessa altura, em 1976, as Forças Armadas estavam

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submetidas a um regime especialíssimo, que a lei .de Defesa Nacional e das Forças. Armadas fez extinguir -, do problema da necessidade de termos efectivamente navios de guerra modernos, que correspondessem não apenas às exigências das nossas obrigações da Aliança Atlântica, mas também às exigências do triângulo geo-estratégico - de que tanto se fala e que todas VV: Ex.ªs sabem em que consiste.
É evidente que é sempre difícil falar sobre estes aspectos. Se recordarmos o debate que se travou aqui no ano passado exactamente sobre o. Orçamento da Defesa Nacional, houve um Sr. Deputado que protestou porque estávamos quase no "zero" naval e as nossas ajudas externas iam essencialmente para a Força Aérea e para o Exército. Agora, traz-se o problema das Forças Armadas em matéria de modernização da nossa Marinha, colocando-se o problema, no detrimento do Exército e eventualmente da Força Aérea, em favor da Marinha. Não é fácil, pois, agradar a todos.
O problema é este: depois de longuíssimas negociações, como muito bem disse o Sr. Deputado Rui Machete, o qual como meu ilustre antecessor, teve uma intervenção decisiva na condução de todo este problema, o Governo optou por, aceitar a possibilidade de construção das fragatas Meko 200. E fê-lo, pela seguinte razão, extremamente simples: os diversos projectos, as diversas possibilidades de construção das fragatas noutros países ou noutras condições esbarraram sempre com a impossibilidade financeira de o fazer e foi realmente o apport decisivo da nação alemã - aceito até que com a razão social de fazer funcionar os seus estaleiros - que trouxe a Portugal a possibilidade de termos essas fragatas.

Por outro lado, houve uma conjugação solidária de esforços de vários outros países que, com a suas contribuições - essas a título gratuito -, tornaram também possível a realização deste projecto, que é um projecto pesado e caro e que depende de uma opção não só política, mas também de todo um conjunto de valores. Aceito que os valores não são todos os mesmos para todas as pessoas, mas esses valores são fundamentais e parece absolutamente necessário que tenhamos estas fragatas e aproveitemos esta oportunidade.
É evidente que uma lei de programação militar há-de surgir - também já o Sr. Deputado Rui Machete e eu próprio, na Comissão Parlamentar de Defesa Nacional demos esse esclarecimento -, mas uma lei de programação militar é uma lei para médio prazo e exige, até pelos próprios termos em que está redigida a lei quadro (e: V. Ex.ª, Sr. Deputado João Amaral, bem o sabe), a definição missões do plano de forças e do dispositivo e há-de envolver, designadamente, aspectos logísticos e aspectos de equipamento. Nessas circunstâncias, não me parece possível nem realizável imediatamente, antes da definição de todos esses textos, a apresentação de uma lei pura de programação militar.
Mas também não tive dúvidas nenhumas em dizer a V. Ex.ª que, para além da inclusão na própria lei do Orçamento das importâncias a elas destinadas, se se considerar necessária a apresentação de uma lei que contemple as despesas neste exercício, ela pode perfeitamente ser apresentada, ou como alteração, à lei neste momento em análise ou com a lei que com ela possa ser simultaneamente discutida e aprovada.
Quanto ao direito que a Assembleia tem de considerar todos estes aspectos, sabe o Sr. Deputado - penso já lho ter demonstrado repetidamente ao longo de vários anos - o respeito que tenho por esta Casa e o reconhecimento que faço das suas plenas competências. O Sr. Deputado José Lelo - se bem entendi a questão colocada- refere que o Orçamento da Defesa diminuiu em termos reais.
Não quereria entrar agora em discussões que pudessem envolver já o debate na especialidade, mas, de qualquer modo, o Governo definiu uma opção, que é a seguinte: neste momento, Srs. Deputados, o Governo estabeleceu um determinado critério que o levou a cercear, mais, do que ele próprio desejaria- se as disponibilidades fossem outras -, as disponibilidades financeiras a atribuir às Forças' Armadas. E repito aqui o que já disse: quando, numa família, numa empresa ou numa nação, á sua parte pior estraga, desbarata e põe em risco a própria sobrevivência económica desse mesmo aglomerado, seja ele de que natureza for, normalmente são sempre os que se mantêm fiéis aos valores fundamentais que depois têm de "apertar o cinto" - passo o plebeísmo - para que a recuperação se possa fazer. É o. caso!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Sottomayor Cardia, foi-me possível, durante os largos, anos - que já aqui evoquei - em que muito orgulhosamente fiz, parte desta Câmara, fazer o meu conhecimento pessoal de V. Ex. a e travar com V. Ex.ª alguns diálogos, por vezes muito cordialmente, pesem embora as nossas discordâncias. Pelo seu vigor mental, pela sua profunda cultura e até pela sua cristalina forma de expor, criei por V. Ex.ª um respeito, que sabe que é incondicional.
Mas devo dizer-lhe que não lhe posso responder porque hoje, só por culpa minha, V. Ex.ª, apesar de tudo, foi tão confuso que não o entendi. Não posso, pois, responder-lhe.

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado Rui Machete perguntou-me se não é verdade que estas negociações se arrastam desde há quatro ou cinco anos. Como já disse, a hipótese da aquisição de três fragatas para a esquadra portuguesa surgiu há dez anos, em 1976. Entendeu-se, desde logo, que para as circunstâncias em que se encontravam as nossas forças navais, elas eram tão nucleares, tão importantes que, fosse qual fosse a programação que posteriormente se viesse a fazer - e V. Ex.ª sabe que é assim -, elas eram sempre indispensáveis. Assim, de há dez anos a esta parte que se vem procurando, nos termos que já expus e que não vale a pena repetir, a solução que finalmente se encontrou e que levou o Governo anterior, que V. Ex.ª integrava, a formular uma resolução, de todos conhecida e que foi publicada, em 3 de Outubro, no Diário da República.

É evidente, Srs. Deputados, que' logo nessa resolução se punha como condição que houvesse 90% de contrapartidas através da aquisição, pelo consórcio que eventualmente viesse a construir as fragatas em Portugal, de bens de produção portugueses ou de prestação de serviços por entidades portuguesas.
Neste momento, nas negociações que se vêm fazendo, já se conseguiu que essas contrapartidas passassem para 390 milhões de marcos, o que significa que se incluem mais 39 milhões. As negociações ainda decorrem e por isso mesmo ainda não é possível estabelecer uma defi-

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nição exacta de um contrato. Embora estejamos na sua fase final, esta é, necessariamente, uma fase da sua própria génese em que os elementos definitivos ainda não estão completamente definidos. No entanto, posso dizer que penso que as contrapartidas podem, sem que haja um optimismo muito grande, atingir os 450 milhões de marcos. É evidente que se demonstra a vantagem enormíssima que isso pode trazer para a nossa indústria, para a nossa actividade e para a nossa economia, na medida em que se procura preservar que essas aquisições se façam por forma a não incidirem sobre aquelas exportações que, tradicionalmente, já fazíamos para a Alemanha.
Se bem entendi, o Sr. Deputado Ângelo Correia - e abro aqui um parêntesis para agradecer as palavras altamente amáveis que teve a gentileza de me dirigir perguntou-me se é ou não pela primeira vez que surge um valor claro em relação às ajudas externas e à aplicação dos fundos estrangeiros que decorrem dos acordos bilaterais de ajuda e defesa. Devo dizer-lhe que sim. Penso que realmente foi possível indicar não só as disponibilidades existentes mas também o saldo, isto é, aquilo que neste momento é disponível.
Volto a dizer ao Sr. Deputado José Leio que o Exército não foi esquecido; o que acontece é que, pela própria maleabilidade - tal como V. Ex.ª referiu -, estas ajudas são fixadas, havendo que programar depois quais são as aquisições que mais interessam a um equilibrado reequipamento das Forças Armadas. Posso dizer que, tendo em conta aquele saldo que consta do Orçamento, do anexo que foi apresentado e mesmo do documento que apresentei na Comissão Parlamentar de Defesa Nacional, estão a ser analisados os programas que racionalmente mais interessam ao Exército.
Sem querem entrar na discussão na especialidade, devo recordar o complemento da 1.ª Brigada Mista Independente - que é uma obrigação de honra de quem tem um tratado de aliança e de defesa, subscrito com outros países -, a modernização de um batalhão de engenharia e a modernização de um batalhão de transmissões. Tudo isto, para o pouco que temos, é tão necessário, tão essencial que, realmente, é perfeitamente nuclear e tem perfeito cabimento.
Não sei se respondi inteiramente a tudo quanto VV. Ex.ªs me perguntaram, mas penso que sim e agradeço a possibilidade que me deram de lhes prestar estes esclarecimentos.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, suponho não ter figura regimental para usar da palavra. No entanto, queria apenas registar uma coisa muito simples, que posso dizer directamente ao Sr. Ministro: é que o debate sobre toda esta problemática merece um aprofundamento - e está aqui a ser demonstrado que não pode ser realizado neste quadro.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Peço também a palavra, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente é para dizer que eu apenas censurei o Sr. Ministro da Defesa Nacional...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado...

O Orador: - ... por ele ter dirigido críticas ao Governo, que não merecem a minha aprovação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, V. Ex.` deseja usar da figura regimental do direito de defesa?

O Orador: - Na verdade, o Sr. Ministro da Defesa Nacional não me respondeu ... .

Protestos do PSD.

... nem tinha de me responder, visto que a pergunta que formulei era dirigida ao Sr. Primeiro-Ministro.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que não é caso para dramatizarmos.
Os tempos disponíveis para as próximas sessões, que terão lugar amanhã e depois de amanhã, são os seguintes: o Governo dispõe de 200 minutos; o PSD dispõe de 127 minutos; o PS dispõe de 112 minutos; o PRD dispõe de 89 minutos; o PCP dispõe de 117 minutos; o CDS dispõe de 122 minutos e o MDP/CDE dispõe de 53 minutos.
Srs. Deputados, a sessão de amanhã terá início às 10 horas, com a continuação do debate, na generalidade, das propostas de lei das grandes opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1986.
Está encerrada a sessão.

Era 1 hora e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António d'Orey Capucho.
António Manuel Lopes Tavares.
Arménio dos Santos.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
João Domingos Abreu Salgado.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Pereira Lopes.
Licínio Moreira da Silva.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Rui Manuel de Oliveira Costa.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Gonçalves Janeiro.
António Magalhães Silva.
Armando António Martins Vara.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Manuel N. Costa Candal.

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Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
José Carlos Pereira Lilaia.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel dos Santos Magalhães.
Maria lida da Costa Figueiredo.

Centro Democrático Social (CDS):

António Bernardo Lobo Xavier.
António Vasco Mello César Menezes.
Henrique José Pereira de Moraes.
João Gomes de Abreu de Lima.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Augusto Gama.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PPD/PSD):

Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Monteiro do Amaral.
José Júlio Vieira Mesquita.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Carlos Montez Melancia.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
José Manuel Torres Couto.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
José Lopes Casal.
José Luís Correia de Azevedo.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.

Partido Comunista Português (PCP):

Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

Eugênio Nunes Anacoreta Correia.

Declaração de voto do Grupo Parlamentar do PCP respeitante à ratificação n.º 51/IV (Decreto-Lei n.º 4/86, de 6 de Janeiro), que dá nova redacção ao artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho (Lei do Processo dos Tribunais Administrativos) discutida na sessão de 13 de Março de 1986, e enviada para publicação.
O Grupo Parlamentar do PCP votou favoravelmente a lei de alterações do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, tendo contribuído activamente para que as soluções aprovadas primassem pelo equilíbrio, tratamento equitativo de interesses contrapostos e justa ponderação do interesse público.
Tratava-se de aperfeiçoar os mecanismos legais atinentes à suspensão da eficácia dos actos administrativos, instituídos com larga margem de inovação, em Julho de 1985, para vigorarem a partir de l de Outubro e bruscamente distorcidos pela publicação do Decreto-Lei n.º 4/86, de 6 de Janeiro. Essas distorções foram agora corrigidas.
Foi rejeitada a perspectiva adiantada pelo Sr. Ministro da Justiça durante os debates na generalidade (Diário da Assembleia da República, 1." série, n.º 26, pp. 865 e segs.) e sustentada pelo PSD e CDS cujas propostas de alteração originárias não lograram colher aprovação, tendo suscitado, porém, um debate que conduziu a soluções de equilíbrio.
1 - A alteração fulcral aprovada e longamente debatida institui o contraditório no meio processual acessório que é a suspensão da eficácia dos actos administrativos (secção I do capítulo VII do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho). A solução encontrada visou, porém, que em caso algum o contraditório se convertesse em factor de delonga, bloqueio ou perversão das finalidades e objectivos próprios do meio acessório regulamentado em termos inovadores em Julho de 1985. Assim:

a) Deve o requerente da suspensão indicar a identidade e residência dos interessados a quem a pretendida suspensão da eficácia do acto possa afectar. Ò universo dos potenciais interessados é para este efeito, nos termos da lei agora aprovada, o constante do processo instrutor, conferindo-se ao requerente o direito de obter, no prazo de 24 horas, certidão adequada. Tal bastará para o preenchimento dos requisitos previstos na nova redacção do n.º 2 do artigo 77.º
b) Não se instituiu um sistema de citação pessoal dos interessados. Tal solução foi expressamente excluída pelas delongas e fragilidades que induziria, de forma incompatível com a própria lógica e natureza da suspensão. Não se decalcou puramente, também, o mecanismo previsto no artigo 10.º para a notificação de autoridades e pessoas colectivas públicas. • Assegurou-se, com particular ênfase, que a notificação se faça por via postal. A expedição é simultânea para a autoridade requerida e para os interessados identificados no processo. Os prazos (catorze dias) correm simultaneamente para todos e contam-se a partir da data da expedição, independentemente da recepção ou conhecimento efectivo, não podendo por consequência ser (invocado, para qualquer efeito, o desconhecimento do interessado.
Os prazos previstos no n.º 4 são idênticos aos vigentes antes da instituição do contraditório, não tendo sido afectados por esse facto.
c) Previu-se, porém, um regime especial para a notificação dos interessados cuja residência seja desconfie-

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cida ou que sejam eles próprios incertos. Optou-se pela simples afixação de edital à porta do tribunal na data da expedição das demais notificações. Visa-se regular situações-limite pelo que se entendeu não decalcar neste ponto o Código de Processo Civil. Nesses casos a intervenção só pode processar-se até à conclusão nos termos e prazos previstos no n.º 14 do artigo 78.º, em caso algum devendo sofrer atraso ou delonga a prática dos actos processuais que esta disposição regula.
d) A não intervenção de qualquer interessado, cumpridas que sejam estas regras, não origina qualquer nulidade ou outro vício invocável para qualquer efeito processual. Em nenhum caso, igualmente, poderá o contraditório (mitigado e condicional) agora introduzido ser invocado para obter do juiz dilação de prazos: tal opção foi expressamente excluída, por incompatível com o instituto. Nem pode a autoridade recorrida invocar que não foram citados eventuais interessados: o universo destes é, segundo a lei, o constante do processo instrutor, com a ressalva prevista no artigo 78.º, n.º 3. Claramente delimitadas (e limitadas) ficam, pois, as responsabilidades do requerente, sem prejuízo da celeridade e segurança necessárias e da intervenção adequada dos interessados directos.
2 - Um segundo bloco de alterações diz respeito ao regime de suspensão de actos já executados, drasticamente distorcido pelo Decreto-Lei n.º 4/86.
As soluções originariamente propostas pelo PSD e CDS (este através do projecto de lei n.º 109/IV) foram rejeitadas como base de trabalho e ultrapassadas pelos próprios proponentes. Construiu-se e foi aprovado por consenso um regime que visa conceder um tratamento equitativo (não igualitarista, nem miscigenados de posições jurídicas distintas) aos interessados e aos requerentes quando esteja em causa a suspensão de actos já executados.
A Comissão não pôde ponderar todas as implicações de algumas das propostas alternativas neste domínio. Ensaiou, porém, algumas projecções e tipificou algumas das aplicações possíveis face ao vasto espectro dos actos administrativos. Os resultados a que se chegou desaconselharam opções como as adiantadas pelo PSD e CDS, filiadas porventura na valoração dos efeitos produzidos quanto aos actos administrativos de concessão de reservas na área de Reforma Agrária (e ai mesmo inaceitáveis), mas com negativissimas repercussões em todas as demais áreas (que são muitas e muito diversificadas, pondo em jogo interesses de muito distintas naturezas).
Primou, por fim, a prudência legislativa e a preocupação de equilíbrio, com as cautelas tornadas necessárias para evitar que ao juiz seja imposta uma tabela de ponderação que esvaziasse e bloqueasse o mecanismo instituído pelo artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 267/85.
Assim, no tocante aos actos já executados:
a) O interessado pode vir a processo alegar (e provar) que a suspensão lhe causa prejuízo tal que não deve ser decretada. Não bastará, porém, como propôs o CDS, que a suspensão lhe cause "grave ofensa". Optou-se por uma solução que revela prejuízos compensados e comparáveis. O juiz há-de ponderar se há prova bastante de que a suspensão acarretaria para o interessado prejuízo de mais difícil reparação do que os decorrentes da execução do acto para o requerente.

b) Do agora aprovado n.º 2 do artigo 81.º não decorre para o requerente o dever ou sequer o ónus de provar a "superioridade" do seu prejuízo, em termos similares aos que resultam do disposto no artigo 76.º Não se trata de mais um requisito a aditar aos gerais. É ao interessado que cabe alegar e provar que o seu prejuízo potencial se enquadraria no disposto no artigo 81.º, n.º 2. Não se desconheceu nem subestimou que a simples instituição deste mecanismo vai ter consequências na actividade processual do requerente, incluindo no requerimento inicial. Mas é ao interessado que cabe o ónus da prova, sendo livre a acção do requerente (ou a sua omissão, insindicável).

c) Em cada prato da balança o julgado terá de ponderar interesses comparáveis, prejuízos comparáveis. Não se ignora, pois, o conflito de interesses, nem se dá automática prevalência a este em detrimento daquele interesse. Nestes casos o tribunal decide segundo critérios com assento legal mas com vasto substrato e natureza económica. Referida fica a decisão à noção de prejuízo, sobre a qual há já vasta jurisprudência. Haverá que apurar em concreto a dimensão, natureza e implicações desses prejuízos no tocante ao requerente e interessado e ajuizar depois se uns são de mais difícil reparação que os outros.

d) Teve-se em conta, mas não se decalcou, o artigo 401.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que estabelece que não são de decretar providências cautelares se o prejuízo resultante da providência exceder o dano que com ela se quer evitar.

Recorre-se à noção (sedimentada na jurisprudência do STA) de "prejuízo de difícil reparação" para originar futuramente jurisprudência sobre o que seja o "prejuízo de mais difícil reparação". Mas, repita-se, o ónus da prova cabe ao interessado e não ao requerente. Não há presunção legal de que a suspensão acarrete prejuízo irreparável ou mais irreparável ao interessado. A comparação de prejuízos tem de fazer-se em concreto,

e) Instituiu-se um mecanismo tendente à concessão de regime de urgência para o julgamento do recurso quando tenha sido concedida a suspensão ou haja sido recusada por originar ao interessado prejuízo de mais difícil reparação do que o causado ao requerente.

Não se tratou de compaginar a proposta apresentada pelo PSD durante os debates na generalidade (que visavam impedir a suspensão facultando ao interessado, através do requerimento de julgamento, o adiamento sine die da valoração dos interesses em conflito, impossibilitada a título provisório e adiada a titulo definitivo).

A solução adoptada afigura-se um primeiro esforço, justificado pela natureza urgente das situações abrangidas pelo artigo 81.º, n.º 3, para aprovar tramitações céleres, por necessárias (e hoje ainda impossibilitadas por vários factores que há que ultrapassar). Não se crê, porém, que venha a gerar-se um excessivo uso da faculdade agora instituída: O número de actos executados poderá reflectir as consequências da aplicação do artigo 79. º e foi muito reduzido o elenco dos casos em que a urgência pode ser requerida.

Haverá que acompanhar com atenção a aplicação do mecanismo e extrair dai as adequadas conclusões.

3 - Tudo ponderado, crê-se ter sido encontrada uma fórmula que é susceptível de resolver, durante o

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período largo, questões melindrosas de conflito de interesses, sem enjeitar as inovações, positivas pelas quais os mais diversos sectores se bateram ao longo de muitos anos e tiveram consagração legal parcial nos artigos 76. º e segs. do Decreto-Lei n.º 267/85.

De tudo se espera o reforço da legalidade da Administração Pública e ,uma acrescida tutela dos direitos dos cidadãos. Foi para isso mesmo que o PCP requereu e obteve a revogação do Decreto-Lei n.º 4/86 e a alteração equilibrada do Decreto-Lei n.º 267/85.

Os Deputados do PCP: José Magalhães - José Manuel Mendes.

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - Cacilda Nordeste - José Diogo - Maria Amélia Martins.

PREÇO DESTE NÚMERO 217$00

Depósito legal n.º 88/8/85

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