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Sexta-feira, 22 de novembro de 2019 I Série — Número 9
XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)
REUNIÃOPLENÁRIADE21DENOVEMBRODE 2019
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita Ana Sofia Ferreira Araújo
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 2 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os 81 a 85, 88 e 90/XIV/1.ª, do Projeto de Deliberação n.º 2/XIV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 70 a 76 e 78 a 82/XIV/1.ª.
Ao abrigo do artigo 73.º do Regimento, procedeu-se a um debate temático, requerido pelo Grupo Parlamentar do PS, sobre transição digital.
Após o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares (BE) ter interpelado a Mesa sobre a não presença do Governo, abriu o debate o Deputado Porfírio Silva (PS), tendo-se seguido nouso da palavra, a diverso título, os Deputados Hugo Martins
de Carvalho (PSD), Luís Monteiro (BE), Filipa Roseta (PSD), Hugo Costa (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Bruno Dias (PCP), Mariana Silva (PEV), Filipe Pacheco (PS), José Moura Soeiro (BE), Isabel Lopes (PSD) e Eduardo Barroco de Melo (PS).
A encerrar o debate, intervieram os Deputados Mariana Silva (PEV), Cristina Rodrigues (PAN), João Pinho de Almeida (CDS-PP), João Oliveira (PCP), Isabel Pires (BE), Afonso Oliveira (PSD) e Carlos Pereira (PS).
O Presidente encerrou a sessão eram 16 horas e 50 minutos.
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O Sr. Presidente: — Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Sr.as Funcionárias e Srs. Funcionários, Sr.as
Jornalistas e Srs. Jornalistas, vamos dar início à sessão plenária.
Eram 15 horas e 2 minutos.
Peço aos Srs. Agentes da autoridade para abrirem as portas das galerias ao público.
Na ordem do dia de hoje vamos realizar um debate temático, requerido pelo Grupo Parlamentar do PS, sobre
transição digital, mas, antes, a Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha fará o favor de nos prestar algumas
informações, enquanto aguardamos a presença do Governo.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa,
e foram admitidos pelo Sr. Presidente, os seguintes projetos de lei: n.º 81/XIV/1.ª (BE) — Determina a
obrigatoriedade de análise à presença de glifosato na água destinada ao consumo humano (terceira alteração
ao regime da qualidade da água destinada ao consumo humano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 306/2007, de
27 de agosto), que baixa à 7.ª Comissão; n.º 82/XIV/1.ª (BE) — Proíbe a aplicação de produtos contendo
glifosato em zonas urbanas, zonas de lazer e vias de comunicação (Segunda alteração à Lei n.º 26/2013, de 11
de abril), que baixa à 7.ª Comissão; n.º 83/XIV/1.ª (BE) — Proíbe o uso não profissional de produtos contendo
glifosato (Primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 101/2009, de 11 de maio e terceira alteração ao Decreto-Lei n.º
173/2005, de 21 de outubro), que baixa à 7.ª Comissão; n.º 84/XIV/1.ª (BE) — Estabelece o regime para a
nacionalização dos CTT, que baixa à 6.ª Comissão; n.º 85/XIV/1.ª (BE) — Contabilização de dias de serviço
para efeitos de proteção social dos docentes colocados em horários incompletos, que baixa à 8.ª Comissão; n.º
88/XIV/1.ª (PS) — Reforça a proteção de advogados em matéria de parentalidade ou doença grave, alterando
o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal, que baixa à 1.ª Comissão; e n.º 90/XIV/1.ª (PAN) —
Prevê a melhoria do sistema de identificação do fim funcional de equídeos com vista à sua proteção, que baixa
à 7.ª Comissão.
Deu, ainda, entrada na Mesa, e foi admitido pelo Sr. Presidente, o Projeto de Deliberação n.º 2/XIV/1.ª (CDS-
PP) — Sessão evocativa do dia 25 de Novembro, que baixa à 1.ª Comissão.
Por fim, deram entrada na Mesa, e foram igualmente admitidos pelo Sr. Presidente, os seguintes projetos de
resolução: n.º 70/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que proponha ao Presidente da República a
atribuição da Ordem da Liberdade às personalidades que contribuíram decisivamente para o triunfo da
democracia e da liberdade a 25 de Novembro de 1975, que baixa à 1.ª Comissão; n.º 71/XIV/1.ª (BE) —
Recomenda ao Governo a abolição de portagens na A28, que baixa à 6.ª Comissão; n.º 72/XIV/1.ª (BE) —
Recomenda ao Governo que proceda à requalificação urgente da estrada nacional n.º 225, que baixa à 6.ª
Comissão; n.º 73/XIV/1.ª (CDS-PP) — Pelo cumprimento da Constituição da República Portuguesa e do Código
do Trabalho no respeito e valorização da Comissão Permanente de Concertação Social no aumento da
retribuição mínima mensal garantida, que baixa à 10.ª Comissão; n.º 74/XIV/1.ª (BE) — Criação de locais de
acolhimento de animais selvagens e de animais de quinta e respetivo quadro jurídico, que baixa à 7.ª Comissão;
n.º 75/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que crie uma rede de apoio familiar e promova o estudo e
o debate para uma política de família e de natalidade, que baixa à 10.ª Comissão; n.º 76/XIV/1.ª (BE) — Reforço
da oferta pública na área da hemodiálise, que baixa à 9.ª Comissão; n.º 78/XIV/1.ª (BE) — Valorização do
Conselho Nacional para a Proteção de Animais Utilizados para Fins Científicos, que baixa à 7.ª Comissão; n.º
79/XIV/1.ª (BE) — Pelo fim do financiamento público das culturas agrícolas intensivas e superintensivas e aposta
na transição ecológica, que baixa à 7.ª Comissão; n.º 80/XIV/1.ª (CDS-PP) — Para uma política integrada de
natalidade e de valorização da família, que baixa à 10.ª Comissão; n.º 81/XIV/1.ª (PS) — Consagra o dia 31 de
março como Dia da Memória das Vítimas da Inquisição, que baixa à 12.ª Comissão; e n.º 82/XIV/1.ª (PAN) —
Recomenda ao Governo a criação de um enquadramento jurídico para os locais de acolhimento de animais de
quinta e de animais selvagens (PAN), que baixa à 7.ª Comissão.
Terminei, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha, por este esforço e pela
capacidade de nos fazer entender a todos o que poderá vir a estar na ordem do dia daqui a algum tempo.
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Vou, agora, dar a palavra ao Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, que se inscreveu para uma interpelação à
Mesa.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, a minha interpelação à Mesa sobre a condução dos
trabalhos é para questionar o seguinte: tendo este debate e outros debates temáticos sido agendados para esta
semana e para a próxima, em Conferência de Líderes onde o Governo teve assento, e fazendo parte desse
agendamento a perspetiva do que aconteceu em todos, repito, em todos os debates temáticos da anterior
Legislatura,…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para sintetizar, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — … gostava de saber se o Sr. Presidente tem informação sobre se o
Governo estará ou não presente neste debate.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, não tenho qualquer informação sobre isso nem tinha de ter, visto que o
Governo tem a faculdade de participar nestes debates, mas não tem a obrigação de o fazer.
Vamos, portanto, iniciar o debate…
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, peço desculpa, se me permite…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, peço-lhe para não estendermos muito este pequeno
incidente.
Tem a palavra.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, a dimensão do incidente é um aspeto subjetivo do
entendimento de cada um de nós. Do nosso ponto de vista, uma mudança de postura do Governo para com a
Assembleia não é um menor incidente, e temos a expectativa de que o debate temático de amanhã, sobre o
PREVPAP (Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública), algo
que é da responsabilidade do Governo, tenha correspondência na presença do Governo, a exemplo dos debates
que tiveram lugar na anterior Legislatura, caso contrário, antecipo, desde já, que iremos lavrar um protesto.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já todos percebemos a sua intenção.
Eu próprio, quando abri os trabalhos e pedi à Sr.ª Secretária para dar conta do expediente, estava convicto
de que o Governo viria, porque, aliás, a iniciativa deste debate temático é do partido que apoia o Governo. Mas,
como o Governo não veio, limitei-me a consultar o Regimento e a concluir que o Governo tem a faculdade de
participar nos debates e, portanto, vem ou não, conforme entende, não tendo de dar qualquer justificação.
Vamos, então, iniciar o debate temático, requerido pelo PS, sobre transição digital, para o que tem a palavra
o Sr. Deputado Porfírio Silva.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Trazer a debate a transição
digital é assumir aqui um desafio estratégico inscrito no programa eleitoral pelo qual se fizeram eleger os
Deputados do PS, pelo qual nos sentimos responsáveis como parlamentares.
Este debate não é sobre tecnologia. A transição digital não remete para cenários de determinismo
tecnológico, remete, sim, para desafios societais, envolvendo complexidade e incerteza, que devemos encarar
com recurso ao melhor conhecimento disponível, ao debate democrático e à determinação política de não deixar
para amanhã o que deve ser feito hoje.
Certamente, um vetor importante da transição digital passa pela economia. Foram as empresas mais
inovadoras e mais abertas à concorrência internacional que alicerçaram o nosso crescimento económico, e são
também essas as que mais valorizam o trabalho.
Mas mesmo a economia privada mais inovadora precisa de outros ingredientes.
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Precisamos de aprofundar o caminho de investimento no conhecimento e nas qualificações; de lançar um
amplo programa de digitalização para as escolas, aliado à digitalização de instrumentos pedagógicos e à
promoção de modelos de aprendizagem ativos e ligados à experimentação; de reforçar o investimento em
ciência e inovação; de aprovar uma lei da programação do investimento em ciência, com um horizonte temporal
alargado; de continuar a valorizar o emprego científico; de desburocratizar mais o enquadramento dos centros
e projetos de investigação; de continuar a reforçar a educação de adultos; de matar o mito de que temos
licenciados a mais e continuar a alargar o ensino superior a novos públicos, designadamente adultos ativos, e
estimular novas estratégias de qualificação, aproveitando, nomeadamente, todo o potencial do novo regime de
ensino à distância.
Temos de investir as ferramentas do digital também num Estado mais moderno, em melhores serviços
públicos, numa Administração Pública mais ágil, mais forte e mais focada no cidadão. Isto é possível, como
mostram os 28 projetos de investigação aplicada em ciência dos dados e inteligência artificial na Administração
Pública, já em desenvolvimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O digital terá um forte impacto no trabalho. Destruirá uns empregos, criará
outros. A conectividade omnipresente, como base de novas formas de negócio, mobiliza consumidores, mas
também compra força de trabalho, fugindo vezes demais à regulação do Estado social de direito. Uma multidão
de indivíduos isolados e anónimos, face a empregadores sem rosto, é o inferno da desproteção absoluta do
trabalho. A desregulação e a precariedade são inimigas da qualificação e da inovação e, portanto, são tão
inimigas de uma sociedade decente como de uma economia robusta. Contra isso temos de mobilizar a
legislação, a concertação social e o reforço dos mecanismos de fiscalização das condições de trabalho.
Não há inovação tecnológica ou económica sustentável sem inovação social. Por isso, precisamos de inovar
também ao nível das instituições. Exemplo notável são os laboratórios colaborativos, 26 dos quais já
reconhecidos, que, indo além do velho conceito de transferência de conhecimento, operam uma verdadeira
cocriação de conhecimento, envolvendo a ciência, a academia e as organizações sociais e económicas no
desenvolvimento de agendas de investigação e inovação viradas para a criação de valor económico e social e
para a democratização do acesso dos territórios ao conhecimento.
Aplausos do PS.
Temos de prosseguir essa linha de inovação institucional, por exemplo promovendo a criação de laboratórios
de experimentação de tecnologias emergentes, abertos ao Estado e às empresas.
Trabalhamos para uma transição digital inclusiva. No quadro do INCoDe.2030, diversas ações respondem a
esse desiderato, como o projeto Comunidades Criativas para a Inclusão Digital, as competências digitais para a
população prisional, a formação ou requalificação de graduados desempregados em competências digitais, as
incubadoras de iniciativas de inclusão, a formação de mentores para a inclusão digital e a ação para diminuir a
desigualdade de género nos domínios digitais.
O Governo inscreveu no seu programa a criação de uma «Carta de Cidadania Digital», que consagre os
direitos dos cidadãos no mundo digital. Apoiamos esse rumo e acrescentamos que o Grupo Parlamentar do PS
vai revisitar o projeto apresentado na anterior Legislatura para uma «Carta de Direitos Fundamentais na Era
Digital»,…
Aplausos do PS.
… porque é nossa responsabilidade trabalhar para que a proteção jurídica dos direitos, liberdades e garantias
não seja corroída por novos poderes fáticos que, na esfera global, usam as novíssimas tecnologias para
condicionar a vida em comunidade fora do escrutínio democrático, realidade da qual o legislador não pode
alhear-se.
Não vivemos isolados. Temos de pensar global. Num mundo onde o autoritarismo digital é a nova face de
velhas tendências totalitárias, precisamos de aproveitar também a próxima presidência portuguesa da União
Europeia para promover, à escala global, uma transição digital democrática, respeitadora dos direitos e das
liberdades e orientada para o progresso social, porque, na transição digital jogamos muito do que somos como
civilização.
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa regista a inscrição de um Deputado para formular pedidos de
esclarecimentos.
Assim, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Hugo Carvalho, do Grupo Parlamentar do
PSD.
O Sr. Hugo Martins de Carvalho (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados e Sr. Deputado
Porfírio Silva, concordamos quando diz que o debate é sobre pessoas, mas discordamos quando diz que não é
sobre tecnologia, porque facilmente é sobre tecnologia.
Facilmente falaríamos aqui de blockchain, computação quântica, de economia de dados, de 5G, tudo
tecnologias em que Portugal depende de outros países que as dominam, sendo que alguns desses países,
como disse também, não têm gosto pela democracia.
Enquanto apenas 4% dos dados armazenados no mundo estão armazenados na União Europeia, enquanto
da Europa nos chegam relatos sobre o risco da instalação de rede 5G com tecnologia controlada por países em
que democracia e direitos humanos são tabus, temos a União Europeia, por um lado, a discutir sobre a sua
autonomia estratégica digital e o Governo, por outro lado, simplesmente discute a quem e quando entrega a
concessão da rede 5G em Portugal.
Não devíamos apostar no nosso próprio armazenamento? Devíamos ou não apostar na nossa segurança e
em liderar tecnologias novas? E, se sim, quais delas, afinal? Como queremos que Portugal se coloque neste
debate?
Sr. Deputado, o debate sobre a transição digital não pode ser sobre uns que a acompanham e outros que
ficam para trás.
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Muito bem!
O Sr. Hugo Martins de Carvalho (PSD): — Precisamos de trazer todas as pessoas para essa realidade, e
o Governo pode fazê-lo.
O Governo pode fazê-lo se, finalmente, garantir que ninguém é excluído do acesso à internet por razões
socioeconómicas ou por razões geográficas; pode fazê-lo se, finalmente, investir no parque tecnológico das
escolas que ainda estão à espera do equipamento; pode fazê-lo se decidir ensinar programação aos jovens que
temos nas escolas ou se decidir dar competências digitais a quem as quer e a quem precisa delas; pode fazê-
lo se ajudar as empresas a fazer esta transição, em vez de lhes dizer que têm mais este fundo a que se podem
candidatar, que têm mais este mecanismo financeiro a que se podem candidatar, quando depois os cativa e não
atribui verbas a ninguém. As pessoas, e as empresas também, precisam de ser apoiadas, não precisam de ser
candidatas a mais e mais coisas.
Saúdo o Partido Socialista por ter trazido este debate a Plenário, mas não posso deixar de lamentar que o
Governo o tenha ignorado.
Aplausos do PSD.
Esperava-se de um Governo que elege o digital como prioridade, hoje, nesta tarde, num debate que se faz
na Assembleia da República sobre o digital, que não estivesse offline…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.
O Sr. Hugo Martins de Carvalho (PSD): — … e que não fosse um Governo virtual. O pior que pode
acontecer é que esta transição seja proclamatória apenas,…
O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.
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O Sr. Hugo Martins de Carvalho (PSD): — … e que apenas escrevamos muitas vezes no Programa do
Governo «apoiar e promover» e poucas vezes «fazer», quando e como.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Porfírio Silva, a Mesa regista uma segunda inscrição para a formulação
de pedidos de esclarecimento.
Como deseja responder?
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, responderei em conjunto.
O Sr. Presidente: — Assim, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Luís Monteiro.
O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Porfírio Silva, ouvimos
com atenção a intervenção de abertura deste debate que teve oportunidade de fazer na tribuna e permita-me
salientar dois aspetos que, para nós, são essenciais: o primeiro é uma questão pertinente sobre o aumento do
investimento em ciência e inovação e o outro é a valorização do emprego científico. Era importante, tanto num
tema como no outro, que o Governo passasse das palavras às ações.
Sobre o investimento em ciência e inovação, na semana passada, tivemos oportunidade de ler um conjunto
de notícias em que o Governo e o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior apresentaram um
aumento de verbas para o setor. Convém lembrar que o aumento de verbas que o Sr. Ministro propõe para os
próximos anos é menor do que aquele que aconteceu nos anos anteriores e, para além disso, não dá sequer
resposta àquilo que são — e cito — «as novas despesas das instituições de ensino superior, nomeadamente o
emprego científico».
É justamente por isso que salto para o emprego científico. Diz o Sr. Deputado Porfírio Silva que é importante
valorizar o emprego científico. Sobre o PREVPAP e sobre o facto de 97% dos requerimentos na área do emprego
científico terem sido chumbados por Governo e reitores, poderemos discutir amanhã.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Luís Monteiro (BE): — Mas é importante olhar para o caso dos docentes não remunerados das
instituições de ensino superior.
A reação que tivemos, por parte do Governo, em relação a esta matéria, foi a de dizer «o emprego não
remunerado nas instituições de ensino superior, nomeadamente de docentes que estão nessa condição, não
aumenta a precariedade». Estou a citar o Sr. Ministro, não estou a fazer uma interpretação criativa da posição
do Governo.
Sr. Deputado, deixaria, pois, duas questões.
A primeira questão é a seguinte: com os números do aumento em investimento em ciência e inovação
apresentados pelo Governo, como é que será possível, em 2023, atingir os 3%? Eu até iria mais longe:
precisaríamos de quatro décadas para recuperar o investimento que tínhamos em 2010, por exemplo.
É esse o objetivo do Governo no investimento em ciência e inovação?
A segunda pergunta…
O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Monteiro (BE): — Terminarei, Sr. Presidente.
Segunda pergunta: acompanha a posição do Ministro, quando diz que o trabalho não remunerado nas
instituições de ensino superior não aumenta a precariedade?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Porfírio Silva.
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O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados Hugo Carvalho e Luís Monteiro
as questões que colocaram.
Na verdade, Srs. Deputados, não estamos aqui para antecipar nem o debate de amanhã nem o debate do
Orçamento do Estado.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Então este debate foi marcado para quê? A questão é essa!
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Portanto, vou focar-me nas questões que dizem respeito ao debate que aqui
trouxemos hoje.
Este é um debate global. Sabemos que há muito a fazer, sabemos que o caminho andado tem de ser
continuado, mas não esquecemos o contributo do Partido Socialista, ao longo dos anos, para um conjunto de
políticas públicas que tornam possível a ambição que hoje temos.
Quem fez simplificação administrativa em Portugal? Nós!
Quem a parou? O PSD!
Quem arrancou com a política de ciência a sério no nosso País? Mariano Gago — penso que se lembra —,
ministro do PS!
Vozes do PS: — Bem lembrado!
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Quem é que, realmente, fez um grande investimento em tecnologias, em
dispositivos tecnológicos, nas escolas? Penso que se lembrará que foi o PS!
Temos de retomar, temos de fazer mais, temos de ir mais longe? Certamente! E é porque estamos convictos
de que é preciso fazer mais e de que há caminho para andar que estamos aqui e que propusemos este debate.
Se estão dispostos a ir a esse debate, então, vamos a ele, porque certamente é mais útil olhar para a floresta
do que esgotarmo-nos apenas a olhar para uma árvore.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Filipa Roseta, do Grupo
Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Cada um de nós, sentado
nesta Sala, vai ser avaliado pela capacidade de entender o que se está a passar, hoje, na sociedade digital, vai
ser avaliado não nas próximas eleições, mas pelas próximas gerações, que nos observam.
Por todo o lado multiplicam-se alertas. Os cidadãos estão a falar recorrendo a tecnologias do século XXI,
enquanto os Governos estão a ouvir usando tecnologias do século XX e a responder com soluções do século
XIX.
No programa apresentado pelo Partido Socialista, o desafio da transição digital falha, e falha por dois motivos:
falha, primeiro, porque é pouco ambicioso, ou simplesmente omisso, no estabelecimento e no compromisso
concreto, firmado em números, com metas e prazos; e falha, em segundo lugar, porque limita os desafios da
transição digital a uma discussão sobre como se irão distribuir os fundos europeus.
É certo que o montante de fundos europeus disponível para este efeito é elevado. É certo que a Presidente
da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, estabeleceu o compromisso de assegurar todos os fundos
necessários que teremos à nossa disposição para capacitar as pessoas com competências digitais,
nomeadamente no campo da inteligência artificial. É certo que temos à nossa disposição o mais ambicioso
programa de investigação de sempre, o Horizonte Europa, gerido pelo nosso ex-Comissário, Carlos Moedas.
Vozes do PSD: — Muito bem!
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A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Mas corremos um risco: no fim do frenesi da distribuição de fundos, pode não
ficar alteração significativa para as próximas gerações. É, por isso, determinante estabelecer compromissos com
metas e prazos.
Estabeleçam o compromisso, com metas e prazos, de fundar uma escola digital, uma escola digital para
todos — dos 0 aos 100 anos de idade —, menos focada em passar graus e mais determinada em desenvolver
competências.
Estabeleçam o compromisso de fundar uma escola digital que entende que a inovação pode vir de qualquer
pessoa, esteja ela no seu percurso escolar, académico ou científico, esteja ela desempregada há 10 anos, esteja
ela presa a um trabalho onde não vê possibilidade de progredir, esteja ela em casa, a tomar conta dos filhos ou
dos pais.
Estabeleçam o compromisso de fundar uma escola digital que garanta o objetivo de formar 10% da população
ativa até 2025, com as competências elementares das tecnologias digitais, particularmente da inteligência
artificial, uma escola digital que reúna num conselho fundador as melhores competências nacionais — do ensino
básico ao superior, do tecido empresarial, dos centros de investigação —, que seja um novo centro de
desenvolvimento potenciador da coesão territorial.
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Estabeleçam o compromisso de fundar uma escola digital que, promovendo
o conhecimento da língua inglesa, divulgue, multiplique e difunda a nossa cultura, através de plataformas globais
em língua portuguesa.
Estabeleçam o compromisso de fundar uma escola digital não para competir, mas para complementar o
sistema tradicional de ensino, onde nunca foi tão fundamental manter o enfoque nas competências
multidisciplinares, com rigor e exigência.
As competências multidisciplinares são a base de preparação de tudo, particularmente nos mercados de
trabalho ainda desconhecidos e são também a estrutura que permite aos nossos jovens ter pensamento crítico,
a última defesa da pessoa num mundo onde até os Governos espalham, com uma velocidade inédita, notícias
falsas.
Assumam o compromisso, com metas e prazos, para a plena digitalização do Estado até 2030. A tecnologia
digital é a arma de que precisamos para atacar de frente a burocracia e a corrupção, eliminando redundâncias,
introduzindo eficiência e, acima de tudo, introduzindo transparência!
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — O que a maioria dos empreendedores que não dependem dos subsídios
precisa é de que o Estado burocrático lhes saia da frente,…
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — … e que cumpra o seu papel, garantindo equidade e transparência, dando a
mão aos que ficam para trás.
O objetivo desta revolução tecnológica tem de ser, como sempre, o de melhorar a vida das pessoas, potenciar
o humano, sem o agredir nem substituir.
A Europa digital, meus amigos, não vai ser só o haver centenas de milhares de milhões em fundos para
distribuir por universidades e laboratórios. Nas movimentações geopolíticas mundiais a que assistimos, o nosso
espaço europeu, centrado na defesa da dignidade da pessoa, apresenta-se como a grande bandeira de
princípios éticos necessários à segurança e à salvaguarda de cada um dos nossos direitos, liberdades e
garantias fundamentais.
Nesta sociedade digital em que vivemos, a partilha de dados é a regra. Mas, atenção!, as redes e o lugar
onde se armazenam esses dados são o calcanhar de Aquiles.
Protestos do Deputado do PS Sérgio Sousa Pinto.
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Assegurem o compromisso, com metas e prazos, de cumprir a criação do espaço europeu de dados,
assegurando o cumprimento do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e potenciando o
armazenamento, em segurança, no espaço europeu.
Contrariamente ao que se verificou em revoluções anteriores, nesta, a escassez de recursos materiais ou a
nossa localização geográfica não são problemas estratégicos que nos impeçam de acompanhar o
desenvolvimento. Só é preciso coragem política para firmar, cumprir e estabelecer metas e prazos, muito além
de intenções!
Este é o caminho para alcançar o crescimento económico. Este é o caminho para melhorar substancialmente
os salários das pessoas e para anunciar aos nossos melhores talentos lá fora que este País também é para
quem quer ser mais.
Este é o caminho, mas precisamos de metas e prazos. Assumam compromissos e cumpram. Muito mais
importante do que falar, é preciso fazer. E não podemos perder esta oportunidade para levantar Portugal!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Filipa Roseta, a Mesa registou a inscrição de um Sr. Deputado para
formular um pedido de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Costa.
O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Filipa Roseta, em primeiro lugar, o Partido Socialista
gostaria de saber qual é, afinal, a proposta do PSD. Durante a sua intervenção, não ouvimos qualquer proposta.
Aplausos do PS.
Sr.ª Deputada, vou citar alguém que é muito caro à sua bancada: «Não cabe aos Governos dirigir a inovação
da economia». A Sr.ª Deputada sabe de quem é esta afirmação? É de Pedro Passos Coelho. É esta a visão do
PSD para a economia e para a inovação.
Aplausos do PS.
Sr.ª Deputada, gostaria também de lhe perguntar o seguinte: quem foram os responsáveis pelo atual quadro
comunitário que criticou? Quem foram os responsáveis, quem o negociou e quem o negociou com esta
burocracia? Quem foram os responsáveis?
Conforme já foi referido, o atual Governo apresenta, pela primeira vez na sua estrutura orgânica, uma pasta
na área digital. O PSD discorda dessa estratégia e dessa abordagem? Esta decisão, que o Partido Socialista
saúda, estabelece como desafio estratégico no Programa do Governo a transição digital. Será que o PSD
também discorda do facto de ela ser um desafio estratégico que consta do próprio Programa do Governo?
Conforme também já foi referido, esta é uma matéria necessariamente transversal. Mas olhemos para a
questão da economia e, sobre este tema, aproveito para lhe colocar algumas questões.
A Sr.ª Deputada, tipicamente na lógica do PSD em que só as empresas são defendidas pelo seu partido, não
refere resultados, mas eu pergunto-lhe que resultados teve o PSD durante quatro anos para apresentar na área
da economia.
Disse que o Partido Socialista não apresentava objetivos, mas eu digo-lhe que os objetivos, as metas, a que
o Partido Socialista se propõe são claras, possíveis e estão no Programa do Governo: alcançar um volume de
exportações equivalente a 50% do PIB na primeira metade da próxima década e atingir um investimento global
em I&D (investigação e desenvolvimento) de 3% do PIB em 2030. Isto está no Programa do Governo e a Sr.ª
Deputada não o referiu.
Este modelo de desenvolvimento é possível e será construído. Esperemos que o PSD nos ajude a construí-
lo.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Filipa Roseta.
A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Sr. Presidente, Caro Deputado, o grande problema é que estamos fartos de
conversa e precisamos que façam. Nós queremos metas e dados. Metas e dados é aquilo de que falei. Metas e
dados é 10% da população ativa com competências digitais de inteligência artificial até 2025. Metas e dados é
fundar uma escola digital permitindo o acesso de todos. Metas e dados é garantir a Europa digital. Metas e
dados é a digitalização do Estado até 2030. Isto é que são objetivos. Os 3% do PIB é pouco, nós teremos 5%
do PIB se potenciarmos, com cooperação e colaboração, com o setor privado, que é o que propomos como
alternativa.
Caro Deputado, sinceramente, só o PS para vir falar no passado num debate em que estamos a pensar o
futuro. Só o PS!
Aplausos do PSD.
Do que precisamos, de uma vez por todas, é que os senhores parem de apresentar desculpas e comecem a
apresentar soluções.
Aplausos do PSD.
O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Eh lá!…
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Monteiro, do Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista começou o debate
dizendo que este é um tema estratégico para o País. Neste momento, acho que é mais um tema estratégico
para o Partido Socialista do que para o País. Nós já percebemos bem a estratégia: criar a ideia de que no
«chapéu» da transição digital se vai discutir tudo, mas não se vai responder a nada.
Quando se fala em falta de remuneração de docentes, o Partido Socialista não responde, mas da tribuna diz:
«É preciso valorizar o trabalho científico». Quando se fala em falta de investimento no ensino superior e ciência,
o Partido Socialista não responde absolutamente nada. Sobre as metas do Partido Socialista, diz da tribuna:
«Nós vamos investir em ensino superior e ciência».
Srs. Deputados, nós já percebemos a estratégia do Partido Socialista: desviar os vários setores mais frágeis,
as suas políticas públicas e a falta de investimento público para o «chapéu» da transição digital. Mas, Srs.
Deputados, acho que essa é uma má estratégia, porque, quando quisermos discutir a precariedade no ensino
superior, vai ser o Sr. Ministro Manuel Heitor a responder por isso; quando quisermos discutir a falta de
investimento público na ciência e na tecnologia, vai ser o Sr. Ministro Manuel Heitor a responder por isso. Não
se esqueçam disso! Escusam de ensaiar este modelo de fazer de conta que vai tudo para o «chapéu» da
transição digital, para, assim, os Srs. Deputados do Partido Socialista também fazerem de conta que não têm
de responder a rigorosamente nada.
Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.
Se o debate estratégico é assim tão importante, então, poderiam começar por responder se concordam ou
não com a afirmação do Sr. Ministro do Ensino Superior que passo a citar: «O trabalho sem remuneração no
ensino superior não aumenta a precariedade». Concordam ou não concordam? Isto considera ou desconsidera
o conhecimento e a política pública para a valorização do conhecimento em Portugal?
Quando sabemos que, segundo os dados do aumento do investimento público nesta área apresentados pelo
Governo, precisaríamos de quatro décadas para recuperar o investimento que tínhamos em 2010, pergunto: isto
é valorizar ou desvalorizar as políticas do conhecimento em Portugal?
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Na verdade, o Partido Socialista não responde a nada. Quer abrir um «chapéu de chuva» para proteger um
conjunto de ministros mais frágeis, mas parece-me que esse «chapéu de chuva» está automaticamente furado.
Aplausos do BE.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — E propostas não há?!
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Monteiro, a Mesa não registou inscrições para pedidos de
esclarecimento.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista tem
toda a legitimidade para escolher o tema que entender para um debate temático. Acontece que, sendo esta uma
Câmara política, todos nós temos o direito político de interpretar e de nos posicionar sobre a escolha do Partido
Socialista. Portanto, não deixamos de achar extraordinário — e o tema da transição digital é muito relevante, já
lá iremos — que, quando há doentes sem acesso às urgências, alunos sem professores, forças de segurança
sem condições para exercer a autoridade e obras adiadas, o Partido Socialista ache que o tema fundamental
para discutir na Assembleia da República é a transição digital.
Protestos do PS.
Isto é esclarecedor das prioridades do Partido Socialista, mas, mais do que sobre as suas prioridades, é
muito esclarecedor sobre a sua forma de fazer política. É que, além de ter trazido este tema a debate e, como
já foi dito, ter menosprezado outros temas que são muito mais relevantes para o dia a dia das pessoas —, não
se digna sequer a garantir, uma vez que o debate foi promovido por si, que o Governo aqui esteja presente para
poder dizer o que efetivamente está a fazer nesta matéria.
Protestos do PS.
Também é muito importante constatar o tom da intervenção inicial do Partido Socialista. O Partido Socialista
contextualizou a transição digital como algo complexo e incerto. Essa é toda uma visão! Olhar para a transição
digital como algo complexo e incerto faz lembrar aqueles debates do final dos anos 80 de quem falava da internet
como se fosse um bicho de sete cabeças e de quem perdeu completamente o comboio por não ter entendido
que, com as mudanças tecnológicas, a posição não deve ser de reacionarismo mas de perceber, efetivamente,
como podemos utilizá-las para ganhar competitividade.
O que temos de procurar na transição digital não é perceber como é que lidamos com ela, é perceber como
é que ela nos pode ser útil para conquistarmos a competitividade que não conquistámos de outra maneira.
Este tipo de transições são oportunidades e não são, como o Partido Socialista nos quer fazer parecer,
problemas com os quais temos de lidar e que nos assustam de uma forma tremenda. Temos de perceber que a
transição digital, para um País como Portugal, pode ser uma forma de conseguirmos aquilo que não
conseguimos de outra maneira.
Esta matéria coloca desafios, mas são desafios e não problemas. Aliás, coloca, desde logo, um desafio a
que este Governo não consegue dar reposta, porque, em matéria de transição digital, na avaliação comparada
com os outros Estados europeus, estamos em 18.º lugar, num total de 28 países, ou seja, estamos na segunda
metade. Qual é o pior indicador para Portugal, dos cinco que a União Europeia avalia? É o capital humano. Isto
é, o nosso principal problema em relação à transição digital é o de não termos preparação do ponto de vista das
pessoas, do acesso que têm à realidade digital e, principalmente, da capacidade que têm, em contexto laboral,
para se adaptarem e serem parte dela.
Ser parte da transição digital não é vê-la como uma ameaça. Como é que dizia o Sr. Deputado Porfírio Silva?
Dizia que é necessário mobilizar legislação para proteger os trabalhadores da transição digital? Sr. Deputado,
se quiser mobilizar legislação para proteger os trabalhadores da transição digital, o que vai acontecer é que a
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transição existe para as empresas e não existe para as pessoas. Portanto, esse seria um falhanço tremendo —
o qual já está visível na avaliação que fizeram de Portugal — e que tem de ser invertido.
De facto, foram Governos do Partido Socialista que distribuíram computadores nas escolas e, veja lá, quase
20 anos depois, aquilo em que estamos pior é na capacidade de os portugueses lidarem com a realidade digital,
porque o que foi feito foi show-off, não foi formação efetiva das pessoas. Do ponto de vista da capacidade das
pessoas, não há um acréscimo que nos permita estar na linha da frente da preparação dos cidadãos para lidarem
com a realidade digital.
Por isso, Sr. Deputado, também é importante saber o que está a ser feito, por exemplo, ao nível da formação
profissional, tema que desapareceu completamente da sua intervenção.
Se queremos que os trabalhadores portugueses estejam em condições de lidar com a transição digital como
uma oportunidade e não como uma ameaça, obviamente que temos de os preparar para lidarem com isso.
Sabemos que temos indústrias de mão de obra intensiva e sabemos que a transição digital lhes vai tirar postos
de trabalho tradicionais. O que é que está a ser feito pelo Governo para que estas pessoas que exercem funções
na indústria tradicional, em postos de trabalho ligados à mão de obra intensiva, possam capacitar-se de modo
a que, num contexto de transição digital, tenham utilidade e possam ver valorizado o seu papel? Não é com
legislação que essa situação se combate, é com formação profissional e com a capacitação dos trabalhadores
para que possam adaptar-se à nova realidade.
Por outro lado, o que a transição digital nos traz como desafio é algo em que o Estado é totalmente
responsável: a cibersegurança. O tema da cibersegurança também não passou minimamente pela intervenção
do Sr. Deputado. Na transição digital, o que sabemos é que os sistemas são cada vez mais abertos, a informação
está cada vez mais dispersa, a exposição é cada vez maior e há ameaças aos sistemas de informação, muitas
vezes delicados, da Administração Pública. Por isso, é importante sabermos o que é que este Governo vai fazer,
do ponto de vista da cibersegurança, para nos garantir que os sistemas da Administração Pública, bem como a
informação que lá consta, estão, efetivamente, protegidos.
Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.
Além disso, Sr. Deputado, para falar de transição digital convém falar mesmo do que está em causa. O
Governo não está presente, mas, como o Partido Socialista ainda dispõe de tempo, coloco uma pergunta sobre
eficiência do Estado e automação, blockchain, como já aqui foi falado. Vamos ou não evoluir para esse tipo de
tecnologia? Havendo evolução global dos pagamentos digitais, porque é que Portugal é um dos poucos países
do mundo que tem um monopólio nesta matéria e em que os pagamentos digitais podem ser feitos apenas por
uma plataforma e são cobrados aos cidadãos? Por que motivo não há uma liberalização desse mercado para
que outros operadores possam concorrer com aquele que detém o monopólio?
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado. Já ultrapassou o tempo de que dispunha.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
É muito interessante ouvir o Partido Socialista falar de transição digital e nós vermos, quando vamos às
repartições públicas, computadores do século passado.
O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Quando é que o Partido Socialista investe para que haja, desde
logo, uma capacidade de hardware para essa transição digital?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado João Pinho de Almeida, inscreveu-se, para um pedido de esclarecimentos,
o Sr. Deputado Porfírio Silva, embora já não disponha de tempo para lhe responder. No entanto, o Sr. Deputado
insiste em fazê-lo, mesmo sabendo que não vai obter resposta.
Tem a palavra, Sr. Deputado Porfírio Silva.
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O Sr. PorfírioSilva (PS): — Sr. Presidente, sei que o Sr. Deputado João Almeida gastou todo o tempo de
que dispunha para não ter de responder, mas faço a pergunta de qualquer maneira.
A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): — O PS pode ceder-nos tempo!
O Sr. PorfírioSilva (PS): — Uma vez que diz que nada foi feito, o Sr. Deputado tem alguma explicação para
o facto de Portugal fazer parte do D9, que é o grupo dos nove países, no mundo, que têm os serviços públicos
mais digitalizados ao serviço dos cidadãos? Como é que não fizemos nada e estamos no D9?
Aplausos do PS.
Protestos do CDS-PP.
O Sr. JoãoPinhodeAlmeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. JoãoPinhodeAlmeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa sobre a condução dos
trabalhos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. JoãoPinhodeAlmeida (CDS-PP): — O Partido Socialista invocou o facto de o CDS ter usado todo o
tempo de que dispunha para não poder responder.
É uma prática e uma praxe parlamentar saudável que quem pergunta conceda tempo para a resposta, a não
ser que não queira ter resposta.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Não, não! O normal é saber gerir os tempos!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — O PS pode dar-nos tempo!
O Sr. Presidente: — A prática parlamentar normal é respeitar os tempos de cada partido.
O PSD acaba de informar a Mesa, a posteriori — podia tê-lo feito antes —, que concede 1 minuto do seu
tempo ao CDS.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — A posteriori não! Foi quando a questão surgiu!
O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida para responder.
O Sr. JoãoPinhodeAlmeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, queria, em primeiro lugar, agradecer ao Grupo
Parlamentar do PSD a cedência de tempo, porque, pior do que gastar tempo a fazer uma intervenção, que é
algo perfeitamente legítimo, é fazer uma pergunta sabendo que não se vai ter resposta. Correu-lhe mal, Sr.
Deputado! Correu-lhe mal, pois vai ter resposta!
Sabe porque é que Portugal está no D9? É porque, como sempre, sendo liderado por um Governo do Partido
Socialista, o País preocupa-se muito mais com a imagem e com o efeito do que, efetivamente, com a capacitação
das pessoas.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr. Deputado.
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O Sr. JoãoPinhodeAlmeida (CDS-PP): — Os senhores, para os portugueses, fizeram zero; para efeito de
imagem europeia, põem-se num comboio que não têm qualquer capacidade de acompanhar.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo
Parlamentar do PCP.
O Sr. BrunoDias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Da parte do PCP, queremos sublinhar
uma questão crucial para o futuro do nosso País, da nossa economia e até da nossa soberania, que é a questão
dos setores produtivos e da produção nacional nesta matéria da transição digital tal como é apresentada, a
questão de defender e promover o nosso aparelho produtivo — analisando os impactos da economia digital
setor a setor, potenciando os recursos do País, qualificando e integrando as suas forças produtivas, defendendo
o emprego com direitos.
O que se exige é um incremento substancial do investimento público e privado; uma profunda alteração na
gestão dos fundos comunitários e nas políticas de formação, investigação e desenvolvimento tecnológico,
crédito, energia e comércio externo; uma reversão das privatizações e a recuperação para o setor público dos
setores básicos e estratégicos; e uma definição de estratégia para a economia digital, no respeito pelo quadro
constitucional em todas as suas vertentes e dimensões.
A valorização do trabalho e dos trabalhadores tem de ser matriz obrigatória na aplicação das novas
tecnologias. Invariavelmente, essas flexibilidades traduziram-se, afinal, em precariedade e desemprego, mas o
progresso e o desenvolvimento só se conseguem respeitando os direitos dos trabalhadores e a sua participação.
É uma evidência que o avanço das forças produtivas é, em si mesmo, altamente desejável, e o nosso País
bem precisa desse avanço. Poderia enumerar-se um conjunto de vantagens que são oportunidades para
promover o desenvolvimento de todos e de cada dos povos e dos países, mas o progresso tecnológico tem de
ser acompanhado por um progresso social e político que não se tem verificado. Aliás, acontece o contrário: ele
é cada vez mais pretexto para novas e mais perigosas ofensivas, para novas e mais amplas extorsões. E este
é um problema central, o da apropriação dos ganhos do desenvolvimento tecnológico pelo capital monopolista
e multinacional. Uma apropriação que se alarga às mais diversas áreas da nossa vida coletiva, nomeadamente
através de patentes e da propriedade intelectual, que se traduzem em reais bloqueios na transferência e
disseminação do conhecimento.
Há avanços tecnológicos a operarem-se a grande velocidade e com impactos significativos na organização
do trabalho e na sociedade, com previsíveis desenvolvimentos num futuro próximo.
Que o capital espera e deseja ganhos potenciais de milhares de milhões com a aplicação da tecnologia e do
desenvolvimento dessa «sociedade do algoritmo» e do robot à custa dos postos de trabalho de milhões de
trabalhadores em todo o mundo, não é difícil de imaginar. Mas os povos não têm apenas de acompanhar os
seus desejos e a sua solução do «não há alternativa». Há política e solução para defender os interesses gerais
e assegurar trabalho para todos, com direitos laborais e sociais.
A questão é que, com ou sem aplicação de progressos tecnológicos, eles têm sido pretexto, em nome da
competitividade, da concorrência, da globalização e da internacionalização, para impor cada vez mais uma
política de exploração da força do trabalho e do empobrecimento geral.
É por isso que este debate é também sobre salários, horários, direitos, contratação coletiva e sobre a
necessidade, a possibilidade e a importância para a economia do aumento geral dos salários e da redução da
jornada de trabalho para as 35 horas nos vários setores.
Ou os Srs. Deputados consideram que essa «transição digital» é, afinal, o caminho mais rápido para uma
concentração de riqueza e exploração sem precedentes? Ou consideram que os trabalhadores altamente
qualificados, na sua maioria jovens licenciados, que tiveram de emigrar para a Alemanha, a França, o Reino
Unido, trabalhando hoje em setores tecnológicos ou de incorporação tecnológica intensiva, foram para lá porque
eram pouco qualificados?
Quando os senhores falam do teletrabalho como meio de flexibilidade da prestação do trabalho e para a
conciliação entre trabalho e vida familiar ou de incentivos para a deslocalização de postos de trabalho, importa
lembrar que os trabalhadores já ouviram muitas vezes essa história.
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Como sempre temos afirmado, as tecnologias em si mesmas não são boas nem más, a questão é a de saber
que objetivos servem e que interesses beneficiam. E a vida concreta, com a evolução da economia portuguesa,
ao longo dos últimos anos, veio confirmar que uma mais justa repartição da riqueza e o respeito pelos direitos
dos trabalhadores são uma condição para o desenvolvimento económico e social.
A questão que se coloca para o nosso futuro coletivo é a de saber se o desenvolvimento tecnológico é
apropriado por uma minoria cada vez mais restrita e que tenderá a centralizar nela ainda mais poder e valor, se
é apropriado ao serviço do ser humano e o do desenvolvimento geral, se serve para libertar o homem ou para
uma minoria exercer o seu domínio, controlo e subjugação, se está ao serviço de alguns e não dos trabalhadores
e dos povos.
As tecnologias são a oportunidade para criar riqueza e distribuí-la, são uma componente essencial no
programa de desenvolvimento do País que preconizamos para combater as suas fragilidades, a sua
dependência, os défices estruturais, as debilidades dos seus setores económicos, o elevado desemprego, as
nossas insuficientes respostas sociais.
É por isso que, para o PCP, é indispensável sublinhar que a transição digital não pode ser uma digitalização
das desigualdades, da exploração, da concentração da riqueza. É no quadro de uma outra política — uma que
defenda os direitos de quem trabalha, uma vida melhor para as pessoas, a soberania e o desenvolvimento do
nosso País — que essa não direi transição mas transformação pode e deve ser concretizada.
É disso que falamos quando falamos de política alternativa, patriótica e de esquerda.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Bruno Dias, a Mesa não registou inscrições para pedidos de
esclarecimento.
Assim, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Grupo Parlamentar do Partido
Ecologista «Os Verdes».
A Sr.ª MarianaSilva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um País a olhar para o futuro e para
o seu desenvolvimento, com o contributo da inovação, da criatividade e da automação, leva-nos para uma
dimensão de ilusão e de esperança sobre as potencialidades de um mundo novo — mais prático, mais eficiente,
mais moderno —, sobre as imensas possibilidades para o crescimento económico, sobre a criação de melhores
condições para os trabalhadores e sobre o mundo idílico em que os seres humanos têm, finalmente, tempo para
viver.
Assim, a riqueza que todos os extraordinários avanços da ciência e da técnica que, até hoje, a capacidade
humana foi capaz de engendrar, e todos os que, seguramente, ainda por aí vêm, será repartida por todos e não
ficará toda agarrada às mãos, aos bolsos, aos imensos luxos de alguns poucos.
Falo de ilusão e esperança porque uma parte significativa do País tem grande debilidade de acesso à
cobertura da rede móvel e da internet. Quantos de nós não se confrontaram já com a insegurança de um prazo
para cumprir e não ser possível confirmar um dado ou submeter um formulário porque a internet não chega ao
sítio onde estamos nesse momento? Quantos de nós não andámos já a dançar na casa de um familiar ou amigo
porque só naquele cantinho é que era possível fazer uma chamada? A atual distribuição de cobertura é incapaz
de assegurar de forma equitativa o acesso ao serviço de telecomunicações em todo o território nacional. Há
uma clara discriminação geográfica quando o desenvolvimento do País se faz a diferentes velocidades.
Fala-se de modernidade e do acesso de todos ao futuro que todos os dias nos bate à porta. Em Lisboa,
investem-se rios de dinheiro e o País orgulha-se da Web Summit, mesmo que o trabalho de centenas de jovens,
que aí asseguraram serviços, não tenha sido pago.
O Sr. JoséLuísFerreira (PEV): — Bem lembrado!
A Sr.ª MarianaSilva (PEV): — Não se investe nos meios, nos serviços públicos, na criação de emprego e
este desinvestimento no interior provoca o desinteresse das populações em fixarem-se.
Ironicamente, a desmaterialização dos serviços públicos só complica a vida dos agricultores. Por exemplo,
um agricultor com 85 anos, ao coletar-se para vender uma couve ou receber o subsídio para a agricultura
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familiar, é obrigado a aderir à ViaCTT para receber notificações oficiais. Como é que recebe notificações oficiais
se não tem acesso à internet na sua área de habitação e meios e os conhecimentos necessários para o fazer?
Ilusão e esperança, sim, Srs. Deputados. Nesta Assembleia, foi aprovado um diploma, por proposta do
Partido Ecologista «Os Verdes», sobre a desmaterialização dos manuais escolares, que prevê que se
abandonem, gradualmente, os materiais em papel e se diminua o peso das mochilas dos estudantes. Isso é o
concreto da digitalização que, ao mesmo tempo, introduziria melhorias para o ambiente. Questionamos o que
feito ou concretizado até hoje para cumprir este diploma.
Ilusão e esperança tão visível nos elevados graus de precariedade de todos os trabalhadores e,
particularmente, dos trabalhadores intelectuais e dos quadros técnicos, dos investigadores, daqueles que
poderiam dar ao País o suporte do futuro. Não é por acaso que centenas de milhares deles têm de procurar vida
melhor no estrangeiro. Que empenhamento tem um trabalhador e que incentivo tem um investigador se não
sabe se amanhã vai ter contrato ou mesmo dinheiro para assegurar as suas necessidades básicas?
Para não termos só ilusão e esperança, seria importante perceber se, com esta transição digital, é garantido
que os investigadores vão ser respeitados e vão deixar de andar de mão estendida, sem saber quando será o
próximo financiamento. Será garantido que os aumentos de produtividade que a automação e robotização trará
se traduzirão num importante salto para as 35 horas para todos?
Também importa saber o que fará o Governo para assegurar que todos os trabalhadores tenham acesso a
formação obrigatória, prevista no Código do Trabalho e na contratação coletiva.
Para isso, é preciso, em primeiro lugar, começar por atacar a precariedade e não a legalizar, pois as
empresas não têm interesse em dar formação a trabalhadores que entram hoje e saem amanhã.
Por último, ficamos à aguardar que o Governo elabore uma calendarização para que todo o território
português esteja coberto por rede móvel e internet de modo a que o País possa fazer a transição digital sem
que ninguém fique de fora.
Aplausos do PEV e do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Filipe Pacheco, do Grupo
Parlamentar do PS.
O Sr. FilipePacheco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todos percebemos, nesta Sala, a
dimensão da oportunidade e o potencial de mudança que a transição digital oferece ao nosso País. Mas este
processo não pode ser exclusivo das empresas, pois oferece uma das mais poderosas oportunidades de
melhoria e simplificação dos serviços da Administração Pública.
E foi por isso que, em 2017, o Governo aprovou a TIC 2020 — Estratégia para a Transformação Digital na
Administração Pública, que orienta todas as áreas governativas para a implementação de princípios de
modernização administrativa.
Refiro um exemplo muito simples: porque é que um estudante tem de pedir todos os anos uma declaração
de matrícula para ter direito ao seu passe?
O Sr. JoãoPinhodeAlmeida (CDS-PP): — Boa pergunta!
O Sr. FilipePacheco (PS): — Se um organismo do Estado já tem essa informação, então não faz sentido
que ela seja novamente pedida, e isso está em vias de resolução.
Mas outro fator fundamental nesta transição digital é a aposta na inovação. É por isso que, também no
Estado, é essencial a valorização da ciência de dados e da inteligência artificial. E, ao contrário do que a Sr.ª
Deputada Filipa Roseta disse, isso já está a acontecer. Estão em pleno desenvolvimento vários projetos, entre
a comunidade científica e a Administração Pública, destinados a melhorar a prestação dos serviços públicos.
Aplausos do PS.
Esses projetos permitem, por exemplo, a previsão de procura de urgências hospitalares e a análise de perfis
de risco de desempregados de longa duração, para, assim, desenharmos respostas preventivas.
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Já agora, respondo aos Srs. Deputados Hugo Carvalho e João Almeida dizendo-lhes que também foi com o
Governo do Partido Socialista que, há três anos, aconteceu a primeira experiência de blockchain na
Administração Pública.
Aplausos do PS.
Mas falar de modernização e inovação é falar também daquela que é a principal marca das governações do
Partido Socialista nesta área, o Simplex, um programa único, com uma estratégia integrada, de simplificação da
vida das pessoas, de criação de um melhor ambiente para as empresas e de aumento da eficiência da
Administração Pública.
O Simplex concretizará um grande desígnio do Programa do Governo: o de assumir que, ao longo da próxima
Legislatura, os 25 serviços mais utilizados pelos cidadãos e pelas empresas serão desmaterializados,
simplificados e acessíveis online.
Mas isso terá de ser acompanhado sempre pelo contínuo alargamento da rede de Espaços Cidadão, que
são mais de 600 espalhados por todo o País, para que a transição para o online seja compensada por um canal
presencial, porque ninguém pode ficar para trás!
Para o Partido Socialista, a modernização não pode ser feita, nunca será feita, sem consciência social!
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para nós, a verdadeira reforma do Estado é a de modernizá-lo.
Rejeitamos a resposta da direita, que quer menos Estado, que por isso não aposta nos serviços públicos e
que, quando esteve no poder, a única marca que deixou nesta área foi a de ter terminado com o programa
Simplex.
Vozes do PS: — Exatamente!
O Sr. Filipe Pacheco (PS): — A resposta do Partido Socialista é a de apostar na crescente qualificação e
transformação digital da Administração Pública, o que já permitiu que Portugal, como referiu o Sr. Deputado
Porfírio Silva, faça hoje parte do D9, o grupo dos 9 países mais avançados do mundo em matéria de governo
digital.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda,
o Sr. Deputado José Moura Soeiro.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Certamente estamos todos de
acordo em que o progresso tecnológico deve ser um instrumento para facilitar a vida das pessoas, para
desburocratizar serviços, para permitir um maior acesso à informação, para diminuir as desigualdades
territoriais. E poderia e deveria ser também uma oportunidade para melhorarmos as próprias condições de
trabalho, para diminuirmos a penosidade do trabalho que hoje se faz e para utilizarmos essa maior capacidade
produtiva em inovação, para trabalharmos menos horas, para conquistarmos esses ganhos civilizacionais, para
darmos mais direitos a quem trabalha e não precarizarmos.
Sabemos, contudo, que há dinâmicas de suposta inovação, inovação digital, que tem sido pretexto para
«deslaboralizar» relações de trabalho e para transformar patrões em supostos clientes e trabalhadores em
supostos profissionais liberais ou prestadores de serviços, fazendo com que as relações de trabalho sejam
atiradas para fora do Direito do Trabalho, para fora do contrato social e também para fora do edifício de direitos
que fomos construindo ao longo das últimas décadas. Esse é, naturalmente, o caso dos fenómenos da
«uberização» das relações de trabalho.
É impossível fazer este debate sem tocar neste ponto. Como é impossível fazer este debate sem atendermos
às formas através das quais as novas tecnologias estão a ser utlizadas também para prolongar horários de
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trabalho, num contexto em que deveriam servir para reduzir o horário de trabalho e dar às pessoas mais tempo
para viverem.
Em Portugal, 40% da população empregada — e esta é uma notícia de há dois dias sobre um inquérito feito
pelo INE — afirma ter sido contactada durante o seu período de descanso e, desses, 650 000 trabalhadores
foram mesmo forçados a trabalhar fora do seu horário, na sequência destes contactos feitos através das novas
tecnologias, contactos feitos pelos empregadores fora do horário de trabalho.
Em Portugal, 30% dos trabalhadores dizem, neste último inquérito, trabalhar sob um ambiente de pressão
permanente.
O que verificamos, de facto, é que o tempo pessoal dos trabalhadores, o tempo livre de quem trabalha está
a ser frequentemente invadido por solicitações permanentes por parte dos empregadores, está a ser colonizado
por uma espécie de hiperconectividade, que viola o tempo de descanso, que contribui para os fenómenos de
burnout, de esgotamento, e que põe em causa a vida privada e familiar. E os dispositivos de comunicação — o
e-mail e o telemóvel — têm sido também utilizados para isso.
É por isso que nós, ao fazermos este debate, temos, evidente e obrigatoriamente, de falar sobre o reforço da
fiscalização, mas também sobre os sinais legislativos que precisamos de dar para sinalizar estes problemas.
As novas tecnologias de informação e de comunicação devem ser postas ao serviço das pessoas e não
devem transformar-se numa espécie de coleiras eletrónicas, utilizadas pelas empresas para invadirem o tempo
de descanso de quem trabalha.
O Partido Socialista sinaliza esta questão no seu projeto sobre a Carta de Direitos Fundamentais na Era
Digital, mas fá-lo de um modo errado e perverso, que, aliás, a ser concretizado como propõe o Partido Socialista,
seria um recuo inaceitável que fragilizaria o direito ao descanso dos trabalhadores. Porquê? Porque o Partido
Socialista não prevê um dever de desconexão por parte das empresas, mas prevê precisamente dar cobertura
normativa à invasão do tempo de descanso dos trabalhadores.
É que, onde hoje é claro que fora do seu tempo de trabalho os trabalhadores não têm qualquer obrigação de
responder às solicitações patronais, o Partido Socialista quer regular esse tipo de contactos. E, ao procurar
regular o que hoje, sendo embora prática comum, a lei não aceita, a proposta do Partido Socialista tem o efeito
perverso de legitimar a conexão por parte das empresas, legalizando, na prática, esta incursão patronal pelo
tempo de descanso dos trabalhadores, pelo tempo livre, que passa a ser transformado numa espécie de tempo
de liberdade condicional.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Concluo, Sr. Presidente, com isto: nós precisamos de olhar para a
transição digital como uma oportunidade para reforçar os direitos e as condições de vida e não como um pretexto
para evacuar direitos e ignorar o Direito do Trabalho e as condições que foram conquistadas.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Lopes, do Grupo
Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Isabel Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A transformação digital e as tecnologias
digitais assumem particular importância e oportunidade para a economia de qualquer país.
O processo de transformação digital tem de ser gerido pelo Governo de forma transversal à sociedade e de
forma a garantir uma correta implementação, sem discriminar regiões, empresas ou cidadãos.
A designação «transição digital» tem de constituir uma aposta inequívoca e integrada que traga
desenvolvimento ao País e permita retomar o caminho da convergência com os nossos parceiros europeus e
construir um País mais equilibrado.
Srs. Deputados, não bastam palavras bonitas! Certamente, saúdo a escolha do tema e junto-me aos oradores
intervenientes nesta reflexão. Mas permitam-me esta observação: a maioria dos Srs. Deputados falaram de
forma fugaz sobre a temática em debate e poucos falaram na forma como a transformação digital pode reduzir
as assimetrias do território. Não será esta uma oportunidade de excelência para passar da teoria à prática?
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Como transmontana, tenho de questionar os vários partidos…
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — E o seu também!
A Sr.ª Isabel Lopes (PSD): — … sobre o que pensam desta desigualdade e da injustiça contra as populações
do interior do País.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Pode começar pelo seu!
A Sr.ª Isabel Lopes (PSD): — Em muitas localidades do meu distrito, pouco interessam as quase 40 páginas
do Programa do Governo dedicadas à sociedade digital; interessam, sim, melhores comunicações móveis e
digitais para todos os cidadãos, onde quer que vivam.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Lopes (PSD): — A transição digital por si só não é boa nem é má, mas é uma oportunidade
que tem de ser aproveitada para servir o País e as suas populações e para reduzir as desigualdades que
continuam a ser muitas — sublinho, continuam a ser muitas!
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Lopes (PSD): — Vou concluir, Sr. Presidente,
A transição digital tem de contribuir para estimular a criatividade, para criar empregos, para gerar riqueza,
para tornar Portugal não só mais moderno mas, acima de tudo, mais coeso, mais solidário e mais competitivo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o
Sr. Deputado Eduardo Barroco de Melo.
O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): — Sr. Presidente, demais Membros da Mesa, Caras e Caros Srs.
Deputados: A transição digital é, hoje, uma imposição digital, acompanhando todas as grandes vagas de
mudança tecnológica da humanidade. Sobre ela podemos ter posições distintas, desde aquelas que vão da
negação total à crença indomável no seu potencial.
Contudo, o Partido Socialista entende que a inovação, em geral, e a transição digital, em particular, não são
questões de fé. E como as questões de produção são sobretudo mundanas, cabe-nos olhar para os desafios
que se nos apresentam para as acautelarmos.
Diante de todos os problemas que temos de enfrentar, dois surgem como centrais: a qualificação dos
trabalhadores e a proteção laboral para as novas formas de trabalho.
A qualificação e requalificação profissional serão instrumentos fundamentais para garantir que há lugar para
todos os trabalhadores no mundo digital. Mas esta não é uma oportunidade apenas para introduzir trabalhadores
em novas carreiras. Esta é a oportunidade de valorizar o trabalho através das competências avançadas, dando
a esses trabalhadores a possibilidade de cumprirem funções diferenciadas, com valorização remuneratória e
com maior facilidade de transição entre funções laborais, reforçando a sua capacidade de integrar o mundo
produtivo em constante mudança.
É por isso fundamental apostar na formação para o digital, como, aliás, o Partido Socialista tem feito.
O Governo anterior iniciou esse caminho, com um conjunto amplo de iniciativas, como a programação do
COMPETE 2020, a aposta no Programa Qualifica ou com a implementação do INCoDe.2030.
Mas se é necessário preparar os cidadãos de hoje e de amanhã para estas qualificações avançadas, é
também importante garantir que a partilha dos ganhos da transição digital se faça de forma mais justa. Ao
trabalho digital não pode corresponder uma proteção laboral virtual. Se evoluímos na capacidade de produzir,
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devemos acompanhar essa melhoria com maior preocupação com a conciliação do trabalho com a vida pessoal
e com o reforço da compensação do trabalho.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): — Se temos hoje maior flexibilidade para a execução das funções
laborais, temos também de salvaguardar o direito a desligar. E se hoje trabalhamos à distância, esse
afastamento físico não afasta as responsabilidades para com os trabalhadores de cada empresa.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, faça favor de concluir.
O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente.
O Programa do Governo inscreve esta necessidade, assumindo como prioridades, por exemplo, a produção
do livro verde sobre o futuro do trabalho. Aos socialistas sempre se colocaram as questões da produção e da
inovação como oportunidade de melhoria do padrão de vida.
O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado. Desculpe, mas as regras são iguais para todos.
O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): — Mas este é o momento em que é necessário concertar o esforço
coletivo para aproveitarmos uma grande revolução.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos entrar no período de encerramento, em que cada grupo
parlamentar dispõe de 4 minutos para intervir.
Para esse efeito, tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Grupo Parlamentar do
Partido Ecologista «Os Verdes».
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste debate, há duas coisas que
ficaram bem claras. A primeira é que anda muita gente a tentar ficar na fotografia da modernidade — menos o
Governo que não apareceu — e na selfie da Web Summit. Campeões da modernidade é o que não falta!
A segunda é que, para um número muito significativo de pessoas deste País, os retratos são ainda a preto e
branco e que, mesmo que a média não seja má, existem alguns em velocidade máxima e outros que passam
os dias à procura de sinal.
Ilusão e esperança é o que vemos nesta prioridade do Governo. É que, convenhamos, Sr.as e Srs. Deputados,
a transição digital não é compatível com diferenças tão latentes entre o litoral e o interior, que as políticas do
PS, do PSD e do CDS promovem há décadas. Esta visão de modernidade, tão bem escrita no Programa do
Governo, não se faz com mais de 800 000 portugueses a sobreviverem com o salário mínimo nacional.
Portugal é um dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) com
a maior taxa de adultos que não possuem o ensino secundário. A população portuguesa está cada vez mais
envelhecida e, em grande escala, infoexcluída.
Neste quadro, querer a modernidade da noite para o dia torna-se ilusão.
Concordamos todos que a tecnologia pode ser uma mais-valia para a economia do País. Sabemos que as
tecnologias nas empresas são capazes até de contribuir para a sustentabilidade, com processos e materiais
mais amigos do ambiente e menos poluidores.
A aplicação de novas tecnologias criará novos empregos e, haja vontade, será finalmente possível conciliar
a vida familiar com a do trabalho. Será possível, pela mecanização, tornar alguns trabalhos menos dolorosos,
diminuindo a incidência das mais diversas doenças profissionais incapacitantes.
Temos todos esperança nos ganhos que a digitalização já trouxe e trará na área da saúde, contribuindo para
o aumento da qualidade de vida desde as mais tenras idades até ao seu fim.
As tecnologias de informação e comunicação, para além de facilitarem o trabalho, contribuem para reduzir
as emissões poluentes porque se evitam muitas deslocações.
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Contudo, se, por um lado, falta a rede em zonas isoladas, onde não se fazem investimentos porque a
população é idosa e diminuta, locais onde as empresas privadas não estão interessadas em investir, por outro,
essas extraordinárias inovações na saúde estão todas concentradas nos grandes centros, porque os serviços
no mundo rural encerraram.
Assim, entramos num círculo do qual é impossível sair. Não existem pessoas, não se investe nos meios, nem
nos serviços públicos ou na criação de emprego e esse desinvestimento no interior provoca o desinteresse das
populações em se fixarem.
Será que falamos de uma transição digital apenas para alguns? Vejamos um exemplo simples, o do serviço
público de rádio e televisão que incumbe ao Estado garantir.
O serviço público de televisão deve cumprir os princípios da universalidade, da coesão nacional, da
diversificação, da qualidade e da indivisibilidade da programação e da inovação. Contudo, embora se continue
a afirmar que 100% da população tem acesso ao serviço público com a introdução da Televisão Digital Terrestre
(TDT), a verdade é que as queixas da população gritam o contrário e muitos só têm acesso via satélite, o que
acarreta despesas adicionais para as famílias e vota ao isolamento muitas populações do interior. Fala-se da
revolução 4.0 ou do 5G, mas aceder ao serviço do TDT, essa evolução tecnológica com mais de 10 anos,
continua a ser um problema.
Mais um exemplo, Sr.as e Srs. Deputados: depois dos incêndios de 2017, muitas foram as famílias e os idosos
que ficaram sem telefone fixo e móvel, talvez porque não seja lucrativo estender os fios até às zonas rurais,
onde as populações precisam de ligação aos filhos e familiares que vivem longe para não se sentirem tão
isolados ou para pedirem ajuda, em caso de doença, sem terem de andar quilómetros a pé. As comunicações
de rede fixa da aldeia de Marinha de Vale Carvalho, na Sertã, foram restabelecidas a 31 de agosto de 2019,
dois anos após os graves incêndios que fustigaram o centro do País. A esta velocidade, vai ficar gente para trás,
vão criar-se mais assimetrias regionais e desequilíbrios.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.
O mais caricato é que obrigam as populações do mundo rural a fazer candidaturas a apoios apenas por via
online. Isto não é moderno, é apenas condenar uma parte do País ao atraso e ao abandono.
O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Mas tem mesmo de terminar.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Também não é inovador substituir as cadernetas que dão acesso às contas
bancárias, em nome da modernização, das caixas diretas ou dos pagamentos nos telemóveis, condenando
milhares de idosos,…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, conclua, se faz favor.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — … com reformas baixas ou sem capacidade para se adaptarem aos novos
processos, a mais exclusão. E não aceitamos que a transição digital seja a justificação para transferir mais
responsabilidade,…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem mesmo de concluir.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — … mais isolamento e mais custos para os cidadãos.
Aplausos do PEV e de Deputados do PCP.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra para uma intervenção, pelo PAN, a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues.
A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Chegados ao fim deste debate,
percebemos que nenhum partido referiu expressamente as suas preocupações ambientais, apesar de
reconhecerem a transversalidade da transição digital.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Então e o PAN?!
O Sr. Luís Monteiro (BE): — Nem falaram no debate!
A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Estou a referir agora.
Ainda assim, não podemos deixar de assinalar o mérito de algumas medidas contidas no Programa do
Governo, com impactes ambientais indiretos, tais como: os processos de desmaterialização na Administração
Pública, que, para além de facilitarem o acesso aos serviços pelos utentes, conduzem a impactes ambientais
positivos; o fomento do teletrabalho, onde salientamos os impactos positivos na redução de gases com efeito
de estufa, impacto, esse, omisso no Programa do Governo; a aposta na redução dos preços da eletricidade,
mediante aposta em mais renováveis, no autoconsumo coletivo e nas comunidades de energia; o incentivo à
gestão inteligente das redes de iluminação pública, implementando tecnologias que salvaguardem uma maior
eficiência energética; e a promoção do uso de tecnologia para a proteção e salvaguarda de ativos florestais e
espaços verdes de importância nacional.
Por outro lado, o PAN também não pode deixar de assinalar outros pontos, com evidente dissociação deste
Programa com objetivos de índole ambiental e social, dos quais destacamos: fomentar o turismo sem se
assegurar que seja previamente elaborado um estudo de carga turística com vista à mitigação dos impactes
ambientais decorrentes do mesmo; eliminar a necessidade de licenças, autorizações e atos administrativos
desnecessários, numa lógica de licenciamento zero, proposta perigosíssima no plano ambiental; e eliminar o
certificado energético obrigatório, um certificado fundamental para o planeamento de ações de eficiência
energética e que permite aos consumidores uma escolha consciente por produtos menos poluentes.
Finalmente, destacamos omissões muito relevantes neste programa proposto pelo Governo.
Estamos em plena emergência climática, onde o papel da investigação e desenvolvimento será fulcral para
garantir a sobrevivência da espécie humana, seja através de novas tecnologias de redução de emissões de
gases com efeito de estufa, nos setores da produção de energia, transportes, tratamento de resíduos, entre
outros, seja através do desenvolvimento de tecnologias de captura e armazenamento de dióxido de carbono,
mas sobre este desafio estratégico nem uma palavra no capítulo da transição digital, no Programa proposto pelo
Governo, e o mesmo no que se refere à implementação de uma economia circular.
O planeta não pode continuar a ver os seus recursos explorados como até agora, sob pena de já não restar
nada para as futuras gerações. É fundamental potenciar os recursos de investigação e desenvolvimento e as
plataformas digitais para o desenvolvimento de uma economia circular em Portugal.
Também não sabemos o que pensa o Partido Socialista sobre o papel do Estado na investigação e
desenvolvimento, inovação e fomento de iniciativas na área ambiental.
Em síntese, a falta de integração e de coerência das políticas de transição digital com as políticas ambientais
e sociais é evidente. Essa é uma mudança de paradigma, defendida pelo PAN, sem a qual nunca alcançaremos
um desenvolvimento verdadeiramente sustentável e não garantiremos a nossa sobrevivência neste planeta.
Nem de propósito, foi nesta semana noticiado que nenhum dos 28 países da União Europeia está no bom
caminho para atingir, em 2030, as metas do desenvolvimento sustentável definidas pelas Nações Unidas. No
ranking divulgado, Portugal situa-se em 15.º lugar, mas podemos e devemos fazer melhor. O relatório conclui
que, apesar de os países europeus liderarem globalmente os objetivos de desenvolvimento sustentável, nenhum
deles está no caminho certo para alcançar as metas traçadas para 2030, sugerindo grandes transformações,
sobretudo para melhorar indicadores relacionados com o clima ou a biodiversidade. E, pelos vistos, face ao
Programa de Governo apresentado, assim continuaremos.
Desde já, o PAN compromete-se a não se conformar com uma atuação que negligencie os valores ambientais
nem com políticas sem visão de futuro.
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Aplausos do PAN.
O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do CDS, tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como disse já na
intervenção anterior, Portugal é o 18.º de 28 países da União Europeia no índice de digitalidade da economia e
da sociedade. Portanto, este é o ponto de partida que temos — estes dados são de 2018, haverá depois os de
2019 — para avaliar, comparativamente com os outros países da União Europeia, o estado em que estamos.
Se, em outras áreas, temos indicadores positivos, a área em que temos indicadores mais negativos e que
puxa a posição de Portugal para baixo é a do capital humano, onde Portugal tem a avaliação de mau. Isso deve
preocupar-nos porque estamos a falar, exatamente, da base dos problemas que o Partido Socialista e outros
partidos aqui trouxeram sobre a transição digital, que é a capacidade, do ponto de vista do mercado de trabalho,
de conseguirmos assegurar que a transição digital não põe em causa o emprego de muitos cidadãos. E, para
que não ponha em causa o emprego de muitos cidadãos, este ponto do capital humano tem de ser a prioridade
do Governo.
O Governo prefere ter uma prioridade que tem a ver com os serviços do Estado e com o e-government, mas
a questão é esta: um cidadão que lide com a Administração Pública e que vá a um qualquer portal do Estado
confrontar-se-á com um labirinto em que, para fazer uma operação mínima, terá de consultar 5 menus, 10
opções e, provavelmente, será remetido para um outro portal onde irá conseguir tratar do seu problema.
A contratação pública, que é algo muito importante para as empresas portuguesas, é uma vergonha do ponto
de vista das plataformas, porque são caras, funcionam mal e fazem com que as empresas que querem concorrer
a cada um dos concursos percam tempo e dinheiro em algo que deveria ser muito mais fácil e barato para que
a economia pudesse funcionar, efetivamente, concorrendo a esses concursos com regras de justiça iguais para
todos.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Foi o vosso Governo que concebeu o sistema!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Por outro lado, a interoperabilidade de sistemas na
Administração Pública continua a ser uma miragem. O exemplo mais claro é o da saúde, em que os sistemas
de cada um dos hospitais não comunicam entre si. Não é possível ter informação relevante na área da saúde
porque a exportação de dados é feita por todos através de Excel, perdendo-se grande parte da qualidade da
informação que, individualmente, cada um dos sistemas tem.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — As plataformas privadas são assim tão boas?!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Dou este exemplo, muito claro: qualquer pessoa que vá a uma
consulta no SNS sabe que o médico passa grande parte do tempo ao computador e que, muitas vezes,
terminada a consulta, fica 5 ou 10 minutos à espera que o sistema esteja a funcionar para o médico lhe conseguir
prescrever a sua receita.
Portanto, esta não pode ser uma Administração Pública que ache que já fez tudo do ponto de vista da
digitalização, quando presta serviços com tão pouca qualidade aos cidadãos.
Do nosso ponto de vista, como dissemos, a transição digital é uma oportunidade. Mas, para ser uma
oportunidade ganha, tem de ter, da parte do investimento do Estado, a prioridade da literacia digital, a prioridade
da formação profissional, para poder reconverter trabalhadores de indústrias de mão de obra intensiva em
trabalhadores com capacidade de se adaptarem. E há bons exemplos empresariais privados a terem feito isso
em Portugal! Tem de se conseguir que a formação profissional, que, ainda por cima, é financiada por dinheiros
europeus e, na sua esmagadora maioria, nem sequer sai do Orçamento do Estado, funcione, efetivamente, para
que tenhamos esta capacidade de ganhar a oportunidade da transição digital.
É preciso, também, que o Estado garanta, como foi dito, uma Administração Pública eficiente e que não seja
ele próprio, como é na contratação pública, promotor da ineficiência do funcionamento dos mercados, através
dos custos e das barreiras tecnológicas que introduz para que as empresas não tenham as melhores condições
e o melhor ambiente para poderem desenvolver a sua atividade.
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Neste sentido, Sr. Presidente, e para terminar, a competitividade, o capital humano e a defesa do ciberespaço
são os três maiores desafios da transição digital. A capacidade que tivermos para lidar com cada um deles ditará
se, no final deste processo, vamos estar, ou não, em melhores condições do que estávamos. Acho que ainda
estamos longe de o conseguir.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não encarámos este debate relativo à
transição digital como um debate sobre a interoperabilidade de plataformas eletrónicas ou desmaterialização de
processos na Administração Pública — essas serão, certamente, componentes de uma discussão mais vasta
—, mas entendemo-lo, sobretudo, como um debate sobre o posicionamento do País, do Estado português, no
desenvolvimento tecnológico dos processos produtivos. E entendemos que esta discussão é relevante se for
para discutir uma política de Estado que posicione o País na intervenção nesta matéria. Esse objetivo, que nos
parece um objetivo claro e que deve ser assumido, é o de garantir que o desenvolvimento tecnológico dos
processos produtivos possa ser objeto de reflexão, mas também de decisão política.
Portugal deve fazer esta discussão e deve tomar decisões, de forma a garantir que, com uma política de
Estado, se possa posicionar de forma soberana, enquanto Estado e povo, nesse processo, que não é
exclusivamente nacional mas, sim, internacional, para que esse desenvolvimento tecnológico dos processos
produtivos seja comandado politicamente a favor do desenvolvimento nacional, a favor de uma justa distribuição
dos ganhos de produtividade que dele possam resultar, a favor de uma melhoria das condições de trabalho e
de vida. É preciso que isto seja feito para que este processo não seja deixado ao sabor das decisões das
multinacionais, que se apropriam e continuarão a apropriar-se dos resultados do conhecimento científico e
tecnológico e, em particular, da sua aplicação aos processos produtivos.
Diríamos, Sr.as e Srs. Deputados, que a redução da intervenção humana nos processos produtivos não
constitui uma alteração profunda do modo de produção industrial e, pelo menos desde os confins da História,
não constitui propriamente uma novidade. Em alguns casos, este processo coloca questões novas, embora
noutros continue a colocar exatamente as mesmas questões, mas com uma dimensão diferente.
Para nós, a questão central, que é a mesma que se coloca pelo menos desde a Revolução Industrial, é a de
saber como são distribuídos ou apropriados os ganhos do desenvolvimento tecnológico. Essa questão central
impõe reflexão e decisão relativamente à organização da economia portuguesa, à organização das relações de
trabalho, à organização da participação dos trabalhadores nos ganhos de produtividade que resultam do
desenvolvimento tecnológico dos processos produtivos.
A utilização da ciência e da tecnologia, a sua aplicação aos processos produtivos, a dita «digitalização da
economia», devem ser pretextos para garantir que a criação de riqueza é acompanhada da sua mais justa
distribuição. E a sua mais justa distribuição passa pela repartição pelos trabalhadores dos ganhos que resultam
do desenvolvimento tecnológico dos processos produtivos, não apenas do ponto de vista da melhoria dos
salários mas também da redução dos horários de trabalho e da melhoria das condições de trabalho.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Se hoje, com uma máquina controlada por dois trabalhadores, se produz o
mesmo que se produzia há 10 anos com 100 trabalhadores, por que razão é que isso há de significar o
desemprego de 98 trabalhadores? Por que razão isso não pode significar a redução dos seus horários de
trabalho, a melhoria das suas condições de trabalho e de vida, para assim se alcançar uma distribuição mais
justa da riqueza?
Aplausos do PCP.
Mas este debate implica, também, uma discussão profunda sobre o papel que o País quer assumir no plano
internacional e no plano da divisão internacional do trabalho. Portugal, na divisão internacional do trabalho, deve
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ter uma participação dinâmica e não subalterna, deve reconhecer o papel relevante dos nossos setores
produtivos e, a partir deles, acompanhar medidas de desenvolvimento das forças produtivas, de melhoria das
condições de produtividade, a partir do aproveitamento da riqueza e dos recursos naturais, e deve ser,
naturalmente, a favor de uma utilização e de um aproveitamento mais equilibrados, mais consentâneos e
ecológicos dos recursos naturais.
Uma última questão, que, naturalmente, queria deixar referida, tem a ver com o papel do investimento na
ciência e na investigação. Temos necessidade de contrariar a concentração da investigação científica apenas
nas áreas que garantem maiores taxas de lucro e que são deixadas nas mãos das multinacionais.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Deixo apenas estas questões como referência para um debate que,
naturalmente, não se pode concluir na discussão que fizemos hoje.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas: Até às 15 horas da tarde de
hoje, ninguém percebia muito bem o que é que seria este debate.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É verdade!
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Passadas estas horas, pelos vistos, nem o Partido Socialista percebeu muito
bem o debate que aqui trouxe.
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — É verdade! Exatamente!
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — O Sr. Deputado, na intervenção inicial, falou de um debate global, disse que isto
se tratava de um debate global, mas não teve, durante as várias intervenções, uma única resposta para nenhuma
das perguntas que foram colocadas, nomeadamente sobre o investimento no ensino superior, na ciência e sobre
a forma como o Governo está a tratar quem trabalha na ciência.
Sendo certo que a transição digital é um dos desafios dos nossos tempos, teria sido interessante perceber,
por parte de quem propôs o debate, que propostas concretas tem para responder aos problemas que se
colocam, porque o risco de se fazer um debate global é o de ter apenas generalidades para dizer e poucas ou
nenhumas propostas.
Um dos principais desafios prende-se exatamente com o mundo laboral. Como em qualquer momento de
transição, nem tudo são rosas e há que olhar de frente para os problemas que se colocam, não porque
queiramos continuar a olhar para o passado, mas porque o futuro não pode ser mais precário do que o presente
encapotado de uma suposta modernidade.
Quando falamos de transição digital, falamos de organização do trabalho e a introdução em força da
robotização de tarefas ou a integração da inteligência artificial colocam necessariamente questões sérias sobre
a divisão do trabalho.
Numa altura em que a tecnologia avança com tanta rapidez e permite soluções cada vez mais eficazes, há
que utilizar esses mecanismos, não para precarizar a vida de quem trabalha, mas para melhorá-la. Num
momento em que a lógica e a avaliação das novas tecnologias nos fariam pensar que deveríamos trabalhar
menos horas por dia, aquilo a que assistimos é a horários de trabalho que aumentam, com mais trabalho por
turnos e noturno, com um crescendo da laboração contínua, com uma verdadeira «uberização» das relações
laborais.
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Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, se a produtividade através das novas tecnologias é maior e a autonomia
de máquinas também é tendencialmente maior, o caminho para quem trabalha deveria ser o oposto: redução
do horário de trabalho, sem perda de remuneração.
A reboque da transição digital e da modernidade, não podemos aceitar que se continue a assistir à
desestruturação do trabalho.
O Sr. Luís Monteiro (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Ela deveria servir para projetar, desde já, o modelo de trabalho e o modelo de
sociedade que queremos verdadeiramente para o futuro imediato. Queremos uma estrutura de trabalho que não
corresponde aos avanços tecnológicos e mantém os trabalhadores na precariedade?! Ou queremos, por outro
lado, uma estrutura de trabalho que utiliza os avanços e a transição digital para acabar com a precariedade e
que dá mais tempo às pessoas para viver?!
A escolha, para o Bloco de Esquerda, é clara, mas parece que não é tão clara para outros nesta Casa,
atendendo às escolhas recentes e às votações sobre legislação laboral.
Há um segundo desafio muito relevante, que tem a ver com a estrutura da economia. Recentemente, tivemos
debates, nesta Assembleia, sobre como taxar gigantes digitais. Há um enorme desafio para perceber como fixar
a riqueza criada por empresas digitais e, apesar dos exemplos de outros países, como França, por aqui ainda
não se quis avançar com medidas mais corajosas. De novo, nesta matéria, a reboque da modernidade não pode
vir a desresponsabilização do Estado na distribuição da riqueza e isso significa que têm de existir medidas para
fixar essa mesma riqueza no País.
O Sr. Luís Monteiro (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Significa, igualmente, fixar o conhecimento gerado neste País. Daí, sim, a
questão do investimento no ensino superior e a forma como se trata os cientistas no nosso País. A pergunta
sobre esta questão não foi, aliás, respondida e foi olimpicamente ignorada pelo Partido Socialista.
Sr. Presidente, para terminar, o Bloco de Esquerda está empenhado neste debate. A evolução tecnológica
tem de significar horários de trabalho reduzidos sem perda de salário, tem de significar proteção do
conhecimento…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para terminar rapidamente, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Estou a terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, a evolução tecnológica tem de significar, também, fixação de riqueza no País.
O que não faremos é utilizar a transição digital como forma encapotada de aumentar a precariedade e de
fazer um retorno ao século passado no que toca à organização do mundo do trabalho.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado
Afonso Oliveira.
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, o Partido Socialista, partido
que apoia o Governo, trouxe o tema da transição digital a debate e o Governo não está presente. Podemos
perguntar: o Governo era obrigado a estar presente no debate?! Não, não era obrigado. Mas esta posição de
não estar presente é uma opção?! É uma decisão! É, precisamente, a decisão de não estar presente.
O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade!
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — É uma evidência. O facto é que não está presente e a opção de não estar
presente no debate coloca por terra a afirmação de que este tema é um pilar das políticas do Governo. O
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Governo optou por não estar presente e essa decisão marca absolutamente o debate, como fomos percebendo
ao longo desta tarde.
O Governo criou uma Secretaria de Estado para a Transição Digital. Colocou este tema com importância
máxima na hierarquia do Governo e com enquadramento no Ministério da Economia! É importante, mas não
podem cá estar hoje.
Hoje, o Governo já falhou, já começou mal! E, nesta matéria, já não há forma de começar bem!
Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.
Se é para tratar o tema com a seriedade que merece ou com a importância que merece, muito bem, podem
contar connosco. Caso contrário, não podem contar connosco!
O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade!
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Mas hoje, neste debate, fica também muito clara a posição do PSD. É
precisamente num tempo de grandes desafios e oportunidades que Portugal tem de assumir como uma grande
prioridade a forte aposta no desenvolvimento tecnológico e digital. Esta é uma oportunidade para Portugal que
não temos o direito de desperdiçar e que o Governo não tem o direito de adiar, de não se empenhar ou de não
colocar no topo da sua agenda!
Para o PSD, é importante a utilização de programas desenhados no quadro da União Europeia. Estes têm
de ser fortemente utilizados e o Governo não pode demitir-se da sua responsabilidade de garantir que as
empresas e os portugueses beneficiarão desses sistemas de incentivos. Não podemos sequer pensar numa
economia competitiva, atrativa, dinâmica e mais produtiva sem pensarmos numa forte aposta na revolução
digital em curso.
Para o PSD, temos de ter a ambição de lutar para que Portugal seja, em 2030, reconhecido como um dos
principais motores de desenvolvimento de tecnologias digitais da Europa, exportador de produtos e serviços de
base digital, gerador de conhecimento, inovador e atrativo ao investimento externo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Fica clara a posição do PSD neste debate, que é da máxima
importância, em que quisemos trazer o tema de uma forma séria e correta.
Mas o debate de hoje, agendado pelo Partido Socialista, deixa-nos algumas conclusões: a primeira é a de
que o Partido Socialista traz-nos um conjunto de proclamações e de intenções, mas o que importa é fazer, como
disse, há bocado, a Sr.ª Deputada Filipa Roseta. Nós bem sabemos que o verbo «fazer» cria muitas dificuldades
ao Partido Socialista!
A segunda conclusão é a de que vamos ter, um destes dias, o Governo a tentar convencer-nos de que a
melhor forma de demonstrar o seu empenho é garantindo a ausência. Ora, aqui temos uma verdadeira inovação
e uma forma diferenciadora de comunicação! «Não estou presente, mas é importante!» Numa palavra:
incompreensível!
As perguntas que se colocam nesta parte final do debate são muito simples: por que razão o Governo não
considerou relevante marcar aqui a sua presença? Qual a estratégia do Governo para a transformação digital?
Quais as metas do Governo para o digital? Que estratégia tem o Governo para os serviços públicos? Que
serviços públicos queremos ter daqui a 5 ou 10 anos?
Termino, Sr. Presidente, com uma pergunta muito simples: onde está o Governo?!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para fazer a última intervenção no encerramento do debate, tem a palavra o Sr.
Deputado Carlos Pereira, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A grande conclusão do debate de hoje
é a de que foram poucos os partidos que queriam este debate. Não queriam este debate porque, apesar de
todos terem considerado que a transição digital é incontornável, poucos são os partidos que colocaram na sua
agenda política a sua devida relevância.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O desafio da transição digital proposto por este Governo traduz uma
separação muito clara entre aqueles que defendem, defenderam e aplicaram em Portugal uma estratégia de
competitividade assente no empobrecimento, refletido em baixos salários, e aqueles que, como nós, e são cada
vez mais, defendem um País cujo aumento da competitividade passa pelo aproveitamento do potencial do
talento dos portugueses, pelo reforço dos índices de inovação, pela qualificação dos trabalhadores, pela criação
de condições para que as empresas liderem os índices de Investigação e Desenvolvimento, como forma de
assegurar que mais inovação chegue ao mercado e gere, portanto, mais riqueza e mais emprego qualificado.
Na prática, com a iniciativa estratégica que hoje debatemos, queremos contribuir para que a economia
portuguesa trilhe um caminho baseado no conhecimento e que o necessário e indispensável aumento da
produtividade se concretize com mais inovação e não com menos salários e/ou com a saída de portugueses do
seu País, como infelizmente ocorreu noutros tempos.
Sr. Presidente, não estamos a começar do zero. Lembramo-nos bem do impacto do plano tecnológico que
acordou o País para a relevância crítica de apostar nos fatores de competitividade que norteavam a dinâmica
da economia global. Mas este caminho não pode ter interrupções que ameaçam a posição relativa do País no
quadro dos países mais inovadores da Europa. Foi, aliás, isso que aconteceu entre 2011 e 2015. Portugal
desinvestiu de forma categórica na investigação e desenvolvimento, observando, nesse período, a maior queda
na Europa deste indicador em percentagem do PIB (produto interno bruto) e comprometendo as metas de
Portugal.
Apesar da significativa recuperação ocorrida nos últimos quatro anos, com um empenho notável dos
empresários e com uma boa orientação do Governo, feita com medidas concretas, onde se destaca a Indústria
4.0, os Centros de Interface, o programa StartUP Portugal, com estímulo à componente tecnológica, para
dinamizar o empreendedorismo, com a introdução de novas formas de financiamento, onde a rede de business
angels ocupou um papel central, é preciso, mesmo assim, promover uma profunda revisitação às medidas, às
estratégias e aos projetos.
Apesar de, nos últimos quatro anos, ter sido possível um aumento da despesa total em investigação e
desenvolvimento para 1,37% do PIB, temos consciência de que tudo isto, e já foi muito, ainda não é suficiente
para que Portugal se arrogue o estatuto de um País líder em inovação.
Sr. Presidente, um plano para a transição digital é, por isso, incontornável nos tempos de hoje e o Governo
deve fixar este desafio na agenda dos portugueses para obter o envolvimento de todos. As empresas
portuguesas não podem ficar arredadas das oportunidades das tecnologias digitais e, por outro lado, o Estado
não cumprirá o seu papel de forma adequada se abandonar todos os níveis de intervenção ao arbítrio do
mercado. Não nos identificamos com aqueles que acham que o melhor caminho para edificar uma economia
baseada no conhecimento é o Estado decidir não se envolver.
Temos consciência de que grande parte deste colossal desafio da transição digital da economia se centrará
no mercado global e, para isso, precisamos de empresas ágeis, fortes e robustas. É por isso que o Estado se
deve empenhar no plano certo para criar um ambiente propício, de modo que o tecido económico esteja
preparado e disponha dos instrumentos adequados para responder às necessidades de uma sociedade cada
vez mais digital.
É verdade que as nossas metas são ambiciosas, mas são as necessárias: atingir um investimento global em
investigação e desenvolvimento de 3% do PIB em 2030 e alcançar, numa década, um volume de exportações
de 50% do PIB.
O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Termino já, Sr. Presidente.
O Grupo Parlamentar do PS não hesitará em lembrar ao Governo que este caminho não pode ter desvios.
Protestos do Deputado do PSD Jorge Paulo Oliveira.
Fazer mais e melhor será sempre o nosso lema e há ainda muito por fazer, conforme reflete o Programa do
Governo do Partido Socialista.
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, chegámos, assim, ao final do debate temático sobre transição
digital.
Resta-me anunciar a agenda da reunião de amanhã, que terá início às 10 horas.
Do primeiro ponto consta a realização de eleições para os seguintes órgãos: Conselho de Estado, Conselho
Superior de Defesa Nacional e Conselho Superior de Segurança Interna.
Em segundo lugar, procederemos a um debate temático, requerido pelo Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda, sobre o Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública
(PREVPAP).
Por fim, terão lugar as votações regimentais.
Desejo a todos um resto de boa tarde. Até amanhã.
Eram 16 horas e 50 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.