O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

I SÉRIE — NÚMERO 90

64

rendimentos faziam-no em segurança fora do país; as mais pobres faziam-no em condições inacreditáveis, em

«vãos de escada» e por vezes morriam.

A primeira semelhança é que existe uma componente redistributiva como consequência da atual

criminalização. São os doentes de mais recursos que têm acesso a clínicas em países europeus para o suicídio

assistido e a eutanásia, ou que têm acesso a bons cuidados paliativos em hospitais privados portugueses. Os

de menos recursos têm acesso às condições que o SNS consegue dar e que não são, por razões

compreensíveis de limitações de recursos públicos, as melhores. A segunda é que, não sendo legal, não é

regulada, não havendo a distinção entre aquela que deve ser permitida e a que não deve ser. Concordo com

aqueles que afirmam que o que não deve acontecer é a sedação paliativa degenerar em eutanásia clandestina.

Pois suspeito que tal já acontece e a forma de não acontecer é aprovar e regulamentar uma lei sobre a eutanásia

e não criminalizá-la sem limites.

A quarta das críticas prende-se com a falta de legitimidade democrática da Assembleia da República para

discutir o tema, uma vez que, segundo estes críticos, nenhum dos partidos políticos que agora apresentam

projetos de lei teria colocado a questão no seu programa eleitoral ou levado a debate esta questão no quadro

da campanha eleitoral de 2015, pelo que a opinião soberana dos eleitores não teria sido auscultada.

Temos de rebater esta crítica em três pontos essenciais. Em primeiro lugar, importa sublinhar que o programa

eleitoral do PAN, apresentado no âmbito da campanha eleitoral para as eleições legislativas de 2015, propunha

trazer a eutanásia «à discussão, de modo a que se venha a definir se um/a cidadão/ã lúcido/a deve ou não, por

razões se saúde, poder decidir terminar a sua vida», prometendo fazê-lo por via da criação de fóruns de

discussão e pela abertura ao debate sobre a legalização da eutanásia em Portugal.

Sobre o sentido das palavras inseridas no programa eleitoral só o próprio PAN se pode pronunciar, mas

parece-me que, ao prometer a abertura da discussão sobre a eutanásia em Portugal por via da abertura do

debate, tal só pode ser entendido, tendo em conta que estamos perante um programa eleitoral e não um mero

manifesto ou programa político de um partido, no quadro da discussão institucional na Assembleia da República,

como órgão com competência exclusiva na matéria. No quadro institucional, a única forma que um partido tem

para lançar um debate consequente sobre este tema é precisamente o projeto de lei, tendo sido isso que o PAN

fez, sendo que as boas práticas parlamentares apontam para que, uma vez que uma iniciativa legislativa

relevante seja lançada por um partido, os restantes partidos políticos apresentem projetos alternativos que

consagrem a sua visão sobre o tema, conste ela ou não do respetivo programa eleitoral.

Em segundo lugar, importa referir que, não obstante o facto de o PAN ter colocado a questão no programa

eleitoral — assegurando, assim, de forma clara a legitimidade democrática que tanto preocupa os críticos da

eutanásia —, durante a atual legislatura, em 2016, o Movimento Cívico «Direito a Morrer com Dignidade»

entregou a petição n.º 103/XIII (1.ª) (subscrita por 8427 cidadãos, de entre os quais alguns Deputados do PS,

do BE e do PSD e até pelo atual líder do PSD) que exortava os Deputados e grupos parlamentares «a discutir

e promover as iniciativas legislativas necessárias à despenalização da morte assistida». Naturalmente, em

conformidade com o procedimento legalmente previsto, a petição mereceu uma profunda e transparente

discussão no quadro da Assembleia da República, com várias audições, culminando com a aprovação de um

relatório sobre a questão e com a discussão da petição em Plenário. Note-se, de resto, que à luz do artigo 19.º,

n.º 1, alínea c), da Lei do Exercício do Direito de Petição (Lei n.º 43/90, de 10 de agosto) um dos muitos efeitos

que este tipo de mecanismos pode desencadear, seguindo a interpretação de Jorge Miranda e Pedro Machete3,

é precisamente a possibilidade de, na sequência de todo este processo de discussão, haver a elaboração por

qualquer Deputado ou por qualquer grupo parlamentar de um projeto lei que se mostre justificado a dar resposta

à questão colocada pela sociedade civil por via de petição.

Assim, se legitimidade não houvesse pela ausência de referência ao tema nos programas eleitorais do PS,

do BE e do PEV ela foi garantida por esta importante petição e por todo o processo que lhe sucedeu, que

asseguraram um importante debate do tema na Assembleia da República (conforme, de resto, referem os

preâmbulos dos projetos de lei do PAN e do PAN).

Em terceiro lugar, é importante notar que o tema da despenalização da eutanásia mereceu um profundo

debate no plano interno do PS e do BE. Por um lado, no PS, em 2017, por proposta de Isabel Moreira e Maria

Antónia Almeida Santos, a Comissão Nacional (órgão máximo entre congressos) debateu e aprovou uma moção

3 Jorge Miranda e Pedro Machete, anotação ao artigo 52.º in Jorge Miranda e Rui Medeiros, «Constituição Portuguesa Anotada», tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, páginas 1026 e 1027.

Páginas Relacionadas
Página 0057:
30 DE MAIO DE 2018 57 O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr. Deputad
Pág.Página 57