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Sábado, 24 de Junho de 1995
I Série - Número 92

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

SESSÃO COMEMORATIVA DO 2O.ª ANIVERSÁRIO DO INÍCIO DOS TRABALHOS DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE.

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE JUNHO DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Foram aprovados os n.ºs 79 a 84 do Diário.
Em sessão comemorativa do 2O.º aniversário do início dos trabalhos da Assembleia Constituinte, intervieram, a diverso título, além dos Srs. Presidente da República (Mário Soares), Presidente da Assembleia Constituinte (Henrique de Barros) e Presidente da Assembleia da República (Barbosa de Melo), os Srs. Deputados Mário Tomé (Indep.), 15abel Castro (Os Verdes), Narana Coissoró (CDS-PP), José Manuel Maia (PCP), Silva Marques (PSD), Lopes Cardoso (PS) e Pedro Roseta (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 11 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho de Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.

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António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Carlos Sena Belo Megre.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

15abel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Convidados, a nossa reunião plenária de hoje tem por tema a comemoração do 2O.º aniversário do início dos trabalhos da Assembleia Constituinte.
Vou dar a palavra ao Sr. Secretário, para dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 599/VI - Criação da freguesia de São José no concelho de Pombal (Deputado do PSD Rodrigues Marques), que baixou à 5.ª Comissão; proposta de lei n.º 137/VI - Autoriza o Governo a criar a Ordem dos Economistas; proposta de resolução n.º 97/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 138 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à idade mínima de admissão ao emprego, que baixou às 3.ª e 9.ª Comissões; e ratificação n.º 152/VI, relativa ao Decreto-Lei n.º 145-A/95, de 19 de Junho, que altera o processo de reprivatização da Sociedade de Petróleos de Portugal, PETROGAL, S.A., apresentada pelo PCP.
Hoje, pelas 15 horas, reúne a Comissão de Assuntos Europeus.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 79 a 84 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 24, 25, 26 e 31 de Maio e 5 e 6 de Junho.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos passar agora à comemoração do 2O.º aniversário do início dos trabalhos da Assembleia Constituinte.
Como sabem, estão presentes nas galerias Deputados Constituintes que puderam responder ao convite que lhes fizemos para estarem presentes nesta sessão.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, sem querer perturbar a linha desta sessão, quero dizer apenas que a UDP foi partido com representação parlamentar, aprovou esta Constituição e a ela se tem mantido mais fiel do que muitos outros partidos.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra, em nome do Partido Ecologista Os Verdes, a Sr.ª Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Professor Doutor Henrique de Barros, Srs. Deputados Constituintes, Sr.ªs e Srs. Deputados: Há cerca de 2O anos, reuniu-se pela primeira vez em liberdade, para, tantos anos passados, devolver a este espaço a vocação que era a sua, requalificando-o, conferindo-lhe uma dimensão que ficara perdida, restituindo-lhe uma dignidade de que fora esvaziado, que o lavasse das mágoas passadas, da contaminação com que fora manchado, do ciclo obsoleto a que ficara associado e então se pretendia definitivamente encerrado.
Há cerca de 2O anos, reuniu-se e não era fácil o desafio que tinha pela frente. Um desafio tanto maior quanto nele se projectava a esperança investida pelos portugueses nas novas instituições então criadas, a esperança da grande maioria de mulheres e homens que, massiva e entusiasticamente, tinham acorrido, finalmente juntos, num gesto novo em igualdade, a eleger a sua Assembleia, nela confiando, para que das suas mãos nascesse um novo texto constitucional, para um tempo também ele novo, acreditava-se.
Foi um tempo de ruptura com uma sociedade de arbítrio, discriminação, obscurantismo, prisão, escutas, censura, exílio e guerra.
Uma sociedade de anulação e medos, a que se tinha finalmente posto cobro.
Uma sociedade que, depois de tanto tempo desperdiçado, se buscava com inquietação, na confusão ainda da festa, na embriaguez da liberdade alcançada, que uma "minoria" tentava com violência silenciar, e se reencontrava na hesitação de passos que se ensaiavam, moldando, com paixão, um caminho a que importava dar corpo e sentido, numa nova Constituição da República.
Um caminho que aos Deputados Constituintes então eleitos, e de acordo com o mandato recebido, coube nas suas fronteiras ajudar a encontrar, nos seus contornos desenhar, nas suas matrizes definir.
Um caminho consagrado num texto que os Deputados Constituintes elaboraram, os quais, hoje e aqui, nós, Os Verdes, jovem partido então ausente, muito particular e vivamente saudamos.
Deputados que, no texto constitucional, souberam definir, não só do ponto de vista político, o que seria o rumo futuro da sua terra, na significação simbólica, se bem que exacta no propósito (que naturalmente a distância não pode deixar de lhe atribuir), de edificar uma sociedade humanizada, solidária, justa, ecologicamente equilibrada, aberta à cooperação com todos os povos do planeta e igual na sua diferença.
15to é, uma sociedade de ruptura com um tempo de desumanização, violência, injustiça, isolamento, colonialismo e atraso, que se pretendia radicalmente ultrapassado.
Mas é um texto constitucional fundamentalmente importante ainda por restituir aos cidadãos portugueses um conjunto de direitos, liberdades e garantias fundamentais que, sufocante, o regime ditatorial de todo eliminara e uma condição de cidadania que lhes fora até então negada.
Um texto constitucional, qual novo código de conduta, definidor, por um lado, de princípios básicos da democracia, como o primado do estado de direito democrático, consagrador de clássicos direitos, liberdades e garantias, desde o princípio da universalidade e da igualdade dos cidadãos à liberdade de expressão, de reunião, de imprensa, de religião, com reflexos libertadores nos domínios do direito de família e nas relações de trabalho pela igualdade entre sexos estabelecida.
Um texto definidor, por outro lado, de novos direitos de participação política e de direitos positivos de natureza social, económica e cultural, de forma a dar conteúdo a um conceito global de democracia.
Mas, mais do que isso, um texto portador, no que o distingue, distancia e particulariza da generalidade das constituições das velhas democracias da Europa, de uma nova geração de direitos, para os quais a comunidade internacional entretanto começava a despertar, incorporando-os de modo inovador, como acontece, designadamente, em matéria de ambiente.
Um direito ao ambiente que a Constituição aprova e aproveita como, porventura, poucas outras, para consagrar na exacta dimensão e no mesmo plano que aos demais direitos fundamentais deve caber. Um direito que surge associado ao próprio direito e dever de participação dos cidadãos na sua defesa, o mesmo é dizer reconhecendo o seu papel como parceiros do desenvolvimento.
Uma visão cultural e política que indicia já, de algum modo, a importância que aos cidadãos e às suas organizações autónomas, bem como aos novos movimentos sociais, se viria a reconhecer, na perspectiva de uma vivência colectiva que na democracia representativa se não esgotava mas, sim, noutras dimensões, designadamente na democracia participativa, onde igualmente construía, enriquecia e complementava.
Uma Constituição que se abria à Humanidade e às suas causas, reflectindo uma relação aberta, solidária e cooperante com todos os povos, reconhecendo o seu direito à autodeterminação e à independência, à abolição de todas as formas de colonialismo, imperialismo e agressão, à defesa do desarmamento e de uma comunidade histórica, cultural e linguística com os jovens países expressão e seus cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A eleição da Assembleia Constituinte e a elaboração de uma nova Constituição, no que de mais libertador ela corporiza, constituem um valioso património com o qual nos identificamos e que importa preservar, sinónimo de novo ciclo da vida democrática, que certamente importa, de modo criativo, alargar nos conceitos, fazer evoluir nos mecanismos de garante dos cidadãos face às instituições, definir numa dimensão ecológica do desenvolvimento e na visão democrática implícita de envolver mulheres e homens na sua construção, como forma de dar resposta às constantes mutações sociais.
Mas, quanto a nós, era uma eleição que era suposto ter sido também sinónimo de um cicio novo, de uma viagem colectivamente empreendida, que nos fosse conduzindo de forma vivida e participada a diferentes patamares de satisfação individual, progresso, bem-estar e desenvolvimento sustentável.
Por isso, a reflexão que para nós, Os Verdes, tem cabimento fazer-se hoje, honrando precisamente os 2O anos que assinalamos, é aquela que, recusando visões saudosistas, dispensando os rituais da evocação, nos permita discutir, com frontalidade e sem amarras, para onde fomos e para onde queremos ir.
Aquilo que para nós, Os Verdes, importa questionar, e certamente fá-lo-á o mais comum dos cidadãos, é que sentido tem falar-se de Estado de Direito democrático quando, por exemplo, nas nossas esquadras ou prisões se permitem violações de direitos humanos, por parte de

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quem era legítimo esperar a sua defesa, perante a impunidade e silêncio cúmplices do poder.
Que sentido tem evocar-se a consagração de direitos fundamentais da educação à cultura, do ambiente à saúde, quando estes são quotidianamente tratados não como direitos mas como meros produtos submetidos à lógica dos mercados, ou seja, vendidos como qualquer bem de consumo?
Que sentido tem continuar a falar-se hipocritamente de direitos, quando se mantém e, na maioria dos casos, se acentua o fosso entre direitos proclamados e direitos vividos?
Que sentido têm a própria democracia e instituições, quando, duas décadas após a definição de um conjunto de direitos dos cidadãos e de um sentido para o desenvolvimento, sucessivos governos os não fizeram cumprir?
Tudo isto sucede numa sociedade ameaçada no seu equilíbrio ecológico, degradada nos seus valores, banalizada na violência, segregada nos novos fenómenos de intolerância e exclusão que gerou. É uma sociedade doente, que este Parlamento, e o mesmo é dizer o Governo que suporta e a maioria que detém, não pode continuar a ignorar, fechado sobre si próprio, estático, divorciado da realidade, enclausurado nas suas paredes, mergulhado em liturgias inúteis, desperdiçado em discussão estéreis, que cada vez mais acentuam o desinteresse dos cidadãos e o fosso entre a ficção e a realidade vivida lá fora.
Um Parlamento em que se reflecte e cruzam expressões múltiplas de vontades de que a sociedade portuguesa, na sua rede plural, é feita e às quais importa dar corpo.
Um Parlamento que não pode furtar-se a ser a consciência crítica do poder instalado, qualquer que seja o seu rosto.
Um Parlamento que não pode continuar a condicionar a liberdade das minorias, fechando-se, dogmático, a todas as suas iniciativas, anulando-as e desvirtuando assim o próprio sentido de espaço que representa.
Um espaço que tem de ser de provedoria dos direitos dos cidadãos, qualquer que seja a sua raça, sexo, credo ou condição, e que se faça eco das suas vozes, mesmo quando de protesto.
Um Parlamento que respeite o sentido do voto daqueles de quem recebeu o mandato mas também que tem de olhar e reflectir sobre si próprio e interpretar o significado do silêncio dos que, através do voto, já se não manifestam, os que, e são cada vez mais, através da sua abstenção, exprimem a sua desconfiança, o seu cepticismo, desencanto e descrença nas instituições e na democracia tal como ela é concebida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tempo de criar alternativas, subverter a realidade, reinventar a democracia, preservar sonhos e utopias, como há 2O anos outros o fizeram, para que Portugal se torne um país onde apeteça viver e se devolva a esperança, a confiança e a paixão que façam de cada um de nós participantes activos desta nossa aventura colectiva.

Aplausos do PS, PCP e CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Professor Doutor Henrique de Barros, Srs. Deputados, Srs. Constituintes: Recebemos hoje, sem pompa mas com a solenidade que uma homenagem como esta sempre reclama, os Constituintes de 1975/1976, que elaboraram, numa conjuntura nacional e internacional particularmente difícil, a Lei Fundamental para Portugal, saída da Revolução de 25 de Abril de 1974, e cujas traves-mestras, decorridos 2O anos sobre o seu lançamento, até hoje se mantêm incólumes e actuantes. Ou seja: a consagração de um Estado de direito democrático, um Parlamento pluripartidário, com ampla competência legislativa e com poderes de fiscalização da acção do Governo e Administração Pública; o respeito pela independência dos tribunais; a autonomia do Ministério Público; o elenco dos Direitos do Homem e do Cidadão, conforme as Declarações Universais vigentes; a distribuição dos poderes pelos variados órgãos de soberania e de controlo, de vincada extracção democrática; a definição da autonomia político-administrativa para os arquipélagos atlânticos, a instituição dos municípios, como órgãos de poder local livremente sufragados pelas populações, tudo subordinado à visão humanista e profundamente animada pelo espírito de liberdade e tolerância.
Ninguém estranhará que, como Deputado do CDS-PP, eu distinga, entre todos os constituintes, aqueles que se sentaram na bancada que hoje ocupo. Sem desprimor para quem quer que seja, e com o respeito que todos me merecem, devo aqui lembrar Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa, Basílio Horta e Victor Sá Machado, a quadrícula estratégica do Partido do Centro Democrático Social, que foram os Deputados mais intervenientes na defesa dos valores democrata-cristãos e centristas, deixando profundas marcas e abrindo sulcos para futuras revisões constitucionais no articulado final da Constituição de 1976. Disse o então Presidente do CDS, Prof. Freitas do Amaral, na sessão de encerramento de 3 de Abril de 1976: "A Assembleia Constituinte foi bem, durante este ano que passou, a prefiguração das instituições parlamentares plenas que, em breve, irão ser designadas pelo voto livre do eleitorado. Malgrado os esforços em contrário, feitos por quem então lançava aos quatro ventos a afirmação triunfalista, de que, em Portugal, não haveria uma democracia parlamentar, o certo é que ela não só ficou consagrada na Constituição aqui aprovada como foi sendo gerada e preparada no seio desta Assembleia, através dos métodos de trabalho adoptados pelos vários grupos parlamentares, de utilização do período de antes da ordem do dia, em boa hora instituído, e do estabelecimento dos contactos bilaterais com os parlamentos de numerosas democracias europeias".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi em circunstâncias particularmente graves e preocupantes que os Constituintes aqui se reuniram e trabalharam para cumprir cabalmente a árdua mas exaltante missão que o eleitorado em peso entusiasticamente lhes confiara nas primeiras eleições livres, realizadas depois de 48 anos de ditadura, em 25 de Abril de 1975. Não obstante a esmagadora derrota infligida às forças totalitárias por cerca de 9O% do eleitorado, a revolução, em vez de retroceder, continuou o seu curso devastador, sob a designação de PREC, através da chamada aliança Povo-MFA, dos governos provisórios chefiados pelo General Vasco Gonçalves, da facção esquerdista do MFA, das arbitrariedades do COPCON às ordens de Otelo Saraiva de Carvalho. Era o tristemente célebre "verão quente", em que o espectro da guerra civil e o encerramento da Constituinte eram ameaças constantes às forças democráticas. O próprio funcionamento da Assembleia Constituinte era um obstáculo para as aspirações golpistas e, por isso, nem sequer faltou o cerco ao Palácio de S. Bento, com a complacência dos partidos de extrema esquerda, que viam já no horizonte a instituição dos

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sovietes e de uma república socialista, com a consequente dissolução dos partidos burgueses, pondo termo à promessa de instituição de um regime democrático.
Se tudo isto se passava extra muros, dentro da Assembleia Constituinte, que era então a única sede de poder verdadeiramente democrático, resultante da livre vontade do povo português, expressa em sufrágio directo, secreto e universal, viviam-se então os grandes momentos de debate e contraditório políticos ao mais alto nível, que Portugal não conhecia, desde há longos anos, mais precisamente desde o golpe militar de 1926.
Com a instalação da Constituinte, retomava-se a prática democrática, apesar de algumas manifestações verbais de autoritarismo por parte daqueles que se julgavam donos da Revolução de Abril de 1974 e do destino de Portugal e dos portugueses. Apesar da censura na imprensa, na televisão e na rádio, que se encontravam ao serviço dos revolucionários, todos quantos se deslocaram às galerias, onde hoje se encontram os nosso homenageados e convidados, puderam assistir a debates de grande elevação filosófica, ideológica e técnica sobre os problemas fundamentais do País e as alternativas para as normas constitucionais que estavam em gestação.
Hoje, quando relemos tais debates, poderemos encontrar alguns excessos de linguagem e radicalismos oratórios, por exemplo, do Deputado da UDP Américo Duarte, mas também nos deleitamos com magníficas peças oratórias, de fino recorte literário e de grande densidade política e cultural, que causa admiração, por, em face de circunstâncias adversas e o tumulto da rua, ter sido possível um trabalho profícuo, de grande qualidade substantiva e formal e de enorme responsabilidade nacional, como foi a elaboração do texto constitucional, próprio de um Estado moderno de Europa Ocidental, como então dizia.
Como disse o Presidente do Grupo Parlamentar do CDS, Dr. Victor Sá Machado, na declaração de voto sobre o texto constitucional, formulada em nome dos 16 colegas de bancada, provavelmente num dos mais delicados momentos da história recente, quando foi o único partido a votar, com espanto de todos os outros partidos, contra a Constituição de 1976, na votação final global, por motivos eloquentemente expressos: "Das mãos do povo português recebemos nós, os Deputados à Assembleia Constituinte, o encargo exaltante de, em seu nome, elaborar a lei fundamental, que consagrasse os direitos e as liberdades que aos portugueses foram devolvidos pela revolução democrática de Abril (...) uma lei que restituísse aos portugueses a sua dignidade de homens livres, a responsabilidade de cidadãos participantes, o direito de, por si, criarem as suas instituições e escolherem o regime em que pretendem viver, os homens que hão-de governá-los, a proposta política que melhor corresponda às suas aspirações, e de o fazerem sem compromissos ou hipotecas. Uma lei, enfim, para enraizar, estruturar e defender a democracia".
Era esta a tarefa dos constituintes e, perante os graves condicionalismos históricos, que já referi e que temos de realçar hoje, vislumbramos e sublinhamos a qualidade dos contributos que cada um deles trouxe para a redacção final da lei fundamental.
Esta qualidade de trabalho devemo-la, sem dúvida, ao excepcional naipe de constitucionalistas, juristas, economistas, sociólogos, engenheiros, médicos, gestores e outros profissionais que tomaram assento na Constituinte: Mário Soares, Diogo Freitas do Amara], Adelino Amaro da Costa, Jorge Miranda, Vital Moreira, Carlos Mota Pinto, Barbosa de Melo, Marcelo Rebelo de Sousa, José Luís Nunes, Medeiros Ferreira, Mário Pinto, Francisco Pinto Balsemão, João Bosco Mota Amaral, Alfredo de Sousa, Mário Sottomayor Cardia, entre outros, são nomes que, sem preocupação de ordem e sem pretendermos ser, bem longe disso, exaustivos, e também sem um mínimo menosprezo para ninguém, acodem de forma evidente à nossa memória colectiva, quando reflectimos sobre como foi, apesar de tudo, possível, em menos de um ano, elaborar um texto que, apesar de alguma sobre ideologização, cedo denunciada e hoje praticamente esbatida, continua, ainda hoje, a ser a referência legislativa fundamental.
A democraticidade do seu trabalho afere-se, antes de mais, pelo sucesso do percurso histórico do regime. Não é, evidentemente, da "democracia de sucesso", tão propalada há quatro anos, que falo. É, antes, do sucesso de um regime, nascido do irreversível apodrecimento do Estado Novo e herdeiro de um Portugal em profunda crise no seu próprio âmago, numa dolorosa e traumática fase de transição para a democracia plena, na qual muitas vezes o extremismo foi a regra e o respeito pelos valores democráticos a excepção.
Não nos esquecemos dessa época e, por isso, não esquecemos também o fundamental papel da Assembleia Constituinte e dos seus Deputados no ultrapassar dessa crise nacional.
Com efeito, só a sua democraticidade intrínseca e serena, apesar da vivacidade dos debates e da extrema sensibilidade da época, impediram que Portugal resvalasse para uma previsível e temida guerra civil. Só a serenidade, a firmeza das convicções e a coragem física que os constituintes demonstraram ao longo de um ano, deram a Portugal uma Constituição que, apesar de não ter correspondido, no seu início, a todas as premissas e aos anseios de todos os portugueses, prefigurou um Estado de Direito democrático e possibilitou a pacificação e a normalização da vida portuguesa, bem como a adaptação da nossa sociedade a uma nova realidade política.
Permitiram, por fim - e por isso me refiro e no sentido em que o faço -, o sucesso da nossa democracia, que gradualmente foi derrubando os antagonismos radicais, as trocas de insultos, as vontades de exclusão política, de que, por exemplo, o nosso Partido foi alvo, na Constituinte, dando antes lugar ao debate político, mais ou menos vivo, por vezes exaltado, mas que contém em si o respeito pelo adversário, pela legitimidade da sua presença no espectro político e, mais ainda, pela vontade de que é necessária a existência de adversários políticos - e este é um modo de estar político, que hoje pacificamente se aceita e deseja -, porque, só assim, o verdadeiro poder em democracia se exerce, com uma oposição instituída, reconhecida e respeitada pelo Governo.
Por isso, hoje, todos saudamos a presença dos adversários e nenhum de nós entende que seria melhor que eles não existissem ou que, existindo, fossem excluídos do jogo democrático.
Sr. Presidente, Srs. Constituintes, Srs. Deputados: Se assim é, em muito o devemos a VV. Ex.ªs, que hoje estais aqui presentes.
Mas também, com pelo menos igual importância, porque eram homens e mulheres não treinados nem habituados à vida parlamentar democrática, e que, apenas pela sua formação cívica e dimensão humana, se encontraram, de repente, dentro das quatro paredes deste Palácio de S. Bento e souberam conviver com os seus adversários políticos, aprenderam mutuamente a conhecer-se e a

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respeitar-se e criaram mesmo laços de amizade e de convívio, que ainda hoje perduram.
Deixei propositadamente para o fim uma respeitosa homenagem ao Prof. Henrique de Barros, que, felizmente, nos dá a honra de estar aqui no lugar cimeiro deste Hemiciclo. Foi ele um Presidente excepcional, de uma competência inexcedível na condução quotidiana dos trabalhos, hábil em obter consensos, sábio nos seus conselhos, firme nas suas decisões e tranquilo no exercício do seu cargo e, então, o único Presidente do único órgão de soberania eleito por sufrágio popular. Sr. Professor Henrique de Barros, só V. Ex.ª, com a sua formação genuinamente democrática e a sua sagesse, pôde, nessa época revolucionária, conduzir os constituintes, com tranquilidade, desde o início até ao seu termo normal.
Na sua pessoa, Sr. Professor Henrique de Barros, quero saudar todos os Deputados constituintes, vivos e que percorrem hoje os trilhos da sua vida profissional e aqueles que Deus chamou à Sua companhia, porque é V. Ex.ª a personalidade, por excelência, que legitimamente pode representar por igual todos aqueles que é nosso dever patriótico honrar, pelo seu merecimento, pelo merecimento de cada um deles. Deus lhe dê longa vida. E muito obrigado aos constituintes hoje aqui presentes.

Aplausos do CDS-PP, do PSD, do PS e do Deputado independente Manuel Sérgio.

O Sr. Presidente: - Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Professor Henrique de Barros, ilustre Presidente da Assembleia Constituinte, Sr. Ministro Adjunto, Ilustres Convidados, Srs. Deputados: Permitam-me que comece por me dirigir especialmente a todos vós, Sr.ªs e Srs. Constituintes, para vos apresentar, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, as nossas mais sinceras e calorosas saudações e também os votos de que esta cerimónia solene possa honrar o labor a que metemos ombros faz 2O anos. O nosso aplauso, pois, a todos vós, que responderam à chamada e aqui estão presentes!
Sr. Presidente da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apoiou e aplaudiu a iniciativa de V. Ex.ª, de realização desta sessão solene. Coube-me a mim, que sou hoje o único dos Deputados Constituintes do Partido Comunista que ainda se senta na bancada parlamentar, fazer a intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PCP. O acaso da vida levou a que, não havendo mais nenhuma reunião plenária nesta legislatura, seja a última vez que uso da palavra neste Hemiciclo para me dirigir à Assembleia da República reunida. Termino assim, hoje, um ciclo de 2O anos, um ciclo determinante na minha vida, vivido num período determinante da História do nosso país e do nosso povo. Por isso, peço que me relevem a falta, mas não posso fazer esta intervenção sem emoção, sem lhe emprestar um cunho pessoal que as circunstâncias justificam.
Para muitos dos que se sentaram aqui há 2O anos, e entre eles para mim, esse foi um dia que nem nos sonhos mais arrojados tínhamos algum dia imaginado. Os que aqui se sentaram há 2O anos vinham de sítios muito diferentes, de experiências muito diferentes, de lados da vida tão diferentes que não se tocavam.
Para os que, como eu, durante o fascismo, fizeram a aprendizagem da política com trabalhadores da indústria, numa luta muito dura e muito difícil, pela liberdade, pelos direitos fundamentais e por melhores condições de vida, quando aqui nos sentámos, o trabalho de fazer uma Constituição parecia-nos um trabalho no plano pessoal tão difícil, quase inacessível. Mas todos nós trazíamos para a Assembleia Constituinte a vontade de mudança, aquela vontade de transformar o País, que constituía a força da Revolução popular do 25 de Abril. Trazíamos para a Assembleia Constituinte a nossa generosidade, a nossa entrega à luta do nosso povo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quando hoje ouço os detractores desse período falarem de excessos, não posso deixar de me revoltar. Fomos uma geração de gente empenhada e combativa, de gente generosa. Não são os excessos que marcam esse período. O que o marcou foi o derrube do fascismo e a conquista da liberdade e da democracia. Foi o fim de uma ditadura que esmagava o povo português e os povos das colónias. Foi a conquista dos direitos sociais e dos direitos dos trabalhadores. Foram as profundas transformações na direcção da democracia económica. Não precisámos que os historiadores o viessem dizer: sentíamos que vivíamos um dos momentos mais luminosos da História do nosso país, um daqueles raros momentos em que um povo tem o seu futuro nas suas mãos e o pode moldar à medida do desejo colectivo de liberdade, de justiça, de progresso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia Constituinte esteve à altura dos desafios desse tempo. Inscrevemos com letras de ouro o património da Revolução de Abril, conquistado, primeiro, pela coragem do punhado de militares, que fez a acção vitoriosa do 25 de Abril. Militares que podem, hoje, ser tratados com injustiça pelos novos poderes, mas que sabem, tenho a certeza que o sabem, que têm um lugar de honra no coração do nosso povo, que nunca os esquecerá.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

Património do 25 de Abril conquistado, depois, pela luta do povo português, que tomou nas suas mãos o fruto da revolta militar e lhe deu a marca indelével de uma revolução transformadora.
Para os Deputados Constituintes comunistas foi com empenho que nos entregámos à tarefa da consagração na lei fundamental do País deste rico património de transformações. Votámos a Constituição da República com convicção, sem reserva mental, com a vontade expressa de a defender e de a cumprir.
Por isso, afirmamos com clareza que, no 25 de Abril, como processo histórico concreto, são indissociáveis esses dois momentos: primeiro, o acto revolucionário e popular de ruptura com o passado e de construção de um Portugal novo; depois, a consolidação institucional das transformações operadas com a luta popular e a sua consagração, com a forma de uma "escritura", chancelada pelo voto do povo e pelo mandato que conferiu aos Deputados Constituintes.
Hoje, lamentamos profundamente as amputações que a Constituição sofreu nestes 2O anos. Dirão que as Consti-

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tuições não são imutáveis. Assim será; só que não lhe mexeram para a melhorar. Pelo contrário. E, para pior, já basta assim, como diz a canção. Mas a Constituição ainda conserva o mesmo sentido geral de progresso, o mesmo amor à liberdade e à democracia, a mesma dignidade aos direitos dos trabalhadores, uma grande relevância aos direitos sociais, a inscrição dos princípios progressistas de uma democracia económica (mesmo que sem o carácter vinculativo que tinham inicialmente).
Da nossa parte, continuamos a lutar por esses valores que os Constituintes assumiram; continuamos a lutar para que as leis do nosso País os respeitem e para que a política concreta os desenvolva.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Propositadamente, não vou enveredar pelo caminho desta análise, da análise do presente à luz da Constituição. Seria muito fácil estragar esta sessão, trazendo aqui os choques do passado e os conflitos do presente.
Mas o País tem vivido e vai viver um intenso debate político até às eleições, e permitam-me que assuma esta sessão solene pelo seu valor próprio, independentemente da conjuntura.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mesmo que outros o façam ou o tenham feito, da nossa parte respeitaremos o espírito desta sessão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Temos o dever de evocar aqui os Constituintes que já morreram. A todos, sem excepção, é devida uma homenagem. Mas, permitam-me que recorde os meus camaradas Francisco Miguel Duarte e José Magro, Vice-Presidente da Assembleia Constituinte, e ainda e especialmente o Herculano de Carvalho, meu camarada de bancada, operário metalúrgico na Amadora, que morreu tragicamente num acidente de viação, sem poder ver concluídos os trabalhos da Constituinte. Recordo-o com saudade, porque não teve a oportunidade, que eu próprio tive, de viver este ciclo de 2O anos, de aprender e aprender cada vez mais.
Minhas Senhoras e Meus Senhores: Ao longo deste tempo, todos mudámos alguma coisa. Não nego o direito a ninguém de mudar profundamente as suas convicções, nem quero arvorar-me o mais pequeno direito de criticar minimamente quem o faça, mas deixem-me partilhar convosco a alegria de ter vivido aqui, estes anos todos, assumindo com coerência as opções de vida e de partido que fiz e os meus ideais de justiça e progresso. Os mesmos ideais que nortearam os constituintes, que hoje aqui saudamos e aplaudimos, de todo o coração!

Aplausos do PCP, de pé, do PSD, do PS, do CDS-PP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Srs. Constituintes: A propósito da intervenção do Sr. Deputado José Manuel Maia, que sabemos não se ir recandidatar e, portanto, nos deixará, e referindo-me a todos os colegas a quem acontecerá o mesmo, desejo, em relação a ele, proferir uma palavra muito especial, em meu nome pessoal e em nome do meu grupo parlamentar.
Todos sabem que pertenci ao Partido Comunista e que, a partir de certo momento, passei a combatê-lo como poucos; todos sabem que o meu grupo parlamentar e o meu partido têm combatido o Partido Comunista como poucos, mas isso é mais uma razão que me faz tomar a palavra para pôr em relevo o exemplo máximo que o Sr. Deputado José Manuel Maia representa a diversos títulos.
Do ponto de vista da coerência, ele era um comunista antes do 25 de Abril e comunista se manteve depois do 25 de Abril. Ele representa sobretudo aquilo que mais valor tem na vida, representa sobretudo aquilo que mais nos deve empenhar, que é o desejo de enriquecimento pessoal, que é a entrega com fidelidade total a uma convicção.
Ele representa, ainda, uma outra coisa, porque ele possui os diplomas que mais valor têm, que são os diplomas da vida. Por isso, penso que ele talvez, mais do que ninguém, merece uma especial palavra neste Hemiciclo no momento em que o vai abandonar.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente da Assembleia Constituinte, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Senhoras e Senhores Deputados, Senhoras e Senhores Deputados Constituintes: Avesso a cerimónias de pompa e circunstância, em que a retórica cinzela a realidade ao sabor das circunstâncias e da pompa, espero que me perdoem se não esconder a emoção que sinto ao usar da palavra em nome do Partido Socialista, quando se assinalam os 2O anos decorridos desde a primeira reunião da Assembleia Constituinte, onde tive o privilégio de presidir ao Grupo Parlamentar Socialista.
A escolha de que agora fui alvo, tomo-a como uma homenagem do meu grupo parlamentar aos que então representaram o Partido Socialista e se bateram com determinação e com coragem, pelos valores republicanos da liberdade, da justiça social e da solidariedade. Valores que não são palavras gastas, como muitos pretendem fazer crer, confessando, implicitamente, que nunca neles se reconheceram.
Compreender-se-á que as minhas primeiras palavras sejam de saudação aos constituintes socialistas, saudação que vai também, sem distinções partidárias, para todos os outros que, na paixão das suas convicções, deram vida à Assembleia Constituinte, fazendo dela, talvez como de nenhuma outra, o reflexo do País que éramos, no fundo, o reflexo do País que somos.
Como se compreenderá também que, de entre todos os Deputados constituintes, distinga aquele que foi o seu Presidente - o Professor Henrique de Barros - cuja acção marcou de forma indelével os trabalhos da Assembleia, para lhe dizer de forma muito simplesmente, de forma muito singela: bem haja Sr. Professor por tudo quanto a democracia lhe deve.

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Aplausos do PS, do PSD e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.

Viviam-se tempos em que tudo parecia em aberto, em que tudo parecia possível, em que o pragmatismo - tantas vezes capa que esconde o oportunismo - não ganhara foros de valor primeiro e em que o realismo - argumento de arremesso de tecnocratas conservadores - se não sobrepunha à utopia, que sempre esteve por detrás das transformações que vão no caminho de um mundo melhor.
A distância que nos separa do dia 2 de Junho de 1975 permite que olhemos esses tempos, não diria sem paixão mas com serenidade. Quando a política se despe da paixão para assumir contornos de coutada de especialistas, abrem-se as portas ao divórcio entre os cidadãos e as instituições.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Constituição de 1976 foi o compromisso possível entre as várias correntes políticas que, rompidas as comportas, vieram à superfície na sociedade portuguesa.
Por um lado, aqueles que haviam combatido a ditadura em nome da liberdade e para quem a liberdade, sendo sinónimo de cidadania, significa que só a vontade popular, expressa através de instituições democráticas, pode legitimar o exercício do governo; por outro, os que, havendo combatido sem tréguas a ditadura, acreditavam que o futuro seria obra de uma vanguarda e que, na adjectivação da democracia e da liberdade acabavam por pôr em causa a democracia e a liberdade, em nome das quais não haviam poupado sacrifícios; e por outro ainda, os que tinham, no mínimo por omissão, aceite a ditadura e os que, por se terem apercebido até que ponto a intransigência do antigo regime punha em causa os próprios interesses das oligarquias dominantes, haviam apostado numa política de transição.
Não foi por isso um mar de rosas a Constituinte de 1975 e, para aqueles que entendam desajustado afirmá-lo aqui e agora, repetirei apenas que, se recuso a retórica de pompa e circunstância, não se espere de mim que esconda a realidade sob o manto opaco dos cerimoniais de conveniência.
Não foi um mar de rosas a Constituinte de 1975, foi um duro combate desde o primeiro instante. Assegurar o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos no único quadro possível, o de um regime democrático, era para nós o objectivo essencial. Para isso se fizera o 25 do Abril, para isso continuava a lutar a maioria do povo português e os militares que tinham sabido permanecer fiéis ao espírito e ao sentido da revolução dos cravos. Militares a quem quero prestar a minha homenagem e expressar também o meu pesar pela ingratidão com que a Democracia os tem tratado, num escandaloso contraste com a generosidade demonstrada para com os servidores do antigo regime.

Aplausos do PS, de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.

Quiseram os constituintes dar aos direitos e liberdades um conteúdo que lhes retirasse o carácter de privilégio que tantas vezes assumem. Na sua generosidade, acreditavam na bondade dos seus propósitos. tal como acreditavam que a mera inscrição nos textos desses propósitos era a garantia da sua realização. De muitos deles resta apenas o sonho que a realidade desmentiu. Mas ficou o mais importante, a primeira e maior conquista da Assembleia Constituinte: a Democracia. Por essa conquista se poderá dizer dos constituintes que bem mereceram de Portugal e da República e dessa conquista podem, sem falsas modéstias, orgulhar-se.
Lançar as fundações da Democracia foi a grande tarefa da Assembleia Constituinte e o sucesso que alcançou o seu mérito. Agora, exige-se de nós que saibamos aprofundá-la, porque só, tornando-a expressão autêntica da participação dos cidadãos na vida colectiva, a poderemos defender.
Não poucas das soluções então adoptadas foram-no por razões de conjuntura e pela necessidade de contrariar 5O anos de cultura antiparlamentar e antipartidária. A realidade é hoje diferente e há que procurar novos caminhos, em que a cidadania não se limite à escolha daqueles que são supostos representar o povo, na realidade de governar em seu nome.
Não é mais possível ignorar que o sistema democrático, tal como se foi afirmando, conduziu a um afastamento crescente entre cidadãos e instituições. Os fenómenos de exclusão social, a xenofobia, a insegurança no emprego, os horizontes que se estreitam para a grande maioria dos jovens e os nacionalismos exacerbados são o reverso de um processo de desenvolvimento, em que o sucesso individual foi promovido ao primeiro plano e em que a proclamação dos direitos do indivíduo esconde, com frequência, a negação dos direitos do cidadão.
Falar de crise das instituições democráticas tornou-se um lugar comum, quase diria uma moda. Mas, como em tudo, há que separar o trigo do joio, distinguir aqueles que, reconhecendo o muito de verdade que existe nessa afirmação, buscam respostas que assegurem a sobrevivência da Democracia e os que, arautos da crise, nela depositam a esperança no retorno a um regime autoritário.
A crise da democracia representativa é um problema real, mas o regime democrático continua a ser o único capaz de assegurar os valores da cidadania.
Não se trata por isso de recusar a democracia, mas de a aprofundar pela participação quotidiana dos cidadãos. Só que essa participação não se alcança por decreto, exige uma reforma profunda do sistema, que não se confunde com operações de cosmética, intervenções pontuais e desarticuladas, que se assemelham ao desespero de querer mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.
Não é a reforma do sistema eleitoral desacompanhada de uma reforma da instituição parlamentar que conduzirá a uma maior aproximação entre representantes e representados. Do mesmo modo que, nem uma nem outra podem ignorar as opções que vierem a ser tomadas no domínio da descentralização, instrumento privilegiado de participação quando o princípio da subsidariedade seja aplicado nos sucessivos níveis da intervenção política. Assim como não haverá verdadeira participação sem uma informação não manipulada por grupos de interesses político-económicos ou sem uma profunda reforma da Administração Pública, indissociável do conhecimento concreto do seu funcionamento por parte dos cidadãos e da autonomia responsável dos seus agentes.
Também só a renovação dos Partidos lhes permitirá desempenhar o papel de formação e mediação da vontade popular, que deverá ser o seu. E, diga-se ainda, do muito que haveria para dizer, que não é a redefinição avulsa do estatuto dos titulares de cargos políticos e dos partidos, feita a um ritmo marcado, não pelas exigências do debate sério que a complexidade dos problemas impõe

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mas pelo calendário eleitoral, que alterará a situação de forma significativa.
O problema com que nos defrontamos é um problema global de organização do Estado que exige uma resposta global e não remendos aplicados ao sabor da denúncia demagógica dos males de que sofre o sistema.
A Assembleia Constituinte de 1975 é um marco histórico que assinala o renascimento da democracia em Portugal; o texto que nos deixou é um instrumento que, com as suas limitações e os seus defeitos, permitiu a afirmação de um regime de liberdade e de um Estado de direito.
A democracia é uma realidade, mas não é uma realidade irreversível. Os afloramentos racistas e a insidiosa campanha contra as instituições democráticas, que vai encontrando terreno fértil numa sociedade em crise, em crise social, de esperança, de valores, estão aí. Basta olharmos à nossa volta para disso nos darmos conta. Não é o momento, se é que alguma vez pode ser o momento, de cruzarmos os braços.
Os tempos que vivemos não são os de 1975, mas os valores e princípios que então nos serviram de norte não mudaram e são esses mesmos valores e princípios que exigem a procura de novos caminhos. Para nós, a busca desses caminhos, que não será nunca alibi para se ignorarem os problemas imediatos, do imediato quotidiano, continua a ser a matriz da nossa identidade de democratas e socialistas. Para com Portugal, para com os portugueses, para com as mulheres, para com os homens, onde quer que estejam, onde quer que vivam, o nosso compromisso resta o de sempre: a construção de um mundo mais livre, mais fraterno, mais solidário.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS-PP e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente da Assembleia Constituinte, Sr.ªs e Srs. Deputados Constituintes, Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Sr.ªs e Srs. Deputados: Permitam-me que dedique estes minutos a mostrar como cresceram as sementes lançadas há vinte anos na Assembleia Constituinte, como foi desaparecendo da Lei Fundamental o que era datado e conjuntural, produto dos mitos efémeros que cada tempo reverencia, ficando robustecido o que é permanente, o que estava e está vivo na comunidade nacional.
É difícil a minha posição, como modesto Constituinte que fui: por um lado, sei que "elogio em boca própria é vitupério"; mas, por outro, a verdade e a justiça não me permitem esquecer o árduo trabalho dos Constituintes em geral, a coragem dos que se bateram pela democracia pluralista em especial e, ainda mais em particular, dos que estiveram comigo na bancada social-democrata. Não posso esconder a alegria, a emoção mesmo, de os ter aqui hoje. Mas ainda menos poderia deixar de prestar a maior homenagem a tantos que já nos deixaram, e só de entre os sociais-democratas foram treze.
Não poderei referir nomes; citar alguns seria esquecer outros. Todos eles bem mereceram do povo que aqui representaram. Muitos deixaram depois a sua marca como políticos empenhados no serviço público e na promoção do bem comum, constitucionalistas, juristas ou professores eminentes, economistas de primeira linha, escritores e cientistas consagrados, empresários ou trabalhadores que muito contribuíram para o desenvolvimento, comentadores prestigiados na comunicação social. Muitos adquiriram o merecido respeito geral, mesmo fora das fronteiras.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os militares de Abril puseram fim a uma longa ditadura incapaz de compreender e muito menos dar resposta às aspirações dos portugueses à paz, à liberdade, ao bem-estar, à justiça, à solidariedade. Posteriormente, uma pequena minoria desses militares e algumas forças vanguardistas pensaram poder falar em nome do povo e impor pretensas soluções pré-fabricadas, copiadas de modelos estrangeiros, cujo mau funcionamento pressagiava já derrocadas depois verificadas.
Os Constituintes resistiram à tentação do vanguardismo, sabendo interpretar a verdadeira vontade popular. Vozes corajosas se elevaram aqui, nomeadamente no período de antes da ordem do dia, afirmando que o mandato que lhes fora concedido nas eleições livres mais participadas de toda a nossa História impedia de ir por aquele desastroso caminho. A grande maioria dos eleitores tinha-se pronunciado em 25 de Abril de 1975 por um modelo europeu de democracia.
Foram importantes os apoios de instituições da sociedade civil enraizadas na Comunidade nacional e de militares democratas que foram fiéis ao respeito da vontade popular. Uma grande maioria dos Constituintes teve mesmo de se preparar para, na cidade de onde brotaram no passado, para além do próprio nome da Pátria, os movimentos que consagraram a liberdade, assumir a sua legitimidade no caso de uma eventual tomada ilegítima do poder em Lisboa.
Os Constituintes sociais-democratas foram fiéis aos seus valores, recusando-se a aceitar, como o fundador do PPD, Francisco de Sá Carneiro em 1969, cito, "que o nosso povo tivesse de ficar eternamente sujeito ao paternalismo de um homem, de um sistema ou de uma classe, que, ao contrário de outros povos, não pudéssemos ser capazes de conciliar a liberdade com a ordem, o progresso com a segurança, o desenvolvimento com a justiça".
Os Constituintes sociais-democratas resistiram também e rejeitaram a tentação da uniformização. Afirmámos que a pessoa humana se define pela liberdade, que ser homem é ser livre. Da liberdade resultam, inevitavelmente, as diferentes capacidades e vontades de criar, de fazer obra útil à comunidade, que assim é enriquecida pelos talentos de cada um. Por isso, como Miguel Baptista Pereira, tivemos presente que "a diferença é ineliminável, o ser é radicalmente plural, a pluralidade é tão originária como a unidade, a identidade é, na diferença, relação e comunhão de sentido".
Os Constituintes sociais-democratas dissociaram-se do determinismo finalista. Sabíamos já que a indeterminação é característica essencial da democracia e que a sociedade e o Estado pertencem ao quadro sempre mutável e aperfeiçoável deste mundo. Lutámos, portanto, contra as irreversibilidades e fomos os agentes determinantes para que durassem afinal tão poucos anos. Não acreditámos nos pretensos "objectivos finais" e dissemo-lo pela voz autorizada do Presidente do Grupo Parlamentar, que sucedeu a Carlos Mota Pinto, a quem presto a minha comovida homenagem, António Barbosa de Melo, na declaração final, dizendo da nossa certeza que o nosso povo "irá continuar livremente a sua já quase milenária peregrinação".
Resistimos aos cantos de sereia do estatismo. Estava então na moda o Estado omnipotente e a natureza do Estado português tornava tudo mais difícil. Já vários his-

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toriadores tinham mostrado que, entre nós, o Estado precedeu e até de algum modo criou a Nação, à qual impôs forte comando central e rígida hierarquia, justificados, primeiro, pela reconquista e, depois, pelos descobrimentos. A própria homogeneidade do Estado Nação para isso contribuiu, pois como bem nota Vasco Pulido Valente, ela não deparou com obstáculos étnicos, linguísticos, religiosos ou nacionais susceptíveis de enfraquecer a sua coerência interna, porque a ausência de vincadas diferenciações estruturais na sociedade civil impediu que nela se gerassem resistências significativas e que ela conseguisse muita autonomia perante o Estado.
O Estado devia para nós, sociais-democratas, estar ao serviço da pessoa, ou seja, das liberdades em relação. Não do indivíduo desencarnado, mas do ser que o homem a si próprio se vai dando no viver em relação com os outros. A pessoa existe antes do Estado e para além dele, a sua liberdade e os seus direitos não se esgotam no que este determina, exige a limitação do âmbito da acção do poder político e o respeito pela área do não deliberável, na feliz expressão de Helmut Schmidt.
Procurámos consagrar o que era permanente na realidade portuguesa, defendemos que o legislador constituinte deve ter presentes os valores que são a expressão da identidade de cada povo. Uma Constituição só é boa quando procura consagrar os valores e individualidade própria de cada Nação. Como sublinhava já Paulo VI, em 1967, "rico ou pobre, cada povo possui uma civilização recebida dos antepassados, instituições exigidas para a sua vida terrena e manifestações superiores da vida de espírito. Grande erro seria sacrificar estas àquelas. Um povo que nisso consentisse perderia o melhor de si mesmo, sacrificaria, julgando encontrar vida, a razão da própria vida".
15to não contraria a necessidade da gradual integração de novos valores, que enriqueçam os anteriormente adquiridos.
Consagrando a dignidade da pessoa humana como valor fundamental em que se baseia a República, a Constituição rejeitou os modelos transpersonalistas e reafirmou o primado que herdámos das matrizes do nosso humanismo: o Cristianismo; a civilização greco-romana, as liberdades e os direitos cívicos oriundos da Revolução Francesa, a exigência de justiça social que brotou dos movimentos dos trabalhadores no século XIX.
Mas consagrámos também o valor essencial da paz. Talvez não tivéssemos na altura presente a magistral oração de António Vieira, mas sabíamos que a guerra é o pior dos males. Não esquecerei ainda a liberdade, a solidariedade, os direitos humanos, políticos, sociais e culturais, até alguns embriões dos novos direitos de que agora se fala.
Lembrarei ainda, claro está, a autonomia das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, preconizada fortemente, diria quase exclusivamente, pelo PPD - quantos ataques isso nos valeu na altura - sem esquecer o apoio de algumas outras personalidades, a qual se revelou uma solução feliz para as aspirações e a realidade peculiar dos açorianos e madeirenses.

Aplausos do PSD.

De 1976 para cá, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em coerência com os novos princípios, fomos os primeiros a defender o fim do período de transição, pedindo uma revisão constitucional não condicionada. Queríamos o fim de um modelo económico dito socialista, datado, da irreversibilidade das nacionalizações, da intocabilidade dos limites materiais da revisão, dos monopólios do Estado, incluindo no ensino e na comunicação social. Ao contrário de outros, que tudo quiseram protelar ou mesmo evitar - recordo só como foi difícil a abertura da rádio e da televisão à iniciativa privada - nós antecipámo-nos, não andámos a reboque das modas estrangeiras, não agimos debaixo da pressão dos acontecimentos ou porque a participação em organizações europeias assim o exigia.
O PSD tem sabido que a política é a antecipação dos problemas e das soluções e congratula-se que outros, ainda que tarde, o venham a acompanhar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi também a fidelidade a princípios e a valores que, enterrados os anos 7O, nos permitiram ultrapassar os mitos dos anos 8O. Se Jurgen Habermas criticou a ciência e a técnica como ideologia, nós fizemo-lo defendendo que nem tudo o que é eficaz é bom.
Não seguimos os mitos ultra liberais de raiz anglo-saxónica, não acreditámos no pretenso "fim da História" e no pretenso "triunfo esmagador das ideologias neo-liberais".
Mas também a década de 9O nos apresenta novos problemas e desafios: a aceleração das descobertas científicas que tocam já hoje nas fontes da própria vida, exige a definição e protecção dos bio-direitos. A manutenção entre nós dos nossos cientistas e dos nossos criadores é vital para a nossa criatividade; são eles os descobridores de hoje, são eles os sucessores de Henrique o Navegador e de Vasco da Gama.
A interdependência e a mundialização das comunicações exigem resposta adequada que ultrapasse a nova tentação do proteccionismo que nada resolve, nos afasta dos desafios da megaciência e da competitividade e não permite, sequer, a luta contra o poderoso crime internacional organizado.
Os novos problemas ambientais, urbanos e suburbanos, a toxicodependência, a solidão, estão aí a desafiar-nos. Mas devido a uma nova lógica - a mediática - já não se julga que é bom o que é eficaz; agora, parece julgar-se que é bom o que passa bem nos media. Importa menos para esta lógica a realização dos problemas em si do que o chamado efeito de anúncio. Daqui resulta, obviamente, a sobrevalorização das questões instantâneas, das questões instrumentais, da luta pelo poder ou pela fama, e daqui resulta, em contraponto, também a necessidade de aproximar os eleitores dos eleitos e a própria reflexão sobre o papel do mandato representativo no futuro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é tempo de concluir. Foi decisivo o contributo dos parlamentares sociais-democratas e dos seus Governos para o desenvolvimento progressivo de Portugal. Há que dar agora resposta aos novos problemas, sabendo que toda a evolução traz novos problemas e que, ao contrário do que por vezes parece pretender-se, não há sociedades perfeitas e sem problemas. Há que dar, à luz dos valores hoje consagrados, resposta a esses novos problemas, seguindo o exemplo e o esforço dos Constituintes e dos que se lhes seguiram nas sucessivas revisões constitucionais. Com António Sérgio, viramo-nos para os jovens, procurando os caminhos de uma educação cívica e uma pedagogia do esforço. Não pensem, caros amigos que porventura me ouçam, que os direitos da pessoa (a paz, a liberdade, a democracia, o desenvolvimento, o bem-estar) são conquistas irreversíveis e garantidas. É preciso um esforço de todos em cada dia para os preservar, manter e desenvolver.
Abrimos os braços àqueles que vieram talvez um pouco mais tarde acolher-se aos valores que hoje vimos aqui partilhados por todos (e ainda bem); julgámos, sem falsas

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arrogâncias, que fomos pioneiros. Mas o que importa é que a todos propomos o exemplo dos Constituintes que aqui homenageamos sentidamente hoje, dizendo de novo, convictamente, como Sá Carneiro: "A democracia é sempre difícil e exigente, mas dela nunca nos demitiremos!"

Aplausos do PSD, de pé, do PS, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.

O Sr. Presidente: - Ao abrigo do artigo 8O.º do Regimento da Assembleia da República, tem a palavra o Professor Doutor Henrique de Barros, ilustre Presidente da Assembleia Constituinte.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Prof. Dr. Henrique de Barros (Presidente da Assembleia Constituinte): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados Constituintes, Srs. Deputados: Começo por pedir desculpas de falar sentado, mas as minhas fracas pernas - como poderão imaginar - não permitem que me mantenha de pé durante muito tempo; peço também desculpa da minha voz estranha mas, de alguns dias para cá, um fenómeno que desconheço provocou-me esta rouquidão.
De qualquer maneira, não posso deixar de usar da palavra porque tenho a obrigação de apresentar agradecimentos profundamente penhorosos devidos, em primeiro lugar, ao Sr. Presidente da Assembleia da República, que me deu a honra de, em minha casa, me convidar para participar nesta sessão, o que me colocou na situação de considerar um dever comparecer como efectivamente aconteceu.
Agradeço, portanto, em primeiro lugar, em nome da pessoa modesta que sou, a honra que recebi e, embora não tenha sido mandatado para o efeito, suponho que os Deputados da Assembleia Constituinte estarão também de acordo que agradeça, em seu nome, o convite que lhes foi dirigido. Agradeço, portanto, em nome da Constituinte, a iniciativa tomada no sentido de promover esta sessão comemorativa.
Não falarei a respeito da Constituição, em primeiro lugar, por entender que já se abordou suficientemente esse tema e, em segundo, porque não sou um constitucionalista e não teria quaisquer novidades para dar.
Se me permitem, começarei por falar das eleições que conduziram à Assembleia Constituinte, as eleições de Abril de 1975. Todos sabem, mas talvez não o tenha dito muitas vezes, que estas eleições foram as primeiras que, em Portugal, se podem considerar genuínas, livres, democráticas.
Se passarmos em revista sumária a nossa História, com início no período do regime monárquico em que as eleições começaram, basta ler os escritores e historiadores da época para saber que deixavam muito a desejar: a chapelada, a manipulação das umas, dos cadernos e das actas, símbolo da corrupção dos eleitores pelos candidatos, são suficientes para compreender que as eleições, na monarquia, não eram genuínas.
Se falarmos das eleições na I República, temos evidentemente de reconhecer que houve um progresso sensível, mas ainda me lembro - o meu pai, então, foi testemunha durante muito tempo - que havia críticas a fazer e que essas eleições não deixavam de comportar um elemento de pouca credibilidade.
Na ditadura - não vale a pena falarmos -, as eleições realizadas foram todas elas, sem excepção, pura e simplesmente burlas feitas perante o mundo, envergonhando o povo português.
Esta circunstância que acabei de referir, a de as eleições na Assembleia Constituinte terem sido as primeiras, em Portugal, que se realizaram em condições de liberdade e de dignidade democrática, e que, aliás, serviram de exemplo às eleições subsequentes que, evidentemente, também são eleições genuínas, basta, a meu ver, e nada mais direi, para justificar o 25 de Abril de 1974.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República, Sr. Professor Henrique de Barros, Presidente da Assembleia Constituinte, Srs. Constituintes e nossos Ilustres Convidados, Sr. Ministro Adjunto, Srs. Deputados: De acordo com a tradição parlamentar, caberia proceder, nesta última reunião plenária do período normal de funcionamento, ao balanço e crítica das actividades que a Assembleia da República realizou ao longo da IV Sessão Legislativa e da VI Legislatura.
Entretanto, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares acolheu, por unanimidade, a ideia de se evocar neste dia a Assembleia Constituinte e o 2O.º aniversário do início dos seus trabalhos. Daí, o teor e sentido das intervenções proferidas; daí, a presença do Sr. Presidente da República; daí, o convite ao Professor Henrique de Barros, insigne Presidente da Assembleia Constituinte, para tomar lugar na Sala e usar da palavra; daí, o convite a todos os Constituintes para assistirem a esta reunião; daí, a oferta aos Constituintes e aos actuais Deputados dos quatro volumes, agora reimpressos, do Diário da Assembleia Constituinte, a fim de que disponham, em forma manuseável e fidedigna, desse riquíssimo registo da vida política portuguesa correspondente ao período constituinte.
Trata-se, ao fim e ao cabo, de prestar homenagem aos Constituintes e à notabilíssima obra histórica que souberam realizar, apesar das turbulências e vicissitudes, e de com eles, num encontro fraternal, avivar memórias, evocar episódios e tentar uma melhor compreensão dos "tempos funcionais" da nossa democracia.
A data para tal escolhida - 23 de Junho - reveste-se, aliás, de especial simbolismo. É certo que a sessão inaugural da Constituinte ocorreu a 2 de Junho de 1975, mas verdade é também que foi na reunião plenária de 23 desse mês de Junho que a Assembleia concluiu a sua instalação, ao aprovar o seu próprio Regimento e ao tornar, assim, possível "conduzir os trabalhos relativos ao estudo dos projectos de constituição e propostas respectivas" (como então disse o Presidente Henrique de Barros).
E esse período inicial foi decisivo para a descoberta e a definição do papel que a Assembleia Constituinte viria a cumprir no processo de democratização do País. Tudo girou à volta da questão de saber se o Regimento podia - e devia - consagrar "um período de antes da ordem do dia" para tratamento de "assuntos de política nacional de interesse para a Assembleia Constituinte". Havia quem - dentro mas, sobretudo, fora da Assembleia - entendesse que os Constituintes teriam de se fechar sobre si próprios, alheando-se da política geral e da sua dinâmica, para se limitarem à elaboração de um texto constitucional conforme ao Pacto MFA-Partidos, e havia quem - e era a maioria dos Constituintes - pensasse que só o livre debate de todos os problemas nacionais permitiria aos Deputados elaborar uma lei fundamental consonante com as realidades do País.
Ora, nesse dia 23 de Junho a questão ficou definitivamente decidida: a Assembleia Constituinte assumiu-se,

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então, como titular do poder soberano outorgado pelo povo em eleições democráticas e, em consequência disso, declarou-se competente para debater, em período de antes da ordem do dia, quaisquer assuntos de política nacional que considerasse de interesse para o destino do País. 0 princípio da legitimidade eleitoral sobrepusera-se, pois, nesse dia, ao princípio da legitimidade revolucionária, retomando-se, então, o longo caminho de retorno à promessa originária encerrada no Programa do MFA, anunciado no 25 de Abril de 1974.
Eis como faz sentido o facto de se ter marcado para hoje uma singela homenagem da Assembleia da República aos Constituintes, um plenário para intervenções ou discursos susceptíveis de, pelo seu pluralismo e discernimento, enriquecer a compreensão da obra constitucional iniciada há 20 anos e um convívio simples e fraterno, onde Constituintes, Membros do Governo e Deputados da VI Legislatura possam reviver lances e experiências desse "tempo forte" da História recente de Portugal.
A todos agradeço, penhoradíssimo, a participação neste acto. Permitam-me, desde já, uma referência especial ao insigne Presidente da Assembleia Constituinte, o Emérito Professor Henrique de Barros. Senhor de requintada sensibilidade, de cultura vastíssima, de enorme prestígio científico e académico e de indefectível devoção à liberdade e à democracia ele soube ser o supremo aglutinador das forças políticas, divergentes e até contrárias, que o povo trouxe à Assembleia Constituinte.
Devo-lhe, Sr. Professor, as maiores atenções pessoais, a última das quais será, decerto, a de ter querido aceitar o nosso convite, arrostando os incómodos de voltar hoje ao Palácio de S. Bento e de falar aqui.
Muito obrigado e que a vida continue a ser-lhe propícia e feliz.

Aplausos gerais.

A Constituição da República, aprovada em 2 de Abril de 1976, apesar dos seus iniciais desvios e entorses aos padrões democráticos do Ocidente, devidos à revolução então institucionalizada por todo o lado, teve o grande e decisivo mérito de garantir, desde logo, as exigências democráticas mínimas tanto no Estado, como nas regiões autónomas, no poder local e, em geral, na sociedade civil. Por outro lado, ela revelou possuir notável capacidade de adaptação à evolução política, social, económica e cultural que o País foi experimentando. A verdade é que as suas revisões ou actualizações se deram sempre em concordância com as regras estabelecidas nela própria. Pode dizer-se, por isso, que os Constituintes souberam descobrir e estabilizar o consenso constitucional do povo português para o período histórico que o 25 de Abril de 1974 iniciou.
Decerto, consoante os tempos e as sensibilidades, ouvem-se no auditório nacional recorrentemente vozes que pedem à Constituição soluções que ela (seja na sua versão originária, seja na sua versão vigente no momento), em boa hermenêutica, não pode dar.
Mas tal sobrecarga de sentidos corresponde, afinal, às regras do jogo político normal em democracia. Não admira, por isso, que, apesar das divergências e conflitos a propósito da hermenêutica constitucional, as nossas instâncias ou instituições regulativas os tenham conseguido moderar, mantendo a Lei Fundamental globalmente dentro dos limites de um real e efectivo consenso constitucional. Numa palavra: apesar de tudo, na Constituição da República espelha-se um forte testemunho da cultura, do senso prático e do sentido histórico e prospectivo que animou os Constituintes.
Nesta última reunião plenária desta sessão legislativa e desta legislatura, aos Srs. Vice-Presidentes e Secretários da Mesa, aos Srs. Presidente e Vogais do Conselho de Administração, aos Membros do Governo especialmente ligados à pasta dos assuntos parlamentares, aos líderes parlamentares e a todos os Deputados sem excepção quero publicamente agradecer não só a preciosa colaboração e auxilio que souberam e quiseram dar-me, dentro e fora do Plenário, na realização das minhas tarefas, como a generosa compreensão que para comigo revelaram quando estive menos atento ao andamento das coisas.
A todos os funcionários da Assembleia da República, em lugar mais próximo ou mais remoto da Presidência e do Plenário, exprimo o meu muito apreço e admiração pela competência e empenhamento que revelaram no trabalho e pelo trato afável com que sempre me distinguiram.
Aos Srs. Jornalistas credenciados, bem como à Associação dos Jornalistas Parlamentares, dirijo os meus afectuosos cumprimentos e realço o inestimável contributo que, ao longo de quatro anos, deram para a divulgação das actividades parlamentares e para uma melhor compreensão pelo País do papel e obra do seu Parlamento.
Permitam-me que hoje diga que para mim foi motivo de grandes e inesquecíveis satisfações o ter convivido e aprendido com todos durante o exercício do ofício parlamentar que me confiaram nesta legislatura.
Três dos Vice-Presidentes - Ferraz de Abreu, José Manuel Maia e Adriano Moreira - já anunciaram ou, de algum modo, declararam que não serão candidatos nas próximas eleições. É justo que, no momento em que deliberadamente dão por terminada esta missão, lhes dirija uma palavra especial: cada um, a seu modo, trouxe à vida parlamentar talentos e saberes que beneficiaram e dignificarão duradouramente o Parlamento da República Portuguesa. Para onde quer que agora se dirijam, Portugal vai continuar, decerto, a contar com a experiência, a energia e a cultura com que o souberam servir aqui. Bem hajam.

Aplausos gerais.

Sr. Presidente da República e Constituinte insigne, Dr. Mário Soares: agradeço do fundo do coração a honra que nos deu ao aceitar vir hoje à Assembleia da República e o enorme sacrifício que, nas presentes circunstâncias, lhe custou esta deslocação. Faço votos das suas rápidas melhoras. Desejo-lhe, Sr. Presidente, a continuação do êxito com que vem exercendo a mais alta magistratura da República, por Vossa Excelência e para bem de Portugal.

Aplausos gerais, de pé.

Vai usar da palavra o Sr. Presidente da República.

Aplausos gerais, de pé.

0 Sr. Presidente da República (Mário Soares): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente da Assembleia Constituinte, Srs. Deputados, Srs. Deputados Constituintes, Minhas Senhoras e Meus Senhores, Srs. Jornalistas: É para mim um grato prazer, como Presidente da República e como Constituinte - não em mérito, mas apagado que fui -, estar hoje aqui presente, agradecendo o convite tão penhorante que o Sr. Presidente da Assembleia da República me dirigiu.

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Quando me falou nesta iniciativa, ainda não estava nas condições físicas em que hoje me encontro, mas imediatamente lhe disse que considerava esta ideia excelente, justa e importante, não só pela comemoração do que foi a vida da Assembleia Constituinte e o que ela representou em Portugal e para Portugal mas também porque vejo nesta comemoração não apenas algo de passadista mas porque se pode extrair dela muitas lições, importantes lições, para o nosso futuro, como, aliás, foi realçado nas intervenções, a que acabo de assistir, de todos os partidos.
Mais tarde, o Sr. Presidente da Assembleia da República voltou a insistir no seu convite e, apesar de algum esforço físico que isso representa, aqui estou, com muita honra e prazer.

Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.

As palavras seguintes serão, naturalmente, para saudar todos os Constituintes pelo trabalho que fizeram e pela maneira como representaram o povo português na Assembleia Constituinte. Todos me permitirão, e não estranham, que destaque, em nome de todos, a figura excepcional do homem bom e de respeito, do democrata e cientista, Professor Henrique de Barros.

Aplausos gerais.

Há tempos, tive ocasião de referir, numa homenagem que lhe foi prestada na Câmara Municipal de Lisboa, o respeito que me merece o Professor Henrique de Barros e o lugar que ele, pela sua acção corajosa, coerente e empenhada, hoje já mereceu de ficar na história portuguesa.
O Professor Henrique de Barros - e eu sou suspeito para o dizer, porque tenho a honra de ser seu amigo e correligionário, se me permitem sublinhar este aspecto, há cerca de 5O anos - é verdadeiramente, para dizer um lugar comum, um varão de Plutarco. É um homem que honra a democracia portuguesa e que honrou a Constituinte.

Aplausos gerais.

O Sr. Professor Henrique de Barros disse que o momento mais importante da democracia portuguesa, a seguir ao acto corajoso e extraordinário do 25 de Abril e dos Capitães de Abril, foi a realização, pela primeira vez, de eleições livres em 25 de Abril de 1975.
Diria que, na história e no percurso da consolidação da nossa democracia, a seguir ao acto original, que foi a Revolução, propriamente dita - e todos os portugueses não podem deixar de sentir gratidão relativamente aos Capitães de Abril, qualquer que seja o seu percurso posterior, porque o que interessa é o acto que eles realizaram e o que fizeram nesse dia 25 de Abril para libertar Portugal de uma longuíssima ditadura insuportável -, mas, dizia, depois disso, houve alguns acontecimentos de extraordinária importância.
O primeiro foi, justamente, a grande manifestação popular que ocorreu em Lisboa e mais ou menos por todo o País no 1.º de Maio de 1974. Foi um acto inesquecível, porque representou a adesão, indiscutível, do povo português a essa Revolução feita pelos militares.
O segundo foi, naturalmente, o acto das primeiras eleições livres que houve em Portugal. Não seria tão severo como o Professor Henrique de Barros relativamente a algumas das eleições do liberalismo - é certo que, muitas vezes, houve o "carneiro com batatas" - e também não seria tão severo como o Professor Henrique de Barros em relação às eleições da I República.
A verdade é que não há dúvida de que o sufrágio se alargou e se democratizou e que, de facto, as eleições do 25 de Abril foram exemplares. E, neste momento, seja-me permitido lembrar uma pessoa, que merece ser lembrada, perante esta Assembleia e na presença honrosa de todos os Srs. Constituintes: o Ministro que, ao tempo, assegurou a realização dessas eleições em liberdade. E não foi fácil fazê-lo! Refiro-me, permitam-me a expressão, ao Sr. Capitão de Abril Costa Brás.

Aplausos gerais.

Depois, houve o trabalho extraordinário da Assembleia Constituinte. Eu fui Constituinte. E fui Constituinte nos breves períodos em que saí do Governo e durante uma parte da vigência do chamado VI Governo Provisório, em que, como se sabe, não participei. Mas, realmente, a minha contribuição para a Constituinte - e tenho de o dizer em abono da verdade - foi apagada, não obstante ter seguido muito directa e especialmente todos os trabalhos da Constituinte, em vista das minhas próprias funções, não só no Governo como partidárias.
É muito difícil e delicado fazer um inventário daqueles que mais contribuíram para o esforço da Constituição efectiva, tal como ela se tornou, mas não resisto a citar alguns nomes, pedindo desculpa pelas omissões. E cito-os porque me parece, a mim, à minha consciência e à apreciação que faço das coisas, que foram aqueles que maior contributo deram para que a Constituinte chegasse ao fim.
Em primeiro lugar, refiro todos os líderes dos diferentes grupos parlamentares.
Mas como esquecer o trabalho do Professor Jorge Miranda ou as intervenções permanentes e tão brilhantes de Vital Moreira?
Como esquecer a participação de outras figuras importantes nos trabalhos, na feitura material da própria Constituição - e, mais uma vez, peço desculpa pelas omissões -, como o Professor Mota Pinto, o Professor Barbosa de Melo, Mário Pinto, Alfredo de Sousa, Marcelo Rebelo de Sousa, pela parte do PSD?
Como esquecer a intervenção relativamente às autonomias, e que já aqui foi referida, de Mota Amaral ou de Jaime Gama?
Como esquecer as intervenções e as contribuições dadas por José Luís Nunes, Sottomayor Cardia, Carlos Candal, Lopes Cardoso e também Manuel Alegre, ainda Deputado?
Como esquecer as intervenções de Amaro da Costa e Freitas do Amaral?
Todos eles, entre muitos outros que poderiam, igualmente, ser citados neste momento, contribuíram, sem excepção, para a obra final da Constituição, mas estes, em particular - e torno a pedir desculpa por alguma omissão grave -, deram um contributo que, na minha opinião, vai, sem dúvida, ser lembrado pela História.
Por isso, felicito o Sr. Presidente da Assembleia da República e a Conferência de Líderes que deliberaram publicar em livro, em quatro volumes, as actas da Assembleia Constituinte. Trata-se, sem dúvida, de uma leitura importante, de uma leitura elucidativa e de onde se retiram muitíssimos ensinamentos, mas não podemos deixar de ter em conta que, na altura, muitas vezes, aquilo que se passava neste recinto da Assembleia Constituinte não se repercutia devidamente na opinião pública e que havia outra dinâmica fora desta Casa, dinâmica, essa, que tinha muitíssima força.

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A Constituição, tal como foi concluída e aprovada no dia 2 de Abril de 1976, é outro dos grandes momentos fundadores da nossa República e da nossa democracia, e isso deve ser sublinhado.
Acabou o trabalho, que foi excelente. Muitos, depois, disseram que a Constituição não era boa. Muitos, depois, disseram que a Constituição sofria de muitos vícios e fazia algumas confusões entre a chamada "legitimidade revolucionária" e a legitimidade democrática saída do sufrágio popular. Tudo isso é exacto, mas a verdade é que a Constituição representou, de uma forma fidedigna e muito importante para o futuro da democracia, aquela que foi e era a relação de forças do tempo, expressa através da vontade popular.
Depois, a Constituição foi revista por duas vezes, em 1982 e em 1989, mas hoje, com a integração dessas revisões, que também foram feitas através de consensos difíceis e com dificuldades mas de uma forma democrática e sempre maioritária, pode dizer-se que, em Portugal, a Constituição é amplamente consensual. 15so é extremamente importante para o futuro e, por isso, devemos lutar por que assim continue, sem excluir os aperfeiçoamentos e as inovações que os futuros Deputados venham a entender dever fazer-lhe, nos termos da própria Constituição.
A democracia não é só a Constituição; há democracias sem Constituição ou sem Constituição escrita, como por exemplo a inglesa. Mas não há dúvida de que, nos tempos modernos, democracia e Constituição quase se identificam. E a nossa é uma Constituição que honra a democracia, porque continua a ser, nomeadamente em termos de direitos humanos, extremamente avançada.
Fiquei, por isso, bastante satisfeito, devo dizê-lo, quando ontem assisti ao final do grande debate sobre o estado da Nação que se realizou nesta Assembleia e ouvi o Sr. Primeiro-Ministro dizer, pela primeira vez, que as maiorias eram limitadas pela lei e que, para além das maiorias e da própria expressão da maioria, havia que respeitar os outros poderes do Estado, numa dialéctica que só é útil para o desenvolvimento das próprias instituições. Penso, sinceramente, que esse foi um reconhecimento importante e que é digno de ser sublinhado neste momento em que falamos deste acto da Constituição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não vou acrescentar muito ao que já disse, mas quero felicitar e saudar - e já o fiz relativamente aos Srs. Deputados Constituintes - todos os Srs. Deputados nesta sessão que encerra os trabalhos desta legislatura.
Como sabem, enquanto Presidente da República, procurei sempre dignificar esta instituição. Sempre entendi que era indispensável não só dignificar os Deputados e a Assembleia como dignificar e honrar aquilo a que às vezes se chama, depreciativamente, a "classe política". Porque ser político é uma honra...

Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.

..., ser político é prestar um serviço público, ser político deve ser, e é, na maior parte dos casos, um acto de devoção à causa pública.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Poderá haver excepções, mas estas não fazem a regra geral.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quando se querem realçar as excepções e, através delas, destruir a classe política, mesmo que tal venha de um ou de outro lado do leque político, isso faz sempre mal às instituições republicanas e democráticas, que temos o dever de consolidar.

Aplausos gerais.

Por isso, Srs. Deputados, permitam-me que, ao saudá-los neste último dia e ao saudar os vossos trabalhos, saliente esta pequena coisa que terá alguma importância: esta Assembleia cumpriu o seu mandato até ao fim, o que foi extremamente importante como precedente para o futuro.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.

Aliás, devo dizer - desculpem-me que o saliente - que já tinha havido um precedente: a legislatura anterior também tinha ido até ao fim.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.

Hoje é hora de congregação e não de polémica.
Quero associar-me aos votos que o Sr. Presidente da Assembleia dirigiu aos três Vice-Presidentes que vão deixar este hemiciclo, com muita pena de todos nós. É a lei da vida, é a lei da democracia. Mas não devemos deixar de dizer uma palavra àqueles que, pela lei da vida e da democracia, cessam as suas funções e fazem-no com a dignidade com que VV. Ex.ªs o fizeram.
Quero associar também nestes cumprimentos todos aqueles, Deputados desta legislatura, que, por uma razão ou por outra, não vão regressar a este hemiciclo, como é o caso do nosso querido amigo Secretário aqui presente a meu lado...

Risos gerais.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Deputados Constituintes: Vejo que a Assembleia termina esta sessão com muito bom humor! Felicito-me por ter contribuído para isso.
Muito obrigado.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero informá-los de que se seguirá um almoço nos claustros desta Assembleia e que aí será distribuído, ou encaminhado para a direcção que indicarem, um exemplar de cada um dos quatro volumes da reimpressão dos Diários da Assembleia Constituinte.
Por último, antes de dar por encerrada esta sessão da Assembleia da República, lembro aos membros da Comissão Permanente que a primeira reunião se realizará no dia 6 de Julho, às 15 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 5 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.

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Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Domingos Duarte Lima.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Vilela de Araújo.
José de Oliveira Costa.
José Guilherme Reis Leite.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís António Carrilho da Cunha.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

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