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Sexta-feira, 15 de Julho de 1988 I Série - Número 116

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE JULHO DE 1988

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque Apolónia
Maria Pereira Teixeira Daniel
Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros e dos diplomas entrados na Mesa.
O Sr. Deputado Virgílio Carneiro (PSD) apoiou a política educativa do Governo, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Barbosa da Costa (PRD), António Braga (PS) e Lourdes Hespanhol (PCP).
A Sr.ª Deputada Julieta Sampaio (PS) alertou a Câmara para o problema da prostituição infantil, tendo respondido, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Barbosa da Costa (PRD), Herculano Pombo (Os Verdes) e Helena Roseta (Indep.).
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) referiu-se à eventual transferência do espólio do fotógrafo Alvão para o Museu Nacional de Fotografia.
A Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) elencou os principais problemas que afectam a justiça em Portugal e respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS).
O Sr. Deputado Seiça Neves (ID) falou da crise da agricultura na região de Aveiro.
O Sr. Deputado Vieira Mesquita (PSD) deu a conhecer à Câmara a posição do seu partido face à audição do Conselho de gerência da RTP feita pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Na sequência desta intervenção, usaram da palavra, a diverso titulo, os Srs. Deputados Lopes Cardoso (PS), Odete Santos e Jorge Lemos (PCP), Narana Coissoró (CDS), João Corregedor da Fonseca (ID) e Jorge Lacão (PS).
Ordem do dia. - Foi apreciada e aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global a proposta de lei n. º 60/V (ARA) - contracção de um empréstimo pelo Governo Regional junto do Banco Europeu de Investimento. Intervieram no debate os Srs. Deputados Belarmino Correia (PSD), Barbosa da Costa (PRD), Carlos Carvalhas (PCP), Cuido Rodrigues (PSD), Narana Coissoró (CDS) e Ricardo Barros (PS).
Apreciou-se, na generalidade, a proposta de lei n. º 51/V - concede autorização ao Governo para legislar em matéria de regime e estrutura da carreira diplomática-, que foi aprovada e baixou à Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, a pedido do PSD. No debate usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (João de Deus Pinheiro), os Srs. Deputados Jorge Lemos (PCP), João Corregedor da Fonseca (ID), António Mota (PCP), Barbosa da Costa (PRD), Sousa Lara (PSD), Jaime Gama (PS), Adriano Moreira e Narana Coissoró (CDS).
Procedeu-se também à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 63/V-revoga o Decreto-Lei n. º 307-A/75, de 24 de Junho, relativo à conservação da nacionalidade portuguesa por cidadãos domiciliados nos novos países africanos de expressão portuguesa-, que foi aprovada, tendo baixado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a requerimento do PSD. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (José de Oliveira Lobo), os Srs. Deputados Mário Raposo (PSD), José Manuel Mendes (PCP), Almeida Santos (PS) e Narana Coissoró (CDS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António de Carvalho Martins.
António Fernandes Ribeiro.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Pereira.
António Paulo Veloso Bento.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lelis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José António Coito Pita.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Oliveira Bastos.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Ferreira Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel P. Chancerelle de Macheie.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Miguel Morais Barreto.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Fernando Ribeiro Moniz.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Bordalo Junqueira.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Favas Brasileiro.
Álvaro Manuel Balseiro Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

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Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
João Manuel Seiça Neves.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados , vai proceder-se à leitura dos requerimentos, das respostas a requerimentos e dos diplomas entrados na Mesa.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Nas últimas reuniões plenárias foram apresentados os seguintes requerimentos: ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado João de Almeida; ao Ministério da Educação formulados pelos Srs. Deputados António Barreto e Hélder Filipe; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Lalanda Ribeiro; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelos Srs. Deputados Hermínio Martinho, Vasco Miguel e outros; ao Governo Regional dos Açores, formulado pelo Sr. Deputado Herculano Pombo; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Adão Silva; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Hermínio Martinho; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelos Srs. Deputados António Guterres e José Sócrates; ao Ministério do Emprego e Segurança Social, formulado pela Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Lemos Damião; a diversos Ministérios (7), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações; formulados pelos Deputados Luís Roque, Adão Silva e Guerreiro Norte; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães e outros; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Cláudio Percheiro; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida e outros; ao Governo, formulado pela Sra. Deputada lida Figueiredo; a diversos Ministérios (6), formulados pelo Sr. Deputado Cláudio Percheiro e outros; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pela Sra. Deputada Apolónia Teixeira, ao Ministério da Educação, formulado pela Sra. Deputada lida Figueiredo; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado José Lello; a diversos Ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado Seiça Neves; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Lalanda Ribeiro; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Silva Carvalho.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Cláudio Percheiro e outros, na sessão de 1 de Março; Fernando Moniz, na sessão de 15 de Marco; Maria Santos, na sessão de 17 de Março; Silva Lopes, na sessão de 23 de Março; José Magalhães e outros, nas sessões de 5 de Abril e 31 de Maio; Mateus de Brito, na sessão de 13 de Abril; Mendes Bota, na sessão de 14 de Abril; António Braga, na sessão de 22 de Abril; Octávio Teixeira, nas sessões de 29 de Abril e 3 de Maio; Jorge Lemos, na sessão de 17 de Maio; Rogério Moreira, na sessão de 19 de Maio; Luís Roque, na sessão de 1 de Junho; Lopes Cardoso e José Castel-Branco, na sessão de 16 de Junho.
Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: Projectos de Lei n.º 280/V, apresentado pelo Sr. Deputado António Mota e outros, do PCP. Elevação da povoação das Termas de S. Vicente (Pinheiro) a vila, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão; 281/V, da iniciativa do Sr. Deputado António Mota e outros, do PCP - Elevação da povoação de Entre-os-Rios (Eja) a vila, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão; 282/V, apresentado pelo Sr. Deputado Lalanda Ribeiro e outros, do PSD - Alteração da designação das freguesias de Caldas da Rainha e Santo Onofre, no concelho de Caldas da Rainha, que foi admitido e baixou à 10.º Comissão.
Deu igualmente entrada na Mesa e foi admitida a Proposta de Resolução n.º 6/V, do Governo - Aprova o Acordo de Transporte Marítimo entre as Repúblicas Portuguesa e do Zaire.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Carneiro.

O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É difícil governar um povo. Mais difícil é governá-lo em Democracia. Multiplicam-se ainda as dificuldades quando esse povo tem absoluta necessidade de abandonar rapidamente padrões de atraso de várias décadas.
Essa urgência tem-na, com efeito, o Povo Português que precisa de transpor diversas barreiras que se lhe colocam entre as quais, uma das primeiras, senão a primeira, é a da educação. Difícil barreira essa, sem dúvida, pela sua enorme extensão, pelos seus elevados custos e, principalmente, porque interfere indelevelmente com mentalidades.
Efectivamente, hábitos velhos que se instalaram durante décadas sucessivas, rigidez de atitudes que se tornaram rotina e foram motivo de muitas «cristalizações» e incompreensões perante os novos tempos de mudança, permissividade durante algum tempo exagerada relativamente à formação inicial dos agentes de educação e ensino, ausência prolongada de qualquer estímulo à actualização, desprestígio sucessivamente agravado dos docentes, tanto pela degradante situação económica em que os deixaram cair como pelas situações de desinteresse em comparação com outras carreiras de idêntica exigência académica mas sem que lhe corresponda tão grande responsabilidade, estruturas materiais obsoletas e desmotivantes, centros de decisão e de administração de canais rígidos e anquilosados, além de muitas vezes obstruídos por interesses particulares ou ideológicos, excessiva centralização, emaranhada burocracia, morosa e infrutífera comunicação da periferia para o centro e vice-versa, tudo se reflectindo

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num alarmante insucesso escolar, por sua vez agravado também por outros poderosos factores.
Era, na verdade, chegada a hora de inquietar os instalados, de quebrar a monotonia das rotinas, de revigorar uma nova exigência na formação dos agentes de ensino, de prestigiar uma classe de inegáveis méritos, de redimensionar e descentralizar os centros de decisão e de administração, tornando-os funcionais e rápidos nos diversos sentidos de comunicação, de promover, enfim, uma efectiva modernização e permanente actualização científica e técnico-pedagógica da nossa Escola.
Consciente de tudo isto está o Governo desde o início do seu mandato como, aliás, já o tinha estado o Governo anterior. Consciente, de facto, dos problemas que diagnosticou e para os quais apresentou vias de resolução no seu Programa. Consciente também das dificuldades a enfrentar pelo duplo motivo de ter de resolvê-las em Democracia e por formas democráticas e ao mesmo tempo saber que as medidas a implementar iriam fatalmente embater com mentalidades e interesses muitas vezes de difícil conciliação.
Porém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este Governo que o PSD apoia não hesitou em meter ombros à árdua tarefa de renovar a Educação em Portugal, como surge patente em medidas já tomadas, em legislação já publicada, em projectos já elaborados e colocados em discussão pública, em diplomas em adiantado grau de estudo com vista à sua aprovação num prazo tanto quanto possível curto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Depois do importante passo dado por esta Câmara ao aprovar a Lei de Bases do Sistema Educativo em 1986 que, não sendo, porventura, uma lei perfeita é, pelo menos, uma lei boa como ponto de arranque para novos caminhos e na qual o PSD participou com imprescindíveis contributos e notório empenhamento, ninguém olvidará, ou poderá negar, a forte vontade política que o Governo tem demonstrado para levar por diante tão relevante empreendimento.
Esta prioridade educativa aparece expressa, desde logo, nas dotações do Orçamento do Estado, com particular ênfase para o do corrente ano, o que permite encarar com esperança, e também com alguma segurança, um futuro mais promissor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

São, assim, de destacar, pela sua relevância, as seguintes medidas:
- Combate sem tréguas ao insucesso escolar e educativo através de um plano interministerial, que já é irreversível e cujos pormenores são do domínio público;
- Resolução do Conselho de Ministros, na perspectiva da lei de Bases do Sistema Educativo que constituiu um grupo de trabalho incumbido de elaborar «um Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal, no horizonte do ano 2000»;
- Criação de um quadro distrital de colocação que estabiliza, pela primeira vez, o Corpo Docente do 1.º Ciclo do Ensino Básico, enquanto se faculta a entrada no quadro, embora com nomeação provisória, de 15 000 docentes com habilitação própria para o Ensino Preparatório e Secundário, contribuindo-se, assim, para a sua segurança social e profissional;
- Estabilização, também pela primeira vez, da política de manuais escolares até à aprovação dos novo planos curriculares e programáticos;
- Dá-se início ao empreendimento da reforma d administração educacional com diplomas que perspectivam uma Escola autónoma e responsável, dando relevo, como principais interlocutores com os serviço centrais, às Direcções Regionais;
- Revigora-se e ajusta-se a rede escolar integrando nelas os estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo que se enquadram nos princípios gerais, finalidades, estruturas e objectivos do sistema educativo
- No Ensino Superior cria-se o Instituto Superior Politécnico Internacional e o Instituto Superior d Administração e Gestão, elaboram-se as leis orgânica de várias Universidades e Institutos Universitários procede-se à reestruturação curricular de Cursos a licenciatura, de mestrado, de bacharelato e de estudo superiores especializados;
- Actualizam-se as bolsas de estudo a atribuir pela Acção Social do Ensino Superior e nomeia-se um grupo de trabalho para reformular e reestruturar os serviço do Ensino Superior;
- Defende-se e valoriza-se a Cultura e Língua Portuguesas com a actualização dos vencimentos dos professores do Ensino de Português no estrangeire nomeia-se nova Coordenadora do Ensino do Português em França com a missão de criar o Instituto de Língua e Cultura Portuguesa em Paris e celebram-se ainda acordos com os Países Africanos de Expressão Portuguesa com vista ao desenvolvimento de Programas d Língua Portuguesa nesses Países;
— Procede-se ainda ao relançamento das Escola Agrícolas, negociando-se empréstimos a obter no exterior, estudando-se a abertura de algumas delas par 1988/89, constitui-se uma Comissão Mista com o f ir de inventariar recursos existentes e estabelecer orienta coes estratégicas para o lançamento de «Escolas Profissionais» e prossegue-se o regime de experiências d Ensino Técnico-Profissonal a fim de que no ano d 88/89 se possa melhorar a qualidade da rede e dos cursos existentes, etc.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não posso, contudo, deixar ainda d referir o projecto de Estatuto do Pessoal Docente Na Superior, o projecto de decreto-lei que estabelece e princípios orientadores da formação de Professores, proposta de Planos Curriculares dos Ensinos Básico Secundário, o projecto de Ensino à Distância (Universidade Aberta), o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, etc, que estão já em discussão pública ou em negociação com as estruturas e instituições competentes e interessadas.
Estas e outras medidas que não têm, obviamente carácter exaustivo, são a prova evidente de que, efectivamente, está em marcha uma profunda reforma d Educação e do Ensino em Portugal.
É legítimo e humano, Sr. Presidente e Srs. Depute dos, que todos gostassem de ver os seus nomes extremamente ligados a tão importante reforma. Contudo os Portugueses decidiram, e eles sabem porquê, que seria o PSD a executar esse desiderato e estou convicto de que não irão ser defraudados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - É por isso que se compreendem algumas críticas mais acerbas e um ou outro levantar de obstáculos que mais não são, às vezes, do que tímidas e indisfarçáveis manifestações de algum despeito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que as reformas educativas não podem revestir-se de outras cores que não sejam as nacionais, pelo que exigem uma enorme isenção e a colaboração de todos, face à sua profundidade e urgência, sem que para isso haja necessidade de que alguém se exima ao seu legítimo direito e dever de crítica construtiva. Essa postura de abertura ao diálogo e à busca dos possíveis consensos, ninguém o pode negar, tem-na tido o Governo que está convencido, como também nós estamos, de que para os problemas da Educação não há soluções definitivas nem ideais, embora reconheçamos que umas podem ser melhores e mais adequadas que outras. Por isso o Governo e o PSD se batem por aquelas que entendem ser as melhores e para cuja implementação devotam todo o empenhamento e determinação para que tenham o desejado êxito.
É, forçosamente lento, Sr. Presidente e Srs. Deputados, qualquer processo de reformas educativas. É lento por muitas e obvias razões, algumas das quais foram aqui afloradas, avultando entre elas, como já se disse, a respeitante à necessária e precedente mudança de mentalidade, pressuposto que nem sempre é fácil de obter, mormente quando durante muito tempo se sedimentaram esquemas e atitudes nunca abaladas por qualquer efectivo laivo de modernidade!
Contudo, em Portugal, hoje, tal situação deve levar a que a capacidade de compreensão dos cidadãos e, sobretudo, os de maiores responsabilidades quer políticas, quer sociais, económicas ou culturais, tenha um mais profundo alcance perante a urgência em que vivemos, a fim de que a estabilização do sistema se concretize e possa ser caminho seguro em direcção a um futuro mais risonho para os nossos filhos.
Sem dispensarmos o exercício de uma permanente avaliação sistémica, não é razoável pretender-se imediatamente um perfeccionismo absoluto nas medidas que urge levar a efeito porque isso levá-las-ia a um prolongado protelamento.
Eis, pois, boas razões para que, neste combate pela Educação, que é de todos os Portugueses, não esmoreça o entusiasmo, não se perca o sentimento da identidade nacional, não se obstaculize só porque um ou outro interesse não é, de imediato, contemplado e que razões ideológicas, ou outras, possam travar o passo a um Povo que tem absoluta necessidade de caminhar depressa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Barbosa da Costa, António Braga e Lourdes Hespanhol.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Deputado Virgílio Carneiro, ouvi com muita atenção a exposição que fez e devo dizer que comungo das preocupações que manifestou. Não tenho problema algum em dizer que este Ministério da Educação está seriamente preocupado em resolver os problemas da educação no nosso país e prepará-lo para os desafios do futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Certamente que nem tudo correrá bem, nem tudo tem sido ajustado às necessidades decorrentes. De qualquer forma, gostaria de dizer que tenho uma séria esperança nos resultados do trabalho desenvolvido até ao momento.
Na intervenção que produziu, o Sr. Deputado referiu algumas razões para a existência do insucesso escolar e abordou, marginalmente, a situação dos docentes. V. Ex.ª entende que para que o insucesso seja erradicado ou, pelo menos, minimizado não importaria dar condições diferentes aos docentes de qualquer nível, designadamente através de incentivos à fixação na periferia, no mesmo sentido em que o têm os magistrados, os médicos e os militares, porque me parece que são agentes que têm tanta ou maior importância do que aqueles que referi?
Em relação ao reajuste da rede escolar está previsto o fim de alguns lugares e de algumas escolas no País. Vejo com alguma preocupação esse facto, na medida em que, para além de criar problemas sociológicos graves, porque poderá desumanizar o tratamento de um conjunto de crianças que têm de ser transferidas para outras localidades, coloca também outros: sobretudo no interior do País sabemos que as crianças que frequentam o nível 2 do ensino básico, muitas vezes saem de casa às 6 horas e 30 minutos para regressarem às 19, 20 ou 21 horas, ficando todo o dia na vila sem quaisquer condições. O mesmo irá acontecer relativamente ao chamado ensino primário se não forem tomadas medidas nesse sentido.
Por outro lado, a cessação de alguns lugares da rede escolar vai criar problemas de transportes. É preciso deslocar essas crianças para outras localidades onde terão o seu ensino. Gostaria, pois, de saber quem vai suportar os custos dos transportes escolares, dado que vão haver benefícios em termos financeiros para o Estado mas, como se sabe, é às câmaras a quem cabe o pagamento dos transportes escolares. O Sr. Deputado entende ou não que o Ministério deve tomar em conta esta situação e legislar nesse sentido?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Virgílio Carneiro, pretende responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Deputado Virgílio Carneiro, quem ouviu a sua intervenção pensará que V. Ex.ª falou do ensino em qualquer sítio menos em Portugal. Não vou negar as expectativas que estão criadas, pelo contrário, pois há muitas expectativas criadas nos professores. Os professores têm vontade de alterar a situação que, neste momento, se vive no sistema de ensino.
Porém, aquilo que V. Ex.ª veio dizer foi, de facto, uma coisa de sonho, que não de realidade. E vou

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dizer porquê: V. Ex.ª disse que o Governo fez um esforço muito grande em aumentar as verbas para o Ministério da Educação. Isso é verdade, mas, como o Sr. Deputado ouviu, o Sr. Ministro da Educação já reconheceu que lhe foram cortadas verbas, e não foram dois tostões! Reconheceu o Sr. Ministro que foram oito milhões de contos, mas nós temos dados que nos indicam muito mais, isto é, que rondam os vinte milhões de contos! Esta é uma realidade diferente do sonho que o Sr. Deputado referiu!
E vou dar-lhe outra realidade: o programa do insucesso escolar. Disse o Sr. Deputado - e muito bem - que o programa do insucesso escolar é ambicioso. Simplesmente, é um programa que está muito burocratizado e centralizado por razões de entrave à evolução do próprio sistema e à própria reforma que se quer implementar. E a verdade é que essa centralização e essa burocracia foram definidas pelo Governo que V. Ex.ª apoia e que acabou de elogiar nesse domínio.
Como o Sr. Deputado sabe, o programa do combate ao insucesso escolar tinha metas e objectivos definidos que nós aqui e em comissão inicialmente criticámos e dissemos que eles não podiam ser cumpridos nem comportados dentro daquelas metas e daqueles prazos. Ora, foram V. Ex.as e o Governo de que fazem parte que nos disseram que em Janeiro teríamos as dez medidas essenciais nas escolas. Porém, hoje, que estamos no fim do ano lectivo, verificamos que dessas dez medidas praticamente nenhuma foi executada, com a excepção de uma única que é a concessão de um suplemento alimentar sólido a acrescentar àquele que já existia, que era o leite escolar distribuído. Essa realidade foi constatada por nós numa visita que ainda há relativamente pouco tempo fizemos ao Norte.
Portanto, que programa de combate ao insucesso escolar? Não negamos as ideias nem as intenções! Estamos com as expectativas dos professores, de todos os agentes do ensino, de todas as pessoas e actores no sistema de ensino! Simplesmente, aquilo que existe no domínio das ideias, não se coaduna com a realidade nem se verifica!
Falou também V. Ex.ª na reforma do sistema educativo. A comissão de reforma existe, foi nomeada e funciona, só que põe documentos cá fora em relação aos quais o Ministro diz que não tem nada a ver; a própria comissão também diz que lhes foram pedidos, mas que não vinculam a comissão enquanto tal; os autores do documento dizem que foi um trabalho encomendado. Quer dizer, ninguém assume a paternidade da reforma!
O Sr. Deputado disse que, eventualmente, haveria pessoas que gostariam de ter o seu nome ligado à reforma, mas, afinal, parece que ninguém quer ligar-se à reforma, todos se desligam e ninguém quer assumir a paternidade dos documentos que estão a ser produzidos. Esta é uma outra realidade que se confronta com o sonho que V. Ex.ª aqui nos referiu.
Em relação à questão do quadro distrital criado pelo Ministério pensamos que se trata de uma boa ideia, não dizemos o contrário! Simplesmente, é apenas uma ideia teórica! Como é que, na prática, vão funcionar as colocações desses professores? Agora é que as questões vão surgir e vamos esperar por Outubro para ver! Há soluções previstas para a colocação desses professores e para a sua deslocação para as escolas muito distanciadas dos centros? Está preparado todo o esquema para a colocação desses professores?
Extinguiram-se escolas sem se auscultarem as populações, as autarquias e sem se ouvirem os intervenientes mais directos nos processos. Como é que o Sr. Deputado vê isso, como é que justifica isso? Como é que apelida isso quando pede o entusiasmo das populações e dos professores para esse programa?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Lourdes Hespanhol.

A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr. Deputado Virgílio Carneiro, não estava à espera que V. Ex.ª viesse aqui fazer um discurso governamentalista e com um desfiar de benfeitorias bem ao jeito do PSD, mas que não sei se será ao jeito de um professor honesto, que penso que o senhor é.

Vozes do PSD: - Isto é inacreditável!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, ao dizer «penso que o senhor é», V. Ex.ª coloca uma questão delicada em relação à honestidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Não é ofensa. A mim já chamaram pior!...

O Sr. Presidente: - Normalmente não chamo a atenção dos Srs. Deputados para questões de natureza política, mas quando se entra em questões de natureza pessoal não posso deixar de fazer um pequeno reparo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, não sinto que tivesse atingido em nada o Sr. Deputado Virgílio Carneiro. Ele também não se sentiu atingido! Eu sou do Alentejo e ele do Norte e, portanto, não tenho hipótese alguma de saber como é que ele é como professor. A única coisa que conheço dele resulta de trocas de impressão que estabelecemos - eu e o Sr. Deputado - nas nossas reuniões de trabalho. Na realidade, penso que ele é uma pessoa competente e um professor honesto.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Relativamente à intervenção que o Sr. Deputado Virgílio Carneiro produziu, gostaria de colocar uma questão fundamental que se prende com a dotação concorrencial. Se o Ministério da Educação foi, desde já, «brindado» com um quarto dessa dotação concorrencial, o que gostaria de saber era se o Sr. Deputado acredita que é desse modo que se promove, que se dá prioridade à educação em Portugal.
Não vou falar do programa de promoção do sucesso escolar, que não foi implementado porque o pouco que se fez não trouxe nada de novo. O que está a acontecer é que se está a dizer aos professores para nas escolas passarem os alunos! Sei isto porque ainda na segunda-feira passada tive oportunidade de ser informada a este respeito!
Portanto, certamente que o Sr. Deputado também não acreditará que o programa de promoção do sucesso

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escolar seja um bem e que se promova o sucesso escolar desta forma.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Carneiro.

O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): - Sr. Deputado Barbosa da Costa, antes de mais, quero agradecer-lhe as palavras amáveis que me dirigiu.
O Sr. Deputado levantou a questão da deslocação de professores para lugares difíceis e referiu-se à falta de incentivos para esse efeito. É evidente que não posso deixar de estar de acordo em que é necessário que existam incentivos que entusiasmem os professores a deslocarem-se para zonas menos privilegiadas - e não me refiro apenas a incentivos económicos mas também de outra natureza.
Em relação à rede escolar e à extinção de lugares, creio que as coisas não vão ser feitas de forma radical. É certo que está prevista a extinção de lugares com menos de 10 alunos, sobretudo nas escolas de um lugar só. Porém, esse problema terá de ser resolvido através dos transportes escolares e o Ministério deverá ter uma palavra a dizer em relação à solução desses problemas, de modo a que não fique apenas a autarquia com a sobrecarga desses encargos.

O Sr. António Braga (PS): - Não se esqueça do que está a dizer!

O Orador: - O Sr. Deputado António Braga falou com algum entusiasmo. Eu gosto dos entusiastas!
Disse o Sr. Deputado que eu sonhei ou, pelo menos, que parecia estar vivendo um sonho. Também gosto de sonhar!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sonhar também é próprio dos educadores e dos professores! De resto, já o poeta diz que «É do sonho que nascem as grandes obras».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Braga (PS): - Não é disso que se trata agora! Estamos a falar da realidade!

O Orador: - De qualquer forma, creio que hoje o problema da educação em Portugal já não é apenas um sonho, mas também uma realidade, com dificuldades, é certo! Aliás, a uma das dificuldades referiu-se o Sr. Deputado quando falou do problema da dotação concorrencial.
Em relação a este aspecto - e aproveito também para responder à Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol - devo dizer que não devemos dramatizar. A razão é simples: há um Orçamento do Estado que estabelece determinados princípios e o Ministério tem a preocupação de cumpri-lo. Desse Orçamento do Estado consta uma dotação concorrencial que, de facto, lhe retira algum dinheiro. A capacidade de execução do Ministério da Educação - como, de resto, dos outros que se propõem a esta dotação - tem sido evidente e creio que em grande parte, vai ser recuperada a verba que lhe foi retirada.
Além disso, penso que todas as obras que, por exemplo, foram lançadas em relação ao PIDDAC e as despesas que estão a ser executadas já têm em conta esses «cortes», embora também na perspectiva da recuperação, e que o que está previsto para este ano lectivo não irá sofrer muito com este princípio que pela primeira vez foi introduzido no Orçamento do Estado. De resto, já o próprio Sr. Ministro da Educação veio à comissão e deu explicação clara do que certamente se irá passar.
Em relação ao insucesso escolar e à implementação das medidas para o seu combate, devo dizer-lhe que pela primeira vez aconteceu uma medida deste género. Já era tempo de começar o combate ao insucesso escolar e este Governo teve a coragem de dar-lhe início...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Não é verdade!

O Orador: - Fê-lo com desenvoltura e sem temer que, porventura, algumas coisas pudessem correr menos bem, o que, aliás, é natural para uma coisa que se faz pela primeira vez e com as implicações que tudo isto tem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por conseguinte, o processo iniciou-se, tem já alguns efeitos positivos - V. Ex.ª conhece-os, porque também andou comigo a visitar as zonas onde ele está a ser implementado - e se nuns sítios não corre tão bem, noutros corre relativamente bem, embora queiramos que corra muito melhor. No entanto, chamo a atenção para o facto de que o plano não se confina ao ano em curso, tem continuidade nos próximos anos. De resto, o Sr. Deputado há-de verificar que, no futuro, depois de limadas algumas arestas, o que é natural, os frutos vão ser visíveis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao quadro distrital dos professores, devo dizer que é uma inovação que vai reverter em benefício dos docentes, sobretudo na sua estabilidade e facilidade de colocação. Temos fortes esperanças de que assim seja e creio que o concurso deste ano já vai demonstrar que essa realidade, em benefício dos docentes, é um facto.
A Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol levantou o problema da dotação concorrencial acerca da qual já tive oportunidade de dizer o que penso. Em relação à promoção do sucesso escolar, parece-me que o que disse na minha intervenção em relação ao plano é suficiente para demonstrar que estamos empenhados e que os resultados estão à vista.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Já? Tão cedo? Parece bruxaria!...

Risos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.

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A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem-se falado muito em Portugal, e em todo o Mundo Ocidental, sobre crianças vítimas de negligências graves ou de maus tratos da parte daqueles que deviam dar-lhes cuidados e amor.
Esta Assembleia debateu a pobreza, aprovou a lei de Bases da família, mas não teve a coragem de chegar à raiz de uma questão que, por mais delicada que seja, é hoje um tão grave drama social, que se impõe o seu debate desassombrado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Corajosamente, sem preconceitos, falemos do cancro social que é a prostituição infantil. Quando se procuram as raízes históricas da prostituição, nelas encontramos referências à prostituição infantil quase sempre fruto da divisão social entre ricos e pobres. Nos primeiros, o abuso físico voluptuoso das crianças de ambos os sexos é feito por adultos de ambos os sexos, muitas vezes familiares e até pelos pais. No segundo, os pais, os familiares e adultos de classes incultas e pobres, fazem autênticos mercados de carne infantil para os ricos, para os turistas, para os países desenvolvidos. Os economicamente poderosos servem-se do corpo de crianças desfavorecidas para seu prazer.
A estas cruéis e duras realidades juntemos as carências afectivas e educativas, a dissociação do meio familiar, a precaridade económica, uma escola que tudo ignora e encontraremos outras causas, a juntarmos às já mencionadas, responsáveis pela prostituição infantil.
São cada vez mais notícia, crianças vítimas da prostituição, sadicamente violentadas, torturadas, e por vezes mortas, para prazer dos que tudo pagam com o dinheiro que lhes escorre dos criminosos dedos. É inconcebível encontrar expostas nos quiosques que pulverizam por toda a parte, revistas pornográficas de jovens, quase crianças, e que as autoridades fingem não ver. Muitas crianças são envolvidas em atracção para turistas, originários do mundo industrial que depois de realizados os negócios os comemoram servindo-se de crianças entre os dez e treze anos, de ambos os sexos. Citemos, como um dos muitos exemplos, o daquela menina de dez anos salva in extremis pela polícia, das mãos de um industrial que sadicamente se propunha violá-la e seguidamente matá-la.
As redes organizadas de tráfico de crianças aliciam--nas na rua, e vizinhança das escolas, drogam-nas, torturam-nas, abusam delas sexualmente, e as transformam em actores de vídeos pornográficos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Às crianças é garantido o direito de serem criadas com segurança, e com humanidade. A sociedade tem o dever de as proteger, e defender os seus interesses. É inaceitável que essa mesma sociedade tenha no seu seio redes de tráfico e venda de crianças, para fins como a prostituição, a pornografia e outros não menos cruéis. As crianças, ricas ou pobres, têm o direito a um ambiente que lhes garanta segurança, saúde, a integridade física e moral. A sociedade tem o dever de as proteger, respeitar e proporcionar a igualdade de oportunidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao abordar este tema, que a todos sensibiliza, impunha-se fazê-lo com realismo, sem demagogia, com autenticidade, mesmo correndo o risco de ser cruel. Cada vez mais se impõe enfrentar certas realidades, por mais duras que sejam. O Órgão de soberania que é esta Assembleia não pode ignorar que as nossas crianças são aliciadas, drogadas, vilipendiadas, torturadas, tornando-se objecto de venda para lucro de uns e prazer de outros.
Portugal, infelizmente, não escapou ao drama da prostituição infantil. É cada vez maior o número de crianças aliciadas, compradas ou obrigadas, por diversos meios, a entrar no mercado do sexo e da pornografia, sendo muitas vezes vítimas de organizações criminosas.
É urgente, é necessário, é imperioso, tomar medidas que intimidem os traficantes e desmantelem essas organizações criminosas que vivem da compra e venda das crianças.
Aos pais, aos educadores, à sociedade, e aos cidadãos é exigido impor ao Estado medidas concretas e urgentes de protecção da criança, condenando toda a concorrência comercial e industrial baseada na exploração dos menores, adoptando leis e regulamentos severos para combater a pornografia infantil e a venda de crianças, promovendo políticas que respondam às necessidades das crianças abandonadas, e responder à necessidade prioritária do combate ao tráfico das crianças e a todas as formas da sua exploração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma criança aviltada significa que é a humanidade que é ofendida.
Há crianças cuja dignidade não é respeitada.
É nosso dever sair em sua defesa, na salvaguarda de um conjunto de condições que permitam o seu crescimento de forma saudável.
Sr. Presidente, gostaria de anunciar que o PS faz chegar, ainda hoje, á Mesa um projecto de resolução para que esta Assembleia, na próxima sessão legislativa, promova um debate de análise com todas as comissões interessadas e os respectivos membros de Governo.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Barbosa da Costa, Herculano Pombo e Helena Roseta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr.ª Deputado Julieta Sampaio, gostaria de manifestar a minha adesão às suas palavras, o que, aliás, revela a preocupação que tenho manifestado, já por algumas vezes, nesta Câmara, designadamente no que se refere à corrupção e tráfico de menores que se tem desenvolvido ao longe dos tempos e que, até, foi motivo de um inquérito que segundo creio, não produziu grandes efeitos.
Gostaria ainda de referir que, para além desse aspecto em que as crianças são particularmente vítimas, ou outros que importaria também elencar no debate que comungo, se deve fazer nesta Câmara e em que dever entrar também os problemas relativos à mendicidade infantil - problema que já aqui levantei -, em que grupos organizados, a que alguns pais não são alheios, procuram explorar as crianças também dessa forma.
Importaria também procurar erradicar definitiva mente os problemas que estão subjacentes a esta situa cão, designadamente as más condições de vida nas zonas periféricas das grandes cidades, as condições de promiscuidade, para além do aproveitamento que os proxenetas de várias espécies, fazem desta situação - e devo dizer que eles existem neste país e estão, também, organizados a nível internacional. Portanto

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gostaria de manifestar a minha adesão a tudo aquilo que a Sr.ª Deputada disse na sua intervenção.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr.ª Deputada Julieta Sampaio, já em duas ocasiões anteriores tive oportunidade de trazer a esta Assembleia e de tentar introduzir no debate o tema da prostituição. Em ambas as ocasiões estava presente o responsável ministerial que, segundo creio, tutela estas questões e os problemas desta natureza. No entanto, a questão foi ignorada pois ninguém, digamos assim, lhe quis pegar argumentando falta de dados e desconhecimento. Não há dados oficiais e como tal o problema não existe...!
Hoje, a Sr.ª Deputada traz aqui a face mais oculta e talvez a mais horrenda da questão da prostituição, ou seja, a da prostituição infantil.
O Sr. Deputado Barbosa da Costa juntou a esse problema outras componentes como a exploração das crianças, a mendicidade infantil e por que não juntar também a este horrível bloco de sevícias que são praticadas sobre as nossas crianças o aumento, denunciado há dois ou três dias, da exploração do trabalho infantil, nomeadamente no distrito de Braga?
Apesar de todos os discursos bonitos, da coragem que alguns Deputados têm revelado ao trazer para aqui temas mais melindrosos, o da exploração infantil, nas suas diversas vertentes, continua a não ser tratado, escalpelizado, e a não ser objecto de quaisquer medidas.
Portugal é um país da Europa, um país que vai celebrar a sua entrada numa Europa - que se diz civilizada -, um país que, muito provavelmente, irá ratificar a Convenção dos Direitos da Criança mas é, neste momento, talvez, o país da Europa onde as crianças são mais exploradas, onde todos os dias aumenta a exploração infantil, onde as crianças são exploradas no submundo e onde a sociedade não assume a sua protecção.
A contrapor a tudo isto somos todos os dias «presenteados» com novidades sobre o sucesso escolar e sobre os efeitos positivos dos programas governamentais para conseguir que as nossas crianças venham a ser homens um dia. Que fazer perante tudo isto? Apenas, solidarizar-me com a proposta que a Sr.ª Deputada aqui trouxe no sentido de que na próxima sessão legislativa sejamos capazes, todos nós, em comissão e aqui, de tratar o problema nas suas diversas vertentes, de propor soluções e de implementar e obrigar o Governo a implementar os programas necessários para que a situação seja sanada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep): - Sr.ª Deputada Julieta Sampaio, gostaria de felicitá-la pela coragem da sua intervenção e de chamar a atenção para uma série de relatórios oficiais que existem sobre esta matéria que, segundo creio, têm uma divulgação relativamente restrita. Os relatórios, que foram apresentados a nível internacional em Estrasburgo, no Conselho da Europa e que não tiveram divulgação em Portugal, foram elaborados pelos Serviços de Pediatria do Hospital de Santa Maria e são relativos a casos de violência sobre as crianças. Aí se relata que, no ano transacto, se verificou a existência de algumas mortes e situações de gravíssima doença devido a maus tratos e sevícias sexuais.
Penso que este tipo de trabalhos, que são fornecidos para efeitos de informação europeia, deveria ser também facultado à Assembleia da República para nós podermos ter acesso a situações perfeitamente numeradas e identificadas por forma a tomarmos as medidas correspondentes.
Associo-me, pois, à sua proposta, Sr.ª Deputada Julieta Sampaio, e gostaria que ela pudesse ter ligação com uma proposta que tenho pendente na Comissão da Condição Feminina no sentido de implementar jornadas parlamentares sobre a violência na família, em que a violência sobre as crianças é um dos aspectos.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Deputado Barbosa da Costa, fui informada por um colega de bancada que o senhor já aqui tinha trazido o problema da prostituição infantil.
Reflecti muito sobre se devia ou não trazer a esta Câmara um problema tão delicado como o da prostituição infantil porque este tema, ao ser trazido à Assembleia, tem de ser abordado com alguma crueldade e eu sei que as pessoas, muitas vezes, ficam chocadas quando se dá uma certa realidade aos temas que todos nós sabemos existirem dentro da sociedade, mas que comodamente continuamos a fingir não saber e ignoramos, pois falamos da prostituição infantil na Europa e nos outros países mas não queremos reconhecer que ele existe no nosso país.
Sr. Deputado, recolhi algumas informações, nomeadamente no meu círculo eleitoral, e posso dizer-lhe que actualmente, no distrito do Porto, há casos gravíssimos. Cito-lhe, como exemplo, duas freguesias em que fiz um estudo mais pormenorizado, a freguesia da Sé e a de Ramalde, onde, devido à implantação dos bairros sociais e ao facto de ali viverem muitas famílias economicamente débeis, a situação é grave.
Face a tudo isto, comecei a reflectir que era meu dever, uma vez que estou aqui como representante de todos os cidadãos que me confiaram o seu voto, trazer a esta Câmara este problema e alertar o país, através deste órgão de soberania, para o gravíssimo problema social de que as crianças portuguesas estão a ser vítimas.
Congratulo-me com as palavras que o Sr. Deputado Herculano Pombo me dirigiu e penso que existem, de facto, outras componentes que podem levar a que a criança se prostitua, nomeadamente quando tem o apoio da família.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volto a repetir o que disse no final da minha intervenção, ou seja, que a Assembleia não pode ignorar um problema tão grave como o da prostituição infantil. Faço aqui um apelo para que todos os grupos parlamentares dêem o seu apoio ao projecto de deliberação do PS no sentido de, na próxima sessão legislativa, se fazerem aqui uma análise e um debate sobre o que é a prostituição infantil no nosso país.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado: Recentes notícias veiculadas pela Comunicação Social alertam para a possível transferência do espólio do fotógrafo Alvão, autêntico emblema do Porto e seu termo, para o Museu Nacional de Fotografia. A propalada medida seria justificada pelo desejo de lhe dar maior dignidade, divulgação mais alargada, enfim condições que, pelos vistos, só Lisboa em toda a sua «grandeza e magnitude» possui.
Infelizmente, alguma razão assiste a esta tentativa. É que, de facto, o local onde se encontra não tem correspondido aos objectivos mínimos que se pretendem para colecção de tal vulto.
Se isto pode ser verdade, não é menos certo que, nesta Lisboa, que alguns pretendem seja o escrínio de tudo quanto há de digno e valioso, no nosso país, muita coisa há, de igual ou de maior importância, que jaz adormecida nos braços da incúria e da incompetência. Se o local que hoje ali recolhe o espólio de Alvão não corresponde aos desejos dos responsáveis, por carências espaciais ou por limitações humanas, importa referir que na cidade do Porto ou nos concelhos limítrofes, há pessoas competentes e espaços dignos para acolher e divulgar, como merece, a obra de um homem de quem o país se deve orgulhar.
Não se considere que subjaz a esta intervenção qualquer tipo de bairrismo passadista mas, tão só, a vontade de fazer permanecer os trabalhos na região que lhe serviu de inspiração e de base.
Esperemos que o bom senso e o respeito por valores importantes façam repensar quem, aligeiradamente, alguma vez se lembrou no que foi anunciado.
A propósito desta questão cabe, neste contexto, trazer a lume a situação em que se encontram os arquivos fora de Lisboa, de uma forma especial, no Porto.
Considerando embora que uma assinalável melhoria foi atingida no Arquivo Distrital do Porto local onde se conserva um corpus documental notável, com elementos únicos e indispensáveis à compreensão do homem de sucessivas gerações, muito há a fazer.
A responsabilidade de tão ingente, laboriosa e importante transformação deve-se ao empenhamento e alta competência do Professor Baqueio Moreno, que exerce hoje as funções de Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Urge, contudo, dar outra dignidade à valiosa documentação lá existente criando um espaço novo, pois o actual embora dignificado e melhorado não chega sequer para ter em boas condições o que nele se acha depositado quanto mais tudo quanto continua, em péssimas condições de estudo e consulta, nos mais variados e insólitos locais.
Para além do mais, as condições de segurança são precárias sendo imprevisíveis os prejuízos que poderão resultar de eventuais incêndios ou inundações.
Louvando, todavia, o esforço já desenvolvido em vários domínios, designadamente nas novas e modelares instalações que se destinarão ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, importa contudo, nos limites do possível mas com a consciência de que amanhã poderá ser tarde de mais, criar condições nos riquíssimos arquivos que felizmente ainda existem no país, para que
possam ser acessíveis a todos quantos pretendem conhecer e divulgar com rigor científico o nosso passado comum.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qualquer um de nós, oriundo dos vários distritos, regiões autónomas e concelhos do País, certamente poderia dizer o mesmo pois a situação infelizmente não é muito diferente sendo até, em muitos casos, bem mais precária e deplorável.
Algum esforço tem sido desenvolvido por algumas autarquias, nomeadamente pela Camará Municipal do Porto, que, louvavelmente, lançou as bases para a informatização do Arquivo Histórico da Cidade, na Casa do Infante, que constitui uma importante medida tendente a pôr ao serviço dos estudiosos, de forma mais eficaz, o riquíssimo conjunto documental que aí se conserva.
Esperamos que esta significativa iniciativa sirva de exemplo a outras autarquias e que constitua o necessário paradigma para a defesa desta indispensável área do Património Cultural Português, de forma a que a memória do passado definitivamente não se perca, para que o presente se compreenda e para que o futuro seguramente se alicerce.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A justiça portuguesa tem hoje agudizados todos os seus problemas e isto porque, seguramente, o Governo enveredou por uma concepção puramente economicista da Justiça. Neste campo o Governo tem um lastimável balanço de actividades: aumentou brutalmente os preparos e as custas judiciais!
Desta forma, obteve como primeiro efeito reflexo, que sabia que ia obter, a redução do volume processual, como já aconteceu no 1.º semestre deste ano, de acordo com a própria confissão do Sr. Secretário de Estado, nesta Assembleia.
Ao mesmo tempo obteve de receitas nos tribunais à custa de uma triste sementeira de injustiças, que privou muitos cidadãos do acesso aos tribunais. Mas, apesar do aumento das receitas, nem por isso se investiu nos meios humanos e técnicos minimamente necessários para melhorar a prestação de serviços aos utentes. E do aumento das receitas também não resultou qualquer melhoria para os funcionários e magistrados.
As reivindicações apresentadas pelos trabalhadores judiciais em recente congresso continuam sem resposta.
A limitação do volume processual nos tribunais superiores resultou ainda do aumento brutal das alçadas, com o que se vedou o direito ao recurso e mesmo drasticamente ao segundo grau de jurisdição, o Supremo Tribunal de Justiça é verdadeiramente uma jurisdição de luxo.
Mas, as limitações no direito de acesso à justiça e aos tribunais resultou ainda do nosso sistema de organização judiciária, decorrente da lei Orgânica dos Tribunais e do seu Regulamento.
As deslocações à sede dos Tribunais de Círculo, por parte dos utentes e das suas testemunhas, cifram-se num desencorajamento à solução judicial.
O Regulamento da lei Orgânica dos Tribunais Judiciais não podia obter como efeito «endireitar a sombra da vara torta», isto é, o regulamento não podia colmatar o erro das soluções constantes da Lei Orgânica! Pelo contrário, o regulamento veio evidenciar as graves incorrecções da lei.

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Que dizer de um diploma que face a indefinições já está na origem de declarados conflitos de competência senão de processos disciplinares?
Que dizer de um regulamento que com base em obscuros critérios (que não afastam a suspeita de clientelismo político nalguns casos) não cria determinados círculos judiciais e extingue outros como o de Almada e Vila Nova de Gaia?
E que dizer ainda deste regulamento que obriga populações com difíceis meios de transporte a deslocarem-se a uma sede de Tribunal de Círculo?
De um Regulamento que mostra ter já na sua génese uma reforma desconhecida do Código do Processo Civil?
É ou não verdade que o regulamento parece indiciar a supressão do recurso na maioria das acções de despejo?
Este Regulamento da lei Orgânica é um Regulamento que extingue 37 tribunais de instrução criminal, desta forma se associando ao Código do Processo Penal na policialização na instrução criminal, com graves restrições aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Aliás, a entrada em vigor do Código do Processo Penal, sem que para isso estivessem criadas as condições, como a lei de autorização legislativa o exigia, veio demonstrar que eram justas as preocupações manifestadas logo de início.
Ninguém se sente beneficiado com este Código!
Queixam-se os arguidos, as vítimas de crimes mais desprotegidas agora na concretização do seu direito à indemnização, os magistrados, os trabalhadores judiciais. Queixa-se a justiça!
Entretanto, no meio de todo este caos que cria o distanciamento da justiça em relação aos cidadãos, o Governo (que se prepara para de outra forma onerar a prestação de serviços por advogados e solicitadores, onerando-a com o IVA), o Governo bloqueou a Lei do Acesso ao Direito mantendo por regulamentar o seu regime de financiamento.
Continua em vigor a velha lei n.º 7/70 e o seu regulamento manifestamente insuficientes para garantir o direito à informação e a consulta jurídica, o direito de patrocínio judiciário.
Quaisquer reformas na área da justiça deviam efectivamente partir daqui: da protecção devida aos cidadãos mais carenciados.
Mas é obvio que numa concepção puramente economicista da justiça não é uma prioridade.
Como hoje aqui foi debatida uma importante questão que é a da exploração de menores e da prostituição infantil, cabe ainda nesta intervenção referir que o Governo tinha previsto no seu Programa uma revisão do Código Penal e chamar a atenção dos Srs. Deputados para o sistema extremamente injusto deste Código Penal que acentua a punição dos crimes contra a propriedade sendo benevolente para a punição dos crimes contra as pessoas.
Convido os Srs. Deputados a procurarem e a lerem no Código Penal as disposições que punem comportamentos que atentam contra as crianças, nomeadamente a sua exploração no trabalho, a lerem o artigo que diz respeito à protecção da família, extremamente restrita em relação ao regime vigente até então, a verificarem que as crianças através desta forma não estão devidamente defendidas e a darem respostas às questões aqui levantadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas que se levantam na área da justiça são múltiplos e graves exigindo uma reponderação urgente.
O Grupo Parlamentar do PCP propôs na 1.ª Comissão a realização sob a égide desta, de uma Conferência Nacional sobre a situação da Justiça com a participação de entidades públicas e privadas ligadas ao sector.
Esta conferência trará, mais uma vez, para a luz da ribalta a outra justiça. É por essa (que os cidadãos reclamam) que o PCP se continuará a bater.

Aplausos do PCP e da ID.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, existe um pedido de esclarecimento, no entanto o PCP já não dispõe de tempo para responder...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, o CDS cede-lhe algum tempo.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Deputada Odete Santos, a sua intervenção de hoje vem na sequência da conferência de imprensa dada pelo Conselho Distrital da Ordem dos Advogados sobre as dificuldades que, neste momento, os advogados atravessam quanto ao exercício da missão, ou seja, defender a justiça nos tribunais.
Não gostaria de dizer que se trata de um aproveitamento político dessa conferência de imprensa, pois não nos cabe a nós, como Deputados, defender interesses corporativos, contudo, seria muito difícil não ver uma ligação directa entre essa conferência e a declaração que V. Ex.ª produziu, trazendo a esta Câmara aquilo que foi dito em sede própria. De qualquer modo, não posso deixar de lhe dar razão!
Realmente, os problemas de justiça estão, hoje, num estado caótico com a entrada em vigor novo Código do Processo Penal e do novo Código de Custas Judiciais cuja revisão está prometida para o fim do ano sem que saibamos, no entanto, o que se vai fazer, como é que se vai processar esta reformulação, o que vai ser expurgado e o que vai ser mantido e o regulamento da organização judiciária.
O problema das alçadas tem levado muitos utentes de justiça a ficarem desencorajados, na medida em que muitas vezes não confiam na bondade da única instância, pois o facto de poder haver recurso para o Tribunal da Relação era sempre uma garantia contra a má sentença, e não digo nos casos em que esta fosse deficiente ou irresponsável por defeito da preparação dos magistrados, da sua pouca prática, mas devido à má interpretação e aplicação da lei e, portanto, havia sempre a possibilidade de recurso para os juizes mais experimentados e conhecedores do ofício de julgar. Parece que o Governo pretende estipular das formas de justiça privada para substituir as formas de justiça estatal.
Sr.ª Deputada Odete Santos, estando prevista uma conferência nesta Assembleia sobre a justiça, não pensa que seria melhor chamarmos a atenção do Sr. Ministro da Justiça para a necessidade de fornecer até ao fim da presente sessão legislativa - que, aliás, acaba amanhã - os elementos necessários sobre o impacto do Código das Custas Judiciais, durante o tempo em que ele esteve em vigor e todos os elementos sobre os trabalhos preparatórios que levaram à opção política

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da criação de círculos e da extinção de outros, porque não há dúvida de que sem esta explicação cabal nós seremos tentados a pensar que foram servidos interesses políticos clientelistas.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o deseja, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, a primeira parte do seu pedido de esclarecimento contém uma crítica ao facto de eu ter vindo fazer esta intervenção, mas relativamente às suas perguntas finais verá que estamos de acordo. Referiu o Sr. Deputado que a sede própria para debater este problema era o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados e falou em interesses corporativos.
Gostava de deixar claro - aliás, penso que na minha intenção isso é claro - que analisei, fundamentalmente, para além da repercussão deste pacote da justiça sobre magistrados, funcionários e advogados, a repercussão sobre os direitos dos cidadãos.
Pegando nas palavras publicadas no «Diário de Notícias» aquando do debate do Código das Custas Judiciais onde, por baixo da minha fotografia constava a legenda «A Deputada Odete Santos vestiu a toga para sair t tribuna» e para, publicamente, deixar este tema esclarecido, devo dizer que nunca vesti a toga, nem no sentido próprio nem no sentido figurado, para subir àquela Tribuna, porque penso que a grande questão que se coloca é a dos interesses dos cidadãos. Os advogados servem a justiça e os cidadãos e, portanto também beneficiarão se uma boa justiça para os cidadãos se implantar neste país.
Aliás, já antes de o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados ter dado aquela conferência de imprensa, nós, Grupo Parlamentar do PCP, tínhamos proposto na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que se realizasse uma conferência nacional acerca da justiça, sob égide desta Assembleia, e temos vindo a colocar muitos dos problemas que os advogados levantaram.
Em relação às questões que o Sr. Deputado Narana Coissoró colocou, devo dizer-lhe que pensamos que é correctíssimo - aliás, também o propusemos - que o Sr. Ministro da Justiça venha à comissão prestar esclarecimentos sobre os reflexos da implementação do Código das Custas Judiciais e sobre os critérios que serviram de base à criação de novos círculos. Aliás, o mapa da sua criação é curioso de se ver, pois há um círculo que fica apenas com duas «comarquinhas»...
Gostava de saber por que razão!... Refiro apenas este exemplo para não falar de vários outros casos curiosos que constam deste regulamento da Lei Orgânica, pelo que o Sr. Ministro da Justiça deveria vir à Comissão, tal como propusemos, explicar como é que foi feita aquela repartição de círculos.
Por fim, sobre um assunto que V. Ex.ª focou e que eu gostava de destacar, considero que vamos ao arrepio de tudo; é que se fala muito da Europa, nesta Assembleia, mas nesses países é garantido o segundo grau de jurisdição seja qual for o valor da causa. Aqui procede-se ao invés, vai-se tirando o segundo grau de jurisdição aos cidadãos, que é efectivamente uma garantia por todas as razões que o Sr. Deputado Narana Coissoró apontou e que são extremamente válidas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos praticamente a chegar ao termo do tempo que nos resta para o período de antes da ordem do dia. No entanto, estão ainda inscritos os Srs. Deputados Seiça Neves e Vieira Mesquita, que nos informaram não gastar mais do que quatro e dois minutos, respectivamente, nas suas intervenções.
Nesse sentido, julgo que podemos exaurir as nossas inscrições.
Agradeço ao Sr. Deputado Mário Cal Brandão o favor de me substituir durante, aproximadamente, cinco minutos.
Entretanto» assumiu a presidência o Sr. Deputado Mário Cal Brandão.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num país de acentuado pendor agrícola deparamos com uma situação sui generis: será provavelmente o País da CEE onde a segurança do produtor é menor e onde se maximizam os riscos da produção perante causas que não dependem da vontade ou da competência do agricultor.
É assim evidente que o produtor depende a meias do seu muito trabalho e da sua capacidade de escolha por um lado e das condições climatéricas por outro.
A outrora ubérrima região do Vouga, desvastada que já foi pela poluição inclemente, que a incompetência dos Governos não conseguiu fazer parar, encontra-se agora deparada com o temporal que durante semanas se fez sentir e que tudo arrasou numa enxurrada de bens, de dor e até já de vidas.
Tudo, tudo o temporal e a desesperança ceifaram.
Todavia, na região de Aveiro às catastróficas sequelas do tardio temporal que sofremos, há que somar a questão da peripneumonia contagiosa.
Já há cerca de quatro anos trouxemos a esta Câmara esse gravíssimo problema, que o Governo não só não relevou, como deixou agravar de forma verdadeiramente alarmante.
Mas, se referimos essa questão da peripneumonia, é só para dizer e fazer ressaltar que o agricultor aveirense deixou de poder investir na sua exploração pecuária, quase sempre de dimensão familiar, privilegiando a vertente agrícola da sua economia.
E, é tempo de recordar, que existem agricultores na região do Vouga que aguardam, há mais de dez meses, o pagamento das indemnizações - quase diríamos esmolas - emergentes do abate de gado portador de peripneumonia.
Vale isto por dizer que, no decurso do presente ano, a produção agrícola assume para os agricultores, em geral, e para os de Aveiro, em particular, uma decisiva importância em termos da obtenção de uma economia de subsistência, que é sempre uma economia de risco, ou seja, uma situação que é a antecâmara da fome.
Mas o panorama é, de facto, desolador. Meia dúzia de números podem ajudar-nos a familiarizarmo-nos com a extensão e a gravidade do problema.
Assim, os cereais propensos terão uma quebra a rondar os 80%; a batata, asfixiada por excesso de água, será colhida em menos de 50% da sua produção bruta, os fenos sofrerão prejuízos que rondarão os 807o, enquanto que, devido ao atraso das plantações e morte

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de grandes percentagens de frutos e ainda com condições favoráveis ao aparecimento de fungos, o tabaco, o melão, a melancia e outros frutos semelhantes sofrerão perdas superiores a 607o.
Quanto ao vinho, para além do precoce apodrecimento do fruto o aparecimento do míldio e o oídio, sobretudo, determinarão nesta importantíssima cultura regional um prejuízo que já se estima em 50%, com grande tendência para aumentar caso a temperatura atmosférica venha a registar valores altos.
Isto, sem falar dos hortos industriais e hortícolas, que registam igualmente prejuízos sensíveis mas por agora de difícil quantificação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O quadro que deixamos descrito è bem evidenciador da tragédia que assalta a nossa agricultura e os nossos camponeses.
Pródigo de promessas mas inerte de acções o Governo assiste da plateia ao espectáculo desolador dos nossos campos e searas.
Já a Europa se movimenta condoída em auxílio à agricultura portuguesa, quando o Ministério português nem uma só visita às zonas mais afectadas ordenou.
Jogar com a caridade pública internacional é a mais agradável e fácil maneira de exercer o poder.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conheço de perto casos verdadeiramente lancinantes de famílias que têm para alimentar os filhos «uma mão-cheia de nada e outra cheia de coisa nenhuma».
Preocupa-nos a todos que ainda não tenham sido sequer anunciadas medidas de auxílio a uma calamidade pública quanto é certa e conhecida a morosidade da sua aplicação.
Preocupa-nos igualmente que de uma leitura tecnocrática da situação resulte a justificação, há muito aguardada, para a subida desenfreada do nível de preços.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Esperamos que isso não aconteça!
Mas aguardamos, outrossim, uma ajuda efectiva aos agricultores, que se traduza, por exemplo, na dispensa de liquidação da taxa sobre a indústria agrícola, que pode ser concretizável através da autorização aos serviços competentes do pagamento ao contribuinte do estorno de todo o imposto pago. Isto sem evidentemente prescindir de outras medidas de curto prazo, que se traduzam em subsídios ou outras formas compensatórias que ajudem a aligeirar o verdadeiro estado de caos em que aquela larga faixa da população se encontra.
Tolhida pela emigração, sangrada pela guerra injusta desamparada pelo poder político que só a conhece nas campanhas eleitorais muito terá a agricultura de se queixar de um poder que nela vê o último dos enteados.
Façamos-lhe, por uma vez, justiça!

Aplausos da ID, do PS e do PCP.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, como forma de interpelação à Mesa, quero apenas sublinhar a presença de V. Ex.ª decano desta Assembleia na presidência da Mesa. É uma situação meramente conjuntural
mas V. Ex.ª merece-nos o maior respeito pelo seu perfil de democrata e de lutador, sempre pela liberdade e pela Democracia o que proporcionou que tivéssemos este Parlamento em liberdade. Por todas estas razões, V. Ex.ª embora conjunturalmente nesse lugar, merece-nos toda a nossa consideração, facto que não poderíamos deixar de sublinhar.

Aplausos gerais.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me V. Ex.ª que, em brevíssima nota, dê conta ao Plenário, por razões óbvias, do resultado obtido com a audição da Gerência da RTP na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que se realizou na passada terça-feira, a propósito do Programa «Humor de Perdição», produzido em regime de contrato escrito com a EDIPIM.
Ficou bem claro, no espírito dos Srs. Deputados que fazem parte da Comissão, que a Administração da RTP nunca interferiu na programação da RTP, no caso concreto, tendo pautado a sua actuação em rigorosa observação do Estatuto da RTP e o clausulado do contrato celebrado com a EDIPIM, assumindo com pertinência louvável as responsabilidades inerentes ao cargo que desempenha.
Verifica-se assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que as preocupações da oposição, tão bombástica e orquestradamente trazidas a esta Câmara e com pedido de demissões tão drásticas, não passaram, como hoje se pode constatar, de um verdadeiro fait divers.
Aconselhava a prudência, como também tivemos ocasião de referir neste Plenário que, no mínimo, não se deve acusar e julgar de imediato, sem a audição de todas as partes, pois o direito de legítima defesa deve ser sempre assegurado.
Não houve intervenção prévia do Conselho de Gestão da RTP no referido programa.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Isto que se está a passar é muito grave, Sr. Presidente!

O Orador: - Houve legítima e fundamentada assumpção de responsabilidades por parte do Conselho de Gestão da RTP que ninguém, hoje, nesta Câmara, poderá escamotear.
Esta palavra de justiça era devida, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Daí a razão de eu querer intervir nesta hora e neste momento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Lopes Cardoso, João Corregedor da Fonseca, Narana Coissoró e Odete Santos.
No entanto, existem algumas questões que se relacionam com o tempo de que cada grupo parlamentar ainda dispõe. Ao PS restam 3 minutos; ao PCP, zero; ao CDS, um minuto; e o PSD ainda dispõe de tempo razoável.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

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O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, não é exactamente para pedir esclarecimentos mas para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Vieira Mesquita veio dar aqui a interpretação do PSD daquilo que se passou na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Aliás, deu-a de uma forma ambígua, na medida em que quem não estivesse atento poderia pressupor que aquilo que é interpretação do PSD era também a interpretação da Comissão. Porém, nem é a interpretação do Partido Socialista nem a da Comissão.
Desta forma, o Partido Socialista requer a V. Ex.ª uma interrupção dos trabalhos por cinco minutos, apenas para dar oportunidade aos nossos camaradas que fazem parte da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de se poderem aqui deslocar e pronunciar sobre esta matéria. Eles encontram-se neste momento na Comissão Eventual da Revisão Constitucional e por isso não estão presentes.
É porque, repito, não podemos deixar passar esta oportunidade para dizer que não aceitamos, de modo nenhum, a intervenção nem os pontos de vista expressos pelo Sr. Deputado Vieira Mesquita. Embora Sr. Deputado tenha todo o direito de exprimi-los a título individual eles não podem ser entendidos nem como o sentimento da generalidade da Comissão nem, menos ainda, como o do Partido Socialista.
Eis porque solicito a interrupção dos trabalhos por cinco minutos sem, contudo, querer prejudicar os pedidos de esclarecimento que outros Deputados pretendem fazer. Assim, se o Sr. Presidente concordasse, essa interrupção teria lugar após a formulação desses pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há um pedido de interrupção após os pedidos de esclarecimento, pelo que talvez fosse aconselhável fazermos uma sondagem aos Deputados inscritos no sentido de se saber exactamente se são pedidos de esclarecimento ou interpelações à Mesa, uma vez que me parece haver uma mistura de situações nesses pedidos de palavra.
Em todo o caso, irei dar a palavra em sucessão e faremos, então, a interrupção no termo.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, eu queria interpelar a Mesa, mas uma vez que o Sr. Deputado Lopes Cardoso pediu a interrupção dos trabalhos, prefiro usar da palavra depois.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Narana Coissoró pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, pretendo usar da palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - E já agora, para concluir a sondagem, pergunto à Sr.ª Deputada Odete Santos qual a figura regimental a partir da qual pretende usar da palavra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, inscrevi-me para interpelar a Mesa, concretamente, sobre o sentido da intervenção do Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A minha interpelação é no mesmo sentido das primeiras palavras do Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Os termos em que o Sr. Deputado Vieira Mesquita começou a sua intervenção poderiam inculcar no Plenário e no público que tinha havido um relatório da Comissão sobre a reunião com o Conselho de Gerência da RTP e que esse relatório traduzir-se-ia nas conclusões que o Sr. Deputado Vieira Mesquita nos leu aqui.
Ora, eu gostaria de interpelar a Mesa perguntando ao Sr. Presidente da Assembleia da República se tem conhecimento ou se lhe foi apresentado algum relatório dessa reunião e da responsabilidade da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pede a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, infelizmente não pude estar presente aquando da intervenção do Sr. Deputado Vieira Mesquita mas, apesar disso e em defesa da verdade, devo dizer que eu próprio estive presente na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, aqui referida pelo meu colega do PSD, Deputado Vieira Mesquita, e posso informar V. Ex.ª que a Comissão não teve qualquer aspecto conclusivo.
Houve no final da sessão, como consta da acta, certamente, a manifestação de posições diferenciadas das várias forças políticas quanto ao conteúdo da entrevista como o Conselho de Gerência da RTP, tendo ficado claro da exposição efectuada pelo Conselho de Gerência que os motivos que levavam à suspensão do programa não se prendiam com as razões de ordem cultural defendidas num primeiro momento. Essa questão ficou clara perante a comissão. E não entro noutros comentários, Sr. Presidente, dado que estou a interpelar a Mesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, darei a palavra de imediato ao Sr. Deputado Narana Coissoró para pedir esclarecimentos, findo a que o Sr. Deputado Vieira Mesquita responderá. Depois faremos, então, o tal intervalo de cinco minutos.

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O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, julgo que não vale a pena estarmos a prolongar sucessivamente os trabalhos, mas tem a palavra.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, exactamente no sentido de não prolongar e não adiar os trabalhos, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista dispensaria a interrupção que solicitou e pediria à Mesa o favor de inscrever o Sr. Deputado Jorge Lacão para uma intervenção ou para pedir esclarecimentos, usando enfim, a figura que a Mesa entender como a mais adequada para que ele possa esclarecer a posição do Partido Socialista face à intervenção do Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para pedir esclarecimentos vou dar a palavra ao Sr. Deputado Narana Coissoró, seguindo-se o Sr. Deputado Jorge Lacão e, no final, o Sr. Deputado Vieira Mesquita dará as respectivas respostas.
Solicito aos Srs. Deputados que sejam rápidos, uma vez que estamos atrasados, mas peço que não vejam nisso uma censura da minha parte.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Vieira Mesquita, em primeiro lugar, quero lamentar que tenha feito aqui um discurso apressando-se e adiantando-se ao relatório da 1.ª Comissão para criar, na opinião pública e na comunicação social, uma ideia de que o Conselho de Gerência da RTP tinha prestado óptimas provas no Parlamento e tinha sido absolvido de todo o pecado político, por parte da Assembleia da República.

Vozes do PCP e da ID: - Muito bem!

O Orador: - Isto não é verdade, isto é falso.
Ninguém lhe deu autoridade para falar em nome da comissão em que no dia da audição do Conselho de Gerência não estava presente, porque temos um presidente de Comissão e, além disso, o senhor não convocou nem pediu opinião aos restantes partidos, nem teve a hombridade de dizer que o que disse era a sua opinião pessoal, talvez a do partido ou a da sua bancada parlamentar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É preciso que isto seja absolutamente claro e nós não o acompanhamos nessas interpretações. Agora o que não há dúvida é que aquilo que o Conselho e Gerência disse ficou reduzido a zero perante a sua intervenção. O Conselho de Gerência veio aqui dizer que tinha proibido um programa porque não queria pressões políticas e V. Ex.ª vem demonstrar à evidência que há uma cobertura política do PSD aos actos da gerência da RTP, que afinal tudo era um assunto político e que mereceu a cobertura antes, durante e depois por parte do PSD a todo esse imbróglio censório.

Aplausos do PS, do PCP e da ID.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não foi nada disso!

O Orador: - Isto vem provar, para quem tivesse dúvidas, que o PSD está envolvido, dos cabelos até à ponta dos pés, no problema da RTP, no sector da informação e nos programas culturais. V. Ex.ª acaba de o provar à sociedade.
Aplausos do PS, do PCP e da ID.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há pouco, por lapso, não anunciei que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca também estava inscrito. Portanto, seguindo a ordem de inscrições, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, para pedir esclarecimentos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Deputado Vieira Mesquita, não é verdade o que acabou de dizer na sua intervenção, uma vez que também estive presente na reunião da Comissão. Só posso entender a sua intervenção como uma clara provocação inadmissível.
V. Ex.ª utilizou agora um novo método parlamentar: o de se antecipar a qualquer reunião de uma comissão, neste caso, uma reunião em que apenas ouvimos o Conselho de Gerência da RTP, retirando conclusões apressadas da sua lavra, pois nem sequer foi nomeado um qualquer relator para elaborar o relatório que com certeza terá de ser feito sobre aquela audiência. Aliás, V. Ex.ª esqueceu-se também de referir que talvez fosse conveniente ouvir as outras partes, como sejam, o Sr. Herman José e a EDIPIM, ao que parece, o PSD ontem se opunha.
Ora, V. Ex.ª vem aqui dizer que o Conselho de Gerência fez algumas provas, etc. - como referiu agora o Sr. Deputado Narana Coissoró -, para além da cobertura política que o PSD dá ao Conselho de Gerência de acordo, aliás, e na sequência do que tem acontecido, nomeadamente, com a Direcção de Informação, onde se nota claramente uma manipulação interessada dos serviços noticiosos e onde os principais interessados são o PSD e o Governo.
Por isso, pergunto-lhe, Sr. Deputado, se esta é a forma mais correcta de interpretar os factos. Entende ou não que a sua intervenção, para além de precipitada, acaba por conduzir a uma cobertura política - como foi já referido - ao Conselho de Gerência e que aqui termina a tal independência desse conselho? Por outro lado, Sr. Deputado entende que o Conselho de Gerência veio aqui, ontem, dar uma prova clara e confirmar um acto censório arbitrário e anticultural, como ficou claramente patente das suas declarações em plena Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias.
Finalmente, o Sr. Deputado Vieira Mesquita entende que a Comissão deve efectuar um relatório, ou acha que, após a sua intervenção, é já desnecessário qualquer relatório da Comissão?

Vozes da ID e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Pergunto ao Sr. Deputado Jorge Lacão se quer usar da palavra para pedir esclarecimentos ou para fazer uma intervenção.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É para fazer uma intervenção, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Nesse caso, para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, devo dizer que não me moveu sentimento algum especial que não fosse o de dar conta ao Plenário do que se passou na minha óptica, obviamente, como deputado do PSD - na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e a leitura que fiz do que lá se passou é aquela que li na minha intervenção. Normalmente, é vulgar fazerem-se acusações, atira-se tudo para o ar, faz-se todo o tipo de acusações; contudo, a conclusão nunca é conhecida do povo português.
Pois bem, entendi que, depois da audição ao Conselho de Administração da RTP, era pertinente não dilatar por mais tempo aquilo que nós pensamos...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - «Nós», PSD!

O Orador: - Com certeza, «nós», PSD, uma vez que sou deputado do PSD, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas há pouco estava a falar em nome da Comissão!

O Orador: - Eu estava a falar em nome da minha bancada.
Como eu estava a dizer, entendi que era pertinente não dilatar por mais tempo aquilo que pensamos que é de justiça declarar perante a Assembleia da República. Ora, as explicações que o conselho de gerência da RTP deu, dão plena satisfação. O conselho de gerência da RTP foi aqui acusado de que fazia censura, mas este nunca fez intervenção prévia. Srs. Deputados, a censura é prévia e normalmente é um acto externo a um determinado órgão. Quantas vezes lemos nos jornais muitos críticos apontarem erros à Radiotelevisão Portuguesa e invocarem a responsabilidade da gerência da RTP, pedindo-lhe que intervenha.
Agora, porque a RTP intervém em observância rigorosa dos próprios critérios do estatuto da RTP...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Violando a lei da televisão!

O Orador: - .. .e de um contrato específico celebrado com a EDIPIM em que estão previstas normas de qualidade e outras, designadamente as de aconselhamento, chamadas de atenção para que a emissão de um determinado programa, que é comprado, se paute dentro dessas regras, vem-se aqui fazer não só um enorme alarido como acusações.
Por isso mesmo, entendi que era mais do que tempo e oportuno dar esta palavra de justiça a quem a quem procedeu com inteira razoabilidade e responsabilidade.
Protestos do PCP e da ID.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Mas nada de ouvir a parte contrária!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão, que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando o plenário da Assembleia da República teve oportunidade de apreciar um voto apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS sobre o incidente televisivo em torno do caso da suspensão do programa «Humor de Perdição», o PSD, em plenário, justificou o seu voto contrário, na medida em que não se considerava suficientemente esclarecido e que deveriam ser feitas adequadas diligências supervenientes no quadro da 1.º Comissão. Imediatamente após essa sessão plenária, deu-se um facto estranho: o PSD, na 1.º Comissão, tudo fez para impedir que a Comissão pudesse deliberar no sentido de solicitar a presença ou do responsável governamental com tutela na comunicação social ou do próprio conselho de gerência da RTP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Segundo aspecto: foi necessário o presidente da 1.ª Comissão, vivamente apoiado pelos deputados que dela fazem parte, à excepção do apoio determinado dos deputados do PSD, em primeira instância, solicitar à conferência de líderes que esta procurasse dar caminho positivo à solicitação feita pela 1.º Comissão.
Mais do que isso, o presidente da 1.ª Comissão viu-se na necessidade de diligenciar junto do Presidente da Assembleia da República para que, finalmente, esta questão elementar do exercício de uma atribuição da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias da Assembleia da República pudesse concretizar-se.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Muito bem!

O Orador: - O caso não é apenas o da suspensão do programa «Humor de Perdição» por parte do conselho de gerência da RTP, mas também o da suspensão das diligências que incumbem à 1.ª Comissão, pó parte do Grupo Parlamentar do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao fundo da questão, devo dizer que o Sr. Deputado Vieira Mês quita reconheceu que a televisão tem a prerrogativa - tem-na, de facto! - de, nos contratos que estabelece com produtores externos, garantir normas de qualidade suficientes para a emissão dos programas que com ele contrata.
E alguns aspectos se verificaram: em primeiro lugar os prazos previstos para a entrega desses programas pó parte da entidade que contratou com a RTP não foram cumpridos, foram entregues com atraso e daí terá decorrido a impossibilidade prática de a RTP ter avaliado, a tempo e horas, a qualidade intrínseca dos programas que se propunha emitir.
Nestas circunstâncias, foi a própria RTP que, desde logo, violou, perante si mesma, um dever essencial que tem, que é o de averiguar a qualidade cultural, e outra dos programas que emite para os portugueses.
Por outro lado, a decisão da suspensão do programa foi assumida pelo Conselho de Gerência da RTP e aqui diremos...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, informo-o que esgotou o tempo. Queira terminar.

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O Orador: - Procurarei terminar já, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, e aqui diremos que em nome da independência que deve ser e está preservada, nos termos da lei da televisão, à programação e à informação, esta decisão, nos termos estatutários, competia à Direcção de Programas. Quer isto dizer que houve uma provável usurpação do poder por parte do conselho de gerência, na medida em que ultrapassou uma decisão estatutária que à Direcção de Programas incumbia.
Mas, espanto dos espantos, o fundamento directo da decisão de suspensão não é, afinal, o do mérito intrínseco do programa mas as aclarações do autor do referido programa noutros meios de comunicação social, as quais, do ponto de vista do conselho de gerência da RTP, colocariam em causa a sua autoridade e o seu prestígio.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar de imediato, Sr. Presidente.
Ficámos assim a saber que, para se defender a autoridade e o prestígio de um conselho de gerência de um órgão de comunicação social, este pode tomar a decisão de suspender os programas para assim sancionar as declarações públicas dos autores desses programas. Isto sim, isto sim, sublinho, é que é um acto de autêntica censura.
Em nome das liberdades mais elementares, é esta verdade que o PSD e o Sr. Deputado Vieira Mesquita deveriam ter reconhecido perante a Câmara. Pena é que o não tenham feito.

Aplausos do PS e da ID.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na ordem do dia com a discussão da proposta de lei n.º 60/V - Contracção de um empréstimo pelo Governo Regional ao Banco Europeu de Investimentos -, apresentada pela Assembleia Regional dos Açores.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Belarmino Correia.

O Sr. Belarmino Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 60/V, aprovada na Assembleia Regional dos Açores, que visa autorizar o Governo daquela Região Autónoma a contrair um empréstimo junto do Banco Europeu de Investimento até ao montante de cinco milhões de contos, merece a nossa análise segundo vários quadrantes:
Quanto ao enquadramento jurídíco-constitucional: de acordo com o estipulado no artigo 229.º. alínea c), da Constituição, as Regiões Autónomas têm o poder de «exercer a iniciativa legislativa, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º, mediante a apresentação à Assembleia da República de propostas de lei e respectivas propostas de alteração».
Segundo o disposto no artigo 170.º da Constituição da República Portuguesa, a iniciativa da lei compete: «..., bem como, no respeitante às regiões autónomas, às respectivas assembleias regionais».
O artigo 101.º, n.« 2 e 3, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores faz depender o recurso a empréstimos externos de prévia autorização da Assembleia da República.
Assim, nos termos da b) do n.º 1 do artigo 32.º do referido Estatuto, a Assembleia Regional dos Açores apresenta a esta Assembleia da República a proposta de lei que, neste momento, analisamos e discutimos.
Para além disto, os empréstimos externos a contrair têm de ser autorizados pelas assembleias regionais e da república procedendo de parecer do Governo da República. Este já deu parecer favorável dizendo: «Nada tem a opor ao empréstimo [...]» - ofício n.º 9737, de l de Julho de 1988, da Gabinete do Secretário de Estado do Tesouro.
Parece-nos, pois, que, de acordo com as disposições legais citadas, com a autorização da Assembleia Regional dos Açores e com o parecer favorável do Governo da República, foram preenchidos todos os requisitos e formalidades para que a contracção deste empréstimo externo seja autorizado e aprovado por esta Assembleia.
Finalidades do empréstimo: este empréstimo destina-se a ser aplicado no financiamento do investimento do Plano e em empreendimentos essencialmente reprodutivos, designadamente no seguinte:

Construção de estradas;
Construção de portos;
Ampliação do Aeroporto de São Miguel.
Em estradas:
Melhoria do traçado rodoviário em vias de tráfego mais intenso nos Açores; Na Ilha Terceira - Angra do Heroísmo Praia da Vitória.
Em São Miguel - Ponta Delgada - Lagoa:
Correcção do traçado;
Alargamento da via e reforma do pavimento; Descongestionamento das zonas de acesso aos centros urbanos.
Em portos: Praia da Vitória - Projecto estratégico:
Permitirá a ligação ao estrangeiro através de navios de grande calabro;
Construção dum porto comercial que substitui um porto de pequena dimensão;
Instalação de indústrias;
Reduz as dependências das condições atmosféricas.

Em aeroportos - São Miguel:

Prolongamento da pista de aterragem do aeroporto.
Projecto estratégico - Ligação da maior ilha dos Açores com o exterior, gerando mais de metade do tráfego e produzindo mais de metade do PIB regional.
Características do empréstimo:
Custo global dos projectos - 14 733 milhões de contos;
Orçamento regional - 2 238 milhões de contos; FEDER - 5 495 milhões de contos; BEI - 7 000 milhões de contos.
1.º tranche 5 000
2.º tranche 2 000
Cabaz de moedas:
1)Taxa de juro, a melhor do mercado;
2)Prazo de amortização de 10 - 20 anos =, com um período de carência de 5 anos.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O presente pedido de empréstimo consagrado nesta proposta de lei, tem em vista, como dissemos, financiar diversos projectos que contribuição para o desenvolvimento económico e social da Região Autónoma dos Açores.
O Partido Social Democrata tem sido sempre o grande promotor do bem-estar, do nível e da qualidade de vida dos açoreanos...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - .. .e sempre foi o grande defensor da autonomia. Por isso, vai votar favoravelmente a proposta de lei n.º 60/V.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretende-se com a proposta de lei n.º 60/V a contracção de um empréstimo pelo Governo Regional dos Açores até ao montante de S milhões de contos junto do Banco Europeu de Investimento.
Tendo em conta que este empréstimo se destina ao financiamento do investimento do Plano em empreendimentos reprodutivos e que esta obtenção do empréstimo é feita em condições mais favoráveis, quer no que diz respeito a prazos de pagamento, taxa de juro e encargos, quer porque o montante utilizado reúne as condições previstas no articulado aplicável da lei do Orçamento de Estado em vigor, quer ainda porque este processo seguiu a correcta tramitação constitucionalmente prevista, quer, finalmente, porque este empréstimo se destina a investimentos no sector dos transportes que permitirão melhores condições de vida a parte importante da população da Região Autónoma dos Açores, daremos o nosso voto favorável à presente iniciativa legislativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tema a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, informo a Câmara, e sobretudo os deputados mais ligados a estas questões, de que este empréstimo está previsto no Orçamento do Estado para 1988 e também nós demos um voto positivo.
Em segundo lugar, o nosso partido, tanto na Assembleia Regional dos Açores como pelos dados que possuímos, entende que os empréstimos externos que se destinam a investimentos do Plano são importantes para a Região e, por sua vez, para as populações, pelo que merece o nosso voto positivo, pese embora, e descontando, o arrolamento propagandístico e até charlatanesco da bancada do PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guido Rodrigues e Belarmino Correia.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, tendo em conta o que disse no início da sua intervenção quanto à concessão deste empréstimo do Banco Europeu de Investimentos à Região Autónoma dos Açores, julgo que o diploma em discussão terá unanimidade desta Câmara.
Agora, que V. Ex.ª considere, na parte final da sua intervenção, pura acção propagandística o relato feito com minúcia e fidelidade, do que, na realidade, se vai fazer e todas as informações que prestámos, é que já não compreendo, mais a mais vindo da parte do Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Belarmino Correia.

O Sr. Belarmino Correia (PSD): - Sr. Presidente, quase que me dispensaria de usar da palavra neste momento, na medida em que o meu colega de bancada Guido Rodrigues acentuou o ponto que eu queria focar.
De qualquer maneira, queria dizer ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas que não houve atitude propagandística da minha pane ao fazer o enunciado que fiz, porque, de facto, as acções que referi foram previstas, aquando da discussão do anteprojecto desta proposta de lei, na Assembleia Regional dos Açores. Portanto, não há aqui propaganda alguma.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, se os Srs. Deputados não tivessem falado, tínhamos ganho tempo e também uma ocasião de eu não lhe responder.
Como assim não aconteceu, vou dizer-lhe o seguinte, quando p Sr. Deputado se referiu ao empréstimo, disse que havia duas tranches. Ora, se fizer as «continhas», verifica que a segunda tranche é de 2 milhões de contos, o que significa que esse arrolamento que o Sr. Deputado Belarmino Correia aqui fez, em tom de leiloeiro - aliás, o PSD adquiriu esse tique no leilão das empresas públicas - não se vai realizar rapidamente e que tem um lei de tempo, que não sei quanto é. Portanto, como no próximo ano há eleições, V. Ex.ª não fazem aqui mais um truque de mágica.

O Sr. Belarmino Correia (PSD): - Não é nada disso!

O Orador: - Ora bem, estamos habituados a esses truques de mágica do PSD. Querem um caso muito concreto? Os senhores afirmam, nas Grandes Opções do Plano, concretamente, que este ano se dará início à construção do segundo tabuleiro da Ponte sobre o Tejo. Por acaso, sabem se já foi lançado o concurso público? Não! Sabe se isso vai ser realizado este ano? Não! No entanto, como propaganda foi aqui afirmado isto pelo seu Governo e com os aplausos, de pé, dos Srs. Deputados. O que é isto senão propaganda?
O que é isto senão charlatanice?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como, aliás, estava previsto, informo que vamos terminar a discussão da proposta de lei n.º 60/V durante o período da

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manhã e que às 15 horas passamos à discussão das propostas de lei n.º 51/V e n.º 63/V.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos dar a nossa aprovação a este empréstimo, porque ele está formalmente correcto e materialmente foi aqui justificado a que é que se destina. Mas queríamos chamar a atenção para o seguinte: Este é o segundo empréstimo que a Região Autónoma dos Açores pede para tapar um buraco orçamental. O primeiro, por coincidência, foi feito quando o Sr. Ministro das Finanças era o actual Primeiro-Ministro, o Sr. Professor Cavaco Silva, e este agora é também feito quando o Primeiro-Ministro é o próprio Sr. Professor Cavaco Silva e Ministro das Finanças Sr. Dr. Cadilhe que ainda não é professor, embora aqui se mostre muitas vezes neste tom...!
Risos.
O que sucede é que parece ter havido uma má previsão, pois foram orçamentados dez milhões de contos e depois só se conseguiu, através do Orçamento do Estado, inscrever sete milhões, tendo assim de se tapar o buraco, o que se faz através deste empréstimo. Nós consideramos que está certo, dado que tanto a autonomia como a Região ganham com isso, e que o dinheiro é para ser gasto e não para ficar em «barras» para dizermos, amanhã, que podemos pagar as dívidas ou para fazer outras propagandas. Concordamos com o empréstimo, simplesmente desejamos chamar a atenção de que muita coisa se poderia evitar se não houvesse problemas internos entre o PSD nacional e o PSD regional; se houvesse uma melhor articulação entre o Governo Central e o Governo Regional entre o Ministério das Finanças e a Secretaria Regional dos Açores.
Fazemos votos para que a Assembleia seja poupada a esses atritos particulares, íntimos e domésticos do PSD nacional e do PSD regional e, com alegria, votamos este empréstimo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Barros.

O Sr. Ricardo Barros (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS, tal como o fez em sede de comissão, votará favoravelmente esta proposta de lei da Região Autónoma dos Açores.
Pretende o Governo dos Açores contrair um empréstimo com vista a propiciar o financiamento de investimentos no sector dos transportes, o que prova a permanente necessidade de modernização de infra-estruturas essenciais à vida de uma região insular, como são os portos e aeroportos.
A necessidade destes investimentos justifica-se, ainda, porque durante várias décadas os Açores, tal como outras parcelas do território nacional, estiveram abandonados ao seu destino sem que se cuidasse de criar as condições mínimas para que as populações não tivessem de procurar noutras paragens melhores e mais dignas formas de viver.
Lembro, por exemplo, as cíclicas faltas de géneros que se fazem sentir nalgumas ilhas e que mais não são do que o reflexo da falta de portos e aeroportos que
ofereçam as condições mínimas de operacionalidade nos duros dias do inverno insular.
Outras razões não houvessem, estas, só por si, justificariam o nosso voto favorável. Só é pena que passados quase 14 anos de experiência autonômica ainda tenhamos de cuidar de questões tão importantes para a qualidade de vida daquela gente tão laboriosa e que merece toda a nossa admiração e respeito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a discussão da proposta de lei n.º 60/V (ARA), pelo que interrompemos para o almoço e reunimos às 15 horas.
Está suspensa a sessão. Eram 12 horas e 12 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão, Srs. Deputados.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Tal como consta da nossa ordem de trabalhos, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 51/V - Concede autorização ao Governo para legislar em matéria de regime e estrutura da carreira diplomática.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (João de Deus Pinheiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É do conhecimento da Câmara que, nos últimos anos, se tem vindo a fazer a reestruturação de algumas carreiras ditas especiais.
Referir-me-ia, por exemplo, à carreira docente universitária, à carreira docente de investigação e à carreira dos magistrados.
Julgo, por isso, que não espantará ninguém - e certamente não espantará às pessoas que conhecem melhor o Ministério dos Negócios Estrangeiros - a necessidade de se vir a dispor, a curto prazo, de um estatuto da carreira diplomática.
Esse é, portanto, o objectivo último do Ministro dos Negócios Estrangeiros e do seu Ministério ao pedir uma autorização legislativa nesta matéria.
Porém, importa ter consciência que, por discrepâncias formais entre o disposto no Decreto-Lei n.º 47 731, de 1966, que, aliás, sofreu múltiplas alterações, e os Decretos-Leis n.º 44/84 e 248/85, que regulamentam regimes da função pública, e que não ressalvaram a especificidade da carreira diplomática, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, no Decreto-Lei n.º 191-F/79, há neste momento dificuldades com o Tribunal de Contas, relativamente aos processos de promoção dos funcionários diplomáticos. Mais: o próprio Tribunal de Contas convida a Administração a formular as alterações necessárias à legislação corrente para que o processo de promoções possa prosseguir, sem prejuízo das disposições anteriores.
Haveria, portanto, que fazer uma opção: ou esperar um pouco mais e apresentar, desde logo, todo o estatuto da carreira diplomática, ou avançar, desde já, com um primeiro projecto, exclusivamente relativo a promoções para não prejudicar mais os funcionários que, já há alguns meses, aguardam indevidamente que este processo seja concluído.

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O projecto que aqui trazemos é extremamente simples, na medida em que não tem grandes modificações em relação à prática corrente no Ministério dos Negócios Estrangeiros, deixando-se para o Estatuto da Carreira Diplomática as modificações de fundo que, eventualmente, venham a ser necessárias introduzir.
Referir-me-ei, agora, a alguns aspectos deste diploma um pouco diferentes daquilo que tem vindo a ser a prática corrente na legislação actual.
E refiro, a título de exemplo, o caso de na legislação anterior se poderem promover ministros plenipotenciários de 2.º e de 1.ª classes com um ano na categoria. Neste diploma que ora propomos, sugerimos que esse tempo mínimo deve ser de dois anos.
De igual modo, na legislação anterior havia uma grande discricionariedade concedida ao Ministro dos Negócios Estrangeiros para determinar promoções, independentemente do parecer do Conselho do Ministério. No diploma que agora propomos restringimos este poder discricionário na medida em que limitamos esta discricionariedade do Ministro exclusivamente ao topo da carreira, aos embaixadores, e solicitamos sempre a intervenção do Conselho do Ministério.
Referia ainda que, atendendo a que houve uma modificação na legislação do Ministério, que permite redutar para os postos de directores-gerais e subdirectores-gerais elementos fora da carreira diplomática e, inclusive, recrutá-los em categorias abaixo do ministro da primeira, entendeu-se ser necessário e conveniente que no Conselho do Ministério pudessem figurar 3 embaixadores na situação de disponibilidade propostos pelo secretário-geral, de modo a assegurar que no topo da hierarquia tenham um número mínimo de representações no referido Conselho.
Estas são, Sr. Presidente e Srs. Deputado, as pequenas alterações deste diploma, que têm como objectivo - repito - permitir que o processo de promoções seja desbloqueado.
Muito obrigado, Sr. Presidente e Srs. Deputados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Jorge Lemos, João Corregedor da Fonseca e António Mota.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Ministro dos Negócios, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: Começaria por significar ao Sr. Ministro que se o texto, que se propõe publicar ao abrigo da autorização legislativa, é assim tão simples, todos poderíamos ter ganho se oportunamente, como foi solicitado pela Comissão de Negócios Estrangeiros, o Governo nos tivesse enviado o texto do decreto que se propõe publicar. Muitas das questões, que hoje irão ser postas durante este debate, poderiam ter sido evitadas.
Lembraria ao Sr. Ministro um primeiro ofício da Comissão, de 20 de Maio. Sucedeu-lhe uma resposta do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares informando - o que nós também sabíamos - que tratando-se de autorização legislativa não há apreciação em Comissão, mas a Comissão tentou ganhar tempo para que, quando chegasse ao Plenário, pudesse, já, ter, minimamente, elaborado um juízo sobre o diploma.
Há um outro ofício dirigido ao Governo, de 1 de Junho de 1988, ainda sem resposta mais de mês e meio depois.
Contudo, se é assim tão simples o decreto, convenhamos que pelo menos o envio do memorando do decreto não teria sido difícil, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, ao olhar para a autorização que nos é pedida - e estará certamente de acordo connosco - verifica-se a impossibilidade de extrair do texto apresentado qualquer sentido. Define-se a extensão, diz-se que se pretende estabelecer uma disciplina própria, adequada à natureza específica, e nós perguntamos: mas o que é isto? Qual o sentido? É que não podemos votar esta autorização legislativa nos exactos termos em que aqui entrou.
Creio, até, que poderemos aproveitar o presente debate para, em sede de comissão, obviamente, aditarmos os necessários ajustamentos e definições para que tenhamos consciência de que o que sai daqui sai, de facto, com sentido e com objecto.
Deixarei para a minha intervenção alguns aspectos que se prendem com a intervenção do Tribunal de Contas no processo. Trata-se de uma questão que não pode ser ignorada no debate que aqui estamos a travar. Mas, desde já, perguntaria ao Sr. Ministro se relativamente à Resolução do Tribunal de Contas de 5 de Novembro de 1987, a qual negou o visto à promoção de quatro ministros plenipotenciários de 2.º classe - cujos nomes não interessam para o caso -, adoptou algumas das soluções que o Tribunal sugeria. Creio que o Tribunal não sugeriu uma alteração legal, mas sim que o Governo, no quadro da legislação vigente, tomasse uma atitude. Só isso. O Tribunal não diz ao Governo: altere a lei para que depois se possa dar provimento à promoção proposta pelo Sr. Ministro. Não, o Tribunal não diz isso.
Posteriormente terei oportunidade de citar a passagem a que me estou a referir. Creio, contudo, que não estamos a referir a mesma resolução ou, então, estamos a fazê-lo com um sentido que não corresponde ao texto, efectivamente, aprovado pelo referido Tribunal.
Para já, Sr. Ministro, é tudo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Joio Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Ministro, algumas questões já estão colocadas, porém o Sr. Ministro, sobre o pedido de autorização legislativa do Governo, disse, em síntese, tratar-se de um pedido de autorização simples, que visa a estrutura da carreira diplomática e o desbloqueamento do processo de certas promoções, face à «célebre» declaração do Tribunal de Contas do ano passado. Por sua vez, o próprio pedido de autorização legislativa diz: «Fica o Governo autorizado a legislar..., nomeadamente no que concerne à selecção e recrutamento, classificação de serviço, sistemas de promoção e graduação na categoria de embaixador...»
Pedia ao Sr. Ministro o favor de nos expor, sucintamente, o pensamento do Governo sobre a apreciação da selecção, a forma de recrutamento e a graduação em categoria de embaixador, etc. já que refere e sentido de vir a ser estabelecida uma disciplina própria adequada, de natureza específica.
Se, com efeito, o Governo, além deste artigo, apenas refere, num segundo, a extensão e duração de 180 dias, o Sr. Ministro não terá algo mais a dizer i Câmara para podermos ajuizar melhor como vai funcionar este sistema de promoção, de selecção, de recrutamento, etc?

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Já agora, Sr. Ministro, uma vez que trata desta matéria, que tem a ver com o regime e estrutura da carreira diplomática, não seria de aproveitar a oportunidade e, indo um pouco mais longe, tentar estabelecer outras coordenadas no que diz respeito ao Ministério dos Negócios Estrangeiros? Será que, em relação a toda a estrutura, não seria necessária uma lei visando a modificação de hábitos, de métodos, etc, não seria de aproveitar a oportunidade e modificar, melhorando, toda uma legislação interna do Ministério dos Negócios Estrangeiros?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Ministro, apenas uma pergunta muito simples, no seguinte sentido: Se o Governo pretende melhorar o recrutamento e a selecção dos quadros da carreira diplomática, pergunto se tal melhoramento irá incidir nos países de grande afluência de emigrantes, dadas as grandes dificuldades aí existentes. Isto é, a alteração que se pretende visa melhorar os nossos serviços consulares destes países e seleccionar melhor o pessoal que vai integrar, também aí, as nossas embaixadas?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Tem alguma razão o Sr. Deputado Jorge Lemos e, por esse facto, peço desculpa à Câmara por não ter conseguido a tempo - alguns dias antes pelo menos - que o texto daquilo que propomos, pelo menos nesta primeira fase, pudesse ser distribuído à Câmara. Tenho comigo as cópias necessárias para que todos os grupos parlamentares possam dele tomar conhecimento e apreciá-lo pelo menos em sede de especialidade.
Sobre a intervenção do Tribunal de Contas no processo, penso não estar aqui em discussão. Diria, apenas, que teremos de atentar naquilo que são os seus pareceres na medida em que são orientadores, isto é, procuram fundamentar e justificar. Chegámos, assim, à conclusão de que esta seria a melhor via.
Isto permite-me fazer ligação com a questão levantada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca que, provavelmente, não ouviu toda a minha primeira intervenção. Nela referi que isto era apenas um passo intercalar porque aquilo que é fundamental é, de facto, um estatuto da carreira diplomática que contemple todas as regras do jogo, que contemple direitos e deveres, que contemple mecanismos de graduação, de selecção, de recrutamento, etc...
Neste diploma que ora proponho à Assembleia, viso especialmente, e apenas - e é por isso que ele aparece sob a forma, digamos, de diploma interino -, desbloquear as promoções. Esse é o grande objectivo deste diploma. No entanto, proponho-me tal como se diz no pedido de autorização legislativa, no prazo de 180 dias, completar um projecto de algum fôlego, até hoje nunca feito, sobre o estatuto da carreira diplomática.
Já agora, acrescentarei, Sr. Deputado, que, de facto, temos em curso a revisão de toda a legislação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que é bastante antiga
e que tem vindo a ser modificada por artigos e decretos isolados, o que a tornou como que numa manta de retalhos.
Finalmente, a resposta ao Sr. Deputado António Mota julgo estar contemplada na minha resposta anterior.
O estatuto de Carreira Diplomática será um estatuto abrangente e irá, tanto quanto possível, juntamente com o regulamento do Ministério, constituir um quadro de referência que possa, facilmente, ser consultado e considerado como o enquadramento de toda a actividade diplomática e naturalmente consular.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Pretende o Governo, através da proposta de lei n.º 51/V, obter autorização para legislar em matéria de regime e estrutura da carreira diplomática, mas desconhece-se o conteúdo concreto da intencionalidade legislativa do Governo, bem como a sua extensão.
Esta iniciativa é baseada na necessidade de existência de regimes próprios para as carreiras de certos serviços especiais.
Segundo o Governo, a carreira diplomática deve reger-se por estatuto próprio, afirmando contudo que tal constatação não basta, importando esclarecer e definir a estrutura desta carreira no actual quadro normativo das carreiras da Administração Pública.
Invoca-se ainda a crescente afirmação de Portugal na cena internacional bem como o facto de Portugal vir a assumir a presidência das Comunidades Europeias em 1992.
Neste sentido elenca o pedido de autorização em questão dos requisitos necessários ao processo legislativo, designadamente, em matéria de regime e estrutura da carreira diplomática. Apesar de especificidade da referida carreira, pensamos que devem ser respeitados princípios gerais, comuns aos processos de concurso na Administração Pública, nomeadamente, no que concerne à igualdade de condições e de oportunidades para todos os candidatos, liberdade de candidatura, divulgação atempada dos métodos e provas de selecção, aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação, neutralidade na composição do júri e direito de recurso.
É também imperioso que o concurso seja obrigatório, sem prejuízo da mobilidade profissional e territorial.
Por outro lado, entendemos que só deverão ter acesso à carreira os candidatos que satisfaçam os requisitos gerais para o provimento em funções públicas, bem como os requisitos especiais legalmente definidos para preenchimento dos lugares.
Não se nega nem deve negar-se a iminente qualificação política de uma actividade que não é só, ou é o em escala reduzida, de carácter administrativo.
Mas, tal reconhecimento não deve prejudicar, antes deve assegurar um conjunto de princípios que, sem coarctar área de intervenção do Governo nessa matéria, enquanto órgão de condução da política geral do País e órgão superior da Administração Pública (artigo 185.º da Constituição), evitem situações de mera arbitrariedade ou retaliação política ocasionadas por mudanças de Governo de sentido ideológico diverso.

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E fundamental também que os sistemas de promoção e graduação na categoria de embaixador, bem como a classificação de serviço devam pautar-se por critérios objectivos e não em discutíveis princípios de avaliação que não tem a ver com a actividade desenvolvida e com a competência demonstrada.
A ausência de parecer da Comissão respectiva, impede-nos de aprofundar-mos as implicações de um tal pedido de autorização legislativa, dificuldade acrescida pela circunstância de a proposta de lei em causa não vir acompanhada do projecto de decreto-lei legislado.
Parece que o Governo tem excessiva pressa em legislar numa área governamental em que são visíveis certas tensões.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esperando o respeito pelo quadro proposto, consagrado, aliás, no ordenamento jurídico da função pública, pesando embora o carácter específico da carreira diplomática daremos o nosso voto favorável à presente iniciativa legislativa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sonsa Lara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Presente está a proposta de lei n.º 51/V, que a ser aprovada, concede ao Governo autorização para legislar em matéria de regime e estrutura da carreira diplomática.
Da exposição de motivos, apresentada pelo Governo, ressalta a intenção de valorização dos recursos humanos afectos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, no quadro, quer das responsabilidades permanentes, em termos de representação externa do Estado português, quer daquelas que acrescem, resultantes da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, cuja presidência lhe caberá dentro de cerca de quatro anos.
Nos termos do n.º 1 da proposta de lei, a autorização legislativa abrange não só o regime como a estrutura da carreira diplomática, ressaltando-se, indicativamente, por especialmente significativos, os aspectos da selecção e recrutamento de pessoal, da sua classificação de serviço, das promoções consideradas de uma forma sistémica e ainda a regulação da graduação na categoria de embaixador, topo da referida carreira.
Como o próprio Governo indica, trata-se, em suma, de um conjunto de medidas cuja urgência decorre do momento histórico que vivemos, cuja pertinência foi reconhecida no próprio Programa do XI Governo Constitucional, aprovado pela Assembleia da República, e cujo ritmo e qualidade de execução o PSD quer aproveitar para sublinhar e aplaudir.
Três atributos são, como conjunto, exclusivos dos Estados soberanos, a nível externo, ou internacional se preferir; o direito de fazer a guerra e celebrar a paz; o direito de celebrar tratados e convenções internacionais e o direito de representação diplomática e consular. Em todos eles é essencial a acção da diplomacia. Esta deve adequar-se à natureza dos objectivos estratégicos nacionais de cada momento histórico concreto.
Há, por conseguinte, que repensar a carreira diplomática em função das grandes prioridades da política externa portuguesa, área, aliás, de grande consenso democrático, e que passam, como é mais do que sabido, pela participação nas Comunidades Europeias, na Organização do Tratado do Atlântico Norte e pela cooperação com os países de língua oficial portuguesa.
As grandes potencialidades internacionais do nosso país não decorrem prioritariamente nem da nossa economia nem da nossa força militar, como acontece com as grande potências, mas sim da posição geopolítica que ocupamos, da distribuição no Orbe da nossa população, a expansão da língua e da cultura portuguesas e da posição única, de charneira, que assumimos entre os grandes espaços políticos sócio-culturais e económicos em que os Estados se arrumam e em que as solidariedades internacionais se organizam.
À grande mutação, qualitativa e quantitativa, que se opera no campo das relações internacionais, em que Portugal é parte, há que fazer corresponder uma adequação, nos meios tácticos e estratégicos, de intervenção. E nestes a diplomacia ocupa local privilegiado, e por isso mesmo de maior sensibilidade e responsabilidade.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É sempre delicado bulir com carreiras de índole profissional, pelo melindre que envolve interferir com situações sedimentadas pelo peso do tempo, com rotinas que se reivindicam de obrigatórias e com apostas - chamamos-lhes antes investimentos - que se acumulam dentro de pressupostos que, afinal, vão mudar.
Mas um Governo como o nosso, que enfrenta, sem temores nem tibiezas, a reforma ou a optimização das estruturas e das instituições com uma postura política constante, ao serviço de objectivos estratégicos de vocação nacional, distinguindo claramente a prevalência destes sobre o nível da instrumentabilidade dos meios, na constância das limitações éticas e políticas que o personalismo pluralista impõe, não pode deixar de ser correspondido com o apoio político claro de que a maioria parlamentar faz sua bandeira.
E é por isso, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, que o PSD concederá o seu apoio a esta proposta de lei, não o limitando, todavia, ao acto formal da aprovação do presente diploma, mas concedendo o seu suporte político ao desenvolvimento das reformas estruturais que no seu âmbito e dentro do espírito, em breves linhas traçado, se impõe para Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Sousa Lara, o seu discurso é extremamente interessante desde logo, porque esclarece, pelo menos do ponto de vista público, determinadas questões que talvez não se encontrem tão esclarecidas em domínios menos públicos. Creio, no entanto, que foge muito ao debate que estamos a travar e tenta levá-lo para um campo em que ele efectivamente não está.
Poderemos levar as intervenções para esse caminho mas creio que estamos, neste momento, a tratar de um aspecto muito particular, de um pedido de autorização legislativa, e não a discutir as opções estratégicas do Governo, longe disso. Para o fazer precisaríamos de um debate bastante mais aprofundado e com mais tempo.
No quadro do presente debate desejo colocar-lhe duas questões, sendo a primeira a seguinte: considera o Sr. Deputado Sousa Lara que o Estatuto da Carreira Diplomática pode ignorar direitos essenciais do regime

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geral dos trabalhadores da função pública, designadamente os consagrados nos decretos-leis que o pedido de autorização legislativa permite ao Governo revogar?
Segunda questão: como entende o Sr. Deputado Sousa Lara todo o sistema de promoções no Ministério dos Negócios Estrangeiros? Entende ser de manter ou de alterar as regras actuais, ou seja, pensa que se devem adoptar as pessoas à legislação ou adoptar a legislação às pessoas?
Creio que é esta a grande questão que se coloca neste debate, e o Sr. Ministro não lhe fugiu. Disse, claramente, que há pessoas que não podem ser promovidas neste momento, porque não têm os 3 anos, só têm 2 anos. Então, baixe-se para 2 anos o tempo para as promoções!
Bom, mas o Sr. Ministro foi claro...
Gostava de saber a sua opinião, Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, agradeço as suas perguntas.
Em relação à primeira parte da sua intervenção, penso que tanto V. Ex.ª como o seu partido são useiros e vezeiros em utilizar qualquer tema e qualquer argumento para expandirem e desenvolverem opiniões que não se circunscrevem à questão precisa e concisa do tema em apreço. De qualquer modo penso que é uma prática salutar aproveitar uma ocasião de vida parlamentar para poder desenvolver considerações que são úteis a todos e que mostram e explicam a posição política deste grupo parlamentar, que é neste momento a maioria.
Em relação às perguntas concretas que me colocou, devo dizer-lhe que a minha intervenção é, de certa forma, esclarecedora, e quando a ler com calma vai ver que o é.
Penso que a carreira diplomática é um instrumento - note bem - e não um objectivo. Isto é uma das essências da minha intervenção. Considero que a carreira diplomática é um instrumento que está ao serviço de um objectivo maior, que é a política externa de um Estado, ou seja, a política externa do nosso país.
Sinceramente, falo sem conhecimento do articulado que vai ser proposto pelo Governo e, portanto, estou no mesmo pé de igualdade que V. Ex.ª, mas estou certo de que muitos dos direitos essenciais do regime geral, a maioria deles, e o seu espírito vai ser, tanto quanto possível, perservados na sua globalidade. Mas se há que adequar a carreira diplomática a essa tarefa, que é prioritária, a esses direitos essenciais, o objectivo fundamental é, exactamente, o de fornecer ao país um dispositivo que é essencial à sobrevivência e à projecção do Estado português como potência que possa ser ouvida no concerto das Nações - esse é o objectivo que considero prioritário. Se for necessário, devido à especificidade da carreira, adequar esses direitos essenciais ao objectivo que eles visam servir, não tenho dúvida alguma de que se o Governo assim o fizer terá o nosso apoio, porque, de facto, há que pesar os valores, há que pesar as prioridades, e uma prioridade mais prioritária prevalece sobre outra menos essencial.
Perguntou-me como entendo o sistema de promoções e digo-lhe que o faço dentro desta mesma lógica.
Tenho do Governo uma visão muito positiva, que é com certeza diferente da sua, senão não estaríamos sentados em bancadas opostas. Vejo a carreira diplomática num sentido instrumental e tenho para mim que o Governo tem feito um belo papel, sobretudo a nível do Ministério dos Negócios Estrangeiros, pelo que nos merece toda a confiança e não vejo que deva pairar sobre o Governo uma desconfiança apriorística.
Não tenho, pois, dúvidas de que o Governo vai legislar no bom sentido com esta autorização legislativa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a elaboração e a aprovação de um novo estatuto para a carreira diplomática decorriam necessariamente da adopção de uma nova 'orgânica para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Dois anos e meio após esta ter encontrado definição legal, vem o Governo pedir autorização legislativa para, no prazo de 180 dias, regular os respectivos regime e estrutura. Como se pode constatar, embora esta não seja uma área para a qual o actual Governo tenha reclamado ritmo de celeridade a produção legislativa, o assunto afigura-se-nos da maior importância, dadas as suas implicações para a execução da política externa e as relações exteriores do país.
O Governo não optou por formular uma proposta de lei e limita-se a pedir uma autorização legislativa genérica, sem delinear o mínimo pormenor das suas intenções.
Pede, portanto, um cheque em branco. Ou melhor, distribuiu após o início deste debate, um texto, que eventualmente deu a conhecer ao seu grupo parlamentar, mas que a Assembleia, designadamente a Comissão adequada, não teve tempo de examinar, contrariamente ao que pediu repetidas vezes ao Governo.
Independentemente do que vier a ser o nosso julgamento sobre a diploma definitivo, passível de regressar a debate neste Hemiciclo sob a forma do correspondente pedido de ratificação, não se nos afigura que o actual Governo e o que imediatamente o antecedeu tenham revelado até aqui uma compreensão efectiva da função do Ministério dos Negócios Estrangeiros, dos seus serviços, do seu pessoal e, muito em particular, da missão da carreira diplomática numa perspectiva de modernização.
Vejamos alguns factos expressivos:

Com a chegada do PSD à governação exclusiva, o responsável pela condução dos Negócios Estrangeiros transitou, na hierarquia do Governo, da área das pastas políticas (Defesa, Administração Interna, Negócios Estrangeiros, Justiça) para o oitavo lugar da orgânica governamental, colocado atrás de pastas eminentemente técnicas, como as Finanças e o Plano.
Esta, «despromoção» seria irrelevante se não significasse a perda da capacidade de articulação do Ministério dos Negócios Estrangeiros em matéria de relações internacionais, face a outros departamentos, e ainda a recusa de conferir ao seu titular a autoridade política suficiente para agir na qualidade de Ministro de Estado de facto e, consequentemente, poder coordenar os aspectos interministeriais envolvidos na formulação da política externa.

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Recentemente, pela Resolução n.º 17/88, o Conselho de Ministros acentuou esta orientação, ao consagrar a legitimidade de todos os Ministérios para a negociação internacional directa e ao conferir ao Primeiro-Ministro o poder para aprovar a rubrica ou assinatura de qualquer acordo ou compromisso internacional, remetendo o Ministério dos Negócios Estrangeiros para a posição de receptáculo de meras informações sobre os assuntos em causa.
Tamanha dessubstancialização de funções do Ministério dos Negócios Estrangeiros confina-o a um quadro residual de acção no contexto das tarefas governamentais e atesta o papel meramente decorativo, protocolar e simbólico do respectivo titular. Os especialistas têm registado o surto recente de departamentos internacionais em Ministérios sectoriais (Indústria e Comércio; Agricultura, Pescas e Alimentação), com clara diminuição do papel enquadrador do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em especial da sua Comissão Interministerial para as Comunidades Europeias, bem como têm constatado a indisciplina reinante na Administração quanto ao papel que deve competir à representação permanente de Portugal junto das Comunidades Europeias. Ao aprovar, com atraso, a reestruturação da orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em final de 1985, o Governo de então, que utilizou e mutilou todo o trabalho previamente elaborado, teve a infelicidade de extinguir a Direcção-Geral das Relações Culturais Externas (para a qual se previa, aliás, a agregação de funções nas áreas científica e tecnológica), de uniformizar a Direcção-Geral dos Negócios Políticos e a Direcção-Geral dos Negócios Económicos e de não autonomizar uma Direcção-Geral dos Serviços Consulares (à qual agregou a administração financeira e patrimonial).
Num país para quem a herança histórico-cultural, a língua e as comunidades de emigrantes representam factores determinantes de reforço do poder nacional, a ligeireza das medidas tomadas não podia ser mais eloquente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira grande conclusão a tirar dos factos apontados é a de que o partido governamental não é susceptível de gerar um pensamento político em que os meios de elaboração e execução da política externa sejam devidamente valorizados e tenham adequada inserção na estrutura da Administração.
A incompreensão da especificidade da carreira diplomática enquanto instituição do Estado é a outra grande lição a extrair dos últimos três anos de experiência governativa no campo dos Negócios Estrangeiros.
Na verdade, por entre um conjunto de subtilezas de legislação, nem sempre perceptíveis ao grande público, os Governos PSD têm vindo a dar passos sucessivos e metódicos para retirar ao exercício de funções diplomáticas as condições que sempre ditaram a sua autonomia e que, em todas as circunstâncias, devem pautar o elevado profissionalismo, isenção e patriotismo dos seus titulares.
Que outro sentido senão esse têm as modificações introduzidas quanto às regras de movimento de directores e sub-directores gerais do Ministério dos Negócios Estrangeiros que agora permitem o seu recrutamento, em todas as áreas, fora da carreira diplomática? Que outra leitura senão essa se poderá dar à descaracterização das funções do Conselho do Ministério, agora remetido a um papel consultivo abstracto quanto à ordenação para efeitos de promoção e aos critérios
de planeamento do movimento do pessoal diplomático? E que outra ilação tirar da medida que copiou definitivamente para a carreira diplomática certas categorias de embaixadores a ela alheios ou do alargamento crescente do quantitativo de quadros técnicos nas missões no estrangeiro, para aí agirem como mini-embaixadores de ministérios sectoriais?
Há em Portugal uma corrente de opinião que tende a marginalizar o papel da diplomacia. Num país em que o custo das viagens é desproporcionado face aos rendimentos individuais, segmentos inteiros da Administração - da burocracia à tecnocracia - invejam o pessoal do Ministério dos Negócios Estrangeiros, atribuindo-lhe, aliás, como constante usufruto material, o imaginário dos seus desejos esporádicos. Numa cultura política em que o mais subalterno contacto internacional tem sempre a valorização publicitária de um feito decisivo na evolução da cena internacional, não é de admirar por isso que preconceitos dessa natureza invadam a esfera governativa e colonizem a mente dos altos responsáveis públicos. A base social de apoio para a guerra contra os diplomatas não é pequena. O pior é quando esse acinte se transforma em verdadeiro objectivo legislativo das obsessões de um governo. Isto é, quando os próprios governantes erigem em projecto a subalternização do Ministério dos Negócios Estrangeiros na formulação da política externa e a redução do papel da carreira diplomática ao exercício de funções meramente protocolares na logística do Estado-espectáculo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A modernização da diplomacia portuguesa é, sem sombra de dúvida, um imperativo nacional. Os diplomatas sabem e sentem que essa modernização é o mais estimulante desafio profissional que se lhes depara, sem a realização do qual o seu próprio papel se esbaterá. E o País espera que da modernização da diplomacia portuguesa resulte uma maior visibilidade dos interesses nacionais na cena internacional. Mas a questão é a de saber com que filosofia, com que critérios e com que finalidades se encara esse conjunto de transformações e que configuração exacta tem a reforma.
Os actuais responsáveis não esclareceram a forma como encaram aspectos tão fundamentais para a revitalização da carreira diplomática, como o do recrutamento e formação geral, especializada e contínua dos seus quadros. E, aliás, um tema que recoloca a necessidade e urgência de desenvolver os estudos diplomáticos em Portugal a nível da investigação e pesquisa e no plano do ensino superior. Sem uma visão clara sobre esse problema de fundo, pouco se poderá avançar e os diplomas não passarão de textos declaratórios de vaga intenção.
A política externa para o ano 2000 não dispensa também que, em paralelo com a revisão do regime da carreira diplomática, sejam revistos os regimes das carreiras técnicas especializadas e do pessoal administrativo do Ministério, bem como dos funcionários das missões diplomáticas e consulares, cujo estatuto o actual poder se encarregou de desmantelar, sem encontrar a menor solução substitutiva. Grandes reservas se nos colocam, assim, à capacidade do Governo para dar a esta problemática uma resposta globalmente coerente, profissional e modernizadora. O que está em causa é mesmo saber se aquilo a que o actual Governo se propõe tem em vista criar as condições para a existência de uma moderna diplomacia como serviço público independente

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e competente, como desejaríamos, ou, pelo contrário, se as modificações que o Executivo pretende realizar não têm antes por finalidade, como receamos, prosseguir a acção legislativa dos Executivos PSD, com vista à secundarização e pulverização do Ministério dos Negócios Estrangeiros e à desprofissionalização dos serviços diplomáticos, como se tem visto com a própria diminuição das condições de exercício da função diplomática, quando em serviço interno no Ministério ou mesmo com o não preenchimento dos lugares previstos pela lei orgânica, para já não falar na campanha desencadeada a partir de certos sectores do Governo contra o valor específico dos quadros diplomáticos portugueses.
A intervenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros esclareceu-nos, aliás, que o pedido de autorização legislativa tem apenas em vista contornar dificuldades levantadas pelo Tribunal de Contas a um controverso processo de promoções no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Preferiríamos que o assunto de tamanha importância fosse objecto de um forte consenso nacional entre forças políticas representativas, mas também que desse consenso pudessem participar os próprios diplomatas portugueses e demais especialistas na área das relações externas, homens de cultura, agentes económicos e sociais. Aconselha-se, por isso, uma audição adequada e alargada, um inventário comparativo mais exigente, um empenhamento claro da Assembleia da República na elaboração das normas apropriadas Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedir uma autorização legislativa a seis meses, sem a menor informação sobre as soluções previstas, revelando até nem as possuir, ou melhor, apresentá-las à última da hora em Plenário, contrariamente aos sucessivos pedidos da Comissão de Negócios Estrangeiros desta Assembleia, e um modo estranho de mostrar que se anda sem andar, que se legisla sem se legislar, que se reforma sem se reformar.
Estamos, como sempre, disponíveis para examinar em profundidade a temática do estatuto da carreira diplomática, que também queremos ver dignificada. Aguardamos, porém, que o Governo tenha uma ideia e a concretize - sobretudo que não a concretize da forma como condutas anteriores nos fazem temer que o faça -, para que como interlocutor à altura, se possa então abrir um debate sério que conte com a intervenção e o ponto de vista dos que, em Portugal, têm sobre o assunto uma palavra autorizada a dizer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, é mais para prestar um esclarecimento do que para pedi-lo.
O Sr. Deputado Jaime Gama ou não ouviu bem o que eu disse ou não acreditou nas explicações que prestei ao Sr. Deputado Jorge Lemos. Queria por isso sublinhar e voltar a referir que o PSD está neste momento em perfeito pé de igualdade com qualquer outro partido representado nesta Assembleia pois não recebeu mais qualquer documento ou qualquer informação - nem sequer a título verbal - do que os que V. Ex.ª ou qualquer outro Deputado que aqui está recebeu. E não insistiu até neste ponto particular porque entendeu que o Governo cumpriu com o que se encontra estipulado na Constituição no que toca a autorizações legislativas. Definiu o objecto do projecto, o seu alcance, a sua duração, portanto não tem de se apresentar mais nada.
Se me disser que estamos interessantíssimos - tão interessados como V. Ex.ª em conhecer o texto do articulado, isso com certeza! Mas dizer que o recebemos não tem qualquer fundamento.

O Sr. Presidente: - O Grupo Parlamentar do PS dispõe de dois minutos.
Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegados a este momento do debate importará esclarecer que, do lado do PCP, somos os primeiros a defender a necessidade da adopção de medidas que permitam a dignificação da diplomacia portuguesa e que tenham em vista reforçar a sua capacidade de intervenção na esfera internacional.
Entendemos que a problemática em causa não é essa e não iremos espraiar-nos muito sobre a matéria, tanto mais que o tempo é bastante curto. Ater-nos-emos, por isso, a questões bastantes mais simples mas, quanto a nós, mais relevantes no debate que estamos a travar.
Entendemos que a dignificação do estatuto da carreira diplomática deve ser produzida com plena transparência, com o exacto conhecimento das soluções cujo adopção é preconizada.
Entendemos também, Sr. Ministro, que a amabilidade que teve de nos enviar hoje o texto do decreto--lei que se propõe publicar não nos ajuda muito no presente debate. Este texto teria sido extremamente útil se o tivéssemos conhecido pelo menos, há 48 horas. Teríamos tido então oportunidade de o estudar - mesmo há 24 horas - e de apresentar as necessárias sugestões de alteração.
O tom secretista que o Governo adoptou no encaminhamento do processo, até ao momento de começar este debate, não joga muito a favor da transparência e da clarificação de uma matéria sobre a qual não deveriam restar quaisquer dúvidas.
A questão com que estamos confrontados é a de que, como se trata de autorização legislativa - pedido de autorização legislativa completamente em branco, confirmado pelo próprio Sr. Ministro - , teremos de, em sede parlamentar, encontrar as formulações na especialidade que permitam dar conteúdo a essa autorização legislativa, ultrapassando o vício congénito de inconstitucionalidade de corrente precisamente do facto de, nesta proposta de lei, não estar definido o respectivo sentido.
O Governo, no texto que nos apresentou, não nos diz bem o que quer ou melhor, diz-nos parcialmente o que quer.
Sabemos que não quer que ao regime e à estrutura da carreira diplomática se apliquem disposições legais em vigor para os trabalhadores da função pública, designadamente o Decreto-Lei n.º 44/84, que define

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princípios gerais informadores do recrutamento e selecção de pessoal e do processo de concurso na função pública e o Decreto-Lei n.º 240/85, que reestrutura as carreiras da função pública.
Creio, Srs. Deputados, que um tema de reflexão que nos é colocado neste momento por esta iniciativa do Governo é o de saber se deve ou não haver uma clara diferenciação entre o que se refere à evolução na carreira diplomática por um lado e o que respeita à colocação de agentes diplomáticos por outro.
A colocação de embaixadores poderá corresponder, ainda que com limites, como é dito no texto da proposta governamental, a exactas necessidades de execução da política externa do Governo. Mas o regime de promoções na carreira não pode nem deve estar sujeito a enquadrar-se na execução do programa do Governo.
Isso seria, Srs. Deputados, governamentalizar a carreira diplomática. Ora, é precisamente esse um dos perigos que se corre com este pedido de autorização legislativa. Visa-se abrir a possibilidade - torneando, por alteração de lei, limitações que hoje constam de lei - de facilitar a promoção a embaixador de determinados funcionários, que de outra maneira não o seriam.
A questão com que estamos confrontados é esta, Sr. Ministro. E o Governo não pode fugir daqui.
O Sr. Ministro sabe tão bem como eu - sabe melhor, aliás, porque participou no processo - o que se passou com a recente proposta de promoções no Ministério dos Negócios Estrangeiros, as sugestões que sobre elas fez o Tribunal de Contas e como foram recusados os vistos a quatro das propostas de promoção. Curiosamente, um dos processos de promoção nem sequer tinha sido apreciado em devido tempo pelo Conselho do Ministério e só numa segunda fase é que ele entrou por proposta do próprio Sr. Ministro. O Sr. Ministro conhece tão bem como eu estes factos, que constam, aliás, da Resolução do Tribunal de Contas, que irei entregar ao Sr. Presidente da Assembleia da República porque penso que é significativa e é clarificadora para o presente debate.
Há pouco referi que o Sr. Ministro não adoptou as sugestões do Tribunal de Contas. É que o Tribunal de Contas, apontava dois caminhos: em primeiro lugar, se o Governo entendesse ir no sentido de haver um uniformização de jurisprudência, poderia ter, ao abrigo da Lei n.º 8/82, desencadeado novamente o processo, mas não o fez; em segundo lugar, poderia ter reposto a legalidade - ou a Administração poderia fazê-lo - e, através dela, a justiça relativa quanto o promoções a que foi concedido o visto - se assim o entendesse o Governo - lançando mão da respectiva revogação, em conformidade com o artigo 18.º da lei.
Não sabemos, Sr. Ministro, se alguma das soluções foi seguida. Pelo que há pouco o Sr. Ministro me disse creio bem que não. Quanto muito terá sido seguida a segunda, continuando os processos de promoção aguardando os restantes - os tais 19 - e, portanto sem seguimento.
Mas, ultrapassando este incidente, que vem minar todo o debate, diria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a definição do regime que o Governo pretende ver aprovado exige algumas precisões de critérios e de objectivos, não susceptíveis de dar lugar a situações de discriminação.
Vamos apresentar na Mesa da Assembleia da República um conjunto de propostas de alteração ao pedido de autorização legislativa do Governo que, do nosso
ponto de vista, são princípios mínimos que poderão salvaguardar o mínimo de transparência nesta matéria: fixação de critérios gerais objectivos e não discriminatórios na definição e estrutura da carreira diplomática; necessidade de um esforço da intervenção do Conselho do Ministério na definição desse mesmo regime; consagração do Conselho do Ministério como entidade à qual compete a elaboração das propostas de promoção a submeter ao Ministro; consagração do regime de concurso no processo de promoções, garantia dos princípios de igualdade e de liberdade de candidaturas e da divulgação tempestiva da abertura do processo de elaboração da lista de candidatos à promoção e do respectivo método de selecção...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo global. Queira terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, a proposta vai ser entregue na Mesa e os Srs. Deputados, através dela, tomarão conhecimento das nossas sugestões.
Direi, Sr. Presidente que, neste momento, tendo em conta os considerandos que avancei, não podemos, obviamente deixar de votar contra o pedido de autorização legislativa apresentado pelo Governo. Vamos ver como decorre o trabalho na especialidade. A votação final global poderá ser esclarecedora sobre essa matéria.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Devo dizer que se o texto do Governo tivesse sido distribuído em tempo de poder ter sido estudado, meditado e ponderado, é provável que a posição do CDS sobre esta matéria fosse - ou pudesse ser - diferente daquela que, necessariamente, tem de ser em face da proposta que está em apreciação pela Assembleia da República.
Devo dizer, em muito breves palavras, porque não creio que possa acrescentar coisa de grande interesse para a Câmara, que sempre verifiquei que a carreira diplomática é mais objecto de preocupações de quem a ela não pertence - a carreira diplomática parece ser um ambicionado fim de carreira para quem exerceu funções públicas noutros lugares - do que de preocupações que digam respeito à eficácia da carreira.
Uma das coisas que logo me preocupa no texto que hoje foi distribuído é a generalidade com que o artigo 120.º diz que «a nomeação de embaixadores pode também ser feita de entre pessoas estranhas ao quadro de pessoal do Serviço Diplomático, que se hajam distinguido pela sua competência e mérito e que, pelas suas qualidades, correspondam à funções a desempenhar nos termos legais».
Esta nomeação não tem quaisquer restrições, nem quantitativas, nem qualitativas, é o Conselho de Ministro que as apreciará.
Fico altamente preocupado porque estou a recordar que os melhores generais do nosso tempo foram provenientes dos civis. Posso lembrar o caso do Giap, que é o caso do Chefe-de-Estado-Maior que sobreviveu à vitória, posso lembrar o caso do Mao-Tse-Tung, posso lembrar o caso de Castro, posso lembrar o caso de Trotsky e fico à espera de um projecto do Governo que nos venha pedir autorização para legislar no sentido de poder nomear os generais em função dos méritos

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revelados no exercício de outras funções, de acordo com o juízo do Conselho de Ministros.
Vale a pena meditar sobre isto porque a actividade da defesa e a actividade diplomática são dois pilares que, tradicional e inseparavelmente, na história de todos os países, andam ligados.
Não podemos, pura e simplesmente, abrir uma via para a colocação de todos os talentos políticos que o Governo acha que, como fim de carreira, fica bem nomear para o cargo de embaixador de Portugal em qualquer lado. Isto precisa de muitas restrições e de muito cuidado.
Por isso me parece extremamente insuficiente o facto de, no documento há pouco distribuído, aparecer a previsão de um curso de aperfeiçoamento que permite a entrada definitiva na carreira.
Creio que as próprias Forças Armadas já deram, há muito tempo, exemplo ao Ministério do Negócios Estrangeiros da necessidade de fazer cursos de reciclagem, dos quais dependem promoções a partir de diversos graus. Isso é muito mais eficaz do que fazer uma proposta de diploma no qual a carreira fica assegurada até Conselheiro de Embaixada e, daí por diante, a promoção fica ao arbítrio do Governo que é o que aqui está fixado.
Queria chamar a atenção para um último ponto, o que se relaciona com o facto de, na proposta de autorização legislativa do Governo, aparecer, mais de uma vez, referência à intervenção do Presidente da República. Sempre que se fala de nomeações da competência do Ministro ou da competência do Conselho de Ministros é feita a referência «sem prejuízo da competência que a Constituição refere como pertencendo ao Presidente da República».
Gostava que o Governo me esclarecesse se considera que a intervenção do Presidente da República é constitutiva nesta nomeação, se ela é um acto de adesão ou se se trata apenas de uma intervenção declarativa, notarial, que diz respeito à dignidade do acto e à certificação da sua autenticidade.
Este ponto tem a maior das importâncias, é complemente obscuro na redacção que está estabelecida neste diploma e precisa de ficar claro.
Devo também dizer, finalmente, Sr. Ministro - para não lhe roubar o seu tempo -, que não aprecio, em nenhuma instância - e suponho que não diz respeito a nenhuma espécie de regime -, que se invoque como fundamento de um diploma legal as dificuldades que se encontram com o poder judicial em qualquer dos seus ramos.
Não podemos protestar porque o regime jurídico não se aperfeiçoa, porque o Tribunal Constitucional funciona mal e pretender agora alterar a legislação porque o Tribunal de Contas não adopta, não deixa passar, as propostas do Governo. É muito mau caminho!
O poder judicial, em todas as suas formas, existe para garantir a estrita legalidade. Nunca é para ele se ser ultrapassado que se fazem diplomas. Fazem-se diplomas para se aperfeiçoar a defesa dos interesses que estão a nosso cargo. A intervenção do Sr. Ministro não foi oportuna. Permitir-me-ia dizer: não foi nada diplomática a fundamentação que encontrou para apresentar este diploma!
É por estes fundamentos que nós, se o diploma for votado imediatamente, teremos de votar contra. Se houver oportunidade de a comissão apreciar os preceitos do projecto que nos dizem que é aquele que o
Governo tem em mente, então é possível que, com aperfeiçoamentos, com alterações, com revisões, se possa chegar a outra conclusão. Mas, na sua forma actual, penso que é um diploma que merece a reprovação da Câmara.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: Refiro-me, antes de mais, à intervenção feita pelo Sr. Deputado Jaime Gama, muito embora ela não tenha incidido, na sua maior parte, sobre proposta de lei em apreço.
Começaria por dizer-lhe que a sua apreciação da Resolução n.º 17/88 me leva a concluir, Sr. Deputado, que, eventualmente, a leu apressadamente. Se assim não fosse, o Sr. Deputado, que já foi Ministro dos Negócios Estrangeiros, saberia como se encontrava a situação quando por esse ministério, que era a de existirem acordos internacionais feitos tanto por organismos do Estado, como por organismos públicos, à revelia do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Foi isso que se evitou através daquela Resolução e foi isso também que determinou que o Ministério dos Negócios Estrangeiros passasse a ter uma coordenação efectiva em todas as áreas de intervenção em que o Estado português tinha que ficar vinculado.
Queria o Sr. Deputado - parafraseando, porventura, um analista ou um articulista de um jornal - que fosse o Ministro dos Negócios Estrangeiros a ter essa delegação. O Sr. Deputado, como é que o Ministro dos Negócios Estrangeiros pode ter capacidade de tutela e de supervisão interdepartamental?
O Ministro dos Negócios Estrangeiros deve acompanhar, deve aconselhar politicamente, mas não tem de se pronunciar sobre as capacidades de vincular o Estado no que diz respeito a aspectos de recursos humanos ou de recursos financeiros, o Sr. Deputado sabe isso tão bem como eu!
Diz depois o Sr. Deputado, na sequência deste raciocínio - que, já se viu, está errado! -, que os departamentos internacionais «pularam» em todos os ministérios. Já vem de trás, Sr. Deputado... e também devia saber isso, porque foi Ministro dos Negócios Estrangeiros!
Mas - e aqui é que está a minha surpresa completa - o Sr. Deputado acusa o Ministro dos Negócios Estrangeiros de estar a dispersar a sua capacidade, de não assumir as funções que lhe cabem... Ó Sr. Deputado! Quem é que no seu tempo negociou a adesão à CEE? Foi o Ministro dos Negócios Estrangeiros? Não foi! Quem é que neste momento conduz o processo de negociação com a CEE? É o Ministério dos Negócios Estrangeiros que o conduz.
Vê-se, portanto, quem é que deixou secundarizar, quem é que deixou descoordenar a actividade no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Pretende, depois, que o Ministério está em guerra com os diplomatas. Não está em guerra nenhuma, Sr. Deputado! O que o Ministério dos Negócios Estrangeiros não pode é fechar os olhos a certas situações. O que o Ministério diz - e faz - é que quem tem mérito merece ser premiado, quem não trabalha ou tem demérito tem de ser castigado.

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Mais, além disso, tem de haver uma lealdade perene aos interesses do Estado.

O Sr. José Lello (PS): - Ah!

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - É isso!

O Orador: - Disse depois o Sr. Deputado Jorge Lemos que, com este diploma, se pretende facilitar a promoção de pessoas e que há uma grande discricionaridade. Sr. Deputado, o que se pretende é exactamente o oposto!
Aquilo que acontecia no passado era que o Ministro dos Negócios Estrangeiros tinha, de facto, poder discricionário para alterar listas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Eu não conheço o diploma!

O Orador: - Então faça favor de o ler porque verificará que, com este diploma, se restringe significativamente - para não dizer quase totalmente -, exceptuando o caso dos embaixadores, o poder discricionário do Ministro. O próprio Conselho do Ministério passa a ter uma intervenção activa em todos os processos de promoção e não apenas até ao cargo de Conselheiro de Embaixada.
Isto responde também, em parte, a algumas das objecções colocadas pelo Prof. Adriano Moreira quando disse que a partir de Conselheiro de Embaixada as promoções ficavam entregues ao arbítrio. Não, Sr. Deputado, anteriormente é que estavam entregues ao arbítrio.
Quanto a referir-se o Tribunal de Contas, naturalmente que se tem de o referir. É um fundamento claro, é um fundamento real! Não há aqui uma questão de diplomacia mas sim uma questão da realidade e daquilo que determina que se procure desbloquear o processo de promoções. A questão da discussão do estatuto, essa deixo-a para depois.
Finalmente, quanto à nomeação dos chamados embaixadores políticos, referido também pelo Sr. Deputado Adriano Moreira, gostaria de dizer que essa é uma prática que não vem nem do anterior Governo, nem do que o antecedeu, nem do outro... É uma prática que tem décadas!
Portanto, aí, rigorosamente, nada se inovou. Esperamos poder inovar por altura da elaboração do Estatuto dos Diplomatas.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Ministro, antes de mais, em nome do Prof. Adriano Moreira, quero apresentar-lhe desculpas de ele não estar presente para ouvir o esclarecimento que o Sr. Ministro teve a bondade de dar.
O meu colega de bancada ausentou-se porque foi chamado para uma votação muito importante que, neste momento, está a decorrer na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, cujos trabalhos não podia fazer esperar mais,
mas estou em condições de sustentar aquilo que o meu colega disse.
Se V. Ex.ª, efectivamente, fizer uma análise comparativa entre o artigo 9.º e o artigo 11.º do articulado da proposta que está em discussão, verificará que para se ascender à categoria de Conselheiro - assim como militar chega sempre a coronel - entra-se para a carreira e, depois, com o jogo das antiguidades e com pouco mais, se necessário de boa vontade dos serviços chega até conselheiro.
Passamos para o artigo 11.º, número 2, onde em relação aos ministros plenipotenciários de 1.º e de 2.º, diz que as promoções para as categorias previstas no número anterior serão feitas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros com base na livre apreciação dos méritos dos serviços prestados ouvido o Conselho do Ministério. Refere «ouvido o Conselho do Ministério», mas a livre apreciação é a do Ministro, portanto, o aparecer não é vinculativo, e nós sabemos como isto funciona, como é feita a chamada livre apreciação - que é discricionária. O Prof. Adriano Moreira leu bem, explicou melhor e criticou ainda melhor.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão dos embaixadores políticos, V. Ex.ª sabe o mal estar que a nomeação de embaixadores políticos causa na carreira diplomática. Não sou contra a sua nomeação e tenho a certeza que o Prof. Adriano Moreira também não é, mas o que ele disse é que a nomeação de embaixadores políticos tem que ser quantificada e qualificada, isto é, a proposta de lei tem de dizer qual é a percentagem de embaixadores políticos e que espécie de méritos serão tomados em consideração, a que regalias da função pública ou outras terão direito, para que o cargo de embaixador político não seja uma prebenda para o fim dourado da carreira. Não queremos que seja um medalhão que se põe antes de reformar um talentoso cidadão, ou para lhe satisfazer apetites de honrarias, um «Pacheco» queirosiano que quando punha o dedo na testa sem nunca falar, toda a gente o achava talentoso, pode ser, segundo a proposta, embaixador político em Londres ou Paris! É para evitar os «Pachecos» embaixadores que o Prof. Adriano Moreira chamou a atenção para o caso. Não é contra embaixadores políticos é contra os «Pachecos» embaixadores.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama também para pedir esclarecimentos.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Não, Sr. Presidente, é para uma curtíssima intervenção ao abrigo do tempo de que ainda disponho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para, de forma muito sumária...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, informei que o PS dispunha de 2 minutos, e como não ouvi o que disse pensei que tivesse pedido a palavra para pedir esclarecimentos.

O Orador: - Não, Sr. Presidente, foi para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Então fica inscrito, Sr. Deputado.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, de quanto tempo é que o Governo ainda dispõe?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, ainda dispõe de 3 minutos.

O Orador: - Sr. Presidente, desejo também ficar inscrito para uma intervenção.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Ministro. Entretanto, tem a palavra para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram colocados.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Deputado Narana Coissoró, é natural que a nomeação de embaixadores políticos cause mal estar na carreira diplomática, mas é preciso termos consciência de que o Governo e o Ministro dos Negócios Estrangeiros não tem de defender o bem estar na carreira diplomática mas, acima de tudo, os interesses do Estado. E a nomeação dos embaixadores políticos deve corresponder aos interesses do Estado. Mas isso é um pressuposto Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa rápida leitura deste curtíssimo diploma, que aliás não constitui qualquer estatuto da carreira diplomática, como pretende ser anunciado, mas apenas, sob a capa de uma formulação estrutural, um expediente jurídico, para como muito bem frisou aqui o Sr. Ministro, contornar as dificuldades encontradas pelo Governo perante o Tribunal de Contas, já nos é permitido tirar algumas conclusões quanto ao conteúdo útil destas disposições.
Elas destinam-se, em primeiro lugar, por razões de compreensível controvérsia interna, a corrigir um pouco o diploma, que restringiu e esvaziou, por completo, o papel do Conselho do Ministério dos Negócios Estrangeiros, dando-lhe poderes periféricos, designadamente no que respeita à avaliação dos candidatos ao ingresso na carreira diplomática, e por outro lado, a acentuar o pendor do reforço taxativo dos poderes do Ministro e do Governo e também do Primeiro-Ministro. O que o Ministro aqui ganha em matéria de poderes internos tem necessariamente que ceder em matéria de hierarquização do Governo quanto ao manejo da carreira diplomática e aos dispositivos de comando das promoções, dos acessos, das transferências e das colocações. De resto, o diploma está tão eivado dessa obsessão que até contém uma disposição bastante clara referente à própria delimitação do papel do Presidente da República neste âmbito. Ou seja, do ponto de vista de uma avaliação sumária deste projecto de decreto-lei, conclui--se que não está em causa uma perspectiva estrutural de modernização e reforma do serviço diplomático português, mas, sob a capa de um diploma dito estrutural, que, aliás, substantivamente, não adita nada à legislação dispersa existente, apenas a transposição sob a forma de articulado de alguns mecanismos de clarificação que o Governo pretende ver delineados, de uma
forma mais precisa, no sentido da prossecução do desenvolvimento das suas políticas.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros pode, neste debate, arguir da forma que entender, mas a questão que não consegue eliminar ou iludir é a de que pediu autorização legislativa para um diploma que se compreende não tenha sido previamente apresentado a este debate. A sua fragilidade, a sua inconsistência e o seu carácter expeditivo é tão patente que essa circunstância justifica perfeitamente a apresentação, em decurso de discussão do articulado, com que, muito mal, o Governo pretende resolver o problema.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que, para além do tempo de que dispunha, tem mais tempo cedido pelo PSD, assim como o PS e o PCP dispõem de mais 3 minutos cada, que foram cedidos pela ID.
Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, vou ser muito rápido. Será quase para dizer o que disse na minha primeira intervenção.
O Estatuto da Carreira Diplomática, que o Governo se propõe apresentar rapidamente é um diploma de fundo estrutural. Está naturalmente ligado a outros aspectos que eu próprio referi, como sejam o regulamento do Ministério e a revisão da lei orgânica. E não se pretendeu com esta autorização legislativa, que é obrigatório vir à Assembleia da República, misturar as duas coisas. Aquilo que se pretendeu foi apresentar este primeiro braço para desbloquear uma situação e, se Deus quiser, haveremos de ter tempo para discutir as outras questões.
Não se pretendeu, portanto, iludir a Assembleia, não se pretendeu iludir ninguém, pretendeu-se, sim, desbloquear uma situação. E esta, Sr. Presidente, é a questão que gostaria de frisar para que não ficassem dúvidas na mente de ninguém.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, depois de confrontados alguns aspectos do presente diploma, reforça-se a ideia de que, de facto, o debate que aqui estivemos a travar, e em especial as considerações do Sr. Ministro, não vieram ajudar muito ao esclarecimento do problema. O articulado que é proposto destina-se mais a resolver uma dificuldade com que o Governo se vê confrontado, por uma decisão de um tribunal, do que em dignificar a carreira.
A questão é que o Governo foi confrontado com uma decisão de um Tribunal. Por exemplo, o Governo quer nomear «X» pessoas e não pode fazê-lo ao abrigo da legislação em vigor, portanto, altere-se a lei e o tribunal, assim, será obrigado a resolver o problema e os que, de futuro, se venham a colocar.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - A segunda questão tem a ver com este texto que nos é distribuído e que se prende, obviamente, com direitos, liberdades e garantias dos próprios funcionários do Ministério, é algo em que também têm que participar os próprios funcionários e as suas organizações representativas. Trata-se de um debate que não

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pode ficar apenas restrito a esta Assembleia, como o Sr. Ministro sabe.
Aliás, existem considerações extremamente pertinentes sobre essa matéria em recente acórdão publicado pelo Tribunal Constitucional e, seria mau que pudéssemos estar a tentar ou a querer repetir certos vícios de forma neste processo como os que já sucederam noutros processos.
Finalmente, Sr. Ministro, creio que continuaremos a aguardar por melhores dias, continuaremos a aguardar por posições que vão no sentido de dignificar mais a carreira diplomática do que propriamente em dignificar ou em acentuar a intervenção do Governo na carreira diplomática.
Deixaria uma última questão no ar. Há que estabelecer uma clara diferença entre o que é um sistema de carreira, um sistema de promoções e o que é um sistema de colocações, da indicação para os exactos lugares. Não tem nada a ver uma coisa com a outra, o que estamos a tratar é o sistema de promoções, portanto, nem sequer está em causa, Sr. Ministro, a questão dos embaixadores políticos, não é a este nível que se coloca.
É mais uma razão para não se compreender que se alterem as regras do jogo só por que o Governo quer nomear um conjunto de pessoas que, nas actuais condições legais, não podem ser nomeadas.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não é nada disso!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro do Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, é apenas para esclarecer dois pontos.
Em primeiro lugar, é para dizer que os mecanismos para nomeação de embaixadores políticos já existem há décadas, e o Governo não precisam de nova legislação se o quisesse fazer.
Em segundo lugar, o Governo também poderia resolver o problema das actuais promoções utilizando os mecanismos de que dispõe. Basta, para isso, seguir uma das sugestões do Tribunal de Contas.
O que o Governo entendeu foi que devia clarificar a situação para evitar o tipo de conflitos que o Tribunal Constitucional refere. Acrescentaria, aliás, que todas as pessoas que estão indicadas para promoção - penso que isto é importante - e que tiveram o «chumbo» do Tribunal de Contas, têm condições, já há algum tempo, para serem promovidas. Portanto não se está aqui à procura de arranjar um artifício para promover seja quem for ao abrigo ou ao arrepio das actuais disposições. Pelo contrário!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Uma proposta de lei que tem 6 meses!

O Orador: - Mas há seis meses também tinham condições. Aliás, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, se me permite, que uma das razões por que o Governo esperou algum tempo foi para não puder ser acusado precisamente daquilo que agora quis sugerir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de autorização legislativa e o conteúdo, quer da intervenção e justificação do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, quer do projecto de decreto-lei, que à última hora, nos foi distribuído no decurso deste debate, revelam qual é a filosofia do actual poder no tratamento das questões de Estado e revelam como em variadíssimos circunstâncias o PSD opta, perante os problemas nacionais, não em função de uma concepção arquitectural do sistema político, de uma visão institucional e transparente do funcionamento dos mecanismos basilares do Estado democrático, mas, sistematicamente, com o recurso à introdução de dispositivos legislativos de compleição caótica, apesar da aparência formal com que, muitas vezes, os envolve para reforçar o seu poder de tutela, de intervenção e de manipulação na vida institucional e no Estado democrático. É assim que se revela o respeito que o Partido Social-Democrata tem pela vitalidade de sociedade e pelo regular funcionamento das instituições.
O que está a ser feito em relação à carreira diplomática pelo actual Governo, que, espero, não pronuncie idênticas medidas e tomadas de decisão em relação à Magistratura, às Forças Armadas ou à Carreira Docente, reforça a nossa convicção de que é necessário alertar o país para o sem sentido destas alterações institucionais, é necessário erguer um voz firme contra este condensar de medidas de alcance empírico para transformar um mera maioria eleitoral numa hegemonia de bloco empírico, dominadora de todos os aspectos da vida social e institucional.
Está aqui bem patente um exemplo do que é a filosofia liberal com que o partido do Governo enquadra a modernização, a reforma das instituições públicas e a abertura de espírito necessária ao país para se modernizar e europeizar.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joio Amaral (PCP): - Sr. Presidente, interpelo a mesa no seguinte sentido: Suscitando-se dúvidas, neste momento, na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Europeias e Cooperação sobre se o Governo está ou não informado de um pedido, formulado por um designado representante da UNITA para a Europa, de entrevista a essa comissão, solicitava ao Sr. Presidente que, para todos os efeitos, informasse o Governo desse facto e do facto de os representantes do PSD nessa comissão entenderem obstruir a audição dos diferentes órgãos de soberania que têm intervenção em matéria de política externa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não tem conhecimento do facto que o Sr. Deputado João Amaral acaba de mencionar e crê que essa questão não está inserida no debate que está em curso.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Presidente, corroborando o que V. Ex.ª acaba de dizer, só lamentamos que, sendo tão descabida a intervenção que o Sr. Deputado do Partido Comunista acaba de fazer, V. Ex.ª não lhe tenha cortado a palavra pois a posição que o Partido Comunista aqui veio declarar nada teve a ver com o sentido, o alcance e a extensão do debate que aqui estávamos a travar.
Por isso mesmo, entendemos que a palavra lhe deveria ter sido cortada, e que tudo quanto disse deveria ser anulado e retirado da acta.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Bem queriam! Isso é incómodo!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Jaime Gama aproveitou o que ele quis que fosse uma intervenção final para tecer uma série de considerandos sobre filosofia do Governo e apresentou o diploma, que queremos fazer aprovar, sobre promoções, como o exemplo de como é perigosa a filosofia do Governo. A este propósito disse que é preciso alertar para o que o Governo está a fazer à carreira diplomática. Estou de acordo, Sr. Deputado Jaime Gama. É preciso que se saiba que o Governo propõe uma menor intervenção na progressão na carreira, que propõe uma maior transparência na intervenção dos órgãos do Ministério. É preciso que isso se saiba porque anteriormente não era assim!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, com referência à intervenção do Sr. Deputado Vieira Mesquita, que solicitou o apagamento da acta da nossa interpelação, quero dizer que não há cabimento regimental para apagar da acta aquilo que aqui é dito. Por outro lado, também se entende que a posição que o PSD seja a de que isso fosse até apagado do conhecimento. Mas não pode ser! E a questão que coloco ao Sr. Presidente é se é essa a posição do Governo: a de que isto seja apagado da vida política.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que isto é um diálogo entre o PCP e o PSD que fica registado, quer queiram, quer não, uns e outros.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª só tem que prestar atenção aos grandes problemas do país e isto não é um grande problema, é um
pequeno comentário a uma pequena intervenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Aquilo que gostaria de fazer notar, em primeiro lugar, é que estamos de acordo «e há unanimidade da Câmara» em que houve sempre embaixadores políticos, mas também houve sempre quem contestasse a política de transformar os embaixadores nessa qualidade. E isso é que é fundamental; é que o texto que há última hora nos foi distribuído estabelece a total arbitrariedade na nomeação de embaixadores políticos; e nenhum o limite aqui estabelecido para virem a integrar a carreira como funcionários. Isso é o que está neste texto que apressadamente nos foi distribuído. Portanto, o Sr. Ministro não vai ter o direito de reclamar se nós apressadamente o lermos, porque foram essas as condições em que o sujeitou à apreciação da Câmara.
Em segundo lugar, não há a menor dúvida de que, tendo nós reclamado aqui mais do que uma vez, a necessidade de uma definição da estratégia e do instrumento de intervenção diplomática portuguesa, porque essa é a única forca verdadeira de que o país dispõe, V. Ex.ª concorda que a sua intervenção é ocasional e baseada em resistências no Tribunal de Contas. É muito pouco para justificar uma intervenção nesta matéria.
Em terceiro lugar, vou tomar nota «e espero que outros Deputados também tomem» de que V. Ex.ª não rejeita a interpretação de que a intervenção do Presidente da República é constitutiva nestas nomeações.

O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrições, está encerrado o debate.

O Sr. Deputado Jorge Sampaio pede a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, é que se V. Ex.ª vai passar ao outro assunto da ordem do dia, peço uma interrupção por IS minutos porque temos marcada uma reunião.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é regimental, está concedida. Recomeçamos os nossos trabalhos às 17 horas e 15 minutos.
Eram 17 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos com o debate, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 63/V - Revoga o Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de Junho, relativo à conservação da nacionalidade portuguesa por cidadãos domiciliados nos novos países africanos de expressão portuguesa.
Para intervir, estão inscritos os Srs. Deputados Mário Raposo, José Manuel Mendes e Almeida Santos.
Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

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O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (José Branquinho Lobo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Propõe hoje o governo a esta assembleia a discussão e aprovação de uma proposta de lei que visa a revogação do Decreto-Lei n.º 308-A/75 de 24 de Junho, diploma este que vem, desde essa data, constituindo o enquadramento legal para a conservação da nacionalidade portuguesa todos os que, em face da independência dos antigos territórios ultramarinos, adquiriram uma nova nacionalidade
Dar-lhes-ei conta, Srs. Deputados, das motivações que explicam esta nossa iniciativa.
Após a revolução de 25 de Abril de 1974, e iniciado o processo de transferência da soberania do antigo Ultramar Português, deparou-se muito naturalmente o legislador nacional com a imperiosa necessidade de salvaguardar a manutenção, ou possibilitar a concessão, da nacionalidade portuguesa nos casos - como o próprio preâmbulo do diploma referido significa - em que uma especial relação de conexão com Portugal ou inequívoca manifestação de vontade o justificassem.
Tanto mais justificada a preocupação do legislador, quanto partiu da convicção - discutível é certo, mas tão discutível como legítima - de que o fim da soberania de Portugal nos territórios ultramarinos provocaria a perda inexorável da nacionalidade portuguesa a todos os que a possuíam até esse momento, fazendo-os como ganhar uma nova.
Ora foi este pressuposto de base que conformou o Decreto-Lei n.º 308-A/75, fazendo dele a solução legislativa possível e julgada mais adequada para responder à questão da nacionalidade, que o processo de descolonização que então decorria, não poderia ter deixado de colocar.
É, aliás, compreensível que tenha sido encontrada uma solução excepcional para uma circunstância excepcional, tanto mais - e é bom que o lembremos - que o legislador de 1975 se moveu num quadro que a lei 2098 postulava, quadro esse que, justificadamente e até por imperativos relacionados com a observância da constituição, veio a ser alterado pela Lei n.º 37/81 de 3 de Outubro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não nos cumpre hoje fazer como que o saldo da vigência do Decreto-Lei n.º 308-A/75, mas tão só reflectir sobre a manutenção da sua vigência colhe argumentos a seu favor.
E a verdade é que os vislumbramos.
A lei tem, como seus inequívocos objectivos, a conformação e normalização da vida das sociedades.
É por isso natural que não se perpetuem soluções que tiveram o seu momento e que com o esgotar do circunstancialismo que as originou elas não permaneçam aí, como que impondo teimosamente soluções que novos tempos não comportam.
Com este desajustamento não podemos, pois, pactuar.
É por isso que o governo propõe a esta Câmara a revogação do Decreto-Lei n.º 308-A/75.
Não faria sentido - há, que reconhecê-lo - que um diploma que surgiu para consentir mecanismos de salvaguarda da nacionalidade portuguesa, no decurso do processo de descolonização, sobrevivesse ao seu encerramento, eternizando - no que de eterno pode ter um diploma - um tratamento que não mais se justifica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendo dizer-lhes, também, o seguinte: Poder-se-ia aduzir o argumento de que, em relação a Timor, o processo de descolonização não está encerrado.
Só que, Srs. Deputados, ninguém, estou certo que ninguém, admitirá, nem por mera hipótese académica, que o Governo, qualquer Governo de Portugal, fosse capaz de hipotecar as suas responsabilidades políticas, e também morais, em relação a Timor e não imaginar, quando as circunstâncias o justificarem, mecanismos legais capazes de salvaguardar a legítima opção do povo Timorense pela cidadania portuguesa.
Trata-se, deste modo - e é essa a nossa proposta - de globalizar a aplicação das regras consagradas pela lei da nacionalidade, que sendo, com toda a certeza, as mais adequadas, são as susceptíveis de salvaguardarem a observância não só do princípio da efectividade, que traduz a indispensável relação subjacente do indivíduo com o estado respectivo, mas também da vontade individual que ganha uma acrescida e justificada relevância em sede de nacionalidade.
Antevemos, assim, consequências positivas do cumprimento do quadro legal que decorrerá necessariamente da revogação do diploma que ora propomos, até porque nele se encontram soluções para todas - digo todas - as questões que o «fim» do Decreto-Lei de 1975 será capaz de suscitar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não gostaria de deixar de focar, perante esta assembleia, a problemática relacionada em particular com a revogação do artigo 5.º que, como vossas excelências bem sabem, permite em casos especiais e justificados, não abrangidos por nenhuma das disposições do Decreto-Lei n.º 308-A/75, que o conselho de ministros, directamente ou por delegação, possa determinar a conservação da nacionalidade, ou concedê-la, com dispensa de determinados requisitos, a todos aqueles que nasceram em território ultramarino, seus cônjuges, viúvos ou descendentes.
Na realidade não me parece que também a revogação dessa norma possa trazer consequências menos adequadas.
E isto por um motivo simples: É que estão aqui para quem os queira e esteja em condições de os accionar, os mecanismos da naturalização.
E nem se diga que alguém fica desprotegido, como se a longa vigência do Decreto-Lei n.º 308-A/75 não tivesse permitido já, durante suficiente tempo, a quem o desejou, o recurso a esse dispositivo.
Permito-me, aliás, lembrar a vossas excelências que, tanto em 1977, como em 1980 e 1985, se preocupou o Conselho de Ministros com - diríamos - o enquadramento do poder discricionário que lhe era conferido pelo artigo 5.º, chamando a atenção, tanto a resolução n.º 9/77, como a n.º 347/80 e a n.º 52/85, para a economia do Decreto-Lei n.º 308-A/75 e para as circunstâncias que rodearam a sua elaboração: Tudo a desaconselhar aquilo a que se chamou de uso imoderado do poder discricionário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo visto, é, pois, clara a nossa intenção e mais que justificada a nossa proposta, que tem o mérito, mais um e não menos importante, de normalizar os regimes numa área tão significativa como é a da nacionalidade onde, de uma forma muito especial, se hão-de compatibilizar os interesses do estado com os interesses individuais.
Concretiza-se, assim, uma solução que, estou certo, merecerá o acolhimento de vossas excelências.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Secretário do Estado: Há, depois de ouvir a sua intervenção, necessidade de lhe proporcionar a hipótese de dar resposta a duas questões inteiramente pertinentes e que não mereceram ainda o tratamento adequado por parte do Governo, nem na exposição de motivos, nem no discurso que acabámos de ouvir. Refiro-me, em concreto, a estas duas: qual o número de processos despachados no passado, na vigência do Decreto-Lei de 1975, portanto, ao longo destes treze anos? E qual, por outro lado, o número exacto de processos pendentes?
Dadas as respostas, através dos números, a estas duas perguntas, importaria ainda que houvéssemos, da parte do executivo, a indicação de qual a leitura que faz daquilo que é a patente nessa realidade perceptível através dos frios indicadores que solicito.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretario de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.
Sr. Secretário do Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado José Manuel Mendes: não lhe respondendo em termos de rigor absoluto, porque não queria pecar em qualquer sentido, mas posso dizer-lhe que desde 1976 até ao final de 1987 entraram cerca quarenta mil processos de conservação da nacionalidade portuguesa e estão neste momento pendentes cerca de sete mil processos. Não sei se com esta resposta satisfiz o Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não questionável enquanto decisão do Estado - de um Estado Democrático - e o objectivo programático por este a alcançar, repetiu a descolonização muito traumaticamente nas pessoas e no sistema de vida em comunidade. O mito do Império não deixara de ser uma das funcionais vertentes da caracterologia colectiva. Remanescia nele uma expressão do intemporal muito sebástico. Não se escusava Fidelino de Figueiredo a afirmar que Portugal só era grande quando visto do lado do mar e não quando visto do lado da terra. E o mar era a aventura; o mar dava o «paladar das grandes viagens», como na Ordem Marítima. A rotina, essa, seria a emigração convencional ou convencionada, o transpor da rígida meseta castelhana, o forçado encontro com a civilizações mais aceleradamente ritmadas e desenvolvidas, o desapossamento. As lágrimas salgadas pelo mar que Pessoa referiu no Mar Português, da «mensagem», nem seriam um artífice de um poeta fingidor. Pois não é verdade que Afonso Duarte recolheu no seu «Um esquema do cancioneiro popular português» esta antiquíssima quadra popular: «Ó ondas do mar salgado/Donde vos vem tanto sal? Vem das lágrimas choradas/Nas praias de Portugal»?
O mar era o mesmo; a mesma era a semente do pulsar e do sentir da comunidade.
Mas a descolonização não se quedou no refluir de um mito; deu também causa graves, e imediatos, e alargados problemas materiais para os portugueses que viviam no Ultramar e que é arriscada luz de uma impossível perenidade ali haviam articulado as armas do seu viver e de todo o seu futuro.
O êxodo, para muitos ou para quase todos, foi uma brutal decisão, com um cinzento cortejo de renúncias e perdas. O regresso ao lusíada rectângulo drenou ele, de súbito, centenas de milhares de portugueses.
Foi como que ao esforço para uma contenção da própria capacidade de acolhimento e de ulterior absorção na nossa Europa que o Decreto-Lei n.º 308-A/75, de Junho, se intencionalizou.
Actou perante uma conjuntura, sem dúvida dramática, e pretendeu acudir-lhe com uma resposta.
Não será agora o momento para avaliar, numa hermenêutica póstuma, da justeza das soluções e do rigor técnico das normas legisladas. Não será, sobretudo, pertinente dissociar as opções feitas na intervenção, eu diria «selectiva», do Estado face a quem era e quem não poderia ser português, da realidade então vivida. Reluto sempre em criticar com pena leve e bitola perfeccionista. Isto porque, nestas coisas a ideia de que o óptimo é inimigo do bom ganha, mais do que se pensa, uma especial pertinência. E aceito que, é preciso ter audácia e coragem para resguardar o bom senso.
Claro que o ponto fulcral do diploma não terá sido o ímpeto de fazer portugueses, em termos de direito da nacionalidade ou cidadania. Se não tivesse sido editado qualquer diploma excepcional, quaisquer regras de emergência, muitos outros residentes no Ultramar poderiam, pela mera aplicação das regras gerais então vigentes na ordem jurídica portuguesa, ter continuado a ser, pelo menos formalmente, portugueses.
A sucessão de Estados não arrastaria, inexoravelmente à perda da nacionalidade portuguesa. A virtual aquisição de outra nacionalidade não implica, automaticamente, a perda da nacionalidade anterior. Abre, quanto muito, uma faculdade de opção ou dá lugar aos clássicos fenómenos da dupla nacionalidade, hoje considerados perfeitamente normais e juridicamente contestáveis.
Ter-se-á, pois, que o núcleo central do Decreto-Lei n.º 308-A/75 assenta no seu artigo 4.º, que estatui a perda da nacionalidade para aqueles que, por efeito dos artigos 1.º e 2.º, não a tivessem conservado.
Solução boa? Solução má? Uma assembleia política não se pode ficar numa academia jurídica de análise de textos. Não desvinculará, por certo, do apuro técnico dos diplomas que prepara ou que vai editar, mas terá que ter em mais actuante conta a realidade que a norma, a história ou o futuro do que as lições do compêndio, o interesse geral captável do que a panóplia dos interesses individuais descortináveis numa operação de feed-back.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Dá-se, para mais, caso de o diploma de 1975 ter alcançado os seus fins essenciais logo que os antigos territórios portugueses acederam à independência.
O preceito que o mantém vivo e em funcionamento ao longo destes treze anos foi o artigo 5.º, pelo qual, em casos especiais, não abrangidos pelo diploma, devidamente justificados, o Conselho de Ministros, directamente ou por delegação sua, poderá determinar a conservação da nacionalidade portuguesa, ou conceder esta, a indivíduos nascidos em território ultramarino que tenha estado sob administração portuguesa e respectivos cônjuges, viúvos ou descendentes.

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Foi este canal de ingresso na cidadania portuguesa super abundantemente utilizado, como ainda agora comprovou o Sr. Secretário de Estado, e a atitude do Governo foi, por invariável regra, aberta e generosa. Isto, como é sabido, à custa de uma pesada burocracia que não houve maneira de aliviar ou de flexibilizar; para serem vistos com os preconizáveis «olhos de ver», os muitos milhares de processos de «nacionalidades» passaram a ser como que o «desespero» dos serviços de apoio dos Ministérios da Administração Interna e da Justiça, que delegada (e esforçadamente) tiveram e têm à sua responsabilidade as respectivas intrusão e decisão.
Pêlos mecanismos desse artigo 5.º foram, ao que penso, acudidas - e ainda o poderão ser -, as mais palpáveis injustiças, não havendo agora - ao que creio - a deplorar situações de individa rejeição do estatuto de portugueses que ele teriam, realmente, direito.
Foi precisamente esse artigo 5.º - o preconceito vivo e em funcionamento - que levou a que o Decreto-Lei de 1975 não tivesse sido mais cedo revogado. Só que se dobrou já a casa dos treze anos de vigência. E a boa causa - a desse artigo 5.º - será hoje, ou deverá ser hoje, uma «causa finita».
Aqueles que ainda não lançaram mão do mecanismo que ele comporta revelar, com essa abstenção, uma indiferença que deve ter como contraface uma situação próxima da caducidade, da perda de direitos pelo seu não uso.
A excepcionalidade não pode, até por razões de coerência e de boa estruturação da ordem jurídica, a não ser convocada numa regra.
A esses, aos que não usaram do direito, sempre ficará franqueado o acesso à cidadania portuguesa pelo instituto da naturalização.
Certo é que a naturalização se aplica a estrangeiros e o artigo 5.º do diploma que se pretende revogar tem como sujeitos, no caso da conservação da nacionalidade, portugueses que não o deixaram de ser.
Mas não deixará de ser figurável a interrogativa sobre se alguém que se manteve indiferente perante o seu enquadramento nacional ao longo de treze anos, merecerá ser tratado como um português, para este efeito, obviamente.
A naturalização resolverá cabalmente, nesta perspectiva, os residuais casos que ainda possam surgir, para além dos sete mil que estão pendentes.
A única dúvida suscitável - uma dúvida que, aliás, é de carácter geral e tema ver com todo o instituto da naturalização - é a de apurar se o artigo 6.º da Lei da Nacionalidade de 1981 se deve manter tal como está, o que aliás, não está agora em debate.
Com efeito, cabendo embora ao Ministro da Administração Interna uma ampla margem de discricionalidade na verificação de alguns requesitos da naturalização, ele terá que se ater ao preenchimento dos que estão expressamente catalogados. Ora, os estrangeiros requerentes da naturalização deverão - se não residirem há pelo menos seis anos em território português ou sob administração portuguesa, ou se não conhecerem suficientemente a língua portuguesa - ter prestado ou serem chamados a prestar serviços relevantes ao Estado português.
Será de indagar se este último requesito não resultará excessivamente restritivo.
Significativa e curiosamente, a Constituição de 1822 previa a concessão da nacionalidade, por naturalização, a quem pretendesse adquirir, no pais, uma empresa comercial, industrial ou agrícola ou aqui exercer algum comércio ou indústria útil. Isto em alternativa da prestação ao Estado de serviços relevantes.
É motivo, pois, para pensar, com prudência e realismo - e, obviamente, noutra sede -, nas realidades actuais e no que se passa nos outros países. Noutro plano, o caso de Arpad Szènes, o marido de Vieira da Silva, dá motivo para pensar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem-se, pois, que o diploma de 1975 pode ser revogado sem agravo ou lesão de interesses atendíveis ou desperdício daquela relação de fidelidade que intercederá entre o Estado que exprime a comunidade e aqueles que a esta se poderão acolher.
Latente, mas com uma força que transborda de sentido, de inquietação e de esperança, ficará apenas a hipótese da sua efectividade possível para os portugueses de Timor-Leste, agora acorrentados em ocupação estrangeira.
É, porém, evidente que se este território ou, melhor, quando este território vier a ser libertado dessa ocupação - como anseio e causa comum a todos nós - a opcção pela cidadania portuguesa virá a ser facultada, em moldes que possivelmente até ganharão em rigor técnico, aos timorenses.
Timor é, para nós, um símbolo e um efectivo dever nacional, uma questão demasiado séria para que se possa duvidar que em relação a ela alguma vez se incumpra a nossa responsabilidade e a nossa honra nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em certa medida, dir-se-á, a revogação do Decreto-Lei n.º 308-A/75 decorre da exaustão das suas virtualidades, o que vale por afirmar que deflui da natureza das coisas. Este foi, tendencialmente, o julgamento de alguns partidos políticos aquando da reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que apreciou a iniciativa governamental em debate.
Com efeito, no que não está hoje claramente perimido, o diploma parece dispensável face aos mecanismos de funcionalização da lei da nacionalidade e aos instrumentos, de ordem geral, à disposição dos interessados. Assim seria, maxime, quanto ao estabelecido no artigo 5.º, com carácter obviamente temporal e para solver os problemas colocados pelo direito à conservação da cidadania portuguesa a pessoas domiciliadas nas ex-colónias, entretanto tornadas independentes.
Treze anos após a entrada em vigor da lei que se quer ab-rogar crer-se-á resolvida a maioria dos casos. Os esclarecimentos há instantes prestados pelo Sr. Ministro não tendem, contudo, a reforçar esta convicção. Os 7 mil processos pendentes provam, de sobejo, a manutenção das potencialidades do corpo de regras que se visa erradicar. A filosofia segundo a qual, pela via da naturalização e em conformidade com o direito aplicável, poderão regular-se a contento as hipóteses futuras - que, repita-se, se consideram ainda qualificativa

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e quantitativamente justificadoras de normas especiais - afigura-se plausível mas, seguramente, inassumível nas condições presentes.
O processo de descolonização gerou um quadro de relativa e transitória anomia jurídica, com as inerentes dificuldades. A adopção de medidas expeditas foi, no contexto histórico, correcta no essencial, transferindo--se para outra sede a reflexão de fundo que, de alguma maneira, sobreviveu à própria Lei n.º 37/81. Persistem núcleos problemáticos, é óbvio, apelando a resoluções escorreitas que se não encontram, valha a verdade, no cunho marcadamente avulso da proposta do Governo que vimos considerando. Esta, aliás, tal como surge formulada, deixa abertas indevidas portas, como sublinharei para descriminações que não seriam nunca toleráveis. Refiro, designadamente, o facto de se não acautelaram expectativas fundadas de portugueses de Macau e Timor-Leste. Importa, a todas as luzes, que da revogação do Decreto-Lei n.º 308-A/75, que a maioria se prepara para ultimar, não resultem defraudado aqueles que, legitimamente, esperam do Estado português, em circunstâncias idênticas às que ocorreram a quando do acesso à independência de ex-colónias como Angola ou Moçambique uma mesma atitude equilibrada, adequada e digna.
Ninguém contesta que, numa moldura harmonizada com o direito internacional, só à nossa lei cabe dispor sobre a aquisição e perda da nacionalidade portuguesa, sendo de todo em todo ineficaz e nula qualquer irrita intervenção preceptiva de um outro Estado. As dúvidas suscitadas, nesta linha de pensamento, sobre o diploma agora em questão, na sua relação, por exemplo, com os novos Estados Africanos de expressão portuguesa, não foram convincentes nem de molde a inviabilizar, com base prática pertinente, o seu efeito útil e positivo. Elas penduram, em terreno teórico, motivando estudos e preposições interessantes, embora controversas, como acontece, desde logo, com os ensaios do Prof. Ferrer Correia e do Dr. Rui Moura Ramos, este aliás, bastante importante. Não obstante, o que continua sobre a mesa do imediato ajuda a rematar pela decrescente relevância do decreto de 75, mas pela não benévola ponderação do fazer cessar, a qualquer preço, a sua vida dispositiva, atenta a complexidade do universo envolvente e a índole de direito fundamental de que, face à Constituição da República, se reveste o direito à nacionalidade. Toda a movimentação nesta área haverá que submeter-se à malha apertada do previsto no artigo 18.º, sob pena de moléstia originária incontestável.
Acrescem, numa vertente mais ligada à proposta do Executivo, as questões elementares, a que já aludi, relativas aos que, em Macau e Timor-Leste, deverão, na sua eventualidade destes territórios acederem à independência, poder reivindicar a nacionalidade portuguesa em termos exactos ou similares dos constantes do artigo S.º, a cuja remoção se procede. É para nós, PCP, determinante a inclusão, no decurso dos trabalhos a provir, de um preconceito que incorpore a preocupação expressa, que julgo ser comum às diferentes bancadas. No entanto, face aos riscos que comporta o texto que analisamos, manifestamos um desacordo inequívoco, cujo peso é determinante na opção de voto que assumiremos. Lido conforme está, o magro artigo governamental nem nos permite um juízo inadvertido. À sua luz, tudo quanto figurei, nesta intervenção, até ao presente segundo, ganha contornos obscuros.
E, então, perguntar-se-á, com inteira razoabilidade: que motivos urgentes bradam em favor da extinção, sem perda de tempo, de um regime que, mesmo não sendo perfeito, não originou graves injustiças nem fez degenerescer o tecido político-normativo que nos rege?
A Portugal incumbem responsabilidades pesadas e nobres na condução do processo de autodeterminação e independência de Timor-Leste, fazendo a Constituição da República recair sobre o Governo, o Presidente da República e o próprio Parlamento especiais incumbências. Ao cabo de anos, que se vão tornando dolorosamente longos, o Estado vem intentando, pelos meios ao seu alcance, dar cumprimento ao disposto na Lei Fundamental do país. O holocausto do povo Maubere, sob a tirania da Indonésia, ocupante ilegítimo do território de Timor-Leste, não pode permitir-nos a mais leve desatenção, ainda que meramente formal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As actuações diplomáticas em curso vêm granjeando apoios e urge robustecê-las com serena firmeza. Pela nossa parte, reiteramos a posição de sempre, sublinhando o ónus - que ninguém, em recta consciência, conseguirá alijar ou enfraquecer - de promover, até ao fim, a descolonização de Timor. Em nome desse compromisso, que é eminentemente nacional, desejamos um completo aclaramento dos modelos a adoptar, no que atine à matéria sobre que versamos, antes mesmo da hora venturosa em que ele se realizar.
Finalmente, a consagração da regra da ultra-actividade indiscutível da decisão legislativa a assumir pela Assembleia da República, no caso de um diploma escorreito, é justa, não desprotegendo os interesses insitos nos pedidos pendentes em conformidade com as cláusulas mais favoráveis de 75.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Conforme deflui de quanto acabo de dizer, opor-nos-emos, na generalidade, ao sucesso da Proposta de Lei n.º 63/V. Se, como é de prever, ela proceder pelo apoio da maioria, bater-nos-emos para que, em votação final global, se venha a aprovar uma lei tanto ao quanto possível sã, afeiçoada à realidade compósita a que quer responder. Nesse sentido trabalharemos com o maior empenho.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Do que se trata é de passar a certidão de óbito ao Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de Junho, ou deixá-lo viver.
Ficou ele tristemente célebre, nas críticas de certa imprensa, em telegramas de desagravo e em protestos individuais ditados pelas mais diversas motivações, por lei «celerada».
Vou ao dicionário e perpassa por mim um calafrio! «celerada», igual a «fascinora», a «malvada», a «capaz de cometer crimes». Seleratus, na velha língua do Lácio, quer mesmo dizer «criminoso».
Não podendo a pobre da lei ser tudo isso - privada, como se encontra, dos ingredientes subjectivos de que se alimenta a intenção criminosa - «celerado» vem a ser o seu autor material, ou seja eu próprio!

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Fui eu o autor dessa lei. E não no plano objectivo em que fui de tantas outras, as do plano da tão profunda identificação com as coisas que só ocorre quando denodadamente nos batemos por elas.
Bati-me, Srs. Deputados, contra tudo e contra todos - com raras ajudas, como a do meu camarada Jorge Sampaio -, até ao limite das minhas forças, por uma lei que tivesse, inteiros, os «defeitos» que esta tem. Refiro-me aos «defeitos» que durante mais de uma década estiveram na ponta do dedo acusador de tantos portugueses.
Vejo, com dor na alma, que continuam a estar. É o que me lembra, com uma bonomia em que se espelha algum perdão, o Sr. Deputado e meu ilustre amigo Dr. Mário Raposo, subscritor do douto parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que agora mesmo voltei a ter o prazer de ouvir. Pressente-se que disse o pouco que disse a travar o muito que poderia ter dito. Pois não segue ele de perto o Dr. Moura Ramos, que da lei «celerada» disse o que por pudor não repito?
Para encurtar razões, a lei seria «celerada» por ser arrepiantemente desumana. Verdadeira obra-prima de um «Hitler» frio e racista. Com a agravante - descoberta pelo conspícuo Dr. Moura Ramos - de serem mais do que duvidosas a sua necessidade e até a sua razão de ser.
Imaginem, Srs. Deputados, o sono que eu perdi!... Os remorsos que eu moí!... As penas do Inferno que me aguardam, fechado que se encontra para mim no Purgatório!...
Tudo mereço, menos o vosso perdão! Pois não é que me não arrependo, e que aqui me apresento com imaginável desfaçatez, a afirmar, sem que me trema a voz , que voltaria mil vezes a fazê-la tal como a fiz? A proclamar, perante a vossa tão certa indignação, que foi a lei mais patriótica de todas aquelas a que liguei o meu nome? Que esta «leizinha», que se pretende de tão duvidosa necessidade, e tão ignota razão de ser, salvou o país de uma catástrofe? Que, em muitos casos, o ter-se-lhe chamado «celerada» foi apenas o resultado da deslocação do qualificativo do sujeito que chama para a coisa chamada?
Eu explico: perante a necessidade - que só o Dr. Moura Ramos não vê - de se definir quantos e quais, dos cidadãos portugueses nascidos ou residentes em territórios ultramarinos, deveriam perder ou conservar a nacionalidade portuguesa, surgiram e confrontaram-se, no seio de sucessivos Governos provisórios, duas teses contraditórias:
Uma, sustentada pela maioria, nesta incluído o Primeiro-Ministro, advogava um critério de grande abertura. O 25 de Abril era generosidade! Aos nossos concidadãos nascidos ou domiciliados nos territórios ultramarinos, já independentes ou a caminho disso, que quisessem manter a nacionalidade portuguesa, deveria ser dada generosamente essa possibilidade. E dado que eles tinham querido ser independentes de Portugal, o número das opções pela nacionalidade portuguesa não teria significado.
A tese oposta defendi-a eu. A mais forte restrição de que fossemos cada um de nós no seu íntimo capazes. A questão não era de generosidade, mas de política. E generosidade para quem? Para os cidadãos dos territórios ou para os cidadãos do continente e ilhas? «Lembro que Macau foi sempre, a este respeito, um caso à parte». E se o post independência corresse mal,
como havia corrido nas ex-colónias britânicas, francesas, belgas e holandesas? E se milhares, senão milhões de cidadãos portugueses, porfiassem em continuar a sê-lo e nos batessem à porta a solicitar, não asilo, mas normal acolhimento?
Demais sabia eu o que havia acontecido com a Inglaterra que, generosa, abriu as suas portas aos cidadãos da comunidade britânica e pressurosa pouco depois as fechou, com escândalo do mundo, antes que a avalancha dos aflitos a submergisse e descaracterizasse. Quem visitar Londres ainda hoje pode constar o resultado dessa momentânea «e só momentânea» generosidade.
Demais sabia eu que o menos racista dos países, que éramos nós «e continuamos a sê-lo» passaria a ser quando milhares de cidadãos de raças diversas pudessem disputar o mesmo posto de trabalho.
Eu era, como se imagina, imune a suspeitas de racismo. Combati-o em África, com todas as minhas forças, durante as duas décadas em que lá vivi. Antes mesmo do acordar da África - que eu identifico com Bandung - lutei por soluções políticas contra o colonialismo, sem excluir o nosso. Bem certo de que tinha chegado a sua hora.
Defendi, nos tribunais políticos, os que, pouco depois, com armas ou sem elas, lutaram pela independência da sua terra.
Assisti, amargurado, à degradação progressiva das privilegiadas condições de que desfrutávamos para conseguirmos soluções construtivas e pacíficas.
Quando chegaram - e por via revolucionária - era tarde para alguma firmeza, para algum suporte militar, para alguma esperança.
Por iroina do acaso - que às vezes tem mais humor do que Bernard Shaw - vim a ser eu o opositor realista e programático de uns tantos idealistas que me atiravam com a sua humanidade à cara.
Não tenho o complexo da desumanidade. E optei por ser humano para com os portugueses... de cá.
Não foi fácil Srs. Deputados! Cheguei a colocar por diversas vezes o meu lugar à disposição do Primeiro-Ministro. O país não perdia nada e eu ganhava paz de espírito.
Mas foi tão difícil que, tendo sido nomeada uma comissão de ilustres para preparar um texto, eis que este me surge facultando a nacionalidade portuguesa pelo menos os seguintes naturais ou residentes das ex-colónias:
Todos os que se tivessem batido nas Forças Armadas Portuguesas;
Todos os que tivessem sido funcionários públicos do quadro de funcionários do Ultramar;
Todos os possuidores de passaporte português;
Todos os naturais do antigo Estado da índia;
Todos os descendentes dos naturais do antigo Estado da índia.
Pela porta escancarada, passavam ainda mais alguns.
Pus obstinadamente o pé na porta. Sabiam quantos eram ou podiam ser?
Ninguém sabia! Mas sabia eu que a guerra tinha sido travada em três frentes durante mais de uma década e que metade dos nossos efectivos eram africanos. Juntem-se-lhes as esposas e os filhos - sempre numerosos - e tem-se uma ideia de quantos, só a este título, poderiam ser.
Os ex-funcionários e famílias seriam milhares. Muitos milhares!

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Os portadores de passaportes português eram, não só muitos, como vários: gregos, paquistaneses, chineses, que sei eu?
Os naturais do Estado da índia e seus descendentes eram quantos? Não se apresentou nenhum contador!
E era presumível - só o puro delírio permitindo admitir o contrário - que o pôs independência ia ser dramático. Não eram só os diversos movimentos de libertação que entre si se guerreavam. Nem só a poderosa rivalidade tribal que, com a nossa saída, se inflamava. Nem só a desarticulação da estrutura colonial, ou o entusiasmo exigente das novas ideologias. Era tudo uma década de recessão económica em pleno galope. Era sobretudo o previsível ajuste de contas com soldados leais ao ex-colonizador.
Podíamos nós, pequenos em espaço e pobres em meios, abrir as fronteiras a todo esse pânico?
Não julguem, Srs. Deputados, que foi fácil fechar o coração a todos esses dramas potenciais. Mas era necessário! O risco era o de nos tornarmos um país sobrepovoado, descaracterizado, caótico. Uma Babel humana confusa na polifonia das suas línguas, na policromia das suas cores, na polieugenia das suas raças, no caldo das suas culturas, no alarme do seu desemprego, na raiva da falta de um tecto e da escassez de um pão.
Teimoso, consegui vencer! A culpa é, pois, inteiramente minha. No mais que cedi foi, no n.º 2 do artigo 1.º, em ir até ao terceiro grau de descendência, depois de, durante longo tempo, me ter batido pelo segundo grau.
O artigo S.º, concebi-o sempre como uma válvula de escape, destinada a temperar a rigidez do esquema, a contemplar, caso a caso, os dramas mais chocantes. Creio que, sob o peso de inúmeras pressões, já passaram por ele milhares de novos cidadãos.
Se esta é a dimensão da excepção, imagine-se qual teria sido o tamanho da regra!
Ocorreria que aqueles que mais duramente se me opuseram - com base em sentimentos nobres, que eu sempre compreendi e respeitei - vieram, mais tarde a reconhecer-me razão quando a fogueira se ateou em Angola e começaram a aparecer no aeroporto, e a dormir no chão da Portela, com velhos e crianças à mistura, numerosos africanos espavoridos, sem qualquer direito à cidadania portuguesa.
Doeu-me então a evidência da razão que tive! E os que me combateram tiveram então a coragem de fechar - na realidade - as portas que eu havia fechado na lei.
«Celerada», esta lei que vai morrer? Façamos-lhe, se assim tem de ser, o enterro digno que merece.
Mas já que estais tendo a bondade de me ouvirdes com tão aparente compreensão que ainda ninguém me atirou um cinzeiro - talvez porque deixou de havê-los! - contarei um outro sucesso da lei «celerada».
Estava eu no quentinho da oposição ao Governo do Dr. Sá Carneiro quando fui «agredido» pela leitura de uma proposta de lei, aprovada pelo seu Governo, e assinada pelo seu honrado nome, em que eram retomados, ipsis ver bis, os termos da proposta que em que atrás tentei reproduzir e quantificar. Melhor dizendo, o que se pedia era uma autorização legislativa, com a proposta anexa, a título informativo.
Passava-se isto em Junho de 1980.
Nem por um momento duvidei de que o Dr. Sá Carneiro, cuja sensibilidade ao interesse nacional eu bem conhecia, não tinha sido advertido dos riscos daquilo que se proponha.
Não protestei, não fiz barulho, não escrevi nenhum artigo de jornal. Procurei-o e esclareci-o.
«Não diga mais», serenou-me, «vou imediatamente desistir da proposta!»
E assim fez!
São estes os antecedentes da lei «celerada». Pretende--se agora deitá-la fora, enterrá-la sem flores. Tal não podia acontecer sem que eu lhe rendesse esta singela homenagem. Aconteceu com ela o que aconteceu com muitos outros aspectos do processo de descolonização, que espero ter também oportunidade de esclarecer, embora nem sempre de justificar.
Pretende-se que a «leizinha» é agora tão inútil como o andaime, depois de construído o prédio. Será?
Eu teria aconselhado o Governo a que a deixasse jazer no esquecimento. Não faz, e pelo artigo 5.º só passa quem o Governo quiser que passe.
Há o sucedâneo do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade? Pois há. Mas mais complexo, mais burocrático, mais formal.
E querem conhecer a razão do meu frustado conselho? Essa razão chama-se Timor.
Sendo a única ex-província ultramarina que ainda não se tornou independente; mantendo-se o Estado português constitucionalmente vinculado a promover e garantir o direito à independência do povo de Timor; e, mais do que isso, legalmente obrigado a cumprir o acordo de descolonização e a respeitar o Estatuto Orgânico de Timor aprovados pela Lei n.º 7/75, 17 de julho; no momento em que o Presidente da República e o Governo conjugam esforços no sentido de acordar da sua sonolência a consciência universal para o genocídio do heróico povo Maubere, esta revogação do Decreto-Lei n.º 308-A/75, onde se prevê o que acontecerá aos cidadãos portugueses de Timor, quando ascenderem à independência, em matéria de conservação ou perda da sua actual nacionalidade, soa como um dobre de finados no funeral da implícita e correspondente esperança!
Com a gravidade de que, na proposta de lei do Governo, isso aconteceria sem uma palavra, sem uma lembrança, sem um gesto de pena!...
As suas palavras, Sr. Secretário de Estado, chegaram tarde, voaram. Não é agora que o Governo se limpa da responsabilidade grave de não se ter sequer lembrado disso.
Como foi isto possível?
Super atenta ao que a este respeito se passa, teríamos aí, não tarda se ela viesse a ser aprovada a Indonésia a apontar a lei revogatória ao cárneo internacional dizendo: «Vejam! Os Portugueses ligam tão pouco à situação de Timor, e são tão pouco sinceros na defesa da sua autodeterminação e independência, que acabam de revogar a lei que regulava a nacionalidade dos timorenses após terem-se tornado independentes!»
Pretende o Governo, ao que informa, «encerrar de vez o ciclo da descolonização em matéria de nacionalidade».
Pretenderá. Mas o que devia pretender era precisamente que se soubesse que o não considera findo enquanto aos timorenses não for reconhecido o direito de livremente escolherem o seu próprio destino.
Inteligentemente, como sempre o Sr. Deputado Mário Raposo tenta deitar a mão ao Governo.
Por um lado, vai afirmando que «não seria inteiramente desfocada a questão de indagar sobre a vantagem de uma revogação relativamente a um diploma já

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sem aplicabilidade, pelo menos em quase todos os seus preceitos».
E mais adiante: «(...) estando Portugal vinculado a promover e garantir o direito à independência de Timor-Leste, da revogação do diploma em causa nunca poderá decorrer uma diminuição das expectativas criadas aos portugueses de Timor-Leste».
Quando isso seja exacto no plano jurídico e até é - não o será nunca no plano político. Neste, a revogação da previsão do que acontecerá quando Timor-Leste ascender à independência, num aspecto tão importante como o da nacionalidade dos seus habitantes, terá o efeito do corte cerce de uma importante raiz.
É claro que a revogação do Decreto-Lei n.º 308-A/75 não coloca os naturais de Timor-Leste, os seus filhos, e os naturalizados portugueses com base na residência prolongada naquele território, numa situação de apatridia. É sempre defensável que continua a aplicar-se-lhes a lei geral sobre atribuição, aquisição e perda da nacionalidade portuguesa.
O absurdo consiste nisto: perdeu a esperança na independência de Timor-Leste, e a revogação tem toda a lógica; ou o Governo não perdeu essa esperança - embora sujeito à aparência disso! - e admite ter de voltar a consagrar em lei algo de parecido com o que agora revoga!
Pergunto eu: para quê fechar a porta se espera voltar a abri-la? Assim, pois, o absurdo consiste na revogação! Da lei, entenda-se, porque o Governo, esse seria muitíssimo bem revogado!...
É para mim evidente que o douto parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias prolonga de algum modo - ainda que por eco das citações a que recorre - a incompreensão que tem acompanhado a existência da lei que agoniza.
Começa-se pela afirmação surpreendente de que ela parte do pressuposto de que aqueles de quem diz que conservam a nacionalidade portuguesa a perderiam sem isso.
Nada menos exacto: o risco que se quis prevenir foi exactamente o contrário, ou seja o de que aqueles que pelo artigo 4.º a perdem a não perdessem, ainda que em acumulação com a do novo Estado independente, como muito bem aqui acabou de realçar o Sr. Deputado Mário Raposo.
A técnica da lei é simples: perdem-na todos (é a regra) menos os que a conservam (é a excepção).
E é sem dúvida excessiva a ligeireza com que se acrescenta que «face à ordem jurídica dos novos países independentes, a capacidade para determinar quais seriam os seus nacionais caber-lhe-ia por inteiro».
Isto é eminente exacto. O que não é exacto é que lhes coubesse retirar, discricionariamente, a nacionalidade de origem que Portugal, com igual capacidade, lhes mantivesse!
Curiosamente, acaba o douto parecer por reconhecer isso mesmo, quando nele se afirma que «a alteração da soberania que exerce num território não terá como efeito automático a mudança da nacionalidade dos seus habitantes perante o direito interno do seu país anterior»...
Pois não! E foi isso mesmo o que se receou e que na lei «celerada» se preveniu!
Volta a não se entender o que se quis com essa tão incompreendida lei quando no douto parecer se diz que «o que o diploma poderia ter concretizado seria uma faculdade uma opção».
Será assim tão difícil de entender que, do que se tratou, foi precisamente de restringir a margem de escolha?
E como levar a sério as críticas do Dr. Moura Ramos quando escreve que «seria lógico e pouco realista pretender que essas populações continuassem eventualmente contra a sua vontade, e apesar de não manterem qualquer ligação com Portugal, a ser consideradas como possuindo a nacionalidade portuguesa»?
Chama-se a isto virar o problema de pernas para o ar! Pois não se entende que do que se tratava, e do que se tratou, não foi de evitar que se mantivessem portugueses à força, mas que forçassem a nacionalidade portuguesa?
Já abusei da vossa paciência. Tanto quanto quis foi apenas:
Pôr uma coroa de flores na campa da lei «celerada», se tiver de morrer;
Dedicar-lhe uma lápide com este epitáfio: «aqui jaz a mais patriótica das leis»;
Tornar bem claro que o meu grupo parlamentar não aprova este gesto de alheamento e irresponsabilidade do Governo;
Pedir aos Srs. Deputados da maioria que se de tenham no requerem e pensem duas vezes no que não votar.

Aplausos do PS, do PCP e do ID.

O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimentos ao Sr. Deputado Almeida Santos, inscreveram-se os Srs. Deputados Mário Raposo e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, como sempre, ouvi-lo com muito agrado. Porém, mau grado esse agrado, tenho de fazer algumas observações e pedir alguns esclarecimentos.
Sr. Deputado, eu surjo no seu discurso - como sempre muito gostoso de ouvir - em duas facetas: ou como relator do parecer ou como interveniente neste debate.
Tenho como evidente que é perfeitamente compreensível esta aparente assintonia ou não sobreposição. É que, como relator do parecer, devo fazer constar dele todas as hipóteses argumentativas possíveis e todas as perspectivas doutrinais susceptíveis de servir para uma melhor avaliação da questão em exame. No entanto, aqui, dissocio-me da condição de relator e posso falar em veste própria, como deputado do PSD.
Por conseguinte, foi assim que, falando em veste própria, como deputado do PSD, encontrei exactamente, como ratio ou, melhor, como ocasião desta lei - aquela subtil distinção dos mestres de Coimbra e não só deles -, a mesmíssima razão de ser que o Sr. Deputado Almeida Santos encontrou.
Com efeito, este diploma, referi há pouco foram, aliás, as palavras introdutórias de um texto que acabei de ler -, menciona inicialmente a situação que se gerou por virtude da necessária e inevitável descolonização: o trauma colectivo, o êxodo e a necessidade de enfrentar e de comportar esse inesperado e brutal afluxo de pessoas neste lusíada rectângulo.
Portanto, como disse, esta lei teve um preocupação de selectividade; de saber quem deveria ser ou não português, quem merecia ou não a cidadania portuguesa.

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Na verdade, ela fez um juízo eminentemente político, um juízo de intervenção que, colocando-me na posição do legislador de então, não posso pôr em dúvida. De facto, acredito na boa fé do legislador, no seu sentido de oportunidade, e nunca da minha boca, nem nesta intervenção nem alguma vez, saiu qualquer frase que pudesse induzir na ideia de que considerava esta lei como «celerada». Aliás, confesso que é até a primeira vez que oiço assim crismá-la, pois quase que apenas me confinei ao autor Moura Ramos e somente para o citar.
Por outro lado, quando evidenciei o caso de Timor, não o fiz para dar uma «mãozinha ao Governo», que não precisa dela, sobretudo quando, na sua bancada e defendendo esta proposta de lei, se encontra um magistrado de alta qualidade e com alto nível técnico, como o Sr. Secretário de Estado. Portanto, não me cabe dar qualquer «mãozinha» ao Governo, pois este sabe andar pelos seus próprios meios com os seus próprios recursos.
Assim, quanto a este aspecto de Timor, apenas pergunto o seguinte: se o Sr. Deputado Almeida Santos, meu querido amigo, considera que esta lei teve como determinante função a de seleccionar aqueles que podiam entrar, num momento conjuntural, excepcional, por assim dizer heróico, no território continental, vamos manter esta lei para restringir a entrada dos timorenses neste território?! Nesta linha, pergunto ao Sr. Deputado Almeida Santos se há ou não uma contradição nas premissas de que acaba de partir!
Faço-o muito afectuosamente, mas com alguma veemência, porque reconheço que o Sr. Deputado Almeida Santos, animado, como é lógico, natural e certo, pela defesa de uma lei que, realmente, cumpriu a sua época, mas que encerrou o seu ciclo e que é, a meu ver - sinceramente o digo uma causa finita, o Sr. Deputado, dizia, enlevado e motivado pela defesa dessa lei, acabou, ao que creio, por incorrer em alguma contradição, ainda que, como sempre, elegantemente enroupada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos naturalmente que não incorrerei no pecado de lhe chamar a si ou à sua lei celerados - pelo contrário, como se depreenderá, aliás, da curta intervenção que irei fazer daqui a pouco.
Na verdade, fui advogado e acompanhei a aplicação desta lei que, muitas vezes, foi muitíssimo mal aplicada, prestando-se a vários negócios na sua concretização. No entanto, ajudou também comunidades inteiras a vir para a metrópole - como se dizia - e a organizar a sua vida.
Porém, a questão que queria colocar tem a ver com o facto de V. Ex.ª ter, daquela tribuna, falado do problema dos naturais do Estado da índia.
Ora, esta lei não tem absolutamente nada que ver com todos os naturais do Estado da índia, mas apenas com aqueles que se encontravam domiciliados nas províncias ultramarinas à data da sua independência. É que aqueles naturais do Estado da índia que não estavam domiciliados nos territórios ultramarinos, e apesar desta lei, em nada sofreram a diminuição quanto à sua nacionalidade. Aliás, a sua nacionalidade foi, até hoje, tratada pela conjugação do Código Civil com
uma lei especial de 1961, regulando-se assim a cidadania dos portugueses originários do Estado da índia e seus descendentes.
Neste aspecto, houve sempre um conflito, que até hoje não foi resolvido, em relação aos naturais do Estado da índia domiciliados nos territórios ultramarinos que ascenderam à independência - aliás, previstos na sua lei -, já que se discutia qual das leis lhes era aplicável: se a de 1961, se esta de 1975.
A jurisprudência dominante aponta no sentido de que a lei de 1975 não se aplica, mas sim a de 1961. Aliás, este é mesmo o parecer do Conservador dos Registos Centrais de Lisboa.
De qualquer modo, para que isso conste da acta e não se suscitem agora novas questões - o problema ainda é quente -, gostaria que, para que não reste qualquer dúvida, V. Ex.ª explicitasse melhor este assunto.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Mário Raposo, apercebi-me perfeitamente de que este «facto» lhe está ou largo ou apertado, como, aliás, costumam estar agora os seus fatos desde que perdeu uns quilitos.
É óbvio que este «fato» não é seu - isso retira-se do parecer e da sua intervenção aqui. Digamos que, neste caso, foi o advogado com o talento possível. Além disso, não tenha quaisquer dúvidas de que deitou mesmo a mão ao Governo, e a prova de que o fez é que o Governo não tem uma única palavra, nem na introdução à proposta nem no texto, sobre Timor. Esqueceu-se de Timor! Para que é que vamos agora ocultar este facto?! Aí é que está o que se encontra de mais condenável nesta proposta de lei!
Se ao menos no preâmbulo se dissesse que o problema de Timor seria regulado nos termos de outra lei; se ao menos se dissesse que a lei que se pretende agora revogar continuaria a vigorar em relação a Timor, eventualmente corrigida em função das circunstâncias que viessem a verificar-se no acesso à independência dos seus habitantes, muito bem! Não há dúvida nenhuma de que estaria tudo certo! Porém, o mau é que este Governo não se lembrou disso...
Por outro lado, quis dar a ideia de que tinha uma iniciativa legislativa importante, indo, na verdade, revogar uma lei que já só tem esse efeito útil, pois, de facto, o resto já não tem significado. Contudo, esse aspecto reveste-se de um importante significado político.
É bom que o Governo aceite que se esqueceu disso ou que é insensível às consequências dos argumentos que podem ser tirados - e vão sê-lo se a lei for revogada da revogação deste diploma.
É claro que sei perfeitamente que muito do que disse a respeito do seu parecer são transcrições do Dr. Moura Ramos. Não tenho é culpa de que o meu ilustre amigo tenha dispensado às afirmações do Dr. Moura Ramos uma cotação que elas não têm. Na verdade, trata-se da pessoa que menos entendeu esta lei, e só tenho muita pena de não fazer parte do júri que já o qualificou, pois, quem tem tanta dificuldade em entender o que há de óbvio numa lei tão simples, não poderia, na realidade, fazer carreira académica.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

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O Orador: - Faça favor.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, eu citei o Dr. Moura Ramos além de outros autores. Evidentemente, citei-o com maior intensidade, porque é o autor que mais se consagrou a esta matéria.
O Orador: - Certo, Sr. Deputado. Só que o que citou dos outros autores nada tinha que ver, como é óbvio, com as críticas que eu fiz à lei - nem o Prof. Jorge Miranda, nem o Prof. Ferrer Correia.
Por outro lado, o Sr. Deputado Mário Raposo fez-me uma pergunta muito concreta, relativamente à manutenção desta lei para restringir a entrada dos timorenses.
O Sr. Deputado fez-me lembrar a generosidade com que era defendida e combatida esta mesma lei que veio a ser chamada de celerada. Na verdade, eram argumentos deste género: então você vai impedir que entrem os nossos irmãos africanos que se bateram nas Forças Armadas?!
Na realidade, eram esses mesmos argumentos. Aliás, digo-lhe, Sr. Deputado, que se a hipótese fosse virem 600 mil indivíduos de Timor para Portugal, faria novamente uma lei restritiva.
Como vê, a resposta é igualmente simples e igualmente clara. Até porque não me parece que, na verdade, isso seja um ideal dos próprios timorenses. No entanto, não creio que fosse uma medida de política sensata, equilibrada e realista, em nome de uma generosidade justificada de um ângulo sentimental, embora não de um ponto de vista político, dizer a todos os timorenses que viessem para Portugal se assim o entendessem.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Dá-me licença que o interrompa de novo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Em primeiro lugar, não atribuí a V. Ex.ª o intuito de restringir a entrada de alguém. Disse apenas que a argumentação que deduziu conduzia a essa consequência.

O Orador: - Bem, o que entendi foi que o Sr. Deputado me tinha perguntado se eu queria manter esta lei para se aplicar também aos timorenses...

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Não, Sr. Deputado, obviamente que não hipnotizei no seu espírito que esse facto ocorresse.

O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, eu não disse que esta lei teria alguma coisa a ver com os naturais do Estado da índia e seus descendentes. De facto, o que disse foi que isso fazia parte do tal projecto que rejeitei e contra o qual me bati.
Portanto, como é óbvio, esta lei não tem nada a ver com isso. Agora, queria apenas dizer que isso vinha na lista daqueles que poderiam entrar livremente em Portugal sem qualquer espécie de condição. Foi só isso que quis dizer e, portanto, creio que fica esclarecida a sua dúvida.
Srs. Deputados, penso que, por mais anos que viva, hei-de ser sempre confrontado com a facilidade da generosidade, dos bons sentimentos, quando não tem de se raciocinar politicamente para encontrar soluções concretas sob o ponto de vista dos interesses do nosso país.
Esta lei é uma lei do ângulo da pragmática política, do ângulo do interesse nacional, embora um interesse concebido como Portugal é hoje e não como era no momento em que este diploma foi aprovado.
Penso que foi uma lei útil, e tenho pena de que o Governo, ao propor-se revogá-la, só lhe tenha feito críticas - embora suaves, é verdade... -, sem ter tido uma palavra para as catástrofes terríveis que ela evitou e para o mérito do papel que ela desempenhou.
Normalmente, quando as pessoas morrem - neste caso, também se pode aplicar a imagem às leis -, o normal é realçar-lhes as virtudes e esquecer os defeitos. Claro que esta lei teve defeitos. Contudo, acho que lhe era devida a palavra que eu lhe dei e que o Governo não foi capaz de dar.
Ainda espero, Srs. Deputados, que esta proposta de lei não chegue a ser aprovada sem uma ressalva sobre o caso de Timor, pois, se não for feita tal ressalva, votaremos contra esta proposta e manteremos a esperança de que ela possa tropeçar no seu caminho até à publicação.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas queria dizer umas breves palavras, porque julgo que os Srs. Deputados já demonstraram aqui sobejamente, embora em determinados casos não o quisessem fazer crer, a oportunidade desta proposta de lei.
Sr. Deputado Almeida Santos: V. Ex.ª que ouviu, espero que com um mínimo de atenção, as modestas palavras que proferi, não poderá, com certeza, dizer que o Governo foi alheio ou que não considerou o mérito que teve o decreto-lei cuja revogação ora propomos a esta assembleia.
Na verdade, o que o Governo entende é que toda a lei, designadamente uma lei elaborada num momento que, como todos reconhecemos, tinha tanto de excepcional, tem o seu período normal de vigência. Assim, depois de publicada a Lei da Nacionalidade e passados sobre esta mais de 7 anos, há um momento em que o Governo de tem assumir, ponderando todos os interesses em causa - e gostava que isto ficasse claro -, a revogação de um diploma que não pode passar de excepcional a regime-regra. É tão somente isto que se passa neste momento.
O Governo nunca considerou, nem considera, a lei em vigor como «celerada» - nas palavras do Sr. Deputado Almeida Santos -, mas sim que ela teve o seu momento de vigência e que foi abundantemente aproveitada, durante 13 anos, por todos aqueles que se encontravam nas situações nela previstas, designadamente no seu artigo 5.º
Por outro lado, a questão de Timor, tão ventilada aqui e que previamente foquei nas palavras que proferi, tem de ser situada muito objectivamente.

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Com efeito, esta lei nunca se aplicou, nem se aplica, aos territórios de Timor ou de Macau, já que, conforme decorre do n.º 3 do artigo 5.º da Constituição, Macau é um território sob administração portuguesa, enquanto que relativamente a Timor, e de acordo com o artigo 297.º do mesmo diploma, Portugal assume-se, de acordo com os organismos internacionais, designadamente a Organização das Nações Unidas, como potência administrante.
Portanto, não podemos entrar sentimentalmente em confusões acerca da revogação de um diploma que nunca buliu quer com Macau quer com Timor, vindo agora trazê-los à liça.
Aliás, Srs. Deputados, o Governo questionou-se a si próprio e ponderou os interesses em causa. Não agiu, pois, com ligeireza. Na verdade, o que se pode é invocar «ligeireza» num outro sentido, pois agiu-se com muita lentidão, tendo-se passado 13 anos. Portanto, alguém tinha de ter a coragem de, neste momento, avançar com um diploma destes, de normalizar, no campo da nacionalidade, a ordem jurídica portuguesa. Foi, pura e simplesmente, o que se fez.
E quando o actual Executivo diz que, oportunamente, a questão de Timor será considerada, pois que posição de maior abertura poderá ter o Governo, sabendo que, hoje em dia, Portugal é a potência administrante em Timor, se não a de deixar, para quem na altura estiver no Governo, o encontrar da solução que nesse momento for a mais conveniente - dado que hoje não é previsível o modo como será feita a autodeterminação de Timor -, em vez de impor, desde já, um determinado tipo de solução.
Outra abertura não poderia ter tido o Governo, Srs. Deputados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados José Manuel Mendes e Almeida Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Secretário de Estado, quando, há pouco, anunciei, em nome da bancada do PCP, o propósito de votar contra o diploma, admitia, apesar de tudo, que as razões que gritavam a favor dele fossem menos graves do que aquelas que, depois de o ouvir, acabam por se nos impor.
Em primeiro lugar, porque não nos deu uma resposta cabal, minimamente esclarecedora, quanto à questão de saber o que é que faz o Governo correr desta forma célere, expedita e azougada, em favor da extinção do Decreto-Lei n.º 308-A/75. Quais são, efectivamente, os erros graves a que ele deu origem na ordem jurídica portuguesa? Quais as situações de injustiça fáctica que ele determinou? O que é que, de um ponto de vista jurídico e de um ponto de vista político, favorece a tese da imediaticidade de um procedimento erradicante como aquele que o Governo deseja?
Em segundo lugar, no que respeita a Timor-Leste, suponho que é, de tal forma, pertinente e forte a injunção constitucional de que cabe ao Estado português promover a autodeterminação e a independência do território, para isso responsabilizando especialmente os órgãos de soberania Governo e Presidente da República, sem deixar de reservar ao Parlamento um papel importante, que, neste momento, todo e qualquer laivo de desatenção, seja em que matéria for, enfraquece a posição negociai de Portugal, e, como tal, tende a desviar o ónus, que impende sobre nós, de promover os objectivos a que somos obrigados. Não se pode admitir, por nenhuma via e a nenhuma luz, que, mesmo num diploma com a natureza deste - ainda há pouco escalpelizada pelo Sr. Deputado Almeida Santos - se almeje a obtenção da eliminação de uma lei, a troco de uma norma que não acautela estas questões elementares.
O Sr. Secretário de Estado admite remeter para consideração ulterior a possibilidade de benfeitorizar a norma, melhorando aquilo que será o resultado final. Nós estamos disponíveis para isso. Contudo, creio que, à partida, o que deverá salientar-se, com um giz muito grosso, é que a posição originária do Governo é insustentável.
Ora este pedido de esclarecimento, acompanhado de alguma judicação, que gostaria de, serenamente, produzir neste momento do debate.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos, que dispõe de um minuto e meio que lhe foi cedido pelo CDS.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, se por acaso precisar de um pouco mais de tempo, peço a tolerância de V. Ex.ª.
Ouvi com a maior atenção a intervenção do Sr. Secretário de Estado, mas lamento ter de concluir que a afirmação inversa não é verdadeira, de tal modo ele deturpa aquilo que eu disse.
O Sr. Secretário de Estado diz que a lei é excepcional, mas Timor também é excepcional, logo, essa razão de ser nunca poderia ser invocada.
Ouvi-o, muito bem, falar aqui nos desajustamentos com que não podem pactuar. Quais desajustamentos, Sr. Secretário de Estado? Uma lei que esgotou na quase totalidade a sua aplicação está desajustada?
Por outro lado, devo dizer-lhe que, com base nesse fundamento, V. Ex.ª pode revogar centenas de leis. É só procurá-las e pode revogar leis que já não têm qualquer espécie de objecto ou de eficácia. Por aí não vamos lá!
O Sr. Secretário de Estado diz também que o Governo pondera todos os interesses em causa. Mas eu não realcei já, bem ou mal, que há aqui um importante interesse em causa que foi descuidado e esquecido pelo Governo?! V. Ex.ª deveria demonstrar que a manutenção desta lei não tem interesse para o caso de Timor, mas não o fez, nem pode fazê-lo, porque essa é uma tese indefensável!
Com efeito, V. Ex.ª disse uma coisa que é verdadeiramente surpreendente e que nunca foi dita: «Esta lei nunca se aplicou nem se aplica a Timor». É uma afirmação sua que fica registada no Diário e de que espero se venha firmemente a arrepender.
Disse ainda V. Ex.ª «[...] somos apenas uma potência administrante, não podemos entrar sentimentalmente em confusões [...]». Lamento ter de lhe dizer que quem confunde é o Sr. Secretário de Estado, não nós, não eu, com toda a certeza! Citei-lhe uma lei em que Portugal está vinculada a um acordo de descolonização, a uma lei orgânica. Por que é que não revoga essa lei, Sr. Secretário de Estado? É o seu pelouro! Revogue-a, se é capaz! Diga: «Portugal revoga a lei

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n.º 7/75, de 17 de Julho, porque acha que já não faz sentido continuar vinculado à obrigação de descolonizar Timor, porque agora é só potência administrante e nada mais do que isso». Porque que é que V. Ex.ª o não faz? Seja coerente e vá até ao fim do seu raciocínio, não fique a meio!
Sr. Secretário de Estado, gostaria de dizer-lhe que a sua intervenção foi para mim - sinceramente o digo - profundamente decepcionante.
Este gesto não foi um acto de coragem. Foi um gesto de insensatez política que vai marcar a sua passagem pela Secretaria de Estado de que é titular.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

Uma voz do PSD: - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, há pouco, a Mesa, ao anunciar os Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos, não referiu, por lapso, o Sr. Deputado Narana Coissoró.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
Peço desculpa, Sr. Deputado, mas o Sr. Deputado Mário Raposo inscreveu-se primeiro.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Mário Raposo (PS): - Sr. Deputado Almeida Santos, creio que ouvi o Sr. Secretário de Estado dizer, com total nitidez e compreensibilidade, que a razão de ser da revogação desta lei é a de ela constituir - para usar da minha expressão - uma causa finita. Liga-se, efectivamente, com aquele período excepcional que se sucedeu à descolonização, a todas as suas sequelas, e agora mantém-se em vigor apenas o seu artigo 5.º, que é uma disposição especial dentro de uma lei excepcional.
Até agora o artigo 5.º não foi revogado, pura e simplesmente, porque, ou havia Governo e não havia Assembleia, ou não havia tempo de o revogar, e ainda porque continuam a existir 7 mil processos de nacionalidade por resolver.
Entretanto, quanto aos processos de nacionalidade, quer os de conservação quer os de concessão da nacionalidade, que venham a surgir, interrogo-me, em relação a todos, se eles terão razão de ser.
Quanto à occasio legis que determinou a lei, pergunto - retirando agora e colocando no remanso de uma prateleira não desvirtuante nem secundarizante o caso de Timor - a causa não está verdadeiramente finita? Se todas as pessoas que tinham uma perspectiva de legitimidade e uma ânsia de legitimação em relação à tutela da sua nacionalidade portuguesa, ao longo de 13 anos, já não a deveriam e poderiam ter requerido e, quando muito, estarão entre os 7 mil processos pendentes?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado.

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Tenho a impressão de que estamos num diálogo de surdos, o que não é normal entre nós.
Ninguém põe em causa isso, pusemos em causa o caso concreto de Timor, que já se tornou independente e já desistimos de garantir a sua independência. A resposta é só esta. Para quê falar no artigo 5.º que não tem qualquer relevo ou importância?! Para quê falar nos outros argumentos, como os que já usaram?! O único argumento que aqui foi invocado contra a revogação desta lei, foi o caso de Timor. Situemo-nos dentro do caso de Timor. Não dêem respostas que não têm nada que ver com a crítica que foi feita.

O Orador: - Muito obrigado pela interrupção, pois dá-me ensejo a que possa dizer-lhe, Sr. Deputado Almeida Santos, que quem agora chama a terreiro essa ideia da conversa de surdos sou eu, porque apesar de não estarmos mudos, até parece, no entanto, que estamos surdos. Dá-se uma certa e realmente pouco usual incapacidade de comunicação dentro desta comunicabilidade permanente que existe sempre entre nós, mas que, neste caso, não se exprime e julgo saber porquê!
Com efeito, penso que arrumei todos os outros casos, mas não o caso de Timor.
Mas, como há pouco ficou bem expresso e determinado, a razão de ser desta lei foi aquele fenómeno que o Sr. Deputado Almeida Santos com o seu verbo sempre rico e a sua expressão sempre fácil sugerente, referiu a propósito de 1975, quando vigorava a lei «celerada», e se vivia no rescaldo da então descolonização.
Foi uma lei que teve uma época, foi uma lei datada. Não queiramos converter um regime geral o regime que nasceu sob o signo da excepcionalidade e que excepcionalmente viveu.
Com efeito, viveu restritivamente sem pretender fazer portugueses, mas antes criando condições - como o Sr. Deputado Almeida Santos disse para impedir (no bom sentido, obviamente, pois, era em favor da comunidade nacional) que alguns residentes no ultramar, então acedido à independência, pudessem ingressar na comunidade portuguesa.
Ninguém questiona o facto, a não ser por razões meramente sentimentais, e eu terei incorrido também nesse pecadilho, porque terminei a minha intervenção falando em Timor, mas dizendo muito claramente que não misturava as duas coisas. Não é misceginizável uma razão ocorrida há treze anos com uma razão que poderá - e se Deus quiser há-de ocorrer - daqui a alguns anos.
Sobretudo, há uma lei excepcional - e como o Sr. Deputado Almeida Santos bem disse - há um caso excepcional que é o caso de Timor. Contudo, trata-se infelizmente, de duas excepcionalidades diferentes e duas excepcionalidades diferentes não são misturáveis.
Mantendo-se esta lei e, sobretudo, sujeitando-a, apontando-a para o caso de Timor, só estamos a prejudicar a situação de Timor, ao invés do que pensa o Sr. Deputado Almeida Santos e, ao invés do que aqui se tem dito.
Entendo que o caso de Timor deve aqui ser chamado à colocação, com toda a sua carga significativa, com todo o seu carácter de ponto de honra nacional, mas para que se aponte ao legislador que ele deve tomar as medidas adequadas e atempadas em conformidade com a realidade que, como todos esperamos, há-de acontecer em Portugal e, consequentemente em Timor. Até lá, não deixemos no frigorífico uma lei que tende a degradar-se e a contaminar tudo aquilo que queremos que seja actual, porque então já estará definitivamente envelhecida. E isto, muito simplesmente, porque

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teve uma razão de ser numa circunstância totalmente diferente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de dizer que registo o critério da Mesa ao dar a primazia do uso da palavra ao Sr. Deputado Mário Raposo que tenho sempre muito encanto em ouvir, mas que, afinal, não a pediu para solicitar esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado e agiu antes como seu defensor oficioso ao defendê-lo numa curta intervenção perante o Sr. Deputado Almeida Santos que tinha pedido esclarecimentos.
Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª disse que dos 40 mil processos de nacionalidade, 7 mil estão pendentes. Através da consulta do seu dossier, pode V. Ex.ª dizer-me quanto é que deu entrada o ultimo dos processos pendentes? Se foi há um ano, se foi há dois anos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado José Manuel Mendes: pergunta o que é que faz o Governo ter tanta urgência neste diploma, apresentou-o no momento que considerou ser o mais adequado. Portanto, não consigo entender a sua pergunta.
Com efeito, o diploma aparece agora porque o Governo considera que é nesta altura que ele deve aparecer. Não houve qualquer processo de urgência. O Governo entende que chegou a altura de ser revogado o Decreto-Lei n.º 308-A/75.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É uma resposta!

O Orador: - Julgo que o Sr. Deputado referiu também um enfraquecimento da posição de Portugal não sei bem em que termos, não sei se se referia à questão de Timor. Uma vez que outros Srs. Deputados se referiram a Timor, não sei se está a falar também de Timor?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É exactamente essa a questão!

O Orador: - Nesse caso, como outros Srs. Deputados falaram nessa questão, e como até o Sr. Deputado Mário Raposo - a quem o Sr. Deputado Narana Coissoró chamou meu defensor oficioso, e eu admito que, eventualmente, tenha agido como gestor de negócios, gestão essa que, aliás e muito gostosamente, ratifico.
Risos.
Também já falou de Timor, responderia em simultâneo ao Sr. Deputado Almeida Santos, que não me ajudou muito nesta minha primeira e porventura última aparição neste areópago, já que estamos em dia de coroa de flores e de enterros, como o Sr. Deputado referiu.
De facto, o Sr. Deputado, de imediato, carimbou-me de grande insensatez política que, no seu entender, marcará a minha passagem pela Secretaria de Estado. Devo dizer que não tenho uma Secretaria de Estado: sou, simplesmente, Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, talvez por isso mesmo...
Mas, enfim, vim para esta Câmara com uma certa alegria, designadamente por saber que estava presente o Sr. Deputado Almeida Santos e que com ele, que tem um grande senso político, poderia aprender muito. Contudo, vim manifestamente num dia de grande infelicidade, porque, hoje, não era dia de estar presente, nesta Câmara, o Sr. Deputado Almeida Santos...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto a Timor, Sr. Deputado, gostaria de dizer que, no meu entender, não vale a pena continuarmos a bater nesta tecla. A posição do Governo é aquela que, claramente, já expressei, com ou sem insensatez. Reconheça-me, pelo menos, o mérito de a ter expressado objectivamente.
O Decreto-Lei n.º 308-A/75, porque referia que se aplicava aos territórios tornados independentes, nunca chegou a ter aplicação a Timor, pois Portugal, como potência administrante, não reconhece a anexação unilateral de Timor feita pela Indonésia. Por isso, esse diploma nunca se aplicou nem se aplica a Timor. Julgo que isto é muito simples de perceber! Não é pela sua revogação que vão resultar graves danos para os timorenses que querem regressar à Pátria.
Entendamos-nos, Sr. Deputado!
E fui tão franco e aberto que disse ainda mais outra «insensatez». O Governo, em vez de impor agora uma solução, entende que, quando se colocar a questão de Timor, qualquer Governo de Portugal - com o espírito que teve o Sr. Deputado Almeida Santos quando foi o pai deste diploma - cuidará de ter em atenção a situação dos timorenses. Disse isto, claramente, nas poucas e pobres palavras que proferi.
Portanto, julgo que, neste momento, não vale a pena insistir nesta questão.
De facto, Sr. Deputado, não tenho tido o gosto de estar com V. Ex." muitas vezes, mas tive o gosto de estar hoje e lamento que não nos estejamos a entender.

O Sr. Almeida Santos (PS): - De facto, não nos entendemos!

O Orador: - Óptimo, pelo menos neste ponto estamos de acordo!
Relativamente à pergunta que me formulou o Sr. Deputado Narana Coissoró, é evidente que continuam a aparecer, embora com menos frequência, processos no âmbito do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 308-A/75.
É evidente que continuam. Não lhe posso dizer quantos é que entraram mas, se calhar, até entrou ontem um, porque é que não hei-de dizê-lo?
Só que o Governo se apresenta aqui abertamente (será que os Srs. Deputados pretendiam que se visse antes com grandes segredos?) e disse: este diploma teve o seu ciclo de vigência que está encerrado mas ficam portas abertas. Quem estará amanhã no Governo? Se calhar, serão os Srs. Deputados os futuros pais do diploma que se fará em relação a Timor.

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O Governo entende que de uma regra excepcional, que foi o Decreto-Lei n.º 308-A/75, se tem de passar a um regime normal.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Secretário de Estado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Secretário de Estado, pode ter a bondade de me dizer qual é a porta que fica aberta e a que o senhor se referiu? Essa «porta aberta» é a de o Governo poder fazer mil leis para o futuro? É essa a tal porta ou no diploma há, concretamente, alguma porta aberta relativamente a Timor?
Essa é que é a nossa divergência, Sr. Secretário de Estado. É claro que daqui a 2 anos o Governo pode fazer 50 leis, uma lei mais perfeita e generosa, o que já não evita o efeito político de ter revogado esta sem a ter substituído por uma outra. Admito que no mesmo momento em que se revoga esta lei se faça outra para Timor; nesse caso ninguém pode acusar o Governo de estar distraído. Mas, na verdade, agora esqueceram-se.
O Sr. Deputado Mário Raposo, pela primeira vez, levantou o problema no parecer; o Sr. Secretário de Estado veio aqui fazer uma vaga referência a Timor e diz agora que está aberta uma porta. Qual é essa porta? A de legislar em geral? Como calculo, essa porta não nos dá o mínimo de satisfação.
O Orador: - Com esta atitude do Governo não se está a abrir uma porta, Sr. Deputado, pois o Governo não tem essa noção limitada. O Governo está, sim, a deixar abertas todas as portas e não a impor um solução. Repare, Sr. Deputado: quais são os problemas que neste momento existem com os cidadãos timorenses? Existe algum problema com algum timorense que pretenda a nacionalidade portuguesa e que chega ao território de Portugal? Porque é que, numa altura em que não há problemas e em que este diploma não tem aplicação a Timor, o Governo, por ser Governo, há-de estar a impor uma solução para um futuro que não pode calcular em termos temporais? Sr. Deputado, é preso por ter cão e por o não ter! Portas mais abertas do que essas não pode ter o Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Tudo quanto era preciso dizer sobre este assunto foi já dito; primeiro no parecer da comissão, depois nas intervenções que precederam esta minha intervenção e no diálogo instrutivo que se travou entre o Governo e o Sr. Deputado Almeida Santos.
Há dois aspectos em que o Governo se estriba para afirmar a sua razão para publicar este decreto-lei: em primeiro lugar, o da tese chamada de causa finita em segundo lugar, afirmação de que revogando-se o artigo 5.º, estará aberto o processo normal de naturalização a que toda a gente pode lançar mão. Por isso não estará acabada a possibilidade de qualquer pessoa que hoje pode recorrer ao artigo 5.º amanhã recorrerá a outra via para atingir os mesmos resultados.
São dois fundamentos para atacar o problema e que, para nós, temos como falsos.
Em primeiro lugar, quando as leis são caducas devem ser mesmo caducas, não levantando o problema da sua possível vigência e utilidade. Esta lei cria ainda legítimas respectivas a muitas pessoas que estão nos territórios ex-ultramarinos. Portanto, não se pode dizer que há uma causa finita e foi essa a razão por que perguntei quando é que tinha dado entrada nos serviços o último processo. V. Ex.ª sabe bem que há muitos casos em que uma parte da família está aqui em Portugal, e outra parte em Angola, Moçambique, principalmente em Moçambique.
O que sucede é que segundo a vida lhes corre bem ou mal e segundo a protecção e segurança que podem ou não encontrar nos territórios onde estão domiciliados, estas pessoas têm sempre para si que, num mau momento, podem recorrer à lei existente e vir para Portugal e estabelecerem-se aqui. Isto tem sucedido, está a suceder ainda.
É por isso que quanto V. Ex.ª disse que pode ter entrado o último processo ainda ontem, hoje mesmo ou que ainda pode entrar amanhã - e V. Ex.ª verá os processos que vão entrar quando se souber que esta lei foi aprovada aqui hoje, e que mostrará que a causa não é finita -, V. Ex.ª mata esta legitima expectativa, sem dizer por que é que o faz. Ou seja, para adiantar o argumento de que a causa é finita V. Ex.ª e o Governo tinham de dizer por que é que queriam liquidar esta expectativa a pessoas que ainda podem aproveitar a lei.
Em segundo lugar, não vejo, tanto pela letra como pelo espírito, por que razão é que esta lei não se há-de aplicar aos naturais de Timor? Vejam os considerandos, o relatório e a exposição dos motivos do diploma. Fala-se aí claramente dos territórios cuja descolonização está em curso. Em 1975, Timor-Leste não era um território com a descolonização em curso?
A letra de lei a referir-se aos territórios «tornados independentes» restringe-se aos territórios africanos? Onde é que está escrito que a lei é só para territórios africanos? Porque é que não se há-de aplicar o diploma ao território de Timor-Leste se este se tornar independente? O que é que proíbe que se aplique esta lei aos Timorenses se, amanhã, Timor se tornar independente? Quando Timor se tornar independente deverá aplicar-se a lei e V. Ex.ª sabe isso perfeitamente.
Além disso, foi chamado à atenção pelo Sr. Deputado António Vitorino, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, quanto à expectativa dos timorenses que sabem que existe esta lei e que a podem aproveitar, o que é mais importante do que o uso efectivo que dela possam vir a fazer amanhã. Há portanto, o elemento psicológico que é preciso manter na população. É preciso dar uma retaguarda forte às populações de Timor-Leste.
De volta e meia, o Governo deixa fugir a boca para a verdade. No Programa do Governo já não se falava da independência e, posteriormente, temos visto as voltas que tem vindo a dar, continuando a dizer que se vai bater pela independência de Timor-Leste como a prioridade e travar o combate que todos estamos a ter com a Indonésia.
Com a revogação desta lei, morreria uma expectativa que está gravada na população, que politicamente pode servir a população de Timor, porque diz que juridicamente a considera portuguesa. V. Ex.ª criaria um

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vazio entre a revogação desta lei e a aprovação da lei que se viesse a fazer na chamada negociação global que, naturalmente, haverá.
Mas se houver, V. Ex.ª relega para esse tempo. E durante este processo não há que salvaguardar uma posição psicológica das populações de Timor? É isso o que nos preocupa e não propriamente o aspecto jurídico de poder aplicar agora esta lei.
O que nos preocupa é que com essa revogação estamos a retirar um instrumento psicológico poderoso que os resistentes de Timor têm para si como uma legítima expectativa de cidadania portuguesa.
São essas as razões que levam a dizer, tal como o Sr. Deputado Almeida Santos, que politicamente esta lei é profundamente insensata, que psicológica e juridicamente diminui a resistência do povo timorense e que servirá de arma para argumentação da Indonésia.
Apesar do diploma ter um artigo só, o Grupo Parlamentar do PSD pediu a sua baixa à Comissão. Realmente, aceitam a bondade da nossa solução e, naturalmente, vão pôr algum artigo, algum dispositivo, para tratar desta questão das expectativas do povo de Timor, caso contrário não faria sentido pedirem a baixa à Comissão de um diploma com um só artigo.
Estamos, portanto, convencidos de que em sede de especialidade o Sr. Deputado Mário Raposo continuará a «deitar a mão» a este decreto e que tudo voltará a ser bom. A única coisa que se pode dizer é que V. Ex.ª não soube aproveitar o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado inscreveu-se para formular um pedido de esclarecimento.
Apesar de o Governo não dispor de tempo, a Mesa concede 2 minutos ao Sr. Secretário de Estado, dada a importância da matéria.
Também o Sr. Deputado Mário Raposo se inscreveu para o mesmo efeito. Contudo, apresentando as desculpas da Mesa, não lhe posso conceder a palavra pois o PSD já não dispõe de tempo.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado Narana Coissoró, vou tentar ser sintético, pois cuido que não poderei avançar mais sobre esta matéria.
Julgo que fui claro. Parece que a questão de Timor tinha de ser debatida aqui pelos Srs. Deputados. Quero apenas que os Srs. Deputados fiquem com a noção de que não é com a revogação deste diploma que os timorenses ficam desprotegidos, poderão ficar desprotegidos, sim, com determinado tipo de intervenções alarmistas que se fizeram aqui, por parte dos Srs. Deputados.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Oh, Sr. Secretário de Estado!

O Orador: - Eu disse que a questão de Timor foi pensada e que se deixaram n portas abertas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Quais?

O Orador: - Todas, Sr. Deputado. Quer mais do que isto? Todas as da sua imaginação, a não ser que não a tenha.
O Governo não ia, neste momento, impor uma solução, quando não está descolonizado o território de Timor, solução essa que poderia vir a não ser a apropriada no momento em que fosse atingida a auto-determinação de Timor.
Quem empolou a questão e quem se preocupa indevidamente com Timor - porque o Governo preocupa-se no sentido positivo - quem aqui tentou tratar de Timor como fulcro de uma discussão, quando Timor não passava por este diploma, foram alguns de V. Ex.ª. Assumiram, logicamente, como o Governo assumiu, as suas responsabilidades!...

Vozes do PS e do CDS: - Timor não passava por este diploma?!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, deseja responder?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Impossível de responder, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate.
Às 19 horas e 30 minutos procederemos às votações, pelo que solicito aos Srs. Deputados o favor de não abandonarem o Hemiciclo.

Pausa.

Srs. Deputados, por lapso material, há necessidade de repetir a votação do requerimento relativo ao pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 91/88, que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:

Requerimento

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 198.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados requerem a baixa à Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, pelo prazo de 30 dias, do Decreto-Lei n.º 91/88 e das propostas de alteração entradas na Mesa, tendo em vista proceder à sua votação e discussão na especialidade, após consulta às Assembleias Municipais de Cascais, Oeiras, Sintra e Amadora, a quem compete, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea d), 39.º n.º 2, alínea ti), e n.º l do Decreto-Lei n.º 100/84 e de mais legislação aplicável, pronunciar-se sobre a matéria em apreço.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o requerimento agora lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser submetida à votação, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 60/V, da iniciativa da Assembleia Regional dos Açores, relativa à contracção de um empréstimo pelo Governo Regional dos Açores junto do Banco Europeu de Investimentos.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

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4716 I SÉRIE - NÚMERO 116

O Sr. Presidente: - Vamos votar na especialidade. Se não houver objecções, votaríamos globalmente os dois artigos que integram esta proposta de lei.
Pausa.
Não havendo objecções, assim se fará.
Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade. São os seguintes:

Artigo 1.º

1 - O Governo da Região Autónoma dos Açores poderá, mediante autorização da respectiva Assembleia Regional contrair, junto do Banco Europeu de Investimento, um empréstimo até ao montante equivalente a 5 milhões de contos.
2 - A contracção do empréstimo externo referido no número anterior subordinar-se-á às condições gerais seguintes:
a) Ser aplicado no financiamento de investimento do plano ou de outros empreendimentos especialmente reprodutivos;
b) Não ser contraído em condições mais desfavoráveis do que as correntes no mercado internacional de capitais em matéria de prazo, taxa de juro e demais encargos.
3 - O empréstimo a que se refere o n.º l destina-se ao financiamento parcial de investimentos no sector dos transportes - projectos denominados «Construção de portos nas ilhas de São Miguel» e «Construção de estradas em São Miguel e Terceira», constantes no plano de investimentos da Região Autónoma dos Açores.
4 - Os montantes utilizados do empréstimo referido no n.º 1 estão sujeitos ao limite global previsto no n.º 7 do artigo 3.º da Lei n.º 2/88, de 26 de Janeiro.
Artigo 2.º
A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação final global.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser submetido à votação, na generalidade a proposta de lei n.º 51/V, que concede autorização ao Governo para legislar em matéria de regime e estrutura da carreira diplomática.

Submetida a votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, e votos contra do PS, do PCP, do PRD, do CDS, da ID e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há propostas de alteração a este diploma, mas deu entrada na Mesa um requerimento apresentado pelo PSD que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:

Requerimento

Ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis requere-se a baixa à Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e Cooperação da proposta de lei n.º 51/V relativa ao regime e estrutura da carreira diplomática, pelo prazo de quatro dias, após votação.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o requerimento agora lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 63/V, que revoga o Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de Junho, relativo à conservação da nacionalidade portuguesa por cidadãos domiciliados nos novos países africanos de expressão portuguesa.
Submetida a votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do PRD, do CDS, da ID e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido um requerimento apresentado pelo PSD.
Foi lido. É o seguinte:
Requerimento
Nos termos regimentais, os Deputados abaixo assinados propõem a baixa à 1.ª Comissão da proposta de lei n.º 63/V pelo prazo de 5 (cinco) dias, após votação.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o requerimento agora lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião terá lugar amanhã, às 10 horas.
O primeiro ponto da ordem do dia diz respeito à apreciação das Contas de Gerência da Assembleia da República de 1987.
Do segundo ponto consta a discussão das propostas de lei n.01 56/V, que autoriza o Governo a alterar a redacção de um artigo do Código de Processo das Contribuições e Impostos, e 65/V, que isenta do Imposto de Mais-Valias o aumento de capital das sociedades anónimas.

Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adriano Silva Pinto.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Costa de A. Sousa Lara.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António José de Carvalho.
António José Coelho Araújo.
António Maria Oliveira de Matos.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando Manuel Pedroso Militão.
Arménio dos Santos.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.

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Dinah Serrão Alhandra.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco João Bernardino da Silva.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João Manuel Ascenção Belém.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Rui Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Jaime José Matos da Gama.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
José Vera Jardim.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Raul D'Assunção Pimenta Rego.
Raul Manuel Bordalo Junqueira.
Ricardo Manuel Rodrigues Barras.
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio.

Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel Antunes Mendes.
Maria Luisa Amorim.
Maria Odete Santos.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.
José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PPD/PSD):

António Abílio Costa.
António Joaquim Correia Vairinhos.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Mendes Costa.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinho Montenegro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Pereira Lapas.
José Mário Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Pedro Domingos de S. E Holstein Campilho.

Partido Socialista (PS):

António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Oliveira Guterres.
Edmundo Pedro.
Helena de Melo Torres Marques.
José Florêncio B. Castel Branco.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.

Partido Comunista Português (PCP):

António José Monteiro Vidigal Amaro.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Maria lida Costa Figueiredo.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
José Carlos Pereira Lilaia.
Miguel António Galvão Teles.

Partido Ecologista Os Verdes (UDP/PV):

Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

As REDACTORAS, Maria Leonor Ferreira - Ana Marques da Cruz - Cacilda Nordeste.

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DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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