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Sexta-feira, 11 de Março de 1988 I Série - Número 61

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE MARÇO DE 1988

Presidente: Exmo. Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros e da entra na Mesa de alguns diplomas.
Foi aprovado o voto n. º 21/V (PS), de pesar pela morte do jornalista Dr. José Ribeiro dos Santos, apresentado pelo Sr. Deputado Raul Rego (PS), a que se associaram os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (ID), Natália Correia (PRD), Montalvão Machado (PSD), Narana Coissoró (CDS), Maria Santos (Os Verdes) e Jorge Lemos (PCP).
Foi igualmente aprovado o voto n. º 227 V (CDS), de pesar pela morte do Doutor Francisco Gentil Martins, apresentado pelo Sr. Deputado Adriano Moreira (CDS) e subscrito por todos os grupos parlamentares. Na circunstância usaram também da palavra os Srs. Deputados João Rui (PS), Fernando Gomes (PCP), Luís Filipe Meneses (PSD), Rui Silva (PRD), Raul Castro (ID) e Maria Santos (Os Verdes).
O Sr. Deputado Jorge Sampaio (PS) interveio dando a conhecer à Câmara o texto da declaração conjunta dos grupos e agrupamento parlamentares da oposição, rebatendo a nota oficiosa do Governo e as recentes declarações do Sr. Primeiro-Ministro na sequência de uma intervenção feita em anterior sessão pela Sr." Deputada Helena Roseta (Indep.). No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Brito (PCP), Raul Castro (ID), Maria Santos (Os Verdes), Correia Afonso (PSD), Basílio Horta (CDS) e Marques Júnior (PRD).

O Sr. Presidente e os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Joaquim Marques (PSD), Jorge Lacão (PS), Raul Castro (ID), Marques Júnior (PRD) e Ercília Ribeiro da Silva (PSD) apresentaram condolências à Sr.ª Deputada Odeie Santos (PCP), que agradeceu, pelo falecimento de um dos seus filhos.

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 51 e 52 do Diário.
O Sr. Deputado Montalvão Machado (PSD), na qualidade de presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, leu à Câmara uma declaração relativa as dúvidas surgidas quanto à autenticidade do texto do relatório da Comissão sobre as propostas de alteração ao Regimento.
Procedeu-se à discussão e votação, na generalidade, dos projectos de lei n.º 1947 V (PSD), que, tendo sido aprovado, baixou à respectiva comissão, e n.º 201/V (PCP) e 202/V (PS) - alteram o artigo 106.º da Lei n. º 38/87, de 23 de Dezembro -, que foram rejeitados. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Coelho dos Santos (PSD), José Magalhães (PCP), Narana Coissoró (CDS), Assunção Esteves (PSD), Almeida Santos (PS) e Mário Raposo (PSD).
Foi lida a acta das eleições para o Conselho Nacional de Educação, tendo sido eleitos os candidatos propostos à excepção do presidente.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira
Américo de Sequeira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António Costa de A. de Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.

rmando Manuel Pedroso Militão.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel Ascenção Belém.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
Liberal Correia.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Deleure Alvim de Matos.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel P. Chancerelle de Macheie.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Carvalho C. Ferreira Vitorino.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.

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Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Ribeiro Moniz.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Guilherme Manuel Lopes Pinto.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Luis do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
José Vera Jardim.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Cosia Brito.
Raul Manuel Bordalo Junqueira.
Ricardo Manuel Rodrigues Barros.
Vítor Manuel Caio Roque.
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo de Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
Isabel Maria Costa Ferreira Espada.
José da Silva Lopes.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai dar-se início à votação para o Conselho Nacional de Educação que se realiza na Sala D. Maria entre as 13 e as 18 horas. Informo a Câmara de que os escrutinadores serão os Srs. Deputados João Salgado, pelo PSD, e Isabel Espada, pelo PRD, enquanto que tanto o PS como o PCP indicarão em breve quais os seus representantes, e ainda que para essa eleição há duas listas: uma para o presidente do Conselho Nacional de Educação e outra para os vogais desse mesmo Conselho. A lista para os vogais é uma lista única e, no canto superior direito, tem ires quadrados referentes aos votos (a favor, contra e abstenção), onde os Srs. Deputados poderão inscrever a sua posição de voto. Qualquer voto que tenha outro traço além dos que ficarão dentro dos referidos quadrados serão considerados nulos e sem qualquer efeito.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai agora proceder à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte

Expediente
Ofícios

Do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecâncias do Distrito de Aveiro, com sede em Rio Meão, remetendo vários pareceres sobre o projecto de diploma sobre o regime jurídico de cessação do contrato individual de trabalho.
Um do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura do Distrito de Leiria e mais dez que, conjuntamente com nove telegramas e cinco telexes de outros Sindicatos, incluem protestos apresentados ao Sr. Primeiro-Ministro sobre a discriminação de que foi alvo a CGTP-Intersindical quanto à 3.ª versão do pacote laboral.
Do Sindicato dos trabalhadores das Indústrias Químicas do Sul, capeando abaixo-assinado contra o pacote laborai e solicitando a marcação de uma audiência pelo Presidente da Assembleia da República.

Telegrama

Das mulheres dirigentes do MDP/CDE, saudanto, na passagem do Dia Mundial da Mulher, a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

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Telex

Da Comissão Nacional de Trabalhadores do BNU, em Lisboa, de protesto pela legislação laboral aprovada em Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Na última reunião plenária foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Mendes Bota; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado António Vairinhos; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Reinaldo Gomes; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira e José Magalhães; ao Governo (dois), formulados pelos Srs. Deputados Rogério Moreira e Jorge Lemos; à gerência do Hospital de Santo António, formulado pelo Sr. Deputado Luís Meneses.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Magalhães, na Comissão Permanente do dia 24 de Setembro e na sessão do dia 18 de Fevereiro; Roleira Marinho e outros, na sessão de 22 de Outubro; José Manuel Mendes, nas sessões de 23 de Outubro e 28 de Janeiro; Helena Torres Marques, na sessão de 13 de Novembro; António Mota, na sessão de 30 de Dezembro; Octávio Teixeira, na sessão de 21 de Janeiro; Rogério Moreira, na sessão de 2 de Fevereiro, e João Amaral, na sessão de 23 de Fevereiro.
Deram ainda entrada na Mesa o projecto de lei n.ºs 203/V, da iniciativa da Sr.ª Deputada Elisa Damião e outros, do PS -propõe alterações aos artigos 153.º e 154.º do Código Penal-, que foi admitido e baixou à 1.ª Comissão, e a proposta de lei n.º 37/V -autoriza o Governo a legislar sobre a alteração à Lei n.º 6/85, de 4 de Maio (Regime dos Objectores de Consciência) -, que foi admitida e baixou à competente comissão.

r. Presidente, Srs. Deputados: Foi ainda entregue no Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia um comunicado subscrito pela Sr.ª Deputada Helena Roseta e feito nos termos da alínea c) do artigo 18.º do Regimento, ao abrigo do direito de resposta consagrado no artigo 5.º da Lei n.º 5/86, na qualidade de pessoa atingida por afirmações inverídicas contidas na nota oficiosa do Governo de 4 de Março de 1988. O comunicado foi distribuído a todos os grupos e agrupamentos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do voto de pesar, apresentado pelo PS.

Foi lido. É o seguinte:

Voto de pesar n.º 21/V

Tendo falecido o grande jornalista e democrata Dr. José Ribeiro dos Santos, combatente antifascista de sempre, vítima da PIDE e signatário do «Programa para a Democratização da República», o Partido Socialista propõe um voto de profundo pesar.
E que este voto seja transmitido à família do extinto, ao Sindicato Nacional dos Jornalistas e à Fundação Calouste Gulbenkian, de que era funcionário superior.
Assembleia da República, 10 de Março de 1988. - O Deputado do PS, Raul Rêgo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Rêgo para fazer a apresentação do voto.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O socialista José Ribeiro dos Santos foi-se embora, com a mesma simplicidade e discrição com que sempre viveu. Estruturalmente democrata e homem de imprensa, passando também pelo direito e pela literatura, o meu querido amigo e companheiro José Ribeiro dos Santos viveu a mais longa ditadura da nossa história de lés a lés; mais feliz do que outros, ainda lhe viu o termo e ajudou à reconstrução, depois de nunca ter deixado de colaborar na luta pela reconquista das liberdades públicas.
José Carlos Ribeiro dos Santos era estudante e tinha 18 anos quando a cortina militarista desceu de Braga e se estendeu sobre todo o País, abafando-o. Estudante de Direito e jornalista, redactor do Rebate, órgão do Partido Republicano Português, mas não inscrito no Partido. O socialismo defendera-o desde a juventude.
Á porta do Rebate, quando Gomes da Costa inicia o seu passeio, marcial e inconsciente, de Braga até Lisboa. Era mais uma revolta, dizia-se; e tanto que o Presidente do Ministério, engenheiro António Maria da Silva, comenta: «Dou-lhes oito dias, o máximo duas semanas!» Haviam de ser 48 anos!...
O jornalista e estudante passa para a República, sob a direcção de Ribeiro de Carvalho. Conclui o curso de Direito e ainda tenta a advocacia, mas tinha a bretoeja do jornalismo e é na República que ele se firma, indo à chefia da redacção. O jornal é suspenso uma vez e outra. Anavalhado todos os dias. Mas, mesmo a chagar e sem poder ao menos mostrar as suas feridas, pois que os cortes não podem sair em branco, têm de ser colmatados, os leitores apercebem-se de quanto se passa e dos silêncios que são impostos.
As prepotências vão até ao impor a saída do director do jornal, Ribeiro de Carvalho. Este é substituído por Carvalhão Duarte -já fora demitido-, ele que fora o organizador da União do Professorado Primário.
Ribeiro dos Santos assume a chefia da redacção do Diário de Lisboa, sob a direcção de Norberto Lopes. O que é o jornalismo de oposição sob uma ditadura? É assim uma espécie de contrato de surdos; um entendimento entre os redactores e os leitores para estes adivinharem, por meias palavras ou silêncios inteiros, as informações que o jornal não dá e os comentários que não pode fazer. E essa comunicabilidade sólida mantém-se, alimenta sempre a esperança de um dia as línguas se desatarem e a conversa poder ser livre, as informações completas e os comentários ao gosto de cada um.
O ditador vira, com a guerra, ser impossível remar contra os ventos da história. Mas não arrepiou caminho. O Tarrafal estava cheio, outros campos de concentração também; cheio o Aljube; por vários países os emigrados curtiam saudades da pátria. Morrera já António José de Almeida, morrera Afonso Costa, morrera Brito Camacho e José Relvas, Bernardino Machado, aos 90 anos, tinha residência fixada ao Norte do Douro.
Com o fim da guerra, há uns meses de tolerância relativa. E é a nova geração, a da clandestinidade, que vem à luz do dia. Os jornais animam e são depoimentos de velhos políticos, de políticos jovens, de cidadãos que optam pela liberdade. É o movimento do MUD que José Ribeiro dos Santos e outros jornalistas animam. Desde Pulido Valente e Azeredo Perdigão a Cunha Leal e Norton de Matos, passando pelo Padre Alves Correia, Vieira de Almeida e Joaquim de Carvalho, Domingos Pereira, os democratas

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continuam firmes. Mas os novos, como José Magalhães Godinho, Mário Lima Alves, Manuel Mendes, Afonso Costa (filho), Bento de Jesus Caraça, Ferreira de Macedo, António Macedo, Mário Cal Brandão, Rui Luís Gomes acorrem à chamada contra a tirania.
E depois vêm os muito jovens, ainda na universidade, como Mário Soares e Salgado Zenha, Vítor de Sá. Forma-se o MUD Juvenil. Depois serão outras campanhas, como a de Norton de Matos à Presidência da República, que fazem estremecer o regime. Mas a violência não cessa. A índia põe o seu problema; outras colónias se agitam. A resposta do ditador é a mesma: a prisão, o desterro, o Tarrafal. Até o assassínio para Humberto Delgado.
A cada respiradouro que a imprensa tem, a opinião se agita. Há revoltas também que acabam em Santa Clara ou no tribunal plenário.
José Ribeiro dos Santos deixa em determinada altura o jornal, mas, em 1961, por sugestão de Jaime Cortesão, um grupo, tendo à frente Hélder Ribeiro e Mário de Azevedo Gomes, apresenta o «Programa de democratização da República», elaborado no escritório de Acácio de Gouveia, e apresentado em 11 de Maio. Já começara a guerra em Angola e no Programa se reconhecia o direito à autodeterminação dos povos. O Programa é cortado na imprensa, mas logo, em 12 de Maio, a resposta do ditador vem com as prisões de Mário Soares, Acácio de Gouveia e Gustavo Soromenho.
São 61 pessoas que são presas, umas hoje e outras amanhã, em meses sucessivos. Um dia de Novembro, já, foram buscar-me a casa, logo de manhã. Entrei na Polícia e esperei numa sala. Através do vidro fosco, do outro lado, desenhava-se-me o perfil de José Ribeiro dos Santos. Tinham-no ido buscar ao mesmo tempo. Foram uns dias de Aljube, interrogatórios, violências, curros onde um homem, com a tarimba descida, não dava um passo.
O tirano morreu e um raio de esperança bem curto se desenhou nos espíritos. José Ribeiro dos Santos acreditava em Marcello Caetano, que, aliás, o chamou para com ele conversar. Mas a guerra prosseguia no ultramar e a violência não cessava em Portugal. Os milhares de expatriados também. Até à festa e a marcha da liberdade daquele 1.º de Maio que se seguiu ao 25 de Abril!
A José Ribeiro dos Santos convidei-o eu, no 1.º Governo Provisório, para assumir a direcção do Diário de Notícias. Era de seu direito. Por adjunto, José Carlos de Vasconcelos. E o jornal transformou-se e contribuía para refazer o Portugal democrático, até que outra tentativa de manipulação total o obrigou a sair. Felizmente ainda desta feita a liberdade venceu.
Democrata, José Ribeiro dos Santos foi-o até o fim. No Partido Socialista era o camarada exemplar, assíduo na sua sessão e com a modéstia de sempre. Nunca recusou quanto contribuísse para fortalecer as liberdades públicas, o entendimento entre os homens, entre os Portugueses e sobretudo entre aqueles que, na frase de Madariaga, são os cidadãos do Mundo por convicção.
Modesto sempre, apagando-se voluntariamente, José Ribeiro dos Santos é mais uma figura da resistência que desaparece. Verdadeiro modelo de democrata e verdadeiro modelo de socialista.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O respeito que merece a figura de Ribeiro dos Santos justifica este voto da Assembleia da República. Homem democrata que sempre defendeu a democracia, jornalista que se impôs numa geração que viveu sob tremendas dificuldades que os jornalistas actuais, felizmente, não atravessam. Jornalista que lutou contra aqueles ditadores que diziam e se ufanavam de nunca se enganarem nunca se vergou a interesses de ocasião; respeitou sempre a ética e a deontologia, a verdade e os interesses do povo; jornalista que sempre defendeu a democracia e as liberdades cívicas, que nunca se deixou aliciar por interesses materiais de qualquer espécie em detrimento dos seus princípios, que sabia relatar os factos mas que, principalmente, sabia interpretar esses mesmos factos políticos, sociais e culturais sem se vergar a interesses que não fossem senão os da liberdade, da democracia e da liberdade de imprensa.
Este homem que hoje aqui homenageamos deve servir de exemplo a todos, mas principalmente à actual geração de jornalistas que têm a missão muito mais facilitada desde que o 25 de Abril implantou as liberdades cívicas pelas quais o povo português sempre lutou.
Este jornalista que nunca regenerou os seus princípios, este democrata cuja personalidade foi exemplarmente tratada pelo meu querido amigo e Sr. Deputado Raul Rego tem de ser recordado e é isso que hoje estamos aqui a fazer.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associamo-nos -eu e o PRD - comovidamente ao voto de pesar pelo falecimento do socialista José Carlos Ribeiro dos Santos, que se impôs ao nosso respeito como destacado lutador que foi pela implantação da democracia e grande figura do jornalismo português.
A nossa saudosa gratidão vai para a memória desse homem que muito pugnou pelos ideais cuja vitória nos abriu as portas da liberdade.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também os sociais-democratas portugueses se associam - e com inteira sinceridade - a este voto de profundo pesar pela morte do Dr. José Ribeiro dos Santos.
Foi um grande jornalista, foi um grande democrata, mas, atrever-me-ei a dizer, foi acima de tudo um grande homem.
Desde muito novo me habituei a ler aquilo que escrevia Ribeiro dos Santos. E todos quantos, em minha casa, esperávamos com uma esperança que veio a concretizar-se, depois da morte de alguns, que a ditadura acabasse, quando esperávamos que a ditadura terminasse na semana seguinte, no mês seguinte ou no ano seguinte. Quantas e quantas vezes a voz querida de Ribeiro dos Santos era um incentivo para que continuássemos a manter essa esperança e a luta que cada um de nós era capaz de travar.
Ribeiro dos Santos, efectivamente, foi um homem no jornalismo português, foi um homem da democracia portuguesa, por isso e um homem que merece o nosso respeito. É esse respeito pela sua memória que os sociais-democratas portugueses, por meu intermédio, aqui deixam.

Aplausos gerais.

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O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS não podia deixar de associar-se a este voto de pesar, até para lembrar um caso que o CDS nunca poderá esquecer.
Em Março de 1975, quando quiseram suprimir o CDS da lista dos partidos democráticos, o CDS encontrou no director do jornal Diário de Notícias, Ribeiro dos Santos, a única entidade que lhe permitiu publicar um comunicado em que ele próprio interveio para dar cunho jornalístico e que -sabe-se lá- salvou o País das garras do totalitarismo de uma certa esquerda e deixou o CDS afirmar-se verdadeiramente como um partido nacional, patriótico e democrático.
Nós não podíamos esquecer-nos desta eventualidade e por isso não podíamos deixar de nos associar a este voto de pesar.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Os Verdes infelizmente associa--se a um voto de pesar sobre a morte do jornalista e socialista Ribeiro dos Santos.
O jornalismo, como nós sabemos, tem assumido, ao longo dos tempos e em qualquer época, um papel extremamente importante no esclarecimento das populações, na formação cívica e democrática dos povos.
Ribeiro dos Santos soube assumir uma função extremamente pedagógica no sentido da formação cívica e democrática do povo português. Nesse sentido manifestamos ao Partido Socialista o nosso profundo pesar pela morte de Ribeiro dos Santos.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu José Ribeiro dos Santos, mais um jornalista de corpo inteiro.
A voz da liberdade de imprensa está mais pobre.
Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, quero associar-me ao voto de pesar em memória do democrata de sempre, do antifascista, do lutador pela defesa da livre circulação e expressão das ideias.
À família enlutada, ao Partido Socialista -que activamente integrou-, apresentamos os nossos mais sinceros votos de condolências e manifestamos a nossa integral solidariedade nesta hora difícil de ausência de um companheiro de luta.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra, dou por encerrado o debate sobre o voto de pesar, apresentado pelo Sr. Deputado Raúl Rego, do Partido Socialista.
Vamos, pois, passar à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vai ser lido o segundo voto de pesar, apresentado por todos os grupos e agrupamentos parlamentares, mas tendo como primeiro subscritor o Sr. Deputado Adriano Moreira.

Foi lido. É o seguinte:

Voto de pesar n.º 22/V

Faleceu no passado dia 8 do mês corrente o Doutor Francisco Gentil Martins.
Francisco Gentil Martins foi presidente da Liga Portuguesa contra o Cancro e da Comissão Coordenadora do Instituto Português de Oncologia, colaborador activo das comissões da União Internacional contra o Cancro, fundador da União Europeia das Ligas contra o Cancro e da Associação Europeia dos Institutos do Cancro, presidente do Congresso da Sociedade Portuguesa de Oncologia, membro da Comissão Directiva da Sociedade Europeia de Cirurgia Oncológica e deputado eleito ao Parlamento Europeu. Francisco Gentil Martins foi um dos maiores expoentes portugueses da luta científica contra o cancro, não apenas nos seus aspectos médicos, mas também no que respeita às suas incidências sociais e drama humano.
A Assembleia da República presta homenagem à memória de Francisco Gentil Martins, transmitindo à família o seu profundo pesar e observando um minuto de silêncio.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o voto, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço a benevolência da Câmara para lhe transmitir o nosso sentimento, no qual esperamos ser acompanhados, sobre a perda que consideramos nacional, causada pela morte do Doutor Francisco Gentil Martins, que ontem foi a enterrar.
Nascido a 21 de Janeiro de 1927, formado na velha e gloriosa Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, foi um dos maiores expoentes portugueses da luta científica contra o cancro, não apenas nos seus aspectos médicos, também no que respeita às suas incidências sociais e drama humano.
Descendente em linha recta de Pedro Nunes, Soares Franco Abílio de Mascarenhas, Francisco Gentil e António Martins e discípulo de Lima Basto, José Conde, Pita Negrão, Mário Conde e Francisco Branco, congregou na sua formação uma notável linha familiar e uma não menos notável tradição de escola, que ambas convergiam no sentido de encaminhar o seu talento no sentido de o transformar num dos mais importantes oncologistas portugueses. Assistente do Doutor George T. Pack, por muitos considerado o maior oncologista de todos os tempos, chamou-lhe este, em dedicatórias várias, son in surgery, seu filho em cirurgia.
Durante mais de vinte anos, visitou, para aprender, todos os grandes centros de oncologia mundiais, e não deixou de ser convidado para todos os congressos ou reuniões importantes em oncologia. Assim como se transformou num dos mais considerados profissionais e numa das mais escutadas autoridades portuguesas neste domínio.
Por isso foi membro de várias comissões da União Internacional contra o Cancro, membro fundador da União Europeia das Ligas contra o Cancro, da Associação Europeia dos Directores dos Institutos contra o Cancro, da

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Sociedade Portuguesa de Oncologia, do European Socicty Surgical Oncology, do Sloan Kettering Câncer Center de Nova Iorque, do American College of Surgeons, do Internacional College of Surgeons. Foi secretário-geral da Liga Portuguesa contra o Cancro em 1973-1974 e presidente da Liga e do Núcleo Regional do Sul desde 1974. Não havia em Portugal quem não conhecesse a sua figura modesta e sempre presente nas campanhas e peditórios nacionais contra o cancro, e sobretudo não havia módico mais exemplarmente devotado aos seus doentes e ao serviço do Instituto Português de Oncologia de Francisco Gentil, onde foi membro da direcção clínica em 1975-1979, presidente da comissão directiva em 1984-1986 e presidente da comissão coordenadora do Instituto e director do Centro de Lisboa desde 1986 até à sua morte. Morreu no seu posto, no próprio Instituto; ali recebeu a homenagem final dos seus irmãos na fé, e sobretudo a homenagem da multidão que acompanhou o seu corpo até ao cemitério do Alto de São João, onde ficou. Não são apenas sentimentos devidos ao homem que foi uma consciência moral do CDS, seu presidente do Congresso, que nos levam a prestar-lhe esta singela homenagem na Assembleia da República. É que realmente o nosso património científico nacional, que enriqueceu, fica gravemente desfalcado no elenco dos seus servidores; desapareceu um dos exemplos da medicina humanista que a nossa velha universidade produziu; perdemos um cidadão exemplar; falta-nos um português de lei; milhares de homens que sofrem têm hoje menos esperança porque não contam com o seu amparo; todos os que tinham o privilégio de o conhecer sentem a falta de um amigo. A luz do humanismo que irradiou podia ser medida pelo cortejo impressionante que lhe prestou a última homenagem de estar presente na despedida deste mundo. Mas ver-se-á sempre na escola profissional e cívica que serviu até morrer, porque ficará na memória e na ciência dos continuadores.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui.

O Sr. João Rui (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista associa-se ao voto de pesar apresentado pelo CDS e presta homenagem ao Doutor Francisco Gentil Martins, ilustre médico, que tanto fez pela luta contra o cancro no nosso país.
Francisco Gentil Martins dedicou a sua vida à nobre missão de aliviar o sofrimento dos outros. Os milhares de doentes do foro oncológico perderam um amigo e o País perdeu uma figura de dimensão internacional.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Gomes.

O Sr. Fernando Gomes (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, desejo expressar o nosso sincero pesar pelo desaparecimento de um cirurgião de renome internacional, o Doutor Francisco Gentil Martins, que dedicou grande parte da sua vida ao combate de um dos maiores flagelos do século, o cancro.
Queremos, desta forma, associar-nos ao voto de pesar, apresentado nesta Câmara, perante esta importante perda no campo das ciências medicas.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses.

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD votará favoravelmente o voto de pesar pelo desaparecimento do Doutor Francisco Gentil Martins, consciente de se tratar do desaparecimento de um cidadão invulgar.

Já aqui foi referido que o Doutor Gentil Martins era descendente directo de portugueses ilustres. Tanto mais difícil era, na nossa sociedade, adquirir notoriedade, mas o Doutor Francisco Gentil Martins conseguiu-o, pela sua vida e pela sua obra, e o prestígio e respeitabilidade que ele granjeou seriam honras para esses ilustres portugueses seus ascendentes.
Falar do Doutor Gentil Martins, médico, cirurgião de prestígio internacional, investigador oncológico, discípulo dilecto de alguns dos importantes oncologistas de todo o mundo, do inexcedível e dedicado dirigente da Liga Portuguesa contra o Cancro, do dirigente académico dos anos 40, do dirigente democrata empenhado e desinteressado é referir somente algumas notas de actividade transbordante de um homem que dedicou toda a sua vida à causa pública e que foi, em nossa opinião de socais-democratas, uma referência, um modelo de humanismo, um farol comportamental para os Portugueses de hoje e de sempre.
O PSD apresenta o seu profundo pesar à família do Doutor Gentil Martins, ao CDS, seu partido de sempre, e a iodos aqueles que o admiravam e que o choram.
É convictamente, certos do acto de justiça modesto que produzimos, que, com muita saudade e muito posar, nos associamos a esta homenagem.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Renovador Democrático associa-se ao voto de pesar apresentado pelo Partido do Centro Democrático Social e presta justa e pública homenagem à figura do Doutor Francisco Gentil Martins.
O Doutor Gentil Martins dedicou toda uma vida de homem e de profissional à nobre causa da luta contra a terrível doença do cancro. A testá-lo as inúmeras instituições que fundou e a que presidiu, algumas das quais já anteriormente enunciadas pelo nosso colega deputado Adriano Moreira. Uma vida de lula e sacrifício numa solidariedade ímpar com o ser humano, seu irmão, merecem e justificam este voto de pesar, a que nos associamos incondicionalmente e a que daremos o nosso voto favorável.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando se afirma, no voto de pesar, que o Doutor Francisco Gentil Martins foi um dos maiores expoentes portugueses da luta científica contra o cancro, afirma-se algo que é um dado adquirido no conhecimento público quanto ao extaordinário relevo científico que assumiu a figura que agora homenageamos. Ao mesmo tempo afirma-se também algo mais, que esse destaque científico que assumiu a figura do Doutor Francisco Gentil Martins foi precisamente assumido em relação àquilo que é um dos

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mais preocupamos problemas da ciência módica do nosso tempo, que é luta conta o cancro. Actuando não só no plano nacional mas procurando e transmitindo ensinamentos no plano de outros países da Europa, o Agrupamento da Intervenção Democrática associa-se inteiramente à homenagem da figura agora desaparecida do Doutor Francisco Gentil Martins.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados do Centro Democrático Social: Numa breve declaração, mas não menos sentida, o Partido Os Verdes gostaria de manifestar, perante esta Câmara, o seu pesar pela morte do Doutor Francisco Gentil Martins e expressá-lo também à sua família.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados como não há mais inscrições, vamos passar à votação deste voto de pesar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Como estava implícito a este voto, vamos guardar um minuto de silencio em homenagem ao Doutor Francisco Gentil Martins.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados o presidente da Comissão de Regimento e Mandatos pediu-me para informar os membros desta Comissão de que vai realizar-se uma reunião, na Sala do Senado, para o que pede a vossa comparência o mais brevemente possível.
Relembro ainda aos Srs. Deputados que se realiza na Sala D. Maria I, e ate às 18 horas, a votação para a eleição dos membros do Conselho Nacional de Educação.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Resumindo a minha intervenção ao essencial, devo comunicar à Câmara que o Partido Socialista apresentou, na reunião da conferencia de líderes, um texto com vista a proporcionar uma declaração da Assembleia da República que objectivasse uma tomada de posição do Parlamento e dos seus grupos e agrupamentos parlamentares perante afirmações que sobre este órgão de soberania e, insisto, sobre os Srs. Deputados, foram proferidas recentemente na entrevista do Sr. Primeiro-Ministro à Antena l da RDP e em nota oficiosa do Governo.
Essa iniciativa, que queríamos institucional, conjunta e global, foi inviabilizada pelo PSD. Nesta conformidade, os partidos da oposição entregaram na Mesa uma declaração conjunta -que faz parte, portanto, da minha intervenção-, que entendemos inteiramente justificada em defesa do prestígio deste órgão de soberania e dos Srs. Deputados, no seu conjunto, quaisquer que sejam as bancadas de que façam parte, e que é do seguinte teor:

Declaração conjunta

l - Face à recusa liminar do PSD em subscrever uma declaração que constituísse uma tomada de posição da Assembleia da República quanto à nota oficiosa do Governo e às declarações na Antena l do Sr. Primeiro-Ministro sobre a intervenção de uma deputada produzida no plenário referente à prorrogação do prazo de pagamento das prestações devidas ao Estado pela Sociedade Estoril-Sol, os Grupos e Agrupamento Parlamentares do PS, PCP, PRD, CDS, Os Verdes e ID entendem divulgar uma declaração conjunta, tomando por base o texto proposto pelo PS na conferência de líderes.

2 - Ao fazê-lo, cumprem o indeclinável objectivo de defender o prestígio do órgão de soberania que é a Assembleia da República, repudiando as afirmações conta ela feitas pelo Primeiro-Ministro e esclarecer a opinião pública sobre as graves questões que estão em causa.
Assim:

1.º As imunidades parlamentares constituem um dos traços caracterizadores da instituição parlamentar desde os primórdios da Idade Moderna e visam essencialmente assegurar a liberdade e a independência dos parlamentares na formulação do seu contributo para a formação da vontade política dos parlamentos;
2.ª As imunidades são conferidas pela Constituição da República e pelo Estatuto dos Deputados não apenas como prerrogativa dos deputados mas também e sobretudo no interesse da liberdade e continuidade de funcionamento da Assembleia da República e da estabilidade da sua composição, impedindo que os parlamentares sejam perseguidos ou coagidos no exercício do seu mandato;
3.ª Os votos e opiniões que os deputados emitiram no exercício das suas funções estão inequivocamente protegidos pelas imunidades parlamentares, desde logo e especialmente os emitidos pelos deputados no Plenário da Assembleia da República e no quadro do exercício do seu direito de fiscalização da acção do Governo;
4.º Perante o exposto, são inaceitáveis as interpretações feitas pelo Governo quanto ao âmbito da incidência das imunidades parlamentares e ó reprovável a atitude do Governo de pretender proceder criminalmente contra uma deputada em clara violação dos normativos constitucionais e legais aplicáveis a este tipo de situações, abrindo um precedente gravemente lesivo do normal e escorreito relacionamento entre o Governo e o Parlamento;
5.º A este propósito a Assembleia da República não pode deixar de sublinhar que, independentemente da apreciação da questão de fundo suscitada na intervenção da referida Sr.ª Deputada, não é legítimo que se considere que o normal exercício dos poderes constitucionalmente conferidos aos deputados resulta em desprestígio da instituição parlamentar, afirmação tanto mais grave quanto proveniente de quem e politicamente responsável perante esta Assembleia da República e tem o estrito dever, pelo alto cargo que exerce, de contribuir para o regular funcionamento das instituições democráticas e para o normal relacionamento entre os órgãos de soberania.

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Fim da declaração conjunta, fim da minha intervenção, Sr. Presidente.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Srs. Deputados, a declaração conjunta que o Grupo Parlamentar do PCP subscreveu juntamente com os Grupos Parlamentares do PS, do PRD, do CDS, de Os Verdes e o Agrupamento Parlamentar da ID é, a nosso ver, a iniciativa mínima que os partidos da oposição poderiam adoptar para repudiar as graves ofensas feitas pelo Sr. Primeiro-Ministro à Assembleia da República.
Dá que pensar a atitude do PSD ao recusar liminarmente subscrever qualquer nota oficiosa contra afirmações tão graves, que constituem o mais grave ataque à Assembleia da República feito por qualquer governante depois do 25 de Abril.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD e da ID e protestos do PSD.

Mas dão ainda mais que pensar as atitudes que o Sr. Primeiro-Ministro vem assumindo, nos últimos dias, em relação à Assembleia da República.
O que é que motiva o Sr. Primeiro-Ministro a prosseguir a guerrilha institucional contra a Assembleia da República, quando disfruta agora, aqui, nesta Assembleia, de uma maioria tão folgada?! Será que o Sr. Primeiro-Ministro não consegue funcionar dentro das instituições democráticas, respeitando as suas regras de funcionamento?!

Protestos do PSD.

A sua inadaptação ó tão notória que dá vontade de perguntar: pois se o Sr. Primeiro-Ministro nem sequer aceita as imunidades parlamentares,...

Uma voz do PSD: - Aceita!

O Orador: -... que não são uma originalidade da nossa democracia, o que 6 que o Sr. Primeiro-Ministro aceita no nosso regime democrático-constitucional?

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não aceita calúnias!

O Orador: - Ao fazer-se eco das mais graves calúnias contra a Assembleia da República, não do nosso povo, mas dos conhecidos detractores da democracia e da instituição parlamentar, foi com esses detractores que o Sr. Primeiro-Ministro alinhou e fez as suas campanhas de desprestígio da Assembleia e de desprestígo das instituições democráticas!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): -Não apoiado!

O Orador: - É isto que, quanto a nós, deve ser responsavelmente ponderado por todas as forças políticas e não só pelas da oposição. Pensamos também que e isto que tem de ser tido em conta e que não pode ser esquecido nas relações dos partidos da oposição com o Governo.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, em jeito de pedido de esclarecimento gostaria de salientar alguns aspectos.

Há no nosso ordenamento constitucional duas disposições fundamentais: uma é a do artigo 165.9, que atribui à Assembleia da República competência de fiscalização dos actos do Governo; outra é a do artigo 160.º, que isenta de responsabilidade os deputados pelas opiniões que emitirem no exercício das suas funções.

Foi precisamente a propósito dessa imunidade e a respeito de declarações aqui feitas pela Sr.1 Deputada Helena Roseta que o Sr. Primeiro-Ministro assumiu uma posição insólita.

Como ainda há dias salientava o Prof. Jorge Miranda, «prever as im unidades e as regalias não é uma forma de criar privilégios, em violação do princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Não estão em causa atributos ou interesses dos deputados. O que está em causa é a instituição a que pertencem».

«As imunidades», acrescenta o Prof. Jorge Miranda, «visam, em última análise, preservar a independência do Parlamento».

Aquilo a que assistimos, num primeiro momento, foi à demonstração da ignorância por parte do Sr. Primeiro-Ministro de duas regras essenciais do nosso ordenamento constitucional: a que diz respeito à imunidade parlamentar e a que se refere à fiscalização pela Assembleia da República dos actos do Governo.
Num segundo momento, aquilo a que assistimos foi à situação extravagante de o Sr. Primeiro-Ministro da nossa democracia, depois de assumir o conhecimento dessas normas, se permitir divergir e criticar disposições da nossa Constituição.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Não pode?!

O Orador: - Trata-se, efectivamente, de uma situação preocupante!

Era já preocupante que o Sr. Primeiro-Ministro mostrasse desconhecer duas normas fundamentais da Constituição, mas é muito mais grave e preocupante que, depois de mostrar que as conhece, ainda se permita desvalorizá-las e criticá-las.

Aplausos da ID, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, gostaria de reafirmar a posição de Os Verdes a propósito da declaração conjunta face às declarações feitas pelo Sr. Primeiro-Ministro à Antena l, a qual ,o Grupo Parlamentar de Os Verdes assinou.
Consideramos que continua a ser o Parlamento o órgão que fiscaliza a acção governativa, que interroga, que critica, que pede esclarecimentos e que interpela o Governo, assumindo a especificidade da sua função de acompanhamento da prática governativa de qualquer Governo.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Mas sem calúnia!

A Oradora: - Consideramos que e dever de qualquer Governo responder aos deputados e clarificar, se for caso disso, as suas dúvidas. Compete ao Governo esclarecer-nos.

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Se alguém tem de prestar contas, é o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo à Assembleia da República. Não tem o Governo que impor o que quer que seja aos deputados e muito menos o modo como qualquer de nós deve agir nesta Câmara.
Mas neste processo já longo, que teria merecido um esclarecimento rápido por parte do Sr. Primeiro-Ministro às questões levantadas neste hemiciclo pela Sr.ª Deputada Helena Roseta, no pleno direito e exercício do seu cargo, ao que parece, o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro procuram estar imunes às críticas.
O Governo não pode fiscalizar a actividade da Assembleia da República, isto é, não pode inverter as posições. A imunidade dos deputados é uma disposição essencial para fazer accionar e aprofundar a vida democrática. Nenhum deputado, seja de que partido for, pode ficar inibido de intervir, de interrogar, de criticar a acção governativa.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Mas não deve caluniar!

A Oradora: - Sc uma deputada pede esclarecimentos sobre assuntos em que tem dúvidas, ao Governo compete esclarecê-la e a todos nós.
Sem analisar a subjectividade de algumas das afirmações do Sr. Primeiro-Ministro, com a de que «ninguém é mais honesto do que eu», e por aí adiante, permito-me utilizar um provérbio, perguntando ao Sr. Deputado Jorge Sampaio se não acha que nesta questão da imunidade o Sr. Primeiro-Ministro está a tentar colocar «o carro à frente dos bois».

Aplausos de Os Verdes, do PS, do PCP, do PRD e da ID.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso, igualmente para pedir esclarecimentos.

O Sr. Correia Afonso (PSD):-Na intervenção que acabou de produzir o Sr. Deputado Jorge Sampaio traduziu fundamentalmente o seu inconformismo pela recusa que ontem a conferencia de líderes entendeu dar (e bem!) ao seu projecto de nota oficiosa.
No fundo, Srs. Deputados, o Partido Socialista, e agora, a reboque, o Partido Comunista e os restantes partidos da oposição, pretende manter artificialmente a temperatura política acerca do caso das imunidades parlamentares.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É uma opção que o Partido Socialista faz, mais uma vez volta a dedicar-se à provocação da instabilidade...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... mas principalmente é um balão de oxigénio que está gasto e que já nem sequer tem imaginação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A nota oficiosa, Srs. Deputados, é fundamentalmente contra o Regimento, colide com a lei, afronta a justiça e, além do mais, Srs. Democratas, é antidemocrática.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É contra o Regimento, porque, se os Srs. Deputados querem reprovar o comportamento do Sr. Primeiro-Ministro e do Governo, têm no Regimento uma forma de o fazer, que é a moção de censura. Se a não apresentam, é porque não têm coragem para isso,...

Aplausos do PSD.

... é contra a lei porque a lei que se aplica à notas oficiosas diz que elas devem traduzir a necessidade de informação oficial, e aquilo que o Partido Socialista queria veicular era uma informação partidária, concretamente do Partido Socialista, e não uma informação oficial.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:-É contra os mais elementares princípios da justiça, porque o Partido Socialista aplaude que aqui nesta Assembleia se calunie o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo para depois lhes recusar o direito de resposta e de legítima defesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, é antidemocrático, porque é contra a democracia caluniar e depois querer amordaçar o adversário, não deixando que ele exponha as suas razões.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados do Partido Socialista, não basta gritar «democracia», é preciso praticá-la todos dos dias!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista, quando ontem propôs a nota oficiosa e hoje fez esta intervenção, não praticou a democracia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): -Sr. Deputado Jorge Sampaio, quando na última sessão da Assembleia da República o CDS pediu que fosse distribuído por todos os Srs. Deputados o texto autêntico das declarações proferidas pelo Sr. Primeiro-Ministro em entrevista a uma rádio, ainda tínhamos a esperança de que não fosse correcta a transcrição de algumas dessas declarações.
Temos na nossa frente esse texto, que diz o seguinte: «Talvez seja por isso que o nosso povo tem tão pouca consideração pela Assembleia da República, porque sente que lá se diz tudo, se dizem mentiras, se dizem calúnias, e depois tudo fica na mesma.»

Vozes do PSD: - E é verdade!

Protestos do CDS, do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e da ID.

O Orador:-Penso que esta reacção espontânea dos Srs. Deputados do PSD é claramente o símbolo do seu despojamento face ao Governo.

Aplausos do CDS, do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e da ID.

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Os senhores, que constituem o partido maioritário nesta Assembleia da República, os senhores, que têm a primeira responsabilidade pelo prestígio desta Câmara no exterior, os senhores, que, no conjunto, são a face visível da Assembleia da República e que elegeram o Presidente da Assembleia da República, concordam que se diga que a Assembleia da República não tem prestígio junto do povo português, o que significa que vocês também não têm prestígio perante o povo português,...

Aplausos do CDS, do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e da ID.

Protestos do PSD.

... e que aqui se dizem mentiras e calúnias, que, com certeza, são também ditas por vós, já que o Sr. Primeiro-Ministro não excepciona ninguém, refere a Assembleia da República enquanto órgão de soberania.
É óbvio que não poderíamos deixar de subscrever a declaração conjunta, porque o argumento aqui aduzido pelo Sr. Deputado Correia Afonso no sentido de a oposição apresentar uma moção de censura ao Governo é, obviamente, um argumento reversível: se o Sr. Primeiro-Ministro faz este juízo da Assembleia da República, por que não apresenta aqui uma moção de confiança e ver os insultados a votar a favor de quem os insulta? Era algo que gostaria de ver...

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - De qualquer forma, Sr. Presidente, e Srs. Deputados, há aspectos mais graves e é com esses que termino este apontamento. É que, em nosso entender, não e assim que se cria um clima de estabilidade que possibilite a revisão constitucional.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Pois não!

O Orador: - Não é com declarações destas por parte do Governo e do Sr. Primeiro-Ministro, subalternizando toda a Assembleia da República, inclusivamente o grupo parlamentar que o apoia, que se criam as condições necessárias para se fazerem as reformas de fundo, de que a revisão constitucional é emblemática.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro tem um entendimento deficiente do funcionamento dos mecanismos democráticos. É nossa esperança que o corrija enquanto tem tempo e grupo parlamentar para isso,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... porque penso que mesmo o seu próprio grupo parlamentar um dia, certamente, se há-de cansar de ser insultado desta maneira tão nítida e tão clara.

Aplausos do CDS, do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, em nome do Partido Renovador Democrático e aproveitando a figura regimental de pedido de esclarecimento, gostaria de fazer alguns comentários relativamente à declaração conjunta que o Sr. Deputado acabou de ler.

O Grupo Parlamentar do PRD não só subscreve essa declaração conjunta do ponto de vista formal, como a ela se associa com entusiasmo, embora de uma forma triste e lamentando esta situação.
Do nosso ponto de vista, o que se passou não foi uma questão menor nem simples, como já tive oportunidade de referir nesta Câmara. Este episódio tem a ver com o cerne da democracia, diria mesmo que tem a ver com uma questão de regime.
A nota oficiosa do Governo e a entrevista do Sr. Primeiro-Ministro à Antena l põe, de facto, em causa valores fundamentais do 25 de Abril e da democracia, colidindo de uma forma frontal com a Constituição da República Portuguesa.
Não podemos aceitar que o Sr. Primeiro-Ministro faça um apelo directo ao povo português à critica à Assembleia da República por um deputado, no uso pleno dos seus direitos, deveres e obrigações, no local próprio, que é a Assembleia da República, e da tribuna dos oradores desta Casa, se permitir fazer, no seu estilo próprio -com o qual, eventualmente, podemos até não concordar-, críticas ao Governo e pôr em causa questões fundamentais que têm a ver com a transparência da governação. Não podemos de maneira nenhuma aceitar que o Sr. Primeiro-Ministro aproveite este facto para se dirigir directamente ao povo português através da rádio pondo em causa a Assembleia da República.
Toda a gente sabe que a Assembleia da República, pelas suas características próprias, pelo facto de ser o órgão onde têm assento e expressão pública e política todas as forças políticas, pelo facto de ser o órgão se soberania onde, naturalmente, a comunicação social e todos os meios de informação têm acesso às coisas mais simples, é o mais vulnerável. O Sr. Primeiro-Ministro, como Primeiro-Ministro do Governo deste país, tem a obrigação, o direito e o dever de também defender, em todas as circunstâncias, a Assembleia da República e a democracia. Ora, o Sr. Primeiro-Ministro, pela forma como se expressou e como exprimiu, pôs, na verdade, em causa a democracia e a Assembleia da República!

Vozes do PRD e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata de o Sr. Primeiro-Ministro ficar aborrecido com declarações produzidas pelo Sr. Deputado A, B ou C. Até compreenderíamos e aceitaríamos isso -mal seria que o Sr. Primeiro-Ministro não ficasse aborrecido -, mas tanto o Sr. Primeiro-Ministro como a maioria que o apoia na Assembleia da República têm mecanismos naturais para contestar no concreto as declarações aqui produzidas, nomeadamente fomentando e viabilizando o pedido de inquérito que na altura a Sr.ª Deputada Helena Roseta aqui fez.
Relativamente à questão da maioria e da democracia, já tive oportunidade de dizer nesta Câmara na primeira intervenção que fiz nesta legislatura que não é pelo facto de haver uma maioria que a democracia corre perigo, antes pelo contrário. Mas, se o comportamento da maioria continuar a ser aquele a que temos vindo a assistir, receio verdadeiramente que possam ser postos em causa valores fundamentais da democracia.

Vozes do PSD: - Oh!...

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O Orador: - Para terminar, gostaria de dar uma simples resposta ao Sr. Deputado Correia Afonso.
Se nós, PRD, não apresentamos uma moção de censura, não é por falta de coragem ...

Risos do PSD.

Srs. Deputados, pelo menos relativamente a essa questão, façam-nos a justiça de entender que não será por falta de coragem. Neste caso é, pura e simplesmente, por não termos votos suficientes.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Correia Afonso (PSD):-Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Correia Afonso (PSD): -Sr. Presidente, pretendo exercer o direito que resulta do facto de ter sido citado e de uma parte do pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Marques Júnior me ter sido dirigida.

O Sr. Presidente: - Não há no Regimento qualquer figura que lhe dê direito de usar da palavra por esses motivos, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): -E o Sr. Presidente pode dizer-me qual é a figura do Regimento que cobre uma declaração conjunta?

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia Afonso, o Sr. Deputado Jorge Sampaio leu uma declaração conjunta numa intervenção no período de antes da ordem do dia e apresentou-a à Mesa, utilizando o tempo do seu partido.
Se o Sr. Deputado Correia Afonso encontrar uma figura regimental ao abrigo da qual possa intervir, dar-lhe-ei a palavra. Apenas necessito de que me diga qual a figura que pretende usar.

O Sr. Correia Afonso (PSD): -Sr. Presidente, já a invoquei. Se V. Ex.ª não me dá a palavra, aceito-o, mas é um facto que fica registado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia Afonso, V. Ex.ª diz que quer usar da palavra porque foi mencionado, mas penso que não há nenhuma figura regimental que diga que qualquer deputado que seja mencionado tem direito a usar da palavra.
A não ser que V. Ex.ª se sinta desconsiderado ou ofendido ..., e nesse caso tem uma figura própria para usar da palavra. Tem e de dizer que se considera ofendido ou desconsiderado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Não me considero nem ofendido, nem desconsiderado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista -e neste momento falo como parlamentar socialista- não confunde os planos em que se inscrevem acontecimentos recentes ocorridos na Assembleia da República.

Não confundimos os planos relativos a uma matéria sobre a qual foi solicitado um inquérito parlamentar com aquilo que são direitos inalienáveis das sociedades democráticas e das assembleias parlamentares.
O que é verdadeiramente dramático, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que em intervenções públicas o Sr. Primeiro-Ministro, eleito como nós para esta Assembleia - porque foi daqui que saiu para o Governo-, eleito pelo mesmo povo que somos, titular fundamental de um órgão de soberania de uma sociedade democrática saída do 25 de Abril, após as épocas que todos conhecemos, fale da Assembleia da República e dos Srs. Deputados como o Sr. Primeiro-Ministro falou.
Em qualquer sociedade democrática, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não tenhamos a menor dúvida, teria havido de imediato, no dia seguinte, um debate no respectivo parlamento nacional. Não tenhamos dúvidas sobre isto! ...
Igualmente grave - e não estamos a falar da outra matéria a propósito da qual se fizeram estas declarações, que terá a sua sede própria de tratamento ...

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Isso não convém, claro!...

O Orador: - Sr. Deputado Correia Afonso, VV. Ex.as dizem que vão requerer um inquérito parlamentar, a Sr.ª Deputada Helena Roseta também irá fazê-lo ... Se me permite, agora falo em termos da Assembleia da República e daquilo em que acho que ela foi ofendida, e V. Ex.ª também, como eu.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - As intervenções do Sr. Primeiro-Ministro, primeiro-ministro legítimo de uma sociedade democrática como a portuguesa, inscrevem-se num plano de fundo antiparlamentar, que existe por uma tradição infeliz que a história nos trouxe, em que o antiparlamentarismo foi a nota decisiva de muitas décadas da existência dos Portugueses. É extremamente grave que, conhecida essa nota antiparlamentar, «os malandros que lá estão», como a gente ouve quando os táxis nos trazem aqui à porta, o Sr. Primeiro-Ministro, como membro decisivo do Governo de uma nação democrata da Comunidade Económica Europeia, lenha tido para com esta Assembleia, para com todos nós, Srs. Deputados, a mesma afirmação de uma frente antiparlamentar que ainda existe na sociedade portuguesa.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

Terceiro ponto, Sr. Presidente e Srs. Deputados: não pretendo sinceramente dar lições de bom comportamento democrático a ninguém, nem pretendi nunca invocar condutas do passado na reivindicação democrática. Cada um teve a perspectiva que entendeu tomar, todas foram legítimas -ou ilegítimas, não interessa-, todas tem com certeza a sua avaliação política e não servem para hoje justificar nenhuma posição política. Mas queria que a Câmara soubesse que, pelo menos - e estou certo que a isto se associam, diria mesmo, quase todos os deputados desta Assembleia-, batemo-nos muitos anos para ter uma assembleia democrática, pela nossa existência aqui, pelo contraditório, pela dignidade destes debates, pela sua ligação ao real que é o país que nos elege, pela quebra do fosso que durante tantas décadas se criou entre os chamados

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deputados da época e a Nação no seu conjunto, para deixarmos passar em claro a afirmação de um primeiro-ministro sobre nós, sobre este órgão de soberania, ao qual ele também pertence, enquanto for ou quando deixar de ser primeiro-ministro. Isto é intolerável!
E por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, entendemos que, em nenhuma circunstância, deveríamos deixar de tentar que esta Assembleia da República fizesse um texto -e VV. Ex.as acreditarão que, se fosse um texto apenas do PS, com certeza teria outro estilo, mais veemente- que efectivamente devia ser um texto colectivo, que não foi possível.
Por estas razões, Sr. Deputado Correia Afonso, não consigo entender que em matéria tão decisiva -e, não querendo fazer mais barulho ou reflexão sobre isto, pois o Diário da Assembleia da República e sobretudo a gravação da entrevista do Sr. Primeiro-Ministro que a Mesa distribuiu aos grupos parlamentares falarão por si-, matéria que a si, Sr. Deputado, também lhe diz respeito, porque V. Ex.ª passou para a opinião pública por ser uma pessoa que «tem pouca consideração pela Assembleia da República, pois nela se diz tudo»; V. Ex.as lambem é «mentiroso»; «aqui se dizem calúnias»; «tudo fica na mesma» ... nós todos ...

Uma voz do PSD: - Vocês dizem!

O Orador: -... e perante estas afirmações ninguém diz efectivamente nada sobre uma matéria desta gravidade!
Por isso, tenham paciência, Sr. Deputado Correia Afonso e Srs. Deputados do PSD, eu continuo, apesar de tudo em contrário, a ter a esperança de que VV. Ex.as, no vosso íntimo de democratas, com toda a certeza,...

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Não dou, Sr. Deputado!

... democratas como todos nós, com toda a certeza, eleitos pelo povo como nós, VV. Ex.as não podem ler sobre a Assembleia da República a impressão ou a noção que tem o Sr. Primeiro-Ministro e presidente do vosso partido em matéria que difundiu por todo o País que é Portugal!
E é nesse sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que pensamos ser indeclinável dever da nossa bancada e de todas as bancadas - mas falo em nome da minha - reafirmar uma vez mais que, mesmo que houvesse na sociedade portuguesa - e sabemos que há - críticas injustíssimas a este parlamento, não podemos ceder um milímetro que seja na reafirmação permanente da dignidade, do esforço, do trabalho desta Assembleia da República, da sua essência como «trave mestra» da sociedade democrática. E a responsabilidade é colectiva, não e só minha, nem só desta bancada, mas é de todos, para que, efectivamente, em todas as circunstâncias, estejamos dispostos a defender não só a Assembleia da República, mas a essência da representação nacional, o mecanismo que nos elege como fiscalizadores da actividade do Governo, como, afinal, o parlamento dos Portugueses.
Na verdade, Sr. Presidente, e sem querer exagerar, devo salientar que um insulto que nos e dirigido, curiosamente, é um insulto aos Portugueses. E é também nessa medida, daquilo que nos últimos anos tem sido o trabalho insano de tantos por esse país fora, nas autarquias, nos sindicatos, nas assembleias municipais e de freguesia, nas regiões, por toda a parte e pelas noites dentro a fazer erguer a democracia pedra a pedra, esforço a esforço, não mereciam todos esses portugueses e nós também que o Sr. Primeiro-Ministro nos tratasse como se, afinal, fôssemos uma «coisa» que está aqui por acaso e que talvez não devesse estar, se a correcção fosse outra ou aquela que o Sr. Primeiro-Ministro pretende.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

Teremos ocasião de dizer ao Sr. Presidente da Assembleia da República, neste momento em Estrasburgo, mas, entretanto, pedimos a V. Ex.ª, Sr. Presidente em exercício, que lhe transmita que, em nossa opinião, teria sido conveniente que ele, na qualidade de Presidente deste órgão de soberania, a Assembleia da República, tivesse assumido, oportuna e publicamente, a defesa desta instituição.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

Lamento ter de dizer isto hoje, na ausência do Sr. Presidente, mas todos perceberão que linha mesmo de o fazer.
Lamento que a segunda figura do Estado não tenha achado uma oportunidade para responder institucionalmente àquilo que está plasmado nos registos dessa intervenção do Sr. Primeiro-Ministro.
Concluo a minha intervenção numa perspectiva que não é ofensiva para ninguém. Tem a ver com a democracia em que vivemos, com a consideração mútua, porque não é possível construir o Estado democrático no seu pluralismo e na sua versatilidade, nem modernizar o País, se, culturalmente, estivermos na pré-história da democracia.
Queria que se entendesse a intervenção do Grupo Parlamentar Socialista como um apelo sério e sincero para que estes comportamentos não pudessem ser repetidos.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - É preciso dar o exemplo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Correia Afonso pediu a palavra. Pode dizer-me para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Correia Afonso (PSD): - É para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Queria apenas declarar à Mesa que não aceitamos que o Sr. Deputado Jorge Sampaio se assuma na qualidade de «guardião» da democracia.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Mas é um deles!

O Orador: - Não aceitamos que aqui o Sr. Deputado Jorge Sampaio queira falar em nome da minha bancada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas isso é uma interpelação?!

O Orador: - Finalmente, não aceitamos, como um partido democrático com provas dadas, que o Sr. Deputado pretenda...

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O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Está a dá-las!

Uma voz do PSD: -É esse o vosso comportamento?! É essa a vossa dignidade?

O Orador: - Realmente, essa é uma prova de «democracia»!

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - É exactamente!

O Orador: - Se VV. Ex.as me deixam falar, eu aceito. Se me recusam o direito de falar, ficam com essa responsabilidade.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado, a Mesa deu-lhe o direito de usar da palavra.

O Orador: - Estava eu a dizer, Sr. Presidente, que nós somos um partido democrático com provas dadas e não aceitamos, não obstante o muito respeito que temos pelo Sr. Deputado Jorge Sampaio, que ele -neste momento, que, por contrário, lhe é adverso - nos queira dar lições de democracia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Sampaio (PS):-É para dar esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não pode, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Diga que é para uma interpelação à Mesa!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - É a nossa resposta à figura usada pelo Sr. Deputado Correia Afonso!

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, não quero, numa tarde destas, em que as intervenções são com certeza uma matéria de fundo, intervir agora para levantar uma questão de natureza processual. V. Ex.ª decidirá e eu...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mecanismos regimentais, se os quiser utilizar!...

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Usarei o mecanismo se V. Ex.ª me esclarecer que mecanismo e que figura regimental o Sr. Deputado Correia Afonso usou, porque, em função disso, eu qualifico a figura que devo usar.

Risos gerais.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Correia Afonso produziu uma interpelação à Mesa e foi nesse âmbito que a Mesa lhe concedeu a palavra.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, julgava que V. Ex.ª tinha - e em meu entender bem - sobre as interpelações à Mesa uma interpelação restritiva, mas, como vejo, e porventura muito bem, dada a natureza do debate, que V. Ex.ª teve agora uma interpretação extensiva, também faço uma interpelação à Mesa muito curta para dizer o seguinte: penso que ficou claro na minha intervenção...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

Risos.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Peço desculpa, Sr. Presidente.
Penso que ficou claro na minha intervenção que não estava aqui a pretender dar lições a alguém e muito menos ao meu estimado colega Sr. Deputado Correia Afonso. O que ninguém me pode evitar é a veemência com que defendo o meu protagonismo e o da minha bancada no processo democrático em Portugal.

É só isso, Sr. Presidente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permito-me assinalar a presença nas galerias de grupos de alunos, acompanhados pelos respectivos professores, das Escolas Secundárias de Jácome Raiton, de Tomar, de António Nobre, do Porto, de Tomás Cabreira, de Faro, e da Escola Primária n.º 19 de Lisboa, a quem cumprimentamos e saudamos.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para dirigir algumas palavras à Sr.ª Deputada Odete Santos, solicito à Mesa que, sob a forma de interpelação, me conceda a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Gostaria de salientar a presença da Sr.ª Deputada Odeie Santos, que, pela primeira vez, volta a esta Câmara depois do infaustíssimo acontecimento que a enlutou e a ioda a sua família.
A bancada do CDS, o meu próprio partido e eu próprio não podíamos deixar de manifestar-lhe a nossa total solidariedade na dor e, embora ela não acredite nisso, exprimimos o nosso pensamento: «Que Deus guarde o seu filho!»

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Joaquim Marques.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, em duas palavras e na sequência do que já tivemos oportunidade de transmitir pessoalmente à Sr.ª Deputada Odeie Santos, em nome da bancada do Partido Social-Democrata, quero dizer-lhe que a acompanhamos neste momento difícil e que a nossa solidariedade está com ela.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, muito singelamente, mas também muito sentidamente, gostaria de dizer à Sr.ª Deputada Odete Santos que compreendemos

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muito bem aquilo que é a dor de uma mãe. Pode ter a certeza, Sr.ª Deputada, que a acompanhamos neste momento.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Odete Santos: Naturalmente, é difícil exprimir por palavras a solidariedade que eu, pessoalmente e em nome dos dois deputados da Intervenção Democrática, já lhe transmite, mas não podemos deixar de aqui e neste momento, perante a sua dor, voltar a exprimir-lhe a total solidariedade do Agrupamento Parlamentar da Intervenção Democrática.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, em nome do Partido Renovador Democrático, vimos apresentar-lhe na Assembleia da República, de modo mais formal, pois já tivemos oportunidade de fazê-lo pessoalmente, a nossa mais viva solidariedade, as nossas sentidas condolências. E neste momento mais nada, Sr.ª Deputada.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permitam-me que, em nome da Mesa e da Assembleia da República, acompanhe a solidariedade manifestada à Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero agradecer, fá-lo-ei por escrito, a todos quantos neste momento, independentemente das posições políticas, estiveram comigo solidariamente. De facto, essa solidariedade ajudou-me a suportar momentos extraordinariamente difíceis.
Morreu um jovem de 15 anos e a solidariedade dos jovens da Escola de Setúbal foi uma coisa que também me impressionou extraordinariamente. Da morte deste jovem que era meu filho -e já houve tantas outras mortes... - muito gostaria que todos os jovens deste país tirassem a lição: de facto, muitas vezes a juventude é chamada para uma fúria de viver -a fúria de viver também dos nossos tempos de jovens-, uma fúria de viver que, independentemente agora de considerar as causas da morte, que estão ainda para esclarecer, os leva muitas vezes a determinadas saídas nocturnas sem autorização e contra a vontade dos pais, acabando por encontrar, mesmo que não sejam culpados, o fim de uma vida que nasceu para construir o futuro e não para acabar de uma forma brutal.
Muito obrigada, Srs. Deputados!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Ercília Ribeiro da Silva quer usar da palavra?

A Sr.ª Ercília Ribeiro da Silva (PSD): -Sr. Presidente, se me der licença, pretendo usar da palavra sem invocar qualquer figura regimental, mas penso que e um caso excepcional.

A Sr.ª Ercília Ribeiro da Silva (PSD): -Sr. Presidente, em nome de todas as mulheres sociais-democratas, gostaria de solidarizar-me com a Sr.ª Deputada Odete Santos. Tenho um filho com 18 anos e penso que neste momento nem seria capaz de estar aqui. Por isso, é com grande comoção que me solidarizo com a sua dor.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos na primeira parte do período da ordem do dia.

Estão em aprovação os n.ºs 51 e 52 do Diário, respeitantes, respectivamente, às reuniões plenárias de 11 e 12 de Fevereiro findo.

Pausa.

Uma vez que não há pedidos de palavra, vamos votá-los.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Para dar uma rápida informação, como presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): -Sr. Presidente, pretendo usar da palavra para fazer uma espécie de comunicado, ou de declaração, que é do seguinte teor:

1 - A Comissão de Regimento e Mandatos reuniu em 8 do corrente mês, para além de outros assuntos, apreciar a grave acusação de fraude que, a propósito do seu relatório sobre as propostas de alteração ao Regimento da Assembleia da República, foi feita pelos Srs. Deputados do Partido Comunista Português.
2 - A apreciação deste problema foi levada a cabo com a maior serenidade, no melhor espírito de respeito mútuo e com a lealdade que deve existir em todas as comissões parlamentares.
3 - Dadas as explicações que foram consideradas necessárias, conclui-se que:
a) O presidente da Comissão, ao contrário do que certa imprensa menos bem informada afirmou, nada teve a ver com o que ocorreu;
b) Assinou o relatório que viera proposto pelo coordenador da subcomissão, rubricou o texto do trabalho que o acompanhou e tal como lhe foi apresentado;
c) Não houve, pois, substituição de folhas ou qualquer alteração no texto dos mesmos depois de o relatório ter sido aprovado em comissão;
d) O coordenador da subcomissão, convicto como estava e está de que podia apresentar propostas novas até à reunião da Comissão, introduzira no texto de trabalho algumas propostas de alteração que não haviam sido referidas na subcomissão. Fê-lo na convicção de que esse fora o consenso a que se chegara na subcomissão;
e) Os Srs. Deputados do Partido Comunista Português e de mais bancadas da oposição manifestaram-se convictos, e ainda o estão, de que tais alterações não podiam ter sido feitas por, em seu entender, não ter sido esse o consenso estabelecido na subcomissão;

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f) Esclarecida que foi a questão, os Srs. Deputados do Partido Comunista Português retiraram a sua acusação de fraude.

4 - Esta declaração foi aprovada por unanimidade na Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à segunda parte do período da ordem do dia, com a apreciação dos projectos de lei n.ºs 194/V (PSD), 202/V (PS) e 201/V (PCP), sobre alterações ao artigo 106.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro.
Esclareço, Srs. Deputados, que há uma pequena rectificação a fazer nos tempos disponíveis do PS e do PCP. No boletim informativo os tempos indicados são de dezoito e dezasseis minutos para o PS e PCP, respectivamente, mas, como também são subscritores de uma iniciativa legislativa, têm direito a vinte minutos.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lacão (PS):-Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Tendo em atenção o critério, mais que razoável, da conferência de líderes quanto à distribuição dos tempos que, designadamente, contemplam a possibilidade da intervenção do Governo neste debate e tendo em vista que as iniciativas legislativas visam a alteração de uma lei que teve por base uma proposta governamental, pergunto à Mesa se tem alguma informação quanto à intenção do Governo de se fazer representar neste debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tomar-se-ão as medidas e, em breve, dar-se-á a informação.

O Sr. Deputado José Magalhães pretende ler o relatório da Comissão sobre esta matéria? ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a questão colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão é pertinente, pois trata-se, efectivamente, de matéria que mereceria a presença do Governo.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Orador: - Atrevo-me a sugerir à Mesa o seguinte: O PCP vai solicitar dentro em breve, como já foi comunicado ao Sr. Presidente, o intervalo regimental, porque tem, a partir das 17 horas e 30 minutos, uma conferência de imprensa promovida.
Sr. Presidente, talvez ganhássemos tempo com isso, e não perdêssemos estes quinze minutos, se interrompêssemos desde já a sessão e retomássemos os trabalhos por volta das 18 horas, já com a questão colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão devidamente esclarecida.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, se a Mesa bem percebeu, o PCP vai solicitar o intervalo às 17 horas e 30 minutos.

Se os Srs. Deputados, principalmente os líderes das bancadas, estivessem de acordo, faríamos de imediato o intervalo e recomeçaríamos às 18 horas, tal como foi solicitado pelo PCP.
Relembro que se está a realizar, na Sala D. Maria, a eleição para o Conselho Nacional de Educação e agradeço aos Srs. Deputados que ainda não votaram o favor de o fazerem.
Entretanto, a Mesa vai providenciar no sentido de que o Governo esteja presente no reinicio dos trabalhos, o que terá lugar às 18 horas...
Tem a palavra Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, a bancada do PSD entende que os agenciamentos são para se cumprirem. Portanto, a respeito deste problema, não temos nenhuma oposição especial, mas fazemos já a reserva de que, se o agenciamento não for cumprido até às 20 horas, nos propomos requerer a continuação dos trabalhos para depois do jantar.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia Afonso, refere-se ao agendamento do projecto de lei n.º 194/V?

O Sr. Correia Afonso (PSD): - A tudo o que está agendado para hoje!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é que está também agendada para hoje a lei de enquadramento da promoção da investigação...

O Sr. Correia Afonso (PSD): -Tudo o que está agendado, Sr. Presidente! Se a conferência de líderes agendou, é porque previu ser possível tratar-se. Acho perfeitamente correcto e respeito a circunstância de se fazerem intervalos, mas com a reserva de, se não conseguirmos esgotar a agencia, continuarmos os trabalhos após o jantar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia Afonso, chamo-lhe a atenção para a seguinte situação: a conferência de líderes na última reunião decidiu que, no caso de não serem concluídos os trabalhos para hoje agendados, continuariam na próxima quinta-feira, precisamente de hoje a oito dias. Por isso, a conferência já perspectivava na reunião de ontem a dificuldade de ser cumprida toda a agenda.
Apesar de não ter ficado expresso, pelo menos, isso ficou implícito. Tenho ideia de que há lodo o interesse em que, pelo menos, sejam hoje votados na generalidade os três projectos de lei de alteração ao artigo 106.º da Lei n.º 38/87...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Do acordo, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: -... e que a discussão dos projectos de lei n.ºs 172/V e 199/V passe para a sessão da próxima quinta-feira, embora haja a ideia de entrarmos ainda hoje na discussão dessa matéria.
O Sr. Deputado Correia Afonso, dirá.

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O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, não tenho ideia de que na conferencia de líderes tenha ficado assente o que o Sr. Presidente acabou de dizer.
De qualquer forma, julgo que, quando na reunião de líderes, realizada ontem, se previa a continuação da discussão dos pontos da agenda para uma sessão posterior, era por impossibilidade de hoje a esgotarmos. Ora, não estamos impossibilitados de a esgotar se tivermos a noite para trabalhar.
A Assembleia existe para legislar, e não para intervalar.

Protestos do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos entrar em pedidos de palavras contínuos. Vamos lazer um intervalo de 30 minutos, solicitado pelo PCP, uma vez que é regimental: no entanto, vamos antecipá-lo um pouco e, deste modo, ganhamos tempo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - O PSD, na última reunião plenária, pediu dois intervalos!

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD). - Sr. Presidente, quero deixar muito claro que não me estou a opor a que se faça um intervalo, e um direito regimental. Estou, sim, a admitir, eventualmente, a necessidade de os trabalhos se prolongarem para além das 20 horas.
Não me estou a opor de forma alguma ao intervalo, uma vez que é regimental.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas parecia!
Estava a ver que o PSD queria dois regimentos!

O Sr. Presidente: - Foi isso o que a Mesa compreendeu, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Informo os Srs. Deputados de que a Mesa já deu conhecimento ao Governo dos diplomas que hoje vão ser discutidos.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão na generalidade dos projectos de lei n.ºs 194/V (PSD), 202/V (PS) e 201/V (PCP), sobre alterações ao artigo 106.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa no sentido de saber se o projecto de lei apresentado pelo PSD sofreu alguma alteração posteriormente à sua entrada na Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, neste momento a Mesa não dispõe de dados que permitam afirmar se houve alguma alteração ao projecto de lei n.º 194/V.

O Orador: - Portanto, significa que vamos discutir o projecto inicial.

O Sr. Presidente: - Exactamente!

O Orador: - Sr. Presidente, coloquei a questão porque chegou a surgir a hipótese de haver uma alteração e, por isso, queria saber se tinha sido concretizada ou formalizada.

O Sr. Presidente: - Não foi formalizada, Sr. Deputado
Informo os Srs. Deputados de que deu entrada na Mesa um relatório. Mas, Srs. Deputados, se me permitem, solicito que a sua leitura seja dispensada.

Pausa

Como não há objecções, damos por reproduzido o relatório.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Coelho dos Santos.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais veio estabelecer no seu artigo 106.º que a «admissibilidade de recursos for eleito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi proferida a decisão recorrida».
Esta norma não constitui uma heresia jurídica, como levianamente se tem afirmado, mas sim a consagração legal da posição que desde há muito vem sendo defendida pela doutrina. Assim, o consagrado jurista Prof. Antunes Varela defende no Manual de Processo Civil - e já o defendia antes - que o direito ao recurso nasce com a decisão recorrida, posição que é também a do saudoso Prof. Manuel Andrade, José Alberto dos Reis chegou mesmo a defender que o direito ao recurso só se subjectiva com o acto de interposição desse recurso.
Todavia, a nossa tradição jurídica tem sido no sentido de que a matéria das alçadas é regulada pela lei vigente ao tempo da propositura da acção, tal como o afirmava o artigo 49.º do Estatuto Judiciário de 1944 e o afirmavam variados diplomas.
A nossa tradição legislativa foi sempre, pelo menos há mais de 50 anos, no sentido de que o direito ao recurso, em função das alçadas, se pautava pela alçada vigente à data da propositura da acção.
Esta longa e uniforme tradição jurídica, quebrada abruptamente pelo artigo 106.º da actual Orgânica dos Tribunais Judiciais, foi de molde a criar expectativas que se impõe ter em conta. Daí a apresentação deste projecto de lei por parte do Grupo Parlamentar do PSD, o qual vem estabelecer que o referido artigo 106.º não será de aplicar relativamente às acções pendentes à data de entrada em vigor da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais.
O projecto de lei em causa abre, todavia, uma excepção não se aplica às acções em que ants da sua entrada em

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vigor tenha sido proferida sentença e a mesma haja transitado em julgado. Este é o único ponto polémico do presente projecto de lei. A favor da tese de que o artigo 106.º não será de aplicar a todas as acções pendentes, incluindo aquelas cujas decisões transitaram entretanto em julgado, invoca-se o argumento aliciante - e que à primeira vista me convenceu - da igualdade e da justiça em concreto.
Excluímos, porem, do âmbito da aplicação do presente projecto de lei as acções com sentenças já transitadas em julgado, não pelo facto de a recuperação desses processos ser de molde a perturbar ainda mais o funcionamento dos tribunais - o legislador não se pode ater a razões desta natureza - nem utilizando o argumento de que só terão transitado em julgado as decisões com que se conformou a parte vencida, pois há milhentos processos legais de obstar ao trânsito em julgado de sentenças durante largos meses.
Tomámos esta posição pelo respeito quase mítico que a todos nós inspira o caso julgado, o qual cria expectativas mais sólidas do que qualquer lei sobre alçadas ou recursos. Não será mais gritantemente chocante retirar à parte vencedora as certezas que alcançou sobre o valor definitivo do caso julgado? Pôr em causa o caso julgado pode não constituir uma inconstitucionalidade - e entende-se que o não é -, mas constitui seguramente uma «machadada» profunda na confiança que as leis e os tribunais nos devem merecer.
Um último argumento: o presente projecto de lei tem o alcance prático da declaração de inconstitucionalidade do referido artigo 106.º relativamente às acções pendentes. É muito duvidoso que este artigo 106.º pudesse vir a ser declarado inconstitucional, mas, se o fosse, a declaração de inconstitucionalidade ressalvaria o caso julgado, como impõe o artigo 282.º da Consumição. Não será legítimo invocar o paralelismo?
Por todas estas razões, o Grupo Parlamentar do PSD vai votar este projecto de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Coelho dos Santos, creio que a sua intervenção procura fazer alegações de defesa de uma causa que, apesar de tudo, não me parece merecer esse tipo de tratamento.
A situação é a seguinte: a Assembleia da República, por proposta do Governo e com a votação da bancada do partido que o apoia, aprovou o artigo 106.º, invertendo uma regra que era legalmente constante. Ao fazê-lo, criou uma situação extremamente melindrosa: fez cair ou criou uma sanação propícia à queda administrativa ou, digamos, ope legs, ou seja, legal, de um número indeterminado de recursos. Não sei se V. Ex.ª calculará quantos, mas gostava se saber!
O PSD, tardiamente, uma vez que tinha sido muito advertido para isso, resolveu no decurso de um debate bastante polémico sobre custas judiciais anunciar uma medida salvadora, qual fosse o projecto de lei que depois o Sr. Deputado Correia Alonso, por sua própria voz, leu perante a Câmara. Quando o ouvimos, tivemos a esperança de que fosse o remédio para a «coisa». Mas, Sr. Deputado, a sua intervenção acaba de corroborar que, em homenagem a um certo entendimento do caso julgado, o PSD se fica por «meias tintas» e, portanto, em vez de apagar o mal feito...
Gostava de o ouvir fundamentar um pouco melhor a afirmação de que o diploma, na sua versão originária, não viola a Constituição em relação ao direito de recurso. Gostaria muito de o ouvir sobre essa matéria, uma vez que veiculou o entendimento de que, na sua opinião, o Tribunal Constitucional passaria como «galo por brasas» sobre esta matéria - enfim, inconstitucional não será -, gostava de o ouvir.
Face à gravidade do preceito, o PSD vem dizer «emendemos», mas não o emenda totalmente. Aquilo que o PSD fez, Sr. Deputado, foi criar um caso julgado extrínseco, superveniente, com que as parles não contavam coisíssima alguma, porque conheciam muito bem a regra legal; deu um proveito ilegítimo, indevido, inesperado e injusto a umas tantas partes, quais hajam sido aquelas que não viram do outro lado usar os meios processuais para adiar um trânsito em julgado. Até nisso isto é injusto.
Pergunto se o Sr. Deputado não considera que uma solução de «meias tinas» deste tipo, que não lava o malcriado, acaba por ofender um outro princípio constitucional, com o qual a regra do caso julgado - que, de resto, tem consagração implícita, como sabe - tem de ser compatibilizada, e que é o princípio da igualdade, que é ferido brutalmente através desta regia.
O Sr. Deputado pôde, tal como eu, assistir à entrevista, realizada ontem, entre a 1.ª Comissão e uma delegação da Ordem dos Advogados. Essa delegação, que vinha mandatada pelo respectivo conselho geral, pronunciou-se de forma inequívoca pela reparação total da situação criada, incluindo a anulação do processado, com razões que V. Ex.ª terá ouvido. Parece-lhe que essa razões são nulas e írritas, como parecia resultar da sua intervenção?
São estas as questões que lhe deixo, Sr. Deputado Coelho dos Santos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Coelho dos Santos, há mais um orador inscrito para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Prefiro responder já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, em primeiro lugar, quero dizer que há uma questão que me aflige, que é o problema que no campo jurídico cada vez, tenho menos certezas. Ontem até me inclinei para a posição que é a do PCP e a do PS, no sentido de salvaguardar mesmo as acções que tivessem transitado em julgado. A posição do PSD é em sentido contrário e não tenho repugnância alguma em a defender.
Pensei no problema e devo dizer que há uma questão que me aflige, que é o problema do caso julgado e da força que tem para todos nós. Há uma lei de 1976 ou de 1977 - é a única que conheço na minha vida profissional e suponho que é obra do meu colega de curso Sr. Deputado Almeida Santos - que veio atacar o caso julgado. Discutiu-se muito sobre esta lei, VV. Ex.ªs conhecem-na tão bem como eu, creio que a Comissão Constitucional disse que ela não era inconstitucional, os tribunais disseram que era - o princípio da separação entre os órgãos do poder...
Porém, na verdade e para além de todas estas discussões técnicas, há uma coisa que a profissão me ensinou e que é o seguinte: as pessoas acreditam que quando as acções não

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têm recurso são definitivas. É claro que há um recurso de revisão, mas eu nunca vi nenhum, a não ser nos livros. Contudo, as pessoas acreditam - e acreditam cegamente - que quando uma acção transitou em julgado e a partir daí, do trânsito em julgado, que elas orientam a sua vida. O vencedor considera-se eternamente vencedor e o vencido considera-se eternamente vencido.
Sc vamos acabar com as poucas certezas que temos no mundo do direito, considero extremamente perigoso que não tenhamos meia dúzia de certezas no mundo jurídico. E esta e uma delas! De resto, o Sr. Deputado, repare: quando a Constituição impõe que ao decretar a inconstitucionalidade se ressalva o caso julgado, ela está a impor rigorosamente aquilo que queremos Ia/cr aqui. Ora, nós queremos fazer o seguinte: sem entendermos que o artigo 106.º da Lei n.º 38/87 e inconstitucional - porque entendemos que não e, e posso dizer porquê -, apesar disso, com este projecto de lei, vamos obter os mesmos eleitos práticos que resultariam da declaração de inconstitucionalidade; vamos recuperar todas as acções independentes, menos as transitadas em julgado.
Vou referir um último ponto sobre o problema da inconstitucionalidade do artigo 106.º entendo que os recursos crime se incluem nos direitos e garantias individuais; entendo que o recurso por efeito de alçada não tem nada que ver com os direitos e liberdades individuais. E isto é de tal modo assim que o direito ao recurso cível é alterado aleatoriamente - durante a minha vida foi alterado milhentas vezes e uma acção de 400 contos passou a ser sumaríssima. Ora, isto não dá nem tira direitos fundamentais.
De qualquer modo, o problema da inconstitucionalidade não está aqui em causa.

Vozes do PS D: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Coelho dos Santos, os dois raciocínios básicos da nova proposta do PSD são os seguintes: tecnicamente, a lei está certa pela doutrina que enumerou - os Profs. Antunes Varela, Manuel de Andrade e Alberto dos Reis -, mas, simplesmente, pode haver uma dúvida sobre a inconstitucionalidade. Desde já o PSD dá de barato que pode haver inconstitucionalidade e quer fazer a mesma coisa que faria o Tribunal Constitucional, ou seja, ressalvar o caso julgado e antecipar-se - não era obrigado a isso - ao Tribunal Constitucional para, por via legislativa, resolver esse problema.
Ora, o que esta argumentação me sugere e o seguinte: se o PSD tem tanto respeito pelo caso julgado e pela doutrina fundada, não devia mexer na lei.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Isto é, em homenagem à doutrina devia ir o caso para o Tribunal Constitucional, este dizia «sim» e o PSD dizia «estão a ver, afinal, a oposição não tinha razão». Ora, se o Tribunal Constitucional se manifestasse em sentido contrário, o PSD poderia dizer que tinha feito bem, mas que tinha sido o Tribunal a dizer que a lei é inconstitucional. Ora, todas as pessoas que ganharam com o caso julgado ganharam porque resulta da própria Constituição ganharem, nós não defraudámos essas pessoas, mas, para futuro, é o próprio Tribunal Constitucional quem diz que defraudou os direitos adquiridos que «não eram adquiridos».
Porém, o que não compreendo e que o PSD se intrometa neste processo, queira substituir-se ao Tribunal Constitucional e, ao querer fazê-lo com os mesmos efeitos de uma sentença de um acórdão de inconstitucionalidade, faça injustiças, que pode reparar. Isto é, se o PSD se mete no meio deste processo, é para fazer mais alguma coisa do que o Tribunal Constitucional poderia fazer. Caso contrário, o PSD está, através desta lei, a defraudar as legítimas certezas daquelas pessoas que podiam julgar pela lei que já tinham direito ao caso julgado ou que poderiam vir a ter caso julgado por falta do recurso à face da nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais. Isto é: o PSD tira às partes um direito que elas poderiam vir a ter se não fosse esta lei.
Ora, que vantagem tem a Câmara em aprovar uma lei para agora dividir as pessoas, se elas já interiorizaram a ideia de que não têm recurso? Por que é que o PSD vem dar um recurso que amanhã o Tribunal Constitucional poderia dar? Porque esta tentativa, que, à primeira vista, pode parecer demagógica por parte do PSD, no sentido de se adiantar ao Tribunal Constitucional e não dar nada ou fazer maiores injustiças? Isto é: em relação àquelas pessoas que à face da lei podiam julgar que não há mais recursos, o PSD vem agora tirar esta expectativa. Por outro lado, não vem dar nada àqueles que perderam com o caso julgado. Na balança dos interesses não sei o que é que pesou na consideração do PSD para adoptar esta solução!
Ora, o que gostava de perguntar era o seguinte: a partir do momento em que vamos afastar o Tribunal Constitucional e por via legislativa queremos reparar os danos, não seria melhor reparar esses danos de uma forma mais abrangente? Isto é, não apenas aquela que necessariamente o Tribunal Constitucional viria a satisfazer, mas, já que nos metemos no caminho legislativo, temos faculdade de aumentar a «zona» das pessoas que, legitimamente, se podem aproveitar deste diploma novo que estamos aqui a discutir.
Devo dizer que também eu sou um adorador do caso julgado, aliás, como qualquer jurista e advogado é - mal seria dos advogados e dos juristas se não tivessem esta veneração pelo caso julgado! Mas que caso julgado estamos aqui a ler? Este caso julgado esta ainda com «pomas tremidas»! Isto é, desde o dia em que esta autorização legislativa foi passada sobre a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, estamos a demonstrar perante o País que há alguma coisa mal no caso das alçadas. Toda a comunidade jurídica, juízes, advogados, solicitadores, profissionais do foro, sabem que alguma coisa está mal nesta Lei Orgânica sob o ponto de vista das alçadas e que isto levou o próprio PSD a apresentar esta emenda que hoje estamos aqui a debater. Isto quer dizer que não houve um caso julgado «tranquilo», como aquele que o Sr. Deputado disse, e com toda a razão. Haveria respeito pelo caso julgado se fosse um caso julgado «limpo», indiscutível, que as partes nunca tivessem posto em causa. Porém, desde o dia da aprovação da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais nunca concordámos! Portanto, há uma intranquilidade no meio forense, no meio jurídico, sobre a abrangência deste caso julgado.
Pode-se dizer que a Constituição não distingue entre estes casos julgados «intranquilos» e casos julgados «tranquilos». Se vamos por esse caminho, nada há a fazer.
Temos realmente que emendar a mão e vamos fazê-lo de forma a satisfazer o maior número possível de cidadãos O Sr. Deputado não e sensível a este tipo de argumentação?

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Coelho dos Santos.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, em boa técnica e possível que se pudesse ou devesse ter seguido outro caminho, haver uma norma transitória que regulasse as acções pendentes. Simplesmente, o facto de esta bancada estar atenta ao alarme público causado pela entrada em vigor do artigo 106.º da Lei n.º 38/87 e bom sinal! O que e mau sinal e manter o erro contra tudo!
Aliás, percebe-se bem esta razão. Há uma tradição de 50 anos a que nós, advogados, nos habituámos. Ora, quando há uma tradição, nós julgamos que há um direito, mas às vezes há uma tradição e não há direito nenhum. Porém, entendemos a tradição como um direito e o alarme público vem mais daí do que de outro sítio. A preocupação que houve foi não deixar - não e o problema de ter receio da decisão do Tribunal Constitucional...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - faça lavor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado, isso e exactamente o que eu disse. Quer dizer, este estado de alarme e que enfraquece a força do caso julgado. Desde o momento em que a comunidade jurídica tomou consciência do alarme deixou de haver aquela certeza do caso julgado que haveria caso não houvesse este alarme!

O Orador: - Sr. Deputado, o alarme não é do caso julgado! O alarme foi a mudança abrupta de uma tradição legislativa que tinha 50 anos e que não significa direito nenhum, mas, de qualquer maneira, é uma tradição e cria uma expectativa. Ora, e exactamente para vir de encontro a esse alarme - que, apesar de tudo, tem alguma justificação - que apresentámos este projecto de lei, que tem sempre uma vantagem em relação a uma decisão do Tribunal Constitucional. Isto e feito ao fim de dois ou três meses, não há praticamente acções transitadas em julgado ate ao mês de Março e, se houver, e por inépcia dos advogados.
Portanto, viemos tentar acudir a tempo e evitar situações de injustiça. O facto de incluirmos o caso de julgado e mais um problema de princípio do que um problema de casos concretos, que nem creio que haja. Porém, começaremos a consagrar um princípio que uma única vez encontrei numa lei, encontrá-lo agora uma segunda vez e abalar a fé no caso julgado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E uma sentença noticiada em 15 de Fevereiro?

O Orador: - Em relação a uma sentença notificada em 15 de Fevereiro, pede-se à aclaração em 25 e ainda lá está paia aclaração, ou recorre-se a dizer que é inconstitucional o artigo 106.º Quer dizer, há milhemos processos... todos os advogados sabem que este artigo 106.º devia ser atacado!

O Sr. José Magalhães (PCP): - O problema é esse!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP apresentou um projecto de lei tendente a procurar corrigir e reparar as consequências da aprovação pela bancada governamental de uma nova redacção do já aqui aludido artigo 106.º da Lei n. 38/87, numa questão jurídica que vinha tendo uma solução invariavelmente idêntica ao longo de decénios.
O artigo 106.º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais foi aprovado pela bancada governamental como expressão de uma concepção do acto legislativo e da forma de legislar que, pela nossa parte, recusamos. Trata-se de uma forma autista, auto-suficiente e, acima de tudo, uma forma surda às observações feitas, atempadamente, por aqueles que são também protagonistas do processo legislativo.
O artigo 106.º da lei em questão foi aprovado, apesar de a bancada do PCP ter reiteradamente alertado para as consequências gravíssimas que a sua aprovação teria. Esse processo de alerta pode descrever-se talvez em seis cenas, todas elas passadas na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que passo a explicitar.
A primeira cena é a do debate em que, a título preparatório, ouvimos o Conselho Superior da Magistratura, onde a minha camarada Odete Santos alertou para as gravíssimas consequências da inversão da orientação seguida nesta matéria, tendo o Sr. Conselheiro Vítor Coelho respondido, a terminar, com a prudência que gostaria de assinalar: «A disposição legal inserida no artigo 107.º corresponde àquilo que os nossos lentes ensinam, mas não se identifica com aquilo que as nossas leis, de há uns tempos a esta parte, têm consagrado.»
Precedentemente, a 1.ª Comissão tinha alertado para que há ainda por julgar no Supremo Tribunal de Justiça processos de acções com valor inferior a 80 000$. No entanto, não nos dava uma conclusão determinante.
A segunda cena foi aquela em que, tendo a minha camarada Odete Santos alertado os deputados do PSD para a gravidade desta questão - em termos que a respectiva acta reproduz -, o Sr. Deputado Mário Raposo, em nome da bancada do PSD, sublinhou o seguinte: «Quanto ao artigo 107.º [...]» - que era a numeração precedente - «[...] devo dizer que é um pouco impressionante o argumento aduzido pela Sr.ª Deputada Odete Santos, não quanto ao fundo da questão, mas quanto à prática seguida pelos advogados, até hoje. Por maior que seja o valor da acção, todos nós sabemos que atribuiremos à acção o valor de 400 001$ para ficar mais barato e que o resto será remetido para liquidação e execução da sentença.»
Mais tarde, em debate com o Sr. Ministro da Justiça, tivemos a ocasião de retomar os nossos alertas e o Sr. Ministro da Justiça repetiu - essa acta não está descodificada, mas a seu tempo estará - que recurso;» havia-os a mais, que os tribunais superiores estavam inundados de processos, que era forçoso descongestionar, que dura lex, sed lex e que era preciso aprovar e, portanto, a bancada governamental aprovou.
Mais tarde - e esta é outra cena -, já em Janeiro e feito o mal, aleitámos de novo o Sr. Ministro para a situação criada e foi-nos respondido, sucintamente, que se permitirmos a manutenção da regra antiga, ou seja, se a ela regressássemos, manteríamos os recursos velhos mas impediríamos que os novos fossem apreciados, dado o atraso. Adiantou ainda o Sr. Ministro que os Srs. Deputados têm de perceber que qualquer reforma atinge pessoas, que é preciso, realmente, não violar direitos fundamentais, mas que o artigo 106.º é o artigo 106.º E assim ficámos!

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Devo dizer que, pela nossa parte, lamentamos que esta situação tenha sido criada e lamentamos, acima de tudo, que a bancada governamental insista em adoptar soluções que não só não resolvem como provavelmente vão criar situações de guinde complexidade jurídica, de quase inextrincável complexidade jurídica e que vão obrigar a que o advogados - para quem os possa ter - encetem uma série de diligências que podem atingir o nível do delírio para evitar as consequências mais gravosas do remendo que agora é «botado» nesta roupa que pouco tino tem.
Retomava apenas dois dos aspectos colocados neste debate. O primeiro aspecto - e o mais importante - tem a ver com o artigo 106.º, que gerou casos julgados. Isto é, sem dúvida, um facto! Mas, como já aqui foi sublinhado pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, esse artigo não gerou casos julgados «tranquilos» nem «limpos» - penso que esta expressão e feliz!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dilatórios!

O Orador: - Gerou, sim, um estado de alarme que, melhor do que ninguém, o Sr. Deputado Coelho dos Santos descreveu. Dizia, e com razão, o Sr. Deputado que só há trânsito em julgado se não houver da parte dos interessados, através do seu representante forense, o conjunto de diligências necessárias para evitar que casos desses se verifiquem - caso o tenham conseguido fazer. O Sr. Deputado não nos pode garantir que não há trânsitos em julgado.
A questão que se nos coloca, neste momento, e estar esses casos julgados não são banais, mas são gerados por uma lei reputadamente injusta, tão injusta que vai ser corrigida pelos seus pais - e, portando, uma confissão de abono, uma confissão de péssimo filho. E mais, trata-se de uma lei cuja entrada em vigor é contestada, na prática, pelos meios possíveis e quando possível.
É uma lei que está em apreciação no Tribunal Constitucional, por iniciativa do Sr. Provedor de Justiça, na sequência de petição de um conjunto de prestigiados advogados. Portando, trata-se de uma lei cuja legitimidade é posta em causa, e uma lei a funcionar num terreno pantanoso, é uma lei que - tal como o Sr. Deputado do PSD sublinhou - gerou alarme e esse alarme continua e tem sequelas.
O caso julgado que foi criado e que, quanto ao Sr. Deputado Coelho dos Santos, e um caso «julgadinho» porque é um «rebanhinho» muito pequenino de casos julgados, e classificado pelos técnicos como extrínseco e superveniente. Eu diria que e pior, porque é retroactivo, ou seja, é guiado por uma lei retroactiva. Portanto, é o caso julgado pelo qual não é legítimo ninguém esperar! É o caso julgado não só não esperável como, absolutamente, incogitável à partida.
Suponho que ninguém pensava que a inversão desta tradição fosse para a frente. No entanto, o PSD não teve a sensatez bastante par evitar isso, provavelmente pela fobia de querer descongestionar os tribunais superiores de matéria administrativa, pela fobia de exibir estatísticas da justiça sensacionais que nos desvergonhem, um pouco, perante as instâncias europeias. Mas esta é, por um lado, uma forma péssima e, por outro lado, uma forma suntamente injusta de o fazer.
Creio que vale a pena sublinhar e dar resposta a um argumento que aqui foi usado, que é o de que a Assembleia da República, ao fazer isto, estaria a fazer o mesmo que o Tribunal Constitucional poderia fazer quando viesse a pronunciar-se sobre esta matéria. Este argumento é, quanto a nós, péssimo, por uma razão simples. Primeiro, a própria Constituição excepciona, quanto ao Tribunal Constitucional, certos tipos de casos julgados perante os quais Tribunal tem poder de ultrapassagem. Resta ter o disposto no n.º 3 do artigo 282.º - lê-lo todo e não só o primeiro segmento normativo, Sr. Deputado Licínio Moreira.
Segundo - e mais importante talvez -, o respeita destes casos julgados no caso da Assembleia da República não se coloca, porque a Assembleia da República e o único órgão de soberania que tem a possibilidade de reparar integralmente o mal criado. Devo dizer que se a Assembleia da República criou o mal, o mínimo que pode fazer e desfazê-lo, mas desfazê-lo totalmente e não por metade.
Creio que este juízo e partilhado generalizadamente não só pela bancada do PCP ou do PS - que apresentou soluções no sentido de uma reparação integral - mas também por uma delegação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados que se reuniu ontem com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na sequência de uma carta do Sr. Bastonário que nos foi dirigida e que refere o seguinte:

5 - Perante a proposta da Lei Orgânica dos Tribunais, tomámos posição por escrito e verbal, com especial assento no que vem a ser o artigo 106.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, a período das férias judiciais acabou por ser corrigido, tal como propugnámos, e quanto ao artigo 106.º (aplicação das alçadas aos processos pendentes) suscitámos pelos meios possíveis a declaração da sua inconstitucionalidade, o que não tira que cada advogado nos respectivos processos levante, justamente, a mesma questão até que o Tribunal Constitucional se pronuncie, como é mister.

A opinião é esta recorrer, usando os meios constitucionais
Mas mais, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados está de acordo com a reparação total Concretamente, até se manifestou no sentido de que a solução proposta pelo PS e, do ponto de vista ténico-jurídico, aquela que pode reparar mais rigorosamente os efeitos produzidos.
Creio que esta Câmara não deve ser insensível a esta opinião, que, para além de estar escorada na autoridade que resulta da sua própria fonte, usa argumentos que não vi serem rebatidos pela bancada que não aceite esta forma de alegação.
O maior argumento, ou o argumento adicional que ainda não exprimi, é o de que se os senhores querem, em homenagem às expectativas criadas pela vossa lei, aprovar esta solução por que é que não têm em conta as muitas mais expectativas criadas pela lei anterior que vocês revogaram?
Se temos que sopesar - e o caminho que acabaram de percorrer e o da injustiça - injustiças relativas ao aprovar a lei nova, então que façamos a injustiça menor, não a maior: corrijamos atendendo às expectativas mais substanciais e não a um pequeno número de expectativas que, segundo o Sr. Deputado Coelho do Santos, até não são nenhuma porque os advogados são competentes, porque, as partes conseguiam evitar os casos julgados, etc. O que quer dizer que, no vosso raciocínio, bancada do PSD, estão a sopesar milhares de expectativas com nulas expectativas, o zero contra o infinito e verdadeiramente não percebo que essa ponderação seja feita, a não ser que nada disso seja assim, a não ser que haja alguns casos julgados que vos parecem particularmente importantes e interes-

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ntes, a não ser que haja da parte da vossa bancada alguma coisa que nós não conhecemos e que gostávamos de conhecer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Apaixonar-nos-ia conhecer se há algum aso, alguma causa que mereça tanto afã e uma defesa tão errada e com argumentos tão improfícuos!

O Sr. Licínio Moreira (PSD): - Pode haver da vossa!

O Orador: - Ouvi da boca de alguns da nossa bancada, Sr. Deputado Licínio Moreira, uma vez que isso o agita e inquieta, que há o interesse que manifestámos desde a primeira hora - na hora em que V. Ex.ª estava surdo e nós estávamos falando, enfim, sem grande proveito - em defender uma regra que estava vigente na altura em que milhares de acções foram interpostas.
É essa regra e são esses interesses que nós queremos ver defendidos. Digo isto aqui, à puridade e sem absolutamente nada na manga e gostaria que todos pudessem fazer o mesmo.

O Sr. Licínio Moreira (PSD): - Nunca se sabe!

O Orador: - Concluo, Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República tem hoje nas mãos a possibilidade de fazer uma correcção. A política de soberba, a política de autismo - «pode-se ser tão justo como o Ministro da Justiça, mas não se poder ser mais justo do que o Ministro da Justiça» -, essa política conduz a becos sem saída. Neste caso, pode conduzir a que esta lei, que agora vai ser aprovada, seja objecto de recursos para o Tribunal Constitucional por inconstitucionalidade, por violar o princípio da igualdade e essa situação seria absolutamente péssima e é o mínimo que nós podemos usar como qualificativo.
Pela nossa parte, bancada comunista, estamos disponíveis para considerar todas as soluções que garantam uma reparação adequada. Apresentámos um projecto de lei, esse projecto de lei alerta para muitos destes aspectos que vos procurei transmitir, é um projecto que tem eminentemente a preocupação de que a reparação seja total e de que seja frontal.
É esse o apelo que, no fundo, deixamos a todas as bancadas sem excepção, para que este processo legislativo seja produtivo e justo, e não parcelar e enviesado.

Aplausos ao PCP, do PS, do PRD e da ID.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Antes de fazer uma pergunta muito breve ao Sr. Deputado José Magalhães, queria apenas suscitá-lo para um exercício de memória e lembrá-lo de que aquilo a que ele permanentemente chama «bancada governamental» tem um nome, que e bancada do Partido Social-Democrata.

Aplausos do PSD.

Relativamente ao problema do caso julgado, creio que há aqui a oportunidade em matéria de legislação e de alteração do artigo 106.º de fazer um reparo e é por isso que há aqui um projecto de lei do PSD, mas projecto esse que não avança com ideias como a de distinguir entre caso de julgados «tranquilos» e «intranquilos».
Há, de facto, uma alta contradição na intervenção do Sr. Deputado José Magalhães ao diminuir a ressonância dos casos julgados criados à sombra da lei que se pretende agora revogar, ao mesmo tempo que lhe imputa um estatuto de altíssima gravidade, dizendo que eles resultam da sombra de uma lei que foi retroactiva, injusta e grave.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

A Oradora: - Por um lado, o caso julgado é fraco, é intranquilo, não e um caso julgado como os outros; por outro lado e um caso julgado que nunca devia ter existido, porque existe à sombra de uma lei absurda, grave e injusta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Diz o Sr. Deputado que os casos julgados ficam ressalvados nos termos do artigo 282.º, n.º 3, da Constituição e é preciso lê-lo todo. E é justamente por ler o artigo todo que eu chamo a atenção, de novo, ao Sr. Deputado os casos julgados à sombra de uma lei inconstitucional são casos graves, obviamente, tem de o reconhecer!
A única ressalva que o artigo 282.º, n.º 3, contempla é a ressalva em matéria criminal, em matéria disciplinar, em matéria de direito de mera ordenação social.
Então pergunto-lhe: alguma destas ressalvas tem a ver, efectivamente, com a filosofia das alçadas e com a natureza cível que elas contemplam? E, nesse caso, obviamente que a resposta do Sr. Deputado só pode ser negativa: não tem a ver!
A filosofia das alçadas é uma filosofia ligada à matéria cível, que escapa à ressalva do artigo 282.º, n.º 3, da Constituição.
Ora, se escapa, ponho-lhe a seguinte pergunta: o Sr. Deputado entende que o projecto de lei do PSD - ou qualquer projecto que seja apresentado nesta Câmara - pode ir mais além do que os lei mós em que a própria Constituição impõe ao Tribunal Constitucional que, efectivamente, laça a sua declaração de inconstitucionalidade no caso de as leis serem inconstitucionais, tendo de ressalvar o caso julgado?
Emende que a vinculação do Tribunal Constitucional à Constituição é uma vinculação menos forte ou mais forte do que a nossa, nas vestes dos legisladores, que temos aqui obviamente que assumir?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.ª Deputada Assunção Esteves: V. Ex.ª surpreende-me realmente e surpreende-me em dois aspectos. Por um lado, porque possa entender ou ter entendido que fosse ofensa ou que houvesse intuição de ofensa - política, entenda-se - em relação à alegação de V. Ex.ª se sentar na bancada governamental; na minha, seguramente, não se senta!

Risos.

É obviamente que eu estava a pressupor que, quando se diz governamental, é a bancada que apoia o Governo, ou suponho que apoia o Governo, a esta hora ainda apoia o Governo, portanto, peço-lhe que não se melindre com esta questão, que é um fait divers, é um vocativo e tomarei nota para o seu melindre.

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Em relação à questão fulcral que coloca, surpreende-me um pouco, porque repare: citou o artigo 282.º, n.º 3, da Constituição, para que eu a tinha remetido, ou remetido a sua bancada, mas não pensei que essa «tabuleta» lhe provocasse esse efeito de bloqueamento. É que o artigo 282.º, n.º 3, como reza a epígrafe, aplica-se ao Tribunal Constitucional e aplica-se ao Tribunal Constitucional em determinados termos. Se vir ou rastrear a história do artigo 282.º, n.º 3, poderá ver porque se foi para estes casos de permissão de quebra de caso julgado para salvaguardar os direitos dos réus, dos arguidos ou daqueles que tenham sido atingidos por processo disciplinar ou ilícito de mera ordenação social.
Tratou-se de um elenco reduzido e essencial de casos em que não romper o caso julgado dana uma injustiça perfeitamente clamorosa.
Mas isso foi, por um lado, uma solução, digamos, de extremo para o Tribunal Constitucional, que não e um órgão legislativo, como usualmente se sabe, e o Tribunal Constitucional como tal. Portanto, quando ele se pronuncia sobre uma norma jurídica e declara a sua institucionalidade com força obrigatória geral essa declaração cx. tune, em regra, pode produzir um verdadeiro terramoto jurídico de situações concretas cujo deslindamento pode ser gravíssimo, pode originar a necessidade, se se for por esse caminho, de deslindar contratos do direito civil, os mais abstrusos, relações jurídico-laborais, um «mar» ... e, por isso, o legislador acautelou que o Tribunal não pudesse ir além de determinados limites e respeitar o caso julgado.
Gostava que V. Ex.ª, consultando a Constituição, visse se encontra alguma norma semelhante aplicada à Assembleia da República e verdadeiramente não encontra ...

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado, não encontro uma norma aplicada à Assembleia da República, mas encontro noutros lugares da Constituição as directivas fundamentais de que também o legislador está vinculado à Constituição pelo princípio da constitucionalidade e o artigo 282.º, n.º 3, tem implícito o princípio da salvaguarda do caso julgado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr.- Deputada, o argumento merece realmente resposta: entende o PSD que a consagração constitucional do caso julgado e tão absoluta - como sabe, é implícita - mas entende que, mesmo implícita, e tão absoluta que não comporta excepções e que essa excepção não pode justificar-se dos casos em que uma lei retroactiva tenha violado esse direito fundamental, que e o direito de recurso? Ou o PSD entende que o direito de recurso e um direito de somenos, e um direito secundário, é um direito que não pode sofrer comparação com os direitos dos cidadãos ...?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir porque terminou o tempo, não só do pedido de esclarecimento, mas o tempo global do PCP.

O Orador: - Concluo, Sr. Presidente.
Não encontra na Constituição o mínimo de suporte para essa alegação e, pelo contrário, encontra fundamentos para que o princípio do caso julgado deva ser compatibilizado com outros valores constitucionalmente relevantes, designadamente aqueles que, neste caso, impeçam que por um caso julgado superveniente e extrínseco se lese um direito tão fundamental como o direito de recurso.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, começo a fazer esta minha intervenção sem nenhuma esperança porque já noutro dia coloquei aqui ao Sr. Ministro da Justiça a questão de saber se, em face da proposta apresentada por deputados do PSD, não seria antes de revogar pura e simplesmente o artigo 106.º Matava-se o bicho, matava-se a peçonha!...
Como viram, a resposta foi negam a e negativa continua a ser porque a ausência do Sr. Ministro da Justiça ou de outro membro do Governo significa isso mesmo, não quiseram ser confrontados, pela segunda vez, com a sua falta de razão.
Vou apenas fazer uma demonstração reforçativa da nenhuma razão do Governo e também da pouca razão do Grupo Parlamentar do PSD.
Duas palavras, em especial para o Sr. Deputado Coelho dos Santos, porque e a primeira vez que tenho o prazer de me confrontar com um antigo colega de curso numa Assembleia livre, pela qual ambos lutámos quando implicava coragem lutar por ela É um prazer!
Mas e evidente que isso não lhe confere razão que não tenha. Até lhe digo mais: fiquei com a vaga impressão de que o Sr. Deputado estava, com o bulho possível, a argumentar contra si mesmo e a sua própria convicção. Não vou além desta afirmação, mas ficou-me essa impressão.
Lembrar-lhe-ei uma história do nosso tempo de Coimbra. Quando o Manuel de Andrade, cuja opinião citou, dizia, no decurso de uma lição: «A propósito deste assunto, tive oportunidade de defender um caso no tribunal [...]», havia um ruído na sala e ele dizia: «Perdi, perdi, perdi!» É que o Manuel de Andrade perdia sempre nos tribunais, nunca ganhou.
Portanto, a opinião do Manuel de Andrade - que para mim é sagrado do ponto de vista teórico - não é assim tão respeitável e seguível do ponto de vista da praxe judicial e da prática dos tribunais.
Não tenho presente tudo o que escreveu Manuel de Andrade, mas permito-me duvidar que ele tenha dito isso que o Sr. Deputado Coelho dos Santos disse. Se o Prof. Antunes Varela diz apenas que o direito ao recurso nasce com a decisão recorrida, diz qualquer coisa de óbvio, pois e evidente que nasce, assim como o eleito nasce com a causa. O objecto e a decisão recorrida, o direito dá-se no momento em que tem objecto. É só esse o sentido, não pode ser outro. Nem o Manuel de Andrade, nem o Varela, nem nenhum deles podia ter dito que, em matéria de alçadas, as inovações se aplicam às acções pendentes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Isso eles não disseram, com certeza, e é isso o que está em causa. No fundo o problema é só esse.
O Governo cometeu esse erro de legislar contra uma tradição uniforme do nosso país e que resistiu às monarquias absoluta e constitucional, à 1.ª República, ao salazarismo e, se me permitem, direi também que resistiu à minha Lei Orgânica dos Tribunais, onde lá está o princípio

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de que, em matéria de alçadas, as inovações não se aplicam às acções pendentes. É uma lei nobre, e uma regra nobre, e um princípio salutar.
O actual governo ficará na história por ter sido o primeiro - e talvez um dos muito raros no mundo! - que veio destruir esta regra e, quando colocado perante esse seu erro, não recuou um passo.
O Grupo Parlamentar do PSD, alguns deputados do Grupo Parlamentar do PSD, quiseram deitar a mão ao Governo porque, entretanto, tinha sido arguida a inconstitucionalidade do artigo 106.º da Lei n.º 38/87.
Não vamos discutir se estou ou não de acordo, se há ou não inconstitucionalidade. Acho que pode haver, acho ate legítimo que entendam que não pode haver. Tudo depende, e só, de se saber se o direito ao recurso e ou não um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias. Só isto! Se se entender que sim, há inconstitucionalidade; se se entender que não, não há inconstitucionalidade.
Mas ainda pode haver inconstitucionalidade pela desproporção da fixação do valor da alçada. Se se entender que a correcção do valor da alçada e desproporcionado e que, injustamente, vem retirar direitos que anteriormente existiam, também, por essa via, pode ser declarado inconstitucional.
Vamos partir do princípio de que é apenas injusto, e assim reconheceu-o a bancada do PSD, quando quis corrigir essa injustiça. A proposta do PSD não tem outro significado senão o de reconhecer que havia injustiça e que era preciso corrigi-la. Esqueçamos se era ou não para corrigir a inconstitucionalidade! ...
Mas então, se é assim, por que é que não vai até à correcção da injustiça, indo ate às últimas consequências?
Reconhece a bancada do PSD que uma lei injusta já produziu efeitos. Vamos então, juntamente com os projectos de lei do PS e do PCP, apagar esses efeitos, apagando o processado, tudo se repetindo como se esse erro não tivesse sido cometido, como se essa injustiça não tivesse existido.
Esta e a diferença que nos separa.
O Sr. Deputado Coelho dos Santos pôs a tónica no caso julgado e não disse uma palavra sobre o projecto de lei do PSD. No entanto, é esse que está em causa, porque já sabemos que os nossos vão ser chumbados. O Governo vai chumbar a nossa tentativa de reparação integral dos defeitos de uma lei injusta... ou inconstitucional..., mas não vale a pena estar a discutir isso!...
O que pergunto e se não valia a pena - já que estamos com a «mão na massa» e queremos reparar esses efeitos - tentar reparar todos os efeitos e não apenas por metade. Acho que é possível reparar todos e não me afecta o problema do caso julgado.
Devo dizer que me lembro que o Manuel de Andrade, Coelho dos Santos - já que o invocaste -, também diz que a intangibilidade do caso julgado não se aplica ao julgador; aliás, nunca ninguém defendeu isso. Seria estúpido que o dissesse, porque são configuradas situações em que o legislador pode ter mesmo que andar para irás. As leis retroactivas existem no direito substantivo e no direito processual e, que eu saiba, nunca foram proibidas.
Era bom que se recorresse a elas sem uma rude justificação..., mas temos aqui a justificação: e que há pessoas que intentaram acções na expectativa de que tinham um primeiro tribunal, um segundo tribunal e um terceiro tribunal e, de repente, é-lhes dito: «Perde o sentido porque já só tens um.» Diz a pessoa: «Mas eu julguei que tinha dois ou três! Mas, então, por que é que me tiram essa minha expectativa e esse meu direito?» E é-lhe dito: «Tem paciência!, o Ministro da Justiça emende que e assim. Resigna-te! Sofre e abstémrtc!» Ora, nós não nos resignamos.
Ficará para a acta e para a história que tentámos evitar esta injustiça até às últimas consequências. Se o não conseguirmos, o Governo e o Grupo Parlamentar do PSD assumem as suas responsabilidades, como porventura já assumiram, e assumirão por muitos outros erros.
Mas não esqueçamos o projecto de lei do Grupo Parlamentar do PSD, porque ele e bem o exemplo de como não se deve legislar, de como, em poucas palavras, se podem criar mais problemas do que resolver aqueles que se visa resolver.
Vou fazer uma leitura muito simples do projecto de lei do PSD. É lá dito que «o artigo 106.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, não tem aplicação às acções pendentes, em que haja decisão recorrível ainda não transitada em julgado».
Primeira questão: se houver uma acção pendente em que não haja uma decisão recorrível ainda não transitada em julgado, o artigo 106.º aplica-se. Pois então, meus queridos colegas de Parlamento, o diploma vai-se aplicar a 99 % dos processos pendentes e só tem como âmbito de aplicação os oito dias das decisões cujo prazo estiver a decorrer. Mais nada! Façam a estilística e verificarão que dá qualquer coisa que cabe num bolso de qualquer advogado. Não há mais!
Estou de acordo com o Coelho dos Santos quando diz que os advogados, na expectativa da reparação deste agravo, hão-de ter pedido aclarações, hão-de ter invocado inconstitucionalidades, hão-de ter feito trinta por uma linha e o senhor também teria feito, à espera de que viesse a justiça. E os casos não serão muitos, mas esse punhado encontra aqui a solução. Se houver uma acção pendente em que haja uma decisão recorrível ainda não transitada em julgado, em que haja - não e que venha a haver - uma decisão recorrível ainda não transitada em julgado, o projecto de lei do PSD resolve.
Só não resolve um problema: e que, ao contrário do que julguei que viria a estar, como não está no projecto de lei do PSD um famoso artigo 3.º - que se chegou a anunciar que apareceria com vista a corrigir o projecto de lei do PSD e no qual se dizia que o prazo para esse recurso se contava a partir da entrada em vigor desta lei -, o que vai acontecer e que, se os prazos estiverem em curso e se só faltar um dia para completar o prazo de recurso, ou se interpõe nesse dia ou não se interpõe nunca mais. E se for até ao último dia, tem que ser na última hora e não pode ser no último dia. Isso são disparates monumentais. Desculpem-me, queridos camaradas e colegas de Parlamento, que vos fale assim, mas isto vai ficar para a história como a arte de mal legislar, como a arte de dizer o contrário daquilo que se pretende atingir.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Vou agora fazer uma análise mais pormenorizada.
São referidas «acções pendentes». Pergunto: acções pendentes quando? Acções pendentes à data do artigo 106.º ou à data desta lei? Não se sabe. Tudo depende de aparecer um juiz que diga: «não, não, é uma lei interpretativa e, portanto, quando se diz «acções pendentes», são acções pendentes à data da entrada em vigor da lei interpretada». Isto e perfeitamente lógico! E então, sem quererem, os senhores estão a conseguir aquilo que queríamos sem regulamentar os aspectos da anulação do processo - que contemplamos - e do renascimento do direito do recurso.

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Diz-se também no projecto de lei: «[...] em que haja decisão recorrível». Pergunto: em que haja, tenha havido ou venha a haver? Também não sabemos. Gramaticalmente, a palavra «haja» significa que esteja, que haja, neste momento.
Diz-se ainda no diploma do PSD:«.[...] decisão recorrível». Pergunto: recorrível com base em que alçada? Com base na alçada antiga? Com base na alçada nova? Qual é a alçada pela qual se afere a recorribilidade das decisões em causa?
Gostaria que me respondessem, se forem capazes, por que eu não sou.
Diz-se: «[...] ainda não transitados em julgado». Bom, se isto não se aplica só aquelas pouquinhas cuja decisão já foi proferida, está a decorrer o prazo de oito dias para interpor recurso e aproveitar-se esse prazo ou não se aproveita ..

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor. Aliás, o melhor é que cada um fale sem ser interrompido.
Há pouco também não te interrompi e, depois, dizias de tua justiça!

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Há aqui um artigo 2.º...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Coelho dos Santos, queira desculpar, mas não me apercebi que o Sr. Deputado Almeida Santos tenha permitido a interrupção.

O Orador: - É óbvio, senão eu protestava. No entanto, peço-lhe que o tempo que o Sr. Deputado Coelho dos Santos vai gastar não seja descontado no tempo do meu partido.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Como eu estava a dizer, há aqui um artigo 2º, que diz: «O prazo para a interposição de recurso conta-se, quanto às decisões referidas no artigo anterior, a partir da entrada em vigor da presente lei.»

O Orador: - Peço desculpa, mas, quando diz «há aqui», isso não é verdade. Perguntei à Mesa se tinha sido apresentada alguma proposta de alteração ao projecto de lei original e foi-me respondido que não. Aliás, o próprio Sr. Deputado Coelho dos Santos da sua bancada disse-me que não havia.
Estou a pressupor que essa correcção - que, apesar de tudo, só resolve o problema da contagem do início do prazo...

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Há, há!

O Orador: - Então, se há fica entendido que existe a tal concepção que, até agora, não tomámos em conta. Ainda bem que há! ...
É, então, dito no projecto de lei «[ ..] decisão recorrível ainda não transitada em julgado». Se não tem este âmbito de aplicação ridículo e pequenino, então teríamos que partir do princípio de que nenhuma acção futura transita em julgado e, portanto, isso não tem sentido.
Aqui está o exemplo de um projecto de lei que duas entidades e dois valores condenam ao fracasso. Em primeiro lugar, a gramática, em segundo lugar, o entendimento normal das coisas jurídicas e da vida dos tribunais.
Resta-me agora dizer que não compreendo que o Governo, ou melhor, o Grupo Parlamentar do PSD neste caso, venha trazer-nos uma alteração que, se houver inconstitucionalidade, permite que ela renasça na próxima correcção das alçadas.
Quer dizer, a regra da aplicação das alçadas às decisões não transitadas em julgado renasce quando qualquer dia, por força da inflação, se aumentarem outra vez as alçadas.
Expliquem-me por é que não se resolve, em definitivo, este problema e eu entenderei. Se não me explicarem, então não compreenderei a vossa inactividade e o vosso silêncio! ...
Mas também, em relação ao passado, ou há inconstitucionalidade ou há injustiça. Sc o Tribunal Constitucional entender que há inconstitucionalidade assim entende mas continua a haver, porque a inconstitucionalidade existe em função do passado e não em função do futuro.
Em relação ao passado, se se não corrigirem os efeitos da lei do Governo, obviamente que a inconstitucionalidade subsiste.
Então, qual é a vantagem desta proposta; Não é a de corrigir a inconstitucionalidade ou a injustiça, no nosso entender? Se não é, então não vejo utilidade para ela.
Bom, agora explico por que é que temos um projecto de lei em que vamos ao encontro dessas dificuldades.
O que diz o nosso projecto de lei? Pura e simplesmente, no nosso projecto de lei recuperamos a velha ideia de que as alçadas não se aplicam às acções pendentes, para agora, para o passado e para o futuro. Relativamente ao passado, conferimos, às parles lesadas, porque viram precludido o seu direito de recurso e a sua expectativa ao instaurarem a acção, o direito a poderem recorrer, renascendo o prazo e a pronunciarem-se sobre se acham que e dispensável ou não a anulação do processado. Se não for dispensável, repete-se o processado, sem nenhum prejuízo para alguém.
É que aqui o conflito de valores e entre o direito a um recurso em relação ao qual havia uma expectativa e o direito da parte contrária a que a parte que se lhe opõe não tenha direito de recurso, e entre um direito de recurso e entre o não direito a um recurso. Entre estes dois valores não tenha a menor dúvida de que o legislador nunca poderá hesitar sobrepondo a recuperação de um direito originário a um direito que surgiu por uma lei que ele não podia esperar nunca, porque lhe caiu do céu, e contra a tradição, e contra a justiça, e é contra a normalidade.
Nesta medida, pendamos que o nosso projecto - que até prevê o que há-de acontecer em matéria de custas e em matéria de prazos, pois e pormenorizado a esse ponto -, que leve, como já disse o Sr. Deputado José Magalhães, a aprovação da Ordem dos Advogados, deveria merecer a contemplação do Grupo Parlamentar do PSD.
Mas eu não quero que o Grupo Parlamentar do PSD se pronuncie sobre isto na «quentura» deste debate. O que quero é que percebam que todos os projectos podem trazer algum contributo útil e que, sem prejuízo da celeridade - porque nós compreendemos a celeridade -, baixe à Comissão e que na Comissão discutamos, com tempo, ouvindo quem tivermos de ouvir, o problema do caso julgado - que é um problema legítimo, mas que não tem, a meu ver, a força de obstáculo que o PSD lhe está a atribuir -, e que lá laçamos um diploma que não seja isto que está aqui.
Srs. Deputados do PSD, não deixem que o vosso prestígio fique manchado pelo projecto de lei que aqui apresentam. Isto não e um projecto de lei, isto é qualquer coisa que não resolve nada, que cria mais problemas do que

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aqueles que resolve, escrito em péssimo português, vetado pela gramática e vetado pelo senso jurídico. Não corram esse risco. É isso que vos peço. Se não quiserem, se preferirem incorrer nele mais uma vez, tomando a atitude que tomaram em relação ao Código das Custas Judiciais, assumireis disso a responsabilidade e o futuro responderá por todos nós.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS e da ID.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário Raposo pediu a palavra para que efeito? Para pedir esclarecimentos?

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos: É evidente que a minha preocupação não é a de lavar qualquer mancha que recaia sobre o meu grupo parlamentar. É antes a de contribuir para que se esclareça melhor qual a intenção, qual o propósito determinante deste projecto de lei ou, pelo menos, o que dele se deve depreender.
A ideia foi, fundamentalmente, a de tomar uma posição entre as duas opções que se apresentavam como possíveis. Uma, que era a agora prefigurada, ou apresentada, pelo PS, que visava pura e simplesmente alterar a redacção do artigo 106.º e aplicá-lo, para o futuro e em qualquer circunstância, a todas as acções pendentes; outra, que foi a posição assumida pelo Grupo Parlamentar do PSD, tinha em vista evitar que os cidadãos que tivessem iniciado um percurso judiciário na expectativa de poderem vir, no final, a beneficiar ou a ter a garantia da interposição de um recurso, não ficassem defraudados nessa expectativa.
Estas as duas posições em confronto. Uma mais amplificativa, outra mais limitativa. Esta pretendendo apenas acudir a um transitório conjunto de circunstâncias bem concreto e bem caracterizado.
Compreendo que a forma que foi dada a esse projecto de lei possa ser aperfeiçoada. Isto até porque, conforme afirmou há pouco Sr. Deputado Coelho dos Santos, existe um ulterior texto substitutivo elaborado pelo Grupo Parlamentar do PSD. Portanto, ao que também posso compreender, tudo faz induzir na ideia de que o texto será beneficiável com o exame na especialidade. Este, certamente, processar-se-á com toda a celeridade.
É evidente que o legislador tem de ter duas preocupações fundamentais: primeiro, tem de ser dotado de poder de autoridade. Não apenas de autoridade física ou impositiva, mas de autoridade moral. O legislador tem de criar expectativas de confiança. Não pode um dia dizer uma coisa e meia dúzia de dias depois dizer outra.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Lá isso é verdade!

O Orador: - O Sr. Deputado Almeida Santos e os seus colegas de bancada estão preocupados - e eu até posso compreender essa perspectiva, já que e uma das perspectivas possíveis - com as virtuais agressões às expectativas daqueles que irão iniciar acções judiciais no futuro. Isto porque aqueles que as iniciaram no passado estarão garantidos e salvaguardados pelo projecto de lei do PSD na sua intencionalidade decisiva, melhorada que seja, eventualmente, a sua redacção. O PS, dá prevalência, em termos de futuro e incondicionalmente, a todos aqueles que tenham uma acção pendente. Nós pretendemos criar um dispositivo que permita àqueles que, quando da entrada em vigor da Lei Orgânica dos Tribunais, tinham acções pendentes, não fiquem defraudados na sua expectativa sem que, em alternativa e como efeito perverso de uma solução demasiado ampla, se crie a consequência de novas fontes de insegurança, se gere uma verdadeira hecatombe em relação a todos os processos nos quais, entretanto, já se formaram casos julgados.
Não se trata, portanto, neste momento, de discutir princípios de ordem constitucional ou princípios de ordem processual. Trata-se, antes, de uma questão de bom senso e de uma preocupação de sensibilidade perante os interesses e as expectativas criadas àqueles que já tiverem uma decisão transitada em julgado e que, com base nela tenham constituído determinados pressupostos, tenham tomado determinadas decisões e compromissos, tenham tomado opções que, se prevalecesse o projecto do PS, ficariam verdadeira e irremediavelmente frustrados.
Em síntese - e agradecendo ao Sr. Presidente ter-me permitido terminar a minha intervenção - direi apenas que, com o eventual aperfeiçoamento de forma deste projecto de lei, ajustando a «gramática», - para usar da expressão do Sr. Deputado Almeida Santos- ao propósito subjacente, concluirei que o ponto de vista do Grupo Parlamentar do PSD e o melhor, na medida em que vai ao encontro dos interesses que são mais imediatos e que tem mais a ver com a certeza e com a segurança do direito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães, para pedir esclarecimentos, queria fazer o ponto da situação em relação à matéria que estamos a debater.
A conferência de líderes linha estabelecido as 19 horas e 30 minutos para fazermos a votação na generalidade destes três projectos de lei. Já não há hipótese para isso, uma vez que são agora 19 horas e 45 minutos. Há no entanto acordo dos partidos para acabarmos o debate. Há apenas uma inscrição para intervenção, a do Sr. Deputado Narana Coissoró, do CDS, e, no final, faremos a votação, na generalidade, dos três projectos de lei. Apelava, portanto, aos Srs. Deputados para que se mantivessem na Sala.
O Sr. Deputado Correia Afonso pretende usar da palavra para que fim?

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, uso neste momento a figura da interpretação porque V. Ex.ª acabou da fazer um apelo aos Srs. Deputados para que não abandonassem a Sala.
Queria dizer que não só estou de acordo em que continuem os trabalhos como vou requerer que os trabalhos continuem depois do jantar, para se completar a agenda.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, se pede a palavra para interpelar a Mesa relativamente ao que o Sr. Deputado Correia Afonso acabou de referir, tem a palavra.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, lamento não estar de acordo com a sugestão do Sr. Deputado Correia Afonso e, sob a forma de interpelação à Mesa, queria

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colocar a questão de que os grupos parlamentares, para alem da actividade no plenário, terem outras iniciativas, por vezes extraparlamentares, no sentido estrito da palavra.
É o que ocorre hoje com uma iniciativa já marcada por parte do meu grupo parlamentar e que não tem condições para ser adiada. Uma razão que, penso, deve merecer a ponderação bastante por parle do Grupo Parlamentar do PSD.
Para além disso, os projectos que temos estado a discutir relativamente à alteração do artigo 106.9 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais foi um agendamento feito a partir de uma iniciativa tomada por unanimidade da 1.ª Comissão, que sensibilizou para o efeito a conferencias de líderes, tendo em vista a alta necessidade de procurar resolver um problema, problema esse que resultou daquilo que afinal temos visto aqui, ou seja, de um erro governamental e da maioria que o apoia.
Significa portanto que houve, por parte dos partidos da oposição, uma total disponibilidade para agendar, com urgência, uma matéria do interesse da maioria em ser corrigida. Não faz sentido que agora o PSD, em nome da própria benevolência que encontrou nos demais partidos, procure violentar os nossos trabalhos no sentido de impor uma regra de funcionamento para hoje que não estava minimamente prevista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação à Mesa tem dois sentidos. O primeiro, para solicitar ao Sr. Presidente que desse conhecimento à Câmara do acordo ontem estabelecido na conferência de líderes quanto à matéria constante da agenda de trabalhos e à possibilidade de essa matéria poder transitar para a sessão do próximo dia 17, uma vez que, como se sabe, foi retirada pelo Governo uma proposta de lei, o que veio libertar tempo para intervenção no dia 17.
Esta minha interpelação também comporia um segundo aspecto, que é o de informar a Mesa - e por via desta informar o Sr. Deputado Correia Alonso - que também nós temos prevista há bastante tempo uma actividade para esta noite e que, concretamente, e uma reunião do nosso grupo parlamentar. A alterarem-se, neste momento, as condições de funcionamento da Assembleia, ir-se-ia frustrar uma expectativa que iodos criámos, designadamente depois do acordo que ontem foi estabelecido em conferência de líderes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, já há pouco tive a oportunidade de dar a informação à Assembleia de qual a decisão tomada em conferência de líderes relativamente aos dois projectos de lei que se seguem e que estavam agendados para hoje.
A decisão tomada em conferência foi a de que a continuação do debate se fizesse de hoje a oito dias. Esta decisão consta da súmula n.º 31.
Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Alonso (PSD): - Sr. Presidente, sou sensível aos compromissos assumidos pelos restantes grupos parlamentares, mas se não pudermos recomeçar os nossos trabalhos às 22 horas recomeçaremos às 23 horas. Se, mesmo assim, não for tempo suficiente, recomeçaremos às 23 e 30 minutos, mas, como a Assembleia da República, temos todos que cumprir os compromissos assumidos.
Os comprimisses que são assumidos por consenso na conferência de líderes não são para ser desprezados depois em Plenário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia Afonso, queira V. Ex.ª desculpar, mas o que foi assumido por consenso em conferência de líderes não foi matéria diversa.
A conferência de líderes perspectivou logo que a matéria que estava agendada para hoje relativa a investigação científica poderia passar para o período da ordem do dia da sessão plenária do dia 17.
Foi isto o que foi decidido.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - O que ficou assente e que se poderia continuar esse debate no dia 17 e não começá-lo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia Afonso, também se poderá iniciar o debate agora e cinco minutos depois interrompê-lo para ser continuado dia 17 e, se for só por causa desse preciosismo, não vale a pena voltarmos cá às 23 horas e 30 minutos.
No entanto, o requerimento será feito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, desejo esclarecer a Assembleia de que o CDS não tem qualquer compromisso para esta noite, a não ser o que poder à resultar da necessidade de fazer o seu trabalho na Assembleia da República.
Mas, Sr. Deputado Correia Afonso, também temos de considerar que os deputados têm de programar e perspectivar os seus trabalhos com o mínimo de certeza.
A questão que, neste momento, está em causa é não só a de respeitar compromissos e agendamentos que o grupos parlamentares têm - e esse respeito faz parte da tradição da Assembleia - como também a de respeitar o que foi combinado em conferência de líderes.
E o que foi combinado em conferência de líderes - V. Ex.ª confirmará ou não - foi que, em benefício desta discussão, e dada a perspectiva de se abrir o dia 17 para incluir o resto da agenda, se prejudicasse o que eslava inicialmente agendado para hoje.
É esse o apelo que faço ao Sr. Deputado Correia Afonso, que recorde o que se combinou em conferência de líderes e que não se abra uma questão sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, sem qualquer tipo de crispação, e através da Mesa da Assembleia da República, gostaria de recordar ao PSD que não pomos objecções à possibilidade de voltarmos ao Plenário depois de jantar.
O que poderá acontecer é que voltemos a unia hora que, certamente, não será antes das 0 horas e 30 minutos ou mesmo 1 da manhã.
Se os Srs. Deputados assim o entenderem, não será pelo Grupo Parlamentar do PCP que a Assembleia da República deixará de funcionar esta noite.

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No entanto, Sr. Presidente, penso que isso iria obstaculizar a produção legislativa do dia de amanhã e creio que não ganhamos em estar a tentar atropelar determinado tipo de debates e de intervenções.
Portanto, apelando a uma cena ponderação, a um certo entendimento e a um certo consenso que tem marcado este nosso funcionamento parlamentar, sugiro que continuemos a discussão da matéria, tentemos acabá-la o mais depressa possível e que amanhã se retomem os nossos trabalhos na devida hora parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, depois da interpelação à Mesa que tive oportunidade de fazer, ouvimos uma insistência por parte do líder da bancada do PSD, Sr. Deputado Correia Afonso, no sentido do retorno dos deputados ao Plenário ainda hoje e por volta das 23 horas.
Suponho que o Sr. Deputado Correia Afonso estaria no conhecimento de que os deputados do Partido Socialista estão esta noite envolvidos num acto comemorativo da eleição do Sr. Presidente da República, iniciativa que autonomamente entenderam tomar por adequada.
Dá-me agora a ideia de que, eventualmente, o Sr. Deputado Correia Afonso está um pouco na intenção de prejudicar o alcance destas comemorações.
Para que se demonstre que assim não é e para que não nos fique esta suspeita, agradeço ao Sr. Deputado Correia Afonso que repondere os termos da sua proposta e abondone a sua intenção de voltarmos hoje aos trabalhos parlamentares após o debate sobre o diploma que estamos a tratar neste momento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, só o resino que devo ao Sr. Presidente da República e que me impede de aceitar o desafio que neste momento me é feito pelo Sr. Deputado Jorge Lacão.
Efectivamente, embora o muito respeito que tenho pelo Sr. Deputado, acho de muito mau gosto que diga nesta Assembleia que eu alguma vez tenha querido impedir alguma comemoração ou homenagem ao Sr. Presidente da República.

Aplausos do PSD.

Não fosse o respeito que me 6 devido a essa personalidade, não tenha dúvidas, Sr. Deputado Jorge Lacão, de que hoje à noite estaríamos aqui.
Não sabia que havia qualquer homenagem, caso contrário, não teria insistido em que voltássemos aqui hoje à noite.
De qualquer forma, Sr. Presidente, quero deixar muito claro que, apesar de o Grupo Parlamentar do PSD não querer que haja trabalhos hoje à noite, e necessário que esta Assembleia fique sabendo que nas próximas semanas temos de dar cumprimento ao que for agendado e que, se for necessário trabalhar à noite, requere-lo-emos.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Foi dada uma ordem!

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Almeida Santos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, a quem peço desculpa por só agora lhe conceder a palavra.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, enquanto V. Ex.ª e eu nos preparamos para as tarefas acelerativas anunciadas pelo Sr. Deputado Correia Afonso, gostaria de lhe colocar algumas questões.
Ontem na comissão o Sr. Deputado Montai vão Machado teve ocasião de sublinhar que talvez fosse mais preocupante que ficassem defraudadas as expectativas dos que tinham direito ao recurso mal truncado do que as dos outros e que a anulação do processado talvez não desse problemas excessivos.
Sr. Deputado Almeida Santos, partilha dessa opinião ou tem uma opinião diversa? Como é que vê esta questão?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos, que dispõe de quatro minutos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Mário Raposo, respondendo às questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado Mário Raposo - as quais lhe agradeço -, direi que nunca duvidei da sua intenção pessoal, mas, quando discutimos diplomas, temos de o fazer à base de intenção que ressalta do texto dos próprios projectos.
Neste momento o projecto de lei libertou-se da pessoa do Sr. Deputado Mário Raposo e vale o que vale. Não se trata, portanto, de apreciar a intenção do Sr. Deputado, nem a do seu grupo pai lamentar, mas sim de apreciar o projecto.

Pausa.

Dizem-me que o Sr. Deputado Mário Raposo não me está a ouvir, mas eu gostaria que a minha resposta pudesse ter alguma utilidade, chegando até ao seu ouvido.
O Sr. Deputado disse existirem duas opções uma das quais é a da alteração do artigo 106.º para o futuro; a segunda, a da sua não alteração para o futuro.
Não são só essas as opções existentes.
Queremos que se corrija o artigo 106.º para o futuro, mas também queremos que se o corrija para o passado.
Portanto, a nossa tese é mais completa, a nossa solução é mais integral.
Por outro lado, disse o Sr. Deputado que o PSD visa evitar que cidadãos com expectativas de recurso ficassem defraudados. Não o evita! Porque havia e haverá muita gente com expectativas de poder recorrer e a alteração das alçadas, com efeito imediato, retirou-lhes esse direito, pôs fim a essas expectativas.
Portanto, o projecto de lei do PSD não resolve este problema senão naquele prazo mínimo - que o Sr. Deputado Mário Raposo não ouviu porque não estava cá -, que é o prazo máximo de uma semana.
Se isso dá satisfação ao Sr. Deputado Mário Raposo, se a sua intenção ou a do seu grupo parlamentar não e mais ambiciosa do que isso, pois esse efeito vai com certeza consegui-lo.
Diz o Sr. Deputado que o projecto pode ser aperfeiçoado. Mas, se assim é, por que e que não vamos discutir os aperfeiçoamentos dos ires projectos e vamos fazê-lo apenas relativamente a um deles?
Necessariamente que o Grupo Pai lamentar do PSD não fica vinculado a nenhuma das propostas constantes dos restantes projectos, mas esses vaiem como contributos que são para se encontrar uma solução global, se ela se revelar possível.

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Creio que não é impossível convencer o Sr. Deputado Mário Raposo de que o caso julgado não e aqui um valor superior ao direito de recurso, cuja expectativa foi defraudada com a entrada imediata em vigor do artigo 106.º São dois valores. Não tenho dúvidas de que o segundo vale mais que o primeiro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E é isso que diz a Constituição. Como em parte alguma a Constituição diz que o caso julgado é intangível em caso algum, prevê antes caso de tangibilidade de alteração, necessariamente que um direito que apenas é implícito, não explícito, tem de ceder perante outro direito que, para alem de explícito, em meu entender, tem mais valor e e mais forte que o outro direito.
Por outro lado, afirmou o Sr. Deputado que há um efeito perverso.
Nunca o vi defendido em parte nenhuma. Com efeito, não o defendeu a Comissão Constitucional não o defenderam os Profs. Manuel de Andrade ou Eduardo Correia, quando este membro da Comissão Constitucional, não o defende o Prof. Jorge Miranda e não o defendeu a maior parte dos juristas da Comissão Constitucional, alguns dos quais estão hoje no Tribunal Constitucional. Na verdade, não defenderam - nem podem - que a intangibilidade do caso julgado trava o legislador.
A referida intangibilidade trava, isso sim, os tribunais - fora as excepções contadas -, trava o Tribunal Constitucional em matéria não penal, mas, efectivamente, não trava o legislador.
Sempre assim foi, e ainda bem que assim é. Isto porque são configuráveis casos tão ou mais graves do que este, em que a única solução é mesmo a de anular o processado - não há outra.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Já agora aproveito para dizer ao Sr. Deputado Coelho dos Santos que aquela lei de 1975 que refere por acaso não é minha. Com efeito, fiz muitas más, mas não fiz todas as más.
Por outro lado, disse o Sr. Deputado Mário Raposo que esta era uma questão de bom senso. Também acho, Sr. Deputado. Só que penso igualmente que, neste caso, quer o Governo quer o Grupo Parlamentar do PSD, não estão a ser sensatos.
O Sr. Deputado afirmou também que o seu projecto era o melhor dos três. Sr. Deputado, faço-lhe um pequeno desafio: aprove-o tal como está. Se o Grupo Parlamentar do PSD for capaz de, aqui ou em comissão especializada, aprovar este projecto tal como está, preparem-se para um dos mais belos imbróglios legislativos de todos os tempos - garanto que isso vai ser um espectáculo e um festival.
Quanto ao afirmado pelo Sr. Deputado José Magalhães, é verdade que isso se passou e já de algum modo o responda.
É evidente que a expectativa do titular do direito ao recurso só deve, em meu entender, sobrepor-se à expectativa de um caso julgado que nasce de uma lei injusta, em relação à qual não existia essa expectativa, porque não podia existir na sequência de uma tradição que direi secular.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, foram feitas várias alusões durante o debate, designadamente por parte do Sr. Deputado Almeida Santos - creio que não só na minha bancada nos interrogávamos sobre isso -, quanto ao que esteja pendente na Mesa.
É que se há uma primeira versão do projecto do PSD, da qual fui relator - embora chegasse também a ser apontado relator da segunda versão desse projecto, que não chegou a ver aprovado um parecer de generalidade na comissão -, há, ao que parece, uma terceira versão desse projecto de lei. Aliás, não sei se há até uma quarta versão, que foi a aludida pelo Sr. Deputado Coelho dos Santos na sua intervenção.
Assim, uma vez que vamos ter de fazer a votação e uma vez que a defesa proferida pela bancada do PSD foi, tanto quanto percebi, a da terceira versão - o Sr. Deputado Almeida Santos criticou a primeira -, penso que será bastante importante clarificar a questão.
Portanto, visto que isto pode ser, pelo menos, confuso, gostaria que a Câmara fosse esclarecida sobre se há três versões do projecto ou se, afinal, de contas, estamos a discutir a primeira versão, que é única. É que, Sr. Presidente, se fosse esse o caso, tal seria extremamente grave.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que será muito fácil esclarecer esse ponto. Efectivamente, o projecto de lei que está na posse da Mesa é o que se encontra presentemente em discussão e sobre o qual irá recair a votação.
No entanto, para melhor clarificar esta questão, passarei a ter o supramencionado projecto de diploma. Diz o seguinte:

Artigo 1.º O artigo 106.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, não tem aplicação às acções pendentes em que haja decisão recorrível anula não transitada em julgado.
Art. 2.º O presente diploma entra imediatamente em vigor.

Este projecto de lei tem data de 23 de Fevereiro de 1988 Srs. Deputados, é apenas isto que a Mesa tem.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

Pausa

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, vejo o Sr. Deputado Mário Raposo a preparar-se para interpelar a Mesa e creio que ele poderá esclarecer cabalmente que existem, pelo menos, três versões do projecto de lei do PSD.
O Sr. Deputado Correria Afonso não o saberá, mas isso até poderá acontecer a um chefe ...

Risos do PCP e do PS

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado, o chefe e sempre o último a saber!

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O Sr. Presidente: - Na verdade, o Sr. Deputado Mário Raposo já tinha feito sinal à Mesa para pedir a palavra. Tem então a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, queria esclarecer que não sei exactamente quantos projectos há. Depreendo, no entanto, que houve tentativas de encontrar uma melhor solução formal e sem apego a redacção definitiva.
O Sr. Deputado Almeida Santos, que normalmente brilha pela forma, quis aqui que desbrilhássemos pela não forma. No entanto, estaremos receptivos a encontrar uma forma melhor, desde que corresponda à essência que acabei de transmitir aos Srs. Deputados.
Evidentemente, ninguém quis criar um diploma para valer durante oito dias - essa é uma hipótese caricatural que ninguém poderá conceber. Aliás, se isso se poderá extrair do texto que existe na Mesa, é óbvio que se trata de um efeito «não querido», em todas as possíveis acepções do termo.
Portanto, o que sugiro - embora, como e evidente, tal não dependa de mim - é que o texto seja aprovado na generalidade e que depois seja aperfeiçoado em sede de especialidade.
O que também digo ao Sr. Deputado Almeida Santos e a todos os Srs. Deputados e que entre os dois valores - caso julgado e manutenção de expectativas criadas com base em casos julgados - este e muito mais concreto.
Durante este período de vigência da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais houve uma série de acções - obviamente, não sei quantas- que terminaram, que findaram e com base nas quais as pessoas organizaram a sua vida, na crença de que, de facto, a lei «falava verdade».
Ora, nós irmos agora dizer que não, que a lei não falou verdade, que nós é que vamos agora pôr a verdade na boca da lei, e um mau efeito.
É, insisto, um efeito perverso. Aliás, é precisamente a este efeito que o PSD, querendo corrigir o defeito inicial, quer acudir, com os objectivos de que dei conta aos Srs. Deputados.
Assim, creio que se encontra bem definido o pensamento da bancada do PSD, e creio também, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que tudo aquilo que se possa dizer em contrário - que vale apenas por oito dias ou que tem defeitos de forma - traduz-se, na realidade, no hipotizar um caso pré-julgado, que se sabe de antemão não ter qualquer valor. Trata-se de um texto provisório, que, necessariamente, poderá ser retocado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, às interpelações do tipo da que o Sr. Deputado Mário Raposo acaba de fazer é muito difícil a Mesa responder.
A única coisa que posso dizer e que vamos votar o projecto de lei que está, e não o que não está, isto é, este que acabei de ler.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, devido àquilo que V. Ex.ª acaba de observar, não posso deixar de interpelar a Mesa, aliás em correlação com o que foi declarado pelo Sr. Deputado Mário Raposo. Talvez mesmo só o Sr. Deputado Correia Afonso possa salvar a situação. É que, Sr. Presidente, nós não podemos votar essências.
O Sr. Deputado Mário Raposo acaba de dizer que a essência do projecto está contida no frasco da primeira ... Não pode ser! Contudo, já conheço o segundo frasco, isto é o segundo projecto de lei.
Essa segunda versão não seria talvez aquela que o PSD entende que deve ser submetida à votação na generalidade? Isto para não nos forçar a votar um projecto que ele próprio repudia. Já não e bem a criança que vos parece razoável, não é assim?
Sr. Presidente, creio que seria bom clarificar esta questão, para que não sejamos forçados a votar uma essência que não podemos e um projecto de lei repudiado pela própria bancada do PSD.

O Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados já se deverão ter apercebido, estas intervenções nada têm que ver com o Regimento. Porém, trata-se de uma questão que imporia seja clarificada.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, após ter sido chamado de salvador pelo PCP, fiquei um pouco embaraçado, mas, com certeza, não deixo de aparecer.

Risos do PSD.

Creio que há uma pequena confusão, mas que será fácil de esclarecer.

Confesso que não acompanhei a leitura que o Sr. Presidente fez há pouco do texto do projecto de lei n.º 194/V. Porém, julgo que tem três artigos ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não, essa e a segunda versão!

O Sr. Presidente: - Na realidade, Sr. Deputado Correia Afonso, o projecto de lei que temos na Mesa e que vai ser submetido a votação tem apenas dois artigos.

Pausa.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, o documento que tem à sua frente tem, no seu final, a minha assinatura e a do Sr. Deputado Mário Raposo, não é verdade?

O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - E depois esta redacção foi, na 1.ª Comissão, composta, melhorada, perfeccionada, existindo outro texto, que julgo ser o da própria Comissão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Correia Afonso está a aludir, reiteradamente, àquilo a que chamei uma segunda versão do projecto de lei do PSD, resultante de uma proposta de substituição global do texto que foi entregue por alguns Srs. Deputados do PSD na 1.ª Comissão.

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Tal proposta foi-me distribuída para relatar e chegou a ter um parecer projectado. No entanto, tal parecer nunca chegou a ser discutido e aprovado na Comissão.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, talvez possa neste momento ser eu o salvador da confusão se for capaz.
Havia o primeiro projecto, foi entregue à Mesa e baixou à 1.ª Comissão e, em resultado das críticas da 1.ª Comissão, foi encarregado ali informalmente pelo Sr. Presidente da Comissão o Sr. Deputado Coelho dos Santos de elaborar umas correcções ao primeiro projecto.
O Sr. Deputado Coelho dos Santos elaborou essas correcções, que não chegaram a ser discutidas novamente na Comissão pela simples razão de que alguém - não sei quem - entendeu que não valia a pena formalizar essa segunda versão. Há pouco, quando cheguei, perguntei ao Sr. Presidente se iríamos discutir a versão que foi entregue na Mesa e o Sr. Presidente disse-me que só linha essa versão. Começamos a discutir na base dessa versão, mas a meio da discussão, quando surgiu o problema da necessidade de nesse diploma se regulamentar novamente o início do prazo, o Sr. Deputado Coelho dos Santos, que estava nesse momento a liderar os trabalhos, levantou-se e disse: não, há um artigo 3.º, que e aquele que foi aprovado .... ele., etc. A partir daí, de boa fé demos por assente que esse artigo 3.º fazia parte do projecto que estávamos a discutir.
Se o PCP e os outros partidos não se opuserem, consideramos que o que foi discutido foi-o na base do projecto original, com o artigo 2.º, que e aquele que foi referido pelo Sr. Deputado Coelho dos Santos, relativo ao início do prazo, e com um artigo 3.º, que é o artigo 2.º sobre a entrada em vigor do diploma. Penso que isto simplifica, pois se vamos ficar a discutir ale amanhã de manhã, nunca mais daqui saímos.
Outra solução será aprovar-se ou não e votar-se o primeiro texto e as alterações que houver a introduzir introduzirem-se em comissão. Qualquer destas soluções nos sei vê. Se o PSD valida o segundo projecto com o tal artigo, estamos de acordo; se o PSD prefere validar o primeiro e introduzir esse artigo em sede de comissão, também estamos de acordo, pois nada disso resolve os problemas fundamentais que estão em causa.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

a Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho ideia de que a segunda hipótese colocada pelo Sr. Deputado Almeida Santos e aquela que, mesmo do ponto de vista regimental, e a mais consentânea e que será a de aprovar-se este texto e em sede de comissão serem feitas as alterações que entenderem por bem fazer.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, na realidade e para todos os efeitos, da parte do PSD, os deputados, em geral, têm um texto que é o projecto de lei n.º 194/V, com dois artigos.
Sr. Presidente, parece-me um mau princípio que passemos a aprovar na generalidade textos que não conhecemos, textos que correspondem a intenções declaradas pelos deputados da bancada A ou da bancada B na perspectiva de os alterar na especialidade. Pensamos que é um mau princípio, é uma entorse que fazemos aos métodos de actuação da Assembleia e, portanto, gostaria que isso fosse ponderado, designadamente com vista a proporcionar que possamos votar qualquer coisa de diferente, de acordo com a própria intenção do Sr. Deputado Correia Afonso, como porta-voz da sua bancada, isto é, que possamos votar um texto vosso diferente deste. Porque este texto já não corresponde à vossa vontade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Realmente há duas hipóteses possíveis. Considera-se o texto que aí está, e só agora me apercebo que foi realmente o texto que se chegou à conclusão de que não correspondia, como disse, ao pensamento do Grupo Parlamentar do PSD. Como esse texto não corresponde a esse pensamento, pode permitir-se a sua rectificação material, portanto não é uma substituição de uma proposta de lei, mas uma rectificação meramente material. A outra solução será aquela que o Sr. Presidente sugeriu e que ia no sentido de aprovar-se na generalidade, de antemão, com a certeza de que será depois rectificado em sede de comissão, pois já se sabe perfeitamente qual é o ponto de vista do PSD acerca desta matéria.
Suponho que não há um drama, nem uma subversão, nem uma tremenda transcendência neste problema. Houve um texto que, inadvertidamente, não foi substituído, e todos ficámos convencidos de que seria entregue o texto sucedâneo ou substitutivo, mas agora chegou-se à conclusão de que não foi entregue. Portanto, ou o Sr. Presidente e o Srs. Deputados admitem que o texto seja rectificado por ter existido um lapso material ou se aprova na generalidade e depois há essa melhoria ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Raposo, não haverá possibilidade, o PSD o dirá, de que se laça - a Mesa está disposta a aceitar - uma nova versão, porque isto pode ser possível, uma nova versão deste projecto de lei, e entregá-lo agora na Mesa, porque este também demorou cinco minutos a fazer e, se já têm a nova versão, são mais ...

Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, isso já é com a direcção do meu grupo parlamentar, já não e comigo ...

O Sr. Presidente: - Aproveitei a fala do Sr. Deputado, mas eslava, na verdade, a olhar para a primeira fila
Tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.

Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que estamos um pouco a discutir o sexo dos anjos. Já se explicou que, realmente, foi o texto original que foi votado e apreciado em sede de comissão; entretanto, em sede de comissão apareceu também este texto da segunda versão, que não obteve depois todo aquele processo que formalmente o poderia estabelecer como substituição e emenda a esse projecto.
Em todo o caso, a minha bancada - exactamente porque se compreende e é evidente que é perfeitamente possível fazer a conciliação dos dois textos em sede de comissão - aceita perfeitamente que se vote agora o

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texto original e depois, em sede de comissão serão introduzidas as propostas que estavam já contidas no papel, ainda sem assinalaras, mas já votado em sede de comissão. Penso, portanto, que podemos votar esse texto original, porque também já temos elaborado um requerimento para baixar à Comissão.

O Sr. Presidente: - O Sr. José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é para exprimir a nossa posição sobre a questão que acaba de ser suscitada pelo Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.
Há pouco, numa troca de impressões com o Sr. Deputado Correia Afonso, tinha aventado, em nome da minha bancada, que não se seguisse o procedimento que acaba de ser sugerido pelo Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida e por uma razão simples: o projecto e do PSD, mas o projecto vai ser votado pela Assembleia da República e, portanto, as diversas bancadas vão ter que se pronunciar sobre ele.
Ser-nos-ia bastante penoso termos que exprimir o nosso voto em relação a uma versão - que é substituível - do texto que os próprios autores consideram que não exprime rigorosamente aquilo que é o seu estado de pensamento, porque ate devo dizer que a primeira versão, em bom rigor, deveria ser objecto do nosso voto contra, e nós não queremos ter que votar contra uma iniciativa que mitiga, porque gostaríamos que ele fosse o melhor possível. Portanto, não nos obriguem a uma posição de voto distorcida por não uso de uma faculdade regimental que tem, que demora X minutos, enquanto o debate prossegue.
Com eleito, nós propomos - e fazemos este apelo à bancada do PSD - que formalizem aquilo que é um estádio mais razoável do nosso pensamento, uma segunda versão, como o Sr. Presidente sugere, pois parecer-nos-ia perfeitamente regimental, adequado e expedito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, julgo que deveremos pôr termo ao que se está a passar, alias numa iniciativa de esclarecer o meu colega e companheiro de bancada Leonardo Ribeiro de Almeida, que na intervenção que fez pensou - e neste momento também não tenho a certeza de que ele não tenha razão - que a Assembleia toda não estivesse de acordo em que se fizesse essa rectificação ou substituição.
Se por acaso a Mesa entende que todos os grupos ou agrupamentos parlamentares estão de acordo, pois nós estamos abertos a isso, é evidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o dado que a Mesa tem e que estão todos de acordo.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Então, Sr. Presidente, faço-lho chegar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, que estava inscrita para uma intervenção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Serei realmente muito breve. Fui eu que em sede de discussão da Lei Orgânica dos Tribunais coloquei com mais veemência este problema em relação ao artigo 106.º
Creio que o que está por trás de toda esta discussão é um problema que me parece extraordinariamente importante e é um problema de fundo que vem aflorado em recente assento do Supremo Tribunal de Justiça, que é a questão da dupla jurisdição em matéria cível, em que todos os países europeus, segundo o tal acordo, admitem esse princípio da dupla jurisdição em matéria cível, independentemente do valor da acção.
Nós, em Portugal, estamos a andar para trás e este artigo 106.º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais é, de facto, um manifesto atraso e uma violência extraordinária, destinada, como confessadamente disse o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Conselheiro Vítor Coelho na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tão-somente a limpar os tribunais superiores de processos. Isto é pôr a justiça em dia nos tribunais superiores, mas denegando a justiça, não fazendo justiça, afastando os cidadãos dos meios de acesso aos tribunais superiores.
Já foi aqui muitas vezes invocada hoje a doutrina, mas, é claro, não o foi total e completamente. Foi até omitido que, por exemplo, em relação à questão dos recursos que não tivessem sido ainda interpostos, mas cujo prazo estivesse a correr, a doutrina defendia que em relação a esses se devia aplicar a lei antiga e nem sequer isso foi seguido no artigo 106.º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais. A doutrina serve ao PSD e ao Governo para umas coisas, mas já não serve para outras! ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, na verdade, o que está aqui em causa é uma questão de justiça. Há pouco ale estive tentada a substituir esta intervenção por uma interpelação à Mesa, para fazer aos cidadãos que a compõem uma pergunta que a doutrina repete: se quando um cidadão põe uma acção perspectiva um direito ao recurso, será justo que esse direito lhe seja repentinamente retirado? E muito mais repentinamente quanto é certo que eu, com espanto, ouvi defender, não por um deputado, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que as alçadas deveriam ser aumentadas todos os anos, por portaria do Governo, e não por decreto-lei. Onde é que isto chegaria, Sr. Presidente, Srs. Deputados?!
Gostaria ainda de perguntar a quem aqui defendeu o que alguns doutrinadores dizem, isto é, que o direito ao recurso só existe quando se interpõe, o que e que VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, entendem em relação àqueles agravos interpostos no meio do processo,...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

A Oradora: -... que, afinal, só sobem quando o recurso e negado, por ser retirado esse direito. O que é feito desses agravos, Srs. Deputados? O próprio Antunes Varela não dá sequer resposta a esta questão, põe-na como uma interrogação.
Termino dizendo que, em minha opinião, o projecto de lei do PSD, de que só conhecia uma versão, com dois pequenos «artiguinhos» - ainda andei aqui à procura do terceiro ou do quarto, mas não os decortinei -, resolverá algumas questões, mas, se o artigo 106.º da Lei Orgânica

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dos Tribunais Judiciais continuar como está, voltaremos a ter o mesmo problema quando, noutra altura, as alçadas forem novamente aumentadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que, dadas as questões complexas que estes projectos de lei levantam, por situações criadas pela arrogância e teimosia do PSD - porque foi isso que as criou -, estes projectos de lei devem baixar à Comissão para serem amplamente debatidas todas as complexas questões de um erro, de uma asneira do PSD.

Aplausos do PCP e da ID.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para intervir.

O Sr. Presidente: - O seu grupo parlamentar já não dispõe de tempo, Sr. Deputado.
Para que não haja dúvidas, solicito ao Sr. Deputado Coelho dos Santos que leia os três artigos da nova versão do projecto de lei apresentado pelo PSD.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - São do seguinte teor:

Artigo 1.º- O artigo 106.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, não se aplica às acções pendentes à data da sua entrada em vigor, nem às respectivas decisões ainda não transmitidas em julgado.

Art. 2.º - O prazo para a interposição de recurso conta-se, quanto às decisões referidas no artigo anterior, a partir da entrada em vigor da presente lei.

Art. 3.º A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

O Sr. Presidente: - Esta é a nova versão do projecto de lei n.º 194/V, apresentado pelo PSD.
Vai proceder-se à votação do projecto de lei n.º 194/V.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS e votos contra do PS, do PCP, do PRD e da ID, registando-se a ausência de Os Verdes.

Vamos passar à votação na generalidade do projecto de lei n.º 201/V, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS e da ID, registando-se a ausência de Os Verdes.

Vamos passar à votação na generalidade do projecto de lei n.º 202/V, apresentado pelo PS.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS e da ID, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vou proceder à leitura de um requerimento apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD e subscrito por um grupo de deputados do mesmo partido, que e do seguinte teor:

Os deputados, abaixo assinados requerem, nos termos constitucionais e regimentais, a baixa à 1.ª Comissão do projecto de lei n.º 194/V por cinco dias para a sua discussão e votação na especialidade.

Vamos proceder à votação deste requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vai ser lida a acta de apuramento da eleição para o Conselho Nacional de Educação, que é do seguinte teor:

Foi lida. É a seguinte:

Acta

Aos 10 dias do mês de Março de 1988 realizou-se na Sala D. Maria, nesta Assembleia da República, desde as 15 horas e 30 minutos até às 18 horas, a eleição para a presidência do Conselho Nacional de Educação, e bem assim para os representantes dos partidos no mesmo Conselho Nacional.
Os resultados foram os seguintes:

Eleição para o Conselho Nacional de Educação - PSD:

Presidente - Mário Pinto.
Votantes -188 (sim, 118; não, 42; abstenções, 25; nulos, 0; brancos, 3).

Não obteve a maioria, pelo que não foi eleito.

Eleição para o Conselho Nacional de Educação - Lista única (representantes dos partidos):

PSD - Fernando Carvalho Conceição.
PS - Ana Maria Dias Bettencourt.
PCP - Rogério António Fernandes.
PRD - Bártolo Paiva Campos.
CDS - Maria João Farinha Carmo F. Belém Tomé.
Verdes - José Manuel Ribeirinho Alves.
Votantes - 188 (sim, 173; não, 3; abstenções, 10; nulos, 2; brancos, 0).

Obteve a maioria, pelo que foram eleitos. E, nada mais havendo a constar, se lavrou a presente acta, que vai ser devidamente assinada.

Assim, o candidato proposto para presidente não obteve a maioria necessária, pelo que se repetirá o sufrágio na próxima quinta-feira, dia 17, entre as 15 e as 18 horas.
Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia a discussão do pacote autárquico.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados :

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Maria Pereira.

Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Dinah Serrão Alhandra.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.

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2136 I SÉRIE - NÚMERO 61

Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Flausino José Pereira da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Joaquim Eduardo Gomes.
José de Almeida Cesário.
José Leite Machado.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas Amaral.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Rui Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
José Barbosa Mota.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

António José Monteiro Vidigal Amaro.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Lino António Marques de Carvalho.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Carla Talo Diogo.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Alves Figueiredo.
Jaime Carlos Marta Soares.
João José da Silva Maçãs.
José António Coito Pita.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Jorge Belo Maciel.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Amónio José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Manuel Balseiro Amaro.
Domingos Abrantes Ferreira.

Declarações de voto enviadas à Mesa para publicação e relativas à votação na generalidade do projecto de lei n.º 188/V (garantia dos direitos das associações de mulheres).

Muito embora o direito de associações esteja constitucionalmente garantido a todos os cidadãos, sem excepções, os deputados do CDS votaram favoravelmente o projecto de lei n.º 188/V, no entendimento de que a não aplicação, em muitos casos, dos direitos legalmente consignados e o desconhecimento por parte de muitas mulheres desses mesmos direitos justificam a forma de discriminação positiva que, sem dúvida, representa.
Salvaguardam, porém, o direito de, no decurso da discussão na especialidade, propor as alterações que consideram indispensáveis ao melhoramento do texto.

Os Deputados do CDS: Narana Coissoró-Adriano Moreira-Nogueira de Brito-Basílio Horta.

Com o voto de abstenção manifesto discordância em relação à filosofia subjacente ao projecto de lei n.º 188/V, viabilizando, contudo, a sua aprovação na generalidade, que constitui a plataforma para debate aprofundado sobre as questões em causa e que culminará na feitura de um diploma mais perfeito do ponto de vista técnico-jurídico e enformado por novos princípios, que o tornem instrumento de dignificação do movimento associativo, em defesa dos direitos e do estatuto das mulheres nesta outra perspectiva: a da sua rápida integração num mundo político e profissional que permanece predominantemente masculino. O tempo vindouro dessa plena integração será o da feliz dissolução do próprio movimento numa sociedade igualitária.
Nenhuma razão há para que as mulheres hoje, em 1988, se fiquem a dar conselhos no átrio de uma casa ou organização que deve ser sua, ou melhor, que deve ser de ambos, mulheres e homens. Não concebo, por isso, as associações de mulheres como «parceiro social», o que equivaleria a institucionalizar uma evolução separada, face ao dominante masculino, o parceiro maior...
As associações de defesa dos direitos e participação das mulheres terão ainda, por largo tempo, o seu papel e razão de ser, a sua voz forte e livre como componente da sociedade civil - essa força, sendo a que provém dos seus próprios meios, capacidades e esforços - e o Estado deverá dar-lhes apoio e audiência, a nível de todos os seus serviços, votados à prossecução do mesmo escopo.
Sou, declaradamente, a favor do intervencionismo estatal, exigido por uma activa defesa de direitos consagrados nas acções positivas que se revelem necessárias (eventualmente mesmo da adopção do sistema de quotas mínimas e progressivas de participação feminina em determinadas áreas), em coerência com as iniciativas que impulsionei nos dois cargos governamentais que exerci - a criação da Comissão para Igualdade no Trabalho e Emprego, como Secretária de Estado do Trabalho, e da Conferência para a Participação das Mulheres Migrantes a nível do Conselho das Comunidades, como Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas.

Página 2137

11 DE MARÇO DE 1988 2137

Entendo, porém, que esta e uma causa em que estão, no nosso tempo, empenhados todos os democratas conscientes, homens e mulheres, e que a via a percorrer e conjunta ou convergente, e não paralela ou divergente - nas associações portuguesas do estrangeiro, como nas associações de jovens, nas organizações sindicais e patronais, nos partidos políticos, nos órgãos de soberania, na Administração Pública, no sector privado, na família, na sociedade, em geral.
Não concebendo, pois, a participação crescente das mulheres nos mais diversos domínios e o papel das suas associações acantonados na estreiteza de um estatuto «parceiro social», não é com a versão inicial, mas com a que espero seja a final, que me regozijo, salientando o facto da sua apresentação num dia simbólico de tomada de consciência sobre tão importante problemática.

Lisboa, 8 de Março de 1988. - A Deputada do PSD, Maria Manuela Aguiar.

Os REDACTORAS: Maria Leonor Ferreira - Carlos Pinto da Cruz.

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