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Quinta-feira, 23 de Junho de 1994

I Série - Número 82

DIÁRIO

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE JUNHO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMARIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de vários diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento, o Sr. Deputado Fernando de Sousa (PS) condenou a forma de implementação da reforma educativa.
O Sr. Deputado Paulo Trindade (PCP) criticou a política laboral do Governo, tendo, no final, respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Rui Rio (PSD).
O Sr. Deputado José Cesário (PSD) congratulou-se pela atribuição do prémio QUERCUS a Viseu em resultado do seu desenvolvimento. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Alberto Cardoso e José Eduardo Reis (PS) - que também exerceu o direito de defesa da consideração.- e André Martins (Os Verdes).
O Sr. Deputado Ferro Rodrigues (PS) teceu críticas à política económica e social do Governo. Depois, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rui Carp (PSD), Lino de Carvalho (PCP) e Rui Rio (PSD).
A Câmara rejeitou o voto n.º 1 110/VI - De protesto pelo processo de despedimento colectivo na Lisnave, Setenave e Solisnor (PS), tendo produzido intervenções os Srs. Deputados Bisa Damião (PS), Paulo Trindade (PCP), António Alves (PSD), André Martins (Os Verdes) e Narana Coissoró (CDS-PP).
Ordem do dia. - Foi aprovado um relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a substituição de um Deputado do PSD.
Procedeu-se ao debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 404/VI - Revoga e substitui o Estatuto do Direito de Oposição (PS), intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Guilherme Silva (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP), João Amaral (PCP), André Martins (Os Verdes), Miguel Macedo (PSD), Martins Goulart (PS), Mário Maciel e Luís Pais de Sousa (PSD) e Manuel Queiró (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo Marques da Cunha.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrígues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Mana Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando dos Santos Antunes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.

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Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'OIiveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luis Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Manuel Pereira Marques.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

Raúl Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.º 104/VI - Autoriza o Governo a aprovar os novos estatutos da Casa do Douro e 105/VI - Altera a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa), que baixou às 1.ª e 4.ª Comissões; proposta de resolução n.º 69/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Francesa em Matéria de Impostos sobre as Sucessões e Doações, que baixou às 3.ª e 6.ª Comissões; projectos de lei n.06 421/VI - Regime de portagens rodoviárias nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto (PS), que baixou à 5.ª Comissão, 422/VI - Medidas para a moralização e racionalização da cobrança de impostos (CDS-PP), que baixou às 1.ª e 6.ª Comissões, 423/VI- Elevação da povoação do Ferro a vila (PS), que baixou à 5.ª Comissão; e audições parlamentares n.ºs 24/VI - Sobre a morte de um cidadão detido na esquadra da PSP de Matosinhos e 25/VI - Sobre a contaminação de cidadãos com o vírus HIV através de actos de transfusão realizados em estabelecimentos públicos de saúde, ambos da iniciativa do PCP.
Nas últimas reuniões plenárias foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Governador Civil do Porto, formulado pelo Sr. Deputado Rui Rio; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Fernandes Marques, Carlos Almeida Figueiredo e António Vairinhos; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Luís Pais de Sousa e Isabel Castro; ao Ministério da Defesa, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Viegas; aos Ministérios da Administração Interna e da Agricultura, formulados pelo Sr. Deputado Fialho Anastácio; ao Ministério da Indústria e Energia, formulados pelos Srs. Deputados Luís Pais de Sousa e António Vairinhos; ao Governo, formulado pela Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt; ao Governo, à Secretaria de Estado da Cultura, e ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira; ao Ministério da Saúde, formulados pe-

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los Srs. Deputados Manuel Alegre, Paulo Rodrígues e João Rui de Almeida; à Secretaria de Estado da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado João Proença; ao Ministério das Finanças, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques; ao Governo Regional dos Açores, formulado pela Sr.ª Deputada Ema Paulista; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Paulo Rodrígues e Caio Roque; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Trindade; ao Ministério da Agricultura, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho e José Silva Costa; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Mário Tomé.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: António Martinho, na sessão de 30 de Novembro; Lino de Carvalho, na sessão de 17 de Março; Carlos Luís, na sessão de 28 de Abril, e Isabel Castro, na sessão de 12 de Maio.
Gostaria também de informar a Câmara que se encontra reunida a Comissão de Economia, Finanças e Plano. As reuniões das Comissões de Educação Ciência e Cultura e de Trabalho, Segurança Social e Família terão lugar às 16 horas e, por último, a da Subcomissão da Cultura às 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, hoje de manhã entreguei no Gabinete do Sr. Presidente um requerimento a pedir a realização de um debate de urgência para a próxima sexta-feira sobre as decorrências do aumento que se verificou na portagem da Ponte 25 de Abril.
A minha interpelação, neste momento, é no sentido de saber se o Sr. Presidente já teve conhecimento do requerimento enviado pelo PCP ao seu Gabinete e a posição de V. Ex.ª relativamente a isto, ou seja, se, tal como o meu grupo parlamentar propõe, concorda em que se realize hoje uma Conferência extraordinária dos Representantes dos Grupos Parlamentares, para, eventualmente, se fazer este debate, que do nosso ponto de vista é urgente, na próxima sexta-feira.
Aliás, julgo que, se houver acordo, se o Sr. Presidente e os líderes dos outros grupos parlamentares concordarem na realização desse debate na próxima sexta-feira, na sessão normal da Assembleia, poderíamos até fazer um convite ao Sr. Deputado Duarte Lima e não só, também a outros Deputados do PSD e de outros grupos parlamentares, para, antes dessa sessão plenária, por exemplo, entre as 8 horas e 30 minutos e as 9 horas e 30 minutos, se fazer uma deslocação à Ponte 25 de Abril.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira fez uma interpelação à Mesa, pelo que tenho de dar uma resposta, claro está.
Sr. Deputado, o requerimento a que fez alusão deu entrada no meu Gabinete ao fim da manhã e teve o seguinte despacho: "Distribua-se imediatamente aos presidente dos grupos parlamentares". Portanto, em princípio, deve marcar-se, como é requerido, uma reunião da Conferência dos Representantes do Grupos Parlamentares para hoje. Não dei conhecimento da minha decisão antes porque queria fazê-lo perante o Plenário, visto ir afectar um direito de marcação de agenda, pois, assim, já não será uma reunião plenária normal.
Por outro lado, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares terá de decorrer, se não houver objecções, no fim dos trabalhos do Plenário, acabe à hora que acabar, para discutir este assunto.
Portanto, suponho que está dada a resposta e feita a marcação.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, quero apenas referir que, embora o Grupo Parlamentar do PS tivesse enviado, hoje, ao Sr. Presidente da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente uma solicitação no sentido de se fazerem diligências para o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações vir à Comissão a propósito de um assunto também relacionado com a Ponte 25 de Abril, o Grupo Parlamentar do PS não se opõe a que seja marcado para a próxima sexta-feira o debate solicitado pelo PCP.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente:,- Sr. Deputado, este assunto será decidido na reunião da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que irá realizar-se hoje, no fim dos nossos trabalhos.

Sendo assim, vamos dar início ao período de antes da ordem do dia.
Para uma intervenção, ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento da Assembleia, pelo período máximo de 10 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Lei de Bases do Sistema Educativo, que, em 1986, estabeleceu o quadro de referência da Reforma do Sistema Educativo, foi objecto de um consenso social e político graças a um processo de elaboração e formulação que o Partido Socialista assume e do qual se orgulha.
Ao longo dos anos que se seguiram, apesar dos avisos e chamadas de atenção feitos pelos diversos partidos, sindicatos e outros órgãos representativos, aquele consenso inicial foi-se progressivamente perdendo até se atingir a situação actual de desconfiança, descrédito e conflito generalizados.
As fortes expectativas sociais então geradas foram-se desperdiçando à medida que os sucessivos governos e responsáveis políticos pela execução da reforma se foram confrontando com a necessidade de passar dos princípios para a realidade do "fazer a reforma" nas escolas.
Durante esse tempo, com ou sem reforma nas escolas, a educação manteve-se sempre como o "parente mais pobre" do Orçamento do Estado e das prioridades do investimento público.
Não foi apenas a constante situação de penúria orçamental que desiludiu. A desconfiança pública face à reforma foi crescendo também como consequência directa da inexistência do respectivo plano global de implementação que tivesse obtido o acordo social e político sobre a hierarquização das prioridades, a organização das suas fases, o calendário da sua execução, enfim, sobre os meios e os métodos do seu financiamento, acompanhamento e avaliação.

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Pelo contrário, em vez de planificação global e faseada, de concertação política e envolvimento dos parceiros educativos, assistiu-se durante os últimos anos à produção de um edifício legislativo e normativo abundante, mas incaracterístico, contraditório e sem um mínimo de coerência temporal.
Aliás, durante esse período de tempo, as remodelações sucessivas do próprio Ministério da Educação desencadearam orientações divergentes da política educativa e trouxeram para o terreno social contradições graves sobre o modo de realizar a reforma do sistema em conformidade com a filosofia inicial.
Por outro lado, a ausência de diálogo, amplo e sistemático, que seria exigível para o sucesso da execução da reforma, mas que se instalou como estratégia de actuação, conduziu-a a ziguezagues ditados por razões de conjuntura, de oportunidade política, de conveniência técnica e, não raras vezes, de mero interesse partidário.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

O Orador: - O cumprimento mínimo do dever de consulta às instituições representativas do tecido social ou dos parceiros educativos, a recolha de opiniões e a realização de algumas reuniões de debate após a publicação de normativos legais serviu apenas para tentar legitimar uma visão e um estilo de actuação tecnocráticos, que mais não pretendeu senão afastar a sociedade do debate e das decisões sobre as questões de fundo.
Hoje em dia, perante a generalização de novos currículo, a situação agrava-se perigosamente, aumentando a desconfiança e instalando-se o descrédito.
Ao contrário do que pretende fazer crer o Ministério da Educação, o défice de informação não cessa de aumentar, aumentando em consequência a confusão sobre as finalidades, os procedimentos e os resultados. Por outro lado e também ao contrário do que pretende fazer crer o Ministério da Educação, a informação não é, por si só, sinónimo de participação. O desânimo dos professores, dos pais e das escolas tem raízes mais fundas: todos vão tomando consciência que, em cada ano que passa, vão diminuindo as possibilidades de Portugal, aproveitar o "momento histórico", aberto pela Lei de Bases e sustentado pelos fundos comunitários, para ultrapassar os atrasos estruturais que atravessam, de alto a baixo, o nosso sistema educativo.
No processo de reforma em curso são visíveis quatro domínios de actuação com consequências importantes ao nível da demarcação política: princípios e finalidades; práticas utilizadas para a sua implementação; condições objectivas, materiais e organizacionais; condições subjectivas, culturais e sociológicas.
No domínio da definição dos princípios e das finalidades da reforma todos estamos de acordo. O PS concorda inteiramente com a filosofia e os objectivos subjacentes:...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Até parece impossível!

O Orador: - ... melhorar a qualidade do ensino; modernizar a gestão do sistema; dar prioridade à educação e formação base; fomentar a criatividade e a inovação; potenciar a adequação do sistema educativo às necessidades de desenvolvimento do País e das suas regiões.
Quanto ao domínio das práticas, é óbvio que as medidas de política e gestão educativas são diametralmente opostas àqueles princípios e finalidades. O PS já manifestou, por mais de uma vez, sérias dúvidas e reservas sobre a implementação da reforma. A sua filosofia subjacente implicava que o Ministério da Educação interviesse de forma coerente, concertada e programada em três áreas fundamentais: nos currículo, definindo em simultâneo os planos de estudo e os objectivos necessários para cada nível de ensino; na formação de professores, que, sendo determinante para o êxito global da reforma, deveria responder prioritariamente às necessidades de natureza pedagógica e didáctica impostas pelos novos curricula e pelos novos programas e docentes na sua relação com os pais e com a comunidade; na gestão e organização das escolas, propondo modelos administrativos menos ambiciosos mas mais adaptados à realidade das nossas escolas.
Nestas três áreas, aquilo a que se assistiu ao longo do tempo foi ao lançamento de um conjunto de medidas tomadas isoladamente por cada uma das três Secretarias de Estado e pelo próprio Gabinete do Ministro. Vejamos dois exemplos significativos: o decreto com que se abriu a possibilidade de reformar os planos curriculares dos ensinos básico e secundário data de 1989, mas os consequentes documentos legais que estabelecem os respectivos sistemas de avaliação só foram publicados em 1992 e 1993; e o Estatuto da Carreira Docente, de 1990, teve de esperar dois anos para ver regulamentado o regime jurídico da formação contínua e quase quatro anos para ver implementado o polémico processo de transição do 7.º para o 8.º escalão.
Relativamente ao domínio das condições objectivas, materiais e organizacionais, é necessário denunciar, mais uma vez, o fosso que existe entre o discurso oficial e a dura realidade das escolas envolvidas.
Antes de mais, o PS considera inaceitável a actual política que pretende que sejam as escolas (professores, pais e alunos) a pagar a factura dos custos da implementação da reforma. Os recursos financeiros colocados à disposição dos estabelecimentos de ensino são manifestamente insuficientes, ignoram as deficientes condições materiais do parque escolar e fazem tábua rasa da escassez dos equipamentos de base, didácticos, informáticos e tecnológicos, imprescindíveis para o cumprimento de programas.
Por outro lado, o pendor economicista da actual política educativa escamoteia e esconde os défices crescentes de cobertura da acção social escolar, do apoio aos alunos com dificuldades especiais de educação, do combate ao analfabetismo e do ensino recorrente de adultos.
Esta situação é o resultado directo da subalternização (política e orçamental) a que a educação foi votada pelos sucessivos governos. E, no entanto, nos últimos quatro anos, Portugal contou com apoios financeiros excepcionais para o desenvolvimento do seu sistema educativo. Como foram gastos os milhões de contos do PRODEP I? Que avaliação global foi feita dos seus resultados?
No sector das condições subjectivas, culturais e sociológicas da reforma, a estratégia oficial, neste domínio, tem consistido em institucionalizar a ambiguidade, a incoerência e o sentido do oportunismo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Institucionaliza a ambiguidade quando impõe, por via gravosa, administrativa e autoritária, soluções para os parceiros educativos com os quais proclama ser depois indispensável trabalhar. Vejamos alguns exemplos.
No que diz respeito ao novo sistema de avaliação do ensino básico, o Ministério da Educação não deu às escolas as condições materiais e humanas necessárias para o normal funcionamento dos apoios e complementos educativos nem tão pouco para o exercício eficaz da avaliação formativa.

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O Sr. António Braga (PS): - É bem verdade!

O Orador: - No entanto, exigiu a excepcionalidade da retenção, gerando um sem número de equívocos junto das escolas, dos professores, dos encarregados de educação e dos próprios alunos.
Na formação contínua de professores, o sistema de "créditos" para a progressão na carreira subverteu os seus principais objectivos. O Ministério da Educação, ao não dar prioridade à formação nas escolas e às necessidades pedagógicas e didácticas criadas por uma relação de ensino/aprendizagem de tipo novo, abriu a possibilidade de uso indiscriminado de fórmulas ultrapassadas de .transmissão passiva de "conhecimentos". Pretendendo contribuir para o desenvolvimento de uma nova cultura de escola, necessária para o desempenho de novos papéis do professor, e para um associativismo de projectos e de recursos acabou por asfixiar as iniciativas autónomas das escolas através de processos burocráticos, que lhes exigiu.
Institucionaliza a incoerência e o oportunismo quando faz dos professores, individualmente e como classe, o bode expiatório da sua própria falta de rigor e de capacidade política no cumprimento das finalidades da reforma.
A actuação do Ministério da Educação nos acontecimentos de Courel ou na Escola Secundária Rodrigues de Freitas, a contínua degradação salarial dos professores ou as injustiças relativas à contagem do seu tempo de serviço, a desconfiança face à autonomia ou a asfixia orçamental das escolas empenhadas na valorização da área-escola mostram bem a ambiguidade da actuação ministerial. Se existem problemas, é porque "os professores não respeitam a identidade", "boicotam as claras orientações superiores em matéria de avaliação ou de assiduidade dos alunos".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o PS entende que chegou o momento de dizer "basta" a este estado de coisas. Entende que é urgente proceder-se a um balanço da reforma educativa, no quadro de uma análise independente das medidas e acções que têm vindo a ser implementadas. Entende também que é necessário reconhecer a dimensão política da insatisfação geral dos professores e das escolas façe à reforma.
Assim, o PS irá apresentar em breve, um conjunto de propostas necessárias para mudar a política educativa e salvar a ideia de reforma.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma semana após o acto eleitoral de 12 de Junho, a preocupante situação económica e social do País emerge nitidamente como questão central da sociedade portuguesa e denota claros sinais de agravamento.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É exactamente o contrário!

O Orador: - Antes do acto eleitoral de 12 de Junho, o Governo PSD procedeu à exígua descida do preço da gasolina em 1$, mas, poucos dias depois, aumentou injustificadamente a portagem da Ponte 25 de Abril em 50 %, motivando o justo e indignado protesto de milhares de utentes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:-É inaceitável que o Governo pretenda impor aos utentes da Ponte 25 de Abril o financiamento da construção de uma nova ponte, de que não irão usufruir, bem como os custos da gestão privada da empresa a quem serão concessionadas as duas pontes.
A Assembleia da República não pode ficar indiferente ao enorme concerto de claxons que, como forma de protesto, ecoa há três dias na Ponte 25 de Abril e nesse sentido o Grupo Parlamentar do PCP requereu já a realização de um debate com carácter urgente.
Em vésperas de um acto eleitoral, o Governo de Cavaco Silva anunciou um designado programa secreto de combate ao desemprego a apresentar em Bruxelas, num passe de mágica, digno de um verdadeiro ilusionista. Mas, 24 horas após o conhecimento dos resultados eleitorais, o Grupo Mello, contando com a conivência e o financiamento orçamental garantido pela maioria PSD, avança com um processo que visa concretizar o maior despedimento colectivo desde sempre praticado em Portugal, ameaçando mais de 3000 postos de trabalho da Lisnave e Setenave/Solisnor e, simultaneamente, pretendendo impor a desregulamentação total das relações de trabalho para os trabalhadores que não venham a ser abrangidos, desde já, pelo despedimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP não pode deixar de, mais uma vez, realçar a insensibilidade e irresponsabilidade do processo de destruição do aparelho produtivo nacional, quer através da rédea solta dada ao patronato para encerrar empresas, colocando milhares de trabalhadores no desemprego, quer através da entrega ao capital estrangeiro do melhor património público empresarial, através das privatizações e desmembramentos, como é o caso recente da Cimpor e da EDP.
No volumoso exército dos desempregados, ganha peso o desemprego de média e longa duração. Aumentam os salários em atraso. Precarizam-se as relações laborais para quem ainda tem emprego, enquanto se fomentam e financiam rescisões contratuais ditas de mútuo acordo.
Fica cada vez mais claro que o propagandeado processo de contrato social a médio prazo mais não é do que a luz verde dada ao patronato para, em pleno Verão, ter a cobertura política do Governo a fim de rever a legislação laboral.
O Grupo Parlamentar do PCP acusa o Governo do PSD de se ter concertado com o grande patronato, criando, para fins eleitoralistas, expectativas de medidas positivas, para, logo a seguir ao acto eleitoral de 12 de Junho, iniciarem uma vasta ofensiva contra as condições de vida e de trabalho dos portugueses.
De facto, trata-se de um plano concertado do Governo e da CJP para, tão distante quanto possível do próximo acto eleitoral, prosseguirem a estratégia "maastrichtiana" da precarização generalizada do mercado de trabalho, a eliminação total de entraves aos despedimentos, a desregulamentação de horários de trabalho, a eliminação do salário mínimo, da protecção social, acompanhadas de mais benefícios fiscais, benesses, mordomias e apoios financeiros ao grande patronato e aos especuladores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A actual situação do mercado de trabalho comprova a tese do PCP, de que não é acelerando o despedimento dos que ainda trabalham que se poderá diminuir a taxa de desemprego. O combate ao desemprego exige a suspensão dos despedimentos em curso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Exige uma política económica que responda à satisfação das necessidades dos trabalhadores.

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O combate ao desemprego exige uma nova politica, virada para o investimento produtivo, a melhoria do poder de compra dos portugueses e a penalização das actividades especulativas fomentadas pelas elevadas taxas de juro.
Exige e justifica uma redução dos horários de trabalho sem redução dos salários reais.
Ao persistir numa política social ditada pela estratégia da União Europeia e da Cimeira da OCDE, sob a palavra de ordem de flexibilizar e desregulamentar, traves fundamentais do plano dito de combate ao desemprego, o Governo do PSD está a fomentar o aumento da conflitualidade social numa altura em que se impõem respostas positivas às reivindicações dos trabalhadores e dos sindicatos. E que não venha novamente o Primeiro-Ministro, com posições chantagistas, a acusar os dirigentes sindicais de não assinarem acordos devido a pressões partidárias.
Importa, sim, desde já reter que é o Governo e o grande patronato que evidenciam uma despudorada comunhão de objectivos e estratégias na sua cruzada contra as condições de vida e de trabalho dos portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Há meses que o Governo propagandeia a criação de 100 OOO postos de trabalho no âmbito do quadro comunitário de apoio. Agora, é a CIP que promete o mesmo número de postos de trabalho a troco da revisão da legislação laboral e de mais benesses fiscais.
No teatro da concertação, o Governo e a CIP comportam-se como actores de uma peça, cujo texto é de produção conjunta e que reservou para os trabalhadores o papel de bombo da festa. Que se desiludam os autores de textos de tal nível, pois a encenação é, por si só, suficiente para deixar antever qual a natureza e conteúdo proposto para o desfecho do último acto.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, e o tema da ponte?!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário do que afirma o Governo do PSD e a CIP, a criação de emprego e a luta contra o desemprego não passam pela flexibilização da legislação laboral nem por pseudo medidas de propaganda política em vésperas de eleições para o Parlamento Europeu.
A postura farisaica do Governo de aparentar a diminuição do papel intervencionista do Estado na vida económica consiste numa autêntica cortina de fumo para ocultar o seu papel activo no desequilíbrio da redistribuição da riqueza nacional a favor dos mais fortes, dos poderosos, contra os mais fracos e os que vivem do seu trabalho.

O eco dos claxons na Ponte 25 de Abril,...

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - ... as acções de luta que se desenvolvem um pouco por todo o País - hoje os trabalhadores da Lisnave e da Solisnor, amanhã os trabalhadores da Administração Pública-constituem a sondagem mais eloquente do posicionamento das populações e das camadas laboriosas portuguesas perante a política do Governo PSD bem como uma clara disposição de traduzir o descontentamento em acções concretas de contestação e luta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Trindade, não vou colocar-lhe qualquer questão especial.

Como V. Ex.ª falou num programa secreto de combate ao desemprego que o Sr. Primeiro-Ministro vai apresentar na Cimeira de Corfu, gostaria de dizer-lhe que se o programa é secreto para V. Ex.ª é porque os seus colegas de bancada, nomeadamente os Srs. Deputados Luís Sá e António Murteira, não lhe facultaram a fotocópia que têm. Mas se por acaso os colegas de V. Ex.ª já perderam o programa "secreto", o Grupo Parlamentar do PSD tem todo o gosto em oferecer-lhe uma fotocópia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, de facto, a sua pergunta permite desmistificar os efeitos eleitoralistas do que foi a actuação do Primeiro-Ministro em véspera do acto eleitoral de 12 de Junho. O Primeiro-Ministro divulgou, com ampla cobertura da comunicação social, um programa cujo conteúdo se desconhecia e que parecia vir a ser um milagre para resolver o problema do desemprego no nosso país, minimizando, desvalorizando e revelando uma insensibilidade social perante o que é o drama do desemprego e ocultando, até ao acto eleitoral, o conteúdo desse programa.
Na verdade, eu conheço-o, mas é preciso dizer - e isso também o Sr. Deputado deve saber- que só ontem é que o Sr. Ministro Durão Barroso distribuiu aos Deputados o texto desse programa que foi apresentado em Bruxelas. Se houvesse uma postura política honesta, a obrigação do Sr. Primeiro-Ministro e do Governo do PSD era, antes do acto eleitoral, terem dado conhecimento à Assembleia da República do teor das propostas que iam apresentar em Bruxelas. Mas não foi isso o que o Governo fez e, mais uma vez, manipulou e tentou utilizar o drama social do desemprego para fins eleitoralistas de baixo nível.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, dois factos recentemente conhecidos foram merecedores do público regozijo dos viseenses: o primeiro foi a atribuição pela QUERCUS, ao município de Viseu, do Prémio Iniciativa Autárquica em Ambiente relativo ao ano de 1993; o segundo traduziu-se no significativo abaixamento dos valores da mortalidade infantil no distrito de Viseu no mesmo ano de 1993, ficando a respectiva taxa fixada em 6,9 por mil nados vivos, o quarto lugar a nível nacional, claramente abaixo da média de 8,6. Tais dados demonstram uma inegável melhoria da qualidade de vida nesta região do País, sendo um sinal real e indesmentível de um desenvolvimento equilibrado que não se limita já e apenas às bem badaladas e divulgadas obras públicas que recentemente aqui têm surgido.
Trata-se de resultados em áreas importantes, demonstrativos de que as preocupações dos responsáveis nacionais e locais relativamente a Viseu não se limitam à satisfação das tradicionais necessidades, procurando ir ao encontro de padrões de vida modernos, tornando Viseu uma cidade e um distrito onde se viva com qualidade. Como recente-

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mente referiu o Presidente da Câmara Municipal de Viseu "é inegável que a atribuição do prémio QUERCUS constitui uma honra para Viseu e os viseenses!".
Mas atente-se aos exactos termos do texto da QUERCUS relativamente a tal evento: "o município de Viseu tem demonstrado ao longo dos últimos anos uma postura extremamente séria relativamente a medidas de prevenção e reabilitação ambiental; a QUERCUS considera que o município de Viseu merece, pelos inúmeros aspectos positivos, pelos reduzidos problemas e pela visível vontade política para preservar o ambiente e dar prioridade à qualidade de vida das populações, a atribuição do Prémio QUERCUS 1993 "Iniciativa Autárquica". Estas são palavras insuspeitas que vieram fazer justiça relativamente ao esforço denodado, feito com grandes sacrifícios, para impor padrões de qualidade e normas de ordenamento urbano e ambiental que permitem conjugar, eficazmente e em proveito de todos, desenvolvimento e qualidade de vida.
Mas tenha-se igualmente em consideração os já mencionados dados sobre mortalidade infantil, os quais não se referem apenas à cidade de Viseu mas, sim, a todo o distrito, dando assim uma dimensão real daquilo que aqui se pretende realizar, mudando radicalmente uma das até há pouco consideradas mais atrasadas regiões do país. Basta referir que, ainda em 1991, estávamos ern 18.º lugar em termos nacionais, com uma taxa de 13,3, a qual passou em 1992 para 9,6 e agora para 6,9, em igualdade de circunstâncias com Portalegre. São valores de nível europeu que, evidentemente, muito nos honram e que revelam bem os esforços notáveis aqui realizados quer pelos responsáveis quer pelos profissionais de saúde, que se têm distinguido por uma consciência profissional merecedora de evidente aplauso.
Tais resultados dever-se-ão, assim, à conjugação de políticas eficazes, executadas essencialmente ao nível da saúde materno-infantil, do planeamento familiar e do lançamento das unidades coordenadoras funcionais que permitem uma diferente articulação entre a rede de centros de saúde e os hospitais. É assim que, também neste sector, a região de Viseu se sente particularmente honrada, considerando a importância de tal parâmetro na avaliação do nível de vida de qualquer área geográfica.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados. Estes são exemplos inequívocos da mudança hoje sentida em Viseu. Procuramos trabalhar por um efectivo desenvolvimento da nossa terra, sem deixarmos de nos preocupar pelo derrotismo evidenciado por certos profetas da desgraça que, incapazes de verem o que nasce à sua volta, preferem fechar-se na penumbra e nos fantasmas do passado, prendendo-se aos complexos de isolamento que tanto nos marcaram. São novos tempos que estamos finalmente a começar a viver, acreditando sinceramente que é possível ir ainda mais longe, tornando esta terra irreconhecível, conjugando com equilíbrio a tradição com a modernidade.
E já que falamos de desenvolvimento, é justo e oportuno fazer uma referência, ainda que breve, às notícias publicamente divulgadas em Tondela na última segunda-feira, no decurso de uma visita parlamentar do PSD, pelo Eng. Ferreira do Amaral, actual Ministro das Obras Públicas, que finalmente tornou bem claro todo o programa de desenvolvimento do IP n.º 3 e de diversas vias complementares. Cumpre assim que nos regozijemos pelo lançamento agora efectuado dos troços do IP n.º 5 Fail/Tondela/Santa Comba Dão, Santa Comba Dão/Raiva, Reconcos/Régua e a adjudicação da nova ponte sobre o rio Douro, além dos já em curso Fail/Tondela e da variante de Carregal do Sal.
Esta será uma segunda revolução nas comunicações do distrito, na sequência da verificada há alguns poucos anos com a conclusão do IP n.º 5.
É por isso justo que faça aqui esta referência ao Governo, em geral, e ao Eng. Ferreira do Amaral, em particular, que, duma forma realista, tem sabido entender e apoiar a dinâmica de progresso vivida hoje no distrito de Viseu, fruto da vontade concertada entre as populações e os seus representantes, com destaque para os autarcas. É assim que têm nascido tais obras e sobretudo tais políticas que permitem já hoje conseguir resultados tão concretos quanto são os referidos Prémio de Ambiente da QUERCUS e os dados da mortalidade infantil.
Temos agora de prosseguir, na certeza de que os nossos adversários são os conservadores, de esquerda ou de direita, e uma certa burocracia regional que aqui e acolá tem despontado, procurando, uns e outros, condicionar a seu modo a vontade de crescer e o desenvolvimento harmónico das nossas terras. Vamos continuar, na certeza de que muito temos ainda para fazer, de que muito falta ainda para realizarmos plenamente o que sonhámos para a nossa terra. É o sonho de uma geração que sabemos hoje ser possível de realizar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Alberto Cardoso, José Eduardo Reis e André Martins. Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Cardoso.

O Sr. Alberto Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com muita atenção a intervenção do Sr. Deputado José Cesário e concordo com o que diz quando nos fala no melhoramento da qualidade de vida, principalmente na cidade de Viseu, no município de Viseu, que referiu por duas ou três vezes. Contudo, não concordo tanto no que se prende com distrito de Viseu, pois ele não é única e simplesmente a cidade de Viseu mas, sim, todos os concelhos deste distrito. A não ser que se entenda do seu discurso que o norte do distrito se vai desviar cada vez mais para além do que é propriamente o distrito de Viseu, acompanhando assim, de certo modo, uma regionalização que VV. Ex.as querem natural...
Em relação ao IP n.º 3, não posso, de modo algum, concordar com o Sr. Deputado na medida em que o início dos troços de Reconcos/Lamego/Régua, nomeadamente, estava previsto já há oito anos. Fui informado de que, no ano passado, ern Novembro, se iriam iniciar os trabalhos mas até hoje ainda não começaram. Portanto, não corresponde à verdade aquilo que o Sr. Deputado disse.
Relativamente à saúde, é verdade que em Viseu se tem feito algum trabalho muito positivo em termos do desenvolvimento da área da saúde, nomeadamente com a criação da estrutura que referiu. Porém, compare esta situação de Viseu com a da cidade de Lamego: as instalações hospitalares, se bem que com alguma remodelação nestes últimos tempos, coabitam com a morgue, que está mesmo ao lado, o que em nada dignifica a saúde em Portugal nem o País!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Reis.

O Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Cesário, queria dizer-lhe que também nós nos regozijamos com a atribuição do Prémio QUER-

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CUS à cidade de Viseu. Contudo, queremos dizer que a atribuição deste prémio não passa pela gestão de quatro anos em que o Presidente da Câmara, Dr. Ruas, esteve à frente dos destinos do concelho de Viseu, passa antes pelo trabalho que foi feito anteriormente.

Sr. Deputado, também ficamos satisfeitos com a qualidade de vida que V. Ex.ª diz que se vive ern Viseu, mas essa qualidade de vida não a queremos só para uma reserva de alguns cidadãos! Na verdade, se verificarmos, existe já, de facto, miséria declarada e encapotada no distrito e também no concelho de Viseu. Assim, gostaríamos que V. Ex.ª compaginasse esta situação com a deserção, com a fuga de 40 mil habitantes, nos últimos dez anos, de Viseu para as zonas ribeirinhas, para as zonas das grandes cidades.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins .(Os Verdes): - Sr. Deputado José Cesário, eu não pediria a palavra se V. Ex.ª apenas se referisse a este importante prémio - nós também assim o reputamos - de uma associação ambientalista que premeia a actuação de autarcas que, em determinadas condições e mediante os meios de que dispõem e as condições naturais próprias das regiões onde intervêm, promovem acções que resultam em benefício do ambiente, impedindo a continuada degradação dessas regiões.
Se assim fosse, se o Sr. Deputado aqui trouxesse, na sua intervenção, as questões que estavam em causa, naturalmente que eu consideraria extremamente positiva a sua intervenção. Mesmo assim, considero positiva a primeira parte, precisamente quando se referiu ao facto concreto de haver associações, em Portugal, que premeiam acções de autarcas, como é o caso, que, através da sua competência, promovem o bem-estar e o meio ambiente.
Contudo, quando o Sr. Deputado se referiu à consonância e à articulação que o poder local, no caso de Viseu, tem com o poder central e o Governo do PSD, permita-me que lhe diga que V. Ex.ª "borrou a pintura toda"! Era uma pintura extremamente bonita, boa e interessante para a termos sempre presente, mas quando referiu o trabalho de articulação que o Governo tem com o poder autárquico, aí "borrou a pintura toda"!
Se não, vejamos apenas dois exemplos: de facto, o Governo não tem (e aqui utilizo a sua expressão, na referência que fez) uma política global de ordenamento do território porque, se a tivesse, não verificávamos que, ern determinadas áreas deste país, as pessoas vivem cada vez mais em condições de degradação crescente da qualidade de vida e de mal-estar, vivem em níveis abaixo daquilo que é considerado o limiar de pobreza.
Mais, Sr. Deputado: em termos de ambiente, temos um exemplo actual, acerca do qual penso que esta Assembleia deveria preocupar-se e promover aqui um debate de urgência: refiro-me, concretamente, à implementação do sistema nacional de gestão e tratamento de resíduos tóxico-perigosos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não me diga que não está de acordo!

O Orador: - Com os anteriores responsáveis do Ministério, levantou-se uma polémica de tal ordem, devido à forma não condizente com os interesses das populações e nacionais, que as populações se revoltaram contra o processo que estava a decorrer. Saíram esses responsáveis ministeriais, entraram outros e surgiu uma postura de grande seriedade relativamente a esta questão. O que estamos a verificar agora é que, em vez de uma ou duas populações locais se manifestarem contra o processo que estava a decorrer na altura, há dois anos atrás, hoje temos uma generalizada manifestação das populações portuguesas contra o processo que está em curso. Isto é extremamente preocupante!
Por isso, quando V. Ex.ª relaciona a acção do poder central com a acção do poder local, Sr. Deputado, no nosso entender, "borra a pintura toda"!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, devo dizer que fico, hoje, profundamente descansado: as vossas intervenções demonstraram que serão incapazes de ser poder neste país e muito menos na maioria dos concelhos do distrito de Viseu. Os Srs. Deputados, francamente, não perceberam aquilo que está em causa! São claramente incapazes de perceber como é que é possível fazer uma oposição séria e construtiva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, a posição que aqui trouxe hoje poderia ter sido trazida por vós - aliás, é um factor de regozijo para os viseenses em geral aquilo que eu disse.
Sr. Deputado Alberto Cardoso, não distinga nesta matéria o norte do sul do distrito, porque as minhas preocupações foram tão válidas para a zona sul como para a zona norte e nós não fazemos distinções desse tipo. Para nós, preocupa-nos um desenvolvimento articulado e conjugado a nível de todo o distrito.

O Sr. Alberto Cardoso (PS): - Isso vê-se no terreno!

O Orador: - De qualquer forma, o Sr. Deputado deve ter estado distraído ou não ouviu a intervenção que fiz, pois referi claramente que, pelo menos, teve lugar na semana passada, na segunda-feira, um acto concreto de execução da política do Governo para esse itinerário, que foi o da adjudicação da ponte sobre o rio Douro que os senhores, que foram poder neste país e também a prometeram, foram incapazes de levar por diante.

Aplausos do PSD.

Mas tenho de recordar-lhe também que foi a partir das preocupações dos Deputados do PSD que o Hospital de Lamego vai dar os seus primeiros passos, e o senhor sabe-o! E, Sr. Deputado, não fale da morgue do actual hospital, porque, por este caminho, com intervenções dessas, é lá que o seu partido vai terminar, pelo menos em Lamego...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado André Martins, para perceber a utilidade da articulação eficaz entre o Governo e as autarquias locais, o senhor tem de conhecer melhor o País. Vá a Viseu, vá falar com os autarcas e com as populações e veja os resultados concretos de uma articulação séria e independentemente dos alinhamentos partidários dos Srs. Autarcas.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ali há resultados concretos! Também é verdade que ali há carências, mas estamos a lutar por ultrapassá-las: No entanto, as referências que fiz são a demonstração exacta de que hoje já há resultados concretos.
Quanto às políticas de ambiente, devo dizer-lhe que me regozijo por verificar que V. Ex.ª pode, hoje, preocupar-se com realizações concretas, com políticas e com coisas que estão a fazer-se. No passado, não se fez nada e, finalmente, hoje estamos a tentar fazer aquilo que durante anos e anos não se fez neste país!

Aplausos do PSD.

O Sr. Alberto Cardoso (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Se for rigorosamente uma interpelação, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Cardoso (PS): - É sim, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, a maneira como foi dada a resposta pelo Sr. Deputado José Cesário não se coaduna, de certo modo, com a conduta moral, cívica e ética que se deve ter em linha de conta no relacionamento e nas respostas às questões que foram solicitadas.
De facto, nos últimos actos eleitorais, o PS não tem tido grande expressão eleitoral no distrito de Viseu. Aliás, o distrito de Viseu é, no seu todo, chamado o distrito "cavaquistão" por isso mesmo.
Assim sendo, gostaria de ter ouvido da parte do Sr. Deputado uma intervenção no sentido de dizer que no distrito de Viseu estaria tudo bem, mas tal não aconteceu porque ao PSD cabe-lhe a maior fatia de responsabilidades no desenvolvimento harmónico de todo o distrito e não só da cidade de Viseu.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, de facto o Sr. Deputado volta a reafirmar a sua incapacidade para perceber os factos.
Sr. Deputado, por exemplo, a Câmara de Lamego até é liderada por um presidente socialista e nunca o Governo distinguiu um autarca socialista de um social-democrata, e muito menos os Deputados do PSD. Inclusive, o senhor sabe muito bem (e, ainda, recentemente tivemos oportunidade de visitar oficialmente o seu concelho) que não somos nós quem fala no qualificativo de "cavaquistão", são os Srs. Deputados da oposição, porque talvez reconheçam que as populações daquela zona do País tem, com justiça, dado a maioria ao PSD.
E isto acontece apenas por uma razão, Sr. Deputado: é que em Viseu, connosco, têm-se feito coisas e as pessoas, independentemente da sua cor partidária, têm reconhecido isso e têm-nos acompanhado.
Portanto, fica o desafio, Srs. Deputados, para que também VV. Ex.ªs sejam capazes de alterar a vossa conduta, os vossos procedimentos e fazer o mesmo.
Em todo o caso, Sr. Deputado Alberto Cardoso, julgo que não usei para consigo qualquer espécie de comportamento ético menos curial e não pus ern causa a sua postura nesta Câmara.

O Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr. Presidente, é, de facto, lamentável que o Sr. Deputado José Cesário se tenha referido às outras pessoas que o interrogaram e se tenha esquecido de mim.
Creio que isso foi uma desconsideração ou talvez a dificuldade de o Sr. Deputado em responder à questão que lhe coloquei...

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgava que o Sr. Deputado José Eduardo Reis era um Deputado do PS, pois na minha resposta referi-me aos Deputados do PS. Porém, peço desculpa, verifico que o Sr. Deputado não aceita integrar-se em tal universo. Ficam as desculpas, Sr. Deputado!

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão plenária alunos e professores da Escola Secundária de Santo Tirso, para os quais peço o vosso aplauso.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Venho aqui para, em nome do PS, sublinhar a realidade. Na verdade, a evolução da realidade social, da realidade económica e da realidade financeira do País fala mais alto que qualquer demagogia governamental. -Ao sublinhar a evolução destas realidades, estou necessariamente a acusar e a desmentir o Primeiro-Ministro Cavaco Silva.
A evolução da realidade social aponta para o agravamento acelerado do desemprego- mais 16 % desde há um ano - e para a perda continuada do poder de compra. A realidade social desmente e acusa o Primeiro-Ministro, que prometeu que com moderação salarial se combateria o desemprego. O Primeiro-Ministro, depois da rábula do acordo de rendimentos e preços para 1994, impôs severas restrições salariais. Mas, mesmo assim, o desemprego sobe sem cessar.
O descontentamento social começa a manifestar-se de forma espontânea e indignada. O que se tem passado nos últimos três dias na ponte sobre o Tejo é exemplar, porque traduz a arrogância de um Governo que não hesita em "assaltar" dezenas de milhares de cidadãos que necessitam de atravessar a ponte para poderem trabalhar, com um aumento de 50 % rodeado de pseudo-justificações que insultam a inteligência dos portugueses, e porque a resposta dos cidadãos tem vindo a subir de tom, mostrando ao Governo que há limites para a paciência, perante a agressão e a incompetência.
A evolução da realidade económica é a de um Portugal em que os quatro anos de segunda maioria absoluta de Cavaco Silva e do PSD representam mais quatro anos perdidos no desafio da convergência económica, social, de nível e qualidade de vida, em relação à União Europeia.

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Nestes quatro anos, entre 1991 e 1995, e segundo os dados oficiais do próprio Governo português e da União Europeia, Portugal crescerá menos do que a média europeia. E isto acontece apesar dos enormes apoios financeiros comunitários, superiores a 1500 milhões de contos.
A realidade económica acusa um Primeiro-Ministro que fez da convergência com a Europa a bandeira eleitoral com que ganhou as eleições em 1991.
A realidade financeira é a dos ziguezagues nas políticas monetárias e cambiais, conduzindo à crise na Bolsa de Valores e à desconfiança generalizada.
A falta de credibilidade da política cambial do Primeiro-Ministro já conduziu a grandes perdas de centenas de milhões de contos nas reservas de divisas e, como todos sabíamos e avisávamos, à subida das taxas de juro depois de três meses de pressões nos mercados cambiais e monetários.
A recente subida nas taxas de juro consubstancia uma acusação e um desmentido a um Primeiro-Ministro que há três meses, numa célebre entrevista à Reuters, ao mesmo tempo prometeu a baixa das taxas em 2 % e lançou a confusão nos mercados cambiais.
É um escândalo que as taxas de juro estejam a subir para o crédito em geral e para o crédito à habitação em particular, ao mesmo tempo que o desemprego não deixa de crescer e a retoma da economia permanece uma promessa adiada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante este quadro de erros na política, mediocridade na economia e insensibilidade no social, o Primeiro-Ministro age na Comissão Permanente de Concertação Social como um lobo eleitoral que veste a pele de cordeiro social.
Depois de não ter cumprido o acordo social que assinou um ano antes das eleições legislativas de 1991, depois de não ter mostrado qualquer empenhamento num acordo social de médio prazo que decorresse ao longo da presente Legislatura, depois de ter imposto políticas que levaram ao desemprego e à perda de poder de compra por parte substancial dos trabalhadores assalariados, o Primeiro-Ministro tenta repetir o mesmo de há quatro anos, apresentando-se como paladino da concertação.
Julgo que não tardará ern se revelar que, mais do que concertação, o que o Primeiro-Ministro busca é a mistificação e a desresponsabilização.
Estou convencido de que o que o Governo está a fazer na Comissão Permanente de Concertação Social não corresponde à procura séria de soluções nacionais e de médio prazo para os grandes problemas dos portugueses. Corresponde antes a uma operação conjuntural, partidária e eleitoral, como se irá demonstrar em devido tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As empresas portuguesas sofrem sérios problemas de competitividade internacional, que são, sobretudo, determinados pelo custo do capital, pelo custo da energia, pela carga fiscal, injustamente distribuída, pela falta de mão-de-obra qualificada.
É isto a que dizem os próprios empresários inquiridos pela CIP há alguns meses. Destes, só um em cada cinco citou a legislação laboral como desvantagem comparativa da indústria portuguesa.
Os portugueses sofrem um crescente problema de desemprego. Este problema é sobretudo definido pela hegemonia das concepções conservadoras nas políticas económicas e sociais na Europa e em Portugal. As políticas "erradas que levam a altas taxas de juro e à falta de credibilidade da taxa de câmbio do escudo conduziram à recessão, e a sua manutenção arrastará a estagnação, apesar dos periódicos anúncios de uma retoma sempre adiada.
Fazer da chamada "flexibilização" das leis do trabalho, entendida como maior facilidade de despedimento individual, a prioridade nesta conjuntura, representa uma monumental mistificação. Aposte-se na qualificação dos trabalhadores, na formação dos empresários, na melhoria das infra-estruturas e das políticas económicas. Deixem-se de manobras de diversão! A concertação estratégica não pode ser encarada com mesquinhez e oportunismo eleitoralistas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É precisa uma nova política económica e social com prioridade ao crescimento e apoio a quem produz. É preciso fundar na credibilidade da taxa de câmbio a política de estabilidade cambial. É preciso que as taxas de juro baixem de forma sustentada para garantir investimento e emprego. São precisas políticas activas de formação e emprego.
Como o Governo não quer mudar de política, o País tem que mudar de Governo. Resta saber como estará a economia portuguesa daqui a 16 meses, depois de um desenfreado oportunismo eleitoral. Esperemos que não seja demasiado tarde!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Rui Carp, Lino de Carvalho e Rui Rio.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, há uma estranha coincidência entre cada movimento especulativo contra o escudo e as intervenções que V. Ex.ª faz neste Plenário.

Risos do PSD.

E eu começo a desconfiar que depois de o Sr. André Perez, que como se sabe foi um financiador do PS, estar preso...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - E o Belmiro de Azevedo não é financiador do PSD?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas não está preso!

O Orador: - ..., o PS agora anda muito interessado nas manobras especulativas do Sr. Jorge Soros. Será ele um futuro ou um actual aliado do PS? Porque, na prática, os senhores com essas intervenções só beneficiam os especuladores internacionais, ou seja, os que querem ganhar muitos milhões de dólares, de libras e de marcos ao estarem contra a economia e contra a moeda portuguesa.
Os senhores são, objectivamente, aliados daqueles que ganham muito dinheiro na especulação cambial combatendo, atacando e enfraquecendo a estabilidade cambial, e isto é uma originalidade na Europa! O PS é o único partido da oposição na Europa que é aliado objectivo dos especuladores.
Mas, já que falou também no desemprego e no combate ao desemprego, tenho uma pergunta muito clara para lhe colocar: o socialista, e, suponho, o próximo candidato à presidência da República Francesa, Sr. Jacques Delors, ainda ontem disse que para criar empregos e para manter os que existem é preciso pensar em flexibilizar, ou, como ele diz, é preciso rever os direitos dos trabalhadores. Qual é a vossa apreciação sobre estas opiniões do socialista Jacques Delors ou do socialista Gonzalez. Concordam ou não com estas propostas?
Gostaríamos que V. Ex.ª, em nome do PS, aqui nos esclarecesse esta questão definitivamente.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, é uma verdade que o traço principal que percorre hoje a sociedade portuguesa é um traço marcado pela palavra crise.

O Sr. Silva Marques (PSD): Além do traço há a traça portuguesa!

O Orador: - O Sr. Deputado Silva Marques parece estar muito nervoso hoje, não deve ter passado pelo tratamento!
Crise social, crise económica, crise dos mercados cambiais e monetários em resultado de uma política ziguezagueante do Governo, sem estratégia, o que está a conduzir de novo ao aumento das taxas de juro, quando o que se impunha era o contrário.
Contudo, estas situações de crise, em nossa opinião, têm causas e uma delas é a política que tem sido seguida em Portugal, mas também na Europa, por um lado, de liquidação do aparelho produtivo nacional, sem criação de alternativas e, por outro, de se querer fazer pagar as consequências dessa crise à custa das camadas laboriosas a partir de orientações no sentido da flexibilização e da precarização das relações de trabalho.
Nós entendemos que esse não é o caminho. Por isso não estamos de acordo com aqueles que, como o Presidente da Comissão Europeia Jacques Delors, afirmavam no Livro Branco - opinião, aliás, de algum modo, partilhada pelo Relatório Larson e que ficou igualmente expressa na conferência de imprensa de ontem - que uma das soluções é o congelamento dos salários dos trabalhadores nos próximos cinco anos. Pensamos que isto não leva a lado nenhum, não resolve nenhuma crise social, agrava a crise e o poder de compra dos trabalhadores, não relança o aparelho produtivo.
A minha questão é: como é que o Partido Socialista, não o Sr. Deputado individualmente, se posiciona perante as propostas do Presidente da Comissão Europeia Jacques Delors que ontem foram transmitidas na conferência de imprensa?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o.Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, confesso que esperava essa intervenção. Há umas semanas para cá tenho lido nos jornais que os especuladores estão a vender escudos no mercado internacional e "pensei cá com os meus botões": então os especuladores vendem escudos e o Partido Socialista não ataca o Governo?! Senti que havia aqui qualquer coisa que não estava a funcionar, porque sempre que há um ataque ao escudo, ataca-se o Governo.
Mas, ontem, quando li o jornal e vi na primeira página o título "Bolsas caem em todo o mundo", disse: é agora, é agora que o Partido Socialista vai atacar o Governo. Lembrei-me do crash de 1986, em que o Partido Socialista disse que uma afirmação do Primeiro-Ministro português tinha dado origem ao crash mundial. Cá está a mesma lógica: hoje o Partido Socialista veio atacar o Governo neste contexto, ou seja, não aprendeu rigorosamente nada.
Aliás, o discurso do Sr. Deputado Ferro Rodrigues faz-me lembrar a intervenção do Sr. Deputado Jorge Coelho na noite eleitoral, na televisão, que atirou foguetes para o ar e criou depois a situação aborrecida de terem de andar todos de cócoras a apanhar as canas. Esta situação é rigorosamente a mesma. Isto não tem sentido nenhum, Sr. Deputado Ferro Rodrigues!
E não tem sentido porque o discurso do Partido Socialista, o discurso que V. Ex.ª aqui faz entra numa flagrante contradição técnica que o senhor, como excelente técnico que é - político é que já não é assim tão excelente! - sabe perfeitamente que não é verdade.

Então, Sr. Deputado, por um lado, o escudo está alto e, por outro, as taxas de juro estão altas e o desemprego vai crescendo?! O Sr. Deputado vem aqui pedir "sol na eira e chuva no nabal" e nem isso devia poder pedir porque quando o Partido Socialista foi Governo era chuva em todo o lado e não havia sol em lado nenhum.

Protestos do PS.

Sr. Deputado, se nós desvalorizarmos o escudo automaticamente pressionamos a inflação; se pressionamos a inflação aumentam as taxas de juro; se aumentam as taxas de juro baixa o investimento; e se baixa o investimento aumenta o desemprego. Como é que compatibiliza estes mecanismos com o discurso perfeitamente contraditório do Partido Socialista nesta matéria?
No entanto, o Partido Socialista é coerente, é coerente com o seu passado, é coerente com o passado em que havia desvalorizações mensais, em que havia altas taxas de juro, em que havia alta inflação, em que havia baixo investimento. Só que isto era o passado, quando o Partido Socialista foi Governo, mas isto é aquilo que o Partido Socialista agora está a preconizar.
Aliás, não me admiro que o Partido Socialista diga que o escudo está alto porque quando o Partido Socialista foi governo o escudo não valia nada, por isso, obviamente, que os senhores hão-de achar sempre que o escudo está alto.
Por último, o Primeiro-Ministro disse ontem que íamos continuar num quadro de estabilidade cambial e o Grupo Parlamentar do PSD está perfeitamente de acordo com isso. Vamos continuar num quadro de estabilidade cambial e os especuladores vão-se arrepender do ataque que estão a fazer ao escudo.
Assim, quando me diz que não há sinais de retoma, a pergunta que lhe faço é se as exportações estão a subir, se a inflação está a descer, se o défice público está a descer, se temos uma efectiva contenção salarial, desvalorizar o escudo para quê?
Desvalorizar seria não aprendermos com os erros que o PS cometeu quando esteve no Governo. Ora, isso nós aprendemos. O Partido Socialista é que não aprende com os próprios erros e, por isso, o seu futuro está um bocado negro. Não bastava a tragédia eleitoral, temos agora a tragédia no discurso económico.

Risos do PS.

Sr. Deputado, ou vem rapidamente o Sr. Eng.º João Cravinho reforçar a sua bancada e os senhores arranjam

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um bom ponta de lança, ou então não marcam golos ou os que marcam são na própria baliza.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, a sua questão é demasiadamente ridícula para ser respondida a sério. De qualquer forma digo-lhe que o Primeiro-Ministro Cavaco Silva é o maior aliado dos especuladores visto que às segundas, quartas e sextas aponta para a queda das taxas de juro e às terças quintas e sábados aponta para a manutenção da estabilidade cambial; aos domingos propõe-se dar lições ao Sr. Deputado Rui Carp que, infelizmente, não aprende suficientemente.
Quanto à questão dos direitos dos trabalhadores e aproveito para responder ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, devo dizer que a defesa dos direitos dos trabalhadores é parte integrante e fundamental do programa político e eleitoral do Partido Socialista, tanto do ponto de vista social como económico. Portanto, a questão da precarização das relações de trabalho, que é colocada hoje um pouco por todo o lado como uma questão essencial, devo dizer-lhe, como provei na minha intervenção, quê nem os empresários filiados na CIP a defendem e que, portanto, não é uma questão essencial nem para Portugal nem para a Europa.
Sr. Deputado Rui Rio, julgo que a Bolsa caiu em Lisboa bastante mais fortemente do que noutras praças e por razões que não têm a ver com as razões internacionais. Basta o Sr. Deputado fazer um esforço e ler a imprensa de hoje e de ontem que mostra claramente que as razões são distintas é que aqui teve a ver com a subida das taxas de juro no mercado monetário e com as subidas das prime rates nos vários bancos. Aliás, é uma afronta para a economia • portuguesa o que se está a passar com a situação de crise e com a situação de desemprego. Quem não aprende com a realidade é o Sr. Deputado Rui Rio. Se, a propósito das eleições europeias, fala em tragédia eleitoral para o PS, o que terá acontecido ao PSD?
Dir-lhe-ia mesmo, para culminar, parafraseando o Sr. Deputado Duarte Lima, que o PSD fala efectivamente de um país que não existe.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ainda antes de passarmos à ordem do dia, temos para apreciação o voto n.º 110/VI, relativo ao despedimento colectivo na Lisnave/Setenave/Solisnor e que foi apresentado por Deputados do Partido Socialista.
Para proceder à sua apresentação, tem a palavra a Sr." Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, o sentido do nosso voto no qual apelamos à solidariedade da Assembleia da República para com os trabalhadores da Lisnave/Setenave/Solisnor assenta no seguinte: Com fundos públicos aprovados por esta Assembleia da República enquadrados na 7." Directiva o Estado despendeu 55 milhões de contos para a viabilidade de uma só empresa do sector naval no distrito de Setúbal. Acontece que, desses 55 milhões de contos, 12,5 milhões destinavam-se a subsidiar um plano social que não previa, à partida, despedimentos colectivos, os quais eram, dizia-se, uma remota hipótese, só no caso de as outras alternativas falharem.
No entanto, o que acontece é que a empresa pretende, como já aqui foi dito hoje, proceder ao maior despedimento até hoje verificado em Portugal sem que o Estado e a sua comissão inter-ministerial que acompanha este processo (cujas conclusões a Assembleia da República desconhece) tenha tido em atenção a situação social já existente no distrito onde há uma oferta de emprego para jovens, com salário inferior à média do subsídio de desemprego, mais de 300 procuras de colocação.
Portanto, há uma situação extremamente dramática e há aspectos que foram consagrados nesse plano de reestruturação que não estão a ser executados da melhor forma. Nós também compreendemos que a situação é de enorme crise do sector, que há provavelmente necessidade de se proceder ao ajustamento dos efectivos das duas empresas, estamos contra a solução adoptada, mas, em todo o caso, o que não podemos entender é que mesmo as soluções propostas não tenham sido exploradas e os trabalhadores não tenham sido devidamente indemnizados.
Aliás, o trabalho a tempo parcial não tem sequer enquadramento legal e o Governo que aprova um projecto e que dispõe de 55 milhões de contos tinha obrigação de rever a legislação existente no quadro da Segurança Social e mesmo do subsídio de desemprego. Não há enquadramento legal e os trabalhadores estão na maior insegurança mesmo aqueles que eventualmente aceitariam um vínculo à empresa apenas parcial, pelo que deveriam ser compensados e ser-lhes assegurada a protecção do Estado.

Por outro lado, a oferta...

O Sr. Presidente: - Peco-lhe para concluir, Sr.ª Deputada

A Oradora: - Concluo de seguida, Sr. Presidente.

Como dizia, a oferta de formação profissional não foi compreendida pelos trabalhadores nem é credível.
Peço, pois, a esta Assembleia que tome uma posição inequívoca, porque ela própria, o Governo, e todos nós temos já uma enorme responsabilidade para com estes trabalhadores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, recordo que, já no passado dia 15 do corrente, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português teve a oportunidade de, nesta Assembleia, apresentar um voto de solidariedade para com os trabalhadores da Lisnave e da Solisnor.
Quero sublinhar que este voto foi rejeitado na sessão plenária do dia 16 e que, na passada segunda-feira, eu e alguns camaradas do meu grupo parlamentar estivemos presentes na Lisnave e na Setenave onde pudemos confirmar que é totalmente sem fundamento, ilegal, despropositado e que não está em causa qualquer motivo de reestruturação tecnológica dos estaleiros por parte da família Mello, com a cobertura do Governo, mas, sim, um despedimento colectivo e a desregulamentação total das relações de trabalho na Lisnave e na Setenave, usando-se a indústria naval, mais uma vez, como laboratório para a desregulamentação das condições de trabalho neste país.
Neste sentido, o Grupo Parlamentar do PCP votará favoravelmente o voto n.º 110/VI, apresentado pelo Partido Socialista, porquanto corresponde, no fundamental, ao es-

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pírito do que foi por nós apresentado na sessão do passado dia 15. .

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Alves.

O Sr. António Alves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista vem, na esteira do PCP, levantar a questão da reestruturação de uma empresa do sector dá construção e reparação naval, criando algum alarmismo que a ninguém aproveita.
É sabida a forte crise que, há alguns anos, vem afectando este sector por razões que são por demais conhecidas. Todos sabemos que muitos estaleiros têm fechado por essa Europa fora e que os de Leste, na Polónia; e os do Extremo Oriente estão a praticar preços de construção e de reparação absolutamente incomportáveis para os europeus. Tudo isto nos obriga a reflectir e a rever a política da indústria de construção naval.
Por outro lado, podemos dizer que ainda nada há em definitivo, da parte do Governo, quanto ao assunto, pois trata-se de matéria objecto de decisão política e em que os interesses em presença têm de ser bem ponderados, procurando-se o maior consenso possível entre as partes interessadas - trabalhadores e entidade patronal.
Assim, embora compreendendo o problema dos trabalhadores, também temos de dizer que entendemos a necessidade de reestruturação da empresa. Achamos, pois, que tudo isto é precipitado, pois. a Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família solicitou esclarecimentos aos Srs. Ministros das Finanças e do Emprego e da Segurança Social, no dia 15 do corrente, para tratar deste caso e, que eu saiba, essa carta até foi assinada pela Presidente da referida Comissão, Deputada Elisa Damião.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes):;- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, fica demonstrado que o PSD e o Governo, quando se defrontam com problemas que não sabem ou não querem resolver, atribuem essas circunstâncias a uma crise que não se sabe de onde vem. Quando a oposição fala em situações complicadas e na crise, o PSD vem dizer que tem as soluções e que está a desenvolver o País.
No seio destas contradições - no fundo, quem comanda a vida é a realidade que o PSD ignora.-, verificamos que, no sector naval, ao longo dos anos, tem-se arrastado uma determinada situação que o Governo do PSD não tem sabido resolver nem querido encarar de frente.
A situação que o PSD propõe do despedimento de largas centenas, milhares, de trabalhadores é a realidade daquilo que tem sido a política desenvolvida por este partido e da forma como tem defendido os interesses e resolvido os problemas do desemprego em Portugal.
Por isso, o Grupo Parlamentar de Os Verdes- e porque fui eleito pelo círculo de Setúbal - votará favoravelmente o voto apresentado pelo PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A partir do momento em que o assunto está pendente na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família e aguarda que o Governo, em resposta, dê uma explicação sobre o que se passa a propósito deste despedimento, não direi que seja precipitado mas, pelo menos, parece-me extemporânea a apresentação deste voto, pelo que o CDS-PP votará contra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 1 110/VI- De protesto pelo processo de despedimento colectivo na Lisnave, Setenave e Solisnor (PS).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do PSN.

Era o seguinte:

Os Deputados à Assembleia da República foram surpreendidos pelo anúncio do desencadeamento do processo de despedimento colectivo na Lisnave/Setenave/Solisnor.
Há mais de um ano que foi iniciado um processo, dito de viabilização destas empresas, que passou por uma mobilização de dinheiros públicos na ordem de 55 milhões de contos e na entrega de uma empresa de capitais públicos.
Este esforço do Estado apenas faz sentido se houver preocupação pelo impacto social das medidas, designadamente, na área do emprego, particularmente numa região tão sacrificada como é a de Setúbal.
Desde logo o plano de viabilização levantou grandes reservas face à previsível diminuição de cerca de 4000 efectivos. Todavia, foi garantido que tal não passaria pelo agravamento acentuado do desemprego, antes privilegiando soluções que passavam pela formação profissional, por incentivos à criação de emprego, por pré-reformas e outros mecanismos de carácter voluntário.
O processo foi-se arrastando por culpa da Administração e do Governo. Os mecanismos para favorecer a criação de postos de trabalho nunca foram postos ern execução na dimensão adequada. Só recentemente, e sem se compreender completamente o seu alcance, começaram a ser divulgadas as alternativas para opção dos trabalhadores, no quadro da previsível, que não assumida, diminuição dos postos de trabalho.

É por isso incompreensível e inaceitável que a Administração, face aos compromissos assumidos, tenha desencadeado um processo de despedimento colectivo.

Assim, a Assembleia da República:

1. Lamenta que os dinheiros públicos possam vir a ser utilizados para financiar despedimentos e, consequentemente, por não existirem medidas credíveis de criação de emprego, para aumentar o desemprego;
2. Exige que o Governo tome, no plano nacional e comunitário, medidas de efectivo apoio ao sector naval, consideradas de primordial importância para a economia do País;
3. Exige das empresas envolvidas e do Governo a assunção total dos compromissos para a criação de postos de trabalho e para a qualificação e reconversão dos trabalhadores, única forma de combate à exclusão social e ao aumento dos índices de pobreza que se vivem no País, designadamente no distrito de Setúbal;
4. Exige a anulação do processo de despedimento colectivo;
5. Manifesta a sua solidariedade aos trabalhadores e suas famílias, que há muito são confrontadas com a insegurança e preocupação quanto ao futuro, que estas medidas só vêm agravar.

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Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos no período da ordem do dia, mas, antes de iniciarmos o debate do projecto de lei do Partido Socialista, há um relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a substituição de um Deputado, que vai ser lido pelo Sr. Secretário e depois votado.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o relatório e parecer refere-se à substituição do Sr. Deputado Jaime Marta Soares, do PSD, por Fernando Antunes, com início em 17 de Junho corrente, inclusive.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado Independente Mário Tomé.
Srs. Deputados, tendo sido fixada a ordem do dia pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, vamos iniciar a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 404/VI - Revoga e substitui o Estatuto do Direito de Oposição (PS).
Uma vez que não se encontra presente o relator, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos, para uma intervenção, dispondo para o efeito de mais cinco minutos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Estatuto da Oposição em vigor tem a vetusta idade de 17 anos! Uma idade que traduz a triste apatia de todos os Governos, de todas as Assembleias e de todos os Deputados que, entretanto, passaram pelos cadeirais do poder.
Apatia em face de quê? Pois de duas revisões da Constituição que significativamente ampliaram o "direito de oposição democrática" já reconhecido, de forma mais genérica do que tímida, pelo artigo 117.º da Constituição de 1976.
A primeira revisão veio reconhecer aos partidos representados na Assembleia da República, e não no Governo, o direito de serem informados, regular e directamente, pelo Executivo, sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público. Apesar disso, o originário Estatuto permaneceu intocado. Tudo se passou como se intocada se tivesse mantido a própria Constituição.
A segunda veio estender aquele direito à informação aos partidos políticos representados em quaisquer outras assembleias designadas por eleição directa relativamente aos correspondentes executivos de que não façam parte. E uma vez mais o então já velho Estatuto continuou a envelhecer sem retoque. Sem lei regulamentar, a nova extensão permanece, cinco anos volvidos sobre a última mexida, confinada à dimensão de origem.
À parte duas sucessivas situações de inconstitucionalidade por omissão a que, pela habitualidade, quase nos vamos resignando, como explicar tanta apatia, tanto desinteresse, tanto conformismo perante este continuado fenecer de um tão importante instrumento de pluralismo, mediação e participação democrática?

Creio eu que nenhum de nós pode fugir à auto-acusação de que esta falta de respeito pelos outros passa por uma falta de respeito por nós próprios!

O Sr. Alberto Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - É sobretudo por isto que eu rejeito, não sem uma ponta de indignação, o reparo de um ilustre comentador político, que não costuma esquecer-se de ser inteligente, de que esta nossa iniciativa só se compreende quando articulada com a expectativa de continuarmos na oposição. É este entendimento, à revelia dos mais elementares imperativos democráticos, utilitarista e partidarizado, que eu em absoluto deploro: o entendimento de que o que é bom para as minorias é mau para as maiorias e vice-versa. Isto é, quem se propõe cumprir a Constituição, no que ela tem de mais pluralista e participativo, efectivando direitos da oposição, é porque não espera ser Governo!
Estaria assim encontrado o primeiro versículo do Breviário do Egoísmo: "Não faças nenhum gesto que beneficie o teu adversário por mais que a República dele possa tirar proveito".
É precisamente contra esta visão das coisas, este estado de espírito, este "espertismo" de conveniência, que se dirige o acto de rebelião contra caricaturas de pluralismo, rotinas acomodatícias e cálculos interesseiros que esta iniciativa representa.
Se for preciso, dissolvo o reparo na seguinte garantia, que dou em meu nome pessoal, do meu Grupo Parlamentar, e devidamente autorizado pela sua direcção, pelo meu partido: se, como esperamos, viermos a constituir Governo na próxima Legislatura, daremos pontual cumprimento, sem esquivas de interpretação ou habilidades de estratégia, ao Estatuto da Oposição, qualquer que seja.

Aplausos do PS.

É sabido que não receamos a pluralidade das visões, o confronto dos valores, o choque das ideias. São o sal da democracia. Sem ele, perde sedução e morre.
Sendo plural a culpa pela contemporização com o estado actual das coisas - feito de lei escassa e de conhecimento estrito e apenas formal - a responsabilidade não é, no entanto, igual.
Por um lado, mais culpa há-de ter quem por mais tempo foi Governo. Sobretudo quem o foi na ocorrência das duas inovações coincidentes com a primeira e a segunda revisões da Constituição, e depois disso continuou a ser.
O primeiro, único e actual Estatuto reflecte, melhor ou pior, o texto originário do artigo 117.º da Constituição, que se limitava a reconhecer as minorias o direito de oposição democrática.
Era exíguo. Mas bastou para legitimar o estatuto em vigor. Só que, na primeira revisão, um novo número do artigo 117.º veio conferir, específica e designadamente, aos partidos da oposição parlamentar o direito de serem informados regular e directamente, pelo Governo, sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público.
Assim, de um golpe, o legislador estabeleceu: a natureza exemplificativa do direito à informação que expressamente reconheceu aos partidos da oposição parlamentar; o exercício desse direito de forma regular e directa (o legislador não quis a excepcionalidade da prestação de informações, exigiu a sua regularidade); o objecto do direito, o qual quis que fossem os principais assuntos de interesse público; por fim, a exigência de que a informação recaísse

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sobre esses assuntos em andamento, isto é, na fase da formação da correspondente vontade e não apenas depois de formulada esta. O legislador constitucional quis obviamente que os partidos da oposição parlamentar participassem na formação da vontade do Governo.
O próprio facto de o legislador se ter eximido a definir o que entendia por principais assuntos de interesse público exprime a preocupação de não espartilhar o correspondente conceito, que relegou para a sensatez que deve reger o relacionamento político. Sabido o que são assuntos de interesse público, o legislador restringiu o dever de informar aos principais. Deixou assim, em aberto, margem para alguma discricionariedade, mas não tanta que seja possível secundarizar o que o senso comum considerar principal. A ajuizar pela raridade com que o Governo informou as oposições, teriam sido escassos, escassíssimos, no decurso da última década, os assuntos de interesse público não secundários! Alguém aceita isto? O comportamento dos Governos afunila a avaliação de grande número de assuntos públicos. .
Como se vê, a inovação constitucional representou um significativo avanço no dever de cooperar com a oposição parlamentar.
Que fizeram os Governos do PSD? Continuaram a mover-se no espaço estrito do velho estatuto e deixaram que continuasse a jazer, sem lhe "profanar" o cadáver!...
Pior do que isso! A própria dimensão exígua do estatuto de 1977, foi por eles comprimida até ao cumprimento apenas formal, por vezes na vigésima quinta hora das decisões a tomar, sem o menor resguardo do conteúdo essencial do próprio direito.
Sobre a orientação geral da política externa, numa fase tão rica em transformações que coube nela a parte já construída da União Europeia (sem falar nos casamentos prometidos), as ocorrências de consulta prévia- sempre tardia, sempre escassa, sempre reticente - contaram-se pelos dedos.
Sobre os Orçamentos do Estado e as Grande Opções dos Planos, as consultas foram sempre genéricas, não acompanhadas das respectivas propostas e, em regra, posteriores à sua aprovação pelo próprio Executivo.
O requisito da anterioridade foi sistematicamente incumprido. O efeito útil da consulta foi sistematicamente neutralizado. As raras observações dos consultados foram sistematicamente desprezadas.
Os Governos limitaram-se a cumprir mal uma formalidade, sem acatarem minimamente bem um requisito de legalidade e uma exigência constitucional de abertura à cooperação democrática.
A claudicar no terreno dos princípios se chegou até à segunda revisão. Novo avanço: o que na versão anterior só vinculava o Governo central perante os partidos com representação parlamentar e não representados nele, passou a vincular todos os executivos perante os partidos representados nas correspondentes assembleias, desde que designadas por eleição directa e que dele não fizessem parte.
Por miúdos: as assembleias legislativas regionais, as assembleias municipais, as assembleias de freguesia, amanhã as assembleias das regiões administrativas, perante os correspondentes executivos.
E se, no que se refere às assembleias legislativas regionais, tratou-se apenas de constitucionalizar o que já era objecto de uma remissão lacónica do velho estatuto, no mais trata-se de novidade relevante que a reiteração da anterior passividade veio a relegar para o rol das novidades caducas. Cinco anos volvidos sobre a última revisão, o Governo dorme e a rotina campeia! Os partidos da oposição parlamentar continuam a ter só os direitos que lhes foram reconhecidos em 1977 e a exercê-los na forma mitigada e sem conteúdo que os governos lhes consentem. Os partidos da oposição regional e local nem esses têm. Dificilmente se foge à impressão de que os governos regionais e locais se regem pelo mesmo missal de resistência passiva do Governo central, e que este despreza tanto o poder deliberativo local que não vacilou em expropriá-lo, de facto, de importantes direitos que a Constituição lhe assegura. Já a vários títulos o sabíamos.
Mas, por uma outra razão ainda, tanto o actual Governo como o que o precedeu têm em tudo isto uma responsabilidade acrescida. É que, sendo governos de maioria absoluta, maior é a exigência de uma visão plural. Em governos de maioria relativa, o pluralismo democrático já em certa medida é assegurado, com eficácia também relativa, pelo debate e pela deliberação parlamentar. Mesmo em governos de coligação maioritária, o número de partidos coligados assegura, em certa medida, o choque das opiniões plurais.
Não é assim no caso de maiorias absolutas. Aí ou se possibilita o choque conflitual com as oposições ou se cai na tentação de um sistema de Governo que, na prática, se limita a salvaguardar as aparências: autoritário na essência, pluralista e democrático na forma.
Somos, a este respeito, particularmente sensíveis. É preciso que se não reabram "as feridas da nossa memória"!...
O desrespeito pelos direitos dos partidos da oposição tem ainda uma outra vertente: pode legitimamente esperar-se de uma maioria que não faculta a participação democrática aos partidos que faculte a participação democrática aos cidadãos?
O desafio da necessidade de o sistema político abrir à sociedade civil está aí definitivamente colocado. E colocado não apenas em termos de urgência mas também de resposta que não iluda o que essencialmente se exige. O fim do monopólio da iniciativa política dos partidos, embora ainda não formalizado, já foi. Constato resistências neo-jacobinas predicatórias de todos os males.
E dou por mim a sobrepor aos riscos da abertura à efectiva participação dos cidadãos a convicção de que não é possível manter por mais tempo aquele monopólio sem riscos bem mais receáveis e mais certos.
Do que se trata é de fugir à tentação, sempre renovada, de recentralizar o poder. Fugir autonomizando-o por áreas, hierarquizando-o por níveis, combatendo o corporativismo remanescente nos grandes corpos do Estado. Mas sem a ilusão de que o Estado é algo a substituir pela sociedade civil, para lá da aplicação do princípio da subsidiariedade, isto é, da medida em que pode substitui-lo com vantagem. Assim, pois, sem retoma de "feudalidades e baronias". E, sobretudo, de insegurança e de desordem.
Não hei-de esquecer-me que, na origem, quem democratizou foi o Estado, e que o fez contra privilégios e mordomias regionais e locais. O que eu não quero é um fenómeno de sentido inverso: que a unidade nacional, construída em torno do Estado, passe a incorrer no risco, ainda que tendencial, de qualquer sorte de feudalismo ao nível da base - ou de federalismo, tanto faz -, que, a meus olhos, seria tão condenável quanto em certos termos - e dentro de certos limites - pode ser irreversível, se não defensável, um certo federalismo ao nível da cúpula.
Isso conjurado, estou com Tocqueville - sempre ele! - e com a necessidade de, "para lutar contra a passividade cívica, tratar (o mais possível) em comum os assuntos comuns, e multiplicar até ao infinito, pelos cidadãos, as ocasiões de agir conjuntamente...".

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Não resisto à impressão de que a crescente generalização dos ataques aos partidos e à classe política são o reverso da medalha da irresistível atracção que. a política exerce sobre não importa que insatisfeitos cidadãos, estimulados pelo acesso à informação e à cultura política que a prática democrática reforçou. Não creio que seja possível contentá-los com menos do que a abertura à demonstração de que, ao agirem politicamente, não serão nem melhores nem piores do que os que fazem da política a devoção da sua vida.
Melhor é essa reinvenção do Estado- como agora se diz - do que o golpe de Estado continuado da ambição, da maledicência e da intriga.
Essa "forma política a reinventar" - ou a inventar -, nacional e internacional, de que fala Rosavalon, passa, sem dúvida, por uma democracia mais participativa, mais pluralista, mais descentralizada, mais desconcentrada, mais desnormativizada, mais acessível à acção individual ou grupal, mais desburocratizada, mais mobilizadora e menos espartilhante.
Isto sem prejuízo de, em contraponto, se pugnar por um novo sentido de Estado que não condene este à única sedução de ser pequeno, e um renovado papel dos partidos, que os não encare como "aparelhos esclerosados pilotados por elefantes exaustos" - no curioso dizer de alguém que os não vê assim - antes como ferramentas fundamentais da existência de uma verdadeira democracia,, sem a qual a liberdade se atomiza e a anarquia se instala. "A República, coisa de todos,..." - disse Muscovici - "... não pode, sem contradição, ser o assunto de apenas alguns".
O interesse público - digo eu - não pode ser assegurado pela soma entrecruzada de acções e de interesses individuais. Engana-se quem julga que o melhor empresário ou o mais influente cacique é a matéria-prima ideal do melhor político.
É aqui que o papel dos partidos, em geral, e dos partidos da oposição, em especial, surge como condição de pensamento plural e de via democrática. É pela didáctica partidária que a democracia se converte num modo de pensar, de sentir e de agir. Numa fé cívica. Numa natural maneira de ser. As perversões desta lógica não lhe retiram o sentido que tem.
Mas que ninguém se iluda: só será assim numa perspectiva de contradição, se não mesmo de conflito. Quem julgar que pode reconduzir o opositor político à apatia cívica, crê ter ao seu alcance o acto de roubar-lhe a alma. E não!
Uma oposição respeitada e actuante é penhor da dignidade cívica e democrática de quem a respeita.
Apesar de habituado à prática obstrucionista da actual maioria, não a imagino a reprovar esta iniciativa. Para que eu estivesse enganado era preciso que ela o estivesse muito mais.
Por um lado, o projecto mostra-se intencionalmente cingido à letra e ao espírito da Constituição. Não pedimos o céu, apenas pretendemos que se ultrapasse o purgatório de uma oposição confinada à sua dimensão formal. O que se visa é apenas um novo estado de espírito, uma nova disponibilidade para a aceitação de exigências democráticas indeclináveis.
Pretendemos - ia a dizer modestamente - que se dê "o seu a seu dono". Não apenas aos partidos da oposição nacional, mas também aos partidos da oposição regional e local. Pretendemos que as regiões autónomas não sejam apenas objecto de uma remissão genérica.
Pretendemos que o direito à informação, reportado ao conceito genérico de "principais assuntos de interesse público", deixe de ser taxativo, como decorre do advérbio "designadamente". As duas últimas versões da Constituição não esgotam, assim, o direito de oposição democrática já constante da primeira.
Pretendemos, por isso, que se confirmem os direitos de consulta, de participação em geral, de participação na criação legislativa em especial, os direitos de depor, de antena, de resposta e de réplica política, com correcções de sentido e forma.
Actualizam-se, com o reforço consentido pela Constituição, as garantias de liberdade e independência dos meios de comunicação social. Complementa-se a previsão de relatórios de avaliação, que o estatuto em vigor já prevê, assegurando-lhes aplicabilidade e eficácia.
Para além disso, consagram-se em lei ordinária os novos titulares do conteúdo do direito de oposição.
Não imagino a maioria a reprovar este projecto, sobretudo depois de não ter recorrido ao expediente, que lhe é tão caro, de apresentar, ela própria, um outro, para poder reprovar o nosso.
O povo, Srs. Deputados, espera de nós que mereçamos a sua confiança e o seu voto. Só os mereceremos se confiarmos nele. E confiar nele é fazer da democracia um instrumento de fins justos - a justa repartição dos bens escassos, neles incluídas oportunidades iguais para todos e nestas as de legítimo acesso ao poder- poupando-a aos riscos de converter-se num formalismo e, pior do que isso, numa rotina sem solidariedade e sem alma.
Partamos da humildade que há em reconhecer que não há para os problemas políticos e sociais soluções únicas ou receitas providenciais. E não custa aceitar algumas evidências. Desde logo a de que as receitas políticas de Aristóteles, de Maquiavel, de Rousseau e de Montesquieu, não resistem ao choque com o mundo moderno. Precisamos de outras: de uma mais racional e mais simples orgânica de Governo; de decisões mais próximas dos destinatários delas; de uma cura de emagrecimento de estruturas pesadas, lentas, burocratizadas; de devolver ao povo soberano algumas práticas de autoridade; de despolitizar e de responsabilizar directamente a administração pública; de reconduzir o Estado ao auto-controlo pela lei; de pôr um ponto final no monopólio dos partidos.
Descentralizar! Desnormativizar! Simplificar!
E também de internacionalizar o que deixou de caber nos espaços nacionais. Continuar a raciocinar estreitamente em função dos espaços políticos tradicionais é continuar a viver no passado. Há uma nova ordem politica, económica e social a pactuar. Interna e internacionalmente.
As duvidas são muitas, as incertezas também. Mas o futuro - disso não duvido-passará sempre por mais democracia, por mais participação individual, mais cidadania em suma.
Comecemos a construir a partir desta certeza, reconhecendo o papel dialético das oposições e a natureza conflitual do diálogo político democrático. - Repito: não imagino a maioria a abanar a cabeça às actualizações e melhorias propostas, sem prejuízo de melhorias na especialidade, sempre desejáveis.
Se me enganar é porque deixou de merecer a homenagem desta última ilusão!

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme Silva, Narana Coissoró, João Amaral, André Martins e Miguel Macedo.

Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos: Como sempre, foi com muito agrado que o ouvi. Mas, ao ouvir V. Ex.ª, tive uma primeira dúvida: pareceu-me que o autor do discurso que aqui proferiu - e que, indubitavelmente, é apenas de V. Ex.ª - não é, com certeza, do autor do projecto de lei n.º 404/VI, mau grado ser o seu primeiro subscritor.
Diria mais: se V. Ex.ª tivesse vertido para o projecto algumas das ideias que desenvolveu da tribuna, naturalmente que estaríamos aqui a debater outro diploma que não aquele que VV. Ex.ªs apresentaram.
Talvez por isso se tenha verificado esta situação pouco normal na intervenção do Deputado representante do partido que tem a iniciativa legislativa, que é, em princípio, também, destinada a apresentar-nos o projecto e as soluções por ele veiculadas. Mas pouco ouvimos de V. Ex.ª nesse aspecto.
Para além disso, parece-me que há uma mácula original neste diploma: é extremamente estranho que VV. Ex.ªs, sendo um partido da oposição e sabendo que nesta Assembleia há outros partidos da oposição (e porque não, nesse aspecto, considerar também o partido no poder?), tenham caminhado isoladamente para uma iniciativa que, na sua essência, deve ter como prévia uma concertação, um diálogo, uma ronda pelos demais partidos - pelo menos, repito, pelos demais partidos da oposição.
Sr. Deputado, não faz sentido que VV. Ex.ª tenham caminhado para um projecto de estatuto da oposição sem terem tido esse cuidado prévio. Podia acontecer que essa exploração não conduzisse a nada, e VV. Ex.ªs ficavam moralmente à vontade para poderem então, isoladamente, caminhar para uma iniciativa destas.
Permito-me ler aqui uma passagem de um artigo sobre a oportunidade política deste projecto, da autoria do seu companheiro António Barreto, publicado no jornal Público do passado domingo. Diz o seguinte: "Não é fábula nem parábola, é uma história verdadeira. Após ter vencido as eleições europeias e logo a seguir a ter desvendado a sua palavra de ordem Uma nova maioria, qual é a primeira medida do Partido Socialista? Qual é?! Um projecto de lei, apresentado no Parlamento, sobre o estatuto da oposição. Será um seguro de vida para mais cinco anos?!"
Alguém disse que as derrotas começam dentro de nós próprios. Efectivamente este projecto é uma revelação de que a vocação natural e duradoura do Partido Socialista é para ser partido da oposição.
Mais, VV. Ex.ªs - e, em parte, isto foi denunciado pelo. meu companheiro, Dr. Pais de Sousa, relator deste projecto na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - tentam um certo golpe de Estado constitucional através do estatuto do direito da oposição.
Na verdade, há nele duas vertentes que é preciso denunciar: por um lado, VV. Ex.ªs, pela via do estatuto da oposição, querem ser aquilo que não conseguem pela via eleitoral, ou seja, querem ser Governo e querem assumir uma co-decisão nas decisões governamentais; por outro lado, sabendo estarem condenados à oposição, querem, nesta sede e neste local, ganhar poderes que não conseguem pela via eleitoral; querem ainda, por via deste projecto, fazer sair do centro próprio, que é o Parlamento - é nele que se deve exercitar, em primeira linha, o papel de fiscalização, sobretudo com o protagonismo dos partidos da oposição-, para sedes, aliás obscuras e pouco claras, o ponto central da oposição política.
Esta é uma forma veementemente reprovada, designadamente no estudo do Dr. Silva Leitão, que chama a atenção para a necessidade de, nos estatutos da oposição, ter-se claramente presente as linhas constitucionais, exactamente para evitar os desvirtuamentos que o vosso projecto largamente encaminha e consagra.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Almeida Santos, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, respondo já porque não quero prescindir do contributo da surpresa que me causaram as palavras do Sr. Deputado Guilherme Silva, meu amigo, porque esperava dele tudo menos a intervenção que fez. Vejo que a minha última ilusão se desfez, pois, ao que parece, vão mesmo votar contra e continuar a querer espartilhar as oposições na menorização a que as têm condenado. Se assim for, muito bem, tiraremos as nossas conclusões. Afinal, dizer adeus à última ilusão já não custa tanto, porque, de facto, é a última.
O Sr. Deputado disse que a minha intervenção não foi má, mas o projecto de lei é péssimo e nem parece meu. Devo dizer-lhe que assumo este projecto e, como é óbvio, sobre ele faço a minha própria, avaliação.
Em todo o caso, gostaria de ter ouvido uma crítica especificada, que dissesse o que está fora da Constituição, o que a ultrapassa, o que traduz zonas obscuras e pouco claras. É que as frases soltas no ar são fáceis e pôr defeitos em abstracto também é facílimo, dizer onde estão os defeitos é que dói.
Mas gostava de ter ouvido essa crítica, pois estaria agora a dizer-lhe por que é que lá está o que está.
Curiosamente, se este projecto de lei tem algum defeito é o de ter tido a preocupação de se cingir à Constituição. Não se trata de um projecto ambicioso e foi exactamente para possibilitar a actualização do Estatuto do Direito de Oposição, sem o obstáculo do voto da maioria, que não se quis pedir o céu, como, aliás, referi na minha intervenção. Pediu-se pouco, mas pediu-se o mínimo que a Constituição exige e nada que ela não consinta. Disso não tenhamos a menor dúvida. Aliás, essa demonstração poderá ser feita na especialidade, quando se vir o texto constitucional, em concreto e não em abstracto, que permite e legitima aquilo que está no projecto de lei.
O Sr. Deputado Guilherme Silva disse que o projecto dê lei é péssimo e, pela minha parte, estou aberto a melhorá-lo, com alegria, em sede de comissão. Deixem-no passar aqui, na generalidade, e haverá total disponibilidade para o melhorarmos em sede de Comissão, com o vosso contributo, a vossa ciência, a vossa generosidade, a vossa abertura ao pluralismo democrático. Vamos a isto.
Se o partido maioritário respeita as oposições, e quero admitir que sim - ainda tenho essa ilusão -, vamos melhorar o projecto de lei, no sentido do reforço dos direitos das oposições e não da sua restrição, porque o que dele consta está na Constituição, não existe é a lei ordinária para que possa passar à prática.
Relativamente à mácula original, quero dizer-lhe que, de facto, nunca vi uma mácula deste tipo. Se nenhum dos nossos projectos tiver outra mácula que não esta...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Para esta matéria é uma mácula!

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O Orador: - Mas os consensos podem tentar-se quer na origem das iniciativas, quer depois delas. Aqui só temos de nos pôr de acordo relativamente à aprovação na generalidade. A colaboração realiza-se depois, na discussão na especialidade. Foi sempre assim!
Na verdade, não temos de dar contas a ninguém sobre a forma como tomamos as iniciativas, desde que elas representem um direito nosso. Era um direito nosso apresentar este projecto de lei e, por isso, exercemos esse direito.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Com essa afirmação, ficamos esclarecidos!

O Orador: - Não ficam nada esclarecidos, porque temos sido vítimas de iguais iniciativas - se é que isso é ser-se vítima - da parte de todos os partidos. Cada um toma as iniciativas que quer, isoladamente, e depois, na especialidade, tentamos chegar a consensos.
Em relação ao António Barreto, respondi-lhe, por antecipação, no meu discurso, dizendo que ele se esqueceu de ser inteligente.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Considero-o demasiado inteligente para se esquecer disso!

O Orador: - Devo dizer-lhe que não acrescentou nada à glória de António Barreto a observação do Sr. Deputado Guilherme Silva.
De qualquer modo, aproveito para acrescentar que o António Barreto, para além de se ter esquecido de ser inteligente, esqueceu-se também de ser democrata, e ele é-o profundamente, porque ser democrata é respeitar os direitos das oposições e ele achou estranho que o nosso primeiro acto fosse o de querermos que esses direitos fossem respeitados.
Gostava de lembrar que se hoje somos oposição, podemos deixar de o ser amanhã, como já fomos oposição e Governo antes e os senhores também já foram oposição. A alternância é a saúde da democracia. Então, o que há de estranho ern que esta medida seja a primeira? Na verdade, tenho muito orgulho em que ela seja a primeira a ser discutida, embora não tenha sido a primeira a ser apresentada, pois apresentámo-la em Maio, a um ano e meio das eleições legislativas, não havendo aqui qualquer imediação.
Por outro lado, não há escolha de oportunidades para cumprir a Constituição, todas as oportunidades e todas as horas são boas para esse fim, a lógica está em cumprir, e em cumprir quanto antes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, os senhores deviam pedir desculpa, como eu já fiz na minha intervenção, assumindo as responsabilidades que me cabem, por termos estado 17 anos sem ligar qualquer importância aos partidos da oposição.
O Sr. Deputado Guilherme Silva disse também que nós pretendíamos um golpe de Estado constitucional e, por isso mesmo, desafio-o a dizer o que é que não tem cobertura constitucional neste projecto de lei.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Não o leu!

O Orador: - Se não o leu, está desculpado, se o leu não tem desculpa, porque, de facto, tudo o que está no projecto de lei tem cobertura constitucional e o que tem cobertura constitucional não pode ser inconstitucional.
O Sr. Deputado referiu ainda que estamos condenados à oposição. Acabem com esse complexo de que vão ser maioria eternamente, de que são insubstituíveis, de que não há alternativa possível para os senhores. Quando é que acabam com essa ideia, que vos diminui aos olhos de toda a gente minimamente sensata, razoável e democrática? O que é isso de não haver alternativa? Será que mesmo depois de duas vitórias consecutivas e de já termos sido Governo não somos alternativa? O que é isso? Por que é que os senhores são eternos? Porque são o Pai Celeste?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Porque o eleitorado nos dá a maioria!

O Orador: - Deu! Agora foi-nos dada a nós duas vezes!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Tudo se inclina para uma nova maioria!

O Orador: - Essa de que tudo se inclina... Inclinam-se vós, porque, infelizmente, se calhar, já nasceram inclinados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, devo felicitá-lo pela sua intervenção e pela iniciativa de rever o Estatuto do Direito de Oposição.
Relembro este diploma, com grande saudade, porque foi elaborado aqui, sob a forma de projecto de lei, com o n.º 5/1, e assinado por Diogo Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa, tendo-se consubstanciado na lei actualmente em vigor, à qual estamos afectivamente ligados, dado que foi subscrita por dois nomes fundadores do nosso partido e estruturantes do actual regime pluralista democrático português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Dizia-se o seguinte, no projecto de lei que foi assinado por esses dois homens: "afigura-se conveniente definir por escrito, em letra de lei, um certo número de princípios e de regras capazes de, perante a opinião pública portuguesa, desenhar o perfil e explicar a função da oposição na nossa democracia, estabelecendo, no mesmo passo, um conjunto de direitos e deveres indispensáveis à dignificação e responsabilização dos partidos da oposição na vida pública portuguesa.
O CDS, que foi o primeiro partido português a reivindicar para si o papel de partido da oposição, a seguir a 25 de Abril, e que sentiu, porventura, como nenhum outro, a falta de um corpo claro e preciso de garantias, que consubstanciasse o respeito devido a uma oposição democrática, orgulha-se de apresentar agora este projecto de lei, contendo o regime jurídico definidor do que passará a ser, assim o esperamos, o estatuto da oposição em Portugal".
Na génese desta lei, que hoje VV. Ex.ªs querem revogar, está a perfeita consciência de que o CDS, durante todos os governos provisórios, foi um partido da oposição e, de acordo com os resultados da Assembleia Constituinte e das primeiras votações, não augurava ser, durante algum tempo, partido de Governo, dado que tinha 14 %, embora fosse um dos maiores partidos, pois os outros não tinham percentagens como as que hoje o partido hegemónico apresenta.

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Naturalmente, este projecto foi feito para um partido que, durante algum tempo, precisava de se revigorar na oposição para ser poder e foi isto que, de facto, se veio a reflectir na lei aprovada.
Ora, hoje, quando VV. Ex.ªs dizem a todo o País que estão a um milímetro de atingir o poder,...

Risos do Deputado do CDS-PP Manuel Queiró.

... o que pergunto é se o espírito é o mesmo do CDS, quando apresentou o Estatuto do Direito de Oposição, ou seja, para se revigorar na oposição, para aí ter direitos, para colaborar com o poder, para se firmar nessa oposição e dar o salto para o Governo daí a algum tempo, como veio a acontecer connosco passados três ou quatro anos.
Por isso, António Barreto disse: Ó diabo, se com esta chamada dinâmica da vitória, a primeira coisa que o Partido Socialista faz é apresentar um revigoramento da oposição, é porque alguma coisa está mal.
Bom, isto poderá ser a jurisprudência das cautelas, que é a própria dos juristas.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, uma vez que já esgotou o seu tempo, queira fazer o favor de concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Há um aspecto que gostava de salientar: em 1977, quando apresentámos o projecto de lei, existia um pluripartidarismo, ern que os quatro partidos participavam do poder e da oposição. E tanto assim é, Sr. Deputado Almeida Santos, que, na génese desta lei, os partidos que participaram no debate não foram nem o Partido Comunista nem o Partido Social Democrata, então PPD, mas o PS e o CDS. Esta lei foi elaborada com base em propostas de substituição, apresentadas por Salgado Zenha, e em propostas apresentadas pelo próprio CDS. Ou seja, nem o PPD, nem o Partido Comunista participaram neste Estatuto do Direito de Oposição, por razões naturalmente diferentes e contraditórias, como é óbvio.
Mas o problema que se coloca é o seguinte: um estatuto da oposição pode ser estrutural ou materialmente igual, quando existem quatro partidos e não se vislumbra uma maioria absoluta e quando há um partido com maioria absoluta e outro a solicita? Ou seja, um estatuto da oposição, quando existe uma maioria absoluta, pode ser igual, quando existem governos minoritários, como se verificava em 1977? É que o Estatuto do Direito de Oposição de 1977 foi. feito para partidos minoritários e ao mesmo tempo colaborantes com o poder, pois pensava-se que, em Portugal, nunca poderia existir uma maioria absoluta.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira concluir. Já ultrapassou largamente o seu tempo.

O Orador: - Só mais dois minutos, Sr. Presidente.

Este projecto de lei revela que o Partido Socialista quer introduzir, à força, no nosso regime político, uma nova filosofia, desde logo, porque, como já aqui foi dito, não consultou os outros partidos da oposição e aguardou apenas que a maioria lhe desse o voto satisfatório, desprezando, assim, o voto dos outros partidos, que não foram tidos nem achados na elaboração deste projecto de lei.
Outra questão que gostava de suscitar vai no sentido de saber se este projecto de Estatuto do Direito de Oposição, como VV. Ex.ªs o apresentam, não é uma espécie de institucionalização do bipartidarismo.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Narana Coissoró, tem de terminar.

O Orador: - Isto, porque, efectivamente, aquilo que consta dele apenas aproveita aos dois maiores partidos e não aos quatro partidos estruturantes da democracia pluralista e participativa, como tem sido demonstrado, ultimamente, em todas as eleições.

Não estou de acordo com todo o articulado.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, desculpe, mas a Mesa não pode permitir-lhe que prossiga, porque senão entramos aqui numa anarquia É que o Sr. Deputado poderia ter pedido a palavra para fazer uma intervenção.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente, com uma frase: não estou de acordo em que este projecto de lei do PS seja um golpe de Estado constitucional, porque se o fosse devido a qualquer inconstitucionalidade que dele constasse - o que não constato...

Vozes do PSD: - Há várias!

O Orador: - ... -, o Partido Social Democrata seria um campeão dos golpes de Estado a atender às declarações de inconstitucionalidade vindas do Tribunal Constitucional por violação da Constituição!
Portanto, este modo de designação de que este diploma é um golpe de Estado constitucional mostra um espírito hegemónico do PSD, que não quer reconhecer os direitos de oposição aos partidos da oposição.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, quero agradecer as suas felicitações, temperadas depois pelas críticas que teve a amabilidade de dirigir, que são de agradecer tal como as próprias felicitações.
Quero também render homenagem ao Professor Freitas do Amaral e ao. Dr. Amaro da Costa, à personalidade de um e à memória do outro, e dizer que agradeço o facto de ter recordado que o Estatuto em vigor e que, para a época, não era, com certeza, um mau Estatuto, até porque nessa altura a Constituição era bastante lacónica,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Era óptimo!

O Orador: - ... era um excelente Estatuto, foi aprovado no momento em que o Partido Socialista era governo. É significativo que o Estatuto em vigor reconheça direitos, então importantes, tal como hoje, mas insuficientes porque a Constituição quer mais, às oposições estando o Partido Socialista no governo. Isto já responde a algumas críticas que aqui me foram dirigidas.
O Sr. Deputado falou em revogar. Passou-lhe a palavra... Necessariamente que só queremos revogar na medida em que o substituímos e o actualizamos. Não se trata de dizer...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - A epígrafe que deram ao diploma é que assim diz! Veja: "Revoga...

O Orador: - Sim, a expressão consta do diploma. É evidente! Temos que o revogar na medida em que prevê-

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mos a sua substituição integral e, na medida em que reproduzimos o essencial do Estatuto pois não reduzimos em nada, evidentemente que se trata de uma revogação apenas formal.
Disse que estamos a milímetros do poder. Lembro-lhe que dei, em nome pessoal, do meu grupo parlamentar e do meu partido, a garantia de que, mais uma vez, quando estivermos no governo, respeitaremos os direitos das oposições. Respeitá-los-emos, não apenas ao nível do governo central mas também ao nível dos governos locais, onde, como sabe, somos o partido maioritário, neste momento. Estamos ansiosos por poder cumprir as obrigações que, depois da aprovação deste Estatuto- assim espero! -, com esta redacção ou outra, passam a impender sobre não só os Executivos municipais e de freguesia mas também os regionais.
Afirmou que, na observação do meu colega, camarada e amigo António Barreto, alguma coisa está mal. Estou de acordo consigo! O que está mal é a própria observação de António Barreto. É óbvio que a observação dele é a necessidade de fazer um artigo de Domingo, é a necessidade de alguma afirmação de independência em relação ao seu próprio partido, o que aliás só lhe fica bem, mas António Barreto não tem razão nenhuma. As razões que estão na base desta iniciativa, tomada em Maio, não agora, nada têm a ver com utilitarismos, egoísmos, manobras, expedientes, golpes de Estado ou a preocupação de ganhar o poder.
Reconheça, Sr. Deputado, que não se ganha o poder a ser ouvido pelo Governo, a informá-lo ou a ser consultado por ele. Não é assim que se ganha o poder. Quem ganha não é o partido consultado ou a quem foi dada uma informação; quem ganha é a democracia, obviamente, é a República, e não mais do que isso.
Apontou novamente a crítica de que não consultámos os outros. Até sou capaz de aceitar essa crítica. Se nos tivéssemos lembrado, talvez tivesse sido mais bonito, se quiser, um projecto de consenso. Não sei se era fácil o consenso... Também um projecto só das oposições contra...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Por que não?!

O Orador: - Não sei se o diploma for aprovado na generalidade, vamos ver se, aquando da discussão na especialidade, é assim tão fácil.
Contudo, há uma coisa que também lhe digo: nada vos impedia de apresentarem o vosso próprio projecto!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Estamos satisfeitos com este!

O Orador: - Eu sei!

Nada vos impede agora, na Comissão, de apresentar as vossas propostas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Temos de aceitar, pois não nos deixam falar!

O Orador: - É uma crítica que pode ser facilmente corrigida ao nível da especialidade, como poderia tê-lo sido ao nível da apresentação.

Agora, dizer-me que favorecemos o bipartidarismo...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente. Sr. Deputado, quero dizer o seguinte: nunca foi, nem é, nossa intenção favorecer o bipartidarismo, e o CDS-PP sabe-o. Se quiséssemos favorecer o bipartidarismo, tínhamos aceite, ou íamos aceitar - e já dissemos que não - as propostas do PSD, no sentido de "varra" do mapa os pequenos partidos. Nunca aceitámos, nem nunca aceitaremos isso. Há alguma dose de ingratidão no seu comentário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Havemos de ver!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, nas minhas perguntas vou tomar uma posição totalmente oposta à manifestada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, o que é natural. Enquanto o Sr. Deputado Guilherme Silva quer defender uma situação em que não há, na prática, estatuto de oposição, eu quero que seja afirmado, tanto no plano legislativo como no da prática politica, uma garantia constitucional que não está a ser cumprida.
Entretanto, não posso deixar de, como primeira observação, congratular-me com o facto de o Partido Socialista ter entendido que esta é uma questão prioritária, que, no quadro da avaliação do sistema político, no quadro do que se pode titular de "medidas para reforma do sistema político", a primeira e mais urgente destas medidas ser a de reforçar os poderes dos partidos políticos, dar um novo prestígio, um novo impulso à acção e à vida dos partidos políticos, combatendo com firmeza todas as tentativas de denegrir o papel dos partidos. Tentativas essas assumidas ultimamente, nomeadamente no espectro político português, por alguns que, sendo partidos parlamentares, tinham estrita obrigação de não fazer as acusações que andam a fazer ao papel dos partidos políticos.
O papel dos partidos políticos é insubstituível, deve ser dinamizado e reforçado e fazer cumprir o Estatuto do Direito de Oposição, tal como está consagrado constitucionalmente, é um passo importantíssimo para esse efeito.
Daí que, mais uma vez, aplauda o vosso projecto de lei por este, no seu espírito de reforma, não ter colocado em segundo plano esta evidência, que é a necessidade de reforçar a vida dos partidos.
Creio que a grande questão que existe em termos do Estatuto é o da prática política. Compreendo perfeitamente, Sr. Deputado Almeida Santos, que o Partido Socialista tenha apresentado um projecto de lei. Estamos numa situação relativamente semelhante à que se passava em matéria de acompanhamento pela Assembleia da República dos normativos comunitários. A lei que existia, e estava em vigor até há um mês, era por si mais do que suficiente para que a Assembleia fizesse o efectivo acompanhamento da produção normativa comunitária. Tal não acontecia porque a lei, pura e simplesmente, não era aplicada. A nova lei, posso dizê-lo aqui - aliás, basta cotejar as leis para concluir isto -, não traz nada de novo, a não ser uma coisa muito importante, que é uma nova legitimidade política para exigir o seu cumprimento e que isso também pesa na vida das leis. Isto é, temos hoje uma lei que todos queremos que seja respeitada.
Ora, passa-se com o Estatuto do Direito de Oposição uma situação semelhante: o Governo, sistematicamente, não aplica essa lei e a própria oposição já deixou de falar de uma lei, porque, enfim, no fundo não está ern vigor. Aliás, recordo o preâmbulo do diploma, que diz que esta falta de cumprimento tem a idade da lei, ou seja, 17 anos. Devo

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dizer, inclusive, que, entretanto, passámos por muitos governos -. e por muitos ministros! -, pelo que o mal é geral. Neste momento, a ideia de dar uma nova legitimidade, um novo impulso ao Estatuto do Direito da Oposição tem o nosso inteiro aplauso.
Entendemos que era importante fazê-lo agora porque o Governo e o PSD consideram como segredo partidário, do PSD, aquilo que são assuntos de Estado e que deviam ser atempadamente discutidos com os partidos da oposição, num quadro que...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira terminar. Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente, colocando uma questão ao Sr. Deputado Almeida Santos.
Depois da leitura do projecto de lei, tive uma dúvida muito grande: enquanto na anterior lei não havia qualquer margem de dúvida em relação ao pleno reconhecimento do direito da oposição, não só aos partidos representados na Assembleia da República como aos outros partidos, o texto do projecto de lei, tal como está redigido, deixa-me dúvidas. Claro que não me passa pela cabeça que V. Ex.ª tenha redigido um texto com esse objectivo, pelo que creio que é uma deficiência de redacção. Só que ela existe e penso que deve ser corrigida para que não se crie uma situação, essa sim, insuportável, em que, ao reforçarmos os poderes dos partidos, o fizéssemos apenas em relação aos parlamentares, excluindo os outros. Creio que é importante fazer esta ressalva.
Tenho mais dois ou três aspectos a focar mas, para não abusar do tempo e agradecendo a tolerância já concedida pelo Sr. Presidente, deixá-los-ei para uma pequena intervenção.

Vozes do PCP: - Muito bem.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, também penso que se trata de uma questão prioritária e para as questões prioritárias não se colocam termos de oportunidade e todas as oportunidades são boas. Esta já não pode ser boa, porque deixou passar cinco anos sobre a última revisão e 10 anos sobre a penúltima. Já não pode ser boa! Mas, ao menos, que não se torne ainda pior deixando passar outros 17 anos!...
Já em relação a outras situações de inconstitucionalidade por omissão, a maioria pede-nos que tenhamos paciência, que é preciso prudência. Bem, paciência temos tido nós. Ao que parece, até ao ponto de termos que assumir alguma culpa!... •
O Sr. Deputado chamou à colação o facto de também termos sido Governo e de eu também ter sido ministro. Assumi, na minha intervenção, a nossa responsabilidade. Mas esta é maior quando o tempo decorrido também é maior e quando a maioria é mais absoluta. É que quanto mais absolutas são as maiorias maior é a necessidade de reconhecer direitos às oposições.
Afirmou que o papel dos partidos é insubstituível. Pois, é evidente que é insubstituível, todos reconhecem isso. Só que depois vem o "mas": "... mas é preciso dar todos os direitos à sociedade civil". Estou de acordo que se dêem possibilidades à sociedade civil, mas sem substituir ou desprestigiar os partidos políticos. Estes têm que continuar a ser uma condição insubstituível da democracia, e são-no.
Ou reconhecemos isto e não vale a pena andarmos a querer substitui-los pelo indivíduo atomizado ou não reconhecemos e, então, vale a pena destruir tudo o que está e anarquizar, para que depois se faça, novamente, a centralização do poder, como se fez no século XII e a partir daí.
Considerou correcto - e eu agradeço-lhe - que tenhamos apresentado o projecto de lei. Quando estava a falar, lembrei-me que o Sr. Deputado Narana Coissoró, meu querido amigo, me fez uma critica de que melhor teria sido termos procurado o consenso das oposições, o que já reconheci, mas deu-me ideia de que o vosso partido fez o mesmo, quando apresentou o projecto correspondente à lei que está em vigor, porque disse que o Dr. Salgado Zenha tinha apresentado um projecto alternativo, o que significa...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Apresentou propostas!

O Orador: - Ah! Apresentou propostas. Mas não assinou o projecto...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não, não!

O Orador: - Então, também incorreu no mesmo defeito de não ter tentado uma iniciativa colectiva.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mário Soares estava no Governo e Salgado Zenha na oposição!

O Orador: - Sr. Deputado, há algo que lhe quero dizer: o grau de respeito pelas leis do próprio Estado atingiu níveis que não podem ser ultrapassados nem mantidos. Os aspectos da Constituição que são objecto de inconstitucionalidade por omissão, a letra morta que há na Constituição e nas leis por falta de regulamentação, a própria inaplicabilidade das leis por falta de condições para elas poderem ser aplicadas quando se trata da previsão de institutos de natureza positiva e que podem custar alguma coisa em termos orçamentais atingiram tais níveis que, qualquer dia, o desprestígio da lei, sem que o Estado dê por isso, acarreta o do próprio Estado. Ele já está, em parte, desprestigiado...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.

Como eu estava a dizer, o Estado já está, em parte, desprestigiado e uma das causas desse desprestígio é precisamente essa.

Sr. Deputado, tem razão ao dizer que não está clara, no projecto de lei, a referência aos direitos dos outros partidos, mas também não está excluída. Logo no artigo 1.º diz-se que "É reconhecido às minorias políticas o direito de (...)". É verdade que, depois, não há a concretização de direitos específicos para as minorias, mas nada custa corrigir isso, pode dizer-se que é um defeito que herdámos do Estatuto em vigor, que também não cuidava muito das minorias políticas. No entanto, é fácil corrigir isso, a nossa abertura é total. Vamos lá ao PCTP/MRPP e a todos os partidos, grandes e pequenos, a possibilidade de serem ouvidos e de exprimirem o seu ponto de vista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

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O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, o projecto de lei que o Partido Socialista apresenta, que pretende revogar e substituir o Estatuto do Direito de Oposição, em vigor desde 1977, embora, como VV. Ex.ªs referem no preâmbulo, seja apenas e ainda o resultado de uma interpretação prudente do que o espírito e a letra da Constituição prevêem, merece, da parte do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes, um voto favorável.
Merece-o não tanto pelo que, em nosso entender, deveria ser a interpretação plena do que expressa a Constituição relativamente ao papel dos partidos políticos e dos direitos da oposição, para se poder passar do regime formalmente democrático para a democracia participativa, como a Constituição preconiza, mas fundamentalmente porque o debate e a aprovação deste projecto de lei vem, em primeiro lugar, repor a questão da importância do papel dos partidos da oposição em regime democrático que importa aprofundar; em segundo lugar, actualizar preceitos constitucionais que não estavam contemplados no Estatuto do Direito de Oposição em vigor, como o da extensão de direitos dos partidos da oposição a todas as assembleias resultantes de voto directo e, em terceiro lugar, porque o respeito pelos preceitos constitucionais, em particular desde que o PSD tem maioria absoluta, apenas tem sido considerado na medida em que serve para manter as aparências do respeito pelos direitos dos partidos da oposição.
Estas são as considerações que tínhamos de fazer para justificar o nosso voto favorável. No entanto, Sr. Deputado Almeida Santos, gostaria também de colocar uma questão.
Sr. Deputado, não lhe parece que, tratando-se de um estatuto a aplicar aos partidos da oposição, deveria nele figurar expressamente o direito de consulta prévia a esses partidos, enquanto tal, sobre matéria da construção europeia, em vez de remeter para legislação expressa, como é o caso da Lei n.º 20/94, que apenas sé refere ao direito de troca de informação entre a Assembleia da República e o Governo?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, antes de mais, agradeço ao Sr. Deputado as referências amáveis que fez.
Em resposta à questão que colocou, parece-me que, estando essa matéria regulada numa lei que entrou ern vigor há dias, seria um pouco estranho estarmos já a ir além do que se disse nessa lei ou a revogá-la e a alterá-la. Estamos disponíveis para reforçar a necessidade de um diálogo construtivo entre o Governo e a Assembleia em tudo o que concerne à construção ou às decisões da União Europeia que digam respeito ao nosso país. Por isso mesmo, quando a Assembleia proceder à revisão constitucional, vamos tomar a iniciativa de uma proposta nesse sentido, que constitui um reforço básico dessa preocupação.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, começo também por expressar o apreço com que ouvi a sua intervenção e o interesse que ela me suscitou. No entanto, deixe-me dizer-lhe que esse interesse saiu, afinal, algo frustrado, porque gostaria que V. Ex.ª na sua intervenção, tentasse justificar, explicar, fundamentar algumas das opções, perfeitamente anacrónicas, do meu ponto de vista, contidas neste projecto de lei.
Por isso, pretendo, neste pedido de esclarecimentos, colocar algumas questões ao Sr. Deputado Almeida Santos, para tentar perceber qual é, exactamente, a lógica que presidiu à feitura deste diploma, passando por cima da questão de lhe terem conferido prioridade política e de o terem agendado ao abrigo do direito potestativo - que, regimentalmente, têm - e de não ver, da parte do vosso grupo parlamentar, grande interesse político na discussão desta matéria, que, pelos vistos, é tão fulcral e fundamental para todos vós.
Antes de mais, quero dizer que, de facto, o Sr. Deputado João Amaral tem razão quando diz que há uma alteração em relação à lei actualmente em vigor sobre esta matéria, porque o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista não considera os partidos sem representação parlamentar como estando ao abrigo deste novo estatuto da oposição.
Assim sendo, creio que, ao contrário de outras disposições deste projecto de lei, onde, algumas vezes, se pretende alargar quase até ao inimaginável - diria- o estatuto da oposição, neste caso, VV. Ex.ªs, estranhamente, restringiram, contiveram, o que hoje consta já do actual Estatuto do Direito de Oposição.
Sr. Deputado, esta é a primeira perplexidade, face aos fundamentos que utilizou na sua intervenção inicial.
Parece-me haver também algum anacronismo- aqui, creio que é rigorosa a expressão - quando VV. Ex.ªs estendem, designadamente, aos órgãos das autarquias locais este estatuto da oposição, mas fazem-no de uma forma que não consigo entender. No vosso projecto de lei, dizem: o estatuto da oposição aplica-se aos partidos que não tenham representação no Executivo camarário, por exemplo. Ora, desse modo, estão a dizer que um partido com uma ínfima representação num determinado concelho, a ponto de não ter conseguido eleger sequer um vereador para o Executivo, fica, ao abrigo deste estatuto da oposição, com os direitos que aqui consagram, enquanto que o segundo partido de um determinado concelho, que elegeu vereadores e está na oposição, fica fora deste estatuto da oposição. É isso que acontece? Essa era a questão que lhe queria colocar, porque me parece que não está bem resolvida no vosso projecto de lei e que esta solução, a ter sido bem lida por mim, como penso que foi, é anacrónica em relação a uma questão como esta.
Depois, parece-me haver uma certa redistribuição de poderes e de competências entre os partidos e os Deputados. Fiquei com a impressão de que, ao contrário do que foi o conteúdo da sua intervenção, essa redistribuição é feita em desfavor dos Deputados, acentuando o papel, o peso e a importância dos partidos no exercício, em concreto, de alguns poderes da oposição que, em termos legais e constitucionais, cabem ainda, neste momento, aos Deputados.
Sr. Deputado Almeida Santos, parece-me que o conceito de oposição aqui adoptado é estranho, porque permite, por exemplo, a institucionalização do Congresso "Portugal: Que futuro?" como um congresso da oposição.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.

Esta excessiva preocupação com a institucionalização do papel das múltiplas oposições, que VV. Ex.ªs admitem, com a utilização do conceito que consta no vosso projecto de

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lei é algo que valeria a pena ter presente aquando das fundamentações desta matéria.
Sr. Deputado, há ainda falta de lógica noutras passagens deste projecto de lei. Por exemplo, o Sr. Deputado acabou de dizer que não valia a pena fazer uma menção mais expressa à lei do acompanhamento das questões relativas às matérias europeias, até porque estamos a terminar uma boa lei sobre essa matéria. Mas, Sr. Deputado, há também leis especiais que regulam o direito de réplica e de resposta política dos partidos. Por que razão, nestes casos, entende dever aqui regular estas matérias quando, reconhecerá, há leis que regulam esses direitos e que, portanto, estão em vigor? Sr. Deputado, não colaboro nem subscrevo, obviamente, aquela teoria esquisita, aqui expendida pelo Sr. Deputado João Amaral, de que devemos, de x em x anos, recorrentemente, apresentar legislação sobre esta matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, a minha ideia não era frustrá-lo, mas, já que se sentiu frustrado, o que hei-de fazer? Já não tenho remédio! Tenho apenas a qualidade que tenho, os meus discursos e os meus projectos têm a qualidade que têm e os seus têm a qualidade que têm... Andamos aqui a frustrar-nos uns aos outros... Que havemos de fazer?
Depois, falou em opções anacrónicas. Bem, só se já é anacrónica a Constituição, ao fim de 10 anos sobre a primeira revisão e passados cinco anos sobre a segunda... É que a minha opção foi a de traduzir para a lei ordinária aquilo que consta da Constituição! Ora, se considera que os prazos de cinco e 10 anos são suficientes para o anacronismo, então, estou de acordo consigo: a Constituição é anacrónica, o projecto de lei é anacrónico. Senão, tenha paciência: a Constituição é moderna e o projecto de lei também é moderno, não tanto como deveria ser porque já passaram 10 anos sobre a penúltima revisão constitucional e cinco sobre a última.
A seguir, o Sr. Deputado perguntou-me que lógica presidiu à elaboração deste projecto de lei. Será preciso responder ao Sr. Deputado, dizendo-lhe que a lógica é a de cumprir a Constituição, é a de respeitar os direitos das oposições constantes da Constituição,...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mas isso já está na lei!

O Orador: - ... é a de respeitar a lógica democrática de uma visão plural dos problemas, é a de respeitar a lógica dialéctica que, no fundo, está na existência de toda a democracia? Isto é óbvio!
A Constituição quer que os governos, a nível regional, local e nacional consultem e informem as oposições. A actual maioria não respeita nem informa; portanto, a lógica é a de passarmos a respeitar e a informar. É tão simples quanto isso!
Por outro lado, já respondi que tive a preocupação de não ser ambicioso porque tinha medo que os senhores chumbassem o diploma. E é preciso que tenhamos uma lei minimamente actualizada. Depois se melhora!
Vejo que o meu amigo é um defensor das oposições não representadas nas assembleias por eleição directa. Excelente! Se o senhor é defensor dos partidos que não estão representados nos parlamentos e que, de facto, a Constituição também considera titulares de direitos de oposição, vamos a isso!...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É que o projecto de lei diz menos do que a Constituição!

O Orador: - Isto é, conto com a sua ajuda para, em sede da 1.ª Comissão, consagrarmos especificamente neste projecto de lei os direitos dós partidos que não pertencem a nenhuma oposição parlamentar, mas que são de oposição.
Devo dizer-lhe que, de facto, o texto que hoje apresentamos não diz muito, apenas diz que "É reconhecido às minorias políticas o direito de oposição democrática, nos termos da Constituição e da presente lei". O antigo Estatuto do Direito de Oposição diz: "A presente lei não prejudica o direito de oposição dos partidos sem representação parlamentar nem outros direitos reconhecidos pela Constituição e pela lei". Portanto, é a mesma coisa! Sinceramente, não vejo que o anterior Estatuto diga mais do que diz este projecto de lei que subscrevo. Mas repito que estou disposto a que se diga mais. Conte comigo, como eu conto consigo, para, com toda a imaginação possível, darmos conteúdo concreto aos direitos das oposições não parlamentares. Conte comigo, como eu conto consigo!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - E aquele estatuto de oposição no caso das autarquias?

O Orador: - Depois, disse que eu "puxei mais para os partidos do que para os Deputados". Suponho que se refere à minha intervenção, em que eu teria "puxado" mais para os partidos. Acontece que, de facto, este projecto de lei é do estatuto dos direitos dos partidos, pois os Deputados já têm o seu próprio Estatuto! Quando ré virmos o Estatuto dos Deputados, conte também comigo para reconhecer a estes os direitos de que careçam!
Seguidamente, o Sr. Deputado foi buscar, mais uma vez, o fantasma do congresso "Portugal: Que Futuro?" e falou do risco da institucionalização. Pois se até pretendo que vamos ao ponto de reconhecer ao cidadão isolado direitos de participação política, como é que posso achar extraordinário que se reconheçam direitos - e até uma certa forma de institucionalização de facto, se for caso disso - a uma reunião de 4000 cidadãos na FIL? Claro que acho bem! Não venha é relembrar, outra vez, o fantasma de "Portugal: Que Futuro?", porque já enterrei esse fantasma, já lhe tirei o lençol, já lhe rasguei o lençol e não vale a pena preocuparmo-nos mais com isso!
Depois, argumentou que também já existe uma lei especial que regula os direitos de antena, de resposta e de réplica política. Claro que há, mas acontece que isto já estava previsto no anterior Estatuto do Direito de Oposição; portanto, se não tivesse sido incluído neste projecto, o Sr. Deputado estaria agora a criticar-me por eu ter cortado essa "fatia". Mas o Sr. Deputado estava a referir-se a uma lei aprovada há dias, cuja especificidade ainda está na fase de ser testada - vamos ver como iremos comportar-nos todos em termos de diálogo entre o Governo e a Assembleia sobre as resoluções comunitárias. No nosso projecto de revisão, vamos avançar um pouco mais com uma proposta um pouco mais ambiciosa, embora não muito. Assim, pareceu-me que, neste caso, era mesmo de remeter para essa lei especial. Não creio que sejam leis especiais iguais: uma, já está no Estatuto e a outra ainda não está. Eu não queria que o meu amigo viesse acusar-me de ter cortado uma fatia fundamental ao actual Estatuto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Martins Goulart.

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O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: O ponto de partida para um debate profícuo em torno de uma iniciativa legislativa que incida sobre a organização e o funcionamento das instituições democráticas do Estado deve assentar na assunção de especiais responsabilidades por parte dos principais parceiros institucionais envolvidos, que são, no caso em apreço, os partidos com representação parlamentar.
O acto de legislar sobre o Estatuto do Direito de Oposição força o reconhecimento dessas responsabilidades e não pode ser considerado, em nenhuma circunstância, uma diligência menor nem entender-se dissociado do propósito de contribuirmos - enquanto representantes de todo o povo português - para a dignificação e o reforço da função participativa dos agentes e das instituições do Estado democrático.
Nesta como noutras matérias marcadamente distintas da discussão ideológica os democratas devem procurar entender-se, o que mais se justifica quando se analisam regras essenciais para o fortalecimento da cultura democrática.
A questão que hoje temos sobre a mesa constitui, indubitavelmente, um elemento fundamental da estruturação da vida democrática. É neste pressuposto que participamos neste debate.
Realizamo-lo, aliás, com a certeza de que a nossa novel democracia sairá fortemente credibilizada se, do empenhamento de todos os partidos parlamentares relativamente a tão significativa matéria, resultar uma deliberação consensual.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontro-me no número daqueles que prefeririam tratar o tema dos direitos da oposição em resultado de uma iniciativa legislativa oriunda da maioria parlamentar.
Se tivesse sido esse o comportamento da maioria, estaríamos perante uma atitude reveladora de grande maturidade política e de afirmação da identidade democrática do partido que detém não só a legitimidade mas também a responsabilidade de governar o Portugal de hoje no respeito pelos mais elementares princípios e praxes democráticas.
Porque assim não sucedeu, a omissão da actual maioria parlamentar tem de ser suprida por nós, através da proposta de um conjunto de normas e critérios que consideramos ajustados à realidade que temos e ao futuro que desejamos para a nossa vivência democrática, e cuja observância impõe uma mais exigente definição dos processos de responsabilização política concretizada a todos os níveis do exercício do poder político do Estado.
Pensamos mesmo que, na ausência da aprovação deste normativo ou de outro similar que prefigure um novo pacto institucional, a actividade democrática defrontará mais e maiores obstáculos, não sendo de excluir a possibilidade de virem a trilhar-se caminhos desvirtuadores e até atentatórios da essência do próprio regime democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É deveras preocupante constatar-se que, nos últimos anos, se tem acentuado a tendência para a desvalorização da democracia representativa em Portugal e, concomitantemente, a memorização do papel dos partidos da oposição.
Algumas vozes poderão levantar-se em tom culpabilizador das minorias políticas por causa das dificuldades que experimentam. Sem enjeitarmos as responsabilidades que nos cabem sentimos, todavia, que a realidade é outra e bem diferente.
Não vamos ocultar a convicção de que elencamos como causa primeira desse perigoso definhar da nossa vivência democrática a forma de actuar das maiorias absolutas existentes, quer na Assembleia da República quer nas Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira.
Essa convicção, que igualmente se reforça pelo contacto com a realidade em que omnipresentes fenómenos de governamentalização da sociedade portuguesa - sentida em quase todos os domínios da nossa vida em comunidade -, justifica suficientemente a presente iniciativa que, sendo um pequeno passo, pretende integrar-se noutro desígnio, de cariz oposto- porque profundamente democrático! -, que estará na base de uma necessária e inadiável reforma do nosso sistema político.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tratando-se de direitos da oposição, não poderia ficar excluído deste projecto de lei o reconhecimento explícito dos direitos dos partidos políticos representados nas Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira que não fazem parte dos respectivos Governos Regionais.
Por maioria de razão, as características especiais do regime de autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeira evidenciam a indispensabilidade da adopção de medidas específicas que, com o sentido principal de proteger e incentivar a participação democrática, possam promover, também, um estádio mais aperfeiçoado de rigor democrático no funcionamento dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.
Dessas características específicas consideramos fulcral a natureza do regime parlamentar a que o modelo constitucional da autonomia regional confere a sua expressão mais pura.
Esta importante singularidade coloca os parlamentos regionais no lugar cimeiro da hierarquia do poder político regional e, em princípio, atribui à pluralidade das forças partidárias que os compõem a responsabilidade da condução do mais nobre protagonismo dentro do sistema político consagrado na Constituição para as regiões insulares portuguesas.
Infelizmente, nesta como noutras situações, da teoria à prática vai uma grande distância.
Como todos sabemos, durante os últimos 18 anos e ao longo de sucessivos mandatos de exercício de poder hegemónico nas duas Regiões Autónomas, o partido maioritário não tem respeitado - para além do invólucro formal - nem a natureza especial do regime parlamentar nem uma salutar praxe democrática, sendo neste caso particularmente evidente a diferença que existe entre as práticas seguidas nos Açores e na Madeira.
Não reputamos relevante, no contexto deste debate, fazer-se tese sobre a intencionalidade das opções e comportamentos que acabaram por restringir - se não mesmo, em alguns casos, subverter - o processo democrático das autonomias regionais.
As denúncias e provas de suficientes anomalias têm sido apresentadas ao correr do tempo e, sendo a experiência a grande mestra, já retirámos, em sede e alturas próprias, os ensinamentos úteis, especialmente tendo em conta os actos e ocorrências que, como democratas e defensores de uma cidadania plena, mereceram o nosso firme protesto e frontal reprovação.
Mais importante do que a repetição de argumentos conhecidos é o assumir de uma postura liberta de conformismos que almeje uma indispensável alteração dos relacionamentos institucionais - nomeadamente conducente a uma efectiva separação de poderes- e com ela se consigam definir novos e mais exigentes procedimentos de responsabilização política.
As novas exigências que preconizamos, no âmbito da presente iniciativa legislativa, com vista a um melhor funcionamento do sistema autonómico - e que devem ser colocadas no contexto de uma legítima e justa participação institucional dos partidos da oposição parlamentar nas Regiões

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Autónomas -, prendem-se essencialmente com o direito à informação sobre os principais assuntos de interesse regional.
O complexo de auto-suficiência da maioria tem de ser curado por medidas de partilha do poder, e por uma mais estreita cooperação entre os detentores do poder político, procedimentos que são normais em qualquer democracia estabilizada e que implicam, naturalmente, um grau maior de responsabilização dos partidos da oposição na defesa do interesse público.
Igualmente relevante é o direito de consulta prévia relativamente às propostas de plano e orçamento regionais, às negociações de tratados e acordos internacionais com incidência directa em qualquer região autónoma, bem como quanto aos casos de pronúncia por pane dos órgãos de governo próprio, quer seja efectivada por iniciativa destes ou sob consulta dos órgãos de soberania e, ainda, relativamente a outras questões previstas na lei.
A defesa do interesse regional não deve ser entendida como um direito exclusivo das maiorias, que, aliás, será sempre fortalecida se nela convergiram com unidade de propósito os agentes políticos com legitimidade democrática.
Torna-se também imperativo definir com o maior rigor possível o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política.
Neste domínio, foi sempre excessivo e intolerável o grau da anomalia introduzida pelo funcionamento de um sistema mediatico que, de forma peculiar nas Regiões Autónomas, tem favorecido sistematicamente o poder estabelecido. Por mais difícil que seja a abordagem deste problema, ela tem de ser feita, porque dela depende também a salvaguarda dos valores da democracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com optimismo - apesar das indicações que temos recebido ao longo deste debate - e com fundada esperança que aguardamos o desfecho desta discussão parlamentar. Ela tem, desde logo, o mérito de produzir uma clarificação de posições de primordial relevância política.
Fazemos sinceros votos de que, pelo empenhamento colectivo dos principais detentores do poder político democrático, seja, nesta oportunidade, oferecido um decisivo contributo para a valorização da democracia em Portugal.
Da nossa parte e na medida das nossas capacidades, realizaremos o que estiver ao nosso alcance para o conseguir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Sr. Deputados Guilherme Silva, Mário Maciel e João Amaral. Acontece que o Partido Socialista já não tem tempo disponível, pelo que o Sr. Deputado Martins Goulart não pode responder...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o PSD cede ao PS o tempo que for necessário para o Sr. Deputado Martins Goulart poder responder aos pedidos de esclarecimentos que lhe forem feitos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva para pedir esclarecimentos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Martins Goulart, na sua intervenção houve dois pontos que me confundiram e que gostaria de ver esclarecidos.
Em primeiro lugar, fiquei com a impressão- V. Ex.ª confirmará - de que justificava em parte a iniciativa do Partido Socialista na inércia do PSD quanto a uma iniciativa nesta matéria, o que é um pouco contraditório até em relação à intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, o qual, quando critiquei e disse que, não sendo um projecto de lei qualquer, este deveria ter sido concertado ou que, pelo menos, o Partido Socialista deveria ter feito uma ronda pelos demais partidos no sentido de concertarem uma iniciativa legislativa deste tipo...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - "Concertar" com c!

O Orador: - Com e, claro!

Entretanto, V. Ex.ª vem dizer que a razão de ser desta iniciativa do Partido Socialista dever-se-á à omissão e à inércia do PSD. Ora, o PSD não tomou qualquer iniciativa nesta matéria porque considera que a Lei n.º 59/77 dá perfeitamente resposta ao Estatuto do Direito de Oposição na sua conformação constitucional. O que é importante é que não houve alterações constitucionais, no domínio do exercício do direito de oposição, que justifiquem uma alteração daquela lei.
Por outro lado, VV. Ex.ªs não fazem um ataque à lei vigente, não denunciam aspectos que estejam ultrapassados ou caducos, limitam-se a dizer, sem demonstrar, que ela não tem sido observada nem cumprida. Ora, é óbvio que a não observância de uma lei não se faz com uma nova lei! Se VV. Ex.ªs entendem que isso tem acontecido, recorram a outros mecanismos para fazer com que a lei seja cumprida.
Também, ao referir-se às regiões autónomas, V. Ex.ª deu a ideia de que aí a Lei n.º 59/77 ainda seria menos cumprida, invocando até a circunstância de, em determinadas ocasiões, ter produzido os seus protestos a esse propósito.
Em primeiro lugar, devo dizer que o Sr. Deputado teve, já dentro do Estatuto do Direito de Oposição, a possibilidade do protesto, o que significa que, em parte, a lei terá funcionado. Mas digo-lhe mais: V. Ex.ª defendeu, de uma forma extremamente relevante e positiva, a posição dos Açores com, aliás, brilhantes resultados. Penso até - e este é um aspecto que tem sido esquecido neste debate - que essa acção tem sido mais reconhecida no seio do meu partido do que no seu próprio partido, o que significa um pouco que o Estatuto do Direito de Oposição, dentro do Partido Socialista, funciona menos do que no âmbito das suas relações com o partido da maioria.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, como há mais oradores inscritos, pergunto se deseja responder já ou no fim.

O Sr. Martins Goulart (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, desde já, gostaria de clarificar que nada do que eu disse está em contradição com a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos. E se da leitura do meu texto resultar essa impressão, queria desfazer qualquer equívoco sobre essa matéria.
No plano de uma situação que desejaria ideal, o que sugeri foi que a magnanimidade das grandes maiorias pudesse manifestar-se também através de uma identificação plena com iniciativas democráticas deste género, isto é, numa situação plenamente ideal deveria haver a magnanimidade política de uma maioria que, perante a oposição, definisse - por sua iniciativa - e propusesse as regras do jogo.

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É evidente que nada do que eu disse contraria a justificação quer da oportunidade, quer da prioridade da iniciativa do Partido Socialista, que já estavam perfeitamente justificadas na intervenção Sr. Deputado Almeida Santos.
E, para não abusar do tempo que me concederam, e que agradeço, passaria, desde já, à questão das regiões autónomas. É evidente que também disse no discurso que não interessava, neste contexto, debater coisas passadas. Não é essa a minha postura na política, mas temos de reconhecer que não tem sido fácil determinado percurso de afirmação e de consolidação do processo democrático em todo o País e, nas regiões autónomas, com as diferenças que se conhecem, também temos vivido experiências distintas. Todos sofremos a necessidade de aprender a viver em democracia dentro dos partidos e das instituições democráticas e, nessa medida, a minha intervenção não pretende trazer para aqui debates deslocados mas, sim, pura e simplesmente, realçar a importância e a relevância desta iniciativa que, de acordo com a intenção expressa pelo Partido Socialista, se propõe organizar uma possível síntese de consenso, para que uma peça tão importante da organização e da estruturação democrática do Estado não continue desactualizada e se possa, efectivamente, exercer com mais vigor, mais transparência e mais rigor os direitos da oposição em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Martins Goulart, a minha pergunta é só uma e é muito simples.

O n.º 1 do artigo 9.º deste projecto de lei define o direito de consulta prévia dos partidos políticos representados na Assembleia da República em relação a questões do Governo e o n.º 2 o direito de os partidos políticos representados nas assembleias legislativas regionais serem ouvidos em relação a questões das regiões autónomas.
Ora, neste n.º 2, onde se enumeram os direitos dos partidos da oposição nas regiões autónomas, um dos direitos previstos é o de serem consultados previamente em relação a negociações de tratados e acordos internacionais que directamente digam respeito à respectiva região autónoma.
Gostaria de saber por que é que este direito, cuja consagração está aqui proposta em relação às regiões autónomas, não é também consagrado a nível nacional em relação a todas as negociações que envolvam directamente o País.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Martins Goulart.

O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, desde já, agradeço a questão que me colocou.
Em primeiro lugar, e para ser breve, devo clarificar que a precisão do n.º 2 do artigo 9.º do nosso projecto de lei tem como fundamento uma norma estatutária e constitucional, que foi transposta para este texto por ter relevância peculiar no contexto da nossa organização política regional. Aliás, julgo que as questões que referiu também se podem incluir na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 9.º, relativa ao Governo da República, quando se defende que a orientação geral da política externa merece uma atenção especial, no sentido de obrigar o Governo a consultar os partidos da oposição. Além do mais, existe uma referência geral, constante do próprio articulado do diploma.
Deste modo, queria, sobretudo, relevar que a explicitação daquela norma prende-se com uma outra estatutária que, se não tivesse sido incluída neste diploma, por omissão, podia ser interpretada no sentido de restringir o exercício de um direito.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Martins Goulart, V. Ex.ª tem um longo percurso de oposição na Região Autónoma dos Açores e, portanto, as suas opiniões são escutadas com atenção pela minha bancada, sobretudo quando se refere à aplicabilidade e ao respeito pelos direitos da oposição nessa região, pela qual é, aliás, Deputado eleito.
A questão que quero colocar prende-se com o facto de o Sr. Deputado ter, na minha opinião, apresentado uma visão algo distorcida do respeito que existe pelos direitos da oposição na Região Autónoma dos Açores.
Nesse sentido, gostaria que concretizasse mais e, nomeadamente, desse exemplos de situações em que os direitos da oposição estão a ser feridos ou, porventura, quais são as violações graves que, no seu entender, existem nos Açores, porquanto quer o governo, quer a assembleia regionais são fóruns de amplo diálogo com as forças vivas da sociedade.
Lembro, a este propósito, que o Conselho de Concertação Social reúne frequentemente e abrange um leque, uma panóplia variada de forças vivas e parceiros sociais. Além disso, quando elabora as suas propostas de orçamento e plano, o governo ausculta com muito cuidado todos os parceiros sociais.
Por outro lado, os partidos políticos também dispõem de longos tempos de antena, até televisivos, para manifestarem as suas posições; durante as campanhas eleitorais, o Telejornal regional tem blocos noticiosos em que o Partido Socialista e as restantes forças partidárias aparecem em pé de igualdade com o Partido Social Democrata. Por exemplo, na noite das eleições para o Parlamento Europeu, não tendo o Partido Socialista apresentado nas suas listas qualquer candidato oriundo da Região Autónoma dos Açores em posição elegível, ele teve o mesmo tratamento televisivo do que o Partido Social Democrata. Até a UDP, praticamente inexistente nos Açores, teve longos minutos de explicação ao eleitorado açoreano das suas posições.
Portanto, nos Açores respeitam-se os direitos da oposição. Haverá, quiçá, alguns aperfeiçoamentos de pormenor a fazer, mas o espírito da Lei n.º 59/77 está plenamente respeitado.
Gostaria, pois, que o Sr. Deputado comentasse ou exemplificasse onde é que vê violações ao espírito desta lei.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Martins Goulart.

O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, agradeço as questões que me colocou e a oportunidade que me dá de fazer uma breve clarificação das posições que, pública e explicitamente, tomei sobre a matéria da minha intervenção.
Espero que o Sr. Deputado, através da sua pergunta, não tenha querido dar à Câmara a impressão de que existem direitos a mais de oposição nos Açores. Penso que não foi esse o seu objectivo!
Reconheço, com toda a frontalidade, que a vida democrática dos Açores é normal, o que não quer dizer que

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não tenhamos passado por um percurso mais difícil em tempos mais recuados. E como não calendarizei nem marquei o tempo do sinal do protesto que possa ter havido quanto ao passado relativamente a determinados comportamentos, o que digo, para serenar o Sr. Deputado, é que não tenho qualquer protesto recente a fazer. Porém, posso relembrar-lhe que isto não significa que não tivéssemos passado por momentos de grande dificuldade.
Posso dizer-lhe - e tenho comigo o Estatuto dos Deputados - que, na primeira assembleia legislativa regional, de que participei, éramos avençados ao dia, sem saber se uma sessão legislativa durava dois ou três dias. Depois, a assembleia fechava as portas, ficando o seu presidente em exercício efectivo de funções, e todos os Deputados passavam a dedicar-se à sua vida particular porque deixava de funcionar o parlamento regional. Ora, nessa altura- estávamos em 1977 -, como é que podia ser exercido o direito da oposição?
Pergunto ao Sr. Deputado se sabe como é que se venceu este obstáculo ao funcionamento do regime democrático. Foi através de uma luta oposicionista, permanente e diária, só a debater os direitos dos Deputados, da mesma forma que estamos a falar aqui, hoje, da necessidade, para bem da democracia portuguesa, de valorizar o papel dos partidos da oposição no sistema político português.
Portanto, com as devidas distâncias, e tomando nota do exemplo que referiu quanto à questão televisiva e aos tempos que a televisão confere aos partidos da oposição, mesmo em situações muito recentes, posso dizer-lhe que exerci funções de liderança partidária durante os últimos seis anos, como Presidente do Partido Socialista nos Açores, funções que cessaram em Janeiro deste ano, e nenhuma vez, em seis anos, repito, como líder do maior partido da oposição, fui convidado a comentar a situação política regional no Telejornal regional. Nenhuma vez, em seis anos como líder do maior partido da oposição! E não vale a pena lembrar ao Sr. Deputado as vezes que o presidente e os membros do governo regional têm facilidade de acesso ao Telejornal.
Isto não quer dizer que outros membros do Partido Socialista não tenham sido convidados, mas é para se entender como é que um poderoso meio de comunicação social pode interferir na vida dos próprios partidos políticos. Mas esta não é uma questão relevante para a pergunta que me fez.
Como lhe disse, a situação dos Açores é de vivência normal e democrática, dentro do contexto do Estado português.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao aprovar a Lei n.º 59/77, de 5 de Agosto, o legislador ordinário, na sequência da consagração do direito de oposição democrática, no artigo 117.º, n.º 2, da Constituição, entendeu dar forma legal a um conjunto de direitos políticos, no sentido de disciplinar as actividades compreendidas no direito de oposição.
Antes de mais, diremos que a existência, em democracia, de uma oposição como alternativa de poder- com a sua esfera de direitos e de deveres - constitui algo de essencial ao próprio sistema democrático.
Dito isto, acrescentaremos que, do ponto de vista do nosso constitucionalismo, o Estatuto do Direito de Oposição é, em si, uma originalidade, sendo que o direito comparado não nos dá modelos estatutários deste tipo. Normalmente, estatutos de oposição existem noutras ordens jurídicas em função de concretas evoluções constitucionais, a que não são indiferentes as chamadas vias consuetudinárias.
Mas o direito de oposição democrática constitui, em primeira linha, uma concretização do princípio democrático e dos direitos/garantia de participação política.
A primeira distinção que cumpre efectuar é entre direito de oposição, em geral, e direito de oposição democrática. Com efeito, a Constituição e a lei portuguesas reservam este último conceito apenas para os partidos com assento na Assembleia da República, sendo certo que o direito de oposição democrática é um princípio geral da organização do poder político, constituindo limite material de revisão, nos termos da alínea i) do artigo 288.º da lei fundamental. Acresce que esta matéria se integra na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia.
Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira "(...) o direito de oposição é um elemento garantistico do princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania (...)".
Numa outra perspectiva, diremos que à oposição assiste uma verdadeira função constitucional, que se manifesta no controlo da maioria, na compatibilização do princípio maioritário com os direitos das minorias e na construção de alternativas de poder.
E, chegados a este momento do debate, cumpre questionar: Qual é o sentido do projecto de lei n.º 404/VI, que o PS agora nos apresenta? Qual a sua oportunidade? O que é que verdadeiramente moveu, ou fez mover, os socialistas, nestas últimas semanas, com este concreto projecto de lei?
É que, politicamente, uma iniciativa legislativa como a que, agora, é presente a esta Câmara só faz sentido no início de uma legislatura.
Mas será este projecto de lei a prioridade actual do Partido Socialista?
E que dizer do facto de, no fim da 3.ª sessão legislativa e a um ano do encerramento da legislatura, um grupo parlamentar vir, agora, propor a alteração de legislação desta natureza?
Será que o Partido Socialista se remeteu definitivamente ao estatuto de partido da oposição? Pelo que se vê, querem governar por via de oposição.
O PS está na oposição há cerca de nove anos, e, até hoje, coexistiu com a Lei n.º 59/77, que, virtualmente, lhe serviu. Porquê, agora, esta alteração da Lei?
O Partido Socialista parece ter interiorizado que não vai ganhar as próximas eleições legislativas e este projecto de lei é a confissão política e pública de tal estado de alma.

Vocês do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Do projecto em si diremos que se trata de uma peça desconexa, mal redigida e com problemas de técnica legislativa, como, aliás, já hoje referimos na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Nesta perspectiva, a primeira nota é no sentido de registar que, no artigo 1.º do projecto de lei em apreço, se reconhece "às minorias políticas o direito de oposição democrática"; só que, no articulado posterior, tudo fica como estava na Lei n.º 59/77, já que se consigna aquele direito a favor dos partidos políticos.
Aparentemente, importaria definir com clareza o que se entende por "minorias", sendo certo que, no nosso sistema constitucional, uma minoria pode formar governo. Daí que se nos afigure tecnicamente preferível, não obstante a Constituição referir expressamente o termo "minorias", a formulação do artigo 1.º da Lei n.º 59/77 em vigência.
Ao que acresce algo de muito grave - aliás, já hoje aqui apontado pelo meu companheiro, Deputado Miguel Mace-

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do-, que é o desaparecimento de qualquer referência expressa aos partidos sem representação parlamentar, o que é restritivo, uma vez que importa regular o direito de oposição desses partidos, que, aliás, também constituem minorias.
Também o artigo 12.º projectado comprova a confusão que vai no espírito dos autores da iniciativa ern presença.
Mais extenso que o artigo 6.º actual, que se confina e bem às matérias relativas a partidos políticos e eleições, o articulado em 12.º é inaceitável quanto à participação em matérias da chamada competência concorrente do Governo.
Imagine-se uma pequena alteração ao Código Comercial, ou ao Código Civil, ... e o Governo teria de cumprir um ritual ineficaz e até perturbador.
Ademais, não faz muito sentido falar em Código Civil ou Comercial em termos formais, já que importantes matérias de direito civil e comercial não fazem, hoje, parte desses códigos e nem por isso são menos importantes (veja-se o exemplo do Código das Sociedades Comerciais).
Depois de ler este artigo 12.º, cumpre também perguntar: quem governa ou quem deverá governar?
É que, uma vez mais, somos levados a concluir que o que o PS pretende é governar por via da oposição!
Por outro lado, a matéria que consta dos artigos 14.º a 18.º do projecto dos Deputados socialistas é em larga medida lamentável.
Pela sua leitura, ficamos cientes de que o Partido Socialista pretende instituir uma forte tutela sobre a comunicação social. Mais, o PS pretende regressar- a menos que se trate dum equívoco - às empresas públicas de televisão e radiodifusão, que, aliás, já não existem hoje.
Assim, é, desde logo grave, que, no artigo 14.º do projecto em questão, sejam esquecidas, estranhamente, as autarquias e o direito de antena nas rádios locais, uma vez que se pretendeu trazer para esta lei a matéria referente às autarquias locais.
Igualmente se regista no mesmo artigo 14.º que o PS reconhece mérito à Alta Autoridade para a Comunicação Social...
E o proposto pelos socialistas em matéria de direito de antena nos períodos eleitorais? Para lá de se registar a utilização do termo "propaganda", é deslocado e inibidor da iniciativa privada adjudicar aos partidos direitos de antena "regulares e equitativos" nas estações "privadas" de rádio e de televisão "de âmbito nacional e regional". Como podem os privados suportar os custos inerentes? Seriam exigidos ao Estado?
Vem depois a matéria dos relatórios de avaliação, que consta, com equilíbrio, do artigo 12.º, da Lei n.º 59/77, em vigor, mas que o artigo 18.º do projecto de lei burocratiza, de forma inaceitável.
Com efeito, é surrealista prever que a RTP e a RDP elaboram "relatórios de avaliação do grau de observância do respeito pelos direitos e garantias constantes da presente lei".
Ao que acresce que já não existem entre nós, hoje, empresas públicas de rádio e televisão, como se deixou dito. Tratar-se-á de um regresso ao passado ou de tentação tutelar dos socialistas sobre a comunicação social?
Dito isto, e constatando nós que muitas outras questões suscitam delicados problemas técnico-jurídicos - em relação a muitos dos quais só faria sentido a sua identificação e tratamento em sede de especialidade -, gostaríamos, neste enfoque, de deixar perante o País e a Câmara uma breve congratulação pela recente entrada em vigor da Lei n.º 20/94, de 15 de Junho, de acompanhamento e apreciação pela Assembleia da República da participação do nosso país no processo de construção da União Europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É que também nesta área - em que a revisão constitucional de 1992 havia tornado clara a necessidade de actualizar e dar eficácia operativa à anterior lei de acompanhamento (Lei n.º 111/88, de 15 de Dezembro) - temos como adquirido um reforço - com o qual nos congratulamos - dos direitos dos Deputados à Assembleia da República, ao nível do acompanhamento e da apreciação dos assuntos europeus.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata está aberto a alterações da lei, que o decurso do tempo porventura justifique e o exercício legislativo possa igualmente reclamar.
Mas não nos peçam que sustemos projectos de lei confusos e tecnicamente maus.
Esta iniciativa legislativa dos socialistas, e que só a eles responsabiliza, deve ser reponderada, até porque se trata de matéria de regime ou para constitucional.

(O Orador reviu.) Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, com certeza, não será intenção do seu partido reduzir os partidos parlamentares da oposição à categoria, dimensão ou capacidade de actuação de partidos extraparlamentares da oposição. Ou seja, fazer destes partidos da oposição um PSR, um Política XXI, um PDA, etc.
Mas o facto é que, na vossa argumentação, já é a terceira vez que falam desses partidos e da vossa preocupação relativamente à exclusão dos mesmos do Estatuto do Direito de Oposição. Ora, essa vossa repetida pode suscitar alguma dúvida da nossa parte. Mas vamos ao que interessa.
O PS apresentou este projecto de lei em termos com os quais não estamos inteiramente de acordo, como já dissemos. O PS entende que a versão original do Estatuto do Direito de Oposição, aqui aprovada por esta Casa há 18 anos, era positiva para o tempo, mas que, hoje, é largamente insuficiente, precisando, pois, de ser ampliados os direitos da oposição.
Nós colocamos a questão de outro modo, dizendo que o problema do Estatuto é o de ter sido largamente incumprido. Portanto, a prioridade para o CDS-PP é a de que ele seja cumprido.
Em todo o caso, apesar desta nossa posição, vamos votar a favor deste diploma, porque, contrariamente à vossa bancada, entendemos haver razões suficientes para ser necessário adaptar esse Estatuto às alterações não só constitucionais como também técnicas, porque a realidade mudou. Portanto, há necessidade de fazer uma revisão deste Estatuto para que esta Assembleia não acabe por praticar inconstitucionalidades por omissão nem deixe morrer um estatuto por inaplicabilidade ou falta de aplicação corrente.
Por isso, quero questionar o Sr. Deputado sobre a posição final do PSD, nesta perspectiva: o vosso partido não estará a desvalorizar a necessidade de um estatuto da oposição? Aliás, essa vossa posição seria concordante com aquilo que entendemos ter sido a larga falta de aplicação deste Estatuto.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, há outros Deputados inscritos para pedir esclarecimentos. Deseja responder já, ou no fim?

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O Sr. Luis Pais de Sousa (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): Em tempo cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, em primeiro lugar, quero agradecer ao PSD a cedência de tempo.
Respondendo ao Sr. Deputado Luís País de Sousa, quero dizer-lhe que já tinha tido conhecimento do seu discurso através, da leitura do relatório, de que foi autor, e que também até já tinha lido alguns dos seus excertos nalguns dos autores que citou.
Questionou sobre a oportunidade do nosso projecto de lei. Será que tenho de justificar a oportunidade deste diploma, decorridos 17 anos sobre a lei em vigor, 10 anos sobre a primeira revisão e cinco anos sobre a segunda revisão, num estado de inconstitucionalidade por omissão?! Terei de justificar a oportunidade deste projecto de lei?! É cedo?! Acha que, ao fim de 17, 10 ou cinco anos, é cedo?! Ou será tarde demais?!
Perguntou também qual o sentido deste projecto de lei. Ele é muito claro: respeitar a Constituição e os partidos da oposição e ter uma concepção democrática que não exclui do dialogo democrático os partidos da oposição. Este sentido é tão claro que não julguei necessário precisá-lo.
Depois, voltou a mencionar a afirmação do meu camarada António Barreto, ao dizer que o PS se remeteu definitivamente ao estatuto de partido da oposição. Não torno a responder a isso! Julgo que é uma indignidade responder, pela terceira vez, ao mesmo argumento, que não tem sequer direito de existir uma única vez, porque não é argumento, mas, pura e simplesmente, o aproveitamento de uma afirmação infeliz de quem, por acaso, costuma ser inteligente e não infeliz.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Disse ainda que se tratava de uma peça desconexa e mal redigida, de um processo confuso e tecnicamente mau. Sr. Deputado, se o PSD não quer aprovar este projecto de lei, faça o favor de usar desse seu direito. Mas não é com adjectivos injustificados que pode justificar a sua recusa! Então, diga claramente que não quer respeitar o princípio democrático do direito da oposição, que não quer dar aos partidos da oposição qualquer espécie de importância, que o seu conceito de diálogo se baseia no monólogo e, no fim de contas, que maioria absoluta é um entendimento absoluto do poder. Mas não venha dizer que o projecto é isto, aquilo ou aqueloutro, porque não é com qualificativos injustificados que se pode justificar um voto contra.
Se o projecto de lei tem defeitos, corrijam-se! Quantas vezes projectos de lei foram corrigidos na especialidade! Conto com o seu concurso - sou um mau legislador, mas o senhor não! Vamos, então, aproveitar as vossas excelências contra os nossos "disparates"!
Agora, não venham justificar a vossa passividade de 17 anos - no mínimo, de 10 e cinco anos - com defeitos que o projecto, em meu entender, não tem! É que o senhor apontou defeitos, que, efectivamente, não existem. Na realidade, por que é que o Governo não há-de ouvir as oposições sobre os principais códigos, que são o essencial da vida democrática, da vida em sociedade? Por que não? Perguntou: quem governa? É o Governo! Mas não se trata de saber quem governa mas, sim, quem ouve, quem respeita a opinião dos outros, quem quer o contributo das críticas dos outros! Essa é que é a pergunta a colocar!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não interessa perguntar quem governa. Obviamente, quem governa é quem tem o poder, quem ganha as eleições. O problema é de ouvir, de tornar em conta e de respeitar os outros! E, das duas, uma: ou respeitam, ou não! E, se não respeitam, não venham com evasivas, dizendo que isto é algo esquisitíssimo.
Afirmou ainda que o PS pretende instituir uma forte tutela sobre a comunicação social. Bom, se é uma forte tutela, é a que está prevista na Constituição... Nada há neste projecto que não esteja previsto na Constituição ou que não decorra da sua letra ou do seu espírito! Portanto, se este diploma é mau, a Constituição é péssima; está tão mal feita quanto ele!
Quanto à utilização do termo "propaganda", no artigo 12.º, do nosso projecto, lamento dizê-lo, Sr. Deputado, mas esse é um conceito que está previsto na Constituição, ao falar dos direitos dos concorrentes a eleições. Não fui eu que inventei o conceito! O que é que ele tem de extraordinário ou de repelente?!
O mesmo se diga quanto à adjudicação aos partidos de direitos de antena nas estações privadas de rádio e de televisão de âmbito nacional e local - tudo decorre da Constituição, não se inventou nada! Nada lá está que vá para além do previsto na Constituição!
Agora, claro está, tendo o estatuto originário falado nisto e a Constituição feito correcções, tomaram-se em conta essas correcções. Mais nada!
Disse também ser surrealista a elaboração de relatórios de avaliação por parte da RTP e da RDP. Por que é surrealista o facto de a RTP e a RDP terem de apresentar aos órgãos de soberania, perante os quais respondem, relatórios, onde se avalie a medida em que cumpriram, ou deixaram de cumprir, no seu entender, as leis e as obrigações? O que é que isto tem de surrealista?! Só será surrealista na concepção de um poder que não se quer fiscalizado ou auto fiscalizado, não na nossa! E é óbvio que, ao falar-se de empresas públicas, aqui também se abrange o conceito de empresas com maioria de capital público. A razão de ser é a mesma! Ou estamos "agarrados" às palavras?! É evidente que aqui há um conceito amplo de empresa pública! A RTP e a RDP não são empresas com maioria, ou até com totalidade, de capital público?! A razão de ser do conceito não é a mesma?
Não vale, pois, a pena virem aqui pôr defeitos no nosso projecto de lei para justificarem, eventualmente, um voto contra! Se queriam votar contra, então, tivessem procedido como habitualmente, apresentando um contra-projecto, um outro projecto, e votando-o. Nessa altura, provavelmente, votávamos o vosso e contribuíamos para o aperfeiçoamento, ficando os direitos do Estatuto do Direito de Oposição actualizados e a Constituição e a democracia respeitadas. É isto que está em causa! Não vale a pena usarem de subterfúgios, porque nós não os aceitamos!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, creio que o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa regis-

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tou aqui, em todo este debate, a pior posição possível para o partido que sustenta o Governo, que foi a de querer, efectivamente, negar aos partidos da oposição o reconhecimento do Estatuto do Direito de Oposição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado refugiou-se em questões de pormenor, que podem ter alguma relevância, mas é bom também sublinhar que, na ânsia de as discriminar, caiu um pouco no ridículo. Por exemplo, a da propaganda, é puramente ridícula. Como o Sr. Deputado ouviu dizer que esta palavra "propaganda" tinha uma conotação qualquer histórica.... Simplesmente, a palavra "propaganda" está neste projecto de lei porque também está no artigo 116.º, n.º 3, alínea a), da Constituição, onde se prevê a liberdade de propaganda. É esta a palavra que a Constituição utiliza no mesmo e exacto contexto em que é utilizada neste projecto de lei, que é o da propaganda em campanhas eleitorais.
Depois, o Sr. Deputado chega a criticar a solução do artigo 14.º, n.º 2, dizendo que é controvertida a introdução de um princípio de representatividade no acesso aos meios de comunicação social, quando este mesmo artigo se limita a reproduzir, ipsis verbis, o artigo 40.º, n.º 2, da Constituição.

O Sr. Luís País de Sousa (PSD): - Eu não disse isso!

O Orador: - Está escrito no relatório que aprovou. Sei isso porque alguém, no caminho, lhe chamou a atenção. Aliás, foi por isso que considerei que, provavelmente, não estaria cá na altura da leitura do relatório, porque, se não, teria de o ler e ficava sem intervenção. De maneira que foi muito oportuno não ter aparecido cá nessa altura!
Agora, a questão essencial não é essa mas, sim, a seguinte: o PSD começou com uma intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva, em que criticou o Sr. Deputado Almeida Santos por não ter consultado os partidos da oposição acerca da propositura desta iniciativa. Mas o Sr. Deputado Almeida Santos já reconheceu, ou entendeu reconhecer, que teria sido melhor ter feito isso, embora tenha todo o direito, aliás como qualquer partido, de apresentar um projecto de lei. Esse é um dos direitos dos partidos da oposição.
Ora, os senhores partem dessa crítica, mas não reconhecem uma coisa que é central: é que se há um e, mais do que um, vários partidos da oposição que dizem aqui, no Plenário da Assembleia da República, que o Estatuto não está a ser cumprido, que os seus direitos como partidos da oposição não estão a ser reconhecidos nos termos constitucionais, e, em vez de se abrirem a uma negociação política, tendente à elaboração de um texto legal que consagre esse direito, combatem argumentos técnicos sem grande conteúdo e, assim, fecham a porta ao debate. E fazem-no para fechar a porta ao exercício pleno dos direitos da oposição.
É esta a realidade política que aqui está colocada e essa realidade é, do ponto de vista da construção da democracia, dramática. Se o partido que tem aqui a maioria absoluta, e sem a qual não é possível fazer aprovar qualquer lei, diz "não" à elaboração do estatuto da oposição, então, podemos imputar-lhe a pior e a menos lícita das intenções. Temos de o denunciar aqui! Não vou utilizar as palavras que a sua posição exige, porque não quero entrar aqui em "cenas eventualmente chocantes", pois teria de utilizar palavras muito duras para caracterizar essa posição no contexto deste debate. O PSD, sendo um partido maioritário, fecha a porta a uma negociação que, politicamente, os partidos da oposição consideram indispensável.
Por isso, os Srs. Deputados fazem muito mal em votar contra esse projecto de lei e em fechar a porta à negociação política tão necessária neste momento.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, estou nesta Casa há perto de sete anos e, sinceramente, embora nos fiquem sempre mal exercícios na primeira pessoa, prezo-me de ser um Deputado que, quer no seu trabalho no Plenário quer no trabalho em comissão, respeita a oposição e os partidos que a compõem. Se alguém não quiser reconhecer isso, estará no seu direito, mas tinha para mim, na minha consciência, que era um Deputado que respeitava a oposição.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Está mal na bancada ern que está!

O Orador: - Coisa diferente é, perante o concreto trabalho parlamentar, fazer críticas objectivas a um projecto de lei que, efectivamente, as merece.
Penso que, antes de mais, seria bom trazer aqui à colação o tempo utilizado pela oposição, ao qual não pusemos qualquer restrição, sendo certo que isso é uma prova da abertura que todos os dias lhes é dada aqui.
O Sr. Deputado Manuel Queiró questionou-nos, em primeiro lugar, sobre os partidos sem representação parlamentar. Qual o sentido da nossa intervenção? Foi precisamente o de que o actual projecto de lei acaba por não dizer aquilo que já estava na Lei n.º 59/77, de 5 de Agosto, onde constava uma referência expressa - salvo erro, no n.º 3 do artigo 1.º - aos direitos de oposição para os partidos sem representação parlamentar. O facto de omitir este ponto é um menos em relação ao que já era um direito adquirido.

Vozes do PSD: - Exacto!

O Orador: - Em relação a "sim" ou "não" à alteração da Lei n.º 59/17, de 5 de Agosto,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Quantas vezes o Governo consultou o PSN?!

O Orador: - Sr. Deputado, nós não somos dogmáticos. É óbvio que a Lei n.º 59/77, de 5 de Agosto, é susceptível de ser alterada. Mas apresentem-nos propostas concretas! E até digo mais: porque é que não tentam a negociação?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso é connosco!

O Orador: - Por que razão vêm com um projecto de lei que dificilmente terá concerto, em vez de negociar?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Quer passar para a oposição?!

O Orador: - Portanto, quanto à alteração da lei, é óbvio que ela é susceptível de ser alterada e constitui questão de regime.
Sr. Deputado Almeida Santos, como sabe, tenho muito respeito por si e, de facto, não direi que é com angústia, até porque há, da minha parte, o dever de responder às

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suas questões, mas custa-me ver V. Ex.ª neste papel de ter de defender, em toda a linha, este diploma quando sei que - o Sr. Deputado tem-nos habituado a excelentes trabalhos nesta Casa - não é o autor do projecto de lei, embora se tenha assumido como tal. Mas devo dizer que me custa vê-lo na defesa, em toda a linha, desta iniciativa.
Questionou-nos V. Ex.ª sobre a oportunidade do projecto de lei. É óbvio que se tratava de um juízo de valor político, pois os senhores são livres de apresentar projectos de lei na altura em que muito bem entenderem, mas nós também somos livres, do ponto de vista político, de fazer as críticas que fizémos.
O Sr. Deputado Almeida Santos disse que eu teria citado António Barreto. Sinceramente, Sr. Deputado Almeida Santos, nem sequer falei dele.
Quanto à questão da técnica, cito apenas mais um ponto: por exemplo, o artigo 12.º, n.º 1, do vosso projecto de lei diz assim, quanto ao conteúdo do direito de oposição: "Entende-se genericamente por oposição toda a tomada de posição, atitude...". Este é, de facto, um projecto de lei mal escrito!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas, porquê mal escrito?!

O Orador: - Sei que isto é uma questão de especialidade, mas é infeliz dizer que se entende por oposição a "tomada de posição...". De facto, não entendo este tipo de redacção e de técnica legislativa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ele é camiliano!

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Mas o Camilo nunca fez leis!

O Orador: - O Sr. Deputado João Amaral não deve deturpar a posição do PSD. Ela foi exposta dali da tribuna e relembro que no inciso final dissemos que estamos abertos a alterações à Lei, que o tempo ou o exercício legislativo possam reclamar. Mas também, como disse, não nos peçam que sofraguemos ou sustentemos projectos de lei com os quais não concordamos e que, efectivamente, carecem de melhorias, pelo menos do ponto de vista técnico.
O Sr. Deputado João Amaral veio aqui suscitar questões que não suscitou, de manhã, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, porque esteve ausente.

Sr. João Amaral (PCP): - Não pertenço à Comissão!

O Orador: - Portanto, veio aqui suscitar uma questão do relatório, que não levantou naquela sede, ern vez de suscitar questões que se prendiam com a minha intervenção. Considero isso uma deslealdade. A deselegância fica consigo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ainda bem que reconhece que fez isso por deselegância!

O Orador: - É a primeira vez, ao fim deste tempo todo nesta Casa, que tenho de o fazer. E já que quis ser o destinatário, aí tem!

Porque o Partido Socialista apresentou um projecto de lei e porque esta matéria é de regime e para constitucional, penso que, ao fim de todos estes anos, também se poderia ter esperado mais umas semanas ou uns meses, porque a revisão constitucional, porventura, estará próxima e, como esta matéria não é despicienda, talvez carecesse dessa reflexão. Porque veja, Sr. Deputado Almeida Santos: se houver alteração do sistema eleitoral - e penso que é um problema que merece reflexão -, toda esta matéria teria de ser, eventualmente, outra vez mexida. Se a alteração ao sistema eleitoral for profunda, para quê mexer agora nesta legislação?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Daqui a cinco anos!...

O Orador: - Não, não! Em próxima revisão constítucional!

Com esta reflexão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fica a nossa abertura para eventuais alterações à lei, mas com soluções escorreitas e ponderadas.

(O Orador reviu.) Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por terminada a discussão, na generalidade, deste projecto de lei.
Lembro que a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares vai reunir imediatamente na sala D. Maria e que a sessão plenária de amanhã começa às 15 horas, tendo lugar, das 16 às 18 horas, a eleição de quatro membros da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 5 minutos.

Rectificação ao n.º 67, de 5 de Maio

Na pág. 2133, 2.ª cl., l. 40, onde se lê "Com efeito, não é descortinável em nenhuma intervenção política, iniciativa ou atitude qualquer gesto, opção ou palavra de censura em relação quer à programação, quer à actividade desenvolvida pelo Centro Cultural de Belém.
Este é outro caso de tranquilidade para as nossas consciências - do Governo e, julgo, da Câmara Municipal de Lisboa." deve ler-se "Com efeito, não é descortinável em nenhuma intervenção política, iniciativa ou atitude qualquer gesto, opção ou palavra de censura em relação quer à programação, quer à actividade desenvolvida pelo Centro Cultural de Belém.
Este é outro caso de tranquilidade para as nossas consciências - do Governo e julgo que desta Câmara."

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António de Carvalho Martins.
António Fernando Couto dos Santos.
António Maria Pereira.
Filipe Manuel da Silva i Abreu.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
José Albino da Silva Peneda.
José Manuel Nunes Liberato.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.

Partido Socialista (PS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Manuel Santos de Magalhães.

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23 DE JUNHO DE 1994 2677

Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Maria Odete dos Santos.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Américo de Sequeira.
João Álvaro Poças Santos.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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