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Sexta-feira, 19 de Outubro de 2001 I Série - Número 14

VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE OUTUBRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
José de Almeida Cesário

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Coelho (PS), perante a situação económica nacional e internacional, congratulou-se pelo Orçamento do Estado para 2002 apresentado, que permite fazer face às dificuldades que se avizinham e lançou um repto à Assembleia com vista à apresentação de propostas que visem a sua melhoria. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Maria Celeste Cardona (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Manuela Ferreira Leite (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Luís Marques Mendes (PSD) e Basílio Horta (CDS-PP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE), sobre o julgamento de mulheres acusadas de terem praticado aborto clandestino, condenou a lei em vigor e exigiu a sua alteração. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento das Sr.as Deputados Helena Roseta (PS), Isabel Castro (Os Verdes) e Margarida Botelho (PCP).
O Sr. Deputado Rodeia Machado (PCP) chamou a atenção para as dívidas do Ministério da Saúde às associações de bombeiros que prestam serviços de transporte de doentes em ambulâncias e solicitou o cumprimento de todos os compromissos assumidos pela tutela nesse âmbito. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira (PS).
O Sr. Deputado Carlos Antunes (PSD) abordou questões relativas à qualidade de vida do distrito de Viana do Castelo, porque as promessas que vêm sendo feitas com vista ao seu desenvolvimento não foram cumpridas, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Marques Júnior (PS).

Ordem do dia.- Foram discutidos conjuntamente os projectos de resolução n.os 152/VIII - Suspensão e revisão do pacto de estabilidade (PCP) e 156/VIII - Sobre a aplicação do Pacto de Estabilidade em 2001 e 2002 (BE). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Presidência e das Finanças (Guilherme d'Oliveira Martins), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Francisco Torres (BE), Maria Celeste Cardona (CDS-PP), Francisco Louçã (BE), José Vera Jardim (PS), Patinha Antão (PSD), Luísa Vasconcelos (PS) e Isabel Castro (Os Verdes).
Entretanto, a Câmara aprovou oito pareceres da Comissão de Ética, autorizando 4 Deputados do PS e 4 Deputados do PSD a deporem, como testemunha, em tribunal.
O projecto de resolução n.º 158/VIII - Apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo de construção europeia - 15.º ano (Comissão de Assuntos Europeus) foi aprovado.
Os projectos de lei n.os 407/VIII - Altera o artigo 49.º-A do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sujeitando à verificação de certos requisitos a concessão de liberdade condicional aos condenados por crimes associados ao tráfico de estupefacientes (CDS-PP) e 492/VIII - Restringe a aplicação do regime de liberdade condicional nos casos de crimes contra a vida, a liberdade e a segurança das pessoas e de outros crimes violentos (PSD) foram rejeitados na generalidade.
Por fim, a Câmara aprovou, por consenso, a baixa, sem votação, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos

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Liberdades e Garantias da proposta de lei n.º 100/VIII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico da acção executiva e o Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
Foi ainda debatida, na generalidade, a proposta de lei n.º 102/VIII - Estabelece o regime sancionatório aplicável a situações de incumprimento das sanções impostas por regulamentos
comunitários e estabelece procedimentos cautelares de extensão do âmbito material do diploma. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Presidência e das Finanças, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), José Vera Jardim (PS), Fernando Rosas (BE), Narana Coissoró (CDS-PP), Jorge Neto (PSD), Odete Santos (PCP) e Alberto Costa (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Américo Jaime Afonso Pereira
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Carvalho Cunha
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Miguel Marques Boquinhas
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Francisco Miranda Calha
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódio Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Artur Ryder Torres Pereira
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Domingos Duarte Lima

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Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Santos Pereira
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Natália Gomes Filipe
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Miguel Capão Filipe
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos requerimentos e das respostas a requerimentos que foram apresentados na Mesa.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos.
No dia 2 de Outubro e na sessão plenária de 3 de Outubro: aos Ministérios da Economia e do Ambiente e do Ordenamento do Território e à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, formulados pela Sr. Deputada Heloísa Apolónia; ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Rosas; à Câmara Municipal de Baião, formulado pelo Sr. Deputado Renato Sampaio; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alegre; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado José Cesário; aos Ministérios da Saúde e da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Basílio Horta; a diversos Ministérios e à Secretaria de Estado da Administração Local, formulados pelo Sr. Deputado Telmo Correia; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Vicente Merendas.
Na sessão plenária de 4 de Outubro: ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Jovita Ladeira; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e à Direcção Regional de Agricultura da Beira Interior, formulado pela Sr.ª Deputada Maria do Carmo Sequeira; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelos Srs. Deputados Adão Silva e Vicente Merendas; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados João Amaral e Basílio Horta.
Nas sessões plenárias de 10, 11 e 12 de Outubro: ao Ministério do Equipamento Social, formulados pelos Srs. Deputados João Pedro Correia, Jovita Ladeira e Basílio Horta; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, do Trabalho e da Solidariedade e à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada

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Maria Manuela Aguiar; aos Ministérios da Administração Interna, da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Natália Filipe e Manuel Queiró; a diversos Ministérios e ao Alto Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas, formulados pela Sr.ª Deputada Margarida Botelho; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Luís Miguel Teixeira; aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e do Equipamento Social, formulados pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Vicente Merendas; ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado João Rebelo; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Mota Amaral.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 11 de Outubro: Maria Manuela Aguiar, Fernando Costa, José Eduardo Martins, Agostinho Lopes, Isabel Castro, António Nazaré Pereira, Luís Fazenda, Bernardino Soares, Luísa Mesquita, Natália Filipe, Vicente Merendas, Paulo Portas, Joaquim Matias, Ana Manso e Honório Novo, José Cesário, Carlos Alberto, Jovita Ladeira, Lucília Ferra, Hermínio Loureiro, João Amaral, Eugénio Marinho, José Luís Ferreira, Fernando Rosas, Mota Amaral, Heloísa Apolónia, Lino de Carvalho, José Alberto Fateixa e Manuel Queiró.
No dia 15 de Outubro: Maria Manuela Aguiar, Francisco Louçã, João Amaral, Heloísa Apolónia, Luís Fazenda, Francisco Amaral, Helena Neves, José Eduardo Martins, Octávio Teixeira, Luísa Mesquita, Joaquim Matias, Ana Manso, João Moura de Sá, Bruno Vitorino, Nuno Sancho Ramos, José Luís Ferreira, Lino de Carvalho, Ofélia Guerreiro, Agostinho Lopes, Honório Novo, Lucília Ferra, Miguel Miranda Relvas e Isabel Castro.
Foram ainda respondidos os requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 11 de Outubro: Heloísa Apolónia.
No dia 15 de Outubro: José Saraiva, Heloísa Apolónia e António Nazaré Pereira.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para declarações políticas, os Srs. Deputados Jorge Coelho e Francisco Louçã.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Coelho.

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O mundo vive, nos dias que correm, momentos de grande incerteza, alguma intranquilidade e algum pessimismo. São cada vez mais frequentes as notícias de despedimentos massivos e o termo recessão começa a fazer parte do quotidiano mundial.
Devemos, pois, no nosso país, tomar todas as medidas que permitam amortecer os efeitos mais negativos junto das famílias portuguesas e das empresas.
Perante este desafio, de uma coisa, estou certo: os portugueses querem estabilidade, segurança e uma perspectiva de um futuro melhor.
Assim, o Governo do PS elaborou um Orçamento que, em minha opinião, vai ao encontro dos desafios mais profundos que se colocam ao País e às famílias portuguesas. É um Orçamento que cumpre com rigor os compromissos que o PS tem com o País, ou seja, a construção de uma sociedade mais moderna, mais desenvolvida, mas também mais solidária.
Cinco razões essenciais o justificam. Em primeiro lugar, Portugal vai ter um Orçamento em que o investimento público sobe 7%. Este forte investimento vai aumentar a competitividade, criar riqueza, servir de alavanca ao crescimento económico e subir o emprego.
E sobre a questão do emprego, em Portugal, quero aqui reafirmar que nos orgulhamos muito da criação de 700 000 postos de trabalho, desde 1995, e de termos, hoje, uma das mais baixas taxas de desemprego.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, e com toda a frontalidade o digo, o PS discorda e é contra qualquer política que promova o despedimento, massivo de trabalhadores, seja na Administração Pública, seja em qualquer outro sector de actividade português.

Aplausos do PS.

A nossa prática é outra e dela não abdicaremos, pois temos o nosso próprio caminho e vamos prossegui-lo.
Em segundo lugar, como já hoje é reconhecido por todos, o Estado, neste Orçamento, corta, de forma muito concreta, os seus gastos. Comprometemo-nos a fazê-lo e estamos a cumprir. Propõe-se um Orçamento de contenção, de rigor, que se traduz no combate aos desperdícios.
Em terceiro lugar, algo que, para o PS, é central: o rigor e a contenção não é feita à custa da marca central da governação do PS - a solidariedade, a marca social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E que diferenças existem, Srs. Deputados, relativamente ao passado! Quando, em 1995, chegámos ao Governo, 45,6% do Orçamento do Estado eram destinados a fins sociais. Pois bem, este ano, esse valor já foi de 56% e, neste Orçamento, cumprindo um dos objectivos centrais que nos leva a ser Governo, esse valor sobe para 57%.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É a educação, a saúde, a segurança social, que merecem este esforço nacional. A aposta é nas pessoas e na melhoria da sua qualidade de vida.
Com esta aposta e com a regulamentação, em curso, da Lei de Bases da Segurança Social, assegura-se o pagamento das pensões de todos os reformados, hoje e a longo prazo.
Longe vão os tempos em que os governos não cumpriam a Lei de Bases e se falava na falência do sistema.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A segurança e a tranquilidade, Srs. Deputados, também passam, e muito, por aqui.
Mas, na área social, permitam-me destacar três inovações.
Em primeiro lugar, o mecenato familiar. É uma medida que permite maiores apoios fiscais para quem apoiar, por exemplo, mães solteiras e crianças com dificuldades.
Mas também um conjunto de medidas que beneficiarão as famílias com três ou mais filhos ou dependentes, que passarão a estar isentas de IRS se tiverem rendimentos até 1500 contos.

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Muito importante também é o apoio muito significativo para as famílias do sector agrícola, em que a isenção do IRS dos rendimentos dos trabalhadores, neste sector, passou para cinco salários mínimos.
Mais uma vez, como se pode aqui constatar, apostamos na marca social e na solidariedade.
A quarta razão essencial tem a ver com competitividade fiscal. As opções tomadas ajudam a desenvolver a nossa economia e contribuem para o melhor funcionamento das empresas e do mercado de capitais.
A taxa de IRC baixa de 32% para 30%. Mas vamos mais longe, apostando na coesão nacional e numa política solidária, nas zonas menos desenvolvidas, em que o IRC geral baixa para 25% e os regimes simplificados baixam de 20% para 15%.
Relativamente às mais-valias, assunto tão discutido, foi encontrada uma boa solução, que se adapta à nova situação global em que vivemos e que, sem abdicar de nenhum dos princípios aqui aprovados na reforma fiscal, vem introduzir os ajustamentos necessários.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O quinto pilar é o combate à fraude fiscal. Este é combate que temos vindo a travar. Em várias áreas, são já visíveis alguns resultados, mas queremos ir mais longe.
Duas decisões moralizadoras vão ser tomadas. Nenhuma entidade com sede num off-shore pode adquirir imobiliário e qualquer entidade que passe a sua sede para um off-shore continuará, durante quatro anos, a ser tributada no nosso país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar dos receios e intranquilidade a nível internacional, este é um Orçamento que aposta no crescimento e na melhoria da qualidade de vida dos portugueses.
Face a este facto, Srs. Deputados, como poderiam os portugueses perceber que alguém optasse pela criação de uma crise artificial, não viabilizando o Orçamento?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este é, em nossa opinião, um bom Orçamento, mas ainda pode ser melhorado. Lanço, pois, daqui um repto a todos os Srs. Deputados.
Em reuniões sucessivas com o Sr. Primeiro-Ministro, fomos todos informados sobre a metodologia e o conteúdo do Orçamento do Estado. Discutiu-se com todos os que estiveram receptivos, ouviram-se sugestões e promoveu-se o consenso possível.
A primeira fase desse trabalho está aqui, entregue no Parlamento. Agora, cabe a nós, Deputados, continuar este trabalho. Agora, é a hora de analisar, no concreto, tudo o que contém o Orçamento do Estado.
Estamos receptivos às vossas propostas. Façam sugestões, globalmente ou por ministérios, como entenderem, mas insiram-se numa lógica construtiva de procurar encontrar um bom Orçamento e o mais consensual possível.
Do nosso lado, do lado do Partido Socialista, estamos receptivos a esse consenso, salvaguardando, no entanto, os princípios e os valores do partido em que os portugueses depositaram a confiança para governar Portugal. Pronunciem-se, pois, sobre o conteúdo das propostas, sobre o que, de concreto, os portugueses podem ganhar ou perder com cada uma delas.
Estes não são tempos de radicalismos, de demagogia ou de verdades absolutas. Não é isso que os portugueses esperam dos seus representantes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Garantimos ao País, com total serenidade e sentido de responsabilidade, que tudo faremos, até à exaustão e até ao último minuto, para que Portugal disponha de um Orçamento do Estado que vá ao encontro das necessidades e das ambições de modernização e progresso que se impõem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, garantimos ao País que o PS tudo fará para evitar uma crise artificial em Portugal - nada a justifica nem ninguém a entenderia.
Cabe, agora, à oposição responder ao desafio e ao desejo dos portugueses.
O PS está preparado para todos os cenários, mantendo-se fiel aos seus princípios e, como sempre, em primeiro lugar, em defesa dos interesses dos portugueses.
É essa a nossa função, foi para isso que fomos eleitos e iremos corresponder, como sempre, às expectativas dos nossos concidadãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Francisco Louçã, Maria Celeste Cardona, Bernardino Soares, Manuela Ferreira Leite, Isabel Castro e Marques Mendes.
Tem a palavra o Sr. Deputados Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Coelho, não estava habituado a vê-lo na primeira fila, nem sequer a ouvi-lo. O Sr. Deputado fez-nos aqui um apelo, certamente fazendo eco das preocupações do Governo, sobre a necessidade de aprovação deste Orçamento e quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que a necessidade de melhorar o Orçamento e que do debate político resulte um Orçamento que responda às preocupações da crise económica, das dificuldades sociais e da convergência real, é seguramente uma exigência que se coloca a todos os partidos, ao partido da situação e aos partidos da oposição.
A esse respeito, quero dizer-lhe que, pela parte do Bloco de Esquerda, não fugimos e, pelo contrário, aceitamos essa enorme responsabilidade.
Assim o fizemos no debate com o Governo. Mas vale a pena realçar dois factos que dão a ideia do que foi este debate preparatório do Orçamento entre o Governo e os partidos da oposição ou, pelo menos, o Bloco de Esquerda.
Pediu o Governo aos vários partidos, designadamente a nós, que apresentássemos os nossos pontos de vista sob a forma de um memorando escrito e assim o fizemos. Comprometeu-se o Governo, por sua vez, a responder, por escrito, e a desenvolver um debate concreto sobre os pontos essenciais que submetemos, e não o fez.

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Soubemos, aliás, curiosamente, que, no dia da segunda ronda de debate entre os Primeiro-Ministro e os partidos da oposição, essa ronda foi adiada, por algum tempo, durante a tarde, porque, durante a manhã, o Primeiro-Ministro esteve estado ocupado numa cerimónia pública com o Eng.º Daniel Campelo, em Ponte de Lima.
Ficamos conversados sobre a intenção do Governo e sobre as responsabilidades!
No entanto, é sobre o conteúdo deste Orçamento que temos de discutir. O Sr. Deputado invocou propostas, como a dos 15% de IRC no interior, que são apresentadas há quatro anos seguidos nesta Assembleia, que já foram votadas e já podem estar em vigor. Falou-nos ainda de outras, do investimento público, apesar de termos uma situação de colapso na execução orçamental do Quadro Comunitário de Apoio. Este Verão, em Agosto, tínhamos 35% de execução orçamental no Quadro Comunitário de Apoio - pode-se orçamentar muito, mas tem de se executar.
Agora, sobretudo, o que o Sr. Deputado não conseguiu defender aqui foi aquilo que é considerado a «jóia da Coroa» deste orçamento, que é a alteração da reforma fiscal num dos seus pilares essenciais, o das mais-valias.
Portugal prepara-se, com a proposta que o Governo quer fazer aprovar aqui, com o apoio benemérito do Eng.º Daniel Campelo, para ter um regime de tributação das mais-valias como não existe nos Estados Unidos, apesar de duramente atacados pelos atentados terroristas e pela crise económica, nem em Inglaterra ou em Espanha. Com a proposta do Governo, pagarão as mais-valias, em Portugal, muito menos do que pagam em Espanha, depois de terem sido rectificadas.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, não nos pode convencer de que há qualquer bondade social neste projecto, a não ser o recuo do Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Coelho, há mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos. Deseja responder já, ou no fim?

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, gostava de referir-lhe, com total serenidade, que é como devemos discutir as coisas sérias, que o Partido Socialista se congratula com a orientação global deste Orçamento, porque o Partido Socialista deve ter sempre em conta que tem de corresponder aos interesses globais dos portugueses.
Relativamente à sua primeira questão, julgo que, como é óbvio, não é hoje aqui nem é a mim que cabe discutir em concreto aquilo em que se pode melhorar o Orçamento. Esse debate vai começar, em sede de comissões especializadas, com os membros do Governo, onde serão dadas todas essas explicações. E desde que haja vontade política para isso - e não sei se interpretei bem ou não as palavras do Sr. Deputado, mas julgo que continua a haver vontade política do Bloco de Esquerda para o fazer -, estamos todos de acordo em que, através do diálogo e do trabalho conjunto, é sempre possível melhorar e encontrar soluções melhores.
O tempo das verdades absolutas está cada vez mais longe. Assim sendo, como nós não somos daqueles que raramente têm dúvidas e nunca se enganam, temos consciência de que, em conjunto, podemos fazer melhor.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à reforma fiscal, como eu disse e repito, não abdicámos de nenhum dos princípios que aqui foram apregoados. Mas, Sr. Deputado, há uma nova conjuntura mundial que tem implicações em Portugal, e, como tal, tem de haver…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - É inacreditável! Eu não estou a ouvir o que estou a ouvir!

O Orador: - A resposta ainda não chegou aí!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Mas vai chegar!

O Orador: - Mas não estejam nervosos que já lá vamos!
Como tal e como é evidente, nós temos a obrigação de ver a realidade concreta do País e de, não abdicando dos princípios, encontrar soluções que criem condições para que a economia prospere, para que o País se desenvolva e se modernize. É isso que estamos a fazer, é isso que continuaremos a fazer e é isso que todos os portugueses esperam de nós.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Coelho, antes de mais também saúdo a sua presença na primeira fila da bancada.
Em primeiro lugar, queria dizer-lhe, com toda a sinceridade, o quanto lamento ter tido razão neste caso concreto; o quanto lamento, em nome do interesse nacional e de Portugal, ter tido razão nesta matéria durante o último ano, na sequência das afirmações produzidas pelo meu partido e pelo meu Grupo Parlamentar na área da reforma fiscal, em que acentuámos o erro em que o PS estava a incorrer no que diz respeito à aprovação das medidas que aqui logrou alcançar.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Deputado Jorge Coelho, gostaria de dizer-lhe o seguinte: pelo elenco que V. Ex.ª aqui proferiu na sua intervenção, sou obrigada a chegar à conclusão de que o que «está a dar» agora é o Governo do PS adoptar medidas, propostas e soluções que são defendidas pelo CDS-PP.

Protestos do PS.

Vozes do PCP: - Ah!

A Oradora: - Não fiquem tão alegres, que não vale a pena!

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Deixe-me dizer-lhe que há uma solução muito mais económica para o País, com muito menos custos para Portugal, que é a de nas próximas eleições darem mais confiança e mais votos ao CDS-PP,…

O Sr. José Barros Moura (PS): - Essa é boa!…

A Oradora: - … para que, aí sim, seja o CDS-PP, através dos seus representantes, a aplicar, e sobretudo a definir, as políticas que interessam à salvaguarda do País e do interesse geral.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Devo ainda dizer-lhe, Sr. Deputado Jorge Coelho, que não consigo alcançar o seu optimismo quanto ao Orçamento do Estado para 2002.
No próximo ano, veremos se não tenho razão, quando chegarmos à conclusão de que os senhores não vão só apresentar dois orçamentos rectificativos, mas, porventura, três ou quatro. Isto porque, Sr. Deputado Jorge Coelho, eu não vislumbro como se alcança um crescimento a 2,25% sem a correspondente adopção de reformas estruturais, que sejam susceptíveis de reduzir a despesa e de criar efectivamente alguns excedentes para serem aplicados. E concordará comigo, que sou insuspeita nessa matéria!
Para terminar, queria fazer-lhe duas perguntas muito simples. Em primeiro lugar, queria que me dissesse quanto custou ao País, no último ano, a vossa reforma fiscal,…

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP). - Pois é!

A Oradora: - … sem subterfúgios, sem fugas para a frente! Quanto custou ao País as soluções que os senhores apresentaram?
Em segundo lugar, pergunto-lhe se está em condições de me garantir, oficialmente, se o segundo orçamento rectificativo - que eu aqui previ e disse que iria existir - vai ou não ocorrer na sequência das eleições autárquicas.
Já agora, peço-lhe mesmo respostas concretas às minhas questões.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se quiser, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Coelho.

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, é com todo o gosto que lhe respondo.
Em primeiro lugar, fico satisfeito por a Sr.ª Deputada e o seu partido dizerem que o Orçamento do Estado para o próximo ano tem pelo menos algumas coisas boas, que são as que os senhores têm vindo a defender há uns tempos e que hoje reconhecem estar neste Orçamento. E devem reflectir um pouco, pois se já cá estão tantas coisas que os senhores têm vindo a defender durante todo este tempo, é sinal que o Orçamento não é mau de todo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Na minha opinião, ele até é bastante bom!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já tem parceiros!

O Orador: - E o Dr. Francisco Louçã não disse uma coisa muito diferente! Portanto, vamos por partes!

Risos do PS e do PCP.

Estou a ver que há uma grande disponibilidade nesta Casa para chegarmos a um bom entendimento, porque, na realidade, o próximo Orçamento, da forma como é visto - para uns por umas razões, para outros por outras - tem coisas positivas. Se juntarmos tudo o que há de positivo e se tirarmos algumas coisas que são negativas, teremos o próximo Orçamento aprovado pela maioria mais ampla que se alcançou desde que o PS é Governo.

Aplausos do PS.

Risos de Deputados de todas as bancadas.

Pergunta-me a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona quanto é que custou ao País a reforma fiscal.
Sr.ª Deputada, a reforma fiscal teve e tem um objectivo central, que é o de haver mais justiça fiscal em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Haver mais justiça fiscal em Portugal significa que aqueles que mais pagaram durante estes anos são os que têm de ser beneficiados, e que aqueles que menos pagaram durante estes anos são os que agora têm de ser um pouco mais sacrificados.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - E a justiça fiscal é fundamental no projecto do PS, em Portugal. Portanto, respondendo-lhe à sua questão sobre quanto é que custou ao País a reforma fiscal, digo-lhe que o seu custo foi a melhoria das condições de vida dos portugueses, em particular dos mais desfavorecidos, porque é para esses portugueses, em primeiro lugar, que nós trabalhamos; eles são base social de apoio do PS e do Governo do Eng.º António Guterres.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão que me colocou sobre o orçamento rectificativo, não sou membro do Governo,…

Risos do BE.

… pelo que não me compete a mim dizer aqui quando é que vai haver, ou se vai haver, orçamento rectificativo. Teremos oportunidade de discutir essa matéria aquando da discussão do Orçamento do Estado com o Sr. Primeiro-Ministro e com o Sr. Ministro das Finanças. Eles dirão aquilo que têm para dizer…

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Não têm nada para dizer!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Esses dizem o que o Sr. Deputado mandar!

O Orador: - … e eu terei todo o gosto, tal como os Srs. Deputados, em ouvir e em emitir as minhas opiniões.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Coelho, o senhor trouxe-nos, hoje, em jeito de antecipação do próximo debate do Orçamento do Estado, a perspectiva do seu partido sobre esta matéria e invocou um pendor social e a abertura de perspectivas de um futuro melhor para os portugueses como algo que enforma o Orçamento do Estado para 2002 e como uma das razões para a sua aprovação.
Ora, Sr. Deputado Jorge Coelho, pergunto-lhe que perspectivas de futuro melhor traz este Orçamento para os trabalhadores portugueses, designadamente para os da função pública, que nos dois últimos anos foram objectivamente prejudicados nos seus salários, no seu poder de compra, pelo facto de o Governo ter negociado com os sindicatos, com os trabalhadores, em função de um nível de inflação que todos sabíamos que não iria verificar-se e que, de facto, não se verificou?
Que perspectivas de futuro melhor se dão a estes trabalhadores que nos dois últimos anos foram prejudicados e que no ano de 2002 vêem, mais uma vez, perspectivas sombrias em relação aos seus salários e aos seus rendimentos?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Que perspectivas de futuro melhor são estas que nos traz aqui?
Contudo, há quem tenha perspectivas de um futuro melhor com o próximo Orçamento do Estado. Nisso o Sr. Deputado Jorge Coelho tem em parte razão, porque quem vai beneficiar com o recuo da reforma fiscal em relação às mais-valias - esses sim, têm perspectivas de um futuro melhor para o próximo ano - são o capital financeiro, a banca e os interesses especulativos, que, depois de muito pressionarem o Governo em relação a esta matéria, acabaram por obter uma vitória neste campo.
Aliás, Sr. Deputado Jorge Coelho, nem diga que isto se refere às alterações feitas em Espanha, ou até à complexa situação internacional que vivemos, porque - e essa é uma realidade - antes de qualquer dessas situações se verificar já o Sr. Ministro Jaime Gama, depois da última remodelação governamental, admitia que era preciso rever a reforma fiscal nesta matéria, capitulando perante as pressões dos interesses do grande capital.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à responsabilidade no debate e na elaboração do Orçamento para 2002, o Sr. Deputado Jorge Coelho lembrou aqui que houve encontros entre o Governo e os diferentes partidos, incluindo o PS e todos os partidos da oposição, sobre esta matéria.
Quero dizer-lhe que nenhum dos princípios orientadores que apresentámos nessas reuniões e que, na nossa opinião, deveriam enformar o Orçamento do Estado, foi consagrado. Aliás, o que vimos consagrado foram as propostas da direita, do CDS-PP e do PSD, que em grande medida foram incluídas neste Orçamento do Estado. Portanto, em relação à matéria do diálogo e do debate, estamos conversados.
O resultado que nos foi apresentado consagra, de facto, fortes reivindicações da direita neste Orçamento do Estado. Aliás, isso foi visível nas duas últimas intervenções, com a aproximação, pelo menos aparente, que aqui vimos nesta matéria.
Pela nossa parte, contribuiremos, como sempre, para que haja o melhor Orçamento possível. Mas um Orçamento que recua na justiça fiscal não é o Orçamento que o País e os portugueses precisam; um Orçamento que penaliza, mais uma vez, os salários não é o Orçamento que beneficia os País e os portugueses; um Orçamento que espartilha o investimento não é certamente o Orçamento de que o País precisa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Coelho.

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, digo-lhe já uma coisa que nos parece da maior importância - e garanto-lhe que o é - para os trabalhadores da Administração Pública que nos estão a ouvir.
Na semana passada, houve aqui um grande debate sobre essa matéria e vou repetir aquilo que hoje já disse daquela tribuna: com o PS no poder, tendo o PS a força que tem, não haverá, em Portugal, despedimentos em massa de trabalhadores da Administração Pública, e essa é uma garantia muito importante!

Aplausos do PS.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Mal!

O Orador: - Não sei se todos os partidos presentes nesta Câmara (e não estou a virar-me para a área que fica à minha direita, posso virar-me para o outro lado por forma a ficarem do meu lado esquerdo, se lhes der jeito) podem vir hoje aqui dizer o mesmo com serenidade e tranquilidade, porque não se pode dizer uma coisa num sítio e dizer outra coisa noutro! Nisto temos uma só cara, uma só palavra, temos um rumo, uma política e, para nós, não é com despedimentos que se resolvem os problemas do desenvolvimento do País, nem na Administração Pública, nem em lado nenhum!

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP

Nesse lado ficam logo nervosos quando se fala nisto! Não sei porquê! Não têm nada que ver com isso, presumo!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Porque somos nós que pagamos!

O Orador: - Logo vi! Então, despede-se os trabalhadores! Lá vai disto!…

Risos do PS.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Os inúteis iam para a rua!

O Orador: - Está aí resposta! Muito bem, Sr. Deputado, esses sentimentos ficam-lhe bem…
Continuando, relativamente a esta matéria, gostava de dizer-lhe que o próximo Orçamento do Estado tem uma

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forte carga social, não tenha qualquer dúvida sobre isso. Isso é indiscutível!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Um forte carga social negativa!

O Orador: - Em 1995, quando chegámos ao Governo, 45,6% das receitas destinavam-se a despesas sociais. Repare que nos anos de governo socialista os valores destinados às despesas sociais, em termos de Orçamento do Estado, aumentaram em quase 12%. E há uma coisa que para nós é muito importante, e para os senhores também: repare que hoje a Lei de Bases da Segurança Social é cumprida, hoje o Governo faz transferências para capitalizar aquilo que são direitos fundamentais não só dos reformados de hoje mas como dos reformados de amanhã, que hoje são trabalhadores activos e que amanhã têm direito a receber as suas reformas.
Se isto não é social, então, o que é que é social no País? Isto é fundamental, como também o são as verbas gastas na saúde, na educação, no mecenato, no apoio aos trabalhadores rurais!
Sr. Deputado, se há marca que este Orçamento tem, se há marca que todos os Orçamentos do Estado do PS têm tido desde 1995, é a marca social e, mais importante do isso, é a marca da solidariedade, que, para nós, é um valor que não se negoceia nem tem preço!

Aplausos do PS.

Vozes do PCP: - E os salários?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Coelho, começo por registar com muito agrado o facto de, pela primeira vez, ter ouvido na voz de um responsável importante do PS duas expressões que pronunciamos há anos: competitividade fiscal e combate ao desperdício.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Bem vindo, Sr. Deputado, ao combate ao desperdício!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

Protestos do PS.

A Oradora: - Portanto, o Sr. Deputado reconheceu hoje publicamente que, de facto, existe desperdício e que os senhores resolveram, por fim, dar-lhe luta. Sr. Deputado, tem nesta bancada os melhores aliados a essa sua intenção de combate!
Sr. Deputado, percebo por que introduziu essas duas ideias e intenções no seu discurso. É que o senhor e o PS têm a total convicção de que se isso não for feito o futuro do País está seriamente comprometido, e é essa consciência que faz com que os senhores, neste momento, não tenham outra solução senão falar nessas questões. Também por este motivo, Sr. Deputado Jorge Coelho, não deixo de dizer-lhe que lastimo profundamente que tenha, em tom de brincadeira, falado sobre o próximo Orçamento.

Vozes do PS: - Em tom de brincadeira?!

A Oradora: - Falou em tom de brincadeira quando, jocosamente, disse que o Orçamento do Estado, desta vez, poderia ser aprovado por mais pessoas. O senhor estava a brincar, mas não deveria brincar com o problema mais sério com que neste momento o País se debate!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Olhando para o Orçamento do Estado para 2002, Sr. Deputado Jorge Coelho (e espero que não tenha vindo aqui falar do Orçamento sem o ter visto, apesar de não fazer parte do Governo, com certeza que já o leu), gostaria que me respondesse a algumas questões que vou colocar-lhe.
Em primeiro lugar, onde vê o Sr. Deputado neste Orçamento a tal competitividade fiscal?

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Não existe!

A Oradora: - Não existe, pela simples razão de não haver margem, neste Orçamento, para essa competitividade fiscal. Pior, Sr. Deputado Jorge Coelho: ai de nós se os outros países europeus efectivamente introduzirem nos seus orçamentos medidas de competitividade fiscal, porque nós não as podemos introduzir e ainda ficaremos menos competitivos do que somos actualmente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, vamos «rezar a todos os santinhos» para que os outros países não o façam, porque se o fizerem, então, é a nossa fatalidade.
Em segundo lugar, vou referir-me ao combate ao desperdício. O que vejo no Orçamento para o próximo ano - e o Sr. Deputado com certeza que também já viu - é que a medida absolutamente essencial de limitação de 4% à Despesa é exclusivamente conseguida através de um sacrifício pesadíssimo sobre os funcionários públicos. É que não existe outra forma de o fazer quando se tem no aumento de despesas com pessoal 3%, só assim se conseguindo chegar a 4% de aumento da Despesa.
Por isso, Sr. Deputado Jorge Coelho, a segunda pergunta que lhe faço, muito concretamente, é a seguinte: como pode considerar que isto é feito sem uma pesada factura aos funcionários públicos?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Coelho.

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, com todo o respeito e estima que tenho por V. Ex.ª, quero dizer-lhe que não estou aqui a brincar, como a senhora também não o está!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há bocadinho brincou!

O Orador: - Venho aqui falar de coisas muito sérias, pelo que os senhores não podem começar a fazer uns «números» para interpretar aquilo que os outros dizem!

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quem o fez foi o senhor!

O Orador: - Sr. Deputado, hoje não estou aqui para brincadeiras!

Protestos do PSD.

Portanto, vou responder nos termos correctos em que este debate normalmente acontece e que a estima e consideração que tenho por V. Ex.ª me merece.
Sr.ª Deputada, pela reacção do seu grupo parlamentar e pelas suas palavras - e isto não é nenhuma brincadeira -, percebo que há mais dois aspectos importantes do próximo Orçamento com os quais estão de acordo. Não estou a brincar, foi a Sr.ª Deputada que o disse!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - A Sr.ª Deputada disse na sua intervenção que há duas questões centrais que põem em causa o futuro do País.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - E reafirmo-o!

O Orador: - Faz bem em reafirmá-lo. Aliás, isso até é muito bom, pois é mais uma maneira de os portugueses verem que algo que está correcto e que a Sr.ª Deputada também defende consta do Orçamento de Estado para o próximo ano!
Portanto, anoto também que o Grupo Parlamentar do PSD considera que são colocadas questões fundamentais no Orçamento do Estado para 2002.

Protestos do PSD.

O Orador: - Onde há, então, medidas de combate ao desperdício? Bem, se a Sr.ª Deputada considera que o facto de a Despesa aumentar 4% não é algo de importante, gostava só de dizer-lhe que nos governos do PSD, entre 1988 e 1991, a Despesa aumentou 8,5%! Isto é importante!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Lá vem a herança!

O Orador: - Tem de vir, porque temos sempre de tratar dos aspectos que se referem ao nosso país!

Aplausos do PS.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade! Foram os maiores gastadores!

O Orador: - Os senhores é que, pelos vistos, têm vergonha daquilo que fizeram os vossos governos!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Não temos não!

O Orador: - Cada vez que se fala daquilo que fizeram dizem sempre «lá vem outra vez o tempo passado!» Não podemos falar dos tempos em que os senhores não tinham responsabilidades! Tinham-na, assumam-na e expliquem pelo menos as razões conjunturais que levaram a que isso acontecesse!
Passo à questão da competitividade fiscal.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Fale nos 4%!

O Orador: - Então, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, baixar a taxa de IRC não é um instrumento para aumentar a competitividade?! E pode baixar mais, Sr.ª Deputada! Lá iremos! Para o ano vai baixar outra vez, como sabe!
Então, o facto de, para reforçar a coesão nacional e numa política solidária, o IRC baixar ainda mais no interior do País não é um factor de competitividade?!

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Tardia!

O Orador: - Então, haver um ajustamento relativamente às mais-valias não é um factor de competitividade?!

Protestos do PSD.

É, sim, Sr.ª Deputada!
A Sr.ª Deputada sabe que não há verdades absolutas. Mesmo quando era membro do Governo enganou-se com frequência e, portanto, tem de admitir que possa haver outros que tenham razão quanto a esta matéria e a senhora não a tenha!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Coelho, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que a sua intervenção me suscita três reflexões, que caracterizaria da seguinte forma: satisfação, inovação e decepção.
É sempre uma satisfação ouvir o Sr. Deputado Jorge Coelho quebrar aquilo que eu já temia ser um voto de silêncio, pois na semana passada, confrontado sobre o congelamento da reforma das fundações privadas por minha interpelação directa, remeteu-se ao silêncio. Portanto, é com satisfação que registo o seu regresso ao debate parlamentar.
A segunda questão que gostaria de sublinhar é a inovação. Seria injusto não referir que durante anos tivemos orçamentos do Estado, tendo o PS introduzido os orçamentos rectificativos e, hoje, o orçamento «antecipativo», porque, de algum modo, o que estamos a fazer é já uma antecipação daquilo que vamos ter daqui a algumas semanas.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Essa é boa!

A Oradora: - Mas, Sr. Deputado Jorge Coelho, não posso deixar de enfatizar aquilo que me parece mais importante e marcante politicamente na sua intervenção, que é a decepção.
O Governo ouviu os partidos da oposição - em nosso entendimento, cumpriu o seu dever - e predispôs-se a discutir políticas. Ora, se o diálogo não é um simulacro ou um formalismo protocolar, é suposto servir para tomar opções ou para reorientar diferentemente aspectos críticos. O que se verifica, porém, Sr. Deputado, é que, em relação a um aspecto positivo, pelo menos na opinião de Os Verdes, houve um recuo, ou seja, o passo dado para

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caminhar no sentido de uma melhor partilha de riqueza, esse pequenino passo em frente, já teve dois passos atrás: a tributação do património está congelada; o combate ao desperdício é uma coisa vaga; uma política de ordenamento e de ambiente, nas suas múltiplas perspectivas, continua a estar sem ideias. Naturalmente, a razão disto ter acontecido é a cedência aos lobbies de pressão, no fundo, uma receita demasiado velha e esgotada.
Por isso, Sr. Deputado Jorge Coelho, foi com satisfação que o ouvimos e registámos a inovação, mas não podemos deixar de sublinhar a decepção.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Coelho.

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, registo na sua intervenção duas apreciações positivas e uma negativa, o que também a insere nesta lógica de positivismo que hoje encontramos no Parlamento.
Falou em satisfação e inovação relativamente àquilo que eu disse - também fico satisfeito com isso -, mas a propósito disso gostava de referir um aspecto à Sr.ª Deputada e a todos os Srs. Deputados.
É preciso - os portugueses têm bem consciência disso e os Srs. Deputados também - constatar uma realidade: o PS não tem maioria absoluta no Parlamento. É uma realidade! Como tal, é preciso que todos nós nos entendamos sobre a necessidade de haver concertação política, trabalho conjunto e condições para que quer o Orçamento do Estado quer diplomas que o exijam poderem ser viabilizados. É isso o que tem acontecido em diversas ocasiões. Numas leis, em concertação com uns partidos, noutras leis com outros, tem sido possível, nestes anos, o País ter a estabilidade e a tranquilidade necessárias à sua governação.
E ninguém no País entenderia que neste momento, com todas as circunstâncias que o mundo e o nosso país vivem, passados seis anos, com um Orçamento do Estado para 2002 com as características que eu aqui indiquei, existisse uma crise política e a não viabilização do diploma. É que as condições políticas são as mesmas dos últimos cinco anos e o próximo Orçamento está inserido noutra conjuntura.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, o Primeiro-Ministro fez, obviamente, o que deveria fazer, ou seja, ouvir os partidos, transmitir-lhes informação para que pudessem dar as suas sugestões e trabalhar em conjunto para alcançar esse objectivo.
Esse trabalho, como disse, deve continuar; por isso, Sr.ª Deputada, tenho a certeza que se houver vontade política, se ouvirmos mais os sentimentos profundos do País e menos questões que podem ser extremamente importantes mas que, neste momento, não são as determinantes, vamos conseguir encontrar soluções para responder a essas questões que colocou e a outras que, eventualmente, terá para colocar nesses fóruns.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo a Câmara que estão a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 60 pessoas da Associação Cultural e Social de Samuel e um grupo de 100 alunos da Escola Secundária da Sertã.
Uma saudação carinhosa para todos eles.

Aplausos gerais, de pé.

Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Coelho, V. Ex.ª fez, há instantes, uma declaração de política geral. A questão que vou colocar-lhe é também de política geral, embora completamente distinta do essencial das questões que foram abordadas. Penso, porém, que se trata de uma questão que é «pedra de toque» da qualidade da nossa democracia e, portanto, deve preocupá-lo, bem como a mim e a todos nós.
No passado fim de semana, o Engenheiro António Guterres, Primeiro-Ministro e Secretário-Geral do PS, numa entrevista à TSF difundida em toda a imprensa, disse, a dada altura, a respeito de um caso tão falado nos últimos tempos como seja o de Felgueiras, que existe no PS uma doutrina segundo a qual «quem tiver uma acusação confirmada por um juiz não deve candidatar-se». Acrescentou, naturalmente, que no caso de Felgueiras não existe ainda uma acusação de um juiz, aquilo a que se chama despacho de pronúncia.
Independentemente de se gostar ou não deste critério - não é o meu - e de muitos entenderem que este foi um critério de conveniência para tentar salvar a situação da autarca de Felgueiras, vamos admitir que o princípio definido pelo Engenheiro António Guterres é para ser levado a sério, segundo o PS.
Então, a questão que se coloca é a seguinte: se se trata de um princípio deve aplicar-se num caso, em dois, três ou dez, ou seja, deve ser geral e abstracto, não individual e particular. Sucede que não há ainda uma acusação de um juiz no caso de Felgueiras, mas há, por exemplo, uma acusação definitiva de um juiz num outro município, relativamente ao Presidente da Câmara Municipal de Espinho, no distrito de Aveiro, círculo por onde fui eleito Deputado. Ou seja, num lado ainda não houve pronúncia, mas no outro já houve, não apenas pronúncia como até julgamento marcado e adiado para Janeiro próximo.
Por isso, a questão que se coloca, não sendo uma questão de natureza local, mas, sim, de princípio, é a seguinte: o que vai, então, suceder nesta situação que referi, em que já há uma acusação definitiva de um juiz? É que o Engenheiro António Guterres, na mesma entrevista, disse a seguir: «Quem não se puser de acordo com os critérios definidos pelo PS não pode ter o nosso apoio.»
Assim sendo, a questão é tão simples quanto isto: o que é que vai fazer o Partido Socialista perante este caso, ou seja, este princípio é para levar a sério ou é apenas uma solução de conveniência? Este princípio é para aplicar em todos os casos ou apenas para aplicar nos casos em que der mais jeito?…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - São diferentes!…

O Orador: - Este princípio é de natureza geral ou tudo isto, ao cabo e ao resto, não passa de uma grande farsa e visa apenas encontrar uma solução concreta para um caso concreto?

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Coelho.

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, como sabe, porque ouviu - e regozijo-me com o conteúdo da intervenção da Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite -, eu vim aqui discutir hoje a questão do Orçamento…

Vozes do PSD: - Ah!...

Risos do PSD.

O Orador: - … e vim também discutir questões que me parecem muito importantes para o País e para os portugueses. Como tal, vou dar uma resposta muito simples à questão que me colocou.
Sr. Deputado, como é evidente, aquilo que o Secretário-Geral do PS disse é para cumprir em todos os casos, como é óbvio, que tenham a ver com a natureza das eleições e com os cargo que se ocupam.
Mas deixe-me perguntar-lhe uma coisa - e eventualmente nem quero que me respondam, porque se calhar não podem responder.

O Sr. David Justino (PSD): - É o bate e foge!

O Orador: - Eu gostava de saber qual seria a posição do PSD - se pudessem dizer-me até era bom - …

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, quer que responda ou que não responda?

O Orador: - … se casos idênticos àqueles que o Sr. Deputado Luís Marques Mendes referiu se passassem com autarcas do PSD. Estou a falar de casos, não estou a falar de pessoas que tenham este tipo de problemas no âmbito autárquico, mas antes, como referiu, de pessoas que possam ter problemas relativamente a outras questões, da área da sua vida ou do que quer que seja. Qual seria a posição do PSD sobre essa matéria?

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O caso de Espinho é autárquico!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio.
Entretanto, inscreveu-se, também para formular uma pergunta ao Sr. Depurado Jorge Coelho, o Sr. Deputado Basílio Horta.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de questionar o Sr. Deputado Jorge Coelho, no âmbito da sua intervenção, sobre algo que não se prende directamente com o Orçamento mas que tem tudo a ver com ele.
O Sr. Deputado disse, e bem, que o seu partido não tem maioria. É verdade! Mas a realidade é que, até agora, o seu partido e o Governo têm feito várias maiorias nesta Câmara, tais como, sobre a segurança social, com o Partido Comunista; sobre a reforma fiscal, com o Partido Comunista;…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sobre os orçamentos, com o CDS-PP!

O Orador: - ... sobre a lei de programação militar, com esta bancada e muito bem; sobre outras matérias, com o PSD. Assim, a questão que lhe coloco é se acha que isto é orientação de um Governo.
Sr. Deputado, um Governo que não tem maioria e que tenta fazer este tipo de arranjos sistemáticos, ora com uns ora com outros, aqui e ali, um Governo que se limita a tirar pedra a pedra do caminho, sem perceber os escolhos que esse caminho tem, um Governo que não tem, em nosso entender, uma linha, uma estratégia, que apenas pretende sobreviver, é assim, Sr. Deputado, que quer que este Orçamento seja aprovado?
O caminho que o Governo quer continuar a seguir é o do anterior Orçamento, cuja aprovação não vale a pena aqui recordar porque todos sabemos como se deu? É esse o caminho que este Governo quer continuar a seguir ou a sua intervenção é uma mudança de rumo? Ou a sua intervenção significa que o Sr. Deputado Jorge Coelho veio aqui para uma mea culpa do que o seu Governo fez até agora e iniciar um outro caminho?
É que se é assim, isso é importante e relevante em termos nacionais, mas se é apenas uma manobra para conseguir mais alguns votos que façam passar este Orçamento, Sr. Deputado, «para esse peditório nós já demos.»

Risos gerais.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E não sei se não irão dar mais!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Coelho.

O Sr. Jorge Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, meu estimado amigo, é com todo o gosto que lhe respondo para lhe dizer que, como é óbvio, um partido que não tem maioria, que não definiu como orientação estratégica ser importante encontrar uma estabilidade maior, por exemplo, mediante uma aliança permanente com outro partido - e foi com esse programa que nos candidatámos às eleições -, que tem como finalidade central, Sr. Deputado, ser chamado à responsabilidade nas eleições seguintes por quem em si confiou, o que deseja é que os valores, os princípios e os compromissos que tem com os portugueses nunca sejam postos em causa no que faz no dia-a-dia.
Portanto, é normal que ocorra o que o Sr. Deputado disse, ou seja, que estejamos um dia com uns na segurança social, um dia com outros noutra área. Mas a situação também se coloca ao contrário!…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro!

O Orador: - Os senhores também não se incomodam por fazer acordos um dia com uns, no âmbito da segurança social, e depois com outros?! O sol quando nasce é para todos!…

Risos do PS.

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A frase saiu-me, peço desculpa, pois não era minha intenção aborrecer ninguém.
Mas, como é evidente, um Governo que não tem maioria tem de fazer acordos pontuais, segundo o que é fundamental.
Se me disser que talvez fosse melhor para o País encontrar uma maioria mais estável, eu só posso responder-lhe que duas soluções existem: ou em próximas eleições os portugueses chegam à conclusão que é melhor dar uma maioria absoluta - e já a deram a um partido - …

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Eles já não dão outra! Isso é mau!

O Orador: - É mau, Sr. Deputado? Registo que considera isso mau.
Mas, dizia eu, ou os portugueses chegam à conclusão que é melhor dar uma maioria absoluta ou, então, os partidos têm capacidade para se entender e concretizam uma aliança com carácter de maior permanência. Em democracia, tudo é possível! Na Europa todos os partidos fazem acordos, sem qualquer problema, sem tabus.
Sr. Deputado, deixe-me dizer que para mim não há tabus de acordos com ninguém, com nenhuma força política do Parlamento,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - … porque aqui somos todos representantes dos portugueses e é nessa lógica que queremos continuar na vida política.
Por isso, não há nada de novo, são esses os valores da democracia, os valores que procuramos defender e pelos quais continuaremos a lutar, para ver se os portugueses, em próximos actos eleitorais, continuam a confiar na nossa forma de estar na vida política.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Até ver!

O Orador: - Logo veremos, porque o povo é quem mais ordena.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Reabriu hoje de manhã, no Tribunal Judicial da Maia, a segunda sessão de um julgamento em que estão presentes 43 arguidos e arguidas, acusados do crime de aborto. Desses, 26, incluindo uma enfermeira, são acusados de utilização indevida de equipamentos, de vinhetas, de materiais e do crime de organização de uma rede que pratica aborto clandestino. Dezassete são acusadas de terem abortado.
A Assembleia da República, naturalmente, não substitui o tribunal. O tribunal considerará os factos e a lei e, em função dos factos, da lei e da consciência, o juiz decidirá. Mas a Assembleia da República tem uma responsabilidade indeclinável nesta matéria, a de definir o quadro legislativo e de acompanhar a evolução da sociedade portuguesa numa matéria tão delicada e tão importante como esta.
Mais de três anos depois de se ter formado uma maioria que aprovou uma nova lei nesta Assembleia da República, mais de três anos depois de se ter verificado um referendo que, não tendo legitimidade por não se ter registado o voto maioritário dos portugueses, assinalou que 16% dos portugueses eleitores se manifestavam contra essa lei e 15% a seu favor, temos agora este processo em tribunal.
E quando vemos os aspectos concretos do bairro do Lagarteiro, um dos mais pobres do Porto, onde há crianças que não são vacinadas, onde não há consultas de planeamento familiar, onde não há cobertura sanitária básica, podemos perceber o drama imenso das famílias e das mulheres que, não tendo informação nem acesso à capacidade de escolha sobre meios de planeamento familiar, foram forçadas à situação que as levou ao aborto, hoje clandestino, à margem da lei - uma delas menor, todas elas submetidas às dificuldades de mulheres pobres perante uma justiça que não responde aos seus direitos.
Nalguns casos, já por duas vezes foram substituídos os advogados oficiosos, noutros casos os advogados faltam sempre e noutros casos, em consequência, o tribunal pede a algum jurista presente que possa constituir-se como advogado, mesmo sem conhecimento do processo, sem apresentar contestação.
Neste caso, Sr.as e Srs. Deputados, estão a ser julgadas mulheres que praticaram aborto clandestino, mas o que realmente está a ser julgado no Tribunal Judicial da Maia são todos aqueles e todas aquelas que quiseram manter uma lei obscurantista, que criminaliza o direito de a mulher, nestas circunstâncias, poder escolher o aborto. Isso é o que está em causa e é o que está em julgamento, e esse julgamento interpela todos os que aqui têm a responsabilidade de se pronunciar sobre esta matéria.
Ora, essa lei promove o crime, porque promove o aborto clandestino como negócio para quem dele beneficia, porque prejudica, criminalizando as mulheres, forçando-as à prática do aborto nas mais indignas condições médico-sanitárias. Portanto, sobre isso, podemos, tanto tempo depois deste referendo e tanto tempo depois do debate político que dividiu uma parte da sociedade portuguesa, extrair algumas conclusões sobre os dois argumentos fundamentais usados para recusar a modernização desta lei.
Um deles - e sobre esse não me detenho tanto - foi o argumento confessional, o argumento da intolerância religiosa, o argumento que diz haver uma doutrina religiosa que predomina e que se impõe sobre a livre escolha da sexualidade das mulheres e dos homens deste país. E num tempo em que sabemos até que ponto pode chegar esta intolerância, podemos olhar com cuidado para este argumento.
No entanto, quero deixá-lo de lado, por agora porque o outro argumento interpela-nos aqui directa e imediatamente. É o argumento da lei.
Foi dito, em particular pelas bancadas da direita na Assembleia e por movimentos políticos de direita na sociedade, que devia continuar a ser crime a prática do aborto com a expectativa de que a bondade dos juízes não viesse a aplicar esta lei. A vantagem da lei seria ela não ser aplicada e, portanto, não conduzir à pena de prisão as mulheres que tivessem tido de recorrer ao aborto, assim como nos disseram sobre a droga que era preciso que o toxicodependente fosse criminalizável à luz da lei, na expectativa de que a lei fosse tão boa que não fosse aplicada e que, portanto, ficasse só a ameaça da sua aplicação.
Aqui está o resultado: a ameaça da aplicação não pode - como é que podia!… - impedir que algumas

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mulheres, tantos milhares, se não dezenas de milhar, sejam obrigadas a recorrer ao aborto nestas condições degradantes e sem apoio do Serviço Nacional de Saúde; a ameaça da lei não impede mulheres de serem julgadas hoje e, portanto, de poderem incorrer numa pena de prisão efectiva.
Ora, esta situação obriga-nos a tomar posição. Há aqui, porventura, uma maioria, para não dizer uma larga maioria, de Deputadas e Deputados que assumiram uma responsabilidade perante a Nação, dizendo que não aceitam que mulheres sejam presas por este motivo e, por isso, que esta lei continua a constituir um crime perante as consciência democráticas, perante a tolerância e perante a vontade de fazer evoluir a nossa legislação.
Diz a Deputada Helena Roseta que este julgamento é completamente imoral. Tem razão! Diz a Deputada Odete Santos que é uma vergonha. Tem razão! Diz o antigo Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde do governo do Professor Cavaco Silva, Albino Aroso (um médico que foi um dos fundadores do planeamento familiar em Portugal), que esta lei, que aqui temos de discutir, é do Terceiro Mundo - e tem razão! -, e por isso se bateu a favor da aprovação da nova legislação.
Em Portugal, temos uma situação que continua de pé, para não dizer mesmo agravada, porque, nada tendo sido feito para ampliar decisivamente o planeamento familiar, mantém o aborto na obscuridade, na ilegalidade, no negócio e na penalização e punição das mulheres que são forçadas a recorrer a ele.
Alguns abortos fazem-se à luz da lei, é certo: quando há um grave risco para a saúde da mulher, quando há malformação fetal, quando há problemas de violação e outros deste tipo. Mas isso significou 491 abortos praticados, no âmbito da lei, nos centros do Serviço Nacional de Saúde no ano de 1999, o último de que temos informação. Ou seja, temos aproximadamente, dizem-nos os cálculos, diz-nos o planeamento familiar, 40 000 mulheres que abortam, umas ricas, outras pobres, umas que podem recorrer ao aborto clandestino em condições de segurança e de dignidade médica e outras que não o podem fazer, e essas 40 000 mulheres continuam na obscuridade e na ilegalidade perante a lei.
É por isso, Sr.as e Srs. Deputados, que quero convidar este Parlamento a um debate sereno, tanto tempo passado da aprovação de uma legislação que ficou a meio caminho para prejuízo do País e para prejuízo das mulheres deste país.
Quero convidar o Parlamento a um debate sereno que permita o levantamento da situação actual do planeamento familiar, da informação sexual, da informação nas escolas, da situação do aborto legal e ilegal, no Serviço Nacional de Saúde, em Portugal e nos outros lugares onde fazem aborto clandestino mulheres portuguesas.
Um debate sereno para análise de toda esta informação e que permita chegar a uma maioria que modifique esta lei, no sentido em que todos os países europeus o têm vindo a fazer.
Há, para isso, uma maioria; haja, para isso, a convicção política. Mas talvez se possa constatar que o julgamento de hoje nos prova, e nos prova conclusivamente, que não podemos nem temos o direito de perder tempo.

Aplausos do BE e de alguns Deputados do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Francisco Louçã, as Sr.as Deputadas Helena Roseta, Isabel Castro e Margarida Botelho.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, como citou declarações que fiz hoje a um jornal, gostava de reiterar aqui que, efectivamente, afirmei e mantenho que é imoral julgar estas mulheres por aquilo que elas fizeram, embora, nas declarações à jornalista, tenha separado o caso das mulheres que recorreram ao aborto e o caso da pessoa que organizou o negócio especulativo sobre as mulheres que têm essa necessidade. Penso que essa separação deve ser feita, porque não devemos consentir em negócios especulativos sobre a saúde e as necessidades das pessoas.
O Sr. Deputado conhece a minha posição sobre esta matéria e sabe que a posição que tenho tomado vai no sentido de a Assembleia da República, uma vez esgotado o prazo de quatro anos sobre o referendo - que, segundo parece, é um período consensual nas várias forças políticas para manter uma situação em stand by, dado o resultado do referendo -, aprovar uma resolução para ser feito um levantamento em todo o País sobre a situação do planeamento familiar e do aborto clandestino.
É evidente que, pelo facto de ele ser clandestino, não é fácil fazer o levantamento, mas há muitas entidades que têm elementos que podem permitir chegar-se a uma avaliação da situação no País.
Este levantamento é essencial, porque penso que, mais do que esgrimirmos aqui argumentos sobre as nossas concepções morais, filosóficas ou ideológicas, é importante olharmos para a realidade. Aquilo que é imoral é termos uma lei que, das duas uma, para ser cumprida, abate-se sobre os mais pobres e os mais fracos, ou não é cumprida e, então, não vale a pena existir. Qualquer dessas hipóteses é imoral.
Portanto, penso que a lei deve ser mudada, mas em função de um conhecimento da realidade.
Sr. Deputado, a pergunta que lhe quero colocar é a seguinte: estaria disponível o seu partido para aprovar uma resolução da Assembleia da República para ser feito um levantamento nacional da situação em matéria de planeamento familiar e aborto clandestino?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Roseta, com certeza que tem de se distinguir o caso das 17 mulheres que estão a ser julgadas por terem praticado aborto daquilo que são redes clandestinas que beneficiam economicamente disso, não deixando, no entanto, de assinalar que é o facto de o aborto ser «clandestinizado» pela lei que permite que este negócio se desenvolva.
Quero também assinalar que nem tudo é igual como parece: encontramos, entre os arguidos, entre outros, assistentes sociais, membros de movimentos cristãos que auxiliaram mulheres em condições extremamente difíceis, e temos de perceber a diferença entre o que é o negócio e o que é a sinceridade. Mas isso o tribunal discutirá.
Quanto à sua pergunta, com certeza que sim, Sr.ª Deputada. Esta Assembleia tem poder, tem capacidade e creio

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mesmo que tem a obrigação de aprovar uma resolução que abra um debate e um levantamento sistemático e cuidadoso da situação do aborto. Estamos absolutamente disponíveis para isso.
Não quero, no entanto, deixar de dizer que esse debate deve conduzir - no sentido do esforço legislativo de tanto debate feito nesta Assembleia e do que tem vindo a ser feito, há tantos anos atrás, noutros países europeus - à modernização da lei, ou seja, à abolição deste «princípio do apartheid» em relação às mulheres, em Portugal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para formular o seu pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, a questão que trouxe hoje é de extrema importância e particularmente cara a este Parlamento. Este Parlamento assumiu um compromisso e tem uma dívida em relação às mulheres deste país, que continuam sem direito de escolha, sem liberdade de recorrer, em segurança, a uma interrupção voluntária da gravidez, que são remetidas para a ilegalidade, que são muitas vezes presas fáceis na teia sórdida que se move em torno da exploração da sua situação.
Em nossa opinião, faz todo o sentido que o problema se coloque, visto que é, além do mais, um problema de saúde pública, pelo que não vale a pena iludir a questão.
O Partido Socialista lançou agora uma proposta que julgo que tem cabimento. Em todo o caso, para nós, há um suficiente conhecimento da realidade para que já se devesse ter dado uma resposta a uma situação que é totalmente inaceitável, do ponto de vista político, humano e social.

O Sr. Presidente: - Dado que o Sr. Deputado Francisco Louçã dispõe de pouco tempo, vai responder em conjunto aos dois pedidos de esclarecimento. Assim, tem a palavra, para formular o seu pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, o PCP concorda, naturalmente, com a preocupação que trouxe hoje a esta Casa. Este caso específico mostra mais do que ele é em si, traz à luz do dia o que se passa normalmente no submundo clandestino que é a realidade, ainda hoje, de muitas mulheres no nosso país, infelizmente.
A decisão de manter uma lei - criminosa, na nossa opinião - que empurra para a clandestinidade dezenas de milhar de mulheres todos os anos e que põe à disposição destas redes clandestinas principalmente as mulheres mais pobres e as mais jovens, que muitas vezes exploram, foi uma decisão perfeitamente hipócrita, a nosso ver, que, evidentemente, tem de ser alterada.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - A clandestinidade não permite que se faça o aborto em condições de saúde e, ainda por cima, afasta estas mulheres da possibilidade de, tendo um contacto com o Serviço Nacional de Saúde, poderem vir a ter um programa de planeamento familiar que evitasse situações deste género no futuro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Francisco Louçã. Dispõe de mais 1 minuto que lhe é concedido pela Mesa.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr.as Deputadas Isabel Castro e Margarida Botelho, estou, naturalmente, de acordo com as duas intervenções. Não acrescentarei nada, a não ser que este brevíssimo debate tem uma lição: estamos confrontados com factos que são dramáticos.
Não sei o que se vai passar no tribunal, nenhum de nós sabe. Mas o que sabemos é que há hoje 17 mulheres que são arrastadas pela vergonha de terem de responder por um acto que é absolutamente íntimo, e que foram forçadas a fazer pelas circunstâncias de que só elas podem dar fé e que só elas podem dar testemunho.
É a indignidade da situação legal que leva a este abuso sem nome que nos interpela. E é por isso que o silêncio de alguns, que na altura defenderam esta lei, é tão importante e é tão eloquente. Por isso, gostaria de deixar o resto do tempo que tenho para que, se porventura algum dos Srs. Deputados do PSD ou do CDS-PP quiser defender a inculpação ou qualquer política punitiva, o possa fazer.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Já não terão essa oportunidade, Sr. Deputado, porque não tenho mais inscrições para formular pedidos de esclarecimento à sua intervenção.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não lhes tire essa oportunidade, porque eles querem falar!

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a quem a não pede.
Srs. Deputados, temos aqui um problema: o período da ordem do dia de hoje vai demorar cerca de 3 horas e 30 minutos. Temos ainda mais duas inscrições, para tratar de assuntos de interesse político relevante, mas estamos a aproximarmo-nos do limite máximo de duração do período de antes da ordem do dia, que é de 1 hora e 30 minutos.
Pergunto aos Srs. Deputados Rodeia Machado e Carlos Antunes se os assuntos que têm a tratar são tão urgentes que tenham de o ser hoje.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Carlos Parente Antunes (PSD): - É importante, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, para uma intervenção de interesse político relevante, o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O alerta feito há dias pelo Presidente do Conselho Executivo da Liga dos Bombeiros Portugueses quanto às dívidas do Ministério da Saúde aos bombeiros é deveras elucidativo do incumprimento do Governo no que diz respeito ao pagamento das despesas dos transportes de doentes em ambulância e da consequência que tal atitude acarreta para as associações humanitárias de bombeiros voluntários.

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Com efeito, afirma a estrutura nacional dos bombeiros portugueses que o volume da dívida aponta para valores próximos dos 750 000 contos no que só aos hospitais diz respeito, o que está a causa graves problemas de tesouraria às associações, nomeadamente àquelas do interior do País, onde o valor das dívidas é preocupante dadas as distâncias percorridas, o número de serviços efectuados e a fraca disponibilidade de meios financeiros que essas entidades possuem.
Muitas dessas associações estão hoje à beira da ruptura, pois são credoras do Ministério da Saúde de muitos milhares de contos, com dívidas em atraso de muitos e muitos meses, e, para fazerem face às questões de tesouraria, têm que recorrer à banca e pagar os consequente juros.
É sabido que as associações humanitárias de bombeiros voluntários são organizações sem fins lucrativos, que vivem essencialmente das quotizações dos seus associados, dos subsídios atribuídos pelas autarquias locais e pelo Governo, que são manifestamente insuficientes, e também do serviço que prestam no transporte de doentes em ambulância.
Falhando, como falha, o pagamento destes serviços, as associações não têm condições financeiras para se manter.
Acresce que existe um protocolo, subscrito pelo Governo e pela Liga dos Bombeiros Portugueses, que estabelece que o pagamento deve ser efectuado nos 60 dias subsequentes à facturação, mas que não tem sido cumprido pelo Ministério da Saúde. Aliás, esse mesmo protocolo não é revisto desde 1985, o que tem vindo a criar as maiores dificuldades aos bombeiros, pese embora já terem sido propostos e criados grupos de trabalho a nível do Ministério da Saúde e da Liga dos Bombeiros Portugueses para rever tal instrumento, o que até hoje não foi conseguido.
O Governo não pode evocar desconhecimento destas matérias, pois foi este mesmo Governo que, em sede de Comissão de Saúde e através da então ministra Manuela Arcanjo, se propôs pagar as dívidas em tempo útil e cumprir o protocolo estabelecido, bem como proceder à sua revisão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pode afirmar-se sem sombras de dúvidas que o Governo do Partido Socialista, com esta atitude, está a estrangular financeiramente as associações humanitárias, a levá-las à falência técnica e financeira e a provocar a sua paralisação.
Se é este o caminho que o Governo escolheu, então, teremos de dizer que segue por mau caminho.
Provocar a paralisação destas instituições, algumas delas centenárias, que têm prestado relevantes serviços à comunidade, como por todos é reconhecido, é prestar um mau serviço ao País e aos portugueses.
Os bombeiros existem há mais de 600 anos. São, concretamente, 433 as associações humanitárias espalhadas pelo território do Continente e ilhas, que constituem uma importante força de voluntariado.
O socorrismo confiado a bombeiros conta com cerca de 42 000 homens e mulheres que, graciosamente, estão ao serviço das populações e que não podem, por isso, nem merecem, que o Governo os trate desta forma.
Para que se conheça melhor o que acabo de afirmar, basta referir também a forma de tratamento que é dado aos bombeiros no tocante ao financiamento por parte do Estado.
Existem, como se sabe, os bombeiros voluntários, os municipais e os sapadores.
Enquanto que os últimos são financiados directamente pelas autarquias - e pode dizer-se que só em Lisboa, Porto, Coimbra e Setúbal os orçamentos dos sapadores ascendem, no conjunto, a cerca de 10 milhões de contos e só em Lisboa são mais de 6 milhões de contos anuais -, o Governo subsidia, através do Orçamento do Estado, 433 associações de bombeiros voluntários com pouco mais de 5 milhões de contos por ano.
Se tivermos em linha de conta que, se os voluntários se transformassem em profissionais, seriam necessários mais de 140 milhões de contos para suportar o seu funcionamento, o que acontece na prática é que, no Orçamento do Estado para 2001, toda a acção de reequipamento de bombeiros (quartéis e viaturas), de combate a fogos e a calamidades, de funcionamento do SNS e da Comissão Especializada de Fogos Florestais, a verba pouco ultrapassa 14 milhões de contos. É manifestamente insuficiente.
Mas, mais: o Governo aprovou recentemente um normativo legal para a tipificação de ambulâncias de transportes de doentes, com o qual, genericamente, estamos de acordo, mas esqueceu-se de uma questão importante. É que o financiamento desses equipamentos está integralmente remetido para os agentes que transportem doentes em ambulância, no caso, os bombeiros voluntários, sabendo-se que estes não têm capacidade económica para os adquirir.
Só para citar um exemplo, direi que uma ambulância denominada «de suporte avançado de vida» custa hoje, devidamente equipada, cerca de 15 000 contos.
Como pode uma associação adquirir com facilidade tal ferramenta de trabalho, que, convenhamos, é extremamente importante para a melhoria da qualidade de vida de quem dela necessita, se não tem condições económicas para o fazer?
O Governo tem de encontrar soluções de financiamento para estas matérias, pois está em causa a segurança dos cidadãos, nomeadamente daqueles que, em caso de acidente, necessitam de uma resposta eficaz.
O Governo tem de ter presente esta realidade e, de uma vez por todas, cumprir os compromissos que assumiu com os bombeiros, ou seja, rever o protocolo de 1985, pagar em dívidas em atraso, para já, e, rapidamente, encontrar uma forma de financiamento directa aos bombeiros, isto é, no Orçamento do Estado para 2002, no sentido de implementar melhor qualidade de serviço aos utentes e também aos bombeiros voluntários, base essencial da emergência, do socorrismo e da protecção civil em Portugal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, ouvi com muita atenção a sua intervenção e, por se tratar de uma matéria que evidentemente me preocupa, pergunto-lhe se tem conhecimento de que, neste momento, o grosso da dívida às

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associações de bombeiros não é das ARS mas, fundamentalmente, dos hospitais. Tenho também a informação de que, em função da autonomia destes últimos, é mais difícil obter uma informação centralizada sobre o montante da dívida neste momento.
Sabemos que foi aprovado um Orçamento rectificativo que permite a regularização de dívidas em determinadas condições, ou seja, dívidas contraídas até ao fim de 2000 e por ordem da respectiva antiguidade. De qualquer forma e retomando o que referi na altura, enquanto Ministra da Saúde, interpelada pelo próprio Sr. Deputado acerca desta mesma questão, pergunto-lhe se concorda em que seja dada prioridade às instituições do sector social, no que diz respeito a pagamentos de regularização de dívida. Isto no sentido de, mais uma vez, reforçar o que, para mim, é também uma tónica importante, a de considerar que, em saúde, é lícita e legítima a actividade dos três sectores mas que quer o sector público quer o sector social devem reinvestir os lucros na sua actividade.
Pergunto-lhe, pois, se concorda com esta ordem de prioridades, porque penso que a mesma também assenta numa construção de preços baixos e de certa forma muito duros para quem pratica estas actividades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, naturalmente, V. Ex.ª tem informação privilegiada, ou, pelo menos, teve-a enquanto foi Ministra da Saúde, quanto a estas matérias sobre as quais tantas vezes a questionámos na altura.
É evidente que, hoje, a dívida é maior por parte dos hospitais do que por parte das ARS. Foi precisamente isso que eu disse, isto é, que as dívidas são no valor de cerca de 750 000 contos ou até superiores, e há dívidas que já vêm desde 2000.
No entanto, facto é que o Orçamento rectificativo que V. Ex.ª referiu foi elaborado precisamente para dar prioridade ao pagamento das dívidas em atraso e, em nosso entender, deveria ter sido dirigido para este sector, que é um sector não especulativo, não lucrativo, sendo que, em Portugal, os bombeiros são fundamentais.
Como V. Ex.ª sabe, o sector das ambulâncias dos hospitais foi completamente desarticulado, pelo que, em Portugal, o transporte de doentes em ambulância está completamente dependente da Cruz Vermelha e dos bombeiros voluntários.
Claro que também existe o sector privado, que presta serviço sobretudo em Lisboa, Porto, Coimbra e Setúbal, mas não aguenta o atraso nos pagamentos como acontece com os bombeiros, que têm aguentado esta situação de não pagamento das dívidas por parte dos hospitais. Tanto assim é que, como V. Ex.ª sabe, a maior parte dos serviços privados tem falido.
Pela nossa parte, dissemos que há que disciplinar toda esta situação em Portugal. Aliás, essa disciplina vai chegar agora, com a tipificação das novas ambulâncias contida no normativo que foi publicado, em relação ao qual, como tive oportunidade de dizer, estamos genericamente de acordo. Não podemos é estar de acordo com o facto de não ser dada prioridade ao pagamento desta actividade prestada à comunidade mas que não é lucrativa para os bombeiros.
Não é admissível que, neste momento, os bombeiros tenham de recorrer à banca para efectuar o pagamento de salários, a fim de poderem continuar a prestar este serviço à comunidade. Isto é que não é razoável.
Devo dizer que estamos de acordo consigo no que toca à prioridade a ser dada a estes pagamentos, mas acontece é que foi dada prioridade ao pagamento de dívidas atrasadas a outras entidades com fins lucrativos e não se pagou aos bombeiros como devia ter sido feito.
A ex-ministra Manuela Arcanjo também veio a esta Casa fazer uma profissão de fé, dizendo que ia pagar aos bombeiros as dívidas atrasadas; no entanto, o que aconteceu foi que pagou parte mas não o que era essencial.
É que não estamos aqui a reclamar o pagamento de dívidas atrasadas 60 dias. O que está por pagar são dívidas cujo prazo ultrapassa 60 dias, 180 dias e mesmo 1 ano e há associações de bombeiros no interior do País que se debatem com grandes dificuldades.
Aproveito para citar-lhe um caso ilustrativo, o de uma associação de bombeiros a que o Hospital Central de Beja deve 13 000 contos, pelo que, no mês passado, foi obrigada a recorrer à banca para pagar aos seus assalariados. Isto é uma vergonha!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção sobre matéria de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Antunes.

O Sr. Carlos Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Viana do Castelo, o rio, o mar, a montanha, constituem um conjunto paisagístico do mais belo que a Natureza nos pode oferecer.
De um lado, a Galiza, do outro, o Porto e Braga convergem para que Viana do Castelo seja um natural ponto de confluência e de convergência de interesses.
Mas não basta a bondade de um Deus amigo ao ter bafejado Viana do Castelo com dotes de princesa a quem o Homem, um dia, resolveu tratar por «princesa do Lima».
Os vianenses são povo humilde e trabalhador, que sente na pele a dureza do mar, nas mãos os calos da enxada e na alma a injustiça do poder e a indiferença do Homem.
Os vianenses têm consciência que sempre lhes deram alguns «peixes» mas nunca lhes ofereceram a «cana» nem os ensinaram a «pescar».
Viana do Castelo é uma das regiões que melhores condições naturais oferece para ser desenvolvida e próspera e é um dos distritos mais atrasados de Portugal.
É evidente que não é um problema de hoje, antes é uma situação que tem sido alimentada ao longo de gerações, tendo-se agravado nos últimos anos, como se poderá concluir das últimas dotações em sede de PIDDAC.
Outro dado revelador das carências da população do Alto Minho são os valores per capita, cujos indicadores colocam os vianenses nos últimos lugares.
Outros indicadores a ter em consideração para efeitos de qualidade de vida, como saneamento, abastecimento de água, equipamentos, rede viária, acessibilidades, educação, comércio, indústria, etc., são elucidativos das dificuldades sentidas por quantos optaram por viver em Viana do Castelo.
Se associarmos ainda outros indicadores, como a taxa de contribuição autárquica, verificaremos que esta é uma das três capitais de distrito que paga o máximo e, destas,

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a que tem indicadores per capita mais baixos, pelo que julgo que se trata de algo altamente injusto e merecedor de censura ao próprio Governo. Temos de considerar, ainda, que, em Viana do Castelo, as taxas, as licenças e as derramas são sempre cobradas pelos valores mais altos. Este é o concelho do País onde a taxa relativa aos resíduos sólidos é a mais elevada.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É evidente que, aparentemente, a questão em análise que estou a expor é para ser apresentada numa assembleia municipal mas, em meu modesto entender e sem prejuízo de a discussão surgir no órgão municipal, é também da competência e da responsabilidade do Governo da Nação.
Se não, vejamos. A Câmara Municipal de Viana do Castelo é presidida há oito anos, maioritariamente, pelo Partido Socialista. O concelho é visitado com alguma frequência pelo Sr. Primeiro-Ministro e, de forma mais assídua, pelo Sr. Ministro Sócrates. Até nos sentimos orgulhosos pela visita de tão ilustres personalidades, só que os problemas continuam e passo a enumerar alguns.
Em 1996, 1997, 1999 e 2000, prometeram resolver o problema das acessibilidades. Continua tudo na mesma. Nos últimos seis anos, foram construídos 6 km ou 7 km de IC sem saída; há três semanas, em cerimónia provavelmente abençoada pela Senhora do Minho, assumiram construir mais alguns quilómetros em regime de SCUT.
A questão ferroviária continua na mesma. Os senhores do Partido Socialista estão à espera que a linha internacional Porto-Vigo caia de podre, deixe de ter utentes, para encerrá-la. Outros estarão à espera que tal aconteça.
Quanto ao gás natural, que se passa? Será que algum dia vai chegar a Viana?
Não há espaço para instalar novas indústrias, o que é grave numa terra onde não há empregos qualificados.
E os centros de saúde prometidos, que permitam dar resposta à precariedade existente?
E os esgotos do Hospital Distrital de Santa Luzia, que correm, sem qualquer tratamento, para o rio Lima?
E os postos da GNR, que não são construídos ou que correm o risco de encerrar?
Em Viana do Castelo existe uma instituição, a EDV - Escola Desportiva de Viana, frequentada por várias centenas de crianças, adolescentes e jovens que praticam natação, independentemente das várias centenas de crianças que aguardam em lista de espera oportunidade de uma vaga para poderem praticar este desporto. Os adolescentes e jovens nos níveis mais avançados, federados, têm de deslocar-se para outros concelhos - Esposende ou Póvoa - porque em Viana não existe uma piscina com as medidas adequadas ao treino da modalidade.
Admito que o Sr. Primeiro-Ministro fique encantado com o folclore e os foguetes, que o Sr. Ministro Sócrates se sinta radiante com a possibilidade de o seu amigo, presidente de câmara socialista, demolir o prédio contíguo, mesmo que tal tenha custos de muitos milhões de contos. Com certeza, desconhecem ambos a realidade e os verdadeiros problemas do concelho. Mas, com o Partido Socialista, tudo é possível.
Em Viana do Castelo, um Sr. Vereador do Partido Socialista mais um grupo de amigos seus organizaram-se e constituíram uma cooperativa de habitação. Constróem, em condomínio fechado, moradias de luxo com piscinas interiores, isentas de taxas e de licenças e, porventura, com outras benesses, porque se trata de uma cooperativa, defraudando os cofres do Estado em milhares de contos. Perante esta nova cultura política introduzida pelo Partido Socialista no campo da ética e da moral - porque é disto mesmo que se trata -, a resposta do Sr. Presidente da Câmara foi a de que «a construção foi autorizada pela Sr.ª Vereadora» e, em entrevista a uma estação de televisão, disse que «no exercício de funções públicas, não temos de nos ater a critérios morais».
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com políticos destes, o Partido Socialista só tem duas opções: ou muda a lei por que se regem as cooperativas ou muda os autarcas. Ou será que são estes os princípios de ética e de moral que o Partido Socialista defende?
É assim que se vive em Viana do Castelo, onde o despesismo e as opções assumidas não são as que se traduzem no desenvolvimento e na promoção da qualidade de vida que urge para Viana.
É este o destino dos vianenses, para quem o poder centralizador do Governo e a indiferença com que se adia a resolução dos problemas das regiões mais desfavorecidas é causa de frustração.
Viana do Castelo, onde há a festa de inauguração do programa Polis e a contraditória requalificação urbana - e digo «contraditória» quando comparando com o desenvolvimento urbanístico a que assistimos.
É assim que se vive em Viana do Castelo, entre as promessas de um Governo e de uma câmara que diz ter feito obra e a realidade de um concelho carente, onde a retórica, a demagogia e os falsos profetas já não conseguem alimentar a ilusão de que a esperança é cor-de-rosa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Antunes, não é a primeira vez - e esperemos que também não seja a última - que nos confrontamos na Assembleia da República por causa de questões relacionadas com Viana do Castelo.
Por mim, esperaria que a questão autárquica - e, no fundo, é disso que se trata - não fosse colocada na Assembleia da República de forma tão evidente como o Sr. Deputado o fez, porque penso que não é este o local próprio para esgrimir posições do ponto de vista das eleições autárquicas. No entanto, para além das questões, pequenas ou grandes, que sempre haverá por resolver em qualquer concelho deste país, pese embora a imaginação, a criatividade, a boa vontade, a competência e a capacidade de todos os autarcas do País, sempre haverá problemas por resolver. Pese embora estes pequenos ou grandes problemas que sempre haverá para resolver, o que fica evidente da intervenção do Sr. Deputado Carlos Antunes, do meu ponto de vista, é uma mal disfarçada capacidade para assimilar aquilo que é uma nova cidade em Viana do Castelo, aquela que é a nova realidade do concelho de Viana do Castelo e o facto de, finalmente, se ter colocado o concelho no mapa do País.
Viana do Castelo está, de facto, diferente do que era quando governada pelo PSD; está diferente e os vianenses sentem orgulho na sua cidade, sentem orgulho que qualquer forasteiro que se dirija à cidade de Viana do Castelo se interrogue sobre como está diferente, como está bela e como está melhor a cidade.

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Das questões que colocou, elejo uma que considero relevante para demonstrar que o Sr. Deputado não tem razão - e V. Ex.ª sabe disso -, que é a das acessibilidades.
A acessibilidade era, de facto, um dos problemas mais graves com que se defrontava o distrito de Viana do Castelo. Porém, como o Sr. Deputado Carlos Antunes sabe, deu-se um salto incomensurável neste domínio, quer no que diz respeito à resolução de problemas concretos nos acessos a Viana do Castelo, quer no que se refere a projectos em concretização - e, repare, não falo de promessas mas, sim, de projectos em concretização - relativamente às acessibilidades desta cidade.
Creio que o Sr. Deputado Carlos Antunes vai dar-me razão, aquando da sua resposta, dizendo que os vianenses têm orgulho na sua cidade, que a sua cidade que está diferente e que está melhor. Também quanto àquele elemento que considerou relevante, o problema das acessibilidades, o Sr. Deputado é sério, é honesto e, por isso, com certeza, vai dar-me razão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Antunes.

O Sr. Carlos Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Júnior, penso que V. Ex.ª não conhece a realidade de Viana do Castelo.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Essa é boa!

O Orador: - Vou reafirmar o que disse do parlatório: em seis anos de Governo foram construídos 6 ou 7 km de IC1, de Viana a Nogueira, sem saída. Ou seja, no IC1 concluíram a obra que estava iniciada e em execução quando o PSD deixou de ser Governo.

Protestos do Deputado do PS Marques Júnior.

Tenha paciência, o Sr. Deputado não contestou o que acabei de dizer e sabe perfeitamente que o Partido Socialista em nada contribuiu para melhorar a vida dos vianenses.
Pergunto ao Sr. Deputado - o que, aliás, não colocou em causa - se há mais empregos qualificados em Viana do Castelo. O poder de compra dos vianenses melhorou nestes últimos anos? As condições para o comércio melhoraram? Melhorou o rendimento per capita da população? Estes problemas estão resolvidos? Os vianenses pagam menos taxas ou menos licenças?
Esta não é uma questão autárquica mas, sim, nacional. Nós temos de trazer aqui o problema de Viana do castelo para que o País tenha conhecimento das muitas carências dos vianenses.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mais: em Viana do Castelo, com o PS no executivo, é muito difícil ouvir e fazer algo que mude a actual situação, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 152/VIII - Suspensão e revisão do Pacto de Estabilidade (PCP) e 156/VIII - Sobre a aplicação do Pacto de Estabilidade em 2001 e 2002 (BE).
Para apresentar o projecto de resolução n.º 152/VIII, em representação do Partido Comunista Português, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Felizmente, a prática continua a constituir o melhor critério para aferir da verdade e da bondade de medidas e soluções que são adoptadas em várias esferas da vida.
Aquando da decisão sobre a participação de Portugal na 3.ª fase da União Económica e Monetária (UEM) e no Pacto de Estabilidade, o PCP - e, aliás, muitos outros quadrantes de opinião - criticaram séria e fundamentadamente os constrangimentos que as condições macroeconómicas impostas aos diversos Estados-membros da União Europeia colocariam à economia de muitos países, em particular dos países mais periféricos e menos desenvolvidos dessa mesma União Europeia.
Sem políticas monetárias e cambiais soberanas restaria a cada país a gestão das suas políticas orçamentais como instrumentos que permitiriam, em cada momento, transmitir à economia os impulsos necessários à sua modernização e desenvolvimento. Contudo, também isso se perdeu ou ficou extremamente condicionado e agravado com o chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento, aprovado no Conselho Europeu de Junho de 1997, que, lembre-se, não foi submetido a nenhuma forma de auscultação dos cidadãos nem, sequer, do Parlamento.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

O Orador: - Os critérios rígidos impostos pelo Pacto de Estabilidade teriam de conduzir, necessariamente, particularmente em períodos de abrandamento e crise das economias, a opções de política económica que ou agravariam ainda mais os sinais de crise ou teriam de violar os compromissos que cada Estado tinha assumido.
Em especial, a imposição dos rácios da dívida e do défice público nunca se poderiam compaginar por muito tempo com as necessidades de investimento público, de melhoria das políticas sociais e de incremento dos salários e rendimentos dos trabalhadores que os países menos desenvolvidos teriam sempre necessidade de assumir se quisessem assegurar um efectivo processo de convergência real e de coesão social. Como, aliás, afirmava à época o Parlamento Europeu, «as piores consequências da convergência para a UEM far-se-ão sentir nas regiões menos favorecidas da União Europeia».
Mas estávamos em 1997. Tudo pela frente era anunciado como um caminho de rosas sem espinhos. «Nova era de estabilidade, crescimento e convergência estrutural da economia portuguesa», assim se escrevia no Programa de Convergência, Estabilidade e Crescimento. O Bloco Central, PS e PSD, aprovaram neste Hemiciclo uma resolução de aplauso conjunto ao caminho inscrito no Pacto de Estabilidade, e ai daqueles que levantassem a sua voz crítica à via imposta aos portugueses!

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E se o PCP é, obviamente, favorável a uma política de rigor e de combate ao desperdício, sempre mostrámos e demonstrámos que uma coisa é rigor e controlo da despesa, outra é, para as condições do nosso país, uma artificial e desajustada contenção do investimento público e das despesas sociais e salariais, uma espécie de pronto-a-vestir igual para todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento, de modernização e de produtividade da sua economia, do estado das suas políticas sociais, do nível de rendimentos da sua população. Quando o que necessitamos é de mais investimento e melhores salários, a receita é, pelo contrário, contracção de uns e de outros.
A eliminação do défice orçamental em 2004 só seria assim possível com uma forte contenção da despesa pública, o que passou a constituir o alfa e o ómega da política orçamental.
Assim, à medida que o Programa de Estabilidade e Crescimento se aproxima do ano D, 2004, com um saldo nulo em relação ao PIB, também é visível que as dificuldades de gestão do quadro macroeconómico se avolumam. E avolumam-se tanto mais quanto o Governo apostou numa política de vistas curtas, virada para uma gestão imediata, de efeito fácil, com os olhos postos nas metas eleitorais, sem apostar num desenvolvimento a prazo, estruturado e sustentado da economia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - As privatizações têm-se sucedido ao ritmo não da «reestruturação, modernização e inovação do tecido produtivo», como era afirmado no Programa de Estabilidade e Crescimento, mas de acordo com a necessidade fundamental de aumentar as receitas das finanças públicas, da redução da respectiva dívida e, sobretudo, de acordo com os interesses privados apostados em apropriar-se de tudo quanto, no sector público, possa fazer aumentar a rentabilidade dos seus capitais e o seu volume de lucros e dividendos.
O Estado foi-se desfazendo, de maneira irracional, de instrumentos fundamentais que poderiam e deveriam servir de alavancas para o crescimento e modernização da economia. A agricultura e as pescas continuam a viver ao toque das ordens comunitárias, dos subsídios e apoios, suportando cada vez pior a liberalização dos mercados, sem que se vislumbrem as necessárias alterações de fundo. As chamadas reformas estruturais ficaram pelo caminho, nem na educação, nem na saúde, nem na Administração Pública. Mas também nada se viu de significativo na modernização tecnológica das empresas e do nosso tecido produtivo, no incremento da produtividade, na necessária aposta na valorização dos recursos humanos, na conquista de novos mercados. As portas que se tinham entreaberto na reforma fiscal e na segurança social estão já, rapidamente, a ser encerradas por pressão dos grandes interesses financeiros, como se verifica escandalosamente em relação à reforma fiscal, na proposta de Orçamento do Estado para 2002.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A luta contra a fraude e a evasão fiscal vão pouco mais além do que declarações e conclusões de mediáticos Conselhos de Ministros. E, por isso, não é de estranhar, Srs. Deputados, que a receita fiscal desça brutalmente.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

O Orador: - Se a isto somarmos o desequilíbrio das contas externas bem como a instabilidade e a crise económica internacional que se vive não desde o dia 11 de Setembro mas de há cerca de dois anos a esta parte percebemos facilmente como os constrangimentos impostos à economia portuguesa pelo Pacto de Estabilidade - e, no fundo, à economia europeia no seu conjunto - fazem cada vez menos sentido e impedem, claramente, que a política orçamental desempenhe um papel activo para a saída da crise, para o relançamento económico, para os necessários e justos incrementos salariais que assegurem a reposição do poder de compra perdido nos últimos anos e constituam factor de dinamização do consumo e da economia.
Perante tudo isto, finalmente, parece que o Governo terá começado, de forma muito tímida, a perceber o que está em causa.
Fala, agora, o Sr. Ministro das Finanças numa «leitura inteligente» dos critérios do Pacto de Estabilidade. Mas foi preciso que antes falassem a Alemanha, a França e a Itália, porque a realidade se impôs ao fundamentalismo das políticas monetaristas. E a realidade é que, apesar das mais inventivas medidas de engenharia financeira e orçamental, o défice de 1,1% do PIB previsto para 2001 vai chegar, pelo menos, a 1,7%, ou mais; e, para o ano, teremos não os artificiais 0,7% do PIB inscritos no Programa de Estabilidade mas o dobro, ou quase o dobro.
Como vão longe as profissões de fé do Primeiro-Ministro Eng.º António Guterres quando afirmava: «Vamos cumprir o Pacto»! Como se vai «regressar» aos critérios impostos por esse mesmo Pacto - 0,3% do défice em 2003 e saldo nulo em 2004? Ninguém sabe ou, melhor, hoje toda a gente reconhece que é irrealizável, por mais projecções artificiais do PIB que se façam. Até o antigo Primeiro-ministro Cavaco Silva vai lembrando que se pode ir até aos 3% do défice!
Neste quadro, manter nominalmente o chamado Pacto de Estabilidade, já revogado pela realidade, constitui um absurdo e uma teimosia que, aí sim, se viraria contra a credibilidade da economia e do País.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Tal poderia levar o País, numa situação limite, a ter de pagar pesadas multas para os cofres comunitários, e nada acrescentaria, bem pelo contrário, à estabilidade e credibilidade do euro. Ou, então, obrigaria a uma brutal política contraccionista que lançaria a economia portuguesa numa profunda recessão, com o desemprego a disparar e o poder de compra dos trabalhadores portugueses a baixar ainda mais. E se também nós somos favoráveis a que se caminhe para o equilíbrio das contas públicas, tal não pode deixar de ter em conta as necessidades e as especificidades da economia portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não há, pois, Sr. Ministro, «leitura inteligente» do Pacto que vingue se não passar pela sua suspensão e revisão. É isto que propomos no nosso projecto de resolução, ou seja, que o Governo português não fique à espera e a reboque do que faça a Alemanha ou a França, mas que assuma uma posição activa em nome, particularmente, dos países mais periféricos e das economia

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menos desenvolvidas, desencadeando nas instâncias comunitárias os procedimentos conducentes à suspensão e à revisão do Pacto de Estabilidade.
No fundo é ter a coragem de pôr as decisões dos eurocratas e dos gurus da política monetária de acordo com a realidade, com as especificidades de cada país e com a necessidade de dinamização da economia e de melhoria das condições sociais de vida.
Este é o impulso que esta Assembleia tem, agora, a oportunidade de dar. Esta é a oportunidade para o Governo poder corrigir as suas políticas de curto prazo, ganhar margem de manobra e apostar, finalmente, no desenvolvimento sustentado da economia e da melhoria das condições de vida dos portugueses, sem estar submetido aos constrangimentos de um Pacto que nada tem a ver com a nossa realidade e as nossas necessidades.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lino de Carvalho já sabe que não aprovaremos este projecto de resolução, tomando idêntica posição, aliás, ao que foi aprovado, por grande consenso, no Parlamento Europeu, por resolução de 22 e 23 de Setembro. O Pacto começou a ser estudado há mais de uma década; teve o seu primeiro documento em Dublin, que foi amplamente discutido nesta Assembleia, tendo havido até uma resolução largamente maioritária que aprovou os princípios básicos deste Pacto.
O Pacto parece-nos da maior importância como instrumento que reforça a União Económica e Monetária, por um lado, e os direitos das gerações futuras, por outro. Por vezes, Sr. Deputado, este Pacto pode ser, no curto prazo, ligeiramente incómodo para alguns governos, mas tanto o Governo português como outros governos, a maioria deles - aliás, esta também é uma resolução aprovada pelo último ECOFIN -, estão dispostos a suportar algumas incomodidades no curto prazo para garantir a disciplina orçamental no futuro. E sabe porquê, Sr. Deputado? Porque garantir que não haja défices excessivos é uma condição importante para que haja taxas de juro baixas, para que haja investimento produtivo, para que o produto potencial seja superior, para que os países possam fazer a sua convergência real. É por isto que entendemos que a disciplina financeira, a disciplina orçamental, é um complemento essencial do mercado único e da moeda única.
Sei que os senhores estavam contra a moeda única, contra os programas de convergência, contra o Pacto de Estabilidade, contra tudo! Hoje, já falam pouco de União Económica e Monetária, falam pouco de moeda única, porque as coisas não correram da forma catastrofista que aqui anunciaram.

Risos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

A verdade é que as coisas correram melhor do que se podia esperar. É certo que não vivemos num mar de rosas na Europa, temos as nossa dificuldades. Mas não vejo como a suspensão deste Pacto de Estabilidade, que é ele próprio flexível, contém ele próprio os elementos de flexibilidade, sobretudo na aplicação dos programas de estabilidade e crescimento… O Pacto mantém-se com a ideia de chegarmos ao equilíbrio em termos de contas públicas, segundo o andamento de cada país, com metas programadas, é certo, mas que são revistas, como agora aconteceu! Obviamente que se há uma crise, se diminui o crescimento do Produto, há diminuição de receitas fiscais, o que pode levar a um aumento do défice episodicamente, o que, por sua vez, leva - e isto é mau - a um aumento da dívida. Ora, nós queremos que isto não seja assim para sempre; pode haver uma interrupção temporária, mas não vamos suspender este Pacto.
Portanto, estamos de acordo com os princípios que foram estabelecidos, aliás, aquando da última Cimeira que aprovou o Tratado de Amsterdão, que são princípios saudáveis de cumprimento e de consolidação das finanças públicas e que respeitam, como é óbvio, a flexibilidade necessária para cada país.
É a esta realidade que o Governo está atento e é a isto que o Governo vai dar cumprimento com a revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento, mas na manutenção do espírito do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, há ainda um outro pedido de esclarecimento. Deseja responder já, ou no fim?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, respondo já.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Torres, não será seguramente este o momento e a oportunidade para fazermos a história da União Económica e Monetária e da criação da moeda única. Aliás, V. Ex.ª conhece melhor do que ninguém essa história. Até noto, na intervenção que agora acabou de fazer, um certo enfraquecimento dos tempos em que, como assessor do Ministro Braga de Macedo, defendia, a todo o preço, o grande critério das políticas monetaristas na Europa.

O Sr. João Amaral (PCP): - No tempo do oásis!

O Orador: - Exactamente!
O Sr. Deputado, aliás, na sequência de uma brilhante invenção do Sr. Ministro Oliveira Martins, já fala na flexibilidade; não fala numa «leitura inteligente», mas está a referir-se a isto.
Sr. Deputado, não há «leitura inteligente» que salve uma realidade que está escrita, e, portanto, se há incomodidade não é para nós, porque a vida vem dar-nos razão às questões que colocámos. É que o Pacto de Estabilidade, e depois o programa de estabilidade e crescimento com o qual Portugal se comprometeu, era uma «camisa» de constrangimentos artificiais à nossa realidade, que, designadamente, em períodos de abrandamento da economia, nem se colocavam duas opções: ou uma política extremamente contraccionista, com todas as consequências para a vida económica e para a vida social, ou, então, o rompimento dos critérios que foram assumidos e comprometidos com a falta de credibilidade que isso representa para a economia portuguesa, quando os senhores estão tão preocupados com essa falta de credibilidade.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, não há realidade nem flexibilidade - e foi a esta questão que o Sr. Deputado procurou fugir - que altere a seguinte situação: Portugal tem o compromisso de, em 2004, atingir o chamado equilíbrio das conta públicas, o défice nulo. Como é que vai fazer isso, Sr. Deputado? Se, em 2001, teríamos de ter 1,1% e temos 1,7%, se, em 2002, teríamos de ter 0,7% e vamos ter, como se sabe, pois já foi anunciado, mesmo a confiar nos números oficiais do Governo, 1,3%. Como é que, em 2004, vamos ter zero? Os Srs. Deputados do Partido Socialista são capazes de vir aqui dizer como é que chegamos a este saldo nulo? Ou de facto isto, na vida, já não está revogado?! Não será necessário que o Governo desencadeie as iniciativas e os procedimentos necessários para fazer uma revisão atempada e inteligente deste compromisso do Governo português que, a não ser feito, nos descredibiliza ou nos impõe o pagamento de multas, se ultrapassarmos o limite dos 3%, e, em todo o caso, constitui sempre uma «camisa-de-forças» desadequada à nossa realidade? A vida está a demonstrá-lo, Sr. Deputado! Por isso a incomodidade não é nossa; a incomodidade é vossa, porque, hoje, já têm de falar numa «leitura inteligente» do Pacto. Todavia, como eu disse, não há «leitura inteligente» que salve esta realidade que o Governo português subscreveu.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, devo dizer-lhe, em abono da verdade e da seriedade, que, na análise quer do fenómeno económico quer do fenómeno da vida que o senhor chamou aqui à colação, o seu diagnóstico me parece correcto.
De facto, analisou, como eu analisei, o Pacto de Estabilidade e Crescimento que Portugal apresentou nas instâncias comunitárias; e analisou, como eu analisei, o conjunto de objectivos e de reformas que o Governo visava prosseguir no período que vai até 2004; e analisou, com toda a certeza, como eu analisei, o incumprimento desses objectivos que o Governo apresentou à Comunidade Europeia na generalidade dos casos.
Vou dar-lhe apenas um exemplo. O Governo comprometeu-se nesse Pacto, no domínio da reforma fiscal, a criar condições e medidas para a competitividade fiscal. Ouvimos, hoje, aqui, no Parlamento, através do Sr. Deputado Jorge Coelho, que agora é que estão pensar na introdução dessas medidas.
Isto para lhe dizer, Sr. Deputado, que, num certo sentido, partilho o diagnóstico que fez da incompetência, da negligência, da forma pouco agressiva deste ponto de vista com que o Governo assumiu as suas responsabilidades no que diz respeito à definição de uma política económica, que, a nosso ver, não é manifestamente esta. A questão é que não partilho com o Sr. Deputado o «bandido»; isto é, não considero que o Pacto de Estabilidade e Crescimento, aprovado, em 1997, através do respectivo Conselho Europeu, seja ele próprio a camisa-de-onze varas, como se usa dizer na minha terra, que entorpece e impede o Governo de fazer aquilo que deve fazer.
Mais, Sr. Deputado Lino de Carvalho: pareceu-me ter ouvido dizer, hoje, aqui também - e já li algures nas despesas apresentadas no Orçamento - que o reforço do investimento público vai ser significativo, bem como o reforço do investimento nas áreas da saúde, da educação e da segurança social. Portanto, parece que o tal Pacto de Estabilidade e Crescimento - com o qual nos comprometemos, e aproveito para lhe dizer que, apesar de tudo, se trata da fixação de regras de boa gestão de recursos humanos e financeiros - não é a causa da incapacidade do Governo de cumprir as metas a que se comprometeu e, digo eu, Sr. Deputado Lino de Carvalho, a que se deve comprometer, não só em Bruxelas mas também em Portugal. Gerir bem a economia é de facto criar condições para termos menos défice, mais crescimento e menor inflação.
Em suma, Sr. Deputado Lino de Carvalho, gostaria de perguntar-lhe se este projecto de resolução também, num certo sentido, não vem fora de tempo em termos das preocupações que os Srs. Deputados parecem querer traduzir com este diploma.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, ao ouvi-la, estava a lembrar-me de como longe vão os tempos em que essa bancada criticava tão acérrima e radicalmente o Pacto de Estabilidade e Crescimento e, enfim, o caminho para a moeda única. Enfim, mudam-se os tempos, mudam-se as bancadas, mudam-se as vontades!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Olha quem fala!

O Orador: - Sr.ª Deputada, este projecto de resolução não vem fora do tempo. Este é exactamente o tempo certo para se apresentar este projecto de resolução, porque é o tempo certo em que a realidade, a vida, os dados resultantes do abrandamento da economia vêm demonstrar que é impossível - a menos que a Sr.ª Deputada prove ao contrário, o que até agora ninguém fez,…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Dêem-me uma oportunidade que eu provo!

O Orador: - … nem o Sr. Deputado Francisco Torres, que é um especialista em políticas monetárias - cumprir os compromissos que foram assumidos no programa de estabilidade e crescimento na sequência do Pacto de Estabilidade. Já o estamos a romper, em 2001, em 2002 e por aí fora.
A Sr.ª Deputada não reconhece que um Pacto de Estabilidade e Crescimento que coloca constrangimentos ao nível do investimento público e ao nível do crescimento das despesas sociais impede os países mais periféricos e menos desenvolvidos de terem os impulsos necessários à aproximação dos países mais desenvolvidos da Europa, quando o «pronto-a-vestir» é colocado a todos os países?
A Sr.ª Deputada não reconhece, por exemplo, que esses constrangimentos nos colocam, inclusivamente, dificuldades no aproveitamento, por exemplo, do III Quadro Comunitário de Apoio e dos meios financeiros à nossa disposição, porque temos de contribuir com a contrapartida

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nacional, a qual é sempre limitada em função dos tais défices artificiais que temos de cumprir?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Sr.ª Deputada, se melhor resposta houvesse para esta polémica, aí está a necessidade que o Governo teve de rever o seu discurso e de inventar esta ideia da «leitura inteligente» do Pacto de Estabilidade. Mas o que é a «leitura inteligente», Sr.ª Deputada? O que é que vai acontecer quando o País, em 2004, não tiver, como não vai ter, obviamente, o saldo nulo nas contas públicas? O que é que fazemos nessa altura? Vamos rever, então, a correr? Perde-se a credibilidade da economia e do País? Rompe-se com os acordos? O que é que vai acontecer, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Muda-se o Governo!

O Orador: - Somos a favor do rigor das contas públicas; do que não somos a favor, Sr.ª Deputada, é que nos imponham um tal rigor e um tal constrangimento que impeça, obviamente, o País de ter as alavancas necessárias para conseguir atingir os patamares de desenvolvimento e de coesão, que nos foram prometidos na entrada na União Europeia.
Ora, este é um elemento que nos é colocado com o Pacto a funcionar. É por isso que é neste momento que é ele é actual, porque é neste momento que a realidade está a demonstrar que aquele é um elemento constrangedor e já artificial, que já foi revogado pela própria realidade, e que temos de desencadear os procedimentos necessários para que de facto ele seja revogado no plano jurídico para criar mecanismos adequados à especificidade de cada país.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de resolução n.º 156/VIII, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e das Finanças, Sr.as e Srs. Deputados: Até agora tem a bancada maioritária, na interpelação à intervenção anterior, argumentado da desnecessidade ou da inoportunidade deste debate. Veremos o que nos diz o Ministro das Finanças; em todo o caso, a sua presença justifica, de algum modo, a necessidade este debate. E é necessário por uma razão muito simples: porque no Orçamento é este o debate que vamos ter. E não é só no debate do Orçamento do Estado para 2002 mas no debate para todos os Orçamentos até ao fim desta Legislatura, se ela terminar no seu prazo normal, e para, pelo menos, os primeiros anos da Legislatura seguinte. Este é o debate de política económica indispensável, incontornável, pois ele está colocado desde há muitos anos. E talvez esteja colocado por razões políticas enviesadas e por razões económicas fundamentais.
Os Tratados de Maastricht e de Amsterdão fixaram um quadro geral para a convergência nominal e para o estabelecimento de uma autoridade em política monetária e em política cambial que deu origem a uma instituição fundamental, talvez a mais importante, se não a mais poderosa, que resulta deste esforço de constituição da União Europeia, que é o Banco Central Europeu.
Fez-se, nessa altura, uma escolha estratégica, não necessariamente a melhor, e, na nossa opinião, uma das mais erradas, porque a escolha foi privilegiar argumentos e critérios em função de necessidades de convergência nominal e não de uma estratégia de alargamento ou de homogeneização política e económica que resultasse de uma coordenação crescente ao nível da Europa.
Mas assim foi, como se mais uma vez vigorasse aquele sentimento ou aquela recomendação de alguns fundadores da Comunidade Económica Europeia, de que os passos mais eficientes são os passos furtivos. Furtivamente assim se fez o Banco Central Europeu. Mas, aqui, pelo menos, havia uma cobertura de tratado. Estes critérios são critérios de tratado. Foram ratificados por Parlamentos, em alguns casos por referendos nacionais, o que, como se sabe, não é, nem nunca será, o caso em Portugal.
Ora, o problema do Pacto de Estabilidade é que ele se sobrepõe aos critérios do Tratado de Maastricht e do Tratado de Amesterdão através de um acordo que não tem a legitimidade política consagrada em termos parlamentares ou em termos referendários.
Aliás, quero mesmo chamar a atenção para o facto de muitas das decisões fundamentais da União Europeia seguirem, cada vez mais, esta via. As nossas universidades começam a estar confrontadas com uma estratégia de Bolonha, que nunca foi discutida, que nunca foi ratificada, que nunca foi aprovada, mas que, no entanto, modifica, em absoluto, os contornos do ensino superior, reduzindo as licenciaturas a meros bacharelatos. E com a mesma importância - se não mais - aqui temos o Pacto de Estabilidade.
O Pacto de Estabilidade, por um acordo entre governos, mas não por uma consagração legitimada do ponto de vista parlamentar ou referendário, impõe restrições, prazos, calendários e normas que são aquelas a que Portugal depois se obriga, por actuação do Governo, nos programas que tem vindo a negociar.
Ora, há razões fundamentais para rejeitarmos, sempre, esta estratégia, as quais não são só conjunturais. Há uma razão política essencial, que é a seguinte: por que razão é que devemos abdicar da capacidade da margem de manobra e da responsabilidade de uma política orçamental para o crescimento? Isto porque se abdicou de outras políticas importantíssimas do ponto de vista da regulação económica e social, a política cambial e a política monetária.
Assim, a política orçamental e, no seu contexto, a política fiscal são as únicas margens de manobra que restam a um governo de um país como Portugal para ter uma política activa que responda aos problemas da convergência real, das assimetrias regionais, do desenvolvimento social e das desigualdades. Não resta outra.
Por que razão, então, deve essa política orçamental ser condicionada a um horizonte que não considera nem o ciclo económico, nem a realidade económica, nem a realidade social? Não há qualquer razão política para que assim seja. Digam-me os Srs. Deputados do Partido Socialista ou do PSD, que vão defender a mesma posição, onde e quando houve, ou há, um país, qualquer que ele seja - dêem-me um exemplo -, com um problema grave de convergência real de longo prazo que o tenha feito, que se tenha aproximado da fronteira económica e do desenvolvimento social da fronteira, abdicando da política orçamental. Não existe na história um único exemplo! E não existirá um único exemplo!

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Contudo, há, depois, um problema económico, que é o problema da conjuntura económica. Estamos hoje confrontados com uma recessão. Disseram-nos que não era assim durante muito tempo, porque era preciso «encanar a perna à rã». Mas estamos num período de desaceleração, com a explosão da «bolha» especulativa bolsista, desde Março de 2000, há um ano e meio, e estamos numa profunda recessão económica desde o segundo trimestre do ano 2001, há pelo menos seis meses, nos Estados Unidos e na Europa, para já não falar do Japão, que está em recessão económica desde há nove anos.
Por isso, Sr. Deputado Francisco Torres, não basta um juro baixo, porque este pode não garantir absolutamente nada, do ponto de vista do investimento privado e das condições do relançamento da economia - é o caso do Japão e é, provavelmente, o risco que podemos correr ao nível da Europa.
É preciso um conjunto de políticas económicas e sociais, ou seja, margem de manobra, capacidade orçamental, intervenção activa nas escolhas sociais. Vale a pena lembrar que no programa operacional, a que o Governo se comprometeu e que, agora, naturalmente, renegou, estavam consagrados outros compromissos, que, por razões inteiramente opostas, são também postos em causa. Neste programa, é reafirmada a reforma fiscal, tal como ela foi aprovada há um ano atrás; neste programa, o Governo comprometia-se a que a nova tributação sobre o património imobiliário, substituindo o imposto de sisa, a contribuição autárquica e o imposto sobre sucessões e doações, estivesse em vigor no dia 1 de Janeiro de 2002 - está lá escrito! Nada disto vai ser cumprido, por razões de mera gestão política, ou seja, de falta de estratégia; e o debate, aqui, é sobre estratégia económica.
Ora, porque estamos numa recessão, ela lembra-nos a evidência mais importante da política económica de sempre: por que razão é que há alguém que espera que seja uma boa política a de ter défice zero em 2004?! Expliquem-me por que é que défice zero é uma boa política! Estamos na Idade do Ouro?! Chegámos ao milénio em que não existe crise económica, em que não existem problemas de reajustamento económico?! Só na expectativa burlesca - burlesca, repito - de que não haja flutuações económicas é que se pode dizer que uma boa política económica é ter défice zero! Nunca pode ser assim! E não pode ser assim por razões mais importantes, que dizem respeito a Portugal: défice zero significa paralisar o crescimento e o processo de convergência real em relação a Portugal, mas significa também impossibilitar toda a União Europeia, assim espartilhada, de ter qualquer política económica eficiente sempre que houver um ciclo económico negativo.
Este é o problema do Pacto de Estabilidade. Por que é que ele está errado? Por que é que hoje é preciso uma «leitura inteligente» - diz-nos o Governo, presumindo que a anterior não o era tanto? Por que é que hoje é preciso inteligência? É sempre precisa inteligência, porque uma política pró-cíclica é prejudicial. Quando estamos em depressão, uma política que agrava a depressão é um erro, uma tragédia e uma irresponsabilidade.
Se o Governo aceitasse continuar a avançar para o défice zero, quando estamos em ciclo negativo, em depressão, estaria a provocar desemprego, prometa o que prometer o Deputado Jorge Coelho. E prometam-nos o que nos prometerem, o facto é que essa política económica promove a crise, a recessão, e a recessão paga-se em desemprego e em desajustamento.
É este o erro do Pacto de Estabilidade. O Pacto de Estabilidade presume que o curso para o «Orçamento zero» tem de ser independente do ciclo económico, e, por isso, explodiu! Não estamos a discutir a suspensão do Pacto de Estabilidade ou a sua substituição, pois ele já fracassou! Todos foram beneficiados por luzes de inteligência de um momento para o outro, nenhum dos grandes países o vai cumprir, nenhum o quer cumprir, e nenhum sabe se o vai cumprir em 2004.
Mais do que isto, o Banco de Inglaterra declarou ontem que, de acordo com a sua projecção, esta recessão económica vai continuar até 2004. Ninguém sabe, pode ter razão ou não! Provavelmente, vai ser uma recessão profunda, mais do que a de 1993 e de 1994 - provavelmente, mas veremos! -, o que quer dizer que não temos nenhuma ideia do que pode acontecer em 2004.
A única razão para se dizer que não se cumpre, em 2001, o Pacto de Estabilidade, que não se cumpre, em 2002, o Pacto de Estabilidade, que, em 2003, logo se vê e que, em 2004, já será outro governo, ou o mesmo Governo refrescado por umas eleições, é a expectativa de que «enquanto o pau vai e vem, folgam as costas»! Portanto, fica-se à espera do que acontecer. Não há nenhum compromisso, a não ser palavras absolutamente ocas! São promessas que ninguém pode sustentar, e, portanto, que ninguém pode infirmar, que não se podem confirmar ou refutar. Nada sabemos sobre isso, a não ser que agora estamos nesta crise, e esta crise demonstra que este Pacto é errado, por tudo isso.
Ora, se a crise se desenvolve, o que se isso exige aos governos é uma capacidade de resposta, de contraposição, de política anticíclica, e é por isso que têm razão as vozes que dizem que o sensato é poder utilizar os 3%, ou poder utilizar a resposta às necessidades de défice orçamental que decorram da política económica que temos de ter.
É claro que sobra um argumento: é preciso disciplina orçamental. Com certeza! E dizem-nos sempre que quando há gastos do Estado, e todos os portugueses o sabem, há desperdício orçamental, há sinecuras vergonhosas, há lobbies e interesses instalados que vivem do «banquete» orçamental. Isto é inteiramente verdade, e recusá-lo seria irresponsabilidade. O problema está em saber como é que se pode combater essa ineficiência orçamental.
Foi por isso que, aquando do debate do Orçamento, o Bloco de Esquerda sugeriu, insistiu e continuará a insistir que há um único método que permite responder a esta situação, que é o de preparar um Orçamento de base zero. Sempre que um governo, qualquer que ele seja, continuar a fazer subir as despesas orçamentais por mero acréscimo de dotação em relação a percentagens calculadas sobre os gastos anteriores está, necessariamente, a confortar todas as desigualdades e todos os desperdícios que já estão instalados e que são, eles próprios, os geradores dos cálculos.
No momento em que, em contrapartida, tiver de fazer o cálculo e a justificação de cada uma das rubricas da despesa, direcção-geral a direcção-geral, serviço a serviço, ministério a ministério, então aí teremos a certeza de que são limpas grandes parte das ineficiências. Isto prometeu-nos o Governo em 1999, e não cumpriu; abandonou a promessa em 2000 e em 2001, e no Orçamento do Estado para 2002 também não o fará.
Era altura de assumir esta responsabilidade, porque não existe outro meio, não existe nenhum outro meio concreto de impor a disciplina orçamental e o rigor. Mas o rigor deve

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ser em nome de uma escolha; a nossa é a escolha de uma política orçamental que responda à crise. Em Portugal, vai aumentar o desemprego, tal como na União Europeia; em Portugal e na União Europeia vai continuar a precarização do trabalho e, provavelmente, surgirão ataques fortes, como os que este Orçamento, aliás, já representa, ao salário real dos trabalhadores.
Por isso mesmo, uma política orçamental consistente tem de ser uma escolha livremente assumida, democraticamente assumida, responsavelmente assumida, o que quer dizer sem os entraves do Pacto de Estabilidade. Seria extraordinário que, na altura em que ele colapsou, na altura em que ele não está de facto em vigor, na altura em que ele não resiste em qualquer dos países importantes, fosse o país que mais precisa de o substituir que viesse, com alguma demagogia à mistura, tentar fazê-lo sobreviver!
É preciso repensar a política orçamental, e é preciso repensá-la num quadro de coordenação europeia. Por isso, uma palavra sensata que o Governo pode ter e que o País deve ter é no sentido de contribuir para que o debate europeu faça substituir estes instrumentos caducos, falsos, errados e prejudiciais.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Francisco Torres e José Vera Jardim.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, dou-lhe um exemplo de uma economia periférica com grandes dificuldades de convergência real que aderiu à convergência nominal com grande sucesso: a Irlanda.
Não sou partidário do modelo irlandês de agora, como é o CDS-PP ou o PSD, há menos tempo. Considero que a Irlanda fez um grande esforço, e esta discussão foi tida há muitos anos, quando decidiu proceder à sua integração monetária na União Europeia, com os objectivos de política social europeia, ao contrário do Reino Unido, e foi por essa decisão que a Irlanda fez a trajectória que fez e não tanto, agora, pela redução de alguns impostos, isto é, não por alguma competitividade fiscal mais apressada.
Como se responde à recessão em termos actuais? Responde-se com a política monetária! Temos uma política monetária comum e o Banco Central Europeu pode, e deve, reduzir - e tem-no feito, na medida do possível - as condições monetárias para potenciar o relançamento da economia europeia.
Por outro lado, devo dizer-lhe, aproveitando para esclarecer também o Sr. Deputado Lino de Carvalho, que o Pacto de Estabilidade não obriga a que tenhamos um défice zero em 2004. Não senhor! O Pacto de Estabilidade, que, aliás, foi acordado em Junho de 1997, não diz nada disso; o que o diz são os vários programas que são aprovados…

Protestos do Deputado do PCP Lino de Carvalho.

Não, não, Sr. Deputado, é um projecto de resolução do Conselho Europeu!
Como dizia, os vários programas de estabilidade são acordados ano a ano, de forma plurianual, aliás, e são revistos com a flexibilidade necessária - o Sr. Deputado chama-lhe «inteligente», mas, a meu ver, devem-se fazer sempre leituras obviamente inteligentes e não leituras estúpidas dos Tratados! Portanto, o que fazemos é, claramente, sempre, uma «leitura inteligente»; procuramos ser inteligentes, com, enfim, a inteligência que cada um tem…

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Que Deus nos deu!

O Orador: - … ou que Deus nos deu, como queira, Sr. Deputado!
Desta forma, temos aqui espaço suficiente, até 3% - o Pacto de Estabilidade diz que não podemos exceder os 3% -, para cumprir o Pacto, e isto por várias razões, nomeadamente porque, ao estabelecer esta disciplina orçamental, Sr. Deputado Francisco Louçã, estamos a garantir o futuro das gerações futuras. E isto é muito importante, Sr. Deputado, por mais incómodo que tal seja a muito curto prazo.
É por isso que este Governo tem apostado, como aposta, no modelo social europeu e imitado os países que têm tido mais sucesso e que têm uma política social justa e de dignidade dos trabalhadores. Não vamos aqui contratualizar a prazo, nem nada disso, Sr. Deputado; vamos, sim, garantir condições de estabilidade macroeconómica para podermos resolver os verdadeiros problemas que afligem a Europa, que ainda são os de um desemprego elevado e precário e de falta de qualidade de vida. É aqui que temos de atacar, e julgo que estas condições do Pacto de Estabilidade - a União Económica e Monetária tão criticada por tantas bancadas, até agora, embora hoje já não seja tanto assim - são essenciais ao desenvolvimento dessa política social, que o Governo quer prosseguir, também com este Orçamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, há ainda outro pedido de esclarecimento. Deseja responder já, ou no fim?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, ouvi a sua intervenção, como tenho ouvido quase todas, com muita atenção - certamente que não ouvi todas com atenção, porque me escapou um pormenor sobre o qual gostaria de ser esclarecido, quanto à posição de V. Ex.ª e do Bloco de Esquerda.
Os Deputados do Bloco de Esquerda têm feito da reforma fiscal uma bandeira, e ainda bem, pois penso que é um tema bem merecedor disso. Não me refiro à reforma fiscal que foi feita pelo Governo há meses mas, sim, à reforma fiscal que o Governo se comprometeu a apresentar, e apresentará com certeza até ao fim do ano, relativa aos impostos sobre o património. Mas, certamente por lapso meu, ainda não entendi a posição do Bloco de Esquerda quanto a alguns aspectos desta reforma do património, pelo que gostaria de lhe fazer a seguinte pergunta muita concreta: o Bloco de Esquerda está de acordo com a extinção do imposto sobre sucessões e doações, já várias vezes anunciada pelo Governo?

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, começo por agradecer aos Srs. Deputados Francisco Torres e José Vera Jardim as questões colocadas.
Sr. Deputado Francisco Torres, a Irlanda não é exemplo,…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - … mas, se a escolhe, é porque a escolhe! Agora, não nos pode dizer que existe um caso virtuoso mas que não é o seu modelo. O senhor tem de querer ou o bolo ou a farinha que é precisa para fazer o bolo, não pode ter as duas coisas! Ou é virtuoso e é modelo ou é irrelevante para o debate.
A Irlanda tem condições absolutamente diferentes das de Portugal. A Irlanda é uma colónia económica dos Estados Unidos da América; a Irlanda tem 15% de crescimento anual do investimento directo estrangeiro que lhe financia qualquer défice possível e que tem permitido um desenvolvimento incomparável de produtividade, e este não é o caso português.

O Sr. Honório Novo (PCP): - E tem uma taxa de desemprego de 15%!

O Orador: - O nosso problema, Sr. Deputado, é o de que Portugal tem 70% da média de produtividade na União Europeia e talvez 50% do rendimento per capita. O nosso é um problema de crescimento sustentado, que não se resolve em três anos, que exige uma estratégia de convergência real.
O meu argumento, que o senhor não rebateu, é o de que o Pacto de Estabilidade é determinado por condições de restrição e de controlo orçamental de países como a Alemanha, e nada tem a ver com a estratégia de que Portugal precisa de se dotar.
Quanto ao argumento sobre o Banco Central Europeu e a boa política monetária, cuidado! É que, em comparação com o que tem feito a Reserva Federal americana, o que o Banco Central Europeu tem feito é demonstrar a sua absoluta inoperância, a sua absoluta insignificância política e monetária em relação a quem está, pelo contrário, obrigado e preocupado com o crescimento. O Banco Central Europeu só tem como objectivo estatutário o combate à inflação (estatutos que são, aliás, um erro grave do Tratado de Amesterdão e do Tratado de Maastricht). Ora, combater a inflação sem criar as condições para o pleno emprego e para o desenvolvimento económico é um erro, e esse erro faz a diferença entre o Sr. Greenspan e o Sr. Duisenberg.
Sobre a questão colocada pelo Sr. Deputado José Vera Jardim, a resposta é «sim», com certeza que sim! Aliás, Sr. Deputado, há um ano, o Bloco de Esquerda apresentou um conjunto de projectos de lei sobre a reforma do património que inclui a abolição do imposto da sisa, a substituição da contribuição autárquica por um novo imposto a partir de um novo recenseamento das matrizes e a abolição do imposto sucessório. Agrada-me verificar que, nesta como noutras matérias da reforma fiscal, talvez esteja mais de acordo com o Sr. Deputado do que com alguns outros Srs. Deputados desta Casa.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Olhe que não!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e das Finanças, Srs. Deputados: Decidiram o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda, separada mas simultaneamente, pôr em causa o Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Como se verá, ambas as iniciativas são mais significativas pelo que escondem do que pelo que revelam. À superfície, argumentam que, no nosso País, e no período de 2002 a 2004, a economia e o emprego crescerão bem menos e o défice orçamental crescerá bem mais do que o Governo oficialmente admite.
O irrealismo do cenário macroeconómico e o incumprimento das metas orçamentais do Governo para 2002 e os anos seguintes não constituem propriamente uma novidade, são, antes, uma marca distintiva de todos os governos do Eng.º António Guterres, como o PSD sempre o afirmou e os factos inexoravelmente sempre lhe têm dado razão.
É verdade também que esse irrealismo e esse incumprimento irão ser de tal forma flagrantes em 2002 que qualquer partido representado nesta Câmara que não o denuncie desde já ficará numa posição muito desconfortável perante a opinião pública.
Tenha sido por este imperativo da razão pragmática ou por qualquer outro, o que é facto é que, com estas suas iniciativas, o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda deixam sozinho o Dr. Francisco de Assis na tarefa hercúlea de defender o indefensável.
Ingrato papel o seu, o de defender a credibilidade e seriedade da política económica e financeira do Governo para o próximo triénio - faz lembrar o bardo das histórias de Astérix, o único a gabar a musicalidade da sua voz, enquanto os demais gauleses estremeciam com as suas desafinadelas.
Regressemos, porém, às iniciativas do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda e examinemos agora o que elas escondem e, no fundo, pretendem.
Pede o Partido Comunista Português que a Câmara se pronuncie pela necessidade de o Governo tomar medidas para garantir a suspensão da aplicação e a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, em vigor na União Europeia. De caminho, pede também a revisão do programa de estabilidade que o Governo português apresentou ao Conselho da União Europeia em Janeiro de 2001.
O Bloco de Esquerda é menos directo e mais vago e pede que a Câmara recomende ao Governo a promoção de uma negociação no âmbito da União Europeia, tendendo à substituição do Pacto de Estabilidade e Crescimento por novos instrumentos de coordenação económica para o combate ao desemprego e para a convergência real, que ninguém conhece, nem ele próprio define.
Sejamos claros: o que estas duas iniciativas no fundo pretendem é a supressão de um pilar fundamental da constituição económica da União Europeia, do seu Mercado Único e da sua União Monetária.
No plano jurídico-formal, as iniciativas são uma encenação. E, no plano substantivo, são um atentado às regras fundamentais que, de acordo com a ciência económica, devem reger as políticas orçamentais e de finanças públicas.
Passamos a demonstrar uma e outra destas afirmações.
O Pacto de Estabilidade e Crescimento foi constituído pela Resolução do Conselho Europeu, de 17 de Junho de

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1997 e por dois regulamentos do Conselho, um relativo ao reforço da supervisão das situações orçamentais e à supervisão e coordenação das políticas económicas, e outro relativo à aceleração e clarificação da aplicação do procedimento relativo aos défices excessivos.
Ora, esta resolução e estes regulamentos constituem instrumentos fundamentais para impedir a existência de défices orçamentais excessivos e generalizados, e esta é, claramente, uma obrigação decorrente do Tratado da União Europeia, aliás prevista no artigo 104.º-C.
Por outro lado, o exercício da supervisão multilateral, que é o objecto do primeiro destes regulamentos, releva também do disposto no Tratado, no seu artigo 103.º.
O Pacto de Estabilidade e Crescimento é pois um pilar da constituição económica da União Europeia. E comporta, até, um regime de flexibilidade e suspensão da aplicação dos limites previstos para o défice orçamental e o rácio da dívida pública, em caso de recessão grave e prolongada.
Ora, por força da sincronia do abrandamento económico das principais economias do mundo e das sequelas do hediondo ataque terrorista de 11 de Setembro, o crescimento económico na União Europeia deverá continuar a ser positivo em 2002 e até 2004, embora sujeito a forte abrandamento.
Não se encara, pois, como provável o cenário de uma recessão grave e prolongada. Mas mesmo que tal cenário viesse a acontecer, o Pacto comporta a flexibilidade suficiente para não ter que ser alterado ou ver a sua aplicação suspensa.
Acresce que a União Europeia já reagiu à situação que estamos a viver depois de 11 de Setembro e, em sede própria, a Comissão Europeia anunciou que a supervisão anual dos programas de estabilidade dos Estados-membros de 2001 a 2004 será flexibilizada, admitindo-se que, por cada menos 1% de crescimento que a revisão das perspectivas económicas obrigue, o défice das administrações públicas poderá aumentar 0,5% em relação ao PIB.
Sr. Deputado Francisco Louçã, V. Ex.ª não tem nem razão quando coloca a ideia de que o Pacto não se inscreve no Tratado, sendo a sua observação, no plano jurídico-formal, completamente errada, e, por outro lado, também é completamente errado o que aqui disse há pouco, de que a União Europeia não previa uma flexibilização da interpretação do Tratado por causa da situação de conjuntura económica depressiva que estamos a viver.
Elucidativo, aliás, a tal ponto que dispensa comentários, é também o facto de nenhuma das iniciativas em apreço fazer sequer alusão aos terríveis acontecimentos de 11 de Setembro, ao seu significado como atentado civilizacional e às suas sequelas sobre a segurança e a economia internacionais. É realmente chocante que este ponto não tenha sido vertido para estes diplomas.
Conclui-se, pois, facilmente, que, do ponto de vista jurídico-formal, as iniciativas em apreço, do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda, são não só improcedentes como assentam em fundamentos irrelevantes. Mas tal como não há almoços que sejam grátis, também não há iniciativas políticas condenadas ao fracasso que sejam inocentes. Inocência é atributo que seria injurioso atribuir ao Partido Comunista Português pela sua maturidade organizativa e ao Bloco de Esquerda pela sua radicalidade obsessiva. Ambos querem o mesmo: «instabilizar» a construção europeia, em nome de projectos de socialismo, que ninguém sabe quais são, e que os próprios ainda não definiram, mas que gostaríamos de ver definidos. Mas, para tais desígnios, mais ou menos comuns, pouco importa se se atropela ou não a ciência económica; o fim justifica sempre o meio. O óbice, porém, é que o Pacto de Estabilidade e Crescimento está bem fundamentado no que a profissão economista entende serem as regras basilares que devem nortear a política orçamental e de finanças públicas.
Recordemos, brevemente, a regra de ouro das finanças públicas - V. Ex.ª referiu-se ao milénio de ouro, mas deveria referir-se à regra de ouro das finanças públicas, que V. Ex.ª muito bem conhece e sabe que o Pacto a subscreve inteiramente. O artigo 104.º-C do Tratado estabelece o princípio de um valor de referência para o défice global, 3% do PIB, mas acrescenta que, no caso do valor de referência vir a ser ultrapassado, a Comissão analisará se o défice orçamental excede as despesas de investimento. Isto é, se se compagina ou não com a regra de ouro das finanças públicas.
Recordemos também a função contracíclica dos estabilizadores automáticos. O Pacto pretende que eles funcionem em pleno, sobretudo em caso de abrandamento ou recessão, e, por isso mesmo, recomenda que nos programas de estabilidade de médio prazo dos Estados-membros se venha a atingir a médio prazo um défice orçamental estrutural nulo - um défice orçamental estrutural nulo, Sr. Deputado Francisco Louçã! Isto é, Sr. Deputado Francisco Louçã, o défice não depende da flutuação cíclica, precisamente por isso é que o objectivo é um défice orçamental estrutural nulo para que, no caso de uma recessão ou de um conjuntura depressiva, os estabilizadores automáticos a funcionar em pleno permitam que os governos tenham políticas contracíclicas de tal forma que o défice possa ir até 3% do PIB. É isto que o País precisa, e é isto que o País não vai ter, porque, em Portugal, dada a política imprudente de gestão das finanças públicas, não é possível deixar funcionar em pleno os estabilizadores automáticos, como todos nós muito bem sabemos - e a proposta de Orçamento do Estado para 2002 mostra-o claramente a todas as pessoas que ainda não tenham entendido.
É esta a filosofia económica da construção europeia, que é unanimemente reconhecida por todos os governos dos Estados-membros, isto é, que o Pacto é um instrumento indispensável para se criar um forte crescimento económico sustentável conducente à criação de mais e melhor emprego.
Eis, pois, demonstrado que os partidos subscritores das presentes iniciativas se colocam, deliberada e conscientemente, fora do arco plural em que se está a fazer a construção europeia e o debate dos seus caminhos e opções.
Mas esta iniciativa, não sendo inocente, também não é inútil. Serve, deliberadamente ou não, ao PS para exercitar o papel em que é verdadeiramente inexcedível, o da «vitimização».
Neste momento, em que o PS apresenta um Orçamento do Estado para 2002, com um grau de fantasia, irrealismo e de ziguezague nunca antes atingido, quando o programa de estabilidade que apresentou à União Europeia em Janeiro de 2001 enferma de um irrealismo igualmente delirante, esta reflexão, pretensamente científica, apoiada num keynesianismo bacoco, que injuria a memória do invocado, «cai que nem sopa no mel» para a «vitimização», do costume, do PS. Mas estamos a entrar no tempo em que «tantas vezes o cântaro vai à fonte que parte».
Do irrealismo do Orçamento do Estado para 2002 não cabe ocupar-me agora e aqui, mas do irrealismo do

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programa de estabilidade para 2001/2004, sim. Um breve exemplo bastará: o Governo prevê um cenário de crescimento médio da economia de 3,2% até 2004, uma permanência da despesa primária em torno dos 43% do PIB, uma redução do défice estrutural em 2 pontos percentuais e um crescimento da pressão fiscal em 2 pontos percentuais, de tal sorte que as receitas correntes das administrações públicas sobem de 42,7% para 44,3% - é a quadratura do círculo.
Pergunto: o que acontecerá a este programa se o crescimento económico vier a ser bastante inferior ao previsto, como é mais do que certo que acontecerá. A resposta é simples: explodirá nas suas inconsistências internas, e todas as reformas estruturais que o PS devia ter feito nos últimos seis anos terão de ser feitas a marchas forçadas e com pesados custos para o País nos próximos anos. Com um outro Governo, claro, porque este é incapaz de as fazer, como já se viu e se continua a ver na proposta de Orçamento do Estado para 2002.
Mais: iremos atravessar as dificuldades do ano económico de 2002 em condições bem piores do que os nossos parceiros europeus, porque eles, na sua maioria, poderão accionar em pleno os estabilizadores automáticos que o Pacto prevê, porque souberam a tempo criar excedentes orçamentais. Como VV. Ex.as sabem, dos 15 países da União Europeia, mais de metade tem, neste momento, excedentes orçamentais, e Portugal está na cauda destes países, porque tem o maior défice de todos eles.
Mas nós, face ao descalabro que atinge as finanças públicas, teremos, pelo contrário, um governo em ajuste de contas final com a realidade: um ajuste de contas com os trabalhadores num terceiro ano consecutivo de forte quebra do poder de compra salarial; um ajuste de contas com o sector público empresarial, onde a maioria das empresas já está em falência técnica há muito, e que continua a aguardar por uma política económica, meios e desafios de competitividade a que tem direito; um ajuste de contas com um sector empresarial privado, que já compreendeu que este Governo cria apenas valor económico negativo; e um ajuste de contas com um sector social, que já está a perceber o logro em que caiu, de uma falsa consciência social, com um falso rigor orçamental.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tendo em conta que apenas faltam 3 minutos para a hora regimental das votações, se estiverem de acordo, vamos interromper o debate dos projectos de resolução n.os 152/VIII e 156/VIII e dar início às votações.

Pausa.

Visto não haver objecções, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de relatórios e pareceres da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lamego - Processo n.º 18/00 -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho (PSD) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 3.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e de Menores e de Comarca de Cascais - Processo n.º 467/98.5TACSC -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro (PS) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Visto não haver pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Almada - Processo n.º 161/00.9TAALM -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado João Cravinho (PS) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 10.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa - Processo n.º 68/99 -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Alberto Costa (PS) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Visto não haver pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 2.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal do Distrito Judicial de Lisboa - Processo NUIPC: 6499/01.OTDLSB-Q -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Eduardo

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Martins (PSD) a prestar depoimento, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Melgaço (Processo n.º 42/2001 - Comum Singular), a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Carlos Antunes (PSD) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Visto não haver pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Almada - Processo n.º 161/00.9TAALM -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Ferreira do Amaral (PSD) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas - Processo n.º 1 JRF/2001 -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Vera Jardim (PS) a prestar depoimento, como testemunha, no âmbito dos autos em referência, em audiência marcada para o próximo dia 24 de Outubro de 2001, pelas 10 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Visto não haver pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos começar por votar o projecto de resolução n.º 158/VIII - Apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo de construção europeia - 15.º ano (Comissão de Assuntos Europeus).

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, quero pedir que os pontos 1, 7 e 8 em conjunto e depois todos os outros.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado, se houver consenso.

Pausa.

Visto não haver objecções, vamos votar os pontos 1, 7 e 8 do projecto de resolução.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Vamos proceder à votação dos restantes pontos do projecto de resolução.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP, de Os Verdes e do BE.

Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 407/VIII - Altera o artigo 49.º-A do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sujeitando à verificação de certos requisitos a concessão de liberdade condicional aos condenados por crimes associados ao tráfico de estupefacientes (CDS-PP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do BE e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 492/VIII - Restringe a aplicação do regime de liberdade condicional nos casos de crime contra a vida, a liberdade e a segurança das pessoas e de outros crimes violentos (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes, do BE e do Deputado do PSD Mota Amaral e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 100/VIII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico da acção executiva e o Estatuto da Câmara dos Solicitadores.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, relativamente a esta proposta de lei houve, quer aquando do seu agendamento na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, quer aquando do debate, na

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generalidade, com a presença do Governo, da parte do Governo, o compromisso de aceitar a sua baixa, sem votação, na generalidade, à 1.ª Comissão, uma vez que, tratando-se de um processo de autorização legislativa, teoricamente teríamos de estar aqui a votar tudo, sucessivamente. E como há aceitação, por parte do Governo, de se introduzirem alterações, em sede de especialidade, ficou acordada a baixa, sem votação, à 1.ª Comissão.
É esta a questão que coloco à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, julgo que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes reflectiu rigorosamente aquilo que foi pactuado e que foi, também, o entendimento do Governo durante o debate.
A nossa preocupação agora é tão-só a de que os trabalhos de preparação legislativa decorram em tempo útil - e julgo que o dia 26 é perfeitamente tempo útil.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, parece-me haver entendimento em que assim se faça, embora a única coisa que falte seja um requerimento com 10 assinaturas, mas também pode ser dispensado, em caso de consenso.
Assim, pergunto aos Srs. Deputados se há consenso de que esta proposta de lei baixe à 1.ª Comissão, sem votação, e de que se dispense o respectivo requerimento com as devidas assinaturas.

Pausa.

Visto não haver objecções, a proposta de lei n.º 100/VIII vai baixar à 1.ª Comissão, sem votação, na generalidade, para nova apreciação.
Srs. Deputados, terminadas as votações, vamos prosseguir o debate, que interrompemos, dos projectos de resolução n.os 152/VIII e 156/VIII.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Vasconcelos.

A Sr.ª Luísa Vasconcelos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e das Finanças, Sr.as e Srs. Deputados: É nossa obrigação assinalar que o tema deste projecto de resolução é basilar para o futuro da economia portuguesa. É igualmente nossa obrigação assinalar que, sempre e a todo o momento, nos cabe uma interrogação sobre o andamento da produtividade, do emprego, do endividamento externo, da coesão, do Estado, da cidadania - enfim, uma interrogação sobre o bem-estar dos cidadãos. E peço-lhes que notem, Srs. Deputados, que estas considerações são prévias a qualquer análise da conjuntura internacional.
Com esta postura, o que pretendo é rejeitar acusações indevidas de pretendermos escudar as nossas responsabilidades em condicionantes que nos são exteriores. Debatermos a eventual suspensão e revisão do Pacto e Programa de Estabilidade, obriga-nos a essa reflexão.
Pela nossa parte, interrogamo-nos, sem sobrançarias inúteis e sempre com a preocupação em garantir um caminho capaz, sem se perder pela economia, sobre o que são os ideais humanistas e solidários de uma Europa democrática e afectiva em construção.
Neste momento, atinados que estão os valores para o défice público neste ano, cabem-me pelo menos três observações: em primeiro lugar, reafirmar a indispensabilidade do esforço de racionalização da despesa pública, sempre submetido a critérios sociais; em segundo lugar, insistir no propósito de modernização da economia, por forma a garantir ritmos acelerados e sustentados de crescimento; e, em terceiro lugar, identificar a possibilidade de Portugal actuar em conjunto com os outros Estados-membros, no âmbito da disciplina do Pacto de Estabilidade, sem comprometer as expectativas de longo prazo para economia portuguesa, nem diluir o empenho deste Governo no cumprimento de obrigações sociais.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Trata-se da compreensão autêntica e não de uma reinterpretação da disciplina orçamental dos países da União Europeia.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Tal como está definido, o Pacto de Estabilidade e Crescimento apresenta uma possibilidade de flexibilização ao nível da política orçamental adequada, seja a períodos de crescimento seja de abrandamento - o Pacto não é matéria dogmática. Tal como está definido, o Programa de Estabilidade estabelece objectivos e calendários, submetidos a essa dinâmica de flexibilização, não os projectando no que seria o desatino da rigidez ou do imediato - o Programa não é matéria dogmática.
Por ser esta a nossa leitura directa da disciplina orçamental europeia, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tanto rejeita a acusação de pretender ser «rei em suposta terra de cego», como se recusa nessa mesma «suposta terra de cego», por ter visão, a ser tratado como defeituoso.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - A dimensão europeia é um vector indispensável e incontornável da governação: entendamos a Europa como um imenso portento económico, que dilui insuficiências de desempenho mas igualmente veicula desafios inescapáveis sobre a economia portuguesa. Daí, a relevância da alguma protecção que nos advém da existência do euro, da União Económica e Monetária e, por essa via também, da disciplina orçamental conjunta que fortalece os instrumentos financeiros dos Estados-membros.
Para nós, não está pois directamente em causa a revisão ou revogação do Pacto de Estabilidade. Acresce que, a poucos dias da materialização da zona euro, esta seria, de todo em todo, a pior altura, para o fazer.
Há dias, Srs. Deputados, naquele «outro lado do lago», assistimos ao espoletar de um tempo de incerteza económica com gravidade indefinida. Não sabemos se amanhã será pior, porque, se calhar, ainda hoje será pior! Ignorar esta incerteza seria uma irresponsabilidade.
Mas avaliem-se igualmente as consequências de lamentável desgoverno, se agigantarmos a incerteza por antecipação ou precipitação. Este é um tempo decisivo para a consolidação das finanças públicas, tanto mais que o

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êxito da actuação dos estabilizadores automáticos depende da posição de cada Estado-membro face ao equilíbrio.
O Pacto de Estabilidade, se bem executado, é um aliado e não um adversário da economia portuguesa. O que se torna forçoso é «flexibilizar prudentemente» o Programa de Estabilidade, ajustando-o ao novo cenário macroeconómico.
Portugal encetou um crucial processo de consolidação de finanças públicas e não existem razões que justifiquem o seu abandono.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Não podemos arriscar que a perspectiva da recessão incite ao relaxamento ou coloque em causa as nossas metas de consolidação orçamental.

O Sr. Francisco Torres (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Não é esta, aliás, a intenção dos proponentes. Se bem entendi, a sua principal preocupação relaciona-se com a existência de um dito constrangimento prévio à elaboração do Orçamento do Estado para 2002, com consequências sobre a coesão social e territorial do País. Mas a existir esse constrangimento, Srs. Deputados, a causa não é, com toda a certeza, a disciplina orçamental europeia. A existir esse constrangimento, Srs. Deputados, a solução não é, com toda a certeza, a suspensão do Pacto de Estabilidade.

O Sr. Francisco Torres (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Numa conjuntura internacional desfavorável e em face de urgências internas de racionalização de despesa, nós aceitamos como correcto um aumento do défice público, desde que não ultrapasse os 3%. Mas notem, Srs. Deputados, sendo o rigor importante, (e cito um documento, com marcas de controvérsia, mas de excelência, chamado Falar é Preciso!), que nós somos, e representamos nesta Assembleia, «um partido da esquerda democrática…

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

… e não apenas um grupo com preocupações sociais de mercado».
As preocupações dos proponentes são-nos particularmente estimáveis. Não pretendemos consolidar despesa através de uma impensada e glacial diminuição dos défices; nem é isto sequer que está em causa.
Sabemos os investimentos e as reformas que têm de continuar a ser feitos e temos a coragem de dizer aos portugueses que «fazer vingar os objectivos sociais, prejudicando a eficiência económica, é o mesmo que inviabilizar qualquer projecto de socialismo democrático no longo prazo».

O Sr. Francisco Torres (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, pretendemos continuar a trabalhar no sentido da consolidação das finanças públicas, não renunciando, de véspera, a objectivos cruciais de médio prazo e, em simultâneo, a operacionalizar o investimento público como instrumento adequado de estabilização.
Este é um tempo para uma política expansionista na zona euro, com o investimento comunitário e público a desempenhar o seu papel de estimulante económico. Os Estados devem estar preparados para, cobrando menos impostos, gastarem mais em políticas sociais, mesmo a expensas do défice público.
Materializando-se uma recessão prolongada nos Estados Unidos, que, propagada à Europa, aflija Portugal, mesmo as metas de médio e longo prazos deverão ser revistas, o que obrigará a União Europeia, neste caso e só neste caso, a rever o Pacto de Estabilidade. Mas deverá então ser obra conjunta dos seus Estados-membros e não o resultado de uma desgarrada fuga imprudente.
Entretanto, é necessário manter a determinação no cumprimento das nossa metas, ainda que este seja um exercício «difícil e exigente».
Este é o nosso caminho, naquilo que queremos que seja a garantia, no médio e longo prazos, dos nossos valores e compromissos de solidariedade, desenvolvimento e justiça social.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nestes tempos de gestos fáceis e palavras de sombras ligeiras, que são tantas, ainda mais é preciso, no rigor, reforçar a solidariedade.
No universo dessa discussão, os que, de nós portugueses, não sintam essa vontade, que ajam, pelo menos, na inteligência da sua própria salvaguarda. O mundo perceberá, e aceitará na mesma.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e das Finanças.

O Sr. Ministro da Presidência e das Finanças (Guilherme d'Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ouvi com toda a atenção as diversas intervenções sobre um tema que é oportuno e sério.
Devemos reflectir sobre o significado, o alcance do Pacto de Estabilidade e Crescimento neste momento. O Tratado da União Europeia prevê expressamente que uma das finalidades, que está cometida a esta nossa organização supranacional, tem a ver naturalmente com a criação e a consolidação da União Económica e Monetária.
Ora, o sucesso da União Económica e Monetária, em que estamos seriamente empenhados, depende da adopção de uma política económica orientada para o objectivo das finanças públicas sólidas e sãs. Para isto, é indispensável que existam mecanismos, que existam instrumentos; e os mecanismos e os instrumentos são feitos para as pessoas e não tanto o contrário, não devem ser considerados como fins, em si mesmos.
O Pacto constitui um compromisso, um compromisso político, juridicamente vinculado pelo Direito Comunitário, não apenas pelo direito decorrente dos Tratados mas também pelo direito derivado. É neste sentido, Sr.as e Srs. Deputados, que os Estados-membros, mesmo os que não participam da União Económica e Monetária, estão sujeitos aos princípios fundamentais, que, nesta matéria, quer relativamente ao Pacto, quer ao pressuposto do Pacto, constam dos Tratados.
O Pacto constitui, assim, um enquadramento institucional da política orçamental dos Estados-membros e é um elemento fundamental no processo de coordenação das

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políticas económicas, designadamente, no que se refere à 3.ª fase da União Económica e Monetária, facto que, muitas vezes, se esquece. E isto vincula, não apenas quem está na União Económica e Monetária mas também quem aspira a estar na União Económica e Monetária.
Como tal, as políticas orçamentais têm de apresentar um perfil consistente e coerente com a política monetária única, para prosseguir, a final, os objectivos e os interesses comuns da União.
Em caso de abrandamento da actividade económica, é o próprio Pacto que prevê a flexibilização dos objectivos orçamentais, não poderia ser, aliás, de outra maneira, e indica, como referência para o abrandamento económico, expressamente, uma descida anual do PIB real de, pelo menos, 0,75% - esta referência vem expressamente prevista quando estamos a falar do Pacto.
Ao longo desta tarde, ouvimos aqui várias referências, muitas ao Pacto mas a maior parte delas aos programas que decorrem do Pacto, mas que não são confundíveis com o Pacto. E é preciso percebermos o que é que aconteceu em 1997 que levou à adopção do Pacto, em primeiro lugar, e à adopção dos programas, na sua sequência.
As taxas de crescimento previstas para os anos que se iriam seguir eram taxas de crescimento significativas, normalmente superiores a 3%. E, neste contexto, era necessário tomar uma providência que permitisse salvaguardar, prevenir, aquilo que seria certamente inconveniente: a existência de défices orçamentais em conjuntura de crescimento sustentado. E é este o ponto de que partimos.
Assim, pelo artigo 104.º do Tratado, os Estados-membros que participam na 3.ª fase da União Económica e Monetária estão vinculados a evitar défices orçamentais excessivos. E o protocolo relativo ao procedimento aplicável em caso desses défices excessivos, anexo ao Tratado, fixa, como já aqui foi recordado, em 3% o limite máximo para a relação entre o défice de cada Estado-membro participante na 3.ª fase da União Económica e Monetária e o seu produto interno bruto e em 60% o limite máximo na relação entre a dívida pública e o produto interno bruto a preços de mercado. É esta a situação, é este o número que consta do Pacto de Estabilidade e Crescimento e, em referência a este, é aos 3% que temos de nos reportar.
Pergunta o Sr. Deputado Francisco Louçã, com pertinência, naturalmente, qual é o objectivo do défice zero, do equilíbrio ou do superavit e fala do ano 2004, que não consta do Pacto, mas consta do Programa de Estabilidade e Convergência e de alguns programas decorrentes do Pacto. É preciso ver que o equilíbrio previsto nos programas tem sempre como subjacente a taxa de crescimento do Produto. Assim, para uma taxa de crescimento do Produto, prevê-se um determinado equilíbrio.
Por outro lado, falou-se aqui muito de estabilizadores automáticos: no entanto, precisamos de ter alguma cautela, porque há países onde se entende que os estabilizadores automáticos podem funcionar facilmente e há outros em que se entende que há medidas e providências, no que se refere à reforma estrutural da despesa pública, que devem ser adoptadas. Esta é a razão pela qual, no caso do Orçamento para 2001 e na sua execução, em Portugal, não fizemos funcionar os estabilizadores automáticos. Por isso, o Governo apresentou o último Orçamento rectificativo,…

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - E vai apresentar outros!

O Orador: - … retirando 150 milhões de contos à despesa, num esforço efectivo de redução de despesa pública que cumpriu, e está a cumprir. O Governo não fez, então, funcionar apenas os estabilizadores automáticos, porque se funcionassem apenas estes não seria necessário fazer qualquer esforço adicional relativamente ao corte de despesa pública, esforço que o Governo fez correctamente, o que devo aqui reafirmar. Este é o motivo pelo qual tenho afirmado e reafirmado que temos de assumir uma leitura e uma flexibilidade prudentes em relação à aplicação do Pacto e dos programas. Para quê? Para adequar o Pacto e os programas aos objectivos de política económica em cada momento.
O Governo também afirmou - e reafirma-o aqui com especial ênfase - que não sacrificará os objectivos de política social nem os objectivos de política de investimento público a uma leitura cega, estrita e fechada do défice orçamental. E esta é uma questão que não pode deixar de ser aqui afirmada com especial ênfase. Entendemos que a boa gestão financeira e que o saneamento das finanças públicas são essenciais, devendo ser prosseguidos e aprofundados. Mas o rigor orçamental é essencial desde que, no nosso entender, na nossa leitura, de acordo com o nosso programa e os princípios que nos orientam, se articule com a coesão social. Não é possível olhar o rigor como rigor, como um fim em si, se não se tiver em linha de conta a justiça social, a coesão social e, naturalmente, uma política activa de desenvolvimento social e económico. É esta, naturalmente, a questão que se coloca, razão pela qual uma «leitura inteligente» do Pacto e dos programas não significa pôr em causa o Pacto. Pôr em causa aquilo que decorre dos compromissos europeus seria, a nosso ver, inconveniente e inoportuno.
Questão diferente é a de sermos muito claros na preservação dos instrumentos que temos de política económica e social, designadamente dos instrumentos de finanças públicas, do Orçamento do Estado, até para preservar o papel fundamental do Parlamento e dos parlamentos nacionais na definição dos objectivos nacionais da economia e da sociedade. Esta é a questão fundamental. Por isso é indispensável preservarmos a nossa margem de manobra, de acordo com os compromissos assumidos de forma clara e inequívoca, designadamente por este Parlamento, no que se refere aos Tratados e ao nosso envolvimento na União Económica e Monetária.
Ninguém duvide, Sr.as e Srs. Deputados, de que a participação de Portugal na União Económica e Monetária tem sido extremamente positiva. Positiva para os cidadãos; positiva para a economia; positiva para as nossas instituições; e positiva uma vez que estarmos na União Económica e Monetária é assumirmos um projecto estável, coerente e que, para nós, não é exclusivamente económico e monetário, tem de ser um projecto social, orientado para as pessoas e onde não sacrifiquemos objectivos do nosso próprio desenvolvimento a finalidades estritas ou fechadas no plano meramente formal. Não lemos, por isso, o Pacto de Estabilidade e Crescimento como um instrumento meramente formal mas, sim, como um instrumento positivo e necessário de disciplina e de rigor e também um instrumento necessário ao desenvolvimento e indispensável para a construção da União Europeia, continuando, como tem sido até aqui, a ser um factor positivo para a consolidação da nossa posição na União Europeia.
É neste sentido que, não podendo o Governo concordar com os pressupostos ou com os projectos de

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resolução que estão aqui em discussão, é o primeiro a reconhecer que a «leitura inteligente» do Pacto de Estabilidade e Crescimento é, afinal, a leitura necessária para preservarmos a nossa própria autonomia e continuarmos a contribuir positivamente para o fortalecimento do projecto europeu.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Lino de Carvalho e Isabel Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e das Finanças, em primeiro lugar, e apesar de estarmos em desacordo com muito do que disse, não quero deixar de sublinhar a diferença que vai entre a sua intervenção e a intervenção das diferentes bancadas do bloco central, em especial a do Partido Socialista.
O Sr. Ministro começou por classificar este debate como de oportuno e sério. É, evidentemente, um debate oportuno e sério, o que coloca em crise a pergunta do Sr. Deputado Francisco Torres, que colocou em causa a oportunidade desta iniciativa e deste projecto de resolução.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Francisco Torres (PS): - Por acaso, não questionei a oportunidade do debate!

O Orador: - Sr. Ministro, vamos dilucidar duas ou três questões que têm colocado uma certa nebulosidade sobre o debate.
A primeira tem a ver com a afirmação do Sr. Ministro e de alguns Deputados de que uma coisa é o Pacto e outra coisa é o Programa. No entanto, o Sr. Ministro sabe tão bem como eu que estes são instrumentos claramente interligados, até «casados»!
O Sr. Ministro sabe que, em relação ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que se diz é que os Estados-membros se comprometem a respeitar o objectivo orçamental a médio prazo - ou seja, 5 anos a partir de 1999, que foi quando isto começou - e de assegurar situações próximas do equilíbrio ou excedentárias estabelecidas nos seus programas de estabilidade e convergência. E é a partir daqui que Portugal se compromete a não exceder o défice em 3%. Depois, foram elaborados, negociados e aprovados na Comissão Europeia os programas de estabilidade e crescimento dos diferentes países, designadamente o de Portugal, onde se estabelece a quantificação, para cada país, do ritmo a que se deverá chegar para que, em 2004, o tal «médio prazo», se atinja o equilíbrio das contas públicas.
São, portanto, dois documentos interligados, e a suspensão e a revisão de um implica, obviamente, a suspensão e revisão do outro.
Segunda questão, Sr. Ministro, diz-se, a propósito do Pacto, que este é um instrumento fundamental para garantirmos o rigor e o equilíbrio das contas públicas, tendo V. Ex.ª chegado a falar em «finanças públicas sólidas e sãs». Faço-lhe uma pergunta muito simples, Sr. Ministro: antes de haver o Pacto, em 1997, ou quando este entrou em vigor, em 1999, não havia políticas de finanças públicas rigorosas e sérias?! Os objectivos das finanças públicas não eram exactamente nesse sentido? Havia algum governo que dissesse que não era nesse sentido que trabalhava? Nós estamos de acordo com isso, Sr. Ministro, mas como V. Ex.ª implicitamente reconhece na sua intervenção, o problema é o de saber se os critérios de convergência nominal que são impostos a Portugal para conseguir esse equilíbrio a médio prazo se adaptam à realidade dos diferentes países. E é o Sr. Ministro a reconhecer que não se adaptam, e por isso se vê obrigado a falar na tal «leitura inteligente». Isto porque não bastam os estabilizadores automáticos para resolver o problema, a menos, Sr. Ministro, que o Governo esteja a pensar - como parece estar com este Orçamento - …

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, pelo que peço-lhe que conclua.

O Orador: - … que «estabilizador automático» significa pressão sobre os salários e sobre os rendimentos de quem trabalha para conter as despesas correntes ao nível daquilo que o Pacto preconiza, atitude com a qual não estamos de acordo. Por isso, Sr. Ministro, é de facto necessário rever, mas não em 2004, a correr. É preciso rever, sim, mas desde já, tomando a iniciativa, visto que estamos sujeitos ao tal défice nulo em 2004! O que é que faremos quando lá chegarmos, Sr. Ministro? Quando lá chegarmos logo se vê?! É a política de «vistas curtas»?! É a política para o imediato?! Será que não temos uma política estratégica de longo prazo que implica que, desde já, se tomem iniciativas, juntamente com outros países, mas sem estarmos à espera destes, para fazer esta revisão?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e das Finanças.

O Sr. Ministro da Presidência e das Finanças: - Sr. Presidente, visto haver ainda um outro pedido de esclarecimento, se for possível, respondo no fim.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sendo assim, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e das Finanças, gostaria de colocar algumas questões que me parecem importantes, porque, se afloradas na sua intervenção, não foram suficientemente aprofundadas, pelo menos na leitura que faço.
O Sr. Ministro refere, numa leitura diferente da que nós fazemos, o Pacto de Estabilidade e Crescimento como um instrumento indispensável para garantir o rigor das contas públicas, nomeadamente, e para atingir um determinado objectivo político, que foi a passagem ao mercado único, e que correspondeu a uma determinada fase dessa etapa. Depois, o Sr. Ministro procura, de algum modo, separar o que, do nosso ponto de vista, não é separável: o Pacto e o Programa de Estabilidade e Crescimento que lhe está associado.
Posto isto, Sr. Ministro, mesmo admitindo que a disciplina e o rigor só existem porque são impostos exteriormente

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- porque, se não houvesse esse impulso exterior, o Governo português não teria como fundamentais, do ponto de vista político, o rigor e a transparência das contas públicas, o que, para o Governo, acaba por justificar a existência do Pacto -, há uma coisa que eu gostaria que ficasse mais clara. É dito que nada impede que as funções sociais do Estado e que as necessidades sejam satisfeitas, isto é, que o Pacto não é impeditivo de uma política com consciência social. Assim, pergunto-lhe: é ou não certo que impor e padronizar com rigidez determinadas regras em países e realidades que - e não vale a pena negar - são socialmente distintas, ou seja, aplicar a todos, que são diferentes, a mesma coisa, não acentua e não faz reproduzir, a prazo, desigualdades?
Esta é, seguramente, uma pergunta que quero fazer.
A segunda pergunta tem a ver com uma questão que aparece sistematicamente nas intervenções do Partido Socialista e que o Sr. Ministro também acentuou, que é a questão da leitura inteligente: sendo o Pacto de Estabilidade e Crescimento de 1997 e sendo a sua aplicação posterior, gostaria de saber a que momentos exactos, em sua opinião, corresponde uma leitura menos inteligente do Pacto e em que aspectos negativos é que essa leitura se traduziu.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e das Finanças.

O Sr. Ministro da Presidência e das Finanças: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Lino de Carvalho, antes de mais, em nome das regras parlamentares, peço-lhe que não me ponha em contraponto com a bancada do Partido Socialista.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Apenas constatei um facto!

O Orador: - Não faça isso, Sr. Deputado, porque não é correcto, não é adequado e não é justo, já que, como é óbvio, manifesto total concordância com aquilo que os Deputados do Partido Socialista disseram.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Até lhe dei oportunidade de dizer isso, Sr. Ministro!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Relativamente às questões que colocou, às quais responderei com muito gosto, começo por dizer-lhe que a história não começou com o Pacto de Estabilidade e Crescimento.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas é disso que estamos agora a falar!

O Orador: - Nesse sentido, a regra das finanças públicas sãs é uma regra muito antiga e é uma regra que todos devemos seguir antes, durante, e depois do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Julgo que este ponto não oferece dúvidas, razão pela qual a nossa concordância com objectivos de estabilidade financeira e de rigor orçamental são objectivos que defendemos haja, ou não, Pacto.
E digo-lhe mais, Sr. Deputado Lino de Carvalho: se me pergunta se entendo que é útil haver um limite disciplinador em relação ao défice orçamental, posso dizer-lhe que julgo que sim. Sobretudo porque se tem falado muito do défice mas esquece-se sistematicamente a questão da dívida. Ora, os dois aspectos estão intimamente ligados!
Recordo-lhe, Sr. Deputado Lino de Carvalho, qual é a situação, por exemplo, de países como a Bélgica ou a Itália, designadamente no que se refere à relação entre défice, por um lado, e dívida pública, por outro. Eis, portanto, uma diferença! E a diferença está aqui modelada e prevista. Neste ponto, felizmente, Portugal é um dos países que tem a melhor situação relativamente à dívida pública.
Mais: qualquer que seja a execução orçamental em 2001, verificaremos sempre a continuidade de uma descida consistente do peso da dívida pública no Produto Interno Bruto. Este ponto deve ser realçado, uma vez que o fundamental relativamente às finanças públicas obriga-nos a considerar os dois aspectos, e pareceu-nos que só nos lembramos de um deles, esquecendo o outro, quando os dois têm de estar intimamente ligados.
Não é possível esquecer que, de entre todos os países da União Europeia, Portugal tem, neste momento, uma das melhores situações relativamente à dívida pública. Esquecê-lo é uma injustiça! Esquecê-lo seria não reconhecer o trabalho feito nos últimos anos, de forma consistente, para reduzir o peso da dívida pública no Produto Interno Bruto.

O Sr. João Amaral (PCP): - A vender património!

O Orador: - Não, Sr. Deputado!

O Sr. João Amaral (PCP): - Então não é?!

O Orador: - Não, Sr. Deputado! O Sr. Deputado sabe bem que não é assim!
Sr.ª Deputada Isabel Castro, relativamente às questões que colocou, em parte foram já respondidas quando eu disse ao Sr. Deputado Lino de Carvalho que, para nós, não se trata de uma imposição, porque o Pacto não é uma imposição; o Pacto é algo que nós assumimos e é algo que, em comum, entendemos dever preservar por ser positivo.
Mas há um outro aspecto na sua intervenção, que, naturalmente, não posso deixar de realçar. Trata-se do justo aspecto que tem a ver com coesão social e económica e com aquele objectivo no qual não podemos deixar de manter um empenhamento claro na nossa participação na União Europeia. É que mais importante do que o Pacto é o objectivo da coesão económica e social que consta dos próprios tratados. É isto que não podemos esquecer e é isto que temos de preservar.
Outro aspecto que referiu, Sr.ª Deputada, que é naturalmente um aspecto fundamental, é o da leitura inteligente. A leitura inteligente é aquela que tem de ser feita em todos os momentos. Não consideramos, pois, que há momentos de leitura inteligente e momentos de leitura menos inteligente. A leitura inteligente que hoje se faz é a mesma leitura inteligente que foi feita noutros momentos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, até agora, neste debate, foram utilizadas duas estratégias de fuga.

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A primeira estratégia, utilizada pelo Sr. Deputado Patinha Antão com o brilhantismo que seria de esperar, veio dizer-nos que os estabilizadores automáticos são a solução para este problema. Não são! Mas, mesmo que o fossem, não deixava de ser verdade que todos os canais de transmissão são socialmente relevantes. Quando estamos em ciclo depressivo, não há estabilização automática que não passe pelo ajustamento dos salários se não houver uma política social. É essa a irresponsabilidade desta política, até porque uma claudicação política é dizer que Durão Barroso é substituído por Ludgero Marques - parece que não falta vontade pelo menos a um deles.
Não é verdade também que os excedentes sejam virtuosos. Há excedente em alguns países, nomeadamente houve excedente nos Estados Unidos, mas pelos vistos deixou de existir devido à política irresponsável do Presidente Bush, antes do atentado de 11 de Setembro. Houve também excedente no Reino Unido, com Margaret Thatcher, que rapidamente se dissipou em função da crise económica.
Os estabilizadores automáticos não são, portanto, uma resposta de política económica, porque não estabilizam. Pelo contrário, instabilizam e têm um preço social muito grave.
A segunda estratégia de fuga neste debate foi a de dizer que tratado, pacto e programas são distintos. Aliás, o Sr. Ministro das Finanças fez uma apreciação brilhante desta argumentação. No entanto, essa argumentação deixa um problema fundamental, Sr. Ministro. Se é verdade, juridicamente, que o Pacto tem uma dignidade de aprovação em Conselho Europeu, que não é a que suporta os programas operacionais, não deixa de ser certo que são os programas operacionais que resultam desse Pacto e que o procuram concretizar.
Se hoje constatamos que nenhum dos programas operacionais - na Alemanha, na França, na Itália e em Portugal - são operacionais, então quer dizer que o Pacto não tem concretização. Tem formulações genéricas que não se traduzem em nenhuma decisão política. E ainda bem! Porque não há condições para o fazer, seria pouco razoável e até irresponsável que em Portugal ou na França ou na Alemanha se aplicassem as regras desses programas operacionais.

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

Ora, justamente pelo que o Sr. Ministro nos disse - que deficit e dívida são duas coisas distintas, mas com ligação -, é que Portugal tem uma margem de manobra importante. Porque não temos a dívida da Bélgica ou a dívida da Itália.

O Sr. Francisco Torres (PS): - Não temos, nem queremos!

O Orador: - Por isso mesmo, temos uma capacidade e uma responsabilidade de utilização virtuosa de um deficit rigorosamente limitado, mas necessário em função das políticas que queremos escolher.
Não nos é indiferente aquilo que é possível fazer. Não é impossível escolher aquilo que podemos fazer.
É por isso que o controlo orçamental é necessário. Mas é necessário reconhecer que hoje não estamos a aplicar o programa operacional. Portanto, o Pacto não tem concretização, sendo, aliás, por isso que a Sr.ª Deputada Luísa Vasconcelos chega a dizer que, se a recessão se prolongar, deve ser a União Europeia a rever o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Com certeza! Parece que podemos chegar a algum acordo! Preocupa-me que nos diga que não podemos ser nós, que têm de ser os outros. Entendo que há aí um vago sentimento do complexo do bom aluno: «Se os outros disserem, está bem!».
Por que razão não temos nós a mesma voz no concerto internacional dos países, na União Europeia, que é aquela que nos leva a não cumprir o programa operacional, com o qual nos tínhamos comprometido?
Não o vamos cumprir! Temos razões para não o cumprir. Ainda bem que não o cumprimos! Abdicamos, por isso, do rigor orçamental? Veremos! Depende do Orçamento, depende da política orçamental. E aí, naturalmente, há maus sinais.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.

O Orador: - Concluirei de imediato, Sr. Presidente.
Esses maus sinais são a desvalorização dos orçamentos, nomeadamente pela multiplicação de orçamentos rectificativos. Estamos no dia em que se confirma que haverá um segundo orçamento rectificativo em Dezembro deste ano e esse é o melhor sinal do pior que podia acontecer na política orçamental!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e das Finanças.

O Sr. Ministro da Presidência e das Finanças: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Francisco Louçã, oiço-o sempre com muita atenção e considero sempre importante aquilo que nos diz. Gostaria de fazer duas notas apenas.
O Sr. Deputado salientou um aspecto que devo realçar: referiu que a margem de manobra dos diferentes Estados-membros da União, dentro dos compromissos que assumiram, deve ser preservada.
Essa preservação passa, designadamente, pelo papel dos parlamentos no acompanhamento da vida da União Europeia. E quando falamos de finanças públicas e de Orçamento, falamos da matéria matricial dos parlamentos, falamos da matéria que levou, originalmente, à constituição dos parlamentos como câmaras de imposto e como câmaras de representação dos cidadãos contribuintes.
Eis porque este Parlamento deve fazer debates como este! Eis porque o Parlamento deve acompanhar estas questões! Designadamente, deve ser coerente, tendo em conta o conjunto dos compromissos que assumiu. Por isso, os compromissos ligados ao Pacto de Estabilidade e Crescimento foram também assumidos por este Parlamento. E porque foram assumidos por este Parlamento, este Parlamento deve aprofundar estes debates.
Já não concordo consigo, Sr. Deputado Francisco Louçã, quando refere a eventualidade de um orçamento rectificativo. Posso dizer-lhe que essa é uma eventualidade que eu próprio não sei, neste momento, se é ou não necessária.
Mas o Sr. Deputado Francisco Louçã sabe bem que, sendo a matéria orçamental uma matéria fundamental neste Parlamento, é este Parlamento que deve pronunciar-se sobre a questão fundamental - que verificaremos no final

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do ano - de saber se o défice orçamental previsto para o exercício orçamental de 2001 é ou não ultrapassado.
Sr. Deputado Francisco Louçã, essa margem de manobra, a ser assumida, tem de ser assumida por este Parlamento.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Com certeza!

O Orador: - E ao ser assumida por este Parlamento, naturalmente que este não pode deixar de pronunciar-se, nessa eventualidade. Como sabe, essa eventualidade só ocorrerá se o limite da autorização deste Parlamento para a emissão da dívida pública for ultrapassado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Mas o Parlamento não governa!

O Orador: - Certamente que o Parlamento não governa. Mas o Parlamento tem competências indelegáveis em matéria orçamental. E esta é uma das matérias mais nobres que o Parlamento tem para se debruçar e apreciar, tal como hoje o Parlamento não pode deixar de continuar a acompanhar esta questão e esta reflexão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o debate, na generalidade dos projectos de resolução n.os 152/VIII, do PCP, e 156/VIII, do BE. A votação dos mesmos será feita em momento oportuno, nos termos regimentais.
Vamos, agora, passar ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 102/VIII - Estabelece o regime sancionatório aplicável a situações de incumprimento das sanções impostas por regulamentos comunitários e estabelece procedimentos cautelares de extensão do âmbito material do diploma.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e das Finanças.

O Sr. Ministro da Presidência e das Finanças: - Sr. Presidente, S.as e Srs. Deputados, gostaria de referir muito sumariamente, uma vez que a iniciativa legislativa fala por si, que o Governo português tem-se declarado extremamente empenhado, desde o primeiro momento, numa estratégia concertada que a comunidade internacional há muito tem relativamente à luta contra o financiamento do terrorismo.
A União Europeia tem vindo a adoptar, através de regulamentos, sanções de variada natureza, nomeadamente financeira, a Estados ou outras entidades ou indivíduos com o objectivo de garantir o respeito pelas decisões pertinentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no que respeita ao nosso território.
Desde Março de 2000 que têm sido tomadas medidas administrativas relativas ao congelamento de fundos e outros recursos financeiros, previstas em regulamentos comunitários, que retomam e aplicam na União Europeia as resoluções das Nações Unidas relativas às sanções aplicáveis, designadamente aos talibãs do Afeganistão.
Conforme decisão adoptada na União Europeia, há, neste momento, uma lista de suspeitos que foi divulgada junto das entidades bancárias, financeiras e seguradoras, tendo em vista a obtenção de informações relevantes para a investigação e sua comunicação às autoridades de investigação competentes, nos termos da lei, relativa à luta contra o branqueamento de capitais.
É neste sentido que a proposta de lei, que agora se apresenta à Assembleia da República, se destina a dotar a ordem jurídica nacional de um regime sancionatório adequado, que permita punir as situações de incumprimento das sanções impostas pelas normas jurídicas internacionais ou comunitárias.
Aliás, à luz da presente proposta de lei, quem, desrespeitando as sanções internacionais, colocar, directa ou indirectamente, à disposição de entidades visadas por interdições internacionais quaisquer fundos ou recursos financeiros que as mesmas possam utilizar ou dos quais possam beneficiar, passará a ser punido com pena de prisão de 3 a 5 anos, segundo a proposta.
Acresce que todo aquele que adquira ou aumente qualquer participação, propriedade ou controlo, no que respeita a bens imóveis, empresas, ainda que irregularmente constituídas, ou instituições, situadas, registadas ou constituídas em territórios sujeitos às sanções internacionais, é punido igualmente com pena de prisão de 3 a 5 anos.
Simultaneamente, noutras normas, prevêem-se multas aplicáveis a pessoas singulares e, simultaneamente também, no caso de infracções que não configurem transacções, a aplicação de outras sanções, traduzidas também em multa.
Por outro lado, estabelecem-se procedimentos cautelares de extensão do âmbito material do presente diploma, os quais se traduzem na possibilidade de arresto preventivo de fundos e recursos financeiros de entidades ou pessoas não incluídas no âmbito subjectivo de incidência das normas jurídicas internacionais.
Duas notas finais, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para vos dar conta de que, esta semana, no âmbito da União Europeia, o Conselho ECOFIN se reuniu conjuntamente com o Conselho de Justiça e Assuntos Internos, para confirmar um conjunto de orientações e medidas, designadamente também articular as acções dos países-membros da União Europeia no GAFI, de modo a prosseguirmos, de forma estável, coerente e eficiente, o conjunto de medidas que inicialmente foram adoptadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e recebidas pela ordem europeia, através de dois regulamentos já em vigor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Marques Guedes e José Vera Jardim.
Tem a palavra, por 3 minutos, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, quero colocar-lhe duas questões concretas relativamente à proposta apresentada pelo Governo.
Em primeiro lugar, relativamente ao âmbito de aplicação deste diploma, constata-se, pela proposta de lei que deu entrada na Assembleia, que o Governo restringe a aplicação do presente diploma à situação de incumprimento de sanções financeiras ou comerciais impostas por regulamento da União Europeia. Sendo certo, como o Sr. Ministro bem sabe, que não é só a União Europeia a única organização internacional que decreta sanções. Pelo contrário, até é mais usual ser o Conselho de Segurança das Nações Unidas a decretar esse tipo de sanções. E até, no caso

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caso português, temos um exemplo bem recente, relativamente à situação de Timor, em que, durante muitos anos, como o Sr. Ministro bem sabe, havia sanções decretadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e o Governo português, pela inexistência de legislação deste tipo, não tinha meios coercivos para impor a proibição a determinado tipo de relacionamento de empresas portuguesas com a Indonésia, no caso concreto de Timor.
Assim, a primeira pergunta que lhe faço é esta: porquê esta opção de última hora do Governo por deixar de fora as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e situar no âmbito deste diploma apenas os regulamentos da União Europeia?
A segunda questão, Sr. Ministro, tem a ver com o regime penal definido nesta proposta do Governo. Como o Sr. Ministro bem sabe, as sanções decretadas podem ter variadas razões de ser. Para lhe dar dois exemplos rápidos, nós podemos ter sanções pelo desenvolvimento, por exemplo, de um programa nuclear - existem sanções internacionais, como sabe, para situações desse tipo - e podemos ter sanções, como aquelas, que, infelizmente, neste momento, nos estão mais próximas, pelo eventual financiamento ou execução de acções terroristas internacionais.
É evidente que há aqui pesos hierárquicos diferentes. Ora, o que acontece é que a proposta do Governo trata igualmente todo e qualquer tipo de sanções.
A pergunta que quero deixar-lhe, Sr. Ministro, é esta: sabendo que as sanções podem ter a ver com realidades profundamente diferentes e com um desvalor social também profundamente diferente, porquê, então, não estabelecer molduras penais diferenciadas? Deixava-lhe uma pista, Sr. Ministro: para haver incumprimento de uma sanção, tem de haver o conhecimento da sua existência e do objecto dessa sanção. Então, não faria mais sentido nós ligarmos a moldura penal ao regime, por exemplo, de cumplicidade para a prática de um determinado acto criminoso que está a ser objecto da sanção?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro da Presidência e das Finanças: - Já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e das Finanças.

O Sr. Ministro da Presidência e das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, naturalmente o Governo tem toda a disponibilidade, designadamente no que se refere ao aperfeiçoamento da sua iniciativa, para ponderar, coisa que o Parlamento fará, as sugestões que aqui fez e que me parecem pertinentes.
Gostaria só de me centrar na primeira parte, uma vez que é importante explicar-lhe por que razão sentiu o Governo necessidade de apresentar esta iniciativa.
O sistema financeiro tem regras especiais, regras que, no caso europeu, obedecem a uma função de supervisão e de regulação dos bancos centrais e, simultaneamente, também a intervenção do sistema de bancos centrais europeus.
Quando o Conselho de Segurança das Nações Unidas tomou as decisões, quer em Março quer agora em Outubro, colocou-se o problema de saber se os Estados poderiam aplicar imediatamente as providências. Ora, aqui, trata-se de mais do que isso; trata-se, além das providências, de aplicar sanções a quem não acate essas providências. Portanto, neste momento, posso dizer-lhe que a situação que ocorre nos diferentes sistemas bancários é esta: o regulamento da União Europeia está a ser aplicado por todos os sistemas bancários europeus. Por isso, sentiu-se necessidade de aprovar o regulamento. Antes de o regulamento ser aprovado, os sistemas financeiros, as instituições bancárias, não puderam aplicar imediatamente as sanções adoptadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Nesse sentido, não estamos contra o alargamento do âmbito; apenas dizemos que vimos aqui fazer uma proposta, face a um vazio, uma vez que os bancos já estão a aplicar os regulamentos, porque o regulamento se aplica directamente, mas a ordem jurídica portuguesa não tem sanção para o não acatamento das consequências desse regulamento.
É essa a razão pela qual apresentamos aqui esta proposta. E não se põe relativamente à aplicação directa das decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
De qualquer modo, há toda a disponibilidade, até para o Governo dar as informações complementares que forem indispensáveis para permitir que a redacção final do diploma esteja nas melhores condições jurídicas e técnicas.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Pare pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e das Finanças, dou-lhe toda a razão quando diz que esta legislação era necessária, visto que os regulamentos são vários, como V. Ex.ª sabe - e deu o exemplo do regulamento (aliás, já são vários) respeitante ao Afeganistão, designadamente à organizações talibã; um dos últimos respeita apenas à parte do Afeganistão dominada pelas organizações talibãs -, e eles próprios dizem que as sanções deverão ser impostas pelos Estados-membros, que também julgarão, obviamente, tudo aquilo que estiver sob a sua jurisdição.
Tenho apenas duas questões a colocar-lhe. Depois, numa pequena intervenção, debruçar-me-ei também sobre elas.
Criam-se aqui tipos de crime. Eu penso que esta dosimetria pode estar equilibrada. Veremos isso depois, como V. Ex.ª já abriu o campo para isso, na especialidade. Em todo o caso, atrevia-me a ir um pouco mais longe e a colocar-lhe duas questões concretas.
Não se descortina na proposta de lei uma diferenciação entre actuações culposas e dolosas. Ora, compreenderá V. Ex.ª que neste tipo de criminalidade, em que, por exemplo, um empregado bancário pode, culposamente, é certo, mas sem dolo, fazer transferir para uma conta - porque se esqueceu, porque não leu, porque não viu o computador - uma determinada quantia, sendo por isso condenado exactamente como se tivesse praticado um crime doloso, haverá que entrar um bocadinho mais em detalhe e ver dentro desta dosimetria alguma coisa de forma mais apurada. Gostaria de saber qual é a reacção do Sr. Ministro a esta questão.
Tenho ainda uma segunda questão para colocar, sobre a qual estou à vontade para falar - e até pedia a atenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que também é capaz de estar interessado nela -, que tem a ver com o facto

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de se atribuírem ao Ministério Público poderes para arrestar bens.
Eu digo que estou à vontade para falar nesta questão, porque, no exercício de outras funções, fui atacado - a meu ver, sem nenhuma legitimidade e sem nenhuma razão, mas essa é a minha posição - por dar demasiados poderes ao Ministério Público. Efectivamente, não lhe dei demasiados poderes, o que lhe dei foi mais meios.
Não lhe parece, Sr. Ministro, que não será ir um pouco longe demais atribuir ao Ministério Público, ao arrepio do que é a nossa tradição, ao arrepio do que é a disposição legal em vigor no Código de Processo Penal, poderes para ele próprio arrestar sem uma decisão do juiz?
Dado, naturalmente, a sua formação jurídica e o seu apurado sentido em relação aos direitos, liberdades e garantias, estou esperançado de que a sua resposta venha um pouco no sentido da minha própria dúvida.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isto de o Ministério Público decretar o arresto deve ter sido copiado da legislação do Afeganistão!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Presidência e das Finanças.

O Sr. Ministro da Presidência e das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, agradeço as questões que me colocou e faço-o duplamente, uma vez que ao colocá-las penso que suscitou dois aperfeiçoamentos concretos com os quais não posso deixar de concordar.
Em primeiro lugar, a distinção entre o dolo e a negligência. Julgo que tem todo o sentido fazer essa distinção e, naturalmente, a partir dela encontrar uma modulação relativamente às sanções. Exprimo desde já a minha concordância relativamente a isso.
Em segundo lugar, também exprimo a minha concordância relativamente ao método de arresto, uma vez que a proposta que aqui é feita é no sentido de ser algo expedito, mas, como disse o Sr. Deputado, pensando nós nos direitos e nas garantias fundamentais obviamente que não podemos deixar de ter isso em conta.
No entanto, peço a esta Assembleia que neste caso concreto, na ponderação da solução final que adoptar, tenha em conta a celeridade indispensável…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Decretar o arresto é função jurisdicional do juiz, não é do Ministério Público!

O Orador: - … para que estes bens não possam, em determinado momento, escapar àquilo que julgo ser a acção essencial para a concretização destas sanções. Devo dizer-vos que a aplicação prática destas sanções é difícil, sobretudo num país como Portugal.
De qualquer modo, devemos ter a preocupação de encontrar um mecanismo expedito, coerente com o conjunto dos diferentes mecanismos processuais, portanto quero agradecer a sua intervenção, as suas sugestões e exprimir, naturalmente, toda abertura e simpatia da parte do Governo relativamente aos melhoramentos que aqui propôs e que nós consideramos adequados.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e das Finanças, vou ser muito rápido, porque algumas das dúvidas que tinha já foram colocadas e respondidas.
Na exposição de motivos da proposta de lei fala-se em respeito, ou desrespeito, pelas decisões pertinentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no articulado fala-se em desrespeito pelas sanções financeiras impostas pelos regulamentos da União Europeia e, depois, na sua intervenção, o Sr. Ministro falou na perseguição às actividades de colaboração económica e financeira com o terrorismo. Penso que na exposição de motivos se ganharia - provavelmente na especialidade isso far-se-á - em explicar do que se trata, porque há alguma indefinição.
Também considero que - isso já aqui foi referido - a moldura penal da infracção deveria ser precisada, uma vez que, penso, trata-se de um novo tipo de crime.
Subscrevo também as observações feitas pelo Sr. Deputado José Vera Jardim. Eu tinha reparado sobretudo no problema dos poderes extraordinários do Ministério Público, mas sobre isso, para não perder tampo, nada mais acrescentarei.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e das Finanças.

O Sr. Ministro da Presidência e das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, só por respeito quero dizer-lhe que registo as suas perguntas e sugestões, porque em termos de técnica legislativa as leis da Assembleia da República não têm exposição de motivos.
De qualquer modo, considero que a sua intervenção e o seu esclarecimento enriquecem esta iniciativa, uma vez que este debate é público e, naturalmente, fará parte do processo legislativo que conduzirá à aprovação desta lei.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Presidência e das Finanças: Não coloquei perguntas, porque a minha intervenção será sob a forma de pedido de esclarecimento e também porque pouco fica por acrescentar depois das perguntas feitas pelos meus colegas e das respostas que já foram dadas pelo Sr. Ministro.
Naturalmente que em tese geral ninguém pode deixar de concordar com o combate ao financiamento do terrorismo e esta legislação é fundamentalmente contra o terrorismo na vertente do financiamento dessa actividade criminosa.
Em primeiro lugar, todos nós ficamos um bocado inseguros quando surge legislação desse tipo.
Em segundo lugar, é preciso saber de que maneira é hoje encarado o terrorismo depois do que nós vimos em 11 de Setembro. É necessário saber o que é actualmente o terrorismo, porque o terrorismo deixou de ser político, religioso e de outras classificações que os manuais de Ciência Política referiam, porque atingiu uma nova forma. Com esta nova forma de terrorismo utilizando antraz, o bioterrorismo, etc., impõe-se imediatamente saber contra que terrorismo lutamos e que formas de terrorismo visamos com esta legislação aqui sob debate parlamentar.
Portanto, primeiro, há que distinguir o que é o terrorismo. Esta lei aplica-se só a determinadas formas ou a todo o tipo de terrorismo? Isto é, aplica-se ao terrorismo da

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ETA, do IRA, de Israel e da Palestina, a terrorismos domésticos, como o do Iraque e do Irão, da Líbia, Sri Lanka, Índia, Paquistão, etc., ou a outras formas de terrorismo que agora estamos a sofrer desde o dia 11 de Setembro? Portanto, há que saber, em primeiro lugar, que espécie de terrorismo, que espécie de financiamento queremos ou não atingir e deixar aos Estados-membros a aplicação desta norma.
Naturalmente, a América pensa mais nas suas torres gémeas e no seu Pentágono do que na Espanha, na Índia, no Iraque ou no Ceilão (todos estes países têm problemas de terrorismo interno). Assim, queremos saber se a comunidade internacional - Portugal, Espanha e todos os países da União Europeia - está efectivamente envolvida em bloquear também os financiamentos e congelar os bens dos terroristas domésticos dos vários países.
Em segundo lugar, diz o Sr. Ministro que este procurar titulado é expedito, mas é expedito demais, porque é feito de uma maneira tão vaga,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - …trata-se de um quadro tão geral que não há nele conteúdo nem densificação alguma.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Estou de acordo!

O Orador: - Logo no artigo 1.º remete-se para regulamentos. Em primeiro lugar, não sabemos que espécie de regulamentos são. Serão quaisquer regulamentos vindos da União Europeia? Um jurista não fica satisfeito com esta remissão vaga para regulamentos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exacto!

O Orador: - Ninguém pode ficar satisfeito ou votar sem ser de ânimo leve um diploma que diz «esta lei é para aplicar regulamentos».

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Que regulamentos? Tenho receio que a utilização da palavra «regulamentos» dê para o torto, dê para tudo!
O artigo 3.º refere-se à violação de deveres. Diz o seguinte: «Quem estabeleça ou mantenha relação jurídica objecto das sanções com qualquer dos sujeitos identificados nos regulamentos - outra vez! - ou adquira, aumente a participação ou posição de controlo relativo a imóvel ou empresa (…)». Tudo isto é tão vago que na nossa legislação comercial, civil, etc. não encontramos estes conceitos. Ou temos que adaptá-los à legislação existente ou, então, temos de dar novas definições em relação a tudo isso.
Em terceiro lugar, quanto às multas, utiliza-se o critério de a multa ser metade daquilo que se perdeu ou aplicou. Não é esse o critério da nossa legislação criminal, não é essa a valoração penal dos nossos códigos. Portanto, é introduzido neste diploma um critério inteiramente novo, pelo que é preciso saber se ele quadra bem dentro da filosofia da lei penal que nos rege.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente!

O Orador: - É que estes critérios vêm do exterior, são importados «sem pagamento de direitos de entrada» - digamos assim -, incorporam-nos na nossa ordem jurídica e podem contrariar a cultura penalística que temos, que é nossa e que com este diploma fica subvertida, para dizer o menos.
Depois, são também referidos conceitos. O último artigo, o 7.º, diz o seguinte: «Sendo as transacções realizadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 352-A/88, de 3 de Outubro, e havendo suspeita de violação das sanções referidas no artigo 1.º, incumbe ao suspeito identificar os beneficiários da transacção realizada». Isto é uma coisa que não cabe na cabeça de ninguém!… Se o suspeito sabe quem são os beneficiários, ele próprio passa a ser arguido, deixa de ser suspeito! Se ele já sabe quem são os beneficiários é porque também já está envolvido como beneficiário!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tem toda a razão!

O Orador: - Portanto, do princípio ao fim, estes sete «artiguinhos», que no fim são sete «artigões» pela sua vaguidade, em primeiro lugar, não merecem a nossa cultura jurídica, em segundo lugar, foram feitos para satisfazer alguém (este alguém é a Comissão Europeia ou União Europeia).
Louvamos o propósito, mas este instrumento é demasiado débil, demasiado fraco, demasiado antijurídico - para não dizer demasiado suspeito - para com ele se caçar as verdadeiras formas de financiamento do terrorismo que se quer atacar.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e das Finanças.

O Sr. Ministro da Presidência e das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, para lhe ser franco, fiquei um pouco surpreendido com a sua intervenção, uma vez que fez uma longa consideração sobre o artigo 1.º da proposta de lei em debate e os regulamentos da União Europeia, exprimindo alguma dúvida sobre o que são estes regulamentos.
Sr. Deputado Narana Coissoró, a minha pergunta é simples: haverá que especificar mais o contraponto entre regulamento e directiva? Será necessário especificar mais que os regulamentos da União Europeia têm aplicação directa na nossa ordem jurídica? É que independentemente de haver este artigo 1.º o certo é que os regulamentos da União Europeia se aplicam directamente, ao contrário das directivas, que exigem um instrumento jurídico interno para o efeito.
Portanto, a minha dúvida é no sentido de saber se é necessário especificar mais o contraponto entre regulamento e directiva. Se considerar que sim, peço à Câmara que o especifique para se saber qual é, de facto, o conteúdo concreto de um regulamento da União Europeia, que tem definição nos tratados.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Ministro não tem razão nenhuma!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, dispondo de 3 minutos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, V. Ex.ª é muito mais versado do que eu na

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legislação comunitária, por isso não vou «ensinar o Padre Nosso ao vigário». Efectivamente, V. Ex.ª sabe que a proposta de regulamento do Conselho, fundamental para este diploma, diz claramente ser relativo a medidas específicas restritivas contra determinadas pessoas e entidades com vista a combater o terrorismo internacional. Isto já é alguma coisa! Isto já é delimitação do objecto! Portanto, sem sequer haver esta delimitação de objecto dizer-se pura e simplesmente «regulamento» é muito pouco! O próprio Conselho diz e delimita a que propósito, o que quer dizer e que regulamento é! Ora, o que quero é exactamente isso, ou seja, que se diga que espécies de regulamentos visa este diploma.
Quero dizer também, para que não haja qualquer dúvida, que vamos votar a favor destas medidas de combate ao financiamento do terrorismo - quanto a isto não há dúvida alguma -, porém, modus in rebus, vamos fazer isso como deve ser, não de qualquer maneira, estilo «bola para a frente e vamos ver se entra na rede»! Isto não entra na rede nem acerta na trave!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Caros Colegas Deputados: O PSD, na globalidade, está de acordo com a essência da proposta de lei em análise. De facto, nos dias que correm é absolutamente apodíctico que é indispensável implementar um quadro normativo que determine o cumprimento efectivo das sanções internacionais, promanem elas do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou estejam incorporadas nos regulamentos da União Europeia. Aliás, hoje é sabido que no domínio do Direito Internacional as sanções económicas, financeiras e comercias desempenham um papel determinante e, por vezes, crucial na resolução dos conflitos internacionais.
É citado muitas vezes, em Direito Internacional Público, o caso do Irão em 1978, em que 50 diplomatas americanos ficaram reféns na embaixada americana em Teerão. Este caso viria a ser resolvido a jusante, em boa parte devido às sanções implementadas pelos Estados Unidos, com o congelamento de 13 000 milhões de dólares de bens do Irão nos Estados Unidos, o que precipitou a resolução desse conflito.
No domínio do combate ao terrorismo, que é, ao cabo e ao resto, o que está subjacente na essência deste diploma, é óbvio que as sanções económicas decretadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou pela União Europeia têm de ser objecto de estrito e efectivo cumprimento, e quem violar essas sanções decretadas pelos organismos internacionais deve estar sujeito a uma penalização, a um regime sancionatório, quer de natureza penal quer de natureza pecuniária. Daí que, repiso, na globalidade, o Partido Social Democrata esteja, naturalmente, de acordo com esta proposta de lei e sufrague a bondade e o mérito da mesma.
A contrario, o mesmo não se verificará na especialidade. De facto, esta proposta de lei enferma de uma plêiade de vícios de técnica legislativa, que, obviamente, não podem merecer o nosso acolhimento. Desde logo no artigo 1.º, como muito bem acentuou o Deputado Narana Coissoró, há efectivamente uma ligeireza de redacção que não circunscreve com a necessária completude o âmbito de aplicação desta proposta de lei. De facto, «Regulamentos» é algo muito vago. Quem lê, prima facie, o artigo 1.º até pode ficar com a convicção de que isto se aplica a um regulamento comunitário, qual sejam o FEDER e o FEOGA, e é preciso realmente incorporar no artigo 1.º o que está transcrito na exposição de motivo, mas que, como sabem, não é lei. Portanto, há que transpor o que já está na exposição de motivos para o artigo 1.º, dando-lhe uma redacção inteligível e perceptível e não aquela redacção, amorfa e difusa, que hoje patenteia.
Mas há mais: tanto o n.º 2 do artigo 2.º como o n.º 3 do artigo 3.º fazem referência à punibilidade da tentativa. Ora, se a pena aplicável ao crime consumado é de 3 a 5 anos, decorre do Código Penal que a tentativa é punível sempre que a pena é superior a 3 anos. Portanto, é uma redundância figurar no n.º 2 do artigo 2.º e no n.º 3 do artigo 3.º que a tentativa é punível, quando, ex ante, já se determina que o crime é punível com uma pena de 3 a 5 anos.
Depois, como muito bem acentuou o Deputado José Vera Jardim, com perfeita acutilância e sagacidade, o artigo 5.º é seriamente melindroso, pela faculdade que é conferida não a uma instância judicial mas ao Ministério Público, para decretar, sem o crivo judicial competente, um procedimento cautelar, um arresto preventivo, que pode, naturalmente, contender com legítimos direitos do lesado e que tem, necessariamente, de ser sopesado, ponderado, por um juiz de direito e nunca por uma instância como o Ministério Público sem ser avalizado por uma instância jurisdicional.
Mas há mais: o artigo 7.º, no que concerne à chamada identificação de beneficiário, é algo de mirífico, é mesmo uma quimera, desde logo no que concerne à categoria de suspeito, que é uma categoria inominada, uma categoria difusa, que de facto figura alhures no Código de Processo Penal, mas que é um conceito intermédio entre o cidadão comum e o arguido. Seria melhor precisar o que se entende por «suspeito», senão ficaremos sempre naquela dúvida metódica de saber se o suspeito é apenas um cidadão ou se já é um pré-arguido. E isto de facto não está definido, nem decorre sequer da doutrina processualística, meramente no âmbito do processo penal.
Mas mais importante do que isto é a questão do ónus da prova, de identificação do beneficiário. Seria estulto admitir que alguma vez esta norma viesse a ter efeito prático, concreto. Sobretudo no domínio do crime organizado e do terrorismo internacional, é óbvio que se existir a possibilidade de canalizar meios financeiros ou de realizar operações comerciais com essa entidade, isso não é feito de supetão entre a entidade a e A entidade B. Essas organizações, como, aliás, hoje é público no que concerne à Al-Qaeda, são organizações financeiramente construídas de uma forma sofisticada e elaborada, designadamente em cascata. Portanto, identificar o beneficiário, aquele que directamente beneficia dessa transacção financeira ou dessa operação comercial, não acrescenta um átomo em relação ao escopo que subjaz desta proposta de lei, que é efectivamente o combate ao terrorismo e ao crime internacional.
Daí que seja necessário ir um pouco mais longe e definir, de uma forma mais precisa, mais clara, porventura com procedimentos autónomos, este tipo específico de crime, por forma a que este objectivo de identificação do beneficiário seja passível de ser cumprido na prática e não uma mera profissão de fé, como manifestamente decorre da análise do artigo 7.º desta proposta de lei.

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Daí também que, repristinando a observação que fiz inicialmente, o PSD sufrague a bondade e o mérito desta proposta de lei, na globalidade, na sua essência, relativamente à sua filosofia enformadora, mas, no que à especialidade concerne, defenda que ela deve ser objecto de uma acentuada, profunda e metódica revisão que lhe permita vir a ter alguma aplicação concreta, efectiva e útil.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos de acordo com o combate ao terrorismo, não só usando armas de repressão penal mas também outras maneiras, e estas, infelizmente, a nível mundial, não têm sido seguidas.
Em minha opinião, o diploma que sair desta Câmara terá de ter a preocupação de não incorrer em inconstitucionalidades que põem em risco o próprio diploma. Ora, a meu ver, este diploma tem manifestamente duas inconstitucionalidades. A primeira é a atribuição da função jurisdicional ao Ministério Público - e a função jurisdicional, segundo a Constituição, não é do Ministério Público mas, sim, do juiz. Logo, há que corrigir efectivamente o que vem proposto.
A segunda - e é, para mim, uma inconstitucionalidade porque temos na Constituição um artigo, salvo erro o artigo 18.º, que estabelece um programa penal, segundo o qual as leis restritivas das liberdades dos cidadãos têm de ser adequadas, proporcionadas, etc. - tem a ver com o facto de, quando estamos a aprovar uma legislação penal, termos de saber, com mais contornos, aquilo que estamos a penalizar, já que a Constituição não nos permite lançar mão da arma penal em relação a comportamentos que infrinjam leis, regulamentos, etc., quaisquer que eles sejam. Ora, a verdade é que o artigo 1.º fala em regulamentos, mas regulamentos não são apenas os relativos à política externa de segurança comum. A União Europeia tem regulamentos noutras áreas e não sabemos que regulamentos irá ainda aprovar no futuro, que sanções financeiras poderão vir ainda a ser previstas em regulamentos relacionados com outros comportamentos, que poderão até nada ter a ver com terrorismo, narcotráfico, branqueamento de capitais, criminalidade altamente organizada.
Por hipótese, pode haver um regulamento na área da política das pescas que comine com sanções a países que entrem na área territorial de outros. Então, pergunto: regulamentos deste género - e podemos multiplicar isto por outras hipóteses - merecem realmente a protecção penal?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Em meu entender, este é o cerne da questão! O problema é que neste diploma abre-se a porta para tudo! No entanto, há em Direito Penal o princípio da tipicidade, que é a concretização da Constituição da República.

Vozes do PCP: - Exactamente!

A Oradora: - Portanto, aquilo que a pessoa infringe tem de vir delimitado com muito mais precisão do que está exposto neste diploma. Aliás, tive a oportunidade de consultar regulamentos, nomeadamente nesta área da política externa e de segurança comum, e a maior parte deles estabelece que isto é feito através das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e há variadíssimos com avaliações diferentes. Há, por exemplo, regulamentos que proibiram a exportação para a República da Jugoslávia, para a República da Sérvia, para os sérvios da Bósnia-Herzegovina, quando tal poderia ajudar o povo a sair do sofrimento.
Agora, o que é interessante notar - e já que VV. Ex.as esboçaram esse sorriso - é que, em relação aos talibã, há já dois anos, desde 15 de Outubro de 1999, que estão aprovados regulamentos no sentido não só de haver um congelamento de bens, etc. como até da entrega do Sr. Osama bin Laden.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

A Oradora: - Ora, até à data, durante dois anos, nada foi feito, nem na comunidade internacional nem na União Europeia, para tornar efectivo o combate ao terrorismo.
Isto parece-me elucidativo e deve ser vincado neste ou em qualquer outro debate relativo ao terrorismo.
Portanto, para nós, estes são os problemas fundamentais, porque a outra questão está muito clara.
Apresentámos várias propostas na área do branqueamento de capitais; temos um projecto de resolução sobre os offshore… A este propósito, aproveito para dizer que não concordo com a interpretação dada pelo Sr. Deputado ao artigo que mexe com os offshore, porque o que lá se diz é, pura e simplesmente, que a pessoa que é suspeita de ter infringido um regulamento…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor, pois ainda disponho de 5 minutos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pessoa, pessoas ou entidades financeiras!

A Oradora: - Exacto, pessoa que seja suspeita.
Quem promove o processo penal tem de indicar os factos que indiciam que aquela pessoa ou entidade infringiu um regulamento, e essa pessoa ou entidade tem de provar que, de facto, o beneficiário não foi a entidade em relação à qual se referiam os regulamentos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas como é que se sabe?

A Oradora: - Isto nem sequer é inversão do ónus da prova.
Em matéria de crime altamente organizado já apresentámos várias iniciativas legislativas e, de facto, pensamos que o terrorismo deve ser combatido mas não com esta guerra, com esta barbárie, que está a ter lugar e que se abate sobre o povo talibã.
É indubitável que os exemplos históricos nos mostram que o terrorismo é um excelente aliado da extrema direita - aliás, basta invocar o célebre caso de Aldo Moro e das Brigadas Vermelhas que teve por fim impedir que fosse celebrada uma histórica aliança de governo com os comunistas italianos. E, em termos de tradução artística desta

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minha afirmação, basta recordar o filme de Fassbinder, A Terceira Geração, onde se poderá ver como o terrorismo é de facto um excelente aliado da extrema direita. Creio mesmo que a situação actual o indica, porque, com as medidas restritivas contra os direitos, liberdades e garantias a espalharem-se pelo mundo será mais difícil a luta dos povos pela liberdade. E, para além da angústia das vítimas, das crianças, das mulheres e da população civil do Afeganistão, há a grande angústia da luta dos povos por não se reconhecerem em nenhum dos lados, nem no terrorismo, nem na barbárie desencadeada pelo Governo dos Estados Unidos da América.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Marques Guedes e José Vera Jardim.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, caso seja necessário, pois verifico que o PCP praticamente não dispõe de tempo, anuncio que o PSD cede 3 minutos para que a Sr.ª Deputada Odete Santos possa responder.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Agradeço, Sr. Deputado!

O Orador: - Não tem nada que agradecer!
Sr.ª Deputada Odete Santos, quanto ao problema da inversão do ónus da prova, na prática, quem normalmente é objecto de suspeita de incumprimento de uma sanção é um banco ou uma entidade financeira que, relativamente a contas que deveriam estar congeladas, promove uma determinada transacção. Repare, Sr.ª Deputada, que o que a norma estabelece é que «(…) havendo suspeita de violação (…) incumbe ao suspeito…» - leia-se, no exemplo que estou a dar, incumbe ao banco - «… identificar os beneficiários da transacção realizada.». Ora, os beneficiários da transacção realizada, como dizia o Sr. Deputado Jorge Neto, são normalmente organizações não governamentais, instituições ou fundações com uma capa de beneficência ou de promoção da liberdade dos povos. É isto que, de facto, existe!
O Sr. Bin Laden esconde-se, como a Sr.ª Deputada já deve ter lido na comunicação social, atrás de uma série de organizações não governamentais e de fundações de promoção da liberdade dos povos e da democracia no mundo, etc., que são sediadas, em cascata, numa série de paraísos fiscais, de centros offshore, etc. Portanto, qual é a possibilidade de a tal instituição financeira identificar o beneficiário que está por detrás de uma cascata de transacções? Não tem qualquer possibilidade!

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

Assim, pergunto-lhe, Sr.ª Deputada: numa situação como esta, não faria mais sentido falarmos, por exemplo, no levantamento do sigilo bancário para este tipo de transacções, em vez da inversão do ónus da prova, que é apenas uma intenção piedosa? Aí, sim! Aí é que estamos a falar de coisas concretas. Aí é que começamos a dizer que neste tipo de situações, quando haja suspeitas de que as sanções estão a ser violadas, o sigilo bancário deve ser quebrado imediatamente! É o que acontece, por exemplo, no domínio da legislação do branqueamento de capitais. Quem tem competência para fazer a investigação ao que está por detrás da ONG - da ONG para a fundação e da fundação para sei lá mais o quê, até se chegar à comprovação de que toda essa organização vai ter como beneficiária a entidade que é objecto de sanções internacionais - são seguramente as autoridades policiais; é a autoridade de investigação e não é, com certeza, o banco! O banco não vai conseguir fazer isto, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, em relação à quebra do sigilo bancário estamos totalmente de acordo - aliás, na proposta de lei sobre a criminalidade antieconómica, a corrupção, nós aprovamos as disposições relativas à quebra do sigilo bancário. No entanto, em meu entender, o Sr. Deputado está a fazer uma leitura errada desta disposição da proposta de lei. Isto porque a entidade bancária faz a identificação da ONG e, depois, cabe à autoridade que promove a acção penal investigar se aquela ONG está, de facto, a disfarçar uma ligação a uma rede terrorista. É a leitura que aqui está…

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

Mas esta é a leitura que se retira do artigo 7.º …

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas isso não é a inversão do ónus da prova!

A Oradora: - Sr. Deputado, o que se diz nesta norma é o seguinte, e vamos para o caso de Portugal: à partida, o Ministério Público não tem de apurar na investigação que este dinheiro, esta transacção foi feita a favor de Fulano de uma rede terrorista «assim-assado». Não. Tem de dizer: «há suspeitas de que esta transacção foi para beneficiar a rede terrorista tal e tal», mas ainda nem sequer tem provas, apenas há suspeitas. E depois o suspeito -- aliás, o Código de Processo Penal também fala em suspeito - dirá assim: «Mas não foi. Foi para a organização não governamental…»

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é levantamento do sigilo!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, peço-lhe, por favor, que não entre em diálogo, pois, como sabe, o Regimento não o permite.

A Oradora: - Mas eu estou de acordo com o levantamento do sigilo bancário, Sr. Deputado, juntemos o levantamento do sigilo bancário! Mas por que é que não se há-de manter isto em relação a paraísos fiscais que, segundo o próprio FMI, têm servido para apoio às redes terroristas? O FMI que diz isto, vem até citado no preâmbulo do projecto de resolução, do PCP, sobre os offshore!
Como eu dizia, depois o suspeito vai dizer: «Não! Então, aquilo era tudo muito benemérito… Foi para a organização tal e tal». Agora o Ministério Público, sabendo que

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a ONG é aquela, tem possibilidades de ir investigar a fim de saber se de facto aquela é uma verdadeira ONG ou se, pelo contrário, é um «braço» de uma organização terrorista. É isto que se retira desta disposição.
Em relação aos paraísos fiscais, estou de acordo com isto, porque já chega de opacidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, algum dia o Parlamento há-de alterar esta figura regimental do pedido de esclarecimento para se arrimar mais à verdade do que se vai passando aqui.
Sr. Presidente, não se assuste, porque vou efectivamente formular um pedido de esclarecimento.
Porém, antes, vou dizer à Sr.ª Deputada Odete Santos que estou inteiramente de acordo consigo quando diz que o terrorismo é um aliado da extrema direita. É sim, e é preciso que, em épocas como as que atravessamos, não tenhamos demasiadas tentações securitárias, mas também é preciso que demos à segurança o valor que ela deve ter num Estado de direito democrático, porque não há liberdade sem segurança.
Aliás, como a Sr.ª Deputada sabe, este diploma não tem a ver apenas com terrorismo. Tem-se aqui falado de terrorismo, terrorismo… Este diploma teve a ver, por exemplo, com a UNITA.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Exactamente!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Com a Líbia, com o Iraque…

O Orador: - Para todos os gostos, Sr.ª Deputada. É para todos os gostos!
Este diploma teve a ver com a UNITA, com a ex-Jugoslávia, com a actual Jugoslávia, com a Líbia, etc. Portanto, não tem apenas a ver com o terrorismo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu sei!

O Orador: - De qualquer modo, dou razão à Sr.ª Deputada quando diz que o terrorismo é, efectivamente - e hoje estamos a constatar isso mesmo -, um aliado da extrema direita, como também lhe dou razão quando diz que esta disposição respeitante aos offshore, do Ministério das Finanças - e com ela me congratulo -, é essencialíssima, porque é preciso ter presente o diploma a que se refere, que é o que regula a figura do trust nos offshore da Região Autónoma da Madeira, que, aliás, não é diferente dos trusts noutras regiões com sistemas fiscais deste tipo. E o que é que se pretende com ele? É, efectivamente, acabar - e, acrescento, espero que esta medida se alargue a muitos outros - com a opacidade dos offshore!

O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - O que se passa é que o trust ou o gestor fiduciário é a «pessoa» em nome de quem está o património!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas isso é o levantamento do sigilo!

O Orador: - Já lá vamos, Sr. Deputado Luís Marques Guedes! Eu também estou de acordo com o levantamento do sigilo. Mas aqui é o levantamento do sigilo que não é bancário mas do trust, que é uma figura que existe em todos os offshore (e que o Sr. Deputado bem conhece) e que é originária do Direito anglo-saxónico, onde há uma pessoa que diz: «Eu sou dono disto». Mas não é, porque tem atrás dele um contrato com uma outra pessoa, em nome de quem está a actuar, como se diz no Direito português, como mandatário sem representação. É isto que está aqui em causa;…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exacto!

O Orador: - … é isto que torna os offshore completamente opacos! Diz o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, e com razão: «Bom, assim só descobre o primeiro elo da cadeia». Sr. Deputado, ao menos isso! Porque, descoberto o primeiro elo, pode ser que passemos ao segundo!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado José Vera Jardim, peço-lhe que conclua, uma vez que já esgotou o tempo regimental.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Suponhamos que por detrás deste há um outro offshore. Então, vamos lá outra vez, ao outro offshore, perguntar quem é o beneficiário.
É por isto, Sr. Deputado, que a investigação da criminalidade económica e financeira é muito difícil. E todos nós sabemos quão difícil é e também quanto de hipocrisia há quando falamos em perseguição ao crime económico e esquecemos alguns pormenores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Fiquei com a impressão de que o Sr. Deputado José Vera Jardim não formulou qualquer pedido de esclarecimento. Assim sendo, não tenho de dar a palavra à Sr.ª Deputada Odete Santos para responder, que, de resto, não dispõe de tempo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, há pouco o Sr. Deputado Luís Marques Guedes cedeu 3 minutos para que eu pudesse responder.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - É verdade, Sr.ª Deputada, mas esse tempo foi-lhe cedido para responder ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes e não ao Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PS cede 3 minutos à Sr.ª Deputada para esse efeito.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Nesse caso, faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, efectivamente, estou de acordo em relação a quase tudo o que referiu, mas há uma diferença, não propriamente quanto a este diploma.
Começando pelo artigo 1.º, não sei se concorda com ele ou não, mas eu não concordo, e penso que ele tem de ser melhor precisado.
No entanto, concordo com quase tudo o que disse, pois também entendo que se está a caminhar num sentido

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securitário. Tanto assim é que - só para lhe dar um exemplo -, há dias, li nos jornais que, em Paris, tinham sido aprovadas medidas para se fazerem as buscas que a polícia quisesse em todos os automóveis, mesmo que as pessoas não fossem suspeitas. A Liga dos Direitos do Homem protestou e este facto veio referido nos jornais. E não nos podemos esquecer que o metropolitano de Paris está cheio de polícia e de militares com espingardas metralhadoras.
Penso que, «à pala» dos ataques terroristas, se tem caminhado no sentido securitário. Isto é muito difícil e é isto que atrasa a luta do ser humano pelo desenvolvimento. É esta a minha opinião.
Agora, é verdade que os regulamentos não são só sobre o terrorismo; os últimos são sobre os talibãs e Bin Laden, e nunca se fez nada em relação a eles. Mas há regulamentos para outros casos, embora não abranjam tudo, porque, por exemplo, em relação à violação dos direitos humanos na Turquia, a União Europeia fez «zero».
O que me preocupa é que, ficando esta proposta de lei como está, isto é tão vago que não se sabe o que se está a aprovar, ou seja, que pessoas é que, depois, podem vir a ser envolvidas e que crimes podem vir a cometer em relação a «infracções», podendo eu, por exemplo, não considerar algumas delas infracções.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado José Vera Jardim introduziu aqui um esclarecimento fundamental. Quando recebi este diploma e o li, devo dizer, com toda a franqueza, que pensei que ele se destinava à UNITA. E pensei: «Finalmente, uma coisa para a UNITA…».
Na realidade, este diploma não se destina exclusivamente a aplicar-se a empresas que contratualizem, negoceiem, com esta última e recente modalidade de terrorismo que está mais em voga. É um diploma que visa regulamentar ou punir o comércio com Estados ou entidades que tenham sido objecto de sanções das Nações Unidas ou da União Europeia, de esta ter decidido por si só aplicá-las. Mas isto não se percebe bem.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Exactamente!

O Orador: - A meu ver, o objecto deste diploma está obscurecido quer pela exposição de motivos, que é débil, quer pela própria configuração do modelo penal que se pretende atingir no artigo 1.º. Ora, isto é muito importante porque, depois, o que vem a seguir, como muito bem disse o Deputado Narana Coissoró, é uma pesada máquina sancionatória que tem de ser aplicada, tendo como prévia definição, muito clara, o objecto, que está, pelo menos um pouco, obscuro.
Pessoalmente, devo dizer que me congratulo com este diploma, porque muitas empresas que negociaram com a Indonésia não o teriam feito, muitas empresas que negoceiam com a UNITA não o teriam feito. Isto é importante, mas devo dizer, e digo-o sem malícia, que este debate ajudou-me a perceber qual era ideia plasmada no diploma, visto que ela não está muito clara. Além de que, tecnicamente, o diploma está bastante imperfeito, pelo que se percebe - sem, com isto, querer ofender ninguém, como é evidente -, mas penso que podemos melhorá-lo substancialmente em sede de especialidade.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A União Europeia tem tomado uma série de posições comuns, que eu saiba, sempre no seguimento de decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas, nos termos do artigo 41.º da Carta das Nações Unidas. É disto que se trata.
Sendo certo que a União Europeia não é dotada de personalidade jurídica, não sendo um ente de direito internacional, os Estados-membros têm, ao abrigo do artigo 48.º da Carta das Nações Unidas, o dever de agir, conforme as deliberações do Conselho de Segurança, nos organismos internacionais apropriados de que façam parte.
Ora, é precisamente com base neste normativo, nos organismos internacionais de que fazem parte, que a acção da União Europeia, no quadro da PESC, lhe vem atribuindo algum papel de sujeito na cena internacional. Trata-se sempre, neste caso, de acções de natureza económica, sem emprego do uso da força - artigo 41.º da Carta e não artigo 42.º, que legitima acções de natureza militar para manter e estabelecer a paz e a segurança internacionais.
São conhecidas de todos nós as limitações da política externa e da segurança comum da União. Apesar do imperativo da coerência do conjunto da acção externa imposto pelo Tratado e do programa delineado no artigo 11.º, a União Europeia continua a desempenhar um papel menor na cena internacional.
Nas situações de crise, como a que agora atravessamos e em que se abre, a meu ver, um capítulo novo para o estabelecimento de uma nova ordem internacional, o papel da União tem sido secundarizado face a outros protagonismos,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … e é ainda pouco convincente e aprofundado o concerto do Estados-membros na definição de uma política comum.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Assistimos, hoje, a essa secundarização clara da União como sujeito activo da construção dessa nova ordem internacional, que se está fazer todos os dias a um ritmo acelerado e alterando por completo a situação do mundo de hoje. Diria que os acontecimentos de 11 de Setembro estão a ter um impacto tão grande como a queda do muro de Berlim, em 1989.
Ora, se nas políticas de justiça e de assuntos internos, a partir da Cimeira de Tampere, de há dois anos, se vem assistindo à criação desse espaço de liberdade, segurança e justiça sobre o impulso - seja-se justo - da Comissão e do Comissário António Vitorino, o desempenho da União, como voz única dos Estados na política externa e de segurança, está longe de corresponder aos que anseiam que a uma Europa económica e financeira, nas vésperas da introdução da moeda única, corresponda uma Europa mais actuante e solidária, que proporcione um papel mais decisivo no estabelecimento dessa ordem internacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Os próprios mecanismos decisórios dos Tratados contribuem para tal situação, como todos sabemos. Não raras vezes, o compromisso necessário tem conduzido ao seu nivelamento, pelo máximo - que é mínimo -, consenso possível, que em alguns casos significa o quase bloqueamento da acção. E bloquear acções, em matéria de PESC, significa não haver acções, porque ou são imediatas ou não existem. A continuarmos assim, o alargamento da União conduzirá, aliás, a um agravar da actual situação.
De qualquer forma, no que respeita à matéria das sanções económicas têm sido adoptadas várias posições comuns. Foram deliberadas sanções em relação ao Iraque, à ex-Jugoslávia, à Líbia, ao Ruanda, ao Haiti, ao Sudão, ao Afeganistão e às organizações talibãs, à Serra Leoa, à Jugoslávia, agora Kosovo, e à UNITA. Todas elas tomadas no seguimento de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a que se seguiu, sistematicamente, a aprovação de regulamentos que incorporam as medidas de efeito imediato e directo nos Estados. Estes regulamentos têm sido adoptados com base no artigo 301.º do Tratado já referido, conjugado com o artigo 60.º, este tendo como objecto matéria «comunitarizada» - movimentos de capitais e pagamentos.
Se em alguns casos a posição comum não abrangeu todo o conteúdo das resoluções do Conselho de Segurança, nem por isso estas deixam, naturalmente, de ter efeito imperativo directo em relação ao Estado-membro das Nações Unidas.
A posição comum e o regulamento têm assim uma eficácia, apesar de tudo, limitada, que alguém já apelidou de «correia de transmissão», visto que um Estado, que seja membro da União e membro das Nações Unidas, deve obediência à resolução das Nações Unidas. É evidente que a União Europeia, ao fazer sua a resolução das Nações Unidas, através de uma posição comum e de um regulamento, pode fazer com que esse regulamento tenha um detalhe jurídico e um conjunto de aplicações práticas que o torne mais operativo no interior de cada ordem jurídica do Estado.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - É disto que tratamos aqui e de mais nada! Por isso, não dou razão aos Srs. Deputados, designadamente à Sr.ª Deputada Odete Santos - e, na altura, era para lhe fazer uma pergunta neste sentido, mas esqueci-me, pura e simplesmente -, porque o objecto está bem definido; são estes regulamentos e não outros!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas não se diz quais são!

O Orador: - Diz-se que são os regulamentos que «(…) determinem restrições ao estabelecimento ou à manutenção de relações financeiras ou comerciais com os Estados, outras entidades ou indivíduos expressamente identificados no âmbito subjectivo de incidência (…)».
Ora bem, não se trata, como há pouco dizia o Sr. Deputado Narana Coissoró, de todo e qualquer regulamento, como, por exemplo, sobre fiação e têxtil, pesca, etc. - trata-se de PESC e não de pesca, como, aliás, a Sr.ª Deputada Odete Santos bem frisou!

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

Já lhe dou tempo para falar mais um pouco, se quiser, Sr.ª Deputada!
Naturalmente, com o método seguido, haverá apenas - e é disto que tratamos aqui hoje - que estabelecer sanções para o não cumprimento das medidas previstas nos regulamentos, o que os próprios regulamentos dizem. A prática seguida até agora tem sido precisamente a dos regulamentos conterem a indicação de critérios orientadores quanto às sanções a estabelecer pelos Estados-membros, que devem ser, como, aliás, a Sr.ª Deputada muito bem disse, proporcionais, mas os regulamentos dizem um pouco mais, porque, em Direito Penal e em direito contra-ordenacional, as sanções também devem ser eficazes e dissuasivas, ou dissuasoras, como se pretender.
Por isso, hoje também se atribui aos Estados-membros o direito de intentar acções judiciais quanto às pessoas ou entidades sob a sua jurisdição, no caso de violação das proibições - são estes e não outros quaisquer! Na prática mais recente, de que é exemplo a posição comum e regulamentos relativos às organizações talibãs, começa-se a prever - e bem! -, a actuação da Comissão junto do Comité de Sanções das Nações Unidas.
A proposta de lei contém, pois, um conjunto de sanções aplicáveis a quem violar as obrigações emergentes dos regulamentos, a nosso ver equilibrados, em termos de dosimetria da pena, atentos os interesses e valores que se pretende proteger.
Referem-se as sanções aos vários tipos de violação dos deveres que emergem dos regulamentos e que são, fundamentalmente, o congelamento de fundos e recursos financeiros e a manutenção de relações jurídicas do tipo comercial, financeiro ou técnico com as entidades objecto das medidas.
A proposta de lei não distingue as acções dolosas de as simplesmente culposas, sendo esta uma questão que pode levantar algumas dúvidas, dadas as características dos tipos de acção em causa, e que, a meu ver, deverá ser analisada na especialidade.
O alargamento das incriminações às pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto justifica-se plenamente, estando em causa actividades delituosas no domínio das actividades económico-financeiras. Assim como se justificam as sanções prevista nos n.os 5 e 6 do artigo 4.º, a publicação da decisão condenatória, que, a meu ver, deveria até constituir a regra geral a aplicar. Da mesma forma, impõe-se ferir de nulidade os actos praticados em violação do regulamento.
Poder-se-ão levantar dúvidas legítimas em relação ao artigo 5.º, no qual se prevê a possibilidade de o Ministério Público decretar o arresto preventivo dos fundos e recursos financeiros dos arguidos.
Para além de necessários aperfeiçoamentos da redacção deste dispositivo, afigura-se-nos não se justificar aqui uma excepção à regra, de que cabe sempre ao juiz decretar tal medida a requerimento, isso sim, do Ministério Público. É essa a nossa tradição, é o nosso Direito vigente, na generalidade, e não se vê razão suficiente para adoptar aqui um regime excepcional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Importante para a eficácia do diploma é a obrigação de identificação dos beneficiários das transacções. Tratando-se, neste caso, de operações típicas das zonas offshore (no caso concreto, sob a nossa jurisdição, da zona situada na Região Autónoma da Madeira), a não identificação dos beneficiários deixaria sem conteúdo, quer a própria investigação, quer a consequente aplicação da sanção.
A situação que vivemos hoje no que respeita, em especial, à luta contra o terrorismo e todas as formas de criminalidade organizada tem colocado sobre a mesa a necessidade

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de urgentemente adoptar medidas coerentes de acção que contribuam decisivamente para a criação do espaço de liberdade, justiça e segurança. Muitas destas acções têm necessariamente de passar por medidas tomadas no âmbito da PESC, relativamente a organizações ou Estados que apoiem económica e financeiramente organizações criminosas - não só terroristas, mas organizações criminosas de um modo geral.
Trágicos acontecimentos recentes vieram demonstrar a ligação íntima entre o terrorismo e outras formas de criminalidade e a importância que assume na luta contra o mundo do crime organizado o ataque aos seus apoios económico-financeiros, às suas fontes de financiamento e à teia de interesses e ligações, em muitos casos usando os sistemas legais e as facilidades do sistema financeiro.
Eis, pois, por que me parece importante a legislação que hoje discutimos, bem como a sua aprovação unânime por este Plenário.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, continuamos a discordar em relação ao artigo 1.º.
Sei que no texto em análise se referem regulamentos que apliquem sanções, e não omiti isso na minha intervenção, mas pergunto-lhe se é ou não verdade que há outros regulamentos e que é possível, no futuro, haver um regulamento que não se refira a esta área do terrorismo, do narcotráfico, da criminalidade altamente organizada, etc. em que venham a ser impostas sanções financeiras. Isso está fora de previsão? E depois?
Dei o exemplo de que poderia haver uma sanção financeira imposta a um Estado que violasse águas territoriais de outro Estado no futuro. Neste caso, era justo criminalizar a conduta de que quem infringisse as proibições constantes desse regulamento? É isto que pergunto! Assim, não seria possível definir? Não seria possível dizer «isto é para os casos dos regulamentos nos casos de…», e definir?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, estou a disposto a discutir essa questão. V. Ex.ª tem, naturalmente, a sua opinião e eu tenho a minha; em meu entender, o tipo está bem definido, mas foi aqui feita uma crítica que penso não ter razão de ser. Foi dito que a exposição de motivos é pobre. Bom, não sei se é pobre, se é rica, mas a verdade é que diz: «A União Europeia tem vindo a adoptar, através de regulamentos, sanções de vária natureza, nomeadamente financeira, a Estados, (…) com o objectivo de garantir o respeito pelas decisões pertinentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (…)»!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não fui eu que fiz essa crítica!

O Orador: - Eu sei, mas referi esta questão para me ajudar a responder-lhe.
Pela minha parte, estou disposto a fazer incluir na própria lei a menção de «regulamentos que sejam para executar decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas».

Vozes do PCP: - Ainda bem!

O Orador: - Pela minha parte, estou inteiramente disponível para isso!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso já melhora!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate…

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma intervenção.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Mas o Sr. Deputado não se havia inscrito…

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas gostaria de fazer uma pequena e breve intervenção, apenas para dizer algumas coisas.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Ah, veio-lhe a inspiração. Muito bem, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, não foi bem a questão da inspiração mas, sim, a de verificar que ainda resta ao PS algum tempo.
De qualquer modo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, apesar do adiantado da hora, gostaria de dizer duas palavras.
Esta proposta de lei que aqui nos ocupou é importante a vários títulos, já aqui sublinhados, e é também importante circunstancialmente, como os vários oradores referiram, porque vem colocar-nos o problema, hoje presente no mundo a que pertencemos, de calibrar os nossos padrões jurídicos face a novas ameaças e a novas necessidades de actuação perante ameaças criminais. Temos de enquadrar novas respostas, e elas passam por diplomas destes. Quero, pois, saudar a iniciativa, mas torna-se necessário que essas respostas mantenham o essencial do nosso padrão e que sejam aperfeiçoadas. E às vezes os vários diplomas, este e outros, são susceptíveis de deixar dúvidas sobre a integridade do padrão.
Quero referir-me a dois aspectos que, apesar de não serem originais, têm-me impressionado particularmente. Um deles é o problema da reserva do juiz, que é um aspecto fundamental da nossa civilização jurídica. Importa que haja sempre sensibilidade para não se entregar a um não juiz o que é de um juiz. E, perante as ameaças mais tenebrosas, temos de manter essa serenidade.
Por outro lado, quando ligamos com essa pesadíssima artilharia jurídica, que é o Direito Penal, temos de nos ater também aos nossos princípios, nomeadamente no domínio da tipificação, quando criamos novos crimes, quando sistematizamos novas formas de desobediência, visto que, se interpelarmos as normas acerca dos bens jurídicos que elas protegem, possivelmente chegaremos à conclusão de que são crimes de desobediência que estamos a criar.
Sendo assim, é importante que sejamos conscientes ao criar os crimes, e nós, como Assembleia, devemos aos nosso eleitores a responsabilidade de levar a sério qualquer criação de qualquer crime e por isso também de zelar para que cada um dos elementos do crime, e bem assim o bem jurídico que ele tutela, estejam presentes no nosso debate. É importante que se faça isto.

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Saúdo o Governo por revelar abertura para estes aperfeiçoamentos, para estas melhorias, que são essenciais para que não deslizemos numa espécie de ordem jurídica de segundo grau para atacar ameaças de primeiro grau, e para corrigir. Quero ainda dizer que é responsabilidade desta Assembleia fazer com que legislação sobre matéria penal seja respeitosa, não apenas do nosso padrão constitucional como também do padrão jurídico da civilização a que pertencemos. Não teríamos autoridade para combater os ataques à nossa civilização jurídica se a não respeitássemos no Parlamento.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem! Gostei muito da sua intervenção.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, agora sim, não há mais oradores inscritos, pelo que dou por terminado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 102/VIII, cuja votação será feita, nos termos regimentais, em oportunidade a definir.
A próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, pelas 10 horas, constando, da ordem de trabalhos, de uma sessão de perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Cláudio Ramos Monteiro
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Santana Lopes
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Socialista (PS):
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Ribeiro Moniz
João Pedro da Silva Correia
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Maria do Céu Baptista Ramos
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Fernando da Silva Rio

Partido Popular (CDS-PP):
José Martins Pires da Silva
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís José de Mello e Castro Guedes
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró

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