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Sexta-feira, 10 de Maio de 1996

I Série - Número 68

DIÁRIO
da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE MAIO DE 1996

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Maria Lusa Lourenço Ferreira

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 30/VII, do projecto de lei n.º 148/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros e dos despachos do Sr. Presidente n.os 27 e 28/VII.
A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República à República de Cabo Verde nos dias 12 a 14.
Em declaração política, o Sr. Deputado Azevedo Soares (PSD) teceu críticas à acção governativa.
O Sr. Deputado Fernando de Sousa (PS) congratulou-se com o pacto educativo que o Ministério da Educação se propõe celebrar com todas as forças políticas representadas na Assembleias da República e o País em geral e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Coelho (PSD), José Calçada (PCP) e Lemos Damião (PSD).
O Sr. Deputado Manuel Moreira (PSD) deu conta das conclusões e recomendações do 2.º Congresso Internacional sobre o Rio Douro, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Fernando de Sousa e António Martinho (PS).

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, do projecto de lei n.º 6/VII - Fixa um rendimento mínimo de subsistência a que todos os cidadãos residentes em Portugal têm direito (PCP) e da proposta de lei n.º 25/VII - Cria o rendimento mínimo garantido, instituindo uma prestação do regime não contributivo da Segurança Social e um programa de inserção social, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social (Ferro Rodrigues), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Afonso Lobão (PS), Pedro da Vinha Costa (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Luís Filipe Menezes (PSD), Strecht Ribeiro, Gonçalo Almeida Velho e Artur Penedos (PS), Manuela Ferreira Leite (PSD) e Nuno Correia da Silva (CDS-PP).
Entretanto foi aprovado o projecto de resolução n.º 21/VII - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 24/96, de 20 Março, que institui um novo enquadramento legal das participações de entes comunitários no capital de sociedades reprivatizadas, em processos de reprivatização ou a reprivatizar [ratificação n.º 17/VII (PSD)].
As propostas de resolução n.º 5/VII - Aprova, para ratificação, o Tratado da Carta da Energia incluindo Anexos. Decisões e Acta Final e o Protocolo da Carta da Energia relativo à Eficiência Energética e aos Aspectos Ambientais Associados, assinados em Lisboa, em 17 de Dezembro de 1994, n.º 6/VII - Aprova, para ratificação, as Emendas ao Convénio Constitutivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Instituição a que Portugal deliberou aderir através da Resolução n.º 303/79. de 18 de Outubro e n.º 7/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento. Produção, Armazenagem e Utilização de Armas Químicas e sobre a sua Destruição. Aberta à Assinatura em 13 de Janeiro de 1993, em Paris, foram aprovadas em votação global.
A Câmara aprovou ainda, na generalidade, o projecto de lei n.º 113/VII - Novo regime da tutela administrativa (PCP) e a proposta de lei n.º 22/VII - Estabelece o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas, tendo rejeitado o projecto de lei n.º 147/VII - Regime de controlo da legalidade do poder local (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Gavino Paixão.
António Rui Esteves Solheiro.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro. Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d' Assunção Pimenta Rego.
Rita Maria Dias Pestana Cachuxo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomos Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.

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Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madail.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Carlos Pires Povoas.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, a proposta de lei n.º 30/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 163/93, de 7 de Maio (Programa Especial de Realojamento nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto), que baixou às 4.ª e 8.ª Comissões, e o projecto de lei n.º 148/VII - Revoga as reformas (subvenções vitalícias) e subsídios de reintegração previstos no Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos (PCP), que baixou à 1.ª Comissão.
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Afonso Lobão; aos Ministérios da Cultura e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Arnaldo Homem Rebelo; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa de Oliveira; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Soares Gomes; ao Ministério da Educação; formulados pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira; aos Ministérios para a Qualificação e o Emprego, da Cultura e da Presidência e da Defesa Nacional, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Pinto; aos Ministérios para a Qualificação e o Emprego e da Administração Interna, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: António Brochado Pedras, no dia 28 de Novembro; António Filipe e José Reis, nas sessões de 6 de Dezembro e 27 de Março; Lino de Carvalho, no dia 30 de Janeiro; Jovita Matias, na sessão de 7 de Fevereiro; Isabel Castro, no dia 15 de Fevereiro; Bernardino Soares, na sessão de 28 de Fevereiro; Helena Santo, na sessão de 5 de Março; Jorge Roque Cunha, na sessão de 6 de Março; Maria Celeste Correia, na sessão de 14 de Março; e Heloísa Apolónia, na sessão de 15 de Março.

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Deram também entrada na Mesa os Despachos n.os 27/VII e 28/VII, de Sua Excelência o Sr. Presidente da Assembleia da República, que passo a ler:

Despacho n.º 27/VII
O cidadão Luís Jorge Peixoto Archer renunciou à representação decorrente da sua designação parlamentar para integrar o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, efectuada pela Deliberação n.º 7 - PL/96, publicada no Diário da Assembleia da República, II Série A, n.º27, de 7 de Março, por ter sido indigitado para o exercício do cargo de Presidente daquele Conselho.
Considerando o disposto no artigo 283.º, n.º 2, do Regimento da Assembleia da República, é chamado à efectividade de funções o cidadão Pedro Manuel da Cruz Roseta, primeiro candidato não eleito da respectiva lista.

Despacho n.º 28/VII
O cidadão José Ângelo Guerreiro da Silva renunciou à representação decorrente da sua designação parlamentar para integrar o Conselho Directivo do Instituto de Promoção Ambiental, efectuada pela Deliberação n.º 6-PL/96, publicada no Diário da Assembleia da República, II Série A, n.º 24, de 17 de Fevereiro, por ter sido nomeado para o cargo de Presidente daquele Instituto.
Considerando o disposto no artigo 283.º, n.º 2, do Regimento da Assembleia da República, é chamada à efectividade de funções a cidadã Maria Eugénia Webb, primeira candidata não eleita da respectiva lista.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Presidente da República endereçou à Assembleia da República uma mensagem do seguinte teor: «Estando prevista a minha deslocação à República de Cabo Verde, entre os dias 12 é 14 do próximo mês de Maio, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.
Apresento a Vossa Excelência os meus respeitosos cumprimentos pessoais.».
Entretanto, Srs. Deputados, foi apresentado o seguinte parecer e proposta de resolução: «A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de Sua Excelência o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar em viagem de carácter oficial à República de Cabo Verde nos próximos dias 12 a 14 de Maio, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução: Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial à República de Cabo Verde entre os próximos dias 12 a 14 de Maio.

Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer e proposta de resolução.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Definitivamente não reina o entusiasmo na sociedade portuguesa! Em nenhum sector se respira um clima de confiança, vai-se fazendo o que se pode enquanto cresce a incerteza. O horizonte, esse, está demasiado próximo da vista para poder inspirar a iniciativa, permitir o sonho ou acreditar num projecto.
Sete meses após as eleições legislativas, o País parece estar parado, aguardando que alguma coisa aconteça. É um sentimento difuso, situado entre o esperar para ver e o despertar do desencanto. O eleitorado parece entender que durante estes sete meses nada de especialmente grave aconteceu que os conduza a romper com o voto expresso em 1 de Outubro, mas que, simultaneamente, nada aconteceu também que materialize a esperança de mudança que determinou o seu voto. No fundo, os portugueses não querem ainda mudar de governo, mas estão longe de estar tranquilos. Temos de reconhecer que é uma atitude prudente: um eleitorado consciente exige estabilidade governativa, não podendo, por isso, esgotar em tão pouco tempo a benevolência face a um Governo com seis meses de vida.
Todavia, os responsáveis políticos, tanto do Governo como da oposição, têm o dever de estar atentos aos sinais que chegam da sociedade, seja para prevenir os erros, seja para detectar as aspirações, seja ainda, no caso da oposição, para fiscalizar a acção do Governo, propor as políticas que achar mais convenientes para a defesa do interesse nacional e de tudo isto dar conta ao País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Diz o povo que «mais vale prevenir do que remediar». O Partido Social Democrata deseja prevenir o Governo e o Partido Socialista antes que seja tarde, uma vez que não serão os seus insucessos que farão a nossa felicidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nisso nos distinguimos claramente do que foi a oposição aos governos do Partido Social Democrata.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Que trauma!

O Orador: - Temos os nossos projectos, combatemos pelas nossas ideias e convicções, aspiramos com toda a legitimidade a conquistar o poder e concretizar o nosso programa, mas, acima de tudo isto, queremos o bem-estar dos portugueses, o desenvolvimento acentuado da nossa economia, a modernização das nossas instituições e a afirmação apropriada de Portugal no mundo.
Aplausos do PSD.

Nada disto pode alcançar-se com um Governo instável, mas é nosso dever avisar o Governo de que também nada disto é possível sem a mobilização da opinião pública, conseguida através de uma acção governativa competente, exigente e audaciosa.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a falta desse tipo de acção governativa que tem levado o País a sentir-se adiado.
Descontadas algumas medidas avulsas, parte das quais erradas ou contraditórias, o Governo tem-se limitado, de uma forma geral, a remeter os problemas para um de dois destinos: grupos de estudo ou culpas do passado.
Entretanto, julgando desnecessário perder um instante para tentar perceber o que se passa no País, o Governo prefere comemorar os seis meses da sua existência reunindo, com pompa e circunstância, no Centro Cultural de

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Belém e aí dedicar-se à peregrina tarefa de saber como fazer oposição à oposição!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não admira: embalados pela exibição de uma propaganda que parece não se ter dado conta que terminou já a campanha eleitoral, o Primeiro-Ministro, o seu Governo e o seu partido, incapazes de estabelecer uma orientação política clara, vêm-se dedicando naturalmente a fazer apenas relações públicas. Parece que têm todo o tempo e todo o espaço; que podem fazer o que lhes vier à cabeça, decretar todos os caprichos, ressarcir todas as frustrações pessoais ou partidárias e pôr em prática todas as fantasias. Estão enganados: no prazo certo pagarão o preço justo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que se tem passado nestes seis meses de governação socialista não é apenas um mau começo. Revela, antes, uma maneira de estar, uma maneira de ser. Tem um princípio: a eternidade no poder do Engenheiro Guterres. Subentende uma política - a virtude não discutível do Partido Socialista; usa um método - os famosos «empregos para os rapazes»; exibe uma desculpa - os malefícios dos anteriores governos do Partido Social Democrata.
Aplausos do PSD.

Não é de admirar, por isso, que o Governo, nascido aos solavancos e desprovido de coesão interna, dê já sinais de fadiga e que o próprio Primeiro-Ministro tenha já erguido, por duas vezes, o espantalho da crise política, sem que nada ou alguém tenha impedido ou tentado impedir o Governo de governar. Ao proceder assim, o Primeiro-Ministro revelou uma grande insegurança e, de caminho, aproveitou para fazer um pouco de chantagem. A mistura das duas dá a dimensão da sua política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é ainda o momento para fazermos, desta Tribuna, uma balanço sistemático da acção do Governo e do partido que o apoia. É preciso dar tempo ao tempo e escolher as circunstâncias apropriadas, mas vale a pena reter alguns dados que permitam ir avaliando o que se tem passado.
O mundo sabe e aprecia que a paixão do Engenheiro Guterres vai para a Educação. Mas que paixão é esta que até agora se limitou a avançar e recuar nas propinas, a decidir que a nota mínima de acesso à universidade é de 9,5 (a não ser que, por falta de número suficiente de alunos que satisfaçam este requisito, possa ser de 5, 1, ou de menos 10), a dar à luz um pacto educativo que mais parece um saco de generalidades e de pias intenções?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A paixão começa a revelar-se platónica e assim não iremos a lado algum. Os primeiros sinais de desencanto já se notam, prenúncio de que tudo pode acabar num sarilho sentimental de más consequências para o País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Prometeu o Partido Socialista que um seu Governo conseguiria mais emprego e melhor emprego. O que está a acontecer com um Governo socialista? Mais e mais desemprego, o que é grave, Srs. Deputados! É especialmente grave porque este é um domínio que mexe muito directa e intensamente com as inquietações mais profundas dos cidadãos. Fazer promessas irresponsáveis no domínio do emprego é uma afronta e revela uma preocupante insensibilidade social. De nada vale o Primeiro-Ministro explicar-nos que não fora ele e os restantes Primeiros-Ministros da União Europeia não teriam despertado para a grave questão do desemprego que assola toda a Europa. De nada vale a Sr.ª Ministra da Qualificação e do Emprego vir a esta Câmara tentar sossegar o País com a exibição de uma linguagem tecnocrática, recheada de «derivas estratégicas» e de vários «eixos» de intervenção. A realidade nua e crua, Srs. Deputados, é que o Orçamento do Estado apresentado pelo Governo e aprovado na Assembleia da República, com os votos do PS e do PP, não fomenta a criação de emprego; a verdade é que o super Ministério da Economia conheceu já dois titulares, tendo-se perdido meses a assistir a uma luta entre o Ministro e o Secretário de Estado (há quem diga entre independentes e aparelho do PS) a propósito do horário de abertura aos domingos dos hipermercados. O que não acontece é a criação de um clima de confiança nos consumidores e nos agentes económicos, condição fundamental ao crescimento da economia. De resto, Srs. Deputados, a situação tende a agravar-se, conforme se pode depreender das últimas estimativas do Banco de Portugal quanto à taxa de crescimento do produto no ano corrente.
Também nas Obras Públicas, nos Transportes e nas Comunicações tudo parece adiado. Enquanto prosseguem algumas das obras lançadas pelo anterior Governo, tudo o resto repousa nos gabinetes de estudo, trazendo à lembrança tempos idos e que julgávamos definitivamente enterrados, em que se faziam muitos projectos mas não se realizava obra nenhuma.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Curiosamente, ainda há dias, o Sr. Primeiro-Ministro, o criador da «teologia anti-betão», se queixava da falta do dito e optava por se deslocar de helicóptero.
Risos do PSD.

Mas não vou correr ministério por ministério. Aliás, pouco ou nada poderia dizer; porque pouco ou nada se sabe do que se passa, por exemplo, pelas bandas da Cultura, do Ambiente ou da Investigação Científica.
No fundo, Srs. Deputados, o Governo parece estar em estágio, aguardando uma melhor oportunidade para aparecer a governar. É que, entretanto, já se esgotou mais de um semestre dos oito que preenchem a legislatura.
Mas temos de reconhecer um facto: o Governo pôs mesmo em prática uma «nova cultura democrática». Se não vejamos: as interferências já verificadas nos órgãos de comunicação social do Estado; os despudorados saneamentos políticos em todo o aparelho do Estado - nunca tal se tinha visto após os anos de 74 e de 75 (mas alguém ainda se lembra das promessas eleitorais sobre esta matéria?); o silêncio cúmplice que se tem abatido sobre este autêntico escândalo deveria sobressaltar todos aqueles que no passado se erguiam, corajosos e tonitruantes, contra o que apelidavam então de «Estado laranja». Agora, meus senhores, até nas disputas internas do PS se usa como mais-valia a promessa de mais lugares para os militantes.

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O Primeiro-Ministro e o Ministro da Administração Interna, confrontados com os efeitos de uma carga policial, lavam daí as mãos e atiram a responsabilidade para os tribunais.
O Secretário de Estado das Comunidades vai espalhando a boa nova entre os emigrantes, garantindo-lhes que pela mão do PS vão, finalmente, poder votar nas eleições presidenciais. Apenas se esquece de esclarecer esses emigrantes de que as propostas do PS, nessa matéria, são de tal modo restritivas que, a serem consagradas, pouquíssimos emigrantes poderiam votar, transformando esse direito numa autêntica farsa.
Aplausos do PSD.

Refiro ainda: a linguagem imprópria utilizada pelo Engenheiro Guterres quando há tempos se referia ao seu antecessor; enfim, e para não me alongar, o supremo exemplo do estilo democrático deste Governo e do PS - a imposição de votação dos projectos de lei da regionalização. Esta imposição associada à inicial recusa de um referendo nacional sobre a regionalização dão bem a medida do que o PS entende por diálogo e convivência democráticos. Nada, mesmo nada, exigia que o PS forçasse aquela votação na data em que ocorreu. Em matéria tão delicada para o futuro do País, o Partido Socialista não hesitou em usar a «lei de ferro», como bem assinalou Vítor Cunha Rego e, assim, fazer passar, sem mais delongas nem discussões, leis de uma importância transcendente para o País.
É esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nova cultura democrática: arrogância e autoritarismo, protegidos pela máscara do diálogo. Quando cair a máscara veremos como é feia a face deste Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A insatisfação que hoje aqui traduzi é partilhada por muitos e muitos portugueses, de uma forma mais ou menos nítida. Estamos no princípio da legislatura, é certo, mas já se perdeu muito tempo. Se o Partido Socialista e o seu Governo não despertarem do sono em que parecem mergulhados o descontentamento crescerá de forma muito rápida, pois os portugueses percebem que não há tempo a perder. Não podemos recuar no esforço de aproximação aos países mais desenvolvidos da Europa. Os portugueses de hoje e as gerações futuras não perdoariam que falhássemos a oportunidade que temos. Não queremos voltar a ser um País adiado. Para que isso não aconteça temos todos de assumir com coragem as responsabilidades que temos. Como oposição conhecemos os nossos direitos, que exerceremos com firmeza, e também os nossos deveres, que cumpriremos com rigor. Estamos aqui para servir Portugal!
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos connosco 340 alunos das nossas escolas, ritual muito agradável que me apraz registar: um grupo de 110 alunos da Escola Secundária de Ramada, de Odivelas, um grupo de 50 alunos da Escola Secundária de Pombal, um grupo de 120 alunos da Escola do 1.º Ciclo do Ensino Básico de Cantanhede, um grupo de 60 alunos da Escola C+S de Borba.
Um carinho para todos eles.
Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, vamos entrar na fase das intervenções sobre assuntos de interesse político relevante.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Despertando do sono que preocupa o Sr. Deputado Azevedo Soares, consubstanciando quatro anos de doutrina expendida pelo Partido Socialista, contrariando frontalmente a política autoritária desenvolvida pelo PSD nos últimos dez anos, o Ministério da Educação propõe-se celebrar um pacto educativo com todas as forças políticas representadas na Assembleia da República e o País em geral, de forma a que «o espírito de diálogo se transforme em decisão amplamente participada, envolvendo uma divisão de tarefas e a definição clara em direitos e deveres para toda a comunidade educativa». Não era sem tempo. Durante quatro anos, sempre defendemos que a educação era um problema nacional, que exigia espírito de abertura, entendimento, diálogo e consenso entre todos os partidos políticos representados na Assembleia da República, com todos os protagonistas do processo educativo e com os portugueses em geral.
Por outro lado, chamamos a atenção para a situação de crise em que se encontra a educação em todos os países da União Europeia e para a necessidade de se alterar a rigidez dos sistemas educativos estatais, de passarmos de um Estado «dominador» para um Estado «animador» e «dialogador», que permita estabelecer o máximo denominador comum em torno das questões e dos temas da educação.
É à luz dessa filosofia que se deve entender a recente suspensão de alguns diplomas críticos e criticáveis pelo facto de não terem sido objecto de diálogo e participação, o que os tornou altamente polémicos. É à luz dessa política que se torna necessário dialogar em torno dos grandes objectivos da educação. Como deve ser estabelecida a rede nacional de educação pré-escolar? Qual a melhor maneira de conferir qualidade ao processo educativo? Quais as formas e modalidades que devem assumir a valorização e dignificação do papel dos professores? De que modo se deve desenvolver e generalizar o ensino experimental? Como é que se vai processar o financiamento do ensino superior? Como credibilizar o sistema educativo e a escola?
Eis alguns dos temas que importa discutir e em torno dos quais, à semelhança do que aconteceu com a Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1986, se deve estabelecer um amplo consenso, afinal, um pacto educativo. Um pacto educativo, cujo texto de base, emanado do Ministério da Educação, foi rotulado de vago e generalista. Trata-se, com efeito, de um documento de trabalho, que, defendendo, justamente, que a educação/formação constitui uma questão pública e uma ambição nacional, nunca poderia apresentar soluções acabadas, definitivas, dos temas que apresenta e dos problemas que levanta. Pelo contrário. Porque não pretendemos cair nos mesmos erros em que o anterior Governo do PSD caiu, porque é preciso encontrar o máximo entendimento em torno das políticas educativas, porque não detemos o monopólio da verdade, é que o texto do pacto educativo define princípios gerais e objectivos estratégicos, passíveis, todavia, de concretização efectiva em compromissos claramente enunciados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Penso que existe um amplo consenso em torno desses objectivos estratégicos. Não me parece que alguém ponha em causa, e a título meramente exemplificativo, a promoção da participação social no desenvolvimento do sistema educativo, a modernização, regionaliza-

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ção e descentralização da administração do sistema, a garantia da universalização e de uma educação básica de qualidade, a promoção do desenvolvimento equilibrado do ensino superior, ou a valorização, dignificação e responsabilização dos profissionais da educação.
Dir-me-ão que todos estão de acordo com tais objectivos, mas que importa levá-los à prática. É justamente aquilo que o pacto educativo pretende ao enunciar dez compromissos de acção: primeiro, a descentralização das políticas educativas e a transferência de competências para os órgãos do poder local, com a afectação dos meios necessários, visando prioritariamente a educação pré-escolar e a gestão das infra-estruturas do ensino básico, sem esquecer a generalização dos conselhos locais de educação; segundo, a assunção da escola como centro privilegiado das políticas educativas; terceiro, a criação de urna rede nacional de educação pré-escolar, pública mas não obrigatoriamente estatal, na qual, para além do Ministério da Educação e das autarquias locais, as cooperativas e a iniciativa privada irão desempenhar um importante papel, sem pôr em causa, porém, a responsabilidade do Estado em tal matéria; quarto, a melhoria da qualidade do processo educativo, com particular relevo para o lançamento de um programa piloto no domínio do ensino experimental; quinto, a promoção da educação e da formação como um processo permanente ao longo de toda a vida; sexto, a garantia de uma formação para a vida e da relação entre educação/formação; sétimo, a valorização e dignificação do papel dos professores e dos educadores; oitavo, o reequacionamento dos sistemas de financiamento da educação, nomeadamente o financiamento da escolaridade obrigatória no sentido da gratuitidade; nono, a promoção do desenvolvimento equilibrado do ensino superior; e, finalmente, a valorização e dignificação do papel e da inserção do ensino particular e cooperativo no sistema educativo.
Perante a identificação dos objectivos estratégicos, das áreas prioritárias de intervenção e dos principais protagonistas das negociações em curso e a realizar, como é que se pode acusar este documento de trabalho sobre o pacto educativo, lançado pelo Ministério da Educação, de ser um repositório de ideias gerais, de ser vago, abstracto e generalista? Seja como for, este texto constitui tão-só um quadro de referência, um ponto de partida e não um ponto de chegada; demasiado pormenorizado ou especializado, este documento condicionaria forçosamente a discussão e seria apodado de autoritário, burocrático ou centralista. Esperemos, pois, pelos contributos que estão a ser recolhidos, pelos debates que vão realizar-se em todo o País, pelas sugestões e críticas que, certamente, os partidos políticos com assento nesta Assembleia irão apresentar, de forma a, depois de uma ampla discussão, colmatarmos as lacunas que, eventualmente, o documento do pacto educativo apresenta, e cuja concretização, sublinhe-se, caso venha a ser aprovado, como nós esperamos, se destina à legislatura em curso.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É preciso mobilizar a sociedade portuguesa para reduzir o grande défice que nos separa da média comunitária em termos de educação/formação, défice esse que condiciona o aprofundamento da vida democrática e entrava sobremaneira as possibilidades de desenvolvimento e promoção do emprego em Portugal. A educação e a formação, porque dizem respeito a toda a sociedade, obrigam a uma negociação permanente e à participação activa da sociedade e dos cidadãos, envolvendo, no ensino público, privado e cooperativo, professores, pais, estudantes, funcionários, autarquias locais e todos aqueles a quem tal problemática diz respeito, porque só assim será possível desenvolver a continuidade das políticas, a concertação, participação e co-responsabilização de todos os parceiros educativos.
Renunciar às tomadas de posição unilaterais e rígidas, abdicar do preconceito de que temos razão e de que os outros partidos políticos nunca a têm, e pelo contrário, estarmos responsavelmente abertos às posições, sugestões e aportações dos mais diversos protagonistas, constitui um principio que tem de enformar toda a política educativa do PS e deste Governo. Saibamos instalar na educação, sem prejuízo da responsabilidade inequívoca do Governo e do próprio Estado, um novo estilo e uma nova maneira de fazer política. Saibamos definir uma nova política educativa e estabelecermos, assim, a diferença quanto à política educativa desenvolvida pelo PSD no passado. Porque só assim a educação, concebida como um processo formativo, humanizado e democrático, imprescindível para elevar o nível cultural dos portugueses e promover o seu bem-estar, virá a ser entendida como um problema nacional.
Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. António Braga (PS): - O Sr. Deputado Carlos Coelho tem dúvidas quanto ao pacto educativo?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Sousa, vou deixar sem comentário expressões que me parecem menos próprias e, aliás, menos adequadas ao estilo de V. Ex.ª, como, por exemplo, adjectivos como «ditatorial», que utilizou no início da sua intervenção para referir o passado. Esta, de facto, é uma grande opção do PS, é uma fixação no seu discurso. Vamos deixar o passado, já foi julgado pelos portugueses, e vamos confrontar o PS com as suas promessas e com o futuro.
Creio que é, seguramente, para isso que o Governo tem de exercer as suas funções e que todos nós temos de nos responsabilizar nesta Câmara, cada um no seu papel.
Sr. Deputado Fernando de Sousa, houve uma parte da sua intervenção que apreciei particularmente - foi o miolo, a parte substancial - quando disse que é necessário analisarmos e decidirmos como fazer o alargamento da educação pré-escolar, que é necessário definir qual a melhor forma de introduzir rigor e qualidade na educação. E depois continuou com mais cinco ou seis exemplos.
Sr. Deputado, é isso, de facto, que é necessário, mas não é isso que o pacto versa. O pacto tem, como sabe, quatro grandes capítulos: ultrapassando o primeiro, que não é muito relevante, são bases gerais, tem o miolo substancial nos capítulos dois e três.
Sr. Deputado Fernando Sousa, que discussão é que podemos ter sobre orientações como: «a educação é um assunto de todos» - primeira grande preocupação nos princípios gerais; segunda: «a escola é um lugar nuclear do processo educativo», também ainda nas orientações gerais; «a democratização da educação pressupõe o rigor e a qualidade do ensino», «é necessária a gestão estratégica da qualidade educativa»; e depois, nos objectivos estratégicos, «há que promover a participação social, há que modernizar a administração do sistema educativo, há que universalizar a educação básica de qualidade»?

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Sr. Deputado Fernando de Sousa, relativamente a estas matérias, todos estarmos de acordo, tal como estarmos de acordo em alargar a educação pré-escolar! O problema não está nestas orientações de princípio, essas unem-nos a todos, mas sim na forma de lhes dar tradução, como o Sr. Deputado diz, e bem, na sua intervenção: como fazer, qual a melhor forma de traduzir!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ele não sabe!

O Orador: - Mas para isso o, pacto educativo não chega! É preciso saber que propostas, que medidas, que soluções.
Sr. Deputado, o que é estranho é que o Governo, passados seis meses de exercício de funções governativas, faça um pacto quando do que estaríamos à espera era que propusesse a esta Assembleia medidas e tomasse decisões.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Mas isso eles não sabem!

O Orador: - Isso é, de facto, aquilo que falta. Portanto, Sr. Deputado Fernando de Sousa, eu diria que há uma grande assimetria entre as preocupações que legitimam a sua intervenção e aquilo que referiu e o texto que nos é proposto, que é pouco mais do que um conjunto de generalidades - um conjunto de generalidades bem escritas - que suscitam, necessariamente, o apoio generalizado mas que geram um vácuo relativamente à sua execução. Isto pode ter, Sr. Deputado Fernando de Sousa, uma leitura perversa, que é dar uma ideia de que há excessivos consensos relativamente à matéria educativa quando esses consensos, depois, podem não se traduzir, porque o consenso verdadeiro relativamente a esta matéria não se traça nem se pode construir à volta destes princípios gerais mas sim daquelas propostas concretas que o Sr. Deputado reclamou, e bem, do alto daquela tribuna, mas a que o Governo não responde com o texto deste pacto.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Mas eles não sabem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, diz-se que o dramaturgo George Bernard Shaw não tinha grande paciência para ler e emitir opiniões sobre as dezenas e dezenas de manuscritos que jovens autores insistiam em colocar à sua consideração. Diz-se ainda que a um jovem autor, porventura mais insistente, terá dito: «a sua obra tem coisas originais e tem coisas boas, só que as boas não são originais e as originais não são boas».
Se não quiséssemos ser excessivamente caricaturais ou excessivamente cruéis em torno daquilo a que se chama o pacto educativo, poderíamos dizer exactamente o mesmo desse pacto: o que nele há de bom, mas não original, já aparece consignado ou na Constituição da República ou na Lei de Bases do Sistema Educativo; o que nele há, de original e, se calhar também por isso não é bom, são as propinas de valor nada despiciendo - a Constituição da República consagra, e o Sr. Deputado sabe isso perfeitamente, a progressiva gratuitidade do sistema educativo  - ou também a chamada rede de educação pré-escolar de onde, por artes mágicas, desapareceu o conceito de pública, também já consagrado nos diplomas que acabei de citar.
Das duas, uma: ou a Lei de Bases do Sistema Educativo e a Constituição da República estão a mais neste pacto, ou é o pacto que está a mais neles.
A pergunta que lhe faço, Sr. Deputado Fernando de Sousa, é se, para além das generalidades e das boas intenções - às vezes, nem sempre - que o pacto pretende consagrar, entende que, perante o pacto, a Lei de Bases do Sistema Educativo e a Constituição da República necessitam de reformulação nos domínios que acabei de citar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, louve-se a sua iniciativa por fazer uma intervenção desta natureza, na medida em que, tendo eu o conhecimento que tenho da sua personalidade e do seu empenhamento pelas questões educativas, vejo-o agora a desempenhar um papel que, de facto, não lhe conhecia, que é o de dar voz aqui, nesta Assembleia, a um assunto tão importante como é a educação.
Louvo-me também nas suas intenções, que creio poder dizer que subscrevo a 100%, bem como todos aqueles que estão interessados, de facto, nas questões da educação. Simplesmente, de intenções está o inferno cheio, e o que nós queríamos para Portugal e para os portugueses eram acções, e essas são aquilo que, neste momento, não vemos. Por isso, é hoje um dado adquirido quando se diz - e o Sr. Deputado aceita - que o pacto educativo é vago, é abstracto e é generalista. É vago porque é vazio - conta com o contributo de todos e V. Ex.ª reconheceu-o e fez a proposta; é abstracto porque não sabemos o que deseja inovar; e é generalista porque trata ou procura tratar de tudo. Quanto a isto, estamos absolutamente de acordo.
Pergunto-lhe o seguinte: aceita o Sr. Deputado Fernando de Sousa que o primeiro pacto educativo foi feito quando esta Assembleia da República aprovou por unanimidade a Lei de Bases do Sistema Educativo? Se aceita isso como bom, estamos então a procurar redescobrir um segundo pacto educativo. É esse o entendimento da sua bancada? Esta é a primeira pergunta.
A segunda pergunta prende-se com o pré-escolar público: quando V. Ex.ª se refere ao pré-escolar público, está apenas a consagrar aquilo que já existe, que são os jardins de infância oficiais tutelados pelo Ministério da Educação, são os que estão sob a tutela das IPSS, em suma, são apenas esses. 0 que eu queria saber é se entende ou não V. Ex.ª. que sendo o pré-escolar, de facto, o alicerce de toda uma política educativa, deve ou não deve ser tutelado todo o pré-escolar pelo Ministério da Educação? Aceita ou não aceita isto, e porquê? Se forem tutelados todos os jardins de infância pelo Ministério da Educação, teremos a garantia de que vamos ter qualidade, de que vamos ter educadores à frente das crianças, de que vamos ter especialistas, em suma, de que vamos ter, ao fim e ao cabo, alguém que pode fiscalizar tudo aquilo que se passa nos jardins de infância. Caso contrário, poderemos ser tentados a dizer que vamos ter uma cobertura, até 1999, de 90%, mas continuaremos a ter, possivelmente, jardins de infância em vãos de escada, em garagens ou coisas do género.

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Uma outra pergunta que queria fazer prende-se com a transferência para as autarquias que, creio, é onde V. Ex.ª coloca os objectivos estratégicos. E se este é um objectivo estratégico, queria dar-lhe conta, embora V. Ex.ª também saiba disso, porque é professor e fala com os professores - aliás, a sua bancada também não ignora -, que os professores, neste domínio, estão preocupados e levantam muitas reservas porque queriam ter a certeza de que não deixariam de ser funcionários públicos para passarem a ser funcionários autárquicos. Como V. Ex.ª sabe, na 1.ª República, com uma medida desta natureza, os professores chegaram a estar dez meses sem receber vencimento. Não penso que agora a situação caminhe nesse sentido, mas é preciso esclarecer isto.
Por outro lado, Sr. Deputado, no que diz respeito aos auxiliares educativos, queria dizer-lhe que, também aí, a haver transferência para as autarquias, esta tem de ser apenas e só para que estas abram o concurso e depois entreguem todo o poder às escolas, porque é na escola que se faz a educação e é aí que estão as pessoas mais qualificadas para isso.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Coelho, fez-me a injustiça de dizer que utilizei determinados termos, determinados conceitos, mas eu não utilizei o conceito «ditatorial», utilizei o termo «autoritário». E entre «autoritário» e «ditatorial» há uma grande diferença!
Sr. Deputado Carlos Coelho, estou convencido de que os princípios gerais que são indicados e referidos no pacto educativo, são, de facto, consensuais. As acções prioritárias, que são depois indicadas na terceira parte do documento, é que me parece que consubstanciam esses princípios gerais, na medida em que definem as acções prioritárias e definem também os protagonistas. Penso que aqui há um largo espaço para se tentar encontrar, depois de um diálogo, um amplo consenso. Esperemos que seja possível encontrá-lo.

O Sr. António Filipe (PCP): - É um espaço para não se fazer nada!

O Orador: - Srs. Deputados, este documento diz na primeira página que é um documento de trabalho, é um ponto de partida, não é um ponto de chegada. Este é um documento para todos nós e para todos aqueles que se interessam pela educação se pronunciarem sobre ele, apresentarem as suas críticas, denunciarem lacunas ou aspectos menos conseguidos e serve, portanto, para, em torno dele, acabarmos por chegar a um bom documento. Creio, aliás, que foi isso que se conseguiu através da Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1986, e é esse consenso que gostaríamos de ver regressar a esta Câmara.
Sr. Deputado José Calçada, vamos ver os contributos originais e bons que o PCP nos vai trazer!. Apesar de tudo, não é verdade que o documento não seja original, como o Sr. Deputado diz. As acções prioritárias definidas na parte final do texto e a enumeração dos protagonistas são dados muito concretos que explicam, efectivamente, qual é a intenção deste pacto educativo no sentido de ouvir «quem» e de tomar como prioridades as acções «quais».
Ora, também sobre esse aspecto, penso que o PCP poderá vir a desempenhar um bom papel e a dar um grande contributo para este pacto educativo, como aliás deu para a Lei de Bases do Sistema Educativo.

O Sr. António Filipe (PCP): - É uma verdadeira cartilha maternal!

O Orador: - Sr. Deputado Lemos Damião, demos voz a este projecto e sentimo-nos bem nesse papel, não estamos preocupados com isso. Disse que o pacto educativo trata de tudo, que não é original, mas o Sr. Deputado também não é original na crítica porque o que ouvi até ao momento, quer nos órgãos de comunicação social quer aqui na Assembleia da República, foi que ele não é original, do que discordamos porque pensamos que se não é muito original nos princípios orientadores, que, aliás, parecem obter o consenso de todos nós, a última parte é original pelas razões que já expus.
Claro que o pré-escolar vai ser, necessariamente, da responsabilidade do Estado, o que não vai ser é uma rede pré-escolar estatal porque irá ser uma rede diversificada à qual iremos chamar as autarquias, as cooperativas e outras instituições mas deixando em última análise a responsabilidade da rede e o seu funcionamento ao Estado e, em última instância, ao Governo.
Sr. Deputado Lemos Damião e Deputados do PSD, compreendo um pouco alguma incomodidade vossa em torno destas matérias pois os senhores estavam habituados a decidir sem ouvir e nós temos o hábito de primeiro ouvir para depois decidir.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Realizou-se, de 25 de Abril a 1 de Maio de 1996, o 2.ª Congresso Internacional sobre o Rio Douro, que pela sua importância e pelas suas conclusões e recomendações, trago ao conhecimento da Assembleia da República.
Este Congresso foi promovido pelo Gabinete de História e Arqueologia de Gaia, com o patrocínio da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, tendo o mesmo decorrido neste município, bem como nos municípios do Porto, de Marco de Canavezes, de S. João da Pesqueira, de Lamego e de Castelo de Paiva. Participaram 250 congressistas, foram efectuadas mais de 100 comunicações pelos representantes das mais variadas instituições académicas. culturais, artísticas, económicas, sociais e autárquicas, bem como por investigadores a título individual.
Saliente-se ainda a especial participação no Congresso das universidades portuguesas, espanholas e francesas, através das suas faculdades, institutos, departamentos e unidades, designadamente a Universidade do Porto, a Universidade Portucalense Infante D. Henrique, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, a Universidade da Beira Interior, a Universidade do Minho, a Universidade de Lisboa, a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade Técnica de Lisboa, a Universidade de Évora, a Universidade Moderna, do Porto, a Universidade Lusíada, a Université de Bordeaux, a Universidad de Léon e a Universidad de Valladolid.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o 2.º Congresso Internacional sobre o Rio Douro aprovou as seguintes conclusões e recomendações:

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Todas as intervenções no Vale do Douro, desde a nascente até à foz, devem ser objecto de negociação esclarecida, consensual e eficaz entre os representantes de Portugal e de Espanha, tendo em conta que o Douro deve ser sempre um factor de união entre os dois povos.
Neste sentido, o Congresso recomenda que o Plano Hidrólogo do Douro deve ter em conta as necessidades ambientais, a quantidade e qualidade da água e o desenvolvimento sócio-económico equilibrado das regiões. Considera ainda que os transvases nunca poderão ser a solução, nem sequer parte da solução, uma vez que contribuem para acelerar a escassez de recursos hídricos e causa de graves desequilíbrios ecológicos.
Os projectos para um correcto saneamento básico nas povoações da Bacia do Douro devem ser incrementados para que não seja posta em causa a qualidade de vida dos milhões de seus habitantes, sendo de erradicar todas as estruturas que comprometam este objectivo. Devem também ser desenvolvidos os projectos que visem eliminar os nocivos efeitos ambientais provocados pelo não tratamento dos lixos domésticos, urbanos e industriais.
A paisagem e o património natural da região devem ser salvaguardados, nomeadamente através da criação de áreas protegidas e de parques naturais. Deve ser condicionada a caça no Vale do Douro, de modo a preservar o equilíbrio dos seus ecossistemas, assim como deve ser promovida a salvaguarda das espécies da fauna e da flora do rio Douro não raras vezes ameaçadas por intervenções de discutível interesse.
A utilização dos recursos hídricos e energéticos deverá considerar as culturas da região, nomeadamente dos vinhos, um dos principais produtos de exportação do país, servindo igualmente para minorar as assimetrias entre o interior e o litoral de uma forma sustentada.
A melhoria do meio rural, das suas redes viárias e de outras infra-estruturas e equipamentos, no respeito pelo meio ambiente, poderão refrear a desertificação do interior, fixando as populações nas suas terras de origem, devendo ser tomadas medidas de apoio, como as que proporcionem condições de relançamento do artesanato rural.
A industrialização da região e a implantação de grandes infra-estruturas devem ser planeadas no respeito pela natureza, pelo estilo de vida e pelo património cultural das suas terras e das suas gentes.
Os métodos tradicionais de utilização de recursos naturais, que a prática revelou produtivos e eficazes, assim como o recurso à agricultura biológica e à utilização de energias alternativas devem ser incentivados, por forma a serem gradualmente eliminados os produtos contaminantes.
Os vinhos produzidos no Vale do Douro devem ser intransigentemente defendidos na sua qualidade, características e denominação a partir da origem, passando pela sua lotação até à sua comercialização.
Além dos vinhos, deve ser incrementada a divulgação e comercialização de outros produtos de qualidade do Vale do Douro, nomeadamente os frutos e seus derivados, as carnes frescas e fumadas, os queijos e o azeite, devendo ser implementada a denominação de origem dos seus produtos naturais.
O projecto de navegabilidade do rio Douro, que neste Congresso foi alvo de análises científicas qualificadas, deve ser encarado com realismo, criando-se para tal uma instituição com capacidade de transformar o rio na estrada imprescindível à ligação entre o mar e o interior, a caminho da Europa.
As potencialidades turísticas de toda a região devem ser desenvolvidas de forma integrada, de modo a valorizar o universo dos seus recursos.
O barco rabelo deve continuar a ser um emblema do rio e da região, sendo de apoiar todas as iniciativas que visem contribuir para a manutenção da sua genuinidade e da construção de novas unidades operacionais.
Devem ser melhorados, ajustados e modernizados os meios de transporte, de forma a complementar a via natural que é o rio Douro. O Congresso considerou, a propósito, que o reaproveitamento da ponte de D. Maria e das várias linhas de caminho de ferro abandonadas ao longo do vale constitui um imperativo de consciência de ordem patrimonial.
A anunciada regionalização do território nacional deve ter em linha de conta os interesses das populações, as raízes e as vivências culturais em torno de um rio que sempre uniu as diversas comunidades.
A candidatura de todo o Vale do Douro a património mundial, proposta como um dos objectivos deste Congresso, foi assumida unanimemente como um dos seus mais importantes desígnios, devendo ser incentivados os apoios à investigação, preservação e divulgação do património natural, arqueológico, histórico, etnográfico e construído conducentes à sua classificação.
O deslumbramento da paisagem, singularmente modelada pelo homem duriense, e a infinitude dos seus bens culturais produzidos ao longo dos tempos com uma surpreendente unidade de conjunto fundamentam a legitimidade desta candidatura.
Deve ser repensada a intenção de transferir sistematicamente para Lisboa a documentação fundamental para a história local e regional, em claro desrespeito pelos legítimos interesses das comunidades e suas instituições e agentes culturais, sendo de inteira justiça fazer regressar ao seu contexto originário o espólio que, por razões eventualmente justificáveis noutras circunstâncias, se dispersou da sua matriz.
A criação de um arquivo regional e centro de documentação, que privilegie a temática do vinho do Porto, considera-se como meio para a salvaguarda do património móvel mais significativo desta região.
Devem igualmente ser desenvolvidas as acções necessárias à criação de um autêntico museu do Douro, que funcione como instrumento necessário à evocação da sua memória, à representação da sua identidade e à transmissão da sua herança.
O Congresso recomenda que a revitalização das zonas históricas do Vale do Douro se faça não só pela recuperação do património edificado, mas também com respeito pelos vínculos da sua população como factor de equilíbrio e integração social.
As autarquias e as instituições intervenientes no processo de desenvolvimento da região deverão recorrer ao trabalho de técnicos especializados, empenhados e motivados na realidade circundante, de forma a valorizar os recursos naturais, culturais, sociais e humanos e a travar definitivamente os processos de degradação.
Tendo em conta o sucesso deste Congresso e os efeitos multiplicadores resultantes do primeiro realizado em 1986, propõe-se que a terceira edição tenha lugar daqui a cinco anos, de preferência, em território espanhol ou no Douro superior.
Espera-se que as entidades públicas e privadas que apoiaram a realização deste Congresso promovam a rápida publicação das suas actas, ficando assim à disposição

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de todos aqueles que queiram beneficiar deste importante contributo pluridisciplinar para o desenvolvimento económico, social e cultural das terras e das gentes do Vale do Douro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Toma-se agora fundamental que o poder local, regional, central e comunitário, bem como todas as instituições públicas e privadas intervenientes na região tomem conhecimento, e em devida conta, as conclusões e recomendações do 2.º Congresso Internacional sobre o Rio Douro e as ajudem a materializar para bem do rio Douro e das populações envolventes. O rio Douro e as suas gentes bem o merecem e plenamente justificam.
Foi isso que, humildemente, procurei fazer com esta intervenção neste hemiciclo sobre este importante evento.
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Fernando de Sousa e António Martinho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, as minhas felicitações pela boa apresentação que nos trouxe das conclusões do Congresso que terminou em Gaia. As preocupações de V.Ex.ª sobre a bacia do Douro, que reflectem as preocupações de todos os congressistas que reuniram neste encontro, são, afinal, as nossas.
Todavia, pensamos que é preciso ir um pouco mais longe e estabelecer formas de colaboração com a Espanha uma vez que, como V. Ex.ª sabe, o rio não termina na fronteira. Neste momento estamos a colaborar com instituições espanholas no sentido da preservação e potenciação da bacia do Douro, aquém e além fronteiras. Nesse sentido, como V. Ex.ª sabe, foi mesmo criado uma fundação hispano-portuguesa - A Fundação Rei Afonso Henriques - com o objectivo específico de aprofundar a cooperação trans fronteiriça, mais concretamente entre o norte de Portugal e Castela-Leão.
A pergunta que lhe faço é muito simples: não entende que essa cooperação trans fronteiriça é imprescindível para garantir e potenciar a bacia do Douro? Não entende, justamente, que essa cooperação depende em grande parte do processo de regionalização em curso?

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Manuel Moreira pretende responder conjuntamente aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, congratulo-me com a sua intervenção, que trouxe à Assembleia da República as conclusões do 2.º Congresso Internacional sobre o Rio Douro pois é importante que isso aconteça. Ora, registei as câmaras que participaram nesse Congresso e lamento que a Câmara de Peso da Régua não tenha participado - foi essa a informação que nos deu - visto que todos nós concordaremos que essa câmara representa um concelho e uma cidade que tem urna característica muito importante relativamente ao rio, porque vive do Douro e com o Douro, sendo, pois, incompreensível que não tenha participado nesse Congresso.
Mas, Sr. Deputado, as conclusões desse Congresso evidenciam ainda um outro facto. Os académicos, os técnicos, os autarcas, as forças vivas que participaram neste Congresso mostram, com as suas conclusões, como foi errada, completamente errada, a política do anterior Governo relativamente ao Douro.
Também a navegabilidade - na sessão de amanhã vai ser feita uma pergunta nesse sentido e talvez venha ao debate essa questão - não permitiu a rentabilidade do rio Douro como via de navegação com fins comerciais por causa das opções relativamente à barra do Douro e do enquistamento que impedem que os barcos com um determinado calado passem essa barra.
É preciso encontrar formas de colaboração que potenciem as características do Douro em termos de produção económica, em termos de exploração da paisagem. O meu grupo parlamentar e eu, de uma forma especial, defendemos duas regiões para o Norte do País, e daí a minha pergunta: aceita ou não que é preciso encontrar formas de cooperação entre as duas regiões do Norte do País para que o Douro seja um meio de enriquecimento de toda a zona norte de Portugal em que o interior - Trás-os-Montes e Alto Douro e a zona litoral - possam potenciar a sua riqueza que está não só mas também no Vale do Douro?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, começo por agradecer aos Srs. Deputados Fernando de Sousa e António Martinho as questões que me colocaram e as observações que me fizeram.
Logo no início da minha intervenção, disse - e tal decorre claramente das conclusões do Congresso - que considero indispensável, fundamental que haja uma cooperação entre os dois Estados ibéricos - Portugal e Espanha - para que o rio Douro seja preservado e para que todo aquele Vale, que diz respeito aos dois países, possa ser potenciado e dar um contributo significativo ao desenvolvimento e à qualidade de vida das populações envolventes do rio Douro. Isso, para nós, é indiscutível. Todas as instituições que possam ser incentivadas e até criadas para a preservação e defesa do rio Douro e das populações envolventes são bem-vindas, como foi o caso da criação da Fundação Rei Afonso Henriques. Portanto, respondendo à sua questão, penso que a cooperação trans fronteiriça é indispensável.
Quanto à regionalização, é uma temática que está na ordem do dia e é conhecida a posição do Partido Social Democrata: consideramos que a regionalização deve passar pela vontade genuína e inequívoca do povo português, através de urna consulta popular nacional, ou seja, através do referendo. Se for essa a vontade dos portugueses de uma forma clara e inequívoca e se as regiões vierem a implementar-se no nosso espaço continental, considero que é indispensável que haja cooperação entre regiões não só dentro do nosso espaço continental mas também entre Portugal e Espanha.
Gostava também de lembrar aos Srs. Deputados Fernando de Sousa e António Martinho o seguinte: há dois dias, tive oportunidade de ler na imprensa a notícia de uma reunião recente, realizada no passado fim-de-semana, da Associação de Municípios do Douro-Sul, onde todas as autarquias - e são autarquias presididas por autarcas não só do PSD mas também do PS e do CDS-PP - defenderam a unidade do Vale do Douro, defenderam que os concelhos que fazem parte do Vale do Douro deviam in-

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tegrar-se todos na mesma região administrativa. Foi esta a solução que foi defendida de uma forma clara, inequívoca e até unânime, o que considerei, devo dizê-lo, uma opção e uma opinião que deve ser claramente ponderada pelos políticos, em particular por esta Câmara, se vier a ser implementada a regionalização.
O Sr. Deputado António Martinho lamentou a não participação da Câmara Municipal de Peso da Régua no Congresso. Sr. Deputado, mencionei apenas as câmaras onde decorreu o Congresso, eu não disse que os outros municípios não estavam representados nesse Congresso; em todo o caso, devo dizer que participaram 250 congressistas, também representantes de diversas autarquias onde o Congresso não decorreu. É bom distinguir que quem patrocinou e quem efectivamente acolheu a realização do Congresso, que durou praticamente uma semana, foram os concelhos que referi, e o de Peso da Régua não está incluído. É natural - e essa é uma das conclusões do Congresso - que daqui a cinco anos, quando se realizar o 3.º Congresso, este possa ocorrer em Espanha ou, então, no Alto Douro ou Douro superior, como é referido nas conclusões. Isso é positivo e desejo que tanto essa como outras câmaras possam ser patrocinadoras desse 3.º Congresso Internacional sobre o Rio Douro.
No que se refere à navegabilidade do rio Douro, devo dizer que, amanhã, vou fazer uma pergunta ao Governo, através do Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território exactamente sobre a navegabilidade do rio Douro e segurança da barra, porque considero fundamental que, de uma vez por todas, se acabe com este «calcanhar-de-aquiles», que é a falta de segurança da barra do Douro. Existe um projecto da APDL capaz, penso eu, de dar resposta positiva a este problema endémico da falta de segurança da barra, que, espero, possa vir a ser implementado com o apoio financeiro indispensável por parte do Governo, para se construir dois molhes: um, do lado norte do Douro e, outro, do lado sul. Penso que deste modo, e de uma vez por todas se possam criar condições para uma boa segurança na entrada é na saída da barra do Douro. 

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 40 minutos.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, de acordo com o que já comuniquei à Mesa, nos termos regimentais, peço a interrupção dos trabalhos por 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Pergunto se algum grupo parlamentar se opõe.
Pausa.

Como há assentimento geral, está interrompida a sessão.
Eram 16 horas e 41 minutos.
Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, do projecto de lei n.º 6/VII - Fixa um rendimento mínimo de subsistência a que todos os cidadãos residentes em Portugal têm direito (PCP) e da proposta de lei n.º 25/VII - Cria o rendimento mínimo garantido, instituindo uma prestação do regime não contributivo da Segurança Social e um programa de inserção social.
Uma vez que há vários relatórios, pergunto se algum relator pretende fazer a síntese de algum.
Como ninguém se manifesta, dou a palavra ao Sr. Deputado Lino de Carvalho para proceder à apresentação do projecto de lei.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A pobreza e a exclusão social são a marca de água de um modelo de crescimento económico em que, como dissemos aqui na legislatura anterior, a apropriação e a afectação dos recursos é feita não em função dos homens e das mulheres, com o objectivo de melhorar as suas condições e qualidade de vida, mas em nome exclusivamente do lucro imediato, em nome de um falso sucesso, sempre e sempre à custa e em prejuízo dos direitos sociais, do direito ao trabalho e a uma remuneração digna, dos próprios direitos de cidadania.
É este o resultado da maior contradição do sistema. A par do desenvolvimento civilizacional, dos avanços tecnológicos, das Internet, do crescimento da riqueza acumulada que permite a alguns falar em sociedades ditas de abundância e de sucesso, cresce o desemprego, multiplica-se a insolvência de inúmeras famílias, amplia-se a pobreza e com ela a exclusão social.
No final do século XX, o tempo dos maiores progressos tecnológicos é também o tempo das maiores exclusões, é o tempo de milhões que vivem nas margens da vida, é o tempo de um intolerável terceiro mundo interior.
Nenhum discurso de boas intenções, nenhumas medidas de ordem caritativa podem iludir este facto insofismável de que esta sociedade da chamada livre iniciativa é uma sociedade a várias velocidades, injusta, desequilibrada, egoísta, geradora de pobreza, de exclusões, de marginalidade, fenómenos inseparáveis da própria lógica e dos fundamentos do modelo económico e social vigente.
É isto que estamos também a questionar, quando debatemos a criação do rendimento mínimo de subsistência ou garantido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A figura do rendimento mínimo tem destinatários e objectivos muito precisos: atender ao estado de necessidade de milhares de excluídos que não possuem o mínimo dos mínimos para poder subsistir e, simultaneamente, poder constituir uma alavanca, um instrumento de ajuda à recuperação de um mínimo de capacidades que permita a esses milhares de cidadãos sem voz que reiniciem o caminho de volta à cidade e a um processo de reinserção social na vida activa.
Com o argumento economicista dos custos financeiros do programa, com o argumento das eventuais fraudes, com o pretexto de se questionarem as políticas assistencialistas, ninguém tem o direito de travar ou impedir que se minimizem as situações sociais de miséria e de pobreza, ninguém tem o direito de ignorar que há centenas de milhares de cidadãos que, enquanto se discute, sem nunca se concretizarem, as melhores políticas de ataque à exclusão social, vão morrendo ao nosso lado, vão sendo atirados para o outro lado da vida, sem que o Estado, nem ninguém, lhes dê a mão.

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Não temos esse direito e pelo lado do PCP tudo faremos para que a medida do rendimento mínimo seja aprovada e rapidamente posta em prática.
Sabemos que a grande fonte do elevado número de pobres e excluídos que não possuem qualquer rendimento ou um rendimento mínimo que lhes garanta a subsistência física é o desemprego de longa duração.
Portugal possui, hoje, mais de meio milhão de desempregados registados nos centros de emprego, dos quais cerca de 70% não recebe qualquer tipo de subsídio ou outra prestação social de apoio ao desemprego. Só aqui temos um universo potencial de 350 000 portugueses necessitados desta medida.
Mas, Srs. Deputados, o conceito de pobreza é muito mais amplo e sai mesmo fora do universo do rendimento mínimo.
É que se aplicarmos, em termos estatísticos, o conceito de pobreza às pessoas cujos agregados familiares possuem um rendimento disponível por adulto inferior a metade do rendimento médio por adulto do respectivo país (que é uma das medidas de cálculo da pobreza internacionalmente usada), então estima-se que em Portugal esse número atinja 32,7% da população, a maior percentagem de toda a Comunidade, como, aliás, assinala o último Retrato Social da Europa editado pelo Eurostat.
Mas, se limitarmos a definição ao conceito de pobreza absoluta, ligada à ausência de condições mínimas de subsistência (e é nesse âmbito que se situa o nosso projecto de lei), calcula-se em cerca de 20% dos portugueses a população nessas condições, população que, em grande parte, está em plena idade activa. O exemplo dos sem abrigo, porventura a expressão mais extrema de pobreza, demonstra isso mesmo: 40% encontra-se entre os 25 e os 44 anos.
Outra das expressões da pobreza está entre as pessoas idosas para quem a pensão de reforma é muitas vezes a única fonte de rendimento da família (e nos últimos tempos, designadamente nos meios rurais, fonte de apoio aos filhos desempregados).
Ora, sabendo, como sabemos, que dos cerca de 2,3 milhões de pensionistas e reformados cerca de 1,6 milhões têm pensões inferiores a 25 000$ mensais é fácil perceber que aí também está um largo universo de cidadãos carenciados desta medida com direito à solidariedade da comunidade.
Mas, Srs. Deputados, nos últimos anos desenvolveram-se novos fenómenos de pobreza, os chamados «novos pobres» resultantes de fenómenos de reestruturações económicas e mutações tecnológicas que não deixam espaço para milhares de trabalhadores de vários grupos profissionais e sociais, numa lógica de desvalorização e desprezo por direitos fundamentais dos cidadãos, o direito ao trabalho e a uma remuneração digna. O exemplo dos trabalhadores aduaneiros é um exemplo bem vivo e bem triste do que dizemos.
São, pois, várias as razões e as origens dos crescentes fenómenos de pobreza e de exclusão social, de que as estatísticas, embora já reveladoras da amplitude e da gravidade do fenómeno, só nos dão uma imagem parcelar e insuficiente.
A vida e a realidade que enfrentamos diariamente é muito mais brutal que todas as estatísticas.
São os milhares de crianças que, na rua, tentam obter o mínimo que não têm para se alimentarem e que são brutalmente empurradas para a delinquência, a toxicodependência, a prostituição ou a violência gratuita.
São os milhares de novos desempregados que tiveram e deixaram de ter, que comiam e deixaram de comer.
São os milhares de idosos que se arrastam sem meios mínimos de sobrevivência.
E perante isto, para aqueles que argumentam permanentemente com uma visão contabilística de custos e proveitos, vale a pena perguntar: quanto custa ao País e à sociedade em geral a exclusão social?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto custam os milhares de crianças de rua que são excluídas do sistema educativo e lançados nas margens da sociedade? Quanto custa a criminalidade, a prostituição ou a toxicodependência geradas pela exclusão social? Quanto custa a insegurança dos cidadãos? Quanto custa vermos milhares de concidadãos arrastarem-se nos caminhos da exclusão? Em suma, Srs. Deputados, quanto custa a pobreza?
São estes cálculos que todos têm o dever de introduzir na estimativa do custo do sistema, porque não podemos, Sr. Presidente, aceitar o conceito subjacente a este tipo de objecções, o conceito de «pessoas não rentáveis», para usar aqui uma feliz expressão de Danielle Mitterrand, esta manhã.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A comunidade deve solidariedade a este «terceiro mundo interior» e tanto mais quanto o Estado português é aquele que menos gasta com a protecção social dos seus cidadãos. Apesar disso, o que vemos hoje é a criação de um ambiente, desde logo a partir do próprio Ministro da Solidariedade, propício ao fim da universalidade do sistema e ao seu desmantelamento e substituição por sistemas privados, o que, a consumar-se, agravaria o fosso entre os que, não tendo rendimentos, teriam só direito a uma protecção social de segunda ou terceira ordem e os mais ricos teriam acesso a uma protecção social de luxo. É, aliás, uma ironia que seja o próprio Ministro da Solidariedade a dar o aval a perspectivas de debate de reforma do sistema que nada têm de solidário!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, temos hoje em debate duas iniciativas do PCP e do Governo, visando criar o rendimento mínimo em Portugal, que, com a Itália e a Grécia, são os únicos países da União Europeia que não consagraram ainda o direito a um rendimento mínimo garantido pelo Estado.
Fomos o primeiro partido que no nosso país avançámos com esta ideia e com a apresentação, na última legislatura, de um projecto de lei visando criar o rendimento mínimo. Disso nos orgulhamos e por isso é também com toda a abertura e disposição favorável que encaramos a proposta de lei do Governo. São duas iniciativas que merecem, ambas, passar à especialidade visando criar uma lei que recolha os contributos de ambos os textos.
O projecto de lei do PCP propõe que tenham direito a usufruir de um rendimento mínimo todos os cidadãos residentes em Portugal, com idade igual ou superior a 18 anos, cujos rendimentos não abranjam um valor correspondente a metade do salário mínimo nacional para um agregado de uma pessoa. O cálculo do valor variará em função do número de pessoas do agregado familiar num máximo de três que teriam, neste caso, direito a uma prestação correspondente ao salário mínimo nacional.

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A este valor assim calculado seriam deduzidos todos os rendimentos que, eventualmente, os candidatos ao rendimento mínimo beneficiem, com exclusão das pensões de alimentos, do abono de família, das bolsas de estudo e do subsídio de renda.
Propomos também que os beneficiários do rendimento mínimo gozem, designadamente, da isenção do pagamento de taxas moderadoras, da comparticipação total do Estado nos custos dos medicamentos, bem como de um subsídio especial de renda, nos termos da legislação vigente.
Entendemos, ainda, que o Governo deve promover a realização de programas de inserção social e inserção na vida activa dos beneficiários do rendimento mínimo, cuja condição de acesso à prestação em causa é a sua disponibilidade para o trabalho para o que se obrigam a colocar-se à disposição dos centros de emprego para efeitos de trabalho e/ou de acções de formação ou reconversão profissional.
Com estas propostas, queremos atingir dois objectivos: primeiro, minimizar a situação de pobreza, criando uma alavanca mínima para que os cidadãos nessas condições possam subsistir e reiniciar uma nova caminhada em direcção à vida; segundo, ligar o rendimento mínimo a políticas activas de emprego e reinserção social.
Queremos também fazer duas prevenções: primeira, o rendimento mínimo não pode ser, ele próprio, um elemento de consolidação ou multiplicação da pobreza e daí a necessidade das medidas activas de reinserção; segunda, a necessidade de um apertado sistema de execução e fiscalização do rendimento garantido para evitar ou reduzir ao mínimo as hipóteses de fraude.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A proposta de lei do Governo tem muitos pontos de contacto com o nosso projecto de lei, embora seja mais restritiva e nalguns aspectos com insuficiências ou articulado pouco claro.
Em primeiro lugar, é preciso garantir que o rendimento mínimo não se constitua como mais um encargo que agrave a situação financeira da segurança social. Por isso, no nosso projecto de lei configuramo-lo como um sistema exterior à segurança social a ser financiado pelo Orçamento do Estado. No que se refere à lógica inscrita na proposta do Governo, será preciso, nesse caso, garantir que uma nova prestação do regime não contributivo tenha a total cobertura da transferência a que o Orçamento do Estado se obriga por via da lei de bases.
Importa também clarificar o papel e a contribuição das comissões locais de acompanhamento, designadamente quanto à participação das autarquias locais, a quem, evidentemente, devem ser garantidos, no respeito pela Lei das Finanças Locais, as compensações pelos encargos que assumam com a sua participação na gestão ou na execução do sistema. Não podendo a transferência para as câmaras municipais significar desresponsabilização do Governo e de toda a administração central, é necessário promover a articulação entre as entidades que actuarão no terreno, designadamente entre as IPSS, as autarquias locais, as confederações e os organismos desconcentrados da Administração Pública.
Lamentamos que os níveis de referência de prestação social proposta pelo Governo não vão além da pensão social, como entendemos que se deveria ser mais rápido, no início da aplicação do rendimento mínimo, que o Governo adia para Julho de 1997, não definindo entretanto sequer quem vai executar os projectos-piloto, que universo abrangem e que valores serão aplicados nesta fase.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O rendimento mínimo é uma medida de combate e minimização da pobreza e da exclusão social e de apoio à reinserção na vida activa. E por isso nos empenhamos de corpo inteiro, sem reservas, na sua criação.
Mas não nos iludamos: o rendimento mínimo não vai terminar, por si só, com a pobreza nem com a exclusão social. A pobreza e a exclusão social só serão erradicadas quando erradicada for a lógica de um sistema e modelo económico de matriz neoliberal, ele próprio gerador dessa pobreza.
A pobreza e a exclusão social só serão erradicadas no quadro de políticas económicas e sociais que promovam o investimento produtivo gerador de emprego estável, com direitos e remuneração condigna e essas não são, infelizmente, as políticas que temos tido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Afonso Lobão.

O Sr. Afonso Lobão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, começo por anotar a simpatia com que acolheu a proposta de lei apresentada pelo Governo e por referir que também nós estamos de acordo com as razões que estão subjacentes à apresentação do vosso projecto de lei.
O projecto de lei e a iniciativa do Governo apontam para a necessidade de ser instituído um esquema que garanta um rendimento mínimo aos cidadãos mais pobres e desprotegidos.
Entendemos, porém, que tal prestação não deve levar o cidadão a desinteressar-se pela sua reinserção social, nomeadamente a procura de emprego e a formação profissional. Penso que o vosso projecto de lei retira alguma importância a essa questão.
Por outro lado, em questões sociais, embora se deva ser maximalista quando se trata de aplicar um regime novo, deve, em nossa opinião, proceder-se à sua concretização com os mais sérios e apertados cuidados, para evitar situações não previstas ou imprevisíveis. Naturalmente que o legislador nem sempre prevê tudo.
Sem pôr em causa, no plano dos princípios, a defesa da proposta apresentada pelo seu grupo parlamentar no que respeita, por exemplo, aos complementos do rendimento mínimo, entendemos que, não havendo, neste momento, elementos seguros quanto à extensão e aos custos da nova medida no que respeita quer ao âmbito do pessoal a quem ela vai ser aplicada, quer aos montantes envolvidos, é de boa política não prosseguir o óptimo com prejuízo do razoável - e penso que hoje a economia do País aconselha o razoável.
Peço, pois, que me responda à seguinte questão: não lhe parece que a vossa proposta acaba por ser injusta ao garantir aos cidadãos com capacidade e disponibilidade para o trabalho rendimentos similares ou até superiores aos que parte significativa dos reformados aufere presentemente, tendo descontado, entretanto, durante uma vida inteira, para a segurança social?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Afonso Lobão, nós acolhemos com simpatia a

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proposta de lei do Governo nos mesmos termos em que esperamos que o Partido Socialista e o Governo acolham com simpatia o projecto de lei do PCP.
O Sr. Deputado fez várias perguntas e suponho que algumas delas resultam de já as trazer feitas e não as ter ajustado à minha intervenção. Às vezes, isto é uma das deficiências da intervenção de alguns de nós. As duas questões que o Sr. Deputado referiu - o problema da importância das políticas de reinserção social, que nós minimizaríamos, e a necessidade do apertado sistema para evitar situações imprevisíveis, e suponho que estava a referir-se a questões de fraude ou à multiplicação de beneficiários do sistema - foram expressamente focadas e sublinhadas na minha intervenção, para além de estarem referidas no projecto de lei.
Sr. Deputado, é evidente que não defendemos esse sistema como sendo ele próprio, tal sistema, como disse na minha intervenção, um elemento de consolidação ou multiplicação da pobreza. Isso não teria sentido. Aliás, temos de considerar as experiências de outros países, porque o rendimento mínimo está estabelecido em praticamente todos os países da Europa, com excepção de Portugal, Itália e Grécia. Ora, essa experiência serve não para não aplicarmos esse sistema mas, sim, para a termos em conta nessa aplicação. É o caso da experiência francesa, que gera fenómenos imprevisíveis de multiplicação dos beneficiários do sistema.
Por isso dizemos na nossa intervenção que são precisas, por um lado, as políticas activas de reinserção social na vida activa e no mercado de emprego, para evitar que o rendimento mínimo seja ele próprio um elemento de consolidação e multiplicação da pobreza e, por outro lado, a criação de sistemas apertados de vigilância e fiscalização, para evitar situações imprevisíveis, designadamente ao nível da fraude.
Sr. Deputado, quanto à questão - que também já foi colocada por outros Deputados, em outros debates que fizemos aqui - de este sistema ser permeável a fraudes, pelo que não deveria existir, há um argumento nesse sentido. Em minha opinião, a esse argumento deve responder-se com outro: se vamos por esse caminho, estou convencido de que não haveria qualquer prestação social do sistema de Segurança Social, pois estes teriam todos de acabar, porque em todos os sistemas há elementos de fraude, todos os conhecem.
Portanto, o problema não se resolve por essa via. Nunca alguém pôs em causa o subsídio de desemprego, sabendo que existem elementos de fraude na sua execução. O problema está em criar políticas de fiscalização, vigilância e intervenção que impeçam a existência da fraude. Nós sublinhamos isso com muita força.
Quanto à última questão, Sr. Deputado, penso que não deve ter lido bem o nosso projecto de lei, porque não propomos que os beneficiários do nosso sistema tenham prestações superiores aos reformados que durante toda a vida descontaram para a segurança social. O que dizemos é que todas as pessoas, incluindo essas, que tenham rendimentos abaixo do nível de referência que propomos terão direito a um rendimento mínimo - por exemplo, um reformado corri uma pensão social de 20 000$, 22 000$ ou 25 500$ - no montante da diferença entre o nível de rendimentos que têm e o nível de referência que lhes for atribuído.
Portanto, a sua pergunta não se aplica, porque, de facto, essa questão nunca acontecerá.
Para terminar, digo-lhe que continuamos a considerar esta medida que aqui discutimos hoje, e por isso nos empenhamos nela, como uma importante medida de combate à pobreza e à exclusão social; como uma alavanca de reinserção na vida da cidade (na expressão ampla deste termo), da recuperação dos direitos de cidadania a milhões de cidadãos que estão excluídos dela; como um instrumento que lhes permita ajudá-los a reinserir-se na vida activa, simultaneamente articulado com uma política activa no mercado de emprego.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Agora, Sr. Deputado, saiamos todos daqui com a consciência do seguinte: esta medida é importante neste contexto, mas é uma medida, como eu disse, que não vai, por ela só resolver e erradicar a pobreza em Portugal, porque está ligada a políticas de investimento, de desenvolvimento e de criação de emprego, e são essas que têm de ser encaradas como medidas de fundo para resolver este problema.
Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social para uma intervenção.

O Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social (Ferro Rodrigues): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde que em 1961 a República Federal da Alemanha criou um dispositivo de garantia de recursos mínimos às pessoas que deles não dispunham, procurando autonomizar essas pessoas relativamente à ajuda social, foi-se generalizando na Europa uma nova prestação não contributiva, que, em modalidades diferentes e com graus de cobertura diferenciados segundo os países, visa, por toda a parte, garantir um nível mínimo de subsistência a todos os cidadãos.
Esta medida é um imperativo de promoção da coesão social. A competição económica produziu e produz, por toda a parte, um limiar de exclusão social, cujo combate não pode ser remetido para o mercado. O aumento da competitividade económica nos últimos 30 anos e, sobretudo, as mutações tecnológicas e o desaparecimento de postos de trabalho para trabalhadores pouco qualificados, criaram por toda a parte, e não se pode ignorá-lo, novos grupos com dificuldades enormes de adaptação ao ritmo económico extremamente competitivo dos países avançados.
Seria cinismo não reconhecer que o funcionamento da economia e do mercado produz estes fenómenos de exclusão do emprego, geradores de contingentes involuntários de desempregados. Urge e importa, isso sim, desenvolver políticas activas que minorem os impactos sociais negativos desses processos, ajudem a reinserção no emprego, quando possível, e, sobretudo, evitem que a exclusão do emprego seja um primeiro passo que leve a níveis de exclusão mais avançados.
Isto mesmo foi reconhecido pelos diversos países europeus, primeiro numa base estritamente nacional e, depois, com uma participação activa do anterior governo português, sob a forma da aprovação de uma recomendação do Conselho aos Estados membros da União Europeia relativa a critérios comuns respeitantes a recursos e prestações suficientes nos sistemas de protecção social, aprovada durante a presidência portuguesa das Comunidades Europeias e por isso assinada pelo ministro José da Silva Peneda.

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É, pois, desde 1992 recomendado a todos os Estados membros, e cito, que «reconheçam, no âmbito de um dispositivo global e coerente de luta contra a exclusão social, o direito fundamental dos indivíduos a recursos e prestações suficientes para viver em conformidade com a dignidade humana, e consequentemente adaptem o respectivo sistema de protecção social, sempre que necessário».
Já na anterior sessão legislativa, o PS e o PCP apresentaram projectos de lei no sentido de se criar esta nova figura na protecção social em Portugal. Mas, nessa altura, a maioria parlamentar não deixou que esta nova medida, dirigida aos cidadãos mais desprotegidos, pudesse ser adoptada. Assim, Portugal não honrou o compromisso que estabelecera e ajudará a firmar para todos os Estados membros.
No quadro do novo compromisso político que esteve na base do Programa do XIII Governo Constitucional, a elevação dos níveis de protecção social dos mais desfavorecidos, dentro de níveis sustentáveis e em articulação com um esforço sério de reforma da segurança social, foi uma das prioridades. Esse compromisso reflectiu-se, entre outras medidas, na defesa da necessidade urgente de criar o rendimento mínimo garantido em Portugal. A medida foi incluída no Programa de Governo, mas nunca se pretendeu que uma medida com este alcance social se transformasse em bandeira para a realização de operações de pequena política e de aproveitamentos partidários. Desde o primeiro dia, uma das preocupações principais que tive no processo de preparação da proposta de lei que agora trazemos à Assembleia da República foi a de consensualização alargada desta medida.
Por isso mesmo, procurámos desde a primeira hora integrar os parceiros sociais na discussão, e aqueles que subscreveram o Acordo de Concertação Social de Curto Prazo comprometeram-se com a implantação do rendimento mínimo garantido, para começar já a vigorar em 1996 sob a forma de experimentação social e após aprovação pela Assembleia da República.
Quisemos, aliás, trazer esta proposta à Assembleia da República também no âmbito do nosso entendimento de que uma medida com este alcance social deve ser solidariamente partilhada por todos os que se identificam com os seus objectivos. Apesar de não se tratar de matéria de competência exclusiva da Assembleia da República e ser, por isso, matéria em que o Governo podia legislar, entendemos que se reforça a democracia representativa e se prestigia o Parlamento trazendo à discussão nesta Câmara medidas que tocam profundamente as pessoas e que mexem profundamente com os pressupostos do modelo de coesão social e que se querem o mais consensuais possível.
A proposta que hoje vos apresentamos teve, por outro lado, um processo de preparação no qual tivemos o privilégio de poder contar com os contributos positivos de todos os parceiros sociais representados na Comissão Permanente de Concertação Social. Com efeito, quer da CGTP, quer da UGT, quer da CAP, quer da CCP, quer da CIP, pude ouvir palavras de encorajamento e também recolher pareceres que foram, todos eles, orientados para que Portugal se pudesse dotar desta medida e contendo também, todos eles, sugestões relevantes, que foram integradas na proposta de lei que agora discutimos.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - O mesmo se passou com as três uniões representativas das instituições de solidariedade social - a UIPSS, a União das Misericórdias e a União das Mutualidades Portuguesas - e com a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a ANAFRE, que sempre nos afirmaram a sua disponibilidade para a participação no projecto.
É , de facto, com a sensação de dever cumprido que vos posso dizer que, de todas as entidades ouvidas neste processo e preparação, só recolhemos palavras de encorajamento e uma participação activa na própria elaboração da proposta. Palavras extensíveis, para além das instituições, a personalidades destacadas de entre os paladinos da solidariedade social, como é o caso do Sr. Bispo de Setúbal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após um processo de preparação desta iniciativa legislativa, que envolveu um trabalho técnico apurado e uma cultura da criação de novas medidas pelo diálogo, o que aqui vos trago é uma proposta aberta às melhorias que os representantes do povo entenderem justificar-se. Só vos peço que olhem para ela fora dos pequenos interesses que por vezes marcam a agenda política e reflictam sobre ela, tendo presente o seu alcance e significado para o Portugal que defendemos e propomos.
O resultado final do trabalho desenvolvido pelo Governo, que se materializa na presente proposta de lei, foi norteado por três ideias fundamentais.
Primeira: criar uma medida coerente no âmbito da protecção social, reconhecendo a todos os cidadãos residentes em Portugal o direito a um nível mínimo de subsistência, desde que se encontrem em situação de exclusão social ou em risco de exclusão social e estejam activamente disponíveis para seguir um caminho de inserção social.
Segunda: criar essa medida sob a forma de um contrato social, envolvendo o Estado, os parceiros sociais, as instituições de solidariedade, as autarquias e os cidadãos, em que o primeiro se compromete a conceder uma prestação financeira e, em conjunto com os segundos, a apostar na criação de oportunidades de inserção social e, em troca, os últimos se comprometem a prosseguir as trajectórias de inserção que se conseguirem criar.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Terceira: criar essa medida no âmbito de um sistema de protecção social, equiparando-a à pensão social por se entender que ela deve constituir o nível mínimo de protecção social universal.
Sr. Presidente. Srs. Deputados:  O processo de discussão pública e os posicionamentos que se vão conhecendo permitiram-nos já detectar cinco observações à aplicação do rendimento mínimo, colocadas sob duas ópticas diferentes.
Numa óptica liberal, são-nos colocadas críticas que negam a necessidade e a utilidade de dar este passo, negam o interesse social de garantir níveis mínimos de subsistência aos cidadãos, quaisquer que sejam esses níveis. Essas críticas são essencialmente duas.
Uma pode sintetizar-se no seguinte enunciado: o rendimento mínimo, por garantir a todos os cidadãos um nível mínimo de subsistência, seria um desincentivo ao trabalho, quer porque os excluídos do emprego, com um nível de rendimento garantido, não quereriam voltar a trabalhar e tornar-se-iam subsídio - dependentes, quer porque se criaria uma pressão para o aumento dos salários, encarecendo o custo do trabalho, o que seria gerador de desemprego.

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Analisemos esta crítica. A presente proposta de lei diz expressamente no artigo 5.º que a atribuição da prestação depende de várias condições. Uma delas é a de que só é titular de rendimento quem se encontre numa situação em que a sua exclusão do emprego não resulte da falta de disponibilidade pessoal mas de factores objectivos imputáveis à sua saúde, idade ou ao próprio mercado de trabalho.
Por outro lado, Sr.as Srs. Deputados, tenho grande dificuldade em compreender tal discurso fora de um quadro algo cínico. Acaso pensa algum dos Srs. Deputados que há reforço da competitividade das empresas que não gere níveis, por muito baixos que sejam, de exclusão? Acaso acredita algum de vós que esta sociedade possa gerar o pleno emprego e a plena inserção social? E o que deve fazer-se corri esse segmento de excluídos? Abandoná-los à sua sorte, como se tem feito até aqui? Deixar que tendam para uma vida progressivamente mais exposta à marginalidade social? Acham que uma sociedade europeia pode manter o seu modelo social e cultural, se estes fenómenos de exclusão que podem ser geradores de uma dualização social persistente se mantiverem por muito tempo?
Temos que ser rigorosos na verificação da condição de disponibilidade para o trabalho, é certo, e o actual Governo tem créditos em matéria de exigência das verificações de acesso a prestações sociais. Mas não podemos deixar que essa exigência nos cegue quanto ao fundo do problema. Há, hoje, marginalizados que o são por fenómenos imputáveis à própria dinâmica social contemporânea e inerentes ao próprio reforço da competitividade da economia, à adaptação tecnológica, à dificuldade de acompanhar o ritmo progressivamente mais exigente das sociedades contemporâneas.
O que hoje está em causa para essas pessoas não é o «pecado da preguiça» mas, sim, que as sociedades que geram estes fenómenos têm também de gerar o esforço solidário que os minore, e é a isso que uma medida como o rendimento mínimo está indissociável mente ligada.
O problema da rigidez nos salários parece-me ser de resposta relativamente fácil. Atentemos nos números. Portugal tem hoje um salário mínimo de 54 600$. O referencial de atribuição da prestação de rendimento mínimo é o da pensão social - 20 000$ -, portanto, bastante abaixo de limites que possam ser economicamente competitivos com esse rendimento.
Cumpre perguntar: alguns dos Srs. Deputados acham que alguém abandona uma remuneração do trabalho para a trocar por uma prestação de 20 000$ mensais que lhe exige, adicionalmente, que esteja disponível para o trabalho?
Uma segunda linha de crítica dos pressupostos do rendimento mínimo assenta na defesa de que este projecto terá enormes custos financeiros para o Estado, tornando-o ingerível.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estimamos hoje que se gastará anualmente com o rendimento mínimo menos de 50 milhões de contos, ou seja, metade do que se gasta com o subsídio de doença e pouco mais de 3% dos gastos totais do País com segurança social. O impacto desta medida no orçamento da segurança social é, pois, negligenciável quando confrontado com o significado social de dar a todos os cidadãos a garantia de um nível mínimo, muito embora seja efectivamente mínimo, de subsistência. Os ganhos de coesão social, alguns deles quantificáveis também em números mas que são sobretudo imateriais, superam incomensuravelmente os gastos. Devo dizer-vos que estas críticas são relativamente menores. Uma é apenas mais uma manifestação de um modo de entender a protecção social, que é completamente contraditório do modelo europeu de protecção social. É apenas uma manifestação localizada de uma contestação genérica ao nosso modelo de procura de maior coesão social e, portanto, não se justifica que a discutamos excessivamente nessa manifestação localizada; ela tem que ser discutida nos seus pressupostos globais.
A outra é meramente uma crítica de circunstância, o resultado de uma tentativa de negar a evidência da possibilidade orçamental e da utilidade social da criação do rendimento mínimo garantido.
Aliás, argumentos socialmente injustos como estes não podem servir para negar a evidência de que os excluídos não podem ser condenados a uma marginalização para toda a vida. A paralisia que implicaria nas respostas sociais seria, na realidade, o equivalente a um abandono. Nós também pensámos que é no desenvolvimento económico que está a chave da questão. No desenvolvimento e não apenas no crescimento, sublinho, mas enquanto esse desenvolvimento sustentado e sustentável não chega, há imperativos sociais que não podem ser ignorados.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas também estaremos despertos para outras observações do outro lado do espectro da opinião, que poderíamos designar como sendo provenientes de uma exigência do rendimento mínimo garantido.
A primeira dessas observações focaliza-se no montante das prestações, que considera insuficientes para a garantia de um nível mínimo de subsistência. Não posso deixar de dizer que reconheço que é extremamente difícil o quotidiano de uma família que dependa do rendimento mínimo garantido. Mas convém não esquecer que esse quotidiano é ainda mais difícil hoje, quando o rendimento mínimo não existe.
A fixação do valor do rendimento mínimo não pode ser o resultado de um exercício bem intencionado mas extremamente voluntarista, do qual se concluísse que se deveria garantir um nível de rendimentos considerado aceitável. Ela tem de obedecer à resposta à pergunta: qual é o nível de protecção social que o País pode conceder aos cidadãos?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Essa resposta já estava encontrada para certas categorias de beneficiários e numa base individual: é a pensão social, que o governo de Maria de Lurdes Pintasilgo aprovou e o governo da AD começou a executar. O que agora fazemos é adaptar essa fórmula ao cálculo de base familiar. Se e quando os diferentes governos entenderem que há condições económicas e sociais para que esse patamar se eleve, ele será elevado e, com o aumento das pensões sociais, aumentar-se-á o valor da prestação de rendimento mínimo e o nível de rendimento das famílias que dele sejam beneficiárias. É, aliás, o que este Governo já fez, aumentando no ano transacto a pensão social em cerca de 14%. Mas, sobretudo, não nos parece que se possa ligar o valor do rendimento mínimo ao salário mínimo nacional. Fazê-lo seria aceitar criar a lógica de um salário substitutivo dos rendimentos do trabalho. Entendemos - e fizemos a lei nesse sentido - que o rendimento mínimo deve ser um subsídio social e por isso ligado à lógica global dos subsídios sociais.

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Uma segunda crítica é, de algum modo, a oposta da anterior. Se há quem critique a exiguidade da prestação, surgem por vezes críticas sobre o nível de exigência que é feito aos destinatários que possam ser beneficiários do rendimento mínimo. Nomeadamente, é-nos dito que as exigências que fazemos em matéria de disponibilidade activa para a inserção social podem ser extremamente rigorosas. Gostaria, a este propósito, de recordar aqui o fundamento básico desta medida. Ela é tal, como a entendemos, a concessão de um direito personalizado. Um direito que não pode ser negado a qualquer cidadão que satisfaça a condição de recursos e se declare disponível para um percurso de inserção social, mas um direito modulado pela sua situação social concreta, por se tratar de uma prestação - diferencial - o que recebe é a diferença entre o valor de referência e o valor dos seus rendimentos -, modulado sobretudo porque a contrapartida que o cidadão tem de garantir varia com a sua condição social: aos idosos e aos doentes, obviamente que não se solicita a disponibilidade para o emprego, mas aos desempregados saudáveis e em idade activa essa exigência será, efectivamente, feita.

O Sr. António Braga (PS): - É justo!

O Orador: - Do mesmo modo se entende que o respeito pelas situações diferenciadas não nos poderia levar a pedir o mesmo a todos os desempregados. Infelizmente, uma parte dos destinatários do rendimento mínimo viveu já um processo de desqualificação social e de degradação individual que não o tornarão possível.
A flexibilidade quanto à diversidade de situações será, no entanto, subordinada a uma preocupação de partida: entendemos que é absolutamente necessário, para que o rendimento mínimo se torne no primeiro degrau de uma
escala de promoção social, que, uma vez fixadas as regras do contrato, ele tem que ser cumprido por todas as partes e necessariamente também pelos titulares. Se estes o quebrarem, são as próprias regras do jogo que estão em causa. É um tremendo desafio que é feito aos profissionais que acompanharão os casos concretos. Mas é indispensável que eles sejam inflexíveis na manutenção do princípio do contrato entre o Estado, as comunidades locais e os cidadãos excluídos ou em risco de exclusão. Só assim a medida não resvalará para um dispositivo assistencial, que, no entanto, entendemos que também deve existir, como aliás já existe parcialmente mas já não cabe no âmbito desta medida.
A última observação de carácter social que recolhemos prende-se com esta questão: há quem defenda que a prestação de rendimento mínimo não deveria ser monetária mas em géneros, porque assim se aumentaria a eficiência da prestação, prevenindo e evitando determinado tipo de consumos. Devo dizer-vos que sou extremamente sensível a este argumento e percebo a inquietação que lhe está na base. Mas reafirmo perante vós que o que está em causa é a criação de um novo direito que impõe obrigações mútuas.
Quando um cidadão excluído se compromete às exigências de um programa de inserção, está a fazer um esforço pela sua inserção, que exige de nós, como contrapartida, um capital de confiança na sua capacidade.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - A prestação em géneros seria, pelo contrário, uma prova de grande desconfiança. Depois, se o rendimento mínimo é o início de um processo de inserção social, este patamar de responsabilização tem de ser atingido com sucesso, para que outros se lhe possam suceder. Temos que correr algum risco, também neste patamar de intervenção.
Como vos disse, se falharmos, se falharem os cidadãos, o Estado e as comunidades locais, outras medidas de acção social, e não conferindo direitos, terão que surgir. Mas o rendimento mínimo é um pacto de confiança e não poderia ser firmado na base de um julgamento prévio da incapacidade de os cidadãos em situação de exclusão administrarem os seus próprios recursos.
É efectivamente um pacto de confiança que propomos à sociedade, sob a forma da criação do rendimento mínimo garantido. Mas convém que o façamos conscientes do âmbito e das limitações da medida que estamos a criar. Ela é fundamental, porque vem cobrir um défice grave de protecção social dos mais desfavorecidos, de entre os desfavorecidos na sociedade portuguesa. Mas a sua eficácia só será possível se ela for o primeiro degrau numa escada de inserção social, numa intervenção pública de resposta aos mecanismos sociais que produzem exclusão, numa intervenção pública que coloque à sociedade portuguesa o desafio da criação de medidas de inserção social pelo lado económico.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como sabem, o combate à exclusão social é um tema importante na actuação do Governo É um terna cuja relevância começa na constatação de que há um custo social do progresso e da competitividade, que tem de ser enfrentado seriamente. Enfrentar esse custo é procurar agir, em primeiro lugar, diminuindo a fonte da sua produção, conseguindo, sempre que possível, um modelo de progresso económico que seja rico em emprego. Mas é também reconhecer que a experiência mundial nos diz que, nos nossos dias, não se pode esperar que seja possível que o mercado produza uma situação de equilíbrio em tomo da inserção plena.
Perante esta dura realidade, impõe-se agir, minorando os custos sociais da exclusão e criando mecanismos de fomento de uma sociedade de inserção. O Governo está a trabalhar para este objectivo em diversas frentes. O rendimento mínimo é uma delas. É mesmo a peça que falta para a construção de uma sociedade com segurança mínima para os cidadãos que se vêem envolvido pelo fatalismo de dinamismos sociais que lhes são exteriores.
Por isso, nos pareceu merecer um tratamento especial. Por isso, achámos que tinha a dignidade necessária para que vos propuséssemos aqui a sua discussão. Por isso, aqui estamos a apresentar-vos algo que nos parece ser a materialização de um grande consenso, mas que, sabemos, é sobretudo um grande desafio.
Um desafio político e um desafio profissional. A Lei de Bases da Segurança Social tinha já o espírito de uma aproximação entre os regimes de segurança social e a acção social. Esse espírito é recuperado e retomado pela geração de medidas de política social, que o rendimento mínimo inaugura em Portugal. Essa condição pioneira exige cuidados especiais, como todas as inovações. Porque concebemos o rendimento mínimo como uma medida com duas componentes - a de prestação social e a de programa de inserção -, pensamos que o desenvolvimento harmonioso dessas duas componentes é uma condição de sucesso. A componente do programa de inserção social é, indiscutivelmente, complexa e exigirá muito esforço no

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terreno. Por isso, quisemos ser prudentes. A aplicação do rendimento mínimo exigirá um esforço suplementar de atendimento de populações gravemente carenciadas, em todo o País, e o desenvolvimento de mecanismos de diálogo entre as instituições que cooperarão na inserção social. Imporá o desenvolvimento de metodologias de trabalho adaptadas a estes grupos, metodologias de formação profissional, mas também de apoio à criação de emprego, a par de outras. Pressupõe, por outro lado, um acompanhamento das famílias apoiadas, que exige um nível significativo de relação personalizada.
Para o fazer bem, só o esforço de todas as entidades será suficiente. Em particular, será exigido um grande esforço aos recursos humanos da segurança social, os quais estão, como sabem, enfraquecidos e, em alguns casos, envelhecidos. O profissionalismo dos agentes de hoje terá que ser caldeado com o entusiasmo e a mobilização de novos agentes. Mas será também um importante esforço organizativo o que se pede às autarquias, aos parceiros sociais e às diversas instituições de solidariedade social.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este esforço implica uma aprendizagem para a criação do rendimento mínimo, que frutificará numa rede de apoio social, que, estou certo, o transcenderá e poderá gerar sinergias com outras medidas. Mas não deixa de ser, no curto prazo, um grande esforço.
Um esforço que, com sinceridade o dizemos, o Estado e os profissionais não estão ainda preparados para começar a fazer, a nível nacional e para todos os potenciais destinatários.
E, ainda que o estivessem, seria extremamente arriscado que uma inovação desta amplitude não fosse testada nos seus pressupostos e na sua operacionalização no terreno.
Entendemos, nestes termos, que era necessário promover um período de aprendizagem social, um período em que já se executasse, de forma localizada, a medida, em que se experimentasse o conceito e em que recolhêssemos os contributos necessários à sua generalização. Mas não quisemos deixar dúvidas que este período é o de um passo de experimentação para a criação de um dispositivo nacional. Por isso, nos comprometemos, desde já, com a data dessa generalização: durante um ano, diferentes entidades e em diferentes contextos sócio-económicas testarão a gestão da ideia.
Nesse mesmo ano, os projectos-piloto, apresentados por essas entidades, serão avaliados e será aprovada a regulamentação, para que, em 1 de Julho de 1997, estejamos em condições de, ponderadamente, com a solidez de um ano de experiência, avançarmos, de um modo mais seguro. Então, começará o desafio decisivo.
Um desafio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que quisemos, desde a primeira hora, fosse assumido por todos os parceiros. Aliás, o rendimento mínimo será a mais transparente das medidas de política social em Portugal. Será, como já se disse, executada no terreno por parcerias de entidades públicas e particulares. Será acompanhada e orientada estrategicamente, a nível nacional, por uma comissão nacional do rendimento mínimo, onde terão assento o Estado, as autarquias, os parceiros sociais e as instituições de solidariedade social e que emitirá um relatório anual.
O rendimento mínimo é, efectivamente, a primeira de uma nova geração de políticas sociais em Portugal. É o fruto de uma visão da política social como responsabilidade partilhada entre o Estado, as comunidades e os cidadãos. É o fruto de um novo modo de conceber a política que o Governo propõe aos portugueses.
Não poderia terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sem vos dizer que é com orgulho que aqui venho dar testemunho do cumprimento de mais um compromisso eleitoral. Havia quem pensasse que esses compromissos seriam apenas promessas eleitoralistas, que seriam esquecidas rapidamente.
Como viram, como estão a ver agora e como continuarão a ver, as coisas não se passam assim. Aqui estamos, mais uma vez, - a honrar os compromissos que assumimos com os portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, não resisto a chamar a vossa atenção para o facto de que na galeria à minha direita se encontram 33 autarcas do concelho de Gouveia representativos de todas as forças políticas e acompanhados do presidente do respectivo município, que vêm sensibilizar-nos para a ajuda à solução dos problemas do seu concelho. Para eles peço uma salva de palmas.

Aplausos gerais, de pé.

Aproveito também para vos informar de que, às 18 horas, haverá copiosas votações.
Entretanto, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social, os Srs. Deputados Afonso Lobão, Pedro da Vinha Costa, Maria José Nogueira Pinto, Lino de Carvalho, Fernando Jesus, Filomena Bordalo e Nuno Correia da Silva.
O Sr. Ministro vai ter alguma dificuldade em gerir os 5 minutos de que dispõe para responder a tantos pedidos de esclarecimento, em relação aos quais fui informado de que responderá de três em três.
Tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Lobão.

O Sr. Afonso Lobão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social, começo por saudar, na pessoa de V. Ex.ª, o Governo pelo facto de, hoje, ter apresentado esta iniciativa, que, no fundo, concretiza uma promessa eleitoral do PS e do Governo da nova maioria.
Depois de ouvir a apreciação que fez da proposta de lei do Governo, permito-me salientar três ou quatro pontos.
Em primeiro lugar, o rigor, já que a iniciativa traduz preocupações que têm em conta a situação económica do País.
Em segundo lugar, o cuidado do Governo em evitar desvios na aplicação do rendimento mínimo garantido, ao criar um regime experimental, por forma a testá-lo.
Em terceiro lugar, as preocupações também demonstradas pelo Governo em evitar o clientelismo, ao fazer envolver entidades públicas e privadas na aplicação do rendimento mínimo garantido. Por último, a preocupação da proposta em evitar a perversão da aplicação, ao fazer acompanhar essa aplicação de um programa de reinserção social.
As perguntas que quero fazer a V. Ex.ª relacionam-se com o seguinte: um dos grandes argumentos dos opositores a este esquema tem a ver, em maior ou menor escala, com os problemas do absentismo ou do chamado trabalho oculto, comportamentos esses que se verificam por parte

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não só do beneficiário mas também das empresas menos escrupulosas.
Concretamente, as minhas perguntas são estas: em primeiro lugar, foi, ou não, calculado o risco deste tipo de comportamento, quer do beneficiário quer da empresa? Em segundo lugar, quais as cautelas que, quer a montante quer a jusante, foram tomadas no sentido de evitar estes riscos?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa..

O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social, se me permite, começo por não resistir à tentação de chamar a sua atenção para aquilo que me parece ser uma contra, dição entre uma afirmação de V. Ex.ª e uma outra justamente do Sr. Deputado socialista Afonso Lobão, da bancada que sustenta o Governo, relativamente a uma questão que colocou ao Sr. Deputado Lino de Carvalho. É que V. Ex.ª afirmou - e tentei tomar nota o mais precisamente que me foi possível - que ninguém acredita que uma pessoa se desinteresse da inserção no mercado de trabalho em troca de uma prestação mensal de 20 000$, a título de rendimento mínimo garantido. Ora, justamente o Sr. Deputado Afonso Lobão questionou o Sr. Deputado Lino de Carvalho sobre se a proposta do PCP não desincentivaria as pessoas da sua inserção no mercado de trabalho - e estamos a falar de uma diferença de poucos milhares de escudos no final do mês.
No entanto, a questão que quero colocar-lhe, Sr. Ministro, tem a ver com o seguinte: V. Ex.ª anunciou - aliás, tem vindo a repeti-lo por diversas vezes - que é necessário proceder a uma reforma da segurança social e anunciou, inclusive, a criação de uma comissão, que encarregou de elaborar um Livro Branco.
A questão que coloco é esta: como é que se compreende que V. Ex.ª, antes da conclusão dos trabalhos dessa comissão, antes da definição das linhas que vão presidir à reforma da segurança social - linhas essas que, presumo, virão a resultar do trabalho dessa comissão, se não, não faz sentido que a tenha nomeado -, avance, desde logo, com uma proposta de criação do rendimento mínimo garantido. Isto quando se sabe - veja-se, designadamente, o exemplo dos nossos parceiros da União Europeia - que, em todas as circunstâncias em que o rendimento mínimo foi instituído, ele se tornou verdadeiramente irreversível, por maior que seja a vontade desses países de voltar atrás com a decisão tomada no sentido de institui-lo.
Ainda por cima, a proposta é tanto mais grave quanto se sabe que estamos perante um verdadeiro «salto no escuro», na medida em que não sabemos onde é que o rendimento mínimo garantido nos vai conduzir. Se assim não fosse, não faria sentido que V. Ex.ª nos trouxesse aqui uma proposta, que começa por ser experimental. Se V. Ex.ª soubesse como é que isto iria terminar não era necessário que estivéssemos em fase de experimentação.
Gostaria, portanto, de saber se, em sua opinião, não estamos, na realidade, a «dar um salto no escuro», que não sabemos onde vai conduzir a segurança social deste país, e, principalmente, se não estamos, desde já, a condicionar aquilo que V. Ex.ª tanto tem apregoado, que é a necessidade de uma verdadeira reforma.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social, esta proposta de lei, embora já muito anunciada, causa-nos algumas preocupações. É que, apesar de ligada a um esquema de inserção social - sendo, portanto, aqui de frisar que não estamos apenas a dar o peixe, mas a tentar ensinar a pescar -, não há dúvida de que assenta num esquema de subsidiação. Como tal, a primeira questão que se nos coloca é a dos critérios. Pensamos que os critérios não são muito claros; não é claro o método de selecção, assim como não o são os critérios que vão presidir à avaliação.
Chamamos a atenção para o que sucedeu em França, onde, ao fim de alguns anos da entrada em vigor de uma lei deste tipo, se verificou um aumento considerável do número de pessoas assistidas e nunca foi possível - este é o balanço que os franceses fazem no próprio relatório - conseguir, no aspecto da inserção social, que é o mais importante (e não o da subsidiação), os resultados que se esperavam.
De qualquer forma, analisando esta proposta de lei, a primeira questão é esta: aquilo que, hoje, esta Assembleia vai, ou não, aprovar, na realidade, reduz-se a quatro artigos, ou seja, aquilo que vai entrar em vigor são quatro artigos. Esses quatro artigos dizem respeito, fundamentalmente, à criação de uma comissão, às atribuições dessa comissão e à criação de projectos-piloto.
Considerando que o Ministério de V. Ex.ª podia criar uma comissão, atribuir-lhe competências e criar projectos piloto - isso, aliás, é muito frequente na área da acção social -, por que razão esses quatro artigos estão nesta proposta de lei? Porque são prévios? Porque, do balanço dos projectos-piloto, V. Ex.ª vai concluir alguma coisa que pode ainda ter influência na versão final da proposta de lei que, contudo, hoje vamos aprovar?
Explicando melhor: a opinião pública pensa que, hoje, vamos aprovar um rendimento mínimo garantido. Mas não vamos, porque realmente a titularidade desse direito não vai existir. O que vai existir é a possibilidade de uma comissão seleccionar pessoas, para que elas possam vir a beneficiar de um subsídio eventual. Trata-se, pois, de uma situação semelhante àquela que já existe na segurança social.
O que lhe pergunto, Sr. Ministro, é o seguinte: na sequência destes projectos-piloto e da avaliação que vai fazer, poderão resultar alterações a esta lei? Ou não há qualquer nexo de causalidade entre a avaliação destes projectos e a versão definitiva da lei?
Finalmente, quero ainda questioná-lo sobre quais vão ser os critérios de regulamentação da contabilização dos rendimentos de trabalho supervenientes já à atribuição do rendimento mínimo garantido.
Percebo que haja uma preocupação, por um lado, de não desincentivar do trabalho, e, por outro, de não cortar abruptamente o rendimento mínimo garantido, mal a pessoa consiga um rendimento do trabalho. Porém, o facto de esses critérios só virem a ser regulamentados mais tarde causa-me também alguma preocupação, porque, em meu entender, a não se cortar imediatamente o rendimento mínimo garantido, vai criar-se uma situação de manifesta desigualdade entre pessoas que já estão no mercado de trabalho com rendimentos de trabalho semelhantes, estando umas ainda a auferir o rendimento mínimo garantido.

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Eram estas, fundamentalmente, as questões que lhe queria colocar.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social, após o que procederemos às votações agendadas.

O Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Afonso Lobão, houve, efectivamente, muito trabalho a montante desta proposta e na procura de muito rigor. Sem dúvida alguma que há problemas que podem emergir, como em qualquer prestação social, mas penso que a forma como o problema é resolvido, tanto no artigo 5.º como no artigo 10.º, permite que se possa olhar para esta proposta com uma grande confiança desse ponto de vista.
O Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa aponta eventuais contradições entre aquilo que foi afirmado pelo Sr. Deputado Afonso Lobão e aquilo que foi a minha própria análise sobre a proposta de rendimento mínimo, Quero dizer-lhe que, obviamente, há semelhanças e distinções grandes entre o projecto de lei do PCP e a proposta de lei, não apenas em matéria pecuniária, ou seja, em matéria da verba base para cada uma delas, mas, sobretudo, na concepção de ligação ao salário mínimo que está explícita no projecto de lei do PCP, que, embora compreenda, julgo que tem problemas, porque aí, sim, poder-se-ia gerar facilmente algumas situações de menor clareza nas diferenças entre as pessoas que ainda agora estão a trabalhar 40 horas ou mais por semana e a receber o salário mínimo e as pessoas que estivessem em situação de rendimento mínimo. Não julgo que haja esse problema na, nossa proposta.
O Livro Branco não implica que haja uma paragem na política do Governo, que, como sabe, tem adoptado várias medidas políticas, independentemente da sua existência. A comissão do Livro Branco, que é muito respeitável, plural e altamente qualificada em termos técnicos, tem uma encomenda concreta. Há várias questões que foram pedidas pelo Governo para serem equacionadas no Livro Branco e, obviamente, não lhes foi pedido para equacionarem a questão do rendimento mínimo, visto que fazia parte de um compromisso eleitoral que consideramos ter sido correctamente assumido e que queremos cumprir.
Julgo que o salto no escuro, perante a situação económica e social, seria continuarmos a não ter em Portugal uma prestação do tipo do rendimento mínimo, isso, sim, seria um salto no escuro. Ainda tenho esperança que a bancada do PSD possa vir a compreender que, neste momento, saltos no escuro não são aconselháveis para ninguém no nosso país.
Quanto à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, devo dizer que compreendo que se preocupe com o esquema de subsidiação. Verifico que constatou também que, realmente, há aqui um salto grande em frente no papel que é dado à inserção social.
Os critérios são objectivos e, aliás, se ler o artigo 10.º, n.º 3, verifica que há a possibilidade de os próprios serviços poderem ter o papel de levantar obstáculos a declarações meramente individuais ou das famílias, embora, evidentemente, permitindo que haja recurso dessas decisões político-administrativas.
Por outro lado, é evidente que se vai aprovar aqui uma lei e não quatro artigos. Os outros artigos entram todos em vigor mais tarde, mas para toda a gente, e, portanto, a lei aprovar-se-á, espero eu - não hoje, possivelmente, porque não vamos acabar a discussão a horas -, para ter efeitos para todo o País, no momento em que é qualificado pela própria lei. Isso não é novo em termos de processo legislativo.
A Assembleia da República é soberana e o Governo também, mas é evidente que a nossa intenção é que esta lei não seja mexida e que o período de experimentação e de avaliação permita, sim, regulamentá-la correctamente. Obviamente, se nos entrasse pelos olhos dentro que as experiências mostravam haver necessidade de alterar a lei, não seria por teimosia que iríamos manter situações que pudéssemos constatar que eram erradas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder às votações que estão agendadas.
Vamos votar, em primeiro lugar, o projecto de resolução n.º 21/VII - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 24/96, de 20 de Março, que institui um novo enquadramento legal das participações de entes comunitários no capital de sociedades reprivatizadas, em processos de reprivatização ou a reprivatizar, apresentado pelo PSD (Ratificação n.º 17/VII).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP e do PCP e votos contra do PS.

Srs. Deputados, penso que estará prejudicada a votação do projecto de resolução n.º 22/VII, apresentado pelo PCP, sobre a mesma matéria.
Como todas as bancadas estão de acordo, vamos passar à votação global - e quando se diz global e não final global quer-se significar que é, simultaneamente, a votação na generalidade, na especialidade e final global, porque se trata de acordos - da proposta de resolução n.º 5/VII - Aprova, para ratificação, o Tratado da Carta da Energia incluindo Anexos, Decisões e Acta Final e o Protocolo da Carta da Energia relativo à Eficiência Energética e aos Aspectos Ambientais Associados, assinados em Lisboa, em 17 de Dezembro de 1994.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de resolução n.º 6/VII - Aprova, para ratificação, as Emendas ao Convénio Constitutivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Instituição a que Portugal deliberou aderir através da Resolução n.º 303/79, de 18 de Outubro.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos votar a proposta de resolução n.º 7/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenagem e Utilização de Armas Químicas e sobre a sua Destruição, Aberta à Assinatura em 13 de Janeiro de 1993, em Paris.
Submetida à votação, foi aprovada, por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação, na generalidade, de três diplomas.
Vamos votar, em primeiro lugar, o projecto de lei n.º 113/VII - Novo regime da tutela administrativa, apresentado pelo PCP.

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Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos votar a proposta de lei n.º 22/VII - Estabelece o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos agora votar o projecto de lei n.º 147/VII - Regime de controlo da legalidade no poder local, apresentado pelo PSD.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes, votos a favor do PSD e a abstenção do CDS-PP.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para pedir a V. Ex.ª que precisasse a que Comissão vão baixar os diplomas que acabámos de aprovar na generalidade, ou seja, o projecto de lei n.º 113/VII e a proposta de lei n.º 22/VII.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vão baixar à 4.ª Comissão, que é a relativa ao poder local.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, muito embora o projecto de lei do PSD tenha sido rejeitado, a informação que tenho é que se teria generalizado algum consenso entre as bancadas, dada a natureza de muitas das questões jurídicas que se colocavam relativamente a essas iniciativas, para que baixasse à 1.ª Comissão e não à 4.ª. Esta é a informação que tenho. Não sei se colhe o entendimento de todas as bancadas.

O Sr. Presidente: - Gostaria de ouvir as restantes bancadas.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, entendemos que devem baixar à Comissão de onde vieram, que é a 4.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, qual é a posição do CDS-PP?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, que baixe à 4.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Qual é a posição do PCP?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Deve baixar à 4.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Portanto, Sr. Deputado Carlos Coelho, baixará à 4.ª Comissão.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, é para, sob a forma de interpelação, comunicar à Câmara que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tendo em conta a recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 24/96, de 20 de Março, vai apresentar, neste momento, e sobre este mesmo assunto, um projecto de lei.

O Sr. Presidente: - É um direito, Sr. Deputado. Fica registada a sua declaração.
Srs. Deputados, vamos continuar os pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social.
Lembro ao Sr. Ministro que esgotou todo o seu tempo com as primeiras três perguntas. Não sei se algum grupo parlamentar estará disposto a conceder-lhe mais algum.
Pausa.

Informam-me que o Partido Socialista dá ao Sr. Ministro cinco minutos para poder responder às próximas três perguntas.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social, como V. Ex.ª sabe, o PCP defende e acarinha a criação, em Portugal, do rendimento mínimo. Isso, aliás, decorre expressamente da apresentação, na anterior legislatura e nesta, de um projecto de lei com esse objectivo e do que disse na minha intervenção.
Neste quadro, encaramos positivamente a proposta de lei e entendemos que ela, tal como o nosso projecto de lei, tem virtualidades que podem dar lugar a que a Assembleia da República legisle no sentido de, finalmente, se criar este instrumento de apoio social em Portugal.
Agora, Sr. Ministro, há uma questão sobre a qual vale a pena reflectir. Estamos todos de acordo, seguramente, que a criação do rendimento mínimo tem de estar ligado intimamente às políticas de inserção social e de criação de emprego. Mas penso que também tem de estar articulada ou enquadrada numa política global de desenvolvimento, que não seja ela própria geradora de mais desempregados, que não seja ela própria geradora de liquidação de postos de trabalho, que, depois, dificultam a própria reinserção social daqueles que são beneficiários do sistema ou que lançam, como beneficiários do sistema, mais novos cidadãos.
Ora, é nesse quadro que penso encerrar-se a principal contradição desta proposta, isto é,...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, peço desculpa por o interromper, mas quero pedir à Câmara que faça silêncio, de modo a que V. Ex.ª seja ouvido.
Srs. Deputados, peço que, se tiverem necessidade de reunir, o não façam no plenário.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Orador: - Como eu dizia, Sr. Ministro, parece-me ser esta a principal contradição, no quadro da política global do Governo, que este projecto de lei encerra. E que estamos a criar um instrumento para a diminuição da pobreza e reinserção social dos excluídos, mas, simultanéa-

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mente, há uma política global que está a atirar para o desemprego cada vez mais cidadãos.
Assim, pergunto se não vamos entrar numa espécie de ciclo vicioso. Isto é, se este instrumento, que tem virtualidades, não acaba por ser efectivamente anulado por políticas que irão acabar por se traduzir na multiplicação dos beneficiários do sistema. Esta é unia questão de fundo sobre a qual gostaria de ouvir a reflexão do Sr. Ministro, porque, ao contrário do que diz, não são estes fenómenos de exclusão que são os geradores de uma ebulição social mas, sim, em meu entender, o próprio modelo social e de crescimento económico que é o gerador desta dualidade social e da pobreza.
Dito isto, gostaria de colocar duas questões mais concretamente.
Uma tem a ver com as comissões locais de acompanhamento. Elas assentam sobretudo nos serviços locais de segurança social, e, como o Sr. Ministro sabe, esses serviços estão hoje desprovidos de meios humanos, técnicos, profissionais e até de especialidade para permitir a intervenção com eficácia neste terreno. O acréscimo de trabalho que a implementação do rendimento mínimo irá proporcionar vai sobrecarregar os serviços locais de segurança social que estão neste momento desprovidos desses meios. Pergunto: que medidas é que o Governo pensa adoptar para que os serviços locais de segurança social sejam reforçados em meios humanos; técnicos, profissionais e especializados para permitir intervir activamente neste processo e dar eficácia à sua implementação no terreno?

O Sr. Presidente: - Peço que termine, Sr. Deputado, pois já ultrapassou o tempo regimental.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Por outro lado, gostaria que o Sr. Ministro aprofundasse mais a articulação entre as autarquias, as IPSS e outras estruturas que irão intervir neste papel. No fundo, qual é o papel que o Sr. Ministro reserva, neste quadro, às autarquias locais, tendo em conta até a sua função globalizante, ao nível de cada área residencial em que irão intervir?
Por último, quanto ao projecto-piloto, é demasiado vago aquilo que vem na proposta de lei, pois não diz qual o universo que irá ser abrangido, qual o valor do subsídio, nem como irá ser implementado. Era necessário que o Governo, nesta matéria, clarificasse mais.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Jesus.

O Sr. Fernando Jesus (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social, começo por felicitar V. Ex.ª e o Governo pela apresentação dá presente proposta de lei, que cria o rendimento mínimo a todas as famílias economicamente pobres.
Tratando-se de uma promessa eleitoral do PS, que consta do programa eleitoral do Governo, esta iniciativa deve ser, por conseguinte, digna de registo por parte desta Assembleia, porque traduz o cumprimento de uma promessa justa, situação que só deve orgulhar os Deputados, o Governo e toda a classe política em geral. E deviamo-nos orgulhar porque se trata de uma medida da maior importância social dirigida aos mais excluídos da sociedade. Enquanto houver um português sem emprego, sem um tecto, sem meios para comprar os medicamentos que precisa, com os seus filhos nas piores condições de acesso a uma vida condigna, nenhum português, nenhum Deputado, nenhum governo, se pode considerar plenamente realizado. É por isto que digo que esta proposta de lei deve merecer desta Câmara o maior regozijo e satisfação. Numa altura em que são conhecidos os enormíssimos problemas económicos do País, numa altura em que a segurança social se debate com os maiores estrangulamentos financeiros, é de toda a oportunidade registar a atenção e o esforço. que o Governo demonstra na atenção que dá aos mais desfavorecidos da sociedade.
Sr. Ministro, depois destas palavras, permita-me que o questione sobre a filosofia do funcionamento da presente proposta de lei.
O artigo 16.º cria as comissões locais de acompanhamento, porém, a sua composição não contempla de forma imperativa as autarquias locais. Ora, como sabemos, a situação dos mais desfavorecidos, dos excluídos ou dos sem abrigo, é um problema com que se debatem diariamente as autarquias locais, que, indiscutivelmente, através dos seus departamentos de acção social, já hoje prestam o inegável serviço de apoio a este segmento de cidadãos.
Pergunto: por que é que as autarquias não fazem parte das entidades previstas no n.º 2 do artigo 16.º?
A segunda pergunta tem a ver com o seguinte: a proposta de lei prevê a sua entrada em vigor em 1 de Julho de 1996 apenas para os projectos-piloto aí previstos, que hão-de ser regulamentados pelo Governo. Poderá o Sr. Ministro adiantar a esta Câmara informação sobre o âmbito e a incidência desses projectos-piloto?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Filomena Bordalo.

A Sr.ª Filomena Bordalo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social, em meu entender, estamos aqui com alguma confusão de conceitos, porque simultaneamente se fala em rendimento mínimo garantido e em rendimento mínimo de inserção, mas, a meu ver, esta não é a sede própria para os esclarecer.
O que é que estamos aqui a discutir? Estamos a discutir uma proposta de lei, como já foi dito, com 24 artigos, para entrarem em vigor daqui a mais de um ano. Estamos a discuti-la para ser aprovada a curto prazo. Dos 24 artigos dessa lei apenas quatro terão aplicação a curto prazo, e esses quatro supõem o desenvolvimento de projectos-piloto experimentais de acção social, que englobem um programa de inserção social e a concessão de um subsídio eventual, e que haja uma fase de experimentação social. Tudo isto é dito na proposta de lei. Constato também que, da parte do Ministério que V. Ex.ª dirige, tem havido um esforço sério de reforma estrutural da segurança social.
Ora, uma das perguntas que desejo fazer a V. Ex.ª é se não será isto o empilhar de mais uma lei, para vigorar daqui a um ano, quando simultaneamente estão a ser anunciadas medidas estruturais, em termos de prestações sociais às famílias, nomeadamente às mais carenciadas.
Por outro lado, a Recomendação n.º 92/441/CEE, que o Governo português assinou em 1992, vai no sentido de ser criado e instalado um dispositivo global e coerente de luta contra a exclusão social.
Considerando a experiência do nosso país em iniciativas nesta matéria, pergunto: nesta fase experimental, não seria melhor que esses projectos-piloto fossem enquadrados nas iniciativas dos programas de luta contra a pobreza, retirando daí as conclusões próprias, para, depois, po-

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dermos decidir seriamente e de uma forma mais segura sobre esta questão?
Gostaria de recordar que 70% dos pobres são pensionistas, como V. Ex.ª saberá certamente, e o esforço que já existe em legislação de segurança social, no sentido de garantir um rendimento mínimo às pessoas reflecte-se nos mínimos categoriais, na pensão social, no subsídio social de desemprego e por aí adiante. Temos, por exemplo, um decreto que define um apoio mínimo, um esquema mínimo de protecção social.
Assim, pergunto: não seria muito mais lógico, muito mais eficaz, muito mais racional, neste edifício complexo que é a segurança social, partirmos para uma análise dos instrumentos já existentes, nomeadamente a pensão social, e adequar esse diploma, esse mecanismo, às circunstâncias actuais da população portuguesa?
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social, antes de dar-lhe a palavra, para responder, permito-me lembrar que ainda há um outro pedido de esclarecimento.
Tem a palavra.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, pedi a palavra apenas para dizer que havia comunicado ao Sr. Secretário que, havendo sete inscrições, o Sr. Ministro responderia às três primeiras e depois às quatro restantes.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, mas a informação não chegou cá. Fica registado.
Assim, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social, a proposta de lei, permita-me que lhe diga, em meu entendimento, não é mais do que uma esmola travestida de Direito.
O Sr. Ministro disse há pouco que 20 000$/mês não estimulariam com certeza em ninguém, em nenhum português, o desejo de largar um emprego para passar a viver apenas do rendimento mínimo. Estou plenamente de acordo consigo, mas tenho de fazer-lhe uma pergunta. Pensa o Sr. Ministro, acredita o Governo, que 20 000$/mês são suficientes para combater a exclusão social, para reduzir a toxicodependência, como referiu? Serão 20 000$/mês que combaterão o ostracismo e conseguirão colocar no mercado de trabalho aqueles que dele foram arredados?
Esta proposta de lei, Sr. Ministro, tem uma particularidade que o PP tem de registar e de realçar. Ao contrário das expectativas criadas pelo Partido Socialista no programa eleitoral que distribuiu pelo País e no Programa de Governo apresentado e votado nesta Câmara, este rendimento mínimo está, em minha opinião, ferido de alguma inconstitucionalidade, porque, ao enveredar por escolher o método a que chama projectos-piloto, vai atribuir um direito subjectivo a um rendimento garantido pelo Estado, e que, portanto, é pago por todos os portugueses, mas que só alguns receberão. Assim, tenho de perguntar: como é que vai ser feita. essa escolha? Que projecto-piloto é este? Vão ser apenas freguesias? Algumas regiões?
Se for essa a metodologia, Sr. Ministro, então, estamos perante um problema muito grave: estamos, nesta Câmara, a promover, se aprovarmos esta lei, a migração em Portugal, a migração dos pobres para bolsas de pobreza.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Essa agora!

O Orador: - Porque, Sr. Ministro, se só algumas freguesias forem contempladas com o rendimento mínimo, o que é natural, o que é legítimo é que os portugueses que vivam noutras freguesias, em outros pontos do País não contemplados na proposta de lei, tendam a ir para essas freguesias, para obter esse rendimento.
Se não é assim, explique-nos - porque a proposta de lei não é clara, para não falar da técnica legislativa utilizada - o que é um projecto-piloto? Porque, esta metodologia, Sr. Ministro, nós conhecíamos.
Se o Governo tem dúvidas em relação à eficácia do rendimento mínimo e que è experimentar com pessoas, se é por isso que apresenta esta fórmula de projecto-piloto, então, Sr. Ministro, temo e receio que esta solução seja acompanhada, eventualmente copiada, por outros colegas seus e por outros ministérios, porque os portugueses não podem continuar a servir de cobaias.
Quando instituímos um direito, e queremos que seja um direito subjectivo - como o Sr. Ministro afirmou, um direito, uma prestação, um regime não contributivo, financiado, conforme dispõe a Lei de Bases da Segurança Social, pelo Orçamento do Estado, portanto, pela via dos impostos -, deve ser para todos os portugueses. Então, por que é que alguns têm direito a ele e outros não? Responda, por favor, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social.

O Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, verifico com satisfação que encara positivamente a proposta de lei.
É evidente que estamos aqui, em sede própria, para discutir a política económica e social do Governo, e estou convencido de que a actual política é aquela que mais se aproxima da estrutura de uma política global de desenvolvimento. Portanto, não vejo que haja qualquer contradição entre o que se está a defender na área da política económica, na área da política social - aliás, a própria intervenção que eu fiz teve o cuidado de tentar explicitar essa convergência.
Sobre a forma de efectivação da lei na Administração Pública, aquilo que posso dizer-lhe é que, neste momento, há uma forte articulação com a Secretaria de Estado da Administração Pública para que o sector da segurança social seja considerado prioritário em matéria de descongelamento e de absorção de novos quadros qualificados e jovens.
Sr. Deputado Fernando Jesus, agradeço as suas observações. As autarquias locais só não estão incluídas no mesmo ponto dos organismos da Administração Central porque não nos pareceu correcto que a Assembleia da República obrigasse as autarquias locais numa proposta

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como esta. Entendemos que devem ser as próprias autarquias locais a inserirem-se neste programa de forma voluntária e activa e estamos convencidos de que isso vai acontecer. Do nosso ponto de vista, o contrário é que seria criticável.
O âmbito dos projectos-piloto, como o de todas as amostras, pretenderá ser exemplar do ponto de vista das conclusões que possam tirar-se a nível nacional.
Sr.ª Deputada Filomena Bordalo, agradeço as palavras dirigidas. Só a aprovação dos artigos que têm a ver com o curto prazo permitirá que haja uma lógica coerente, realista e efectiva na proposta de lei para que esta possa vir a ter êxito em todo o País a partir de 1 de Julho de 1997. Não se trata de uma lei igual a tantas outras; para nós, esta lei é muito importante, fundamental mesmo, e paradigmática da nossa postura, nos últimos anos, no debate político da Assembleia da República e dos compromissos que assumimos perante o país. Portanto, é uma base essencial.
Quanto ao que a Sr.ª Deputada referiu sobre o que se passou entre 1992 e 1995 e no que diz respeito à razão por que não se faz agora algo diferente relativamente a aspectos inovados muito parcelarmente nesta matéria, como os programas contra a pobreza, devo dizer-lhe, por aquilo que conheço, e ainda estamos a fazer um diagnóstico projecto a projecto,. seria um mau sinal se a extensão dos actuais projectos contra a pobreza fosse o paradigma para o rendimento mínimo garantido mas suponho que daqui a algum tempo poderei fundamentar com mais informações concretas a afirmação que agora estou a fazer.
Quando pergunta por que é que, havendo tantos mínimos na segurança social, não se tenta desenvolver e alargá-los, é facto que, durante alguns anos, essa não foi a resposta dada durante o debate político travado nesta Câmara. A questão foi sempre colocada erradamente em termos financeiros. Vejo que a Sr.ª Deputada coloca a questão em termos políticos, em termos de doutrina estratégica social, e espero que isso tenha correspondência com a atitude geral da sua bancada no momento da votação.
Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, devo dizer que o seu foi o pedido de esclarecimento mais surpreendente deste debate, visto que, a um partido que se preocupa tanto com a despesa e o défice, fazer afirmações tão fáceis como a de que o rendimento mínimo é uma esmola travestida de direitos não fica bem.
Não é verdade que haja alguma inconstitucionalidade. Muito pelo contrário, toda a lógica jurídica subjacente ao período experimental teve um determinado tratamento exactamente para ser ultrapassada qualquer hipótese de inconstitucionalidade apregoada por alguns políticos em Portugal e que, neste momento, está inteiramente ultrapassada. Como há pouco afirmei, repito que as freguesias serão seleccionadas exprimindo a realidade do País e que o maior absurdo que ouvi aqui foi essa história da migração de freguesia para freguesia para se ter acesso a uma prestação social como o rendimento mínimo garantido. O seu pedido de esclarecimento é de um absurdo tão grande que só é comparável com o carácter construtivo e positivo ao da sua colega de bancada Maria José Nogueira Pinto.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Mas responda a isso!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a aproximação do recém realizado Congresso do PSD e perante a inevitabilidade de ter de enfrentar um partido de novo revigorado e combativo, o Partido Socialista concebeu um expediente que visava retirar a iniciativa política à nova direcção social-democrata. Assim, de uma forma completamente precipitada e leviana, anunciou o início de um processo político-legislativo que o bom senso aconselhava a ser conduzido sem pressas, com muita prudência e assente numa alargada base negocial.
Refiro-me obviamente ao projecto de regionalização político-administrativo do País cujos passos voluntaristas das últimas semanas procuravam, na óptica socialista, juntar o útil ao agradável.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já não estamos no período das declarações políticas.

O Orador: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, sei que nesta fase da ordem do dia V. Ex.ª está de braço dado com o Partido Socialista mas tenha calma que já vamos ao rendimento mínimo.
Como dizia, procurava o Partido Socialista juntar o útil ao agradável e retirar espaço de afirmação à nova equipa dirigente social-democrata e ao seu líder; depois, dar estabilidade a uma maioria ameaçada por querelas dos boys que ainda persistem sem jobs. E, por falar de jobs, hoje é um dia que faz algum sentido lembrar porque VV. Ex.as acabaram de sanear hoje à tarde um técnico de primeira água, o Dr. Silva Peneda, para além de os sindicatos da função pública já terem vindo a terreiro dizer que os tais concursos públicos que querem impingir para nomear pessoas são uma forma de partidarização escandalosa da Administração Pública portuguesa.

Aplausos do PSD.

Finalmente, visavam igualmente, com essa manobra táctica, criar uma cortina de fumo que encobrisse a realidade cada vez mais negra de um país em derrapagem em consequência da acção de um Governo sofrível e desorientado.
O levantamento imediato e generalizado da opinião pública contra a atitude ligeira e pouco democrática do Partido Socialista tornou a sua iniciativa num enorme boomerang que já desfigurou, de forma irreversível, uma das principais bandeiras eleitorais do Primeiro-Ministro António Guterres e refiro-me à bandeira da abertura e do diálogo com a sociedade civil.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, todas as grandes bandeiras em que assentou o sucesso socialista têm sido dizimadas pela análise fria das suas opções governativas. A «etiqueta» de uma nova seriedade e transparência na gestão da coisa pública foi abalada pela sucessão de «casos» envolvendo membros do Governo e destruída pela corrida despudorada a todo e qualquer lugar da Administração Pública. O «rótulo» de competência e operacionalidade estremeceu com as guerras entre Ministros independentes e Secretários de Estado militantes e esboroou-se com uma lógica governativa que assenta na suspensão, no adiamento ou no simples esquecimento das medidas prometidas.
Hoje, com esta iniciativa, o Ministro Ferro Rodrigues atinge, penso que de forma involuntária, duplamente o seu partido e o seu Governo: atinge não só a tentativa vã de prolongar um estado de realidade virtual em que a discus-

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são sobre o processo de regionalização havia mergulhado o País como também a única bandeira socialista que ainda se mantinha de pé - a imagem de uma nova maioria de rosto humano por ser capaz de ter uma política social consequente.
O debate que se iniciou há poucos minutos e a que estamos a assistir é pois um boicote do Ministro Ferro Rodrigues ao fundamentalismo encobridor do Sr. Deputado Jorge Lacão e dizem que também do Sr. Deputado José Magalhães e, como irei denunciar mais adiante, uma denúncia indirecta do falhanço das políticas económicas e de emprego do actual Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A ideia do rendimento mínimo garantido, que foi uma arma de arremesso político utilizada pelo PS enquanto oposição e mesmo uma promessa eleitoral emblemática da actual maioria, transforma-se hoje, em função da apresentação da sua fórmula concreta, em mais uma iniciativa descredibilizadora da acção do Executivo socialista:
A análise substantiva da proposta agora formulada permite-nos considerar que ela desmascara retroactivamente o comportamento demagógico e politicamente pouco sério da oposição socialista e redunda numa opção economicamente errada, socialmente inconsequente e politicamente desfasada no tempo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Partido Socialista introduziu esta temática no debate político ao apresentar, na anterior Legislatura, um projecto de lei que previa a criação do rendimento mínimo garantido e também quando apoiou na anterior Legislatura idêntica iniciativa formulada pelo Partido Comunista Português.
Nesse momento, as propostas socialisto-comunistas apontavam para a criação de uma nova prestação social de combate a fenómenos de pobreza e exclusão manifestamente relevantes com carácter imediato, geral e universal.
O Partido Socialista quantificou mesmo os seus custos e chegou a tentar incluir uma verba com essa finalidade em dois orçamentos do Estado, curiosamente, de uma vez, 50 milhões, de outra, passou para 20 milhões e agora já vai em 16 milhões. De facto, o Partido, Socialista não estudou a matéria e não sabe quanto vai gastar com esta medida.

Aplausos do PSD.

Foi ainda com carácter de imediatismo, generalidade e universalidade que esta medida foi introduzida no programa eleitoral do Partido Socialista português. Seis meses depois, como em relação a muitas outras matérias, deu-se uma metamorfose.
Uma medida de cariz nacional transformou-se numa iniciativa a aplicar de forma experimental num conjunto escasso de freguesias, predominantemente do norte do País. A evolução deste processo passou a ser equacionada de forma cautelosa e definido como horizonte para a sua aplicação generalizada o final do mandato do actual Executivo, ou seja, o final deste século.
Esta atitude é paradigmática da discrepância de posições entre o PS oposição e o PS Governo. A evidência desta dissonância ganha uma particular gravidade dado ter sido em larga medida graças a propostas levianas como esta, que nunca previu cumprir nos termos em que as apresentou, que o Eng.º António Guterres chegou a Primeiro-Ministro de Portugal. Eu estaria quase tentado a dizer que o Ministro Ferro Rodrigues, que é um homem estudioso, depois de ter estudado a lição, apresenta esta medida titubeante porque já não acredita na eficácia do rendimento mínimo garantido.
O mesmo já ficou provado, contudo, com o comportamento que os socialistas assumiram em relação a outras promessas eleitorais, como as que previam aumentos orçamentais para a educação e saúde, a duplicação de verbas a afectar ao poder local ou os aumentos salariais significativos para certos corpos especiais da Administração Pública.
Mas passemos à análise objectiva das propostas hoje em discussão: a iniciativa socialisto-comunista encerra em si própria o gérmen da irracionalidade económica e da ineficácia social. O seu cariz estatizante conduzirá a um aumento de funcionários e de burocracia no âmbito dos centros regionais e do aparelho central de tutela da segurança social ou, em alternativa, obrigará muitos dos actuais quadros a canalizar a sua atenção e disponibilidade para a gestão de processos morosos e complexos.
Em qualquer circunstância, directa ou indirectamente, o resultado será a ineficiência e também o aumento de custos de funcionamento de uma máquina já de si cara, lenta e pesada.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a instituição do rendimento mínimo garantido será ainda um desincentivo adicional à busca de emprego para sectores de desempregados com problemas específicos, normalmente cobertos por outro tipo de programas, e também para certos grupos sociais que têm visto a sua taxa de actividade baixar em paralelo com a crise económica - no primeiro caso, o exemplo engloba entre outros, deficientes, alcoólicos crónicos e toxicodependentes; no segundo, jovens e, mulheres.
A criação desta nova prestação social poderá ainda conduzir, Sr. Ministro, como já foi aqui hoje afirmado, à busca artificial, sistemática e generalizada das condições que permitem a sua atribuição. O facto, que lamentamos mas é real, de ainda existirem muitos cidadãos que subsistem com rendimentos de trabalho próximos do salário mínimo nacional tornará pouco relevante a diferença entre o usufruto de uma magra contribuição salarial e o benefício de um rendimento quase semelhante, ainda por cima aferido de acordo com uma lógica familiar. É, pois, provável que muitas famílias ponderem optar pelo rendimento mínimo garantido em inactividade, ao contrário do que V. Ex.ª tentou defender há pouco, em detrimento do benefício de manter um posto de trabalho muitas vezes distante, cansativo é relativamente mal pago.
Contudo, o mais grave do ponto de vista do médio/longo prazo em termos políticos, económicos e orçamentais reside no carácter de irreversibilidade que acaba por condicionar este tipo de opções políticas.
A generalidade dos países, como o Sr. Ministro muito bem sabe, que adoptaram mecanismos semelhantes gostaria de eliminá-los, teria vontade de nem sequer os ter começado, como V. Ex.ª já tem hoje, só que não consegue fazê-lo porque estes, uma vez instalados, auto-alimentam-se à custa de uma pletora de novos funcionários que defendem os seus empregos e de uma multidão de subsidio dependentes que se adaptou a viver em limiares baixos de pobreza mas com remuneração garantida.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, outros exemplos já demonstraram que a pressão que situações semelhantes tem originado sobre os orçamentos da segurança social de vários países europeus devia ser dissuasora de mais esta

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aventura socialista. Sr. Ministro, olhe para o exemplo francês: em escassos quatro anos, entre 1989 e 1993, duplicou o investimento que o Orçamento do Estado teve de fazer neste tipo de prestação e é para isso ou para pior que V. Ex.ª tem de preparar-se.
Aplausos do PSD.

O rendimento mínimo garantido é também uma medida ineficaz do ponto de vista social cujos efeitos perversos podem mesmo colocar em causa o apoio e a defesa de muitos dos mais carenciados da nossa sociedade.
Ao ser uma medida com um carácter geral é cega e inespecífica, ao contrário das múltiplas prestações e programas que já neste momento têm condições para cobrir quase todas as situações sociais de risco. Ao substituir-se a muitos desses programas está a retirar a muitos cidadãos carenciados um apoio que era dirigido de uma forma particular aos seus problemas concretos.
Na prática, uma medida indiscutivelmente bem intencionada pode transformar-se num instrumento de estruturação sólida e irreversível de fenómenos muito específicos de marginalidade, pobreza e exclusão social. Se, pelas razões que já evocámos, esta iniciativa socialisto-comunista é pois uma medida errada do ponto de vista do seu alcance económico-social, torna-se num acto completamente falhado ao aparecer completamente fora de tempo face à realidade política nacional.
Este tipo de protecção social tem surgido historicamente ligado à necessidade de fazer face a situações de pobreza e exclusão estruturadas mas em quadros estáveis de economias fortes e, em muitos casos, em expansão.
Em algumas circunstâncias os fenómenos que desta forma se procuravam combater resultaram eles próprios dos efeitos perversos de crescimentos económicos excessivamente rápidos, principalmente nos grandes centros urbanos. Acontece que, infelizmente, Sr. Ministro, não é esta a situação, neste momento, em Portugal muito por vossa culpa. E porque a gestão política e as grandes linhas de política económica e social do actual Governo estão a conduzir o País para uma crise potencialmente grave.
Escassas semanas após a aprovação do Orçamento do Estado, as profecias - VV. Ex.as é que diziam que eram profecias - do Grupo Parlamentar do PSD estão infelizmente a concretizar-se.

O Sr. António Braga (PS): - Não se vê nada!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Vê-se bem!

O Orador: - As taxas de crescimento do Produto são todos os dias revistas em baixa por instituições nacionais e internacionais independentes,...

O Sr. António Braga (PS): - Isto é o «Velho do Restelo» a falar!

O Orador: - Oiça, Sr Deputado António Braga! V. Ex.ª tem de ouvir isto para arranjar argumentos para responder.
O investimento e o consumo privados paralisaram, o desemprego aumentou de uma forma exponencial e o investimento público, que poderia ser a tábua de salvação, será canalizado na altura própria - leia-se Orçamento do Estado suplementar que terão de apresentar no Outono - para despesas de funcionamento de políticas crescentemente despesistas.
Neste quadro de recessão indiciada e de desemprego galopante, a iniciativa do bem intencionado Ministro Ferro Rodrigues é, como já afirmei, um acto falhado. Mas V. Ex.ª tem de responsabilizai pelo boicote à sua iniciativa os seus colegas Sousa Franco e Maria João Rodrigues.
A aplicação do rendimento mínimo garantido pode significar, nestas circunstâncias, a generalização alargada desta medida a uma circunstancial legião de desempregados resultantes da crise económica. A sua aplicação inicial com uma base tão alargada poderá levar a uma pressão insuportável sobre o sistema de segurança social de forma a nem sequer permitir que as reformas de fundo, já prometidas pelo actual Ministro, venham a ver a luz do dia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São estas disfuncionalidades a que me referi no início desta intervenção que farão com que, no próximo Outono, não tenham condições para coexistir no mesmo Governo a política económica fracassada do Doutor Sousa Franco, a inexistente política de emprego da Ministra Maria João Rodrigues e a política de voluntarismo social do Ministro Ferro Rodrigues.
Dada a evolução da situação do País, atrevemo-nos a antever - também aqui vamos fazer uma profecia, Sr. Ministro! - que o Ministro Ferro Rodrigues será o único sobrevivente desta trindade quando o actual Governo vier ao Parlamento defender o Orçamento do Estado para 1997.
Aplausos do PSD.

Só que essa sobrevivência é porventura boa para V. Ex.ª mas é um mau sinal para o Governo. É a sobrevivência do bombeiro com o despedimento, por incapacidade, do limpa-florestas e do guarda-fogo.
O PSD votará contra as propostas hoje apresentadas pela coligação socialisto-comunista.
Sob a capa de medidas bem intencionadas, este pacote legislativo conduzirá invariavelmente à institucionalização da exclusão e ao aumento de dificuldades no âmbito do já sofrido orçamento da segurança social.
Em alternativa, estimulamos o Governo a inflectir caminho e a apostar em políticas de crescimento económico que são as únicas susceptíveis de criar emprego e libertar recursos para o combate a todas as formas de exclusão social. Em paralelo, estimulamo-lo também a aproveitar cabalmente os instrumentos já existentes para, no âmbito das políticas sociais, combater todos os casos de pobreza e carência social.
O Partido Socialista e a esquerda não têm obviamente o monopólio da solidariedade e das preocupações sociais...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... e o mínimo que poderemos exigir e que lhes vamos cobrar é que, no final do seu mandato, consigam fazer pelos menos favorecidos da nossa sociedade aquilo que foi alcançado pelos Governos do Professor Cavaco Silva.
Aplausos PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os seguintes Srs. Deputados: Strecht Ribeiro, Maria José Nogueira Pinto e Gonçalo Almeida Velho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, ouvi-o com a atenção devida e notei que nenhuma das reformas avançadas pelo Partido Socialista lhe servem.

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Para espanto meu, ouvi-o dizer que submeter a concurso público o recrutamento e a selecção de directores de serviço e chefes de divisão para os quadros da Administração Pública era - expressão sua - uma tentativa do Partido Socialista de nomear os seus boys. Ora, isto é espantoso, pois eu não sabia que, através de concurso público, alguém nomeava alguém, antes julgava que o concurso público é a única forma de recrutar seriamente quem quer que seja. Mais espantoso ainda é que o seu ex-colega de bancada, Dr. Fernando Nogueira, referiu em tempos que, enquanto estiveram no governo, os senhores nomearam cerca de 5000 boys.

Vozes do PS: - Ou mais!
Protestos do PSD.

O Orador: - Oiçam, Srs. Deputados!
Sr. Deputado, a pergunta que quero fazer-lhe é simples: terão os senhores medo que todos aqueles vossos boys não sejam suficientemente competentes para, em concurso público, lograrem obter o respectivo provimento? É isto que o assusta, Sr. Deputado?
Aplausos do PS.

A segunda pergunta é muito simples e tem a ver com uma questão de informação que o Sr. Deputado deveria ter e não tem: ou não a tem deliberadamente porque usa de má fé ou não a tem porque não se informou e então é, no mínimo, negligente.
O Sr. Deputado tentou fazer passar várias coisas, uma das quais - e é sobre essa que vou inquiri-lo - foi a de dizer que a segurança social, coitadinha, qualquer dia não segurava ninguém porque até o rendimento mínimo garantido iria «comer» ao orçamento da segurança social. Ora, o Sr. Deputado sabe muitíssimo bem que isso não é verdade e que há uma verba própria inscrita no orçamento para esse efeito e, portanto, este em nada fica afectado...

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Strecht Ribeiro, se consente a interrupção, devo avisa-lo que descontará no seu próprio tempo que já não é muito.

O Orador: - Então, termino aqui, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, responde já ou prefere fazê-lo por junto no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, após ter ouvido a sua intervenção, não resisto a fazer algumas observações.
Penso que a sua intervenção teve subjacente um raciocínio bastante brilhante mas o senhor esqueceu que, em Portugal, neste momento, existem muitos pobres.

Aplausos do PS.

E quando falou da tribuna dos oradores, não o vi fazer o que penso ser a nossa obrigação, que é a de, no caso de não concordar com esta proposta de lei da forma tão radical quanto afirmou, apresentar um projecto de lei alternativo - eu própria também não concordo com alguns aspectos, mas, como concedo o benefício da dúvida, foi por isso que não o fiz.
Assim, gostaria de saber o que vai fazer a sua bancada em relação a milhares e milhares de pessoas que vivem abaixo dos limiares dignamente suportáveis, muitas das quais chegaram a esta situação na sequência de 10 anos de governo do Partido Social Democrata...

Aplausos do PS.

Digo isto com todo o à-vontade até porque toda a gente conhece as minhas posições em relação ao Professor Cavaco Silva.
No entanto, devo dizer que lamentei sempre que o governo do Professor Cavaco Silva, sobretudo na recta final, não tivesse tomado em consideração estes problemas, quer pelas boas quer pelas más razões.
Portanto, a pergunta que coloco é no sentido de saber, para além da análise que fez de um país que - também é seu e que a sua própria bancada governou, quais são as alternativas que tem para apresentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Almeida Velho.

O Sr. Gonçalo Almeida Velho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, ouvi-o atentamente e não fui eu que citei o nome do seu ex-colega de bancada, Silva Peneda. Mas, se bem se recorda, à data de 24 de Junho de 1992, ele assinou, porque presidia a um Conselho de Ministros da Comunidade Europeia...

Vozes do PSD: - Isso já é velho!

O Orador: - Não é tão velho quanto isso!
Sr. Deputado, passo directamente a uma das perguntas que quero colocar-lhe.
Desde aquela data e não contando com a actual legislatura, os senhores tiveram 40 meses, 1200 horas, para apresentarem um projecto alternativo que respeitasse esta recomendação da Comunidade mas não o fizeram. E há mais, Sr. Deputado. Vindo de si, um «profeta» que subiu àquela tribuna falando-nos de profecias, permita-me desconfiar: fez tantas profecias no seu partido, ao longo dos últimos quatro anos, mas não acertou uma única.
Digo-lhe mais: tenho à minha frente uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado, subscrita por si, a qual prevê a eliminação completa do rendimento mínimo garantido. Esta é uma das muitas propostas que os senhores fizeram.
Assim, pergunto: os senhores, que, em 1933/1994, nos acusavam de não fazermos oposição séria, que oposição fazem agora?
Faço-lhe um pedido e um desafio: votem favoravelmente esta proposta de lei e, depois, em sede de comissão, discutam-na e apresentem propostas de alteração sérias pois é isso que esperamos da vossa parte.
Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

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O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Strecht Ribeiro, tendo começado por dizer que estou mal informado, V. Ex.ª colocou-me uma questão que tem a ver com a defesa que faz dos concursos públicos para a ocupação de cargos no topo da Administração Pública e atacou-me por ter dito que esses concursos públicos poderiam transformar-se numa nomeação ultra partidarizada de quadros. Sr. Deputado, sabe porque é que eu disse isso?

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Não ouviu nada!

O Orador: - V. Ex.ª é que deve ter estado aqui todo o dia sem ouvir nada! É que eu ouvia Conferência dos Sindicatos da Administração Pública fazer um ataque violentíssimo, citando exemplos, alínea a alínea, ao escândalo do que é o vosso projecto. Portanto, Sr. Deputado, se alguém está desenformado não sou eu, é V. Ex.ª.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Passo ao que V. Ex.ª disse sobre a ocupação de cargos na Administração Pública, referindo, como sempre, essa «cartilha» sobre o debate na televisão.
Sr. Deputado, sendo 5000 os lugares de topo na Administração Pública, entre centenas de milhar de funcionários, é óbvio que com a lógica de organização do nosso sistema político-administrativo qualquer governo tem de fazer nomeações para esses lugares! Mas sabe quem nomeámos? O Professor Braga da Cruz, que os senhores nomearam hoje mesmo para Presidente da CCR Norte, a Ministra Elisa Ferreira, o Dr. Freire de Sousa, o Eng.º Ricardo Magalhães. Quer que lhe dê mais nomes e que fazem parte do vosso Governo?

O Sr. José Magalhães (PS): - Mesmo assim, ainda faltam 4000!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, estes são exemplos marcantes e paradigmáticos do que foi o nosso comportamento de isenção!
VV. Ex.as deveriam ter consideração por técnicos que têm defendido o País com isenção e é inacreditável que o ex-ministro Silva Peneda tenha tido conhecimento, pelos jornais, que ia ser saneado hoje, quinta-feira! Nem um telefonema lhe fizeram! E este o respeito que VV. Ex.as têm pelos detentores de altos cargos da Administração que têm servido com lealdade, com segurança e com credibilidade a Administração Pública portuguesa. Isto é uma realidade e é uma vergonha!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Srs. Deputados, o que, fundamentalmente, está subjacente à minha intervenção é alertar o País para aquela que está a ser a lógica de governação do Partido Socialista, a lógica do experimentalismo. VV. Ex.as estão a dar o pontapé de saída para um conjunto de decisões políticas que sabem como vai começar, mas não como vai terminar!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Refiro-me às portagens virtuais para onerar as futuras gerações, ao rendimento mínimo, que não sabem quantificar quanto vão gastar a prazo, ao processo de regionalização sem consensos nacionais, à nacionalização indirecta de empresas falidas sem saber que podem ficar eternamente com elas nos braços. É esta lógica de experimentalismo que está a pautar a vossa actuação e é contra ela que nos batemos!
A Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto perguntou se não temos preocupação em relação a fenómenos de pobreza.

Vozes do PS: - Não!

O Orador: - Existem fenómenos de pobreza na nossa sociedade, Sr.ª Deputada, e V. Ex.ª sabe que parte deles resultam da crise económica, outra parte do esforço de modernização da nossa economia e outros são ainda, talvez, efeitos perversos do próprio desenvolvimento, particularmente dos grandes centros urbanos.
Sr.ª Deputada, sabe como é que resolveríamos este problema? Não acabávamos com as propinas nem, levianamente, com a barragem de Foz Côa, nem com as portagens, e com isso já íamos em 50 milhões de contos! 

Protestos do PS.

Já viu o que seriam 50 milhões de contos empregues em medidas activas para criação de empregos ou para ajudar os nossos empreendedores a progredir e a criar mais postos de trabalho?! Seria esta a nossa posição, ou então, com o remanescente, apoiaríamos um conjunto de projectos que V. Ex.ª sabe que, pelo menos em teoria, atingiriam a universalidade daqueles que são carenciados.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado: Já ultrapassou em muito o tempo de que dispunha para usar da palavra.

O Orador: - Sr. Presidente, para terminar, gostava de dizer o seguinte ao Sr. Deputado Gonçalo Almeida Velho: prefiro falhar profecias dentro do meu partido, porque no meu partido há solidariedade!

Vozes do PS: - Aqui também!

O Orador: - Foi no vosso partido que os congressos e as mudanças de - líder vos puseram «à turra e à maça» durante 10 anos e privaram Portugal de ter uma oposição credível!
Protestos do PS.

Nós fazemos as nossas guerras nos congressos, mas a seguir, como pode ver, aqui estamos unidos a demonstrar que os senhores são uma maioria que não presta e não interessa ao País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Definitivamente, está instalada a confusão no seio do PSD e na sua bancada.
Há pouco, o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa veio dizer que o rendimento mínimo tem a sua fonte de financiamento na segurança social e não no Orçamento do Estado, ou seja, não conseguiu perceber sequer que é o Orçamento do Estado que financiará o rendimento míni-

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mo garantido e não uma qualquer outra situação, o que também significa que, em circunstância alguma, necessitaremos de prestar grande atenção ao que serão os resultados do Livro Branco sobre a Segurança Social para podermos, desde já, avançar com a criação do rendimento mínimo garantido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A mesma confusão, pelos vistos, instalou-se na cabeça do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, que acabou por nos brindar com a intervenção que todos ouvimos e que, de alguma maneira, conduz ao mesmo erro.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O PS, pela voz do seu líder, Eng.º António Guterres, no início de 1992, reclamou a institucionalização do rendimento mínimo garantido, tornando claro para a sociedade portuguesa que era indispensável dar prioridade à justiça social.
As instâncias comunitárias, denotando idênticas preocupações, discutiam na altura a hipótese de aprovação de uma directiva - pasme-se! - ou recomendação comunitárias. Perante a impossibilidade do necessário consenso na aprovação de uma directiva, que mereceu duras críticas dos parceiros sociais comunitários mais sensíveis à pobreza e à exclusão social, foi aprovada no início da segunda metade do ano de 1992 uma recomendação aos Estados membros que o Governo de então aproveitou para destacar como um dos aspectos mais relevantes da presidência portuguesa no capítulo social.
Só que o relevo e a importância dados à recomendação comunitária pelo referido Governo foi apenas para europeu ver! Quando confrontados com a necessidade de dar corpo a tão importante recomendação social, apressaram-se a rejeitar os projectos de lei que visavam a sua consagração na legislação portuguesa.
Hoje, a avaliar por comportamentos recentes, traduzidos em posições inconsequentes que denotam total desorientação e até alguma irresponsabilidade política, poderemos vir a assistir - sabe-se lá! - à negação dessas posições e observar um voto bem diferente daquele que observámos há algum tempo.
Estamos seguros que já ninguém estranhará esses comportamentos do PSD. Os ventos que sopram da S. Caetano à Lapa, para além de não trazerem nada de bom para a sociedade portuguesa, traduzem claramente uma nova era: a era da desresponsabilização e da negação de valores em que acreditavam; a era da fuga para a frente, na tentativa desregrada de branqueamento da imagem de insensibilidade social dos últimos 10 anos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: As referências ao passado, que mais uma vez aproveitamos para evidenciar, têm um único objectivo: dar o indispensável relevo às diferenças de comportamento na concretização de compromissos assumidos com os cidadãos eleitores.
O PS sempre tratou os cidadãos como pessoas e teve na justiça social um princípio orientador. Pois bem, aí está a diferença entre quem promete e quem, em dois mandatos sucessivos, prometeu, reafirmou e, posteriormente, fruto da vontade de um só homem, abandonou e negou tudo quanto havia prometido!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A consagração em lei do rendimento mínimo garantido será finalmente um facto e uma medida

de grande alcance social que marcará a diferença neste fim de século.
Marcará a diferença, porque se trata de uma medida que visa a criação de condições para uma efectiva inserção dos excluídos na vida activa. E os pressupostos da sua atribuição passam pela disponibilidade activa para o trabalho ou para acções de formação ou inserção profissional e, simultaneamente, constituem um direito social para quem, em resultado da idade ou da saúde, não possua condições ou rendimentos que lhes permita uma vida minimamente digna.
É que a conjugação dos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa com os previstos no Acto único Europeu só podem merecer dos Estados membros uma atitude: respeitar a dignidade humana e assumir com determinação e sentido de responsabilidade os custos inerentes ao exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Determinação e responsabilidade, porque à aplicação de um princípio de justiça, social não podem corresponder rendimentos garantidos em patamares financeiramente irrealistas e incomportáveis para a situação económica do País. Quem conhece a dimensão do custo de vida dos nossos dias sabe bem as dificuldades que se colocam àqueles que dispõem de apenas 20 contos ou menos para garantir a sua subsistência com um mínimo de dignidade.
Mas as disponibilidades financeiras do País são bem conhecidas, pelo que alinhar o rendimento mínimo garantido pelos valores da pensão social evidencia um factor de justiça relativa já que esta traduz, de alguma forma, o limiar mínimo de protecção social da nossa sociedade.
Alterar este, princípio como pretende o projecto de lei do PCP parece-nos inadequado e irrealista face às disponibilidades financeiras. A consagração do rendimento mínimo não pode servir para aumentar a pensão social em mais de 30%.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A consagração em lei do rendimento mínimo é para nós uma forma de promover a dignificação das pessoas, e com ela a determinação de duas lógicas diferentes mas complementares: por um lado, promover a inserção ou a reinserção social e, por outro lado, amenizar e combater causas e efeitos da crescente pobreza no nosso país.
O carácter inovador, em Portugal, desta prestação social traduz ou cria aquilo que poderemos designar por «um contrato de investimento social na inserção ou reinserção dos cidadãos excluídos ou em risco de exclusão social». Esse contrato parte do pressuposto que o Estado se obriga a garantir aos cidadãos condições mínimas de subsistência e que estes assumem a obrigação de tudo fazer para retomarem a vida activa.
Esse retorno passa necessária e obrigatoriamente pela sua disponibilidade activa para o trabalho ou na participação em acções de formação ou inserção profissionais tendentes à sua integração no mercado de trabalho. Pretendemos restabelecer a esperança a milhares de pessoas, designadamente os desempregados de longa duração que, fruto da idade e/ou de baixas qualificações profissionais, apresentam sinais de desespero que importa combater.
O seu quadro de vida - direito ao subsídio de desemprego esgotado ou prestes a esgotar-se e as exigências para outras funções profissionais bem superiores àquelas de que dispõem - exige que o Estado assuma medidas concre-

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tas. É o que se pretende com a proposta de lei do Governo.
Trata-se também de combater a pobreza, o isolamento na doença e de estancar o crescente aumento de criminalidade que a mesma possa gerar.
Os «sem abrigo» atingem na Comunidade Europeia valores da ordem dos 5 milhões de cidadãos. E Portugal era apontado, já em 1991, como o país da União Europeia com maior número de pobres em percentagem de população. Nessa medida, e porque a pobreza para além dos contornos conhecidos assume hoje um novo rosto, atingindo cada vez mais as mulheres e os jovens, importa por isso assegurar e, simultaneamente, considerar prioridade fundamental o estabelecimento de recursos mínimos para tão importante e desfavorecida franja da população.
Finalmente, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo do PS que, como dizemos atrás, elegeu o rendimento mínimo garantido como principio básico de justiça social, para além de cumprir as promessas que assumiu perante o País, concretiza também os compromissos estabelecidos em sede de concertação social e acolhe, como é referido no preâmbulo da proposta de lei, as sugestões que os parceiros sociais lhe formularam.
É o resultado do diálogo social sério e determinado. É também a resposta àqueles que não acreditam na forma de concertar posições envolvendo a sociedade na resolução dos problemas e se convenceram que este Governo não passaria das palavras aos actos.
A prova de que se enganaram e que rapidamente devem procurar outros centros de crítica, encontra-se bem evidente no debate que hoje aqui se desenvolve.
A proposta de lei do Governo responde às justas aspirações dos cidadãos em situação de precaridade e/ou exclusão social. Não estranhem, pois, a nossa grande satisfação! Se, nesta Câmara, hoje, algum dos partidos não for capaz de entender esta medida como um instrumento necessário e indispensável no combate à pobreza, à exclusão social e à inserção dos mais desprotegidos, vai ter de assumir no futuro as responsabilidades da sua própria insensibilidade social.
Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Para defesa da honra da minha bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, em relação à intervenção do Sr. Deputado Artur Penedos, e também a algumas palavras da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, não posso deixar de dizer que me sinto incomodada pelo facto de, para além das divergências políticas que é natural existirem nesta Casa, perpassar a ideia de que existe uma insensibilidade social na bancada do Partido Social Democrata.
É nesse ponto que gostaria de referir que as nossas divergências políticas talvez não devessem ir tão longe, porque sensibilidade social, Sr. Presidente, todos temos com certeza! Julgo que não existe ninguém nesta Casa com mentalidades perversas.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - De resto, em termos sociais, nunca nada está acabado, há sempre muito para fazer. E, nesse sentido, não vale a pena acusarmo-nos uns aos outros porque, infelizmente, nunca ninguém terminará semelhante obra.
Não quero, por isso, deixar de dizer que nos sentimos com essas palavras, porque não estamos contra a protecção social nem queremos sequer negar a existência de casos de pobreza na nossa sociedade; estamos, simplesmente, a dizer que discordamos do instrumento que está a ser utilizado, porque consideramos que ele pode ter efeitos mais perversos do que benéficos. E se o Governo propuser os montantes que entender para reforçar a segurança social e, com eles, aumentar os meios que já existem, contem connosco até para aumentar a carga fiscal: Aliás, nunca propusemos redução de carga fiscal por causa da segurança social.
Portanto, Sr. Presidente, dentro das divergências políticas que tenhamos, não brinquemos com os nossos sentimentos, e não gostaria que este sentimento pudesse ficar na mente de ninguém, porque não me parece correcto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, penso que não deveria ser eu a dar essas explicações, porque, pelos vistos, a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite não se sentiu ofendida com a minha intervenção mas, sim, com a do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes. Portanto, será, certamente, o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes que terá de pedir desculpas à Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, porque o seu discurso foi, exactamente, no sentido contrário daquilo que nos disse.
Creio, no entanto, que valeu a pena ter ocorrido está defesa da honra, porque todos ficámos a saber que, certamente fruto da nova liderança do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, vamos ter a necessidade e, eventualmente, a promessa feita aos portugueses de que se o PSD ganhar as próximas eleições aumenta-lhes os impostos!

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Para defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - A defesa da honra contra explicações não tem tradição nesta Casa, mas tem a palavra para fazer uma interpelação, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Quero apenas dizer ao Sr. Deputado Artur Penedos, por intermédio do Sr. Presidente, que não fiz qualquer anúncio de aumento de impostos e, portanto, não vale a pena desviarmos o tipo da minha intervenção. Penso que o Sr. Deputado entendeu, exactamente, que estava a falar em termos objectivos e genéricos sem fazer nenhum anúncio de aumento de impostos.
Também não quero deixar de recomendar ao Sr. Deputado Artur Penedos que consulte a página 207 das últimas estatísticas publicadas pela EUROSTATE para apreciar a nossa falta de sensibilidade social - gostaria de poder passar-lhe o respectivo gráfico.

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O Sr. Presidente: - Fica registada a sua interpelação, Sr.ª Deputada.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Não tem o direito de resposta, Sr. Deputado, porque a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite não exerceu o direito de defesa da honra. De qualquer modo, pode também fazer uma breve interpelação à Mesa.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, não quero fazer uma interpelação à Mesa, porque a Sr.ª Deputada invocou a defesa da consideração ou da honra.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada não invocou a defesa da consideração ou da honra, pois, na tradição desta Casa, não há defesa da consideração relativamente a explicações pedidas em defesa da consideração.
A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite fez uma interpelação à Mesa e o Sr. Deputado pode usar a mesma figura regimental. Peço-lhe apenas que seja breve.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, a minha insistência resulta do facto de ter ouvido a Sr.ª Deputada invocar a defesa da consideração ou da honra.

O Sr. Presidente: - Só que não ouviu o que respondi, Sr. Deputado.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, como não tenho nada a acrescentar e reafirmo tudo quanto disse, obviamente, não preciso de fazer qualquer interpelação.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, mas o problema é que o Sr. Deputado ouviu isso, como eu também ouvi, só não ouviu a minha resposta, porque estava desatento. E, como estava desatento, fez uma observação que não tem cabimento.
Se quiser, pode fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Deputado, se não quiser, é consigo.

O Sr. Artur Penedos(PS): - Sr. Presidente, em circunstância nenhuma gostaria que tivesse o entendimento de que a minha atitude para com V. Ex.ª é menos respeitosa em relação à atenção que lhe será devida.

O Sr. Presidente: - Não tive, Sr. Deputado.

O Orador: - No entanto, gostaria de deixar ficar registado, por intermédio de V. Ex.ª, que aquilo que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite nos disse...

O Sr. José Magalhães (PS): - É estranho! Muito estranho!

O Orador: - ... é, no mínimo, estranho. É que, em resultado de mais cobertura social, está até disposta a equacionar a possibilidade de aumento dos impostos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais pedidos de palavra, à excepção de uma inscrição do Sr. Deputado Nuno Correia da Silva para exercer o direito regimental de defesa da honra pessoal, em face de considerações feitas pelo Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social.
Chegámos ao fim do debate e, por isso, é este o momento de o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva usar da palavra.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social, perguntei ao Governo, através da sua pessoa, quem iria ser abrangido por este projecto-piloto, quantas pessoas, quais as regiões, se a divisão seria feita por famílias ou se seria uma divisão geográfica, enfim, como se concretizava e objectivava este projecto-piloto. Tratou-se de uma pergunta que penso ser partilhada por alguns Deputados desta Câmara e que resulta de uma dúvida não esclarecida na lei.
O Sr. Ministro não respondeu e apelidou a minha intervenção como a mais absurda que obteve nesta Câmara.
Sr. Ministro, quero dizer-lhe que, se a minha intervenção é ou não absurda, compete àqueles que me elegeram averiguar e apreciar. Absurdas ou não, as perguntas que lhe fiz serão apreciadas por aqueles que represento e que, seguramente, não são os mesmos que V. Ex.ª representa.
A verdade é que é cobarde fugir a perguntas,...

Vozes do PS: - É o quê?!... Cobarde?!...

O Orador: com insultos a Deputados desta Câmara.
Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, quero adverti-lo de que a expressão «cobarde» não faz parte da tradição desta Casa. Peço-lhe o favor de não voltar a repeti-la, porque faço questão, e certamente o Sr. Deputado acompanha-me, de salvaguardar o prestigio da Assembleia da República, impondo ao diálogo, sem quebra da liberdade vocabular, um mínimo de dignidade e de respeito quer pelo outro, quer pela Casa.
Não leve a mal esta advertência, Sr. Deputado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem palavra o Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social.

Vozes do PS: - Não merece resposta!

O Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, hesitei na decisão sobre se devia ou não responder-lhe, mas, por respeito pela Assembleia da República, vou fazê-lo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Devo dizer-lhe o seguinte: aquilo que considerei absurdo não foi a sua pergunta, como é óbvio, porque as perguntas nunca são absurdas. O que considerei absurdo foi, sim, a introdução na lógica da sua pergunta de uma ideia de imigração interna para efeitos de acesso ao rendimento mínimo. E, obviamente, será perfeitamente consensual nesta Assembleia que se trata de uma ideia absurda. Se calhar, o Sr. Deputado não quis dizer isso, mas, depois, na acta desta sessão, verá que o disse.

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Quanto à questão dos critérios pira a escolha dos projectos-piloto, aconselho-o a ler a proposta de lei do Governo, mais concretamente o artigo 20.º, onde estão explicitados esses projectos.
O Sr. Deputado pediu-me ainda para dizer onde é que vão ser desenvolvidos esses projectos, mas, como deve calcular, seria um total desrespeito pela Assembleia da República que o Governo ou eu próprio tivéssemos definido freguesias, áreas ou zonas, antes de a Assembleia aprovar a proposta de lei.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Fernando Marques Ribeiro Reis.
Jorge Lacão Costa.
José Manuel Rosa do Egipto.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Manuel Durão Barroso.
Manuel Castro de Almeida.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:,

Partido Socialista (PS):

Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Henrique José de Sousa Neto.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.

Partido Social Democrata (PSD):

Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Gonçalves do Amaral.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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DIÁRIO
da Assembleia da República

Depósito legal n.º 88/8/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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