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Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 1993 I Série - Número 38

D I Á R I O da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE FEVEREIRO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs.

João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ontem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diplomas, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado André Martins (Os Verdes) falou sobre a crise económica e social que se vive na península de Setúbal.
O Sr. Deputado Fernando de Sousa (PS) teceu considerações sobre o novo sistema de avaliação do ensino básico, tendo respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Coelho (PSD).
O Sr. Deputado Mário Maciel (PSD) apelou ao Governo para a preservação das jazidas de pegadas de dinossauros existentes em Carenque, no que foi secundado pelos Srs, Deputados Octávio Teixeira (PCP) e André Martins (Os Verdes).
O Sr. Deputado Carlos Miguel Oliveira (PSD) abordou a política de juventude para as comunidades portuguesas mo estrangeiro e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Antónia José Seguro (PS).
O Sr. Deputado José Calçada (PCP) analisou a situação da agricultura portuguesa. No fim, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Rui Carp (PSD).
O Sr. Deputado Armando Vara (PS) associou-se à intervenção do Sr. Deputado Mário Maciel (PSD) e referiu a importância das comunicações no desenvolvimento do País.
O Sr. Deputado Hilário Marques (PSD), a propósito da celebração em 1993 do Ano Santo Compostelano, lembrou a necessidade de dotar a região do Alto Minho de infra-estruturas de apoio ao turismo.

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 21 a 24 do Diário.
Procedeu-se á discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 45/VI - Altera o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, na qual intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados António Lobo Xavier (CDS), José Vera Jardim (PS), Odete Santos (PCP), Alberto Costa (PS), Guilherme Silva (PSD). No final foi aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global.
A Câmara aprovou dois pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos não autorizando dois Deputados a deporem em Tribunal.
Foi rejeitado, na generalidade, o projecto de lei n.º 2/VI - Elimina algumas restrições à concessão de habitação social (PS).
Foram igualmente rejeitados, na, generalidade, os projectos de lei n.º 247/VI - Prorroga o período de vigência do Decreto-Lei n.º 212/92, de 12 do Outubro, que regulariza a situação dos imigrantes clandestinas (PCP}, 249/VI (Os Verdes) e 254/VI (Deputado independente Mário Tomé), de alteração do mesmo decreto-lei.
A Assembleia aprovou também, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 45/VI - Altera o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram IS horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olínto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.

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Ana Maria Dias Bittencourt.
António Alves Marques Juntar.
António Carlos Ribeira Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Martins Seguro.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrígues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Helena de Melo Torces Marques.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrígues Pereira do Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luis Filipe Marques Amado.
Luis Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dona Santa Clara Gomes,
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Mala Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrígues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martim.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, o projecto de lei n.º 25S/VI - Criação da freguesia de Tamaga no concelho de Ponte de Sor (PCP), que baixou à 6.ª Comissão, e a ratificação n.º 60/VI - Decreto-Lei n.º 251 93, de S de Fevereiro, que institui medidas especiais de apoio ao sector dos despachantes oficiais.
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Nogueira de Brito, Manuel Sérgio, Carlos Luis, Isilda Martins, Mário Tomé, José Magalhães e Macário Correia; ao Ministério da Justiça, formulados peio Sr. Deputado Alberto Costa; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Sérgio, Mário Tomé, Apolónia Teixeira e Odete Santos; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Paulo Cunha, Macário Correia e Isilda Martins; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Francisco Martins; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado José Silva da Costa; ao Ministério do Mar, formulado pelo Sr. Deputado Filipe Abreu; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado José Silva da Costa; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Adérito Campos e Apolónia Teixeira; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Sousa Lara e Julieta Sampaio; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pela Sr.ª Deputada Isilda Martins; às Câmaras Municipais de Faro e Aljezur, formulados pelo Sr. Deputado Macário Correia.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Luís Peixoto, na sessão de 12 de Maio; Lino de Carvalho, na sessão de 12 de Junho; João Granja da Fonseca, na sessão de 16 de Outubro; Manuel Sérgio, na sessão de 2 de Dezembro; António Barradas Leitão, na sessão de 3 de Dezembro; Fernando Pereira Marques, na sessão de 12 de Janeiro; e António Alves, na sessão de 21 de Janeiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período de antes da ordem do dia de hoje inclui uma declaração política do Partido Ecologista Os Verdes. Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com inegável perspectiva de futuro, na sequência da grave crise económica e social que se abateu sobre a península de Setúbal na primeira metade da década

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de 80, resultante do desastroso modelo de crescimento económico adoptado nos anos 60, os municípios do distrito de Setúbal, organizados em associação, iniciativa pioneira no nosso país, assumiram a responsabilidade de, por forma clara e determinada, enfrentar com os seus próprios meios, numa iniciativa igualmente inédita em Portugal, os desafios que a realidade exigia e o conhecimento permitiu.
Feito o diagnóstico da situação, a Associação de Municípios do Distrito de Setúbal adjudicou a um consorcia de empresas a elaboração do Plano Integrado de Desenvolvimento para o distrito, iniciativa que decorreu entre 1987 e 1989 e que inventariou para cada concelho um conjunto de acções e projectos considerados susceptíveis de promover o desenvolvimento, tanto no plano local como no plano regional.
Foi desta forma que, perante a possibilidade de absorverem fundos comunitários através da OID de Setúbal, as autarquias demonstraram - e continuam a demonstrar! - grande capacidade de resposta, o que lhes tem merecido a atribuição da responsabilidade de grande parte do sucesso alcançado por esta OID e que ficou evidenciado; nesta «Presidência Aberta».
As potencialidades e a riqueza da península de Setúbal são evidenciadas tanto pela quantidade como pela diversidade dos recursos endógenos que possui, incluindo uma população jovem e uma força de trabalho com qualificação superior à média nacional.
A conjugação destes factores dê desenvolvimento com uma capacidade de iniciativa exemplar das principais forças vivas da região tem assegurado à península uma dinâmica de progresso e de qualidade de vida a que não é alheia a forte atracção que se verifica em investimento e em fixação de população, tendo o primeiro registado, entre 1989 e 1992, o valor de 148 milhões de contos e o segundo um crescimento demográfico efectivo superior a 55 000 habitantes no último decénio.
Todos estes indicadores, se contradizem os eventuais desejos de alguns profetas da desgraça, não podem nem devem servir para iludir uma realidade que a propaganda oficial tem vendido como «o caso sucesso de Setúbal».
Alguns exemplos demonstram à evidência factos e situações que, positiva ou negativamente, continuam a condicionar a construção de um futuro melhor na península de Setúbal.
Sendo o património natural uma das principais riquezas da região, verifica-se que a sua defesa, conservação e promoção tem sido deliberadamente menosprezada ao mais alto nível da Administração.
É assim que o maior campo de tiro da Europa só ainda não está em plena actividade junto à Reserva Natural do Estuário do Tejo porque o investimento alemão fez outras opções.
Da mesma forma toda a área ribeirinha do Tejo, apesar de reconhecidas as suas potencialidades naturais, lúdicas e culturais, permanece sem quaisquer planos de intervenção por parte da Administração do Porto de Lisboa ou do Governo.
O abandono e a degradação são a imagem que permanece, excepção feita às zonas sob administração das autarquias, onde a recuperação tem sido um objecto político e um facto confirmado, como é o caso da baía do Seixal, do saneamento da Caldeira da Moita e do Parque Urbano Ribeirinho na Baixa da Banheira, constituído por um conjunto de equipamentos, o que permite uma Utilização polivalente, envolvidos por importantes espaços verdes, numa área de cerca de 40 ha de extensão, podendo vir á ser considerado um dos maiores da Europa.
Na mesma preocupação de intervenção autárquica se assinala a iniciativa da Câmara de Almada no envolvimento das várias entidades da administração central no plano de recuperação da frente de praias naturais da Costa da Caparica.
A Câmara de Sesimbra, empenhada na salvaguarda do património natural do concelho, que reconhece como factor de desenvolvimento sustentável e garantia de um futuro melhor não só para concelho mas também para a Área Metropolitana dê Lisboa, tem promovido todos os esforços ao seu alcance para encontrar soluções e receptividade às suas propostas de constituição do grande parque verde da mesma área, ligando a Herdade da Apostiça ao Parque Natural da Arrábida, passando pela lagoa de Albufeira e pelo cabo Espichel.
Neste mesmo domínio da defesa, promoção e salvaguarda do património natural importa referir o contraste que resulta da intervenção (ou da falta dela!) por parte do Governo em áreas como a Reserva Natural do Estuário do Sado, onde a poluição continua a impedir a necessária capacidade de auto-regeneração desta importante área protegida e o aproveitamento do seu potencial de riqueza, ou o Parque Natural da Arrábida, onde, por falta de capacidade ou vontade politica, ainda não foi encontrada a solução para evitar a destruição progressiva que a exploração de inertes vem provocando irremediavelmente na serra.
No domínio do património e da promoção cultural, a criação da rede de bibliotecas públicas, promovida pelas autarquias, e a construção de bibliotecas centrais (como acontece no Seixal e na Moita) são exemplos da dinamização cultural que enriquece a vida na região; a recuperação e conservação de centros históricos, de barcos típicos do Tejo e de moinhos de maré são outras iniciativas autárquicas reconhecidas pelas populações.
Na área da educação e ensino a ligação da escola ao meio e do ensino à vida, promovida pelas autarquias em conjunto com os professores e os pais, são exemplos de participação e envolvimento, a que não são alheios o sucesso escolar verificado na península de Setúbal.
Se neste domínio a iniciativa dos municípios na construção de escolas e jardins de infância é assinalável, no que são as responsabilidades do Governo a situação é deveras preocupante, como é o caso da Escola C+S da Amora, registada no Guiness por ser a escola mais populosa da Europa.
Apesar dos cortes na distribuição do FEF, o que de ano para ano agudiza a situação financeira das autarquias, estas vão assumindo a responsabilidade de construir habitação social. Estranha é a posição do Governo quando, como acontece no Vale da Amoreira, dispondo de mais de duas centenas de habitações devolutas, não procede à sua atribuição, o que seria suficiente para acabar com as barracas da Moita e de outros concelhos vizinhos.
No que se refere à situação social, mais uma vez a aposta numa política de investimento e crescimento económico a qualquer preço está a provocar situações alarmantes na península de Setúbal, como acontece um pouco por todo o País. Os fundos comunitários disponibilizados para o investimento e utilizados na chamada modernização da estrutura produtiva, na promoção do emprego e formação profissional, por não terem sido orientados numa perspectiva de desenvolvimento equilibrado mas apenas com o fim de gerar crescimento, tem

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levado à falência, ao encerramento de empresas e ao consequente desemprego de milhares de trabalhadores.
Outra situação deveras preocupante para o distrito de Setúbal tem a ver com a decisão do Governo de conceder incentivos fiscais, que rondam os 300 milhões de contos, à instalação da fábrica de automóveis «Auto-Eropa», prevendo-se que, nos próximos cinco anos, se instalem cerca de 17 000 novos trabalhadores para dar cumprimento aos compromissos de instalação desta empresa.
O impacte que esta unidade industrial vai ter na região, bem como a concentração e implantação urbana e populacional para satisfazer estas necessidades, é deveras preocupante. Nesse sentido, queremos deixar aqui bem claro que, para alem do impacte que esta fábrica vai ter no distrito de Setúbal, há que considerar que a vinda de cerca de 50 000 novos residentes para esta região poderá levar a uma descaracterização social e cultural e ter efeitos gravosos na vida daquela região.
Todos sabemos qual é a situação da indústria automóvel no mundo. Queremos deixar aqui a nossa preocupação, pois o Governo tenciona avançar com este projecto sem dizer ao País os riscos que se correm com este Investimento. Há que tomar medidas adequadas para que a fábrica, depois de instalada, depois de receber estes incentivos que rondam os 300 milhões de contos, tenha possibilidade de produzir carros para um mercado que possa consumi-los - como, aliás, o relatório da CEE o preconiza. O Governo deve, pois, precaver todas estas situações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso também deixar de referir a situação de discriminação em que vivem os trabalhadores e os residentes de Setúbal. É que, para além dos impostos já por si gravosos para a vida das populações, os trabalhadores que trabalham em Lisboa e que atravessam a Ponte 25 de Abril são obrigados a pagar um segundo imposto. É uma discriminação que não faz qualquer sentido!
Promover crescimento sem desenvolvimento conduz a situações de retrocesso, por vezes mais gravosas do que as iniciais. O «caso sucessivo de Setúbal» só não o é totalmente porque o Governo, com a sua política, enganou os Setubalenses. A «Presidência Aberta» evidenciou estes contrastes!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Nos últimos meses temos assistido a uma discussão e ampla confusão, a nível nacional, sobre o novo sistema de avaliação do ensino básico, instituído pelo Despacho n.º 98-A/92.
Em traços gerais, as principais mudanças introduzida» por este sistema de avaliação vão no sentido do reforço da avaliação formativa, do reforço do papel dos alunos e encarregados de educação, do desenvolvimento dos sistemas de apoio e complementos educativos para os alunos que se debatem com dificuldades, do carácter dual da certificação e da avaliação aferida do sistema de ensino.
Analisemos, criticamente, estas componentes do novo sistema de avaliação.
Certamente que concordamos com o reforço da avaliação formativa, transformada «na principal modalidade de avaliação do ensino básico». A avaliação deve incidir, com efeito, sobre os conhecimentos adquiridos pelos alunos, mas também sobre «as competências e capacidades que desenvolvem, as atitudes e valores que demonstram».
Tendo em consideração a progressão normal dos alunos, numa perspectiva formativa, o professor tem de adaptar a execução do programa as capacidades reveladas pelos alunos, arriscando-se, assim, a não cumprir esse mesmo programa.
Mas o professor, para, progredir na sua carreira, tem de cumprir os programas. Como conciliar, assim, a avaliação formativa com a dimensão exagerada dos programas?
Como compatibilizar a avaliação formativa com as escolas superlotadas, a dimensão excessiva das turmas, os reduzidos espaços das salas de aulas, os horários escolares inadequados e rígidos, os programas que importa cumprir a todo o custo, a inexistência dos indispensáveis recursos educativos, enfim a escassez dos meios de ensino, que nem sequer estão concebidos, para uma pedagogia activa e diferenciada?
Como é que os professores, com mais de 200 e 300 alunos num dado ano lectivo, podem diversificar os instrumentos de avaliação?
Tendo em atenção a excessiva carga lectiva dos alunos, em média, vinte e quatro horas por semana, como arranjar tempo para a formação integral e, para as actividades desenvolvidas no âmbito da área-escola, um dos aspectos inovadores da reforma educativa?
O diploma prevê que cada, escola é responsável pelo sucesso escolar dos seus alunos e que no processo de avaliação devem intervir os professores, alunos, encarregados de educação e, - mesmo, os psicólogos e orientadores escolares.
Como é que os encarregados de educação podem intervir se nem sequer conhecem este novo sistema de avaliação nem foram preparados para ele? E como é que os serviços de psicologia e de educação especial vão participar nesse processo se tais serviços, pura e simplesmente, ainda não existem?
A igualdade de oportunidades, o direito ao acesso e ao sucesso no ensino básico não são conseguidos se os alunos forem tratados da mesma maneira. Se assim se proceder apenas se conseguem aumentar as desigualdades que se verificam no momento da sua entrada no sistema escolar.
De todas as medidas previstas no novo sistema de avaliação, as medidas de apoio e complemento educativo são aquelas que maior influência terão na organização das escolas e do seu ensino, exigindo planificação adequada e recursos materiais e humanos consideráveis. Qualquer plano de actividades da escola, qualquer organização dos espaços e horários tem de ter em linha de conta a área-escola, as actividades de complemento curricular e também os apoios e complementos educativos.
Assim sendo, perguntamos: quem vai garantir a execução de tais programas de apoio e complemento educativo? O professor? Que tempo tem disponível, se as horas compreendidas entre o seu horário lectivo (vinte e duas horas) e as trinta e cinco horas que o Ministério da Educação afirma competirem-me são destinadas, segundo o referido Ministério, para a formação contínua?
Quais os espaços e horas disponíveis para tais programas?
E o aluno? Vai ser obrigado a permanecer trinta ou trinca e cinco horas semanais na escola?
Quais os meios postos a disposição das escolas para desenvolverem este tipo de acções, se muitas vezes nem as folhas de papel existem em quantidades suficientes?
A retenção só, pode ter um carácter excepcional, como pretende o despacho, se funcionarem estes sistemas de

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apoio e se o ensino individualizado for, na realidade, praticado.
Ora, nós sabemos que as escolas portuguesas não dispõem de condições para que tal aconteça.
Uma vez terminada a escolaridade obrigatória, o novo modelo de avaliação prevê a concessão de um diploma para os alunos que tiverem aproveitamento e um certificado de cumprimento da escolaridade obrigatória para os alunos que, tendo atingido a idade limite, não obtenham aproveitamento no 9.º ano.
Perante esta dupla realidade, levanta-se a questão de saber se não estamos a manter uma situação de diferenciação social.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não estaremos, afinal, a eternizar de outro modo as desigualdades sociais que a escola tem obrigação se não de anular pelo menos de atenuar? Não estaremos a criar e a sancionar, afinal, «cidadãos de primeira» e «cidadãos de segunda»?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O novo sistema prevê ainda a avaliação aferida do sistema de ensino. Concordamos com a avaliação aferida do sistema, mas defendemos igualmente uma avaliação aferida dos alunos, a nível nacional, à semelhança, afinal, do que se passa por toda a Europa e que nada tem a ver com os clássicos e ultrapassados exames.
Embora considerando a selecção um mal necessário, a avaliação formativa não é incompatível com a avaliação sumativa, a qual, aliás, faz parte inevitavelmente de todo o sistema educativo, do ensino de qualidade que se pretende, sob pena de estarmos a preparar os nossos jovens para continuarem a ser a mão-de-obra barata da Europa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Ninguém está satisfeito, com as actuais taxas de abandono e de insucesso escolar, demasiado elevadas para que possamos falar de Portugal como uma democracia de sucesso. Mas os factores mais importantes do insucesso e abandono escolares - há que reconhecê-lo! - são exteriores à própria escola.
Na ausência de verdadeiras medidas que urge tomar para combater o insucesso e o abandono escolar, o novo sistema de avaliação só pode ser interpretado como um triste expediente para, de forma administrativa, reduzir em poucos anos, artificialmente, a vergonha nacional do insucesso escolar.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Ministério da Educação deve reconhecer com humildade que errou, que houve precipitação no lançamento deste novo sistema de avaliação sem ouvir os professores nem sensibilizar os pais, sem garantir às escolas os meios indispensáveis para a sua aplicação. Portanto, perguntamos se não seria mais prudente suspender a sua aplicação, pelo menos, no presente ano lectivo, sob pena de se desencadearem receios e oposições por parte de todos os agentes educativos.
À semelhança do que está a acontecer com o novo modelo de gestão, este sistema de avaliação deverá ser testado, primeiramente, nalgumas escolas representativas do todo nacional, depois de preparados os professores e os encarregados de educação e após a concessão a essas escolas dos meios indispensáveis à prossecução dos objectivos que se pretendem atingir com tal sistema. Só depois de avaliar os resultados desta experiência é que deveria implementar-se uma avaliação adequada ao nosso ensino básico, uma avaliação simples, equitativa, razoável e inteligível, que tivesse em conta a verdadeira situação da realidade educativa portuguesa.
Os professores, os pais querem a mudança; sabem que a avaliação tradicional impede a renovação indispensável das práticas pedagógicas; sabem que a renovação, a reforma, a inovação, são urgentes. Mas sabem, antes de tudo, que a mudança passa por uma nova escola.
Mudar a avaliação é mudar a escola. Sem mudar a escola, como é que se pretende mudar a avaliação?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, V. Ex.ª fez uma intervenção que nos merece três considerações. À primeira, quanto à sua intenção política. Ficámos na dúvida sobre se o Sr. Deputado estava a dirigir-se à Câmara ou ao Partido Socialista,...

O Sr. Armando Vara (PS): - Ora essa!

O Orador: -... de tal forma são diferentes os discursos sobre esta matéria vindos de técnicos com reputação na área socialista e até de Deputados com assento nesta Câmara. Não estamos, portanto, a falar de discursos diferentes de quaisquer socialistas, mas de pessoas com responsabilidades e, desde logo, com a responsabilidade de dar expressão às posições do Partido Socialista na Assembleia da República.
Seria conveniente esclarecer esta questão essencial, Sr. Deputado Fernando de Sousa: o discurso que V. Ex.ª fez é o discurso do PS, de uma parte do PS, destinava-se a uniformizar os discursos que o Partido Socialista tem feito sobre a matéria ou trata-se de uma reflexão - aliás, interessantíssima - dirigida aos Deputados aqui presentes?

O Sr. António Braga (PS): - Essa questão é mesmo pertinente!...

O Orador: - É muito pertinente, Sr. Deputado António Braga, porque, quando os discursos são muitos, ficamos na dúvida sobre que PS está a falar. Compreenderá que é uma dúvida legítima!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Deputado Fernando de Sousa, V. Ex.ª referiu-se à avaliação aferida e registo o elogio feito ao modelo adoptado na parte em que ele pode e deve ter um contributo essencial para avaliarmos a eficácia do sistema e a performance das escolas. Mas foi mais longe, pois considerou que essa avaliação aferida deve ter consequências na avaliação dos estudantes. Aliás, usou uma expressão que nos pareceu muito curiosa quando disse «que esta avaliação aferida não tem nada a ver com os exames nacionais».
O Sr. Deputado Fernando de Sousa jogou à defesa porque, como se recorda, quando o ilustríssimo Deputado Guilherme Oliveira Martins deu uma conferência de imprensa sobre a matéria, na qual esteve presente V. Ex.ª bem como o Deputado António Braga, alguns Deputados socialistas disseram que essa posição era de direita ou

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reaccionária - não me recordo muito bem do adjectivo então empregue.
De facto, pareceu-me que o discurso do Deputado Fernando de Sousa vem corrigir, de certa forma - pelo menos, foi essa a impressão com que a opinião pública ficou -, as posições que o PS tomou nessa conferencia de imprensa.
Mas é bom de ver se essa avaliação aferida teve consequências na avaliação dos estudantes. Se não são os exames nacionais, o que é que são, Sr. Deputado Fernando de Sousa? Importa-se de esclarecer esse ponto perante a Câmara?

O Sr. António Braga (PS): - Já vai ouvir!

O Orador - Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a concluir, o Sr. Denotado Fernando de Sousa, em bom rigor, não desmontou o novo sistema de avaliação! Disse que era difícil com os horários que temos, com as escolas que possuímos, com os recursos de que dispomos, com a dimensão das turmas existentes no actual sistema educativo... Ou seja, enumerou dificuldades, das quais estamos perfeitamente conscientes, mas à questão de fundo, à maneira como olhamos para os estudantes, para os alunos, para o progresso na aprendizagem, a essa o Sr. Deputado não se referiu!
É particularmente na escolaridade obrigatória, cujo cumprimento entendemos que deve ser universalizado - e julgo que o Sr. Deputado concordará com certeza com essa posição -, que o problema se coloca. Importa saber se, perante um aluno que tem dificuldades de aprendizagem, a reacção do sistema deve ser imediata, administrativa, de exclusão - «este senhor não está em condições, deve ficar para trás» - ou se deve fazer-se uma leitura positiva de modo que às dificuldades de aprendizagem corresponda um esforço pedagógico reforçado no sentido do progresso do sucesso educativo. Esta é a quentão de fundo do novo sistema de avaliação em relação à qual não me pareceu ser clara a posição do PS.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente e Sr. Deputado Garfos Coelho, a posição do PS é certamente a que acabei de transmitir e que também foi expressa na semana passada numa conferência de imprensa, conforme referiu. Pertencendo eu à direcção do PS e desempenhando o cargo de secretário nacional para a Educação, o Sr. Deputado há-de concordar que assumi aqui a posição que a direcção do partido defende sobre esta matéria.
Certamente que achamos necessária a avaliação aferida do sistema, mas também pensamos que se torna necessário efectuar a avaliação aferida dos estudantes. Numa altura em que, por toda a Europa, a avaliação aferida dos estudantes está a desenvolver-se cada vez mais no sentido do rigor e da exigência, porque ò futuro e a terceira revolução industrial em curso exigem um ensino de qualidade, mau seria admitir apenas uma avaliação aferida do sistema e não dos estudantes, designadamente, face ao ensino de qualidade que todos pretendemos.
Se neste momento o certificado e v diploma permitem a existência de cidadãos de primeira e de segunda, no caso de essa avaliação aferida não se verificar a nível nacional, arriscamo-nos a ter escolas de primeira e de segunda, escotas em regiões que nada cumprem e escolas em regiões que cumprem, escolas em áreas cujos alunos são oriundos de determinados estratos sociais e onde tudo corre bem e escolas em áreas cujos alunos, sendo oriundos de estratos sociais mais desfavorecidos, vêem que tudo irá correr mal.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Os dados não apontam para isso. Não é rigorosa essa afirmação!

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado Carlos Coelho, defendemos a utopia como um sistema filosófico para o futuro e não na educação que está a preparar os nossos jovens para serem, amanhã, uns profissionais responsáveis.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - São os conservadores do sistema!

O Orador: - Teoricamente, poderíamos dizer que não encontramos objecções de fluido a este novo sistema de avaliação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porém, ele não pode ser aplicado, hoje em dia, ao sistema educativo português, ao ensino básico. Os conselhos pedagógicos de grande parte das escolas que estão a proceder - não direi a este novo sistema de avaliação, porque ainda não começou a ser aplicado directamente nas escolas - à avaliação dos alunos ainda pelo método antigo têm feito chegar as suas posições ao Ministério, nas quais reconhecem que, na prática, este sistema não é viável se não forem dadas condições à escola. Nunca será deste modo que o problema do insucesso escolar se resolverá, porque, como todos sabemos, a resolução do insucesso escolar não reside apenas e tão-só num novo sistema de avaliação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para consubstanciar um apelo pessoal ao Governo subordinado ao tema «Preservemos a jazida de iconofósseis ou pegadas de dinossauros em Carenque no concelho de Sintra».
Trata-se da descoberta mais sensacional e importante no género em Portugal: é uma pista com mais de 100 m de icnitos ou pegadas de dinossauros, ao que parece, de um herbívoro quadrúpede, talvez de um saurópode de grande corpulência, e de um carnívoro bípede. Essas pegadas cruzam-se numa extensa pista que já foi classificada por especialistas de renome mundial como sendo a mais importante na Europa e das mais importantes no mundo inteiro.
Em 1986, dois jovens estudantes da Faculdade de Ciências, em trabalho de campo devido ao estágio em Geologia, encontravam-se nessa zona e tiveram a felicidade - que, certamente, irão recordar durante toda a sua vida - de descobri-la. De imediato, o reputado geólogo português Prof. Galopim de Carvalho, ilustre director do Museu Nacional de Historia Natural, desenvolveu um enorme esforço junto da autarquia de Sintra e do Governo para que esse local fosse preservado.

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Lembro que nessa altura, por manifesta negligência da autarquia de Sintra, havia nesse espaço uma lixeira na qual os construtores civis derramavam entulhos.
Posteriormente, surgiu um problema bem mais grave: é que o traçado da CREL (Cintura Regional Externa de Lisboa) interceptava essa pista tão importante, tendo sido a própria empresa BRISA que alertou o Governo, numa atitude que consideramos louvável e responsável, para o facto de o traçado destruir completamente essas pegadas. Desde então - e já lá vão sete anos - desenvolveu-se um esforço intensivo entre a comunidade científica e reputados professores universitários de todo o mundo e a Administração para se encontrar uma solução que resolvesse ou que respeitasse esse geomonumento.
Estes dias são decisivos para o traçado dessa estrada ser ou não corrigido. Tenho em meu poder três pareceres de importância científica e técnica inatacável: um, do Prof. Martin Lockley, da Universidade do Colorado, em Denver, nos Estados Unidos, e que é, actualmente, o paleontólogo mais reputado no mundo; outro, do engenheiro Teles Forte, da BRISA, que traça um conjunto de alternativas que poderão respeitar a jazida; e um terceiro, do Prof. Galopim de Carvalho. Todos eles têm um denominador comum: pedem encarecidamente ao Governo Português, em nome da ciência, da cultura e da comunidade científica internacional - porque este assunto já é comentado nas melhores revistas internacionais da especialidade - que esta jazida seja respeitada. O Prof. Lockley, no seu parecer, diz mesmo que esta jazida é única no mundo inteiro pelas características geológicas que encerra e que pode ter um papel fundamental na educação científica, bem como, se devidamente aproveitada e enquadrada por um plano responsável, uma função didáctica e educacional para as populações que queiram visitá-la. Avança mesmo com a ideia de que seria muito interessante que a autarquia de Sintra se interessasse por envolver aquela zona num conjunto de infra-estruturas com fins turísticos, didácticos, mas sobretudo científicos, porque aquela jazida, se respeitada, passará a ser local de profundos estudos sobre a vida dos dinossauros, permitindo investigar a sua corpulência, o seu modo de vida e, quiçá, o mistério do seu repentino desaparecimento da Terra.
O parecer do engenheiro Teles Fortes, da BRISA, apesar de traçar cinco cenários, tem, à partida, a coragem de rejeitar dois deles: o da destruição, pura e simples, da jazida - apesar de ser engenheiro civil, considera-o inadmissível - e o da não realização do empreendimento, que, como é óbvio, não pode estar em causa, visto ir servir, sobremaneira, as populações não só do local como também todas as que demandam Lisboa. Restam, assim, três cenários.
Um desses cenários é a remoção das pegadas para outro local. É, obviamente, uma solução delicadíssima no plano técnico e científico, que, aliás, como devem compreender, arrepia os geólogos, porquanto são todos consolidados durante milhões de anos. Aproveito para lembrar que essa jazida tem 95 milhões de anos e que a razão principal da sua importância é a de não haver no mundo inteiro jazida do género, com essa idade, ou seja, estes iconofósseis são os mais recentes conhecidos no mundo inteiro.
Portanto, a solução de deslocar esse material para outro lugar é arriscada e deve ser, à partida, rejeitada.
Restam-nos duas soluções, também elas, tecnicamente, dificílimas: uma é o desvio lateral do traçado da estrada, o desvio planimétrico, que não pode ser feito por ir entrar em zonas actualmente urbanizadas, ou seja, a directriz da estrada não pode ser desviada em direcção a esses aglomerados urbanos; a outra solução, apesar de ser tecnicamente mais aconselhável é também problemática e tem a ver com o desvio altimetria da estrada, que pode ser positivo, se for feito através de um viaduto, ou negativo, se se optar pela construção de um túnel a passar por baixo da jazida. Ora, a solução do túnel é considerada, pelo engenheiro da BRISA, tecnicamente, a mais aconselhável e até a mais possível.
Entretanto, têm surgido notícias na imprensa, aliás não confirmadas pelo parecer do engenheiro da BRISA, devo acrescentar, de que os terrenos naquela zona não aconselham a construção de um túnel por o subsolo não oferecer a solidez e o suporte necessários a essa obra, que consiste num túnel de 300 m.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, perante este panorama, pensamos que devemos agarrar-nos, com todo o empenho e dedicação, a esta última solução: a construção desse túnel. Sabemos ser uma solução que irá onerar o projecto em 1,2 milhões de contos. Ora, trata-se de uma cifra importante para alguns, que não vale o respeito da jazida, mas manifestamente irrisória para outros, face à importância científica e cultural do geomonumento em causa.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Para terminar, apelo à comissão indigitada para estudar a solução final no sentido de essa solução final passar pelo respeito dessa jazida de pegadas de dinossauros, porque há momentos em que a nossa boa consciência de homens civilizados e sensíveis nos obriga a tomar uma posição e é o que estou a fazer, em termos pessoais. Isto é, estou a tomar uma posição clara, apelando ao Governo para que o traçado dessa estrada não destrua esses icnitos de dinossauros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há momentos da nossa vida - e todos nós já os tivemos - em que o dinheiro não é o mais importante, como, por exemplo, salvar uma vida. Este é um caso em que o dinheiro não é o mais importante, mas não é o único exemplo. Salvar, por exemplo, uma relíquia do passado, seja ela artística, tenha ela natureza arquitectónica - uma escultura, uma pintura -, ou natureza ambiental, portanto, natural, como é uma jazida paleontológica com repercussão mundial. Logo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para salvar uma relíquia destas todas as cifras são irrisórias. Aqui fica, pois, o meu apelo!

(O orador reviu.)

Aplausos do PSD, do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Maciel, a Mesa vai extrair a sua intervenção do Diário da Assembleia da República e enviá-la, expressamente, aos Srs. Ministros das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, do Ambiente e Recursos Naturais e das Finanças.

Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Com este gesto pretendo simbolizar o meu apoio à resolução desse caso.
Srs. Deputados, informo que se encontram presentes nas galerias alunos, jovens estudantes - dirigentes da geração futura, e é para o futuro que este património deve ser preservado - da Escola Secundária da Cidade Univer-

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sitária, de Lisboa, da Escola Secundária António Gedeão, de Almada, da Escola Secundária Sá de Miranda, de Braga, e da Escola Secundária de Alves Redol, de Vila Franca de Xira, para os quais peço uma saudação especial.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, em primeiro lugar, gostaria de associar-me ao conteúdo da sua intervenção, no sentido da defesa da pista de dinossauros, que há pouco referia.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, aproveito também para me solidarizar e dar, digamos, o meu acordo, embora neste momento não seja necessário, à decisão tomada pelo Sr. Presidente da Assembleia da República no anúncio há pouco feito de enviar o extracto da sua intervenção para o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, porque, em minha opinião, o Sr. Ministro é suficientemente inteligente para perceber o significado do envio dessa intervenção!...
Sr. Deputado Mário Maciel, houve um consenso generalizado - da reacção de toda a Câmara à sua intervenção pode depreender-se isso - no sentido da defesa daquela pista de dinossauros, que é não só um património nacional como também mundial, o que não podemos esquecer.
A questão que queria colocar-lhe é, pois, a seguinte: sendo esta uma posição, pelo menos, largamente maioritária nesta Câmara, se não mesmo unanime, pergunto se é admissível que, numa situação destas, o Governo se comporte por critérios exclusivamente economicistas, pondo, praticamente, como condição à salvaguarda daquela pista de dinossauros - repito, de interesse nacional e mundial do ponto de vista do património natural - a contribuição, do seu bolso, de cada um dos 10 milhões de portugueses de 400$, tal como ontem o Sr. Presidente da República e a sua esposa o fizeram junto das entidades competentes. Isto é, será que a Assembleia da República não pode impor, se for caso disso, que o Orçamento do Estado contribua com a verba necessária para a salvaguarda daquele património natural, existente no nosso país, sem ser necessário andar a fazer-se peditórios públicos, que até ficam mal a um qualquer governo, que neste caso concreto é do seu próprio partido?...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Maciel, como há ainda outros pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Mário Maciel (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, mais uma vez me associo à sua posição de «remar um pouco contra a maré» e, naturalmente, também ao apelo que faz ao seu Governo.
Fazemos diariamente imensos apelos, designadamente para questões destas, que são fundamentais na garantia de um património cultural, que é da humanidade, como é o caso que aqui referiu.
De facto, o exemplo Apresentado por V. Ex.ª é património da humanidade, pelo que pergunto: um qualquer ministro ou governo de um qualquer país tem legitimidade para pôr em causa o que é património da humanidade? Esta é a questão, Sr. Deputado.
Ora, por aquilo que tem sido a demonstração prática da actuação política deste governo, parece-nos que ele se assume, com toda a legitimidade, para fazer o que se costuma designar de «eu quero, posso e mando», sendo múltiplos os exemplos, embora peste momento não queira desviar a atenção deste caso concreto.
Mas, Sr. Deputado, ainda há pouco referi um exemplo de um outro património da humanidade, o caso da serra da Arrábida. Há aqui dois caminhos a tomar: ou queremos defender este património e nos assumimos em sua defesa - e teremos então de arranjar uma, solução que impeça a sua degradação e destruição causada pela exploração de pedreiras que ali é desenvolvida há longos de anos - ou dizemos que não assumimos a responsabilidade de defendê-lo e deixaremos, neste caso, que a exploração das pedreiras continue.
A opção é, naturalmente, do Governo, Sr. Deputado. E este é apenas mais um exemplo!
Tudo isto para dizer que, de facto, lamentamos ter, em Portugal, um governo insensível a estas questões, que são fundamentais para garantir o futuro de todos nós, sobretudo dos que virão a seguir a nós e aos quais temos a obrigação de, pelo menos, garantir condições de vida idênticas, se não melhores, àquelas que encontrámos. Por isso, Sr. Deputado, associo-me ao seu apelo e, se me é permitido, saúdo a iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República em dirigir por escrito e em nome da Assembleia da República, segundo penso, esta mensagem ao Governo, para ver se, desta vez e com esta força, é sensível à preservação deste património, que é de todos nós.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, começo por agradecer a decisão de V. Ex.ª de enviar a minha modesta intervenção ao Sr. Ministro das Obras Públicas - aliás, sendo V. Ex.ª um ilustre universitário, conhece bem a paixão com que os universitários às vezes se batem por projectos científicos em que acreditam e que sabem que podem valorizar a ciência e a cultura do seu país.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero também agradecer as palavras de associação e de compreensão que os Srs. Deputados Octávio Teixeira e André Martins tiveram para com a minha intervenção. Talvez não seja muito oportuno estar a tecer comentários partidarizados neste momento - é certo que desfraldaram, aqui e acolá, algumas bandeiras partidárias; todavia, o que me interessa neste momento é extrair da Assembleia da República um sentimento de compreensão e de sensibilidade face a essa luta da comunidade científica no sentido de querer ver preservado um geomonumento que poderá ficar na história e na boa memória das gerações vindouras como tendo sido respeitado e preservado pela actual geração de portugueses. O que mais me impressiona com a eventual destruição desta jazida é o facto de que não ficamos em boa posição nas páginas da história que serão escritas depois de nós.

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Ficamos mesmo em má posição face a universidades conceituadas que esperam que a preservação desse local possa desencadear estudos aprofundados em matéria de Paleontologia, que é uma disciplina no contexto da Geologia que ainda está muito incipiente - são necessárias provas para que um cientista elabore teses, são necessárias provas para que um cientista fundamente teorias e consolide hipóteses.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não se trata, propriamente, de insensibilidade do Governo, porquanto o Sr. Prof. Galopim de Carvalho, num parecer que aqui tenho, reconhece o interesse do Governo por estas matérias - diz ele, a dado momento, que «a nível dos órgãos do poder central é-nos grato referir o suporte e encorajamento da Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República, bem como do grupo parlamentar maioritário da mesma Assembleia; igualmente sentimos apoio da parte do Sr. Ministro do Ambiente». Os trabalhos de limpeza da base da pedreira (que era uma lixeira, como já disse) foram efectuados pela Secretaria de Estado da Juventude, tendo também cooperado o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que fez análises químicas e físicas, bem como um enorme número de professores universitários de todo o País que, por carta, se dirigiram ao Prof. Galopim de Carvalho disponibilizando-se para ajudar naquilo que fosse possível. Conclusão: o Governo não está, propriamente, insensível!
Daí o meu apelo esperançoso. Neste momento haja uma comissão encarregue de sugerir a decisão final. Aquilo que quero é que as eventuais especulações imobiliárias na área e eventuais visões economicistas sejam, neste caso, claramente derrotadas pelo interesse nacional em possuirmos um património natural, uma jazida de iconofosséis que é reconhecida como sendo a mais importante da Europa e das mais importantes do mundo. Penso que isso nos honraria como Portugueses!

(O orador reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miguel Oliveira.

Sr. Carlos Miguel Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há momentos na história de um país em que certas medidas, decisões ou acções, ou a falta das mesmas, assumem um carácter histórico que marca significativamente o futuro desse mesmo país. Muitas vezes, de facto demasiadas vezes, o imediato e o urgente ofuscam aquilo que é verdadeiramente importante.
Eu compreendo que por vezes não seja fácil às instituições do Estado, aos partidos, à sociedade civil, à comunicação social e à opinião pública em geral acompanhar, compreender e defender medidas referentes a uma entidade social aparentemente distante, insuficientemente conhecida e divulgada, como é a juventude das comunidades portuguesas. Todos os dias emergem assuntos de reconhecido mérito, urgência e importância que necessitam da nossa atenção. A potencial lista de exemplos é demasiado extensa, aleatoriamente começando pela educação, passando pela agricultura e por muitos outros sectores e acabando no sistema financeiro, por exemplo. No meio de todos estes assuntos, a relativa importância de que se reveste a juventude das comunidades portuguesas pode passar despercebida.
Na verdade, o futuro da juventude das comunidades portuguesas está directamente ligado ao futuro da presença de Portugal no mundo. Acresce o facto de o tempo disponível para se definir e implementar uma política de fundo relativa à juventude das comunidades portuguesas começar a escassear. Se perdermos muito tempo, perdemos, de uma forma irremediável e total, esta juventude para outras culturas e outros países.
O objectivo desta curta intervenção é, em primeiro lugar, o de chamar a atenção para a fundamental importância da juventude das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo e, em segundo lugar, o de salientar a necessidade de se definir uma política de fundo para esta mesma juventude das comunidades portuguesas.
Quanto ao primeiro ponto, a importância relativa da juventude das comunidades portuguesas, convém mencionar logo à partida um aspecto de lógica demográfica incontornável- como todos temos conhecimento, presentemente, a corrente migratória de portugueses para o estrangeiro é muito reduzida. De facto, prevalece o movimento em sentido contrário, isto é, o regresso a Portugal de um grande número de portugueses. Isto significa que o futuro das comunidades portuguesas resta, pura e simplesmente, na cativação dos luso-descendentes para a esfera de influência cultural portuguesa. Todas as políticas do Estado Português referentes às comunidades portuguesas, que, por exemplo, e entre outros, passam pelo apoio ao ensino do Português, ao associativismo e à criação de lobbies portugueses, estão condenadas a longo prazo se não conseguirmos definir políticas concretas e eficazes que cativem os jovens luso-descendentes para a esfera cultural portuguesa.
Está muita coisa em jogo relativamente ao futuro das comunidades portuguesas - basta lembrar a importância estratégica que estas comunidades têm para Portugal nos campos económico, cultural e político -, mas está em causa também a continuidade da nossa presença histórica no mundo. A longo prazo a situação é dramática, uma vez que, por um lado, por via das circunstâncias inerentes à sociologia do processo de emigração, as novas gerações de portugueses nestas comunidades têm uma tendência natural para se integrar cada vez mais nas culturas e interesses particulares dos países de acolhimento e a dissociar-se da cultura portuguesa; por outro lado, estas novas gerações de portugueses representam potencialmente um valor acrescido em relação à primeira geração de emigrantes portugueses, em termos de potencial estratégico, económico e cultural, devido a vários factores, como sejam a sua melhor integração nas sociedades de acolhimento, maior grau de escolaridade e formação académica, profissional e científica e o desempenho de cargos-chave e proeminentes nas sociedades de acolhimento.
Aliás, convém também salientar que não se trata de uma parcela reduzida e periférica da Nação portuguesa: se atendermos à estimativa de 4 milhões de portugueses espalhados pelo mundo - segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros - e extrapolarmos para este universo a aplicação de uma curva normal de distribuição etária demográfica, podemos identificar o universo da juventude das comunidades portuguesas como sendo de aproximadamente 1 milhão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo salientado a importância relativa da juventude das comunidades portuguesas, passo agora ao segundo e último ponto, que se refere a uma política de fundo para essa mesma juventude das comunidades portuguesas, onde gostaria de salientar dois aspectos.

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Em primeiro lugar, em termos de desenvolvimento demográfico e de amadurecimento e estabilização sociológica das comunidades portuguesas, este é o momento histórico para se concentrar na juventude a política do Estado Português em relação às comunidades portuguesas, obviamente sem descurar outras áreas de actuação. Há alguns anos atrás, esta concentração de atenção e esforços seria injustificada em termos demográficos e sociológicos e, daqui a alguns anos, será demasiado tarde, porque, potencialmente e na ausência de uma política de juventude, nessa altura já teremos perdido a maior parte dessa juventude. Creio que, nesta legislatura, o maior desafio do Estado Português será equacionar e dar início à implementação de uma política de fundo para a juventude das comunidades portuguesas.
Em segundo lugar, dada a minha experiência pessoal e o contacto permanente que tenho mantido com a juventude das comunidades portuguesas, não evitarei dar a minha contribuição para a definição desta política de juventude, salientando aqui alguns aspectos que me parecem importantes. Haveria muito para dizer, tanto em termos gerais como em detalhe; no entanto, vou referir de uma forma muito breve e sumária oito aspectos que me parecem fundamentais para o sucesso de uma política de juventude para as comunidades portuguesas.
Primeiro, esta política de juventude tem de envolver meios significativos e um empenho e vontade política definida ao mais alto nível, que têm de ser manifestos no discurso e nas decisões políticas.
Segundo, esta política de juventude tem de partir de uma definição daqueles aspectos que mais importam, atraem e afectam a juventude das comunidades portuguesas. Esta definição terá de ser efectuada com a participação da juventude das comunidades portuguesas; de outro modo, corremos o risco de definir um plano de acção falho de benefícios e vantagens concretas para os luso-descendentes e com o qual a juventude das comunidades não se identificará.
Terceiro, esta política de juventude deverá envolver uma ligação entre os luso-descendentes nas diversas sociedades de acolhimento e a juventude lusófona dos PALOP e do Brasil. Este aspecto é fundamental para o reforço da presença portuguesa no mundo.
Quarto, esta política de juventude terá necessariamente de envolver, de uma forma integrada, as dimensões cultural, económica e política, para garantir as sinergias necessárias ao sucesso de uma política desta natureza.
Quinto, esta política de juventude tem de obedecer a um plano de acção claramente delineado segundo regras modernas de gestão, por forma a garantir a coordenação, complementarização e monitorização que são necessárias à correcta implementação de um plano de acção que envolve múltiplas variáveis e se insere no complexo contexto das comunidades portuguesas. De outro modo, corremos o risco de desenhar um plano muito bonito mas que fica na gaveta dos políticos sem nunca ser eficazmente implementado.
Sexto, esta política tem de envolver a coordenação entre as diversas estruturas do Estado e a integração com a política interna de juventude. Não devemos compartimentar a juventude das comunidades. Pelo contrário, para cativá-la temos de garantir-lhe uma representatividade mínima nos órgãos de juventude interna, isto é, do território nacional, e fomentar a sua ligação com associações de juventude já estabelecidas - o contacto existente entre a associação nacional de jovens empresários e as suas congéneres de algumas comunidades portuguesas representa um bom exemplo do relacionamento que se requer.
Sétimo, esta política de juventude deve contar com o envolvimento directo do sector privado e da sociedade civil. Doutra forma, corremos o risco de ficarmos reduzidos a um plano de acção burocrático sem o dinamismo e a componente inovadora inerentes à participação do sector privado.
Oitavo e último ponto, esta política deverá envolver, na medida do possível, os órgãos de comunicação social, nomeadamente a RTP Internacional, a RDP Internacional e o apoio à distribuição de imprensa nas comunidades portuguesas.
Para finalizar, quero aqui salientar a liderança que, mais uma vez e sobre este assunto, foi demonstrada pelo PSD. Na anterior legislatura o Governo iniciou um discurso importante que estimulou dentro das comunidades portuguesas um novo dinamismo direccionado às questões de juventude. Pela primeira vez, os jovens começaram a assumir e a beneficiar de um certo protagonismo, embora limitado, dentro destas comunidades. Foram também implementados com sucesso programas inovadores direccionados à juventude das comunidades portuguesas, entre os quais destaco os programas de formação de dirigentes associativos de cursos e seminários de Verão, de classes transplantadas, de férias jovens, de bolsas de estudo e ainda o apoio ao associativismo juvenil e empresarial. Para esta legislatura tenho conhecimento de que o Governo está empenhado em elaborar um plano de acção mais alargado e envolvente direccionado à juventude das comunidades portuguesas.
Aliás, esta intervenção insere-se no contexto do compromisso que o Grupo Parlamentar do PSD assumiu publicamente de apoiar a definição e a implementação de uma política e um programa de acção para as novas gerações das comunidades portuguesas.
Faço aqui um apelo para que a oposição assuma a questão da política de juventude para as comunidades portuguesas como um assunto de interesse nacional e de carácter aglutinador, onde as diferenças ideológicas deverão ter pouco significado. Esta área de actuação requer concentração de esforços e não servir de alvo da pequena política, paroquial, demagógica e inconsequente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante um desafio complexo e de difícil realização. Para terminar, quero contar-vos um episódio que nos transmite esperança: há uns meses atrás esta Assembleia recebeu, com a maior cordialidade e dignidade, um grupo de 30 estudantes universitários portugueses oriundos da República da África do Sul. Estimulados pelo acolhimento que receberam por parte desta instituição e por parte do Governo Português, estes mesmos jovens organizaram e realizaram, há duas semanas atrás, o I Congresso da Juventude Luso-Sul-Africana, no qual tive o privilégio de participar e de testemunhar o sucesso que teve entre a juventude e a comunidade portuguesa. Sou portador de uma saudação especial enviada pelos participantes ao congresso para o Sr. Presidente da Assembleia da República, que neste momento, gostosamente, lhe transmito.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Deputado, queria fazer-lhe uma pergunta muito concreta, que é a

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seguinte: gostaria que me dissesse, objectivamente, quais foram os novos programas que o Governo, durante os últimos anos, lançou para a segunda e terceira gerações de emigrantes portugueses.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miguel Oliveira.

O Sr. Carlos Miguel Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na anterior legislatura foram iniciados vários programas. Penso que o Sr. Deputado António José Seguro pode informar-se directamente com o Governo. Gostaria aqui de desenvolver mais o aspecto político da política de juventude. Gostaria, porém, de saber qual é, pelo seu lado, a participação, quais são as propostas que o PS tem para a juventude das comunidades portuguesas em termos deste debate. Mas, respondendo à sua pergunta, especifico: seminários de Verão - 241 jovens; classes transplantadas -4748 jovens; férias jovens em Portugal - 705 jovens; bolseiros do Instituto de Apoio à Emigração e Comunidade Portuguesas -119 jovens, cursos de formação de jovens dirigentes associativos - 44 jovens; bolsas de estudo, etc., etc.

Aplausos do PSD.

No entanto, antes de terminar, Sr. Deputado, gostaria de pedir-lhe que, na sua próxima intervenção, dissesse quais são as vossas propostas para a questão de fundo da política de juventude nas comunidades.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de mais de uma década à frente dos destinos do respectivo ministério, é hoje consensual que a agricultura e os agricultores portugueses foram conduzidos pelos sucessivos governos do PSD a uma situação de desespero e de falência económica e social. E não é preciso ser especialista para apreender esta trágica situação. Basta ter olhos na cara - sendo embora certo que, e o Governo é disso um bom exemplo, «o pior cego é aquele que não quer ver»! Não há sector produtivo ou área geográfica do País em que o desespero dos agricultores não tenha vindo a fazer ouvir a sua voz e o seu protesto contra a política, agrícola desencadeada pelo governo do PSD à revelia dos interesses nacionais e dos interesses dos nossos produtores. Não é só o regresso do latifúndio ao Alentejo, acompanhada pelo desemprego, pela fome, pela desertificação humana e geográfica, pela incapacidade estratégica deste governo em consolidar o futuro do sul do País pela via .do aproveitamento hídrico do Alqueva; é também o drama dos produtores de vinho do Oeste sem escoamento para o fruto do seu trabalho, ou dos produtores de laranja do Bombarral ou do Algarve, ou dos produtores de carne de Entre Douro e Minho.
É neste contexto que assume particular relevância política, económica e social a situação igualmente dramática por que estão a passar os agricultores da região do Alto Tâmega Na verdade, impossibilitados de concorrer com os preços da batata espanhola importada da vizinha Galiza, olham, desesperados, para as quase 10 000 t da sua batata sem possibilidade de escoamento e a apodrecer nos armazéns. Abertos ao diálogo com o Ministério da Agricultura com vista à solução do problema, mas confrontados com a total indiferença do Ministro, Sr. Arlindo Cunha, não lhes restou outra hipótese de chamar a atenção do País se não bloqueando a fronteira de Vila Vente da Raia, próximo de Chaves, no passado dia 3. E que querem, afinal, os agricultores do Alto Tâmega? Querem apenas duas coisas, e bem simples: querem ser ouvidos, eis a primeira exigência: querem ser encarados como pessoas, como sujeitos, e não como estatística - eis a segunda exigência. E, naturalmente, querem soluções concretas! Isto é: ou um apoio directo à produção, num valor mínimo de 10$ o quilograma de batata; ou que o Governo garanta - não por mera declaração de intenções mas por protocolo expresso a estabelecer com as organizações da lavoura - o apoio à comercialização com preços compensadores.
Parece-nos igualmente indispensável reforçar o controlo fitossanitário nas fronteiras. E não se diga que tais diligências contrariam disposições comunitárias, porque, no caso concreto da batata, estamos perante um produto que não está integrado em nenhuma organização comum de mercado - ao contrário, aliás, do que temos vindo sucessivamente a defender. Os produtores de batata do Alto Tâmega vivem um drama tanto económico quanto social. Para este governo, claro, tudo o que é social é subversivo e cheira a bloqueio. Os agricultores não conseguem entender, e não aceitam, estar condenados ao desaparecimento; não conseguem entender, e não aceitam, que os seus colegas espanhóis recebam do seu governo aquilo que o governo do PSD a eles lhes nega. A batata, portuguesa não chega a atingir os 15$ por quilograma e, mesmo assim, não tem escoamento. Os produtores espanhóis colocam a batata no armazém, no Bombarral, a pouco mais de 8$ por quilograma, não por milagre - que os não há - mas porque recebem do seu Governo um subsídio de cerca de 10 pesetas (mais ou menos 12$) por quilograma. Mas Madrid quer mandar em Espanha mais do que Lisboa quer mandar em Portugal, ou seja: é Bruxelas quem manda em Lisboa e isso acontece, antes de tudo, por vontade deste governo, Ou por falta dessa vontade.
Ainda mais: numa atitude subserviente e contrária aos interesses nacionais, este governo é mais papista do que o papa e faz depressa, e mais, o que nem sequer a Comunidade exige que se faça. O Governo, que até 1996 pode utilizar os mecanismos complementares de troca para minimizar situações dramáticas como as actualmente vividas não só pelos produtores de batata de Chaves mas pela generalidade dos agricultores portugueses, o Governo, esse, maximalista, não utiliza esses mecanismos. Afinal, na óptica deste governo os agricultores portugueses não são mais do que 18 % da população activa na verdade, ainda ontem, confirmando os alertas lançados pelo meu partido, o Governo abdicou inconscientemente das garantias de defesa da agricultura que o período de transição ainda ia permitindo - aceitando a extinção desse período de transição, presumivelmente em troca da entrada de mais 100 milhões de contos que irão possuir a mesma «eficácia» dos 900 milhões até agora entrados - «eficácia» já claramente desmontada nesta Câmara e não apenas pela minha bancada.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: 1000 milhões de contos é de facto muito dinheiro; o desastre â que nesta última década o PSD conduziu a agricultura - portuguesa é algo que se mete pelos olhos dentro. Uma coisa e outra ligam com muita dificuldade ou, pelo contrário, são perfeitamente coerentes; como pensamos - e neste caso o desastre económico-social e a responsabilidade política deste governo são bem maiores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi dito aqui nesta Câmara, há poucos dias, que não há uma política deste governo para a agricultura portuguesa; de uma outra bancada foi afirmado, pelo contrário, que há outra política. Na verdade, há uma política para a agricultora, só que é uma política desastrosa, antinacional, conscientemente conduzida pela «comissão liquidatária» da agricultura, portuguesa, comissão que, por enquanto, ainda vai sendo conhecida sob a designação de Ministério da Agricultura.

Aplausos do PCP

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Calçada. V. Ex.ª começou a sua intervenção dizendo que o «pior cego é aquele que não quer ver» e muito bem porque começou com uma autocrítica.
Np preciso momento em que nesta Assembleia a Comissão de Agricultura e Mar se reúne com uma confederação de agricultores, a CAP, V. Ex.ª está ausente dessa reunião, ou seja, VV. Ex.ª gostara de criticar, mas não gostam de participar VV. Ex.ªs gostam de estar sempre por fora.
De facto, «o pior cego é aquele que não quer ver» e VV. Ex.ªs nunca querem ver as realidades, não querem, colocar as questões no local exacto e no preciso momento.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Aí vem o censor!

O Orador: - Portanto, repito, V. Ex.ª está ausente - com todo o direito, mas tiraremos daí as conclusões - de uma reunião da Comissão de Agricultura e Mar ao mesmo tempo que fala de matérias com críticas já gastas, porque continua a fazer uma crítica à evolução da agricultura portuguesa.
O Sr. Deputado diz que há crise, na agricultura portuguesa porque dispensámos prorrogação do período de transição, mas agora pergunto: será por causa de algum período de transição que os agricultores em França na Bélgica, na Itália ou na Holanda fazem grandes manifestações criticando os seus governos? Será que tiveram esses períodos de transição?
VV. Ex.ªs gostam muito de criticar o Governo, mas tem sido feita muita, coisa pela agricultura, portuguesa desde que aderimos à Comunidade Económica Europeia. Há factos concretos e também há situações, mais fracas.
Mas falemos da zona ou, melhor, da chamada ex-Zona de Intervenção da Reforma Agrária. Por que será que há seca, falta de recursos hídricos, de trabalho útil e de produtividade numa série de zonas agrárias de autarquias comunistas e o mesmo não acontece em município como por exemplo, o de Alvito? Por que é que tem havido uma transferência de trabalhadores, e de alentejanos para as zonas do Alvito? Por acaso, o município até nem é dirigido por autarquias comunistas!... No fundo, os comunistas gostam muito de criticar, mas têm feito muito pouco pela agricultora portuguesa. Diria mesmo mais: são os principais responsáveis pelo atraso que a agricultura portuguesa sofre desde o 25 de Abril.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ó Carp..., tanta asneira junta!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, estou espantado, se é que nesta Câmara alguma coisa ainda espanta alguém!... Mas vou responder às perguntas que me colocou e, portanto, não vou tentar «dar a volta à questão».
Sr. Deputado, na Comissão de Agricultura e Mar estava - como deve ter verificado tardiamente, com certeza - o meu camarada Lino de Carvalho. Estavam lá representantes do meu partido, portanto não fique preocupado com isso. Aliás, não vejo por que é que o PSD deve estar preocupado pelo facto de o Partido Comunista não estar presente aqui ou acolá para defender as suas posições. Enfim, é mais uma preocupação que lhe desconhecia!
Relativamente, à questão dos belgas, dos franceses e dessas histórias todas, quero dizer-lhe que o nosso povo costuma dizer que com o mal dos outros podemos nós bem. Este é um argumento que, no entanto, até me parece um pouco egoísta - e admito que o seja -, mas não posso deixar de dizer-lhe que há poucas semanas - que diabo, não foi há 20 nem 30 anos - aqui se ouvia falar do «oásis». Então, como é? Passamos do oásis para a aridez?
Quanto a esta mistura incrível de trabalhadores e alentejanos - falou de trabalhadores e alentejanos -, autarquias e agricultura, quero dizer que tenho dificuldades em percepcionar onde queria chegar com isso. Por acaso, referi há pouco questões muito graves que talvez, não admitam tanto sentido de humor - só posso encarar o seu pedido de esclarecimento no domínio de um certo sentido de humor, embora deslocado, devo dizê-lo. Quero lembrar-lhe que na região do Alto Tâmega - tanto quanto sei e a não ser que V. Ex.ª esteja melhor informado do que nós - não há, infelizmente, autarquias comunistas e nas zonas do Oeste também não! Portanto, não compreendo onde queria chegar com isto e, na generalidade, a Câmara também não deve ter compreendido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vaca (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de começar esta minha intervenção exprimindo o meu apoio às preocupações aqui manifestadas pelo Sr. Deputado Mário Maciel e à iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República no sentido de enviar ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações - uma cópia da intervenção aqui produzida.
No entanto, gostaria de realçar algum espanto que sinto pelas declarações e pela forma como o Governo, nomeadamente o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, tem procurado tratar esse problema,

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ou seja, usando uma lógica de mero economicismo, dizendo que não há meios para resolver tudo e não pondo em prática os mecanismos necessários no sentido de declarar aquela pista como património universal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As. comunicações são um instrumento privilegiado de uma política de desenvolvimento do País no seu todo. Através de comunicações eficientes, com condições idênticas de acesso e preço em todo o território, é possível contribuir para a resolução das assimetrias regionais proporcionando as mesmas condições de oportunidade e de qualidade de vida aos cidadãos e competitividade aos agentes económicos sediados em regiões menos desenvolvidas.
Muitas outras razões se poderiam invocar para o particular cuidado que deve ser posto numa política nacional de comunicações e que levaram o PS a prestar, desde sempre, uma atenção especial a este sector.
A forma como o Governo perdeu a noção de salvaguarda do interesse público, na modalidade anárquica que escolheu para implementar as transformações em curso, é responsável pela perturbação criada nas empresas do sector e comprometeu o desenvolvimento de um serviço de inegável importância estratégica para o País.
Este ímpeto anárquico conduziu à prematura passagem dos TLP a sociedade anónima, com o intuito, repetidas vezes afirmado pelo Governo, de abrir rapidamente o seu capital social, o que viria a revelar-se impossível, pois sem a repartição de taxas não é possível avaliar correctamente qualquer das três operadoras, como então repetidas vezes afirmámos.
Permitiu ainda que empresas de capital integralmente público, como sejam os CTT, TLP e Marconi (CPRM) - esta de capitais maioritariamente públicos - malbaratassem os seus recursos em guerrilhas completamente estéreis.
Sr. Presidente, Srs.ªs e Srs. Deputados: Assistimos, durante os últimos anos, ao dispêndio de somas avultadas gastas em tentativas de afirmação internacional isolada das empresas, sem qualquer estratégia nacional, transportando muitas vezes as guerrilhas internas para «fora», com manifesto prejuízo dos interesses de Portugal. À escala internacional qualquer delas é muito pequena, mas se actuassem com estratégia conjunta e concertada ganhariam credibilidade e representariam o País.
Assistimos também a dispendiosas campanhas publicitárias de imagem de cada uma das três empresas, com réplicas de campanhas das suas associadas, acrescidas pelas campanhas de imagem dos seus gestores (pagas pelas empresas) através dos mais diversificados meios (televisão, jornais, associações e suas revistas, acções de mecenato de duvidoso critério, etc.) que custaram cerca de 3 milhões de contos no conjunto das várias empresas.
Assistimos, e continuamos a assistir, a dispendiosas reestruturações, permanentemente em curso e que parecem nunca mais ter fim.
O resultado de todas estas alterações, nomeadamente nos Correios, tem sido a degradação do serviço prestado, quer por encerramento parcial de estações, quer pela substituição do pessoal de atendimento, quer pela diminuição da percentagem de correio normal distribuído no dia útil seguinte à sua entrega.
Trata-se de uma estratégia cega. Diminui-se nos custos de pessoal e introduz-se a habilidade de criar um «novo» serviço que se dizia corresponder às necessidades de 10 % dos utilizadores, mas que hoje não consegue atingir os 2 % do correio normal.
É o tristemente célebre «Correio Azul» que mais não é (confirma-se agora sem margem para dúvidas) do que correio normal com os prazos de entrega que se praticavam há poucos anos, mas por um preço duplo daquele.
Apesar da tão apregoada reestruturação e dos milhões gastos, o que os cidadãos sentem é um cenário nada azul, mas bem negro: bichas nas estações; correio distribuído em dias alternados nalgumas zonas e uma ou duas vezes por semana noutras; balcões antiquados e desajustados aos serviços que oferecem; tarifas cada vez mais elevadas; listas de espera para instalação de um simples telefone que, nalguns casos, ultrapassam nove meses e em algumas regiões do País dois anos. E o que os trabalhadores das empresas sentem é: cada vez maiores cargas de trabalho; pouco diálogo no referente às alterações que são introduzidas; insegurança quanto ao futuro no que concerne ao seu posto de trabalho, a regalias sociais e pensões de reforma.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS em matéria de comunicações tem dois interesses prioritários de que não abdica, o primeiro dos quais é o de pugnar por melhores serviços em benefício dos utentes e o segundo defender o sistema nacional de comunicações no contexto do Mercado Único Europeu.
Em face desses objectivos consideramos que o Governo não demonstrou até agora possuir qualquer estratégia coerente para um sector vital para os interesses do País como são as comunicações. Da orientação seguida ressalta, quase exclusivamente, uma degradação do serviço de correios e telecomunicações e atrasos irrecuperáveis no desenvolvimento estratégico do sector a par com um clima de instabilidade em todos os trabalhadores.
Para culminar anos de erros e de incompetência, chega agora a notícia de que a Telecom vai despedir 2000 trabalhadores pondo em prática mais um plano de racionalização que deve ter custado mais umas dezenas de milhares de contos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É de todo incompreensível o que se passa nas empresas de capitais públicos do sector das comunicações. Empresas sólidas, com elevada capacidade de autofinanciar os elevados investimentos que anualmente promovem, começam a demonstrar dificuldades e a despedir milhares de trabalhadores. É verdade que algumas dificuldades resultam da maior concorrência e da necessidade de reconversão tecnológica, mas se olharmos para o que se passa nas empresas do sector dos transportes a situação é ainda pior. Basta um olhar sobre a TAP, a CP e a Carris para nos darmos conta de algo vai mal no «reino do cavaquistão».
Para um governo que tem tido condições como nenhum outro o balanço é muito pouco lisonjeiro. Pode mesmo falar-se em incompetência porque em muitos casos é disso que se trata e, como sempre, são os trabalhadores e o País os prejudicados. Os gestores, esses, são premiados com novas nomeações em vez de serem responsabilizados pelos fracassos das empresas que gerem.
Quero deixar aqui um aviso solene ao Governo. Foram anunciadas privatizações do capital de algumas empresas de telecomunicações para o corrente ano. Vamos seguir com redobrada atenção esse processo. Agora já não se trata de privatizar concentrado de tomate mas, sim, de empresas de um sector vital para o País. Não permitiremos que o interesse nacional seja posto em causa.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hilário Marques.

O Sr. Hilário Marques (PSD); - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há pouco o meu colega Mário Maciel falou-vos dos caminhos dos dinossauros e agora, no ano do jacobino, vou falar-vos dos «caminhos de Santiago». Espero que a Câmara tenha o mesmo consenso relativamente aos «caminhos de Santiago» como teve para os caminhos dos dinossauros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Santiago de Compostela foi durante a Idade Média a zona mais antiga, mais concorrida e mais celebrada de todo o Noroeste peninsular.
Jerusalém, Roma, quiçá, mais importantes como grandes centros da cristandade e locais de peregrinações, Santiago, porém, assemelhando-se na sua grandeza, ultrapassou-as e foi até superior porque teve o condão de erguer nestas paragens ignotas, a que os romanos apelidavam de «finisterra», um só caminho, uma só estrada, um só roteiro.
Foi pelo caminho de Santiago que circularam rainhas e príncipes, pintores e artistas, trovadores e jograis, as cantigas milagreiras, os romances heróicos, as narrativas e as lendas que encheram a geografia literária medieval.
Toda a paisagem física, monumental e humana rimou pelo eco dos peregrinos, pela andadura dos viajantes, pelos bordões dos romeiros. Por montes inóspitos, pontes e vales, pelo «caminho francês», pelo «caminho português» ou pelo «caminho de Puente la Reina a Santiago» construiu-se uma nova Europa, uma nova sociedade. Mais ainda: deu-se um espírito ecuménico a uma humanidade que só tinha como ponto de apoio uma vieira, uma sacola e um cajado e, quiçá, uma fé imensa nesses caminhares inseguros até à morada eterna.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Santiago é universal, numa Idade Média recém-saída dos fantasmas do século X, por isso mesmo, e porque nos julgamos participantes deste fenómeno criativo e comunitário, aqui trazemos uma pequena síntese do que foi e do que é esta movimento cultural, agora também europeu, da revitalização e consagração dos caminhos de Santiago.
E citando Fraga Iribarne, Sr. Presidente e Srs, Deputados, «O caminho de Santiago significou na história do Ocidente uma das mais importantes vias de peregrinações e intercâmbios da cultura. Todos os países da Europa medieval contribuíram activamente para a sua criação e na realidade nenhuma nação lhe é historicamente estranha. O caminho de Santiago foi um crisol em que se fundiram o sentir e o pensamento de muitos homens e de onde nasceu constituído o espírito ocidental.» . Várias são as lendas medievais e tradições sobre Tiago, irmão de João. Segundo uma das tradições, Santiago, o maior, pregou o Evangelho na Hispânia e, tendo regressado a Jerusalém, aí sofreu o martírio. Depois, teria sido trasladado para Jope e dali, por mar, para Iria (actualmente Padron, na Galiza).
Outro testemunho diz-nos que, após a sua morte, o seu corpo foi recolhido por Atanásio e Teodósio e levado num barco que navegaria para a Lusitânia.
Chegados a Iria Flávia (Ria de Arosa), núcleo castrejo onde vivia a rainha Lupa, os discípulos suplicaram-lhe para deixar sepultar o seu amigo.
Mais tarde o bispo Teodomiro de Iria encontrou num sepulcro de mármore as relíquias do apóstolo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É uma rede complexa de caminhos e estradas, muitas delas medievais, iniciadas em Franca e que depois de cruzar os Pirinéus se uniam, na localidade de Puente La Reina, numa só via - chamado o «caminho francês», que, cruzando o Norte de Espanha, terminava em Santiago de Compostela.
Havia ainda uma outra via o «caminho do norte» e a «via de prata» como existia o «caminho português».
Sobre o «caminho português» conservam-se várias referências seguidas por peregrinos na sua deslocação até Santiago de Compostela desde o século XII ao século XVIII.
A mais antiga refere-se ao geógrafo árabe El-Idyisi (século XII), que descreve o caminho marítimo e terrestre de Coimbra a Santiago.
Depois o itinerário de D. Sancho II (1244); da rainha Santa Isabel, viúva de D. Dinis (1325); de D. Manuel I (1502); do sacerdote italiano Giovanni Battista Confalonieri; do nobre polaco Sobieski (1611); do italiano Laffi, três vezes peregrino a Santiago (1666, 1670, 1673); do italiano Nicola Albani, que vai de Lisboa a Compostela (1745).
Porém, e apesar de todas estas referencias o «caminho português» não é considerado em 1987 pelo Conselho da Europa que reconhece o «caminho de Santiago» como o «primeiro itinerário cultural europeu».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Região de Turismo do Alto Minho nunca se conformou com a decisão do Conselho da Europa e através de diversos requerimentos tem vindo a questionar a inclusão do «caminho português» nos itinerários jacobeus.
Tem a minha solidariedade e o meu protesto por tal omissão. Faço-o por diversos motivos: a incontestável profusão de igrejas românicas, quer na Ribeira Lima, quer na Ribeira Minho, quantidade de igrejas que tem como santo patrono Santiago; os votos de Santiago instituídos por Ramiro I; as tradições populares que se mantêm vivas em todo o Alto Minho referenciando Santiago (lendas, poesia popular, ditados, provérbios); a profusão de símbolos jacobeus (vieiras, báculos, bordões, sacolas de peregrinos), heráldica, estatuária; a devoção com que alguns monarcas visitaram o túmulo do apóstolo, deixando obras marcantes em toda a região Norte (D. Sancho II, a Rainha Santa, D. Manuel I).
Tudo isso, a nosso ver, justifica: reiterar o mais profundo respeito pela origem e legados da realidade jacobeia; desenvolver as relações culturais, económicas, comerciais e turísticas subjacentes aos itinerários do «caminho português»; solicitar o reconhecimento tanto do Conselho da Europa como da Comissão, através da Secretaria de Estado do Turismo e Secretaria de Estado da Cultura, reconhecendo-se a nível oficial da importância e valor que representam para a convivência europeia o legado jacobeu e a sua vivência permanente, naquilo que diz respeito aos «caminhos de Santiago» portugueses; pedir, através da Direcção-Geral do Desenvolvimento Regional, uma atenção urgente, prioritária e permanente aos itinerários portugueses, facilitando-se os incentivos e apoios para acções de promoção e desenvolvimento cultural do conjunto de património histórico que existe ao longo das diferentes rotas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consciente de todas estas situações é absolutamente imprescindível que a Secretaria de Estado do Turismo - e acreditamos que vai fazê-lo - apoie a Região de Turismo do Alto Minho nas seguintes acções: edição dos oito itinerários turísticos do «caminho português»; sinalização dos «caminhos portugueses» (assunto já em estudo pela Direcção de Estradas de Viana

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do Castelo); promoção turística em Santiago de Compostela e restantes cidades da Galiza; promoção turística nos CTP da Irlanda, Bélgica, Londres, Paris e Milão. Através do ICEP - Investimento, Comércio e Turismo de Portugal, proceder aos apoios financeiros necessários à Região de Turismo do Alto Minho para que todas estas acções sejam concretizadas até fins de Março próximo.
Em face da Celebração, em 1993, do Ano Santo Compostelano, como representante do distrito de Viana do Castelo neste Parlamento, não posso ficar indiferente aos grandes afluxos de pessoas que se prevêem alcançar Santiago de Compostela, grande parte dos quais passará pelo Alto Minho.
É neste sentido que considero a oportunidade e importância de uma intervenção a nível da Secretaria de Estado da Cultura, Secretaria de Estado do Turismo e Ministério das Obras Públicas em ordem a uma plataforma conjunta de actuação.
E vital que a nova ponte internacional de Valença e acessos seja inaugurada a fim de facilitar o tráfego na fronteira, pois sem estes melhoramentos toda a vontade em aproveitar o Ano Santo Jacobeu, inclusive, para melhoria das taxas de ocupação das unidades hoteleiras, equipamentos de animação, assim como implementar todo um movimento de peregrinos, quer portugueses quer estrangeiros, ficará prejudicado.
O Alto Minho não quer essa responsabilidade e eu, como Deputado pelo Alto Minho, também a não quero!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 21 a 24 do Diário, respeitantes as reuniões plenárias dos dias 15 a 18 de Dezembro.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão da proposta , de lei n.º 45/VI - Altera o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 1297 84, de 27 de Abril.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reforma introduzida pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais na organização e competência dos referidos tribunais, em vigor desde 1985, introduziu um aumento substancial do número de processos distribuídos à 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, o qual, por força também da reforma tributária realizada nestes, últimos anos, tem vindo a crescer exponencialmente.
A título exemplificativo e detalhando, de forma bem elucidativa, estas afirmações, refira-se que o número de processos passou de 267, no 2.º semestre de 1990, para 388, no 2.º semestre de 1991 (aumento de quase 50 %), e subiu de 469, no 1.º semestre de 1991, para 877, no 1.º semestre de 1992 (aumento de quase 90%).
Nos últimos 12 meses, período de 30 de Junho dê 1991 a 30 de Junho de 1992. atingiu a importante cifra de 1265 processos, superior em mais de 70 % ao já altíssimo número de 736 processos distribuídos em período homólogo de 1990-1991.
Para se fazer uma ideia mais aproximada do que estes números significam para os nove juízes da 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, atente-se a que, relativamente aos processos distribuídos nos últimos seis meses, cada um deles terá de intervir, como relator ou adjunto, era 374 processos e que destes 374, cada um dos referidos oito juízes terá de relatar 15 do Pleno e 84 na secção,- o que dá cerca de uma centena em seis meses, quase um acórdão por dia!
Necessariamente que estes números obrigam a uma urgente reflexão e à adopção de medidas, a curto prazo, se não queremos assistir ao desespero e desânimo dos magistrados e funcionários e à degradação da resposta da referida 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo com esta avalanche de processos, cujas partes têm o direito de esperar e exigir justiça pronta e eficaz.
Para esse efeito, vem o Governo apresentar à Assembleia da República a presente proposta de lei, que visa, sobretudo, que na fixação do regime de recursos não se perca de vista a celeridade processual.
Daqui decorre que a solenidade e o peso da estrutura e funcionamento do pleno aconselham a que a sua intervenção se reserve, como acontece na 1.ª Secção (contencioso administrativo), a situações excepcionais - oposição de acórdãos - ou a garantir um 2.º grau de jurisdição.
Com efeito, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ao invés do previsto para a 1.ª Secção, concebeu, no artigo 30.º, alínea a), o pleno da 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo como um 3.º grau normal de jurisdição, de revista das decisões proferidas em 2.º grau pela Secção.
Considerando que esta norma, aliada à inexistência de alçada, permite interpor sempre recurso jurisdicional para o pleno em 3.º grau de jurisdição com fundamento em matéria de direito e sem outras restrições, seja de fundamentos seja de valor da causa, e atendendo ainda, que cada sessão do pleno representa uma sessão a menos da 2.º Secção, por serem os mesmos os juízes de uma e de outra, sendo ainda, muitas vezes, os recursos interpostos manifestamente dilatórios para retardar o pagamento de imposições tributárias, logo se conclui que todo este meçanismo prejudica grandemente a celeridade processual.
Por isso, propõe-se uma nova redacção a dar ao artigo 30.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, com vista a obstar a esta situação, para que o pleno do Supremo Tribunal Administrativo funcione tão-somente como 2.º grau de jurisdição e não como 3.º, como muitas vezes hoje ocorre. Sr. Presidente, Srs. Deputados; Na verdade, no domínio processual e particularmente em sede de recursos, o legislador vem intervindo por forma a harmonizar dois objectivos que respondem a exigências do cidadão para que se realize o seu direito à justiça: por um lado, que exista um 2,º grau de jurisdição para reapreciar as decisões tomadas em 1.º grau; por outro, que a causa seja decidida em tempo razoável, o que implica que o legislador e o tribunal não deverão perder de vista a celeridade processual.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sem prejuízo: das reformas que se encontram em curso no seio do Governo, com vista a ver aprovado um novo código do

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contencioso administrativo com as atinentes alterações ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais VV. Ex.ªs, ao aprovarem a presente proposta de lei, estão decisivamente a contribuir para que se torne mais célere e, portanto, mais justa a nossa jurisdição administrativa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Lobo Xavier, José Vera Jardim e Odete Santos.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, antes de formular o meu pedido de esclarecimento, desejava referir que concordo com a modificação proposta, como é óbvio, e sobre ela, a seguir, falarei mais detidamente.
Porém, já não concordo, de forma nenhuma, com alguns dos motivos que o Governo invoca nesta sua iniciativa. De facto, a experiência que adquiri neste campo, enquanto membro do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, por indicação desta Câmara, permite-me, a propósito da posição do contribuinte, ter uma ideia justamente contrária.
Com efeito, na maior parte dos casos, aquilo que o Sr. Secretário de Estado diz ser um expediente dilatório é, isso sim, uma necessidade do contribuinte, pois este tem de recorrer pelo facto de o contencioso tributário ser, frequentemente, um contencioso em que se invoca a questão da constitucionalidade. Isto é: antes do recurso para o Tribunal Constitucional torna-se necessário esgotar os meios de recurso ordinário e, por isso, o contribuinte é, frequentemente, vítima da existência de três instâncias e, muitas vezes, não é com agrado que recorre a mais essa possibilidade.
Portanto, não é para ele mais uma possibilidade de adiar a cobrança mas, sim, um ónus necessário, e até mais uma delonga, para poder chegar à jurisdição constitucional.
Posto isto, perguntava-lhe, Sr. Secretário de Estado, se, de facto, concorda com isso ou se tem ideia de como as coisas se passam - isto apesar de, como disse, daqui a pouco, eu próprio ir intervir sobre a matéria de fundo e concordar, obviamente, com aquilo que se pretende.

O Sr. Presidente: - Presumindo que o Sr. Secretário de Estado deseja responder no fim, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, infelizmente, em matéria de organização judiciária, nós já começamos a estar habituados à manta de retalhos em que tudo isto se transforma, a pouco e pouco, com perigo de se enredar cada vez mais toda a máquina judiciária, todas as garantias dos cidadãos.
Mas, mais: também já começamos a estar habituados ao discurso do Governo que parece queixar-se de que há muitos processos... que as pessoas recorrem muito aos tribunais.... como quem diz que a culpa é «de haver muitos processos»...
Ora, Sr. Secretário de Estado, a culpa não é de haver muitos processos mas, sim, de não haver processo de despachar justiça para os cidadãos -neste caso, para os contribuintes - em prazo útil. Esta é que é a questão. Não se pode atirar para cima dos contribuintes, neste caso especial, nem para cima dos cidadãos em geral, quase que como uma crítica, o facto de os processos aumentarem, de serem seis vezes mais do que há 10 anos, etc.
Sr. Secretário de Estado, o Governo, aqui, é o «bombeiro» como o é, em muitos casos, no que diz respeito à máquina judiciária: porque há muitos processos, os Srs. Juízes tem de despachar um acórdão por dia e isso é inaceitável, é intolerável, vamos, portanto, como bombeiros, acudir às situações.
Ora, sobre isto, queria perguntar a V. Ex.ª - e não me estou a pronunciar sobre o fundo da questão acerca do que teremos já ocasião de falar mais detalhadamente - para quando uma verdadeira reforma dos tribunais fiscais e dos tribunais administrativos. É que já estamos fartos de mantas de retalhos, de mini-reformas, de acções de bombeiro, procedimentos estes que o Governo vem adoptando sucessivamente sobre esta matéria. Por isso, perguntamos a V. Ex.ª quando virá uma verdadeira reforma dos tribunais administrativos e dos tribunais fiscais.

O Sr. Presidente: - Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, o meu pedido de esclarecimento será muito rápido e, antes dele, desejo registar que, numa matéria como esta, de contencioso tributário, o Governo traz aqui uma proposta de alteração de um artigo, apenas e precisamente, para limitar os direitos dos cidadãos.
Ora, como se sabe, o Código de Processo Tributário, que foi já objecto de tantas críticas quando ainda era anteprojecto, contém várias distorções à legalidade, nomeadamente atribuindo funções como as de um autêntico juiz auxiliar ao representante da Fazenda Pública, sabido como é que, segundo o Estatuto dos Tribunais Fiscais, os funcionários dos tribunais tributários de 1.ª e de 2.ª instâncias pertencem - e isto é espantoso! - aos quadros do Ministério das Finanças, estando integrados na sua orgânica e devendo obediência ao próprio Ministro das Finanças, isto segundo o seu estatuto.
Assim, sabendo-se da existência de tantas distorções que afectam o principio da independência dos tribunais, pergunto a V. Ex.ª se o Governo pensa ou não rever o Código de Processo Tributário e quando.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Já não estão no Ministério das Finanças!

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Os funcionários estão, os juizes é que não!

A Oradora: - Não confundam: os funcionários, disse eu!

O Sr. Presidente: - Para responder, se desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Antes de mais, queria agradecer as questões que me foram postas.
Começaria por responder ao Sr. Deputado António Lobo Xavier no sentido de considerar que, efectivamente - e esta é a sensibilidade do Supremo Tribunal Administrativo

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que, por sua vez, a explicitou ao Ministério da Justiça -, muitos recursos para o pleno são manifestamente expedientes dilatórios, conclusão a que se chegou quer estatisticamente quer porque os Srs. Conselheiros, que vão ao pleno, disseram claramente que assim ocorria.
De qualquer forma - e gostava tomar isto bem claro - a tónica da intervenção legislativa que agora se sugere, obviamente, não é para impedir que haja expedientes dilatórios, pois esses, infelizmente, existem sempre, mas, sim, para impedir algo que é anómalo, ou seja, o facto de o pleno do Supremo Tribunal Administrativo funcionar como 3.º instância. Isso é absolutamente anómalo!
Portanto, vamos repor no pleno do Supremo Tribunal Administrativo o que hoje já ocorre para o contencioso administrativo, como o Sr. Deputado sabe. É que, neste momento, o pleno do Supremo Tribunal Administrativo, na área do contencioso administrativo, funciona em pleno apenas quando há oposição de acórdãos, nunca intervindo em 3.ª instância, como sucede hoje no contencioso tributário.
Assim, o que se pretende é colocar o contencioso tributário em perfeito grau de igualdade ao contencioso administrativo, no que toca aos recursos interpostos para o pleno do Supremo Tribunal Administrativo. E isso advém do facto de se ter chegado à conclusão - e aproveitava para responder já ao Sr. Deputado José Vera Jardim - de que, efectivamente, não tinha justificação e, portanto, ter-se-ia que intervir pontualmente.
A proposta do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, sugerindo ao Governo para intervir legislativamente desta maneira, foi apresentada no Verão. Logo, o Governo interveio no prazo de cinco a seis meses, o que traduz um poder de resposta rápida, que nos permite estarmos hoje aqui a discutir precisamente essa proposta, muito concreta, do Supremo Tribunal Administrativo no que toca ao funcionamento do pleno.
Porém, isso não obsta - e aproveito de novo para responder à pergunta concreta que o Sr. Deputado José Vera Jardim colocou - a que não tenhamos já pronto o projecto do novo código do contencioso administrativo, com as alterações atinentes aos tribunais administrativos e fiscais, como fiz referência na intervenção de há pouco.
É óbvio que, a nível do Governo e, no caso concreto, a nível do Ministério da Justiça, estamos ainda a trabalhar nesse projecto para o apresentar. Mas o trabalho técnico está feito.
A Sr.ª Deputada Odete Santos perguntou-me se o Governo estava ou não disposto a alterar o Código de Processo Tributário.
Como a Sr.ª Deputada sabe, este Código foi feito, digamos, na esfera de competências do Ministério das Finanças e não do Ministério da Justiça, e as informações de que disponho são as de que, no curto prazo, não se prevêem quaisquer alterações a esse Código.
Portanto, como lhe disse, o Ministério da Justiça, no tocante ao Código de Processo Tributário, não tem uma. interferência muito directa mas, sim, indirecta no sentido de acompanhar a evolução legislativa.
Assim sendo, Sr.ª Deputada, não temos conhecimento neste momento de que o Governo esteja a pensar alterar o Código de Processo Tributário.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No programa que o 1.º Governo de maioria absoluta de Cavaco Silva apresentou a esta Assembleia prometia - e a revisão do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, tendo em conta, nomeadamente, «os desenvolvimentos exigidos pelas crescentes solicitações dirigidas a estas jurisdições». Estava-se então em 1987.
Chegou-se ao fim da legislatura e os dois ministros da Justiça que se sucederam não chegaram para cumprir a promessa - como, aliás, sucedeu com tantas outras feitas na área da justiça, e não só!
No programa do 2.º Governo de maioria absoluta, e 3.º de Cavaco Silva, aqui apresentado em Novembro de 1991, o ministro que prosseguia na incumbência renovava a promessa, assegurando estar a revisão «já em fase adiantada de preparação».
Salvo erro ou omissão, a proposta de lei que hoje apreciamos é o primeiro fruto palpável dos enunciados programáticos que acabei de referir de Agosto de 1987 e de Novembro de 1991.
Surpreendentemente, a revisão que ia já adiantada no fim da anterior legislatura -e que o Sr. Secretário de Estado agora nos disse que já estaria pronta -, fica-se, porém, pela alteração de uma alínea de uma disposição legal respeitante à competência do pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Era mau se, ao fim de todos estes anos, se tivesse concluído que só isto havia a mudar no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, mas também é mau se, ao fim de todos estes anos, se vem optar por fazer não uma mas várias revisões do Estatuto e começar por esta, e logo, e só, por esta!
A área da jurisdição administrativa e fiscal é uma daquelas em que, reconhecidamente, a efectividade de tutela proporcionada aos cidadãos está aquém de um nível mínimo aceitável.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - A morosidade dos julgamentos, a escassa funcionalidade dos meios processuais utilizáveis e a deficiência de condições materiais configuram um quadro de há muito preocupante.
Continua a não ser raro esperar-se cinco e seis anos por uma decisão de um tribunal tributário, dez anos por uma decisão de um tribunal administrativo, isto já para não referir os vários anos que, muitas vezes, se podem perder atrás da execução, ou da inexecução pelo Estado, da sentença de um destes últimos tribunais - aliás, eu próprio recebi há pouco a decisão proferida por um tribunal tributário numa impugnação que nele dera entrada em 1985!
É um panorama lastimável, para que concorre uma pluralidade de factores que não têm sido eficazmente enfrentados e que - ao contrário do que tantas vezes ouvimos - não mostra sinais de memória.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - O número de processos findos no Supremo tribunal administrativo em 1991 - e ainda não disponho dos números de 1992 - ficou aquém do número de processos findos em 1990; o número de processos findos no tribunal tributário de 2.ª instância em 1991 ficou aquém

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do número de processos findos em 1990; o número dos processos findos nos tribunais tributários de 1.º instância em 1991 ficou aquém dos processos findos em 1990, em cerca de 200 000.
De há muito que são quase pacíficas, entre os profissionais de direito mais ligados ao funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais algumas soluções orgânicas de reforma, e outras de diferente natureza atinentes aos quadros e meios materiais, para o descongestionamento das vias contenciosas nestes domínio.
Continuamos, pois, a aguardá-las, com uma segunda ou terceira prestação da revisão prometida! Para já, contentemo-nos com destruir a clássica acusação de que os governos, em especial os de maioria absoluta, seriam rápidos a propor ou a decidir e as assembleias morosas a legislar.
Esta proposta, inserida num propósito programático que vem de 1987, foi aprovada pelo Governo em Janeiro de 1993. Chegada à Assembleia em 2 de Fevereiro, tê-la-emos discutida e, provavelmente, votado oito dias depois! É só pena que assim se vá ilustrando a tendencia para estabelecer a regra intolerável de que reformas que o Governo leva anos a preparar - nem sempre minimalistas como a presente - são para ser vistas e carimbadas por esta Assembleia em dias ou semanas.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem comece a ler a exposição de motivos que acompanha a proposta de lei diria que o Governo, não obstante moroso a propor, preocupa-se com a morosidade processual e por essa preocupação é aqui movido.
Há já mais de meio ano indaguei junto do Ministério da Justiça acerca da existência, estado ou resultados de estudos sobre os factores responsáveis pela morosidade de justiça, cuja realização fora mais do que uma vez publicamente recomendada pelo Procurador-Geral da República, preocupado com o facto da justiça continuar a ser lenta, contrariando, conforme confessou, os seus próprios prognósticos. Porém, até agora não houve qualquer resposta!
Esta primeira iniciativa de reforma permite agora ver qual a via prioritária de utilização da reforma legislativa, que, com estudos ou sem estudos - não o sabemos -, foi escolhida para combater a morosidade de justiça.
O quadro de referência da inovação proposta é a seguinte: na Secção do Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Supremo Tribunal Administrativo o número de processos pendentes em 31 de Dezembro de 1991 - e ainda não houve acesso, como já disse, aos dados de 1992 a não ser pela intervenção do Sr. Secretário de Estado - era de 823, tendo findado 632; o número de processos entrados diminuiu de 1033, em 1990, para 861, em 1991, tendo, apesar disso, aumentado a pendência de 594 para 823; e, segundo os dados que ouvimos agora, para 1992 podemos ver que eles traduzem um novo agravamento desta situação.
É preciso dizer, para boa compreensão destes números, que as condições de trabalho proporcionadas aos juízes são de tal forma deficientes que eles nem sequer possuem gabinete próprio. Esta é uma ilustração, ao nível dos supremos tribunais, do oásis de uma justiça de insucesso no deserto de uma democracia de sucesso...

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Que diagnóstico e que terapêutica nos é proposta para este problema? Na reforma que o Governo agora nos traz, tudo se resume a isto: declare-se que há um número excessivo de recursos que são dirigidos ao pleno da 2.ª Secção, funcionando como 3.º grau de jurisdição, como a lei o permite; tratando-se de contribuintes, atribua-se-lhes o propósito de protelar a decisão e o pagamento das imposições tributárias, ou seja, tornem-se os recorrentes - que não são sempre os particulares - os responsáveis pela falta de prontidão da justiça, e isto por fazerem uso de uma via de recurso que a lei lhes faculta. Aqui chegados, a terapêutica é simples, é económica e - depreende-se - faz o fisco receber mais depressa (já que garantido, como se sabe, tenderá ele sempre a estar); dispensa-se a urgente melhoria das lastimáveis condições de trabalho dos nossos juízes conselheiros; dispensa-se o reequacionamento da temática das alçadas; dispensa-se o eventual procedimento prévio de admissão dos recursos a um 3.º grau de jurisdição (por exemplo, com possibilidades de rejeição liminar em função da irrazoabilidade dos fundamentos), como já foi sugerido.
Assim, a terapêutica resume-se em fazer com que o pleno da 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo deixe de constituir um 3.º grau normal de jurisdição, de revista das decisões proferidas em 2.º grau pela Secção de Contencioso Tributário, e onde o contribuinte e cliente de justiça fiscal, taxado de protelador de decisões e do pagamento de impostos, tinha normalmente ao seu alcance três graus de jurisdição, passe a ter dois.
É fácil, é barato e pode apressar o recebimento de milhões-já que, como se sabe, se discutem hoje nos tribunais tributários pagamentos ao fisco na ordem dos milhões de contos. Tenho, concretamente, conhecimento de um litígio em que está em apreciação o pagamento ao fisco de cerca de 3 milhões de contos. Com esta inovação o contribuinte passa a não dispor, como até aqui, de um 3.º grau normal de jurisdição, qualquer que seja o montante em causa ou o valor dos fundamentos que tenha para invocar.
Com tanto que há para fazer no domínio dos tribunais, em particular dos tribunais administrativos e fiscais, para assegurar a justiça pronta, que hoje não há, e garantir os direitos de administrados e contribuintes, é pouco sério, depois de tantos anos de revisão em estudo, em nome da celeridade processual, começar por suprimir - e só! - um grau de jurisdição que, até agora, tem estado disponível e que em 1984, com a assinatura do nosso colega Deputado Rui Macheie, quis, expressamente, consagrar-se.
É pouco sério e pouco auspicioso! Seria lastimável que o combate à morosidade da justiça, em qualquer área, se fizesse apenas ou se começasse a fazer pela simples redução das garantias actualmente ao dispor dos que a demandam.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - A justiça administrativa e fiscal, desde logo o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, requerem reformas de outro fôlego e de outro sentido.
Ao fim de tantos anos ser esta e ficar por aqui a revisão, ou a primeira prestação de revisão desse Estatuto, é pouco e é mau como estratégia de reforma legislativa e como política de combate à morosidade de justiça.

Aplausos do PS.

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Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo entendeu apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei tendente a corrigir uma situação que vinha a provocar alguns atrasos ou algum bloqueamento na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. Já aqui ouvimos algumas críticas a esta iniciativa, considerando-a isolada e incompleta e sugerindo que deveria haver uma iniciativa mais ampla nesta matéria.
É evidente que as reformas mais profundas exigem uma reflexão maior e um trabalho mais cuidado, e sucede, muitas vezes, que a experiência verificada na aplicação de determinadas leis revela determinados efeitos perversos e determinados inconvenientes.
Não nos parece que seja, em absoluto, má técnica tomar uma iniciativa isolada, de forma a corrigir essas situações pontuais. O legislador deve estar atento a esses fenómenos e, como o Governo tem responsabilidade nessas matérias, o Sr. Secretário de Estado da Justiça já aqui fez eco de reclamações dos Srs. Juízes do Supremo Tribunal Administrativo, e parece-me perfeitamente correcto e pertinente que o Governo não tivesse aguardado pela aprovação do código do contencioso administrativo, com os reflexos que terá, necessariamente, na Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que agora é objecto desta alteração.
É saudável que assim se faça, porque isso só confirma que o Governo está atento a essas situações e que não tem qualquer pejo em tomar uma iniciativa pontual, desde que ela se revista de interesse e se revele correctora de situações que podem, de imediato, ser atalhadas. É, portanto, com mérito que o Governo a apresenta e será do interesse da justiça e dos cidadãos que a Assembleia da República a aprecie e aprove.
A área do contencioso administrativo e do contencioso fiscal é extremamente importante no relacionamento do cidadão com a Administração. É uma área que, antes do 25 de Abril, no domínio desta intervenção dos tribunais fiscais e dos tribunais administrativos, enfermava de vícios gravíssimos. Os tribunais administrativos tinham uma dependência da Presidência do Conselho de Ministros e os tribunais fiscais do Ministério das Finanças e, por isso, estávamos mais perante órgãos acentuadamente administrativados do que, propriamente, perante órgãos plenamente jurisdicionais, com o respeito pelo princípio da separação de poderes e da independência dos juízes e dos tribunais.
Foi exactamente o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovados numa altura em que era Ministro da Justiça o nosso colega Deputado Rui Machete, que vieram conformar esta área do contencioso administrativo e fiscal à Constituição de 1976 e restaurar esses princípios fundamentais de garantia de direitos para os cidadãos, que estavam, efectivamente, preteridos de uma forma escandalosa.
Este Estatuto e a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos indroduziram, inclusivamente, novas figuras, a que os cidadãos podem recorrer, como forma de garantir os seus direitos e de, já numa relação mais igualitária com a Administração, poderem ver apreciadas as questões que colocam aos tribunais administrativos e fiscais. Não era assim antes do 25 de Abril, mas com a Constituição de 1976 e com estes diplomas inaugurou-se, efectivamente, uma nova era e restaurou-se o respeito por esses princípios fundamentais.
Com estas leis pretendia-se também garantir maior celeridade processual no âmbito fiscal e administrativo. Verificou-se que, neste caso concreto, e por uma diferença que havia em relação à Secção do Contencioso Administrativo, em que já era assegurado este segundo grau de jurisdição, e não como de certo modo, anomalamente, estava consagrado, nesta disposição do Estatuto no âmbito da Secção do Contencioso Tributário, este 3.º grau de jurisdição.
Não há qualquer preterição de direitos do cidadão contribuinte, quando, agora, se estabelece uma situação similar, na medida em que há dois graus de jurisdição e há ainda, em certas circunstâncias, o recurso para o próprio plenário do tribunal. Portanto, os direitos fundamentais dos cidadãos não são minimamente afectados, pois a final, nesta relação processual sujeita a estes tribunais e a estes recursos, tanto há soluções a favor da Administração como a favor do contribuinte.
Em consequência, esta alteração agora introduzida tanto reverte numa celeridade a favor da Administração, se a solução do pleito a final lhe for favorável, como também, muitas vezes - as mais das vezes, eventualmente -, a favor do cidadão contribuinte, que também quer uma resposta pronta e célere no reconhecimento de um direito que pretende fazer valer contra uma eventual exigência menos correcta da Administração ou até em casos de restituição de quantias fiscalmente cobradas de forma indevida.
Da nossa parte, estamos de acordo com esta iniciativa e entendemos também que ela, obviamente, não prejudica e que nem é por via disso que se atrasarão os trabalhos relativos à elaboração do código do contencioso administrativo, pois naturalmente que, na sequência da aprovação deste diploma, o Governo fará e trará, com certeza, a esta Assembleia as alterações que esse mesmo código, que o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, agora aqui em revisão, e que a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos exijam.
Pensamos - e sugerimos isso no relatório que fizemos na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - que a simplicidade desta alteração permitirá que se faça, desde já e aqui, a discussão na generalidade e na especialidade e a sua aprovação em votação final global.
O PSD, obviamente, votará favoravelmente esta proposta de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santas (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Creio que está bem claro que o Governo pretende privar os cidadãos de um grau de jurisdição em matéria de contencioso tributário. Foi explicitado que assim é e parece-me óbvio que se restringe o direito ao recurso.
Alega o Governo, para tanto, que, muitas vezes, os cidadãos pretendem protelar o pagamento das imposições tributárias e afectam, em consequência, a prontidão da

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justiça. Ora, a solução pêra a morosidade da justiça não está nas restrições dos direitos dos cidadãos, nem esta medida terá o efeito de acelerar a justiça. Para além disso, a justiça, de facto, deve ser célere mas sem beliscar aqueles direitos que se consideram necessários para garantir um verdadeiro acesso ao direito.
Assim, uma das razões invocadas pelo Governo para a alteração não pode ser atendida. Aliás, o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, não por estes motivos que apresentei mas por outros, também refere que não pode invocar-se a prontidão da justiça para tirar um grau de jurisdição aos cidadãos. E foi um relatório aprovado por unanimidade!
A proposta de lei do Governo, em nossa opinião, tem de ser encarada de outro angulo, uma vez que não pode afirmar-se - e nós não o fazemos - que o acesso ao direito e aos tribunais compreende sempre o acesso a todos os graus de jurisdição. Nós não afirmamos isso!
Para avaliarmos da bondade ou não da proposta de lei, creio que teremos de saber se ao cidadão, em matéria de tributação e de processo tributário, estão garantidos os seus direitos perante a administração fiscal e se as garantias existentes permitem avançar para a supressão de um grau de jurisdição.
Um dos direitos do cidadão, e também do cidadão contribuinte, é o direito à certeza e à segurança jurídica. Ora, em Direito Fiscal continua a navegar-se num mar de incertezas.
A administração fiscal pretende criar direito através de instruções, circulares e regulamentos internos. Por vezes, através de circular, regulamenta quase integralmente um regime jurídico tributário, faz nascer obrigações para o cidadão ou restringe mesmo os seus direitos definidos previamente em lei.
As circulares, que, aliás, não tem eficácia de lei, surpreendem os cidadãos, na altura em que lhes são levantados autos de notícia ou quando lhes cai em cima dos ombros uma liquidação adicional, e surpreendem os advogados.
Não admira assim que contra esta aparência de direito, contra este «direito» que já foi intitulado de direito circulatório, por basear-se em circulares, reajam os cidadãos, como verdadeiros arautos dos princípios constitucionais, contra as distorções do sistema complexo e pouco claro, que privilegia uns em detrimento de outros, que cria iniquidades excessivas precisamente em relação àqueles que, como diz Francisco de Sousa Câmara na Revista de Direito Público, não têm capacidade de intervenção activa nos meios políticos, que não têm possibilidades financeiras para mobilizar a opinião pública ou para apresentar contrapartidas que o Governo quer ver satisfeitas.
Estamos, de facto, numa área do Direito, o Direito Fiscal, que, como diz Jean Claude Martinez, é uma das disciplinas jurídicas mais aleatórias, é o jogo do poder e do dinheiro, do» fins e dos meios, do indivíduo e da sociedade, da liberdade e da servidão.
Face a esta situação e à incerteza jurídica que se abate, sobretudo, sobre os que, praticamente, não tem direito à informação, os que não fazem parte de lobbies, 6 óbvio que esta proposta de lei do Governo carece de justificação.
Num mar de incertezas e arbitrariedades, a garantia de um amplo direito ao recurso mitigará a desigualdade em que o cidadão se encontra perante a administração fiscal. Desigualdade que se acentua e atinge mesmo proporções de escândalo se atentarmos no que se passa no processo tributário.
Se compulsarmos a realidade dos tribunais fiscais e o próprio Código de Processo Tributário, que, recente embora, acentua a iniquidade do sistema, verificamos que o cidadão se encontra no processo tributário com armas desiguais face à outra parte no processo - a administração fiscal.
Ao representante da Fazenda Pública, figura consagrada legalmente, são assegurados poderes que se confrontam com princípios constitucionais.
Ele, que é parte interessada, que representa a administração fiscal, chega mesmo a proibir advogados - e isto já me aconteceu a mim! -, com procuração nos autos, de consultar processos de execução fiscal; ele, que é parte interessada, exerce a acção penal no que toca aos ilícitos de mera ordenação social, quando tal competência, pela lei fundamental, pertence ao Ministério Público; ele, o todo poderoso representante da Fazenda Pública, detém, segundo o actual Código de Processo Tributário, funções de juiz auxiliar; ele, que é parte interessada, profere despachos de aperfeiçoamento, preside a diligências de prova -para ouvir a prova da parte contrária -, avalia da idoneidade da caução prestada para suspender a execução, indica os valores por que hão-de ser postos em praça os bens penhorados e tantas outras competências que podíamos vasculhar no Código de Processo Tributário!
Para agravar ainda o peso do «intendente», o peso da administração fiscal - e como eu disse, há pouco, tudo isto está no Estatuto, não foi alterado, aliás, quem tem prática de tribunais sabe que assim é -, os funcionários de secretaria dos tribunais tributários de 1.ª instância e de 2.ª instância, segundo o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pertencem aos quadros do Ministério das Finanças e regem-se pelo respectivo Estatuto!
Estes funcionários, por um lado, são obrigados a cumprir os despachos, as sentenças ou as ordens dos juízes e, por outro lado, estão vinculados ao dever de obediência às ordens do representante da Fazenda Pública. E em caso de conflito entre duas ordens opostas emitidas por estas entidades, ou seja, entre a ordem de um juiz e a ordem de um chefe de repartição de finanças, é o Sr. Ministro das Finanças quem decide.
É assim, lamentavelmente, que se trata a independência dos tribunais fiscais! Independência sobre a qual se tripudiou durante largos anos com a não existência de agentes do Ministério Público junto dos tribunais tributários de 1.ª instância, entorse que só muito recentemente foi colmatado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Bem andaria o Governo se, celeremente, corrigisse as, distorções que se verificam na administração fiscal e nos tribunais fiscais; se, por exemplo, na prática, garantisse amplamente aos cidadãos de mais fracos recursos um efectivo direito ao apoio judiciário; se corrigisse, por exemplo, o princípio da lei segundo o qual, em muitos destes processos, não é preciso constituir mandatário, que parecendo uma protecção ao cidadão, de facto não é. Bem pelo contrário!
De tudo isto são vítimas os cidadãos. O Governo vem, quanto a nós, propor uma medida que não se enquadra em todo o restante quadro atrás descrito e pretende privar os cidadãos de um grau de jurisdição, cuja manutenção, em nosso entender, se justifica como reforço das garantias de defesa de quem combate a administração fiscal com armas desiguais.

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Também aqui, nesta área, é negativa a avaliação do estado da justiça, por culpa do Governo que não abre mão de prerrogativas, mesmo que esteja em causa a independência dos tribunais tributários. Também aqui se repete a interrogação: que justiça para os cidadãos?

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, gostaria de colocar-lhe uma questão que tem a ver com a referência que V. Ex.ª fez ao relatório e parecer elaborado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e subscrito por mim.
De facto, pareceu-me que V. Ex.ª referiu que, segundo o parecer da Comissão, esta iniciativa atentava contra os direitos e garantias fundamentais do cidadão contribuinte. Ora, nele diz-se exactamente o contrário. Diz-se que pode ser discutível a solução de uniformizar esta solução da Secção do Contencioso Tributário com a Secção do Contencioso Administrativo e refere-se - aliás, é essa a minha opinião -, que ela não se justifica apenas por razões da administração fiscal, por razões que se ligam ao próprio contribuinte que beneficiará de uma celeridade maior, que esta alteração vem, efectivamente, garantir, obstando à morosidade que, até agora, se vem registando. Diz-se ainda que essa eliminação, fazendo subsistir os graus de jurisdição, não atenta contra os direitos e garantias fundamentais do cidadão contribuinte.
Logo, Sr.ª Deputada, o que se diz no parecer da Comissão é exactamente o contrário daquilo que V. Ex.ª referiu. No entanto, gostaria que me esclarecesse se interpretei bem a sua afirmação.
Por outro lado, fiquei surpreendido ao ouvir V. Ex.ª citar o Deputado Jean Claude Martinez, que, como é sabido, pertence ao grupo parlamentar de Jean-Marie Le Pen, representante da facção radical. Poder-se-ia dizer que V. Ex.ª, com isenção, extinguiria o radicalismo do político, do fiscalista, mas a verdade é que este deputado é também radicalista no domínio fiscal, porque tem, ao contrário de V. Ex.ª, uma atitude ideológica e fiscal anti-Estado, anti-impostos, que é totalmente intolerável. Deste modo, surpreende-me que V. Ex.ª siga a posição do Sr. Jean Claude Martinez.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, não tenho comigo o relatório e parecer da Comissão, mas li-o há pouco, e não tive oportunidade de estar na Comissão aquando da sua aprovação. Aceito que possa ter sido diferente o sentido, mas, salvo erro, no relatório vinha qualquer coisa deste género: «não seria exacto dizer que era só isso, porque também o Ministério Público protelava as decisões». A correcção fica feita.
Em relação à outra questão, não sabia, de facto, quem era esse Sr. Martinez. Tive um professor na faculdade chamado Martinez, mas não é o mesmo. Também não sabia que era Deputado dessa «Frente», nem sequer isso me impressiona. Colhi alguns estudos de revistas existentes na nossa biblioteca. Sendo assim teremos de fazer um saneamento da biblioteca! Não é isso que o Sr. Deputado quer?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - De forma nenhuma!

A Oradora: - Fiz essa recolha em revistas de Direito Fiscal, mais precisamente de um estudo que ele fez sobre Direito Fiscal que me pareceu correcto. Aliás, não deve ser caso raro, nem devo ser a única pessoa que em matéria, por exemplo, de Direito Administrativo cite nos tribunais administrativos o Prof. Marcelo Caetano, que, aliás, também foi meu professor.
Penso, pois, que se o Sr. Deputado quis tirar algum efeito político disso, penso que falhou!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A propósito desta iniciativa já vários grupos parlamentares aproveitaram, e bem, para falar do estado da justiça fiscal e o CDS não queria deixar de juntar também a sua opinião, embora necessariamente de forma breve, sobre o tema, até um pouco por causa da responsabilidade pessoal que há pouco referi, responsabilidade essa que assumi em nome da Assembleia da República.
O estado da justiça fiscal em Portugal, de facto, Sr. Secretário de Estado, não é satisfatório, sobretudo num tempo em que a reforma fiscal alargou claramente as hipóteses de recursos contenciosos que podem, e que ameaçam, enxamear os tribunais.
Não é satisfatório, em segundo lugar, porque nós vemos, ao contrário do que se passa nos outros países, que são raras as decisões dos tribunais, inclusive dos tribunais superiores, mesmo do Supremo Tribunal Administrativo, que se refiram, detendo-se sobre os aspectos materiais, aos últimos impostos introduzidos em Portugal. Refiro-me ao IVA, ao IRS e ao IRC. Contam-se pelos dedos as sentenças, os acórdãos, que existem sobre impostos a funcionar em Portugal há muito tempo.
Não é, com certeza, por causa da impreparação dos juízes - pelo menos na maior parte dos casos -, é por causa de uma série de características do funcionamento da jurisdição fiscal que o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais por certo também fará chegar ao Governo. É que, de facto, esta preocupação aqui presente, era já uma preocupação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, se bem que apenas mais uma preocupação, junta a muitas outras que estão na base da crise da justiça fiscal em Portugal.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - E digo-lhe algumas: por um lado, a continuação da não existência de uma preparação específica dos juízes. Apesar de estar prevista a preparação específica, no âmbito do CEJ, dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais, tal não avança. E se analisarmos os mapas estatísticos dos tribunais fiscais vemos que os juízes sem preparação específica fazem andar os processos onde se praticam actos mais parecidos com o processo civil e deixam para trás as impugnações.

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E devo dizer-lhe que as classificações dos juízes dos tribunais fiscais - onde há alguns muito bons juízes - são feitas na base de saber quem é aquele que se atrasa menos, isto é, quem é aquele que deixa menos dezenas de processos para trás.

O Sr. José Magalhães (PS): - É lamentável!

O Orador: - Há o problema dos funcionários. Não é que eu tema que, mandando o Ministério das Finanças nos funcionários desses tribunais, haja algum problema de independência. Era o que faltava que esses funcionários tivessem alguma coisa a ver com o funcionamento específico do tribunal! Agora o que eu temo, e sei que se passa, e que o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais sabe que se passa é que como eles são funcionários do Ministério das Finanças são movimentados no interesse desse Ministério e segundo as suas conveniências, regras e critérios e sem que os juízes dos tribunais fiscais possam ter alguma intervenção nessa matéria. Os funcionários mudam constantemente, não há funcionário que se estabeleça de uma forma minimamente estável num tribunal fiscal. E assim é que as coisas, de facto, não podem funcionar.
Mas, passando à questão de fundo, desejo referir que o CDS, tradicionalmente, tem muito cuidado nestas matérias, e por isso não posso deixar de dizer, com veemência, que não estou convencido de que se estejam aqui a reduzir drasticamente direitos dos cidadãos. Mas há uma coisa que é verdade. É que esta permissão de uma tripla instância em matéria de contencioso fiscal foi cuidadosamente estabelecida, não é nenhum engano. Foi cuidadosamente estabelecida no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, cerca de um ano depois, minuciosamente prevista na lei de processo administrativo. Não foi um engano!
Podemos agora fazer um julgamento sobre se fomos demasiado generosos em matéria de garantias dos contribuintes ou não. Pessoalmente, não vejo razões concretas para que se mantenha a situação como está e prefiro a harmonização com a competência do pleno da 1.ª Secção. Mas devo dizer que também não me ofendia uma solução em que se mantivesse a possibilidade desta tripla instância, desde que houvesse um processo especial de filtragem dos recursos que chegam ao pleno. Esse processo não existe, é um processo semelhante àquele que sugere o Prof. Sérvulo Correia para um futuro em que se crie uma 2.ª instância dos tribunais administrativos e que podia funcionar perfeitamente no contencioso tributário.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Devo, pois, dizer que me parece pouco o que está em discussão, mas penso que, em certa medida, se avança nessa harmonização da competência do pleno. De facto, não encontrei ainda nenhum argumento para ser contra essa harmonização, embora deva dizer que reconheço expressamente que há uma modificação, uma correcção, uma redução das possibilidades queridas na altura em que se estabeleceu conscientemente o estatuto dos tribunais e a lei do processo administrativo.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar quero referir que me custa um pouco a acreditar que Srs. Deputados muito ligados ao foro e à actividade judicial e judiciária, como é o caso do Sr. Deputado Alberto Costa e da Sr.ª Deputada Odete Santos, que não está neste momento presente, estejam desatentos ao evoluir do Direito Comparado, nomeadamente ao nível de processo e em sede de recursos, quando praticamente toda a gente defende que deve haver apenas um duplo e não um triplo grau de jurisdição. Esse é um dado adquirido.
A esse propósito, recordo-me que já há alguns bons anos um grande presidente do Supremo Tribunal de Justiça português - o conselheiro Octávio Dias Garcia - dizia que nunca o Supremo Tribunal de Justiça se devia converter num tribunal de 3.ª instância. E o que se diz para o Supremo Tribunal de Justiça deve dizer-se igualmente para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), isto é, o Supremo Tribunal Administrativo não deve funcionar como 3.ª instância.
Aliás, tudo isto parte do pressuposto que em matéria de recursos há aqui uma dicotomia, um jogo de equilíbrios que tem que ser acautelado. Por um lado, a celeridade processual e, por outro, a garantia do cidadão. E é um dado adquirido que a garantia do cidadão passa pelo duplo grau de jurisdição. Não é forçoso, não é necessário, não é útil, de forma nenhuma, que haja um 3.º grau de jurisdição.
Um segundo ponto deve ser referido com muita clareza. Há pouco foi dito - e refiro-me ao Sr. Deputado José Vera Jardim - que o Governo, uma vez que os processos são muitos, arranjou uma forma de o juiz despachar os processos em tempo útil. Pois ainda bem que é assim! Foi detectada uma realidade, isto é, que havia muitos processos porque havia um bloqueio dado que a lei não estava em consonância com o que devia estar, pelo que o Governo agiu imediatamente. E aqui está esta proposta de lei para resolver e completar a situação que era, e é, altamente gravosa.
No entanto, se o Governo não interviesse, se não estivesses aqui hoje a defender esta proposta, certamente que o Sr. Deputado José Vera Jardim diria: «há tantos apelos, há tantas solicitações, há tantas preocupações por causa deste assunto concreto e o Governo está de braços cruzados e nada faz». Portanto, julgo que, e embora seja uma intervenção legislativa pontual, há toda uma razão de ser para intervir.
Passo a uma terceira questão que também me parece extremamente importante. O Governo comprometeu-se a apresentar à Assembleia da República, nesta legislatura, o código do contencioso administrativo, e vai fazê-lo ainda antes das férias parlamentares. Portanto, a curto/médio prazo a Assembleia da República terá o código do contencioso administrativo e as adaptações daí decorrentes no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Aliás, posso adiantar que esse novo diploma traça profundíssimas alterações ao regime actual, e estamos convencidos de que, de uma vez por todas, a jurisdição administrativa, nomeadamente em sede de recursos e de bloqueio do STA, e não só no contencioso tributário mas também no contencioso administrativo, com a criação da 2.ª instância, irá atenuar de uma forma bastante importante a situação em que se encontram os tribunais administrativos e fiscais portugueses.
Por outro lado, é óbvio que a independência dos tribunais passa pela independência dos magistrados e por isso julgo que não está em causa a independência dos magis-

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trados que prestam funções nos tribunais administrativos e fiscais. O facto de os funcionários desses tribunais serem movimentados por outro ministério, por outro serviço, que não o Ministério da Justiça, não significa que essa independência seja mitigada. E que, como VV. Ex.ªs sabem, os próprios funcionários dos tribunais judiciais são movimentados sem conhecimento dos respectivos magistrados. Ninguém, nenhum departamento do Ministério da Justiça dá a conhecer aos magistrados de um determinado tribunal que determinado funcionário desse tribunal vai ser movimentado. Portanto, julgo que estamos a tentar equivocar o estado das coisas porque os tribunais são independentes porque têm a servi-los magistrados independentes. E felizmente que isso ninguém põe em dúvida!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, foi com grande surpresa que ouvi a sua imputação de desatenção relativamente aos graus de jurisdição. Julguei que V. Ex.ª estava a criticar a solução consensualmente adquirida em 84 e que me incluía nos defensores das soluções encontradas em 84. E se o fez não se enganou! Aliás, o problema fundamental que aqui está em causa é o de saber se vamos começar uma reforma do contencioso, ou melhor uma reforma do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais pela supressão de um grau de jurisdição.
E, de há seis anos a esta parte, VV. Ex.ªs foram falando permanentemente de revisão do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais mas a única coisa que fizeram até agora foi reduzir um dos graus de jurisdição. E a questão é complexa porque, como sabe, há não apenas um paradigma público, nomeadamente o paradigma do Direito Administrativo, como há também um paradigma civilístico, que é diferente.
Aliás, V. Ex.ª sabe que o direito subsidiário em relação a estas áreas do contencioso fiscal tende a ser mais recolhido, de acordo com a nossa tradição nacional e no que ela tem de bom, no paradigma civilístico do que no paradigma administrativo. E a tradição é boa porque em Portugal as garantias dos administrados são muito escassas no âmbito da jurisdição administrativa. Assim, o facto de a radicação se fazer principalmente no processo civil e na justiça cível funciona como uma garantia dos administrados.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Secretário de Estado, ao longo dos trabalhos anunciou estar pronto nesta altura, visando a revisão, se bem percebi, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. V. Ex.ª e vários Srs. Deputados associaram isso à lei de processo do contencioso administrativo. Essa associação é boa, mas é preciso distinguir as situações. É que tem sido defendida - a ideia é excelente - a criação de um tribunal administrativo de 2.ª instância, coisa que implica - pelo menos essa - uma nova revisão do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. O que critiquei aqui foi, sim, que essa revisão do referido Estatuto se fizesse a prestações.
Dizia o Sr. Secretário de Estado - foi essa a ideia com que fiquei - que até ao Verão teríamos ainda uma proposta de lei de processo do contencioso dos tribunais administrativos. Pergunto-lhe se, ao fim destes sete anos, vai ou não o Ministério da Justiça apresentar a esta Assembleia um projecto de criação do tribunal administrativo de 2.ª instância. Pergunto-lhe ainda mais concretamente: que ideias tem o Ministério neste momento acerca da criação do tribunal administrativo de 2.ª instância e das condições de entrada dos recursos desse tribunal no Supremo Tribunal Administrativo? Ao fim de todos estes anos, tem V. Ex.ª alguma ideia assente sobre esta matéria?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, julgo que efectivamente não estamos equivocados a nível de conceitos, não obstante a questão em discussão ser uma questão bastante técnica.
Em todo o caso, invocando a aplicação subsidiária das normas processuais civilísticas, lembro ao Sr. Deputado que só pode haver recurso para o pleno do Supremo Tribunal de Justiça desde que haja conflitos entre acórdãos do próprio Supremo Tribunal de Justiça. O que defendemos a nível do Supremo Tribunal Administrativo, como, aliás, decorre da parte do contencioso administrativo ...

O Sr. Alberto Costa (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Secretário de Estado, referi-me à existência de três graus de jurisdição e V. Ex.ª não está a pôr em causa que eles existam no âmbito da justiça cível. Foi apenas à questão dos três graus de jurisdição que me referi.

O Orador: - De qualquer forma, Sr. Deputado, a intervenção do plenário do Supremo Tribunal de Justiça pode funcionar como 3.º ou 4.º grau. O pleno do contencioso tributário pode funcionar também como 3.º ou 4.º grau. O que importa questionar é se, havendo, como há, no contencioso administrativo, ao contrário do que sucede no contencioso tributário, apenas o duplo grau de jurisdição, é ou não de mante-lo. Defendemos - vai nesse sentido a proposta de lei apresentada nesta Câmara - que deve haver um tratamento igual para os contenciosos administrativo e tributário. Penso ser este o caminho correcto, por não haver qualquer razão para distinguir as situações.
Falaram-me os Srs. Deputados Alberto Costa e António Lobo Xavier da situação em 1984 e 1985. Nessa altura, como todos estamos recordados, a maior parte dos tribunais tributários de 1.ª instância não tinha magistrados de carreira, nem judiciais nem do Ministério Público. Hoje já os tem. Hoje a realidade é completamento diversa e os tribunais tributários de 1.ª instância oferecem toda a credibilidade de qualquer outro tribunal judicial. Temos de ter presente essa realidade.
Falou-me o Sr. Deputado do código do contencioso administrativo. Como lhe disse, o respectivo projecto está

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em fase final de elaboração. Não posso, pois, antever e pré-anunciar o que serão as grandes linhas do código de contencioso administrativo, mas é óbvio que é necessário e forçoso retirar ao Supremo Tribunal Administrativo competências que hoje tem e não deve ter, desde logo aquelas que tem quando conhece, sem ser por via de recurso, de algumas acções. É absolutamente necessária e forçosa - apontamos nesse sentido - a criação do tribunal de 2.ª instância. Como apontamos nesse sentido, tem de existir no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais as normas decorrentes da existência de um tribunal de 2.ª instância.
Colocou-me o Sr. Deputado a questão, muito técnica e de pormenor, de saber como é que se irão interpor os recursos do tribunal administrativo de 2.ª Instância para o Supremo Tribunal Administrativo. Neste momento não posso responder a essa questão, por ser precisamente uma das questões ainda em aberto. Repito, no entanto, que a breve prazo será apresentada nesta Câmara o novo código do contencioso administrativo e as alterações ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, terminamos, assim, o debate da proposta de lei n.º 45/VI.
Entrando no período de votações, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: De acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo, 1.ª Secção, do Tribunal de Polícia de Lisboa, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de que a Assembleia da República não deve autorizar o Sr. Deputado João Oliveira Martins (PSD) a comparecer no julgamento a que os autos se referem.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, vamos votar o parecer que acabou de ser resumido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Sr. Secretário vai dar conta de um outro parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: De acordo com o solicitado pelo 5.º Juízo Cível, 3.ª Secção, da Comarca de Lisboa, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Nuno Delerue (PSD), dada a sua indisponibilidade, a depor em processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, vamos votar este parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.

Srs. Deputados, passamos agora à votação, na generalidade do projecto de lei n.º 2/VI - Elimina algumas restrições à concessão de habitação social (PS).

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, os diplomas que iremos votar a seguir, para além do que acabou de ser enunciado pelo Sr. Presidente, têm a ver com o problema do alargamento do prazo para a regularização extraordinária dos imigrantes clandestinos em Portugal.
O Grupo Parlamentar do PSD já deixou claro, na sessão plenária em que tais projectos de lei foram discutidos, que iria votar contra eles. Entendemos que politicamente é mau que o faça, embora seja certo que se trata de uma questão política e que cada grupo parlamentar tem o direito de fazer uso do seu entendimento em cada caso ou situação concreta.
Sucede, porém, que, simultaneamente com um dos argumento» utilizados pelo PSD - o de que, se houvesse necessidade de alargamento do prazo, o Governo o faria, pelo que não seria necessário a Assembleia decretar ou legislar o que quer que fosse -, o Governo anunciou hoje que alargaria o prazo de regularização extraordinária dos imigrantes clandestinos por três semanas. Independentemente de consideramos que o prazo é insuficiente, apenas gostaríamos de chamar a atenção para o comportamento e a forma atrabiliária como o Governo se comporta nestas matérias, esquecendo por completo a legalidade.
Não seremos nós quem irá suscitar a questão no local competente mas, em todo o caso, gostaríamos de salientar o seguinte facto: tendo sido publicado um decreto-lei - como aconteceu - com base numa autorização legislativa, é evidente que, de acordo com múltiplos constitucionalistas, o Governo não o pode alterar sem nova autorização legislativa.

VOEM do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por conseguinte, a decisão deveria ser tomada pela Assembleia da República.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Independentemente da questão dos prazos, que é uma questão política, esta é uma questão legal e é em termos de interpelação ã Mesa que gostaria que esta situação ficasse muito clara.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, vamos, pois, proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 2/VI - Elimina algumas restrições à concessão de habitação social (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do CDS.

De seguida vamos votar, também na generalidade, o projecto de lei n.º 247/VI - Prorroga o período de vigência do Decreto-Lei n.º 212/92, de 12 de Outubro, que regulariza a situação dos imigrantes clandestinos (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes, dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do CDS.

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Srs. Deputados, vamos ainda votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 249/VI - Alteração do Decreto-Lei n.º 212/92, de 12 de Outubro, que regulariza a situação dos imigrantes clandestinos (Os Verdes).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do CDS.

Vamos agora votar, também na generalidade, o projecto de lei n.º 254/VI - Alteração do Decreto-Lei n.º 212/92, de 12 de Outubro, que regulariza a situação dos imigrantes clandestinos (Deputado independente Mário Tomé).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do CDS.

Por último, e uma vez que houve consenso, vamos proceder à votação conjunta, na generalidade, na especialidade e final global, da proposta de lei n.º 45/VI - Altera o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS e as abstenções do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, caso haja consenso na Câmara, talvez pudéssemos dispensar a baixa à comissão para a redacção final do diploma que acabámos de votar em votação final global, por razões evidentes.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Uma vez que há o consenso de todos os grupos parlamentares, assim será feito.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se na terça-feira, dia 16 de Fevereiro, às 15 horas, e, para além do período de antes da ordem do dia, terá como ordem do dia as ratificações n.ºs 42, 43, 46 e 47/VI.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 noras e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luis Carlos David Nobre.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Simão José Ricon Peres.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Chaves Medeiros.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Elisa Maria Ramos Damião.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António José Caeiro da Mota Veiga.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS): .

António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Manuel Videira Lopes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Jerónimo Carvalho de Sousa.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luis Nogueira de Brito.
Juvenal Alcides da Silva Costa.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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