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Sexta-feira, 20 de Maio de 1994 Série - Número 74

D I Á R I O
da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE MAIO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque.
José Mário Lemos Damião.
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n. º 102/VI.

A Câmara deu assentimento as viagens de carácter oficial do Sr Presidente da República a Itália, de 22 a 27 de Maio, e a França, de 27 de Maio a l de Junho
Na abertura do debate da interpelação n.º I8/VI - Sobre politica geral, centrada na politica social e de emprego (CDS-PP), intervieram o Sr Deputado Nogueira de Brito e o Sr. Ministro do Emprego e da
Segurança Social (Falcão e Cunha), e em seguida, a diverso título, além destes oradores, os Srs. Deputados Ferro Rodrígues (PS), Nuno Delerue (PSD), Paulo Trindade (PCP), Vieira de Castro (PSD), António Lobo Xavier (CDS-PP), Manuel dos Santos e Alberto Cardoso (PS), Manuel Sérgio (PSN), João Proença (PS), João Rui de Almeida (PS), Luis Peixoto (PCP), Ferreira Ramos (CDS-PP). Arménio Santos (PSD) e Artur Penedos (PS).
Encerraram o debate o Sr. Deputado António Lobo Xavier (CDS-PP) e o Sr. Ministro do Emprego e Segurança Social.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.

elarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.

Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luis Santos da Costa.

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António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.

ernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.

osé Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

Raúl Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um diploma que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a proposta de lei n.º 102/VI - Define o regime de acolhimento de estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária, que baixou à 1.ª Comissão.
Entretanto, informo os Srs. Deputados que irá reunir às 16 horas e 30 minutos a Comissão de Petições e que a Subcomissão do Ensino Superior reunirá às 16 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de passarmos à nossa ordem do dia de hoje, vou ler-vos uma carta do Sr. Presidente da República, que é do seguinte teor: «Está prevista a minha deslocação a Itália, nos próximos dias 22 a 27 de Maio, nomeadamente para me ser conferido o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Génova e para assistir, no âmbito das comemorações dos 650 anos da fundação da Universidade de Pisa, à apresentação pública do estudo sobre as relações entre a Toscana e Portugal, dedicado do Presidente da República Portuguesa.
Está prevista, igualmente, a minha deslocação a França, entre os dias 27 de Maio e l de Junho, a fim de participar, em Bordéus, no Festival Cultural «4.éme Printemps Portugais - Cinq Siecles de Poesie Portugaise» e na homenagem ao antigo Cônsul de Portugal naquela cidade, Aristides Sousa Mendes, a convite do Presidente da Câmara Municipal, Jacques Chaban-Delmas. Ainda em França, procederei à condecoração do Senhor Maurice Druon, Secretario Perpétuo da Academia Francesa, em Paris.
Assim, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º l e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.»

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai passar à leitura do parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o parecer e proposta de resolução é do seguinte teor:

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de Sua Excelência o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar em viagem de carácter oficial a Itália e França, entre os dias 22 a 27 de Maio e 27 de Maio a l de Junho, respectivamente, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:
Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá assentimento à deslocação de carácter oficial a Itália e a França, entre os dias 22 a 27 de Maio e 27 de Maio a 1 de Junho, respectivamente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé,

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Srs. Deputados, do nosso período da ordem do dia de hoje consta a interpelação n.º 18/VI- Sobre política geral, centrada na política social e de emprego (CDS-PP).
Nos termos regimentais, vai abrir o debate, por parte do partido interpelante, o Sr. Deputado Nogueira de Brito, a quem concedo a palavra.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O adiamento que acordámos com os restantes grupos parlamentares acabou por fazer coincidir esta interpelação com um conjunto de manifestações convocadas pela CGTP para protestar contra a política social do Governo.
Coincidência feliz para o Parlamento que vai, assim, discutir e tratar no Plenário os mesmos temas que na rua constituem objecto de manifestação para alguns dos mais interessados na sua solução.
Vamos, pois, fazer este debate com empenho, envolvendo na iniciativa todos os nossos conhecimentos e capacidades - aliás, só a isso estamos obrigados. No entanto, a eficácia da iniciativa depende em muito dos Srs. Deputados, em particular dos Deputados do partido maioritário e do Governo, que aqui está representado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A verdadeira crise que, neste início da década de 90 nos atingiu, traduzida sobretudo no modo como afectou as variáveis do consumo e do investimento, com quebra significativa do produto, contribuiu, de modo que pode considerar-se definitivo, para desfazer a ilusão que teimosamente prevalecia sobre a originalidade e sucesso do modelo português de correcção estrutural, aplicado pelos sucessivos governos do Professor Cavaco Silva.
Tratava-se, diziam os responsáveis, de um modelo em que a correcção (as sucessivas correcções que nos foram sendo anunciadas) se fazia sempre sem prejuízo do emprego, de tal modo que, em anos passados da década de 80, teríamos mesmo voltado ao pleno emprego, como ilustração mais viva do enorme sucesso das políticas aplicadas.
Não me esqueço, aliás, com facilidade, de uma resposta que aqui mesmo me foi dada há uns anos pelo Sr. Ministro Valente de Oliveira que, perguntado sobre as conexões entre reestruturação e emprego, nos respondia que essas conexões, fossem quais fossem as tendências espelhadas noutros países, entre nós haveriam sempre de se estabelecer com respeito pela preservação do emprego, uma vez que a idiossincrasia portuguesa se não compadecia com taxas de desocupação semelhantes às de alguns dos nossos parceiros da aventura europeia. Ou seja, e de um modo menos complicado: sempre que a reestruturação fosse incompatível a curto prazo com a manutenção do emprego, seria necessariamente deixada de lado ou subalternizada.
É certo, não o esquecemos, que este Governo e o partido que o apoia, sem quebras mas com algumas dúvidas, convenhamos, tem vindo a acusar o seu velho parceiro do Bloco Central pelo atraso de anos na principal reforma estrutural destinada a corrigir o, desvio socialista da revolução de Abril: as nacionalizações irreversíveis de parte substancial do nosso aparelho produtivo.
Mas não é menos certo que este Governo, instalado desde 1985, não aproveitou o tempo decorrido até ao desbloqueamento para preparar as empresas para a privatização, reduzindo ao mesmo tempo encargos e racionalizando comportamentos.
De qualquer modo, seja qual for a solução do litígio sobre a atribuição de responsabilidades pelos atrasos, a abordagem sintetizada na resposta do Sr. Ministro Valente de Oliveira chegou agora ao seu termo. Diríamos mesmo que chegou dramaticamente ao seu termo, apesar de alguns persistirem em ver na posição relativa dos dados estatísticos uma certa razão para conforto, um sinal de que em Portugal tudo continua a ser diferente, e de que, no fundo, persiste a originalidade do modelo.
Suponho, no entanto, que, infelizmente, não há razões para grandes optimismos - e digo-o com real mágoa, podem crer! -, especialmente quando comparamos não as taxas em si mas o modo como evoluíram no ano de 1993 e verificamos que apenas fomos igualados pela Alemanha e ultrapassados pela Espanha na descida do emprego.
Comparação tanto mais significativa quanto é certo e sabido que a Espanha adoptou, desde há anos, um modelo oposto ao nosso, apesar de ser governada por um governo socialista, privilegiando a reestruturação do emprego, e que a Alemanha se confronta com o problema específico da integração da sua parte oriental.
Estamos, pois, confrontados com índices de desemprego que, embora baixos no contexto comunitário, crescem mais do que a média dos nossos parceiros e que muito provavelmente atingirão os 7,5 % da população activa no final do ano de 1994.
Portanto, um desemprego que cresce e que se aproxima dos índices comunitários e um desemprego que ameaça continuar a crescer, mesmo depois de iniciada a recuperação da economia. Recuperação essa que, ao fim e ao cabo, se processará este ano a um ritmo mais modesto do que o registado nos parceiros europeus e que o ano passado regrediu mais do que aquilo que fomos levados a pensar.
Quer tudo isto dizer, mesmo descontados os contextos desfavoráveis, que, afinal, não havia um modelo sustentado e coerente de correcção com preservação do emprego. Houve, isso sim, o aproveitamento das derrogações que obtivemos em termos de construção do mercado interno e das ajudas que nos foram concedidas com destaque para as do Fundo Social Europeu, para intercalar propósitos eleitoralistas nas várias estratégias de correcção que, entretanto, foram anunciadas.
Aliás, esses propósitos eleitoralistas impediram-nos, ou melhor, impediram os sucessivos ministros das finanças de concretizar uma politica orçamental consistente, obrigaram, em consequência, à sobre-utilização das políticas cambial e monetária, com consequências negativas para o aparelho produtivo nacional, atrasaram a implementação de um plano de privatizações e o subordinaram a uma óptica predominantemente financeira, e levaram ao sucessivo adiamento das tarefas de reestruturação.
E quer também tudo isto dizer que a aparência que, no fundo, sustentava o pretenso modelo original só chegou ao fim porque teve que se render às evidências e porque deixou de ser possível iludir as realidades fundamentais daquilo com que, efectivamente, podemos contar para construir um futuro viável.
Perante um peso tão significativo das ineficiências acumuladas, deixou de ser possível adiar por mais tempo a reestruturação das empresas que erradamente se mantêm no sector público.
Perante as consequências da concorrência em mercado aberto, deixou de ser possível, ou melhor, pode vir a ser fatal continuar a levantar obstáculos artificiais à concretização das necessárias reestruturações do tecido produtivo, em geral.

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Tudo factores, que nos são próprios (aqui sim, somos, de certo modo, originais), a somar àqueles que são comuns a todas as economias neste fim de século e que explicam a existência de desemprego que não depende apenas da evolução da conjuntura, mas que está ligado às mudanças gigantescas impostas pela evolução tecnológica e pelas novas oportunidades ligadas à mundialização do comércio.
E tudo se complica ainda mais quando sabemos que a mudança acabou por ter que se fazer num contexto europeu que, apesar de tudo, vai continuar depressivo - ao menos no que toca ao emprego -, o que significa que a saída da emigração acaba por estar menos garantida do que em oportunidades passadas de reestruturação produtiva. Isto, apesar de todas as consequências, mais ou menos práticas, da liberdade de circulação, conquistada com a instalação do mercado único e teoricamente reforçada com o estabelecimento da cidadania europeia.
Ora, é perante esta situação de crise, num contexto de mudança profunda, traduzida, sobretudo, por uma evolução alarmante da variável do emprego, que se foi chegando, um pouco por toda a parte, à necessidade de reavaliação das políticas sociais, principalmente das políticas de protecção social e de educação.
No fundo, a questão que, em termos gerais, aparece colocada nos chamados Livros Branco e Verde, organizados no âmbito comunitário, é a que consiste em saber se é ou não possível compatibilizar a mudança estrutural em curso, a recuperação da conjuntura e a criação de emprego com o modelo de Estado social consolidado na Europa na sequência da II Guerra Mundial.
Questão sem dúvida dramática, principalmente para quem lhe vai sentir os efeitos, mas que não pode mais ser escamoteada.
E entre nós? O que se passa entre nós, neste domínio? O panorama é sobretudo muito confuso, com versões oficiais a sobreporem-se a iniciativas individuais, por isso decidimos, CDS-PP, tomar a iniciativa desta interpelação.
Na sequência do que tem vindo a passar-se um pouco por todo o lado vamos isolar a questão em torno das políticas de protecção social, no seu sentido mais estrito, ou seja, a que respeita directamente à segurança social, à saúde e ao emprego.
O nosso intuito é, fundamentalmente, o de tentar desvendar o que se passa, quais são, neste domínio, as verdadeiras intenções do Governo e, ao mesmo tempo, avançar com algumas sugestões de simples enquadramento, apesar de todos os constrangimentos que, no nosso sistema político são inerentes, primeiro à condição de simples Deputado e, depois, à de Deputado da oposição.
Quero com isto dizer que o nosso sistema e condições de trabalho favorecem o discurso parlamentar crítico, em detrimento do discurso e do trabalho construtivo. É sem dúvida, o discurso crítico, indispensável ao regime democrático, mas arrisca-se a não ser suficiente.
E feito este desabafo, direi que a posição do Governo nesta matéria parece-me dominada por três características fundamentais.
Ao contrário do Engenheiro Guterres, e apesar de ser cristão/católico como ele, não direi que se trata de três pecados capitais ou veniais, até porque não sei se depois de ouvidos os responsáveis estaremos na disposição de perdoar... Direi, sim, que se trata de faltas graves que, além do mais, impedem o claro delineamento de soluções indispensáveis.
São elas: primeiro, a tentativa permanente de escamoteamento dos problemas que afectam os três sectores, com claro destaque para a segurança social; segundo, a fragilidade estratégica e a instabilidade das soluções pontuais que, apesar de tudo, têm vindo a ser tentadas ao longo dos governos do Professor Cavaco Silva; terceiro, a marca eleitoralista que tem dominado grande parte das medidas tomadas, sobretudo, repito, em sede de segurança social.
Comecemos, pois, pela primeira falta: a tentativa de escamoteamento da realidade em matéria de segurança social.
Há ou não entre nós um problema sério com a segurança social? Está ou não esgotado e a chegar ao fim das suas forças o sistema de distribuição, sem dúvida iniciado com o alargamento da Previdência aos rurais, em 1969, continuado em finais de 1973 com a redução dos períodos de garantia para concessão de pensões e que atingiu a sua plenitude com a universalização das prestações, própria de um sistema de segurança social consagrada depois de 25 de Abril de 1974?
Pela nossa parte, concluímos no sentido da afirmativa e estamos em crer que os sobressaltos sentidos no Verão do ano passado, com atrasos de pagamentos de prestações em quase todo o país, não podem ser consideradas como um problema passageiro, fruto de uma situação orçamental particularmente deteriorada, mas já ultrapassado com o auxílio das medidas entretanto tomadas em Setembro.
Os números estão aí a demonstrar que há uma questão de fundo a resolver, no âmbito do nosso sistema de segurança social. Aliás, esses números foram trazidos à reflexão da Assembleia em relatório da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, datado de 6 do corrente mês de Maio, que teve como relator o Deputado do PPD/PSD, Branco Malveiro.
Como resultado da acção conjugada de vários factores, nesse relatório identificados, desde a evolução demográfica aos saldos dos movimentos de emigração, passando pelo envelhecimento da população, pelos desequilíbrios entre sociedade urbana e sociedades rurais e pelo refluxo das populações vindas das antigas províncias ultramarinas, chegou-se a uma situação em que o número de pensionistas cresceu entre 1970 e 1992 de 165 OOO para 2,3 milhões e em que no mesmo lapso de tempo o ratio entre trabalhadores activos e pensionistas passou de 11,3 para 1,7.
Quer dizer, enquanto nas vésperas do alargamento da velha previdência aos rurais havia, em Portugal, 11 trabalhadores no activo para cada pensionista, no fim de 1992, volvidos cerca de 15 anos sobre a passagem a um regime de segurança social com sistema de distribuição pura, não chega a haver dois trabalhadores no activo para cada pensionista.
Nesta linha, as despesas correntes do nosso sistema de segurança social (apenas as registadas no orçamento anexo ao Orçamento de Estado) subiram de 371,1 milhões de contos, em 1986, para 1120,7 milhões de contos no Orçamento do Estado de 1993, o tal que se não mostrou, mesmo assim, suficiente para satisfazer todas as solicitações que foram dirigidas ao sistema.
Por sua vez, é sabido que o Estado, através do seu Orçamento, não cumpre, neste domínio, aquilo a que está vinculado pela Lei de Bases da Segurança Social e apenas a partir da aplicação desta começou a contribuir de modo visível para o financiamento do sistema, sendo certo que não tomou ainda a seu cargo, como devia, a totalidade dos regimes não contributivos e a acção social.

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E onde o Estado não cumpre, os contribuintes sentem-se, ao menos moralmente, autorizados a não cumprir, e em parte por isso as dívidas de contribuições subiram, entre 1985 e 1992, de 95,2 para 253,1 milhões de contos, constituindo hoje um dado do comportamento empresarial a selecção da segurança social como o primeiro financiador das empresas, sempre que há dificuldades a enfrentar. Solução que conta, ao que parece, com o beneplácito do próprio Primeiro-Ministro.
E sendo assim no presente, a situação não se apresenta com boas perspectivas em termos de futuro. Isto é, os dados que a condicionam não são susceptíveis de melhorar.
Assim, em estudo encomendado há já uns anos pelo Governo aos Professores Diogo Lucena e António Borges, da Universidade Nova de Lisboa, mas não revelado até agora à Assembleia, concluía-se que, a manterem-se os dados da questão, em termos de enquadramentos institucionais fundamentais, o défice acumulado da Segurança Social passaria de 1,6 % do PIB, em 1987, para 338,3 %, em 2050.
Num comentário aparecido num jornal diário na Primavera do ano passado- o ano de todas as crises, pelos vistos! - afirmava-se, a dado passo, que «quatro anos volvidos sobre a apresentação do estudo a realidade confirmava a ideia de que as despesas crescem exponencialmente, enquanto que as receitas permanecem num regime de quase estagnação», ou correm mesmo o risco de se reduzir em função da crise sofrida pela economia, acrescentamos nós.
E perante tudo isto, que atitude tomou o Governo? Até ao ano passado, enquanto a contribuição do Orçamento do Estado pôde ser contida em limites razoáveis, o Governo ignorou a situação, ou melhor, iludiu a situação e, mais do que isso, contribuiu periodicamente para o seu agravamento, com maior ou menor intensidade, conforme o calendário eleitoral. Quanto ao estudo, encomendado aos professores referidos, entendeu que algumas das conclusões tiradas eram discutíveis e, por isso, considerou aconselhável continuar a protegê-lo no segredo dos gabinetes ministeriais.
No ano passado, preocupado, sobretudo, com a evolução da situação orçamental, em geral, e com o salto dado pelo próprio orçamento da segurança social, o Governo tomou medidas de contenção e desfez boa parte do que até então tinha feito no sentido do agravamento, impondo um limite, um tecto, às actualizações das pensões mínimas regulamentares.
Fê-lo, porém, com recurso às mais puras técnicas de ilusionismo de que foi possível lançar mão, sem nunca admitir que a situação já era grave e podia conhecer desenvolvimentos mais graves ainda.
Basta ler o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, obra-prima de ilusionismo político, pela qual, desde já, felicito os seus presumíveis autores, hoje nossos colegas parlamentares, o ministro Silva Peneda e o secretário de Estado Vieira de Castro.
E lembro-me bem da entrevista dada pelo Sr. Primeiro-Ministro em que perguntado sobre o sentido das medidas tomadas, teve artes de apenas referir a única, eventualmente, não restritiva, demonstrando por A mais B que ela constituía a principal razão de ser do diploma, sobrepondo-se nitidamente às restantes oito que a acompanhavam, essas propriamente restritivas.
Perante actuações como esta dou por mim a interrogar-me sobre se as preocupações do Sr. Presidente da República, ou melhor, do Dr. Mário Soares, com o prolongamento da permanência da maioria, terão alguma razão de ser e se, ao fim e ao cabo, o Professor Cavaco Silva não está a pensar em abandonar o cargo, na primeira oportunidade...
O estilo mantém-se, é claro, com a nova equipa do Ministério do Emprego, como o demonstraram já os novos Ministro e Secretário de Estado, em intervenções produzidas perante esta Assembleia.
Portanto, escamoteamento total das questões e problemas, na área da segurança social, ou seja, navegação à vista, pura e simplesmente!
Passemos então à saúde, onde o panorama apresenta-se de modo diferente, há que o reconhecer, com o Ministro Paulo Mendo a abrir uma brecha no muro do silêncio sobre as intenções e rumos da política a seguir no sector, mantido pelos anteriores titulares.
Naturalmente impressionado pelos défices acumulados da instituição hospitalar, que geriu até vir para o Governo, e que somaram, até ao fim de 1993, um montante próximo dos seis milhões de contos, o Sr. Doutor Paulo Mendo apresentou-se como o defensor, no Governo, do plano de financiamento da política de saúde que, pouco tempo antes, apresentara numa reunião organizada pela SEDES na cidade do Porto e que, em termos resumidos, deu à estampa no jornal Público do dia 14 de Novembro de 1993.
Tratando-se, porém, de um plano que punha - não sabemos se continua a pôr - os utentes, ou boa parte deles, a pagar os mesmos actos e os mesmos bens que até agora têm utilizado e recebido gratuitamente, o Sr. Ministro teve que justificar mudança tão radical e, por isso, teve que revelar a actual situação dos serviços públicos que têm a seu cargo a prestação dos cuidados de saúde em Portugal.
E fê-lo nestes termos meridianos e elucidativos que passamos a citar: «Partindo da conclusão que o actual sistema de saúde, apresentando embora numa muito boa relação custos-benefícios, está esgotado por um sub-financiamento crónico, por uma estrutura administrativa centralizada, pesada e asfixiante, por um serviço nacional de saúde falsamente monopolista, sujeito às leis e carreiras da função pública, servido por hospitais e centros de saúde sem real autonomia, sem mecanismos de avaliação e de responsabilização».
À parte da conclusão já tirada sobre a relação custos-benefícios que, como pensamos demonstrar, conduz precisamente a uma das maiores debilidades do plano do Ministro, o diagnóstico é, sem dúvida, feito por quem sabe e não quer esconder o que sabe.
São, com certeza, hábitos que vêm ao Dr. Paulo Mendo do Governo da Aliança Democrática, presidido por Sá Carneiro, onde serviu com Luís Barbosa, do CDS, no Ministério da Saúde.
De qualquer modo, são palavras corajosas que estavam a fazer falta, mas que estão muito longe do discurso redondo e ilusionista feito pelo Ministro Arlindo de Carvalho, que tantas vezes nos levaram a duvidar, com certeza injustamente, da sua capacidade para equacionar e entender os problemas.
É claro que o texto citado foi escrito pelo Dr. Paulo Mendo e dado à estampa na imprensa, antes do seu regresso ao Governo, mas a verdade é que o tempo que mediou entre os dois acontecimentos foi curto, e verdade é, também, que o Dr. Paulo Mendo continuou a defender as mesmas teses e a fazer o mesmo diagnóstico depois de ser Ministro.

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Poderá mesmo dizer-se que, nos primeiros tempos, o fazia com uma frequência pelo menos semanal, qual apóstolo que tomara a peito a missão de espalhar pelo país a boa nova, simplesmente a nova não era tão boa como isso e a grande massa dos utentes mais gastadores viu-se confrontada com o espectro da transformação, sem mais, do gratuito em oneroso, ao mesmo tempo que se sentia naturalmente angustiado com o espectro da perda de emprego próprio das épocas de recessão. Certamente, por isso, foi posto um ponto final à frontalidade e ao apostolado do Ministro.
A certa altura, os noticiários deram conta de que o Primeiro-Ministro, ouvido pela imprensa, moderara os ímpetos reformistas do Dr. Paulo Mendo, esclarecendo que qualquer alteração do sistema de financiamento da saúde não estava para breve.
E a partir daí o Ministro deixou de falar no assunto, aparecendo agora principalmente sob as vestes do justiceiro que percorre o país a resolver processos disciplinares, o que, sem dúvida, demonstra, de certo modo, o regresso à ocultação e ao ilusionismo.
E foi pena, porque o Dr. Paulo Mendo tinha razão, senão nas soluções que propunha, ao menos no diagnóstico que fazia, o qual se pecava por alguma coisa era por ser demasiado sintético.
Omitia, na verdade, a referência à acumulação dos défices, sistematicamente ignorados nos orçamentos anuais que, sendo em si mesmos insuficientes, eram e são geradores de novos défices, numa espiral só comparável à do Orçamento de Estado dos gloriosos anos 70 e 80.
Omitia ainda a referência ao «calote» como sistema normal de financiamento dos cuidados de saúde, com o Estado a dever e a impor prazos de pagamento inaceitáveis nas relações entre particulares.
Omitia, ainda, as restrições de despesas impostas muitas vezes sem critério, afectando a fiabilidade e a eficácia dos cuidados prestados.
Também aqui, portanto, uma política de escamoteamento da realidade em que foi temporariamente aberta uma brecha, reconhecemo-lo, mas que parece ter regressado à ordem do dia.
E no que respeita, por último, ao emprego, a situação também não é muito diferente. Todos estamos, com efeito, recordados do longo período negro em matéria de estatísticas do emprego e da permanente querela entre os dados do INE e os do Instituto do Emprego.
Aceitamos, no entanto, a questão como ultrapassada e aquilo que hoje mais nos preocupa é a definição de uma política clara em dois domínios fundamentais: o que respeita à formação profissional nas suas articulações fundamentais com o combate ao desemprego, a título imediato e uma perspectiva de médio e longo prazo, e o que se refere à necessidade de inventariação dos aspectos que nos regimes do contrato individual de trabalho e das relações colectivas constituem motivos de rigidez fomentadores de situação de desemprego.
Seria bom saber o que pensa o Governo nesta matéria e em que medida é que a preocupação- sem dúvida, louvável! - de preservar e, porventura, desenvolver os esquemas próprios da concertação social não acaba por se traduzir em certo escamoteamento dos problemas. Escamoteamento que, em última análise, dificulta a formação de consensos mais alargados e o conhecimento das mais profundas tendências dos próprios interessados e dos portugueses em geral.
De qualquer modo, o tema será mais detalhadamente abordado em intervenção autónoma a cargo do meu colega de bancada, Deputado Ferreira Ramos.
Passo, pois, ao segundo defeito grave que, em nosso entender, afecta a posição do Governo, em matéria de política de protecção social: a fragilidade e a instabilidade das soluções delineadas.
Quanto à primeira, a fragilidade está necessariamente ligada ao primeiro defeito detectado, ou seja, à permanente tentativa de ocultação da realidade, tornado evidente sobretudo no que respeita à segurança social e à saúde.
É claro que onde não se faz o diagnóstico da situação e onde não se assume, com clareza, tal diagnóstico não é possível apresentar soluções completas para os problemas existentes. A intervenção reduz-se, assim, a soluções pontuais, simples remendos, muitas vezes, sem coerência e que, ao fim e ao cabo, não serão nunca susceptíveis de, ao menos, abrir o caminho à superação dos problemas existentes numa perspectiva de médio e longo prazo.
Foi o que aconteceu com as medidas disfarçadas, repete-se, que foram tomadas em matéria de segurança social e que constam dos diplomas publicados em 25 de Setembro de 1975.
Servem, sem dúvida, para corrigir alguns dos defeitos maiores das práticas eleitoralistas dos anos anteriores, mas não vão além da tentativa de remendar o sistema existente, mantendo as causas fundamentais da sua inviabilidade a prazo: a distribuição pura aplicada sem limites a todos os níveis remuneratórios e nenhuma indicação clara sobre o papel que, em cumprimento da lei, o Estado se dispõe efectivamente a assumir, em termos de financiamento da segurança social.
Por outro lado, procuraram deslocar o peso da responsabilidade pelas situações existentes para os chamados trabalhadores independentes e para os gestores de sociedades, em termos que distorceram a realidade e que, aliás, tiveram já de ser corrigidos.
Mas, não assentando num plano global destinado a resolver os problemas de fundo previamente detectados e enunciados perante o País, as medidas tomadas vão, também, ser entendidas como expressão de uma enorme instabilidade. É o que vai acontecer, quando os beneficiários interessados perceberem que as novas regras aplicáveis à actualização das pensões mínimas regulamentares, definindo-as como prestações não contributivas, limitam de forma drástica os efeitos daquilo que, tão sistematicamente, vinha sendo publicitado como um dos principais resultados da segurança social. Resultado que não era mais, aliás, do que uma simples reafectação de recursos internos do próprio regime geral, sem implicar qualquer esforço do Estado e que, de qualquer modo, representava e representa a debilitação, a prazo, do sistema.
É, também, de instabilidade que se trata, quando, em Setembro, se apontava nitidamente para um sistema articulado com os seguros privados e, em Outubro, com o projecto de orçamento, acabou por se onerar fiscalmente a possibilidade de tal articulação.
Quanto à saúde, o escamoteamento da realidade é, sem dúvida, a causa principal da enorme instabilidade das políticas adoptadas pelos sucessivos ministros.
Perante um problema sério de debilidade financeira, que o Ministro Arlindo de Carvalho escondia e que o Ministro Paulo Mendo revelou, o primeiro tinha uma política que alguns «iniciados» conheceram e que era

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corripletamente diferente da que o segundo, durante alguns tempos, publicitou. Quer dizer, o ministro Arlindo de Carvalho, que também conhecia a situação de quase ruptura dos serviços públicos de saúde, pensava escapar-lhe através de um sistema de seguro alternativo, negociado individualmente pelos potenciais utentes mas fortemente regulamentado pelo Estado.
Naquele que seria o seu entendimento das coisas, tal seguro acabaria por possibilitar a livre escolha e, portanto, a proliferação de estruturas privadas de prestação de cuidados, o que, em última análise, lhe iria permitir reduzir os serviços públicos à dimensão adequada às verbas que os seus colegas das finanças anualmente lhe atribuíam, chegando mesmo para pagar os velhos atrasados.
Foi esta solução que, em enigmática declaração à imprensa, feita pouco antes da substituição do Dr. Arlindo de Carvalho, o Primeiro-Ministro considerou revolucionária. Talvez por isso, revelou-se impraticável e o ministro teve mesmo que sair.
Com efeito, não contou com a atitude das companhias de seguros que querem preservar a sua liberdade de decisão sobre os riscos a tomar e o modo de o fazer; com a inexistência, à partida, das tais estruturas privadas de prestação de cuidados, inviabilizadas pelo quase monopólio do Estado; e, igualmente, não procedeu a uma rigorosa descrição das funções que continuariam a cargo do serviço público, o que, além do mais, não facilitou, também, o aparecimento das referidas estruturas privadas.
O Ministro Paulo Mendo revelou o diagnóstico e apontou, em termos gerais, é certo, uma terapêutica completamente diferente da do seu antecessor, em clara demonstração de que para preservar a estabilidade não chega votar no mesmo candidato a Primeiro-Ministro. O que queria e, suponho, continua a querer, é conseguir novos meios de financiamento dos serviços, pondo os utentes ou, pelo menos, uma parte deles a pagar a respectiva utilização, de acordo, segundo diz, com as suas possibilidades económicas, indiciadas pelo rendimento revelado para efeitos de IRS.
Portanto e de acordo com o que ouvimos e podemos perceber, os serviços públicos poderiam manter a sua dimensão e funções, em regime de quase monopólio, na exacta medida em que passariam a contar com financiamento adequado, resultante da soma dos pagamentos pelos utentes e. das verbas provenientes do Orçamento do Estado.
Aos privados caberia apenas o papel de racionalizar a gestão de tais serviços, através de um sistema de concessão, com objecto alargado não apenas às instalações e ao equipamento mas, também, ao próprio pessoal, que manteria o estatuto do funcionalismo.
O esquema constitui, sem dúvida, uma tentativa de resposta global, mas tem o defeito básico de não vir acompanhado de um plano tributário que afaste o espectro da dupla tributação - ao pagar os impostos e a saúde - e permita detectar, com o mínimo de realismo, a capacidade financeira dos utentes, condicionadora do acesso aos benefícios.
Por outro lado, define o problema como sendo um problema de subfinanciamento crónico, sem primeiro fazer uma análise exaustiva da situação existente nos serviços, de modo a detectar, sem prejuízos corporativos, todos os desperdícios e proceder a uma afectação correcta dos recursos existentes.
Supomos que o Ministro pensa que tal não é necessário, na medida em que diz que a relação custos-benefícios, nos serviços públicos, é boa. Supomos, porém, que não tem razão e todos os dias lemos notícias que o confirmam.
Finalmente, não resolve um problema fundamental, sem dúvida, o da liberdade de escolha.
De qualquer modo, o que neste momento é preciso é que o Ministro nos diga se mantém a sua proposta política para o sector da saúde e, a manter-se tal proposta, qual o calendário para a sua definição legislativa e respectiva implementação.
Chegamos, assim, ao terceiro defeito grave, a que já aludimos ao longo desta intervenção, o do eleitoralismo nas soluções adoptadas.
Não chega, porém, criticar. O que para nós interessa, sobretudo, é provocar o esclarecimento dos problemas, pelo que já ficaríamos satisfeitos se fossem dadas respostas às questões que levantamos.
De qualquer modo, não queremos deixar, desde já, de dizer que, em nosso entender, será difícil encontrar soluções acertadas nestes domínios, à margem de princípios e regras fundamentais.
Em primeiro lugar, é preciso proceder a um inventário rigoroso da situação existente: dos problemas financeiros, dos meios humanos e materiais disponíveis, no sector público e privado, e do modo como estão afectados e empregam o seu tempo.
Em segundo lugar, é preciso definir, com rigor, aquilo que, nas condições de enquadramento existentes, deve ficar a cargo de serviços públicos de segurança social e de saúde e aquilo que deve ser libertado para instituições de solidariedade social e para a prestação privada de serviços e cuidados, por entidades colectivas e por pessoas individuais.
Em terceiro lugar, é indispensável fomentar o aparecimento de formas de prestação descentralizada de cuidados e serviços, tanto por instituições de solidariedade social como por entidades privadas, através de uma articulação entre prestação pública e privada, devidamente regulamentada e assente num sistema de círculos concêntricos desenhados de acordo com o princípio da subsidiariedade.
Depois, é necessário articular as reformulações em matéria de saúde e segurança social com a revisão do quadro fiscal da tributação do rendimento, de forma a evitar situações de dupla tributação e a consagrar os incentivos considerados necessários às mudanças projectadas.

inalmente, sem flexibilizar o quadro jurídico do contrato individual de trabalho e das relações colectivas, será sempre mais difícil fomentar o crescimento do emprego.
Supomos que este esquema é viável e poderá ser posto em prática no quadro legal fundamental existente, designadamente no quadro constitucional. Se, porém, o não for, não hesitamos em propor a revisão da Constituição neste domínio. Impõe-no a necessidade de assegurar um futuro para as políticas de protecção social em Portugal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Ferro Rodrigues, Nuno Delerue, Paulo Trindade e Vieira de Castro.
Antes, porém, para fazer a intervenção de abertura do debate, por parte do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.
O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social (Falcão e Cunha): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Governar é, para nós, definir prioridades, assumir op-

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coes e concretizar objectivos, mas é, também, o respeito por princípios e valores que, em exclusivo, se orientam para a dignificação da pessoa humana, para a solidariedade e para a justiça social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A estes princípios e valores submetemos sempre a nossa acção política, com particular relevância, naturalmente, no que toca à política social e de emprego, matriz decisiva do equilíbrio social que pode abolir desigualdades que não toleramos.
Temos a correcta noção de que hoje se colocam aos Estados, em todas as sociedades, questões complexas no plano da harmonização dos sistemas de segurança social, com as exigências económicas do seu financiamento. Questões que suscitam já, a nível internacional, um debate aprofundado, onde se perfilam conceitos diversos, entre os quais a contestação liminar do modelo do
Estado-Providência, acusado de gerar efeitos perversos insustentáveis, e a orientação de importantes aspectos da protecção social, balizados na ideia de austeridade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Há, certamente, necessidade de enfrentar com realismo estes problemas, que são, sobretudo, questões de futuro, mas o realismo, aqui, quer dizer não ser aceitável qualquer modelo de gestão e financiamento da política social que diminua as garantias adquiridas pelos cidadãos, nomeadamente os mais carenciados, na perspectiva de uma justa protecção.
Srs. Deputados, se há que encontrar uma alternativa para o Estado-Providência, ela não pode deixar de ser o Estado-solidariedade,...

Aplausos do PSD.

... o Estado que delimite, desenvolva e seja garante de uma protecção social abrangente de todas as necessidades e de todos os cidadãos.
A realização deste objectivo envolverá, certamente, a cooperação dos cidadãos, dos grupos sociais, das empresas e das instituições de solidariedade social, em suma, da sociedade civil, mas não dispensará, obviamente, a responsabilização do Estado, em primeira linha, como principal financiador do sistema e seu dinamizador, pela doutrina e pelo exemplo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Estado-solidariedade corresponde, nesta perspectiva, responsável e responsabilizante, à nossa concepção de fidelidade a um claro e indeclinável compromisso com os imperativos de uma justa política de protecção social. Fidelidade que já demonstrámos, objectivamente, no esforço financeiro realizado pelo Governo, entre 1985 e 1993, que se traduziu no facto de as despesas com pensões terem mais do que quadruplicado e as despesas com a acção ou apoio social terem mais do que quintuplicado. Este esforço permitiu garantir os direitos de cerca de 4,2 milhões de beneficiários activos do sistema e de cerca de 2,3 milhões de pensionistas.
É desejável ir ainda mais longe. Ninguém pode arrogar-se esta ambição mais do que nós, que temos a justiça e a solidariedade social como primeiro princípio da nossa filosofia e vontade. Procuramos, permanentemente, para isso, as melhores soluções, em todas as vias que possam conduzir à criação de riqueza e valorização da economia pelo trabalho, como meio de permitir que a sua distribuição conduza também à justiça social.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A internacionalização da economia, a globalização e mundialização dos mercados, a universalização do acesso às matérias-primas, levaram-nos, há muito, à convicção de que o desenvolvimento económico passa, em primeira linha, pela qualidade dos nossos recursos humanos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Isto é novo!

O Orador: - Foi, pois, neste quadro que a política de formação profissional surgiu, no Programa do Governo, assumindo um papel de importante relevo. Relevo, esse, que lhe é dado por se tratar, acima de tudo, de um factor de valorização da pessoa humana e de uma forma de permitir o crescimento para o desenvolvimento, mais do que de potenciar o crescimento no subdesenvolvimento.
Estas são as grandes linhas pelas quais o Governo se tem orientado, no que respeita à política social e de emprego, orientação que se traduziu no plano de desenvolvimento regional para o período de 1994/1999.
Destacarei desse notável documento, que as oposições, obviamente, numa atitude de "raposa da fábula", procuram desvalorizar, os seguintes aspectos: a reafirmação da prioridade à valorização dos recursos humanos e à promoção do emprego; a confirmação da necessidade de apoiar o crescimento económico para o desenvolvimento sustentado, numa perspectiva de modificação da estrutura económica e de criação de emprego qualificado.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Nas vertentes que hoje nos interessam - qualificar os recursos humanos e promover o emprego -, prevê o PDR intervenções em vários domínios que envolvem investimentos superiores a 800 milhões de contos. Convenhamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que são números a que o País não estava habituado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Convenhamos que está aberto um caminho para o futuro, que encerra oportunidades ímpares: a oportunidade do salto em frente e de vencermos os desafios do futuro. O resultado há-de ser obra, mérito e esforço de todos os portugueses, com confiança, espírito positivo e visão de futuro.
Pese embora os que tentam denegrir, ignorar ou minimizar este momento, por miopia ou cegueira partidária, os portugueses sabem que este é o caminho certo, que esta é a oportunidade decisiva, que este é o desafio que importa, decididamente, ganhar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Este é o momento da oportunidade perdida!

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O Orador: - Daí o contraste notório e a diferença clara que a ninguém escapa ou passa despercebida: enquanto alguns, no plano político ou na lógica de grupo e facção, se comprazem com lutas intestinas e desígnios menores, rejubilando com as fraquezas do passado, mesmo quando, eufemisticamente, falam ido futuro, os portugueses, esses, estão já a reganhar a confiança, a motivação e o empenho para fazer mais e melhor pela formação da geração presente e futura.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não estarão, antes, a arreganhar?!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Europa e o mundo atravessam, nos últimos tempos, a crise económica mais profunda desde o fim da 2.ª Guerra Mundial. Todos o reconhecem, embora nem todos sejam honestamente capazes de tirar desta constatação as necessárias consequências.
Apesar de a situação do mercado de emprego, em Portugal, ser claramente menos desfavorável, em comparação com a média comunitária, tal facto não retira prioridade ao combate ao desemprego.
Actualmente, o nosso país apresenta uma taxa de desemprego de cerca de 6,8 %, com alguns sinais de abrandamento no seu ritmo de crescimento, taxa, essa, que, aliás, se encontra, como é sabido, entre as mais baixas da União Europeia. Estamos, contudo, conscientes de que é necessário continuar a investir em políticas activas de emprego e na valorização dos recursos humanos, através de acções de formação profissional.
Não reconduzimos a questão do desemprego a uma mera lógica estatística e, por isso, não nos damos por satisfeitos por termos a taxa de desemprego mais baixa da União Europeia.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Mudou o ministro, mas não mudou o discurso!

O Orador: - O desemprego para nós é, acima de tudo, uma questão humana, um problema individual e uma preocupação social.

Aplausos do PSD.

Daí a nossa aposta neste domínio, mobilizando energias, conjugando esforços, apostando no diálogo e na concertação social. É que o problema não se resolve com mais discursos, mas, sim, com mais confiança e maior investimento, pois o desemprego pode servir de arma de arremesso político para alguns, mas não serve o objectivo supremo da coesão nacional e da solidariedade colectiva.
As políticas activas de emprego começaram a dar os seus frutos e serão aprofundadas.
Quanto à formação profissional desenvolvida até agora, os resultados foram, em geral, considerados pelas empresas, como positivos, nomeadamente no que se refere à melhoria da qualidade dos serviços prestados, aos aumentos de produtividade e à maior motivação e participação dos trabalhadores.
Subsistem, há que reconhecê-lo, algumas fraquezas no sistema, das quais destacarei as seguintes: a sensibilização dos empresários ainda não é, porventura, satisfatória e as pequenas e médias empresas, as maiores geradoras de emprego neste país, não estão, ainda,
suficientemente inseridas nos quadros de investimento em recursos humanos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política de emprego e de formação profissional, incluída no quadro comunitário de apoio, procurará, por isso e em resumo, apoiar simultaneamente as condições geradoras de alternativas de actividade e canalizar o indispensável fluxo de solidariedade para os que sofrem de qualquer forma de exclusão. São os objectivos que nos propusemos e de que não nos afastaremos.
Quero realçar que a nova filosofia de gestão da vertente do Fundo Social Europeu, para além do seu carácter descentralizado, configura, ela mesma, um reforço substancial da participação da sociedade civil, nomeadamente dos parceiros sociais, na implementação das acções de formação, através das figuras de planos de formação e programas-quadro.
A lógica e a coerência das linhas de estratégia, descentralização, gestão articulada e reforço da participação dos parceiros sociais irá permitir, estou certo, alcançar resultados positivos e fazer desaparecer as fraquezas do sistema, a que há pouco me referi.
Saliento, por último, que o esforço que vai ser desenvolvido num conjunto vasto de medidas que procura abarcar quer as diferentes necessidades dos indivíduos, quer as carências da actividade económica, determinadas por um processo rápido de mudança tecnológica e organizacional, se traduz num montante financeiro global que se elevará, no período de 1994/99, a cerca de 600 milhões de contos, a que corresponderá o envolvimento de cerca de l milhão de pessoas.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não creio que estas perspectivas possam sofrer contestação.
Trata-se de um programa sério e ambicioso, mas com os "pés na terra", cujo sucesso modificará o País e o preparará para, sem sobressaltos, entrar no século XXI. É um projecto que depende muito da colaboração que pudermos receber- e esperamos que isso aconteça - dos parceiros sociais, num clima de diálogo e concertação, como tem sido, e continuará a ser, a nossa postura, que, aliás, fica bem demonstrada com o recente desafio lançado pelo Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PSD.

Trata-se de um projecto essencial para o futuro de Portugal e estou certo de que, no íntimo, nenhum dos parceiros dos partidos da oposição deixará de apoiar, mas, por razões de estratégia política eleitoral, se vêm na obrigação de ignorar, denegrir ou minimizar. Esperamos, ao menos, que sejam capazes de não ignorar, não denegrir e não minimizar aquilo que é obra, mérito e esforço dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O direito à segurança social é um direito constitucionalmente garantido, como é constitucionalmente imposta uma atenção particular às diversas situações de carência e risco social daqueles grupos que, por motivos diversos, sejam merecedores de protecção especial, na prossecução do objectivo fundamental de promover e assegu-

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rar a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, a sua realização pessoal e a sua integração na sociedade.
O Governo confere igual relevância às duas vertentes da segurança social constitucionalmente consagradas e vertidas na sua lei de bases: a vertente da protecção social e a vertente da acção social.
No que se refere à protecção social, é necessário que o sistema assegure fundamentalmente três tipos de prestações: as prestações devidas aos trabalhadores no final da sua carreira profissional, as que se destinam a compensar ou a equilibrar as situações de risco e as referentes à compensação de encargos familiares.
No entanto, é também necessário não esquecer que, para além do aspecto económico e quantificável das prestações sociais, a segurança social assume ainda um papel de auxílio, que se quer activo e personalizado, relativamente àqueles grupos mais carenciados em razão da idade ou da saúde ou, pura e simplesmente, da debilidade da sua situação económica, correndo, em consequência, o risco da marginalização e exclusão social.

Aplausos do PSD.

É no domínio da prossecução da acção social, segundo a vertente da segurança social em sentido amplo, mais do que em atribuir prestações, que o Governo está empenhado em criar respostas directas e, sobretudo, em promover, estimular e apoiar iniciativas de instituições privadas com objectivos de solidariedade social.
Nesta matéria, para além do trabalho realizado directamente pelos serviços e instituições públicas com vocação na área social, interessa o desenvolvimento da cooperação com as instituições representativas da sociedade civil organizada. Por isso, são consideradas prioritárias todas as medidas que contribuam para estimular a sociedade civil a colaborar na resposta às diversas situações de carência social.
A descrição das áreas da segurança social demonstra, só por si, a imensidão da tarefa que se nos depara, mas permite também, de uma forma clara, distinguir a área das prestações ou da segurança social strictu sensu da área da acção social.
Não tenho dúvidas em afirmar que a acção social é um problema global, e não apenas do Governo ou do Ministério do Emprego e da Segurança Social, de todos os portugueses e no qual todos têm de estar envolvidos e empenhados.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - O aperfeiçoamento do sistema de resposta às necessidades sociais nesta área confere à palavra solidariedade um relevo muito particular: solidariedade interdepartamental, solidariedade dos beneficiários e dos contribuintes, solidariedade das instituições públicas e privadas, solidariedade do Estado e da sociedade civil, em geral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Um ilustre sociólogo dizia, recentemente: "Na sociedade actual há um potencial oculto de solidariedade que necessita de uma força que o estimule e actualize". Uma solidariedade concreta e humanizada e não uma solidariedade burocrática e administrativa, acrescentaria eu.
Por isso, desenvolvemos e ampliámos os acordos com as instituições particulares de solidariedade social, que abrangem, hoje, mais de 2000 instituições e beneficiam cerca de 300000 cidadãos portugueses. E neste apoio o Governo dispenderá, em 1994, mais de 100 milhões de contos.
Em causa está, por um lado, o assegurar que o sistema responda, de forma satisfatória, ao esforço-contributivo dos trabalhadores e empregadores, concedendo prestações sociais nas diversas situações de risco que afectam os cidadãos e assegurando, de modo satisfatório, o retorno do esforço contributivo do trabalhador no final da sua carreira.
Mas em causa está também a melhoria das respostas do sistema e da própria sociedade civil às situações de carência que, de modo especial, afectam certas pessoas ou certos grupos sociais.
É neste todo que o Governo e o Ministério do Emprego e da Segurança Social, de forma particular, estão empenhados.
As soluções sérias, como as que apresentamos, só são viáveis, por um lado, num clima de estabilidade política que crie condições para o desenvolvimento económico sustentado e, por outro, quando sejam interpretadas num verdadeiro clima de dedicação, diria mesmo, de altruísmo.
Neste sentido e apesar das dificuldades de gestão que a mera descrição do sistema de segurança social desde logo evidencia, tem sido possível fazê-lo evoluir, adaptando-o a novas realidades económicas e demográficas, a novas realidades do mercado de trabalho, a novas experiências e a novas restrições.
Fala-se muito na crise do sistema de segurança social, mas a crise está sobretudo no tempo que perdemos para chegar à mudança.

Aplausos do PSD.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Nisso estamos de acordo!

O Orador: - Fizemos, como disse, evoluir o sistema no passado recente. Continuaremos nesse caminho, aperfeiçoando o seu financiamento, as suas concepções e as suas práticas e considerando, até, a intervenção de novos parceiros.
Com efeitos substanciais imediatos, referirei hoje a fixação de um tecto para as contribuições e pensões. Trata-se de uma medida generalizadamente adoptada em toda a Europa e que o Governo entende dever também introduzir, em Portugal, para reforçar a saúde e a força do sistema de segurança social e também para fazer decrescer o peso global dos custos indirectos do factor trabalho.
Com efeito, não obstante implicar, a curto prazo, uma perda de receita para a segurança social, o que confirma a saúde do sistema, esta medida permitirá, a longo prazo, estimular que a componente redistributiva deste seja complementada com uma componente de capitalização, da iniciativa dos próprios beneficiários. É o primeiro passo para a criação de um novo pilar de segurança social, para o qual o sector privado estará especialmente vocacionado.
Mas, se esta medida provoca, de imediato, algum sacrifício financeiro para o sistema, a verdade é que a sua aplicação acarreta vantagens directas tanto para os

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empregadores como para os trabalhadores, com reflexos positivos no mercado de trabalho.
Por um lado, os trabalhadores poderão desviar o excedente das suas contribuições não pagas, ao abrigo do novo sistema, para planos pessoais de reforma, preparando o seu futuro, por forma a complementar a pensão atribuída pelo próprio sistema.
Por outro lado, os empregadores verão os seus encargos também diminuídos, podendo canalizar os excedentes para a sua actividade empresarial, com vantagens para toda a economia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sistema de segurança social pode também ter um papel importante na política de emprego e, como tal, deve ser usado quando necessário. Como exemplo, refiro o incentivo à contratação de jovens e de desempregados de longa duração, o qual resultará de um aperfeiçoamento do regime legal actualmente em vigor para os jovens à procura do primeiro emprego, que permite a isenção temporária de contribuições das empresas para a segurança social, e da sua extensão aos desempregados de longa duração.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se demonstrou, o Governo tem uma estratégia para a política social e de emprego que, sem esquecer as soluções de conjuntura que as circunstâncias hoje exigem, garante no futuro alicerces seguros de desenvolvimento e aperfeiçoamento dos padrões de justiça social, que são a nossa preocupação dominante.

Vozes do PS: - Nota-se!

O Orador: - Construímos um projecto global, capaz de realizar a necessária interacção eficaz entre o económico e o social, porque só uma economia próspera e dinâmica pode permitir uma justa distribuição de riqueza e a realização dos grandes objectivos de solidariedade, e que pretendemos envolva e mobilize toda a sociedade portuguesa. Construímos um verdadeiro projecto de futuro, ambicioso mas viável, inovador mas seguro. O País vencerá, com ele, o seu grande desafio de modernidade.
A proposta de um contrato social até ao fim do século, que o Primeiro-Ministro, Professor Cavaco Silva, dirigiu, há dias, aos portugueses, consubstancia, com realismo e perfeita visão dos grandes interesses nacionais, a essência desse projecto, que não pode dispensar o contributo e o empenhamento de todas as forças sociais.

Aplausos do PSD. Risos do PS.

O futuro não nos perdoará hesitações, instabilidade, adiamentos ou querelas estéreis, porque o que está em jogo é demasiado para que possamos dar-nos ao luxo de privilegiar o acessório, menosprezando o essencial.
Portanto, cada um terá de assumir, em relação a este desafio, as suas responsabilidades. As nossas estão assumidas e vamos cumpri-las, com o sentido claro de que cumprimos as melhores expectativas de Portugal e dos portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, os Srs. Deputados António Lobo Xavier, Manuel dos Santos, Paulo Trindade, Alberto Cardoso e Manuel Sérgio.
Antes de dar a palavra ao primeiro inscrito para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, peço ao Sr. Secretário para fazer referência aos grupos de alunos que estão hoje de visita à Assembleia da República.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão grupos de alunos, acompanhados dos respectivos professores, da Escola Secundária de Alijó, do Externato Formigueiro, de Lisboa, da Escola C+S D. Carlos I, de Sintra, da Direcção Regional de Agricultura do Algarve, da Escola Secundária Tomaz Pelayo, de Santo Tirso, da Escola Preparatória de Porto de Mós e da Escola Beira Aguieira, de Mortágua.
Encontra-se também a assistir a esta sessão um grupo de pessoas da Junta de Freguesia de Fajozes, de Vila do Conde.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ao número de inscritos para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro do Emprego e Segurança Social foi acrescido o Sr. Deputado João Proença.
Vamos começar pelos pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Para formular o primeiro, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Nogueira de Brito: Em primeiro lugar quero reconhecer a oportunidade da interpelação do CDS-PP, centrada na política social e de emprego.
Na verdade, é extremamente importante podermos ter uma discussão parlamentar séria sobre uma situação social que é grave. Relembro que, neste momento, em Portugal, há 400 000 pessoas que se declaram desempregadas, que há uma efectiva mediocridade da situação económica e das suas perspectivas, que os estudos oficiais de Portugal e da União Europeia confirmam que, nos próximos dois anos, não vamos dar nem um passo em frente em matéria de convergência real, que neste ano, tal como aconteceu no ano anterior, a recessão em Portugal é mais grave do que na União Europeia e que, se considerarmos toda esta sessão legislativa, de 1992 a 1995 - e, repito, com os dados oficiais que, a posteriori, sempre se tem verificado serem optimistas -, em Portugal haverá divergência, quer dizer, o crescimento económico vai ser inferior ao da União Europeia. Isto é grave, a partir do momento em que estamos a ser apoiados com centenas e centenas de milhões de contos por ano.
Por outro lado, em 1993 e em 1994, a queda do rendimento real das famílias é também um dado objectivo e confirmado pelo Banco de Portugal, a política salarial que está a ser seguida é injusta e injustificada e há uma crescente marginalização social. Verifica-se, por estudos que foram feitos, que mais de 150000 famílias, abrangendo meio milhão de indivíduos, têm rendimentos por pessoa inferiores à pensão social mínima e, portanto, o chamado rendimento mínimo garantido, que vamos aqui discutir na próxima semana, configura-se, cada vez mais, como uma verdadeira necessidade nacional.

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A injustiça social é agudizada por um sistema fiscal injusto, e isso é cada vez mais claro. Os trabalhadores por conta de outrem, como toda a gente reconhece, pagam uma maior percentagem dos impostos do que o peso que têm os seus salários no rendimento nacional.
Portanto, reconhecemos a oportunidade da interpelação do CDS-PP e reconhecemos ainda que este partido está a aproveitar bem as contradições do PSD, que tem posturas mais neo-liberais e mais sociais-democratas e, sobretudo, aquela diferença sistemática entre o predomínio da táctica e do eleitoralismo sobre a estratégia e os princípios. O PSD tem mostrado a sua incapacidade em termos de discurso coerente sobre o futuro dos sistemas de saúde e do Serviço Nacional de Saúde e também sobre o futuro e a importância da segurança social pública.
Dito isto, consideramos que as posições fundamentais sobre o futuro dos direitos sociais e do chamado Estado providência são hoje, neste debate, fundamentalmente protagonizadas pelo CDS-PP e pela nossa bancada, a do Partido Socialista.
O CDS-PP, como se verificou pela intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito, tem a ideia de que a competitividade empresarial, numa visão que nós consideramos estreita e redutora, é um fim que justifica todos os meios. E quais são esses meios? Eles são o desmantelamento dos direitos sociais e dos trabalhadores por conta de outrem, o enfraquecimento dos sindicatos, ainda uma menor proporção da carga fiscal sobre os rendimentos do capital do que aquela que já hoje acontece e a destruição dos mecanismos incipientes do Serviço Nacional de Saúde e da segurança social pública, que configuram em Portugal um modelo social europeu, embora ainda muito embrionário.
Portanto, para nós, o CDS-PP explícita, cada vez mais, uma doutrina em que o economicismo e a ortodoxia nas finanças públicas tem como consequência o seguinte: o CDS-PP nunca esquece os limites económicos e financeiros para as políticas sociais, mas esquece facilmente os limites sociais para as políticas económicas e financeiras.
Nós, no Partido Socialista, temos a ideia de que, neste momento, o que se faz necessário é mudar a política económica, virando-a para o investimento, para o crescimento do emprego, para o apoio a quem produz. Há também que alterar a reforma fiscal, introduzindo-lhe mais justiça fiscal e, nesse quadro, reformar então os financiamentos do Serviço Nacional de Saúde, da Segurança Social Pública, mas de forma a melhorar esses serviços e esses sistemas nacionais e sociais e não a liquidá-los.
Aliás, a propósito desta questão da segurança social, muita demagogia tem sido feita, porque se há crise de financiamento ela é devida ao Orçamento do Estado...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... que deve cerca de 800 milhões de contos ao orçamento da segurança social, uma dívida acumulada ao longo dos últimos anos. Se essa verba fosse capitalizada permitiria, a curto prazo, resolver uma boa parte dos problemas da segurança social.

O Sr. Rui Carp (PSD): - E quem é que pagava mais isso à segurança social?

O Orador: - Isso é um defeito da governação.
Para terminar, quero dizer-vos que não nos conformamos com a insuficiência das políticas sociais. O PS e o CDS-PP têm posições antagónicas sobre a questão social, o PSD não tem qualquer posição. Defende posições contraditórias consoante os momentos do calendário eleitoral e a situação que o partido tem nas sondagens, e essa é a pior de todas as situações.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostava de responder já, mas, como o tempo é escasso, respondo no fim de cada dois pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Nogueira de Brito: V. Ex.ª faz isto bem feito, porque o faz sempre com uma perspectiva positiva em relação ao futuro. O seu discurso tem essa qualidade, contrariamente ao discurso do PS, de resto bem ilustrado na intervenção que agora fez o Sr. Deputado Ferro Rodrigues, que não é capaz de intervir sobre estes sistemas sem dar uma perspectiva miserabilista da situação e do futuro. É uma vantagem que eu, manifestamente, lhe reconheço, como reconheço, Sr. Deputado, que V. Ex.ª tratou aqui de um tema que vem sendo profusamente discutido e que está na ordem do dia.
Na verdade, o Estado providência, tal qual o conhecemos, está manifestamente em crise. E está-o, Sr. Deputado Nogueira de Brito, para ser substituído por aquilo que nós, no PSD - de resto bem demonstrado na intervenção do Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social -, entendemos que deve ser a sociedade de
bem-estar a contrapor-se ao estado de bem-estar.
Mas V. Ex.ª, Sr. Deputado, fez aqui uma intervenção interessante e não fugiu à responsabilidade- que, de resto, lhe reconheço- de chegar ao fim e tentar apresentar algumas soluções concretas, algumas pistas de discussão, que, na opinião de V. Ex.ª, devem guiar-nos nos caminhos do futuro, onde andamos todos a apalpar e a aprender. E vamos a elas, Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Primeira grande medida que V. Ex.ª preconiza: a necessidade de proceder-se a um inventário rigoroso da situação existente.
Estou de acordo, Sr. Deputado Nogueira de Brito. Portanto, em relação à primeira medida estamos de acordo.
Segunda medida proposta: definir, com rigor, aquilo que, nas condições existentes, deve ficar a cargo dos serviços públicos de segurança social e de saúde e aquilo que deve ser libertado para as instituições de solidariedade social.
Estamos de acordo, Sr. Deputado Nogueira de Brito. Como objectivo, traz medidas de política concreta e estamos de acordo.
Terceira sugestão que V. Ex.ª colocou: fomentar o aparecimento de novas formas de prestação descentralizada de cuidados e serviços, tanto por instituições de solidariedade social como por entidades privadas.

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Estamos de acordo, Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Quarta grande medida sugerida: necessidade de articulação das reformulações em matéria de saúde e de segurança social, com a revisão do quadro fiscal e da tributação dos rendimentos.
Estamos de acordo, Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Então isto tudo é um mal-entendido!...

O Orador: - Ou seja, estamos de acordo em relação à necessidade de fazer este debate, como estamos de acordo em relação à pertinência da sua realização e em relação a grande parte do diagnóstico que V. Ex.ª aqui fez, publicamente, da tribuna.
Mas, Sr. Deputado Nogueira de Brito, faltam as medidas concretas, falta o estilo, falta o gradualismo, falta a prudência e se calhar, aí, Sr. Deputado Nogueira de Brito, é que poderemos estar em desacordo. Se calhar, Sr. Deputado, a ausência de responsabilidade concreta, que V. Ex.ª necessariamente não tem porque é um Deputado da oposição, quando comparada com a responsabilidade de quem é poder e sabe que não está só a fazer discursos mas a mexer também em direitos adquiridos e com a qualidade de vida concreta das pessoas. Se calhar é aí, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que está a grande divergência entre o PSD e o CDS-PP.
Como V. Ex.ª disso não falou, fico à espera que o faça para saber se o fosso é tão grande quanto eu suponho ou tão pequeno quanto V. Ex.ª desejaria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder aos dois Deputados que lhe pediram esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, reafirmo a minha intenção de responder isoladamente, mas o tempo de que disponho é escasso.
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, agradeço as referências que fez. Quanto à bipolarização que estabeleceu, apesar do que disse o Sr. Deputado Nuno Delerue, isso talvez seja verdade e vou tentar demonstrá-lo.
V. Ex.ª, porém, faz um jogo de faz de conta, porque bipolarizou em relação ao CDS-PP. Disse que todas as medidas que o Partido Socialista pretende tomar para fazer face à crise não põem em causa os direitos sociais, mas depois acabou por concordar que, num quadro determinado de revisão do sistema fiscal, aceitava pôr em causa os direitos sociais.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não foi isso que eu disse!

O Orador: - A questão é esta: o Sr. Deputado Ferro Rodrigues...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não me ponha na boca coisas que não disse!

O Orador: - Desculpe, mas disse! O Sr. Deputado Ferro Rodrigues disse isso.

Quando passamos os olhos por aquilo que acontece na Europa vemos que, onde houve e há governos socialistas, eles tiveram, porventura e por via da regra, mais
coragem em abordar este problema e em tomar as medidas que deviam ser tomadas do que os governos não socialistas. Temos o exemplo da Espanha e as medidas recentes que aí foram tomadas. A verdade é que não há duas soluções para este problema!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Estamos no Parlamento português e não no espanhol!

O Orador: - Se V. Ex.ª fizer um inventário rigoroso dos problemas - que o Governo persiste em não fazer, à excepção, que continuo a manter, do Sr. Ministro Paulo Mendo -, verificará que ninguém pode escapar às soluções que se traduzam não em recriar mas em reequilibrar direitos, em definir direitos de um modo e num quadro diferente.
Esta medida que o Sr. Ministro hoje anunciou, no decorrer da nossa interpelação ao Governo - e congratulamo-nos por o ter feito -, é uma medida pontual, disfarçada,...

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - É o gradualismo! O Orador: - Já irei falar do gradualismo! O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É errada!

O Orador: - Não é errada, é certa, Sr. Deputado. É uma medida certa e que está na linha do que foi a nossa interpelação.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - No actual contexto fiscal, é errada!

O Orador: - O Sr. Deputado não consegue disfarçar nem iludir as previsões que são feitas sobre a evolução dos défices na segurança social se não tomar medidas que permitam caminhar para uma desresponsabilização do sistema, em relação a certos benefícios ou a certos beneficiários, e que levem a uma distribuição da responsabilidade da solidariedade de outras formas que não a do sistema público.
Tal não é possível, Sr. Deputado, isso está demonstrado, e conduz apenas a um esgotamento completo do sistema de segurança. É esse o problema. O mesmo acontece no âmbito da saúde. O Sr. Deputado Ferro Rodrigues tem de encontrar sistemas que permitam aliviar uma estrutura pesada, centralizada, monopolista,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... porque, de contrário, não resolve o problema do seu financiamento.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Afinal, isto não é uma interpelação, é uma contribuição!

O Orador: - Sr. Deputado, digo-lhe apenas isto: se forem para o Governo, estou convencido...

Vozes do PSD: - Não vão! Não vão! Esteja descansado!

O Orador: - ... de que tomarão essas medidas. O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Olhe que não!

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O Orador: - Sr. Deputado Nuno Delerue, sei que concorda inteiramente com o meu discurso e sei que, ao concordar com as conclusões, faria corajosamente o inventário e denunciaria a situação. Mas isso não fez o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, que anunciou aqui uma medida importante, mas não a enquadrou num inventário da situação.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não disse aqui: a situação do sistema português de segurança social é grave e vai ser gravíssima no futuro, se não tomarmos medidas. Não! VV. Ex.ªs tomam medidas, disfarçam-nas e procuram dar-lhes um sentido contrário ao que elas têm. Foi o que aconteceu com as medidas tomadas em Setembro do ano passado. Está aqui um dos seus autores, o Sr. Deputado Vieira de Castro, e sabe que é assim. A medida foi disfarçada, foi iludida, tentou-se dizer o contrário do que ela significava e agora, com a "plafonização", o Sr. Ministro tenta também disfarçar. É uma medida importante, é um passo importante para a criação dos círculos concêntricos, para a teoria dos pilares da segurança social, em suma, para que VV. Ex.ªs possam seguir os conselhos do CDS-PP e de um dos seus elementos, que foi membro do vosso Governo e que anteontem esteve nesta Casa a dar-vos algumas sugestões: o antigo Deputado Bagão Félix.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Mas o CDS-PP, nisto, funciona como um gabinete de estudos!

O Orador: - É importante que os Srs. Deputados caminhem nesse sentido, porque, caso contrário, Sr. Ministro, o peso da segurança social sobre o Orçamento do Estado - e disso se esqueceu de falar o Sr. Deputado Ferro Rodrigues - será, a certa altura, perfeitamente insuportável. As situações de ruptura, como aconteceu no ano passado, não cessarão de se repetir. Mas se a linha for essa, estamos de acordo. Gostaríamos, isso sim, de ver essas medidas tomadas num enquadramento político assumido, porque, se não for assim, Sr. Ministro, pode ter a certeza, que essas medidas serão insuportáveis para os seus destinatários quando tomarem consciência do que elas significam.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Ex.ª ia quase criando alguma expectativa quando, no início da sua intervenção, referiu a jornada de luta que os trabalhadores portugueses estão hoje a levar a cabo por melhores salários, por emprego e por mais protecção social. De toda a forma, ao longo do debate, tem transparecido que se confirma o que já várias vezes o Grupo Parlamentar do PCP tem dito: não são essas as preocupações do CDS-PP.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito falou na situação grave, de facto, da segurança social e do respectivo financiamento. E quase decretou a certidão de óbito do Estado providência, o qual, é preciso dizer, nunca existiu em Portugal. Em Portugal, segundo dados no próprio Ministério do Emprego e da Segurança Social,
13,4 % do produto interno bruto são destinados à protecção social. Ora, a média comunitária é de 25,6 %. Considera o Sr. Deputado que conseguimos atingir um patamar de protecção social suficiente para os trabalhadores portugueses? Quanto a nós, é óbvio que não!
Depois, V. Ex.ª lançou aqui um repto ao Governo, para clarificar a sua posição quanto a complementos de reforma, os chamados PPR. Gostava que o Sr. Deputado comentasse, porque isto irá ser lançado pelas seguradoras, a posição do patronato dos seguros, que diz aos seus trabalhadores: "ou abdicam dos complementos de reforma e têm 3 % de aumento ou, então, mantendo-se os complementos de reforma, não há aumento". Isto é, aqueles que vão pôr no mercado, no jogo da livre oferta e procura, os complementos de reforma, são os primeiros a, de certa forma, para os seus próprios trabalhadores, denunciarem a inviabilidade de todo esse sistema.
Do seu discurso, Sr. Deputado Nogueira de Brito, retive duas questões centrais: uma, foi a acusação ao Governo - se me enganei, peço que me corrija - de que há atraso nas privatizações; outra, foi a de que ainda há insuficiente flexibilização do mercado de trabalho em Portugal. Sr. Deputado, é isto ou não a confissão de que o CDS-PP está, de facto, de alma e coração com o acordo da União Europeia, com os princípios fundamentais de Maastricht? Era a isto que gostava que o Sr. Deputado me respondesse.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, vou pronunciar-me sobre aquilo a que chamou de escamoteamento dos problemas do sistema de segurança social.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Não é verdade, e o Sr. Deputado Nogueira de Brito sabe-o bem, caso queira ter a paciência de recolher artigos e entrevistas sobre o sistema de segurança social, nos órgãos de comunicação social, nos últimos quatro ou cinco anos.
Venho a saber que o Sr. Deputado, por uma alusão que fez ao Dr. Bagão Félix, soube que, por iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata,...

Vozes do CDS-PP: - Em vésperas de interpelação!

O Orador: - ... na Sala do Senado, esteve a debater-se o Estado providência e entre os oradores estavam o Prof. Dr. Diogo Lucena, o Dr. Bagão Félix, o Padre Victor Melícias e o Dr. Medina Carreira, tendo este distribuído uma colectânea de indicadores sobre o sistema de segurança social que revelam, com toda a transparência, os problemas que o sistema de segurança social português terá. Sr. Deputado Nogueira de Brito, nunca o Governo escondeu os problemas do sistema de segurança social, mas depois falarei a esse respeito.
Mais, o Sr. Deputado João Proença tem em seu poder indicadores que mostram, ao ínfimo detalhe, a situação do sistema de segurança social português. Sabe porquê, Sr. Deputado Nogueira de Brito? Porque o

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Governo se prontificou a debater, durante longas horas, com os parceiros sociais, designadamente com a CIP, a CCP e a UGT, o sistema de segurança social. Já agora, direi porquê apenas com estes parceiros sociais e não com a CAP e a CGTP. Por uma razão muito simples: porque aqueles parceiros sociais a que aludi acordaram entre si que só teriam direito a discutir as questões incluídas no acordo económico e social, subscrito em 19 de Outubro de 1990, os mesmos parceiros sociais que tinham assinado o acordo com o Governo.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Negócios à porta fechada!

O Orador: - Sr. Deputado Paulo Trindade, nem respondo a isso. Faça favor, pergunte à UGT.

Devo confessar-lhe, Sr. Deputado Nogueira de Brito, com toda a sinceridade, que foi com alguma mágoa que ouvi, da sua boca, a alusão ao eleitoralismo. Nunca estranho quando essa alusão vem do PS ou do PCP. Mas, vinda de si, estranhei, porque lhe garanto que o Governo melhora a protecção social quando tem meios para isso. E os governos do Professor Cavaco Silva - tem de fazer-se-lhe essa justiça- herdaram uma pesada herança, porque o Partido Socialista, quando teve responsabilidades de Governo, ofereceu aos pensionistas aumentos de pensões à taxa zero e fez o mesmo aos beneficiários das prestações sociais. Em 1985, a pensão mínima do regime geral de segurança social era de 5 550$! Todos nós sabemos a razão disto: é que, entre 1974 e 1985, a economia portuguesa não criou riqueza nenhuma.
Relativamente ao sistema de segurança social, devo dizer que sabemos porque é que tem problemas. Eles resultam da consecução do objectivo da universalização que está constitucionalmente previsto, mas que, de resto, já vem do tempo do Prof. Marcello Caetano: ...

O Sr. Artur Penedos (PS): - Aí não havia segurança social!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Nesse tempo estava tudo seguro!...

O Orador: - ... é o aumento das prestações sociais, que não pode deixar de ser feito, porque- convenhamos - todos estaremos de acordo em que, hoje, ainda temos um nível de protecção social modesto.
Ora, temos de ter em conta, entre outros indicadores, que, por exemplo, 1,6 milhões de portugueses vivem mensalmente com a pensão mínima do regime geral que, actualmente, é de 26 200$, pelo que não podemos dizer que já temos um nível justo de protecção social. Temos é de dizer que têm sido alcançados progressos inequívocos nos últimos anos e isto ninguém pode desmentir. Pode o Partido Socialista negá-lo repetidamente e infinitas vezes, mesmo com o coro do PCP, mas a verdade é que houve uma preocupação de colocar a política social como primeira prioridade. Felizmente, a confiança conseguiu que a economia tenha gerado os meios necessários a essa melhoria.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A evolução demográfica é outra das adversidades, mas essa não é imputável a ninguém em concreto, embora decerto imputável a todos nós.
O Governo, Sr. Deputado Nogueira de Brito - e ao contrário do que afirmou -, não está a assistir passivamente às mudanças, está a agir, só que com gradualismo. O PSD e o seu Governo não trabalham bem com sobressaltos; não precisamos de ser sobressaltados para trabalharmos. Pelo contrário, trabalhamos bem é em tranquilidade e com a cabeça fria. Os sobressaltos são para outros, o que, em termos de resultados práticos, de nada servem para a melhoria das condições de vida dos portugueses. Porventura degradam-nas em vez de as melhorar.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, congratulo-me muito com a sua intervenção porque já não tenho dúvidas em afirmar que, como sempre se prova nestas interpelações, quem está certo é o PSD e o Governo e vou dizer-lhe porquê. É porque o Sr. Deputado Nogueira de Brito diz que o Governo está a dar protecção social a mais, enquanto o PS e o PCP dizem que estamos a dar protecção social a menos. No meio está a virtude: nós estamos certos.

Aplausos do PSD.

Vozes do PCP: - Mas que virtuosos!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Trindade, mantenho a minha congratulação com a coincidência das datas. É que o Sr. Deputado fez uma confusão enorme. A nossa preocupação número um é o emprego, mas não o é para os senhores; para os senhores é a preservação das condições de trabalho. É uma mentalidade conservadora e retrógrada a do Partido Comunista! Nós estamos preocupados com o emprego e por isso aceitamos, em nome do emprego, sacrificar algumas condições de trabalho. É porque não há outra solução para fomentar o emprego, a não ser, Sr. Deputado, criar emprego ficticiamente, transformar empresas em grandes centros de segurança social, onde o emprego é artifical. Isso acontecia nos países de economia de direcção central; felizmente, já não acontece e estamos a ver que consequências terríveis teve esse sistema!

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não queremos importar esse sistema, queremos uma economia eficaz, que actue racionalmente e que, por essa via, produza emprego.
Estou de acordo consigo: nós não atingimos os níveis do Estado providência. Mas que havemos de fazer, Sr. Deputado, se também não atingimos os níveis de desenvolvimento dos nossos parceiros!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Até agora, temos estado a atrasar-nos, portanto, corremos o risco de distribuir sem produzir e, então, nunca mais lá chegamos, Sr. Deputado! É isso que queremos evitar.
Sr. Deputado Paulo Trindade, a nossa preocupação número um é o emprego. Pode ter a certeza! A nossa não é uma perspectiva conservadora, mas "sol na eira e chuva no nabal", isso não consegue o Sr. Deputado Paulo Trindade!

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Sr. Deputado Vieira de Castro, V. Ex.ª fez uma coisa fantástica! Não sabia, mas congratulo-me com o facto de ter passado a saber que o Prof. Diogo Lucena, o Dr. Medina Carreira, o Dr. Bagão Félix e o Padre Melícias já estão no Governo... Repito que não sabia, mas que fiquei a saber! E congratulo-me, porque V. Ex.ª diz que eles é que vieram aqui enunciar a situação...

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Vieram debater livremente!

O Orador: - Aliás, V. Ex.ª diz que o Governo não esconde a situação: o PSD convocou uma conferência para a qual convidou os Srs. Fulano, Sicrano e Beltrano e eles disseram o que se passava! Ora, ouvi hoje o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social anunciar uma medida positivíssima, mas quanto a dizer como estava a situação da segurança social, qual era o seu futuro, nada disse!
Quanto ao mais, acho curioso que o Sr. Deputado Vieira de Castro me tenha atacado por eu ter acusado o Governo de eleitoralismo. É curioso que seja o senhor a fazer isso! É que a sorte e o destino bateram-lhe à porta e encarregaram-no precisamente a si, em parte, de combater o eleitoralismo. Agora, estão a encarregar o actual Ministro do Emprego e da Segurança Social e o Secretário de Estado da Segurança Social que, no entanto, noutro dia, disse aqui: "Ruptura? Nem pensar nisso! Está tudo resolvido!". Mas hoje já vêm com a "plafonização". Mais uma medida, agora - elas são sucessivas.
Sr. Deputado Vieira de Castro, sobre aquela medida de que falei e que foi tomada em 25 de Setembro de 1993 - não foi, com certeza, para comemorar o Estatuto Nacional do Trabalho-, diga-me uma coisa: porque é que os senhores introduziram a limitação às pensões mínimas actualizáveis do regime geral?

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Foi para fazer justiça, Sr. Deputado!

O Orador: - O que era a actualização das pensões se não eleitoralismo puro, Sr. Deputado Vieira de Castro? O que era a medida que instituiu o pagamento dos 13.º e 14.º mês aos pensionistas, que, pelo menos em parte, o senhor teve de desfazer no ano passado? O que era isso, Sr. Deputado? O que era dividir por 12 e pagar 14?

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - O que era isso, Sr. Deputado? Diga-me o que era!

O que era actualizar sem ter meios, Sr. Deputado? E, agora, já não se fazem mais actualizações porque, agora, há um plafond para actualizar. Porquê, Sr. Deputado?

O Sr. José Puig (PSD): - Para nivelar o esforço contributivo de cada um!

O Orador: - Exactamente! É a isso que chamo ilusionismo! Foi para fazer mais justiça?! Olhe, os indivíduos que não tinham plafond nas pensões actualizadas é que vão dizer-lhe se foi para fazer mais justiça! Só que, realmente, muitas vezes, eles não precisavam disso e, em resultado, os senhores tiveram de vir desfazer o eleitoralismo - e foi o Sr. Deputado que teve de o fazer! É engraçado e curioso que seja o senhor a acusar-me de eleitoralismo...

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Então, já não há eleitoralismo!

O Orador: - Agora não pode haver mais, porque, realmente, se chegou perto da ruptura, e há metas a cumprir, Sr. Deputado, em matéria de défice e de dívida pública.
Só quero salientar que é curioso que seja o Sr. Deputado, que combateu em parte os resultados funestos do eleitoralismo, a vir aqui fazer-me essa acusação.

O Sr. Presidente: - Passamos aos pedidos de esclarecimentos que vão ser feitos ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, queria dirigir-lhe uma questão, sublinhando alguns aspectos que o meu colega de bancada foi referindo ao longo da sua intervenção e da resposta a pedidos de esclarecimentos.
O Sr. Ministro foi recentemente "maltratado" pela imprensa, quando dizia que o Sr. Ministro estava ainda um pouco atrasado em matéria da tarefa que tinha a seu cargo. Havia mesmo um título da comunicação social que referia o Sr. Ministro como "desaparecido em combate". Ora, lamento, mas "desaparecido em combate" é que o Sr. Ministro não está. É que o Sr. Ministro não passou - desculpe que lhe diga - da parte da intendência, e isso esteve presente no seu discurso.
O nosso modelo de interpelação - talvez um dia possa ser revisto - é um modelo em que o interpelado não conhece as questões que lhe colocará o interpelante. Mas o Sr. Ministro certamente tem conhecimento daquilo que pensa o CDS-PP e do que seria provável que o CDS-PP fosse questioná-lo em matéria de emprego.
Ora, até ao ponto em que anunciou a medida com a qual nós concordamos, o Sr. Ministro apenas referiu - desculpe que lhe diga - generalidades, evocação de princípios piedosos e lembranças de uma doutrina vaga que não sei bem a que se refere.
Sr. Ministro, o problema é que a questão do emprego e da segurança social tem sido discutida nos Parlamentos da União Europeia com uma frontalidade, uma agressividade e um cuidado que a questão obviamente merece. A questão não pode ser discutida, escondendo de facto o diagnóstico e optando por um discurso sem confronto. Nesta matéria, Sr. Ministro, tem de haver algum confronto. Ora, sem criar as condições políticas para que se perceba o que quer o Governo e sem se criar as condições de debate político sério para se perceber que caminhos de, futuro existem para estes problemas, não será possível resolvê-los mais tarde.
Sr. Ministro, o que está em causa é que temos um sistema, a partir da Constituição, que diz que há saúde para todos e não há! Temos uma Constituição que diz que há emprego e protecção social para todos e não há! E há fortes riscos de que cada vez menos possa haver!
Assim, o que é preciso é dizer-se frontalmente o que se salva desses direitos que estão garantidos com tanta generosidade e tanta ingenuidade. E não pode tratar-se disto sem as pessoas dizerem claramente, o que pensam,

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portanto, sem fazerem o diagnóstico e dizerem aonde alinham. E as fronteiras estão muito claras: não há virtude no meio, ao contrário do que dizia o Sr. Deputado Vieira de Castro.
Uma das coisas em que o Sr. Ministro poderia ser claro - e digo-lho francamente - é acerca do resultado das 40 medidas do Governo. Há tempos, o Governo disse que a panaceia para resolver os problemas todos residia em 40 medidas que anunciou e que, basicamente, cabem em muito pouco papel dos jornais oficiais.
Sr. Ministro, para saber como enfrentam o desemprego nos seus países - e são quase todos -, os seus colegas da União Europeia são avaliados todos os dias, e V. Ex.ª não nos dá sequer um número sobre essas 40 medidas! O que é que se conseguiu com elas?
Apenas o quero questionar sobre duas das medidas anunciadas pelo Governo. Em relação à medida n.º 9 - incentivos ao emprego de desempregados de longa duração -, o Governo tem conhecimento de quantos, em resultado desta iniciativa, obtiveram sucesso e ingresso numa empresa? E que resultados teve a medida n.º 14, selectiva de apoio à contratação? Ou seja, quantas pessoas estão empregadas em resultado das medidas que referi? É isso que nos interessa.
Com efeito, o Sr. Ministro só pode ser avaliado - e, aliás, digo-lhe isto no seu próprio interesse- se, numa interpelação como esta, mostrar quais são os resultados dessas 40 medidas. Só poderemos saber se, de facto, estamos ou não de acordo, numa questão que é de regime, como os senhores reconheceram no colóquio que organizaram - e aceitamos esse desafio - se o Sr. Ministro nos disser o que pensa e o que é que já conseguiu, pois nada soubemos através da sua intervenção.

O Sr. Presidente: - Uma vez que estão inscritos vários oradores para pedir esclarecimentos, o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social responderá de dois em dois oradores.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos: - Sr. Presidente, vou cingir-me, essencialmente, ao aspecto formal desta interpelação e, portanto, reconhecer e respeitar que o Governo é o que está aí, não é o Dr. Medina Carreira, nem o Padre Vítor Melícias, nem, sobretudo, o Deputado Vieira de Castro, que fez aqui uma intervenção própria de um membro do Governo e não de um Deputado.
Neste contexto e com este enquadramento, confesso que não fui capaz de encontrar qualquer medida positiva apresentada pelo Sr. Ministro e apenas retive duas afirmações - "uma de entrada e outra de saída" -, que passo a repetir, obviamente, com palavras minhas.
O Sr. Ministro começou por afirmar que governar é definir prioridades e objectivos e, no fim, utilizou a "bonita" expressão "crise no tempo que perdemos"! O que veio, realmente, à minha memória foi que o Sr. Ministro falou 25 minutos - mais concretamente, 24.9 minutos - e, durante esse tempo, segundo os dados que possuímos, inscreveram-se mais 72 pessoas nos centros de desemprego, o que significa que há mais 72 cidadãos deste país à procura de emprego, bem como largos e largos milhares de contos a afluírem ao "buraco" da segurança social.
Se governar é definir prioridades e objectivos, também é conhecer a realidade, não viver em fantasias ou oásis, e ter respostas concretas para ela. E, sobre isso, V. Ex.ª não disse absolutamente nada.
Desde logo, nada disse sobre como vai resolver o problema do desemprego, prioridade das prioridades de todos nós - até do Sr. Deputado Nogueira de Brito! Também não esclareceu como é que vai utilizar o sistema da segurança social: perorou à volta da alteração do Estado providência para o Estado solidariedade - confesso que não o acompanhei nessa teorização, o defeito é meu, seguramente -, mas não nos disse se entende que a intervenção do Estado, no domínio social, deve ser neutral ou, pelo contrário, posicionada e vocacionada para conduzir ao desenvolvimento e crescimento económico.
Por outras palavras, pergunto se o Sr. Ministro está ou não disposto a configurar a segurança social como um elemento activo do crescimento económico e do emprego, que é, ao que parece, a prioridade das prioridades.
Também nada nos disse sobre a questão - tão cara, aliás, ao antecessor do Sr. Dr. Fernando Almeida, na Secretaria de Estado da Segurança Social - da reestruturação financeira da segurança social. Quando o Sr. Deputado Vieira de Castro era Secretário de Estado da Segurança Social, vinha quase todos os dias no jornal- porque é fotogénico e tem ideias para passar à opinião pública- falar na venda de um pacote significativo de créditos da segurança social ao sistema financeiro. VV. Ex.ªs deixaram cair isso sem dar qualquer explicação!

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Sim, sim!

O Orador: - Podiam argumentar que mudaram de política e que já não querem vender esses créditos ao sistema financeiro ou podem explicar - isso não é mau! - que ninguém os comprou, já que se tratava de uma ideia perfeitamente falhada e absurda! Não custa nada dizê-lo.
Antes de terminar, Sr. Presidente, gostava de chamar a atenção para dois aspectos. Em primeiro lugar, o Sr. Ministro é um elemento-chave na estratégia do Sr. Primeiro-Ministro, e o senhor sabe-o perfeitamente, não tanto por si, mas por ser titular de uma área política nuclear e fundamental para a sociedade.
Portanto, sem nenhuma maldade e até tentando extrair daí o que isso pode ter de positivo, pergunto-lhe, muito clara e concretamente, quando é que o Sr. Ministro, em nome do Governo, vai anunciar os aumentos das pensões, lá para Setembro ou Outubro... Era importante que os portugueses soubessem quando V. Ex.ª vai anunciar a subida das pensões,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É no dia 10 de Junho!...

O Orador: - ... em que montante e, por fim, a data em que vai concretizar esse aumento.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, começo por lhe agradecer as suas preocupações com a imagem que terei - ou não terei - na imprensa.
Antes de responder à sua pergunta, gostava de fazer uma pequena observação. Tenho dito, por mais de

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uma vez, que desenvolvimento económico sem preocupações sociais é uma imoralidade, mas também que uma política social aprofundada sem um sistema económico sólido é uma utopia. Penso que a imoralidade e a utopia ficaram claramente demarcadas na intervenção do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, quando tentou fazer "duas balizas". Estamos, exactamente, na bissectriz desse ângulo e é por isso que o povo vota em nós.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Estão entre a imoralidade e a utopia!? Não me parece...

O Orador: - Não, Sr. Deputado.
Certamente, o Sr. Deputado António Lobo Xavier não ouviu - estava provavelmente distraído - as afirmações que fiz sobre o sistema de segurança social.
Como referi, fizemos evoluir o sistema em passado recente. Continuaremos neste caminho, aperfeiçoando o seu financiamento, as suas concepções e práticas e, até, considerando novos parceiros. Com estas afirmações disse claramente o que pensamos, propomos e vamos fazer.
Sobre as 40 medidas ou políticas activas de emprego a que o Sr. Deputado fez referência, digo-lhe que elas estão em execução e que, no fim do primeiro trimestre de 1993, tínhamos já tratado, com essas 40 medidas, um universo de 72 000 pessoas, das quais, mais de 17 000 jovens- cerca de 5000 em programas operacionais, mais de 11 000 em formação e programas de emprego, 7 000 colocados por intervenção directa dos serviços de emprego e 23 000 apoiados em acções de informação e de orientação profissional. Constituímos 54 unidades de inserção na vida activa e estão criados 81 clubes de emprego.
Até ao fim de 1994 - as medidas têm três meses de aplicação -, prevemos abranger cerca de 200 000 pessoas.
O Sr. Deputado Manuel dos Santos, com certeza, também esteve distraído, uma vez que diz não ter conseguido encontrar qualquer medida. Vou, por isso, tentar esclarecer a medida que anunciei e que considero essencial - que o CDS-PP aplaude e o PS e PCP contrariam -, ou seja, o "plafonamento" das pensões.

Vozes do PS: - Só pode piorar!

O Orador: - É evidente que, além do mais, esta é uma medida emblemática e, contrariamente ao que diz a bancada do CDS-PP, não visa melhorar a situação financeira do sistema. Como o Sr. Deputado Nogueira de Brito bem sabe, numa primeira fase, que não é tão curta como isso, ela conduz a menos receitas sem que se diminuam as despesas.

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Qual é o plafonds

O Orador: - O plafond está a ser estudado e, oportunamente, será discutido com os parceiros sociais que, devo dizer, aplaudem genericamente esta medida.
Sr. Deputado Manuel dos Santos, enganou-se na frase que me quis atribuir- a crise no tempo que perdemos. Com certeza, fê-lo propositadamente. Não nego nem nunca neguei que existem problemas difíceis no financiamento da segurança social, nomeadamente a longo prazo, mas o que disse foi que crise é o tempo que perdermos para começar a mudança, o que é diferente.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Perdemos tempo, sim, na altura em que os senhores foram Governo!

Vozes do PSD:- Muito bem! Protestos do PS.

O Orador: - V. Ex.ª referiu ainda que, enquanto estive a falar, inscreveram-se mais 72 cidadãos - provavelmente, a estatística é a sua especialidade - nos centros de emprego. Voltámos, com certeza, à mesma discussão que tivemos há cerca de 15 dias.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Desde 1978 que os senhores detêm a pasta do emprego!

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Já não é uma pasta, é uma mala!...

O Orador: - Ora, como o senhor sabe, nos centros de emprego inscrevem-se cidadãos portugueses que não estão desempregados e apenas pretendem documentação para o pagamento das taxas moderadoras, prioridade na frequência de cursos de formação profissional, frequências de cursos nocturnos, adiamento do serviço militar, apoio social escolar...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Ministro, Portugal não é um país de corruptos!

O Orador: - Além do mais, não falou naqueles que, no mesmo período, deixaram de estar inscritos nos centros de emprego.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E os senhores deixam?!

O Orador: - De resto, se alguém é responsável por essa situação, queria lembrar a VV. Ex.ªs, como disse aqui há 15 dias, quem é que inviabilizou o acordo social do ano passado.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Os responsáveis estão ali, na bancada da oposição!

O Orador: - Não foi, com certeza, o PSD nem o Governo!

Protestos do Deputado do PS, Manuel dos Santos.
Finalmente - e deixe-me responder às suas perguntas porque é para isso que estou aqui -, falou-me nos créditos da segurança social. Este fenómeno é conhecido - todos sabem que ele existe - e foi negociado em determinadas circunstâncias. Essa negociação não chegou ao fim, está retomada e, naturalmente, não posso dizer, neste momento, se será um, cinco ou dez bancos ou se estarão em causa 40 ou 80 milhões de contos. O que lhe posso garantir é que prossegue uma ampla negociação, em várias frentes, com a Associação de Bancos e com alguns bancos individualizados e, com todo o respeito que esta Câmara merece, não vou aqui dizer aquilo que negociei com o banco x ou y, hoje de manhã ou ontem à noite!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - É segredo de Estado!

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O Orador: - Não é verdade, Sr. Deputado. Aliás, o senhor sabe isso e, até, que algumas negociações já conduziram a resultados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos aumentos de pensões, vamos anunciá-los no momento oportuno...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - A 10 de Junho, dia de Portugal!

O Orador: - ... e na medida justa que o povo português merece.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, compreendo que seja difícil para um membro do Governo vir defender as posições desse mesmo Governo perante a crise económica e social que o País atravessa, nomeadamente no que se refere à política de emprego.

Ouvi com muita atenção a sua intervenção e é caso para dizer que V. Ex.ª "aos costumes disse nada", porque se refugiou em meras generalidades.

De facto, o Sr. Ministro remete o problema do emprego ou, melhor dizendo, o do desemprego, para o PDR que, tanto quanto se sabe, aponta para a criação, ou para a pretensa criação, de 100 000 postos de trabalho, até 1999. Ora, neste momento, há 400 000 desempregados e, mensalmente, 20 a 30000 portugueses perdem o emprego. Por isso, pergunto-lhe, Sr. Ministro: é assim que vamos resolver o problema do desemprego?
Quero ainda dizer, até para, em parte, responder ao desafio do Sr. Deputado Nogueira de Brito, que o PCP não defende um emprego artificial. Contudo, é inconcebível que se financie, por exemplo, o abate da nossa frota pesqueira, que se dêem subsídios para acabar com a produção no sector agrícola e que se entregue o nosso aparelho produtivo a multinacionais estrangeiras através de um processo de privatizações mais do que duvidoso - é com tudo isto é que o PCP não concorda nem pactua!
Por outro lado, o Sr. Ministro veio, mais uma vez, falar em solidariedade. Mas solidariedade de quem para com quem, Sr. Ministro?! Ou seja, é a solidariedade que o Sr. Ministro e o seu Governo vêm exigir...

Protestos do PSD.

O Orador: - A bancada do PSD está muito ruidosa! Não sei se pretendem que o Sr. Ministro não me ouça...

Vozes do PSD: - Esse é o discurso do Manuel Monteiro!

O Orador: - O Sr. Ministro considera que, financiando o patronato para despedir e colocando os trabalhadores no desemprego, depois, estes últimos ainda têm de dar solidariedade ao Estado? E aqui o Estado confunde-se muito com o PSD e com o Governo...

Vozes do PSD: - Felizmente, não se confunde com o PCP!

O Orador: - É este o seu conceito de solidariedade, Sr. Ministro? V. Ex.ª falou ainda de uma vertente importante, a formação profissional. Também somos da opinião de que ela é extremamente importante, mas não como medida para amortecer o choque do desemprego.
A este propósito, vou dar-lhe dois exemplos.
O primeiro refere-se ao sector das pescas. Tem-se feito muita formação profissional na área das pescas, mas não se tem pensado nas saídas profissionais para essas acções de formação. Quantos desses formandos tiveram colocação no mercado activo de trabalho?
O segundo caso chegou ao conhecimento dos grupos parlamentares através do testemunho de representantes da Assembleia Municipal de Arraiolos. No concelho de Arraiolos, que tem uma elevada taxa de desemprego, está a dar-se formação profissional na área dos tapetes de Arraiolos. Mas, depois, quais serão as saídas profissionais para esses trabalhadores? Nenhumas, Sr. Ministro!
Quanto à questão da segurança social, o Sr. Ministro disse que o sector privado está vocacionado para o chamado terceiro pilar da segurança social. Aí, coloco-lhe a mesma questão que já há pouco coloquei ao Sr. Deputado Nogueira de Brito: serão as seguradoras, que estão a tentar acabar com os complementos de pensões para os trabalhadores de seguros, que vão assegurar esse sistema? Qual a credibilidade disso, Sr. Ministro?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Cardoso.

O Sr. Alberto Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, ouvi-o com muita atenção, porque sinto-o também como uma obrigação, mas neste caso particular, como o Sr. Ministro é natural do distrito de Viseu, dediquei uma especial atenção à sua intervenção.
Estamos no ano de evocação da família, família que constitui o elemento primeiro da sociedade e que será tão bem sucedida quanto o for aquela. Mas acontece, Sr. Ministro, que milhares de famílias acolhem no seu seio familiares com deficiências profundas. Há tempos, fiquei chocado com algumas imagens vindas a público, colhidas precisamente no distrito de Viseu, onde se denotava a inexistência de uma política social relativamente a dois deficientes profundos, que se encontravam corripletamente ignorados pela segurança social.
O Sr. Ministro referiu na sua intervenção a necessidade da implementação de uma verdadeira solidariedade social. Sou da mesma opinião. Efectivamente, é necessário dar vida à vida! Daí, o dever dar-se a estas famílias os meios necessários para minimizarem a sua situação de carência para com os filhos deficientes- e não só relativamente aos deficientes profundos, mas também aos outros deficientes.
Para terminar, perguntava-lhe, Sr. Ministro, que políticas pensa implementar no seu Ministério para, por um lado, minimizar as carências destas famílias com deficientes profundos a seu cargo e, por outro, fomentar o emprego para deficientes reabilitados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.

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O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Trindade, como é sabido, não tenho formação jurídica, mas, como V. Ex.ª disse que eu "aos costumes disse nada", apetecia-me responder-lhe, sem o fazer, oferecendo-lhe o mérito dos autos. Porém, vou responder-lhe concretamente às questões que colocou.
Quanto à criação de 100 000 postos de trabalho no âmbito do PDR, Sr. Deputado, se o conseguíssemos, o desemprego, em Portugal, baixaria para taxas da ordem dos 4 %. Aqui, já a minha formação não jurídica me permite fazer as contas.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Não está a contar com o aumento!

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - E os que se perdem?!

O Orador: - O Sr. Deputado Paulo Trindade, com certeza, não leu o PDR! É que, se o tivesse feito, teria concluído claramente que esses 100 000 postos de trabalho são 100 000 postos de trabalho adicionais, resultantes do Quadro Comunitário de Apoio e não do funcionamento normal da economia. E nós só acreditamos em criação de postos de trabalho essencialmente como um investimento na produção de riqueza, Sr. Deputado! Nós não fazemos formação profissional para empregar as pessoas, mas, sim, para que elas se possam empregar melhor e para que as empresas se possam constituir e criar riqueza. Esta é a nossa posição.
Quanto ao problema de Arraiolos, não o conheço em pormenor, mas diz-me aqui o Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional que essas acções de formação profissional se destinam ao auto-emprego. Aliás, esses problemas são perfeitamente razoáveis, Sr. Deputado, e, se calhar, a situação vivida em Arraiolos ainda é uma sequela da reforma agrária...

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Tinha de ser!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Essa é brilhante!

O Orador: - Sr. Deputado Alberto Cardoso, confesso-lhe, com toda a franqueza, que ouvi mal a sua pergunta, mas pareceu-me referir-se a um caso ocorrido recentemente no seu distrito (que também me pareceu ter dito ser o mesmo que o meu), envolvendo um jovem deficiente. Sr. Deputado, esse caso já foi resolvido e o jovem já está internado numa instituição apropriada, com indicação médica para tratamento. Mas o senhor sabe isso melhor do que eu! Aliás, a família desse jovem recebeu sempre a subvenção da segurança social a que tinha direito e continua a recebê-la.

O Sr. Alberto Cardoso (PS): - É um mal-entendido!

O Orador: - Acredito que seja um mal-entendido.
Quanto à questão sobre a política de família, ainda bem que ma colocou, porque estamos no Ano Internacional da Família. Muito concretamente, posso dizer-lhe que existe um grupo interministerial que, neste momento, se ocupa- e está a concluir o seu relatório - do tema "A Fiscalidade e a Família", nomeadamente em relação às famílias que têm idosos e deficientes a cargo.
Penso que esse grupo concluirá os seus estudos e as suas propostas muito rapidamente, os quais, oportunamente, chegarão ao conhecimento dos Srs. Deputados, porque naturalmente trata-se de matéria que a esta Câmara competirá decidir.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, é evidente no discurso de V. Ex.ª o reconhecimento da crise na segurança social. Já aqui disse que, com mais ou menos saúde, só os vivos estão em crise, os mortos nunca!

Vozes do PSD:- Bom diagnóstico!

O Orador: - Por isso, o Sr. Ministro, em tom esperançoso, acrescenta que "a crise estará sobretudo no tempo que perdermos para chegar à mudança" - muito bem!
Por outro lado, também não ponho em causa a boa vontade de V. Ex.ª. Por saber disso mesmo, vou colocar-lhe algumas questões.
Recapitulando: a segurança social está em crise; a crise significa que a segurança social, no seu entender, está viva e V. Ex.ª tem boa vontade. Ergo, faço-lhe duas perguntas, a primeira das quais é esta: poderá o Sr. Ministro explicitar o que entende pela "fixação de um tecto para as contribuições e pensões"? É que trata-se de uma medida de grande importância, merecendo, por isso, ser minudenciada ou, pelo menos, mais explicitada.
A segunda questão é a seguinte: se é imprescíndivel o surgir - e faço minhas as palavras do Sr. Deputado Nogueira de Brito - de formas de prestação descentralizada de cuidados e serviços, tanto por instituições de solidariedade social como por entidades privadas - e creio estar a ser fiel às palavras de V. Ex.ª, Sr. Deputado -, está o Governo a preparar "com gradualismo" (creio que este tem sido aqui um substantivo bastante empregue) esta profunda mutação na segurança social, ciente de que, em breve, o peso da segurança social no Orçamento do Estado será praticamente insuportável?
Ainda me lembro de uma terceira pergunta, mas ela é muito genérica. No entanto, como é- a partir do genérico que se vai ao especializado, e até ao
hiperespecializado, perguntava-lhe: Sr. Ministro, se não houve, nem há, Estado providência em Portugal, porque não há, nem houve, desenvolvimento que o proporcionasse, encontra V. Ex.ª futuro na segurança social, se tivermos em conta os modelos estratégicos de desenvolvimento que o Governo vem preconizando?
Nós vivemos num tempo marcadamente sistémico, em que o subjectivo, normalmente, nunca vem à tona. Esta é uma pergunta dirigida à sua subjectividade: o senhor acredita no que está a fazer?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, na sua intervenção não vimos respostas às questões colocadas pelo CDS-PP, e era importante que V. Ex.ª tivesse dito claramente qual era a posição do Governo relativamente à protecção social e à saúde e se ela difere ou não da do CDS-PP, nem as grandes novidades que tem vindo a anunciar em outras sedes.

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Esperávamos, sobretudo, entender do seu discurso um espaço para o diálogo com os partidos políticos, no quadro desta Assembleia, com os parceiros sociais e com a sociedade civil, mas, efectivamente, não vimos muito.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social abordou três questões fundamentais: emprego, formação profissional e segurança social.

Relativamente ao emprego, V. Ex.ª afirmou, talvez por lapso dactilográfico, mas que repetiu quando leu o seu discurso, que temos a taxa de desemprego mais baixa da União Europeia. Como V. Ex.ª sabe, isso não é verdade! Mas pior do que não ser verdade, e não entrando, neste momento, com os dados sobre inscrições no IFP e o trabalho que o Governo tem feito para promover a limpeza de ficheiros, lia-lhe os últimos dados da União Europeia. Emprego total em Portugal: em 1992, diminuiu 1,1 %; em 1993, 1,9%; em 1994 prevê-se que diminua 0,7 % e, em 1995, prevê-se que diminua 0,3 %. Quer em 1993 quer em 1994 a previsão é inferior à média da Comunidade. Em Portugal, o resultado é o pior da Comunidade e o - 1,4% só tem paralelo...
Sr. Ministro, desculpe, pois enganei-me na leitura. Vou repetir, para que não haja confusões: em 1992, diminuiu -,6 %; em 1993, - 2,3 %; em 1994, prevê-se diminuir; - 1,4 %; e, em 1995, prevê-se que diminua - 0,2 %. Portanto, em 1993 e 1994, o resultado é pior que a média da Comunidade e, em 1994, é o pior da Comunidade, só igualado pela Alemanha, devido à unificação.
Por isso, era fundamental para nós que o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social nos dissesse, relativamente a esta previsão de evolução do desemprego e diminuição do emprego em Portugal, se o Governo pretende inflectir algumas medidas de política económica e, sobretudo, se pretendia tomar algumas medidas de criação de postos de trabalho, nomeadamente no apoio domiciliário aos idosos e em outras áreas sociais, em que podia servir de forte dinamizador na criação de emprego.
No que diz respeito à formação profissional e à prioridade da qualificação dos recursos humanos, que o Sr. Ministro referiu, diria, pelo que conheço dos partidos políticos com assento nesta Câmara, que essa intenção merece aplauso unânime. Mas era fundamental apontar medidas concretas para que essa prioridade tivesse conteúdo.
Estamos preocupados pelo facto de o novo Quadro Comunitário de Apoio, provavelmente, só entrar em vigor, no que se refere à área da formação profissional, talvez para Setembro, uma vez que Portugal foi, efectivamente, um dos primeiros países a celebrá-lo com a Comunidade, ou seja, em Fevereiro do corrente ano, mas, até hoje, ainda não foram publicados os regulamentos, nem se sabe quando o serão, razão por que não se sabe quando é que ele entra, efectivamente, em vigor em Portugal. Para nós é extremamente urgente que ele entre em vigor!
Como também é urgente discutir claramente na sociedade portuguesa - e o Governo tem essa obrigação - o problema de levar à prática aquilo que foi um compromisso de um a dois anos de formação profissional no sistema educativo. Um problema que é uma prioridade da sociedade portuguesa, uma articulação de vida entre a educação e a formação. Os Ministérios da Educação e do Emprego e da Formação Profissional não podem continuar de costas voltadas.
Em termos de segurança social, esperamos francamente que o Governo não professe algumas linhas que ficaram no discurso do CDS-PP, ou seja, uma segurança social mínima, pois isso iria ao arrepio de qualquer tradição europeia.
O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social anunciou como medida um tecto para as contribuições e pensões. Não sabemos bem qual será o tecto, mas sempre diria que se ele se destinasse a combater as fraudes no sistema de segurança social, era claramente bem-vindo. Todos sabemos que, em salários muito elevados, ou seja, o salário dos gestores e de altos quadros das empresas, a fraude é, efectivamente, muito elevada. Por isso, se essa medida se enquadrasse no combate à fraude, com certeza que era bem-vinda.
Só que não é isso que prefigura no seu discurso mas, sim, uma medida para fazer decrescer o peso global dos custos indirectos no factor trabalho. Digo-lhe que, se é esse o objectivo, mal vai o Governo, porque vai completamente ao arrepio das orientações comunitárias! Elas apontam para a discussão da diminuição dos encargos para a segurança social para os mais baixos salários e para os trabalhadores com poucas qualificações e de formas alternativas de financiar a segurança social, diminuindo os encargos do factor trabalho, para ter um impacto nos trabalhadores mais abrangidos pelo desemprego, que são os trabalhadores com poucas ou nenhumas qualificações.

O Sr. Presidente: - Peco-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.

Mas era importante que o Governo desse dados claros, sobre como vai combater as dívidas à segurança social e cumprir ou alterar a Lei de Bases da Segurança Social, designadamente no que toca às transferências do Orçamento do Estado.
Os dados sobre a segurança social são muito difíceis de obter. O Governo teve, há pouco tempo, uma grande surpresa, quando, em discussão com as confederações sindicais e patronais, descobriu o défice brutal do regime dos independentes. Era de tal modo brutal que, depois, até o ocultou e nunca deu os dados finais. Era importante que o Governo nos facultasse os dados dos diferentes regimes da segurança social.
Por fim, Sr. Ministro, há uma área que V. Ex.ª não abordou, que é o problema dos salários. Quando, em Portugal, se discute política salarial e o Ministério do Emprego e da Segurança Social não se preocupa com os salários e com os rendimentos, mal vai o Governo! Porque, efectivamente, o Ministério do Emprego e da Segurança Social quer colocar-se ao lado da negociação colectiva, o que é muito mau. Ainda não foi cumprido um acordo existente sobre a criação da arbitragem obrigatória e, no sector empresarial do estado, há muitas áreas onde os actos são frequentes.
Quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que ouvimos, mais uma vez, uma acusação gratuita de inviabilização do acordo de concertação social. O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social não disse que a última proposta da UGT entregue ao Governo foi aprovada, se não me engano, apenas com três votos contra e, depois, discutiu-se uma alternativa de 4,5 ou 5 %, tendo ganho a alternativa dos 5'%. Portanto, não houve acordo porque o Governo não quis dar 5 %.

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Quero dizer-lhe que uma das mais importantes sindicalistas da UGT- uma sindicalista social-democrata - disse: "ainda bem que não houve acordo, porque só depois disso viemos a descobrir que o Governo queria cometer uma fraude, como cometeu na área da Administração Pública. Ou seja, o Governo apontava para um aumento de 4 %, mas nunca falou de que iria descontar 2 % e, portanto, não havia um aumento de 4 % mas, sim, de 2 %. Ora, um aumento de 2 % seria inaceitável para qualquer sindicato ou sindicalista deste país!
É por isso que digo: vamos ver quem teve as culpas da não celebração do acordo. Num acordo tripartido existem, com certeza, culpas das três partes: a UGT colocou em cima da mesa um aumento de 5 %, mas o Governo e as confederações patronais recusaram.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Sérgio, tal como me pediu, vou tentar explicitar o que é um sistema de plafond. Um sistema de plafond significa que, a partir de um certo limite superior, a fixar, nem os empregadores nem os trabalhadores descontam para a segurança social e que, para efeitos do cálculo da pensão e de outras prestações, é esse o valor considerado.
Devo dizer-lhe que, em termos do cálculo das pensões e pela forma como elas são hoje calculadas, esta nova medida tem relativamente pouco significado no curto prazo. O trabalhador passa a ter mais um rendimento livre que pode aplicar onde quiser, mas, naturalmente, a nossa intenção é que o aplique em esquemas complementares de reforma; o empregador passa a ter um montante de dinheiro livre que, naturalmente, pode aplicar na sua actividade económica normal, criando riqueza e novos empregos. Em resumo, creio que a ideia é esta.
Devo dizer-lhe que esta medida levanta problemas técnicos complicados, como é o caso de o trabalhador ter duplo emprego, em que se torna difícil concatenar esta medida; por isso, ainda não foi completamente implementada.
O Sr. Deputado Manuel Sérgio falou na profunda mutação que está a ser preparada na segurança social. Ora, não disse isso mas, sim, que a segurança social tem de evoluir, e já evoluiu, e a sua crise será tanto maior quanto mais tempo perdermos a fazê-la evoluir. Mas fazê-la evoluir não significa que seja hoje ou amanhã, pois isso significa estudar, analisar as várias correntes, debruçar-nos, porventura, sobre o trabalho do Prof. Diogo Lucena, que não existe em termos definitivos, existe apenas uma primeira versão que foi discutida comigo há muito pouco tempo, que foi uma das primeiras referências do Sr. Deputado Nogueira de Brito. Significa, também, apreciar tudo o que se discute um pouco nos fora a que pertencemos e nos vários organismos internacionais de que fazemos parte, estar atento e ir tomando medidas de uma forma reformista e gradual, de modo a conseguirmos controlar o sistema e evitar que a crise - essa sim! - venha a aparecer.
O Sr. Deputado Manuel Sérgio perguntou-me também se acredito neste sistema. Sr. Deputado, só lhe respondo de uma forma: na minha vida, nunca fiz nada em que não acreditasse!
Sr. Deputado João Proença, V. Ex.ª tem, de alguma forma, trocado impressões comigo numa dupla qualidade: na sua qualidade, ao que creio, de vice-presidente da UGT ou de membro da sua direcção e na sua qualidade de Deputado. É uma vantagem que está do seu lado, porque quando o Sr. Deputado diz que o Ministério não tem espaço para o diálogo com os partidos, esquece-se que, neste momento e nesta data, por iniciativa do Governo, estamos em Conselho Permanente de Concertação Social a discutir problemas de desemprego, de emprego e de formação profissional. Assim não vale, Sr. Deputado!
Sr. Deputado, temos de interpretar os números da mesma maneira. Nunca disse que, em 1993, não tivemos o maior ritmo de crescimento do desemprego em Portugal. É verdade que, em 1993, tivemos o maior ritmo de crescimento do desemprego, mas, para quem sabe disto, é uma percentagem sobre outra percentagem. O que tenho dito- e repito aqui- é que, neste momento, com os números de Fevereiro, Março e Abril, se sente um razoável abrandamento do fenómeno do desemprego, o que significa que há menos inscrições de desempregados, que há mais ofertas de empregos e que as médias, nestes três meses, têm baixado. Poder-me-á dizer que três meses ainda significam pouco. Concordo consigo, mas o que lhe digo é que, nestes três meses, o ritmo de crescimento do desemprego e das ofertas de emprego permite-nos algum optimismo.
Sr. Deputado João Proença, deixarei para o fim o problema dos idosos.
Quanto ao problema dos plafonds, o que V. Ex.ª fez - desculpar-me-á que o diga, com toda a amizade que tenho por si - foi demagogia, porque diz que concorda com os plafonds, mas eles nada têm a ver com a fraude. A fraude é um outro problema completamente diferente, que queremos combater. Se as confederações sindicais nos derem sugestões e nos ajudarem, garanto-lhe que a vamos combater muito mais depressa.
No que se refere à diminuição dos encargos do factor trabalho, o que eu disse é verdade. O Livro Branco da Comunidade diz isso mesmo: "diminuição dos encargos indirectos sobre o factor trabalho, nomeadamente sobre os menos qualificados". Claro que sim! Mas, na minha intervenção, anunciei essa medida! Quando falei nos plafonds, limitei-me a dizer que também era - e usei expressa e propositadamente a palavra "global" - uma diminuição global dos encargos dos empresários, porque é óbvio que sei que o que interessa nesta matéria, para além dos plafonds, é desagravar os menos qualificados. Mas foi isso que disse quando falei que a segurança social também pode ser utilizada como uma medida geradora e criadora de empregos.
Quanto à política salarial, Sr. Deputado, voltamos à conversa do Comissário Flynn que já tivemos num outro dia! O Sr. Deputado, quando lhe convém, usa as afirmações do Comissário Flynn de uma maneira, e veio dizer publicamente nos jornais - como o Sr. Deputado António Lobo Xavier também leio os jornais! - que o Comissário afirma que o desemprego se vai manter se não crescermos a 3 %. Só que o Sr. Deputado esqueceu-se de dizer uma coisa sobre a qual veio aqui falar: que o Comissário Flynn afirmou que o fundamental é a moderação salarial e que, sem moderação salarial, nada feito. E foi muito mais longe do que nós temos ido, dizendo que moderação salarial significa aumentos salariais abaixo do aumento da produtividade. Foi assim ou não, Sr. Deputado?!

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Relativamente ao acordo de concertação social, não vale a pena "tapar o sol com a peneira"! O acordo de concertação social não foi assinado e, provavelmente, não foi a UGT que o não quis assinar; provavelmente não foi assinado por outras razões! Mas não vamos discutir isso outra vez.
Quanto ao apoio aos idosos, creio que o Sr. Deputado, neste caso especial, está a referir-se a uma proposta que o PS fez chegar ao meu gabinete, no dia 4 ou 5 deste mês, para o que chama a criação de uma rede de apoio a idosos em suas casas. Mas deixe-me glosar aqui um político que respeito muito, classificando esse vosso documento como um típico documento que tem ideias boas e ideias originais, só que as ideias originais não são boas e as boas não são originais.

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Isso é muito original!

O Orador: - Eu disse que estava a glosar um ilustre político, Sr. Deputado Ferro Rodrigues! V. Ex.ª é sempre original nesta Câmara!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Isso é verdade!

O Orador: - Mas, como estava a dizer, o PS veio com ideias que julgou serem inovadoras e, no fundo, sabia que o Governo tinha já essa medida em curso. O Sr. Deputado sabia que, há mais de um ano, implementámos, junto das autarquias e das Instituições Particulares de Solidariedade Social, programas ocupacionais para desempregados, abrangendo exactamente essa área. E sabia que no meu gabinete - recentemente foi tornado público- foi assinado um acordo com a união das IPSS, cujo conteúdo se refere exactamente a esse ponto: apoio social a idosos em suas casas.
Recordo-me que, há um ano ou dois, havia um grupo de Deputados do seu partido que, sistematicamente, reclamava determinadas medidas quando sabia que estas iam ser tomadas; iam ser tomadas daí a uns dias e esses Deputados reclamavam-nas para poderem dizer que tinha sido a sua capacidade reivindicativa que as conseguiu. Só que neste caso o Sr. Deputado já nem sequer conseguiu isso, porque, quando me mandou a proposta, já a medida estava em curso, o que, aliás, era do seu conhecimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra e da consideração.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Proença, dar-lhe-ei a palavra no fim do debate.
Srs. Deputados, chamo a vossa atenção para o facto de, só agora, passarmos à fase de debate propriamente dita. VV. Ex.ªs, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, foram gastando o tempo globalmente atribuído a cada um e devo dizer-lhes que terei de ser muito rigoroso quanto ao limite do tempo global, pelo que lhes peço que o considerem.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante o crescente agravamento do quadro social e económico com que os trabalhadores
se confrontam, exige-se do Governo do PSD respostas claras, face a uma situação em que o desemprego, a perda do poder de compra, a crescente desprotecção social, as restrições no acesso à saúde e ao ensino e a falta de habitação são problemas que afectam a generalidade das famílias.
Curiosamente, talvez porque estejamos próximos de um acto eleitoral, o Primeiro-Ministro afirmou, no passado fim de semana, que iria convidar os parceiros sociais a encetarem negociações para um contrato social a médio prazo, cujo horizonte ideal seria o ano de 1999! E tudo isto, mais uma vez, em nome da competitividade da economia e da consolidação do crescimento económico. Só que o Primeiro-Ministro, Cavaco Silva, e o Governo PSD esgotaram, há muito, a sua credibilidade quanto à boa fé negocial.
Que credibilidade tem um Governo que pede um cheque em branco para o início do próximo século quando, em simultâneo, hipoteca e condena o presente dos trabalhadores portugueses? Que credibilidade pode ter um Primeiro-Ministro que promete leite e mel para um futuro incerto, mas que, no presente, azeda de forma intragável as condições de vida dos portugueses? Que credibilidade tem um Governo que só tem dois tipos de resposta para as reivindicações dos trabalhadores portugueses- ou não responde ou não diz nada? Que credibilidade pode ter um Governo que, quando as organizações sindicais recusam as suas propostas chantagistas, recorre ao estafado chavão da manipulação de nebulosas forças de bloqueio, como se os trabalhadores não tivessem memória e não tivessem presente que muitas promessas e até acordos, como o da higiene, segurança e saúde no trabalho, não foram cumpridos por esse mesmo Governo? Que credibilidade pode o Governo pressupor que ainda possui quando pretende esmagar o legítimo recurso ao direito à greve, violando sistematicamente essa lei através do abuso dos chamados "serviços mínimos"?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os dados mais recentes sobre a situação económica e social do País confirmam que a obstinação do Governo do PSD em impor uma política assente na depreciação do factor trabalho, considerando-o como mera mercadoria sujeita ao livre jogo da oferta e da procura, conduz a profundas regressões sociais, lesivas dos direitos humanos e injustificáveis perante os avanços da ciência e da tecnologia.
O desemprego registado em Março do corrente ano atinge 400 000 trabalhadores, dos quais só 200 000 têm subsídio de desemprego, e significa um aumento de 11 % relativamente ao mesmo mês de 1993. Segundo dados do IEFP, no mesmo mês de Março, as colocações foram apenas 2 659 e as ofertas de emprego 5 002.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Governo do PSD colocou na gaveta a célebre teoria do "oásis pelo humor negro" que a mesma envolvia. Agora, faz o marketing de uma retoma económica, mas com a continuação do aumento da taxa de desemprego.
A política do Governo do PSD revela uma postura de insensibilidade face ao desemprego. O Governo do PSD impõe aos trabalhadores uma brutal redução do poder de compra, embrulhada na eufemística designação de contenção salarial, e, assumindo uma clara opção de classe, recusa-se a reconhecer que o desempre-

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go constitui um travão ao desenvolvimento económico e que para que este se concretize de forma sustentada é necessário um aumento quer da criação de emprego quer do poder de compra dos trabalhadores.
Por muito que o Primeiro-Ministro vocifere, exorcize e apelide de miserabilistas as análises sobre a situação económica e social do País, todos os indicadores confirmam a gravidade da situação existente. Não basta afirmar, como o fez o Sr. Ministro do Emprego e Segurança Social, que o salário mínimo é insuficiente; é preciso, sim, actualizá-lo para um valor digno. A generalidade das prestações sociais não foi actualizada no corrente ano- estará o Governo à espera das vésperas de um próximo acto eleitoral? Na Função Pública verificam-se reduções nominais de salários e pensões, mas o Governo fica surdo à reivindicação de revisão intercalar. A contratação colectiva está bloqueada, o ataque aos direitos dos trabalhadores é permanente e desenvolve-se impunemente face à inoperância da Inspecção de Trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegou recentemente ao conhecimento do Grupo Parlamentar do PCP que trabalhadores desempregados foram colocados, ao abrigo da figura do trabalho conveniente, em Centros Regionais de Segurança Social e, entre outras funções, processam o seu próprio subsídio de desemprego! Mais do que exploração, entra-se no campo do sadismo.
Mas há mais: depois de, ainda há pouco tempo, termos visto o Governo defender nesta Câmara que a alteração do regime de segurança social para os trabalhadores independentes seria acompanhada de uma intensa acção fiscalizadora para obstar a práticas abusivas do patronato e que quem mantivesse trabalhadores nessa situação seria punido, viemos também a saber que, no próprio IDICT, estão trabalhadores a "recibo verde" a executarem funções permanentes de carácter subordinado, mas com o estatuto de trabalhadores independentes. Sr. Ministro do Emprego, já que não há verbas para pagar deslocações dos inspectores de trabalho, deixe-os repor a legalidade dentro das instalações do próprio Ministério.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As declarações do Primeiro-Ministro no passado fim de semana constituem mais uma despudorada manobra de utilização da concertação social, visando subordinar o direito à negociação às conveniências dos ciclos eleitorais, quebrar a acção reivindicativa dos trabalhadores e procurar envolver as organizações sindicais numa política que, em nome da competitividade, sacrifica o emprego, os salários e os direitos. É por isso que neste momento, um pouco por todo o País, milhares de trabalhadores, aderindo ao apelo da CGTP-IN, estão em luta, exigindo a satisfação de reivindicações que o bom senso imporia que tivessem já tido resposta positiva - exigem emprego, salários dignos, mais protecção social, respeito pelos seus direitos e redução do horário de trabalho.
Porque o Governo deve e teme é evidente a sua atemorização face ao ascenso da luta dos trabalhadores. Mas não pense o Governo que é recorrendo a manobras que consistem em prometer para o próximo século aquilo que não pratica no presente que recuperará algum do crédito há muito perdido.

O Orador: - Os trabalhadores e as suas organizações sindicais já manifestaram suficiente consciência de classe para saberem distinguir propostas sérias de manipulações eleitoralistas grotescas. O Grupo Parlamentar do PCP, solidarizando-se com os trabalhadores em luta, formula votos de que o Primeiro-Ministro não esteja recolhido em profundezas autistas para vir argumentar que não houve o clamor de protesto que ressoa no País.
Se ainda restassem ilusões quanto à política do Governo do PSD, o único conselho que lhe poderia ser formulado era o de que "não guardes para amanhã o que deves fazer hoje". Mas, porque não temos quaisquer ilusões quanto à política do Governo e à sua incapacidade de dialogar e ouvir, não duvidamos de que a jornada de luta de hoje será mais um contributo para a concretização de uma nova politica, que se impõe que seja uma realidade muito antes do fim do século. Obviamente com outro Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde (Paulo Mendo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer ao Sr. Deputado Nogueira de Brito algumas das referências que fez quer à minha posição quer à minha politica e quero dizer-lhe que grande parte da sua intervenção motivou que, de imediato, lhe responda, procedendo a algumas precisões que me parecem muito importantes em relação àquilo que aqui foi dito sobre a política de saúde, em lugar de seguir um texto que tinha preparado.
Em primeiro lugar, quero dizer que a minha opinião foi expressa nesta Assembleia já em 1981, ao tempo do segundo governo da Aliança Democrática, chefiado pelo Dr. Pinto Balsemão e em que era Ministro da Saúde o Dr. Carlos Macedo - um elemento do PSD e eu próprio convidado do PSD -, tendo sido, nessa altura, apresentado aquele que, provavelmente, seria o primeiro programa de governo em que alertámos para o problema do financiamento da saúde e para a impossibilidade de se manter, neste país, um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito. Depois, tive a sorte de continuar a trabalhar no governo da AD, já com o Dr. Luís Barbosa, e mantivemos a mesma política.
Desde então, já fora do Governo e como cidadão e médico interessado pelos problemas da saúde, tenho dito e escrito, em múltiplas ocasiões, o que penso sobre o assunto, definindo as minhas posições sobre uma série de problemas. Muito pouco tempo antes de entrar para o Governo, apresentei na SEDES um trabalho de conjunto sobre os problemas da saúde em Portugal. Passado pouco tempo, vim para o Governo e tenho a dizer-lhe, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que estou num Governo em plena continuidade, tal como estou em plena sintonia com o programa apresentado e aprovado nesta Assembleia, que não fiz, mas de que partilho inteiramente as conclusões e princípios.
Não estou a fazer nenhuma politica pessoal, recuso que me isolem do colectivo do Governo e do colectivo do meu partido, pois estamos apenas a continuar um processo de estudo, de trabalho e lançamento de ideias e medidas, ou seja, estamos a fazer aquilo a que chama política. E, repito, não a estou a fazer política isolado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Como os Srs. Deputados sabem, o Serviço Nacional de Saúde português foi criado em 1976, à semelhança do seu homólogo britânico, criado em 1946 num contexto sociológico, económico e mundial completamente diferente. Vivia-se nessa altura um grande espírito de solidariedade, motivado por uma guerra que tinha terminado há muito pouco tempo, entrando-se num sistema de desenvolvimento económico que durou 30 anos, não havia desemprego e a demografia era um factor favorecedor. Quando criámos o nosso Serviço Nacional de Saúde estas condições tinham desaparecido. A população estava já a começar a envelhecer, a demografia não era já o que tinha sido, o mundo tinha entrado em crise e já não estava a crescer economicamente.
Ora, a solução de, 20 anos depois, se criar um Serviço Nacional de Saúde moldado por um outro que, nessa altura, estava já a sentir a sua disfuncionalidade, motivou aquilo que era fácil de prever: a impossibilidade de se desenvolver e criar outra coisa que não fosse o que assumi na tal conclusão, dizendo que essa era uma estrutura administrativa centralizada, pesada e asfixiante, um serviço nacional de saúde monopolista sujeito às leis da Função Pública e servido por hospitais e centros de saúde sem real autonomia.
O que disse nessa altura, continuo a afirmá-lo - não tenho nenhuma modificação de atitude ou de pensamento. E, mais, Sr. Deputado: quando, na minha primeira intervenção pública, mal assumi o cargo que actualmente ocupo, falei do sub-financiamento crónico da saúde e da necessidade de o modificar, tendo provocado, a partir daí, uma certa movimentação até nos órgãos de comunicação social, que sistematicamente começaram a falar nisso, devo dizer que não fui travado pelo Sr. Primeiro-Ministro, pelo contrário, tenho tido sempre todo o apoio da sua parte.
Simplesmente, tenho a consciência, e seria imperdoável se a não tivesse, de que qualquer modificação no sistema de financiamento da saúde - disse-o na última interpelação em que tive a honra e o prazer de aqui vir - obriga, necessariamente, a uma grande discussão em toda a sociedade civil, em que todos estes problemas sejam discutidos de um modo transparente, e que exista um certo consenso horizontal nas forças democráticas, porque é isto que se verifica em todos os países europeus. É isso que desejo para o meu país, pois considero que, com um simples decreto, não é possível mudar o financiamento do serviço de saúde, que é um aspecto fulcral da vida de uma sociedade moderna.
Estou, portanto, disposto a fazê-lo e, por isso, não encerrei a discussão sobre este assunto, a apresentação e análise de todas as soluções possíveis.
Em relação a isso, devo dizer que, ainda há dois dias, também estive nesse colóquio sobre o Estado Providência, além das personalidades há pouco referidas, e fiz até uma intervenção, tendo voltado a exprimir as minhas posições. Por isso, Sr. Deputado, penso que, dizer que deixei de falar no assunto e que, actualmente, há o regresso à ocultação e ao ilusionismo, não é verdade, pura e simplesmente!
Logo, a minha política sobre o financiamento da saúde, que gostaria de ver desenvolvida, é e há-de ser feita após discussão, análise de casos e apresentação de soluções.
Posso dar alguns exemplos: a Holanda demorou perto de quatro anos a estabelecer 100 medidas, das quais ainda só foram implementadas 20 ou 30; na Alemanha,
o processo já dura há longos anos; em Espanha, o processo parou; em França, continua-se, progressivamente, a tomar medidas de modificação, o que já dura há longos anos, pois a Madame Weil retomou a política de reforma neste capítulo, iniciada no seu primeiro mandato. Portanto, este é o problema de fundo, pelo temos de fazer passar, obrigatoriamente, aquilo que chamo de primeira geração de uma sociedade providência para uma segunda geração.
Temos e sempre tivemos um Estado Providência desde o momento em que os países europeus começaram a tê-lo, simplesmente ele tem todas as deficiências naturais e próprias de um país considerado como um dos mais pobres da Comunidade. Portanto, o nosso Estado Providência é, necessária e historicamente, o mais débil, embora tenha sido baseado nos mesmos princípios, na igualdade para todos, num serviço geral, público e aberto a todos. Porém, temos de mudar, obrigatoriamente, para um Estado Providência ou uma sociedade providência onde haja selectividade de ajudas e de liberdade de escolha, pois não será possível de outra maneira.
Além disto, tenho de considerar que, no actual Serviço Nacional de Saúde, o Estado tem de deixar de ser o prestador único, passando a ser apenas o garante. Significa isto que o Serviço Nacional de Saúde não deve crescer mas ser o conjunto dos serviços públicos de saúde, dando um grande espaço ao aparecimento de prestadores de outras áreas, como a cooperativa, a privada, a da solidariedade social, porque o Estado deve ser, apenas e cada vez mais, o garante.

O Sr. Artur Penedos (PS): - O garante de quê, Sr. Ministro?!

O Orador: - Ern relação à própria administração do Serviço Nacional de Saúde, defendo, o que já estamos a fazer, uma regionalização, e, como sabe, o País já está dividido em cinco regiões, as quais irão ter os seus orçamentos próprios. Os serviços prestadores de saúde vão aumentar a sua autonomia, o que já foi feito pelo simples facto de se ter criado as delegações, com um objectivo diferente, aumentando enormemente a responsabilização das instituições prestadoras.
Aliás, como já tive ocasião de dizer, encontram-se abertos concursos para cerca de 1000 lugares de assistentes, cujo encerramento só se fará depois dos lugares preenchidos. Ou seja, os concursos manter-se-ão em vigor até estes lugares serem todos preenchidos, o que permitirá um "povoamento" da área dos serviços prestadores de saúde no interior do País.
Ao mesmo tempo que fazemos esta política, estamos a actuar - e penso que isso é patente - com um enorme rigor administrativo, que exigimos a todos os prestadores de saúde, não só aos hospitais. Não podemos esperar receber da sociedade portuguesa o beneplácito, chamemos assim, da necessidade do aumento de financiamento e darmos, ao mesmo tempo, um exemplo de má gestão. Portanto, no que toca a isto, estamos a actuar da forma mais rigorosa e ao mesmo tempo a controlar, de uma maneira extremamente dialogante com todos os hospitais e órgãos de medicina ambulatória, o cumprimento dos orçamentos e, naturalmente, dos nossos planos de saúde.
A este respeito, posso dizer-lhes que, se o sistema de saúde não tivesse o défice que tem, este ano já não

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haveria aumento do défice, porque o orçamento será, em princípio, suficiente - pelo menos é-o até agora. Aliás, de há três anos a esta parte o défice tem vindo a decrescer; no ano passado já foi menor do que o de há dois anos e este ano irá ser menor do que o do ano passado, porque o próprio esforço orçamental do Estado tem sido, como sabem, muito maior.
Do ponto de vista político, gostava de dizer que tudo o que estou a fazer é possível pela simples razão de haver uma Lei de Bases da Saúde e um estatuto do Serviço Nacional de Saúde que permitem fugir, embora ainda não completamente - e devo dizer que tenho reservas em relação a estas leis -, ao enquadramento jurídico extremamente rígido que inviabilizava qualquer destas políticas anteriores.
Por outro lado, a minha política é a continuidade da dos meus antecessores; não fui eu quem a fez mas foi a política segura, constante e reformista seguida no Ministério da Saúde pelos governos anteriores que permitiu que, agora, eu possa fazer estas modificações de fundo.
Para concluir e não esgotar o tempo, queria dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, no domínio da saúde, a política feita pelo Ministério da Saúde é, em meu entender, clara, transparente, perfeitamente dialogante, pois é feita por um ministro que até tem o hábito de escrever o que pensa. Sendo assim, é difícil fazer ou dizer o contrário daquilo que escrevo ou penso.
Ora, o que vejo, com grande entusiasmo e certeza de sucesso, é uma política que, dentro em breve, nos irá conduzir à realização de quatro objectivos, que me parecem fundamentais: a consagração do Estado como garante de que ninguém neste país deixa de ser tratado; fazer com que o Estado não seja um prestador de saúde monopolista, isto é, que haja uma diversificação de prestadores; a modificação de financiamento selectiva, com personalização das necessidades; liberdade de escolha, de tal modo que o cidadão possa escolher a área, privada ou pública, sem a perda dos seus direitos.
O grande enquadramento jurídico de tudo isto está na Lei de Bases da Saúde e a vontade política neste Governo e no meu Ministério.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Rui de Almeida, Luís Peixoto e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde: Hoje foi bem notório, como na intervenção que o Sr. Ministro acaba de fazer, o próprio protagonismo político que V. Ex.ª tem tido à frente do Ministério da Saúde e que tem causado a maior das desilusões e das perplexidades. Aliás, como conhecedor dos problemas da política de saúde, tive ocasião de verificar, ao longo destes meses, que afinal V. Ex.ª apresenta, no conteúdo e na forma como se tem vindo a exprimir, a maior das contradições, das indefinições e mesmo das confusões quanto aos conceitos, ao ponto de não ter - e o que aqui aconteceu hoje é mais um exemplo disso - um projecto político claro para resolver todos os problemas da saúde.
Coloca-se, novamente, a questão de se saber que conceito tem o Sr. Ministro sobre o Serviço Nacional de Saúde; se respeita ou não a Constituição; quais serão os seguros alternativos e complementares; como e quando a privatização da gestão dos órgãos das unidades de saúde; como e quando o modelo de gestão hospitalar - aliás, o Sr. Ministro nunca foi bem claro nesta matéria, tendo mesmo assumido o compromisso, na Comissão Parlamentar de Saúde, de os gestores e administradores terem a carreira de administração hospitalar, mas, até agora, a própria lei de gestão hospitalar contradi-lo, não estando, portanto, confirmado.
A propósito da lei de gestão hospitalar, queria perguntar ao Sr. Ministro se tem conhecimento dos acontecimentos graves que se vivem no hospital distrital de Castelo Branco, provenientes de uma gestão demasiadamente partidarizada e sectária.
Passando ao segundo ponto - pasme-se! -, V. Ex.ª confessa publicamente não ter respostas para as grandes questões que coloca, tendo há pouco referido, relativamente à questão central, a do financiamento do Serviço Nacional de Saúde, que "como não sei, a resposta é essa!" Os jornais assim o transcrevem, como se o Sr. Ministro o tivesse dito publicamente, ou seja, que não sabe, que não tem respostas para estas grandes questões.
O debate é fundamental mas também é importante que o Ministro da Saúde tenha uma ideia, pelo menos indiciadora, de como resolver a questão.
Ainda uma outra questão que gostaria de colocar a V. Ex.ª. O Sr. Ministro também claudicou, também deixou de lutar para que a saúde tenha um orçamento condigno, já não digo mais elevado. A questão que, neste momento, se levanta é a de saber se o orçamento é, ou não, condigno para resolver os problemas da saúde.
A este propósito não posso deixar de questionar V. Ex.ª sobre o Instituto Português de Sangue, pois chegámos ao ponto não só de este Instituto ameaçar os hospitais de não fornecer sangue a estas unidades hospitalares como também de vermos os hospitais penhorados - e hoje já aqui falamos deste problema, em relação a um outro ministério, que está envolvido nesta questão - por falta de pagamento à Segurança Social. Gostava que V. Ex.ª se pronunciasse sobre esta matéria.
Por último, e este talvez seja o ponto mais importante no meio de todos estes, V. Ex.ª tem confessado - e fê-lo há dois ou três dias - que o ministério tem sido travado nas suas iniciativas pelas chamadas políticas conjunturais. Isto é, V. Ex.ª, para todos entendermos, diz que o Governo ou o Primeiro-Ministro não o deixam fazer o que quer. Perante esta confissão, da maior gravidade, só V. Ex.ª pode dar a resposta. Ou o Sr. Dr. Paulo Mendo é ministro da saúde, porque, simplesmente, gosta de se manter numa qualquer cadeira do poder - e vai perdoar-me que o diga -, o que é lamentável e está a prejudicar a saúde, ou, então, o Sr. Dr. Paulo Mendo é Ministro efectivo da saúde para implementar uma política de saúde. Mas ao verificar que o Primeiro-Ministro e o Governo não deixam, só há uma atitude digna a tomar: pedir a exoneração.

Vozes do PS: - Muito bem!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

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O Sr. Ministro da Saúde: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida, desculpe que lhe diga mas aconselho-o a, quando se referir a coisas que eu, eventualmente, pense ou diga, referir-se às coisas que me ouviu dizer ou que comigo discutiu e não a um simples título de jornal que contradiz completamente aquilo que acabei de dizer agora.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, ninguém está travar-me por causa de políticas de conjuntura. O que eu disse, e afirmei-o agora aqui, é que tenho por obrigação administrar um "barco" que, como sabe, é extremamente pesado.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - E está a meter água!

O Orador: - Temos de administrar o Serviço Nacional de Saúde com todo o rigor, em administração de área, continuada, de rotina, temos de melhorar as rotinas e, ao mesmo tempo, temos de transformar. Não estamos numa fase em que nos baste a conjuntura. Portanto, o que eu digo, é que, além da conjuntura, na saúde, temos, obrigatória e sistematicamente, que pensar, discutir e fazer uma política de futuro. Isto não tem nada a ver com o ser travado pela conjuntura, tem a ver com aquilo que julgo que o Sr. Deputado já me ouviu dizer várias vezes pessoalmente. Assim, peço-lhe para não recorrer, sem crítica, a um simples título de jornal. Em relação ao problema do financiamento, desafio quem quer que seja, neste mundo ou no outro, aqui ou em qualquer lado, a que me apresente um modelo acabado de financiamento da saúde. Ninguém o tem! E seria perfeita estultícia da minha parte aparecer como conhecendo e sabendo, tendo debaixo da cartola um modelo preparado e feito para mudarmos o financiamento da saúde.
O financiamento da saúde tem de mudar porque não pode ser feito exclusivamente pelo Orçamento do Estado. Não podemos fazer prestações universais, temos de as fazer de modo selectivo e isto está a ser estudado. Também já prometi - e o Sr. Deputado já o sabe - que, antes do fim do ano, haverá um livro branco sobre isto, o qual terá uma parte política, em que definirei a política de saúde, e também, em relação ao financiamento, terá aí propostas a estudar.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Isto é, cartola já tem, só lhe falta o coelho!

O Orador: - Não vou responder sequer a isso, Sr. Deputado! Normalmente, quando não se sabe discutir e não se conhecem bem os problemas em causa, recorre-se ao fait-divers! Foi o que V. Ex.ª fez, Sr. Deputado João Rui de Almeida, ao pretender que agora eu responda aos pequeninos fait-divers do que é Castelo Branco e do que é uma carta escrita pelo Instituto Português do Sangue!... Não têm dignidade para o Parlamento!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado João Rui de Almeida, pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Ser-lhe-á dada a palavra no fim do debate, nos termos regimentais.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, com excepção do PSD, quase todos os partidos e até o Sr. Ministro, estão preocupados com a situação da saúde em Portugal! Não há disso dúvida e as suas próprias declarações têm-no confirmado.
Infelizmente, o seu partido continua a ver apenas um oásis em todos os sectores e também o da saúde é encarado desta forma. De qualquer maneira, o diagnóstico está feito, foi o Sr. Ministro que o fez e nós entendemos que é um diagnóstico que retrata aquilo que se passa na saúde e que, realmente, não está bem. O que é posto em causa, hoje, aqui, é esta questão do Estado Providência, são os direitos, como disse o CDS-PP, generosamente atribuídos.
É óbvio que, para o CDS-PP, uma política de saúde tem algumas divergências em relação à do PSD, porque, pretende, com certeza, uma liberalização mais generalizada, como também aqui disseram, uma liberdade de escolha que nós, PCP, não entendemos ser a solução. Isto porque, para nós, a liberdade de escolha, em relação à forma como se é tratado terá de ser sempre independente do poder económico do próprio cidadão, enquanto que, num sistema liberal, está dependente desse poder económico.
Não é essa a proposta que o Sr. Ministro tem apresentado e eu reafirmo aqui a ideia que tenho: aquilo que o Sr. Ministro disse quando não era ministro e o que continua a dizer, para nós, é o mesmo!
O Sr. Ministro continua a bater na tecla da falta de verbas, do sub-financiamento - é um facto! Não há dinheiro, neste momento, que vede o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde. Mas, para nós, PCP, o que está em causa, é que ainda não foi feito nem tentado nenhum esforço no sentido de pôr o Serviço Nacional de Saúde a funcionar como devia. As capacidades dos hospitais não são aproveitadas; seria impossível fazê-lo a 100 %, mas poderia ser numa percentagem mais alta, porque é possível as administrações porem os hospitais a funcionar de forma diferente e não entendemos porque é que isso não é feito.
O Sr. Ministro apareceu com umas ideias novas quanto a isto, permita-me que lhe diga. Há pouco, disse que não tem "coelho para tirar da cartola" quanto ao financiamento mas, quando tornou posse do seu cargo, tinha ideias precisas: não punha em dúvida que o financiamento devia ser feito de outra maneira e até avançou logo com a ideia de o cidadão pagar. Depois já disse - e terá de admitir que nisso há um ligeiro recuo - que são necessárias alterações estruturais para resolver o problema e que, conjunturalmente, serão inoportunas situações muito rigorosas.
De qualquer modo, o Sr. Ministro, hoje, falou aqui tal como eu esperava ouvir não o Ministro da Saúde mas o Dr. Paulo Mendo, porque falou (e permita-me que concorde consigo quanto a este aspecto) na necessidade de discutir a saúde em Portugal. Nós, PCP, temos dito isto aqui várias vezes, ou seja, que é necessária a discussão.
O Sr. Ministro falou na discussão, falou no futuro. Julgo mesmo que se o Dr. Paulo Mendo tivesse feito este discurso no famoso congresso que ocorreu na se-

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mana passada, "Portugal, que futuro?", ninguém lhe teria levado a mal, pois, realmente, era aí que parecia que estava a falar! Contudo, como Ministro da Saúde, o Sr. Dr. Paulo Mendo tem outras responsabilidades e essas responsabilidades existem neste momento. Assim, é aí que centro a minha pergunta, porque entendo que há aqui uma contradição e, sinceramente, não consigo entendê-la.
Sr. Ministro, quando tomou posse do cargo, V. Ex.ª admitiu que não é possível o Serviço Nacional de Saúde funcionar com o financiamento que tem actualmente, admitiu que o Estado já não pode fazer um esforço maior para dispender mais verbas destinadas ao Serviço Nacional de Saúde e agora recua dizendo que, afinal, não se pode avançar. Assim, a minha pergunta é esta: Sr. Ministro como é que V. Ex.ª pode concordar com este sistema? Como é que pode, tendo as ideias que tinha, estar à frente deste ministério quando admite que não tem possibilidades de funcionar sem verbas? Como é que vai ser daqui para a frente, se não se prevê que o Estado inclua mais verbas no respectivo orçamento? Como é que vão funcionar os serviços de saúde, que continuam, dia-a-dia, a degradar-se?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Peixoto, julgo que continuamos a laborar num erro que, evidentemente, é propositado, mas que eu gostaria de relevar.
Quando falo do sub-financiamento, apresento modelos, e nem sequer apresentei um mas, sim, vários. Por exemplo, num deles, dizia que metade da população não deveria pagar nada, até deveria ser mais ajudada do que já é actualmente, e que a outra deveria pagar uma parte. Outro modelo que referi, que outros países seguem, é o de toda a população mais pobre ter todos serviços gratuitos, a população média ter gratuitos só os internamentos e não ter apoio em serviços ambulatórios, ou seja, nas situações de média gravidade, e para todos aparecer o Estado como um grupo segurador para as situações catastróficas.
Portanto, há vários modelos de que tenho falado, mas nunca apresentei um modelo porque seria, como eu disse há pouco, estultícia minha tê-lo já preparado. O que eu digo é que este é um problema fundamental, que tem de ser resolvido rapidamente e esta opinião é compartilhada por todo o Governo e inteiramente apoiada pelo Sr. Primeiro-Ministro.
O problema é que temos de mudar um conceito de Estado Providência (para usar uma denominação mais fácil), que tem 30 ou 40 anos e que, actualmente, não pode basear-se nas mesmas regras em que se baseava, pelo que temos de as mudar. E essa é uma modificação que nos responsabiliza a todos, não é algo que o Ministro traga e tire do bolso, e para todos deve ser um imperativo de urgência, pelo que vai ser estudada com urgência pelo meu serviço.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Daqui a quanto tempo?

O Orador: - Sr. Deputado, será estudada com urgência pelo serviço e as propostas serão feitas a tempo.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - E no imediato?

O Orador: - Não pense que o Ministro da Saúde pode apresentar modificações estruturais sem as discutir, cinco meses depois de se encontrar no Governo!
Em relação ao resto, é evidente que toda a gestão continua a ser feita, e ainda há pouco o anunciei, de modo a, este ano, não gerar défice ou, pelo menos, gerar um défice inferior ao do ano passado. Isto porque a introdução do rigor e de princípios, que considero extremamente positivos, na gestão, como seja uma grande autonomia e responsabilização, e a forma, que já estamos a usar, de regionalização do País, tal como já está a ser feito com as primeiras unidades de saúde que ligam hospitais a centros de saúde, criam, neste âmbito, uma funcionalidade corripletamente diferente da anterior. Isto é a nossa vida diária, Sr. Deputado!
Portanto, julgo que respondi às duas pergunta que me fez.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, em primeiro lugar, agradeço as suas referências e quero dizer-lhe que o seu discurso constitui, para nós, uma grande satisfação porque alcançámos um dos objectivos da nossa interpelação. V. Ex.ª respondeu! E respondeu confirmando o diagnóstico que tinha feito sobre a situação dos serviços públicos de saúde e confirmando a sua solução, que indicou ser agora uma solução do Governo. Este é um dado que está adquirido, que foi confirmado na Assembleia da República perante os Deputados e em resposta a uma interpelação.
No entanto, o Sr. Ministro acrescentou: "não é, porém, para já". E daí a concordância que V. Ex.ª afirma que existe na equipa e no Sr. Primeiro-Ministro! Entretanto, Sr. Ministro da Saúde, o que é que se vai passar? Isto é, o que é que se vai passar com o sub-financiamento crónico e as consequências dramáticas que ele tem, em termos de funcionamento dos serviços, com os défices acumulados?
Como é que o Sr. Ministro vai diminuir défice este ano? V. Ex.ª tem mais dotações orçamentais ou está a aplicar, na sequência do seu antecessor, medidas de restrição de despesas que, por vezes, não são tocadas pelo benefício da racionalidade e afectam a própria qualidade da prestação dos serviços? É isso o que pretendo saber.
O Sr. Ministro desculpar-me-á mas vou fazer as minhas perguntas telegraficamente porque o nosso tempo se esgotou.
O que é que o Sr. Ministro vai fazer para fomentar a criação de alternativas na prestação de cuidados de saúde e fomentar um princípio que também afirmou na tribuna e que é o do estabelecimento de uma liberdade real de escolha, pondo fim ao monopólio do serviço público?
V. Ex.ª disse que um Serviço Nacional de Saúde tal como o criámos não tem sentido nos dias que correm. O que é que V. Ex.ª vai fazer para fomentar alternativas? Que diz o Sr. Ministro, que afirmou estar a praticar uma política em continuidade com o seu antecessor, das medidas do seu antecessor em termos do recurso a um seguro alternativo, negociado centralizadamente e apertadamente regulamentado pelo Estado?

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Finalmente, volto a afirmar: V. Ex.ª , porventura partindo da experiência do seu próprio hospital, diz que há, nos serviços públicos, uma ratio magnífica, óptima, que se atingiu o "bom" na relação custos/benefícios. Sr. Ministro, tem consciência de que isso não se passa ao longo de todo o País, em todos os serviços públicos de saúde? V. Ex.ª não, considera indispensável fazer uma afectação mais correcta de recursos, designadamente dos recursos humanos, para que possa obter do equipamento uma maior rentabilidade e para que possa haver uma melhor afectação de recursos? Não considera que é esse, precisamente, o ponto inicial a cumprir numa modificação das perspectivas e do modo de funcionamento do serviço de saúde?

O Sr. Presidente: - Para responder, em tempo cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: - Sr. Deputado, a sua pergunta, no fundo, repete um pouco a pergunta anterior, referindo-se ao entretanto. Entretanto, julgo que temos de desenvolver políticas conjunturais que não se oponham, pelo contrário, que facilitem as modificações de fundo dessa mesma política, no que diz respeito, especificamente, ao financiamento dos serviços de saúde.
Disse eu que, actualmente, o que é perfeitamente fundamental é melhorarmos o rendimento dos serviços de saúde, afectando recursos humanos, como diz o Sr. Deputado. Como há pouco afirmei, estão abertos 1 000 lugares de assistentes, a que se seguem - talvez já estejam abertos e talvez até já tenha seguido para a periferia o respectivo aviso - 350 lugares de generalistas da carreira de clínica geral e outros 350 lugares de chefes de serviço.
Esses lugares, em vez de serem postos a concurso, o qual estaria aberto durante 15 dias, fecharia e depois a ele não concorreria ninguém, como referi, irão estar permanentemente abertos e só encerrarão quando estiverem preenchidos. Todos os médicos que não tiverem vínculo e não tenham concorrido no período que iremos determinar, perderão, naturalmente, o seu vínculo. É esta a primeira medida importante de afectação de recursos humanos.
A segunda questão respeita à minha afirmação relativa aos rácios. Cumpre-me dizer ao Sr. Deputado que uma das indicações de um razoável - já não vou mais longe do que isso- funcionamento dos serviços de saúde é, como sabe, a dos índices de mortalidade infantil e de morte materna. Recebemos anteontem do Instituto Nacional de Estatística a indicação de que Portugal voltou a diminuir a sua taxa de mortalidade infantil: passou para 8,4 % no continente e todas as regiões do país situam-se já abaixo dos 10%.
Isto significa duas coisas fundamentais: a primeira é a de que a jovem mãe tem já uma educação sanitária suficiente para não recorrer nem à vizinha, nem à curiosa, nem à maternidade mal equipada, como as maternidades que tínhamos por aí e que de maternidades só tinham o nome, e passou a ter confiança nos serviços das maternidades oficiais; a segunda é a de que essas maternidades oficiais, o que significa o nosso projecto materno-infantil, estão em pleno desenvolvimento.
Quando um país é capaz de dizer que não constitui risco para as mulheres desse país terem um filho e que a mortalidade infantil é da ordem dos 8 %, tal facto significa que os serviços públicos funcionam mais ou menos bem. Perante o que esses serviços públicos gastam e o tão pouco que temos, tenho obrigação de dizer, como sempre tenho dito, que o rácio custos-benefícios que obtemos nos nossos próprios serviços é bom. Não estou satisfeito, quero, evidentemente, que sejam melhores e faremos os possíveis para continuar a melhorá-los, mas não posso dizer que os serviços públicos estejam com um mau rácio custos-benefícios.
Precisamos, finalmente, de desenvolver iniciativas fora do Serviço Nacional de Saúde. Por isso digo que, dentro do Serviço Nacional de Saúde, a uma cama nova deve corresponder uma cama velha fechada. O Serviço Nacional de Saúde não deve crescer e deve cada vez mais pedir apoio e iniciativas à sociedade civil. Nesse sentido, posso assegurar que estão preparados e prontos diplomas que irão definir concursos públicos de gestão de centros de saúde destinados a médicos ou outras entidades que os queiram gerir e que, nesse âmbito, será posto a concurso, dentro de muito pouco tempo, o primeiro hospital, para ver se alguém da sociedade civil o quer gerir.
Estamos ainda abertos, como é óbvio, a qualquer iniciativa que a sociedade civil tome no sentido de ela própria fazer um hospital e nos perguntar o que pretendemos. Nesta matéria, temos já toda a legislação possível para estabelecermos contratos de funcionamento e de convenção, como aliás já acontece entre o Ministério da Saúde e, por exemplo, o Hospital da Prelada, no Porto.
Creio ter abordado as questões mais importantes colocadas pelo Sr. Deputado.
Mais uma vez quero referir, para terminar, que a política conjuntural é tão importante como as medidas de fundo que haveremos de apresentar e não tem, de modo algum, o significado de estarmos a fazer a gestão de rotina. Não estamos a fazer a gestão de rotina, mas a fazer a gestão com vista à transformação dos nossos serviços e da nossa política de saúde.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Porquê a realização desta interpelação, com um enfoque especial no emprego? "A resposta resume-se a uma palavra: desemprego. Conhece-se a amplitude do problema e também das suas consequências. A experiência mostra que combatê-lo não é fácil."
Este último parágrafo é a reprodução do início do livro branco, somente um dos inúmeros estudos, livros e relatórios (Livro Branco, Livro Verde, Contribuições Nacionais, livros sem cor, mas com título, como o "Trabalho das Nações", Relatório Porter, Relatório Larsen) que elegeram o combate ao desemprego como o combate do fim do século.
É também a alteração radical das relações económicas numa mundialização progressiva, aliciante mas recheada de perigos, conseguida com o GATT que
ameaçadoramente nos faz antever a possibilidade de o desemprego aumentar, caso não tomemos as medidas urgentes que a gravidade da situação impõe.
São as declarações de comissários europeus, que também são portugueses, que alertam e confirmam os nossos receios.

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É a União a avançar rapidamente a várias velocidades, em que a salvaguarda dos direitos da Europa social se tem de conjugar com a competitividade deste espaço económico, para o tornar capaz de suportar o embate com a América e com o Japão, cuja capacidade de criação e manutenção de emprego é maior, mas também como os tigres asiáticos.
Neste puzzle enorme, quais os contornos de Portugal?
Nesta rápida alteração de todas as regras do jogo, qual a capacidade mimética dos agentes portugueses?
Neste aproximar da última oportunidade, que condições foram dadas aos portugueses para a aproveitarem?
Hoje, numa altura em que até aos Deputados da maioria foi autorizada a utilização da palavra "crise", em que se reconhece, com ou sem deturpação de dados, que desde o último trimestre de 1992 a evolução da taxa de desemprego sofreu uma inversão que não mais estancou, em que sucessivas intervenções da sociedade civil alertam para situações gravíssimas de miséria e exclusão social, em que nesta tribuna Deputados de todas as bancadas têm alertado para os dramas que o desemprego vem criando, hoje, quando já é possível fazer o balanço da primeira oportunidade perdida da reconversão industrial portuguesa, pergunta-se em que quadro, com que regras e de que forma pensa o Governo auxiliar os empregadores e os trabalhadores portugueses, para que não se tornem somente consumidores europeus.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Entende o CDS-PP que, mesmo numa concepção liberal e de defesa intransigente da livre iniciativa e do mercado sujeito às regras da concorrência, se impõe que seja exigível ao Estado que este, naquilo que está na sua estrita disponibilidade, ene um quadro legal idêntico ou similar que possibilite uma paridade concorrencial entre o tecido produtivo português e aqueles com quem teremos de competir, nomeadamente ao nível da União.
Desde logo, interessa focar agora a questão essencial do enquadramento normativo laboral.
A evolução do Direito do Trabalho teve nas décadas de 50 a 70 a sua época áurea, optimista e confiante, em que as linhas de força facilmente se identificam com a liberdade sindical, o direito à greve, o direito à contratação colectiva, o direito ao trabalho, o direito aos lazeres, os limites da duração do trabalho, o aumento dos salários, a estabilidade no emprego, na categoria e na não deslocação, o "sempre mais".
Após a década de 70, já neste último quartel do século XX, as persistentes e recorrentes crises (ou recessões, como hoje se diz), que são uma das características inerentes ao sistema da economia de mercado (os ciclos), têm produzido um impacto destrutivo sobre o emprego. O sindicalismo deixou de argumentar com a força e militância que antes lhe era reconhecida, tendo trocado alguma da sua generosidade pela intervenção nas decisões políticas, económicas e sociais.
É a época da assunção e reforço das decisões trilaterais em que alguns revêem "fenómenos do neocorporativismo", traduzido na concertação e nos pactos sociais. Hoje perdeu-se irremediavelmente a concepção optimista dos anos 60. Sabemos hoje que o principal objectivo a assegurar com as normas laborais - o Direito do Trabalho - é o emprego, porque é ele (emprego) a principal preocupação dos trabalhadores e da sociedade.
É o fim do "sempre mais", da ilusão e utopia da crença no progresso social ilimitado e sem recuo e do acréscimo de regalias sem limites.
É também a consciencialização de que esta crise - ou recessão - é única nas suas origens e será certamente única nas suas consequências. Não é somente um ciclo, mas o virar de uma página em que o normativo laboral terá de caminhar a par, influenciar e ser influenciado pela reconversão produtiva e o reconhecimento de que, pela primeira vez, o desemprego é estrutural.
Além de tudo o mais, além da evolução do quadro geral do Direito do Trabalho, Portugal sofreu a introdução de normativos de que ainda há resquícios revolucionários, anacrónicos e perniciosos.
Detenhamo-nos sobre o princípio do tratamento mais favorável, hoje em declínio e cada vez mais contestado, segundo o qual o regime legal quanto à sucessão dos contratos colectivos de trabalho, conforme o artigo 15.º da Lei de Regulamentação dos Contratos Colectivos (LRCT), só admite a redução de regalias constantes do texto anterior por troca de outras em termos que permitam ao sindicato considerar que o novo contrato colectivo de trabalho é mais favorável do que o anterior. É, na verdade, uma restrição flagrante ao princípio da autonomia colectiva que implica a responsabilização dos órgãos provenientes da própria sociedade pela adaptação concreta do trabalho a situações casuisticamente determinadas. A liberdade negocial a nível colectivo não coloca os mesmos problemas - dependência económica e subordinação jurídica- da negociação individual, pelo que a sua total sujeição ao princípio do tratamento mais favorável surge como desrazoável e constitui, também aqui, um factor não negligenciável de rigidificação das relações laborais.
Por outro lado, vejamos a regulamentação da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador.
Ainda recentemente aprovámos, para ratificação, a Convenção n.º 158 da OIT, relativa à cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador. Trata-se de uma convenção equilibrada, ajustada aos interesses permanentemente em conflito e perfeitamente inserível na nossa ordem constitucional.
Entre o Decreto-Lei n.º 84/76 e o Decreto-Lei n.º 64-A/89, através de uma interpretação do actual artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, que alguns diziam literal, mas que o CDS-PP sempre considerou absurda e praeter legem, existiu unicamente a "justa causa subjectiva". A partir do Decreto-Lei n.º 64-A/89, foram introduzidas pelo legislador algumas situações de "justa causa objectiva". No entanto, essa criação de quadros de justa causa objectiva foi feita de forma enviesada, com um excessivo peso burocrático e uma demora acentuada na resolução dos processos, estimulando a subversão dos próprios normativos.
Estamos, também aqui, longe dos ordenamentos dos nossos parceiros da União, longe dos quadros que assegurem a política social europeia.
É também aqui que podemos encontrar razões de rigidificação das estruturas empresariais, da inflação das contratações precárias e da perda de competitividade das nossas empresas.
É exigível, nesta situação concreta, que, tendo por base a referida convenção, sempre com a exigência de motivo atendível e garantindo direitos efectivos aos trabalhadores, se alterem e actualizem os normativos aos conceitos.
Com esta interpelação, perguntamos, como vimos perguntando e questionando, hoje reforçados pelos contributos que enunciámos no início, se está ou não o

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Governo consciente da necessidade da alteração do quadro laboral para que se possa fazer e operar a necessária reconversão produtiva.
Pensa ou não o Governo reformular a Lei do Contrato de Trabalho (LCT)?
Pensa ou não o Governo levar a cabo uma codificação coerente das normas laborais?
Qual a coerência legislativa entre a retirada de capítulos da LCT e a reformulação de outros dentro do Decreto-Lei n.º 49 408?
Qual a sistematização prosseguida com a definição pela primeira vez, ainda recentemente, do que é trabalho independente num diploma de Segurança Social?
É aceitável que o Governo venha apresentar a mobilidade geográfica como uma das formas de resolver o problema do desemprego quando se mantêm inalterados os artigos 22.º, 23.º e 24.º da LCT?
Esta rigidificação é compatível com a alteração estrutural que o próprio tecido produtivo terá de sofrer?
Esta rigidificação da categoria e da mobilidade interna não é ela própria um dos principais motivos que levam à opção de desempregar primeiro para reorganizar a seguir?
O Governo que diga se concorda com este diagnóstico e se tem conseguido assumir as necessárias alterações e rectificações. Qual foi o comportamento do Governo ao longo destes anos?
Com o Decreto-Lei n.º 64-A/89, oferecia "aos trabalhadores a possibilidade de num quadro de crescimento económico verem melhoradas as suas condições de remuneração e trabalho, acrescidas as garantias em matéria de segurança social e alargadas as oportunidades de formação e emprego". Nada mais falso, como se compreenderá, relembrando-se que o CDS-PP referiu na altura que essas alterações não seriam suficientes para conseguir tal desiderato!
Com o Decreto-Lei n.º 400/91 (despedimento por inadaptação) pretendia-se prevenir que, "em consequência de mudanças estruturais e tecnológicas ou de mercado, se mantenham postos de trabalho sem tarefas que ocupem o seu titular". Quantos processos houve de inadaptação nas pequenas e médias empresas, que constituem, como disse, a quase totalidade do tecido produtivo português?
Solicitaria ao Sr. Ministro que, se dispuser de tempo e entender que estas perguntas merecem resposta, o fizesse de forma mais clara do que aquela com que há pouco respondeu à questão colocada pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier.
Ao nos fornecer esses números, ficaremos, Sr. Ministro, com a certeza de que os instrumentos que dá às empresas portuguesas são inoperantes e inconsequentes, o que será reforçado caso nos faculte os dados relativos à pré-reforma em empresas que não tenham vindo do sector público.
Nesta época e numa altura em que desde o início do ano, por exemplo, dois dos nossos vizinhos da União (a Espanha e a França) fizeram debates de extrema importância sobre esta matéria, recolhendo consenso generalizado autênticas medidas de excepção por forma a possibilitar a reconversão produtiva desses países, em que ainda se relembram os impactos das cedências sindicais alemãs de meados do ano passado e em que está bem viva a declaração recente por parte de responsáveis de que "é necessário flexibilizar a legislação e reduzir os custos salariais", em Portugal, estranhamente, o Governo apresenta-nos, até ao dia de hoje, qualificando-o modestamente como "o programa mais ousado que alguma vez se realizou em Portugal de defesa do emprego e de combate ao desemprego", o texto "40 medidas" vertido na Portaria n.º 1294/93.
Compreender-se-á a pouca ousadia num programa que em cinco meses de vigência não fez mais do que assistir à subida do desemprego. Compreender-se-á que tal tenha sido o resultado de um texto que não é ousado, mas timorato, não é decisivo, mas prolixo, è não é corajoso, mas inconsequente.
Parte das medidas já constavam do nosso corpo legislativo desde 1989, com uma ou outra correcção. Outras são completamente desajustadas ao fundamental que o tecido produtivo reclama.
Repito, Sr. Ministro, a pergunta feita há pouco pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier, a que V. Ex.ª não respondeu: quantas empresas e trabalhadores já recorreram às medidas constantes dos artigos 9.º e 14.º da referida portaria?
É a terceira vez que aqui lhe solicitamos esses dados, porque já no passado, a propósito de uma pergunta dirigida ao Sr. Secretário de Estado sobre as referidas medidas, também ele não foi capaz de responder, tendo produzido uma intervenção que o Sr. Deputado Nogueira de Brito qualificou como de "boletim falado". Infelizmente, nesse boletim não vinham os dados que, hoje novamente aqui estamos a questionar.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro, quais são os resultados da medida 33, a de "apoiar a mobilidade geográfica"? Quantos portugueses desempregados já se deslocaram e para onde, sabendo-se que o desemprego é um fenómeno a nível nacional e que a sua reserva (a zona centro, de que V. Ex.ª aqui falou na última e primeira vez que esteve nesta Assembleia) deu, infelizmente, um salto estatístico considerável?
Questiono se o fundamental para o Governo é desenvolver em relação aos desempregados de longa duração - trata-se de uma medida importante - "comportamentos de auto-ajuda" e "reforçar a auto-estima e autoconfiança", bem como "facilitar a mudança de atitude".
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os desempregados querem empregos. Este programa não é mais do que uma aspirina para uma doença gravíssima, que poderá ser fatal.
No decorrer do debate do Orçamento de Estado para 1994, o CDS-PP apresentou uma proposta no sentido de que "as entidades patronais que, no ano de 1994, realizem um aumento líquido de quadro de pessoal através da contratação de desempregados de longa duração ficam isentas de contribuição para a segurança social na parte correspondente aos trabalhadores admitidos, pelo prazo de três anos". Tal proposta ia no sentido de diminuir os custos do trabalho, sugerido por todos os documentos disponíveis. A mesma proposta foi "chumbada" com os votos da maioria, tendo Deputados da maioria afirmado que a proposta "estava em vigor".
Pergunta-se, Sr. Ministro, onde está essa, proposta, essa medida, e onde estão as outras soluções para diminuir as contribuições para a segurança social por forma a reduzir os custos do trabalho, seguindo as sugestões da União.
Parece, na verdade, que o Governo português transpõe rapidamente directivas, querendo assim parecer bom aluno, embora depois não regulamente os decretos-leis. Veja-se o caso do Decreto-Lei n.º 26/94, relati-

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vo às condições de higiene e segurança no trabalho: no que é essencial, no receber das sugestões, não as acolhe, não as implementa.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Chegámos hoje, aqui, com a convicção de que a situação técnica de pleno emprego que o Governo tentou vender ao longo dos últimos anos foi artificial, conseguida à custa de apoios para a reconversão, que não ocorreu, do nosso tecido produtivo, da falta de rigor na aplicação dos fundos, da falta de visão estratégica que ultrapassasse o próximo acto eleitoral.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro: quantas empresas, criadas após 1987, faliram ou entraram em processo de recuperação? Quantas empresas faliram ou entraram em processo de recuperação e tiveram acesso a fundos estruturais? Quantos trabalhadores tiveram formação profissional na agricultura e têm hoje assegurado o seu emprego? Quantos jovens que tiveram formação profissional estão hoje no desemprego ? Quantos trabalhadores estão hoje em programas de formação profissional e adivinham o desemprego?
Sr. Ministro, assume ou não que políticas contraditórias do Governo, nomeadamente em relação ao futuro da indústria portuguesa e dos sectores favoráveis para a nossa competitividade, levaram à ruptura de inúmeras empresas que poderiam ter posição determinante em vários sectores, como, por exemplo, os têxteis? Como explica que a uma subida dos fundos estruturais tenha correspondido uma progressiva descida da taxa de crescimento da economia?
Reafirmamos aqui que, por culpa do Governo, perdemos irremediavelmente a primeira de duas únicas oportunidades. Para que possamos ganhar esta "última oportunidade" será necessário proceder a alterações profundas também nas regras laborais.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sabemos que estas propostas criarão polémica, principalmente entre aqueles que entendem o emprego como uma "fortaleza sem brechas", que estão dentro dessa fortaleza e que, mesmo não estando a fazer nada, impedem a todo o custo que outros entrem e preferem ficar soterrados no arrasar dessa fortaleza a fazer concessões mínimas por forma a facilitar a entrada de outros.
Serão as críticas daqueles que, hipocritamente, levantam como bandeira de luta o processo de inadaptação (responsável por 0,0005 % do aumento do desemprego) mas se esquecem de problemas altamente lesivos dos interesses dos trabalhadores com que o CDS-PP está francamente preocupado e de que enuncia somente alguns, sendo o primeiro a morosidade da resolução das questões laborais, propondo-se a recuperação, embora com alterações, da ideia das comissões de conciliação ou de tribunais arbitrais para a resolução de processos que possam findar antes de se amontoarem nos tribunais de trabalho.
Relativamente aos acidentes de trabalho, apontamos a necessidade urgente de alterar a legislação, por forma a obviar situações de gritante injustiça que levam, por exemplo, como resulta claro em excelente artigo publicado em recente número da Revista Portuguesa do Dano Corporal, em que se afirma "actualmente, com a legislação que temos, um sinistrado com uma IPP de 15% a 20 % recebe, inegavelmente, maiores vantagens económicas do que um outro a que foi fixada uma IPP de 25 % a 30 %".
Referimos também o trabalho infantil, em que o Governo demorou dois anos a fazer regulamentação nesta matéria.
Estas matérias são de extrema relevância. É claro que, em sua defesa, ninguém fará uma greve geral. É mais fácil agitar os trabalhadores com a miragem dos salários alemães, que alguns prometeram e que se mostram inatingíveis a médio prazo. Mas percebe-se, antes do mais, que, mais cedo ou mais tarde, aqueles que, em Portugal, lutam pela manutenção da rigidificação das normas laborais ficarão sozinhos, tal como já estão isolados a nível de outros países da Europa.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Desde 1988, várias foram as interpelações sobre política geral em que um dos enfoques principais era a política laboral ou a política de emprego. A análise desses debates bem como dos debates dos vários orçamentos de Estado, das inúmeras ratificações de diplomas versando matéria laboral, das leis de autorização legislativa que estiveram na origem dos pactos sociais, das intervenções dos Srs. Deputados no período de antes da ordem do dia, acerca de situações graves em vários sectores e regiões do País no tocante ao emprego, possibilitariam facilmente que esta interpelação se esgotasse na identificação e na denúncia da incoerência e da hipocrisia, quer da esquerda quer da maioria, na abordagem desta questão.
Não pretende o CDS-PP tal desiderato, fácil com esta interpelação, como não pretende que, mais uma vez, o emprego, tal como inúmeros outros temas sempre actuais, sirva somente como um ajuste de contas entre os antigos parceiros do bloco central. Desde logo, porque, para nós, como já dissemos, algo mais do que meros 10 anos separam 83/85 de 92/94 e, depois, porque, tendo em atenção a taxa de aumento do desemprego, é crível que aqueles que hoje rejeitam tal comparação, amanhã, por lhes ser mais favorável, a recuperem.
Para o CDS-PP o emprego exige medidas e exige decisões. Governar é também decidir. Aguardaremos essas decisões tendo a consciência de que cumprimos, pela nossa parte, o que se espera de um partido da oposição: levantar as questões e apresentar alternativas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A injustiça social ou as carências sociais, assumam elas as formas que assumirem, doem sempre. E nós somos-lhe profundamente sensíveis, porque a solidariedade e a justiça social são pilares que balizam permenentemente a nossa postura política.
Por isso, este debate sobre o emprego e a situação social, num momento difícil como o que ainda vivemos, merece do Partido Social-Democrata uma atenção muito particular. Não disfarçamos as dificuldades económicas que Portugal tem atravessado, particularmente em 1993, com evidentes consequências nas questões aqui em debate, dificuldades que já se vinham manifestando com dureza desde 1991 na Europa e nos blocos económicos americano e asiático.
Com esse enquadramento internacional e as debilidades que a economia portuguesa ainda sofre, só uma atitude irrealista poderá sustentar que teria sido possível imunizar Portugal aos efeitos da crise que abalou e

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ainda afecta economias bem mais sólidas e poderosas do que a nossa.

A dimensão dessas dificuldades económicas representou inevitáveis sacrifícios para muitos trabalhadores e famílias portuguesas, e interrompeu oito anos consecutivos da subida dos salários reais e das pensões (1985 a 1992) e de uma gradual melhoria do nível de vida dos portugueses. Ás profundas alterações que as novas tecnologias têm vindo a introduzir na estrutura e no peso dos sectores produtivos, indispensáveis à modernização e à competitividade das nossas empresas, também determinam novos modelos organizativos e de relações laborais, susceptíveis de causar traumas no domínio do emprego e no tecido social.
Dessas implicitações, cito apenas algumas: reestruturação de sectores ou de empresas, que conduzem à extinção de milhares de postos de trabalho, à reconversão de muitos outros e à criação de outros tantos; desvalorização das qualificações profissionais herdadas do modelo antecedente da industrialização e consequente exigência de novas habilitações para novos perfis profissionais e flexibilidade dos regimes de duração e de organização do trabalho.
É neste quadro desfavorável e de grandes mudanças, que o desemprego subiu para próximo de 7 %, números que nos preocupam, porque compreendemos o drama que significa para uma família encontrar-se desempregada e, sobretudo, porque consideramos que o trabalho é um valor e um direito essencial à realização do cidadão. Importa referir, porém, que estes números conferem a Portugal a 2.ª taxa de desemprego mais baixa da União Europeia e que o líder do Partido Socialista prognosticou em 1993, e pelos vistos desejava para o nosso País, 10 % de desempregados.
A protecção social aos desempregados, à mulher, às famílias e aos reformados, naturalmente que também foi tocada pelos efeitos das dificuldades económicas. Há manchas de. pobreza que não iludimos e que assumimos como um dos nossos principais combates à exclusão social. São custos de uma fase difícil, porque quando uma economia abranda, normalmente tem como consequência o aumento do desemprego, a diminuição das receitas orçamentais e a subida dos encargos sociais.
Naturalmente que estes resultados não são os que desejávamos e só demonstram o muito que temos para fazer. Mas devemos perguntar quais teriam sido os efeitos na sociedade portuguesa, se à frente dos destinos do País não estivesse um projecto equilibrado e pragmático em que os sacrifícios foram mais moderados do que aqueles que a crise impôs à generalidade dos países da Europa.
As alternativas teriam sido bem piores. O CDS-PP, ultra-liberal e defensor dos grandes interesses económicos e da mão-de-obra barata, teria feito disparar o desemprego para índices brutais e sem protecção social.

Aplausos do PSD. Protestos do CDS-PP.

Quanto ao PS, inseguro e confuso como sempre, se realizasse o que alguns dos seus dirigentes têm prometido no campo social, levava o Estado à falência e, se seguisse o caminho apontado por outros, também conduzia o País para os 24 % de desemprego dos seus homólogos espanhóis. Quanto ao PCP talvez nem os comunistas desejem o seu próprio modelo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, marcado por fortes preocupações sociais e em estreita cooperação com as autarquias, o Governo está empenhado num ambicioso projecto de combate às barracas, com uma tripla dimensão: eliminar as barracas e substitui-las por habitações sociais, para que todas as famílias portuguesas tenham uma casa condigna; criar postos de trabalho, diminuir a exclusão social e estimular a economia, particularmente o importante sector da construção civil.
Este projecto é bem um exemplo da nossa política de solidariedade social e das vantagens de uma boa relação entre o poder central e o poder local. O PSD, ao contrário de outras forças da oposição, que teimam em ser a voz e o rosto da desesperança, rejeita esta visão pessimista e acredita que os portugueses vão ser capazes de guindarem o seu país a níveis de desenvolvimento e de bem-estar que os aproximem gradualmente dos seus parceiros comunitários.
O passadismo e a angústia nunca foram sentimentos mobilizadores. Só a esperança é geradora de ânimo para vencer e a confiança é ingrediente essencial ao investimento e ao desenvolvimento. O combate consequente ao desemprego e a realização de uma política de mais bem-estar, que assegure aos pensionistas e beneficiários prestações sociais mais dignas, só são compatíveis com um quadro de crescimento económico.
E a recuperação económica será menos difícil se houver diálogo e convergência entre o Governo e os parceiros sociais. Por isso, valorizamos a concertação social e conferimos-lhe especial importância, porque sempre se traduziu na criação de postos de trabalho e no aumento do poder de compra dos salários, embora existam pessoas que clamam muito por diálogo, mas que à socapa fomentam a conflitualidade e tudo fazem para boicotar o sucesso da concertação social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As razões que estiveram na origem da inviabilização do Acordo Social para este ano, com graves prejuízos para os trabalhadores e para o País, é disso flagrante exemplo.
O PSD entende também que a concertação não deve funcionar só em épocas de crescimento, em períodos de maiores facilidades; pelo contrário, justifica-se e é essencialmente mais necessária, quando as dificuldades são grandes e os desafios do futuro mais complexos. Consideramos ainda que a concertação, para desempenhar o papel de agente catalizador de esforços e vontades colectivas, precisa de abarcar também o conjunto de políticas de desenvolvimento e não apenas a política de rendimentos e preços.

Aplausos do PSD.

O Sr. Primeiro-Ministro, interpretando bem esta necessidade e consciente do momento histórico que Portugal vive, anunciou no último fim de semana que vai propor aos parceiros sociais um contrato para o progresso até 1999.
O PSD saúda e congratula-se com essa iniciativa do Governo em querer associar, de forma institucional, os parceiros sociais ao maior desafio que jamais tivemos pela frente e que queremos ganhar. Com efeito, até

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1999 joga-se o crescimento da nossa economia, a competitividade das nossas empresas, o reequilíbrio do mercado de trabalho, uma formação profissional de qualidade e dirigida às efectivas necessidades do País e o reequacionamento de um adequado sistema de protecção social. Estamos perante uma chamada a que ninguém pode faltar, porque é o futuro de Portugal que está em causa. E preparamos o futuro é agir no presente, com reflexos estimulantes na resolução dos problemas actuais.
Estranhamente, o líder do Partido Socialista apressou-se a desvalorizar esta iniciativa do Sr. Primeiro-Ministro, o mesmo sucedendo com o Secretário-Geral do PCP. Estando todos nós bem lembrados do papel que estes dois partidos desempenharam no fracasso das negociações da concertação social nos anos de 1993 e de 1994, esperamos que tal situação não se repita neste caso.
Esperamos que o PS não venha agora repetir a chantagem que exerceu sobre o movimento sindical em 1993, para impedir a celebração do Acordo Social para 1994.

Aplausos do PSD.

Esperamos que o PCP respeite minimamente a autonomia dos seus quadros sindicais e os deixe decidir sem tutelas.

O Sr. José Puig (PSD):- Isso é que era bom!

O Orador: - Esperamos que da Presidência da República não surjam sinais de interferência na condução das negociações da concertação social, como a comunicação social fez eco em 1993.

Aplausos do PSD.

E, sobretudo, confiamos que os sindicalistas assumam as suas responsabilidades e não sejam permeáveis às ingerências estranhas, que põem em causa a autonomia e a independência sindicais e prejudicam os trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: encontramo-nos no dealbar de um novo ciclo de desenvolvimento e de progresso, onde esperamos que as necessidades de emprego e de melhores condições de vida encontrem respostas positivas para a sua efectiva satisfação. Estamos conscientes das muitas dificuldades, mas não estamos angustiados, porque acreditamos em Portugal e queremos pertencer à Europa social que traga direitos aos trabalhadores.
Por isso, em diálogo com o País, em diálogo com os parceiros sociais, vamos prosseguir o projecto mais adequado ao interesse nacional e que mais garantias oferece para recuperação dos salários, criação de postos de trabalho e mais justiça social.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, não é para um pedido de esclarecimento mas para exercer o direito de defesa da consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sendo assim, intervirá no final do debate.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A política social e de emprego, como aliás a quase totalidade das políticas do Governo, são reveladoras de uma total insensibilidade face às dificuldades com que se debatem os cidadãos e resultam, em grande medida, do autoritarismo e da recusa ao diálogo e à concertação social que caracterizam o comportamento do Primeiro-Ministro, Cavaco Silva.
Trata-se de um facto indesmentível e há muito adquirido em Portugal, pelo que qualquer manifestação de estranheza ou falsa indignação por parte dos Srs. Deputados do PSD constituirá pura hipocrisia. A leitura que fazemos da acção governativa é bem conhecida. Há pouco mais de quinze dias, o Secretário-Geral do Partido Socialista, Eng. António Guterres, repetiu, nesta Assembleia da República, afirmações que vem produzindo há mais de dois anos e que caracterizam a situação social do país.
O combate aos dramas sociais e humanos, decorrentes do aumento do desemprego, da pobreza e da exclusão social, que o Secretário-Geral do PS, desde 1992, elegeu como fundamental para o País, tornou-se agora - e ainda bem! - motivo de grande preocupação para a sociedade portuguesa. Este despertar, que saudamos vivamente, teve nos últimos dias grande eco na comunicação social e, ao contrário do que seria de esperar, só parece não ter chegado ao Primeiro-Ministro.
Pelo contrário, quando era lícito esperar-se daquele um comportamento consentâneo com a dramática situação social que se abateu sobre o País, eis que surge o Prof. Cavaco Silva à "vassourada" classificando aqueles que criticam as suas políticas de "portadores de visões passadistas e discursos miserabilistas ou angústias estéreis".
Perante este cenário, não nos restam quaisquer dúvidas, a nossa intervenção nesta interpelação ao Governo, ao contrário daquilo que seria desejável, será classificada de "passadista", "miserabilista" e quem sabe se não serão usadas também as "angústias estéreis"! A ver vamos!...
Obviamente, a arrogância do Primeiro-Ministro não quebrará a nossa determinação. Nessa medida e a propósito das questões relacionadas com a política de emprego, dizia o Eng. António Guterres, na última interpelação ao Governo da iniciativa do Partido Socialista, que "o desemprego, mais do que uma estatística, é um drama humano".
O Governo já não consegue negar essa evidência mas continua a tentar mistificá-la. Para ilustrar essas tentativas de mistificação bastará citar algumas passagens da recente entrevista do Ministro do Emprego e Segurança Social à revista Visão. Diz o Ministro que "... algum aumento da taxa de desemprego, em 1993 e 1994, era previsível" e mais adiante "... admito que a taxa de desemprego ainda possa subir até ao final do ano. É o desfazamento normal entre a retoma da Economia e a do Mercado".
No entanto, o Ministro esquece deliberadamente que Portugal regista cerca de
400 000 desempregados inscritos nos Centros de Emprego e Formação Profissional; esquece deliberadamente o Ministro que esse número poderia situar-se já muito próximo dos 450 000,

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não fora o facto de, só nos últimos dois meses, terem procedido à anulação de cerca de 40000 inscritos; esquece deliberadamente o Ministro que, no último ano, o desemprego aumentou em mais de 40 % e se distribuiu de acordo com os números oficiais, de forma desigual pelas diferentes regiões do país. Regiões Autónomas, 40,9 %; Algarve, 15,3 %; Lisboa e Vale do Tejo, 14,7%; Região Centro, 14%; Alentejo, 10,1 %; Região Norte, 8,9 %.
Confrontado na referida entrevista com a necessidade de se promover a criação de novos postos de trabalho, responde o Ministro do Emprego: "... o Quadro Comunitário de Apoio 1994-1999 prevê que o funcionamento normal da economia venha a gerar mais de 100 mil novos postos de trabalho".
Será que o Ministro, também deliberadamente, esqueceu que o Primeiro-Ministro havia anunciado, nos finais do ano passado, que até 1999 iria aplicar 600 milhões de contos para criar 100 000 novos postos de trabalho?! Ou será que aqueles se juntam a estes!? Esquecerá o Ministro que os desempregados entre os 35/40 anos, com baixas qualificações, dificilmente encontrarão novas colocações no mercado de trabalho português? Que terá o Ministro do Emprego e Segurança Social para dizer a estes cidadãos sobre o seu futuro próximo, sobre as oportunidades que deve criar-lhes, em suma, como irá satisfazer as suas legítimas expectativas e aspirações!?
Será que o Ministro desconhece que, a verificar-se um crescimento do desemprego a um ritmo igual ao do mês de Abril, 21 831 novos desempregados, as suas previsões até ao final do século não chegam para amortecer o que poderá acontecer até ao final do ano?!
Ou será que o Ministro do Emprego e Segurança Social não termina o ano no Governo? Inclinamo-nos mais para esta hipótese! É que, sendo o Ministro do Emprego e Segurança Social fiel intérprete do pensamento e das políticas do Prof. Cavaco Silva, - e produzimos esta afirmação para que ninguém se iluda com as substituições dos ministros que, em última análise, servem para enganar a opinião pública e esconder o principal responsável pela situação do País -, terá cometido um erro capital ao esquecer ou ignorar que Portugal, no contexto da Comunidade Europeia, é o País que apresenta mais rápido crescimento do desemprego e que, ao contrário do que acontece na quase totalidade dos países membros, cerca de 50 % dos portugueses que se encontram na situação de desempregados não recebe qualquer tipo de ajuda da segurança social?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados. Em matéria de satisfação das necessidades básicas, o emprego é fundamental. Abril, 20 anos atrás, gerou na sociedade portuguesa legítimas expectativas. A sensação, passados que foram esses anos, é de angústia e incerteza no futuro. Angústia, porque é bem evidénte a crise no emprego e a exclusão social gerada pelo mesmo, que conduz, inevitavelmente, à pobreza e ao desequilíbrio no seio da família; angústia, porque a crise nas relações laborais e no desequilíbrio psíquico dos trabalhadores que sentem o medo a instalar-se rapidamente no seio das empresas, independentemente de serem privadas ou públicas - a propósito da Administração Pública, é notória e poderá vir a ser dramática, a indefinição da fronteira entre o aparelho partidário e o aparelho do Estado.

Protestos do PSD.

O Orador: - Sabemos que não lhes agrada este discurso mas vão ter de o aguentar até ao fim!
Angústia, em relação à crescente pratica de desregulamentação laboral; angústia, porque a crise a que conduz à precarização do emprego e que decorre não só do uso e abuso do chamado "recibo verde" (há hoje identificados cerca de 800 000 trabalhadores nessa situação), mas também do recurso a empresas prestadoras de serviços que colocam, na Administração Pública e nas empresas públicas e privadas, trabalhadores a executarem iguais funções com salários inferiores na ordem dos 50 %.
Estes comportamentos tornam perfeitamente insustentável uma adequada relação de trabalho, uma salutar competição entre os trabalhadores e, em última análise, serão também eles responsáveis pela baixa produtividade que as estatísticas atribuem aos trabalhadores portugueses.
Angústia ainda porque este e outros governos do PSD aumentaram brutalmente as custas dos processos judiciais tornando quase inacessível o recurso à justiça.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - Para os cidadãos de baixos recursos, subsiste ainda um outro condicionamento que decorre da lentidão dos tribunais. Esse condicionamento traduz-se, para os mais optimistas, numa espera de três a cinco anos para resolver um conflito laboral. Claro está que esta situação só favorece os mais fortes (os patrões). Os trabalhadores, de uma forma geral, sucumbem antes, muito antes, da decisão judicial.
Porque seria angustiante continuar a inventariar práticas contrárias à letra e ao espírito das leis que regulam as relações laborais e porque pensamos que este Governo nada fará para as corrigir, ficamo-nos com a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, os eleitores penalizarão quem os conduziu a tão dramática situação.

Protestos do PSD.

O Orador: - Ainda terão de ouvir muito mais!

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A União Europeia atribuiu a Portugal o estatuto de país pobre e dos mais atrasados. De facto, o empobrecimento da população assume proporções dramáticas: cerca de 30 % dos portugueses vive abaixo do limiar da pobreza. É o resultado das políticas sociais deste Governo! 80 % dos reformados e pensionistas recebem reformas entre 16 e os 35 contos; milhares de desempregados sem receberem qualquer subsídio; o flagelo e o estigma dos salários em atraso regressou; a destruição do tecido produtivo nacional parece não ter fim.
As medidas para combater esse flagelo não surgem! Pelo contrário, quando desafiámos o Governo para assumir a criação de um rendimento mínimo garantido para dar às famílias mais carenciadas um mínimo de subsistência, logo fomos classificados pelo Primeiro-Ministro de irresponsáveis, incompetentes e geradores das mais graves distorções dos mecanismos - de protecção social. Esqueceu o Primeiro-Ministro e os Srs. Deputados pelos vistos também que, em Bruxelas, o então Ministro Silva Peneda, em nome do Governo, havia aprovado com os restantes parceiros comunitários, por unanimidade, uma recomendação aos países membros para adoptarem esse mecanismo de protecção e inserção social.

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Naturalmente, na próxima semana, quando se discutir o projecto de lei do Partido Socialista, terá o Governo e o PSD mais uma oportunidade de corrigir as suas posições e assumir as suas responsabilidades. Não é mais possível ao Governo dizer e votar em Bruxelas políticas sociais ou outras e recusá-las aos cidadãos do seu país. Para agravar ainda mais a situação e quando seria desejável e necessário rever...
Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, atenção ao tempo!

O Orador: - Sr. Presidente, uma pequena tolerância, pois estou quase a terminar.
Como dizia, para agravar ainda mais a situação e quando seria desejável e necessário rever os mecanismos de atribuição do subsídio de desemprego para melhor salvaguardar a situação de carência em que vivem esses cidadãos, o Governo fez precisamente o contrário.
Aos idosos, que em muito contribuíram para a construção e projecção do país que somos, que prémio lhes reserva este Governo? Um passe social que restringe a sua circulação nas horas de ponta; baixas pensões de reforma; baixas comparticipações nos medicamentos e reduzido número de medicamentos comparticipados; demorado atendimento nas consultas médicas e hospitalares; dificuldades no acesso à assistência e ao acompanhamento no seu domicílio.
Para o Governo, a avaliar pelas respostas que tem dado às propostas e aos desafios que temos apresentado, o idoso não é um cidadão com direitos, mas apenas mais um eleitor. O PS defendeu e continua a defender que é absurdo pensar-se que os idosos andam, por gosto, nos transportes às horas de ponta. Propusemos o fim da restrição. O Governo' e o PSD recusaram. Defendemos a criação de uma rede nacional de apoio aos idosos nos seus domicílios e encontramos três câmaras municipais, representativas de diferentes regiões, disponíveis para protagonizarem a experiência piloto. O Governo e o PSD ignoraram.
Apresentámos propostas para a criação de um Provedor do Idoso, visando o fim da descaracterização e a ausência de um rosto no tratamento dos problemas daquele imenso batalhão de seres humanos e a resposta do Governo e do PSD não foi diferente.
As recusas permanentes e sistemáticas do Governo e do PSD, na adopção de medidas para combater os problemas e angústias dos idosos permitem apenas uma conclusão: para o PSD, importa apenas o calendário eleitoral. A seu tempo, aumentos de pensões e grandes promessas farão dos idosos bons eleitores!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: na concertação social, instrumento decisivo para suportar um verdadeiro projecto comum de modernização, o Governo assume-se como campeão.
Convenhamos que não é muito difícil assumir um tal papel. Quando um campeonato tem apenas uma entidade a participar, fácil se torna atingir o primeiro lugar.
Só que, infelizmente para o País, encontramo-nos perante um campeão incapaz de dar qualquer substância ao título que se arroga de possuir.
Vamos já no segundo ano consecutivo sem Acordo Económico e Social - é o resultado da arrogância e da insensibilidade social do Primeiro-Ministro! - e quanto aos acordos conseguidos...

Protestos do PSD.

... parte está ainda por cumprir. Refiro-me concretamente à redução da jornada de trabalho semanal para as 40 horas...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
...e à ausência de árbitros que materializem a figura da arbitragem obrigatória, estabelecidos na lei da negociação colectiva.
E que o Governo, não nomeando os árbitros que a lei determina, objectivamente, está a contribuir de forma decisiva para o bloqueamento ou impasse em que se encontram numerosos processos de revisão salarial e contratual.
Nesta como noutras matérias, há clara violação dos princípios legais e das orientações da Organização Internacional do Trabalho.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe para concluir. Não vai poder ler tudo, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, mas apelo à sua tolerância.
Neste contexto, a falta de empenhamento do Governo para cumprir e fazer cumprir as leis, o mau feitio do partido do Primeiro-Ministro, quando confrontado com os movimentos reivindicativos de jovens estudantes, de magistrados, de agentes policiais e de agentes económicos e sindicais, impróprio num regime democrático e inadequado à busca permanente de soluções para a grave crise que vivemos, leva-nos a concluir que só conseguem fazer a concertação social quando se aproximam actos eleitorais.

Protestos do PSD.

O melhor exemplo para ilustrar esta convicção, tem tradução na comunicação que o Primeiro-Ministro fez aos parceiros sociais no fim-de-semana que passou.
O balanço da política social e de emprego, sente-se um pouco por todo o país, é negativo.
O flagelo social que perpassa pela sociedade portuguesa só poderá ser combatido com novas políticas e com protagonistas sensíveis aos problemas sociais já identificados.
A capacidade e disponibilidade para o diálogo constituem factores determinantes para a superação das dificuldades. Os problemas actuais não se resolvem com a arrogância, a prepotência e a indiferença que caracterizam o Primeiro-Ministro e o seu Governo.
Muito obrigado pela vossa paciência, Srs. Deputados, e ao Sr. Presidente em especial.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O debate propriamente dito acabou. Seguir-se-á a fase de encerramento da interpelação, mas antes ainda vou dar a palavra aos Srs. Deputados que durante o debate se inscreveram para a defesa da honra.
Para esse efeito, e dispondo apenas de três minutos, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

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O Sr. João Proença (PS): - Sr. Ministro do Emprego e Segurança Social, V. Ex.ª referiu a vantagem que eu teria na minha qualidade de sindicalista que participa na concertação social e de ao mesmo tempo ser Deputado. Orgulho-me, de facto, de ser um daqueles que desde a primeira hora participa na concertação social, participei até na elaboração do diploma que lhe deu origem em Portugal. Dir-lhe-ia que isso só é uma vantagem em termos de informação se o Governo promover uma política de secretismo ou se disser num lado o que não diz no outro.
Defendemos que deve dizer nos dois lados a mesma coisa e que, efectivamente, a Administração Pública deve promover a transparência e a informação.
Mas o Sr. Ministro introduziu uma matéria nova. Quando referi que era fundamental que o Governo nos dissesse como é que vai combater o desemprego em Portugal é porque todos temos a noção que nos próximos tempos o crescimento económico só por si não vai gerar o número de postos de trabalho suficientes para que o desemprego diminua.
Por isso, das duas uma: ou não nos preocupamos com o aumento do desemprego, ou procuramos tomar medidas que garantam a criação de postos de trabalho alternativos. Postos de trabalho no mercado de trabalho, mas postos de trabalho normais, não postos de trabalho artificiais. E daí a necessidade de discutir e promover o mercado social de emprego. Postos de trabalho na área da assistência aos idosos, da defesa do ambiente, da cultura, dos tempo livres, ou do ensino pré-primário, por exemplo, que tão desleixado tem sido por este Governo.
É fundamental que o Governo diga se está ou não empenhado nisto. Se vai promover e em que sentido, dando conta, até em termos quantitativos, deste processo.
O Sr. Ministro, em vez de responder a essa questão, aproveitou a ocasião para responder nesta Assembleia a uma carta que o Partido Socialista lhe dirigiu. Diria que foi a resposta no local inadequado, demonstrando pouca consideração por um pedido do Partido Socialista e por uma disponibilidade que lhe foi manifestada por esse partido e por três municípios do País para, em regime experimental, tentarem um processo que, ao Partido Socialista e a esses municípios, parece inovador em termos de criação de postos de trabalho na assistência domiciliária a idosos.
Tal processo não rejeita quaisquer outros que venham a ser criados no País, até porque temos a noção de que neste sector é possível criar no sector privado dezenas de milhar de postos de trabalho competitivos e normais. Não é isso, efectivamente, que o Governo está a fazer.
Não compreendemos se o Sr. Ministro, com a resposta que nos deu, rejeitou claramente a oferta do Partido Socialista e desses três municípios. Se assim foi, podemos dizer que o lamentamos porque consideramos que, de facto, o mercado social de emprego é uma área em que todos podem dar contribuições, incluindo as instituições privadas de solidariedade social, sem dúvida. É importante que também essas tenham o seu papel. E, como sabe, o Partido Socialista tem apresentado propostas nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e Segurança Social.
Em todo o caso, peço aos Srs. Deputados que cingissem o uso da palavra à finalidade para que a pedem. Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Emprego e Segurança Social: - Sr. Deputado João Proença, ao invocar a figura regimental da defesa da honra, acabou por colocar três novas questões. A sua participação no Conselho Permanente de Concertação Social, naturalmente, que a referi como a dupla informação que o Sr. Deputado poderia ter. Não referi, e isso sim, poderia ser ofensivo, que o Sr. Deputado tomava uma posição num sítio e outra posição no outro. Isso não referi. Essa referência podia ser ofensiva.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Também era o que faltava!

O Orador: - Sr. Deputado, não o interrompi, estou a responder ao Sr. Deputado João Proença!
Não esteja nervoso. Acho que acabou a sua intervenção com tanta velocidade que ainda não teve tempo para recuperar a respiração! Mas, não esteja nervoso...

O Sr. Artur Penedos (PS): - Não estou nada nervoso!

O Orador: - Sr. Deputado João Proença, falou em políticas activas de emprego. É a resposta. E foi a resposta que o Sr. Deputado aprovou na Comissão Permanente de Concertação Social quando consensualizou, ou participou na consensualização, daquilo que se chama hoje as 40 medidas. Portanto, Sr. Deputado João Proença, não me force a dizer que teve uma posição nessa altura e tem outra aqui porque não quero dizer isso.
Quanto à carta do PS e de três municípios, não vejo que a referência que lhe fiz aqui tenha algo que possa configurar qualquer ofensa, quer ao Partido Socialista, quer aos três municípios que a subscreveram. Limitei-me a dizer que é uma proposta que vem atrasada e que é limitativa em relação àquilo que já estamos a fazer na mesma matéria. E só isto, Sr. Deputado!
Por isso, confesso-lhe francamente que não entendi a invocação que fez da defesa da honra porque, no fundo, o Sr. Deputado o que quis foi ter mais um pouco de tempo de antena para falar de três novas questões. Não lhe vou dar mais tempo de antena.

O Sr. Presidente: - Para defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Ministro da Saúde, Sr. Dr. Paulo Mendo, V. Ex.ª não quis abordar a situação que se vive no Hospital de Castelo Branco e diz textualmente «porque a situação no Hospital de Castelo Branco não tem dignidade suficiente para ser tratada no Parlamento». Como também não se referiu a duas questões que levantei - em relação ao Instituto Português de Sangue e à penhora dos hospitais -, não sei se também essas não tinham a dignidade suficiente para serem tratadas no Parlamento.
Mas, voltando à questão de Castelo Branco, o seu hospital é, no meu entender, tão ou mais importante que qualquer outro a nível do País. Os seus profissionais de saúde merecem-nos também todo o respeito, sejam eles deste hospital ou de outro qualquer. Por certo, V. Ex.ª saberá que o assunto mereceu dignidade suficiente para ser tratado pela Ordem dos Médicos, pelo Sindicato dos

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Médicos, pela FNAM, pela Associação Nacional dos Médicos de Carreira Hospitalar e também teve a dignidade suficiente para ser analisado na própria Comissão Parlamentar de Saúde.
Perante tal situação não posso deixar de o lamentar. A sua resposta, em meu entender, foi infeliz e até precipitada, da parte do Ministro da Saúde, que tem a responsabilidade de ter conhecimento destas situações e tem também a responsabilidade de as gerir e de não as conflituar. Perante esta resposta que o Sr. Ministro deu aqui na Assembleia, de desvalorização total daquilo que se passa, ficámos apreensivos porque esse é um facto que, no nosso entender, ainda vai agravar mais a situação.
Em face da afirmação que proferiu aqui no Parlamento pergunto-lhe, Sr. Ministro, se tem informações suficientes sobre a gravidade da situação que se vive. A não ser - e não o quero sequer pensar -, que o Ministro da Saúde, Dr. Paulo Mendo, queira dar cobertura a factos extremamente graves provenientes de uma administração excessivamente partidarizada, que prossegue uma política agressiva e clientelar ao ponto da situação criada ser extremamente conflituosa. Julgo até que terá conhecimento da sindicância, feita em tempo recente, a alguns elementos que agora fazem parte da própria administração.
Aliás, é uma questão que vamos querer aprofundar e saber qual o resultado dessa própria sindicância, porque até agora ainda ninguém soube.
Estas informações preocupam-nos, a nós, Partido Socialista, e à própria Comissão Parlamentar de Saúde. Foi por esta razão, Sr. Ministro e Sr. Presidente, que pedi a defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: - Sr. Deputado, a minha posição face às questões que abordou não significam de modo nenhum que não valorize e não tenha todo o respeito, quer pelo Hospital de Castelo Branco, quer pelo Instituto Português de Sangue (IPS), quer pelos outros hospitais, quer por qualquer dos serviços e dos problemas que lá se passam.
Simplesmente, considero que nesta sede estávamos a discutir o problema global da política de saúde e não pequenos problemas que, como sabe, sucedem todos os dias e em relação aos quais o Ministério está perfeitamente atento. O caso de Castelo Branco está a ser seguido minuciosamente no próprio local e em relação ao IPS o Sr. Deputado sabe perfeitamente que ontem mesmo mandei para a imprensa a resposta ao sucedido.
Portanto, a minha afirmação significa apenas que considero que quando se vai para situações deste tipo é porque naturalmente não se têm argumentos para discutir aquilo que, em sede própria, estava a ser discutido e que era a política de saúde. Isso não é política de saúde!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Deputado Arménio Santos, V. Ex.ª falou em chantagem. Ora, chantagem, que saiba, é uma situação que se passa quando
se utiliza o poder que se tem para se fazer exigências, ameaçando com retaliações caso estas não sejam satisfeitas. O problema não é o Sr. Deputado ter utilizado o termo chantagem que, penso, até é aceitável no debate político. O problema é ser falso que o PS a tenha feito. Quem fez chantagem foi o Governo e vou explicar-lhe porquê.
É que o Governo, como estará recordado, avisou os sindicatos que se não assinassem o acordo com um tecto de 4 % de aumentos salariais, haveria um aumento de O % para a função pública. E utilizou o poder que teve exactamente para impor essa situação. Ou seja, ameaçou, fez chantagem, e depois levou à prática a chantagem que tinha feito.
Por outro lado, a decisão da central sindical UGT, como o Sr. Deputado sabe, foi tomada por voto secreto e por esmagadora maioria. E, portanto, quando o Sr. Deputado diz que essa central sindical se vergou a uma hipotética chantagem que não existe, está a passar um atestado de menoridade à central sindical de que, julgo, ainda faz parte. Nestes termos, o insulto não foi feito propriamente ao PS, mas a todos os trabalhadores filiados na UGT, entre os quais a si próprio. Devo dizer-lhe que não me surpreende.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, V. Ex.ª sabe que aquilo que eu disse corresponde rigorosamente à verdade e que eu tenho conhecimento do que se passava com os seus camaradas sindicalistas. À confiança e capacidade de diálogo que as pessoas têm, às vezes, permite-lhes transmitirem aquilo que provavelmente não desejariam. Essa foi uma evidência tão grande que o Sr. Deputado sabe que não houve jornal nenhum, não houve rádio nenhuma, não houve televisão nenhuma- e o Partido Socialista não desmentiu tais notícias que não se referisse ao facto de que se estavam a exercer pressões brutais sobre os quadros sindicais do Partido Socialista.

O Sr. José Puig (PSD): - É verdade!

O Orador: - É evidente, Sr. Deputado, que, havendo essas pressões brutais da direcção - e destacados dirigentes do PS apareceram de viva voz a expressar e defender as suas posições, com ameaças claras aos seus quadros sindicais no sentido de que, se o acordo fosse celebrado, as coisas não seriam como nos anos em que, contra a vontade de alguns quadros da direcção do partido, mesmo assim, os sindicalistas socialistas haviam celebrado acordos-, aquilo que se verificou depois, em reunião do Secretariado Nacional da Central Sindical, foi uma decisão motivada por essa pressão prévia, por esse enquadramento político-partidário que o PS exerceu sobre os seus quadros.
De resto, aquilo que se provou, e o Sr. Deputado sabe-o, foi que o acordo, tal como estava desenhado, iria permitir a todos os trabalhadores deste País, sem excepção, aumentos mínimos, e não aumentos máximos, de 4 % mais 1 % de desagravamento fiscal no IRS...

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Está a ver-se!

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O Orador: - .... o que significava que, pelo menos, a generalidade dos trabalhadores teriam, em 1994, aumentos da ordem dos 5 %.
Aquilo que nem o PS nem o PCP queriam era que, de facto, houvesse, por um lado, moderação salarial e paz social, e, por outro, que se criasse o factor decisivo, que é o factor confiança, que estimulava o investimento, que implementava o desenvolvimento e que atenuava os efeitos sociais resultantes da crise.
Com efeito, nem o PS nem o PCP queriam que isso se verificasse porque, no seu interesse estritamente político-partidário, não lhe convinha que os custos sociais fossem mais controlados pela celebração do acordo social.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Já estão arrependidos!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção final, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É tempo de balanço e o balanço que o CDS-PP faz desta interpelação é, apesar de tudo, positivo. Apesar do momento de grande ebulição política, que atrai, porventura, mais a atenção dos media para outros temas mais conjunturais e mais animados - ainda que em folhetim -, o CDS-PP está satisfeito, repito, com a interpelação que agora encerramos.
Entendamos-nos: interpelar o Governo sobre a protecção social e a política de emprego, com as linhas de focagem que escolhemos, tem de ser considerada uma atitude séria. É que a protecção social e a política de emprego tornaram-se no maior problema da década, no maior desafio da Europa e têm sido ambos abordados em vários Estados membros com uma preocupação de realismo que chega mesmo a cortar longitudinalmente as ideologias e os partidos. Porém, esse realismo, entre nós, é mais difícil de atingir e o debate provou-o.
Na verdade, temos um sistema de protecção que assenta numa enorme falsidade, ainda que se admita que esta seja fruto de ingenuidade ou generosidade passadas. Mas uma falsidade, mesmo assim!
O nosso sistema assegura a todos protecção social, e isso é falso, por isso existem pensões insuficientes e problemas avolumados de financiamento e receios justificados sobre o futuro.
O nosso sistema assegura a todos cuidados de saúde gratuitos, e aí estão continuamente os factos a desmentir a utopia. De facto, poderá ter melhorado a taxa de mortalidade, mas em áreas menos visíveis onde não se morre há carências brutais e esperas insuportáveis.
O nosso sistema promete, ainda, emprego para todos e, infelizmente, afastamo-nos, cada vez mais, do patamar de emprego aceitável.
Ora, estes problemas têm de ser enfrentados com realismo e alguns observadores ou especialistas foram dizendo- alguns mesmo recentemente que, com certeza, as grandes reformas nesta área só serão possíveis com uma plataforma de acordo político bem alargada, talvez semelhante à que suporta, normalmente, uma revisão constitucional ou uma mudança do sistema fiscal.
Seja como for, o compromisso ou o conhecimento das várias opiniões dos partidos só seria possível com o conhecimento detalhado e frontal da posição do Governo e da maioria que o suporta, conhecimento esse que não existia com suficiente amplitude até aqui, seja por ocultação deliberada, seja pelo ingresso recente no Governo de novos ministros.
Assim, a oportunidade da nossa interpelação impunha-se, porque, estando nós em vésperas de começar o aproveitamento do novo Quadro Comunitário de Apoio, era imperioso, pelo menos da parte da oposição, que se fizesse ouvir a sua voz e a sua crítica.
O primeiro objectivo desta interpelação conseguiu-se: o Governo respondeu, algumas vezes, como pode, tendo mesmo, em certo passo da interpelação, mudado o seu discurso, transferido os papéis preparados no gabinete para um improviso mais adequado às questões colocadas pelo CDS-PP, e, apesar de ser pouco, o Sr. Ministro do Emprego e Segurança Social escolheu esta altura para anunciar uma medida que vem ao encontro das nossas preocupações e da nossa linha de pensamento na matéria.
Temos consciência de que fica muito por dizer sobre os temas da protecção social e da saúde, em grande parte por culpa dos partidos. O balanço que fazemos deste debate realista que aqui trouxemos, no que se refere ao empenho da parte de outros partidos desta Câmara, não é, claramente, suficiente.
Se tivermos de responder à questão de saber se os diferentes modelos que existem nesta matéria foram aqui defendidos, nesta Câmara, com suficiente credibilidade, teremos de dizer que não.
Não foi suficientemente defendido, nem convenientemente tornado claro o que o Governo pensa do que existe e o que entende fazer, mas não foi, sobretudo, aqui mostrado, por aqueles que, em vez de discutir o futuro do sistema, querem que ele avance cada vez mais, em novas e maiores prestações, qual o quadro global de financiamento e integração em que assentariam as suas propostas, se acaso as pudessem desenvolver.
Temos consciência, repito, de que muito ficou por dizer. E permitam-me que refira que, no quadro das intervenções partidárias, um sindicalista chegou mesmo a acusar o CDS-PP, inoportuna e inusitadamente, de ligação a interesses económicos, quando parece, justamente, suspeito de não saber onde está o equilíbrio entre os interesses do Governo que apoia e os dos trabalhadores que devia defender.

Vozes do CDS-PP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Temos consciência de que ficou muito por dizer no domínio do emprego e da segurança social. Não se falou, por exemplo, nos célebres créditos da segurança social que o Governo pretendia vender, mas parece que ninguém quer comprar.
Não se falou também, com suficiente profundidade, sobre o modo como o Governo utiliza as empresas públicas para prolongar, artificialmente, situações de emprego.
E na saúde? Também esta não era uma interpelação exclusivamente destinada à saúde, mas ficou por saber por que é que os médicos são suficientes, por que é que concorrem consigo próprios, por que é que o Estado precisa ainda de comprar mais serviços médicos do que aqueles que tem ao seu dispor, quando utiliza aqueles que emprega.
Ficou por explicar a subutilização dos hospitais, a ligação da construção dispersa de hospitais a objectivos suspeitos de eleitoralismo, o problema dos custos comparados entre a actividade privada de prestação de cuidados de saúde e a actividade pública.

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Ficou ainda por explicar como é que se fazem as privatizações, no domínio da saúde, se o Governo continua a exigir o mesmo regime laboral e apertados esquemas de prestação de serviços, se o Governo escolhe os funcionários e estabelece as metas obrigatórias de tratamento.
No entanto, ao mesmo tempo, caíram muitos mitos e o meu colega Nogueira de Brito falou de alguns.
Desde logo, caiu o mito de que era possível atravessar todo este ciclo de crise sem debater estas questões, mas também caiu o mito de que era possível uma política económica de correcção dos desequilíbrios, sem afectar o desemprego.
Em todo o caso, no final, continua ainda a haver questões ocultas, a principal das quais foi, sem dúvida, a do financiamento. Ninguém conseguiu explicar, de modo global, como é que o futuro da segurança social e da saúde vai ser financiado, como é que as necessidades por que clama e de que se queixa, constantemente, o Ministro da Saúde vão ser resolvidas - o mesmo se diga da segurança social e da educação- e como é que tudo isso se articulará com o sistema fiscal. É que aquilo que vemos é que cada Ministro se queixa da falta de financiamento para as suas próprias políticas e, no entanto, o nível de despesas públicas está no limiar do possível, tal como acontece com o nível de utilização dos recursos privados.
A solução, diremos a todos os ministros, não passa, com certeza, pelo facto de o Estado passar a vender aos particulares os serviços públicos para cujo financiamento nós pagamos impostos.
No entanto, para resolver este problema, nem uma palavra segura foi dita. Não houve palavras sobre o problema que vai ser o constrangimento financeiro futuro de todos os tempos, dos próximos tempos, que vai ser o principal problema político que havemos aqui de defrontar.
Ficou, seguramente, muita coisa por dizer, mas o CDS-PP, apesar de tudo e apesar de satisfeito com a sua interpelação e com boa parte dos seus resultados, espera que, amanhã, quando se quiser saber qual foi o debate que se realizou no Parlamento sobre a segurança social, o emprego e o futuro da saúde, não se aponte simplesmente este.
O CDS-PP espera que, quando se fizer um teste sobre o empenhamento dos partidos na definição desse compromisso necessário ou da ruptura, não seja apenas este o documento que possa ser exibido.
Pela nossa parte, julgamos ter contribuído, com frontalidade, para que estas questões se comecem a discutir, com verdade, e para que possa haver - oxalá que sim - mais debates sobre estes temas, no Parlamento.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para fazer a intervenção de encerramento do debate, por parte do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Si Ministro do Emprego e Segurança Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como ficou demonstrado neste debate, a politica que o Governo tem vindo a seguir no domínio social e do emprego é a opção correcta, porque baseada na noção de solidariedade humanizada e concreta para a resolução dos problemas dos mais desprotegidos e dos mais carenciados.
Opção correcta, também, porque aposta na valorização dos nossos recursos humanos, até como forma de melhorar a competitividade do País e de fomentar a qualidade do emprego num quadro de internacionalização, e mesmo de mundialização, de economias e de mercados, que abrange e pressupõe a intensificação da concorrência mundial.
Não restam, hoje, dúvidas de que só a aposta na valorização do homem através da educação e da formação profissional, quer de base, quer recorrente, quer contínua, permite alcançar vantagens competitivas.
Opção correcta porque assente nos princípios da justiça e da solidariedade social, não desvaloriza os problemas que caracterizam os actuais sistemas de segurança social e, mais, é capaz de encará-los e de resolvê-los.
Opção coerente porque estabelecida de acordo com o programa maioritariamente aprovado nesta Câmara, aliás, curiosamente, sem a oposição do partido interpelante.
Destas linhas programáticas destacarei: a disponibilidade para «um acrescido esforço de concertação social, no que se refere aos traços essenciais da política económica e social»; a «conjugação harmoniosa e equilibrada do crescimento económico com os ideais de justiça e a noção de solidariedade»; o «combate aos focos e manchas de pobreza de forma empenhada e determinada»; a aposta numa «política de valorização dos recursos humanos».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como ficou demonstrado, só a aposta essencial nas medidas activas de emprego permite combater, de forma eficaz, o desemprego e contribuir para a conversão da mão-de-obra, em termos de facilitar a reinserção dos desempregados no mercado de trabalho, nomeadamente os de longa duração, e de tornar mais fácil para os jovens a procura do seu primeiro emprego.
A melhor estratégia para combater o desemprego é o reforço da capacidade da economia, nomeadamente do sector privado, que criará novos empregos com maior produtividade e melhor remunerados; o que supõe e exige a existência de trabalhadores qualificados, com sólida formação teórica e técnica, que lhes permita mobilidade e flexibilidade no emprego, em empregos qualificados.
As características do mercado de trabalho que temos - e que se acentuarão no futuro - exigem que os trabalhadores sejam capazes de se adaptar a novos empregos, a novas tecnologias e a novos métodos de produção e de gestão ao longo de toda a sua vida, pelo que o investimento pessoal e individual na formação, enquanto profissionais, terá de ser sentida pelo próprios como uma necessidade permanente.
Só uma política activa no mercado de trabalho poderá contribuir para transformar qualificações ultrapassadas em competências adaptadas aos novos desafios que nos esperam.
O esforço de reconversão da economia e, particularmente, do mercado de emprego, exigem uma solidariedade concreta de toda a sociedade civil e do Estado, tendo em vista minorar os custos sentidos por aqueles que são mais afectados por qualquer forma de exclusão social.
Como dissemos, prosseguiremos uma política social activa no sentido de: reforçar a capacidade de ajustamento e de adaptação do mercado de trabalho; desenvolver a capacidade de inovação e de criatividade das empresas; incentivar as empresas à contratação de jo-

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vens à procura do primeiro emprego, desempregados de longa duração e dos que convertam contratos a termo em contratos por tempo determinado, através da isenção de contribuições para a segurança social; promover a iniciativa dos desempregados na procura do próprio emprego ou na criação do seu próprio emprego.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No que respeita à segurança social, prosseguiremos no sentido do aperfeiçoamento do sistema, do seu financiamento e da abertura de novas concepções e até de novos parceiros.
No domínio da acção social prosseguiremos a politica de solidariedade para com os mais desfavorecidos, nomeadamente através de acordos com as Instituições Privadas de Segurança Social, na convicção de que se ao Estado cabe garantir as condições mínimas de dignidade a todos os cidadãos, ele deve, por isso mesmo, racionalizar ao máximo os recursos sempre escassos e canalizá-los preferencialmente para os organismos e as instituições que, de parceria com o Estado, melhor os rentabilizem e administrem, permitindo, assim, que o apoio estatal chegue a um maior número de carenciados. Foi a isso que chamei o Estado-solidariedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Eu sei, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que esta actuação serena e firme mas coerente não agrada às oposições.
E ao partido interpelante não agrada porque a politica do Governo assume a sua quota-parte de responsabilidade do Estado no custo da reconversão da economia para o desenvolvimento, porque a política do Governo não deixa a sorte dos mais desprotegidos, dos mais carenciados, ao livre jogo das forças do mercado. Concitando a solidariedade da sociedade civil, afirma-se, nessa justa medida, como o interveniente no processo.
O CDS-PP prefere o modelo em que só o funcionamento do mercado ditará as regras, defende o mercado como regulador infalível de tudo, e, porventura, menoriza a justiça e a solidariedade social.
A política firme e coerente do Governo, orientada por princípios que se assumem de forma clara e que se concretizam efectivamente, não agrada também ao PS e ao PCP, porque também responsabiliza a sociedade civil neste esforço de modernidade que é do País inteiro.
O PS e o PCP continuam a defender soluções que, no fundo, representam o regresso ao Estado-Providência, que tudo faz, tudo executa, sem pensar nas consequências financeiras e de estagnação social que isso acarretaria. Querem, ainda hoje, alguns deles, a utopia que falhou no leste e da qual se afastam hoje os países nórdicos. Querem a utopia malograda que cegou a Europa dos anos 70 e conduziu à sua perda de competitividade no mercado mundial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política social do Governo vai ser executada porque é aquela em que o País acredita. É uma politica social delineada para permitir, sem rupturas, de forma gradual e num espírito reformista, promover a alteração das estruturas. No que diz respeito ao mercado de trabalho, é a única que permitirá dar a Portugal condições para enfrentar o desafio do desenvolvimento, porque aposta na capacidade dos portugueses e na melhoria das suas qualificações, do mesmo passo que aposta nas empresas portuguesas e na sua capacidade de inovação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, porque a política do Governo é a única que, efectivamente, não esquece os mais desfavorecidos, mas aposta, fortemente, na sociedade civil.
Para nós, a solidariedade social dos que têm para com os que não têm, não é uma palavra vã mas um valor que se concretiza a cada momento.
É a solidariedade que permite concretizar a coesão económica e social dentro do País, por opção, sem medo ou constrangimentos motivados por complexos de qualquer natureza.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma sociedade justa e solidária como a que queremos não pode considerar o desenvolvimento económico como um fim em si mesmo; o desenvolvimento tem de ter como fim último a pessoa humana em toda a sua dimensão.
Por isso privilegiamos o aperfeiçoamento de um sistema de valorização dos recursos humanos como princípio e fim de um processo de desenvolvimento global e harmónico.
Por isso privilegiamos um sistema de segurança social que proteja e garanta os direitos dos que trabalham.
Por isso nos batemos pela concretização de esquemas que combatam a pobreza e a exclusão social.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em todos estes domínios, pela sua própria natureza, damos uma importância decisiva a todas as formas de diálogo e de concertação social.
O nosso historial, desde 1985 até hoje, fala por nós. Foi este Governo que possibilitou os acordos sobre Política de Rendimentos de 1987 e 1988 e o Acordo Económico-social de 1990 e os Acordos de 1991 e de 1992. E todos sabemos bem por que é que não se conseguiu concluir o Acordo de 1993,...

Aplausos do PSD.

O Orador: - ... apesar dos esforços do Governo e, faça-se justiça, dos próprios parceiros sociais.
É a mesma vontade de diálogo, é o mesmo desejo de aprofundar a participação dos parceiros sociais, que leva o Governo, pela voz do Primeiro-Ministro, a apresentar o desafio colectivo de realização de um grande contrato social para o fim do milénio.
A situação económica e mundial e os objectivos de convergência da União Europeia exigem a todos, Governo, oposição e parceiros sociais, um grande esforço de diálogo para que Portugal possa entrar no Século XXI mais próximo do nível de vida dos seus congéneres comunitários. É um objectivo que as futuras gerações não nos perdoarão se o falharmos por meras querelas político-partidárias

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Conseguir, hoje em dia, uma política duradoura de crescimento só é possível com a assumpção plena das suas respectivas quotas-partes de responsabilidade por parte do Estado e da sociedade civil, permitindo que cada um faça aquilo que é capaz de fazer melhor que o outro.

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Aproveitar a participação dos cidadãos, valorizar o Homem, reconhecer os direitos sociais fundamentais e aprofundar o valor da solidariedade são objectivos possíveis de alcançar com a colaboração dialogante de todos os interessados.
Esperamos destes a mesma abertura para, em conjunto, podermos construir um Portugal cada vez melhor.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim da interpelação n.º 18/VI, apresentada pelo CDS-PP, centrada na política social e de emprego.
O Plenário reúne amanhã, às 10 horas, com os trabalhos divididos em duas partes.
A primeira parte é para uma pergunta ao Governo, formulada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, no âmbito do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
A segunda parte é para a discussão conjunta das ratificações n.ºs 118/VI, do PCP, e 119/VI, do PS.

Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 25 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
António de Carvalho Martins.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Pereira.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Granja Rodrigues da Fonseca
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Angelo Ferreira Correia.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís Carlos David Nobre.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Santos de Magalhães.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD):

Cecília Pita Catarino.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Álvaro Poças Santos.
José Albino da Silva Peneda.
José Guilherme Reis Leite.
Luís António Carrilho da Cunha.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Comunista Português (PCP):

Luís Manuel da Silva Viana de Sá.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé.

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