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Sexta-feira, 18 de Abril de 1997 2187 I Série - Número 63

DIÁRIO Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE ABRIL DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a casão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 82/VII, das propostas de resolução n.º 52 a 54/VII, de requerimentos e da resposta a um outro.
O Sr. Deputado Laurentino Dias (PS), sob a forma de interpelação à Mesa, relatou a recente viagem que fez à Bósnia-Herzegovina como membro do Conselho da Europa.
Em declaração política, o Sr. Deputado Rui Rio (PSD) fez um balanço da acção do Governo na área fiscal e anunciou a intenção de o .seu partido apresentar um pedido de inquérito parlamentar ao aval concedido pelo Estado à UGT. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP), Acácio Barreiros, João Carlos Silva e Elisa Damião (PS).
Procedeu-se ao debate de urgência sobre a reforma dos portos, da iniciativa do PS. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e do Sr Secretário de Estado Adjunto, do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração alo Território (Consiglieri Pedroso), os Srs. Deputados Manuel Varges (PS), Ruben de Carvalho (PCP), Nuno Abecasis (CDS-PP), Falcão e Cunha (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Henrique Neto (PS), António Barradas Leitão e Antonino Antunes (PSD), José Carlos Tavares e Joel Hasse Ferreira (PS)

Ordem do dia.- Foram discutidos conjuntamente, na generalidade. o projecto ale lei n.º 89/VII - Alteração à lei n.º 110/91. de 29 de Agosto, que aprova os Estatutos da Associação Profissional dos Médicos Dentistas (PSD) e a proposta de lei n.º 73/VII - Altera o Estatuto da Associação Profissional dos Médicos Dentistas, aprovado pela Lei n.º 110/91, de 29 de Agosto. garantindo o enquadramento ético e deontológico dos cirurgiões dentistas e odontologistas legalmente habilitados a exercer a .sua actividade em Portugal. Pronunciaram-se, a diverso título, além da Sr.ª Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira), os Srs Depenados Jorge Roque Cunha e Bernardino Vasconcelos (PSD), Moura e Silva (CDS-PP), Fernanda Costa (PS). Bernardino Soares (PCP) e Nelson Baltazar (PS).
Entretanto, a Câmara deu assentimento às viagens de carácter oficial alo Sr Presidente da República à República de Moçambique, entre os duas 27 de Abril e 4 de Maio, e ao Cairo, entre os dias 4 e 6 de Maio.
Foi aprovado o voto n.º 66/VII - De protesto pela concessão de aval à UGT, constante de despacho do Ministro das Finanças (CDS-PP), tendo usado da palavra, ,sob a forma de interpelação à Mesa, os Srs. Deputados Acácio Barreiros (PS) e Carlos Coelho (PSD).
Foi igualmente aprovado o texto final, apresentado pela Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, relativo ao projecto de resolução n.º 40/111 - Criação do Prémio Timor Leste a atribuir pela Assembleia da República (PS)
Mereceram também aprovação, na generalidade, as propostas de lei n.º 67/II - Aprova o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais e 77/VII - Altera o artigo 24.º da Lei n.º 29/87. de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais), bem como o projecto de lei n.º 266/VII - Alienação à Lei n.º 29/87. de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais) (PCP).
Finalmente, foram aprovados pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos. Liberdades e Garantias autorizando três Deputados do PSD a deporem em tribunal.

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A proposta de lei n.º 74/VII - Revoga n alínea a) do n.º 3 do artigo 40.º da Lei n. º 52-C/96, de 27 de Dezembro, e estabelece uma nova estrutura da taxa do imposto incidente sobre os cigarros. foi discutida, na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos), os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), António Vairinhos (PSD), João Carlos da Silva (PS) e Augusto Boucinha(CDS-PP).
Por fim, foram apreciados, também na generalidade, a proposta de lei n.º 75/VII - Autoriza o Governo a transferir para os municípios competências relativas à actividade de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros e a criar regras específicas sobre n acesso à profissão de motorista de táxis (revoga n Decreto-Lei n.º3l9/ 95, de 28 de Novembro) e o projecto de lei n.º 308/VII - Regula o acesso à actividade profissional de transportador e à profissão de condutor de transportes de aluguer em automóveis ligeiros de passageiros (PCP). Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Guilhermino Rodrigues), os Srs Deputados Lino de Carvalho (PCP), António Antunes (PSD), Osvaldo Castro (PS), Moura e Silva (CDS-PP), Mário Albuquerque (PSD) e Manuel Varges (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa. Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva. José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.

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Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva,

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 82/VII Afecta à Região Autónoma dos Açores 1% das receitas previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 234/81, de 3 de Agosto, cobrados no respectivo território, que baixou à 5.ª Comissão; propostas de resolução n.º 52/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo entre a República Portuguesa e União Latina (Estabelecimento da União Latina), assinado em Paris, em 6 de Setembro de 1995, que regula o regime de privilégios e imunidades que Portugal confere à delegação da União Latina em Lisboa, que baixou à 2.ª Comissão, 53/VII - Aprova, para ratificação, o Tratado Constitutivo da Conferência de Ministros da Justiça dos Países Ibero-americanos, assinado em Madrid, em 4 de Novembro de 1992, que baixa à 2.º Comissão, e 54/VII - Aprova, para ratificação, os actos e declarações da União Postal Universal, relativos ao Congresso de Seul, de 1994, que baixa igualmente à 2.º Comissão.
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa vários requerimentos.
Na reunião plenária de 10 de Abril de 1997: ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Antão Ramos; ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Arnaldo Homem Rebelo: ao Ministério para a Qualificação e o Emprego, formulado pela Sr.ª Deputada Filomena Bordalo; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Ferreira Ramos.
Na reunião plenária de 11 de Abril de 1997: ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Amândio Oliveira; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira.
No dia 15 de Abril de 1997: ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis; à Câmara Municipal de Loures, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira.
Entretanto, o Governo respondeu, no dia 11 de Abril de 1997, ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira, na sessão de 12 de Fevereiro.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, sob a forma de interpelação à Mesa, queria transmitir à Câmara o seguinte: na passada semana estive ausente, em reuniões de trabalho da delegação parlamentar ao Conselho da Europa, de que faço parte, que tiveram lugar na Bósnia-Herzegovina, designadamente em Sarajevo e noutras cidades do país.
Nessa oportunidade, entendi dever deslocar-me junto da missão portuguesa instalada naquele país e integrada nas forças da SFOR, a Brigada Mista Independente. E, ao visitar o seu comando e uma outra secção instalada em Rogatica e Viktovik, fui portador de uma mensagem do Sr. Presidente da Assembleia da República, dirigida a esse comando das Forças Armadas portuguesas, do qual fazem parte cerca de 400 homens.
O que pretendia transmitir ao Plenário e a V. Ex.ª. Sr. Presidente, resume-se, fundamentalmente, a dois factos.
Em primeiro lugar, quero dar conta, com todo o gosto, do excelente acolhimento prestado pela Brigada Mista Independente e pelos militares portugueses à Assembleia da República e, neste caso, a mim próprio, e, sobretudo, à mensagem de que fui portador, em que V. Ex.ª, Sr. Presidente, em nome próprio e dos Deputados, saudava o brio e a qualidade com que os militares portugueses desempenham a sua missão naquele País.
Em segundo lugar, quero dar testemunho a esta Câmara do reconhecimento internacional, da parte de todos aqueles que compõem o efectivo da SFOR, da forma como, com competência, profissionalismo e qualidade, os soldados portugueses têm participado nessa missão de paz na Bósnia-Herzegovina.
Finalmente, queria dar testemunho, a si, Sr. Presidente, pessoalmente, da honra que tive em ser portador da mensagem que entendeu transmitir aos portugueses na Bósnia-Herzegovina.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado.
O Sr. Deputado fez um relatório não agendado, mas não vem mal ao mundo por aí.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um ano e meio depois da tomada de posse deste Governo, é lícito que os portugueses se comecem a interrogar sobre o que eventualmente melhorou ou piorou na sociedade portuguesa, durante este período de tempo. É lícito que se interroguem sobre se se mudou para melhor ou se, pelo contrário, a mudança foi no sentido negativo, defraudando, assim, as expectativas que, em devido tempo, foram criadas na nossa sociedade.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É fácil, num pequeno exercício de memória, recordar as principais promessas do Partido Socialista antes de ser Governo. A redução do desemprego, a eficácia da justiça, a elevação do nível de vida dos portugueses, a despartidarização da Administração Pública, o aumento da segurança, a melhoria do rendimento dos agricultores ou a humanização dos serviços de saúde eram, entre outras, prioridades absolutas, antes de Outubro de 1995.
Feita uma apreciação a todas estas áreas da governação, conclui-se que, em nenhuma delas, a situação melhorou.
Mas houve, Sr. Presidente, uma matéria em que o Partido Socialista colocou a fasquia a um nível muito elevado e assumiu como um objectivo fundamental da sua - então futura governação. Essa promessa foi a de lutar por uma maior transparência e uma maior justiça fiscal.
As suas primeiras críticas ao que, nesta área, foi feito datam da segunda metade da década de oitenta, altura em que corajosamente se levou a cabo a reforma fiscal, e prosseguiram, ano após ano, de cada vez que, nesta Câmara, se aprovava um Orçamento do Estado. Para o PS, cada medida era pior do que a anterior e, em cada orçamento que se debatia, a injustiça e a ineficácia fiscal agravavam-se consideravelmente.
A promessa feita aos portugueses foi, claramente, de mais justiça fiscal e melhor distribuição.

O Sr. João Carlos Silva (PS): - E foi o que foi feito!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao fim de 18 meses de governação socialista tornou-se já claro que, afinal, para o PS, essa promessa, tal como muitas outras, não é para cumprir; para o PS o importante é que há lobbies que é preciso satisfazer e negócios que é, politicamente, conveniente fechar.
Há um ano, apresentou-se ao País com uma proposta de perdão fiscal aos clubes de futebol: o "totonegócio". Consistia em oferecer uma receita adicional ao contribuinte devedor que, ao ser cativada, resolvia contabilisticamente uma dívida fiscal há muito acumulada. Era fácil, era simples e dava milhões.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Não diga disparates!

O Orador: - Não interessava a justiça fiscal, nem tão pouco importava que, com os impostos dos mais desfavorecidos, se perdoasse os dos mais abastados. O importante era o negócio político com um influente lobbie da nossa sociedade.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Isso é demagogia barata!

O Orador: - Passados poucos meses, o País descobre novo negócio político com os seus impostos. Numa atitude própria de quem não tem noção de quanto custa à esmagadora maioria dos contribuintes pagar para o Orçamento do Estado, o Governo socialista inventa o "cinenegócio". Consistia em acordar com outro importante lobbie da nossa sociedade um plano de pagamento de dívidas fiscais muito suave durante um determinado período de tempo,...

O Sr. João Carlos Silva (PS): - Não são dívidas fiscais!

O Orador: - ... findo o qual, caso houvesse incumprimento, a dívida se deveria extinguir, com toda a naturalidade socialista. Era, Srs. Deputados, mais uma leviandade própria de quem gere os dinheiros do Estado numa lógica de negócio político. Ao contrário do prometido, não é a justiça fiscal que deve ser procurada; o que deve ser procurado é a paz do Governo com quem tem mais poder e mais acesso aos meios de comunicação. É, Sr. Presidente, a total e completa inversão do que foi prometido em 1995.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

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O Sr. João Carlos Silva (PS): - Muito mal!

O Orador: - Mas, para espanto de todos, os negócios não se ficaram por aqui. Há pouco mais de uma semana, o País assistiu incrédulo ao novo "UGT-negócio". O Governo entendeu, desta vez, avalizar um empréstimo de 600 000 contos que a Caixa Geral de Depósitos fez a uma entidade privada, ou seja, à União Geral de Trabalhadores. Quer isto dizer que se a UGT não pagar, o Estado paga por, ela; quer isto dizer que se a UGT não pagar, os impostos dos portugueses, de todos os portugueses, servirão, mais urna vez, para pagar o que a outros compete.
O que é mais lamentável neste negócio político é que o agente governamental envolvido neste triste episódio é, precisamente, aquele que, até à data, pretendia passar por ser o ,primeiro guardião da justiça fiscal e da boa gestão da coisa pública. Como pode o Sr. Ministro das Finanças manter intacta a confiança que nele os portugueses devem depositar quando opta por tratar os contribuintes de forma diferenciada e em função do seu peso político?
Se o Ministro das Finanças concede a uma central sindical um aval do Estado, por que razão não o concede também a uma empresa em dificuldades ou a um cidadão sem habitação?
O Governo não pode impor ao cidadão comum os métodos indiciários e o imposto mínimo, e aos que lhe são politicamente relevantes dar garantias de pagamento de dívidas bancárias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos aceitar que a colecta mínima, as receitas dos métodos indiciários e os aumentos de impostos que este Governo entendeu dever fazer sejam canalizados para negócios de natureza política. Não o podemos aceitar, e muito menos o devemos admitir, quando ele é levado a cabo pela mão do principal responsável das Finanças do Estado.
Tal como no "totonegócio" e no "cinenegócio", também no "UGT-negócio" não podemos aceitar que uma gestão sem rigor possa ser premiada pelo Estado à custa do dinheiro dos contribuintes. "Gere de qualquer maneira que eu avalizo", não pode ser mote para um Governo que se pretende de um país com preocupações ao nível da plena integração na União Europeia. Este não é, seguramente, um princípio que nos conduza no caminho do desenvolvimento e do progresso social.
Para este Governo, tal como para Orson Welles, todos os portugueses são iguais; só que uns são mais iguais do que outros.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Uns têm peso político e acesso aos meios de comunicação, os outros limitam-se a trabalhar e a pagar, mês a mês, os seus esforçados impostos.

Aplausos do PSD.

O Governo do Engenheiro António Guterres não faz negócios políticos com qualquer um; o Governo do Engenheiro António Guterres escolhe, a dedo, os parceiros para os seus negócios. Ninguém vê este Governo fazer negócios com reformados, com estudantes ou com desempregados. Este Governo só faz negócios fiscais e parafiscais com quem tem meios poderosos para se lhe opor. A isto, no
mínimo, chama-se falta de coragem política e desprezo pela justiça fiscal e pela justiça social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como em outras áreas da governação, a promessa eleitoral não era de negócios com lobbies, nem de métodos indiciários, nem de colectas mínimas. A promessa eleitoral era de mais justiça fiscal e mais igualdade.
Por isso, se António Guterres estava, nesta matéria, desgostoso com a actuação do anterior Executivo, tem de estar muito mais desgostoso com a actuação do seu próprio Governo.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - E está!

O Orador: - Se cm Portugal alguma coisa mudou para melhor neste ano e meio de governação socialista não foi, seguramente, o que era prioritário para o Primeiro-Ministro. Se António Guterres vivia desiludido com a governação que o antecedeu, estará, certamente, angustiado com o desempenho do seu próprio Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desta vez a situação ultrapassou, largamente, o que pode ser considerado minimamente aceitável. Conceder um aval do Estado a uma central sindical, que supostamente tem de ser totalmente independente do Governo, ou seja, do maior "patrão" da economia portuguesa, é abalar fortemente a credibilidade da sua acção enquanto primeiro defensor dos interesses dos trabalhadores.
O membro do Governo que tem a responsabilidade máxima pelos aumentos salariais que, ano a ano, são concedidos à maioria dos portugueses é o mesmo que negociou c assinou o aval salvador a uma entidade que, com ele, negoceia esses mesmos aumentos salariais anualmente.

Aplausos do PSD.

Como vai ser possível, após este episódio, que os portugueses acreditem na genuidade dos acordos sociais entre este Governo e a instituição que ele avaliza?
Este aval do Governo à UGT é suficientemente grave para que o Parlamento faça todo o estorço possível no sentido de se tentar averiguar, com a máxima profundidade, as responsabilidades políticas de tal acto. Por isso, os Deputados do PSD vão solicitar à Assembleia da República a aprovação de um inquérito parlamentar a esta decisão governamental. Num Estado de direito democrático e, principalmente, numa matéria com implicações ao nível do exercício independente do sindicalismo, nada deve ficar por esclarecer.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E, se valer o princípio de que "quem não deve não teme", contamos com os votos do próprio Partido Socialista e dos seus Deputados ligados à UGT para ajudar à aprovação do inquérito e ao consequente esclarecimento político.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não cumprir as promessas com que nos comprometemos com os portugueses é já suficientemente grave, mas não as

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cumprir e esquecer aspectos fundamentais do regime ultrapassa tudo o que se pode considerar politicamente aceitável. Com isso, obviamente, não podemos transigir, pois estão em causa valores que, a todos, nos são muito caros.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira, Acácio Barreiros, João Carlos Silva, Elisa Damião e Jorge Ferreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, o contacto frequente com o Professor Marcelo está a afectar um pouco a sua lucidez económica e, até, política. Mas o Sr. Deputado também está a revelar-se, a posteriori, um digno adepto do Professor Cavaco Silva: este confundia Thomas Mann com Thomas More e o senhor confunde Orson Welles com George Orwell. De modo que estamos numa situação positiva...
Mas falemos da reforma fiscal. Só ao humor se deve essa parte da sua intervenção, Sr. Deputado Rui Rio, porque a verdade é que mantemos tudo o que dissemos em legislaturas anteriores sobre a questão da falta de equidade do sistema fiscal que herdámos. As alterações pontuais que têm sido introduzidas no Orçamento do Estado são ainda reduzidas, mas todas vão no bom sentido. O aumento das cobranças que existiu não se deve ao aumento de impostos mas, sim, à ineficácia que VV. Ex.ªs instalaram na máquina fiscal, substituindo os chefes e directores de finanças responsáveis por comissários políticos "laranja"!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Foi para alterar a situação em que VV. Ex.ªs deixaram a máquina fiscal que se tomou um conjunto de medidas, tentando operacionalizar a administração fiscal e corrigir essa situação altamente viciosa.

O Sr. João Carlos Silva (PS): - Muito bem!

O Orador: - De qualquer modo, convido o Sr. Deputado Rui Rio a estar presente na audição sobre reforma fiscal que a Comissão de Economia, Finanças e Plano, sob proposta do Partido Socialista, vai desenvolver a partir da próxima terça-feira.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Já?!

O Orador: - Já, já! Como vê, V. Ex.ª é da Direcção do Grupo Parlamentar do PSD, mas ignora o que se passa no Parlamento! Aliás, já ontem o demonstrou.
A questão do "cinenegócio" é algo completamente absurdo. De facto, não há qualquer negócio, apenas foi aqui trazida uma proposta para corrigir situações imorais que os senhores criaram; o Grupo Parlamentar do PS propôs alterações que o Ministro da Cultura aceitou, e isso vai no bom sentido.
O Sr. Deputado referiu-se ainda a medidas que têm importância e apenas satisfazem os grupos com maior acesso à comunicação social. Deve ter sido nesse sentido que o Governo implementou o rendimento mínimo garantido, que VV. Ex.ªs quiseram discutir em Plenário em 1996, mas já não em 1997! Efectivamente, até os vossos autarcas já pedem para que ele seja aplicado nas vossas autarquias. E preciso ter alguma vergonha, Sr. Deputado!
O Sr. Deputado suscitou ainda dúvidas sobre a credibilidade da UGT. Com "amigos" como o Sr. Deputado, que é secretário-geral de um partido que era suposto ter alguma gente nessa organização sindical, a UGT não precisa de inimigos...!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão é esta: o Governo está a governar bem, nomeadamente na área financeira e económica, e os resultados são positivos. No Financial Times de ontem - apesar do tempo que dedica ao Professor Marcelo, V. Ex.ª não deve deixar de ler pode ler-se num suplemento que os indicadores financeiros e económicos globais são positivos e que a situação é de estabilidade. Mas VV. Ex.ªs falam em caos e atacam, pessoalmente, o Sr. Ministro das Finanças, numa manobra vergonhosa e incompatível com o estatuto moral a que V. Ex.ª nos tinha habituado nesta Assembleia.
Nunca fomos a favor da política de obscuridade que VV. Ex.as sempre defenderam. Sempre defendemos a transparência e, por isso, digo-lhe mais: até somos a favor de que tudo isto seja inquirido, porque só temos a ganhar com os inquéritos, como tivemos a ganhar com o inquérito à Universidade Atlântica, como tivemos a ganhar com a audição parlamentar sobre a Siemens.
VV. Ex.ªs levantam o pó da calúnia, os inquéritos responderão com a verdade dos factos e a vossa crítica económica e política ficará reduzida a nada.
É esta a nossa posição, ouça-nos e analise melhor as questões económicas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, agradeço a emenda que fez relativamente ao escritor, porque, efectivamente, cometi um erro.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Vários!

O Orador: - Queria referir-me a George Orwell. De qualquer forma, houve uma coisa que o Sr. Deputado percebeu: referi-me ao Triunfo dos Porcos.

Risos do PSD.

O Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira falou do meu convívio com o Professor Marcelo Rebelo de Sousa e, curiosamente, também noto algum convívio de V. Ex.ª com o Primeiro-Ministro: é que V. Ex.ª, tal como o Sr. Primeiro-Ministro, não teve coragem para defender aqui o "UGT-negócio" e o Ministro das Finanças. V. Ex.ª não teve coragem de fazer isso aqui, na sua intervenção, e noto que procede do mesmo modo que o Sr. Primeiro-Ministro.
Vemos um Ministro desvairado, aos murros à mesa e aos gritos,...

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Uma vergonha!

O Orador: - ... vemos a opinião pública a condenar o Ministro das Finanças e vemos um Primeiro-Ministro que não é capaz de defendê-lo, principalmente quando há indicações de que a iniciativa global até pode ter partido precisamente do Primeiro-Ministro.

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso é grave!

O Orador: - Começa a ser claro que o Sr. Primeiro-Ministro tem de dizer se apoia ou não apoia o "UGTnegócio" e o Ministro das Finanças!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, em primeiro lugar, gostaria de felicitar o PSD pela posição clara que aqui expressou hoje sobre o caso do aval à UGT. De facto, não é todos os dias que podemos obter do PSD posições claras sobre assuntos importantes do Estado e da sociedade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Desta vez, felizmente, não foi preciso aguardarmos pelas reacções da opinião pública para sabermos o que o PSD pensava disto. Estamos à espera da posição do PSD sobre a propina única, aguardamos que os estudantes se pronunciem para conhecermos a sua posição. Estamos à espera da posição do PSD sobre a regionalização e, neste caso, não sabemos por que esperamos para a conhecermos, mas, seguramente, estamos à espera de qualquer coisa. Felizmente, desta vez, não foi preciso esperar e tivemos a felicidade de ver o PSD juntar-se ao PP na condenação deste negócio que o Estado e o Governo patrocinaram, com o dinheiro dos contribuintes.
A felicitação que faço é, pois, sincera e legitima-me uma pergunta relativamente simples: devemos deduzir, daquilo que V. Ex.ª, Sr. Deputado Rui Rio, acabou de expressar, uma posição favorável do seu grupo parlamentar em relação ao voto de protesto sobre esta matéria, que, segundo me parece, será ainda hoje apreciado?
De facto, não é possível compreender como é que um Governo faz um "Plano Mateus" para que as empresas, que têm necessidades, recorram a esquemas especiais de pagamento de dívidas fiscais e à segurança social sem que o Estado mexa um dedo para apoiá-las e, depois, assuma a responsabilidade por um empréstimo bancário de uma instituição que não é pública. Do nosso ponto de vista, isto significa. pura e simplesmente, que o Ministro que criou o "Plano Mateus" assassinou-o em seguida, com a metodologia utilizada em relação à UGT. E pobre UGT, que tem de se ver metida nesta discussão, como instituição sindical digna, que é, e que, na verdade, não é tida nem achada para este debate!...
O que está aqui em causa é um comportamento público do Governo que merece condenação e protesto e, nessa medida, felicito, sinceramente, o PSD pelo facto de, por uma vez, ter uma posição clara, de princípio, nesta matéria de princípio e por se ter junto ao PP na condenação deste "sindicato-negócio" em que se traduz o aval ao empréstimo bancário da UGT.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente:- - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, obter do PSD posições claras contra o Governo é simples, obter do PP posições claras contra o Governo é que é muito difícil, mas mesmo muito difícil.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - O voto é nosso!

O Orador: - Quanto ao voto de protesto, terá, seguramente, o nosso apoio, mas, como isso é pouco, esperamos poder ter do PP o voto favorável ao inquérito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, veja lá a minha ingenuidade que, quando o vi subir àquela tribuna, ainda cheguei a pensar que o Sr. Deputado e o PSD iam fazer uma proposta política, pelo menos para cumprirem a promessa, por que esperamos há tantos meses, de apresentarem a nova lei de financiamento dos partidos políticos e o aumento de vencimentos para os titulares de cargos políticos. Afinal não, afinal o que o Sr. Deputado foi fazer à tribuna foi continuar a campanha de calúnia c difamação da União Geral de Trabalhadores.

Protestos do PSD.

O Sr. Deputado Rui Rio não ignora que estamos perante um Estado de características assistenciais: só nos últimos 10 anos Foram concedidos pelo Estado mais de 1000 milhões de contos em avales. E nunca o PSD protestou! Mas quando chegou a vez da União Geral de Trabalhadores o PSD fez o seu protesto, o que é profundamente significativo!
A UGT é uma organização de gente séria que representa o sindicalismo democrático, numa perspectiva moderna e europeísta; é uma organização que nasceu com o apoio do PS e do PSD e de várias figuras da maior importância política, como o Dr. Mário Soares e o Dr. Sá Carneiro; é uma organização que, aliás, os senhores elogiavam quando estavam no Governo, nos acordos de concertação social, ruas, agora, caluniam. Por isso, faço-lhe a mesma pergunta que os portugueses fazem, antes de mais os portugueses sindicalistas ligados a este movimento sindical democrático que é a União Geral de Trabalhadores: por que é que o PSD está a fazer este frete ao Partido Comunista?

Risos do PSD, do CDS-PP e do PCP.

Esta é que é a questão principal! Mais do que isso: será que esta campanha contra a UGT, para tentar destruir a sua credibilidade, é o primeiro resultado palpável das conversações entre o PSD e o PCP e dos encontros entre o Professor Marcelo Rebelo de Sousa e o Dr. Carlos Carvalhas?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estas são as questões políticas que queremos ver aqui respondidas, sendo certo que o Partido Socialista, que sempre apoiou a UGT, vai manter a sua posição, com a mesma clareza política de sempre, e en-

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tende que o Governo assumiu bem as suas responsabilidades. O inquérito responderá a esta questão!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Acácio Barreiros, V. Ex.ª vem aqui dizer que já foram concedidas centenas de avales,...

O Sr. João Carlos Silva (PS): - Milhares!

O Orador: - ... e di-lo com um ar de quem descobriu a pólvora!...

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - O senhor é que parece ter descoberto a pólvora!

O Orador: - Sr. Deputado, V. Ex.ª não descobriu a pólvora, porque foram concedidas centenas de avales neste país, por este Governo e pelos governos anteriores, e serão concedidas centenas de avales pelos governos futuros a entidades públicas, não a entidades privadas nem a centrais sindicais. Compreende a diferença, Sr. Deputado?!

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio.
Queira prosseguir, Sr. Deputado Rui Rio.

O Orador: - O que aqui está em causa é um aval a urna central sindical! Um banco empresta dinheiro a uma central sindical e o Governo diz-lhe: "Se não pagares, não há problema, porque eu pago por ti, mas vamos aqui ao lado negociar os aumentos salariais". É isto que está em causa e é isto que não pode acontecer! Nada tem a ver com os avales que este Governo deu, e que, aliás, não atacamos, nem com outros avales, dados por outros governos e que os senhores também não atacaram! Esta é que é a diferença! Portanto, Sr. Deputado, não descobriu a pólvora.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - O PCP está a gostar de ouvi-lo!

O Orador: - Quanto à credibilidade da UGT, em primeiro lugar, não é o facto de haver elementos do PSD na UGT que nos cala: não pode ser, não é regra!
Em segundo lugar, a credibilidade devia ter sido pensada pelo Governo no momento em que concedeu o aval e não por nós, que fazemos o nosso papel de partido de oposição...

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - De má oposição!

O Orador: - ... e desmascaramos o que os senhores fizeram.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos Silva.

O Sr. João Carlos Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, disse, V. Ex.ª, que quem não deve não teme. Pessoalmente, concordo e devolvo-lhe precisamente o ditado popular: se V. Ex.ª diz que quem não deve não teme, nós propomos que o inquérito parlamentar que V. Ex.ª acabou de suscitar se alargue também aos avales concedidos, pelo menos, nos últimos 10 anos, como, por exemplo, aos 340 milhões de contos de avales concedidos em 1994, aos 291 milhões de contos de avales concedidos em 1995, aos 250 milhões de avales concedidos em 1996 ou aos 117 milhões de contos de avales concedidos em 1992 e, já agora - por que não?!... -, aos 17 milhões de contos de avales concedidos ao Europarque, que é detido pela Associação Industrial Portuense, que é um parceiro social e, que me conste, o seu estatuto jurídico também é o de entidade privada, tal como a UGT,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e também negociou acordos de concertação social com o governo de Cavaco Silva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, se V. Ex.ª diz que quem não deve não teme, assuma-o aqui e aceite que o inquérito abranja também o passado.

Aplausos do PS.

Por outro lado, gostava de dizer ao Sr. Deputado que já nos habituou a, volta e meia, aparecer na Assembleia da República e fazer uma intervenção no período de antes da ordem do dia, sem qualquer conteúdo prospectivo ou de interesse nacional, só para zurzir e praticar a sua habitual política de caceteiro, mas isso não coincide com a posição que V. Ex.ª ocupa no partido e com a qualidade que demonstrou ter antes de assumir as funções que exerce agora.
V. Ex.ª e o Sr. Deputado Jorge Ferreira dizem que o Governo concedeu um aval de 600 000 contos à UGT 600 000 contos que, aliás, mereceram de V. Ex.ª que gastasse 10 minutos do precioso tempo de que dispõe nesta Câmara -, mas VV. Ex.as não falam, por exemplo, dos 50 milhões de contos que o "Plano Mateus" prevê para avales a empréstimos bancários de empresas privadas. Já agora, VV. Ex.as também se podiam queixar desses 50 milhões de contos que se destinam a avalizar empréstimos bancários concedidos a empresas privadas para reformulação de passivos, porque estão precisamente dentro da filosofia do aval de 600 000 contos à UGT. Aliás, ressalve-se um acrescento: é que a UGT é uma entidade que, se bem que tenha características privadas, desenvolve actividades de interesse público, sem fins lucrativos, e não de interesse privado.
Ora, se o Governo concede uma linha de 50 milhões de contos para as empresas privadas, é justo que conceda 600 000 contos à UGT para avalizar a reformulação do seu passivo. Mais: este aval é concedido com características de vigilância do destino dos fundos, de forma a que sirvam efectivamente para sanear financeiramente uma instituição tão importante como a União Geral de Trabalhadores. A UGT será controlada pelo Governo, mediante os mecanismos de concessão do aval...

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Esse é que é o mal!

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O Orador: - Srs. Deputados, isso já foi declarado pelo Ministério das Finanças. O destino dos fundos será controlado!

Sr. Deputado Rui Rio, a pergunta que lhe fiz foi muito clara: aceitam VV. Ex.as que o inquérito parlamentar abranja as dezenas ou centenas de milhões de contos de avales que VV. Ex.as concederam? Essa é que é a pergunta!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Carlos Silva, permita-me o desejo de que a palavra "caceteiro" também não entre no vocabulário do Parlamento.

O Sr. João Carlos Silva (PS): - Já houve piores!

O Sr. Presidente: - Eu sei que às vezes há piores, eu sei!
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Deputado João Carlos Silva, eu não estive na última reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano, mas ela foi amplamente noticiada pela comunicação social e sei que V. Ex.ª esteve lá e nessa reunião foi explicado pelos Deputados do PSD que a transparência não tem data! Não foi há 10 anos, nem há 12...! A transparência é sempre - ponto um!
Ponto dois: se, por acaso, se descobrisse que há 20 anos alguma coisa estaria mal, isso não quereria dizer que passasse a estar bem aquilo que o seu governo fez.
Portanto, ponto um: não passe a pulga para a frente...! Vamos aqui tentar explicar o que foi o "UGT-negócio".

O Sr. João Carlos Silva (PS): - Mas responda!

O Orador: - Quanto a avales, eu já disse há pouco que os avales podem ser concedidos a entidades públicas e a entidades privadas, como sucedeu com o " Plano Mateus", mas com o devido enquadramento legal igual para toda a gente, não com um despacho para uma instituição ou para um sindicato!... Esta é a diferença!

O Sr. João Carlos Silva (PS): - E o Europarque?

O Orador: - Todas as empresas que estejam naquelas condições podem concorrer: esta é a diferença! Mas com enquadramento legal!

O Sr. João Carlos Silva (PS): - E o Europarque?

O Orador: - Sr. Deputado, há aqui um aspecto que é interessante: V. Ex.ª considera 600 000 contos uma insignificância. Ora, eu só posso dizer-lhe uma coisa: V. Ex.ª não tem noção alguma do que custa aos portugueses pagarem os seus impostos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Deputado Rui Rio, não posso deixar de ficar chocada e surpreendida, porque o considero bastante, sobretudo a sua inteligência, a sua atenção e a sua memória, quando o senhor veio reclamar um pedido de inquérito para aquilo a que chamou o "UGTnegócio".

Sr. Deputado, onde é que começou o negócio e onde é que acaba?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado, estará recordado de que já era Deputado na altura em que o PS, em 1988, requereu o primeiro pedido de inquérito à gestão do Fundo Social Europeu? Aliás, esse inquérito teve "morte súbita" que lhe foi dada pela sua maioria com o abandono, em sinal de protesto, de toda a oposição. O Sr. Deputado quer retomar esse inquérito?

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

A Oradora: - É esse inquérito que o senhor quer retomar? É esse inquérito, Sr. Deputado, que está na origem das verbas que conduzem uma central sindical à falência, porque é mais fácil condenar uma instituição de interesse público, com serviços patrióticos prestados ao regime, do que julgar 10 anos de gestão do Fundo Social Europeu que os senhores fizeram.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É isso que está em causa!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Este é um assunto que pode não ter tido a melhor solução. Aliás, pessoalmente, teria preferido que o enquadramento desta solução tivesse sido feito em sede de revisão constitucional onde se garantisse às centrais sindicais a cobertura do serviço público que elas prestam quando fazem negociação colectiva - e isto é democrático -, mas esta proposta não teve acolhimento no seu partido.
Bem, mas os senhores querem transparência de um acto que foi transparente... Bom, eu também quero! É o momento de o senhor entregar a auditoria feita pelo Ministro Silva Peneda ao Fundo Social Europeu, de explicar as razões pelas quais foi exonerado o então director-geral do DAFSE e de dizer, afinal, quem é que instalou uma máquina, perversa para gerir o Fundo Social Europeu que levou uma central sindical à ruína.
Esse é que é o negócio e o negócio é vosso e vão ter de explicá-lo!

Aplausos do PS

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr.ª Deputada Elisa Damião, a gestão do fundo Social Europeu está na Procuradoria-Geral da República, por isso vamos aguardar.
O que está aqui em causa, Sr.ª Deputada, e o negócio a que me referi, é um negócio político - convém acrescentar -, por isso queremos fazer um inquérito numa instância política.
Onde começa o negócio? Começa naquilo que eu já disse: começa no facto de um governo dizer aos sindicatos: "Têm aqui um empréstimo. Se não pagarem nós pagamos pelos senhores e agora, aqui ao lado, vamos negociar os aumentos salariais"... É fazer isto com o maior patrão da economia portuguesa.

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Portanto, o que me admira é que V. Ex.ª que, para além de Deputada, é sindicalista e da UGT não esteja preocupada com isto que está a acontecer.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Nada preocupada, nada!

O Orador: - Ou seja, como é que V. Ex.ª vai conseguir exercer na plenitude o seu papel de sindicalista com este quadro que agora acabou de acontecer?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Como já estamos no fim do debate, tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, considero que a honra da bancada do PS foi atingida.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem a palavra para defender a sua honra pessoal, pois não pode defender a honra da bancada, porque não pertence à sua Direcção.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Pertence, pertence!

O Sr. Presidente: - Ou, melhor, pode defendê-la no fim, mas como já chegámos ao fim do debate, tem a palavra - aliás, já lha tinha concedido para esse efeito.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, devo dizer que o Sr. Deputado Rui Rio tem má memória e não se recorda de um outro passo: eu e um Deputado da sua bancada recolhemos assinaturas para a realização de um segundo inquérito que também não teve brilhantes conclusões, e fizemo-lo para defender a honra dos sindicalistas da UGT.
Ora, porque este processo foi arquivado cinco vezes, porque este processo não teve a dignidade parlamentar que devia ter tido, porque não teve a resolução legal que deveria ter tido eu hoje não sou sindicalista, Sr. Deputado Rui Rio.
Portanto, o senhor não me pode questionar sobre o exercício da actividade sindical, porque eu considerei que, por falta de transparência política do então governo, que atinge três ministros dos governos que VV. Ex.as lideraram, não tinha condições para exercer com transparência a minha actividade sindical.
É isto que eu quero que fique aqui esclarecido e todos as sindicalistas que deram 20 anos da sua vida àquela central sindical, incluindo militantes do seu partido, também querem esse esclarecimento.
Assim, queremos ouvir esses três ministros que mantiveram em segredo de Estado as conclusões do inquérito e queremos ver a justiça em Portugal. É porque - e repito - é mais fácil condenar uma organização do que os responsáveis pela má gestão dos fundos estruturais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputada Elisa Damião, peço-lhe desculpa, porque só agora tomei consciência de que na última remodelação do seu grupo parlamentar a senhora passou a fazer parte da Direcção da bancada. Fui induzido em erro pelo facto de a senhora se sentar na quarta fila - não me leve a mal..
Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr.ª Deputada Elisa Damião, considero que não ofendi a sua honra, no entanto posso dizer-lhe que creio que, lhe fica bem defender a UGT aliás, está a cumprir o seu papel, pese embora eu continue sem entender por que é que V. Ex.ª não está preocupada com aquilo que aconteceu e com a credibilidade da instituição que tanto acarinha, e bem.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - O senhor sabe!

O Orador: - Sr.ª Deputada, deixe-me dizer-lhe que cm matéria de defesa da honra fica-lhe bem defender a honra da UGT como ficava bem ao Sr. Primeiro-Ministro vir defender a honra do Governo que, cada dia que passa, começa a estar cada vez mais abalada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, hoje é um dia particularmente alegre para nós porque, embora já estejamos habituados à presença de muitos alunos das nossas escolas, ternos mais de meio milhar de alunos a assistir à nossa sessão de trabalho.
Temos connosco um grupo de 50 alunos da Fundação CEBI, de Alverca. 180 alunos da Escola Secundária n.º 3 da Covilhã, 39 alunos da Escola Secundária Dr. Manuel Fernandes, de Abrantes, 106 alunos do Externato de Penafirme, de Torres Vedras, 80 alunos da Escola Secundária João de Barros, de Corroios, e 60 alunos da Escola C+S de Viana do Castelo, para os quais peço um muito caloroso aplauso.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, vamos passar ao debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PS, centrado no tema "A reforma dos portos".
Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Varges.

O Sr. Manuel Varges (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Ao solicitar este debate de urgência sobre a reforma dos portos, em particular, e a reforma da política marítimo-portuária, em geral, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista teve como motivação principal o reconhecimento da importância estratégica deste sector no desenvolvimento sustentado do País e do seu papel fundamental na internacionalização da nossa economia.
Temos ainda a consciência de que este sector foi, ao longo dos últimos anos, um sector esquecida e abandonado, quase diríamos desgovernado.
Dos 68 milhões de contos gastos nos portos e no transporte marítimo entre 1990 e 1995, os portos secundários consumiram cerca de 50% deste valor, mais propriamente cerca de 35 milhões de contos, num investimento pulverizado, sem reprodutividade, sem lógica, com projectos inacabados, sem se saber bem onde é que os interesses locais ou clientelares se ligavam com o verdadeiro interesse nacional.
Em 1993, o governo do PSD obteve da Assembleia da República uma autorização legislativa para proceder ao reordenamento do sistema da operação portuária no senti-

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do de entregar à iniciativa privada uma parte da actividade económica dos portos e de flexibilizar o sistema laborai para dar maior competitividade ao sector, e o que se constatou, no final de 1995, foi que manteve o sistema fechado e corporativo.
De facto, a propalada e dispendiosa reforma do trabalho portuário, levada a cabo pelo PSD, não só não acabou com a tutela administrativa da gestão da mão-de-obra portuária como, mais grave ainda não concretizou a abertura do sistema.
Na sequência do "pacto de concertação social portuário", de Julho de 1993, o governo do PSD procedeu ao licenciamento de 989 trabalhadores portuários, pelo que restam ainda cerca de 600 sob tutela administrativa e que mantêm ainda a expectativa de serem reconhecidos com um estatuto tabocal especial consagrado na perspectiva de atribuição de uma carteira profissional a título de exclusividade.
Aquela medida custou directamente cerca de 30 milhões de contos, inteiramente assumidos pelas administrações portuárias, num modelo de financiamento irresponsável, ao ponto de ter imposto um endividamento extremamente pesado a algumas administrações de portos, constituindo-se hoje, como ontem, num grave obstáculo à sua modernização.
Só a dívida actual da Administração do Porto de Lisboa decorrente desses encargos soma cerca de 8 milhões de contos, fora 4 milhões de contos de dívida fiscal herdada de todo esse processo.
Da mesma forma do pagamento dos encargos a cargo da Administração dos portos de Douro e Leixões resta ainda uma dívida de 7,5 milhões de contos.
Por tudo isto, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, pareceu-nos importante ter solicitado este debate de urgência num momento em que o Governo, através de V. Ex.a, deu por concluído o Livro Branco sobre a política marítimo-portuária rumo ao século XXI, que está em debate público.
Entendemos que não é desejável esperar muito mais tempo para concretizar depois aquilo que venham a ser as medidas que o Governo espera ter de implementar como resultado desta sua reflexão e dos contributos que, por certo, irão enriquecer e integrar os objectivos de uma verdadeira política marítimo-portuária para Portugal.
E aqui todos temos de reconhecer que a nível mundial o tráfego de contentores é o sector mais dinâmico do transporte e que é necessário entender a organização multimodal da sua circulação, de forma a que o transporte marítimo, o rodoviário e o ferroviário, concorrendo entre si, conquistem as suas vocações próprias sem esquecer as relações de intermodalidade.
Não temos, pois, dúvidas, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, do papel excepcionalmente relevante que os portos e o transporte marítimo, com a geração dos novos navios, têm já hoje, e terão no futuro, na evolução do comércio mundial, pelas vantagens competitivas em largos segmentos de produtos e serviços mais vocacionados para a via marítima, na deslocação de grandes quantidades para grandes distâncias e a baixos custos.
Esperamos que este Governo não só nos apresente mas que rapidamente concretize uma nova política marítimo-portuária ao serviço do desenvolvimento do País e de uma maior competitividade e internacionalização da nossa economia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O ponto de partida da nova política marítimo-portuária é o reconhecimento do papel estratégico do transporte marítimo e dos portos portugueses no comércio e no desenvolvimento sustentado do país, a médio prazo.
Os portos terão de passar a ser protagonistas importantes na melhoria da competitividade e da internacionalizarão da nossa economia. A nossa ambição é alcançar, até ao início do próximo século, um novo posicionamento competitivo e internacional para o sector marítimo-portuário, no qual os principais portos comerciais deverão projectar-se para integrarem funções de acesso directo às grandes rotas intercontinentais do transporte marítimo e conquistarem uma quota importante no short sea Shipping europeu.
Os principais alvos de mercado da nova política marítimo-portuária, que permitirão melhorar a posição, concorrencial do sector, com base numa estreita aliança Estado/ iniciativa privada, no horizonte temporal do virar do século, são os seguintes:
Criação de condições para a escolha de portos portugueses como nós de relação entre rotas Leste/Oeste e Norte/Sul do transporte marítimo contentorizado, por parte de grandes operadores ou consórcios internacionais;
Maior participação dos nossos portos na navegação de curta distância a nível europeu, transferindo uma parte do comércio externo, com a Europa do Norte e do Centro, dos modos de transporte terrestre para o modo de transporte marítimo, integrado em cadeias multimodais;
Ampliação das funções internacionais dos nossos portos já vocacionados no tráfego energético e alimentar;
Desenvolvimento da componente portuária numa lógica da afirmação de Portugal como um destino turístico, no âmbito do tráfego de cruzeiro de passageiros e da náutica de recreio, assumidos no segmento médio-alto.
Estes objectivos de mercado só poderão ser alcançados se se verificarem transformações articuladas num conjunto de áreas instrumentais, impulsionadas quer pelo Estado quer pela iniciativa privada, numa solidária convergência de acções. Entre estas transformações destacam-se as seguintes: A realização de um conjunto muito selectivo de investimentos em infra-estruturas portuárias, claramente direccionadas para as vocações estratégicas dos portos;
A construção de uma eficiente rede de mobilidade marítimo-terrestre, com base na adequada inserção dos portos numa malha intermodal e logística, interna e europeia, exigindo simultaneamente uma melhoria substancial das suas acessibilidades de turfa e longa distância;
A generalização das novas tecnologias da informação e da telemática no sector marítimo-portuário e o seu progressivo suporte em actividades de investigação e desenvolvimento criadoras de valor;
O Fomento, em parceria com a iniciativa privada, das alianças com operadores internacionais de transporte marítimo e com outros portos europeus, por forma a reforçar a competitividade e o dinamismo dos nossos portos;
A valorização dos recursos humanos implicados no sector marítimo-portuário, pela formação aberta aos novo

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saberes, à prática de uma qualificação contínua e à definição de adequados perfis profissionais e das correspondentes certificações.
A reforma institucional do sector impõe-se como condição necessária para uma efectiva implementação dás alterações que se pretendem imprimir no sistema, nomeadamente, no que respeita aos objectivos de eficiência económica, competitividade e dimensão estratégica. Um traço estruturante do modelo de exploração dos portos portugueses será um novo regime de enquadramento da operação portuária e a sua efectiva entrega à iniciativa económica privada, com reflexo nas actividades conexas, nele sendo definidas algumas opções fundamentais como aquelas que respeitam ao papel do Estado e da iniciativa privada, e ao modelo de exploração portuária.
Pretende-se que esta reformulação de regime consagre definitivamente o abandono de um modelo de tool port a favor de um modelo de landlord port, permitindo-se o relançamento da exploração da actividade pela iniciativa privada, num quadro de acrescida exigência quanto aos métodos de gestão e estratégias de investimento, e correcção dos principais estrangulamentos verificados no momento actual.
À iniciativa privada caberá a responsabilidade de bem conduzir o negócio da actividade portuária, ou seja, o essencial da exploração e operação portuária, e serviços conexos, através dos mecanismos de concessão e licenciamento, recorrendo ao estímulo da associação e da parceria de risco.
Consolidar-se-á a reforma do Trabalho Portuário, procurando alcançar os objectivos propostos em 1993, concretizando uma verdadeira abertura do sistema, num esforço de liberalização gradual que vise assegurar, em simultâneo, o respeito por direitos adquiridos, a retirada da tutela administrativa e o fomento da estabilidade de emprego.

Eis, em síntese, o que se me oferece dizer sobre "nova política marítimo-portuária", no tempo limitado de que disponho no âmbito deste debate parlamentar.

Sr. Presidente, se me permite e a título meramente simbólico, gostaria de entregar na Assembleia da República, depositando nas mãos de V. Ex.ª um exemplar do Livro Branco.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, está entregue e vai circular.

Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, estou inscrito para uma intervenção em que se esclarecerão algumas posições da minha bancada sobre este debate de urgência requerido pelo Partido Socialista, mas, entretanto, tenho algumas perguntas a dirigir-lhe relativamente à sua intervenção, especialmente à sua última parte.

Um dos problemas que parecem surgir relativamente aos projectos avançados pelo Governo no Livro Branco é o de que a privatização da actividade portuária, e a nova formulação da direcção dos portos, vai enfrentar o facto de a experiência da actividade portuária em Portugal não ter uma forte iniciativa privada, portanto a procura de interlocutores para algumas das tarefas até hoje entregues à gestão oficial e às administrações portuárias correrá o risco da concorrência internacional e certamente perderá competitividade.
Sr. Secretário de Estado, estão previstas condições de apoio que permitam à iniciativa privada portuguesa assegurar posições que protejam a competitividade dos portos portugueses?
Relativamente a dois casos que têm sido bastante falados gostaria que esclarecesse duas questões, uma das quais é relativa ao problema do terminal de contentores de Sines. Vária comunicação social e vários especialistas têm falado da inadequação de um porto atlântico aberto para um grande terminal de contentores não pelas questões de fundos, que serão as mais favoráveis, mas pelas condições de acostagem e de estabilidade.
A outra refere-se ao porto de Setúbal onde, conforme seguramente o Sr. Secretário de Estado sabe, o projecto da anterior administração para a instalação de um terminal de contentores foi amplamente contestado, nomeadamente, pelos impactos ambientais que daí poderiam advir. Parece retirar-se do Livro Branco que há uma opção por um terminal de roll on/roll off e não por um terminal de contentores convencional, o que poderá, segundo os técnicos, diminuir a necessidade de dragagens ao nível dos fundos mas não retirará a necessidade de plataformas de acostagem e de armazenamento de contentores que terão também impactos ambientais complexos.
Sr. Secretário de Estado, são estas, para já, as três questões que lhe coloco.

O Sr. Presidente: - Apalavra, para responder, ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ruben de Carvalho, tenho todo o gosto em responder às suas questões.
Quanto à questão da entrega à iniciativa privada da actividade portuária, que o mesmo é dizer passar do conceito dê tool port para o de landlord port, é algo que segue as grandes tendências europeias e internacionais e é de facto o caminho a seguir na lógica da nossa integração na Europa e na lógica daquilo que é hoje em dia a mundialização das economias.
Vamos introduzir novos mecanismos institucionais super-estruturais de enquadramento do sector e vamos utilizar alguns instrumentos extremamente estimulantes, como seja um novo regime de concessões, novos regimes de tarifas e taxas, que vão ser instrumentos susceptíveis de criar novas classes empresariais, um novo dinamismo empresarial e uma nova mentalidade empresarial susceptível de competir com tudo o que hoje em dia se verifica neste domínio e neste contexto em toda a Europa.
Se hoje os portos portugueses não são competitivos, se perderam competitividade e atractividade, foi exactamente porque ficámos parados no tempo, porque não assumimos novos modelos organizacionais. Hoje em dia temos de entender que o Estado tem um papel muito importante, quer dizer, regulador do sistema, enquadrando a actividade, estimulando a iniciativa privada e criando condições para que os empresários, através de regimes estimulantes de concessões, de tarifas e taxas, possam exercer a sua actividade com efectividade. Quanto a isso não tenho dúvidas de que o caminho é certo - aliás, a experiência da Europa diz-nos isso largamente.

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Quanto à questão do terminal de contentores de Sines, Sr. Deputado, a nossa posição sobre essa matéria estratégica é clara: o grande porto português de transhipment, o porto do final do século e princípio do novo século, será de facto Sines, ou seja, Sines será aquilo que na gíria internacional do milico se chama um porto hub, um grande porto de contentores de águas profundas susceptível de vir a receber os navios de 5.ª e 6.ª gerações, os porta-contentores de 6000 até 9000 TEU's. O porto de Sines tem condições, designadamente, se vierem a confirmar-se algumas expectativas estimulantes, ou seja, se se vier a confirmar a implantação nessa área de um complexo industrial que poderá potenciar enormemente as suas virtualidades naturais.
Quanto ao porto de Setúbal, Sr. Deputado, colocou o dedo na ferida: efectivamente, Setúbal tem um belo estuário, tem um' porto com virtualidades, mas é muito sensível a impactos ambientais.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Pensamos que em relação a Setúbal ainda há um longo caminho a percorrer antes de se tornar qualquer opção mais ousada e que tenha algum conteúdo estratégico. Aquilo que pensamos fazerem Setúbal é desenvolver o Ro Ro, pois é preciso não esquecer que na península de Setúbal está a grande concentração da indústria automóvel em Portugal e é previsível que tenhamos a curto prazo duas grandes unidades industriais. Pensamos instalar um terminal multiporpose que permitirá explorações cambiadas de vários tipos tais como short sea shipping, granéis sólidos, carga geral, contentorização, mas caminhando cautelosamente através de um processo faseado de investimentos que sejam aferidos a par e passo com a lógica do mercado.

O Sr. Presidente: - Apalavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nono Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: A minha primeira palavra é de felicitação porque, canto quanto sei, depois do célebre plano portuário de Duarte Pacheco este é o primeiro documento que foca com profundidade uma política portuária para Portugal. Em todo o caso, neste documento baseia-se uma política numa série de hipóteses de evolução dos transportes no futuro muito provável, diria mesmo quase certa, até imposta pelo congestionamento das vias terrestres rodo e ferroviárias que irá impor, juntamente com o crescimento do comércio internacional, a rota marítima como uma rota indispensável. Daí aquilo que se assinala neste Livro Branco sobre as grandes investigações, e até laboratoriais, que se estão fazendo para acelerar e criar novas gerações de barcos que vão criar certamente a necessidade de novos tipos de equipamento.
Também me parece que é uma opção e uma hipótese que não deve ser perdida e que deve ser explorada, aquela que é uma das opções básicas deste Livro Branco, ou seja, de tirar proveito do cruzamento das vias Norte-Sul e Este-Oeste para a intermodulidade dos transportes de que podemos ser beneficiários.
Só que, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, "podermos ser" não quer dizer que sejamos e não vi que neste Livro Branco houvesse uma referência que me parece fundamental. Podemos formular políticas, mas temos de criar os mecanismos para transformar essas políticas em realidades quando sucede, como neste caso, que temos poucas condições para influenciar o futuro das grandes rotas de transportes no mundo. Temos condições físicas, estamos localizados no sítio certo, mas também o estávamos quando se passou do transporte e da energia no transporte marítimo do carvão para o fuel e em todo o caso perdemos importância na madeira porque não actuámos em tempo e porque não tomos capazes de desenvolver uma política de marketing e de comercialização suficientemente arrojada. Penso, Sr. Secretário de Estado, que o Governo deve ter isso em conta pois é indispensável saber vender um produto, mesmo quando o produto é bom, e não há dúvida que estamos fadados com portos de grandes condições. Mesmo o porto de Lisboa, um porto natural como é, onde é possível obter fundos de -19 é qualquer coisa de notável e não é comente no mundo. Aliás, veja-se o que se está a passar com a carência de grandes fundos cm todos os grandes portos da Europa. E então portos como Sines são mesmo muito raros, se é que há algum na Europa penso que não. Mas, em todo o caso, não podemos esquecer, Sr. Secretário de Estado e Sr. Ministro, que, com bastante menos condições do que as nossas, temos de reconhecer que a Espanha nos derrotou em tudo o que era política de expansão portuária. E hoje é uma realidade que muitos industriais portugueses usam portos espanhóis para exportar produtos que são nossos e que poderiam ser transportados, e deveriam sê-lo, através dos nossos portos. Já não me retiro sequer às características de interland que têm os nossos portos de Lisboa e de Setúbal, e que de todo em todo foram utilizadas.
Repito isto, Sr. Ministro, porque se tem falado muito no abandono de uma política - é verdade que não houve uma política (e eu digo que desde Duarte Pacheco que ela não existe), é verdade que não houve um investimento dirigido por uma orientação e uma visão a longo prazo. Mas também é verdade outra coisa: é que, em Portugal, nunca foi encarado o serviço portuário como uma mercadoria vendável, e para ser vendável teria de ter condições que nunca fomos capazes de conferir-lhe. Mas também dizia, Sr. Ministro, que, nos portos como em tudo, é preciso regular o metabolismo basal - e este tem de ser regulado com os recursos internos, já que os outros nos escapam. E o Sr. Ministro tem o seu Ministério no Terreiro do Paço, sabe bem o que passa - sabe que, no Terreiro do Paço, transitam todos os dias centenas de camiões a transportar cimentos e combustíveis sólidos e gasosos. O que é inacreditável! Porque isto se passa na borda de um rio core condições de navegabilidade inacreditavelmente boas!...
Isto para dizer, Sr. Ministro, que, se é verdade que as vias europeias terrestres estão congestionadas, não é menos verdade que as nossas também o estão; e que todo o esforço que temos feito para construir auto-estradas e modernizar o sistema viário, e agora o sistema ferroviário, pode sair bloqueado se não formos capazes de pôr a render, para nós próprios, esse sistema portuário precioso que temos e não utilizamos. Isto passa, pelo seu Ministério também, por fomentar o aparecimento de umas empresas que não existem - e aqui são referidas - e que são as empresas de transportes multimodais. Em Portugal, não existem! Em Portugal, existem alguns pequenos transportadores em cada uma das modalidades, mas integrando todas elas é caso que não se viu até hoje, e que penso que era indispensável e urgente que entre nós fosse fo-

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mentado, até porque, se não o fizermos, não teremos nacionais na economia privada que possam associar-se aos grandes transportadores internacionais. E toda esta política cairá pela base se não formos capazes de internacionalizar a nossa capacidade de transportes, até mais, se não formos capazes de aliar os nossos portos aos outros portos com quem queríamos fazer o comércio e o intercâmbio de mercadorias de longo trânsito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, não vou usar mais tempo desta Assembleia. Penso que o que disse, contém o que queria dizer: primeiro, felicitar-me por, ao fim de tantas dezenas de anos, aparecer uma visão consolidada sobre uma política portuária; 'depois, assinalar aquilo que, a meu ver, Sr. Ministro, podem ser as fraquezas - não penso que seja possível articular ou basear investimentos de centenas de milhões de contos sobre hipóteses que, mesmo prováveis, estão totalmente fora das nossas mãos. Deveríamos, desde já, mesmo antes de fazer as grandes obras, pôr em pé grandes acções de marketing que tornassem viáveis e apetecíveis as condições extraordinárias que temos no domínio dos portos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para , uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, com a apresentação do Livro Branco sobre Política Marítimo-Portuária diz o Governo pretender um "debate esclarecedor" e generalizado, capaz de contribuir para a definição de novas orientações para os sectores portuário e da Marinha Mercante. O Governo, que insiste em continuar a não governar, quer, desta forma, dar ao País a ilusão de que vai governando; mas o País já percebeu que o que se pretende, é confundir movimento com eficiência, diálogo e debate com capacidade de decisão. Esta atitude tem o respaldo do grupo parlamentar do PS, que assim funciona como câmara de eco do Governo.
Só assim entendo este debate de urgência, porque é mais que evidente que a escassez dos tempos disponíveis não permite que se alinhem quaisquer sugestões ou críticas que o Governo pudesse vir a considerar. Mas creio que nem o Governo nem o PS pretendiam isso. O famigerado Livro Branco, para além de alinhar um conjunto de ideias, muitas já ultrapassadas, outras não comprovadas e algumas contraditórias entre si, pretende, sobretudo, numa técnica que o Governo vem utilizando sistematicamente, desvalorizar o que neste domínio foi feito, no período 1985 a 1995.

O Sr. João Carlos Silva (PS): - E resolveu os problemas dos portos?

O Orador: - Isto para desculpar, com "o peso da herança", a ineficácia, a incapacidade e o medo de tomar decisões do Governo actual.
Vou, por isso, e muito rapidamente, analisar, ainda que de forma rápida, e relembrar a memória de alguns, o que
era o sector portuário em 198 e como estava em 1995: em 1985, toda a organização do sector portuário se regia por legislação dos anos 40 (aliás, o Livro Branco diz isso); em Outubro de 1986 (menos de um ano após a posse do primeiro governo do PSD) foi possível publicar uma nova "Lei-Quadro do Sistema Portuário Nacional" que foi elogiada na altura por altos responsáveis do Partido Socialista.

O Sr. Manuel Varges (PS): - Quais? Quais?

O Orador: - Foi esta "Lei-quadro" a primeira pedrada no charco em que o sector tinha mergulhado. Vai ouvir mais, Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em todos os portos portugueses, verificava-se um insustentável excesso de trabalhadores portuários; era um problema que todos os portos europeus já tinham sentido, mas que tinham já resolvido. Em Portugal e até 1985, nada tinha sido feito. Os governos do PSD encararam o problema com determinação, e os resultados não se fizeram esperar.

O Sr. Manuel Varges (PS): - À custa de quem?

O Orador: - Os trabalhadores portuários que, em 1985, eram 5500 (e o Sr. Deputado Manuel Varges só anunciou o último número!) foram reduzidos para 1850 em 1991 e para cerca de 600 (como disse) em 1995. Diga-se que, sem esta medida, o sector portuário em Portugal seria hoje completamente inviável! Completamente inviável! E acrescente-se que esta mudança foi feita na mais tranquila paz social.

O Sr. Manuel Varges (PS): - E o resto? E o resto?

O Orador: - O porto de Sines, que é tão caro ao Sr. Secretário de Estado, encontrámo-lo com o molhe oeste destruído na sequência dos temporais de Fevereiro de 1978. Ainda que a situação pudesse conduzir, em qualquer momento, à destruição do porto, não encontrámos evidências de que qualquer governo anterior aos nossos tivesse tomado a mínima iniciativa para obviar a tal estado de coisas. E tinham passado sete anos! Deixámos o molhe reconstruído e as condições de segurança do porto restabelecidas.
Ainda em Sines encontrámos a descarga de carvão a ser feita no terminal petrolífero, ao. arrepio das mais elementares regras de segurança. Deixámos construído e em laboração um terminal de descarga de carvão, cujo equipamento e exploração entregámos à iniciativa privada numa concessão que ainda hoje é considerada exemplar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No porto de Lisboa encontrámos uma concessão para a exploração do cais de contentores de Alcântara que visava especialmente o sistema de transhipment - o mesmo transhipment que o Governo admite poder agora constituir uma das principais actividades da frente atlântica da Europa que os portos portugueses poderão vir a configurar. Pois bem, o cais de Alcântara não funcionava, pura e simplesmente, porque os termos em que a concessão tinha sido elaborada eram completamente irrealistas. Deixámos a concessão e o respectivo cais a funcionar em pleno.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No porto de Leixões invertemos o desvio de tráfego que se verificava em relação aos portos da Galiza e patrocinámos a construção de um bem equipado terminal de contentores. Em Outubro de 1995, estava a concluir-se o processo de concessão da sua exploração à iniciativa privada. O Governo anulou este processo e atrasou-o.
E quanto aos portos de pesca, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: antes de 1985, só o porto da Nazaré tinha sido modernizado - aliás, objecto de cerimónias solenes de inauguração pelo menos três vezes! Olhão, Sesimbra, Peniche, Portimão, Figueira da Foz dispõem hoje de portos de pesca modernos e bem equipados, construídos entre 1985 e 1995.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não se infira do que acabei de dizer que considero que tudo está bem, que tudo está resolvido; há, ainda, problemas para resolver, articulações que é preciso melhorar, esquemas de funcionamento que será necessário afinar. Mas entendemos, isso sim, que as bases são sólidas e a orientação geral foi bem estabelecida. Ignorando estas realidades e para justificar a sua inércia, o Governo apresenta no Livro Branco e para o horizonte 2005/2010 urna "visão" para os portos portugueses. É um exercício de futurologia! O que esta "visão" poderá ter de idílico é igual ao que ela tem de irrealista. Nos pressupostos desta "visão", não sabemos o que mais admirar: se o voluntarismo, se a ignorância e o afastamento da realidade de quem a preparou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É um amontoado de medidas avulsas e de tarefas de rotina. É, na definição que já lhe foi dada por alguns analistas, um trabalho de burocratas para burocratas e que só burocratas vão levar em consideração. Esperamos, para bem de Portugal, que esta "visão" não venha a transformar-se num pesadelo!
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, o PSD quer deixar clara a sua disponibilidade para, com seriedade e rigor, analisar estas questões em sede da Comissão Parlamentar. Com realismo, sem demagogia e com os pés bem assentes no chão. Mas que fique claro: não embarcaremos em especulações que pretendam apenas "branquear" a inoperância do Governo. Não iremos perder tempo com previsões irrealistas que obrigarão a que, mais tarde, voltemos a perder tempo a justificar porque não se verificaram tais previsões. Já é tempo de o Governo governar. Não é mais o tempo para que o Governo nos apresente, apenas, desculpas para a sua própria ineficácia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rubem de Carvalho.

O Sr. Rubem de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.- e Srs. Deputados, os relatórios e documentos com as características Livro Branco sobre Política Marítimo-Portuária têm uma especial qualidade sob o ponto de vista do esclarecimento em concreto das situações, do resultado concreto das políticas e do concreto dos projectos e planos - há mais números do que palavras o que, muitas vezes, muito esclarece! Este debate - que visa claramente uma operação de promoção dos projectos do Governo PS nesta área (e há que convir que é discutível utilizar agendamentos de urgência para estas operações) - não permite, obviamente, pormenorizar os aspectos polémicos dos projectos nem aprofundar o que parece ter cabimento e sustentação.
Entretanto, há duas afirmações contidas no Livro Branco que entendemos merecerem, de facto, destaque nacional, pois valem por si mais de que dezenas de discursos, programas e entrevistas. Escreve-se, na página 44: "de 1982 a finais de 1986, a frota (portuguesa) reduziu-se a menos de metade em número de navios e a menos de um terço em arqueação e porte". Significa isto que, no curto período de 14 anos, se abateram quatro barcos por ano, correspondentes a 67 000 toneladas de arqueação bruta. Isto quando o mesmo Livro Branco indica que, pelo contrário, a frota da União Europeia tem crescido desde 1980 a um ritmo de 2,9% atingindo, em 1995, 15% da arqueação mundial. A frota portuguesa corresponderá hoje a 0,5% da União Europeia - "em contraste (como diz o Livro Branco) com países de peso demográfico da mesma magnitude como a Dinamarca, a Holanda, a Suécia e mesmo a Finlândia".
Daqui se conclui que: "o rápido declínio da marinha mercante portuguesa, devido às causas apontadas, afecta negativamente a presença de Portugal nos mercados globais de bens e de tráfego, coarctando-lhe alguma liberdade de procurar e oferecer os produtos que interessam à nossa economia nas origens e destinos mais convenientes, e acarretando perda de oportunidades geradas pela internacionalização do tráfego de outros países, nomeadamente da União Europeia."
A segunda afirmação que entendemos merecer todo o destaque figura a páginas 130 e tem já a ver com a forma como o actual Governo pretende inverter a tendência destruidora relativamente à marinha mercante portuguesa e às infra-estruturas portuárias. Escreve-se: "o Estado encontra-se confrontado com os problemas resultantes dos critérios de convergência emanados da União Europeia, que implicam alguns constrangimentos macro-económicos que acabam por dificultar ou impossibilitar a mobilização dos fundos públicos necessários para projectos que sejam dinamizadores do desenvolvimento económico e social". Esta é apenas uma das várias afirmações que se fazem neste sentido e que, note-se bem, coincidem com outras que revelam já o quadro de devastação da frota mercante e de pesca portuguesas, que resultou, em grande medida, de imposições comunitárias às quais igualmente se imputam responsabilidades no envelhecimento das nossas infra-estruturas portuárias. Acrescente-se que as receitas aplicadas (privatizações, privilégios ao sector privado, etc.), que o Governo PS advoga, relevam da mesma opção do PSD e do governo do Prof. Cavaco Silva.
Este Livro Branco esclarece, assim, uma coisa e lança uma dúvida que fica sem resposta.
Em primeiro lugar, saibam os portugueses que a política de obediência a Bruxelas seguida pelo Governo do Professor Cavaco Silva destruiu a nossa frota mercante e gravemente empobreceu os nossos portos.
Em segundo lugar, saibam os portugueses que o Governo de António Guterres pretende resolver esta situação no quadro da sua política de obediência a Bruxelas.
Parece tratar-se não de pretender curar o resultado das "dentadas" da Comunidade com o "pêlo" da mesma Co-

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munidade mas, sim, de curar as "dentadas" comunitárias com mais "dentadas" comunitárias.
Não se vê que assim se possa chegar onde se anuncia que se quer ir.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Entendeu o PS trazer à discussão, sob esta forma regimental, provavelmente julgando favorecer o anúncio do Livro Branco sobre a política dos portos, uma questão que é, com efeito, importante. Mas aquilo que o PS foi capaz de trazer - aliás, a própria natureza de um debate regimental como este não deixaria ir muito mais além - é um conjunto vago de cenários, de hipóteses, de formulações académicas, sem qualquer conteúdo nem sustentabilidade, com base numa visão implícita do que se quer, ou seja, de como os portos e a política portuária têm ou não um papel importante no desenvolvimento do país, do ordenamento do território e do ambiente.
Não vemos como é que o Livro Branco, simultaneamente, pode dizer, escamoteando as causas que estão na origem da perda de competitividade, que quer integrar, a rede europeia, não abordando questões que são questões-chave e em relação às quais foge de equacionar hipóteses, e que quer garantir mais eficácia e mais qualidade. Não vemos como é que pode fazer isso, numa óptica em que não considera, do ponto de vista dos recursos humanos, com que meios vai fazê-lo, porque a complexificação dos portos exige trabalhadores qualificados, com carreiras profissionais claramente definidas. Sobre esta matéria, independentemente do número de trabalhadores, o Governo é também omisso. Aliás, nem faz alusão, ignorando pura e simplesmente o pacto de concertação social que em Julho de 1993 tinha sido celebrado.
A competitividade dos portos, a melhoria de qualidade de serviços, a capacidade de estabelecer nos portos algo que não temos, que são planos de qualidade, implicam trabalhadores qualificados, uma mão-de-obra qualificada, cada vez mais conhecimentos técnicos que, manifestamente, nem são equacionados.
As questões do ponto de vista ambiental, que não são acessórias ao entendimento que se tem sobre localização de portos, continuam à margem e são analisadas casuisticamente em função da maior ou menor pressão da opinião pública, em função da qual outras escolhas se fazem. Os estudos de impacto ambiental e o saber se a solução, independentemente de ser amais barata, é aquela que, a prazo, numa visão de preservação dos nossos recursos, se garante, não existem.
Mais e ainda, há questões que são fundamentais, hoje, em qualquer política dos portos. É essa a opinião de Os Verdes. São questões que têm a ver com a segurança, a higiene, a forma como cada vez mais o tipo de mercadorias que vêm de outros países são substâncias tóxicas manipuladas. Todas estas questões são perfeitamente minimizadas e passam à margem, como se fossem menores, quando se sabe, por exemplo, como é que, nos nossos portos, designadamente se nos lembrarmos da situação do porto de Sines, substâncias como o enxofre são, num país como o nosso, tratadas, armazenadas e embaladas.
Parece-nos que este Livro Branco é um conjunto vago de ideias que, como ideias, podem ser discutidas como quaisquer outras, não em sede de um debate de urgência como este, limitado no tempo, mas, porventura, numa discussão em sede de comissão, que terá validade não como exercício académico, não como forma de fazer propaganda, mas como forma de dizer claramente dito o que se pretende, tendo em conta o modelo de desenvolvimento e vários problemas, não fugindo às questões que possam ser incómodas.
Já agora, aproveitaria estar o Governo presente para referir urna questão a que, de algum modo, o PS tem fugido, sendo que dela foi partidário no passado.
Que entendimento têm, actualmente, o Governo e o Partido Socialista sobre a transferência ou não de jurisdição de zonas ribeirinhas e portuárias que perderam a sua vocação portuária? Defendia-se - tanto nós, Os Verdes, como o PS - que essa transferência de jurisdição deveria passar para os municípios. O PS tem ziguezagueado e omitido esta questão, pelo que gostaríamos de saber o que, sobre esta matéria, o PS, hoje Governo, pensa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em boa hora o Governo tomou a iniciativa de elaborar e colocar à discussão pública o Livro Branco da Política Portuária, pela importância que os transportes, em geral, e o transporte marítimo, em particular, assumem na competitividade das empresas e das nações no próximo século.
De facto, os transportes, de parceria com as comunicações e o factor humano, são os recursos essenciais dos próximos decénios.
E nesta, como noutras questões, Portugal não pode permitir-se seguir apenas a liderança da Europa, onde aliás não existem grandes ideias inovadoras neste domínio, mas deverá antecipar o futuro dos transportes, assumindo a dimensão marítima, nomeadamente na antevisão dos barcos rápidos e maiores que o futuro nos reserva.
Por isso, é vital para a competitividade da nossa economia e para o bem-estar dos portugueses que a prioridade estratégica absoluta da política portuária nacional seja a inversão da actual direcção de tráfego que se realiza de Roterdão e de Marselha para Portugal, para conseguir que os grandes barcos porta-contentores da rota atlântica, de 4000 e de 6000 Teus, façam de Portugal o seu porto de arribação e de transbordo para os barcos "feeders" que de Portugal partam para servir os portos do Sul e do Norte da Europa, deixando aqui a enorme mais-valia que é a existência de carreiras regulares de navios para todo o mundo, com baixos preços e rapidez.
Para tal, precisamos de um porto de águas profundas, que não pode ser Lisboa, Setúbal ou Leixões e que defendo seja Peniche ou, então, Sines. Este porto não pode, nem deve, ser visto na tradicional óptica das obras públicas ou na mera óptica dos interesses paroquiais ou locais, por mais legítimos que estes sejam. Deve ser um porto feito à medida dos barcos que estão a ser construídos e que deverá ser o mais barato porto da Europa, por ser o mais automatizado, aquele onde os barcos terão a mais curta permanência e onde a vantagem do país e do Estado será o reforço da economia e não o rendimento obtido por força de taxas e de emolumentos portuários.

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Esta visão permitirá uma nova oportunidade para a marinha mercante nacional e para a nossa construção naval, através do tráfego para o Norte e para o Sul da Europa e regiões autónomas, com barcos mais pequenos, alimentados de carga pelos grandes barcos da rota atlântica. Tal implica ligações ferroviárias modernas, no sentido de ganhar a batalha do interland peninsular e acabar de vez com o excessivo domínio do transporte rodoviário, cujos custos económicos, ambientais e sociais são conhecidos.
A concretização desta estratégia é vital para a nossa economia, nomeadamente para a nossa indústria, na medida em que o tempo e o custo de envio das mercadorias nacionais para os portos de Espanha e da Holanda, como agora acontece, limitará de forma acentuada a nossa competitividade internacional.
Acresce que todas as obras de expansão portuária previstas no Livro Branco para os diversos portos do continente perdem grande parte do seu sentido sem este porto terminal de contentores, na medida em que, sem o crescimento do tráfego tornado possível pela escala em Portugal dos grandes navios, não haverá mercadorias que justifiquem os investimentos.
Por outro lado, é minha convicção que não é uma boa estratégia fazer recuar a história e querer que o porto de Lisboa possa ser um grande porto de contentores, porque não possui os fundos necessários, não tem os espaços de cais disponíveis e, mais importante, Lisboa é um grande centro urbano, com todos os problemas daí decorrentes: ambientais, de congestionamento de tráfego e de custos elevados.
Finalmente, permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma palavra a favor da minha região, o distrito de Leiria, a qual nada tem a ver com a questão estratégica que aqui defendi. A realização deste porto de águas profundas em Peniche é uma solução mais barata do que as alternativas, porque permite a ligação ferroviária mais conveniente e barata através do atravessamento e ligação às linhas do Norte e Oeste, ganhando o interior e o transporte peninsular, para além de ser a única solução que permite cumprir o importante objectivo tecnológico e económico de possuirmos um porto especializado no transporte de contentores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Livro Branco abriu uma importantíssima via de debate sobre uma das mais importantes questões da nossa competitividade. Por favor, não deixemos de responder a este desafio histórico, que é uma janela de oportunidade para voltar a colocar Portugal no centro do transporte marítimo mundial.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Barradas Leitão pediu a palavra para um pedido de esclarecimento. Dispõe de 12 segundos, o que não é muito, mas tem a palavra.

O Sr. António Barradas Leitão (PSD): - Sr. Presidente, espero que o tempo seja suficiente, porque a questão também é muito curta.

O Sr. Presidente: - Pode utilizar 1 minuto, no mínimo, Sr. Deputado.

O Orador: - Ouvi com muito agrado a intervenção do Sr. Deputado Henrique Neto, especialmente no que diz respeito ao grande porto de águas profundas que defende para o nosso país e a sua localização em Peniche, posição com a qual concordo. No entanto, a posição do Governo é contrária à do Grupo Parlamentar do PS, concretamente em relação à que aqui foi expressa pelo Sr. Deputado Henrique Neto. O Governo defende Sines como o grande porto de águas profundas para Portugal, o porto de transhipment, enquanto que o Sr. Deputado Henrique Neto, em nome do PS, defende essa localização em Peniche.
Assim, pergunto ao Sr. Deputado Henrique Neto o que pensa fazer para dirimir este conflito entre o Grupo Parlamentar do Partido Socialista e o Governo. Será que a sua posição, a posição do PS, vai ter consequências práticas quando for discutido o Orçamento do Estado para 1998? Será que desta vez o PS não vai votar contra a inclusão no PIDDAC de obras de ampliação do porto de Peniche, como votou em relação ao PIDDAC para 1997?
Gostaria de ouvir a opinião do Sr. Deputado Henrique Neto quanto a esta contradição entre o PS e o Governo.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto. A Mesa concede-lhe I minuto, em paralelismo com o que fez em relação ao Sr. Deputado António Barradas Leitão.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, agradeço a bondade.
Sr. Deputado António Barradas Leitão, não posso corresponder e dizer que ouvi com agrado, porque não ouvi, a intervenção do seu partido sobre a mesma matéria. Por um lado, porque sobre o essencial das questões nada disse. Por outro, porque de ideias foi zero. Por outro, finalmente, porque nem sequer se ateve do ponto de vista da defesa de qualquer proposta. Fez aquilo que, aliás, tem feito hoje durante todo o dia: chicana política, debate vazio. E isso é também grave, porque V. Ex.ª, em Peniche, é muito agressivo e combativo na defesa de um porto que aqui, não teve a coragem de defender.
E evidente, e não preciso de o esclarecer a si nem à Câmara, que a posição que aqui defendi relativamente a Peniche é a defesa de um ponto de vista meramente pessoal e que, como é evidente, não compromete o Governo nem implica qualquer conflito. Aliás, conflito que VV. Ex.as tentam ver em tudo, tentam dinamizar, tentam criar, porque, no fundo, VV. Ex.as não estão aqui para discutir as questões do país, as grandes questões nacionais, mas, sim, para fazer chicana política,...

Protestos do PSD.

... para se motivarem pelas questões do aval à UGT, por questões secundárias. Duvido, pelas vossas intervenções, que tenham sequer lido os documentos que o Governo apresentou.
Sr. Deputado, do vazio de ideias dessa bancada já estamos todos fartos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra pessoal.

O Sr. Presidente: - Dar-lha-ei no fim do debate, que já não demora muito.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, quero usar da palavra sob a forma de interpelação à Mesa tão-somente...

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que "sob a forma" não. Não abusem dessa forma.

O Orador: - Sr. Presidente, quero apenas manifestar o meu desapontamento pelo facto de neste debate não se ter falado minimamente no porto de Viana do Castelo, que deve trazer extremamente preocupado todo o Alto Minho.
Quero também informar que, já que o Regimento não permite, em virtude do tempo disponível para este debate, que eu fale hoje, irei muito em breve, nem que seja fazendo uso da faculdade que me permite o artigo 82.º do Regimento, trazer ao Parlamento essa questão.

O Sr. Presidente: - Como vê, não nos faltam portos, falta-nos tempo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, como o tempo de que disponho não chega a 2 minutos, é-me impossível responder a todas as questões colocadas. Porém, estou disponível para, em sede de comissão especializada, passar um dia, uma noite, enfim, o tempo que entenderem a discutir exaustivamente todo o Livro Branco, que é um trabalho sério e não um documento de propaganda.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Muito bem!

O Orador: - É um trabalho sério de uma equipa responsável, que o assumiu com um sentido de serviço ao Estado.
Ora, a nossa posição é esta: ou se assume que a política marítimo-portuária é um sector estratégico ao serviço do interesse do País ou não. Esse não é um problema do PS ou do partido que está no Governo, mas de toda esta Assembleia, e essa é uma questão de fundo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -.Entretanto, não posso deixar de responder a uma questão contida na intervenção do Sr. Deputado Falcão e Cunha, e é a única a que vou responder. Sr. Eng.º Falcão e Cunha, nós conhecemo-nos há muitos anos e tenho por si uma grande consideração, que, no entanto, ficou hoje abalada - e digo isto sem acrimónia, pedindo-lhe desculpa porque não quero ferir a sua sensibilidade -, pela demagogia, que roçou a mistificação, da sua intervenção.
Dir-lhe-ei rapidamente o seguinte: dos 68 milhões de contos, gastos nos portos e transportes marítimos, entre 1990 e 1995, os portos secundários consumiram cerca de 50% deste valor, ou seja, cerca de 36 milhões de contos, gastos em investimentos pulverizados, sem utilidade ou propósitos definidos, sem sequência lógica, em projectos inacabados, muitas vezes destinados a satisfazer clientelas.
A segunda questão para a qual queria chamar a sua atenção é esta: o PSD, durante mais de 10 anos, teve responsabilidades no sector marítimo-portuário. Durante esses 10 anos a nossa frota passou de cerca de 80 navios com mais de 2 milhões de toneladas de porte bruto, no início da década de 80, para 25 navios com apenas 243 000 toneladas de porte, no registo convencional, e para 17 navios com 347 toneladas de porte, no registo da Madeira, no início de 1996. Reduziu-se, pois, para metade a dimensão da frota.
Finalmente - e o mais escandaloso, que recordo com acutilância -, a Lei n.º 1/93, que foi uma autorização concedida ao Governo para rever o regime jurídico do trabalho e das operações portuárias, publicada no dia 6 de Janeiro, diz, no seu artigo 2.º, o seguinte: "É o Governo autorizado a rever o regime jurídico do trabalho portuário, no sentido de: a) sujeitar os trabalhadores portuários ao regime jurídico do contrato individual de trabalho; (...); c) extinguir o actual regime de inscrição e de exclusivo do trabalho portuário, reforçando simultaneamente a estabilidade do vínculo laboral à entidade empregadora e criando mecanismos adequados a uma gradual e harmoniosa transição para o mercado de trabalho, em condições idênticas às que vigoram para a generalidade dos trabalhadores portugueses". Ora, em relação a isto, Sr. Deputado, foi feito zero!

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - O pacto social, que saiu seis meses mais tarde, transcreve isto. Mas, fez-se zero, Sr. Deputado! Aquilo que foi a grande reforma marítimo-portuária do Governo do PSD, lamento dizê-lo, foi um fogo-fátuo.
Como não tenho mais tempo, estou disponível para, em sede de comissão especializada, debater todo o Livro Branco, das páginas 1 à 300, ou coisa parecida.

Aplausos do PS.

O Sr. José Carlos Tavares (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado, mas com a mesma exigência de que seja mesmo uma interpelação.

O Sr. José Carlos Tavares (PS): - Sr. Presidente, gostaria de lembrar que este debate diz respeito ao Livro Branco sobre os portos, sobre a política marítimo-portuária, e que o mesmo Livro Branco, na parte parcelar sobre Viana do Castelo, aponta determinada linha de estratégia. No entanto, lembro ao Sr. Presidente que é necessário fazer um esforço financeiro, que o Livro Branco possa vir a consignar no seu aperfeiçoamento, para redimensionar o porto de Viana do Castelo, que o merece, com a frente primeira em relação a Espanha, nomeadamente a um interland com a Galiza, que é a parte privilegiada das nossas relações com a Espanha, para termos uma dimensão, uma redimensão e uma organização no porto capaz de permitir o relançamento da economia com o país vizinho.

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Este é o apelo que faço ao Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e ao Sr. Secretário de Estado Adjunto para que pensem seriamente sobre a viabilidade desse porto, em termos do interland do Norte.

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O Sr. Presidente: - Não se tratou de uma interpelação, Sr. Deputado.
Dou, agora, a palavra ao Sr. Deputado Falcão e Cunha para exercer o direito regimental de defesa da honra pessoal.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, tinha pedido a palavra para defesa da honra pessoal em relação à intervenção do Sr. Deputado Henrique Neto. Mas, se o Sr. Presidente mo permitir, farei idêntica defesa da honra em relação à última intervenção do Sr. Secretário de Estado Adjunto.

O Sr. Presidente: - A sensibilidade é sua, Sr. Deputado. Faça favor.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Relativamente ao referido pelo Sr. Deputado Henrique Neto - e ia chamar-lhe empresário Henrique Neto, porque todos nós o conhecemos como um empresário de sucesso...

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - E Deputado de sucesso!

O Orador: - ... e, claro, Deputado de sucesso, alguém que naturalmente tem tido uma carreira de empresário notável -, não acredito, Sr. Deputado, que V. Ex.ª nas suas decisões como empresário use os mesmos critérios, a que já há dias chamei de fé. V. Ex.ª acredita naquilo que o Governo diz por fé e decide em conformidade. Se fizer assim nas suas empresas, Sr. Deputado, será com certeza um excelente Deputado do Partido Socialista, mas não continuará a ser o empresário de sucesso que todos nós reconhecemos.
O Sr. Deputado disse hoje aqui duas coisas que não posso aceitar. Primeiro, disse: "não ouvi a intervenção do seu partido" - ora, quem tinha falado, era eu. E, depois, disse: "a intervenção do seu partido foi de chicana política". Em que é que ficamos? O Sr. Deputado ouviu ou não? Foi chicana política ou não?

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Ouviu, mas preferiu não ouvir.

O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, mas o que acontece é que o senhor não leu o Livro Branco e fez uma intervenção por fé, na qual atacou a honra e a dignidade de colegas seus.
Quanto ao mencionado pelo Sr. Secretário de Estado, quero retribuir-lhe a elevada consideração que tenho por V. Ex.ª e que conhece bem. Disse que eu tinha feito mistificação. Sr. Secretário de Estado, diga-me onde é que fiz mistificação e diga-me, por favor, naquilo que foi essencial na minha intervenção, ou seja, aquilo que foi feito no sector portuário nos 10 anos em que fomos Governo, aquilo que é mentira daquilo que eu disse. Onde estão as mentiras?
Diga-me, Sr. Secretário de Estado, relativamente aos 5500 trabalhadores portuários, que nós reduzimos, em cinco anos, para 1800 e, nos três anos seguintes, para 600, se, sem essa redução - que o Sr. Deputado Manuel Varges, num critério a que eu chamaria agora de economicista, chama a custos inviáveis, porque ele não sabe quanto é que isso custou nos portos franceses, ingleses ou holandeses, mas o Sr. Secretário de Estado sabe -, se, sem essas medidas terem sido tomadas, o senhor poderia ter hoje um sector portuário a funcionar.
Diga-me se aquilo que disse em relação ao "seu" porto de Sines é verdade ou mentira.
Também estou disponível dia e noite - e nisso estou de acordo consigo - para, em sede de comissão, discutir este seu Livro Branco, com todos os pressupostos. Contudo, já não estou disponível para vir aqui "fazer um número", para, em 10 minutos, o país ficar a saber que os senhores apresentaram um Livro Branco sobre portos. Foi esse o objectivo deste debate de urgência. É que em 10 minutos nenhum de nós pode dizer rigorosamente nada que valha a pena para o desenvolvimento do sector - nem eu nem o senhor.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Falcão e Cunha fez não uma mas duas defesas da honra. Ora, como não posso dividir os 3 minutos, para dar explicações, pelos dois membros, digamos, que foram interpelados, terei de dar a palavra sucessivamente ao Sr. Deputado Henrique Neto e ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território (João Cravinho): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Se me dá licença, Sr. Ministro, primeiro, na sequência normal das coisas, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Henrique Neto e ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro, do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, para dar explicações.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito para usar da palavra a seguir ao Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Falcão e Cunha, tenho a ideia de que se alguém ofendeu alguém foi V. Ex.ª que se ofendeu a si próprio. É que, realmente, aquilo que disse, quer há pouco daquela tribuna quer agora novamente, não faz qualquer sentido. Peço desculpa por ter de dizê-lo, mas isto é uma evidência. O senhor começou por dizer que eu actuava por fé, quando o que aqui vim fazer foi dar uma opinião, por acaso em alguns aspectos até nem convergente, sobre um trabalho valiosíssimo do Governo, um estudo profundo contido numas largas centenas de páginas, com o qual pode não se concordar, mas que não se pode ignorar. E o que V. Ex.ª fez foi ignorar - porque ou não leu, ou não estudou, ou não tem opinião, ou não sabe - e ir ali àquela tribuna dizer um conjunto de generalidades, o que eu não teria tido coragem de fazer.
É que, sobre os portos, o que é que V. Ex.ª propôs?

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Nada!

O Orador: - Quais foram as políticas portuárias? Perante este desafio enorme, que é o futuro do transporte marítimo, quais são as ideias do PSD?

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O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Nenhumas!

O Orador: - Estão de acordo com o porto de Lisboa como está previsto? Com o de Sines, o de Setúbal e o de Peniche? Qual é a vossa posição? Qual é a vossa opinião?

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Não têm!

O Orador: - Sobre isso, zero, vazio total! Consideraria isso uma ofensa, mas uma ofensa que os senhores infligiram - e estão a infligir, dia após dia, nesta Câmara - a vós próprios.
Depois, disse que eu tinha fé. Mas a vossa bancada, há pouco, descortinou uma pequena divergência, em matéria de opinião, numa coisa que está em discussão pública - o Livro Branco foi feito pelo Governo para discussão pública.

O Sr. António Barradas Leitão (PSD): - Peço desculpa, mas não este!

O Orador: - Um seu colega de bancada descobriu que eu tinha uma posição que não era totalmente convergente com a do Governo e chamou-lhe "conflito".
Qual é a vossa posição, Srs. Deputados? É só a criação de factos políticos? É a vossa vocação?

O Orador: - Emiti uma opinião que, por acaso, até é uma opinião que defende o concelho de V. Ex.ª,...

Vozes do PSD: - Verborreia!

O Orador: - ... concelho esse que V. Ex.ª não teve condições ou vontade para vir aqui defender.
Portanto, onde está o problema? Onde está a ofensa? Repito: se houve ofensa foi de VV. Ex.as a vós próprios.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo-o, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Falcão e Cunha, o Livro Branco está, de facto, em debate e, relativamente a ele, acolheremos todas as sugestões que nos chegarem - e venham sugestões e alternativas.
Mas se V. Ex.ª me permite, mantenho que a sua intervenção me surpreendeu extremamente, porque foi extremamente destrutiva e, de alguma forma, incorrecta, desajustada e enviesada, em relação ao contexto daquilo que os senhores chamam a reforma de 1993, ou seja, o pacto de concertação social no domínio portuário.
E o que referi aqui - e repito - foi que fica na sombra o que isso custou ao País, fica na sombra um endividamento quase insustentável das Administrações do Porto de Lisboa e do Porto de Leixões e fica na sombra que o que se pretendia com o pacto não foi levado até ao fim, sendo um trabalho incompleto. E o que me espanta é que os senhores defendam uma reforma, que pretendia ser estrutural e relançadora do sector e que, de facto, não o foi. Lamento ter de dizer isto com alguma crueza.
Quero ainda acrescentar algo mais: estou disposto a vir a todas as comissões especializadas fazer os debates que forem necessários, durante o tempo que me seja permitido, para, com alguma lógica sequencial e sustentável, poder de alguma forma arguir aquilo que foi um trabalho feito, durante vários meses, por uma equipa extremamente competente e coesa e do qual não posso deixar de me orgulhar. De facto, é um trabalho sério, que está em debate público, no âmbito do qual vamos fazer mais dois ou três debates no País, e que irá terminar proximamente, tendo já havido muitos apports, que levarão a introduzir algumas correcções.
Agora, trata-se de um trabalho muito sério, que não pode ser posto em causa.
Sr. Deputado, aquilo que foi feito pelos senhores como a grande reforma, aqui há uns anos atrás - não me recordo do ano em que isso foi feito -, foi uma reforma fátua, que, de facto, não foi ao âmago das questões, porque, no fundo, quando fizeram a reforma do trabalho portuário, houve um efeito boomerang e ela voltou-se contra os senhores. Os efeitos positivos que pretendiam obter transformaram-se hoje em dia em efeitos externos negativos. Estamos a voltar novamente à situação ex ante!
Isto tem de ser dito com alguma coragem! De facto, os senhores tentaram fazer aquilo que foi... Aquilo que eu fiz politicamente, já o disse nesta Câmara uma vez, foi um dirty job, que não é fácil, só que, entretanto, reconstituiu-se todo o status anterior. E os senhores deixaram o trabalho verdadeiramente incompleto.
Não quero alongar-me nesta questão, mas, Sr. Deputado Falcão e Cunha, queria dizer-lhe o seguinte: tenho todo o gosto de, em sede de comissão especializada, lhe poder responder, taco a taco, letra a letra, num debate que não se pode compaginar em 2 ou 3 minutos, porque tem de ser um debate sustentado.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Não são sérias as intervenções do tipo daquelas que foram aqui feitas. O trabalho do Livro Branco é um trabalho sério!

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Ouvi dizer ao Sr. Deputado Falcão e Cunha que este debate não deveria ter lugar, que este debate, em 10 minutos..., não era sério, s6 servia de propaganda do Governo...!
Ora, o Governo está aqui, a convite da Assembleia, segundo suponho, e daí a razão desta interpelação!
Estava eu a dizer que o Governo está aqui, a convite da Assembleia,...

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Do Partido Socialista!

O Orador: - ... que agendou o debate em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, de acordo com o Regimento da Assembleia, que prevê exactamente este tipo de debates, e foi ridicularizado por um representante do PSD.
Nestas condições, Sr. Presidente, sendo certo que o Governo veio a esta Assembleia com espírito democráti-

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co de colaboração e de vontade certa, sendo certo que V. Ex.ª deverá de ter presidido a essa Conferência, sendo certo que esta figura parlamentar foi ridicularizada, sendo certo que o ridículo cai sobre a própria Assembleia, se o assunto não for devidamente esclarecido, gostaria de interpelar a Mesa no sentido de saber se estaremos enganados, se terá sido suscitada, de algum modo, a nossa presença aqui, por razões de propaganda, ou se foi dentro da boa ordem democrática dos trabalhos parlamentares.

Aplausos do PS.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Não foi chicana esta intervenção?

O Sr. Manuel Varges (PS): - Não foi, não!

O Sr. Presidente: - É evidente, Sr. Ministro, que este debate de urgência foi agendado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e que a grelha de tempos correspondente a este tipo de debates foi aí fixada. Tudo se processou dentro da normalidade regimental, portanto não há reparos a fazer a essa normalidade.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, estava a gerar-se um equívoco que, no entanto, já começou a ser clarificado pelo Sr. Ministro.
De facto, este debate de urgência foi agendado a pedido do Grupo Parlamentar do PS e, como o Sr. Presidente clarificou, teve, obviamente, a aceitação da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Estamos à espera que o Sr. Deputado Falcão e Cunha peça a alteração do Regimento ou da metodologia de elaboração destes debates, mas sempre diria que para o que nós e o Governo tínhamos para dizer o tempo foi pouco mas para o que disse o PSD o tempo até foi excessivo.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Sr. Presidente: - Ainda para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, é para mim bem claro - aliás, consta do boletim informativo que este debate de urgência foi requerido pelo Partido Socialista.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - E aprovado pelo PSD!

O Orador: - Com certeza! Aprovado pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares!
O meu pedido de interpelação à Mesa é no sentido de que o Sr. Presidente me esclareça se há alguma limitação para a forma e para o fundo daquilo que os Srs. Deputados podem dizer nesta Câmara, porque me pareceu que o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território se excedeu ou, então, "tomou a nuvem por Juno" em relação à minha intervenção.
De duas, uma: ou voltou a censura a este Parlamento...

Protestos do PS.

... e o Governo quer fazer censura pela voz do Sr. Ministro, ou não vale a pena falar neste Parlamento!

Aplausos do PSD.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Leia o Regimento!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não tem poderes de censura sobre o conteúdo da intervenção dos Srs. Deputados. A liberdade de pronunciamento é total, salvo na medida em que possa ser ofensiva, e só nesses casos é que a Mesa intervém.
Hoje mesmo, embora pedindo vénia para o caso, intervim numa situação em que me pareceu que houve excesso em matéria de linguagem. Fora disso, se não existisse aqui liberdade de expressão onde é que havia de existir?
Para defesa da honra, suponho, tem a palavra o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, como é que adivinhou?
Gostaria de dizer, em defesa da honra devida ao Governo, não pessoal, que fiz há pouco uma interpelação ao Sr. Presidente da Assembleia da República, que respondeu nos devidos termos, e, portanto, julgo que foi perfeitamente convalidada a oportunidade da observação que suscitei.
Dito isto, e uma vez que me atribuíram propósitos censórios ao interpelar o Sr. Presidente sobre uma questão regimental, gostaria de saber se, nesta Assembleia, é possível um Sr. Deputado imputar ao Governo propósitos de propaganda quando este vem aqui em perfeita colaboração institucional.
Quando o Sr. Deputado Falcão e Cunha usa do direito de palavra que tem, sem que eu me tenha referido ao sentido profundo do que disse, mas apenas aos aspectos institucionais, estando eu sob a autoridade de V. Ex.a, Sr. Presidente, e completamente coberto pela resposta que deu, quero perguntar se a censura que me é imputada foi, no fundo, endereçada a V. Ex.a.
É que, se foi, queria dizer que conheço o Sr. Presidente da Assembleia da República como um grande democrata, que sempre se bateu contra a censura.
E ao invocar aqui o Regimento, coberto pela autoridade do Sr. Presidente da Assembleia da República, devo dizer que estou muito bem acompanhado.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Só conversa!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, em primeiro lugar queria fazer-lhe o ligeiríssimo reparo de que não adivinhei para que efeito tinha pedido a palavra, foi o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares que telefonou para a Mesa dizendo que o Sr. Ministro queria defender a sua honra.

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Em segundo lugar, a expressão "propósitos de propaganda" pode não corresponder à verdade, mas não é ofensiva. É evidente que quem a usar sem justificação pagará o preço político disso, como sempre pagamos quando dizemos qualquer coisa que tem um preço a pagar. Mas não me parece que a expressão "propósitos de propaganda" tenha efeito menos respeitoso.
Pessoalmente, como calcula, bati-me tanto pela liberdade que não sou hipersensível às críticas que me são dirigidas. Tenho uma boa capacidade de absorção dessas críticas, às vezes doem um pouco, mas, de um modo geral, absorvo-as bem, como o mata-borrão absorve a tinta.
Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, quero, com certeza, dar explicações ao Sr. Ministro.
Sr. Ministro, V. Ex.ª disse que eu falei em intuitos de propaganda, mas não falei. Mas estou com o Sr. Presidente da Assembleia: é das suas funções fazer propaganda do seu Governo! Perfeitamente! Não há qualquer problema! Mas eu não falei em intuitos de propaganda e muito menos com qualquer intuito pejorativo. O que eu disse foi o que penso, Sr. Ministro! Disse o que penso acerca de 10 anos no sector portuário! Nem o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território nem o Sr. Secretário de Estado Adjunto me contrariaram! Disse a verdade!
Disse uma coisa que é inevitável, Sr. Ministro: é que se nós não tivéssemos diminuído de 5500 trabalhadores portuários para 600, num programa de oito anos, hoje o Sr. Ministro não tinha portos para governar.
O Sr. Ministro é que me ofendeu ao dizer que eu tinha tentado ridicularizar a sua intervenção...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - ... ou que tinha tentado ridicularizar a apresentação do Livro Branco. Eu não tentei ridicularizar, eu critiquei, com o direito que tenho de criticar...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - ... com a minha opinião, livre! Provavelmente não será igual à sua, mas ainda bem para mim!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o debate de urgência sobre a reforma dos portos.
Uma vez que já não dispomos de tempo para tratar de assuntos de interesse político relevante, dou por terminado o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia, com a discussão conjunta, na generalidade, do projecto de lei n.º 89/VII - Alteração à Lei n.º 110/91 , de 29 de Agosto, que aprova os Estatutos da Associação Profissional dos Médicos Dentistas (PSD) e da proposta de lei n.º 73/VII - Altera o Estatuto da Associação Profissional dos Médicos Dentistas, aprovado pela Lei n.º 110/91, de 29 de Agosto, garantindo o enquadramento ético e deontológico dos cirurgiões dentistas e odontologistas legalmente habilitados a exercer a sua actividade em Portugal.
Para introduzir o debate, em representação do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, Sr.as e Srs. Deputados: Com a largueza e o encanto do sorriso da Sr.ª Ministra da Saúde, todos esperávamos que maior atenção fosse dada pelo menos à saúde oral.
Só espero que a causa desta falta de atenção não seja porque se aguarda o momento de preparação de um mega show mediático, com lindas brochuras, slides, muita comunicação social e muitas boas intenções, como é costume.
Que dizer da política de prevenção ao nível dos cuidados primários? Que dizer da acessibilidade dos cidadãos aos cuidados de saúde dentários? Que dizer da flexibilização das instituições de saúde para poderem contratar pessoal especializado? Que dizer da saúde escolar nesta área?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta área nem sequer é preciso inventar grande coisa, basta seguir os bons exemplos, onde a Região Autónoma da Madeira tem também aqui importante capital de experiência.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - O Presidente do Governo Regional da Madeira devia ter contenção oral!

O Orador: - Na política de saúde oral, como na generalidade da vida das organizações, os recursos humanos e as suas qualificações representam um pilar essencial. Estomatologistas, médicos dentistas, odontologistas, cirurgiões dentistas e higienistas são componentes da arquitectura deste sistema. .
No nosso país, só a partir de 1975 é que foram constituídas as escolas de medicina dentária, e as dinâmicas próprias da constituição e afirmação dos vários grupos profissionais e a sua escassez conduziu-nos a urna situação onde, na prática, só é possível ter acesso atempado a cuidados de saúde dentária em clínica privada, mesmo para os grupos de jovens ou mesmo para os grupos mais carenciados em termos económicos.
Com a criação dos cursos de medicina dentária e a necessidade de apurar a qualidade, foi criada uma secção de medicina dentária na Ordem dos Médicos que deu origem à constituição da associação de direito público, a Associação Portuguesa de Médicos Dentistas, que foi constituída pela Lei n.º 110/91, de 29 de Agosto.
A circunstância de a esmagadora maioria dos médicos dentistas serem profissionais liberais, apontou, desde muito cedo, para a possibilidade de serem constituídos em ordem profissional, na tradição, no enquadramento e com a filosofia das ordens existentes.
Na legislatura passada o Grupo Parlamentar do PSD apresentou um projecto de lei para a alteração de denominação de Associação para Ordem dos Médicos Dentistas. Essa proposta foi aprovada na Assembleia da República por unanimidade na generalidade, bem como nas comissões parlamentares especializadas. Porém, o final da legislatura não permitiu a sua votação final global e, em Janeiro de 1996, reapresentámos essa proposta.
O nosso projecto de lei pretende, para além da alteração da denominação, adaptar os Estatutos ao Código de Procedimento Administrativo, nomeadamente em termos de

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recurso hierárquico, e pôr termo à obrigatoriedade do voto, altamente contestada pelos associados e muito difícil de punir.
Estão previstos ainda preceitos relacionados com o funcionamento de conselhos deontológico e de disciplina e a criação de órgãos regionais, que, na discussão na especialidade, teremos, decerto, possibilidade de aclarar e afirmar.
Penso que, com esta iniciativa, estamos a contribuir para a dignificação e a incentivar a qualidade da saúde oral no nosso país.
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados: A 17 de Março de 1997, deu entrada na Assembleia da República uma proposta de lei do Governo, que pretende garantir o enquadramento ético e deontológico dos cirurgiões dentistas e odontologistas legalmente habilitados a exercerem a sua actividade em Portugal.
A solução encontrada nos três artigos que o Governo pretende aditar aos Estatutos criam algumas dúvidas que gostaria aqui de colocar em termos concretos. Sem embargo de se poder discutir as questões em sede de especialidade, gostaria de deixar aqui estas perguntas: porque é que não se distinguem os cirurgiões dentistas dos odontologistas, quando o Ministério da Saúde sabe que, em termos legais, têm atribuições diversas? Como compaginar o papel dos odontologistas numa Associação de Médicos Dentistas que, como sabemos, tem qualificação, prestação e atribuições diversas em termos de exercício profissional? O que pensa o Governo e o Grupo Parlamentar do PS sobre a possibilidade de ser encontrada uma forma em que as várias profissões se possam sentir representadas e aceitem delegar em "seus pares" parte da intervenção na área deontológica e disciplinar? Será que, com esta medida, o Governo pretende levantar questões para, administrativamente, serem legalizadas algumas centenas de pessoas que, neste momento, estão ilegalmente a exercer a profissão? Estamos convictos de que não será esse o caso.
A esse propósito, recordo aqui que o Ministério da Saúde sempre foi muito claro quanto a excepcionalidade das medidas de enquadramento que, em 1977, todos os profissionais tiveram conhecimento da necessidade de uma formação específica, de inscrição no departamento de recursos humanos do Ministério da Saúde, com a identificação dos actos odontológicos, o tipo de receituário a que podem ter acesso, como vem claramente expresso quer no Decreto-Lei n.º 343/78 quer na Portaria n.º 765/78, publicada a 13 de Dezembro.
Esperamos que com esta proposta do Governo e com a ajuda da Assembleia da República se possa contribuir para uma melhoria dos cuidados da saúde oral, retirando a paixão e o calor que acções nesta área usualmente representam, e ainda para a possibilidade de impedir o exercício ilegal nesta área da medicina.
Esperamos também que este debate possa contribuir para que o Governo faça alguma coisa que não gosta muito de fazer, que é governar de facto, permita fortalecer a acção na área da prevenção (já experimentada, com excelentes resultados, em termos de custo/benefício, através de experiência-piloto em alguns centros de saúde), permita às pessoas com menos recursos o acesso a estes cuidados, que, como todos sabemos, hoje não é possível, e dê condições aos profissionais de clínica geral para trabalharem nesta área devidamente enquadrados com profissionais da área da medicina dentária, nomeadamente médicos dentistas.
A manutenção do prestigio internacional da qualidade dos nossos profissionais e das faculdades de medicina dentária obriga a que nesta área, como na generalidade das situações de saúde dos cidadãos, se seja exigente com as qualificações exigidas e com a qualidade da prestação, já que, em termos quantitativos, a muito breve prazo, com as cinco faculdade, estaremos com um rácio de profissionais mais do que adequado para este efeito. É, pois, fundamental que as faculdades se possam concentrar na investigação e na pós-graduação, no seguimento das directivas e no enquadramento das recomendações da Comissão Europeia.
Termino, Sr." Ministra, com um apelo. Sabendo das dificuldades que as decisões em termos de saúde se revestem, apelamos para que o Ministério da Saúde aja no sentido de defender e promover a saúde dos portugueses. Ou seja, numa palavra, que governe. E não venham falar do passado, tentando passar uma esponja na circunstância de estarem apenas há cerca de 18 meses em funções. É importante que se tomem medidas nesta área. E, pois, importante que o Governo governe.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.

A Sr.ª Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me apresentar a proposta de lei relativa à alteração parcial dos Estatutos da Associação Profissional dos Médicos Dentistas, aprovados pela Lei n.º 110/91, de 29 de Agosto, que pretende garantir o enquadramento ético e deontológico dos cirurgiões dentistas e odontologistas legalmente habilitados a exercerem a actividade em Portugal.
É importante que, neste momento, se expliquem as razões que levam à apresentação desta proposta de lei. As razões prendem-se com a necessidade de controlar o exercício desta profissão, tendo em conta as razões de saúde pública, que são extraordinariamente importantes nesta área, definindo e atribuindo, de uma vez por todas, o controlo a uma associação de direito público daquilo que é o correcto exercício da profissão de cirurgião dentista e dos odontologistas legalizados em Portugal. É oportuno, neste momento, referir que os odontologistas legalizados cm Portugal são os que o foram ao abrigo de um processo excepcional de 1977 e 1982, que os submeteu a uma avaliação curricular, o que deu segurança relativamente à sua habilitação para exercer adequadamente esta profissão. A partir dessa data houve uma nova tentativa, em 1990, e. na sequência de uma impugnação de inconstitucionalidade dos despachos atrás referidos - impugnação essa, aliás, que foi defendida por ilustres constitucionalistas do país, no sentido de que eram efectivamente despachos inconstitucionais -, chegou a ser elaborado e formulado um parecer pela Procuradoria-Geral da República, que não obteve homologação por estarem pendentes recursos em sede de Tribunal Administrativo, que, pelo facto de poderem vir a ter força vinculativa, levaram a que os membros do Governo, aos quais foi submetido o parecer, tivessem entendido não o homologar.
Durante todo este período temos assistido a uma situação sui generis e a uma situação que, a nosso ver, é extraordinariamente preocupante em termos de saúde pública, que é o facto de o despacho de 1990, apesar de permitir um novo processo de legalização extraordinária, ter sido suspenso pela própria Ministra da Saúde e se continuar a assistir a inscrições, nomeadamente ao nível

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dos recursos humanos, de odontologistas, que, afinal, não o eram, porque não tinham visto a sua situação legalizada, o que leva à criação de uma situação preocupante, do ponto de vista da saúde pública, por se encontrarem a exercer esta profissão pessoas que não estão devidamente habilitadas para o fazer.
Neste sentido, em articulação com a Associação Profissional dos Médicos Dentistas, uma vez que entretanto também surgiu o problema dos cirurgiões dentistas, que foi de certa forma criado por força de acordos internacionais, que levaram à sua legalização por portarias, que também foram impugnadas em termos da sua legalidade, entendeu-se ser este o momento de resolver esta questão, permitindo a inscrição, em determinadas condições, dos cirurgiões dentistas e dos odontologistas legalizados - e, friso, legalizados - na Associação Profissional dos Médicos Dentistas, que passará a controlar deontologicamente o exercício desta profissão.
Penso que o Governo procedeu oportunamente e, ao fim e ao cabo, também procedeu de acordo com aquilo que eram. as preocupações do Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, na medida em que só as razões de saúde pública é que nos moveriam efectivamente a apresentar esta proposta de lei.
E permitir-me-ia dizer que, por esta ser uma matéria extraordinariamente importante, o Governo está obviamente aberto - e não podia deixar de estar - a quaisquer alterações que a Assembleia resolva introduzir em sede especialidade, distinguindo cirurgiões dentistas dos odontologistas.
A formulação ora apresentada é a que obteve o entendimento e a concordância da Associação Profissional dos Médicos Dentistas, os quais já contactei posteriormente e que manifestam total disponibilidade para encontrar a redacção que for considerada mais adequada.
De qualquer das formas, não quero deixar de salientar o seguinte: a preocupação com a saúde oral é uma preocupação do Ministério da Saúde. Brevemente, e sem mediatização - pode crer, Sr. Deputado, que faço muitas coisas que não são mediatizáveis, e se algumas delas o são, são-no talvez por aquelas características que o Sr. Deputado referiu no princípio da sua intervenção e que muito agradeço, embora reconhecendo não as merecer...
Desejo também referir que, obviamente, a saúde escolar não foi destruída no momento actual. A saúde escolar assistiu a um processo de progressivo esvaziamento que, de certa forma, temos de recuperar, tendo até em atenção muitas daquelas afirmações que eu aqui tenho feito, sobretudo na área da promoção da saúde e da educação para a saúde, no sentido de que os jovens são o terreno mais fértil e aquele em que devemos investir.
Quero ainda dizer que não está prevista qualquer legalização administrativa de odontologistas até porque isso está legalmente vedado. E até pela minha condição de jurista, que neste momento não posso exercer de forma inteira, seria para mim completamente aberrante proceder por legalização administrativa, tendo em conta o panorama hoje radicalmente diferente daquele que levou a que em 1911 fosse iniciado o primeiro processo de legalização de odontologistas em Portugal. Ou seja, agora, em 1997, dado haver uma cobertura razoável em termos daquilo que são os recursos de médicos dentistas no país, dada a progressiva formação de mais médicos dentistas, e dado o país poder, finalmente, estar dotado dos recursos técnicos devidamente habilitados e preparados, para, em articulação com o Serviço Nacional de Saúde, proceder a uma adequada cobertura da população nesta área, não está prevista qualquer legalização administrativa.
Aproveito a oportunidade para referir que foi dado muito ênfase a um documento que saiu de uma direcção-geral para outra relativamente a esta matéria. Esse documento não era obviamente do meu conhecimento, porque, felizmente, e de acordo com as instruções que dou, as direcções-gerais têm primeiro de estudar os assuntos entre elas, porque a simples leitura da informação de uma delas, pelos vícios jurídicos de que enforma, mereceria da minha parte um despacho de não concordância.
Portanto, estejam tranquilos quanto à legalização administrativa, pois não pertence àquilo que são as minhas metas de trabalho em ganhos para a saúde. Pelo contrário, as minhas metas de ganhos para a saúde serão perfeitamente quantificadas em cada uma das áreas que nos preocupam, e também considero ser esta uma das áreas em que deve haver uma convergência de esforços no sentido de podermos garantir adequadamente às pessoas, numa área em que é tão importante salvaguardar a transmissibilidade de certas doenças, a aprovação efectiva de um quadro jurídico que atribua a uma entidade idónea o controlo deontológico do exercício de urna profissão.
De momento não me alargaria mais, uma vez que praticamente já esgotei o tempo de que dispunha, mas, antes, quero dizer que neste caso, como em todos os outros, o Governo tem agido.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, há cerca de um ano foi publicado em Diário da República aquilo que é o memorando de entendimento entre os dois governos, o Governo português e o Governo brasileiro. Nele, o Governo português propunha-se ultrapassar algumas dificuldades de natureza prática, de forma a integrar os cirurgiões dentistas brasileiros na sua actividade profissional normal, liberal, no nosso país.
Hoje, passado um ano, é aqui discutida a iniciativa legislativa do Governo. Não sei qual é a versão, se é a 10.º, a 15.º ou a 20.º..., mas creio que é uma má versão. É uma má versão porque vem enquadrar e integrar classes profissionais diferentes, de formação diferente, numa mesma associação. Não sei qual é a lógica e até nem sei qual é a legitimidade de impor a uma outra classe profissional um conjunto de regras, um código de ética e deontológico, com o qual ela nada tem a ver.
Por outro lado, em tenros similares, quase me parecia ser de considerar que na Ordem dos Médicos poderiam estar inscritos os auxiliares de acção médica, e a Sr' Ministra entende bem esta mesma relação.
Portanto, quanto à lógica, talvez até a perceba: como o Ministério da Saúde não consegue fiscalizar os odontologistas, transfere, mais uma vez, aquilo que são as suas atribuições e as suas competências para alguém que não o próprio Ministério da Saúde. Bom, mas esta é a minha interpretação, a Sr.ª Ministra dirá se "sim" ou "não".
A outra questão que queria colocar-lhe, Sr.ª Ministra, prende-se com a alteração proposta pelo Governo ao n.º 2 do artigo 100.º do Estatuto da Associação Profissional dos Médicos Dentistas, que diz: "Qualquer alteração ao regime jurídico em vigor para aquelas classes profissionais

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depende do parecer favorável da APMD". Pergunto: então, a APMD vai começar a ter capacidade legislativa? Isto é, também transfere aqui as suas competências? Não haverá iniciativa legislativa alguma que não passe obrigatoriamente pelo "sim" ou pelo "não"... ou, melhor dizendo, pelo "não"... ou, melhor pelo "sim" da APMD?

O Sr. António Braga (PS): - Mas afinal é o "não" ou o "sim"?!
O Orador: - É o "sim"!
A confusão é legítima, porque de facto, para mim, é novo, creio até inconstitucional.
Admitiria, quanto muito, que se tivesse de auscultar, digamos, a própria Associação, mas condicionar na lei que isso depende obrigatoriamente do "sim" da própria Associação é que me põe estupefacto!
A Sr.ª Ministra reconhece também neste diploma que não tem capacidade, digamos assim, de legislar sobre aquilo que seria a actividade dos odontologistas?! Está a meter no mesmo saco toda a gente?!
De facto, são questões que eu gostaria de ver esclarecidas, até porque esta proposta de diploma está em antagonismo com o nosso projecto, isto é, não é aceitável propor-se a formação de uma ordem dos médicos dentistas, incluindo nela outras classes profissionais que não têm o mesmo tipo de formação, até porque a natureza desta mesma associação contempla profissionais com uma formação superior.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde, dispondo de mais 1 minuto concedido pela Mesa.

A Sr.ª Ministra da Saúde: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, a opção que foi tomada pelo Governo, no sentido de apresentar esta possibilidade de controlo deontológico de um exercício profissional, restringiu-se aos cirurgiões dentistas e aos odontologistas legalizados, como eu referi. E, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que, em termos jurídicos, não me parece inadequado, existindo uma associação de direito público que representa os médicos dentistas e que com o acordo deles possa convidá-los a assumir a responsabilidade do controlo do exercício de uma profissão em relação à qual tem
de ser perfeitamente definido o seu campo de intervenção, que isso seja feito por uma associação de direito público. Uma associação de direito público tem poderes que lhe são delegados pelo Estado. Daí não decorre qualquer capins diminutivo para o Estado.
Devo dizer-lhe que, embora não queira falar do passado - não tem a ver com a maneira como estou neste tipo de funções - enquanto em 1990 havia cerca de 400 pseudo-odontologistas não titulados, aos quais se dirigiu aquele despacho que pretendia permitir uma regularização ou uma legalização extraordinária, neste momento já existem cerca de 998. Portanto, este é um problema que cresceu e em relação ao qual se tomaram medidas através de instrumentos jurídicos não considerados adequados e que, de certa forma, também vieram chamar a atenção para fragilidades que são específicas do próprio Ministério da Saúde, mas que se têm verificado nesta área como noutras, relativamente ao que é, por vezes, a fiscalização do exercício privado de determinadas profissões.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Isto é algo que tem a ver com todos nós.
Não estou a dizer que a culpa é do Governo anterior, mas também não aceito que o Sr. Deputado venha agora dizer que sou eu que não tenho capacidade para resolver este problema. Tal depende muito da capacidade ou incapacidade do Ministério da Saúde ao longo dos tempos e essa capacidade ou incapacidade do Ministério depende dos meios que lhe foram proporcionados em determinadas ocasiões e também depende da nossa cultura, que é, em alguns aspectos, muito pouco intervencionista e, noutros, muito intervencionista.
Não podemos é permitir que esta situação continue. Neste momento, temos a colaboração da Associação Profissional dos Médicos Dentistas, que, aliás, foi a entidade que até impugnou as regularizações que o Governo anterior pretendeu fazer à situação específica dos cirurgiões dentistas, também em função dos acordos internacionais que estabeleceu durante o seu próprio mandato. A Associação Profissional dos Médicos Dentistas impugnou a legalização que foi feita por portaria por a considerar perfeitamente ilegal, na sequência, aliás, daquele que é o entendimento de ilustres constitucionalistas sobre esta matéria. E sublinho também a posição assumida pelo ilustre constitucionalista Sr. Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que também considerou que nem um despacho, nem uma legalização administrativa deste tipo de profissões eram instrumentos adequados, sobretudo depois da transposição das directivas a que se procedeu em 1987.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr.ª Ministra.

A Oradora: - Nesse caso, penso ter dado os esclarecimentos que me foram solicitados, dentro do que me era possível no tempo disponível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são 18 horas, pelo que vamos de imediato proceder às votações agendadas para hoje.
Começo por uma mensagem do Sr. Presidente da República, que passo a ler:
"Está prevista a minha deslocação à República de Moçambique, em visita de Estado, a convite do Presidente Joaquim Chissano, entre os próximos dias 27 do corrente e 4 de Maio.
Na sequência desta visita deslocar-me-ei ao Cairo, a convite do Presidente Mohamed Hosni Mubarak, entre os dias 4 e 6 de Maio próximo.
Assim, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.".
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, apresenta ao Plenário o seguinte parecer e proposta de resolução:
"A Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos precisos termos em que é requerido.".
Srs. Deputados, vamos, pois, votar este parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Passamos agora à votação do voto n.º 66/VII - De protesto pela concessão de aval à UGT, constante de despacho do Ministro das Finanças (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes, votos contra do PS e a abstenção do Deputado do CDS-PP Moura e Silva.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, queria apenas informar a Mesa de que quero fazer uma declaração de voto sobre esta matéria, em nome do Grupo Parlamentar do PS, Fá-la-ei no final das votações, como é regimental.

O Sr. Presidente: - Apenas a poderá fazer por escrito, Sr. Deputado, uma vez que não se trata de uma votação final global.

O Orador: - Então, se me permite, Sr. Presidente, gostaria de fazer a seguinte interpelação à Mesa...

Vozes do PSD: - No meio das votações?!

O Sr. Presidente: - Com certeza, tem direito a uma interpelação, que espero que seja!

O Orador:,- Sr. Presidente, queria apenas perguntar se não houve um partido desta Assembleia, mais concretamente o PSD, que terá entregue hoje na Mesa um pedido de inquérito sobre a questão que acabámos de votar, porque desejo ficar esclarecido sobre a seriedade política de quem apresenta um pedido de inquérito às 15 horas e, depois, às 18 horas, mesmo sem qualquer inquérito, já tomou uma decisão, condenando o Governo e a União Geral de Trabalhadores.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A informação que posso dar-lhe, Sr. Deputado, é a de que não tive conhecimento da entrada de qualquer pedido de inquérito.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, para poupar tempo a V. Ex.ª e à Câmara, não queria repetir o que disse ontem na discussão deste voto, mas é claro que uma coisa é a condenação política que a Câmara acabou e fazer - e muito bem -, outra coisa é o PSD considerar que a Assembleia da República não pode ficar-se por um voto de protesto, tem de apurar um conjunto de circunstâncias, daí a necessidade de uma comissão de inquérito.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 67/VII - Aprova o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, a proposta de lei baixa à 8.ª Comissão.
Vamos votar o texto final, apresentado pela Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, relativo ao projecto de resolução n.º 40/VII - Criação do Prémio Timor Leste a atribuir pela Assembleia da República (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 77/VII - Altera o artigo 24.º da Lei n.º 29187, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais).

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos ainda votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 266/VII - Alteração à Lei n.º 29187, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais) (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade

O Sr. Secretário vai dar conta de três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que serão votados após a respectiva leitura.

O Sr. Secretário (José Reis): - Srs. Deputados, a solicitação do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Fernanda Mota Pinto (PSD) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no processo n.º 9/97, que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade

O Sr. Secretário (José Reis): - Srs. Deputados, a solicitação da 10.º Vara Criminal do Circulo de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Pedro Campilho (PSD) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no processo n. 15/97, que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade

O Sr. Secretário (José Reis): - A solicitação do Tribunal Judicial de Coimbra, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emi-

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tir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho (PSD)
a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no processo n.º 40/97, que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, presumo que terá sido por lapso meu, mas não me apercebi que a Mesa tivesse anunciado a que comissão é que baixam, para apreciação na especialidade, a proposta de lei n.º 77/VII e o projecto de lei n.º 266/VII, do PCP.
Uma vez que houve três comissões envolvidas em diversas fases do processo, quer a Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, quer a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, quer ainda a Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família, dada a natureza das propostas, julgo que deveria ser consensual que aqueles diplomas baixassem a esta última.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, anunciei - bem ou mal, vamos entender-nos sobre isso - que os dois diplomas baixariam à 4.ª Comissão. Mas, enfim, é o entendimento da Mesa.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, então peço desculpa.

O Sr. Presidente: - Não tem de pedir desculpa. O Sr. Deputado é muito útil nesta matéria, porque se não fossem as suas advertências normalmente as comissões não tinham trabalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa no seguinte sentido: o meu grupo parlamentar apresentou em devido tempo um projecto de deliberação sobre o prolongamento dos trabalhos da Assembleia da República até finais de Julho. Ora, acabámos já as votações de hoje e não demos conta de que o Sr. Presidente o tenha posto à votação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não consta do guião das votações agendadas para hoje, que são os serviços de apoio à, Mesa que elaboram. Mas se estiverem todos de acordo podemos votá-lo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, não é que seja uma questão muito relevante mas, para não abrirmos um precedente, lembro que os projectos de deliberação, tal como os projectos de resolução e os projectos de lei, têm de ser agendados em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.

O Sr. Presidente: - É evidente, a menos que houvesse consenso, mas uma vez que não há será agendado oportunamente.
Peço ao Sr. Deputado Manuel Alegre o favor de me substituir até ao fim da sessão.
Um bom fim-de-semana e umas boas jornadas parlamentares para o PSD.

Neste momento assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: - Prosseguindo o debate conjunto, na generalidade, do projecto de lei n.º 89/VII e da proposta de lei n.º 73/VII, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 73/VII, que altera o Estatuto da Associação Profissional dos Médicos Dentistas. aprovado pela Lei n.º 110/91, de 29 de Agosto, garantindo o enquadramento ético e deontológico dos cirurgiões dentistas e odontologistas legalmente habilitados a exercer a sua actividade em Portugal, merece, do ponto de vista dos seus objectivos, a nossa concordância.
Os médicos dentistas e os estomatologistas têm a sua actividade enquadrada, respectivamente, pelo Estatuto da Associação Profissional dos Médicos Dentistas e pelo Estatuto da Ordem dos Médicos, e a sua conduta profissional regulamentada pelos respectivos códigos de ética e deontologia. O mesmo não se verifica - e daí resulta a necessidade de suprir esta lacuna - com o exercício dos profissionais odontologistas, que exercem a sua profissão ao abrigo do despacho do Secretário de Estado da Saúde, de 28 de Janeiro de 1977. publicado no Diário da República de 14 de Fevereiro, e com os cirurgiões dentistas residentes em Portugal e que exerçam a sua profissão em resultado do entendimento entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, conforme publicação no Diário da República n.º 83, de 8 de Abril de 1996.
A nova formulação normativa permitirá o controlo ético e deontológico destes dois grupos profissionais.
Lamentamos, contudo, que, há cerca de 20 anos, se exerça esta actividade profissional em regime de total impunidade.
Situar, politicamente, na época o processo de regularização dos práticos de odontologia desencadeado pelo despacho do Secretário de Estado da Saúde, de 28 de Janeiro de 1977, pode ser compreensível, porque se enquadrou no uso das legítimas competências legislativas do Governe menos compreensível é o facto de, só decorridos 20 ano estarmos a tratar do seu enquadramento profissional.
Curiosamente, nem o facto do reconhecimento de dentistas brasileiros suscitou a urgência deste enquadramento. O mesmo é dizer que, não obstante o aumento significativo do nível cultural da população - e reconhecemos o contributo, nesta matéria, da Ordem dos Médicos e Portugal -, mantém-se ainda a ideia, pelo menos em parte, de que o médico é o indivíduo indicado para intervir em determinada área, onde o prático, pela sua intuição, era, até agora, o mais considerado.
A falta crónica de dentistas no passado e que ser como argumento de tolerância à existência do práti

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dentista, sem formação, não faz, hoje, mais sentido. Como não faz mais sentido o dentista da feira ou o barbeiro-dentista, que, entre uma "barba" e um "corte", extraía um dente.
Há muitos ilegais a exercerem a profissão e não se pode continuar a pactuar com esta ilegalidade. Não podemos continuar de olhos fechados e boca aberta à prática ilegal da medicina dentária. É imperioso que os serviços de saúde de medicina dentária sejam, de facto e unicamente, prestados pelos profissionais que se formam nas nossas faculdades de medicina dentária quer públicas, quer privadas.
Merece também a nossa aceitação, pelas razões já citadas é por outras que acrescentarei, a passagem da Associação Profissional dos Médicos Dentistas a ordem dos médicos dentistas, ou seja, o projecto de lei que prevê a criação de uma ordem profissional, no caso vertente, a passagem de uma associação profissional a ordem. Isto está, em nosso entender, plenamente justificado, atentas as características da profissão e a sua autonomia, pois o médico dentista, no que se reporta aos actos médicos que pratica, não está dependente da tutela, da decisão e das instruções de um terceiro. A existência deste tipo de autonomia é entendida por alguns autores como uma necessidade para que se possa criar uma ordem profissional.
Também a tutela de organismos tipo ordem profissional em questões do foro deontológico e disciplinar é uma realidade no projecto que ora analisamos.
Por último, a responsabilização ou co-responsabilização, no que concerne ao regular do acesso à profissão, é uma característica das ordens profissionais. Por isso, também este aspecto foi contemplado nesta iniciativa legislativa.
Reservamo-nos, contudo, à introdução de melhorias tidas por convenientes, no âmbito do debate na especialidade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fernanda Costa.

A Sr.ª Fernanda Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Através da proposta de lei n.º 73/VI7, visa o Governo aditar um novo capítulo ao Estatuto da Associação Profissional dos Médicos Dentistas, aprovado pela Lei n.º 110/91, de 29 de Agosto, por forma a aplicar aos cirurgiões dentistas e aos odontologistas, legalmente habilitados a exercer a sua actividade em Portugal, as regras constantes daquele Estatuto, os regulamentos internos, o código deontológico e demais disposições aplicáveis em vigor aos médicos dentistas, com as devidas adaptações às especificidades daquelas profissões.
Com esta iniciativa legislativa, procura-se a resolução de um problema, já antigo no nosso país, que afecta cerca de 300 odontologistas e 100 cirurgiões dentistas, que até este momento vêm exercendo legalmente a sua actividade, sem qualquer controlo do ponto de vista deontológico e disciplinar.
Esta medida insere-se, pois, nos objectivos de política global de saúde preconizados pelo Governo da nova maioria, designadamente no que respeita à melhoria das condições do exercício da actividade dos diversos agentes de saúde e à garantia da qualidade da prestação dos cuidados de saúde.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No nosso país, a prestação de cuidados de saúde oral esteve, até 1992, a cargo de três classes profissionais, de acordo com o grau de formação adquirido, a saber: médicos dentistas, estomatologistas e odontologistas.
Todavia, em 1992, através da Portaria n.º 180-A/92, foi reconhecido aos cirurgiões dentistas diplomados por escolas superiores brasileiras, identificados pela Embaixada do Brasil, o direito de exercerem legalmente a actividade de odontologia em Portugal, competindo ao Ministério da Saúde organizar o registo nacional dos cirurgiões dentistas, do qual consta a identificação dos locais onde é exercida a actividade, e emitir aos interessados um documento comprovativo do registo, que vale como autorização do exercício profissional.
No que respeita aos odontologistas, estes exercem a sua actividade ao abrigo do despacho do Secretário de Estado da Saúde, de 28 de Janeiro de 1977, e do despacho do Ministro dos Assuntos Sociais, de 30 de Julho de 1982.
Nos termos da Lei de Bases da Saúde, Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, cabe ao Ministério da Saúde a inscrição e o reconhecimento das habilitações dos profissionais de saúde, designadamente dos odontologistas e cirurgiões dentistas, que não disponham de nenhuma associação profissional.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não faz, pois, sentido, existindo já o Estatuto da Associação Profissional dos Médicos Dentistas, criado pela Lei n.º 110/91, de 29 de Agosto, continuar a afastar do seu campo de aplicação, no que respeita às regras deontológicas e jurisdição disciplinar, a classe de cirurgiões dentistas e odontologistas, legalmente habilitados para o exercício das respectivas actividades no nosso país.
Em suma, não obstante a presente proposta de lei poder vir a ser objecto de alterações em sede de discussão na especialidade, designadamente alguma diferenciação possível a estabelecer entre os cirurgiões dentistas e os odontologistas, bem como nas questões que têm a ver com os débitos regulamentares, com vista ao seu aperfeiçoamento e à obtenção de benfeitorias, os objectivos que lhe estão subjacentes são meritórios e globalmente positivos, já que a integração destes profissionais na Associação Profissional dos Médicos Dentistas, dotando-os de um conjunto de regras deontológicas e disciplinares, contribuirá para uma dignificação do exercício profissional, traduzindo-se numa melhoria dos cuidados de saúde dentária e, mais importante, num reforço dos direitos dos cidadãos no âmbito da prestação de cuidados de saúde dentária.
Por tudo isto, a presente proposta de lei merece o expresso apoio do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, esperando o mesmo das demais forças políticas, tendo em consideração os objectivos preconizados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, a quem agradeço, desde já, que seja breve.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Fernanda Costa, não sei se se apercebeu de que estamos a proceder a uma discussão conjunta de duas propostas de diploma. A minha pergunta é muito simples: sem embargo de concordar com a intervenção que fez aliás, quero felicitá-la -, gostava de saber qual a opinião do Partido Socialista em relação ao nosso projecto de lei.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fernanda Costa.

A Sr.ª Fernanda Costa (PS): - Sr, Presidente, Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, tenho muito gosto em responder à sua questão.
Em nosso entender, o vosso projecto de lei é meritório e tem aspectos importantes que facilitam a intervenção deontológica da Associação. No entanto, há algumas questões que consideramos que deverão ser melhoradas em sede de especialidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que comece esta intervenção dizendo que o nosso país é carente em cuidados de saúde dentária, nomeadamente em profissionais que trabalhem nesta área. Esta é a realidade que paira sobre toda a problemática da medicina dentária e que não pode ser esquecida.
Evidentemente, não se trata apenas de um problema de quantidade, já que a qualidade na assistência, nesta área, assume importância prioritária. As iniciativas em presença poderão ter reflexos nessa matéria, daí que tenhamos de analisá-las devidamente a esta luz.
De resto, esta é uma área em que o serviço nacional de saúde é largamente deficitário, recorrendo, em larga escala, aos convencionados. Também é necessário corrigir este desequilíbrio, devendo merecer uma atenção especial de quem governa.
A autonomia da medicina dentária deu-se com o 25 de Abril, fruto da luta contra privilégios corporativos e centralizadores. A medicina dentária, enquanto carreira autónoma, assenta, assim, numa origem profundamente democrática e virada para a prestação mais adequada de cuidados de saúde, e este é o caminho que deve continuar a ser seguido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto e a proposta de lei em apreço "mexem" com questões importantes para os profissionais de medicina dentária e devem, portanto, ser alvo de análise cuidada e de avaliação fundamentada.
O projecto de lei do PSD propõe a alteração da designação da Associação Profissional dos Médicos Dentistas para Ordem dos Médicos Dentistas, embora mantenha, no fundamental, as atribuições desta entidade. Procede também a várias alterações nas competências dos órgãos da Associação e nalguns aspectos do sistema eleitoral.
Quanto à proposta de lei do Governo, pretende submeter os cirurgiões dentistas e os odontologistas à tutela da Associação Profissional dos Médicos Dentistas, ficando, assim, sob a alçada das suas competências deontológicas e disciplinares, embora comas necessárias adaptações.
A delicadeza destas matérias exige, da Assembleia da República, uma análise atenta e cuidada, que, na nossa opinião, ainda não foi feita de forma suficiente. Por isso, defendemos que, na especialidade, este trabalho deve ser feito com minúcia e devem ser ouvidos todos os interessados na matéria, que ainda não o foram, e recolhidos todos os dados relevantes. Esse é o esforço que teremos de fazer na discussão na especialidade.
Pela parte do PCP, não inviabilizaremos que estes diplomas possam ser aprovados na generalidade e apelamos ao compromisso de todos os partidos para que, na especialidade, alinhem com os objectivos que aqui enunciámos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Baltazar.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao projecto de lei que o PSD aqui apresenta, pensamos que a Associação Profissional dos Médicos Dentistas, criada pela Lei n.º 110/91, de 29 de Agosto, tem de ser, claramente, uma emanação do Estado, que, ao invés de chamar a si os aspectos da regulamentação do exercício da profissão dos médicos dentistas, deve delegar na referida Associação - de direito público - essa tarefa, a quem compete, tal como sucede, normalmente, com as demais associações de direito público, a defesa da ética, da deontologia e da qualificação deste grupo profissional. Mas compete-lhe também fomentar e defender os interesses da medicina dentária, atribuir o título profissional de médico dentista e regulamentar o respectivo exercício da profissão.
Neste âmbito, consideramos, em termos genéricos, que, quer se trate de uma ordem, quer se trate de uma associação profissional, no plano jurídico, ambas são associações públicas formadas pelos membros das respectivas profissões, com o fim claro da devolução de poderes do Estado, de forma a que possam regular e disciplinar o exercício da respectiva actividade profissional.
Assim, independentemente da designação a utilizar para a Associação Profissional dos Médicos Dentistas, o que é de salientar é que goza de um estatuto de associação de direito público, nos termos do qual lhe cabe assegurar, mediante delegação de poderes do Estado, a prossecução dos interesses públicos.
Nesta perspectiva, podemos constatar que as alterações propostas pelo PSD têm algum carácter pontual e podem contribuir para uma melhoria da eficácia do funcionamento da Associação Profissional dos Médicos Dentistas. Nessa medida, deverão ser aprovadas na generalidade, e vamos dar o nosso apoio, mas consideramos que, em sede de especialidade, deveremos realizar uma discussão muito clara sobre alguns aspectos e introduzir neste projecto os ajustes necessários, de forma a que as alterações finais possam atingir os objectivos que já hoje todos enunciámos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.

A Sr.ª Ministra da Saúde: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que nada mais haverá a dizer, para além do facto de me congratular por ver que se trata de uma área em que será possível encontrar consensos, e consensos em nome da protecção da saúde pública. Considero que estes objectivos devem, efectivamente, unir todos os portugueses e congratulo-me pelo facto de ter tantos apoios, no sentido de que esta é uma área a defender e a promover intransigentemente.

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Gostaria de dizer ao Sr. Deputado Bernardino Soares que também concordo com ele. Trata-se, de facto, de uma área de enorme défice em termos de serviço nacional de saúde, mas isso será colmatado da forma que se considerar mais adequada e também dentro daqueles que são os nossos planos de intervenção a nível da promoção da saúde e das metas de saúde que vão ser explicitadas e quantificadas em relação a algumas áreas.
A saúde oral é uma área da saúde extraordinariamente importante e o facto de todos terem disponibilidade para, em sede de especialidade, se encontrar a formulação mais adequada que nos permita resolver problemas internos de adequada vigilância da saúde pública e também externos, não pondo em causa aquele que deve ser o nosso relacionamento, inclusive no âmbito da CPLP, que também deve unir todos os portugueses, leva-me a considerar que foi um momento importante nesta Assembleia, no qual tive o gosto de viver e participar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminada a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 73/VII e do projecto de lei n.º 89/VII, passamos à discussão, também na generalidade. da proposta de lei n.º 741 VII - Revoga a alínea a) do n.º 3 do artigo 40.º da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, e estabelece uma nova estrutura da taxa do imposto incidente sobre os cigarros.
Para dar início ao debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Creio que é relativamente simples explicar o sentido desta proposta de lei e sobre isso relembro algumas considerações que permitirão melhor compreender o seu sentido.
O regime fiscal dos tabacos manufacturados é, como se sabe, em grande medida, um regime baseado em directivas comunitárias, as quais procederam à harmonização, quer da estrutura do imposto quer das taxas. Desde 1972, e esse sistema foi consolidado em 1993, existe uma estrutura de taxas para os cigarros (não necessariamente para os outros produtos manufacturados) mista, isto é, uma estrutura de taxas com duas componentes. Uma, que é a do elemento ad valorem e outra, que é a do elemento específico das taxas, ficando a taxa mínima global resultante das duas componentes fixada, para os produtos essenciais, em 57%, por uma directiva.
Este modelo representa um compromisso entre os Estados que preferiam soluções tipicamente especificistas daí resultando que os preços de venda ao público sejam determinados de forma mais independente em relação aos custos de produção - e aqueles Estados que optavam por soluções ad valorem, ou predominantemente por soluções ad valorem, uma vez que deste modo o elevado peso da componente ad valorem permitiria repercutir as diferenças de custos de produção nos preços de venda ao público.
Entre nós, como nos restantes Estados-membros, existe essa estrutura de taxas mistas composta por esses dois elementos. O específico, idêntico para todo o tipo de cigarros, fixado em valor absoluto por milheiro de cigarros, actualmente à taxa de 1452$ e o ad valorem, resultante da aplicação de uma percentagem única aos preços de venda ao público de todos os tipos de cigarros, que actualmente é de 57%. Os aumentos de taxa até agora efectuados têm incidido sobretudo no elemento ad valorem. De facto, desde 1993 não houve até hoje nenhuma alteração do elemento específico.
No Orçamento do Estado para 1996, o Governo estava autorizado a elevar a taxa do elemento ad valorem até 61 % para o continente, tendo apenas procedido a urna elevação para 57%, que é, como disse, a taxa actual. No Orçamento do Estado para 1997, foi de novo aprovada uma norma que autoriza o Governo a estabelecer um aumento do elemento ad valorem até ao limite de 59%, inferior, pois, ao admitido na autorização ,legislativa do Orçamento do Estado para 1996. A receita prevista no Orçamento do Estado para o imposto sobre os cigarros deveria ser concretizada através do uso da autorização legislativa em dois momentos sequenciais. Num primeiro, fazendo-a subir para 58%, e num segundo, para 59%.
Porquê a predominância dada até agora entre nós ao elemento ad valorem? De facto, ela tinha um pressuposto, que era a existência de um importante operador público - a Tabaqueira -, cujo controlo das receitas era relativamente simples. Para além disso, dado o facto de os custos de produção serem entre nós relativamente baixos, asseguravam-se níveis de receita razoáveis com esse elemento ad valorem e com preços de venda ao público não muito elevados.
Com a privatização da Tabaqueira, verifica-se que a situação é hoje muito diversa: a definição dos preços passa a ser efectuada num diferente contexto de mercado e, com a actuação de novos operadores económicos, a própria posição dë Portugal no mercado internacional dos tabacos irá sofrer importantes alterações e, no novo contexto, algumas das razões de protecção da indústria nacional subjacentes à política anterior perdem peso, devendo ser atingidas através do controle das condições da privatização e não propriamente pela via fiscal.
Assim, os argumentos favoráveis a um reforço da componente ad valorem perdem, pois, terreno em prol da componente específica. Mesmo o acompanhamento da inflação, que o elemento ad valorem permitiria conseguir mais facilmente, é, hoje, muito menos relevante do que já foi num contexto de progressiva descida da inflação.
O regime fiscal deve procurar adaptar-se, deve poder assegurar os níveis de receitas necessários, o que significa que deve conseguir alterações no sentido de um melhor controle e também no sentido de uma alteração das taxas.
Com efeito, quanto mais elevada for a componente ad valorem do imposto, tanto maior é o efeito do multiplicador fiscal, isto é, o factor que exprime a relação entre os preços no consumidor e os preços à saída de fábrica e, portanto, um aumento de preços à saída de fábrica, por razões fiscais, quer seja o imposto dos tabacos, o IVA ou outros, tem reflexos tanto maiores no preço de venda ao público quanto mais elevada for a componente ad valorem.
Por outro lado - e este é um aspecto que hoje ganha novo relevo -, o aumento da componente ad valorem pode trazer uma guerra de preços ou, mesmo, um incremento do contrabando, um risco efectivo, como a experiência de países vizinhos, nos mostra.
Pelo contrário, com o aumento da componente específica, a previsão e a própria arrecadação das receitas - e este é um elemento essencial -, torna-se mais rigorosa e mais segura, pois o Estado ficará menos dependente da política de preços, da política comercial das empresas.

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Acresce que, com a nova composição das taxas, nem os consumidores nem as empresas ficam prejudicados. Quanto aos primeiros, quanto maior for o impacto da taxa específica menor será o impacto no nível dos preços; quanto às segundas, o acréscimo da componente específica permitirá manter ou, mesmo, alargar ligeiramente as margens de comercialização.
É isto que justifica neste momento a mudança de agulha na política fiscal neste campo, sem prejuízo de, se se chegar um dia à conclusão de que seria necessário um retrocesso ou uma nova mudança de agulha, por alterações de circunstâncias, poder ser sempre possível no futuro.
Esta proposta altera a composição relativa dos dois elementos dá taxa, reduzindo o elemento ad valorem para 40% e subindo o específico para 4400$ por milheiro. Resta acrescentar que esta medida não se traduz num aumento da carga fiscal dos tabacos, nem da taxa média global de imposto que vigora entre nós - na prática, isto equivale a adoptar uma taxa ad valorem de 57,9%. -, nem tão-pouco um aumento da receita prevista no Orçamento do Estado para este ano. Significa, sim, que se criam condições para se atingir a receita prevista no Orçamento do Estado, embora por outras formas.
Penso que isto é o essencial que explica a proposta de. lei em análise.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, sem deixar antes da fazer uma nota, gostaria de colocar duas ou três questões, que me parecem fundamentais e essenciais nesta proposta de lei.
Julgo que, bem vistas as coisas, poderemos considerar que esta é a primeira lei de alteração do Orçamento do Estado para 1997, na medida em que pretende alterar, através de um pedido de autorização legislativa, uma autorização concedida ao Governo na Lei do Orçamento do Estado para 1997. Veremos se esta primeira alteração terá sequência no futuro próximo ou apenas em Outubro/Novembro!...
As questões que gostaria de lhe colocar são as seguintes. Diz-se no preâmbulo da proposta de lei que "... atendendo às características próprias dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (...), importa alterar a actual estrutura da taxa do imposto incidente sobre os cigarros (...)". Não quero, de novo, saber as razões que levaram o Governo a propor esta alteração mas, sim, que características é que se alteraram de Dezembro de 1996 para Abril de 1997. É que, em Dezembro de 1996, o Governo ainda pedia autorização para aumentar a componente ad valorem e passados três meses e meio vem dizer que, afinal, não quer aumentar a componente ad valorem para 59% mas reduzi-la para 40% e quer triplicar ou quadruplicar a específica. Repito: que alterações houve, de Dezembro do ano passado até agora, para esta alteração da política do Governo em relação a esta matéria?
Diz-se ainda, no preâmbulo da proposta de lei - e o Sr. Secretário de Estado acabou de referi-lo -, que "A presente lei não altera a carga fiscal já preconizada na Lei n.º 52-CI96", isto é, na Lei do Orçamento do Estado para
1997. No entanto, está escrito, na página 2 da Nota Justificativa sobre a proposta de lei, o seguinte: "A carga Fiscal daí resultante é inferior à que resultaria da implementação da nova taxa ad valorem do imposto, prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 40.º da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro". Ou seja, num lado diz-se que a carga fiscal global se mantém, no outro que é inferior. Qual é que estará certa? Esta é a segunda questão que lhe deixo, até porque, nessa mesma Nota Justificativa, o Governo justifica a baixa da taxa fiscal global com contas e com exemplos concretos e, de facto, no exemplo concreto que dá a taxa baixa de 68% para 67.5%.
Terceira questão: na Nota Justificativa, o Governo diz: "A presente proposta de lei articula-se com o Programa do Governo, concretamente com a correcção das disposições tributárias que mais ferem a equidade". Pergunto: quais são as disposições, neste caso concreto, que mais ferem a equidade aqui referida? Isto porque a equidade do consumidor não é certamente porque o preço de venda ao público se mantém e a equidade do fisco também não será, na medida em que se reduz a carga fiscal de 68 para 67,5%. Mas aumenta a margem para a empresa, pois, como o Sr. Secretário de Estado disse - e muito bem -. depois da privatização, aumenta-se a margem para a empresa. É esta a equidade a que o Governo se quer referir?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, para responder, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, creio que fui claro ao explicar que a alteração, de facto, advém do novo contexto. A Tabaqueira, hoje, é uma empresa diferente e deve ter regras de controle diferentes das que existiam. Era fácil, ou relativamente fácil, ao Governo fazer o controlo da Tabaqueira, é certamente muito mais complicado - e esperemos que o não seja -. pelo menos, exige da nossa parte um maior esforço, fazer o controlo da nova situação, mas não queremos deixar de o fazer. E fazer esse controlo implica não só incremento da actividade da fiscalização mas também esta mudança de estruturas de taxas. Essa é uma das primeiras razões que está subjacente à questão. Aliás, penso que expus essas razões suficientemente na intervenção que fiz há pouco.
Em segundo lugar, quanto à carga fiscal, há um ligeiro decréscimo, mas relembro que temos a segunda carga fiscal mais elevada sobre os tabacos na Europa e, portanto, é uma situação que talvez não fosse sustentável durante muito tempo. .
Acrescentaria ainda que uma das coisas que temos prometido é a de não aumentar a carga fiscal, o que, às vezes, implica que em alguns impostos desça até para contrabalançar outros efeitos, noutros sítios.
Em relação a este caso, como eu disse há pouco, a média da carga fiscal das duas taxas é praticamente a mesma. Entre os 58%, que se pretendia com a primeira concretização da autorização legislativa durante 1997, e os 57,9% não há grande diferença
Em terceiro lugar, no que diz respeito à questão da equidade, relembro, uma vez mais, que os impostos específicos, seja o imposto automóvel, seja o dos tabacos, seja o do álcool, seja o imposto sobre as bebidas alcoólicas ou sobre os produtos petrolíferos, não existem por razões de

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equidade mas, fundamentalmente, por razões financeiras ou por razões de combate a certos fenómenos, por motivos extrafiscais. Nos tabacos é uma das explicações clássicas, por razões também de protecção à saúde. por isso que se prevê uma dotação dos tabacos especificamente para o Ministério da Saúde. As razões de equidade estão em jogo noutros impostos, nos de natureza pessoal e, eventualmente, através de jogo de taxas no IVA.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Pretende o Governo, através da proposta de lei n.º 74/VII, revogar a alínea a) do n.º 3 do, artigo 40 º da Lei n.º 52C/96, isto é, a Lei do Orçamento do Estado para 1997. Não se trata, certamente, de revogar uma qualquer alínea. Trata-se, sim, de uma mudança de filosofia com tradução na estimativa das receitas do imposto incidente sobre os cigarros, podendo (e já foi aqui colocada esta questão) ser eventualmente considerada uma alteração orçamental. Coloquemos, no entanto, esta questão de lado.
Uma dúvida que nos assalta de imediato prende-se com a súbita e urgente necessidade de o Governo estabelecer uma nova estrutura da taxa do imposto incidente sobre os cigarros, invertendo a política seguida desde o princípio da governação socialista. Na verdade, o Governo tem apostado no aumento da taxa do elemento- ad valorem do imposto sobre tabacos. Depois de, em 1996, ter imposto para a referida taxa 57%, volta a apostar no Orçamento do Estado para 1997 em 59%, mantendo inalterável o valor da taxa do elemento específico em 1452$ por milhar de cigarros.
Propondo agora uma alteração de taxas nos dois elementos, passando a taxa do elemento específico para 4400$ e fixando a taxa do elemento ad valorem em 40%, volvidos que foram menos de seis meses após a apresentação do Orçamento do Estado, o Governo inverte a trajectória até agora seguida.
Por outro lado, devemos ainda ter em boa nota o recente aumento do preço do tabaco, promulgado pelo Governo, sem ter recorrido à autorização legislativa prevista no Orçamento do Estado para 1997.
Sem pôr em causa, de momento, a bondade ou não da proposta de lei, sou obrigado a questionar-me sobre a urgência do Ministério das Finanças em alterar as taxas do imposto, não podendo esperar pelo Orçamento do Estado para 1998. Trata-se, no mínimo, de uma mudança significativa. Estamos em crer que o objectivo não será o de aumentar, de novo, o preço dos cigarros no presente ano, o que seria verdadeiramente escandaloso. Aguardamos, pois, com expectativa que o Governo nos esclareça e tranquilize sobre esta questão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No espaço de tempo que decorreu entre a apresentação da proposta de lei do Orçamento - como referi há pouco, há menos de seis meses - e a presente proposta de alteração da estrutura da taxa do imposto, realizou-se a privatização da Tabaqueira. As alterações propostas, mantendo a estimativa da receita em cerca de 176 milhões de contos ou considerando, mesmo, eventuais oscilações sem peso de maior, estamos certos de que podem contribuir para a rentabilidade das empresas tabaqueiras, sem esquecer a desaceleração no aumento da carga fiscal.
O que me surpreende é o facto de o Governo socialista e o seu Ministério das Finanças não se terem apercebido desta situação e terem alterado a estrutura da taxa do imposto na proposta de lei do Orçamento do Estado para 1997, ainda antes da privatização.
Bom, poderemos aqui relembrar, no mínimo, o velho ditado que diz "mais vale tarde do que nunca", e fiquemos, talvez, por aqui. Certamente também nesta matéria, o Governo terá uma explicação que o PSD aguarda serenamente!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao debruçar-me sobre as alterações de taxas propostas, não posso deixar de me congratular com o facto de o Governo socialista ter arrepiado caminho e invertido a tendência maximalista dá receita, adoptando assim uma nova doutrina já experimentada no norte da Europa, essencialmente. Resta saber as consequências a médio prazo, nomeadamente na estabilização das receitas ou no disparar dos preços de venda ao público dos cigarros.
Estamos certos de que o Governo tem resposta pronta e transparente para o conjunto de questões aqui e agora colocadas. O Partido Social Democrata aguarda os esclarecimentos necessários.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente a esta proposta de lei, em nossa opinião, o que está aqui em questão é a necessidade de mudança de filosofia do imposto para uma filosofia que permita um melhor controle por parte do Estado da receita fiscal nesta matéria. Fundamentalmente, a grande fragilidade que deriva da actual estrutura do imposto sobre os cigarros, excessivamente incidente na taxa ad valorem, é o efeito multiplicador que este imposto tem sobre o preço final do cigarro.
Assim, e numa conjuntura em que este sector entra em livre concorrência e, por outro lado, a empresa deixa de ser, pela via do capital, controlada pelo Estado, este tem de diminuir a sua fragilidade em relação à política comercial da empresa.
Senão, vejamos: por cada 20$ de preço do maço de cigarros, 16$ são imposto - 4$ é o preço à saída de fábrica. Isto significa que, comercialmente, a empresa, por razões de ordem competitiva, pode baixar o preço final em 20$, sendo que 16 desses 20$ subsidiados pelo Estado; aumentando, portanto, a empresa a sua competitividade em 20$ escudos no preço de venda ao público, tendo de desembolsar apenas 4$ desse preço.
Ou seja, por um lado, o Estado, na sua receita fiscal, fica sujeito à volatilidade da postura concorrencial da empresa e, por outro, esta excessiva concentração da taxação no elemento ad. valorem cria uma política conducente ao preço baixo do maço de cigarros, porque a empresa, em si, não tem qualquer incentivo para fazer subir o preço e, consequentemente, fazer aumentar a receita do Estado.
Portanto, a orientação do peso da taxação para um elemento específico da tributação, além de seguir a política fiscal do Governo de, nos impostos especiais sobre o consumo, haver uma taxação com base nos elementos específicos (é o caso do imposto sobre os produtos petrolíferos, é o caso do imposto sobre as bebidas alcoólicas ou do imposto sobre o álcool, todos eles têm taxação com elemento específico), também no caso do imposto sobre o tabaco, como imposto especial sobre o consumo, faz sentido.

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Gostaria ainda de referir que a possibilidade de dar à empresa concessionária, à empresa que produz e comercializa os tabacos, uma maior oportunidade de fazer incidir no preço de venda as suas políticas comerciais sem interferir na receita fiscal tem vantagens porque permite que o consumidor receba directamente os benefícios de uma melhoria de produtividade ou, por outro lado, muito mais directamente também, tenha de pagar o aumento de preço que possa advir de condições de mercado ou de condições industriais.
No que respeita ao facto - que foi já aqui referido - de poder haver alguma vantagem para a empresa, não nos parece que esse elemento seja decisivo porque, de facto, na conjuntura em que foi feita esta privatização, o grupo que adquiriu a empresa comprometeu-se formalmente (isso foi divulgado e é conhecido), por um lado, a transferir a produção de marcas internacionais suas para a fábrica de Albarraque, por outro lado, a manter os preços na produção para os agricultores que se dedicam à actividade de produção de tabaco e, por outro lado ainda, a não reduzir os postos de trabalho.
Assim, penso que esta medida é acertada, no plano da política fiscal e da própria técnica fiscal, não prejudica o consumidor e vai possibilitar às empresas que actuam neste sector uma melhor definição das suas políticas concorrenciais e, eventualmente, uma optimização das suas margens, consolidando não só a sua posição no mercado mas também, como é lógico, os postos de trabalho.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: A proposta de lei n.º 74/VII revoga a alínea a) do n.º 3 do artigo 40.º da Lei n.º 52-C/96 e estabelece uma nova estrutura da taxa do imposto incidente sobre os cigarros. Antes de emitir um juízo de valor sobre esta proposta de lei, gostaria de fazer alguns considerandos sobre a lei vigente.
Já aqui foi dito pelo Sr. Secretário de Estado que Portugal é o país que, na União Europeia, tem a mais alta taxa de fiscalidade sobre o tabaco - a percentagem é de, nos meus cálculos, 66,7% e se, a esta fiscalidade, acrescentarmos ainda o IVA, eleva a taxa fiscal global para 81,2% do preço de venda ao público dos cigarros.
Em Portugal, comparativamente com outros países-membros da União Europeia, a receita proveniente dos impostos sobre o tabaco representa uma percentagem muito elevada do total das receitas fiscais. De entre os países com sistemas predominantemente baseados no imposto ad valorem, apenas a Grécia tem uma percentagem superior. Simultaneamente, Portugal tem a margem do fabricante mais baixa de toda a União Económica, tal como o demonstram os preços médios â saída da fábrica, o que origina uma deterioração da rentabilidade da indústria nacional.
Em Portugal, hoje, a estrutura do sistema fiscal sobre o tabaco é predominantemente baseada no imposto ad valorem. Julgo que é adequado para mercados em que não existe concorrência real entre fornecedores mas não o é para mercados em que existe livre concorrência relativamente ao preço e às características do produto.
Depois destes considerandos, pergunto: quais os benefícios desta reestruturação? Na nossa óptica e como, curiosamente, já o Sr. Secretário de Estado o referiu, com um sistema fiscal assente predominantemente na componente específica, as receitas fiscais serão menos dependentes do preço de venda ao público ou de eventuais guerras de preços das empresas de tabaco. Além disso, os preços de venda ao público serão também menos voláteis e tenderão a subir mais. Deste modo, as receitas fiscais crescerão, em termos reais, acima da taxa de inflação, serão mais seguras e previsíveis, a rentabilidade da indústria será recuperada e a sua capacidade de gerar impostos restabelecida.
Por isso, pensamos que a modificação do sistema fiscal sobre os cigarros é um requisito fundamental para o futuro da indústria portuguesa de tabacos.
Nestes termos, somos de opinião de que o mercado português beneficiaria de, uma reestruturação do regime fiscal do tabaco, no sentido de reforçar significativamente a componente específica do imposto, em detrimento da componente ad valorem.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será uma intervenção breve.
Começo por referir o facto de o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ter respondido a questões que eu tinha levantado dizendo que nestes impostos não está em causa a equidade. O meu problema é precisamente esse, e por isso pergunto: então, por que razão o Governo, na Nota Justificativa, diz que é um problema de equidade? É essa a contradição. Não há aqui equidade alguma, é evidente. Mas por que razão o escreve, quando envia o documento para a Assembleia da República?
Outra questão que gostaria de abordar é a da opção do elemento específico sobre o elemento ad valorem. Há uma questão que não foi aqui referenciada e que vale a pena deixar clara. Nos cigarros existem marcas mais caras e marcas mais baratas. E quando se altera esta estrutura tributária, como agora se quer alterar, reduzindo o elemento ad valorem, isso significa que em termos de carga fiscal são beneficiados os cigarros mais caros e são agravados, em termos fiscais, os cigarros mais baratos. A esse nível, talvez haja um problema de equidade entre os fumadores. E, Srs. Deputados, estou à vontade para falar porque sou um grande fumador e entendo que a carga fiscal sobre o tabaco é bastante elevada.
Há outro problema ainda, que parece ser o central, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, designadamente Srs. Deputados do PS. Há pouco referi outra contradição: diz-se num sítio da proposta de lei que não há alteração da carga fiscal e noutro que há uma redução da carga fiscal . em 0,5%. É pouco ou muito? Eu diria que o problema não pode pôr-se em termos de saber se é pouco ou muito. Há uma redução da carga fiscal em favor não do consumidor mas da empresa, quando e por esta ter sido privatizada.
Em termos de receita fiscal, de acordo com o exemplo concreto que o Governo dá na Nota Justificativa, a redução da carga fiscal significa para o Orçamento do Estado' menos 1 a 2 milhões de contos, neste ano de 1997. É muito? É pouco? Para a empresa, 1 ou 2 milhões de contos, certamente, será muito, é mais 1 ou 2 milhões de contos. Mas em termos comparativos é, por exemplo, o mesmo que reverte do imposto sobre o tabaco para a luta contra o cancro. Então, em termos relativos, pelo menos, é muito.

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A última questão relaciona-se com isto e com a bonificação da empresa - porque é disso que se trata devido à privatização, tendo em conta a situação antes e depois da privatização. A empresa passa a ter, por conta do fisco, à custa do Orçamento do Estado, porque é este que perde a receita, um lucro suplementar de 1 a 2 milhões de contos por ano. E não sei se já estará concluído o negócio de que se falou antes da privatização, isto é, se a NUTRINVESTE já foi vendida pela Tabaqueira apenas ao Grupo Mello, negócio em que a Philip Morris ficaria com um prejuízo aparente de 7 milhões de contos, o Grupo Mello ganharia 7 milhões de contos, mas não seria a Philip Morris a pagá-los, embora perdendo-os contabilisticamente, mas, sim, o Orçamento do Estado, através da consideração de uma menos-valia no orçamento da Philip Morris !
Isto, de facto, são demasiados exemplos de equidade política do Governo do PS.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. O Governo já não dispõe de tempo, mas o PS cede-lhe dois minutos.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero fazer notar que a estrutura das taxas é a mesma, o que é diferente é a composição interna das componentes.
Nesse sentido, começo por dizer que a posição do PSD é contraditória. Por um lado, diz-nos que já vem tarde e, por outro, que deveria vir no Orçamento do Estado para 1998. Creio que é preciso escolher entre as duas. E isso, se calhar, é escolher o meio termo, que é onde nós estamos.
Por outro lado, porquê agora e não logo no Orçamento do Estado para 1997? Chamo a atenção para o facto de que a resolução do Conselho de Ministros que aprovou a homologação do resultado do concurso é de 23 de Dezembro. Ora, o Orçamento do Estado foi aprovado antes dessa data e os estudos que foram efectuados e conduziram à solução agora proposta foram efectuados também na fase final da aprovação do Orçamento e após essa aprovação. Só depois seria possível mudar a estratégia ou a filosofia de tributação em termos de taxas.
Quero esclarecer ainda que o aumento do preço do tabaco não é da responsabilidade do Governo mas, sim, dos operadores e do mercado. O Governo, quando muito, homologa preços, mas não os fixa, não os dita e não há tradição, em princípio, da não homologação, a não ser que os aumentos sejam manifestamente hostis, quer ao consumo, quer às razões que estão na base deste tipo de imposto, quer à subida da inflação.
Diria até que a nova estrutura de taxas agora apresentada cria condições para não haver novos aumentos de preços. Essa é que é a questão. Pelo contrário, se tivéssemos usado, neste momento, a autorização prevista no Orçamento do Estado, os preços do tabaco certamente iriam aumentar. Ou seja, para atingir a receita prevista no final do ano, temos de fazer alguma mudança: ou a que consta da autorização legislativa do Orçamento do Estado, isto é, aplicar a taxa ad valorem, ou a aplicação desta estrutura. Se não se fizer nenhuma das duas, a receita prevista no Orçamento não é atingida. Fazendo uma delas, a razão pela qual se privilegia esta é que esta não obriga a nova alteração de preços, ao contrário daquela a que obrigaria o elemento ad valorem.
Deste modo, indirectamente, respondo também à questão colocada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, uma vez que a óptica foi precisamente a de tentar evitar novos aumentos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Secretário de Estado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
A equidade diz respeito ao sistema fiscal no seu conjunto e não imposto a imposto. O facto de haver receitas mais vastas nos impostos especiais sobre o consumo (IEC) cria condições para restabelecimento da equidade nos outros impostos e no conjunto do sistema.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado? Recordo que o Governo já não dispõe de tempo.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não poderia deixar passar em claro o facto de o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ter referido que há uma contradição no PSD, ao perguntar por que é que não fez antes e por que razão se fez depois. Não há contradição.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Por que não se faz para o ano?

O Orador: - A questão que coloquei - vou ser mais claro - é a de saber se não teria sido mais transparente ter incluído na proposta de lei de Orçamento do Estado para 1997, ainda antes da privatização, a alteração desta estrutura. O Sr. Secretário de Estado certamente perceberá a minha questão. Penso que ninguém tem dúvidas sobre isto. Teria sido muito mais transparente. Agora, passados menos de seis meses!...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Pelo menos, não se notava tanto!

O Orador: - Não se notava tanto. Sr. Secretário de Estado, sabe que " à mulher de César..."!
Ora, não foi o PSD que entrou para o Governo, que seguiu um caminho, dizendo "vamos por aqui fora com o ad valorem", e depois, parecendo que estava distraído. bateu-lhe uma luz na consciência e, menos de seis meses depois de ter apresentado aquilo que apresentou, que implicava um aumento na taxa, deu uma cambalhota ao contrário e fez a inversão. Os senhores é que estão em contradição! Passam por um caminho e viram-no ao contrário! Porquê, Sr. Secretário de Estado?
Foi esta a questão que coloquei, mas não quis ir mais além e, inclusive, disse-lhe: "fiquemos por aqui".

Vozes do PSD: - Exactamente!

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O Orador: - Peço-lhe que não insista nem tente encontrar contradições no PSD sobre esta matéria ou sobre as minhas palavras. Tente, isso sim, justificar as contradições do Governo.
Para finalizar, quero apenas esclarecer um aspecto que foi levantado pelo Deputado Octávio Teixeira, que, penso, respondeu à própria pergunta que colocou. O Governo foca o exemplo do maço de cigarros mais vendido, o de 320$, e diz que há uma descida da carga fiscal em 0,5%, que vai redundar em cerca de 1 milhão de contos de aumento de receita, eventualmente para as empresas. O que acontece é que, se aplicar o mesmo raciocínio às marcas mais baratas, verificará que, aí, a carga fiscal aumenta. E, ao aumentar, não se sabe até que ponto compensa ou não ou o que sucede, porque o Governo não explicou, em relação à receita. De certa forma, também tentei lançar essa questão, mas o Sr. Secretário de Estado não a entendeu ou não quis entendê-la.
Vamos ser muito claros. Sem pôr em causa a bondade da proposta de lei, porque a médio prazo vamos ver o que poderá acontecer, Sr. Secretário de Estado, apesar dos óculos, ainda consigo ver alguma coisa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo apenas fazer uma ligeira precisão.
O Sr. Deputado António Vairinhos referiu que esta é uma alteração repentina. Não é correcto. Aliás, recordo que no debate do Orçamento do Estado para 1997, quer na discussão na generalidade, quer na discussão na especialidade, foi referido pelo Governo e também pelo meu colega Joel Hasse Ferreira - lembro-me disso perfeitamente e poderemos ver as actas -, que esta estrutura do imposto sobre os tabacos deveria :ser alterada, que isso estava a ser estudado e resultaria numa proposta muito concreta sobre alteração e flexibilização da capacidade do Estado para gerir melhor a receita fiscal, com mais autonomia para este imposto especial sobre os tabacos manufacturados. Isso foi dito, por isso, não se trata agora de algo que caiu do céu, não se sabendo bem de onde.
Por outro lado, gostaria de abordar a questão dos tabacos mais caros e dos tabacos mais baratos. De facto, na minha opinião, é correcto dizer, como o Sr. Deputado Octávio Teixeira afirma, que, por um lado, se diz que a carga fiscal se mantém e, por outro, se diz que há uma redução. O que terá de ser entendido, em minha opinião, é que não há um aumento da receita fiscal - porque, de facto, não há - e há uma redução da carga fiscal. É que nestes maços de cigarros de 320$, que aquele indicador, muito utilizado no sector, chamado most popular price category, a categoria de tabaco mais adquirida, há uma redução da percentagem de imposto no preço final e daí dizer-se que há uma redução na carga fiscal.
Agora, o que se passa efectivamente - e só assim se compreenderia - é que o nível de receita se mantém o mesmo, porque, sendo o preço no consumidor final o mesmo, há uma compensação entre aquilo que a empresa ganha no most popular price e aquilo que perde nas outras categorias - e isto dá um resultado desorna nula. É essa a interpretação que tem de ser feita aqui.
Quando o Sr. Deputado Octávio Teixeira fala em lucros de milhões para as empresas, não é bem assim. E não é bem assim, precisamente por este jogo de compensação.
Agora, o que isto permite é, se as condições concorrenciais a que a empresa está sujeita...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Queira concluir.

O Orador: - Vou concluir a frase, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre):. - Mas conclua mesmo.

O Orador: - Como dizia, se as condições concorrenciais a que a empresa está sujeita necessitarem de um aumento de preços, ele poderá ser feito, sem haver um excesso de multiplicação e de impacte no consumidor, e o inverso terão VV. Ex.as de concluir, porque não tenho tempo para fazê-lo.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, está encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 74/VII - Revoga a alínea a) do n.º 3 do artigo 40.º da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, e estabelece uma nova estrutura da taxa do imposto incidente sobre os cigarros.
Vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 75/VII - Autoriza o Governo a transferir para os municípios competências relativas à actividade de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros e a criar regras específicas sobre o acesso à profissão de motorista de táxis (revoga o Decreto-Lei n.º 319/95, de 28 de Novembro) e do projecto de lei n.º 308/VII - Regula o acesso à actividade profissional de transportador e à profissão de condutor de transportes de aluguer em automóveis ligeiros de passageiros (PCP).
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Guilhermino Rodrigues): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por fazer o enquadramento do diploma apresentado pelo Governo, a proposta de lei n.º 75/VII, que se traduz no seguinte: através de uma autorização legislativa inserida na lei que aprovou o Orçamento do Estado para 1995, foi o Governo autorizado, a determinada altura, a legislar no sentido de transferir algumas competências para os municípios em matéria de actividade de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros, vulgarmente designados por táxis.
Assim, foi publicado o Decreto-Lei n.º 319/95, de 28 de Novembro, que transferia para os municípios competências no que respeita à fixação de contingentes, à atribuição e transmissão de licenças, ao licenciamento de veículos, regimes de exploração e fiscalização da actividade.
Em nosso entender, após uma análise deste decreto-lei, notou-se que, no seu articulado, existiria um certo número de competências, que contrariavam uma política de transportes para o sector.
Assim, no artigo 15.º desse decreto-lei, permitia-se que cada município criasse regras próprias para a atribuição de licenças e para os regimes de exploração, através de regulamentos. Ora, o que isto quer dizer é que todo o sector fica sujeito, no limite, a 305 regulamentos diferentes. Ou seja, neste caso, é completamente impossível que os agentes de fiscalização possam fiscalizar, porque, no fundo, são 305 regulamentos, sem que para o efeito tives-

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se havido algo que uniformizasse todos estes regulamentos, sem que houvesse regras comuns para o estabelecimento destes regulamentos. Este é um dos aspectos.
Outro aspecto é a ausência de regime sancionatório, o que vem distorcer as condições de funcionamento do sector, nomeadamente quanto às condições de concorrência, na medida em que a própria lei não prevê qualquer sanção para a exploração de táxis sem licença. Este é um aspecto que a lei torna vazio.
Um outro aspecto que nos parece importante é a ausência de requisitos de acesso à profissão de motorista de táxis. É óbvio que isto tem reflexos evidentes na segurança de pessoas, quando não são estabelecidos quaisquer requisitos para o acesso à profissão.
Com base nestes elementos, o Governo apresenta a esta Assembleia uma proposta de lei com dois pontos: por um lado, a revogação do Decreto-Lei n.º 319/95, de 28 de Novembro; e, simultaneamente, por fornia a evitar que haja um vazio legal, a repristinação de legislação anterior.
Digamos que, neste momento, já existem dois regimes, na medida em que as autarquias, segundo o artigo 15.º, teriam um prazo para elaborar estes regulamentos, e, tendo sido apresentados da Direcção-Geral de Transportes Terrestres, 26 regulamentos, quer dizer que, neste momento, existem 26 autarquias que já se regem por um regime e as restantes por outro.
Assim, a par da revogação do Decreto-Lei n.º 319/95, de 28 de Novembro, solicita-se uma autorização legislativa para reformular certas competências dos municípios em matéria de táxis, nomeadamente no que diz respeito à fixação de contingentes, para o que não são estabelecidas quaisquer regras, à atribuição e transmissão de licenças, onde também não há qualquer regra, ao licenciamento de veículos e à definição dos regimes de exploração.
Por outro lado, pede-se também uma autorização legislativa para criar regras próprias de acesso à profissão de motorista de táxis, ou seja, o regime de certificados de aptidão profissional, em que se prevê a criação e a definição de requisitos de idoneidade, baseados normalmente em cadastro criminal, relativamente ao que hoje a legislação nada prevê, assim como o registo individual de condutor.
A par disto, e a criar-se os certificados de aptidão profissional, haverá todo um outro trabalho, que é a determinação de entidades competentes para a emissão destes certificados, bem como as entidades encarregadas da sua fiscalização.
Outro aspecto que julgamos vir a incluir nesta proposta será a criação de requisitos de acesso à actividade. Hoje, em quase toda a legislação de transportes, os conceitos não estão perfeitamente definidos, não estando clarificada a noção do que é o acesso à actividade, o acesso ao mercado e o acesso à profissão.
É este o pedido que se apresenta à apreciação desta Assembleia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino, de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, daqui a pouco, irei intervir sobre a matéria de fundo, mas, neste momento do debate, há outras questões que quero colocar ao Governo, tanto mais que o Sr. Secretário de Estado, na sua intervenção inicial, pouco nos esclareceu em relação ao que já vem escrito no pedido de autorização legislativa.
Ora, a questão que lhe coloco é precisamente a de saber por que razão o Governo optou por esta forma sui generis de legislar. Sui generis, em primeiro lugar, porque mete num pedido de autorização legislativa uma proposta de lei material, que é a revogação do Decreto-Lei n.º 319/95, de 28 de Novembro, o que, aliás, já foi objecto de crítica por parte do Sr. Presidente da Assembleia da República no seu despacho de admissão.
Em segundo lugar, porque o pedido de autorização legislativa que nos envia é vago e esta vaguidade não ficou esclarecida nas palavras do Sr. Secretário de Estado. O Sr. Secretário de Estado fala, no que toca à regulamentação das condições para exercício da profissão, em três regras, que são as que constam da autorização legislativa, mas não fala em questões fundamentais, como, por exemplo: que condições para o exercício da profissão? Que condições para o acesso à profissão? O Governo opta, ou não, pela exclusividade relativamente a esta actividade profissional? Como o Sr. Secretário de Estado sabe, estas são questões centrais neste processo. Tendo até em conta, como o próprio Governo reconhece no documento anexo ao pedido de autorização legislativa, que esta matéria, na medida em que vai - parece ser esta a tendência do
,Governo - criar restrições no acesso à liberdade de escolha de uma profissão, é de competência reservada da Assembleia da República. Embora admita a autorização legislativa, é óbvio que seria preferível que o Governo, em vez de nos trazer aqui uma autorização, nos trouxesse a proposta de lei material, para nós percebermos, com exactidão, qual é o sentido e quais são as condições em que  o Governo se propõe legislar.
São estas as questões, que, nesta fase, queríamos colocar ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Secretario de Estado, há mais um Sr. Deputado inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Então, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, queria, em primeiro lugar, fazer uma interpelação à Mesa e só a seguir, se mo permitisse, faria o pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Deputado, mas que seja mesmo uma interpelação.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, estou convencido de que é mesmo uma interpelação, mas o Sr. Presidente julgá-lo-á.
Sr. Presidente, no despacho de admissão desta proposta de lei, o Sr. Presidente da Assembleia da República entendeu que o Governo deveria evitar acumular na mesma proposta um pedido de autorização legislativa e uma proposta de lei material. É que os processamentos, designadamente em termos de Regimento, são absolutamente diferentes. Até este momento, o Governo não tomou qualquer...

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, isto não é uma interpelação.
O Orador: - Eu ia fazer a interpelação a seguir.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Bem, mas é que não fez. O Sr. Deputado taça favor de formular o seu pedido de esclarecimento.

O Orador: - Sr. Presidente, peço desculpa, mas quero fazer a interpelação.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Mas a mim cabe ajuizar o que é. uma interpelação e o que não é. O Sr. Deputado não estava a fazer uma interpelação.

O Orador: - A interpelação é no sentido de saber se a Mesa ainda pode ou não, neste momento, fazer esta correcção que não foi feita. Isto é uma pura interpelação, Sr. Presidente.
Mas há mais, Sr. Presidente, porque a minha interpelação tem um segundo ponto. E, se me permitisse, com o mesmo rigor com que apresentei o primeiro, exporia o segundo. No primeiro momento, referi aquilo que me parece ser uma acumulação indevida de pedidos e, agora, gostaria de saber se o Governo vem fazer aqui um pedido de autorização legislativa no sentido de serem transferi dos determinados poderes que, neste momento, estão já transferidos para os municípios. Portanto, o que acontece é que há, em primeiro lugar, que promover uma iniciativa legislativa que faça regressar à Assembleia da República
os poderes que, neste momento, estão transferidos para os municípios. Assim, a minha pergunta é esta: entendo que, lógica e cronologicamente, deve, primeiro, revogar-se o decreto-lei que procedeu à transferência dos poderes para os municípios e, só depois, num segundo momento, num momento distinto, lógica e cronologicamente, como disse, é que poderia esta autorização legislativa...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Portanto, gostaria de saber, Sr. Presidente, se a Assembleia pode ou não corrigir...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, o Sr. Presidente da Assembleia fez um comentário. Não vou comentar o comentário. Os diplomas estão admitidos e, portanto, em discussão. E a discussão vai prosseguir.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, ainda não formulei o meu pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, quem está a dirigir a sessão é o Presidente e a Mesa. Agora, vou dar a palavra a um Sr. Deputado que fez um pedido de interpelação.
Faça favor, Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, gostaria de saber se deu entrada na Mesa por parte de algum grupo parlamentar algum recurso em relação à admissão desta proposta de lei. É que, tanto quanto sei, esta proposta de lei foi agendada por todos os grupos parlamentares e não tenho conhecimento de qualquer recurso de admissão.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, não houve qualquer recurso. Agora, vai prosseguir o debate.
Sr. Deputado Antonino Antunes, faça favor de formular o seu pedido de esclarecimento, se assim o entender.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Secretário de Estado, na exposição de motivos, o Governo referiu, em primeiro lugar, que se propunha transferir para os municípios determinadas competências que lhes foram atribuídas pelo decreto-lei que se propõe agora revogar.
Em relação a isso, tenho a seguinte dúvida: por mais que leia, chego à conclusão de que, na realidade, as competências que VV. Ex.ªs pretendem transferir para os municípios são não só aquelas que eles já têm como também outras. Senão, vejamos: pretendem que seja transferida a competência relativa à fixação de contingentes, já estava prevista no artigo 2.º; pretendem que seja transferida a competência relativa à transmissão de licenças, já estava prevista no artigo 5.º; pretendem que seja transferida a competência relativa ao licenciamento de veículos, já estava prevista no artigo 2.º; pretendem que seja transferida a competência relativa à isenção de normas de identificação de veículos, já estava, em parte, no artigo 2.º; pretendem que seja transferida a competência relativa ao regime de exploração, já estava no artigo 15.º; pretendem que seja transferida a competência relativa a determinada fiscalização, de certa forma, já estava no artigo 12.º.
Assim, pergunto, Sr. Secretário de Estado, se aquilo que pretende reservar para o Governo é, como parece, apenas a fixação dos locais de estacionamento, porque, na realidade, só isso é que não consta da proposta de lei.
Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, penso que dizer-se que havia uma certa anarquia, uma certa proliferação de diversos regulamentos também é uma observação que me parece, de qualquer forma, destituída de fundamento. Senão vejamos: o que vemos no decreto-lei que se pretende revogar é que os artigos 4.º, 5.º e 11.º se destinavam a entrar em vigor imediatamente. Só que o artigo 4.º dependia da fixação de uma certa uniformização, através de uma portaria, mas essa portaria não chegou a ser publicada, apesar de o Governo ter tido um ano e meio para o fazer, uma vez que o decreto-lei foi publicado em 28 de Novembro de 1995. No artigo,5.º previa-se a fixação, por portaria, das características específicas dos veículos, mas, durante um ano e meio, essa portaria não foi publicada. No artigo 11 º previa-se a definição no que diz respeito a taxímetros e isso também não pôde entrar em vigor, porque o Governo nunca publicou a portaria respectiva. Evidentemente que não podia ser o Governo PSD a pôr cá fora essas portarias!
Quer dizer: por um lado, vem dizer-se que não se conseguiu uniformidade...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já esgotou o tempo regimental.

O Orador: - .,. mas, por outro, quando essa uniformidade dependia das portarias, nunca o Governo fez sair essas portarias.

(O Orador reviu.)

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, quando diz que as condições para o exercício da profissão deveriam ser mais explicitadas, gostaria de lhe dizer que esta é uma matéria ainda, de certa forma, inovadora, na qual temos estado a trabalhar, juntamente com o Ministério para a Qualificação e o Emprego, para definir quais são os requisitos de acesso à profissão. Digamos que, neste momento, há algum trabalho feito, mas ele não está totalmente apurado, até porque isso é resultado de uma certa negociação com as entidades que intervêm no sector.
A duração da autorização legislativa é de um ano, exactamente por se tratar de uma matéria inovadora nesse aspecto. No entanto, já estão definidas regras de idoneidade, como o cadastro criminal, porque, em relação às pessoas que estão em contacto directo com o público, tem de haver algum cuidado nesta matéria; a necessidade do registo individual do condutor; a necessidade de realização de provas psicológicas e psicotécnicas; e a definição de todas as regras de transição, porque isto, embora seja inovador, vamos passar de um sistema para outro. Há aqui que definir como é que a transição se vai operar.
No que diz respeito às regras de exclusividade, pensamos que devem ser distinguidas duas situações completamente diferentes neste regime de transportes, ou seja, o que se passa no regime rural e no regime urbano são condições completamente diferentes, e aí há que diferenciar as situações. Todos sabemos que esta actividade, por exemplo, nos meios rurais, é normalmente complementar de uma outra e esta caracterização está, neste momento, a ser feita. Não podemos, por isso, ter a mesma legislação para os dois regimes, na medida em que, de facto, nos meios rurais muitas das vezes - e isso é sabido - ela é complementar de uma outra actividade, enquanto que nos centros urbanos as questões são de uma outra natureza e, aí há que ver, digamos, algumas incompatibilidades no regime de funcionamento em acumulação desta função com outras.
É evidente que hoje sabemos que os agentes encarregados da fiscalização são, ao mesmo tempo, também taxistas, o que coloca aqui uma contradição e alguma conflitualidade entre estas duas profissões.
Portanto, diria que há todo um trabalho a fazer, até de levantamento das situações, de caracterização das situações, de modo a não criarmos uma norma de tal maneira rígida...

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Peco-lhe que termine, Sr. Secretário de Estado, porque já ultrapassou o seu tempo.

O Orador: - ... que venha a inviabilizar que, determinadas partes do País, haja táxis.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Secretário de Estado, tem mais dois minutos cedidos pelo Grupo Parlamentar do PS.

O Orador: - Este pedido de autorização legislativa também aparece porque sentimos que não era possível remendar este decreto-lei e, nessa medida, optámos, de facto, por pedir esta autorização legislativa, que, no fundo, não é uma transferência mas uma reformulação das em competências que já foram concedidas. Não se trata de novas competências, trata-se de uma reformulação das competências, balizando-as, no entanto, por alguns requisitos de ordem geral a que todos os regulamentos devem obedecer.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Definir um quadro normativo regulamentado da actividade de taxista, seja ele proprietário ou condutor, é de há muito uma necessidade e uma exigência não só dos respectivos profissionais mas também dos milhares de pessoas que diariamente utilizam este meio de transporte.
De facto, a existência de normas que definam quem pode e em que condições pode ser proprietário ou condutor de táxi é condição primeira para dignificar e qualificar a actividade e para valorizar a própria profissão. Aliás, é difícil compreender por que é que ao longo de tantos anos não se legislou nesta matéria, ao contrário do que sucede em muitos outros países.
Por outro lado, a existência deste quadro legal, que hoje aqui propomos, é também condição de maior qualidade de serviço e de maior segurança para os cidadãos que utilizam o táxi e que, não raras vezes, se deparam com «curiosos» que, devido às difíceis condições geradas pelo desemprego, fazem - com legitimidade, diga-se - aquilo a que se chama «biscates» na profissão, mas que, muitas vezes, não têm nem a formação nem a preparação adequadas.
O projecto de lei do PCP procura dar resposta a estas questões.
São quatro as grandes inovações do nosso projecto de lei. A primeira, o próprio contributo, em si mesmo, para a existência de um conjunto dê normas regulamentadoras e unificadoras da actividade em todo o País e, neste quadro, permitam-nos que sublinhemos o facto de, pela primeira vez, em Portugal, se estar a debater esta matéria nestes termos, pela primeira vez, a Assembleia da República dar atenção de fundo a este importante sector. No que ao PCP diz respeito, congratulamo-nos com o contributo que estamos a dar para esta reflexão e para este debate.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A segunda inovação é a obrigatoriedade de capacidade profissional e de um certificado comprovativo de que o candidato a proprietário de táxis, isto é, de que o candidato ao acesso ao exercício da actividade profissional de transportador, reúne as condições adequadas a serem aferidas no âmbito de um exame ou com experiência comprovada.
A terceira inovação é a de que a profissão de condutor de táxis obriga à existência de uma carteira profissional ou, como alguns preferem, de um certificado de aptidão profissional.
A quarta inovação, porventura a mais polémica, reconhecemos, é a de que tal actividade deve ser exercida em regime de exclusividade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Segundo os últimos elementos disponíveis em nosso poder, existirão em praça, na totalidade do País, mais de 12 600 veículos, dos quais cerca de 5000 táxis e 7600 veículos de serviço ao

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quilómetro. 50%, ou seja, metade, estão nas praças de Lisboa e do Porto.
É pois, um sector que, pela sua dimensão e, em particular, pela sua expressão social, justifica toda a atenção do legislador.
O projecto de lei do PCP não é um projecto fechado nem uma obra acabada. É, antes de mais, um sinal da necessidade do estabelecimento de um quadro regulamentador mas também um projecto aberto ao debate público, às críticas e às sugestões, designadamente dos profissionais da praça, a quem este projecto de lei se dirige em primeiro lugar, e que aproveitamos para saudar e sublinhar a sua actividade. É, obviamente, um projecto aberto a melhorias em sede de especialidade.
Srs. Deputados, a actividade de proprietário ou condutor de táxis não tem sido apoiada e acompanhada como deveria. Aliás, pensamos que o Governo deveria ter aproveitado esta oportunidade para fazer uma legislação mais global para o sector, porque ele não tem instrumentos de financiamento nem instrumentos fiscais específicos para a actividade. Não existem políticas de formação apoiadas pelo Estado. Não existem políticas nem medidas sérias de reforço da segurança dos taxistas, apesar de, há muito, prometidas, mas nunca concretizadas. Não existem - e pela primeira vez estamos a discutir - regras uniformizadoras para todo o País.
Neste quadro, acolhemos positivamente a parte do pedido de autorização legislativa do Governo que hoje aqui também discutimos e que se propõe revogar o Decreto-Lei n.º 319/95, de 28 de Novembro, que transferia para os municípios competências em matéria de enquadramento da actividade.
É que quem legislou, à época, começou, de facto, a fazê-lo pelo telhado, uma vez que transferia para os municípios competências que não tinham a sustentá-las um quadro normativo global para todo o, País. Daqui decorria, obviamente, o que está a acontecer, que é o risco de cada município regulamentar diferentemente a actividade destes operadores de transporte com a atomização, a dispersão e, em alguns casos, até a contradição de normas entre vários municípios, apesar do regulamento-tipo adoptado pela Associação Nacional de Municípios Portugueses.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas exactamente porque a Associação Nacional de Municípios Portugueses já elaborou um regulamento-tipo e já se criaram regulamentos e expectativas em vários municípios é que teria sido preferível que, em vez da revogação, o Governo optasse pela alteração das normas que importa modificar.
Além do mais, o Governo usa, agora, como já tive oportunidade de referir na minha pergunta, uma técnica legislativa, no mínimo, pouco ortodoxa, conforme, aliás, salientou o Sr. Presidente da Assembleia da República no seu despacho de admissão, porque junta no pedido de autorização legislativa uma proposta de lei material, exactamente a que se refere à revogação do Decreto-Lei n.º 319/95. Revogação, essa, que é acompanhada de um pedido de autorização legislativa, que, aliás, pouco nos diz. E o que diz não nos agrada, Srs. Deputados, ao transferir para os municípios competências cuja dimensão completa não define com precisão.
Na opinião do PCP, aliás, parece-nos que a intervenção dos municípios nos processos de regulamentação da actividade deveriam ser reduzidos ao mínimo e deveriam ser suportados por um máximo, e esse máximo é o quadro regulamentador geral da actividade no País. E, quando sejam transferidas, devem, obviamente, ser acompanhadas dos necessários meios.
Por outro lado, o Governo pede autorização para legislar em matéria de criação de regras próprias de acesso à profissão, quando seria mais curial, como já disse, apresentar uma proposta de lei material sobre esta questão, tal como o PCP apresenta um projecto de lei.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Com o nosso projecto de lei, pretendemos dar um contributo sério para que, finalmente, proprietários e condutores de táxi tenham, em Portugal, um quadro legal global regulamentador da sua actividade.
É um projecto de lei que dignifica a profissão e que assegura melhores condições de qualidade e segurança para quem utiliza o táxi, bem como para quem faz dele a sua actividade profissional. É, em nossa opinião, um projecto de lei que merece ser aprovado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 75/VII, que autoriza o Governo a transferir para os municípios competências relativas à actividade de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros e a criar regras específicas sobre o acesso à profissão de motorista de táxis, revoga o Decreto-Lei n.º 319195, de 28 de Novembro. A sua apreciação foi pedida pelo Governo com carácter prioritário e urgente e, talvez por essa razão, constatamos que está inquinado de algumas ambiguidades.
Na verdade, reconhecia-se que o Decreto-Lei n.º 319/ 95, de 28 de Novembro, permitia que, em cada município, se criasse um regime próprio e específico de atribuição e exploração de licenças de táxis e o Governo afirmava pretender salvaguardar a racionalidade e coerência do sistema de transportes, em particular no que respeita a uma uniformização, à escala nacional, dos regimes de atribuição e exploração de licenças de táxi, competências estas que se manterão na esfera da administração central.
Reconhecia, ainda, o Governo que tal circunstância tornava impossível, na prática, uma adequada fiscalização pelas autoridades policiais.
Repito, talvez pela urgência, o articulado da proposta de lei em análise frustra totalmente aquelas expectativas. Ou seja, ao contrário do que expressamente se refere na exposição de motivos e na síntese do conteúdo da proposta, transfere para os municípios as mesmas competências que antes dizia deverem manter-se na esfera da administração central.
Transfere competências, como as que se referem à fiscalização, à transmissibilidade e à isenção das normas de identificação e licenciamento de veículos e mantém na esfera da administração central as competências relativas às fixação e alteração dos locais de estacionamento. Parece-me que o inverso teria mais lógica.
Parece-me, enfim, um pouco razoável que, de acordo com as competências que o Governo pretende transferir para a esfera dos municípios, tema de certa forma e duvide em parte das condições da estrutura administrativa da administração autárquica e das competências dos municí-

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pios, nomeadamente nas questões de atribuição e transmissão de licenças do licenciamento de veículos e de isenção de normas de identificação dos veículos. Ou seja, dá-me a impressão de que um dia destes teríamos nos concelhos limítrofes de Lisboa, como, por exemplo, em Oeiras, carros azuis e amarelos e, em Loures, laranjas ou vermelhos... Enfim, não me parece correcto nem recomendável.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Deputado...!

O Orador: - Eu disse azul e amarelo em Oeiras, porque espero que o meu partido ganhe essa câmara municipal, Sr. Deputado.

Risos.

Desta forma, não se salvaguardam a racionalidade e a coerência do sistema de transportes.
Relativamente à criação de regras específicas sobre o acesso à profissão de motorista de táxi, importa definir não só o regime sancionatório como também o que se vai passar com os actuais motoristas.
Em relação ao projecto de lei n.º 308/VII (PCP), também em apreço na douta discussão conjunta, a "Nota justificativa", que prevê a existência de um quadro legal a definir o acesso à profissão de condutor, não nos parece mal. Ou seja, é preciso definir o quadro legal para o exercício da profissão, bem como, e como questão prévia, a repartição de competência entre as administrações central e a local.
Para o Partido Popular é imperioso dignificar a actual profissão. tanto a dos transportadores como a dos condutores de táxis ou carros de aluguer; é desejável eliminar a rede de transportes clandestinos que prolifera no sector; é ainda necessário certificar profissionalmente o condutor e encontrar um estatuto remuneratório justo -, e é nosso entendimento que a certificação profissional deva ser feita no âmbito do Ministério para a Qualificação e o Emprego ou através do Instituto de Emprego e Formação Profissional. É necessário materializar este entendimento.
Concluo dizendo que, em nossa opinião, urge encontrar uma nova regulamentação e que os diplomas em apreço podem e devem ser melhorados.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Albuquerque.

O Sr. Mário Albuquerque (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Pretende o Governo uma autorização legislativa, deste Parlamento, que visa transferir para o domínio dos municípios competências relacionadas com a actividade de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros e criar regras específicas sobre o acesso à profissão de motoristas de táxis. Sem cuidar de saber da conformidade da metodologia seguida, ao apresentar-se, num único documento, um pedido .de autorização legislativa e uma proposta de lei material - como também o sublinhou o despacho do Ex.mo Presidente da Assembleia da República - importa, antes de mais, analisar, com o necessário detalhe, cada um dos projectos.
Primeiro, autorização legislativa ao Governo para transferir para os municípios competências relativas à actividade de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros e revogação do Decreto-Lei n.º 319/95, de 28 de Novembro. O Decreto-Lei n.º 319/95, de 28 de Novembro, surgiu na sequência da autorização legislativa concedida pelo artigo 13.º da Lei n.º 39-13/94, de 27 de Dezembro, que autorizou o Governo a transferir para os municípios, em matéria de transportes de aluguer em veículos ligeiros de passageiros, as seguintes competências: fixação de contingentes; atribuição de licenças e fixação dos respectivos critérios de atribuição; emissão de títulos de licenciamento, nos casos de inspecção de veículos ou da sua substituição; fixação dos locais de estacionamento, bem como a sua alteração.
Convirá especificar que estas matérias já se encontravam, quase na totalidade - e muito bem, na nossa perspectiva -, desde 1975, na esfera de competência dos municípios, nos termos do Decreto-Lei n.º 512/75, de 20 de Setembro, da Portaria n.º 249/76; de 19 de Abril, e do Decreto Regulamentar n.º 34/78, de 2 de Outubro. Mas o que aconteceu foi que, de certo modo, o Decreto-Lei n.º 319/95 vai além da autorização legislativa, pois, de harmonia com o artigo 16.º do mesmo diploma, a partir da entrada em vigor dos regulamentos municipais seria revogada toda a legislação do sector, ou seja os Decretos-Leis n.ºs 74/79, de 4 de Abril, e 448/80, de 6 de Outubro, o Decreto Regulamentar n.º 34/78, de 2 de Outubro, e os artigos que a esta matéria se reportam do Regulamento de Transportes Automóveis (RTA), aprovado pelo Decreto n.º 37 272, de 31 de Dezembro de 1948.
Sucede, porém, que com esta revogação expressa, operada pelo Decreto-Lei n.º 319/95; e não pelos regulamentos municipais, o que sublinho,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... como deixa subentender o Governo na sua "Exposição de motivos", se está a cair num vazio legal extremamente perturbador da actividade, considerando a omissão dos citados regulamentos municipais.
Por outro lado, a agravar a situação ainda mais, o Governo não fez publicar, em tempo oportuno, como lhe cumpriria, qualquer das portarias a que se reportam os artigos 4.º, 5.º e 11.º do já aludido diploma,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... nem actuou com a necessária celeridade junto das autarquias para suspenderem a elaboração dos regulamentos municipais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim, tal actuação conduziu a que se chegasse à situação que hoje se regista, traduzida numa quase total autogestão, no que concerne à regulamentação deste sector.
De acordo com a síntese do conteúdo do projecto, o Governo vem dizer que vai "(...) transferir para os municípios certas competências relativas à actividade de transporte de aluguer em automóveis ligeiros de passageiros (táxis) que melhor serão prosseguidas pela autarquias locais, sem contudo se desvirtuarem a racionalidade e a coerência do sistema de transportes, em particular no que respeita a uma uniformização, à escala nacional, dos regimes de atribuição e exploração de licenças de táxi, competências essas que se manterão na esfera da `Administração Central'".

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A seguir, na "Exposição de motivos", repete o Governo, dizendo que o Decreto-Lei n.º 319/95 permite que, em cada município, se crie um regime próprio e específico de atribuição e exploração de licenças de táxis, afirmando-se, ainda, que tal circunstância tornaria impossível na prática uma adequada fiscalização pelas autoridades policiais da observância de tais regimes e contribuiria para uma irracionalidade do sistema de transportes neste segmento do mercado.
Interessa desde já salientar que o legislador do Decreto-Lei n.º 319/95 considerou que o transporte de aluguer em automóveis ligeiros de passageiros se reveste de características que aconselham o seu enquadramento a nível municipal, de modo a corresponder às especificidades deste serviço em cada localidade, e também não deixou de ouvir a Associação Nacional de Municípios Portugueses, mas agiu no convencimento de que esta Associação conseguiria um regulamento que uniformizasse o procedimento em todos os municípios, de forma a evitar a proliferação de regimes que se está a verificar, propósito que, de facto, não se veio a registar.
E são estas as razões que fundamentam uma urgente revogação do Decreto-lei n.º 319/95. Não se entende, no entanto, como é que o Governo pretende atingir os objectivos enunciados na síntese e na "Exposição de motivos", ou seja, como pretende salvaguardar a racionalidade e a coerência do sistema de transportes, em particular no que respeita a uma uniformização. à escala nacional, dos regimes de atribuição e exploração de licenças de táxi, competências essas que se manterão na esfera da Administração Central, quando o articulado - artigo 2.º da proposta de lei - refere, que transferem para os municípios as competências relativas aos regimes de atribuição e exploração! Por outro lado, esquece-se de transferir para os municípios competências na área de fixação dos locais de estacionamento. E se há matéria onde a especificidade da gestão municipal é marcante é a dos locais de estacionamento e do respectivo regime.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já ultrapassou o tempo regimental.

O Orador: - Peço a vossa benevolência, Sr. Presidente.
Quem melhor do que as autarquias para avaliar e decidir da fixação e readaptação dos locais de estacionamento aconselhados pelo desenvolvimento e outros factores, de molde a colmatar carências de transporte das populações? O que deverá ficar no âmbito das competências da Administração Central é a definição de um conjunto de regras que assegurem, sem ambiguidades, a uniformidade de regimes no continente.
Também é proposto, no mesmo artigo 2.º, que sejam transferidas para os municípios competências no domínio da transmissão de licenças e da isenção de normas de identificação de veículos. Também aqui discordamos, porquanto, a nosso ver, se trata de um enorme erro não manter em matéria tão sensível, como é a da transmissibilidade, a uniformização da legislação. Tem sido entendimento unânime que o princípio da não comercialidade das licenças permanece basicamente correcto no seu objectivo de evitar a comercialização especulativa das licenças.
Como podemos admitir que, por exemplo, nuns municípios possa não ser autorizada qualquer transmissão, nem sequer mortis causa, enquanto noutros as regras possam permitir maior amplitude, inclusivamente o livre comércio? Não será este um verdadeiro factor de irracionalidade, que, afinal, o Governo diz pretende combater? Idêntica situação se constata no que respeita à isenção de normas de identificação, pois também sustentamos que não se pode deixar ao livre arbítrio das autarquias a definição de regras que devem ser uniformes em todo o País.
Não deixamos, Finalmente, de manifestar a nossa preocupação quanto ao exercício da fiscalização no sector, pois parece depreender-se da proposta de lei que ela ficará da responsabilidade exclusiva dos municípios.
Julgamos tratar-se de um erro que convirá evitar, pois parece-nos que tal incumbência deverá ser, preferencialmente, desenvolvida pelas GNR, PSP, DGTT e DGV.
Concluímos, referindo que o Governo aponta algumas razões que aconselham a alteração da situação existente, mas não só repete os mesmos erros que diz pretender corrigir, como, ao transferir competências que caberiam à Administração Central, acaba por agravar a situação decorrente da vigência do Decreto-lei n.º 319/95.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, peço que termine, pois a minha benevolência já vai em dois minutos.

O Orador: - Estou a terminar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sou benevolente, mas não tanto. Faça favor de terminar.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Deste modo, a proposta de lei em análise, além de continuar a permitir a pulverização de regimes concelhios, no tocante à atribuição de licenças e ao respectivo regime de exploração, vem alargar o leque das hipóteses de pulverização, já que transfere competências, no que se refere à transmissão de licenças, à isenção de normas de identificação de veículos e à fiscalização.
Por outro lado, ao manter na Administração Central competências relacionadas com os locais de estacionamento, está a gerar um clima de permanente conflitualidade.
Por último, criação de regras específicas sobre o acesso à profissão de motorista de táxi. Nada temos a opor a esta proposta que, aliás, surge na decorrência da implementação do Sistema Nacional de Certificação Profissional, julgamos, no entanto, que ela peca por defeito, pois nada específica quanto ao regime sancionatório e à justa salvaguarda dos motoristas que se encontram, actualmente, ao serviço.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Varges.

O Sr. Manuel Varges (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Pela presente proposta de lei, vem o Governo solicitar a esta Assembleia uma autorização para, no nosso entendimento, legislar no sentido não da transferência de competências mas, sim, no de reformular e clarificar o quadro de competências que hoje está já atribuído aos municípios em matéria de actividade de transportes e aluguer em automóveis ligeiros, revogando para o efeito o Decreto-Lei n.º 319/95. Estamos de acordo quer pela experiência decorrida desde 1 de Janeiro de 1996, data em que aquele diploma entrou em vigor quer pelas solicitações que a própria associação de classe, a ANTRAL, vinha dirigindo ao Governo e aos

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grupos parlamentares, a quem solicitaram audiências, e ainda por anteriores pareceres já emitidos pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, que era imperioso, urgente, a revogação do Decreto-Lei n.º 219/95.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, por razões de política de transportes, porque aquele decreto-lei, no seu artigo 15.º, ao permitir que cada município, através do regulamento municipal, criasse regras próprias de atribuição de licenças e de regimes de explorações diversos não deixava garantida a salvaguarda de uma indispensável unidade do sistema de transportes, no que se refere aos táxis, nomeadamente, não prevendo critérios de âmbito nacional para a atribuição de licenças, propiciando assim situações descoordenadas ou menos transparentes que não eram benéficas para os municípios nem para os profissionais, nem para os industriais da classe. Por outro lado, e como o Sr. Secretário de Estado referiu, porque poderia levar à criação, por absurdo, de tantos regimes de exploração quantos os municípios existentes, introduzindo inexplicáveis distorções na concorrência entre profissionais ou industriais, tanto mais grave se em dois municípios limítrofes vigorassem, por exemplo, regimes de exploração diferentes. E ainda pelo facto de as autoridades policiais não poderem actuar eficazmente, já que sempre se tornaria difícil, se não impossível, um conhecimento adequado por parte deles, dos múltiplos regulamentos municipais para o exercício desta actividade.
A revogação do Decreto-Lei n.º 319/95 impõe-se ainda por razões de política de transportes pelo facto de, como o Sr. Secretário de Estado também referiu, não conter qualquer regime sancionatório geral só para o caso de incumprimento de normas relativas às características específicas dos veículos, não estando previstas quaisquer outras sanções, como, por exemplo, para a exploração de táxis sem licença, ou para a alteração não autorizada dos seus locais de estacionamento. Distorcem-se assim, em nosso entender, e gravemente, as normas da concorrência, impede-se uma mais adequada fiscalização e está a contribuir-se para um funcionamento anárquico deste mercado de actividade dos táxis, que se pretende dignificar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, há razões de ordem jurídica que impõem também a revogação do decreto-lei, em nosso entendimento. O Decreto-Lei n.º 319/95 é um diploma com gravíssimos defeitos do ponto de vista técnico-jurídico, contendo, nomeadamente, em nosso entender, diversas normas de duvidosa inconstitucionalidade. Está neste caso o n.º 2 do artigo I5.º, que viola o princípio constitucional da publicidade das normas ao fazer depender a eficácia dos regulamentos municipais do simples depósito da Direcção-Geral de Transportes Terrestres, e não como devia de ser, da sua publicação em Diário da República. Idênticas razões coexistem no seu artigo 16.º, onde uma leitura possível permitiria concluir que os regulamentos municipais poderiam, em última análise, revogar decretos-lei e regulamentos do Governo.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Claro!
O Orador: - Acresce ainda que o Decreto-Lei n.º 319/95, como também referiu o Sr. Secretário de Estado, não contém qualquer norma que exija a ausência de certos antecedentes penais para a habilitação aos concursos para a atribuição de licenças ou para o exercício da profissão, ao contrário do que dispõe o n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 39/83, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 305/88 e que regulam o regime a que deve obedecer o registo criminal e as condições de acesso à informação criminal.
Sr. Presidente, gostaria de recordar V. Ex.ª que, salvo melhor opinião, nos termos da lei, terão de ser ouvidos a associação nacional de municípios portugueses, órgãos pobres das regiões autónomas, antes da aprovação final desta proposta de lei por parte da Assembleia da República. Contudo, e como indicação já em pareceres anteriores à aplicação do Decreto-Lei n.º 319/95, a própria Associação Nacional de Municípios Portugueses sempre defendeu que em matéria de fixação de critérios para atribuição de licenças eles deveriam ser estabelecidos de modo genérico e não caso a caso por cada um dos municípios.
Por todas estas razões jurídicas e de política de transportes, entendemos justa a pretensão do Governo nesta sua proposta de lei ao preferir revogar e não reformular, pura e simplesmente, o Decreto-Lei v.º 319/95. Fica também para nós claro que com a aprovação desta proposta de lei e até à publicação da nova regulamentação, que se deseja que seja breve, será temporariamente reposta em vigor a legislação anterior ao Decreto-Lei n.º 319/95, como fica igualmente claro que serão salvaguardados os direitos adquiridos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 319/95, designadamente as licenças j5 atribuídas em concurso promovidas pelas câmaras municipais ao abrigo do mesmo diploma nos termos dos regulamentos que tenham já sido aprovados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate conjunto da proposta de lei n.º 75/VII e do projecto de lei n.º 308/VII (PCP). Informo ainda a Câmara de que estes diplomas serão votados na próxima reunião plenária.
Srs. Deputados, a nossa próxima reunião terá lugar na próxima quarta-feira, dia 23, pelas 15 horas, com um período de antes da ordem do dia e um período da ordem do dia do qual consta o debate dos projectos de lei n.ºs 130/VII (PCP) e 239/VII (PSD) e da proposta de lei n.º 71/VII.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
António Alves Marques Júnior.
Cláudio Ramos Monteiro.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):.

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Fernando José Antunes Gomes Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.

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Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Fernando José de Moura e Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

José Fernando Araújo Calçada.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Agostinho Marques Moleiro.
António Bento da Silva Galamba.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
José Alberto Cardoso Marques.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Social Democrata (PSD):

João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

DIÁRIO da Assembleia da República

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