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Quarta-feira, 15 de Janeiro de 1992

II Série-A - Número 12

DIÁRIO

da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

SUMÁRIO

Projectos de lei (n.« 1/VI, 2/VI, 3/VI, 41/VI e 42/VI):

N.° 1/V1 — Regularização extraordinária de estrangeiros não comunitários em situação irregular:

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias................... 262

N.° 2/VI — Elimina algumas restrições à concessão de habitação social:

Parecer da Comissão de Equipamento Social..... 262

Proposta de aditamento (apresentada pelo PCP).. 262

N.° 3/VI — Direito de voto de estrangeiros nas eleições locais:

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias................... 263

N.° 41/VI — Exercício do direito de acção popular

(apresentado pelo PS)............................ 264

N.° 42/VI — Liberdade de acesso aos documentos administrativos (apresentado pelo PS)................ 270

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PROJECTO DE LEI N.° 1/VI

REGULARIZAÇÃO EXTRAORDINARIA DE ESTRANGEIROS NÃO COMUNITARIOS EM SITUAÇÃO IRREGULAR

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

O tema versado no projecto de lei em apreço suscita as maiores preocupações, nomeadamente de carácter sócio-económico, de todos os quadrantes, ao que julgamos, do nosso sistema político-partidario.

De facto, existindo em Portugal, país com cerca de 10 milhões de habitantes, um número de residentes ilegais que se calcula seja já superior a 100 000, questões de certa delicadeza se colocam, naturalmente.

Na abordagem, pela via legislativa, das mesmas questões, devemos rodear-nos dos maiores cuidados, tentando chegar a uma solução o mais equilibrada possível, tendo em conta todos os direitos e interesses legítimos que se colocam num plano de relativa conflitualidade.

Desde logo, o respectivo normativo terá de ser enquadrado nas políticas comunitárias sobre emigração, tanto mais que Portugal subscreveu, como é sabido, a Convenção de Dublim, que versa o direito de asilo, e o Acordo de Schengen, sobre fronteiras externas.

A este respeito, registe-se que países como a Espanha e a Itália, que recentemente aprovaram legislação sobre a mesma matéria, se decidiram pela necessidade de requisitos mais exigentes do que os previstos no projecto de lei n.° 1/VI para que os imigrantes em situação ilegal possam regularizar a sua situação.

Aliás, o diploma espanhol versa a legalização de trabalhadores imigrantes e não de simples residentes.

Certo é que a opção preconizada pelos autores do projecto de lei em apreço é uma das mais permissivas no contexto das possíveis no âmbito da regularização da situação de residentes ilegais.

E tal conclusão deve manter-se, mesmo assumindo--se que não se trata de uma opção definitiva, antes de uma regularização extraordinária, até porque, como já se afirmou, o número de pessoas potencialmente abrangidas é consideravelmente elevado.

No entanto, a argumentação em torno das alterações desejáveis, das benfeitorias de que pode ser alvo este projecto de diploma, da postura perante a solução preconizada, não deverá ter lugar nesta sede, mas sim no debate que se seguirá, na generalidade e, sendo caso disso, na especialidade.

Em conclusão, mostrando-se cumpridos os respectivos preceitos de ordem constitucional e regimental, somos de parecer que o projecto de lei n.° 1/VI se encontra em condições de subir a Plenário para o debate na generalidade, seguindo-se os ulteriores termos.

Palácio de São Bento, 14 de Janeiro de 1992. — O Presidente da Comissão, Guilherme Silva. — O Relator, José Puig.

Nota. — O relatório foi aprovado por unanimidade.

PROJECTO DE LEI N.° 2/VI

ELIMINA ALGUMAS RESTRIÇÕES A CONCESSÃO DE HABITAÇÃO SOCIAL

Parecer da Comissão de Equipamento Social

O projecto de lei n.° 2/VI, do Partido Socialista, invoca a possibilidade de conceder habitação social a to-

dos os que não residam em habitação adequada à satisfação das necessidades do seu agregado familiar e que pretendam domiciliar-se na área de jurisdição do serviço municipal de habitação social, sem discriminação em função da raça, nacionalidade ou território de origem.

Pretende, ainda, ao abrigo de acordos bilaterais celebrados entre Portugal e as Repúblicas da Guiné--Bissau e de Cabo Verde, tornar extensível aos naturais destes países ultramarinos o acesso à habitação social.

A definição de habitação social é, legalmente, a seguinte (Portaria n.° 580/83, de 17 de Maio):

São consideradas habitações sociais as habitações de custos controlados providas pelas câmaras municipais, cooperativas de habitação económica, pelas instituições particulares de solidariedade social e pela iniciativa privada com o apoio financeiro do Estado e destinadas à venda ou ao arrendamento nas condições de acesso estabelecidas no presente diploma.

São consideradas habitações de custos controlados as que obedeçam aos limites de área bruta fixados para cada tipologia e aos limites de custos de construção previamente fixados.

O acesso às habitações sociais é exclusivamente reservado aos agregados familiares cujos rendimentos ilíquidos mensais não excedam os limites máximos definidos em função do salário mínimo nacional.

Anaüsado o projecto de lei em causa, conclui-se que este está em condições de subir a Plenário para debate e votação na generalidade, reservando os partidos para o Plenário a sua posição quanto à votação.

Palácio de São Bento, 10 de Janeiro de 1992. — O Deputado Relator, João Matos.

Nota. — O relatório foi aprovado por unanimidade.

Proposta de aditamento

É sabido que uma das políticas sociais em que os imigrantes são mais fortemente penalizados é na área da habitação.

Uma política coerente, que vise a adequada integração da comunidade imigrante e minorias étnicas na sociedade portuguesa e que se paute por princípios de justiça e não discriminação, não pode deixar de ter como uma das prioridades, precisamente, o reconhecimento do direito à habitação como direito fundamental dos imigrantes enquanto cidadãos residindo em Portugal.

Quanto às incompreensíveis restrições que actualmente se verificam em matéria de acesso dos imigrantes à habitação social, o projecto de lei n.° 2/VI procura dar resposta a algumas dessas restrições.

Impõe-se, entretanto, avançar mais e noutras direcções.

Não se compreende, por exemplo, que seja vedado o acesso, por imigrantes com autorização de residência prolongada (tipo B) ou permanente (tipo C), aos sistemas de crédito à habitação existentes.

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Neste quadro, e sem prejuízo de outras medidas necessárias, os deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem o seguinte aditamento ao projecto de lei n.° 2/VI:

Artigo novo

Crédito à habitação

Os imigrantes com autorização de residência tipo B ou tipo C têm o direito de recorrer aos sistemas de crédito à aquisição de habitação própria, em condições de igualdade.

Assembleia da República, 14 de Janeiro de 1992. — Os Deputados do PCP: Luís Sá — Octávio Teixeira — João Amaral — António Filipe — Lourdes Hespa-nhol — Miguel Urbano Rodrigues — Odete Santos — Lino de Carvalho — Agostinho Lopes — José Manuel Maia.

PROJECTO DE LEI N.° 3/VI

DIREITO DE VOTO DE ESTRANGEIROS NAS ELEIÇÕES LOCAIS

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

1 — Por iniciativa de deputados do Partido Socialista foi entregue na Mesa da Assembleia da República o projecto de lei n.° 3/VI sobre o direito de voto de estrangeiros nas eleições locais que, nos termos regimentais, baixa à 3.a Comissão, de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Cabe agora, nos termos do Regimento da Assembleia da República, elaborar o respectivo relatório e parecer.

2 — O direito de voto dos estrangeiros em eleições locais tem vindo a ser reconhecido num número significativo de países europeus: é o caso, designadamente, da Grã-Bretanha (para irlandeses e «súbditos britânicos», Irlanda, Holanda e Dinamarca e de outros países não comunitários, como a Suécia, a Noruega, a Finlândia e a Islândia.

Mantém-se, contudo, um bom número de países, em particular os que têm um grande número de residentes estrangeiros no seu território, que não concedem uma tal possibilidade (v. José Maria Beneyto, «La Influencia dei Parlamento Europeo en el Desairólo de la Protección de los Derechos Fundamentales de la CEE», in Revista de Instituciones Europeas, n.° 3, de Setembro-Dezembro de 1989, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, pp. 865 e segs.).

Portugal encontra-se, mas em termos muito restritos, no primeiro grupo de países, devido à Convenção de 7 de Setembro de 1971 relativa à Igualdade de Direitos e Obrigações entre Brasileiros e Portugueses, regulamentada pelo Decreto-Lei n.° 126/72, de 22 de Abril.

3 — Esta possibilidade encontra a sua constitucionalidade salvaguardada pelo artigo 15.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece:

3 — Aos cidadãos dos países de língua portuguesa podem ser atribuidos, mediante convenção internacional e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso

à titularidade dos órgãos de soberania e dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, o serviço nas forças armadas e a carreira diplomática.

Entretanto, a revisão constitucional de 1989 veio abrir uma possibilidade de concessão da capacidade eleitoral a estrangeiros nas eleições locais, em termos mais amplos, ao dispor:

4 — A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais.

Note-se que se trata de uma possibilidade, cabendo ao legislador apreciar a oportunidade e escolher o momento de aprovar legislação sobre esta matéria.

Esta questão, apesar das contradições existentes, e até dificuldades levantadas pelas constituições de alguns Estados membros, continuará a estar presente, em particular face à perspectiva de criação da união política e da futura união europeia, aberta pela recente Cimeira de Maastricht.

4 — Embora a Constituição não distinga os estrangeiros nacionais de países da Comunidade Europeia dos que o não são, cumpre observar que este tema tem sido objecto de atenção das instituições comunitárias.

Já em 1974 os chefes de estado e governo, reunidos em Paris, decidiram fazer estudar a possibilidade de «atribuir aos cidadãos dos Estados membros direitos especiais como membros da Comunidade». Em 1975 a Comissão, no seu relatório ao Conselho sobre os «direitos especiais» dos nacionais dos Estados membros, entendeu que estes deveriam incluir, «no mínimo», o direito de voto nas eleições municipais no Estado membro de residência para os cidadãos nacionais de outros Estados membros diferentes daqueles em que residem. Em 1977 o Relatório Scelba, preparado pela Comissão Política do Parlamento Europeu, pronunciou-se a favor do direito de sufrágio activo e passivo a nível municipal. (V. pormenores em José Maria Beneyto, art. cit., em especial pp. 866 e segs. V. também «Citoyens d'Europe, tous électeurs aus municipales», Le Dossier d'Europe, ed. Comissão das Comunidades Europeias, n.° 19/88, Luxemburgo, 1988.)

O problema foi examinado, por outro lado, no Conselho Europeu de Fontainebleau, de 25 e 26 de Junho de 1984, que instituiu um comité que recomendou o «prosseguimento em profundidade das discussões entabuladas anteriormente relativas ao direito de voto e, no fundo, relativas à elegibilidade para as eleições locais dos cidadãos de outros Estados membros nas mesmas condições de que beneficiam os cidadãos do país de acolhimento [...]». O assunto voltou a ser abordado em diversos documentos, de que há a salientar o Relatório Vetter, aprovado no Parlamento Europeu em 15 de Dezembro de 1987, e a proposta de directiva apresentada pela Comissão do Conselho «relativa ao direito de voto dos nacionais dos Estados membros nas eleições municipais do Estado membro de residência» (v. Boletim das Comunidades Europeias, suplemento n.° 2/88, Luxemburgo).

5 — No caso concreto de Portugal, o problema em apreço é de particular significado devido a centenas de milhares de portugueses espalhados pelo Mundo não disporem de direito de voto e, simultaneamente, cida-

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dãos de outros países, em particular dos países africanos de língua oficial portuguesa, estarem nas mesmas condições em território português.

6 — O projecto em causa propõe a concessão de capacidade eleitoral activa e passiva a todos os cidadãos estrangeiros que sejam naturais de um país «lusófono» ou membro da Comunidade Europeia que tenham atribuído aos portugueses nele residentes o direito de voto para a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais e tenham autorização de residência de tipo B ou C.

Contém igualmente normas relativas ao recenseamento de estrangeiros, que coloca problemas técnicos a serem apreciados em sede de especialidade.

7 — Porque o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na fase anterior à discussão e votação na generalidade pelo Plenário, tem funções bem delimitadas, somos de parecer que o referido projecto de lei está em condições de subir a Plenário, para aí ser apreciado e votado na generalidade.

Palácio de São Bento, 14 de Janeiro de 1992. — O Relator, Luís Sá. — O Presidente da Comissão, Guilherme Silva.

Nota. — O relatório foi aprovado, com votos a favor do PS e do PCP e a abstenção do PSD.

PROJECTO DE LEI N.° 41/VI

EXERCÍCIO DO DIREITO DE ACÇÃO POPULAR

1 — A necessidade, criada pelo texto constitucional, de definir os casos e os termos em que pode ser exercido o direito de acção popular, reveste-se de tal importância que se não compadece nem com as delongas nem com as características próprias da legislação ordinária.

Por um lado, trata-se de dar concretização a um importantíssimo direito de participação democrática no exercício do poder político. E só isso diz tudo.

Por outro lado, trata-se de levar a efeito uma autêntica revolução técnico-jurídica, na medida em que se impõe a revisão e actualização de princípios e critérios de há muito solidamente enraizados no nosso direito positivo.

Culpa da Constituição da República, que não raro porfia em chegar primeiro. A dimensão, inverificável noutras constituições, com que consagra a acção popular é um bom exemplo disso.

Daí que, em grande parte, as dificuldades do legislador nesta matéria advenham da margem de novidade que nela há. Inexistem praticamente os paradigmas legislativos e não abundam os esteios doutrinários. Não há outro remédio senão navegar sem bússola, embora com perfeita consciência do porto que se pretende alcançar.

Esta consciência das dificuldades do empreendimento determina nos signatários uma postura de humildade: a de reconhecerem que não conseguiram ir além de desbravar o caminho por onde hajam de penetrar na matéria mais sábios exploradores dos seus riscos e mistérios.

Fica, no entanto, deste modo mais dificultada a inércia do legislador. A Constituição quer que a violação de determinados interesses, pelas suas características e importância, seja perseguida não apenas pelas pessoas singulares individualmente lesadas, ou pelas entidades públicas interessadas, mas também pelas associações ou grupos organizados, com ou sem personalidade jurídica. Assim haverá de ser.

Daí, e desde logo, a necessária superação da rigidez dos requisitos clássicos da legitimidade processual, com dispensa da ocorrência de interesse pessoal e directo em demandar. O autor na acção popular não tem necessariamente de ser sujeito da relação material controvertida.

Não menos o afastamento da figura da representação, tal como o direito positivo a tem concebido.

Enfim — para não sair dos aspectos mais salientes — a necessária flexibilização dos efeitos do caso julgado.

Uma simples leitura do projecto de articulado do diploma revelará outras das inovações nele contidas, nesta investida contra os cânones do direito processual clássico, com vista ao alargamento do sistema de acesso à justiça.

É sabido que a ideia de um interesse geral, superior ou privado, tarde despontou. Na Grécia e em Roma, as actiones populares tinham por exclusivo titular a parte ofendida.

Ultrapassada essa limitação per saltum para a tradicional dicotomia direito privado-direito público, ficou entre ambos, e foi-se sucessivamente alargando, um espaço intermédio em que viriam a caber novos direitos surgidos para a protecção dos cidadãos contra a con-flitualidade própria das sociedades modernas. Foi nesse espaço que floresceram muitos dos novos direitos sociais — os direitos dos trabalhadores e dos consumidores, o direito do ambiente e, em geral, os direitos de grupo contrapostos às chamadas «lesões de massa».

Lenta, mas continuadamente, o acesso ao direito e aos tribunais foi mostrando tendência a abrir-se a legitimações colectivas, comunitárias ou meramente associativas.

2 — Daí a necessária ponderação de toda uma nova problemática em torno de dois eixos: a acção popular e a tutela dos chamados «interesses difusos».

Quem sobre estes temas se debruce logo se apercebe da estreita afinidade política, jurídica e social entre ambos existente; ao ponto de já ter sido realçado que é precisamente enquanto instrumento de protecção de interesses difusos que a acção popular se mostra mais interessante e potencialmente eficaz.

A diferença fundamental entre a acção popular e a tutela de interesses difusos consiste afinal em que o titular do direito de acção popular não tem necessariamente de ser titular dos interesses em causa, enquanto na acção tutelar de interesses difusos é lógico que em princípio o seja. No mais, apenas a indefinição do universo dos titulares dos interesses em causa e as consequências desse facto, no que diz respeito aos efeitos do caso julgado e à responsabilidade por custas em caso de sucumbência, pode contribuir para distinguir aqueles dois instrumentos de intervenção política e social.

Reconhecida, pois, a insuficiência do direito de acção dos titulares de interesses- directos; aceite a necessidade de superação da dicotomia direito público-direito privado; afirmado o deciínio progressivo, ou a necessidade disso, do sistema clássico das duas partes da

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equação processual; proclamada também, e de há muito, a insuficiencia em muitos casos da legitimidade exclusiva do Ministério Público no exercício da acção penal; não sendo por mais tempo possível continuar a desconhecer a existência de sociedades intermédias e de grupos organizados ou inorganizados à espera de representação em juízo, e até de direitos sem titular, é chegado o momento de encararmos empenhadamente o princípio do fim da exclusiva concepção individualista do processo e da justiça.

Diga-se, em abono dos que já antes com isso se preocuparam, que há muito, entre nós e lá fora, se vem apertando o cerco.

Se recuarmos até à intervenção privada no exercício da acção penal, à providência do habeas corpus e aos dois casos de acção popular de há muito consagrados no Código Administrativo (artigos 369.° e 822.°), temos aí, recentes, aflorações do direito de acção popular, mais ou menos típicas, constantes da legislação eleitoral e da legislação em vigor em matéria de protecção dos consumidores, do ambiente e do parimónio cultural.

Lá fora assiste-se também a tentativas de busca. São exemplos disso, entre outros, as class actions, dos Estados Unidos da América, as «acções de grupo», da França, o «recurso colectivo», do Quebeque, e os ensaios de acção popular em tentativa no Brasil. A própria CEE encara a adopção de formas e casos de legitimação de associaçêos ou grupos intermédios.

É claro que, no plano teórico, as perplexidades são muitas. Desde logo a questão de saber a que título e em que medida (de procurador?, de substituto processual?, de gestor de negócios?, outro?) os intervenientes em processo de acção popular representam os titulares dos interesses em causa. E não menos a projecção disso no plano dos efeitos do caso julgado. Fonte de dúvidas e hesitações é também o novo papel dos cidadãos no exercício da acção penal. E a extensão dos novos poderes que necessariamente há que conferir ao julgador. E as novidades a consagrar em matéria de reparação de danos. E não menos a forma de fixar o quantum respondeatur. Ou a divisão ou o rateio entre os titulares — públicos e privados — desse quantum, uma vez fixado. Ou a quem imputar, e em que medida, a responsabilidade por custas, nomeadamente em caso de sucumbência.

Como se vê pela amostra não é fácil — nem o foi — encontrar respostas para estas e outras questões, sobretudo sem destruir, como se impõe, a rica e complexa aparelhagem conceituai do nosso sistema jurídico de base romanística.

A tudo isto, de resto, se somam outras preocupações, como essa de estabelecer o justo equilíbrio entre o estímulo a que os cidadãos assumam o papel que lhes cabe — bem incómodo por sinal — de defesa da legalidade em sectores importantes do interesse público, colectivo ou difuso, e o combate ao nascimento e à progressiva instalação de uma classe de profissionais da acção popular com outros objectivos menos nobres e transparentes do que aqueles que motivam o legislador.

3 — Dir-se-á: porquê, então, tanto empenhamento em viabilizar e incrementar este tipo de acção? Só por que a Constituição assim o quer? Não, decerto. Mas porque são preponderantes as suas vantagens e debalde se procurara opor o dique de uma recusa à tutela dos interesses que a justificam.

Não é só a necessidade de conferir aos respectivos titulares, no dizer do Dr. Mário Raposo, o direito a uma «crescente cidadania económico-social». Nem só a necessidade de confeir legitimidade processual às já referidas sociedades intermédias, colectivas, comunitárias ou associativas para defesa de interesses colectivos ou difusos. Nem só a necessidade de fazer participar cada vez mais o cidadão na iniciativa da tutela judicial dos interesses que são de todos ou de muitos. É também o reconhecimento de que as chamadas «lesões de massa» ficam em regra impunes porque são demasiado irrelevantes ao nivel individual para motivarem iniciativas judiciais isoladas e, em regra, demasiado graves para ficarem impunes só porque se não dispensa a coligação de todos ou de muitos.

É, pois, uma forma de, através de actos de participação democrática, por via judicial, proteger a parte mais fraca, em regra impondo restrições à autonomia da vontade da parte mais forte.

Para além disso, há que reconhecer o relevo de que se revestem a economia de juízes (tão necessária em face do bloqueamento dos nossos tribunais), a economia de serviços e despesas judiciais, a rapidez das soluções por multiplicação dos efeitos de uma decisão única e o acréscimo de eficácia do combate a flagelos tão preocupantes como os atropelos à saúde pública e à degradação do ambiente ou do património cultural. Este combate deixa de ser apenas do Estado e dos directamente lesados, passando a ser de todos.

Espera-se que venha a ser eficaz, porque é, desde já, democraticamente aliciante.

4 — A nossa Constituição, prudente como convinha, consagrou o direito de acção popular em casos contados, com permissão de mais como reserva de lei.

Entenderam os signatários do presente projecto que, tratando-se de algum modo de um salto no desconhecido, há, por ora, que manter a prudência da Constituição. Mas estão abertos a ir até mais além.

Por ora, limitam-se a consagrar os termos em que pode ser exercido o direito de acção popular relativamente às infracções que a própria Constituição contempla, porém de forma a abranger quer os casos de acção popular, já reconhecidos em legislação avulsa — até agora sem regulamentação que permitisse exercer o correspondente direito —, quer os que no futuro venham a sê-lo.

Com uma diferença: em relação a todos estes casos, o presente projecto de lei inclui no objecto da acção popular a tutela de interesses difusos, porém em termos que não dispensam a criação de um regime processual específico.

Já se realçou o parentesco existente entre os interesses protegidos num caso e noutro.

E esse parentesco basta para justificar que, nos casos em que a importância dos interesses em causa impõe a acção popular, o direito dos respectivos titulares se não detenha perante a natureza difusa dos mesmos interesses.

Mas impõe-se reconhecer que podem existir, e seguramente existem, interesses difusos que, pelas suas características, com destaque para a sua importância, podem justificar uma acção de grupo sem chegarem a justificar uma acção popular. Em tal caso, o univeso dos titulares do direito de acção deve restringir-se aos titulares do interesse de que se trate, desde que a todos eles.

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5 — Debalde se recusará a justificação da acção popular na tutela de interesses tão importantes como a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida e o património cultural.

E facilmente se alcança que os mixordeiros, os profissionais da poluição e os depredadores do património cultural vão passar a ter a vida bem mais dificultada. Para persegui-los, cada cidadão é Ministério Público.

Com a preocupação de estimular saudáveis reacções individuais, associativas ou de grupos contra actividades nocivas, molestas, insalubres, depredatórias e, em geral, perigosas, propõe-se a isenção de preparos e a de custas em caso de procedência parcial. Mas, com a preocupação também de desestimular o abuso do exercício da acção popular, por vezes com prejuízos irreparáveis, propõe-se uma regra especial de custas, posto que benigna, em caso de total sucumbência.

Com a mesma preocupação, conferem-se ao julgador excepcionais poderes, nomeadamente em matéria de indeferimento liminar, recolha de provas, avaliação de danos, efeitos do caso julgado e decisão segundo critérios de equidade.

E como as noteis introdutórias se não destinam a substituir a leitura dos textos propostos, eis quanto basta para ajudar a suportar a convicção de que estamos em face de um projecto de lei da maior importância jurídica, política e social e do mais relevante significado democrático.

O começo, repete-se, de uma revolução com as armas da lei.

Nestes termos e nos do n.° 1 do artigo 170.° da Constituição, os deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projecto de lei:

CAPÍTULO I Princípios gerais

Artigo 1.°

Âmbito da presente lei

A presente lei define os casos e termos em que é conferido e pode ser exercido o direito de acção popular, enquanto instrumento de participação democrática dos cidadãos na defesa de certos direitos ou interesses colectivos.

Artigo 2.°

Titularidade do direito de acção popular

São titulares do direito de acção popular, nos termos da lei, o Ministério Público, qualquer cidadão no gozo e no exercício dos seus direitos civis e políticos e as associações de defesa dos interesses em causa, independentemente de possuírem ou não interesse directo em demandar.

Artigo 3.° Requisitos de legitimidade activa das associações

São requisitos de legitimidade activa das associações:

a) Serem dotadas de personalidade jurídica;

b) Terem sido legalmente constituídas;

c) Incluírem explicitamente no seu objecto estatutário a defesa dos interesses em causa no tipo de acção de que se trate;

d) Não exercerem qualquer forma de actividade profissional.

Artigo 4.° Direitos e interesses protegidos

Constitui objecto da acção popular a defesa dos seguintes direitos e interesses:

a) O direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial de infracções contra a saúde pública, o ambiente e a qualidade de vida ou o património cultural;

b) Os demais direitos e interesses tutelados ou a tutelar, através do exercício do direito de acção popular, nos termos da lei.

CAPÍTULO II Especialidades processuais

Artigo 5.° Princípios gerais

1 — O exercício do direito de acção popular, nos limites da sua consagração constitucional e legal, pode traduzir-se no exercício de qualquer dos direitos de acção previstos na lei civil, penal ou administrativa.

2 — No exercício do direito de acção administrativa inclui-se o direito de recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem direitos ou interesses cuja protecção se inclua no objecto da acção popular.

3 — A acção popular civil pode ter por objecto o cumprimento de uma obrigação de fazer, não fazer ou indemnizar.

4 — No exercício do direito de acção popular e na respectiva decisão devem as preocupações preventivas prevalecer sobre as repressivas ou indemnizatórias, nomeadamente por recurso a medidas adequadas a prevenir a infracção que se receie, ou a fazer cessar os efeitos de infracção já cometida ou em curso de consumação.

Artigo 6.° Especialidades processuais

A acção popular segue os trâmites processuais próprios da acção ou recurso de que se trate, com as especialidades constantes dos artigos seguintes.

Artigo 7.°

Recolha de provas pelo julgador

Na acção popular, cabe ao juiz iniciativa própria em matéria de recolha de provas, sem vinculação à iniciativa das partes ou à matéria alegada.

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Artigo 8.°

Sobreposição de juízos de equidade a critérios de legalidade estrita

A aplicação do disposto nos artigos 7.°, 9.°, 10.°, 11.°, n.os 2 e 3, 13.°, 16.°, n.° 3, 17.°, n.° 2, 21.°, n.os 1, alínea c), e 2, 26.° e 27.°, far-se-á com prevalência de juízos de equidade sobre juízos de legalidade estrita.

Artigo 9.° Regime de eficácia das decisões

1 — A eficácia das decisões proferidas em acção popular rege-se pela regra geral aplicável à acção de que se trate, salvo quando o julgador decidir de forma diversa, fundado em motivações próprias da natureza específica da acção popular ou do caso concreto em particular, neste caso definindo aqueles ou o universo daqueles em relação aos quais se produzem os efeitos da decisão de que se trate.

2 — As decisões proferidas em acções populares que tenham por objecto interesses difusos são, em regra, eficazes em relação a todos os titulares dos interesses em causa, identificados nos termos do disposto no n. 3 do artigo 11.°, salvo quando o julgador, fundado em motivações próprias do caso concreto, decida aplicar o regime geral da eficácia que no caso caiba.

3 — As decisões finais proferidas em acções populares são publicadas com menção do trânsito em julgado em dois dos jornais presumivelmente mais lidos pelo universo dos interessados no seu conhecimento, à escolha do juiz da causa, que poderá determinar que a publicação se faça por extracto dos seus aspectos essenciais, quando a sua extensão desaconselhar a publicação por inteiro.

Artigo 10.° Regime especial de eficácia dos recursos

Mesmo que determinado recurso não tenha efeito suspensivo, nos termos gerais, pode o julgador, em acção popular, conferir-lhe esse direito, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação.

Artigo 11.°

Direito de exclusão por parte de titulares dos interesses em causa

1 — Recebida petição de acção popular, serão citados os titulares dos interesses em causa na acção popular de que se trate, e não intervenientes nela, para o efeito de, no prazo para o efeito fixado pelo juiz, passarem a intervir no processo a título principal, querendo, aceitando-o na fase em que se encontrar, e para declararem nos autos se aceitam ou não ser representados pelos autor ou autores ou se, pelo contrário, se excluem dessa representação, nomeadamente para o efeito de lhes ser ou não aplicável o efeito das decisões proferidas, sob pena de a sua passividade valer como aceitação, sem prejuízo do disposto no n.° 4 do artigo 12.°

2 — A citação será feita, com garantias de eficácia, por anúncio ou anúncios tornados públicos através de qualquer meio de comunicação social ou editalmente, consoante estejam em causa interesses gerais ou geograficamente localizados, sem obrigatoriedade de iden-

tificação pessoal dos destinatários, que poderão ser referenciados enquanto titulares dos referidos interesses, e por referência à acção de que se trate, à identificação de, pelo menos, o primeiro autor, quando seja um entre vários, do réu ou réus, e por menção bastante do pedido e da causa de pedir.

3 — Quando estejam em causa interesses difusos, por indefinição dos respectivos titulares, a citação prevista no número anterior far-se-á por referência ao respectivo universo, determinado a partir de circunstância ou qualidade que lhes seja comum, da área geográfica em que residam ou do grupo ou comunidade que constituam, em qualquer caso sem vinculação à identificação constante da petição inicial, seguindo-se no mais o disposto no número anterior.

Artigo 12.° Regime especial de representação processual

1 — Nos processos relativos a acções populares, o autor ou autores representam por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito previsto no n.° 1 do artigo 11.°, com as consequências constantes da presente lei.

2 — O Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais e demais entidades públicas, quando titulares dos direitos ou interesses em causa, bem como os demais titulares desses direitos ou interesses não intervenientes no processo, nem neles por outro meio representados, e que sejam menores ou incapazes ou estejam impossibilitados de receber a citação prevista no artigo 11.°, serão representados cumulativamente pelo Ministério Público e pelo autor ou autores intervenientes no processo, com prevalência da representação do Ministério Público em caso de desarmonia ou colisão dos respectivos actos.

3 — Igual prevalência ocorrerá sempre que o Ministério Público exerça competências que lhe são próprias.

4 — Precludido o direito de exclusão previsto no n.° 1 do artigo 11.°, a representação referida no antecedente n.° 1 é ainda susceptível de recusa pelo representado, até ao termo da produção de prova ou fase equivalente, por declaração expressa nos autos.

Artigo 13.° Regime especial de indeferimento da petição inicial

Nos processos de acção popular a petição deve ser indeferida nos termos gerais do indeferimento liminar e ainda quando o julgador entenda, ouvido o Ministério Público e feitas preliminarmente as averiguações que o julgador tenha por justificadas, ou que o autor, ou autores, ou o Ministério Público requeiram, que é improvável a procedência do pedido e pouco consistente a aparência do direito ou da lesão de interesses invocados.

Artigo 14.°

Regime especial de intervenção do Ministério Público

1 — Nas acções cíveis ou administrativas de acção popular, o Ministério Público intervém obrigatoriamente e a título principal, sem prejuízo do disposto no artigo 11.°

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2 — Em caso de desistência ou abandono da lide por parte dos demais autores, o Ministério Público assumirá, querendo, a titularidade activa e a representação de todos os titulares dos interesses em causa, uma vez mais sem prejuízo do disposto no artigo 11.°

3 — Decorridos 60 dias sobre a data em que passa a poder ser requerida sem que qualquer dos intervenientes privados na acção o faça, deve o Ministério Público requerer a execução da sentença nela proferida.

Artigo 15.°

Regime especial de intervenção no exercício da acção popular penal dos cidadãos e associações

1 — Aos cidadãos, bem como às associações titulares do direito de acção penal, é reconhecido o direito de denúncia, queixa ou participação ao Ministério Público, com base em infracção dos direitos e interesses referidos no artigo 4.° que revistam natureza penal, bem como o de se constituírem assistentes no respectivo processo, nos termos previstos nos artigos 68.°, 69.° e 70.° do Código de Processo Penal.

2 — O pedido de reparação de danos fundado na prática da infracção referida no número anterior pode ser deduzido no processo penal respectivo ou em separado, directamente pelos titulares da correspondente acção popular.

Artigo 16.° Regime especial de preparos e custas

1 — Pelo exercício do direito de acção popular não são exigíveis preparos.

2 — O autor ou autores nos processos de acção popular ficam isentos do pagamento de custas em caso de procedência, ainda que parcial, do pedido.

3 — Em caso de decaimento total, o autor ou autores intervenientes nos processos de acção popular serão condenados em montante a fixar pelo julgador, entre um décimo e metade das custas que normalmente seriam devidas, tendo em conta a situação económica do autor ou autores e a razão formal ou substantiva da improcedência.

4 — A litigância de má-fé rege-se pela lei geral.

5 — A responsabilidade dos autores intervenientes nos processos de acção popular é solidária, nos termos gerais.

6 — A responsabilidade dos demais titulares dos interesses em causa não intervenientes no processo nem dele excluídos, nos termos do artigo 11.°, de comparticiparem no pagamento das custas, constitui para estes uma obrigação natural.

CAPÍTULO III Reparação de danos

Artigo 17.° Princípios gerais

1 — Os titulares dos interesses directa ou indirectamente ofendidos têm direito à correspondente reparação de danos.

2 — Quando se trate de interesses difusos, a indemnização é fixada globalmente.

3 — O direito de cada titular, que não seja entidade pública, de requerer para si o pagamento da indemnização que lhe cabe em divisão ou rateio, prescreve no prazo de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão que tiver reconhecido esse direito.

4 — Os montantes correspondentes a direitos prescritos serão entregues ao Ministério da Justiça, que os escriturará em conta especial, e afectados ao apoio no acesso ao direito e aos tribunais de titulares do direito de acção popular que justificadamente o requeiram.

Artigo 18.° Responsabilidade subjectiva

A responsabilidade por infracção contra a saúde pública, o ambiente e a qualidade de vida ou o património cultural co-envolve o dever de indemnizar o lesado ou lesados pelos danos directa ou indirectamente causados.

Artigo 19.° Responsabilidade objectiva

Existe ainda a obrigação de indemnização por danos, independentemente de culpa, sempre que de acções ou omissões do agente tenham resultado danos para a saúde pública, o ambiente e a qualidade de vida ou o património cultural, no âmbito ou na sequência de actividade objectivamente perigosa.

Artigo 20.° Seguro de responsabilidade civil

Sempre que o exercício de uma actividade envolva risco anormal para a saúde pública, o ambiente e a qualidade de vida ou o património cultural, deverá ser exigido ao respectivo agente seguro da correspondente responsabilidade civil como condição do início ou da continuação daquele exercício, em termos a regulamentar.

Artigo 21.° Titularidade do direito à indemnização

1 — São titulares do direito à indemnização:

ff) No caso de violação de direitos ou interesses individuais, os respectivos titulares;

b) No caso de violação de interesses colectivos, a respectiva colectividade, quando dotada de personalidade jurídica, ou os respectivos contitulares, no caso inverso;

c) No caso de violação de interesses difusos, os respectivos titulares integrados numa comunidade ou num grupo, residentes numa determinada área geográfica, ou de outro modo identificados, nos termos do artigo 11.°;

d) No caso de violação de direitos ou interesses públicos, o Estado, a Região Autónoma, a autarquia local ou a entidade pública titular dos interesses violados.

2 — No caso de violação de interesses difusos, o montante da correspondente indemnização deverá ser objecto de divisão ou rateio entre os lesados, segundo

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critérios de equidade a fixar pelo tribunal, em função do prejuizo respectivo determinável individualmente ou por grupos, ou por divisão entre os lesados e a entidade ou entidades, de entre as previstas na alínea d) do número anterior, que se mostrem igualmente lesadas, ou que melhor representem, no critério do julgador, a parte pública do correspondente dano, salvo se o julgador, em antenção às dificuldades da divisão ou ao montante irrisório da indemnização per capita, decidir dar-lhe o destino previsto no n.° 4 do artigo 17.°

CAPÍTULO IV Das infracções objecto de acção popular

Artigo 22.° Infracções contra a saúde pública

1 — Consideram-se infracções contra a saúde pública as que, como tal, forem definidas por lei.

2 — São, nomeadamente, infracções contra a saúde pública, quando legalmente tipificadas:

a) O fornecimento de bens ou serviços que, quando utilizados em condições normais, possam implicar perigo para a saúde ou a segurança do utente;

b) O fornecimento de bens cuja qualidade, composição, embalagem, rotulagem, conservação, manuseamento, transporte, armazenamento ou condições de higiene e limpeza não tenham obedecido à regulamentação em vigor;

c) O fornecimento de bens ou serviços cuja utilização normal envolva riscos para a saúde ou a segurança do utente, sem prévia comunicação a este, pelo fabricante fornecedor, da existência e caracterização desses riscos, nomeadamente no caso de substâncias oficialmente caracterizadas como tóxicas ou perigosas, ou de aditivos, corantes e conservantes admitidos nos produtos alimentares, em absoluto ou com referência a determinadas quantidades ou a prazos de validade, bem como, em geral, de bens e serviços objecto de medidas especiais de regulamentação e prevenção de riscos;

d) A adopção de contratos-tipo, nomeadamente em regime de adesão, que contenham cláusulas de fornecimento de bens ou serviços nas condições e com os efeitos referidos nas alíneas anteriores, ou que por outras razões sejam ilícitas ou intencionalmente não claras;

e) A publicidade oculta, indirecta ou dolosa dos bens, serviços ou contratos mencionados nas alíneas precedentes e, em geral, a inverdade ou imprecisão das informações afixadas em rótulos ou prestadas nos locais de venda quanto à natureza, composição, qualidade, prazo e validade, utilidade, forma de utilização e demais características relevantes para a saúde pública, relativas aos mesmos bens e serviços.

3 — Constitui, em especial, infracção contra a saúde pública, nos termos da correspondente tipificação, a violação das regras e medidas legais de prevenção de

riscos aplicáveis aos seguintes bens considerados de particular importância para a protecção da saúde e da segurança dos utentes:

a) Produtos alimentares pré-embalados;

b) Produtos alimentares conservados pelo frio;

c) Cosméticos e detergentes;

d) Substâncias psicotrópicas e, em geral, tóxicas ou perigosas;

e) Objectos e materiais destinados a serem postos em contacto com produtos alimentares;

f) Medicamentos;

g) Adubos e pesticidas;

h) Produtos para utilização veterinária; 0 Produtos para nutrição animal.

Artigo 23.° Infracções contra o ambiente e a qualidade de vida

1 — São infracções contra o ambiente e a qualidade de vida todas as que como tal forem definidas por lei, expressamente, ou por contribuírem para a sua degradação.

2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, constitui, nomeadamente, infracção contra o ambiente e a qualidade de vida a violação das normas legais ou regulamentares constantes da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.° 11/87, de 7 de Abril) ou nela previstas, que visem:

a) A defesa da qualidade dos componentes ambientais naturais: ar, luz, água, solo vivo e subsolo, fauna e flora;

b) A disciplina dos componentes ambientais humanos: paisagem, património natural ou construído e poluição.

3 — Nos mesmos termos, constitui ainda e nomeadamente infracção contra o ambiente e a qualidade de vida a violação das normas imperativas dos instrumentos de política do ambiente e do ordenamento do território e de disciplina dos regimes do licenciamento ou condicionamento das actividades ou dos actos a eles sujeitos.

Artigo 24.°

Infracções contra o património cultural

1 — São infracções contra o património cultural, para os efeitos da presente lei, as que como tal forem legalmente definidas expressamente ou por contribuírem para a sua degradação.

2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior constitui, nomeadamente, infracção contra o património cultural a violação das normas legais ou regulamentares constantes da Lei n.° 13/85, de 6 de Julho (património cultural português), ou nela previstas, e, de entre elas:

cr) A violação de normas legais ou regulamentares que assegurem a salvaguarda, a preservação e a valorização do património cultural, designadamente dos bens e valores do património cultural, de interesse histórico, literário, artístico, arqueológico, turístico ou paisagístico;

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b) A violação de normas legais ou regulamentares que disciplinem os regimes de classificação, desclassificação e condicionamento dos bens a eles sujeitos que integram o património cultural;

c) A violação de normas legais ou regulamentares que disciplinem os regimes especiais de alienação, expropriação, restauração, arrendamento, deslocação ou demolição de bens que integrem o património cultural, classificados ou em vias de classificação.

CAPÍTULO V Disposições finais e transitórias

Artigo 25.° Dever de cooperação das entidades públicas

1 — É dever dos agentes da administração central, regional e local, bem como dos institutos, empresas e demais entidades públicas, cooperar com as partes intervenientes em processo de acção popular.

2 — As partes intervenientes em processo de acção popular poderão, nomeadamente, requerer às entidades competentes as certidões e informações que julgarem necessárias ao êxito ou à improcedência do pedido, a fornecer em tempo útil.

3 — A recusa, o retardamento ou a omissão de dados e informações indispensáveis ao mencionado fim, salvo quando justificadas por razões de segredo de Estado ou de justiça, faz incorrer o agente responsável em responsabilidade civil e disciplinar.

Artigo 26.° Honorários de advogado

A parte que decair, ou na medida em que decair, será condenada a pagar à parte vencedora, e na medida do vencimento, uma importância a fixar pelo julgador a título de compensação por encargos com honorários de advogado.

Artigo 27.° Ressalva de casos especiais

Os casos de acção popular não abrangidos pelo disposto na presente lei regem-se pelas normas que lhe são próprias e, subsidiariamente, pela parte aplicável do disposto na presente lei.

Artigo 28.° Regulamentação

O Governo regulamentará a presente lei no prazo de 90 dias, findo o qual, na falta de regulamentação, passará a ser de aplicação directa o que nela se dispõe.

Artigo 29.° Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no 60.° dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 8 de Janeiro de 1992. — Os Deputados do PS: Jaime Gama — Almeida Santos.

PROJECTO DE LEI N.° 42/V

LIBERDADE DE ACESSO AOS DOCUMENTOS ADMINISTRATIVOS

1 — A Constituição da República consagra, após a última revisão, «o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas».

Surge, assim, à margem do procedimento administrativo contencioso ou gracioso, um autêntico direito autónomo de acesso às fontes documentais da Administração. O princípio da transparência administrativa é, pela primeira vez, inscrito expressamente como princípio constitucional, configurando-se como uma modalidade do direito à informação e exigência de exercício da cidadania.

A transparência como regra e o segredo como excepção exprimem-se, então, como uma necessidade da modernização administrativa, sobretudo quando esta estende a sua acção aos mais diversos níveis da vida económica e social, pública e privada.

Quando já se fala, sobretudo com o tratamento automatizado de dados que permitem compor os perfis dos administrados, nas «perigosas máquinas sociais de discriminar os homens», o acesso à documentação constitui, desde logo, uma garantia fundamental de salvaguarda das liberdades públicas.

2 — A recepção no texto constitucional do livre acesso à documentação constitui um passo decisivo no movimento universal para a transparência, que ganhou, sobretudo a partir dos anos 60, de Ocidente a Este, um significativo incremento.

É certo que o acesso público aos documentos administrativos tem a sua origem percursora e remota na Suécia do século xvm, mas só a partir de meados deste século se expandiu: na Finlândia em 1951, e, sobretudo, com a Freedim of Information Act, dos Estados Unidos, em 1966, com as leis de 1970 da Dinamarca e Noruega, na Áustria, em 1982, Canadá, Quebeque, bem como noutros países que, sem terem organizado e reconhecido a liberdade de acesso, a admitem.

Como foi salientado já nas conclusões do Colóquio de Graz, do Conselho da Europa, em Setembro de 1976, a latitude do regime-regra da liberdade de acesso tem de conformar o direito à informação dos cidadãos com o interesse da Administração e a defesa da vida privada. O direito à informação, o direito à vida privada e o direito ao bom governo balizam as restrições e o equilíbrio dos compromissos que a salvaguarda destes princípios exige.

Nesse sentido, ao enunciar o princípio do «arquivo aberto», a Constituição da República definiu-lhe as restrições apenas em matérias de segurança (interna e externa), de investigação criminal e de privacidade. A modelação legal desta interacção de valores e prescrições exige, porém, uma ponderação adequada, de modo que as restrições ao direito de informação e de participação apenas sejam condicionadas em medida necessária, e proporcionada, à salvaguarda daqueles núcleos essenciais de restrição.

3 — Já apresentado e votado na generalidade, por unanimidade, na anterior legislatura, o projecto em apreço não teve a sua finalização como lei da República por vicissitudes políticas a que não terá sido, de

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todo, estranha a eminência da publicação de um código de procedimento administrativo. Ora este código veio, e bem, ao consagrar o princípio da Administração aberta, fazer remissão para diploma autónomo do tratamento da matéria respeitante ao acesso aos registos e arquivos administrativos.

O projecto de lei que agora se apresenta, como solução normativa mediadora do texto constitucional, procura incorporar a reflexão disponível sobre este domínio, já ensaiada entre nós, e reter as soluções legais do direito comparado, encaminhando-se ou aproximando-se das soluções testadas em organizações administrativas cuja filosofia e modelo genético esteja próximo do nosso. Destas destaca-se a experiência francesa, ensaiada a partir da Lei de 17 de Julho de 1978, que constitui, pela proximidade institucional do modelo centralizado de administração, uma referência privilegiada a reter nas soluções a adoptar.

4 — A transparência administrativa representa não só uma exigência de controlo da Administração, mas ainda um instrumento de diálogo, que permite ao cidadão o exercício adequado do direito de crítica e de contestação e implica um processo de alterações estruturais e uma mudança nas mentalidades, na formação e nas rotinas dos agentes do serviço público.

A liberdade de acesso aos documentos e registos administrativos compreende o direito à informação sobre o conteúdo dos documentos e a possibilidade da sua reprodução material; um autêntico direito de «resposta», que se consubstancia no direito de correcção das informações inexactas e no suprimento de omissões, e um direito à «publicidade» dos documentos produzidos pela Administração ou, no mínimo, referência à sua existência.

Para o exercício deste direito é relativamente irrelevante o lugar do seu exercício, mas já não a qualidade do emissor do documento, a qual define a natureza de documento administrativo; o ter sido produzido pela administração do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias, de um instituto público, empresa pública, pessoas colectivas de direito público e pessoas de direito privado que exerçam poderes públicos.

Também a qualidade do cidadão requerente é decisiva para a amplitude do seu direito. A regra geral é a do acesso livre de todos, sem necessidade de fundamentação, aos documentos não nominativos, enquanto os documentos «personalizados» só são acessíveis ao próprio ou, excepcionalmente, a terceiros a quem o documento respeite e após apreciação prévia do seu interesse directo, pessoal e legítimo.

O acesso aos documentos e registos não colide com a chamada «reserva da intimidade administrativa» no que respeita aos processos e momentos preparatórios de elaboração de uma decisão. Não sendo abrangido o acesso às notas, dados, esboços e apontamentos pessoais, é garantida a possibilidade de aceder aos documentos preparatórios de uma decisão a partir do momento em que tem lugar a referida decisão.

O exercício do direito de acesso está subordinado à apresentação de um pedido de acesso escrito, o qual deve ser suficientemente preciso e referenciar-se a documentos existentes.

A recusa de acesso aos documentos só pode verificar--se se a classificação do documento a autorizar, em função da sua natureza. A Administração deverá, em qualquer circunstância, informar o requerente sobre as

razões fundamentadas da recusa ou se o documento não se encontra na sua posse. Os prazos que são dados à Administração para responder ao pedido são um prazo máximo de 30 dias para informar do acesso ou recusa do acesso, um prazo de 30 dias à Comissão de Acesso aos Documentos e Registos Administrativos (CADRA) para se pronunciar sobre o pedido formulado e um prazo de 30 dias para a Administração se pronunciar sobre o parecer da CADRA e declarar se o segue ou não. Findo este prazo e estas três fases de um mês cada uma, há lugar a recurso administrativo contencioso.

Os deveres da Administração no âmbito da lei do processo administrativo continuam a manter-se, sendo, por sua vez, objecto de legislação própria as matérias respeitantes ao acesso ao registo civil, comercial e predial, aos arquivos históricos e ainda ao tratamento automatizado de dados com o recurso à informática.

5 — A CADRA tem, neste quadro, um particular papel institucional, sendo simultaneamente um órgão de aconselhamento e de reflexão. Cabe-lhe zelar pelo cumprimento das disposições legais, apreciando as queixas sobre recusas ou dificuldades no acesso, a não rectificação de dados, a utilização de informações inexactas, o acesso de terceiros a documentos normativos, dar parecer obrigatório na classificação de documentos, pronunciar-se sobre soluções legislativas e regulamentares necessárias ao acesso e elaborar um relatório que dê conta da actividade administrativa e suscite o necessário debate público.

A CADRA é presidida por um magistrado a designar pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e integra, em partes iguais, membros designados pela Assembleia da República e pelo Governo, dois elementos designados pela Associação Nacional de Municípios e dois pelas confederações sindicais, após prévia consulta às associações da função pública.

A função da CADRA e a sua composição projectam--na como entidade pública independente, capaz de estabelecer uma acção diversa do modelo jurisdicional ou administrativo, de recurso à norma ou à decisão, isto é, propondo-se a recomendação ou a opinião esclarecida.

Este diploma, ao consagrar a transparência como regra e o segredo como excepção, remete para uma nova filosofia da acção administrativa e para uma reestruturação desburocratizadora. Ao seu nível, este projecto de lei pretende contribuir para a emergência de uma administração pública desburocratizada, aproximando os serviços das populações e contribuindo para a participação dos cidadãos.

CAPÍTULO I Princípios gerais

Artigo 1.° Âmbito da lei

A presente lei define as condições do exercício do direito de acesso à documentação administrativa e do dever de transparência da Administração Pública.

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Artigo 2.° Titularidade do direito à documentação

É titular do direito de acesso aos documentos e registos administrativos, nos termos da presente lei e da legislação para que ela remete, qualquer cidadão no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos.

Artigo 3.° Documentos e registos administrativos

1 — São considerados documentos e registos administrativos, para o efeito da presente lei, todos os processos, relatórios, estudos, pareceres, actas, autos, circulares, oficios-circulares, ordens de serviço, despachos normativos internos, instruções e orientações de interpretação legal ou de enquadramento da actividade administrativa ou outros elementos de informação elaborados pelos órgãos, serviços e agentes da Administração, quer revistam a forma gráfica, sonora ou em imagem, recolhida em qualquer tipo de suporte material, incluindo o informático.

2 — Não são abrangidos pela presente lei as notas pessoais, esboços, apontamentos e dados de natureza semelhante.

Artigo 4.° Órgãos da Administração Pública

Consideram-se como integrando a Administração Pública, para os. efeitos da presente lei, os órgãos, serviços e agentes do Estado e das regiões que exerçam funções administrativas, bem como das autarquias locais, institutos públicos, empresas públicas e demais pessoas colectivas de direito público, e quaisquer entidades que exerçam poderes públicos por delegação ou concessão.

CAPÍTULO II Direito de acesso

Artigo 5.° Direitos e interesses protegidos

Constitui objecto do direito de acesso aos documentos e registos administrativos:

a) O direito à informação sobre o conteúdo dos documentos e registos e sua reprodução material;

b) O direito de correcção das informações inexactas e suprimento de omissões;

c) O direito a serem informados da existência dos diferentes documentos e registos da Administração.

Artigo 6.°

Documentos e registos administrativos não nominativos

É livre o acesso aos documentos e registos administrativos de carácter não nominativo.

Artigo 7.° Documentos nominativos

São considerados nominativos, para os efeitos da presente lei, os documentos que contenham uma apreciação ou um julgamento de valor sobre uma pessoa singular designada pelo nome ou suficientemente identificada.

Artigo 8.°

Acesso a documentos nominativos

1 — O direito de acesso aos documentos de carácter nominativo é reservado à pessoa a quem os dados respeitam.

2 — Mediante parecer favorável da Comissão de Acesso aos Documentos e Registos Administrativos (CADRA), podem ter acesso aos documentos de carácter nominativo terceiros que nisso demonstrem um interesse directo e pessoal.

3 — As informações nominativas de carácter médico só serão comunicadas ao interessado por intermédio de um médico por este designado.

4 — É garantido aos interessados o direito de exigir a correcção das informações inexactas, o suprimento de omissões totais ou parciais e a supressão das que tenham sido obtidas por meios ilícitos ou fraudulentos ou cuja conservação não seja permitida.

5 — É proibida a utilização de quaisquer informações que, por inexactas, tenham sido corrigidas.

6 — Quando num mesmo documento coexistam informações nominativas e não nominativas, é assegurado o acesso a estas últimas.

Artigo 9.°

Deveres especiais da Administração no âmbito da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos

0 exercício do direito de acesso à documentação não prejudica o cumprimento de deveres especiais da Administração relativa a informação, fundamentação, citação e notificações ou outras formas de exercício de direitos no âmbito da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos ou quaisquer outras normas de garantia dos administrados.

Artigo 10.° Diferimento do acesso

1 — O exercício de acesso aos documentos preparatórios de uma decisão administrativa não tem lugar antes da respectiva decisão.

2 — O acesso aos inquéritos e sindicâncias tem lugar após o decurso do prazo para o procedimento disciplinar.

Artigo 11.° Restrição do direito de acesso

1 — A Administração Pública só pode proibir o acesso a documentos e registos administrativos cuja classificação o autorize.

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2 — A proibição ou limitação do acesso só pode ser estabelecida, nos termos da lei, em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.

Artigo 12.° Classificação de documentos

1 — Os documentos e registos produzidos pela Administração serão publicados ou referenciados nos termos da lei.

2 — Os órgãos da Administração elaborarão e afixarão publicamente as listas de documentos cujo acesso é vedado ou limitado em função da sua natureza ou objecto, após parecer da CADRA.

Artigo 13.° Reserva do direito de autor

1 — O exercício do direito à documentação não prejudica a aplicação do disposto na lei sobre direitos de autor ou conexos.

2 — É proibida a reprodução, difusão ou utilização para fins comerciais dos documentos a que se teve acesso.

CAPÍTULO III

Processo de acesso aos documentos e registos administrativos

Artigo 14.° Modo de acesso

1 — O acesso aos documentos e registos administrativos exerce-se:

a) Pela consulta gratuita do documento no local e na entidade que o arquiva;

b) Pela reprodução do documento.

2 — A informação tratada de modo automatizado deve ser transmitida em linguagem clara, isenta de codificações e rigorosamente correspondente ao conteúdo do registo.

3 — Sempre que, por razões de conservação dos documentos, não seja possível recorrer às técnicas de reprodução disponíveis, poderá o requerente, a suas expensas, promover a utilização de reprodução técnica não acessível à entidade requerida, sob a responsabilidade desta.

Artigo 15.° Forma do pedido

1 — O acesso aos documentos existentes deverá solicitar-se por escrito e conter o nome e a direcção do requerente, a data do pedido e a designação do documento requerido.

2 — Nos documentos administrativos de carácter nominativo, o requerimento de acesso poderá, para além das exigências do número anterior, referir quaisquer outros dados que permitam a identificação precisa do documento requerido.

Artigo 16.° Decisão sobre o acesso

1 — O órgão ou serviço da Administração a quem foi dirigido o requerimento de acesso deve, no prazo máximo de 30 dias:

á) Determinar as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que se autoriza a consulta do documento ou registo;

b) Informar que não detém o documento requerido e sua localização;

c) Indicar de modo fundamentado as razões pelas quais ao requerente é recusado o acesso aos documento e registo administrativo.

2 — A recusa de acesso pleno ao documento deverá ser notificada ao requerente por escrito, enunciando as razões de facto e de direito em que se funda a decisão.

3 — A ausência de decisão, expressa ou tácita, no prazo de 30 dias corresponde a indeferimento.

4 — Das decisões da Administração cabe recurso e queixa para a CADRA.

CAPÍTULO IV

Da Comissão de Acesso aos Documentos e Registos Administrativos (CADRA)

Artigo 17.°

Comissão de Acesso aos Documentos e Registos Administrativos

1 — É criada a Comissão de Acesso aos Documentos e Registos Administrativos (CADRA), órgão independente, a quem cabe velar pelo cumprimento das disposições legais relativas ao acesso dos documentos e registos administrativos.

2 — A Comissão disporá de serviços próprios de apoio técnico e administrativo.

Artigo 18.°

Composição

1 — A Comissão é composta por:

á) Um juiz conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, designado pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que preside;

b) Quatro membros eleitos pela Assembleia da República por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que inferior à maioria absoluta de deputados;

c) Quatro membros designados pelo Governo;

d) Dois membros designados pela Associação Nacional de Municípios;

é) Dois trabalhadores da função pública designados pelas confederações sindicais, ouvidas as associações do sector.

2 — Os membros da Comissão são designados por quatro anos.

3 — As vagas que ocorrerem serão preenchidas pela eleição ou designação de novos membros, nos termos do n.° 1 deste artigo.

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Artigo 19.° Competência

Compete à CADRA:

a) Apreciar as queixas sobre dificuldade ou recusa no acesso aos documentos e registos;

b) Apreciar as queixas sobre a recusa de rectificação de informações contidas nos documentos e registos, suprimento de omissões ou supressão de informações ilícitas;

c) Apreciar as reclamações ou queixas sobre a utilização de qualquer informação que, por inexacta, tenha sido corrigida;

d) Dar parecer sobre o acesso aos documentos nominativos nos termos do n.° 2 do artigo 8.°;

é) Dar parecer obrigatório sobre as propostas de classificação de documentos;

f) Dar parecer sobre a aplicação da presente lei a solicitação da Assembleia da República, do Governo e dos órgãos da Administração;

g) Pronunciar-se obrigatoriamente sobre as soluções legislativas ou regulamentares relativas ao acesso aos documentos e registos;

h) Elaborar um relatório anual a enviar à Assembleia da República.

Artigo 20.° Regulamento

Após a entrada em funções, a Comissão procederá de imediato à elaboração do seu regimento, o qual será publicado no Diário da República, 2.a série.

Artigo 21.° Estatuto

Em tudo o que se refere a honras, direitos, incompatibilidades e regalias é aplicado, no que se refere ao presidente da Comissão, o estatuto de Provedor de Justiça e aos restantes membros o estatuto de deputados.

Artigo 22.° Apreciação das queixas

1 — A Comissão aprecia as queixas que lhe forem presentes e emite parecer sobre o acesso aos documentos e registos no prazo máximo de 30 dias, podendo solicitar à Administração e ao requerente as informações necessárias.

2 — Os agentes da Administração estão obrigados ao dever de cooperação com a Comissão e o seu não cumprimento faz incorrer o agente responsável em responsabilidade disciplinar.

Artigo 23.° Decisão sobre a queixa

1 — O parecer da Comissão será emitido e enviado ao órgão e agente da Administração próprio, o qual se pronunciará sobre as suas conclusões no prazo máximo de 30 dias.

2 — A ausência de. decisão do prazo referido corresponde a decisão desfavorável ao requerente.

3 — Da decisão do órgão e agente da Administração desfavorável ao requrente cabe recurso para o tribunal administrativo de círculo.

Artigo 24." Prazos

Todos os prazos estabelecidos no presente diploma são contados nos termos do artigo 279.° do Código Civil.

CAPÍTULO V Disposições finais e transitórias

Artigo 25.°

Legislação especifica e complementar

Diplomas legais e específicos regularão a matéria respeitante ao acesso ao:

a) Registo civil, comercial e predial;

b) Tratamento automatizado da informação com o recurso à informática;

c) Arquivo da Torre do Tombo e demais arquivos históricos.

Disposições transitórias

Artigo 26.°

O Governo regulamentará, mediante decreto-lei, no prazo de 90 dias, o disposto na presente lei.

Artigo 27.°

Os membros da CADRA serão designados após a elaboração do regulamento do número anterior e tomam posse no decurso dos 10 dias seguintes ao da publicação da lista dos eleitos no Diário da República, 1." série.

Artigo 28.°

A presente lei entra em vigor no 30.° dia após a sua publicação.

Os Deputados do PS: Jaime Gama — Alberto Martins.

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da Assembleia da República

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Por ordem superior e para constar, comunica--se que nãó serão aceites quaisquer originais destinados ao Diario da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

1 — Preço de página para .venda avulso, 6$; preço por linha de anúncio, 178S.

2 — Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 — Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 diás à data da sua publicação.

PREÇO DESTE NÚMERO 96$00

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