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Sexta-feira, 18 de Setembro de 1998

I Série - Número 2
DIÁRIO DA REPÚBLICA
VII LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE SETEMBRO DE 1998

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes de ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da apreciação parlamentar n.º 54/VII, de requerimento e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Carmen Francisco (Os Verdes) insurgiu-se contra a gestão de resíduos industriais que está a ser feita pelo Governo.
O Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP) chamou a atenção para a situação dos trabalhadores-estudantes e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Fernando de Sousa (PS).
O Sr. Deputado Carlos Marta (PSD) criticou o Governo por apoiar a decisão da Comissão Executiva encarregue da candidatura à organização do Campeonato da Europa de 2004 em Portugal, que esqueceu o interior do País e, de uma forma especial, a região de Viseu. Respondeu, depois, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Domingos Cordeiro (PS).
Foram aprovados o voto n.º 130/VII - De protesto pela falta de resposta do Governo aos problemas da lavoura nacional (CDS-PP), bem como a proposta de substituição apresentado pelo mesmo partido. Usaram da palavra, a diverso título, além dos Srs. Ministros da Administração Interna (Jorge Coelho) e dos Assuntos Parlamentares (António Costa), os Srs. Deputados Helena Santo (CDS-PP), Azevedo Soares (PSD), Lino de Carvalho (PCP), Carmen Francisco (Os Verdes), Francisco de Assis (PS), Luís Queiró (CDS-PP), Luís Marques Mendes e Pacheco Pereira (PSD).

Ordem do dia. - O projecto de lei n.º 534/VII - Reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade Mirandesa (PS) foi discutido e aprovado na generalidade, tendo baixado à 6.ª Comissão. Intervieram, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Júlio Meirinhos (PS), Cruz Oliveira (PSD), José Calçada (PCP), Moura e Silva (CDS-PP) e Fernando de Sousa (PS).
Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 182/VII - Altera a Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro [Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (LOTJ)). que foi aprovada e baixou d 1.ª Comissão. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Francisco Peixoto (CDS-PP), José Magalhães (PS), Odete Santos (PCP), Antonino Antunes (PSD) e Joaquim Sarmento (PS).
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Luís Marques Mendes (PSD) protestou pelo facto de o Sr. Ministro da Agricultura estar a dar uma conferência de imprensa num órgão de comunicação social e não ter estado presente aquando da discussão do voto n.º 130/VII, apresentado pelo CDS-PP, tendo-se seguido no uso da palavra os Srs. Deputados Acácio Barreiros (PS), Lino de Carvalho (PCP) e Luís Queiró (CDS-PP).
Foi aprovado, no generalidade, o projecto de lei n.º 530/VII - Privatização do notariado (PSD), tendo baixado à 1.ª Comissão.
A Câmara aprovou, ainda, um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos. Liberdades e Garantias no sentido, de autorizar um Deputado do PSD a prestar depoimento, por escrito, em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Maninho.
António de Almeida Santos.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Dinis Manuel Prata Costa.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Oliveira de Sousa Peixoto.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge Lúcio Arsênio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.

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Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Vasco Manuel Henriques Cunha.
Sousa Moutinho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Pedro José Dei Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Carmen Isabel Amador Francisco.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a seguinte iniciativa legislativa: apreciação parlamentar n.º 54/VII - Decreto-Lei n.º 231/98, de 22 de Julho, que regula o exercício da actividade de segurança privada (PSD).
Foram apresentados à Mesa, no dia 15 de Setembro de 1998, os seguintes requerimentos: ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.
Entretanto, o Governo respondeu, no dia 14 de Setembro de 1998, a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Filipe Abreu, na sessão plenária de 19 de Junho; Luísa Mesquita, no dia 7 de Julho; Arménio Santos, no dia 21 de Julho.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carmen. Francisco.

A Sr.ª Carmen Francisco (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Decorre a fase de consulta pública do Estudo de Impacte Ambiental do chamado «Projecto de Eliminação de Resíduos Industriais, pelo Sector Cimenteiro», vulgo processo de co-incineração
Imediatamente após a aprovação em Conselho de Ministros daquilo a que o Governo chamou, sem o ser, a Estratégia de Gestão de Resíduos Industriais, Os Verdes

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tiveram a oportunidade, aquando de uma interpelação ao Governo, de afirmar, nesta Câmara, a sua discordância face à pseudo-solução da incineração em fornos de cimenteiras, com base nos mesmos pressupostos que nos levam a não ter como credível, em termos ambientais, a incineração em instalações apenas para esse efeito.
Para nós, qualquer uma dessas incinerações não resolve as questões de poluição e de saúde pública que o problema envolve, apenas as transfere do solo para o ar. Poder-se-á discutir, de entre ambas, qual a menos má. O Governo e os promotores do projecto pretendem situar a discussão neste nível mas nós não deixamos que ela pare aqui. É que, ainda que se comprove, tecnicamente, que a incineração é peça fundamental de um sistema de gestão de resíduos industriais, falta a este Governo apresentar todas as restantes peças.
Desde logo, as tão sublinhadas por nós, que até já parece fixação, quantificação e qualificação dos resíduos industriais produzidos no nosso país - é que o projecto agora em consulta pública assenta nas estimativas da empresa Tecninvest que serviram de base ao inventário que havia sido feito para o projecto da incineradora, em 1994, mas continuamos sem saber até que ponto são fiáveis estas estimativas -, depois, os aterros para resíduos industriais, que a estratégia governamental deixa à iniciativa e critérios privados, demitindo-se politicamente da questão.
De acordo com os números do próprio Governo, Portugal produz 2 500 000t de resíduos industriais por ano, dos quais, 125 000 são classificados como perigosos e, destes, 16 000 incineráveis. As cimenteiras propõem-se incinerar cerca de 100 000t por ano e utilizar mais 25 000 em substituição de matérias-primas. Ficam ainda fora do sistema 2 375 000t, 109 000 das quais de resíduos perigosos.
Mas o aspecto que pretendo abordar hoje prende-se com o modo como este negócio da co-incineração aparece disfarçado de estratégia nacional para os resíduos industriais.
É interessante verificar que o Memorando de Entendimento entre o sector cimenteiro, proposto por este, e o Ministério do Ambiente é anterior - 9 de Maio de 1997 - à aprovação da Estratégia de Gestão de Resíduos Industriais, aprovada apenas em Junho de, 1997, ou seja, um mês depois.
É também sabido que a Secil e a Cimpor pretendem a co-incineração nas fábricas da Arrábida e de Alhandra e que vieram já ameaçar que os custos por tonelada incinerada aumentarão no caso de serem escolhidas as fábricas de Souselas ou Maceira. Tanto mais que o seu pedido inicial de licenciamento ocorre apenas para aquelas duas fábricas.
Manipulados de qualquer decisão isenta é, ainda, o facto de o acordo com o Governo definir, à partida, que as cimenteiras escolhidas serão uma da Secil e outra da Cimpor.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço desculpa pela interrupção.
Srs. Deputados, não há silêncio suficiente na Sala para a Sr.ª Deputada se fazer ouvir. Agradeço que deixem de conversar uns com os outros e que guardem o silêncio necessário.
Queira prosseguir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Por outro lado, todos os resíduos a co-incinerar passarão por uma estação de tratamento no Barreiro, a qual não tem qualquer alternativa de localização, o que serve ainda para justificar a escolha de Alhandra e Arrábida como as cimenteiras mais próximas.
Parece-me interessante lembrar aqui as palavras proferidas, nesta Câmara, pelo Deputado José Sócrates, que, entretanto, já foi Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente. Dizia ele, a propósito de uma interpelação ao Governo sobre resíduos apresentada pelo Partido Ecologista Os Verdes, em Maio de 1993, que tinha havido «incompetência relativamente à questão da localização» - na altura, falava-se da incineradora. Isto porque, e cito, «a questão foi tratada com demasiado secretismo e depois o Governo espanta-se que as autarquias reajam desfavoravelmente a uma decisão, digamos assim, imposta». Infelizmente, pelos contornos que o processo toma agora, estas palavras parecem começar a aplicar-se à co-incineração.
Quer a fábrica de Alhandra, quer a da Arrábida estão muito perto ou mesmo dentro de áreas protegidas, ameaçando já valores ambientais de reconhecido interesse, como os estuários do Sado e do Tejo, zonas de protecção especial, no âmbito da Directiva Habitais e da Avifauna, e zonas húmidas, de acordo com a Convenção de Ramsar. Acresce que a fábrica de Alhandra se encontra dentro do perímetro urbano desta vila.
Não é de modo algum aceitável o argumento de que as, cimenteiras e as pedreiras a elas associadas já aí se encontram e que, portanto, os efeitos perversos no ambiente e na saúde pública já estão presentes. Os erros cometidos no passado não justificam, nos nossos dias, em que o conhecimento sobre o impacte destes projectos é incomparavelmente maior, a manutenção e o agudizar dos problemas. Do mesmo modo, a classificação de novas áreas, como a Reserva Marinha da Arrábida, não justifica a permissão da contínua destruição de outras.
Preocupa-nos ainda a afirmação da Sr.ª Ministra de que as pedreiras desactivadas poderiam ser aterros «naturais».
Todo este processo se nos afigura como uma forma de perpetuar as cimenteiras em locais ideais, em termos do negócio, mas extremamente prejudiciais para populações e património natural, ao mesmo tempo que as pedreiras desactivadas, ao invés de significarem um custo para o industrial na sua selagem e recuperação, significam nova oportunidade de negócio, o que não é ilegítimo para o industrial mas inaceitável num ministério do ambiente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aquilo que se esperava de uma entidade responsável por defender o ambiente e as populações seria a promoção de um levantamento sério e rigoroso de quanto e quem produz resíduos industriais em Portugal; a promoção de um plano nacional de investimentos para a modernização da indústria que permitisse e, simultaneamente, obrigasse à redução significativa da produção de resíduos; a definição dos vários destinos finais possíveis, depois da reciclagem e reutilização, com o estudo de todos os métodos aplicáveis tecnicamente e não apenas da incineração; um controlo eficaz desses destinos, para que não continue o despejo ilegal de resíduos pelo País.
Esperava-se ainda que a definição destas medidas tivesse como critério a minimização dos custos ambientais e de saúde pública e não a perspectiva de lucro de um determinado sector.

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Nesta altura, deste Governo, já esperamos muito pouco. Acreditamos, contudo, que as populações não permitirão que contra elas e os seus recursos naturais se cometa mais este atentado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para intervenções, no período destinado ao tratamento de assuntos de interesse político relevante, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Marta e Bernardino Soares.
Uma vez que o Sr. Deputado Carlos Marta não se encontra presente, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São muitos milhares os jovens que todos os anos se vêem excluídos do ensino, seja na escolaridade obrigatória, seja noutro qualquer nível de ensino. E, de facto, são verdadeiramente excluídos. São excluídos porque o ensino, mesmo na escolaridade obrigatória, está longe de ser gratuito e, portanto, acessível a todos; são excluídos porque tantas vezes a escola não responde aos seus anseios e às suas dificuldades; são excluídos quando a escola é longe, de difícil e demorado acesso; são excluídos porque tantos deles e as suas famílias precisam, para sobreviver, de mais dois braços entregues a um qualquer patrão, quase sempre por um salário miserável mas de que necessitam literalmente como de pão para a boca.
Por estas e por tantas outras razões são muitos os que cedo deixam o ensino. Mas nem por isso deixam de ter direito a ele, nem por isso deixam de ser cidadãos a quem não pode ser negado o acesso à educação, à formação e à cultura.
Portanto, é preciso garantir que quem trabalha pode também, em simultâneo, estudar. E preciso garantir a protecção dos direitos dos trabalhadores-estudantes. A existência de um estatuto do trabalhador-estudante, em que se definem e protegem os seus principais direitos, é, por isso, um importante instrumento.
O primeiro estatuto, de 1981, cumpriu, em parte, essa função, sendo que a sua aplicação cedo evidenciou algumas carências, nomeadamente no que diz respeito, aos estabelecimentos de ensino, e foi fortemente ignorada e boicotada por sucessivos governos, ficando por regulamentar partes fundamentais desse estatuto, durante os mais de 16 anos que esteve em vigor.
Também por isso, o PCP e a JCP apresentaram um projecto de alteração destas normas que, com projectos de outros partidos, acabou por dar origem a um novo estatuto do trabalhador-estudante, o qual ficou, em vários aspectos, aquém daquilo que seria justo e necessário para os trabalhadores-estudantes mas que, apesar de tudo, constituiu, em muitas áreas, um avanço e um aperfeiçoamento em relação às regras até então existentes.
A verdade é que, na contabilidade economicista do Governo e do Ministério da Educação, os direitos dos trabalhadores-estudantes têm pouco cabimento e pouco valor. É que defender os direitos dos trabalhadores-estudantes implica disponibilizar mais verbas para pagar a professores e funcionários, para que as escolas funcionem em horário pós-laboral, implica manter serviços básicos, como cantinas, bibliotecas ou serviços administrativos, a funcionar depois das cinco horas, implica fiscalizar, nas escolas e - imagine-se! - nas empresas, a aplicação desses direitos. Mas isso o Governo não quer fazer.

Por conseguinte, o Governo meteu o novo Estatuto na gaveta e deitou fora a chave. Não o regulamenta, não fiscaliza a sua aplicação e não atribui aos estabelecimentos de ensino as verbas de que necessitam para cumprir o que a lei determina.
Um dos principais instrumentos para que o Estatuto fosse devidamente aplicado seria a criação de um organismo, junto do Ministério da Educação, especificamente vocacionado para os direitos dos trabalhadores-estudantes. Nele estariam representados, obviamente, os próprios trabalhadores-estudantes, as associações de estudantes em geral, os sindicatos e os ministérios mais directamente ligados a esta área. Este organismo nem sequer está por criar desde o ano passado, com a publicação do novo Estatuto, está por criar desde 1981; porque já o estatuto anterior previa a sua criação.
Mas, para o Governo, valores mais altos se levantam. O que é preciso é que a flexibilização e a precariedade laboral aumentem, especialmente para os jovens. E, neste campo, é muito difícil ser trabalhador-estudante. Experimentem os Srs. Deputados perguntar aos trabalhadores das grandes superfícies se lhes é permitido usufruir dos direitos que a lei lhes dá, se podem sair mais cedo para poderem assistir às aulas ou se são dispensados para estudar ou para realizar um exame.
E por isso que o Governo faz de conta que não está
obrigado a regulamentar a lei, que não tem de fiscalizar a sua aplicação nas escolas, que não tem de obrigar os patrões a cumprir e que não tem de aplicar as sanções por violação dos direitos destes trabalhadores.
Mais do que isso, o Governo, na prática, cria as condições para que seja quase impossível às escolas garantirem ensino pós-laboral. É por isso que hoje a rede de escolas que, no ensino básico e secundário, dispõem destes horários é cada vez mais exígua e, na prática, impossibilita a frequência a tantos e tantos trabalhadores. É por isso que, no ensino superior, se tem assistido nos últimos anos a uma sangria desenfreada de acabar com cursos nocturnos que custam caro às escolas e pelos quais o Ministério não atribui mais verbas no Orçamento. É por isso que, no Instituto Superior Técnico, no Instituto Superior de Economia e Gestão, na Faculdade de Letras do Porto e em tantas outras escolas, encontrar ensino pós-laboral é quase como «encontrar agulha em palheiro». O PCP e a JCP não aceitam que esta situação seja tratada como facto consumado e que os direitos dos trabalhadores-estudantes sejam papel de embrulho para o Governo socialista.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa pela interrupção, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, torno a chamar a atenção para a existência de um ruído de fundo na Sala que não permite, nem sequer à Mesa quanto mais aos Srs. Deputados que estão mais longe, ouvir, em condições normais, o Sr. Deputado Bernardino Soares. Agradeço-vos que façam silêncio, Srs. Deputados.
Faça o favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Exigimos o cumprimento da lei, a sua fiscalização, a sua regulamentação, nomeadamente no que diz respeito ao organismo para os assuntos dos trabalhadores-estudantes. Exigimos o financiamento adequado e indispensável para que as escolas de todos os níveis de ensino possam funcionar à noite.

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Ser trabalhador-estudante já é, só por si, difícil, não queremos que o Governo o torne completamente impossível.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Bernardino Soares, inscreveu-se o Sr. Deputado Fernando de Sousa.
Para esse efeito, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, é evidente que comungamos das suas preocupações, aquelas que dizem respeito aos direitos dos trabalhadores-estudantes, e também é evidente que gostaríamos que, em todas as universidades, em todas as escolas, funcionassem cursos pós-laborais que permitissem, justamente, aos estudantes a sua frequência, para poderem, assim, ter aproveitamento no ensino superior.
Mas há alguns problemas que devemos ter em consideração. Sem eximir o Governo das responsabilidades, que tem assumido e assume, temos de ter em consideração que, devido à autonomia das universidades, são as próprias faculdades que têm de definir os horários, indicar os docentes e encontrar fundamentação para o funcionamento de turmas pós-laborais. Isto significa que, para haver o cumprimento da lei e para que o financiamento por parte do Governo seja necessário e possível, é imprescindível que as escolas, atempadamente, antes da abertura do ano lectivo, definam exactamente aquilo que pretendem, em termos de pós-laborais, nomeadamente as necessidades pedagógicas, didácticas, financeiras, etc. Portanto, há aí toda uma responsabilidade das escolas que também não podemos iludir.
Nesta perspectiva, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Bernardino Soares se sabe de escolas que tenham apresentado atempadamente os seus pedidos para o funcionamento do ensino pós-laboral e se tem conhecimento de recusas por parte do Ministério, porque eu, efectivamente, não tenho conhecimento.
De qualquer forma, torno a dizer-lhe que, a este nível, não podemos estar mais de acordo com as afirmações do Sr. Deputado, no sentido de que para resolver a questão tem de haver interesse da parte das escolas e terá de haver, necessariamente, a resposta positiva por parte do Ministério.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, o Sr. Deputado, mais uma vez, vem aqui mostrar concordância com aquilo que acabámos de dizer e com as críticas que acabámos de fazer em relação aos direitos dos trabalhadores-estudantes, mas não pode fazer de conta que não se passou nada nesta Assembleia, no âmbito da matéria dos direitos dos trabalhadores-estudantes. É que aprovámos aqui uma lei, que foi publicada no dia 4 de Novembro de 1997, a qual dava seis meses ao Governo para a regulamentar e para criar o organismo dos trabalhadores-estudantes. Ora, os seis meses acabaram no dia 4 de Maio - e esta obrigação já vinha do estatuto anterior, ou seja, já era uma obrigação do Governo antes de este Estatuto ser publicado -, mas este organismo não foi criado, sendo certo que o consideramos um instrumento fundamental para defender os direitos dos trabalhadores-estudantes e para que este Estatuto se cumpra, como ficou provado pela falta de aplicação do estatuto anterior.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Fernando de Sousa falou depois com a linguagem que é característica do Ministério da Educação e do Partido Socialista, quando toca a apurar responsabilidades nas matérias que dizem respeito ao ensino. Há autonomia e a autonomia é a culpada! Isso não é da responsabilidade do Ministério - diz o Sr. Deputado Fernando de Sousa -, porque as escolas não propõem, as escolas não querem ter ensino pós-laboral. Sr. Deputado Fernando de Sousa, o Sr. Deputado não tem consciência de que o ensino pós-laboral sai muito mais caro às escolas do que o ensino diurno? Tem ou não consciência disto? E não é verdade que, se o Ministério quisesse, efectivamente, garantir o direito de os trabalhadores poderem estudar à noite, se o Ministério estivesse, efectivamente, preocupado com os direitos dos trabalhadores-estudantes, criava condições Financeiras, logísticas e ao nível dos recursos humanos para que as escolas pudessem funcionar à noite?!
Quando o Ministério não dá mais verbas para o funcionamento de cursos pós-laborais, nas escolas do ensino superior em que ainda há cursos pós-laborais, do que a que daria se eles funcionassem durante o dia,...

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Não é verdade!

O Orador: - ... quando é preciso que as faculdades paguem horas extraordinárias aos funcionários e aos professores, quando, de Orçamento do Estado para Orçamento do Estado, o seu Governo reduz o financiamento para cada escola do ensino superior, como é que o Sr. Deputado quer que elas suportem ainda o ensino pós-laboral sem terem qualquer compensação financeira, sem terem, da parte do Estado, o apoio que seria desejável?!
O Sr. Deputado Fernando de Sousa não pode continuar nessa linha simplista e pouco hábil de desculpar as insuficiências e a falta de vontade do Governo em responder a estes problemas com a autonomia universitária, com a culpa dos outros, «sacudindo a água do capote» e fazendo de conta que não há um Ministério da Educação, que não há um Ministro da Educação, que não há uma política educativa e que nada disso tem a ver com o Partido Socialista ou com o Governo. Nós não aceitamos essa explicação, Sr. Deputado!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Marta já se encontra presente, pelo que lhe dou a palavra para uma intervenção.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram anunciados há poucos dias pela Comissão Executiva encarregue da candidatura à organização do Campeonato da Europa de 2004 em Portugal as cidades e os estádios que poderão vir a ser palco deste grande evento desportivo.

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Em nossa opinião, esta decisão, subscrita pelo Governo socialista e em particular pelo Ministro da tutela, Engenheiro José Sócrates, é uma clara e inequívoca falta de respeito pelos homens e mulheres do interior de Portugal e de uma forma especial da região de Viseu. Não poderíamos por isso deixar de manifestar nesta Casa o nosso protesto e transmitir a todos, sem excepção, que a decisão agora tomada é um escândalo.
Ninguém percebe, ninguém consegue explicar, que Viseu, sendo a única cidade do interior candidata à organização de uma fase e tendo todas as condições para levar a efeito um evento desta natureza, tenha ficado de fora, tenha sido excluída e discriminada!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em tempo, os Deputados do PSD eleitos pelo círculo eleitoral de Viseu enviaram ao Sr. Secretário de Estado do Desporto uma carta na qual manifestavam todo o apoio à organização do Euro/2004 em Portugal e, desde logo, o desejo de ver Viseu integrado nas cidades que poderiam acolher tal organização. Fomos igualmente recebidos pelo Sr. Presidente da Federação Portuguesa de Futebol a quem manifestámos igual intenção. Posteriormente, a Câmara Municipal de Viseu apresentou a sua candidatura junto da Comissão Executiva, dando todas as garantias necessárias à realização deste grande evento.
Estávamos por isso convencidos que a Comissão Executiva teria em conta o facto de Viseu ser a única cidade do interior que manteve a sua candidatura até ao final e que, face às excelentes condições a todos os níveis apresentadas, seria uma das eleitas.
Até porque, em declarações prestadas a um jornal desportivo diário de âmbito nacional em Maio do corrente ano, o Sr. Ministro José Sócrates, em resposta à possibilidade de levar esta prova para a Covilhã, sua terra, e portanto para o interior, dizia, e passo a citar: «Digo-lhe mais: haverá jogos no interior do País, se ganharmos esta organização. Obviamente, teremos de escolher bem esses locais, teremos de ver os estádios, as acessibilidades, os transportes, a hotelaria, e olhar para a realidade; isto é para ter êxito, não é para satisfazer egoísmos nem satisfazer vaidades. A UEFA virá cá ver, antes de optar».

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pois bem, o Sr. Ministro não cumpriu a sua palavra. O interior não vai ter direito a nada: Covilhã, Bragança, Évora, Campo Maior, Chaves e também Viseu não têm direito ao desenvolvimento, não têm direito ao progresso, não têm direito aos grandes espectáculos.
Enfim, segundo as palavras do Sr. Ministro, em todas estas cidades há egoísmos e vaidades. Como é possível dizer-se isto? Será que não temos o direito de sonhar?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Infelizmente, o interior não vai ter jogos, no caso de Portugal ganhar a organização do Euro/2004. Foram mais fortes as razões políticas do que as razões técnicas. Senão, vejamos: os critérios e requisitos definidos pela Comissão Executiva e pelo Governo só foram conhecidos por todos nós, público em geral e pelas cidades candidatas, depois de tomada a decisão final. Até ao anúncio formal da escolha dos dez estádios ninguém conhecia os critérios e os requisitos.
Estranho, Srs. Deputados! Onde está a transparência e a igualdade entre todas as cidades candidatas? Porque não foram anunciados antes os critérios? O processo foi inquinado, foi pouco transparente e nada verdadeiro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A escolha de cidades, ao contrário do que diz o porta-voz da Comissão Executiva, não foi entre Viseu e Aveiro. Nós não estamos a dormir! A escolha, como toda a gente percebeu, era entre Coimbra e Aveiro e alguma destas cidades tinha de ficar de fora. Decidir entre uma e outra era difícil para o Governo do Engenheiro Guterres: os dois presidentes de câmara são socialistas!
Mas o «feitiço virou-se contra o feiticeiro». Foram arranjados requisitos e critérios para procurar justificar as opções tomadas, mas, como podemos ver a seguir, Viseu preenche por completo todas as exigências.
Primeiro: Viseu tem uma excelente localização geográfica e com acessibilidades fáceis e rápidas aos grandes centros urbanos, Lisboa e Porto, mas também a Espanha. Esta era até uma boa oportunidade para fazer a A14, a auto-estrada entre Aveiro, Viseu, Guarda e Vilar Formoso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Segundo: Viseu tem um clube - o Académico de Viseu - que participa num Campeonato Nacional e com tradição e condições para estar na 1.ª divisão.
Terceiro: Tem público e assistências garantidas, em particular nos grandes jogos. Hoje mesmo, estando numa divisão secundária, tem mais público a assistir aos jogos do que algumas equipas da 1.ª divisão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quarto: É uma região que adora o futebol. Recentemente, foi organizada uma fase de qualificação para o campeonato da Europa de Sub-18 e, apesar do mau tempo, o apoio e a presença do público foram verdadeiramente excepcionais. No passado, quando o CAF estava na 1.ª divisão, e mesmo na 2.ª divisão de honra, o Estádio do Fontelo tinha boas receitas de bilheteira.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Quinto: Viseu tem tradição no futebol e a sua estrutura associativa é a sexta maior do País, em número de clubes e atletas inscritos;
Sexto: É claro para todos que, sendo Viseu uma cidade do interior e tendo em conta o tal critério de desequilíbrio do País, teria naturalmente de ser escolhida de forma a não se tornar ainda maior o fosso entre o litoral e o interior.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sétimo: Viseu tem hoje um conjunto de infra-estruturas públicas e privadas de grande nível, a nível hoteleiro e desportivo; existem poucas cidades do País que possuam tais condições e estas foram conseguidas, Srs. Deputados, pelo dinamismo dos autarcas, dos empresários e do trabalho da população. Portanto, nada devem a este Governo socialista.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - É verdade!

O Orador: - Oitavo: A Câmara Municipal de Viseu, como lhe competia, deu garantias financeiras e apoio quer para a reconstrução do Estádio do Fontelo quer para a

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construção de um novo estádio. Neste domínio, importa dizer que mesmo que não tivesse havido tais garantias, era este o tempo, a oportunidade para o Governo socialista demonstrar a sua solidariedade para com as regiões do interior, mais desfavorecidas e com menos recursos financeiros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nenhuma outra cidade do País levaria a mal um maior apoio a Viseu, visto que era a única cidade do interior com coragem para apresentar uma candidatura e levá-la até ao fim, apesar de ter muito menos recursos financeiros do que as suas parceiras de candidatura.
Nono: Esta era a oportunidade para o Governo socialista apostar numa cidade e numa região de cerca de 500000 habitantes. Não somos tão pequenos como pensam!
Como podemos verificar, todos os critérios e requisitos definidos tinham aplicabilidade em Viseu. Mas há um argumento que não pode deixar de ser esclarecido, pois o porta-voz da Comissão faltou à verdade: o Estádio de Ponteio não está incluído em nenhuma área protegida.
O Sr. Ministro da tutela até é especialista nesta matéria e sabe que isto foi mais um argumento falso para não dar a Viseu o que merecia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No parque de Ponteio só podem ser construídos equipamentos que tenham a ver com o desporto. A reconstrução ou ampliação do Estádio do Ponteio, ou de outra qualquer infra-estrutura desportiva, é possível e desejável, aliás, como tem vindo a ser feito nos últimos anos. Se assim não fosse, não teria sido possível, recentemente, construir a nova sede da Associação Futebol de Viseu e, no passado, o Centro de Juventude.
É por tudo isto que não conseguimos entender esta escolha e por isso a consideramos uma verdadeira discriminação a Viseu. Sabemos que se tratou de uma decisão política e por isso a nossa revolta.
No momento em que o Governo socialista fala na necessidade de investir no interior, de descentralizar e, sobretudo, de regionalizar, este é o melhor exemplo da demagogia das vossas palavras.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Já chega de diálogo, sorrisos, chá e simpatia. Estamos cansados das vossas promessas!
Lamentável, por isso, á decisão política, da qual o Governo é o primeiro responsável; lamentável escolher oito cidades e 10 estádios todos situados no litoral e deixar de fora a única cidade do interior candidata; lamentável apresentar razões e desculpas que não são verdadeiras; lamentável escolher sete cidades de gestão socialista e apenas uma de gestão social democrata; lamentável deixar de fora uma cidade e uma região de cerca de 500 000 pessoas.
É, pois, por tudo isto que se torna inexplicável a decisão agora assumida pela Comissão Executiva e subscrita pelo Governo. É um escândalo e uma vergonha para um Governo que se diz democrático e que respeita todos os portugueses! Não há diálogo nem simpatia que apague esta discriminação.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É este o protesto que desejo transmitir e a desilusão por ver a gerir os destinos do meu país pessoas que descriminam portugueses. Temos tantos direitos como os do litoral! Também pagamos impostos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No entanto, desejamos que a UEFA atribua a Portugal a organização do Campeonato da Europa de 2004. Sou daqueles, e desde a primeira hora, que pensam que é uma organização de grande importância para o futebol e para o País. E uma oportunidade única de promover Portugal, de melhorar infra-estruturas e incentivar o futebol e o desporto português. Que não haja duvidas sobre isso!
Mas, como dizia, e bem, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Viseu, pode ser que um dia destes, qualquer dia, a Espanha possa organizar um evento desta natureza e que escolha Viseu para ali se realizarem alguns jogos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os homens e as mulheres de toda a região de Viseu saberão, no momento certo, dar resposta a esta injustiça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Cordeiro.

O Sr. Domingos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, para o Grupo Parlamentar do PS, a questão é simples: o PSD, pela voz do Sr. Deputado Carlos Marta e com esta intervenção, focalizou-se muito no distrito de Viseu mas pretendeu, todavia, atribuir-lhe um âmbito nacional, fazendo aqui um contraponto entre o litoral e o interior, fazendo um «choradinho» a que o PS já está habituado.

Risos do PSD.

Na verdade, a questão que está em causa relativamente a esta candidatura, e o PSD faz muito bem em referi-lo, é que, de facto, se trata de uma candidatura de interesse nacional. Aliás, o PSD já o tem feito em relação a outras matérias, na área do desporto, mas quando se trata de assumir esse interesse nacional, o PSD não faz mais do que tentar gerar a desunião. É isso justamente o que está aqui em causa!
O PSD sabe perfeitamente que a candidatura da Federação Portuguesa de Futebol à realização deste evento é extremamente importante para Portugal e todos os portugueses, e naturalmente também para este Parlamento, e vem com argumentos falaciosos, tenta pôr em causa e desunir, quando é fundamental estarmos unidos. O PSD, nesta matéria, tem uma atitude grave para o País, para todo o País, seja o litoral seja o interior.
O PSD sabe perfeitamente que o que foi dito pelo Sr. Deputado Carlos Marta não corresponde à verdade. O País é aquilo que é e V. Ex.ª sabe tão bem quanto eu que, de facto, as decisões a que se chegou, quer da parte da Comissão Executiva, quer da parte da Comissão de Acompanhamento, são subscritas pela Federação Portuguesa de

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Futebol, entidade que candidata à UEFA este acontecimento.

O Sr. Deputado sabe, tal como nós, que foram cumpridos requisitos de isenção em relação a esta candidatura e V. Ex.ª não conseguiu desmontá-los. Aquilo que lhe pergunto, Sr. Deputado Carlos Marta, é o seguinte: o PSD quer, de facto, unir os portugueses ou quer, mais uma vez, criar aqui uma situação de chicana política? O que é que quer fazer na Subcomissão de Desporto, que era suposto estar a trabalhar desde as 15h e 30 minutos de hoje e só não está porque o PSD entendeu fazer esta intervenção neste momento, aliás, desajustado? O PSD quer desunir o País? Quer fazer um inquérito à Comissão Executiva?
Sr. Deputado, em bom rigor e para concluir, aquilo que lhe pergunto é o seguinte: o Sr. Deputado Carlos Marta põe ou não em causa alguma das 10 escolhas feitas para a candidatura a este Euro/2004? Isso é que é importante que diga aqui. Repito, diga se contesta ou não alguns dos 10 estádios que foram escolhidos para este efeito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Domingos Cordeiro, gostaria de dizer que fui chamado pela Mesa, pois tinha a indicação de que, eventualmente, a minha intervenção seria mais tarde. Portanto, não houve aqui qualquer combinação para que a minha intervenção fosse feita neste momento. No entanto, e já agora, respondo às questões que me colocou.
Sr. Deputado, Portugal é só um, mas para o Governo socialista há um Portugal do litoral e um Portugal do interior e quem disse, há seis meses atrás, que se esta candidatura fosse vencedora o interior iria ter uma fase de qualificação foi o Sr. Ministro da tutela; eu apenas tive o cuidado de transcrever e citar na minha intervenção as suas declarações a um jornal nacional.
Portanto, não foi o PSD, foi o Ministro da tutela que disse que uma das fases desta qualificação ia para o interior do País e a única cidade que manteve, com coragem, a sua candidatura até ao fim foi Viseu. Aliás, manteve a sua candidatura e apresentou todas as condições para que fosse possível essa realização.

O Sr. Domingos Cordeiro (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Mais do que isso, e como tive oportunidade de provar da tribuna, cumpria todos os critérios e todos os requisitos que foram anunciados pela Comissão Executiva deixou do anúncio de atribuição dos estádios e das cidades. É bom que se diga aqui que nenhuma cidade tinha conhecimento dos critérios e dos requisitos antes da decisão final, ou pelo menos Viseu não tinha.
Sr. Deputado, há, no entanto, uma coisa que considero grave: é que o senhor é um Deputado do interior, eleito pelo círculo eleitoral de Évora, ...

O Sr. Domingos Cordeiro (PS): - Não se preocupe, Sr. Deputado.

O Orador: - ... pelo que gostaria que se juntasse à minha voz e viesse aqui dizer que o interior está a ser claramente marginalizado nesta matéria. Não é admissível, não é explicável que tenham escolhido 10 cidades situadas no litoral!
Como disse e repito: pagamos impostos, temos direito aos espectáculos, somos portugueses e, portanto, tínhamos também direito a uma organização no ano de 2004. Não por egoísmo nem por vaidade, mas por mérito, porque temos condições desportivas e hoteleiras, temos gente que trabalha e que tem feito um esforço significativo para desenvolver a sua região.
Por isso, Sr. Deputado, que não fiquem quaisquer dúvidas de que o PSD foi o primeiro, em termos nacionais, a manifestar o apoio à candidatura de Portugal ao Euro/2004. Fomos os primeiros a manifestar esse apoio ao Governo porque pensamos que é, de facto, uma organização que pode trazer para Portugal, para o futebol português e para o desporto português um grande prestígio e disso não abdicamos.
Agora, temos o direito de vir aqui dizer que o Governo socialista discriminou claramente Viseu.

Aplausos do PSD.

Vozes do PSD: - Todo o interior, não foi só Viseu!

O Sr. Domingos Cordeiro (PS): - Não respondeu à pergunta Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai passar à leitura do voto n.º 130/VII - De protesto pela falta de resposta do Governo aos problemas da lavoura nacional (CDS-PP).

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto é do seguinte teor: «Considerando que a situação da lavoura portuguesa é, em sectores muito importantes, como a vinha, os cereais e as frutas, dramática;
Considerando que à perda de rendimento dos agricultores se soma, este ano, uma duríssima quebra nas produções citadas;
Considerando que o desespero dos agricultores é compreensível, porque ao seu elevado nível de endividamento corresponde, este ano, uma situação que aproxima muitas explorações de prejuízos incalculáveis;
Considerando que os instrumentos de política para proteger os agricultores são insuficientes, na medida em que não estão previstas ajudas directas ao agricultor em face da situação anómala, e muito preocupante, de 1998;
Considerando, ainda, que os agricultores não beneficiam de verdadeiros seguros de colheita, capazes de abranger uma ampla variedade de riscos e produções;
Considerando, em consequência, que os fundos previstos para as situações de calamidade são extremamente exíguos;
Considerando, por fim, que não tem legitimidade para impor um fortíssimo aparato policial contra agricultores que estão realmente a viver enormes dificuldades um Governo que, há poucas semanas, ignorou a anunciada violação da lei e de uma decisão judicial;
Considerando, em consequência, que a política de ordem pública do Governo tem dois pesos e duas medidas, não assumindo a proporção certa, nem a medida justa, a Assembleia da República, ao abrigo do artigo 78.º do Regimento, decide expressar o seu vivo protesto pela falta de resposta do Governo aos problemas de lavoura nacional».

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entretanto, deu entrada na Mesa uma proposta de alteração, apresentada pelo CDS-PP, do teor dos dois últimos considerandos, passando a ser os seguintes: «Considerando, por fim, que não tem legitimidade para impor um fortíssimo aparato policial contra agricultores que estão realmente a viver enormes dificuldades;
Considerando, mais uma vez, que o Governo não assumiu a proporção certa, nem a medida justa na aplicação da lei, a Assembleia da República, ao abrigo do artigo 78.º do Regimento, decide expressar o seu vivo protesto pela falta de resposta do Governo aos problemas de lavoura nacional».

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, cada grupo parlamentar dispõe de três minutos para se pronunciar sobre este voto.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por dizer que é com alguma surpresa que verificamos que, em vez de estar presente o Sr. Ministro da Agricultura, esteja presente o Sr. Ministro da Administração Interna, o ministro das polícias.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não é a hora dos lobisomens!...

A Oradora: - O PP apresentou este voto de protesto - que, espero, seja aprovado por todas as bancadas -, como forma de repudiarmos a desproporção de meios e de actuação que foram utilizados pelas forças policiais na noite de 15 para 16 do corrente mês, em Ourique.
De facto, não podemos compreender nem aceitamos o fortíssimo aparato policial que foi imposto aos agricultores, que estão, realmente, a viver dias difíceis e para os quais o Governo tem tido uma única resposta: arrogância e desprezo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Com tal atitude, em matéria de ordem pública, o Governo não tem, como devia, medida certa.
Mas, como dissemos há dias, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este não é apenas um problema de incapacidade ou de incompetência do Sr. Ministro da Agricultura, é, fundamentalmente, um problema de responsabilidade do Sr. Primeiro-Ministro. Por isso, lamentamos profundamente que o Primeiro-Ministro de Portugal tenha dito ontem, perante as câmaras de televisão, em resposta ao apelo desesperado dos agricultores, que o Governo já disponibilizou todos os meios necessários e que não pode agir sob pressão.
Quanto aos meios disponibilizados, será que o Sr. Primeiro-Ministro ignora que eles são insuficientes e superficiais? Ignorará o Sr. Primeiro-Ministro que à perda de rendimento dos agricultores se soma, este ano, uma fortíssima quebra nas produções da vinha, dos cereais e dos frutos, que atinge, em alguns casos, quebras da ordem dos 90%? Ignorará o Sr. PrimeiroMinistro que, apesar dessas elevadas quebras, o seu Ministério da Agricultura não apresentou qualquer pedido de ajuda à União Europeia? Ignorará o Sr. Primeiro-Ministro que os agricultores de Portugal não beneficiam de verdadeiros seguros de colheita?

Vozes .do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - E quanto ao agir sob pressão, ignorará o Sr. Primeiro-Ministro que desde a floração, isto é, desde a Primavera, que os agricultores, designadamente os fruticultores, reclamam pela ajuda do Ministério da Agricultura, que nem os tem ouvido? Ignorará o Sr. Primeiro-Ministro que estes prejuízos remontam desde a Primavera e só agora é que o Sr. Primeiro-Ministro diz que não pode agir sob pressão? Onde é que tem estado o Primeiro-Ministro de Portugal?

Aplausos do CDS-PP.

A Oradora: - Se o Sr. Primeiro-Ministro ignora tudo isto, então não há dúvida de que o que dissemos há dias se confirma: o Governo só não extingue a agricultura por decreto porque não o pode fazer.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - O PP não ignora - nem pode que tem o dever de dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que assuma as suas responsabilidades, que venha ao Parlamento explicar aos Deputados por que não cumpriu aquilo que prometeu aos agricultores.
O PP também não ignora que tem o dever de exigir ao Sr. Primeiro-Ministro que, rapidamente, crie os instrumentos de política necessários para fazer face aos elevados prejuízos do corrente ano agrícola e não insista em manter no Ministério quem já mostrou ser incapaz de geri-lo.
Esperamos, por isso, que a aprovação deste voto seja consequente e que o Sr. Primeiro-Ministro não continue a ignorar o que é evidente: não há política agrícola em Portugal e ela não se consegue com exagerados aparatos policiais.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão a assistir aos nossos trabalhos, na Galeria dos Diplomatas, três Deputados italianos, para quem peço a vossa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, permitam-me que manifeste o meu espanto pela presença dos Srs. Ministros da Administração Interna e dos Assuntos Parlamentares.
Estávamos à espera do Sr. Ministro da Agricultura, mas, pelos vistos, parece que o Governo está de pernas para o ar!... A não ser que o Governo já tenha começado a aplicar o tal princípio da rotatividade...

Risos do PSD.

... e, nesse caso, só lamento que V. Ex.ª não tenha tido a gentileza de nos comunicar esse facto, mesmo que informalmente, esperando depois pela saída no Diário da República.

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De qualquer forma, temos de respeitar as coisas tal como elas são e o Governo faz-se representar como bem entende.
Em todo o caso, relembro que não vínhamos aqui hoje discutir problemas de Administração Interna, nem a questão das forças de segurança e da sua intervenção em Ourique ou da sua não intervenção noutras circunstâncias, que é patente e «entrou pela casa dentro» dos portugueses, pelo que dispensa mais comentários. Aliás, há muito tempo que não tinha oportunidade de ver tanta concentração de forças de segurança, tão bem equipadas...

O Sr. José Magalhães (PS): - Você tem inveja!

O Orador: - ... e, aparentemente, sem nada que fazer. Faz-me lembrar, talvez pelos meus cabelos brancos, algumas imagens que tinham a ver com os estados de sítios e com os estados de emergência...

Protestos do PS.

É por vezes assustador ver aquilo que se viu pela televisão. Aliás, creio que até alguns de VV. Ex.as não gostaram daquilo que viram.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito deste voto, queremos lembrar que os agricultores têm razões de queixa porque há muitas promessas que não foram cumpridas, nomeadamente promessas feitas durante o tempo em que o PS era oposição e no princípio do Governo socialista, as quais foram caindo, uma a uma, ao longo destes três anos do Governo.

O Sr. António Martinho (PS): - As promessas foram cumpridas!

O Orador: - Não, as promessas não foram cumpridas e os agricultores estão revoltados com isso!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores lançaram as expectativas de que tudo ia correr no melhor dos mundos.

O Sr. António Martinho (PS): - As promessas foram cumpridas! Está aqui!

O Orador: - Sr. Deputado, guarde os papéis, porque não é com eles que os agricultores resolvem os seus problemas!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O' Orador: - As expectativas que os senhores criaram deste país cor-de-rosa... Aliás, está cada vez menos cor-de-rosa por esse mundo da agricultura, de norte a sul do País...

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O rendimento dos agricultores está em queda vertiginosa: no ano passado foi de 14% e, provavelmente este ano, será mais.

Os agricultores, portugueses como todos nós, têm razões de queixa deste Governo, têm razões para se manifestar e têm esse direito, que deve ser respeitado de acordo com os princípios da democracia, mas, aparentemente, estão a ser intimidados por este Governo.
O que é chocante é a falta de sensibilidade deste Governo. No pior ano agrícola deste século, este Governo e este Ministro da Agricultura a única coisa verdadeiramente substancial que têm para dar aos agricultores é apelidá-los de lobisomens.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É a única coisa substantiva que têm para dar aos agricultores! Cá dentro, o Ministro da Agricultura trata os agricultores com desconsideração e na Europa defende os interesses de Portugal com uma voz tão fininha, tão fininha que ninguém o ouve.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este voto, a ser aprovado, será manifestamente um voto de censura política ao Ministro da Agricultura.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como tivemos ontem oportunidade de afirmar na declaração política, o PCP entende que a repressão e a intimidação sobre os, cidadãos não pode substituir, em caso algum, o diálogo e as medidas necessárias para resolver os problemas que afectam os diversos sectores da actividade económica e social do País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por isso que dispensamos a presença aqui do Sr. Ministro da Administração Interna, o ministro das polícias, preferíamos que aqui estivesse o Sr. Ministro da Agricultura para responder à resolução que na semana passada aqui foi aprovada.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PSD.

E isto, Sr. Presidente, independentemente de a entidade que neste momento concreto se está a manifestar ter sido até agora a principal beneficiária dos apoios concedidos ao abrigo da Política Agrícola Comum e ser co-responsável pelas políticas agrícolas que durante estes anos têm afectado a agricultura portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Independentemente disso, o que entendemos é que há uma crise real na agricultura portuguesa e o Governo tem a estrita obrigação de lhe responder não com medidas repressivas e de intimidação mas, sim, com medidas concretas para a sua resolução.
A Assembleia da República, por proposta do PCP, aprovou, na semana passada, uma resolução que aponta para o reforço do fundo de calamidades, para o accionamento de outros mecanismos extraordinários de apoio financeiro, para a revisão do seguro agrícola de colheita e para a abertura de negociações na Comissão Europeia.
Ora, é isso que o Governo tem de fazer: respeitar a vontade política manifestada, por quase unanimidade, nesta Assembleia.

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Tanto mais, Sr. Presidente, que não podemos tolerar que o Sr. Ministro da Agricultura - e a palavra que vou usar tem o peso que tem mas é verdadeira - minta aos portugueses sobre a dimensão dos prejuízos.
Ainda agora recebi um documento oficial do gabinete de planeamento do Ministro da Agricultura onde se afirma...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Veja se é de leite ou de azeite!...

O Orador: - ... que as estimativas de quebra de produção de 1998 em relação ao triénio anterior são, respectivamente: trigo, 62%; cevada, 65%; aveia, 65%; maçã, 30%; pêra, 80%; cereja, 73%.
Ora, perante isto, o que diz o Sr. Ministro da Agricultura? Ignora estes números e vai buscar outro quadro, fazendo a comparação só com o ano passado, que já foi ano declarado calamidade pública por quebras de produção acima dos 50%, para dizer que, afinal, as quebras são reduzidas, justificando com isso a não abertura de negociações na Comissão Europeia para criar condições políticas de apoio aos agricultores portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é sério! É uma irresponsabilidade política incompreensível para nós próprios e é inaceitável em matéria das medidas que é necessário tomar no plano nacional e no plano comunitário para apoiar os agricultores e a agricultura, portuguesa.
E evidente que, com atitudes desta natureza, o próprio Governo perde força negocial junto da União Europeia, pois se eu chegasse à Comissão Europeia e dissesse que as perdas em Portugal eram só de 9% é evidente que a resposta que eu teria era a que deram ao Sr. Ministro: «com perdas dessas não se justificavam os apoios extraordinários».
Mas o que o Sr. Ministro está a fazer é uma mistificação, porque está a comparar os valores com os do ano passado, que foi um ano de calamidade, em vez de os comparar com os do triénio anterior.
Finalmente, gostaria de dizer que o que esperamos e exigimos é que o Governo cumpra a resolução que a Assembleia da República aprovou na serrana passada, com a abstenção do PS e os votos favoráveis do PCP, do PSD, do CDS-PP.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Carme» Francisco.

A Sr.ª Carme» Francisco (Os Verdes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, este voto fala, de facto, dos problemas da agricultura e dos agricultores portugueses e gostava de sublinhar que este Governo, como, aliás, os anteriores, tem «virado as costas» à agricultura, mas também a todo o mundo rural, ignorando o enorme potencial de desenvolvimento que ele representa. Não é só a agricultura como actividade económica que é importante, significando o rendimento de muitas famílias portuguesas; é ainda a agricultura como suporte de uma economia rural que «agarra» as pessoas ao interior, evita a desertificação, preserva a paisagem ou, antes, preservaria, porque não é isso que está a acontecer.

Só pela sua existência enquanto modo de vida alternativo o mundo rural já seria importante, mas não é só esta a riqueza da ruralidade portuguesa; ela é ainda um recurso de suporte de um tipo de turismo para o qual o País cada vez mais procura virar-se e que significará, também, no futuro, um recurso económico importante.
Por isso, o Partido Ecologista Os Verdes votará favoravelmente este voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Francisco Assis.

O Sr. Francisco Assis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este voto de protesto do CDS-PP comporta duas componentes de importância claramente desigual. Uma delas tem a ver com a política agrícola, matéria que foi discutida na semana passada ...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não foi, não!

O Orador. - ... e em relação à qual foi aprovado, de facto, um voto de recomendação. Não quero perder demasiado tempo com essa questão, na medida em que já tivemos oportunidade de esgrimir argumentos, já tivemos oportunidade de demonstrar claramente que o Governo actuou prontamente no sentido de disponibilizar meios financeiros de forma a fazer face à situação em que se encontram os agricultores portugueses. Isto já foi claramente demonstrado na semana passada.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Agora, há, ainda neste domínio, um único elemento que parece estar em causa. É que parece que uma parte substancial deste Parlamento quer recusar os princípios fundamentais de uma economia de mercado, quando isso se aplica ao sector agrícola.
Temos a noção de que o sector agrícola deve ter algum tratamento de excepção e, por isso, o Governo tem garantido esse tratamento, mas não podemos ter a pretensão de garantir que o sector agrícola viva numa redoma isenta das regras da economia de mercado.
Não nos surpreende que o PCP defenda essa posição. Surpreende-nos profundamente que aqueles que foram historicamente paladinos da economia de mercado adoptem agora posições que apontariam para medidas intervencionistas, defendendo uma agricultura totalmente subvencionada, ao arrepio das suas convicções.

Aplausos do PS.

Mas a questão mais importante é outra. É que trouxeram este voto hoje à Assembleia estabelecendo uma conexão com determinadas situações que estão a ocorrer no País.
A questão fundamental é a de saber qual é a posição que cada grupo parlamentar assume perante uma matéria central que é a da autoridade do Estado de direito democrático.

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

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Essa é que é a questão fundamental.
Não contestamos que os agricultores portugueses tenham o direito de exprimirem as suas posições e de se manifestarem.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O que não podemos admitir é que esse direito de manifestação contenda com o, direito de circulação dos portugueses, não podemos admitir é que liberdades essenciais sejam postas em causa. Aliás, Sr. Deputado Azevedo Soares, já que estava tão chocado com a acção meramente dissuasora que foi levada a cabo pelo Governo,...

Protestos do PSD e do CDS-PP.

... gostava de saber o que é que os senhores estariam hoje a dizer se o Governo nada tivesse feito, se as autoridades policiais nada tivessem feito depois de um responsável da CAP ter dito que iria utilizar todos os meios legais, ou até extra-legais, para manifestar o seu protesto.
Gostava de saber o que é que o Sr. Deputado Pacheco Pereira, sempre tão preocupado - e bem! - com a questão da autoridade democrática do Estado, estaria a dizer, neste momento, se, porventura, o Estado não tivesse tido qualquer intervenção neste processo, se o Estado tivesse abdicado do exercício de uma função fundamental que é a de assegurar a ordem pública.
Mas este é, indiscutivelmente, também um dia histórico porque é a primeira vez - se bem nos recordamos - que o Grupo Parlamentar do PCP se solidariza publicamente, e até aparentemente com alguma alegria, com as posições da CAP.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pacheco Pereira pede a palavra para que fim?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Para defesa da consideração pessoal.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Administração Interna pediu também a palavra para defesa da consideração pessoal; portanto, dar-lhe-e-ia palavra no final da intervenção do Sr. Ministro.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado, porque tem precedência.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, compreendo que V. Ex.ª tenha dificuldade em desenvolver argumentação em defesa do Governo nesta matéria, mas exige-se, pelo menos, que se esteja atento às intervenções dos outros grupos parlamentares.
Sei que quando esta Câmara está a protestar contra a intervenção repressiva do Governo a partir de uma lei que o PS, o PSD e o CDS-PP apoiaram entusiasticamente, que é a lei dos cortes de estradas, quando protesta contra esta intervenção do Governo nesta matéria, o único grupo parlamentar que está nela à-vontade somos nós, PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É que, na altura, denunciámos que esta lei do corte de estradas, que o PSD e o CDS-PP apoiaram convosco, tinha como objectivo, exactamente, impedir manifestações livres de cidadãos em Portugal.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Vocês foram sempre a favor do corte de estradas. Isso é verdade!

O Orador: - Em relação à questão que o Sr. Deputado referiu, deve ter ouvido que eu disse no início da minha intervenção que o PCP, como afirmámos na declaração política de ontem, é contra a repressão e a intimidação dos cidadãos, substituindo a prática do diálogo e as medidas concretas para resolver os problemas por isto, independentemente da organização que nesse momento se está a manifestar, independentemente dessa organização ter sido, e continuar a ser, das principais beneficiárias dos apoios disponibilizados pela política agrícola nacional e comunitária e independentemente dessa organização ser co-responsável pelas políticas agrícolas que neste momento afectam os agricultores portugueses.

Protestos do PS.

Estamos solidários, Sr. Deputado, com os agricultores portugueses, estamos solidários com a agricultura familiar, estamos solidários com aqueles que, como decorre de documentos oficiais do Ministério, estão, neste momento, a ser profundamente prejudicados pelo cruzamento de um ano com graves acidentes climatéricos e da política agrícola comum e nacional.
Por isso, dissemos que o que queremos discutir com o Governo - e por isso preferíamos ter a presença o Ministro da Agricultura - é a forma como o Governo pensa implementar a resolução que foi aprovada na semana passada, em Plenário, por proposta do PCP, que, se for concretizada, resolve todos os problemas que levam agora os agricultores a manifestarem-se. Esta é que é a questão.
A minha pergunta é a seguinte: está ou não o Sr. Deputado ao nosso lado, no sentido de exigir do Governo que concretize o conteúdo da resolução que foi aprovada na Assembleia da República, na semana passada? O Sr. Deputado está do nosso lado no sentido de exigir ao Governo que leve para a frente as medidas políticas que dão corpo à vontade manifestada? É essa a pergunta e é essa a resposta que queremos ouvir da bancada do Partido Socialista, pois esta é que é a questão central que está em discussão. A nossa solidariedade é com os agricultores, é com a agricultura familiar, é com aqueles que passam dificuldades.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco de Assis, tem a palavra para responder, querendo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Vai dizer que ontem foi um dia histórico porque foi a primeira vez que o Governo «bateu» na CAP!

Risos do PCP.

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O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Lino de Carvalho, nesta sua segunda intervenção, teve oportunidade de dar expressão pública da profunda má consciência que o afecta e perturba neste momento. Se não fosse a minha intervenção anterior não teria tido oportunidade de desferir os violentos ataques que, só agora e não na primeira intervenção, desferiu à CAP, o que é, de facto, demonstração da profunda má consciência.
Mas isso não obscurece o essencial e o essencial é que há, de facto, uma coincidência de objectivos, de pontos de vista, que não queremos acreditar que resulte apenas da circunstancia de dirigentes da CAP estarem a fazer apelo ao recuso a meios extra-legais de protesto para contrariarem as decisões que, nesta matéria, têm vindo a ser tomadas.
Em relação à política agrícola, na semana passada já ficou claro, no debate que tivemos oportunidade de levar a cabo, que grande parte das solicitações aprovadas no Parlamento estavam já a ser objecto do devido tratamento por parte do Governo. O Governo tem acompanhado a situação, tem respondido prontamente, na medida do possível e dentro de um determinado quadro de referências, que é aquele em que vivemos, decorrendo do modelo de sociedade em que vivemos e em relação ao qual podemos ter algumas divergências profundas.
Não fico surpreendido com os vossos ataques a alguns princípios da economia de mercado. Hão-de lá chegar, chegarão tardiamente, mais tarde do que os vossos amigos europeus, mas hão-de lá chegar.

Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é a cassete!

O Orador: - Fico surpreendido é com os ataques a alguns princípios fundamentais de uma economia de mercado que vêm da direita. Por isso, Sr. Deputado, o que tenho a dizer é que mantenho tudo quanto disse anteriormente e V. Ex.ª até me devia ter agradecido, porque a minha intervenção permitiu-lhe, depois, recuperar o registo mais habitual do Partido Comunista Português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Jorge Coelho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora alguns dos grupos parlamentares preferissem que eu não estivesse presente, quero dizer-lhes que é com muito gosto que estou e, como é meu costume, frontalmente e com seriedade a falar das questões que são colocadas.

Aplausos do PS.

Penso que temos de falar com frontalidade da questão que, no fundo, todos quiseram colocar, para que fosse discutida. A questão tem a ver com uma matéria muito simples e que não só os Srs. Deputados mas também os todos os portugueses compreendem perfeitamente.
De um lado, está uma posição que o Governo hoje defende e continuará a defender com total clareza, de que acerca das nossas orientações não haverá cortes de estrada em Portugal porque não permitiremos que haja cortes de estrada em Portugal.

Aplausos do PS.

Do outro lado, principalmente por parte daqueles que muito falaram desta matéria, os portugueses ficam hoje a saber, claramente, que se esta nova AD - não sei se clandestina se em construção - estivesse no poder, numa situação destas, permitiria e fomentaria cortes de estrada, porque acham que isso é normal no País em que vivem. Porém, para nós não o é. Temos de tirar consequências disto, Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - O Sr. Secretário de Estado Armando Vara é que é especialista nisso.

O Orador: - Tenham calma, Srs. Deputados, que isto ainda agora começou!

Risos.

Se por parte do PCP, ao menos nisso, há coerência, pois sempre foram a favor dos cortes de estrada como uma maneira de as pessoas se poderem manifestar, o PSD e o CDS-PP sempre disserem que isso era uma quebra de autoridade democrática do Estado. Nós confirmamos que assumimos a autoridade do Estado com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e hoje há mecanismos para verificar se há ou não abuso relativamente a essa matéria. Foi por isso que as pessoas detidas foram entregues ao tribunal e contra elas se intentaram processos, para verificar se havia motivo para qualquer acusação.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E já ordenou um inquérito à GNR?

O Orador: - Agora, Srs. Deputados, temos todos de tirar consequências disto e, se formos todos coerentes, as consequências são muito simples: já que os senhores estão aqui a encontrar pontos de vista semelhantes para colocar em causa aquilo que o Governo está a fazer, a legitimidade que o Governo tem de fazer com que no País haja tranquilidade, haja segurança, haja ordem, o que têm a fazer é apresentar uma moção de censura ao Governo.

Aplausos do PS.

Em nome do Governo, desafio-os para que, em conjunto, como disse o Sr. Deputado Azevedo Soares, se tirem conclusões dessas ocorrências.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Ministro.

O Orador: - Sr. Presidente, para terminar, quero aqui assumir que não são as forças de segurança que têm de ser postas em causa Neste caso, foi o Ministro da Administração Interna, o Governo, quem teve a responsabilidade da orientação das forças de segurança. Assim, assumo aqui não só toda a responsabilidade pelo que foi feito como pelo que vier a ser feito, porque em Portugal tem de haver ordem, tem de haver tranquilidade, tem de haver segurança para os cidadãos. Ora, aquilo que os senhores estão a fazer é a criar a instabilidade e a intranquilidade em Portugal.

Aplausos do PS, de pé.

Risos do PSD.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Qual foi o Ministro da Administração Interna que aplaudiram? Foi o de Barrancos ou o de Ourique?

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP) - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP) - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Ministro da Administração Interna, V. Ex.ª veio aqui acusar as bancadas da oposição, e particularmente a do Partido Popular, de serem adeptas dos cortes de estrada.

Protestos do PS.

Com isto, o Sr. Ministro quer mistificar um problema que não existiu. Na verdade, Sr. Ministro, tenho de perguntar-lhe: onde é que houve cortes de estrada em Ourique?
Somos um partido adepto da lei e da ordem,...

Risos do PS.

... somos um partido adepto de que a lei é para ser cumprida e aplicada, como deve ser. Mas não é isso, Sr. Ministro, o que está em causa!
A verdade é que foi o próprio comandante da GNR que comandou o aparato e a força policial em Ourique quem disse que aquilo era tudo gente pacífica, que nunca houve problema nenhum. E, na verdade, as cinco pessoas detidas foram libertadas pelo poder judicial logo no dia seguinte.
Portanto, Sr. Ministro, não houve o menor corte de estrada. Aliás, o problema não é o de cortes de estradas mas, sim, o de saber como lidar com a situação difícil dos agricultores. Há milhares de famílias que têm os seus rendimentos postos em causa...

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Mas não tinham de fazer cortes de estrada!

O Orador: - ... e foi a capacidade de antecipação relativamente a esse problema que o Sr. Ministro e o seu Governo não conseguiram ter. Aliás, é por isso que quem aqui devia estar não era o Sr. Ministro da Administração Interna mas, sim, o Sr. Ministro da Agricultura, ou melhor, como esse Sr. Ministro já revelou a sua total incapacidade para resolver esse problema, quem devia estar aqui era o Sr. Primeiro-Ministro, fazendo jus ao diálogo, ao bom senso e à razoabilidade para resolver este problema.
O Sr. Primeiro-Ministro não pode, em nome, digamos, da sua ânsia premente de popularidade, fazer de conta que este problema não existe. Ele existe, tem de ser enfrentado pelo Governo e o que nós queremos é que não sejam esgotadas - e elas não estão ainda esgotadas - as virtualidades do diálogo para a sua resolução.
Sr. Ministro, não substitua o diálogo, com o qual os senhores ganharam estas eleições, pelo aparato desmesurado da força, absolutamente desnecessária, perante gente honrada e em dificuldades.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente e Sr. Deputado Luís Queiró, há aqui uma questão que é muito clara: V. Ex.ª acabou por não referir se é a favor ou contra os cortes de estradas. Porque, deixe-me que lhe diga, oito dias antes da manifestação de Ourique, houve um corte de estrada em Alcoentre, organizado pela CAP, e eu nunca vi o CDS-PP pronunciar-se contra esse corte de estrada ilegal. Aliás, a CAP disse publicamente que, em Ourique - e eu tenho aqui as intervenções feitas pelo Secretário-Geral dessa Confederação -, ia organizar uma manifestação fora da lei.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!...

O Orador: - Ora, o que as forças de segurança fizeram no terreno foi aquilo que consideraram necessário e fundamental para garantir a ordem, a tranquilidade e a liberdade de circulação em todo o País. Foi isso o que a GNR determinou, e bem, e eu apoio-a completamente.
VV. Ex.as é que deviam, nessa matéria, ter mais coerência e saber que os portugueses têm como valor supremo a tranquilidade e a liberdade de circular pelo País,...

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - ... e no dia 15 de Setembro, como sabe, milhares de cidadãos que vinham do Algarve ficariam impedidos de passar, porque o País era cortado ao meio. Mas isso não vos preocupa!... O que vos preocupa é desestabilizarem o País e criar uma política de «terra queimada», para gerarem condições para este Governo se desgastar.

Aplausos do PS.

Assumam-se e entreguem aqui uma moção de censura ao Governo! Já que estão de acordo nesta matéria, estejam também de acordo nisso! ...Arranjem até um governo entre os três partidos da oposição, porque o País, com certeza, ficaria satisfeito com isso.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para exercer também o direito de defesa da honra e da consideração da minha bancada.

Vozes do PS: - Ah!...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Pedi para usar a palavra no sentido da defesa da honra e consideração da minha bancada para fazer algumas considerações na sequência da intervenção do Sr. Ministro da Administração Interna. De resto, julgo que este debate está, de certa forma, marcado por alguns equívocos.
O primeiro equívoco a que aqui assistimos foi o facto de termos lido anteontem nos jornais o Sr. Primeiro-Ministro a recomendar aos Deputados socialistas «cuidado

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com o PCP» e, dois dias depois, os Deputados socialistas já nem respeitam a orientação do Primeiro-Ministro. É este o primeiro equívoco que aqui constato.

Protestos do PS.

O segundo equívoco foi pensar que estávamos aqui, supostamente, a discutir um problema grave da agricultura, tal como fizemos na semana passada. E se na semana passada o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas primou pela ausência - desprezo pela agricultura -, hoje aconteceu o mesmo. Sr. Ministro fez-se substituir pelo Ministro da Administração Interna. O desprezo não é menor.
Este é o segundo equívoco deste Governo.
O terceiro equívoco veio agora da intervenção do Sr. Ministro da Administração Interna, o qual nem se deu conta do ridículo da tanta encenação que aqui quis vir fazer.

Aplausos do PSD.

E é ridículo porque, como o nosso povo diz, «tudo o que é demais enjoa». Não é por o Sr. Ministro falar muito, falar depressa e falar alto que passa a ter mais razão!... Naturalmente, sentiu a necessidade de explicar-se face ao erro monumental do Governo.

Aplausos do PSD.

E sabe porquê, Sr. Ministro? Porque, em matéria de autoridade, só pode falar com serenidade quem tem autoridade.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - O que
é o seu caso...

O Orador: - E, nesta matéria, este Governo não tem qualquer autoridade.

Aplausos do PSD.

Quem, perante a violação da lei em Barrancos, numa manifestação ilegal, faz «vista grossa», faz de conta que a lei não existe e não actua, mas, passadas umas semanas, perante uma manifestação legal, teve a actuação desproporcionada que se constatou em Ourique, é alguém que tem dois pesos e duas medidas no espaço de poucas semanas e, portanto, Sr. Ministro, perde autoridade moral e política para falar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro também não se deu conta do ridículo que é, num Ministério onde é suposto tratar de segurança, ter sob a sua orientação um Secretário de Estado que foi o exemplo da violação da autoridade do Estado. No entanto, Sr. Ministro, com a sua cobertura, mantém-se no Ministério da Administração Interna alguém que foi um mau exemplo na oposição e que, no outro dia, perante o caso de Barrancos, foi um mau exemplo para os Portugueses.
0 Sr. Ministro não se dá conta também que isso é ridículo e, por isso, perde a sua autoridade moral e política para falar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro também não pode - e é por isso que o Sr. Ministro fala em cortes de estrada, atitude que sempre repudiámos e continuaremos a repudiar - falar de cortes ou de manifestações nas pontes, pois o senhor tem no seu Ministério o exemplo vivo de quem diz uma coisa e faz exactamente o contrário daquilo que diz. Mas o senhor também não se deu conta deste ridículo!...
O Sr. Ministro teve hoje a necessidade de vir aqui fazer uma encenação...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - ...sobre o alegado reforço da autoridade do Estado. E sabe porquê, Sr. Ministro? Porque essa é a prova provada que, no fundo, a sua má consciência evidencia que, ao longo destes três anos, pouco a pouco, este Governo foi deixando degradar gravemente a autoridade democrática do Estado em Portugal. Essa é a verdade.
Sr. Ministro, o que senhor veio aqui fazer é também ridículo porque, aos olhos de todos os portugueses - e nós estamos à vontade porque somos defensores...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que termine, pois ultrapassou os quatro minutos de que dispunha.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Dizia eu que aquilo que senhor veio aqui fazer é também ridículo porque, aos olhos de todos os portugueses - e nós estamos à vontade porque somos defensores do diálogo e lutamos contra os abusos da autoridade -, houve excessos e desproporção por parte do Governo perante esta manifestação, perfeitamente legal, realizada em Ourique, e é isso o que lhe custa.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, permita-me mais 15 segundos para dizer que longe vão os tempos em que alertávamos aqui para a degradação da autoridade do Estado e o senhor dizia: «diálogo, abertura, consenso».
Pois é, Sr. Ministro, agora, que tem a necessidade de fazer isto, a verdade é que é ridículo e até mesmo patético aos olhos dos portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto a esse assunto de touros, é melhor tratarem-no com o presidente da vossa distrital de Beja, pois ele é especialista não só nisso como noutras coisas.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Sr. Deputado, o que hoje fica claro para os portugueses, mais uma vez, é que o Governo do Partido Socialista garantiu ao País, como continuará a garantir, que há se-

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gurança e tranquilidade, que não haverá cortes de estradas, que as pessoas podem ir trabalhar livremente e que podem manifestar-se, porque são respeitados os seus direitos, liberdades e garantias. Mas fica também claro para os portugueses que se porventura fosse a AD quem governasse era permitido cortar estradas, era permitido fazer fogueiras, era permitido fazer tudo, porque é isso o que os senhores estão a defender.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Aquilo que os preocupa neste momento, Srs. Deputados, é criar a instabilidade no País.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - Não é só nos Açores, é aqui também!
Portanto, mais uma vez desafio-os - e ainda não vi nem a bancada do PSD nem a do CDS-PP referirem-se a isso -, se são coerentes, se levam a fundo as vossas críticas, que apresentem hoje, aqui, na Mesa da Assembleia, uma moção de censura ao Governo de vez esta matéria.

Aplausos do PS.

Não tenham receio! Se os Srs. Deputados consideram que os portugueses apoiam tanto as vossas posições, que estão tão claros os pontos de vista relativamente às vossas posições, de que têm medo, Srs. Deputados? Se consideram que todos. os males do mundo vêm de actuações como esta do Governo, no sentido de impedir que a insegurança e a intranquilidade se instalem no País, vamos a isso: sejam coerentes! Se a nossa responsabilidade vai até ao fim, apresentem uma moção de censura!

Aplausos do PS.

Os portugueses vos darão a devida resposta e, então, aí, sim, o Sr. Deputado cairá no ridículo de ter criado uma crise dentro do seu próprio partido, à qual, como é evidente, V. Ex.ª sobreviverá, como a todas tem sobrevivido desde o início do seu partido.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: -- Para o exercício do direito regimental de defesa da consideração pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, percebemos muito bem o entendimento do Governo nas matérias de Estado quando, no início desta governação, vimos o Sr. Primeiro-Ministro atravessar uma rua, dirigir-se aos manifestantes e dizer, nestes termos: «Ele (...)» - o Cavaco - «(...) mandava bater-vos e não vinha conversar convosco».

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - A razão pela qual agora mandam bater tem pouco a ver com a autoridade do Estado. Os senhores e o Sr. Ministro não querem saber um átomo da autoridade do Estado ou da segurança dos cidadãos. O seu único interesse e seu único motivo para decidir se se manda bater ou se dialoga são os seus interesses eleitorais. Absolutamente mais nada! Portanto, quando vêem que os seus interesses eleitorais estão, prejudicados, procedem de uma maneira, quando não estão, procedem de outra.
Em Barrancos, não valia a pena pôr-se em causa a autoridade de um juiz; quanto à CAP, como os senhores estão convencidos de que a CAP é contra o Governo, pode-se bater. Esse será sempre o critério de decisão!
O Sr. Ministro não quer saber nada da liberdade de movimentos. Tanto que, desde há vários dias, num porto português, há pescadores que impedem a entrada de camiões espanhóis, queimando peixe, havendo, efectivamente, uma violação contumaz e seguida da lei portuguesa e o Sr. Ministro está aqui caladinho sobre esta matéria, porque também sobre ela faz uma interpretação puramente pontual da intervenção policial.

Aplausos do PSD.

Quando se tratava de utilizar o boicote à passagem da ponte para criar dificuldades ao governo, os senhores foram lá todos, a correr, ajudar a impedir a circulação em nome do direito à indignação. Por isso, não venham com a autoridade do Estado, não venham com a defesa da segurança dos cidadãos, porque as decisões são tomadas da pior maneira, isto é, são tomadas pontualmente, em função da medida dos interesses estritamente eleitorais do Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É exactamente por isso que me teria recusado, conjuntamente com os meus companheiros dos três partidos da oposição, a discutir com o Sr. Ministro. O Sr. Ministro deveria ser recebido com silêncio nesta Assembleia. Porque o problema de Ourique não é um problema de ordem pública, é um problema de política e não de polícia!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro quer, como o Governo, transformar um problema de política agrícola num problema de polícia, para tentar fazer demagogia com a liberdade de circulação. É exactamente por isso que ele deveria ter o nosso silêncio! É exactamente por isso que deveríamos dizer: «Se fazem favor, chamem o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas». O Sr. Ministro da Agricultura só não está aqui por uma razão muito simples: porque tem medo! Essa é que é a razão fundamental!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis para dar explicações.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, já temos, de facto, uma moção de censura nesta Câmara. Foi apresentada. agora pela boca do Sr. Deputado Pacheco Pereira. Uma moção, de censura ao líder da sua bancada...

Aplausos do PS.

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O Sr. Ministro da Administração Interna: - Exactamente! Esta foi boa!

O Orador: - Como dizia, o Sr. Deputado Pacheco Pereira apresentou agora uma moção de censura ao líder da sua bancada, dado considerar que a bancada deveria ter ficado calada e não deveria ter respondido ao Sr. Ministro. É claramente uma moção de censura!
Sr. Deputado Pacheco Pereira, na verdade, sobre os acontecimentos de ontem, V. Ex.ª não disse praticamente nada. E devo dizer-lhe que compreendo porque, no plano dos princípios, não temos grandes divergências. Conheço bem o seu pensamento, creio que o senhor já vai conhecendo o meu e, de facto, não temos grandes divergências. As suas divergências mais nítidas são com quem agora lidera o PSD ou com quem agora lidera a bancada parlamentar do PSD. Gostaria até de o aconselhar, Sr. Deputado Pacheco Pereira, a ir à sua biblioteca da Marmeleira retirar alguns livros, por exemplo do Max Weber, que tantas vezes cita nestas questões, para os emprestar à direcção da sua bancada parlamentar,...

Risos do PS.

... para eles desenvolverem uma outra cultura política no que concerne à questão da autoridade democrática de um Estado de direito.
Sobre a questão de ontem, verdadeiramente não disse nada

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - E, verdadeiramente, nada poderia dizer, porque, se dissesse, teria de dizer que concordava com a actuação do Governo, que concordava com a intervenção do Estado.
Mas há aqui, de facto, uma diferença: é que, no passado, quando em determinadas circunstâncias se punha em causa a questão da autoridade democrática do Estado, optava-se pela via repressiva; agora, opta-se pela via dissuasora. Esta é uma diferença fundamental!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Risos do CDS-PP e do PCP.

E quem veio aqui...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que
façam silêncio!

O Orador: - Sr. Presidente, como eu dizia, quem veio aqui, como uma verdadeira testemunha abonatória, demonstrar isso mesmo foi o Sr. Deputado Luís Queiró, quando há pouco afirmou claramente que, por via da intervenção dissuasora promovida pelo Governo, foi possível manter uma situação de tranquilidade e assegurar a manutenção da ordem pública em Ourique.
Mas eu também gostaria de saber qual é a posição de alguns Deputados do PSD, porque a de outros, infelizmente, julgo já poder adivinhar, em relação ao comportamento totalmente inadmissível do Sr. Presidente da Câmara de Ourique, que contraria princípios fundamentais que o PSD, teoricamente, diz perfilhar e que fazem parte do seu património histórico - isso não discutimos.

Gostaria de saber qual é a posição desses Deputados e gostaria que o PSD tivesse também a coragem de dizer, aqui, o que pensa exactamente da forma como estão a ser utilizados bens públicos, bens autárquicos, num verdadeiro apelo, num verdadeiro incitamento à desordem pública...

Protestos do PSD.

... num verdadeiro desafio à autoridade democrática!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, bem compreendo o facto de não ter falado muito sobre a questão de ontem. V. Ex.ª, às vezes, diz que se sente envergonhado por isto e por aquilo e devo dizer-lhe que bem compreendo que hoje o Sr. Deputado se sinta envergonhado com a posição do PSD nesta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para defesa da honra da bancada do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, percebo que, cada vez que eu queira falar, os Srs. Deputados prefiram sempre ter cá outra pessoa, mas isso é um problema que aflige os senhores, não a mim, pois tenho todo o gosto em estar aqui.
Gostaria apenas de referi ao Sr. Deputado Pacheco Pereira, e não é sequer em jeito de contra resposta, que teve azar, pois escolheu como exemplo de falta de autoridade de Estado do «meu» Ministério a única polícia que não depende de mim, que é a polícia marítima, que é a que tem responsabilidades na Docapesca de Matosinhos. Não depende de mim! Posso informar-me...

Protestos do PSD.

Posso informar-me junto do colega...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados estão muito nervosos, mas a sessão legislativa vai ser muito longa e com esse ritmo nervoso vamos todos chegar cansados ao fim. Agradeço que se acalmem.
Sr. Ministro, faça favor de prosseguir.

O Orador: - Sr. Presidente, os Srs. Deputados estão nervosos porque parece que ainda não chegaram a acordo entre as três bancadas sobre o texto da moção de censura que vão apresentar sobre a questão da política do Governo.
Relativamente àquilo que disse o Sr. Deputado Pacheco Pereira, gostaria de mencionar que, para ser coerente com o que referiu, aquilo que se está a discutir aqui não é um problema de natureza policial. V. Ex.ª não poderá votar a favor um dos considerandos da proposta de moção de

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Julgava que o Sr. Ministro António Costa vinha aqui justificar essa frase para sublinhar, enfim, a atitude repressiva do Ministério da Administração Interna.
De qualquer modo, Sr. Presidente, gostaria, mais uma vez, de clarificar que, nessa visita, a Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas foi acompanhada, e mais, pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Capoulas Santos. O Sr. Ministro estava disponível, se tivesse querido, para vir aqui ao debate. Não veio porque a sua insensibilidade perante os problemas que a agricultura portuguesa atravessa é total!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há uma medida para todas as coisas e creio que estamos a ultrapassar a medida de intervenções não justificadas dentro do modelo invocado. Assim, se pretendem fazer mais interpelações, que sejam mesmo interpelações, porque, não o sendo, não podemos epidemizá-las.
Também para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, é mesmo para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. José Magalhães (PS): - É para apresentar o texto da moção!

O Orador: - Na sequência das intervenções, tanto da minha como da bancada do CDS-PP, que se verificaram, como na semana passada, na ausência do Sr. Ministro da Agricultura, queria informar V. Ex.ª, através de V. Ex.ª, a Câmara de que vai ser entregue na Mesa um requerimento a pedir um debate de urgência...

Protestos do PS.

... com a presença do Sr. Ministro da Agricultura, pelo que esperamos. que nessa altura ele compareça.
Este requerimento é apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - E eu posso cá vir?!

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação conjunta do voto n.º 130/VII - De protesto pela falta de resposta do Governo aos problemas da lavoura nacional (CDS-PP) e da proposta de alteração apresentada pelo mesmo partido, de que já foi dado conhecimento à Câmara.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PS.

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 534/VII Reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade Mirandesa (PS).
Lembro aos Srs. Deputados que está a assistir aos nossos trabalhos um grupo de cidadãos de Miranda do Douro, que merece a nossa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para introduzir o debate em representação do seu partido, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Meirinhos.

O Sr. Júlio Meirinhos (PS): - «Não é o português a única língua usada em Portugal, (...) fala-se aqui também o mirandês!».
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Foi assim que o sábio e eminente filólogo português José Leite de Vasconcelos comunicou ao mundo esta realidade, através de uma publicação científica, em 1882.
O complexo linguístico que se tem chamado língua Mirandesa é um idioma neolatino conservado e falado em território português desde o nascimento das línguas românicas, filhas do latim popular. O mirandês vem em linha recta da língua falada e escrita do velho reino de Leão nos séculos XII, XIII e XIV. O mirandês não é, pois, nem uma variedade do português, nem, tão pouco, uma variedade do castelhano, mas antes uma sobrevivência histórica dum grupo linguístico peninsular que em épocas históricas anteriores conheceu uma importante vitalidade, o asturoleonês.
Assim, o mirandês é uma língua viva e estruturalmente individualizada dos demais idiomas com os quais convive. Mas o que faz a personalidade verdadeira da língua Mirandesa é a sua flexão gramatical, isto é, a sua perfeita e completa estrutura linguística saída directamente do latim popular, mas à sua maneira.
A fonologia Mirandesa é rica e complicada, sobretudo na evolução e conservação dos sons vocálicos e intermédios - nem graves, nem agudos -, da sua ditongação indefinida e ainda da sua dispersão vocálica ou consonântica, o que a individualiza do galaico-português e do castelhano.
O meio em que esta linguagem nasceu e se desenvolveu foi sempre de plena rusticidade ou vida agro-pecuária dos seus habitantes, lavradores boieiros e pastores, e foi sempre e apenas língua falada e não escrita até ao século XIX - «a língua do campo, do lar e do amor» como lhe chamou Leite de Vasconcelos. Este filólogo publicou em 1900 e 1901 um amplo estudo de referência com o resultado das suas pesquisas, composto por uma gramática e uma antologia de textos em dois volumes, intitulado Estudos de Filologia Mirandesa. Foi a primeira tentativa de fixar por escrito o mirandês. Com esta obra o falar «charro» ou «caçurro» teve acesso à escrita e passou a ter entrada nos manuais da linguística românica.
O mirandês é, no presente momento histórico, uma língua referenciada a uma área aproximada de 500 km2, situada no nordeste de Portugal, a sudeste do distrito de Bragança, ao longo da fronteira com Espanha, abrangendo o concelho de Miranda do Douro e uma parte do de Vimioso. O total de falantes diários do mirandês é aproximadamente de 15 000. Fala-se desde os primórdios da nacionalidade portuguesa, mas este valor é o mais baixo

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52 I SÉRIE — NÚMERO 2

Julgava que o Sr. Ministro António Costa vinha aqui justificar essa frase para sublinhar, enfim, a atitude repressiva do Ministério da Administração Interna.
De qualquer modo, Sr. Presidente, gostaria, mais uma vez, de clarificar que, nessa visita, a Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas foi acompanhada, e mal!, pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Capoulas Santos. O Sr. Ministro estava disponível, se tivesse querido, para vir aqui ao debate. Não veio porque a sua insensibilidade perante os problemas que a agricultura portuguesa atravessa é total!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, há uma medida para todas as coisas e creio que estamos a ultrapassar a medida de intervenções não justificadas dentro do modelo invocado. Assim, se pretendem fazer mais interpelações, que sejam mesmo interpelações, porque, não o sendo, não podemos epidemizá-las.
Também para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): — Sr. Presidente, é mesmo para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. José Magalhães (PS): É para apresentar o texto da moção!

O Orador: — Na sequência das intervenções, tanto da minha como da da bancada do CDS-PP, que se verificaram, como na semana passada, na ausência do Sr. Ministro da Agricultura, queria informar V. Ex.ª e, através de V. Ex.ª, a Câmara de que vai ser entregue na Mesa um requerimento a pedir um debate de urgência...

Protestos do PS.

... com a presença do Sr. Ministro da Agricultura, pelo que esperamos que nessa altura ele compareça.
Este requerimento é apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — E eu posso cá vir?!

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação conjunta do voto n.° 130/VII — De protesto pela falta de resposta do Governo aos problemas da lavoura nacional (CDS-PP) e da proposta de alteração apresentada pelo mesmo partido, de que já foi dado conhecimento à Câmara.
Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PS.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.° 534/VII — Reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa (PS).
Lembro aos Srs. Deputados que está a assistir aos nossos trabalhos um grupo de cidadãos de Miranda do Douro, que merece a nossa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para introduzir o debate em representação do seu partido, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Meirinhos.

O Sr. Júlio Meirinhos (PS): — «Não é o português a única língua usada em Portugal, (...) fala-se aqui também o mirandês!».
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Foi assim que o sábio e eminente filólogo português José Leite de Vasconcelos comunicou ao mundo esta realidade, através de uma publicação científica, em 1882.
O complexo linguístico que se tem chamado língua mirandesa é um idioma neolatino conservado e falado em território português desde o nascimento das línguas românicas, filhas do latim popular. O mirandês vem em linha recta da língua falada e escrita do velho reino de Leão nos séculos XII, XIII e XIV. O mirandês não é, pois, nem uma variedade do português, nem, tão pouco, uma variedade do castelhano, mas antes uma sobrevivência histórica dum grupo linguístico peninsular que em épocas históricas anteriores conheceu uma importante vitalidade, o asturo-leonês.
Assim, o mirandês é uma língua viva e estruturalmente individualizada dos demais idiomas com os quais convive. Mas o que faz a personalidade verdadeira da língua mirandesa é a sua flexão gramatical, isto é, a sua perfeita e completa estrutura linguística saída directamente do latim popular, mas à sua maneira.
A fonologia mirandesa é rica e complicada, sobretudo na evolução e conservação dos sons vocálicos e intermédios — nem graves, nem agudos —, da sua ditongação indefinida e ainda da sua dispersão vocálica ou conso-nântica, o que a individualiza do galaico-português e do castelhano.
O meio em que esta linguagem nasceu e se desenvolveu foi sempre de plena rusticidade ou vida agro-pecuária dos seus habitantes, lavradores boieiros e pastores, e foi sempre e apenas língua falada e não escrita até ao século XIX — «a língua do campo, do lar e do amor» como lhe chamou Leite de Vasconcelos. Este filólogo publicou em 1900 e 1901 um amplo estudo de referência com o resultado das suas pesquisas, composto por uma gramática e uma antologia de textos em dois volumes, intitulado Estudos de Filologia Mirandesa. Foi a primeira tentativa de fixar por escrito o mirandês. Com esta obra o falar «charro» ou «caçurro» teve acesso à escrita e passou a ter entrada nos manuais da linguística românica.
O mirandês é, no presente momento histórico, uma língua referenciada a uma área aproximada de 500 km2, situada no nordeste de Portugal, a sudeste do distrito de Bragança, ao longo da fronteira com Espanha, abrangendo o concelho de Miranda do Douro e uma parte do de Vimioso. O total de falantes diários do mirandês é aproximadamente de 15 000. Fala-se desde os primórdios da nacionalidade portuguesa, mas este valor é o mais baixo

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registado desde há, pelo menos, dois séculos. Sob a pressão do português e da influência crescente do castelhano, o mirandês tem vindo a reduzir a sua esfera de utilização ao meio familiar e às relações de vizinhança. O mirandês está numa situação de declínio vertiginoso. É chegado o momento de inverter o discurso apocalíptico que desde o início do século vem perseguindo esta língua.
Hoje, na Europa, já não morrem línguas, ou, pelo menos, é convicção que não devem e podem não morrer. Em 1996, a Comissão Europeia passou a reconhecer, em publicações oficiais, a existência do mirandês. Ao analisar a vitalidade e capacidade de sobrevivência das línguas minoritárias no contexto actual, situa o mirandês no 34.º lugar numa lista de 48 línguas. Este lugar, embora não seja o pior, é, porém, o que encabeça o grupo de maior risco, o grupo E, o quinto de uma série de cinco.
O mirandês tem vindo a ser o suporte linguístico para a produção literária de um grupo de autores, entre os quais é fundamental destacar António Maria Mourinho. É, para além disto, uma língua ensinada, desde 1986, no segundo ciclo do ensino básico, como disciplina optativa durante dois anos, decorrente de um despacho ministerial.
A conjugação de esforços de investigadores dos Centros de Linguística das Universidades de Lisboa e de Coimbra, de responsáveis pelo estudo e difusão do mirandês, do docente da disciplina de mirandês e da autarquia de Miranda do Douro, permitiu a elaboração, em 1995, 1996 e 1997, da Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa.
Em 1995 foi elaborado um pequeno dicionário de mirandês-português com cerca de 14 000 palavras, bem como uma nova gramática de mirandês, da autoria de Moisés Pires.
O mirandês é, como todas as línguas naturais, um legado cultural de incomensurável valor. Esta língua materna integra a cultura de um povo, não só por ser um dos modos como a cultura se exprime, mas, sobretudo, porque constitui um instrumento de comunicação, de identificação e de memória colectivas.
A defesa da língua Mirandesa depende, essencialmente, da dedicação e do uso por parte dos seus falantes, mas o mirandês é também um compromisso cultural e patrimonial irrecusável para o Estado português.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A administração não pode, assim, demitir-se desta responsabilidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nun quiêro ser tarantainas para nun apanhar ningua túndia.
La Lhéngua Mirandesa, doce cumo ua meligrana, guapa i campechana, nun yê de onte, de trasdonte ou trasdontonte mas cunta cun uito sécios de bida.

Aplausos do PS.

Sien s'ancaixeirar a Ia «lhéngua fidalga i grabe», I Pertués, yê tan nobre cumo eilha ou outra qualquiêra.
Hoije recebiu bida nuôba.
Saliu de 1 absedo i de 1 cenceinho an que bibiu tantos anhos. Deixou de s'acrucar, znudou-se de Ia bargonha, ampimponou-se para, assi, poder bolar, strebolar i çcampar 1 porbenir.
Agarrou I ranhadeiro para abibar.l lhume de Palma i 1 sangre dun cuôrpo bien sano.

Chena de proua, abriu la puôrta de la sue priêça de casa, puso fincones fie 1 sou ser, saliu pa Ias outriêtas i preinadas.
Lhibre, cumo I reixenhor i Ia chelubrina, yá puôde cantar, yá se puôde afirmar.
A Ia par de I Pertués, a partir de hoije, yê lhuç de Miranda, lhuç de Pertual.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Espero que o Sr. Deputado ajude os serviços da Assembleia a manter o rigor da transcrição do seu discurso no Diário.
Foi um prazer ouvi-lo. É uma língua muito bonita e muito sonora.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Oliveira.

O Sr. Cruz Oliveira (PSD):

- Sr. Presidente, Srs. Deputados: A língua portuguesa nasceu cristã.
Podemos dizer que sob o mesmo signo nasceu o castelhano e, a par, os grandes dialectos de Espanha como o lionês e o aragonês, `sem excluirmos o catalão.
Os primeiros documentos que nos trazem notícias de falares diferentes da língua mãe - o latim popular, da qual são filhas directas as línguas atrás citadas -, apareceram nos mosteiros ou nas catedrais, porque foram os grandes guardas da cultura da Idade Média.
Dos mosteiros espanhóis de S. Milan, a oeste da Província de Logrono, e do milenário Mosteiro de Silos datam os mais antigos documentos, de meados do século X, onde se encontram os primeiros sinais de uma linguagem diferente da língua mãe, o latim.
Do Mosteiro da Pendurada, concelho de Baião, nos ficou o mais antigo documento onde se entrevê outra futura língua diferente da de então - e corria o ano de 908 e o documento mais antigo que nos resta escrito em língua portuguesa nacional data de 1192 e veio do Mosteiro de Vairão, Vila do Conde.
Todos aqueles documentos ou começam pelas palavras «Cristi Nomine» - «Em nome de Cristo» -, ou então, quando são régios, pelo nome do Rei, acrescentando logo «...pela graça de Deus, Rei de Portugal».
Sob o signo e influxo cristão se foi enraizando o âmbito da língua na terra portuguesa, fixando-se cristãmente nas povoações e lugares do Termo e nos nomes das pessoas, como que para ser instrumento de civilização em destino ecuménico através dos mares e dos continentes, perdurando em benefício de toda a humanidade sob o mesmo sinal de Cristo.
Todo este saber que acabei de referir, Srs. Deputados, foi vertido pelo grande transmontano e mirandês Padre António Maria Mourinho, em livro que conheceu a luz em Junho de 1991, publicado, então, sob patrocínio da Câmara Municipal de Miranda do Douro, sendo seu Presidente o Dr. Júlio Meirinhos, hoje aqui ilustre parlamentar.
Falar hoje e aqui neste Parlamento em defesa da língua Mirandesa é falar, antes de mais, no esforço árduo de uma vida inteira devotada ao estudo da cultura transmontana e Mirandesa. Falar na cultura Mirandesa é falar no seu mais insigne defensor, o Padre Mourinho, hoje considerado uma referência cultural indispensável no panorama histórico-cultural Bragançano. Quem como ele definiu de forma tão brilhante a Capa de Honras Mirandesa, dizendo: «Uma boa capa deve levar cinco varas de burel ou mais, para ficar farta e poder ser traçada pela

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frente sobre o ombro esquerdo e descair bem pelas bandas mesmo com o capuz coberto, ou sem ele para tirar por completo o frio e a chuva». Acrescentava ainda o Padre Mourinho: «O valor da Capa de Honras mede-se ou avalia-se pelo seu feitio e pelas jeiras que demora o alfaiate a fazê-la».
Deixou-nos, assim, o Padre Mourinho um valor incalculável de conhecimento, recolhido durante a sua vida de toda a cultura Mirandesa.
É, portanto, com orgulho que hoje aqui honramos as nossas raízes transmontanas, defendemos o nosso património cultural e nos associamos ao reconhecimento oficial dos direitos linguísticos da comunidade Mirandesa.
Não ficaria de bem com a minha consciência, se não aproveitasse a oportunidade desta defesa da língua Mirandesa para falar de outros dialectos também da nossa terra. Estou-me a referir ao rio d'onorês, falado em Rio d'Onor, ao guadramilês, falado em Guadramil, e mesmo ao sendinês, falado em Sendim. É obvio que alguns questionarão: mas quem os fala? Outros perguntarão: para que servem? A resposta a estas questões pode ser, paradoxalmente, uma nova pergunta a nós mesmos: não poderemos nós aprovar a lei do reconhecimento oficial da língua Mirandesa, obviamente muito mais importante em termos de projecção popular que os dialectos referidos, para consolidar e dar força de lei ao apoio e incentivo dos dialectos de Rio d'Onor, de Guadramil e de Sendim?
Em meu entender, a aprovação deste projecto de lei dá-nos a oportunidade para o reconhecimento oficial dos dialectos referidos, na .busca da consolidação da cultura popular daquelas comunidades rurais.
Srs. Deputados, o desenvolvimento cultural não se insinua, exerce-se. Hoje estamos aqui para contribuir para a projecção de Miranda do Douro, dos seus usos, dos seus costumes e das suas tradições. Permitimos que a história acumulada de centenas de anos não se perca na memória do tempo e muito menos se perca o esforço de notáveis transmontanos como o Abade Baçal, o Padre António Maria Mourinho e David José Rodrigues - esse grande estudioso de Rio d'Onor -, que hoje são continuados por insignes e devotados transmontanos e mirandeses dos quais destaco o aqui presente Prof. Domingos Raposo que, através do seu saber, vai porfiando no ensinamento do mirandês.
A presença do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro neste hemiciclo é bem patente da vontade dos mirandeses neste reconhecimento e do esforço já feito neste domínio. Ao Sr. Vereador da Câmara Municipal e ao Sr. Presidente, que hoje nos honram com a sua presença e com a Capa de Honras, bem hajam pelo esforço em prol de Miranda e das suas gentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na hora da globalização mundial da sociedade actual, na véspera do aparecimento da moeda europeia, no tempo em que as línguas dominantes são ensinadas nos primórdios das nossas escolas, é nossa responsabilidade dedicarmos também atenção às nossas raízes, à nossa cultura e à manutenção dos nossos valores.
Ir a Rio d'Onor e, além de ver e tocar a Vara do Poder, poder falar o dialecto rio d'onorense é algo que está ao nosso alcance estimular e perpetuar no tempo.
Ir a Miranda do Douro visitar o Museu de Terras de Miranda, admirar a Capa de Honra e poder aprender novos vocábulos de uma velha língua, é fazer história.
Por isso é que o Grupo Parlamentar do PSD está solidário com o projecto de lei em discussão e dedicará,

a curto prazo, atenção aos dialectos de Rio d'Onor, Guadramil e Sendim.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É com grande satisfação que nos associamos aos objectivos do projecto de lei n.º 534/VII, oriundo da bancada do Partido Socialista, no sentido do reconhecimento oficial de direitos linguísticas da comunidade Mirandesa.
Quando afirmamos que «a falar é que a gente se entende» o que afinal queremos significar é que é com o falar que nós nos construímos ou «des-construimos» como indivíduos, como comunidade ou como povo. Uma língua ou um «falar» constituem um dos principais factores da construção histórica de qualquer comunidade e da sua relação consigo mesma ou com os de fora. Ou seja, com a sua existência concreta. Lembremo-nos que já para os gregos uma divisão dicotómica do mundo levava-os a utilizar a palavra «bárbaros» para designar todos aqueles que não falavam a língua grega, e bem sabemos o sentido conotativo e pejorativo que a palavra adquiriu hoje no senso comum.
Não raramente, a língua tem vindo a constituir, ela própria, um pilar fundamental de resistência a várias formas de opressão - e veja-se, neste domínio, o papel desempenhado pelo galego, pelo basco e pelo catalão na moderna Espanha franquista. Mesmo fora da noção de Estado e de território, e em condições quase sempre adversas e mesmo trágicas, o povo «Rom» - aquele que quotidianamente designamos por cigano - tem encontrado na sua língua um espantoso factor de unidade e de coragem que nem os campos de concentração do nazi-fascismo conseguiram esmagar.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Se me socorro de todos estes exemplos é porque entendemos que este projecto de lei aborda uma matéria que não pode ser considerada nem «folclórica» nem «menor». Este projecto corporiza, sem quaisquer dúvidas, aspirações antigas e sentidas da comunidade Mirandesa e por isso a ele nos associamos sem quaisquer reservas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Neste sentido rigoroso, não há línguas minoritárias, há línguas. O desaparecimento de qualquer uma torna-nos a todos mais pobres, e a língua portuguesa, como sétima língua mais falada no mundo, assume neste domínio particulares responsabilidades. Não podemos permitir que a sobrevivência do mirandês tenha até agora sido tornada possível por força do isolamento geográfico ou do alheamento político que, durante gerações, se abateu sobre a região e que agora, em nome de uma certa forma de progresso, de desenvolvimento e de abertura ao mundo, o mirandês termine ingloriamente esmagado. Tratar-se-ia de uma trágica ironia, à qual, diga-se, não tem escapado grande parte do nosso património. Esperamos sinceramente que o presente projecto de lei não se esgote em si mesmo e não se reduza a um

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eleitoralismo de circunstância que ninguém, diga-se, perdoaria.
A aprovação do presente projecto de lei pode constituir ou um marco histórico na defesa e na assunção da dignidade da língua e da cultura minardes, ou o início de um novo ciclo de frustrações a que, infelizmente, muitos transmontanos já se habituaram.
Já agora, num aparte, permitam-me que vos diga que todos nos devemos sentir orgulhosos por a língua Mirandesa ter sido utilizada hoje nesta Assembleia. Permitam-me saudar igualmente os cidadãos mirandeses que hoje aqui se encontram connosco.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República é um lugar privilegiado de uso da língua portuguesa. Quantos debates, quantas tentativas de solução de problemas de norte a sul do País são para aqui trazidos. Quantos projectos, quantas propostas sempre em língua portuguesa,... até os apartes! A nossa língua é um património nacional. Afinal, como diz Fernando Pessoa, é «a nossa pátria»!
A língua é a matriz do pensamento e todos nós fazemos a sua aquisição desde pequenos, apropriando-nos, intuitivamente, subjectivamente e funcionalmente, dos seus sons, dos seus sabores e cambiantes, das suas combinações, das suas palavras e frases. Com ela comunicamos todo um passado que registamos, sentimentos, emoções, vivências, legados históricos das nossas raízes, culturas que interagem em cada dia, que são o presente e a primeira plataforma do futuro.
Se isto acontece em relação à língua portuguesa, não será difícil entrar, até por paradigma, na importância do mirandês para as sociedades que vieram do seu berço! Não podemos esquecer que muitos portugueses ouviram as primeiras canções de embalar em mirandês, receberam e experimentaram as tradições, usos e costumes da sua terra, privilegiadamente em mirandês, que, a par do português, é também instrumento básico da sua própria cultura e elemento da cultura de todos nós.
A língua e a comunicação fazem a modelagem cultural de uma sociedade, que será tanto mais rica quanto mais ricas forem as suas formas de expressão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, se se perdesse o mirandês ficaríamos todos mais pobres, uma vez que se perderia uma parte importante da cultura portuguesa. Esse legado, essa vivência cultural deixaria de ser transmitida e registada com o vigor das gentes que a construíram, à sombra de serranias agrestes e rios viris, orografia pesada que influenciou, nos seus próprios sons e mecanismos, o mirandês.
É um facto que o número de falantes, a esfera e área de utilização do mirandês têm vindo a diminuir, o que impõe até cuidados muito especiais e urgentes. A referida diminuição do número de falantes em muito se deve à circunstância de a existência do mirandês ter decorrido, quase até aos nossos dias, à margem da escrita. No entanto, tem vindo a ser feito um grande esforço no sentido da inversão deste estado de coisas, como, por exemplo, na proposta de convenção ortográfica Mirandesa; no estabelecimento de uma escrita o mais unitária possível com critérios claros, sistemáticos e económicos para escrever e ler o mirandês e também para o ensinar; na criação de um código ortográfico que ajude a recolher e preservar as formas da sua valiosa história linguística; na elaboração, em 1995, de um vocabulário mirandês-português e da nova gramática Mirandesa; no ensino do mirandês, desde 1986, no 2.º ciclo do ensino básico e na consequente difusão através da produção escrita e da leitura.
É que também o mirandês é um sistema e um código, anterior e exterior aos mirandeses. Mas não é só-sistema e código, conta ainda com a praxis, acção actualizadora, simultaneamente instauradora e transgressora do seu próprio sistema.
O mirandês é, claramente, uma das formas de expressão de cultura, instrumento de comunicação, identificação e memória colectiva da comunidade mirandense. Será, pois, relevante possibilitar-lhe vida e expansão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, defender a língua Mirandesa é, para nós, um dever! Esta é, certamente, a asserção deste projecto de lei com a qual concordamos. Mas a defesa que este projecto d4 lei faz da língua Mirandesa será a mais adequada? Lê-se no articulado que o Estado português reconhece o direito da comunidade de cultivar e promover a língua Mirandesa enquanto património cultural, instrumento de comunicação e de reforço de identidade própria. Ela é, com certeza, tudo isto. Mas será necessário que o projecto de lei o diga? Será necessário que fique consagrado em lei ordinária que o Estado português reconhece o direito da comunidade de cultivar e promover a língua Mirandesa, quando ela já está individualizada desde 1892?
Poderá haver aqui algo de redundante face à protecção constitucional do direito à fruição e criação cultural e aos correspondentes deveres dos indivíduos de preservar defender e valorizar o património cultural, e do Estado de promover a salvaguarda e a valorização do património cultural. Não será também o reconhecimento do direito das crianças de aprenderem o mirandês nas' escolas do município de Miranda do Douro apenas mais uma decorrência daquela outra disposição constitucional que diz que, na realização da política de ensino, incumbe ao Estado inserir as escolas nas comunidades que servem e estabelecer a interligação do ensino e das actividades económicas, sociais e culturais?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP apoia a formação de professores de língua Mirandesa. A formação de professores só poderá resultar em benefício dos discentes das escolas de Trás-os-Montes e Alto Douro. só desta forma se realizará a política de ensino que insere as escolas nas comunidades que servem e estabelece a interligação do ensino e das actividades económicas, sociais e culturais.
Daremos mesmo um apoio empenhado àqueles que, conscientes da extrema diversidade e riqueza das manifestações culturais desta zona do País, propõem a criação de um instituto de estudos transmontanos e durienses, ao qual caberia a tarefa de fazer a recolha etnográfica, antropológica, sociológica e político-social, de que atrás falámos, a sua ordenação histórica, sistematização temática e divulgação. A mais valia cultural gerada por uma instituição desta natureza, se posta, nomeadamente, ao serviço do. ensino naquela zona do país, seria certamente motivo de orgulho não só para quem fala mirandês mas para o País.
Por todas estas razões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não nos oporemos à aprovação, na generalidade, deste

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projecto de lei. Será aconselhável, contudo, que a presente discussão deixe já uma ideia clara daquilo que se pretende ver consagrado em forma de lei, para que a boa intenção subjacente à apresentação deste projecto não venha a ser traída por uma concretização insuficiente. Seria o pior serviço que se poderia prestar à defesa do mirandês, das gentes que o falam e da cultura nacional.

Aplausos do CDS-PP

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Cruz Oliveira.

O Sr. Cruz Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao projecto de lei que acaba de ser proposto, há algumas questões que, embora de somenos importância, obviamente, gostaria que ficassem claras, até porque este projecto de lei ainda irá descer à comissão no sentido de voltar a ser analisado.
Gostaria de deixar claro, em relação aos artigos 3.º e 4 º, o seguinte: no tocante ao artigo 3.º, em que é dito que é reconhecido o direito da criança à aprendizagem do mirandês nas escolas do Município de Miranda do Douro, nos termos a regulamentar, o Sr. Deputado Júlio Meirinhos já referiu há pouco que o mirandês se fala numa área de cerca de 500 km, abrangendo os municípios vizinhos. É evidente que em relação a esses municípios vizinhos, em termos do território nacional, que são Vimioso e Mogadouro, terá também, porventura, de se reflectir, se não valerá a pena dar um maior alcance a este articulado do artigo 3.º, no sentido de o ensino do mirandês não se circunscrever apenas a Miranda do Douro mas também torná-lo extensivo, de acordo com as candidaturas dos alunos, às escolas preparatórias e secundárias dos concelhos vizinhos.
O artigo 4.º também merece uma reflexão no que diz respeito ao entendimento do que poderá vir a ser feito sobre «...as instituições públicas poderão emitir e receber documentos em língua Mirandesa...». É óbvio que valeria a pena esclarecê-lo, para que este entendimento fosse claro e efectivo, pois as instituições públicas sediadas nos concelhos onde se ministra mirandês .... Não imagino, por exemplo, na capital de distrito, em Bragança, qualquer organismo público a receber documentos em mirandês, tornando obrigatória a sua tradução. Evidentemente, são pormenores pequenos, mas dado que este projecto de lei vai ainda baixar à comissão para ser discutido na especialidade, valeria a pena reflectir sobre as duas questões que referi.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma intervenção, o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, farei uma rápida intervenção pois o tempo que tenho é curto e o essencial sobre esta matéria já foi dito.
Gostaria apenas de chamar a atenção para o facto de este diploma ser o coroar de uma actividade desenvolvida pela autarquia local desde há longos anos. Referiu-se e bem, com inteira justiça, que o Sr. Padre Mourinho foi um dos grandes responsáveis pela defesa e preservação do mirandês, através dos trabalhos que desenvolveu rias últimas décadas, mas importa também sublinhar que, nos últimos anos, a Câmara Municipal de Miranda do Douro, autarquia local, desenvolveu numerosas acções de defesa do mirandês. Isto para dizer que esta deve ser uma questão de património nacional: o mirandês é património nacional!
Houve uma primeira tomada de consciência da autarquia no sentido da preservação dó mirandês e certamente que há, quer por parte dos partidos com assento na Assembleia da República, quer por parte do Governo, perfeita consciência de que o mirandês tem de ser preservado, tem de ser defendido e, se possível, expandido na sua região natural de existência e permanência.
Quanto ao Governo, e em relação ao «eleitoralismo», gostaria de garantir ao Sr. Deputado José Calçada que, nessa perspectiva, não há qualquer intenção eleitoral na apresentação deste diploma. Há, efectivamente, o desejo de preservar o mirandês, só que foi necessário que o antigo presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro viesse para a Assembleia da República como Deputado para que este diploma surgisse e viesse a ter o apoio que, de facto, está , a ter por parte de todos os grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não é habitual que o Presidente da Assembleia da República faça comentários durante o debate de uma matéria, mas gostaria de os felicitar por este debate.
Penso que foi um debate muito oportuno, muito rico e queria apenas deixar duas notas: a primeira nota é que as identidades, nos dias de hoje, são cada vez mais difíceis, quer as regionais, quer as nacionais e, portanto, onde elas existem, onde existem factores de identificação regional e nacional, devemos cultivá-las como uma planta rara. É o caso da «língua Mirandesa.
A segunda nota é que o Sr. Deputado Júlio Meirinhos, de cujo discurso gostei muito, incorreu numa grande contradição porque, depois de ter mostrado absoluta identidade e autonomia da língua Mirandesa, o que é obvio, no fim do seu discurso, leu um longo texto em mirandês e não o traduziu; pressupôs que entendíamos o que o Sr. Deputado estava a dizer, mas não entendemos rigorosamente o que leu. Essa é a afirmação da autonomia do mirandês.
Por outro lado, gostaria também de lhe dizer que, sendo autónomo em relação à língua portuguesa, o mirandês é também uma língua portuguesa. Não é a língua portuguesa, mas é uma língua de Portugal, dos portugueses e, portanto, também uma língua portuguesa.
Era apenas isto que queria dizer. Muito obrigado a todos.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão da proposta de lei n.º 182/VII - Altera a Lei n.º 381/87, de 23 de Dezembro, Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, para introduzir o debate, em representação do Governo.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Srs. Membros da Mesa, Srs. Deputados, Comparecendo pela primeira vez no Plenário desta Assembleia nesta sessão legislativa, permitam-me VV. Ex.as que a presente a todos os meus melhores cumprimentos e os desejos de um bom ano parlamentar. Aliás, pelo entusiasmo dos debates que têm havido nesta Assembleia, tudo indica que o ano parlamentar será, pelo menos, um ano

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muito vivo e isso já é um bom sinal para a democracia e para o Parlamento.
Sr.as e Srs. Deputados, sobe hoje a Plenário mais uma proposta de lei estruturante para o sector da justiça.
A proposta integra um conjunto muito amplo de alterações à actual orgânica dos tribunais judiciais, aliás, na sua grande maioria, para não dizer totalidade, de há muito ansiadas por todos aqueles que conhecem o quotidiano dos problemas de funcionamento dos tribunais.
Não se trata, também neste caso, de uma reforma desgarrada: pelo contrário, enquadra-se num vasto plano de reformas, muitas delas já aprovadas nesta Assembleia da República ou publicadas pelo Governo, que pretendem solucionar problemas bem identificados e transmitir novas capacidades de resposta à justiça portuguesa.
A política de justiça do Governo não se tem, no entanto, resumido a rever ordenamentos legislativos. Pelo contrário, tem envolvido um conjunto muito amplo de acções que constituirão um decisivo reforço das estruturas judiciais.
Desde o início da presente legislatura foram já criados e instalados - não apenas criados no papel - 40 novos juízos, espalhados um pouco por todo o País. Este esforço continuará e será aprofundado com a criação de novas estruturas, dando-se apenas, como exemplo, o que se perspectiva para a região de Lisboa, em que para além da criação e instalação de novos juízos de pequena instância cível, se prevê a criação de novos juízos cíveis e a efectiva instalação de varas cíveis, tudo se traduzindo num enorme reforço de capacidades da jurisdição cível.
Por outro lado, a criação de novos tribunais de família e menores, sobretudo em cidades da zona metropolitana de Lisboa, como Loures, Sintra, Cascais e Barreiro, irá trazer uma considerável diminuição do número de processos nos actuais juízos cíveis ou de competência genérica.
A revisão da competência territorial de alguns tribunais da área de Lisboa, associada da entrada em funcionamento do Tribunal da Comarca da Amadora, criada à vários anos e ainda por instalar, produzirá idêntica diminuição processual na jurisdição cível da comarca de Lisboa.
No que respeita ao esforço de construção, conservação, arrendamento de instalações e recuperação de edifícios, o investimento a fazer na presente legislatura será de mais do dobro daquele que foi feito entre 1992 e 1995, passando-se de 10,786 milhões de contos para 22, 668 milhões de contos.
Só para citar alguns dos investimentos mais relevantes, deve ter-se em conta que, para além das grandes obras de melhoramento em alguns tribunais, designadamente de segunda instância, só neste ano civil e no próximo, serão inaugurados os novos Palácios de Justiça de Cascais, Portimão, Seixal, Barreiro, Loures, Amadora, Matosinhos e São João da Madeira, para falar apenas dos principais, e já foram objecto de intervenção os Tribunais de Coimbra e Matosinhos - este, a título provisório -, estando a decorrer ainda uma grande operação de libertação de espaços em alguns palácios de justiça, com a saída de conservatórias e de serviços de notariado.
Exemplo deste programa de reinstalação são as operações, já feitas ou a executar a curto prazo, em Faro, Santo Tirso, Vila Franca de Xira, Viana do Castelo, Ponta Delgada, Aveiro, Barcelos, Guarda, Guimarães, Santarém e Vila Real.
O reforço do número de pessoas que trabalham nos tribunais - magistrados judiciais e do ministério público e funcionários judiciais - tem continuado e no que diz respeito a estes últimos não tem resposta paralela em qualquer outra legislatura: só nos últimos três anos, foram admitidos 1250 funcionários de justiça. Estão actualmente em formação, no Centro de Estudos Judiciários, 353 novos magistrados judiciais e do Ministério Público, contando com os 120 auditores que ontem iniciaram a sua formação, já nos moldes aprovados pelo novo estatuto do Centro de Estudos Judiciários.
Não é só nas infra-estruturas físicas e no pessoal que tem incidido o esforço do Governo, mas também nos processo de organização do trabalho.
No que diz respeito à modernização dos tribunais, está generalizada a utilização de meios electrónicos para pagamento das custas judiciais, estas, aliás, extremamente simplificados pela publicação do novo Código das Custas.
Iniciou-se em vários tribunais o uso das novas capas dos processos com enormes potencialidades para a simplificação do trabalho das secretarias.
Em matéria de modernização, refira-se ainda que, tendo sido aprovado o Plano Geral de Informatização, entrou-se na sua plena execução.
Sem ter parado a dinâmica de colocação de computadores pessoais nos tribunais - existindo actualmente no sistema 6400, registe-se que 3000 foram introduzidos na actual legislatura -, consagraram-se dois novos princípios que vão revolucionar, a curto prazo, o funcionamento do sistema judiciário: o princípio da instalação de redes informáticas nos tribunais, que permitirá ultrapassar-se o funcionamento atomístico actual, e a concepção e instalação de uma aplicação integrada, que envolverá todas as questões de gestão processual, gestão administrativa, exploração de bases de dados, jurídicas e administrativas, e o suporte às actividades de todos os profissionais, aplicação que estará adaptada às necessidades das várias jurisdições e tipos de processos. Foi lançado, recentemente, o concurso para a concepção desta aplicação.
A instalação de redes está iniciada e praticamente concluída no Palácio da Justiça de Lisboa, contando-se que, até ao fim do ano, o mesmo aconteça em 30 outros tribunais e, em 1999, a instalação cobrirá entre 40 a 70 outros edifícios judiciais, muitos deles contando muitos juízos. Estas serão acções de modernização absolutamente essenciais para que os tribunais portugueses possam entrar decisivamente numa era de modernidade de que se encontravam afastados até há pouco tempo.
É neste contexto de reforma e de esforço que vamos discutir a proposta do Governo de Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais. Conjuntamente com as alterações ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, a apresentar imediatamente a seguir à aprovação da Lei Orgânica, com as alterações a introduzir na Lei Orgânica das Secretarias Judiciais e no Estatuto dos Funcionários de Justiça, a aprovar pelo Governo em curto lapso de tempo, e com a Lei Orgânica do Ministério Público, já aprovada, esta proposta de lei constitui a mais importante alteração da estrutura judiciária portuguesa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Na proposta de lei, cuja aprovação substituirá a organização aprovada em 1987, destaca-se, desde logo, a extinção dos tribunais de círculo e a sua substituição por um sistema de dupla corregedoria, já há muito propugnado como o mais adequado à situação concreta da estrutura judiciária portuguesa ou, nos casos

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em que se justificar, mesmo fora de Lisboa e Porto, pela criação de varas cíveis ou criminais com três juízes privativos.
É sabida - diria, consabida - a atribulada história dos tribunais de círculo que, a pouco e pouco, foram perdendo as características que inicialmente os caracterizavam. Daí, certamente, a situação que hoje existe, e que encontrámos no início desta legislatura: dos 56 tribunais de círculo criados, apenas foram instalados 23. Estamos hoje, assim, perante um sistema híbrido, que cria, naturalmente, uma situação confusa e pouco transparente, com dificuldades acrescidas para muitos juízes de comarca que ocupam uma boa parte do seu tempo a participar em tribunais colectivos fora da área da sua comarca.
Penso que hoje existe um grande consenso sobre a necessidade desta medida, mesmo tendo em conta que há tribunais de círculo que funcionam bem, mas, impõe-se referir, funcionam apoiados numa dimensão processual diminuta, criando desequilíbrio com os tribunais de comarca, afectados, aliás, por aquele fenómeno da deslocação sistemática para a constituição dos colectivos. Foi, aliás, logo que este Governo tomou posse, poucos meses depois, um pedido instante do Conselho Superior da Magistratura em reunião para que o Ministro da Justiça foi então convidado.
Com a instituição da dupla corregedoria, libertar-se-ão juízes dos tribunais de comarca da sua intervenção nos tribunais colectivos, que passarão a fazer parte apenas do colectivo das suas comarcas, tendo, no entanto, em várias situações, de ser criados juízos adicionais para fazer face, naturalmente, ao aumento de processos, cuja preparação para julgamento decorrerá na comarca, decorrendo este com a intervenção dos dois juízes de círculo que alise deslocarão.
Uma outra reforma de fundo que muito irá contribuir para uma maior estabilidade dos magistrados, constantemente reclamada pelos cidadãos e pelas autarquias, é a da classificação dos tribunais de pequena instância apenas em duas ordens: tribunais de primeiro acesso e tribunais de acesso final. Assim se obsta a que muitos juízes e magistrados do Ministério Público, como hoje sucede, apenas permaneçam nas comarcas um curto período temporal, com consequências gravosas para a necessária continuidade do trabalho nos processos.
Adaptam-se as alçadas, seguindo aqui apenas as taxas de inflação dos últimos anos e, para que não sucedamos problemas causados na última revisão das mesmas, clarifica-se que a admissibilidade dos recursos se dá face à alçada em vigor ao tempo da propositura da acção.
Na perspectiva de criação de novos tribunais de 2.º instância, designadamente no Minho e no Algarve, a fazer no regulamento da Lei Orgânica, prevê-se a continuidade dos actuais distritos judiciais, a fim de evitar alterações em cadeia num conjunto de leis que têm aqueles distritos como critério básico de determinação de consequências legais.
A criação dos novos tribunais da relação destina-se, por um lado, a aproximar esta instância dos cidadãos (caso mais evidente no Algarve) e, por outro, a descongestionar tribunais de 2.º instância, que começam a ter problemas de gestão e distribuição de processos, pelo enorme número de juízes que se concentram num único tribunal.
Só não se perspectiva, de momento, um novo tribunal da relação, criado por subdivisão da relação de Lisboa, por se ter concluído, pelos estudos feitos, que a maior parte dos processos que sobem a este tribunal são originados na própria comarca de Lisboa e comarcas limítrofes, pelo que se visiona como mais adequada, porventura, a separação física de secções do mesmo tribunal, permitindo um funcionamento mais adequado e eficaz.
Também no que respeita ao Supremo Tribunal de Justiça, dado o elevado número de juízes efectivos e auxiliares que já o compõe, cria-se o pleno das secções especializadas, evitando a reunião do plenário de juízes de muito difícil funcionamento. Por outro lado, fixa-se que o julgamento nas secções é efectuado por três juízes, também no sentido de simplificar uma intervenção muito pesada de todos os juízes da secção.
Ainda em relação ao Supremo Tribunal de Justiça, termina-se com o recurso a juízes auxiliares, situação que se julga incompatível com a dignidade deste tribunal, optando-se por um quadro que possa ter suficiente elasticidade para prover as vagas dos juízes que temporariamente não prestam serviço no tribunal, prevendo-se igualmente lugares além do quadro para acudir a situações de normal aumento de volume ou complexidade de processos.
Os problemas resultantes de impedimento prolongado do magistrado judicial ou do ministério público, quer por doença, quer frequentemente em situações de parto das senhoras magistradas, terão finalmente uma solução, com a criação de bolsas de magistrados junto dos tribunais de 2.ª instância. Assim se pensa poder fazer face às situações que, em muitos casos, por ausência prolongada do magistrado, se transformam rapidamente em atrasos sistemáticos dos processos no tribunal.
Criados que foram os Tribunais de Recuperação da Empresa e de Falência, territorialmente competentes nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, e terminada a experiência inicial, que se tem revelado positiva, dar-se-á o passo, há muito preparado, de ampliar a sua competência para outras matérias relativas à actividade empresarial e económica.
Assim, para além da competência para apreciar os processos especiais de recuperação da empresa e falência, consagrar-se-á a sua competência para todas as acções de direito societário, de propriedade industrial, para ás acções respeitantes ao registo comercial, bem como para recursos, nomeadamente os interpostos das decisões do Conselho da Concorrência, assim se acabando com a abstrusa situação de os recursos do Conselho da Concorrência irem parar aos tribunais de pequena instância criminal. Não se trata de recriar os tribunais de comércio na antiga acepção do termo, experiência que se julga não dever reatar, trata-se de criar tribunais onde serão tratadas as questões mais complexas respeitantes à actividade empresarial, designadamente de direito societário, de concorrência e de propriedade industrial.
Por ora, julga-se que é de manter o figurino adoptado inicialmente em matéria de jurisdição para os actuais tribunais de recuperação de empresa e de falência. Assim, a sua área de jurisdição deve corresponder à dos tribunais situados em Lisboa e Porto e nas respectivas áreas metropolitanas. É, certamente, nestas circunscrições que ocorre uma percentagem muito elevada deste tipo de acções, pelo que se julga de continuar a experiência e de a solidificar em primeiro lugar restrita a essas mesmas áreas.
Finalmente, e apenas para citar as mais importantes alterações, procede-se à extinção dos tribunais de turno, substituindo-os pela organização de turnos aos sábados e feriados, possibilitada agora pela reforma do processo penal, designadamente no que respeita ao processo sumário.

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Projecta-se, ainda no decorrer desta legislatura e na decorrência da recente alteração constitucional, constituir os julgados de paz, designadamente nos grandes centros urbanos, para julgamento de bagatelas civis de fácil resolução, muitas vezes possibilitada por conciliação das partes e que incluirão necessariamente os pequenos conflitos de vizinhança e as pequenas dívidas de natureza civil, para os quais, na actual estrutura judiciária portuguesa, não há verdadeiramente solução prática eficaz. Entende-se que tais julgados, cuja actividade se traduzirá numa justiça de proximidade e desburocratizada, não deve necessariamente ser cometida a magistrados judiciais no activo, devendo ser entregue preferentemente, aliás, na esteira de outras experiências europeias, a juristas, designadamente a magistrados jubilados ou reformados, bem como advogados, que poderão aí continuar a exercer o seu múnus, numa justiça próxima e acessível aos cidadãos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Procurou-se, finalmente, por razões de sistemática e de lógica do próprio sistema, transpor para a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais algumas disposições relativas às normas de nomeação de juízes do Supremo Tribunal de Justiça, aliás, todas ipsis verbis, até agora com assento no Estatuto dos Magistrados Judiciais, bem como incluir um conjunto de disposições relativas quer ao Ministério Público, quer às secretarias judiciais, quer aos advogados. Esta última, aliás, na sequência da alteração da norma constitucional relativa ao patrocínio judiciário.
Foram, curiosamente, algumas destas normas, aliás contendo' imperativos de todo em todo evidentes e de acordo com a base constitucional em que assenta o nosso quadro judiciário, que suscitaram interrogações e, digamos, até reclamações de alguns sectores.
Não se vê, sinceramente, que não seja necessária a autonomia do Ministério Público, bem como o exercício livre da advocacia, para que os tribunais sejam verdadeiramente independentes. Aliás, aí estamos bem acompanhados, designadamente pela Associação Sindical dos Magistrados Judiciais Portugueses, que defende a mesma tese, pelo menos defendeu-a por escrito.
Não se vê coerência lógica e sistemática em regular no Estatuto dos Magistrados Judiciais o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, sabido como é que este acesso tem regulamentação especial, a ele podendo concorrer magistrados do Ministério Público e juristas de reconhecido mérito. Bem pelo contrário, pensa-se que tal norma, de acordo com o preceito constitucional respectivo, só dignifica esse alto tribunal.
Nada disto seria importante, aliás, não fosse o caso de fazer ressaltar à evidência o grande consenso gerado à volta das soluções de fundo propugnadas pela proposta de lei e a crispação de alguns em volta de símbolos, e até de moinhos de vento, com que se ocupam afinal nos debates, esquecendo as questões essenciais.
À Assembleia cabe, naturalmente, a última palavra num debate já há muito iniciado. Que o debate seja enriquecedor e substancial e não meramente formal!
Por parte do Governo nada mais nos preocupa do que chegar a um texto que sirva verdadeiramente os objectivos de todos nós: uma melhor justiça para os cidadãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça, inscreveram-se os Srs. Deputados Guilherme Silva, Francisco Peixoto, José Magalhães, Antonino Antunes e Odete Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, a minha preocupação pela discussão substantiva destes diplomas da maior relevância para a justiça vai de tal modo, aqui confirmar-se que começo por uma crítica, que tem a ver com a circunstância de não termos aprofundado esta matéria ainda antes da discussão na generalidade, em sede de Comissão, designadamente com a presença do Ministro da Justiça.
Adiámos a discussão deste diploma para esta sessão legislativa exactamente para podermos fazer um conjunto de audições na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que, infelizmente, por uma desarticulação, para a qual chamaria a atenção do Sr. Presidente da Assembleia e do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sem que tivéssemos passado da mera audição do Sr. Procurador-Geral da República e do Conselho Superior da Magistratura. Gostaríamos de ter ouvido o Sr. Ministro da Justiça também nessa fase e nessa sede.
Portanto, a vontade de discutir substancialmente esta matéria está aqui confirmada. O meu lamento de não termos começado por aí.
Sr. Ministro, pareceu-me que V. Ex.ª, no seu discurso, se referiu a questões simbólicas, mas que, quanto a mim, são muito mais do que simbólicas, são questões de princípio. E uma questão de princípio aqui muito clara tem a ver com uma linha que o Ministério da Justiça tem estado a veicular, ao longo das últimas alterações, em matéria de diplomas de justiça, desde o Código de Processo Penal, ao Estatuto do Ministério Público e agora à Lei Orgânica dos Tribunais, com um reforço, que não censuramos dentro dos limites constitucionais, mas que não podemos admitir quando ele subverte e ultrapassa os limites constitucionais da posição do Ministério Público. E esta fórmula que o artigo 3.º desta Lei traz, no sentido de entender-se que a independência dos tribunais é também integrada e servida pela autonomia do Ministério Público, é uma subversão de princípios constitucionais.
Basta ler os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira para perceber isto. Eles são muito claros quando referem a contraposição do estatuto de subordinação hierárquica, submissão a instruções e ordens e da responsabilidade em contrapartida com o estatuto de irresponsabilidade e de não subordinação dos juízes que é o cerne da sua independência.
Aliás, se tivéssemos de ir para aí, numa visão, que penso ser distorcida, da realidade dos princípios em matéria do poder judicial, então, teríamos de começar por integrar também aí os advogados,...

O Sr. Ministro da Justiça: - Cá estão!

O Orador: - ... que, esses sim, actuam sem subordinação a instruções, com total independência e liberdade, sem qualquer subordinação hierárquica. Mas era ali no artigo 3.º e não mais adiante onde V. Ex.ª refere.
Aliás, sobre essa matéria, V. Ex.ª também se demite de definir aqui o que devia ser definido. A Constituição, na última revisão, garante um estatuto e imunidade aos

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advogados pelo exercício do seu mandato e V. Ex.ª vem aqui dizer que a lei definirá esse estatuto e essa imunidade. Não pode ser! Vamos andar da Constituição para a lei, da lei para outra lei e nunca mais definimos!? V. Ex.a tem oportunidade de definir aqui esse estatuto e essa imunidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço que termine, pois terminou o seu tempo.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Não se demita dessa definição! Faça, efectivamente, aqui a consagração desse estatuto e dessa imunidade.
Quanto aos tribunais de círculo, Sr. Ministro, permita-me que lhe diga o seguinte: percebi que V. Ex.ª, no passado, foi contra os tribunais de círculo e disse que, eventualmente, o Concelho Superior da Magistratura também terá tido essa posição. Não sei sé hoje, face ao funcionamento de 33 tribunais - e não 23, como V. Ex.ª referiu, 23 são os que não foram instalados -, devemos andar nesta instabilidade de reformas e contra-reformas e se não é, mesmo sem distorcer princípios, solução adequada ensaiar, eventualmente, uma solução mista, se se justificar, para resolver alguns problemas.
O Sr. Procurador-Geral da República disse na Comissão: «eu defendi a solução dos tribunais de círculo e não estou agora numa posição incoerente se disser que esta solução pode ser também aceite, na medida em que aquilo que falhou não foi o princípio, não foi a solução, foi a sua implementação».

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Por que é que V. Ex.ª não opta por uma solução desse tipo, em vez de estarmos agora a voltar atrás em todo este sistema?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, penso que sobre os tribunais de círculo teremos mais ocasiões para conversar, por isso iria agora referir-me apenas à sua primeira pergunta.
V. Ex.ª citou dois distintos autores e comentadores da Constituição, por quem tenho o maior apreço e respeito, no entanto, não tanto como pela Bíblia, mas permito-me citar-lhe outros, que terão, porventura, o mesmo valor, como a Associação Europeia dos Magistrados, do qual é, aliás, neste momento, ilustre presidente o Presidente da Associação dos Magistrados Judiciais Portugueses, que aprovou em duas ocasiões, em 1993, os seguintes princípios: a autonomia do Ministério Público constitui um instrumento fundamental da independência do poder judicial.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é a mesma coisa!

O Orador: - E, em 1996, continuou a dizer exactamente a mesma coisa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E a nossa Constituição?

O Orador: - Ó Sr. Deputado, a nossa Constituição não diz que a autonomia do Ministério Público e a liberdade do exercício do patrocínio não são elementos fundamentais para a independência dos tribunais!
Portanto, tenho muito respeito pelos princípios de V. Ex.ª e pelos comentadores que V. Ex.ª citou, mas entendo que estes três são os pilares da independência dos tribunais.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Falta um!

O Orador:- V. Ex.ª entende diferente, está no seu

direito.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Só estão dois!

O Orador: - Não! Está lá o dos advogados...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - No artigo 3.º só estão dois!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, está lá o dos advogados à frente e está lá com as adaptações da Constituição! E a lei de que fala a Constituição não é, obviamente, esta, é o Estatuto dos Advogados, Sr. Deputado! Aí é que têm de vir definidas como deve ser as imunidades!
Mas se V. Ex.ª quiser dar o seu contributo, sempre tão ilustre, para fazer um conjunto de artigos sobre as imunidades dos advogados e metê-los aqui, isso será, certamente, um enorme enriquecimento para a Lei Orgânica dos Tribunais. Mas continuo a entender que ficaria melhor no Estatuto dos Advogados.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Pode fazer-se aqui uma alteração ao Estatuto dos Advogados!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, se as nossa divergências se ficarem por aí, penso que teremos, certamente, oportunidade, nos próximos dias, de chegar a um acordo sobre essa matéria.
Quanto ao facto de eu não ter cá vindo à Comissão, sabe V. Ex.ª o prazer que me tiraram. Eu nem sabia que VV. Ex.as tinham a ideia de me convocar antes deste Plenário. Calculava que sim, mas, como não fui convocado, não tive essa ocasião. Mas não faltarão ocasiões, nos próximos tempos, Sr. Deputado, para nos encontrarmos nesse franco e amigo debate, que sempre temos, na 1.ª Comissão, e, nessa altura, dar-lhe-ei conta das minhas preocupações e dos argumentos que estão na base das soluções e V. Ex.ª e a sua bancada terão também ocasião de fazer o mesmo.

O Sr. Presidente: - Comunico aos Srs. Deputados que há consenso no sentido de as votações serem feitas no fim do debate.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, é uma pena que esta proposta de lei, que, em larga medida e em aspectos muito significativos, é coincidente com o programa eleitoral de 1995 do meu partido, tenha, no entanto, aspectos que, pela sua gravidade, nos merecem uma ponderação muito séria.
Desde logo, a questão aqui levantada há instantes, e não cabalmente respondida, à qual pedia - e vai-me per-

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doar por isso, Sr. Ministro - que substancialmente, como me referiu há pouco, respondesse: em que medida é que a independência dos tribunais depende da autonomia do Ministério Público?
Satisfeita esta pergunta, à que, de facto, não respondeu, ninguém aqui ficou esclarecido, penso eu, existem outras questões menores, perfeitamente ultrapassáveis, às quais pretendia que o Sr. Ministro desse uma resposta, porque nos preocupam.
Com a extinção dos tribunais de círculo, o que defendemos sem qualquer espécie de reserva, advinha-se, com razoável facilidade, uma sobrecarga excessiva e o entupimento dos tribunais de comarca, que receberão todo o trabalho, todo o conjunto de processos que, neste momento, estão entregues aos tribunais de círculo. Que medidas em concreto o Ministério prevê e tem para impedir que isso aconteça, agravando claramente mais a situação do estado da justiça?
Finalmente, uma última pergunta: Sr. Ministro, qual é razão pela qual V. Ex.ª não defende, criando talvez um perigo de diversidade na unidade de um distrito judicial, a criação de tribunais da relação coincidentes com o distrito judicial?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
0 Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Peixoto, explicar, já expliquei, V. Ex.ª é que não aceitou a minha explicação, mas vou dar-lha outra vez e acrescentar qualquer coisa.
Nos grandes debate, na Europa, sobre a independência dos tribunais, a grande questão que se põe não é a independência dos juízes, porque essa, na Europa, é aceite sem qualquer dúvida ainda recentemente, num congresso de juízes no Porto, todos os europeus continentais se manifestaram como não existindo esse problema -, o grande debate que se põe, designadamente na França, na Espanha e noutros países, é o facto de a independência dos tribunais poder ser afectada pela possibilidade de o Governo dar instruções ao Ministério Público. Esse é que é o grande debate que se põe hoje na Europa! Ora, V. Ex.ª vem dizer-me que a autonomia do Ministério Público não tem nada a ver com a independência dos tribunais, então, para V. Ex.ª não tem nenhum interesse para a independência dos tribunais termos um Ministério Público autónomo ou não autónomo! Fico a saber!

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Em que medida!

O Orador: - Mas, então, permita-me que lhe diga: essa é que V. Ex.ª tem de me explicar. E sobre isto não digo mais nada, porque é tão evidente para mim que não me parece necessário acrescentar algo.
Sr. Deputado, em relação aos tribunais de círculo, se ouviu com atenção - e faço-lhe justiça de ter, certamente, ouvido com atenção -, eu disse que a extinção dos tribunais de círculo necessitaria em muitos casos da criação de novos juízos. Agora, vamos ver do que é que estamos a falar! É que, em muitos tribunais de círculo, o volume de processos é muito pequeno, Sr. Deputado. Mesmo nos tribunais que, neste momento, mais dificuldades têm, que são os juízos cíveis da comarca de Lisboa, se fossemos a contar as acções ordinárias, elas são não mais do que 20% das acções entradas em Lisboa. Mesmo em Lisboa!
Portanto, temos de ver com atenção os números e temos de reforçar onde for necessário reforçar, e, em muitos casos, sê-lo-á.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - E isso vai acontecer?!

O Orador: - Mas com certeza, Sr. Deputado! Não está a falar com alguém que não é responsável até à última vírgula! Eu disse-o e repito. E mais: em alguns casos porventura para sossegar o Sr. Deputado Guilherme Silva, porque sei que ele tem algumas preocupações regionais, que lhe são dadas pelo ambiente regional em que vive... Fique V. Ex.ª descansado!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A propósito disso, queria perguntar-lhe se está de acordo com a regionalização da justiça.

O Orador: - Ó Sr. Deputado, essa pergunta não! Essa fica para outra vez, para eu discutir com o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira! Mas, Sr. Deputado, fale mais com ele, porque eu já lhe disse: regionalização da justiça, não!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Das infra-estruturas!

O Orador: - Fale mais com ele, porque eu já lhe disse: regionalização da justiça, não!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas as infra-estruturas têm de ser regionalizadas!

O Orador: - Fale mais com o seu presidente, que ele dá-lhe a ideia do Ministro da Justiça sobre essa matéria!
Mas fique descansado, por quê? Porque em vários tribunais será, porventura, necessário criar varas, que, no fundo, é o verdadeiro tribunal de círculo. Porque, em França, o que existe no Tribunal de Grande Instância é um tribunal completo, com três juízes, que cá nunca tivemos. Temos os juízos cíveis de Lisboa, que são «alguma coisa» que não é vara mas que disso se aproxima e, portanto, em alguns casos será preciso criar varas. E esta, à bon entendeur, é para o Sr. Deputado Guilherme Silva, que já ficou com o sorriso muito mais aberto. Ele tem sempre um sorriso, mas desta vez ainda ficou mais aberto.

Risos.

Em relação aos distritos judiciais, Sr. Deputado, o que sucede é que existe um conjunto de leis, designadamente sobre as eleições para os concelhos, que fala em distritos judiciais. Ora, criar novos distritos judiciais teria uma reacção em cadeia num conjunto de leis. Portanto, qual é a nossa perspectiva? É manter os distritos judiciais e criar as novas relações, o que significa que haverá distritos com duas relações. É esta a nossa perspectiva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Uma solução socialista para evitar as ondas!

O Orador: - Sr. Deputado, é uma solução socialista porque é uma solução equilibrada. Tem V.Ex.ª toda a razão!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para um pedido de esclarecimento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, na 1.ª Comissão tivemos ocasião de travar o início do debate desta proposta de lei, ouvindo representantes de diversas entidades, ainda vamos ouvir outros, e antes de consumar as votações na especialidade teremos, certamente, ocasião de discutir com o Sr. Ministro algumas soluções que suscitaram dúvidas ou interrogações. Mas, devo dizer que começamos este debate em condições que contrastam bastante, e ainda bem, com outros momentos.
Sabemos hoje, claramente, feita que está a revisão constitucional, que a estrutura básica, as grandes opções da justiça portuguesa estão, no horizonte do século XXI, definidas estavelmente e são pilares que reúnem assinalável consenso. Isso é um capital precioso que nos une, que não nos divide, e, por outro lado, que responde a certas questões que angustiam os cidadãos e que levam a que certas forças políticas apelem àquilo que julgam ser receitas milagrosas, que teriam consequências negativas. Por exemplo, nesta Sala todos sabemos que está vedado ao legislador e na 1.ª Comissão descobrimos que o PSD converteu-se a essa tese - subir drasticamente as alçadas dos tribunais e, assim, evitar a enxurrada processual, criando um dique que seria feito à custa da justiça e do acesso dos portugueses aos tribunais. E, hoje, há um grande consenso na Câmara sobre esse aspecto, que, aliás, suponho incomodar o PSD: o PSD está incomodado pelo facto de concordar com as opções que o Governo está a tomar nesta reforma.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Essa agora!

O Orador: - Os tribunais de círculo falharam, a gestão do PSD, como se constatou na Comissão, foi negativa, por vezes não tanto por causa de aspectos do modelo, mas, sim, por atrasos lancinantes na execução, défices de meios, engarrafamentos, incapacidades de gestão e dearticulação. A reforma claramente falhou,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Espere pelas audições e vai ver!

O Orador: - ... há um consenso na sociedade portuguesa quanto a isso. Falhou claramente e, em relação a este facto, há uma responsabilidade política, que o PSD, evidentemente, gostaria de iludir e de não assumir, mas que tem de assumir. Por outro lado, o próprio PSD reconhece hoje que é melhor trilhar um outro caminho, embora esteja ainda hesitante, como se viu na intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva, quanto a se não seria possível misturar, preservar ainda umas réstias do modelo do passado ou até, em outros casos, ter a tentação, quiçá, regionalista. Mas, também quanto a essa, a Constituição dá-nos uma resposta. E hoje o Dr. Alberto João Jardim e outros sicofantas do regionalismo político, nesse sentido de regionalização da justiça, sabem que é uma ideia afastada. Aliás, o Sr. Deputado Barbosa de Melo...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não foi o Sr. Deputado Barbosa de Melo!
O Orador: - ...quando era presidente da Assembleia da República recusou-se a admitir uma proposta de lei regional que consagrava a regionalização da justiça. Portanto, é uma ideia afastada. Alçadas e regionalização apócrifa da justiça são caminhos que não vamos trilhar, o que é estabilizador.
Mas também sabemos que algumas das propostas do Governo são consensuais, o que provoca o tal incómodo ao PSD. Por exemplo, a questão do Supremo é consensual, a ideia de uma justiça próxima é consensual, a ideia de que as Relações precisam de correcções e de que a proposta do Governo é razoável e aceitável neste ponto são ideias que nos unem, que não nos dividem.
Gostaria de dizer, Sr. Ministro, que da nossa parte vamos fazer todos os esforços para que a discussão na especialidade seja pautada por este espírito. Temos ouvido da parte de algumas correntes de opinião e da boca de alguns dos seus expoentes críticas cujo pendor parece preocupado com o destino da sua própria classe sócio-profissional. Respeitamos, mas não gostaríamos que no momento em que há um consenso tão largo em torno destas questões o debate se centrasse na divergência em relação a questões que são puramente periféricas.
A minha pergunta, Sr. Ministro, é em relação aos meios e às reformas complementares: Esta reforma precisa de um plano de transição, aliás, o último artigo da proposta de lei remete-o, no fundo, para o Governo. Por isso, Sr. Ministro, penso que é justo que nos dê uma ideia de calendários e da maneira como o Governo imagina que precisaria de meios para podermos decidir em consciência.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça para responder.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, naturalmente que temos estado a trabalhar no regulamento da lei orgânica, que é, porventura, o mais o trabalhoso, como bem sabe. Mas, nesta matéria não haverá precipitações.
Queremos ter as coisas preparadas para que toda a reforma possa entrar em vigor sem problemas e sem acidentes de percurso, para que não suceda o mesmo que tem sucedido em muitas reformas da justiça, que têm tido sempre boas intenções da parte dos seus autores, mas que têm falhado na prática por falta de condições. Daí que tenha começado a minha intervenção por dizer que esta proposta se insere num conjunto muito amplo de medidas de reforço da capacidade do sistema judiciário em todos os níveis.
Para começar, a nível dos edifícios, pois não podemos instalar mais tribunais em certos edifícios onde nem sequer cabem os que já lá estão; temos de informatizar os tribunais; temos, naturalmente, de formar mais magistrados, embora aí com grano Balis, pois já começamos a atingir um número de magistrados que não deve ser excedido e, por isso, devemos entrar agora numa velocidade de cruzeiro, de substituição daqueles que vão abandonando a carreira.
Só poremos a reforma em vigor quando tivermos as condições necessárias. Para lhe dar um exemplo, já estamos a tratar dos edifícios para os novos tribunais de segunda instância e de relação, mas não iremos instalá-los sem que os edifícios estejam prontos, esperamos que seja no próximo Verão.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mais perto das eleições!

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O Orador: - Tem V. Ex.ª razão. Aliás, seguindo a esteira do PSD, mas muito menos, que apresentou nos últimos seis meses da última legislatura 37 propostas na área da justiça...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Também não fazem nada!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe isto, que me dá um certo prazer: o PSD inaugurou tribunais..., mas quando, no primeiro dia como Ministro, me sentei à mesa, telefonavam-me os juízes a dizer ao Sr. Ministro, não se pode entrar, chove cá dentro»! V. Ex.ª já deve ter ouvido falar que no Tribunal de Gondomar chovia lã dentro e não havia luz, no entanto, tinha sido inaugurado para as eleições.
Com essa V. Ex.ª não conta comigo! Inauguraremos aquilo que estiver pronto para funcionar com dignidade!. Não faremos inaugurações eleitoralistas!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, posso dizer-lhe, por exemplo, que em relação aos tribunais de comércio já temos, certamente, condições para os pôr a trabalhar em Gaia e em Lisboa.
A grande reforma dos círculos tem de ser preparada com muita cautela, com muito estudo, com muitos números para, naturalmente, não criarmos, como têm sido criadas com várias outras reformas, sobressaltos no aparelho judiciário. Essa seria a última coisa que queríamos que acontecesse com esta reforma.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos para um pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, pese embora a existência de algumas coisas positivas na proposta de lei, que não se podem negar, há, no entanto, questões que penso serem bastantes complexas e com as quais o PCP não está de acordo.
Gostaria de perguntar-lhe porque é que se faz a despromoção dos juízes dos tribunais de trabalho. Esta não é uma questão corporativa, relaciona-se com os direitos dos trabalhadores, porque, afectivamente, despromovendo-se como se despromove os juízes dos tribunais de trabalho, que deixam de ser equiparados a juízes de círculo, os tribunais de trabalho vão ser uma instância transitória para os juízes que pretendem ir, por exemplo, para os tribunais de família e de menores, que não tendo questões tão complexas para decidir como os tribunais de trabalho, que têm questões jurídicas de enorme complexidade, mantêm, no entanto, o seu estatuto.
Esta despromoção não tem, efectivamente, qualquer justificação, porque hoje quando há um julgamento colectivo tribunais de trabalho as questões são tão complexas que as audiências de julgamento arrastam-se por muitos dias. Portanto, o inquérito a perguntar aos tribunais de trabalho quantos julgamentos colectivos faziam, que ao que parece foi mandado elaborar pelo Ministério da Justiça para responder, eventualmente, a alguma objecção, não é resposta, porque o que deveria ter sido perguntado era o número de sessões que cada julgamento colectivo demora de facto.

Parece que um juiz que preside a um tribunal com juízes sociais não tem dignidade igual à dos outros juízes que presidem a tribunais colectivos. Esta é uma solução lesiva dos direitos dos utentes dos tribunais de trabalho, nomeadamente dos trabalhadores.
A segunda questão que queria colocar - penso que as questões têm de ser discutidas com frontalidade relaciona-se com o que vem aqui proposto relativamente à transposição de normas do Estatuto dos Magistrados Judiciais no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça não está em causa, porque estamos de acordo, a extinção dos juízes auxiliares no Supremo Tribunal de Justiça. Pensamos que, de facto, não deve ser assim. Gostaria que este problema fosse discutido em termos de filosofia do Supremo, porque essa é a grande questão. Não me refiro ao que consta do diploma em relação ao acesso, mas à proposta que se faz de que a carreira dos juízes termina na Relação, não seguindo para o Supremo. Ora, o Supremo julga em primeira instância, não é um puro e simples tribunal de cassação.
Sr. Ministro da Justiça, que porta se pretende abrir com esta transposição? É isso que está em causa e que, com frontalidade, tem ser dito. Estamos contra estes artigos, contra a transposição para este diploma de normas do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que, aliás, constam da Constituição da República.
Para terminar, devo dizer, Sr. Ministro da Justiça, que considero, e o Grupo Parlamentar do PCP também, que a autonomia do Ministério Público e o reforço dessa autonomia, que propusemos em sede de revisão constitucional e em relação à qual o PS votou contra, é importantíssima para a administração da justiça. Mas, Sr. Ministro da Justiça, a autonomia do Ministério Público não é fundamento e garantia da independência dos tribunais, porque continua a ser - o próprio PS o defende - uma carreira hierarquizada e dependente de instruções.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça para responder.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, relativamente às últimas questões, gostaria de dizer que já respondi à que diz respeito à autonomia do Ministério Público e, devo dizê-lo com sinceridade, fico muito admirado com a posição do PCP quanto a esta matéria, mas é a vida...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sempre defendemos a autonomia do Ministério Público!

O Orador: - Fico admirado que o PCP não considere que a autonomia do Ministério Público é um elemento importante para a independência do poder judicial, para a independência dos tribunais!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Até mesmo no tempo de Oliveira Salazar os tribunais eram independentes!

O Orador: - Sr.ª Deputada, como V. Ex.ª disse, a filosofia vamos discuti-la, mas, agora, aqui, é um pouco difícil.
No que diz respeito aos tribunais de trabalho, vou dar-lhe um exemplo relativo à comarca de Setúbal nos últimos três anos no que diz respeito a colectivos: em 1998, zero; em 1997, zero; em 1996, três.

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Portanto, de duas uma: ou nós temos outro critério e, então, daqui a pouco, é tudo juízos de círculo...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, isto é um critério economicista!

O Orador: - Não, não é economicista!

Protestos da Deputada do PCP, Odete Santos.

Sr.ª Deputada, quando me deixar falar, continuarei a explicação.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É só um aparte!

O Orador: - É um aparte mas, às tantas, os apartes são tantos que deixam de ser apartes e passam a ser interrupções!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Passam a ser intervenções!

O Orador: - Exactamente!
Como dizia, ou nós temos um critério ou não temos. Aqui, o critério é o da possibilidade de estes magistrados presidirem a tribunais colectivos, constituindo estes o seu trabalho do dia-a-dia, o que não quer dizer que seja todos os dias. Ora, chegámos à conclusão de que, nos tribunais de trabalho, tal não sucede.
Devo dizer-lhe que, considerando todos os tribunais de trabalho portugueses, num período de três anos, houve 493 colectivos, o que dá uma média inferior a um colectivo por juiz.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas quantas sessões?

O Orador: - Quantas sessões? Por amor de Deus, Sr.ª Deputada!
Vejamos: os Srs. Magistrados dos juízos cíveis de Lisboa, que também auferem como juízes de círculo, aliás, sem base legal - passam a tê-la agora, após esta alteração da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, porque não havia base legal; mas é justo que recebam e ninguém o põe em causa -, têm dezenas de colectivos por ano. Ora, V. Ex.ª não vai dizer-me que os colectivos no tribunal de trabalho demoram 15 dias, enquanto os dos tribunais cíveis de Lisboa não, demoram muito menos. É que, então, entraríamos numa discussão sem sentido.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - As audiências dos tribunais de família demoram umas horas!

O Orador: - Sr.ª Deputada, de duas uma: ou temos um critério para definir quem é que aufere como juiz de círculo ou não temos. Se temos esse critério, então, temos de aplicá-lo. Isto não significa menor consideração muito pelo contrário! - pelos Srs. Juízes do tribunal de trabalho, significa que chegámos à conclusão que esse critério não se aplica aos juízes do tribunal de trabalho.
Mas, Sr.ª Deputada, fossem como esse todos os problemas da Lei Orgânica! Estamos inteiramente disponíveis para discutir esta questão.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Para alterar!

O Orador: - Sr.ª Deputada, está ser injusta para com o Ministro da Justiça pois sabe que estou sempre aberto a discutir para chegarmos a soluções consensuais que, como referi na minha intervenção, sejam as melhores.
Estou convencido de que, ao retirar - nem sequer se trata de retirar qualidade, mas de retirar ordenado, se V. Ex.ª me dá licença! -,
O que eu disse foi que seria injusto que os juízes do tribunal de trabalho que fazem dois colectivos por ano tenham o mesmo ordenado que, por exemplo, os juízes do tribunal cível de Lisboa, que fazem dezenas de colectivos por ano. Aí, V. Ex.ª há-de dar-me razão!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não dou, não senhor, porque não é essa a questão!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, antes de mais, tenho de dizer-lhe que a intervenção de V. Ex.ª esclareceu-me pouco. Não dissipou muitas das minhas dúvidas e, pelo contrário, continua a justificar sérias reservas quanto a muitas das medidas tomadas. Quero crer que não haverá precipitações, como V. Ex.ª disse e prometeu, e que teremos oportunidade de, mais calmamente, dissipar as dúvidas em momento posterior. O tempo dirá.
Por agora, Sr. Ministro, vou fazer-lhe apenas algumas perguntas muito pontuais.
Em primeiro lugar, a alteração à Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, que hoje discutimos, não prevê a criação de um tribunal central de instrução criminal e continua a atribuir aos tribunais de instrução criminal um estatuto meramente residual na orgânica judiciária.
Pergunto-lhe, pois, Sr. Ministro, se, até por correspondência às estruturas correspondentes do Ministério Público, recentemente criadas e aprovadas nesta Assembleia, não seria de V. Ex.ª repensar connosco toda essa situação.
Pergunto-lhe também: até quando vai V. Ex.ª continuar a menorizar os tribunais criminais, sem outro argumento que não seja o da falta, que todos sabemos passageira, de magistrados judiciais?
Em segundo lugar; no artigo 78.º, a proposta de lei prevê que seja criado o cargo de administradores com funções de gestão integrada para os grandes tribunais. À partida, parece-me uma medida acertada que, no entanto, me suscita algumas dúvidas e alguma preocupação.
Pensa-se e fala-se numa dependência administrativa do Ministério da Justiça por parte destes administradores. Assim, pergunto se não será conveniente pensar-se numa dependência, pelo menos funcional, do juíz-presidente, designadamente como forma de evitar atritos e disfunções.
Em terceiro lugar, mais do que uma pergunta, trata-se de uma reserva.
No artigo 53.º, relativo à organização dos tribunais de relação, prevê-se que, não havendo secção social, por falta de juízes em número bastante para formar tal secção nos tribunais a criar fora das sedes que actualmente existem, os processos respectivos, designadamente os respeitantes à jurisdição laboral, sejam julgados pelas secções cíveis.
Pergunto, Sr. Ministro, se tal não constituirá um retrocesso, se não será uma má medida, se não vai resultar numa diminuição da eficácia dessas, secções - e eu creio que sim -, num empobrecimento da própria jurisprudên-

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cia em matéria de direito laboral. Afigura-se-me, Sr. Ministro, que seria mais prudente que, nos casos em que não existe número de juízes suficiente, esses processos fossem julgados no tribunal-sede do distrito judicial.
Por último, V. Ex.ª pretende acabar com os chamados juízes auxiliares do Supremo Tribunal de Justiça. Diz que o faz em nome da dignidade do Supremo Tribunal de Justiça. É uma questão de conceitos, é uma questão que pode ser discutível, mas é respeitável. Apenas pergunto, Sr. Ministro, por que não leva esse raciocínio ao ponto de transpor a ideia para os tribunais de relação e para os próprios tribunais de primeira instância. Por que razão nestes últimos casos há-de falar-se em juízes auxiliares? Pessoalmente, penso que esta designação não tem qualquer carga negativa, mas não compreendo por que há-de haver tal distinção.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antonino Antunes, quanto a essa questão da menorização dos tribunais de instrução criminal, já tivemos ocasião de discuti-la. Nós temos um sistema, que está aprovado: o Código de Processo Penal. Não vamos retomar essa discussão, Sr. Deputado.
Devo dizer-lhe que, hoje em dia - não tenho presente os números exactos -, estão nomeados cerca de 17 juízes de instrução criminal, que estão espalhados pelo País fora, para ocorrer às necessidades existentes em comarcas com grande movimento de inquéritos.
O Sr. Deputado perguntou por que razão não se cria um tribunal central de instrução criminal. Ora, eu já disse várias vezes que não me oponho frontalmente a essa ideia. No entanto, tal tribunal tem de ter que fazer...

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Mas que não gosta da ideia, não gosta!

O Orador: - Portanto, não vamos criar um tribunal central de instrução criminal que não tem que fazer quando ainda nem sequer entrou em funções o DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal)!
Penso, pois, que o volume de serviço - e, sobretudo, as alterações ao Código de Processo Penal em matéria de instrução criminal - dos tribunais de instrução criminal de Lisboa permite perfeitamente que essa competência seja atribuída a um dos juízes de instrução criminal de Lisboa. Com o andar dos tempos, veremos o número de processos que isso comporta. Não vamos tomar decisões precipitadas.
Como disse, não há uma oposição de princípio, há uma cautela em avançar para reformas, caso contrário, às tantas, podemos ter um tribunal que não tem positivamente nada que fazer. Para o serviço da instrução criminal, creio que chega, sobretudo após as alterações ao Código de Processo Penal, que, penso, vão agilizar mais a instrução criminal.
Quanto à questão da nomeação de administradores dos tribunais, devo dizer-lhe que quem desempenha essas funções, no sentido que está previsto na proposta de lei, é, efectivamente, o Ministério da Justiça, que é quem tem essa responsabilidade. Parece-me, portanto, que deverá ter o poder hierárquico sobre as pessoas que administram esses grandes edifícios.

O que está previsto neste artigo 78.º é para ser posto em prática apenas em meia dúzia de casos e não se destina a espalhar administradores dos tribunais por todo o País.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isso é que pode e deve ser regionalizado!

O Orador: - Regionalizado, não, Sr. Deputado! Também não!
Em matéria de regionalização, o Sr. Deputado ainda não acertou uma!
O Sr. Deputado Antonino Antunes, colocou-me ainda uma questão relativa ao artigo 53.º, mais propriamente às secções sociais dos tribunais de relação. Devo dizer-lhe que do que se trata é do volume de serviço existente.
Na verdade, no que diz respeito ao Tribunal de Relação de Évora, chegámos à conclusão que o volume de serviço da respectiva secção social é extremamente pequeno. Mais do que isso, o volume de serviço vindo das comarcas do Algarve para aquele tribunal de relação não justifica uma secção social.
Dirá V. Ex.ª que seria melhor serem julgados no Tribunal de Relação de Évora. Não estou de acordo. Pois se vamos criar o tribunal de relação do Algarve para que a segunda instância fique mais próxima dos cidadãos, então, vamos continuar com a secção social em Évora? Não me parece bem.
Haverá meia dúzia de processos por ano em Évora - é que é mesmo assim! Ao todo, são duas dezenas de processos por ano! - que, muito facilmente,...

Aparte inaudível do Deputado do PSD, Guilherme Silva.

O Sr. Deputado Guilherme Silva também não faz apartes mas, sim, interrupções. Agradecia que V. Ex.ª se coibisse um pouco...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Foi um ligeiríssimo aparte!

O Orador: - Sei que V. Ex.ª, vindo de onde vem, fala muito e não fala bem...

Risos do PS.

Em todo o caso, pedia-lhe que se coibisse um pouco, para ver se consigo terminar os esclarecimentos que estou a dar, e com todo o prazer, ao seu colega de bancada. Muito obrigado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Devia regozijar-se com isso porque é uma característica socialista!

O Orador: - Qual?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Falar muito e não falar bem!

O Orador: - Não é, não!
Continuando, Sr. Deputado Antonino Antunes, sinceramente, penso que a nossa solução é melhor do que a sua.
Pergunte aos algarvios e aos minhotos e verá que eles dão razão ao Ministério e não a V. Ex.ª.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado: Como já foi salientado, esta é, de facto, uma proposta de lei de suma importância para os cidadãos, estruturante da própria justiça.
Começarei por lamentar que se tenha chegado a este debate sem ouvir entidades que estão no cerne da própria justiça e que conhecem bem a crise da justiça. Na verdade, no processo preparatório desta proposta de lei, não foi ouvida a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, o que teria sido muito bom para respondermos de viva voz a uma missiva que recebemos, ontem ou hoje, com conclusões. É que vamos ouvir a Associação Sindical dos Juízes Portugueses para que se pronuncie sobre esta matéria.
Igualmente não foi ouvido o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, facto que o respectivo Presidente disse que não estranhava nada, conforme li nos jornais, mas nós entendemos que deve ser ouvido.
Também não foi ouvida a Ordem dos Advogados. Aliás, ainda hoje, eu própria estive em contacto com o Sr. Bastonário que me disse ter estranhado que a Ordem não tivesse sido ouvida neste processo.
Ora, penso que será muito importante a audição de todas estas entidades, para ver se conseguimos dirimir alguma conflitualidade que, em minha opinião, é desnecessária.
A este propósito, já ouvi dizer que há aí questões que são do foro académico. Se são do foro académico, tirem-nas da proposta porque estamos aqui para fazer uma lei operacional e não para, através dela, criar conflitualidades.
Tanto mais aquela audição é necessária quanto é certo que as entidades ouvidas pelo Ministério da Justiça nos disseram que há divergências - e grandes! - entre a primeira e a segunda versão da proposta de lei e que, efectivamente, não foram ouvidos sobre a segunda versão.
Devo dizer que o PCP está de acordo com a extinção dos tribunais de círculo. Estivemos contra a sua criação. Anunciámos que iria abrir-se uma crise, como aconteceu, e, portanto, estamos de acordo, não por razões economicistas, mas porque, em relação aos tribunais de círculo, colocam-se questões que penso serem importantes para os cidadãos.
Apesar de tudo, apesar de, actualmente, os juízes já se deslocarem - é que, posteriormente, tivemos de introduzir alterações na malfadada lei! -, mesmo assim, os cidadãos que residem longe da sede do círculo não sentem a proximidade da justiça, porque o seu processo está lá, bem longe!
Por outro lado, houve um reflexo negativo em relação ao próprio desenvolvimento dos concelhos: ao retirar-se muito do trabalho às comarcas contribuiu-se para uma desertificação dos concelhos.
Entendemos que é correcto extinguir os tribunais de círculo, mas essa extinção tem de ser feita com toda a cautela, e espero que o Ministério da Justiça tenha essa cautela e não atire, de repente - como aconteceu aquando da criação dos tribunais de círculo -, todos os processos dos tribunais de círculo para as comarcas, «afundando» os tribunais de comarca! Para além do mais, existe a necessidade, que me parece óbvia, pelo menos para alguns tribunais de comarca, de nomeação de mais juízes.

O sistema de dupla corregedoria poderá suscitar algumas questões. Será esse o melhor meio, ou será o de um só corregedor? Já o Professor Alberto dos Reis defendia a dupla corregedoria por uma questão de uniformização da jurisprudência no círculo, mas não sei se não seria possível adoptar o sistema de um corregedor com dois juízes de comarca, porque penso que também se ganha muito com a diversidade de opiniões jurídicas sobre determinadas matérias. Creio que um juiz novo com dois corregedores sentirá algum problema, em defender soluções jurídicas de outro género. Mas estas são questões de pormenor.
Seja como for, o PCP está de acordo com a extinção dos tribunais de círculo.
Contudo, já não compreendo que se vá restaurar as varas cíveis, em Lisboa e Porto, sistema que deu muito mau resultado! Se se acaba com os tribunais de círculo, então por que é que se vai restaurar as varas cíveis? Sinceramente, Sr. Ministro da Justiça, não entendo esta solução.
Em relação ao círculo, muito me satisfaria que a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais criasse determinados organismos de apoio aos tribunais de comarca do círculo, designadamente perícias médico-legais, assistentes sociais e psicólogos para informarem os tribunais nos processos de menores e, até, uma biblioteca jurídica «de jeito», ao dispor de todos os operadores forenses no círculo.
Lamento que a proposta de lei não avance mais em relação aos julgados de paz, pois penso que era possível apressar aquilo que eu defendo, isto é, a instalação dos julgados de paz. E que remeter tudo para diploma próprio faz-me recear! Um julgado terá um papel importantíssimo para combater a morosidade da justiça e aliviar os tribunais, mas vamos deixar toda essa regulamentação para as calendas gregas, quando me parece que já se poderia, em relação à sua competência, definir-se alguma coisa nesta nova lei orgânica dos tribunais judiciais.
Em relação aos juízes dos tribunais do trabalho, esses números secos de que falou nada revelam, Sr. Ministro da Justiça! Nos tribunais do trabalho, e no de Setúbal, a maior parte das acções termina por acordo, mas termina por acordo, porque o juiz (por acaso é uma senhora) que está há muitos anos no tribunal de círculo - e se lá está, é porque tem alguns incentivos que não a fazem fugir para outro sítio, onde possa ganhar melhor! - tem, de facto, uma grande experiência e uma grande qualidade técnica, porque se habituou lidar com o Direito do Trabalho.
Se a despromoção for feita, o PCP vai votar contra esses artigos e apresentar propostas de alteração, porque o que vai acontecer é que os juízes vão passar pelos tribunais do trabalho, não vão ter experiência e nem sequer se habituam a julgar estas questões segundo um ramo específico do direito - o Direito do Trabalho - que não segue todas as regras do direito cível. Por isso, nesta matéria, seremos intransigentes.
Há pouco coloquei uma questão relativa ao Supremo Tribunal de Justiça a que o Sr. Ministro da Justiça não respondeu, por isso torno a equacioná-la. De acordo com o preâmbulo da proposta de lei, a carreira dos juízes termina na Relação. Ora, está aqui em causa uma questão de filosofia sobre o que se entende e o que se quer do Supremo Tribunal de Justiça, não só agora, como no futuro. É isso que me preocupa!
De facto, seria muito mau que o Supremo Tribunal de Justiça se tornasse, no futuro - nunca o poderá ser, face

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ao ordenamento jurídico português -, num tribunal em que os critérios seguidos seriam políticos, tal como acontece no Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos da América. Aí, de facto, a carreira dos juízes não termina no Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos da América! Este é um ponto que não vi discutido frontalmente e que tem de o ser, porque se trata de uma questão de suma importância.
O PCP entende que o Supremo Tribunal de Justiça - as quotas já não estão em discussão - deve ter juizes de carreira, que concorrem como juízes e não por qualquer outra via. Eles são, efectivamente, um garante da independência dos tribunais.
É claro que em relação à questão da autonomia do Ministério Público devo dizer, Sr. Ministro da Justiça, que considero importantíssima a autonomia do Ministério Público. Não percebo por que se levantou agora este problema, já que a primeira versão da proposta de lei não o contemplava. E é necessário introduzir esta conflitualidade? A autonomia é muito importante para a administração da justiça, mas, no momento em que o PCP aqui propôs o reforço da autonomia, foi-nos dito que o Ministério Público não era independente, que se tratava de uma carreira hierarquizada na dependência, efectivamente, de um cargo de nomeação política.
Contudo, quando se começa a ouvir dizer que, afinal, o princípio da legalidade tem outras interpretações, que já não é «tão legalidade assim»..., e conhece entorses de oportunidade, Sr. Ministro da Justiça, de facto, não é defensável que venha aqui colocar a questão da autonomia do Ministério Público como garante da independência dos tribunais!
A garantia da independência dos tribunais faz-se, antes de mais, através das garantias dos juízes: a inamovibilidade, a irresponsabilidade, com as excepções que a lei fixa, o órgão de gestão privativa respectivo e a não obediência a ordens e instruções. Porque os juízes não obedecem a quaisquer ordens da parte de ninguém!.
É o julgador que garante, efectivamente, a independência dos tribunais.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Se V. Ex.ª quer, para afastar determinadas interpretações que foram plasmadas na revisão constitucional, que o Ministério Público não pertença aos tribunais, então teremos de elaborar uma norma na qual se dirá que na administração da justiça também cooperam o Ministério Público e os advogados. Nesse caso estaremos de acordo e tudo ficará resolvido.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: A proposta de lei, como é manifesto, revela algum desequilíbrio, porque a par de soluções positivas ela apresenta outras que o PCP não pode admitir. Por essa razão não vamos votar favoravelmente esta proposta de lei.

Vozes do PCP e do Deputado do PSD, Calvão da Silva: - Muito bem!

Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Estou de novo nesta tribuna para, em representação e em nome do PSD, apreciar e discutir uma proposta de lei do Governo. Desta vez, a proposta de lei n.º 182/VII, relativa à orgânica dos tribunais judiciais.
Através do que vai ser exposto, VV. Ex.as hão-de ver e sentir como esta iniciativa legislativa, por entre alterações inevitavelmente ajustadas e pertinentes, introduz umas que podem dizer-se meramente aceitáveis e outras que têm de merecer a mais viva rejeição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não diremos aqui, como o dissemos recentemente a propósito da discussão sobre a revisão do Código de Processo Penal, que o que a proposta de lei tem de muito mau supera o que tem de bom.
Mas não podemos deixar de nos demarcar de umas tantas soluções que sabemos não serem as melhores para a justiça em Portugal, nem deixar de nos opor, frontalmente, a que a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais se estendam - aliás, desnecessária e incorrectamente ideias e princípios que não são pacíficos, que só contribuem para avivar o clima de crispação que continua a toldar os tribunais portugueses e que teve um dos seus momentos mais altos precisamente aquando da discussão daquelas alterações à Lei do Processo Penal.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Conseguimos naquela oportunidade eliminar alguns dos preceitos mais controversos e desajustados que a proposta de lei continha. Travámos ímpetos desenfreados e evitámos os maiores exageros. Defendemos princípios e convicções que são muito caros aos portugueses e ao Estado de direito democrático.
Fomos até onde foi possível e sentimos a consolação de ter alcançado vitórias que ficaram a dever-se mais à força da nossa razão do que ao número de votos expressos nesta Câmara.
Deve V. Ex.ª, Sr. Ministro de Justiça, estar-nos hoje muito grato porque, de outra forma, seria agora ainda muito maior o movimento contestatário que se reacendeu entre os magistrados judiciais, na sequência de muitas das soluções, apesar de tudo, persistentes na última revisão do Código de Processo Penal e na Lei Orgânica do Ministério Público.
A primeira e a mais notória das medidas agora propostas consiste na extinção dos tribunais de círculo.
Quando, há dez anos atrás, se discutiu e aprovou a LOTJ (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), que agora se visa alterar, a mais visível das inovações consistiu na criação desses mesmos tribunais de círculo, dentro da orgânica dos tribunais judiciais de primeira instância, fora das comarcas de Lisboa e Porto, para julgamento e instrução das causas de natureza cível e criminal mais importantes.
Entretanto, foram criados 56 tribunais de círculo, mas 23 nunca chegaram a ser instalados! E assim coexistiram até hoje dois modelos, em sistema dito híbrido de tribunais de círculo e de julgamento em tribunais colectivos, estes com a instrução dos processos nos tribunais de comarca.

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 A criação dos tribunais de círculo correspondeu à concretização de um plano ambicioso mas realista que, de resto, foi acompanhado do aplauso e do manifesto entusiasmo de pessoas e entidades mais representativas da magistratura judicial, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados e dos oficiais de justiça.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Algumas pressões vindas de áreas onde se previa que ficassem sediados os tribunais, de círculo logo se desvaneceram quando estes tribunais passaram a deslocar-se à comarca respectiva para a realização da audiência de discussão e julgamento.
O desenvolvimento das vias e meios de comunicação, a par de outras boas reformas processuais, fizeram o resto.
Os tribunais de círculo que foram instalados funcionam em regra bem e, como o Governo expressamente reconhece - e reconheceu-o hoje, aqui -, «genericamente têm o serviço em ordem e neles os processos se tramitam com razoável celeridade».
A experiência demonstrou que os tribunais de círculo foram uma boa e uma grande ideia posta em marcha pelo Governo do PSD. Mas, como acontece com todas as reformas estruturais, a sua concretização carecia não só de determinação e vontade política como de tempo, persistência e disponibilidade de meios.
Em três anos de Governo, este Executivo não criou nenhum tribunal de círculo, não reviu a competência territorial de nenhum tribunal de círculo, não instalou um único dos 23 que tinha para instalarem Outubro de 1995.
Quem conhecer realidades semelhantes às que ocorrem em tribunais de comarca, como os de Viana do Castelo, de Ponte de Lima e de Monção (para só falar nos casos mais graves do Alto Minho, onde o tribunal de círculo nunca foi instalado), não tem razões para estar satisfeito e não terá dúvidas de que, com o tribunal de círculo, a situação também aí teria melhorado.
Desta convicção comungarão todos quantos, outrora defensores acérrimos e entusiastas convictos da criação dos tribunais de círculo, ainda hoje - «mudados os tempos e as vontades» - continuam a reconhecer o grande mérito da «obra» e deixam escapar alguma tristeza por ela ter ficado imperfeita e inacabada.
O Governo optou decididamente pela extinção dos tribunais de círculo e pelo retorno ao funcionamento dos tribunais colectivos, instituindo agora a «dupla corregedoria». Trata-se de uma opção política para a qual tem toda a legitimidade. Pela nossa parte, dizemos mesmo que isso é preferível ao marasmo dos últimos três anos. Mais vale fazer alguma coisa do que nada fazer, como até aqui.
Não podemos, contudo, deixar de alertar para a conveniência em não ceder à tentação de uma fúria revogatória imediata, aligeirando a ponderação das consequências que daí hão-de advir.
Primeiro haverá que reabilitar, de facto, os tribunais de comarca e curar os males que se repercutem no funcionamento dos tribunais colectivos. Impõe-se, por isso, o decurso de um período transitório, durante o qual funcionem os tribunais de círculo, que têm dado boa conta de si, em simultâneo com os tribunais colectivos, estes, em processo de recomposição e de adaptação à realidade da «explosão judiciária» dos últimos anos. Não se trata de defender a perpetuação de um «sistema híbrido» mas a coexistência de dois modelos pelo tempo estritamente necessário àquela recomposição e àquela adaptação. Se assim não acontecer, assistiremos a um nivelar por baixo e não tardará a agravar-se ainda mais o estado caótico da justiça em Portugal.
Não isenta de críticas é também a preconizada restrição que solenemente se propõe para a carreira judicial, que se pretende acabada no tribunal da relação. Comungamos do sentimento daqueles que sentem isso como mais uma afronta aos juízes portugueses, que a não merecem. E não há superiores interesses, razões teóricas, programáticas ou pragmáticas que forçosamente a imponham, nem sequer o tão ambicionado acesso ao Supremo Tribunal de Justiça por quem não é magistrado judicial.
A terceira grande objecção que temos a fazer prende-se com a redacção do n.º 2 do artigo 3.º da proposta de lei. Onde hoje se escreve que «a independência dos tribunais judiciais é garantida pela existência de um órgão privativo de gestão e disciplina da magistratura judicial, pela inamovibilidade dos respectivos juízes e pela sua não sujeição a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores» pretende agora escrever-se que .«a independência dos tribunais judiciais é garantida pela independência dos juízes e - pasme-se! - pela autonomia do Ministério Público».
Já no relatório e parecer que elaborámos, no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, suscitámos as nossas reservas e apreensões quanto à pertinência e acerto da referência à autonomia do Ministério Público como «garantia» da independência dos tribunais, bem como à sua conformidade com o quadro constitucional. Fizemo-lo, conjugando a sensibilidade política com a abordagem da fundamentação técnico-jurídica própria dos trabalhos daquela Comissão, no pressuposto de que uma mais cuidada reflexão e ponderação serão feitas em sede de discussão na especialidade, se lá chegarmos.
De qualquer forma, não podemos deixar de, aqui, ir mais longe, porque a questão não deve confinar-se às paredes da sala de reuniões da 1.ª Comissão nem deve continuar, nesta Câmara, a ser discutida em linguagem tão complexa. Temos o dever e a obrigação de falar por forma
a que o entendimento chegue ao mais humilde dos cidadãos.
Os portugueses, todos, precisam de saber que a garantia essencial da independência dos tribunais é a independência dos juízes. Que é só a independência dos juízes mas que é bastante!
Os portugueses, todos, precisam de saber que a independência dos tribunais compreende a autonomia na interpretação do direito e que a independência dos juízes existe porque está assegurada a sua incondicional e irrestrita liberdade perante quaisquer ordens ou instruções, de onde quer que elas venham, «além de um regime adequado de designação, com garantias de isenção e imparcialidade que evitem o preenchimento dos quadros da magistratura de acordo com os interesses dos demais poderes do Estado, sobretudo do Governo e da Administração». São os melhores tratadistas que o afirmam, alheios a cores partidárias.
Os portugueses, todos, precisam de saber que a autonomia do Ministério Público significa apenas que o Ministério Público não depende hierarquicamente do Governo e que o Governo não pode transmitir-lhe directamente ordens nem instruções. Mas os magistrados do Ministério

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Público são hierarquicamente subordinados, em última análise, ao Procurador-Geral da República e, ainda que só seja em teoria, o Governo «pode influir sobre o Ministério Público indirectamente, através do Procurador-Geral da República, cuja nomeação e exoneração lhe cabe propôr».

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É verdade!

O Orador: - Quem escreve isto, em primeira mão, não somos nós, são, ainda e sempre, os mesmos insignes e insuspeitos constitucionalistas. E está na lei, nós só o lembramos.
Os portugueses, todos, precisam de saber que a cadeia hierárquica do Ministério Público está recheada de circulares e de «instruções» que condicionam a actuação dos seus magistrados e que ao Ministério Público compete, além do mais, «participar na política criminal definida pelos órgãos de soberania» e «representar o Estado».

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Numa acção judicial que qualquer cidadão mova contra o Estado português, lá estará o Ministério Público a tomar a posição de parte.
Como pode, pois, continuar a pensar-se que a independência dos tribunais é garantida tão bem pela «autonomia do Ministério Público»?
Os tribunais são órgãos complexos, conglobando as funções não apenas dos juízes mas também de outros agentes com estatutos muito distintos, como o Ministério Público, os advogados, que não são agentes públicos, e os oficiais de justiça. São, ainda e sempre, os mesmos tratadistas que o afirmam.
E como é que o Ministério Público, tomando tantas vezes a posição de parte, pode «garantir» a independência dos tribunais mais do que a garante o advogado sério, honesto, competente e independente que defende os interesses da parte contrária?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não confundamos independência dos tribunais com autonomia do Ministério Público! Não confundamos independência dos tribunais com administração da justiça, onde pode e deve participar, com autonomia, o Ministério Público, onde podem e devem participar os advogados, onde podem e devem participar os demais operadores judiciários!
Mas o que, acima de tudo, todos os portugueses precisam que se lhes diga é que aquele artigo da Lei Orgânica sobre a independência dos tribunais, tal como existe e deve ficar, nunca foi verdadeiramente polémico e nada justificava que se lhe tocasse e que se abrisse mais esta frente de atritos e de fricções institucionais.
Nós até podemos deixar sem referência, por várias razões, mudanças ditadas por outros interesses e valores, mais ou menos cooperativistas, sempre menos importantes e gerais do que aqueles com que formalmente os justificam, mas não deixaremos nunca que se misture o que não é fungível, que se caldeie o que não é caldeável, que se coloque ao mesmo nível, no prato da balança, aquilo que tem peso e valor tão diferenciado. Trata-se, Sr. Ministro e Srs. Deputados, de uma questão de princípios e razões de coerência de que não abdicamos!

A alteração do questionado preceito, tal como se pretende ver consagrado, não passará nunca com o voto do PSD! Esperamos que não passe mas, se passar, demarcar-nos-emos dela, de tal maneira que iremos mesmo encarar a possibilidade de levar até ias últimas consequências a fiscalização da sua harmonia constitucional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: No início desta última sessão legislativa, a proposta de lei orgânica dos tribunais judiciais, que hoje aqui discutimos, bem poderia ser considerada como uma peça fundamental de todo um sistema judiciário e de justiça que, a não ser motivo de orgulho ou mesmo de tranquilidade para todos nós, representasse, ao menos, longinquamente que fosse, um ténue e distante caminho para a resolução dos problemas de extrema gravidade que afectam não só a justiça portuguesa como a nossa sociedade e, assim, conseguisse inverter, pelo menos de forma tendencial, o afastamento progressivamente dramático dos portugueses do mundo da justiça e dos tribunais,
que o primado do homem e dos seus direitos fundamentais perante o Estado, a sua aproximação, sempre desejável e de estimular, aos poderes públicos, torna incontornável a exigibilidade de um acesso ao direito com todas as garantias de qualidade, eficácia, acerto e de justiça.
Assim, em circunstância alguma deixaremos de ter presente, e de enfatizar - porque claramente necessário que é precisamente no sistema de justiça que se exprimem e se defendem os valores sociais mais profundos, se coordenam as mais elementares regras sociais de convivência e se salvaguardam os interesses primeiros e fundamentais da sociedade e da sua coexistência social. E isto, sob pena de nos abandonarmos à desagregação, à desmobilização de um escopo colectivo e ao individualismo feroz.
Tudo isto é tanto mais verdade quanto é certo que hoje, entre os portugueses, são por demais visíveis sinais inequívocos de rupturas, de confrontos, de esquecimentos e marginalizações e de desespero, fruto de anos e anos de políticas erradas.
Como seria necessário ter hoje um sistema de justiça que funcionasse e que pudesse servir de «porto de abrigo» para tanta tempestade que os portugueses vão ter de enfrentar!...

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Quantas vezes, Sr. Ministro, o Partido Popular apelou à necessidade de fazer definir o verdadeiro significado e alcance da crise da justiça em Portugal? Das suas razões profundas? Das verdadeiras soluções? Do combate que temos, todos, de travar em prol da defesa da qualidade da lei, da qualidade da administração da justiça, da qualidade dos agentes do direito, da sua formação, dos meios de que a justiça tem necessariamente de dispor já, no domínio do parque judiciário, da sua logística, na criação de novas comarcas, novos juízos, novos edifícios? Mais, mais magistrados e funcionários judiciais! A clara aposta que tem de ser feita em modelos de gestão econó-

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mica e financeira, de equipamentos, de carreiras pessoais...
Porém, o Governo optou, claramente optou, em detrimento da qualidade e acerto da lei e da excelência de políticas agregadoras da função social da lei, por um modelo e por medidas e reformas de mera gestão saneadora e de objectivos contabilísticos, sendo aparentemente esse o motivo pelo qual V.Ex.ª tanto se orgulha - e tanto se parece esgotar no contentamento - das novas capas de processo do Tribunal de Portimão e dos cerca de 30 000 processos arquivados de emissão de cheques sem provisão, em que o seu Governo se tornou, objectivamente, cúmplice da lesão que milhares de portugueses honestos tiveram de sofrer nos edifícios de todos os tribunais portugueses,...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Essa, não!

O Orador: - ... tendo contribuído desta forma, e mais uma vez, para um maior descrédito - se possível!... - de todo o aparelho judiciário. Descrédito esse, neste caso, absolutamente previsível e gerador de um largo sentimento de revolta e de orfandade perante a justiça do nosso país.
Talvez aqui, a par da filosofia de fundo que enforma as vossas alterações aos Códigos de Processo Penal e Civil, oportunamente por nós denunciada, seja possível surpreender o que move verdadeiramente o Governo na área da justiça: a dissuasão! A dissuasão de os portugueses verem dirimidos os seus conflitos nos tribunais.
É que, Sr. Ministro, se dão entrada nos tribunais portugueses centenas de milhar de processos isso quer dizer que os portugueses andam em frente no trilho da cidadania. A única e exclusiva obrigação do Governo é dar respostas de qualidade e de eficácia à resolução destes problemas e não contornar nem iludir as questões, mistificando os problemas e as suas soluções, reendossando esses mesmos problemas para a sociedade civil, alimentando, deste modo, o afastamento dos portugueses dos tribunais, como forma de o Ministério de V. Ex.ª se poder, talvez, tranquilizar pela contabilística diminuição das centenas de milhar de processos pendentes e pela diminuição dos anos e anos que as estatísticas de V. Ex.ª apontam como tempo médio mínimo para resolução de litígios nos nossos tribunais.
Bem vistas as coisas, será,, porventura, este o motivo pelo qual o colega de V. Ex.ª, o Sr. Ministro Jorge Coelho, praticou a maldade de lhe ter enviado todas as máquinas de escrever velhas e excedentárias Jeque se quis desembaraçar, como, aliás, ficou aqui aclarado no debate de 30 de Junho último, e, ao mesmo tempo, pelo sim e pelo não, aproveitou o clima da rentrée política, tanto se afadigando para afinar a pontaria, mesmo com escândalo geral, sobre os portugueses que, vítimas de políticas de alienação dos vossos Governos, clamam por pão e por justiça. Sinal dos tempos!
Tudo isto para referir quanto lamentamos que uma lei, como aquela que hoje aqui discutimos, não obstante o seu acerto e qualidades, seja previsivelmente vitimada pela situação geral da justiça portuguesa e, assim, redunde na maior ineficácia e inoperatividade...
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O Partido Popular defendeu empenhadamente, no seu programa eleitoral de 1995, a reabilitação do tribunal de comarca como célula base do tecido judiciário de 1.ª instância, com o regresso ao funcionamento dos tribunais colectivos, sob a presidência de um juíz de círculo com competência para dirigir a audiência de julgamento e para proferir a decisão final.
Tratando-se claramente do abandono do modelo de tribunal de círculo mas não do círculo judicial como unidade de funcionamento, como pólo dinamizador de um conjunto de comarcas, pretendemos consagrar o princípio da dupla corregedoria que agora a presente lei acolheu, consistindo em tribunais colectivos constituídos por dois juízes de círculo com presidência rotativa, pertencendo ao juíz de comarca - necessariamente o juíz do processo as funções de juíz adjunto do colectivo. Esta solução apresenta o indisputável mérito de, pelo menos, dois dos três juízes que integram o colectivo possuírem um muito bom conhecimento do processo: o adjunto, porque o preparou e instruiu; o presidente, porque se preparou para presidir à audiência de discussão e julgamento e proferir o acórdão final.
No entanto, e neste particular, há sempre que acautelar o descalabro que a extinção dos tribunais de círculo pode implicar, com o reenvio em catadupa dos seus processos para o tribunal de comarca.
Positiva é, igualmente, a eliminação da intervenção do colectivo, resumida ao julgamento da matéria de facto, assim como as acções de indemnização por acidente de viação poderem ter a dignidade de acções ordinárias, sempre que o seu valor exceda o da alçada do tribunal da relação.
Prudente é a extinção dos tribunais de ingresso, na medida em que isso implica, por um lado, unia maior estabilidade temporal dos juízes nos tribunais de 1.º acesso e impede, por outro, tendencialmente, a progressão demasiadamente célere dos magistrados judiciais até à fase final profissional da 1.ª instância.
A actualização das alçadas, correspondendo à aplicação das taxas de aumento dos índices de preços ao consumidor, traduz-se numa decisão inevitável, salvaguardada pela admissibilidade de recurso às alçadas em vigor à data da propositura da acção. No entanto, este regime, em circunstância alguma poderá deixar de atender aos aspectos sociais que representam princípios fundamentais de um Estado social de direito. Refiro-me às acções de particular importância, como as do estado das pessoas, que, no nosso entender, deverão ter sempre a possibilidade de recurso assegurada.
Defendida, igualmente, por nós foi a criação de um conjunto de juízes excedentários junto às sedes de cada distrito judicial, como forma de se poder ocorrer não só a situações de vacatura ou de faltas ou impedimentos prolongados dos juízes titulares como também de um extraordinário acréscimo de trabalho que justificasse a deslocação do magistrado. E isto, na perspectiva, que mantemos, da necessidade de contingentar os processos adstritos a cada magistrado.
De igual forma, não podemos deixar de aceitar a extinção dos tribunais de turno, fazendo substituir as suas funções pela criação de turnos para serviço urgente, como corolário da reformulação do processo sumário, constante das recentes alterações aprovadas ao Código de Processo Penal, pondo-se, assim, termo a um episódio de conflitualidade entre funcionários judiciais e Ministério.
De apoiar é, igualmente, a criação de tribunais de comércio com competência para dirimir acções relativas ao contencioso interno das sociedades, substituindo os tribunais de recuperação de empresa e falência, devendo, para o efeito, preparar e julgar as acções relativas ao

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contencioso interno das sociedades comerciais, o julgamento dos recursos dos despachos dos Conservadores do Registo Comercial, uma vez que constituem matérias que requerem particular especialização. Lamentamos que, neste particular, o Governo não tenha tido a possibilidade de, desde já, alargar estes tribunais a questões atinentes com a propriedade industrial, concorrência e bolsa de valores mobiliários.
Por outro lado, se concordamos com a ampliação do espectro dos juizes de competência especializada, através do desdobramento dos tribunais de comarca em juízos de família, menores ou de instrução criminal, não podemos perder de vista que esta medida só terá qualquer alcance se, paralelamente e desde já, forem criadas infra-estrutu-ras de suporte, sob pena de se contribuir para um ainda mais acumular de processos dentro do mesmo tribunal, limitando-se a transferência de um gabinete para outro ou até mesmo dentro do mesmo gabinete para o mesmo juiz.
O Partido Popular, tendo sempre defendido a criação de novos tribunais de relação, sustenta-a na perspectiva da criação concomitante de novos distritos judiciais, ou seja, para nós, cada tribunal da relação deve ter exclusiva competência em cada distrito judicial, sob pena de se criar, com gravidade, a quebra da unidade de administração da justiça no distrito. Claramente nos afastamos, neste aspecto, da proposta do Governo.
Governo, que, mais uma vez, não soube, não pôde ou não quis gerir situações de algum melindre, de forma a alcançar a mobilização de todos os agentes do direito, fazendo perpetuar e cavar, porventura ainda mais, o atrito entre as magistraturas do Ministério Público e judicial, entre si e também com o Governo. Refiro-me à alteração das regras de nomeação dos juizes para o Supremo Tribunal de Justiça, tão frontalmente criticada pêlos órgãos de maior representatividade e institucionalidade dos magistrados judiciais, que se opõem, com razão e veemência, à transferência de normas do Estatuto dos Magistrados Judiciais para a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais. Interpretações totalmente verosímeis fazem cessar a carreira dos magistrados judiciais nos tribunais da relação e não no Supremo Tribunal de Justiça, como seria normal, na nossa perspectiva.
Porém, extraordinário e de constitucionalidade mais do que duvidosa é o n.° 2 do artigo 3.° da presente proposta, prenhe de conflitualidades, em que parece fazer-se depender a garantia da independência dos tribunais da independência dos juizes mas também da autonomia do Ministério Público. Não será, antes, a independência dos tribunais garantida pela independência, inamovibilidade e irresponsabilidade dos juizes e pela sua não sujeição a quaisquer ordens ou instruções, em flagrante contraste com a magistratura do Ministério Público, desde logo caracterizada pela sua vinculação a ordens e instruções? Não se entende, nem se pode aceitar que a independência dos tribunais possa também depender da autonomia do Ministério Público.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Finalizamos como iniciámos, referindo que a falta de sensibilidade demonstrada por este Governo ao longo dos últimos anos provocou tais danos no mundo da justiça que mesmo uma iniciativa com aspectos positivos, como esta, fica comprometida pela inoperatividade e inutilidade prática na resolução dos problemas que todos e todos os dias nos afligem e aí ficarão sem solução, a par de uma confli-tualidade que o Governo incompreensivelmente insiste em manter de forma gratuita.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): — O que vale é que o Sr. Deputado não acredita em nada do que está a dizer!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Sarmento.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: A actual Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais foi aprovada nesta Câmara há mais de dez anos.
Dez anos, para o ritmo histórico das sociedades contemporâneas, é muito tempo, o que propicia uma reflexão aberta e lúcida, não fossem, aliás, a justiça e os tribunais uma das principais traves mestras da democracia e a administração da justiça uma das mais relevantes questões de Estado.
Pretende-se, pois, com a actual proposta de lei, credibilizar, honorabilizar e reforçar o Estado de direito democrático. Representa a mesma uma manifesta melhoria técnica, ao contrário da lei actual, elaborada com alguma ligeireza e que, na altura do seu debate neste Plenário, foi designada, por alguns Deputados, de verdadeira autorização legislativa, incorporando no regulamento normas que na lei deveriam ter assento.
A grande novidade da lei vigente foi a criação, na orgânica dos tribunais de l.a instância, dos tribunais de círculo, fora das Comarcas de Lisboa e Porto, destinados a preparar e a julgar as causas de natureza cível e criminal mais importantes, que a presente proposta extingue.
Aquando do debate sobre a lei em vigor, o Deputado socialista António Vitorino alertou para a inevitabilidade dos aumentos de custos da justiça para as partes, com a instituição dos tribunais de círculo, e para o menor conhecimento do tribunal acerca da concreta realidade envolvente dos pleitos que seriam chamados a julgar, não contribuindo para a aproximação da justiça aos cidadãos. Tinha razão o PS, com o alerta!
Contudo, a criação dos tribunais de círculo acarretou ainda mais perversidades. Para além dos conflitos de competência, que paralisaram centenas de processos e ocuparam durante largos meses os tribunais superiores chamados a dirimi-los, cedo se fizeram sentir as pressões das comarcas onde não ficaram sediados os tribunais de círculo, consubstanciando-se a situação anómala e subversiva do corpo e espírito da lei, já que os actos do processo passaram a decorrer, até uma certa fase, no tribunal de círculo e, na fase final, fora da sua sede.
Mal implantados tecnicamente, sem meios e sem calendário, os tribunais de círculo representaram, no dizer do Sr. Procurador-Geral da República, uma «fuga para a frente».
Não foi por acaso que ficaram por instalar 23 dos 56 tribunais de círculo, numa profunda desarticulação sistémica e ineficácia legislativa.
Justifica-se, mais do que nunca, que se reabilitem os tribunais de comarca, como pilares incontornáveis do tecido judiciário de l .a instância, com o regresso ao funcionamento dos tribunais colectivos, sob a presidência de um juiz de círculo competente para dirigir as audiências e proferir as decisões finais.
Cria-se, assim, a chamada, na exposição de motivos da proposta, «dupla corregedoria».

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Concordámos que tal inovação liberta, por um lado, o maior número de juizes dos tribunais de comarca da intervenção como adjuntos nos julgamentos do tribunal colectivo e, por outro lado, é notório que pelo menos dois dos três juizes que integram o colectivo passarão a ter um bom conhecimento dos autos — o juiz do processo que o prepara e o juiz presidente que o estuda para julgamento. Há, assim, nesta proposta, um claro reforço da colegia-lidade.
Não é por acaso que a extinção dos tribunais de círculo foi solicitada por unanimidade pelo Conselho Superior da Magistratura e acolhe o aplauso de diversas entidades, como a Procuradoria-Geral da República, a Ordem dos Advogados, a Associação Sindical dos Juizes Portugueses e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, e tem sido veementemente solicitada quer por advogados, quer por autarcas.
Ao reabilitarmos os tribunais de comarca, estamos a prestigiar e a responsabilizar os seus juizes e a impedir que se crie na opinião pública a imagem dicotómica de tribunais de 1.ª categoria, os de círculo, e tribunais de 2.ª categoria, os de comarca, e advogados de 2.ª, os sediados na Comarca, e advogados de 1.ª, os sediados no círculo, ganhando-se, na opinião avalizada do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Sr. Ministro da Justiça, «uma melhor distribuição de meios humanos e logísticos».
É nos tribunais de comarca que se joga primordialmente a imagem da administração da justiça, já que é nesses tribunais que se dirimem mais de 80% dos processos. Tal reforma emerge, pois, das necessidades e anseios da comunidade a que se destina.
Devem realçar-se outras inovações da proposta de lei e já aqui afloradas pelo Sr. Ministro da Justiça, como a revogação do n.° 2 do artigo 462.° do Código de Processo Civil, pelo que os acidentes de viação seguirão a forma de processo ordinário, quando o seu valor exceder a alçada dos tribunais da relação, medida que se impunha, atendendo aos interesses complexos e relevantes que quase sempre estão em causa e que exigem o julgamento por juizes experientes.
Aplaudimos, igualmente, a actualização das alçadas, a nova distribuição de competências pelo plenário do Supremo Tribunal de Justiça e pleno das secções especializadas, deixando de ser permitida a nomeação de juizes auxiliares para o Supremo Tribunal de Justiça, situação que não é prestigiante para a dignidade deste Tribunal.
Julgamos também positiva a limitação de mandatos do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
De relevar a eliminação dos chamados tribunais de ingresso e o desdobramento dos tribunais de comarca em varas cíveis e varas criminais, quando «o volume e a complexidade do serviço o justifiquem», as primeiras nunca instaladas na vigência da actual Lei Orgânica dos Tribunais.
É profundamente positiva a criação de bolsas de juizes e de magistrados do Ministério Público para poder atacar--se uma das causas mais frequentes dos atrasos nos tribunais: a vacatura de lugares.
Ao prever-se a figura de administrador para os tribunais de grande dimensão, está a caminhar-se, seguramente, para a modernização da máquina judiciária, cada vez mais exigente e que tem de acompanhar o incremento da era informática que nos envolve.
Os tibunais de recuperação de empresa e de falência, criados por este Governo e de resultados altamente posi-
tivos passarão a designar-se por tribunais de comércio, com a ampliação da sua competência em razão da matéria.
Também nos parece crucial a extinção dos tribunais de turnos e a sua substituição pela organização de turnos, para cumprimento de serviço urgente aos sábados e aos feriados que não recaiam em domingos.
Está a presente proposta de lei na sequência de uma consistente actividade legislativa do Governo, o qual tem feito um esforço sério e determinado em melhorar a justiça, humanizando-a, sem deixar de a tornar mais célere e eficaz de que as recentes alterações ao Código Penal, ao Código de Processo Penal, ao Estatuto do Ministério Público, para além de múltiplas leis já aprovadas nesta Assembleia, por iniciativa deste Governo, são uma expressão paradigmática.
Pensamos que a actual proposta de lei é um instrumento jurídico estruturante da administração da nossa justiça e, por isso, não pode ser encarada como uma arma de arremesso político-partidária.
Assim, o debate travado nesta Assembleia terá de ser uma debate em diálogo construtivo, esperando nós, socialistas, que todos os partidos da oposição viabilizem, responsavelmente, esta proposta do Goveino, sem detrimento de eventuais aperfeiçoamentos, em sede de especialidade.
O Homem é um ser de Horizontes, na afirmação profunda de Heidegger.
Que no horizonte de todos os Senhores Deputados se insira a credibilização cada vez mais consistente da administração da justiça, já que esta é uma questão de Estado, que ultrapassa as querelas secundárias e está para além das divisões legítimas entre Governo e oposição.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que há dois tipos de debates sobre a justiça que se devem evitar e um tipo de debate que deve ser o que orienta os trabalhos parlamentares e políticos em geral.
O consenso não é, longe disso, a única forma, a forma ideal a atingir no debate político. A diversidade de opiniões é, porventura, mais rica, mais frutuosa, mas deve encaminhar-se, nestas matérias pelo menos, para formar em volta dos grandes temas da justiça os consensos necessários.
Há, volto a repetir, dois tipos de debates que se devem evitar que não servem a justiça, como não servirão também outros sectores do Estado e das sociedades democráticas. O primeiro é o debate apocalíptico: o de que tudo está mal, a desgraça é completa, tudo está mal feito, nada funciona. Houve aqui, hoje, um exemplo típico da intervenção apocalíptica.
Esse tipo de debate não serve a justiça, porque a justiça, felizmente, em Portugal, não é isso, pelo que é injusto dizê-lo, é injusto olhar a justiça portuguesa como uma justiça terceiro-mundista, porque não o é.
Ainda recentemente no congresso, que já citei, de magistrados judiciais todos os intervenientes foram unânimes em reconhecer que o grande problema da justiça em todos os países é o ritmo muito lento das decisões e dos processos judiciais. Apesar de tudo, num debate franco e aberto entre juizes, ainda situaram Portugal no meio da

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tabela dos 50 países porventura mais adiantados nesta matéria.
Estaremos contentes? Longe disso! Mas é uma injustiça o que alguns comentadores e algumas forças políticas fazem, ou seja, um debate apocalíptico sobre a situação da justiça.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): — Muito bem!

O Orador: — Temos magistrados independentes, sérios e sabedores, temos funcionários que todos os dias nos tribunais lutam com grandes dificuldades. Os problemas do atraso da justiça não são de hoje e ainda hão-de continuar por algum tempo — espero que por pouco tempo!
Ainda anteontem, na abertura do ano judicial em Espanha, todos os discursos foram unânimes em reconhecer que os atrasos são o grande problema da justiça espanhola.
E em França, meus senhores, um divórcio chega a demorar seis anos!
Devemos, portanto, fazer outro tipo de discurso e não um discurso apocalíptico.
O segundo tipo de discurso que não serve a justiça é o dos pequenos ou grandes poderes, dos processos de intenção, do imaginário e das simbologias de cada um.

Vozes do PS: — Bem lembrado!

O Orador: — Esse discurso não serve a justiça, porque a justiça é para os cidadãos e existe para os servir!
E não têm razão os Srs. Deputados que dizem serem os cidadãos que inundam os tribunais de processos. Quem inunda os tribunais de processos, nos últimos anos, é uma economia desregulada no seu crédito, na concessão do crédito,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Nos últimos três anos!

O Orador: — ... que inunda, repito, alguns dos tribunais deste País de centenas de milhar de acções, estando nós a fazer um esforço para que deles sejam retiradas.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Não são os cidadãos que inundam os tribunais! Antes fossem, porque era bom sinal! Era sinal de que tínhamos uma consciência jurídica e dos direitos mais avançada do que temos.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): — Muito bem!

O Orador: — Este segundo discurso, o dos pequenos poderes, das simbologias, este discurso não serve a justiça! Poderá servir interesses de grupos, poderá servir interesses de corporações, poderá servir tudo isso, mas não serve a justiça e não serve os cidadãos.
O discurso que interessa à justiça e o discurso que o Ministro da Justiça sempre aqui terá, custe o que custar, é um discurso sereno e objectivo, e, mais, um discurso que distinga o que é importante do que não é. Dou um exemplo: não é importante saber se um conjunto de disposições que resolvemos transpor para a Lei Orgânica dos Tribunais, por razões de lógica do sistema, porque pensamos que isso só dignifica o Supremo Tribunal de Justiça,
lá estejam ou não. É importante para os pequenos poderes, é importante para as simbologias, é importante para o imaginário dos grupos; para o Ministro da Justiça e para o Governo fiquem VV. Ex.ªs descansados que não é importante!
O que é importante é que hoje aqui se constatou que. sobre as soluções para o aparelho judiciário português, sobre a extinção dos tribunais de círculo, sobre a nova orgânica do Supremo Tribunal de Justiça, sobre os tribunais de comércio, sobre as bolsas de juizes, etc., etc, sobre as duas classificações para os tribunais, sobre tudo isto os Srs. Deputados, afinal, não têm grandes críticas.
O Sr. Deputado Guilherme Silva, enfim, tem o peso de trazer da Madeira uma luta reivindicativa de muitos meses dos senhores juizes de círculo da Madeira. Paciência! Alguma coisa tem de fazer, porque é Deputado da Madeira! Mas sossegue esses senhores juizes, Sr. Deputado, porque nós não podemos ter tribunais de círculo na Madeira e no resto do País não os ter. E isto por uma razão muito simples: é que a Madeira tem de se gerir e reger pelas leis da República e, nesta matéria, as leis da República são iguais para todo o País.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Mas, Sr. Deputado Guilherme Silva, volto a dizer-lhe, sossegue esses senhores juizes, porque pode ser, pela análise do movimento judicial, que afinal tudo termine em bem e haja uma vara na Madeira para julgar as acções ordinárias. Pode ser que isto aconteça, mas vamos estudá-lo, serenamente, objectivamente.
Também não estou de acordo com tudo o que aqui foi dito sobre a autonomia do Ministério Público, a sua independência e a sua importância para a independência dos tribunais. Infelizmente também há aqui muito dessa simbologia e desses poderes. Temos, porventura, que acabar com esses discursos, com esses debates, e serenamente olhar a realidade. Para mim, a independência dos tribunais assenta em três factores: independência dos juizes; autonomia do Ministério Público; livre exercício do mandato por parte dos advogados.

Aplausos do PS.

Estas é que são três traves mestras da independência dos tribunais, e felizmente que até tenho comigo a generalidade dos juizes democratas da Europa. Há quem não esteja de acordo, mas também isso, Srs. Deputados, não é o cerne da questão, podemos discuti-lo com grande serenidade e objectividade.
Para mim, é importante que as grandes soluções que contribuirão para o reforço da capacidade judiciária dos tribunais portugueses, da sua capacidade em todos os sentidos, essas, sim, acabaram por ter um apoio quase unânime da Câmara. Com isso me congratulo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Ao ouvir esta intervenção do Sr. Ministro da Justiça, com a sua «rósea» visão da justiça, estava a lembrar-me que tinha conhecido, algures na última legislatura, um Deputado do Partido Socialista...

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): — Com o mesmo nome, até!

O Orador: — ... que se ocupava das questões da justiça e que tinha o tal discurso apocalíptico, que tinha o tal discurso derrotista,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): — Parece que o estou a ver!. Quem seria...?

O Orador: — ... e agora, qual «fénix renascida», vejo esse Sr. Deputado transformado em Ministro da Justiça e com um discurso de Estado preocupado. Temos aqui, realmente, uma transformação!

Vozes do PSD: — Sic transit gloria mundi!

O Orador: — Já me têm dito várias vezes que o poder tem esta magia. Ela está patente na intervenção do ex--Deputado e actual Ministro da Justiça, Vera Jardim! Só que o tom do seu discurso, já não apocalíptico nem derrotista em relação à justiça, peca por excesso.
De facto, V. Ex.ª não conseguiu, como Ministro, dar à justiça a feição tão rósea e tão optimista que aqui quer impor, pois não é, infelizmente, essa a realidade, apesar de terem sido essas, efectivamente, as suas promessas e as do seu Governo!
V. Ex.ª até pretende que a sociedade seja outra, a que não tem de recorrer ao crédito, a que não fica a dever, a que não obriga a ir aos tribunais... Ó Sr. Ministro, é mais fácil mudar o ministro da Justiça do que mudar a sociedade assim dessa forma! Adapte-se! E este o povo e é esta a sociedade que temos! O seu dever é o de adaptar-se e o de dar as respostas adequadas, não é o contrário!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Mas nós também temos de mudar a sociedade!

O Orador: — As mudanças da sociedade fazem-se, mas não para se adaptarem às incapacidades de um ministro da justiça em encontrar as respostas adequadas para a justiça! As mudanças fazem-se de outro modo e à volta de valores!
O Sr. Ministro Vera Jardim falou em consenso, mas esqueceu-se de uma coisa elementar: para o consenso é necessário bom senso, e, Sr. Ministro, o que tem faltado à elaboração das propostas do Governo na área da justiça é bom senso!
Basta ter presente o seguinte: tem sido uma constante em todas as iniciativas do Governo na área da justiça mandar aos agentes judiciários, às associações, aos órgãos do Estado ligados à justiça uma versão dessas iniciativas. Esses órgãos reúnem-se, analisam, pronunciam-se, por vezes até aplaudem as propostas, e, de repente, são confrontados com uma versão inteiramente diferente, que é a que o Governo envia à Assembleia da República, ficando, assim, esses órgãos desautorizados.
Ainda há pouco tempo recebemos o Conselho Superior da Magistratura que nos disse ter um parecer que queria deixar, mas que era uma versão completamente diferente desta... E o mais grave é que essas alterações são da maior relevância e importância! Há, decerto, qualquer coisa na consciência do Ministério da Justiça que leva a esta forma de trabalhar à socapa, às ocultas, a este tentar passar as coisas disfarçadamente, que não pode ser, Sr. Ministro da Justiça!
Não é por aqui que V. Ex.ª vai conseguir os consensos; é tendo outra abertura na forma de tratar estas questões e não com estes pequenos golpes, que não passam e que nós, aqui, não deixamos nem deixaremos passar. V. Ex.ª terá sempre a nossa denúncia e o nosso alerta, portanto não vale a pena seguir por esses caminhos, criando essa zona cinzenta de elaboração legislativa que ninguém sabe bem qual a fonte, em que noite é que isso foi tratado, em que sítio é que isso foi discutido, em que local é que se redigiram essas alterações de última hora, porquê e para quê...!
Sr. Ministro, quero dizer-lhe muito claramente: vamos votar contra esta proposta de lei na generalidade, porque há questões de princípio de que não abdicamos, nomeadamente a de confundir a autonomia do Ministério Público com a independência dos tribunais, que é a questão essencial relativamente à qual não podia, de forma alguma, o nosso voto ser, sequer, de abstenção.
Mas há outras questões, que rapidamente passo a elencar, para que fique claro, com toda a transparência, sem golpes, sem contragolpes, sem caminhos escusos, que sem elas o PSD não votará favoravelmente esta proposta de lei em votação final global.
Uma das questões respeita ao problema da confusão entre a autonomia do Ministério Público e a independência dos tribunais, que já referi; outra tem a ver com os magistrados dos Tribunais de Trabalho, que a Sr.ª Deputada Odete Santos abordou; outra, ainda, prende-se com o problema do Supremo Tribunal de Justiça, que é o termo normal da carreira da magistratura judicial e que não é a circunstância de, fora do quadro dos magistrados do Ministério Público, nomeadamente os advogados, poderem aceder, em certas circunstâncias, ao Supremo, que deve determinar que, contra aquilo que a Constituição prevê, essa matéria não continue a ter assento no estatuto dos juizes como termo normal da sua carreira. Isto seria a mesma coisa do que criar-se um exército sem generais ou uma marinha sem almirantes... Não pode ser, pois este é o termo normal, final e de razoável expectativa de os juizes terminarem as suas carreiras.
O quarto aspecto tem a ver com a definição — e não mais uma demissão e adiamento — do estatuto e da imunidade dos advogados na sequência da revisão constitucional. Não faço questão que seja uma norma constante da Lei Orgânica dos Tribunais, mas é possível introduzir-se aqui uma norma de alteração do Estatuto dos Advogados, tal como vêm aqui alterações a normas do Código de Processo Civil, que têm de ficar fora do âmbito da lei orgânica.
Esta é uma questão formal, e V. Ex.ª, que foi um ilustre Deputado, com um discurso diferente do que tem como Ministro, mas com conhecimentos dos mecanismos, sabe que é possível fazer estas alterações.
Quero ainda deixar claro que a minha posição relativamente aos tribunais de círculo nada tem nada a ver com situações concretas da Região Autónoma da Madeira. Trata-se de uma questão de princípio e de visão global do País em matéria judiciária, embora na Região Autónoma da Madeira o tribunal de círculo esteja a funcionar e, naturalmente, como Deputado eleito pela Madeira, preocupa-me que uma reforma menos reflectida, precipitada ou impensada possa pôr o tribunal, que está a funcionar bem, a funcionar mal. Portanto, se V. Ex.ª tem abertura para uma solução que o evite, naturalmente que a acolherei, podendo contar com a minha colaboração.

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Quanto ao problema da regionalização — e não vale a pena fazer disto fantasmas —, é óbvio que eu não defendo a regionalização da justiça no sentido da organização dos tribunais, dos magistrados, da sua composição e das suas nomeações, mas defendo, sem qualquer hesitação, a regionalização das infra-estruturas administrativas da justiça, designadamente do notariado e do registo civil.
De facto, a resposta que a autonomia tem dado em vários dos serviços que eram serviços centralizados do Estado, descentralizando-os e regionalizando-os, tem sido uma resposta de eficiência, pelo que não vejo razão para que essa questão não seja equacionada. Aliás, quando V. Ex.ª, há cerca de um ano, visitou a Região Autónoma da Madeira assumiu compromissos, mas as soluções ainda não estão encontradas. Tanto quanto tenho presente, o Presidente do Governo Regional colocou-lhe a questão de que se determinadas questões não fossem resolvidas reponderaria consigo, passado um ano, a regionalização.
Portanto, esta não é uma questão nova para si, Sr. Ministro; trata-se de uma questão que foi politicamente colocada e que não tem nada a ver com a não submissão da Região Autónoma da Madeira às leis da República, que a elas se submete com as especificidades próprias e com os desvios que a própria Constituição também prevê.
Sr. Ministro, pense um pouco melhor na política da justiça, pense um pouco melhor no seu Ministério, e tenha até presente algumas «meninas dos olhos bonitos» do Ministério da Justiça, como seja, e bem, a Polícia Judiciária, que, pela voz do respectivo director, até já admite a sua junção a outro ministério que não o seu.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de esclarecer que, em circunstância alguma, eu ou a minha bancada pusemos minimamente em causa a competência e a qualidade de sujeitos de direito, designadamente os magistrados, quer do Ministério Púbico quer judiciais.
O que tememos, Sr. Ministro, e não necessariamente numa perspectiva apocalíptica, é a implementação recente de várias soluções políticas que V. Ex.ª tem levado a cabo, cujos resultados — isso é incontornável — estão muito longe de ser os desejados.
V. Ex.ª falou há pouco, por exemplo, num período médio ou mínimo de decurso de processos. Eu, que estou nesta Casa, com muita honra, apenas há cinco meses, mas que tenho cerca de 14 anos de exercício exaustivo de advocacia na província, ontem fiz-me substabelecer para que um colega meu comparecesse na primeira audiência de um divórcio que foi intentado em Janeiro de 1993...
A par disto, o Sr. Ministro não desconhece, com certeza, que a sua bondade de intenção, quando apostou no princípio da cooperação das partes em processo civil, designadamente no sistema de marcação de audiências de julgamento, redundou num enorme fracasso.
Penso que hoje é incontornável que o período mínimo de marcação ou de decurso de audiência de julgamento é o dobro ou o triplo do que era anteriormente, porque os sujeitos processuais ou uma das partes não tem de ter este ónus que cabe ao legislador.
Sr. Ministro, é perfeitamente defensável -que um advogado, representando uma parte, consiga até à exaustão todo
um processo de adiamentos e de dilação. Situações de rotura, como as que vimos ontem e hoje com os agricultores, justificam — e a minha consciência nisso não é minimamente violentada — procurar todos os esquemas e modos de dilação que a ineficácia do legislador pode proporcionar.
Por outro lado, relativamente ao nosso pessimismo, que o é, de facto, como lhe dissemos há meses, aquando do debate sobre o Código de Processo Penal, achamos que o uso do processo sumaríssimo, da suspensão provisória do processo (no Processo Penal, claramente), dadas as circunstâncias específicas da nossa vida judiciária, vai ser muito mal usado. Isto é, vai servir, única e exclusivamente, sempre em detrimento da aplicação da justiça, como modo de aligeirar, de aliviar e de chutar para campo — permita-me a expressão — todo um conjunto de processos que são incómodos, eu sei, mas que têm de ser fatalmente dirimidos.
Foi isto que quisemos dizer, e não duvide, Sr. Ministro, que o nosso respeito pelo seu Ministério, por V. Ex.ª, por todas as magistraturas, pêlos advogados, pêlos solicitadores e por toda a gente que intervém no mundo dos tribunais é total.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma nova intervenção, beneficiando de 5 minutos que lhe foram concedidos pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou referir-me em especial à intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva para dela retirar que, no fundamental, o PSD está de acordo com aquilo que é importante na lei orgânica e que se refugia em aspectos, os tais aspectos simbólicos para criticá-la.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Simbólicos, não; de princípio!

O Orador: — Mas, mais do que isso, há uma questão que não posso deixar em claro. Recuando muito nos anos, direi que o último Ministro da Justiça socialista de que me recordo foi o Dr. Almeida Santos, apesar de a seguir, creio, ainda ter havido outro, ainda que por pouco tempo. Ora, o PSD tem sistematicamente o desplante de vir aqui falar do estado da justiça portuguesa.
Sr. Deputado Guilherme Silva, nunca fui catastrófico, muito pelo contrário. Recordo-lhe a minha primeira intervenção neste Parlamento — da qual, talvez, V.Ex.ª não se recorde, mas se eu lhe avivar a memória recordá-la-á —, a qual o então Ministro da Justiça, Laborinho Lúcio, elogiou, dizendo que eu tinha feito um discurso de Estado. E claro que o Dr. Laborinho Lúcio não está hoje nas graças do PSD...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): — Exactamente!

O Orador: — Naturalmente por essas e por outras...! Mas, vir V. Ex.ª dizer, ao fim de mais de 15 anos em que o PSD não teve imaginação, não teve coragem de enfrentar a reforma da justiça,...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): — Bem lembrado!

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O Orador: — ... a um Ministro da Justiça, que tem três anos incompletos de exercício de mandato, que a justiça está num caos, e isto, e aquilo, e aqueloutro... Ó Sr. Deputado Guilherme Silva, deixe-me que lhe diga, para terminar: é topete!

Aplausos do PS.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): — Para um Ministro é preciso ter muita «lata»!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Guilherme Silva, pede a palavra para que fim?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Peço às direcções dos grupos parlamentares o favor de convocarem os vossos Deputados porque vamos proceder, a seguir, às votações agenciadas.
Tem a palavra, Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Vai fazer uma autocrítica?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Ministro da Justiça, V. Ex.ª, confessadamente, acabou de fazer uma intervenção confirmando aquilo que eu disse. Durante esta legislatura o Sr. Ministro fez um só, um primeiro, discurso de Estado em matéria de justiça; todos os outros foram feitos no tom que referi. Portanto, mais uma vez a excepção confirma a regra.
Sr. Ministro, o problema não é o número de anos em que o PSD teve a pasta da justiça.

Protestos do PS.

O problema tem a ver com as promessas não cumpridas pelo actual Governo e pelo Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): — Está no século XIX!

O Orador: — Mais do que isso, o problema é o discurso que V. Ex.ª fez sobre a visão rósea da justiça, que não é a visão real da justiça, para tentar fazer crer que durante três anos fez as tais modificações que não fez.
Portanto, assuma V. Ex.ª que foi, talvez injustamente, demasiado crítico em relação a ministros da justiça de governos anteriores, que fizeram mais do que V. Ex.ª fez nestes três anos de promessas não cumpridas. Assuma-o humildemente e faça uma autocrítica. Ficar-lhe-ía bem, particularmente como Ministro da Justiça.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, este debate está tão vivo e tão interessante que eu, embora os Srs. Deputados se estejam a preparar para votações, vou apenas tornar-lhes mais uns segundos.
E uso da palavra para perguntar ao Sr. Deputado Guilherme Silva, a propósito de promessas, se por acaso se recorda — e nesse caso lembre-me, porque não estou bem recordado — quem terá sido o ministro que, no ano da graça de 1994, disse: «No próximo mês de Setembro não haverá um único tribunal português em atraso». Se V. Ex.ª mo recordar, agradeço.
Aplausos e risos do PS.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): — Não se lembra! Não sabe!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Não me lembro nem sei qual foi o ministro que disse isso,...

Vozes do PS: — Ah!

O Orador: — ... mas há uma coisa de que me lembro: é de um partido ter dito uma coisa muito similar antes das últimas eleições.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminado este debate, vamos passar às votações.
Sr. Deputado Luís Marques Mendes, pede a palavra para que fim?

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): — Para fazer uma breve interpelação, antes do início das votações.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): — Sr. Presidente, no início desta reunião plenária, ao discutir-se um voto, apresentado pelo CDS-PP, sobre problemas da agricultura, vários parlamentares exprimiram a sua indignação pelo facto de, na semana passada, primeiro, e hoje, novamente, o Sr. Ministro da Agricultura não ter estado, como devia estar, no Plenário da Assembleia da República e até pela situação ridícula de ter sido substituído pelo Ministro da Administração Interna.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): — Isso já foi explicado!

O Orador: — Há poucos minutos, o Sr. Ministro da Agricultura iniciou uma conferência de imprensa através, obviamente, dos órgãos de comunicação social.
O Sr. Ministro da Agricultura não teve tempo, na semana passada, para vir, como lhe competia, à Assembleia da República. Hoje, também não teve tempo, mas teve tempo para dar uma conferência de imprensa.
Ò meu partido considera que é um acto de cobardia política o Ministro recusar-se a vir ao Parlamento para ser confrontado com todas as questões, preferindo falar à comunicação social, evitando, assim, o confronto democrático nesta Câmara. Esta é uma atitude de desprezo, é um acto de cobardia política e, por isso, o PSD quer manifestar, de forma muito clara, o seu protesto.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: — Fica registado o seu protesto, Sr. Deputado.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): — Peço a palavra para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Peço aos Srs. Deputados o favor de não iniciarem uma sequência interminável de interpelações que, no fundo, são intervenções políticas.
De qualquer forma, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Acácio Barreiros, já que a dei uma primeira vez.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, não sei se é por ser a hora que é, mas o Sr. Deputado Luís Marques Mendes resolveu, completamente a despropósito, introduzir uma crítica que, ainda por cima, não tem nenhuma razão de ser.
Em primeiro lugar, o Governo regula, como entende, a sua representação.
Segundo, foi já claramente explicado que, na semana passada, o Governo avisou previamente, na Conferência dos Representares dos Grupos Parlamentares, que o Sr. Ministro não se fazia representar porque estava a acompanhar uma visita da Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas.

Protestos do PSD e do PCP.

O Orador: — O Governo esclareceu oportunamente esta situação. O Partido Socialista fez, inclusivamente, um apelo, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, no sentido de que não se fizesse o debate na semana anterior porque os partidos têm sempre o direito de fazer interpelações ao Governo e, portanto, como o Plenário se ia iniciar ...
O Sr. Presidente: — Agradeço que abrevie, Sr. Deputado.
O Orador: — Sr. Presidente, é importante dizer isto, porque há pessoas que julgam que repetindo-se muitas vezes uma mentira ela passa a ser verdade e que estão a insistir na ideia de que o Governo não quer debater a questão da agricultura e está a fugir ao debate. No entanto, o Governo teve uma atitude de grande respeito por esta Assembleia.

Protestos do PSD.

O Governo tinha marcado antecipadamente uma visita juntamente com a Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, não para fazer um debate qualquer de meia hora, mas para fazer um levantamento sério e discutir os problemas junto dos agricultores, visita essa que, pelas informações que temos dos Srs. Deputados daquela Comissão, decorreu da melhor maneira, tendo-se o Governo prestado a dar todos os esclarecimentos.
Queria terminar dizendo também que hoje o Governo fez-se representar aqui como entendeu.
E o que hoje aqui esteve em causa não foi a questão da agricultura, que já tinha sido discutida na semana passada...
Risos do PSD.
O que hoje aconteceu foi urna tentativa de pôr em causa a actuação das forças de segurança e o trabalho que o Governo fez, não só para garantir a liberdade de manifestação neste País, mas também garantir — e isso é um compromisso que o Governo assumiu e assumirá — a liberdade de circulação dos portugueses, porque esse é um direito que, para nós, é perfeitamente sagrado.
Aplausos do PS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados , tenham consciência de que não estão a fazer interpelações, mas a introduzir um debate político fora de horas, fora do contexto e fora do Regimento.
Não posso consentir que isto continue. Façam o favor de não imputar culpas uns aos outros porque as culpas são iguais.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, esta é a última interpelação deste género que consinto. Peco-lhe, pois, o favor de ser muito sucinto e, se possível, que se reconduza à figura da interpelação.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Presidente, acompanho-o na sua reflexão. É que eu próprio preferia estar a ouvir o Sr. Ministro — e podíamos estar a ouvi-lo se já tivéssemos votado! —, mas a verdade é que foi introduzido um debate, sob a forma de interpelação, que a Mesa aceitou.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, todos os grupos parlamentares são responsáveis pela introdução desse tipo de debate consoante as suas conveniências, e declaro que, de futuro, não estou disposto a pactuar com interpelações que, no fundo, são verdadeiros debates políticos introduzidos fora de horas, fora do contexto e fora do Regimento. Não posso consentir nisso.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Presidente, não era minha intenção intervir, mas acontece que o Sr. Deputado Acácio Barreiros insiste naquilo que já foi algumas vezes demonstrado que ser falso. É só por isso que quero usar da palavra, Sr. Presidente.
É evidente que se o Sr. Secretário de Estado entendeu, por sua iniciativa, ir com a Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, nas condições e nos termos que já discutimos e que não vale estarmos a repetir, é, no entanto, igualmente evidente que a equipa ministerial não é só constituída pelo Sr. Secretário de Estado e, portanto, o Sr. Ministro estava disponível, se quisesse, para ter comparecido ao debate parlamentar.
Vozes do PCP e do PSD: — Muito bem!
O Orador: — De tal modo essa visita não foi importante para o debate que aqui houve que os senhores, mesmo reconhecendo isso, abstiveram-se na resolução que foi aprovada com os votos favoráveis dos outros partidos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos então passar à votação ...

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78 I SÉRIE — NÚMERO 2

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): — Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Queiró, tenho muito respeito por si e espero que os senhores também tenham igual respeito por mim, mas o que eu disse de nada valeu.
De futuro, em idêntica situação, não darei a palavra a nenhum Sr. Deputado porque já sei que crio uma «epidemia» de violações ao Regimento e que os senhores não me ajudam a evitar essas situações. Se vamos continuar assim até ao fim da sessão legislativa, não há dúvida de que vamos ter uma excelente sessão legislativa!
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero dizer que, como é evidente, nutro por si o maior respeito, mas, depois de ter permitido três interpelações, não vejo razão nenhuma para não permitir a minha.
Além de tudo o mais, penso que faz muito bem em, de futuro, impor novas regras, mas agora temos de terminar este pequeno debate, e digo-o-o com todo o respeito por V. Ex.ª e pela Câmara.
E é exactamente por respeito para com a Câmara, que quero dizer, mais uma vez, que o Sr. Deputado Acácio Barreiros veio fazer um insulto à nossa inteligência. É que não estivemos a discutir a política do asfalto nem a saber quem é que circula ou não sobre ela. O que devia ter sido feito era um debate sobre política agrícola.
Devo dizer que acompanho inteiramente a indignação de muitos dos Deputados desta Câmara ao verificarem que o Sr. Ministro da Agricultura resolveu fazer uma conferência de imprensa em vez de estar presente no debate, e só entendo essa conferência de imprensa se o Sr. Ministro nela estiver a anunciar o seu pedido de demissão.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos, então, passar às votações.
Em primeiro lugar, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.° 530/VII — Privatização do notariado (PSD).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, de Os Verdes e dos Deputados do PS, Antão Ramos, Fernando de Sousa, Luís Filipe Madeira e Strecht Ribeiro e a abstenção do PS.
O Sr. Presidente: — Este projecto de lei baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.° 534/VII — Reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: — Este projecto de lei baixa à 6.ª Comissão.

Srs. Deputados, vamos ainda votar, na generalidade, a proposta de lei n.° 182/VII — Altera a Lei n.° 38/87, de 23 de Dezembro [Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (LOTJ)].

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Esta proposta de lei baixa à 1.ª Comissão.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): — Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Procuradoria Geral da República — Tribunal Judicial de Braga (Processo disciplinar n.° 1/98), a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Falcão e Cunha (PSD) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, estão terminados os nossos trabalhos.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia a discussão conjunta das propostas de resolução n.ºs 73/VII, 102/VII e 103/VII.
A seguir, discutir-se-ão também conjuntamente as propostas de resolução n.ºs 92/VII, 93/VII, 94/VII, 95/VII, 967 VII e 97/VII.
Está encerrada a sessão. Eram 20 noras e 15 minutos.
Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação do projecto de lei n.° 530/VII
Os Deputados do Grupo Parlamentar do PS abaixo assinados votaram contra o projecto de lei n.° 530/VII porquanto:
a) Têm por certo o melindre da reforma do sistema notarial tal como se apresenta no dito projecto;
b) O Governo, pelo Sr. Ministro da Justiça, tem pronta uma proposta de lei com o referido objecto, cuja apresentação na Assembleia da República se prevê a muito curto prazo;
c) Os autores do projecto votado recusaram liminarmente quer o adiamento da votação, quer a baixa à Comissão competente sem votação.
Nestas circunstâncias, foi considerado pêlos signatários não merecer o projecto a sua viabilização.

Os Deputados do PS: Luís Filipe Madeira — Antão Ramos — Fernando de Sousa.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
José Manuel Niza Antunes Mendes.

Partido Social Democrata (PSD):

Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

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18 DE SETEMBRO DE 1998

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
António Fernandes da Silva Braga.
Francisco Fernando Osório Gomes.
João Pedro da Silva Correm.
Lanas Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Manuel Videira Lopes.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl. João Álvaro Poças Santos.
José Augusto Gama.
José de Almeida Cesário.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social — Partido Popular (CDS-PP):

Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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80 I SÉRIE - NÚMERO 2

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