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Sábado, 11 de Outubro de 2008 II Série-A — Número 11

X LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2008-2009)

SUMÁRIO Projectos de lei [n.os 206 e 218/X(1.ª)]: N.º 206/X(1.ª) (Altera o Código Civil, permitindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 218/X (Consagra a universalidade e a igualdade no direito ao casamento): — Vide projecto de lei n.º 206/X(1.ª).
Projecto de resolução n.º 363/X(3.ª) (Interdição do espaço aéreo nacional a aeronaves com destino ou origem em Guantánamo): — Parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.

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PROJECTO DE LEI N.º 206/X(1.ª) (ALTERA O CÓDIGO CIVIL, PERMITINDO O CASAMENTO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO)

PROJECTO DE LEI N.º 218/X (CONSAGRA A UNIVERSALIDADE E A IGUALDADE NO DIREITO AO CASAMENTO)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I — Considerandos

1. Nota prévia

Um grupo de Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República, em 11 de Fevereiro de 2006, o projecto de lei n.º 206/X(1.ª), que visa «Alterar o Código Civil, permitindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo».
Em 3 de Março de 2006, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» apresentou à Assembleia da República o projecto de lei n.º 218/X(1.ª), que «Consagra a universalidade e a igualdade no direito ao casamento».
Estas apresentações foram efectuadas nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º desse mesmo Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, as iniciativas vertentes baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para emissão do respectivo parecer.
A discussão na generalidade das referidas iniciativas está agendada para a reunião plenária do próximo dia 10 de Outubro.

2. Do objecto, conteúdo e motivação das iniciativas

Projecto de lei n.º 206/X(1.ª) (BE) O Grupo Parlamentar do BE, com a apresentação do projecto de lei n.º 206/X(1.ª), pretende alterar o Código Civil, em matéria de casamento civil, permitindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Os proponentes consideram esta alteração ao Código Civil fundamental, pois só assim será possível eliminar uma forma de discriminação, conformando a lei ordinária com a lei constitucional, e conformando essencialmente a lei com a realidade social, permitindo assim a celebração do casamento independentemente de se tratar de pessoas de sexo diferente ou do mesmo sexo.
As alterações sugeridas vão no sentido de alterar o conceito de casamento, retirando a referência a pessoas de sexo diferente dos artigos 1577.º e 1591.º do Código Civil, bem como a eliminação do casamento contraído por duas pessoas do mesmo sexo do elenco de causas de inexistência jurídica, previstas no artigo 1628.º do mesmo diploma.
O projecto de lei contém ainda uma disposição preambular relativa à entrada em vigor do diploma, dispondo que o mesmo deverá entrar em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, aplicando-se a todos os processos preliminares de publicações pendentes.

Projecto de lei n.º 218/X(1.ª) (Os Verdes) O projecto de lei n.º 218/X(1.ª), do Grupo Parlamentar do Os Verdes, visa igualmente alterar o Código Civil no sentido de consagrar a universalidade a igualdade no direito ao casamento.
«Os Verdes» prosseguem a defesa da consagração e extensão do princípio e direito à igualdade relativamente à orientação sexual como consequência natural da alteração ao artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, aquando da sexta revisão constitucional ocorrida em 2004.
Os proponentes optaram, em termos de técnica legislativa, por alterar o artigo 1577.º do Código Civil, relativo à noção de casamento. Aproveitam ainda para alterar alguns artigos do Código Civil e do Código de

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Processo Civil no sentido de expurgar incongruências que subsistiriam em virtude da alteração da noção de casamento, designadamente a eliminação da disposição que sanciona o casamento entre pessoas do mesmo sexo com a inexistência jurídica.
Das alterações propostas ao Código Civil merece destaque a apresentada para o artigo 1979.º, relativa a quem pode adoptar plenamente. Os proponentes sugerem que se altere a expressão «ambas» para «tanto o homem como a mulher», em virtude da alteração da noção de casamento.
Os proponentes consideram que este não é o momento oportuno para alterar o actual regime de adopção, alargando-o a casais de pessoas do mesmo sexo, devido à falta de debate suficientemente amadurecido em torno desta questão polémica, que envolve direitos de terceiros.
Por fim, o último artigo preambular, que contém uma verdadeira interpretação autêntica, dispõe que todas as disposições constantes de quaisquer diplomas legais, regulamentares ou administrativos que façam referência a «marido», «mulher», «esposa» ou expressão análoga para efeitos normativos que consagrem direitos ou deveres, pressupondo a existência de um contrato de casamento, devem ser interpretadas no sentido de se referirem a «cônjuge», salvo se se referirem à adopção ou se tiver sido outra a intenção do legislador.

3. Enquadramento constitucional e legal

Das normas constitucionais com interesse e relevância para a matéria focada pelas iniciativas em apreço merecem destaque os artigos 13.º (Princípio da igualdade) e 36.º (Família, casamento e filiação), que aqui se transcrevem:

«Artigo 13.º (Princípio da igualdade)

1 — Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2 — Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Artigo 36.º (Família, casamento e filiação)

1 — Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.
2 — A lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração.»

A proibição de discriminação baseada na orientação sexual foi acrescentada ao artigo 13.º da Constituição pela revisão constitucional de 2004, com vista a proibir as discriminações com base na homossexualidade.
Este direito tem vindo a ser reconhecido nas diversas ordens jurídicas dos Estados-membros da União Europeia. Contudo, um ponto controverso continua a ser o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
O artigo 36.º, n.º 1, reconhece a todos em condições de plena igualdade o direito de contrair casamento, no entanto este instituto jurídico está subordinado a limites e a requisitos, conforme o refere o n.º 2 do mesmo artigo.
O primeiro dos requisitos do casamento, na sua concepção tradicional, é o de que se trata de um contrato entre duas pessoas de sexo diferente, conforme estipulado pelo artigo 1577.º do Código Civil, o que afasta da noção as uniões de pessoas do mesmo sexo.
No entanto, dada a remissão, constante do n.º 2 do artigo 36.º, da estipulação desses requisitos para lei ordinária, nada obsta nem impõe, a eventual liberdade legislativa de atribuir efeitos jurídicos idênticos aos do casamento às uniões entre pessoas do mesmo sexo.

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4. Legislação comparada

Actualmente, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo está consagrado na Holanda, na Bélgica, em Espanha, no Canada, na África do Sul e no Estado de Massachusetts dos Estados Unidos da América, atribuindo-lhes direitos e obrigações idênticos aos dos casais heterossexuais.
Atendendo à legislação dos países da União Europeia e, consequentemente, mais próximos de Portugal, podemos constatar o seguinte: A Holanda foi o primeiro país a consagrar, em Abril de 2001, a permissão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, desde que sejam nacionais. Os estrangeiros que não residam no país não o podem fazer, salvo se uma das partes aí residir.
A Bélgica, por via da Lei de 13 de Fevereiro de 2003, alterou o artigo 143.º do Código Civil belga, passando desta forma a admitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, exigindo e atribuindo os mesmos direitos e obrigações.
Por fim, Espanha, através da Lei n.º 13/2005, de 1 de Julho, modificou também o seu Código Civil em matéria do direito a contrair matrimónio, passado a consagrar o princípio de que o casamento exige os mesmos requisitos e produz os mesmos efeitos consoante os contraentes sejam do mesmo sexo ou de sexo diferente.

Parte II — Opinião da Relatora

As iniciativas legislativas que este relatório aprecia, sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, revestem-se de particular actualidade e merecem ser discutidas num quadro amplo entre partidos políticos, movimentos sociais e estudiosos das grandes mudanças nas sociedades contemporâneas. Estas mudanças encontram expressão na forma como os indivíduos se organizam e, acima de tudo, neste contexto, como se relacionam entre si. Por todo o mundo surgem discussões sobre a igualdade sexual, a regulação da sexualidade e o destino da família.
Sobre a sexualidade, as divergências culturais são bastante antigas, mas continuam actuais enquanto permanecerem discriminações por acção ou omissão nos ordenamentos jurídicos, o que exige evolução das mentalidades e resposta aos problemas contemporâneos. Durante muitos anos as mulheres tiveram um «estatuto» de inferioridade perante os homens, olhadas como propriedade sua, devendo viver para a família.
Só a partir da segunda metade do século passado esta ideia se modificou, designadamente com o ingresso da mulher no mercado de trabalho e, consequente aquisição de independência económica, introduzindo-se mudanças significativas na estrutura familiar. A homossexualidade foi considerada, durante muito tempo, uma patologia e não uma orientação sexual, ideia que ainda subsiste para muitos. Aliás, importa sublinhar que em muitos países ainda hoje a homossexualidade é considerada crime.
Mas a conquista dos direitos civis foi penosa. Basta relembrar a luta dos escravos para serem considerados cidadãos e não coisas, como tão bem retratou o «Poeta dos Escravos», Castro Alves. Recordar, também, as leis da miscigenação que proibiam os casamentos inter-raciais nos Estados Unidos da América, que subsistiram em 13 dos seus Estados até 1967 e o quão difícil foi a conquista do direito ao casamento entre negros e brancos. Leis semelhantes foram, também, adoptadas na África do Sul durante o Apartheid (1944-1985). Apenas alguns factos históricos que ajudam a ilustrar a luta pela conquista da igualdade.
As iniciativas em apreço tratam, como diria Anthony Guiddens, no seu livro Mundo em descontrole, de Democracia Emocional. Tal não anula as obrigações familiares muito menos as políticas públicas voltadas para as normas de regulamentação da família e das outras instituições sociais. Isto não significa uma ruptura com as imposições legais, mas sim uma orientação pelos valores cosmopolitas que implica a renegociação social. A redefinição da estrutura familiar marca os desafios de uma nova democracia.
Mas as iniciativas legislativas pretendem a compatibilização das normas constitucionais (artigos 13.º e 36.º da Constituição da República Portuguesa) com a lei ordinária (Código Civil). A proibição da discriminação com base na orientação sexual foi acrescentada ao artigo 13.º da CRP, na Revisão Constitucional de 2004, por iniciativa do Partido Socialista, aliás honrando o seu património genético na defesa da igualdade. Foi uma

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mudança significativa no ordenamento jurídico português sem precedentes nas constituições dos países da União Europeia.
A defesa da igualdade de direitos, não pode ser mitigada nem envergonhada. Entende a relatora que o projecto de lei que o Partido Ecologista «Os Verdes» apresenta é envergonhado. Reconhece a igualdade de direitos no acesso ao casamento, mas retira a possibilidade de adopção por considerar a questão polémica.
O casamento civil entre pessoas do mesmo sexo está consagrado na Holanda, na Bélgica, em Espanha, no Canadá, na África do Sul e no Estado de Massachussetts e da Califórnia nos EUA, atribuindo-lhes direitos e obrigações idênticos aos dos casais heterossexuais. Na União Europeia apenas três países consagram este direito, Holanda desde 2001, Bélgica desde 2003 e Espanha desde 2005, todos precedidos de um trabalho de debate aprofundado entre os movimentos sociais e os partidos políticos.
Também o Parlamento Europeu apoiou expressamente o casamento homossexual e o direito dos homossexuais a adoptarem. No seu relatório sobre «Os Direitos Fundamentais na União Europeia em 2002», os eurodeputados solicitam aos Estados-membros «a abolição de qualquer forma de discriminação — legal ou de facto — de que ainda são vítimas os homossexuais, nomeadamente em matéria de direito ao casamento e à adopção de crianças». Para além disso, o relatório recomenda aos Estados-membros que adoptem as medidas necessárias ao reconhecimento dessa liberdade a todas as formas de «família».
A relatora está de acordo com o casamento entre pessoas do mesmo sexo, bem como com a adopção, e a necessidade de remover do ordenamento jurídico português a inconstitucionalidade que existe. Trata-se de uma questão de igualdade de direitos, de conquista de direitos civis, de liberdade individual para optar.
Sem prejuízo de a relatora considerar que a consagração legal do casamento entre pessoas do mesmo sexo corresponde a um direito de cidadania, não pode, contudo, escamotear que a questão em análise deverá ser objecto de um amplo e aprofundado debate na sociedade portuguesa com vista à adopção das melhores soluções normativas.
Ao longo dos anos o reconhecimento dos direitos dos homossexuais foi fazendo o seu caminho, foi, também, com o Partido Socialista que o regime jurídico das uniões de facto se estendeu às pessoas do mesmo sexo em 2001. Em 2004, a Revisão Constitucional proíbe a discriminação em função da orientação sexual, pela iniciativa do PS. A relatora está convicta que o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo será uma realidade muito em breve em Portugal.

Parte III – Conclusões

1. Foram apresentadas pelos Grupos Parlamentares do BE e de Os Verdes iniciativas legislativas, cujo intuito é introduzir alterações ao Código Civil e ao Código de Processo Civil (no caso de Os Verdes) em vigor, as quais reúnem os requisitos formais previstos no artigo 124.º do Regimento da Assembleia da República.
2. As iniciativas legislativas em apreço visam introduzir alterações ao regime de casamento consagrado no Código Civil, no sentido de consagrar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
3. De uma forma geral, os proponentes fundamentam as iniciativas legislativas com a necessidade de conformar a legislação ordinária com os preceitos constitucionais, nomeadamente com o artigo 13.º após a revisão constitucional de 2004.
4. Os casamentos entre pessoas do mesmo sexo já se encontram consagrados em alguns países, a saber: Holanda, Bélgica, Espanha, Canada, África do Sul e no Estado de Massachusetts dos Estados Unidos da América.
5. Face ao exposto a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que os projectos de lei n.º 206/X(1.ª) e 218/X(1.ª) reúnem os requisitos constitucionais e regimentais para serem apreciados em Plenário.

Parte IV — Anexos

Tendo em consideração que os projectos de lei em apreço entraram na Assembleia da República em data anterior a 1 de Outubro de 2007, fica excluída a exigência da elaboração da nota técnica prevista no artigo 131.º do Regimento.

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Palácio de S. Bento, 8 de Outubro de 2008.
A Deputada Relatora, Ana Catarina Mendes — O Presidente da Comissão, Osvaldo Castro.

Nota: As Partes I e III foram aprovadas por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

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PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 363/X(3.ª) (INTERDIÇÃO DO ESPAÇO AÉREO NACIONAL A AERONAVES COM DESTINO OU ORIGEM EM GUANTÁNAMO)

Parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas

Nota Introdutória

O PCP, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, apresentou à Assembleia da República o projecto de resolução n.º 363/X(3.ª). O projecto em causa visa, em síntese, interditar o espaço aéreo nacional a aeronaves com destino ou origem em Guantánamo.
O projecto deu entrada a 15 de Julho de 2008. Por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República de 17 de Julho de 2008, o mesmo baixou à Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, para elaboração do respectivo parecer.

Parte I — Considerandos

O projecto de resolução é apresentado, segundo a exposição de motivos, assentando num conjunto de circunstâncias recentemente verificadas.
Em primeiro lugar, salienta-se a situação da base militar dos Estados Unidos da América na baía de Guantánamo «indiscutivelmente associada a uma prisão ou campo de detenção, envolto em secretismo, escondido dos olhares põblicos, reservado do escrutínio democrático e livre (») sinónimo de violação dos Direitos Humanos».
Em Guantánamo, refere o projecto, estarão «detidas centenas de pessoas oriundas de países diversos, meses e anos a fio, sem culpa formada, sem saberem onde estão, de que serão acusadas, porque motivo aí se encontram, sendo que não foram presentes a nenhum juiz ou magistrado, nem serão porventura levadas a julgamento justo e equitativo», sendo objecto de uma privação de liberdade «ilegal, infundada, arbitrária, e por isso ofensiva dos direitos fundamentais».
O projecto refere ainda a situação dos detidos, nomeadamente quanto aos seus direitos, referindo a existência de «testemunhos de denúncia de situações de tortura, de ofensas à integridade física e psíquica, de completa e extrema ausência de respeito pelos direitos pessoais dos detidos. Cidadãos originários dos mais diversos países estiveram como prisioneiros torturados em Guantánamo, sem acusação, sem defensor, sem julgamento, por puro abuso de poder, por pura arbitrariedade no uso da força».
O projecto menciona que «associadas à prisão de Guantánamo surgiram também notícias acerca de aviões que sob a capa de voos de natureza civil ou de Estado, cruzaram o espaço aéreo de quase todos os países europeus transportando prisioneiros sujeitos ao designado método das ’rendições extraordinárias’».
Os Estados Unidos estariam a usar «não apenas o espaço aéreo nacional mas também o nosso território para, em condições secretas, fazerem circular de e para Guantánamo pessoas oriundas de diversos pontos do Globo».
Estes indícios circulavam através da comunicação social, tendo também base em observações directas.
Com o objectivo de o esclarecer, foram tomadas diversas iniciativas, sem que o Governo português tenha acordado em levar a cabo estas diligências.
Já em 2007, foi elaborado um relatório do Parlamento Europeu sobre a matéria, onde constavam dúvidas acerca da situação portuguesa, referindo a possibilidade de passagem destes voos pelo espaço aéreo

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nacional, por diversas vezes e assente em vários indícios. Já em 2008 a ONG britânica Reprieve veio novamente fazer fortes acusações ao Governo português em matéria de passagem dos voos da CIA pelo espaço aéreo nacional, como também em relação ao transporte de passageiros vítimas das «rendições extraordinárias».
O projecto refere que este entendimento é reforçado numa «recente resposta a um requerimento do PCP dá conta que os voos de e para Guantánamo continuam».
Em consequência, o projecto de resolução propõe que «o Governo português promova as necessárias e indispensáveis diligências, nos planos nacional e internacional, com vista a declarar interdito todo o espaço aéreo de soberania nacional a voos militares, de Estado, ou civis, com destino ou origem em Guantánamo».
Esta medida não seria inédita, uma vez que teria, segundo o partido apresentante, já sido tomada por outros Estados, sendo também facilmente exequível, por apenas depender das instituições nacionais.
Esta medida, a ser tomada, teria «a vantagem de arredar de vez quaisquer suspeitas relativas a voos ilegais deixando a nossa consciência democrática colectiva a salvo de acusações ou suspeitas de cooperação com essa rede global de sequestro e tortura que envergonha o mundo civilizado».
Finalizando, o projecto de resolução recomenda ao Governo que:

1. Adopte as necessárias providências com vista a interditar, com efeitos imediatos, o espaço aéreo português a todo e qualquer voo militar, de Estado, ou civil, com origem ou destino em Guantánamo.
2. Adopte os procedimentos de segurança e de fiscalização apropriados a tornar efectiva e eficaz a medida de interdição.

Parte II — Opinião pessoal do relator

O Relator não pode deixar de considerar a iniciativa em apreço de toda a relevância.
Os indícios de alerta sobre a possível passagem dos chamados «Voos da CIA» por Portugal são constantes. Repetem-se, aliás, surgindo indícios diferentes, renovados no tempo. Em contraste, a posição dos sucessivos portugueses tem sido a de negar sistematicamente, quer os voos quer os indícios de «rendições extraordinárias», ou passagem desses prisioneiros por território nacional. Não só se tem negado por completo a possibilidade de os voos da CIA terem passado, por Portugal, como os sucessivos governos têm rejeitado uma investigação séria e exaustiva dos indícios trazidos a público. Desta forma, ainda hoje não é possível ter certezas cabais sobre esta matéria.
No entanto, há governos europeus que procederam a investigações sobre a matéria, mandando até desclassificar documentos classificados como segredo de Estado. É o caso, por exemplo, do Governo espanhol.
Também o Parlamento Europeu, no seu relatório sobre os voos da CIA, recomendou aos Estados que procedessem a investigações, quer por via judicial quer por via parlamentar. No entanto, em Portugal isso não se veio a verificar.
Não obstante, os indícios da passagem dos voos da CIA por Portugal, bem como da passagem de cidadãos sujeitos a rendições extraordinárias, vem das mais diversas fontes. Salientamos o Relatório do Parlamento Europeu, o relatório da ONG britânica Reprieve e, mais recentemente, o relatório de uma fonte tão insuspeita como o Governo espanhol.
O jornal Público dá conta, hoje, 7 de Outubro, de que um relatório do Governo espanhol menciona a passagem por Portugal de «um voo, a 30 de Setembro, que passou duas vezes pelos Açores, numa viagem de ida e volta entre Guantánamo e o Cairo», e que segundo o jornal El País, «esse voo transportava um preso sujeito a um processo de extradição».
Verificamos, pois, que mesmo após terem soado os primeiros sinais de alarme, continuaram a existir voos de e para Guantánamo a passar pelo território nacional português e pelo nosso espaço aéreo. Não se sabe, pois, se esses voos transportavam ou não cidadãos vítimas das rendições extraordinárias — não obstante, existem fortes indícios nesse sentido, vindos das mais variadas fontes.

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Dado o carácter da prisão de Guantánamo, envolta em secretismo e considerada quase «excepção ao direito internacional», é já altamente negativo que exista essa mera suspeita da passagem por Portugal ou pelo espaço aéreo português, de cidadãos com destino à mesma.
Portugal está obrigado internacionalmente ao respeito pelos Direitos Humanos, dado que ratificou diversas convenções internacionais nesta matéria. A nível nacional, também a Constituição Portuguesa que confere direitos inalienáveis, ficando o Estado vinculado ao respeito pelos mesmos.
No entanto, até hoje pouco foi feito para se poder garantir com certeza que não houve, quanto a esta matéria, violações dos direitos humanos que implicassem o Estado português. Existe, pois, uma omissão quanto ao assunto em apreço.
Ainda que se pudesse invocar o desconhecimento inicial quanto aos voos da CIA, o que é facto é que, mesmo após terem sido tornados públicos sinais de alarme, nada se alterou em matéria de circulação aérea, nomeadamente quanto ao controlo dos voos norte-americanos, e em especial de e para Guantánamo.
O Estado português está a percorrer um caminho perigoso, ao permitir que violações gravíssimas dos Direitos Humanos possam estar a ocorrer no seu território nacional e nada fazendo para o evitar. A política de transporte aéreo com os Estados Unidos não se alterou, quando seria plenamente justificado, face aos indícios em questão, um aumento do controlo quanto a determinados voos potencialmente mais suspeitos.
A iniciativa ora em apreço é, por isso, de toda a relevância, sendo inteiramente justificada face às circunstâncias concretas que acabámos de descrever.

Parte III — Conclusões

O projecto de resolução n.º 363/X(3.ª), relativo à interdição do espaço aéreo nacional a aeronaves com destino ou origem em Guantánamo, reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser apreciada e votada em Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate nessa sede.

Palácio de São Bento, 7 de Outubro de 2008.
O Deputado Relator, Fernando Rosas — Presidente da Comissão, Henrique de Freitas.

Nota: O parecer foi aprovado por unanimidade (PS, PSD, PCP e BE), registando-se a ausência de Os Verdes.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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