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16 DE JANEIRO DE 1999

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circunstâncias, sucede que, apesar dos inúmeros esforços e iniciativas apresentadas e da aprovação, em 1985, de uma lei do património cultural português, não foi possível ainda, ao novo regime democrático erguido com a Constituição de 1976, consolidar a matriz legislativa adequada à salvaguarda do património cultura! do povo português.

Com efeito, a Lei n.° 13/85, de 6 de Julho, pese embora a confiança que nela o legislador depositou, ou não teve exequibilidade, por falta de legislação de desenvolvimento necessária, ou se foi revelando progressivamente mais desajustada às novas exigências e realidades, conclusões estas a

que chegaram tanto a doutrina como os principais aplicado-

res.

Mas outras condicionantes impunham ainda esta reforma. Por um lado, urgia pôr termo à dispersão legislativa e aos vazios de regulamentação e, simultaneamente, adequar o direito interno aos novos critérios e formas de protecção ditados pelo direito internacional e pelo direito comunitário. Por outro lado, para além da necessidade de uma profunda, coerente e exequível resposta legal às exigências da defesa e valorização do património cultural, a reforma era também necessária em face do regime autonómico insular, tanto mais quando no novo artigo 228.°, alínea b), da Constituição se consagra expressamente que o património cultural é matéria de interesse específico das Regiões Autónomas.

Perante razões tão fortes, que, de resto, foram reforçadas no processo de discussão pública dos relatórios intercalares entretanto apresentados, tomou-se imperativa a preparação de uma nova lei: uma efectiva lei de bases do património cultural. Neste quadro as principais orientações nela perfilhadas relevam, em primeiro lugar, da procura de um adequado nível de concretização da Constituição do património cultural nas suas dimensões subjectiva e objectiva. Em segundo lugar, este novo texto legal surge especialmente orientado ao aperfeiçoamento da coerência interna do regime jurídico aplicável, de que é ponto de partida uma definição precisa do respectivo objecto e âmbito. Uma terceira orientação tem a ver com a combinação de soluções que, de um lado, vêm da tradição portuguesa, em especial dessas marcantes leis que foram a Lei n.° 1700, de 18 de Dezembro de 1924, e o Decreto n." 20 985, de 7 de Março de 1932, bem como da própria Lei n.° 13/85, de 6 de Julho, e, de outro, com novas fórmulas e novos instrumentos colhidos do direito comparado e da doutrina mais recente. Um objectivo ainda tem a ver com a preocupação de garantir maior eficácia e agilidade a todo o sistema normativo aplicável.

Em ordem à concretização da Constituição, ressaltam, de entre as inovações, a definição dos princípios gerais, a explicitação dos direitos, garantias e deveres dos cidadãos e a enunciação dos objectivos e das componentes específicas da política do património cultural, com destaque particular para as directrizes em matéria de planeamento, coordenação e articulação de políticas, inspecção e prevenção, informação, afectação de meios e do controlo e avaliação.

No sentido de garantir a coerência do regime jurídico, deve destacar-se que este passa a estar, primariamente, estruturado em torno do conceito técnico-jurídico de bens culturais, por ser junto dos bens móveis e imóveis que se colocam particulares exigências de protecção, nt& que constitui o regime geral de protecção. Porém, ao lado deste regime geral passam a figurar, a titulo inovador entre nós, regimes especiais de protecção e valorização, com destaque para o património arquivístico, audiovisual, bibliográfico, fonográfico e fotográfico. A este facto se deve, em boa parte, a relativa extensão do texto legal.

No campo das soluções acolheu-se o inventário como forma básica de identificação e protecção dos bens culturais, figura que aparece rodeada de especiais benefícios, de modo a favorecer a sua receptividade. Mas também se instituiu uma forma intermédia de protecção, a qualificação, tendo, nomeadamente, em vista racionalizar e evitar o excessivo recurso à classificação, que, todavia, se mantém como forma de protecção para aqueles bens que possuam um inestimável valor cultural, criando-se mesmo, para os bens móveis classificados, a designação «tesouro nacional».

No que respeita às categorias de bens, sem prejuízo do acolhimento das categorias definidas no direito internacional, revelou-se mais adequado reservar a classificação apenas para o Estado e as Regiões Autónomas, podendo, porém, os bens culturais ser qualificados como de interesse nacional, de interesse regional ou de interesse municipal.

Em rápida síntese podem ainda elencar-se algumas das soluções e inovações propostas no sentido da garantia de maior eficácia e agilidade do sistema: é criado um registo próprio e um título para cada forma de protecção; são definidos, pela primeira vez, os critérios genéricos para a apreciação do interesse cultural; prevê-se o sistema nacional de informação do património cultural; são definidos prazos e regras claras quanto ao procedimento, prevendo-se a possibilidade de devolução das tarefas; os comproprietários vêem reforçados os seus direitos; são previstas medidas provisórias e reforçados os instrumentos urbanísticos de protecção, além da previsão de medidas especiais para a defesa da paisagem e do contexto dos monumentos, conjuntos e sítios; enunciam-se os elementos de conexão aplicáveis aos bens móveis e impõe-se o inventário obrigatório dos bens públicos, do mesmo passo que se admite a qualificação automática de certos bens públicos; dispõe-se, com a densidade necessária, sobre as bases aplicáveis à exportação, à importação e ao comércio de bens culturais; elencam-se as componentes e os instrumentos de valorização; definem-se com rigor as atribuições do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias, decretando-se providências especiais de carácter organizatório; dinamiza-se o regime de benefícios, incentivos e apoios; reforça-se a tutela penal e institui-se uma tutela contra-ordenacional suficientemente comprometida com as soluções desenhadas.

Por fim, ainda que a lei careça dos indispensáveis desenvolvimentos legislativos, ela mostra-se capaz, em inúmeros dos seus parâmetros, de servir de imediato apoio tanto à administração do património cultural como, desde logo, ao reconhecimento e efectividade dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Assim, nos termos do artigo 165.°, n.° 1, alínea g), e ao abrigo da alínea d) do n.° 1 do artigo 197.° da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

título i Dos princípios basilares

Artigo 1.° Objecto

1 — A presente lei estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, como realidade da maior relevância para a compreensão, permanência e construção da identidade nacional e para a democratização da cultura.

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