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1793 | II Série A - Número 054 | 04 de Maio de 2001

 

A crise do SNS tem por isso sido analisada e compreendida como uma expressão de um profundo défice democrático. A reforma do sistema de saúde, que exige a aprovação e aplicação de uma nova Lei de Bases da Saúde, deve por isso constituir uma prioridade legislativa. Foi nesse sentido que o Bloco de Esquerda apresentou um projecto de Lei de Bases que reorganiza o sistema de saúde e o SNS, e é nesse sentido que apresenta o actual projecto de lei que estabelece o princípio da separação entre o sector público e o privado no sistema de saúde.

II

A mercantilização do sistema de saúde tem sido uma das causas do défice democrático que se vive no sistema de saúde. E tem sido igualmente uma das causas da desarticulação do Serviço Nacional de Saúde.
Ora, a saúde não pode ser tratada simplesmente como um mercado, visto que devem predominar, na orientação dos cuidados de saúde, as respostas às necessidades colectivas e não os critérios de rentabilidade privada. A ser um simples mercado, seria certamente dos mais irracionais, dada a extrema assimetria de informação e de poder entre os seus operadores e entre eles e os utentes, tratando-se ainda de uma economia oligopolizada, isto é, com forte poder de condicionamento por parte de alguns dos fornecedores de serviços e de produtos. Mais ainda, a informação é hoje predominantemente dirigida e controlada pela indústria farmacêutica, e é um dos instrumentos do seu poder económico que os governos não quiseram controlar nem limitar.
Por parte dos poderes públicos, a dificuldade de controlo orçamental é também notória, dado que existe uma separação óbvia entre o prestador do serviço que toma a decisão terapêutica e a decisão económica que a pretende regular e que, em consequência, todas as abordagens meramente contabilísticas do controlo da despesa pública fracassam clamorosamente.
Por tudo isto, o presente projecto de lei rejeita vigorosamente a ideia liberalizadora e privatista que tem vindo a ser defendida e que constituiria o naufrágio do SNS, para abrir as portas a uma generalização de uma medicina socialmente ainda mais discriminadora, o que constituiria uma forma brutalmente injusta de anular o direito universal à prestação dos cuidados de saúde.
O resultado das iniciativas privadas tem sido, aliás, uma demonstração categórica da sua incapacidade em fornecer um serviço de qualidade a preço socialmente aceitável.
No caso do Hospital da Cruz Vermelha, foi mesmo preciso um negócio com o governo que garantiu que, em vez do recurso natural ao Hospital do Coração e a Santa Marta, os cuidados em cardiologia pediátrica e urologia seriam desviados para a Cruz Vermelha. Ao mesmo tempo, o Governo decidiu em 1998 que a Partest compraria 45% deste hospital privado, a um preço que decuplicava o seu valor de mercado (as acções foram compradas a 10 400 escudos, quando valiam 1006), o que permitiu regularizar o passivo injectando desta forma 2,3 milhões de contos na empresa, e estabelecendo ainda um acordo por 5 anos que garante 80% da facturação da unidade.
O Tribunal de Contas publicou um relatório em que denuncia este acordo, considerando que "não cabe ao Estado apoiar uma instituição privada com dinheiros públicos, para sanar passivos para os quais o Estado em nada contribuiu, para mais desconhecendo-se a origem de tal situação".

III

O presente projecto de lei, articulado com a proposta de uma nova Lei de Bases de Saúde apresentada pelo Bloco de Esquerda, consagra um princípio fundamental que é o da separação entre o exercício de actividades privadas e públicas. Reconhece-se, e esse é o fundamento dessa separação, que existe um notável conflito de interesses quando os mesmos profissionais - ou até os mesmos serviços - prestam cuidados no mesmo ramo à mesma população. Esse conflito de interesses gera desperdícios, erros de gestão, vantagens específicas e outras formas de desvalorizar o serviço público para benefício de uma actividade empresarial privada. Ora, o princípio do SNS é contraditório com esta permissividade, e só a falta de coragem de sucessivos governos permitiu a estabilização deste conúbio entre interesses privados e o exercício de actividade no sector público.
O presente projecto de lei reconhece, tal como o projecto de Lei de Bases da Saúde apresentado pelo Bloco de Esquerda, a existência de um sector privado prestador de serviços de saúde, sector que deve ter o maior profissionalismo e a melhor capacidade técnica e humana. O que não permite é a confusão entre os sectores público e privado, estabelecendo as regras da separação.
Reconhece, por outro lado, que essa separação deve ser feita com critérios muito rigorosos e não com medidas paliativas, e que é necessário um período de adaptação e de transição, que é fixado até ao final do ano de 2002. Durante esse período, deve ser negociado o estatuto remuneratório dos profissionais de saúde do SNS, quer venham a cumprir tempo completo prolongado quer requeiram o tempo parcial, e devem ser redefinidos os organismos de direcção das unidades do SNS em função das escolhas dos seus profissionais pela carreira do SNS ou pelo regime de contratação para a prestação de serviços.
Finalmente, este projecto de lei parte da constatação que com os actuais níveis remuneratórios e de condições de trabalho dos profissionais de saúde no SNS não é possível adoptar uma política coerente de separação entre o sector público e o privado. A melhoria dos níveis remuneratórios da carreira do SNS por isso é uma condição indispensável para a viabilização desta separação entre os sectores público e privado, e esse novo estatuto deve ser negociado entre a tutela e os representantes dos profissionais de saúde durante o período transitório até à plena instauração do regime de separação.
Assim, o projecto de lei:

1. Proíbe a prática de medicina privada nos hospitais e centros de saúde do SNS;
2. Define uma carreira do SNS que é exercida pelos profissionais de saúde em regime de exclusividade e, em regra geral, em tempo completo prolongado;
3. Estabelece um princípio de negociação das condições remuneratórias para valorizar essa carreira do SNS;
4. Define um período transitório de um ano e meio antes da entrada em vigor deste novo regime, permitindo quer a negociação das condições contratuais quer a adaptação do sistema às novas regras;

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