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Quarta-feira, 20 de agosto de 2014 II Série-A — Número 157

XII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2013-2014)

SUMÁRIO Decretos n.os 262 e 264/XII: N.º 262/XII (Cria a contribuição de sustentabilidade e ajusta a taxa contributiva dos trabalhadores do sistema previdencial de segurança social e do regime de proteção social convergente, procedendo à oitava alteração ao Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 347/85, de 23 de agosto, e alterando ainda o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro): — Mensagem do Presidente da República sobre o veto, por inconstitucionalidade, que exerceu, anexando o Acórdão do Tribunal Constitucional e devolvendo o decreto para reapreciação.
N.º 264/XII (Estabelece os mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão no prazo máximo de quatro anos): — Mensagem do Presidente da República sobre o veto, por inconstitucionalidade, que exerceu, anexando o Acórdão do Tribunal Constitucional e devolvendo o decreto para reapreciação.
Resoluções: (a) — Aprova a Convenção relativa à Assistência Administrativa Mútua em Matéria Fiscal, adotada em Estrasburgo, em 25 de janeiro de 1988, conforme revista pelo Protocolo de Revisão à Convenção relativa à Assistência Mútua em Matéria Fiscal, adotado em Paris, em 27 de maio de 2010.
— Aprova o Acordo Suplementar ao Protocolo sobre o Estatuto dos Quartéis-Generais Militares Internacionais criados em consequência do Tratado do Atlântico Norte entre a República Portuguesa, por um lado, e o QuartelGeneral do Comando Supremo das Forças Aliadas na Europa e o Quartel-General do Comandante Supremo Aliado para a Transformação, por outro.
Projeto de lei n.o 645/XII (3.ª): Primeira alteração ao Regime do Segredo de Estado e alteração ao Código Penal (PSD e CDS-PP).
(a) São publicadas em Suplemento.

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DECRETO N.º 262/XII (CRIA A CONTRIBUIÇÃO DE SUSTENTABILIDADE E AJUSTA A TAXA CONTRIBUTIVA DOS TRABALHADORES DO SISTEMA PREVIDENCIAL DE SEGURANÇA SOCIAL E DO REGIME DE PROTEÇÃO SOCIAL CONVERGENTE, PROCEDENDO À OITAVA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DOS REGIMES CONTRIBUTIVOS DO SISTEMA PREVIDENCIAL DE SEGURANÇA SOCIAL, APROVADO PELA LEI N.º 110/2009, DE 16 DE SETEMBRO, À QUINTA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 137/2010, DE 28 DE DEZEMBRO, À DÉCIMA SEGUNDA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 347/85, DE 23 DE AGOSTO, E ALTERANDO AINDA O CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 394-B/84, DE 26 DE DEZEMBRO)

Mensagem do Presidente da República sobre o veto, por inconstitucionalidade, que exerceu, anexando o Acórdão do Tribunal Constitucional e devolvendo o decreto para reapreciação

Junto devolvo a V. Ex.ª, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, da Constituição, o Decreto da Assembleia da República n.º 262/XII — “Cria a contribuição de sustentabilidade e ajusta a taxa contributiva dos trabalhadores do sistema previdencial de segurança social e do regime de proteção social convergente, procedendo à oitava alteração ao Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 347/85, de 23 de agosto, e alterando ainda o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro” —, uma vez que o Tribunal Constitucional, através de Acórdão cuja fotocópia se anexa, se pronunciou, em sede de fiscalização preventiva, pela inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 2.º e 4.º do mesmo Decreto.

Lisboa, 18 de agosto de 2014.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.

Anexo: Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 575/2014.

Anexo

ACÓRDÃO N.º 575/2014

Processo n.º 819/2014 Plenário Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha (Conselheira Maria Lúcia Amaral) Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional I – Relatório 1. O Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituição das normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 2.º, dos n.os 1 a 5 do artigo 4.º e dos n.os 1 a 4 do artigo 6.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República, recebido na Presidência da República no dia 30 de julho de 2014 para ser promulgado como lei.
O pedido de fiscalização de constitucionalidade apresenta a seguinte fundamentação:

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1.º Pelo Decreto n.º 262/XII, a Assembleia da República aprovou o regime que cria a contribuição de sustentabilidade.
2.º Independentemente do juízo quanto ao mérito das soluções contidas no Decreto em apreciação, importa garantir que da sua aplicação não resulte incerteza jurídica numa matéria de tão grande importância para a economia nacional.
3.º Com efeito, o Decreto em apreciação visa aprovar medidas destinadas ao cumprimento das obrigações internacionais do Estado, sobretudo no contexto da União Europeia, resultantes, em particular, do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação da União Económica e Monetária (Tratado Orçamental).
4.º Sem prejuízo do que antecede, as normas em causa são suscetíveis de violar princípios e normas constitucionais como o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição e o princípio da proteção da confiança, ínsito ao princípio do Estado de direito constante do artigo 2º da Constituição, tal como resulta da interpretação que destes princípios vem sendo feita pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial nos acórdãos n.º 353/2012, n.º 187/2013, n.º 862/2013 e n.º 413/2014.
5.º O presente pedido não visa pôr em causa a necessidade e urgência da adoção de medidas que garantam o cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelo Estado Português mas, tão-só, assegurar que, em face da existência das dúvidas de constitucionalidade mencionadas no número anterior, tais medidas passam o crivo da conformidade com a Lei Fundamental, de modo a instilar a necessária confiança nos agentes económicos e sociais destinatários destas normas e preservar a credibilidade externa do País. O Presidente da República requer o pedido de fiscalização de constitucionalidade nos seguintes termos: Ante o exposto, e não deixando de ponderar a solicitação do Governo nesta matéria, requeiro, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição, bem como do n.º 1 do artigo 51.º e n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, a fiscalização preventiva da constitucionalidade das referidas normas do artigo 2.º, do artigo 4.º e do artigo 6.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República, por violação dos artigos 2.º e 13.º da Constituição. 2. O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 31 de julho de 2014 e o pedido foi admitido na mesma data.
3. Notificada para o efeito previsto no artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, a Presidente da Assembleia da República veio apresentar resposta na qual ofereceu o merecimento dos autos.
4. Através de requerimento que deu entrada no Tribunal Constitucional no dia 4 de agosto de 2014, o Governo de Portugal, na qualidade de proponente do Decreto n.º 262/XII e orientado pelo princípio da colaboração veio requerer a junção aos autos de uma nota explicativa sobre as questões suscitadas no presente processo de apreciação de constitucionalidade, tendo, na mesma data, o requerimento sido admitido e junto aos autos.
5. Discutido o memorando apresentado pela relatora originária, cumpre formular a decisão em conformidade com a orientação definida.

II – Fundamentação

A. O objeto do pedido 6. São objeto do pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade as disposições constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 2.º, dos n.os 1 a 5 do artigo 4.º e dos n.os 1 a 4 do artigo 6.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República.
As referidas disposições têm o seguinte teor:

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Artigo 2.º Âmbito de aplicação da contribuição de sustentabilidade

1 - A CS incide sobre todas as pensões pagas por um sistema público de proteção social a um único titular independentemente do fundamento subjacente à sua concessão.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por pensões, para além das pensões pagas ao abrigo dos diferentes regimes públicos de proteção social, todas as prestações pecuniárias vitalícias devidas a pensionistas, aposentados ou reformados no âmbito de regimes complementares, independentemente da designação das mesmas, nomeadamente, pensões, subvenções, subsídios, rendas, seguros, bem como as prestações vitalícias devidas por força de cessação de atividade, processadas e postas a pagamento pelas seguintes entidades: a) Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Nacional de Pensões (ISS, I.P./CNP) no quadro do sistema previdencial da segurança social; b) CGA, I.P.; c) Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) no quadro do regime de proteção social próprio.

Artigo 4.º Cálculo da contribuição de sustentabilidade

1 - A CS incide sobre o valor das pensões mensais definidas no artigo 2.º.
2 - Para a determinação do valor da pensão mensal, considera-se o somatório das pensões pagas a um único titular pelas entidades referidas no n.º 2 do artigo 2.º.
3 - A aplicação da CS obedece às seguintes regras: a) 2% sobre a totalidade das pensões de valor mensal atç € 2 000; b) 2% sobre o valor de € 2 000 e 5,5 % sobre o remanescente das pensões de valor mensal atç € 3 500; c) 3,5% sobre a totalidade das pensões de valor mensal superior a € 3 500.
4 - Nos casos em que da aplicação da CS resulte uma pensão mensal total ilíquida inferior a € 1 000, o valor da pensão em pagamento é mantido nos seguintes termos: a) Pela atribuição de um diferencial compensatório, a cargo do sistema público de pensões responsável pelo pagamento da pensão, quando estejam em causa pensões de montante ilíquido superior aos valores mínimos legalmente garantidos e igual ou inferior a € 1 000; b) Pela atribuição do complemento social quando estejam em causa pensões mínimas do regime geral de segurança social.
5 - Na determinação da taxa de CS aplicável, o 14.º mês ou equivalente e o subsídio de Natal são considerados mensalidades autónomas.

Artigo 6.º Atualização das pensões

1 - O Governo em articulação com os parceiros sociais procede à revisão da forma de atualização anual das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente, tendo por base indicadores de natureza económica, demográfica e de financiamento das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente, designadamente: a) O crescimento real do produto interno bruto; b) A variação média anual do índice de preços no consumidor, sem habitação; c) A evolução da população em idade ativa e dos beneficiários; d) A evolução da população idosa e dos reformados e pensionistas; e) Outros fatores que contribuam para a sustentabilidade dos sistemas públicos de pensões.
2 - Da aplicação das regras de atualização anual das pensões não pode resultar uma redução do valor nominal das pensões.

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3 - Sempre que em determinado ano a atualização das pensões seja negativa, o valor das pensões mantém-se, sendo o seu valor corrigido em futura atualização positiva por dedução do efeito negativo acumulado em anos anteriores.
4 - As pensões mínimas e as pensões e outras prestações do subsistema de solidariedade e do regime de proteção social convergente de natureza não contributiva podem ficar sujeitas a outras regras de atualização que garantam adequados meios de subsistência. Entende o Requerente que estas disposições são suscetíveis de violar princípios e normas constitucionais como o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição e o princípio da proteção da confiança, ínsito ao princípio do Estado de direito constante do artigo 2.º da Constituição, tal como resulta da interpretação que destes princípios vem sendo feita pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial nos Acórdãos n.os 353/2012, 187/2013, 862/2013 e 413/2014.

B. Enquadramento do objeto do pedido no regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII 7. As normas objeto de fiscalização são relativas a duas das medidas estabelecidas pelo Decreto n.º 262/XII: tanto as normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 2.º como as normas constantes dos n.os 1 a 5 do artigo 4.º dizem respeito à medida que estabelece a contribuição de sustentabilidade; por sua vez, as normas constantes dos n.os 1 a 4 do artigo 6.º referem-se à medida relativa à revisão da forma de atualização anual das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente.
No que se refere ao primeiro grupo de normas, o alcance prescritivo das mesmas só é determinável no quadro do regime da contribuição de sustentabilidade no seu conjunto (artigos 1.º a 5.º do Decreto n.º 262/XII).
Porque assim é, começamos pela caracterização do regime normativo da contribuição de sustentabilidade (cfr., infra 8 a 13), de seguida, procedemos à análise do segundo grupo de normas, as quais se referem à medida relativa à revisão da forma de atualização anual das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente (cfr., infra 13 a 15) e, uma vez examinadas, em separado, as normas relativas a cada uma das medidas, passaremos ao enquadramento de cada uma delas no regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII (cfr., infra 16-17).
A medida que estabelece a contribuição de sustentabilidade 8. Através da norma constante do artigo 1.º do Decreto n.º 262/XII é criada a contribuição de sustentabilidade e o primeiro aspeto a dilucidar é a delimitação do respetivo âmbito de aplicação.
Nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 2.º, a contribuição de sustentabilidade incide sobre todas as pensões pagas por um sistema público de proteção social a um único titular independentemente do fundamento subjacente à sua concessão, entendendo-se como tal, para além das pensões pagas ao abrigo dos diferentes regimes públicos de proteção social, todas as prestações pecuniárias vitalícias devidas a pensionistas, aposentados ou reformados no âmbito de regimes complementares, independentemente da sua designação, nomeadamente, pensões, subvenções, subsídios, rendas, seguros, bem como as prestações vitalícias devidas por força de cessação de atividade.
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 4.º, para a determinação do valor da pensão mensal, considerase o somatório das pensões pagas a um único titular pelas entidades referidas no n.º 2 do artigo 2.º, ou seja, o Centro Nacional de Pensões do Instituto da Segurança Social, I.P., no quadro do sistema previdencial da Segurança Social, a Caixa Geral de Aposentações, I.P., e a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.
Do teor dos n.os 1 e 2 do artigo 2.º decorre que são abrangidas pensões pagas por um sistema público de proteção social, ou seja: a) pensões do sistema previdencial, o qual, nos termos do disposto no artigo 53.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro (alterada pela Lei n.º 83-A/2013, de 30 de dezembro), que aprova as bases gerais do sistema de segurança social, abrange o regime geral de segurança social aplicável à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores independentes, os regimes especiais, bem como os regimes de inscrição facultativa abrangidos pelo n.º 2 do artigo 51.º desse diploma legal; b) pensões do regime de proteção social convergente (Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, alterada pela Lei n.º 10/2009, de 10 de março);

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c) pensões do regime público de capitalização do sistema complementar (artigo 82.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, e Decreto-Lei n.º 26/2008, de 22 de fevereiro); d) pensões do regime da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) (Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril, e alterado pelas Portarias n.os 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.º 22.665/2007, de 7 de setembro de 2007, dos Ministros da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade Social, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 188, de 28 de setembro de 2007). 9. Atendendo à amplitude da formulação do n.º 1 do artigo 2.º, bem como do corpo do n.º 2 desse mesmo preceito, poder-se-ia questionar se seriam ainda abrangidas pensões do subsistema de solidariedade do sistema de proteção social de cidadania da segurança social, o qual, nos termos do disposto no artigo 39.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, abrange o regime não contributivo, o regime especial de segurança social das atividades agrícolas e os regimes transitórios ou outros formalmente equiparados a não contributivos.
Porçm, tendo em conta o inciso final da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º («[»] no quadro do sistema previdencial da segurança social»), pode concluir-se que, no que respeita ao sistema de segurança social, apenas são abrangidas pensões do sistema previdencial. Essa interpretação é ainda confirmada pelo teor da «Exposição de Motivos» que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII, na parte em que caracteriza o sistema põblico de pensões português como sendo composto «[»] pelo sistema previdencial e pelo regime de proteção social convergente, abrangendo ainda o regime gerido pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores» (DAR II, Série-A n.º 130/XII (3.ª), de 16 de junho de 2014, pág. 37). Embora se trate de uma caracterização imprecisa, ela deixa claro que se não visou incluir no âmbito da contribuição de sustentabilidade pensões do subsistema de solidariedade do sistema de proteção social de cidadania da segurança social.
10. Com esta precisão, apenas ficam incluídas no âmbito aplicativo da norma do artigo 2.º prestações processadas e postas a pagamento por três entidades públicas (aqui incluindo, dada a sua natureza de pessoa coletiva de direito público, a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores). Desde logo, estão excluídas prestações processadas e postas a pagamento por quaisquer outras entidades públicas. Além disso, estão ainda excluídas prestações pagas por pessoas coletivas de direito privado ou cooperativo, como são os casos, por exemplo, das instituições de crédito, através dos respetivos fundos de pensões, ou das companhias de seguros e entidades gestoras de fundos de pensões. Tal significa que, na medida em que, além das prestações a cargo do designado primeiro pilar, engloba apenas prestações do regime público de capitalização, a medida de contribuição de sustentabilidade não abrange de forma integral o designado segundo pilar do sistema de segurança social, nomeadamente as prestações associadas a planos de pensões criados por regimes previdenciais de natureza complementar de iniciativa empresarial ou coletiva (cfr. artigos 81.º, n.º 1, e 83.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).
11. Em ordem a delimitar rigorosamente o âmbito de aplicação da contribuição de sustentabilidade, importa ainda conjugar o disposto no artigo 2.º com o disposto no artigo 3.º do Decreto n.º 262/XII, o qual vem afastar do âmbito de aplicação da medida certas prestações que, de outro modo, seriam abrangidas pelo disposto no artigo 2.º.
Nos termos desse artigo 3.º, ficam excluídas as seguintes prestações: a) Indemnizações compensatórias correspondentes atribuídas aos deficientes militares, abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 93/83, de 17 de fevereiro, 203/87, de 16 de maio, 224/90, de 10 de julho, 183/91, de 17 de maio, e 259/93, de 22 de julho, e pelas Leis n.os 46/99, de 16 de junho, e 26/2009, de 18 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 314/90, de 13 de outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 146/92, de 21 de julho, e 248/98, de 11 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 250/99, de 7 de julho; b) Pensões indemnizatórias auferidas pelos deficientes militares ao abrigo do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro; c) Pensões de preço de sangue auferidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 161/2001, de 22 de maio;

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d) Pensões dos deficientes militares transmitidas ao cônjuge sobrevivo ou membro sobrevivo de união de facto, que seguem o regime das pensões de sobrevivência auferidas ao abrigo do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 240/98, de 7 de agosto; e) Rendas vitalícias, resgates e transferências pagas no âmbito do Decreto-Lei n.º 26/2008, de 22 de fevereiro; f) Pensões relativas a grupos fechados de beneficiários cujos encargos são suportados através de provisões transferidas para os sistemas públicos de pensões, bem como as pensões e subvenções automaticamente atualizadas por indexação à remuneração de trabalhadores no ativo.
12. É sobre o valor das pensões mensais definidas no artigo 2.º do Decreto n.º 262/XII, com a delimitação já efetuada, que vai incidir a contribuição de sustentabilidade (artigo 4.º, n.º 1, do Decreto n.º 262/XII), sendo que, para a determinação do valor da pensão mensal, considera-se o somatório das pensões pagas a um único titular pelas entidades referidas no n.º 2 do artigo 2.º (artigo 4.º, n.º 2, do Decreto n.º 262/XII).
A taxa efetiva ç de 2% para pensões atç € 2000; de 2% a 3,5% para pensões entre € 2000 e € 3500 (2% sobre o valor de € 2000 e 5,5 % sobre o remanescente atç € 3 500), e de 3,5% para pensões acima de € 3500.
Desde logo, importa observar que, conjugando o teor da alínea a) do n.º 3 do artigo 4.º, segundo o qual se encontram sujeitas a uma taxa de 2% a totalidade das pensões de valor mensal atç € 2 000, com o disposto no n.º 4 desse preceito, não é claro como se operacionaliza tecnicamente a cláusula de salvaguarda, nos termos da qual se garante que da aplicação da contribuição de sustentabilidade o beneficiário que aufira uma pensão superior a € 1000 não vê a sua pensão ser reduzida para baixo desse limiar. Faz-se referência à atribuição de um diferencial compensatório (artigo 4.º, n.º 4, alínea a)) ou de um complemento social (artigo 4.º, n.º 4, alínea b)), não estando, no entanto, esses instrumentos normativamente caracterizados nem no Decreto n.º 262/XII nem por remissão para outros diplomas legais. Não obstante a referida indeterminação sobre o modus operandi da cláusula de salvaguarda, tal não obsta a que se retire do regime legal a fixação de um limiar mínimo inultrapassável, por referência ao montante de € 1000, por efeito da aplicação da contribuição de sustentabilidade.
O que parece certo é que se está perante uma cláusula de salvaguarda e não perante um limiar mínimo de isenção ou, na terminologia da «Exposição de Motivos» que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII, um «patamar de isenção». E isso poderá explicar-se por estar em causa uma taxa que, de acordo com o regime estabelecido no artigo 4.º, incide sobre o valor total das pensões auferidas, e não apenas sobre o montante da pensão que exceda o valor de € 1000.
Independentemente desse aspeto, e recapitulando, a taxa efetiva ç de 2% para pensões atç € 2000; de 2% a 3,5% para pensões entre € 2000 e € 3500 (2% sobre o valor de € 2000 e 5,5 % sobre o remanescente atç € 3 500), e de 3,5% para pensões acima de € 3500. Tal significa que o escalão superior ç de € 3500, a partir do qual se aplica uma taxa fixa de 3,5%. A este respeito, importa considerar que, segundo a «Exposição de Motivos» que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII, cumulativamente à contribuição de sustentabilidade, prevê-se que ás pensões superiores a € 3500 venham ainda a ser aplicadas contribuições de 15% sobre o montante que exceda 11 vezes o valor do indexante aos apoios sociais (IAS) mas que não ultrapasse 17 vezes aquele valor, e de 40% sobre o montante que ultrapasse 17 vezes o valor do IAS. Trata-se, porém, de uma sobretaxa que, eventualmente, será regulada em diploma autónomo e que, supostamente, apenas vigorará integralmente em 2015, uma vez que se propõe a redução das referidas taxas em 50% no ano de 2016 e a sua extinção no ano de 2017.
Ainda sobre os limites, inferior e superior, da pensão sobre os quais incide a contribuição de sustentabilidade, bem como sobre o grau de progressividade da taxa efetiva aplicável, importa fazer uma última observação.
Na apresentação da Proposta de Lei n.º 236/XII que está na origem do Decreto n.º 262/XII, a Ministra de Estado e das Finanças afirmou que «[...] cerca de 95% dos pensionistas da segurança social ficam isentos e, no conjunto dos sistemas, ficam totalmente isentos de qualquer contribuição mais de 87% dos pensionistas» (DAR, I Série n.º 101/XII/3, de 27 de junho de 2014, pág. 36).
De acordo com o Parecer Técnico n.º 2/2014 sobre o Documento de Estratégia Orçamental: 2014-2018, emitido em 21 de maio de 2014, pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República, «[o] impacto decorrente da substituição da CES pela Contribuição de Sustentabilidade é positivo para todos os

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pensionistas, sendo as pensões mensais entre € 3750 e € 4611,42 as mais beneficiadas em termos relativos.
Quando comparada com a CES, a contribuição de sustentabilidade tem subjacente um desagravamento da taxa efetiva para todas as pensões [»] sobre as quais incide. O desagravamento das taxas efetivas ç superior para as pensões situadas no intervalo entre € 3750 e € 4611,42 (11 vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais), e que decorre da diminuição da taxa efetiva de 10% para 3,5%, o que representa uma redução de 65% no montante de contribuição paga pelo CES [»]. Relativamente ás pensões brutas entre € 1000 e € 1800, a redução do montante é de 42,9% (e resulta da passagem de uma taxa de 3,5 para 2,0%)».
Mesmo não se tratando aqui ainda da apreciação da constitucionalidade da medida (cfr., infra, Parte C.), importa desde já observar que, sem prejuízo de, no plano da política legislativa, ser legítimo que se apresente o impacto da medida ora em apreciação por referência a e em comparação com outras medidas com as quais, porventura, a primeira apresente afinidades, a verdade é que, no plano do Direito, a afetação de posições jurídicas subjetivas pela medida da contribuição de sustentabilidade – correspondendo ao impacto da medida – só pode aferir-se atendendo ao conteúdo das posições jurídicas afetadas.
Não tem assim cabimento a consideração segundo a qual as pessoas afetadas pela contribuição de sustentabilidade ficam todas numa situação melhor do que aquela em que se encontravam na vigência da chamada contribuição extraordinária de solidariedade (CES). É que a CES, dado o seu caráter transitório – o que, entre outros aspetos, implicava a necessidade da sua renovação em cada lei orçamental – jamais produziu qualquer efeito jurídico modelador do conteúdo das posições jurídicas subjetivas relativas a prestações do sistema público de segurança social sobre as quais incidia. O conteúdo dessas posições jurídicas manteve-se, pois, nos termos da própria lei, inalterado.
Face ao que foi dito, no plano estritamente jurídico, é inequívoco que a contribuição de sustentabilidade vem afetar negativamente, com caráter duradouro, posições jurídicas de que são titulares os atuais beneficiários do sistema público de segurança social.
Com efeito, conforme decorre do âmbito de aplicação da medida e dos demais aspetos do seu regime jurídico, estamos perante uma decisão, com caráter duradouro, de redução da despesa com prestações sociais – pensões e equivalente – a cargo de determinadas entidades públicas que integram o sistema público de pensões.
Não obstante o nomen juris – «contribuição» – poder sugerir que se estaria perante uma medida do lado da receita, o que se verifica é que, em rigor, a mesma consubstancia uma redução do valor nominal da pensão.
Tal qualificação decorre, além do âmbito de aplicação da medida, do próprio regime relativo ao modo de processamento da aplicação da taxa à pensão e da sua afetação, porquanto opera através da dedução ao valor da pensão do montante devido a título de contribuição de sustentabilidade, determinado por aplicação da taxa sobre aquela, competindo à respetiva entidade processadora efetuar essa operação (cfr. n.os 1 e 2 do artigo 5.º do Decreto n.º 262/XII).
Assim, é de rejeitar a interpretação defendida pelo Governo (pág. 49 da «Nota Técnica»), segundo a qual «[a] medida da Contribuição de Sustentabilidade assume a natureza de uma contribuição para a segurança social, nos mesmos termos em que esta noção foi aplicada e desenvolvida pelo TC tanto no Acórdão n.º 187/2013 como no Acórdão n.º 862/2013 relativamente à Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES), tal como configurada na Lei do Orçamento do Estado para 2013. Trata-se de uma contribuição exigida aos atuais beneficiários das pensões a pagamento, o que é coerente com a permissão geral de o financiamento dos sistemas públicos poder ser feito também através da participação dos próprios titulares (cfr. Acórdão n.º 187/2013)».
É certo que no Acórdão n.º 187/2013, embora considerando que a incidência, em geral, de uma obrigação contributiva sobre os próprios beneficiários ativos representaria um desvio ao funcionamento do sistema – na medida em que introduz uma nova modalidade de financiamento da segurança social que abarca os próprios beneficiários das prestações sociais, pondo em causa, de algum modo, o princípio da contributividade (artigo 54.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) – o Tribunal não deixou de entender que a circunstância de o sistema previdencial assentar fundamentalmente no autofinanciamento, através das quotizações dos trabalhadores e das contribuições das entidades empregadoras, não obstaria a que se pudesse recorrer a outras fontes de financiamento, incluindo outras receitas fiscais legalmente previstas, como decorre do artigo 92.º da Lei n.º 4/2007.

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Simplesmente, nesse aresto estava em causa uma medida que, além de incidir sobre prestações relativas ao sistema público de pensões, incidia globalmente sobre prestações privadas de proteção social, exteriores ao sistema público de segurança social, sendo esse aspeto do regime, relativo ao âmbito de aplicação da medida, determinante para o entendimento segundo o qual se não estava aí perante uma simples redução do valor da pensão.
Ora, no que respeita à medida de contribuição de sustentabilidade, como já se disse, relevantes aspetos do seu regime jurídico, como sejam o seu âmbito de aplicação (determinadas entidades públicas que integram o sistema público de pensões) ou o modo de processamento da aplicação da taxa à pensão e da sua afetação (dedução do montante devido a título de contribuição de sustentabilidade) sugerem que se está antes perante uma verdadeira redução do valor da pensão.
Além disso, e fundamentalmente, não é sustentável o entendimento segundo o qual se está perante uma medida que consubstancia o recurso a uma outra fonte de financiamento do sistema da segurança social, porquanto inexiste qualquer transferência de meios de fora para dentro do sistema público de pensões. Do que se trata é de uma medida interna ao sistema público de pensões que, cortando na despesa, visa repor o equilíbrio do saldo de cada regime por ela abrangido.
A medida relativa à revisão da forma de atualização anual das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente 13. Integram ainda o objeto do pedido de fiscalização de constitucionalidade as normas constantes dos n.os 1 a 4 do artigo 6.º.
A norma constante do n.º 1 desse preceito legal determina que o Governo em articulação com os parceiros sociais deve proceder à revisão da forma de atualização anual das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente, tendo por base indicadores de natureza económica, demográfica e de financiamento das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente, indicadores esses que, a título exemplificativo, vêm enunciados nas alíneas a) a e) dessa mesma disposição e que são os seguintes: «o crescimento real do produto interno bruto»; «a variação média anual do índice de preços no consumidor, sem habitação»; «a evolução da população em idade ativa e dos beneficiários»; «a evolução da população idosa e dos reformados e pensionistas» e, por último, «outros fatores que contribuam para a sustentabilidade dos sistemas públicos de pensões».
A norma constante do n.º 2 do artigo 6.º estabelece uma salvaguarda no sentido de assegurar que da aplicação das regras de atualização anual das pensões não pode resultar uma redução do valor nominal das pensões.
No n.º 3 prevê-se que a atualização das pensões seja feita na base de uma espécie de conta corrente, nos termos da qual, conforme já decorre do n.º 2 desse preceito legal, embora da aplicação das regras de atualização anual das pensões não possa resultar uma redução do valor nominal das pensões, a evolução negativa da pensão verificada no anon é descontada de uma eventual atualização positiva que venha a ocorrer no anon+1.
Por último, o n.º 4 vem esclarecer que as pensões mínimas e as pensões e outras prestações do subsistema de solidariedade e do regime de proteção social convergente de natureza não contributiva podem ficar sujeitas a outras regras de atualização que garantam adequados meios de subsistência.
14. Relativamente a esta medida coloca-se, no entanto, uma questão prévia relativa à própria apreciação da conformidade constitucional.
Independentemente da questão de saber se a medida se encontra diretamente associada à contribuição de sustentabilidade ou constitui um mecanismo autónomo de caráter geral atinente à atualização de pensões, o certo é que o pedido não é suficientemente explícito quanto às razões por que se justifica a apreciação da sua conformidade constitucional em fiscalização preventiva.
O pedido considera que as normas em causa – incluindo as faladas disposições do artigo 6.º - «são suscetíveis de violar princípios e normas constitucionais como o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição e o princípio da proteção da confiança, ínsito ao princípio do Estado de direito constante do artigo 2.º da Constituição, tal como resulta da interpretação que destes princípios vem sendo feita pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial nos Acórdãos n.os 353/2012, 187/2013, 862/2013 e 413/2014».

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Parece assim admitir que se possam suscitar dúvidas de constitucionalidade, com base na anterior jurisprudência do Tribunal, também quanto à matéria da atualização das pensões.
Porém, nenhum desses arestos, que se pronunciaram sobre reduções remuneratórias ou ainda sobre a contribuição extraordinária de solidariedade consignadas nas leis do orçamento de Estado para 2012, 2013 e 2014, ou, no caso do acórdão n.º 862/13, sobre um mecanismo de convergência de pensões, abordou concomitantemente qualquer questão referente à atualização de pensões ou aplicou nessa perspetiva os princípios da igualdade e da proteção da confiança.
Neste condicionalismo, o Tribunal não dispõe de elementos que lhe permitam, com segurança, caracterizar os fundamentos do pedido, pelo que, nesta parte, dele não pode tomar conhecimento.
Enquadramento da contribuição de sustentabilidade no regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII 15. Nos antecedentes pontos ocupámo-nos da caracterização do regime normativo da contribuição de sustentabilidade, no pressuposto segundo o qual o sentido das normas objeto de fiscalização só é determinável no âmbito do regime da contribuição de sustentabilidade no seu conjunto (artigos 1.º a 5.º do Decreto n.º 262/XII).
Importa agora proceder ao enquadramento dessa medida no regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII.
Nos termos da «Exposição de Motivos» que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII que está na origem do Decreto n.º 262/XII, a proposta de lei, além de «enquadrada pela importância da disciplina orçamental», «dirige-se em concreto à proposta de uma solução para o desafio mais importante que se coloca ao sistema público de segurança social – o da sua sustentabilidade – mormente no que diz respeito aos regimes de pensões».
Dessa exposição de motivos resulta ainda que a contribuição de sustentabilidade é uma medida que deve ser perspetivada em conjunto com outras medidas estruturais, no quadro de uma reforma com vista a garantir, em observância da equidade intra e intergeracional, a sustentabilidade do sistema público de pensões.
Seria expressão dessa intencionalidade o facto de, juntamente com a contribuição de sustentabilidade, o Decreto n.º 262/XII, estender, através das alterações marginais à contribuição do trabalhador para os sistemas de previdência social (artigos 7.º e 8.º) e à taxa normal do Imposto sobre o Valor Acrescentado (artigos 10.º e 11.º), aos trabalhadores no ativo e à sociedade em geral o esforço exigido com vista a garantir a sustentabilidade do sistema público de pensões, o que poderia ser entendido como uma preocupação de assegurar a equidade intra e intergeracional, indo assim ao encontro das exigências que, em matéria de reforma do sistema público de pensões, decorrem do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 862/2013.
Deste modo, a razão de ser do regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII parece ser o de assegurar que o esforço de contribuição para a sustentabilidade do sistema público de segurança social seja repartido de um modo equilibrado por todos os portugueses. A par dos atuais beneficiários do sistema, a quem é exigida uma parte desse esforço através da contribuição de sustentabilidade, são também chamados a contribuir os futuros beneficiários do sistema, através do aumento das contribuições dos trabalhadores para os sistemas de previdência social, bem como a sociedade em geral, através do aumento da taxa normal do IVA.
Nesse sentido depõe o facto de tanto a receita da contribuição de sustentabilidade, como a receita do aumento da taxa contributiva, como a receita proveniente do aumento da taxa normal do IVA serem, respetivamente, afetadas, imputadas ou consignadas ao sistema público de pensões (cfr. artigos 5.º, 9.º e 12.º do Decreto n.º 262/XII).
16. Como foi referido, nos termos da mesma «Exposição de Motivos», além de concretamente dirigido a assegurar a sustentabilidade do sistema público de segurança social mormente no que diz respeito ao regime público de pensões, o regime instituído por este diploma não deixa de ser enquadrado pela importância da disciplina orçamental, pretendendo contribuir para a sustentabilidade das finanças públicas, com vista a assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes da participação de Portugal na União Europeia e na área do euro, bem como para a transição para o crescimento económico sustentado.
No que se refere ao cumprimento de compromissos europeus em matéria orçamental, além das obrigações da República Portuguesa decorrentes do direito da União Europeia – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, protocolo e regulamentos que integram o quadro normativo de coordenação e governação da União Económica e Monetária – é feita referência ao Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (Tratado Orçamental), assinado em Bruxelas em 2 de março de 2012, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 84/2012, em 13 de abril de 2012, e ratificado pelo

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Decreto do Presidente da República n.º 99/2012, de 3 de julho (DAR, I Série n.º 127/XII, de 3 de julho de 2012).
Ainda segundo a exposição de motivos que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII, «[e]stes compromissos europeus estabelecem, em particular, o respeito dos valores máximos de referência de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) para o défice orçamental e de 60% do PIB para o rácio de dívida pública, bem como a obrigação de assegurar uma situação orçamental equilibrada ou excedentária. No período de transição para estes objetivos, o Estado Português deve ainda definir e executar uma trajetória de consolidação que assegure a convergência do saldo orçamental estrutural para o objetivo de médio prazo, sob pena de ativação de mecanismos de correção automáticos. Os compromissos de sustentabilidade das finanças públicas estão já incorporados na Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto), através da sétima alteração a essa lei (Lei n.º 37/2013, de 14 de junho) aprovada pelos partidos do arco da governação, que de resto também confirmaram a ratificação do Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária».

C. Os parâmetros constitucionais 17. O sentido e alcance do direito à pensão e da incumbência imposta ao Estado de organizar e manter um sistema de segurança social, como decorrência do direito à segurança social consagrado no artigo 63.º da Constituição, tem sido clarificado pelo Tribunal Constitucional em diversa jurisprudência (Acórdãos n.os 349/91, 318/99, 188/2009, 3/2010 e 187/13) e, por último, no Acórdão n.º 862/2013.
Não há motivo para deixar de seguir, na linha dessa anterior jurisprudência, o entendimento expresso neste mais recente aresto.
A Constituição não fixa, com caráter de regra suscetível de aplicação direta e imediata, o sistema de pensões e demais prestações do sistema de segurança social, assim como os critérios da sua concessão e valor pecuniário. Caberá assim ao legislador ordinário, em função das disponibilidades financeiras e das margens de avaliação e opções políticas decorrentes do princípio democrático, modelar especificamente esses elementos de conteúdo das pensões.
Também aqui a liberdade de decisão do legislador é variável, consoante a maior ou menor determinabilidade das regras constitucionais.
Em certas situações, a margem de conformação do legislador será necessariamente menor. É o que se verifica com a norma do n.º 4 do artigo 63.º, que garante o princípio – conhecido como “princípio da totalização” – que impõe a contagem de todo tempo de trabalho realizado para o cálculo do montante das prestações: “todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado”.
Todavia, tem sido afirmado que desse princípio não decorre que o legislador ordinário esteja constitucionalmente vinculado a garantir ao pensionista uma pensão rigorosamente correspondente ao das remunerações registadas durante o período contributivo, não se podendo falar num “princípio da equivalência entre contribuições e montantes da prestação”, já que o sistema previdencial assenta em mecanismos de repartição e não de capitalização (cfr. Acórdão n.º 99/99). No mesmo sentido, afirmou-se num outro acórdão que “a Constituição da Repõblica Portuguesa não consagra em qualquer das suas normas ou princípios a exigência de que se tenha em consideração, como critério para o cálculo do montante das pensões de reforma, o montante da retribuição efetivamente auferida pelo trabalhador no ativo. Pode – e, numa certa perspetiva, haverá mesmo que – distinguir-se entre a necessária consideração de todo o tempo de trabalho e uma (inexistente) imposição de utilização, como critério de cálculo do valor da pensão, do montante dos rendimentos realmente auferidos” (cfr. Acórdão n.º 675/2005).
18. Neste condicionalismo, o legislador possui margem de manobra para delinear o conteúdo concreto ou final do direito à pensão, respeitados os limites constitucionais pertinentes. Assim, afirmar o reconhecimento, autónoma e imediatamente decorrente do texto constitucional, do direito à pensão, não significa que se possa afirmar o direito a uma determinada pensão. O direito a uma determinada pensão só adquire conteúdo preciso atravçs da legislação ordinária. Pelo que a sua “vinculatividade jurídica” ç “uma criação infraconstitucional”.
Apenas a partir do momento em que o legislador ordinário fixa, com elevado grau de precisão e de certeza, o conteõdo do direito exigível do Estado, o direito á pensão adquire na ordem jurídica um “grau pleno de

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definitividade e densidade” (cfr. JORGE REIS NOVAIS, Direitos Sociais, teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais, Coimbra Editora, 2010, pág. 148).
Alguns autores defendem que, a partir do momento que seja levada a cabo a concretização legislativa do direito, ela passará a “integrar a norma de direito fundamental”, correspondendo a faculdades, pretensões ou direitos particulares integráveis no direito fundamental como um todo. Não obstante, isso não significa uma absoluta intangibilidade do direito à pensão, mas sim que o referido direito passa a beneficiar da proteção específica correspondente, nomeadamente dos princípios estruturantes do Estado de Direito, como a proteção da confiança ou da proporcionalidade, apenas podendo ser suprimidos ou diminuídos com observância desses mesmos princípios.
O direito à pensão está, aliás, particularmente dependente das disponibilidades financeiras do Estado, sendo, nesse sentido, mais permeável “á pressão da conjuntura”, sobretudo, nos períodos mais críticos de dificuldades económicas. Essa especial vulnerabilidade justifica-se não apenas com o facto de o direito à pensão alocar recursos financeiros imediatos, mas também devido à própria estrutura do direito. O direito à pensão tem na sua formação uma estrutura temporal de média e longa duração, pelo que, durante a vida da prestação, os contextos socio-económicos que enquadram a atividade legislativa podem alterar-se radicalmente.
Por outro lado, para além da sua duração prolongada, as pensões são ainda particularmente dependentes dessa “reserva do possível”, pelo simples facto da sua inserção no sistema solidário de prestação do contrato geracional. Ora, num sistema previdencial de repartição, os beneficiários não podem ignorar os riscos envolvidos, com a possibilidade de alteração dos direitos em formação, não se podendo defender que se reconhece, sem exceções, um “princípio da intangibilidade no que toca ao quantum das pensões” (JOÃO CARLOS LOUREIRO, Adeus ao Estado Social?, Coimbra Editora, 2010, págs. 166, 170 e 379). E quanto aos direitos já consolidados, no Acórdão n.º 187/2013 considerou-se o seguinte: «o reconhecimento do direito à pensão e a tutela específica de que ele goza não afastam, à partida, a possibilidade de redução do montante concreto da pensão. O que está constitucionalmente garantido é o direito à pensão, não o direito a um certo montante, a título de pensão».
No entanto, importa reafirmar que o legislador, na conformação que faz, em cada momento histórico, do direito à pensão está juridicamente vinculado pelas normas e princípios constitucionais. Assim, apesar de um inequívoco reconhecimento de que o legislador possui liberdade para alterar as condições e requisitos de fruição e cálculo das pensões, mesmo em sentido mais exigente, ele tem de respeitar vários limites constitucionalmente impostos, nomeadamente os que derivam do princípio do Estado de Direito. Deste modo, as alterações que o legislador pretenda levar a cabo têm de se fundar em motivos justificados – designadamente a sustentabilidade financeira do sistema –, não podendo afetar o mínimo social, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, e da proteção da confiança.
19. O Estado português cumpriu a “incumbência” que lhe foi atribuída pelo artigo 63.º da CRP definindo um sistema de segurança social que inclui, enquanto uma da suas componentes, o sistema previdencial. De acordo com a Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) este sistema visa garantir “prestações pecuniárias substitutivas do rendimento do trabalho perdido” em consequência de certas “eventualidades”, nas quais se inclui, entre outras, a invalidez, a doença e a velhice (artigos 50.º e 51.º da Lei de Bases). O “sistema” ç estruturado em torno de alguns princípios fundamentais, princípios esses que são a expressão da livre escolha que o legislador ordinário fez, na sua necessária tarefa de concretizar o programa aberto do artigo 63.º da CRP.
Assim, entre nós, o direito à pensão adquire-se, de acordo com o princípio da contributividade (artigo 54.º da Lei de Bases), mediante o cumprimento, por parte do seu titular e de outras entidades, de certas e determinadas obrigações (artigos 55.º a 57.º da mesma lei), que sendo devidas ao longo do tempo, são o pressuposto necessário da formação, também ao longo do tempo, do direito a vir a perceber, terminada a vida ativa, a “prestação pecuniária substitutiva do rendimento do trabalho”. Tal ç o resultado de uma outra opção do legislador, expressa num outro princípio estruturante do sistema, desta vez relativo ao seu próprio modo de financiamento: na verdade, e de acordo com o disposto no artigo 90.º da Lei de Bases, as prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho devem ser financiadas por quotizações dos trabalhadores e por contribuições das entidades empregadoras. Finalmente, cumpridos estes requisitos, – que são portanto o pressuposto causal do direito a perceber a prestação correspondente à pensão, a partir do certo período de

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tempo que é definido em outros lugares do sistema - o montante da prestação a que se tem direito corresponde a um quantum que, além de ser definido (princípio do benefício definido), é determinado em função das quotizações feitas e das contribuições realizadas (artigos 57.º e 62.º).
Em cumprimento do princípio da complementaridade (artigo 15.º), a esta forma de proteção social pública podem associar-se formas de proteção social, cooperativas, mutualistas e privadas, que devem ser articuladas entre si de forma a “melhorar a cobertura das situações abrangidas e promover a partilha das responsabilidades nos diferentes patamares da proteção [social]”. Este princípio da complementaridade tem tradução no regime estabelecido a partir do artigo 81.º da Lei de Bases, onde se definem as modalidades de que pode revestir esta componente do sistema de segurança social, designada como “sistema complementar”.
A definição surge como necessária, não só face à indeclinável tarefa estadual de articulação entre as várias formas, públicas e não públicas, de proteção social (artigo 15.º), como face ao princípio do primado da responsabilidade põblica, que, nos termos do artigo 14.º da Lei de Bases, “consiste no dever do Estado de criar as condições necessárias à efetivação do direito à segurança social e de organizar, coordenar e subsidiar o [seu] sistema”.
Estas são pois as linhas gerais que definem o modo através do qual o legislador ordinário cumpriu a “incumbência” que lhe ç devolvida nos termos do artigo 63.º da CRP.
20. Face a estes dados, a medida agora em juízo, ao implicar essencialmente a redução, a título definitivo, de pensões já em pagamento, surge, no contexto do “sistema” que acabámos de descrever, e que foi modelado pela lei em cumprimento de uma injunção constitucional, como uma limitação de dois princípios estruturantes desse mesmo sistema, a saber, o da contributividade e o do benefício definido. Na verdade, uma vez redefinido in pejus, pelo legislador, o montante de uma pensão de que já se beneficia, não só deixa de ser garantida a tendencial correspondência entre esse montante e a “carreira contributiva” que foi o pressuposto causal da aquisição do direito à pensão (princípio contributivo), como sobretudo, é posto em causa o princípio segundo o qual esse montante seria certo (princípio do benefício definido).
Tal não é contudo suficiente para que se considere constitucionalmente proibida a medida legislativa de redução definitiva de pensões.
Só seria assim se se admitisse uma proibição geral de retrocesso social, em matéria de direitos sociais, no sentido de que nunca poderia ser criado um novo regime legal que pudesse afetar qualquer situação jurídica que se encontrasse abrangida pela lei anterior.
Este princípio não pode ser aceite, no entanto, com esta amplitude, sob pena de destruir a autonomia da função legislativa, cujas características típicas, como a liberdade constitutiva e a autorrevisibilidade, seriam praticamente eliminadas se, em matérias tão vastas como os direitos sociais, o legislador fosse obrigado a manter integralmente o nível de realização e a respeitar em todos os casos os direitos por ele criados.
Torna-se assim necessário harmonizar a estabilidade da concretização legislativa já alcançada no domínio dos direitos sociais com a liberdade de conformação do legislador. E essa harmonização implica que se distingam as situações onde a Constituição contenha uma ordem de legislar suficientemente precisa e concreta, em que a margem de liberdade do legislador para retroceder no grau de proteção já atingido é necessariamente mínima, daquelas outras em que a proibição do retrocesso social está limitada pelo princípio da alternância democrática e opera apenas quando a alteração redutora do conteúdo do direito social afete a «garantia da realização do conteúdo mínimo imperativo do preceito constitucional» ou implique, pelo «arbítrio ou desrazoabilidade manifesta do retrocesso», a violação da proteção da confiança (cfr. Acórdãos n.ºs 509/2002 e 188/2009).
21. Contudo, tal não significa que o poder de autorrevisibilidade das leis seja um poder ilimitado. O exercício do poder de autorrevisibilidade, embora assente num princípio que é matricial para a conformação da ordem constitucional portuguesa – o que determina que essa ordem se funda antes do mais nos procedimentos que são próprios de uma democracia pluralista – há de conhecer limites, e esses decorrerão da necessária coexistência entre o princípio do pluralismo democrático e outros princípios constitucionais.
O Estado de direito é um estado de segurança jurídica. E a segurança exige que os cidadãos saibam com o que podem contar, sobretudo nas suas relações com os poderes públicos. Saber com o que se pode contar em relação aos atos da função legislativa do Estado é coisa incerta ou vaga, precisamente porque o que é conatural a essa função é a possibilidade, que detém o legislador, de rever ou alterar, de acordo com as diferentes exigências históricas, opções outrora tomadas. Contudo, a possibilidade de alteração dessas

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opções, se é irrestrita (uma vez cumpridas as demais normas constitucionais que sejam aplicáveis) quando as novas soluções legislativas são pensadas para valer apenas para o futuro, não pode deixar de ter limites sempre que o legislador decide que os efeitos das suas escolhas hão de ter, por alguma forma, certa repercussão sobre o passado.
A Constituição não proíbe, em geral, que as novas escolhas legislativas – tomadas pelo legislador ordinário no quadro da sua estrutural habilitação para rever opções antes tomadas por outros legisladores históricos – façam repercutir os seus efeitos sobre o passado. Mas, para além disso, não proíbe nem pode proibir genericamente que o legislador recorra a uma “tçcnica” de modelação da repercussão dos efeitos das suas escolhas em face da variabilidade dos graus de intensidade de que ela pode revestir. Na verdade, a repercussão sobre o passado [das novas escolhas legislativas] pode assumir uma intensidade forte ou máxima, sempre que a lei nova faça repercutir os seus efeitos sobre factos pretéritos, praticados ao abrigo de lei anterior, redefinindo assim a sua disciplina jurídica. Mas pode também assumir uma intensidade fraca, mínima ou de grau intermédio, sempre que a lei nova, pretendendo embora valer sobre o futuro, redefina a disciplina de relações jurídicas constituídas ao abrigo de um (diverso) Direito anterior. Neste último caso, designa-se este especial grau de repercussão dos efeitos das novas decisões legislativas como sendo de «retroatividade fraca, imprópria ou inautêntica», ou ainda, mais simplesmente, de «retrospetividade». Como quer que seja, e não sendo o recurso por parte do legislador a qualquer uma destas formas de retroação da eficácia dos seus atos genericamente proibida pela Constituição, a convocação legislativa de qualquer uma destas técnicas não deixa de colocar problemas constitucionais, face justamente ao imperativo de segurança jurídica que decorre do princípio do Estado de direito.
É, com efeito, evidente que a repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas, qualquer que seja a forma ou o grau de que se revista, diminui ou fragiliza a faculdade, que os cidadãos de um Estado de direito devem ter, de poder saber com o que contam, nas relações que estabelecem com os órgãos de poder estadual. Precisamente por isso, a Constituição proibiu expressamente o recurso, por parte do legislador, à retroatividade forte, sempre que a medida legislativa que a ela recorre implicar intervenções gravosas na liberdade e (ou) no património das pessoas, assim sucedendo quando estejam em causa restrições a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 3), a definição de comportamentos criminalmente puníveis (artigo 29.º, n.º 1), ou a criação de impostos ou definição dos seus elementos essenciais (artigo 103.º, n.º 3). A razão pela qual a Constituição exclui a possibilidade de existência de leis retroativas nesses casos reside precisamente na intensidade da condição de insegurança pessoal que do contrário resultaria no quadro de um Estado de direito democrático como é aquele que o artigo 2.º institui.
Dito isto, resta concluir que o facto de não haver uma proibição constitucional explícita de, noutros casos, se recorrer às formas graduais e muito variáveis de «retroatividade própria» ou «imprópria» não significa que o recurso a qualquer uma destas formas esteja sempre e em qualquer circunstância à disposição do legislador ordinário. O princípio segundo o qual o poder legislativo está genericamente habilitado pela Constituição a atribuir às suas decisões, por diferentes formas e em diferentes graus, eficácia para o passado, conhece limites. E estes decorrem da necessária convivência entre este princípio e o princípio do Estado de direito, na sua dimensão de «segurança jurídica».
22. O método a adotar na resolução deste específico problema constitucional, decorrente da necessária conciliação entre o princípio democrático, que sustenta a autorrevisibilidade das leis, e o princípio do Estado de direito, que sustenta os limites impostos a esta autorrevisibilidade por exigências de segurança jurídica, foi explicitado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 287/90. Aí se disse que, especialmente nos casos em que o problema se apresenta com contornos mais delicados – e que são aqueles em que ocorre a chamada «retroatividade imprópria ou inautêntica», também designada como «retrospetividade», nos quais a norma jurídica nova, conquanto pretenda ter efeitos só para o futuro, incide sobre relações jurídicas já existentes, constituídas ao abrigo de Direito anterior – haveria que ponderar. E que a ponderação deveria ser feita entre o peso a dar á “confiança” e “boa-fç” dos cidadãos, que legitimamente contavam ou esperavam a manutenção da disciplina jurídica ao abrigo da qual a sua situação, perante o Direito, fora anteriormente definida, e o peso a dar às razões pelas quais as alterações legislativas vinham «afetar» as suas expectativas legítimas. Mais se concluiu que o resultado da ponderação só poderia ser favorável a estas últimas expectativas, reconhecendolhes uma superior consistência ou um maior peso relativamente ao segundo índice a ponderar, naqueles

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casos em que a sua afetação se mostrasse inadmissível, arbitrária ou demasiado onerosa. O significado dado a estes últimos termos foi também explicitado: Em que se traduz esta «inadmissibilidade, arbitrariedade ou onerosidade excessiva».
A ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios: a) afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mudança da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ai princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª revisão.
Posteriormente, o Acórdão n.º 128/2009, e depois dele, entre outros, os Acórdãos n.os 188/2009, 187/2013 e 862/2013, vieram desenvolver um modelo de “testes”. De acordo com este modelo, para que haja lugar á tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerarem nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento estadual»; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuação do comportamento que gerou a situação de expectativa.
A aplicação deste método, assim explicitado pelo Tribunal, a um caso concreto pressupõe antes do mais que se determine, com precisão, se, nesse caso, a norma sob juízo fez protrair os seus efeitos sobre o passado e com que grau de intensidade o fez. Na circunstância de ser positiva a resposta a esta questão, haverá ainda que valorar à luz da Constituição as “expectativas” dos particulares, que confiaram na inexistência da projeção sobre o passado dos efeitos das novas decisões legislativas. E essa valoração só pode incidir sobre a consistência das posições jurídicas subjetivas definidas à luz do Direito anterior, e que vêm agora, pela lei nova, a ser afetadas. Na verdade, as “expectativas” dos particulares na continuidade, e na não disrupção, da ordem jurídica, não são realidades aferíveis ou avaliáveis no plano empírico dos factos. A sua densidade não advém de uma qualquer pré-disposição, anímica ou psicológica, para antecipar mentalmente a iminência ou o risco das alterações legislativas; a sua densidade advém do tipo de direitos de que são titulares as pessoas afetadas e o modo pelo qual a Constituição os valora. O ponto é importante. É que, como se disse no Acórdão n.º 862/2013, quanto mais consistente for o direito do particular, mais exigente deverá ser o controlo da proteção da confiança.
23. No presente caso, estão em juízo medidas contidas num decreto da Assembleia da República (Decreto n.º 262/XII) que visam essencialmente reduzir, a título definitivo, o montante de pensões já em pagamento, e que, nos termos do seu artigo 14.º, deverá entrar em vigor a partir de 1 de janeiro de 2015.
Contudo, não obstante a nova disciplina jurídica das pensões pretender produzir efeitos apenas para o futuro, a verdade é que ela se repercute sobre o passado, na medida em que vem redefinir posições jurídicosubjetivas constituídas ao abrigo de lei anterior.
Como já se viu, o direito ao recebimento de uma pensão, a título de prestação substitutiva dos rendimentos de um trabalho que antes se realizou, constitui-se mediante o cumprimento de certas e determinadas obrigações que a lei determina, e que são, não apenas o pressuposto necessário da aquisição do direito (no momento igualmente definido pelo sistema legal) mas também a medida do benefício que, chegado o momento certo, se passará a receber. Quer isto dizer que, se é verdade que o direito à pensão é um direito líquido e certo nos termos da lei, também é verdade que a sua formação implicou um processo longo, que se foi protraindo no tempo. Para cada uma das fases desse processo houve direito aplicável, que determinava o regime e o quantum das obrigações que se deveriam cumprir, a idade a partir da qual o direito a receber o benefício se constituiria na esfera jurídica do contribuinte-beneficiário, e o montante definido em que ele se traduziria. Assim, qualquer alteração legislativa que viesse a incidir sobre a redefinição de uma qualquer destas fases antes da aquisição final do direito à pensão seria, para os quadros conceituais das relações das leis no tempo, sempre «retrospetiva» ou «impropriamente retroativa», na exata medida em que vinha redefinir a disciplina jurídica de uma relação que se estabelecera entre o contribuinte-beneficiário e a comunidade no seu todo (através do sistema de segurança social) a partir do momento em que aquele iniciara a sua carreira

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contributiva. Disto mesmo se deu aliás conta o Tribunal nos exemplos dos Acórdãos n.os 302/2006, 188/2009 e 3/2010, quando estavam em juízo, precisamente, novos regimes legais que alteravam regras preexistentes sobre o processo, já iniciado mas ainda não concluído, de formação do direito ao recebimento de pensões. Em todas estas situações o Tribunal invocou o parâmetro da proteção da confiança para poder sustentar o seu julgamento – que em nenhum destes casos foi de acolhimento da inconstitucionalidade – precisamente porque considerou que a lei nova, se bem que fixando os seus efeitos apenas para o futuro, não deixava de redefinir o passado em termos jurídico-constitucionalmente relevantes.
Contudo, se assim é para as situações em que a lei nova vem redefinir os termos em que deve decorrer o processo de formação do direito à pensão, por maioria de razão o será nas situações em que, como no presente caso, a mudança legislativa se traduz numa alteração in pejus do montante de uma pensão já em pagamento. Nestas circunstâncias, a lei nova, se bem que não formalmente aplicável a factos pretéritos, opera uma acentuada redefinição jurídica do passado, alterando os termos de exercício de um direito já completamente formado, que a Lei de Bases da Segurança Social qualifica apropriadamente como «direito adquirido».
Assim, se, no caso de alteração das regras de formação das pensões antes de estas existirem como direitos «fechados» para os seus beneficiários, já se mostrava adequado convocar o parâmetro da proteção da confiança para medir da admissibilidade da mutação legislativa, por maioria de razão o será nos casos em que o que está em causa é uma alteração que incide sobre o montante de uma pensão que já se recebe. É que, nestes casos, e como se disse no Acórdão n.º 862/2013, «o beneficiário viu entrar na sua esfera jurídica um direito subjetivo com contornos exatos, estando em situação de exigir do Estado a prestação que lhe é devida», pelo que se encontrará à partida «numa situação que carece de uma tutela ainda mais reforçada do que [a de alguém] que está ainda a formar a sua carreira contributiva». Tanto mais que o conteúdo exato, líquido e certo que esse direito hoje tem é função das regras jurídicas vigentes aplicáveis ao tempo em que o mesmo [direito] entrou na “esfera jurídica” do seu titular«. A consistência da posição jurídica que é afetada pela entrada em vigor da lei nova parece ser assim, nestas circunstâncias, de grau máximo, para efeitos de um controlo de proteção da confiança.
A verificação da consistência dos direitos aqui afetados, e em função da qual deve ser medida a intensidade das “expectativas legítimas” dos seus titulares á sua não afetação, ç ainda reforçada se tivermos em conta a forma como estes direitos são valorados pela Constituição.
Na verdade, se, como vimos, a CRP não deixou à livre disposição do legislador ordinário a decisão sobre a existência ou não existência de uma qualquer forma social ou solidária (regulada e coordenada pela comunidade política no seu todo) de proteção das pessoas na velhice, quando a obtenção de rendimentos provenientes do trabalho já não é existencialmente possível – se ao legislador compete a determinação do como da obtenção da pensão, mas já não a decisão quanto ao seu se –, então, haverá que concluir que a mesma CRP não é valorativamente neutra quanto ao modo pelo qual o direito à pensão já recebida é afetado.
Não obstante se tratar de um direito criado por lei ordinária, e, por isso mesmo, por lei ordinária revisível, a forma da sua afetação não se pode processar num quadro de indiferença constitucional: estão em causa, neste domínio, as mesmas opções de valor que justificam a previsão, pela CRP, da necessária existência de um sistema de segurança social que «incumbe ao Estado organizar»; as mesmas opções de valor que estão presentes nas normas que definem os programas e tarefas estaduais (artigo 9.º); as mesmas opções de valor que são inerentes a uma República que se empenha na construção de uma «sociedade solidária» (artigo 1.º).
É, pois, no contexto destas valorações que se deve medir e avaliar a densidade das expectativas legítimas dos particulares à não afetação dos direitos de que são titulares. E, nesse contexto, não pode deixar de concluir-se que, sendo densas tais expectativas, a necessidade de tutela da confiança na sua não frustração o é igualmente.
A este ponto acresce um outro.
No domínio de um sistema previdencial como o nosso, que, como vimos, se financia (artigo 90.º da Lei de Bases da Segurança Social), quanto a prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho, através de “quotizações dos trabalhadores” e de “contribuições das entidades patronais”, a confiança, para alçm da dimensão estritamente subjetiva com que até agora foi tratada, adquire ainda uma dimensão objetiva, que se associa à sua própria legitimidade enquanto sistema que implica um contrato entre gerações. Se para as presentes gerações da população ativa portuguesa – as que financiam o sistema previdencial através das

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suas quotizações – a frustração da confiança das gerações mais velhas, beneficiárias atuais do sistema que financiam, puder aparecer como questão constitucionalmente neutra, indiferente ou irrelevante, nenhuma razão terão elas próprias (as gerações presentes de contribuintes) para confiar na subsistência do modelo para o qual contribuem. Ainda por este motivo, a inexistência de uma tutela forte das «expectativas legítimas» dos pensionistas à não redução do montante das suas pensões parece não ser de aceitar.
24. A redução definitiva do montante de pensões em pagamento é justificada, na exposição de motivos que acompanhou a proposta de lei apresentada à Assembleia da República, precisamente pelas exigências decorrentes do “contrato entre gerações”. E ç-o a um triplo título: primeiro, porque, diz-se, esse contrato não será cumprido se a disciplina orçamental a que está obrigado o Estado português não for satisfeita; segundo, porque, diz-se, esse contrato não será cumprido se a questão da sustentabilidade do sistema de segurança social não for, no presente, resolvida; terceiro, porque, diz-se, esse contrato não será cumprido se a geração presentemente beneficiária do sistema (os atuais pensionistas) não contribuir ela própria, no momento atual, para o financiamento do sistema. Assim se fundamenta portanto que a medida de redução definitiva das pensões já em pagamento seja tida pelo legislador como uma contribuição de sustentabilidade.
O Tribunal não pode deixar de reconhecer o relevante peso que, à luz da Constituição, detém cada um destes fundamentos. Se a consistência dos direitos afetados é, nos termos dos parâmetros aplicáveis, acentuada, não o será menos a consistência da necessidade da sua afetação, dada a relevância dos direitos ou interesses, também eles constitucionalmente protegidos, que, de acordo com a exposição de motivos apresentada à Assembleia da República, a justificam. O ponto é determinante, uma vez que o método da ponderação, atrás explicitado, não pode ser com rigor aplicado se se não tiver em linha de conta o peso específico que possui cada uma dos elementos a ponderar. Sendo intenso o grau de não satisfação de um princípio constitucional (neste caso, o princípio segundo o qual devem ser protegidas as legítimas expectativas dos pensionistas ao recebimento de um benefício definido e adquirido ao abrigo de Direito anterior), mais intensa terá ainda que ser a razão que justifica essa não satisfação. Quer isto dizer que a afetação dos direitos dos pensionistas só poderá, neste caso e à luz da Constituição, ser desconsiderada, se se mostrar que ela é necessária para satisfazer “direitos e interesses constitucionalmente protegidos que se devam considerar prevalecentes”.
E não há dúvidas quanto à relevância constitucional que assume a imperatividade de realização de políticas públicas que assegurem a disciplina orçamental, tal como esta última é imposta à República, desde logo, pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e pelo Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, bem como pelas demais normas de direito externo ao Estado português e de direito interno que concretizam as obrigações implícitas à referida disciplina. Está em causa, neste domínio, não apenas o cumprimento leal do dever, constitucionalmente assumido, de “empenhamento” de Portugal “no reforço da identidade europeia” (artigo 7.º, n.º 5, da CRP), mas ainda o cumprimento leal do dever que as gerações presentes assumem perante as gerações futuras, dever esse que se traduz em impedir a existência de uma dívida pública que, onerando e pré-determinando as suas escolhas, diminua a capacidade que não podem deixar de ter essas mesmas gerações de se conduzir nos termos prescritos, desde logo, pelos artigos 1.º e 2.º da Constituição.
As exigências decorrentes deste último ponto, que diz respeito ao cumprimento leal do contrato entre gerações que a subsistência da ordem constitucional portuguesa (como a de qualquer outra) pressupõe, fazem-se sentir de forma ainda mais premente na necessidade, também invocada na exposição de motivos da proposta apresentada à Assembleia, de encontrar soluções para o problema da sustentabilidade do sistema de segurança social, sobretudo na sua vertente de sistema previdencial.
Na verdade, um modelo jurídico que rigidamente mantenha, neste domínio, as soluções pensadas pelo Direito definido no passado, pode traduzir-se num trato injusto entre as gerações atuais de beneficiários do sistema previdencial e as gerações que compõem, no presente, a população ativa portuguesa, e que, através das suas “quotizações” e “contribuições”, garantem na atualidade o financiamento do modelo previdencial tal como ele existe. Numa circunstância histórica em que constrangimentos de ordem económica (a perda de receitas desse mesmo sistema, causada pelo aumento do desemprego e pelos fluxos migratórios) e constrangimentos de ordem demográfica (o aumento de esperança média de vida e a diminuição da natalidade) determinam o desequilíbrio financeiro de um sistema que foi concebido, enquanto sistema harmonioso e justo, num diferente contexto, há que ter em linha de conta que a proteção da confiança

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daqueles que modelaram os seus planos de vida em função de um Direito em certo momento vigente se não pode fazer a qualquer preço. Sobretudo, não pode deixar de ser contrabalançada com as incertas “expectativas” que, pela natureza das coisas, detêm as gerações presentes de trabalhadores e contribuintes em virem mais tarde a beneficiar do mesmo sistema. Tanto bastaria para que, prima facie, se justificasse que, através da consideração da sustentabilidade, se exigisse aos atuais pensionistas um acréscimo de esforço para a manutenção do modelo de solidariedade social do qual beneficiam, modelo esse que não pode deixar de conter equilíbrios justos no trato entre as diferentes gerações.
A este argumento, que revela só por si o peso dos “direitos e interesses constitucionalmente protegidos” que são contrapostos aos direitos lesados, justificando portanto, na ótica do autor da norma, a sua afetação, acresce um outro.
Como vimos, não se encontra na disponibilidade do legislador ordinário determinar se existe ou não existe um “sistema de segurança social” que proteja os cidadãos na velhice e em outras situações de “falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”. Como lhe não cabe determinar se incumbe ou não ao Estado organizar e coordenar esse sistema, enquanto primeiro responsável pelo, e garante último do, seu funcionamento. Estas decisões não se encontram à disposição do legislador ordinário porque foram já tomadas pela Constituição no seu artigo 63.º.
Daqui decorre que, perante os desequilíbrios tão manifestos de um sistema de segurança social que, a manter-se tal como está, poderá obrigar a República a incumprir as obrigações de disciplina orçamental que assumiu face aos seus parceiros na União Europeia – o que, por seu turno, poderá implicar que os interesses e os direitos constitucionalmente protegidos das gerações futuras sejam sacrificados à satisfação dos direitos e interesses (também constitucionalmente protegidos) das gerações presentes –, o legislador ordinário tem, face à Constituição, o poder de modificar o sistema, adequando-o às presentes exigências históricas. É o que resulta do artigo 63.º da CRP, na medida em que aí se determina que não poderá deixar de existir entre nós uma qualquer forma sistémica e pública de organização da segurança e solidariedade social.
Na perspetiva apresentada pelo proponente do decreto da Assembleia da República, na sua exposição de motivos, a medida de redução definitiva de pensões cumpre este último desiderato, imposto pela CRP.
Por isso, e voltando ao contexto próprio do método da ponderação atrás enunciado e fixado pelo Tribunal desde o Acórdão n.º 287/90, desde já se deixa ficar claro que a medida não é arbitrária e mostra-se antes como uma medida inteligível. Resta porém saber – pois que esta é a específica tarefa que, nos termos do artigo 221.º da CRP, compete indeclinavelmente ao Tribunal Constitucional – se não será ela excessivamente onerosa para as pessoas afetadas, ao ponto de, por isso, se não poder concluir que sejam no caso prevalecentes os direitos e interesses constitucionalmente protegidos que justificam a afetação.

D. A pronúncia sobre as disposições do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República 25. Segundo a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 239/XII, “a participação de Portugal na União Europeia e na área do euro obriga ao cumprimento de requisitos exigentes em matéria orçamental, plasmados no TFUE, no protocolo, e nos regulamentos que desenvolvem o Pacto de Estabilidade e Crescimento e ainda no Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária”.
Com efeito, o Tratado da União Europeia estabelece, no seu artigo 3.º, n.º 4, a união económica e monetária cuja moeda é o euro como um dos objetivos da União, objetivo que vai ser desenvolvido, nos artigos 119.º e seguintes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, bem como nos Protocolos n.º 4 relativo ao Sistema Europeu de Bancos Centrais e n.º 12 sobre o procedimento de défices excessivos, assim como em disposições de direito derivado da União Europeia.
Ora, uma das principais obrigações dos Estados-membros neste domínio é a de evitar défices orçamentais excessivos (artigo 126.º, n.º 1, do TFUE), competindo à União Europeia, através da Comissão, acompanhar a evolução da situação orçamental e do montante da dívida pública nos Estados-membros, a fim de identificar desvios importantes. Nos termos do artigo 1.º do mencionado Protocolo n.º 12, o défice orçamental deve respeitar os valores máximos de referência de 3% do Produto Interno Bruto a preços de mercado e 60% para a relação entre a dívida pública e o PIB a preços de mercado.
Estas normas de direito originário têm vindo a ser desenvolvidas e concretizadas através de regras de direito derivado, designadamente, regulamentos, dos quais se devem destacar, desde logo, os Regulamentos que integram o Pacto de Estabilidade e Crescimento que prevê medidas de supervisão e coordenação das

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políticas económicas, em particular o artigo 2.º-A, da Secção 1-A, do Regulamento CE n.º 1466/97 do Conselho, de 7 de julho, que previa como objetivo económico de médio prazo um rácio máximo de 3% do PIB para o défice orçamental e o Regulamento CE n.º 1467/97 do Conselho, de 7 de julho, sobre o procedimento relativo aos défices excessivos.
Estas normas foram alteradas e completadas, na sequência da crise das dívidas soberanas, por um conjunto de diplomas que integram o chamado “Sixpack”, pacote legislativo europeu de 2011 sobre matçria orçamental. A estas normas somou-se o denominado “Twopack” que integra dois regulamentos de 2013.
Tratando-se de normas de Direito da União Europeia quer sejam de direito originário ou de direito derivado, vinculam o Estado Português, nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição.
Já a natureza do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (vulgarmente designado como Tratado Orçamental), assinado, em 2 de março de 2012, pelos Chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros da União Europeia (com exceção do Reino Unido e da República Checa) é diferente. Tendo entrado em vigor em 1 de janeiro de 2013, após a ratificação por 16 Estadosmembros, 12 dos quais pertencentes à área do euro, este Tratado visa, essencialmente, reforçar a disciplina orçamental através da introdução de medidas que garantam uma maior fiscalização e uma resposta mais eficaz face à emergência de desequilíbrios. O seu principal objetivo, como se afirma no preâmbulo, é a adoção, com a maior celeridade possível, por parte dos Estados- membros da área do euro, de regras específicas, de natureza económica e orçamental, incluindo uma "regra de equilíbrio orçamental" e um mecanismo automático para a adoção de medidas corretivas, que conduzam a um cumprimento mais estrito dos critérios quantitativos introduzidos pelo Tratado de Maastricht, nomeadamente, os respeitantes ao défice máximo e ao limite de 60% do PIB para a dívida pública.
Não sendo este o local próprio para uma análise detalhada daquele Tratado, deve, todavia, notar-se o seguinte: i) várias disposições do Tratado têm origem em normas de direito derivado da União Europeia ou, entretanto, passaram a fazer parte dessas normas; ii) o Tratado Orçamental não integra o ordenamento jurídico da União, pelo que não beneficia do estatuto que o n.º 4 do artigo 8.º da CRP confere ao direito da União Europeia; iii) o Tratado é aplicável na medida em que for compatível com o Direito originário e derivado da União Europeia; iv) as regras relativas ao “Pacto Orçamental” foram integradas no direito interno português atravçs da Lei n.º 37/2013, de 14 de junho, que introduziu alterações à Lei de Enquadramento Orçamental. Acrescente-se ainda que Portugal se encontra sujeito a um procedimento de défice excessivo (cfr. artigo 126.º, n.º 7, do TFUE), ao abrigo do qual foram aprovadas várias recomendações por parte do Conselho, tendo-lhe sido estabelecida uma meta precisa de redução do défice para 2,5 % do PIB em 2015.
Independentemente da vinculatividade ou não destas recomendações, a verdade é que elas não impõem a Portugal medidas concretas e determinadas para controlo da despesa pública e/ou para redução do défice, antes se limitando a enunciar os objetivos ou metas, que, esses sim, devem ser obrigatoriamente cumpridos, por força das normas indubitavelmente vinculativas da União Europeia, quais sejam as de direito originário e de direito derivado, acima citados. Dito por outras palavras, a vinculatividade do Direito da União Europeia neste domínio não se refere aos meios que os Estados-membros utilizam para atingir os objetivos ou as metas que lhe são impostos.
Assim sendo, o facto de se admitir que as normas adotadas e a adotar pelo legislador nacional com vista a prosseguir os objetivos acima referidos se devem conformar com as normas da União Europeia não tem consequências do ponto de vista da aplicação das normas constitucionais. Pelo contrário, num sistema constitucional multinível, no qual interagem várias ordens jurídicas, as normas legislativas internas devem necessariamente conformar-se com a Constituição (competindo ao Tribunal Constitucional, de acordo com a Constituição Portuguesa, administrar a justiça em matérias jurídico-constitucionais (cfr. artigo 221.º da CRP)).
Aliás, o próprio direito da União Europeia estabelece que a União respeita a identidade nacional dos seus Estados-membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles (cfr.
artigo 4.º, n.º 2, do TUE).

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Sublinhe-se, por último, que neste domínio não há sequer divergência entre o Direito da União Europeia e o Direito Constitucional Português. Efetivamente os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança que têm servido de parâmetro ao Tribunal Constitucional para aferir da constitucionalidade das normas internas relativas a matérias conexas com as que se apreciam nos presentes autos fazem parte do núcleo duro do Estado de Direito, integrando o património jurídico comum europeu, a que a União também está vinculada.
Dito isto, há que voltar a realçar que é tarefa indeclinável do Tribunal Constitucional português exercer a competência que o artigo 221.º da Constituição lhe confere.
26. A medida contida no Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República implica uma alteração significativa na configuração do sistema previdencial da segurança social portuguesa, sobretudo no ponto em que determina, no seu artigo 4.º, sob a epígrafe “[c]álculo da contribuição de sustentabilidade”, uma redução do montante de pensões já em pagamento, a título definitivo, e, portanto, sem qualquer perspetiva de temporalidade.
Trata-se, por outro lado, de uma limitação do princípio do benefício definido, enquanto princípio estruturante do modelo de formação do direito à pensão, depois de ele ter sido legitimamente adquirido pelo seu titular.
É certo que essa medida não aparece isolada. Como já se referiu, o decreto da Assembleia institui um regime que é completado por outros mecanismos, constantes dos artigos 7.º, 8.º, 10.º e 11.º do decreto, que pretendem estender o esforço de “sustentabilidade” do sistema, não apenas aos seus contribuintes atuais (através das alterações marginais à contribuição dos trabalhadores para os sistemas de previdência social), mas ainda à sociedade no seu todo (através das alterações marginais à taxa normal do Imposto sobre o Valor Acrescentado). O que aparentemente poderia demonstrar a preocupação do legislador por exigências de justiça intergeracional.
Todavia, poderá dizer-se que o essencial da escolha política que o decreto contém se cifra na fixação das taxas correspondentes à «contribuição de sustentabilidade» fixadas no artigo 4.º. E essa fixação equivale indiscutivelmente a uma medida definitiva de redução das pensões já em pagamento.
O caráter fortemente «retrospetivo» desta medida já foi antes salientado. Por isso mesmo, salientada também foi a consistência particular que no caso adquire a necessária tutela da confiança das pessoas afetadas, titulares de direitos já «formados», e valorados – nos termos já descritos – pela Constituição.
A intensidade com que esta confiança merece ser protegida não pode ser tida, pelo Direito, como algo de meramente instrumental face à defesa de certos e determinados direitos subjetivos. Não está em causa um mero instrumento que sirva apenas para a afirmação de posições jurídicas detidas por um certo grupo da sociedade portuguesa. Está em causa, mais do que isso, o cumprimento de um princípio objetivo, decorrente de escolhas de valor que estruturam toda a ordem constitucional (artigos 2.º e 63.º) e, que por isso mesmo, interessam à comunidade no seu todo. Nessa medida, qualquer alteração legislativa que se pretenda introduzir no modelo previdencial português não pode deixar de ter em conta esse elemento de ponderação, que objetivamente vincula o legislador.
Note-se, por outro lado, que a alteração legislativa é apresentada num quadro de uma acentuada incerteza.
Desde logo porque a medida, em si mesma, põe em causa – em termos que serão melhor desenvolvidos adiante - o princípio da contributividade e a tendencial correspetividade entre as contribuições que o beneficiário efetua e o montante de pensão de que poderá usufruir após a passagem à situação de reforma, o que torna particularmente difícil que as pessoas saibam com o que podem contar relativamente ao destino que irá ser dado às contribuições que, por imposição da lei, presentemente realizam para sustentar o sistema da previdência social.
27. Perante os quadros gerais do atual sistema previdencial de segurança social, que foi definido num outro contexto histórico, e cuja subsistência no presente momento, sem qualquer modificação, poderá suscitar dificuldades de sustentabilidade das finanças públicas e do próprio sistema de pensões e colocar a República em situação de incumprimento perante as suas obrigações europeias e das suas obrigações perante gerações futuras, não pode deixar de reconhecer-se a necessidade de uma reforma do sistema.
O cumprimento desta necessária tarefa não tem, evidentemente, que ser levado a cabo por um só ato ou de uma só vez. É, no entanto, dificilmente compreensível que a implementação de medidas como as previstas no Decreto da Assembleia da República n.º 262/XII, implicando uma mitigação radical do princípio do benefício

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definido e um forte impacto nas posições jurídicas subjetivas dos pensionistas – ainda que deva ser completada por outras iniciativas legislativas – tenha sido adotada no âmbito de um procedimento parlamentar prioritário e urgente, de tal modo que a proposta de lei, tendo sido apresentada ao Parlamento em 12 de junho, foi aprovada na generalidade no dia 27 seguinte - a que se seguiu um escasso período de audições públicas que decorreram apenas durante 21 dias -, e culminou com a aprovação final em 25 de julho.
Poderá reconhecer-se que, sendo de interesse vital para a sociedade portuguesa a resolução do problema que o Decreto n.º 262/XII procurou [aparentemente] começar a solucionar, ele mereceria um debate exigente, dificilmente compatível com a celeridade que se imprimiu ao procedimento legislativo; mas, ainda que tal aconteça, o reconhecimento do défice procedimental não pode ser objeto de censura jurídico-constitucional.
Por outro lado, o Tribunal não dispõe de meios que lhe permitam afirmar prima facie que o legislador não prosseguiu, ainda que através de um processo excessivamente célere, os fins de interesse público que visava realizar, nem poderá pronunciar-se sobre a futura calendarização (e efetiva realização) de outras iniciativas legislativas que se venham a incluir na reforma do sistema de segurança social.
28. Não restam dúvidas – face a todo o anterior percurso argumentativo – que a escolha política essencial contida nos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia, implicando a redução do montante de pensões em pagamento, afeta fortemente posições jurídicas subjetivas dotadas de intensa tutela constitucional. E ficou ainda claro que a necessidade de tal tutela, determinada pelo valor de segurança jurídica contida no artigo 2.º da CRP, não é igualmente satisfeita pela incerteza decorrente do regime contido nesses artigos (artigo 2.º e 4º).
A questão é, porém, a de saber se o Tribunal, tendo em conta a intensidade grave com que são lesadas exigências de segurança jurídica e de tutela da confiança legítima das pessoas [na continuidade do Direito], está contudo em condições de afirmar que os direitos e interesses também constitucionalmente consagrados, e invocados para justificar tal lesão, não prevalecem sobre os direitos e interesses sacrificados.
Para dar resposta a esta questão o tribunal entende formular as seguintes ponderações.
29. A contribuição de sustentabilidade agora instituída como uma medida estrutural de reforma do sistema de segurança social - e, por isso mesmo, caracterizada como uma redução definitiva do montante de pensões já atribuídas - é uma medida similar à antiga contribuição extraordinária de solidariedade (CES) prevista no artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013 (Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro), e reproduzida no artigo 76.º da Lei do Orçamento de Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), entretanto reformulada pela primeira alteração a essa lei (Lei n.º 13/2014, de 14 de março), e que provinha já, ainda que com diferente base de incidência quanto à taxa aplicável e ao universo dos destinatários, das leis que aprovaram os orçamentos do Estado para 2011 e 2012 (artigos 162º, n.º 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro).
O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da contribuição extraordinária de solidariedade, tal como se encontrava configurada na Lei do Orçamento de Estado para 2013 e no Orçamento Retificativo para 2014 (Lei n.º 13/2014), considerou que, em qualquer dos casos, essa era uma medida de natureza orçamental destinada a vigorar durante um ano e revestia uma natureza excecional e transitória diretamente relacionada com os objetivos imediatos de equilíbrio orçamental e sustentabilidade das finanças públicas, e apenas nesse pressuposto é que legitimou a sua conformidade constitucional à luz dos parâmetros decorrentes do princípio da proteção da confiança e do princípio da proporcionalidade (Acórdãos n.os 187/13 e 572/14).
A diferença específica que pode detetar-se entre a contribuição de sustentabilidade e a contribuição extraordinária de solidariedade, para além do já referido aspeto atinente ao seu âmbito material e temporal, reside no desagravamento das taxas de redução da pensão, o que levou o proponente da norma a declarar, na exposição de motivos que acompanhou a correspondente proposta de lei, que «os pensionistas terão um rendimento superior àquele que resultava da aplicação da CES, recuperando, assim, substancialmente, poder de compra».
De facto, como já foi assinalado, na contribuição de sustentabilidade, a taxa efetiva é de 2% para pensões atç € 2000, de 2% a 3,5% para pensões entre € 2000 e € 3500, e de 3,5% para pensões acima de € 3500, ao passo que na CES, na parte que agora interessa considerar (isto é, nas pensões de montante inferior a 11 vezes o IAS), a taxa era de 3,5% sobre as pensões de valor mensal entre €1350 e €1800 (que passou a incidir

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posteriormente sobre pensões a partir de € 1000), de 3,5% a 10% sobre pensões de valor mensal entre € 1800,01 e € 3750, e de 10% sobre as pensões de valor mensal superior a € 3750.
Simplesmente, não é o mero desagravamento das taxas aplicáveis que transforma uma medida típica de disciplina orçamental destinada a obter no imediato uma poupança na despesa pública (como era o caso da CES) numa medida estrutural que vise assegurar a sustentabilidade do sistema público de pensões a médio e longo prazo. Além de que nada garante que o legislador – como sucedeu no passado recente relativamente à CES – venha a alterar a base de incidência da contribuição de sustentabilidade, mediante a alteração da taxa aplicável ou do limiar mínimo a partir do qual há lugar à redução da pensão.
30. Acresce que não é pela articulação de uma medida de redução de despesa com outras medidas paralelas de aumento de receita – como é o caso do adicional à quotização dos trabalhadores para os sistemas de previdência social e do adicional à taxa normal do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), previstas nos artigos 7.º, 8.º e 10.º do Decreto – que é possível conferir à contribuição de sustentabilidade o sentido de uma medida diretamente vocacionada para a sustentabilidade do sistema de pensões.
O aumento do IVA e das contribuições dos trabalhadores no ativo são, por natureza, medidas conjunturais que o legislador poderá reverter numa qualquer outra oportunidade, de acordo com critérios económicos que respeitem especificamente à política tributária ou à política de emprego, e que apenas se manterão consignadas à segurança social ou à Caixa Geral de Aposentações enquanto puderem subsistir no ordenamento jurídico como fontes específicas de financiamento do sistema. As quotizações dos trabalhadores e as receitas fiscais legalmente previstas são expressamente mencionadas na Lei de Bases da Segurança Social como fontes de financiamento do sistema se segurança social (artigo 92.º, alíneas a) e d), da Lei n.º 4/2007) e não representam mais do que uma forma de ampliação dos recursos financeiros que devam ser alocados às despesas de funcionamento da segurança social, possuindo, por isso, apenas, um efeito orçamental.
Por seu turno, a contribuição de sustentabilidade haveria de revestir a natureza de uma medida estrutural dirigida à sustentabilidade do sistema de pensões em função dos termos em que ela própria se encontrasse concebida e não apenas por mera associação a mecanismos de diversificação de fontes de financiamento, quando é certo que essa diversificação, por qualquer das formas possíveis, constitui em si mesma a mera concretização de um princípio geral de obtenção de recursos financeiros para a segurança social que tem expressa consagração legal (artigo 88.º da Lei de Bases da Segurança Social).
Por outro lado, contrariamente ao que vem afirmado na exposição de motivos da proposta de lei que originou o Decreto 262/XII, não é esse o padrão que é possível extrair do acórdão n.º 862/13. Este aresto pronunciou-se pela inconstitucionalidade de disposições que previam a redução e recalculo do montante de pensões dos atuais beneficiários da CGA por considerar que os critérios de revisão das pensões a observar teriam de recolocar num plano de igualdade todos os beneficiários dos dois sistemas públicos de pensões, só desse modo se podendo assegurar o respeito pela justiça intrageracional e justificar os sacrifícios que fossem impostos à luz do princípio da tutela da confiança. O acórdão apontou, nesse contexto, para a ideia de que a violação das expectativas em causa só se justificaria no quadro de uma solução sistémica e estrutural que fosse suficientemente abrangente. Não é seguramente essa a situação quando uma estrita medida de redução de pensões, sem ponderação de outros fatores, vem simplesmente acompanhada de medidas conjunturais de aumento de receita, ainda que por essa via se proporcione que outros estratos da sociedade contribuam para o orçamento da segurança social.
31. Ainda neste plano de análise, importa notar que o desagravamento da taxa aplicável, por referência à antiga CES, não ç uniforme e ç mais acentuado nas pensões entre € 3750 e € 4611,42 (correspondente a 11 vezes o IAS), em que a taxa baixa de 10% para 3,5%, do que nas pensões entre € 1000 e € 1800, em que a taxa baixa apenas de 3,5% para 2%. A que acresce a aplicação de um diferente critério de progressividade. A taxa ç fixa nas pensões atç € 2000 (2%) e nas pensões superiores a € 3500 (3,5%) e progressiva nas pensões entre € 2000 e € 3500 (em que a taxa varia entre 2% e 3,5%).
O que bem demonstra que o legislador, mais do que introduzir uma condição de sustentabilidade que vise reduzir de modo uniforme e coerente o montante das pensões a pagar, em termos de satisfazer no futuro os encargos relativos aos beneficiários do sistema publico de pensões, pretendeu antes obter uma maior poupança de despesa no curto prazo, afetando mais gravosamente, em termos relativos, as pensões que se situam em escalões intermédios e a que possa corresponder um maior número de pensionistas.

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Uma solução similar foi adotada na Lei do Orçamento de Estado para 2014 (artigo 33.º), no que se refere à redução remuneratória dos trabalhadores que auferem por verbas públicas, em que houve lugar à aplicação de uma taxa progressiva nas remunerações atç € 2000 (de 2,5% a 12%), em termos de este último escalão sofrer a incidência do limite percentual máximo do corte, em contraponto com a sujeição das remunerações mais elevadas a uma redução proporcional, decorrente da aplicação da taxa fixa de 12%, tendo como consequência um desequilíbrio na proporção do sacrifício que é imposto aos titulares de remunerações situadas entre € 1500 e € 2000 por referência aos que auferem vencimentos mais elevados.
A alteração de incidência da taxa de redução remuneratória tinha, nesse caso, o declarado objetivo de introduzir uma alteração da política salarial na Administração Pública e não agravar a fraca competividade das remunerações públicas do Estado relativamente ao setor privado para grupos com maiores qualificações e responsabilidade, por se tratar de grupos aos quais as condições oferecidas são menos competitivas que as do setor privado (Relatório do Orçamento do Estado para 2014).
Apreciando, em fiscalização sucessiva essa disposição, o Tribunal considerou que essa é uma norma, que, mesmo tendo em conta assumir uma natureza transitória e prevalecentemente destinada a promover o reequilíbrio orçamental numa conjuntura de emergência financeira, acaba por acentuar relativamente a níveis remuneratórios intermédios o caráter desproporcional da redução salarial no confronto com titulares de outros rendimentos (acórdão n.º 413/2014).
Esse mesmo julgamento é válido, por maioria de razão, para disposições que, visando instituir uma condição de sustentabilidade do sistema público de pensões, se dirigem, não a pessoal da Administração Pública no ativo, mas a pessoas que terminaram já a sua atividade profissional e se encontram agora a usufruir o direito a prestações de proteção social por velhice que está diretamente relacionado (numa relação sinalagmática) com a sua carreira contributiva para a segurança social (artigo 54.º da Lei de Bases da Segurança Social).
De facto, não faz sentido relativamente ao pagamento de pensões, em que releva o princípio da contributividade e do benefício certo, definir os índices de progressividade para a taxa de redução de pensões em função do resultado financeiro que possa ser obtido (e, portanto, com base num efeito meramente orçamental) e, desse modo, permitir a aplicação de um regime de progressividade diferenciada para os diversos escalões de pensões que necessariamente põe em causa a própria equidade interna do sistema.
32. Por outro lado, a aplicação de uma taxa progressiva, variável em razão do montante da pensão, ainda que apenas em relação a certos escalões, é totalmente alheia às contribuições que os titulares das pensões outrora realizaram. É certo que se poderá argumentar (como se fez nos Acórdãos n.os 187/2013 e 862/2013) que, assentando o nosso sistema previdencial numa “lógica de repartição” (pay as you go) e não numa “lógica de capitalização”, não existe uma correspetividade necessária entre o quantum com que no passado se contribuiu para o sistema e o quantum que dele, enquanto beneficiário, no presente se recebe, podendo apenas falar-se numa correspetividade tendencial por efeito da relação direta estabelecida entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações. É aliás esse o traço essencial de um modelo de segurança social que assenta no princípio da solidariedade e da responsabilização coletiva (artigo 8.º da Lei de Bases da Segurança Social). Contudo, se se considerar que o mesmo modelo, com essa mesma fisionomia, se centra também no princípio da contributividade, dependendo aliás a sua sobrevivência do cumprimento, por parte dos contribuintes atuais, das suas obrigações de contribuir, torna-se difícil considerar que é jurídicoconstitucionalmente irrelevante que as reduções definitivas do montante das pensões já em pagamento se efetuem através de meios que se mostram totalmente indiferentes aos esforços contributivos outrora realizado pelos beneficiários. E isto por duas ordens de razões: primeira, porque tal indiferença torna particularmente incerta a coerência de um sistema que continua a assentar, de acordo com o artigo 90.º da Lei de Bases, em presentes contribuições da faixa ativa da população; segunda, porque tal indiferença implica que se ignorem as consequências decorrentes da vigência, durante décadas, do princípio contributivo, segundo o qual a realização das contribuições era, não só condição necessária da aquisição do direito à pensão mas, ainda mais, critério orientador da determinação do seu quantum.
Ora, a determinação do cálculo da contribuição de sustentabilidade através da aplicação de uma taxa progressiva de redução ao montante das pensões constitui um desvio ao princípio da contributividade (que tem pressuposto, como se afirmou, uma relação direta entre a obrigação de contribuir e o direito às prestações).

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De facto, a progressividade da taxa (e sobretudo a progressividade variável em função do escalonamento das pensões) determina que a carreira contributiva dos pensionistas afetados passe a ter um reflexo diferenciado, comparativamente com outros pensionistas sujeitos a uma taxa fixa, no montante total da pensão que vier a ser atribuída por efeito da aplicação da contribuição de sustentabilidade. Com a consequência de ocorrer também uma diferente valoração, em termos contributivos, dos tempos de trabalho que devem ser contabilizados para o cálculo da pensão.
33. A contribuição de sustentabilidade, tal como se encontra caracterizada nos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 262/XII, coloca ainda um problema de igualdade entre pensionistas no ponto em que incide sobre todas as pensões pagas por um sistema público de pensões, mediante a aplicação de uma taxa pré-definida, independentemente de esses pensionistas se encontrarem em situação distinta por efeito de terem sido objeto de anteriores reformas do sistema com reflexo no cálculo e valor da pensão já em pagamento.
Como se explanou no Acórdão n.º 188/2009 e, mais recentemente, no Acórdão n.º 862/13, a sucessiva legislação sobre o sistema de pensões foi impondo gradualmente condições mais gravosas para os subscritores e beneficiários quer do sistema previdencial da CGA quer do regime geral da segurança social.
No primeiro caso, interessa considerar a Lei n.º 1/2004, de 15 de janeiro (artigo 53.º), que deduziu à remuneração relevante para o cálculo da pensão a percentagem de quota para efeitos de aposentação e de sobrevivência, implicando que a taxa de substituição - que traduz a relação existente entre o valor da primeira pensão e o valor da última remuneração – tenha sido reduzida de 100% para 90%, originando uma redução de 10% com reflexos em igual medida no valor da pensão.
Depois, a Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, que fez cessar, a partir de 1 de janeiro de 2006, a inscrição de subscritores na CGA, remetendo o pessoal que inicie funções na administração pública a partir dessa data para o regime geral da segurança social (artigo 1.º), e, consequentemente, introduziu uma nova fórmula de cálculo das pensões, que passou a ser composta por duas parcelas, uma para o tempo de serviço prestado até 31 de dezembro de 2005 (P1) – em que intervém a remuneração mensal relevante nos termos do Estatuto da Aposentação - e outra para o tempo posterior a essa data (P2) – em que a remuneração de referência é apurada segundo o regime da segurança social (artigo 5.º).
Posteriormente, a Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, que adaptou o regime da CGA ao regime geral de segurança social em matéria de aposentação e cálculo de pensões, mediante a alteração do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, introduzindo o fator de sustentabilidade no valor da pensão e fixando o limite máximo da pensão, fazendo-o corresponder a 12 vezes o indexante dos apoios sociais.
E ainda a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que, mediante a alteração do artigo 5.º da já referida Lei n.º 60/2005, passou a reportar a remuneração de referência da P1, não à última remuneração, como constava da redação originária desse preceito, mas à remuneração percebida até 31 de dezembro de 2005 (artigo 80.º).
Finalmente, a Lei n.º 11/2014, de 6 de março, que, através de nova redação dada ao mesmo artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, reduziu a remuneração a considerar para a primeira parcela (P1) a 80% da remuneração mensal relevante nos termos do Estatuto da Aposentação e determinou a aplicação, nas pensões atribuídas pela CGA, do fator de sustentabilidade correspondente ao ano de aposentação de acordo com o regime que vigorar para sistema previdencial da segurança social.
Em todas estas situações de agravamento do montante da pensão, o legislador atribuiu apenas efeitos para futuro (artigos 1.º da Lei n.º 1/2004 e 80.º, n.º 2, da Lei n.º 66-B/2012) ou criou direito transitório, estabelecendo uma cláusula de salvaguarda de direitos de modo a assegurar que os subscritores que já reunissem as condições para aposentação à data da entrada em vigor da lei pudessem aposentar-se pelo regime anteriormente aplicável (artigo 7.º da Lei n.º 60/2005) e que as pensões que estivessem a ser abonadas não sofressem qualquer redução de valor (artigo 7.º da Lei n.º 52/2007).
Também no âmbito do regime geral da segurança social, foram sendo introduzidas reformas que intentaram reformular o método de cálculo das pensões em termos menos favoráveis aos beneficiários.
Em primeiro lugar, o Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de setembro (ainda na vigência da Lei de Bases do Sistema de Segurança Social, aprovada pela Lei n.º 24/84, de 28 de agosto), preconizou, entre outras medidas, que fosse tomado em consideração «um maior período de carreira contributiva (10 melhores anos dos últimos 15), com vista a que a remuneração de referência exprimisse de forma mais ajustada o último período de atividade profissional» (n.º 7 do preâmbulo e artigo 33.º, n.º 1).

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Posteriormente, a Lei de Bases da Segurança Social de 2000 (Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto), passou a ditar que «o cálculo de pensões de velhice deve, de um modo gradual e progressivo, ter por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva» (artigo 57.º, n.º 3) disposição depois regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de fevereiro, que produzia efeitos desde 1 de janeiro de 2002 (artigo 23.º), que, tendo em vista a salvaguarda dos direitos adquiridos e de direitos em formação, veio garantir aos beneficiários cuja carreira contributiva ficou exposta a esta sucessão dos regimes jurídicos o montante de pensão que lhes seja mais favorável.
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, em execução da Lei de Bases da Segurança Social de 2007 (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), concretiza a aceleração da transição para a nova fórmula de cálculo das pensões, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, através da eliminação da garantia da atribuição da pensão mais favorável, em relação aos contribuintes que fiquem abrangidos pelos sucessivos regimes de cálculo, e por via da aplicação, em substituição, de uma fórmula proporcional que permite entrar em linha de conta com as antigas e as novas regras de cálculo e em que intervém um aumento progressivo do peso relativo da carreira contributiva no apuramento do montante da pensão (artigo 33.º).
Deste modo, a determinação do montante da pensão, no regime geral de segurança social, através da remuneração de referência que represente o total das remunerações de toda a carreira contributiva – em consonância com o princípio da contributividade – apenas se tornou integralmente aplicável aos contribuintes inscritos a partir de 1 de janeiro de 2002, sendo que em relação a beneficiários que já se encontrassem inscritos a essa data, o legislador sempre instituiu cláusulas de salvaguarda e regimes mais favoráveis de transição, que ainda se mantêm em vigor.
A Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, veio entretanto instituir, pela primeira vez, a aplicação ao montante da pensão estatutária calculada nos termos legais, um fator de sustentabilidade relacionado com a evolução da esperança média de vida, tendo em vista a adequação do sistema às modificações resultantes das alterações demográficas e económicas (artigo 64.º), que foi depois regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio (artigo 35.º) e adaptado ao regime da CGA pela já referida Lei n.º 52/2007. Mas, à semelhança do que ocorreu no âmbito da proteção social da função pública, o fator de sustentabilidade não foi aplicado às pensões do regime da segurança social cujo pagamento se iniciou até 31 de dezembro de 2007 (artigo 114.º, n.º 2).
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 167-E/2013, de 31 de dezembro, mediante a alteração dos artigos 20.º e 35.º daquele outro diploma, modificou a forma de cálculo do fator de sustentabilidade, alterando o ano de referência inicial da esperança de vida aos 65 anos para o ano 2000, e, com base nesse fator, estabelece uma nova idade normal de acesso à pensão de velhice, com efeitos apenas em relação às pensões que sejam requeridas após a data da entrada em vigor do Decreto-Lei. Verifica-se, por conseguinte, que existem ainda hoje pensionistas do regime da proteção social convergente que auferem pensões com base numa taxa de substituição de 100%, e que são, por isso, superiores à remuneração de referência que é paga ao pessoal no ativo – por não terem sido abrangidos pelo regime decorrente da Lei n.º 1/2004 –, e que não foram sequer afetados pelo fator de sustentabilidade, que também não foi aplicado às pensões que estivessem a ser abonadas à data da entrada em vigor da Lei n.º 52/2007. Ao passo que outros pensionistas sofreram já a dedução no cálculo da pensão da quota para efeitos de aposentação, e outros, cumulativamente com essa dedução, suportam ainda a redução da pensão por efeito da aplicação do fator de sustentabilidade e de outros mecanismos de determinação do cálculo da pensão (Leis n.os 60/2005 e 66-B/2012).
Paralelamente, no regime geral da segurança social, a determinação do montante da pensão através da remuneração de referência que represente o total das remunerações de toda a carreira contributiva – em consonância com o princípio da contributividade – apenas se tornou integralmente aplicável aos contribuintes inscritos a partir de 1 de janeiro de 2002, sendo que em relação a beneficiários que já se encontrassem inscritos a essa data, o legislador sempre instituiu cláusulas de salvaguarda e regimes mais favoráveis de transição, que ainda se mantêm em vigor. Além de que o fator de sustentabilidade, concretizado através do Decreto-Lei n.º 187/2007, apenas se tornou aplicável às pensões atribuídas a partir de 1 de janeiro de 2008.
O que significa que pensionistas de qualquer dos sistemas públicos (CGA e regime geral da segurança social) estão em situação mais desfavorável, no que se refere ao cálculo da pensão, em relação a outros que tenham tido idêntica carreira contributiva com base em idêntica remuneração de referência, apenas porque

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preencheram as condições de reforma ou aposentação em momento ulterior à entrada em vigor das reformas do sistema de pensões que entretanto foram implementadas, ou simplesmente porque optaram por manter a relação laboral – ainda que já dispusessem dos requisitos para a passagem à reforma ou aposentação – até a um momento e que já se encontravam em vigor esses novos regimes legais.
Ora, a contribuição de sustentabilidade, pretendendo afetar direitos adquiridos e, portanto, pensões já atribuídas, e produzindo uma redução definitiva das pensões em pagamento, a pretexto de uma alegada sustentabilidade do sistema, é inteiramente indiferente às situações diferenciadas dos pensionistas que, apenas porque abandonaram a vida ativa em momentos temporalmente diversos, se encontram já numa situação mais gravosa por efeito da evolução legislativa em matéria de pensões.
34. Neste condicionalismo, uma tal medida não pode deixar de suscitar sérias dificuldades no plano da igualdade e equidade interna e da justiça intrageracional.
Afigura-se que não tem aqui aplicação a ideia – já expressa pelo Tribunal Constitucional em diversas ocasiões – segundo a qual a alteração legislativa resultante da mera sucessão das leis no tempo (ainda que relativa a direitos sociais) não afeta, por si, o princípio da igualdade, o que só poderia verificar-se se a nova lei vier a estabelecer tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas (veja-se o Acórdão n.º 188/2009 e a jurisprudência nele citada).
Na verdade, embora estejamos perante uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações mas que é determinada por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal, o certo é que, no presente caso, o legislador pretendeu atingir direitos constituídos ao abrigo da legislação anterior e com o objetivo declarado de realizar o interesse público de sustentabilidade do sistema de segurança social.
Se o legislador cria um novo regime legal que se destina a afetar qualquer situação jurídica que se encontre abrangida pela lei anterior (através da redução definitiva de pensões já atribuídas), não pode deixar de ter em consideração as situações de desigualdade que possam ocorrer no universo dos destinatários da medida. Não pode dizer-se, nessa circunstância, que as diferenças de regimes são decorrentes da normal sucessão de leis. O ponto é que é a nova lei põe em causa o princípio da não retroatividade e passa a aplicarse a realidades já anteriormente reguladas, que por via do novo regime legal passam a ser marcadas por um tratamento desigual.
35. A medida também não resolve qualquer problema no plano da justiça intergeracional, no ponto em que se não apresenta como um modelo de reforma consistente e coerente em que os cidadãos possam confiar.
E, além disso, acentua a situação de desigualdade, não apenas no que se refere aos atuais pensionistas, mas também em relação aos atuais contribuintes e futuros beneficiários do sistema de pensões. Basta notar que a contribuição de sustentabilidade surge como uma medida de redução de pensões de caráter definitivo, vindo a incidir também sobre os futuros titulares de pensões sem qualquer ponderação dos efeitos gravosos que as sucessivas modificações do regime de cálculo das pensões e a introdução do fator sustentabilidade – nos termos que foram já anteriormente explanados – implicam já na determinação do montante da pensão e até na determinação da idade de acesso à condição de pensionista.
E nesse sentido a contribuição de sustentabilidade é completamente indiferente quer ao esforço contributivo dos futuros pensionistas quer à redução que a pensão irá sofrer ab initio em consequência dessa evolução legislativa.
36. Não pode ignorar-se, por outro lado, que o legislador, perante a intensidade da afetação das posições jurídicas dos particulares, tem um especial ónus de fundamentação. Não basta invocar genericamente um objetivo de sustentabilidade do sistema público de pensões. É necessário demonstrar que a medida de redução de pensões, com base na mera aplicação de uma taxa percentual sobre o valor mensal da pensão ou do somatório das pensões de cada titular, é do ponto de vista objetivo um meio idóneo e apto para a aproximação ao resultado pretendido e é ainda um meio necessário e exigível, por não existirem outros meios, em princípio, tão eficazes, que pudessem obter o mesmo resultado de forma menos onerosa para as pessoas afetadas.
Ora, como vimos, o legislador, no passado recente, adotou já soluções – que, enquadrando verdadeiras reformas estruturais do sistema – estão especialmente vocacionadas para a sustentabilidade do sistema de pensões, quer através da alteração do método de cálculo das pensões, quer por via da introdução do fator de sustentabilidade, como mecanismo de ajustamento automático do valor das pensões e das próprias condições

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de atribuição da pensão à evolução da longevidade. A mera redução do valor da pensão por aplicação de uma taxa percentual, à semelhança do que sucedeu com a antiga CES, não tem senão um efeito orçamental de diminuição de despesa a curto prazo sem qualquer capacidade de adaptação a modificações que, no futuro, resultem de alterações demográficas ou económicas. E a que o legislador apenas poderá responder, no futuro, na ausência de uma verdadeira reforma estrutural, por via de novas medidas conjunturais de agravamento da taxa ou de alargamento do universo dos destinatários afetados.
Nestas circunstâncias, o interesse da sustentabilidade do sistema público de pensões, realizado através de uma mera medida de redução do valor da pensão, sem qualquer ponderação de outros fatores que seriam relevantes para mitigar a lesão das posições jurídicas subjetivas dos pensionistas – mormente no plano da igualdade e equidade interna e da justiça intrageracional e intergeracional –, e desacompanhado também de uma suficiente justificação que possa esbater as dúvidas quanto à adequação e necessidade da medida, não pode ser tido como um interesse público prevalecente face à intensidade do sacrifício que é imposto aos particulares.
Em suma, a contribuição de sustentabilidade, tal como se encontra gizada nos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 262/XII, é uma medida que afeta desproporcionadamente o princípio constitucional da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

III - Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não tomar conhecimento do pedido de fiscalização preventiva relativamente às normas do artigo 6.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República; b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade, por violação do princípio da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição, das normas dos artigos 2.º e 4.º do mesmo Decreto. Lisboa, 14 de agosto de 2014 – Carlos Fernandes Cadilha – Lino Rodrigues Ribeiro (com declaração de voto) – Catarina Sarmento e Castro (com declaração de voto) – João Cura Mariano – Maria José Rangel de Mesquita (com declaração de voto) – Pedro Machete – Ana Maria Guerra Martins – João Pedro Caupers – Fernando Vaz Ventura – Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida quanto à alínea b) nos termos da declaração junta) – Maria Lúcia Amaral (vencida conforme declaração que junto) – José da Cunha Barbosa (vencido pelas razões constantes da declaração de voto da Conselheira Maria Lúcia Amaral) – Joaquim de Sousa Ribeiro DECLARAÇÃO DE VOTO Votei a decisão, mas apenas com os fundamentos indicados nos números 33 e 34 do Acórdão referentes à igualdade entre pensionistas tendo como critério de comparação o fator de sustentabilidade.
Efetivamente, a contribuição de sustentabilidade instituída pelas normas questionadas incide sobre pensionistas cujas pensões já foram afetadas com reduções que visam o mesmo objetivo que é prosseguido por aquela contribuição. O fator de sustentabilidade, criado pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, para o regime geral de segurança social e pelo Decreto-Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, para o regime da CGA, está relacionado com uma das principais causas da insustentabilidade do sistema público de pensões, como é o caso da evolução da esperança média de vida. Assim, o valor das pensões estatutárias reconhecidas após 2007 foi ajustado automaticamente à evolução da longevidade através de um fator definido pela esperança média de vida verificado num determinado ano de referência – o de 2006 e atualmente o de 2000 -, e a verificada no ano anterior ao início da pensão. Ora, como este agravamento, que em 2014 corresponde a uma redução da pensão em 12,34%, não foi aplicado às pensões anteriores a 2008, existe uma evidente desigualdade entre pensionistas quanto ao

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contributo a dar para a sustentabilidade do sistema público de pensões, sendo certo que o aumento da esperança média de vida é transversal a todos eles.
Essa desigualdade acaba por repercutir-se na contribuição de sustentabilidade, uma vez que não foi estabelecida qualquer regra que evitasse a dupla penalização dos pensionistas a quem foi (e será) aplicado o fator de sustentabilidade. Sem eliminar esta desigualdade, aplicando o fator de sustentabilidade a todos os pensionistas, as medidas que tenham por objetivo a sustentabilidade do sistema suscitarão sempre reservas quanto à equidade interna do sistema e à justiça intrageracional. A extensão do fator de sustentabilidade aos atuais beneficiários, independentemente da data da atribuição da pensão não provoca, a nosso ver, o problema de constitucionalidade que foi levantado no Acórdão n.º 862/2013, relativamente ao regime de convergência de pensões, porque não se trata de um fator que respeite às condições de atribuição da pensão estatutária, com é o caso da taxa anual de formação da pensão. Apesar do regime da convergência ter sido apresentado também como uma medida estrutural – alteração da «taxa de substituição» –, que tinha em vista a sustentabilidade do sistema público de pensões e a justiça intergeracional, acabava por atingir profundamente as legítimas expectativas de manutenção das regras de cálculo vigentes à data em que a pensão foi reconhecida, sobretudo quando as normas criadas pelo Estado garantem que o direito à pensão estatutária fica regulado «definitivamente» no momento em que é reconhecido. O mesmo não acontece com o fator de sustentabilidade, uma vez que, pelo menos até 2014, não interferiu na fórmula de cálculo de pensão estatutária, limitando-se a ajustar automaticamente o valor da pensão à evolução da esperança média de vida. Lino Rodrigues Ribeiro DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Acompanhei a decisão, no sentido de não tomar conhecimento do pedido relativo às normas do artigo 6.º do Decreto n.º 262/XII, que cria a Contribuição de Sustentabilidade (CS), bem como quanto à pronúncia de inconstitucionalidade relativa às normas dos artigos 2.º e 4.º do mesmo Decreto. Subscrevi, no essencial, a respetiva fundamentação.
2. Ainda assim, por me desviar pontualmente da fundamentação, entendo dever afirmar que, em meu entender, a CS é uma medida distinta da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES), designadamente (mas não apenas) no que respeita ao universo dos atingidos (v.g., deixa de abranger prestações privadas de proteção social, exteriores ao sistema público de segurança social). Tendo eu aderido à caracterização que dela faz o presente Acórdão - enquanto medida que se traduz numa redução, a título definitivo, do valor das pensões já em pagamento, com um leque de destinatários distinto da CES -, afastei a aplicação da Constituição fiscal, já que não considero a CS um imposto, ao contrário daquela que foi a minha posição relativamente à CES.
3. Distancio-me, também, da conceção do presente Acórdão quanto à natureza do direito à pensão (nomeadamente, quando a esse propósito se remete para alguma jurisprudência anterior).
Por um lado, enquanto prestação substitutiva do rendimento do trabalho, considero que a pensão teria de receber, pelo menos, uma proteção idêntica à que sustentei relativamente ao salário (por mim considerado como direito fundamental - Declaração de Voto ao Acórdão n.º 413/2014 e, mais recentemente, ao Acórdão n.º 574/2014 – Processo n.º 818/2014).
Por outro, e essencialmente, a pensão é, em si e por si, objeto de especial proteção constitucional.
Considero, por isso, que a CS afeta negativamente, de forma duradoura, um direito social, com consagração constitucional expressa no artigo 63.º (direito à segurança social) e 72.º (direito à segurança económica das pessoas idosas), que é, enquanto tal, um direito fundamental (e não um mero direito derivado a prestações; sendo, antes, um direito que permite acesso a bens na qualidade de direitos fundamentais, como bem salienta Reis Novais, «O direito fundamental à pensão de reforma em situação de emergência financeira», www.epublica.pt, p. 3). Direito que é resistente à lei, salvo em condições extremas, devidamente fundamentadas. A posição jurídica protegida pelo direito à pensão é especialmente tutelada quando, como no caso, estamos perante um direito já consolidado na esfera jurídica do titular (são pensões já em pagamento), e não perante um direito ainda não constituído. Enquanto direito fundamental, as expetativas de que não sofrerá alteração –

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reduzindo-se a pensão, por exemplo – são ancoradas numa proteção que resulta da sua previsão na Constituição (mesmo que o seu quantum seja fixado na lei), ou seja, a sua vinculatividade jurídica tem força de direito fundamental.
Assim sendo, para que uma intervenção restritiva do direito à pensão possa ter lugar – também, quando afeta o seu quantum, designadamente em virtude da reserva do financeiramente possível - o legislador terá de respeitar os princípios constitucionais estruturantes, mas terá ainda de apresentar uma justificação suficientemente robusta, opção que será sindicável pelo Tribunal Constitucional.
4. No caso da CS, o legislador – que tem o ónus da fundamentação - não cumpriu cabalmente o seu dever de apresentar justificação suficientemente ponderosa para lesar, de modo definitivo – e iníquo - pensões já a pagamento. Ónus que é particularmente intenso, e sujeito a controlo judicial apertado, por estar em causa um direito com proteção constitucional.
Não esqueçamos que, como venho repetidamente sublinhando, os destinatários desta medida constituem um segmento da população que, na sua maioria, se encontra em especial situação de vulnerabilidade e dependência (por velhice, invalidez, etc). Por razões atinentes à idade e à saúde, encontrando-se fora do mercado de trabalho, estes grupos mostram-se incapazes de reorientar a sua vida em caso de alteração das circunstâncias. Em geral, é uma faixa da população que depende desta prestação social para garantir a sua independência económica e a sua autonomia pessoal 5. Acresce que, como atesta o Acórdão, o legislador faz ceder este direito fundamental desrespeitando princípios constitucionais estruturantes (artigo 2.º da Constituição).

Catarina Sarmento e Castro DECLARAÇÃO DE VOTO
Acompanha-se a pronúncia expressa na alínea b) da Decisão do presente Acórdão no que respeita às normas dos artigos 2.º e 4.º e do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República nos termos que de seguida se explicitam.
Entende-se que a medida em causa – que, sendo distinta, apresenta pontos de contacto com a configuração da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) – é normativamente configurada como uma medida do lado da receita (com as devidas consequência em termos de Imposto sobre as Pessoas Singulares ou de incidência de contribuições) que, pela sua vigência sem termo e, assim caráter duradouro no tempo, tem por efeito direto uma redução definitiva do valor nominal de pensões em pagamento.
Distinguindo-se da CES, entre outros, pela sua progressividade menos acentuada em termos de taxas aplicáveis face aos escalões de pensões definidos e – embora com dúvidas, face ao teor literal do n.º 2 do artigo 2.º, na parte em que se refere, sem distinção, aos «regimes complementares» (e que não são expressamente excluídos no artigo 3.º relativo à delimitação negativa do âmbito de aplicação da medida, com exceção, na sua alínea e), das prestações do regime público de capitalização do sistema complementar) – pelo caráter menos abrangente em termos de âmbito de incidência, a Contribuição de Sustentabilidade, tal como a CES, desconsidera totalmente a diversidade de situações subjacentes à qualidade de beneficiário das prestações afetadas pela medida – elemento determinante para o juízo de inconstitucionalidade da norma do Lei do Orçamento de Estado para 2013 que previa a CES que formulámos na Declaração de voto aposta no Acórdão n.º 187/2013 (e reiterámos no Acórdão n.º 572/2014) e, agora também, das normas que consagram a Contribuição de Sustentabilidade.
Não se acompanha todavia a fundamentação do Acórdão na parte em que se reporta aos Acórdãos n.os 187/2013 e 572/2014 (na parte relativa à CES) e aos Acórdãos n.º 413/2014 (quanto às reduções remuneratórias) e n.º 862/2013 (quanto á medida de ‘convergência de pensões’) – cfr. n.os 29, 30 e 31 do Acórdão – na medida em que nos afastámos da respetiva fundamentação e sentido decisório (cfr. Declarações de voto apostas aos mesmos Acórdãos).
Sem prejuízo do que então se entendeu naquele Acórdão n.º 862/2013 quanto á medida de ‘convergência de pensões’ (normativamente configurada como uma medida de redução de despesa) – na qual se considerou

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existir ainda, no conjunto, uma vocação ‘estrutural’ (assente na existência de uma diferença, para mais, do valor das pensões pagas no âmbito do regime de proteção social convergente (CGA) tendo em conta, em especial, o caráter mais favorável da taxa de substituição) e, em ponderação, a prevalência do princípio da solidariedade e do interesse público de sustentabilidade do sistema público de pensões prosseguido –, não se vislumbra, nas normas que instituem a medida ora apreciada, aquela vocação ‘estrutural’ ou elemento de reforma estrutural – e, assim, orientada para o invocado objetivo de sustentabilidade do sistema público de pensões –, exatamente pela natureza completamente indiferenciada, nas várias vertentes indicadas no Acórdão, da Contribuição de Sustentabilidade (que apenas estabelece uma diferenciação, ou progressividade, das taxas aplicáveis em razão do valor mensal das prestações percebidas a título de pensão). Maria José Rangel de Mesquita


DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Votei a decisão de não conhecimento do pedido de fiscalização preventiva relativamente às normas do artigo 6.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República [alínea a) da decisão]. 2. Votei a não inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 2.º e dos n.os 1 a 5 do artigo 4.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República na linha dos fundamentos já expostos nas minhas declarações de voto nos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 862/2013 (relativo a mecanismos de “convergência de pensões”) e n.º 572/2014 (relativo á CES, enquanto medida embrionária da reforma em curso). Na presente declaração de voto reitero essas considerações e adito algumas referentes às normas em presença. 3. A medida vem fundamentada como necessária para garantir a sustentabilidade do sistema público de pensões, entre outras motivações. Quanto a essa questão, como se escreveu no voto aposto ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 862/2013 (convergência): «Num contexto de grave crise financeira assume particular acuidade a insustentabilidade do sistema público de pensões, tendo em conta a insuficiência de meios financeiros necessários ao pagamento das atuais e futuras pensões, sendo já uma certeza que os futuros pensionistas não poderão auferir os valores processados nas atuais pensões. Neste contexto, cabe ao Estado, em especial ao Estado-legislador, enquanto garante de um sistema de segurança social (SS) unificado, encontrar uma solução para o problema, que dependerá de uma opção sobre a distribuição de sacrifícios e benefícios que pertence primariamente ao legislador democraticamente legitimado.
Sendo assim, a questão essencial que se coloca ao juiz na apreciação da conformidade constitucional da solução normativa é a de saber se as implicações financeiras invocadas pelo legislador são suficientemente relevantes para justificar uma opção legislativa definidora de prioridades na distribuição dos recursos que, por serem escassos, pode afetar direitos individuais.
Na apreciação da conformidade constitucional de uma tal opção político-legislativa, cabe ao juiz, no respeito dos limites funcionais ditados pelo princípio da separação de poderes, analisar se a fundamentação seguida pelo legislador na definição de prioridades merece censura jurídico-constitucional». 4. Vejamos, então: A CRP consagra o primado da responsabilidade pública em matéria de segurança social (artigo 63.º, n.º 2) que inclui o dever de financiar um sistema de segurança social. Por sua vez, do artigo 105.º, n.º 1, alínea b), da CRP, decorre a autonomia orçamental da segurança social, sem prejuízo do caráter unitário do Orçamento de Estado. A autonomia orçamental exige uma autonomia financeira e nesta assume especial relevância a componente contributiva do sistema que procura assegurar a auto-sustentabilidade do subsistema previdencial.

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O sistema deve ser inteiramente autofinanciado devendo as prestações ser custeadas globalmente pelas contribuições, sem recurso a transferências orçamentais, não constituindo a segurança social um encargo orçamental financiado por via dos impostos.
Apesar do sistema desenhado pelo legislador ser do tipo contributivo (o valor das pensões de invalidez e velhice depende do número de anos da carreira contributiva e da remuneração de referência), não existe, porém, um princípio constitucional da equivalência entre contribuições e montantes da prestação. Nem de outro modo poderia ser, uma vez que a Segurança Social representa uma função do Estado.
O princípio da contributividade (que tem origem legal) significa que o direito à pensão se adquire mediante o cumprimento, por parte do seu titular e de outras entidades, de obrigações de contribuição, devidas ao longo do tempo. De acordo com a interpretação do Tribunal Constitucional, até agora, deste princípio, daqui não decorre uma equivalência entre contribuições e montantes da prestação, já que o sistema previdencial assenta em mecanismos de repartição e não de capitalização individual de contribuições. Para além disso, as contribuições não servem somente para cobrir os encargos com as pensões, mas também demais eventualidades (aliás, constitucionalmente previstas, como a doença ou o desemprego – artigo 63.º, n.º 3).
Constitui tarefa soberana do Estado a definição das contribuições e prestações, resultando a determinação do valor das pensões num compromisso entre o princípio contributivo e o princípio distributivo.
Apesar da regra geral estabelecida pelo legislador ordinário (“de cada um segundo a sua remuneração; a cada um segundo a sua contribuição”) a Constituição deixa-lhe amplo espaço para afeiçoar (ou mesmo corrigir) este princípio (por ex., estabelecendo pensões mínimas independentes da carreira contributiva), tendo em conta um fim constitucionalmente protegido. Também o princípio da solidariedade legitima desvios em relação à correspondência nos montantes. No limite, pode mesmo verificar-se o cancelamento do princípio contributivo (por ex. atravçs da fixação de “tetos” no valor das pensões), o que a CRP não proíbe, respeitados que sejam critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Deste modo, a relação entre a contribuição individual e o benefício que cada um retira do sistema varia necessariamente de contribuinte para contribuinte. É, portanto, meramente relativa a relação entre contribuições e prestações. Logo, o princípio contributivo não pode ser visto como critério determinante na avaliação da conformidade constitucional das normas objeto de pronúncia. 5. Impõe-se reconhecer a necessidade de “adequação” do sistema de segurança social aos fatores económicos e sociais. A sustentabilidade exige a manutenção da “capacidade funcional” do sistema.
Subjacente está uma ideia de justiça intergeracional.
Este princípio da sustentabilidade funda mesmo um dever de intervenção do legislador numa atuação ponderada com outros princípios como a proteção da confiança, a proporcionalidade e a igualdade. O meu ponto de partida na aplicação destes princípios às normas trazidas à apreciação do Tribunal, hoje como sempre, é considerá-las uma restrição de um direito fundamental, por o quantum da pensão se dever considerar integrado na esfera de proteção do direito à segurança social.
A dimensão coletiva do sistema de Segurança Social pode exigir alterações em ordem a acautelar as necessidades que se fazem sentir ou que resultam de alteração das circunstâncias (ou pressupostos em que se baseou a atribuição de pensão). Uma opção que passe por um sistema exclusivamente repartido pelos contribuintes ativos pode fundar uma injustiça ou mesmo uma desigualdade. Num sistema de repartição como o português, esta necessidade de alteração (ajustamento) é um elemento que os beneficiários não podem ignorar.
A confiança não pode ser avaliada apenas numa ótica individual, devendo ser considerados também o interesse da comunidade e o princípio da justiça intergeracional. De facto, não é só o valor da pensão atribuída que merece a proteção da confiança. Os cidadãos que agora contribuem também têm uma expetativa tutelável de que um dia receberão uma pensão suficiente (referente sistémico da proteção da confiança). A superveniência de profundas alterações demográficas e económicas pode conduzir à injustiça de tratamento geracional. Assim, apesar de o sistema de Segurança Social assentar na ideia base de que cada geração de contribuintes (população ativa) financia as pensões da geração de contribuintes precedente (reformados), certo é que a sua lógica é a de que, em princípio, ele só pode proporcionar as prestações que as contribuições podem pagar. Perante uma situação deficitária estrutural, e mesmo assegurando mecanismos de garantia

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como o Fundo de Estabilização Financeira, inevitável será encontrar uma solução, que pode passar por aumentar as contribuições, reduzir as pensões, ou mesmo recorrer a ambas as soluções em simultâneo.
O Decreto n.º 262/XII, contemplando a par da contribuição de sustentabilidade, que atinge apenas uma minoria de pensionistas e salvaguarda um valor mínimo de pensão (de € 1.000 – o que representa cerca do dobro do salário mínimo nacional), a consignação da receita resultante do aumento do IVA ao sistema de pensões e a imputação ao custo técnico da eventualidade de velhice do aumento da taxa contributiva é justificado pelo poder político como um passo no sentido da sustentabilidade do sistema. Alterados significativamente os pressupostos em que assentou a determinação do valor das pensões atualmente em pagamento, chamar os aposentados e reformados a contribuir, em nome da solidariedade e justiça intergeracional, para a sustentabilidade do sistema público de pensões não se afigura como sendo uma solução injusta, desproporcionada ou sequer inesperada. Tanto mais porque nenhuma pensão assenta efetivamente numa contribuição prévia correspondente. 6. O Tribunal Constitucional, no n.º 36 do acórdão, considera a medida como uma mera redução do valor das pensões, sem ponderação de outros fatores, acompanhada de medidas conjunturais de aumento de receita. Tenho algumas dúvidas relativamente ao raciocínio desenvolvido. Desde logo tenho dificuldade em perceber qual é a base argumentativa para se defender que não foram ponderados outros fatores – não creio que a afirmação possa ser feita desta forma. Por outro lado, não encontro fundamento para considerar que as medidas de aumento de receita são conjunturais. A revisibilidade e alterabilidade da lei é uma característica que decorre da sua natureza. Utilizar como argumento para considerar uma medida como conjuntural o facto de esta poder vir a ser alterada pelo legislador é, pois, insuficiente. Tão-pouco será determinante a inclusão de normas estruturais relativas à receita para perceber se, de acordo com um juízo de ponderação no âmbito do princípio da tutela da confiança, o interesse público prosseguido supera o sacrifício exigido.
Isto independentemente da questão da qualificação da Contribuição de Sustentabilidade como redução de despesa face à qualificação da Contribuição Extraordinária de Solidariedade como receita – quando ambas as medidas são estruturalmente idênticas (ou “similares”, de acordo com o acórdão, n.º 29).
Parece-me, sobretudo, de sublinhar o seguinte: uma qualquer medida de alteração do sistema público de pensões pode estar mal construída, ter deficiências técnicas ou não merecer a concordância subjetiva de alguém, mas isso não significa que seja inconstitucional. Para isso tem que ser desconforme com a Constituição. 7. Por fim, cabe abordar a diferença de tratamento assinalada no acórdão resultante da circunstância de a Contribuição de Sustentabilidade se aplicar indiferenciadamente a pensões calculadas de acordo com regimes distintos.
De facto, hoje em dia pessoas com idêntica carreira contributiva e com base em idêntica remuneração de referência recebem pensões com valores diferentes, apenas porque preencheram as condições de reforma ou aposentação em momento ulterior à entrada em vigor das reformas do sistema de pensões que entretanto foram implementadas. No entanto, esse não é um problema de igualdade da presente medida. Em primeiro lugar, algumas diferenças resultam já de reformas que o Tribunal Constitucional considerou conformes à Constituição (cfr. o Acórdão n.º 188/2009.).
Acresce que o princípio da igualdade não opera diacronicamente. Como se escreveu naquele acórdão: «É necessário começar por dizer que a mera sucessão no tempo de leis relativas a direitos sociais não afeta, por si, o princípio da igualdade. Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que realidades substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal. Por outro lado, os termos em que a nova lei adapta o respetivo regime jurídico a situações já existentes no momento da sua entrada em vigor apenas pode brigar com o princípio da igualdade se vier a estabelecer tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas, o que quer dizer que o princípio da igualdade não opera diacronicamente (Acórdãos n.os 34/86, 43/88 e 309/93, [»], e, em matçria de sucessão de regimes legais de pensões, os Acórdãos n.os 563/96, 467/03, 99/04 e 222/08). (») Isso não significa que a igualdade não tenha qualquer proteção diacrónica. O que sucede é que essa proteção apenas

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pode ser realizada através do princípio da proteção da confiança associado às exigências da proporcionalidade (neste sentido, também, REIS NOVAIS, O Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais – o Direito à Segurança Social, in Jurisprudência Constitucional n.º 6, pág. 10)».
Estas considerações valem, na mesma medida, para o regime objeto de pronúncia: trata-se de uma alteração legislativa, que opera uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações, determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal, e que adapta o respetivo regime jurídico a situações já existentes no momento da sua entrada em vigor. 8. Uma nota final quanto à questão da caracterização das medidas trazidas ao Tribunal Constitucional como “transitórias” (ou seja, conjunturais) ou como “reformas sistçmicas” (estruturais).
Concordo que essa caracterização influa no juízo do Tribunal, em especial, na medida em que se encontre presente na fundamentação do poder político para a adoção da opção legislativa em causa. Mas preocupa-me que o nível de exigência no escrutínio constitucional da norma perante os parâmetros constitucionais possa depender, em larga medida, ou por si só, dessa distinção. Por um lado, independentemente desse caráter estrutural ou conjuntural, os efeitos imediatos para os cidadãos de medidas incidentes sobre prestações periódicas que integram a sua fonte de rendimento serão necessariamente os mesmos. Por exemplo, afirmar que a CES não afetou o direito às pensões por ser temporária é dificilmente compreensível pelo cidadão comum. Por outro lado, a diferenciação baseada no juízo de valor sobre o caráter “sistçmico” ou “(a)sistçmico” da medida – por vezes desligado da fundamentação do poder político – cria uma incerteza quanto ao grau de escrutínio que será aplicado.
Caberá ao Tribunal Constitucional qualificar uma medida como uma “reforma consistente e coerente em que os cidadãos possam confiar” (n.º 35 do acórdão) para daí retirar consequências ao nível da sua validade constitucional? Creio ser necessária uma reflexão sobre esta questão.
No imediato, um efeito indesejado desta jurisprudência poderá ser levar o legislador a optar por medidas transitórias, por estarem sujeitas a um grau de escrutínio menor, que até podem ser mais gravosas para os cidadãos. Atç porque a repetição do “transitório” pode constituir uma via para a permanência. Maria de Fátima Mata-Mouros


DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida quanto ao juízo de inconstitucionalidade pelos seguintes motivos: 1. O direito a receber, em substituição dos rendimentos de um trabalho que no ciclo final da existência humana se não pode mais prestar, um certo montante de pensão é um direito conformado pela lei ordinária e não pela Constituição. É a lei que determina quais os pressupostos que devem estar reunidos para que este direito se constitua, com um conteúdo líquido e certo, na esfera jurídica do seu titular; é a lei que determina a partir de que momento dele se pode fruir; é nos termos da lei que se determina o montante exato da prestação que a ele corresponde.
Contudo, tal não significa que o referido direito (a receber um certo montante de pensão) seja, face à Constituição, um direito comum, que, por ser conformado pelo legislador, se encontre à sua inteira disposição.
Uma vez que incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social que proteja os cidadãos na velhice (artigo 63.º da CRP), o direito a receber o benefício certo que corresponde a uma determinada pensão é um direito derivado a prestações. A decisão sobre a sua existência não pertence ao legislador. Se cabe a este último determinar como é que o referido direito se forma, não lhe cabe decidir se ele existe ou não: a necessidade da sua existência deriva da Constituição, que obriga desde logo o legislador a definir os meios (os pressupostos e os procedimentos) que conduzirão à sua configuração final. É o que decorre do já referido artigo 63.º da CRP, que, aliás, corresponde a uma escolha de valor que está longe de se apresentar como uma singularidade, ou uma “idiossincrasia”, do ordenamento português.

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Uma medida legislativa que vise a redução definitiva do montante de pensões já em pagamento não pode por isso deixar de estar sujeita a um apertado crivo constitucional. Não apenas por se tratar de uma medida com forte pendor “retroativo” – no Acórdão fala-se em “retrospetividade” – mas ainda por implicar “retroatividade”, ou redefinição jurídica do passado, quanto a toda uma categoria de posições jurídicas subjetivas que detêm forte tutela constitucional. Concordo, por isso, com todo o ponto de partida em que assentou a argumentação do presente Acórdão, que partiu do princípio segundo o qual quanto mais consistentes forem os direitos afetados tanto mais relevante deverá ser a justificação apresentada para a sua afetação. 2. No caso, o legislador justificou a medida de redução de pensões já em pagamento alegando a necessidade de, por razões económicas e demográficas, reformar o sistema previdencial português, em ordem a garantir para o futuro a sua sustentabilidade.
Face ao que anteriormente se disse, parece claro que, se a perdurabilidade de tal sistema se encontrar financeiramente ameaçada seja por que razão for – seja pelo aumento da despesa provocada pelas mutações de demografia, seja pela diminuição de receita provocada por perversas mutações económicas –, a tomada de medidas por parte do legislador para conter a ameaça não corresponde apenas a uma sua faculdade.
Corresponde antes, face ao que determina o artigo 63.º da CRP, a um dever.
Todavia, e como disse o Tribunal no Acórdão n.º 862/2013, esse dever não pode ser prosseguido de qualquer forma ou por um qualquer modo. Se do seu cumprimento resultar a necessidade de redução do montante de pensões já em pagamento – disse-se então – tal redução só será legítima se se integrar no contexto de uma reforma estrutural que, pensada para o futuro, pondere de modo integrado e sistémico as exigências decorrentes da sustentabilidade do sistema e as exigências decorrentes de princípios de justiça, intra e intergeracional.
3. Na sequência deste Acórdão, o legislador decidiu reduzir o montante de pensões já em pagamento através da imposição da [presentemente em juízo] «contribuição de sustentabilidade». Ao mesmo tempo, aumentou a taxa do IVA e as quotizações dos trabalhadores para o sistema previdencial.
É certo que o fez num quadro de acentuada incerteza. Não teve em conta, na determinação da «contribuição de sustentabilidade», as carreiras contributivas de cada pensionista; remeteu para diploma futuro a fixação de uma sobretaxa, que se diz vir a ser transitória, mas que agravará, numa dimensão que ainda se não conhece, as condições das pensões de certo montante, visto que acrescerá à presente «contribuição». Previu para o futuro um sistema de atualização de pensões que presumivelmente substituirá aquele que é definido pelos regimes agora vigentes, mas que só é identificável através de critérios genéricos e imprecisos, que por vezes replicam fatores já tidos em consideração. Se tivermos em linha de conta os documentos oficiais que antecederam esta tomada de decisão [de redução de pensões], ficaremos a saber que ela corresponderá apenas a um “primeiro passo” da “reforma” em “ordem á garantia da sustentabilidade do sistema previdencial”. Mas ficamos sem saber quando, e como, se darão os passos seguintes.
Finalmente, last but not least, tudo isto foi decidido (como se diz no presente Acórdão) num processo deliberativo curtíssimo, que não coenvolveu o estudo e (ou) o debate que uma questão como esta, que interessa à sociedade portuguesa no seu todo, por certo exigiria.
Contudo, estas são considerações que motivarão, para quem as perfilhar, uma atitude de censura cidadã.
Mas não me parece que sejam suficientes para fundamentar uma censura jurídico-constitucional.
4. O Tribunal não pode, com efeito, marcar a agenda da reforma do nosso sistema previdencial. Não lhe cabe decidir se essa reforma se fará de uma só vez ou se se fará de modo faseado. Dizendo o legislador que a medida que tomou se integra numa primeira fase dessa reforma, não deve nem pode a jurisdição constitucional decidir que assim não tem que ser. Como não pode o Tribunal determinar o teor dessa reforma, identificando as medidas que devem primeiro ser tomadas e as outras, que a elas se seguirão. Por razões de praticabilidade, não pode o Tribunal exigir do legislador que o encetar de uma qualquer mudança sistémica se faça tendo antes do mais em conta as carreiras contributivas de cada contribuinte-beneficiário, ou tendo em conta as posições recíprocas de todos os grupos de pessoas que foram sendo abrangidos pelos diferentes regimes, que se sucederam no tempo, relativos ao modo de cálculo das pensões. Em suma, não pode o Tribunal, pela sua natureza de jurisdição, impor ao legislador a sua própria visão do que seja uma reforma justa do sistema.

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E não o pode fazer por duas ordens de razões, que, estando intimamente ligadas, merecem contudo ser distinguidas.
Em primeiro lugar, não pode o Tribunal impor ao legislador a sua própria visão do que seja uma reformado sistema público de pensões. O problema é de tal complexidade técnica que pressuporia, sempre e em qualquer circunstância, a necessidade de fazer escolhas e de tomar decisões especialmente difíceis. Num contexto de incerteza, quer quanto à evolução dos fatores demográficos e económicos, quer quanto à própria repercussão que medidas reformadoras poderão vir a ter sobre essa mesma evolução (dada a estreita ligação existente entre a receita e a despesa do sistema público de pensões e a própria economia), a complexidade técnica dos problemas envolvidos, que sempre existiria, torna-se ainda mais intensa. Ora, para enfrentar esses problemas não pode estar o Tribunal, pela sua própria condição, preparado: não tem para tanto vocação funcional; não está para tanto epistemicamente apetrechado.
Mas além disso, e fundamentalmente, não pode o Tribunal impor ao legislador a sua própria visão do que seja uma reforma justa do sistema público de pensões. Não tenho dúvidas de que muitas das objeções feitas no Acórdão quanto à solução encontrada pelo legislador são razoáveis e de boa-fé apresentadas. Mas o ponto é justamente esse: perante a existência de diferentes conceções razoáveis quanto ao que seja, quanto a essa reforma, justo ou injusto – e perante a discussão aberta no espaço público entre essas diferentes conceções razoáveis – é ao poder legislativo, e não ao poder judicial, que cabe tomar a decisão quanto ao caminho a seguir. Não é para mim aceitável que um juízo eminentemente moral sobre a justiça de uma tal reforma caiba a uma maioria formada no seio de uma instituição de índole jurisdicional. Deste modo, segundo creio, não se melhora a qualidade da deliberação pública. Pelo contrário, degrada-se essa qualidade, uma vez que se nega aos cidadãos o direito a ter uma palavra a dizer sobre tão delicada matéria.

Maria Lúcia Amaral

__________

DECRETO N.º 264/XII (ESTABELECE OS MECANISMOS DAS REDUÇÕES REMUNERATÓRIAS TEMPORÁRIAS E AS CONDIÇÕES DA SUA REVERSÃO NO PRAZO MÁXIMO DE QUATRO ANOS)

Mensagem do Presidente da República sobre o veto, por inconstitucionalidade, que exerceu, anexando o Acórdão do Tribunal Constitucional e devolvendo o decreto para reapreciação

Junto devolvo a V. Ex.ª, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, da Constituição, o Decreto da Assembleia da República n.º 264/XII — “Estabelece os mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão no prazo máximo de quatro anos” —, uma vez que o Tribunal Constitucional, através de Acórdão cuja fotocópia se anexa, se pronunciou, em sede de fiscalização preventiva, pela inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 2.º e 4.º, n.os 2 e 3.º, do mesmo Decreto.

Lisboa, 18 de agosto de 2014.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.

Anexo: Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 574/2014.

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Anexo

ACÓRDÃO N.º 574/2014

Processo n.º 818/14 Plenário Relator: Conselheiro João Pedro Caupers Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. O Presidente da República requer, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituição das normas constantes dos números 1 a 15 do artigo 2.º e dos números 1 a 3 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República, recebido na Presidência da República no dia 30 de julho de 2014 para ser promulgado como lei.
O pedido de fiscalização de constitucionalidade apresenta a seguinte fundamentação: «1.º Pelo Decreto n.º 264/XII, a Assembleia da República aprovou o regime que estabelece os mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão no prazo máximo de quatro anos. 2.º Independentemente do juízo quanto ao mérito das soluções contidas no Decreto em apreciação, importa garantir que da sua aplicação não resulte incerteza jurídica numa matéria de tão grande importância para a economia nacional. 3.º Com efeito, o Decreto em apreciação visa aprovar medidas destinadas ao cumprimento das obrigações internacionais do Estado, sobretudo no contexto da União Europeia, resultantes, em particular, do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação da União Económica e Monetária (Tratado Orçamental). 4.º As normas em causa são suscetíveis de violar princípios e normas constitucionais como o princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da Constituição e o princípio da proteção da confiança, ínsito ao princípio do Estado de direito constante do artigo 2º da Constituição, tal como resulta da interpretação que destes princípios vem sendo feita pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial nos acórdãos n.º 353/2012, n.º 187/2013, e n.º 413/2014. 5.º O presente pedido não visa pôr em causa a necessidade e urgência da adoção de medidas que garantam o cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelo Estado Português mas, tão-só, assegurar que, em face da existência das dúvidas de constitucionalidade mencionadas no número anterior, tais medidas passam o crivo da conformidade com a Lei Fundamental, de modo a instilar a necessária confiança nos agentes económicos e sociais destinatários destas normas e preservar a credibilidade externa do País.»

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O Presidente da República requer o pedido de fiscalização de constitucionalidade nos seguintes termos: «Ante o exposto, e não deixando de ponderar a solicitação do Governo nesta matéria, requeiro, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição, bem como do n.º 1 do artigo 51.º e n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, a fiscalização preventiva da constitucionalidade das referidas normas do artigo 2.º e do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República, por violação dos artigos 2.º e 13.º da Constituição.» 2. O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 31 de julho de 2014 e o pedido foi admitido na mesma data. 3. Notificada para o efeito previsto no artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, a Presidente da Assembleia da República veio apresentar resposta na qual oferece o merecimento dos autos. 4. No dia 4 de agosto foi recebida no Tribunal uma carta do Primeiro-Ministro, requerendo a junção aos autos de vários documentos, um dos quais uma “Nota Tçcnica” sobre as questões suscitadas no presente processo de apreciação da constitucionalidade, tendo, na mesma data, o requerimento sido admitido e junto aos autos. 5. Elaborado o memorando a que se refere o artigo 58.º, n.º 2, da LTC, e tendo este sido submetido a debate, cumpre agora decidir de acordo com a orientação que o Tribunal fixou. II – Fundamentação 6. É o seguinte o teor das normas que cumpre apreciar: Artigo 2.º Redução remuneratória

1 - São reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n.º 9, de valor superior a € 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos: a) 3,5% sobre o valor total das remunerações superiores a € 1500 e inferiores a € 2000; b) 3,5% sobre o valor de € 2000 acrescido de 16% sobre o valor da remuneração total que exceda os € 2000, perfazendo uma redução global que varia entre 3,5% e 10%, no caso das remunerações iguais ou superiores a € 2000 atç € 4165; c) 10% sobre o valor total das remunerações superiores a € 4165.
2 - Exceto se a remuneração total ilíquida agregada mensal percebida pelo trabalhador for inferior ou igual a € 4165, caso em que se aplica o disposto no nõmero anterior, são reduzidas em 10% as diversas remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias nos seguintes casos: a) Pessoas sem relação jurídica de emprego com qualquer das entidades referidas no n.º 9, nestas a exercer funções a qualquer outro título, excluindo-se as aquisições de serviços; b) Pessoas referidas no n.º 9 a exercer funções em mais de uma das entidades mencionadas naquele número.
3 - As pessoas referidas no número anterior prestam, em cada mês e relativamente ao mês anterior, as informações necessárias para que os órgãos e serviços processadores das remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias possam apurar a redução aplicável.
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo: a) Consideram-se «remunerações totais ilíquidas mensais» as que resultam do valor agregado de todas as prestações pecuniárias, designadamente remuneração base, subsídios, suplementos remuneratórios, incluindo emolumentos, gratificações, subvenções, senhas de presença, abonos, despesas de representação e trabalho suplementar, extraordinário ou em dias de descanso e feriados;

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b) Não são considerados os montantes abonados a título de subsídio de refeição, ajuda de custo, subsídio de transporte ou o reembolso de despesas efetuado nos termos da lei, os montantes pecuniários que tenham natureza de prestação social e nomeadamente os montantes abonados ao pessoal das forças de segurança a título de comparticipação anual na aquisição de fardamento; c) Na determinação da redução, os subsídios de férias e de Natal são considerados mensalidades autónomas; d) Os descontos devidos são calculados sobre o valor pecuniário reduzido por aplicação do disposto nos n.
n.os 1 e 2.
5 – Nos casos em que da aplicação do disposto no presente artigo resulte uma remuneração total ilíquida inferior a € 1500, aplica-se apenas a redução necessária a assegurar a perceção daquele valor.
6 - Nos casos em que apenas parte da remuneração a que se referem os n.os 1 e 2 é sujeita a desconto para a Caixa Geral de Aposentações, IP, ou para a segurança social, esse desconto incide sobre o valor que resultaria da aplicação da redução prevista no n.º 1 às prestações pecuniárias objeto daquele desconto.
7 - Quando os suplementos remuneratórios ou outras prestações pecuniárias forem fixados em percentagem da remuneração base, a redução prevista nos n.os 1 e 2 incide sobre o valor dos mesmos, calculado por referência ao valor da remuneração base antes da aplicação da redução.
8 - A redução remuneratória prevista no presente artigo tem por base a remuneração total ilíquida apurada após a aplicação das reduções previstas nos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, alterada pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 83-C/2013, de 31 de dezembro, e na Lei n.º 47/2010, de 7 de setembro, alterada pelas Leis n.ºs 52/2010, de 14 de dezembro, e 66B/2012, de 31 de dezembro, para os universos neles referidos.
9 - A presente lei aplica-se aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificados: a) O Presidente da República; b) O Presidente da Assembleia da República; c) O Primeiro-Ministro; d) Os Deputados à Assembleia da República; e) Os membros do Governo; f) Os juízes do Tribunal Constitucional e juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da República, bem como os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e juízes da jurisdição administrativa e fiscal e dos julgados de paz; g) Os Representantes da República para as regiões autónomas; h) Os deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas; i) Os membros dos governos regionais; j) Os eleitos locais; k) Os titulares dos demais órgãos constitucionais não referidos nas alíneas anteriores, bem como os membros dos órgãos dirigentes de entidades administrativas independentes, nomeadamente as que funcionam junto da Assembleia da República; l) Os membros e os trabalhadores dos gabinetes, dos órgãos de gestão e de gabinetes de apoio, dos titulares dos cargos e órgãos das alíneas anteriores, do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do Presidente e juízes do Tribunal Constitucional, do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, do Presidente do Tribunal de Contas, do Provedor de Justiça e do Procurador-Geral da República; m) Os militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, incluindo os juízes militares e os militares que integram a assessoria militar ao Ministério Público, bem como outras forças militarizadas; n) O pessoal dirigente dos serviços da Presidência da República e da Assembleia da República, e de outros serviços de apoio a órgãos constitucionais, dos demais serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, bem como o pessoal em exercício de funções equiparadas para efeitos remuneratórios; o) Os gestores públicos, ou equiparados, os membros dos órgãos executivos, deliberativos, consultivos, de fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários dos institutos públicos de regime comum e especial, de pessoas coletivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de

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regulação, supervisão ou controlo, das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e municipal, das fundações públicas e de quaisquer outras entidades públicas; p) Os trabalhadores que exercem funções públicas na Presidência da República, na Assembleia da República, em outros órgãos constitucionais, bem como os que exercem funções públicas, em qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público, incluindo os trabalhadores em processo de requalificação e em licença extraordinária; q) Os trabalhadores dos institutos públicos de regime especial e de pessoas coletivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, incluindo as entidades reguladoras independentes; r) Os trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e local; s) Os trabalhadores e dirigentes das fundações públicas de direito público e das fundações públicas de direito privado e dos estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores; t) O pessoal nas situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de efetividade de serviço, que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos vencimentos do pessoal no ativo.
10 - As entidades processadoras das remunerações dos trabalhadores em funções públicas referidas na alínea p) do número anterior, abrangidas pelo n.º 6 do artigo 1.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, bem como os órgãos ou serviços com autonomia financeira processadores das remunerações dos trabalhadores em funções públicas referidos nas alíneas q) e s) do número anterior, procedem à entrega das quantias correspondentes às reduções remuneratórias previstas no presente artigo nos cofres do Estado, ressalvados os casos em que as remunerações dos trabalhadores em causa tenham sido prévia e devidamente orçamentadas com aplicação dessas mesmas reduções.
11 - O abono mensal de representação previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 40A/98, de 27 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 153/2005, de 2 de setembro, e 10/2008, de 17 de janeiro, e pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, é reduzido em 6%, sem prejuízo das reduções previstas nos números anteriores.
12 - O disposto na presente lei não se aplica aos titulares de cargos e demais pessoal das empresas de capital exclusiva ou maioritariamente público e das entidades públicas empresariais que integrem o setor público empresarial se, em razão de regulamentação internacional específica, daí resultar diretamente decréscimo de receitas.
13 - Não é aplicável a redução prevista na presente lei nos casos em que pela sua aplicação resulte uma remuneração ilíquida inferior ao montante previsto para o salário mínimo em vigor nos países onde existem serviços periféricos externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
14 - A redução remuneratória prevista no presente artigo não é aplicável aos trabalhadores dos serviços periféricos externos do MNE, sempre que da aplicação desta redução resulte inequivocamente a violação de uma norma imperativa de ordem pública local que preveja a regra da proibição da redução salarial.
15 - O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos. Artigo 4.º Reversão gradual da redução remuneratória temporária

1 - A redução remuneratória prevista no artigo 2.º é revertida em 20% a partir de 1 de janeiro de 2015.
2 - No orçamento do Estado para 2016 e nos orçamentos subsequentes, é fixada a percentagem de reversão da redução remuneratória em função da disponibilidade orçamental.
3 - A reversão total da redução remuneratória a que se refere o artigo 2.º ocorre no prazo máximo de quatro anos.

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7. A leitura conjunta dos dois artigos conduz à ideia de que se combina (a) uma redução remuneratória aplicável no ano de 2014 aos trabalhadores pagos por verbas públicas igual à que vigorou até 2013, com (b) uma redução remuneratória equivalente a 80% desta, em 2015, e com (c) um programa normativo, orientado para o fim das reduções remuneratórias que vêm atingindo aqueles trabalhadores, nos três anos subsequentes.
Explicitemos melhor.
Em primeiro lugar, estabelece-se uma redução remuneratória para os trabalhadores que recebem por verbas públicas, no ano de 2014, semelhante à estabelecida no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011 (OE2011).
Em segundo lugar, consagra-se legalmente a possibilidade de aplicação de reduções remuneratórias até 2018, ou seja, ao longo de mais cinco de um período de oito anos consecutivos (2011 / 2018).
Em terceiro lugar, estabelece-se para 2015 uma redução remuneratória igual a 80% da aplicável no corrente ano.
Por último, prevê-se uma redução remuneratória ao longo dos anos que compõem o triénio 2016-2018 entre a aplicável em 2015 e zero (n.º 3 do artigo 4.º), nada se concretizando quanto à diminuição anual da redução em cada um dos três anos que compõem o triénio.
O que de mais importante se sublinha neste programa é que ele permite, objetivamente, dar como assente que as reduções remuneratórias podem perdurar até 2018. 8. Os parâmetros constitucionais convocados pelo Presidente da República – num pedido cujo fundamento se limita ao confronto sumário com a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional (Acórdãos n.º 353/2012, n.º 187/2013, e n.º 413/2014) – assentam no princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, e no princípio da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito, constante do artigo 2.º, ambos da CRP.
Começando por este último, a aplicação do princípio da confiança tem de partir de uma definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela. Dados por verificados esses requisitos, há que proceder a uma ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Dessa valoração – em concreto, do peso relativo dos bens em confronto –, assim como da contenção das soluções impugnadas dentro de limites de razoabilidade e de justa medida, irá resultar o juízo definitivo quanto à sua conformidade constitucional (Acórdão n.º 396/2011).
Assim, como se disse no Acórdão n.º 128/2009, expressando entendimento reiterado em muitos outros arestos: «Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da “confiança” ç necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas” de continuidade; depois, devem tais expetativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do “comportamento” estadual; por õltimo, ç ainda necessário que não ocorram razões de interesse põblico que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.» No caso em apreço, pode encontrar-se na reiteração da aplicação de medidas de redução remuneratória conformadas como transitórias a instilação normativa de um quadro de expectativa na melhoria, a prazo, da situação remuneratória dos trabalhadores pagos por verbas públicas (destinatários da norma), consubstanciada na reversão das reduções salariais a que vêm sendo sujeitos desde 2011.
Legitimam esta expectativa o cumprimento pelo Estado Português do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) e o consequente termo do seu quadro de vigência, assim como as melhorias da situação económico-financeira, refletidas em vários indicadores e, sobretudo, nas previsões do Governo contidas no Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018 (DEO): crescimento do produto interno bruto (PIB), redução da taxa de desemprego, previsão de aumento da procura externa, nomeadamente (cfr. pp. 9 a 11). Poderia ainda acrescentar-se a já consumada redução do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas para as grandes empresas, evidenciadora de disponibilidade orçamental.

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Admitir como legítimas as expectativas de uma melhoria da situação remuneratória não implica necessariamente que essas expetativas, para poderem ser satisfeitas, incorporem um regresso aos níveis salariais de 2010, logo em 1 de janeiro de 2015. De todo o modo, ainda que tais expetativas existissem, a intensidade da repercussão, nesse ano, dos compromissos internacionais do Estado português, leva-nos a questionar se elas não teriam de ceder perante os constrangimentos inerentes a tais compromissos, nomeadamente dos decorrentes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (conhecido em língua portuguesa como “Tratado Orçamental”, designação que se passa a adotar) leva-nos a vislumbrar a intenção de refrear as expetativas criadas que, se supõem a reversão das reduções remuneratórias num horizonte não muito distante, já não abrangerão a circunstância desse prazo vir a ser necessariamente atingido em 1 de janeiro de 2015.
Sublinhe-se que, no ano de 2015, não só perduram ainda os efeitos do PAEF – por via da fixação da meta do défice orçamental em 2,5% do PIB e do imperativo de fixação de medidas que suportem a estratégia de consolidação para a atingir (cfr. artigo 3.º, n.º 8, alíneas g) e h), da Decisão de Execução do Conselho 2011/344/UE, na redação da Decisão de Execução do Conselho 2014/234/UE) –, como ainda se faz sentir o efeito do procedimento de défice excessivo. A consequência lógica destas circunstâncias, que acentuam a relevância do interesse público subjacente, é que as reduções remuneratórias previstas para 2015 ainda se contêm nos limites da confiança protegida. 9. O triénio 2016 / 2018 convoca outras ponderações, até pelo seu alcance de médio prazo.
O cenário económico de melhoria da situação económico-financeira, refletida em vários indicadores e, sobretudo, nas previsões do Governo contidas no DEO, compõe um quadro de algum alívio, que não deixará de se repercutir na situação dos trabalhadores pagos por verbas públicas, podendo entender-se que deva abranger algo mais do que um mecanismo de reversão que deixa em aberto a possibilidade do nível de redução de redução remuneratória se manter incólume entre 2016 e 2018. Cabe recordar que no Acórdão n.º 396/2011 o Tribunal deixou escrito: «Não se pode ignorar, todavia, que atravessamos reconhecidamente uma conjuntura de absoluta excecionalidade, do ponto de vista da gestão financeira dos recursos públicos. O desequilíbrio orçamental gerou forte pressão sobre a dívida soberana portuguesa, com escalada progressiva dos juros, colocando o Estado português e a economia nacional em sçrias dificuldades de financiamento (») Do que não pode razoavelmente duvidar-se é de que as medidas de redução remuneratória visam a salvaguarda de um interesse público que deve ser tido por prevalecente – e esta constitui a razão decisiva para rejeitar a alegação de que estamos perante uma desproteção da confiança constitucionalmente desconforme (») As reduções remuneratórias integram-se num conjunto de medidas que o poder político, atuando em entendimento com organismos internacionais de que Portugal faz parte, resolveu tomar, para reequilíbrio das contas públicas, tido por absolutamente necessário à prevenção e sanação de consequências desastrosas, na esfera económica e social. São medidas de política financeira basicamente conjuntural, de combate a uma situação de emergência, por que optou o órgão legislativo devidamente legitimado pelo princípio democrático de representação popular.» E, na mesma linha, quando novamente chamado a pronunciar-se sobre as reduções remuneratórias contempladas na Lei do Orçamento de 2013, o Tribunal reconheceu: «Ora, no caso, há, por um lado, indícios consistentes da necessidade de manutenção de medidas de contenção orçamental, e, por outro lado, por todas as razões já antes expostas, são patentes as razões de interesse público que justificam as alterações legislativas, pelo que não se pode dizer que estejamos perante um quadro injustificado de instabilidade da ordem jurídica.» 10. Uma conclusão fica clara da leitura destes passos da jurisprudência do Tribunal: foram inicialmente razões de “absoluta excecionalidade” tidas por muito relevantes, que conduziram o Tribunal ao entendimento de que as reduções salariais então apreciadas não ofendiam o princípio da proteção da confiança. Tais razões

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radicaram posteriormente na necessidade de respeitar os compromissos internacionais assumidos pelo Estado português, ao subscrever o PAEF.
O PAEF vigorou entre maio de 2011 e maio de 2014, projetando ainda os seus efeitos, como se disse, no ano de 2015.
Atingido o ano de 2016, encerrado que foi o PAEF e finalizado, como se perspetiva, o procedimento de défice excessivo em curso, a formulação de idêntico juízo, por via da identificação de razões de interesse público muito relevantes e com peso prevalecente sobre as expetativas de regresso a um quadro de estabilidade da ordem jurídica, em termos de justificar a medida no médio prazo, à luz do princípio da proteção da confiança, carece de outro fundamento.
Segundo a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 239/XII, que esteve na origem do Decreto n.º 264/XII, «a participação de Portugal na União Europeia e na área do euro obriga ao cumprimento de requisitos exigentes em matéria orçamental, plasmados no TFUE, no protocolo, e nos regulamentos que desenvolvem o Pacto de Estabilidade e Crescimento e ainda no Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária».
Importa considerar tais razões, a que o Governo faz referência específica e que retoma e desenvolve na Nota Técnica já mencionada (cfr. 4 supra).
Com efeito, o Tratado da União Europeia (TUE) estabelece, no seu artigo 3.º, n.º 4, a união económica e monetária, cuja moeda é o euro, como um dos objetivos da União, objetivo desenvolvido nos artigos 119.º e seguintes do TFUE, bem como nos Protocolos n.º 4, relativo ao Sistema Europeu de Bancos Centrais, e n.º 12, sobre o procedimento de défices excessivos, bem como em disposições de direito derivado da União Europeia.
Ora, uma das principais obrigações dos Estados-membros neste domínio é a de evitar défices orçamentais excessivos (artigo 126.º, n.º 1, do TFUE), competindo à União Europeia, através da Comissão, acompanhar a evolução da situação orçamental e do montante da dívida pública nos Estados-membros, a fim de identificar desvios importantes. Nos termos do artigo 1.º do mencionado Protocolo n.º 12, o défice orçamental deve respeitar os valores máximos de referência de 3% do PIB a preços de mercado e de 60% para a relação entre a dívida pública e o PIB a preços de mercado. 11. As normas de direito originário têm vindo a ser desenvolvidas e concretizadas através de regras de direito derivado, designadamente regulamentos, entre os quais se devem destacar, desde logo, os regulamentos que integram o Pacto de Estabilidade e Crescimento – que prevê medidas de supervisão e coordenação das políticas económicas, em particular o artigo 2.º-A da Secção 1-A do Regulamento CE n.º 1466/97 do Conselho, de 7 de julho, que previa como objetivo económico de médio prazo um rácio máximo de 3% do PIB para o défice orçamental – e o Regulamento CE n.º 1467/97 do Conselho, de 7 de julho, sobre o procedimento relativo aos défices excessivos.
Estas normas foram alteradas e completadas, na sequência da crise das dívidas soberanas, por um conjunto de diplomas que integram o chamado “Six Pack”, pacote legislativo europeu de 2011 sobre matéria orçamental, de que se destaca a previsão do Semestre Europeu para a coordenação das políticas económicas e que inclui, entre outros, a apresentação e a avaliação dos programas de estabilidade e convergência dos Estados membros (cfr. Secção 1-A, artigo 2.º-A do Regulamento (CE) n.º 1466/97, introduzido pelo Regulamento (UE) n.º 1175/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011).
A estas normas somou-se o denominado “Two Pack”, que integra dois regulamentos de Regulamento (UE) n.º472/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, relativo ao reforço da supervisão económica e orçamental dos Estados-Membros da área do euro afetados ou ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua estabilidade financeira e o Regulamento (UE) n.º 473/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, que estabelece disposições comuns para o acompanhamento e a avaliação dos projetos de planos orçamentais e para a correção do défice excessivo dos Estados-Membros da área do eur -se de normas de Direito da União Europeia, quer sejam de direito originário, quer de direito derivado, vinculam o Estado Português, nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição.
Já o Tratado Orçamental, assinado em 2 de março de 2012, pelos Chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros da União Europeia (com exceção do Reino Unido e da República Checa), é diferente.


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Tendo entrado em vigor em 1 de janeiro de 2013, após a ratificação por 16 Estados-membros, 12 dos quais pertencentes à área do euro, este Tratado visa, essencialmente, reforçar a disciplina orçamental, através da introdução de medidas que garantam uma maior fiscalização e uma resposta mais eficaz face à emergência de desequilíbrios. O seu principal objetivo, como se afirma no preâmbulo, é a adoção, com a maior celeridade possível, por parte dos Estados-membros da área do euro, de regras específicas, de natureza económica e orçamental, incluindo uma "regra de equilíbrio orçamental" e um mecanismo automático para a adoção de medidas corretivas, que conduzam a um cumprimento mais estrito dos critérios quantitativos introduzidos pelo Tratado de Maastricht, nomeadamente os respeitantes ao défice máximo e ao limite de 60% do PIB para a dívida pública.
Sublinhamos o seguinte: a) Várias disposições do Tratado Orçamental têm origem em normas de direito derivado da União Europeia ou, entretanto, passaram a fazer parte dessas normas: b) O Tratado não integra o ordenamento jurídico da UE; c) O Tratado é aplicável na medida em que for compatível com os Tratados em que se funda a União Europeia e com o direito desta; d) O Tratado não beneficia do estatuto que o n.º 4 do artigo 8.º da CRP confere ao direito da União Europeia, sendo-lhe antes aplicável o disposto no n.º 2 do mesmo artigo, como fonte de direito internacional público que é; e) As regras constantes do artigo 3.º do Tratado, relativas ao “Pacto Orçamental”, foram integradas no direito interno português por via das alterações que a Lei n.º 37/2013, de 14 de junho, introduziu na Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, posteriormente alterada pela Lei 41/2014, de 10 de julho); através desta integração aquelas regras adquiriram valor reforçado – mas não, evidentemente, valor constitucional.
Recorde-se ainda que Portugal se encontra sujeito a um procedimento de défice excessivo (cfr. artigo 126.º, n.º 7, do TFUE), ao abrigo do qual foram aprovadas várias recomendações por parte do Conselho, tendo-lhe sido estabelecida uma meta precisa de redução do défice para 2,5 % do PIB, em 2015. 12. Independentemente de dúvidas quanto à vinculatividade destas recomendações – adotadas no âmbito do procedimento por défice excessivo –, a verdade é que elas não impõem a Portugal medidas concretas e determinadas para controlo da despesa pública e para redução do défice, antes se limitando a enunciar os objetivos ou metas, que, esses sim, devem ser obrigatoriamente cumpridos, por força das normas indubitavelmente vinculativas da União Europeia, quais sejam as de direito originário e de direito derivado acima citadas (no entanto, algumas medidas concretas podem resultar das decisões de execução do Conselho no quadro do PAEF). Dito por outras palavras, a vinculatividade do Direito da União Europeia neste domínio não abrange os meios que os Estados-membros utilizam para atingir os objetivos ou metas que lhes são impostos.
Assim sendo, o facto de se admitir que as normas adotadas e a adotar pelo legislador nacional com vista a prosseguir os objetivos acima referidos se devem conformar com as prescrições da União Europeia não tem consequências do ponto de vista da aplicação das normas constitucionais. Pelo contrário, num sistema constitucional multinível, no qual interagem várias ordens jurídicas, as normas legislativas internas devem necessariamente conformar-se com a Constituição [competindo ao Tribunal Constitucional, de acordo com a CRP, administrar a justiça em matérias jurídico-constitucionais (cfr. artigo 221.º da CRP)]. Aliás, o próprio direito da União Europeia estabelece que a União respeita a identidade nacional dos seus Estados-membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles (cfr. artigo 4.º, n.º 2, do TUE).
Sublinhe-se, por último, que neste domínio não há sequer divergência entre o Direito da União Europeia e o Direito Constitucional Português. Efetivamente, os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança, que têm servido de parâmetro ao Tribunal Constitucional para aferir da constitucionalidade das normas nacionais relativas a matérias conexas com as que se apreciam nos presentes autos, fazem parte do núcleo duro do Estado de direito, integrando o património jurídico comum europeu, a que a União também está vinculada.

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13. Aqui chegados e retomando as ponderações pertinentes à apreciação do programa normativo face ao princípio da confiança, cabe reconhecer que, no ano de 2015, o cumprimento dos compromissos a que vimos aludindo pesa, de forma muito relevante, sobre as opções orçamentais (o que não significa, evidentemente, que o peso desses compromissos não se faça ainda sentir nos anos subsequentes).
Nas circunstâncias atuais e perante a indeterminação do quadro normativo, não parece possível encontrar elementos suficientemente claros para suportar um juízo de inadmissibilidade constitucional, à luz do princípio da proteção de confiança, de medidas de redução remuneratória, ainda que contrariando expetativas de um grupo de pessoas repetidamente atingido no passado.
E, mesmo que tal fosse possível, o interesse público inerente ao cumprimento dos compromissos internacionais do Estado português ainda implica, neste período, erosão daquele princípio.
Esta última consideração conduz-nos à apreciação das normas em causa, agora à luz do princípio da igualdade, igualmente invocado pelo requerente. 14. Também no que respeita ao princípio da igualdade, importa recordar brevemente as posições assumidas pelo Tribunal relativamente às medidas legislativas que, sucessivamente, foram atingindo os trabalhadores pagos por verbas públicas. 14.1. A urgência das reduções do défice orçamental explica uma atuação do lado da despesa, mais eficaz do que uma atuação do lado da receita, pela rapidez dos efeitos produzidos. Nesta linha e retomando jurisprudência anterior, lê-se no Acórdão n.º 413/2014: «Situando no âmbito relativo à pertinência orçamental daquelas retribuições e das medidas que as afetavam o fundamento material para a diferenciação introduzida na repartição dos encargos públicos, o Tribunal entendeu ainda defensável a asserção segundo a qual, “pela sua certeza e rapidez na produção de efeitos”, a opção tomada se revelava “particularmente eficaz”, “numa perspetiva de redução do dçfice a curto prazo”, mostrando-se desse modo “coerente com uma estratégia de atuação, cuja definição cabe[ria] dentro da margem de livre conformação política do legislador”.« 14.2. Aquela circunstància legitima alguma medida de “sacrifício adicional” dos trabalhadores que recebem por verbas públicas, sacrifício que não consuma, por isso, um tratamento desigual arbitrário; na verdade, estes são pagos por verbas públicas, pelo que apenas a sua remuneração reduz, imediata e automaticamente, a despesa pública. Pode ler-se no Acórdão n.º 353/2012: «Entendeu-se que o recurso a uma medida como a redução dos rendimentos de quem aufere por verbas públicas como meio de rapidamente diminuir o défice público, em excecionais circunstâncias económicofinanceiras, apesar de se traduzir num tratamento desigual, relativamente a quem aufere rendimentos provenientes do setor privado da economia, tinha justificações que a subtraíam à censura do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, uma vez que essa redução ainda se continha dentro dos “limites do sacrifício”.« 14.3. O sacrifício adicional, porém, tem de conter-se dentro de limites estabelecidos à luz do critério da “igualdade proporcional”, não podendo ser excessivo quando confrontado com as razões que o justificam. Ou seja: o Tribunal, por um lado, indaga a razão de ser da diferenciação; por outro, avalia a medida em que a diferenciação é concretizada. Assim, no Acórdão n.º 353/2012: «Nestes termos, poderá concluir-se que é certamente admissível alguma diferenciação entre quem recebe por verbas públicas e quem atua no setor privado da economia, não se podendo considerar, no atual contexto económico e financeiro, injustificadamente discriminatória qualquer medida de redução dos rendimentos dirigida apenas aos primeiros.
Mas, obviamente, a liberdade do legislador recorrer ao corte das remunerações e pensões das pessoas que auferem por verbas públicas, na mira de alcançar um equilíbrio orçamental, mesmo num quadro de uma grave crise económico-financeira, não pode ser ilimitada. A diferença do grau de sacrifício para aqueles que são atingidos por esta medida e para os que não o são não pode deixar de ter limites.

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Na verdade, a igualdade jurídica é sempre uma igualdade proporcional, pelo que a desigualdade justificada pela diferença de situações não está imune a um juízo de proporcionalidade. A dimensão da desigualdade do tratamento tem que ser proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não podendo revelar-se excessiva.» 14.4. A justificação deste sacrifício adicional encontra-se ainda sujeita a duas outras condições: (a) a consideração de outras alternativas possíveis de contenção de custos; e (b) o caráter transitório da imposição do sacrifício. Escreveu-se no Acórdão n.º 187/2013: «Não só porque o tratamento diferenciado dos trabalhadores do setor público não pode continuar a justificar-se através do caráter mais eficaz das medidas de redução salarial, em detrimento de outras alternativas possíveis de contenção de custos, como também porque a sua vinculação ao interesse público não pode servir de fundamento para a imposição continuada de sacrifícios a esses trabalhadores mediante a redução unilateral de salários, nem como parâmetro valorativo do princípio da igualdade por comparação com os trabalhadores do setor privado ou outros titulares de rendimento.» Apreciando o OE2013, o Tribunal considerou que, no terceiro exercício orçamental consecutivo que visava dar cumprimento ao programa de assistência financeira, «o argumento da eficácia imediata das medidas de suspensão de subsídio» não tinha já «consistência valorativa suficiente para justificar o agravamento (em relação ao OE2012) dos níveis remuneratórios dos sujeitos que auferem por verbas públicas». Assim, no Acórdão n.º 413/2014: «Constituindo o ano de 2014 um exercício orçamental condicionado ainda pelo esforço de consolidação orçamental imposto no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira, não existem razões para alterar este entendimento» (refere-se ao entendimento que o Tribunal tem expressamente assumido em acórdãos anteriores, no sentido de que, no presente contexto financeiro, continua a ser «certamente admissível alguma diferenciação entre quem recebe por verbas públicas e quem atua no setor privado da economia, não se podendo considerar (») injustificadamente discriminatória qualquer medida de redução dos rendimentos dirigida apenas aos primeiros» (acórdão n.º 353/2012). 15. Tal como se disse, o juízo de constitucionalidade irá incidir sobre as reduções remuneratórias estabelecidas no artigo 2.º, conjugadamente com as previsões de reversão estabelecidas no artigo 4.º. Só assim poderá ser avaliada a transitoriedade que o artigo 1.º atribui àquelas reduções.
As reduções remuneratórias que atingem os trabalhadores pagos por verbas públicas desde 2011 poderão vigorar até 2018, como se referiu já, abrangendo um período de oito anos consecutivos. E, repete-se, não existe garantia alguma de que isto não venha a ocorrer.
Tudo isto acontecerá – a acontecer – num contexto de tratamento salarial global dos trabalhadores que recebem por verbas públicas, novamente atingidos pela redução remuneratória, muito mais penoso do que o resultante diretamente desta. Na verdade, o quadro só fica completo se somarmos às reduções remuneratórias os efeitos permanentes decorrentes do aumento do horário de trabalho (redução da retribuição da hora de trabalho), do aumento das contribuições para a ADSE, do congelamento das promoções e da progressão na carreira e, ainda, dos programas de redução de efetivos e dos limites à contratação de novos trabalhadores – ambos potencialmente geradores de aumentos de cargas de trabalho.
O juízo de constitucionalidade pode exigir a resposta sucessiva a duas questões, que se colocam a propósito de cada uma das normas em apreciação.
A primeira consiste em saber se, terminado formalmente o PAEF, ainda se encontram razões válidas, à luz do princípio da igualdade, que justifiquem que as remunerações dos trabalhadores em funções públicas continuem a ser atingidas por reduções.
A segunda – que apenas se colocará se a primeira tiver resposta afirmativa – consiste em determinar se as normas em causa, corporizando o tratamento desigual daqueles trabalhadores, o fazem em justa medida ou se, pelo contrário, se apresentam como excessivas.

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16. Pese embora tratar-se de medida diversa daquela agora em apreço, o Tribunal teve já oportunidade de ponderar a questão da admissibilidade constitucional de reduções remuneratórias no decurso do ano de 2014.
Fê-lo no Acórdão n.º 413/2014, entendendo que medida idêntica àquela que merecera já atenção no passado, inscrita nos OE de 2011, 2012 e 2013, ainda se podia considerar justificada pela mesma ordem de razões.
Esse entendimento permanece válido e deve ser aqui reafirmado.
O ano de 2015, comporta - já o dissemos - valorações de sinal contrário. Se, por um lado, culmina uma trajetória de regresso à normalidade ou, pelo menos, de regresso a um patamar liberto do mesmo nível de constrangimentos das escolhas orçamentais que marcaram os anos de 2011 a 2014, não é menos certo que a pendência de um procedimento por défice excessivo, que se segue a um período de assistência económica e financeira, ainda configura quadro especialmente exigente, de excecionalidade, capaz de subtrair a imposição de reduções remuneratórias nesse ano à censura do princípio da igualdade. Releva, nesse juízo, os termos mais mitigados do sacrifício imposto, por efeito da estatuição de reduções remuneratórias inferiores em 20% às que são previstas para o ano de 2014. 17. Já o triénio seguinte – 2016/2018 – determina outra apreciação.
Desde logo, ao contrário do que ainda se poderá entender relativamente aos anos de 2014 e 2015, não estamos já perante intervenção legislativa de índole conjuntural e de resposta a situação de emergência.
Como decorre do DEO, o ano de 2017 é aquele em que se prevê que seja atingido o objetivo de médio prazo, o que remete as razões em que se alicerça o programa normativo em apreço, nessa dimensão, para a condição de opção estratégica, que encontra inscrição num quadro regular de atuação do Estado, ainda que dominado por exigências de disciplina orçamental e de racionalidade económica.
A própria conformação do mecanismo de reversão das reduções remuneratórias suporta essa conclusão.
Quanto ao ano de 2014, o legislador sinaliza, através da aplicação de reduções remuneratórias no seu nível sacrificial mais elevado, a ausência de margem orçamental que permita evitar ou mesmo reduzir o sacrifício imposto a um grupo de pessoas. Já no que respeita ao ano de 2015, a medida do sacrifício é reduzida, o que significa que há segurança quanto á verificação de “espaço orçamental”, independentemente da exigente meta do défice e da pendência de procedimento de défice excessivo.
Mas, daí em diante, nenhuma percentagem de reversão é fixada no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII, funcionalizando inteiramente as reduções remuneratórias á verificação de “disponibilidade orçamental” por mais três anos. A que acresce, nos termos do DEO, o propósito de condicionar a reversão da medida de redução remuneratória “á redução da massa salarial por efeito quantidade”, obtida a partir da diminuição do número de funcionários públicos (cfr. p. 40).
Ora, tais razões não justificam, à luz do princípio da igualdade, que as remunerações dos trabalhadores pagos por verbas públicas, e só destes, continuem a ser atingidas por reduções durante esses três anos.
Perante a exigência de igualdade na repartição dos encargos públicos, não é constitucionalmente admissível que a estratégia de reequilíbrio das finanças públicas assente na redução da despesa por via da continuação do sacrifício daqueles mesmos trabalhadores.
E, caso fosse necessário responder à segunda questão, note-se que, ainda que se continuasse a tolerar tal escolha, chegar-se-ia ao mesmo juízo de inconstitucionalidade, tendo em conta que a fórmula da reversão estabelecida nos n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º possibilita, como se disse, o prolongamento do período de vigência dos cortes até 2018, sem que, simultaneamente, assegure uma recuperação progressiva efetiva da redução salarial. Trata-se, na verdade, simplesmente, da subsistência, por mais três anos, de uma redução remuneratória que, em extremo, pode ser igual, até ao fim do triénio, a 80% daquela que vem vigorando desde 2011.
Sublinhamos que não se pretende, evidentemente, pôr em causa a boa-fé ou a “reta intenção” do Governo, que terá genuína vontade de que as coisas se passem como prevê. Não se formula um juízo subjetivo sobre a intenção do legislador, antes se verificando, simplesmente, que a norma não garante, por força da sua própria formulação, que as coisas se passem, inevitavelmente, como ela estabelece – rectius, como a Nota Técnica explicita.

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18. Em suma, o Tribunal entende que o que os n.os 2 e 3 do artigo 4.º garantem aos destinatários das suas normas é uma redução salarial incerta, de percentagem decrescente absolutamente variável entre 80% da prevista para 2014 e zero, no período entre 2016 e 2018.
Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 353/2012, em passo já transcrito, «a diferença do grau de sacrifício para aqueles que são atingidos por esta medida e para os que não o são não pode deixar de ter limites (») Na verdade, a igualdade jurídica é sempre uma igualdade proporcional, pelo que a desigualdade justificada pela diferença de situações não está imune a um juízo de proporcionalidade. A dimensão da desigualdade do tratamento tem que ser proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não podendo revelar-se excessiva.» Nas circunstâncias atuais, a medida da diferenciação subjacente à fórmula adotada nos n.º 2 e 3 do artigo 4.º, possibilitando, repete-se, a subsistência, por mais três anos, de uma redução remuneratória que pode ser igual a 80% daquela que vem vigorando desde 2011, ultrapassa os limites do sacrifício adicional exigível aos trabalhadores pagos por verbas públicas, nada havendo de comparável que afete outros tipos de rendimentos.
Nesta medida, não é possível deixar de considerar que ofende o princípio da igualdade. III — Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 2.º e 4.º, n.º 1, do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República; b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 2.º e 4.º, n.os 2 e 3, do mesmo Decreto, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. Lisboa, 14 de agosto de 2014 – João Pedro Caupers – Carlos Fernandes Cadilha – Lino Rodrigues Ribeiro (com declaração de voto) – João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Fernando Vaz Ventura (vencido quanto à alínea a) da decisão, nos termos da declaração de voto que junto) – Maria Lúcia Amaral (vencida quanto à alínea b) da decisão, conforme declaração que junto) – José da Cunha Barbosa (vencido quanto à alínea b), nos termos da declaração que junto) – Maria de Fátima MataMouros (vencida, parcialmente na alínea a) e vencida na alínea b) de acordo com a declaração junta) – Catarina Sarmento e Castro (vencida quanto à alínea a) da decisão, nos termos da declaração de voto junta) – Maria José Rangel de Mesquita (vencida quanto à alínea b) da Decisão, nos termos da declaração de voto que se junta) – Pedro Machete (vencido quanto à alínea b) da decisão nos termos da declaração junta) – Joaquim de Sousa Ribeiro DECLARAÇÃO DE VOTO Votei a inconstitucionalidade das normas contidas nos n.os 2 e 3 do artigo 4º, em conjugação com o artigo 2.º, do Decreto nº 264/XII da Assembleia da República, com fundamento diferente do que foi adotado no Acórdão.
Na sequência dos Acórdãos n.os 353/2012, 187/2013 e 413/2014, a medida de redução remuneratória estabelecida nas normas impugnadas é confrontada com o princípio da igualdade proporcional, considerandose que a diferenciação subjacente à fórmula adotada no artigo 4.º para a “reversão” dos cortes salariais ultrapassa os limites do sacrifício adicional exigível aos trabalhadores em funções públicas, nada havendo de comparável que afete os demais titulares de rendimentos, designadamente os provenientes das remunerações pagas pelo setor privado.
Todavia, à luz do objetivo definido para a medida sob escrutínio – redução da despesa pública –, a comparação deveria ser estabelecida entre os titulares dos rendimentos do trabalho afetados pela redução remuneratória e os titulares dos demais rendimentos obtidos através de verbas públicas. Não havendo fundamento razoável para tratamento desigual das várias categorias de rendimentos, a universalidade da medida imporia que fossem afetados, em igual medida e com as necessárias adaptações, todos aqueles que

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obtêm rendimentos provenientes do orçamento de estado. Segundo o critério escolhido, a razoabilidade na igualdade ou desigualdade de tratamento tem que se basear na comparação entre o grau de sacrifício que a redução remuneratória representa para os trabalhadores da Administração Pública e o sacrifício eventualmente imposto a todos aqueles que auferem rendimentos provenientes de receitas públicas (v.g.
contratos de diferente natureza). Eleger como par comparativo os trabalhadores do setor privado ou os titulares de rendimentos que não provêm de receitas põblicas implica o (i) reconhecimento de “alguma diferenciação entre quem recebe por verbas põblicas e quem atua no setor privado da economia”, (ii) a necessidade de medir a extensão dessa diferenciação, (iii) e a ponderação da medida da diferença com a extensão da desigualdade de tratamento. Ora, a determinação dessa diferença não pode ser feita com o necessário rigor, porque no mesmo contexto de emergência económico-financeira foram tomadas outras medidas que afetaram negativamente os demais titulares de rendimentos, tornando-se assim difícil, num controlo de evidência, averiguar a proporcionalidade da desigualdade. A relação da redução remuneratória com o fim visado pode ser confrontada com o princípio da proibição do excesso, sem ser necessário tomar em conta a desigualdade com os rendimentos do setor privado. A primeira vez que a medida foi criada – orçamento de 2011 – a norma passou os “testes “ da proporcionalidade, considerando-se que as reduções remuneratórias, para além de idóneas e indispensáveis, não se podiam considerar excessivas, em face das dificuldades a que visavam fazer face: «justificam esta valoração, sobretudo, o seu caráter transitório e o patente esforço em minorar a medida do sacrifício exigido aos particulares, fazendo-a corresponder ao quantitativo dos vencimentos afetados» (Acórdão n.º 396/2011).
O caráter transitório e excecional da medida restritiva do direito à retribuição constituiu fundamento do juízo de constitucionalidade de norma idêntica no orçamento de 2013 (Acórdão n.º 187/2013) e do juízo de inconstitucionalidade no orçamento de 2014, neste caso apenas quanto ao agravamento da medida, por se julgar ultrapassado o limite de sacrifício exigido pela excecionalidade da situação económico-financeira (Acórdão n.º 413/2014).
Da conjugação do artigo 2.º com o artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII resultam as seguintes reduções remuneratórias: (i) para o ano económico de 2014, iguais às estabelecidas na LOE de 2011; (ii) para o ano económico de 2015, iguais a 80% da aplicável em 2014; (iii), para os anos económicos de 2016 a 2018, a que for fixada em função da disponibilidade orçamental, variando entre a aplicável em 2015 e zero; (iv) para o ano económico de 2019, deixa de existir qualquer redução remuneratória.
No corrente ano de 2014, o Acórdão n.º 413/2014 considerou que a medida, na modelação inicial, não era excessiva, por se tratar de um exercício orçamental ainda condicionado pelo Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), pelo que a mesma ponderação não pode deixar de ser efetuada relativamente à redução prevista nas normas questionadas.
Para o ano de 2015, atenta a justificação dada pelo proponente das normas, ainda se pode considerar a existência de circunstâncias excecionais prevalecentes sobre os interesses particulares afetados. Com efeito, existe pendente na União Europeia (EU), desde 2010, um Procedimento por Défice Excessivo, interrompido com o PAEF, que vincula o Estado a pôr termo à situação que o justifica, reduzindo em 2015 o défice orçamental para 2,5% do PIB. Aceita-se que por esta razão a norma questionada ainda se encontra dentro do quadro de excecionalidade e transitoriedade que justificou as reduções remuneratórias nos anos anteriores.
Mas o mesmo não se verifica com as reduções previstas para o triénio de 2016 a 2018. As reduções remuneratórias foram impostas num contexto de grave crise económico-financeira que reclamava uma atuação rápida para garantir o financiamento do Estado. A gravidade da situação ordenava que se agisse de imediato, se fosse preciso à custa de restrições a direitos fundamentais. O risco grave e iminente de default foi evitado através da assunção de compromissos internacionais e europeus que visavam ultrapassar o estado de emergência. A urgência remetia, pois, para um estado de coisas absolutamente excecional que justificava uma intervenção restritiva nas remunerações de quem aufere por verbas põblicas, dada a “eficácia imediata” na consolidação ou redução do défice orçamental (Acórdão n.º 396/2011). Um tal registo permaneceu excecional com as necessidades a que pretendeu fazer face, em especial a de cumprir o PAEF e a de cessar o Procedimento por Défice Excessivo.
Acontece que as normas impugnadas, no horizonte temporal referido, indiciam um estado de urgência permanente que tende a tornar normal a medida de redução remuneratória dos trabalhadores da Administração Pública. Com efeito, o excesso de perduração temporal da medida generaliza a situação de

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urgência que a ditou, sem resolver definitivamente a situação problemática das finanças públicas, uma vez que uma intervenção em situação de urgência não resolve duravelmente o problema da sustentabilidade das finanças públicas. Ora, a duração da medida por um período de oito anos, o correspondente a um quinto da vida ativa de um trabalhador, transforma o transitório em normal. As normas impugnadas comprometem-se assim na via de um “provisório permanente” que ç excessivamente onerosa para os afetados. Se a necessidade urgente de fazer face a uma situação de grave e extrema emergência financeira não tornava excessivo o sacrifício da remuneração, a mesma ponderação não pode ser feita quando a temporalidade do excecional tende a impor-se como normal. Para os fins da consolidação orçamental e da sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas, que são objetivos da responsabilidade nacional e de interesse nacional, não é razoável impor por oito anos consecutivos sacrifícios adicionais a um determinado grupo de cidadãos, sem que tenham sido criadas alternativas que evitassem o prolongamento da medida após a cessação do PAEF. Neste contexto, a gravidade do sacrifício que se impõe nas normas questionadas sobrepõe-se ao fim que se pretende alcançar, em evidente desconformidade com o princípio da proibição do excesso. Lino Rodrigues Ribeiro DECLARAÇÃO DE VOTO Encontro-me vencido no que respeita à pronúncia de não inconstitucionalidade constante da alínea a) da decisão, pois entendo que as normas contidas nos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 264/XII, as quais contêm o essencial do regime de reduções remuneratórias incidentes sobre um conjunto de trabalhadores, agentes e titulares de cargos públicos, que têm em comum auferirem rendimentos através de verbas públicas, para vigorarem pelo remanescente do ano de 2014 e pelos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 violam o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição) em todo o seu âmbito de aplicação temporal.
Com efeito, e em linha com o que referi em declaração de voto junta ao Acórdão n.º 413/2014 (tributário do entendimento constante dos Acórdãos 396/2011 e 187/2013, de que me afastei), agora que se mostra ultrapassada a situação de emergência financeira – por natureza temporária e de curto prazo - que precedeu e conduziu ao PAEF, e que também está no origem do incumprimento que conduziu ao Procedimento de Défice Excessivo em curso, considero que não existe justificação material válida para que se continue a diferenciar negativamente quem recebe por verbas públicas, atribuindo a esse grupo de pessoas uma posição sacrificial de primeira linha na prossecução do objetivo de redução do défice orçamental e, em geral, de equilíbrio das contas públicas, que a todos, enquanto comunidade, envolve, interessa e beneficia. Tal tarefa, como o esforço associado de redução da dívida pública, diz respeito à generalidade dos cidadãos, não existindo razões válidas para que seja feito recair com peso acrescido sobre os trabalhadores e agentes que recebem a sua remuneração por verbas públicas, por confronto com os demais trabalhadores e titulares de outros rendimentos.
Nessa medida, a infração do princípio da igualdade que considero presente na medida de redução remuneratória constante do artigo 2.º do Decreto n.º 264/XII atinge toda a sua expressão sacrificial, pois considero-a, desde o ponto inicial do programa normativo que emana da articulação desse preceito com o mecanismo contido no artigo 4.º do diploma, desprovida de justificação material bastante. Esse juízo atinge naturalmente a aplicação da medida no período remanescente do corrente ano de 2014 e também, por maioria de razão, a cumulação da redução remuneratória nos quatro anos subsequentes – o que potencia o sacrifício , independentemente do seu grau mais mitigado - 80% do valor inicial - no decurso do ano de 2015 e, potencialmente, nos anos subsequentes, até 2019.
Assim sendo, a linha argumentativa que suporta a pronúncia de inconstitucionalidade constante da alínea b) da decisão, incluindo a indeterminação e contingência que decorre da conformação normativa do mecanismo de reversão decorrente dos n.º 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII, condicionado ao preenchimento do conceito inteiramente aberto de disponibilidade orçamental, constitui um plus, reforçando o juízo de inadmissibilidade constitucional, por violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que decorre da repetida – acumulada - desigualdade de tratamento na repartição dos encargos públicos entre quem recebe remuneração por verbas públicas e quem aufere outros rendimentos.

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Nessa medida, por decorrência lógica de fundamentos mais abrangentes, acompanho a pronúncia de inconstitucionalidade constante da alínea b) da decisão, incidente sobre a vertente do programa normativo de reduções remuneratórias relativa aos anos de 2016, 2017 e 2018.

Fernando Ventura DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida quanto à pronúncia de inconstitucionalidade pelas seguintes razões: 1. O Tribunal faz assentar o presente juízo de inconstitucionalidade na manutenção da sua própria jurisprudência sobre anteriores medidas legislativas que impunham reduções remuneratórias.
Como sempre dissenti dessa jurisprudência (cfr., por último, a minha declaração de voto aposta no Acórdão n.º 413/2014), não posso deixar de divergir de mais uma decisão jurisprudencial que oferece, como único ou principal argumento para o juízo de inconstitucionalidade, a autoridade de fundamentos passados que nunca compartilhei. A este ponto, no entanto, acresce um outro, que, no presente caso, assume acentuada relevância.
Se, nas decisões anteriores a que acima me referi, o ponto nevrálgico da dissensão (tal como a entendi), se situava no devido traçar de fronteiras entre a competência própria do Tribunal Constitucional e a competência própria do legislador ordinário – tendo eu sempre concluído que, quando aplicada ao domínio das reduções salariais, a fórmula da “igualdade proporcional” conduziria o Tribunal a ocupar um espaço que nos termos constitucionais apenas ao poder legislativo pertence –, por maioria de razão concluo que, no presente caso, a manutenção acrítica de argumentos sustentados no passado exponencia em muito o desequilíbrio já existente entre o que, de acordo com a CRP, cabe à jurisdição constitucional e o que pode e deve fazer o poder político, legitimamente mandatado. De forma alguma compreendo por que razão se entende que a Constituição proíbe que este último possa desenhar uma política económica no quadro de uma previsão de quatro anos, onde, relativamente aos “cortes salariais” iniciados em 2011, se apresente comoplano possível o faseamento da sua progressiva reversão. Como não entendo que seja possível aplicar a este mapa futuro – e desse modo condicionando estratégias político-económicas de médio prazo – a fórmula da “igualdade proporcional”, com o seu teste do “limite do sacrifício”. Qual o par comparativo que, no quadro incerto de um plano político futuro (sem que se saiba quais são as decisões que vão ser tomadas em domínios outros como os que pertencem à política fiscal), pode ser eleito para efeitos de comparação? Qual a medida de diferença de tratamento [entre quem e quem] a ser apreciada sob o ponto de vista da proporcionalidade? Qual, enfim, o critério seguro para aferir do seu excesso, daí se extraindo o juízo de inconstitucionalidade? 2. Mas para além de todas estas dúvidas, para as quais não encontrei resposta, um outro ponto há na fundamentação do Acórdão que merece a minha dissensão.
Enquanto, nas suas anteriores decisões sobre “cortes” salariais no setor público, o Tribunal decidiu as questões que lhe foram colocadas sem que na sua argumentação se tivesse sequer ponderado o mandato constitucional para com a integração europeia (cf. artigo 7.º, n.os 5 e 6 da CRP), a presente decisão, embora se limite a remeter para jurisprudência anterior, dedica uma parte da sua fundamentação à descrição do quadro normativo de coordenação e governação da União Económica e Monetária.
Contudo, fica-se sem saber, afinal, por que motivo invoca agora o Tribunal esse quadro normativo, e qual a relevância jurídico-constitucional que lhe confere. Na verdade, nenhuma conclusão valorativa dele se retira quanto à ponderação própria a fazer no àmbito da “igualdade proporcional”. Por que motivo se não tiveram em conta, no julgamento sobre a questão de constitucionalidade, as constrições externas à República, e que perduram para além de 2015? Além da relevância constitucional conferida à participação da República na União Europeia e às suas responsabilidades na realização do projeto de integração (cf. artigo 7.º, n.os 5 e 6 da CRP), as quais constituem em si mesmas um valor da própria ordem constitucional, seguramente que não será jurídicoconstitucionalmente irrelevante a consequência que para a República Portuguesa poderá advir do eventual incumprimento dessas mesmas responsabilidades. Ora, as Recomendações específicas dirigidas a um Estado-Membro, no âmbito de um procedimento por défice excessivo, são atos jurídicos cujo incumprimento

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determina o acionamento de sanções previstas designadamente no n.º 11 do artigo 126.º do TFUE. A essas sanções poderão acrescer sanções específicas estabelecidas no artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 1173/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro, relativo ao exercício eficaz da supervisão orçamental na área do euro.
Mas mesmo à margem de um procedimento por défice excessivo, as responsabilidades da República decorrentes do quadro normativo de coordenação e governação da UEM jamais poderão considerar-se, uma vez mais face ao artigo 7.º, n.os 5 e 6 da CRP, jurídico-constitucionalmente irrelevantes.
Do mesmo modo, não será jurídico-constitucionalmente irrelevante a consequência que para a República Portuguesa poderá advir do eventual incumprimento do disposto no Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (Tratado Orçamental). De entre os diversos requisitos de disciplina orçamental aí fixados importa realçar o constante do artigo 3.º, no qual se determinam as metas específicas a atingir pelo saldo estrutural anual das administrações públicas de cada país. É inquestionável o qualificado valor de interesse público que se deve atribuir ao cumprimento destas exigências, particularmente se se tiver em linha de conta o disposto no Considerando 25 do referido Tratado. Com efeito, aí se prevê que «a concessão de assistência financeira no quadro de novos programas ao abrigo do Mecanismo Europeu de Estabilidade ficará condicionada, a partir de 1 de março de 2013, à ratificação do presente Tratado pela Parte Contratante em questão, e, logo que expire o período de transcrição a que se refere o artigo 3.º, n.º 2, do presente Tratado, ao cumprimento dos requisitos estabelecidos nesse artigo» (itálico nosso). Ainda que as premissas na base das quais foram fixados tais requisitos possam ser objeto de controvérsia no espaço público (político, científico e académico), não cabe evidentemente ao Tribunal pronunciar-se sobre a sua bondade.
Assim, e qualquer que seja o princípio constitucional à luz do qual se aprecie a conformidade constitucional de uma medida legislativa – incluindo o princípio da igualdade nos termos da fórmula da “igualdade proporcional” – em caso algum pode deixar de integrar-se na ponderação o mandato constitucional para com a integração europeia.
A isto acresce que, num quadro jurídico extremamente complexo, envolvendo não só uma pluralidade de ordens jurídicas, mas também uma pluralidade de instituições criadas a fim de assegurar o bom funcionamento da UEM, nos termos do disposto pelo artigo 3.º, n.º 4, do TUE e do Título VIII da Parte III do TFUE, não cabe a um tribunal constitucional nacional – seja o Tribunal Constitucional de Portugal ou outro – definir ou sequer condicionar a evolução futura da UEM. Tal significa que não pode deixar de reconhecer-se às diferentes instituições, no âmbito das respetivas competências – e, portanto, também, ao legislador nacional de cada Estado-Membro – uma amplíssima margem de liberdade conformadora quanto à adoção de medidas que se inserem no quadro de um esforço conjunto, europeu, de cooperação entre os vários Estados da União, maxime entre os vários Estados da “Zona Euro”, em ordem á estabilização financeira e económica dessa mesma “Zona” (cfr. ponto 3 da minha declaração de voto aposta no Acórdão n.º 353/2012).
Maria Lúcia Amaral DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Divergi do juízo adotado pela maioria quanto à inconstitucionalidade dos artigos 2.º e 4.º, n.ºs 2 a 3, do Decreto n.º 264/XII, da Assembleia da República, consideradas conjugadamente, por entender que as normas neles contidas não comportam violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. 2. Os cortes remuneratórios introduzidos pelo legislador naquele Decreto distinguem-se dos anteriores num duplo plano. Em primeiro lugar, apesar de ter “caráter transitório” (cfr. o artigo 1.º, n.º 1), a medida em causa assume natureza plurianual, destinando-se a vigorar não só em 2014, mas também em 2015, 2016 e 2017, até à sua total extinção em 2018. O mencionado artigo 4.º estabelece as regras a que deve obedecer a gradual reversão do corte remuneratório. Em segundo lugar, o contexto no quadro do qual a redução remuneratória é efetuada é também ele distinto, visto que, concluído o Programa de Assistência Económica e Financeira (“PAEF”), reabre-se para o Estado português a necessidade de estrito cumprimento das regras

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europeias em matéria orçamental, plasmadas no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no Protocolo e nos Regulamentos que desenvolvem o Pacto de Estabilidade e Crescimento (“PEC”) e ainda no Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (“Tratado Orçamental”). Em síntese, esse adimplemento passa pela correção, já em 2015, da situação de deficit excessivo em que Portugal se encontra (para -2,5% do PIB), e a partir daí, pela aplicação da vertente corretiva do PEC, algo que implicará o cumprimento de uma trajetória de ajustamento do saldo estrutural até atingir o objetivo de médio prazo atualmente fixado em -0,5% do PIB (cfr. o Documento de Estratégia Orçamental 2014-18, o Parecer Técnico n.º 2/2014 sobre o Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018, da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, de 21.05.2014, e o Relatório do Conselho de Finanças Públicas n.º 3/2014, de maio 2014). 3. Considerou maioritariamente o coletivo que os artigos 2.º e 4.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto n.º 264/XII, conjugadamente, na medida em que prevêm que a redução remuneratória dos trabalhadores do setor público permaneça para lá de 2015 em proporções não totalmente especificadas, violava o princípio da igualdade, nas suas dimensões de igualdade perante os encargos públicos e de igualdade proporcional. Manteve-se, pois, fiel ao standard já adotado noutra sede (cfr. os acórdãos n.ºs 353/2012, 187/2013 e 413/2014, disponíveis emwww.tribunalcontsitucional.pt), em virtude do qual concluiu que, não obstante existir fundamento (“particularismo distintivo”) para alguma diferença de tratamento entre trabalhadores pagos por verbas põblicas e os restantes trabalhadores, a medida de diferenciação seria inequitativa e desproporcionada, não tendo as razões invocadas pelo legislador valia suficiente para justificar a dimensão de tal diferença, sobretudo tendo em conta a possibilidade de recurso a soluções alternativas. O fim do PAEF e a atenuação do contexto de excecionalidade que o mesmo importava para as finanças nacionais acentuariam a obrigação deste desfecho.
Não obstante as referências por vezes feitas a um “critério de evidência”, o qual indiciaria um escrutínio de menor intensidade (cfr. o acórdão n.º 353/2012), é patente que o Tribunal se vem afastando progressivamente, desde o acórdão n.º 396/2011, de um controlo da igualdade como aquele que é ínsito ao princípio da proibição do arbítrio. Esse afastamento surpreende-se, entre outros aspetos, na insistência quanto à existência de soluções alternativas – maxime, no juízo quanto à dispensabilidade da redução remuneratória na prossecução do objetivo de consolidação orçamental – circunstância que indicia um entendimento sobre o teste da “necessidade” dificilmente compaginável com a margem de apreciação de que o legislador deve necessariamente dispor em matérias complexas e que envolvem prognoses empíricas e normativas. 4. Mesmo tomando como adequado o standard adotado, no cerne da nossa divergência encontra-se, porçm, o modo como o coletivo apreciou a “justa medida” subjacente á manutenção do corte remuneratório para os anos de 2016, 2017 e 2018, isto é, o modo como ponderou o acréscimo de sacrifício trazido pela redução e os interesses públicos convocados pelo legislador. Alguns aspetos merecem, neste ponto, a nossa particular atenção. 4.1. Um deles prende-se com o peso a conferir ao interesse público subjacente à redução remuneratória.
Não se veem razões para contestar o juízo empreendido pelo legislador quanto à necessidade de prosseguir na rota de consolidação orçamental. Esse interesse é ditado não só por obrigações assumidas pelo Estado português no quadro da integração europeia (cfr. o Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União económica e monetária, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 84/12, e incorporado na Lei de Enquadramento Orçamental, na sua redação atual), mas também, independentemente de tais vínculos, por uma certa conceção de finanças públicas, assente num direito financeiro responsável e intergeracionalmente equitativo.
Conforme avançado supra, o contexto de aplicação da redução remuneratória em 2016, 2017 e 2018não é o contexto de excecionalidade ditado pelo Programa de Assistência Económico-Financeira. São, com efeito, inegáveis e incomparáveis os constrangimentos por este impostos como condição do financiamento das tarefas fundamentais do Estado português. Sucede, no entanto, que o esforço de consolidação orçamental não se esgotou com aquele programa, resultando igualmente de outros compromissos que o Governo, naturalmente, ambiciona honrar.

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4.2. Por outro lado, a redução remuneratória em causa, revertida nos termos do artigo 4.º do Decreto, não ascende a um nível de onerosidade tal que permita continuar a sufragar a tese de que se está perante uma diferenciação de tratamento “acentuada e significativa” entre trabalhadores do setor põblico e os demais.
Na verdade, os cortes que se prefiguram valer para os exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018 traduzem uma ablação significativamente menor do que aquela que esteve subjacente às Leis do Orçamento para 2012, 2013 e 2014, e certamente menor, pressuposta a reversão, do que a introduzida por banda da LOE 2011.
Acresce ainda o facto de o Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018 não prever qualquer redução da carga fiscal atualmente vigente – leia-se, de medidas de alcance universal, impostas pela via tributária – e de salvaguardar, ainda, o progressivo desbloqueamento das progressões e promoções das carreiras nas administrações públicas (cfr. o Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018, p. 41). Mais acresce a salvaguarda de a reversão total vir a ocorrer até 2018, ou seja, como se afirma no n.º 3 do artigo 4.º, no prazo máximo de quatro anos. 5. Com base nestes elementos, sufragar-se-ia uma ponderação com diferente desfecho, concluindo, por conseguinte, pela validade constitucional da medida prevista nos artigos 2.º e 4.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto, conjugadamente, à luz do princípio da igualdade. J. Cunha Barbosa DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Votei a decisão de inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 2.º do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República, tendo em conta o seu âmbito de aplicação apenas para os meses em falta do ano orçamental em curso (2014), por violação do princípio da igualdade em razão dos fundamentos constantes já da minha declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 413/2014.
No que respeita às normas que determinam a vigência, nos anos subsequentes, das reduções remuneratórias previstas no artigo 2.º em “conjugação” com o artigo 4.º do mesmo Decreto, pronunciei-me no sentido de o pedido não dever ser conhecido, essencialmente pelas razões que de seguida passo a expor. 2. É o pedido que delimita o objeto do processo no tocante às normas que o Tribunal pode conhecer e que se cingem às normas cuja apreciação tiver sido requerida (artigo 51.º, n.os 1 e 5, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, relativa à Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional [LTC]). Dirigindo-se o juízo de (in)constitucionalidade à dimensão funcional de uma norma, enquanto resultado de determinado ato legislativo, ele só pode incidir sobre a norma identificada no pedido e que não se confunde com o mero preceito legal que a incorpora.
Como salientado por RUI DE MEDEIROS, «a razão fundamental para não flexibilizar o princípio do pedido na fiscalização abstrata arranca da própria caracterização do Tribunal Constitucional como órgão jurisdicional pela Lei Fundamental. (») [A] desvalorização da necessidade de iniciativa (») agravaria incomportavelmente o perigo de transformação do Tribunal Constitucional “numa superpotência constitucional”. (») [Num] sistema que atribui às declarações de inconstitucionalidade força obrigatória geral, torna-se imperioso assegurar que o processo de fiscalização da constitucionalidade não constitua, tanto do pondo de vista material, como na perspetiva funcional, legislação» (cfr. RUI DE MEDEIROS, A decisão de inconstitucionalidade, UCE, 1999, p.
449).
O princípio da correspondência entre o pedido e a pronúncia judicial pressupõe, por conseguinte, uma rigorosa delimitação, pelo pedido, do tema a decidir e, portanto, a discutir. A esta delimitação deve corresponder, grosso modo, a decisão do Tribunal Constitucional. Nada disto se verificou no presente acórdão.
Desde logo, o pedido incide sobre: - As normas constantes dos n.os 1 a 15 do artigo 2.º do Decreto n.º 264/XII; - As normas constantes dos n.os 1 a 3 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII.
E o Tribunal pronunciou-se sobre:

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- As normas do artigo 2.º em articulação com o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII (alínea a) da decisão); - As normas do artigo 2.º em articulação com os n.os 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII (alínea b)da decisão). 3. O artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII prevê medidas de reversão gradual da redução remuneratória temporária prevista no artigo 2.º do mesmo diploma. Do seu teor é possível inferir um programa normativo orientado para o fim das reduções remuneratórias que incidem sobre os trabalhadores do setor público, a implementar ao longo de um período de quatro anos, o que pressupõe a manutenção da incidência de cortes salariais nos próximos orçamentos de Estado. Assim, as normas que determinam a aplicação das reduções remuneratórias aos anos subsequentes a 2014 resultam da interpretação “conjugada” (na formulação do acórdão) dos artigos 2.º e 4.º do Decreto. No entanto, as referidas normas nada nos dizem sobre a dimensão do valor da reversão para os anos subsequentes a 2015 (neste ano prevê-se uma reversão de 20% da redução prevista no artigo 2.º, no artigo 4.º, n.º 1), ou sobre a relevância do peso destas medidas, designadamente por comparação com outras medidas de redução da despesa ou aumento da receita, relativamente a todos os orçamentos subsequentes a 2014.
Apesar desta indefinição normativa, o requerimento apresentado não inclui nenhuma concretização referente às dimensões normativas do artigo 4.º que pretende ver sindicadas, deixando inteiramente ao Tribunal a tarefa de delimitação do seu alcance. Ao Tribunal Constitucional apenas cabe a apreciação de conformidade constitucional de normas ou critérios normativos que lhe sejam pedidos. Não cabe, porém, ao Tribunal substituir-se ao Requerente na delimitação da “substància normativa” a sindicar nos preceitos legais elencados como objeto do pedido. Tão pouco constitui sua incumbência a definição do regime que vigorará em função do sentido das alterações aprovadas com o diploma sob escrutínio. 4. No que respeita à fundamentação do pedido, o Requerente não vai além da manifestação de dúvidas referentes à conformidade constitucional das normas em análise com os princípios constitucionais da igualdade e da proteção da confiança, tendo em conta a interpretação dos mesmos que vem sendo feita pelo Tribunal Constitucional, em especial nos Acórdãos n.os 353/2012, 187/2013 e 413/2014.
Porém, nos arestos mencionados o Tribunal não considerou qualquer tipo de «reversão da redução remuneratória» como a prevista no artigo 4.º do Decreto.
Acresce salientar que foi sempre em consideração do contexto das leis orçamentais em que se inseriam que o Tribunal julgou as normas que introduziam reduções remuneratórias violadoras do princípio da “igualdade proporcional” por implicar um sacrifício excessivo para o grupo de pessoas visado. Ora, o contexto orçamental dos anos vindouros é um dado que o Tribunal ainda não conhece (nem pode conhecer) – pelo que não poderá ser objeto de ponderação, no contexto do presente processo. 5. E, todavia, um tal conhecimento apresenta-se como pressuposto indispensável à análise que nos é pedida.
De acordo com a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 239/XII, que deu origem ao Decreto objeto do presente processo, as medidas de reduções remuneratórias em apreço surgem associadas exclusivamente a objetivos de consolidação orçamental e sustentabilidade da despesa. Não configuram instrumentos ao serviço de um programa de redução estrutural e permanente da despesa gerada pelo pagamento das contraprestações remuneratórias devidas no âmbito da relação jurídica de emprego público. De facto, «em termos de excecionalidade, não existem dúvidas de que estamos, portanto, perante medidas de natureza estritamente orçamental» - cfr. Nota Técnica do Governo, junta aos autos.
Ora, sendo assim, só será possível avaliar a sua validade à luz dos parâmetros constitucionais convocáveis diante do concreto contexto orçamental em que elas surgirem. 6. Nos termos do artigo 106.º, n.º 1, da CRP, a Lei do Orçamento é elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de acordo com a respetiva Lei de Enquadramento.
Ainda que sejam já conhecidas as metas de consolidação orçamental a que Portugal se vinculou, bem como as regras orçamentais europeias aplicáveis, designadamente as referentes ao Procedimento de Défice

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Excessivo e ao Objetivo de Médio Prazo a atingir em 2017, sendo igualmente conhecidas as metas orçamentais inscritas no “Tratado Orçamental” (o Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação da União Económica e Monetária), no Direito da UE, e na Lei de Enquadramento Orçamental, os instrumentos normativos para as alcançar apenas serão concretizados anualmente, através das leis de orçamento a aprovar pela Assembleia da República, democraticamente eleita.
Desconhecido o contexto orçamental referente aos anos orçamentais subsequentes a 2014, a que aludem as normas contidas no artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII, onde se insere a vigência das reduções remuneratórias nos anos vindouros (por articulação do artigo 2.º do mesmo Decreto), torna-se impossível para o Tribunal analisar a respetiva conformidade constitucional, designadamente à luz dos parâmetros constitucionais invocados pelo Requerente, em especial do princípio da igualdade, princípio constitucional considerado violado na jurisprudência proferida na matéria. 7. Em face de tudo o que se vem de expor, inevitável será concluir que, nesta parte (as normas relativas à vigência das reduções remuneratórias pós-2014), o pedido não se encontra definido nem fundamentado de forma suficiente a poder ser apreciado pelo Tribunal Constitucional no respeito pela exigência contida no n.º 5 do artigo 51.º da LTC (que lhe exige que apenas se pronuncie sobre “normas cuja apreciação tenha sido requerida”).
Ademais, foi essa a solução encontrada por este Tribunal para parte do pedido formulado no processo de fiscalização preventiva do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República, que correu termos em paralelo com este, baseado em requerimento em tudo idêntico ao do pressente processo. Afigura-se-me incompreensível a diferença de tratamento para este processo, quando as “normas” aqui apreciadas revelam um défice de densidade normativa equivalente àquelas cujo conhecimento foi rejeitado nesse outro processo, pelo que, para serem objeto de pronúncia foram, afinal, desenhadas pelo próprio Tribunal. 8. A fiscalização preventiva constitui uma função jurisdicional do Tribunal Constitucional, residindo o seu escopo na garantia de que não entrarão em vigor normas constitucionalmente inválidas.
Caracterizando-se a atividade do Tribunal Constitucional, como a de qualquer tribunal, pela passividade, não lhe cabendo decidir da oportunidade da sua intervenção, constitui ónus do órgão requerente, enquanto órgão detentor da iniciativa processual, o papel de selecionar os casos em que se justifica a fiscalização preventiva, fundamentando o pedido com argumentos que possam ser sindicados jurisdicionalmente. O respeito pelo princípio do pedido assim o exige.
De outro modo a apreciação do Tribunal correria o risco de ser confundida com uma função meramente consultiva, o que não se integra na competência de administrar a justiça em matérias de natureza jurídicoconstitucional que constitucionalmente lhe está atribuída (artigo 221.º da CRP). 9. Apesar de todas as dificuldades acima assinaladas, o Tribunal decidiu conhecer da validade das “normas conjugadas dos artigos 2.º e 4.º, n.º 1, do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da Repõblica” e das “normas conjugadas dos artigos 2.º e 4.º, n.os 2 e 3, do mesmo Decreto”. Assim sendo, concluí pela inconstitucionalidade das mesmas no que respeita aos meses em falta do ano orçamental em curso (2014), como acima comecei por salientar, e sou forçada a concluir pela não inconstitucionalidade das normas relativas à redução remuneratória pós-2014. Desde logo, porque as normas são de tal forma vagas que é impossível nelas descortinar qual será o valor da remuneração decorrente do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto. Se é assim, não vejo como aplicar os parâmetros constitucionais convocados pelo pedido sobre uma redução, cujo valor desconheço. Mas, mesmo que tal não fosse o caso, cumpre-me referir que, sendo desconhecido o contexto orçamental das normas em causa, referente aos anos orçamentais subsequentes a 2014, me é impossível avaliar a sua conformidade com o princípio da igualdade uma vez que não é possível aplicar a fórmula daquele princípio (igualdade ponderada), que julgo dever ser aplicada nesta matéria – uma vez que esta implica o conhecimento desse contexto.
Esse conhecimento do contexto orçamental também é essencial para a aplicação do teste da ponderação, integrado no princípio da tutela da confiança (face às legítimas expetativas dos trabalhadores à remuneração a que têm contratualmente direito), bem como dos restantes parâmetros que devem ser adotados em matéria de restrição de direitos fundamentais.

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Em suma, a minha conclusão pela não inconstitucionalidade no âmbito deste Decreto não significa uma mudança de posição relativamente à que tomei nos Acórdãos n.os 187/2013 e 413/2014. Maria de Fátima Mata-Mouros DECLARAÇÃO DE VOTO I.
Fiquei vencida quanto à alínea a) da decisão. Considero inconstitucionais as normas conjugadas do artigo 2.º do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República - que impõe reduções remuneratórias com valores iguais aos estabelecidos pela Lei n.º 55-A/2010 -, e do artigo 4.º, n.º 1 - que as admite até 2015, ainda que, nesse ano, reduzidas em 20%.
Na sequência do que afirmei em anteriores declarações de voto (veja-se a Declaração ao Acórdão n.º 187/2013, bem como a Declaração ao Acórdão n.º 413/2014), é importante que se sublinhe que decorridos vários exercícios orçamentais consecutivos, não pode continuar a servir de justificação às medidas de redução remuneratória impostas a quem recebe por verbas públicas a invocação de que estas seriam, ainda, a única opção com efeitos certos, seguros e imediatos para a realização dos objetivos orçamentais traçados. Menos ainda poderá defender-se que tendo a redução remuneratória, com idênticos valores, passado o teste de constitucionalidade em 2011 (Acórdão n.º 396/2011), deva emitir-se um juízo de não inconstitucionalidade para os anos de 2014 e de 2015.
Discordo do presente Acórdão quando sustenta que as legítimas expetativas de uma melhoria da situação remuneratória não implicam, necessariamente, que essas expetativas exijam um regresso aos níveis salariais de 2010, logo em 2014 (nem mesmo em 2015).
O decurso do tempo fez com que a excecionalidade e a transitoriedade das reduções remuneratórias, que sustentaram um juízo de não inconstitucionalidade quanto às normas que as impuseram em 2010, deixassem de poder ser invocadas.
Como anteriormente escrevi, o período entretanto decorrido impõe um acréscimo de exigência no sentido de serem encontradas alternativas (conformes à Constituição) que evitem o prolongamento da medida. No caso, a previsão das normas agora em apreciação duplicaria o tempo de esforço, pelo que os (mesmos) visados acumulariam sacrifícios ao longo de 4 anos mais, num total de 8 anos! Encontra-se, por isso, há muito ultrapassado o limite do sacrifício admissível, verificando-se a inexistência de justificação suficiente para manter a assimetria a que são sujeitos os titulares destes rendimentos, por um lado, mas a redução remuneratória a que a decisão se refere falha também, independentemente da assimetria, em si mesma, o teste da proporcionalidade.
Note-se que, como se afirmou em Declaração de voto ao Acórdão n.º 187/2013, e como reconhece o presente Acórdão, o prejuízo sofrido por estes destinatários ao longo do tempo não se limitou a reduções remuneratórias reiteradas: sofreram, entre outras medidas, a supressão efetiva do subsídio de férias e de Natal em 2012; foram afetados pelo aumento do horário de trabalho para 40 horas; pela redução adicional na compensação sobre o valor do pagamento do trabalho extraordinário; pela alteração das regras das ajudas de custo nas deslocações em serviço; pela proibição de valorizações remuneratórias decorrentes de promoções ou progressões; pelo aumento da carga de trabalho decorrente da redução de efetivos e limites à contratação; pelo aumento da contribuição para a ADSE; pelo agravamento fiscal que atingiu todos os trabalhadores (reduções de escalões de IRS, aumento das taxas; imposição de uma sobretaxa de 3,5% no IRS; redução de deduções á coleta »).
Os destinatários das normas são agora sujeitos a um esforço adicional prolongadíssimo, que se acentua se também tivermos em consideração o esforço já acumulado (i.e., a acumulação da ablação de rendimentos sofrida ao longo dos anos e outras medidas sacrificiais decretadas).
Não se ignora que, findo o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), Portugal se encontra, de novo, sujeito a um procedimento de défice excessivo (artigo 126.º do TFUE) e obrigado por metas - como a de redução do défice -, em virtude de vinculações decorrentes, nomeadamente, do Direito da União Europeia e do Tratado Orçamental.

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Mas, tal procedimento – aberto, em 2009 pela UE, a Portugal (mas, então, também à Alemanha, Áustria, Bélgica, Eslováquia, Eslovénia, Itália, Países Baixos, República Checa) – foi imposto para cumprimento de objetivos que são, ainda assim, menos exigentes do que os definidos pelo PAEF a que Portugal veio a estar sujeito até maio de 2014 (e que, enquanto durou, fez suspender a vigência do mencionado procedimento).
Apesar da existência de metas, as várias vinculações que atualmente obrigam Portugal não impõem a adoção desta ou daquela medida em concreto para sua realização, i.e., não obrigam a que as metas sejam atingidas mediante redução remuneratória dos que recebem por verbas públicas.
E, sobretudo, hoje, - como antes, durante a vigência do PAEF - tais vinculações não põem o legislador, na definição das medidas concretizadoras de tais objetivos, a salvo do escrutínio de constitucionalidade a realizar pelo Tribunal Constitucional.
Escrutínio que, em matéria de direitos fundamentais, deve ser especialmente rigoroso. Mesmo admitindo a possibilidade de afetação do direito à remuneração – aqui, no seu quantum -, o legislador sempre teria de apresentar uma justificação especialmente robusta – que, como já antes escrevi, invocou em 2010 (condições excecionais e extremamente adversas; medidas seriam indispensáveis ao reequilíbrio das contas públicas e apresentavam-se como mais eficazes do que outras, sendo o modo mais certo e rápido de obtenção da verba imediatamente necessária), e de respeitar os princípios constitucionais estruturantes.
Também por isso, não subscrevo a fundamentação do Acórdão quando, em matéria de direitos fundamentais, inverte, do ponto de vista metodológico, o ónus de fundamentação, e sustenta (ponto 13) que um dos fundamentos para se decidir pela não violação do princípio da proteção da confiança (no caso, quanto ao ano de 2015) é o não haver elementos suficientemente claros para suportar o juízo de inadmissibilidade constitucional.
Para que, até final de 2014, e em 2015 (como aceita o Acórdão) e nos anos subsequentes até 2018, se ponha em causa a remuneração (ainda que na mesma medida que em 2010), voltando a sacrificar-se os mesmos para além do que já lhes foi imposto ao longo do tempo, teria de ser apresentada uma razão suficientemente forte. A questão está em saber se a procura do equilíbrio orçamental, do respeito pelo limite do défice estrutural, e pela ratio entre a dívida pública e o PIB podem, sem violação da Constituição, continuar a fazer-se à custa da redução dos salários dos trabalhadores que recebem por verbas públicas. E, a meu ver, o legislador não apresentou justificação bastante para continuar a fazê-lo.
Acresce que são optimistas as previsões do Governo relativas à situação económico-financeira, refletidas no Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018, como o Acórdão dá conta, aliás. Melhoria que abriu as portas, por exemplo, ao desagravamento do IRC a que já fizéramos referência em declaração de voto anterior (Declaração de voto ao Acórdão n.º 413/2014).
Assim sendo, e reiterando as razões constantes de anteriores declarações de voto, teria sustentado um juízo de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade, mas também da proporcionalidade, das reduções remuneratórias (quer da norma que as impõe em si mesmas – se consideradas independentemente da sua duração para o futuro - quer da norma que, embora prevendo a sua reversão, as faz prolongar até 2018). II.
Votei a alínea b) da decisão, acompanhando o juízo de inconstitucionalidade relativo às normas conjugadas do artigo 2.º e dos números 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República, subscrevendo a violação do parâmetro constitucional apontado na fundamentação.
Havendo já anteriormente considerado inconstitucionais as normas que mantiveram, ou ampliaram, as reduções remuneratórias impostas aos trabalhadores no ativo que auferem por verbas públicas, prolongandoas no tempo, e sujeitando os que as sofrem a um progressivo acumular de sacrifícios, não poderia deixar de subscrever a presente decisão quando rejeita – do ponto de vista da constitucionalidade - a possibilidade da manutenção das reduções – ainda que com a amplitude consagrada em 2010 – para o triénio 2016-2018.
Ao considerar, como acima sumariamente expus, que, já hoje, e perante as circunstâncias atuais, as reduções remuneratórias são violadoras da Constituição, por desrespeito dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, não posso deixar de votar uma decisão que aponta no sentido da inconstitucionalidade das reduções para o triénio 2016-2018, por, concordando com a maioria, julgar que no período em questão, - e, a meu ver, atentos os dados disponíveis -, não existem razões de interesse público relevantes que justifiquem a

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redução remuneratória (relembre-se, em sintonia com posições precedentes que a este propósito assumi, e com o que acima se escreveu, que já antes defendi a inexistência de tais razões). Catarina Sarmento e Castro DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida quanto à alínea b) da Decisão e à pronúncia, nela contida, pela inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 2.º (Redução remuneratória) e 4.º (Reversão gradual da redução remuneratória temporária), n.ºs 2 e 3, do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República, pelas razões essenciais que de seguida se explicitam.
As normas dos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 264/XII estabelecem, respetivamente, uma medida de «Redução remuneratória» semelhante à estabelecida no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011) e um programa normativo de «Reversão gradual» daquela «redução remuneratória temporária» com início (certo) em 1 de janeiro de 2015 e termo (certo) no prazo máximo de quatro anos – sendo o valor percentual da reversão apenas certo para o ano de 2015 (20%) e, assim, incerto para o triénio 2016-2018. Da conjugação das normas destes artigos resulta, assim, que a medida de «Redução remuneratória» se afigura como uma medida, normativamente configurada como medida de redução da despesa e – diversamente da medida contida na norma da Lei do Orçamento de Estado para 2011 – plurianual (quadriénio 2014-2018) e com termo certo de reversão (total) da redução salarial em 2019.
O Acórdão, na apreciação das questões de constitucionalidade, leva em conta o critério de apreciação que enunciou nos Acórdãos n.º 396/2011, n.º 353/2012, n.º 187/2013 e n.º 413/2014 o qual respeita, por um lado à existência de um fundamento para a diferenciação – daqueles que recebem remunerações pagas por verbas públicas – e, por outro, à medida dessa diferença, concluindo que a medida da diferenciação subjacente à fórmula adotada nos n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º, possibilitando a subsistência, para além de 2015, no triénio 20162018, de uma redução remuneratória que pode ser igual a 80% daquela que vem vigorando desde 2011, ultrapassa os limites do sacrifício adicional exigível ao trabalhadores que auferem por verbas públicas, assim violando o princípio da igualdade (cfr. n.os 17 e 18).
Considera-se, na senda do que se entendeu na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 413/2014 (cfr. A) e seus fundamentos, que, no contexto temporal de aprovação do Decreto n.º 264/XII, ainda de excecionalidade económico-financeira, subsistem as razões de interesse público, inerentes desde logo à «Estratégia de consolidação orçamental» determinada pelas obrigações específicas assumidas pelo Estado português ao nível internacional (Fundo Monetário Internacional) e da União Europeia, por via do Programa de Assistência Económica e Financeira (e também pelos Memorando de entendimento sobre as condicionalidades de política económica e do Memorando de Políticas Económicas e Financeiras acordados, respetivamente, com a Comissão Europeia e o FMI) – e, assim, do Programa de ajustamento económico e financeiro de que Portugal foi objeto (cfr. artigo 3.º, n.º 1, da Decisão de Execução do Conselho de 30 de maio de 2011 relativa à concessão de assistência financeira da União a Portugal (2011/344/UE) e, também, artigo 7.º do Regulamento (UE) n.º 472/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de maio de 2013 (programa de ajustamento macroeconómico)) – que podem ainda justificar a diferença de tratamento daqueles que auferem rendimentos pagos por verbas públicas que, por essa razão, podem ser chamados a suportar um esforço acrescido – também porque mais prolongado no tempo – face ao imperativo de adoção de medidas de redução de despesa que concorram para o cumprimento daquelas obrigações. Assim é, em especial, por força dos valores, mais exigentes, de 4%, fixado para o défice orçamental para 2014 e de 2,5%, fixado para o défice orçamental para 2015, dos efeitos do PAEF (e obrigações e, parcialmente, medidas dele decorrentes) que perduram em 2015 (cfr., em especial, o artigo 3.º, n.º 8, alínea a) e alíneas g) e h), da Decisão de Execução do Conselho 2011/344/UE na redação da Decisão de Execução do Conselho 2014/234/UE) e, ainda das imposições do procedimento por défices excessivos em curso (cfr. a Recomendação do Conselho de junho de 2013 com vista ao termo da situação de défice excessivo (cfr. 10562/13 de 18/6/2013 e 10562/13 COR 1 de 20/6/2008) que impõe que seja posto termo à situação de défice excessivo em 2015 (Recomendação 1) e um

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valor de 4% para o défice de 2014 e de 2,5% para o défice de 2015 e uma melhoria do equilíbrio estrutural, respetivamente de 1,4% e de 0,5% do PIB (Recomendação 2)). Por isto se acompanha a alínea a) da Decisão do Acórdão e respetiva fundamentação, embora sem acompanhar as considerações quanto às melhorias da situação económico-financeira e seus reflexos.
Entende-se todavia, quanto ao período temporal que transcende 2015 (triénio 2016/2018) – e diversamente da fundamentação e conclusão do Acórdão nesta parte (cfr. n.ºs 17 e 18) – que apesar do termo de vigência do PAEF ocorrer em 2014 e o termo do procedimento por défice excessivo ocorrer previsivelmente em 2015, no contexto de aprovação do Decreto n.º 264/XII, existem ainda razões de interesse público que podem justificar a referida diferença e a sua manutenção, por um período plurianual que se estende para além de 2015 e com termo (certo) no fim de 2018. Tais razões são, em geral as atinentes ao cumprimento das obrigações que decorrem do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia no quadro da política económica e também do Pacto de Estabilidade e Crescimento e dos Regulamentos que o integram e, também, ainda que num plano diverso (de direito internacional), do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, assinado em 2 de março de 2012; e, em especial, o facto de uma vez concluído o PAEF em 2014 e, assim, terminada a isenção da supervisão e avaliação no quadro do Semestre Europeu para a coordenação das políticas económicas (previsto no artigo 2.º-A da Secção 1-A do Regulamento (CE) n.º 1466/97 do Conselho de 7 de julho de 1997, na redação do Regulamento (UE) n.º 1175/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de novembro de 2011) durante o período de vigência do programa (cfr. artigo 12.º do Regulamento (UE) n.º 472/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013), Portugal passa a ficar sujeito àquela supervisão e avaliação no quadro do Semestre Europeu e à apresentação dos programas nacionais de estabilidade e de convergência e do programa nacional de reformas (cfr., em especial artigo 2.º-A, n.º 2, c) e d) da Secção 1-A, e artigos 3.º e 7.º do Regulamento n.º 1466/97 e Recomendação do Conselho de 8 de julho de 2014 relativa ao Programa Nacional de Reformas de Portugal para 2014 e que formula um parecer do Conselho sobre o Programa de Estabilidade de Portugal para 2014, em especial Considerando (4), in fine) – a que se liga o imperativo de um objetivo orçamental de médio prazo (específico de cada Estado membro) e da trajetória de ajustamento conducente ao objetivo fixado (artigo 2º-A do Regulamento n.º 1466/97 e artigos 3.º, n.º 2, a) e 7.º, n.º 2, a) do mesmo Regulamento). Em conformidade Portugal, apesar de o termo do PAEF não ter então ainda ocorrido, apresentou um Documento de Estratégia Orçamental (2014-2018), atualizado em 30 de abril de 2014 – também conforme previsto no artigo 3.º, n.º 8, alínea g) da Decisão de Execução do Conselho 2011/344/UE, na redação da Decisão de Execução do Conselho 2014/234UE – visando corrigir o défice excessivo até 2015 e atingir o objetivo orçamental de médio prazo até 2017 – em consonância com o acolhido pela Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, republicada em último lugar pela Lei n.º 41/2014, de 10 de julho – cfr., em especial, o artigo 12.º-C).
O caráter plurianual da medida de redução remuneratória consagrada pelas normas do artigo 2.º do Decreto n.º 264/XII, conjugadas com as normas do artigo 4.º, incluindo os nºs 2 e 3, do mesmo Decreto afigura-se consentânea com as referidas obrigações e, em especial, com o objetivo orçamental de médio prazo – e o correspondente quadro plurianual de programação orçamental (cfr. artigo 12.º-D da Lei de Enquadramento Orçamental).
Ora o controlo constitucional agora convocado para as normas constantes dos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 264/XII, não pode, em nosso entender, deixar de ponderar aquele interesse público para além de 2015 (sem olvidar a possível subsistência de outras medidas decorrentes das Leis do Orçamento de Estado para 2013 e 2014 que, algumas com e outras sem alcance universal, contribuem de algum modo para a repartição diversa dos encargos públicos). Por isso se entende que, não obstante a medida de redução remuneratória, na configuração vertida no Decreto n.º 264/XII, ser concebida num quadro de vigência plurianual e abrangendo também o triénio 2016/2018 (n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º) – e nessa medida impor, face à sua configuração decorrente da Lei do Orçamento de Estado para 2011 e reiterada nas Leis do Orçamento de Estado para 2012 e 2013, um esforço acrescido, porque ainda mais prolongado no tempo, aos que auferem remunerações por verbas públicas –, não se verifica de forma evidente a desigualdade de tratamento na repartição dos encargos públicos que justifique uma pronúncia pela inconstitucionalidade por se encontrarem ultrapassados os limites do sacrifício.

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Assim, e sendo certo que, com a medida de redução remuneratória em causa, os trabalhadores que auferem por verbas públicas se mostram mais onerados – e temporalmente mais onerados – na distribuição dos encargos públicos, por comparação com os titulares de outros tipos de rendimentos, a diferença de tratamento, fundamentada na diferença de posições dos abrangidos e dos excluídos da medida em causa, não se afigura excessiva e desproporcionada, enquanto expressão de uma medida ainda excecional e (como se assume expressamente na epígrafe do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII) «temporária» (ou seja, não definitiva), ainda que plurianual (e para além do período de vigência de medida similar em 2011, 2012 e 2013), justificada em face do interesse público de contenção da despesa pública, de redução do défice e de prossecução de um objetivo orçamental de médio prazo. Maria José Rangel de Mesquita Declaração de voto

1. As normas dos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República concretizam normativamente a opção político-orçamental de contenção da massa salarial das Administrações Públicas em ordem a alcançar as metas quanto à redução do défice orçamental e da dívida pública definidas para Portugal no quadro de coordenação e governação da União Económica e Monetária, em geral, e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, em especial.
De acordo com a Recomendação do Conselho de 21 de junho de 2013 – uma «recomendação específica por país» (country-specific recommendation) emitida ao abrigo do artigo 126.º, n.º 7, do TFUE e prevista no âmbito da vertente corretiva do Pacto de Estabilidade e Crescimento (cfr., em particular, o Regulamento (CE) n.º 1467/97 do Conselho, de 7 de julho) – Portugal deve reduzir o seu défice orçamental nominal para 4% do PIB em 2014 e 2,5% do PIB em 2015, de modo a encerrar o Procedimento por Défice Excessivo (PDE) iniciado em 2009 (e suspenso durante a vigência do PAEF). Porém, uma vez atingido esse objetivo, a vertente preventiva do citado Pacto (cfr., em especial, o artigo 121.º do TFUE e o Regulamento (CE) n.º 1466/97 do Conselho, de 7 de julho) prevê, além da manutenção do saldo orçamental nominal abaixo do referencial de 3% do PIB, o cumprimento de uma trajetória de ajustamento do saldo orçamental estrutural até à consecução do «objetivo de médio prazo» (OMP) – no que se refere a Portugal, um saldo estrutural definido em -05% do PIB a atingir em 2017; sobre o OMP, cfr. o artigo 2.º-A do Regulamento (CE) n.º 1466/97). Enquanto não for alcançado esse objetivo, o ajustamento anual do saldo estrutural não pode ser inferior a 0,5% do PIB e a taxa líquida de crescimento da despesa pública encontra-se fortemente condicionada (cfr. o artigo 12.º-C da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto – Lei de Enquadramento Orçamental ou LEO – e o artigo 72.º-B e seguintes do mesmo diploma; v. também o artigo 3.º do Tratado Orçamental).
No tocante à redução da dívida pública, com o encerramento do PDE inicia-se um período transitório de três anos (2016-2018) que antecede a aplicação da regra de correção do excesso de dívida ao ritmo de 5% ao ano (cfr. o artigo 10.º-G da LEO). Durante esse período, e em ordem a progredir satisfatoriamente na redução do rácio da dívida, o saldo orçamental estrutural deve ser ajustado de acordo com certos critérios quantitativos (cfr., em especial, o ponto 4.4., pág. 12 e seguintes, do Relatório do Conselho de Finanças Públicas n.º 3/2014 – Análise do Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018).
Confirma-se, por conseguinte, a ideia já afirmada na minha declaração de voto junta ao Acórdão n.º 413/2014 de que «o termo do PAEF não ç um “ponto de chegada”, mas antes simples “estação” num caminho (longo) em direção à situação orçamental sustentável. E, até lá, a liberdade conformadora do legislador orçamental encontra-se – ou continua – fortemente limitada» (cfr. o respetivo n.º 1.1.). Na verdade, os interesses conexionados com a redução do défice orçamental e com a redução da dívida pública – que, aliás, o presente acórdão também não deixa de reconhecer (cfr. o início dos respetivos n.os 13 e 17) – estão suficientemente identificados e quantificados, e constituem, pela sua importância no plano da economia nacional e da integração europeia, interesses públicos de primeira grandeza suscetíveis de fundarem políticas públicas de médio e longo prazo adequadas à sua prossecução. De resto, isso mesmo é confirmado, a

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propósito da análise do Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018 (DEO 2014-2018), por um órgão técnico independente, como o Conselho de Finanças Públicas (cfr. Relatório cit., p. ii): «[O]s objetivos orçamentais traçados pelo DEO/2014 são adequados ao estado das finanças públicas e da economia. A necessidade de prosseguir na rota de consolidação orçamental e de continuar a melhorar os resultados alcançados durante a vigência do programa de assistência financeira é indiscutível.» Sublinhe-se, por outro lado, que o referido balanço das perspetivas macroeconómicas de Portugal também não pode deixar de relevar ao nível de eventuais expetativas quanto a uma rápida reversão de medidas impositivas de sacrifícios de natureza transitória: nesse plano, e uma vez mais, não só o terminus do PAEF não é sinónimo de regresso ao statu quo ante, como ainda há que percorrer várias outras etapas no processo de ajustamento (pelo menos: encerramento do PDE em 2015, consecução do OMP em 2017 eaproveitamento racional do período transitório pós-PDE de 2016 a 2018). Acresce que inexiste qualquer evidência – aliás, bem pelo contrário, a dar crédito à posição assumida pelo Conselho de Finanças Públicas – de que o esforço inerente àquela opção político-orçamental seja, em si mesmo considerado, inadequado ou excessivo. 2. As razões justificativas da mencionada opção político-orçamental e do seu recorte específico são enunciadas no DEO 2014-2018 nos seguintes termos (cfr. pp. 39-40): «Tendo assegurado a conclusão formal do 11.º exame regular, a preparação do Documento de Estratégia Orçamental para o período pós-Programa implicou uma reavaliação das perspetivas de médio-prazo em termos de política orçamental. Esta reavaliação assentou, em particular, na importância de iniciar a reversão de medidas de carácter transitório, executadas num contexto de emergência financeira Tendo em conta os compromissos assumidos no quadro europeu e a importância de garantir a sustentabilidade das finanças públicas, a questão principal residiu na determinação do espaço orçamental disponível para iniciar o processo de reversão, atendendo a dois pressupostos-chave: (i) a compensação do impacto orçamental da decisão de forma a cumprir o limite para o défice em 2015; e (ii) a opção por medidas de carácter permanente para assegurar a continuidade do ajustamento no futuro.
Neste contexto foram tomadas as opções que se seguem.
(i) Reversão da redução remuneratória nas APs Desde 2011, os trabalhadores do sector público têm a sua remuneração reduzida pela aplicação de uma taxa progressiva, gerando assim um quadro no qual os trabalhadores com salários mais baixos são protegidos e os trabalhadores que auferem remunerações mais elevadas são chamados a contribuir com um maior esforço para a consolidação orçamental. A aplicação destas reduções deve ser de carácter transitório, uma vez que introduziu uma distorção excessiva entre trabalhadores menos qualificados e aqueles com maiores qualificações e responsabilidades.
A disciplina orçamental exige que a massa salarial das Administrações Públicas (APs) permaneça contida.
Porém, a redução no número de funcionários públicos que tem ocorrido por força da reduzida taxa de substituição das aposentações e da execução de programas de rescisões por mútuo acordo, permitiu e continuará a permitir a redução da massa salarial por efeito quantidade. Assim, cria-se espaço orçamental para reverter de forma gradual a medida de redução remuneratória atualmente em vigor, sem que tal resulte da massa salarial agregada nas APs.
Deste modo, o aumento de eficiência e de produtividade na APs, traduzido na prestação de serviços eficientes e de qualidade com menos recursos, refletindo também o investimento na desmaterialização de processos, centralização de serviços e racionalização de procedimentos, reverterá em benefício também dos trabalhadores das APs.
Nesses termos, o Governo aprovou, e pretende discutir com os representantes dos trabalhadores, a reversão gradual das reduções remuneratórias, tendencialmente num horizonte de cinco anos. Em particular, prevê-se: • Para 2015, a reversão de 20% da taxa de redução aplicada atualmente; • A partir de 2016, a manutenção do valor da massa salarial das APs, com os efeitos da diminuição do número de efetivos e outros ganhos de eficiência a condicionar o ritmo da reversão da redução remuneratória.»

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É esta a razão fundamental quer para a unidade e incindibilidade do programa normativo dos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 264/XII, quer para a indeterminação relativa do ritmo da reversão da redução remuneratória a partir de 2015. De qualquer modo, é de ressaltar a garantia de uma reversão total no prazo máximo de quatro anos, a qual é reforçada pelo reconhecimento expresso do efeito de distorção associado à medida de redução remuneratória aplicada desde 2011 aos trabalhadores das Administrações Públicas. Com efeito, resulta da interpretação conjugada daqueles dois preceitos, e considerando ainda a transitoriedade expressamente afirmada no artigo 1.º, que: (i) A redução remuneratória aplicável aos trabalhadores em causa – e que tem um figurino semelhante ao estabelecido no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 e dezembro (LOE 2011) – pode vigorar durante os restantes meses do corrente ano de 2014 e até ao fim de 2018; (ii) Em 2019 tal redução remuneratória não será aplicada; (iii) Os orçamentos do Estado de 2015 a 2018 deverão fixar uma percentagem de reversão da mesma redução remuneratória em função da disponibilidade orçamental, sendo que a percentagem aplicável em 2015 deverá ser de 20%. Por outro lado, a propósito do teste da necessidade ou indispensabilidade da medida aferida com referência à respetiva proporcionalidade, o Governo salienta o seguinte na Nota Técnica junta ao presente processo (v. p. 77): «[Para a consecução da] redução sustentada do défice e da despesa pública nos termos acordados com as instâncias internacionais, que permita assegurar o financiamento do Estado português[,] não sobra outra alternativa viável ao legislador, que não passe pela redução das remunerações do universo dos trabalhadores, agentes e titulares de cargos públicos que aufiram rendimentos através de verbas públicas. As alternativas que, no plano hipotético, se poderiam divisar implicariam um aumento da carga fiscal – que, entretanto, atingiu níveis que dificilmente podem ser ultrapassados sem consequências nefastas para a economia, designadamente para o aumento do desemprego – ou a redução da despesa pública (que deixasse intocados salários e pensões), o que só se imagina possível – atendendo aos valores necessários – com uma afetação séria da qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos». Esta estimativa quanto ao nível da carga fiscal é, além disso, expressamente corroborada na parte conclusiva do mencionado Relatório do Conselho de Finanças Públicas n.º 3/2014 (p. ii): «A definição e o cumprimento de limites de despesa é essencial para assegurar a estabilidade e sustentabilidade das finanças públicas, sobretudo quando o país esgotou o espaço para o crescimento da dívida pública e da carga fiscal e tem de contar com investimento privado de qualidade, virado para os sectores transacionáveis e para o aumento da produtividade, com vista a concretizar a estratégia que o DEO/2014 corretamente enuncia.» 3. Atentas as mencionadas justificações, e considerando de modo particular a imprevisibilidade para além de certos limites da evolução da economia, não pode deixar de se considerar a medida de reversão das reduções remuneratórias aplicadas aos trabalhadores das Administrações Públicas como suficientemente caracterizada, fundamentada e balizada: a mesma tem um termo inicial e um termo final definidos; e tem igualmente um sentido geral que só não é mais densificado, nomeadamente no que se refere ao ritmo da reversão da redução remuneratória durante o triénio 2016-2018, por razões de prudência relacionadas com a necessidade de assegurar a contenção do valor da massa salarial a suportar por aquelas entidades, que são atendíveis e, em si mesmas consideradas, também são razoáveis. Na verdade, sendo o objetivo da política de emprego público (com a necessária projeção orçamental no médio e longo prazo) a reversão da redução remuneratória aplicada aos trabalhadores das Administrações Públicas sem, ao mesmo tempo, aumentar o valor da respetiva massa salarial, torna-se evidente a interdependência entre o ritmo da reversão da redução remuneratória e a diminuição do número de efetivos e outros ganhos de eficiência, conforme explicitado no DEO 2014-2018: o espaço orçamental para a reversão das reduções remuneratórias é criado em função da «redução da massa salarial por efeito quantidade» imputável àqueles dois fatores. Existe ainda um incentivo

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legal forte no sentido de os órgãos superiores das Administrações Públicas acelerarem o processo do seu redimensionamento no respeitante ao número de efetivos e aos mencionados ganhos de eficiência, já que em 2019 a lei prevê a cessação das reduções remuneratórias.
Comparando com a situação atual, e que dura desde 2011 devido às sucessivas renovações em leis orçamentais, verifica-se que o legislador, reconhecendo embora a subsistência de um quadro de necessidade de redução urgente da despesa pública, se compromete com um dado horizonte temporal para fazer cessar a política de redução das remunerações dos trabalhadores das Administrações Públicas. Atentos os diversos fatores condicionantes da reversão de tal política – os quais em larga medida escapam ao controlo do legislador –, não se afigura desrazoável salvaguardar alguma flexibilidade quanto ao ritmo a observar na concretização da mesma reversão.
Pelo exposto, não parece que o grau de indeterminação que caracteriza o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto n.º 264/XII se deva ter por excessivo. Tal indeterminação, além de balizada pelos termos inicial e final da reversão das reduções remuneratórias, encontra a sua razão de ser – que é objetivamente justificada – no interesse público de contenção do valor da massa salarial das Administrações Públicas ao nível atual até dezembro de 2018. 4. No que se refere à persistência de reduções remuneratórias aplicáveis por força da lei aos trabalhadores das Administrações Públicas, durante os restantes meses do corrente ano de 2014 e, possivelmente, até ao final de 2018, e à sua avaliação à luz do princípio da igualdade, mantenho que o Tribunal Constitucional, ao efetuar o juízo correspondente com base no artigo 13.º da Constituição, está habilitado a escrutinar tanto a racionalidade do fundamento invocado pelo legislador para conferir a diferentes grupos de cidadãos tratamentos jurídicos diversos, quanto a, mais intensamente, a razoabilidade da medida da diferenciação (cfr.
a declaração de voto conjunta feita no Acórdão n.º 187/2013). No primeiro caso, aplicável a diferenças de tratamento de menor intensidade e afetando grupos de pessoas em razão de determinadas situações, o princípio da igualdade vale, sobretudo, como proibição do arbítrio, cujo respeito é controlado com base num critério de evidência (a desigualdade é proibida, caso não se funde num qualquer fundamento racional e objetivo); no segundo caso, aplicável a diferenciações jurídicas mais intensas que atingem grupos de pessoas em razão de aspetos pessoais ou que interferem com a respetiva autonomia pessoal, o princípio da igualdade vale como proibição de tratamento desigual na ausência de uma justificação substancial e objetiva (a desigualdade é permitida se e na medida em que se mostre justificada com base num fundamento substancial e objetivo). O controlo do respeito do princípio da igualdade implica, então, um juízo de proporcionalidade destinado a verificar: (i) se o fim – interno (consideração de diferenças objetivas preexistentes invocadas para justificar a diferenciação jurídica estabelecida) ou externo (criação de diferenças de tratamento pelo próprio legislador em vista de certo fim, determinando ele próprio a espécie e o peso de tais diferenças) – visado pela desigualdade de tratamento é legítimo; (ii) se tal desigualdade é adequada e necessária para a prossecução desse fim; e (iii) se existe uma justa medida ou equilíbrio entre a importância do fim prosseguido e a extensão da diferenciação jurídica (sobre a aplicação do princípio da igualdade na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão e as insuficiências da formulação da chamada “Nova Fórmula”, cfr. a síntese de Pieroth, Schlink, Kingreen e Poscher, Grundrechte – Staatsrecht II, 29. Aufl., C.F. Müller, Heidelberg, 2013, Rn. 470 e ss., pág. 113 e ss.).

4.1. Em vista do fim visado pelo autor das normas dos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 264/XII – recorde-se: a consolidação orçamental por via da manutenção do valor da despesa com pessoal –, as reduções remuneratórias em apreciação, na sua generalidade, não podem ser consideradas arbitrárias, já que, para aqueles efeitos, os rendimentos com origem em verbas públicas se distinguem essencialmente dos rendimentos com outras origens – justamente porque se trata de rendimentos provenientes do orçamento do Estado, o seu aumento ou diminuição repercute-se imediatamente no nível da despesa pública – sendo a sua diminuição, por isso, adequada àquele objetivo (cfr. os Acórdãos n.os 396/2011, 353/2012 e 187/2013).

4.2. Contudo, tais razões já não valem prima facie em relação àquelas pessoas que tenham um vínculo com entidades abrangidas na enumeração do artigo 2.º, n.º 9, do Decreto n.º 264/XII, mas cujas remunerações, não sendo pagas por via do orçamento do Estado, também não relevem como despesa

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pública. Nesses casos, a redução das remunerações não contribui para a consolidação orçamental por via da redução da despesa pública e, consequentemente, tão-pouco contribui para o esforço de redução da dívida pública. É o que sucede, por exemplo, com os gestores públicos e os trabalhadores de empresas públicas abrangidos, respetivamente, pelas alíneas o) e r) do citado preceito, desde que as empresas em que exerçam funções: (i) sejam qualificáveis como «produtor mercantil», nos termos e para os efeitos do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (cfr. quanto ao SEC 95, o Regulamento (CE) n.º 2223/96 do Conselho, de 25 de junho, Anexo A, ponto 2.68; e quanto ao SEC 2010, o Regulamento (UE) n.º 549/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio, Anexo A, ponto 20.05); e (ii) não tenham sido «reclassificadas», conforme previsto no artigo 2.º, n.º 5, da LEO.
A falta de adequação entre a redução remuneratória aplicada a essas pessoas e o fim invocado pelo legislador para a justificar inculca que tal medida, nessa parte, não possa deixar de ser tida como arbitrária.
Porém, como este aspeto implica ponderações e desenvolvimentos distintos dos realizados nos Acórdãos n.os 396/2011, 353/2012, 187/2013 e 413/2014 e o pedido fiscalização preventiva da constitucionalidade se reporta apenas à suscetibilidade de violação de princípios e normas constitucionais – como, entre outros, o princípio da igualdade – «tal como resulta da interpretação que destes princípios vem sendo feita pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial nos acórdãos n.º 353/2012, n.º 187/2013 e n.º 413/2014» (cfr. o n.º 4.º do requerimento), entendo que, sob pena de violação do princípio do pedido, tal matéria não deve ser objeto de decisão no presente processo. 4.3. Quanto à avaliação da razoabilidade da medida de diferenciação, e considerando como termo de comparação único a proveniência (pública/não pública) dos rendimentos, verifica-se não ser possível determinar objetivamente a medida da diferença e, por conseguinte, o limiar a partir do qual o “limite do sacrifício” de quem ç tratado diferenciadamente se pode considerar ultrapassado.
Prosseguindo o fim de interesse nacional de redução da despesa pública – a consolidação orçamental pelo lado da despesa –, o legislador decidiu diminuir os rendimentos de quem recebe por verbas públicas, criando ele próprio uma desigualdade (sucedendo que os demais cidadãos não podem sequer ser afetados por tais medidas, sendo-o embora, e porventura juntamente com alguns que fazem parte do primeiro grupo, afetados por muitas outras medidas igualmente destinadas à consolidação das contas públicas). Simplesmente, dada a diversidade de medidas adotadas em ordem à consolidação orçamental e o diferente modo como todos foram por elas atingidos, não é possível estabelecer comparações e, consequentemente, aferir da razoabilidade de eventuais diferenças de tratamento.
Aliás, como notam os Autores acima referidos – ob. cit., Rn. 473 e 474, pág. 114 –, estando em causafins externos, «a justificação [para a diferença de tratamento jurídico] não pode localizar-se nas próprias diferenças [criadas pelo legislador], mas tão só nos fins por ele prosseguidos com tal diferenciação». Mais: a avaliação do teste da necessidade ou indispensabilidade da medida acaba por desempenhar, nos casos em que a diferença é criada pela própria medida legislativa – e independentemente de se tratar de uma diferenciação estabelecida in melius ou in peius –, um papel menos relevante do que o que lhe pertence na avaliação da proporcionalidade de restrições a direitos, liberdades e garantias, já que, para o fim visado pelo legislador – um fim externo, portanto –, existem por via de regra múltiplas alternativas que afetam de modo diverso as pessoas integradas num ou noutro dos grupos que resultam da aplicação daquela medida. Em tais situações, será suficiente para formular um juízo negativo sobre a violação do princípio da igualdade que não se divise uma alternativa à medida diferenciadora que, sendo igual ou menos onerosa para o Estado, seja cumulativamente: (i) mais eficaz na prossecução do fim visado; e (ii) menos prejudicial para o grupo de pessoas desfavorecido em consequência da diferenciação jurídica em análise (cfr. Autores cits., ob. cit., Rn.
475, pág. 114).
Ora, no caso sujeito não se vislumbra uma alternativa que cumpra todas essas condições. Vale, por isso, também aqui a consideração feita na declaração conjunta anexa ao Acórdão n.º 187/2013 (cfr. o respetivo n.º 6): «[A maioria entende que] ao aumentar a carga fiscal, e logo, a universabilidade dos encargos (que passam assim a ser repartidos de forma mais generalizada por todos os contribuintes) mas ao persistir em sobrecarregar adicionalmente os que recebem por verbas públicas, o legislador estará a desconsiderar a

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igualdade “externa” que une tanto uns como outros cidadãos, excedendo com isso a justa medida em que se deveria comportar o sacrifício sofrido pelos trabalhadores públicos e pensionistas.
[»] [Simplesmente, com este argumento] – que serve para que se responda negativamente à questão de saber se a medida legislativa se inclui ainda nos “limites do sacrifício” – o Tribunal atribuiu-se uma competência (de aferir a “justa medida” da diferença a partir de uma situação de igualdade a priorística que considera como um dado vinculante) que, segundo cremos, deveria caber ao legislador. É que, como já vimos, não é este um domínio em que a Constituição proíba a priori o estabelecimento de diferenças entre as pessoas, seja tendo em linha de conta o seu critério (pagos ou não pagos por verbas públicas), seja tendo em linha de conta o seu fim (redução da despesa pública por razões de equilíbrio orçamental).» Pedro Machete

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PROJETO DE LEI N.O 645/XII (3.ª) PRIMEIRA ALTERAÇÃO AO REGIME DO SEGREDO DE ESTADO E ALTERAÇÃO AO CÓDIGO PENAL Exposição de motivos

A Assembleia da República aprovou a Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, que estabelece o Regime do Segredo de Estado e procede à vigésima primeira alteração ao Código de Processo Penal e à trigésima primeira alteração ao Código Penal e revoga a Lei n.º 6/94, de 7 de abril.
Tratando-se de matéria no âmbito da qual se torna imperativo estabelecer um justo equilíbrio entre a salvaguarda de direitos, liberdades e garantias e outros interesses fundamentais do Estado promoveu-se e garantiu-se um aprofundado diálogo que permitiu assegurar um amplo consenso no processo de deliberação parlamentar.
Por outro lado, no plano da separação e da interdependência constitucionalmente estabelecidas, o novo regime do segredo de Estado foi objeto de efetiva cooperação institucional entre Presidente da República e Assembleia da República, nestes termos assegurando as melhores condições com o objetivo de garantir o aperfeiçoamento do regime jurídico em apreciação. No contexto da interdependência, no ato de promulgação da Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, Sua Excelência o Presidente da República remeteu uma mensagem à Assembleia da República através da qual manifesta a necessidade promover uma alteração, em si mesma equivalente à intenção do legislador, mas que considerou dever materializar-se de forma expressa para evitar equívocos futuros e assim garantindo o aprofundamento da segurança jurídica em matéria sensível, nomeadamente ficando expressamente estabelecido na lei o âmbito da atuação do Primeiro-Ministro em matéria de desclassificação do segredo de Estado.
Sua Excelência o Presidente da República, considera ainda que a salvaguarda da segurança jurídica ao nível penal ficará melhor acautelada se o articulado da lei não deixar qualquer dúvida de que o tipo do crime de violação de segredo de Estado apenas poderá estar preenchido quando estejam em causa condutas que envolvam a perigosa revelação de informações, factos ou documentos, planos ou objetos previamente classificados como segredo de Estado nos termos do respetivo regime jurídico tal como resulta estabelecido na lei do segredo de Estado.
Neste enquadramento, considerando as apreciações referenciadas e mais considerando a total pertinência das preocupações manifestadas pelo Chefe de Estado, vimos dar concretização às alterações adequadas à

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clarificação das soluções legislativas estabelecidas na Lei que aprova o regime do segredo de Estado e também no âmbito do Código Penal. Assim, nos termos constitucionais e regimentais, os Deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º Alteração ao Regime do Segredo de Estado, aprovado pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto

O artigo 6.º do Regime do Segredo de Estado aprovado pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 6.º

(»)

1. [»].
2. Apenas tem competência para desclassificar matérias, documentos ou informações sujeitos ao regime do segredo de Estado a entidade que procedeu à respetiva classificação definitiva e, no caso dos Vice Primeiros-Ministros e dos Ministros, estes ou o Primeiro-Ministro.»

Artigo 2.º Alteração ao Código Penal

O artigo 316.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, e alterado pela Lei n.º 6/84, de 11 de maio, pelos Decretos-Leis n.os 101-A/88, de 26 de março, 132/93, de 23 de abril, e 48/95, de 15 de março, pelas Leis n.os 90/97, de 30 de julho, 65/98, de 2 de setembro, 7/2000, de 27 de maio, 77/2001, de 13 de julho, 97/2001, 98/2001, 99/2001 e 100/2001, de 25 de Agosto, e 108/2001, de 28 de novembro, pelos Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pelas Leis n.os 52/2003, de 22 de Agosto, e 100/2003, de 15 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, e pelas Leis n.os 11/2004, de 27 de março, 31/2004, de 22 de julho, 5/2006, de 23 de fevereiro, 16/2007, de 17 de abril, 59/2007, de 4 de setembro, 61/2008, de 31 de outubro, 32/2010, de 2 de setembro, 40/2010, de 3 de setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, 56/2011, de 15 de novembro, 19/2013, de 21 de fevereiro, e 60/2013, de 23 de Agosto, e pela Lei Orgànica n.º »/2014, de » de Agosto, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 316.º (»)

1- Quem, pondo em perigo interesses fundamentais do Estado Português, transmitir, tornar acessível a pessoa não autorizada, ou tornar público, no todo ou em parte, e independentemente da forma de acesso, informação, facto ou documento, plano ou objeto classificados como segredo de Estado que devem, em nome daqueles interesses, manter-se secretos é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2- (»).
3- (»).
4- (»).
5- (… ).
6- (»).«

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Artigo 3.º Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de S. Bento, 13 de Agosto de 2014 Os Deputados, Teresa Leal Coelho (PSD) — Luís Montenegro (PSD) — Nuno Magalhães (CDS-PP)

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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