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Quinta-feira, 22 de Janeiro de 1998 I Série - Número 30

VII LEGISLATURA 3.A SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE JANEIRO DE 1998

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Manuel Duarte de Oliveira
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à substituição de Deputados do PSD e do PS.
Foi também aprovado o voto n.º 98/VII - De saudação ao Papa João Paulo II e ao povo cubano, no momento da visita de Sua Santidade a Cuba (PSD), tendo feito intervenções os Srs. Deputados Pedro Roseta (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Teixeira Dias (PS) e João Amaral (PCP).
Procedeu-se ao debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PSD, sobre as últimas medidas no domínio fiscal anunciadas pelo Ministro das Finanças. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos), os Srs. Deputados Manuela Ferreira Leite (PSD), Luís Queiró (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP) e João Carlos da Silva (PS).
O Sr. Deputado António Maninho (PS) lamentou o não cumprimento do acordo a outorgar entre o IPE e a Casa do Douro por incapacidade de cumprimento por parte desta última e reafirmou o papel positivo que o Governo teve em todo o processo. Respondeu, depois, aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Fernando Pereira e António Gouveia (PSD).
Foi aprovado o unto n.º 99/VII - De pesar pelo falecimento de Manuel Diniz Jacinto, figura de destaque na história do teatro português (PCP), tendo a Câmara guardado um minuto de silêncio. Intervieram, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Alberto Martins (PS), Manuel Frexes (PSD), José Calçada (PCP) e Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP).
O voto n.º 101/VII - De pesar e de homenagem pela passagem do 25.º aniversário da morte de Amilcar Cabral (PS, PSD, CDS-PP e PCP) foi igualmente aprovado. Proferiram intervenções, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Manuel Alegre (PS), Nuno Abecasis (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP) e Carlos Encarnação (PSD).
Mereceu ainda aprovação o voto n.º 100/VII - De pesar pelo falecimento da escritora Maria Judite de Carvalho (PCP), tendo proferido intervenções os Srs. Deputados José Calçada (PCP), Manuel Frexes (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) e Helena Roseta (PS), Após o Sr. Presidente se ter associado às palavras dos oradores que a antecederam, a Câmara guardou um minuto de silêncio.

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 136/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública e 138/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de duração e horário de trabalho na Administração Pública. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa) e do Sr. Secretário de Estado da Administração Pública ,(Fausto farreia), os Srs. Deputados Moreira da Silva (PSD), Elisa Damião (PS), Rodeia Machado (PCP), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) e Rui Namorado (PS).
Por fim. foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 139/VII - Aprova a Lei Orgânica do Centro de Estudos Judiciários, tendo usado da palavra, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Ferreira Ramos (CDS-PP), Miguel Macedo (PSD) e Nuno Baltazar Mendes (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Augusto Carlos dos Santos Leite.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Pedro da Silva Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.

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António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lurdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP).

Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, na reunião plenária de 14 de Janeiro de 1998, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Arnaldo Homem Rebelo; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Augusto Boucinha; ao Ministério da Educação e à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulados pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis.
Entretanto, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados. No dia 14 da Janeiro de 1998: ao Sr. Deputado Aires de Carvalho, formulado no dia 23 de Setembro de 1997; ao Sr. Deputado Bernardino Soares, formulado na sessão de 6 .de Novembro de 1997; ao Sr. Deputado António Filipe, formulado na sessão de 19 de Novembro de 1997.
No dia 16 de Janeiro de 1998: ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, formulado na sessão de 29 de Outubro de 1997; ao Sr. Deputado Victor Moura, formulado na sessão de 6 de Novembro de 1997; ao Sr.: Deputado Jorge

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Roque Cunha, formulado na sessão de 13 de Novembro de 1997.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ainda dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição dos Srs. Deputados Antonino Antunes, do PSD, por Américo de Sequeira, com início em 21 de Janeiro corrente, inclusive, nos termos da alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, do Estatuto dos Deputados, por um período não inferior a 45 dias; Joaquim Raposo, do PS, por Maria Eduarda Bento Alves Ferronha e Luís Filipe Menezes, do PSD, por João Moura de Sá, com início em 19 de Janeiro corrente, inclusive, nos termos da alínea h), do n.º 1, do artigo 20.º, do Estatuto dos Deputados.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, importa agora apreciar o voto n.º 98/VII - De saudação ao Papa João Paulo II e ao povo cubano, no momento da visita de Sua Santidade a Cuba, apresentado pelo PSD.
Peço ao Sr. Secretário que proceda à leitura do referido voto.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
Iniciando-se hoje a visita do Papa João Paulo II a Cuba; tendo em consideração que esta visita pastoral, que está a ser seguida com grande atenção em quase todo o mundo, tem em vista, além da afirmação de valores espirituais, a promoção de outros valores indiscutíveis, como a paz entre os povos, a reconciliação e o primado da pessoa humana e dos seus direitos; tendo presentes as relações de amizade entre o povo português e o povo cubano, a Assembleia da República congratula-se com esta visita e saúda o Papa João Paulo II e o povo cubano nestes momentos históricos que está a viver.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No breve tempo de que disponho, quero destacar a importância indiscutível de um facto que vai ter, lugar hoje, que é o início da visita do Papa João Paulo II a Cuba. Esta visita, como sabem, está a despertar, em quase todo o mundo, um interesse muito grande que ultrapassa largamente o bilião de católicos que existem e, como é evidente, as fronteiras do povo cubano.
O Grupo Parlamentar do PSD entende que não podemos ficar indiferentes a este acontecimento que visa promover valores que são os nossos, como a paz, a reconciliação, o primado da pessoa, o direito ao desenvolvimento de todas as pessoas e de todos os povos.
Por isso, queremos congratular-nos com este acontecimento, que nos vem recordar que, para lá dos modelos ideológicos, políticos ou económicos, para lá dos sistemas políticos e sociais, a pessoa humana tem sempre aspirações de ordem espiritual.
Registamos, com agrado, a evolução verificada no meio do povo desse país amigo que é Cuba, nos anos mais recentes, no sentido do desenvolvimento de alguns direitos essenciais, como a liberdade religiosa.
Reconhecemos o esforço e aspiração a um maior bem-estar. Também queremos deixar claro que, como o Papa, sempre discordámos de qualquer embargo que prejudique o bem-estar de grande parte do povo, especialmente da parte mais desfavorecida, mais pobre. E queremos recordar que nós próprios, eu e os companheiros da minha bancada, bem como de outras bancadas, em vários fora internacionais, na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, no Parlamento Europeu, temos discordado deste embargo, também condenado pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
Assim, tendo presente a amizade com o povo cubano, que faz parte da nossa família latina, deliberámos apresentar este voto de saudação e congratulação, sublinhando que se trata também de um voto de esperança no futuro, no respeito, obviamente, por aquilo que o povo cubano vier livremente a decidir. Seja qual for a sua decisão, seja qual for o sistema que preferir, entendemos que há valores que estão para além das fronteiras dos sistemas e que se ninguém pode impor um caminho, em face do direito internacional, muito menos por meios ilícitos, também ninguém pode coarctar as aspirações espirituais de uma pessoa ou de um povo.

(O Orador reviu.)

Aplausos do PSD e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A minha bancada junta-se a este voto de saudação pelo início de uma viagem da maior importância do Papa João Paulo II a Cuba.
Este Papa, como é do conhecimento de todos, é um Papa peregrino, é um Papa viajante, que deixa com muita frequência a cidade do Vaticano para estar nos quatro continentes. E, ao longo de muitos anos, o Papa esteve nos quatro continentes, não apenas como Chefe da Igreja Católica mas também como urna voz poderosa e respeitada na denúncia das injustiças e daquilo que atenta contra um valor essencial, que é o valor da dignidade humana.
Por isso, estamos certos de que, nesta viagem, em que Cuba recebe o Santo Padre e o Santo Padre vaia Cuba, há uma preocupação fundamental e dominante, que é a de levar uma mensagem de esperança, assente no princípio de que todo o desenvolvimento é humano e sem a garantia da dignidade humana e da sua defesa intransigente, não existem sociedades desenvolvidas, não existem sociedades com progresso.
Esperemos, pois, que desta viagem se possa retirar um sentido de futuro para o povo cubano e para a humanidade, muitas vezes perplexa com as encruzilhadas em que, com frequência, se encontra.

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Teixeira Dias.

O Sr. Teixeira Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Partido Socialista, quero também congratular-me com o voto apresentado e desejar, muito sinceramente, que a visita do Sumo Pontífice concorra, de forma muito sensível, para a melhoria de vida de todos os povos latinos que, durante muito tempo, se viram, de certo modo, marginalizados.
A preocupação de João Paulo II na obtenção de justiça para todos os povos é, sem dúvida, uma das orientações da nossa época. Esperemos que esta visita se traduza, realmente, na obtenção desses desideratos e que o Sumo Pontífice consiga, com a sua palavra, aquilo que, muitas vezes, os homens não conseguiram com as suas atitudes.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a este voto, é evidente que não está em questão a definição dos valores subjacentes a qualquer iniciativa deste tipo, o que importa, neste momento, é apreciar a sua parte dispositiva. E, quanto a ela, tratando-se, como se trata, de uma visita com contornos de visita de Estado pelo Papa João Paulo II a Cuba, associamo-nos à congratulação e ao desejo de êxito para esta visita, no contexto do que foi proposto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos votar o- voto n.º 98/VII.

Submetido à votação. foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, este voto será levado ao conhecimento do Sr. Núncio Apostólico.
Ainda nos resta apreciar três votos, mas a sua discussão e votação só se fará após o tratamento de assuntos de interesse político relevante, uma vez que a apreciação deste voto foi feita neste momento de forma indevida. Em relação aos restantes, vamos cumprir o Regimento, até porque ainda estão a ser distribuídas cópias dos referidos votos.
Passamos, então, à realização do debate de urgência, requerido pelo Partido Social Democrata, sobre as últimas medidas no domínio fiscal anunciadas pelo Ministro das Finanças.
Para introduzir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PSD marcou este debate sobre impostos, porque entende que é urgente que o Governo esclareça alguns pontos essenciais relacionados com esta matéria. E quero, desde já, lamentar o facto de o Sr. Ministro das Finanças não estar presente, porque se trata de uma matéria essencial para o futuro de Portugal e porque é lamentável que o Sr. Ministro das Finanças, que ontem teve disponibilidade para conversar com os jornalistas, em conferência de imprensa, hoje, não tenha tido a mesma disponibilidade para dialogar com os representantes do povo português.

Aplausos do PSD.

O Governo anunciou, no seu Programa, uma reforma fiscal. Fizemos uma em 1988 e, por isso, considerámos natural que o Partido Socialista também quisesse fazer a sua.
Não nos admirámos, portanto, quando foi anunciada a continuidade da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, nomeada pelo Ministro Catroga, que, de resto, já elaborou um relatório discutido em várias instâncias.
Concordamos com a necessidade de ajustar o regime de alguns impostos a novas realidades e de eliminar todos aqueles que correspondam a situações ultrapassadas, ou seja, pensamos que é útil agilizar o sistema para que daí decorra um volume de receita cada vez mais ajustado à situação económica actual do país e, consequentemente, uma distribuição mais equitativa da carga fiscal.
Temos esperado pacientemente por uma proposta, até porque era essa uma das orientações sugeridas nos estudos realizados, isto é, nada de mexidas pontuais, porque qualquer alteração, para ser coerente, tem de ser global.
Neste contexto, começámos por não entender as medidas avulsas que têm vindo a ser anunciadas, sem enquadramento e sem convicção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Tanto se anuncia a colecta mínima, como instrumento de combate à evasão fiscal, como se conclui que é um novo imposto impopular e se retira, para, depois, em seguida, lançar uma outra medida que, por certo, terá a mesma sorte. Ora se mexe no imposto de selo, depois de ter sido anunciada a sua extinção gradual, ora é o imposto automóvel que necessita de alterações. Ora é a sisa que vai acabar, ora são as mais-valias dos prédios rústicos que vão ser tributadas.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É a contradita socialista!

A Oradora: - Ao analisar todas estas medidas, descobre-se um traço comum: é necessário aumentar a receita.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é que é!

A Oradora: - E, quando 0 objectivo é exclusivamente este, não há reforma fiscal que resista! A coerência dá lugar ao pragmatismo, tributa-se onde há matéria colectável.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ninguém paga impostos por gosto, pelo que nenhum Governo os cobra por perversidade mas apenas por necessidade. E os impostos são cobrados, porque é necessário pagar despesas.
Por isso, o passo essencial para evitar o crescimento dos impostos é controlar o crescimento das despesas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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A Oradora: - Há muito que denunciamos que este Governo está a seguir uma política de redução do défice no sentido inverso ao desejável. Tem deixado aumentar a despesa e é por isso que lhe é cada vez mais difícil compatibilizar essa política com o discurso de que não aumentará os impostos. Ora, está já a aumenta-los de forma encapotada e queremos saber como vai actuar no futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Analisemos cuidadosamente o que se passou.
Entre finais de 1995 e o que se prevê vir a verificar-se em finais de 1998, a redução dos encargos com juros e com subsídios é de 2.1%n do PIB. É uma quebra substancial, que não decorre, como se sabe, da política do Governo. Mas esta redução muito significativa não foi, ao menos em parte, canalizada para a redução do défice, porque a despesa corrente, em pessoal e transferências, aumentou exactamente no mesmo montante: 2.1% do PIB. Assim sendo, isto significa que a redução do défice foi conseguida, na íntegra, pelo aumento das receitas, que cresceram 2.4% do PIB. Conclui-se, assim, que o actual aumento de despesa corrente foi totalmente acomodado pela almofada que resultou da redução dos juros. Mas esta margem de manobra vai ter um limite, porque os juros não decrescem para além de certo valor e o crescimento da despesa não vai parar.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Será que os Srs. Deputados pensam que a despesa com saúde vai decrescer? E a despesas com a educação? E com a Caixa Geral de Aposentações? E com a segurança social? E com infra-estruturas? E com a segurança?
Relembro ainda que muitas das medidas que têm estado a ser tomadas na Administração Pública, envolvendo pesados encargos financeiros, ainda não estão a ser pagas e há mesmo algumas em relação às quais o Governo anunciou o seu pagamento teria de ser ao longo de um período mais dilatado porque actualmente não dispõe de meios financeiros suficientes para lhes fazer face.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Uma vergonha!

A Oradora: - Se não dispõe. hoje desses meios financeiros, como é que disporá deles daqui a dois anos? Esqueceu-se este Governo de que a adesão ao euro e o pacto de estabilidade impõem restrições orçamentais bem mais pesadas do que as que existem hoje?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É preocupante a evolução da despesa, porque com a adesão ao euro só há um destino: ou se comprimem despesas nuns sectores para compensar outros ou crescem os impostos. O aumento do défice é que não será, jamais, saída para este dilema.
Por isso, questionamos o Governo: qual a política de despesas que vai ser seguida para poder continuar a dizer que não vai haver aumento de impostos, uma vez que a recuperação de dívidas tem um fim e a redução dos juros tem um limite.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Esta questão é muito séria e a sua resposta não pode ser adiada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Os portugueses sentem que os impostos estão a aumentar e senti-lo-ão ainda mais quando muitos tiverem de pagar a colecta mínima do IRC.
Mas pior do que sentir este peso no presente é a angústia do que nos espera no futuro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: A realização de mais este debate parlamentar em torno da política fiscal do Governo constitui nova oportunidade para denunciar o que já devia estar feito em matéria de reforma do sistema tributário e, todavia, continua a não estar.
Há, no entanto, que reconhecer que este Governo encontrou um sistema fiscal doente. Um sistema fiscal que, apesar de profundamente reformulado entre 1989 e 1991, através da publicação dos Códigos do IRS e do IRC, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras e do Código de Processo Tributário, não logrou tornar-se nem mais justo, nem mais estável, nem sequer mais previsível.
A presente iniciativa do PSD tem de entender-se também como o reconhecimento de que os propósitos da reforma fiscal do seu Governo foram na prática e rapidamente desmentidos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Nem diminuíram as elevadas taxas de tributação, nem se atenuou a instabilidade sistemática no que se refere a regras de incidência e de isenção, geradoras de incerteza é insegurança nas relações entre o fisco e os contribuintes, nem abrandaram a evasão e a fraude Fiscais. Numa palavra: mantiveram-se, no essencial, os problemas das empresas e dos contribuintes individuais.
Percebe-se, pois, que o Governo do Partido Socialista tenha prometido aos portugueses, nas eleições de 1995, uma profunda reforma da reforma fiscal do PSD.
E o que é que, passados dois anos, fez este Governo? Lido e relido o Diário da República e o Diário da Assembleia da República, pouco mais encontramos do que a Resolução do Conselho de Ministros de Julho do ano passado, através da qual o Governo se limitou a enunciar um conjunto de princípios e de conceitos sem qualquer sentido útil ou efeito directo na esfera jurídica dos contribuintes.
No mais, os portugueses têm assistido à aplicação, por parte do Governo, de medidas pontuais, avulsas e de conjuntura, sem qualquer indício ou sinal de que o seu caminho é o do desagravamento da carga fiscal, da diminuição das desigualdades e do alargamento da base de tributação.
Não se alcança de tais medidas nem a modernização dos serviços, através da introdução de mais racionalidade e eficiência, nem se assumem através delas finalidades de garantia dos direitos dos contribuintes. visando a equidade e a justiça tributária.
Vejamos alguns exemplos: não foi abolido ou sequer profundamente alterado o imposto do selo; não foram racionalizados, modernizados e redimensionados os diversos departamentos da administração fiscal; não foi desburocratizado o sistema de relacionamento entre contribuintes e

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Administração, nomeadamente em áreas como a das reclamações e recursos graciosos; continuam por simplificar os procedimentos de auto-liquidação e cobrança dos impostos; continua por finalizar a integral informatização dos serviços fiscais; aguarda-se a alteração do regime de custas nos tribunais tributários; não foram diminuídas as taxas de IRS, nem alterado ou alargado o regime actual das taxas progressivas; não foi seriamente reformulada a tributação dos rendimentos das pequenas e médias empresas; nada continua a ser feito, em termos de sistema fiscal, para melhorar a nossa competitividade externa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ao contrário, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os sinais dados pelo Governo em matéria fiscal mantêm-se preocupantes. Revelam que se pensa exclusivamente numa cada vez maior arrecadação de receitas, obrigados como estamos a cumprir os critérios de convergência.
Pergunte-se a uma família média portuguesa, com dois salários mensais no valor global de, por exemplo, 300 contos, qual o seu rendimento remanescente do IRS, da segurança social, do Imposto do Selo, do IVA e de toda uma panóplia de impostos especiais sobre o consumo para já não falar na participação que tem, indirecta é certo, no valor dos impostos que as empresas suportam e que, naturalmente, repercutem no preço de venda dos seus produtos e serviços.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Essa família responderá, certamente, que cerca de metade do produto do seu trabalho foi para os cofres do Estado e, muito naturalmente, quer saber para que serve e qual o destino que o Estado dá ao seu dinheiro.
Por aqui se vê a responsabilidade do Governo, de qualquer governo, na manipulação que é possível fazer do sistema através das taxas, do volume e qualidade do rendimento sujeito a tributação e dos esquemas adoptados quanto a deduções e abatimentos.
Em Portugal, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a utilização do sistema fiscal, com o objectivo permanente da obtenção de mais e mais receita, continua a empobrecer o indivíduo e a sociedade e a enriquecer o Estado - e a política deste Governo não constitui aqui nenhuma excepção.
É que, para além das medidas que foram prometidas e que não existem, a que atrás nos referimos, as que se anunciam podem ser concebidas já não como um sinal mas como um clara ameaça.
Em primeiro lugar, pelo que representam de incoerência, de dispersão legislativa e de proliferação de impostos que oneram cada vez mais, como vimos, as famílias e as empresas.
Em segundo lugar, e concretamente no que toca à tributação das empresas, pelo que revelam de desconhecimento do nosso tecido empresarial.
Estamos a referir-nos à anunciada intenção de fazer incidir o imposto sobre os activos brutos das empresas, substituindo o actual modelo de tributação por um outro cego e irracional, não por razões da sua falência mas, confessadamente, por falta de meios de fiscalização e controlo.
Cego, na medida em que a detenção de activos não é equivalente à existência de lucros, e irracional, uma vez que eliminaria sectores, já de si deficitários, mesmo com isenções fiscais, e que passariam a ser inexistentes, com o cortejo de consequências sociais daí advenientes. Estamos a pensar, naturalmente, no sector agrícola.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, há hoje duas formas de socialismo: a primeira é a da nacionalização da economia, através. da qual o Estado se apropria dos meios de produção e da riqueza dos cidadãos. Foi o que aconteceu em Portugal em 1975, em maior ou menor grau, e já só é hoje defendida, e suspeito que com bastantes reservas, pelo Partido Comunista Português; a segunda forma de socialismo toma corpo num aumento insidioso da carga fiscal, que recai sempre sobre quem cria riqueza ou sobre quem economiza. Os crescentes níveis de imposto, que tornam Portugal um dos países europeus que maior pressão fiscal exerce sobre os seus contribuintes, corroem a capacidade de poupança das classes médias e tornam-se o flagelo das empresas.
Assiste-se a uma transferência permanente da riqueza reprodutiva para as mãos do Estado, que assim desnata os recursos de uma economia que os tem em pouca quantidade.
O resultado disto é o crescimento de uma sociedade assistencialista e pouco competitiva, que se vai mantendo, para já, com subsídios comunitários - obtidos, é claro, através do Estado.
Este é o caminho da segunda forma de socialismo, que o Governo parece querer seguir. Não é, seguramente, aquele que o Partido Popular perfilha e propõe para os portugueses.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PCP não acompanha grande parte da fundamentação apresentada pelo PSD para justificar este debate de urgência, fundamentalmente porque o PSD não pode esquecer e omitir aquilo que os seus próprios governos fizeram neste âmbito: o aumento das injustiças do sistema fiscal, a proliferação dos benefícios fiscais e a profunda degradação a que, sob a sua tutela, foi conduzida a administração fiscal nas suas variadas componentes.
Em particular, e paradigmática desta sua pretensa falta de memória, não nos parece politicamente aceitável que o PSD venha agora acusar o actual Governo por lançar «uma contribuição especial aplicada à valorização de imóveis determinada pelas novas infra-estruturas». Por duas razões: primeira, porque os Governos do PSD fizeram exactamente o mesmo -...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... por exemplo, relativamente aos imóveis valorizados pela construção da Expo 98; segunda razão, porque consideramos que esse é um procedimento correcto. É natural e justo que as mais-valias excepcionais decorrentes de investimentos públicos sejam parcialmente distribuídas em prol do erário público que suportou os respectivos encargos. O que não é natural, o que é socialmente injusto, é que a generalidade das mais-valias, e em

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particular as mais-valias financeiras de natureza especulativa, não sejam tributadas, ou o sejam muito fracamente, usufruindo de benefícios ilegítimos, como sucedeu durante os Governos do PSD e continua a suceder com o Governo do PS.
Mas se não aceitamos e denunciamos parte da fundamentação do PSD, a verdade é que há muitas e muitas razões para acusar e denunciar a prática do Governo do PS no âmbito da política fiscal.
É um facto incontestável que o Governo, mais de dois anos após a sua tomada de posse, continua, pura e simplesmente, a protelar sitie die a repetidamente prometida reforma fiscal, visando uma maior eficácia e equidade do sistema.
Se, no final de 1995, o peso da carga fiscal incidia fundamentalmente sobre os rendimentos do trabalho por conta de outrem, a situação é identicamente igual no ano de 1998.
Se é verdade que, em 1995, os benefícios fiscais concedidos às operações e rendimentos financeiros eram uma pesada factura paga fundamentalmente pelos trabalhadores por conta de outrem, é inquestionável que essa factura tem continuado a aumentar e que os «pagantes» são os mesmos.
Se os Governos do PSD introduziram as taxas liberatórias .para beneficiar os rendimentos de capital em detrimento dos rendimentos do trabalho, o Governo do PS mantêm-nas.
É uma realidade que, em 1995, os rendimentos médios declarados pela maioria dos profissionais em regime liberal atingiram valores caricatos de tão descaradamente baixos. Mas essa realidade permanece inalterada mais de dois anos depois, sem que este Governo se tenha empenhado em promover a exigível moralização fiscal.
Do mesmo modo, hoje como ontem, continua a verificar-se a inverosímil situação de, anualmente, mais de 80 000 empresas declararem prejuízos fiscais de centenas de milhões de contos, expressiva de uma generalizada e inadmissível fraude fiscal, que põe em causa a própria receita do IRC para os próximos anos.
Lembre-se, por exemplo, que no ano corrente o montante de reporte de prejuízos possível ascende a 1600 milhões de contos, o que, no limite, pode significar uma perda de receita potencial do IRC na ordem dos 540 milhões de contos. Mais uma vez, sem que o Governo tome medidas eficazes, claras e concretas para combater energicamente esta situação insustentável.
Em suma, mais de dois anos após o início de funções, é indesmentível que o Governo ou tem receio ou não tem vontade política de promover uma profunda reforma do sistema capaz de gerar maiores equidade e justiça fiscais, porque, para esse efeito, demonstradamente, não lhe faltaria o necessário apoio maioritário no Parlamento.
Porém, nesta matéria e na hipótese mais optimista, o Governo parece que não sabe o que quer.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Parece? Não sabe mesmo!

O Orador: - Se, em 1996, dizia que ia substituir as deduções e abatimentos ao rendimento em deduções à colecta, em 1997, afirma que vai estudar o assunto; se ontem se propunha introduzir a colecta mínima, meia dúzia de dias após transforma-a em pagamentos por conta, e passada uma quinzena estes eram metidos na gaveta.
E, no meio destas indefinições e contradições e de cedências aos lobbies, o Governo compraz-se em ir tomando medidas pontuais e desgarradas. Por acréscimo, contrárias ao objectivo da justiça e da moralização fiscais.
Dois exemplos recentes são disso mostra concludente. Incidindo o peso essencial da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, o Governo, na sua lógica, «logicamente» deixa as taxas do IRS inalteradas e reduz em 2 pontos percentuais a taxa do IRC para beneficiar ainda mais as grandes empresas. E havendo necessidade absoluta de combater a imoralidade fiscal, de dar mostras inequívocas de que a Administração não está disposta a contemporizar com os faltosos, o Governo toma precisamente a atitude inversa: decreta um autêntico e prático perdão fiscal, mandando arquivar sem cobrança todas, as dívidas fiscais de valor inferior a 100 contos.
Com argumentos carecidos de razão. Porque, se é sério o argumento de que os custos de cobrança excedem os valores a receber, então o Governo deveria decretar que, daqui para o futuro, toda a colecta inferior a 100 contos estaria isenta de pagamento. Assim haveria clareza e transparência e não benefício dos faltosos e castigo dos cumpridores.
Se, por outro lado, o pretexto é o de aliviar a enorme carga de processos que asfixiam os tribunais tributários, então o Governo esqueceu-se da outra face da moeda: esqueceu-se de tomar as medidas necessárias para impedir que a prazo curto não volte a verificar-se uma avalanche de novos processos graciosos e contenciosos que tornem a inundar a Administração e os tribunais fiscais.
Nova e acrescida avalanche porque os contribuintes, incluindo os até agora cumpridores, podem legitimamente pensar que quanto mais crescer o número de processos mais rapidamente haverá perdões fiscais. Sejam eles assim chamados ou alcunhados de qualquer outra forma.
É altura de o Governo encarar de frente, com determinação, a concretização de alterações profundas para uma maior equidade fiscal. Já perdeu tempo demais!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tomo a liberdade de anunciar, desde já, que temos connosco a assistir à sessão um grupo de 50 alunos da Escola E.B. 2,3 de Arroja, um grupo de 50 alunos da Escola Secundária Joaquim Serra do Montijo e um de 60 alunos da Escola Secundária de Gil Eanes de Lagos, para os quais peço o vosso aplauso.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Srs. Deputados: De facto, os discursos dos Srs. Deputados da oposição são tão previsíveis que até eu próprio já era capaz de os escrever!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Então, faça favor!

O Orador: - De qualquer forma, Srs. Deputados, só a título de nota, relativamente à intervenção do Sr. Depu-

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tado Octávio Teixeira, gostaria de, quanto ao tratamento a dar às execuções fiscais até 100 contos e quanto aos custos dessa execução fiscal, referir que o senhor disse que sendo assim deveriam ser perdoadas as colectas até 100 contos. Ora, V. Ex.ª confunde o custo de uma cobrança normal com o custo de uma execução fiscal, que é completamente diferente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já quase todos os portugueses perceberam que é inevitável e inadiável a realização de uma reforma do nosso sistema fiscal.
Já quase todos os portugueses perceberam que o nosso ordenamento fiscal contém em si focos de injustiça, ineficiência e de prejuízo para a competitividade dos agentes económicos. Parece que os únicos portugueses que ainda não perceberam ou não querem perceber tais realidades são alguns dos Srs. Deputados da oposição.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - O Governo e o PS têm feito um enorme esforço de eliminação de alguns dos principais problemas que afectam o nosso sistema fiscal, de forma coordenada e estruturada em opções políticas claramente definidas e articuladas.
No entanto, a nossa vontade política de levar a cabo uma intervenção mais profunda e renovadora depende claramente do sentido de Estado e de responsabilidade dos partidos da oposição.
O problema é que esta oposição está mais preocupada com o aproveitamento demagógico de tudo aquilo que puder explorar do que com a cooperação franca, leal e aberta que seria esperável obter em matérias como esta e perante um Governo que tem dado provas de saber ouvir e de saber conciliar perspectivas diferentes com objectivos semelhantes. Do que duvidamos francamente é que, nesta matéria os objectivos sejam semelhantes.
O Governo pretende desagravar a carga fiscal e, fundamentalmente, o IRS dos trabalhadores por conta de outrem, conferindo maior justiça, eficácia e equidade a todo o sistema.
Ora, se é um dado adquirido que as finanças do Estado não comportam significativas perdas de receita, é apodíctico que tal desagravamento só poderá concretizar-se mediante o alargamento da base tributável noutras áreas que, até hoje, têm escapado imunes à obrigação fiscal. É que os grandes resultados que têm sido obtidos com os ganhos de eficácia fiscal não são infinitamente elásticos, não dão para tudo.
No entanto, certa oposição, numa postura demagógica insaciável, para tentar obter a todo o custo o maior número possível de vitórias de Pirro, aproveita-se de qualquer coisinha para criar obstáculos, impedir o êxito e lançar a intriga e a confusão.
Para isso não hesita, por vezes, em recorrer à falsidade, à confusão, à imprecisão dos termos, em furtar-se à discussão séria e tecnicamente qualificada dos problemas que se colocam e em refugiar-se no populismo e na parangona sensacionalista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E sobre esta matéria, o que é que tem a dizer?!

O Orador: - Vai tentando somar aquilo que julga serem vitórias, mas que são, efectivamente, derrotas para o País e para o interesse nacional.
É caso para dizer, como diria Pirro ao terminar a sua batalha: «Mais uma vitória destas e estamos perdidos!».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A análise das atitudes mais recentes assumidas pela oposição é confrangedora: logo que há o menor cheiro a medidas fiscais novas, por vezes apenas com base em estudos técnicos, a oposição «atira-se como o gato ao bofe».
Se o Governo diz que quer combater a fraude e a evasão fiscal, criando um sistema de métodos indiciários e de pagamentos por conta, a oposição diz: «lagarto, lagarto, coitados dos pequeninos. Vem aí a colecta mínima!».
Se o Governo quer uniformizar os prazos de entrega do IVA com aqueles que se praticam na União Europeia, a oposição diz: «Aqui d'el Rei, coitados dos grandes. Vem aí o 13.º mês do IVA!».
Se o Governo quer modernizar o imposto de selo e reformar a tributação do património, a oposição diz: «Abrenúncio, S. Jerónimo. Coitados dos contribuintes, não têm quem os defenda!».
Se o Governo quer criar um Defensor do Contribuinte, a oposição diz: «Safa! Safa! O que o Governo quer é defender-se dos contribuintes. Chumbe-se o Defensor!»
Ou seja: se o Governo diz «viva», a oposição diz «morra»; se o Governo diz «cozido», a oposição diz «assado»; se o Governo diz «assado», a oposição diz «frito»; se se altera o imposto automóvel, prejudica-se os proprietários dos carros; se se altera o selo, prejudica-se as empresas; se se tributa suprimentos, prejudica-se os sócios; se se tributa o património, prejudica-se os proprietários; se se tributa o jogo, prejudica-se os casinos; se se mantém o IVA, morre o turismo e a restauração; se não se baixa o IRS, prejudica-se quem trabalha; se não se faz nada, há fraude; se se persegue a fraude, há colecta mínima; se não se faz nada, as empresas perdem competitividade; se se baixa o IRC, é insignificante!

Aplausos do PS.

É, de facto, irracional, Srs. Deputados.
Os portugueses assistem, atónitos, a este comportamento, sem conseguirem perceber quais são as suas propostas e pensarão neste velho ditado, lá na sua sabedoria popular: «Deixa-os andar. Há tipos tão finos, tão finos, que até parecem tolos!». É isto o que se diz na minha terra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tempo de dizer basta, é tempo de cada um assumir as suas responsabilidades. A oposição deve dizer, aqui e agora, se está ou não empenhada no desenvolvimento de uma reforma fiscal séria, eficaz e célere.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É disso que estamos à espera!

O Orador: - É tempo de sabem quais são as propostas da oposição.
É que até hoje só se viu o «bota abaixo!» Não se viu o que é que querem o PSD, o PCP e o PP, o que é que propõem em matérias como o reforço das garantias dos contribuintes, a reforma da tributação do imposto automóvel,...

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A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - E vocês?!

O Orador: - ...ª reforma do IRS, a reforma do imposto de selo. E o que é que acham dos relatórios sobre a tributação do património e a resolução das injustiças da contribuição autárquica? Quais são as soluções que apresentam para o grande problema da justiça fiscal?
Em Junho do ano passado, o Governo enunciou, claramente, o que é que entendia quanto às grandes linhas da reforma fiscal. Esperava-se que a oposição fizesse uma apreciação serena e construtiva dessa resolução do Conselho de Ministros e dissesse quais eram as suas propostas alternativas. Até hoje, o que se viu foi só a proposta de revogação de medidas do Governo e, já agora, também 500 000 contos para a informática, que propuseram no Orçamento do Estado.
Espera-se, agora, que a oposição modifique a sua postura, que colabore construtivamente, que participe positivamente nas decisões.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que estas reformas só se farão com sentido de Estado. com o abandono da demagogia, com a assunção por cada um da sua quota-parte de responsabilidade na modernização e equidade do nosso sistema fiscal. É que as medidas que aí vêm só serão viáveis dentro de um clima destes. Se o não forem, as responsabilidades terão que ser assumidas por quem o impedir.
Nós, do nosso lado, temos a consciência tranquila. Estamos prontos para o diálogo e não temos medo de tomar a iniciativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Atenção que agora vêm novidades!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite: Li o pedido do debate de urgência apresentado pelo PSD, ouvi, com atenção, tudo o que foi dito até agora e posso assegurar que o Governo não desistiu de fazer a reforma fiscal. Bem pelo contrário, é isso o que tem vindo a fazer quotidianamente. Só que não temos da reforma fiscal a ideia de que ela surge com um passe de mágica ou agitando uma varinha de condão. Sempre dissemos que a reforma fiscal é algo que se faz com pequenos passos e é isso o que tem vindo a ser feito nos planos administrativo, normativo, informático e ainda no plano da execução orçamental, que também é um elemento estruturante da própria reforma.
Em segundo lugar, sublinho que as medidas até agora tomadas nada têm de avulsas ou de contraditórias. Se os Srs. Deputados quiserem dar-se a um pequeno trabalho de análise chegarão à conclusão de que todas essas medidas constam ou da Resolução do Conselho de Ministros, ou do Acordo de Concertação Estratégica, ou do «relatório Silva Lopes», que hoje já foi aqui mencionado. Portanto, todas elas têm um enquadramento global e assim continuará a acontecer.
Em terceiro lugar, a execução do Orçamento do Estado para 1997, onde não houve qualquer medida de agravamento da base fiscal ou da base tributária, permite mostrar que os 9,4% de acréscimo da receita fiscal conseguidos foram obtidos, essencialmente, à custa da eficiência fiscal, uma vez que o crescimento do PIB, que foi de 3.75%, e que a taxa de inflação verificada, que foi de 2.2%, não justificariam, por si só, respectivamente, mais que 132 milhões de contos de crescimento de receita em relação ao PIB e 83,1 em relação à inflação. A diferença está, em primeiro lugar, no plano de regularização de dívidas, já que, ao contrário do estertor do Decreto-Lei n.º 225/94, que deu 27 milhões de contos no último ano, o novo plano deu, este ano, 103,4 milhões de contos. Os outros 107,4 milhões de contos só são explicáveis com a utilização de outros critérios de eficiência risca] (vide o aumento da fiscalização, a mudança de filosofia da fiscalização, que passou a ser muito mais actuante no plano externo e que representa aumentos consideráveis, da ordem dos 30 e 40%, em imposto detectado em falta e em correcções à matéria colectável).
Esta é a grande razão de ser do acréscimo das receitas e é a base da eficiência fiscal.
Portanto, diria que as medidas que VV. Ex.as interpretam como avulsas, sejam a contribuição especial - que, aliás, como já aqui foi referido, existe desde há muito tempo e que inclusivamente, em tempos mais recentes, pelos Decretos n.os 51/95 e 54/95, o primeiro referente à ponte sobre o Tejo e o segundo à Expo 98. foram propostas também por VV. Ex.as - seja o novo pagamento especial por conta do IRC, que está muito longe, no plano técnico - e diria também no plano político - de se confundir com uma colecta mínima e que recai, como se sabe, sobre sociedades e que também não é uma medida desinserida do que quer que seja, já que vem prevista no Acordo de Concertação Estratégica, vem prevista na Resolução do Conselho de Ministros e decorre do Orçamento do Estado e é uma medida que se inspira nas próprias propostas da «comissão Silva Lopes», de que VV. Ex.as tanto falam. Ora, as justificações dessa medida estão bem expostas nesse mesmo relatório - para lá os. remeto -, o qual mostra que a evasão tende a ser maior nas pequenas empresas do que nas grandes, porque elas não têm auditores externos e porque é mais fácil acrescentar como custos despesas que não respeitam directamente à actividade da empresa. A relação custo/benefício de uma fiscalização sistemática seria impensável em relação a um universo de 200 000 empresas, os custos seriam muito altos, e talvez resida aqui o vosso pavor, já que desviariam as tarefas da fiscalização das grandes e médias empresas para as pequenas. De facto, dois terços das sociedades continuam a não pagar IRC - no essencial creio que estas estatísticas não se alteraram; estamos a apurar dados mais recentes -, o que mostra, de qualquer modo. que o princípio da tributação com base na ideia do rendimento real está a ser grosseiramente violado e há que corrigir esta situação. Depois, o pagamento especial por conta é uma medida de simples aplicação, que não exige avaliação de activos e nada tem a ver com qualquer imposto sobre os activos ou algo do mesmo estilo.
Já agora, acrescento que se trata de uma medida que é acompanhada pela publicação, que está em curso, das rabos de fiscalização, aquilo a que normalmente se chama métodos indiciários. A partir de 1989, nada foi feito nesta área, mas uma grande parte desse trabalho está já feito neste momento e vai ser submetido à discussão pública.
Sublinharia ainda que é curioso verificar que economistas da área do PSD, quando intervêm em discussões cien-

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tíficas, despindo a camisola política, são muito racionais na apreciação desta medida. Numa recente intervenção, um importante quadro referiu que, em relação a esta medida, o princípio da certeza jurídica foi respeitado, que o mecanismo do pagamento por conta faculta ao contribuinte honesto o mecanismo automático, embora tardio, de reembolso se houver cobrança indevida, e um dos reparos que fez foi precisamente o de a medida não ser acompanhada das ratios ou dos métodos indiciários, o que, como acabo de dizer, não é o caso, uma vez que, de facto, já estamos a aplicá-los.
Mas a oposição omite muitas outras medidas que foram tomadas no mês de Dezembro como, por exemplo, a classificação das pré-reformas como pensões, reduzindo ou mesmo eliminando a sua tributação, o crédito de imposto, para evitar a ,dupla tributação internacional sobre os rendimentos das categorias B e C do IRS, os incentivos ao sector habitacional, a instituição de um perito independente ou a aprovação do regulamento das custas, que importará em três milhões de contos mas que permitirá um melhor acesso à Justiça. Bom, tudo isto foi aprovado, bem como mais alguns incentivos às micro e às pequenas empresas e a questão da reavaliação do imobilizado corpóreo.
Portanto, há uma série de medidas que foram aprovadas e outras estão em preparação. Desde logo, a primeira fase de remodelação do imposto automóvel - a segunda fase terá lugar na sequência da discussão do relatório que foi apresentado - e também a apresentação de um projecto de código de imposto de selo, que moderniza o imposto, não o extingue. Nem esta foi uma proposta que tivessem ouvido alguma vez a minha boca pronunciar.
Lembro ainda que a baixa da taxa do IRC ê também uma proposta do «relatório Silva Lopes», que, aliás, propunha três pontos percentuais, e que ocorre não só por razões de competitividade internacional mas também porque torna mais equilibrada a repartição da carga tributária, já que os contribuintes cumpridores passam a pagar, em termos percentuais, menos do que os incumpridores. E já agora, em relação à confusão que é feita muitas vezes entre o que é um julgamento em falhas e um perdão, refiro que um perdão extinguiria a dívida e um julgamento em falhas não extingue dívida nenhuma. Aliás, devo dizer que é perigoso fazer essa confusão, porque cria confusão na cabeça dos contribuintes. Quanto àqueles contribuintes que têm processos julgados em falhas, os processos estão pendentes, continuam a existir, a dívida não está extinta. Se eles quiserem, por exemplo, concorrer a ajudas comunitárias, não podem; se quiserem, por exemplo, participar em concursos públicos, não podem, porque o Decreto-Lei n.º 236/95, de 13 de Setembro, continua a ser-lhes aplicado. Por outro lado, continuam a constar da lista dos contribuintes incumpridores e da lista dos contribuintes de risco. E mais: se houver prova de existência de bens ou se vierem a ser descobertos por denúncia ou por qualquer outra forma, ser-lhes-ão aplicados os juros de mora correspondentes, porque estes não param de contar durante esse tempo. Portanto, não há aqui qualquer tipo de perdão. Por isso, o Sr. Ministro das Finanças até disse, num recente artigo publicado, que confundir as duas coisas é confundir o «ovo com o espeto».
Muito menos o Governo abandonou a ideia de modernizar a administração fiscal. E sobre isto há largas coisas a dizer, quer no plano da extensão da rede RITTA, quer no plano da informatização. O jornal Le Monde acaba de fazer um grande elogio à DGCI e à utilização da Internet, dos métodos informáticos e da página informática.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Altere o que é importante! Altere o sistema!

O Orador: - É muito importante, Sr. Deputado. Só quem tem uma visão arcaica do sistema é que pode pensar o contrário.
Quanto à questão da prevenção e fiscalização, de posso dar índices muito interessantes; quanto ao descongelamento na admissão de pessoal, que já não era feita há muito tempo; quanto à questão da formação; quanto à questão das leis orgânicas; quanto à cisão da distrital de Lisboa em duas, que está neste momento em preparação; quanto à integração dos tesoureiros da Fazenda - Pública, há todo um conjunto de medidas importantíssimas que está a ser tomado na área da administração fiscal. E é isso que justifica a eficiência fiscal que até aqui vimos demonstrando.
(O Orador reviu.)

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró. dispondo de 2 minutos cedidos pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, pedi ao Grupo Parlamentar de Os Verdes que me cedesse algum tempo, a quem agradeço desde já, porque, à medida que ia ouvindo a sua intervenção, percebi a intervenção do Sr. Deputado João Carlos da Silva. É que o Sr. Deputado João Carlos da Silva pediu aqui, insistentemente, a colaboração da oposição, no sentido de apresentarem propostas em termos de reforma do sistema fiscal. Por outro lado, o Sr. Secretário de Estado disse aqui que tudo aquilo que o Governo fez até agora e que considera positivo, ou é produto do «relatório Silva Lopes» (que não é mérito seu!), ou é produto da concertação social ou de acordos que foram feitos no Parlamento, no âmbito da discussão dos Orçamentos do Estado precedentes.
Fiquei assim a perceber que o Governo não tem uma ideia assente sobre a reforma Fiscal. Mas, tendo em conta a minha convicção de que o Partido Socialista precisa afanosamente de receita fiscal, também me pergunto se seria bom que o PS fizesse a reforma fiscal. Talvez até seja melhor que o PS não faça a reforma fiscal. De facto, pois é hoje manifestamente o partido dos impostos, já não seio que é melhor para o povo português!
Concretamente, Sr. Secretário de Estado, diga-me se, em termos de tributação das empresas, é adepto do imposto sobre o património ou do imposto sobre o rendimento, agora que V. Ex.ª e o Governo estão com medo que as receitas do IRC baixem decisivamente.
Segunda questão, por que é que os contribuintes continuam, anos e anos, à espera da desburocratização, quando nesta matéria só é preciso imaginação, não é preciso dinheiro? Por que é que não se faz a desburocratização da administração fiscal em termos da defesa dos direitos dos contribuintes? Acontece que, como o Sr. Secretário de Estado sabe, quando os contribuintes reclamam perante a administração fiscal, já pagaram, já tiveram de prestar garantias, já têm a penhora, já têm o processo executivo em cima, o dinheiro já está do lado do Estado. E nestas circunstâncias o Estado faz um bom negócio porque, na verdade, decide quando lhe apetece com o dinheiro do seu lado.

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Portanto, Sr. Secretário de Estado, era muito importante que, do ponto de vista da defesa das garantias e dos direitos dos contribuintes, se fizesse alguma coisa nesta área.
(O Orador reviu.)

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado tem mais um pedido de esclarecimento. Embora não tenha tempo, a Mesa dar-lhe-á o tempo suficiente para responder aos dois pedidos de esclarecimento.
Tem, pois, a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, enquanto estive a ouvi-lo fiquei a pensar que a minha intervenção tinha mais razão de ser do que aquilo que eu tinha pensado inicialmente.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - De facto, à partida, não se percebia bem!

A Oradora: - Sr. Deputado, é triste que os senhores não percebam que está aqui um problema seríssimo e que o Sr. Secretário de Estado nem lhe tocou. O Sr. Secretário de Estado fez praticamente um relatório de medidas avulsas que têm sido tomadas na área fiscal. Nós conhecíamos esses aspectos e temos tido sobre eles as nossas opiniões com pouco fundamento, porque de facto elas são avulsas, não têm uma situação global, portanto, não se consegue integrar em nenhuma ideia de conjunto. Mas o ponto fundamental em que o Sr. Secretário de Estado não disse absolutamente nada - e o Sr. Deputado João Carlos da Silva também não abordou - tem a ver com um problema de natureza genérica. Os senhores dizem que não vão aumentar os impostos. Eu já não vou discutir por onde os vão aumentar e por onde não os devem aumentar, mas pergunto onde é que vão reduzir as despesas.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Outra vez?!

A Oradora: - Outra vez, Sr. Deputado! Esta resposta ainda não me foi dada. Acreditando que os senhores estão a falar verdade, que não vão aumentar os impostos, então, o senhor tem de vir aqui fazer um discurso para dizer onde vão reduzir as despesas.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - É que só há medidas de aumento de despesa e o senhor continua a dizer que não vão aumentar os impostos.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: É uma ideia fixa!

A Oradora: - Sr. Secretário de Estado, é, de facto, uma ideia fixa a do controlo do défice. Mas esta ideia fixa é a de alguém que está sujeito ao pacto de estabilidade dentro de pouco tempo e que não tem outra solução. Se o Sr. Secretário de Estado, quando me responder, disser que não tem nada a ver com o défice do Orçamento, que não tem nada a ver com a despesa e que, mesmo assim, não vai aumentar a receita, vamos ficar aqui realmente perplexos. Mas pedia-lhe que não me respondesse com medidas avulsas, mas, antes, me dissesse concretamente, em geral, qual vai ser na vossa política na área orçamental. Já que não vão aumentar a receita, não podem deixar de reduzir o défice e a despesa está a aumentar, perspectivando-se um aumento muito sério.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se também, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Octávio Teixeira. contando com um minuto cedido pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a questão central é que VV. Ex.as prometeram uma reforma fiscal global, articulada, mas até hoje nada fizeram nesse sentido. A única coisa que poderia apontar para isso seria a tal resolução do Conselho de Ministros, a que o Sr. Secretário de Estado há pouco se referiu. Mas, agora, o senhor vem dizer que já tomou uma ou duas medidas que vêm inscritas na resolução do Conselho de Ministros. Afinal,- trata-se de. fazer uma análise global, uma alteração articulada, ou não? Ou são apenas alterações pontuais, de acordo com os lobbies; com os grupos de pressão?
Por último, o que é que o Governo já fez ou está a fazer para tentar impedir que continue a escalada do reporte de prejuízos ao nível a que ela está hoje? Como é que o Governo se vai desembrulhar se, por hipótese, este ano houver um reporte de prejuízos até ao limite máximo possível de 1600 milhões de contos? Perde 540 milhões de contos! Onde é que vai buscar o dinheiro? Responda a isto! Diga o que é que já fez ou o que pensa fazer, ou se não pensa nada!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, utilizando, para o efeito, 5 minutos.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Sr. Presidente, provavelmente não precisarei de tanto.
Quanto às primeiras questões, creio que há um défice de leitura da Resolução do Conselho de Ministros.

Vozes do PS: - Muito grande!

O Orador: - O convite que lhes faço de novo é o seguinte: das medidas que ali estão - e muitas delas têm vindo a ser tomadas -, quais são aquelas com que estão de acordo para o futuro e quais as que não estão. A pergunta é tão simples quanto isto. As que não estão, riscamos, porque não gosto de «trabalhar para o boneco», nem ninguém gosta de «trabalhar para aquecer». Nós gostamos de trazer medidas em que tenhamos a certeza que têm o mínimo de consenso na Assembleia.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Essa agora!

O Orador: - Recordo que a Assembleia é soberana em matéria fiscal. O Governo é um alfaiate, não é o único, todos gostamos de saber, o povo português gosta de saber, as linhas com que se coze neste domínio.

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Segunda questão, se a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite quer um debate sobre a política orçamental, peça-o. Mas, então, não peçam um debate sobre a reforma fiscal, sobre as medidas fiscais, que foi o que o PSD) fez Pelos vistos, enganou-se. Paciência! Corrija! A Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento terá certamente muito gosto em vir à Assembleia.
Já agora acrescento que, mesmo em matéria fiscal, acho interessante que as únicas medidas que o PDS propôs até agora são ás seguintes: reforço da fiscalização e reforço das medidas punitivas. Ou seja, uma visão repressiva do sistema. Nós não temos essa visão.
Terceira questão, a desburocratização é, sem dúvida, um dos elementos a ter em conta. Por exemplo, o número de atendimentos públicos feitos nas repartições irá diminuir drasticamente, fruto da integração das tesourarias, fruto do acesso à informação por outras vias, nomeadamente a via da Internet, através da qual já podemos fornecer muitos dados, que começa a ter uma consulta muito elevada e vai certamente multiplicar-se no futuro. É, pois, um elemento importantíssimo de desburocratização.
Em segundo lugar, a forma como as comissões de revisão têm vindo a funcionar melhora certamente o funcionamento do sistema e funciona como um filtro para o recurso aos tribunais.
Em terceiro lugar, as reclamações que eram feitas aos serviços de fiscalização contestando os valores apurados para efeitos de liquidação eram normalmente na ordem dos 47% em 1994 e em 1996 diminuiu para 25%. Isto é um importante elemento nesse sentido. Acrescentaria que os prazos das reclamações, contrariamente à ideia que tem, têm vindo também a diminuir, não tão drasticamente como gostaríamos, mas já de uma forma significativa.

Quanto à questão do IRC, estou de acordo com Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite quando diz que o IRC também precisa de uma transformação. Li essas declarações há algum tempo e, se calhar, eis um bom domínio para se pensar, Sr. Deputado, e não só nas questões do reporte. Pelo menos, há uma coisa que conseguimos fazer e que não é tão pouco como isso: foi travar todo o movimento de alargamento do reporte. Recordo que o «relatório Silva Lopes» previa o alargamento do prazo de reporte para 10 anos e a primeira luta em matéria fiscal é travar, conter, o conjunto de pedidos avulsos de lobbies. Isso já se conseguiu. A probabilidade, obviamente, de haver um reporte desse nível no ano próximo é estatisticamente zero. É o que lhe posso referir, aliás, os dados da cobrança, que já começaram a vir este ano, começam a demonstrar isso.
Para terminar, porque acho que é a última questão, também poderei dizer que, em relação ao IRC, de facto, não é só o problema do reporte, é provavelmente também o problema da forma como se faz, por exemplo, a consolidação fiscal, que é uma questão muito importante; o problema da dedutibilidade dos custos que é outra questão muito importante. Se calhar, tudo isso merecia uma séria análise. Não sei se o Sr. Deputado está interessado em fazê-la.

(O Orador reviu.)

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração da sua bancada, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado começou por dizer - e essa explicação quero dar-lha - que nos tínhamos enganado no pedido do debate de urgência.
Quero dizer-lhe que não nos enganámos no pedido do debate. Foi o senhor que acabou de dizer que «não gosta de trabalhar para o boneco». Portanto, se «não gosta de trabalhar para o boneco», penso que não deve gostar de estar a trabalhar na área fiscal sem ser para obter receitas.
Por isso lhe pergunto se é para se divertir à custa dos contribuintes que o senhor tenta aumentar a receita ou se é para pagar despesas.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Mas o senhor só anda a trabalhar na receita porque existem despesas que o senhor vai ter de pagar. Portanto, para o senhor «não trabalhar para o boneco» será bom que diga aquilo que ainda não disse, isto é, se está à procura de aumentar receitas apenas para se
divertir - e julgo que não! - ou se anda à procura de aumentar a receita para pagar despesas. Como tal, existem vias, que são aquelas que não estão a ser utilizadas para resolver uma parte do problema fiscal futuro. Quando deixar de ter a «almofada» dos juros para poder resolver o seu problema, como é que vai cobrir o aumento da despesa que se avizinha e que está aí, não é nenhuma invenção?
Portanto, não me enganei no pedido de debate!
Por outro lado, queria também responder à sua afirmação de que nós tínhamos uma visão repressiva do sistema fiscal. Sr. Secretário de Estado, se ter uma visão repressiva significa não concordar com perdões de dívidas fiscais de milhões de contos a alguns grupos económicos ou a laxismos que levam a perdoar dívidas mesmo que de pequena monta a determinado grupo de contribuintes, então, realmente nós temos essa visão. Mas, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª dirá sempre que nós temos uma visão repressiva, porque teríamos sido sempre incapazes de anunciar o perdão ou, se não chamar-lhe perdão, a suspensão de determinada cobrança de dívidas até 100 contos - como os senhores fizeram em conferência desimprensa - com o ar de uma medida popular!

Protestos do PS.

É que os senhores não anunciaram com o ar de quem estava a apresentar uma solução, anunciaram-no com o ar de uma medida popular, e fizeram-no enganando as pessoas! Nesse sentido, Sr. Secretário de Estado, teremos então uma visão repressiva do sistema. A sua visão é que, realmente, não é uma visão de Estado!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Presidente, quero apenas dizer que não trabalho para aumentar as receitas fiscais de qualquer forma - nós temos ido buscar as receitas fiscais onde devem ser buscadas.

Aplausos do PS.

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Esta é a primeira questão. A segunda questão e, se quiser, um ponto de desacordo fundamental, é que nós não gostaríamos de diminuir a despesa de forma a atacar o Estado social de direito. Sei que tem, provavelmente, outra opinião - mas nós não temos.
(O Orador reviu.)

Aplausos do PS.

A terceira e última questão: não sou eu que afirmo que os senhores têm uma visão repressiva - são os senhores que, no documento que propuseram para este debate, puseram que o caminho era mais punição e mais fiscalização. Desculpem, eu sei ler! Penso eu!

Aplausos do PS.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Está lá escrito!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, em defesa da verdade, gostaria de fazer uma pequena intervenção para dizer à Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite que, quando faz previsões... Aliás, V. Ex.ª, durante o mandato deste Governo, já é célebre pelas suas previsões, todas elas falhadas, até agora. Inclusive, até antes de o Governo tomar posse, dizia que não era possível instalar o rendimento mínimo garantido, que não era possível cumprir a Lei de Bases da Segurança Social, que não era possível cumprir a Lei das Autarquias Locais aumentando as transferências para os municípios,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... que não era possível cumprir o Programa do PS e da Nova Maioria...

Protestos do PSD.

VV. Ex.as estão muito nervosos! Escutem, escutem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Tenham calma. O que é preciso é calma!

O Orador: - Como eu estava a dizer, VV. Ex.as diziam que não seria possível cumprir o Programa do PS, os critérios de convergência, cumprir tudo ao mesmo tempo sem aumentar os impostos.
O que é certo é que VV. Ex.as, até hoje, ainda não provaram onde é que os impostos aumentaram e não provaram que os critérios não estejam cumpridos. Aliás, tivemos excelentes notícias esta semana.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, V. Ex.ª, Sr.ª Deputada, no que diz respeito às suas previsões, quando pergunta «onde é que o senhor aumenta os impostos?»... VV. Ex.as até gostavam que nós enveredássemos pela via mais fácil, que era a de aumentar os impostos. Mas não! A estabilidade da receita fiscal é uma preocupação mas, fundamentalmente, a reforma fiscal é feita por razões de justiça, por razões de redistribuição do esforço fiscal, por todos os cidadãos. Essa é a razão da reforma fiscal - celeridade e maior reforço das garantias dos contribuintes.
No que diz respeito à despesa, Sr.ª Deputada, pode ter a certeza de que, se for preciso cortar nalgumas, o Governo estará atento, mas não cortará nas transferências para a segurança social, como VV. Ex.as fizeram, que, durante três anos, deixaram de transferir para a segurança social 450 milhões de contos!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Paia que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, penso que o Sr. Deputado João Carlos da Silva se me dirigiu...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, isso não confere direito ao uso da palavra. No entanto, vou conceder-lhe 1 minuto.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Qual é a figura?

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, se for necessário, será a defesa da honra e da consideração da bancada. É para repor a verdade, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
Sr. Deputado João Carlos da Silva, o senhor referiu que eu tinha dito que não era possível aplicar-se o rendimento mínimo garantido, as transferências para as autarquias todo esse enunciado que o senhor fez! Sr. Deputado, confesso a minha ingenuidade porque eu acreditei que o Governo, realmente, não ia aumentar impostos e, sem aumentar impostos, reduzir o défice e aumentar as despesas, para mim, era inconcebível! Esqueci-me que os senhores iam falhar no principal aspecto e que iam aumentar os impostos!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Depois, queria dizer que apenas citou uma parte das minhas previsões e não citou a outra. Fundamentalmente, eu disse: para se reduzir o défice, não reduzindo a despesa corrente, tem de se reduzir o investimento. Ora, o Engenheiro João Cravinho, na semana passada ou há duas semanas, numa entrevista a um semanário, disse que tinha havido uma contracção no investimento resultante das restrições orçamentais. Portanto, houve uma redução do investimento inevitável, dado que não foi contraída a despesa corrente. Em segundo lugar, quanto ao segundo Orçamento, eu disse que para reduzir o défice, vão ter de ser aumentados os impostos e o senhor diz: «provem que os impostos aumentaram». Eu respondo-lhe que vou seguir a teoria do Sr. Ministro das Finanças, que ainda há dois dias disse que as grandes questões não são para ser discutidas e que devemos aprender com a vida.
Os contribuintes vão aprender com a vida se os impostos vão ou não aumentar!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Os pedidos de palavra são como as cerejas! Agora, o PS quer ter a mesma oportunidade.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva, igualmente por 1 minuto.

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O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, V. Ex.ª usou a figura da defesa da honra e da consideração e eu vou responder-lhe dando explicações.
Num debate que VV. Ex.as agendaram como sendo de urgência, sobre a questão do sistema fiscal e as medidas que o Governo se propõe tomar, eu esperaria que VV. Ex.as agarrassem na resolução do Conselho de Ministros do ano passado, nos documentos e nós relatórios que já foram profusamente distribuídos sobre o imposto automóvel, sobre o reporte fiscal, sobre a reforma do IRS, e que viessem aqui dizer: «Meus senhores, concordamos com isto, discordamos daquilo, façam antes assim, decidam assado, é essa a nossa opinião». Nada! Zero! Zero de propostas! Zero de crítica construtiva! Previsões? Baralhos de tarot, todos nós podemos ir comprar! Com todo o respeito, Sr.ª Deputada, de previsões, está o mundo cheio e os anúncios classificados das páginas dos jornais!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegados ao fim do debate de urgência, vamos entrar no tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Resolução do Conselho de Ministros n.º 24/97, aprovada em 19 de Dezembro de 1996, criou condições para resolver e ultrapassar « a grave situação económico-financeira da Casa do Douro» que, na sequência de acções executivas contra si intentadas, viu penhorado o próprio edifício da sua sede. Tal resolução reconhece a Casa do Douro como «associação pública emblemática para a região duriense», reconhece a sua importância como entidade representativa da lavoura duriense, bem como o seu papel no sector do vinho, designadamente do Vinho do Porto, como produto cuja grande importância na economia nacional todos reconhecem.
O risco de venda judicial da sede e o reconhecimento da incapacidade da Casa do Douro em cumprir os pagamentos a que estava obrigada à banca e a outras instituições credoras levaram o Governo a aprovar esta resolução que se sintetiza, essencialmente, no seguinte: primeiro, apoiar a viabilização económico-financeira da Casa do Douro; segundo, apoiar tecnicamente a negociação entre a Casa do Douro e as instituições bancárias credoras da reestruturação e reescalonamento das dívidas; terceiro, substituir os avales prestados à Casa do Douro para garantia dessas dívidas por um outro aval, até ao limite dos valores dos avales inicialmente concedidos pelo Estado; .quarto, negociar com a Casa do Douro a regularização das dívidas ao Estado, à Caixa Nacional de Aposentações e à segurança social; quinto, acordar com a Casa do Douro um plano de venda do vinho que a Casa do Douro tem em stock para regularização do financiamento; sexto, promover diligências junto de empresas de capital de risco com vista à compra de créditos que terceiros detenham sobre a Casa do Douro, que estejam na iminência de execução, salvaguardando os direitos das empresas de capital de risco que emergem dessas operações.
Com o protocolo assinado pelo Governo e pela Casa do Douro, na sequência desta resolução, vários problemas com que se debatia aquela instituição duriense foram ultrapassados. Ou melhor, encontraram-se os caminhos para a sua resolução. E, efectivamente, começaram a resolver-se. O Governo colaborou na negociação da dívida à banca. O Governo negociou com a Casa do Douro a dívida ao fisco, à Caixa Nacional de Aposentações e à segurança social. Resta, assim, a dívida à Cofipsa.
A resolução dessa dívida implicava a assinatura de um acordo entre esta empresa, a família Silva Reis, - a Casa do Douro e o IPE, e um outro acordo entre o IPE e a Casa do Douro. São estes acordos que estão por assinar. Um deles, o segundo, envolve 3,5 milhões de contos - é esse o montante que consta do documento a assinar. Mas sabe-se, porque é público e a comunicação social fez eco disso, que a Cofipsa exigia cerca de 6 milhões de contos. O montante que agora consta é significativamente menor e testemunha um esforço do próprio Governo no sentido de que o valor a pagar fosse o da dívida base e não incluísse outros encargos. Foi acordado, no passado dia 30 de Dezembro, que a assinatura dos mesmos se realizaria dia 9 de Janeiro. Nem a Casa do Douro, nem a família Silva Reis os assinaram, tendo então sido acordada uma ouga data, na semana passada, em que também não foi possível concretizar a assinatura. Decidiu, então, o Governo marcar para hoje essa assinatura, tendo 4 Casa do Douro proposto, ontem, por fax, um novo adiamento para o dia 27 do corrente, invocando a necessidade de o Presidente da direcção estar presente num julgamento no Tribunal de Lamego como testemunha. Mas o que é verdadeiramente relevante na actual posição da Casa do Douro é a - sua inequívoca declaração sobre a sua «incapacidade de cumprimento do acordo» que lhe é proposto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: E perante esta situação que o Governo, dada a afirmação, formalmente exarada, de «incapacidade de cumprimento do acordo», a outorgar entre o IPE e a Casa do Douro, na regularização do adiantamento de 3,5 milhões de contos, considera «não existirem quaisquer condições para a assinatura» do mesmo, pondo assim termo ao processo.
Em nome do meu grupo parlamentar, lamento profundamente que se tenha chegado a esta situação. Lamento-o ainda, como natural do Douro e Deputado pelo círculo de Vila Real. Mas reconheço e reafirmo o papel positivo que o Governo teve em todo este processo. Efectivamente, com a sua intervenção foi possível ver «coroados de êxito os acordos de reestruturação e reescalonamento das dívidas da Casa do Douro aos bancos, bem como a regularização das dívidas à Caixa Nacional de Aposentações. O Governo proeurou responder à viabilização da Casa do Douro, tendo em atenção a sua gravíssima situação, mas sem afectação de dinheiros públicos. Mesmo no acordo IPE/Casa do Douro, o Governo conseguiu que o IPE alargasse - o prazo de pagamento de dois para quatro anos. Temos a certeza de que o Governo saberá encontrar uma solução, duradoura e sustentável, que salvaguarde os interesses dos agricultores do Douro, na sua esmagadora maioria pequenos e médios produtores, todos eles criadores de riqueza para o País através de um produto ímpar como é o Vinho do Porto.
Como Deputado transmontano-duriense, bater-me-ei para que este problema seja resolvido e continuarei a acompanhar todo o processo até que se encontre uma boa solução. O Douro precisa. Os durienses merecem-no. O País também ganhará com esse facto.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, o senhor foi aqui porta voz dos argumentos que o Governo, ao longo da manhã, tem tornado públicos e que teriam justificado o rompimento do acordo em curso com a Casa do Douro. No entanto, sem menosprezo por V. Ex.ª, preferia ouvir essas explicações da boca do próprio Governo e ouvir também os argumentos da outra parte, a Casa do Douro, na audição que propusemos, com carácter de urgência, na Comissão de Agricultura e Mar e que já foi aprovada, porquanto os argumentos e as razões que ao longo da manhã ouvimos da parte dos responsáveis governamentais não coincidem com as razões apresentadas pelos responsáveis da Casa do Douro, que negam alguma vez ter feito as afirmações que teriam justificado esta decisão radical e repentina, a que, aliás, agora nos vamos habituando, por parte do Sr. Ministro da Economia.
A verdade, Sr. Deputado, é que há um acordo de saneamento financeiro celebrado entre o Governo e a Casa do Douro por razões que são públicas e que têm a ver com o importante papel da Casa do Douro, enquanto representante dos cerca de 30 000 vitivinicultores durienses, enquanto instituição secular fundamental para a defesa desses produtores da região do Vinho do Porto e do próprio País.
Esse acordo de saneamento financeiro tem vindo a ser concretizado, como, aliás, o Sr. Deputado referiu, em vários protocolos e várias soluções concretas que têm vindo a ser assumidas e, portanto, parece-nos agora, quando o processo está no terminus, intempestiva e aparentemente sem justificação esta decisão do Governo de romper o acordo na véspera, tanto quanto é público, de ele vir a ser assinado. E, mais do que isso, parece-nos estranha e por isso queria saber a sua opinião sobre esta matéria.
O Sr. Secretário de Estado, Vítor Ramalho, dizia esta manhã que o Governo não tinha nada a ver com este processo, nem com a Casa do Douro. Ora bem, sendo a Casa do Douro um organismo que exerce funções públicas de regulação do mercado, é evidente que por essa razão e pela importância do organismo para a região, o Governo não pode «lavar as mãos como Pilatos» de um processo em que se envolveu - e bem - porque uma parte dos problemas que hoje tem a Casa do Douro podem ser resultado de deficiente actuação própria, mas outra é resultado de políticas que conduziram a esta situação.
E a questão não pode estar, Sr. Deputado, à mercê de posições mais ou menos radicais e dos conflitos pessoais entre o Sr. Ministro da Economia e membros da direcção da Casa do Douro, pois os produtores vitivinicultores durienses, o Vinho do Porto, a região duriense, o País, não podem estar à mercê dos conflitos pessoais do Sr. Ministro com tal ou tal responsável, seja ontem da Autodril, seja hoje da Casa do Douro. Os problemas são mais importantes do que esses factos e nesse sentido pergunto-lhe: acha ou não que o Governo, com as responsabilidades que tem na matéria, deve manter o acordo no sentido de terminar todos os passos do protocolo para o saneamento financeiro e viabilizar o futuro da Casa do Douro como instituição secular responsável e necessária à defesa dos 30 000 produtores e vitivinicultores durienses? Acha aceitável a declaração do Sr. Secretário de Estado de que o Governo não tem nada a ver com este processo e que se retira dele? Acha ou não que o Governo deve continuar empenhado para garantir o protocolo que tem a assinatura do Governo, que tem a assinatura da Casa do Douro, e que os outros devem cumprir até ao fim?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Martinho, tem mais dois pedidos dê esclarecimento. Quer responder já ou no fim?

O Sr. António Martinho (PS): - No Fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, dou a palavra ao Sr. Deputado Fernando Pereira.

O Sr. Fernando Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, permita-me lembrar aqui o discurso do então Secretário de Estado Pina Moura, em Dezembro de 1996, aquando da assinatura do protocolo entre o Governo e a Casa do Douro. Dizia, então, o, hoje, Ministro Pina Moura: «Novos tempos em que a Casa do Douro, contando com as suas próprias forças, com o apoio e a mobilização dos mais de 30 000 associados. com o empenhamento activo do Governo nos compromissos assumidos no protocolo (...)». «Novos tempos também no relacionamento entre a Casa do Douro e os poderes públicos (...)». E acrescentava: «Queremos construir uma nova relação de confiança mútua pautada por uma ética de responsabilidade (...)».

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Muito bem!

O Orador: - Também concordo.
«Só esta nova ética de responsabilidade permitirá que todos nós, cidadãos portugueses, nos perguntemos, cada vez mais, o que poderá fazer cada um de nós para ajudar o seu país (...)».
Sr. Deputado António Martinho, na altura, convinha ao Governo, convinha ao partido que V. Ex.ª dirige em Vila Real e que apoia o Governo, na assinatura deste protocolo, afirmar que muita coisa estava a mudar. Infelizmente e ao fim destes dois anos e, se calhar, noutros episódios protagonizados pelo Ministro Pina Moura, o que ontem era verdade hoje deixou de ser, o que ontem era verdade hoje é menos verdade.
Sendo assim, gostava que o senhor, enquanto Deputado e duriense, me dissesse, já que corroborou esses laços éticos que foram firmados .nesse compromisso e assinados pelo Governo e pela Casa do Douro, quem é o verdadeiro responsável por tudo isto. Quem defende os interesses dos 30 000 associados da Casa do Douro? É por estarmos a dois anos das eleições que mais vale neste momento, sem estar bem explicado o motivo, denunciar um protocolo assinado?! Ou vai-nos explicar, porque estando na oposição não tenho acesso a esses documentos, e aos 30 000 associados da Casa do Douro e aos transmontanos em nome de quem tanta vez tem aqui levantado a sua voz, o porquê da denúncia, o porquê deste estado de coisas, o porquê de não se resolver hoje, apesar de terem anunciado várias vezes que o assunto já estava resolvido? Se a questão da Casa do Douro não for resolvida, quem é que responde perante os transmontanos e, mais do que isso, perante o País?
É que, Sr. Deputado, este Sr. Ministro já fez demasiadas vezes marcha atrás noutras questões, o que me leva á procurar saber o que se passa. E como não tenho conhe-

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cimento global do que se tem estado a passar em relação ao Douro, mas V. Ex.ª terá,...

Protestos do Deputado do PS Pedro Baptista.

Sr. Deputado Pedro Baptista, se quer intervir, peça a palavra e fale, pois será sempre uma forma de eu me rir no Plenário, mas agora não porque estamos a tratar de uma coisa séria que tem a ver com os transmontanos. Já que não tem respeito por um colega, tenha-o pelo menos pelos transmontanos!
Mas, como eu estava a dizer, como não tenho conhecimento global do que se tem estado a passar em relação ao Douro, mas V. Ex.ª terá, com certeza, pergunto-lhe quem é o responsável. É o Sr. Ministro da Economia? Pela minha parte, peço-lhe apenas que ajude o Sr. Ministro da Economia a manter a palavra no protocolo assinado, o tal espírito de ética, o tal espírito de diálogo, pois isso ajuda também a que os transmontanos e os alto-durienses resolvam este problema da Casa do Douro que, ,como o senhor tantas vezes aqui disse, é fundamental para a região e para o País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Gouveia.

O Sr. António Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, ainda ontem, ou anteontem, vivia o Douro de grande esperança porque, pensou-se, este Governo fora capaz de resolver uma grande questão que preocupava os durienses. Mas hoje, eu, natural de um concelho, Vila Nova de Foz Côa, dos 28, o único que está totalmente integrado na Região Demarcada do Douro, estou naturalmente triste e preocupado, tal como os 30 000 associados durienses, e por isso coloco-lhe uma questão muito simples. Não sei se o Sr. Deputado é viticultor e se usufrui do «cartão de benefício», mas certamente sabe que, apesar do Sr. Ministro ter dito que a Casa do Douro é uma associação de viticultores e que o Estado não tem qualquer responsabilidade, ela tem uma função que não lhe foi retirada, pelo menos até à presente data, que é a distribuição do «benefício» a todos os viticultores. Que preocupação não terão hoje essas pessoas com aquilo que ontem era esperança e hoje lhes é negado?
Assim, corroboro as palavras do Sr. Deputado do Partido Comunista Português, bem como as do meu colega de bancada, no sentido de se apurar a verdade. Isto é, saber quem é que falhou o acordo, embora saibamos que há muita coincidência e é o Governo que tem faltado a estes acordos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Gouveia, é importante que lembre que Foz Côa é um concelho totalmente integrado na Região Demarcada do Douro, mas que o seja também para outros. E é importante ter em atenção que o que o Governo prometeu não falhou. O Governo cumpriu, cumpriu religiosamente. E eu disse-o da tribuna. O Governo cumpriu e, dos quatro aspectos em consideração no protocolo, a dívida à banca foi renegociada com vantagem, o problema do fisco foi resolvido, o problema da Caixa Nacional de Aposentações foi resolvido com grande benefício para os trabalhadores aposentados da Casa do Douro e o Governo intermediou de uma forma positiva para a Casa do Douro a dívida da Casa do Douro à Cofipsa porque esta dizia ser credora de cerca de 6 milhões de contos e no documento que tenho aqui comigo - e não me foi dado pelo Governo -,diz-se que a dívida tem o valor de 3,5 milhões de contos. Também aqui o Governo cumpriu com vantagem para a Casa do Douro.
O Sr. Deputado Fernando Pereira talou de uma «nova relação de confiança mútua» e de uma «nova ética de responsabilidades» Sr. Deputado, é precisamente por essa «nova relação de confiança mútua» e por essa «nova ética de responsabilidade» que o Governo se empenhou durante ano e meio a fim de abrir caminho para resolver o problema da Casa do Douro. E foi por não haver ética de responsabilidade que o Governo do seu partido nunca se interessou pela resolução dos verdadeiros problemas da Casa do Douro!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

É essa posição que é preciso realçar.
Muita coisa mudou no Douro, é verdade, incluindo o conceito de cadastro na posse da Casa do Douro. Também esse problema, que é muito caro aos durienses, foi resolvido a contento dos durienses.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, de facto, porque me interessei por este problema, tive acesso ao fax da Casa do Douro, que diz isto: «Venho, uma vez mais, reafirmar a V. Ex.ª a incapacidade de cumprimento do acordo que nos é proposto, ao invés de quantos celebrámos até hoje no âmbito do processo de viabilização da Casa do Douro». É, de, facto, esta declaração, que reproduzi da tribuna, que leva o Governo a actuar em conformidade. Se não há condições da parte da Casa do Douro para cumprir o acordo que ia assinar hoje, então, o Governo diz: termine-se com este processo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Digo-o com pesar, porque foi ano e meio de negociações e foi nesta Casa que este processo começou, com uma interpelação à Mesa, um pedido de intervenção do Governo e uma audição na Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas. Efectivamente, eu digo-o com pesar. No entanto, se a Casa do Douro considera em documento escrito não ser capaz de cumprir, o Governo deve encontrar outra solução, porque, desse modo, este processo não poderia terminar com a assinatura de um acordo.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Lino de Carvalho, a Casa do Douro é uma associação pública e, convenhamos, talvez pelo trabalho político nesta Assembleia destes dois grupos parlamentares se tenha mantido assim, porque o PSD queria torná-la uma simples associação. Recordamo-nos disso.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Com efeito, é uma associação pública, é uma instituição autónoma. Não há uma tutela efectiva do Governo sobre a Casa do Douro. O Governo deve ajudar - proeurou fazê-lo e fê-lo - uma instituição tão importante para a Região Demarcada do Douro como a Casa do Douro, mas não tem tutela sobre ela, por isso, tem unta função reguladora e não tutelar, como facilmente se compreende.
Lembro aqui que em todo este processo não houve conflitos pessoais e as declarações da direcção da Casa do Douro e dos membros do Governo, ainda hoje, por parte do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia, foram claras no sentido de as relações pessoais não terem vindo ao caso e sempre terem sido boas.
Espero bem, Sr. Deputado Lino de Carvalho e Srs. Deputados, mesmo os que estão a conversar a latere, sinal de que não se interessam por este problema, e acredito firmemente que o Governo vai ser capaz de encontrar uma solução para este problema. Simplesmente, terá de ser outra solução. O Grupo Parlamentar do Partido Socialista está aberto a que, na Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, ouçamos a Casa do Douro e o Governo sobre este problema.

Aplausos do PS.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Para espalhar a confusão!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não é preciso, Sr. Deputado! Já está espalhada!
Sr. Presidente, quero apenas pedir um esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Ao Sr. Deputado António Martinho?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, Sr. Presidente, à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Martinho exibiu um fax que terá sido enviado pela Casa do Douro, não sei bem para quem, se para o Governo, se para o Sr. Deputado António Martinho ou se para outra pessoa. Como não conheço o conteúdo desse fax, e presumo que ele não tenha sido distribuído pela Mesa, solicito a V. Ex.ª essa distribuição.

O Sr. Presidente: - Vai ser distribuído, Sr. Deputado.
Sr. Deputado António Martinho, queira fazer chegar à Mesa o fax, que será reproduzido e distribuído.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, nada a opor, até porque já o ouvi ler por duas entidades.

O Sr. Presidente: - Se nada tem a opor, não precisa de usar da palavra.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, se me permite, entregarei também o fax que o Ministério da Economia enviou à comunicação social.

O Sr. Presidente: - Serão distribuídos os dois.
Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, passamos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos.
Vão ser lidos, discutidos e votados três votos de pesar, a começar pelo voto n.º 99/VII - De pesar pelo falecimento de Manuel Deniz Jacinto, meu saudoso e querido amigo, apresentado pelo PCP.
Para proceder à leitura do voto, tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): : - Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

Faleceu Manuel Deniz Jacinto, figura de destaque na história do teatro português, ao qual dedicou praticamente toda a sua vida. Foi um dos fundadores, em 1938, do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, universidade, aliás, pela qual se licenciara em Ciências Matemáticas e Engenharia Geográfica. Dirigiu, em 1940/41, a Associação Académica da universidade. Foi também um destacado resistente antifascista, tendo estado envolvido na luta clandestina e assumido militância no Movimento de Unidade Democrática, num Movimento de Unidade Nacional Antifascista e no sector intelectual do PCP. Em 1988, foi agraciado com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique e, já em 1996, recebeu as medalhas de Mérito Cultural da Câmara Municipal de Coimbra e do Ministério da Cultura. Como exemplo de dignidade pessoal e cívica, Manuel Deniz Jacinto merece a homenagem da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, queremos associar-nos e identificar-nos com este voto de pesar prestado ao Dr. Deniz Jacinto, personalidade intelectual e cívica de referência do nosso Portugal.
O Dr. Deniz Jacinto foi fundador do TEUC, juntamente com outro homem da nossa saudade e da nossa memória, o Dr. Paulo Quintela, e a ele se deve, ao longo da sua vida, uma intervenção empenhada em defesa da cultura e do teatro português, desde logo no Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra e no Teatro Experimental do Porto.
Deniz Jacinto foi uma grande figura da Universidade de Coimbra, tal como o seu colega, o Sr. Presidente da Assembleia da República, pode testemunhar, e foi sobretudo um homem que no período da ditadura soube estar de pé e no seu posto na resistência à ditadura.
Por essas razões, como homem de cultura, como intelectual e como figura cívica, bem faz a Assembleia da República em lhe prestar a sua homenagem e lembrar a sua memória.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Frexes.

O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi com imensa pena e profundo pesar que tomámos conhecimento do falecimento do Dr. Manuel Deniz Jacinto, um homem que esteve ligado ao nascimento do teatro académico em Coimbra, o qual, devemos reco-

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nhecê-lo, ainda hoje, nos nossos dias, devido à grande obra desse homem com o também já aqui focado Dr. Paulo Quintela, funciona e tem os seus pergaminhos.
Estou convencido de que a sua obra e o seu exemplo perdurarão no futuro.
É nesse sentido, Sr. Presidente, que queremos apresentar também as nossas condolências à família e, ao mesmo tempo, associar-nos a este voto de pesar sobre o falecimento de um homem que constitui, sem dúvida, uma perda irreparável para a cultura portuguesa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É-me difícil, em bom rigor, acrescentar algo de novo ao conteúdo que o próprio voto já expressa e os Srs. Deputados acabaram de referir. No entanto, devo dizer que, se a título pessoal tive a ocasião, circunstancial, embora, de integrar o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra nos já longos idos de 1963/64, o devo, tivesse ou não consciência disso (e não a tinha), a homens como Manuel Deniz Jacinto, que hoje aqui, com justiça, homenageamos.
Como sabem, dirigiu também, em 1940/41, a Associação Académica de Coimbra e, além disso, na sua componente cívica, como cidadão, empenhou-se de maneira nem sempre fácil, para não dizer sempre difícil, numa luta que acabou por, passo a passo, pouco a pouco, desaguar no 25 de Abril, que hoje é património comum desta Câmara e de todos os portugueses.
É por isso que é de elementar justiça fazermos o que estamos aqui, como representantes do povo português, a fazer. Foi um homem que quase sempre andou fora das luzes da ribalta, por muito contraditório que isto possa parecer em relação à sua devoção ao teatro. Talvez por isso e com maior ênfase aqui o devamos homenagear.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha bancada associa-se a este voto de pesar. A Academia de Coimbra e o teatro português estão, de facto, de luto. O Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra foi, durante décadas, uma escola de teatro, um centro de inovação artística e um pólo importantíssimo de descentralização cultural.
O mérito foi-lhe reconhecido em vida, quer pela cidade de Coimbra, quer pelo Ministério da Cultura. É, por isso, de toda a justiça que nos associemos aqui, na Assembleia da República, a este voto de pesar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero juntar a minha voz à vossa, porque fui contemporâneo do Dr. Deniz Jacinto e, além do mais, íntimo amigo e admirador. Ele foi um homem de grande cultura, o melhor Diabo do teatro vicentino e, simultaneamente, uma das personalidades mais ricas que me foi dado conhecer, pela bondade, pela tolerância, pela solidariedade, e, nessa medida, aproximava-se do meu conceito de santo, o que significa que ele pôde ser as duas coisas, só que foi Diabo na ficção e foi santo na realidade. Junto a minha voz à vossa.

Vamos votar o voto de pesar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Peço à Câmara que guarde um minuto de silêncio.

A Cântara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, o voto será transmitido à família do Dr. Deniz Jacinto.
Passamos ao voto n.º 101/VII - De pesar pela passagem do 25.º aniversário da morte de Amílcar Cabral, apresentado pelo PS, PSD, CDS-PP e PCP.
Para proceder à sua leitura, tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor:

Fez ontem, dia 20, 25 anos que morreu Amílcar Cabral, assassinado cobardemente, qualquer que tenha sido a motivação dos criminosos.
Amílcar Cabral combateu pela independência do seu país. Mas demonstrou sempre, por palavras e actos, que o seu inimigo era o sistema colonial e não o povo português, de quem se sentia profundamente solidário e irmão.
Nunca renegou a cultura e a língua portuguesas e, sem qualquer cedência da sua africanidade, soube elevá-las, preservá-las e honrá-las como património comum dos nossos, povos.
E à memória deste homem, cuja dimensão política e humana é universalmente reconhecida, e às lições de vida que nos legou que a Assembleia da República presta hoje a sua sentida homenagem, fazendo votos para que a intolerância nunca mais habite no nosso espaço comum nem na nossa morada última - a língua portuguesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da bancada do Partido Socialista, quero aqui deixar um breve testemunho.
Suponho que fui uma das poucas pessoas nesta Casa que teve o privilégio de conhecer pessoalmente Amílcar Cabral. Fui seu amigo pessoal, recebi-o muitas vezes na minha casa, em Argel, ouvi-o em muitas conferências de imprensa, e cada uma delas era um espectáculo de comunicação. Ouvi, nomeadamente, aquela conferência de imprensa em que ele disse que estava disposto a ajudar o Dr. Marcelo Caetano a ser um De Gaulle português. Recordo-o, porque nessa altura zanguei-me com ele, pois não tinha ilusões quanto à «primavera marcelista», e ele disse: «a vossa questão é com o regime, a minha é a luta por um país».
Ouvi-o também muitas vezes em reuniões internacionais, onde, apesar de ser o dirigente de um pequeno povo em luta pela sua libertação, era ele que dava o tom. Sem dúvida alguma, naquela altura, nos anos 60, ele era um dos dirigentes africanos de maior irradiação e projecção internacional.
Era um homem com um pensamento original, criativo, de uma grande originalidade. Ele era essencialmente um teórico e, diria mesmo, foi o principal teórico da luta de libertação africana. Mas era um pensamento longe de chavões e de simplismos. Ele não gostava de ser catalogado,

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mas muitas vezes o procuraram catalogar e «amarrar». Recordo a maneira como ele respondeu a um jornalista ocidental, que uma vez lhe perguntou se ele era marxista. Disse-lhe: Marx embirrava profundamente com o facto de lhe chamarem marxista, não gostava nada disso.
Era um homem de uma formação humanista, um homem de uma grande tolerância. Dirigia uma luta armada, mas não usava armas. Aliás. ele foi morto naquelas circunstâncias por estar desarmado.
Afirmava a sua africanidade sem rejeitar a língua portuguesa, antes, assumindo a língua portuguesa, a herança cultural portuguesa e uma certa perspectiva da História de Portugal. Recordo uma entrevista que lhe fiz nessa altura, e que foi muito falada, para a Voz da Liberdade, em que ele surpreendeu muita gente, à esquerda - e à direita, porque às duas por três começou a citar os Lusíadas de cor e disse: «Camões também é meu! Nós ensinamos às gentes da nossa terra as datas significativas e com um significado progressista da História de Portugal». E, depois, disse esta frase, que nunca mais esqueci: «Não é mentira, não! Não é por Salazar dizer que é mentira. É verdade que os portugueses deram de facto novos mundos ao Mundo». Isto disse ele no início dos anos 60 aos microfones da Voz da Liberdade, num dos momentos mais intensos e duros da luta armada de libertação que ele próprio dirigia.
Era um homem com um talento - há políticos que o têm e outros que o não têm, mas ele tinha talento - e, já uma vez o disse, tinha uma certa luz. Era um homem fascinante, marcou a sua época e penso que fez muita falta à nossa própria Revolução e que, porventura, o nosso 25 de Abril teria tido, em determinados aspectos, outra expressão e outra dimensão se ele estivesse vivo nessa data.
Muito antes de se falar na lusofonia e na Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa, também ele sonhava que os povos libertos da opressão formassem uma comunidade. Lembro-me de uma vez, num passeio que demos nas margens do Nilo, no Cairo, ele ter dito: «que bonito seria se tivéssemos até, nessa comunidade, uma capital itinerante». Era um homem de uma grande cultura, de uma grande formação.
Foi, sem dúvida alguma, uma grande referência para África e para o mundo. Sempre, em todos os momentos, ele teve a preocupação de definir quem era o inimigo para ele, o inimigo era o sistema colonial - e sempre definiu o povo português como seu aliado principal. Ele sempre disse: «O povo português é o nosso aliado principal e os que se batem em Portugal pela liberdade são os nossos irmãos, são os nossos aliados preferenciais».
Por isso, hoje, repito aqui o que disse no seu funeral, em Conacri, onde falaram dois portugueses, o Dr. Pedro Soares, em nome do PCP, e já falecido, e eu próprio: «o assassinato de Amílcar Cabral foi um crime não só contra África mas também contra Portugal».

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso, sinceramente, que a Assembleia da República se dignifica com a aprovação deste voto e espero que o faça por unanimidade.
Recordo, na sequência, aliás, do que disse o Sr. Deputado Manuel Alegre, que Amílcar Cabral foi um precursor da CPLP e quero, aqui, afirmar a minha convicção de que, se Amílcar Cabral, Samora Machel, entre outros, estivessem vivos hoje, bem diferente seria o destino da CPLP nos nossos dias.
Amílcar Cabral lutou legitimamente pela independência do seu país. Uma pátria, como Portugal, que gera outras pátrias tem de estar habituada a isso. Teve-o no tempo do Brasil; teve-o no tempo de África e está hoje, de outra maneira diferente, no tempo de Timor, e também Macau e Goa são, de algum modo, frutos da nossa maneira de estar no mundo.
Amílcar Cabral estudou nesta cidade, na Casa dos Estudantes do Império, e aí aprendeu, certamente com outros estudantes africanos que também foram líderes de independências, que o horizonte da sua nacionalidade estava bem para lá dos rios da Guiné, que atingia o universo inteiro. Nisso, Amílcar Cabral pode dizer, e disse-o legitimamente, que Camões era dele, que a tradição e a História de Portugal eram dele, e é isso mesmo que nós, hoje, devemos afirmar no mundo, para valorizar até a nossa posição de europeus. Não somos europeus como outros quaisquer, somos os europeus que levaram pelo mundo alguma coisa que a Europa podia dar, e fizemo-lo com generosidade e defeitos. Fizemo-lo com generosidade e egoísmo, como os homens actuam no mundo, com virtudes e defeitos. Mas, no fundo, o coração de Portugal teve. a virtude espantosa de hoje ser assumido, ser possuído, por todos aqueles que fizeram um longo trajecto de centenas de anos connosco.
Orgulho-me, e a minha bancada também se orgulha, que, em 1998, a Assembleia da República possa, sem complexos, evocar o nome de Amílcar Cabral, como amanhã fará outras evocações, e também de um irmão nosso ter sido capaz de construir uma pátria.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Também a bancada do Partido Comunista Português se associa a esta homenagem a Amílcar Cabral, que, como já aqui foi referido, era um homem clarividente, um lutador, um revolucionário, o exemplo de uma vida dedicada ao seu povo, que era fundamentalmente o povo da Guiné-Bissau, mas também o povo de Cabo Verde.
E, se me permitem, e se ele mo permitisse, eu diria que o seu povo também era o povo português, porque, aspecto referenciado, aliás, no voto, Amílcar Cabral, tal como outros, sempre fez a distinção clara entre o regime que então vigorava em Portugal e o povo português. Esta é, em minha opinião, uma das questões centrais, que não podemos esquecer, em tudo o que se passou nessa época, em tudo aquilo que foi o pensamento de Amílcar Cabral, em tudo aquilo que foi o pensamento e a luta de outros africanos e de outros portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Amílcar Cabral ficará, certamente, na História da Guiné-Bissau, de Cabo Verde, na História de África. Amílcar Cabral era um africano na sua plenitude,

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mas certamente também ficará ligado para sempre à História de Portugal. E é com este sentido e estas ideias essenciais, Sr. Presidente, que o Grupo Parlamentar do PCP se junta também à homenagem a Amílcar Cabral.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando tanta gente no mundo inteiro elogia e escreve sobre o pensamento e a obra de alguém, quando adversários tão claros, como, por exemplo, o Marechal Spínola, fazem várias declarações públicas elogiando sempre e fazendo sobressair as qualidades de alguém, então é porque o mérito desse alguém é grande por certo. É o caso de Amilcar Cabral.
Da minha experiência particular, devo dizer que o documento que mais me surpreendeu, pela dimensão da personalidade de Amílcar Cabral e pela própria responsabilidade que Amílcar Cabral teve nesta iniciativa, foi a cartilha pela qual os guerrilheiros e o povo que habitava as áreas sob o controlo do PAIGC aprendiam o português. É, talvez, dos monumentos mais sensíveis à portugalidade em si mesmo. Por tudo isto, foi possível fazer uma guerra, é possível pronunciai-mo-nos todos sobre uma guerra, na qual ,entrámos por dever moral, cada um da sua parte, mas sem ódio, e estarmos de coração aberto a praticar um elogio para com Amílcar Cabral com este espírito aberto que sempre nos caracteriza.
Só hoje começa a conhecer-se muito da sua verdadeira dimensão. Há muita coisa para descobrir sobre Amílcar Cabral, e ainda ontem ouvi e vi um programa muito curioso sobre as circunstâncias da sua morte, sobre o jogo de interesses que lhe esteve subjacente e as interrogações que se lhe colocam. É importante conhecer tudo isto, e conhecer em pormenor.
Sobre Amílcar Cabral eu diria, em síntese, que se soube impor a quem a ele se opunha, que ganhou a consideração de todos, que foi um líder natura) e que a História hoje seria diferente se ele não tivesse sido assassinado.

Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero, uma vez mais, juntar a minha palavra à vossa, porque, não tendo tido a felicidade de conviver intimamente com Amílcar Cabral, como o nosso Manuel Alegre, ainda tive o gosto de o conhecer na antiga Casa dos Estudantes do Império, que era, como sabeis, um foco de resistência e onde, portanto, eu também tinha direito a entrar.
Devo dizer-vos que, não tendo podido ser seu amigo, fui sempre seu admirador, sincero, nunca lhe regateei admiração, e tenho de reconhecer que ele foi, na última década da sua vida, o maior líder dos movimentos africanos, de toda a África, não apenas da antiga África portuguesa.
Ele foi vítima do seu tamanho, morreu porque era grande, se não fosse tão grande não teria feito sombra a tanta mediocridade, como a que existe e existia nessa altura.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação tem razão quando diz que se não tivesse ocorrido a morte de Amílcar Cabral o mundo teria sido melhor.
Srs. Deputados, vamos, pois, votar o voto n.º 101/VII - De pesar pela passagem do 25.º aniversário da morte de Amílcar Cabral (PS, PSD, CDS-PP e PCP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, peço licença, se a Câmara concordar, para não se fazer um minuto de silêncio e corrigir a designação deste voto no sentido de ser não só de pesar mas, tendo em conta as coisas tão nobres e ao mesmo tempo tão valiosas que se disse sobre Amílcar Cabral, também de homenagem.
Visto não haver objecções, assim faremos.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, o resultado deste voto vai ser comunicado à família enlutada, aos Embaixadores de Cabo Verde e da Guiné e aos presidentes das Assembleias dos dois países.
Srs. Deputados, vamos passar ao voto n.º 100/VII De pesar pelo falecimento da escritora Maria Judite de Carvalho, apresentado pelo PCP, que também foi uma grande personalidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto n.º 100/VII é do seguinte teor:

Faleceu Maria Judite de Carvalho.
Numa escrita de grande contenção soube sempre assumir-se como uma consciência de denúncia quer dos dramas quotidianos de cada um quer das contradições inevitáveis entre a vivência de um tempo pessoal, a história de cada homem, e a vivência de um tempo colectivo, o projecto para uma humanidade.
Todos e cada um de nós se revê no legado humano e literário de Maria Judite de Carvalho. Assim, a nossa homenagem surge tão natural quanto sentida.
A Assembleia da República, reunida em 21 de Janeiro de 1998, exprime aos familiares de Maria Judite de Carvalho, particularmente a Urbano Tavares Rodrigues, as suas condolências.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Talvez a ela, à Maria Judite de Carvalho, incomodasse a notoriedade que necessariamente acompanha um acto de homenagem, como o que, neste momento, assumimos nesta Assembleia. Mas os escritores não se pertencem, pertencem-nos, e ainda bem que assim é. Tijolos da nossa construção individual e colectiva, nem tão pouco se pode dizer que morrem. E a prova disso. se prova fosse necessário fazer, é a evocação que hoje aqui nos traz.
Maria Judite de Carvalho sabe que não há tempo de mercês e que este tempo não pode continuar a desaguar numa janela fingida. As palavras poupadas, porque impregnadas pelo rigor da contenção. assumem-se como um grito dramaticamente silencioso contra os que habitam - ou são forçados a habitar - uma paisagem sem barcos em cidades que não são mais do que armários vazios. O silêncio gritado de Maria Judite de Carvalho diz-nos que o homem merece melhor e que, provavelmente, é capaz de conseguir melhor. O homem no arame é capaz dê chegar ao outro lado, mesmo que isso não aconteça sempre com cada homem. Num tempo em que até já podemos encomendar flores ao telefone, e, deste modo, mercantilizamos os nossos afectos, continua, mesmo assim, a ser possível a vitória sobre os idólatras da aparência e da circunstância. Porque ninguém pode impedir que uma seta despedi-

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da de um arco seja irremediavelmente uma seta despedida. E uma seta que transporta consigo as esperanças de tanta gente, Mariana - perdão -, de tanta gente, Maria Judite de Carvalho.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Frexes.

O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Sr. Presidente. Sr.ªs e Srs. Deputados: Infelizmente, mais uma vez, a cultura portuguesa perdeu uma grande mulher das letras.
Depois do que disse o Sr. Deputado José Calçada e também do conteúdo do próprio voto de pesar, gostaria apenas de realçar a grande dimensão humana desta escritora, a sua generosidade, a simplicidade, a discrição - sei lá - a sua efectividade, que são, para todos nós, um exemplo a seguir.
Mais uma vez, Sr. Presidente e Sr.ªs e Srs. Deputados, a cultura portuguesa está de luto.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.º Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não conheci pessoalmente Maria Judite de Carvalho, conheci-a através dos seus livros, que, numa dada altura da minha vida, agarrei daquela forma, um pouco anárquica, como os leitores habituais vão percorrendo o mundo dos livros.
E o que sucede sempre que a gente encontra um, dois, três livros de que gosta, mesmo que não conheça pessoalmente o autor, é estabelecer com quem os escreveu uma cumplicidade e sempre uma dívida de gratidão.
Recordo as palavras de Pepetela, que é também um escritor da língua portuguesa, que disse, concretamente no Brasil: «é para sonhar e fazer sonhar que eu escrevo».
Julgo que os escritores escrevem também para nos fazer sonhar, chorar e rir e para termos mais vidas do que aquela que nos está destinada. É essa outra dimensão, essa possibilidade de passagem para outra coisa que está nas mãos dos escritores e que os leitores como eu têm de agradecer.
Por isso, tenho grandes cumplicidades com muita gente que não conheci, mas também tive a sorte de conhecer alguns e poder também passar essa cumplicidade para o plano pessoal.
É nesse sentido, no sentido de que já não vamos poder ler Maria Judite de Carvalho, já só a vamos poder reler, que penso devermos sentir muito a sua morte, porque, de alguma forma, o seu património já está aqui e é nessas leituras renovadas que vamos poder voltar a fazer as viagens que ela nos ajudou e nos permitiu fazer.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Já aqui se falou, e com palavras cheias de afecto, da obra de Maria Judite de Carvalho. Trata-se de uma escrita muito inteligente, muito perspicaz e que tem um lado bastante raro: ela é capaz de ver nas pequenas coisas a grandeza que as coisas têm, o que é um lado muito feminino da escrita, que nos toca muito a nós.
Maria Judite de Carvalho era capaz de ler no quotidiano os grandes traços da dor humana, e é por isso que a sua escrita ultrapassa as nossas fronteiras, está traduzida em tantas línguas e é citada em antologias e universidades estrangeiras, porque há, para lá do detalhe, o universal, que ela atingia, compreendia e era capaz de escrever.
Maria Judite de Carvalho foi jornalista por profissão, mas era escritora por vocação. Já na altura em que ela exercia a profissão de jornalista, o jornalismo se dava muito mal com o recato de que Maria Judite sempre gostou. A literatura, pelo contrário, beneficiou com o recolhimento a que, a partir de uma certa altura da sua vida, se remeteu.
Estava muito cansada nestes últimos tempos, queixava-se muitas vezes ao telefone, mas havia uma coisa que a Maria Judite nunca perdeu: a inquietação. Maria Judite continuava a indignar-se, continuava a rebelar-se perante as injustiças, e muitas vezes me dava conta disso ao telefone. No meio do seu sofrimento e das suas dores, esse seu lado nunca morria e estava sempre muito vivo.
A reflexão que hoje quero deixar aqui, no fundo, e esta, e também a deixo para mim: que sociedade é a nossa, afinal, em que sabemos tanta coisa sobre pessoas que nada nos interessam e tão mal conhecemos aqueles e aquelas que alguma coisa acrescentam à nossa cultura?! Andamos a sacrificar o essencial ao acessório! Este é, realmente, o absurdo da sociedade mediática em que vivemos.
Mas no caso da Maria Judite, além da invisibilidade que o cultural tantas vezes tem, juntava-se a invisibilidade que sistematicamente atinge as mulheres. Era uma invisibilidade que, ainda por cima, ela não queria contrariar. Ela não gostava dos palcos, fugia das homenagens. Eu sei que ela estava a preparar-se para receber o «Prémio Virgílio Ferreira», porque, desta vez, ela queria ir. Mas era uma violência contra ela própria. No geral, ela fugia destas situações.
E por tudo isto, pela obra que nos deixou, mas, sobretudo, pelo grande silêncio que sempre se fez à volta desta mulher, e que é completamente contrário ao valor da sua obra, que eu peço que nós hoje, aqui, reponhamos alguma justiça e, no meio desse silêncio, digamos todos que a sua vida e a sua obra merecem uma homenagem de representação nacional.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, saio, uma vez mais, do meu habitual comedimento em matéria de uso da palavra quando se discutem votos para me juntar também às vossas palavras, no sentido de testemunhar o mérito desta extraordinária escritora, que soube sempre conciliar a simplicidade e a profundidade e, simultaneamente, a sensibilidade e a força das suas mensagens.
Fui e sou grande amigo de seu marido, também não conheci pessoalmente a Dr.ª Maria Judite de Carvalho, mas, como escritora, tenho por ela uma profunda admiração e acho que o País cumpre um dever se, de facto, lhe prestar, na primeira oportunidade, uma homenagem nacional.
Srs. Deputados, vamos passar à votação do voto n.º 100/VII - De pesar pelo falecimento da escritora Maria Judite de Carvalho, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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O voto será, naturalmente, transmitido ao Prof. Urbano Tavares Rodrigues e à família.
Srs. Deputados, peço à Câmara que guarde um minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 50 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, vamos iniciar o período da ordem do dia com a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 136/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública e 138/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de duração e horário de trabalho na Administração Pública.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para invocar o Regimento e interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, penso que não será necessário recordar, mas, para conhecimento de toda a Câmara, o artigo 200.º n.º 2, do Regimento diz-nos o seguinte: «O Governo, quando tenha procedido a consultas públicas sobre um anteprojecto de decreto-lei, deve, a título informativo, juntá-lo à proposta de lei de autorização legislativa, acompanhado com as tomadas de posição assumidas pelas diferentes entidades interessadas na matéria».
Acontece que as duas propostas de lei que, neste momento, estão em discussão - as propostas de lei n.os 136/VII e 138/VII foram ambas colocadas à consulta pública pelo Governo. Inclusivamente, esta Assembleia recebeu pareceres da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, que transcrevem um parágrafo que penso que não prestigia, de forma alguma, o Governo e esta Assembleia, que diz o seguinte: «Pensamos, contudo, que, para permitir um perfeito conhecimento por parte dos Deputados acerca do conteúdo concreto das alterações que o Governo pretende introduzir naquele regime, através do uso da autorização legislativa agora solicitada, faria todo o sentido remeter à Assembleia da República o texto do projecto de diploma, na versão final acordada».
Sr. Presidente, parece-me que teria sido escusado que recebêssemos este recado por parte dos sindicatos se o Governo tivesse cumprido o Regimento, como está obrigado a fazer, e remetesse a esta Assembleia, a título informativo, os projectos de decreto-lei a apresentar no seguimento destas autorizações legislativas.
Era esta a invocação do Regimento que queria fazer, presumindo que, uma vez que V. Ex.ª nada disse, não terá recebido da parte do Governo esses projectos de decreto-lei, porque nós também não os recebemos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não tenho notícia de ter recebido, de facto, esses elementos, por isso, pedia ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares o favor de nos prestar qualquer esclarecimento que considere oportuno.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, porque o Sr. Deputado Moreira da Silva leu muito bem e com total correcção o artigo 200.º, n.º 2, do Regimento, quero explicitar que, como resulta do que leu, o que o Governo deve juntar são os documentos que tenha recolhido em período de discussão pública. O artigo 200.º, n.º 2, não se refere aos decretos-leis para cujo texto se pretende autorização.
Existe uma praxe que o Governo, de facto, em regra, cumpre, e, quando não cumpre, passa a cumprir. Tendo em atenção que a votação só ocorrerá amanhã e se a Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social deseja consultar os documentos, com certeza que os enviaremos. De qualquer forma, recordo que as propostas de lei entraram no dia 1 de Julho e, até agora, não nos tinham sido solicitados os documentos.
Com certeza que nós próprios iremos tomar essa iniciativa e não nos custará nada enviar o texto até à hora da votação de amanhã, para os Srs. Deputados a poderem consultar.
Uma coisa é o envio dos textos dos decretos-leis, que não é uma obrigação do Governo mas, sim, uma praxe, pois, desde que este Governo tomou posse, há essa praxe de se enviar o texto, e outra é a discussão pública. que o Governo não procedeu à discussão pública destas propostas de lei, elas resultam da negociação com os sindicatos, e essa negociação tem documentação escrita que é do conhecimento público. Quem procedeu à audição pública foi a Assembleia da República, com o entendimento que o Governo tem sustentado de que, mesmo nos casos de autorizações legislativas em matéria laboral, elas têm sempre de descer à Comissão, porque é sempre necessário discussão pública. A Assembleia procedeu à audição que entendeu e creio que tem a documentação que obteve nessa audição.
Portanto, mantemos a praxe, mas não existe uma obrigação regimental de juntarmos esse documento.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço novamente a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, penso que esta informação que o Sr. Ministro acabou de nos dar é contraditória com a posição que o próprio Grupo Parlamentar do PS tem tido na 1.ª Comissão, e interpelava a Mesa nesse sentido.
Penso que será necessário esclarecer esta questão, porque recordo-me bem que, em debates anteriores na 1.ª Comissão, o Sr. Deputado José Magalhães sempre disse que era uma obrigação do Governo juntar o texto do decreto-lei, a título informativo, à proposta de lei de autorização legislativa a apresentar à Assembleia. Por isso, há aqui, com certeza, algo que necessita de ser esclarecido.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É o que está no Regimento!

O Sr. Presidente: - Hoje, creio que sim, que será uma obrigação.

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O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem, Sr. Presidente!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, com a benevolência da Mesa e enquanto Deputada do PS e Presidente da Comissão de Trabalho, Solidariedade, Segurança Social e Família, gostaria de dizer o seguinte: este Governo tem tido essa prática- aliás, iniciou-a - e os representantes do PS na Comissão e eu própria, na qualidade de Presidente, não interpelámos o Governo, reconhecendo esta omissão, porque compreendemos que decorria um processo negocia], em sede de concertação na Administração Pública, que ainda não estava finalizado, e porque a própria Comissão encetou uma consulta pública, que obteve apenas um parecer. Entendemos, portanto, que o decreto-lei não estava em condições de baixar à Comissão e que, inclusivamente, prejudicava a normal actividade parlamentar.
Por isso mesmo, pensamos que o Governo ainda está a tempo de entregar o decreto-lei antes da votação, como já aqui foi sugerido.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, não tencionava intervir sobre esta matéria, mas, uma vez que a Sr.ª Presidente da Comissão de Trabalho, Solidariedade, Segurança Social e Família aqui lembrou essa situação, é norma efectiva a entrega de toda a documentação sobre a matéria que está a ser discutida, nomeadamente em relação ao pedido de autorização legislativa. Tanto mais que o Governo, tendo andado a negociar com os sindicatos, tinha já preparada a documentação para elaborar os projectos de decreto-lei e, naturalmente, seria de bom tom que isso tivesse acontecido. E quando os projectos de decreto-lei baixaram para discussão pública, eu próprio, na Comissão de Trabalho, Solidariedade, Segurança Social e Família, solicitei que eles fossem entregues, o mais urgentemente possível, o que, até hoje, o Governo não fez.
Assim, Sr. Presidente, digo-o com mágoa, mas esses documentos não chegaram, até hoje, à posse dos grupos parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não chegaram, não.

O Sr. Presidente: - Creio não estar a entender bem os esclarecimentos que estão a ser prestados. O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares informou que o Governo, neste caso, não procedeu a consulta pública, porque não tinha obrigação de fazê-lo, mas a Assembleia fê-lo. Não sei se será o Governo que tem de trazer aqui as respostas recebidas pela Assembleia...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: -Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, creio que estamos entendidos quanto ao passado e espero que fiquemos entendidos quanto ao futuro, no seguinte sentido: o Governo entregará, amanhã, até à hora da votação, os documentos que agora lhe foram solicitados. Por nós, não temos qualquer problema.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é que interessa!

O Orador: - Se isso satisfaz o Sr. Deputado Carlos Coelho...

O Sr. Presidente: - Seria bom, em todo o caso, que ficasse claro se é obrigado a fazê-lo ou se o faz espontaneamente, porque esse é o problema aqui em discussão: se tem ou não de fazê-lo, neste caso. E que fazê-lo voluntariamente, terá muito mérito, mas, se for obrigado a fazê-lo, não tem mérito algum.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Pois não tem, Sr. Presidente!

O Orador: - Creio que teremos o mérito de o fazer, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Ministro. Dilucidaremos isso na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Esta foi uma forma delicada de o Sr. Ministro dizer que não foi bem feito...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Coelho está a falar fora do microfone, pelo que não se consegue ouvir o que está a dizer.
Srs. Deputados, vamos, então, passar à discussão conjunta das propostas de lei de autorização legislativa atrás enunciadas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública (Fausto Correia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os dois pedidos de autorização legislativa que hoje aqui vos trago inserem-se na discussão e na regulamentação que estamos a fazer na Administração Pública. Estes dois diplomas, convém dizê-lo, resultam também de um amplo, continuado e participado esforço de negociação com as organizações sindicais representativas dos trabalhadores da função pública. Nesse sentido, devo dizer-vos que ambos os diplomas mereceram a total concordância do STE, da FESAP e da Frente Comum.
O primeiro diz respeito ao regime geral de recrutamento e selecção de pessoal e funda-se na revisão do regime até hoje existente, o Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro. Assim, no que toca ao recrutamento e selecção, este diploma tem em vista, em primeiro lugar, a liberalização do recurso ao concurso de acesso circunscrito ao pessoal que já desempenha funções no serviço, definindo critérios mais amplos, sem comprometer, contudo, a possibilidade de realização de concursos internos gerais; em segundo lugar., a flexibilização dos tipos de concurso existentes e respectivos objectivos, 'com a introdução de um concurso misto; em terceiro lugar, a simplificação de procedimentos e a supressão das formalidades dispensáveis; em quarto lugar, a definição dos métodos de selec-

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ção dos candidatos, incluindo as normas sobre as classificações respectivas e ainda as regras sobre o sistema de classificação final; em quinto lugar, as regras definidoras da tramitação dos procedimentos de recrutamento e selecção, envolvendo a determinação dos diversos actos a praticar, bem como os respectivos prazos, conteúdos e publicidade; em sexto lugar, o estabelecimento de normas materiais sobre os requisitos de, admissão e apresentação de candidaturas e ainda condições de provimento e, em sétimo e último lugar, a determinação das regras especiais aplicáveis em matéria de impugnações administrativas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No que toca ao segundo diploma, respeitante à duração e ao horário de trabalho, pretendemos com esta iniciativa legislativa modificar, desta feita, o Decreto-Lei n.º 187/88, de 27 de Maio, que consagrou, de resto, pela primeira vez, na Administração Pública, um instrumento legal que, de modo sistemático, reuniu os princípios fundamentais enformadores do regime jurídico da duração de trabalho.
Decorridos 10 anos, impõe-se, agora, a sua adaptação às novas realidades sociais e económicas e ao novo papel que pretendemos para a Administração no nosso país.
Por isso, as alterações que propomos ao regime em vigor, que data de há 10 anos atrás, são as seguintes: em primeiro lugar, melhorar o funcionamento e a operacionalidade dos serviços e organismos da Administração Pública; em segundo lugar. adaptar o funcionamento dos serviços à disponibilidade e aos interesses dos cidadãos e, em terceiro lugar, assegurar a participação dos trabalhadores e das suas organizações representativas na fixação das condições de prestação do trabalho, garantindo, deste modo, um maior empenhamento, motivação e responsabilização destes no desempenho dos serviços.
Concretamente, aquilo que se pretende no diploma é o seguinte: a consagração de um período de atendimento, distinto do período de funcionamento, de modo a criar condições que permitam o atendimento personalizado dos cidadãos, sem a sobrecarga coincidente das obrigações de funcionamento; - em segundo lugar, a consagração da audição das organizações representativas dos trabalhadores da função pública na fixação, em concreto, das condições de aplicação da duração e horário de trabalho; em terceiro lugar, o estabelecimento de períodos excepcionais de atendimento, sempre que o interesse público o justifique, designadamente em dias de feiras e mercados localmente relevantes; em quarto lugar, a criação do regime de prestação de trabalho sujeito apenas ao cumprimento de objectivos definidos; em quinto lugar, a atribuição aos dirigentes máximos dos serviços da responsabilidade de gestão dos regimes de prestação de trabalho; em sexto lugar, a fixação da duração semanal do trabalho em 35 horas, sem prejuízo da manutenção de um período transitório para as situações de duração semanal superior; em sétimo lugar, a alteração do regime de trabalho a meio tempo e, em oitavo lugar, a consagração da escusa de prestação de trabalho extraordinário em determinadas circunstâncias.
Estes são, quer para um quer para outro diploma, os objectivos fundamentais que aqui nos trazem hoje.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Pública, tenho algumas dúvidas relativamente a ambas as propostas de lei.
Em relação à proposta de lei n.º 136/VII, uma vez que se trata de um concurso de acesso, dá-me ideia que esse concurso de acesso se destina a contemplar situações de pessoas que já prestam serviço, mas não têm vínculo à função pública, ou seja, de pessoas que já lá estão há tempo suficiente para não se justificar que ingressem mas, sim, que regularizem a sua situação através de um concurso de acesso. Fico na dúvida se, quando se diz «desempenha funções no serviço», se está a pensar no organismo ou numa parte dele, porque «serviço», aqui, tem alguma ambiguidade e isso não é de somenos. Se estas pessoas não têm vínculo à Administração Pública, para além de ser possível discutir a bondade desta solução, porque tem implicações, em meu entender, eventualmente negativas, digamos, na própria estabilidade da função pública e em alguma justiça relativa que julgo fundamental manter sempre dentro de um ordenamento, digo-lhe o seguinte: se é assim, esta é necessariamente uma medida transitória. É que o Sr. Ministro Jorge Coelho jurou aqui que vai ficar tudo resolvido e que estas situações não se repetirão. Ou seja, abrindo estes concursos de acesso para regularizar á situação de quem não tem vínculo, mas está há tempo suficiente para justificar um acesso e não um ingresso, esgotadas estas situações, caso não sejam renovadas, esgota-se esta medida. Daí, parecer-me que, se assim fosse, ela devia surgir como uma medida temporária, circunscrita no tempo, para que não constituísse, depois, um precedente que, do nosso ponto de vista, não faria qualquer sentido. Era, portanto, uma medida excepcional face a uma situação excepcional, à qual se pretende pôr termo. Embora diga que, pelo menos, é uma solução com alguns espinhos, que haveria que limar.
Em relação à proposta de lei n.º 138/VII, percebo perfeitamente o que se quer fazer. No fundo, quer-se separar o atendimento do funcionamento, embora lhe diga que um serviço público, sempre que atende, está a funcionar pode é estar a funcionar apenas com os dois funcionários que estão no atendimento. Mas também me dá a ideia de que esta distinção pode permitir uma de duas coisas diferentes: ao fazer esta distinção, posso considerar que o atendimento, não sendo a mesma coisa que funcionamento, nem estando necessariamente subsumido ao conceito de funcionamento, pode ser feito por pessoas que não pertençam ao serviço, isto é, que não pertençam ao quadro do serviço, que é aquele que assegura o funcionamento normal do serviço; ou, então, posso considerar que isto torna obrigatório para todos os funcionários um eventual período excepcional de atendimento e de trabalho, que poderia ser resolvido através de uma escala ou, eventualmente, de horas extraordinárias ou fosse o que tosse. Esta distinção também me parece muito importante, porque se realmente o atendimento não é o funcionamento e se isso se destina a ter como objectivo permitir que pessoas estranhas ao serviço, enquanto seu funcionamento, possam colmatar períodos excepcionais de atendimento, também lhe direi que acho uma péssima solução, porque essas pessoas, não sendo do serviço, podem atender, mas, na realidade, depois, não podem passar a pasta aos funcionários.
Quanto à audição prevista na alínea b), queria perguntar-lhe se é vinculativa. Não pergunto se é obrigatória mas, sim, se o que daí resulta é ou não vinculativo. Tenho a

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impressão de que é porque, há pouco tempo, o Governo apresentou à Assembleia da República uma outra proposta de lei no mesmo sentido.
Portanto, se for vinculativo, também tenho de depreender - isto é quase um romance policial! - que podem os sindicatos considerar que estes períodos excepcionais não são períodos de trabalho e que, como tal, não devem ser feitos obrigatoriamente por funcionários mas por terceiros. Então, repito o que disse na altura, ou seja, que não estamos a pôr o funcionamento e o atendimento dos serviços de acordo com as necessidades dos cidadãos mas, sim, de acordo com a força negocial dos sindicatos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A matéria que hoje vamos discutir no Plenário da Assembleia da República tem como base dois pedidos de autorização legislativa do Governo, assente na discussão feita em mesas negociais com os sindicatos da função pública.
Foram necessários muitos anos de luta dos trabalhadores da Administração Pública para que o Governo se sentasse à mesa das negociações e aceitasse negociar matérias que, desde há muito, são reclamadas com inteira justiça, quer pelos trabalhadores quer pelas suas estruturas representativas, mas o Governo não respeitou, em nosso entender, nem os prazos ali acertados nem os compromissos ali assumidos em relação a alguma matéria negociada.
Já tivemos oportunidade de afirmar, em nome do Grupo Parlamentar do PCP - e voltamos hoje, aqui, a reafirmá-lo - que o Governo do Partido Socialista não tem cumprido os calendários propostos em sede de mesas negociais e existem matérias, nomeadamente das ajudas de custo, da revalorização de carreiras e outras, que sofreram um enorme retrocesso, para já não falar da integração do pessoal a recibos verdes cujos resultados práticos são hoje praticamente nulos.
Os concursos não avançaram ou, se avançaram, foram fora do prazo que o Governo a si mesmo impôs, aqui, na Assembleia da República. É uma desorientação completa, Sr. Secretário de Estado, ou má fé de alguns serviços em relação a esta matéria. Cremos que talvez a segunda hipótese seja mais credível do que a primeira.
Nos pedidos de autorização legislativa que hoje aqui discutimos o Governo actuou de forma semelhante, ou seja, nas propostas de lei formulou os parâmetros dessas mesmas autorizações, mas não enviou à Assembleia da República os projectos de diploma que, entretanto, negociou com as estruturas representativas dos trabalhadores.
Com efeito, desde há muito que o Governo apresentou aos sindicatos uma versão final de projecto de decreto-lei sobre o regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da função pública, bem como sobre o regime de duração e horário de trabalho.
Aliás, o Governo foi mesmo ao ponto de afirmar aos meios de comunicação social, com grande pompa e circunstância, a redução de horário e recrutamento de pessoal, enquanto, à Assembleia da República, aos Deputados em concreto, sonegou a informação necessária a quem vai dar-lhe essa mesma autorização legislativa. É inacreditável, mas é a realidade.
Por tudo isto tivemos necessidade de, por via não oficial, procurar obter os textos das propostas de lei em causa e é sobre eles que iremos fazer uma análise tão circunstancial quanto possível.
Quanto à primeira, a n.º 136/VII, entendemos que deveria, desde já, ser aceite como princípio, na área do recrutamento e concretamente dos concursos internos a que o Sr. Secretário de Estado se referiu, o acesso de funcionários ou trabalhadores que a qualquer título exerçam funções nos organismos ou nos serviços há mais de um ano. Este princípio permitiria resolver grande parte das situações dos trabalhadores a recibo verde, já que esta é uma situação que justificadamente nos preocupa porque, apesar da aprovação do Decreto-Lei n.º 145/97, a questão está longe de ser resolvida.
Podemos mesmo afirmar que a admissão para a Administração Pública de milhares de trabalhadores nestes últimos tempos, com contratos a prazo, indicia que a precariedade é para continuar. Se- assim não for, o Sr. Secretário de Estado certamente terá oportunidade de afirmá-lo aqui.
Quanto à proposta de lei n.º 138N11, existem princípios que deveriam ser levados à prática em toda a sua verdadeira extensão, ou seja, a uniformização da semana dos cinco dias de trabalho e tal não é líquido na proposta de lei. Na verdade, tem algumas nuances que nos deixam dúvidas.
Por outro lado, o Governo anunciou, também com pompa e circunstância, a semana dos quatro dias, mas à custa de redução salarial com a qual não estamos de acordo e vai ao ponto de afirmar que a mesma será realidade, quer haja ou não acordo sobre esta matéria.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Qualquer alteração no horário de trabalho da função pública terá forçosamente de ter em atenção dois princípios fundamentais.
Em primeiro lugar, reduzir o tempo de trabalho sem reduzir o salário, já de si desajustado da realidade da União Europeia e, em segundo lugar, permitir uma melhor organização da Administração Pública que conduza à eliminação do emprego precário.
Queremos reafirmar que o Grupo Parlamentar do PCP se oporá frontalmente às soluções já enunciadas pelo Governo pois, na prática, o que aconteceria é que aquela redução levaria, a breve prazo, a uma desregulação laborai e a uma maior precariedade de emprego na função pública. Foi o que aconteceu na Bélgica, Sr. Secretário de Estado, e deve servir para reflexão e não como exemplo a seguir.
Outra das situações que identificamos como negativa é a não aceitação do princípio do suplemento de trabalho nocturno. Existem carreiras profissionais na função pública que só são previsíveis com recurso a trabalho nocturno e essas deveriam ser objecto da consagração desse princípio, quer pela sua perigosidade quer pela sua penosidade.
Esperamos que o Governo seja sensível a estes e outros aspectos que entendemos ser necessário analisar em sede de discussão na especialidade, pois consideramos que estas propostas de lei podem constituir um passo significativo para o edifício legislativo do estatuto do pessoal da Administração Pública. desde que correctamente aplicadas, assim o Governo se mostre disponível para introduzir algumas alterações consideradas pertinentes e justificadas.
Pela nossa parte manifestamos a total disponibilidade do Grupo Parlamentar do PCP para discutir, analisar e contribuir para a melhoria destas propostas de lei, assim o Governo o faça no mesmo sentido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião para uma intervenção.

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A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As propostas de lei em debate, com a figura jurídica de pedidos de autorização legislativa, felizmente adoptada com pouca frequência por este Governo, não correspondem a um menosprezo pela. instituição parlamentar, contrariamente ao que acontecia no passado, quando foram apresentadas em grande número relativamente a todos os sectores do Executivo. Essas autorizações legislativas visavam facilitar totalmente a vida do Executivo de então e evitar o debate parlamentar.
Neste caso, trata-se de uma decisão célere e como tal a entendemos. Daí que a avaliemos no domínio dos princípios e não no do debate na generalidade, na expectativa e na confiança de que os diplomas que surgirão interpretarão bem as medidas agora propostas, que mais não fazem do que corresponder ao programa eleitoral do Partido Socialista e aos objectivos enunciados pelo Governo nesta matéria.
Com efeito, as iniciativas hoje em debate integram uma reforma global e gradual da Administração Pública que o Governo, com o apoio expresso dos parceiros sociais, tem vindo a levar a cabo com grande êxito, nos últimos dois anos.
Uma Administração Pública moderna e eficaz ao serviço dos cidadãos exige, quanto a nós, novos modelos de gestão e de mobilização dos recursos humanos: mais objectividade, mais igualdade, melhor serviço, menos burocracia e, naturalmente, melhores condições de trabalho. É neste contexto que as propostas de lei n.os l36/VII e 138/VII surgem e devem ser entendidas. Estamos convictos de que a sua aprovação contribuirá de forma decisiva para aqueles objectivos.
Estamos conscientes da importância que a Administração Pública tem para o desenvolvimento e a modernização do País. O Governo do Partido Socialista inscreveu no seu programa um conjunto de objectivos estratégicos que tem vindo a desenvolver, dos quais se destacam os seguintes: gerar um modelo de Administração Pública democrático, participado, desburocratizado; criar uma Administração Pública ao serviço do desenvolvimento do País, das necessidades da sociedade e dos cidadãos; organizar um serviço público eficaz, eficiente, de qualidade; qualificar, dignificar, profissionalizar os recursos humanos da Administração através de uma política coerente e adequada de carreiras, remunerações e formação profissional.
Estes objectivos, Srs. Deputados, ao contrário do que já aqui foi afirmado, não podem ter nem o acolhimento dos desejos de todos os corpos da Administração Pública em detrimento do utente e dos interesses do cidadão nem o contrário. Portanto, entendemos que estas duas propostas de lei são paradigmáticas deste objectivo e desta estratégia.
Daí que a flexibilização dos mecanismos de gestão dos recursos humanos, a dinamização do sistema de formação profissional, a reformulação da legislação sobre recrutamento e sobre o direito à negociação colectiva, à concertação e à diversificação do horário de trabalho correspondam, em nosso entendimento, a um conjunto de medidas indispensáveis para alcançar os objectivos que já enunciámos.
A acção governativa no domínio da Administração Pública é hoje reconhecida por todos. O Governo tem procurado melhorar a qualidade dos serviços, a relação cidadão/Administração, a valorização dos recursos humanos e o diálogo com as estruturas sindicais, até aqui não só inexistente como, em matéria de negociação colectiva, proibido.
Levámos a cabo um importante processo de regularização das situações da Administração Pública - embora ainda não esteja concluído, certamente iremos concluí-]o - que abrange mais de 11 000 trabalhadores que, durante muitos anos, estiveram em situações de grande precariedade e que, agora, poderão aspirar com confiança a uma relação jurídico-laboral estável.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é, com certeza, uma preocupação menor sabermos quantos são e onde estão os trabalhadores que hoje tem a Administração Pública.
Foram criados o Fórum Cidadão/Administração que congrega os vários interesses representativos da sociedade civil, o Livro de Reclamações da Administração que visa a defesa dos direitos dos utentes e, como já referi, o diploma relativo ao direito à contratação colectiva, recentemente discutido nesta Assembleia, que consideramos um dos pilares da democratização das relações laborais na Administração Pública.
Em nosso entender, corá estes diplomas, o Governo também dá passos no sentido de estimular a negociação colectiva no sector privado, como é o caso da redução do horário de trabalho, o que, para nós, também não tem um significado menor.
Queremos que este seja um Estado ao serviço fio cidadão mas que também contribua para que as relações laborais e, sobretudo, a capacidade de contratualizar e de modernizar, de melhorar as condições de vida dos trabalhadores sejam, efectivamente, um convite a que os demais parceiros, nomeadamente as associações, sigam o exemplo e não que, como aconteceu durante muitos anos, haja mais excepções do que regras, para que o Estado patrão seja um exemplo a seguir no domínio das relações laborais.
Portanto, quanto a nós, a proposta de lei n.º 136/VII possibilitará ao Governo legislar sobre o regime geral de recrutamento e de selecção dos quadros da Administração Pública, flexibilizando e simplificando os concursos e clarificando a composição e o funcionamento dos respectivos júris. Trata-se de uma matéria que carecia de ajustes, de melhorias e penso que há consenso no sentido de tornar mais eficiente e transparente o regime de recrutamento.
Também a proposta de lei n.º 138/VII visa adaptar o regime de duração de trabalho da função pública às transformações socio-laborais ocorridas, à evolução das sociedades, às necessidades da vida moderna, ao funcionamento dos serviços e às necessidades dos cidadãos.
O regime jurídico vigente de organização do tempo de trabalho, que data de 1988, constituiu um primeiro instrumento, estando definitivamente desactualizado. Aliás, creio que sobre isto também há o maior consenso.
Esta proposta de lei permitirá ao Governo legislar sobre os diversos aspectos da duração do trabalho, da administração do tempo de trabalho no sector público e, acima de tudo - e queremos sublinhá-lo - Fixa, em termos globais, a duração semanal do trabalho em 35 horas.
Não podemos deixar de rever-nos nestas duas propostas de lei de autorização legislativa, na convicção de que as mesmas terão um normativo adequado, o que não acontecia no passado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

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O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para começar, não posso deixar de dizer quanto fiquei admirado com esta intervenção da Sr.ª Deputada Elisa Damião. É que estava a aproximar-se o fim do seu discurso e eu a ver que a Sr.ª Deputada não dizia uma única palavra sobre as duas propostas de lei em discussão. No fim, lá conseguiu arranjar algum tempo para dizer que confiava no que esperava que o Governo viesse a fazer um dia.
Enfim, a Sr.ª Deputada confiará no que entender, mas penso que nós, na Assembleia da República, tratando-se de propostas de lei de autorização legislativa, não podemos ficar-nos por uma mera confiança abstracta e genérica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como tal, passo à apreciação destas duas propostas de lei.
Através da proposta de lei n.º 136/VII pretende o Governo alterar o regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública. De entre os vários sentidos do artigo 2.º, o Governo exprime algumas pretensões que me permito identificar, pela sua completa generalidade.
Na alínea b) do artigo 2.º o Governo refere que a presente autorização legislativa visa «a flexibilização dos tipos de concurso e respectivos objectivos». Creio que, com esta afirmação, todos ficaremos esclarecidos sobre o que pretende o Governo, isto é, flexibilizar os tipos de concurso e respectivos objectivos. «Flexibilização» é uma palavra que o Governo deve entender como perfeitamente densificadora deste conceito para. efeitos da autorização legislativa.
Mais adiante, na alínea g), o Governo diz que pretende «o aperfeiçoamento da metodologia de selecção, com relevância para as provas de conhecimentos». Aperfeiçoar é sempre louvável mas, visto que estamos a apreciar uma autorização legislativa, gostaríamos de saber em que medida pretende o Governo aperfeiçoar.
Para além destas, há uma alínea perfeitamente incompreensível, a alínea e) do artigo 2.º, em que o Governo diz que pretende o «cumprimento dos princípios e regras do Código do Procedimento Administrativo (...)». Pretende dar cumprimento, através de uma autorização legislativa, a uma lei que está em vigor e é actual?!
É óbvio que a Administração Pública está sujeita ao princípio da legalidade e, como tal, aos princípios e regras do Código do Procedimento Administrativo. Vem agora o Governo dizer que não, que é através desta proposta de lei de autorização legislativa que, finalmente, vai dar cumprimento aos princípios e regras do Código do Procedimento Administrativo! Louva-se mais uma vez esta boa intenção, mas julgávamo-la desnecessária.
Finalmente, na alínea g) do artigo 3.º, o Governo diz que pretende determinar regras especiais em matéria de impugnações administrativas. Regras «especiais»'?! Especiais relativamente a quê e em que sentido?
Uma das matérias mais sensíveis num Estado de direito é a possibilidade de um particular, no caso um funcionário público na sua qualidade de particular, poder contestar uma decisão administrativa que envolve os direitos fundamentais da carreira em que se insere. E pretende-se agora, através de uma frase totalmente ambígua, criar «regras especiais aplicáveis em matéria de impugnações administrativas»?! Esta afirmação é suficientemente grave para que não possa deixa-la passar em claro.
Por seu lado, a proposta de lei n.º l38/VII contém algumas afirmações que também não quero deixar de referir.
Na alínea d) do artigo único, diz-nos o Governo que pretende criar um «regime de prestação de trabalho sujeito apenas ao cumprimento de objectivos definidos» e fica-se por aqui. O Governo certamente quereria que os Srs. Deputados se contentassem com dar-lhe autorização para fazer tudo o que bem entenda sobre a criação de um «regime de prestação de trabalho sujeito apenas ao cumprimento de objectivos definidos» quando, na Administração Pública, tem de haver regras claras e precisas relativamente aos regimes de prestação de trabalho, os quais se encontram clarificados no decreto-lei de 1988 que agora se pretende alterar.
Na alínea g) diz-se que o Governo pretende alterar o regime de trabalho a meio tempo. Alterar em que sentido? Alterar «para cima», alterar «para baixo», alterar «para o lado»...? Sr. Secretário de Estado, certamente não quer que esta Câmara se contente em aprovar uma autorização legislativa totalmente em branco, como a que estamos aqui a apreciar. E penso que estes exemplos são suficientes para demonstrar, à evidência, para não dizer ad absurdum. que V. Ex.ª deveria ter maior cuidado na apresentação a esta Assembleia de duas propostas de autorização legislativa sobre regimes essenciais da função pública, sem as acompanhar dos decretos-leis, das propostas de decretos-leis autorizados, os quais, obviamente, em face do Regimento e das elementares regras de comportamento democrático, deveriam acompanha-las, até porque, conforme diz o Sr. Secretário de Estado. resultam de um acordo com os trabalhadores da função pública de 1996. Estamos em 1998, Sr. Secretário de Estado! Dois anos não chegam para enviar a esta Assembleia as propostas de decretos-leis autorizados?! Parece-me que o Governo está claramente em falta relativamente a esta matéria e, obviamente, não veio preparado para discutir com a Assembleia uma matéria de tão grande importância.
Mas, Sr. Secretário de Estado da: Administração Pública, vou ainda fazer algumas considerações que, penso eu, nesta altura, importa sublinhar.
O Sr. Secretário de Estado, com certeza, tem noção de que o regime da função pública não é um regime equiparável ao dos restantes trabalhadores e que, pela própria Constituição, tem especialidades, como as previstas, desde logo, no artigo 50.º, com a prefiguração do direito de acesso, em igualdade de circunstâncias, à função pública, e no artigo 267.º, que fixa os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da imparcialidade que vinculam a actuação dos funcionários públicos.
Face a estas especificidades próprias clã função pública, as alterações que o Governo pretende fazer no regime da função pública, quer no recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública, quer na duração e horário de trabalho, precisam, obviamente, de estar em' concordância com estas especificidades, inclusivamente constitucionais, do regime da função pública.
Ora, perante esta vaga proposta de autorização legislativa, falta-nos um parâmetro para verificar a prossecução do regime especial e constitucional da função pública.
Diz a Sr.ª. Deputada Elisa Damião: «damos a nossa confiança ao Governo. O Governo, nestes dois anos, tem actuado extraordinariamente bem em matéria de função pública e, por isso, tem a nossa total confiança para o que vier a fazer nos próximos dois anos».

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Sr.ª Deputada Elisa Damião e Sr. Secretário de Estado da Administração Pública, sinceramente, gostava que isso fosse realidade, mas, como já disse, penso que a Sr.ª Deputada Elisa Damião poucas vezes ou nenhuma terá tido oportunidade de se deslocar aos serviços públicos, de ser confrontada com os trabalhadores da função pública, de ouvir as suas queixas e as queixas dos utentes da Administração Pública.

Protestos do PS.

Nestes dois anos, podem, eventualmente, ter sido feitas muitas promessas, como é vosso apanágio, mas, quanto a realizações concretas e à alteração da situação, peço-lhe apenas que pergunte aos utentes da função pública se são melhor atendidos hoje do que eram há dois anos atrás. Verá que as respostas são todas iguais, ou seja, a situação, no atendimento, está muito pior do que há dois anos atrás. E está pior porque as situações, além de se manterem, tiveram um agravamento, sem qualquer resolução!

O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública: - Está a mentir!

O Orador: - A única alteração que se registou foi a da criação de várias comissões de trabalho para estudo das várias alterações que a Sr.ª Deputada e o Sr. Secretário de Estado, de vez em quando, anunciam na comunicação social.
Sr. Secretário de Estado da Administração Pública, para podermos votar favoravelmente esta autorização legislativa, que, no fundo, é passar um «cheque em branco» ao Governo para esta matéria, era necessário, conforme muito bem sabe, que houvesse credibilidade e confiança na parte que o recebe. Quando se passa um «cheque em branco», é necessário que haja credibilidade e confiança na parte que o recebe. E o que é que o Governo tem demonstrado a esse nível? Sr. Secretário de Estado, penso que não haverá muito crédito da sua parte!
A título de exemplo, recordo-lhe as várias medidas avulsas que tem produzido relativamente à função pública, como a Lei n.º 76/97; que está por cumprir, e as propostas de lei que estão neste momento no Parlamento as propostas de lei n.os 95/VII, 103/VII e 106/VII -, as quais contêm alterações de pequeno pormenor do regime da função pública. Onde está a grande alteração, a grande reforma do regime da função pública? Permanentemente adiada. Vamos em dois anos de Governo socialista e ainda não a vemos sequer num horizonte mais longínquo.
Mais, Sr. Secretário de Estado: as propostas que V. Ex.ª e o Governo do Partido Socialista têm apresentado são claramente inconsequentes e, pior do que tudo, contraditórias. Aliás, é nisso que reside a falta de credibilidade e de confiança, por parte desta Câmara, relativamente ao Governo de V. Ex.ª. Dou-lhe apenas dois exemplos de atitudes contraditórias, completamente insanáveis, em relação à função pública. Na própria proposta de lei que hoje aqui nos traz, a proposta de lei n.º 138/VII, na alínea b) do n.º 1 do artigo único, V. Ex.ª pede à Câmara que o autorize a consagrar a «audição das organizações representativas dos trabalhadores da função pública na fixação das condições de aplicação da duração e horário de trabalho».

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - E é mau?!

O Orador: - Ora, o Sr. Secretário de Estado vem agora pedir isso, mas o Sr. Ministro Jorge Coelho veio aqui, há dois ou três meses atrás, mais concretamente em 16 de Outubro de 1997, apresentar a proposta de lei n.º 95/VII, onde se referia uma coisa completamente diferente, isto é, propunha-se que integrassem o elenco das matérias sujeitas a negociação colectiva com os trabalhadores da função pública as questões relativas a duração e horário de trabalho. Então, em que é que ficamos?!
Além disso, como bem sabe, aquele diploma fazia uma distinção entre negociação colectiva e mera participação dos trabalhadores, integrando na negociação colectiva a duração e horário de trabalho, isto é, vinculando o Governo às propostas daí saídas.
Afinal, o Governo volta atrás e propõe a esta Assembleia uma autorização legislativa que, em vez de referir a negociação colectiva, refere apenas a audição, o que, obviamente, deve querer significar participação dos trabalhadores. Em que é que ficamos? Os membros do Governo, pelos vistos, não se entendem, fazem propostas de autorização legislativa contraditórias, mas era bom que, de uma vez por todas, se decidissem.
Mas há pior: é que foi aqui aprovado aquilo que veio a dar origem à Lei n.º 13/97, de 23 de Maio, conforme todos devem estar bem lembrados, pois tentaram que tal não sucedesse, relativa à obrigatoriedade de recrutamento de directores de serviços e chefes de divisão através de concursos públicos; isto é, aquilo que foram adiando até todos os «boys» poderem estar na função pública nestes cargas. Finalmente, em 23 de Maio, a Lei n.º 13/97 foi aprovada e publicada.
Ora, tenho aqui o Boletim Informativo do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, de Novembro de 1997, onde consta a transcrição de um despacho de um membro do Governo de V. Ex.ª, o despacho n.º 179/97, de 21 de Outubro, que refere. pura e simplesmente, o seguinte: no ministério do qual ele é o principal dirigente não é aplicável a Lei n.º 13/97, de 23 de Maio. A transcrição está aqui! Tive dúvidas relativamente a isto e, por acaso, até tenho aqui a própria assinatura do Sr. Ministro, para esclarecer quaisquer dúvidas.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, como vê, penso que, para lhe podermos atribuir um «cheque em branco» destinado a produzir alterações no regime da função pública, era preciso confiança e credibilidade, mas está claramente demonstrado que VV. Ex.as não têm credibilidade nem podem ser merecedores da nossa confiança. Mais: como VV. Ex.as só têm produzido «cheques carecas», considero que é altura de promover a inibição do Governo relativamente ao uso de «cheques», ou seja, ao uso de autorizações legislativas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - A sua intervenção foi muito elegante!...

Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Namorado.

O Sr. Rui Namorado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quanto ao essencial, o Sr. Secretário de Estado, certamente, dará as res-

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postas devidas à intervenção do Sr. Deputado Moreira da Silva. Aproveito apenas para dizer que me surpreende que o Sr. Deputado desperdice o seu talento oratório no esforço de conseguir inventar pequenos pormenores que lhe permitam dar conteúdo a uma oratória agressiva, a qual se poderia dizer feita não por medida das circunstâncias mas à disposição de V. Ex.ª para todas as circunstâncias.
Os senhores não aprenderam! Se o cenário catastrófico que, mais uma vez, tentou transmitir correspondesse à realidade, certamente o povo português tinha dado uma outra votação a VV, Ex.as e outra votação ao partido do Governo. Portanto, VV. Ex.as não aprenderam com a lição de Dezembro passado e insistem na mesma gravação gasta, agredindo em abstracto, inventando pormenores escandalosos, tentando descobrir contradições imaginárias, num esforço que representa mais uma «birra» da oposição do que propriamente um contributo sério para aprofundar e esclarecer o debate.
Na intervenção do Sr. Deputado Moreira da Silva o que mais me espantou foi que mais pareceu que V. Ex.ª representava um partido que nunca esteve no Governo, que nunca tratou a Administração Pública na «ponta da bota», que nunca degradou a Administração Pública escandalosamente, que nunca tratou os trabalhadores da Administração Pública escandalosamente e que vem agora, aqui, com ar angélico, tentar ungir o Governo de uma pureza que o seu partido não tem e de que V. Ex.ª não se pode arvorar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção feita pelo Sr. Deputado do PSD relativamente à Administração Pública só se pode entender face àquilo que tem sido o comportamento dos responsáveis pelo sector deste Governo, porquanto foi este Governo que terminou com o Quadro de Excedências Interdepartamentais, que o antigo governo tinha feito para colocar uma espada sobre os trabalhadores; que acabou com os trabalhadores precários, da ordem dos 40 000, que o anterior governo criou ao longo de 10 anos; que em três anos consecutivos chegou a acordo com as organizações sindicais, coisa que não acontecia no passado. o que resultou em aumentos substanciais na função pública, o que não aconteceu nos últimos seis anos dos governos do PSD; e foi este Governo que fez um esforço sério de negociação para mudar interna e externamente a Administração.
Isto são verdades e o Sr. Deputado não pode nega-las! São factos, são questões reais! Em todo o caso, admito que na oposição e no molde destrutivo como fez a sua intervenção, o senhor não o queira compreender, mas são verdades, e só estas é que me interessam.
No que toca a outro tipo de intervenções, mais construtivas, quero responder às duas questões colocadas pela Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Quanto ao concurso de acesso, devo dizer-lhe que ele só se dirige a quem tem vínculo à função pública, o que significa que não é por aqui que se vai resolver a questão dos trabalhadores precários.
Relativamente ao atendimento e ao funcionamento, como se poderá ler no decreto-lei. de que vou fazer entrega... Peço desculpa, tive de fazer um esforço muito grande para ser gentil até agora, mas é da minha responsabilidade e da do meu departamento governamental remeter à Assembleia da República os decretos-leis titulados pelos pedidos de autorização legislativa, pelo que não quero teimar se os mandei ou não, mas tenho-os aqui comigo e vou pedir para se proceder à sua distribuição aos grupos parlamentares no final da minha intervenção.
O que é verdade, Srs. Deputados, é que este pedido de autorização legislativa entrou aqui em Junho de 1997, estamos em Janeiro de 1998 e durante estes meses todos «perderam-se» os diplomas que foram negociados a par e passo com todos os sindicatos, com o STE, com a Frente Comum e com a FESAP e que deviam, naturalmente, ter entrado na Assembleia da República em Junho do ano passado.
Seja como for, nesses decretos-leis faz-se, entre os artigos 2.º e 3.º, no que toca ao horário de redução de trabalho, uma cabal distinção entre aquilo que é funcionamento e aquilo que é atendimento, referindo-se que por funcionamento se entende o período diário durante o qual os serviços estão em actividade e por atendimento o período durante o qual os serviços estão abertos para atender o público, podendo este período ser igual ou inferior ao período de funcionamento.
Ora, o que se pretende é que os serviços possam ter algum tempo, durante o seu período de funcionamento, sem atenderem público, para tratarem de coisas internas dos serviços ou dos organismos. É este o objectivo fundamental da distinção entre funcionamento e atendimento.
Uma questão subjacente a esta, que a Sr.ª Deputada colocou e que merece a minha resposta, tem a ver com o facto de também por esta via não ser possível o recrutamento de novos trabalhadores precários para a Administração - aliás, lamento se alguns serviços persistem nessa forma de contratação, a todos os títulos ilegal face ao decreto-lei n.º 195/97.
Em todo o caso, se me forem dados elementos concretos no que toca a serviços que estejam a admitir pessoal de forma ilegal eu actuarei sobre esses mesmos, serviços perguntando o que se passa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Rodeia Machado, é evidente que celebrámos com os sindicatos em 1996 um mega-acordo, demorado e complexo, mas na medida das nossas possibilidades temos vindo a dar saída ao acordo e a honrar os compromissos que assumimos.
Naturalmente que, aqui ou acolá, nós não temos cumprido na íntegra os calendários, o que assumimos, mas das 39 mesas negociais - e não grupos de trabalho como foi aqui dito por erro ou por desconhecimento - entre o Governo e os sindicatos falta apenas fechar 9 mesas negociais, isto em dois anos, encontrando-se nesta Assembleia mais dois diplomas, a lei de negociação colectiva e outro diploma que agora não me recordo, para serem discutidos.
A revisão do regime de carreiras que fazia parte da mesa parcelar 3 foi concluída não com o acordo, como desejaríamos, de todas as organizações sindicais mas com aquelas com quem pudemos chegar mais facilmente aos consensos necessários.
Quanto às ajudas de custo que referiu, a questão não é governamental stricto sensu, mas sim uma questão que tem a ver com o parecer da Associação Nacional de Municí-

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pios Portugueses que, consultada para o efeito, se mostra reticente face a algumas medidas consagradas no projecto de diploma relativo às ajudas de custo, razão pela qual há sobre este diploma alguma demora.
Relativamente aos trabalhadores precários quero recordar que, de acordo com a calendarização aqui estabelecida, o último concurso realizar-se-á em Janeiro de 1999, e até agora têm ocorrido centenas de concursos para a regularização dessa questão.
O Sr. Deputado referiu-se ao facto de no mês de Setembro passado nem todos os concursos que se fizeram se deveriam ter feito naquele mês. Em todo o caso, a interpretação do Tribunal de Contas sobre o processo de regularização, que já vinha de trás, vai no sentido de dizer que esses concursos se podem fazer em qualquer mês, porque os prazos são meramente orientadores e não imperativos.
Relativamente ao projecto de decreto-lei sobre a questão do recrutamento e selecção, quero dizer ao Sr. Deputado do PCP que a alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º - e refiro-me assim, porque na sua intervenção teve ocasião de referir que tinha em seu poder os diplomas negociados com as organizações sindicais - diz o seguinte: «b) Interno - quando aberto a funcionários ou a trabalhadores que a qualquer título exerçam funções correspondentes a responsabilidades permanentes há mais de um ano nos serviços e organismos referidos no n.º 1 do artigo 2.º do presente diploma».
É esta a redacção que vamos consignar no decreto-lei, alterando assim o que o Sr. Deputado tem em seu poder e que lhe foi fornecido pelas organizações sindicais.
No que concerne à semana de quatro dias de trabalho, posso dizer-lhe que esse tema constituirá motivo de um diploma próprio e não está incluído neste projecto de diploma dado que, na altura, este assunto ainda não estava na ordem do dia da Administração Pública, sendo igualmente necessário efectuar um conjunto de estudos, que ainda não estão terminados. Todavia, logo que o estejam, darão corpo a um diploma sobre a questão da semana dos quatro dias e do tempo parcial.
Em todo o caso, quero referir, «puxando a brasa à minha sardinha», se me permite, que o senhor não disse, certamente por esquecimento, que em 1998 a Administração Pública está a praticar um horário de 37 horas semanais e que no ano 2000 praticará um horário de 35 horas semanais uniforme para todos os trabalhadores. Aliás, recordo-lhe que quando tomámos posse, em 1995, havia trabalhadores na Administração Pública a fazerem 42 horas por semana.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Moreira da Silva, já me referi à sua intervenção logo no início da minha e dir-lhe-ei que não preciso de nenhum crédito seu, porquanto o crédito está nos diplomas que negociámos com as organizações sindicais e que entregarei, como já disse, no final da minha intervenção.
Em todo o caso, quero chamar a atenção para o seguinte: na minha Secretaria de Estado não há um único grupo de trabalho nomeado; o que houve e o que há é um enorme, complexo e demorado processo negocial com todas as organizações representativas dos trabalhadores da função pública, sejam elas o STE, a FESAP ou a Frente Comum dos Sindicatos.
Há uma outra nota que não posso, nem quero, nem devo ignorar que é o despacho do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que há pouco foi mostrado, sobre a questão da aplicação ou não dos concursos ao pessoal dirigente. De facto, a aplicação do «diploma das chefias» é impraticável no Ministério dos Negócios Estrangeiros, tendo em conta a carreira diplomática, os postos fora e dentro do País.
Em todo o caso, informo os Srs. Deputados que escrevi e assinei ontem uma carta que fiz chegar à. l.ª Comissão, no sentido de, a curtíssimo prazo, ser feita uma reunião para que se possam estabelecer alguns princípios no que toca à aplicação do «diploma das chefias» porquanto, como sabe, o Sr. Ministro Adjunto entendeu fazer um despacho interpretativo que vai no sentido de, mesmo em caso de recondução, ser necessária a abertura de concurso, posição essa relativamente à qual algumas organizações sindicais, designadamente o STE, estão em desacordo.
Há um conjunto de questões sérias que se colocam à Administração Pública, designadamente a do período para o regime de substituição. enquanto não se conclui o concurso, pelo que eu solicitei à 1.º Comissão, em carta que terá chegado esta manhã à Assembleia da República, a possibilidade da sua discussão.
Portanto, Srs. Deputados, com a introdução que foi feita, como referi ao Sr. Deputado do PCP, na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do decreto-lei sobre recrutamento e selecção e chamando a atenção para a circunstância de estes dois diplomas terem merecido, após um processo moroso e complicado, o aggrement de todos os sindicatos da função pública, peço para estes dois diplomas a vossa melhor compreensão, uma vez que eles são fruto de um trabalho sério no sentido de continuarmos a modernizar a Administração Pública em Portugal.

Aplausos do PS .

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Secretário de Estado, se realmente estes concursos de acesso se destinam a pessoal com vínculo à função pública, lembro-lhe que não me respondeu à questão sobre se o serviço é uma parte do organismo ou não. Se assim é, gostava que me informasse se todos os quadros já têm as vagas afectas aos serviços ou se são quadros do organismo (tanto quanto eu sei são quadros do organismo). Portanto, como é que o serviço pode abrir um concurso restrito ao serviço, se bem entendo, se o quadro é do organismo?
Por outro lado, não acha que isto pode ser impeditivo de alguma mobilidade dentro da própria Administração Pública, a qual é sempre positiva? Já agora, como é que se resolve esta questão dos quadros e dos serviços?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública: - Sr.ª Deputada, trata-se, como sabe, de quadros que dizem respeito aos organismos. A questão da mobilidade está a ser estudada neste momento a vários níveis, incluindo também - e digo-o a título informativo - a mobi-

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lidade da Administração Local para a Administração Central dado que hoje, como sabe, só se pode sair da Administração Central para a Administração Local.
Em todo o caso, nada impede que, dentro de um organismo, os diversos serviços - poderá constata-lo no diploma que vou distribuir - tenham consagração. O objectivo que se pretende é não prejudicar aqueles que, há longos anos estão no mesmo serviço, num dado organismo, sem possibilidade de irem a concurso.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Caros Colegas, Srs. Membros do Governo: A finalizar o debate, queria, face à intervenção do Sr. Secretário de Estado, deixar claro e registar dois factos que me mereceram a maior relevância.
Em primeiro lugar, o Governo tinha realmente em seu poder, como nos pareceu, os projectos de decretos-leis autorizados. E refiro-lhe que Deputados da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, solicitaram, logo quando estas propostas de lei chegaram à Assembleia, que lhes fossem enviados, e até hoje não o foram. Registamos, por isso, que o Governo os tinha e que os vai entregar no final deste debate. Isso é saudável, pensamos que, assim, o debate foi profícuo e esperamos que os Deputados possam ter acesso àquilo que o Governo pretende fazer depois de concluído o debate. Pelo menos saberemos, em consciência, votar estas propostas de autorização legislativa. Mas espero sinceramente que, no futuro, o Governo não repita esta atitude.
Em segundo lugar, registo também um outro ponto: referi que há membros do Governo que, pelos vistos, exaram despachos contraditórios com decretos-leis e leis propostas pelo Partido Socialista. Como fiz essa referência sem dizer o nome do ministério que assim tinha procedido, Fiquei estupefacto quando o Sr. Secretário de Estado disse que conhecia um despacho nesse sentido do Ministério dos Negócios Estrangeiros. É que, como o despacho que tenho em meu poder não é desse Ministério, pelos vistos já são dois os ministérios a excepcionar a aplicação da Lei n.º 13/97 que partiu de uma iniciativa vossa. Parece, pois, que, agora, estão a chegar à conclusão de que, como sempre dissemos, existem vários problemas na aplicação concreta dessa lei. Mas não é com despachos, alguns deles não publicados ou só publicados nos boletins dos sindicatos, que, penso, se altera uma lei aprovada na Assembleia da República.
Por isso, num momento em que se debatem, como o Sr. Secretário de Estado sabe, e aqui bem disse, questões muito sérias do regime geral da função pública, quero aqui deixar registadas estas duas atitudes tomadas pelo Governo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública.

O Sr. Secretário de Estado da. Administração Pública: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero que fique bem claro que eu estava convencido - e estou ainda, neste momento - que tinha mandado para a Assembleia da República os decretos-leis anexos às propostas de lei de autorização legislativa. Foi sempre esse o meu procedimento e não há motivo para o alterar, pela simples razão, de resto, de estes diplomas terem sido negociados com todos os sindicatos. E eles têm na sua posse, na íntegra, tal como eu, estes mesmos projectos de decreto-lei.
Na sequência disto, quero dizer que, entretanto, ao meu gabinete não chegou qualquer pedido da Assembleia da República solicitando a remessa destes mesmos decretos-leis. O Sr. Deputado referiu que foram solicitados, mas o certo é que ninguém desta Assembleia da República me pediu os textos dos projectos de decreto-lei.
No que toca ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, situação que há pouco aqui invoquei, em resposta ao que me parecia ser o documento que o Sr. Deputado possuía, quero dizer-lhe que ao referir o diploma desse Ministério estava-me na mente a defesa acrisolada que o Sr. Deputado Moreira da Silva fez nesta Câmara sobre a flexibilidade e a especificidade da carreira diplomática aquando da discussão do estatuto dessa mesma carreira.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): É verdade!

O Orador: - Era, porventura, nessa perspectiva, dada a compreensão que o Sr. Deputado manifestou na altura, tanto face à especificidade como à flexibilidade necessárias a essa carreira, que referi o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Aplausos do PS.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Mas não era esse!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, declaro encerrado o debate, na generalidade, sobre as propostas de lei n.os 136 e 138/VII, que serão votadas amanha.
Passamos agora à discussão, também na generalidade, da proposta de lei n.º 139/VII - Aprova a Lei Orgânica do Centro de Estudos Judiciários.
Para proceder à sua apresentação, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Srs. Membros da Mesa, Srs. Deputados, antes de mais os meus cumprimentos a VV. Ex.as.
Sendo a primeira vez que aqui compareço este ano, faço votos de um profícuo trabalho entre o Ministério da Justiça e esta Câmara, tanto mais que aqui estão pendentes vários diplomas legislativos de grande impacto na área da Justiça. Portanto, teremos certamente a ocasião, ao longo deste ano, de nos encontrarmos várias vezes e de debatermos esses diplomas. Os meus cumprimentos, por isso, a VV. Ex.as.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Entre as medidas que, na área da Justiça, o Governo incluíra nas Grandes Opções do Plano para 1997 contava-se a da revisão da Lei Orgânica do Centro de Estudos Judiciários, mais vulgarmente conhecido por CEJ, tendo em vista, designadamente, a reformulação do regime de ingresso nas magistraturas e o aprofundamento da co-responsabilização do Conselho Superior da Magistratura e da Procuradoria-Geral da República na sua gestão.
Respeitado esse compromisso, com a oportuna apresentação nesta Câmara da proposta de lei hoje em discussão, e na expectativa da sua aprovação em tempo útil - o ar-

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tigo 93.º da proposta, que terá de ser alterado, previa o dia 1 de Janeiro último para a entrada em vigor da lei
o Governo inscreveu nas Grandes Opções do Plano para o ano corrente a «revisão do modelo de formação de magistrados judiciais e do Ministério Público (...) com acento tónico na preparação dos auditores de justiça para a realidade judiciária em que terão de intervir após o período de formação».
A não sofrer vicissitudes o processo legislativo, agora que se abre o debate em sede própria, espero seja possível que o próximo ano lectivo no CEJ decorra já sob o novo figurino que se propõe. Aliás, sempre o diploma instituidor do CEJ - o Decreto-Lei n.º 374-A/79, de 10 de Setembro - teria de ser reeditado, pelo menos pela Assembleia da República, no entendimento de que as suas normas relativas aos requisitos de ingresso, bem como as concernentes ao estatuto dos auditores de Justiça, após a frequência da 1.ª fase do curso, por dizerem respeito ao estatuto dos magistrados judiciais e do Ministério Público, estariam afectados do vício de inconstitucionalidade orgânica. Assim se pronunciou, aliás, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, em parecer de 27 de Abril de 1995, tornando-se imperiosa a constitucionalizarão do decreto-lei em apreço, para se evitarem danos não negligenciáveis.
Como se sublinha na exposição de motivos da proposta de lei, o Centro de Estudos Judiciários, nos 18 anos de vida que perfez, foi concebido como escola de formação de magistrados, mas destinado também a acções formativas dirigidas à generalidade dos profissionais do foro e ao estudo da realidade sócio-jurídica em que se insere a actuação dos tribunais. Pode afirmar-se que a instituição conquistou um lugar insubstituível, sendo pacífica a sua aceitação, não somente pela comunidade jurídica mas pela própria sociedade civil.
Em breve balanço, cumpre notar que o CEJ organizou já 34 cursos de formação de magistrados, dos quais 15 cursos normais; 3 cursos de qualificação e 16 cursos especiais. Do somatório desses cursos resultou o ingresso nas magistraturas de mais de 1000 juízes e de 876 magistrados do Ministério Público, encontrando-se presentemente nas diversas fases de formação 159 futuros juízes e 75 magistrados do Ministério Público.
Referindo-me apenas aos «cursos normais», a eles se candidataram, até hoje, 13 000 licenciados em Direito, candidaturas que têm sofrido, nos últimos anos, por razões de todos conhecidas, um aumento exponencial, com o record de 1872 candidatos nas provas de ingresso de 1996 e uma ligeiríssima inflexão, traduzida nos 1834 candidatos de 1997, que, há dias, iniciaram as suas provas de exame. É, pois, bom de ver o esforço que representa para o CEJ a organização dos testes de aptidão, a selecção de candidatos dentro do contingente anualmente fixado, a realização das subsequentes actividades formativas.
A estas acrescem as acções de formação complementar e de formação permanente, num leque vastíssimo, que é impossível enunciar. Destaco, no entanto, até pela literatura jurídica que se lhes seguiu, primeiro e imprescindível instrumento de trabalho para todos os juristas - e, obviamente, também para os magistrados -, as Jornadas de Direito Criminal, as Jornadas de Processo Penal e, mais recentemente, as múltiplas acções, por todo o País, a propósito da Reforma do Processo Civil. Destaco ainda a especial preocupação que têm merecido novos ramos do Direito, como o Direito Comunitário e o Direito do Ambiente.
É também de assinalar, em cumprimento de atribuições legalmente fixadas ao CEJ, a excelente colaboração prestada em execução dos acordos de cooperação com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Em cursos normais, formaram-se, até ao presente, 190 magistrados, e em cursos especiais, nos domínios dos direitos administrativo, fiscal, aduaneiro e do trabalho, 48 magistrados. Em acções de formação permanente, estágios e seminários, sempre sob a égide da cooperação, o CEJ promoveu, só nos últimos anos, 11 iniciativas, das quais cinco em capitais de países africanos.
servido, como poucas instituições científicas e culturais, para o estreitamento de laços com as ex-colónias portuguesas. A prova-lo, a circunstância de quadros nele formados se encontrarem a exercer funções, não só nas magistraturas mas nos mais elevados lugares da vida pública e empresarial dos seus respectivos países.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto posto, de modo algum se justificava que a nova lei orgânica do CEJ significasse uma ruptura com o modelo vigente. Por isso, a proposta em discussão, recolhida a experiência encetada em 1979, procura aperfeiçoar o sistema, ali onde ele se revela menos adequado às novas realidades.
Assim, e seguindo de perto a exposição de motivos, que me parece suficientemente esclarecedora, considero, apesar de tudo, importante sublinhar: limita-se, em termos razoáveis, a tutela do Ministro da Justiça, reforçando a autoridade do director do CEJ pela sua nomeação por despacho conjunto em que intervém o Primeiro-Ministro e cometendo ao Conselho de Gestão pronúncia sobre a sua nomeação e sobre a renovação do provimento, sob a forma da comissão de serviço. Paralelamente, acentua-se o papel interventivo dos conselhos superiores da magistratura e do Ministério Público no funcionamento da instituição e na formação dos magistrados, no que se reputa como uma relevante co-responsabilização que rompe uma prática de espessa comunicabilidade.
O ingresso no CEJ efectuar-se-á por duas vias (até agora apenas por uma via): a dos simples licenciados em direito (existente até agora) e a dos assessores dos tribunais judiciais que reunam determinados requisitos mínimos, em quotas de preenchimento de dois terços e de um terço, respectivamente (a Lei n.º 2/98, de 8 de Janeiro, veio criar a figura dos assessores, para coadjuvação dos magistrados judiciais e do Ministério Público em todas as instâncias, devendo, em conformidade, entender-se feitas para essa lei. as referências no artigo 31.º e no n.º 2 do artigo 33.º da presente proposta de lei).
Logo pela abertura do CEJ aos assessores se eleva indirectamente a idade mínima de ingresso nas magistraturas. Quanto aos demais candidatos, passa a exigir-se que possuam licenciatura em Direito há pelo menos dois anos na data de abertura do concurso. Acolhe-se a sugestão, de retirar a entrada no CEJ do mercado de emprego imediato, procurado petos recém licenciados, tornando mais consciente e reflectida a sua opção profissional.
Como inovação de tomo, a obrigatoriedade de sujeição a exame psicotécnico eliminatório, a anteceder o trânsito da fase escrita dos testes de aptidão para a fase oral, exame imposto a todos os candidatos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - A formação profissional passa a ser constituída pela formação inicial, com uma fase teórico

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prática e uma fase de estágio, pela formação complementar, ambas obrigatórias, e pela formação permanente, esta de natureza facultativa.
No conteúdo da fase teórico-prática incluem-se, como matérias obrigatórias, disciplinas formativas, disciplinas. profissionais e de aplicação e disciplinas informativas e de especialidade. A referida fase passa a decorrer durante 22 meses, absorvendo o vigente estágio de iniciação de 10 meses, desenvolvendo-se por três ciclos de actividades, o primeiro e o terceiro na sede do CEJ e o segundo, com a duração de um ano, nos tribunais, sob orientação de magistrados judiciais e de magistrados do Ministério Público, por iguais períodos de tempo. Procura-se um compromisso mais eficaz entre a formação teórica ministrada no CEJ e a formação prática nos futuros locais de trabalho dos auditores de justiça, permitindo que a formação teórica, no último ciclo, dê resposta mais adequada às interpelações entretanto sugeridas pela vivência da vida dos tribunais.
A opção de magistratura, que presentemente se situa no termo de 10 meses, passados exclusivamente no CEJ, alarga-se para 22 meses, depois de os auditores, com a passagem pelos tribunais, se encontrarem melhor habilitados à escolha pela magistratura judicial ou pela magistratura do Ministério Público.
A formação inicial culmina com a fase de estágio - o ora designado regime de pré-afectação -, com a duração de 10 meses, em que os auditores, já nomeados juízes de direito ou delegados do Procurador da República, exercem a sua actividade sob responsabilidade própria, mas assistidos por magistrados formadores.
À formação inicial sucede a formação complementar, nos dois anos subsequentes à fase de estágio, mantendo-se a obrigatoriedade de participação nas respectivas actividades, a planear pelos conselhos superiores das magistraturas, em colaboração com o CEJ.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Governo está naturalmente aberto às sugestões susceptíveis de melhorarem a proposta de lei. Numa área de enorme delicadeza e sensibilidade, que em muito transcende os limites de uma visão partidária, seria salutar que se reunisse um largo consenso legitimador da futura lei. Com uma advertência, que exprimo francamente: a de que importa resistir à tentação de um modelo perfeccionista de formação de magistrados, insuportável em termos logísticos e materiais. De resto, temos todos de tomar consciência que é no exercício de funções que os magistrados se vão, afinal, «construindo» e adquirindo experiência.
Assente que os problemas que afligem a administração da Justiça se não resolvem com um acréscimo intensivo de magistrados (e de oficiais de justiça), não tenho dúvidas que hoje o panorama que se nos depara, em termos de qualidade, seria incomparavelmente melhor se, ao menos por uma vez, se tivesse acatado a norma do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que desde 1977 estabelece a obrigatoriedade de permanência, por cinco anos, em comarcas ou lugares de ingresso.

O Sr. .José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Acontece que, decorridos mais de 20 anos, a pressão do sistema tem, sem uma única excepção, antecipado drasticamente esse período de actividade em tribunais de maior volume de serviço, locais intencionalmente escolhidos para a fase de maturidade dos magistrados.
Sem antecipar novas soluções, talvez seja preferível encurtar o período de permanência nesses lugares, aumentar até o número de tribunais por onde se inicie a respectiva carreira, mas tornar mais rígidos os mecanismos que consentem a diminuição drástica de um lapso de tempo que pode ter, que tem, necessariamente, consequências nefastas durante toda a vida profissional dos magistrados.
A revisão da Lei Orgânica dos Tribunais e do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que espero poder apresentar dentro em breve nesta Assembleia, terão de reflectir também adequadas soluções para esse candente problema.
O Estatuto do Centro de Estudos Judiciários, que hoje aqui apresentamos, é também ele uma peça importante na modernização dos tribunais em que .º Governo se encontra, desde sempre, profundamente empenhado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, importa de facto que, no início do ano judicial - e sendo esta a primeira proposta relativa à área da Justiça que discutimos este ano -, o debate se faça e se prestem esclarecimentos que elucidem devidamente aquilo que, na proposta de lei, existe de mais equívoco.
Gostaria de começar por agradecer os cumprimentos que nos endereçou e formular-lhe votos de bom trabalho na área da Justiça. Esperamos que o seja.
Quero fazer-lhe um pedido de esclarecimento sobre uma matéria que me provoca as maiores dúvidas e grandes perplexidades, e que, como disse, é muito sensível, porque efectivamente se formam pessoas que vão lidar, nos tribunais, com direitos fundamentais dos cidadãos, como vem no preâmbulo da proposta, com a liberdade e a segurança e com a legalidade democrática.
Sr. Ministro, vem proposto no artigo 38.º da proposta de lei que, para acesso ao CEJ, haja, a seguir à prova escrita, um chamado «exame psicotécnico» para averiguar da adequação do candidato à função - isto, tout court! Ora, uma vez que quem vai fazer estes exames é um psicólogo - e sobre a psicologia podemos depois conversar um pouco, porque embora não havendo, penso eu, ciências exactas, a psicologia será a menos exacta de todas, duvido mesmo que o seja...

O Sr. Ministro da Justiça: - A ciência política também!

A Oradora: - É evidente, mas a ciência política pode aqui ter-se intrometido para usar o psicólogo, não sei, ou pode haver esses riscos de usar o psicólogo.
O que quero saber é sé V. Ex.ª pensa fazer um modelo de juiz; um modelo de personalidade de juiz, um modelo de requisitos que o juiz deve ter (como deve pensar, como deve reagir, sé deve emocionar-se ou não, se deve ter ideias feitas de uma determinada orientação). É isso que vai servir ao psicólogo? Isto também era mau, porque creio que não pode haver modelos - também era o que faltava, criarmos agora clones de juízes!... Gostava de saber se um risquinho menos feliz ou uma observação que um candidato faça sobre um desenho, com toda a subjectividade de apreciação, serve de critério para averiguar que a pessoa está adequada à função.

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Sinceramente, Sr. Ministro da Justiça, esta é a matéria que me causa maiores preocupações nesta proposta de lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, agradeço a sua questão. Sobre psicologia podemos efectivamente falar, quando V. Ex.ª entender, embora os meus conhecimentos também sejam limitados. Devo dizer-lhe que nunca me sujeitei a nenhum teste psicotécnico, portanto nunca averiguei das minhas capacidades para a função por testes psicotécnicos.
Mas, Sr.ª Deputada, não veja coisas onde não estão, nem vá pensar que eu queria fazer uma série de clones! Aliás, nem saberia bem de que fazer os clones!. De quê?! Há magistrados que têm personalidades completamente diversas e são óptimos magistrados. Não queremos aqui fazer uma personalidade, um perfil em que tenham de caber, necessariamente, as pessoas.
Mas sabe V. Ex.ª, e todos sabemos, que há determinadas qualidades, direi que mais do que ponto de vista psicológico do que do ponto de vista intelectual, que são essenciais para quem é chamado a julgar, no caso os magistrados judiciais, no caso dos magistrados do Ministério Público, a acusar, a perseguir, a tomar também decisões que são, em muitos casos, como V. Ex.ª bem sabe, da sua experiência como jurista e como advogada, extremamente difíceis. Quantas vezes não temos ouvido a magistrados oficiais e também do Ministério Público a angústia por que muitas vezes passam quando têm de decidir.
E a verdade é que, sendo certo que existem hoje, em muitos sectores da função pública, exames deste tipo para averiguar de um conjunto de qualidades psíquicas, capacidade de decisão, capacidade de encarar essa fase fundamental do acto da judicatura, que é decidir sobre a liberdade, sobre a fazenda, sobre a honra das pessoas, parecia-nos a nós que, existindo, como existem, na generalidade de muitas carreiras da função pública, para não falar naturalmente no sector privado, em que também estão muito espalhadas, testes psicotécnicos, numa carreira deste tipo, extremamente exigente sob o ponto de vista de algumas qualidades de carácter psicológico, seria também, num sentido de melhoramento da capacidade de enfrentar as situações mais diversas dos nossos magistrados, de incluir estes testes.
Admito, Sr.ª Deputada, que os dizeres exactos que vêm na proposta de lei, sobre o que pensámos muito e repensámos, até depois da apresentação da proposta, possam não ser os melhores e prestar-se a leituras porventura diversas daquelas que aqui acabo de expor, no sentido de ser esse o objectivo único desta proposta. Nesta matéria, estamos abertos a encontrar com VV. Ex.as, aqui, na Assembleia, uma matriz consensual que, por um lado, assegure que os futuros magistrados são gente, homens e mulheres, de personalidade e de perfil psicológico capaz de aguentar o embate, que é sério, de ter pela frente de decidir sobre o futuro, repito, da liberdade, da honra de muita gente, porventura encarando uma nova redacção que permita isso, mas que salvaguarde V. Ex.ª dos fantasmas que, afinal, na minha opinião, está a ver. E basta V. Ex.ª ver esses fantasmas para termos de ter em atenção que, possivelmente, os termos possam ser alterados no sentido do seu melhoramento.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vou tentar explicitar a posição do Partido Popular em relação a esta proposta de lei.
Começo por dizer que temos bem presentes as intervenções recentes e notáveis, a diversos títulos, quer do Sr. Presidente da República, quer do Sr. Ministro da Justiça, aquando da abertura do ano judicial que, do nosso ponto de vista, bastariam para sustentar alguma preocupação generalizada que os portugueses sentem em relação à administração da justiça. E sabendo nós, como sabemos, que ela é. de alguma forma, imprescindível e fundamental para que possamos atingir o patamar superior de um Estado democrático, ou seja, o patamar que ainda está reservado a poucos países - o Estado de direito -, será necessário termos um particular cuidado em não deixar de acompanhar alguns dos problemas relativos ao sistema democrático que vamos aqui e ali discutindo e vendo analisados, nomeadamente, por exemplo, pelo Sr. Presidente da Assembleia da República aquando da última comemoração do 25 de Abril nesta Assembleia.
Isto é, podíamos introduzir neste debate temas como o «governo dos juízes» ou como a identificação dos poderes ou como, noutro patamar, os modelos da magistratura. Afigura-se-nos, no entanto, que não são esses os temas fundamentais hoje aqui em debate, mas, de alguma forma, esta proposta de lei é uma pequena peça, mas uma peça importante nessa discussão. E isto porque é através desta lei orgânica que estamos a tentar colmatar algumas falhas que, ao longo dos últimos anos, desde 79, foram sendo carreadas para esta discussão pois o Centro de Estudos Judiciários é a escola daqueles que vão, nas magistraturas, aplicar o direito com todas as consequências que depois tem essa aplicação.
Sendo assim, dir-lhe-ia, Sr. Ministro da Justiça, respondendo de alguma forma ao seu apelo para que tentássemos nesta Câmara ter uma posição uniforme, que, independentemente de termos também a noção de que não havendo formação de juízes perfeccionista e não havendo também propostas de lei perfeitas, com a nossa votação não inviabilizaremos esta proposta em que reconhecemos estarem contidas muitas das reflexões que, ao longo destes anos, foram feitas no sentido de tentar ultrapassar alguns dos defeitos que fomos vendo ao longo dos anos e que, eventualmente, em 1979, .não eram perceptíveis mas que - e referiu o problema da idade de admissão - necessitam de ser ajustados.
Tivemos também ocasião de analisar alguns pareceres de associações consultadas e parece-nos que algumas das observações devem ter cabimento, mas o que é certo é que vemos com satisfação esta proposta de lei e não a inviabilizaremos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: A intervenção que vou fazer sobre esta proposta de lei será praticamente sobre o assunto que já toquei anteriormente porque no resto não nos suscita críticas especiais. De facto, Sr. Ministro, nun-

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ca acreditei que V. Ex.ª quisesse fazer clones mas como V. Ex.ª não é o «Todo Poderoso» que está em toda a parte, logo, não está nos testes psicológicos, não pode evitar a subjectividade que existe em todos esses testes.

O Sr. Ministro da Justiça: - Não é bem assim!

A Oradora: - É assim exactamente, Sr. Ministro. Se puserem à frente de V. Ex.ª um desenho com uma, figura qualquer e V. Ex.ª disser que é uma portagem, o psicólogo dirá: este senhor é a favor dos cortes de estradas, logo, não pode ser magistrado.

Risos do PSD, do PS e do PCP.

De facto, o que há de perigoso no meio disto tudo é o puro arbítrio. Aliás, Sr. Ministro, usando dos comuns conhecimentos de psicologia que toda a gente tem, a forma como respondeu ao meu pedido de esclarecimento, aceitando que houvesse nesta matéria alterações, embora dizendo que estava a .ver fantasmas, radicou em mim, e penso que em mais gente, a convicção de que V. Ex.ª também está preocupado com esta matéria e que não quererá que a arbitrariedade se instale na classificação dos candidatos com a chapa «favorável» ou «não favorável» só porque tiveram o azar de interpretar um desenho de uma forma que o psicólogo achou que não cabia num perfil que - e V. Ex.ª admitiu um perfil, o que para mim é muito preocupante - será o de um magistrado que sabe enfrentar os problemas da liberdade e da honra. Mas sabe enfrentar de que maneira? Que convicções se exigem a essa pessoa? Como é que o psicólogo ou os três psicólogos, depois do júri de recurso, vão interpretar aquilo?
Sr. Ministro da Justiça, é tremendo que se inclua na classificação de um magistrado um modelo que é uma espécie de atestado de robustez, segundo V. Ex.ª, ou seja, diz que aquele magistrado aguentará a possibilidade de mandar um homem para a cadeia! V. Ex.ª definiu um perfil e eu acho isso preocupante. E acho tanto mais preocupante quanto é certo que há crispações no meio forense, como V. Ex.ª sabe, e crispações acrescidas! Não sei, ouço muita coisa, mas parece que terá a ver com um perfil que se diz que deve ser o de um magistrado, enfim, com uma certa distância própria desse tal perfil.
V. Ex.ª sabe que há crispações entre magistrados e políticos; sabe que ocorre uma espécie de judicialização da vida política determinada por uma maior intervenção através da fiscalização da constitucionalidade das leis, através da fiscalização de actos administrativos. Há, de facto, uma maior judicialização da política, e V. Ex.ª está a criar um sistema que o ultrapassa a si pois não é só, digamos, para o momento em que V. Ex.ª é Ministro da Justiça e para os anos em que o é. E o que importa saber é se este sistema contém ou não reais perigos. E devo dizer, Sr Ministro da Justiça, que este sistema é perigoso; este sistema conduz a maiores crispações porque não garante a igualdade dos cidadãos no acesso à magistratura dado que poderão ser apreciados dás formas mais diferentes pelo psicólogo que aparece aqui como um «Todo Poderoso».
A terminar, eu pergunto: e quem é que vai fazer o teste psicotécnico ao psicólogo para saber se ele está em condições de avaliar os candidatos?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Com a proposta de lei n.º 139/VII o Governo pretende aprovar uma nova lei orgânica para o Centro de Estudos Judiciários, criado no já longínquo ano de 1979. À data, a criação do CEJ constituiu uma mudança importante no modelo de formação e acesso dos magistrados judiciais e do ministério público não sendo poucos os que consideravam, com maior ou menor dose de cepticismo, que se estava perante uma verdadeira ruptura do sistema.
De resto, importa recordar que a criação do CEJ se, a um tempo. respondia à necessidade de alterar o sistema de formação dos magistrados, por outro. procurava também responder à evidente carência de juízes e magistrados do Ministério Público, dificuldade que foi tanto mais realçada quanto era imperioso dar cumprimento às novas exigências decorrentes da aprovação da Constituição de 1976. Não são desconhecidas as vulnerabilidades, deficiências e dificuldades ainda existentes nos nossos tribunais, que vão desde as infra-estruturas físicas à falta de funcionários judiciais e a um ainda incipiente recurso a novas tecnologias, absolutamente indispensáveis para a desejada aceleração processual. Muitas das vezes, reconheça-se, estes problemas não resultam tanto da falta dos equipamentos mas da ausência de formação adequada e indispensável à sua eficiente utilização. É que tribunais há em que estão disponíveis equipamentos informáticos e de gravação de prova em audiência cuja utilização não é feita ou é feita deficientemente por ausência de quem, de forma habilitada, saiba deles retirar todos os benefícios e proveitos.
Também importa reconhecer que, no plano legislativo, é imperioso continuar o esforço das reformas já iniciadas em legislaturas anteriores, sem as quais não será possível corresponder e satisfazer os anseios e necessidades dos cidadãos quando esperam uma justiça melhor e mais pronta.
De resto, estão hoje na primeira linha da discussão destes problemas questões novas, que vão da crescente mediatização da justiça às relações do mundo judicial com o poder político, da efectiva garantia do segredo de justiça - agora, aliás, com tutela constitucional, por iniciativa do PSD - à forma como devem ser geridas as magistraturas com inteiro respeito pela independência, tanto dos juízes como dos tribunais.
Em todas estas questões, o Centro de Estudos Judiciários, que é uma entidade privilegiada na formação dos magistrados, pode desempenhar um relevante papel contribuindo para um maior rigor na sua discussão.
Já agora, Sr. Ministro, direi que, se a qualificação pessoal e profissional dos futuros magistrados é elemento essencial para a boa administração da justiça, também o é, igualmente, a formação dos novos advogados, pelo que nos parece ser tempo de o Estado corresponder aos legítimos apelos da Ordem dos Advogados nesse sentido, estabelecendo com esta os adequados mecanismos de indispensável cooperação.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Uma palavra mais em relação a um aspecto, que, aliás, o Sr. Ministro teve oportunidade de aqui assinalar e que tem a ver com o reconhecimento, que me parece justíssimo, do papel que o CEJ tem tido no domínio da cooperação.

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Muitas vezes, fala-se em cooperação cultural entre os povos e esquece-se de realçar aquilo que é um aspecto essencial deste mesma cooperação cultural, que tem a ver com a similitude de sistemas jurídicos que hoje existe entre Portugal e a maioria dos países africanos de língua oficial portuguesa, que é uma vantagem enorme e julgamos que recíproca para todos os países e que abre um campo de relacionamento cultural, porventura ainda não totalmente explorado, mas, sobretudo, ainda não particularmente sublinhado naquilo que tem de importância estratégica para este mundo lusófono que todos constituímos. Julgo que foi particularmente apropriado este realçar desse papel do CEJ, que me parece merecer inteiramente e com justiça essa referência que o Sr. Ministro fez e que eu quis agora sublinhar.
Sr. Ministro, Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a esta proposta de lei, queria destacar quatro ou cinco questões que me parecem dever merecer alguma reflexão da Assembleia da República, sem prejuízo de o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata estar disponível para, de uma forma convenientemente célere, discutirmos e votarmos esta proposta de lei, atendendo aos interesses e à importância da matéria que aqui está compreendida. Essas matérias, Sr. Ministro, têm a ver com o seguinte: julgamos positivo o reforço do papel dos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público na formação dos magistrados. Julgamos que a proposta de lei vai no bom sentido neste domínio e, portanto, queria realçar positivamente esta matéria.
Uma outra questão - que, aliás, tem particular destaque na «Exposição de motivos» da proposta de lei e teve também destaque na referência que o Sr. Ministro fez tem a ver com a idade de ingresso no CEJ. A proposta de lei adianta que essa idade de ingresso deve passar dos 23 para os 25 anos e apresenta como justificação para esta alteração duas ordens de razões: a primeira é a conveniência de a entrada no CEJ não corresponder a um acesso directo e primeiro à entrada no mercado de trabalho; a segunda é uma forma de garantir uma maior maturidade dos auditores e, portanto, dos futuros juízes e magistrados do Ministério Público. Sr. Ministro, não duvido da bondade de cada uma destas razões, mas permita-me que lhe diga que eu, pessoalmente, não vejo como é que se pode avaliar a diferença entre a maturidade de um cidadão com 23 anos e a de outro com 25 anos! Sempre me dirá o Sr. Ministro que alguns desses aspectos que têm a ver com a maturidade, obviamente, só o tempo resolve. É bem verdade!

O Sr. Ministro da Justiça: - Às vezes, nem o tempo!

O Orador: - Também é verdade: às vezes, nem o tempo!
Sr. Ministro, julgo que, como faz a proposta de lei, remeter para esta alteração a solução de todos os problemas que, neste momento, todos reconhecemos que existem neste domínio, é excessivo. Aliás, julgo que se põe, nesta matéria, uma outra questão, que é esta: só, hoje, é frequente que haja alunos de Direito que terminam o curso por volta dos 22 ou 23 anos, a questão que se pode pôr no futuro, no ingresso ao CEJ, pode ser um pouco ao contrário daquela que se coloca hoje. Ou seja, pode acontecer que, como é impensável que um recém-licenciado em Direito espere dois anos pela oportunidade de se candidatar ao CEJ, porventura, aqueles que são os melhores alunos, aqueles que têm melhores aptidões para a função da magistratura, escolham, porque são compelidos a isso, outras carreiras, outras profissões, outros destinos. E a questão que pode colocar é a de saber se esta dilação no tempo não vai comprometer, a prazo, o âmbito de recrutamento de novos e (o que nós desejamos) cada vez melhores juízes, porque é disso que necessita o sistema judicial. São questões que coloco aqui, porque não me parece totalmente linear que, da opção por esta solução, resulte de forma inatacável aquilo que todos nós desejamos, que é a melhoria do sistema.
A terceira questão que eu queria levantar e que, aliás, já foi abordada pela Sr.ª Deputada Odete Santos, tem a ver com o exame psicológico. Devo dizer que não tenho uma oposição de princípio a este exame, mas julgo que, da forma como a proposta de lei vem elaborada, é conveniente colocar algumas questões para suscitar uma reflexão sobre esta matéria. Desde logo, Sr. Ministro, penso que devemos ponderar aqui até que ponto não será excessivamente gravoso para um candidato que seja chumbado por via da apreciação psicológica, do seu perfil psicológico, no Fm da sua carreira académica. Que repercussão é que isso pode ter para o cidadão? A que exposição ele vai ficar sujeito, porventura de forma prolongada, ao longo da sua vida, por via deste eventual, possível, chumbo psicológico para a função de juiz? Bem sei que o Sr. Ministro pode dizer que aquilo que será apurado é se aquele perfil corresponde à função a que se candidata o respectivo cidadão - isso é verdade. Mas, Sr. Ministro, não deixa também de ser verdade que a sociedade, as empresas e demais entidades podem não entender com toda essa bondade uma tal situação.
Sr. Ministro, como forma de reflectirmos e de podermos, eventualmente, encontrar outras soluções, não seria melhor, prosseguindo o mesmo objectivo, que uma comissão avaliasse outros parâmetros de ingresso, designadamente (e por que não, como hoje se faz) alguns parâmetros de índole científica ou de preparação académica, e avaliasse também, com a predominância que fosse julgada conveniente, este perfil psicológico por forma a que a apreciação final não fosse exclusivamente sobre a questão psicológica, mas fosse uma apreciação de um todo, de um conjunto de parâmetros que devessem ser ponderados? Fica aqui esta sugestão. Porque de facto, Sr. Ministro, as questões que a Sr.ª Deputada Odete Santos colocou, algumas delas até por caricatura, têm alguma pertinência. Quem é que define o perfil de juiz? Quem é que vai definir o perfil de referência mediante o qual uns são admitidos e outros não? Até porque, como se sabe. este exame tem, nos termos da proposta, carácter eliminatório. Sr. Ministro, aprecio que tenha abertura para encarar e discutir estas matérias, porque há aqui questões que vale a pena ponderar.
Depois, Sr. Ministro, também concordamos que os assessores dos tribunais (cargo que, entretanto, foi criado) tenham um acesso privilegiado ao CEJ, no sentido de terem uma quota e não carecerem de fazer os exames a que os outros candidatos estão obrigados, porque me parece que isso corresponde à lógica e ao desenvolvimento normal daquilo que discutimos recentemente aqui, na Assembleia da República, sobre a conveniência de introduzirmos esta figura do assessor nos tribunais, permitindo que estes possam ter depois unia carreira ao nível da magistratura - aqueles que queiram, evidentemente, e desde que para isso tenham condições.
Só mais duas notas, Sr. Ministro: uma, tem a ver com os aspectos das actividades formativas. Sobre esta matéria, direi que temos também dúvidas, não sobre a avalia-

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ção permanente e contínua - que tem, aliás, carácter eliminatório em todas as fases desta formação -, mas sobre a forma como se estrutura aquele período da formação inicial, conforme vem descrito na proposta de lei. Ou seja, neste período de formação inicial, há uma formação teórico-prática e há um estágio, que é intercalado: a primeira fase é feita no CEJ, depois vai-se para os tribunais e, por fim, regressa-se ao CEJ, supostamente para se conferir, em termos teóricos, aquilo que foram dúvidas levantadas na prática, na fase do estágio que já ocorreu nos tribunais.
A questão que se põe, Sr. Ministro, é a de saber se este sistema funciona, se considerarmos aquelas disposições, também da proposta de lei, que obrigam a um acompanhamento nos tribunais por parte dos auditores que estão a fazer o seu estágio, sabendo-se, como sabemos, que esta proposta de lei vai também diferir para o fim do prazo de 22 meses a opção pela carreira de magistrado do Ministério Público ou pela de magistrado judicial. Como é que vai ocorrer esse estágio no tribunal? Quem o vai acompanhar: o magistrado do Ministério Público ou o magistrado judicial? Quando o auditor ainda não optou definitivamente, podem surgir questões complicadas, em termos da eficácia desse acompanhamento, que é essencial para a formação dos magistrados.
Julgo que deveríamos reflectir também sobre esta matéria, porque sobre ela tem recaído, como VV. Ex.as bem sabem, grande parte das críticas de quem tem passado pelo CEJ e tem percorrido este tipo de formação, queixando-se justamente da falta de acompanhamento ou de um acompanhamento mais distanciado, durante o tempo que passam nos tribunais, por parte dos magistrados.
Sr. Ministro da Justiça, quero apenas referir mais um aspecto. Na «Nota justificativa» que acompanha esta proposta de lei, não vi bem fundamentada, ou então percebi mal, a razão de ser da redução da bolsa que está hoje, e desde sempre, reconhecida aos auditores; no curso do Centro de Estudos Judiciários. A proposta de lei diz que eles vão ter direito a uma bolsa correspondente a 50% do índice 100 da escala indiciária das magistraturas, mas a verdade é que, depois, a «Nota justificativa» do Governo diz que há uma redução, uma vez que essa bolsa passou de 60% para 50% do índice referido. Devo dizer-lhe que não encontrei na proposta de lei esta redução, mas, como a «Nota justificativa» é da autoria do Governo - presumo! -. gostaria que, se pudesse, nos explicasse o que se passa a este respeito, porque esta questão tem algum interesse.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na discussão desta proposta de lei importa ouvir ainda algumas entidades. O Governo já o fez, mas a Assembleia da República não está dispensada de o fazer.
Assim, sem prejuízo da disponibilidade do Grupo Parlamentar do PSD para, rapidamente, discutirmos e aprovarmos na especialidade esta proposta de lei, queremos discutir esta e outras questões de menor importância que estão contidas na proposta de lei agora submetida pelo Governo à Assembleia da República, sem prejuízo de desde já ficar aqui salientada a concordância do PSD em relação a este diploma, na generalidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Centro de Estudos Judiciários criado em 1979 é, hoje, uma instituição respeitada e admirada em todo o País, nomeadamente por quem, por razões de índole profissional ou outras, com ela se relaciona, tendo já formado 1959 magistrados, sendo 1152 juízes e 807 delegados do Procurador da República.
O Centro de Estudos Judiciários teve, e continuará a ter, um papel determinante na formação dos magistrados judiciais e do Ministério Público, capazes, no exercício das suas funções, de satisfazer o melhor possível a defesa e a salvaguarda dos direitos fundamentais, das liberdades, das garantias pessoais e da segurança dos cidadãos.
Tal como é expressamente referido pelas diversas entidades e autoridades ouvidas a propósito desta proposta de lei, é inquestionável que com ela se dão importantes contributos para a melhor organização do Centro de Estudos Judiciários e da formação dos magistrados, no sentido de um maior e mais claro envolvimento dos Conselhos Superiores de ambas as magistraturas.
A formação dos magistrados é das funções mais nobres e também mais decisivas num Estado de direito democrático, como é o caso de Portugal.
Temos consciência de que a sociedade portuguesa passa por um processo de profundas e rápidas transformações económicas, sociais, políticas e culturais, sendo que, sempre que assim acontece, a litigiosidade social e interindividual tende a aumentar, em resultado da turbulência que tais transformações provocam nos padrões dominantes das relações sociais.
Por isso, é fundamental inovar, melhorar e corrigir em alguns casos situações que a experiência aconselha a alterar.
Como Sua Excelência o Presidente da República teve oportunidade de salientar no seu discurso, por ocasião da Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial em curso: «Não há serviço público de Justiça digno de tal designação quando os seus utentes, que, no caso, são todos os cidadãos, tendem a desesperar de uma justiça pronta, eficaz e equitativa. E o mal-estar instalou-se por tanto tempo que melhorias, evidenciadas pela estatística dos tribunais, ainda não entraram na percepção de todos.
O perigo começa aqui. É que as crises de confiança exprimem-se sempre, e entre nós também, por uma generalizada e natural inquietação quanto ao futuro. E tal inquietação é pasto fértil para todos os populismos, que acabam sempre por degenerar em perversões mais ou menos alargadas da democracia. Esses populismos vão desde um polícia em cada esquina ao agravamento acelerado das penas de prisão e não raro acabam na exigência de certas medidas punitivas, que há muito repudiámos».
Se o estado da justiça nos põe em sobressalto, é também necessário que ela nos interpele, como muito bem referiu o Presidente da República na mesma ocasião. É na esteira deste entendimento que analisamos e valoramos a proposta de lei do Governo.
Tal como se refere na «Exposição de motivos», os problemas da morosidade da justiça - que os há - não encontram solução com o «aumento exponencial de magistrados». Com efeito, é hoje indiscutível que este problema é dos mais sérios com que se defrontam os tribunais portugueses, e não só, importa salientar.
Ora, não é o simples aumento do quadro dos magistrados que vai resolver tão grave problema. O que importa é conseguir uma mais racional distribuição dos magistrados,

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o recurso cada vez mais intensivo e sistemático às novas tecnologias, a libertação dos tribunais das funções certificadoras para efeitos fiscais, bem como a simplificação das chamadas «acções de massas», que abundam nos tribunais.
O direito do acesso à justiça, para além de constituir um direito fundamental, com consagração constitucional, é absolutamente decisivo para a existência de uma verdadeira cidadania.
Não pode deixar de se considerar a celeridade processual como uma vertente muito importante do direito de acesso à justiça. Não há democracia sem o respeito pela garantia dos direitos dos cidadãos, os quais não existem como tal se o sistema jurídico e judicial não for de livre e igual acesso a todos os cidadãos e os processos ultimados em tempo útil, por forma a que as decisões judiciais sejam eficazes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É convencimento do Grupo Parlamentar do PS, na esteira do entendimento das instituições, entidades e organizações de classe ouvidas a propósito da presente proposta de lei, que estamos perante uma proposta com mudanças substanciais, ainda que sem rupturas estruturais, que visa, sobretudo, um melhor aperfeiçoamento da formação dos magistrados judiciais e do Ministério Público, com soluções novas para os novos problemas com que nos deparamos.
Da mesma forma, não poderemos deixar de salientar que a apresentação da presente proposta de lei vem também ao encontro do Programa do Governo e das preocupações então referidas, nomeadamente as que se relacionam com a melhoria da qualidade cívica e técnica dos magistrados.
No que diz respeito à organização do CEJ, permitimo-nos salientar a criação obrigatória de delegações nas sedes dos distritos judiciais, possibilitando-se assim um melhor acompanhamento institucionalizado dos auditores de justiça nos períodos de actividades junto dos tribunais. As delegações regionais poderão, assim, ser verdadeiros pólos de formação, a desenvolver em colaboração com o CEJ, os Conselhos Superiores das magistraturas, a Ordem dos Advogados e o Conselho dos Oficiais de Justiça.
Alteração também muito importante é a do reforço do papel interventivo dos Conselhos Superiores de Magistratura e do Ministério Público no funcionamento de instituição e na formação dos magistrados.
A elevação da condição de ingresso no CEJ, no tocante à idade, de 23 para 25 anos merece igualmente a nossa concordância e aplauso.
Tal como é referido no parecer do Conselho Superior de Magistratura a propósito da proposta de lei em discussão, retirar a entrada no CEJ do mercado imediato procurado pelos recém-licenciados em direito permitirá, sem dúvida, uma opção mais consciente e reflectida, numa altura em que se pretendem reunir as cautelas que evitem o ingresso na magistratura dos que não satisfaçam requisitos cívicos e de personalidade adequados. Não está em causa a retirada de uma simples saída profissional imediata mas, sim, a necessidade de adquirir mais maturidade.
Por outro lado, é muito importante a possibilidade, agora consagrada, do ingresso no CEJ dos assessores dos tribunais judiciais.
A proposta de lei do Governo inova também na área da formação profissional.
Merece o nosso aplauso o compromisso, que agora é bem mais significativo, entre a formação teórica ministrada no CEJ e a formação prática nos futuros locais de trabalho dos auditores de justiça.
Por certo, a qualidade mais importante dos magistrados judiciais é, ou deve ser, o seu empenho na defesa dos direitos dos cidadãos. Por isso, é indispensável uma exigente e decisiva preparação técnico-jurídica dos futuros magistrados. Estas duas qualidades, a par da sua independência, constituem. por certo, qualidades fundamentais de qualquer magistrado.
Formar futuros magistrados constitui uma especial responsabilidade, à qual não deve ser estranha uma exigibilidade acrescida, quer para o ingresso no CEJ, quer nas magistraturas: a de que não esqueçamos que num Estado de direito democrático a salvaguarda dos direitos fundamentais, a liberdade, a segurança dos cidadãos e o respeito pela legalidade burocrática dependem, em último caso, dos magistrados.
Em suma, o quadro orgânico em causa há muito carecia de uma revisão global que reflectisse as mutações sociais e criasse condições de formação que, preparassem devidamente aqueles que servem a justiça para o fazerem de forma eficaz, humana e competente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero agradecer as referências várias dos Srs. Deputados e a boa participação que estamos a ter na discussão desta proposta de lei.
Vou apenas fazer algumas observações finais.
Penso que não terá havido lapso no envio deste diploma à Assembleia. No entanto, como já ouvi aqui duas versões sobre o facto de a idade mínima de ingresso passar de 23 para 25 anos, esclareço que não é isso o que diz a proposta de lei. O que ela diz é que o candidato tem de ter dois anos de licenciatura, o que é diferente. É que se assim não fosse, poderíamos entrar no jogo de premiar os cábulas que andam na faculdade mais anos para tirar o curso!
Naturalmente - e agora refiro-me em especial à intervenção do Sr. Deputado Miguel Macedo -, todos temos de aceitar que não é por se ter mais dois anos que a maturidade já está completamente alterada. É óbvio que não! Pretende-se dois anos de licenciatura, porquê? - e, devo dizei, que pessoas e entidades houve que queriam três e até quatro anos. Para fugir precisamente ao risco, que existe sempre, Sr. Deputado, é óbvio que existe sempre. de pessoas que são melhores, com mais capacidades, se deixarem descoroçoar, o que é natural, por não terem a capacidade de acesso ao CEJ e irem para outras profissões que não têm ou não teriam esses limites.
Hoje, como todos sabemos, há milhares de licenciados em Direito saídos das nossas faculdades de Direito, e escusamos de discutir esta magna questão, que já está farta de ser discutida e evocada das mais diversas maneiras, algumas delas, aliás, menos felizes. A verdade é que isto dá prazo para fazerem outros trabalhos, como, por exemplo, o estágio de advocacia ou outros. ganhando alguma prática jurídica, que não é uma prática judiciária certamente, e não me refiro aos assessores, porque estes têm uma outra via de entrada no CEJ, o que constitui por si, isso sim, mais do que os dois anos, um acréscimo de maturidade intelectual e, sobretudo, de capacidade de lidar com

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situações jurídicas práticas, coisa que, como sabemos, nas faculdades, e nem será essa, porventura, a sua vocação fundamental, não acontece.
O que queremos é que quem vá para o CEJ tenha uma intenção suficientemente forte, atrever-me-ia mesmo a falar numa vocação, que possa resistir, digamos assim, dois anos de alguma espera que terá de fazer, aproveitando esse prazo para fazer um estágio de advocacia, encontrar um outro emprego na área jurídica, e esse, sim, constitui uma mais-valia, um acréscimo de experiência e, naturalmente, de maturidade. Portanto, Sr. Deputado Miguel Macedo, a idade de ingresso não passa dos 23 para os 25 anos. No entanto, houve uma fórmula que era assim, 23 para 25 anos, que depois emendámos precisamente para os dois anos posteriores...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor, embora o tempo de que disponho já não seja muito para permitir a interrupção, mas ....

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Ministro, não há problema, porque o PSD cede I minuto e 42 segundos e vou ser muito breve.
Sr. Ministro, é bem verdade que na proposta de lei não vem essa referência à idade, mas não deixa de ser menos verdade que, na «Exposição de motivos», página 3, se diz o seguinte: «(...) se eleva a idade mínima de ingresso, idade que para os restantes candidatos se eleva também, dos actuais 23 anos na data da abertura do concurso para 25 anos». E depois, mais impressivo do que isso, Sr. Ministro, na «Nota justificativa», do Gabinete do Sr. Ministro da Justiça, na alínea d), diz-se exactamente isto: «(...) estabelece novo sistema de ingresso com elevação para 25 anos da idade mínima e introdução de exame psicológico aos candidatos, com natureza eliminatória».

O Orador: - Só prova, Sr. Deputado, que até os mais perfeitos se enganam!

Risos do PSD.

Até os mais perfeitos se enganam, Sr. Deputado. Ou melhor, a excepção confirma a regra: aqueles que fazem o trabalho perfeitinho, às vezes, também se enganam. Mas, enfim, está explicado, e podemos dividir as culpas, se V. Ex.ª assim o entender, em 50% para mim e 50% paia a bancada do PSD. Parece-me um negócio relativamente fair!
Em relação ao exame, já tive ocasião de explicar o que se pretendia. Admito que a fórmula da lei possa não ser a mais feliz, já o admiti, mas penso que poderemos, para acabar com os fantasmas da Sr.ª Deputada Odete Santos, com a qual, em relação a psicologia, ainda fiquei com mais vontade de conversar depois do freudiano ataque que V. Ex.ª teve com as portagens e com os cortes de estrada, o que prova que a psicologia está sempre presente até nas intervenções muito doutas de V. Exª,...

Risos do PSD.

... que tem esse fantasma do corte de estrada, que pensei que já tivesse passado com o tempo...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não! Os fantasmas são do Sr. Ministro da Justiça e do Governo!

O Orador: - Aqui há tempos, eram do Sr. Ministro da Administração Interna. Agora já passaram para mim!
Bom, mas tudo isto foi um parêntesis.
Sr. Deputado Miguel Macedo, em relação aos testes, estamos perfeitamente abertos para, na especialidade, estudar com VV. Ex.as uma fórmula alternativa. Pensámos, por exemplo, na possibilidade de uma entrevista, como há, ou havia pelo menos, no acesso à carreira diplomática, mas não sei se ainda existe, destinada a apurar também um conjunto de qualidades, porque não é só saber Direito temos de aceitar que não é só saber Direito que torna o candidato num bom candidato a juiz ou a magistrado do Ministério Público -, ou um teste. mas com uma fórmula mais apurada que não permita criar os fantasmas, que, repito, apesar de serem fantasmas, admito que possam ter algum fundamento, trazidos aqui pela Sr.ª Deputada Odete Santos.
Em relação ao montante da bolsa ser 50% ou 60% do índice 100 da escala indiciária das magistraturas, Sr. Deputado Miguel Macedo, o que se passa é o seguinte: até agora, havia um ano no CEJ e um ano nos tribunais, que não era de estágio, o estágio era depois. V. Ex.ª referiu-se a estágio em sentido geral do termo e não técnico-jurídico.
Ora bem, o que é que se passa aqui? Há três períodos seguidos, e pensamos que é uma boa solução: um período de seis meses e meio no CEJ no CEJ: um período de um ano nos tribunais; e um regresso ao CEJ para terminar. Pensamos que isto é uma das grandes inovações do diploma e que é positivo, na medida em que se permite ao candidato uma experiência prática no meio de duas formações a que chamamos teóricas, mas, gostaria de insistir, a formação deve ser teórico-prática, porque o CEJ não pode ser uma escola de mestrado, e, em minha opinião, houve algum encaminhamento nesse sentido; que temos de emendar. O CEJ tem de ser uma escola de magistratura eminentemente prática. As pessoas não vão para lá para reaprender o que, eventualmente, não aprenderam nas faculdades. Vão para lá para ter um curso prático.
Pergunta V. Ex.ª: como se faz o acompanhamento? Como se faz hoje no ano que se passa nos tribunais, com os directores do CEJ, com os magistrados, mas, sobretudo, com o CEJ, que tem os seus magistrados directores de estágio e repartidos pelas várias delegações do CEJ. E penso que este trabalho, do que conheço, e não o conheço in loco, tem decorrido de uma forma absolutamente consensual e positiva.
Daí que tivéssemos feito a opção - e penso que não é isto que vai afectar os futuros senhores auditores - de apenas ter para o conjunto do período os 50%, porque não haveria razão para continuar a ser como tinha sido até agora. Isto é, até este momento era um ano no CEJ e um ano no tribunal, mas agora não.. Agora há 3 períodos, como já expliquei (há um período intermédio no tribunal entre dois períodos do CEJ), e, como é evidente, não iríamos dizer que o montante da bolsa é 50%, 60%, 50% do índice 100 da escala indiciária das magistraturas.
Esta é, enfim, uma opção que tomámos, mas, a meu ver, este é um tipo de matéria sobre a qual não temos uma ciência absoluta e inevitável. Porém, entendemos que é uma opção perfeitamente possível.
Termino dizendo que me congratulo pelo consenso generalizado, salvo naturalmente as questões levantadas por VV. Ex.as, que são, em boa parte, pertinentes e merecem discussão aprofundada em sede de especialidade, e pela forma como decorreu o debate e, tanto eu como os Srs. Secretários de Estado, designadamente o Sr. Secretário de Estado Adjunto, estamos à disposição de VV. Ex.as para os trabalhos na especialidade.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Muito obrigado, Sr. Ministro da Justiça. Aproveito para informar que V. Ex.ª usou tempo cedido pelo Partido Socialista.
Visto não haver mais intervenções, dou por terminada a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 139/VII, cuja votação será amanhã no período regimental de votações.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, com início às 15 horas, e terá um período de antes da ordem do dia e do período da ordem do dia constará a discussão da proposta de resolução n.os 54/VII - Aprova, para ratificação, os Actos e Declarações da União Postal Universal, relativos ao Congresso de Seul, de 1994, a discussão da proposta de resolução n.º 62/VII - Aprova, para ratificação, a alteração ao n.º 2 do artigo 43.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução n.º 50/155 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 21 de Dezembro de 1995, a discussão da proposta de resolução n.º 65/VII - Aprova, para ratificação, a alteração do Anexo A da Convenção para a Criação do Gabinete Europeu de Radio comunicações (ERO), adoptada na reunião do Conselho da Organização que teve lugar em 8 de Março de 1996, em Cascais, Portugal, e a discussão da proposta de resolução n.º 74/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção que institui o Gabinete Europeu de Telecomunicações (ETO), aberta para assinatura em Copenhaga, em 1 de Setembro de 1996.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
José Augusto Gama.
José Mendes Bota.
Manuel Acácio Martins Roque.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Henrique José de Sousa Neto.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Marfim Afonso Pacheco Gracias.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

António Manuel Taveira da Silva.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Manuel Castro de Almeida.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.,

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Armelim Santos Amaral.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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Depósito legal n.º 8818/85

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