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0005 | II Série A - Número 018 | 27 de Maio de 2005

 

uma vez que eram aí fabricadas também as embarcações dos pescadores locais, assim como da vizinha Trafaria e os característicos "Meia-lua" da Costa de Caparica, de que restam apenas recordações.

III

Pelo menos desde o século XIII que, na enseada da Margueira, ao longo da praia que ligava o Pontal de Cacilhas à povoação da Romeira Velha, na Cova da Piedade, os navios de alto-bordo iam abrigar-se dos grandes temporais e das sortidas das esquadras inimigas, fazer inspecções aos costados e fundo dos cascos, assim como pequenos concertos e reparações.
Aproveitando a tradição do local para a prática da querenagem e as condições naturais de um baldio que existia junto à Quinta do Outeiro, uma das sete propriedades que a Casa do Infantado possuía no Alfeite, o industrial António José Sampaio instala um pequeno estaleiro nesse terreno junto ao salgado do rio, confinando a Sul com a referida Quinta do Outeiro, a Poente com a Romeira Velha, a Norte com o Caramujo e a Nascente com o rio Tejo.
Este estaleiro, vocacionado apenas para a construção de embarcações em madeira, encontrava-se em plena laboração em 1850. Em 1855, o seu proprietário, por escritura notarial celebrada em Lisboa no dia 27 de Janeiro, toma de foro ao Conde de Mesquitela, um pedaço de terreno na praia da Mutela, junto à Margueira, para ali instalar uma caldeira em estacaria ou de pedra e cal, na extremidade da qual projectava construir duas rampas para querenagem de embarcações.
Desconhecem-se pormenores da actividade destes dois estaleiros, a não ser o facto de ambos se terem mantido na posse daquele industrial até Dezembro de 1892, altura em que o Governo, pretendendo proceder à reforma dos meios navais, consulta os industriais do ramo, procurando avaliar das condições de que dispunham os seus estaleiros para efectuarem a construção dos navios necessários. Os documentos da época esclarecem que efectivamente nem o estaleiro de António José Sampaio se encontrava preparado para construir os navios metálicos, nem os orçamentos apresentados pelo seu proprietário mereceram a apreciação favorável das entidades responsáveis da Armada.
Duvida-se que António José Sampaio tenha concluído o projecto da construção das rampas de querenagem segundo o projecto de intenções subscrito em 1855, por duas razões objectivas: a primeira, porque o local aforado na Mutela era extremamente exíguo e em condições semelhantes já aquele industrial possuía o estaleiro da Praia do Outeiro, muito melhor abrigado; a segunda razão encontra-se relacionada com o facto de, em 1865, Sampaio se preparar para dar início à construção de um grande estaleiro na Praia da Lapa, em Cacilhas, dotado de duas docas secas, sendo deste modo previsível que este último projecto o levasse a colocar em segundo plano das suas prioridades o investimento na Mutela.
Desconhecem-se por quanto tempo estas instalações se mantiveram na posse da família após a morte de António José Sampaio, tendo como certo que desde finais do século XIX, João Gomes Silvestre, conhecido por "João Marcela", natural de Ovar, surge como proprietário do estaleiro da Mutela, partilhando a sua direcção com o irmão Bernardino Gomes Silvestre.
Em 1917, ainda na posse dos mesmos industriais, o estaleiro mantinha as mesmas confrontações do aforamento primitivo, apenas acrescido da serventia, para arrecadação de ferramentas, de um moinho de maré que era propriedade dos herdeiros dos Condes de Mesquitela, e se encontrava desactivado.
O estaleiro dos "Silvestres" funcionou até 1947, ano em que teve lugar um processo de expropriações, tendo por objectivo a abertura do troço da Estrada Nacional n.° 10, ligando Cacilhas à Cova da Piedade. Com este estaleiro naval desapareceram muitos outros que se situavam nas imediações, como os de Manuel Caetano, Américo Cravidão, Francisco Cavaco, João Fialho, Joaquim Maria da Silva, ou Pedro Lopes e Serafim Matos, transferindo-se alguns para o concelho do Seixal enquanto outros simplesmente deram por terminada a sua actividade.
Supomos que na origem da fixação de tão elevado número de oficinas navais na Outra Banda, estarão as obras do aterro do Porto de Lisboa, que nos finais do século XIX expulsaram das praias de Santos mais de duas dezenas de estaleiros artesanais de gestão familiar, a que se vieram juntar mais tarde muitos outros que subsistiam na Junqueira, encerrados compulsivamente pelos mesmos motivos.

IV

Em 10 de Junho de 1865, António José Sampaio procede à escritura do aluguer de um pedaço de salgado na Praia da Lapa, em Cacilhas, para aí construir um estaleiro de maiores dimensões que aqueles que possuía nas proximidades da Quinta do Outeiro e no lugar da Mutela. Em 17 de Dezembro de 1872, aquele industrial paga à Câmara Municipal de Almada, pelo foro do referido salgado situado em Cacilhas, a importância de vinte e dois mil e quinhentos réis.
Durante duas décadas, serão construídas e reparadas naquele estaleiro imensas embarcações e navios de tonelagem variável, em madeira e aço, até que, em 31 de Dezembro de 1893, o estaleiro é vendido à firma Parry & Son, por noventa contos de réis, confirmando-se a transacção por escritura de 15 de Julho de 1899.
A firma H. Parry tinha sua sede na Boa-Vista, em Lisboa, possuindo porém umas instalações navais no lugar do Ginjal, junto à "Praia das Lavadeiras", no sopé do morro em que assenta o castelo de Almada.