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Sábado, 14 de Julho de 2007 I Série — Número 106

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 13 DE JULHO DE 2007

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 15 minutos.
Procedeu-se ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 147/X — Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva 2003/72/CE, do Conselho, de 22 de Julho de 2003, que completa o estatuto da sociedade cooperativa europeia no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores. Usaram da palavra, além do Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional (Fernando Medina), os Srs. Deputados Ana Manso (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Jorge Machado (PCP) e Cláudia Vieira (PS).
Também na generalidade, foi discutida a proposta de lei n.º 128/X – Autoriza o Governo a legislar em matéria de prevenção e investigação de acidentes e incidentes ferroviários, na medida em que as competências a atribuir aos responsáveis pela respectiva investigação técnica sejam susceptíveis de interferir com o exercício de direitos, liberdades e garantias individuais, tendo intervindo, além da Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes (Ana Paula Vitorino), os Srs. Deputados Fernando Santos Pereira (PSD), Jorge Fão (PS), Bruno Dias (PCP), Hélder Amaral (CDS-PP), Helena Pinto (BE) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
A proposta de lei n.º 131/X — Autoriza o Governo a aprovar o regime jurídico de acesso e exercício das actividades de produção de energia eléctrica a partir da energia das ondas, foi discutida na generalidade, tendo-se pronunciado, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva), os Srs. Deputados José Eduardo Martins (PSD), Paula Cristina Duarte (PS), Agostinho Lopes (PCP), Abel Baptista (CDS-PP), Alda Macedo (BE), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes) e Jorge Seguro Sanches (PS).
Foi, ainda, discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 373/X — Princípios gerais para a prevenção da produção, a redução da perigosidade e a gestão de resíduos da construção e da demolição (PSD). Intervieram os Srs. Deputados Miguel Almeida (PSD), Abel Baptista (CDS-PP), Miguel Tiago (PCP), Horácio Antunes (PS), Alda Macedo (BE) e Álvaro Saraiva (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernando dos Santos Cabral
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva

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Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Hugo Machado da Costa Salgado de Abreu
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos

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Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes

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Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Hélder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Álvaro José de Oliveira Saraiva

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos proceder à discussão da proposta de lei n.º 147/X — Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2003/72/CE, do Conselho, de 22 de Julho de 2003, que completa o estatuto da sociedade cooperativa europeia no que diz respeito ao envolvimento dos trabalhadores.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional (Fernando Medina): — Sr.
Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Directiva n.º 2003/72/CE completa o estatuto da sociedade cooperativa europeia e daí a necessidade da sua transposição para a ordem jurídica interna.
O objecto da presente proposta de lei é de particular relevância por se tratar de uma das dimensões fundamentais da nossa vida democrática, que se prende com o favorecimento e a promoção do envolvimento dos trabalhadores no funcionamento e na gestão das entidades empregadoras, uma importância que se reveste ainda de maior dimensão quando se trata de sociedades de natureza cooperativa.
Com a aprovação da presente proposta de lei não só não se conduz à abolição de direitos de participação dos trabalhadores nas sociedades cooperativas de nível europeu como também se leva a um aprofundamento da participação dos trabalhadores na sua gestão e funcionamento.
Este aumento da participação dos trabalhadores faz-se fundamentalmente através de três mecanismos: em primeiro lugar, no processo de constituição da sociedade cooperativa europeia, será criado um grupo especial de negociação entre as partes que constituem essa sociedade para negociar o envolvimento dos trabalhadores na sociedade cooperativa europeia; em segundo lugar, pela instituição obrigatória de um regime de informação e consulta aos trabalhadores, através de um conselho de trabalhadores; em terceiro lugar, instituindo responsabilidades contra-ordenacionais severas para as sociedades cooperativas europeias que violem os princípios instituídos.
Permitam-me, por último, que me refira às datas da transposição desta directiva. A directiva deveria ter sido transposta em Agosto. Em Outubro, o Governo apresentou um decreto-lei para proceder a esta transposição, mas, como se levantaram dúvidas sobre a constitucionalidade de a transposição se verificar por decreto-lei, o Governo decidiu apresentar na Assembleia esta proposta de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

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A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 147/X, que hoje discutimos, visa transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2003/72/CE, do Conselho, de 22 de Julho de 2003, que completa o estatuto da sociedade cooperativa europeia no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores.
A realização do mercado interno implica não só que os obstáculos às trocas comerciais sejam eliminados mas também que as estruturas de produção sejam adaptadas à dimensão comunitária do mercado. Para esse efeito, é essencial que as empresas, sejam elas de que tipo forem, sejam capazes de planear e de reorganizar as suas actividades à escala europeia.
Ora, o enquadramento jurídico em que as empresas exercem as actividades na comunidade baseiase principalmente nas legislações nacionais. Esta situação constitui um entrave significativo ao reagrupamento entre sociedades de diferentes Estados-membros.
Por esta razão, foram aprovados dois documentos fundamentais: o agrupamento europeu de interesse económico e o regulamento relativo ao estatuto da sociedade europeia. No entanto, estes dois instrumentos não estavam adaptados à especificidade das sociedades cooperativas.
A Comunidade Europeia, preocupada em garantir a igualdade das condições de concorrência e em contribuir para o seu desenvolvimento económico, decidiu, então, dotar as cooperativas de instrumentos jurídicos adequados e susceptíveis de facilitar o desenvolvimento ou fusão entre cooperativas existentes pertencentes a diferentes Estados-membros ou através da criação de novas sociedades cooperativas à escala europeia.
Nesse sentido, foi aprovado o estatuto jurídico da sociedade cooperativa europeia. Este novo instrumento jurídico veio permitir a criação de cooperativas por pessoas residentes em diferentes Estadosmembros, que podem exercer a sua actividade em todo o espaço europeu, com uma personalidade jurídica, uma regulamentação e uma estrutura únicas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A sociedade cooperativa europeia é uma iniciativa recente e pioneira na União Europeia, na medida em que é a primeira grande realização normativa de natureza jurídica em matéria cooperativa. Ela surge como resposta a dois problemas fundamentais: o primeiro, o insuficiente desenvolvimento cooperativo no espaço europeu; o segundo, a desvantagem, como já se afirmou, das cooperativas perante as sociedades comerciais no que diz respeito ao quadro jurídico europeu.
Por isso, o estatuto da sociedade cooperativa europeia representa, por um lado, a necessidade de estimular a actividade cooperativa no plano europeu, procurando enquadrar formalmente a colaboração entre cooperadores de mais do que um Estado da União Europeia e, por outro, a vontade de dotar as cooperativas de meios idênticos aos que foram postos à disposição das sociedades comerciais, isto é, de não fechar às cooperativas as portas que foram abertas às sociedades comerciais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Conselho entendeu, face à existência na Europa de cerca de 300 000 cooperativas, que empregam mais de 2,3 milhões de pessoas e fornecem serviços a 83,5 milhões, que era necessário completar o estatuto da sociedade cooperativa europeia no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores. E fê-lo através da Directiva n.º 2003/72/CE, que a proposta de lei que agora analisamos transpõe para o ordenamento jurídico interno. E ainda bem, porque é, de facto, fundamental assegurar que a constituição de uma sociedade cooperativa europeia não conduza à abolição das práticas, e das boas práticas, de envolvimento dos trabalhadores existentes nas cooperativas participantes na sua constituição.
Assim, com a transposição desta directiva, ficam criadas as condições necessárias à aplicação de um quadro jurídico uniforme, no âmbito do qual as sociedades cooperativas europeias podem melhorar a governação societária, na medida em que, envolvendo nelas os trabalhadores, podem concorrer para uma representação equilibrada dos seus interesses e para o fomento da responsabilidade social da empresa.
Por outro lado, o envolvimento dos trabalhadores é assegurado através da instituição de um regime de informação e consulta, através do conselho de trabalhadores, de procedimentos simplificados de informação e consulta ou da participação dos trabalhadores no órgão de administração ou fiscalização da sociedade cooperativa.
Fica, assim, Sr.as e Srs. Deputados, protegido e regulado um dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 147/X vem estabelecer regras sobre o envolvimento dos trabalhadores no procedimento das negociações tendentes a um acordo, bem como os casos e modos de instituição obrigatória de um determinado regime de envolvimento dos trabalhadores no âmbito das disposições e acor-

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dos transnacionais aplicáveis em caso de constituição de uma sociedade cooperativa europeia com sede em Portugal.
A presente proposta de lei regula igualmente os modos de designação ou eleição dos representantes dos trabalhadores que sejam membros do grupo especial de negociação, do conselho de trabalhadores ou do órgão de administração ou fiscalização da sociedade cooperativa europeia.
Assim sendo, as pessoas colectivas participantes, após decidirem constituir uma sociedade cooperativa europeia, deverão adoptar as medidas necessárias à constituição de um grupo especial de negociação, que deverá ser constituído por representantes dos seus trabalhadores com o objectivo de negociar com eles o envolvimento dos trabalhadores na sociedade cooperativa europeia constituída.
Sr. Presidente, tentando trazer alguma luz a este assunto — pelos vistos, a mesma luz que nos falta hoje aqui na Sala — deve dizer-se que a Directiva n.º 2003/72/CE, do Conselho, de 22 de Julho de 2003, de cuja transposição a presente proposta de lei se ocupa, completa o estatuto da sociedade cooperativa europeia no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores, estabelecendo disposições específicas com vista a garantir que a constituição de uma sociedade cooperativa europeia não conduza à abolição ou redução das práticas de envolvimento dos trabalhadores existentes nas cooperativas participantes na sua constituição.
Após 10 anos de negociações, os Estados da União Europeia adoptaram, sob a forma de Regulamento, a proposta da Comissão de criação de um estatuto para a sociedade cooperativa europeia. Os futuros cooperadores poderão, assim, operar no mercado interno com uma identidade legal, um conjunto de regras e uma estrutura, podendo vir a ser capazes de expandir e reestruturar as suas operações transfronteiriças sem despenderem custos e tempo que seriam consumidos através da constituição e manutenção de uma rede de subsidiárias. Esta forma legal visa encorajar outras cooperativas a explorar oportunidades transfronteiriças e a aumentar a competitividade europeia.
Nos termos do Regulamento n.º 1435/2003, do Conselho, de 22 de Julho de 2003, para a constituição de uma sociedade cooperativa europeia são necessárias, pelo menos, cinco pessoas singulares ou colectivas que tenham residência em pelo menos dois Estados-membros diferentes. As sociedades cooperativas europeias podem ainda ser constituídas por fusões ou transformações de cooperativas que tenham sido constituídas nos termos da legislação de um Estado-membro e que tenham a sua sede e administração central na Comunidade, se, nos casos de fusões, pelo menos duas delas forem reguladas pelo direito de Estados-membros diferentes ou, em caso de transformações, tenham, há pelo menos dois anos, um estabelecimento ou filial regulados pelo direito de outro Estado-membro.
O novo estatuto assemelha-se, assim, ao Estatuto da Sociedade Europeia, adoptado em 2001, apesar de, obviamente, apresentar características específicas para as sociedades cooperativas.
Esta Directiva destina-se essencialmente a garantir que a constituição de uma sociedade cooperativa europeia, nos termos do Regulamento n.º 1435/2003, do Conselho, de 22 de Julho, não signifique a eliminação nem qualquer redução dos direitos de informação, consulta e participação dos trabalhadores previamente existentes nas entidades jurídicas participantes neste processo de constituição.
A Declaração sobre a Identidade Cooperativa, que a Aliança Cooperativa Internacional aprovou no Congresso do Centenário, em 1995, integra o princípio da educação, formação e informação nos seguintes termos: «As cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos, dos dirigentes e dos trabalhadores, de modo a que possam contribuir eficazmente para o desenvolvimento das suas cooperativas. Elas devem informar o grande público, particularmente os jovens e os líderes de opinião, sobre a natureza e as vantagens da cooperação.» Cada época e cada movimento cooperativo terão de assumir este cuidado na educação, de modo que a forma cooperativa esteja presente no interior de cada cooperador antes de se manifestar, como acção, na empresa cooperativa.
Por isso, o CDS considera útil e positiva a transposição da presente directiva.
De qualquer forma, não podemos deixar de alertar para algumas imprecisões e desconformidades, que convém corrigir no debate na especialidade.
Assim, por exemplo, as noções contidas no artigo 4.º padecem de alguma falta de sequência lógica na respectiva ordenação.
Por outro lado, talvez não fosse absolutamente necessário que o órgão de representação dos trabalhadores fosse, desde já, «baptizado» pela lei como «conselho de trabalhadores», isto porque, nos termos da directiva, cabe exclusivamente às partes definir o regime de envolvimento dos trabalhadores.
Segundo a directiva, o acordo entre os órgãos competentes das entidades jurídicas participantes e o grupo especial de negociação que estabelece o regime de envolvimento dos trabalhadores está na plena autonomia das partes, embora deva regular obrigatoriamente um conjunto de matérias previstas no n.º 2 do seu artigo 4.º, sendo todavia de salientar que tais matérias devem ser reguladas, mas compete exclusivamente às partes definir como regulá-las. Ora, as disposições da proposta de lei contrariam este princípio, quer por excesso, como no caso da alínea d) do n.º 1 do artigo 16.º, quer por defeito, como é o caso da falta de referência aos recursos materiais e financeiros a atribuir ao órgão de representação, que é uma das matérias a incluir obrigatoriamente no acordo — veja-se a alínea e) do n.º 2 do artigo 4.º da directiva —, mas a regular de acordo com a vontade das partes.

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Por outro lado ainda, também à luz da directiva, se afigura desnecessário individualizar os vários regimes possíveis de envolvimento dos trabalhadores, sendo suficiente a enumeração genérica das matérias que devem constar obrigatoriamente de qualquer acordo que institua um regime de envolvimento dos trabalhadores.
A regulação dos recursos materiais e financeiros a atribuir ao órgão de representação dos trabalhadores, no âmbito de um regime de envolvimento dos trabalhadores instituído por acordo, está na disponibilidade das partes, conforme resulta do n.º 2 do artigo 4.º da directiva. Ora, isto significa que a lei só deve regular esta matéria na ausência de acordo.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 147/X transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 203/72/CE, do Conselho, de 22 de Julho de 2003.
Esta directiva e, consequentemente, a presente proposta de lei, completa o estatuto da sociedade cooperativa europeia no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores.
Esta proposta de lei surge na sequência da aprovação do estatutos das sociedades europeias, nomeadamente a sociedade europeia e a sociedade cooperativa europeia.
Anexo a estes estatutos, foram aprovadas as respectivas directivas que consagram os direitos dos trabalhadores e a sua representação na constituição destas sociedades.
Destaca-se o tratamento equilibrado entre estes dois tipos de sociedades: a anónima e a cooperativa.
Temos, no entanto, de fazer uma ressalva: a sociedade cooperativa europeia não corresponde ao estatuto jurídico que as cooperativas portuguesas seguem no cumprimento dos princípios cooperativos internacionalmente reconhecidos e não postos em causa na Aliança Cooperativa Internacional (ACI).
Isto não significa que o Partido Comunista Português discorde da relevância que é dada ao trabalhador da cooperativa, não como cooperativista, mas como trabalhador por conta de outrem, bem pelo contrário, concordamos e valorizamos o facto de nestas sociedades cooperativas europeias se envolverem os trabalhadores nos vários níveis de administração.
Na verdade, esta proposta de lei consagra — e muito bem — o dever de informação aos trabalhadores, o dever de negociação com estes, o princípio da boa-fé negocial, a duração das negociações, os direitos do conselho de trabalhadores e, entre outros, o direito de participar nas decisões da sociedade cooperativa.
Este aspecto paralelo ao estatuto da sociedade europeia coloca na ordem do dia um debate, que o próprio movimento cooperativo deverá desenvolver, que diz respeito ao modelo de governo das cooperativas e ao aprofundamento da democracia destas organizações económicas democráticas.
É, no entanto, curioso que, no momento em que por toda a União Europeia e muito particularmente em Portugal se atacam os direitos dos trabalhadores, a liberdade sindical e as organizações representativas de trabalhadores, se consagre, por obrigação, um conjunto de direitos de representação dos trabalhadores que vai ao ponto de serem representados nos órgãos de administração e fiscais, direito este a que os trabalhadores não acedem nas cooperativas portuguesas e muito menos nas sociedades anónimas portuguesas.
Assim, esta proposta de lei é reveladora das contradições do Governo. Se para as sociedades cooperativas europeias — e bem — se estabelece um conjunto significativo de direitos, quanto aos direitos de participação dos trabalhadores nas empresas de âmbito nacional, o Governo ataca os seus direitos. Para isso basta ver os ataques que os sindicatos estão a sofrer na limitação do crédito de horas a que os trabalhadores têm direito para a actividade sindical.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Importa lembrar que, em legislação recentemente aprovada pelo Governo, no caso de fusão e aquisição apenas existe o dever de informar os trabalhadores, excluindo-os de uma efectiva participação e de negociação dos seus direitos no respectivo processo.
No preâmbulo da proposta de lei, o Governo refere que foram ouvidas as organizações representativas dos trabalhadores e dos empregadores, deixando de fora a auscultação das próprias cooperativas, o que nos parece um erro.
Em conclusão, estando de acordo com a presente proposta de lei e não abdicando da necessidade de ouvir a opinião do movimento cooperativo português, lamentamos que os direitos que passam a ser consagrados na legislação nacional para as sociedades cooperativas europeias não tenham correspondência para as restantes empresas, em especial para as sociedades anónimas, muito particularmente nos caso de fusão e aquisição.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Couto Vieira.

A Sr.ª Cláudia Couto Vieira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A informação, consulta e participação dos trabalhadores nas empresas de dimensão comunitária constitui um princípio basilar inscrito na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores. É exactamente a aplicação deste princípio respeitante aos trabalhadores de sociedades cooperativas europeias que hoje aqui debatemos.
A União Europeia, preocupada em garantir a igualdade das condições da concorrência e em contribuir para o seu desenvolvimento, decidiu dotar as cooperativas de instrumentos jurídicos adequados e susceptíveis de facilitar o desenvolvimento das suas actividades transnacionais através da colaboração ou fusão entre cooperativas existentes em diferentes Estados-membros ou através da criação de novas sociedades cooperativas à escala europeia.
Surgiu a figura da sociedade cooperativa europeia como resposta a dois problemas: insuficiente desenvolvimento cooperativo no espaço europeu e desvantagem das cooperativas perante as sociedades comerciais, no que diz respeito ao quadro jurídico europeu.
Na verdade, a presente proposta de lei procede à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2003/72/CE, que contempla o estatuto da sociedade cooperativa europeia no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores, estabelecendo disposições específicas, com o objectivo de garantir que a constituição de uma sociedade cooperativa europeia não se traduza na abolição das práticas de envolvimento dos trabalhadores existentes nas cooperativas participantes na sua constituição.
O envolvimento dos trabalhadores nas actividades da sociedade cooperativa europeia pode, sem prejuízo da autonomia das partes, ser assegurado através da instituição de um conselho de trabalhadores, de um ou mais procedimentos de informação e consulta, ou de um regime de participação dos trabalhadores.
O conselho, confrontado com a existência na Europa de cerca de 300 000 cooperativas, que empregam mais de 2 milhões de pessoas e fornecem serviços a quase 84 milhões, entendeu que estava na altura de completar o estatuto da sociedade europeia no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores, o que faz através desta directiva e que a presente proposta de lei transpõe para o nosso ordenamento jurídico.
Esta proposta de lei consagra ainda um regime contra-ordenacional relativo à violação das disposições ao regime do envolvimento dos trabalhadores nas actividades da sociedade cooperativa europeia.
Esta directiva traduz-se igualmente num importante avanço ao nível da construção de uma Europa mais social, mais solidária e mais atenta aos direitos dos trabalhadores.
Com efeito, numa altura em que se debate a futura constituição europeia, em que nos confrontamos com a globalização e mundialização da economia, é cada vez mais importante a participação e a intervenção dos trabalhadores na vida da empresa, designadamente quanto às questões das deslocalizações, da introdução de novas tecnologias, etc.
A iniciativa do Governo pretende atribuir aos trabalhadores portugueses um meio, que a União Europeia facultou a todos os trabalhadores, como forma de participarem na vida das cooperativas.
A proposta de lei em debate consagra soluções e mecanismos que visam permitir aos trabalhadores de várias cooperativas que se encontram distribuídas por vários Estados-membros a possibilidade de se fazerem ouvir e de participarem aos mais vários níveis na vida da empresa e que, até agora, se encontravam completamente desprotegidos e em situação de desigualdade face a muitos outros trabalhadores, dado que, ao nível nacional, não existiam mecanismos legais que lhes permitissem obter informações e dialogar sobre actos praticados pela direcção central situada num outro país. Por isso, é enorme a expectativa dos trabalhadores portugueses e das suas organizações representativas quanto à aprovação da proposta de lei em discussão.
Pelos motivos expostos, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista votará favoravelmente a proposta de lei n.º 147/X, convicto de que as soluções ali contempladas vão ao encontro dos legítimos interesses dos trabalhadores portugueses e europeus, a quem caberá a responsabilidade e o desafio de utilizar este novo instrumento jurídico, ao serviço do diálogo social nacional e europeu, que, não temos dúvidas, saberão vencer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminámos a apreciação da proposta de lei n.º 147/X.
Vamos agora passar à discussão da proposta de lei n.º 128/X — Autoriza o Governo a legislar em matéria de prevenção e investigação de acidentes e incidentes ferroviários, na medida em que as competências a atribuir aos responsáveis pela respectiva investigação técnica sejam susceptíveis de interferir com o exercício de direitos, liberdades e garantias individuais Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes.

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A Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes (Ana Paula Vitorino): —Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei em apreciação visa autorizar o Governo a legislar em matéria de prevenção e investigação de acidentes e incidentes ferroviários.
Estamos, com esta iniciativa legislativa, a completar o processo de transposição do segundo «pacote» ferroviário, um conjunto de directivas que estabelece um quadro de referência para a criação de um espaço ferroviário europeu integrado, seguro e interoperável.
Hoje, estamos, em concreto, a analisar a criação de uma entidade orgânica e funcionalmente autónoma, responsável pela investigação de acidentes e incidentes ferroviários, o Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários (GISAF). De facto, a criação do GISAF vem concretizar uma entidade com a independência funcional e orgânica do regulador, o recém criado Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, bem como dos operadores e do gestor de infra-estruturas.
Trata-se de termos em Portugal, e à semelhança dos nossos parceiros europeus, um organismo permanente e especializado que funcione de modo a evitar quaisquer conflitos de interesses e qualquer possível envolvimento nas causas das ocorrências investigadas.
Estamos, pois, a dar uma maior eficácia ao sistema de prevenção e investigação de acidentes e incidentes ferroviários, dotando o GISAF de competências mais alargadas do que tinha até hoje o Instituto Nacional do Transporte Ferroviário. Estamos a falar de estabelecer procedimentos conducentes à protecção das provas e à correspondente investigação das circunstâncias que deram origem ao acidente ou incidente ferroviário, bem como do acesso a todos os elementos e dados informativos que possam contribuir para um apuramento de conclusões e emissão de recomendações de segurança ferroviária.
As competências do GISAF não implicam a interferência com competências de autoridades judiciais ou policiais, devendo antes a sua actuação pautar-se por um princípio de sã cooperação com estas entidades. Por isso, o Governo acolhe o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias emitido sobre a proposta de lei em apreciação.
Neste sentido e no que respeita à norma constante da alínea d) do artigo 3.º da proposta de autorização legislativa em apreciação, a redacção a ser considerada pela Assembleia da República deverá ser: «Solicitar a realização de testes de alcoolémia ou despistagem de estupefacientes nas pessoas envolvidas no acidente».
No que se refere à alínea h) da mesma disposição legal, deverá a redacção a considerar ser a seguinte: «Ouvir depoimentos de pessoas envolvidas e de testemunhas de acidentes ou incidentes».
Sr. Presidente, farei chegar à Mesa a formalização das propostas de emenda que acabo de referir.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, com estas alterações, o Governo responde positivamente ao parecer da 1.ª Comissão, ficando assim melhor clarificado o princípio de separação de poderes entre o GISAF e as autoridades policiais e judiciais, ultrapassando-se desta forma quaisquer dúvidas que possam existir sobre a constitucionalidade das normas em questão.
Termino manifestando a minha profunda convicção de que esta iniciativa legislativa contribuirá para a garantia de padrões adequados de segurança, em linha com o definido pelo Governo nas orientações estratégicas para o sector ferroviário.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Santos Pereira.

O Sr. Fernando Santos Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo, através da proposta de lei n.º 128/X, vem solicitar à Assembleia da República autorização para legislar em matéria de prevenção e investigação de acidentes e incidentes ferroviários, na medida em que as competências a atribuir aos responsáveis pela respectiva investigação técnica do Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários sejam susceptíveis de interferir com o exercício de direitos, liberdades e garantias individuais.
O sector ferroviário merece a maior atenção, tendo em consideração uma perspectiva de evolução na circulação ferroviária, como alternativa ao transporte individual e, principalmente, ao transporte pesado de mercadorias, num quadro de redução das emissões de C02 e de protecção ambiental.
Como tal, as questões de segurança são fundamentais, face ao natural e expectável aumento de circulação e à necessidade de oferecer aos utentes um serviço de qualidade e seguro.
A Comunidade entendeu, e bem, que esta questão era relevante por ser transversal ao desenvolvimento económico e à protecção do ambiente.
A segurança dos caminhos-de-ferro e as matérias de investigação de acidentes e incidentes ferroviários exigem a regulamentação, nomeadamente, das competências e metodologias a aplicar pelo organismo responsável pela investigação, no caso português, como disse a Sr.ª Secretária de Estado, o Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Orador: — Ora, esta investigação, paralela a uma eventual investigação judiciária, pode colocar em crise os direitos, liberdades e garantias individuais. Por isso, devemos ter as maiores cautelas na legislação enquadradora da sua regulamentação e das competências a atribuir a uma qualquer entidade, mesmo que independente.
O Governo veio justificar a sua proposta de lei com a necessidade de uma investigação célere e eficaz. Admitimos a importância desses factores, mas este tipo de investigação, pelo seu âmbito, não pode colocar em causa direitos fundamentais. Devemos ter as maiores reservas e cautelas na forma como atribuímos a uma entidade administrativa, sem poderes jurisdicionais, poderes investigatórios que podem extravasar o limite da nossa liberdade.
A título de exemplo, defende-se na proposta de lei que a entidade em causa pode solicitar «os relatórios das autópsias dos membros da tripulação que tenham falecido num acidente ferroviário ou os resultados das colheitas de amostras efectuadas nas pessoas envolvidas».
Esta entidade pode igualmente ter acesso «aos resultados dos exames efectuados ao pessoal de bordo e outro pessoal ferroviário envolvido no acidente ou incidente», bem como o «acesso aos resultados do exame dos corpos das vítimas».
Ora, Sr.as e Srs. Deputados, para o Partido Social Democrata não restam dúvidas de que algumas das disposições constantes da proposta de lei são clara e manifestamente inconstitucionais, tendo o Governo plena consciência desta inconstitucionalidade. Ficamos, por isso, satisfeitos, com o acolhimento pelo Governo das recomendações constantes do parecer da 1.ª Comissão da Assembleia da República.
Porém, não podemos crer que para o Governo não era evidente que uma entidade administrativa não poderia, como se pretendia na alínea d) do artigo 3.° da proposta de lei, «Ordenar a realização de testes de alcoolemia ou despistagem de estupefacientes nas pessoas envolvidas no acidente, sendo a recusa considerada crime de desobediência qualificada nos termos da lei penal».
O GISAF não é uma entidade judiciária, nem policial, para poder aplicar uma pena criminal, nem poderá impor determinado comportamento, de uma forma coactiva, consubstanciando tal situação uma manifesta violação do direito à integridade e autodeterminação corporal.
O Governo sabia que o GISAF não poderia usar uma prerrogativa de autoridade nem impor uma sanção de crime de desobediência, uma vez que não tem competência penal.
Face a tudo isto, o Presidente da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, no âmbito deste processo legislativo, ouviu a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Esta emitiu um parecer claro quanto à violação expressa da Constituição e da lei nos dispositivos já citados.
Por isso, a 9.ª Comissão deliberou no sentido da proposta de lei reunir os requisitos constitucionais, legais e regimentais para poder ser discutida e votada no Plenário da Assembleia da República, «desde que respeite as conclusões e o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias».
Espera-se, assim, que venha a ser dado cumprimento a esse parecer e, fundamentalmente, que esta situação sirva de exemplo ao Governo para a necessidade de um rigoroso cumprimento da nossa Lei Fundamental.
O Grupo Parlamentar do PSD entende ainda, Sr. Presidente, que, antes da votação neste Plenário, a Comissão Nacional de Protecção de Dados se deve pronunciar quanto à essência desta lei, de forma a garantir que os direitos dos cidadãos se encontram plenamente assegurados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Fão.

O Sr. Jorge Fão (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Através da proposta de lei n.º 128/X, pretende o Governo que lhe seja concedida autorização para legislar em matéria de prevenção e investigação de acidentes ferroviários, na medida em que, tal como diz o próprio preâmbulo e o tema da lei, estas competências, a atribuir aos responsáveis pela investigação, podem ser susceptíveis de interferir com o exercício de direitos, liberdades e garantias.
Da exposição dos motivos desta proposta de lei conclui-se que são objectivos do Governo, ao pretender legislar sobre esta matéria, em primeiro lugar, transpor para o ordenamento jurídico nacional a Directiva n.º 2004/49/CE, de 29 de Abril, que versa questões relacionadas com segurança dos caminhos de ferro no espaço europeu e, neste âmbito da transposição da directiva, estabelecer o quadro legal e regulamentar em Portugal para instituir o aprofundamento da investigação técnica, autónoma da investigação judiciária, sobre as condições em que ocorrem os acidentes e incidentes ferroviários em Portugal.
Esta prática tem em vista apurar responsabilidades civis e criminais para que também, na sequência das conclusões, venham a desenvolver-se intervenções e melhorias no sistema ferroviário, de forma que, em primeiro lugar e em primeira instância, se previna o acidente mas também que se elevem sistematicamente os níveis de segurança na ferrovia portuguesa, como forma de promover esta modalidade

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de transporte.
Sr. Presidente, admitindo-se que algumas destas competências, que se pretende sejam atribuídas aos membros do Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários, possam vir a ser susceptíveis de interferir com direitos, liberdades e garantias individuais, o Governo entendeu, e bem, obter uma prévia autorização da Assembleia da República para legislar sobre esta matéria, até porque, nos termos do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, concretamente, na sua alínea b), é atribuição exclusiva da Assembleia da República legislar em questões de direitos, liberdades e garantias.
Atendendo, tal como já foi aqui afirmado, à especificidade da proposta de lei em apreço, a Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações deliberou solicitar um parecer à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a mesma proposta de lei, a qual, por unanimidade, se pronunciou concluindo que «as alíneas d) e h) do artigo 3.º da proposta de lei são de fortíssima probabilidade de serem declaradas inconstitucionais, pelo que se entende sugerir serem reformuladas nos termos propostos». Este é o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Contudo, também o mesmo parecer menciona que a proposta de lei cumpre todos os requisitos impostos pela Constituição da República Portuguesa quer em termos de organização quer em termos de estruturação da lei, nomeadamente no que diz respeito a definição clara do objecto, do sentido, da extensão e do prazo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Assim, tal como consta do relatório e parecer elaborado sobre esta proposta de lei, aprovado, por unanimidade, na Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, ela reúne os requisitos constitucionais e legais para ser discutida e votada pelo Plenário da Assembleia da República desde que sejam respeitados as conclusões e o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Tal como já foi aqui anunciado pela Sr.ª Secretária de Estado, antes da votação final desta proposta de lei, a efectuar em Plenário, são apresentadas propostas de alteração à redacção das alíneas d) e h) do seu artigo 3.º, para, desta forma, reparar a possível ilegalidade e sanar eventuais inconstitucionalidades que foram denunciadas pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e também reconhecidas no relatório da própria Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
Entendemos, pois, que estarão reunidas todas as condições, nessa altura, para que realmente seja concedida autorização legislativa ao Governo para legislar sobre esta matéria e assim melhorar — que é esse o objectivo fundamental — a segurança da ferrovia portuguesa e promover também, como se pretende, a qualidade nos transportes ferroviários em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Vou apresentar, por parte do PCP, algumas considerações relativamente a esta proposta de lei em duas vertentes, sendo a primeira delas quanto à forma.
Neste ponto, é preciso dizer que o Governo acordou tarde para a questão de se transpor a directiva comunitária, para o que tinha o prazo previsto até 30 de Abril de 2006. Quando acordou, o Governo quis conduzir um processo legislativo a toque de caixa, sem ter a preocupação de garantir o rigor que a redacção de um diploma destes exige, cumprindo a própria lei e a Constituição da República.
Se não fosse o alerta colocado pelo PCP, em sede de comissão parlamentar, suscitando a necessidade desta matéria ser apreciada e analisada pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, teríamos, provavelmente, a Assembleia da República a aprovar uma proposta de lei com normas ilegais e inconstitucionais.

Protestos do PS.

Foi esse, aliás, como já foi dito, o parecer da 1.ª Comissão, detectando a ilegalidade e a fortíssima probabilidade de inconstitucionalidade de alíneas da proposta de lei, confundindo o gabinete de investigação previsto na proposta de lei com uma autoridade policial ou judicial.
Ficaram, assim, confirmadas as preocupações e as objecções oportunas do PCP e já valeu a pena termos suscitado este problema na comissão.
Mas, mais uma vez, ficam o exemplo e a demonstração, para o Governo, de que esta forma de trabalhar não é a mais correcta e tem de ser repensada no plano legislativo.
Quanto ao conteúdo da proposta, queremos, antes de mais, afirmar que, naturalmente, nada temos a objectar em relação à existência de um organismo autónomo com a missão de investigar acidentes ferroviários e de promover a sua prevenção. E queremos, aliás, sublinhar o que, à partida, parece ser um princípio unanimemente reconhecido. Parece!… É que os inquéritos de investigação de acidentes ferro-

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viários não servem nem podem servir para apurar culpados, têm de servir para apurar causas, e o objectivo não é punir mas, sim, evitar a repetição de acidentes.

O Sr. António Filipe (PCP): — Exactamente!

O Orador: — O que isto suscita é a necessidade de uma efectiva capacidade de resposta para o trabalho de investigação e, não menos importante, de elaboração das correspondentes recomendações técnicas em tempo útil e no mais curto prazo possível. E, a este propósito, dois aspectos importa registar: por um lado, a questão dos meios disponíveis — hoje, aquém das necessidades, ao nível do actual IMTT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres) — e, por outro, a questão dos prazos considerados na proposta do Governo para a realização dos processos de investigação e dos respectivos relatórios.
É que a directiva que se pretende transpor prevê que o relatório seja apresentado no mais curto prazo possível, no máximo dos máximos em 12 meses, o que não é a mesma coisa que definir, pura e simplesmente, um prazo de 12 meses para elaborar o relatório, sendo que, neste caso, existe, depois, um prazo de apenas 30 dias para que as entidades em causa — o operador ou o gestor da rede — tomem medidas e informem o gabinete de investigação. É por estarmos de acordo com a necessária celeridade dos processos, e não o contrário, que defendemos uma clarificação desta matéria.
Por outro lado, não podemos ignorar que a directiva prevê a realização anual, até 30 de Setembro de cada ano, de um relatório sobre os inquéritos efectuados no ano anterior, as respectivas recomendações e as medidas correspondentes, tomadas a partir daí. O decreto-lei, ao que percebemos, no que se refere a esta matéria, é omisso na transposição da directiva.
Mas há ainda vários aspectos que importa clarificar, como, por exemplo, a definição do conceito de «acidente grave», para a intervenção do GISAF, em função dos 2 milhões de euros de prejuízos ou dos cinco feridos graves ou de um morto. Se não houver feridos nem mortos — e oxalá nunca haja! —, como e em quanto tempo se faz o apuramento dos prejuízos para se decidir se o GISAF considera acidente grave e efectua ou não o inquérito? A questão do relatório intercalar dos inquéritos também não está clara. É ou não suposto haver este tipo de informação durante a condução do inquérito? Não menos importante é a questão do trabalho de investigação das próprias empresas e os inquéritos que elas conduzem. A esmagadora maioria dos inquéritos, actualmente, corresponde a investigações conduzidas por comissões mistas, como sabem, entre a CP e a REFER. Qual será, então, o enquadramento que terão estes processos e que relação existirá com os processos do próprio GISAF? Falou-se, e sabemos, da autonomia que está prevista, mas, do ponto de vista da cooperação técnica e da articulação deste trabalho, que enquadramento se prevê? Que orientações vai o Governo dar às empresas que tutela neste sector quanto aos seus inquéritos próprios? Passam a pedir ao gabinete que os faça e, depois, este decide se os faz ou não, aliás, conforme sugere o artigo 4.º do projecto de decreto-lei? E as empresas, depois, pagam as peritagens técnicas ao gabinete, em qualquer caso, conforme consta do artigo 15.º do projecto? São aspectos que importa clarificar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Tal como sublinhámos, o PCP não tem objecções de fundo quanto à criação de uma entidade autónoma para a investigação e prevenção de acidentes ferroviários, desde que seja garantida a sua eficácia e a disponibilização dos meios necessários e desde que sejam corrigidas as ilegalidades que o Governo teve a imprudência de colocar na proposta que nos apresentou e que o alerta do PCP permitiu identificar. Porém, estamos e estaremos atentos às próximas etapas deste processo legislativo e aguardaremos o conteúdo do decreto-lei que o Governo apresentará.
E, já agora, Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes, tendo em conta a matéria do debate, não posso deixar de referir que continuamos a aguardar que nos seja apresentada a informação que requeremos, ao abrigo do Regimento, quanto ao grave incidente que ocorreu, há meses, na Linha do Tua.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 128/X pretende uma autorização para o Governo legislar em matéria de prevenção e investigação de acidentes e incidentes ferroviários, na medida em que as competências a atribuir aos responsáveis pela respectiva investigação técnica sejam susceptíveis de interferir com o exercício de direitos, liberdades e garantias.
Desde 1991, com a Directiva 91/440/CEE, que há um esforço por parte do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia em criar um mercado único de transportes ferroviários, de modo a obter também um quadro regulamentar comum para a segurança ferroviária, ou seja, para averiguar as causas dos acidentes e prevenir a sua repetição, de forma transparente e por um organismo independente.

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Parece-nos positivo que, a nível comunitário, sejam criadas condições para que a credibilidade da segurança do caminho-de-ferro seja elevada, e é-o, geralmente, até por comparação com outro tipo de transportes, nomeadamente o rodoviário.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — É também por aqui que passa o seu sucesso, no sentido de uma maior utilização e proveito deste tipo de transporte.
Esta autorização surge na sequência do designado «Pacote Ferroviário II», que integra um conjunto de directivas, incidindo esta autorização sobre a Directiva n.º 2004/49/CE, que pretende caminhar para uma liberalização do caminho-de-ferro, sendo, por isso, fundamental uma harmonização do conteúdo das normas de segurança e certificação das empresas, essencial para o sector, mas também este afectado pelo calendário socialista, que é sempre rápido no anúncio e demorado na concretização, como, aliás, foi aqui bem expresso.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — A directiva em causa foi aprovada em 29 de Abril de 2004, sendo que apenas passados três anos é que o Governo vem legislar sobre a matéria.
Esta directiva vem alterar a Directiva 95/18/CE, do Conselho, vulgarmente conhecida por «Directiva relativa à segurança ferroviária».
O nosso país sofreu ainda há pouco tempo um grave acidente ferroviário, conforme já foi citado, sendo desencadeada uma investigação que poderia ter sido bastante mais completa e eficaz se já se tivesse legislado sobre as medidas que esta directiva introduz.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — A averiguação das causas permite, na maioria das vezes — pelo menos assim deveria suceder —, prevenir e evitar novos acidentes. Se todos estão lembrados, os acidentes ou incidentes do ano passado foram todos devidos a deficiências de estrutura. Não sabemos que averiguações foram feitas, quais as falhas do sistema, porque falta um elemento fundamental que agora se pretende introduzir, ou seja, tornar públicas as investigações.
Os relatórios dos inquéritos, bem como as suas conclusões e recomendações, contêm informações e directivas importantes para a melhoria da segurança ferroviária, sendo que as recomendações, em matéria de segurança, devem ser cumpridas pelos destinatários e as medidas tomadas devem ser comunicadas ao organismo do inquérito, neste caso ao Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários.
O Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários, que será o órgão responsável por este tipo de investigações, necessita que lhe sejam dadas garantias de que as competências a si atribuídas não põem em causa os direitos, liberdades e garantias individuais. Ou seja, será possível garantir a segurança e a investigação de acidentes e incidentes sem atropelar direitos e garantias? Por nós, julgamos que sim e a proposta apresentada hoje, pela Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes, parece ir nesse sentido, embora nos mereça uma melhor leitura e um pouco mais de atenção.
O diploma a aprovar, ao abrigo da autorização legislativa pedida pelo Governo, violava, no entanto, na apresentação do articulado, algumas disposições legais e constitucionais,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ainda viola!

O Orador: — … de acordo com o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, liberdades e Garantias, como aqui já foi dito, nomeadamente as alíneas d) e h) do seu artigo 3.º.
Como disse, os acidentes ferroviários graves são raros mas podem ter consequências desastrosas e suscitar a preocupação e dúvida no público relativamente ao desempenho deste tipo de transporte, em termos de segurança, nomeadamente. Devem, por isso, todos estes tipos de acidentes, ser objecto de inquérito — concordamos com isso! —, para evitar repetições, devendo os seus resultados ser tornados públicos. E um acidente ou incidente, muitas vezes, por mais insignificante que seja, pode ser precursor de acidentes mais graves, devendo, por isso, ser objecto de inquéritos…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — … por quem tenha a competência necessária para encontrar as causas imediatas dos incidentes ou acidentes.
Apesar de a proposta de lei apresentada pelo Governo estar conforme à Constituição, no que ao insti-

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tuto da autorização legislativa diz respeito, subscrevemos o que foi dito pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que afirma a possível inconstitucionalidade das alíneas já mencionadas, referindo até a usurpação de funções, pelo que se deve acatar a sua recomendação e, eventualmente, eliminar as tais alíneas.
Não se pode, Sr.ª Secretária de Estado, criar uma outra entidade investida de poderes de autoridade.
Parece-nos que não vai no bom sentido.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Por isso, este recuo do Governo, tão pouco comum, parece-nos extremamente saudável e de aplaudir, aliás, como todos os que sigam no bom sentido e para melhorar propostas.
Também gostaria de dizer, Sr.ª Secretária de Estado, que me parece útil a proposta aqui apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, de ouvir a Comissão Nacional de Protecção de Dados, de forma a que esta Comissão possa, sobre esta matéria, garantir que não há nenhuma usurpação ou invasão dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: O debate de hoje incide sobre a proposta de lei n.º 128/X, que se traduz numa autorização legislativa para legislar sobre matéria que tem a ver com a prevenção de acidentes e incidentes ferroviários e tem como pano de fundo a segurança ferroviária.
Penso que, quanto à segurança ferroviária, existirá unanimidade. Aliás, é bem clara, na directiva comunitária que este decreto vai transpor a necessidade de realizar inquéritos para apurar as causas e prevenir as repetições, com a grande novidade, que não podemos deixar de saudar, de os resultados das averiguações serem tornados públicos.
Depois, a directiva aponta-nos uma outra necessidade, que também merece o nosso apoio, que é a da existência de um organismo especializado e independente, sobre o qual nada temos a dizer.
Mas, Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes, a directiva introduz um princípio que me parece ser fundamental em toda esta questão, ao qual a proposta de lei também faz referência: o inquérito sobre a segurança é totalmente separado do inquérito judiciário. Este é um princípio que tem de ser respeitado.
Por isso, não podemos deixar de estranhar, e de estranhar profundamente, os poderes que o Governo entendeu dar ao tal organismo que vai ser criado, porque excedem imenso a própria directiva comunitária. Pergunto: mesmo com as alterações que a Sr.ª Secretária de Estado, hoje, aqui trouxe, e ainda bem que as trouxe, cumprindo aquilo que a 1.ª Comissão recomendou — deixou de «ordenar» e passámos a «solicitar», deixou de ser obrigatório ouvir e passou-se, pura e simplesmente, a ouvir, ou seja, houve umas mudanças fundamentais —, onde é que isso consta da directiva? É que, de facto, é extraordinário, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, e não posso deixar de o referir sem alguma preocupação, sobretudo no enquadramento geral da atitude do Governo, que temos vindo a apreciar nas últimas semanas, que o Governo pegue numa directiva onde não constam quaisquer autorizações ou outras matérias que estão na proposta de lei, e se exceda, vá muito além daquilo que consta da directiva.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados para que leiam o artigo 20.º da directiva, onde não constam, de facto, quaisquer poderes excessivos a dar a este novo organismo, nomeadamente no que tem a ver com o facto de obrigar as pessoas a prestar depoimentos ou com a obrigação de fazer algum tipo de testes.
Por isso, ainda bem que a Sr.ª Secretária de Estado veio com esta proposta no sentido de alterar o texto inicial, porque o que aqui estava era flagrante. No entanto, fica a grande interrogação. O Governo vai muito mais longe do que a directiva aponta, e mal! Termino, Sr.ª Secretária de Estado, dizendo apenas que só espero que Governo também vá longe noutras matérias referidas pela directiva, nomeadamente nas condições de trabalho dos trabalhadores que andam na ferrovia, nos horários de trabalho dos maquinistas. Todos esses aspectos também estão na directiva, não está apenas a criação deste grupo, que, muito bem, esperemos que investigue as causas dos acidentes e dos incidentes, mas que fique muito claro que está completamente separado de qualquer inquérito judiciário.
Aliás, a directiva é muito clara, quando diz que não compete a este inquérito atribuir culpas a ninguém.

O Sr. Jorge Fão (PS): — Claro!

A Oradora: — Mas a proposta do Governo parece que quer misturar, parece que quer dar-lhe outro tipo de poderes. Esperemos que isso não aconteça.

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Para terminar, Sr.ª Secretária de Estado, ainda bem que mudou. Do meu ponto de vista, ainda não mudou o suficiente. Espero, por isso, que vá mais longe na aplicação directiva, nomeadamente no que tem a ver com as condições de trabalho de quem trabalha na ferrovia, seja nos comboios seja no acompanhamento das linhas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes, Srs. Deputados: A ferrovia, para além das inegáveis vantagens ambientais que apresenta como meio de transporte colectivo que é, quer no sector de mercadorias quer no sector de passageiros, apresenta-se ainda como um meio de transporte particularmente seguro, onde os acidentes são, felizmente, raros e só não o são mais pelo atraso que temos tido no encerramento das passagens de nível e na respectiva criação de alternativas desniveladas.
Contudo, nesta área, há trabalho a fazer — mais importante, certamente, do que a mera investigação a posteriori das causas dos acidentes —, como já aqui foi abordado na pergunta que Os Verdes fizeram ao Governo, em Plenário, acerca dos acidentes rodoviários, incluindo o caso lamentável que ocorreu na Linha do Tua, e onde ficou claro que é preciso investir mais na prevenção e na fiscalização permanente não apenas das linhas e infra-estruturas adjacentes, como as agulhas, as catenárias, etc., mas também na envolvente geológica e do próprio aterro onde assenta a linha.
O défice reconhecidamente existente nesta área — e Os Verdes tomaram boa nota das promessas que a Sr.ª Secretária de Estado fez, na altura, aquando da discussão que referi —, com o reforço de meios técnicos e humanos para recuperação de um know-how que se vinha perdendo na REFER, tem de ser colmatado com a instalação de mecanismos de detecção de objectos na linha, mormente nas linhas de montanha, não havendo, a fazer-se este investimento, qualquer razão de ordem de segurança inultrapassável que leve ao encerramento destas mesmas linhas.
Não é, no entanto, esta a questão que aqui, hoje, discutimos, Sr.ª Secretária de Estado. O que está em causa é a proposta de lei n.º 128/X, que, transpondo uma directiva comunitária, pretende criar uma autoridade administrativa, intitulada de Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários, entidade independente com amplas competências, quase do foro policial e de investigação, com implicações claras em relação a direitos, liberdades e garantias fundamentais e mesmo, nalgumas das soluções, de duvidosa constitucionalidade. Será quase uma «PJ» para acidentes ferroviários e temos, inclusivamente, dúvidas sobre se algumas das soluções encontradas não colidirão com as competências das autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal — entidades, por natureza, encarregadas da investigação e prossecução da acção penal —, mormente porque situações haverá certamente em que, sobre o mesmo facto, incidirão (como, aliás, o acidente do Tua também veio a demonstrar) vários inquéritos dirigidos por distintas entidades.
Finalmente, Os Verdes gostariam de deixar duas notas. Por um lado, a tarefa principal é que os meios dispendidos devem ser usados para compreender as causas dos acidentes e dos incidentes e para os resolver, sendo que a questão da busca de responsabilidades, apesar de importante, deve ser sempre secundária em relação a esta primeira. Por outro lado, gostaria de reparar que, em relação à publicidade dos dados dos inquéritos, o Governo prevê a sua publicação no prazo de 12 meses. Não sei, Sr.ª Secretária de Estado, se isto significará também que pretendem, 12 meses depois de ter saído o relatório final do acidente do Tua, torná-lo completamente público.

Vozes do PCP e de Os Verdes: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Vamos passar à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 131/X — Autoriza o Governo a aprovar o regime jurídico de acesso e exercício das actividades de produção de energia eléctrica a partir da energia das ondas.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 131/X pretende conceder ao Governo autorização para estabelecer o regime jurídico de utilização de bens do domínio público marítimo, incluindo a utilização das águas territoriais, para a produção de energia eléctrica a partir da energia das ondas do mar numa área delimitada para o efeito.
Por outro lado, tendo em conta que estes processos de instalação em Portugal de fontes renováveis estão ainda em fase inicial de desenvolvimento, torna-se importante agilizar os procedimentos de licenciamento. Por isso, seleccionou-se uma zona piloto, onde se pretende fomentar o desenvolvimento tecnológico e a instalação, em regime de demonstração de conceito, pré-comercial ou comercial, de equipamentos de aproveitamento da energia das ondas. Procurou-se, ainda, estabelecer as bases para um

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tarifário que vise promover o desenvolvimento e a utilização da energia das ondas para fins de produção de energia eléctrica.
Assim, o objectivo do diploma é o estabelecimento do regime jurídico de utilização dos bens do domínio público marítimo, incluindo a utilização das águas territoriais, para a produção de energia eléctrica a partir da energia das ondas do mar na zona piloto, bem como o regime de gestão, acesso e exercício da actividade mencionada.
A zona piloto é o espaço marítimo delimitado sob soberania ou jurisdição nacional em águas de profundidade superior a 30 m, no qual se pretende fomentar a produção de energia eléctrica com base na energia das ondas. Na zona piloto podem ser instalados protótipos e parques de energia das ondas, sendo os valores máximos de potência instalada definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da energia.
A concessão para a exploração da zona piloto é atribuída a uma entidade gestora, mediante contrato de concessão. Esta entidade gestora é escolhida por procedimento de concurso público, salvo se for atribuída por ajuste directo a uma entidade sob o controlo efectivo do Estado, e as bases da concessão constarão de decreto-lei próprio.
São também identificadas as fontes de receita da entidade gestora, definidas as suas competências, das quais se realça a competência para licenciar a instalação de protótipos e parques de energias das ondas em áreas da zona piloto e para propor o valor das tarifas a aplicar aos projectos envolvidos nos três regimes de exercício da actividade.
O acesso à actividade de produção de energia eléctrica é titulado por licença de estabelecimento e licença de exploração a emitir pela entidade gestora. Os promotores estão sujeitos ao pagamento de uma renda anual definida por portaria do membro do Governo competente. Estão sujeitos também ao pagamento de taxas à entidade gestora e ainda à tarifa…

Pausa.

Sr. Presidente, peço desculpa, mas parece que o PSD não está a conseguir ouvir-me, porque o som não está a chegar à bancada, o que, penso, é sempre um grande desânimo para o PSD!…

Pausa.

Posso continuar, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: — Está audível, Sr. Ministro.

O Orador: — Estava a referir-me às obrigações dos promotores.
Finalmente, este diploma salvaguarda os projectos autorizados para aproveitamento da energia das ondas.
Gostaria de, num breve enquadramento político, chamar a atenção para o facto de que este diploma se inscreve nas orientações e nas metas inscritas na Estratégia Nacional para a Energia, designadamente na antecipação das metas definidas no Protocolo de Quioto e na meta de que, em 2010, 45% da electricidade consumida seja de base renovável. Inscreve-se também na Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável e na Estratégia Nacional para o Mar, designadamente na preocupação que tem de favorecer a utilização dos nossos riquíssimos recursos marítimos e aproveitá-los no sentido do nosso desenvolvimento sustentável.
Por estas razões, o Governo solicita esta autorização legislativa à Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, dois Srs. Deputados. Como o Sr.
Ministro tem só 45 segundos, não sei se, neste contexto, os Srs. Deputados mantêm as inscrições.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, a não haver possibilidade de o Sr. Ministro ter tempo útil para esclarecer as questões que são colocadas, reflectiremos as nossas preocupações, em relação a esta iniciativa legislativa, em sede de intervenção.

O Sr. Presidente: — Sugiro o mesmo ao Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Para que feito, Sr. Ministro?

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, para me colocar à disposição da Câmara para responder às questões, sendo certo que, como gastei uns 20 segundos para perceber se o PSD me estava a ouvir ou não, direi que em 1 minuto conseguirei responder a todas as perguntas que me queiram formular.
É apenas a manifestação, como é minha obrigação, da disponibilidade para responder a todas as questões.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, peço a palavra para dizer que, se calhar, será mais útil colocar a pergunta no final da minha intervenção e, se me sobrar tempo, terei todo o prazer em cedê-lo ao Sr. Ministro para poder responder.

O Sr. Presidente: — Fica inscrito, Sr. Deputado.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Eduardo Martins.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Ministro terminou a sua intervenção, fazendo algum enquadramento político desta matéria e eu gostava de fazer ao contrário, ou seja, de terminar com a posição do PSD sobre esta iniciativa legislativa, mas de começar, justamente, pelo enquadramento político e até legislativo em matéria de energias renováveis.
Apesar de podermos ter parecido um pouco descrentes, o que já é força do hábito, ficámos entusiasmados quando o Primeiro-Ministro, em Fevereiro, escolheu as alterações climáticas como tema do debate mensal e praticamente reduziu a discussão à questão da energia. Tínhamos a esperança de que aquilo que foi anunciado sobre biocombustíveis já tivesse alguma consequência, que a nova meta já tivesse sido legislada, mas, mais importante do que isso, de já perceber se vai, ou não, haver quotas de incorporação para saber se a meta vai ser atingida, visto que a de 2006, como o Sr. Ministro sabe, falhámos.
Outra coisa que gostávamos de saber, que foi anunciada nessa altura mas continua em banho-maria — e talvez o Sr. Ministro queira, depois, na sua intervenção final ou de outra forma, esclarecer-nos —, é o que acontece com o novo regime jurídico da microgeração. O Partido Socialista veio anunciá-lo como uma grande revolução no mundo da energia, passaram quatro meses e não vimos nada, mas gostávamos de ver alguma coisa e, de preferência, que não fossem as posições oficiosas que a Administração Pública vai transmitindo sobre o assunto.
A terceira nota tem que ver com a nova meta de produção de electricidade a partir de energias renováveis. Embora seja muito meritória e louvável, até do ponto de vista da inovação e da investigação científica, esta iniciativa que o Governo hoje, aqui, traz, não conhecemos, até hoje — e é pena! — qual é o verdadeiro enquadramento da nova produção a partir da hidroelectricidade. Sabemos, pelas notícias, que não estamos a falar de mini-hídricas mas, sim, de um vasto plano de novas barragens a instalar no País. Gostávamos que o Governo pudesse dizer alguma coisa sobre essa matéria, nomeadamente, depois de ultimamente o Ministério do Ambiente ter sido tão avesso ao instituto da avaliação de impacte ambiental, como é que ele se vai relacionar com este plano de hidroelectricidade. Trata-se de uma coisa seguramente mais importante para a composição do mix da energia nacional do que esta iniciativa, muito meritória, que hoje, aqui, nos trazem, de criar uma zona piloto e estabelecer regras para desenvolver um projecto inovador, que pode ter potencial, que se deve desenvolver mas que, neste momento, não resolve nenhum dos problemas de energia eléctrica do País.
De resto, nesta matéria, gostava de recordar, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que o primeiro impulso político para a produção de energia eléctrica no País a partir de recursos renováveis foi dado, justamente, pelo actual Presidente da República, quando era primeiro-ministro de um governo do PSD, em 1988. Tal veio permitir, pela primeira vez — e, aliás, antecipando em muito o que mais tarde viria a acontecer na Europa —, o exercício da actividade de produção de electricidade por pessoas singulares ou colectivas, numa verdadeira antecipação do que foi a Directiva sobre a liberalização do mercado de electricidade.
De então para cá, progrediram muito os modelos de produção de energia, como o eólico, o minihídrico, o fotovoltaico, o geotérmico ou, até, a partir de resíduos. Boa parte deles, como o mini-hídrico e o eólico, são hoje indústrias consolidadas e produções de electricidade muito significativas.
Contudo, o País possui, no total, uma linha de costa de quase 1500 km, que compreende áreas urbanas e industriais, de turismo e áreas naturais. Aliás, um dos problemas do País é que temos muita gente a morar perto do litoral.
Visitam-nos regularmente 10 milhões de turistas, 90% dos quais convergem para as zonas costeiras, e 20% dos concelhos do País têm expressão territorial no litoral. Significa isto que, amadurecidas e disponíveis as tecnologias para a produção de electricidade a partir do mar, o nosso país não pode, naturalmente, negligenciar esta soberba riqueza com que a Natureza nos agraciou.
Ora, na sequência da Directiva, de 2001, sobre fontes de energia renováveis, saudamos esta iniciativa que o Governo hoje traz para autorização legislativa e recordamos as experiências, bem sucedidas umas vezes, outras, nem por isso, já levadas a cabo no arquipélago dos Açores, na década de 90.

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Se bem que as costas portuguesas disponham de reconhecidas condições naturais muito favoráveis, o certo é que o aproveitamento da energia das marés é ainda experimental e raro devido a problemas técnicos e económicos. Para rentabilizar a economia energética das ondas tornam-se ainda exigíveis grandes amplitudes de maré que não são muito comuns em Portugal.
O projecto pioneiro, da Póvoa de Varzim, que agora começa, tem em si o carácter de experimentalismo que pode fazer vingar este tipo de iniciativa no nosso país.
Portanto, neste contexto, saudamos a iniciativa do Governo, a qual contribuirá muito positivamente, não apenas para o futuro enquadramento jurídico do desenvolvimento desta actividade no País mas, também, para um impulso mais forte e sistemático que, de um ponto de vista político — e retomo o que disse ao princípio —, entendemos ser necessário para colocar Portugal no efectivo desenvolvimento da produção de electricidade a partir de energias renováveis.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Cristina Duarte.

A Sr.ª Paula Cristina Duarte (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 131/X, que visa autorizar o Governo a aprovar o regime jurídico de acesso ao exercício das actividades de produção de energia eléctrica a partir da energia das ondas, é mais um contributo para a produção de energias limpas, amigas do ambiente, com vista a melhorar a segurança no abastecimento, bem como a redução das emissões de gases com efeito de estufa.
As alterações climáticas são, à escala global, o problema ambiental mais importante dos nossos dias e um desafio para as sociedades e para as economias contemporâneas.
Existem apenas nove centros de produção de energia das ondas em funcionamento em todo o mundo e, em Portugal, o Professor António Sarmento, do Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação (INETI), em colaboração com o Instituto Superior Técnico e algumas empresas, tem realizado algum trabalho nesta área. A Martifer, com um protocolo celebrado com a Universidade de Aveiro, é bem um exemplo disso. Uma empresa do interior, ainda há bem pouco tempo visitada pelo Sr. Presidente da República, como um exemplo de inovação e tecnologia.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Oradora: — É inegável que Portugal tem enormes vantagens comparativas para desempenhar um papel importante para se posicionar e assegurar uma fracção significativa do mercado mundial: boas condições naturais; boas infra-estruturas ao longo da costa atlântica; bons conhecimentos, acumulados ao longo de mais de 25 anos; um tecido empresarial dinâmico; uma Administração Pública activa; e conhecimento científico universitário disponível para recuperar o tempo perdido.
A central do Pico, nos Açores, ou a zona piloto em S. Pedro de Moel, recentemente aprovada em Conselho de Ministros, são bons exemplos do empenhamento do Governo nesta área.
Creio que este conjunto de medidas que hoje, aqui, o Governo apresenta dará um novo e forte impulso ao incremento da investigação e ao desenvolvimento da indústria energética nacional, atraindo para o País empresas inovadoras no domínio das novas tecnologias.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que autoriza o Governo a estabelecer o regime jurídico de utilização de bens do domínio público marítimo, incluindo a utilização das águas territoriais, para a produção de energia eléctrica a partir da energia das ondas do mar é uma corrida contra o tempo, mas também uma corrida contra a inércia e contra a indiferença.
Por um Planeta mais limpo e mais amigo do ambiente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes, para uma intervenção.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A bondade do aproveitamento das fontes de energia renovável e as potencialidades abertas pelas tecnologias, ainda que muito experimentais, de exploração dos recursos da energia das ondas, na costa portuguesa, conduzem à oportunidade da iniciativa legislativa apresentada. Na generalidade, o Grupo Parlamentar do PCP avalia positivamente a legislação agora proposta.
Em particular, consideramos útil a existência de uma entidade gestora que, entre outras missões, possa vir a disciplinar as ligações à rede.
Contudo, temos sérias preocupações e discordamos fortemente que mais um segmento energético de relevante importância para o País vá ficar quase inteiramente sob a lógica e a dependência do capital privado — e temos fundadas razões para este entendimento. Isso resulta, no fundamental, da reestruturação empresarial do sector energético português levada a cabo pelo Governo do PS.

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Sob as orientações neoliberais de privatizações e liberalizações sopradas por Bruxelas, mas com o Governo português sempre «mais papista que o Papa», o que aconteceu e está a acontecer na EDP, na Galp e na REN, avultando o recente início de privatização desta última, que o PCP frontalmente condena, e as manobras da Comissão Europeia para expulsar qualquer vestígio da presença e da intervenção do Estado nas outras duas ditam a prática liquidação da condução, pelo poder político, do desenvolvimento, conforme aos interesses nacionais, de uma área estratégica para o País.
No caso em apreço, o enorme potencial que o País tem a sorte de possuir pode, além disso, se não houver políticas nacionais adequadas, vir a ficar completa ou dominantemente nas mãos de interesses estrangeiros.
É reveladora a recente notícia de que o projecto de uma central piloto, a instalar nos molhes do Douro, no Porto, resultante de uma parceria entre a EDP e o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, tenha «ido ao ar» ou «ao mar», por falta de disponibilidade orçamental do Instituto Portuário, isto é, por falta de vontade política do Governo e do Ministério das Obras Públicas.
A este propósito, talvez o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares nos possa esclarecer aqui, hoje, sobre o que o Sr. Ministro da Economia não disse ou não quis dizer, quando, na última quarta-feira, foi questionado na Comissão Eventual para o Acompanhamento das Questões Energéticas.
Apesar da forte tradição de investigação e desenvolvimento neste domínio por parte das universidades portuguesas e do INETI, há, até ao momento, um débil envolvimento industrial nacional.
A presença, em Portugal, de uma empresa escocesa e de uma outra finlandesa a venderem o seu produto tecnológico para exploração deste tipo de energias devia alertar o Governo português para a necessidade e a possibilidade de desenvolver uma tecnologia própria e nacional. Mas que dizer, se o Ministro da Economia anda claramente fascinado e ocupado com os êxitos da especulação bolsista das empresas do sector energético nacional? Relativamente à proposta de lei em apreço, cabe, ainda, assinalar outras preocupações e discordâncias.
Discordância sobre o desenho proposto para a responsabilidade de ligação à rede que, segundo o projecto de decreto-lei, pode ficar para a rede de distribuição pública, até a 80 MW, ou para a entidade gestora da rede nacional de transporte, até 250 MW, em vez de ficar a cargo do promotor.
Preocupação com a ausência de referência à necessidade de salvaguardar qualquer eventual conflito com outras entidades económicas, fundamentalmente o sector das pescas. É exigível que fique bem claro que o sentido de gestão de possíveis interesse conflituantes não se fará à custa das pescas portuguesas.
Preocupação, ainda, com a indefinição do quadro de tarifas, as quais podem vir a transformar-se numa segunda versão das eólicas e, face ao sistema tarifário existente, numa nova sobrecarga para os consumidores de energia eléctrica, o que seria completamente inaceitável.
É, hoje, cada vez mais claro que nada pode explicar que os sobrecustos da produção de energia eléctrica decorrentes dos incentivos ao desenvolvimento das energias renováveis não pudessem, e não devessem, ser englobados nos custos da EDP e de outros grandes produtores e absorvidos pelos respectivos sobrelucros e não à custa de consumidores e empresas. Bem pelo contrário, tal continua a ser uma consciente e clara opção política do Governo português, o Governo do PS, com evidente prejuízo para todos os consumidores domésticos e para a generalidade das empresas portuguesas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a discutir a proposta de lei n.º 131/X, sobre a energia cinética do movimento das ondas, para a qual Portugal tem capacidade de produção, através da instalação em centrais de produção própria, com conhecimentos técnicos e científicos que podem determinar uma exploração económica viável.
Já o mesmo não se pode dizer relativamente à energia das marés e à energia térmica dos oceanos, para o que Portugal não tem capacidade nem, necessariamente, potencial.
O aproveitamento da energia das ondas pode ser integrado, inclusive, em obras de protecção da orla costeira, e isso é, também, uma mais-valia.
No entanto, não podemos deixar de alertar o Governo para duas ou três questões relativamente ao pedido de autorização legislativa, contido neste diploma, para a definição jurídica da produção de energia. É que, como é referido no diploma, a instalação deste tipo de centrais terá de ser feita em domínio público marítimo, mas é necessário que a mesma tenha compatibilidade com o exercício de outras actividades, também no domínio público marítimo, nomeadamente, pesca, actividades de aquacultura, actividades de lazer e actividades de desportos náuticos. O País tem uma extensa costa marítima, tem potencial para esta produção. A mesma é importante para atingir as metas de produção de energias renováveis estabelecidas no Protocolo de Quioto, como já foi referido, quer pelo Sr. Ministro quer pelo

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Deputado José Eduardo Martins, Partido Social Democrata, mas é necessário que esta produção seja compatibilizada com outras actividades próprias deste tipo de domínio.
Por fim, e sem que seja por último, é conveniente que o Governo tenha manifesta intenção de estudar definitivamente toda a costa portuguesa para verificar quais as condições de instalação…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — … mas, sobretudo, quais as condições de minimização dos impactes negativos em termos ambientais e ecológicos.
A costa portuguesa é muito sensível e está sujeita a um grave processo de erosão — e não é só na Costa de Caparica mas ao longo de praticamente toda a costa —,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — … pelo que, desde Caminha, desde a praia de Moledo, até Vila Real de Santo António, deve ser definitivamente estudado qualquer tipo de intervenção.
Saudamos o facto de, neste diploma, se estabelecer o canal de produção de energias renováveis através da energia das ondas, mas é necessário, é absolutamente fundamental, que seja salvaguardado tudo o que apontei.
As fontes de energias renováveis são uma ambição nacional com a qual concordamos, são um objectivo estratégico nacional com o qual estamos de acordo, são um potencial que o País detém e que, manifestamente, deve ser aproveitado. No entanto, não podemos deixar de alertar para todas estas questões, em termos de protecção da orla costeira.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Vou fazer uma pergunta ao Sr. Ministro para cuja resposta vai ter tempo porque, provavelmente, vai sobrar-me e cedo-lho desde já.
O que gostaria de saber é se se prevê a compatibilidade deste tipo de exploração de energia com todas as actividades conexas desenvolvidas no domínio público marítimo, nomeadamente, a pesca e as actividades de lazer.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Gostaria de saber, ainda, se o Governo, não em termos de autorização legislativa mas em termos de governança, pretende fazer os estudos de todo o movimento de ondas para, depois, aí, sim, licenciar a produção de energia, já com o conhecimento efectivo do potencial do País para este efeito. Faço esta pergunta porque este aspecto ainda não está completamente esclarecido.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: No que se refere a esta iniciativa legislativa, é preciso começar justamente pela clarificação do que são as convergências e as divergências políticas que temos em relação à política nacional de energia.
Devo clarificar que, ao nível do que é a política de privatização no sector energético, o Bloco de Esquerda tem manifestado, recorrentemente, profunda divergência face à política de energia do Governo e tem manifestado convergência quanto à prioridade a conferir à diversificação e ao aumento do potencial de produção de energia a partir de fontes renováveis, justamente no sentido de que tal deve ser uma prioridade nacional para conseguir diminuir a nossa dependência energética de países terceiros.
Quanto à iniciativa que está em apreciação, gostaria de salientar que, ao contrário do que perpassa por algumas intervenções e por algum do senso comum em Portugal, o País tem hoje, na verdade, um capital de conhecimento técnico e científico que lhe permite avançar decididamente em termos do aproveitamento da energia das ondas.
Portugal beneficia também de uma capacidade hidrodinâmica do oceano, ao longo da costa marítima, que, em tudo, é benéfica para fazer este caminho no sentido de iniciar, incentivar, o que pode vir a ser a produção de energia a partir da energia das ondas.
Aliás, devo dizer-vos que tal nem sequer é inteiramente novo, porque, no nosso país, existem já projectos-piloto e parcerias entre centros de investigação, que são de grande inovação e com grande reconhecimento a nível internacional. Estou a falar do INESC, da Faculdade de Engenharia da Universidade

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do Porto, do Instituto Superior Técnico, de Lisboa, que tem parcerias com empresas, como, por exemplo, a Efacec, no Porto, ou a EDP, empresas estas que já têm demonstrado capacidade de dar resposta às necessidades do ponto de vista técnico com que estamos aqui confrontados.
Esta é, portanto, uma iniciativa importante, mas que nos suscita duas preocupações, uma mais do foro político e outra mais do foro da compreensão da opção feita pelo Governo. Refiro-me, justamente, à localização escolhida para a zona piloto.
Porquê esta zona piloto a sul da Figueira da Foz? Toda a investigação e todas as experiências piloto — não me vou referir à central do Pico, que já aqui foi falada, mas menciono os ensaios piloto feitos ao largo da Póvoa de Varzim, o quebra-mar na Foz do Douro — apontariam para a localização na costa norte desta parceria preciosa entre o INESC e empresas do norte. Não se percebe, por isso, por que razão se optou pela definição desta zona piloto, e seria bom que o Governo clarificasse este aspecto.
A segunda questão situa-se mais no campo da divergência. Na verdade, o que nos é apresentado como projecto de decreto-lei aponta para a atribuição da concessão desta zona piloto a uma entidade gestora que tem amplos poderes. Ou seja, trata-se de uma entidade gestora com capacidade para apreciar, aprovar ou rejeitar candidaturas, monitorizar operações de instalação e operações dos parques de energia, promover a criação e manutenção de infra-estruturas, coordenar acções de monitorização de incidências ambientais, assegurar a remoção/desmantelamento de equipamentos quando eles se tornarem obsoletos.
Portanto, é uma entidade gestora que tem um poder muito grande sobre a actividade desta zona piloto. Deve, por isso, haver uma regulação cautelar da parte do Governo em relação a este conjunto de actividades. Contudo, o que se retira do articulado do projecto de decreto-lei, nomeadamente do artigo 5.º, que define esta entidade, é extraordinariamente dúbio. Na verdade, esta entidade gestora tanto pode ser escolhida por concurso público como por ajuste directo, no caso de esta concessão ser atribuída a uma entidade sob controlo efectivo do Estado, tal como o Sr. Ministro dizia há pouco.
Devo dizer, Sr. Ministro, que o Bloco de Esquerda defende que essa gestão deve ser atribuída a uma entidade sob controlo efectivo do Estado. O Estado deve regular esta actividade e, portanto, não pode haver lugar a espaços dúbios, a incertezas em relação à natureza desta entidade gestora, como resulta do articulado que nos é dado a conhecer pela autorização legislativa.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, queira terminar.

A Oradora: — Vou terminar, Sr. Presidente.
Esta indefinição, que é excessivamente nebulosa na opinião do Bloco de Esquerda, sobre o modelo e a natureza desta concessionante merece-nos grandes restrições em relação à proposta de lei que aqui nos é apresentada.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Não restam quaisquer dúvidas (aliás, as intervenções que me antecederam já o demonstraram) sobre a fundamental importância de apostar nas fontes de energia renováveis e de tornar o nosso mix energético mais diversificado e assente em fontes endógenas, naturalmente para combater a dependência energética face ao exterior, em particular relacionada com o petróleo, mas também para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.
É fundamental reduzir as fontes fósseis e as formas de energia mais carbonizadas, designadamente na produção de energia eléctrica. Por isso, o eólico é importante, o solar também, mas não podemos deixar de lamentar o atraso claro que apresentamos nesta matéria em geral e mormente no que se refere ao solar, na área da microgeração, que infelizmente não tem interessado, porque este Governo investe onde aparecem grandes interesses económicos apostados em fazer negócio.
De facto, a microgeração, por ser uma energia mais democrática e mais espalhada pelo País, não tem merecido a devida atenção. Aliás, as propostas de Os Verdes em sede de Orçamento do Estado têm sido objecto de chumbos sucessivos, quando o que se pretendia era garantir que aqueles portugueses que têm crédito à habitação também pudessem beneficiar de apoio na aquisição de painéis solares para as suas casas, situação que hoje, infelizmente, não acontece, como o Sr. Ministro sabe certamente.
De qualquer forma, não pode descartar-se o potencial da energia das ondas no nosso país. Temos um potencial muito interessante e nada desprezível. Aliás, segundo dados do Centro de Energia das Ondas, Portugal apresentará cerca de 15 GW no continente e 6 GW nas regiões autónomas, apontandose cerca de 30 MW por quilómetro de costa.
Claro que, nesta história da energia das ondas, também há impactos: impactes ambientais não apenas visuais mas (por exemplo, na costa) impactos no que diz respeito à ligação à rede e, ainda, impactos em termos da incompatibilização com outros usos que acontecem no espaço de domínio público maríti-

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Porventura, os impactos mais notados poderão vir a ser os relacionados com a actividade piscatória e de navegação marítima. Apesar de estes impactos serem aparentemente menores do que os de outras energias, designadamente, de outras energias renováveis, importa acautelá-los na senda do princípio da precaução e impor que a avaliação dos mesmos seja feita pela escolha dos melhores locais, isto é, os que têm menos impactos e que apresentem maior eficiência energética.
Posto isto, não restam dúvidas de que é importante dar passos no sentido da implementação da energia das ondas em Portugal. Mas, Srs. Deputados, ser favorável à energia das ondas em Portugal não é, necessariamente, ser favorável a esta proposta de lei nem ser favorável às ondas no matter what!, isto é, seja qual for o custo que ele envolva.
Desde já, apresentamos a nossa crítica por esta ser uma proposta de lei de autorização legislativa e limitar a intervenção da Assembleia da República a um debate em que cada uma das bancadas parlamentares dispõe de apenas 5 minutos.
Mas não só: infelizmente, o Partido Socialista escolheu colocar à frente da energia das ondas ao serviço de Portugal e dos portugueses, dos interesses públicos de produção energética, ambiental e socialmente sustentável, os interesses e o lucro das empresas e o Governo optou pela via da diminuição do papel do Estado e da Administração Pública na salvaguarda do interesse público.
Tal como fizeram em relação à Lei da Água e do domínio dos recursos hídricos, em que o Governo abriu, ou escancarou, as portas às albufeiras privadas, aos rios, margens e leitos privados, às praias privadas, sempre sob a forma eufemística de concessão por dezenas de anos, agora querem seguir o mesmo modelo com o offshore, não o fiscal da Madeira mas o dito «ao largo da costa privada». Aliás, as suas intenções já eram claras na Lei n.º 13/2007 (lei de autorização) e no Decreto-Lei n.º 226-A/2007, que se lhe seguiu.
É dito na «Exposição de motivos» da proposta de lei que este regime implica a utilização de bens do domínio público marítimo — não temos dúvida —, mas que isto justifica a adopção de um conjunto de medidas excepcionais, designadamente dotando uma entidade gestora da zona de intervenção de um conjunto de poderes que permitam alcançar os objectivos propostos pelo Governo.
Ora, quais são esses poderes, Srs. Deputados? Poderes de constituir servidões e propor expropriações, poderes na área da fiscalização da própria actividade, poderes de promover a criação, manutenção e actualização de infra-estruturas na nossa costa — já tão afectada e, por isso mesmo, qualquer intervenção na mesma tem de ser devidamente acautelada —, poderes na área de promover a caracterização geofísica e ambiental da própria zona que lhes ficará adstrita.
Ainda por cima, esta entidade gestora da zona piloto será umas vezes escolhida por concurso público, outras vezes por ajuste directo, conforme refere o projecto de decreto-lei autorizado, se for sob o controlo efectivo do Estado.
Então, pergunto ao Sr. Ministro: e se o deixar de ser? O que é que acontece nessa altura? Nessa altura, ficaremos com «o menino mas mãos»! Mas, passe a expressão, «por que raio de carga de água» — esta expressão vem ao caso, porque tem a ver com energia eléctrica e massas de água —…

Risos.

… não há-de ser uma entidade pública, da Administração Pública, a efectivar a gestão e a compatibilização dos muitos usos que existem na nossa costa, um bem que é público, que é de todos, Sr.
Ministro? Por que é que não há-de ser a Administração Pública, onde existe, há longa data, uma tradição de muitos usos e onde assentam muitas actividades económicas, como a da pesca? Daqui parto para a última questão, Sr. Ministro, que, por ser técnica, admito que não me saiba dar uma resposta cabal, mas não posso deixar de a colocar.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente.
Todos os estudos, designadamente o do Centro de Energia das Ondas, apontam como normal para o tal offshore (ou exploração ao largo da costa) os 50 m de profundidade e fundamentam, justamente, os poucos impactos na actividade piscatória tradicional no facto de essa actividade se efectuar até aos 30 m. Mas, na realidade, a proposta do Governo prevê a exploração até aos 30 m. Porquê, Sr. Ministro?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Não prevê, não!

O Orador: — Prevê, sim! Basta ler a proposta do seu Governo.
A realidade é que todos os estudos, quer nacionais quer estrangeiros, referem os 50 m.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

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O Orador: — Gostava de saber qual é a razão de ser do que se prevê na proposta de lei, até porque, tanto quanto se sabe, quanto mais perto da costa, maiores serão os impactos ambientais e sociais.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Seguro Sanches.

O Sr. Jorge Seguro Sanches (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria iniciar esta minha intervenção por saudar o facto de começarmos com eficiência energética aqui, no Plenário. É uma luta que devemos travar quando falamos em energia.
Ao falarmos em energia deveríamos referir dois pontos: o primeiro tem a ver com a eficiência, que acabei de referir, e o segundo com as energias renováveis.
Esta energia renovável que o Governo aqui nos traz hoje é demasiado importante pelo que significa em termos de inovação e de possibilidade de crescimento da economia nacional nos próximos anos.
Mas não pensemos — senti um pouco isso, com o entusiasmo expresso por algumas das bancadas parlamentares — que temos aqui uma produção de energia que poderá chegar, a curto prazo, ao mesmo nível da energia eólica. Isso poderá acontecer a longo prazo, mas não neste momento. É algo que poderemos desenvolver e fazer crescer, em conjunto com as empresas portuguesas, em termos de economia, que é o que se está a fazer, por exemplo, no Mar do Norte, com os pipelines, que são construídos por empresas. É desta forma que conseguimos inovar.
Recentemente, realizou-se em Lisboa um congresso internacional precisamente sobre este tema e nesse debate, onde estavam presentes, sobretudo, cientistas, especialistas dos Estados Unidos da América, do Japão e do Mar do Norte, ficou claro que é preciso fazer aqui um crescimento muito grande.
Basta lembrar que Bill Gates dizia, nos anos 80, que um computador com um processador de 286 MHz era perfeitamente suficiente. Hoje, chegamos à conclusão de que não é! Registou-se aqui uma evolução muito grande.
Portanto, neste momento estamos a testar, e vamos ver o que acontece. À partida, as condições do mar português são fantásticas para o desenvolvimento da energia das ondas do mar. Mas não chega dizer que temos aqui a resolução dos nossos problemas, é preciso continuar a insistir nas energias renováveis, e é isso que este Governo tem feito.
Há pouco, o Sr. Deputado José Eduardo Martins falou nos biocombustíveis e eu queria dizer-lhe que o objectivo do governo de que o Sr. Deputado fez parte era de 5,7%, em 2010. O nosso é de 10%.
O Sr. Deputado José Eduardo Martins falou ainda nas hídricas, mas nos dois anos do governo do PSD não notámos que tivesse havido algum crescimento ou alguma aposta neste sector. Há, com este Governo, a clara aposta de chegar a níveis muito bons no desenvolvimento das hídricas. Mas não é apenas neste aspecto que tal se verifica, pois nas eólicas está à vista tudo o que tem sido feito.
Como tal, quero saudar esta iniciativa do Governo, que é importante em termos de agenda política, de inovação e de crescimento económico. Quanto à discussão desta proposta lei, quero salientar que há dois dias o Sr. Ministro esteve presente na Comissão Eventual para o Acompanhamento das Questões Energéticas e todos os grupos parlamentares tiveram a possibilidade de lhe colocar questões sobre política energética. Para além disso, no dia anterior, na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional foi debatida esta mesma proposta de lei e não senti, na altura, nenhuma das questões que hoje foram aqui colocadas.
De qualquer forma, queria salientar um ponto e «arrefecer» alguns ânimos. Há muito a evoluir neste domínio. Nos anos 40, previa-se que um computador pessoal pesaria cerca de 1 t. Vemos agora o que evoluímos nestes anos. Quanto à energia criada pelas ondas do mar, estou certo de que a evolução vai ser muito semelhante. De qualquer modo, penso que Portugal está, neste aspecto, ao nível dos países do norte da Europa e à frente da maioria dos demais.
Para terminar, lembro que em termos legislativos esta é uma proposta absolutamente inovadora. Se os Srs. Deputados verificarem o que se passa nos outros países da Europa e do mundo, constatarão que apenas no Chile há legislação sobre este tema. Como tal, estamos, neste aspecto, muito à frente dos outros países.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, interpelo a Mesa e procuro dotar o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares de todos os dados, por forma a desfazer a situação de vantagem em que me encontro, visto que li a proposta de lei. Ora, na pág. 11 desta iniciativa legislativa, no artigo 4.º, fala-se nos 30 m do offshore.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Não leu bem! Do que se fala é de profundidade

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superior a 30 m!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, começaria por esclarecer que, neste caso, represento o Ministério da Defesa, visto que nenhum dos Srs. Membros do Governo pertencentes ao Ministério da Defesa, responsável por esta proposta de autorização legislativa, se encontra no País.
Daí o facto de ser eu a fazer a apresentação desta proposta.
Saúdo e registo, em primeiro lugar, o acolhimento positivo e, aqui e ali, entusiástico a esta proposta de lei e também secundo as intervenções dos diferentes grupos parlamentares que chamaram a atenção para o que está aqui em causa, que é aquilo a que, em economia e na política de inovação, se chamam os efeitos de demonstração. Trata-se de uma zona piloto onde podemos testar e conjugar ao mesmo tempo as questões ambientais, energéticas, de desenvolvimento, de utilização dos recursos marítimos e ainda as questões do ordenamento da costa portuguesa. O que se espera desta zona piloto é o desenvolvimento de equipamentos e de actividades que tenham efeitos demonstrativos para os demais. Aqui confiamos, portanto, nas externalidades positivas, tanto do ponto de vista económico como ambiental, desta estratégia. Por isso mesmo, aliás, é que se trata de uma zona piloto, cuja localização se explica facilmente por esta razão.
Chamo, contudo, a atenção da Sr.ª Deputada Alda Macedo para o facto de esta proposta de lei ter em conta, nas disposições transitórias, as autorizações entretanto concedidas, designadamente para o projecto na Aguçadoura.
Por outro lado, estou de acordo com o Sr. Deputado Abel Baptista, cujas preocupações são iguais às nossas. De facto, a compatibilização destas actividades — a aquacultura, a pesca e o combate à erosão da costa portuguesa — é algo que preocupa o Governo e é uma das obrigações a que tem de se sujeitar a entidade gestora da zona piloto.
Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Madeira Lopes, começo por dizer que pode suscitar todas as questões técnicas que entender sobre as propostas que apresento. Chamo apenas a sua atenção para o seguinte: a nossa divergência decorre do facto de eu pensar que o Sr. Deputado estava a ler a proposta ao contrário. Na verdade, não se diz no texto que a zona piloto é o espaço marítimo até aos 30 m mas, sim, o espaço que tenha profundidade superior a 30 m, porque entre os 0 e os 30 m está justamente a zona de segurança da costa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro! Mas a zona com profundidade superior a 30 m é contígua à outra, ou não?!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — A zona piloto deveria ser considerada a partir dos 50 m de profundidade, Sr. Ministro!

O Orador: — Mas há uma divergência a que não gostaria de fugir. Trata-se de uma divergência muito funda do ponto de vista da concepção do Estado em matéria económica. Do nosso ponto de vista, o Estado tem funções essenciais: funções de orientação estratégica, representante como é da comunidade política organizada, funções de regulação e funções de prestação. Na nossa opinião, as funções de prestação do Estado não se encontram na área da economia mas, sim, na área social, educativa, cultural e ambiental.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Na área social?!

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Era bom, era!

O Orador: — Se me permitirem explicar o meu ponto de vista, direi que na área económica, as funções essenciais do Estado, para além da orientação estratégica e dos incentivos estratégicos, são de regulação. E estas funções cumprem-se de várias formas. Se se tratar de monopólios naturais, é necessário que haja uma influência pública sobre esses, sob pena de haver distorção da concorrência.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Mas não é o caso!

O Orador: — Não é, de facto, o caso! Se houver lugar à concessão a entidades não públicas de poderes próprios das entidades públicas, essa concessão tem de ser devidamente contratualizada e tem de haver instrumentos e institutos de regulação capazes de verificar se essas obrigações estão a ser cumpridas ou não. E se se tratar de entidades privadas, essa concessão só pode ser feita por concurso público. É isto que aqui se diz: se for uma entidade sujeita a influência pública, pode ser por ajuste directo, mas se for uma entidade privada,

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tem de existir um procedimento concursal, evidentemente.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Mas não deve ser uma entidade privada!

O Orador: — Se o Sr. Deputado Madeira Lopes me permitir fazer uso da sua expressão e adequá-la à nossa ordem do dia, direi que «não sei por que maré viva» deveríamos nacionalizar esta área.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, queira terminar.

O Orador: — Estou a terminar, Sr. Presidente.
Bem sei que a nacionalização do sector energético faz parte do programa do Bloco de Esquerda, mas não é isso que está aqui em causa.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Nem o pode fazer. A menos que queira sair da União Europeia!

O Orador: — O que está aqui em causa não é a protecção de empresas portuguesas contra empresas europeias, que seria uma violação de regras básicas do mercado europeu. O que está aqui em causa é a criação de uma zona piloto gerida por uma entidade que tem obrigações. Ora, se essa entidade for privada, tem de haver um procedimento concursal.

Aplausos do PS.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Já fora das ondas, nada!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 373/X — Princípios gerais para a prevenção da produção, a redução da perigosidade e a gestão de resíduos da construção e da demolição (PSD).
Para fazer a apresentação do diploma, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Almeida.

O Sr. Miguel Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os princípios aplicáveis à gestão, em geral, de qualquer tipo de resíduo apontam, antes de tudo, para a prevenção da sua produção e para a redução da sua nocividade. Tudo em ordem a poder vir a facilitar a sua reutilização, o seu reaproveitamento, a sua reciclagem ou eliminação final.
O alargamento do espectro das fileiras e dos fluxos de resíduos que vão sendo progressivamente objecto de métodos adequados de gestão — pela submissão a sistemas integrados de gestão ou por outros — é uma tendência que se tem vindo a afirmar ao nível global, mas, muito especialmente, ao nível da União Europeia e do direito comunitário do ambiente, bem como, por consequência, no plano do nosso ordenamento jurídico interno.
Neste alargamento do espectro das fileiras e dos fluxos de resíduos que vão sendo progressivamente objecto de métodos adequados de gestão, falta, contudo, ainda dar conta no nosso país do destino adequado aos resíduos da construção e da demolição (RCD). Sendo, para mais, o nosso país um Estado em que a indústria da construção civil e das obras públicas assume um lugar de proeminência entre as várias actividades económicas que nele se desenvolvem, incompreensível seria a inexistência de um regime legal que discipline a gestão dos resíduos produzidos por esta actividade.
Os resultados desta lacuna legal encontram-se, infelizmente, à vista de todos: basta passear um pouco pelo País para se assistir à multiplicação de deposições selváticas, descontroladas e absolutamente impunes deste tipo de resíduos. Situação que ainda menos sentido faz quando se sabe do potencial de reutilização, como matéria-prima, deste resíduo, mercê das tecnologias disponíveis.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As quantidades de resíduos da construção e da demolição que hoje em dia são produzidos no nosso país aproximam-se já, progressivamente, daquelas que se reportam aos resíduos sólidos urbanos ou aos resíduos industriais banais. Por isso, o reaproveitamento, a reciclagem ou o correcto encaminhamento para eliminação dão origem a um potencial e expressivo circuito económico, com inerentes mais-valias colectivas que, todavia, actualmente e pela aludida falta de um regime legal, acaba por ser totalmente desperdiçado, com custos ambientais e para a paisagem.
É, por isso, propósito primeiro da iniciativa que aqui ora apresentamos a esta Câmara a criação das adequadas condições para o nascimento e o florescimento de um novo mercado na economia nacional, salvaguardando, ao mesmo tempo, a saúde, o ambiente e a paisagem nacional. E, para tanto, entendemos que a alavancagem desse mercado deverá ser protagonizada pelos organismos públicos, não apenas por serem estes sistematicamente clientes e «encomendantes» de empreitadas e grandes obras, como pelo facto de, por essa via, constituírem os dinamizadores por excelência também deste mercado, levando à indução de comportamentos e atitudes nos agentes económicos que visam, ao fim e ao cabo, o bem comum e a prossecução dos mais nobres e urgentes interesses públicos.

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Por isso, a presente iniciativa impõe a apresentação pelos interessados e a aceitação pela Administração Pública, como condição prévia para a emissão do respectivo licenciamento ou autorização, de um projecto — denominado plano — adequado para a gestão dos resíduos originados tanto com a realização de qualquer obra de construção civil como, inclusive, com as derrocadas e demolições, ficando exceptuados os casos de catástrofes naturais. Apenas as obras legalmente classificadas como de pequena dimensão poderão ser subtraídas a este regime, devendo, ainda assim, ser apresentada em alternativa a previsão de um local no respectivo estaleiro para a deposição dos resíduos separados por materiais e desde que seja previamente indicado à Administração Pública o encaminhamento a dar aos mesmos.
A prestação, pelos requerentes de obras, de uma caução à entidade licenciadora assegura que, em qualquer caso, estarão sempre garantidas as condições necessárias para um correcto destino a dar aos resíduos da construção e da demolição.
Estimulam-se também todos os comportamentos tendentes a uma gestão racional deste tipo de resíduos tanto nas relações entre entidades privadas como entre estas e as entidades públicas. Para tanto, passam os critérios para a gestão dos resíduos da construção e da demolição a integrar os cadernos de encargos e as demais peças concursais em iniciativas públicas, bem como os respectivos contratos ou acordos, para além de passarem a potenciar desagravamentos nas taxas a cobrar pelos respectivos licenciamentos.
Neste âmbito, é também criada uma taxa de utilização mínima por obra de materiais recuperados e reciclados — a qual nunca será inferior a 10% e contribuirá para o sistema de pontuação na avaliação das propostas apresentadas a concurso —, com especial expressão no caso da construção de estradas e de asfaltos, devido à possibilidade da sua utilização como sub-bases.
Com vista a controlar a gestão em todas as fases do ciclo de vida dos produtos e substâncias da construção e demolição, são co-responsabilizados por essa gestão todos os agentes nela intervenientes.
E porque o legislador deverá observar sempre os princípios do equilíbrio, adequação, bom senso e proporcionalidade, incumbe-se o Governo de elaborar uma hierarquização de critérios para a classificação das obras e das operações, consoante a dimensão das mesmas e o número de trabalhadores que envolvem, com vista a racionalizar e adequar os níveis de exigência e das obrigações dos destinatários do presente regime.
Por fim, com vista a garantir uma plena eficácia na aplicação deste regime, o Governo fica também incumbido da elaboração de um manual de gestão dos resíduos da construção e da demolição, destinado, sobretudo, a orientar as escolhas e os comportamentos por parte dos particulares, bem como da promoção de um plano de formação nesta temática ao nível nacional, dirigido aos agentes económicos, seus quadros e às demais entidades que nisso demonstrem interesse.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta do Grupo Parlamentar do PSD pretende de forma responsável, humilde mas determinada, contribuir para a resolução de um dos graves problemas ambientais do nosso país. Esperamos que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não se deixe levar pela tentação de votar contra este diploma só porque é do PSD, com a justificação de que o Governo tem um decreto-lei pronto para aprovação. Há dois anos que o Sr. Ministro do Ambiente prometeu neste Parlamento prometeu que no mês seguinte teríamos nova legislação. Infelizmente para Portugal, passaram dois anos e continuamos na mesma.
Espera-se, pois, a mesma responsabilidade, humildade e determinação com que apresentamos esta proposta aos demais grupos parlamentares, para a resolução de problema e de um passivo ambiental que envergonha o País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saudamos o projecto de lei n.º 373/X, do Partido Social Democrata, apesar de considerarmos que há mais algumas situações que dele deveriam constar.
A construção é um dos sectores da economia que mais resíduos produz, se excluirmos o sector da produção de energia. Aliás, cerca de 80% dos resíduos de construção são produzidos por pequenas e médias empresas, o que mais dificulta o trabalho da sua redução, controlo e eliminação. De qualquer modo, estamos a falar de resíduos muito diversos — de vidro, metal, madeira, plástico ou, mesmo, de embalagens.
Em nosso entender, o projecto do PSD não faz referência a duas questões que, pensamos, são primordiais. A primeira é a ausência de qualquer referência aos fornecedores dos próprios materiais, não os obrigando ao cuidado necessário de proceder à recolha e ao encaminhamento de resíduos não utilizados na construção. Falamos, neste caso, de embalagens, mas também do excesso de produto que muitas vezes é fornecido ao construtor.
Por outro lado, não havendo ainda centrais de tratamento, de eliminação e de redução de resíduos da

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construção e da demolição, não estão previstos neste projecto parques de recolha, parques municipais, nomeadamente, que possam fazer o procedimento de armazenagem até eventual tratamento e eliminação desses resíduos. Gostaríamos, portanto, que o projecto viesse a ter essa indicação.
Finalmente, em termos de contra-ordenação, apenas foram formulados alguns princípios, não tendo sido estabelecidas as coimas, o seu destino e o seu montante. Se esta é uma matéria para regulamentar, entendemos que, nesta fase, deveria ser dado o seu conveniente encaminhamento e enquadramento.
Nesta medida, e uma vez que consideramos positiva a apresentação do projecto de lei ora em apreço, da nossa parte merecerá o seu acolhimento, mas gostaríamos de ver melhorado, na especialidade, muito do que hoje foi apresentado.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, discutimos uma iniciativa que visa introduzir um novo quadro legal no que toca ao tratamento dos resíduos de construção e demolição. Desta vez, o PSD propõe um regime que visa, segundo o seu projecto de lei, prevenir a produção, promover a redução da perigosidade e proceder ao correcto tratamento destes resíduos.
Já no passado dia 8 de Fevereiro, discutimos, nesta Assembleia, um projecto de lei do Partido Ecologista «Os Verdes» que se propunha corrigir os problemas que por aí se vão verificando no que toca ao tratamento destes resíduos, ou melhor, à sua deposição ilegal um pouco por todo o País.
O Partido Comunista Português, já nessa altura, manifestou apoio a essa iniciativa e reforça, hoje, a necessidade de que, efectivamente, se adapte o quadro legal no sentido da restrição dessas práticas de deposição de resíduos de construção em qualquer local, mais ou menos escondido, e do seu encaminhamento correcto para o tratamento possível e adequado, tendo em vista a sua reutilização, reciclagem ou correcta eliminação.
Registamos, no entanto, um conjunto de dúvidas em torno do projecto de lei que hoje discutimos. Se, por um lado, apresenta algumas propostas criativas sobre as quais merecerá certamente trabalhar, como a da implementação de um sistema de cauções, por outro, entra em clara contradição com a necessidade de desburocratização de processos em torno do licenciamento. O PSD parece ter, inclusivamente, esquecido que acabou de aprovar com o PS o novo regime de edificação e urbanização, que isenta de licenciamento uma vasta parcela das obras que agora quer agora incluir num diploma para os resíduos de construção e de demolição.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Bem lembrado!

O Orador: — Há, no mínimo, uma contradição.
Também não será possível ignorar alguns aspectos pouco claros deste projecto de lei, quer no que toca à forma como o PSD propõe que se proceda à verificação da entrega dos resíduos para devido tratamento, quer na forma como propõe a classificação das obras com base no número de trabalhadores envolvidos, ou mesmo no regime de taxas.
O PSD acaba por propor que o Governo oriente uma política de promoção da redução e tratamento de resíduos de construção e demolição com base num regime de taxas que venha punir uns e premiar outros. Ora, para nós, o incumprimento da lei deve ser punido rápida e exemplarmente e o cumprimento não é motivo para prémios.
É importante que se parta do princípio de que não existirão soluções milagrosas para o problema da produção e do tratamento dos resíduos de construção e demolição. Por isso mesmo, a fiscalização deve ser a trave mestra contra as práticas irresponsáveis que se vão verificando. O simples facto de fazer depender de certificação de entrega a devolução da caução não significa, de forma alguma, o fim dessas práticas, se elas continuarem a ser mais rentáveis do que o tratamento. Significaria, isso sim, a criação de um mercado de certificações ilegais que encobriria a realidade perante a lei, mas não perante a natureza.
A situação merece, pois, a maior preocupação por parte de todos. Não pode continuar a verificar-se o estado de desrespeito sistemático, a deposição ilegal de entulhos em qualquer beira de estrada. Para isto, ouvimos há meses e meses o Governo anunciar um tal de decreto-lei. A julgar pelo comportamento permissivo, ausente e inconsequente do Governo, principalmente na área da fiscalização, não se lhe augura um bom futuro. É a segunda vez que o Governo perde a oportunidade de acompanhar a Assembleia da República, insistindo em ultrapassar estas iniciativas através do anúncio da sua iniciativa, que tarda em mostrar-se.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Antunes.

O Sr. Horácio Antunes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 373/X, do PSD, pretende alterar a estratégia de gestão de resíduos de construção e demolição, uma vez que os diplomas nada referiam quanto ao encaminhamento e à responsabilização da triagem e do conhecimento em concreto destes materiais por parte das câmaras municipais, o que facilitava o depósito clandestino dos mesmos e em condições ambientalmente desadequadas.
A gestão dos resíduos de construção e demolição estava, até há pouco tempo, enquadrada no Decreto-Lei n.º 239/97 (actualmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 178/2006), o qual estabelecia as regras a que fica sujeita a gestão de resíduos, designadamente em matéria de recolha, transporte, armazenagem, tratamento, valorização e eliminação, reconhecendo-se, no entanto; que as especificidades da produção e gestão dos resíduos dificultavam, nalguns casos, a aplicação das disposições deste diploma legal, bem como das portarias que lhe estavam associadas, tornando-se cada vez mais evidente a necessidade de um regime específico para a gestão do fluxo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Ministério das Obras Públicas iniciou, no passado dia 3, junto das entidades parceiras ligadas ao sector da construção e obras públicas, o processo de consulta relativa à nova versão do Código dos Contratos Públicos, aprovado em Conselho de Ministros, que estabelece a disciplina aplicável à contratação pública.
Visa simplificar toda a tramitação associada à contratação pública reunindo num único código toda a legislação dispersa relativa à empreitada de obras públicas, à aquisição de bens e serviços e às empreitadas e aquisições no âmbito dos sectores especiais e vários outros diplomas avulsos relativos à contratação pública, garantindo, ainda, a transposição das Directivas comunitárias n.os 2004/17 e 2004/18.
O Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional tem em curso um projecto de decreto-lei que estabelece o regime jurídico da gestão dos resíduos de construção e demolição, em conjugação com o novo Código da Contratação Pública e o novo regime jurídico do licenciamento das obras particulares.
O diploma estabelece as normas técnicas relativas às operações de gestão de resíduos de construção e demolição, em concretização do disposto no artigo 20.° do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, garantindo a aplicação ao fluxo de RCD das políticas de redução, reutilização e reciclagem dos resíduos; prevê que a reutilização de materiais em obra e a utilização de materiais reciclados de resíduos de construção e demolição seja privilegiada no âmbito dos programas de concurso para concepção e/ou construção de empreitadas de obras públicas; prevê a aprovação de especificações técnicas relativas à utilização dos resíduos em diferentes tipos de materiais de construção; prevê a reutilização de solos e rochas não contendo substâncias perigosas, derivados de actividades de construção, na obra de origem, noutras obras, bem como na recuperação ambiental e paisagística de pedreiras e na cobertura de aterros destinados a resíduos ou, ainda, em local licenciado pelas câmaras municipais; obriga à existência em obra de sistemas de triagem ou, alternativamente, ao encaminhamento para um operador de gestão licenciado para realização dessas operações; condiciona a deposição dos resíduos em aterro a uma triagem prévia, contribuindo para um incremento da reciclagem ou de outras formas de valorização dos resíduos; ajusta o valor da taxa de gestão de resíduos relativa à deposição em aterro de inertes de resíduos às especificidades do mercado potencial para reutilização dos mesmos; prevê, ainda, uma cadeia de responsabilidades que vincula quer os donos de obra e os empreiteiros quer as câmaras municipais. Estas responsabilidades foram devidamente integradas nos diplomas que se encontram em processo legislativo relativos ao regime jurídico do licenciamento das obras particulares e ao Código da Contratação Pública.
Assim, estabelece-se, para as obras públicas, a necessidade de um plano de prevenção e gestão de resíduos, da responsabilidade do dono da obra, e institui-se, para as obras públicas e particulares sujeitas a licenciamento ou autorização, a obrigatoriedade do registo de dados de RCD, acompanhado dos certificados de recepção destes resíduos, instrumentos que condicionam os actos administrativos associados ao início e à conclusão das obras.
O referido diploma prevê, ainda, a obrigatoriedade de os produtores e de os operadores de gestão de RCD se registarem no âmbito do Sistema Integrado de Registo Electrónico de Resíduos (SIRER).
De forma a obviar os problemas manifestados pelo sector relativamente à utilização do guia de acompanhamento de resíduos, previsto na Portaria n.º 335/97, de 16 de Maio, são definidas guias de transporte dos resíduos que têm em conta as respectivas especificidades.
Com o regime proposto pelos diplomas do Governo, as obras públicas não poderão realizar-se sem a elaboração de um plano de prevenção e gestão de resíduos, de construção e demolição, nem poderão ser recebidas sem se demonstrar, através de vistoria, o bom cumprimento dos planos de gestão de resíduos.
Portanto, o projecto de lei do PSD não inova relativamente aos aspectos tratados na iniciativa legislativa do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, denotando uma falta de articulação com os diversos procedimentos já instituídos, designadamente no que se refere aos regimes jurídicos do licenciamento das obras públicas e das obras particulares.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Face ao exposto, consideramos que a proposta do PSD é demasiado incompleta, deixando enormes lacunas na problemática do tratamento dos resíduos de construção e demolição.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fazendo a apreciação do projecto de lei sobre resíduos de construção e de demolição que o PSD nos apresentou, devo dizer que ele tem alguns factos inovadores que, ao contrário do que parece defender o Partido Socialista, funcionam como uma pressão em relação a compromissos longamente adiados da parte do Governo no sentido de legislar um quadro jurídico sobre esta matéria que urge introduzir no nosso país.
Na verdade, este projecto de lei traduz-se num contributo importante ao nível da responsabilização dos donos de obra pela implementação dos planos de gestão de resíduos, assim como em relação à obrigatoriedade de as obras públicas terem uma taxa mínima de materiais recuperados e reciclados.
Porém, o projecto tem lacunas muito grandes. Devo dizer que há ausências que devem ser devidamente ponderadas, o que significa que não resolve na totalidade as necessidades, do ponto de vista de um quadro legislativo, para lidar com um problema muito pesado no nosso ordenamento e ambiente, sobretudo tendo em conta a natureza dos resíduos de que estamos a falar.
Na verdade, o problema central — para o qual o Instituto Nacional de Resíduos tem vindo a alertar — deveria ser o da triagem dos resíduos na sua origem, o qual não está contemplado no projecto de lei do PSD. Isto é, qualquer plano de obra, de gestão de resíduos de obra tem de obrigar o dono da obra a garantir a triagem, à partida, dos diferentes resíduos.
Devo lembrar as Sr.as e os Srs. Deputados que estão contabilizados cerca de 20 000 materiais diferentes, tanto de substâncias orgânicas como inorgânicas, uns perigosos e outros banais, que têm de ter tratamentos e encaminhamentos diferenciados desde a sua origem. É que, repito, há inertes não perigosos e outros que o são.
Portugal está, a este nível, na «cauda» dos países europeus. Devo dizer-lhes que, em Portugal, o Instituto Nacional de Resíduos estima haver mais de 95% de resíduos de construção e demolição que são, pura e simplesmente, depositados em aterros, muitas vezes clandestinos e deparamo-nos com alguns deles quando há incêndios florestais.
A segunda razão para esta classificação tem a ver com o facto de os aterros que estão devidamente licenciados estarem a chegar a um ponto de saturação por terem vindo a receber sistematicamente esta quantidade de resíduos.
Portanto, o trabalho de legislação precisa de ser mais desenvolvido do que este, porque, para além da questão da triagem, a demolição selectiva também não está contemplada no projecto de lei do PSD, uma vez que a própria demolição tem de ser selectiva para permitir a triagem desde o início.
O projecto de lei é também muito vago em relação à existência de uma entidade gestora. Na verdade, ele aponta para potenciais gestores de resíduos, mas é preciso que haja uma entidade gestora que faça o encaminhamento destes conforme a sua natureza, perigosidade e potencial de reutilização ou de reciclagem.
Portanto, há um trabalho que precisa de ser feito em torno deste projecto.
Antes de terminar, não queria deixar de dizer que o projecto é importante, representa um passo importante. Apesar das debilidades que tenho vindo a apontar, do ponto de vista do reconhecimento de uma lacuna extraordinária que temos no nosso quadro legislativo sobre o tratamento de resíduos, ele representa um esforço importante, até porque precisamos de uma boa lei sobre esta matéria.
Assim, o Bloco de Esquerda viabilizará este projecto de lei, sabendo que, em sede de especialidade na comissão, há muito trabalho a fazer em torno do mesmo. Este pode ser o princípio de uma boa lei, se houver capacidade de reconhecer que esta iniciativa da Assembleia da República é importante, e o Partido Socialista não pode deixar de fazer esse reconhecimento.
Cabe à Assembleia da República ter este papel, sendo que a Assembleia da República tem competência e responsabilidade políticas, bem como a capacidade para trabalhar esta iniciativa do PSD no sentido de produzir uma lei importante para resolver esta lacuna que existe hoje no nosso quadro legislativo.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Saraiva.

O Sr. Álvaro Saraiva (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, o projecto de lei n.º 373/X, apresentado pelo Partido Social Democrata, cujo objectivo é o de criar princípios gerais para a prevenção da produção a redução da perigosidade e a gestão de resíduos da construção e

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da demolição.
Os Verdes consideram que o facto de o Partido Social Democrata ter apresentado esta proposta, passados sete meses de termos discutido uma proposta apresentada por Os Verdes, que versava a mesma matéria, é sinal de que o assunto merece preocupação e atenção por parte dos partidos da oposição, ao contrário do Partido Socialista, que continua a «assobiar para o lado».
Para Os Verdes, uma estratégia de gestão de resíduos tem como primeira premissa aumentar os níveis de reciclagem e de reutilização de todos os resíduos susceptíveis desse tipo de tratamento. Para este efeito, é importante, senão imprescindível, que o ponto de partida para um tratamento eficaz seja a operação de triagem, assim como o conhecimento do tipo e a quantidade de resíduos a tratar.
Todos sabemos que, em Portugal, o destino da quase maioria deste tipo de resíduos são os aterros, quando se cumprem as regras. Mas quantas vezes não vimos já a deposição indevida deste tipo de resíduos na própria berma da estrada. Aliás, na nossa opinião, a falta de legislação é um factor de motivação para que os prevaricadores continuem a deposição selvática.
Os Verdes apresentaram, em Fevereiro, o projecto de lei n.º 9/X, sobre esta matéria, que, no essencial, ia no sentido de alterar o Decreto-Lei n.º 555/99, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação, no entanto, só passados dois anos é que este diploma foi discutido e votado nesta Câmara.
Relativamente a esta matéria, convém fazer um pouco de história. Já na IX Legislatura, Os Verdes apresentaram o projecto de lei n.º 497/IX, que propunha alterar o Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, e o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, no que toca à estratégia de gestão de resíduos de construção e demolição, uma vez que estes diplomas nada referiam quanto ao encaminhamento e responsabilização no que se refere à triagem e quanto ao conhecimento concreto destes materiais por parte das câmaras municipais. Esta iniciativa viria a caducar com o fim prematuro da IX Legislatura.
No início da presente Legislatura, como já o dissemos, voltámos a apresentar um novo projecto de lei sobre a mesma matéria, o qual foi rejeitado, em votação, a 15 de Fevereiro do corrente ano.
Quando apresentámos o projecto de lei, a nossa convicção era a de que estávamos a prestar um bom serviço ao ambiente e ao País e que as alterações introduzidas no Decreto-Lei n.º 555/99 iriam contribuir com novos mecanismos na gestão urbanística dos municípios e haveria um maior controle. Assim não entendeu o Partido Socialista e, usando o argumento de que o Governo estava a preparar legislação sobre esta matéria, chumbou o nosso projecto de lei.
Passado todo este tempo, continuamos à espera. Já vamos numa segunda proposta sobre esta matéria, o Partido Socialista continua a preparar o seu projecto de lei e de certeza que vai continuar a preparar o seu projecto.
Sr.as e Srs. Deputados, queremos deixar registado que estamos de acordo, na generalidade, com o projecto de lei apresentado pelo PSD, que agora discutimos.
Os Verdes manifestam, desde já, disponibilidade para, em sede de comissão, contribuírem para o enriquecimento desta legislação, peça fundamental para a preservação do ambiente, mais um instrumento para pôr em prática a política dos três R.

Vozes do PCP e do BE: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 373/X, resta-me informar que a próxima sessão plenária se realiza quarta-feira, dia 18, com início às 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia e período da ordem do dia, que será preenchido com a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 143/X — Aprova a orgânica da Polícia Judiciária, a que se seguirá a discussão, também na generalidade, da proposta de lei n.º 145/X — Altera o Decreto-Lei n.º 84/99, de 19 de Março, relativo à liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública.
Está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
José Augusto Clemente de Carvalho
Manuel Alegre de Melo Duarte
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Pedro Nuno de Oliveira Santos

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Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Susana da Silva Guimarães Neves

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Mário Henrique de Almeida Santos David
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Santana Lopes
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
Glória Maria da Silva Araújo
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Fernando Mimoso Negrão
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Luís Miguel Pais Antunes
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa

Partido Popular (CDS-PP):
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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