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Quinta-feira, 25 de Março de 1999 I Série - Número 63

DIÁRIO
Da Assembleia das República

VII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE MARÇO DE 1999

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos Carlos Manuel Duarte de Oliveira João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.ºs 645 a 648/VII, da apreciação parlamentar n.º 85/VII e de requerimentos.
Em interpelações à Mesa e a propósito do envolvimento de militares portugueses na intervenção militar da NATO na Jugoslávia, usaram da palavra os Srs. Deputados Ferreira do Amaral (PSD), João Amaral (PCP), Eduardo Pereira (PS), Luís Queira (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), Manuel Alegre (PS) e Azevedo Soares (PSD).
Foram lidos os pedidos de renúncia ao mandato dos membros do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, na sequência do que intervieram os Srs. Deputados Francisco de Assis (PS), Octávio Teixeira (PCP), Carlos Encarnação (PSD) e Francisco Peixoto (CDS-PP) e, ainda, o Sr. Presidente.
Em declaração política, o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira (PS) teceu considerações sobre a conclusão dos trabalhos da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar para Apreciação dos Actos do Governo e das suas Orientações de Parceria em Negócios Envolvendo o Estado e Interesses Privados. No fim, deu esclarecimentos ao Sr. Deputado Silvio Rui Cervan (CDS-PP), que exercera o direito de defesa da honra da sua bancada, e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuela Ferreira Leite (PSD) e Lino de Carvalho (PCP), cuja intervenção motivou também a defesa da honra da bancada pelo Sr. Deputado Luís Queira (CDS-PP), uma interpelação à Mesa feita pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos (PS) e a defesa da honra pessoal do Sr. Deputado Moura e Silva (CDS-PP).
O Sr. Deputado Eurico Figueiredo (PS), assinalando a comemoração do Dia do Estudante, referiu-se ao combate estudantil nos anos 60 e apelou à responsabilidade dos políticos na defesa da imagem das instituições, tendo respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Manuel Alegre (PS).
Ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento, o Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP), a propósito da mesma data, criticou a política de educação do Governo, nomeadamente a lei do financiamento do ensino superior público. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ricardo Castanheiro (PS) e Sérgio Vieira (PSD).
Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 2I4/VII - Aprova a Lei do Serviço Militar e 216/VII - Aprova a alteração à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e do projecto de lei n.ºs 634/VII - Lei do serviço militar (PSD). Após o Sr. Ministro da Defesa Nacional (Veiga Simão) ter introduzido o debate, usaram da palavra, a diverso titulo, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa), os Srs. Deputados Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), João Amaral (PCP), Pedro Passos Coelho e Cardoso Ferreira (PSD), Sérgio Sousa Pinto e Raimundo Narciso (PS) - que fez a síntese do relatório da Comissão de Defesa Nacional -, Francisco Peixoto (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), Correia de Jesus (PSD), Manuel Maria Carrilho, Fernando Pereira Marques, Eduardo Pereira e Marques Júnior (PS) e Carlos Encarnação(PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Casimira Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Henrique José de Sousa Neto.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador,
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Ferreira Jerónimo.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferronha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sônia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Alberto Queiroga Figueiredo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'Orey Capucho.
António de Carvalho Martins.

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António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugênio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Domingos Dias Gomes.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Lucflia Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Pedro José Del Negro Feist.
Rui Manuel Pereira Marques.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cerván.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita. Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Carmem Isabel Amador Francisco.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente: José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas e dos requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes, iniciativas legislativas: projectos de lei n.ºs 645/VII -Altera a Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro (Regime Jurídico das Áreas Urbanas de Génese Ilegal) (PS), que baixou à 4.ª Comissão, 646/VII-Alteração da área administrativa da cidade de Esposende (PSD), que baixou igualmente à 4.ª Comissão, 647/VII - Elevação da freguesia de Ronfe, no concelho de Guimarães à categoria de vila (PS), que baixou também

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à 4.ª Comissão e 648/VII -Altera a Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro (Lei da Protecção dos Animais) e revoga o Decreto n.º 15355, de 11 de Abril de 1928(CDS-PP),que baixou às 1.ª e 10.ª Comissões e a apreciação parlamentar n.º 85/VII - Decreto-Lei n.º 54-A/99, de 22 de Fevereiro, que aprova o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias (POC AL) definindo-se os princípios orçamentais e contabilísticos e os de controlo interno, as regras previsionais, critérios de volorimetria, o balanço, a demonstração de resultados, bem como documentos previsionais e de prestação de contas (PSD).
Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: na reunião plenária de. 16 de Março de 1999: ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Castro de Almeida; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado João Carlos Duarte; a diversos Ministérios e à Secretaria de Estado da Administração Pública e da Modernização Administrativa, formulados pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha; e aos Ministérios do Ambiente e da Saúde, formulado Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, pela primeira vez, desde há mais de 80 anos, as Forças Armadas portuguesas preparam-se, neste preciso momento, para intervir em operações militares ofensivas em território europeu. Tudo aponta para que o País esteja envolvido numa guerra a breve trecho e, na realidade, o mínimo que se exige é que os portugueses sejam informados disso.
Sr. Presidente, não faço esta interpelação para debater as razões da nossa intervenção nem para fazer apreciações sobre a forma como a intervenção foi decidida-neste momento, nada disso é oportuno-nem sequer para criticar que, em véspera de guerra, não haja uma palavra de explicação ao País por parte dos mais altos responsáveis. É que agora, Srs. Deputados, há militares portugueses preparando-se para entrar em acção e é à eles, e só a eles, que se devem dirigir os nossos pensamentos. Eles são, neste momento, os melhores de todos nós. Independentemente das nossas divisões, independentemente das diferentes apreciações que fazemos desta vida em sociedade, que, às vezes, nos parece tão difícil e tão complexa, os militares portugueses no Kosovo podem ter a certeza de que aqui, em Portugal, por cima de todas as querelas e por cima de todos os combates políticos, há uma Nação inteira que os apoia, que os admira e que lhes agradece.
Como sempre aconteceu, ao longo da nossa História de quase nove séculos, as Forças Armadas portuguesas continuam credoras do nosso respeito e da nossa gratidão.

Aplausos do PSD, do CDS-PP e do Deputado do PS Acácio Barreiros.

O Sr. Presidente: - Penso que foi uma interpelação atípica, como é visível, que despertou imediatamente dois pedidos de novas interpelações atípicas, por parte dos Srs. Deputados João Amaral e Eduardo Pereira.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, dado que optou por que estas intervenções sejam feitas sob esta forma, farei também a minha sob a mesma.
Sr. Presidente, tomo a palavra para exprimir, em nome do PCP, o mais vivo protesto e condenação pelas decisões tomadas tendo em vista o início das operações militares da NATO de ataque contra a Jugoslávia, à margem de todas as regras do Direito internacional, incluindo a Carta das Nações Unidas.
Nessas decisões, pesou determinantemente o interesse dos Estados Unidos e a política dos seus dirigentes e agentes políticos, que dominam o sistema de decisão política da NATO, que controlam a máquina de guerra da NATO no terreno, e que falam como donos do aparelho diplomático de contacto através do Sr. Richard Holbrooke. A milhares e milhares de quilómetros de distância, os Estados Unidos ditam à Europa a condução das crises político-militares como nunca o fizeram, nem nos piores anos da «guerra fria».
Os ataques militares anunciados são feitos contra um país soberano e sobre o seu território. Nem sequer com o caso da Bósnia há comparação possível, porque não há acordo algum nem há mandato das Nações Unidas. A intervenção militar é absolutamente à revelia do Direito internacional.
A partir de agora, como é, Sr. Presidente? A NATO vai intervir no Afeganistão e na Arábia Saudita para defender os direitos humanos? Os Estados Unidos estão legitimados para atacar os dirigentes políticos de que não gostam? O que é que vale, a partir de agora, a soberania? Esta operação rasga de forma brutal um património conquistado historicamente, de regras do Direito internacional.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Muito bem!

O Orador: - É o regresso à política da canhoeira.
O que se espera? A Jugoslávia não é um deserto e o seu exército está fortemente motivado em nome de valores pátrios. A NATO, em nome da guerra, leva a guerra à Europa. A realidade é que toda a gente sabe que esta operação de guerra não dá a mínima contribuição para a solução dos problemas; pelo contrário, os problemas vão agravar-se sobre os escombros e os cadáveres que os bombardeamentos inevitavelmente causarão. As bombas servem para ser imposto o modelo de uma NATO máquina* de guerra, agindo sem mandato da ONU, na base dos interesses dos Estados Unidos e dos seus seguidores. As bombas servem para enterrar a ONU e a OSCE, como organizações excrescentes e manipuláveis face à política dos Estados Unidos e da NATO.
Sr. Presidente, para quem se reveja na argumentação dita «humanitária» para justificar esta guerra à Jugoslávia, é bom lembrar o incentivo dado pelos Estados Unidos, e não só, aos grupos separatistas e é bom lembrar a conivência com as acções terroristas, como é bom lembrar que havia uma acordo de Outubro que garantia a presença da OSCE no terreno...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Exactamente!

O Orador: - ... e que, em Rambouillet, os jugoslavos subscreveram um acordo que, depois, foi retirado pelo Grupo de Contacto, por pressões dos kosovares.

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Só através de uma solução política que salvaguarde os legítimos direitos das populações do Kosovo, nomeadamente a albanesa, e que respeite a soberania jugoslava, será possível encontrar uma solução com capacidade para garantir estabilidade e confiança duradouras.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por este caminho, de violação da soberania e de aviltamento da ONU e do Direito internacional, não se garantirá a paz, seja onde for, na Europa ou fora dela.
Quanto à posição de Portugal, deixo aqui, de forma clara e frontal a oposição do PCP ao envolvimento das Forças Armadas portuguesas e a condenação firme da participação do Governo nas decisões de agressão.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Muito bem!

O Orador:- Uma situação como esta exige uma clarificação de todos os órgãos de soberania, desde Assembleia da República até ao Sr. Presidente da República.

O Sr. Presidente: -Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: -Termino já, Sr. Presidente.
E, seguramente, reclama que os portugueses e as portuguesas, ciosos dos valores democráticos e da importância da soberania e independência nacional, juntem a sua voz na condenação deste mundo de guerra sem Direito internacional, que se está a querer impor à comunidade internacional.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, neste momento, reúne a Cimeira de Berlim, é bom que os responsáveis da União Europeia compreendam a responsabilidade que têm neste processo, se não tiveram palavra alguma de condenação desta situação!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o risco de consentir na primeira interpelação atípica é que se segue logo uma sequência delas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira, para uma interpelação à Mesa, provavelmente também atípica.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, não sei se é ou não atípica, mas é uma intervenção, na verdade.
Sr. Presidente, quero também, em nome do meu grupo parlamentar, expressar a nossa confiança nos responsáveis políticos e nos responsáveis militares envolvidos nesta operação. Têm a nossa confiança para a condução de tais operações, entendidas na estrita medida do que está em causa. Portugal não deu uma aceitação geral ao conjunto das operações que possam vir a estar envolvidas; Portugal aceitou na estrita medida do que está em causa neste momento e nenhum órgão português, desde o Governo ao Conselho Superior de Defesa Nacional, autorizou para além do estritamente necessário neste momento.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados para a necessidade de rodearmos igualmente as operações na Bósnia dos cuidados que estamos a pôr nas operações do Kosovo, visto que não são duas operações diferentes mas, em princípio, uma mesma operação de paz, em que estão envolvidos soldados portugueses e uma das situações pode ter repercussões na outra.
A nossa confiança em governantes e militares é total, pelo que queremos deixar esta nota.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, utilizo esta forma para me circunscrever ao que me parece importante, neste momento. E, neste momento, do ponto de vista do Parlamento português, depois das discussões que tiveram lugar na Comissão de Defesa Nacional e na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e das maiorias que aí se formaram para suportar as acções militares em que Portugal está envolvido, o que me parece importante é manifestarmos daqui a nossa total solidariedade aos militares portugueses que estão deslocados para esta operação na Jugoslávia.
Em todo o caso, quero aqui dizer que as notícias que nos chegam e as informações que temos vão no sentido de que foram feitos todos os esforços diplomáticos para conseguir um acordo de paz naquela zona - foram feitos todos os esforços diplomáticos! E o problema que se colocou à comunidade internacional foi o de saber o que fazer perante o insucesso desses esforços diplomáticos e perante a intransigência da posição servia, sendo certo que a posição kosovar foi a de assinar o acordo que se obteve em Rambouillet. As Forças Armadas servem ou não para dar credibilidade às soluções e aos esforços diplomáticos?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Para invadir militarmente um país?!

O Orador: - Se servem, servem; se não servem, então, para nada servem!
Portanto, o que parece é que, neste momento difícil, em que à comunidade internacional se colocam desafios sérios de credibilização dos esforços diplomáticos, temos de saber se, na verdade, devemos ou não apoiar esta intervenção militar que, fatalmente, tem de se destinar à promoção da paz naquela zona e a levar quem não quer a paz a ter, a obter, a permitir e admitir a paz.
Sr. Presidente, quero deixar uma última nota. No âmbito dos compromissos que assumimos nas organizações internacionais, designadamente a NATO e a ONU, a que pertencemos, e esperando que esta intervenção seja limitada no tempo, curta e eficaz e que se destine exclusivamente a promover a paz naquela zona, reitero o apoio do nosso partido às acções que estão a ser desenvolvidas e, concretamente, a solidariedade aos nossos militares envolvidos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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Sr. Presidente: - Igualmente para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, quero, em nome de Os Verdes, manifestar o nosso mais vivo protesto pelo envolvimento de Portugal nesta acção de agressão, nesta acção belicista. É com preocupação que vemos que o Direito internacional é desprezado, que o património de direitos adquiridos durante anos é desprezado, que, cada vez mais, se procura, não prevenir a guerra, não realizar a paz com acções diplomáticas mas através da agressão.
Portugal vai envolver-se numa aventura militar cujos contornos desconhecemos e cujas repercussões não sabemos exactamente onde nos poderão levar. Entendemos que ninguém tem o direito de decidir, desta forma, sobre a vida ou a morte dos outros e pensamos que é muito negativo, preocupante e perigoso que Portugal se envolva desta maneira em acções que, seguramente, só vão vitimar aqueles que nada têm a ver com este conflito-as mulheres, as crianças, os que, há anos, fogem - e que estas intervenções nunca são capazes de salvaguardar.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Também para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, mas não vamos, com isto, abrir uma segunda ronda.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, a título pessoal, quero também manifestar a minha confiança e solidariedade aos militares portugueses que se encontram no Kosovo.
Há momentos difíceis, em que não podemos deixar de falar a nossa consciência: em 1961, numa reunião das três Academias, em Coimbra - e tinha nessa altura a meu lado o meu colega Enrico Figueiredo e o actual Presidente da República, Jorge Sampaio -, levantei as primeiras interrogações públicas, críticas, sobre o envolvimento das juventude portuguesa na guerra colonial; hoje, manifesto a minha solidariedade para com os militares portugueses, mas levanto aqui grandes interrogações sobre as consequências que podem advir do envolvimento de militares europeus, inclusive portugueses, num conflito que se processará em pleno coração da Europa, numa terra que já gerou duas guerras mundiais.
Portanto, mesmo sendo totalmente solidário com os militares portugueses envolvidos neste conflito e compreendendo que eles estão lá no cumprimento das missões que lhe foram confiadas, a situação obriga-me, tal como fiz em 1961, a deixar aqui pelo menos uma interrogação crítica, que é extensiva a todas as pessoas conscientes e a todos os responsáveis políticos.
Quero também dizer que, à semelhança do que aconteceu no parlamento britânico, gostaria que os assuntos relativos ao envolvimento dos militares portugueses - que podem correr risco de vida, que podem eventualmente morrer, que provavelmente irão morrer -, fossem discutidos na sede da representação nacional: o Parlamento português.

Aplausos dos Deputados do PS Eurico Figueiredo, Fernando Pereira Marques e Carlos Beja.

O Sr. Azevedo Soares (PSD):- Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Azevedo Soares, eu disse que não autorizava uma segunda ronda de interpelações à Mesa, mas, provavelmente, vou ter de consenti-la.
No entanto, devo dizer que não estou disposto a transformar a figura da interpelação à Mesa numa espécie de debate preliminar a todos os períodos antes da ordem do dia. Isso não tem sentido! A menos que os Srs. Deputados alterem o Regimento!... Nessa altura, não terei nada contra.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, trata-se, realmente, de uma interpelação à Mesa e faço-a na qualidade de Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação desta Assembleia, num primeiro momento para dizer ao Plenário, na sequência da intervenção do Sr. Deputado Manuel Alegre, que esta questão foi debatida também na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, com toda a liberdade que assiste aos Srs. Deputados. Aliás, o Governo esteve presente nessa reunião e só não houve mais discussão porque os Srs. Deputados não quiseram fazê-la. Mas houve discussão na Comissão e os Deputados nela presentes em representação dos partidos políticos tomaram as suas posições. De resto, já aqui referiram como maioritário o apoio que houve à posição do Governo nesta matéria.
Como segundo ponto quero dizer que naturalmente respeito, como todos temos de respeitar, as ideias e as posições dos outros e que não é por eu defender uma posição que considero as outras menos preocupadas com o interesse nacional. No entanto, não quero deixar de dizer ao Sr. Deputado Manuel Alegre que, acima da solidariedade que possam já ter dos representantes do povo português, aquilo que os soldados que se encontram na Jugoslávia verdadeiramente querem é saber que aí estão no cumprimento de uma política decidida maioritariamente pelo povo português. Essa é que é a maior solidariedade. Ora essa solidariedade existe, esta Câmara é política e não podemos dar solidariedade emocional e hesitar no apoio político.
Estou certo de que da bancada do PSD o apoio político é claro, é inequívoco!

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Alegre, desculpe, mas não posso voltar a dar-lhe a palavra. Não me leve a mal, sabe a amizade e o apreço que tenho si, sabe até quanto gosto de ouvi-lo, mas, na sequência do que disse anteriormente, não pode ser. Uma terceira ronda de interpelações à Mesa é impossível.
Srs. Deputados, recebi, como já é do conhecimento mais ou menos público, três cartas, uma de cada elementos do

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Conselho de Fiscalização do SIS, de renúncia aos cargos que ocupavam.
Acho que estas cartas têm relevância suficiente para serem lidas no Plenário da Assembleia da República e será isso o que o Sr. Secretário fará de seguida.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a primeira carta é do seguinte teor:
Sr. Presidente da Assembleia da República
Excelência,
No seguimento da carta que ontem dirigi a V. Ex.ª considero agora, perante a insistência da comunicação social em transmitir a ideia de que existe uma incompatibilidade entre o simples facto de eu ser professor na Universidade Moderna, no Porto, e Presidente do Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações, incompatibilidade da qual resultaria a ausência de imparcialidade no desempenho das minhas funções como presidente do Conselho de Fiscalização, ser meu dever voltar a dirigir-me a V. Ex.ª
Estando a viver-se uma atmosfera pouco propícia à serenidade e isenção que o órgão a que presido requer, julgo ser do interesse do Estado e da defesa do prestígio das instituições e dos serviços, ter por mais conveniente renunciar ao mandato para o qual fui eleito pelo Parlamento que V. Ex.ª superiormente preside. Faço-o sem quaisquer constrangimentos e sem a mais leve emoção; faço-o, penso, em cumprimento de um dever; faço-o dentro de um circunstancialismo mas sem me vergar às circunstâncias; faço-o com a consciência bem desperta do risco de eventuais perversas e erróneas interpretações sobre o sentido da minha decisão; faço-o porque, assim como já disse e me atrevo a repetir, entendo melhor servir o interesse público e, porque não dizê-lo, os ditames da minha consciência; faço-o, por conseguinte, na mais inteira solidão. Desta decisão, é evidente, dei conhecimento aos dois outros membros do Conselho. Uma vez mais reitero aqui o privilégio que tive, neste breve espaço de tempo, em trabalhar com o Sr. Dr. Paulo de Sousa Mendes e com a Sr.ª Dr.ª Sofia Galvão. Assim, ao abrigo do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, renuncio perante V. Ex.ª ao mandato de membro do Conselho de Fiscalização.
Com os cumprimentos da mais alta estima e consideração,
José Francisco de Faria Costa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero só informar que a carta anterior que esta carta refere questionava a existência ou não da incompatibilidade que agora dá por existente. Por essa razão, não vejo vantagem em estar a comunicá-la aos Srs. Deputados, até porque é problemático saber se a incompatibilidade existe ou não.
De qualquer modo, o Sr. Professor entendeu que ela existe, reagiu em função dessa existência e eu nada tenho que pronunciar-me sobre isso.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura das outras duas cartas.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, a segunda carta é do seguinte teor:
Sr. Presidente da Assembleia da República
Excelência,
Tendo tomado conhecimento da decisão de renunciar ao mandato do Presidente do Conselho de Fiscalização do Ser-
viço de Informações, hoje tomada pelo Sr. Prof. Doutor José Francisco de Faria Costa, venho, por este meio, ao abrigo do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, apresentar a V. Ex.ª o meu pedido de renúncia ao mandato que exerço naquele Conselho. Subjacente à presente decisão está a minha total solidariedade com as razões invocadas pelo Sr. Presidente do Conselho e a consciência clara de que só assim poderei dar integral testemunho da imensa consideração e do absoluto respeito que me merece a pessoa do Sr. Prof. Doutor José Francisco de Faria Costa, bem como da forma exemplar como soube e quis dirigir a actividade do Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações desde o passado dia 7 de Janeiro até à presente data. Subscrevo-me, com a mais elevada consideração e apresento-lhe os melhores cumprimentos,
Sofia de Sequeira Galvão.
Srs. Deputados, a terceira carta é do seguinte teor:
Sr. Presidente da Assembleia da República
Excelência,
Paulo de Sousa Mendes, membro eleito do Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações da República, tendo tomado conhecimento do pedido de renúncia ao mandato apresentado pelo Prof. Doutor José de Faria Costa, porque tem em altíssimo apreço o elevado perfil moral do Professor Faria Costa não lhe resta a ele, requerente, outro caminho que não seja o de renunciar também ao seu mandato, pedido que formaliza por este modo perante V. Ex.ª.
Paulo de Sousa Mendes.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, quero manifestar, em nome da bancada do Partido Socialista, o meu profundo respeito e admiração pelo Sr. Prof. Faria Costa e, no momento em que optou por renunciar à função que vinha exercendo no âmbito do Conselho de Fiscalização do SIS, exprimir também respeito pela sua atitude no plano ético. Quero ainda manifestar o desejo de que, rapidamente, se encontre uma solução que permita ultrapassar o hiato que agora se instalou no que concerne ao Conselho de Fiscalização do SIS.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem envidado todos os esforços ao seu alcance no intuito de criar condições que permitam a esta Câmara, no mais curto espaço de tempo, encontrar o consenso necessário à eleição do novo Conselho de Fiscalização do SIS. Aliás, tem mesmo a expectativa, devidamente fundamentada, de que isso ocorrerá nos próximos dias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: -Assim seja, Sr. Deputado. Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, não vamos, neste momento, analisar e discutir as motivações e razões que levaram ao pedido de demissão dos membros do

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Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações, mas é evidente e claro que estamos, mais uma vez, numa situação profundamente anómala, que é a da existência de serviços em funcionamento sem a respectiva e necessária fiscalização democrática. E a minha interpelação é precisamente no sentido de perguntar-lhe, Sr. Presidente, seja tem conhecimento de quando serão realizadas eleições para um novo conselho de fiscalização.
Sr. Presidente, lembro que a necessidade dessa eleição é urgente e que não podemos estar mais três anos, como estivemos anteriormente, sem Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações, só por não haver acordo entre dois partidos com assento nesta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Não estaremos, Sr. Deputado, a menos que, na verdade, as minhas diligências não tenham o êxito que espero.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, é também apenas para salientar, particularmente, o exemplo do Professor Faria Costa, a quem bastou a existência de uma dúvida no público para que ele decidisse, de acordo com o mais íntimo da sua consciência, que não podia continuar no exercício das funções que desempenhava na Universidade Moderna.
Foi um exemplo que ele deu a muita gente de uma profunda riqueza moral e ética. Por isso queremos aqui saudá-lo nesta altura, bem como aos restantes membros do Conselho de Fiscalização que com ele cessam funções.
Quero também dizer que caso não se encontre, rapidamente, uma solução para a nomeação de um novo Conselho de Fiscalização, o descrédito abater-se-á sobre as instituições. Assim, quero partilhar com o Sr. Deputado Francisco de Assis a esperança de que tudo se resolva rapidamente. Pela nossa parte, podem ter a certeza que faremos tudo, mas mesmo tudo, para que a solução seja encontrada muito rapidamente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, penso que, neste momento, é fundamental deixar registada não apenas uma palavra de apreço pela atitude que o Sr. Dr. Faria Costa tomou, mas, sobretudo, uma palavra de apreensão, na sequência da qual queremos manifestar a nossa disponibilidade para que, o mais rapidamente possível, se consiga nesta Assembleia um consenso que permita a constituição de um novo Conselho de Fiscalização do SIS.
Nesta particular ocasião que vivemos todos seremos postos à prova e todos seremos testados pela rapidez e pela eficácia com que consigamos a resolução deste tipo de problemas, que se vão alastrando de uma forma que achamos perfeitamente indesejada.
Da nossa parte, repito, tudo faremos para lhes pôr cobro rapidamente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, eu acompanho-os no apreço pela atitude tomada pelos ilustres membros do Conselho de Fiscalização do SIS. No entanto, para além do elogio que eles nos merecem, quero assinalar que talvez este seja o momento para uma reflexão sobre a necessidade - temos de ter disso consciência - de revermos o regime das incompatibilidades.
Srs. Deputados, vamos iniciar o período de antes da ordem do dia com uma declaração política do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma das formas como a actual direcção do PSD tem procurado desenvolver a luta política é através do lançamento sistemático de inquéritos.
A actual Direcção do PSD nunca conseguiu apresentar, com clareza, uma alternativa política consistente, um programa económico credível e muito menos uma estratégia social entendível. Substituiu, sim, a apresentação de uma alternativa política, económica e social por um jogo de ataques caluniosos, de insídias, de acusações não fundamentadas, que, a partir do Congresso de Tavira, marcaram a actividade quotidiana do PSD.
Sem convicção para apresentar propostas de inquérito para serem discutidas no Plenário da Assembleia da República, a Direcção Parlamentar do PSD recorreu, no caso do mega-inquérito ontem encerrado, à figura do inquérito potestativo, fugindo assim ao debate que não tinha coragem de enfrentar.
Entretanto, outros inquéritos foram propostos. O da JAE, a partir das acusações formuladas na comunicação social pelo General/Engenheiro Garcia dos Santos, e o último inquérito (que eu nem classifico), devidamente caracterizado neste Plenário, há poucos dias, pelo meu Colega, camarada e amigo José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dê-me licença que o interrompa, mas há um ruído de fundo na Sala... Há muitos Srs. Deputados a conversar. Agradeço que oiçam com atenção o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Orador: - É o entusiasmo, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Não sei se é, Sr. Deputado, mas é preciso que se faça silêncio.

O Sr. José Magalhães (PS): - São os nervos!

O Orador; - Mas justificar-se-á a proposta de penta-inquérito apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD? Não teria sido mais avisado e assisado desencadear uma audição parlamentar que esclarecesse o assunto e, depois, pôr uma tampa sobre ele, desejando que as secretas continuassem secretas e que os serviços de informações informassem quem devem? A menos que...
Amenos que; Sr. Presidente, o objectivo central do mega-inquérito sobre as secretas não seja o apresentado. A tortuo-

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sã mentalidade e o maquiavelismo político de quem dirige actualmente o PSD pode ter concebido uma bomba ao retardador, cuja intenção é manter uma espada de Dâmocles sobre a cabeça do aliado realmente odiado, o Dr. Paulo Portas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ora aí está!

O Orador: - Amarrar o PP nas europeias para depois o lançar no «bueiro» antes das legislativas, deixando-o no «mato sem cachorro», para sobre ele desenvolver uma OPA hostil. A imaginação de Marcelo não tem limites, a devoção de Marques Mendes não tem travões.
Srs. Deputados: o que justificará hoje, aqui a minha intervenção? Essencialmente, o facto de ontem se ter concluído a discussão e votação de um dos mega-inquéritos propostos pelo PSD, o que dizia respeito aos alegados negócios do actual Governo.
E enquanto a Comissão de Inquérito aos negócios do cavaquismo prossegue com bastante turbulência, provocada, essencialmente, pelo insólito comportamento do seu Presidente, o Deputado Guilherme Silva, a Comissão de Inquérito presidida de forma magnífica pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos concluiu ontem os seus trabalhos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador:- O que se terá, então, de relevante, passado ontem, que justifica uma especial chamada de atenção deste Plenário e da opinião pública?
Analisemos a questão de forma sistemática mas precisa. O relatório sobre a inflexão das políticas de energia e a substituição de gestores, assunto já absurdo para integrar o objecto de uma Comissão de Inquérito, foi um autêntico flop. O relatório inicial, que até nem era assim tão mau, foi sendo podado na matéria de facto e de direito, por decisão da maioria dos Deputados da Comissão, restando um texto que não era mau, mas também não era necessariamente bom. Entretanto, reflectindo de certa forma a insipiência das diligências efectuadas e a obscuridade do tema escolhido como um dos objectos do mega-inquérito, as conclusões apresentadas não pareceram a muitos de nós adequadas e propusemos a sua supressão, o que foi aceite. Seguidamente, deu-se, então, um dos factos mais relevantes: a rejeição do relatório, com os votos contra dos Deputados das «direitas» e a abstenção justificável de socialistas e comunistas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Espectacular!

O Orador: - Srs. Deputados: Que mais há a dizer sobre o inquérito que fechou?
Falemos da Torralta. Ao longo de 25 anos, mais de três vezes e meia o tempo que Jacob serviu Labão, arrastou-se o folhetim troiano. Duas vezes e meia o tempo da guerra de Tróia, mas não estava em disputa uma bela Helena.
O último Ministro do Comércio e Turismo de Cavaco Silva, que, aliás, é um homem estimável e um competentíssimo gestor e que o PSD tentou «enterrar vivo» no primeiro dossier deste mega-inquérito, ainda fez esforços para resolver o problema, mas não o conseguiu. Não houve cheque árabe, com ou sem cobertura, que lhe aparecesse.
O que se passou então na discussão do relatório da Torralta?
Uma mal encabada acusação de favorecimento que não era afinal favorecimento, uma negociação entre «vermelhos» e «laranjas» que quase deu uma «laranja de Nápoles» com sumo popular e que não teve devidamente em conta a lúcida prestação do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Grândola, defensor dos interesses da península de Tróia, das populações locais e do turismo da região, deixado cair pelos seus amigos da Soeiro Pereira Gomes.
O acordo para Tróia, respeitando a legalidade e os bons costumes, permitirá resolver um problema velho de 25 anos que as forças da reacção e do obscurantismo não queriam resolver.

O Sr. José Magalhães (PS):- Claro!

O Orador: - Os da reacção, para poderem esconder a sua incapacidade que durou, pelo menos, uma década. Os do obscurantismo, para procurarem manter um «abcesso» sócio-económico que permitisse, na região, manipular legítimos interesses e promover nos necessários calendários uma contestação organizada.
O PCP, aqui, não quis «quebrar os dentes» à reacção, à moda de há 25 anos. Aparentemente, quase «lavou os dentes» à reacção para que ela mordesse de forma mais adequada.

O Sr. José Magalhães (PS):- Uma vergonha!

O Orador:- Sr. Presidente: E o que dizer do relatório dos telemóveis? Esse é óptimo! O Sr. Prof. Marcelo, na sua obsessão contra o Engenheiro Belmiro de Azevedo - ter-lhe-á ele pisado algum calo algum dia? -, resolveu mandar demonstrar que o negócio também não era claro. Perante a monstruosidade do relatório apresentado, o PS, pela mão do competente Deputado Casimira Ramos e de outros camaradas, apresentou o que a imprensa chamou, justamente, de contra-relatório. Mas, no final, veio a resultar que as conclusões são desequilibradas e não são para levar a sério, julgamos nós. Tratar-se-á, essencialmente, de umas farpas no Governo e de outras nos empresários.
Mas quando tínhamos ainda algumas dúvidas sobre se tais pretensas conclusões eram para levar a sério, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, um dos mais esforçados parlamentares do PSD nesta e noutras áreas, que disputa, aliás, com Guilherme Silva as nomeações para «Inquisidor-Mor do Reino», vem-nos tranquilizar a nós e ao Sr. Procurador Geral da República. Isto é, «As conclusões do relatório dos telemóveis são só políticas. Pelo amor de Deus, não levem isto a sério!», diz ele. «Tínhamos de fazer qualquer coisa. Aprovamos isto, mas, no fundo, até não somos maus rapazes.», diz-nos, ou pensa dizer-nos, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Extraordinário!

O Orador: - Adiante!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falta referir a «jóia da coroa», o inquérito ao IPE e ao chamado negócio do Brasil.

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Um influente matutino da última sexta-feira noticiava que o «Grupo Português já é o terceiro no Brasil». Trata-se da «falida» empresa brasileira, na linguagem de Marcelo. Hoje, um conceituado jornal económico dá, aliás, mais notícias sobre o mesmo assunto.
Mas o que se passou aqui no Parlamento?
Tudo tentaram para atacar a operação. Procuraram até descredibilizar o Engenheiro Faria de Oliveira, último Ministro do Comércio de Cavaco, confundiram empresas de capitais públicos com Administração Pública, manipularam papéis diversos, tirados, numa noite escura, da internet. O que conseguiram? A aprovação de um magnífico relatório, elaborado pelo Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro e a descredibilização do Professor Marcelo. Magríssimo resultado para quem pretendeu desacreditar o Governo, atacar o empresariado e descredibilizar o investimento português no Brasil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem sai daqui mal?
Certamente, o Professor Marcelo, o que é justo! Desencadeou um processo que, qual aprendiz de feiticeiro, não conseguiu controlar. Tentou chamar mentiroso a tudo e a todos, mas ele é o único a quem a imprensa, certamente mal intencionada para com esse genial criador de factos políticos, terá atribuído, neste processo, esse labéu.
Dos cinco dossiers integrantes do mega-inquérito inoportunamente desencadeado na
Assembleia da República, dois conduziram a relatórios pífios.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Dois tiveram conclusões equilibradas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Fantástico!

O Orador: - E o quinto sumiu-se.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os cinco dossiers do mega-inquérito ontem concluído demonstram bem a validade da generalidade das opções assumidas nos dossiers em causa pelo Governo da República. Evidenciam a falta de rigor e de seriedade do Professor Marcelo na forma como apresentou estas questões ao seu partido e à opinião pública.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claramente!

O Orador: - Constituíram ocasião, quer para afirmação da verticalidade e rigor de muitos Deputados, quer para se evidenciarem algumas coligações espúrias e desnecessárias.
Discutiremos, certamente, daqui a poucos dias, este assunto, com o adequado detalhe, em Plenário. Fica hoje aqui esta reflexão sobre os trabalhos da Comissão, em má hora provocada pela direcção do PSD, que ontem concluiu os seus trabalhos.
Este Governo, também na área económica, prosseguirá a sua actuação, a bem do desenvolvimento económico e do bem estar dos portugueses, sem temer as ameaças de alguns oposicionistas.
Á calúnia responderemos com a verdade. Á mistificação, com o rigor!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Contudo, antes disso, para defesa da honra da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, V. Ex.ª veio aqui hoje fazer de analista e de comentador político,...

O Sr. Costa Pereira (PSD): - Mau analista!

O Orador: -... aliás, com a isenção de muitos dos que temos na nossa praça. Mas, em relação a isso, a minha bancada nada tem a dizer.
Protestos do Deputado do PS José Magalhães.
O Sr. Deputado José Magalhães já vai poder ulular, mas, se me deixasse terminar, ficar-lhe-ia muito grato.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ficou ressentido!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, a defesa da honra da minha bancada justifica-se apenas pela expressão que V. Ex.ª entendeu por bem utilizar, dizendo que o partido ficava «no mato sem cachorro», por causa de uma situação que acabava de descrever. Ora, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que este partido tem 24 anos de história parlamentar e que se orgulha de todas as suas vitórias e de todas as suas derrotas, e que o faz, sobretudo, por um facto: é que este partido luta, hoje como sempre, nesta Assembleia por convicções.

O Sr. Pedro Feist (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E por convicções que não se diluem na primeira, na segunda, na terceira ou na quarta via, Sr. Deputado!... São convicções desde a primeira hora e são, hoje como ontem, actuais.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, cumpro o meu dever político nesta Assembleia. Foi para isso que os eleitores me mandataram.
O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - E muito bem!
O Orador: - Muito obrigado. Sei que tenho o apreço de V.Ex.3
Registo que V. Ex.ª nada tem a dizer quanto ao meu comentário e à minha análise política deste processo de meses e, portanto, «como quem cala consente»..., a adesão de V. Ex.a, para mim, é quase comovente.
Aplausos do PS.
O Sr. José Magalhães (PS): - É gratificante!

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O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Pode não ser bem isso! Pode ser demonstrativo da importância que lhe damos!

O Orador: - O Sr. Deputado Luís Queiró explicará, depois, o seu ponto de vista sobre a opinião do seu Vice-Presidente.
Quanto à questão do «mato sem cachorro», como sabe, é uma expressão dos nossos irmãos brasileiros que vinha a propósito de um inquérito que também incidiu sobre o Brasil. Enfim, é uma expressão idiomática.
De todo o modo, fiquei tranquilo, porque me referi às intenções do PSD, à tortuosa mentalidade e ao maquiavelismo político de quem dirige actualmente o PSD e disse que esse seria um objectivo daquele partido. A intervenção de V. Ex.ª, contudo, faz-me entender que não irão com o Professor Marcelo e com o PSD para o «mato» e que guardarão, certamente, um «cachorro» para alguma dificuldade. Isto sempre em termos alegóricos.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Isso mais parece uma intervenção da Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz.

O Orador: - Em terceiro lugar, sei que VV. Ex.ªs têm tido sempre convicções. O que acontece é que as convicções não são as mesmas. Já foram pró-europeus e já foram contra a integração europeia, já foram democratas cristãos e já foram liberais, ou seja, há sempre um vago fundo conservador na vossa posição, há uma posição sempre situada no espectro político da direita, porque, formalmente, não há ninguém à vossa direita neste Parlamento, embora haja afloramentos à direita neste Hemiciclo.
Estou, portanto, de acordo consigo quando diz que VV. Ex.ªs têm sempre tido convicções, mas, do meu ponto de vista, as convicções do vosso partido, ao longo destes 25 anos, não têm sido sempre as mesmas. As vossas convicções não têm sido, sequer, as mesmas ao longo desta legislatura, como V. Ex.ª, efectivamente, bem sabe. Ainda hoje estamos para entender a riqueza e a clareza do pensamento de VV. Ex.ªs nalguns domínios essenciais da governação.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Se o Sr. Deputado não percebe, o problema é seu!

O Sr. Presidente: - Quando há pouco anunciei que o Sr. Deputado Lino de Carvalho tinha pedido a palavra para pedir esclarecimentos, olvidei que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira já tinha, anteriormente, deduzido idêntico pedido. Como tal, tem a palavra, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, não pedi a palavra para, verdadeiramente, pedir esclarecimentos, pelo que não exijo que o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira me responda.
Pedi a palavra para fazer um desabafo, a propósito do que foi dito da tribuna pelo Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
Não me esqueço, Sr. Presidente, de que no início do debate destes temas que foram objecto de inquérito, o Partido Socialista desencadeou um forte ataque pessoal a mim própria e à minha bancada, que levou até a ameaças de prisão. Não me esqueço disso, Sr. Presidente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):- Muito bem!

O Sr. Costa Pereira (PSD):- Bem lembrado!

A Oradora: - E como não me esqueço disso, tenho um especial gosto em dizer hoje, depois de terminado o inquérito, que valeu a pena. Valeu a pena porque em todos os casos analisados houve muitos aspectos de grandes dúvidas que o Governo não conseguiu dissipar. Percebeu-se a existência de uma enorme falta de transparência e, se analisarmos todos os casos que foram vistos, chegamos à conclusão que, em dois deles - no caso da Torralta e no caso do terceiro operador de telefones móveis -, ficou provado que havia uma enorme falta de transparência e um claro favorecimento nas opções feitas pelo Governo sobre essa matéria.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Não me refiro ao caso da Autodril, ao qual, de resto, o Sr. Deputado também não se referiu,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Referiu, referiu!

A Oradora: - ... e não me refiro a esse caso, porque é um caso público e notório. Penso que nenhum português jamais viu a Fórmula 1 e, portanto, é um caso que, na opinião pública, está mais do que esclarecido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sobre os outros casos, Sr. Presidente, um deles teve apenas a votação isolada do Partido Socialista e o outro teve a ausência de qualquer espécie de votação, não sendo considerado o relatório.
Daqui concluo, Sr. Presidente, que valeu a pena, porque vale a pena avisar o Partido Socialista e o seu Governo de que, para a próxima vez, vão precisar de ter mais cuidados na forma como utilizam os dinheiros públicos e na forma como fazem os negócios do Estado. Enquanto aqui for Deputada, Sr. Presidente, poderão sempre contar comigo e com a minha bancada para velarmos e zelarmos com toda a intensidade sobre a utilização dos dinheiros públicos. Não admitiremos que os dinheiros públicos sejam utilizados como têm estado a ser, como se fossem dinheiros privados.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): -Não aprenderam nada!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, prefiro responder conjuntamente aos pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite e Lino de Carvalho.

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O Sr. Presidente: - Muito bem. Para pedir esclarecimentos, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, ouvindo V. Ex.ª, tira-se uma conclusão: para o Partido Socialista, são bons os inquéritos cujas conclusões servem os interesses políticos do Governo e são maus os inquéritos cujas conclusões condenam as políticas do Governo e as atitudes de favorecimento que o Governo adoptou em tal ou tal processo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Claro!

O Orador: - Aliás, Sr. Deputado, é sintomático que, na «viagem» que o Sr. Deputado fez pelos vários inquéritos, tenha escamoteado e prudentemente ignorado o escândalo do que se passou na votação do relatório relativo à Grão-Pará/Autodril.

O Sr. António Filipe (PCP):- Uma vergonha!

O Orador: - É sintomático, Sr. Deputado!

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

Para o Sr. Deputado José Magalhães o favorecimento do Governo já é uma coisa que se aceite?! Deixe lá, Sr. Deputado, fica com a sua consciência!
Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, como lhe dizia, é sintomático e só esse esquecimento vale pela intervenção toda. Trata-se de um relatório em que coincidem os interesses partidários do PP com os interesses partidários do PS, por razões completamente alheias à verdade, que chegam ao ponto de o Partido Socialista suprimir do texto do relatório afirmações, expressamente, escritas por um membro do Governo, que afirmava «preto no branco» que tinha sido, por exemplo, determinante, no acordo global realizado com a Grão-Pará, a realização do prémio da Fórmula 1.
Os Srs. Deputados suprimiram, expressamente, aquilo que estava escrito pela mão de um membro do Governo, porque levaria à conclusão óbvia de que, com a não realização da prova da Fórmula 1 no Autódromo, é evidente que o acordo global estava posto em causa.
É, pois, sintomático que nesta «viagem» que o Sr. Deputado fez tenha suprimido este aspecto escandaloso da convergência de interesses entre o PP e o PS. Sei que esta é uma convergência que vem à revelia da AD e do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, mas, do ponto de vista do comportamento do PS e da forma como o PS vê os inquéritos e as suas conclusões, só por si, esse esquecimento, esse comportamento é sintomático.
Da nossa parte, Sr. Deputado, independentemente de interesses conjunturais estranhos à verdade dos inquéritos, continuaremos a pugnar para que através dos relatórios, independentemente das maiorias conjunturais e das convergências de interesses contraditórios, se busque a verdade e se retire as conclusões que os textos do inquérito e os testemunhos que chegam à comissão, em cada caso concreto, levam a concluir, como aconteceu, no caso da Grão-Pará, com o claro favorecimento do Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem prioridade o pedido de defesa da honra da sua bancada, solicitado pelo Sr. Deputado Luís Queiró.
Tem, pois, a palavra, o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, vejo-me obrigado, mais uma vez, a pedir a defesa da honra da minha bancada para lembrar ao PCP duas ou três pequenas coisas.
A primeira é que o Sr. Deputado Lino de Carvalho acabou de acusar o PS de se referir aos relatórios de que ele gostava, de que tinham tido a sua aprovação, e de não gostar dos outros, mas o Sr. Deputado acabou de fazer a mesma coisa.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Exactamente! Aí, tem razão! O Sr. Deputado Lino de Carvalho é coerente!...

O Orador: -Aqueles que obtiveram o voto do PCP são bons, os outros são escândalo político, são escândalo de conúbio entre interesses privados e interesses partidários.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, tenha atenção a essa história de «dois pesos e duas medidas», porque para um partido que está sempre a arvorar-se de coerência, isso não lhe fica muito bem.
No entanto, quero dizer-lhe que os dois Deputados do CDS-PP que integraram essa comissão de inquérito votaram sempre de acordo com a sua consciência e com a avaliação que fizeram dos factos sob análise. Não tenha a menor dúvida!
Por outro lado, o senhor referiu-se a um aspecto concreto, que considerou um grande escândalo: foi retirada das conclusões do relatório uma determinada expressão de um membro do Governo que teria declarado (ou declarou, efectivamente, está nos autos dessa comissão) que o pressuposto para a realização do acordo teria sido a realização das corridas de Fórmula 1. É verdade que essa conclusão não foi votada. Aliás, o seu partido conhece bem o autor das declarações, pois foi do seu partido, já que se trata do Sr. Secretário de Estado do Turismo Vítor Neto.
Mas o senhor ignora que também lá estão declarações do Ministro da Economia, do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, que dizem precisamente o contrário. Portanto, Sr. Deputado, a conclusão séria que os senhores não quiseram tirar é a de que o Governo, sobre esta matéria, não se entendeu. Mas isso, Sr. Deputado, não é o nosso problema!
Eu enfrento, aqui, olhos nos olhos, a questão que o senhor colocou. De facto, é dirigente do meu partido uma pessoa que está também na gestão do Grupo Grão-Pará. É verdade! Mas digo-lhe que, por essa razão, ele não tem de ser

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favorecido em qualquer inquérito, mas também lhe digo que não tem de ser prejudicado por essa mesma razão. Tem de ser tratado igualmente como os outros.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: -Aliás, acrescentar-lhe-ei o seguinte: a nossa perspectiva sobre estes inquéritos foi sempre a de que não estava em causa a avaliação nem o julgamento da actividade privada, nem dos grupos económicos, até porque, Sr. Deputado, com muita pena sua, nós não somos, aqui, na Assembleia da República, proprietários da iniciativa privada. Sei que é com muita pena, mas não somos! O que está aqui em julgamento é a actividade do Governo nas parcerias que entende ou não fazer com os grupos económicos, em determinadas ocasiões.
Para terminar, quero dizer-lhe que a última coisa que esta bancada fará é alinhar com um partido que foi responsável pela nacionalização e intervenção daquele grupo económico e, agora, ainda quer ser juiz em causa própria para condenar o grupo económico, que foi obrigado a tomar conta da empresa no estado lastimoso em que os senhores a deixaram.

(O Orador reviu.)

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, tirando a parte final da cassette do Deputado Luís Queiró...

Risos.

Eu percebo o incómodo, Sr. Deputado Luís Queiró. Primeiro, porque o Sr. Deputado, não tendo estado na comissão, fala de ouvido. Portanto, não vamos aqui refazer todo o inquérito. Já agora era bom que o Sr. Deputado dissesse onde estão as declarações do Ministro da Economia a dizer o contrário do que escreveu o Sr. Secretário de Estado do Turismo.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Isso é a sua visão L.

O Orador:- Tenha calma, Sr. Deputado.
Acresce que o Sr. Deputado se esqueceu de um pequeno pormenor, que não é de somenos importância: o de que um Deputado da sua bancada, membro desta comissão, no início deste inquérito, rejeitou - e bem! - ser relator deste inquérito à Grão-Pará, por declaração de conflito de interesses entre ele e o seu partido. Isto quer dizer alguma coisa, Sr. Deputado Luís Queiró! E mais quer dizer quando é outro Deputado da sua bancada que mais contribui, de acordo com o PS, para alterar os factos que foram apurados, no sentido de branquear a responsabilidade do Governo no processo com a Grão-Pará e, também, desculpabilizar a Grão-Pará.
Sr. Deputado Luís Queiró, não há «dois pesos e duas medidas». De que eu me recorde, em nenhum inquérito, em nenhum relatório, foram suprimidas declarações escritas de membros do Governo que contribuíam decisivamente para uma determinada conclusão, que, no caso em análise, era a responsabilidade do Governo no processo da Grão-Pará e a responsabilidade da própria Grão-Pará.
Estas são as verdades, Sr. Deputado! Sei que é incómodo para o Sr. Deputado Luís Queiró; sei que é claro para toda a gente e para a opinião pública que, neste processo da Grão-Pará, os interesses partidários do PP se sobrepuseram à busca da verdade; que é verdade que houve Deputados do PP que recusaram ficar como relatores por conflito de interesses dentro do próprio partido. Mas o certo é que, neste caso concreto, os vossos interesses e os do Partido Socialista puseram em causa a verdade que tinha sido apurada durante o inquérito. Esta é que é a verdade! Fica a verdade e a responsabilidade com quem as tomou!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder aos dois pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, o que resulta claro do debate deste inquérito foi o fracasso da investida do PSD, em que a Dr.ª Manuela Ferreira Leite foi, a contragosto, protagonista. De qualquer maneira, registamos a heroicidade da Dr.ª Manuela Ferreira Leite de, em condições extremamente difíceis, ter resistido à ameaça dos calabouços. Também fica aqui claro que o PSD recuou em toda a linha neste processo.
Por outro lado, já sabia que VV. Ex.ªs faziam gosto em trocar impressões sobre a questão da Grão-Pará/Autodril. Poderia até ser acusado de tentar cavar aqui uma barreira dentro da AD, mas o problema não é esse. Do que se trata é de termos defendido sempre, em qualquer um dos relatórios, aquilo que nos parecia correcto.
Já não vou citar ao Sr. Deputado Lino de Carvalho o Pirandello - «a cada um sua verdade» -, porque ele veio também incorrer, justamente, no erro de que me tinha erradamente acusado, porque para ele só são bons os relatórios com o «concordo», as vírgulas e os pontos finais que lá pôs.
É um facto que em numerosos relatórios foram suprimidas citações. E o Sr. Deputado Lino de Carvalho, com a sapiência de citar uma reunião em que não esteve, está a falar, como se costuma dizer nos tribunais ingleses, por «ouvir dizer», e ainda é capaz de não ter sequer as actas.
Portanto, no relatório dos telemóveis, por exemplo, foram suprimidos um conjunto de referências, umas listagens até da composição de participações em capital. Trata-se de algo relativamente objectivo aquilo que foi suprimido..
Foram suprimidas numerosas citações em vários relatórios. Globalmente, salvo casos excepcionais, em qualquer dos cinco dossiers foram suprimidas citações, porque se disse que essa não era maneira de trabalhar.
Compreendo o carinho que o Sr. Deputado Lino de Carvalho tem pelo seu ex-camarada e meu estimado amigo - e dele certamente também-, Vítor Cabrita Neto...

Risos do PS.

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Mas isso não justifica que todas as frases que o Vítor Cabrita Neto diga, ilustre Secretário de Estado do Turismo, tenham de ser publicadas.

Protestos do PCP.

Tenha calma, que ele qualquer dia aparece e dá-lhe um abraço.
As citações que cortámos dos vários textos nada tinham a ver, nada adiantavam para o conteúdo do relatório.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Só as que vos interessa!

O Orador: - Portanto, o relatório saiu efectivamente mais equilibrado.
Por outro lado, quero dizer que o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, em resposta ao Sr. Deputado Manuel dos Santos, a uma dada altura - e vou citar para ilustrar o recuo em toda a linha do PSD neste processo - disse o seguinte: «Sr. Presidente, o Sr. Manuel dos Santos, além de considerar a nossa proposta uma manobra de diversão, disse uma coisa grave relativamente a uma questão de carvão na EDP. Isto é, disse que se fizeram insinuações que, depois, se deixaram cair no que toca à matéria do objecto do inquérito. É a maior falsidade! É uma mentira completa! (...) Por isso, é uma mentira tudo quanto aqui foi dito, porque está no projecto de inquérito».
E terminou, heroicamente, o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, dizendo: «A única coisa certa que ouvi hoje ao Sr. Deputado Manuel dos Santos foi que esta questão é, de facto, muito mais política do que processual. Esta matéria está no inquérito e estará e o Sr. Deputado Manuel dos Santos vai ter oportunidade de perceber, ao longo dos trabalhos da comissão de inquérito, que quanto a esta matéria, como a outras - e falo com muita seriedade, sabendo o que estou a dizer -, ainda a «procissão não chegou ao adro», pelo que vale a pena assistir a tudo o que vai sucedendo. E termina com os aplausos do PSD.
Eu também aplaudo,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):- Muito bem!

O Orador: -... porque não só este assunto não reapareceu como foi pelo cano, como, gradualmente, tudo foi desaparecendo, como o relatório se sumiu. Portanto, fica aqui claramente demonstrada a coerência do Sr. Deputado Luís Marques Mendes, e com uma investida. Não chegou sequer a um objectivo e caiu a investida do PSD. Caiu - e bem! Só que esta heroicidade conduziu a nada! Foi mais uma falsa bazófia que foi aqui afirmada, que conduziu a nada! Isto que fique claro: as investidas lançadas pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, acompanhadas do Dr. Luís Marques Mendes e a contragosto da Dr.ª Manuela Ferreira Leite, conduziram a nada! Este relatório demonstrou a inanidade, o erro de estratégia política da Direcção do PSD.
Não nos comprazemos com isso pelo tempo que fizeram gastar ao Parlamento, à opinião pública, pela confusão que tentaram lançar. Só que essa confusão não passará e, apesar de nem todos os relatórios serem bons, alguns são razoáveis e um deles até desapareceu. E com isso me congratulo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan tinha pedido a palavra para uma interpelação e mostrou desagrado por não lha ter dado antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira. Peco-lhe o favor de respeitar a ordem regimental das coisas, que tem sido entendida no sentido de que só a defesa da honra tem prioridade sobre a resposta aos pedidos de esclarecimento.
Agora, sim, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, respeito, quer a Mesa quer V. Ex.ª. A minha interpelação à Mesa é a propósito de uma declaração que foi feita, em resposta à defesa da honra da minha bancada, pelo Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira disse que não punha em dúvida as convicções do PP nem as minhas, porque elas variavam conforme o tempo. Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, devo dizer que este debate tem, pelo menos, a vantagem de esclarecer aquelas que são as nossas posições de princípio em relação a muitas questões.
O PCP está contra os grupos económicos, nós nada temos contra os grupos económicos. O Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira fala aqui em convicções. Sr. Deputado, eu quero, através da Mesa, dizer a todos os 230 Deputados deste Hemiciclo que só estive filiado num partido político, o Partido Popular, mas, com todo o respeito pelas opções individuais, olhando para a primeira fila da sua bancada, vejo um ex-PCP, um ex-UDP, um ex-UEDS, um representante da terceira via, um ex-antigo PS, o que significa que o respeito pelas opções individuais nada tem a ver com aquilo que o Sr. Deputado alegou de «convicções».
As nossas foram sempre as mesmas, Sr. Deputado!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, como sabe, o senhor não fez uma interpelação. Não basta invocar que o faz através da Mesa, para que uma intervenção se transforme em interpelação.
Espero que o Sr. Deputado Manuel dos Santos não faça o mesmo, dado que a pediu para o mesmo efeito.
Tem a palavra, Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, quero dar, na qualidade de Presidente da Comissão de Inquérito, duas informações que julgo serem úteis ao debate que aqui se fez. Aliás, gostaria de fazer uma pequena introdução, dizendo que enquanto Deputado falarei, oportunamente, quando V. Ex.ª colocar o relatório à discussão. Nessa altura intervirei na discussão, mas agora falo como Presidente da Comissão para dizer, em defesa do Sr. Deputado Moura e Silva - porque me parece justo, neste momento, fazê-lo - que não é inteiramente correcto que se diga que um Deputado do PP, neste caso o Sr. Deputado Moura e Silva, invocou razões pessoais e conflito de interesses para não ficar como relator. Aliás, se invocasse, nem sequer podia pertencer à Comissão de Inquérito! Não seria uma questão de ser relator.

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O Sr. Deputado Moura e Silva, tal como, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes e o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira mostraram preferência por dois ou três dossiers e a não preferência por outros, uma vez que tinham conhecimentos com pessoas que podiam ser envolvidas nesses dossiers.
Portanto, não é verdadeiro que tenha sido invocada a questão do conflito de interesses porque, repito, se houvesse conflito de interesses, eu, na qualidade de Presidente, teria proposto aos Srs. Deputados e ao Sr. Presidente da Assembleia da República que fossem substituídos na respectiva Comissão de Inquérito.
Relativamente à questão das citações do actual Secretário de Estado do Turismo, Dr. Vítor Neto, o que se passou foi que uma determinada bancada propôs que para lá das citações fossem também constantes do relatório as citações que o Sr. Ministro da Economia produziu na Comissão e que estão em acta, sendo, portanto, citações perfeitamente validadas. Formou-se uma maioria que rejeitou a proposta dessa bancada que propôs que se juntassem essas declarações. Na sequência desse resultado democrático, o Partido Socialista propôs...

O Sr. Presidente: -Agradeço que termine Sr. Deputado. Também não está a fazer uma interpelação típica e não estou disposto a deixar derrapar, mais uma vez, a figura da interpelação.

O Orador: - Só 10 segundos, Sr. Presidente, se me deixar terminar.

O Sr. Presidente: - Por isso mesmo, Sr. Deputado! Perguntei por que é que pediu a palavra e o Sr. Secretário da Mesa telefonou-lhe e disse que era para uma interpelação. A pergunta foi formulada. Por isso estou a dizer-lhe que ou o me caracteriza a matéria da interpelação, e eu respeito-a, ou então não dou a palavra para interpelação a mais ninguém. Peço desculpa, mas tem de ser assim, senão o que é que estou a fazer aqui? Nada! Absolutamente nada!
Faça favor Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, os critérios têm de ser iguais para todos...

O Sr. Presidente: - Não, não têm, Sr. Deputado. Quando há abuso, é sempre tempo para terminá-lo. Sempre! Não pode invocar a minha tolerância para que ela continue a existir. Faça favor Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para a defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Isso facilita as coisas, agradeço-lhe muito! Faça favor Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP):- Porventura teria facilitado logo desde o início, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Por favor, Sr. Deputado, tem todo o direito de defender a sua honra.

O Sr. Presidente:- Deixo, mas já devia ter terminado há muito, porque não está a fazer uma interpelação.

O Orador: - Sr. Presidente, pelo exemplo que vejo aqui nesta Casa, já hoje V. Ex.ª autorizou, até, a figura das interpelações atípicas.

O Sr. Presidente: - Os maus exemplos não servem de comparação! Faça favor Sr. Deputado.

O Orador: - Era só para dizer que foi, exactamente, na sequência desse facto que foi proposta e aprovada a eliminação das declarações do Secretário de Estado, Vítor Neto, que, aliás, não era o Secretário de Estado do Turismo na altura do estabelecimento do acordo global.

Aplausos do PS.

Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, peço desculpa, mas ou o me caracteriza a matéria da interpelação ou não lhe dou a palavra para interpelação. Já o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira pediu também a palavra para uma interpelação, e não estou disposto a deixar perverter, completamente, esta figura. Agradeço que caracterize a matéria da interpelação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Se o Sr. Presidente perguntasse por que é que peço a palavra...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Manuel dos Santos veio afirmar, do alto da sua posição como Presidente da Comissão, que aquilo não era verdade. E, embora não se tivesse referido a mim, fui o único que referi que tinha dito que havia um Sr. Deputado do PP que tinha renunciado à condição de relator deste inquérito da Grão-Pará, por conflito de interesses, no seio do seu partido
Sr. Presidente, passo a ler a parte da acta onde isso sucedeu. O Sr. Presidente Guilherme Silva diz...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Guilherme Silva?! Isso nada tem a ver com a minha Comissão! Isso do Guilherme Silva não é comigo!

O Orador: - Sr. Deputado, não se preocupe. O Sr. Deputado Manuel dos Santos diz: «Tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.» (...). Responde o Sr. Deputado Moura e Silva: «Sr. Presidente...

Protestos do Sr. Deputado do PS Manuel dos Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio.

O Orador: - O Sr. Deputado Manuel dos Santos pensa que se safa com a correcção que fez.
O Sr. Deputado Manuel dos Santos, enquanto Presidente da Comissão, deu a palavra ao Sr. Deputado Moura e Silva e o Sr. Deputado Moura e Silva respondeu: «Sr. Presidente,

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senti que estávamos perante um impasse. E as manifestações de alguns colegas Deputados produziram, até, em mim um sentimento de alguma satisfação para aceitar ser relator (...)» Estávamos no processo da Grão-Pará!

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP):- Não! Todos os processos!

O Orador: - «Contudo, após uma reflexão mais profunda, e por razões que têm a ver...»

Protestos do CDS-PP.

Sr. Presidente, parece que há quem tenha medo que eu leia a acta...!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão muito excitados, agradeço que façam silêncio.

O Orador: - Vou ler tudo o que o Sr. Deputado disse, para não falar só de uma parte: «Por razões que têm a ver com o facto de pertencer a um grupo parlamentar com 15 Deputados sobre quem recaem enormes tarefas como facilmente se compreende, e também porque há um dirigente do meu partido que, de alguma fornia, está envolvido no objecto do Inquérito, parece-me não ser recomendável aceitar a designação que acaba, agora, de ser proposta.
Portanto, não estão reunidas as condições para que um Deputado do Grupo Parlamentar do CDS-PP possa aceitar a designação de relator» - estávamos no processo da Grão--Pará.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos para dar explicações.

Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, vou seguramente ser perdoado por V. Ex.ª pelo abuso de há pouco, uma vez que vou ser muito rápido.
Penso que a intervenção que acabou de ser feita foi claríssima como água. Em primeiro lugar, trata-se de declarações feitas numa comissão a que não presidi, portanto, desconheço o que se lá passou. Em segundo lugar, o Sr. Deputado Lino de Carvalho disse agora, nesta pretensa defesa da honra, que o Sr. Deputado Moura e Silva renunciou à qualidade de relator, dizendo na altura - e leu as declarações, que eu não conheço, do Sr. Deputado Moura e Silva na outra comissão: «parece não ser recomendável que eu seja o relator...».
Está tudo dito, Sr. Presidente! Não tenho explicações a dar!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para defesa da honra, o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, todos nós temos momentos de alguma menor precisão. Estamos todos sujeitos a tal. E, hoje, de facto, o Sr. Deputado Lino de Carvalho não foi preciso.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Nunca é!

O Orador: - E não foi tão preciso quanto, até, de alguma forma, nos habituou.
Por mim está, de alguma forma, desculpado. Não precisa de vir pedir desculpa pelos erros que aqui cometeu e pelas acusações que fez à minha pessoa.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP):- Muito bem!

O Orador: - Gostaria só de dizer, para que fique claro, que reafirmo, hoje, as posições e as palavras que proferi na altura, quando fui proposto por todos os partidos para ser relator de todos os dossiers.
Não tive, nessa ocasião, oportunidade de dizer - como, aliás, aqui ficou bem claro na acta que foi lida - que havia conflito de interesses ou que, para mim, não basta sê-lo, também há que parecê-lo. E como não escondo que há um dirigente do meu partido que, directa ou indirectamente, podia estar envolvido num dos dossiers que era objecto do inquérito, pareceu-me razoável - para que não ficassem dúvidas para ninguém - que eu não fosse o relator.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP):- Muito bem!

O Orador: - Reafirmo, hoje, a minha posição do passado. Contudo, perece-me que esse facto não pode, em circunstância alguma, retirar-me competências e poderes de participar nessa Comissão de Inquérito, e de, na altura da discussão do relatório, poder fazer as propostas que entenda por mais convenientes sempre com o objectivo de clarificar e de pôr toda a verdade de acordo com aquilo que me parece ser correcto e de acordo com as minhas convicções.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP):- Sr. Presidente, os factos são claríssimos, estão nas actas. Aliás, penso que o Sr. Deputado Moura e Silva tomou uma posição digna quando fez a declaração que acabei de ler.
Passo a referir só duas coisas. Em primeiro lugar, o Sr. Deputado Manuel dos Santos disse que não sabia de nada porque tinha sucedido numa comissão em que ele não tinha estado presente. Ora, isto teve lugar na 5.ª reunião da Comissão relativa ao inquérito parlamentar n.º 7/VII, presidida pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Você é que falou no Guilherme Silva!

O Orador: - Em segundo lugar, a verdade é que o Sr. Deputado Moura e Silva- e bem, Sr. Deputado, não é isso que está em causa - afirmou para a acta o que afirmou, ou seja, que achava que não estava em condições de aceitar ser relator porque havia um dirigente do seu partido que, de alguma forma estava envolvido no objecto do inquérito.
Isto é claro, Sr. Deputado. O Sr. Deputado fê-lo, e bem!

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O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - E não foi o relator, pois não?!

O Orador: - Pois não, Sr. Deputado Luís Queiró! Pois não!
No início deste debate isto veio à colação exactamente para demonstrar que, no que toca a este inquérito, de que o meu camarada António Filipe foi relator, coincidiram - ao contrário do que a intervenção inicial do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira queria fazer crer -, os interesses convergentes partidários do PP e os interesses do Partido Socialista, num caso, para ilibar um grupo económico, de que um dos dirigentes é também dirigente do PP,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Isto não é a União Soviética! Não é a Duma!

O Orador: - ...e, no outro caso, para ilibar a responsabilidade do Governo do Partido Socialista, chegando-se ao ponto de suprimir declarações, feitas por escrito, de membros do Governo, que referiam expressamente que a realização do Grande Prémio de Portugal de Fórmula 1 era condição para o acordo global com a Grão-Pará.
Porque, Srs. Deputados, se, como foi dito na Comissão, a realização do Grande Prémio de Portugal de Fórmula 1 não era condição nem pressuposto determinante para o acordo global, então qual foi, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira? Quais foram os pressupostos que levaram a este acordo leonino com o Grupo Grão-Pará?
As questões são muito claras, Sr. Presidente, Srs. Deputados, e eu penso que, se calhar, o melhor, hoje, tinha sido o Partido Socialista estar silencioso sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que se encontram a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 85 alunos da Escola Secundária da Ameixoeira, um grupo de 35 alunos da Escola Cunha Rivara, de Arraiolos, um grupo de 48 alunos da Escola Secundária Eça de Queirós, um grupo de 57 alunos da Escola do 1.º Ciclo do Ensino Básico de Porto Côvo, um grupo de 95 alunos da Escola Secundária D. Sancho I, de Vila Nova de Famalicão, um grupo de 50 alunos da Escola Secundária de Camarate, um grupo de 10 pessoas do concelho de Vila Franca de Xira, um grupo de 40 alunos da Escola Secundária João Gonçalves Zarco, de Matosinhos, além de um grupo de cidadãos.
Uma saudação calorosa para todos eles.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em período de tratamento de assuntos politicamente relevantes, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico de Figueiredo para uma intervenção.

O Sr. Eurico de Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Solicitou-me a direcção do meu Grupo Parlamentar que fizesse algumas considerações sobre o 24 de Março e o processo de luta e de combate estudantil nos primórdios dos anos 60.
Entendi esta solicitação como um pedido a um jovem idoso para se poder pronunciar sobre algo que diz respeito sobretudo aos movimentos de juventude.
É evidente que, falando da geração de 60 e dos primórdios da geração de 60, falo de uma geração que marcou, então, a vida política nacional e que marca, agora, a vida portuguesa em praticamente todas as suas formas de expressão.
Destes primórdios dos anos 60 são um Siza Vieira, um Cláudio Torres, um António Damásio, um José de Guimarães, um Manuel Alegre, um Cavaco Silva, um Jorge Sampaio e milhares de outros que se evidenciam numa série de actividades da vida nacional. Mas, também aqui, neste Parlamento - e só falo de alguns -, temos um Medeiros Ferreira, um Mota Amaral, um Silva Marques, um Manuel Alegre, um João Amaral e tantos outros que peço desculpa de não mencionar.
Nessa altura, a greve e as lutas de vários meses dos estudantes de 1962 marcaram o regime. E marcaram-no pedindo muito pouco. É necessário que possamos lembrar neste momento que os jovens de então (dos quais eu fazia parte) pediram muito pouco: pediram respeito pela instituição universitária, invadida pela polícia, quando o reitor era um homem do regime; pediram vagos direitos de associação, vagos direitos de reunião e vários direitos de liberdade de imprensa.
Compreende-se que a diferença entre o então e o agora seja opaca a um Hermano Saraiva. Compreende-se menos que os benefícios do 25 de Abril se mantenham opacos para um homem como José Saramago.
A geração de 60 foi uma geração conservadora. É necessário saber isso. Os nossos valores eram profundamente conservadores. E, tendo eu em mãos uma investigação que tem a ver com os valores dos jovens universitários dos anos 80 e com os valores dos jovens do ensino superior dos anos 90, permito-me encontrar algumas mudanças em que o 25 de Abril é um marco fundamental em relação aos valores.
A geração de 80 é uma geração de Abril e a geração de 90 é ainda uma geração de Abril, que muito mudou no que diz respeito, fundamentalmente, às opções fundamentais dos jovens.
Assim, a primeira opção, agora, da geração de 80 são os direitos e as liberdades fundamentais. É no problema das liberdades fundamentais que a geração de 80 vem marcar aquilo que significa Abril.
E a repercussão fundamental desta diferença de valores tem a ver sobretudo com o estatuto da mulher, tão bem trabalhado, nos valores de 60, pelo inquérito da então Juventude Universitária Católica (JUC), que nos deu o inventário dos valores da minha geração.
Lembro apenas, Srs. Deputados, que o direito da mulher a um trabalho igual ao homem só era assumido por 6% dos jovens do ensino superior dos anos 60, enquanto que, nos anos 80, 80% dos jovens dão um estatuto à mulher perfeitamente igual ao do homem.
E esta revolução traduz-se em todos os aspectos em que o estatuto da mulher é respeitado, por exemplo no problema do divórcio, no problema do planeamento familiar, no estatuto da sexualidade. Há uma verdadeira revolução e essa revolução tem a ver com Abril.
Mas o que é que se passa com a geração de 90? A geração de 90 continua a geração de 80, a geração de 90 é uma geração de Abril, mas... E há sempre os «mas», e há sempre os para-

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doxos da queda do Muro de Berlim, e, para esses paradoxos, chamo a vossa atenção, Srs. Deputados, porque tem a ver com as nossas próprias responsabilidades.
Os dois pilares civilizacionais marcados por Abril são os valores da democracia e os valores da construção europeia. E esses valores são os valores dos nossos jovens, dos nossos jovens do ensino superior, mas... Mas a opção por um partido único era, nos anos 80, só de 8% dos jovens e a opção de um partido único, em vez da democracia pluripartidária, é de 16% nos anos 90. A percentagem de jovens que diziam que sentiam pena se Portugal abandonasse a Europa era de 55% nos anos 80 e é de 66% nos anos 90.
É caso para dizer que há 1% que se perde cada ano nestes dois pilares civilizacionais - o pilar da democracia e o pilar da construção europeia.
Mas há também aspectos graves de toda esta revolução importante que se deu ao nível dos valores dos jovens. A opção de zero filhos, de não ter filhos, passou de 4% na geração de 80 para 11% na geração de 90, quando sabemos que a expectativa dos índices demográficos é de 1,4, com tendência para descer, o que quer dizer que as políticas de protecção da família são qualquer coisa que é urgente termos em conta.
Mas há mais, eventualmente mais grave, que é a má imagem que as instituições portuguesas têm junto dos nossos jovens. Dou apenas um exemplo, mas podia dar muitos, dou o exemplo da polícia. Os nossos jovens consideram que a polícia funciona mal, por desleixo, numa percentagem de 55% nos anos 80 e de 61% nos anos 90.
Srs. Deputados, é para a vossa responsabilidade que apelo, falando dos jovens dos anos 60, dos jovens dos anos 80 e dos jovens dos anos 90. É a luta contra este descrédito das instituições que deve ser um objectivo fundamental da nossa política e das responsabilidades dos Srs. Deputados.
É, eventualmente, por causa disso, mesmo que seja um pouco difícil compreender as razões, que hoje estão milhares de jovens em frente da Assembleia da República. É o descrédito das instituições que, eventualmente,, está em causa. E, eventualmente, também está em causa a dificuldade da nossa classe política, seja ela qual for, de combater, com veemência e com convicção, os interesses corporativos que infestam e prejudicam o jogo da democracia neste país.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Meus caros amigos, Srs. Deputados, é da responsabilidade desta Câmara que eu vos vim falar, ao falar dos jovens, como eu fui nos anos 60, no dia em que entro na minha geração dos 60, nos meus 60 anos.

Aplausos do PS, do PCP e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Então, parabéns, Sr. Deputado. Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra, em primeiro lugar, para dar os parabéns ao Sr. Deputado Eurico Figueiredo, uma vez que hoje é o dia do seu aniversário, e, em segundo lugar, para lembrar o jovem que, há trinta e
tal anos, juntamente com outros que se encontram aqui nesta Assembleia-como os Deputados Silva Marques e Medeiros Ferreira-participou na primeira grande luta dos estudantes portugueses, não só pelos seus direitos imediatos, não só pela autonomia das suas associações, mas também pela própria liberdade do povo português, e para lembrar também o 24 de Março de 1962, que foi um momento de viragem e um momento de ruptura, que criou um fosso irremediável entre uma parte da juventude e das suas famílias e o regime fascista português.
Eurico Figueiredo foi um dos símbolos desse combate e dessa luta. Quero deixar-lhe aqui esta saudação e dizer-lhe que nós também lutámos para que hoje os estudantes portugueses, com razão ou sem ela, se possam manifestar sem medo, mesmo à porta da Assembleia da República.

Aplausos do PS, do PCP e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, de facto, ao meu amigo Manuel Alegre só posso responder com um abraço, que já lhe dei.

O Sr. Presidente: - E eu, que dei os parabéns, não recebo nada?

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Outro abraço, Sr. Presidente, que lhe darei quando esta sessão terminar!

O Sr. Presidente: - Muito obrigado. Para uma intervenção, ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje é o Dia do Estudante.
É o dia das centenas de milhar que, no nosso país, são o mais importante pulsar das escolas e do sistema educativo. Porque a verdade é que os estudantes são os destinatários e a parte mais importante do ensino. A escola não existe sem eles nem contra eles. É por isso que, sempre que os princípios da política educativa ignoram os direitos dos estudantes, se põe em causa a sua formação, a construção do seu futuro e do futuro do País.
A escola e o sistema educativo serão tanto melhores quanto maior for o respeito pelos estudantes, pelos seus direitos e pelas suas aspirações. Por isso é fundamental a participação dos estudantes na vida da escola. Para mais quando a sua participação é feita com grande criatividade, empenho e vivacidade, contribuindo para uma escola melhor.
Sendo hoje o Dia do Estudante, este tem de ser um dia de negação das tentativas de afastamento dos estudantes da gestão dos estabelecimentos de ensino e da participação mais profunda na vida escolar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Muito bem!

O Orador: - Neste quadro, é inaceitável que o Governo institua um regime de gestão dos estabelecimentos de ensino

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básico e secundário centralizado, de pendor economicista e que afasta os estudantes de uma participação mais profunda, do mesmo modo que se menospreza e menoriza o papel das associações de estudantes, legítimos representantes da população estudantil e com importância fundamental para a defesa dos seus interesses.
No ensino superior continua a escandalosa falta de paridade de participação dos estudantes nos órgãos de gestão do ensino politécnico, enquanto se assistem a ataques à paridade consagrada na Lei da Autonomia Universitária.
Este não é o caminho! A escola é dos estudantes e quanto mais estes participarem maior democracia teremos em cada estabelecimento de ensino. Uma escola com menos participação dos estudantes é uma escola que corre maiores riscos de se afastar dos seus objectivos e dos seus destinatários.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Dia do Estudante é hoje, como sempre foi, uma dia de luta, de luta por mais e melhor ensino.
Bem tentaram o Ministério da Educação e o Governo afastar os estudantes e as suas associações da discussão da política educativa. Primeiro, defendendo a bizarra, mas nada inocente, teoria de que os estudantes apenas se deveriam pronunciar sobre os problemas da sua escola e de que outros níveis de discussão lhes estariam vedados. Isto é, que se pronunciassem sobre os horários da biblioteca ou sobre a falta de salas de aula, o Ministro, magnânimo, ainda admitia, embora com moderação, agora em relação às grandes linhas da política educativa e às opções estruturantes do Governo isso nem pensar. Isso era para outra gente.
Depois a actuação do Governo refinou-se. Passou a apostar na divisão do movimento estudantil, acenando com a resolução de problemas pontuais nesta ou naquela área ou acicatando diferenças existentes. Chegou ao ponto de utilizar a alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo para tentar criar uma divisão entre os estudantes do universitário e do politécnico, um procedimento profundamente incorrecto, demagógico e não olhando a meios para atingir os seus objectivos.
Ao longo do tempo, verificou-se que os estudantes saberiam responder a este tipo de actuação. E a prova é que hoje, neste Dia do Estudante, o Governo enfrenta, mais uma vez, os protestos dos estudantes do ensino superior, sejam do ensino politécnico, sejam do universitário, sejam do particular e cooperativo.
Estão em luta pela qualidade de ensino; estão em luta contra a actual Lei de Financiamento do Ensino Superior Público; estão em luta não apenas em interesse próprio, mas defendendo o futuro do ensino superior público e o futuro do País.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A contestação à Lei de Financiamento do Ensino Superior Público é mais do que justa. É uma lei de desresponsabilização do Estado no financiamento do ensino superior público; é uma lei de desinvestimento no ensino superior; é uma lei de elitização
ainda maior do acesso; é uma lei de asfixia financeira das escolas.
O principal objectivo desta lei é a diminuição imediata do papel do Estado no financiamento, deixando as portas escancaradas para o agravamento desta situação no futuro. Por isso existe a propina e a sua aplicação imediata e sem mais delongas, a contrastar, aliás, com a demora na regulamentação de outras disposições, que se prova que eram para o Governo apenas verbo de encher.
Mas, para além da propina, há mais. Há, por exemplo, o conceito de estudante elegível, que se destina a retirar às escolas o financiamento referente aos estudantes que excedam os anos de frequência estabelecidos na lei e a excluir ainda mais estudantes do ensino superior. Aliás, o Governo, e o Ministro da Educação em particular, tentam fazer crer que estamos perante os cábulas do sistema e que, portanto, têm de ser liminarmente excluídos. Para o Governo, os principais culpados do insucesso escolar não são as más condições das escolas, não são as deficiências das instalações, não são as insuficiências pedagógicas do corpo docente. Nada disso! Os principais culpados são os estudantes, que, em vez de se aplicarem mais, perdem o seu tempo em protestos e manifestações.
Este conceito de estudante elegível decorre directamente da aplicação de princípios economicistas, neoliberais e privatizadores na política educativa. E, se dúvidas houvesse, bastava analisar os sucessivos Orçamentos do Estado e as respectivas dotações para o ensino superior. O Governo cortou; ano após ano, nas dotações orçamentais, não cumpriu os factores de convergência e descontou as receitas previstas da cobrança de propinas no orçamento atribuído a cada instituição.
Lembre-se que a lei destinava o dinheiro das propinas ao acréscimo de qualidade no ensino superior. Este acréscimo de qualidade nas instituições é também, obviamente, obrigação do Governo, devendo o orçamento da educação dar resposta a esta necessidade. E, portanto, deixar o acréscimo de qualidade para as receitas das propinas é desresponsabilizar o Estado nessa matéria, o que é de todo inaceitável.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas a verdade é que na prática a situação é ainda mais escandalosa, porque o Governo obriga as instituições a utilizar as receitas das propinas para as despesas de funcionamento, pela simples razão de que lhes desconta essa verba, ou parte dela, no orçamento corrente.
Refira-se ainda a questão da acção social escolar, que o Governo enxertou indevidamente na lei do financiamento.
Num país onde a despesa com a frequência do ensino superior, mesmo do público, é numa parte substancial já suportada pelos estudantes e pelas suas famílias, a não existência de uma acção social escolar com os meios necessários é um entrave real e! decisivo à democratização do acesso e da frequência deste nível de ensino.
É certo que d Sr. Ministro se empenha em dizer que nem todos podem ser doutores, omitindo o atraso na formação de quadros superiores que temos em relação a outros países da Europa.

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Mas a verdade é que a inexistência de uma acção social escolar condigna, de apoios directos e indirectos aos estudantes que deles necessitem para frequentar o ensino superior, é um empurrão decidido à ainda maior elitização e a um agravamento das desigualdades já existentes.
Por tudo isto os estudantes lutam. E por muito mais. Também hoje no seu dia, um dia de festa e um dia de luta. De uma luta justa, de uma luta pelos seus direitos, de uma luta por todos nós.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, gostava de começar, até pela intervenção do meu colega Enrico Figueiredo, que antecedeu a do Sr. Deputado Bernardino Soares, por dizer que, prestes a comemorarmos os 30 anos da crise de 1969 e os 25 anos do 25 de Abril, evidentemente, o combate pela liberdade e pelos valores não é um monopólio geracional, e hoje colocam-se novos desafios à minha geração, que é também a geração do Deputado Bernardino Soares, e há questões que são intemporais e, por isso, o dia de hoje é um dia que, obviamente, importa, para marcar e fazer história, mas é, seguramente, um dia também em que importará equacionar um conjunto vasto de desafios que se colocam ao futuro e aos jovens que actualmente vivem esses mesmos desafios.
De qualquer das formas, em relação à intervenção do Sr. Deputado Bernardino Soares, parece-me que ela é a reprise, a reedição de outras intervenções que aqui fez nesta Câmara sobre a mesma matéria, com o mesmo teor, com os mesmos considerandos e exactamente com as mesmas conclusões.
Infelizmente, o Sr. Deputado Bernardino Soares, o PCP no caso concreto, continua a esquecer que, ao longo destes quatro anos, houve um aumento significativo da rede pública do ensino pré-escolar, em que de 18 milhões em 1995 se passaram a gastar 50 milhões de contos em investimento neste sistema de ensino; houve uma diminuição clara do numerus clausus, de tal forma que hoje temos universidades privadas com vagas e, inclusive, alguns casos concretos e exemplares de universidades públicas com vagas por preencher; temos um investimento feito em territórios educativos de intervenção prioritária; temos igualmente uma Lei de Financiamento do Ensino Superior Público, que conseguiu conjugar e conciliar uma visão triangular, de universidades, famílias e Estado, com as devidas e respectivas responsabilidades de financiamento, que não tínhamos há uns anos atrás. Mas tudo isto o Sr. Deputado esqueceu na sua intervenção.
A visão catastrofista, a visão negativista, é exactamente a mesma de há quatro ou cinco anos atrás.
Mas, Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe que a educação é, de facto, um desígnio nacional e é, exactamente também por isso, um desafio que a todos deve importar. Por isso é uma responsabilidade, do meu ponto de vista, até suprapartidária,
mas ninguém pode querer partilhar desta responsabilidade se, ab initio, se coloca à margem, como é o vosso caso, porque, permanentemente, têm uma perspectiva crítica muito pouco construtiva. Podemos aferir isso até pelas intervenções legislativas feitas em várias matérias na educação, que, evidentemente, não podem deixar de marcar um registo e um certo distanciamento em relação às questões da educação.
A este propósito, a sua intervenção faz-me lembrar aquela história antiga do elefante e da formiguinha, em que a formiguinha, montada no elefante, comentava: «Já viste a poeira que vamos a fazer?!». Elas, normalmente, surgem nestes momentos de manifestações, de expressão pública de algum sentimento estudantil, mas que, obviamente, noutras alturas não acontecem.
Por isso, Sr. Deputado, eu terminava perguntando: por que é que se esquece de fazer uma análise justa em relação a um conjunto de políticas que este Governo tem levado a cabo? Muito haverá por fazer, com certeza, mas a educação é exactamente uma tarefa interminável. E, do ponto de vista do PS, temos a consciência de que assim é, mas é exactamente por isso também que temos feito o investimento maior, do ponto de vista orçamental, na área da educação.
Sr. Deputado, tome o exemplo dos estudantes de hoje que nem sequer utilizaram a designação de manifestação ou de luto mas, sim, de uma marcha por..., uma marcha por aspectos positivos, uma marcha por uma transformação, e a sua intervenção acabou por não corresponder a isso, porque é nem mais nem menos do que um regresso pela negativa, um regresso meramente crítico.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado
Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Castanheira, em primeiro lugar, penso que não é, nem um pouco, justo que V. Ex.ª acuse a bancada do PCP de não ter tido nesta Assembleia, nesta legislatura, aliás como noutras, em matéria de educação, iniciativas e propostas construtivas.
Apresentámos uma proposta de lei-quadro do ensino pré-escolar, propostas de alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, à Lei de Financiamento do Ensino Superior Público, de acção social escolar no ensino superior, de direitos para os pais e encarregados de educação, uma proposta de estatuto do trabalhador-estudante. Quem, nesta matéria, não teve grande iniciativa nesta Assembleia foi o Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Ó Sr. Deputado, gostei muito de algumas partes do seu pedido de esclarecimento, tentando provar que aquilo que viemos aqui dizer é uma repetição do que temos dito noutras alturas. Bom! A verdade é que os factos sobre os quais nos pronunciámos são muitas vezes repetidos em relação aos que encontrámos noutras alturas.
Diz o Sr. Deputado, por exemplo, que este Governo conseguiu que ficasse menos gente de fora na altura do acesso ao ensino superior, mas esqueceu-se de dizer que a diminuição do número de candidatos ao ensino superior, ano após

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ano, é muito maior do que a diminuição do número dos que ficam de fora no momento do acesso ao ensino superior.
E sabe porquê, Sr. Deputado? É que o seu Governo, tal como governos anteriores, instituiu uma série de mecanismos ao longo do ensino básico e do ensino secundário para excluir, o mais rápido possível, durante este percurso, os alunos, os estudantes, para que nem sequer cheguem ao momento do acesso ao ensino superior. É por isso que chegam menos ao 12.º ano em condições de se candidatarem. É por isso e é também porque muito poucos e cada vez menos têm condições para suportar as despesas da frequência do ensino superior, já que a acção social escolar, que hoje existe, não tem condições para lhes dar essas condições socio-económicas.
O Sr. Deputado referiu-se à marcha e à manifestação e pareceu-me até - se não for assim, corrija-me-ter dito que a marcha que veio manifestar-se hoje, aqui em frente da Assembleia da República, não tinha nenhuma crítica a fazer ao Governo! Pareceu-me ouvi-lo dizer que era uma marcha pela qualidade de ensino - como é! -, mas sem ter também um vector de crítica ao Governo, à sua política e à Lei de Financiamento do Ensino Superior, que tem ficado clara em todas as intervenções do movimento associativo e do movimento estudantil, mas que o Sr. Deputado gostava muito que não existisse. Aliás, o Sr. Deputado devia também ficar muito contente se as intenções do Sr. Ministro da Educação, de dividir o movimento estudantil acenando com coisas daqui e dali, se tivessem concretizado. Mas, felizmente, tanto o Sr. Deputado, como a sua bancada; o Sr. Ministro e o Governo tiveram a resposta adequada e, provavelmente, vão continuar a tê-la enquanto se mantiver esta política de financiamento e esta política educativa, nomeadamente no que diz respeito ao ensino superior.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, saúdo-o por ter trazido a celebração do Dia do Estudante, hoje, aqui, a esta Assembleia.
Temos opiniões diferentes sobre o sistema educativo em Portugal, mas devo dizer-lhe que subscrevo boa parte da intervenção do Sr. Deputado Bernardino Soares, nomeadamente quando traça o diagnóstico da situação que vivemos no ensino superior em Portugal: não se concretizaram as prometidas avaliações das instituições; não se avaliaram pedagogicamente os professores; não se apoiaram, como prometido, com bolsas de estudo, alunos do ensino particular e cooperativo, criando uma situação de intolerável discriminação a cerca de 4000 estudantes no nosso país; não se melhorou a desastrosa política de residências e cantinas universitárias; entre outras questões, não se implementou o sistema de empréstimos que vinham consagrados na Lei do Financiamento; não se levaram a cabo as prometidas reformas do sistema fiscal e do Estado providência que o Sr. Eng.º António Guterres, como líder da oposição, dizia ser necessário fazer e que, enquanto não fossem feitas, não haveria propinas em Portugal.
É este o estado do ensino superior, com três anos perdidos de política educativa em Portugal, e por isso se percebe que tantos milhares de estudantes estejam a manifestar-se contra três anos perdidos, frente ao Palácio de S. Bento, hoje mesmo.
Mas, Sr. Deputado Bernardino Soares, coloco-lhe duas questões muito concretas. Falou muito do ensino superior, mas gostava que me dissesse se concorda comigo que é um facto, no ensino secundário, ao longo destes três anos perdidos, não se terem modernizado os espaços físicos, não se ter apostado nas infra-estruturas desportivas, não se ter combatido de uma forma clara e concreta os índices de insegurança e de criminalidade que aumentam nas nossas escolas.
Pergunto-lhe ainda se não concorda que, infelizmente, nestes três anos perdidos de política educativa no ensino secundário, não se avaliaram os professores e não se valorizou a vertente tecnológica das escolas do nosso país.
Sr. Deputado Bernardino Soares, gostaria, finalmente, que me dissesse se entende que este Governo do PS tem, para com os estudantes do nosso país, para com os seus legítimos representantes, as associações de estudantes, uma verdadeira postura de diálogo, que tanto propala, ou se tem uma postura de sobranceria, uma postura de desprezo, uma postura de arrogância para com os dirigentes associativos, para com os estudantes, seja do ensino superior ou do ensino secundário.

O Sr. Presidente (Mota Amaral):- Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares. Dado que o seu tempo está esgotado, a Mesa concede-lhe 2 minutos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Sr. Deputado Sérgio Vieira, devo dizer-lhe que, de facto, em relação ao ensino secundário, há terríveis carências que não foram ultrapassadas. Referiu concretamente uma, a que dou especial importância, que é a questão dos equipamentos desportivos, em que o seu governo prosseguiu uma política de não construção de pavilhões gimnodesportivos numa série de escolas e o actual Governo não resolveu esse problema e continua a construir escolas sem pavilhões gimnodesportivos.
Concordo consigo em relação à análise que faz do relacionamento do «Governo do diálogo» com os estudantes, as suas associações e os seus representantes. Trata-se de uma postura de extrema desvalorização da legitimidade dos representantes dos estudantes, da legitimidade das críticas que fazem, da legitimidade das propostas que apresentam, portanto, trata-se de uma postura de quem não quer, verdadeiramente, entender os problemas dos que melhor sentem as carências do ensino superior e que as manifestam junto do poder que leva a cabo esta política educativa.
Mas deixe-me dizer-lhe também, Sr. Deputado Sérgio Vieira, que há muita coisa com a qual não concordamos. E devo dizer-lhe também que o seu entendimento e o do seu partido em relação as questões, por exemplo, do financiamento do ensino superior não se diferencia substancialmente daquele que o Governo e o PS têm sobre esta matéria. É que os senhores votaram também a Lei do Financiamento do Ensino Superior! A sua juventude partidária propõe agora uma propina diferenciada em vez da propina única, mas a verdade é que a

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injustiça é sempre injustiça, seja única ou diferenciada. É que a elitização que daí decorre é sempre elitização, seja única ou diferenciada! É que a exclusão por questões sócio-económicas é sempre exclusão, seja única ou diferenciada! E nisso, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que, não sendo o Sr. Deputado «sulista», é verdadeiramente um «elitista» e um «liberal»!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 25 minutos.

PERÍODO DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 214/VII -Aprova a Lei do Serviço Militar e 216/VII -Aprova a alteração à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e do projecto de lei n.º 634/VII-Lei do serviço militar (PSD).
Para apresentar as propostas de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional (Veiga Simão): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: A revisão constitucional de 1997 introduziu alterações no âmbito da defesa nacional que obrigam a que a Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, lei de cúpula do edifício legislativo regulador desta matéria, seja adaptada e harmonizada com os princípios constitucionais consagrados, embora não se trate ainda da revisão profunda a que a nova definição do conceito estratégico de defesa nacional irá obrigar. No essencial, as alterações desta proposta dizem respeito à desconstitucionalização do serviço militar obrigatório em tempo de paz. Também relativamente às missões militares, é consagrada a participação das Forças Armadas em missões humanitárias e de paz, assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte, e igualmente colaborar em missões de protecção civil.
Assume especial relevo a alteração do artigo 31.º, cuja redacção actual estabelece desajustadas restrições ao exercício de direitos por militares. Este preceito afigura-se desactualizado face à filosofia e realidades nacional e europeia. Sem prejuízo da manutenção dos princípios essenciais em que radicam a coesão, disciplina e operacionalidade das Forças Armadas, afigura-se oportuno e conveniente permitir uma maior e mais desejável aproximação das Forças Armadas à sociedade. A esta luz, com a proposta apresentada, pretende-se eliminar algumas das restrições em matéria da liberdade de expressão, liberdade de associação, capacidade eleitoral e direitos laborais.
Em matéria de liberdade de expressão, permite-se agora ao militar o mais amplo exercício do direito de se exprimir, designadamente através da elaboração de artigos de natureza técnica, sem necessidade de obtenção de prévia autorização superior e ainda sem que seja necessário inseri-los em publicações editadas pelas Forças Armadas ou que os seus autores tenham de desempenhar funções permanentes na respectiva direcção ou redacção. Quanto à liberdade de associação, pode o militar ser filiado e participar em associações profissionais de carácter técnico ou deontológico sem que o exercício desse direito tenha de se limitar exclusivamente à competência deontológica dessas associações. Em matéria de capacidade eleitoral, são introduzidas alterações no sentido de os militares elegíveis para os órgãos do poder local poderem requerer licença sem vencimento, a deferir obrigatoriamente em tempo de paz e que terminará com a sua não eleição ou com a cessação do mandato; para os outros órgãos electivos, devem os militares requerer a passagem à reserva, que terá de ser deferida, reunidas que estejam condições legalmente estabelecidas. Finalmente, as restrições aos direitos laborais passam a ser exclusivamente as que dizem respeito aos direitos sindicais, criação de comissões de trabalhadores, direito à greve e aos limites de duração do trabalho, sendo aplicáveis aos militares as restantes normas constitucionais referentes a estes direitos.
Estou certo de que VV. Ex.ªs analisarão esta proposta a que o Governo se comprometeu, e bem assim a do PCP, procurando aprovar uma redacção que não ponha em causa a coesão e a disciplina da instituição militar.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, a proposta de lei do serviço militar, que o Governo, no cumprimento do seu Programa, submete a VV. Ex.ªs para aprovação, representa sem dúvida uma das mais profundas reformas estruturais do nosso século, com incidência nos jovens, nas famílias - eu diria, em toda a sociedade portuguesa. Esta reforma extingue em tempo de paz o serviço militar obrigatório ao estabelecer, nesse tempo, o princípio do voluntariado como forma normal de recrutamento e dá corpo ao n.º 2 do artigo 276.º da Constituição da República Portuguesa ao fixar as formas, a natureza, a duração e o conteúdo da prestação do serviço militar.
Ao apresentar esta proposta de lei em Plenário da Assembleia da República, quero afirmar, como já o fiz na Comissão parlamentar de Defesa, que a atitude do Governo é de total abertura à sua melhoria e aperfeiçoamento, nos seus diversos aspectos, porquanto ela incide sobre assuntos militares, domínio onde o consenso político assume importância singular.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Muito bem!

O Orador: - Está em causa a defesa da Pátria e o instrumento primeiro dessa defesa: as Forças Armadas. Dotá-las de recursos humanos qualificados, que lhes permitam cumprir as missões que lhe são atribuídas, é o que se procura definir, conciliando ideais constitucionais com realidades actuais, já que a paz sonhada está longe de se atingir e a Nação deve dispor de um instrumento militar essencial à soberania, à conjuntura internacional e à sua sobrevivência. Ao optar pela profissionalização nas Forças Armadas, traduzida em recursos humanos inseridos em quadros permanentes ou vinculados a regimes contratuais, escolhemos uma via que, no nosso entendimento, permite uma criativa e adequada reestruturação e modernização das Forças Armadas, essencial para enfrentar os grandes desafios do início do século XXI, uns que já nos afligem, outros previsíveis e outros ain-

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da que, embora no domínio do imaginário, são possíveis.
A aprovação desta proposta de lei implica desde logo que, em simultâneo, se intensifiquem e generalizem acções que promovam o culto da cidadania, seja na escola ou no emprego, e que se criem condições para um clima que fortaleça a consciência da defesa da República. A opção do voluntariado nas Forças Armadas obriga-nos, assim, a reflectir sobre o objectivo consagrado na nossa Constituição política de realização da democracia económica, social e cultural e, sobretudo, do aprofundamento da democracia participativa. É pela civilidade, atributo essencial da democracia participativa, que podemos abrir caminhos inovadores, de acordo com o consagrado no artigo 276.º, dando-se, assim, conteúdo a que «a defesa da Pátria seja direito e dever fundamental de todos os portugueses».
Os desafios a que a profissionalização das nossas Forças Armadas permitirá dar resposta eficaz e adequada, vão desde uma inserção correcta em Alianças que asseguram a defesa colectiva, a uma participação activa em forças multinacionais conjuntas e combinadas, que respondam à preservação da paz da democracia e da segurança humana e à prevenção e resolução de crises que afectem a estabilidade euro-atlântica. A cooperação criativa e inovadora com os países de língua oficial portuguesa insere-se, igualmente, como vertente essencial do nosso futuro.
Em perfeita consonância com estas orientações estratégicas, a profissionalização prevista nesta proposta de lei, em perfeita articulação com a de preparação militar para a defesa, permite uma intensificação de acções em três domínios determinantes das Forças Armadas portuguesas: a sua cientifícação, com aplicações tecnológicas de ciclos de vida cada vez mais curtos nos sistemas de armas, nos equipamentos e nos sistemas de instrução; uma ousada qualificação dos recursos humanos, a exigir elevadas especializações, designadamente nas áreas da electrónica, dos materiais, da biotecnologia, das tecnologias de informação e da simulação, facilitando estas últimas desempenhos com capacidade de decisão cada vez mais descentralizada; e, ainda, a modernização e racionalização do sistema logístico de apoio, onde a informática, a inovação nos sistemas e modernos métodos de gestão sejam normais instrumentos de trabalho.
Srs. Deputados, seja-me, pois, permitido visionar, na organização das Forças Armadas, uma resposta criativa as propostas de ítalo Calvino para o próximo milénio, como sinal de esperança nas novas gerações e de confiança nos chefes militares. Ao perseguir essa visão estratégica, procura-se, na pessoa humana e na sua valorização, e na ciência e nas suas aplicações, os alimentos imprescindíveis para a sua concretização, ao mesmo tempo que impulsionamos as Forças Armadas para que cultivem os valores da leveza, da rapidez, da exactidão, da visibilidade, da multiplicidade e da consistência.
A leveza contra o peso do inútil, para dar lugar de excelência ao software que comanda a máquina; a rapidez, não apenas a que resulta da velocidade física mas da velocidade mental, conciliando a ponderação com a prontidão e a permitir a imprescindível mobilidade; a exactidão, que obriga a projectos bem definidos e a linguagem e procedimentos precisos;...

O Sr. Marques Júnior (PS): - Muito bem!

O Orador: -... a visibilidade, o que nos obriga a pensar por imagens, em torno das quais se forma um campo de analogias, de simetrias e de contraposições que consubstanciam alternativas possíveis e permitem um desempenho profissional de grande qualidade mais próximo da opinião pública.

O Sr. Marques Júnior (PS):- Muito bem!

O Orador: -A multiplicidade, sabendo que o advento da modernidade não faz apenas parte da «cor do tempo», mas também da orgânica institucional, da sua razão interna e da consciência de que as Forças Armadas são o melhor exemplo do «sistema de sistemas», em que cada ramo condiciona os outros, é condicionado por eles e integra-se em unidades de organização modular e flexível; a consistência, que dá força a valores intemporais, que permite olhar para o passado como sustentáculo do futuro e que consagra a coesão, cimentada pelo amor à pátria.
A profissionalização nas Forças Armadas é, para o Governo, o modelo que melhor permite o culto e a dinamização desses valores essenciais ao prestígio da instituição militar.
Para situarmos esta opção no tempo, não podemos deixar de mencionar que já durante a primeira metade deste Século se debateram as vantagens e os inconvenientes de três modelos militares para defesa das nações, com particular incidência no exército: o sistema de exército profissional, o sistema de exército nacional e o sistema assente no conceito da «nação em armas». O primeiro, exigindo a fixação de efectivos a manter em tempo de paz e tendo o voluntariado como forma de recrutamento; o sistema de exército nacional como contraponto ao profissional, assente no recrutamento obrigatório, prevendo a articulação entre o exército activo e as reservas de guerra, o que implicaria efectivos avultados; a «nação em armas», baseando-se no princípio do serviço geral e obrigatório, o que implica que nenhum cidadão do sexo masculino deixe de receber instrução militar, encontrando-se permanentemente requisitado para os serviços das armas.
Portugal, com a reforma de 1911, estabelece o sistema de serviço militar geral e obrigatório, modelo que se manteve até 1991, ano em que foi posto em prática um sistema misto de recrutamento.
Srs. Deputados, é chegada a hora da profissionalização!
Ao longo da última década ocorreram mudanças fundamentais nas condições políticas e estratégicas que constituem o referencial da política de defesa nacional.
O fim da confrontação Leste-Oeste vem permitindo uma evolução positiva do quadro de segurança no continente europeu, determinando uma profunda alteração no conceito estratégico da Aliança Atlântica e reforçando o processo de construção europeia personificado pela União Europeia.
Para a prossecução do seu objectivo fundamental de salvaguardar a independência nacional e a integridade territorial dos seus Estados-membros, a Aliança prossegue hoje, mais activamente do que no passado, uma estratégia assente nas ideias de diálogo, cooperação, consulta política, prevenção de conflitos e gestão de crises, a par, naturalmente, com a manutenção de uma capacidade militar para a defesa colectiva, que, mantendo funções de dissuasão e defesa, visa contribuir para a segurança e estabilidade da Europa, para o que continua a ser essencial o relacionamento transatlântico.

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A dimensão política do processo europeu tem vindo a intensificar-se. No conjunto das políticas e formas de cooperação que presentemente materializam a União Europeia, a definição, pelos Quinze, de uma política externa e de segurança comum, como pilar europeu da Aliança, representa uma evolução qualitativamente muito significativa e absolutamente indispensável ao propósito de afirmação global da Europa e dos seus interesses.
Em paralelo com estas transformações, identificam-se, na cena internacional, múltiplos riscos e incertezas, sobretudo associados a tensões derivadas dos fenómenos da globalização e das dificuldades de diversa natureza ligadas à estabilização política e económica de alguns Estados na área euro-atlântica e também a situações existentes em regiões de periferia do continente europeu.
Esses riscos e incertezas são densificados por ameaças potenciais de terrorismo nuclear, radiactivo, químico e biológico.
Sem mudar de natureza, a defesa e segurança passou a ter de ser compreendida e traduzida pela integração permanente e efectiva de outros factores constituintes, designadamente de ordem política, diplomática, económica, cultural, social, ambiental e tecnológica.
Srs. Deputados, o papel do factor militar na defesa e segurança alterou-se significativamente, sendo, hoje, menos autónomo do que no passado, mas sendo maior a sua abrangência, bem como a probabilidade do seu empenhamento enquanto elemento indispensável ao suporte e à credibilidade dos demais factores.
Por essas razões, a tónica das organizações de segurança colectiva passou a assentar privilegiadamente no objectivo de salvaguardar, afirmar e construir a paz e a solidariedade entre os povos, de acordo com as regras do Direito e da democracia, o que corresponde a uma atitude eminentemente construtiva e gera a necessidade de uma articulação constante entre a política externa e a segurança e defesa, em torno de valores e de interesses legítimos.
Para Portugal, Estado soberano de tradições históricas ímpares, que ocupa uma posição charneira entre a América e a Europa, e entre esta e a África, e que está activamente empenhado nos objectivos da construção europeia e da reestruturação da Aliança Atlântica, estas profundas transformações não podem ser indiferentes.
Na verdade, as exigências de salvaguarda da soberania e da integridade territorial, continuando a constituir a razão essencial das Forças Armadas, são, hoje, naturalmente, ponderadas à luz da realidade que corresponde a não se detectarem nem ameaças de agressão nem riscos de natureza essencialmente militar sobre o nosso país ou sobre a área regional em que se inscreve o nosso território disperso.
Resulta deste dado fundamental que, conservando em permanência e capacidade suficiente para constituir um factor de dissuasão e de resposta imediata face a eventuais agressões ou ameaças externas ao nosso espaço de soberania e às linhas de comunicação inter-territoriais, que são vitais aos nossos interesses, as Forças Armadas serão, sobretudo, solicitadas para intervenções no quadro das missões de apoio à política externa, da prevenção de conflitos e da gestão das crises, actuando, muitas vezes, de forma concreta em fronteiras dos nossos interesses ou em espaços do interesse colectivo das alianças em que Portugal participa. Releve-se que não existe antagonismo nas missões referidas, antes devem ser harmonizadas, complementando-se.
É para este leque de missões que as Forças Armadas têm de estar organizadas. Ora, as novas missões - hoje com elevado grau de prioridade - não são compatíveis com o modelo da conscrição, exigindo o recurso a militares voluntários, devidamente qualificados e inseridos em acções de defesa colectiva.
Não espanta, por isso, que se assista de forma generalizada, designadamente nos nossos aliados, ao abandono do modelo da conscrição em favor da adopção do voluntariado e do contrato de curta e longa duração. São processos que importa acompanhar e de que se devem retirar ensinamentos e ilações, sem prejuízo da necessidade de construir as soluções que melhor se apliquem ao caso nacional.
Em Portugal há, ainda, outras circunstâncias que não podem deixar de ser atendidas no debate sobre o regime do voluntariado.
A primeira é a compreensão ditada pela experiência de que o actual figurino, assente num serviço militar de quatro meses, se revela incapaz de prover as estruturas operacionais nos moldes adequados, gerando custos para os quais não se detecta nenhuma vantagem ou justificação.
A segunda condicionante é que este modelo contribuiu, de forma significativa, para que se tenham reforçado, na opinião pública nacional, convicções tendentes à abolição do SMO.
Trata-se de um anseio genuíno e responsável dos jovens, que não é legítimo confundir com o não cumprimento do dever e direito de defesa da pátria.
Importa, pois, criar condições para que a prestação do serviço militar seja atractiva, humanizada e enriquecedora da sua vida. Em síntese, os jovens não irão, como por vezes se diz, «perder tempo» no serviço militar, irão cumprir uma nobre missão e valorizar-se para a vida, dando mais força ao conceito da igualdade de oportunidades.
Profissionalizar as Forças Armadas, é, portanto, um passo objectivamente justificado pelas novas condições e que vai de encontro a convicções e expectativas que estão generalizadas na sociedade portuguesa.
Pelo que foi dito, ao optar-se por um sistema de recrutamento que privilegia o voluntariado, duas questões centrais merecem uma cuidada reflexão: a nova relação cidadão versus Forças Armadas e a definição de mecanismos que permitam obter, em tempo de paz, os efectivos necessários.
A resposta à primeira questão, conforme estabelecido no despacho, de 21 de Março, dos Ministros da Educação e da Defesa Nacional, culminando acções a decorrer, passa pela divulgação, nos ensinos básico e secundário, da informação sobre a acção das Forças Armadas e o seu contributo para a afirmação e preservação dos direitos e liberdades no mundo e pela integração da temática da defesa nacional em currículo escolares segundo programas a definir.
Por outro lado, devemos intensificar acções para concretizar o que está definido no Conceito Estratégico de Defesa Nacional onde se estabelece que o Estado e a Sociedade devem promover acções visando «um maior esclarecimento dos princípios que enformam a defesa nacional e os valores a

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defender», «a afirmação da especificidade portuguesa num mundo cada vez mais interdependente» e a «preservação dos valores histórico-culturais e patrimoniais portugueses espalhados pelo Mundo».
As experiências europeia e americana que permitem convívios dos jovens com as Forças Armadas, o culto da bandeira e doutros valores nacionais servirão de reflexão a iniciativas que serão implantadas a partir do próximo ano, potenciando, desde já, os eventos naturais que as Forças Armadas realizam, incluindo os dias dos ramos e das unidades, o final da instrução, o juramento de bandeira e, em circunstâncias a definir, a presença em exercícios operacionais seleccionados.
Temos de perder complexos relativamente às Forças Armadas! Elas devem ser vistas como uma instituição que serve a nação!
A resposta à segunda questão, ou seja, a obtenção dos efectivos necessários, passa por um conhecimento oportuno e actualizado da situação no início da entrada em vigor da lei e pela adopção de um modelo assente nas seguintes bases: uma estrutura de recrutamento que aproveite os valiosos conhecimentos dos ramos nesta matéria; um recenseamento centralizado que permita o conhecimento mais rigoroso possível do potencial humano; a prestação do serviço militar por tempo que corresponda às exigências das Forças Armadas e às expectativas dos cidadãos; um sistema de incentivos diversificado e progressivo, de fácil aplicação, que vá ao encontro de motivações dos jovens e que se traduza numa regulamentação clara para a sua atribuição; um mecanismo que previna a não obtenção dos efectivos necessários, em tempo de paz, para a manutenção do sistema de forças aprovado; e um período de transição que, tendo como principal destinatário o exército, dê solidez à mudança e permita as transformações necessárias.
Enunciadas desta forma genérica algumas questões sensíveis, de cuja solução vai depender, em grande parte, o êxito de tão importante reforma da instituição militar, desenvolverei algumas destas ideias, dando a conhecer as razões da sua adopção e o seu modo de funcionamento, que, de forma exaustiva, serão objecto de regulamentação própria, a qual se encontra em fase adiantada de elaboração, de modo a que os prazos previstos na proposta de lei sejam rigorosamente cumpridos.
A estrutura de recrutamento que se propõe visa responder, não só à obtenção dos recursos humanos para o recrutamento normal, como à prestação do serviço efectivo decorrente da convocação ou mobilização. No essencial, assenta numa direcção que coordene todo o processo de recrutamento normal e excepcional, faça o tratamento de uma base de dados pessoais controlando a situação das reservas de recrutamento e de disponibilidade e planeie e execute a política de marketing, apoiada num ou mais centros de recrutamento por ramo, a quem competirá aferir a aptidão funcional dos cidadãos.
O recenseamento é uma questão da mais complexa delicadeza e solução, pois está ligado ao conhecimento do universo de cidadãos que em cada ano perfazem os 18 anos e as condições em que se encontram durante um determinado período da sua vida para poderem satisfazer as necessidades decorrentes de um recrutamento excepcional.
No sistema actual, este conhecimento obtém-se, basicamente, através de operações de recenseamento e de classificação e selecção, ambas obrigatórias.
Num modelo de recrutamento que privilegia o voluntariado, como obter o conhecimento do potencial de jovens com idade e em condições de cumprirem as obrigações militares em situações de excepção?
Numa primeira fase, o recenseamento é baseado em ficheiros automatizados de dados pessoais fornecidos por entidades públicas e centralizado no Departamento Central de Recrutamento. Torna-se necessário, para isso, que seja aprovado, em lei, o respectivo regime jurídico, a definir pela Assembleia da República.
Na segunda fase, este ficheiro será complementado e actualizado com outros dados pessoais com interesse para a prestação do serviço militar, fornecidos por outras entidades públicas em conformidade com legislação a aprovar.
Não posso deixar de me referir à vantagem de se poder evoluir para um recenseamento com características sociais, que logicamente aproveitaria as estruturas públicas existentes e disseminadas pelo País, em natural cooperação com estruturas da defesa e com um suporte financeiro bem definido pelo Orçamento do Estado.
Para além de ser salutar que um jovem aos 17-18 anos faça um exame global à sua saúde e faculdades, úteis para a sua orientação na vida, vivemos uma situação demográfica que pode agravar-se por falta de diagnósticos precoces. O recenseamento social tem evidente interesse se associado a acções educativas para a saúde, a acções de natureza preventiva e à indicação de uma rede sanitária de avaliação de anomalias. Naturalmente que os dados a enviar para o Departamento Central de Recrutamento seriam definidos por lei, salvaguardando os direitos e garantias dos cidadãos.
Sr.ªs e Srs. Deputados, a duração do serviço militar em regime de contrato, por períodos entre os 2 e 9 anos e 2 e 20 anos, para determinadas áreas funcionais, atende às necessidades da instituição militar e às especificidades dos ramos, classes, armas, serviços ou especialidades, procurando, também, satisfazer as expectativas de reintegração na sociedade civil dos cidadãos, conjugando estes tempos com a atribuição progressiva dos incentivos.
As especificidades vão, como se sabe, desde os infantes aos engenheiros, desde os pilotos aos marinheiros, desde os administradores aos especialistas de comunicação, desde os técnicos de manutenção aos médicos militares.
Uma questão de extrema sensibilidade é a do sistema de incentivos ao regime de contrato. A lei aposta na integração e manutenção de cidadãos nas Forças Armadas e na sua respectiva inserção ou reinserção no mercado do trabalho. Para atingir esta finalidade, os incentivos devem obedecer a princípios de flexibilidade e diversidade, atentos à evolução científica, tecnológica, profissional e cultural da sociedade e ao princípio da progressividade, adequado ao tempo de permanência do cidadão na instituição militar.
Enunciarei aqui algumas ideias mestras contidas na proposta e que enformarão o respectivo regulamento.
Diversos estudos, uns já concluídos outros em progresso, apontam para a reorganização do ensino e da formação nas Forças Armadas, partindo-se de uma base de inegável qualidade. Torna-se, porém, urgente que os cursos, sem pré-

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juízo da formação militar, obedeçam a créditos e módulos que permitam a sua validação automática, permitindo a atribuição, sem reservas, de diplomas académicos ou de títulos profissionais de valor nacional e, nalguns casos, internacional ou facilitem a obtenção desses diplomas e títulos com a frequência de créditos bem definidos que não foram ministrados. O ensino à distância irá desempenhar um papel decisivo nesta área e, bem assim, diversas modalidades de aprendizagem flexível. A qualificação profissional dos militares é, assim, um objectivo prioritário decorrente desta lei.
Por outro lado, no quadro das estruturas das Forças Armadas vai intensificar-se a criação progressiva de condições, nas unidades militares, para apoio ao estudo e para o combate ao analfabetismo informático.
A visão estratégica na área da qualificação profissional, a meta a atingir no ano 2006, é a de que as praças deverão ter oportunidades para atingir o nível 3 de formação profissional, os sargentos o nível 4, correspondente a diplomas tecnológicos de dois anos de formação superior, e os oficiais a licenciatura e, nalguns casos específicos, o mestrado e o doutoramento.
Temos essa obrigação para com os jovens que prestam serviço militar voluntário!
As retribuições financeiras que constam da actual proposta abrangem uma remuneração baseada nos níveis retributivos, incluindo suplementos, abonos e subsídios dos correspondentes postos dos militares dos quadros permanentes. Os contratados terão direito a alojamento gratuito e a alimentação e fardamento. Está ainda prevista a atribuição de uma prestação pecuniária no fim do serviço efectivo calculada em função do tempo de serviço, tomando como base de referência a atribuição de um mês por cada ano de serviço efectivo.
E, então, no âmbito do mercado de trabalho?
No apoio à inserção e reinserção no mercado de trabalho, permitam-me colocar, aqui, em primeiro lugar, pela natureza exemplar e pelo sinal que isso representa para a sociedade portuguesa, a mudança radical traduzida pelo abate das barreiras insólitas entre as Forças Armadas e a Administração Pública.
Em condições iguais de qualificação profissional e prestado um número de anos de serviço a definir com os ramos, podem, terminado o seu contrato, os cidadãos concorrer a concursos internos de ingresso em todos os serviços da administração central, local e regional autónoma, incluindo os institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos. E é ainda possível que, após um número de anos de serviço efectivo a determinar, sejam candidatos a concursos internos de acesso geral para preenchimento da primeira categoria intermédia das carreiras, desde que tenham cumprido funções que se integrem em área funcional dessa carreira e possuam o tempo de serviço necessário para a promoção naquela categoria.
Gozarão, ainda, do direito de preferência, em igualdade de circunstâncias, nos concursos externos abertos nos serviços e organismos públicos anteriormente mencionados.
Outra área objectiva de aplicação do sistema de incentivos é a contingentação de vagas para ingresso nos quadros permanentes das Forças Armadas e nas forças de segurança, contingentação que será, naturalmente, mais elevada nestas últimas, na Guarda Nacional Republicana.
Ainda neste âmbito, os militares em regime de contrato beneficiarão de preferência no âmbito do preenchimento dos quadros civis das Forças Armadas, dos órgãos e serviços centrais e de organismos tutelados pela defesa, em condições de igualdade. O mesmo se aplicará à sua inserção em organismos internacionais militares e nos quadros da cooperação técnico-militar.
A inserção e reinserção no mercado de trabalho abrange, ainda, a habilitação a prestações de desemprego, apoio a iniciativas locais e empresas familiares, bem como a celebração de protocolos com empresas e a frequência de estágios profissionais.
Nestes domínios, o Ministério da Defesa Nacional procederá a negociações com outros departamentos do Estado para que as conclusões sejam logo vertidas no decreto regulamentar e irá negociar protocolos com as associações industriais, designadamente a Associação Industrial Portuguesa e a Associação Industrial Portuense, e com associações sócio-profissionais, com particular referência às centrais sindicais UGT e CGTP e, ainda, com as câmaras municipais.
Uma área importante a explorar relaciona-se com a implantação dos programas previstos, como os «Jovens das Forças Armadas para as Empresas», «Jovens das Forças Armadas para o Ambiente», «Jovens das Forças Armadas para a Protecção de Florestas» e «Jovens das Forças Armadas para a Cultura». Estes programas poderão beneficiar dos fundos comunitários e introduzir inovações interessantes, contribuindo para maior visibilidade da instituição militar.
Recordo que, para uma nova imagem das Forças Armadas, pode contribuir a divulgação do seu património, dos museus, dos arquivos, das bibliotecas e das suas múltiplas publicações.
A cláusula de salvaguarda, por forma a prevenir a existência de efectivos mínimos das Forças Armadas em tempo de paz, que funcionará apenas a título excepcional e depois de esgotados todos os mecanismos de adaptação de carreiras e renovação de contratos, aplicação flexível de incentivos e campanhas de sensibilização, constitui a última segurança do País para garantir, em permanência, a indispensável estabilidade dos efectivos da instituição militar.
Não se trata da conscrição, pois é estritamente excepcional, nem tão-pouco da manutenção do actual sistema misto.
Perante dúvidas na aplicação desta cláusula, estamos abertos a que, nesta questão, a decisão do Governo seja precedida de audição do Conselho Superior de Defesa Nacional e da Assembleia da República.
Falaremos, certamente, durante a discussão, no período de transição.
Para terminar, quero apenas dizer que não podemos perder tempo na implementação da lei. O Governo está na disposição de realizar o esforço financeiro necessário para que seja um sucesso.
Reitero a total abertura, direi mesmo, o intenso e gratificante desejo de, com o apoio dos Srs. Deputados, se contribuir para a melhoria da lei, colocando-me, bem como o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, à total disposição de V. Ex.ª para todos os esclarecimentos.
Como disse António Sérgio, «ninguém manda florir a roseira, mas se lhe derem as condições que lhe são favoráveis, os botões virão, hão-de abrir-se à luz».

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Por isso, tenho a certeza de que se todos contribuirmos com as nossas ideias para uma lei que é de todos e para todos, poderemos, um dia, dizer: «Eu fui ver o futuro, e funciona».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Sílvio Rui Cervan, João Amaral e Pedro Passos Coelho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, dispondo de 3 minutos.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, notícias vindas a público criaram uma expectativa em muitos jovens portugueses de que o serviço militar obrigatório (SMO) iria terminar. Cabe aqui lembrar que o CDS-PP votou favoravelmente a eliminação do texto constitucional daquele mesmo preceito, com esse mesmo objectivo. Portanto, não estamos contra esse princípio e até concordamos com o que o Sr. Ministro acabou de dizer, da tribuna, como escopo desse mesmo objectivo.
Notícias mais recentes, nomeadamente de ontem e de hoje, publicadas em diários de grande tiragem, alertam para o facto de poder estar em risco o princípio da eliminação do serviço militar obrigatório.
Sr. Ministro, como explica, de forma sintética, que as expectativas desses jovens possam ser goradas e, a não o serem, como explica o gradualismo na eliminação do serviço militar obrigatório? É que há que explicar este gradualismo, mas o Sr. Ministro apenas diz que o prazo não pode exceder quatro anos.
Pergunto ainda: como são escolhidos, como são seriados? Pergunto, também, como será feita a programação dos meios financeiros para essa opção? É que se trata de uma opção que custa muito dinheiro, pelo que queríamos saber como está a ser feita a programação financeira referente à eliminação progressiva da prestação do serviço militar obrigatório.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Ministro da Defesa Nacional informou a Mesa que responderá no fim, em conjunto, a todos os pedidos de esclarecimento.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, creio que, em primeiro lugar, deveríamos agradecer ao Sr. Ministro o facto de ter posto o seu «ajudante» à disposição da Comissão de Defesa Nacional. Registamos, pois, esse facto, embora lamentemos que o próprio Sr. Ministro não se tenha posto à disposição da Comissão. Mas é sempre importante ouvir aqui recuperada a tese de que um Secretário de Estado é um «ajudante» de Ministro...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Mas é por si!

O Orador: - Passo às duas questões centrais que queria colocar-lhe, a da proposta de lei do serviço militar e a da alteração à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, e, depois, também queria fazer um pequeno aditamento.
Quanto à proposta de lei do serviço militar, a questão que mais impressionou na intervenção do Sr. Ministro foi a completa irrelevância que, afinal, teve no seu discurso o conjunto de audições que a Comissão de Defesa Nacional efectuou.
Creio que o lapso será de todos, e meu também, pois ninguém teve o cuidado de enviar para o Ministério da Defesa Nacional os relatos e os depoimentos, nomeadamente escritos, que foram produzidos naquela sede. É que estes últimos, mais do que qualquer outra coisa, puseram em evidência as enormíssimas debilidades da proposta que o Governo apresentou. Não vou atribuir essas debilidades a ninguém em particular, mas o que se passa é que a proposta de lei não consegue resolver as questões centrais que são colocadas pela passagem de um modelo assente no serviço militar obrigatório para um outro assente em profissionais e contratados.
As questões centrais são duas.
A primeira é a de garantir que o número de efectivos é efectivamente preenchido. Ora, a proposta de lei resolve esta questão de uma forma muito simples: mantém o serviço efectivo normal, isto é, mantém o SMO. Afinal, a proposta configura a continuação do SMO por outros caminhos.
Em segundo lugar, a proposta de lei deveria responder ao problema do aumento da capacidade das Forças Armadas em situações de crise, mas não o faz. Ou seja, só responde a esse problema pela via da convocação dos que já prestaram serviço, criando, nomeadamente, uma situação particularmente preocupante quando elimina o recenseamento militar, o que foi criticado por toda a gente, sem excepção.
Ora, eliminado o recenseamento militar não só se impede o conhecimento de qual é a capacidade militar do País, não só se quebra uma das formas de conseguir concretizar uma forma de relacionamento entre as gerações e a instituição militar, como, no fundo, se inviabiliza o que é a base de uma capacidade permanente de mobilização. É, portanto, uma opção absolutamente errada.
Em matéria de incentivos, a proposta de lei é vaga, é «nebulosa». Sei que tem longas páginas sobre os doutoramentos e os mestrados, mas, para soldados de infantaria, serão grandes as dificuldades quanto ao doutoramento.
Falando de coisas muito concretas - e o que move os cidadãos são problemas muito concretos -, como verá, para os soldados de infantaria, a incorporação constitui a resposta muito concreta à competição existente no mercado de trabalho. Ora, está proposta de lei não lhes dá as respostas devidas:
Quanto à proposta de lei de alteração da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, é irrelevante na sua maior parte porque é a transcrição de alterações constitucionais. O que interessa é o artigo 31.º.
Ora, Sr. Ministro, a formulação proposta pelo Governo neste artigo 31.º não é uma inovação aceitável, particularmente no que diz respeito à questão central que é a do associativismo sócio-profissional.
Na verdade, o Sr. Ministro, pese embora as suas palavras no sentido de uma tentativa de diálogo, mantém a indicação de que os militares apenas podem ser filiados em associações profissionais de carácter técnico ou deontológico. Isto é a mesma coisa!

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Assim, ou o Sr. Ministro diz expressamente que retira essa formulação da proposta de lei, isto é, que elimina da mesma a exigência de que as referidas associações apenas tenham natureza técnica ou deontológica ou a proposta de lei limita-se a repetir, por outras palavras, o que já existe.
Sr. Presidente, queria terminar com um pequeníssimo aditamento, dirigido ao Sr. Presidente e a toda a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, porque penso que, apesar de tudo, devemos sempre encarar estas coisas com algum humor.
Ora, sem dúvida nenhuma que há algum humor no facto de ter sido agendado este debate com a presença de V. Ex.ª, Sr. Ministro, para este dia 24 de Março, em que se celebra o Dia do Estudante!

Aplausos do PCP.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, ainda estou um tanto aturdido com a exposição que fez, sobretudo porque a mesma não trouxe qualquer esclarecimento quanto a algumas matérias que era importante esclarecer.
Primeiro, desde 1991, abriu-se caminho, em Portugal, para a profissionalização das Forças Armadas, o que implica não somente, para a juventude portuguesa, a extinção do serviço militar obrigatório mas, para toda a sociedade portuguesa, uma nova filosofia de encarar a instituição militar nos tempos modernos.
O sistema misto que decorreu a partir de 1991 permitiu, inexoravelmente, que estivesse na agenda política, não de hoje mas de há anos atrás, Sr. Ministro, a profissionalização das Forças Armadas.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Por que é que vocês não o fizeram?!

O Orador: - Depois de o Partido Socialista ter responsabilidades no Governo e ainda antes da revisão constitucional - segundo facto incontornável! -, o seu antecessor no cargo de Ministro da Defesa veio dizer que já tinha encomendado uns estudos que, no quadro da presente legislatura, iriam conduzir à extinção do serviço militar obrigatório e à profissionalização das Forças Armadas.
Feita a revisão constitucional, há, praticamente, dois anos, vimos a saber que, afinal, o Ministro da Defesa entende que ainda não está chegada a hora da profissionalização, que a mesma deve chegar talvez daqui a quatro anos. Talvez daqui a quatro anos!
O Deputado João Amaral já aqui referiu - e muito oportunamente - que o Sr. Ministro, na apresentação destas propostas de lei, perdeu uma boa oportunidade de responder desde já às críticas que foram sendo suscitadas, nomeadamente em sede de audições na Comissão de Defesa Nacional. Por mim, diria que o Sr. Ministro da Defesa Nacional perdeu uma boa oportunidade de explicar-nos neste Plenário o que é que o Governo andou a fazer durante estes três anos e meio para, agora, vir afirmar que, daqui a quatro anos, talvez possa ser chegada a hora da profissionalização das Forças Armadas.
Sr. Ministro, as Forças Armadas encararão esta medida como uma medida de fundo. Como o senhor sabe, não é possível manter uma instituição como as Forças Armadas, durante quatro, cinco, seis anos, na expectativa de qual é o seu papel no seio da sociedade portuguesa e de qual é a sua função no Estado moderno em que vivemos.
Nessa medida, a transição que o Sr. Ministro defende é um logro, porque não é transição nenhuma, é a institucionalização da transição dentro das Forças Armadas. Sr. Ministro, a nosso ver, além de uma fraude política, isso é uma irresponsabilidade.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No fundo, o que o Sr. Ministro vem fazer está ao nível da confiança que o Sr. Primeiro-Ministro lhe reafirmou.
Sabemos que já é muito difícil exercer o lugar que V. Ex.ª exerce, por todas as razões que são conhecidas, mas, depois da intervenção aqui fez, percebo a expressão de confiança que o Sr. Primeiro-Ministro lhe dirigiu. É que, de facto, o Sr. Ministro está bem ao nível da maioria do Governo que, durante quatro anos, tem andado num logro, a prometer estudos, a prometer reformas, mas, no fim, apenas traz à Assembleia a promessa de que talvez numa próxima legislatura exista um governo que possa proceder às reformas.
O que queremos manifestar - e assim concluo, Sr. Presidente - é que, com certeza, haverá na próxima legislatura um governo que leve por diante estas reformas...

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Deviam tê-la apresentado há quatro anos!
O Orador: - Mas nós próprios, ao apresentarmos também um projecto de lei sobre esta matéria, quisemos ter a certeza de que, nesta legislatura e apesar da vontade do Governo, poderíamos empreender decisivamente esta reforma que atinge não apenas as Forças Armadas mas também a sociedade portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional, para o que dispõe de 5 minutos.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, serei muito sintético.
O Ministro da Defesa e o Sr. Secretário de Estado da Defesa são ambos Membros do Governo e estão ambos à vossa disposição para esclarecer estes problemas...

O Sr. João Amaral (PCP): - Cada um fala por si, não é?!

O Orador: - ... e melhorar esta proposta de lei. No nosso caso, não existem «ajudantes»!

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O segundo ponto é o de que VV. Ex.ªs, porventura, nada ouviram do que eu disse,...

Vozes do PS: - É natural!

O Orador: - ...º que é natural. Mas pode ter sido por naturalidade ou de propósito.
É que se tivessem lido a proposta de lei e se, ao mesmo tempo, também tivessem tomado atenção às aberturas que são feitas e que constituem aperfeiçoamentos à lei, teriam concluído que, afinal, não só ouvi as audições como meditei sobre elas. Posso mesmo dar-vos dois exemplos, porque espero que aqui haja honestidade intelectual no raciocínio.
Vejamos, então, se formos para essa base, se é ou não verdadeiro o que vou dizer.
Vamos ao problema essencial que o Sr. Deputado colocou no sentido de que há aqui uma mistificação porque o serviço militar obrigatório «aí está à porta» e, quando o regime de voluntariado em tempo de paz não é suficiente, o Governo até vai logo para o serviço militar obrigatório.
Ora, neste domínio, abri a VV. Ex.ªs a possibilidade de que tal só será feito não apenas por resolução do Conselho de Ministros mas também após audição do Conselho Superior de Defesa Nacional, presidido, como VV. Ex.ªs devem recordar, pelo Sr. Presidente da República, e, ainda, a audição efectuada em sede da Comissão de Defesa Nacional, entidades estas que, obrigatoriamente, terão de dar parecer favorável. Ora bem, gostaria de saber se aqui foram ou não ouvidas as audições.
Vejamos outra questão.
VV. Ex.ªs querem resolver estes problemas mais ou menos como por «passes de mágica». Não sei se algum de VV. Ex.ªs quer ser ilusionista...!
Na verdade, acontece que em nenhum país europeu deixou de existir o período de transição.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Muito bem!

O Orador: - Assim, por exemplo, na Bélgica, aquele período de transição foi de três anos e não surtiu bem, tendo sido aumentado para sete anos; na Holanda, cinco anos; em França, cinco anos; na vizinha Espanha, quatro anos.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Exactamente!

O Orador: - Aqui, por «artes de mágica», VV. Ex.ªs, com uma lei da Assembleia da República, resolvem o problema! Julgo que isto não tem seriedade intelectual. E não tem porquê?
Examinemos, com profundidade, a respectiva questão: a Força Aérea já está profissionalizada; a Armada terá, apenas, de resolver o problema de 1000, que, naturalmente, terá de recrutar, substituindo a situação existente; no Exército, serão 6000. Ao contrário do que V. Ex.ª diz, de que a instituição militar quer isso por «artes de mágica» repentina, devo dizer que os estudos do Exército apontam o período de transição para 5 anos, a proposta deles é exactamente de 5 anos, mas nós vamos tentar reduzir para 4 anos.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - É que o PSD nunca foi poder!

O Orador: - Quero também dizer a VV. Ex.ªs que todos os custos estão calculados dentro, naturalmente, daquilo que é previsto no âmbito da lei e, Sr. Deputado, no âmbito do período de transição, as verbas que estão calculadas para se proceder à consecução do processo para atingir o nível normal é de 20,5 milhões de contos, sendo essa quantia destinada a pessoal, a infra-estruturas, à modernização de centros de recrutamento, à criação de condições de atractividade através de centros de desenvolvimento de tecnologias para os jovens.
Se VV. Ex.ªs conseguirem fazer essas modificações infra-estruturais em todas as Forças Armadas, sem esquecer, naturalmente, a presença das mulheres e que não podemos ter casernas com 80 ou 100 jovens - teremos de remodelar tudo -, se VV. Ex.ªs conseguirem fazer tudo isso de repente, naturalmente que eu gostarei de os ouvir e de receber essas vossas lições, porque, se tal for possível, eu serei o primeiro a aderir a esse processo. Mas, então, VV. Ex.ªs fazem uma coisa que nem os belgas, nem os holandeses, nem os franceses foram capazes de fazer.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Nem o PSD!

O Orador: - Realmente VV. Ex.ªs só pretendem fazer isso porque sabem que não vão ganhar as próximas eleições e não vão ser governo!

Aplausos do PS.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Para defesa da honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, visivelmente o Sr. Ministro começa a estar excessivamente deslocado destes debates, porque, quando lhe falta a razão política, resolve fazer comentários que, além de mau gosto, revelam uma formação que, julgo, não é adequada para estes debates.
Quando eu aqui vim chamar a atenção para o facto de o Governo andar há mais de três anos e meio a estudar um problema sem agir politicamente sobre ele vim, no fundo, denunciar uma situação que é conhecida de todos e o Sr. Ministro, em resposta, vem dizer que o PSD não tem seriedade intelectual, não tem honestidade intelectual e que quer resolver o problema com «passes de mágica».

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - O Sr. Ministro não disse isso!

O Orador: - O Sr. Ministro António Costa quer usar da palavra para intervir no debate ou gosta só de fazer comentários à margem? É porque gostava que me deixasse concluir aquilo que estava a dizer.

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Portanto, o Sr. Ministro da Defesa Nacional quer vir dizer que as tímidas alterações que aqui veio desenhar dão ouvido a todas as críticas que foram feitas. Mas, Sr. Ministro, a crítica principal tem que ver com a credibilidade do próprio diploma. Eu, de resto, do lado do Exército, nem pediria 5 anos, até pediria 10 ou 15. O problema não está no tempo, Sr. Ministro; o problema está na vontade política, e isso não é um «passe de mágica», embora para este Governo o pareça. Só por «artes mágicas» é que este Governo parece ter vontade política para fazer seja o que for que não seja manter transitoriamente uma situação por tempo indeterminado.
Sr. Ministro, a iniciativa que o PSD apresentou visou, desde logo, uma coisa: impedir que esta legislatura visse apodrecer uma iniciativa que foi publicamente criticada, nomeadamente, pelas chefias militares. Em segundo lugar, a iniciativa do PSD visa não deixar possibilidade de haver uma decisão nesta legislatura sobre esta matéria. Diz o Sr. Ministro que isto é um «passe de mágica» e que revela falta de seriedade. Sr. Ministro, a nossa posição é exactamente a inversa. Se o Governo estivesse com seriedade política, uma vez que a intelectual e as outras não sei destrinçar, mas, repito, se estivesse com seriedade política nesta matéria, não vinha dizer à sociedade portuguesa, e aos jovens, que, nos próximos 4 anos, vai fazer aquilo que não fez nos últimos 4 anos. Isso é que não é sério, Sr. Ministro!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, V. Ex.ª fez várias provocações, não respondi a nenhuma e pode cansar-se que nunca responderei a nenhuma.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, quero dizer-lhe, mais uma vez, que, em todos os países que adoptaram a profissionalização, o tempo de transição, após a aprovação da lei, foi aquele que há pouco referi.
Se V. Ex.ª for capaz de me dizer como é possível num ano ou rapidamente atingir os objectivos inerentes a esse período de transição, eu terei o maior gosto em ouvi-lo.
Por outras palavras, como é que V. Ex.ª resolverá o problema das infra-estruturas? Como é que V. Ex.ª criará as condições para atrair o voluntariado? Como é que V. Ex.ª promoverá o redimensionamento num ano só? V. Ex.ª vai dizer isso e vai dizer quanto é que tal irá custar. Muito mais do que aquilo que pode ser feito em 4 anos.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Vou é dizer que V. Ex.ª está lá há 4 anos e não fez nada!

O Orador: - Sr. Deputado, o que, efectivamente, aqui lhe estou a dizer é que não qualifiquei nem partidos nem pessoas de falta de seriedade intelectual. O que eu disse foi que a nossa discussão deveria obedecer a critérios de seriedade intelectual e é a esses critérios que eu quero que V. Ex.ª obedeça no sentido de responder de forma concreta às perguntas que lhe fiz. Portanto, Sr. Deputado, diga-me como é que o fará. Agora, V. Ex.ª não tem o direito de insultar o Exército português.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral, para defender a consideração da sua bancada.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, esta figura regimental permite-me colocar-lhe uma questão muito directa e muito simples. Há pouco, fiz algumas considerações mas também lhe coloquei um problema muito concreto relativo ao artigo 31.º, n.º 6, da proposta de lei n.º 216/VII. Assim, solicito ao Sr. Ministro que ou me responda ou, então, que me deixe deduzir que não quer fazer qualquer alteração. Isto é, ou o Sr. Ministro me responde «sim» ou «não» ou, então, interpretarei o seu silêncio no sentido de que mantém a norma tal como está.
Sr. Ministro, para me guiar neste debate, nomeadamente em relação a essa norma, tenho de ser esclarecido sobre se o Sr. Ministro quer manter, ou não, essa parte da norma.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, eu diria ao Sr. Deputado João Amaral que o Ministro da Defesa manifesta a maior abertura no sentido de esse problema ser resolvido.

Risos do PSD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A necessidade de evolução do modelo de prestação do serviço militar da conscrição para a profissionalização há muito que se tomara evidente, por razões sobejamente conhecidas.
O fim da ameaça bipolar, o surgimento de conflitos regionais de baixa e média intensidade a originarem o recurso crescente à constituição de forças multinacionais, com missões de imposição ou manutenção da paz e o desenvolvimento de sistemas de armas de grande sofisticação, são algumas dessas razões.
Consciente da necessidade de evoluir para a completa profissionalização, o governo do PSD, em 1991, reduziu o tempo de duração do serviço militar e introduziu os regimes de prestação voluntária e contratual do serviço militar. Estavam, assim, dados os primeiros passos, determinantes, para a transição gradual do modelo.
Quando o Governo Socialista iniciou o seu mandato, em 1995, restava-lhe, tão-só, concluir o processo, como, aliás, o, então, Ministro da Defesa Nacional, Dr. António Vitorino, reconheceu na sua primeira reunião com a Comissão Parla-

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mentar de Defesa Nacional e como a «Exposição de motivos» da proposta de lei reconhece, em 3.A, ao referir: «A transição para um novo modelo de voluntariado apresenta-se facilitada pelo actual sistema misto de serviço militar, que já contempla, a par da conscrição, regimes de prestação de serviço de natureza voluntária (...)».
Mas, como se viu ao longo dos anos, as palavras não foram acompanhadas dos actos, a facilidade herdada não foi aproveitada e a estagnação e imobilidade foram-se instalando, com os efeitos que são conhecidos nesta área tão sensível da governação.
E nem as limitações constitucionais, aliás ultrapassadas na revisão de 1997, servem de desculpa para a inércia, porquanto era do conhecimento do Governo Socialista a posição de partidos com assento parlamentar, entre os quais o PSD, que garantiam o apoio necessário para a desconstitucionalização da obrigatoriedade do serviço militar.
Passados que são três anos e meio de mandato, o Governo entendeu, finalmente, pedir o agendamento do seu instrumento legislativo para a consagração de uma nova modalidade de prestação do serviço militar, o qual fizera dar entrada nesta Assembleia, timidamente, em Novembro de 1998. Dir-se-ia: mais vale tarde do que nunca, mas não é o caso, como veremos.
Várias são as questões que se colocam com Forças Armadas totalmente profissionalizadas, umas do ponto de vista da cidadania, outras do ponto de vista da organização e funcionamento.
A primeira nota que se impõe, para melhor compreensão do problema, diz respeito à incidência desta nova modalidade. É que a repercussão, do ponto de vista organizacional, vai fazer-se sentir, essencialmente, na componente terrestre das Forças Armadas, ou seja, no ramo Exército, uma vez que nos restantes ramos o recurso à conscrição é já muito limitado.
Uma vez excluída a conscrição, como forma de recrutamento, estaremos confrontados com o perigo de alheamento dos cidadãos do dever de participarem na defesa militar do País. É aquilo que se costuma designar por perda da consciência de defesa.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Há, pois, que criar condições para que o cidadão perceba o conteúdo do dever e direito de defesa e, em consequência, se mantenha consciente desse seu direito e dever.
Várias podem ser as soluções para alcançar tal objectivo, nomeadamente através do sistema educativo e da divulgação, informação e sensibilização públicas.
Mas sem dúvida que a solução mais eficaz implica o contacto directo com a instituição militar, com o objectivo de completar os ensinamentos obtidos no sistema educativo e desenvolver a consciência do dever de defesa. É o estabelecimento dos laços entre a Nação e as Forças Armadas. E aqui encontramos a primeira grande e grave falha da proposta do Governo. Não só não faz qualquer referência ao problema na «Exposição de motivos» como não consagra, no articulado, com carácter pedagógico, qualquer contacto preliminar entre os jovens e a instituição militar, aquilo a que os franceses chamam journée d'appel.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas mais: a proposta do Governo acaba com o recenseamento militar, o que, para além de eliminar o primeiro acto de consciencialização do dever de defesa, impede o conhecimento do universo de cidadãos em condições de recrutamento, no caso de necessidade de um recrutamento excepcional, e é qualificado pelos mais diversos especialistas na matéria, civis e militares, como um elevado risco (isto nas versões mais polidas...), sem a existência de outro recurso válido para o mesmo fim.
Diz o Governo que o recenseamento não acaba, que é substituído por um recenseamento social, mas não lhe peçam para explicar em que consiste esse novo recenseamento, porque não é capaz de o fazer sem se enredar em articulações burocráticas, cruzamentos e manipulações de dados manifestamente lesivos dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e, portanto, inconstitucionais. Tudo isto porque o Governo decidiu poupar na cidadania para gastar no clientelismo, no favorecimento, na demagogia e na propaganda.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Todos sabemos que os recursos do País são escassos e que, em consequência, os governos devem ser racionais e rigorosos na utilização do dinheiro dos contribuintes, o que, infelizmente, não acontece, demasiadas vezes, com o Governo que temos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Contudo, a proposta do Governo situa-se numa área que não pode ser encarada numa perspectiva meramente economicista.
A defesa militar da independência nacional, da integridade territorial e da liberdade e segurança dos portugueses constitui um objectivo essencial à garantia de Portugal como Estado soberano e ao instrumento da defesa militar, as Forças Armadas, têm de ser garantidas as melhores condições possíveis para o desempenho dessas e de outras missões constitucionalmente consagradas.
Um outro problema com que nos confrontamos, ao optar por Forças Armadas totalmente profissionalizadas, é o seguinte: o sucesso do modelo depende da capacidade de motivação dos jovens para o voluntariado ou para o contrato e esta, por sua vez, depende, essencialmente, dos incentivos que forem disponibilizados para a prestação do serviço e para a posterior integração no mercado de trabalho. Ou seja, a credibilidade da proposta do Governo e o futuro das Forças Armadas portuguesas dependem do grau de empenho e da vontade política na real concessão dos incentivos.
Dir-se-á que o Governo teve consciência disso e consagrou um capítulo da sua proposta aos incentivos que de tão completos e aliciantes até dá a sensação de ter descoberto petróleo nas Berlengas.

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A verdade, porém, é outra. É que todos os incentivos que constam da proposta necessitam de ser regulamentados para que do papel passem à realidade. E quanto a esses regulamentos o Governo não se «descose». Tendo sido solicitado ao Sr. Ministro da Defesa que o Governo fizesse acompanhar a proposta de lei ora em apreço a esta Assembleia dos anteprojectos de regulamento dos incentivos, como a propósito de outras matérias outros governos, em circunstâncias idênticas, procederam, a resposta foi na altura evasiva e, constatamos, hoje, negativa.
Tal facto, aliado à circunstância de sempre o Governo se ter recusado a quantificar os custos do novo modelo, é elucidativo dos seus propósitos.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD):- Muito bem!

O Orador: - Mas se alguma réstia de seriedade este projecto aparentasse, há um passo da «Exposição de motivos» que a afasta definitivamente. Passo a citar o ponto 4.4, alínea a): «A sustentabilidade do novo modelo exige a previsão de uma modalidade de recrutamento excepcional que permita assegurar, face às necessidades, a estabilidade de efectivos mínimos em tempo de paz, quando não garantida por pessoal voluntário. Deve a lei admitir, nesse contexto de excepção, a retoma residual da conscrição por accionamento da reserva potencial constituída por todos os cidadãos portugueses dos 18 aos 35 anos.»
E a proposta de lei, no seu artigo 26.º, que tem como epígrafe «Serviço efectivo por convocação», admite, no n.º 1, o seguinte: «Os cidadãos que se encontrem na situação de reserva de recrutamento podem ser convocados para prestação de serviço efectivo com uma antecedência mínima de 60 dias, por resolução do Conselho de Ministros, após audição pelo Ministro da Defesa Nacional do Conselho de Chefes de Estado-Maior, nos casos em que a satisfação das necessidades fundamentais das Forças Armadas em termos de salvaguarda de efectivos mínimos em tempo de paz, não seja suficientemente assegurada, por períodos de quatro meses prorrogáveis até um máximo de doze meses.»
Ou seja, o que o Governo propõe, no caso de, em cada ano, em tempo de paz, os voluntários não serem suficientes para preencher os efectivos mínimos das Forças Armadas, é o recurso ao sistema actualmente em vigor, chamando para o serviço militar jovens dos 18 aos 35 anos por períodos de quatro meses, prorrogáveis até 12 meses.
E como se percebe que a vontade do Governo em efectivar os incentivos de fornia a serem atractivos é pouca ou nenhuma, sendo, portanto, a motivação para o voluntariado insuficiente, haverá todos os anos necessidade de recorrer aos conscritos, tal como hoje acontece.
O que o Governo nos propõe, de forma encapotada, tentando enganar os portugueses, é a manutenção do actual sistema misto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Afinal, o Governo socialista não pretende acabar com o serviço militar obrigatório.
Esta proposta não passa de uma escandalosa mistificação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E que dizer da descriminalização da falta à incorporação dos cidadãos convocados, passando tal conduta a constituir uma contra-ordenação, como nos propõe o Governo, num abaixamento chocante nos meios de tutela dos valores subjacentes à prestação do serviço militar e ao dever constitucionalmente consagrado de todos os cidadãos participarem na defesa nacional?
As consequências estão à vista: quem tiver dinheiro furta-se à incorporação; quem o não tiver, é recrutado.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para além da profunda desigualdade social, a garantia de apresentação dos efectivos convocados diminuiria significativamente.
E não posso deixar passar em claro a justificação do Sr. Ministro da Defesa para tão significativa alteração: é que alegou Sua Excelência que os tribunais andam entupidos com este tipo de processos... Registamos a preocupação do Governo com os processos...
Aliás, com essa fundamentação, poderá V. Ex.a, Sr. Ministro, sugerir ao seu colega da Justiça uma solução expedita para o entupimento dos tribunais e sobrelotação das cadeias: ele que reveja o Código Penal e descriminalize uns tantos comportamentos. Os criminosos, em vez de pena, passam a pagar coima, e tudo fica melhor: os cofres enchem-se, os tribunais desentopem e as cadeias aliviam a lotação.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Como se isto não bastasse, veio um jovem Sr. Deputado do Partido Socialista, certamente com receio de que as iniciativas legislativas que apresentou até agora não fossem suficientes para o mandarem para Bruxelas, propor a redução da moldura sancionatória aplicável ao incumprimento dos deveres de apresentação ao recenseamento e outros deveres conexos-tal é o conteúdo do projecto de lei n.º 626/VII.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em síntese, estamos perante uma proposta de lei confusa, mal sistematizada, com soluções lesivas dos direitos e deveres de cidadania, nalguns casos inconstitucionais, noutros perigosas para o normal funcionamento da instituição militar, mas, acima de tudo, estamos perante uma proposta de lei enganosa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, estamos perante uma proposta que espelha bem a crise que o Governo e o Ministério da Defesa e o seu Ministro atravessam.
Por proposta dos Deputados Socialistas, ouvidas acerca da iniciativa do Governo, na Comissão Parlamentar de Defesa Nacional, mais de 40 personalidades civis ligadas às questões de defesa e militares, o balanço feito é arrasadoramente crítico.
Pena é que o Sr. Ministro da Defesa Nacional, tão cioso de informações acerca do que não deve, não as tenha procurado no que deve!

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, o Partido Social Democrata sentiu-se na obrigação de apresentar uma iniciativa legislativa responsável, credível e coerente, que renove profundamente o modelo de prestação do serviço militar, extinguindo, inequivocamente, o serviço militar obrigatório, mas assegurando a existência de Forças Armadas aptas a cumprirem as missões constitucionalmente definidas.
Lamentavelmente, a discussão desta matéria tão sensível surge no pior momento para a dignidade das instituições...
Com um Ministro que ninguém compreende que ainda o seja, politicamente debilitado por acusações gravíssimas de um ex-alto funcionário, que, ao que parece, vai ser promovido,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... com um Governo de liderança errática è difusa, cada vez mais descredibilizado pelo escandaloso uso e abuso do aparelho de Estado.
Sr. Ministro da Defesa Nacional, o prestígio granjeado pelas Forças Armadas portuguesas ao longo de séculos e os valores subjacentes às suas nobres missões impõem aos titulares dos órgãos de soberania, especialmente na área da Defesa nacional, competência e responsabilidade. V. Ex.ª e o seu Governo, com esta proposta de lei, demonstraram não ter nem uma nem outra.
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, o Sr. Deputado trouxe a esta discussão uma bonita redacção que preparou em casa, infelizmente prejudicada por alguns comentários de mau gosto que só o diminuem e que lhe ficam muito mal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado insurge-se contra a proposta do Governo, na medida em que ela elimina e transforma em coimas as sanções de prisão actualmente previstas para os jovens que não se apresentam no recenseamento militar.
O Sr. Deputado sabe perfeitamente, se é uma pessoa informada, e seguramente não se apresentou neste debate sem se munir das informações devidas, sobretudo depois de nos beneficiar com o zelo com que redigiu a sua intervenção, que são abertos pelo Ministério Público, neste país, 20 000 processos por ano por situações dessas, ou seja, jovens refractários que não cumprem as suas obrigações militares, cujos processos têm o devido encaminhamento e têm conduzido, em média, a uma condenação por ano, repito, a uma condenação por ano
Aqui há um problema, Sr. Deputado: o do sistema judicial, o da lei, o da sociedade, o facto de a lei conter juízos morais que já não são socialmente atendidos do mesmo modo. Há aqui um «divórcio», há um problema que tem de ser decidido para resolvermos esta hipocrisia que tem de ser «desembrulhada». E o Sr. Deputado convirá que, sobre isto, o Governo toma a medida que se impõe.
Se o Sr. Deputado considera que os jovens que não se apresentam ao serviço militar, por razões que são compreensíveis... Até vou dar-lhe um exemplo: o Sr. Deputado não saberá, mas grande parte dos jovens que não se apresentam ao serviço militar são oriundos da ilha da Madeira. Acha que isso significa que os jovens da Madeira têm um menor respeito pelos seus deveres de servir o País? Como é evidente, não é esse o caso, Sr. Deputado! Simplesmente, os jovens muitas vezes não se apresentam no recenseamento porque têm prioridades na sua vida, o objectivo prioritário de construírem percursos de vida, projectos de vida viáveis impõe-lhes muitas vezes outras opções que, no caso dos jovens madeirenses, passa por saírem da Madeira e virem para o continente ou irem para o estrangeiro lutar por melhores condições de vida.
Sr. Deputado, não traga para aqui palavreado gongórico e rebuscado sobre o serviço à Pátria, pois o que está em causa não é isso, são circunstâncias sociais e tanto são atendíveis que têm de ser atendidas pelos tribunais. Portanto, a retórica patriótica «oitocentesca» do Sr. Deputado é totalmente desfasada.
O Sr. Deputado denunciou da tribuna, no seu tom grandiloquente e com escândalo, que o vosso projecto de lei sobre o serviço militar vinha realmente extinguir o serviço militar obrigatório, enquanto a proposta de lei do Governo vinha apenas mante-lo encapotado. Mas o Sr. Deputado, com certeza, também terá tido o cuidado de dar uma vista de olhos pelo diploma que o seu partido apresentou e terá notado que o mesmo prevê - e bem! - a conscrição, caso o voluntariado não seja suficiente. Agradeço, pois, que se dê ao trabalho de consultar o n.º 1 do artigo 37.º do seu projecto de lei.
Sr. Deputado, os últimos quatro anos de Governo do PS foram os anos em que se desconstitucionalizou o serviço militar obrigatório e foram os anos em que foi entregue na Assembleia da República uma lei de extinção do serviço militar obrigatório. Esta é uma novidade absoluta neste país.
O vosso partido teve responsabilidades governativas neste país durante 10 anos, por que é que os Srs. Deputados não tiveram, na altura, o frenesim legislativo que revelam neste momento? Os Srs. Deputados tiveram duas maiorias absolutas, cada uma delas de quatro anos, por que razão não as aproveitaram para apresentar uma lei? Pasme-se: o PSD não está satisfeito!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Aí está um argumento novo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, peço o favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Os Srs. Deputados têm perfeita consciência de que a eliminação do serviço militar obrigatório num ano é impossível e tanto têm consciência de que é inviável, de que é impossível que, durante 10 anos, não o fizeram! Os Srs. Deputados não tiveram um período de quatro anos para fazer a extinção do serviço militar obrigatório mas 10 anos e, nada fizeram.

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Mas os Srs. Deputados sabem também perfeitamente que o regime de incentivos é decisivo para o sucesso da extinção do serviço militar obrigatório, o regime de incentivos é decisivo para o sucesso da reforma e para o sucesso de um regime de voluntariado.

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Os Srs. Deputados passam à vol d'oiseau sobre o regime de incentivos.
Os Srs. Deputados sabem que o gradualismo é indispensável e querem acabar com o serviço militar obrigatório num ano.

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador:- Termino já, Sr. Presidente.
Se o vosso projecto de lei fosse hoje aprovado, a consequência seria a extinção do serviço militar que «sairia pela porta grande» e «entraria pela janela» do vosso artigo 33.º, porque não haveria voluntários nas condições previstas no vosso diploma.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, não há dúvida nenhuma de que a sua relação com estas matérias de Defesa é de união de facto!... V. Ex.ª nunca «casou» com estas matérias, nunca o vi na Comissão de Defesa Nacional, mas deram-lhe hoje esta incumbência e V. Ex.ª está agarrado a ela!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - E o Sr. Deputado é um feliz «pai» de um canhão, com certeza!...

Risos.

Sr. Deputado, quanto a esta matéria, há que estabelecer alguma separação de águas, e a primeira separação de águas a fazer é dizer que muita coisa nos distingue.
O Sr. Deputado, na pergunta que fez, acabou por dizer que a minha retórica patriótica está totalmente ultrapassada. Logo aí há uma enorme diferença entre nós. É que, para si, essas coisas do patriotismo caíram um bocado em desuso, mas para mim são valores essenciais. O patriotismo é um valor essencial e acho que essa diferença é tão marcante entre nós que tudo o resto se toma fácil a partir daqui.

Aplausos do PSD.

O que o Sr. Deputado nos vem dizer não é nada de suficientemente razoável para contraditar tudo aquilo que eu disse da tribuna. O senhor falou na referência que fiz ao abaixamento da moldura penal ou até à despenalização, passando muitos daqueles comportamentos ou omissões a serem objecto de contra-ordenação e não de crime e disse que há 20 000 processos, que a justiça se arrasta, etc. Bom esse é um problema do sistema judicial e da administração da justiça! Esse é um problema que cabe ao Governo, que não pode agora, sempre que constata que há algumas dificuldades na administração da justiça, baixar, pura e simplesmente, a moldura penal e deixar de tipificar determinados comportamentos para aliviar o sistema. Isso não é minimamente credível! É enjeitar as responsabilidades do Governo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Depois, o Sr. Deputado apresentou um argumento estafado.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Estafado?!

O Orador: - Veio dizer: estiveram tantos anos no Governo, por que é que não fizeram? Isto é mais do que estafado, Sr. Deputado!
Os senhores estão há três anos no Governo! Mais: conforme li, na tribuna, os senhores reconheceram, e reconhecem, na «Exposição de motivos» do vosso diploma, que encontraram a tarefa facilitada, porque desde 1991 que o sistema que nós introduzimos o permitia!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, estiveram parados!

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Orador: - Nem podem vir dizer que havia o problema da revisão constitucional, porque era sabido da identidade de pensamento de vários partidos que, só por si, davam os 2/3 necessários para a revisão constitucional nesta matéria.
Portanto, não merece a pena continuarem a desculpabilizar-se com o passado, principalmente, desculpe que lhe diga, quando o senhor revela alguma ignorância nesta questão, porque nunca se dedicou a estas matérias e não sabe exactamente como as coisas se processaram.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Grande especialista!...

O Orador: - Finalmente, o Sr. Deputado veio aqui dizer o seguinte: mas a vossa proposta também refere que pode haver recrutamento excepcional. O grande problema, Sr. Deputado, é que a credibilidade da proposta do Governo está e é posta em crise de cada vez que pedimos ao Sr. Ministro para nos apresentar o anteprojecto dos incentivos. É que ela gira em torno dos incentivos! E todos reconhecem, todos sabem que da capacidade de os incentivos mobilizarem este sistema depende o seu funcionamento! Mas, quando nós dizemos «apresente-nos, ao menos, um anteprojecto, a concretização expectável desses incentivos», o Governo recusa-se. Logo, para nós, o Governo não pretende cumprir! O Governo não pretende apresentar incentivos credíveis, logo, aquele recrutamento a que chama excepcional vai passar a ser normal.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Exactamente!

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O Orador: - Portanto, era isso que lhe devia chamar! Aquilo que vai acontecer é, pura e simplesmente, a manutenção do sistema! É escandaloso vir aqui dizer que esta proposta do Governo pretende acabar com o serviço militar, porque não é assim, pretende manter tudo!

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Estou a terminar, Sr. Presidente.
A este propósito, estou a lembrar-me que, quando aqui, num debate sobre o Orçamento do Estado, perguntei ao Sr. Secretário do Estado do Orçamento se havia cobertura para este processo de profissionalização das Forças Armadas, o Sr. Secretário de Estado disse-me que havia, sim, senhor, havia uma dotação provisional.

Risos do Deputado do PSD, Luís Marques Guedes.

Então, pedi-lhe que nos dissesse um número. Ele não respondeu e eu insisti: «Mas diga um número! Há ou não um número?». Ele respondeu: «Há, mas não lho digo!».

Aplausos do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É segredo de Estado!

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (José Carlos da Silva): - Depende de vocês!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto inscreveu-se para exercer o direito regimental de defesa da consideração da sua bancada.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, registo com perplexidade e satisfação que V. Ex.ª logrou galvanizar a sua bancada com o seu tom bacoco, com o seu brio patriótico revestido de ademanes de autoridade em matéria de defesa e deixou-a empolgada de amor pátrio. Registo sempre com satisfação estes momentos de calor parlamentar, ainda por cima em tomo de uma matéria tão pungente como a que vem sendo aqui debatida.
Sr. Deputado, V. Ex.ª veio aqui demonstrar que, realmente, a oposição tem feito bem ao PSD, porque o PSD está, de facto, cheio de genica.
Depois de 10 anos no poder em que andou a mexer nos prazos, na duração do serviço militar obrigatório, foi incapaz de dar qualquer passo no sentido da sua extinção; depois de 10 anos em que nada fez, considera-se com autoridade para vir aqui, num tom patrioticamente empolgado, exigir prisão sumária para os jovens que não têm um mínimo de noção dos valores pátrios e exigir a extinção sumária até 2001, a qual é totalmente impossível, inviável, demagógica e demencial.

Vozes do PSD: - Eh! Eh! Eh!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Com esses adjectivos, o Deputado José Magalhães fica em segundo lugar no pódio!

O Orador: - Um partido que, em 10 anos, não deu um passo neste sentido apresenta-se aqui cheio de ganas de transformação e de mudança para exigir dos outros aquilo que não foi capaz de fazer em 10 anos.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Em 20 anos!

O Orador: -Acusam este Governo de não ter feito em 3 anos aquilo que foram manifestamente incapazes de fazer em 10 anos!
Sr. Deputado, vamos para o plano prosaico dos números e deixemos o domínio grande e eloquente dos brios patrióticos. Vamos para os números, Sr. Deputado! Sabe quanto custaria ao País a extinção sumária do serviço militar obrigatório? Custaria mais de 24 milhões de contos.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP):- Só?!...

O Orador: - Mais de 24 milhões de contos a tirar forçosamente de áreas sociais, e o Sr. Deputado Sílvio Cervan é um homem sensível às questões sociais,...

O Sr. Moreira da Silva (PSD):- Já que vocês não são!...

O Orador: -... sem estarem aqui contabilizados os custos associados à redução brusca do quadro permanente.
Portanto, Srs. Deputados, a vossa proposta, como dizia há pouco, vinha extinguir com pompa e circunstância o serviço militar obrigatório, o qual sairia pela porta grande da lei e entraria pela janela, com um agravamento de custos penoso, desproporcionado e injustificado, bem como com cortes significativos nos orçamentos de áreas sociais, como a da saúde e a da educação, enfim, de todas aquelas áreas em que o Sr. Deputado Sílvio Cervan nos tem habituado à sua incomensurável sensibilidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Mais três adjectivos e o camarada José Magalhães perde o lugar no pódio!...

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, V. Ex.ª diz que consegui empolgar a minha bancada, e agradeço-lhe o cumprimento, mas, em compensação, V. Ex.ª, de cada vez que intervém, consegue dividir a sua bancada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pessoalmente, prefiro empolgar a minha bancada, V. Ex.ª, naturalmente, preferirá dividir a sua, mas, às vezes, nem sempre, o caminho mais rápido para Bruxelas é uma recta, outras vezes tem de se dar a volta.

Risos do PSD.

Protestos do PS.

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Dizia o Sr. Ministro, na sua intervenção, «fui ver o futuro». Espero que o futuro que o Sr. Ministro foi ver não tenha sido aquele que o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto nos propõe.
V. Ex.ª entende que o patriotismo é bacoco e voltou a insistir nisso, é reincidente!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Não! O Sr. Deputado é que é bacoco! Há aqui um equívoco!

O Orador:- O senhor entende que ser patriota é bacoco, pelo que estamos em profunda discordância e nada há a fazer quanto a isso.
Depois, o Sr. Deputado perguntou-me se eu sabia quais eram os custos. Eu, não sei! Tentei saber! Talvez o Sr. Secretário de Estado lhe possa fazer a confidência-era uma vantagem - e, depois, o senhor conta-nos a todos. Nós não sabemos e, provavelmente, tudo leva a crer que sim, nem o Governo sabe!
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para fazer a síntese do relatório da Comissão de Defesa Nacional, de que é relator, tem a palavra o Sr. Deputado Raimundo Narciso.

O Sr. Raimundo Narciso (PS):- Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Só umas breves palavras para caracterizar o relatório que é comum à proposta de lei do Governo e ao projecto de lei do PSD sobre o serviço militar.
No relatório faz-se questão de sublinhar alguns dos aspectos centrais que diferenciam uma iniciativa legislativa da outra, mas faz-se também questão de colocar a ênfase na grande importância e transcendência desta transformação do paradigma do serviço militar, que tem consequências profundas na organização das Forças Armadas. Esta questão é de tal modo importante e complexa que a Comissão de Defesa Nacional se debruçou sobre este assunto não apenas quando chegaram a proposta ou o projecto mas desde há muito que acompanha e estuda a complexidade desta transformação.
Assim, em 1997, uma comissão dirigida pelo Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional, com Deputados de todos os grupos parlamentares, fez um estudo aprofundado junto de quatro países, através do qual foi possível reconhecer que qualquer leviandade, qualquer precipitação nesta transformação não só pode ter consequências gravosas como fazer gorar ou atrasar muito o projecto que se tem em vista.
Quando surgiu a proposta, que veio bastante mais cedo do que o projecto, a Comissão de Defesa Nacional teve a preocupação de fazer audições, sendo ouvidas 44 personalidades, desde Chefes de Estado-Maior a especialistas militares e também personalidades de todas as áreas do pensamento com relevo e importância para esta temática.
Ao analisar e comparar as duas iniciativas legislativas, o relatório destacou que, enquanto a proposta de lei apresenta duas formas fundamentais de serviço efectivo, que são o serviço nos quadros permanentes e no regime de contrato, o projecto de lei do PSD apresenta ainda uma outra forma, que é a do regime do voluntariado, tal como hoje sucede nas Forças Armadas.
As duas iniciativas estabelecem também, ainda que em capítulos diferentes, a necessidade eventual do recurso ao serviço militar obrigatório, em circunstâncias extraordinárias, no caso de situações extremas de dificuldade em obter os recursos necessários para o regime de contrato.
Outro aspecto a salientar é o que diz respeito ao período de transição, o qual foi bastante debatido nas audições. A proposta de lei prevê um período de quatro anos, já foram aqui salientadas as experiências de vários países e não vale a pena insistir nisso, faço apenas a observação de trazer aqui o testemunho do Sr. Chefe de Estado-Maior do Exército que receia que este período de quatro anos seja insuficiente e, por isso, preferia que ele fosse de cinco anos.
Sr. Presidente, creio que não vale a pena perdermos mais tempo com a caracterização dos relatórios, eles estão disponíveis e podem ser examinados por quem desejar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: A Lei do Serviço Militar constitui um instrumento fundamental para a realização das tarefas essenciais ao cumprimento das missões das Forças Armadas.
Vivem-se tempos de significativas mudanças nos conceitos de defesa e nos recursos humanos dos sistemas de forças.
O emergir de novas formas de conflitualidade, como a eclosão de conflitos locais de natureza étnica, religiosa ou rácica, a deterioração do bem-estar, da qualidade de vida e do meio ambiente, o terrorismo e o narcotráfico, entre outras, continuam a manter na ordem do dia a necessidade da força militar como suporte das acções político-diplomáticas na prevenção e na gestão das crises e dos conflitos.
A par desta, caminha a preocupação de manter uma capacidade dissuasora própria, que proteja o nosso território da agressão externa e, simultaneamente, permita uma presença nos espaços de segurança a que Portugal pertence, fundamentalmente na Aliança Atlântica, na área da política externa e de segurança comum da União Europeia e no quadro das missões previstas na Agenda para a Paz da ONU.
Nunca é demais lembrar que, desde 1992, mais de 6500 militares dos três ramos das Forças Armadas foram envolvidos em diversas missões de carácter internacional, desde missões de observadores, militares e eleitorais, até missões em forças multinacionais de apoio à paz ou humanitárias no quadro das Nações Unidas, da Organização de Segurança e Cooperação na Europa ou da Organização do Tratado do Atlântico Norte, e acções de cooperação técnico- militar com os PALOP, desenvolvendo actividades em regiões tão diferenciadas como a Bósnia-Herzegovina, o Sara Ocidental, a Namíbia, a África do Sul, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde ou Zaire.
Podemos afirmar que às mudanças dogmáticas no conceito de defesa corresponderão necessariamente mudanças pragmáticas no sistema de forças a manter, em especial no que à sua componente humana respeita. Elas são fruto da conclusão de que o conflito mundial é, por certo, muito pouco provável no curto e médio prazos, mas, em contrapartida,

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é perceptível um significativo aumento dos conflitos locais.
Hoje em dia, é perceptível que o conflito global do tempo da «guerra fria» foi relegado para os baús da memória, em consequência de profundas alterações políticas e militares na Europa e no resto do mundo, consequência do desaparecimento da União Soviética e dos regimes comunistas dos países da Europa de Leste.
Nestes termos, querem-se hoje forças militares mais reduzidas e versáteis no emprego, capazes de assegurar intervenções fora das fronteiras dos respectivos países quer seja para manutenção e restabelecimento da paz quer seja para intervenções de cariz humanitário.
Também para o combate a catástrofes naturais, de resto, não são necessárias Forças Armadas sobredimensionadas.
Desaparecida a necessidade de manter grandes exércitos e de mobilizar reservas em número elevado, desaparece a justificação, no plano puramente militar, para a manutenção, em tempo de paz, de um serviço militar obrigatório.
É por isso que a Holanda, a Bélgica, a França e a Espanha decidiram extinguir o serviço militar obrigatório, e agora nós, no Parlamento, promovemos a discussão de tema com idêntico objectivo.
Contudo, há que ressalvar o seguinte: o que acima afirmámos não significa, nem permite concluir, que o CDS-PP seja adepto da eliminação do dever, que recai sobre todos os portugueses, de contribuírem para o esforço colectivo da defesa nacional. Bem pelo contrário, e isso ficou claro nas posições que assumimos aquando da revisão constitucional que desconstitucionalizou o serviço militar obrigatório.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É neste quadro evolutivo que o Governo nos apresenta hoje a proposta de lei que determina a forma, natureza e duração do serviço militar.
Foram muitas e variadas as questões que esta lei suscitou ao longo das dezenas de audições efectuadas na Comissão de Defesa Nacional. As que nos suscitaram maiores dúvidas foram as respeitantes ao recenseamento e reserva de recrutamento, ao sistema de incentivos e ao período de transição.
A proposta de lei do Governo omite totalmente as operações de recenseamento, prevendo apenas a existência de um recenseamento de características sociais, que, de resto, tem carácter meramente complementar.
Se bem compreendemos a lógica do Governo, o recrutamento far-se-á com base na interconexão dos ficheiros de dados pessoais disponibilizados pelos Ministérios da Justiça e da Administração Interna, ficheiros estes que, posteriormente, o Ministério da Defesa poderá transformar num recenseamento de características sociais, destinado à «(...) obtenção de dados relevantes sobre o universo de cidadãos em condições de prestar o serviço militar».
Mas de que ficheiros estamos a falar? Os dos serviços de identificação civil? Os de registo criminal? Será que as bases informáticas do SIS também podem ser utilizadas? E o cruzamento destas bases de dados informatizadas, todas elas compostas por dados pessoais, não levanta qualquer tipo de dúvida ao Governo, no que concerne à protecção dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos?
É que para se conhecer o universo recrutável, o valor real do potencial humano disponível e a aptidão dos jovens para o serviço militar, com racionalidade e critério, é necessário um verdadeiro recenseamento.
A importância de um recenseamento reside, precisamente, na sua valia para o conhecimento do potencial humano disponível para a prestação do serviço militar em tempo de paz, ou para a mobilização, se a mesma se tornar necessária, para além de provocar nos jovens cidadãos aquela que é, certamente, a sua primeira iniciativa no que respeita às realidades da defesa nacional e do dever cívico que lhe está associado.
A proposta de lei do Governo prevê, ainda, um recrutamento excepcional, ao qual estarão sujeitos os cidadãos na situação de reserva de recrutamento e de reserva de disponibilidade, os quais podem ser chamados a cumprir serviço militar por convocação ou mobilização. Ou seja, esta proposta de lei caminha no sentido de termos umas Forças Armadas de contratados, mas, ao mesmo tempo, deixa duas portas abertas para a convocação: uma, a da mobilização, que se refere, naturalmente, ao estado de guerra, e lembra o dever militar que a todos obriga; outra, a da convocação, que é a admissão clara da possibilidade de não haver o número de contratados suficiente no fim do período transitório.
Mas o Governo já se precaveu desta eventualidade de duas maneiras: a primeira, ou convoca a reserva de recrutamento, nos casos em que não existam efectivos mínimos em tempo de paz, ou, então, convoca a reserva de disponibilidade, para efeitos de reciclagem, treino, exercícios ou manobras militares, que é o mesmo que dizer para assegurar a existência de efectivos mínimos em tempo de paz.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Faltou, contudo, estabelecer critérios objectivos e precisos para a convocação dos cidadãos, em termos de cada um poder saber por que foi convocado, e não o vizinho do lado, que, por acaso, tem a mesma idade que ele.
Faltou igualmente esclarecer se o Governo pretende esgotar primeiro a reserva de recrutamento e só depois passar para a de disponibilidade, se é ao contrário, ou se não é de nenhuma destas maneiras.
Por outro lado, ao reconhecer implicitamente a previsível insuficiência do número de contratados para preencher as necessidades de efectivos, o Governo reconhece, igualmente, que os contratos que vai propor aos cidadãos que pretendam prestar serviço militar não serão aliciantes nem motivadores dessa prestação.
O suprimento dessas necessidades com convocados exige, por isso, a vontade política de fazer essa convocação.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, quer o cenário da suficiência quer o da insuficiência de efectivos exigem uma decisão política para se obter uma solução, coisa que, já sabemos, o Governo não gosta de fazer.
Se o Governo quiser Forças Armadas profissionalizadas e tecnologicamente eficazes terá de arranjar os recursos financeiros para obter a totalidade dos contratados e meios necessários, ou seja, terá de existir a vontade política de afectar às Forças Armadas mais do que os actuais 1,5% do PIB.
Se, diferentemente, o Governo quiser Forças Armadas que apenas cumpram o mínimo dos mínimos, com o mínimo de

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retribuição e equipamento, então parece que terá de voluntariar efectivos à força, isto é, terá de ter a vontade política de os convocar em tempo de paz.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O nosso dever é alertar o Governo para as dificuldades que poderão surgir quando quiser explicar aos jovens que o serviço militar obrigatório acabou mas que podem continuar a ser inopinadamente chamados à prestação de serviço militar por causa da insuficiência de voluntários.
No que concerne ao sistema de incentivos, percebe-se que todas as entidades ouvidas pela Comissão de Defesa tenham afirmado que reside aí a chave do sucesso do sistema.
Em nosso entender, este sistema terá de ser capaz de assegurar duas coisas: a primeira, é a manutenção dos efectivos nas fileiras por um período mínimo de rentabilização do investimento feito nos mesmos; a segunda, é um eficaz apoio à reintegração na vida civil após a prestação do serviço militar.
O Governo parte logicamente do pressuposto de que as operações de marketing a efectuar, aliadas ao novo sistema de incentivos, proporcionarão, certamente, o número de contratados de que as Forças Armadas necessitam. Mas não é deslocado recordar, a propósito, que os incentivos actualmente em vigor, constantes do Decreto-Lei n.º 336/91, de 19 de Junho, destinado aos cidadãos que prestam serviço militar em regime de voluntariado e de contrato, falhou no terreno.
É certo que se assegurou o pagamento das remunerações dos voluntários e contratados e, bem assim, a correspondente assistência na doença, o subsídio de integração na vida activa e o subsídio de desemprego, mas já no que respeita ao apoio à obtenção e habilitações académicas pouco mais se fez do que respeitar o estatuído em sede de lei do trabalhador-estudante.
Quanto à informação e orientação profissionais, quase não tiveram expressão e o apoio à formação profissional foi praticamente inexistente, não se tendo conseguido, por outro lado, a certificação dos cursos ministrados nas Forças Armadas, para efeito de equivalências no mercado de trabalho, nomeadamente de equivalências a habilitações profissionais que permitissem o ingresso em determinadas carreiras da Administração Pública central ou local.
Quanto às Unidades de Inserção na Vida Activa (as denominadas UNIVAS) pode dizer-se que faltou a necessária coordenação com o Instituto de Emprego e Formação Profissional nos domínios do intercâmbio de pedidos e ofertas de emprego, da análise conjunta de perspectivas de emprego, da adequação entre as competências adquiridas e as requeridas pelo mercado de trabalho e, ainda, da prestação de serviços de orientação profissional aos candidatos encaminhados para as UNIVAS.
Ora, a proposta de lei do Governo mantém basicamente o leque de incentivos já existente, desconhecendo-se qual o seu desenvolvimento prático em termos de regulamentação, o que nos faz suspeitar que o fracasso do sistema se manterá. Quanto ao período de transição do sistema misto, actualmente em vigor, para o sistema assente no contrato - quatro anos - é sabido que ele tem particular acuidade no caso específico do Exército. O que o Governo não pode esclarecer é como pretende prever o resultado da vontade dos cidadãos, instrumento indispensável à planificação e gestão do sistema, sendo certo que a sua adesão ao contrato dependerá, em grande medida, dos incentivos que vieram a ser criados, nomeadamente ao nível de remunerações e de perspectivas de efectiva reinserção na vida civil.
A criação de um sistema de incentivos eficaz consumirá elevados recursos financeiros, sem dúvida. Mas ou há vontade política de criar umas Forças Armadas profissionais e extinguir o serviço militar obrigatório ou aquilo que aqui estamos a fazer não é mais que um exercício de retórica sobre um articulado que não cumprirá os objectivos de uma verdadeira lei do serviço militar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao projecto de diploma sobre serviço militar oriundo do PSD, podemos salientar positivamente a previsão expressa da existência de um recenseamento militar, o qual permitirá, nomeadamente, uma informação sobre o enquadramento jurídico fundamental da defesa nacional e das Forças Armadas, sobre os direitos e deveres dos cidadãos e sobre as características, modalidades e objectivos do serviço militar, aspectos estes completamente ausentes da proposta governamental.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É igualmente positiva a previsão da convocação dos cidadãos recenseados para a participação em acções de formação, classificação e selecção destinada a fornecer às Forças Armadas a adequada informação sobre os cidadãos portugueses, ao mesmo tempo que se lhes incute a sensibilização para as necessidades da defesa nacional e se lhes revela os direitos e deveres que decorrem, para todo o cidadão português, da obrigação constitucional de defesa nacional.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Cabe aqui lembrar, uma vez mais, que o CDS-PP votou favoravelmente a eliminação do texto constitucional do preceito que impunha a organização das Forças Armadas com base no serviço militar obrigatório. Mas isto, repito, não é o mesmo que dizer que pretendemos acabar, em qualquer circunstância, com o serviço militar obrigatório enquanto expressão palpável dos deveres que os portugueses têm para com a Pátria em matéria de defesa nacional.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que entendemos é que é ao Governo que compete, em determinado momento, optar duradouramente por uma solução assente ou na conscrição, ou, exclusivamente, no voluntariado, ou num sistema misto.
Mas essa opção tem de ser feita de forma clara e tem de ser apoiada em estudos aprofundados, que levam tempo a fazer, em soluções técnicas exaustivamente pensadas,

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inclusivamente no recurso aos ensinamentos que advêm de experiências de outros países que nos sejam próximas e, sobretudo, na programação dos meios financeiros que são o suporte indispensável da opção feita. E não é nada disso que vemos na proposta do Governo.
Não vemos uma opção clara, nem aprofundadamente estudada, nem que seja por comparação com as experiências estrangeiras que nos sejam próximas; não conhecemos nenhuma programação financeira para o desenvolvimento das soluções propostas; não descortinamos credibilidade às soluções técnicas propostas.
Nestes termos, parece-nos que o projecto de lei do PSD, que contém certamente aspectos positivos mas contém também algumas propostas que carecem de mais aprofundada reflexão, não deixará de constituir certamente um contributo útil e importante numa matéria tão delicada como esta.
Por último, duas palavras apenas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sobre a proposta de lei do Governo que visa alterar a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, no sentido de a adequar à revisão constitucional de 1997 e, também, às disposições que futuramente regerão a prestação de serviço militar.
A nossa preocupação principal prende-se, naturalmente, com as alterações ao conteúdo do artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. Preocupa-nos, efectivamente, a nova redacção dada ao n.º 6 daquela disposição, que permite aos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes e aos contratados em serviço efectivo a filiação em associações profissionais de carácter técnico ou deontológico.
É que isto não é a mesma coisa que permitir-lhes a filiação numa associação profissional com competência deontológica, como acontece na lei actual, nos termos da qual apenas poderão desempenhar funções dentro da associação no âmbito dessa competência.
O Governo admite, pois, que a estes militares e contratados seja possível desempenhar quaisquer funções numa associação que, a pretexto da deontologia, pode ter, efectivamente, por finalidade a defesa de interesses corporativos, seja de que associados for, estejam nas fileiras ou não.
Trata-se, no fundo, de uma consagração demasiadamente ampla do direito de associação - mais ampla, estamos em crer, do que aquilo que o próprio Governo previu -, plena de ambiguidades e susceptível de entrar em contradição com outras proibições constantes daquele artigo 31.º, que a proposta de lei mantém.
Ademais, é sabido que o serviço militar profissionalizado e contratualizado tende a importar as instituições do mercado para dentro do sistema, designadamente a representação sindical dos interesses profissionais. E é isso, sejamos claros, que não podemos permitir!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É nosso entendimento que as missões de interesse nacional atribuídas por lei às Forças Armadas não se podem ver contingentadas por diferentes percepções do que é, em cada caso e em cada momento, o interesse público, sejam tais percepções individualmente consideradas ou de origem corporativa.
Aquilo que não podemos permitir é que a criação de grupos de pressão corporativa dentro das Forças Armadas seja o veículo adequado à substituição do espírito de missão, que faz parte do estatuto da condição militar, pela obtenção de contrapartidas ou regalias contratuais.
Terminamos, fazendo votos de que se reflicta muito seriamente sobre as questões levantadas no decurso deste debate, pois são questões de grande importância para todos nós, em particular, para a nossa juventude e é a ela, sobretudo a ela, que temos de dar contas nesta matéria.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A passagem de um modelo de Forças Armadas baseado no serviço militar obrigatório (SMO) para umas Forças Armadas de profissionais e contratados representa uma profunda alteração qualitativa numa área particularmente sensível e de uma enorme importância para a credibilidade externa do Estado.
Um salto como esse exige, absolutamente, ponderação, previsão completa dos efeitos do novo sistema e clara definição da resposta a dar aos problemas emergentes. Não se pode dar um salto como este para depois verificar que, afinal, o sistema não funciona, que não há gente suficiente para as necessidades, que se provocou uma crise grave nas Forças Armadas, designadamente quanto à sua aceitação pelo País, que se retirou toda a eficácia a quaisquer mecanismos que assentem na obrigatoriedade do serviço militar, deixando a componente militar de defesa poder degradar-se e perder os padrões mínimos que o País lhe exige.
Discutimos hoje esse novo modelo de serviço militar nas piores circunstâncias imagináveis: quando o trabalho da Comissão e as audições feitas já demonstraram que não há resposta na proposta do Governo para os problemas emergentes do novo modelo e que, portanto, o salto que se pretende dar é um salto no eseuro, totalmente inadmissível quando se está a tratar de defesa nacional e da sua componente militar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: -Aqui estamos então sob o signo da superficialidade e do eleitoralismo. Superficialidade que se torna irresponsabilidade quando se vê o Governo a apresentar uma proposta desta importância sem a preparar devidamente e sem medir as suas consequências; eleitoralismo porque é agora, a seis meses das eleições, que chega a febre de aprovar, à pressa, uma reforma com este alcance, mesma que esteja demonstrado que a proposta tal como está feita é aventureira, imponderada e contraditória.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A superficialidade e o eleitoralismo começaram no Governo, mas depressa se estenderam ao PSD, que resolveu, como o cuco, fazer a postura em ninho alheio. De facto, o PSD entrou na corrida eleitoralista com um projecto

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de lei apresentado há dias, em boa parte decalcado de observações e críticas que toda a Comissão ouviu nas audições mas de que o PSD se resolveu apropriar.
Aquilo que o PSD talvez achasse que era um brilharete (copiar observações feitas e pespegá-las num papel a que chama projecto), não passa de um pífio oportunismo, porque o PSD apresenta um projecto sem ter o mínimo controlo sobre a informação de suporte que o posso fundamentar.
A proposta do Governo é um tiro no eseuro, a do PSD é um tiro para o ar. Aliás, os objectivos do PSD ficam claros quando se registam três factos: primeiro, que o líder do PSD veio à Assembleia discutir esta matéria com os Deputados da JSD mas não com os Deputados da Comissão de Defesa...

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Quer lá o Professor saber de defesa nacional; o Professor quer é votos!
Segundo facto: a proposta de redução do período de transição, dos quatro anos propostos pelo Governo, para um período de dois anos, ainda por cima com redução do período de serviço efectivo normal (SEN) durante esses dois anos. Isto é propaganda irresponsável e oportunista, quando está provado que mesmo o período de quatro anos é questionável, por escasso! Terceiro facto: o ridículo de criticar o Governo por continuar a propor o SMO como recurso para a falta de contratados e, afinal, no artigo 37.º propor o mesmo, com uns toques de disfarce, mas, na realidade, exactamente o mesmo. Como sabem os Srs. Deputados do PSD, o ridículo mata!
Esta irresponsabilidade e eleitoralismo do PSD e do PS não são de agora; vêm de 1991, quando foi aprovado o SEN de quatro meses, com o qual o PS competiu com uma proposta que previa a hipótese de um SMO de três meses. Hoje não há ninguém que não diga que um SEN de quatro meses era a morte anunciada da obrigatoriedade do serviço militar. O PSD vem agora, com todo o despudor, gabar-se disso. Na altura, só PCP denunciar a farsa, mas o PS embarcou.
Durante anos, os dirigentes do PS e do PSD deixaram crescer, quando não alimentaram, uma campanha de descrédito das Forças Armadas e do SMO. Não mexeram uma palha para dignificar a prestação do serviço militar. Deixaram apodrecer a situação. Para quê? Para agora mostrarem que não têm soluções sérias para os problemas que a reforma militar vem criar.
Não querem pagar o preço que, em termos orçamentais, ela representa para ser eficaz. Apresentam propostas que são um logro, já que se baseiam na previsão do recurso ao mesmo SMO com que dizem querer acabar, e um logro perigoso para as Forças Armadas, por que nada pode garantir a exequibilidade social de uma obrigatoriedade quando a propaganda anuncia o fim da obrigatoriedade!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A proposta do Governo sobre o serviço militar, repito-o, é uma proposta de enorme fragilidade, imponderada, mal preparada, cheia de erros técnicos. Contam-se por dezenas e dezenas as propostas de alteração na especialidade que foram apresentadas à Comissão por especialistas e entidades diversas. A insatisfação é geral! Raramente uma proposta consegue um tão largo leque de críticas e oposições.
No espaço desta intervenção não é possível analisar todas as questões, mas apenas as essenciais.
Os desafios fundamentais para o modelo de Forças Armadas de profissionais e contratados são essencialmente quatro: primeiro, o sistema tem de garantir que consegue produzir o número de aderentes considerado necessário para as missões e sistema de forças em tempo de paz; segundo, o sistema deve conter os mecanismos necessários para o crescimento necessário das Forças Armadas para as situações de excepção; terceiro, deve ficar garantida uma correcta compreensão por parte da população sobre os deveres gerais militares que sob ela impendem; quarto, deve estar garantido que não se cria um fosso entre as Forças Armadas e o País.
A proposta vista à luz de qualquer uma destas quatro exigências é absolutamente um desastre!
A questão insolúvel da proposta é que ela não faz o que anuncia, isto é, não acaba com o SMO. Para acabar com o SMO teria de «abrir os cordões à bolsa», propondo remunerações atractivas, incentivos concretos e não balelas, como doutoramentos e mestrados, e muita flexibilidade na gestão destes incentivos ano a ano.
A questão teria de se pôr aqui como com uma qualquer outra actividade. A partir do momento em que as Forças Armadas têm de concorrer no mercado de trabalho para arranjarem soldados, têm de ter meios para vencer a competição. Basta ler as críticas da Associação Nacional dos Contratados do Exército para compreender que o Governo está muito longe de ter percebido o problema.
Como não quer «abrir os cordões à bolsa», o que o Governo faz é pura e simplesmente prever o que chama «recrutamento excepcional», que não passa da manutenção do SMO, ainda por cima na desgraçada versão do SEN de quatro meses! Só que, entretanto, ao anunciar que esse SEN desaparecia mas, afinal, mantendo-o, cria todas as condições para um conflito com os jovens, cujo desfecho nada garante, à partida, que seja favorável à componente militar de defesa nacional.
A proposta de lei acaba com o recenseamento militar universal e subsequentes operações de classificação e selecção, distribuição e alistamento. É uma opção que eu diria, no mínimo, irresponsável, por quatro razões: primeira, porque desta forma se dá cabo de um conjunto de operações necessárias para conhecer a realidade da juventude do ponto de vista das necessidades militares do País; segunda, porque esse conhecimento é essencial para as operações de mobilização em situações de excepção; terceira, porque, propondo o Governo a continuação do SEN, tem de fazer o recenseamento geral e definir a partir daí os critérios objectivos de recrutamento obrigatório, ou seja, é a própria lógica da proposta do Governo que impõe o recenseamento geral; e, quarta, porque esta opção é uma opção errada que tem a ver com uma outra questão central, onde o Governo falha completamente, e que é a da ligação dos portugueses as questões e à realidade da defesa nacional na sua componente militar.
Este conjunto de operações representa uma expressão dos deveres militares que impendem sobre todos os portu-

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gueses e a sua concretização é uma oportunidade para realizar um contacto com as Forças Armadas.
O Sr. Ministro refere a escola e o seu papel formativo. Muito bem, embora muitos de nós tenhamos tido a triste experiência da cadeira de Organização Corporativa e há experiências que não vale a pena repetir... Mas a questão não é da escola! Nada substitui o contacto directo! Aliás, sobre a escola, há que perguntar: por que é que isso não está em vigor há três anos e meio, desde que o Governo do PS está em funções?
Mas nada substitui o contacto directo, o conhecimento do que são as Forças Armadas e as suas missões, conhecimento que estas operações permitem e que pode e deverá ser potenciado.
Ao mesmo tempo que acaba com o recenseamento geral, a proposta de lei deixa sem resolução os mecanismos para o crescimento das Forças Armadas em tempo de crise.
Não há soluções ao nível do processo de mobilização e a convocação dos contratados aparece como uma espécie dê recurso de via única, que funcionará, inevitavelmente, como um desincentivo ao contrato! Aliás, esta convocação dos disponíveis, após contrato, permite que seja feita nos seis anos seguintes, isto é, mesmo que para além de 35 anos, criando uma situação de desigualdade inaceitável.
A irreflexão da proposta de lei vai ao ponto de ter ignorado sérios avisos que altos responsáveis das Forças Armadas fizeram acerca do recrutamento de voluntários. Os dados disponíveis mostram que o Exército precisará de subir das actuais praças em regime de contrato, em número de 8600, para cerca de 16 000. Ora, os números mostram que dos 8600 praças contratados a esmagadora maioria vem do SEM, o que mostra que o SEN é o maior recrutador. Se o SEN acabasse, as consequências sobre o recrutamento de contratados seriam desastrosas (agravadas por um índice preocupante, que foi uma regressão no número de contratados, entre 1997 e 1998, para menos cerca de 1000 militares). Depois de isto tudo, prever quatro anos para acabar com o SEN é pura demagogia. Se fosse mesmo para acabar por imposição administrativa, seria uma irresponsabilidade criminosa. Assim, porque é só um anúncio, é demagogia e mais nada.
Por falta de tempo, não poderei fazer uma análise de especialidade detalhada a outras questões que a proposta levanta, pelo que falarei só de algumas, de passagem.
O ficheiro de dados pessoais referido no artigo 48.º corresponde a uma espécie de ficha do cidadão, com cruzamento de informações. Era só o que faltava que por via da Lei do Serviço Militar se fosse criar um Big Brother!...
A dispensa de deveres militares para os jovens do ensino superior é um escândalo. É inaceitável! É a criação de uma espécie de exército da ralé, onde os que estão no ensino superior não entram. Esta visão socialista do princípio da igualdade é melhor, talvez, merecer alguma ponderação.
O princípio da igualdade é também violado no artigo 31.º, relativo às mulheres. Os deveres das mulheres têm de ser iguais, para serem iguais também em direitos. Chamarei a atenção para o artigo 38.º, que modifica o regime actual de garantias dos militares. Nesta versão, só os que têm emprego permanente é que são protegidos, o que significa que os que têm emprego precário - e muita gente tem - ficarão em prejuízo. Como o Engenheiro Guterres e o seu Governo fazem sucessivos apelos, através do pacote laborai, a que o emprego seja cada vez mais precário, esta norma, um dia, deixava de ter campo de aplicação.
Finalmente, as penas aplicáveis às infracções passam a ser coimas. Quem tiver «massa» paga! Isto não é política criminal.
Outros dois aspectos têm a ver com a questão de idade de recrutamento e com o tempo de contrato. Não parece curial prever novamente o recrutamento aos 17 anos quando há um movimento internacional para passar a idade mínima de serviço militar para os 18 anos e, por outro lado, os nove anos de contrato parecem excessivos.
Não queria deixar de dizer umas breves palavras sobre a outra proposta do Governo que também está em debate, de alteração da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. A maior parte dessas alterações limita-se, na maior parte dos casos, a reproduzir as alterações à Constituição e fazem-no de maneira que não se entende bem, porque se a Constituição diz que «a lei regulará» isto ou aquilo, transcrever isto para a lei é deixar sem conteúdo aquilo que se esperava que fosse a lei a regular; o que se devia não era transcrever para a lei a disposição constitucional, era, sim, descrever na lei as condições em que as Forças Armadas podiam fazer isto ou aquilo.
Por outro lado, ainda, há uma norma que diz que as Forças Armadas se baseiam nos voluntários, o que eu acho que é, no mínimo, um bocadinho exagerado quando se prevê, com regularidade, a existência de um sólido corpo de SEN. Era melhor, na lei, dizer voluntários e, eventualmente, obrigatórios...
Relativamente ao artigo 31.º, já coloquei a questão ao Sr. Ministro e não vou referir as meras alterações de redacção ou equívocas, mas, sim, falar da alteração ao n.º 6, que é a que tem a ver com as associações sócio-profissionais e é essencial. E a questão é simples: ou é dito aqui, claramente, que a expressão de natureza técnica e deontológica desaparece ou, então, a norma diz exactamente o mesmo que diz hoje, com a agravante de a prática já ter posto essa norma de parte. A prática é a que temos na Comissão, quando ouvimos as associações sobre assuntos sócio-profissionais. Se o Sr. Ministro quer repetir aqui que só podem ter natureza técnica ou deontológica, está a dar um grave passo atrás. E eu creio que, se não é dito que é retirado o «técnico ou deontológico», a norma, nestas condições, não pode merecer a aprovação desta Câmara.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar com um desafio e com uma saudação. O desafio é o de que creio que uma proposta como esta não é uma base de discussão aceitável, nem o clima pré-eleitoral é o desejável para isso, pelo que desafio os Srs. Deputados e o Governo a tomarem uma decisão, que é difícil, do ponto de vista eleitoral - eu sei que é difícil -, de recomeçarmos este processo depois das eleições, os que cá estiverem, com serenidade, com a verdadeira análise das questões, das implicações.
Aliás, há uma questão que é central e digo isto, Sr. Presidente, porque é importante que se saiba: se esta proposta for agora votada, vai sair substancialmente diferente do que é a

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proposta do Governo. E eu pergunto: quem é que fez as contas? Em que condições é que ela vai sair? Os senhores, que aceitam que este processo prossiga, também se responsabilizam por isso!
A saudação final - e, com isto, termino - é a seguinte: creio que é preciso lembrar aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados - o Sr. Presidente e eu estamos nessas circunstâncias -, as centenas de milhar de cidadãos que fizeram o serviço militar obrigatório. Eles têm o direito de esperar que a Assembleia da República não deite fora, de uma forma irreflectida e imponderada, o património que essas gerações de consentes criaram, um património de relacionamento, de cumprimento de obrigações, de solidariedade nacional. Eles têm o direito de nos exigir ponderação e defesa dos interesses nacionais!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raimundo Narciso.

O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com a proposta de lei n.º 214/VII, o Governo visa substituir o serviço militar obrigatório pelo serviço militar voluntário e propõe ao País uma profunda reforma estrutural das Forças Armadas, que se insere numa nova concepção da política de defesa.
Trata-se de uma reforma que decorre de uma visão actualizada do novo. contexto político e estratégico da Europa e do mundo, uma reforma que leva em conta não apenas a OTAN ou a UEO mas também a ideia de uma Europa cada vez mais coesa e mais segura da sua identidade.
Com esta iniciativa legislativa, o Governo procura colocar Portugal na primeira linha dos nossos parceiros da União Europeia, também nas questões da defesa e da cooperação militar internacional.
O Governo e o PS souberam corajosamente ultrapassar a tradição do serviço militar obrigatório e optar pela melhor solução para o futuro, a profissionalização das Forças Armadas, vencendo barreiras psicológicas que toda a ruptura com hábitos traz consigo.
Sublinhe-se, no entanto, que o serviço militar obrigatório foi o paradigma adequado durante um século e, praticamente, até ao presente. O serviço militar obrigatório revelou inegáveis vantagens no plano militar e no âmbito da cidadania, mas o mundo em mudança tomou-o inadequado para o futuro próximo.
Com esta proposta de lei, o Governo cumpre também mais uma promessa eleitoral, implícita já nos Estados Gerais e depois no Programa do Governo, na sua consigne de desconstitucionalizar o serviço militar obrigatório.
O fim do serviço militar obrigatório é uma medida que, apesar de determinada por razões de defesa nacional, vai ao encontro dos anseios de grande parte da juventude e, suponho, da maioria da população.
Desde a conquista da liberdade de expressão, com o 25 de Abril de 1974, que grupos ou associações de jovens com maior ou menor representatividade reclamam o seu fim. O Estado, os partidos, os órgãos de soberania, responsavelmente, não atenderam a esse desejo. Os superiores interesses do País não o permitiam e os cidadãos, reconhecendo a necessidade do serviço militar obrigatório, de forma responsável, o aceitaram.
A situação, nos últimos anos, modificou-se. A decisão do Governo de profissionalizar as Forças Armadas tem lugar num contexto em que as novas realidades políticas, estratégicas, tecnológicas, o permitem. Por isso, dar prioridade ao interesse dos indivíduos, neste caso dos jovens, quando não haja um interesse colectivo que se sobreponha, não é ceder à demagogia eleitoralista mas, antes, restituir o poder aos cidadãos, de quem nós, Deputados, recebemos mandato.
A profissionalização das Forças Armadas coloca ao Estado e ao Governo um desafio fundamental: gerir o complexo sistema recursos humanos para a defesa, que consiste na aquisição, manutenção e reinserção profissional dos militares voluntários, prescindindo dos processos administrativos coercivos. Isso vai exigir medidas interministeriais articuladas para fortalecer a consciência da necessidade de defesa e a valorização da instituição militar.
Isso traz também responsabilidades acrescidas às Forças Armadas, que têm de prestar a máxima atenção à sua imagem. E o factor decisivo, a longo prazo, não é o marketing, é a mensagem que os seus militares transmitirão para o exterior sobre o conteúdo humano e profissional da vida na instituição militar.
Obter os soldados necessários, obrigando a juventude em idade militar a apresentar-se anualmente as portas do quartel, é fácil. Ganhar o interesse dos jovens pela prestação de um serviço indispensável à Pátria, cujo prestígio é imperioso garantir, é difícil, pois requer não apenas dinheiro mas profissionalismo e dignificação da farda. É isto que marca a diferença entre o que é imposto e o que é voluntariamente aceite.
A proposta de lei trata com a atenção e o relevo necessários a questão dos incentivos ao contrato. Como obter o número necessário de militares voluntários, em tempo de paz? Eis uma das questões centrais da reforma.
Este magno problema releva, em primeiro lugar, do nível remuneratório dos voluntários e do mercado de trabalho. Este aspecto confronta alguns com dúvidas ou com falsos problemas: o do militar por dinheiro ou o do voluntário mercenário. São questões importantes mas relativamente ultrapassadas no debate nacional, pelo que não o vou tratar aqui. Apenas deixo, como conclusão, que a remuneração não faz o mercenário, nem na vida militar nem na vida civil.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Muito bem!

O Orador: -Antes, devemos tomar a remuneração pela justa recompensa que o País reconhece ser seu dever prestar a quem oferece um serviço relevante e que exige uma ética, dedicação e riscos elevados.
Outra questão da maior importância numa reforma como esta é a determinação dos custos. Homem a homem, os custos de umas Forças Armadas profissionalizadas é muito maior. Mas essa não é a comparação certa. A comparação que se requer é a de produto final a produto final, isto é, a comparação de capacidade operacional e de combate que um e outro tipo de serviço militar oferece. E, assim, os custos aparecem a uma luz muito diferente e mais mitigados.

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Com o voluntariado, o aumento de custos com vencimentos deve ser compensado com poupanças, nomeadamente no recrutamento. O número de recrutas vai baixar dos 30 000 do ano passado para cerca de 3000 por ano, no futuro, em situação de «cruzeiro».
Isto vai dispensar cerca de 900 quadros militares, do total de 1600, ocupados com as operações de recrutamento, e vai dispensar edifícios, equipamentos e outros custos.
O projecto de lei n.º 634/VII, do PSD, visa o mesmo objectivo central da proposta de lei do Governo, isto é, substituir o serviço militar obrigatório pelo serviço militar voluntário. Apresenta, no entanto, diferenças significativas.
A proposta de lei do Governo prevê dois regimes essenciais de serviço efectivo: o do quadro permanente e o de contrato. O projecto de lei do PSD prevê ainda o regime de voluntariado como hoje existe, com uma duração de oito a 18 meses. A ideia não é boa, pois a experiência é má. Esta situação é a que provoca maior instabilidade e disfunções nas Forças Armadas, pois origina dois universos diferentes, com preparação e funções distintas, dificulta a planificação e encarece o sistema.
O Governo propõe que a extinção do serviço militar obrigatório se processe em quatro anos. Hoje, a extinção do serviço militar obrigatório diz respeito, fundamentalmente, ao Exército. Faltam cerca de 7000 contratados às Forças Armadas para dispensar o serviço militar obrigatório. O Exército considera que é difícil atingir estas metas em quatro anos e, por isso, defende cinco anos para a sua transição.
E o PSD, o que pensa? Quer tudo em ano e meio. E quer mais: quer que, simultaneamente, se reduza já o serviço militar obrigatório de quatro para dois meses, ou menos (está na página 4 do projecto de lei do PSD), o que impediria o Exército de cumprir as missões que lhe estão cometidas e lançaria o Exército no caos.
Cabe perguntar o que quer o PSD: lançar as Forças Armadas no caos e depois responsabilizar o Governo pelo caos?
Muitas das ideias que o PSD apresenta no articulado são, em geral, ideias velhas, constantes da actual lei de 1991. Mas o que verdadeiramente caracteriza o seu projecto é a demagogia alucinante, o despeito por ser o Governo do PS a propor uma reforma estrutural do Estado, a tentativa cândida de surripiar para si o mérito da reforma.
As 12 páginas de exposição de motivos são um amontoado de mistificações, para provar que a reforma preparada pelo Governo do PS não é do PS mas do PSD!
Vejamos o caso do recrutamento excepcional, já aqui referido. A proposta do Governo admite o recrutamento excepcional, que prevê o recurso ao serviço militar obrigatório no caso de falta de voluntários, para se atingir os efectivos mínimos indispensáveis às missões das Forças Armadas. É uma cláusula para prevenir situações extremas e improváveis.
Na exposição de motivos, página 9, o PSD condena com severidade esta cláusula de salvaguarda - é uma opção. Mas o repúdio por tal prevenção é levado a alturas siderais. A coisa parece própria de partido extremista, «M-L», mas, enfim, o leitor dirá que são opções... O PSD explica que o Governo, quando diz que é excepcional, está a pensar em normalidade.
Quem persistir na leitura do projecto do PSD e chegar ao artigo 37.º, então, percebe que o assunto não é sério e que o repúdio do PSD pelo recrutamento excepcional não passa de uma completa mistificação. É que o PSD propõe exactamente o mesmo! Faz um truque: arruma o artigo respectivo noutro capítulo. Para ser rigoroso, é um bocadinho diferente: é que o Governo usa o termo «excepcional» e o PSD do Professor Marcelo Rebelo de Sousa usa a expressão «a título excepcional».
Mas há mais, Srs. Deputados: todo o processo conduzido pelo Governo, que culmina na proposta de lei que hoje debatemos e que visa substituir o serviço militar obrigatório pelo serviço militar voluntário, não passa, segundo o PSD, de um logro. O que o Governo quer, segundo o PSD, é manter o serviço militar obrigatório - está lá, na página 9 da exposição de motivos, e foi hoje aqui repetido, sem vergonha.
Estamos, pois, em plena farsa tão ao estilo de... vejam lá se adivinham!...
Mas não é tudo. O mais surpreendente é que a exposição de motivos do projecto de lei do PSD revela um segredo de oito anos e explica um enigma que trouxe confundidos os especialistas militares durante todo este tempo.
Como se sabe, o PSD - o do Cavaco Silva e de Fernando Nogueira -, em 1991, em proposta de lei discutida nesta Câmara, fez aprovar a redução do serviço militar obrigatório a quatro meses.
No que consistiu a reforma de Nogueira? Em introduzir o serviço militar misto, com voluntários e contratados, como havia na Europa, reduzir o SMO a quatro meses, mas tentar a sua universalidade, como é suposto que deverá ser o serviço militar obrigatório. O PSD queria alargar o serviço militar obrigatório dos 40 ou 50 000 de então para 60 ou 70 000, aproximando-o do universo de 100 000 jovens que todos os anos chegam à idade militar. A ideia não era acabar ali, nem a prazo, com o SMO mas, antes, alargá-lo.
A decisão causou a maior estranheza. A oposição, é claro, suspeitou de eleitoralismo. Mas Nogueira, que podia errar, como errou, mas não era dado aos actuais jogos florentinos, tão caros ao actual PSD, fundamentou a sua opção. Eu leio, Diário da Assembleia da República, l .ª Série, de 20 de Fevereiro de 1991, página 1428. Explica o então Ministro da Defesa Nacional, Fernando Nogueira: o objectivo é «instruir um contingente nacional com base no serviço militar obrigatório, cuja mobilização facultará a capacidade máxima nacional para defesa do território em caso de ameaça externa,(...)».
Como se constatou, a medida foi um erro grave. Os quatro meses não davam utilidade operacional aos militares do serviço militar obrigatório, para o tornar universal, saía caríssimo e não servia para nada ou quase nada. Já o então Chefe de Estado Maior do Exército, General Loureiro dos Santos, antes explicara que, aqueles militares, com a reduzida instrução que tinham, não constituíam verdadeiras reservas para mobilização. Felizmente, Portugal não foi invadido, nesse meio tempo do Governo de Cavaco Silva, e Fernando Nogueira não foi desfeiteado.
Os quatro meses de serviço militar obrigatório foi um completo fiasco, mas nunca o Ministro Nogueira, o Governo do PSD, os seus membros da Comissão de Defesa, aceitaram a tese de que a decisão dos quatro meses era uma decisão capciosa contra o serviço militar obrigatório, uma forma sub-reptícia de preparar o fim do serviço militar obrigatório, contra a lei, contra a Constituição, contra a boa fé dos Deputados.

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Mas é sobre isto que surge a grande revelação da exposição de motivos do actual projecto de lei do PSD. Eis o que agora o PSD vem revelar, e que já aqui foi dito, pelo que a revelação chega até um pouco tarde: «(...) a redução para 4 meses do SEN, (...) foi assumida conscientemente como uma fase vestibular de um modelo de serviço militar integralmente voluntário.». Lê-se, ouve-se e não se acredita!
Mas isto não tem, admito, o objectivo de difamar o seu companheiro de partido Fernando Nogueira; isto é apenas o preço, julgado despiciendo, da mais tola «esperteza saloia» para demonstrar aos portugueses que o erro colossal de 1991 foi uma ideia muito bem pensada para preparar a reforma das Forças Armadas pelo PSD do Professor Marcelo, agora, em 1999. Não há paciência!
O estilo florentino da nova AD, de Marcelo e Portas, triunfou na redacção do projecto de lei do PSD. É a vitória da realidade virtual, da criação de factos políticos, da política de salão. Veremos que frutos dará o novo estilo.
A proposta do Governo é uma boa proposta. É o resultado de um estudo profundo e sistemático, encontra soluções simultaneamente ousadas e equilibradas e acautela situações extremas imprevisíveis.
O PS considera a reforma das Forças Armadas uma reforma estrutural da maior importância para o País. A substituição do serviço militar obrigatório pelo serviço militar voluntário é a peça chave dessa reforma. Uma transformação de tal envergadura não é para servir o PS, é para servir o País e, por isso, procuraremos que ela concite o maior consenso possível entre os portugueses e os Deputados.
O PS está disposto a prosseguir, em Comissão, um diálogo franco com todos os partidos da oposição e a procurar, nesta matéria, os consensos indispensáveis, ao serviço de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A discussão vai longa mas eu gostaria de dizer, em relação aos diplomas em causa - a Lei de Defesa Nacional, a Lei do Serviço Militar e as propostas do PSD sobre as quais não me irei debruçar -, que penso que estamos perante leis más, equívocas, as quais, nesta fase do debate, estamos em condições de poder perceber que deveriam passar à reserva.
Há um aspecto nesta discussão que é muito importante para Os Verdes. Estamos a falar de uma nova lei de defesa nacional, estamos a falar do serviço militar e, falando, aparentemente, de mudanças, do ponto de vista da concepção de defesa e do ponto de vista do entendimento que se tem da participação dos cidadãos na defesa como ela hoje se coloca diferentemente, julgo que há um equívoco, até pela própria forma como a discussão é feita. Estamos a falar do papel novo que se coloca a Portugal escamoteando os diferentes e novos contornos que a defesa deveria ter hoje, ao caminharmos para um novo século, do ponto de vista ambiental, do bioterrorismo, da capacidade que continuamos a não ter de
assegurar, por exemplo, a defesa da nossa zona económica exclusiva.
É desvalorizando tudo isto que estamos a dar um salto no sentido de garantir as condições para termos mais capacidade operativa de corresponder às novas missões que se colocam, do ponto de vista planetário, às diferentes regiões, designadamente, ao espaço europeu, do qual somos parte integrante e participativa, da perspectiva política.
Julgo que o que hoje está a acontecer na Europa, decidindo Portugal envolver-se militarmente numa intervenção no espaço europeu, à margem de qualquer deliberação das instâncias internacionais e do direito internacional, é um mau exemplo de como se concebe actualmente a defesa e a paz no espaço europeu. A paz não se previne, não se discute o desarmamento, não se discute a ênfase em formas não violentas de defesa, não se discute uma perspectiva civil de defesa; discute-se e decide-se, como se alguém pudesse ter poder ou impunidade ou pudesse colocar-se sobre todos os outros, através do uso de força e de meios militares, no fundo, decidindo a vida e a morte de outros que dizemos querermos defender.
Da perspectiva ética, esta é, para nós, uma discussão importante e são inaceitáveis os moldes em que a questão é colocada. Do ponto de vista nacional, é quase secundarizado o interesse e a necessidade de equacionar diferentemente a defesa e, do ponto de vista da Europa, essa defesa também continua a ser pensada fora do espaço europeu, sendo Portugal, passivamente, instrumento daquilo que outros por nós decidem.
É nessa perspectiva que, para nós, esta lei é retrógrada e contém equívocos, porque, supostamente, parte de uma imagem e de uma ideia que se criou na opinião pública, que é a de os nossos jovens, finalmente, se iriam ver livres do serviço militar obrigatório, o que é um equívoco, pois assim não é. É uma lei que transporta equívocos e que é perigosa porque não é capaz de garantir uma perspectiva de modernidade que era suposto conter - as intervenções até agora feitas não conseguiram clarificar o sentido exacto, por exemplo, do artigo 31 .º. A lei prevê, ainda, o recurso a formas de recrutamento que, do nosso ponto de vista, são inaceitáveis. Fala-se de ficheiros e julgo que este terreno é demasiado movediço para que seja aconselhável metermo-nos por ele.
Além disso, para Os Verdes, é perfeitamente inaceitável admitir-se que a escola, onde a educação não está voltada para a tolerância, para o respeito pelos outros, possa vir a incutir nos jovens o interesse em participarem e envolverem-se militarmente na defesa seja do que for, por mais nobres que pudessem ser esses objectivos. Portanto, diria que, em nossa opinião, esta é uma lei plena de equívocos, é uma lei negativa.
Sobre o projecto de lei do PSD não me pronuncio, porque penso que a sua atitude neste debate é de despudor total, já que veio aqui reclamar-se detentor de uma modificação que não foi capaz de assegurar. Sendo para mim claro que a opinião pública perceberá isso, julgo que é também importante que se perceba que o Governo socialista trouxe hoje aqui uma proposta que não vai alterar radicalmente coisíssima nenhuma e que só vai, uma vez mais, adiar as questões que, do nosso ponto de vista, são hoje as fundamentais na discussão de uma nova concepção e de uma nova perspectiva de defesa no plano nacional, no quadro dos espaços em que

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Portugal participa, designadamente numa perspectiva autónoma da defesa da Europa, a qual não existe.
Assim, neste horizonte, não aceitamos esta lei e pensamos que seria de bom senso que ela recebesse «guia de marcha» e recolhesse ao sítio de onde veio, para uma reflexão e um posterior debate, em momento mais correcto.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia
de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Hoje acontece aqui uma coisa rara: o período da ordem do dia de uma reunião plenária da Assembleia da República é inteiramente dedicado a matérias de defesa nacional e de Forças Armadas.
Podemos mesmo dizer que se trata de um momento solene da história da VII Legislatura. Estamos a debater a nova lei dó serviço militar e também algumas alterações à Lei de Defesa Nacional. Mas o momento torna-se decisivo se pensarmos que será provavelmente a última vez, nesta legislatura, que temos a honrosa presença do Sr. Ministro da Defesa Nacional em Plenário da Assembleia da República. E essa circunstância transforma esta ocasião no tempo propício para, aqui e agora, fazermos o balanço do que tem sido a inactividade do Governo em matéria de defesa nacional e de Forças Armadas.
Para o efeito, nada melhor do que algumas perguntas, inspiradas no Programa do XIII Governo Constitucional, que respeitosamente farei ao Sr. Ministro da Defesa Nacional.
Constata-se, no Programa do Governo, que a defesa nacional não estará garantida se não for sentida e partilhada pelos portugueses. Estamos de acordo, mas tem o Governo promovido, tal como prometeu, uma informação contínua relativa às questões de defesa nacional e tem fomentado a difusão do conhecimento da nossa história, como elementos determinantes do reforço da identidade e da consciência nacional?

O Sr. Marques Júnior (PS):- Tem!

O Orador: - Tem o Governo procedido à racionalização organizacional e à modernização gradual do armamento e do equipamento, no quadro da Lei de Programação Militar em vigor?

Vozes do PS:- Tem!

O Orador: - A instalação do Sistema Integrado de Comando e Controlo Aéreo (SICCAP) e do Sistema Integrado de Comunicações da Marinha (SINCOMAR) tem avançado ao ritmo previsto?

Vozes do PS: - Tem!

O Orador: - Tem o Governo reforçado os meios navais e aéreos de que carecem as regiões autónomas, quer do ponto de vista de defesa da nossa soberania quer do ponto de vista da fiscalização da zona económica exclusiva, da protecção ambiental e do apoio ás populações insulares?

Vozes do PS: - Tem!

O Orador: - E em que termos prosseguiu o Governo o processo de planeamento de forças nacional?
Sr. Ministro, que medidas de reestruturação das Forças Armadas adoptou o Governo com vista a promover uma maior integração e coordenação dos ramos, a fim de facilitar uma mais eficaz acção conjunta dos mesmos?
Tem o Governo, na sequência da racionalização e redimensionamento de efectivos, que vinha sendo posta em prática pelos Governos anteriores, adoptado uma política de reaproveitamento e alienação de imóveis militares excedentários ou inadequados, afectando o produto das vendas ao cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado e à modernização de instalações militares?

Vozes do PS: - Tem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não tem!

O Orador: - Sr. Ministro, tem o Governo mantido um diálogo institucionalizado com os militares, sempre que estão envolvidas questões do foro profissional, e tem procurado, através desse diálogo, contribuir para o acréscimo de motivação dos quadros das Forças Armadas e para uma maior coesão das mesmas?

Vozes do PS: - Tem!

Vozes do PSD: - Não tem!

O Orador: - Procedeu o Governo à revisão e dignificação do estatuto dos funcionários civis das Forças Armadas e do Ministério da Defesa Nacional, bem como dos trabalhadores dos estabelecimentos fabris militares?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Isso até o Sr. Secretário de Estado disse que não!

O Orador: - Sr. Ministro, que fez o Governo para, à luz dos preceitos constitucionais e legais, assegurar, a todos os níveis, os direitos e o cumprimento dos deveres dos militares enquanto membros de uma instituição integrada no Estado de direito democrático?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):- Nada!

O Orador: - Tem o Governo promovido o aumento da participação feminina nas Forças Armadas, com garantia de que as mulheres militares possam ter efectivas condições de acesso aos vários graus da carreira, para termos uma série de coronéis e generais femininos?

Vozes do PS: - Tem!

O Orador: - Sr. Ministro, que tem feito o Governo com vista à racionalização e utilização coordenada dos serviços e infra-estruturas de saúde militar?
Sr. Ministro, como tem o Governo executado a resolução sobre a reestruturação do Sistema de Autoridade Marítima?

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Como clarificou o Governo a articulação entre as diferentes entidades competentes no domínio das costas e águas sob jurisdição portuguesa?

O S. Luís Marques Guedes (PSD): - Também só faz perguntas complicadas!

O Orador: - Sem qualquer ironia, pergunto-lhe também, Sr. Ministro, se o Governo procedeu à regulamentação e instalação do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares (SIEDM) e, se sim, qual a avaliação que V. Ex.ª faz do funcionamento desse serviço?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Isso são perguntas que se façam?!...

O Orador: - E em que pé está, Sr. Ministro, a reestruturação das indústrias de defesa?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não está!

O Orador: - Como tem apoiado o Governo o desenvolvimento de tecnologias, sistemas e equipamentos para utilização das Forças Armadas, através da participação do sistema científico e das indústrias nacionais, numa perspectiva de desenvolvimento nacional integrado? E em que estado se encontra o prometido estudo prévio de viabilidade da participação, no plano científico e tecnológico e das indústrias nacionais, nos futuros sistemas de armas a adquirir antes da tomada de decisão quanto à sua programação?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Em mau estado!

O Orador: - Como tem o Ministério da Defesa apoiado a participação de docentes e de investigadores da área de I&D em programas de especialização, cursos de pós-graduação e estágios?
Quando tenciona o Governo reformular o sistema de justiça militar?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Ainda nem pensou nisso!...

O Orador: - Quando chegarão ao Parlamento as propostas de lei relativas à revisão do sistema judicial, penal, disciplinar e sancionatório aplicável aos militares?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Agora é melhor fazer perguntas fáceis!

O Orador: - Na formulação destas perguntas servi-me, sem as alterar, das palavras que o Governo usou no seu programa. Se foram maçadoras, sibi imputei. Limitei-me a acrescentar-lhes um ponto de interrogação.
Sr. Ministro, nem tem de dar-se ao incómodo de responder. Todos nós sabemos a resposta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Insere-se a proposta de lei n.º 216/VII no quadro dos compromissos assumidos pelo Governo no seu programa. Mas também neste ponto o Governo não cumpre o que prometeu. Limita-se a apresentar aqui algumas alterações à Lei de Defesa Nacional em vez de nos trazer uma lei nova, como se impunha.
É verdade que o Governo teve o cuidado de esclarecer, na exposição de motivos, que «não se trata ainda da revisão mais profunda e integral que só a futura definição do conceito estratégico de defesa nacional irá impor e possibilitar».
Porém, parece haver neste entendimento uma inversão lógica e axiológica.
Segundo o Governo, é a Lei de Defesa Nacional que deverá moldar-se ao conceito estratégico de defesa nacional. Ora, não é assim do ponto de vista lógico, nem poderá ser assim do ponto de vista dos valores e interesses nacionais que estão em causa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não se pode conjunturalizar uma lei estruturante, como o é a Lei da Defesa Nacional, em função de conceitos que, por sua natureza, mudam de acordo com a alteração das circunstâncias, tal como tem sido eloquentemente evidenciado nas últimas duas décadas de evolução da realidade geo-estratégica.
O ponto de vista correcto é, aliás, fornecido pela própria Lei de Defesa Nacional, que, no n.º 1 do seu artigo 8.º, determina que, «No contexto da política de defesa nacional prosseguida, será aprovado pelo Governo o conceito estratégico de defesa nacional.» E o n.º 2 do mesmo artigo acrescenta: «Para os efeitos do presente diploma, entende-se por conceito estratégico de defesa nacional a definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de defesa nacional».
Não é, pois, a Lei de Defesa Nacional que tem de moldar-se ao conceito estratégico de defesa nacional mas, sim, este é que terá de definir-se no quadro da Constituição da República e da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A comprová-lo está o facto de, no domínio da lei actualmente em vigor, terem já sido aprovados dois conceitos estratégicos de defesa nacional: o primeiro, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 10/85, de 20 de Fevereiro; o segundo, através da Resolução n.º 9/94, de 4 de Fevereiro de 1994.
Nada impedia, pois, que o Governo tivesse agora apresentado ao Parlamento a nova lei de defesa nacional.
E digo apenas lei de defesa nacional e não também das Forças Armadas. É que, de acordo com conceitos hoje universalmente aceites, a defesa nacional abrange várias componentes, sendo a componente militar uma delas, certamente de grande relevância.
Por outro lado, a defesa nacional é, conceptual e estruturalmente, um dos fundamentos do Estado de direito. É algo de perene, que permanece estavelmente ao longo da história

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dos povos. As Forças Armadas são matéria específica, sujeita às vicissitudes próprias da sua evolução, como acontece actualmente com a substituição dos sistemas puros de conscrição por sistemas baseados no voluntariado e no contrato ou por sistemas mistos.
Neste contexto, faria sentido que houvesse uma lei de defesa nacional moldada naquela concepção ampla e uma lei autónoma sobre a organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Deste modo, ficaria mais claro o carácter abrangente e perene da defesa nacional, mantendo-se intactos, e quiçá reforçados, o respeito e relevo que são devidos à instituição militar.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Na proposta de lei em apreço, a missão fundamental e prioritária das Forças Armadas - a defesa militar da República - aparece diluída e mesmo secundarizada em face das outras missões que constitucionalmente lhes são atribuídas.
Com efeito, o actual artigo 9.º da Lei de Defesa Nacional ocupa-se exclusivamente da defesa militar da República, que aí é tratada com o destaque e a dignidade exigidos por aquela missão, que tem sido e continua a ser a primeira e a mais importante razão de ser das Forças Armadas.
Seria preferível e, a nosso ver, mais compatível com a letra e o espírito da Constituição, que no artigo 9.º se mantivesse e, eventualmente se reforçasse, a missão primordial e indeclinável das Forças Armadas, que é a defesa militar da República.
A satisfação dos compromissos internacionais, a participação em missões humanitárias e de paz e, nomeadamente as missões com carácter facultativo, como a colaboração em acções de protecção civil ou de cooperação técnico-militar, ocupariam o lugar subordinado que constitucionalmente lhes está reservado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Merecem uma referência final as alterações propostas para o artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional. Trata-se de matéria recorrente, ciclicamente objecto de discussão nesta Assembleia.
É conhecida a posição do meu partido sobre se as restrições ao exercício de direitos constantes do artigo 31.º devem manter-se tal como estão ou se, ao invés, devem ver reduzido o seu âmbito.
Quando se discutiu aqui, em Junho do ano passado, o projecto de lei n.º 309/VII, da iniciativa do PCP, tive a oportunidade de afirmar que o PSD tem acompanhado a evolução verificada nas Forças Armadas portuguesas desde a entrada em vigor da Lei de Defesa Nacional, orgulhando-se de, como partido de governo, ser responsável pelas principais reformas nelas operadas e pela sua modernização. O PSD também tem estado atento à evolução que nesta matéria se vem registando nos ordenamentos jurídicos dos demais países da União Europeia e ás posições que, em organismos internacionais, têm sido adoptadas a este respeito, tendo nomeadamente presente o que vem consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e as resoluções da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
Significa isto que o PSD está atento aos sinais dos tempos e não recusa a evolução sobre as questões suscitadas pelo artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. Mas, como disse então, o PSD não pode deixar de manter uma postura responsável em matéria tão importante quão melindrosa.
Ora, estando em curso uma reforma profunda das nossas Forças Armadas, centrada na substituição do serviço militar obrigatório pelo recurso ao voluntariado e ao contrato, o PSD considera inoportuno discutir uma matéria que tem a ver com aspectos fundamentais da organização das Forças Armadas, de forma avulsa, desinserida de uma revisão global da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, que terá de basear-se no mais amplo consenso possível.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Como partido que foi poder por largos anos e como alternativa de governo, o PSD não pode abordar esta questão levianamente e fora do contexto e do tempo e próprios.
Estamos perante uma verdadeira questão de Estado. Independentemente da posição que os outros partidos venham a adoptar, o PSD, de acordo com o seu sentido de Estado, assumirá, clara e plenamente, as suas responsabilidades.
Depois, em resposta a pedidos de esclarecimento que me foram então formulados, pude esclarecer melhor a nossa posição, acrescentando que o PSD, como partido democrático, está aberto para discutir todas as questões. Entende, contudo, que em relação à matéria do artigo 31.º, deverá haver um debate institucional, o mais amplo e profundo possível, tendo em conta que as alterações que venham a ser introduzidas terão repercussão sobre a coesão e eficácia de um dos pilares da nação portuguesa. E concluí dizendo que esse debate não deve ser feito isoladamente, mas no contexto da reforma, que já então se nos afigurava necessária, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
O Governo, ao apresentar aqui uma proposta de alterações pontuais da Lei de Defesa Nacional, em vez de uma lei nova e completa preclude o pressuposto em que então assentámos - e em que continuamos a assentar - a nossa disponibilidade para rever o artigo 31.º.
Justifica-se, porém, um comentário às alterações propostas pelo Governo em matéria de restrições ao exercício de direitos pelos militares.
Fica-nos a dúvida, Sr. Ministro, se algumas daquelas alterações ao artigo 31.º não poderão ser interpretadas num sentido ainda mais restritivo do que aquele que consta do texto actualmente em vigor.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Aquilo está tudo mal feito!

O Orador: - E, ainda, se as alterações propostas quanto à apresentação de candidaturas por militares a eleições para órgãos políticos não significarão um recuo em relação ao que está actualmente em vigor, dúvida em que somos acompanhados pela posição crítica publicamente assumida pela Associação de Oficiais das Forças Armadas.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se a licença sem vencimento poderá ser preferível à passagem à reserva já a expressão «sendo o deferimento sempre concedido desde que reunidas as condições legalmente definidas» induz a que em vez de «sempre» se leia «apenas».
Temos de reconhecer que a formulação constante do n.º 1. O do artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional, actualmente em vigor, é mais clara e assegura de forma inequívoca a elegibilidade dos militares para os órgãos de soberania e das regiões autónomas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Por tudo quanto afirmei acerca da proposta de lei n.º 216/VII não se estranhará que o PSD tenha as maiores dúvidas em dar-lhe o seu voto favorável. É que o País e as Forças Armadas mereciam melhor do Governo de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, na sequência da intervenção que foi produzida, na qual se disse que a alteração ao artigo 31.º dependia de uma alteração global da Lei de Defesa Nacional, já que o PSD apresentou uma alternativa global à Lei do Serviço Militar, quero perguntar se, entretanto, o PSD entregou na Mesa alguma alternativa global à Lei de Defesa Nacional onde pondere as alterações ao artigo 31.º, como anunciou aqui.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tanto quanto sei, o PSD apenas apresentou o projecto que baixou à comissão.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Temos plena consciência da actualidade, necessidade e alcance histórico do que estamos a tratar neste momento, que diz respeito à Lei do Serviço Militar, e também temos plena consciência das nossas responsabilidades.
O contexto internacional em que se desenrolam hoje a preparação e as acções de carácter militar é claramente diferente do que foi até há uma década atrás. Se na adopção e difusão dos chamados exércitos de massa foi determinante a perspectiva de cenários de guerra no centro da Europa - como aconteceu desde o século passado com as guerras napoleónicas e com a guerra franco-prussiana, e, neste século, com a Grande Guerra de 1914-1918 e a Segunda Guerra Mundial -, à continuidade do mesmo tipo de recrutamento estava sempre subjacente a ideia de que existia o risco de um cenário de confrontação entre os dois grandes blocos militares, a NATO e o Pacto de Varsóvia, no centro da Europa, envolvendo grande número de soldados.
O desaparecimento desse cenário tornou cada vez mais problemática a justificação táctica-organizativa e a legitimação
social do serviço militar obrigatório ou conscrição. Mas não foi apenas o fim da Guerra Fria que determinou a grande transformação que as Forças Armadas do mundo ocidental estão a atravessar. Ao longo de décadas, o princípio da conscrição geral já vinha a revelar as suas fragilidades. A industrialização, a tecnologização e a procura de padrões de vida mais elevados levaram, nas sociedades em que vivemos, a um grau crescente de divisão funcional do trabalho e de especialização profissional. A esfera militar não escapou a esta tendência e, por vezes, até a impulsionou, designadamente no domínio da investigação científica e da inovação tecnológica. Passou a ser requerido pessoal militar mais qualificado, mas também em menor número. Nos orçamentos para a defesa, nos países mais desenvolvidos, cresceram as rubricas destinadas ao armamento, ao equipamento, à formação e ao treino e diminuíram as rubricas destinadas à manutenção do pessoal. A própria percentagem de conscritos necessários para as funções requeridas pela estrutura militar foi baixando, ocasionando o que os especialistas chamaram de «pseudo-conscrição». Entre os jovens considerados aptos, e excluindo, portanto, as mulheres, apenas metade, por vezes um terço, era obrigada a prestar serviço militar, ou seja, já não a conscrição geral que no princípio do século igualizava, de alguma forma, os vários sectores sociais e, como tal, era justificável do ponto de vista dos princípios. A pseudo-conscrição existente tornou-se facilmente questionável no plano dos princípios pelos jovens e suas famílias, que não entendiam porque uns, e não outros, tinham de despender um serviço em favor das Forças Armadas. Este processo, como já foi amplamente referido, foi comum a outros países nossos parceiros na NATO e na União Europeia, que adoptaram e começaram a concretizar o voluntariado enquanto sistema de recrutamento.
Sublinhei, no início, a ideia de responsabilidade. Em democracia, a responsabilidade é um princípio de comportamento imprescindível. A nível político, e enquanto legisladores, cabe-nos assumir as nossas responsabilidades quanto à defesa do País, o que implica a adequação das Forças Armadas aos objectivos estrategicamente definidos e a valorização da instituição militar no quadro democrático. Insisto neste ponto: valorização que implica uma auto-estima elevada por parte dos próprios militares e que passa pelo reconhecimento da importância da função militar para o País e para a democracia, por parte da sociedade, dos responsáveis políticos e outros. Em democracia, as Forças Armadas não podem ser vistas como uma espécie de inevitabilidade histórica, mas, principalmente, como uma instituição positiva, depositária da própria continuidade do Estado e da Nação e, por essa via, um instrumento para a segurança, protecção e, porque não, orgulho legítimo dos portugueses.
Sabemos que em Portugal não existe a tradição de voluntariado que se encontra em democracias de longa data, como é o caso da Inglaterra ou dos Estados Unidos, onde é habitual que no curriculum vitae, para obtenção de um emprego, se refira o trabalho voluntário despendido em associações de voluntariado civis ou nas Forças Armadas. A captação de voluntários deverá, assim, merecer a maior atenção e para isso o Governo apresenta já algumas propostas concretas que passam, por exemplo, por um protocolo já aqui referido entre o Ministério da Educação e o Ministério da Defesa. Sabemos que a valorização da imagem das Forças Armadas e

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do serviço militar perante os jovens não é instantânea e não se pode fazer apenas, como se costuma dizer, «por decreto». Sabemos também que não se implanta na sociedade aquele espírito que leva ao empenhamento em objectivos colectivos para o bem comum. Trata-se de um processo muito profundo que se encontra no cerne do próprio empenhamento e da própria razão de ser do Partido Socialista e que se exterioriza quando dizemos que as pessoas estão primeiro. As pessoas enquanto destinatários dos benefícios que, conjuntamente, conseguirmos alcançar, mas também enquanto cidadãos, mulheres e homens, que assumem, na primeira pessoa, as suas responsabilidades.
Por termos plena consciência do alcance histórico da transformação do serviço militar e das dificuldades inerentes, prevemos, à semelhança do que tem vindo a acontecer nos outros países que adoptaram o voluntariado, um período de transição de quatro anos. Gostaríamos, como se dizia em tempos, de pedir tudo e já, de requerer o impossível, mas, neste caso, isso não seria realista. Embora a proposta do PSD apresente contributos válidos para a discussão, este ponto, que é fundamental - ou seja, a questão da transição, que o PSD quer que seja de um ano -, parece, perdoem-me a expressão, um pouco metido «a martelo», porque, de facto, não é coerente com o resto da proposta.
Terminaria reiterando que, pela nossa parte, tudo faremos para prestigiar as Forças Armadas portuguesas, neste caso através de um serviço militar capaz de corresponder às nossas necessidades de defesa e ao papel que Portugal assume no contexto internacional. Um serviço militar capaz de conferir aos jovens que o cumprirem mais qualificações e mais elevada consciência dos seus deveres enquanto cidadãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo em conta a fase adiantada do debate, irei ao essencial do que pretendo aqui dizer.
Já muito se disse sobre as propostas de lei em discussão, nomeadamente sobre aquela que é relativa ao serviço militar, mas aquilo que pretendo sublinhar na minha intervenção é um aspecto que o Sr. Ministro da Defesa, em sede de comissão, também já referiu várias vezes. Este aspecto tem a ver com as iniciativas e projectos em curso, em articulação com o Ministério da Educação, no sentido de a escola vir a ter o papel que lhe cabe, agora mais do que nunca, face a umas Forças Armadas com estas características contidas na proposta de lei em debate, na formação e na sensibilização dos jovens para a defesa nacional e para a cidadania.
Parece-nos evidente a importância do papel da escola e parece-nos fundamental que ela assuma estas tarefas, sendo, por isso, positivo que se possam empreender as iniciativas enunciadas e outras no âmbito da escola. Interrogamo-nos se, nesta perspectiva de formação e de sensibilização, em particular tendo em conta a necessidade do período de transição de, pelo menos, quatro anos e as dificuldades previsíveis a enfrentar, inclusive na extensão do serviço militar aos dois sexos, não se justificaria também, a exemplo do que está
a ser feito em França, transformar o recenseamento num primeiro passo activo dessa relação de cidadania entre os jovens, as Forças Armadas e a defesa nacional, que poderia ser seguido, eventualmente, por um segundo passo, ainda elementar e de curta duração, que permitisse aos jovens que o desejassem um primeiro contacto mais sistemático e intensivo com as questões militares e de defesa, e graças ao qual se lhes transmitiriam os rudimentos de uma instrução, motivando-os para um vínculo mais prolongado, se assim viessem a desejar.
Aliás, conviria, porventura, ainda inserir, neste contexto do contacto a estabelecer com os jovens, instrumentos que permitissem captar as disponibilidades desses mesmos jovens para, voluntariamente, desempenharem tarefas de interesse público e ao serviço da comunidade em domínios como, por exemplo, o do ambiente ou o da cultura, tarefas que, podendo inserir-se no quadro da defesa nacional, não são especificamente militares.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Tanto mais que, neste novo quadro, também se vão pôr, naturalmente, inevitavelmente e de maneira diferente, questões como a da objecção de consciência.
O recrutamento, tal qual está previsto no artigo 48.º da proposta de lei em debate, parece-me assentar numa concepção excessivamente passiva da relação a estabelecer entre o Estado, as Forças Armadas e o jovem cidadão. Mesmo que o realismo nos leve a constatar a importância dos aspectos pecuniários e dos incentivos para captar o número suficiente de jovens necessários ao preenchimento dos efectivos e à constituição de reservas, não se pode correr o risco de vir a privilegiar esta componente de tipo mercantil, menosprezando valores e referências de outro tipo que devem ser indissociáveis da profissão das armas. Valores e referências para os quais deve ser sensibilizado o maior número possível de jovens de ambos os sexos, de modo a que a entrada nas Forças Armadas não venha a ser encarada por eles como uma opção de emprego igual a qualquer outra, mas como um serviço de grande prestígio, responsabilidade e dignidade à comunidade e ao País.
A escola, insistindo e concluindo, tem, evidentemente, um papel fundamental a desempenhar. Todavia, é sabido como, por razões que aqui não cabe desenvolver, matérias como a educação cívica ou semelhantes, que têm a ver com a formação pessoal e social dos jovens, mesmo quando previstas nos currículo, acabam por não obter espaço efectivo nos programas e acabam por não ser leccionadas. Parece-me, pois, e sintetizando, que seria útil e prudente que esta questão da necessária criação de um novo entrosamento entre as Forças Armadas e a Nação assentasse, simultaneamente, na escola e em mecanismos de recenseamento e de recrutamento mais eficazes quanto às tarefas de classificação e de selecção e, sobretudo, quanto à formação e à sensibilização dos jovens para as questões da defesa e da cidadania.
Como o meu grupo parlamentar já sublinhou várias vezes, estamos abertos para, na especialidade, reflectir sobre estes aspectos que nos parecem centrais, procurando encontrar para eles as respostas mais adequadas.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com algum atraso, retomamos hoje o debate sobre o artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, iniciado neste Plenário em 9 de Junho do ano passado.
Em minha opinião, não há qualquer razão para alterar o processo que então foi recomendado e aceite. Para que tudo o que se disse em Junho continue a fazer sentido, esta proposta do Governo devia ser aprovada para que, na Comissão, se proceda a «(...) esse trabalho de aprofundamento de toda esta matéria (...)», tendo por horizonte «(...) uma solução adequada e justa (...)», para utilizar expressões proferidas pelo Sr. Deputado João Amaral no debate anterior.
Aliás, o Sr. Deputado Ferreira Ramos, que usou então da palavra em nome do CDS-PP, apesar de referir as dificuldades de um consenso, já que se trata «(...) de assunto em relação ao qual a posição dos diversos partidos sempre foi clara e, por vezes, antagónica (...)», não deixou de concordar com a nota justificativa, o que foi positivo. Disse, então, que «o regime de restrição de direito dos militares foi influenciado por uma conjuntura muito complexa e particularmente adversa a um reconhecimento aberto dos direitos fundamentais dos membros das Forças Armadas», com o que concordamos.
Nesse mesmo debate, o Sr. Deputado Correia de Jesus - que vai ouvir esta passagem pela terceira vez - referiu que «(...) o PSD tem acompanhado a evolução entretanto verificada nas Forças Armadas Portuguesas (...)»,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O que é rigorosamente verdade!

O Orador: -... declarando ainda que «O PSD tem estado atento à evolução que nesta matéria se vem registando nos ordenamentos jurídicos dos demais países da União Europeia e às posições que em organismos internacionais têm sido adoptadas a este respeito, tendo presente o que está que consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e as Resoluções da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa».

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Essa parte está muito bem!

O Orador: - Às questões que foram levantadas pela sua intervenção, esclareceu que «Quando se pergunta se há ou não abertura da nossa parte para discutir estas questões, devo dizer que o PSD, como partido democrático, está aberto para discutir todas as questões». Que bonito!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Eu sabia que V. Ex.ª gostava!

O Orador: - Concluí então, e mantenho essa convicção, que «À Comissão da Defesa Nacional caberá encontrar as
vias de diálogo que permitam uma aproximação das posições dos vários grupos parlamentares».
Tal como então se afirmou, «O cimento desse trabalho é a vontade comum de escolher o que melhor satisfaça as necessidades da defesa, no respeito pela instituição militar e pelos homens que a servem».
Faço votos para que o sentido de responsabilidade evidenciado por todos os intervenientes continue a apontar para a necessidade de aprofundarmos em comissão estes debates, não desligando o artigo 31.º da garantia de um reforço no cumprimento, por todos os militares, do respeito pela Lei do Serviço Militar que vier a ser aprovada.
Em Comissão, a análise do artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, em simultaneidade com a análise da Lei do Serviço Militar, pode contribuir para a escolha justa do seu articulado. E quando refiro uma escolha justa do articulado, refiro o facto de, no n.º 6 do artigo 31.º, se proibir a filiação em associações de natureza política, partidária ou sindical, proibindo-se ainda a participação em quaisquer actividades por elas desenvolvidas. Considero, por isso, que a excepção apresentada devia circunscrever-se ao facto de se oferecer aos militares a possibilidade de participarem em associações profissionais, sem voltar a restringir essa participação. Estou em condições de propor, em nome da minha bancada, que se deixe cair, na proposta do Governo, o carácter técnico ou deontológico exigido para as associações profissionais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Temos estado hoje a analisar uma das reformas mais importantes relacionadas com a defesa nacional e com as Forças Armadas. É uma reforma estrutural e estruturante que tem a ver com um sector da administração de grande sensibilidade e que, por isso, deve ser abordado com grande sentido de Estado, à margem das questões de mera guerrilha partidária e sem qualquer demagogia. As tentações podem ser grandes, mas exige-se-nos que ponhamos nesta discussão um grande sentido de responsabilidade.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Os meus camaradas já abordaram o essencial da proposta do Governo e do projecto do PSD e deram a versão do Grupo Parlamentar do Partido Socialista sobre os seus aspectos mais importantes, chamando a atenção para os objectivos que lhes estão subjacentes e sublinhando a importância do que está hoje em debate.
A proposta de lei sobre o serviço militar que o Governo nos apresentou teve um grande trabalho preparatório, que resultou da necessária ponderação de várias alternativas, tendo como objectivo o cumprimento de um compromisso que consta do Programa do Governo e que se segue à desconstitucionalização da obrigatoriedade do cumprimento do serviço militar.

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A discussão desta proposta mereceu da Comissão de Defesa Nacional uma atenção especial, considerando a sua importância, quer no ordenamento jurídico português quer pelo facto de constituir uma ruptura importante do ponto de vista conceptual.
Neste sentido, a Comissão decidiu fazer um vasto conjunto de audições, como já aqui foi dito, tendo sido ouvidos desde os chefes militares até às individualidades civis e militares de reconhecida competência nesta matéria, passando também pela audição de várias organizações e associações de diversos sectores, incluindo organizações patronais, sindicais e estudantis, além de reputados especialistas, desde historiadores a sociólogos. Todos eles deram um contributo válido, que agradecemos. Esperamos que esse contributo permita à Assembleia da República a elaboração de uma lei que corresponda aos interesses dos portugueses e contribua para a dignificação, estabilidade e modernização das Forças Armadas.
A proposta de lei altera o tradicional paradigma da organização das Forças Armadas ao substituir o Serviço Militar Obrigatório pelo voluntariado - o aspecto essencial da lei, que é acompanhado, neste aspecto, pelo projecto de lei do PSD -, o que justifica que se tenha um especial cuidado para garantir a estabilidade das Forças Armadas.
Não podemos, pois, actuar com irresponsabilidade e demagogia, o que não quer dizer que não se deva, antes pelo contrário, actuar com determinação na implementação do novo sistema. A propósito, sublinho o facto de o período de transição não poder ser aplicado de forma voluntarista, ignorando a realidade com que estamos a trabalhar, assim como não é despicienda a questão financeira que está subjacente a esta reforma e que pode tão-só ser a garantia do seu sucesso ou insucesso. Isto é tanto mais importante quanto é certo que, muitas vezes, se tem falado de uma reforma que procura inverter a relação dos custos em pessoal com os custos em equipamento.
Quanto à alteração da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, pretende-se, no essencial, adequar a lei aos princípios constitucionais, face à recente revisão constitucional de que resultou a desconstitucionalização da obrigatoriedade do serviço militar e da possibilidade de as Forças Armadas participarem em missões humanitárias e de paz, assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faz parte e, igualmente, da sua colaboração em missões de protecção civil.
Para além destas questões, a proposta de lei pretende rever as restrições ao exercício de direitos por militares face a uma nova filosofia nacional europeia, sem prejuízo da manutenção dos princípios essenciais em que radicam a coesão, a disciplina e a operacionalidade das Forças Armadas. Relativamente a este aspecto, já o meu camarada Eduardo Pereira desenvolveu a proposta do Grupo Parlamentar do PS, que obviamente não interfere na área operacional (em sentido lato, incluindo o apoio logístico administrativo), nos domínios doutrinários, organizacional e disciplinar, nem inclui qualquer tipo de forma de reivindicação própria dos sindicatos, e sem possibilidade de interferência no funcionamento normal dos quartéis, sendo ainda desejável que o diploma defina, com clareza, as respectivas competências.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da análise que se tem feito das propostas do Governo e dos vários contributos que têm sido dados, incluindo o debate que hoje aqui travamos e o projecto de lei do PSD, é minha convicção que é possível e desejável encontrar soluções mais adequadas, sendo certo, como aliás, foi claramente afirmado pelo Governo, que existe disponibilidade para, em sede de Comissão, podermos encontrar os consensos que nos permitam aprovar legislação fundamental à organização, funcionamento, modernização e estabilidade das Forças Armadas Portuguesas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Grupo Parlamentar do PS transferiu os seus seis minutos para o tempo do Governo. Tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, e no final desta discussão em Plenário, quero reafirmar a total abertura do Governo para a melhoria e os ajustamentos necessários para que a Lei do Serviço Militar seja uma lei que abranja o maior consenso político, dado que as Forças Armadas merecem esse esforço da nossa parte.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -A última revisão da Constituição da República Portuguesa foi publicada em Setembro de 1997. Esta proposta de lei foi entregue na Assembleia da República em Novembro de 1998. Desde essa altura até esta data, houve uma série de audiências que considero de grande utilidade e interesse, naturalmente antagónicas, defendendo pontos de vista diferentes, que representam, saudavelmente, uma grande parte da opinião pública portuguesa. Eu diria que devemos estar atentos aos bons conselhos que nos foram dados nessas audições, de acordo com um princípio fundamental: é que a lei pretende e deseja implantar uma lei do serviço militar baseada no voluntariado, em tempo de paz, e no regime de contrato de curta e média duração.
Não queria referir-me ao que vou dizer, mas, infelizmente, tenho de fazê-lo, porque, apesar de algumas provocações, outras se repetiram de um Sr. Deputado do PSD. As calúnias, mesmo repetidas, não adormecem a consciência tranquila dos homens livres. Eu nunca farei o mesmo a quem me pretendeu ofender. Talvez eu tente compreender essa atitude, porque elas eram necessárias, perante uma argumentação de tão inconcebível fragilidade, limitando-se a adjectivações, recusando-se a discutir a substância das coisas. E, não querendo adjectivar, direi que o projecto de lei do PSD é apenas aquele que alguns Deputados do PSD foram capazes de fazer neste momento. Dado que VV. Ex.ªs falaram em depoimentos de militares, eu terei de dizer que a Lei do Serviço Militar, exceptuando algumas alterações nalguns domínios como, por exemplo, o período de transição e também a alteração do serviço de 12 meses para quatro meses, prorrogável até 12 meses, foi aprovada em Conselho Superior Militar. VV. Ex.ªs terão à vossa disposição o diploma que foi aprovado nesse Conselho.
Quanto às conclusões sobre contra-ordenações e penas, lamento terem sido postas dessa maneira, porquanto existe

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algo que destrói a maior parte dos argumentos: é que quem pagar a coima não se livra do serviço militar, como aqui parece estar subentendido.
Sr.ªs e Srs. Deputados: Numa lei que vai ao máximo pormenor no sistema de incentivos, onde eles são objectivamente concretizados, eu informei VV. Ex.ªs de que discutirei o conteúdo do decreto-lei, relativo ao sistema de incentivos, em sede de especialidade.
Direi também que as associações profissionais serão ouvidas na fase final da feitura desta lei. Até já publiquei um despacho sobre a condição militar, em que diversas associações profissionais foram ouvidas, bem como o são em documentos e diplomas importantes para a defesa.
Mas fizeram-me um desafio, ao qual não resisto a responder. Perguntaram-me quanto custam os incentivos. E seria, desde logo, condenado se não soubesse o custo. Ora bem, vou dizer quanto custam os incentivos: no que diz respeito ao ensino à distância, para além de um investimento de 1 milhão de contos, temos as despesas de funcionamento de 350 000 contos; as propinas vão até 470 000 contos; as bolsas de estudo, 500 000 contos; a formação profissional, 320 000 contos; as compensações financeiras (desde que seja um mês por ano de contrato, com média de permanência de seis anos), 2 700 000 contos; os protocolos com empresas, 250 000 contos. Ou seja, perfaz um total de investimentos de 1 750 000 contos e de funcionamento de perto de 3 000 000 de contos.
Mas quem me fez este desafio e quem propôs uma lei também sabe quanto custa. Gostaria, pois, que o PSD me dissesse qual é o valor do custo dos incentivos a que chegou. VV. Ex.ªs, com certeza, estudaram com muito pormenor essa matéria para terem a coragem de fazer esse desafio aqui no Plenário.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputado Carlos Encarnação, as imensas perguntas que colocou, todas elas muito bem feitas, todas elas de realismo indiscutível, de uma leitura total do Programa do Governo... Diria ao Sr. Deputado que 90% daquilo que perguntou está feito - falta 10%. Estou à disposição de V. Ex.ª para lho demonstrar.
Mas não posso deixar de referir algo que tem muito interesse para si, relativamente aos Açores e à Madeira, que diz respeito, fundamentalmente, aos sistemas de detecção e de vigilância.
Sou muitas vezes acusado de nada saber dessas coisas - e vejo alguns homens de direito e economistas que sabem desses sistemas de detecção...! Julgo que ainda não me esqueci de tudo. Devo dizer que, pela primeira vez, na Lei de Programação Militar, estão previstos esses sistemas para a Madeira e para os Açores e que a sua implantação está em negociações com a NATO, dado que temos de articular esses esquemas com a NATO.
Tenho a certeza de que será o Governo socialista, na próxima legislatura, a inaugurar os POAC nas nossas regiões autónomas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Com este Ministro da Defesa?

O Orador: - De certeza com V. Ex.ª como Deputado!

Risos.

Quero também dizer a VV. Ex.ªs que a minha confirmação, aliás, talvez implícita-e compreendo que deseje ser levada até uma maior clareza -, de abertura para eliminar a adjectivação das associações profissionais vai para a iniciativa que o PS vai tomar nesse domínio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Permita-me, Sr. Deputado João Amaral - ainda hoje não dialoguei consigo - apenas uma pequena observação. V. Ex.ª deu aqui muita ênfase - e eu compreendo-o - aos mestrados e aos doutoramentos, e até já via, nesta minha lei, uma inundação de mestres e doutores.
Sr. Deputado, aparece na lei uma só vez as palavras «mestrado» e «doutoramento». A maioria dos incentivos é, naturalmente, para quem constitui a maior parte da família militar: os soldados, os furriéis e os sargentos. São eles os que mais vão beneficiar, sem esquecer, obviamente, os oficiais. Em mestrados, se tivermos 10% de oficiais seria excelente. E se, em doutoramentos, atingíssemos 4% ou 5% seria um progresso.
Meus caros Srs. Deputados, nesta última intervenção, não posso deixar de prestar homenagem ao ministro anterior, o Dr. António Vitorino, que contribuiu em muito, também, para a elaboração desta lei.
A palavra continua, Srs. Deputados. Abertura para algo que os nossos jovens esperam ardentemente. Não podem esperar mais!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Já está de máquina de calcular em punho?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo - vários, uns contáveis outros não... -, Srs. Deputados, gostaria só de dizer três ou quatro pequenas coisas ao Sr. Ministro da Defesa Nacional.
A primeira coisa que lhe queria dizer é que há matérias sobre as quais não vou falar hoje porque não quero confundir matérias distintas. Estamos a tratar de uma questão muito importante para o País em geral, para as forças armadas, para os jovens portugueses, e é em relação a isso que vou, nesta altura, introduzir as seguintes considerações finais da nossa bancada.
V. Ex.ª reservou-se para fazer agora essa intervenção em jeito de balanço, e eu gostaria de lhe retorquir do mesmo modo, só que o nosso balanço é ligeiramente diferente do seu, o que também é natural. Onde V. Ex.ª vê 90 % nós vemos 10%! Onde V. Ex.ª vê 10% nós vemos 90%! Isto é, onde V. Ex.ª

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diz que está 90% feito nós dizemos que está 10% feito e onde V. Ex.ª diz que está 10 % por fazer, está 90% por fazer!

Protestos do PS.

O que é normal e natural, diriam todas VV. Ex.ªs, até em coro, se quiserem, que é mais bonito. Mas o problema não é esse. O problema não é ser bonito, ou ser verdade ou não ser verdade, ou cada um ter a sua interpretação; trata-se de factos materiais. Os factos materiais são estes, e VV. Ex.ªs não os podem desmentir.
Quem fez a maior parte, a parte mais substancial e mais penosa da reforma das forças armadas foram governos do PSD. Os «tais» que andaram 10 anos... Olhe, andaram 10 anos a fazer isto! Toda a gente sabe disso, o País sabe disto. Não vale a pena os senhores andarem a tentar meter os dedos nos olhos das pessoas, porque toda a gente o sabe!
Quem criou um sistema transitório para se possibilitar o fim do serviço militar obrigatório foram os «tais» governos do PSD! Os «tais» que andaram lá 10 anos a fazer isto - não outras coisas -, a fazer isso que VV. Ex.ªs sabem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Marques Júnior (PS): - A fazer o quê?!

O Orador: - Quem proporcionou condições para que, na revisão constitucional, pudesse vir a ser transferido para a lei ordinária o fim do serviço militar obrigatório e quem se bateu por isso foi o PSD! Foi o «tal» que esteve 10 anos no governo e que andou a fazer estas coisas, além de outras, como VV. Ex.ªs sabem muito bem.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - E quanto custa, afinal?

O Orador: - Portanto, ignorar esta parte da história, Sr. Ministro, é entrar na história do antigo para o novo regime de um salto, ou seja, é dar um salto de quilómetros, é dar um salto no tempo de décadas e não apreciar aquilo que foi feito. Sei que V. Ex.ª não cometeria nunca essa deselegância. Só não o fez por esquecimento.
Mas, atrevo-me a dizer que V. Ex.ª, nesta altura, me acompanhará perfeitamente, dizendo que o que eu disse é verdade, e que V. Ex.ª usufruiu, quando chegou ao seu Ministério, de todo este trabalho feito anteriormente.
V.Ex.ª elogiou o Sr. Ministro António Vitorino por aqueles estudos que mandou fazer - aliás, os estudos que mandou fazer são, porventura, iguais aos que já estavam feitos noutros países europeus, que também contribuíram para esta matéria, e V. Ex.ª não citou - como, também, vários outros estudos que estavam adiantados neste País em relação a várias instituições...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Quanto custa?

O Orador: - Hoje não faço pagamentos, Sr. Ministro!

Risos.

Instituições essas que também faziam estudos desta natureza, que também contribuíram para a nossa reflexão.
O problema, Sr. Ministro, é chegar aqui e dizer-se: «Nós fizemos tudo; empenhámo-nos até ao máximo das nossas possibilidades e apresentámos uma lei que é boa, enquanto os senhores apresentam uma lei que é má». Foi isto que o Sr. Ministro aqui veio dizer: «Nós apresentamos uma lei com responsabilidade, os senhores apresentam uma lei com irresponsabilidade». Não é isso, Sr. Ministro!
O problema fundamental é apenas e só este: queremos que o que se passou até aqui não volte a repetir-se, porque sentimos - e acredite, Sr. Ministro, que isto é verdade - que estávamos colocados perante uma questão na qual os portugueses acabavam por sair ludibriados; estavam todos os dias a ouvir que o fim do serviço militar obrigatório era hoje, era amanhã, era depois, era daqui a 15 dias.... Todavia, a lei estava parada, os estudos e as reflexões continuavam, multiplicavam-se, e nunca mais se decidia.
Foi então que nós, aproveitando a nossa experiência passada de governo, aproveitando o período transitório que soubemos colocar, aproveitando todas as experiências que entretanto também fomos bebendo aqui e ali, aproveitando a reflexão que fizemos - por que não? - sobre o trabalho da comissão (que deu muito trabalho a estudar), apresentámos uma lei que é, de facto, uma lei melhor do que a sua, Sr. Ministro. Esta é que é a verdade! E é melhor em vários aspectos em relação aos quais, na própria Comissão, V. Ex.ª ouviu críticas que eram contra a sua lei e a favor da nossa.
Põe V. Ex.ª um problema: «Mas, os senhores querem fazer isto em dois anos, não querem fazer isto em quatro anos». Exactamente! Queremos, Sr. Ministro! E sabe porquê? Por uma razão simples: não queremos perder uma legislatura a tentar fazer uma coisa que prometemos e não cumprimos. Queremos dizer que, nesta legislatura, esta decisão é tomada, e é tomada em termos tais que no ano 2000 fique tudo pronto.
Um dos principais vícios da sua lei, Sr. Ministro, é não introduzir credibilidade suficiente para que este sistema seja mesmo para cumprir. É esse o problema! E, sendo esse o problema, queremos dizer o seguinte...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Quanto é que custa?

O Orador: - Já vou fazer os pagamentos a V. Ex.ª, Sr. Ministro!
O que eu lhe diria era o seguinte, Sr. Ministro da Defesa Nacional: a nós, PSD, o Sr. Ministro, os Srs. Ministros todos e os Srs. Secretários de Estado não nos podem acusar de fugir à nossa responsabilidade em relação ao que é forças armadas.
Nós queremos forças armadas coesas, competentes, bem equipadas, disponíveis e que tenham tudo aquilo que é necessário para desempenharem a sua missão. Isto é, para isso, os senhores podem sempre contar connosco. Não podem é andar a dizer que andamos aqui a mendigar tostões para as forças armadas. Nós queremos que os senhores cumpram orçamentalmente aquilo que prometeram às forças armadas...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já beneficiou de alguma tolerância. Tem de terminar, se faz favor.

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - A resposta tem de vir!

O Orador: - Terminarei, Sr. Presidente, com a tolerância que V. Ex.ª me concedeu neste instante, apenas para dizer que apresentámos uma lei no tempo oportuno, que, com isso, fizemos com que esta lei fosse agendada antes daquilo que VV. Ex.ªs queriam, está o assunto discutido, temos duas alternativas perante os portugueses. A nossa defendemo-la e respondemos por ela.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Ministro?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Espero que seja, Sr. Ministro. Faça favor.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, é mesmo para uma interpelação.
Trata-se de uma questão muito importante, e creio que, por razões processuais, designadamente em matéria de tempo, não deveríamos ficar neste ponto.
O Sr. Presidente não teve oportunidade de presidir a toda a sessão, mas, por diversas vezes, a bancada do PSD fez um desafio ao Sr. Ministro da Defesa, insistindo para que indicasse à Câmara qual o montante dos incentivos previstos na proposta de lei do Governo.
O Sr. Ministro da Defesa explicou agora quais eram os montantes que estavam na proposta de lei do Governo e, amavelmente, pediu ao PSD que também nos informasse de quais sãos os custos dos incentivos, que, ainda por cima, não querem gastar em quatro anos, mas em dois, porque pode ser tudo muito mais rápido.
Creio que foi, certamente, por falta de tempo que o Sr. Deputado Carlos Encarnação não respondeu a esta pergunta fundamental.
Ora, eu vinha pedir à Mesa que, apesar do adiantado da hora, tivesse a gentileza de conceder mais algum tempo ao PSD para que pudéssemos sair daqui hoje devidamente esclarecidos e seguros de que, quando o Sr. Deputado Carlos Encarnação fala de credibilidade, não é só teatro, é a sério, e é capaz de pôr os números em cima da mesa. Aguardámos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, hoje foi o dia das interpelações que não foram interpelações. Mas, enfim, já que o jantar está para horas tão tardias, mais minuto menos minuto...
Sr. Deputado Carlos Encarnação, se quiser, pode dar a explicação que foi solicitada.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, isto lembra-me uma...

O Sr. Presidente: - Rapidamente, faça favor, Sr. Deputado, sem circunlóquios, porque a esta hora a fome já é maior do que a atenção.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, permita-me V. Ex.ª que o deixe ir jantar mais bem disposto. É só neste sentido que queria aqui intervir.
Isto lembra-me uma circunstância em que andámos que tempos a perguntar um preço e ele nunca vinha... Parece-me que o Sr. Ministro está agora na posição contrária.
Mas também direi ao Sr. Ministro o seguinte: nós responsabilizamo-nos pela nossa lei quando formos governo.

Risos.

E dizemos isso, Sr. Ministro, porque também já nos responsabilizámos no passado em relação a todas as opções que fizemos.
Em relação a esta pergunta que V. Ex.ª me faz, devo dizer-lhe o seguinte: andámos meses a pedir esta resposta - esta mesma resposta - ao Sr. Ministro. Se eu demorar o mesmo número de meses a dar a resposta V. Ex.ª não estranhará, certamente!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Está tudo dito!

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, declaro terminado o debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º 214/VII, do projecto de lei n.º 6347 VII e da proposta de lei n.º 216/VII, que posteriormente serão objecto de votação pelo Plenário.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, e terá como ordem de trabalhos o agendamento potestativo do PCP com a discussão dos projectos de lei n.ºs 595/VII (PCP) e 636/VII(PS).

Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 10 minutos.

Declaração de voto, enviada à Mesa para publicação, relativa à proposta de lei n.º 98/VII.
A proposta de lei n.º 98/VII, da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, pretende que, à semelhança do que se verifica relativamente ao salário mínimo nacional e aos vencimentos dos funcionários públicos na Região, também ao montante do rendimento mínimo garantido seja acrescido um diferencial de 2%. Este acréscimo tem como objectivo minimizar a diferença do custo de vida sentida na RAM.
O salário mínimo nacional é considerado, nos termos da Constituição, o mínimo para a sobrevivência digna de qualquer cidadão. Também o rendimento mínimo garantido pretende contribuir para a satisfação dessas necessidades mínimas, pelo que não seria lógico considerar-se a primeira por razões de insularidade e esta proposta não.

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Por entendermos que se trata de uma pretensão justa, os Deputados socialistas eleitos pelo circulo eleitoral da Madeira votaram a favor desta proposta de lei.
Os Deputados do PS, Arlindo Oliveira - Isabel Sena Lino.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
José Augusto Gama.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Manuel Carmo Saleiro.
António Bento da Silva Galamba.
Carlos Manuel Luís.
Francisco Fernando Osório Gomes.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.

Partido Social Democrata (PSD):

Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Francisco Antunes da Silva.
João Calvão da Silva.
Luís Carlos David Nobre.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Nuno Kruz Abecasis.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Maria Odete dos Santos.

Rectificação ao n.º 62, de 20 de Março
Na pág. 2310, 2.ª col., 1.45, onde se lê «linha de Espinho», deve ler-se «cidade de Espinho».

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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DIÁRIO
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