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Sexta-feira, 9 de Março de 2007 I Série — Número 58

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE MARÇO DE 2007

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. — Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 119/X, dos projectos de lei n.os 366 a 370/X e do projecto de resolução n.º 188/X.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira (PS), na passagem do Dia Internacional da Mulher, evocou a luta das mulheres pela consagração do seu direito à igualdade e falou do papel do Parlamento na defesa, promoção e criação de condições de exercício dos direitos humanos das mulheres. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Helena Pinto (BE).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Fernando Negrão (PSD) associou-se à comemoração do Dia Internacional da Mulher e abordou as propostas do seu partido de combate ao enriquecimento ilícito.
Igualmente em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP), ainda a propósito do Dia Internacional da Mulher, chamou a atenção para a situação económica, laboral e social das mulheres portuguesas e condenou as políticas que as discriminam.
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Cecília Honório (BE), falando também do Dia Internacional da Mulher, criticou as reformas que o Governo está a implementar nas diferentes carreiras profissionais da administração pública.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro (CDS-PP), referindo-se também ao Dia Internacional da Mulher, chamou a atenção para o caminho que ainda é preciso percorrer para uma igualdade entre homens e mulheres e lembrou iniciativas do seu partido nesse sentido.
Finalmente, em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), a propósito da comemoração do Dia Internacional da Mulher, condenou o Governo pela suas políticas que penalizam a mulher e lembrou a importância da aprovação da lei sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas.

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I SÉRIE — NÚMERO 58 2 Ordem do dia. — Foi debatido, na generalidade, o projecto de lei n.º 339/X — Regime de dispensa de medicamentos ao público pelas farmácias hospitalares do SNS (BE), que foi rejeitado. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados João Semedo (BE), Ana Manso (PSD), Maria Antónia Almeida Santos (PS), Teresa Caeiro (CDSPP) e Bernardino Soares (PCP).
Entretanto, deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de resolução n.º 189/X.
Foi apreciado o projecto de resolução n.º 179/X — Criação de uma comissão eventual para o acompanhamento do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional) (PSD), que foi rejeitado, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Almeida Henriques (PSD), Alda Macedo (BE), Pedro Mota Soares (CDS-PP), José Soeiro (PCP) e José Junqueiro (PS).
Após aprovação, na especialidade, do texto final, apresentado pela Comissão de Defesa Nacional, relativo à proposta de lei n.º 110/X — Altera a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, no que respeita à composição, competências e funcionamento do Conselho Superior de Defesa Nacional, foi o mesmo aprovado em votação final global. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados José de Matos Correia (PSD) e João Rebelo (CDS-PP).
Foram aprovados os votos n.os 88/X — De pesar pelo falecimento de Manuel Bento, antigo guarda-redes de futebol do Benfica e da Selecção Nacional (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes), tendo a Câmara guardado 1 minuto de silêncio, e 89/X — De congratulação pela conquista do título europeu de Naíde Gomes (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).
Mereceram aprovação os projectos de resolução n.os 189/X — Honras de Panteão Nacional para Aquilino Ribeiro (Presidente da AR, PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes) e 187/X — Alteração à Resolução da Assembleia da República n.º 57/2004, de 6 de Agosto (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).
Foi rejeitado o projecto de lei n.º 344/X — Nomeação e cessação de funções dos membros das entidades reguladoras independentes (PSD).
Na generalidade, na especialidade e em votação final global, a Câmara aprovou a proposta de lei n.º 114/X — Autoriza o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico do sector empresarial do Estado.
Foram aprovados três requerimentos, apresentados, respectivamente, pelo PSD, pelo CDS-PP e pelo PS e BE, de avocação pelo Plenário da discussão e votação, na especialidade, das propostas de alteração aos artigos 1.º e 2.º do texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o projecto de lei n.º 19/X — Exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária da gravidez (PS). Na sequência foram rejeitadas as propostas subscritas pelo PSD e pelo CDS-PP e aprovada a do PS e BE, tendo intervindo no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Ana Manso (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Ricardo Rodrigues (PS), António Filipe (PCP), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Luís Fazenda (BE) e Luís Campos Ferreira (PSD).
Em seguida, a Câmara aprovou, em votação final global, o texto final apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o referido projecto de lei, com a alteração aprovada. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Helena Pinto (BE), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes) e Ana Catarina Mendonça (PS).
Entretanto, foi aprovado um parecer da Comissão de Ética autorizando um Deputado do PSD a depor por escrito em tribunal na qualidade de testemunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte

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Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José dos Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado

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António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares

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Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Hélder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta das iniciativas que deram entrada na Mesa.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 119/X — Aprova normas para a protecção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas com a dependência e a cessação do seu consumo, que baixou à 10.ª Comissão; projectos de lei n.os 366/X — Determina a equiparação entre os Deputados à Assembleia da República e os Deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas em matéria de incompatibilidades e impedimentos (PCP), que baixou à 1.ª Comissão, 367/X — Regime jurídico da obtenção de prova digital electrónica na Internet (CDS-PP), 368/X — Alteração ao Código de Processo Penal (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão, 369/X — Altera o Código de Processo Penal (BE), 370/X — Altera o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 387-E/87, de 29 de Dezembro, e 212/89, de 30 de Junho, pela Lei n.º 57/91, de 13 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.os 423/91, de 30 de Outubro, 343/93, de 1 de Outubro, e 317/95, de 28 de Novembro, pelas Leis n.os 59/98, de 25 de Agosto, 3/99, de 13 de Janeiro, e 7/2000, de 27 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, pelas Leis n.os 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 52/2003, de 22 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro (PCP), que baixou à 1.ª Comissão; e, por último, projecto de resolução n.º 188/X — Sobre a regulamentação da prática da interrupção voluntária da gravidez (PS).

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, nas Deputadas à Assembleia da República, cumprimento todas as portuguesas no Dia Internacional da Mulher e recordo que, às 20 horas, na Sala do Senado, reali-

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zar-se-á um concerto pela Orquestra Clássica de Espinho alusivo a esta data.
A primeira oradora inscrita para uma declaração política é a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, muito obrigada pela saudação inicial, que, obviamente, também entendi como sendo-me dirigida.

O Sr. Presidente: — Nesse caso, seria: Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, de todas a primeira…, primeira oradora!!

Risos.

A Oradora: — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Completam-se hoje 150 anos sobre aquele dia 8 de Março em que centenas de mulheres trabalhadoras têxteis se juntaram para lutar contra condições de trabalho infra-humanas. Foram então violentamente reprimidas e massacradas, mas nada ficou como dantes.
Nada ficou como dantes porque o fenómeno foi visível pela sua crueldade e a escandalosa discriminação que lhe deu origem ficou patente.
Nada ficou como dantes porque as mulheres perceberam que, unindo-se, poderiam reivindicar os seus direitos e que, se não o fizessem, ninguém mais o faria por elas.
Começou, pois, aqui um longo caminho de luta e revindicação que foi dando origem à consagração de direitos políticos e sociais às mulheres para só mais tarde aparecerem os direitos civis, os económicos e os culturais.
Para trás ficaram séculos e séculos de subalternização, de esmagamento, de anulação. Questões que estão longe de estar resolvidas. Mas existem hoje instrumentos que permitem lutar contra as suas manifestações mais grosseiras e que permitem alcançar progressos assinaláveis em todo o mundo. E que permitem, também, mostrar de forma visível e chocante a injustiça e o desvalor das desigualdades e das discriminações.
Também no nosso país! Com os princípios constitucionalmente consagrados, com a legislação em vigor, com as políticas sectoriais desenvolvidas e com a vontade política assumida ao mais alto nível de lutar contra as desigualdades de género, estamos a percorrer um caminho, ainda muito longe da meta, que permita atingir uma comunidade humana mais justa e mais equitativa.
A nossa participação activa na Organização das Nações Unidas e nas suas múltiplas agências, bem como o processo de construção europeia, em que o empenhamento de Portugal é inequívoco, trazem-nos informação, formação e responsabilidades.
A nossa Lei Fundamental bebeu na Declaração Universal dos Direitos Humanos, é interpretada e integrada à luz da sua doutrina e os tratados constitutivos da União Europeia assentam também na defesa de princípios e valores nos quais a construção da igualdade de género ocupa posição cimeira.
Também a nossa participação no Conselho da Europa — instituição promotora e defensora dos direitos humanos — nos acrescenta responsabilidade e capacidades neste domínio.
A boa doutrina dos direitos humanos, hoje, considera que estes são universais, inalienáveis e indivisíveis.
Eles pertencem a todas as pessoas e todas elas têm o mesmo estatuto perante esses direitos — por isso são universais.
São também inalienáveis — não podem ser tirados por outros, nem podem ser cedidos voluntariamente por ninguém.
São indivisíveis porque não há hierarquia entre eles e uns não podem ser retirados para dar o lugar a outros.
Afirmam as Nações Unidas que a marca de todas as civilizações é o respeito que elas concedem à dignidade humana e à liberdade e que é necessária uma mudança global de atitude no sentido de uma abordagem positiva de apoio aos direitos humanos em vez de uma abordagem punitiva.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta Assembleia da República tem dado vários passos — e importantes passos são esses — na defesa, promoção e criação de condições de exercício dos direitos humanos das mulheres.
É hoje doutrina assente que o respeito pelos direitos humanos é condição essencial para se alcançar um desenvolvimento humano sustentável. Eles não são, pois, uma consequência do desenvolvimento mas antes uma sua causa. Sem o respeito por eles, não há desenvolvimento humano.
Razão pela qual nada nos dispensa, numa Casa com especiais responsabilidades políticas, como esta é, de aperfeiçoarmos, não só mas também através da aprovação de legislação adequada, as condições de

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exercício desses mesmos direitos humanos.
A aprovação da Lei da Paridade, também da Lei da Procriação Medicamente Assistida e, quando chegar a altura, a da alteração do Código Penal na sequência de referendo do passado dia 11 de Fevereiro, bem como todas as outras constantes da proposta de alteração do Código Penal, já depositada na 1.ª Comissão, e que tenham a ver com matérias normais da agenda da igualdade são exemplos do papel da Assembleia da República na construção de uma comunidade humana mais justa, mais equilibrada e mais equitativa.

Aplausos do PS.

Por força disso, vamos atenuando as desigualdades entre ricos e pobres, entre informados e não informados, entre habilitados e não habilitados, entre participantes e excluídos e vamos acrescentar prevenção e justiça na luta contra as violências.
Construindo e proporcionando mais igualdade, por via desta, mais oportunidades vamos incorporando no nosso ordenamento jurídico. Mas vamos, sobretudo, acrescentando a mulher em autodeterminação, liberdade e participação, proporcionando-lhe os recursos para que se assuma como pessoa livre, autónoma, responsável pela definição do seu projecto de vida e interveniente activa na agenda e decisão políticas.
Durante séculos e séculos as mulheres foram sujeitas a tutela ou mesmo a curadoria. Não eram senhoras de si nem das suas decisões.
Com o seu esforço foram-se libertando dessa servidão, passo a passo, sempre com dificuldade e com resistências mais ou menos explícitas que pretendiam justificar o injustificável.
O dia de hoje é também um dia de balanço. E esse balanço tem muitos sinais positivos mas outros muito contraditórios.
O número das mulheres analfabetas é o dobro do dos homens, mas elas representam 60% da população habilitada com ensino superior.
As mulheres constituem 50,1% dos doutoramentos realizados em Portugal, mas apenas 37% dos realizados no estrangeiro.
São mais atingidas pelo desemprego, mesmo quando possuem um mais elevado nível de qualificação.
A sua remuneração média foi de 80,4% da dos homens, mas, se considerarmos os ganhos, os das mulheres representam em média apenas 77,7% dos dos homens.
As mulheres portuguesas recorrem menos ao trabalho a tempo parcial do que os homens, mas, das que recorrem, 28,6% declaram que o fazem por força das responsabilidades familiares. Nenhum homem em regime de trabalho a tempo parcial invoca este motivo.
A taxa de feminização na Administração Pública era de 59,3%, mas nos cargos dirigentes apenas de 22%.
Quanto ao poder e tomada de decisão são conhecidas as baixas percentagens de população feminina, quer no poder local, quer no Governo, quer nesta Assembleia da República.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, o futuro? Em época de sociedade de informação: enquanto 60% dos inscritos pela primeira vez em todos os cursos do ensino superior, em 2003-2005, eram do sexo feminino, no sector das tecnologias de informação (TIC) apenas 15% eram mulheres; o número de diplomadas no total dos cursos foi de 67%, no sector das TIC apenas 21% eram mulheres.
Não abordo aqui a questão da violência do tráfico de mulheres, da conciliação entre vida familiar e actividade profissional. São as tais questões recorrentes, o tal rol negro da condição das mulheres, que levaram Lipowetsky a questionar-se por que é que a «Terceira Mulher» — a mulher desta 3.ª vaga — não conseguia melhorar os indicadores que dizem respeito a sua condição humana. É que há um imenso trabalho ainda por fazer, sobretudo aquele que tem a ver com representações sociais. Porventura, a verdadeira tarefa, a mais importante tarefa é impregnar no tecido social as leis que já fizemos e as que vamos continuar a fazer. Vozes do PS: — Muito bem!

A Oradora: — É que somos todas e todos iguais.
Promover as mulheres não é subalternizar os homens, ou diminui-los. É a melhor garantia de equilíbrio e de progresso.
Quem não o perceber, fica pior e fica muito mais pobre.

Aplausos do PS.

Homens e mulheres, lado a lado, sempre.
Mulheres atrás, nunca.
Nunca, nunca, nunca mais!

Aplausos do PS e do PCP.

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O Sr. Presidente: — Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, permita-me uma saudação especial, hoje não a V.
Ex.ª mas às Sr.as Deputadas Secretárias da Mesa…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe imensa desculpa pela interrupção, mas há um pedido de esclarecimentos da Sr.ª Deputada Helena Pinto à oradora anterior.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Estragou-me o «número», Sr. Presidente!

Risos.

O Sr. Presidente: — Peço imensa desculpa. Tratou-se de uma comunicação tardia à Mesa.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, terei de repetir…

O Sr. Presidente: — Foi uma falsa partida! Também não se tratou de uma punição ao orador Deputado masculino.

Risos.

Foi uma inscrição tardia, feita sobre o momento.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não, não foi! Foi feita há 8 minutos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém, gostaria de começar por dizer-lhe que vale a pena e continua a ser importante sublinhar a importância desta data, 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, e por isso a saúdo pela sua intervenção.
Contudo, Sr.ª Deputada, se se registam avanços significativos na conquista dos direitos civis por parte das mulheres, avanços que são inegáveis e que temos de acolher como bastante positivos no caminho pela defesa dos direitos humanos e para conquistar a plena igualdade, não podemos, de modo algum, fechar os olhos a outras realidades que se nos deparam.
O que verificamos, Sr.ª Deputada, é que, exactamente na mesma medida em que têm sido conquistados alguns direitos civis por parte das mulheres, aumentam as desigualdades. No nosso país, concretamente, verificamos que a desigualdade social que se tem vindo a acentuar tem rosto de mulher, que os números da pobreza têm rosto de mulher e que, infelizmente, também o desemprego começa a ter rosto de mulher.
Constatamos por isso, Sr.ª Deputada, que nestas três grandes questões que afectam a nossa sociedade, a feminização existe.
Por outro lado, sabemos também que o enfraquecimento dos serviços públicos e, sobretudo, a falta de investimento nestes sectores constituem um factor de retrocesso dos direitos da mulher e não um factor de avanço nos próprios direitos das mulheres.
Por isso, saudando este dia e sublinhando a importância do dia 8 de Março, não posso deixar de colocar à Sr.ª Deputada, como Deputada da maioria que sustenta este Governo, estas questões que, julgo, preocupam todas e todos nós.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS) — Muito obrigada, Sr.ª Deputada, retribuo a saudação que me fez e agradeço-lhe as questões que me colocou.
Eu própria tive ocasião de referir na minha intervenção que os progressos são muitos, mas que o balanço em si tem sinais muito contraditórios. Ora, esses sinais muito contraditórios são, obviamente, o reflexo de épocas antigas, de épocas anteriores, designadamente a questão do analfabetismo das mulheres. Mas não há dúvida que a questão da igualdade entre mulheres e homens, por ser uma questão estrutural, tem de estar sempre a ser combatida nas suas manifestações impróprias, que são manifestações de indignidade e têm de passar a ser sistematicamente objecto de discriminações positivas.
Por isso, falei no limiar — não lhe chamei assim, mas foi isso que pretendi dizer — de novas desigualdades quando, avaliando o nível das competências em tecnologias de informação, verificamos que aí o

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des quando, avaliando o nível das competências em tecnologias de informação, verificamos que aí o universo feminino está numa posição de enorme inferioridade.
Então, ou atacamos esse problema ou estamos a construir um futuro em que para trás fica tudo o que já fizemos sem conseguirmos fazer frente a esse problema e aos novos desafios que se nos colocam. Daí a necessidade de estarmos sempre atentos, de estarmos sempre a avaliar o impacto das políticas e a incorporarmos a estratégia de mainstreaming em todas as decisões políticas e, mesmo assim, sabemos que não podemos estar distraídos.
Como a Sr.ª Deputada disse — e bem! — a pobreza continua a ter «rosto feminino»: os salários das mulheres são mais baixos, os seus rendimentos médios são os mais baixos, os seus ganhos médios são mais baixos relativamente aos homens, além de que têm muitas vezes a sobrecarga das famílias monoparentais.
Sabemos que isso tem de ser objecto de uma atenção muito cuidada e muito adequada e penso que se reclamam políticas públicas competentes de discriminação positiva que lutem contra estas tão graves consequências.
Sr.ª Deputada, gostava também de dizer-lhe que precisamos de pugnar por serviços públicos cada vez mais competentes. A taxa de feminização nos serviços públicos é importante a nível do número de trabalhadores, mas é muito diminuta em termos de dirigentes, o que é extraordinário, mas é uma verdade. Penso que estamos a retroceder um pouco nessa matéria.
Porém, considero fundamental que também a nível do sector privado se tomem essas iniciativas. Por isso dou todo o meu apoio a todas as iniciativas como o Prémio «Igualdade é Qualidade» ou como o Prémio «Empresa Familiarmente Mais Responsável», que fazem apelo às responsabilidades dos homens e das mulheres a nível doméstico para assim se construir progressivamente um mundo mais justo, mais equilibrado, mais equitativo e, portanto, de mais progresso para todas e todos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Agora, sim, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão, com um pedido de desculpa da Mesa.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, permita-me que nas pessoas das Sr.as Deputadas Secretárias da Mesa cumprimente todas as Sr.as Deputadas, todas as Sr.as Funcionárias e todas as mulheres de Portugal, hoje, Dia Internacional da Mulher.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal não é um país de corruptos.
Na tabela da ONG/Transparência Internacional, reconhecida pelas Nações Unidas, Portugal situa-se muito longe dos países mais corruptos, embora aquém dos mais desenvolvidos do ponto de vista económico e social e com os quais mais nos identificamos.
E identificamo-nos pela qualidade de vida revelada através da existência de mais liberdade, mais objectividade, mais transparência, mais justiça social e menos, muito menos, opacidade de critérios, desorganização dos serviços públicos e recurso à «palavra amiga».
Diz-nos o Banco Mundial que a corrupção acaba por resultar numa penalização para as famílias com menos rendimentos, uma vez que pagam mais impostos do que deveriam e uma parte dos seus rendimentos é gasto em subornos para terem acesso aos serviços públicos.
E acrescenta, no que respeita ainda a esta questão de «controlo e corrupção», que melhorando o nosso país a sua governação subiria na já referida tabela para o nível da Finlândia, ou seja, para os lugares mais cimeiros dos países menos corruptos.
A corrupção é, pois, um mal que corrói a confiança dos cidadãos nas instituições, fragiliza as suas referências éticas, mina as obrigações de cidadania e afecta, de forma muito particular, a qualidade da própria democracia.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sugerimos iniciativas, avançamos com propostas concretas de reforço de meios, temos iniciativas legislativas que contemplam o combate à corrupção nas áreas preventiva e repressiva. Nada disto foi feito numa perspectiva partidária, por considerarmos a corrupção como um verdadeiro problema nacional, cujo combate deve unir e não dividir.
Da maioria socialista esperava-se a natural receptividade a este «agitar de águas», mas os sinais não têm sido encorajadores.
Além de omissões, quando não a pura e simples rejeição, sem justificação ou fundamento, vemos agora o Governo socialista numa frente essencial ao combate à corrupção, que é a investigação criminal, anunciar medidas que suscitam apreensão e perplexidade.

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Esperamos a sua necessária correcção e clarificação, ao mesmo tempo que deixamos claro que nada nos demoverá de continuar a manter o combate à corrupção como uma prioridade da agenda política.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Neste sentido, e conscientes da necessidade de prosseguir uma política de tolerância zero para com o fenómeno da corrupção e dos demais crimes cometidos por funcionários e responsáveis políticos no exercício das suas funções, estamos atentos aos anseios da sociedade e das empresas, cientes da necessidade de defesa das vítimas e firmes na realização de uma política que anule os proveitos do crime.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dispõe o artigo 20.º da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, já aprovado pelas autoridades nacionais, sob a epígrafe «Enriquecimento ilícito» o seguinte: «Com sujeição à sua Constituição e aos princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico, cada Estado-Parte considerará a possibilidade de adoptar as medidas legislativas e de outra índole que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento ilícito, ou seja, o incremento significativo do património de um funcionário público relativo aos seus rendimentos legítimos que não possam ser razoavelmente justificados por ele».
Recorda-se, de novo, que esta Convenção já está aprovada pelo nosso país, o que não está é concretizado o seu conteúdo.
E o que é verdade é que a sociedade sente que existe uma perigosidade associada à disparidade manifesta entre os rendimentos de um servidor do Estado e o seu património ou modo de vida. Quando tal acontece há um sentimento de indignação e alarme social e a generalidade das pessoas formula, de imediato, um claro juízo de censura. A lei criminal deve, por isso, tutelar esse juízo de censura e de perigosidade.
Pese embora esta matéria tenha sido longamente falada e polemizada pelo Partido Socialista, a verdade é que recuaram, não se conhecendo qualquer proposta dos seus Deputados nesta matéria.
Sabemos que o Partido Comunista Português apresentou uma iniciativa legislativa que contempla, igualmente, aquilo a que chama «o enriquecimento injustificado». Há que dizê-lo com clareza: a proposta comunista não pode merecer a nossa concordância, desde logo por directamente ferir princípios constitucionais ao imputar ao acusado a obrigação de ser ele próprio a ter que justificar a forma e o momento desse enriquecimento. Isto seria uma clara violação do princípio da presunção da inocência consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Mas não tem de ser assim. Sabemos que o caminho é estreito, mas sabemos, igualmente, que é uma exigência nacional começar a trilhar esse caminho. E já o começámos a fazer quando apresentámos a iniciativa legislativa que cria a medida de coacção de apreensão de bens do investigado, com base no pressuposto de existência de disparidade manifesta entre os seus rendimentos e o seu património ou trem de vida. Mas achamos que é nossa obrigação ir ainda mais longe. Nesse sentido, e acautelando sempre os princípios fundamentais e constitucionais, vamos apresentar um projecto de lei que criminaliza o «enriquecimento ilícito», no qual caberá à acusação a construção, bem como a prova dos respectivos elementos do crime, designadamente, os rendimentos do investigado, o seu património e o seu padrão de vida e, ainda, a flagrante desproporção entre um e outro.
O PSD tomará esta iniciativa e convida a maioria socialista a aprová-la.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Se todos sabemos ou se a todos consta o que se passa, ninguém compreenderia que nada fizéssemos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O dia 8 de Março deste ano, precisamente o ano em que se comemoram 150 anos de luta de operárias têxteis de Nova Iorque por melhores salários e pela redução das horas de trabalho, pode dizer-se que começou verdadeiramente no dia 11 de Fevereiro. Com a vitória do «Sim», reforçou-se a luta das mulheres pela efectivação dos seus direitos fundamentais.
O modelo de Estado invasor através do Código Penal, da reserva da vida privada, tornando público o direito à intimidade, tem como uma outra face da mesma moeda o Estado demissionista, privatizando tarefas fundamentais estreitamente conexas com os direitos fundamentais das mulheres, entre os quais o direito à igualdade. Além, o Estado é um intruso; aqui, o Estado abre mão das suas obrigações. Tudo ao invés, como ao invés está o mundo! E é por isso que o sabor precioso da vitória do «Sim» se completa com a luta das mulheres portuguesas, à semelhança do que acontece noutros países, no mundo inteiro, com a luta pelo progresso.

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O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!

A Oradora: — As mulheres portuguesas conheceram até muito tarde o «amargo sabor» da repressão que só o 25 de Abril arredou. O 8 de Março, como dia que é ao mesmo tempo Dia Internacional e Dia Nacional da Mulher — dia reprimido pelo fascismo —, serve também para recordar os tempos em que a própria discriminação da mulher estava inscrita na Constituição de 1933.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Bem lembrado!

A Oradora: — Os tempos em que nem sequer gozavam plenamente do direito de voto. Os tempos em que a guerra colonial e a fuga a salto para outros países as deixou sozinhas, numa viuvez prematura.
Mas também os tempos retratados por Maria Velho da Costa in Revolução e Mulheres — «Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas encheram as ruas de cravos.» É perpetuando essa memória — Nemesis não permitirá que dos escombros do passado ressuscitem os fantasmas que persistem em nos ameaçar — que as mulheres portuguesas continuam a luta contra políticas que perpetuam as discriminações e as desigualdades.
Hoje, em vários países do mundo, na Europa, seguramente, já que nos encontramos no chamado Ano Europeu pela Igualdade de Oportunidades, se falará na teimosa persistência da discriminação.
Usando sempre o eufemismo da igualdade de género para não falar das reais causas do triunfo das desigualdades.
Esse eufemismo não se trata de uma modernidade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Oradora: — O género representa, afinal, a recuperação de uma ideia antiga: a ideia da biologia, como se fosse nesta e nas proclamadas diferenças naturais entre os dois sexos, de que falava a Constituição de 1933, que residisse a explicação para a persistente discriminação das mulheres, como se nada significasse aquela frase célebre de Simone de Beauvoir: «Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres».

Aplausos do PCP, do PS e de Os Verdes.

Como se na base dessa discriminação não estivesse afinal a deterioração das condições de vida das trabalhadoras e dos trabalhadores: a degradação dos seus direitos, a precarização do emprego, o desemprego, a privatização de funções sociais do Estado. Uma política de classe, dirigida agora pelo neoliberalismo capitalista contra o mundo do trabalho.
Aliás, a escolha do dia de luta das operárias têxteis de Nova Iorque como Dia Internacional da Mulher tem o significado de considerar fundamental e primordial para a luta das mulheres a luta contra a política da classe opressora.

Vozes do PCP: — Muito bem!

A Oradora: — A palavra «classe» é assim agora substituída pelo eufemismo «género» e seguramente que o FMI e o Banco Mundial não hesitarão em proclamar neste dia 8, como o fizeram o ano passado, a necessidade de continuar a investir em políticas de género.
A verdade é que as políticas que são conduzidas a nível da União Europeia mostram tendências de estagnação e mesmo agravamento da situação das mulheres.
Um relatório divulgado muito recentemente pela agência Eurofoundation revela a persistência e até agravamento das diferenças salariais entre homens e mulheres.
Segundo tal relatório, as diferenças salariais embora tenham diminuído, muito lentamente, até 2004, conhecem desde essa altura uma tendência de crescimento. A Alemanha é o país de maior afastamento.
Em Portugal a diferença salarial entre os dois sexos é de quase 20%.
Também segundo esse relatório, quase 50% das mulheres encontram-se no segmento do mundo do trabalho com menores salários. No segmento com melhores salários estão 40% dos homens e 20% das mulheres.
As mulheres concentram-se fundamentalmente em dois sectores: educação e saúde, por um lado (34%), e comércio, por outro (17%). Mas mesmo nestes dois sectores feminizados concentram-se no segmento dos melhores salários mais homens do que mulheres.
Segundo o relatório os piores salários das mulheres devem-se fundamentalmente ao facto de serem as mais afectadas pelo trabalho a tempo parcial — não em Portugal, mas de uma maneira geral na União Europeia. Com efeito, na União Europeia apenas trabalham nesse regime 7% dos homens para 30% das mulheres.
E não se trata de trabalho que voluntariamente se procure, mas de trabalho que é o possível, que é o que se encontra, e com o qual, aliás se acena para conciliação da vida familiar com a vida profissional, obri-

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gação que acaba sempre por recair sobre as mulheres.

Vozes do PCP: — É verdade!

A Oradora: — Em Portugal a vida das mulheres portuguesas conhece agravamentos. Os últimos dados do Eurostat revelam que a taxa de risco de pobreza aumentou de novo em Portugal, em especial a pobreza feminina, sempre superior à dos homens.
O fosso entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres, que já era maior relativamente à média da União Europeia, tornou a aumentar: em 2005, os mais ricos tiveram 8,2 vezes mais rendimentos do que os mais pobres — a média na União Europeia é de 4,9; a taxa de precarização, que afecta sobretudo as mulheres, subiu em Portugal de 19,5% para 20,6%. No final de 2006, segundo os dados do INE, verificouse que a taxa de desemprego tinha aumentado, sendo a taxa de desemprego feminino, sem as correcções necessárias que a fariam aumentar, de 9%.
Paralelamente, continuamos a assistir à degradação do Serviço Nacional de Saúde, ao encerramento de maternidades, à ameaça de encerramento de urgências. Tudo isto diz, sobretudo, respeito às mulheres, porque, além do mais, são elas que cuidam da saúde da família, do companheiro, dos filhos e dos idosos.
Tendo elas uma maior esperança de vida, a subversão do sistema de segurança social reserva-lhes uma velhice especialmente difícil.
Estas e outras situações de que não há tempo para falar — para quando, pergunta-se, a alteração do Código do Trabalho?… — e a sua capacidade de luta e resistência explicam a sua presença em massa na grande manifestação do passado dia 2 de Setembro, o maior protesto até hoje realizado contra as políticas de direita. Porque, como diz em poema Pablo Neruda, «Elas brigam por aquilo em que acreditam./Elas levantam-se para a injustiça./Elas não levam ‘não’ como resposta quando acreditam que existe melhor solução.»

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputadas do PS.

O Sr. Presidente: — Também para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: O Ministro das Finanças quer desfigurar a função pública socorrendo-se do que já se vem tornando na cassete do Governo — a modernidade e o combate aos privilégios. Apresentados, no discurso oficial do Governo, como uns absentistas, privilegiados e desqualificados, os funcionários públicos são, para variar, os suspeitos do costume das experiências orçamentais de mais um Governo obcecado com o défice.
Agora são os despedimentos disfarçados de avaliação. Duas avaliações negativas e já está: despedimento sumário! Que critérios presidem a esta avaliação? Não se sabe. Como é que se faz esta avaliação? Não se sabe. À semelhança do que existe para os funcionários classificados como muito bons, também existirá uma quota para os muito maus? Não se sabe. O que se sabe é que funcionários serão despedidos.
Pelo que se sabe das declarações do Governo, aliás, esta avaliação pouco séria e discricionária mais não visa do que, através de uma pretensa imagem de rigor e de combate aos privilégios, dotar o Ministério das Finanças dos mecanismos necessários para despedir mais facilmente. Foi por isso que os empresários foram lestos a responder, percebendo a possibilidade de liberalização do mercado de trabalho entreaberta e exigindo mesmo idêntica legislação para as pequenas e médias empresas. Com a cassete socialista do combate aos privilégios, o Governo rendeu-se, afinal, ao liberalismo do «Compromisso Portugal».

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Carreiras congeladas, aumento do horário de trabalho, redução do período de férias e trabalhadores «reféns» dos seus chefes, ou seja da clientela do Governo, que os avalia e recruta a seu belprazer. É esta a verdadeira reforma socialista.
Mas, com este Governo, uma desgraça nunca vem só. Os professores que o digam. Apresentando um Estatuto de Carreira Docente que hierarquiza burocraticamente a profissão e que não coloca no seu centro o trabalho com os alunos, o Governo prepara-se descontraidamente para atropelar direitos constitucionalmente consagrados.
O Bloco de Esquerda, na passada sexta-feira, como recordarão, confrontou o Secretário de Estado com a manifesta inconstitucionalidade da penalização dos professores por faltas dadas por motivos de doença, maternidade e paternidade. E o Sr. Deputado Fagundes Duarte exigiu mesmo em Plenário o recuo do Governo nesta matéria.
Agora, o Governo recua com as licenças de paternidade e maternidade. É razão para perguntar se se tratará de uma medida «natalista» para as professoras acima dos 40 anos… Para este pequeno recuo foi preciso que os Deputados do Partido Socialista que pertencem à Comissão de Educação, reunidos com o Secretário de Estado Valter Lemos, o ouvissem gritar e mandar papéis ao ar. O «Secretário de Estado ber-

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rou, amachucou os papéis e atirou-os ao ar. (…). Gritou de forma continuada». Valter Lemos faz estes «números», mas o Governo decide contra a bancada do Partido Socialista, na maior arrogância autista.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Diz o Secretário de Estado Jorge Pedreira que há professores que não dão faltas e que, por isso, devem ser valorizados, justificando desta forma a penalização dos professores pela morte de um parente, por darem assistência aos seus filhos menores ou por estarem doentes. Que medidas de protecção da paternidade e da maternidade são, afinal, estas?

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Mas os atropelos não param aqui, exigindo-se sete anos de apreciação curricular no primeiro concurso de acesso a professor titular para quem tem 20 ou 30 anos de carreira. Jorge Pedreira diz que é preciso racionalizar os critérios de selecção. É a racionalização! Valter Lemos diz que quer privilegiar quem está na escola. Mas não é isto que se passa! Não é verdade, não quer privilegiar quem está na escola! Quer punir quem não está na escola! Pune o exercício de cargos públicos, pune o professor que usou de uma equiparação para realizar um doutoramento, penalizando-o na assiduidade, desvaloriza, por exemplo, um dos cargos mais exigentes nas escolas, o de director de turma, responsável dia-a-dia pelos jovens e pela relação com as famílias!! Estes são apenas exemplos de como critérios administrativos e baseados em cortes cegos desenham o futuro de uma carreira.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Ministério da Educação não quer uma carreira de professores motivados para enfrentar o problema de emergência nacional que é o do insucesso e abandono escolares, cujos números ainda hoje vimos actualizados. Quer, sim, fomentar a existência de cinzentos e obedientes burocratas, perdidos nas tarefas administrativas das escolas. Deve ser esta a pulsão modernizadora do Partido Socialista.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Ainda para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há uns escassos 100 anos que se comemora, no dia 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher. A sociedade e as instituições desdobram-se em iniciativas de toda a ordem para «celebrar a mulher», «discutir a mulher», «analisar o papel da mulher».
Tomara que assim não fosse. O Dia Internacional da Mulher vem lembrar-nos que, na esmagadora maioria dos países, as mulheres ainda precisam de lutar pela igualdade, pela justiça, pelo respeito e pela sua efectiva participação na sociedade como membros de pleno direito.
Desejo sinceramente que esta efeméride se torne obsoleta, que a comunicação social já não tenha matéria para fazer peças sobre a «mulher vítima» nos vários contextos sociais, que estudantes dos vários graus académicos não escolham este «nicho» para as suas teses, que caduque a legislação sobre paridade. Só aí as mulheres terão alcançado um estatuto de igualdade real.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — Mas, infelizmente, basta colocar alguns lugares comuns da desigualdade na versão masculina para vermos o quão longe estamos de urna verdadeira equidade. Imaginem os Srs. Deputados a seguinte notícia: «APAV regista, em 2006, 5055 casos de homens vítimas de violência doméstica». Ou imaginem que a ONU adopta como prioridade acabar com o flagelo da mutilação genital masculina que martiriza anualmente 2 000 000 vítimas.

Aplausos do CDS-PP.

E conseguem imaginar um ciclo de conferências sobre a dificuldade de conciliação da vida familiar e profissional entre empresários? Ou esta manchete: «Polícia Judiciária e Interpol desmantelam rede de tráfico de homens para a escravatura e prostituição»?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

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A Oradora: — E por que não uma manifestação de homens a reivindicar o fim da discriminação salarial? Ou uma lei que vise assegurar que, pelo menos, um terço dos Deputados sejam homens? Ou ainda programas de televisão com um Deputado de cada bancada, falando sobre como é ser um homem na política?

Risos do CDS-PP.

É claro que o mundo pulou e avançou, sobretudo no mundo ocidental, este espaço de liberdades que devemos defender e preservar incondicionalmente.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — Avançou-se muito tarde, muito devagar e a pulso, mas noutras culturas não se avançou nada. Produziram-se, na sociedade ocidental, um sem fim de declarações e diplomas legais que orientam as consciências, mas, muitas vezes, não saem do papel.
Hoje em dia, Sr.as e Srs. Deputados, o principal problema é a indiferença. Na verdade, os debates sobre os direitos das mulheres merecem, por vezes, uns sorrisos irónicos e paternalistas, como quem diz «lá vêm elas com as coisas delas». Ora, como disse tão brilhantemente Elie Wiesel, a indiferença mata. E prossegue: «O que é a indiferença? Etimologicamente, significa ‘não fazer diferença’, um estado estranho e não natural no qual se esbatem as linhas entre a luz e a escuridão, entre o crime e o castigo, entre a crueldade e a compaixão, entre o bem e o mal.»

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — «Claro», diz Wiesel, «que a indiferença pode ser tentadora. Mais do que isso, sedutora. É tão mais fácil desviar o olhar das vítimas. É tão mais fácil evitar interrupções abruptas ao nosso trabalho, aos nossos sonhos, à nossa rotina. Afinal, é incómodo e trabalhoso ser envolvido na dor e no desespero de outra pessoa.» «E assim, para a pessoa que é indiferente, a vida dos outros não conta. A indiferença reduz os outros a uma mera abstracção.» Ora, uma sociedade civilizada não pode ser indiferente, sob pena de estar a pactuar com o «inimigo». E o «inimigo», no caso dos direitos das mulheres, assume várias faces. Aliás, é muito redutor falar na «mulher», no Dia Internacional da Mulher, como uma abstracção. Estamos, isso sim, a falar de «mulheres», nos seus contextos nacionais, culturais, étnicos e religiosos. Existem «mulheres» e as suas circunstâncias.
Uma sociedade civilizada não pode ser indiferente à falta de aplicação de normas nacionais e internacionais que estabelecem uma rigorosa igualdade de oportunidades e direitos entre homens e mulheres.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, produzida pela bem intencionada ONU, contém 30 artigos: nenhum deles é cumprido em todos os países subscritores.

Aplausos do CDS-PP e da Deputada do PS Maria Antónia Almeida Santos.

Não basta escrever e aprovar documentos para sermos evoluídos. Entre nós, as mulheres estão em desigualdade relativamente aos homens na educação, na formação profissional, na informação, no mercado de trabalho, nos vencimentos, nas funções de chefia, na participação política, nas agressões domésticas, no tráfico de seres humanos, na exploração sexual e na indiferença com que estas questões são tratadas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — O CDS-PP defende uma igualdade real de oportunidades. Não uma igualdade meramente formal e artificial imposta por decreto. Entendemos que Portugal precisa de padrões de mérito efectivo em todas as áreas e muito particularmente na política. E para isso as mulheres precisam de poder afirmar as suas capacidades. Para isso, precisam de contar com três coisas: com a alteração de mentalidades, com mecanismos de fiscalização e punição efectiva das discriminações e com instrumentos de apoio. Destes destacaria uma verdadeira rede de equipamentos sociais para a infância, a flexibilização das normas laborais, por forma a que possam escolher um horário de trabalho que melhor se adapte à sua vida pessoal, e licenças de maternidade adequadas.
Tenho a grande honra de pertencer a um partido através da acção do qual se aumentou a licença de maternidade para cinco meses por opção da mulher…

Aplausos do CDS-PP.

… e que abriu a «janela» ao trabalho em part-time nos primeiros tempos após o parto. Foi também graças ao CDS que o mecenato social se consolidou. Esperemos que o tecido empresarial o aproveite para a

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criação de creches e jardins de infância nas suas estruturas.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — Desejamos, como disse, que a «igualdade de direitos das mulheres» se torne numa expressão caduca e que, no futuro, este dia seja só dedicado a homenagear os actos de coragem e determinação de muitas mulheres vulgares que tiveram um papel invulgar na história da humanidade porque não foram indiferentes.

Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PS Afonso Candal.

O Sr. Presidente: — Ainda para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Celebramos hoje o Dia Internacional da Mulher, quando passam precisamente 150 anos sobre a data em que cerca de 130 trabalhadoras têxteis morreram queimadas em Nova Iorque, dentro da fábrica onde trabalhavam e onde momentos antes tinham sido encerradas por patrões e pela polícia, no seguimento de uma acção de protesto que levavam a cabo contra as más condições de trabalho e baixos salários auferidos – abaixo de um terço do que recebiam os trabalhadores masculinos seus colegas.
Todos os anos, neste dia, se multiplicam as iniciativas, os discursos e os alertas, feitos por múltiplas entidades, em diferentes sedes, relembrando a justeza e a necessidade, infelizmente ainda bem actual, de prosseguir uma luta e um trabalho com persistência e empenho para derrubar as barreiras que ainda existem à igualdade do género e que condenam metade da humanidade a viver pior por lhe continuarem a ser negados direitos e liberdades fundamentais.
É por esta altura também que se costuma fazer um balanço relacionado com os progressos feitos nesta matéria, lembrando as conquistas alcançadas, fruto do empenho de mulheres e homens, de movimentos associativos e também de entidades públicas.
Contudo, depois dos francos progressos alcançados, mormente durante o século passado (e depois de, em Portugal, só o 25 de Abril de 1974 e a Constituição da República Portuguesa de 1976 terem dado a mulheres e homens igualdade plena do ponto de vista formal, principalmente na participação da vida política e na autonomia pessoal, patrimonial e dentro da família), a verdade é que as conquistas praticamente estagnaram e os tímidos progressos a que assistimos não são suficientes para disfarçar não só as desigualdades e as injustiças que permanecem como os retrocessos que também têm lugar no mundo e na sociedade portuguesas.
A mudança de mentalidades e das atitudes e comportamentos que aquelas determinam é, porventura, das mais difíceis tarefas a prosseguir. Contudo, a necessidade de expurgar a discriminação, seja qual for o motivo que a determina, e mormente a do género ou do sexo, é um imperativo que se coloca à nossa sociedade e à nossa democracia e não é, de todo, gratuito nem dispensável afirmá-lo e prossegui-lo, porquanto todos os dias ocorrem injustiças e violações dos direitos das mulheres, que as enfraquecem, humilham, colocam à margem ou degradam as suas condições de vida e, consequentemente, as dos seus filhos e família, fragilizando ainda mais o nosso tecido social.
A luta por uma efectiva igualdade faz ainda, infelizmente, todo o sentido, porquanto as discriminações a nível laboral e salarial, na ocupação de cargos de chefia, na participação da vida cívica e política permanecem, prejudicam as mulheres, condenando muitas delas ao desemprego e à pobreza, afectando-as sempre de forma mais gravosa.
Apesar de as mulheres serem já maioritárias na população licenciada, e até em determinados empregos, a verdade é que as diferenças salariais médias continuam a ser uma marca determinante na nossa sociedade, violando o princípio de «para trabalho igual salário igual» e que tem conhecido inclusivamente um agravamento para as mulheres portuguesas nos últimos anos.
De acordo ainda com as estatísticas, o desemprego não só continua a afectar mais as mulheres do que os homens como tem igualmente conhecido um agravamento na desigualdade nestes dois últimos anos de Governo socialista.
De facto, entre o quarto trimestre de 2004 e o quarto trimestre de 2006, o desemprego feminino subiu não apenas em termos absolutos, face ao período homólogo anterior, mas também aumentou em termos relativos, face ao dos homens, em 234%, tendo passado de 14 300 para 47 800.
Mas as preocupações não ficam por aqui. Infelizmente, muitas das políticas prosseguidas por este Governo, ao agravarem a vida das populações em geral, agravam em primeiro lugar a vida das mulheres, sobre as quais ainda recai, de forma injusta e injustificável, um peso acrescido a nível das tarefas domésticas e da família, como o sejam o encerramento de escolas ou o fecho de serviços de saúde, como as urgências e as maternidades.
A violência doméstica continua a fazer vítimas de forma esmagadora, principalmente entre as mulheres e as crianças. Segundo a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, no ano passado, registaram-se 13 000

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casos de violência doméstica e 22 casos de homicídio ou tentativa sobre as mulheres. Enquanto isso, a rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência teima em não conhecer o devido desenvolvimento.
Mas hoje é um Dia da Mulher diferente, em particular para as mulheres portuguesas.
Com efeito, depois de muito tempo — demasiado tempo! — em que se arrastou a vergonha nacional do flagelo do aborto clandestino, que, durante anos a fio, foi responsável pela mutilação e morte de mulheres no nosso país, que só na clandestinidade, para a qual eram empurradas por uma lei cega, injusta e, como tal, criminosa, encontravam resposta bem diferenciada consoante as possibilidades económicas de cada uma, entre a clínica no estrangeiro, com todas as condições, e uma cave, sótão, cozinha ou vão de escada, que lhes oferecia uma roleta russa, onde se jogava e tantas vezes se perdia a saúde, o corpo, a dignidade e, às vezes, a vida, no seu drama pessoal único, íntimo e intransmissível.
Depois deste tempo, finalmente, hoje, a Assembleia da República irá aprovar a lei que despenalizará a interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas, dando, assim, um passo fundamental para o qual Os Verdes têm o orgulho de ter dado o seu contributo e a sua luta empenhada, ao lado de tantos outros, para acabar com um dos problemas de saúde pública que mais afecta as mulheres portuguesas.
Depois de uma primeira tentativa de processo legislativo iniciado em 1998, depois da vitória do «sim» no referendo do passado dia 11 de Fevereiro, finalmente, o Parlamento assume as suas responsabilidades — que nunca perdeu, aliás — de procurar, com esta alteração ao Código Penal, ajudar a garantir o direito à saúde sexual e reprodutiva da mulher e à dignidade, respeitados pela sociedade e garantidos pelo Estado, designadamente através do Serviço Nacional de Saúde.
Finalmente, o Partido Ecologista «Os Verdes» envia daqui, no Dia Internacional da Mulher, uma forte saudação a todas as associações e entidades que, no dia de hoje, promovem ou promoveram iniciativas para denunciar os atropelos e as violações feitos ao direito fundamental da igualdade, assumindo, pela parte que nos toca, o compromisso de continuar a lutar pelo fim da discriminação entre sexos.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o primeiro ponto da ordem de trabalho é a apreciação do projecto de lei n.º 339/X — Regime de dispensa de medicamentos ao público pelas farmácias hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (BE).
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As farmácias dos hospitais do SNS distribuem diariamente grandes quantidades de medicamentos aos doentes que neles estão internados. No entanto, os mesmos serviços farmacêuticos, que todos os dias fazem isto, estão impedidos de dispensar medicamentos aos doentes em ambulatório, isto é, aos doentes da consulta externa e dos serviços de urgência.
Este paradoxo persiste há dezenas de anos e é responsável pela escalada da despesa em medicamentos suportada pelo SNS.
Os portugueses interrogam-se muito justamente sobre os motivos deste impedimento.
O projecto de lei que agora o Bloco de Esquerda apresenta procura desfazer aquele paradoxo, ultrapassar o impedimento e baixar substancialmente a despesa em medicamentos, através da dispensa ao público pelas farmácias hospitalares do Serviço Nacional de Saúde.
Esta mudança, há muito desejada pelos farmacêuticos hospitalares e há muito aguardada pelos portugueses, é de simples e fácil execução em virtude do actual nível de desenvolvimento técnico da generalidade dos serviços farmacêuticos dos nossos hospitais.
São sete as principais vantagens do regime que propomos.
A primeira é uma maior comodidade para os doentes, que evitariam mais deslocações para adquirir os medicamentos receitados.
A segunda é a optimização da capacidade instalada nas farmácias dos hospitais públicos quer em equipamentos quer em recursos humanos altamente diferenciados e preparados.
A terceira vantagem é a maior racionalidade na prescrição de medicamentos, alcançada pelo recurso ao formulário hospitalar e à prescrição por substância activa/medicamento genérico.
A quarta vantagem é a redução do desperdício em medicamentos não utilizados, através da sua distribuição em dose unitária e na quantidade necessária e suficiente para o tratamento prescrito, processo que constitui, hoje, uma rotina de trabalho nas farmácias dos hospitais do SNS e que, aliás, só nelas é pratica-

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da.
A quinta vantagem é a diminuição muito substancial da factura em medicamentos suportada pelo Serviço Nacional de Saúde e pelo Estado, em virtude da combinação de vários factores: o menor custo dos genéricos, a redução do preço de compra permitida pela aquisição de grandes quantidades e ainda, como é óbvio, o menor consumo induzido pela distribuição em unidose.
A título meramente de exemplo, mas para podermos ter uma noção do actual desperdício e também de quanto o Estado poderia poupar se adoptasse o regime proposto pelo BE, diria às Sr.as e aos Srs. Deputados que um comprimido de uma substância chamada omeprazol, que custa aos hospitais públicos, através do sistema centralizado de compras do Ministério da Saúde, apenas 13 cêntimos, é vendido, sob a forma do genérico mais barato nas farmácias privadas, nas farmácias de rua, nas farmácias de oficina, por 1,7 €.
Isto é, o preço do genérico mais barato vendido numa farmácia é 8 vezes mais caro que o preço de compra do mesmo medicamento para um hospital do SNS. Repito, Sr.as e Srs. Deputados: 8 vezes mais caro! A sexta vantagem é a redução significativa do custo suportado directamente pelo utente quer porque os genéricos são mais baratos quer porque este apenas teria de adquirir a quantidade necessária ao respectivo tratamento.
A última vantagem é a obtenção pelo hospital de uma receita muito significativa em resultado da diferença entre os preços de compra e de venda dos medicamentos dispensados pelas farmácias desses mesmos hospitais, vantagem potenciada pelo enorme volume de vendas que poderia verificar-se nos hospitais públicos.
Em resumo, o regime que propomos facilita o acesso aos medicamentos, assegura maior comodidade para os utentes, garante a qualidade e a segurança das terapêuticas, promove a racionalidade da prescrição médica, potencia o aproveitamento dos recursos humanos e técnicos dos hospitais, combate o desperdício, diminui a despesa do Estado e dos utentes e cria uma fonte de receita para os hospitais públicos.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Orador: — É uma evidência que este regime comporta muito mais vantagens que a instalação de farmácias privadas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, decidida pelo Governo e acordada com a Associação Nacional das Farmácias.
A instalação de farmácias privadas nos hospitais não muda nada de essencial. O que hoje acontece nas farmácias de rua passará a acontecer nas farmácias situadas dentro das paredes dos hospitais públicos.
Tudo continuará na mesma: a mesma prescrição, as mesmas marcas, as mesmas embalagens, o mesmo desperdício, os mesmo preços, a mesma despesa para o Estado e para os doentes.
Sr.as e Srs. Deputados, nada de significativo mudará no Serviço Nacional de Saúde! Percebemos o entusiasmo da Associação Nacional das Farmácias com a instalação das suas farmácias nos hospitais públicos. É a porta de entrada para tomarem conta de todo o sistema de distribuição do medicamento nos hospitais do Estado, da gestão e da exploração dos serviços farmacêuticos dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, como, aliás, está perspectivado no acordo entre o Governo e a ANF.
O Governo promete à ANF um negócio de milhões, de muitos milhões, a troco de coisa nenhuma.
O que já não se percebe é a concordância ou o silêncio resignado de todos aqueles, e em especial da bancada do Partido Socialista, que passam os dias a proclamar a eminente bancarrota do Serviço Nacional de Saúde, a bramar contra o desperdício, a empurrar para cima dos cidadãos o custo da redução da despesa pública em medicamentos, a sacrificar aqueles cuja vida é, ela própria, já hoje, um longo e arrastado sacrifício.
A proposta que hoje apresentamos procura, interpela, questiona, a verdade e a matriz social do discurso e das decisões políticas de cada um de nós.
Há sete anos, em 2000, esta Assembleia aprovou, com os votos do Partido Socialista, a dispensa de medicamentos aos utentes atendidos nos serviços de urgência dos hospitais públicos, apenas a estes doentes e em regime experimental.
Foi um primeiro passo no sentido do que agora propomos. Um primeiro passo, diga-se em abono da verdade, logo bloqueado e travado pelos interesses instalados e pela inércia, desinteresse e incúria dos responsáveis pelos serviços públicos de saúde.
A nossa proposta, aquela que agora apresentamos, é para retomar esse caminho, para darmos um passo em frente na qualificação e na modernização dos serviços prestados pelo Serviço Nacional de Saúde.
No final do debate, ficaremos a saber melhor qual o sentido, o impulso e a substância social do socialismo moderno de que se reclama o PS.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje o projecto de lei n.º 339/X, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o qual visa estabelecer um regime de

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dispensa de medicamentos ao público pelas farmácias hospitalares do Serviço Nacional de Saúde.
Este debate volta a colocar o Parlamento perante uma questão central, a da saúde.
Sabemos que, nesta discussão, a facilitação do acesso aos medicamentos é prioritária e também sabemos que esta não tem sido a opção do Governo.
De facto, o olhar do Governo para a política do medicamento tem-se caracterizado por medidas avulsas que não correspondem a uma linha programática estrutural que privilegie a melhoria da acessibilidade dos cidadãos portugueses aos medicamentos baseada na qualidade e na equidade, como avulsos e precipitados têm sido os sucessivos anúncios de encerramento de serviços de saúde, pondo em causa o modelo do Serviço Nacional de Saúde e lançando o pânico nos utentes.
O denominador comum é o racionamento. A razão de ser é a insensatez e a arrogância. A consequência é um exercício de destruição da rede de cuidados de saúde sem criar alternativas.
A matéria que hoje discutimos tem a ver com a prática já habitual deste Governo: o Ministro da Saúde faz as suas entradas de «leão», não pondera, não dialoga e não explica; a revolta instala-se e o PrimeiroMinistro amedronta-se e dá ordens para recuar.
É claro que as agências de propaganda do Governo logo aparecem a tentar transformar o recuo em coragem, mas as pessoas, os portugueses e as portuguesas, não gostam de ser tomadas por parvas. Foi assim com as maternidades, foi assim com as urgências e foi também foi assim com as farmácias.
Quem já esqueceu as graves desconsiderações que o actual Ministro da Saúde dirigiu, no passado recente, ao sector farmacêutico?! Quem não recorda que foi este Primeiro-Ministro que acabou por assinar um compromisso do Governo com a Associação Nacional das Farmácias?! Quem não se lembra do acto de contrição do Ministro da Saúde quando este reconheceu que o compromisso então alcançado, e cito, «não teria sido possível sem o empenhamento pessoal e muito forte» do Primeiro-Ministro?! Mas não é ainda possível proceder à avaliação global do verdadeiro alcance desse compromisso, até porque só algumas das medidas nele contidas já foram aprovadas no papel e quase nenhuma foi levada à prática.
Sabemos que a instalação de farmácias nos hospitais é uma matéria nova, a nível nacional e internacional, sobre a qual não existe qualquer experiência adquirida, nem quanto ao seu funcionamento, nem quanto às suas consequências no equilíbrio actual do sistema de dispensa de medicamentos à população. Por isso, mandaria o bom senso que, neste caso, se começasse por experiências-piloto, devidamente planeadas e avaliadas.
Até hoje nem sequer isso foi feito pelo Governo, assim se continuando a penalizar economicamente as famílias portuguesas e a agravar a despesa pública.
Há um ano, muitas mães portuguesas viram-se obrigadas a ir ter os seus filhos em Espanha. Agora, também muitos portugueses têm de ir a Espanha comprar os medicamentos de que precisam.
Sr.as e Srs. Deputados: É triste que assim seja! É triste ver o estado a que chegámos, em resultado da inércia política e da insensibilidade social deste Governo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No que se refere à iniciativa hoje discutida, o PSD considera que a mesma contém virtualidades, quer no que toca à qualidade e racionalidade da prescrição, quer no que respeita à contenção da despesa, quer, ainda, em matéria de acesso aos medicamentos.
É verdade que importa acautelar – o que parece suceder no projecto em questão – que as farmácias hospitalares não dispensem medicamentos senão aos utentes inscritos no próprio hospital e apenas nos casos em que estes a elas recorram imediatamente após o seu atendimento clínico.
Contudo, não se podem ignorar os riscos sempre existentes de essas farmácias poderem, involuntariamente, promover a procura dos serviços hospitalares, em detrimento dos cuidados de saúde primários, invertendo a dinâmica do sistema e a lógica do circuito do doente no acesso aos cuidados de saúde.
Por outro lado, não podemos nem devemos ignorar que o Governo assumiu, em 26 de Maio de 2006, um compromisso político de instalar farmácias de venda ao público nos estabelecimentos hospitalares para dispensarem receituário dos serviços oficiais de saúde e de medicamentos em sistema de distribuição em unidose.
No debate mensal em que esta matéria foi discutida, no ano passado, o Sr. Primeiro-Ministro foi muito claro a assumir o referido ajuste nos seguintes termos: «Essas farmácias serão nos hospitais mas serão concessionadas à iniciativa privada, não serão geridas pelos próprios hospitais.».
Ora, o que o Partido Socialista tem hoje de dizer aqui é se, com este projecto de lei, o acesso dos cidadãos aos medicamentos melhora, a qualidade da actividade farmacêutica é preservada, ou se, pelo contrário, o facto de os hospitais poderem dispensar esses fármacos põe em causa esse mesmo acesso dos utentes aos medicamentos.
No primeiro caso, o PS não poderá votar contra. Se, pelo contrário, o PS entender que este projecto prejudica os utentes, ficaremos, infelizmente, a saber que o poder legislativo da Assembleia da República está subordinado à agenda politica do Governo. E não é assim que deveria ser, Sr.as e Srs. Deputados! O PSD considera que os doentes estão sempre em primeiro lugar em matéria de política de saúde. Por isso, sempre preconizámos o desenvolvimento de uma política do medicamento assente numa estratégia

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de informação e no rigor e segurança da prescrição farmacológica, acautelando, igualmente, a sustentabilidade da despesa pública e do consumo privado.
Consideramos, assim, acertado que os doentes possam aceder aos medicamentos dispensados em meio hospitalar no próprio hospital, desde que, bem entendido, tal suceda no respeito pelos princípios que referi.
O nosso compromisso é com os utentes do Serviço Nacional de Saúde.
Haverá, com certeza, oportunidade de burilar, de aperfeiçoar esta iniciativa em sede de especialidade, mas queremos desde já adiantar que a votaremos favoravelmente. Oxalá aos Deputados do Partido Socialista seja reconhecida idêntica liberdade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — A Sr.ª Secretária vai dar conta de expediente que deu entrada na Mesa.

A Sr.ª Secretária (Maria Celeste Correia): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de resolução n.º 189/X — Honras do panteão nacional para Aquilino Ribeiro (Presidente da AR, PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE, Os Verdes).
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia de Almeida Santos.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto do Bloco de Esquerda sobre o regime de dispensa de medicamentos ao público pelas farmácias hospitalares do Serviço Nacional de Saúde surge fora de tempo.
Foi já em Maio do ano passado que, no debate mensal que decorreu nesta Assembleia, o Sr. PrimeiroMinistro anunciou, no contexto do compromisso com a saúde estabelecido entre o Governo e a Associação Nacional de Farmácias, a criação, nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, de farmácias de venda ao público de medicamentos.
Esta proposta inseria-se no cumprimento de um dos objectivos principais enunciados no Programa do Governo para a área do medicamento: melhorar as condições de acessibilidade.
É fácil perceber que o cidadão que recorre às consultas ou urgências hospitalares, em particular durante a noite ou aos fins-de-semana, tem clara vantagem em encontrar no mesmo espaço físico um local onde possa adquirir a medicação prescrita. Isto beneficia todos, mas, de modo particular, facilita a vida dos que têm menores recursos e, por regra, maior dificuldade na sua mobilidade.
Este projecto de lei surgiu, aliás, enquadrado num vasto conjunto de acções com o mesmo objectivo, desde logo, a venda de medicamentos não sujeitos a receita médica fora das farmácias, já concretizada com a existência de mais de 350 postos de venda, num processo que se vem desenvolvendo de modo gradual e seguro,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E caro!

A Oradora: — …tendo mais tarde sido seguido de medidas como o prolongamento do horário de funcionamento das farmácias, o aumento do número destas e a revogação da incompreensível obrigatoriedade de a propriedade de cada farmácia ser reservada a farmacêuticos.
Dando sequência à decisão anunciada em Maio, foi publicado, em 6 de Dezembro passado, o DecretoLei n.º 235/2006, através do qual o Governo regulou a instalação de farmácias de venda ao público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.
Este diploma assume um conjunto de medidas inovadoras. Desde logo, o funcionamento ininterrupto das farmácias instaladas ao abrigo deste regime, adaptando-o ao horário da urgência hospitalar e correspondendo às efectivas necessidades dos cidadãos. Depois, o facto de a atribuição da concessão de autorização destas farmácias ter de resultar de um concurso público. Por último, a não obrigatoriedade de se possuir a qualidade de farmacêutico para se ser candidato nesse concurso.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Oradora: — O processo está, portanto, em curso! Trata-se de uma medida de modernização que rompe com o paradigma tradicional, pelo que o seu desenvolvimento exige naturalmente prudência. Estão já em preparação concursos em alguns hospitais do Serviço Nacional de Saúde, designadamente nos Hospitais de Santa Maria, de S. João, do Padre Américo, no Centro Hospitalar de Coimbra e no Hospital de Faro, que funcionarão como experiências-piloto. Aqui tem, Sr.ª Deputada Ana Manso, as experiências-piloto! Resulta claro que a concretização deste objectivo de venda ao público de medicamentos nos hospitais do SNS está em marcha. Como podemos então interpretar as motivações do projecto de lei apresentado

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pelo Bloco de Esquerda, que deu entrada na Assembleia em meados de Janeiro, mais de um mês depois da publicação do referido Decreto-Lei? Seria deselegante filiá-lo em razões de oportunismo político. Resulta cada vez mais claro o acerto das políticas do Governo na área do medicamento.
Segundo dados de Fevereiro de 2007, o custo dos medicamentos não sujeitos a receita médica mas vendidos fora das farmácias é agora 1,8% mais barato do que em Agosto de 2005. Repito, 1,8% mais barato!

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Oh, que fortuna!

A Oradora: — A despesa pública com a comparticipação de medicamentos em ambulatório baixou, em 2006, quase um ponto percentual, mais concretamente 0,9, resultado inédito desde que o Serviço Nacional de Saúde existe, e que contribui de modo assinalável para assegurar a sustentabilidade de um serviço público que reputamos de essencial aos valores solidários da democracia portuguesa. Estima-se para uma poupança pública adicional de cerca de 116 milhões de euros e para os cidadãos de cerca de milhões de euros.
O mercado de genéricos continua a sua sustentada expansão, atingindo, de acordo com os números mais recentes, o valor recorde de 15,15%, com um crescimento no último ano de 88 milhões de euros.
Resolvida que estava pelo Governo — e em cumprimento de medidas já divulgadas nesta Assembleia — a criação de farmácias de venda ao público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, o projecto de lei do Bloco de Esquerda surge fora de tempo e, consequentemente, carecido de justificação! Visivelmente, os autores do projecto podem ter tido ainda uma segunda motivação: o seu conhecido preconceito contra a iniciativa privada — embora reconheça que, nisso, não estão isolados!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ah, pois não!

A Oradora: — O que preocupa o Bloco de Esquerda não é tanto saber se vai ou não haver farmácias de venda ao público nos hospitais. O que preocupa o Bloco de Esquerda não é tanto assegurar que os cidadãos vejam, por essa via, facilitado o acesso aos medicamentos que lhes são prescritos. O que verdadeiramente motiva o Bloco de Esquerda não é tanto assegurar o bom funcionamento dessas farmácias e a sua racionalidade económica.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Aí é que está enganada!

A Oradora: — Já lá vou, Sr.ª Deputada! O que faz mover o Bloco de Esquerda, salvo o devido respeito, é tão-só impor que seja o Estado o proprietário dessas farmácias.

Protestos do BE.

Labora assim em erro por razões políticas e por razões técnicas.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Tem algum preconceito contra o Estado?

A Oradora: — Por razões políticas, porque é público e notário que a propriedade privada das farmácias de oficina, ou seja, as farmácias de venda ao público, não representa qualquer problema para o País. As farmácias funcionam de modo genericamente adequado e o grau de satisfação dos utilizadores é elevado, estando por demonstrar que a solução proposta assegura idêntico êxito. São empresas economicamente eficientes, sem perderem de vista a natureza específica do produto que comercializam: o medicamento. Há aspectos a melhorar e distorções a corrigir — o Governo está a fazê-lo —, mas nada disto compromete a evidência de que a propriedade privada das farmácias constitui uma mais-valia para o País e para os portugueses.
Por razões técnicas, porque os autores do projecto de lei abstraem das funções específicas das farmácias hospitalares, bem como da distinção entre o modo de organização destas e das farmácias de venda ao público.
As farmácias hospitalares são responsáveis pela gestão de uma das tecnologias mais complexas e com maior capacidade de inovação, representando a segunda maior rubrica do funcionamento dos hospitais.
As funções da farmácia hospitalar são vastas e progressivamente complexas. Asseguram o aprovisionamento de medicamentos e outros produtos farmacêuticos e os respectivos concursos, mas também um vasto conjunto de outras missões — desde a produção de especialidades farmacêuticas específicas, o controlo da qualidade dos fármacos consumidos, a informação sobre os medicamentos e os seus efeitos adver-

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sos, a investigação e a formação pré e pós graduada.
As farmácias hospitalares, pela sua estrutura e pelas funções que desempenham, não estão vocacionadas para a dispensa ao público de medicamentos.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

A Oradora: — Obrigá-las a fazê-lo seria provocar um grave entorse no seu funcionamento, sobrepondo tarefas que não são adequadamente conciliáveis.
Acresce que as farmácias hospitalares têm atribuições muito diversificadas, conforme os hospitais em que estão inseridas, e não podem ser tratadas de um modo uniforme, como este projecto de lei deixa transparecer.
Por último, e não menos importante, estes serviços não estão organizados numa óptica comercial, o que obrigaria também à alteração de todo o seu modus faciendi.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta matéria, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista acompanha com apreço a actividade desenvolvida pelo Governo, que conduzirá, num futuro próximo, à abertura efectiva de farmácias de venda ao público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. É este caminho que interessa aos cidadãos portugueses e que há-de resultar na melhoria do acesso aos medicamentos.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Medicamentos que serão mais caros!

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, creio que todos constatámos que a sua intervenção foi um exercício de interpretação sobre as motivações dos autores deste projecto de lei, mas, rigorosamente, sobre as vantagens do mesmo e sobre a sua substância, a Sr.ª Deputada, praticamente, nada disse! Quero também dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que não devemos ter medo das palavras, mas também não as devemos confundir. Faço esta observação porque há uma grande diferença entre oportunismo e oportunidade política, e a verdade é que este projecto de lei é muito oportuno. E é muito oportuno por duas razões: primeiro, porque serve melhor os interesses do Serviço Nacional de Saúde e os interesses dos seus utentes; segundo, por uma razão temporal e cronológica, ou seja, porque esperámos exactamente para ver o conteúdo da proposta de lei do Governo relativamente à instalação das farmácias privadas para tomarmos esta iniciativa.
Sr.ª Deputada, não produzimos projectos de lei só pelo prazer de produzir diplomas. Queremos que os mesmos tenham oportunidade, sentido e que ganhem politicamente no nosso debate.
A pergunta que gostaria de dirigir-lhe, Sr.ª Deputada, é a seguinte, e corrija-me se eu estiver errado: julgo que a Sr.ª Deputada foi uma das pessoas — aliás, creio que todos no seu partido terão feito o mesmo — que votou favoravelmente a resolução apresentada pelo Partido Socialista sobre a política do medicamento.
Ora, essa resolução falava em genéricos, em unidose, na distribuição por substância activa e também no controlo da despesa pública em medicamentos. Tudo isto está presente no projecto de lei do Partido Socialista, tudo isto está ausente na iniciativa do Governo e no acordo do Governo com a Associação Nacional das Farmácias. Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, retomando o argumento do tempo: em tão pouco tempo, a Sr.ª Deputada já mudou de opinião?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, para responder, tem a palavra.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, antes de mais, quero esclarecer que não mudei de opinião e que foi com todo o orgulho que assinei o projecto de resolução da iniciativa de dois Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Digo que o fiz com todo o orgulho porque vai ser através da unidose que o sistema vai começar nas farmácias hospitalares.
Não sei se o Sr. Deputado já sabia ou se queria ver se eu sabia, mas a verdade é que estou informada e sei que vai ser através das farmácias hospitalares que vai começar o regime da unidose.
Relativamente às vantagens do projecto de lei do BE que o Sr. Deputado enumerou, tentei enunciá-las na minha intervenção (o Sr. Deputado é que não estava atento!), só que, como a matéria já tinha sido apresentada por iniciativa do Governo, pensei que o projecto de lei do Bloco de Esquerda era redundante. Mas não lhe retirei por isso o mérito, Sr. Deputado. E se lhe coloquei a questão foi porque não percebi (e continuo sem perceber) qual o sentido de oportunidade da apresentação deste projecto de lei, uma vez que o mesmo nada adianta, é redundante e as suas vantagens estão inseridas na legislação que já está em curso.

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Aliás, julgo que a única diferença que existe prende-se com um problema a que chamei preconceito. De facto, essa ideia divide-nos, e temos de assumir que nos divide, porque a verdade é que não temos problemas com a propriedade privada das farmácias hospitalares. Por isso, se calhar, é melhor «separarmos as águas» e partirmos daqui com esta certeza, porque nesse ponto não nos vamos encontrar, com certeza.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, este vosso projecto de lei poderia redundar num «revogue-se o Decreto-Lei n.º 235/2006», porque, na verdade, ele vem, implicitamente, revogar o diploma que resultou do acordo entre o Governo e a Associação Nacional das Farmácias, imagina-se que como contrapartida pela liberalização da propriedade das farmácias.
Srs. Deputados, o CDS está muito à vontade para falar nestas matérias, porque não só nos temos batido no sentido de criar condições para uma redução da despesa, mas, sobretudo, porque entendemos que quem está no epicentro das nossas preocupações e daquelas que devem ser as preocupações do Serviço Nacional de Saúde e do Ministério da Saúde são, efectivamente, os utentes.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — Congratulámo-nos, em 2002 — tenho comigo o respectivo voto de congratulação —, pelo facto de termos conseguido, através do governo de então, que fossem devolvidos às farmácias das misericórdias os alvarás que lhes haviam sido retirados desde 1975. Entendíamos que o papel desenvolvido pelas misericórdias no sector da saúde era uma garantia da prestação de cuidados às populações resultante de uma tradição muito relevante no nosso país.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Oradora: — Por outro lado, potenciava um aspecto que entendemos ser muito importante e que tem sido totalmente esquecido por este Governo, que é o da proximidade dos cidadãos relativamente aos cuidados de saúde e à distribuição de medicamentos.
O que nos moveu foi, pois, esta tripla intenção: primeiro, permitir o desenvolvimento do sector privado social de uma forma sustentada e progressiva; segundo, retribuir e reconhecer o papel das misericórdias na área da saúde em Portugal; e, terceiro, porventura o mais importante, proporcionar uma maior proximidade dos cidadãos relativamente aos cuidados de saúde e à distribuição dos medicamentos. Daí que tenhamos todo o à-vontade para falar nesta vossa iniciativa.
Dizia, há pouco, em tom de brincadeira, que o vosso projecto de lei era uma revogação do Decreto-Lei n.º 235/2006, mas a verdade é que os senhores não o dizem explicitamente e também não explicam como é que este diploma, no caso de ser aprovado, se vai articular com o diploma do Governo, porque de duas uma: se a ideia for acabar com a possibilidade de as farmácias comerciais se instalarem nos hospitais haverá uma frustração de expectativas, em nosso entender legítimas, por parte da Associação Nacional de Farmácias; se a ideia for a de coabitarem umas e outras, haverá também, obviamente, uma distorção do mercado e, evidentemente, da concorrência. Portanto, convém que esclareçam se propõem que exista uma articulação ou se o vosso projecto de lei acaba totalmente com as farmácias da Associação Nacional de Farmácias nos hospitais.
O Sr. Deputado já respondeu à questão do destino das receitas resultantes da venda destes medicamentos, mas há uma outra questão que se coloca, que é a seguinte: como é que isto se irá articular com algo que esperamos ver a breve trecho, e que o CDS defende há muito tempo — trata-se de um compromisso do Ministro da Saúde, embora saibamos que os seus compromissos não são, necessariamente, para tomar a sério —, que é o fim da referenciação hospitalar.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Bem lembrado!

A Oradora: — Havendo o fim da referenciação, o utente fica limitado ao hospital que frequentou ou, no caso de o seu tratamento ser acompanhado ou desenvolvido noutro hospital, como é que o Bloco de Esquerda resolve esta questão? Uma última questão — e penso que muitas outras poderão ser levantadas em sede de especialidade, se o diploma for aprovado na generalidade — prende-se com a aplicabilidade, desde já, do código hospitalar nacional para os medicamentos. Como sabemos, até há muito pouco tempo o Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Saúde não tinha sequer capacidade para saber quantos medicamentos eram adquiridos pelos hospitais e quantos é que eram distribuídos em cada um desses hospitais. É que, ao longo dos tempos, em vez de ser adoptada a codificação do INFARMED, cada hospital entendeu desenvolver o seu próprio código. Portanto, ficou instalado o caos.

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Não sabemos se, em termos temporais, este sistema de codificação demorará muito ou pouco tempo a ser instalado, porque, em nosso entender, sem estar verdadeiramente em funcionamento, será impossível fazer a gestão das farmácias hospitalares e da venda dos respectivos medicamentos ao público.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — Sem prejuízo disto, defendemos uma política de proximidade, que tem sido totalmente abandonada por este Governo, e um aumento do consumo de genéricos, algo que, ao contrário do que foi aqui dito pela bancada do Partido Socialista, foi liminarmente cortado pelo fim da majoração de 10% que era anteriormente aplicada aos medicamentos genéricos.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Uma machadada!

A Oradora: — Assistimos a um autismo total por parte do Governo socialista no que se refere ao financiamento do Serviço Nacional de Saúde. O Sr. Ministro recusa-se a discutir esta questão, mas, por outro lado, e como sente o défice crónico, vai aumentando, à socapa, e sempre que pode, as taxas moderadoras, que ele tanto criticou em tempos, e cria mesmo novas taxas de utilização.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Bem lembrado!

A Oradora: — Por outro lado, temos o caos total no processo de requalificação das urgências.
Devo, pois, dizer-lhe, Sr. Deputado João Semedo, que estas propostas nos parecem pertinentes, mas prefiro não saber quais são as vossas motivações. Confesso que prefiro não saber qual é a vossa motivação, porque, com toda a probabilidade, seria exactamente a de acabar com a iniciativa privada ou de, pelo menos, tentar cerceá-la o mais possível.

Protestos do BE.

Os Srs. Deputados ouvem a palavra «privada» e «capital» e ficam com bicos de papagaio!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Ficaram melindrados!

A Oradora: — Preferimos, portanto, não saber quais são as vossas motivações, pois o que interessa é o resultado.
De facto, verifica-se que a vossa iniciativa vai no sentido de facilitar o acesso, de aumentar as receitas, de reduzir as despesas, de racionalizar a prescrição, de aumentar o consumo de genéricos e, algo que tem sido também muito esquecido, da distribuição por unidose. Portanto, viabilizaremos esta iniciativa.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje, mais uma vez, o tema das farmácias hospitalares, não sendo de menos salientar a importância destas farmácias no bom desempenho do nosso Serviço Nacional de Saúde, bem como a necessidade de elas se modernizarem — como, nos últimos anos, aconteceu com muitas nos nossos hospitais, aproveitando até fundos europeus — para poderem melhor organizar a área dos medicamentos nos hospitais, com evidentes ganhos a nível da boa gestão dos medicamentos e também a nível dos custos que estes têm na despesa dos hospitais. É evidente que esta matéria não pode estar desligada das questões relativas aos direitos dos utentes e ao seu tratamento.
Este projecto de lei do Bloco de Esquerda é positivo e vem no sentido do que temos vindo a defender — quero, desde já, salientar isto e penso que não é surpresa. Aliás, em vários momentos, incluindo em discussões de orçamentos do Estado, apresentámos uma proposta um pouco diferente, que tinha a ver não só com a existência de farmácias públicas, com atendimento ao público, tal qual como propõe o Bloco de Esquerda, mas também com a possibilidade de essas farmácias poderem dispensar os medicamentos a um preço mais barato do que o preço comercial. Porquê? Porque num hospital a compra dos medicamentos é feita por concurso público, e este Governo tem até agregado alguns hospitais de forma a obter economias de escala nos concursos públicos lançados e, portanto, preços mais baratos para o conjunto dos medicamentos. Ora, isto significa que, para muitos medicamentos, o preço obtido no âmbito de um concurso público é até inferior ao preço que o Estado paga de comparticipação numa farmácia privada.
Por exemplo, um medicamento que seja comparticipado em 70% — agora já não é essa a percentagem, porque o Governo baixou as comparticipações; agora julgo que é de 69% — pode ser mais barato na com-

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pra por concurso público, porque, obviamente, os preços aí são mais reduzidos, uma vez que as empresas, pela concorrência que existe, optam por apresentar preços muito mais baixos do que os preços de venda ao público.
Isto quer dizer que se o hospital, em vez de dar a um utente que vá à sua urgência ou à sua consulta externa uma receita para ir comprar a uma farmácia privada, lhe der uma receita para ir comprar o medicamento à farmácia pública hospitalar, na maior parte dos casos este preço será mais baixo para o utente. E o Estado também poupará, porque, pagando apenas o preço do concurso público na compra de cada embalagem do medicamento, paga menos do que a comparticipação que tem de suportar ao nível da farmácia privada.
Alguns perguntarão: mas se esta proposta é boa para os utentes, é boa para o Serviço Nacional de Saúde e até é boa para o controlo do défice, porque é que os governos não a aceitam? Porque esta proposta é má para os interesses privados do sector do medicamento!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Exactamente!

O Orador: — E, quando toca a afectar os interesses privados do sector do medicamento, os governos e as respectivas maiorias, que vão mudando de posição conforme estão na maioria ou na oposição, já não admitem qualquer abertura.
E o que acontece, neste caso, com a política do Governo é exactamente isto. O compromisso de o Governo aceitar que as farmácias dos hospitais sejam privatizadas — é disto que se trata — é uma moeda de troca, evidentemente, para acalmar a Associação Nacional de Farmácias em matéria de liberalização da propriedade das farmácias, tal como é também uma moeda de troca a possibilidade aberta por este Governo de os medicamentos que hoje são distribuídos em meio hospitalar — medicamentos para doenças como a SIDA e outras doenças crónicas e graves que, pela sua complexidade e pela complexidade dos seus tratamentos, devem ser apenas dispensados em farmácia hospitalar — serem introduzidos no circuito comercial, para já pagando uma taxa pelo acto farmacêutico da sua dispensa e ainda não um copagamento por parte do utente.
Aliás, o Governo ainda não explicou quanto é que é essa taxa que o Estado vai pagar às farmácias privadas para dispensarem esses medicamentos de complexidade acrescida. Esta é, portanto, outra moeda de troca para a questão da liberalização da propriedade das farmácias.
A política do Governo é esta: o Governo, a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos e a bancada do Partido Socialista dizem que há um preconceito dos que se opõem às farmácias privadas nos hospitais e que há uma grande dificuldade — a Sr.ª Deputada disse-o — em pedir agora às farmácias dos hospitais para deixarem de apenas fornecer o circuito interno e poderem também assegurar o fornecimento aos utentes que se dirijam ao Serviço Nacional de Saúde. Isto causa ao Partido Socialista uma grande confusão, mas já não lhe causa qualquer confusão introduzir num hospital público, de novo e sem qualquer antecedente, toda uma estrutura privada, que ali vai ser implantada com o beneplácito e por proposta do Governo! Para o Partido Socialista não é complexo introduzir uma farmácia privada dentro de um hospital público para servir os utentes que vão aos serviços do hospital público e que, depois, se dirigem à farmácia privada que está dentro do hospital público; só tem complexidade melhorar e aprofundar a capacidade da farmácia hospitalar, que já está dentro do hospital, que é gerida pela direcção do hospital e que tem todas as condições para poder ser melhorada e cumprir uma função mais importante ainda do que aquela que hoje cumpre.
Trata-se, portanto, de uma aberração esta política do Governo, que consiste em entregar um negócio chorudo ao sector das farmácias. É por isto, e só por isto, que o Partido Socialista se opõe a qualquer desenvolvimento da função da farmácia hospitalar, como o Bloco de Esquerda hoje propõe com este projecto de lei e que o PCP também tem vindo a propor ao longo dos anos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar a minha intervenção por esclarecer o famoso problema dos preconceitos.
Em primeiro lugar, ninguém aqui disse uma palavra que fosse contra as farmácias que estão instaladas no nosso país! Uma palavra que fosse! Em segundo lugar, e bem mais substancial, é que ninguém pode ser acusado de, perante interesses contraditórios, defender o interesse público contra o interesse privado. O motivo de crítica seria que qualquer responsável, qualquer cidadão privilegiasse o interesse privado contra o interesse público. E é exactamente esta a discussão que estamos a ter.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — O serviço é público! Continua a ser!

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O Orador: — Sr.ª Deputada, já lhe respondo se é o serviço, se é a propriedade.
A Sr.ª Deputada Ana Manso não se encontra presente neste momento, mas eu gostaria de esclarecer que, ao contrário do que o Governo pretende, o nosso projecto de lei é muito claro: as farmácias hospitalares apenas poderiam dispensar medicamentos aos utentes desse hospital — esclareço também a dúvida levantada pela Sr.ª Deputada Teresa Caeiro. Ao contrário, o projecto do Governo, para ser mais aliciante, permite que qualquer cidadão, mesmo que não tenha sido atendido no hospital, possa lá ir comprar uns sapatinhos da Chicco ou uns supositórios Ben-Uron. É isso que propõe o Governo, é essa a diferença.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — É uma questão de acessibilidade!

O Orador: — É de acessibilidade e de volume de negócios!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Quando interessa é acessibilidade, quando não interessa não é!

O Orador: — Um outro aspecto que desejo referir é que estamos a esquecer que os hospitais públicos, apesar da pesadíssima história de instrumentalização e de governamentalização, são juridicamente entidades autónomas. Aliás, é isso que explica que o decreto-lei do Governo diga que a instalação de farmácias privadas nos hospitais será possível a pedido e por decisão dos conselhos de administração dos respectivos hospitais. E nós dizemos exactamente o mesmo.
No limite, até podemos admitir que, num período de transição, o SNS se auto-sujeitasse a experimentar os dois regimes. Só por desconhecimento é que se pode levantar dificuldades à instalação destas farmácias nos actuais serviços farmacêuticos dos hospitais. E porquê? É que as farmácias hospitalares são as únicas que distribuem medicamentos em unidose e que utilizam, por princípio, por norma, por regra, por obrigação, as substâncias e os princípios activos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Não há outras farmácias que o façam! Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, sabe o que diz o decreto-lei do seu Governo?

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): —Sei!

O Orador: — Não sabe, e eu passo a ler-lhe melhor esta parte, que é muito importante: «As farmácias instaladas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde podem dispensar medicamentos ao público em unidose».
Pergunto-lhe, pois, o seguinte, Sr.ª Deputada: acredita genuinamente que alguma coisa vai mudar no funcionamento das farmácias? Acredita que as farmácias dos hospitais, para responder aos desejos, à bondade, à generosidade e a este bodo…

O Sr. Francisco Louçã (BE): — É o Pai Natal!

O Orador: — … que o Governo lhes dá, vão mudar a sua maneira de actuar? Não! Vamos continuar a ter as mesmas embalagens, as mesmas marcas comerciais, tudo se vai manter, porque se o Governo quisesse mudar isso não escrevia «pode», escreveria «deve», o que é muito diferente! Sr.ª Deputada, aproximando-me do fim desta intervenção, quero ainda dizer-lhe o seguinte: não temos quaisquer dúvidas de que a nossa proposta é melhor que a proposta do Governo! Não temos quaisquer dúvidas sobre isso, e creio que a discussão o demonstrou.
É melhor para 10 milhões de portugueses! Para quem é que não é melhor? Para alguns interesses — legítimos, naturalmente — de escassíssimos milhares de portugueses que são accionistas ou proprietários da indústria farmacêutica e das farmácias. É má também para a Associação Nacional de Farmácias, que «espreita» aqui o negócio do século, que é tomar conta da distribuição dos medicamentos nos hospitais públicos.
Como a Sr.ª Deputada sabe tão bem como eu, o seu Governo também legislou sobre a possibilidade da exploração de certos serviços hospitalares, como farmácias, exames radiológicos ou laboratoriais, poder ser concedida ao sector privado. E o que está subjacente a este negócio é a possibilidade de a Associação Nacional de Farmácias — que é uma enorme «bolha» que o Governo socialista tem vindo a alimentar como nenhum outro o fez —, vir a explorar todo esse segmento de negócio, como, aliás, está no protocolo.
O que é de estranhar é que a estes «pequenos» interesses se associem 121 Deputados do Partido Socialista! Isso, sinceramente, é que nós não esperávamos! Ou seja, não esperávamos que perante os interesses de 10 milhões de portugueses os senhores preferissem o lado em que se encontram meia dúzia de interesses.

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Aplausos do BE.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr.ª Deputada? Se é para uma intervenção ainda dispõe de 40 segundos. Se é para um pedido de esclarecimento já não tem tempo.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — É para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em jeito de intervenção, gostaria de transmitir que estou genuinamente crente e convicta de que o decreto-lei do Governo irá trazer maior comodidade aos utentes, uma autonomização das farmácias, maior racionalidade e redução de desperdício, que vai potenciar várias medidas de poupança.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — De facto, para dizer uma coisa dessas é preciso ser crente!

O Orador: — Penso, portanto, que será uma boa medida e que vai melhorar as condições de acessibilidade dos utentes aos medicamentos.

O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando ouvimos aqui algumas intervenções ficamos a pensar se estamos a falar da mesma realidade ou de outra.
De facto, o decreto-lei, publicado em Dezembro, apenas fala da unidose en passant, como princípio, não a regulamenta. Por outro lado, a maioria dos hospitais já tem os serviços de farmácia instalados, dotados de pessoal e de tecnologia, que podem fazer a distribuição em unidose, não só no internamento, como também no ambulatório. Assim, se as preocupações do Governo têm sido economicistas, de racionamento, de diminuição da despesa pública e de diminuição dos encargos para as famílias e para os contribuintes, obviamente que esta é uma boa opção.
Portanto, não se compreende como é que o Partido Socialista vai nesta «onda» de querer, a todo o custo, impor a todos os conselhos de administração e a todos os estabelecimentos de saúde, designadamente aos hospitais, a concessão das farmácias ao sector privado. Isto, sem dar a liberdade aos órgãos de gestão e aos conselhos de administração de fazerem opções no interesse dos doentes para melhorar o acesso e a comodidade destes ao medicamento, bem como diminuir os custos e os encargos para as famílias portuguesas e, acima de tudo, para os contribuintes.
É esta a contradição que não conseguimos entender por parte do Partido Socialista.
De facto, a política do medicamento tem sido, por parte deste Governo, o parente pobre, tem sido uma medida sistematicamente adiada ou, então, com intervenções avulsas. O Governo não tem uma visão global do que é o medicamento e do peso que este tem nas famílias portuguesas, pelo que não podemos entender a posição do Partido Socialista.
A não ser que queiram continuar com a posição de estarem «fechados», de estarem com demagogia e de estarem sistematicamente a negar que os hospitais não têm o sistema de unidose, não têm serviços farmacêuticos responsáveis e dotados de pessoal e de tecnologia para poderem fornecer os medicamentos a baixo custo, não só a nível do internamento, mas também a nível dos doentes em ambulatório.
Trata-se de uma questão de priorizar e definir quais são as regras em que os hospitais devem funcionar.
E devem funcionar, acima de tudo, no sistema de distribuição individual unitária — aquilo a que chamamos unidose —, deixando a capacidade de decisão para os órgãos de gestão, porque é a eles que se pede a responsabilidade. Não se trata de impor, como tem sido hábito por parte deste Governo e do Sr. Ministro da Saúde, mas, pelo contrário, de negociar, de dialogar e de explicar as medidas, dando a capacidade de responsabilidade e autonomia aos hospitais para tomarem as decisões mais correctas, mais coerentes e mais defensoras dos interesses dos doentes no que respeita à acessibilidade aos cuidados de saúde, designadamente o acesso aos medicamentos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está encerrado o primeiro ponto da ordem do dia.
Vamos, de seguida, proceder à apreciação do projecto de resolução n.º 179/X — Criação de uma comissão eventual para o acompanhamento do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional), apresentado pelo PSD.

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Para proceder à sua apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD apresenta, hoje, aqui, um projecto de resolução que visa a criação de uma comissão eventual para o acompanhamento do Quadro de Referência Estratégico Nacional.
A importância deste tema justifica, claramente, a apresentação deste projecto de resolução.
Por um lado, estamos perante o principal instrumento de desenvolvimento do País para os próximos sete anos. Estamos perante um fundo significativo de 21,5 mil milhões de euros, que permitirá, ao longo destes próximos sete anos, fazer com que algumas regiões do País, e o próprio País, possam evoluir.
Por outro lado, estamos convictos de que a União Europeia não voltará, de certeza, a alocar a Portugal um conjunto de verbas tão significativo.
Mas se a importância deste programa justifica este projecto de resolução, justificam-no ainda mais as preocupações que temos em relação ao percurso que o Governo fez nesta matéria.
Quando tudo levava a crer que o Governo deveria acelerar no sentido de este programa entrar em vigor logo no início deste ano, o mesmo não cumpriu os prazos que autodefiniu, «chutando» para as calendas gregas o início deste programa e fazendo com que, efectivamente, o ano de 2007 esteja completamente perdido.
No ano de 2007, não haverá, seguramente, execução financeira da parte do QREN, com graves prejuízos para o desenvolvimento do País e para os próprios objectivos que o Governo definiu. Em suma, estamos perante um ano perdido.
E não venha também, agora, o Governo argumentar que o facto de os programas operacionais (PO) terem entrado, no dia 5, em Bruxelas resolveu a questão. Não resolveu, porque, por um lado, ainda vamos entrar no período negocial e, por outro lado, estes PO entraram em Bruxelas, mas as autoridades de gestão ficaram por definir. Mais uma vez um adiamento, que faz com que tenhamos preocupações, pois, efectivamente, nem o próprio Governo se entende internamente quanto à forma como deve organizar os programas, quanto à forma como vai governar a questão do QREN.
Reina, portanto, alguma confusão dentro do Governo e não se sabe muito bem em que pé é que ficará a distribuição dos PO. É que criaram-se os três PO temáticos, mas a verdade é que está instalada a confusão dentro do Governo para se saber quem é que vai gerir o quê.
Igualmente, em vez de se promover um amplo debate com envolvimento da sociedade civil, a realidade é que o Governo resolveu desenvolver este projecto dentro do maior secretismo, com pouco envolvimento, e isso também vai trazer, de certeza, resultados menos positivos para o futuro.
Já para não falar, também, do modelo de gestão. Este é, claramente, o modelo de gestão mais centralista de sempre, é a forma mais centralizada de gestão. Inclusivamente nalguns PO regionais, designadamente nas verbas que têm que ver com a competitividade, houve uma autêntica nacionalização das verbas, o que faz com que fiquem centralizados os três PO temáticos e ainda uma parte da execução dos PO regionais.
Que conclusões podemos retirar de tudo disto? Seguramente que o Governo, ao fazer esta centralização, ao desenvolver este processo da forma como desenvolveu, tem o intuito de jogar com o QREN em função do calendário eleitoral, de jogar com o QREN a seu bel-prazer, fazendo política que não será política nacional de desenvolvimento, será política partidária.
Portanto, face a tudo isto, defendemos que, mais do que nunca, a Assembleia da República tem de acompanhar as questões do QREN através de uma comissão eventual, não só devido estas preocupações que temos, mas também porque entendemos que, sendo este um programa transversal, será uma oportunidade de a Assembleia da República poder fazer um acompanhamento mais em cima, um acompanhamento que permita, efectivamente, analisar desde as questões da competitividade às questões das qualificações e da valorização do território, todas as vertentes que vão ser desenvolvidas no seio do QREN. Por conseguinte, com base nisto, defendemos que esta comissão eventual seja desenvolvida.
Coloca-se também a questão da forma de gestão. Até aqui, o QREN tinha, dentro do Governo, uma pessoa que especificamente assumia toda a gestão. Neste momento, há uma gestão tripartida, o que faz com que haja também a necessidade de um acompanhamento maior por parte da Assembleia da República.
E, para corroborar alguns dos argumentos que aqui apresentamos, a verdade é que mesmo o próprio Conselho Económico e Social, já no seu segundo relatório, volta a fazer as mesmas críticas que nós também fazemos, que são as da centralização, da governamentalização e o facto de não ter havido um efectivo envolvimento da sociedade portuguesa.
Aliás, o PSD procurou, dentro da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território, trazer à Assembleia da República, para uma audição, o Presidente do Conselho Económico e Social, mas o Partido Socialista não aceitou. Na próxima semana, na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, vamos procurar que, efectivamente, o Presidente do Conselho Económico e Social venha a esta Assembleia, para que possamos fazer aqui um acompanhamento total e eficaz de um instrumento fundamental, que, refiro também, vai ultrapassar esta Legislatura.
Era, pois, fundamental que a Assembleia da República fizesse esse acompanhamento através de uma comissão eventual, porque chamo a atenção para o seguinte: este QREN vai ter execução durante esta

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Legislatura e durante a próxima legislatura. Portanto, haveria necessidade de responsabilizar e de fazer um acompanhamento eficaz.
É, pois, com estes fundamentos que o Grupo Parlamentar do PSD apresenta este projecto de resolução.
Esperamos que da parte do Partido Socialista haja uma votação positiva no sentido da criação desta comissão de acompanhamento. Se a reprovarem afinal de contas as preocupações que manifestámos hoje têm toda a razão de existir e vamos ter de certeza, aqui, a tentativa do Partido Socialista de instrumentalizar estes fundos de apoio ao desenvolvimento do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Deixem-me dizer-lhes que o projecto de resolução que aqui é trazido pelo PSD coloca em discussão a responsabilidade da Assembleia da República e a forma como esta se organiza para conseguir cumprir a sua responsabilidade de acompanhamento da realização e aplicação dos projectos que estão associados ao Quadro de Referência Estratégico Nacional.
Na verdade, o que está contemplado, hoje, em sede de QREN, como já o Bloco de Esquerda chamou a atenção em debates anteriores sobre esta matéria, é uma indefinição sobre a forma como a avaliação, o acompanhamento e a monitorização são feitas no período subsequente à aprovação do QREN. E essa é, provavelmente, a indefinição mais grosseira, digamos assim, em relação à qual o Governo já foi questionado e sobre a qual não conseguimos obter uma resposta que seja sequer minimamente satisfatória.
Portanto, isso significa que a Assembleia da República, do ponto de vista do trabalho de acompanhamento de projectos e do Quadro de Referência, que é essencial neste momento em que há áreas sectoriais de desenvolvimento que são de uma grande sensibilidade para o futuro deste país, beneficiará em ter uma comissão que faça esse acompanhamento mais sistematizadamente,…

O Sr. José Junqueiro (PS): — Já agora, uma comissão eventual para os sete anos!

O Orador: — … com base no contributo das audições que possa promover, e que possa servir, em termos de relatórios que produza, de suporte ao trabalho da Assembleia da República nessa monitorização e nesse acompanhamento.
Nesse sentido, devo dizer que o Bloco de Esquerda acompanha esta preocupação, pelo que votaremos a favor deste projecto de resolução. Parece-nos que é, na verdade, uma forma de melhorar e de tornar mais eficaz, mais claro, mais transparente o acompanhamento e a monitorização do QREN.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O presente projecto de resolução, que o Partido Social Democrata traz à Câmara, coloca-nos antes de mais perante o facto de sabermos qual é que deve ser, num Estado de direito, e num Estado de direito moderno, o papel do Parlamento quando existe um princípio inequívoco de separação de poderes.
Como é óbvio, sabemos que os vários órgãos de soberania, quer o Presidente da República, quer o Governo, quer a Assembleia da República, quer até os tribunais, têm competências próprias, e é bom que não existam choques escusados entre essas competências. Por isso mesmo, temos a exacta noção de que o poder executivo cabe ao Governo e de que esse poder é soberano. Não pomos isso em causa.
Mas também sabemos que num Estado de direito democrático moderno o papel do Parlamento não é só o de legislar e o de fiscalizar o Governo na execução dessa legislação, o Parlamento tem de ter um papel efectivo de conseguir dar voz a um conjunto de preocupações reais que existem na sociedade portuguesa.
Por isso mesmo, entendemos que a este princípio de separação de poderes, está imanentemente ligado um princípio de checks and balances, não põe, obviamente, em causa o papel inequívoco que o Parlamento tem de ter no acompanhamento, na execução do próximo quadro comunitário de apoio: o QREN 20072013.
Quando o Parlamento exerce, e bem, estas funções; quando o Parlamento exerce, e bem, as suas competências, não se está a imiscuir na área do Governo. Pelo contrário, está a dar mais visibilidade a uma matéria que é essencial na sociedade portuguesa, e que será absolutamente essencial na sociedade portuguesa nos próximos anos, e está a fazê-lo em nome dos legítimos interesses que representa, que são os do povo.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito bem!

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O Orador: — Por isso mesmo, ninguém tenha dúvidas que o Parlamento vai, no livre exercício das suas competências, acompanhar a aprovação, por exemplo, dos planos de ordenamento do território (POT) e a execução do QREN.
A questão que hoje, aqui, se nos coloca é a de saber como é que o Parlamento vai fazer esse acompanhamento.
Lembramos que até hoje o acompanhamento que o Parlamento fez não foi uma experiência muito profícua: sempre que o Plenário discutiu a aprovação do QREN foi a pedido da oposição, algumas vezes quase contra a vontade do Governo. Isso, obviamente, não é positivo.
Este clima de secretismo em que o Governo, para esconder os erros, para esconder os atrasos dos prazos que tinha colocado a si próprio; esta falta de discussão pública…

O Sr. José Junqueiro (PS): — Já está a inventar!

O Orador: — Ó Sr. Deputado José Junqueiro, inscreva-se, fale, que cá estaremos para contraditar!

O Sr. José Junqueiro (PS): — Estou inscrito!

O Orador: — O senhor deve ser o único português que consegue, nesta matéria, defender o Governo! Não há um autarca, não há uma associação ou um parceiro social que consiga defender o Governo! Há uma nova «instituição», que é o Deputado José Junqueiro, que é o único que consegue, nesta matéria, vir dizer o que o próprio Governo não diz! Sei que o Sr. Deputado quer mostrar serviço, mas também escusa de «ser mais papista do que o Papa», mais socrático do que o Sócrates, ou mais ambientalista do que o Ministro do Ambiente, que cometeu, aqui, obviamente, erros! Mas, como dizia, até agora a experiência não tem sido boa: as vezes que esta matéria veio a Plenário, veio sempre a pedido da oposição.
O próprio Governo veio apresentar os POT às comissões em cima da data de entrega em Bruxelas, o que, obviamente, não é positivo.
O que queremos saber é como vamos lidar com esta matéria no futuro. No futuro, o que é que o Parlamento vai fazer?

O Sr. José Junqueiro (PS): — Acompanhar!

O Orador: — Vai acompanhar o QREN e os POT de forma casuística, chamando um ministro a uma comissão, outro ministro a outra comissão e, eventualmente, o Governo a um debate em Plenário ou vai poder fazê-lo de forma integrada e estruturada, chamando cá os governantes, os parceiros sociais, os autarcas e os responsáveis de cada um dos programas, de forma a poder seguir, a par e passo, o que se vai passar num dos programas mais importantes para a economia portuguesa dos próximos anos?! É que estamos a falar de 21 000 milhões de euros, em dinheiros comunitários, de 40 000 milhões de euros, em termos globais, entre dinheiros comunitários e dinheiros privados, e esta matéria é essencial para a economia e a sociedade portuguesas nos próximos anos! Por isso, a pergunta que temos de fazer aqui, hoje, é a seguinte: o Parlamento vai seguir esta matéria de forma condigna, estruturada e lançando novas bases de acompanhamento ou não?! A resposta vai sernos dada aqui, ainda hoje, pela bancada do Partido Socialista.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP vai votar favoravelmente a criação de uma comissão parlamentar de acompanhamento do QREN, e fá-lo com a consciência de que o País precisa que a oportunidade que o QREN representa, para superar muitos dos erros resultantes da má aplicação de fundos de três quadros comunitários consecutivos, não seja mais uma oportunidade perdida, de forma a que não façamos, amanhã, mais um balanço negativo, a exemplo daquilo que temos feito em relação aos três quadros comunitários que passaram.
Ouvimos sempre, em todos os momentos em que existiram quadros comunitários, o discurso da confiança, da boa aplicação dos fundos, do combate às assimetrias regionais e sociais, do desenvolvimento sustentado, enfim, um conjunto de critérios que, naturalmente, no plano geral, qualquer um de nós subscreve. Porém, aquilo que a prática nos mostra é que, três quadros comunitários depois, temos um país mais assimétrico, mais «litoralizado» e cujas metrópoles têm condições de vida cada vez mais difíceis. Basta

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sairmos às ruas de Lisboa, a determinadas horas, para compreendermos o drama que é viver numa grande metrópole. Portanto, não estamos apenas perante a desertificação do interior, estamos perante a atrofia a que uma má gestão dos fundos comunitários tem conduzido as metrópoles do nosso país.
Nesse sentido, não podemos conformar-nos com o discurso que tem sido feito.
Tivemos aqui, há dois anos, vários Srs. Ministros, que ainda estão no exercício das suas funções, que nos garantiram que a Assembleia da República iria participar permanentemente na decisão e acompanhar a preparação de um conjunto de instrumentos para garantir uma boa aplicação dos fundos.

O Sr. José Junqueiro (PS): — É verdade!

O Orador: — O que é que constatamos? Constatamos uma coisa inacreditável: os Srs. Ministros vêm dizer-nos que foi feito um debate público extraordinário e que a participação foi algo que nunca se viu no passado, mas as organizações, que deviam ter sido chamadas a participar, afirmam, publicamente, que, na verdade, não tiveram oportunidade de manifestar as suas opiniões, com o tempo e o espaço necessário para o efeito. Se calhar, esqueceram-se de que tinham participado nos tais debates que aqui nos foram anunciados!… Ainda ontem tivemos aqui um exemplo e vimos como, na verdade, um Ministério assume determinadas posições, assegurando que elas são o resultado de uma ampla participação, quando, em simultâneo, se procurarmos, encontramos uma opinião exactamente em sentido contrário das diferentes organizações que podiam e deviam contribuir para encontrar caminhos mais acertados.
Estamos, de facto, numa fase importante para o País, estão em discussão instrumentos que pensamos pecarem pelo seu atraso — estou a pensar no PNPOT, nos PROT, nos programas operacionais regionais, no próprio QREN e nos programas temáticos que estão anunciados — e, naturalmente, entendemos que para se ter sucesso na aplicação destes fundos é necessário assegurar uma maior participação, a começar, desde logo, nesta instituição, que deveria ser a primeira a conhecer as prioridades e as intenções do Governo e, na verdade — todos o sabemos! —, em geral, toma conhecimento das coisas em más condições, na comunicação social. Inclusivamente, o Governo, num dia diz uma coisa e no dia seguinte já é capaz de dizer outra, num dia diz que já tem todos os estudos feitos e está tudo bem e no dia seguinte vai fazer novos estudos. Estou a lembrar-me, por exemplo, da Ota e de outras coisas mais, em que num dia se faz uma afirmação e no dia seguinte se diz o contrário.
Esta insegurança, esta falta de orientação que sentimos na governação exigem, efectivamente, que esta Casa tenha um papel maior no acompanhamento da gestão destes fundos.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Orador: — E não se diga que estamos a falar de uma comissão para acompanhar até 2013! Não! Esta Assembleia vai fazer o acompanhamento durante o seu mandato. Aliás, penso que o Governo também não vai aplicar os fundos até 2013!… O Governo, naturalmente, irá proceder à gestão dos fundos até que haja eleições e um outro governo possa assumir a gestão desses mesmos fundos.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Até pode ser o mesmo!

O Orador: — Portanto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a nossa posição é clara e esperamos que o Partido Socialista compreenda que é da maior importância que haja uma comissão plural para acompanhar a gestão dos fundos do QREN.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apreciar este projecto de resolução do PSD, sobre a criação de uma comissão de acompanhamento do QREN, é oportuno lembrar que o Governo e o PS não reconhecem ao PSD uma responsabilidade política e uma autoridade moral para falar em matérias que exigem credibilidade e sentido de Estado, exigências que o PSD, infelizmente, não está, hoje em dia, em condições de assumir. Vejamos porquê.
O PSD diz que a entrega do QREN foi feita com atraso. Bem, a verdade é que o Quadro de Referência Estratégico Nacional foi entregue, pelo Governo, em Bruxelas, em 18 de Janeiro, e Portugal passou a fazer parte de um pequeno núcleo de países que, antes de todos os outros, fez essa apresentação. A Comissária para a Política Regional veio, em Janeiro, transmitir isso mesmo a Portugal,…

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Veio «puxar as orelhas»! Há seis meses, veio «puxar as orelhas» ao Governo!

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O Orador: — … agradecendo ao Governo português o trabalho desenvolvido e sublinhando o reconhecimento internacional pela acção que foi concretizada. É evidente que, ao PSD, isto não convém…

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Não convém é aos portugueses!

O Orador: — … e, portanto, envereda por uma estratégia que, no entanto, não impede a seguinte conclusão: aqueles que tinham vaticinado atrasos, incumprimentos, quebras no fluxo de fundos, calendários eleitoralistas e outros dislates similares foram flagrantemente desmentidos pela acção do Governo e pela própria Comissária europeia, que veio elogiar a acção do Governo.

Aplausos do PS.

Diz o PSD, acompanhado, aliás, pela oposição, que isto tem um carácter secreto.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — E não tem?!

O Orador: — Ora, o processo de construção do QREN e dos programas operacionais foi suportado num larguíssimo debate público, designadamente na Assembleia da República, quer em Plenário, quer em sede de comissão especializada e, concretamente, num debate mensal sobre perspectivas financeiras, em Dezembro de 2005, na Comissão de Assuntos Europeus, em Dezembro de 2006, na Comissão Permanente sobre o QREN, em Setembro de 2006,…

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Mais…

O Orador: — … em debate de interesse relevante sobre o QREN, em Outubro de 2006,…

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Mais…

O Orador: — … em debate de interesse relevante sobre os programas operacionais, em Fevereiro de 2007,…

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Queixam-se de quê?!

O Orador: — … no Conselho Económico e Social, em duas reuniões em 2006, no Conselho Permanente de Concertação Social, em duas reuniões em 2006,…

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Que fartura!…

O Orador: — … em sessões com os cinco conselhos regionais, em 2006, em audições regionais de participação livre, em reuniões mensais com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, em sessões com associações empresariais a que o Sr. Deputado Almeida Henriques pertence, em associações de municípios e em associações de desenvolvimento regional.
Quem vem aqui falar em secretismo não está, com certeza, de boa fé e não revela nenhuma seriedade política, num processo que é decisivo para a construção e o desenvolvimento de Portugal.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Muito bem!

O Orador: — Diz também o PSD que o modelo é o mais centralista de sempre. Pela nossa parte, o que dizemos é que este é o mais participado de sempre e nunca, na programação dos QCA anteriores, os actores regionais e sectoriais estiveram tão envolvidos na discussão dos projectos potencialmente cofinanciáveis. A verdade é que os programas operacionais regionais do Continente passam a representar 55% do total do FEDER, o que significa um acréscimo relevante em relação ao QCA III.
Mas a própria Assembleia da República não pode esquecer que aprovou aqui uma lei, a Lei n.º 43/2006, sobre o acompanhamento, apreciação e pronúncia, pela Assembleia, no âmbito do processo de construção da União Europeia, onde tudo isto é obrigatório e é matéria de discussão nesta Assembleia.
Em conclusão, diria que se reconfirma que o Governo e o PS conhecem os interesses e as ambições do País e que a clareza e a concretização das opções assumidas são exigências incompatíveis com aqueles que fazem da vida pública um exercício permanente de desconfiança, de instabilidade e, também, de apoucamento das instituições.
O País percebeu que este velho PSD não tem emenda e é, por isso, perfeitamente natural que a opinião pública tribute cada vez menos crédito às suas propostas políticas e cada vez menos confiança à sua lide-

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rança.
No fundo, o que o PSD realmente pretende, à boleia desta campanha de desconfiança, eternamente destrutiva, destituída de sentido de Estado e sem qualquer proposta liberta de interesses particulares, é transformar as comissões permanentes da Assembleia da República em comissões eventuais e as comissões eventuais em comissões permanentes.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Alguém perceberia que fosse constituída uma comissão eventual para um programa de sete anos? Ó Sr. Deputado, alguém poderá entender que, constituindo o QREN matéria transversal, não fosse a mesma tratada nas respectivas comissões, com particular realce para as de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, de Orçamento e Finanças e de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território?

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Não percebe nada do que está a dizer!

O Orador: — É, então, legítimo que o PSD tente passar um atestado de menoridade e de incompetência às comissões existentes e a todos os Deputados que as integram, incluindo os do seu próprio partido? É o desnorte total, Sr. Deputado! E se a obrigação do PS foi, no passado recente, libertar o País dos governos de má memória da direita, do PSD e do CDS-PP, é igualmente sua obrigação, no presente, dizer não a novas aventuras que esquecem sempre que o interesse do País e dos portugueses está bem acima de um qualquer interesse individual, de grupo ou de corporação, que este velho PSD parece teimosamente querer continuar a alimentar. E por isso não aprovaremos o projecto de resolução, porque aprovámos, todos, na Assembleia da República a Lei n.º 43/2006,…

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Uma coisa não tem nada que ver com a outra! Não sabe do que está a falar!

O Orador: — … que garante esse acompanhamento por parte da Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, concluída a discussão do projecto de resolução n.º 179/X, vamos interromper a reunião até às 18 horas, hora a que se iniciarão as votações regimentais. Peço a atenção dos grupos parlamentares para o facto de uma das votações exigir maioria qualificada e recurso ao voto electrónico.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas.

Srs. Deputados, vamos entrar no período regimental de votações.
A Mesa entende que, neste momento, não é necessário proceder à verificação do quórum de deliberação porque recorreremos ao voto electrónico aquando da votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Defesa Nacional, relativo à proposta de lei n.º 110/X — Altera a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, no que respeita à composição, competências e funcionamento do Conselho Superior de Defesa Nacional, o que valerá como reconfirmação do quórum.
Quanto ao diploma que referi, agradecia aos grupos parlamentares que indicassem as votações que querem ver singularizadas. O PSD já o fez em relação às alíneas c), g) e i) do n.º 3 do artigo 46.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, constante do artigo 2.º do texto final que vamos votar. Agradecia que outros grupos parlamentares o fizessem, se assim o desejarem, porque isso facilita o processo de votação.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Deputado, também em relação ao artigo 46.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, constante do artigo 2.º do texto final, solicitamos a votação em separado das alíneas c), d) e f) do n.º 3.

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O Sr. Presidente: — Portanto, há pedidos do PSD e do CDS-PP para a autonomização da votação das alíneas c), d), f), g) e i) do n.º 3 do artigo 46.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, constante do artigo 2.º do texto final. Começaremos por votar estas alíneas, uma por uma.
Vamos, então, iniciar a votação, na especialidade, do texto final, apresentado pela Comissão de Defesa Nacional, relativo à proposta de lei n.º 110/X — Altera a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, no que respeita à composição, competências e funcionamento do Conselho Superior de Defesa Nacional.
Começamos por votar a alínea c) do n.º 3 do artigo 46.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, constante do artigo 2.º deste texto final.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e votos contra do PSD, do PCP, do CDSPP, do BE e de Os Verdes.

Agora, vamos votar a alínea d).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD e votos contra do PCP, do CDSPP, do BE e de Os Verdes.

De seguida, vamos votar a alínea f).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD e votos contra do PCP, do CDSPP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, passamos à votação da alínea g).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do CDS-PP e votos contra do PSD, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Agora, vamos votar a alínea i).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, vamos agora votar, na especialidade, o artigo 1.º, o artigo 2.º, com excepção das alíneas c), d), f), g), i) do n.º 3 do artigo 46.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, e o corpo do artigo 2.º do texto final, apresentado pela Comissão de Defesa Nacional, relativo à proposta de lei n.º 110/X — Altera a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, no que respeita à composição, competências e funcionamento do Conselho Superior de Defesa Nacional.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes.

De seguida, vamos proceder à votação final global deste diploma. Em cumprimento dos artigos 164.º e 168.º da Constituição e do n.º 4 do artigo 104.º do Regimento da Assembleia da República é necessária a aprovação deste diploma por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, pelo que teremos de recorrer ao voto electrónico, aproveitando para fazer a reconfirmação do quórum de deliberação.
Peço aos Srs. Deputados o favor de introduzirem no sistema os seus cartões electrónicos. Os Srs. Deputados que por alguma razão não o possam fazer devem, depois, assinalar a sua presença e posição de voto junto dos serviços de apoio.
Vamos, então, proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Defesa Nacional, relativo à proposta de lei n.º 110/X — Altera a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, no que respeita à composição, competências e funcionamento do Conselho Superior de Defesa Nacional.

Submetido à votação, obteve a maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, tendo-se registado 116 votos a favor (PS), 22 votos contra (PCP, BE e Os Verdes) e 74 abstenções (PSD e CDSPP).

O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado. Dispõe de 3 minutos.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 110/X, que acabámos de votar, tem como objectivo rever a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas

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naquilo que diz respeito às competências e à composição do Conselho Superior de Defesa Nacional.
É conhecida a importância de que esse Conselho Superior se reveste na arquitectura global da defesa nacional, o que explica, aliás, o relevo da matéria de que esta proposta de lei se ocupa. Não foi, pois, de ânimo leve ou por espírito de contradição que o PSD recusou dar o seu apoio a esta iniciativa legislativa, optando antes pela abstenção, mas a isso nos forçou a irresponsabilidade com que este Governo tratou a questão,…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — … tanto no plano material como no plano formal.
É, pois, do Governo, e só do Governo, a culpa de não se ter alcançado o entendimento político alargado para o qual o PSD quis, como sempre, contribuir.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Com efeito, muito se diz, e bem, acerca da necessidade de encarar a política de defesa nacional como uma política de Estado, nessa medida merecedora de um consenso o mais amplo possível mas que envolva necessariamente os maiores partidos políticos portugueses, aqueles que, afinal, protagonizam as alternativas governativas.
Só que essa necessidade não pode ser apenas apregoada para «inglês ver», tem de ser construída na prática política concreta, nos processos que se desencadeiam e nas decisões que se assumem.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Ora, uma vez mais, fica bem patente que uma coisa é aquilo que o Governo e o PS dizem e outra coisa, bem diversa, aquilo que realmente fazem. Porque nesta revisão da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas nem o Executivo nem o partido que o sustenta fizeram o mais pequeno esforço para discutir com seriedade a questão das alterações à composição do Conselho Superior de Defesa Nacional, recusando, por exemplo, a diminuição da excessiva representação governamental ou — pasme-se! — o necessário reforço do peso dos representantes do Parlamento nesse Conselho.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — E a justificação que o Governo obrigou — repito, obrigou — o Grupo Parlamentar do Partido Socialista a apresentar em ordem a defender o indefensável é absolutamente extraordinária. É que, dentro de algum tempo, não se sabe quanto, o Governo prepara-se para apresentar uma proposta de alteração global da lei em cujo âmbito este tema será revisitado.
Srs. Deputados do Partido Socialista, de duas, uma: ou as mudanças na composição do Conselho Superior de Defesa Nacional são, do ponto de vista do Governo, urgentes e este deveria mostrar disponibilidade para encontrar soluções consensuais, ou bem que elas não são urgentes e dever-se-ia deixar o assunto para a agora anunciada vontade de rever amplamente esta Lei de Defesa Nacional.
O Governo tinha, pois, duas soluções, ambas compreensíveis e ambas aceitáveis. Acabou por escolher uma terceira que não tem qualquer justificação e que ninguém entende.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Vou terminar, Sr. Presidente.
Fica, portanto, claro quem é que quis impor a maioria de que dispõe e quem é que quis, ao mesmo tempo, recusar qualquer esforço de negociação séria. Mas também por isso fica aqui a reiteração da posição de princípio do PSD: continuamos disponíveis para a procura dos consensos que a sensibilidade destes temas merece, mas não contarão connosco para contribuir para tais consensos a qualquer preço ou para dar cobertura ao comportamento politicamente responsável do Governo e da maioria.
O sentido do nosso voto face a esta proposta é a demonstração da coerência das nossas atitudes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS alterou o seu sentido de voto favorável na votação na generalidade para a abstenção na votação final global pelo facto de o

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Governo e o Partido Socialista não terem sido sensíveis às propostas de alteração que apresentámos relativas à composição do Conselho Superior de Defesa Nacional.
Deste modo, este órgão vital mantém a sua carga demasiadamente governamentalizada,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — … com uma deficiente representação do Parlamento, estando exclusivamente representado por três elementos, sempre dos dois partidos do «centrão», PS e PSD, havendo também a impossibilidade de o Presidente da República nomear dois elementos para esse órgão.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Lamentamos que as nossas propostas não tenham sido atendidas, porque evitariam esse excessivo peso governamental de um órgão que não é de conselho ao Governo mas, sim, ao Sr. Presidente da República,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — … e que não tenha sido permitida uma representação plural da Assembleia da República nesse mesmo órgão. Lamentamos, pois, a posição do Partido Socialista em relação a esta matéria.
No entanto, saudamos as alterações que foram feitas nas funções e na diminuição do carácter burocrático que têm as decisões do Conselho Superior de Defesa Nacional e, por isso, o nosso sentido de voto foi o da abstenção.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do voto n.º 88/X — De pesar pelo falecimento de Manuel Bento, antigo guarda-redes de futebol do Benfica e da Selecção Nacional (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).
Tem a palavra, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Fernando Santos Pereira): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

Na passada semana, o País tomou conhecimento, com consternação, da morte de Manuel Bento, guarda-redes de futebol do Benfica e da Selecção Nacional.
Nascido há 58 anos, na Golegã, deu os primeiros passos como jogador no modesto Riachense, donde transitou para o Barreirense, clube onde começou a chamar a atenção dos técnicos de futebol. Seria então José Augusto a levá-lo para o Benfica, cuja camisola vestiu pela primeira vez em 1973.
Neste clube, manteve-se durante quase 20 anos. Durante esse período, o seu contributo foi decisivo para a conquista de oito campeonatos nacionais, cinco Taças de Portugal, duas Supertaças, tendo ainda sido finalista de uma Taça UEFA no ano de 1983. Pouco atreito a lesões, foi de uma notável regularidade ao longo da sua carreira, tendo participado em 464 jogos oficiais. Jogador de recursos pouco comuns, Bento mereceu ser chamado 62 vezes a representar a selecção nacional, tendo exercido as funções de capitão de equipa por 26 vezes.
Neste âmbito, destacam-se duas presenças: no Europeu de Futebol de 1984, disputado em França, tendo ajudado a equipa a chegar às meias-finais dessa prova, e no Mundial do México, dois anos depois, onde se tornou num dos principais protagonistas da contestação dos jogadores à Direcção da Federação Portuguesa de Futebol. E foi naquele país que, em consequência de uma grave lesão, terminou na prática a sua carreira, não obstante ter continuado ao serviço do Benfica por mais quatro anos. Actualmente, sempre no Benfica, dedicava-se à descoberta de talentos e ao treino de jovens candidatos a guarda-redes.
O homem do Barreiro deixou muitas histórias para contar aos vindouros, e deixou, sobretudo, uma carreira exemplar à qual terá faltado apenas a homenagem nacional que o país desportivo lhe ficou a dever.
Profissional de uma seriedade incontestável, Manuel Bento recusou sempre virar a cara à verdade, mesmo quando as circunstâncias lhe recomendavam atitude contrária.
Andou à frente do tempo e, por isso, o futebol não o compensou como merecia.
Deixou-nos, assim, com esse crédito imenso, e uma recordação inapagável das suas grandes exibições.
À família de Manuel Bento, à Federação Portuguesa de Futebol e ao Sport Lisboa e Benfica, a Assembleia da República apresenta sentidas condolências.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Srs. Deputados, peço a todos que respeitemos 1 minuto de silêncio em memória de Manuel Bento.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

A Mesa transmitirá à família de Manuel Bento e ao Sport Lisboa e Benfica este voto de pesar.
Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do voto n.º 89/X — De congratulação pela conquista do título europeu de Naíde Gomes (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).
Tem a palavra, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

No passado dia 3 de Março, em Birminghan, nos Campeonatos Europeus de Atletismo em Pista Coberta, Naíde Gomes protagonizou, uma vez mais, o hastear da bandeira de Portugal, ao atingir o pódio, arrecadando numa prova soberba a medalha de ouro no salto em comprimento, renovando assim o seu título de há dois anos em Madrid, além de bater a melhor marca mundial do ano e o recorde nacional da especialidade.
Naíde Gomes, nascida há 27 anos em S. Tomé e Príncipe, não é apenas uma multifacetada desportista de eleição, dotada de notável carácter, pois, além de um já vasto palmarés no ranking de excelência, ostenta uma trajectória académica relevante.
Atletas desta dimensão são cidadãos excepcionais, com capacidade e talento acima da média. São um exemplo social, um íman e o verdadeiro catalizador do incremento da prática desportiva — especialmente da juventude —, matriz que Portugal deve perseguir incessantemente enquanto Estado desenvolvido, e a importância estratégica do desporto no campo educativo e formativo deve ser assumido com determinação.
No desporto e na representação internacional, mora a alma de um povo, sendo gratificante ver a portugalidade apreciada no contexto das nações e a convergir para uma dimensão humanista superior.
Pelo significado e estímulo que este feito desportivo assume para todos e cada um de nós, fazendo a História, a do desporto e de Portugal; Pelo júbilo, orgulho e auto-estima que proporciona à comunidade e a todos os quadrantes da lusofonia; E, finalmente, pela esperança num cenário de sucesso que indelevelmente nos incita, na via da repetição do êxito no maior palco desportivo contemporâneo, que serão os próximos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008, A hora é de parabéns, especialmente neste Dia Internacional da Mulher. A Assembleia da República presta homenagem e reconhece a Enezenaíde Gomes, expressando votos para que o futuro nos traga novas alegrias.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de resolução n.º 189/X — Honras de Panteão Nacional para Aquilino Ribeiro (Presidente da AR, PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 187/X — Alteração à Resolução da Assembleia da República n.º 57/2004, de 6 de Agosto (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 344/X — Nomeação e cessação de funções dos membros das entidades reguladoras independentes (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes, votos a favor do PSD e a abstenção do CDS-PP.

Vamos proceder à votação, na generalidade, na especialidade e final global, da proposta de lei n.º 114/X — Autoriza o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico do sector empresarial do Estado.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e abstenções do PSD, do PCP, do CDSPP, do BE e de Os Verdes.

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Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 339/X — Regime de dispensa de medicamentos ao público pelas farmácias hospitalares do SNS (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do PCP, do CDSPP, do BE e de Os Verdes.

Vamos passar à votação do projecto de resolução n.º 179/X — Criação de uma comissão eventual para o acompanhamento do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional) (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do PCP, do CDSPP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, relativamente ao projecto de lei n.º 19/X — Exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez (PS), foram apresentados três requerimentos, subscritos, respectivamente, pelo PSD, pelo CDS-PP e pelo PS e BE, de avocação pelo Plenário da discussão e votação, na especialidade, das propostas de alteração dos artigos 1.º e 2.º do texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o projecto de lei.
Se não houver objecções, vamos votar, em conjunto, os três requerimentos de avocação.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Vamos, então, passar à discussão, na especialidade, dispondo cada grupo parlamentar de 3 minutos para sustentar as respectivas posições.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados: Para o PSD, há dois princípios fundamentais dos quais não abdicamos — o da coerência e o do respeito pela palavra dada.
Durante a campanha para o referendo, muitos de nós lutámos por princípios, desde o do «sim» à despenalização da mulher, o de pôr fim ao aborto clandestino e o de diminuir o número de abortos na base de uma decisão livre da mulher. Foram estes princípios que mereceram o voto favorável dos portugueses.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Oradora: — O que não é sério é, depois de o «sim» ter ganho e depois de termos os votos, não respeitarmos integralmente as expectativas criadas e que assumimos ao longo da campanha.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!

A Oradora: — Sim, porque uma coisa é a decisão livre da mulher, a decisão informada, responsável e coerente que sempre defendemos. E isso, em nossa opinião, faz-se através do aconselhamento personalizado, mulher a mulher, caso a caso.
Sim, porque defender o aconselhamento é respeitar a dignidade da mulher para a tomada de uma decisão informada, responsável e coerente.
Dizer o contrário é agir de má fé, é passar um atestado de menoridade às mulheres portuguesas.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Oradora: — Mais: é querer desresponsabilizar o Estado do seu papel e da tutela que lhe compete na defesa do direito à vida, no apoio à maternidade e no apoio à mulher.
É pena, é lamentável — tenho de dizê-lo nesta Câmara — que o Partido Socialista não tenha tido disponibilidade e vontade política para, nesta fase do processo legislativo, alargar o consenso que esteve na base do processo de referendo e que deu a vitória ao «sim». Obviamente, a regulamentação da lei teria sido muito mais conforme aos resultados do referendo e ao sentir dos portugueses e, em nossa opinião, só teria tido a ganhar.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No passado dia 15 de Fevereiro, dizia o Sr. Presidente da República: «Espera-se que as forças políticas encontrem soluções moderadas e equilibradas que possam contribuir para atenuar as divisões entre os portugueses.
Importa sarar as rupturas que possam ter sido criadas. Importa reduzir as clivagens que possam ter sido

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criadas porque nos interessa, acima de tudo, sublinhar aquilo que une e não aquilo que divide os portugueses. (…) Eu, como Presidente da República, só posso dizer que, numa matéria que é tão sensível para os portugueses, interessa o máximo consenso possível na Assembleia da República.» Sr. Presidente, o CDS assumiu uma posição ao longo da campanha para o referendo. Perdemos.
Ao contrário de outros, no passado, respeitamos integralmente a decisão dos portugueses mas, acima de tudo, somos coerentes com a nossa posição e consequentes com ela.
Durante a campanha, dissemos, tal como o disseram muitos ou quase todos os partidários do «sim», que o aborto é um mal e que esse mal tem de ser combatido e deve sê-lo.
Foi para combater esse mal que propusemos, na especialidade, que a lei contemplasse um aconselhamento obrigatório, um aconselhamento para encorajar a mulher a prosseguir a sua gravidez.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Foi por isso que, em sede de especialidade, propusemos que a cada mulher que quiser fazer um aborto fosse dada informação relevante, relativamente aos seus direitos sociais, aos seus direitos laborais, às condições em que o Estado e as instituições privadas podem ajudá-la a prosseguir a gravidez.
Foi por isso que, na especialidade, propusemos a proibição de o médico que faz o aborto participar no aconselhamento, para que este último, nomeadamente o que é dado nas clínicas privadas, seja um aconselhamento verdadeiro e não meramente formal, não seja um aconselhamento em que, como dizia um Deputado do Partido Socialista, o médico se limita a dar uns panfletos à mulher.
Por último, propusemos também, em sede de especialidade, que a publicidade às clínicas de aborto não fosse permitida, porque não se combate um mal, publicitando-o.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Fizemos estas propostas no espírito da lei alemã, aquela lei que foi citada por tantos do lado do «sim» e que, encabeçados pelo Sr. Primeiro-Ministro, pediram o voto dos portugueses, mas que também foi citada por outros que se sentam na bancada do Partido Socialista, como a Deputada Maria de Belém, por outros ainda, que também participaram na campanha, como, por exemplo, o dirigente do Partido Socialista Jorge Coelho, e ainda por insignes constitucionalistas, como Vital Moreira.
Hoje, Sr. Presidente, o que aqui vemos é que o Partido Socialista tem uma lei que é diferente da que propôs durante a campanha.
Pela nossa parte, o que fazemos aqui, hoje, em coerência com os nossos valores, em coerência com o que consideramos um mal que queremos combater, é dar ao Partido Socialista a possibilidade de fazer a lei moderada, a lei sensata, a lei que une os portugueses de que falava o Sr. Presidente da República.
A oportunidade de o fazer está agora nas mãos da maioria. Veremos como é que a vota.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: No Partido Socialista, orgulhamo-nos de ser coerentes. A coerência que revelamos hoje, nesta Assembleia, deriva do resultado do referendo que se realizou em Portugal. Nós somos coerentes com o mandato que, em face do resultado da votação, os portugueses nos conferiram para legislar nesta Assembleia. Não recuamos.
A questão que sempre considerámos fundamental é a de que a opção da mulher deve ser livre, responsável e consciente.
O que nos divide do PSD, Sr.ª Deputada Ana Manso, é que, agora, a senhora e o seu grupo parlamentar queriam uma opção condicionada. Ora, isso não estava na pergunta e, nesta matéria, a resposta dos portugueses foi clarificadora.
Nós insistimos e persistimos: a opção da mulher é livre, responsável e consciente.
Nesse sentido, toda a informação de que a mulher necessitar é-lhe fornecida, obrigatoriamente, na primeira consulta. Não temos dúvidas e até fomos buscar uma proposta do vosso partido, por forma a aumentar ainda a informação.
Portanto, o aborto não é livre mas também não é condicionado por valores que os portugueses não partilham. É a essa a nossa diferença.

Aplausos do PS e do BE.

Gostava de dizer também que, findo este processo de muitos anos, em Portugal, ao aprovarmos hoje a lei que facultará a interrupção voluntária da gravidez nos termos referidos no próprio diploma, é curioso verificar que nenhum os partidos que está contra a lei — o CDS e o PSD — encontrou uma única inconsti-

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tucionalidade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Bem lembrado!

O Orador: — Nenhum de vós referiu nenhuma inconstitucionalidade neste diploma. Apraz-nos registálo. Se calhar, todos estamos de acordo: a lei não contém inconstitucionalidades. Nem o CDS nem o PSD encontraram inconstitucionalidades na lei. Isso tranquiliza-nos bastante.
Ficamos muito tranquilizados com a unanimidade que, neste momento, se regista neste Parlamento, pois nenhuma bancada arguiu qualquer inconstitucionalidade quanto a este diploma.
Por isso, meus caros amigos, meus caros Srs. Deputados, registamos que foi dado um passo significativo, que vamos ter a mulher portuguesa a tomar uma opção livre, consciente e responsável, com acesso a uma consulta em que disporá da informação que é necessária e do aconselhamento que desejar.
Tudo isto tranquiliza-nos e revela que Portugal vai dar um passo em frente nesta matéria.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este processo legislativo que hoje concluímos é condicionado pela realização de um referendo cujo resultado teve um sentido inequívoco.
O que se perguntava aos portugueses, no referendo, era se concordavam com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada a pedido da mulher, nas primeiras 10 semanas. Na pergunta, não havia qualquer elemento que apontasse para qualquer mecanismo que obstaculizasse esta possibilidade de opção da mulher relativamente à interrupção da sua gravidez.
A decisão livre da mulher é uma decisão que deve ser informada, mas que não pode ser coagida, não pode ser condicionada pela adopção de qualquer mecanismo de pseudo-aconselhamento com carácter obrigatório.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Mais: a introdução na lei de qualquer mecanismo dessa natureza conduziria, isso, sim, a uma inconstitucionalidade, porque seria manifestamente contraditória com o resultado obtido no referendo.

Aplausos do PCP, do BE e de Deputados do PS.

Esta figura do aconselhamento obrigatório, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é mais do que a trincheira onde os defensores do «não» hoje se refugiam para poderem justificar o seu sentido de voto contra a despenalização.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelo que já foi anunciado, é claro que, se dependesse do PSD e do CDS-PP, a vontade popular não seria respeitada.
Não houvesse uma maioria parlamentar defensora da despenalização da interrupção voluntária da gravidez e que suportasse aqui aquela que foi a decisão largamente maioritária do eleitorado, se dependesse apenas dos senhores, seguramente o resultado do referendo não seria respeitado, como esperamos manifestamente que seja, honrando esta Assembleia os seus compromissos para com os portugueses.

Aplausos do PCP, do PS, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As propostas cujas discussão e votação na especialidade a direita avocou a Plenário no sentido de alterar o texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o projecto de lei n.º 19/X, texto esse a que, consensualmente, chegaram os quatro partidos que verdadeiramente defenderam o «sim» no referendo, que foi a solução que venceu no dia 11 de Fevereiro último, eram propostas que vinham coarctar a liberdade de decisão da mulher que ficou consagrada no texto do referendo. E o que é lamentável e não é sério é que um partido que se afirmou como sendo neutro perante o referendo, na realidade, tenha sido responsável por tempos de antena em que, muitas vezes, essa sua neutralidade era posta em causa e não existia na prática.
O que é lamentável é que o PSD tente agora reunificar as suas hostes, depois da pequena divisão que teve durante o referendo à volta de um «não» relativamente forçado, procurando subterfúgios para votar contra um texto final do projecto de lei que é equilibrado e que dá resposta fundamental ao problema do aborto clandestino na sociedade portuguesa.
Isso é que é lamentável, tal como é lamentável que não tenha tido a coragem, como tiveram alguns Srs.

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Deputados do PSD, de defender o «sim» no referendo e de assumir até ao fim essa ideia, não enganando e não procurando encontrar uma forma de inviabilizar um consenso mais alargado neste Plenário.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS diz respeitar os resultados do referendo, que foram politicamente legitimadores desta lei. No entanto, não é isso que podemos ver na letra e na forma das propostas apresentadas pelo CDS.
Creio que não há qualquer respeito pela vontade popular quando o CDS-PP propõe que alguém que preste uma informação sobre um estabelecimento legal de saúde autorizado a praticar uma interrupção voluntária da gravidez possa ser punido até dois anos de prisão. Passámos de um aborto clandestino para as clínicas clandestinas!…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Não é nada disso! Leia! Não sabe ler!

O Orador: — Isto é respeitar a vontade popular?! Isto é um atropelo total à vontade popular!!

Vozes do BE: — Exactamente!

O Orador: — Um aconselhamento obrigatório com a ideia de desencorajar a mulher de praticar uma interrupção voluntária da gravidez é absolutamente contrário ao sentido do referendo!!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — O que se pretende é que, por opção da mulher, essa decisão seja tomada e não que ela seja condicionada, pressionada e obrigada, por dissuasão sistemática, a não tomar a decisão que pretendia tomar. Chama-se a isso uma fraude à lei e uma fraude à vontade popular expressa nas urnas no último referendo.

Aplausos do BE, do PS, do PCP e de Os Verdes.

Sr.as e Srs. Deputados, quero tornar extensivas estas críticas ao aconselhamento obrigatório proposto pelo PSD. No entanto, foi bastante importante que, no debate e no sufrágio do referendo, tivessem existido Deputados do PSD que votaram «sim» e outros que votaram «não», expressando as suas posições, e que hoje estejam aqui para fazê-lo, talvez com a notável excepção do líder do PSD, que hoje não se encontra presente para votar…

Risos do BE.

Gostaria de dizer, em especial aos Srs. Deputados que votaram «sim», que compreendo que possam ter reticências em relação ao aconselhamento facultativo. Quero, porém, lembrar-vos que aquilo que nos une é muito mais do que aquilo que nos separa.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

O Orador: — O que nos une é a despenalização, é virar uma página de vergonha na História de Portugal e criarmos as condições para que o Serviço Nacional de Saúde e as estruturas do Estado possam dar um apoio directo às mulheres que tomam esta difícil decisão.
Foi isso que nos uniu e continua a ser isso que nos vai unir na votação que vamos fazer daqui a pouco.

Aplausos do BE, do PS, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu estive do lado do «sim», mas de um «sim» equilibrado, com bom senso. Não estive do lado do «sim» da ruptura, nem do «sim» dos extremismos.
E estive do lado do «sim» que não faria um diploma à socapa, à porta fechada, juntamente com a ala extremista da esquerda desta Assembleia. Foi ao lado desse outro «sim» que estive.

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Aplausos de Deputados do PSD.

Estive ao lado do «sim» a um diploma que conduzisse, entre outros denominadores comuns, a um que para mim é essencial: o de diminuir o número de abortos em Portugal! O método e o conteúdo com que os senhores fizeram isto não vos pode deixar de consciência tranquila, não podem dormir bem para esse lado. Não foi essa também a recomendação do Sr. Presidente da República.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Foi a do povo!

O Orador: — Este é o «grito de alma» de quem esteve convictamente convosco até determinado caminho e que agora vos deixa, porque vocês atraiçoaram aqueles que acreditaram que era importante resolver este problema.
A este «sim», não posso dizer sim!!

Aplausos de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à votação, na especialidade, das propostas de alteração aos artigos 1.º e 2.º do texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o projecto de lei n.º 19/X — Exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária da gravidez (PS).
Começamos pela votação da proposta de alteração do artigo 1.º, apresentada pelo PSD.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes, votos a favor do PSD e de 2 Deputadas do PS e abstenções do CDS-PP, de 1 Deputada do PS e de 2 Deputados do PSD.

Era a seguinte: «Artigo1.º (Alteração do Código Penal)

(…) 4 — O consentimento é prestado: a) (…) b) No caso referido na alínea e) do n.º 1, em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo, o qual deve ser entregue no estabelecimento de saúde até ao momento da intervenção e sempre após o período de reflexão não inferior a três dias a contar da data da realização da primeira consulta de aconselhamento, destinada a encorajar a mulher grávida a evitar a interrupção, facultando-lhe informação relevante que lhe possa abrir perspectivas para o efectivo exercício do seu direito de livre opção entre a interrupção da gravidez e as alternativas de um projecto de vida para a criança.
(…)»

O Sr. Presidente: — Passamos à votação da proposta de alteração do artigo 2.º, apresentada pelo PSD.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes, votos a favor do PSD, do CDS-PP e de 2 Deputadas do PS e abstenções de 1 Deputada do PS e de 2 Deputados do PSD.

Era a seguinte: «Artigo 2.º (Consulta, aconselhamento e acompanhamento)

1 — (…) 2 — Os procedimentos do aconselhamento a que se refere a alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal são definidos por decreto-lei, em termos a definir pelo Governo, devendo proporcionar o conhecimento sobre: a) (…) b) As condições de apoio que o Estado pode dar à prossecução da gravidez e à maternidade, bem como sobre os regimes de adopção e de acolhimento familiar;

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c) [anterior alínea b)]; d) A disponibilidade de acompanhamento por assistente social durante o período de reflexão.
(…)»

O Sr. Presidente: — Vamos, agora, votar a proposta de alteração do artigo 1.º, apresentada pelo CDSPP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP, do BE, de Os Verdes e de Deputados do PSD, votos a favor do CDS-PP e de 2 Deputadas do PS e abstenções do PSD e de 1 Deputada do PS.

Era a seguinte: «Artigo 1.º (Alteração do Código Penal) O artigo 142.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:

1 — (…) 2 — (…) 3 — Na situação prevista na alínea e) do n.º 1, a certificação prevista no número anterior é obtida na sequência do processo regulado na alínea b) do n.º 4.
4 — O consentimento é prestado: a) (…) b) No caso referido na alínea e) do n.º 1, após um período de reflexão não inferior a 3 dias, contados da data da realização da primeira consulta de aconselhamento obrigatório, e através de documento assinado pela mulher grávida ou a rogo desta, a entregar no estabelecimento de saúde até ao momento da intervenção.
5 — No caso referido na alínea e) do n.º 1, a consulta de aconselhamento prévia ao consentimento deve ter em conta a protecção da vida intra-uterina, deve orientar-se pelo esforço de encorajar a mulher a prosseguir a gravidez, abrindo-lhe perspectivas para uma vida com a criança, facultando-lhe toda a informação relevante e ajudando-a a tomar uma decisão responsável e em consciência.
6 — Considera-se informação relevante, designadamente, a que diga respeito às condições em que o Estado e as instituições particulares de solidariedade social podem auxiliar na prossecução da gravidez, apoiar a maternidade, qual o regime legal vigente em matéria de adopção e de acolhimento familiar, quais os direitos laborais da mulher grávida e quais as prestações sociais que pode auferir e respectivo regime legal.
7 — O médico que efectuar a interrupção da gravidez não pode exercer as funções de conselheiro.
8 — (n.º 5 da proposta de alteração PS/PCP/BE).
9 — (n.º 6 da proposta de alteração PS/PCP/BE).
10 — (n.º 7 da proposta de alteração PS/PCP/BE).»

O Sr. Presidente: — De seguida, vamos votar a proposta de alteração do artigo 2.º, apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP, do BE, de Os Verdes e de Deputados do PSD, votos a favor do PSD, do CDS-PP e de 2 Deputadas do PS e a abstenção de 1 Deputada do PS.

Era a seguinte: «Artigo 2.º É aditado um artigo 142.º-A ao Código Penal, com a seguinte redacção:

Artigo 142.°-A Publicidade ilegal à interrupção voluntária da gravidez

1 — Quem, por qualquer modo, oferecer, anunciar, recomendar ou prestar informações sobre os seus próprios serviços, ou de outrem, para a realização de uma interrupção voluntária de gravidez, ou sobre meios, instrumentos ou procedimentos próprios e adequados para a realização de interrupção voluntária da gravidez, com intuito de obter vantagem financeira, é punido com pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias.
2 — Não são puníveis as informações prestadas no âmbito do aconselhamento previsto no artigo ante-

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rior.»

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, por último, vamos votar a proposta, apresentada pelo PS e pelo BE, de alteração do artigo 2.º do texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o projecto de lei n.º 19/X. Esta proposta de alteração tem dois números mas, se não houver objecções, penso que podemos votá-los em conjunto.

Pausa.

Como não há objecções, vamos votar como acabei de anunciar.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP, do BE, de Os Verdes e de 16 Deputados do PSD, votos contra do PSD, do CDS-PP e de 3 Deputadas do PS e a abstenção de 7 Deputados do PSD.

É a seguinte:

«Artigo 2.° (…)

1 — (…) 2 — (…) a) (…) b) As condições de apoio que o Estado pode dar à prossecução da gravidez e à maternidade; c) [anterior alínea b)]; d) A disponibilidade de acompanhamento por técnico social, durante o período de reflexão.
3 — Para efeitos de garantir, em tempo útil, o acesso efectivo à informação e, se for essa a vontade da mulher, ao acompanhamento facultativo referido nas alíneas c) e d) do número anterior, os estabelecimentos de saúde, oficiais ou oficialmente reconhecidos, para além de consultas de ginecologia e obstetrícia, devem dispor de serviços de apoio psicológico e de assistência social dirigidos às mulheres grávidas.
4 — (…).»

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o projecto de lei n.º 19/X, com a emenda ao artigo 2.º que agora foi aprovada.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do BE, de Os Verdes e de 21 Deputados do PSD, votos contra do PSD, do CDS-PP e de 3 Deputadas do PS e a abstenção de 3 Deputados do PSD.

Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes, de pé.

Neste momento, registaram-se aplausos e manifestações de regozijo de público presente nas galerias.

Peço aos Srs. Agentes da PSP para evacuarem as galerias, porque não pode haver manifestações dessa natureza na Assembleia da República.

Pausa.

Srs. Deputados, temos ainda um parecer da Comissão de Ética para votar, pelo que peço à Sr.ª Secretária que nos dê conta do respectivo texto.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 3.ª Secção do 4.º Juízo Criminal de Lisboa, Processo n.º 4641/03.6-TDLSB, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Pedro Pinto (PSD) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, o parecer da Comissão de Ética está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos passar às declarações de voto. Uma vez que já houve grupos parlamentares que adoptaram idêntico procedimento em relação às declarações de voto sobre a lei de defesa nacional, se quiserem agora agrupar, poderão fazê-lo, terão mais tempo regimental, mas se só quiserem concentrar-se nesta última votação final global também poderão fazê-lo.
A primeira oradora inscrita para uma declaração de voto é a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Matilde Sousa Franco (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Matilde Sousa Franco (PS): — Sr. Presidente, é para informar a Mesa de que apresentarei uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: — A Mesa registou a informação de V. Ex.ª, Sr.ª Deputada.
Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos para uma declaração de voto relativa à votação final global do texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A declaração de voto será, de facto, muito singela e apetece-me começar pela exclamação que foi o símbolo da campanha do PCP no referendo «Agora, sim!» Passadas mais de duas décadas de luta neste Parlamento, e logo em 1984, em declaração de voto, o PCP afirmava que a lei aprovada não ia resolver o problema do aborto clandestino por ser uma lei «envergonhada», uma lei que, efectivamente, não resolvia os graves problemas de saúde das mulheres, os graves problemas do aborto clandestino.
Quanto a esta lei, que, de facto, é uma lei equilibrada, não compreendo por que é que há quem entenda que ela não tem equilíbrio; uma lei que é, em relação às leis de outros países, nomeadamente em relação ao número de semanas, uma lei até muito mais «recuada», não vejo onde é que podem acusar esta lei de radical, que, efectivamente, não o é!

Vozes do PCP: — Muito bem!

A Oradora: — Esta é uma lei que, assim seja o Serviço Nacional de Saúde verdadeiramente organizado como deve ser para responder, respeitando a reserva da vida privada e o anonimato das mulheres, esta é verdadeiramente, dizia eu, uma lei que, respeitando a opção da mulher — essa era a palavra importante da pergunta! —, irá permitir um combate que será difícil ao princípio, porque, quando se culpabiliza as mulheres, efectivamente, obriga-se as mulheres a retraírem-se e a não recorrerem aos serviços de saúde. Isso é o que tem sido feito noutros países, por partidários do «não».
Estamos convencidos de que, desta forma, será possível obter o desiderato que nós, no PCP, sempre afirmámos nesta Assembleia: o desiderato de garantir os direitos sexuais e reprodutivos; o desiderato de combater o aborto clandestino e de garantir a saúde e a vida das mulheres.
O sistema de aconselhamento obrigatório era um sistema que violaria a livre opção da mulher, muito mais quando aqui foi proposto que esse sistema de aconselhamento era para demover as mulheres de recorrerem à interrupção voluntária da gravidez. Deu maus resultados na Alemanha! Vão ver as estatísticas da Holanda, em relação às mulheres alemãs que continuaram a recorrer ao sistema da Holanda para realizar a interrupção voluntária da gravidez, porque aquele sistema de aconselhamento de centros privados era um verdadeiro sistema contra a liberdade de opção da mulher.
E foi ainda hoje que ouvi aqui defender uma outra coisa, que seria verdadeiramente inconstitucional, porque violaria a Convenção Europeia dos Direitos do Homem: vi aqui defender a punição como um crime da publicidade às clínicas de aborto. Eu recordaria, a quem assim o defendeu, que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem uma exemplar sentença a condenar a Irlanda a indemnizar duas clínicas na Irlanda, a indemnizar associações de estudantes que faziam propaganda às clínicas no estrangeiro, onde as mulheres irlandesas se podem dirigir.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: — Concluo já, Sr. Presidente.
E condenou a Irlanda em nome do direito à informação e à liberdade de expressão que consta da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. É o caso contra uma das clínicas, lembro-me bem, Open Door.
Enfim, termino dizendo que registo, em nome do PCP e em meu nome pessoal, uma grande satisfação,

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neste dia em que, de facto, as liberdades das mulheres, a responsabilidade da mulher, a racionalidade da mulher foram aqui afirmadas pela maioria deste Parlamento.

Aplausos do PCP, do PS, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Também para proferir uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, no dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, a Assembleia da República votou uma lei que faltava à democracia portuguesa.
A criminalização do aborto, a perseguição e condenação das mulheres constituíram, desde o 25 de Abril de 1974, um factor ímpar da discriminação das mulheres que nos colocava no grupo dos países europeus mais atrasados em matéria de direitos humanos.
Data de 4 de Maio de 1974 o primeiro comunicado público sobre a despenalização do aborto, divulgado pelo Movimento de Libertação de Mulheres. E, em Abril de 1979, foi lançada a campanha nacional pelo aborto e contracepção. O primeiro julgamento de uma mulher por aborto, com divulgação nos meios de comunicação social, tem lugar em Julho de 1979: é o julgamento de Conceição Massano.
Em Maio desse mesmo ano, já tinha sido julgada a jornalista Maria Antónia Pala pela realização de uma reportagem televisiva. Os mais recentes julgamentos foram os da Maia, de Setúbal e de Aveiro, em perseguição a mulheres marcadas por uma norma penal discriminatória e injusta.
A história do debate sobre a descriminalização do aborto na Assembleia da República começa em 1980, quando deu entrada o primeiro projecto de lei sobre a despenalização do aborto, apresentado pela UDP.
Em 1984, tendo por base as propostas do PCP, foi aprovada uma lei, contemplando uma primeira etapa de mudança do Código Penal.
A história da luta pela despenalização do aborto tem muitos episódios, mas foi preciso lutar até 2007, para que, com o referendo, o povo decidisse acabar com a criminalização da mulher que aborta nas primeiras 10 semanas.
No dia em que votámos uma lei despenalizadora do aborto, não é possível recordar alguns aspectos deste percurso sem lembrar Natália Correia, que com a sua argúcia marcou para sempre os debates parlamentares com o seu célebre poema, lido da bancada do PSD.

Aplausos do BE e do PS.

Em nome do respeito pelas mulheres, o Bloco de Esquerda orgulha-se de ter estado sempre do lado da solução descriminalizadora.
O Bloco de Esquerda disputou a vitória do «sim» no referendo, contribuindo para a grande maioria social que se expressou nas urnas.
Não nos arrependemos desse percurso, dessa experiência e dessa vitória, a vitória para que tantas mulheres e tantos homens contribuíram.
Por isso aprovámos hoje uma lei, moderna e equilibrada. Uma lei responsável, que fará o seu caminho e contribuirá para a defesa da saúde das mulheres e para o fim do aborto clandestino.
Os sectores mais conservadores da nossa sociedade, aqueles que sempre tentaram bloquear todos os avanços no planeamento familiar, na contracepção, na educação sexual, na procriação medicamente assistida, foram derrotados nas urnas. Têm muita dificuldade em se conformar com esse resultado, mas a vida não anda para trás, e esta lei é aqui aprovada em respeito pela vontade popular.
E é em nome do respeito por essa vontade popular que não aceitamos instituir um novo tribunal de consciências para pressionar ou condicionar a mulher que chega a um hospital, quando a resposta do referendo aceita explicitamente a responsabilidade e a liberdade de opção da mulher.
Por isso recusamos as propostas com que essa direita que defendeu a criminalização das mulheres quis, à última da hora, vingar-se do resultado do referendo popular.
Com a vitória da democracia e do respeito pelas mulheres, a partir de hoje, 8 de Março de 2007, nada será como dantes!

Aplausos do BE e do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes, também para uma declaração de voto.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com a votação e aprovação do projecto de lei n.º 19/X termina, finalmente, um longo processo no qual o Partido Ecologista «Os Verdes» se empenhou com determinação para alterar uma realidade vergonhosa e preocupante na nossa sociedade, a do aborto clandestino.
Por isso, o Partido Ecologista «Os Verdes» congratula-se com a aprovação deste projecto de lei que

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altera o Código Penal no sentido de despenalizar a interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas, pelo que ele significa para as mulheres portuguesas e para Portugal.
É um projecto de lei sensato e equilibrado, que respeita a objecção de consciência, que prevê a informação e o acompanhamento médico no âmbito do serviço nacional de saúde, mas que respeita, acima de tudo, o resultado do referendo, em que o «sim» obteve uma vitória inequívoca, fundamentalmente porque os portugueses não querem que uma mulher que se vê forçada a recorrer ao aborto como última opção seja perseguida, veja a sua intimidade devassada na praça pública, seja julgada e condenada.
Face a uma lei que estava desfasada da realidade, das necessidades da sociedade portuguesa, a única opção, de facto, era mudar essa lei. Para combater a vergonha, a mutilação e a morte que oferecia o aborto praticado na clandestinidade, sem quaisquer condições de higiene e segurança ou dignidade para a mulher. Uma realidade que, sendo subterrânea e silenciosa, gritava e clamava por uma resposta, por uma solução para um gravíssimo problema de saúde pública e um flagelo social.
Com esta lei, é dado um importante passo em frente na defesa do direito a uma sexualidade plena, à saúde reprodutiva, à maternidade desejável e responsável e à dignidade da mulher, o que constitui uma vitória da sociedade portuguesa.
Cumpre agora garantir que o Estado desempenhe o seu papel global, garantindo a educação sexual, a contracepção, o planeamento familiar e o acompanhamento destas situações no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, em condições de igualdade e de justiça.
É um imperativo da democracia portuguesa.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente, queria apenas anunciar que um grupo de Deputados do PSD vai apresentar uma declaração de voto sobre a votação final global que acabámos de realizar.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr.ª Deputada.
Também para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal vira, hoje, uma página negra da sua história — a do aborto clandestino, a da humilhação, a da indignidade, a do medo, a de uma lei socialmente injusta e inadequada.
A vitória do «sim» no referendo resultou do empenho de vários movimentos cívicos que se mobilizaram na defesa de uma sociedade plural, livre e mais respeitadora dos direitos humanos, que merecem, por isso, todos sem excepção, um reconhecimento público do nosso apreço assim como o aplauso pelo trabalho desenvolvido.
Os partidos políticos tiveram um papel determinante na mobilização e na consciencialização do grave problema de saúde pública, de desrespeito pelos direitos humanos e de iniquidade penal que vivemos nestes últimos 23 anos.
O Partido Socialista, como partido responsável, assumiu este combate com determinação na defesa da alteração da lei penal que nos aproxima, hoje, dos nossos congéneres europeus.
Com o resultado alcançado, acima de tudo, quem ganhou foram as mulheres e as famílias portuguesas, que poderão, agora, recorrer a uma interrupção voluntária da gravidez em condições de saúde dignas.
Cumpriu-se mais um pouco o princípio da igualdade de oportunidades, com o acesso aos cuidados de saúde para todos.
O Partido Socialista honrou o seu compromisso eleitoral: realizar um referendo para mudar a lei penal com o objectivo de acabar com as perseguições e investigações criminais, com os julgamentos, com as condenações. Realizar um referendo e respeitar o seu resultado, fosse qual fosse.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os portugueses deram uma resposta positiva à alteração ao Código Penal e aqui estamos, mais uma vez, a cumprir o que prometemos.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Oradora: — A aprovação da nova lei penal sobre a interrupção voluntária da gravidez, seguindo as melhores práticas europeias, consagrando uma consulta médica obrigatória, a disponibilização de toda a informação médica e social e a previsão de um período de reflexão, é o espelho do nosso compromisso com os portugueses.
Congratulamo-nos, assim, com o amplo consenso atingido no espectro parlamentar e com o esforço de todos para a construção de uma lei equilibrada, sensata, moderada e justa, consequente com a vontade popular expressa no referendo.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é dia de relembrar todas quantas, ao longo destes 23 anos, morreram vítimas de aborto clandestino e todos quantos sofreram com as perseguições e investigações

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criminais. Também foi por eles que esta lei foi alterada.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Oradora: — Portugal começou a mudar no dia 11 de Fevereiro, mas fica hoje mais tolerante, mais justo e mais europeu. A mudança posta em movimento no dia 11 culminou hoje, com a aprovação, em votação final global, da alteração do artigo 142.º do Código Penal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A partir de hoje, terminará a ameaça de prisão das mulheres e a sua sujeição ao calvário de um processo judicial, o qual não podia ser a resposta justa para o drama vivido por muitas mulheres portuguesas.
A partir de hoje, serão proporcionadas as condições para fazer acompanhar a decisão de abortar de mecanismos de apoio social, informação e reflexão da mulher que o pretenda fazer.
A partir de hoje, dá-se um passo de gigante para combater o aborto clandestino, viabilizando-se uma alternativa legal com garantia de condições de saúde e dignidade para as mulheres, designadamente as mais frágeis e desprotegidas, nos planos cultural, económico e social.
Porque, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a partir de hoje, a interrupção voluntária da gravidez quando realizada até às 10 semanas, por opção da mulher, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, deixará de ser crime. Finalmente! Hoje, por uma coincidência feliz, uma vez que se comemora o Dia Internacional da Mulher, dia 8 de Março, deu-se um passo de gigante para aperfeiçoar a igualdade inscrita nas promessas de Abril.

Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, os nossos trabalhos estão concluídos.
A próxima reunião plenária realizar-se-á quarta-feira, dia 14 de Março, às 15 horas, e, para além do período de antes da ordem do dia, terá como ordem do dia a apreciação da proposta de lei n.º 109/X e dos projectos de lei n.os 237/X (PSD), 368/X (CDS-PP), 369/X (BE) e 370/X (PCP), todos eles versando alterações ao Código de Processo Penal.
Srs. Deputados, amanhã não haverá trabalhos, uma vez que estão agendadas as jornadas parlamentares do Bloco de Esquerda, a quem desejo felicidades, bom êxito e sucesso.
Aproveito ainda para anunciar que, às 20 horas, na Sala do Senado, realizar-se-á um concerto da Orquestra Clássica de Espinho alusivo ao Dia Internacional da Mulher.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação final global do texto final, apre-
sentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o projecto de
lei n.º 19/X

Voto contra este projecto de lei em coerência com os meus votos contra o projecto de resolução n.º
148/X/PS, que propôs «a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizada
por opção da mulher nas primeiras dez semanas», e a legislação relativa à procriação medicamente assis-
tida e, como nesses casos, parece-me essencial justificar a minha posição.
Com o recurso à objecção de consciência, para ter liberdade de voto e apresentar sugestões legislativas
(estando sozinha nestas condições nesta bancada parlamentar), preferia deixar o meu lugar de Deputada
se não tivesse tido abertura para tal.
O séc. XX foi paradoxal: por um lado, a afirmação, através das Nações Unidas, de Direitos como, por
exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), a Convenção para a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação das Mulheres (1980), a Convenção Relativa aos Direitos da Criança (1990),
mas, por outro lado, foi um século de opressão dos Direitos Humanos como nunca aconteceu na História.
Foi designado por «século de meganocídio», aludindo aos graves problemas que ameaçam a subsistência
da Humanidade. Espera-se que a actual centúria se torne o «Século dos Direitos Humanos». Deve-se
acentuar que não se podem sacrificar, nem confundir, grandes direitos por menores.
Giulia Galeotti, autora de História do Aborto, Edições 70, 2007 (com prefácio de Maria de Belém Rosei-
ra), disse em entrevista (Diário de Notícias, 05/02/2007): «A base para a legalização do aborto surgiu após
a II Guerra Mundial… Dito de forma brutal, o aborto pode ser legalizado porque o Estado não tem mais
necessidade de vidas humanas para alicerçar a sua potência.» Tal aconteceu em várias democracias oci-
dentais, porque nos países comunistas a prática remonta a 1920.
As legalizações do aborto livre vão contra até a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e em
todos os países onde se liberalizou o aborto este aumentou (abortos legais + clandestinos). Antes da libera-
lização do aborto agora em Portugal, o Eurostat previu que em 2018 comece a diminuição da população do
nosso país, mesmo com a imigração. Portugal está entre os seis países europeus mais afectados pela falta

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de natalidade.
A decisão do eleitorado no referendo de 11 de Fevereiro passado foi no sentido da opção da mulher,
mas deviam ser incluídos neste projecto de lei princípios que estavam antes anunciados, inclusive na cam-
panha eleitoral, ou fazem parte da legislação das melhores práticas europeias, por exemplo: a proibição de
publicidade como meio de incitar à IVG; ser forçoso informar a mulher de alternativas, como apoios finan-
ceiros, sociais, a adopção, pois mais de 80% preferiam prosseguir a gravidez se fossem ajudadas; não
discriminar os profissionais de saúde que queiram respeitar a sua ética; seguirem-se exactamente as mes-
mas regras no sector público e no privado, etc.
Nos EUA, desde há meses, já se legislou a pensar nos fetos abortados, anestesiando-os previamente, e
passando-lhes certidões de óbito, para certificar quantos abortos são realizados e para criar um registo
público de quantas mulheres fizeram abortos.
Portugal, um país com História quase milenar e gloriosa, autor da primeira globalização, pode não che-
gar a cumprir o sonho de Fernando Pessoa (e de tantos outros) de espiritualmente se afirmar no mundo,
até por poder desaparecer devido à falta de natalidade. Penso que Portugal só conseguirá ficar na História
do século XXI se apostar no apoio à maternidade e na solidariedade para com crianças, idosos, pobres,
doentes, deficientes, os quais têm muito poucos direitos.
Portugal, que sempre se distinguiu por ser um país diferente, mais humano, ainda poderá ser pioneiro
no «Século dos Direitos Humanos».

A Deputada do PS, Matilde Sousa Franco.
——

Lamentamos que a lei aprovada para definir o quadro geral em que se vai concretizar o voto popular,
consagrado no referendo do dia 11 de Fevereiro, se afaste quer das intenções proclamadas ao longo da
campanha pelos principais líderes do «sim», quer dos princípios enunciados no acórdão do Tribunal Consti-
tucional, quer ainda do projecto de lei original que precedeu a realização do referido referendo.
De facto, ao longo da campanha para o referendo foram, de forma progressivamente consensualizada,
equacionados conceitos, identificadas medidas que, garantindo a despenalização da interrupção voluntária
da gravidez e o acesso à segurança médica na sua realização, definiam um quadro em que a decisão da
mulher seria precedida da necessária informação e robustecida com os indispensáveis elementos de pon-
deração no sentido de permitir a opção livre, consciente e responsável, de respeitar a vida intra-uterina, de
procurar tornar o recurso ao aborto numa opção cada vez mais rara.
Por outro lado o Acórdão do Tribunal Constitucional, rejeitando que o aborto possa ser considerado
como método de planeamento familiar ou de controlo da natalidade, refere que «a vida intra-uterina consti-
tui um bem jurídico protegido», e reconhece como mais eficazes do que a repressão penal «a adopção de
medidas comuns à generalidade das legislações europeias, como sejam a obrigatoriedade de uma prévia
consulta de aconselhamento, em que possa ser dada à mulher a informação necessária sobre os direitos
sociais e os apoios de que poderia beneficiar no caso de levar a termo a gravidez, bem como o estabeleci-
mento de um período de reflexão entre essa consulta e a intervenção abortiva, para assegurar que a mulher
tomou a sua decisão de forma livre, informada e não precipitada, evitando-se assim a interrupção da gravi-
dez motivada por súbito desespero». Reconhece ainda o referido o Acórdão que, por estes elementos não
poderem estar integrados na pergunta formulada, nada permite concluir que não possam constar de legis-
lação aprovada na sequência de resposta afirmativa ao referendo.
Finalmente, o projecto de lei aprovado na generalidade e substituído por aquele que hoje se aprovou,
previa centros de aconselhamento e de apoio necessários à mulher grávida, com o objectivo de superação
de problemas relacionados com a gravidez (possibilidade de resolução dos problemas de ordem social
decorrentes da maternidade, informação dos direitos relativos à maternidade), bem como a penalização de
publicidade que de alguma forma pudesse incitar à interrupção da gravidez.
Ao longo da campanha do referendo, afirmámos que se o «sim» vencesse não nos demitiríamos de par-
ticipar na construção da legislação sequente, no sentido de contribuirmos no âmbito das nossas competên-
cias e das nossas responsabilidades para o melhor ordenamento jurídico possível.
Pretendemos, com as propostas apresentadas, não conseguir por via administrativa o que se tinha per-
dido nas urnas mas, sim, correspondendo ao consenso entretanto obtido ao longo do debate (pelo menos
assim o interpretamos) e ao enunciado no Acórdão do Tribunal Constitucional, garantir que o Estado deve
assegurar à mulher a informação sobre o significado da intervenção, o respectivo procedimento, conse-
quências, riscos e possíveis efeitos psíquicos, bem como sobre as alternativas sociais que apoiem a even-
tual prossecução da gravidez. Entendemos que esta garantia deve constar do Código Penal explicitada, tal
como o propusemos, e não sob a designação genérica de informação relevante, conforme consta do diplo-
ma aprovado.
Aliás, entregámos já na Mesa da Assembleia um projecto de resolução que refere o conjunto de princí-
pios que o Governo deverá ter em conta na regulamentação que irá fazer da lei aprovada.
Pretendemos também proibir a publicidade de produto, método ou serviço, próprio ou de outrem, como
meio de incitar à interrupção voluntária da gravidez. O acesso ao direito agora consagrado não pode ser

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objecto de aliciamento publicitário nem fomentado por actividades com fins comerciais. Trata-se de garantir
o acesso a um acto médico, que se quer seguro e raro, não de promover uma nova área de negócios ou a
expansão de uma forma de promover o controlo da natalidade. Consentir na publicidade, porque não se
proíbe, é consentir no aliciamento ao recurso da interrupção da gravidez, é não cumprir o preceito constitu-
cional de respeito pela vida intra-uterina.
Finalmente, queremos ainda manifestar o nosso desacordo relativamente à previsão de regulamentação
posterior por portaria. A importância da matéria a regulamentar impõe que tal se faça por diploma de digni-
dade adequada que permita, sempre que tal seja necessário, que a Assembleia da República possa susci-
tar a sua apreciação e verificação.

As Deputadas do PS, Teresa Venda — Maria do Rosário Carneiro.

——

Os Deputados abaixo assinados votaram a favor, pese embora sufraguem o entendimento de que, e
sempre em absoluto respeito pela livre opção da mulher até às dez semanas de gravidez, mister se tornaria
enfatizar no texto do projecto de lei o primado por norma do direito à vida sobre o aborto.
Tal facto reclamaria, a nosso ver, um papel mais activo do Estado em sede de aconselhamento para a
salvaguarda da vida no sentido de, sem nunca condicionar a mulher grávida, carrear para a sua reflexão a
informação bastante e suficiente para uma tomada de posição lúcida, madura e responsável, o que mani-
festamente não ocorre no projecto de lei tanto quanto seria exigível, mas que não pode pôr nunca em causa
a bondade, o acerto e a oportunidade do mesmo.

Os Deputados do PSD, Ana Manso — Maria Ofélia Moleiro — Carlos Andrade Miranda — José Manuel
Ribeiro — Pedro Duarte — António Montalvão Machado — José Raúl dos Santos — Jorge Neto — José
Eduardo Martins — Vasco Cunha — Miguel Relvas.

——

Embora sendo, desde sempre, um opositor de mudanças legais que conduzam, sob qualquer forma, à
liberalização da interrupção voluntária da gravidez — o que me levou a, em ambos os referendos sobre o
tema realizados, estar ao lado do «não» —, optei por me abster, em sede de votação final global, relativa-
mente ao projecto de lei acima referido.
A liberalização da interrupção voluntária da gravidez que por via da lei ora aprovada se irá operar é, a
meu ver, um passo na direcção errada. Porque não vai solucionar o problema das mulheres que se vêm
obrigadas, por força de contingências sérias da sua existência, a recorrer a essa solução. Porque cria con-
dições para uma acrescida desresponsabilização do Estado no que toca a questões tão sérias como o pla-
neamento familiar ou o apoio à maternidade. Porque desvaloriza o respeito pela vida humana como ele-
mento essencial da nossa matriz cultural e civilizacional. Porque, enfim, representa, uma vez mais, a
cedência à lógica do relativismo ético que se tem vindo progressivamente a apropriar das nossas socieda-
des.
Por tudo isso — e por muitas outras razões que não cabe, aqui e agora, desenvolver —, o meu voto
seria contrário ao presente projecto de lei, se apenas razões de consciência e de convicção pessoal deves-
sem ser ponderadas. Mas acontece que assim não é.
Com efeito, o Parlamento português já por duas vezes reconheceu — e em legislaturas diferentes —
que a matéria da interrupção voluntária da gravidez está entre aquelas que não devem ser decididas pelos
Deputados, por se entender, desde logo, que lhes não foi conferido mandato para sobre ela deliberar, mas
também porque se trata de tema em que os representantes eleitos devem devolver aos titulares do poder
político a última e decisiva palavra.
E daí que, por duas vezes, graças à conjugação de vontades políticas do Presidente da República e da
Assembleia da República, se tenham realizado actos referendários incidindo sobre propostas tendentes à
liberalização da interrupção voluntária da gravidez. Dois referendos em que a pergunta submetida aos elei-
tores foi a mesma. Dois referendos que tiveram resultados distintos: o de 1998, a favor da manutenção da
legislação em vigor; o de 2007, a favor da modificação da lei e, consequentemente, da liberalização da
interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas.
É certo que, em ambas as situações, os referendos não foram juridicamente vinculativos, de acordo com
as normas constitucionais e legais aplicáveis. Mas não é menos certo que as diferentes forças partidárias e
a generalidade da sociedade portuguesa os encararam como politicamente obrigatórios, aceitando, em
consequência, a necessidade de respeitar o sentido da vontade popular (a este propósito, quero deixar aqui
igualmente expressa a minha convicção de que é mais do que tempo de alterar o texto constitucional, em
ordem a dele eliminar a exigência de uma percentagem mínima de participação como condição da sua vin-
culatividade jurídica, porquanto tal exigência não tem qualquer justificação no plano dos princípios e pode
contribuir, na prática, para a progressiva erosão da utilidade deste importante instrumento de democracia

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directa).
Assim, embora adepto convicto da não liberalização da interrupção voluntária da gravidez, é-me impos-
sível, em consciência, agir como se não tivesse havido referendo, desvalorizando os seus resultados e
ignorando a vontade expressa, com clareza, pelo povo português, no sentido de autorizar, em certos casos,
essa mesma liberalização.
De facto, é minha obrigação, enquanto Deputado, representar o País na sua globalidade (artigo 152.° n.°
2 da Constituição) e não posso por isso, nem devo, ignorar aquilo que esse mesmo País disse inequivoca-
mente querer no passado dia 11 de Fevereiro.
Portugal é, com legitimidade e orgulho, uma democracia representativa. Mas sempre que, por proposta,
aliás, da própria Assembleia da República, os portugueses determinarem directamente a necessidade de
seguir por certo caminho, entendo que é, no mínimo, obrigação dos Deputados, em sede de conformação
legislativa da opção política referendária, não agirem de forma a pôr em causa o sentido expresso da von-
tade daqueles que lhes cabe representar. E esta orientação deve ser válida, insisto, mesmo para aquelas
situações em que à vinculatividade política se não encontra agregada a obrigatoriedade jurídico-
constitucional.
E, a este propósito, seja-me permitido deixar aqui algumas interrogações que me parecem politicamente
determinantes (para já não falar das gravíssimas dificuldades jurídicas que se gerariam): em que posição
ficaria a Assembleia da República se os Deputados se recusassem a dar corpo, no plano legislativo, à von-
tade manifestada pelos eleitores em referendo? Que consequências teria essa actuação para as fundações
do nosso regime democrático? Em que plano ficariam as indispensáveis relações de confiança entre eleito-
res e eleitos?
São estas, muito resumidamente, as questões de princípio que me levaram a não votar contra o presen-
te projecto de lei, ao contrário do que aconteceria se apenas as minhas convicções pessoais relevassem
para a minha decisão. Porque entendo que, nestes casos, um representante eleito do povo tem, pelo
menos, a obrigação de não agir no sentido de contrariar a vontade clara do povo que nos elegeu. E porque
essa é a conclusão inevitável a que deve conduzir a concepção ética da política que tenho por acertada.
Mas também é importante deixar aqui expressa a minha profunda discordância quanto à solução alcan-
çada, por força da maioria de esquerda, no que toca ao ponto central da natureza do aconselhamento à
mulher que quiser recorrer à interrupção voluntária da gravidez.
Recordamo-nos todos como, no decurso da campanha referendária — e mesmo depois disso —, alguns
dos mais destacados defensores do «sim» — a começar pelo Secretário-Geral do Partido Socialista —
insistiram na necessidade de encontrar uma solução moderada e abrangente para o texto legal a elaborar,
aludindo para isso ao exemplo alemão.
Surpreendentemente — ou talvez não! —, quando se apanharam com a vitória nas mãos, não só esque-
ceram o que haviam dito, como optaram por soluções que apontam exactamente no sentido inverso daque-
le que haviam indiciado. E, com esse censurável comportamento, contribuíram até, a meu ver, para inviabi-
lizar o estabelecimento de um consenso alargado, que poderia e deveria ter sido procurado atenta a espe-
cial sensibilidade e delicadeza da questão da interrupção voluntária da gravidez.
Do meu ponto de vista, a opção pela natureza obrigatória ou facultativa do aconselhamento não é de
somenos importância. É que à escolha de uma ou de outra está subjacente a diferença entre uma atitude
que, sem em nada condicionar ou fazer perigar a livre vontade da mulher, visa dar-lhe conta de todos os
elementos indispensáveis a uma decisão informada e uma outra atitude que se baseia num incentivo implí-
cito à prática da interrupção voluntária da gravidez.
A afirmação anterior parece, à primeira vista, excessiva. Mas julgo que o não é. De facto, ao impedir a
consagração de uma solução legal cujo único desiderato era o de permitir uma decisão o mais informada
possível — por exemplo, em matérias como os riscos para a saúde da mulher, o apoio à natalidade e à
maternidade ou o regime de adopção —, a maioria que aprovou este projecto de lei transmite a mensagem
de que nada deve ser feito para dissuadir a mulher de praticar um acto que essa mesma maioria — como
todos nós, aliás — considera um mal em si mesmo. Fica, pois, bem patente a reserva mental com que agi-
ram muitos dos defensores do «sim».
Acresce que os pseudo-argumentos jurídicos com que alguns pretenderam sustentar a sua posição de
rejeição do aconselhamento obrigatório não têm qualquer sustentação. Na verdade, dizer que não se pode
impor o aconselhamento porque a pergunta referendária o não contemplava é a mesma coisa que dizer que
o projecto de lei ora aprovado não podia estabelecer, por exemplo, a existência de um período mandatório
de reflexão, na medida em que sobre esse tema os portugueses também não foram questionados (sendo
que o poderiam perfeitamente ter sido, atento o facto de a lei do referendo permitir que no mesmo acto se
cumule até um máximo de três perguntas).
Mas o aconselhamento, sendo uma questão especialmente relevante, não é o elemento determinante.
E, por isso, a discordância quanto a este ponto não constitui, para mim, argumento decisivo para votar con-
tra o projecto de lei em causa, porque também assim estaria a desvalorizar o sentido da decisão popular
referendária.
Eis pois, em síntese, os argumentos que me levaram, em consonância, como acima referi, com a minha
concepção ética da política, a optar pela abstenção. Mas que fique claro: a presente declaração de voto tem

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como objectivo único a explicitação dos motivos que presidiram à minha decisão. Ela não envolve, nem
poderia envolver, qualquer juízo de valor acerca da atitude de outros Deputados que sendo, como eu, con-
trários à legalização da interrupção voluntária da gravidez entenderam votar em sentido diferente este pro-
jecto de lei. Porque seguramente cada um deles agiu em consonância com os ditames da sua consciência
e com a leitura jurídica e política que fez dos factos relevantes.

O Deputado do PSD, José de Matos Correia.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes
António José Ceia da Silva
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Bosco Soares Mota Amaral
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Maria Jesuína Carrilho Bernardo

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Alberto Silva Gonçalves

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
António José Martins Seguro
Joaquim Barbosa Ferreira Couto

Partido Social Democrata (PSD):
Domingos Duarte Lima
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Jorge Fernando Magalhães da Costa
José de Almeida Cesário
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Mário Henrique de Almeida Santos David
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos

Srs. Deputados que faltaram à verificação do quórum de deliberação (n.º 29 da Resolução n.º 77/2003,
de 11 de Outubro):

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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