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Sábado, 7 de Fevereiro de 2004 II Série-B - Número 17

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

S U M Á R I O

Votos (n.os 128 a 130/IX):
N.º 128/IX - De protesto contra as condições em que se encontram 600 prisioneiros na base militar de Guantanamo (apresentado pelo PCP).
N.º 129/IX - De pesar pelo falecimento do cineasta José Álvaro Morais (apresentado pelo PS).
N.º 130/IX - De protesto pelas afirmações produzidas pelo porta-voz do CDS-PP, António Pires de Lima, em relação ao ex-Presidente da República e ex-Primeiro-Ministro e actual Eurodeputado, Mário Soares (apresentado pelo PS).

Apreciação parlamentar n.º 70/IX:
Requerimento do PCP solicitando a apreciação pela Assembleia da República do Decreto-Lei n.º 325-A/2003, de 29 de Dezembro.

Petição n.º 76/VIII (3.ª) (Apresentada por "Pais para Sempre", Associação para a Defesa dos Filhos e dos Pais Separados, solicitando que a Assembleia da República proceda à alteração de alguns diplomas legais, designadamente o Código Civil, a Organização Tutelar de Menores e a Lei de Protecção da Maternidade e da Paternidade):
- Relatório final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

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VOTO N.º 128/IX
DE PROTESTO CONTRA AS CONDIÇÕES EM QUE SE ENCONTRAM 600 PRISIONEIROS NA BASE MILITAR DE GUANTANAMO

Desde há longos meses que o mundo civilizado assiste atónito e indignado à reclusão de mais de 600 prisioneiros na base militar norte-americana de Guantanamo em condições ofensivas dos mais elementares direitos humanos.
Segundo relatos da imprensa nacional e internacional e das organizações humanitárias, estes prisioneiros, alguns dos quais ainda crianças, encontram-se aprisionados em jaulas como se de animais se tratasse, são submetidos a práticas de tortura, não sabem sequer do que são acusados, não dispõem de quaisquer meios de defesa, não gozam de quaisquer direitos, e estão sujeitos a tribunais militares que os podem inclusivamente condenar à morte.
Esta situação tem vindo a suscitar um protesto generalizado das organizações de defesa dos Direitos Humanos em todo o mundo, de diversas personalidades, e tem sido impugnada junto de diversos tribunais, incluindo o Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos da América.
Nestes termos, a Assembleia da República, correspondendo ao sentido de Justiça, de Humanidade e de respeito pelos Direitos Humanos que é comum à generalidade dos cidadãos portugueses,

1. Repudia a total ausência de direitos e a situação desumana em que se encontram os mais de 600 prisioneiros do campo de concentração de Guantanamo.
2. Apela às autoridades dos Estados Unidos da América para que respeitem os direitos humanos desses prisioneiros e lhes garantam um tratamento que respeite a dignidade da pessoa humana, bem como a possibilidade de dispor de meios de defesa judiciária e de ter um julgamento justo, de acordo com as regras básicas de um Estado de Direito.
3. Exorta o Governo Português a apoiar activamente todas as iniciativas políticas e diplomáticas que tenham como objectivo exigir das autoridades dos Estados Unidos da América o respeito pelos direitos humanos dos prisioneiros de Guantanamo.

Assembleia da República, 4 de Fevereiro de 2004. - Os Deputados do PCP: António Filipe - Bernardino Soares - Carlos Carvalhas - Lino de carvalho - Jerónimo de Sousa - Rodeia Machado.

VOTO N.º 129/IX
DE PESAR PELO FALECIMENTO DO CINEASTA JOSÉ ÁLVARO MORAIS

José Álvaro Morais, realizador de cinema e argumentista, faleceu aos 59 anos de idade. A morte surpreendeu-o no preciso momento em que a sua criação artística parecia finalmente ter alcançado condições estáveis de produção, com a conclusão de dois filmes justamente celebrados, "Peixe-Lua", de 2000, e "Quaresma", de 2003.
José Álvaro Morais nasceu em Coimbra, em 1945. Estudou Medicina, mas foi ao cinema que se consagrou, tendo frequentado e terminado, em Bruxelas, o curso de realização.
No seu conjunto, não é extensa a sua filmografia: entre 1976 e 2003, foi autor de seis filmes. Mas ela projecta um olhar próprio e incontornável sobre Portugal e sobre a arte e o cinema portugueses. "Ma Femme Chamada Bicho", documentário sobre Vieira da Silva e Arpad Szènes, é em si mesmo um diálogo entre linguagens e expressões artísticas. "O Bobo", galardoado no Festival de Locarno, ensaiava uma reflexão sobre a nossa própria história, reflexão situada no dia seguinte ao da Revolução dos Cravos. "Quaresma" imagina uma trama narrativa sobre as (im)possibilidades da comunicação interpessoal, a que a paisagem serrana, tão belamente restituída, confere um significado quase religioso.
Este mesmo filme, o último que devemos a José Álvaro Morais, foi exibido há poucos meses nas salas de cinema. Então, a recepção crítica foi muito favorável, multiplicando-se os comentários que assinalavam a maturidade artística do realizador e antecipavam a continuação de um projecto artístico pessoal que muito enriqueceria o cinema português. Até por isso, o falecimento prematuro do cineasta foi muito injusto, para ele próprio e para a nossa cultura.
Assim, a Assembleia da República exprime o seu pesar pela morte de José Álvaro Morais e exprime à sua família as mais sinceras condolências.

Assembleia da República, 5 de Fevereiro de 2004. - Os Deputados do PS: Augusto Santos Silva - António Braga - Cristina Granada - Fernando Cabral - Ana Benavente - Isabel Pires de Lima - Luís Fagundes - António Costa - Vicente Jorge Silva.

VOTO N.º 130/IX
DE PROTESTO PELAS AFIRMAÇÕES PRODUZIDAS PELO PORTA-VOZ DO CDS-PP, ANTÓNIO PIRES DE LIMA, EM RELAÇÃO AO EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA E EX-PRIMEIRO-MINISTRO E ACTUAL EURODEPUTADO, MÁRIO SOARES

O porta-voz do CDS-PP, António Pires de Lima, afirmou na passada sexta-feira, 30 de Janeiro, que o ex-presidente da República e primeiro-ministro Mário Soares, actualmente eurodeputado pelo PS, teve "um papel bastante irresponsável e até criminoso na forma como se procedeu à descolonização em Portugal após o 25 de Abril".
Ditas como foram por um alto responsável político da actual maioria governamental, estas afirmações constituem ofensas e insultos de uma gravidade sem precedentes que nenhum democrata digno desse nome nem as instituições representativas da República podem tolerar. Elas não ofendem apenas quem é reconhecido como uma das principais personalidades fundadoras do regime democrático e que o próprio autor das ofensas admite, aliás, fazer parte da nossa história. Elas ofendem precisamente essa história, ofendem a democracia, ofendem um património comum da luta contra a ditadura e contra o colonialismo que esteve na base da restauração democrática do 25 de Abril.

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Sejam quais forem as circunstâncias e a vivacidade do debate democrático, não é possível admitir que alguém com responsabilidades políticas tão elevadas na actual maioria governamental possa difamar, qualificando-o de "criminoso", o papel que Mário Soares terá assumido no processo de descolonização. A legitimidade das críticas e das divergências sobre a forma como essa descolonização decorreu não pode servir de pretexto para branquear os crimes e a opressão do colonialismo e da ditadura que oprimiu Portugal durante quase meio século.
Quaisquer que tenham sido as dificuldades da descolonização não podem ser separadas da forma como o colonialismo cego, retrógrado, suicida e criminoso da ditadura conduziu Portugal a uma situação política e militarmente insustentável. Sejam quais forem as diferenças de opinião entre quem perfilha o ideário democrático, não é de todo tolerável que se pretenda reescrever a história portuguesa à luz de teorias saudosistas, de uma ordem ditatorial, opressiva e colonialista que todos os verdadeiros democratas inapelavelmente condenam.
Por todas estas razões, a Assembleia da República exprime a sua mais veemente indignação e repúdio face às afirmações difamatórias que o porta-voz do CDS-PP, António Pires de Lima, proferiu contra Mário Soares, o património da República democrática, o 25 de Abril e a verdade histórica.

Assembleia da República, 5 de Fevereiro de 2004. - Os Deputados do PS: Vicente Jorge Silva - António de Almeida Santos - Alberto Martins - António Costa - José Sócrates - Pedro Silva Pereira - Augusto Santos Silva - José Magalhães - Guilherme d'Oliveira Martins - Teresa Venda - Maria do Rosário Carneiro.

APRECIAÇÃO PARLAMENTAR N.º 70/IX
DECRETO-LEI N.º 325-A/2003, DE 29 DE DEZEMBRO, QUE APROVA A ORGÂNICA DO INSTITUTO DE GESTÃO INFORMÁTICA E FINANCEIRA DA SAÚDE

A transformação do estatuto jurídico do Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde (IGIF) enquadra-se na política de privatização do Serviço Nacional de Saúde, através da progressiva retirada do Estado da prestação de cuidados de saúde, da redução dos direitos dos trabalhadores do sector, da imposição de critérios financeiros economicistas à gestão das unidades públicas de saúde ao mesmo tempo que se questionam na prática os princípios da universalidade e da gratuitidade tendencial que a Constituição consagra.
É isso que constatamos no decreto-lei referido e nos Estatutos do IGIF anexos (a).
Aí se consagra a regra do contrato individual de trabalho para os seus trabalhadores (a que se acrescenta a extinção de uma das delegações actuais do IGIF com as necessárias consequências para os respectivos funcionários) ou a possibilidade de transferir com a respectiva contrapartida, para entidades públicas ou privadas, a responsabilidade pela saúde de determinados universos de utentes.
Assim, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda do artigo 201.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados, abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP vêm requerer a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 325-A/2003, publicado no Diário da República n.º 299-I Série A, de 29 de Dezembro, Suplemento, que "Aprova a orgânica do Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde".

Assembleia da República, 29 de Janeiro de 2004. - Os Deputados do PCP: Bernardino Soares - Lino de Carvalho - António Filipe - Rodeia Machado - Jerónimo de Sousa - Honório Novo - Carlos Carvalhas - Bruno Dias - Luísa Mesquita - Odete Santos.

(a) Os anexos encontram-se publicados no Diário da República n.º 299-I Série A, de 29 de Dezembro, Suplemento.

PETIÇÃO N.º 76/VIII (3.ª)
APRESENTADA POR "PAIS PARA SEMPRE", ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DOS FILHOS E DOS PAIS SEPARADOS, SOLICITANDO QUE A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA PROCEDA À ALTERAÇÃO DE ALGUNS DIPLOMAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE O CÓDIGO CIVIL, A ORGANIZAÇÃO TUTELAR DE MENORES E A LEI DE PROTECÇÃO DA MATERNIDADE E DA PATERNIDADE

Relatório final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

A petição foi apresentada na 8.ª Legislatura, tendo sido admitida pela então Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família.
Está subscrita por 4600 peticionantes.

I - Fundamentação factual da petição
Os subscritores, invocando vários instrumentos legislativos nacionais e internacionais, e a situação em Portugal, no que toca ao aumento do número de divórcios e à situação dos filhos que vivem apenas com um dos progenitores,
Afirmando designadamente que a Criança, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão,
Vêm peticionar:

a) A substituição no texto da lei dos termos "poder paternal" e "direito de visita" por, respectivamente, "responsabilidade parental" e "tempos com";
b) A inscrição como padrão ou norma de "o exercício conjunto da responsabilidade parental" ficando a guarda única para todas as situações em que a manifesta incapacidade de um dos progenitores e/ou o superior interesse da criança o exija;
c) A promoção da mediação familiar como forma de obtenção de um acordo de Regulação do Exercício da Responsabilidade parental mais equilibrado, mais justo, mais adequado à realidade dos intervenientes, via a ser utilizada em substituição da conferência de pais;
d) A penalização da inviabilização dos tempos da criança com qualquer dos progenitores como crime contra a criança;

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e) A regulamentação de condicionantes às decisões de mudança de residência de um dos progenitores;
f) Formação específica e avaliação do magistrado, para o desempenho das funções específicas nos tribunais de família e de menores;
g) A revisão obrigatória das decisões provisórias nos processos de Regulação do Exercício da Responsabilidade parental, após a sua vigência durante 6 meses.

II - Fundamentação jurídica das medidas peticionadas
Invocam os peticionantes, nomeadamente, as seguintes convenções e tratados internacionais, e as seguintes leis portuguesas:

Constituição da República Portuguesa

"Artigo 36.º
(Família, casamento e filiação)
1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
6 - Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
7 - (...)

Artigo 68.º
(Paternidade e maternidade)

1 - Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
2 - A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.
3 - (...)
4 - (...)"

Convenção dos Direitos da Criança

"Artigo 9.º
(…)

1 - Os Estados partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada.
2 - Em todos os casos previstos no n.º 1 todas as partes interessadas devem ter a possibilidade de participar nas deliberações e de dar a conhecer os seus pontos de vista.
3 - Os Estados partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança.

Artigo 18.º
(…)

1 - Os Estados partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.
2 - Para garantir e promover os direitos enunciados na presente Convenção, os Estados Partes asseguram uma assistência adequada aos pais e representantes legais da criança no exercício da responsabilidade que lhes cabe de educar a criança e garantem o estabelecimento de instituições, instalações e serviços de assistência à infância.

Artigo 27.º
(…)

1 - Os Estados partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.
2 - Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança.
3 - Os Estados partes, tendo em conta as condições nacionais e na medida dos seus meios, tomam as medidas adequadas para ajudar os pais e outras pessoas que tenham a criança a seu cargo a realizar este direito e asseguram, em caso de necessidade, auxílio material e programas de apoio, nomeadamente no que respeita à alimentação, vestuário e alojamento.
4 - Os Estados partes tomam todas as medidas adequadas tendentes a assegurar a cobrança da pensão alimentar devida à criança, de seus pais ou de outras pessoas que tenham a criança economicamente a seu cargo, tanto no seu território quanto no estrangeiro. Nomeadamente, quando a pessoa que tem a criança economicamente a seu cargo vive num Estado diferente do da criança, os Estados partes devem promover a adesão a acordos internacionais ou a conclusão de tais acordos, assim como a adopção de quaisquer outras medidas julgadas adequadas."

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

"Artigo 23.º
(…)

1 - A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e terá o direito de ser protegida pela sociedade e pelo Estado.
2 - Será reconhecido o direito do homem e da mulher de, em idade núbil, contrair casamento e constituir família.

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3 - Casamento algum será celebrado sem o consentimento livre e pleno dos futuros esposos.
4 - Os Estados partes no presente Pacto deverão adoptar as medidas apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e responsabilidades dos esposos quanto ao casamento, durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução. Em caso de dissolução, deverão adoptar-se as disposições que assegurem a protecção necessária para os filhos."

Declaração Universal dos Direitos do Homem

"Artigo 25.º
(…)

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora de matrimónio, gozarão da mesma protecção social."

Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças
(concluída em 25 de Outubro de 1980)

"Artigo 1.º
(…)

A presente Convenção tem por finalidade

a) Assegurar o regresso imediato das crianças deslocadas ou retidas ilicitamente em qualquer Estado contratante;
b) Fazer respeitar efectivamente nos outros Estados contratantes os direitos de guarda e de visita vigentes num Estado contratante.

Artigo 3.º
(…)

A deslocação ou o não regresso de uma criança é considerado como ilícito:

a) Quando se verificou em violação de um direito de guarda ou de visita, atribuído a uma pessoa, uma instituição ou qualquer outro organismo, só ou conjuntamente, pelo direito do Estado no qual a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ou do seu não regresso; e
b) Que este direito era efectivamente exercido, só ou conjuntamente, no momento da deslocação ou do não regresso, ou onde seria exercido se estes factos não tivessem ocorrido."

O direito de guarda referido na alínea a) pode nomeadamente resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão judiciária ou administrativa, ou de um acordo em vigor segundo o direito deste Estado.

Carta dos Direitos Fundamentais
da União Europeia

"Artigo 24.º
Direitos das crianças

1 - As crianças têm direito à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade.
2 - Todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.
3 - Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses."

Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

"Artigo 8.º
(…)

1 - Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência."

Organização Tutelar de Menores

Prevista no Decreto-Lei n.º 314/78, já alterado por diversas vezes, destacando-se as alterações introduzidas pela Lei n.º 133/99, de 28 de Agosto, sendo de destacar, por dizerem respeito a matérias tratadas pelos peticionantes, os seguintes artigos:

"Artigo 147.º-B
Informações e inquéritos

1 - Para fundamentação da decisão, o juiz pode solicitar informações e a realização de inquérito com as finalidades previstas na lei.
2 - As entidades públicas e privadas têm o dever de colaborar com o tribunal, prestando as informações de que disponham e que lhes forem solicitadas.
3 - Só há lugar a inquérito nos processos e nos casos expressamente previstos no capítulo seguinte, quando a sua realização se revelar indispensável, nomeadamente se forem insuficientes as informações a que se refere o número anterior.

Artigo 147.º-C
Assessoria técnica complementar

1 - Em qualquer fase do processo tutelar cível, o juiz pode nomear ou requisitar assessores técnicos, a fim de assistirem a diligências, prestarem esclarecimentos, realizarem exames ou elaborarem pareceres.
2 - Quando o juiz nomear ou requisitar assessores que prestem serviços em instituições públicas ou privadas, devem estas prestar toda a colaboração, prevalecendo o serviço do tribunal sobre qualquer outro, salvo o caso de escusa justificada.
3 - Aos assessores podem ser opostos os impedimentos e recusas que é possível opor aos peritos em processo civil.

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Artigo 147.º-D
Mediação

1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, designadamente em processo de regulação do exercício do poder paternal, oficiosamente, com o consentimento dos interessados, ou a requerimento destes, pode o juiz determinar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação.
2 - O juiz homologa o acordo obtido por via de mediação se este satisfizer o interesse do menor.

Artigo 157.º
(Decisões provisórias e cautelares)

1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, o tribunal pode decidir, a título provisório, relativamente a matérias que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efectiva da decisão.
2 - Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.
3 - Para o efeito do disposto no presente artigo, o tribunal procederá às averiguações sumárias que tenha por convenientes.

Artigo 175.º
(Conferência)

1 - Autuado o requerimento ou a certidão, os pais são citados para uma conferência, que se realizará nos quinze dias imediatos, podendo o juiz autorizar a assistência do menor, tendo em atenção a sua idade e grau de maturidade; o juiz poderá também determinar que estejam presentes os avós ou outros parentes.
2 - Os pais são obrigados a comparecer pessoalmente sob pena de multa, apenas podendo fazer-se representar por mandatário judicial ou por seus ascendentes ou irmãos, com poderes especiais para intervir no acto, no caso de estarem impossibilitados de comparecer ou de residirem fora da comarca onde a conferência se realize.

Artigo 181.º
(Incumprimento)

1 - Se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até 50 000$00 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos.
2 - Autuado ou junto ao processo o requerimento, o juiz convocará os pais para uma conferência ou mandará notificar o requerido para, no prazo de dois dias, alegar o que tenha por conveniente.
3 - Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício do poder paternal, tendo em conta o interesse do menor.
4 - Não tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegaram a acordo, o juiz mandará proceder a inquérito sumário e a quaisquer outras diligências que entenda necessárias e, por fim, decidirá.
5 - Se tiver havido condenação em multa e esta não for paga no prazo de dez dias, será extraída certidão do processo, a remeter ao tribunal competente para execução."

III - Considerações prévias

A petição apresentada pela associação contém reivindicações similares às reivindicações de outras associações congéneres de outros países, como a Associação Francesa Allo Pappa - Allo Maman, cujas posições podem ser lidas nas audições a que a Assembleia Nacional Francesa procedeu a propósito da proposta de lei que viria a dar origem à lei de 4 de Março de 2002 que introduziu alterações às leis de família francesas.
As reivindicações correspondem àquilo a que Elisabeth Badinter chamou de Revolução Paternal [Ver da autora citada, "XY, a Identidade Masculina", traduzido para português pelas Edições ASA].
A revolução paterna nasce da entrada em massa das mulheres no mercado de trabalho, o que tem determinado uma cada vez maior necessidade de os pais se ocuparem também com os filhos.
Esta revolução, diz Elisabeth Badinter, "(...) hoje em dia apenas perceptível, deverá engendrar grandes transformações nas gerações vindouras e nomeadamente uma nova masculinidade, mais diversificada e mais subtil. Mas ela pressupõe relações do casal mais democráticas do que as que conhecemos actualmente, que não nascem da mera boa vontade dos indivíduos".
Analisando depois a resistência das mães à partilha da maternidade, Badinter afirma:
"(...) Para explicar a sua atitude de recusa, muitas mulheres invocam a incompetência dos maridos, que acabam por lhes dar mais trabalho do que o que lhes poupam. Mas, mais profundamente, elas sentem a sua preeminência maternal como um poder que não querem repartir, nem que o preço seja o esgotamento físico e psíquico. De facto, a sua atitude em relação ao empenhamento paterno pouco mudou nos últimos quinze anos. E pode admitir-se que não mudará substancialmente, enquanto o conjunto da sociedade não tiver ratificado uma nova distribuição dos poderes masculinos e femininos".
E continuando a citar Badinter
"(...) Estes pais que partilham as tarefas a 100%, sem qualquer distinção dos papéis, não são de todo representativos da realidade familiar actual [O livro foi editado em França em 1992]. Seria falso e desonesto deixar supor que os homens não passam de vítimas das mulheres que os impedem de 'paternar'. Ao lado de um certo número de pais que fariam, de bom grado, um pouco mais, subsiste um exército de homens que não sentem nem desejo, nem obrigação disso. Estes não são 'pais impedidos' pelas mulheres, mas os herdeiros do homem duro, que interdita a si próprio ser pai".

IV - Análise das propostas

a) A substituição no texto da lei dos termos "poder paternal" e "direito de visita" por, respectivamente, "responsabilidade parental" e "tempos com"

O termo "poder paternal" que ainda encontramos no Código Civil, na organização Tutelar de Menores, e noutra legislação avulsa, tem claros resquícios da era da família patriarcal, parecendo aconselhável a sua substituição. Outros ordenamentos jurídicos adoptaram a designação proposta pelos

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peticionantes, preferível à da autoridade patriarcal também adoptada por alguns países.
Já a substituição da expressão "direito de visita" está relacionada com a proposta seguinte, pelo que valem as considerações que a esse respeito se formulam.

b) A inscrição como padrão ou norma de "o exercício conjunto da responsabilidade parental" ficando a guarda única para todas as situações em que a manifesta incapacidade de um dos progenitores e/ou o superior interesse da criança o exija
b.1) Deve, em primeiro lugar, destacar-se a evolução do Direito de Família determinada pela reforma de 1977.
Na verdade, com o advento do 25 de Abril houve que alterar disposições como, entre muitas outras, as dos artigos 1881.º e 1882.º.
É que, se é certo que o artigo 1879.º estabelecia que a ambos os pais competia a guarda e regência dos filhos menores não emancipados, aqueles artigos distinguiam as funções e as competências do pai e da mãe.
Atribuindo exclusivamente ao pai, como chefe de família, funções como as de orientar a sua instrução e educação, as de autorizar o filho a exercer a profissão, arte ou ofício e a viver sobre si, como as de administrar os seus bens, como a de o defender e representar.
Enquanto a mãe, tinha o especial dever de velar pela sua integridade física e moral. Podendo ser ouvida (apenas) e participar em tudo o que dissesse respeito aos interesses do filho; e só podia desempenhar as mesmas funções do marido quanto ao filho e aos seus bens, sempre que aquele se encontrasse em lugar remoto ou não sabido, ou sempre que estivesse impossibilitado de exercer as funções por qualquer outro motivo.
Esses eram os tempos que podemos denominar da lei do pai em que se reservava às mulheres, unicamente, os cuidados com os filhos na área do governo doméstico.
Que para pouco mais se considerava a mulher capaz.
Sendo tanta a desconfiança, que o segundo marido da mãe viúva, quando esta fosse administradora dos bens do filho, era responsável solidariamente com ela pelos prejuízos resultantes da má gerência.
É aos tempos em que à mãe era especialmente reservado o dever de velar pela integridade física e moral dos filhos, (e também a séculos anteriores) que podemos ir buscar a explicação para o facto de, na grande maioria dos casos, ser ainda às mães que os tribunais atribuem (quantas vezes com o acordo dos pais) o poder paternal, ou, para utilizar a expressão dos peticionantes, a responsabilidade parental.
De resto, corresponde também a esse espírito o princípio 6.º da Declaração dos Direitos da Criança Adoptada pela Assembleia das Nações Unidas de 20 de Novembro de 1959 segundo o qual: "A criança precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade. Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais e, em qualquer caso, num ambiente de afecto e segurança moral e material; salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe. A sociedade e as autoridades públicas têm o dever de cuidar especialmente das crianças sem família e das que careçam de meios de subsistência. Para a manutenção dos filhos de famílias numerosas é conveniente a atribuição de subsídios estatais ou outra assistência".

A paridade quanto ao exercício da responsabilidade parental, em consequência da luta das mulheres pela igualdade, está hoje consagrada no Código Civil, quanto aos progenitores unidos pelo casamento.
Mas vejamos, mais em pormenor, o que dispõe actualmente o Código Civil, na parte em que os subscritores peticionam alterações.

1) Nos casos de pais casados, quando houver divórcio, separação judicial de pessoas e bens, separação de facto, ou quando o casamento for declarado nulo ou anulado.
O n.º 2 do artigo 1906.º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 84/95, de 31 de Agosto, já consagrava a possibilidade do exercício em comum do poder paternal, desde que os pais nisso acordassem.
No entanto, estabelecia como regra - vide o seu n.º 1 - que o poder paternal fosse exercido pelo progenitor a quem o filho fosse confiado.
A Lei n.º 59/99, de 30 de Junho, passou a consagrar o exercício em comum do poder paternal, nos mesmos termos do seu exercício na constância do casamento, desde que obtido o acordo dos pais. Isto logo no n.º 1 do artigo.
Remetendo para o n.º 2, o exercício do poder paternal apenas por um dos progenitores, na falta de acordo para a chamada guarda conjunta, devendo o tribunal fundamentar a decisão.
Assim, quer através da graduação em primeiro lugar da guarda conjunta quer através da reforçada exigência de fundamentação da decisão quando o poder paternal fosse atribuído apenas a um dos progenitores, reconheceu o legislador que, em princípio, o superior interesse do menor beneficiaria com o exercício em comum do poder paternal. Sujeitou, no entanto, tal solução ao acordo dos pais.
Assim, pode dizer-se que na lei portuguesa se encontra estabelecida uma presunção a favor da guarda conjunta desde que haja acordo dos pais.
O que acontece noutras legislações estrangeiras, algumas das quais adiante se citam. [vide ainda a lei do Estado da Califórnia, através da qual se inseriram no Código da Família vários artigos entre os quais o seguinte (Secção 3080- "Há uma presunção, afectando o ónus da prova, de que a custódia conjunta de uma criança, segundo a Secção 3011, é a que melhor respeita o superior interesse da criança, quando os pais tiverem acordado na mesma..." Esta citação parece interessante já que um elogio rasgado a esta lei surge por parte da Federação dos Movimentos da Condição Paterna (França) cujo site pode ser visitado em http://www.fmcp.org.]

2) Nos casos de pais separados não unidos pelo casamento.
O artigo 1911.º estabelece dois regimes.
Nos casos de pais que convivam maritalmente, o exercício do poder paternal pertence a ambos quando declararem perante o funcionário do registo civil ser essa a sua vontade.
Se não houver convivência marital, o exercício do poder paternal pertence ao progenitor que tiver a guarda do filho, presumindo-se - presunção ilidível - que é a mãe que tem a guarda do filho.
Em qualquer dos casos tem aplicação o regime previsto no artigo 1906.º do Código Civil.
Tendo o legislador consagrado a preferência pelo regime de guarda conjunta (que segundo outras legislações se chama de presunção) e apresentando-se, apesar disso, a petição, só pode concluir-se que os peticionantes pretendem que se estabeleça o exercício em comum do poder paternal ainda que não haja acordo dos pais.

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Podemos socorrer-nos do direito comparado, para verificarmos a resposta que tem vindo a ser dada àquilo a que Elisabeth Badinter chamou de revolução paternal.
Na verdade, nalguns países, entre os quais se encontram alguns Estados dos Estados Unidos da América e o Canadá, começaram a introduzir no seu ordenamento jurídico, aquilo a que chamaram a joint custody.
Solução que encontrou sustentáculo em opiniões de psicólogos e peritos em direito familiar, e em movimentos de pais separados que tal reivindicaram em nome do superior interesse da criança, e invocando as mutações sociológicas havidas no estatuto das mulheres.
No Relatório da Comissão dos Direitos da Mulher da Assembleia Nacional Francesa sobre a proposta de lei que deu origem à lei de 4 de Março de 2002 afirma-se: "O trabalho das mulheres que se generalizou nos anos 70, o domínio pelas mulheres da sua fecundidade com a difusão da contracepção e a legalização do aborto, a contestação de toda a autoridade, em particular da autoridade paterna (...) foram elementos determinantes no aniquilamento do papel do pai (...).
(...) Reacções a esta tendência apareceram nos últimos anos. Criaram-se associações de pais em defesa da condição paterna, contestando as decisões dos juízes.
Por sua vez, as mulheres trabalhadoras, assumindo a dupla jornada, apelam a uma melhor partilha das tarefas".
Tais transformações justificariam, segundo o relatório, um regime caracterizado, fundamentalmente, pela co-parentalidade que melhor serviria o superior interesse da criança.
Princípio que se traduz no exercício em comum da responsabilidade parental.
Será que pode dizer-se, com Elisabeth Badinter [Ver O Amor Incerto-História do Amor Maternal do século XVII ao século XX] que sob a pressão das mulheres, o novo pai exerce os cuidados paternos em pé de igualdade com a mãe?
As estatísticas do INE [Ver o estudo do Instituto Nacional de Estatística, Pais e Mães em Portugal revela que são sobretudo as mães a ver limitada a sua actividade profissional, devido aos cuidados com os filhos] revelam que são sobretudo as mães a ver limitada a sua actividade profissional, devido aos cuidados com os filhos.
b.2) Façamos uma breve resenha dos ordenamentos jurídicos de outros países europeus, nomeadamente de países europeus.

França
Como atrás se disse, em 4 de Março de 2002 a Assembleia Nacional Francesa aprovou uma nova lei que, sinteticamente, consagra o seguinte:

- Supressão do reconhecimento de residência habitual para a criança;
- A residência alternada, interdita até à lei referida, pode ser determinada pelo tribunal a requerimento de ambos os progenitores, a requerimento apenas de um contra a vontade do outro, ou mesmo contra a vontade dos dois, qualquer que seja a idade da criança;
- A autoridade parental é atribuída aos progenitores (vide o artigo 371-1 do Código Civil Francês, com a redacção dada por aquela lei de 4 de Agosto).
- A separação dos pais não tem qualquer incidência sobre as regras de devolução do exercício da autoridade parental (vide artigo 373-2 do Código Civil Francês).

O juiz pode, se o superior interesse da criança assim o aconselhar, estabelecer um regime de relacionamento com um terceiro, seja ou não seu familiar.
O Senado francês ao analisar a proposta elaborou um estudo sobre o sistema de outros países, de que aqui se dá breve conta, e ao qual se acrescentam informações colhidas do portal da União Europeia, na Internet.

Alemanha
Depois da reforma de 1997, a autoridade parental no caso de filho de pais não casados pertence conjuntamente aos dois progenitores se declararem que estão de acordo, ou se se casarem. Nos outros casos, a autoridade parental pertence à mãe.
Depois da reforma de 1997 o Código Civil passou a presumir que o superior interesse da criança determina o exercício conjunto da autoridade parental. No caso de separação de progenitores que exercem conjuntamente a autoridade parental, a situação só poderá ser alterada atribuindo-se a autoridade parental apenas a um dos progenitores, se ambos nisso acordarem ou se o superior interesse da criança o exigir.

Bélgica
A lei não estabelece qualquer diferença de regime jurídico em função da existência ou inexistência de vínculo matrimonial entre os progenitores.
No último caso, os pais exercem conjuntamente a autoridade parental, quando ambos tiverem reconhecido o filho mas só se coabitarem.
Segundo o artigo 374.º do Código Civil, em caso de separação dos progenitores, a autoridade parental não pode ser exercida conjuntamente. Só o progenitor que tiver a guarda do filho detém a autoridade parental.

Dinamarca
Quanto às crianças filhas de pais não casados, é a mãe que detém a autoridade parental, a qual só será exercida conjuntamente quando os progenitores nisso acordarem. Esta regra aplica-se quer haja coabitação entre os progenitores, quer não.
No caso de divórcio ou separação, a autoridade parental pode continuar a ser exercida conjuntamente se os cônjuges nisso acordarem. O exercício conjunto da autoridade parental não pode ser imposto aos pais que não o desejem.
Quanto às famílias recompostas, e no caso de a autoridade parental caber só a um os progenitores, a lei prevê a possibilidade de um acordo entre os pais para transferir a autoridade parental para o casal constituído pelo progenitor que detiver a autoridade parental e o cônjuge ou o seu companheiro.

Espanha
O Código Civil não estabelece distinção entre filhos de pais casados e filhos de pais não unidos pelo casamento.
Quando os progenitores tiverem, ambos, reconhecido a criança a autoridade parental é exercida pelos dois, conjuntamente se estiverem de acordo e se coabitarem.
No caso de separação dos pais, a autoridade parental é exercida pelo progenitor que tiver o filho na sua companhia. No entanto, o outro pode requerer ao tribunal que atribua a guarda conjunta. O juiz pode ainda partilhar entre os pais as funções inerentes à autoridade parental.

Grécia
Em regra, os progenitores têm em comum a responsabilidade parental, desde que sejam casados e enquanto se mantiver a coabitação.
Se uma criança nasce fora do casamento, e enquanto essa situação se mantiver a responsabilidade parental é exercida pela mãe.

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Nos casos de divórcio por mútuo consentimento, os cônjuges juntam um acordo relativo ao exercício da responsabilidade parental.
Nos casos de divórcio litigioso, qualquer dos cônjuges pode requerer que a responsabilidade parental seja atribuída a um só ou a ambos os cônjuges. O juiz decide segundo o que melhor convier à criança.

Holanda
Os pais casados um com o outro, detêm a responsabilidade parental em conjunto, o mesmo acontecendo com as uniões de facto registadas.
Depois da separação a guarda continua a ser conjunta a menos que um deles, ou os dois requeiram ao Tribunal que atribua só a um a responsabilidade parental.
A mãe e o seu marido adquirem automaticamente a responsabilidade parental, em comum, relativamente a uma criança nascida durante o casamento, ainda que o marido não seja o pai, desde que a criança não tenha outro familiar O mesmo se aplica se a mãe vive em união de facto com um companheiro que não é o pai da criança.
Quanto às outras situações, todos os que desejarem exercer conjuntamente a autoridade parental, devem fazer registar o seu acordo. Não havendo tal registo é a mãe quem exerce a autoridade parental.

Irlanda
Regra geral a responsabilidade parental pertence conjuntamente a ambos os progenitores enquanto coabitarem. Mas pode ser atribuída apenas à mãe, se aqueles não foram casados.
No caso de divórcio ou separação a responsabilidade parental é decidida por acordo entre os progenitores, ou por decisão do tribunal.
A guarda conjunta é normalmente atribuída pelo tribunal quando não existe contencioso entre os progenitores sobre as decisões relativas à autoridade parental.
Se o tribunal se decidir pela atribuição a um só dos progenitores da custódia da criança, o outro tem, no entanto, de ser envolvido na decisão sobre os assuntos mais importantes relativos à criança.
A atribuição da guarda conjunta pode também ser decidida, pelos pais através da mediação.

Itália
O Código Civil não distingue as situações em que os pais não são casados e aquelas em que os mesmos não são unidos pelo casamento.
A autoridade parental pertence ao progenitor que tenha reconhecido o filho e se ambos o tiverem reconhecido pertence conjuntamente aos dois, se houver coabitação. Se assim não acontecer pertence apenas ao progenitor que viver com o filho. E se não viver com nenhum, pertence àquele que primeiro o tiver reconhecido.
No caso de separação dos pais, a autoridade parental continua a pertencer aos dois, mas é exercida apenas por aquele que viver com o filho. No entanto a lei prevê que as decisões mais importantes são tomadas conjuntamente pelos pais.

Reino Unido
Quando os progenitores não são casados na altura do nascimento da criança a autoridade parental pertence apenas à mãe, mesmo que haja coabitação entre ambos.
O Children Support Act de 1991 obriga o pai natural, mesmo que não tenha a responsabilidade parental, a contribuir para as necessidades da criança.
O pai pode, no entanto, estabelecer um acordo com a mãe relativamente à responsabilidade parental. Na falta do mesmo, o pai pode requerê-la em Tribunal.
O Estudo do Senado Francês refere, no entanto, a preparação de uma iniciativa legislativa para modernização da justiça, na qual seria incluída disposição prevendo a atribuição da autoridade parental à mãe e ao pai não casados, quando este reconhecesse o filho na altura do nascimento.
Relativamente aos pais casados, no caso de divórcio, conservam os dois a autoridade parental, mesmo quando a guarda é confiada apenas a um, na maior parte dos casos à mãe.
No entanto, o estudo do Senado Francês anota que, na prática, a autoridade parental é efectivamente exercida apenas pelo progenitor que tem o filho à sua guarda.
No entanto, o outro progenitor poderá, com base na autoridade parental que também detém, opor-se:

À adopção da criança;
À mudança de nome;
À saída da criança do Reino Unido por um longo período.

Quanto às famílias recompostas, a lei estabelece que quando a mãe se torna a casar, o novo marido pode obter a autoridade parental se obtiver um mandado de residência em seu favor. O pai não perde, no entanto, a autoridade parental que partilha com a mãe da criança e o novo cônjuge.

Suécia
Se os progenitores não são casados, em princípio a guarda da criança pertence à mãe.
Mas os pais podem acordar na guarda conjunta. Bastando um simples procedimento de registo para ser esse o regime a vigorar.
Contudo, o pai pode requerer ao Tribunal a guarda conjunta, ou que a criança fique à sua guarda.
Se os pais são casados pertence-lhes a guarda conjunta, mesmo depois de separados.
Contudo, se um dos pais o requerer, o Tribunal, considerando o superior interesse da criança, pode determinar que a mesma fique apenas entregue a um dos pais.

b.3) A guarda conjunta tem, no entanto, sido alvo de críticas, mesmo por personalidades que, no início, se tinham declarado adeptas da solução, em nome do superior interesse da criança.
A guarda conjunta, se pode ser solução adequada para os progenitores que cooperam e se entendem, pode ser desastrosa para a criança, noutras situações, nomeadamente quando a família tem uma história de violência - dizem as vozes críticas.
Citamos, apenas como exemplo, a opinião entre muitas outras, de Judith Wallerstein, conceituada investigadora na área que estamos tratando, que refere:

"A guarda conjunta pode ajudar muito nas famílias onde foi escolhida voluntariamente. Mas não há nenhuma evidência de que um modelo serve para todos. Há com efeito muitas evidências de que diferentes modelos de guarda são desejáveis para diferentes famílias (...). Infelizmente, quando a guarda conjunta é imposta pelo tribunal às famílias lutando pela guarda das crianças, as piores consequências da luta recaem sobre o membro mais fraco da família - a infeliz e desamparada criança. As crianças podem sofrer, nesses casos, sérios danos psicológicos".
É assim, ainda, que o National Council Of Juvenile and Family Court Judges dos EUA (Instituição fundada em 1937 e que representa mais de 9000 juízes especializados em questões de família, se pronunciou no sentido de que as presunções e preferências a favor da Joint Custody afastam os tribunais da sua obrigação de proteger os interesses

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das crianças, e pressionam muito mais o juiz a impor a custódia conjunta, nos casos em que é manifestamente inadequada.
No Model Code (1994) on domestic and family violence [Pode ser consultado em http://www.azcadv.org/PDFs/model%20code.pdf], aprovado por aquele Conselho) recomendam os membros do Conselho que se estabeleça a presunção (ilidível) de que a custódia conjunta ou a custódia singular para o perpetrador de violência na família era contrária aos interesses da criança.

Aqui chegados convirá recordar os números da violência doméstica em Portugal.
Segundo esta APAV, Associação que presta apoio às vítimas de crimes, no 1.º semestre de 2003 houve 8914 crimes de violência doméstica, sendo que em 83% deles (8241) foram vítimas as mulheres.
Ora, durante todo o ano de 2002, também segundo a APAV, houve 18 587 crimes de violência doméstica (90,3% de todos os crimes) sendo que em 17 396 deles, as vítimas foram mulheres (em percentagem, em 84,5% dos crimes de violência doméstica, as vítimas eram do sexo feminino).
Sendo a violência doméstica um fenómeno que toca todos os países, como se salienta no Relatório da Organização Mundial de Saúde sobre a violência e a saúde , reportado a estudos efectuados no ano 2000, caberá aqui transcrever as preocupações da Associação dos Psicólogos Americanos relativamente à guarda das crianças [Ver "Violence and the family: Report of the APA Presidencial Task Force on violence and the family, cujo resumo pode ser consultado em http://www.apa.org/pi/pii/viol&fam.html]:
"Muitas mulheres maltratadas encontram-se em situações perigosas porque os Tribunais não dão crédito ou importância suficiente ao percurso de abusos por parte dos companheiros nas decisões relativas à guarda dos filhos e ao direito de visita (...).
(...) O abuso na altura e depois da separação é tão sério que os Tribunais devem prestar atenção às formas de salvaguardar a segurança das mulheres maltratadas. Investigadores referem que o uso da mediação não é apropriado quando se verifica violência na família. As decisões sobre a guarda das crianças e sobre o direito de visita devem ser tomadas com pleno conhecimento da história familiar sobre violência e sobre a potencialidade de perigo continuado, quer a criança tenha sido ou não fisicamente abusada. A maior parte dos advogados, juízes e outros operadores do sistema judicial não receberam formação na psicologia de violência e abuso na família"

c) A promoção da mediação familiar como forma de obtenção de um acordo de Regulação do Exercício da Responsabilidade parental mais equilibrado, mais justo, mais adequado à realidade dos intervenientes, vinha a ser utilizada em substituição da conferência de pais
A mediação familiar que surgiu pioneiramente nos EUA rapidamente se estendeu a outros países, como o Canadá.
Na Europa foi o Reino Unido o primeiro a introduzir a mediação (1976) Que a partir da década de 80 foi introduzida na França, Áustria, Alemanha, Bélgica, Finlândia, Itália, Polónia, Espanha Eslovénia, Noruega, Suécia e Andorra. Na Espanha surgem a primeiras iniciativas de mediação na década de 90.
Em Portugal, depois da criação em 1993 do Instituto Português de Mediação Familiar (da iniciativa conjunta de psicólogos, terapeutas familiares, magistrados e juristas) e da criação em 1997 da Associação Nacional para a Mediação Familiar - Portugal (constituída por magistrados, advogados, terapeutas familiares e psicólogos, todos eles com formação em mediação familiar) e com a celebração de um protocolo com a Ordem dos Advogados, surge o Despacho n.º 12 368/97 do Ministro da Justiça na concretização do projecto de investigação-acção "Mediação Familiar em Conflito Parental" através do qual foi criado "na dependência do Ministério da Justiça, de um gabinete destinado a assegurar a prestação de um serviço público de mediação familiar, em situações de divórcio e separação".
A Lei n.º 133/99, de 28 de Agosto, introduziu na Organização Tutelar de Menores o seguinte artigo, já atrás transcrito:

"Artigo 147.º-D
Mediação

1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, designadamente em processo de regulação do exercício do poder paternal, oficiosamente, com o consentimento dos interessados, ou a requerimento destes, pode o juiz determinar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação.
2 - O juiz homologa o acordo obtido por via de mediação se este satisfizer o interesse do menor."

Verifica-se, pois, que a mediação familiar não é obrigatória.
Ora, o que os requerentes pretendem, é que seja substituída a conferência de pais pela mediação. Ou seja: pretendem que a mediação familiar seja obrigatória.
Entendendo que, dessa forma, se obterá um acordo mais equilibrado e mais justo.
Mas será assim?
Importa, em primeiro lugar, referir que segundo a Recomendação n.º R (98) 1 do Comité de Ministros aos Estados-membros do Conselho da Europa sobre a Mediação Familiar, a mediação familiar não deverá, em princípio, ser obrigatória.
E aqui somos levados a inquirir das razões da não obrigatoriedade.
A Recomendação do Conselho da Europa acaba por dar implicitamente a resposta ao estabelecer no ponto ix do Cap.III.
"O mediador deverá dar uma atenção particular à questão de saber se houve violências entre as partes, ou se elas são susceptíveis de serem exercidas no futuro, e aos efeitos que elas poderão ter na situação das partes na negociação e examinar se, nessas circunstâncias, o processo de mediação é apropriado".

Não podemos deixar de relembrar o que já atrás se referiu relativamente à violência doméstica.
Salientando, do Relatório da Associação dos Psicólogos Americanos, o seguinte:
"O abuso na altura e depois da separação é tão sério que os Tribunais devem prestar atenção às formas de salvaguardar a segurança das mulheres maltratadas. Investigadores referem que o uso da mediação não é apropriado quando se verifica violência na família".

d) A penalização da inviabilização dos tempos da criança com qualquer dos progenitores como crime contra a criança
Já acima se transcreveu a disposição da Organização Tutelar de Menores que pune com multa o

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incumprimento por qualquer dos progenitores daquilo que tiver sido acordado ou que tiver sido decidido relativamente à autoridade parental. Podendo até ser fixada uma indemnização a favor da criança, ou do requerente, ou de ambos conjuntamente.
O que os peticionantes pedem é a criminalização desse incumprimento.
Hoje, há um determinado incumprimento que já se encontra criminalizado.
É o da falta de pagamento das pensões alimentares.
Mas mesmo assim, em circunstâncias muito especiais.
De facto, nos termos do artigo 250.º do Código Penal, o crime de violação da obrigação de alimentos é punido com pena de prisão até 2 anos, ou com pena de multa até 240 dias.
Mas é requisito do tipo de crime:

- Que o arguido esteja em condições de prestar alimentos;
- Que ponha em perigo a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a eles tenha direito.

Não basta, assim, o mero incumprimento.
Entende-se que o objectivo dos peticionantes é o de ser tipificado como crime o incumprimento no que toca ao que se chama o "direito de visita", e de outras obrigações para além da obrigação alimentar. Nomeadamente no que concerne ao local de residência.
Isto parecer contrariar os princípios do nosso Direito Penal que se apoiam na doutrina que defende o direito penal como um direito de intervenção mínima. Que decorre, de resto, do artigo 18.º da Constituição da República.
A este respeito refere o Professor Figueiredo Dias no seu livro Direito Penal Português - Parte Geral - II - As consequências jurídicas do crime ( Edição de 1993, página 84).
"O artigo 18.º-2 da CRP, por seu lado, deve porventura reputar-se o preceito político constitucional mais relevante de todo o texto constitucional:
(...) subordinando toda a intervenção penal a um estrito princípio de necessidade, ele obriga, por um lado, a toda a descriminalização possível; proíbe, por outro lado, qualquer criminalização dispensável, o que vale por dizer que não impõe, em via de princípio, qualquer criminalização em função exclusiva de um certo bem jurídico (...)".

Ainda na mesma obra, refere o professor Figueiredo Dias, o moderno paradigma emergente na política criminal, caracterizado pela ideia dominante da não intervenção.
"(...) para um eficaz domínio e controlo do crime, o Estado e o seu aparelho penal formalizado não devem fazer mais, mas menos".
"A ideia base da não intervenção, para que se torne prestável à configuração de um novo paradigma político-criminal, não há-de, pois, ser pensada em termos radicais de supressão do sistema formal de controlo, mas da sua limitação, o mais extensa possível".
Assinalando o movimento de descriminalização como um dos mais importantes e característicos da política criminal do nosso tempo, Figueiredo Dias assinala que, "Num Estado de Direito material, de cariz social e democrático, o direito penal só pode intervir onde se verifiquem lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre desenvolvimento e realização da personalidade de cada homem".
Acrescentando que desta proposição decorre que, "(…) mesmo quando uma conduta viole um bem jurídico, ainda os instrumentos jurídico-penais devem ficar fora de questão sempre que a violação possa ser suficientemente controlada ou contrariada por instrumentos não criminais de política social: a necessidade social torna-se em critério decisivo de intervenção do direito penal, assim arvorado em última ou extrema ratio da política social".
Daquela proposição decorrerá ainda, segundo Figueiredo Dias: "processos de neocriminalização só podem ser aceites e legitimados onde novos fenómenos sociais, anteriormente inexistentes ou muito raros, desencadeiem consequências comunitariamente insuportáveis e contra as quais se tenha de fazer intervir a tutela penal em detrimento de um paulatino desenvolvimento de estratégias não criminais de controlo social".
A este respeito recordaremos as palavras de Elisabeth Badinter, citadas no início deste relatório, sobre a necessidade da ratificação pela sociedade de uma nova distribuição dos poderes masculinos e femininos.
De onde decorrerá a necessidade de estratégias não criminais de garantia da igualdade efectiva entre os sexos.

e) A regulamentação de condicionantes às decisões de mudança de residência de um dos progenitores
A lei francesa de que vimos falando prevê:
(O Juiz) pode nomeadamente ordenar a inscrição no passaporte dos progenitores da interdição da saída da criança do território francês sem a autorização de ambos.

Relativamente às mudanças de residência prescreve a lei francesa:
Qualquer mudança de residência de um dos progenitores, desde que modifique as modalidades de exercício da autoridade parental, deve ser objecto de uma informação prévia e em tempo útil ao outro progenitor. Na hipótese de discordância, o progenitor mais diligente requer ao juiz que decida segundo o interesse da criança. O juiz reparte entre os progenitores as despesas de deslocação e ajusta em consequência, o montante da contribuição alimentar.

A 2.ª parte desta última disposição está já contemplada na Organização Tutelar de Menores. Sempre que houver alteração das circunstâncias que fundamentaram a decisão sobre a regulação do poder paternal, pode ser requerido ao tribunal que fixe um novo regime.
Relativamente à deslocação para o estrangeiro, a medida inscrita na lei francesa parece de difícil implementação na União Europeia, dado não ser exigível passaporte.
Por outro lado, a inscrição de condicionantes para toda e qualquer mudança de residência, como é peticionado, pode revelar-se excessivo e burocratizante.
Sendo ainda de ponderar o casos de violência doméstica que obrigam, quantas vezes à mudança de residência.

f) Formação específica e avaliação do magistrado, para o desempenho das funções específicas nos Tribunais de Família e de Menores
Sem prejuízo da necessidade de repensar os currículos do Centro de Estudos Judiciários, revisão que parece encontrar-se em curso, impõe-se referir

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que através do Decreto-Lei n.º 222/89 - Diário da República n.º 152/89 - Série I, de 5 de Julho de 1989, se estabeleceu o regime dos serviços de apoio social aos tribunais de menores, de família e de competência especializada mista.
Nem sempre os tribunais dispuseram do apoio necessário para decidir sobre o regime que melhor se adequaria ao superior interesse da criança.
Vendo esta reivindicação enquadrada por pretensões que se inscrevem na chamada revolução paternal, parece-nos interessante fazer nova citação de Elisabeth Badinter no seu Livro XY - A identidade masculina (que nem por ser uma reflexão sobre a realidade francesa, é menos verdadeira em Portugal):
"A maior parte dos pais divorciados não tem a tutela dos filhos. Aquando do divórcio, só uma minoria dos pais a requerem. Várias razões podem explicar este fenómeno (…). Os movimentos da condição paterna e masculina acusam unanimemente os juízes de sexismo, por confiarem sistematicamente as crianças pequenas às mães. Mas o mais provável é que a solução do modelo tradicional, que santifica a díade mãe/criança, receba o acordo conjunto do Juiz, do pai e da mãe. Ao pai não passa pela cabeça requerer a tutela e a mãe nem sequer imagina poder deixar-lha.
Por que não admitir que muitos pais não têm, pura e simplesmente, vontade de alterar o seu modo de vida, de perturbar a vida profissional e travar as suas ambições, para se ocuparem de uma criança pequena?"

g) A revisão obrigatória das decisões provisórias nos processos de Regulação da Responsabilidade parental, após a sua vigência durante 6 meses
Transcreveu-se, no início do relatório, a disposição do artigo 157.º da Organização Tutelar de Menores sobre decisões provisórias e cautelares.
Nos termos desse artigo, nada obsta a que a decisões provisórias e cautelares possam ser alteradas pelo tribunal, quando o entender conveniente.
Assim, qualquer necessidade de alteração das medidas tem de ser levada ao conhecimento do tribunal, pelos progenitores ou pelo Curador de Menores.
Tornar obrigatória a revisão das medidas de 6 em 6 meses, seguramente que ainda aumentaria a morosidade dos processos de regulação, referida pelos peticionantes.

Conclusões

1 - A petição tem de subir a Plenário para apreciação, uma vez que vem subscrita por mais de 4000 cidadãos (artigo 20.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 43/90, publicada no Diário da República I Série n.º 184, de 10 de Agosto de 1990, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 6/93 e 15/2003, publicadas respectivamente nos Diários da República I Série A n.º 50, de 1 de Março de 1993, e n.º 129, de 4 de Junho de 2003.
2 - As medidas peticionadas só podem efectivar-se através de iniciativa ou iniciativas legislativas.
3 - Não dispondo a Comissão do poder de iniciativa legislativa, caberá aos Deputados apreciar as medidas peticionadas, para uma eventual apresentação de projectos de lei.
4 - O presente relatório deve ser remetido ao Sr. Presidente da Assembleia da República, a fim de ser apresentado no Plenário durante o debate da petição, cumprindo-se o artigo 253.º do Regimento da Assembleia da República (comunicação do relatório ao autor ou autores da petição).

Assembleia da República, 4 de Fevereiro de 2004. - A Deputada Relatora, Odete Santos - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: O relatório final foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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