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Sábado, 27 de Janeiro de 2007 I Série — Número 42

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE JANEIRO DE 2007

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Maria Isabel Coelho Santos

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 10 minutos.
Deu-se conta do relatório da Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional informando da caducidade do processo relativo às apreciações parlamentares n.os 30 a 33/X na sequência da discussão e votação ocorrida na especialidade.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 88/X — Regulamenta os artigos 281.º a 312.º do Código do Trabalho, relativos aos acidentes de trabalho e doenças profissionais, sobre a qual se pronunciaram, a diverso título, além do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (Vieira da Silva), os Srs. Deputados Carlos Andrade Miranda (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Mariana Aiveca (BE), Ricardo Freitas (PS) e Odete Santos (PCP).
Foram igualmente apreciados, em conjunto e na generalidade, a proposta de lei n.º 76/X — Altera a Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, que aprovou o Estatuto do Jornalista, e os projectos de lei n.os 333/X — Altera o Estatuto do Jornalista, reforçando a protecção legal dos direitos de autor e do sigilo das fontes de informação (PCP) e 342/X — Altera o Estatuto do Jornalista (BE). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva), os Srs. Deputados Pedro Mota Soares (CDS-PP), António Filipe (PCP), Alberto Arons de Carvalho (PS), Fernando Rosas (BE), Luís Montenegro (PSD) e Teresa Diniz (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
David Martins
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Horácio André Antunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Bravo Nico
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pereira Ribeiro
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel José dos Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos

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Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Vasco Seixas Duarte Franco
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira

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Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Maria Irene Martins Baptista Silva
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
José Hélder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):

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Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à ordem do dia, mas peço, desde já, à Sr.ª Secretária o favor de nos dar conta do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, cumpre-me informar o Plenário de que foram rejeitadas, na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, as propostas de alteração, apresentadas pelo PCP, aos Decretos-Lei n.os 156/2006, 157/2006, 158/2006 e 161/2006, de 8 de Agosto. Consideram-se, assim, caducos os processos de apreciação parlamentar n.os 30/X, 31/X, 32/X e 33/X.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 88/X — Regulamenta os artigos 281.º a 312.º do Código do Trabalho, relativos aos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (Vieira da Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresentou à Assembleia da República uma proposta de lei que visa regulamentar os artigos 281.º a 312.º do Código do Trabalho, relativos aos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Ao fazê-lo, vem não apenas dar cumprimento ao que foi estipulado no Código do Trabalho, e que estava por regulamentar, mas também concretizar um objectivo consagrado no Programa do Governo, no sentido de valorizar o trabalho como factor de cidadania.
Não é intenção do Governo, com esta proposta, proceder a uma alteração profunda do regime vigente, nem entendemos que seja isso que está verdadeiramente em causa, pois do que precisamos é de avançar, de dar passos positivos numa matéria tão significativa para a protecção dos trabalhadores.
Era fundamental corrigir situações desajustadas quer do ponto de vista constitucional e legal, quer do ponto de vista da aplicação prática da lei, quer ainda do ponto de vista social; era fundamental sistematizar as disposições legais nesta matéria, numa perspectiva de codificação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta que hoje apresentamos procura melhorar o sistema de protecção e valorização das prestações aos sinistrados em acidentes de trabalho, ao mesmo tempo que garante a estabilidade da relação que existe entre a actividade económica que garante esta prestação — a actividade seguradora — e as entidades empregadoras, que são obrigadas a transferir para ela a responsabilidade pela reparação dos danos. Para este efeito, o diploma apresentado introduz várias inovações, das quais destacarei cinco.
A primeira alteração e, provavelmente, a mais significativa é a eliminação da inconstitucionalidade no actual sistema de remição de pensões. Tendo por base a jurisprudência constitucional, consagra-se a verificação cumulativa das condições de remição até aos limites máximos estabelecidos, quer quanto à graduação da incapacidade permanente para o trabalho quer quanto ao valor anual da pensão.
Segunda alteração: revisão do indexante das prestações por acidente de trabalho e doenças profissionais, incorporando já o novo indexante dos apoios sociais, no quadro da reforma da segurança social que está em desenvolvimento.
Como é sabido, na proposta que deu entrada na Assembleia, em Agosto passado, estabelece-se como indexante a pensão mínima mais elevada. Porém, a superveniente aprovação do novo indexante dos apoios sociais faz com que deva ser este o referencial a ter em atenção para efeitos do regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais, e não outro. Trata-se de um valor actualizado todos os anos, que tem por base o anterior valor da retribuição mínima mensal, actualizado pelo índice de preços do consumidor, correspondente à variação média dos últimos 12 meses, e está disponível em Novembro de cada ano, sendo que, para o corrente ano, foi já fixado por portaria de 23 de Janeiro.
Terceira alteração: quando o acidente tenha sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por ele contratada, ou resultar do incumprimento de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, além da indemnização dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, prevista no Código, passa a

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prever-se a atribuição de pensão calculada nos termos aplicáveis aos casos em que não haja actuação culposa do empregador. Esta alteração representa, pois, um aumento da protecção do sinistrado, em caso de culpa da entidade empregadora, de modo a promover a responsabilização das empresas nestes casos.
Quarta alteração: no âmbito dos procedimentos formais, regista-se a introdução de uma modernização, no sentido de a participação a remeter à empresa seguradora passar a ser feita com recurso a meios informáticos, o que permitirá a elaboração de estudos estatísticos de uma forma mais actualizada e fiável, melhorando-se, assim, um instrumento essencial para conhecer, com rigor e profundidade, os impactos sociais e económicos dos acidentes de trabalho.
Quinta alteração, que é, porventura, a par da primeira, uma das mais significativas: atribuição ao sinistrado de um subsídio para a frequência de acções no âmbito da reabilitação profissional, algo que a legislação precedente não previa relativamente a sinistrados por acidente de trabalho.
Trata-se, também aqui, de um novo direito dos sinistrados, que, mais uma vez, concretiza algo que, estando disposto no Código do Trabalho, em matéria de formação profissional, não tinha tradução prática.
No Código do Trabalho, um dos objectivos da formação é justamente «promover a reabilitação profissional de pessoas com deficiência, em particular daqueles cuja incapacidade foi adquirida em consequência de acidente de trabalho». Para a concretização deste direito, a presente proposta de lei prevê, para além da responsabilidade do empregador, transferida para as empresas seguradoras, o desenvolvimento de intervenções a cargo do serviço público competente para o emprego e formação profissional dos trabalhadores, na avaliação da respectiva situação, na concessão de apoios técnicos e financeiros para a adaptação do posto de trabalho e formação profissional, na elaboração de um plano de reintegração profissional dos trabalhadores e em acordos de cooperação com diversas entidades, com vista à reintegração do trabalhador.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta que hoje se apresenta neste Hemiciclo regulamenta o Código do Trabalho e dá cumprimento ao Programa do Governo. Somos, pois, coerentes com as nossas responsabilidades e somos também responsáveis, porque assumimos o empenhamento do Governo numa matéria da maior importância para a qualidade do trabalho em Portugal.
A necessidade de avanços neste domínio é inquestionável — todos estamos de acordo — e estou convicto da justeza das soluções agora propostas. Mas quero também deixar aqui claro que esta é uma proposta aberta aos contributos positivos vindos das restantes formações partidárias, no âmbito da apreciação na especialidade, tal como, aliás, a diversas sugestões recebidas, aquando da apreciação pública, entretanto, ocorrida.
Será vantajoso e até desejável um consenso político e público tão alargado quanto possível em torno do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, na convicção de que é fundamental que haja progressos numa matéria tão importante e que representa uma boa parte da qualidade do trabalho, que é uma ambição das sociedades modernas e de elevado grau de cidadania.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, permita-me que as minhas primeiras palavras sejam de saudação muito especial a V. Ex.ª e de congratulação por termos terminado o ano de 2006 com uma nova diminuição substancial dos acidentes mortais de trabalho em Portugal. Penso que 10,6% representam uma diminuição significativa e que muito deve congratular V. Ex.ª, toda esta Câmara e o País. Foram 157 acidentes mortais, em 2006, contra 169 acidentes, em 2005, 197 acidentes, em 2004, e 219 acidentes, em 2002.
Temos para nós que se trata de uma diminuição sustentada, porque no sector de maior risco, que é o da construção, também se verificou uma diminuição substancial dos acidentes mortais.
Estamos certos de que esta diminuição não resultou de uma conjuntura de abrandamento da actividade económica mas, sim, da conjugação de um conjunto significativo de esforços, ao nível da prevenção, da sensibilização, da formação e da fiscalização.
A propósito da fiscalização, é sabido que o número de inspectores do trabalho e o número de inspecções por ano são decisivos para uma diminuição dos acidentes de trabalho.
Diz-nos a IGT que, no ano de 2006, os inspectores do trabalho realizaram acções de controlo inspectivo em número substancialmente superior às dos anos transactos: foram visitadas mais 3495 empresas do que em 2005. Trata-se de progressos extremamente importantes, Sr. Ministro.
Entretanto, o Sr. Ministro determinou, recentemente, alterações orgânicas com incidência directa no corpo de inspecção, fundindo a Inspecção-Geral do Trabalho com o Instituto para a Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, o que resultará numa futura «Autoridade para as Condições do Trabalho», decorrendo, eventualmente, do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado, e induz, necessariamente, às perguntas que lhe quero dirigir.
Em primeiro lugar, o que é que as funções inspectivas, em matéria de inspecção das condições do trabalho, vão ganhar com esta fusão? É porque, aparentemente, havia alguma «antipatia» na cultura de

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ambos os institutos… Que meios financeiros vai V. Ex.ª conseguir libertar e economizar com esta fusão? Vai consigná-los, exactamente, ao reforço da acção inspectiva ou vamos assistir a uma restrição orçamental, de que, aliás, V.
Ex.ª é acusado pela Associação Portuguesa dos Inspectores do Trabalho? São, no fundo, estas as primeiras perguntas que, hoje, lhe quero dirigir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda, de facto, a valorização que fez da evolução que se tem registado ao nível dos acidentes de trabalho é acertada e muito positiva.
A sociedade portuguesa, a economia portuguesa e as empresas portuguesas têm vindo a reforçar os seus mecanismos de combate a esta que é uma das chagas da nossa organização social.
Sabemos que, apesar de a redução que citou ser, na minha opinião, uma redução consistente, com capacidades para se assumir como sustentável, porque não integra apenas um ou outro sector de actividade, é generalizada, regista-se nos sectores de actividade que tiveram um comportamento económico mais dinâmico e nos que tiveram um comportamento económico menos dinâmico — é, pois, de valorizar de forma significativa este resultado —, continuamos, como todos sabemos, a possuir dados, em termos de comparações internacionais, que estão longe de nos colocar junto dos países mais avançados, ou seja, estamos próximos dos primeiros na redução dos níveis de sinistralidade mas não nos seus valores absolutos.
Aquilo que lhe posso responder, Sr. Deputado, relativamente à alteração orgânica, que foi o essencial das suas questões, é que ela irá ser feita em benefício da eficácia de ambas as funções, isto é, da função inspectiva e de prevenção.
É já longa a história da organização institucional deste sector, várias modalidades foram ensaiadas e penso que nenhuma delas cumpriu cabalmente os objectivos conjuntos de melhorar os níveis de prevenção e inspectivos na área das condições do trabalho.
Estamos, pois, convictos de que esta integração institucional, além de se traduzir numa redução objectiva dos custos administrativos de todo o sector, vai permitir um aumento da eficácia, nomeadamente, libertando meios do sector da inspecção para a actividade de facto inspectiva e não para actividades colaterais, como as de apoio administrativo e técnico ou de informação, que é o que acontece hoje ainda, infelizmente, com relevância.
E posso dar a garantia de que nesta área o Ministério do Trabalho e o Governo têm a intenção de continuar a reforçar os meios do sector, de dirigir as poupanças para essa actividade e não para qualquer outra e, portanto, de continuar a criar as condições institucionais para que esta redução possa ser efectivamente sustentada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Traz o Governo a esta Câmara uma proposta de lei que visa regulamentar a reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais. O que se faz com esta proposta, tal como assumido pelo Governo na exposição de motivos, é a sistematização das matérias numa perspectiva de codificação. Porém, algumas alterações são introduzidas, e algumas com um significado bem expressivo.
Mas, antes de mais, importa delimitar o âmbito em que se insere este debate.
Segundo a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, todos os anos morrem na Europa cerca de 5500 trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho e ocorrem 4,5 milhões de acidentes de trabalho.
Quanto à realidade em Portugal, deixo-vos os seguintes números para reflectir: segundo dados da Inspecção-Geral do Trabalho, em 2002, morreram 219 trabalhadores; em 2003, 181 trabalhadores e, em 2005, 169 trabalhadores. Só no ano passado, 157 trabalhadores perderam a vida vítimas de acidentes de trabalho.
Apesar da diminuição, não poderemos deixar de encarar este problema como algo de muito preocupante. Tudo isto acontece porque, quer nos acidentes de trabalho quer em relação às doenças profissionais, temos de reconhecer que ainda há muito a fazer.
Estes níveis de sinistralidade laboral são elevadíssimos e não são próprios de um país que se pretende moderno e evoluído. São, por isso, uma preocupação fundamental para o CDS-PP.
Noutros países da União Europeia esta matéria tem conduzido à institucionalização de centros de apoio onde se desenvolve uma política de sensibilização e de envolvimento das entidades patronais na promoção

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dos problemas da saúde e prevenção de acidentes do trabalho. Em Portugal, o sentido parece ser o contrário.
O Instituto para a Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, criado pela anterior maioria e que está a desempenhar esta tarefa com resultados visíveis, está agora à beira da extinção, sem que percebamos com que justificação concreta.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O infortúnio de um acidente na vida de um trabalhador não pode ser transformado num número contabilístico. A cada acidente de trabalho corresponde um drama pessoal e familiar. Tantas vezes é restringido o único sustento de uma família.
O sistema de segurança social, em sentido lato, tem de proteger adequadamente os trabalhadores em situação de diminuição de capacidade para o trabalho, assim como o direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional. Neste sentido, o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a compensação pela perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores resultante de infortúnios na prática de uma actividade laboral.
Por isso, compreende-se que se tal perda não for demasiado acentuada, ou seja, se o acidente não implicar a futura continuação do desempenho do trabalho, se permita, se essa for a vontade do trabalhador, que a pensão possa ser transformada em capital, de modo a que seja aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera percepção de uma renda anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência digna a quem quer que seja, caso, obviamente, o trabalhador escolha esta opção.
Do exposto resulta que não deverá ser restringido o direito de opção do trabalhador vítima de acidente de trabalho. É importante que o trabalhador vítima do acidente possa escolher aquilo que se adequa mais à sua situação económico-social.
Com o regime actual a lei presume, sem que nada concorra para tal presunção, que os trabalhadores a quem foi atribuída uma incapacidade permanente parcial inferior a 30% e, consequentemente, uma pensão de reduzido valor, mantêm uma capacidade de ganho que lhes permite subsistir sem o pagamento mensal da pensão que lhes foi atribuída, sendo obrigatória a remição da pensão. Assumindo esta presunção como boa, fica prejudicado o direito de opção do trabalhador, tratando de forma diferente o que na prática são situações idênticas, podendo, assim, estar-se perante uma discriminação materialmente infundada.
Também o Provedor de Justiça sublinhou a natureza essencialmente social dos direitos dos pensionistas em causa na lei em vigor. Na opinião do Sr. Provedor de Justiça este regime jurídico sobre acidentes de trabalho acolheu, inegavelmente, uma pretensão há muito reivindicada pela globalidade das companhias de seguros. Ao admitir a remição de pensões de valor exíguo, nos termos em que foi consagrado na lei, o legislador contribuiu para a redução considerável dos encargos correntes das seguradoras.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso é verdade!

O Orador: — Paralelamente a esta opinião também o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a inconstitucionalidade de algumas disposições em vigor.
O Tribunal Constitucional entende que o não estar previsto o poder de o trabalhador ponderar se, atento o diminuto quantitativo da pensão, se não se revelaria mais compensador a efectivação da remição redunda na consagração de uma discriminação materialmente infundada, actuando como um obstáculo a que o sistema de segurança social proteja adequadamente os trabalhadores em situações de diminuição de capacidade de trabalho e do direito dos trabalhadores à justa reparação quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
Da decisão do Tribunal Constitucional pode concluir-se que a disposição em causa foi considerada inconstitucional, num primeiro momento, por restringir o direito de opção do sinistrado e, num segundo momento, por atentar contra os direitos dos trabalhadores constitucionalmente adquiridos.
Sr.as e Srs. Deputados: O Governo, nesta proposta, em virtude da declaração destas inconstitucionalidades, propõe a alteração do regime vigente, deixando de ser obrigatória a remição para os casos de incapacidade superiores a 30% e sendo esta obrigatoriedade de remição apenas prevista para os casos de incapacidade permanente parcial a 30% ou inferior e desde que o valor da pensão não exceda seis vezes o valor da pensão mínima mais elevada do regime geral. Em bom rigor, continua a existir uma limitação ao direito que os trabalhadores sinistrados têm de optar, obrigando-os a resignarem-se com a remição da pensão.
E, assim, o CDS entende que uma boa alternativa a consignar nesta mesma lei seria a possibilidade de o trabalhador poder requerer a remição anual ou plurianual da pensão e dentro dos condicionalismos previstos, assim se salvaguardando também quer o beneficiário da pensão quer a instituição pagadora, em função dos custos de transacção.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Registamos com agrado a regulamentação da ocupação e reabilitação do trabalhador. E registamos que o Grupo Parlamentar do PS e o Governo, afinal, dão razão ao CDS.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

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O Orador: — Ao regular as intervenções do serviço público competente para o emprego e formação profissional promovida pelo empregador, na elaboração de um plano de reintegração profissional do trabalhador e através de acordos de cooperação com vista à sua reintegração, o Governo mais não faz do que acolher a proposta de alteração à Lei de Bases da Segurança Social apresentada pelo CDS a esta Câmara.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Se bem se recordam, o CDS apresentou uma proposta de alteração ao artigo 107.º, n.º 2, da Lei de Bases da Segurança Social, sobre acidentes profissionais, em que pretendia que o regime jurídico de protecção obrigatória em caso de acidente de trabalho consagrasse «uma eficaz e coerente articulação com o sistema público de segurança social e com o sistema nacional de saúde, designadamente no que diz respeito à melhoria do regime legal das prestações, à tabela nacional de incapacidades, à prevenção da sinistralidade laboral, à determinação da actualização das prestações e à assistência adequada aos sinistrados com o objectivo de promover a sua reabilitação e reinserção laboral e social.» Esta proposta, espantosamente, foi rejeitada pelo Grupo Parlamentar do PS!!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Orador: — No entanto, verificamos com agrado que a mesma é igual àquela que hoje faz parte da proposta de lei do Governo,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — … pelo que o CDS aplaude a evolução do Partido Socialista nesta matéria.
Para terminar, temos de dizer também que o mesmo não fazemos quanto a algumas alterações substanciais nesta lei, as quais não merecem o nosso acolhimento, como, por exemplo, no cálculo de algumas prestações, em que é substituída a referência à remuneração mínima mensal garantida pela pensão mínima mais elevada do regime geral, desprotegendo alguns trabalhadores em situações muito concretas.
O CDS entende que esta alteração é uma forma encapotada de reduzir significativamente algumas das prestações devidas aos sinistrados, o que agravará, certamente, o regime reparatório dos trabalhadores acidentados, já de si em posição debilitada.
Também a questão prevista no artigo 41.º desta proposta, da ampliação da prestação suplementar da pensão, nos merece muitas dúvidas, que levantaremos no debate na especialidade.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 10 de Fevereiro de 2006, ocorreu nesta Assembleia uma importante discussão sobre os acidentes de trabalho e as doenças profissionais. Reafirmamos hoje o que então referíamos como intolerável e completamente absurdo: que, estando o mundo perante um desenvolvimento sem precedentes das forças produtivas devido aos avanços extraordinários da ciência e da técnica, todos os anos ocorram 270 milhões de acidentes de trabalho, segundo as estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Reafirmamos hoje o que então referimos como intolerável e completamente absurdo: que todos os dias morram, em média, 6000 pessoas devido a acidentes de trabalho ou doenças profissionais, totalizando mais de 2,2 milhões de mortes relacionadas com o trabalho, e que em cada 5 segundos haja, na União Europeia, um acidente de trabalho.
Nessa discussão foi posição unânime de todas as bancadas que a lei existente sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais precisava de ser mudada no sentido de uma maior protecção aos sinistrados do trabalho. Era, pois, esperado que o Governo do Partido Socialista nos trouxesse aqui hoje uma proposta de lei que rompesse com um conjunto de conceitos constantes na actual lei e agravados pelo «código Bagão Félix», que desconsidera o trabalhador sinistrado enquanto ser humano e cidadão pleno,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — … reduzindo-o apenas e só à sua capacidade produtiva, tratando-o como mera peça de uma máquina.
Continuar a considerar que os dispositivos reparatórios de acidentes de trabalho não tutelam o direito à vida e à integridade física do trabalhador, bens considerados constitucionalmente como fundamentais, apenas protegendo a redução da capacidade para o trabalho ou ganho, é continuar a tratar este problema com

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a maior das discriminações em comparação com outros regimes de reparação de acidentes, nomeadamente os ocorridos fora do trabalho.
Era, pois, esperado que o Governo do Partido Socialista nos trouxesse aqui uma proposta de lei que melhorasse substancialmente a protecção nestas eventualidades, que, como bem se sabe, estão apenas e só a cargo das seguradoras, que, na sua perspectiva de máximo lucro, se desresponsabilizam a maior parte das vezes das suas obrigações, levando os sinistrados a terem de recorrer aos seus próprios meios, quando os têm, para melhor serem tratados e socorridos.
Por outro lado, não se compreende por que o Governo apresenta uma proposta em que se prevê a remição facultativa para os casos das doenças profissionais sem carácter evolutivo e não permite tal remição facultativa para o sinistrado em caso de acidentes de trabalho. Não se percebe qual o motivo para esta benesse para as seguradoras.
De facto, o Bloco de Esquerda refere no seu projecto sobre esta matéria — o qual, como bem se lembram as Sr.as e os Srs. Deputados, baixou à comissão por um prazo de 90 dias e já lá vai um ano… — que muitos dos sinistrados preferem receber ainda que pouco todos os meses do que receber o capital de uma só vez.
Continuamos a considerar — e connosco estão também as organizações representativas dos sinistrados e associações sindicais — que o regime de remição das pensões deve ser facultativo, deve ser uma opção do beneficiário sinistrado, porque só assim se salvaguarda a sua liberdade de opção numa perspectiva de respeito pelos direitos e dignidade humana.
Aliás, esta nossa opinião encontra perfeito acolhimento no Acórdão n.º 322/2006 do Tribunal Constitucional, onde se pode ler: «É certo que a obrigatoriedade de remição traz óbvias vantagens para a seguradora, obrigada a pagar, repetidamente e durante um longo período de tempo, inúmeras pensões de reduzido montante e que, por essa via, o novo regime se explica facilmente por critérios de racionalidade económica».
Não se compreende igualmente a razão que leva o Governo a manter a disposição que confere a possibilidade de escolha do médico assistente somente à entidade responsável pelo pagamento. Mais uma vez se desrespeita também a vontade e os direitos dos sinistrados! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Ministro manifestou aqui toda a disponibilidade e abertura para, em sede de discussão na especialidade, aceitar os contributos das diversas bancadas. Esperamos para ver e esperamos, sinceramente, que essa abertura se concretize.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Consideramos que a integração do regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais no Código do Trabalho é uma opção errada. Esta é uma matéria que deve ser objecto de regulamentação autónoma e distinta do Código. Era suposto que o Governo e o Partido Socialista, que tão críticos foram na oposição ao «código Bagão Félix», se mantivessem fiéis a essa crítica e nos apresentassem, hoje, para discussão, uma proposta que consubstanciasse essa mudança de agulha. Esse distanciamento não aconteceu, porque o PS hoje é Governo. Longe vão os tempos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Ricardo Freitas.

O Sr. Ricardo Freitas (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Sr.
Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: A discussão da iniciativa legislativa vertente permite-nos retomar uma temática já recorrente nesta Assembleia da República e que assume importância fundamental no quadro das relações laborais, em particular no plano dos direitos dos trabalhadores.
Para o Partido Socialista, que assume o trabalho como um factor de cidadania social, a promoção e o reforço dos direitos dos trabalhadores face ao infortúnio laboral, seja no plano da prevenção seja no da reparação, deve constituir um dos eixos fundamentais das políticas laborais e sociais.
A justa reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constitui inegavelmente um direito de cidadania dos trabalhadores. Neste quadro, entendemos que uma sociedade incapaz de promover uma adequada e efectiva política de prevenção dos riscos em meio laboral e que não aposte seriamente na reinserção socioprofissional dos seus cidadãos, é uma sociedade progressivamente desumanizada e que põe em crise o direito a uma existência digna.
Por isso, saudamos esta iniciativa legislativa do Governo que não se limita a manter o actual regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais. Antes pelo contrário, introduz-lhe diversas melhorias e aperfeiçoamentos no plano da sistematização e no plano das soluções normativas que integra, em particular no que respeita ao regime de remissão de pensões e à reinserção socioprofissional dos trabalhadores vítimas de infortúnio laboral, contribuindo, assim, para o aprofundamento dos direitos dos trabalhadores portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No domínio da reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, o Partido Socialista — todos hão-de reconhecer — tem andado bem.
Permito-me, aqui, recordar que, durante mais de três décadas, os trabalhadores portugueses laboraram

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sob a égide de um edifício jurídico do infortúnio laboral, que se mostrava omisso, desajustado e prejudicial à tutela dos direitos dos trabalhadores.
Esta situação só foi possível inverter graças ao governo do Partido Socialista, através da aprovação da Lei n.º 100/97 e respectiva regulamentação.
A aprovação, em 1997, do novo Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, que se mantém ainda hoje em vigor, assentou claramente numa lógica de reforço dos direitos dos trabalhadores, traduzida, por exemplo, no alargamento do conceito de acidente de trabalho, na instituição de novos apoios e na revalorização das prestações.
Entretanto, como é consabido, o Código do Trabalho, aprovado em 2003, procedeu à revisão e codificação da legislação laboral que se encontrava dispersa e, embora tenha abraçado o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, manteve em vigor o actual regime, até à aprovação de uma nova regulamentação.
Ora, a proposta de lei hoje em discussão tem, precisamente, o objectivo central de regular o Código do Trabalho na parte atinente à reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Assim, mantendo o núcleo essencial do edifício jurídico aprovado pela Lei n.º 100/97 e respectiva regulamentação, a iniciativa legislativa em debate aponta claramente para uma significativa melhoria da sistematização das matérias a tratar, corrige as situações que se mostram inadequadas e inova em domínios fundamentais para a tutela dos direitos dos trabalhadores.
Com efeito, passados quase 10 anos sobre a aprovação do regime jurídico de reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, importa proceder à sua avaliação, de modo a corrigir e a aperfeiçoar aspectos que se revelaram desajustados e desconformes face aos interesses em presença e incluir todos aqueles que concorram para um regime mais justo e equilibrado.
Em nosso entendimento, os enquadramentos jurídicos, sejam quais forem, não podem nem devem permanecer imutáveis. Antes pelo contrário, devem adequar-se às novas realidades, sob pena de perder a sua eficácia.
Neste contexto e sem prejuízo de poder vir a ser melhorada em sede de especialidade, nomeadamente nos aspectos aqui hoje referenciados pelo Sr. Ministro, a proposta de lei n.º 88/X incorpora já, à partida, soluções normativas, umas correctoras de situações desajustadas outras inovadoras, que se mostram justas e equilibradas e, nesse sentido, estamos seguros, a sua aprovação contribuirá para o reforço dos direitos dos trabalhadores.
Entre os aspectos inovadores desta iniciativa legislativa que concorrem para uma melhoria significativa do regime de reparação em vigor, permito-me, Sr.as e Srs. Deputados, destacar, em traços gerais, pela sua importância para este debate, os seguintes: primeiro, o direito do trabalhador, no caso de acidente de trabalho provocado por actuação culposa do empregador, à pensão calculada nos termos aplicáveis aos casos em que não haja actuação culposa do empregador, sem prejuízo da indemnização dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais; segundo, o reconhecimento ao beneficiário legal do sinistrado do direito ao pagamento de transporte sempre que for exigida a sua comparência em acto judicial; terceiro, a garantia do trabalhador sinistrado ou vítima de doença profissional à reabilitação e à reintegração profissional e à adaptação do respectivo posto de trabalho, cabendo ao empregador assegurar a sua ocupação e criar as condições adequadas à sua integração no mercado de trabalho; quarto, o direito do trabalhador sinistrado a um subsídio para a frequência de acções de formação para a sua reabilitação profissional; quinto, aperfeiçoamento e melhoria das normas relativas a apoios, nomeadamente em matéria de encargos com assistência de terceira pessoa ao trabalhador sinistrado e que se encontre em situação de dependência, bem como ao nível das ajudas técnicas, como seja a substituição e reparação de próteses; sexto, o abandono da regra segundo a qual a pensão por acidente de trabalho só pode ser revista no prazo de 10 anos posteriores à sua fixação, passando-se a permitir a sua revisão a todo o tempo, excepto nos dois primeiros anos em que só pode ser requerida uma vez no fim de cada ano; sétimo, a melhoria das regras aplicáveis à remissão obrigatória das pensões, impondo a verificação cumulativa das condições actualmente previstas, isto é, passarão apenas a ser obrigatoriamente remidas as pensões devidas por incapacidade permanente para o trabalho inferior ou igual a 30% e cujo valor anual não exceda um determinado número do indexante de apoios sociais (IAS) — com esta alteração é expurgada a inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 34/2006, e consagra-se um regime de remissão mais justo e equilibrado;…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Isso é verdade, mas é só isso!

O Orador: — … oitavo, a regulamentação do trabalho a tempo parcial e da licença para formação ou novo emprego de trabalhador sinistrado ou vítima de doença profissional; nono, a intervenção activa dos serviços públicos de emprego no processo de reabilitação e reintegração profissional dos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais; décimo — e vou ficar por aqui, mas podia dizer mais —, a possibilidade de celebração de acordos de cooperação entre as entidades públicas e privadas, visando a reabilitação e reintegração profissional daqueles trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Como facilmente se constata, esta é

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uma iniciativa legislativa globalmente positiva, quer quanto aos objectivos quer quanto às soluções que apresenta, e que encerra transformações, cujos alcance e impacto social são evidentes.
Por isso, repito, sem prejuízo de estarmos totalmente abertos e receptivos a todas as propostas que possam convergir para o aperfeiçoamento e a melhoria do quadro legal da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais que se pretende aprovar, a proposta de lei n.º 88/X conta com o apoio inequívoco do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Procurando sintetizar a posição do Grupo Parlamentar do PSD, direi, numa primeira nota, que a estabilidade legislativa é amiga do aprofundamento das boas práticas e evita soluções de continuidade no esforço pedagógico da prevenção.
O regime jurídico da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, que o Governo nos propõe, não introduz fracturas no ordenamento jurídico vigente , o que é bom.
E mesmo os aspectos inovatórios introduzidos não contrariam esta apreciação geral e serão objecto de um debate na especialidade com mais minúcia, incidindo mais fortemente as nossas apreciações críticas sobretudo no que toca ao regime da revisão de pensões e aos mecanismos de reabilitação profissional dos trabalhadores.
Mantêm-se basicamente inalterados os três pilares em que assenta a protecção nos acidentes de trabalho: a prevenção de acidentes; a reparação dos danos; a reabilitação dos sinistrados.
Permitam-me, no entanto, que coloque, aqui, hoje, o acento tónico no pilar da prevenção, que é aquele, por sinal, cuja regulamentação se torna mais fácil para o Governo, na medida em que as autoridades da União Europeia sobre ele exercem uma maior actividade interventiva, de aplicação a todos os Estadosmembros.
Neste sentido, importa continuar a transpor de forma sistemática e célere para o direito português as directivas comunitárias.
Em matéria de prevenção de acidentes de trabalho, não há falta de legislação. A legislação é adequada.
Os regulamentos de prescrições mínimas de segurança e saúde dos trabalhadores são minuciosos e abundantes.
Há, no entanto, falta de formação e de fiscalização. Importa, rapidamente, incutir uma cultura de prevenção quer nos trabalhadores quer nos empregadores.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — O modelo de segurança deve assentar na gestão organizacional dos riscos e dos factores humanos. E, para alcançar este objectivo, é preciso levar a informação sobre a legislação para dentro das empresas e fazê-las compreender que as normas sobre segurança são um factor de produtividade.
É aqui que nos deparamos com o nó górdio.
Num país em que o tecido empresarial é constituído, em mais de 95%, por pequenas empresas, muitas delas com menos de 10 trabalhadores, e, pois, legalmente isentas de uma organização interna virada para a segurança; num país de baixíssimo nível de formação dos trabalhadores e dos empresários, convenhamos que corremos um sério risco em matéria de acidentes de trabalho.
São, aliás, unânimes as conclusões dos diversos estudos sobre esta matéria, que apontam no sentido de que as principais razões para o baixo nível no cumprimento da legislação são as seguintes: falta de informação e de orientação específicas e transmitidas de forma compreensível; capacidades e competências reduzidas para gerir a segurança e saúde no trabalho; falta de recursos para assegurar uma formação básica adequada dos gestores e dos trabalhadores em matéria de segurança e de saúde do trabalho; acesso difícil a assistência técnica específica e especializada.
Face a esta situação, que o Sr. Ministro tão bem conhece, impõe-se que se recomende vivamente ao Governo que canalize para esta falha o máximo de fundos que lhe vão ficar disponíveis no âmbito do Quadro de Referência Estratégica Nacional. Absolutamente indispensável! É precisamente sobre a eficácia dos programas de informação e formação que o PSD vai promover a mais vigorosa atenção e intervenção fiscalizadora da Assembleia da República durante este ano de 2007.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Sr.
Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Foi já na remota VI Legislatura que o PCP iniciou a apresentação de projectos de lei tendentes a reparar as injustiças de um regime legal relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais. Visavam eles aproximar a reparação de um regime justo que considerasse o trabalhador como um cidadão e não como mera máquina de fazer lucro. Visão economicista esta, da máquina, que perpassava, e ainda perpassa, na actual legislação e na presente proposta de lei — que, aliás, o confessa sem rebuço, o que a torna muito semelhante à de 1997 e 1999.
E, por isso, desde essa altura que temos vimos a propor o alargamento do conceito de acidente de trabalho, que não foi totalmente adquirido, apesar das melhorias, na lei de 1997. Propusemos a alteração das regras de cálculo das indemnizações e das pensões e a actualização daquelas pensões, que nunca foram actualizadas, porque, entretanto, foram aprovados diplomas em 1997 e 1999 que ordenaram a remição obrigatória dessas pensões sem actualização, tendo os trabalhadores recebido uma miséria.
Propusemos uma nova forma de cálculo de remição de pensões.
Veio, depois, a VII Legislatura e a repetição das iniciativas legislativas e, finalmente, a proposta de lei do governo PS, do Sr. Eng.º Guterres, que se transformaria em lei, sem que, no entanto, e depois de tanta espera por justiça, justiça tivesse sido feita às vítimas do infortúnio laboral. Por isso, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, permita-me que discorde quando aponta o Código do Trabalho como culpado. O Código do Trabalho repete as culpas da legislação anterior de 1997 e de 1999.
É sabido — e várias vezes o dissemos neste Hemiciclo — que, quanto mais caro se torna reparar, mais se investe na prevenção. E esta é a causa que faltou referir na intervenção do Sr. Deputado Carlos Miranda, que disse que ia elencar as causas. Uma das causas de haver mais acidentes é porque é barato reparar…

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Exactamente!

A Oradora: — … e, então, não se investe na prevenção porque é mais caro.
Falaram sempre mais alto os interesses das seguradoras, interessadas na mercantilização do seguro do trabalho, no embaratecimento do prémio do seguro, logo, interessadas em reparar por nível baixo, para o que necessitam de uma Tabela Nacional de Incapacidades feita à medida dos seus objectivos e não à medida da dignidade do homem social, do homem integral que é o trabalhador.
Aí começa a teia que tem conduzido a que o seguro do trabalho seja realmente uma fonte de lucro para as seguradoras. Por isso, nunca quiseram largar mão, para a segurança social, deste ramo.
Com efeito, é bem patente, pelos resultados conhecidos, que a Tabela Nacional de Incapacidades em vigor se caracteriza por um pendor economicista de acordo com a visão das seguradoras, para quem haverá apenas que reparar a perda da capacidade de ganho e, mesmo assim, não toda.
A Tabela não leva em conta a real situação portuguesa de ausência de apoio social para os trabalhadores em caso de infortúnio laboral.
A Tabela nem sequer contempla alguns casos, gravíssimos, de doenças músculo-esqueléticas que são classificadas quantas vezes como doença natural e, no entanto, são devidas a exposição, no trabalho, a riscos identificados mas não corrigidos, da responsabilidade da entidade patronal, incapacitando, por vezes, de forma definitiva, para o trabalho. Veja-se o que aconteceu a trabalhadoras jovens da empresa outrora chamada «Ford Electrónica».

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

A Oradora: — Encontrando-se em revisão a Tabela existente, importaria que o Governo explicitasse se continua a acolher a visão economicista das seguradoras, como tudo parece indicar.
O que se anuncia nesta proposta de lei, que, nalguns casos, piora o regime existente, faz recear que também por aquela via, pela Tabela, se atenda aos interesses das seguradoras em prejuízo de quem trabalha. Com efeito, pelo que se sabe da revisão em curso, o trabalhador também aí poderá voltar a ser encarado como uma peça da engrenagem, numa visão «taylorista» do trabalho.
No Congresso Nacional de Acidentes de Trabalho, intitulado Da Prevenção à Reabilitação», realizado em 2005, o Sr. Ministro do Trabalho disse: «Subsistem, como se sabe, bloqueios sérios na aplicação da legislação sobre reparação junto dos sinistrados dos acidentes de trabalho. Mas esta situação é mais do que injusta, é insustentável». Pois, apesar de ser insustentável, só quase dois anos depois estamos a debater uma proposta de lei que poucas novidades tem relativamente à legislação existente, sendo que algumas das novidades são amargas porque ainda pioram o regime actual.
A proposta continua a considerar o trabalhador como uma máquina com uma determinada capacidade de ganho e, em caso de morte, o que repara é tão-só a sua capacidade de gerar rendimentos.
Não é tutelado, na proposta de lei como na actual legislação, nem o direito à vida nem o direito à integridade física. Nada se avançou.

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Como nada se avançou relativamente à reparação dos danos não patrimoniais. O trabalhador está proibido de sofrer.
Como nada se avançou com vista à reparação total da desvalorização sofrida, o que tem subjacente a ideia de que aquela máquina vai ficar desvalorizada, pelo que não valerá a pena gastar muito com ela.
Mas também nada se altera, pelos menos à primeira vista, quanto às tabelas de remição de pensões. O diploma continua a remeter para uma portaria (sem possibilidade de ser submetida à apreciação parlamentar). É aí, nas portarias que têm sido publicadas, que também se tem espoliado os sinistrados do trabalho.
Efectivamente, a adopção de elevada taxa de juro (a taxa de juro que foi adoptada é elevadíssima) faz baixar, em muito, o capital de remição, enquanto a tábua de mortalidade antiquada, numa altura em que já são conhecidas tábuas actualizadas de acordo com uma maior esperança de vida — estão publicadas na Internet, no site francês, que é de onde tiram as nossas tábuas —, também por sua vez faz baixar o capital de remição. Com o que, mais uma vez, se protegem as seguradoras.
O caucionamento das pensões é, assim, feito num montante mais baixo, ficando as seguradoras com capital liberto para investirem nos mercados financeiros.
Passando pelos interstícios dos acórdãos do Tribunal Constitucional, que consideraram inconstitucional…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Sr.ª Deputada, é sempre um prazer ouvi-la. O problema é que já ultrapassou o seu tempo em 1 minuto e 30 segundos.

A Oradora: — Pois é, Sr. Presidente. Vou abreviar, mas já estou no final.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Pois! Isso, Sr.ª Deputada, já percebemos! Já lemos nos jornais.

A Oradora: — Está a fazer-me perder tempo e o Sr. Deputado gastou mais do que eu! Como dizia, passando pelos interstícios dos acórdãos do Tribunal Constitucional, o que o Governo agora prevê constitui mais um brinde às seguradoras. Considera-se inadmissível que, dentro dos parâmetros estabelecidos, seja obrigatória a remição de pensões devidas por desvalorizações iguais a 30%. Assim se vão descartando as seguradoras de mais alguns trabalhadores.
Destacar-se-á também como nocivo…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Sr.ª Deputada, tem mesmo de concluir.

A Oradora: — Sr. Presidente, estou mesmo a terminar e tenho estado a abreviar.
Destacar-se-á como nocivo, repito, que se substitua a referência ao salário mínimo nacional pela referência à pensão mínima mais elevada da segurança social. Isto, por exemplo, no subsídio a terceira pessoa, é efectivamente muito grave.
Restam outras perplexidades, como o regime diferente, para pior, nos casos de acidente de trabalho, relativamente ao que está estabelecido nos casos de doenças profissionais, no que toca aos subsídios de férias e de Natal.
Por que razão é que o regime é diferente? Porque os casos de doenças profissionais recebem mais do que os de acidente de trabalho. Será que isto também é outra forma de proteger as seguradoras? Muito obrigada, Sr. Presidente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — A concluir o debate, para uma intervenção, tem a palavra o Sr.
Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de realçar três ou quatro pontos deste debate que me parecem importantes.
Em primeiro lugar, o facto de ter sido afirmado, pelo Governo e também pelos partidos da oposição e pelo partido que apoia o Governo, que o debate na especialidade será uma boa ocasião para, construtivamente, melhorarmos esta proposta de lei no sentido de a tornarmos mais consensual e um instrumento ainda mais eficaz em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Gostaria, também, de chamar a atenção para duas alterações deste diploma que são da maior importância.
Uma, a que limita efectivamente a possibilidade de remição, ao considerar que as condições do montante dessa remição e de percentagem de incapacidade são apreciadas cumulativamente. Esta é uma alteração da maior importância.
Uma outra é a que tem a ver com a regulamentação da reabilitação profissional. Hoje, em todos os países da Europa e do mundo, que têm mais desenvolvidos instrumentos de protecção em casos de acidente de trabalho, essa é a dimensão crucial. É que, se a reparação é necessária, se a compensação de rendi-

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mentos é essencial, não podemos condenar à inactividade os trabalhadores que ficaram numa situação de diminuição da sua capacidade de trabalho. A reinserção profissional é a melhor forma de garantir a coesão social e o respeito pela dignidade da pessoa humana.
Finalmente, gostaria de dizer que o trabalho de revisão da Tabela de Incapacidades é, de facto, da maior importância.
Aproveito para informar a Câmara que esse trabalho, que está em desenvolvimento há algum tempo, foi concluído, com o consenso dos parceiros sociais que tinham participação na comissão responsável pela reavaliação dessa Tabela de Incapacidades.
Portanto, são infundados os receios que pudessem existir de que essa revisão da Tabela de Incapacidades, no domínio laboral, conduziria a qualquer redução da eficácia reparadora do nosso sistema de protecção,…

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

… a não ser que queiramos integrar nessa perspectiva o parecer e a colaboração dos parceiros sociais, nomeadamente as centrais sindicais.
Termino como comecei, dizendo que julgo que a Assembleia tem uma boa ocasião — e o Governo dará toda a sua contribuição — para sairmos deste processo legislativo com uma melhor lei, uma lei mais eficaz, uma lei que cumpra de forma adequada os grandes objectivos de protecção dos trabalhadores em caso de acidente de trabalho e doença profissional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Srs. Deputados, concluído o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 88/X, passamos à apreciação conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 76/X — Altera a Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, que aprovou o Estatuto do Jornalista, e dos projectos de lei n.os 333/X — Altera o Estatuto do Jornalista, reforçando a protecção legal dos direitos de autor e do sigilo das fontes de informação (PCP) e 342/X — Altera o Estatuto do Jornalista (BE).
Para dar início ao debate, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na sua versão actual, o Estatuto do Jornalista data de 1999. É uma boa lei, mas necessita de alterações. Por várias razões: porque algumas disposições se revelaram ambíguas, caso do sigilo profissional; porque outras foram postas em crise por legislação subsequente, caso da invocação da cláusula de consciência; porque se previa a regulamentação subsequente dos direitos de autor dos jornalistas, mas nunca foi efectivada; porque se estabeleciam deveres profissionais, mas nenhuma sanção para a sua eventual violação; e porque alguns preceitos ficaram obsoletos face à evolução da profissão, designadamente quanto à formação académica dos jornalistas.
A proposta do Governo foi longamente preparada. Esteve em debate público durante quase um ano e foi pormenorizadamente discutida com os representantes dos profissionais e das empresas.
Creio que o texto que agora apresento responde às preocupações essenciais expressas pela profissão, contém soluções equilibradas e razoáveis, nos pontos em que se confrontavam interesses igualmente legítimos mas antagónicos entre si, e constitui um avanço real face à situação presente. Mas, desde já, manifesto total disponibilidade para aperfeiçoamentos em sede de discussão na especialidade.
A finalidade é clara: valorizar a profissão dos jornalistas. Para isso, o Governo propõe três opções fundamentais: a primeira é a de delimitar melhor o exercício da profissão; a segunda é a de reforçar os seus direitos; a terceira é a de reforçar os seus deveres.
A melhor delimitação da profissão consegue-se, nomeadamente, com o alargamento das incompatibilidades. Com a nova lei, será inequívoca a incompatibilidade do jornalismo com o exercício de cargos políticos e respectivas assessorias e com o exercício de funções de publicidade, marketing, relações públicas, assessorias de imprensa ou consultoria em comunicação e imagem; e quem, depois de exercer funções incompatíveis, retomar a actividade jornalística não poderá fazê-lo, durante um semestre, nas áreas editoriais relacionadas com essas funções.
Também no sentido da melhor delimitação da profissão vão a proposta de redefinição da actividade, com menção expressa à capacidade editorial e aos fins informativos; a subida da qualificação académica exigível, para o nível superior; ou a densificação das regras sobre os estágios profissionais.
A segunda opção fundamental é a de reforçar os direitos dos jornalistas. Estendem-se as competências dos conselhos de redacção; esclarecem-se os direitos associados à garantia da independência dos jornalistas, designadamente, a cláusula de consciência ou a recusa de instruções de natureza editorial não provenientes da estrutura redactorial; precisa-se o alcance do sigilo profissional; e valorizam-se os direitos de autor constitutivos da independência profissional dos jornalistas.
Gostaria de me demorar um pouco sobre o sigilo profissional e os direitos de autor.
Quanto ao sigilo, o entendimento do Governo é o de que se trata de uma garantia fundamental do exer-

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cício do direito de informar-se e informar, como tal consagrado na Constituição. Não é um direito absoluto, pode ceder em certos casos. Mas casos excepcionais, quando o interesse preponderante verdadeiramente o seja. Por isso, propomos que o Estatuto expressamente refira que a revelação das fontes só possa ser ordenada pelas autoridades judiciais quando seja necessário para a investigação de crimes graves contra as pessoas e contra a segurança do Estado, ou de casos graves de criminalidade organizada, e quando se comprove que a quebra do sigilo é imprescindível para a descoberta da verdade. Por outro lado, obriga-se a que eventuais buscas a órgãos de comunicação social, por mandado judicial e só nos casos mencionados, tenham de ser presididas pessoalmente pelo juiz e acompanhadas por um representante sindical.
Quanto aos direitos de autor dos jornalistas, todos sabemos que as obras por eles produzidas, com a excepção das simples notícias e relatos de informações, estão protegidas na lei, mas não na prática. E, por isso, porque se trata também de uma matéria que toca a independência profissional e a liberdade de expressão e criação, ambas com guarida constitucional, importa terminar com o impasse que actualmente se vive.
A meu ver, só se consegue resolver de vez este impasse com uma solução equilibrada, que tenha em conta os diferentes interesses em jogo e se adapte às profundas mudanças tecnológicas e organizacionais por que passa a comunicação social.
Ora, a proposta do Governo cumpre estes requisitos: determina com a maior precisão possível o alcance do direito moral; fixa em cinco anos o prazo máximo de transmissão ou oneração antecipada de direitos por parte dos jornalistas independentes; impõe disposições contratuais específicas para regular os direitos de autor dos jornalistas assalariados, considerando incluído no objecto do contrato de trabalho o direito de utilização, por parte das entidades empregadoras, das obras protegidas pelo período de 30 dias a contar da primeira disponibilização ao público; prevê, enfim, a constituição de uma comissão de arbitragem, junto da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, para dirimir eventuais conflitos.
Esta solução acautela os direitos de autor dos jornalistas assalariados, consagrando o justo direito a partilharem dos benefícios obtidos pelas empresas através de sucessivas reutilizações das respectivas obras; e permite às empresas de comunicação social tirarem pleno partido das sinergias entre diferentes meios e da difusão de informação através de várias plataformas e suportes.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de alteração ao Estatuto do Jornalista tem como último grande objectivo reforçar os seus deveres profissionais. Para além do que já disse acerca de impedimentos e incompatibilidades, procura-se dar corpo a um regime disciplinar, numa lógica de estrita autoregulação profissional.
Nesse sentido, a proposta de lei, tendo por base o disposto no Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses, delimita um conjunto de deveres constitutivos da ética profissional dos jornalistas; distingue um subconjunto de deveres sindicáveis, cuja violação pode determinar a aplicação de sanções; atribui à Comissão da Carteira Profissional a competência para avaliar, julgar e sancionar as infracções aos deveres profissionais sindicáveis, por sua iniciativa, por iniciativa do conselho de redacção pertinente, ou a pedido da pessoa directamente afectada; e institui um regime de sanções, que vão desde a simples repreensão até, em situações-limite, à suspensão temporária do exercício da actividade profissional, sendo que se privilegia inequivocamente a aplicação de sanções morais e naturalmente se estabelecem as garantias de defesa e recurso.
Uma vez aprovado, o Estatuto do Jornalista trará um novo equilíbrio entre interesses legítimos atendíveis: com as inovações em matéria de sigilo profissional, um equilíbrio entre o direito à informação e as exigências da administração da justiça; com o aprofundamento da ligação entre direitos e deveres profissionais dos jornalistas, um equilíbrio entre a independência e a liberdade dos jornalistas e o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; com a distinção entre deveres profissionais sindicáveis disciplinarmente e não sindicáveis disciplinarmente, um equilíbrio entre a instância de reflexão éticodeontológica, em que o debate entre pares e a autoridade moral são os instrumentos decisivos, e a instância de responsabilidade disciplinar, também avaliada entre pares, mas integrando um sistema de sanções; com as inovações em matéria de formação e incompatibilidades, um equilíbrio entre a liberdade de imprensa, opinião e participação cívica, de um lado, e as garantias de independência e isenção profissional, do outro; com os termos da regulamentação dos direitos de autor, um equilíbrio entre o direito dos jornalistas à protecção moral e material das suas obras e as condições de aproveitamento, pelos órgãos de comunicação social, dos desenvolvimentos tecnológicos e empresariais.
Teremos, pois: uma delimitação mais precisa da profissão; uma definição inequívoca do direito à independência e ao sigilo profissionais; o respeito pela liberdade de expressão e criação; a clarificação dos deveres face à própria profissão e ao conjunto dos cidadãos; e um poderoso incentivo à auto-regulação profissional.
Teremos, pois, uma profissão valorizada, quer na dimensão dos direitos quer na dimensão dos deveres, e capacitada para se regular a si própria. Ao fazê-lo, e como bem ensina a Constituição, estaremos a garantir e a promover a liberdade de imprensa.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pedro Mota Soares e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados, da tribuna, o Sr. Ministro focou um tema que é, de facto, muito importante, quando se fala do Estatuto do Jornalista, que é o tema do sigilo profissional. Esse tema, essencial, afecta, como é óbvio, aquilo que é o coração da condição e da existência de um jornalista. Nesse sentido, se nos parece positivo que haja uma melhor delimitação do conceito de «interesse preponderante», tal como está previsto na lei processual penal, achamos que, mesmo assim, esta proposta é um pouco tímida e que podia ter ido mais longe. É que, objectivamente, com esta proposta, continuam a ser possíveis casos como aquele, ocorrido há relativamente pouco tempo, do jornalista Manso Preto, que se recusou a revelar a sua fonte.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Não é verdade!

O Orador: — Vamos ver, Sr. Deputado Arons de Carvalho!… É que o Sr. Deputado diz umas coisas e, depois, como sabemos, evolui muito na sua opinião. Daqui a pouco, irei falar sobre isso na minha intervenção. Mas julgo que, muito provavelmente, esse problema se mantém, pois, quanto a esta matéria, a lei tem um conceito muito indeterminado e que gostaríamos de ver mais bem delimitado.
Mas a questão que quero colocar-lhe prende-se não só com este aspecto mas também com um outro.
Sempre defendemos que o sigilo profissional do jornalista deve ser absolutamente garantido, só podendo ser ultrapassado em casos muito excepcionais. E há uma matéria, Sr. Ministro, que não consta (nem, como é óbvio, podia constar) do Estatuto do Jornalista, mas que tem uma grande ligação com o problema do sigilo profissional, que é a do segredo de justiça. Quanto ao segredo de justiça, o Sr. Ministro sabe (e Portugal sabe) que o CDS defende que o mesmo se deveria aplicar a menos crimes e durante menos tempo, mas a todos os intervenientes. Ora, na proposta de revisão do Código Penal, apresentada pelo Governo e que já deu entrada nesta Assembleia, verificamos que a matéria do segredo de justiça se mantém exactamente na mesma. Todos sabemos que, sobre esta matéria, há um pacto de justiça assinado entre o partido que apoia a bancada do Governo e o PSD. E, na quarta-feira passada, descobrimos que há um segundo pacto, pelos vistos, não assinado, que ninguém conhece e segundo o qual uns apresentam uma coisa e outros apresentam outra.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

O Orador: — O que queremos saber, porque é absolutamente essencial, é o que pensa o Governo relativamente ao segredo de justiça e se o segredo de justiça, limitado quer no tipo de crimes quer na sua duração, se passa a aplicar, ou não, aos jornalistas.
A segunda questão prende-se com uma outra matéria, também muito importante e da qual o Sr. Ministro falou, que é a do regime de incompatibilidades. Pela nossa parte, defendemos que exista um maior rigor, quer quanto ao número de situações quer quanto à delimitação de algumas delas, relativamente ao regime de incompatibilidades. Entendemos que problemas, hoje, muito actuais, como o das assessorias de imprensa, o das agências de comunicação ou, até mesmo, o das incompatibilidades entre o exercício de uma função jornalística e uma função de titular de um órgão de soberania, devem ser legislados. Mas há uma matéria, Sr. Ministro, que nos suscita a maior das dúvidas, que é a introdução de um período de nojo de seis meses para quem desempenhe, entre outras, as funções de titular de um órgão de soberania.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Vou concluir, Sr. Presidente.
E por que é que isto nos inquieta tanto, Sr. Ministro? É que a nossa Constituição, no artigo 50.º, garante o direito de acesso a cargos públicos (direito este incluído na categoria dos direitos, liberdades e garantias), ao dizer que ninguém pode ser prejudicado por exercer uma função pública e ser titular de um órgão de soberania. E a verdade é que, nesta proposta de lei, essa limitação existe, o que nos sugere, logo à partida, a existência de uma inconstitucionalidade profunda neste diploma.
Gostava ouvi-lo sobre isto, Sr. Ministro.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, o Sr. Ministro veio aqui fazer a apresentação de uma proposta de lei sobre o Estatuto do Jornalista, mas creio que, mais

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do que o Estatuto do Jornalista, o que esta proposta de lei vem regular é o estatuto das empresas perante os jornalistas. De facto, esta proposta de lei vem aumentar — aliás, o Sr. Ministro reconheceu-o — os deveres dos jornalistas, mas, depois, não vem consagrar mais direitos aos jornalistas.
Quando se reconhece que o panorama no sector da comunicação social é de concentração entre os órgãos de comunicação social, quando se constata que tem vindo a aumentar a precariedade do exercício da profissão e que a condição do jornalista tem vindo a ser cada vez mais fragilizada junto dos órgãos de comunicação social para os quais trabalham, o equilíbrio que seria possível repor seria reforçando os direitos dos jornalistas. Só que esse equilíbrio não é reposto; pelo contrário, os jornalistas, com este estatuto, vêem a sua posição mais fragilizada em alguns aspectos fundamentais e, ao invés, vêem aumentados os seus deveres — aliás, com um regime sancionatório sem precedentes.
Mas há dois pontos relativamente aos quais importa, desde já, questionar o Governo e com os quais, do nosso ponto de vista, a proposta de lei vem contribuir para uma maior fragilização da situação dos jornalistas.
Um deles tem a ver com a possibilidade de utilização dos trabalhos dos jornalistas em órgãos de comunicação social diversos daqueles para os quais os trabalhos foram elaborados. E, neste aspecto, há disposições na proposta de lei que se nos afiguram particularmente graves. Desde logo, no artigo 7.º-A, a possibilidade que se introduz de o trabalho do jornalista poder ser alterado pelos seus superiores hierárquicos para efeitos de «dimensionamento, correcção linguística ou adequação ao estilo do respectivo órgão de comunicação social». Ou seja, abre-se aqui a porta a que o jornalista faça um trabalho para um determinado órgão de comunicação social e, depois, dentro do mesmo grupo, esse mesmo trabalho seja adaptado por outras pessoas a estilos de outros órgãos de comunicação social pertencentes ao mesmo grupo. Parece-nos que isto é susceptível de desvirtuar completamente o trabalho do jornalista.
Do mesmo modo, em matéria de direitos de autor, o que se prevê, no artigo 7.º-B desta proposta de lei, é que, durante 30 dias, esses direitos sejam, pura e simplesmente, inexistentes. Para além dos 30 dias, são gravemente fragilizados, como procurarei demonstrar na minha intervenção, mas há aqui um período de 30 dias em relação ao qual os direitos de autor dos jornalistas, pura e simplesmente, não existem.
Finalmente, há um outro aspecto que importa questionar e que tem a ver com a protecção do direito ao sigilo das fontes.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Vou concluir, Sr. Presidente.
O Sr. Ministro vem dizer que o Governo pretende reforçar a protecção do sigilo profissional dos jornalistas, mas, depois, no texto concreto que é apresentado, o Governo vem fazer depender a possibilidade de impor a quebra do sigilo recorrendo a expressões como «muito dificilmente poderia ser obtido de outra forma» ou aplicando-o a um elenco de crimes entre os quais se inclui a palavra «nomeadamente». Portanto, há aqui expressões excessivamente vagas para que se possa dizer que o sigilo dos jornalistas tem, de facto, uma protecção que seria adequada à salvaguarda do essencial daquela que é a sua profissão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Honório Novo (PCP): — E isso é muito grave!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as questões colocadas e tentarei responder tematicamente, de modo organizado.
Começo pela questão das incompatibilidades, suscitada pelo Sr. Deputado Mota Soares. O Sr. Deputado referiu-se àquilo que é um manifesto lapso técnico na proposta apresentada, lapso esse que será, evidentemente, corrigido, em sede de especialidade.
O período de nojo, de seis meses, faz sentido para as funções de assessoria, de consultoria, de marketing ou de publicidade e destina-se a garantir que, durante um período de tempo suficientemente razoável, o jornalista não possa retomar de imediato as funções que colidem com áreas nas quais esteve, se me permite a expressão, «do outro lado da barricada». Evidentemente, não é aplicável esse regime de carência a situações como, por exemplo, as de o jornalista acabar de ter cumprido o seu serviço militar ou ter desempenhado funções que constitucionalmente estão abertas a todos os cidadãos. Portanto, esse lapso será evidentemente corrigido, em sede de especialidade.
Em relação à questão do segredo de justiça, julgo que a próxima Conferência de Líderes agendará a discussão da revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal, pelo que, na altura, teremos oportunidade de discutir essa matéria. O ponto, insisto, é o seguinte: o Governo e o Grupo Parlamentar do PS (em função do acordo que já celebrou e é público) estão disponíveis para limitar a regra de aplicação do segredo de justiça, tornando-o mais limitado no tempo e também no tipo de crimes a que se aplica, e para,

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ao mesmo tempo, fazer com que o princípio do segredo de justiça seja efectivamente cumprido por todos os intervenientes, directos ou indirectos, no processo.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Não está na proposta de lei!

O Orador: — Relativamente à questão do sigilo profissional, discordo em absoluto da leitura feita pelo Sr. Deputado António Filipe. Acho que esta proposta de lei representa um avanço considerável em matéria de protecção do sigilo profissional dos jornalistas.
Atrevo, talvez, uma divergência: do ponto de vista do Governo, o direito ao sigilo profissional não é um direito absoluto, podendo ceder perante casos absolutamente excepcionais. Acontece que, conjugando a actual versão do Estatuto do Jornalista com a actual versão do Código de Processo Penal, esses casos não são excepcionais, porque basta a invocação de um interesse preponderante para o direito ao sigilo profissional poder ceder. O que fazemos é delimitar com precisão o que deve ser considerado como situações excepcionais,…

O Sr. Fernando Rosas (BE): — E para isso acrescentam «nomeadamente»!?

O Orador: — … tipificando-as claramente como crimes graves contra as pessoas e contra a segurança do Estado ou como formas graves de criminalidade organizada. E vamos mais longe no que diz respeito ao que deve suceder se esses casos excepcionais se verificarem, designadamente impondo a presença de um juiz nas eventuais operações de busca em órgãos de comunicação social e impondo também a presença de um representante dos profissionais.
São avanços consideráveis que permitem, do meu ponto de vista, que não se tornem a repetir acontecimentos recentes, como o caso do jornalista invocado pelo Sr. Deputado Mota Soares ou o das buscas que, ainda há bem pouco tempo, se fizeram a jornais diários portugueses.
Portanto, tenho uma visão completamente diferente da do Sr. Deputado António Filipe, mas insisto na disponibilidade total do Governo — e, estou certo, do Grupo Parlamentar do PS — para, em sede de especialidade, esclarecer todas as imprecisões ou ambiguidades que persistam no espírito dos Srs. Deputados.
Quanto à questão dos direitos de autor, em primeiro lugar, alargamos mesmo às obras não protegidas pelos direitos de autor o direito de os jornalistas recusarem a utilização de peças suas em órgãos de comunicação em cuja linha editorial não se reconheçam, mesmo que pertençam ao mesmo grupo empresarial, ponto que o Sr. Deputado António Filipe deve ter em boa conta.
No que diz respeito à primeira utilização das obras dos jornalistas assalariados, o que fazemos é aplicar ao mundo de hoje dos órgãos de comunicação social, em que há sinergias entre diferentes canais ou plataformas, entre o canal de notícias de uma televisão e o seu canal generalista, o preceito de que essa primeira utilização é remunerada pelo salário, o que é consensual nos especialistas em direitos de autor. As sinergias multimédia no seio dos grupos são a regra, sê-lo-ão cada vez mais e temos de proteger os direitos de autor de jornalistas assalariados, com emprego, e não os direitos de autor de jornalistas não assalariados porque sem emprego.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para apresentar o projecto de lei n.º 333/X – Altera o Estatuto do Jornalista, reforçando a protecção legal dos direitos de autor e do sigilo das fontes de informação (PCP), tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e Srs. Deputados: É indiscutível que a evolução recente do sector da comunicação social se tem traduzido numa crescente fragilização da posição profissional dos jornalistas. Contribuem, obviamente, para este fenómeno a concentração de órgãos de comunicação social e a crescente precarização em que se tem traduzido o exercício desta profissão.
Quando se apresenta para discussão nesta Assembleia uma alteração ao Estatuto do Jornalista seria fundamental que essa iniciativa legislativa servisse para reequilibrar a situação, tanto quanto possível, reforçando os direitos profissionais dos jornalistas e as condições para o exercício desta profissão. Acontece que a proposta do Governo faz exactamente o contrário, e fá-lo, aliás, em consonância com a orientação de um governo em que uma das últimas medidas foi, efectivamente, a extinção da Caixa dos Jornalistas, pondo fim a direitos adquiridos há décadas por estes profissionais.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Esta proposta de lei é mais uma peça na fragilização da situação dos jornalistas.
A este respeito, chamaria a atenção para algumas normas, muito gravosas do nosso ponto de vista, que constam desta proposta de lei.

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Desde logo, a possibilidade de reutilização dos trabalhos dos jornalistas em órgãos de comunicação social do mesmo grupo, a menos que o jornalista invoque, de forma fundamentada, desacordo com a orientação editorial desse órgão de comunicação social, o que, como bem se compreende, seria muito bonito se a situação de exercício da profissão não tivesse a precariedade que tem hoje. O Sr. Ministro não ignorará que esta invocação significaria para muitos dos jornalistas portugueses a perspectiva do desemprego a muito curto prazo, porque a maioria dos jornalistas das redacções não estará em condições de poder exercer este direito relativamente à sua entidade patronal.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — É um facto!

O Orador: — Por outro lado, o completo esbulho — é esse o termo — dos direitos de autor dos jornalistas nos primeiros 30 dias, pura e simplesmente.
Por último, a norma a que já aludi, o n.º 4 do artigo 7.º-A da proposta de lei, prevê que possam ser alterados, para efeitos de adequação ao estilo do órgão de comunicação social, os trabalhos do jornalista, podendo ele, quando muito, recusar que a sua assinatura apareça nesse trabalho. Mas a questão que importa colocar é esta: por via desse mesmo artigo, do qual o jornalista retirou a assinatura, se houver algum processo, designadamente por difamação ou por abuso de liberdade de imprensa, quem vai responder? Isto é, o jornalista fica isento de responsabilidade por um artigo do qual retirou a sua assinatura mas que a entidade patronal insistiu em publicar? Portanto, aquilo a que o Sr. Ministro chama o «aproveitamento de sinergias dentro do mesmo grupo» não tem outro nome senão a maximização do lucro dos grupos económicos detentores de vários órgãos de comunicação social, com desrespeito pelos direitos legítimos dos jornalistas.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — O projecto de lei que o PCP apresenta circunscreve-se a dois pontos que nos parecem essenciais neste processo legislativo. Não foi nossa intenção apresentar um projecto de lei sobre a globalidade do Estatuto do Jornalista, mas apenas contribuir com propostas concretas para duas matérias que consideramos muito relevantes. Uma delas é a protecção dos direitos de autor e a outra é a protecção do direito ao sigilo sobre as fontes de informação.
No primeiro caso, o nosso objectivo é responder a uma tendência que se tem vindo a impor, a de, em nome da evolução tecnológica, tornar o trabalho jornalístico uma espécie de «produto branco», que as empresas proprietárias de diversos órgãos de comunicação social utilizam no âmbito do respectivo grupo empresarial quando e onde entendam, sendo o jornalista privado de qualquer protecção quanto à autoria dos seus trabalhos e de qualquer compensação remuneratória pela sua reutilização. E, nestas matérias, pretende-se que a adaptação às novas condições de mercado seja feita exclusivamente à custa dos direitos de quem trabalha.
As propostas que aqui apresentamos são, aliás, muito conhecidas do Partido Socialista, porque muitas delas vêm retomar, afinal, aquilo que o PS aqui veio defender em legislatura anterior, quando se discutiram iniciativas legislativas, do PS e do PCP, relativas às protecção dos direitos de autor dos jornalistas.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Bem lembrado!

O Orador: — Portanto, vamos ver até que ponto o Partido Socialista alterou a sua posição nesta matéria.
Finalmente, quanto à questão da protecção legal do direito ao sigilo sobre as fontes de informação, importa ter em consideração o carácter fundamental dessa protecção como verdadeira «pedra de toque» da liberdade de imprensa.
Não haverá jornalismo de investigação nem haverá verdadeiramente liberdade de imprensa no dia em que os jornalistas vivam sob o receio de ter de revelar as suas fontes de informação.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Vou concluir de imediato, Sr. Presidente.
A relativização deste valor em contraposição com outros, ainda que estimáveis, a que procede a proposta do Governo não se afigura, do nosso ponto de vista, suficientemente protectora deste direito ao sigilo, por isso entendemos dever apresentar uma proposta alternativa para que esta questão possa ser discutida com toda a seriedade na especialidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — O Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho inscreveu-se para pedir esclarecimentos, mas a verdade é que o Sr. Deputado António Filipe não dispõe de tempo para res-

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ponder.

O Sr. José Junqueiro (PS): — O Grupo Parlamentar do PS cede 1 minuto para o efeito, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, teremos ocasião de esgrimir argumentos sobre a alegada diminuição dos direitos dos jornalistas que os senhores têm propalado, na senda, aliás, da infeliz atitude da direcção do Sindicato dos Jornalistas. Creio, no entanto, que esta alteração ao Estatuto do Jornalista aperfeiçoa e aumenta claramente os direitos dos jornalistas.
Há um ponto, já aqui frisado duas vezes pelo Sr. Deputado António Filipe, que merece a minha pergunta.
O Sr. Deputado manifesta-se contra a possibilidade de, nas redacções, os jornalistas poderem ver os seus trabalhos objecto de algumas correcções feitas pelos editores, pela direcção, pela chefia da redacção ou, até, por outros colegas. Certamente, o Sr. Deputado ignora o trabalho de uma redacção. É um trabalho em que não há uma soma de trabalhos individualizados mas, sim, um contributo colectivo para um produto final, que é o conteúdo desse órgão de comunicação social.
Foi sempre assim, é sempre assim e será sempre assim! O que me espanta, Sr. Deputado — e espanta-me também a posição do Sindicato dos Jornalistas —, é que exista, há cerca de 10 anos, um Livro de Estilo, do jornal Público, que refere precisamente o que acabei de dizer, e que a direcção do Sindicato dos Jornalistas ou o Partido Comunista nunca se tenham pronunciado contra ele! Pode ler-se no ponto 83, pág. 35 do Livro de Estilo do Público: «Qualquer texto presente por um jornalista para publicação é susceptível de ser editado — o que pode implicar ser modificado, alterado ou acrescentado de informação nova — pelo editor respectivo e, por maioria de razão, por qualquer membro da Direcção. Quando se trata de um texto que poderia até ser manchete do jornal, é recomendável que o director de fecho tenha conhecimento detalhado do seu conteúdo e, se considerar necessário, intervenha também no trabalho de edição.» O ponto 84 acrescenta: «Deve ser dado ao autor ou autores do texto ou textos conhecimento das alterações realizadas e, no caso de textos assinados, procurada a sua anuência ou, em caso de divergência insanável, consideradas as hipóteses de o texto ser publicado não assinado ou mesmo não ser publicado.» Ora bem, é exactamente isto que está no texto da proposta do Governo! Limita-se o texto da proposta de lei, no fim de contas, a colocar na letra de forma uma prática que é aceite por toda a gente. Aliás, há pouco tempo, li um texto de um eminente jornalista, José Carlos de Vasconcelos, insuspeito nessa matéria, precisamente a defender este ponto de vista.
Confesso que não percebo como há pessoas ainda apegadas a conceitos profundamente errados e que tentam induzir em erro a opinião pública e os jornalistas sobre o significado e o alcance da proposta de lei que hoje discutimos nesta Assembleia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, que dispõe de 1 minuto cedido pelo PS.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Arons de Carvalho, não conheço nenhum projecto de lei nem nenhuma proposta de lei que seja o Livro de Estilo do jornal Público. Portanto, nunca tivemos oportunidade de discutir, nesta Assembleia, o Livro de Estilo do Público,…

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — … como iniciativa legislativa e nem sequer o podemos submeter à apreciação parlamentar. Se estivesse aqui em discussão esse Livro de Estilo, provavelmente teríamos muitas propostas de alteração, na especialidade. Mas não é isso que nos compete!

Risos do PCP.

O que importa referir é que, enquanto o Livro de Estilo do Público — já que o Sr. Deputado fez a comparação, discutível ou não, e não vamos discutir agora se esse conteúdo é correcto tal como está ou se deveria ser alterado do nosso ponto de vista, porque essa seria uma outra questão — é aplicável a esse órgão de comunicação social,…

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — A todos! É prática de todos!

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O Orador: — … o que está previsto na proposta de lei é a possibilidade de uma chefia poder alterar um artigo de um jornalista, adequando-o ao estilo do respectivo órgão de comunicação social, sendo que esta proposta de lei permite que esse mesmo artigo seja utilizado em vários órgãos de comunicação social.
Portanto, abre-se a porta para uma distorção muito grave do trabalho do jornalista.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Claro!

O Orador: — E tanto assim é reconhecido que até se permite que o jornalista possa retirar, no limite, a sua assinatura! Estamos perante uma questão que não é apenas de adequação a um determinado Livro de Estilo; é mais uma «caixa de Pandora» que pode permitir, efectivamente, uma distorção muito grave de trabalhos jornalísticos sem que o jornalista tenha meios para se poder opor a isso.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 342/X – Altera o Estatuto do Jornalista (BE) tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: A discussão das três iniciativas de lei trazidas à consideração desta Câmara decorre tendo como pano de fundo uma situação merecedora da mais cuidadosa atenção.
São de vária ordem os desafios e os riscos de novo tipo que defronta a profissão dos jornalistas neste início do século XXI. A fulgurante e vertiginosa revolução tecnológica em todos os meios de informação conhecidos e o surgimento e a rápida implementação de novos suportes para esse efeito, o enorme volume de capitais envolvidos nos investimentos para a sua exploração e o enorme volume dos lucros que deles resultam, a muito rápida apropriação privada desses meios por parte dos grandes grupos financeiros onde se vem concentrando, cada vez mais à escala mundial, o controlo oligopolístico da comunicação social em todas as suas modalidades, conjugados, no mundo de hoje, com o extraordinário poder de influência, de socialização e de manipulação que os media adquiriam, configuram uma situação substancialmente nova para o exercício profissional do jornalismo escrito, radiofónico ou televisivo, onde as largas perspectivas de inovação abertas só são comparáveis à dimensão dos novos e velhos perigos que podem espreitar o jornalismo livre, respeitado nos seus direitos fundamentais e respeitador dos deveres deontológicos e legais que enquadram a profissão num Estado de direito.
Na salvaguarda da livre expressão e de um verdadeiro pluralismo dos media, no quadro das novas condições da globalização capitalista da comunicação social, repousa, afinal, a garantia de que a liberdade de expressão e o Estado de direito se não hão-de transformar numa aparência, num «jogo de sombras» largamente esvaziado de conteúdo. Isto é o que realmente está em causa neste debate.
É por isso, no entendimento do Bloco de Esquerda, muito oportuna e até urgente a revisão do Estatuto do Jornalista, em ordem a adaptá-lo às novas circunstâncias técnicas, políticas e económicas do exercício da profissão, com vista, no tocante ao presente projecto, a acautelar aspectos que reputamos essenciais à sua prática em condições de real pluralismo, liberdade de expressão e salvaguarda dos direitos profissionais dos jornalistas.
Assim sendo, o projecto de lei que agora apresentamos pretende, desde logo, clarificar ou rodear de novas garantias e desenvolvimentos aspectos respeitantes à definição de quem é jornalista, às incompatibilidades, ao acesso à profissão, ao enunciado dos direitos, à conjugação da liberdade de criação, expressão e divulgação, ao direito de acesso a fonte oficiais ou a locais abertos ao público, ao alargamento do direito de participação e ao enunciado dos deveres, simultaneamente num sentido de salvaguarda da cláusula de consciência dos jornalistas e do reforço dos direitos e da dignidade das pessoas e do interesse público em geral. Em todos estes domínios foram cuidadosamente consideradas as propostas dos órgãos representativos dos interesses profissionais directamente envolvidos, designadamente a importante contribuição que deu para este efeito o Sindicato dos Jornalistas.
Mas o projecto de lei do Bloco de Esquerda dá especial importância a três aspectos particularmente sensíveis do estatuto dos jornalistas, relativamente aos quais a proposta de lei apresentada pelo Governo se mostra, no nosso entender, muita insatisfatória ou, em certos casos, potencialmente lesiva dos direitos dos jornalistas.
Referimo-nos, em primeiro lugar, à protecção do sigilo profissional dos jornalistas, sem ambiguidades que possam conduzir a formas de arbitrariedade na decisão de quebrar aquilo que é um dever fundamental da profissão. Em segundo, à explicitação da independência dos jornalistas e da cláusula de consciência, de forma a assegurar a efectiva garantia da sua autonomia profissional e a não vulnerabilização da sua posição enquanto trabalhadores dependentes. Em terceiro lugar, à consagração da defesa dos direitos de autor dos jornalistas contra o esbulho por parte das empresas e grupos de media, recusando a reutilização por parte destes de todos os seus trabalhos em qualquer dos órgãos que possuam, a não ser em certas condi-

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ções, e estabelecendo, de facto, regimes de redacção única do grupo com previsíveis consequências no estreitamento do pluralismo, na desinformação e no nível do emprego dos profissionais.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Orador: — Finalmente, gostaria de precisar que o Bloco de Esquerda tem sérias reservas quanto à atribuição de poderes disciplinares à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, especialmente quando se estende o poder de decidir nesta matéria a jornalistas não designados pelos seus pares mas pelo patronato, em clara negação do princípio da auto-regulação, orientação seguida (em nossa opinião, mal) pela proposta de lei.
Por isso mesmo se entende que a alteração do estatuto dos jornalistas não parece ser a sede adequada à consagração de um regime disciplinar para os jornalistas – relativamente ao qual, aliás, temos dúvidas – ou à actualização do regime contra-ordenacional.
Nestes termos e havendo abertura para tal, veríamos positivamente a possibilidade de aprofundar o debate sobre questões de tamanha importância em sede de especialidade, tendo como ponto de partida as três iniciativas legislativas presentes nesta discussão.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: A matéria que hoje discutimos é, como resultou já das intervenções anteriores, extremamente importante para o funcionamento da democracia e do Estado de direito. A dimensão política e constitucional do papel da comunicação social, a salvaguarda do pluralismo, da independência e da liberdade de expressão, os direitos e deveres dos jornalistas, o acesso à profissão e o regime de incompatibilidades da mesma, o sigilo profissional e a protecção das obras jornalísticas constituem matérias fundamentais da proposta de lei em apreço, que cumpre, ainda que genericamente, comentar.
Em primeiro lugar, deve dizer-se que a densificação operada em matéria de incompatibilidades merece o nosso acolhimento, por se tratar de uma concretização positiva das situações em que a actividade jornalística não deve exercer-se em simultâneo com outras funções, garantindo a isenção e a independência.
No que toca ao acesso à profissão, bem sabemos que a realidade de hoje e a imposição de critérios de qualificação e de rigor devem conduzir a algumas restrições no tradicional modelo de acesso aberto à profissão. Daí que nos pareça desejável que se fixem critérios adequados nessa matéria e que se exija formação, qualificação e independência. Todavia, é importante que essa exigência não se esgote na formação académica superior, mormente porque o salto será demasiado elevado se pensarmos, por exemplo, no universo da imprensa local ou regional.
No que concerne ao aprofundamento da sensível questão do sigilo profissional, as alterações propostas podem, do nosso ponto de vista, ser mais bem concretizadas em sede de especialidade. Diremos, contudo, que não temos objecções de princípio à linha proposta pelo Governo, que deve, no entanto, ser compatível com as alterações que esta Câmara efectuar às leis penais e processuais penais no que ao segredo de justiça respeita.
Mas, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, o âmago, o fulcro do impulso legislativo que o Governo promove no Estatuto do Jornalista é a matéria dos direitos de autor. Sete anos depois da aprovação do actual Estatuto e na vigência de um vanguardista Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, esta proposta de lei é, neste domínio, muito questionável no tempo, na forma e no conteúdo. Parece que o Sr. Ministro quer «mostrar serviço», mas que o quer fazer contra tudo e contra todos — contra a posição dos jornalistas, contra a posição das empresas do sector e contra a posição dos restantes partidos políticos —, provocando, assim, uma inusitada instabilidade no sector, que é, de todo em todo, muito negativa.
O PSD rejeita frontalmente as alterações propostas no campo dos direitos de autor. Em primeiro lugar, porque a nossa posição conceptual é diferente da do Governo e do Partido Socialista. Para nós, os trabalhos jornalísticos realizados por profissionais assalariados, utilizando meios e a colaboração a respectiva entidade empregadora, constituem uma obra colectiva que gera dois níveis de consequência relativamente aos direitos de autor.
Um primeiro nível, que assume uma dimensão de propriedade intelectual, obriga à protecção e inviolabilidade da obra produzida, isto é, ao respeito do seu conteúdo substantivo, que não pode nem deve ser adulterado ou desvirtuado. Esta é, para mais, uma matéria que o actual Código do Direito de Autor já protege.
Um outro nível, com uma dimensão mais material, diz respeito à utilização e reutilização do trabalho por parte da entidade patronal na sua actividade. Aqui, à luz do que já afirmei, parece-nos que o órgão de comunicação social, a empresa ou o grupo económico que o detém devem poder utilizar na sua actividade o trabalho realizado sem qualquer remuneração autónoma.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Fazer o contrário, como quer o Governo, é criar uma instabilidade desnecessária no sector, é agudizar a conflitualidade entre as empresas e os jornalistas e é interferir negativamente na viabilidade económica da actividade da comunicação social.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Parece que o Sr. Ministro quer deixar a sua marca a todo o custo, esquecendo o mérito do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, consagrando um regime que, como já disse, não agrada a ninguém, ficando o Governo, nesta matéria, isolado e ficando o Sr. Ministro «orgulhosamente só» com a proposta que nos apresenta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: De acordo com a insuspeita organização Repórteres sem Fronteiras, Portugal continua a ser um dos países do mundo onde mais adequadamente se garante a liberdade da comunicação social. Anunciada há dois ou três meses, essa honrosa classificação decorre de um inquérito realizado junto de um conjunto de fontes independentes de todos os países, onde se incluem jornalistas, investigadores, juristas, activistas dos direitos humanos, etc. De acordo com os dados fornecidos, a classificação corresponde a uma avaliação relativa a 50 questões sobre matérias tão diversas como a independência do sector público de rádio e de televisão face ao Governo, os direitos da oposição, o respeito pelo sigilo profissional, a liberdade dos sítios e o controlo dos servidores da Internet, entre muitos outros. Refiro esta apreciação internacional por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, porque ela desmente a tese de que o nosso país não possui uma das legislações mais avançadas em vários domínios da comunicação social, como, de facto, acontece há vários anos. Em segundo lugar, porque o contínuo aperfeiçoamento dessa legislação constitui, apesar disso, um desafio a vários níveis, nomeadamente porque os novos desafios tecnológicos e a aplicação da legislação em vigor a casos concretos vão impondo novas soluções.
A proposta de lei do Governo responde cabalmente a esses desafios. Não ignoro que esta proposta foi objecto de uma campanha tendente a convencer a opinião pública de que estaria a concretizar-se um grave retrocesso nos direitos dos jornalistas. Por atrevida ignorância ou pura má fé, a verdade é que, em alguns comentadores, essa ideia, profundamente errada, encontrou eco.
Admito que a proposta não inclua, em alguns aspectos, as soluções que alguns sectores dos jornalistas preconizariam. Admito também que a precariedade das relações laborais, sobretudo nas empresas mais frágeis, limite indesejavelmente a liberdade de alguns jornalistas. Admito igualmente que as soluções encontradas para a consagração do direito de autor sejam diversas das constantes do projecto de lei que esta Assembleia aprovou há vários anos, por unanimidade.
Todavia, não aceito, por ser completamente falsa, a tese segundo a qual esta proposta representaria uma diminuição dos direitos dos jornalistas.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Orador: — Pelo contrário, a proposta do Governo hoje em apreciação inclui aperfeiçoamentos a vários dos direitos e garantias dos jornalistas e contempla pela primeira vez os seus direitos de autor, concretizando, finalmente, uma norma redigida e aprovada há oito anos por esta Assembleia da República.
Sobre essa matéria, aliás, intervirá, em nome da bancada do PS, a Sr.ª Deputada Teresa Diniz.
As alterações ao direito de participação, mediante um aumento de competências dos conselhos de redacção, não são contestadas nem contestáveis. Trata-se de consagrar a sua intervenção em matérias relativas à invocação da cláusula de consciência e à elaboração de um código de conduta.
É, por outro lado, fixada a forma de cálculo do montante da indemnização relativa à invocação fundamentada da cláusula de consciência, evitando-se desta forma a sempre morosa apreciação judicial. Responde-se, assim, a um impasse detectado num caso concreto ocorrido há alguns anos com dois jornalistas de uma publicação semanal. No mesmo âmbito da salvaguarda da independência dos jornalistas, impede-se que estes possam ser constrangidos não só a subscrever opiniões, o que a legislação actual já contempla, como a abster-se de o fazer. Por outro lado, prevê-se, inovadoramente, a aplicação de uma sanção nos casos de ingerência nos conteúdos de um órgão de comunicação social por pessoa não habilitada, reforçando-se, assim, a independência das redacções face a outros sectores da empresa, designadamente os seus accionistas.

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Estranhamente, mais controvertido tem sido o aperfeiçoamento do direito ao sigilo profissional constante da proposta de lei. O direito ao sigilo profissional foi consagrado de forma absoluta na Lei de Imprensa de 1975 e, depois, no Estatuto do Jornalista de 1979. De acordo com estes diplomas, os jornalistas não eram obrigados a revelar as suas fontes de informação, «não podendo o seu silêncio sofrer qualquer sanção directa ou indirecta».
Todavia, em 1987, o Código de Processo Penal introduziria algumas limitações à extensão deste direito, comum a várias profissões, entre as quais a de jornalista. A medida, que traduzia uma evolução comum a vários Estados europeus, colocava nas mãos de um tribunal, sem qualquer limite, a ponderação sobre a invocação do sigilo. Competia-lhe verificar se existia, face ao caso concreto em apreciação, um interesse preponderante em relação à importância atribuída ao direito ao sigilo, o que, a acontecer, implicaria a obrigação de prestação de testemunho com quebra do sigilo profissional. Tudo dependeria, assim, da apreciação feita pelo tribunal sobre qual era, em cada caso concreto, o tal interesse preponderante.
Acompanhando a doutrina e a jurisprudência emanada de diversas instâncias europeias – do Parlamento Europeu ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem –, a proposta de lei hoje em apreciação reduz drasticamente a margem de arbítrio do tribunal, limitando-a aos casos de crimes graves contra as pessoas e definindo as condições precisas em que a quebra do sigilo profissional pode ser imposta.
Da mesma forma, se altera, como já aqui foi referido, o regime de buscas em órgãos de comunicação social, agora apenas possíveis caso sejam ordenadas ou autorizadas e presididas por um juiz e com presença de um representante dos jornalistas. Passa a exigir-se um despacho de um juiz para a eventual apreensão de material, cingindo-se agora o seu âmbito aos mesmos casos e termos em que é possível levantar o sigilo profissional.
Devo dizer que, embora preferindo o texto agora proposto, não me chocaria a consagração de um direito absoluto ao sigilo, como existiu na legislação portuguesa entre 1975 e 1987, sem consequências assinaláveis. O que me choca profundamente é que se considere a proposta agora apresentada pelo Governo sobre esta matéria como se ela representasse um retrocesso em relação à legislação em vigor, ela própria muito próxima da que está em vigor nas mais avançadas democracias europeias.
A proposta governamental sobre o direito ao sigilo representa, assim, um importante aperfeiçoamento deste importante direito. Os recentes casos ocorridos com o colaborador do Expresso Manso Preto ou a busca e apreensão de computadores no jornal 24 horas não seriam possíveis com a legislação agora proposta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Registo, antes de mais, que o CDS, só nesta semana, já conseguiu que o Governo reconhecesse dois erros na sua actuação.

Vozes do CDS-PP: — Não é mau!

O Orador: — De facto, não é nada mau! Mas há uma matéria em relação à qual o Sr. Ministro nada disse e que me continua a suscitar muitas dúvidas, que tem a ver com o facto de na proposta de lei de revisão do Código Penal não ser abordada esta matéria do segredo de justiça. É mais um erro técnico? É o terceiro erro técnico numa semana? O Sr.
Ministro tem de explicar claramente ao Parlamento e aos portugueses porque é que não é aí abordada.
Sr. Presidente, permita-me que, antes de iniciar a minha intervenção, cumprimente a delegação do Sindicato dos Jornalistas, que se encontra presente a assistir à sessão. A sua participação neste processo foi muito importante, porque deu um conjunto de contributos e de apports que acho que devem ser valorizados.
Todos temos conhecimento da posição de fragilidade negocial em que muitos jornalistas se encontram: os baixos salários, o excesso de mão-de-obra, o recurso à utilização de estagiários por parte das empresas de comunicação social e os problemas de desemprego na classe. É verdade que o Estatuto do Jornalista devia ir um bocadinho mais longe na resolução deste conjunto de problemas, mas infelizmente não vai.
Mas, com sentido de justiça, também não deixamos de reconhecer que há um conjunto de matérias em que esta proposta de lei é inovadora e vai no sentido correcto. Parece-nos importante, por exemplo, que se reconheçam mais condições de independência para o exercício da actividade jornalística, com a articulação entre a propriedade editorial e a propriedade dos órgãos de comunicação social, e o reforço de atribuições dos conselhos de redacção para decidirem em matérias de 1.ª instância, ainda que, depois, nos pareça que existam outras matérias em relação às quais a posição do Governo não seja a preferível, como, por exemplo, a alteração das regras de fixação das indemnizações, onde o que devia existir era uma justaposição com o que hoje são as modernas regras do Código do Trabalho. Uma vez que o Código do Trabalho inovou

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em matéria de indemnizações relativas aos despedimentos, era preferível que este diploma, em vez de criar um regime à parte, um regime de excepção, remetesse para as regras do Código do Trabalho.
Quanto à matéria que também tem a ver com as condições de independência, da protecção do sigilo e dos direitos de autor, voltarei a ela mais tarde.
No que se refere à revisão do conceito do jornalista, também me parece que há aqui um conjunto de medidas positivas, como, por exemplo, a exigência do curso superior, o alargamento do período de estágio e a exigência de uma capacidade editorial. Parece-me que estas regras adaptam o que deve ser a profissão de jornalista aos novos tempos e às novas exigências, com a salvaguarda inequívoca, como é óbvio, das situações em que os profissionais já têm hoje carteira profissional.
Relativamente às incompatibilidades, também nos parece positivo que se aprofunde esse regime, mas, como dissemos há pouco, esta parece-nos ser uma matéria muito delicada. E ainda bem que o Governo já reconheceu haver aqui um erro, porque, senão, esta matéria raiaria a inconstitucionalidade: a criação de um período de nojo após o exercício de funções de soberania ou após o exercício de funções em forças de segurança ou em forças militares. De facto, trata-se de um erro profundo que esta proposta de lei contém.
Gostaríamos que o Governo tivesse tido um pouco mais de cautela nesta matéria, pois estamos a falar de direitos, liberdades e garantias essenciais dos portugueses e, nesse sentido, também essenciais da classe dos jornalistas.
Penso que fica bem ao Governo reconhecer o erro, mas alertamos para o facto de, eventualmente, o diploma conter outros erros. Por isso, esta proposta de lei terá de merecer uma leitura muito mais aprofundada em sede de especialidade.
Passo a duas matérias que me parecem fundamentais.
A primeira prende-se com o sigilo profissional. Há, de facto, nesta proposta de lei uma limitação à definição do conceito do que é o «interesse preponderante». Este conceito, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º do Código do Processo Penal, faz depender a possibilidade de quebra do sigilo profissional da ponderação de uma autoridade judicial. Parece-nos ser importante limitar mais esse conceito, mas a verdade é que, nesta proposta de lei, a limitação ainda é muito vaga e indeterminada.
Foram aqui citados vários casos, mas, muito provavelmente, com este diploma — reconhecemos que vai mais longe, não pomos isso em causa — continuaria a haver uma autoridade judicial que poderia obrigar o jornalista a levantar o segredo de justiça, o que nos choca muito. Tudo faremos, pois, para que, na especialidade, a determinação deste conceito seja ainda mais limitada.
A segunda matéria que quero referir, que também achamos positiva, prende-se com a criação de um regime em que a busca judicial tem de ser presidida por um juiz e acompanhada de um elemento do sindicato representativo da classe dos jornalistas. Isso parece-nos positivo, pois cria até um regime semelhante ao que existe para buscas em escritórios de advogados.
A terminar, quero referir-me à matéria dos direitos de autor. Registamos, antes de mais, que há um claro retrocesso, quer do Governo, quer da bancada do Partido Socialista, relativamente a algumas coisas que defendiam há muito pouco tempo. Estive a ler algumas intervenções anteriores do Sr. Deputado Arons de Carvalho e mesmo a proposta de lei inicial do Governo e registo que há no diploma agora apresentado um claro retrocesso. Parece-me, pois, que houve algum bom-senso nesta matéria, o que é positivo.
O primeiro reflexo do bom-senso é admitir que esta matéria tem uma ligação muito forte com o Código do Direito de Autor, que deve haver uma remissão para esse Código, onde esta matéria, à cabeça, tem de estar regulamentada, porque é aí que está o «coração» dos direitos de autor. Não pomos em causa que, no Estatuto do Jornalista, haja um conjunto de matérias que também deva vir complementar a área dos direitos de autor, mas perguntamos: porque é que o Governo propõe agora um prazo de 30 dias? Qual é a justificação para estes 30 dias? Porque não 31 dias? Porque não 45 dias? Porque não 15 dias ? Qual é a justificação imanente para este prazo de 30 dias? E este prazo de 30 dias aplica-se, por exemplo, às publicações electrónicas, que mantêm on line as suas peças para além desse prazo? Esta é uma matéria que tem de ser regulamentada de uma forma mais directa, para que não deixe dúvidas.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: — Vou terminar, Sr. Presidente.
Tal como nos merece algumas dúvidas a questão dos arquivos e ainda obrigação de haver uma renegociação de quase todos os contratos de trabalho para se incluírem estas novas regras.
Temos muito pena que também aqui a proposta de lei não vá mais longe e que, em relação aos direitos de autor, regulamente só o que é a acepção clássica dos direitos do jornalista e não fale também do que é o copyright e do que muitas vezes hoje se continua a passar com empresas que publicam notícias que vêm noutros jornais, as famosas empresas de clipping. Em relação a isto o Governo diz zero. Esta é uma matéria que deve ser, à cabeça, regulada no Código do Direito de Autor — reconheço isso —, mas é, por isso que achamos que…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre). — Sr. Deputado, tem de terminar. Já utilizou 1 minuto cedido pelo

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PSD e já vai com um minuto e tal negativo.

O Orador: — Termino já, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, e agradecendo a sua tolerância, o Governo devia fazer uma regulamentação mais profunda desse Código

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: A matéria que discutimos hoje, perante três iniciativas legislativas que visam introduzir alterações ao Estatuto do Jornalista, consagrado na Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, é uma matéria cuja relevância acompanha, certamente, a fundamental necessidade, para o bom funcionamento de qualquer democracia, da existência de uma imprensa livre, não apenas do poder político mas, quiçá, hoje em dia, principalmente do poder económico e dos perigos que pode trazer uma globalização concentracionista de capitais de empresas e de poder, num jogo em que a informação e a formação da opinião pública desempenha um papel preponderante.
Por isso, a matéria que hoje analisamos vai além da mera introdução de alterações ao regime profissional dos jornalistas, que envolve questões tão importantes para esta classe profissional que vão desde a definição do âmbito da sua actividade, passando pelo acesso à profissão, até aos mais controvertidos assuntos dos direitos de autor, do sigilo profissional e da múltipla responsabilidade dos jornalistas, ética, deontológica, civil e criminal.
A questão de que hoje tratamos e as propostas que hoje analisamos, têm, inevitavelmente, reflexos sobre uma classe profissional que se quer livre e isenta no pensamento e no trabalho produzido, crítica e independente face ao meio em que e sobre o qual trabalha e, necessariamente, responsável e competente, o que é fundamental e mesmo crucial para o regular e saudável funcionamento das instituições e do próprio Estado de direito em que vivemos.
Com efeito, neste domínio, uma classe profissional como a dos jornalistas, fragilizada do ponto de vista dos seus direitos sociais e laborais, é sempre uma classe profissional mais desprotegida, que terá mais dificuldades e que será, porventura, menos capaz de fazer frente e resistir a tentativas de apropriação, manipulação e adulteração do seu trabalho por outrem.
Não é, por isso, indiferente uma referência, ainda que sumária, para relembrar a recente postura do Governo, que, na sua conhecida voragem de ataque aos direitos sociais dos trabalhadores, designadamente na área da saúde, decidiu extinguir o subsistema de saúde e a própria Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas, um verdadeiro direito e não um privilégio, um regime conquistado pelos trabalhadores e consolidado ao longo de muitos anos, contendo especificidades adequadas à respectiva profissão e configurando um modelo ajustado, que deveria ser mantido.
Não é possível ter uma imprensa livre, a imprensa livre conquistada com o 25 de Abril e o fim do «lápis azul», sem ter jornalistas livres e independentes, com direitos e garantias profissionais e laborais condicentes com a importante função social de comunicação, de informação e de contributo para a formação da opinião pública que desempenham.
Por isso, é com preocupação que assistimos hoje à apresentação por parte do Governo da sua proposta de lei n.º 76/X, uma proposta de lei que, de resto, já foi e tem vindo a ser altamente criticada por jornalistas e pelo Sindicato dos Jornalistas, e com toda a razão, acompanhando Os Verdes, em vários aspectos, a crítica por aqueles desenvolvida.
Não obstante a disponibilidade que o Sr. Ministro aqui hoje demonstrou no sentido de alterar a proposta de lei em sede de especialidade — registamo-lo, embora duvidemos da capacidade de realizar um grande recuo —, não podemos deixar de fazer referência às matérias sobre as quais incide principalmente o dissenso, as quais são conhecidas. O próprio Sr. Ministro, na sua intervenção de abertura deste debate, fez uma referência expressa à questão do sigilo profissional, uma matéria que deve, em nosso entender, ser corrigida em relação ao que actualmente existe, para evitar situações como a que aconteceu a um profissional do semanário Expresso.
Admitimos que, de facto, em situações excepcionais, o sigilo não seja absoluto, o problema está na formulação encontrada, em nosso entender excessivamente ampla e indeterminada e susceptível de ambiguidades, subjectividades e arbitrariedades e incapaz, por isso, de resolver esta delicada situação, que o é sempre em qualquer circunstância, como no caso dos advogados, importando, acima de tudo, ter sempre presente que o sigilo profissional não é apenas um direito ou prerrogativa para o jornalista neste caso, é também um dever para este, face ao interesse de toda a classe, face ao interesse da própria existência de uma imprensa livre e actuante.
Em segundo lugar, em relação à matéria dos direitos de autor, parece-nos que a proposta de lei não tem em devida conta o papel do jornalista enquanto autor, escritor, fotógrafo, operador de câmara, enquanto criador intelectual de uma obra. Pelo contrário, reforça a vertente do jornalista, enquanto assalariado,

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enquanto trabalhador por contra de outrem, dando o poder, por 30 dias, para a empresa ou grupo publicarem quantas vezes quiserem, dispondo gratuitamente do mesmo pelo período em que ele fundamentalmente tem mais interesse. De facto, o jornalismo é a referência ao presente, ao momento, à actualidade, enquanto ainda é notícia, e este domínio é hoje temporalmente cada vez mais reduzido, e pode dizer-se que, para além daqueles 30 dias, pouco mais interesse terá na generalidade dos casos.
Além disso, este regime permite que os grandes grupos ou empresas explorem o trabalho dos jornalistas à exaustão, reutilizando-o em diferentes momentos ou espaços, conduzindo a uma redução dos jornalistas nas redacções e do pluralismo de informação, com evidente prejuízo para a classe, para o público e com um benefício claramente excessivo para as empresas. É caso para dizer que se os jornalistas são individualmente responsáveis e imputáveis deontológica, civil e criminalmente no seu trabalho, também lhes deve ser reconhecido o justo direito de autoria.
Felizmente, deram entrada na Mesa da Assembleia da República outras duas iniciativas, uma do PCP e outra do BE, bases de trabalho com cujos princípios concordamos e que são um bom ponto de partida para o trabalho na especialidade em sede de comissão, para que se corrija e melhore o regime vindo de 1999.
Nesse sentido, Os Verdes darão a sua anuência aos projectos de lei n.os 333/X, do PCP, e 342/X, do BE, o que já não podemos fazer em relação à proposta de lei, a qual nos merece as maiores reservas.

Vozes de Os Verdes: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Diniz.

A Sr.ª Teresa Diniz (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei apresentada pelo Governo, que altera o Estatuto do Jornalista, adita um conjunto de disposições legais – artigos 7.º — A a 7.º — C – relativas à protecção do direito de autor dos jornalistas.
O Governo retoma nesta proposta de lei a pretensão do legislador, vertida no actual Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99 de 13 de Janeiro), em consagrar o direito à protecção das «obras protegidas» dos jornalistas, dispensando, deste modo, a opção legislativa anterior, que remetia para posterior regulamentação essa mesma definição legal.
No entanto, atentas as especificidades inerentes aos «trabalhos protegidos» dos jornalistas, leva a que o legislador da presente proposta de lei entenda dar um melhor e mais correcto enquadramento jurídico às normas relativas ao direito de autor dos jornalistas.
Na verdade, num passado recente, assistiu-se às inovações do «mundo analógico», com o uso generalizado dos gravadores áudio e vídeo e da reprografia. Hoje, com a criação e divulgação das redes digitais, em que a Internet desempenha um papel primordial no mundo da comunicação social, as obras protegidas, as criações intelectuais dos jornalistas por qualquer modo exteriorizadas (quer se tratem de artigos, entrevistas, reportagens ou outras) podem estar disponíveis, com uma incrível rapidez, em qualquer parte do mundo, ao utilizador informático comum.
Do mesmo modo, no que concerne ao armazenamento das obras protegidas em memória electrónica dos computadores, ou, até mesmo, a reprodução de uma obra, fixada inicialmente em suporte de papel, num suporte digital leva a que o conceito técnico-jurídico do direito de autor aplicado aos jornalistas necessite de um especial enquadramento, que o Governo, aqui, procura dar através da proposta de lei n.º 76/X.
Assiste-se, nos dias de hoje, à necessidade de contrariar a expansão dos poderes dos titulares do direito de autor ou de direitos conexos por via da imposição dos titulares dos órgãos de comunicação social dos termos contratuais não negociáveis (contratos de adesão) devido aos condicionalismos impostos pelas novas tecnologias. Mas não é isso que o Governo do PS pretende.
Antes pelo contrário, o Governo tem bem presente — aliás, já sublinhado hoje na sua intervenção — que a liberdade de criação é uma manifestação da liberdade de expressão e de pensamento, que tem de diferenciador a sua particular novidade ou originalidade, não permitindo às empresas de comunicação social (ou grupo económico a ela pertencente), uma aleatória invasão na obra intelectual do jornalista.
Daí que os valores e princípios que enformam o direito de autor dos jornalistas procurem salvaguardar os direitos de carácter patrimonial (quando, por exemplo, na ausência de acordo quanto às condições de utilização das obras protegidas e aos montantes devidos, intervém uma comissão de arbitragem a funcionar junto da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista) e dos direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais (nomeadamente, o direito de assinar ou de se fazer identificar com o nome profissional; o direito de reivindicar, a qualquer tempo, a paternidade da obra; o direito de se opor a qualquer modificação da obra), não abdicando de contemplar as evoluções tecnológicas em curso.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 76/X, com a inclusão de três artigos que versam sobre o direito de autor do jornalista, visa, assim, desbloquear a actividade jornalística, tendo em conta o jornalista, as diversas formas de contratualização dos jornalistas, as empresas ou grupo de empresas detentoras dos meios de comunicação social e as novas realidades tecnológicas, procurando, deste modo, um tratamento jurídico transversal.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — A encerrar este debate, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar por dizer ao Sr. Deputado Luís Montenegro que a expressão «orgulhosamente só» era uma expressão que o ditador fascista António Oliveira Salazar gostava de usar. E por mais votos que venha a obter em concursos ou em outros episódios semelhantes, para mim continua e continuará a ser o ditador fascista António Oliveira Salazar.

Aplausos do PS.

Portanto, repudio veementemente essa expressão! Foi uma graça, que «tem o seu caminho» numa sexta-feira de manhã.
Onde talvez não esteja a ser acompanhado por todos os grupos parlamentares, excepto pela maioria parlamentar, que, aliás, é maioria, é na clareza que procuro imprimir a este debate. Porque há aqui uma espécie de «jogo de sombras» com o qual não podemos trabalhar.
Por exemplo, exprimem-se dúvidas sobre a necessidade, a possibilidade ou a vantagem de introduzir um regime disciplinar profissional na profissão de jornalistas. Mas também não vejo ninguém dizer que se opõe a esse regime.
Muitas pessoas dizem que a proposta que o Governo faz para a regulamentação do direito de autor dos jornalistas é um retrocesso, mas também não ouço ninguém propor ao Governo que retire a sua proposta e deixe estar tudo como está hoje, isto é, direitos protegidos na lei que, na prática, são inexistentes, na prática vigorando o sistema de copyright que, aliás, é um sistema ilegal, à luz do Código do Direito de Autor português.
Há aqui, portanto, um «jogo de sombras»! Vejo exprimirem-se muitas dúvidas sobre a proposta de lei, de precisão das condições-limite de cedência do direito ao sigilo profissional, mas também não vejo ninguém propor que se deixe tudo como está na actualidade.
Portanto, é essa clareza que peço. E julgo que devemos fazer um trabalho aprofundado, tão demorado quanto seja preciso, tão participado quanto seja conveniente na especialidade, porque o Estatuto do Jornalista é uma lei essencial, do ponto de vista do funcionamento de uma democracia. Convém, pois, que todos tenhamos plena consciência do que hoje existe, do que é possível melhorar, tendo em conta também a evolução tecnológica no campo dos media, pelo que, da parte do Governo há toda a disponibilidade para se demorar o tempo que for preciso e fazer-se o trabalho que for preciso, em sede de especialidade, designadamente explicitando bem o significado de alguns advérbios, que parece ser a única coisa que incomoda alguns Srs. Deputados.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — É um recado para o PS!

O Orador: — Passemos às questões principais, começando pela da formação académica.
Do meu ponto de vista, não faria nenhum sentido, em 2007, discutir o novo Estatuto do Jornalista sem ter em conta que a qualificação académica inicial, hoje, em Portugal, se faz, e bem, ao nível superior.
Defendemos que se mantenha uma disposição em aberto no acesso à profissão de jornalista – a habilitação de nível superior – e também, evidentemente, como aliás é obrigação constitucional tal como eu a leio, o acesso inteiramente livre à actividade jornalística. Nada disto põe em causa as situações presentes; nada disto põe em causa, em particular, a imprensa local e regional.
No que diz respeito à questão de saber se o Governo limita ou fragiliza a profissão de jornalista propondo o reforço dos seus deveres profissionais, tenho uma divergência profunda em relação à posição do PCP.
No meu entendimento, esse reforço, a implementação de um sistema de auto-regulação profissional também com uma componente disciplinar, isto é, podendo os pares sindicar o comportamento dos jornalistas — em relação com o seu código deontológico, naturalmente —, valoriza a profissão. Não acho que reforçar os deveres profissionais fragilize uma profissão. Pelo contrário, acho que valorizar e reforçar os direitos e os deveres de uma profissão é a melhor maneira de valorizar essa profissão.
A situação actual, em que a lei tem uma norma sobre deveres, mas que é inteiramente branca, porque nenhuma sanção nela está prevista, é que fragiliza e penaliza a profissão jornalística.
A proposta de lei, Sr. Deputado Fernando Rosas, deixa deliberadamente em aberto a questão, que tem de ser resolvida em sede de decreto ou de especialidade, de saber se, para efeitos do cumprimento das atribuições em matéria disciplinar, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas deve assumir as suas funções no seu todo – isto é, representantes eleitos pelos jornalistas e representantes designados por entidades patronais — ou só com os representantes eleitos pelos jornalistas. Trata-se de uma questão importante. Aliás, qualquer uma das duas opções possíveis tem argumentos fortes, pelo que essa discussão se tem de fazer, sendo exactamente por isso que a proposta de lei não fecha nenhuma das duas opções pos-

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síveis.
Passo a responder à questão sobre se esta proposta de lei traz mais deveres, mas não traz mais direitos aos jornalistas.
O exemplo dado pelo Sr. Deputado Pedro Mota Soares é bom, porque ilustra em que medida é que esta proposta de lei reforça os direitos dos jornalistas. A questão da cláusula de consciência põe-se hoje porque a revisão que entretanto aconteceu no Código do Trabalho fragilizou a posição dos jornalistas que pudessem invocar essa «cláusula de consciência», porque à luz do disposto no Código do Trabalho – no preceito que se aplica por analogia em relação à norma correspondente do Estatuto do Jornalista — a indemnização devida podia ser calculada com base em meio salário mensal por cada ano de serviço. E é justamente para impedir que a revisão entretanto ocorrida no Código do Trabalho possa fragilizar os direitos dos jornalistas, em particular o seu direito à independência profissional, que o Governo, nesta proposta de lei, propõe que se use sempre, para cálculo da indemnização, o limite máximo que o Código do Trabalho permite.
Em relação à questão das modificações formais, devo dizer que continuo sem perceber o alcance real das dissidências expressas face à disposição relativa às modificações formais.
O que a proposta de lei diz é, primeiro, que os jornalistas são titulares por inteiro dos direitos morais sobre as suas obras. E, nessa sequência, do meu ponto de vista, tem de prever a possibilidade de existirem modificações meramente formais dos textos jornalísticos.
Estou completamente disponível para corrigir qualquer imprecisão semântica que esteja na proposta de lei — se os advérbios «nomeadamente» ou «designadamente» podem introduzir alguma imprecisão cortam-se de imediato —, porque o que importa é apenas assegurar que as modificações meramente formais, designadamente em função do dimensionamento da peça, ou de correcção linguística possam continuar a existir, sob pena de o trabalho numa redacção se tornar manifestamente impossível, sendo necessário fazer isso na medida em que nós reforçamos, nesta proposta de lei, inteira e plenamente, o conteúdo moral dos direitos de autor.
Finalmente, refiro-me à questão dos direitos de autor.
Falaram Srs. Deputados do CDS e do PSD na evolução e na alegada incoerência da posição do Partido Socialista nesta matéria.
Ora, os Srs. Deputados votaram por unanimidade, em 2003, um projecto de lei sobre os direitos de autor. Portanto, se há evolução da parte do Governo — e há! —, como é que posso caracterizar a posição actual do PSD e do CDS-PP? Como uma «cambalhota»! O PSD defende, como doutrina, uma coisa que é ilegal em Portugal! O Código do Direito do Autor e dos Direitos Conexos não comete direitos de autor sobre obras de autoria individualizada às respectivas entidades empregadoras.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Ministro.

O Orador: Já vou concluir, Sr. Presidente.
Portanto, o sistema português não é de copyright, é o sistema europeu continental. E é no quadro desse sistema europeu continental que temos de superar o impasse actual, que é um vazio, na prática, de cumprimento dos direitos de autor, e devemos fazer isso de forma exequível! A única coisa que peço a esta Câmara é que valorize os direitos de autor dos jornalistas sem, contudo, paralisar as actividades, por exemplo, das televisões ou das rádios, porque temos que permitir que uma televisão que tenha um canal informativo possa usar a mesma entrevista, se ela tiver valor para isso, no seu canal generalista ou no seu canal regional sem ter de pedir autorização expressa ou de pagar uma retribuição adicional ao entrevistador.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, agradeço que conclua.

O Orador: — Estou a concluir, Sr. Presidente.
A palavra «esbulho» é completamente desproporcionada, Srs. Deputados, porque estamos a falar de jornalistas assalariados que usam os meios das empresas e que são pagos pelos salários que essas empresas lhes asseguram.

O Sr. Presidente: — Inscreveu-se ainda, para usar da palavra, o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE) — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Intervirei muito rapidamente.
Como o Sr. Ministro falou de um jogo de sombras, queria iluminar um pouco as sombras em que o Sr.
Ministro se encontra, acerca de dois pontos que levantou.
Em primeiro lugar, o sigilo não é uma questão unicamente terminológica. Se na proposta de lei se retirar a expressão «nomeadamente» transforma-se o artigo sobre a questão do sigilo numa enumeração taxativa dos casos em que é possível quebrar o sigilo, e isso está certo. Para quem não é partidário de um direito absoluto de sigilo, mas da enumeração taxativa das condições em que o sigilo é quebrado, o advérbio «nomeadamente» é absolutamente essencial para a mudança.

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Em segundo lugar, quanto à carteira profissional, o Governo propõe poderes disciplinares a uma comissão de carteira que inclui na sua composição delegados do sindicato, delegados dos trabalhadores, delegados das entidades patronais…

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Não são delegados, são meros representantes.

O Orador: — Sim, são representantes. Portanto, a comissão de carteira é composta por essa representação.
Nós entendemos que não é auto-regulação uma comissão de carteira com representantes do patronato e dos sindicatos ter poderes disciplinares. Gostaríamos de discuti-lo mais aprofundadamente, em sede de especialidade, mas quanto à titularidade desse direito por parte de uma carteira nestas condições não concordamos.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Não sei se o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares deseja responder, embora já não disponha de tempo. Nem o PS dispõe de tempo para lhe dispensar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Já interveio duas vezes!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — A Mesa concede-lhe 1 minuto para responder, Sr. Ministro.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O Sr. Ministro já proferiu duas intervenções hoje!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, como sei que não posso fazer uma intervenção, peço a palavra para uma interpelação factual.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Peço apenas, através da Mesa, para efeitos de condução dos trabalhos, que fosse tido em atenção o texto preciso do preceito sobre sigilo profissional, para que o Sr. Deputado Fernando Rosas tenha a sua dúvida completamente esclarecida.
O advérbio «nomeadamente» não é usado na expressão, mas pode ser usado em casos como, nomeadamente, crimes graves contra as pessoas, contra a segurança do Estado, etc. A enumeração neste preceito da proposta de lei é taxativa, ou seja, é no caso de crimes graves contra as pessoas, nomeadamente contra a integridade física e a vida, crimes graves contra o Estado ou criminalidade organizada.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Se retirar o «nomeadamente»,…

O Orador: — Trata-se apenas deste esclarecimento factual.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Muito obrigado, Sr. Ministro.

O Orador: — O Sr. Deputado Fernando Rosas é um ilustre académico, portanto sabe perfeitamente que o texto fala por si.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Srs. Deputados, há pouco cometi um lapso. É que o Sr. Ministro já não podia intervir de qualquer maneira, com tempo ou sem ele, dado que já tinha intervindo por duas vezes.
Srs. Deputados, chegámos, assim, ao termo do debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º 76/X e dos projectos de lei n.os 333/X e 342/X e também ao final dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar na próxima quarta-feira, dia 31, às 15 horas, tendo como ordem de trabalhos a interpelação ao Governo n.º 10/X, do Bloco de Esquerda, sobre políticas de ordenamento do território e ambiente.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram12 horas e45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal

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32 | I Série - Número: 042 | 27 de Janeiro de 2007

José Augusto Clemente de Carvalho
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Rosalina Maria Barbosa Martins

Partido Social Democrata (PSD):
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Eduardo Rego Mendes Martins
Luís Miguel Pais Antunes
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Pedro Miguel de Santana Lopes
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo

Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Júlio Francisco Miranda Calha
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Teresa Maria Neto Venda

Partido Social Democrata (PSD):
José Mendes Bota
Manuel Filipe Correia de Jesus
Mário Patinha Antão

Partido Popular (CDS-PP):
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
António José Ceia da Silva
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Glória Maria da Silva Araújo
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
José Carlos Correia Mota de Andrade
Luísa Maria Neves Salgueiro
Maria Isabel Coelho Santos
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Umberto Pereira Pacheco

Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira

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33 | I Série - Número: 042 | 27 de Janeiro de 2007

José António Freire Antunes
José de Almeida Cesário
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Mário Henrique de Almeida Santos David
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Sérgio André da Costa Vieira

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