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Quarta-feira, 5 de junho de 2019 II Série-B — Número 50
XIII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2018-2019)
S U M Á R I O
Comissão Parlamentar de Inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade:
— Relatório final da Comissão, incluindo em anexo o relatório da votação e declarações de voto.
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COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO AO PAGAMENTO DE RENDAS EXCESSIVAS AOS
PRODUTORES DE ELETRICIDADE
Relatório final da Comissão, incluindo em anexo o relatório da votação e declarações de voto
Relatório final
Índice
Parte I
Introdução
Parte II
Capítulo 1 – Dos CAE aos CMEC
1. Contratos de Aquisição de Energia
1.1. Criação dos CAE
1.2. Extensão dos CAE às centrais da EDP
2. Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC)
2.1. Introdução
2.2. Breve descrição dos acontecimentos
2.3. A manutenção do equilíbrio contratual foi uma escolha política tomada entre um conjunto de
opções
2.3.1. Posição da ERSE
2.3.2. Posição do Governo
a) Impossibilidade de negociação por blindagem dos CAE
b) Proteção da EDP como companhia portuguesa
c) Valorizar a EDP no quadro da sua privatização
d) Manter o quadro remuneratório existente no momento da privatização da EDP
2.3.3. Posição dos produtores
2.3.4. Notas finais
2.4. Da efetiva manutenção pelos CMEC do equilíbrio contratual dos CAE
2.4.1. Taxas de atualização diferentes
Conclusão
2.4.2. Testes de verificação da disponibilidade das centrais
Pode concluir-se que:
2.4.3. Aplicação do fator de correção das produções resultantes do modelo Valorágua
2.4.4. Licenças de CO2
2.4.5. O parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República
2.5. Processo de aprovação dos CMEC na Comissão Europeia
Conclusões
Recomendações
Capítulo 2 – A prorrogação das centrais de Sines e do Pego para além do prazo do CAE
1. A prorrogação da central de Sines para além do prazo do CAE
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1.1 As definições do CAE
1.1.2 Do direito de superfície
1.1.3 Dos custos de desmantelamento das centrais
1.2 As definições do Decreto-Lei n.º 240/2004
1.3 Valorização económica da prorrogação de Sines
2. A prorrogação da central do Pego para além do prazo do CAE
Conclusões
Recomendações
Capítulo 3 – Remuneração dos terrenos da REN e extensão do prazo de concessão
1. Contexto e legislação associada
2. Custos imputados aos consumidores
3. Extensão do Contrato de Concessão da RNT à REN por 7 anos adicionais
Conclusões
Recomendações
Capítulo 4 – Remuneração da Produção em Regime Especial
1. Introdução
2. Taxas de rentabilidade na PRE
3. Eventuais ganhos dos produtores decorrentes de atrasos no licenciamento
Conclusões
Recomendações
Capítulo 5 – Dívida e diferimentos tarifários, mais-valias da sua titularização
Decreto-Lei n.º 187/95 – primeira legislação sobre diferimentos tarifários
Decreto-Lei n.º 172/2006 – preparação do Mibel, termina limitação a aumentos de tarifa
Decreto-Lei n.º 237-B/2006 – previstos os diferimentos dos sobrecustos com PRE, CMEC e CAE
Decreto-Lei n.º 165/2008 – o maior diferimento tarifário de sempre
Titularização com partilha de ganhos – a exceção que confirma a regra
Decreto-Lei n.º 78/2011 – O diferimento de custos como prática generalizada
Sob o Memorando, o debate do diferimento de custos
Decreto-Lei n.º 109/2011 – avança o diferimento de custos
Decreto-Lei n.º 256/2012 – surge o fator de sustentabilidade da EDP
Decreto-Lei n.º 32/2014
Evolução
Evolução anual da dívida tarifária e sua composição
Notas finais
Conclusões
Recomendações
Capítulo 6 – Garantia de potência
1. Contexto, legislação e regulamentação
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1.1. Na preparação do MIBEL, previsão da remuneração de potência segundo a disponibilidade
1.2. Início do pagamento pela garantia de potência
1.3. Os cortes nos incentivos da garantia de potência após o Memorando da troika
1.4. A eliminação dos pagamentos por disponibilidade
2. Custos para o SEN
Conclusões
Recomendações
Capítulo 7 – Remuneração do serviço de Interruptibilidade
1. Contexto e legislação associada
2. Custos imputados aos consumidores
3. Premência do mecanismo de interruptibilidade
3.1. Realização de testes
3.2 Balanço da existência do serviço
Conclusões
Recomendações
Capítulo 8 – Medidas sob a aplicação do Memorando de Entendimento com a troika
1. Do Memorando inicial à segunda revisão
1.1. O modelo de equilíbrio preparado por Henrique Gomes e as propostas da EDP
1.2 A queda da contribuição especial proposta por Henrique Gomes
1.3 A privatização face às medidas do Memorando
1.4 Do relatório sobre rendas no setor eletroprodutor à demissão de Henrique Gomes
2. Os três pacotes de medidas de equilíbrio do SEN
2.1 Primeiro pacote de medidas
2.2 Segundo pacote de medidas
2.2.1 A medida para a eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais
introduzidas em Espanha (Clawback)
2.2.1.1. Contexto e legislação associada
2.2.1.2. Repercussão tarifária dos custos com a CESE e a tarifa social: dupla tributação ou dupla
compensação?
2.2.1.2.1 A ilegalidade da repercussão da CESE e da tarifa social
2.2.2 Remuneração dos terrenos do domínio hídrico
2.2.3 Corte de remuneração dos serviços de sistema
2.2.4 Contribuição das centrais a carvão para o SEN
2.3 Terceiro pacote de medidas
3. Impacto efetivo das medidas
Impacto total dos três pacotes de medidas sobre a EDP
Conclusões
Recomendação
Capítulo 9 – Serviços de Sistema
1. Primeiros indícios de falha no mercado de serviços de sistema
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2. Intervenção de governo e estudo da Brattle Group
2.1. Sobrecusto identificado pelo relatório Brattle
2.2. Atuação da Autoridade da Concorrência
Conclusões
Recomendação
Capítulo 10 – O novo regime remuneratório da produção eólica aprovado em 2013
1. O contexto em que surge a medida
1.1. O Memorando de Entendimento com a troika e a limitação dos sobrecustos associados à
Produção em Regime Especial (PRE)
1.2. A proposta da EDP e a resposta do Governo
1.3. A queda da contribuição especial e a insistência da troika sobre redução de custos com a PRE
1.4 O impacto incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013
1.4.1 O que existiria se o Decreto-Lei n.º 35/2013 não tivesse sido aprovado pelo governo?
1.4.2 Os pressupostos do acordo entre o Governo e a APREN
1.4.3 O que passou a existir com o Decreto-Lei n.º 35/2013?
1.4.4. A intervenção da ERSE
1.4.4.1 O parecer prévio da ERSE sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 35/2013
1.4.4.2 O primeiro estudo da ERSE sobre o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013
1.4.4.3 Secretário de Estado pede parecer mais detalhado
1.4.5 Cálculos apresentados por Carlos Pimenta na CPIPREPE
1.4.6 Cálculos apresentados por Artur Trindade na CPIPREPE
1.4.7 Cálculo dos possíveis impactos incrementais do Decreto-Lei n.º 35/2013
Conclusões
Recomendações
Capítulo 11 – Sobreequipamento
1. Contexto e legislação associada
2. Custos para o SEN
Conclusão
Capítulo 12 – Dupla subsidiação a produtores em Regime Especial
Contexto e legislação associada
Conclusão
Recomendações
Capítulo 13 – O papel dos consultores da Boston Consulting Group na liberalização do mercado elétrico em
Portugal
Conclusões
Capítulo 14 – Manuel Pinho e o protocolo da EDP com a Universidade de Columbia
Conclusão relativa aos capítulos 14 e 15
Parte III – Conclusões finais
Recomendações
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Parte IV – Anexos
Relatório da votação
Declarações de voto escritas
Parte I
Introdução
A Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de
Eletricidade, que tomou posse no dia 23 de maio de 2018, foi constituída pela Resolução da Assembleia da
República n.º 126/2018, de 17 de maio1, cujo conteúdo se transcreve:
«A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º e do n.º 4 do artigo 178.º da
Constituição e da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março (Regime Jurídico dos Inquéritos
Parlamentares), alterada pela Lei n.º 126/97, de 10 de dezembro, e alterada e republicada pela Lei n.º
15/2007, de 3 de abril:
1 — Constituir uma comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas e subsídios aos produtores
de eletricidade, sob a forma de Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) ou outros.
2 — A Comissão Parlamentar de Inquérito deve funcionar pelo prazo de 120 dias e tem por objeto,
designadamente, determinar:
a) A dimensão dos pagamentos realizados e a realizar por efeito dos regimes em vigor no âmbito do
disposto no n.º 1;
b) O efeito sobre os custos do sistema elétrico produzido pelas alterações legislativas e atos
administrativos realizados no âmbito dos CMEC e dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) pelos
governos entre 2004 e 2018;
c) O efeito sobre os custos do sistema elétrico produzido por outras alterações legislativas,
designadamente na Produção em Regime Especial (PRE), na extensão do regime de tarifa subsidiada à
produção eólica, nas rendas das barragens ou na remuneração da garantia de potência;
d) As condições em que foram tomadas decisões governativas, designadamente em face de eventuais
estudos e pareceres de entidades reguladoras, Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e
Autoridade da Concorrência (AdC), ou outros atos e documentos de outras entidades com atribuições neste
âmbito;
e) A existência de omissão ou falha comportamental de relevo no cumprimento das obrigações dos
serviços de energia e das entidades reguladoras, inclusive no tocante à atribuição legal da ERSE de proposta
de alterações legislativas;
f) A avaliação da execução da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, desde a sua criação
até à atualidade;
g) A existência de favorecimento por parte de governos relativamente à EDP, à REN e a outras empresas
do setor elétrico, no caso dos CMEC, dos CAE e de outros instrumentos;
h) A existência de atos de corrupção ou enriquecimento sem causa de responsáveis administrativos ou
titulares de cargos políticos com influência ou poder na definição das rendas no setor energético.»
1 Resultou da aprovação, por unanimidade, do Projeto de Resolução n.º 1560/XIII/3.ª (BE) em 11 de maio de 2019.
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A composição da Comissão2 era a seguinte:
Maria das Mercês Borges PSD Presidente
Carlos Pereira PS 1.º Vice-Presidente
Bruno Dias PCP 2.º Vice-Presidente e Coordenador GP PCP
António Topa PSD
Duarte Marques PSD
Fernando Virgílio Macedo PSD
Helga Correia PSD
Joel Sá PSD
Jorge Paulo Oliveira PSD Coordenador GP PSD
André Pinotes Batista PS
Fernando Anastácio PS
Hortense Martins PS
Hugo Costa PS
Luís Moreira Testa PS Coordenador GP PS
Jorge Costa BE Coordenador GP BE e Relator designado
Hélder Amaral CDS-PP Coordenador GP CDS-PP
José Luís Ferreira PEV Coordenador GP PEV
A composição da Comissão, na última reunião, realizada em 15 de maio de 2019, era a seguinte:
Emídio Guerreiro PSD Presidente
Bruno Dias PCP 2.º Vice-Presidente e Coordenador GP PCP
Luís Moreira Testa PS 1.º Vice-Presidente
António Topa PSD
Cristóvão Norte PSD
Duarte Marques PSD
Helga Correia PSD Vice-Coordenadora GP PSD
Joel Sá PSD
Jorge Paulo Oliveira PSD Coordenador GP PSD
Ana Passos PS
André Pinotes Batista PS
António Cardoso PS
Carla Tavares PS
Hugo Costa PS Coordenador GP PS
2 Total: 17 deputados (7 PSD; 6 PS, 1 BE; 1 CDS-PP; 1 PCP; 1 PEV).
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Jorge Costa BE Coordenador GP BE e Relator designado
Hélder Amaral CDS-PP Coordenador GP CDS-PP
José Luís Ferreira PEV Coordenador GP PEV
A Comissão realizou 61 reuniões, das quais 55 audições, pela seguinte ordem:
1 23-05-2018 Tomada de posse; Eleição da Mesa
2 05-06-2018 1. Apreciação e votação das propostas de audições a realizar e dos documentos a requerer no âmbito da CPI; 2. Apreciação e votação do Regulamento da Comissão; 3. Outros assuntos
3 14-06-2018 1. Apreciação e votação das propostas de audições a realizar e dos documentos a requerer no âmbito da CPI; 2. Outros Assuntos
4 27-06-2018 1. Designação relator; 2. Audição Eng.º Pedro de Sampaio Nunes
5 04-07-2018 1. Designação relator; 2. Audição Eng.º Luís Mira Amaral
6 11-07-2018 Audição Eng.º Jorge Vasconcelos (ex-Presidente da ERSE)
7 17-07-2018 Audição Professor Clemente Pedro Nunes (Prof. Catedrático do IST)
8 19-07-2018 Audição Sr. João Peças Lopes (Diretor INESC-TEC)
9 20-07-2018 Audição Eng.º Carlos Pimenta (Ex-secretário de estado e chairman da Novenergia)
10 24-07-2018 (10h00) Audição Professor Vítor Santos (Ex-Presidente da ERSE, de 2007 a 2017)
11 24-07-2018 (15h00) Audição Dr.ª Cristina Portugal (Presidente da ERSE desde 2017)
12 25-07-2018 (15h00) Audição Professor João Duque (prof. catedrático e presidente do ISEG)
13 11-09-2018 Audição Prof. Abel Mateus (Presidente AdC – 2003 a 2008)
14 11-09-2018 Audição Prof. Manuel Sebastião (Presidente da AdC – 2008-2013)
15 12-09-2018 Audição Eng.º Jorge Borrego (DGE até 2004) – Skype
16 13-09-2018 Audição Eng.º João Conceição (Assessor SE Franquelim, do M Manuel Pinho e atual Adm REN
17 14-09-2018 Audição Prof. Ricardo Ferreira (Assessor do M Economia Tavares e Barreto)
18 18-09-2018 (1) Audição Eng.º José Penedos (CEO da REN entre 2001-2009)
19 18-09-2018 (2) Audição Eng.º João Talone
20 19-09-2018 Audição Eng.º Pedro Rezende (Administrador da EDP entre 2003-2006)
21 20-09-2018 Audição Prof. Paulo Pinho (Adjunto ME Carlos Tavares 2002-2004; CA REN 2004-2007)
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22 25-09-2018 Audição Dr. Franquelim Alves (SE A Ministro Economia Carlos Tavares 2002-2204)
23 25-09-2018 Audição Dr. Carlos Tavares, Ministro da Economia
24 26-09-2018 Audição Dr. Orlando Borges (Presidente do INAG, entre 2000-2010)
25 03-10-2018 Audição Eng.º Vítor Baptista (CA da REN entre 2001 e 2009)
26 04-10-2018 Audição Prof. Manuel Lancastre (Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico entre 2004-2005) – Skype
27 09-10-2018 (1) Audição Dr.ª Maria de Lurdes Baía (Coordenadora da Área de Previsões Energéticas da REN)
28 09-10-2018 (2) Audição Dr. Rui Cartaxo (ex-CEO REN; adjunto do ME Manuel Pinho)
29 10-10-2018 Audição Dr. Miguel Barreto (Diretor-Geral da Direção-Geral de Energia e Geologia, de 2004 a 2008)
30 16-10-2018 (1) Audição Prof. António Castro Guerra (SE Adjunto Indústria e Inovação, de 2005 a 2009)
31 16-10-2018 (2) Audição Prof. Francisco Nunes Correia (M Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional 2005-09)
32 11-12-2018 Audição Dr. Tiago Andrade Sousa (Assessor F. Alves e Chefe Gabinete do SEE)
33 12-12-2018 Audição Dr.ª Beatriz Milne (Tejo Energia)
34 13-12-2018 Audição Eng.º Aníbal Fernandes (ENEOP)
35 18-12-2018 Audição Dr. João Manso Neto (EDP)
36 20-12-2018 Audição Dr. Manuel Pinho (ex-Ministro Economia e Inovação de 2005 a 2009)
37 09-01-2019 Audição Dr. Carlos Zorrinho (Secretário de Estado da Energia e da Inovação, entre 2009 e 2011)
38 16-01-2019 Audição Dr. Eduardo Catroga (Presidente do CGS da EDP)
39 17-01-2019 Audição Dr. António Sá da Costa (Presidente da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis)
40 22-01-2019 Audição Dr. Vieira da Silva (ex-Ministro da Economia)
41 23-01-2019 Audição Eng.º Henrique Gomes (S Est. Energia e Inovação entre 2011 e 2012)
42 24-01-2019 Audição Eng.º Nuno Ribeiro da Silva (Presidente da Endesa, Portugal)
43 30-01-2019 Audição Dr. Artur Trindade (Secretário de Estado da Energia e da Inovação entre 2012 e 2015
44 06-02-2019 Audição Eng.º Pedro Cabral, Assessor do SE Energia e Diretor-Geral da DGEG
45 07-02-2019 Audição Dr. Álvaro Santos Pereira, ex-ministro da Economia
46 12-02-2019 Audição Sr. Rodrigo Costa (Presidente da REN-Redes Estratégicas Nacionais)
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47 13-02-2019 Audição Dr.ª Margarida Matos Rosa (Presidente da AdC)
48 14-02-2019 Audição Eng.º Mário Ferreira Guedes (ex-Diretor-Geral da DGEG)
49 15-02-2019 Audição Eng.º Carlos Moedas (Secretário de Estado Adjunto do PM do XIX Governo) – Skype
50 15-02-2019 Audição Eng.º Jorge Moreira da Silva (M Ambiente, Ordenamento do Território e Energia XIX G
51 21-02-2019 Audição Dr. António Ferreira Gomes (presidente AdC entre 2013 e 2016)
52 26-02-2019 Audição Dr. António Mexia (Presidente do CA EDP)
53 27-02-2019 Audição Dr. Luís Amado Presidente do CGS EDP)
54 06-03-2019 Audição Dr. Jorge Seguro Sanches
55 07-03-2019 Audição Dr. Manuel Caldeira Cabral
56 13-03-2019 Audição Dr. João Galamba
57 19-03-2019 Audição Dr. Matos Fernandes
58 27-03-2019 Audição Dr. António Ferreira Gomes (presidente AdC entre 2013 e 2016) – Skype
59 10-04-2019 Apresentação e apreciação do relatório
60 16-04-2019 Agendamentos
61 15-05-2019 Votação do relatório
O número total de horas de gravação das audições foi de 211 horas e 56 minutos; a audição mais longa foi
a do Dr. António Mexia (6h 43m); a audição mais curta foi a da Dra. Beatriz Milne (2h 03m). O número de
pastas de documentos é de 1679; o número de ficheiros de documentos é de 13 642 e o tamanho dos
ficheiros é de 42,9 GB.
Foram ainda realizadas 19 reuniões de Mesa e Coordenadores.
Parte II
Capítulo 1
Dos CAE aos CMEC
1. Contratos de Aquisição de Energia
1.1 Criação dos CAE
Tal como é explicado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 182/95, na sequência da abertura do setor elétrico à
iniciativa privada em 1988, o Decreto-Lei n.º 99/91 veio definir princípios gerais aplicáveis ao exercício das
atividades de produção, transporte e distribuição de energia elétrica. Paralelamente, a desintegração vertical
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da EDP, enunciada nos Decretos-Leis n.os 7/91 e 131/94, deu origem a empresas vocacionadas a cada uma
daquelas atividades.
A outorga dos primeiros CAE ocorreu em 1992 e 1993, às centrais térmicas da Turbogás, a gás natural, e
da Tejo Energia, a carvão, já então em construção. Estava então em exercício do XII Governo, de Aníbal
Cavaco Silva, sendo ministro da tutela Mira Amaral.
Em 1995, com vista a «garantir a transparência no relacionamento dos diferentes intervenientes no sector e
permitir o equilíbrio entre as diversas formas de organização que o sector admite», foi revisto o Decreto-Lei n.º
99/91.
Em 1987 a EDP era uma empresa totalmente pública, verticalmente integrada e numa situação altamente
debilitada, fruto de dois passivos distintos e importantes. O primeiro proveniente da dívida dos Municípios e o
segundo proveniente da dificuldade de financiamento internacional da República Portuguesa, que utilizava por
isso a EDP para «ir buscar dólares ao mercado internacional em nome da República Portuguesa num período
dramático de crise de divisas para Portugal. (…) Isso gerou um passivo cambial tremendo» (depoimento de
Mira Amaral).
Havia, nessa altura, a necessidade de investir fortemente na rede de distribuição e no aumento da
capacidade de produção. Para tanto, considerada a fragilidade financeira da EDP, optou-se por captar
investimento privado estrangeiro para esses investimentos, de onde surgiram, então, os primeiros Contratos
de Aquisição de Energia (CAE), o da Central do Pego, a carvão, em 1993 e o da Tapada do Outeiro, em gás
natural, em 1994.
A taxa de remuneração resultante destes contratos foi de, aproximadamente, 10% do investimento
efetuado.
Em 1995, com o intuito de enquadrar as alterações que vinham sendo efetuadas no setor,
designadamente, a sua abertura a operadores privados, são publicados os Decretos-Lei n.os 182 a 188/95, que
configuraram as bases do sistema elétrico português, pelos dez anos que se seguiram.
Para a nossa análise, releva especialmente a criação do sistema vinculado de produção de energia, no
qual eram celebrados contratos bilaterais entre a Rede Nacional de Transporte (REN) e os produtores de
energia. Os contratos que regiam essa relação eram os CAE. Esta legislação pressupunha que os contratos
de vinculação ao SEN deveriam ser contratos exclusivos e de médio-longo prazo, sendo todavia omissa sobre
quaisquer outras condições ou vicissitudes contratuais.
A legislação de 1995 veio assim, na sequência de legislação anterior que previa o mecanismo CAE no
SEN, estender estes contratos às centrais pertencentes à EDP, então totalmente pública. A taxa de
remuneração aplicável à extensão dos CAE às centrais da EDP foi de 8,5%. A taxa anteriormente aplicada aos
CAE da Tejo Energia e da Turbogás cifrava-se em 10%.
1.2 Extensão dos CAE às centrais da EDP
O Decreto-Lei n.º 185/95 previa a contratualização da aquisição da totalidade da produção elétrica das
centrais vinculadas ao Sistema Elétrico Público (SEP) atribuição de CAE às centrais da CPPE (hoje EDP
Produção), o que veio a concretizar-se em 1996, impondo a produção daquelas centrais em exclusivo para o
SEP (artigo 17.º), mediante contratos de vinculação baseados num «sistema misto baseado em preços de
natureza essencialmente fixa e em preços variáveis, reflectindo, respectivamente, encargos de potência e
encargos variáveis de produção de energia» (artigo 15.º). No início do século, os CAE enquadravam mais de
98% da produção da EDP.
«Com a liberalização do sistema elétrico, havia que pôr as centrais da EDP em igualdade com essas
centrais privadas e por isso estendemos os CAE às centrais da EDP».
Mira Amaral, Ministro da Indústria em 1995 (Expresso, 3 de março 2007)
Em 1996, já sob o governo António Guterres, o grupo EDP celebrou contratos de aquisição de energia
entre duas empresas do grupo – a EDP Produção, vendedora, e a REN, compradora. Esses contratos
abrangeram centrais construídas entre 1951 e 1994, nomeadamente 26 centrais hidroelétricas, uma central a
carvão, quatro centrais a fuel-óleo e duas centrais a gasóleo, correspondentes a 7330 MW de capacidade
instalada.
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Os CAE da EDP enquadraram assim a remuneração contratualizada das centrais, imunizando-as a
quebras de preço, quebras de produção, subidas dos custos com combustíveis ou regimes hidrológicos menos
favoráveis e prevenindo o impacto da liberalização do mercado interno da eletricidade.
O nível de remuneração garantido por estes contratos de baixo risco (8,5% reais + inflação) é qualificável
como em excesso do custo de capital da produção no grupo EDP (7,55% nominais na introdução dos CMEC).
Nas decisões tarifárias da ERSE, a atividade de produção com CAE era qualificada como a de menor risco no
grupo.
A legislação de 1995 previa a celebração de contratos de aquisição de energia (CAE) entre o então
Sistema Elétrico Público e a EDP (então CPPE). Em 1996, o desenho desses contratos define taxas de
remuneração de 8,5% para as centrais EDP (estatais e já construídas) e de 8,5% para as centrais de novo
investimento (privado e externo) nas centrais térmicas do Pego e da Tapada do Outeiro. A opção política de
contratualizar os CAE com a EDP por 20 anos teve em vista responder às primeiras diretivas europeias de
liberalização dos mercados de eletricidade, pagar os passivos das dívidas dos municípios e do financiamento
da República, o robustecimento financeiro da empresa e a oferta de garantias de rentabilidade futura que
dinamizassem o processo da sua privatização. Cerca de 70% do capital da EDP viria a ser privatizado nos
cinco anos que se seguiram.
«[Em 1996] foi criada a maior renda alguma vez criada em Portugal. Foi quando os PPA [CAE, em
português], que tinham sido criados para o investimento da Tejo Energia e da Turbogás, foram extensíveis às
centrais da EDP. (…) Provavelmente, a extensão dos CAE às centrais da EDP teve a ver com tornar uma
empresa que estava muito descapitalizada numa empresa com um balanço mais são para poder ser
privatizada».
(João Talone, presidente da EDP 2003-2006)
«Os CAE foram celebrados tomando como referência os concursos internacionais para as Centrais do
Pego e da Tapada do Outeiro, dado que o governo da época quis iniciar o processo de venda das acções da
EDP, definindo preços contratualizados, os quais tomaram como referência os preços dos concursos
internacionais realizados anteriormente nas referidas centrais».
(Eduardo Catroga, ministro das finanças em 1995, presidente do CGS da EDP em carta a Caldeira Cabral
e Mário Centeno, 17 de março 2016)
«(…)Portanto, Senhor Deputado, estes são os dois argumentos que vejo (…) o primeiro é por uma questão
de igualdade relativamente às centrais privadas que já existiam; e o segundo, para mim, e porque sei como é
que os Governos funcionam, é que normalmente os Governos gostam de embelezar a noiva para privatizar –
os Ministros das Finanças mandam nisto e, portanto, é preciso sacar mais receita. E quanto mais a noiva
estiver embelezada, nesse caso a empresa a privatizar, mais obtemos de receitas das privatizações.»
(Mira Amaral, ministro da Energia e da Indústria de 1987 a 1985)
«Não tenho dúvida nenhuma de que o objetivo foi tentar — como se costuma dizer, em linguagem mais
banal — «engordar o porco» para depois o vender, só que não se pode fazer isso à custa da competitividade
do País e dos consumidores. O que aconteceu foi que, quando foi feita essa legislação, em 1995, não estava
em vigor a Diretiva 96/92/CE. Por isso, essa era uma prática corrente que foi, aliás, seguida noutros países.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Foi uma desorçamentação?
O Sr. Eng.º Pedro de Sampaio Nunes: — Exatamente! Isso foi feito, foi preparado, no sentido de melhorar e
tornar o mais atrativa possível a EDP para a irmos privatizando por fatias com estes ativos.»
(Pedro Sampaio Nunes)
Na CPIPREPE, Pedro de Sampaio Nunes sublinhou a colisão destes contratos com os dois primeiros
pontos do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (este tema é aprofundado no
ponto 2.5 deste capítulo):
«1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as
decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afetar o
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comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a
concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:
a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de
transação;
b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes
colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações
suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto
desses contratos.
2. São nulos os acordos ou decisões proibidos pelo presente artigo».
«Agora, se, por acaso, der razão a esta visão — o que me parece óbvio —, nessa altura, haverá uma
questão que tem de ser decidida: a dívida passa para as empresas, que, ao comprarem, tinham de fazer uma
due diligence e eram obrigadas a conhecer o direito aplicável e, por isso, compraram ativos a risco; ou a dívida
é do Estado, que vendeu «gato por lebre»? Neste último caso, a dívida passará para os contribuintes. De
qualquer forma, melhora muito a situação na energia: é que deixam de ser as famílias e as pequenas e médias
empresas e passam a ser os contribuintes a ter de pagar esse diferencial.»
(Pedro Sampaio Nunes)
A liberalização do mercado de eletricidade e a abertura à concorrência foi apresentada como uma
oportunidade para a redução de custos para os consumidores, assente na separação vertical das empresas do
setor e na cessação de contratos vinculados e com remunerações garantidas.
A legislação de 2003 e 2004 que veio a enquadrar a cessação dos CAE foi produzida com o objetivo
expresso de manter o equilíbrio contratual dos CAE, protegendo a própria lógica de uma privatização assente
no valor económico de preços contratualizados
2. Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC)
2.1 Introdução
A perspetiva de entrada em vigor do MIBEL, imposto por várias diretivas europeias (sendo a de
2003/54/CE a mais recente à data), obrigou à transição do sistema eletroprodutor português para um regime
de mercado liberalizado. Porém, a quase totalidade das centrais elétricas do país encontrava-se abrangida por
Contratos de Aquisição de Energia (CAE), celebrados entre a REN e os produtores de eletricidade, que teriam
de ser cessados para dar lugar ao mercado.
Na preparação do processo legislativo para a transição para o mercado liberalizado, um dos pontos em
discussão entre o governo e os vários intervenientes no setor foi precisamente a forma de cessação desses
CAE. A ERSE argumentou juridicamente a favor de uma negociação aberta pelo Estado junto dos produtores
com vista a estabelecer, com o mecanismo de transição, novas condições económicas e financeiras. Do lado
dos produtores, havia uma firme oposição à redução dos níveis de rentabilidade garantidos nos CAE.
O Decreto-Lei n.º 185/2003, aprovado pelo governo PSD/CDS liderado por Durão Barroso, estabelece as
regras gerais para a criação do MIBEL e define a necessidade de cessação dos CAE e da criação de medidas
compensatórias no processo de transição para o mercado. Estas medidas dariam forma a «um mecanismo
destinado a manter o equilíbrio contratual subjacente, designado por custos para a manutenção do equilíbrio
contratual» (artigo 13.º). O mesmo ponto remete para diploma específico o desenho deste mecanismo, as
formas de pagamento e de repercussão nas tarifas.
É neste contexto que o Decreto-Lei n.º 240/2004 vem definir as condições da cessação dos CAE e as
medidas compensatórias no processo de transição para o mercado. A preparação deste diploma, a sua
redação final e a legislação subsequente, são elementos fundamentais para clarificar os impactos destas
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medidas nas tarifas pagas pelos consumidores. Nos trabalhos da CPIPREPE, foram abordados três grandes
tópicos quanto ao período de preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004:
● O primeiro é sobre a necessidade de manutenção do equilíbrio contratual dos CAE na passagem para o
mercado liberalizado. Perante a necessidade de alteração à legislação nacional por força da legislação
europeia de 1996 e 2003, e sendo à data o Estado Português detentor da REN e acionista de controlo
da EDP, importa apurar se o governo teria margem legal e política para, nesta transição, negociar
condições mais vantajosas para os consumidores;
● O segundo ponto é sobre a efetiva manutenção do equilíbrio contratual dos CAE no Decreto-Lei n.º
240/2004 e na legislação subsequente. Tomando o anunciado objetivo de neutralidade económico-
financeira do Decreto-Lei n.º 240/2004, importa aferir a manutenção de condições equivalentes na
transição dos CAE para os CMEC. Assim, sempre que não sejam mantidas condições equivalentes,
importa quantificar disparidades, identificar responsáveis e medidas para a sua correção;
● O terceiro ponto diz respeito ao enquadramento da manutenção do equilíbrio contratual no quadro
legislativo europeu em matéria de concorrência. Neste ponto, foram levantadas dúvidas na CPIPREPE
sobre o processo de aprovação pela Comissão Europeia (CE) dos mecanismos de ajuda de Estado
associados ao Decreto-Lei n.º 240/2004. Foram interpelados os representantes dos governos da época
e analisada a troca de correspondência entre o governo e as autoridades europeias. Importa, portanto,
averiguar a qualidade deste processo e das decisões europeias.
Estes três pontos serão discutidos separadamente nas seções 2.3, 2.4 e 2.5 respetivamente. Para um
melhor enquadramento, o presente capítulo inicia-se com uma breve descrição dos acontecimentos
respeitantes ao período preparatório do Decreto-Lei n.º 240/2004, na qual é exposto o encadeamento dos
factos relevantes e da produção de informação disponível no momento da decisão política. A secção 2.6
apresenta as principais conclusões e recomendações da CPIPREPE sobre os assuntos discutidos neste
capítulo.
Por fim, importa referir que a aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 implicava decisões e legislação
subsequentes, em particular para o período posterior aos CAE, fosse quanto à concessão do domínio público
hídrico fosse quanto aos termos legais e económicos da continuidade da exploração da central termoelétrica
de Sines. Por terem sido objeto de particular atenção da CPIPREPE, estes temas serão analisados em
capítulos próprios deste relatório.
2.2 Breve descrição dos acontecimentos
A preparação da legislação relativa aos CMEC é um processo que decorre ao longo dos anos 2003 e 2004
e que culmina na publicação do Decreto-Lei n.º 240/2004, em Dezembro, e na homologação dos contratos de
cessação dos CAE da EDP, já no início de 2005. Durante os primeiros meses de 2004, os gabinetes do
ministro Carlos Tavares e do secretário de Estado Franquelim Alves têm várias reuniões em paralelo com
ERSE, AdC e REN bem como com os representantes dos produtores (EDP, Turbogás e Tejo Energia). A
DGEG participa também neste processo desde cedo, pelo menos de forma passiva, como comprova a troca
de correspondência entre o Governo e a REN sobre o projeto do decreto-lei. Mais tarde, é a própria DGEG
que notifica os serviços da Direção-Geral da Concorrência da Comissão sobre a preparação da legislação dos
CMEC.
Após mais duas cartas de esclarecimento aos serviços da CE, várias reuniões entre o Governo português e
Bruxelas, a Comissão aprova o mecanismo de Auxílio Estatal, não levantando quaisquer objeções ao Decreto-
Lei n.º 240/2004.
Durante o verão de 2004, o Governo do Primeiro-Ministro Durão Barroso é substituído pelo de Santana
Lopes. É já o novo Secretário de Estado, Manuel Lancastre, a receber os pareceres da DECO e do Instituto do
Consumidor, que se queixam dos prazos de resposta que lhes foram dados e da falta de meios técnicos que
dispõem para elaborar um parecer sobre uma legislação de natureza tão complexa. Ao mesmo tempo,
chegam também os comentários da EDP, Turbogás e Tejo Energia.
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2.3 A manutenção do equilíbrio contratual foi uma escolha política tomada entre um conjunto de
opções
Esta secção é dedicada à primeira decisão política do governo sobre o processo de cessação dos CAE na
transição para o MIBEL. O governo português assumiu a vontade de manter o equilíbrio contratual e ressarcir
integralmente os produtores pela cessação antecipada dos CAE. Esta vontade é anterior à preparação do
Decreto-Lei n.º 240/2004. Já faz parte do Decreto-Lei n.º 185/2003, que estabelece as regras gerais para a
criação do MIBEL. No artigo 13.º deste diploma são definidos os objetivos e as justificações para a introdução
dos Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC):
«A cessação dos contratos vinculados a que se refere o número anterior implica a adopção de medidas
indemnizatórias, tendo em vista o ressarcimento dos direitos dos produtores através de um mecanismo
destinado a manter o equilíbrio contratual subjacente, designado por custos para a manutenção do equilíbrio
contratual (CMEC).
Os CMEC deverão garantir a compensação dos investimentos realizados e a cobertura dos compromissos
nos CAE que não sejam garantidos pelas receitas expectáveis em regime de mercado.»
Nos seus trabalhos, a CPIPREPE procurou identificar as razões que levaram o governo português a adotar
o modelo do equilíbrio contratual como base para a transição dos CAE para o mercado, em detrimento de
outras alternativas que pudessem ter menor impacto nas condições de mercado e na fatura dos consumidores
de eletricidade. Nesta secção, apresentam-se as alternativas propostas pela ERSE e pela AdC nos diferentes
pareceres que entregaram ao governo em 2004 e analisam-se ainda as posições do governo bem como dos
produtores de eletricidade de então.
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2.3.1 Posição da ERSE
Em fevereiro de 2004, a ERSE envia ao Governo um documento com comentários preliminares à versão de
trabalho do Decreto-Lei n.º 240/2004 e, em maio de 2004, remete o parecer oficial sobre o mesmo diploma.
Nestes dois momentos, admitindo a pertinência da existência de um regime compensatório pelo fim dos CAE,
o regulador opina sobre os aspetos jurídicos relacionados com a cessação dos CAE e entrada em vigor dos
CMEC.
Segundo a ERSE, a cessação dos CAE é imposta pela aprovação de uma diretiva europeia, evento alheio
à vontade do Estado português. Ora, segundo a ERSE, esse facto altera as circunstâncias indemnizatórias
previstas nos CAE e abre espaço ao governo para negociar outra solução com os produtores.
«Por força desta Directiva, os contratos de aquisição de energia celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º
183/95 deixam de poder vigorar na ordem jurídica interna, determinando a sua caducidade.
Esta circunstância altera profundamente os termos e as disposições aplicáveis ao regime indemnizatório
previsto quer no citado diploma quer no respectivo contrato.
Esta alteração decorre desta Directiva Comunitária, impondo-se quer à vontade do Estado Português quer
à vontade das partes contratantes.
Com efeito, o direito comunitário, nos termos da Constituição da República Portuguesa, tem primazia sobre
o direito nacional. Daqui resulta que o equilíbrio contratual há-de decorrer, não nos termos expressos
contratuais, mas das novas circunstâncias, segundo juízos de equidade. Quer isto dizer que as modificações
ao contrato para salvaguarda do seu equilíbrio têm pleno enquadramento nos princípios estabelecidos no
artigo 437.º do Código Civil (C. C.) que dispõe sobre a resolução ou modificação do contrato por alterações
das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar».
(comentários preliminares ERSE).
No seu parecer de Maio de 2004, a ERSE completa:
«A extinção dos CAE por imperativos da obrigatoriedade do cumprimento da Directiva 2003/54/CE altera
profundamente, em termos estritamente jurídicos, as condições aplicáveis ao regime indemnizatório previsto
no Decreto-Lei n.º 183/95 e nos respectivos contratos de vinculação. É que esta extinção impõe-se
objectivamente quer à vontade do Estado Português quer à vontade das partes contratantes.
Na verdade, o direito comunitário tem primazia sobre o direito nacional, sendo certo que o Estado
Português está sujeito ao cumprimento obrigatório da transposição para o direito nacional das Directivas
Comunitárias. Esta realidade altera significativamente as circunstâncias legais e factuais em que as partes
fundaram a celebração do contrato. Ora, a modificação das circunstâncias em que as partes celebraram os
CAE tem previsão na disciplina do artigo 437.º do Código Civil. Ou seja: a extinção dos CAE por força da
transposição da Directiva 2003/54/CE, ou pela sua invocação, altera as circunstâncias indemnizatórias
previstas no Decreto-Lei n.º 183/95».
(Parecer da ERSE ao projeto de Decreto-Lei n.º 240/2004)
Com base nestes argumentos jurídicos, a ERSE preconiza a abertura de negociações com os produtores,
por parte do governo, com vista a obter melhores condições para os consumidores no mecanismo de transição
para mercado, uma vez que a cessação dos CAE resulta de imposição europeia e não da vontade do Estado
Português.
Durante a audição na CPIPREPE, Jorge Vasconcelos dá o exemplo do que se passou em Espanha na
transição de um quadro legal estável (que garantia aos produtores uma remuneração através de valores
publicados anualmente pelo governo espanhol) para o quadro do MIBEL:
«O que o governo espanhol fez foi chamar os produtores, sentá-los à mesa da negociação e dizer: minhas
senhoras e meus senhores, vamos liberalizar o setor espanhol, não podemos continuar a dar estas garantias,
vamos negociar uma solução de transição em que não vamos, pura e simplesmente, eliminar toda e qualquer
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forma de garantia, vamos, sim, dar aos produtores uma garantia transitória — o mecanismo que foi
implementado em Espanha chamava-se, de facto, custos de transição para a concorrência (CTC), que são os
nossos CMEC, no fundo — e vamos, já aqui à cabeça, negociar um desconto e esse desconto foi de 30%.»
(Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1997-2007)
Assim, a posição oficial da ERSE, presente nos vários pareceres da entidade reguladora sobre o Decreto-
Lei n.º 240/2004, era a de que haveria margem legal para uma negociação com os produtores no sentido de
obter condições mais favoráveis para os consumidores e para o próprio funcionamento do mercado.
2.3.2 Posição do Governo
A seguir-se a letra dos CAE, os produtores teriam de ser indemnizados não apenas pelo valor residual das
centrais mas também pelo valor dos lucros cessantes. Ora, esta indemnização assumiria um valor elevado.
Desde cedo, a posição do ministro Carlos Tavares foi a de cessar os CAE e adotar um novo quadro
regulatório que oferecesse aos produtores condições equivalentes aos anteriores contratos, mas optando por
desenhar um mecanismo que evitava o pagamento dos compensações previstas à cabeça, e recuperava aos
produtores, através das receitas auferidas no mercado de eletricidade, pelo menos parte da compensação que
lhes era devida. O remanescente da compensação para assegurar a manutenção do equilíbrio contratual seria
então o designado CMEC.
Nos documentos a que a CPIPREPE teve acesso, assim como nas declarações em audição dos
representantes e assessores do governo responsáveis pela elaboração do Decreto-Lei n.º 240/2004, registam-
se quatro argumentos principais para a adoção de um sistema de manutenção do equilíbrio contratual
preexistente.
a) Impossibilidade de negociação por blindagem dos CAE
Ao longo das várias audições a membros do governo no período de preparação dos CMEC (2003 – 2005),
foi claro o argumento jurídico de que os CAE eram muito blindados e que só um acordo entre os produtores e
o governo poderia desfazer os CAE. Uma prova disso, dizem os membros de governo na comissão, é o facto
de haver dois produtores, Turbogás e Tejo Energia, que não chegaram a acordo com a REN e com o governo
para a transição para os CMEC e ainda hoje mantêm os seus CAE.
Assim, assumir uma posição negocial que alterasse os valores e os direitos garantidos à EDP nos CAE, tal
como foi feito em Espanha, não seria possível para o governo de então. O principal argumento para a não
negociação é a existência de um contrato, tido como inalterável pelo governo, como argumentam Ricardo
Ferreira e João Conceição na CPIPREPE:
«Se alguma coisa fosse forçada ou alterasse de alguma forma o equilíbrio contratual, a cláusula lender of
last resort, que estava nos CAE, seria invocada. Isto quer dizer que no dia a seguir esses produtores
entregariam a chave, as pessoas, e diriam: «Olhem, quero os lucros cessantes, por favor, e o valor residual»
se o houvesse ou coisa que o valha. Portanto, a cláusula era deste género. Na resposta que dou às objeções
feitas pela Autoridade da Concorrência nacional [Nota enviada pelo Ministro Carlos Tavares a Abel Mateus,
abril 2004], penso que faço lá uma menção a essa cláusula — lender of last resort».
(audição Ricardo Ferreira, adjunto do ministro Carlos Tavares)
«A EDP tinha um contrato com uma outra entidade que lhe dava um conjunto de direitos e o que o Estado
estava a pedir à EDP era para, simplesmente, anular esse contrato. Esta é uma realidade (…) bastante
diferente do que acontecia em Espanha. É que, em Espanha, os CTC estavam assentes num direito atribuído
aos produtores por legislação e, como é óbvio, o governo e o legislador, o parlamento, são soberanos para
alterar a legislação. O caso em Portugal era bastante diferente, pois a EDP tinha nas mãos um contrato muito
rígido e muito protetor do produtor.»
(audição João Conceição, assessor do secretário de Estado Franquelim Alves)
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b) Proteção da EDP como companhia portuguesa
No caso de o governo optar por alternativas aos CMEC, por exemplo abrindo concurso para centros
electroprodutores, as empresas espanholas passariam a poder operar centrais em território português,
ganhando uma vantagem competitiva no mercado ibérico, uma vez que a EDP não teria a possibilidade de
fazer o mesmo do lado de Espanha, onde os CTC já estavam aprovados3.
Esta linha de argumentação ficou bem explícita na resposta do governo. Na resposta do Ministério da
Economia ao parecer da Autoridade da Concorrência, que propunha um modelo de leilões de capacidade
virtual como alternativa aos CMEC, fica claro que o governo português pretendeu proteger a posição relativa
da EDP no nascente mercado ibérico:
«Um exemplo claro é a própria forma que Espanha encontrou para compensar os seus produtores não
recorrendo a leilão de capacidade virtual de geração. Seria extremamente gravoso, não apenas para o sector
elétrico nacional a nível de empresas (estas passariam a ser meros executantes de instruções de operação e
manutenção das centrais, a mando de quem arrematou essa capacidade de produção; implicaria perder a já
reduzida capacidade de gestão de caudais de água provenientes de Espanha), mas também para o nível de
concentração ibérico no que respeita a capacidade geradora. Note-se que a EDP, a nível ibérico, dispõe de
uma quota de produção de cerca de 10,3% contra 33,9 da Endesa e 21,2% da Iberdrola. Naturalmente, se
fosse promovido um leilão da capacidade de produção da EDP, correr-se-ia o risco de aumentar ainda mais a
concentração no mercado Ibérico, com os perigos que isso implicaria através de um eventual abuso de
posição dominante daquelas empresas».
(Resposta do Ministro Carlos Tavares ao Parecer da Autoridade da Concorrência, abril 2004)
A mesma posição foi reforçada pelo próprio ex-Ministro Carlos Tavares na CPIPREPE, realçando a
importância de uma decisão estratégica que impedisse que a posição da EDP na operação dos centros
electroprodutores nacionais fosse ganha por empresas espanholas:
«Os Senhores Deputados, se calhar, também têm de recuar 15 anos e perceber qual era o ambiente da
altura a respeito dos centros de decisão nacional e, sobretudo, na área da energia, que levaram até o
Presidente da República da altura a convocar uma conferência sobre os centros de decisão nacional no setor
da energia. E eu queria saber o que é que aconteceria se nós tivéssemos feito um mecanismo de leilão dos
CAE em que a posição da REN fosse substituída pela da Iberdrola, pela Endesa, ou por um outro qualquer e
em que a EDP passasse a atuar apenas como agente dos produtores espanhóis».
(audição Carlos Tavares, Ministro da Economia, 2002-2004)
c) Valorizar a EDP no quadro da sua privatização
Outro ponto em discussão na CPIPREPE foi o impacto que a cessação dos CAE teria no valor da EDP do
qual o Estado português era também acionista, detendo 25% da empresa. Em 2004, os CAE representavam
uma parte significativa do valor da EDP, como declarou na CPIPREPE João Talone, CEO da EDP à data da
preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e da cessação dos CAE:
«Na altura, o valor que era atribuído aos CAE pelos analistas independentes do mercado era,
aproximadamente — aqui é que não tenho a certeza do número —, entre 30% a 33% do valor da EDP.
Portanto, o valor dos CAE, para efeitos da visão que o mercado tinha da empresa — o mercado global,
americano, europeu, mercado de capitais —, representava cerca de 30% do valor da empresa.»
3 Os CTC foram criados pela Ley 54/1997, de 27 de novembro, e terminados antecipadamente pelo Real– Decreto Ley 7/2006, de 23 de junho. Conforme refere o preâmbulo do Real-Decreto Ley 7/2006, explicando essa decisão: “el mecanismo de los CTC ha devenido ineficiente, en primer lugar, porque generan distorsiones en los precios de mercado al ser integrados como determinantes en las estrategias de oferta; en segundo lugar, porque han quedado obsoletas las hipótesis sobre las que se basaron los cálculos de los CTC al promulgarse la Ley; por último, los informes disponibles revelan un alto grado de amortización de las instalaciones afectadas. En suma, se trata de un mecanismo innecesario y distorsionador que requiere una urgente supresión, lo que se lleva a cabo mediante la derogación de la mencionada Disposición transitoria sexta.”
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(audição João Talone, presidente da EDP, 2003-2006)
Dada a importância destes contratos no valor da EDP, Pedro Sampaio Nunes, secretário de Estado do
governo que aprovou o Decreto-Lei n.º 240/2004, admitiu que na transição dos CAE para os CMEC pesaram
as perspetivas futuras de privatização da EDP e o maior encaixe que o Estado teria nesta operação se a EDP
estivesse resguardada por garantias semelhantes aos CAE:
«Na questão dos CMEC da EDP acho que havia sempre essa preocupação, porque, mesmo na altura em
que fui Secretário de Estado, em 2004-2005, já não havia dinheiro nenhum — acho que isto é permanente em
todos os governos. Não havia dinheiro nenhum e havia que encontrar meios e inventar recursos para
podermos ter alguma disponibilidade orçamental e, eventualmente, pesou o facto de se poder «engordar o
porco», como é costume dizer-se, numa futura privatização da EDP. Ninguém, na altura, imaginou as
consequências dramáticas que isso traria, a prazo, na evolução exponencial dos custos de interesse
económico geral e da dívida tarifária.»
(audição Pedro de Sampaio Nunes, Diretor de energia na Comissão Europeia e Secretário de Estado da
Ciência e Inovação 2004-2005)
d) Manter o quadro remuneratório existente no momento da privatização da EDP
Membros do governo e responsáveis da EDP defenderam que o valor dos CAE foi diretamente incorporado
no valor do ativo EDP e, nessa medida, comprado pelos investidores privados ao Estado Português nas
operações de privatização de 70% do respetivo capital, pelo que não se poderia, com a introdução dos CMEC,
modificar as garantias prestadas e vendidas pelo valor da privatização. De acordo com estes depoimentos, na
defesa da credibilidade do Estado Português nos mercados internacionais e, também, para evitar litigância nos
tribunais internacionais, seria obrigatório que os CMEC assegurassem garantias equivalente aos dos CAE,
que teriam sido pagos na privatização pelos investidores.
2.3.3 Posição dos produtores
Nas várias audições da CPIPREPE aos principais responsáveis da EDP, ficou claro que a posição da
empresa em 2004 era a de se proteger nas cláusulas que vigoravam nos CAE e tentar impedir qualquer
acordo de transição para o mercado que não correspondesse a uma situação idêntica em termos económicos
e financeiros.
A negociação do diploma dos CMEC foi feita, por parte da EDP, com estes pressupostos, de acordo com
as palavras de Pedro Rezende na CPIPREPE, confrontando o próprio conceito de compensação por custos
ociosos que esteve na base da autorização da Comissão Europeia dada ao Decreto-Lei n.º 240/2004:
«Não são custos ociosos do sistema, o que há é contratos, portanto, ou o Estado mantém os contratos, ou
quebra os contratos e paga a indemnização lá prevista, ou alguém encontra um meio-caminho (…) São
situações diferentes e a própria Comissão aceitou que era diferente, verificou, auditou e aprovou.»
(audição Pedro Rezende, administrador da EDP 2003-2006)
No entanto, quando questionado na CPIPREPE sobre o quadro negocial entre a EDP e o Estado, que em
2004 era acionista de controlo da EDP (os acionistas de referência da EDP não estatais – BCP, Iberdrola e
Brisa – detinham apenas 12% do capital da empresa), João Talone responde:
«Eu estava preparado – embora houvesse uma imposição da União Europeia – para não abrir os CAE, da
mesma forma que a Tejo Energia e a Turbogás não abriram os CAE. Nessa altura o Estado teria de chamar
uma assembleia geral, pôr o assunto à assembleia e, se tivesse maioria, destituir a administração e nomear
outra».
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(audição João Talone, presidente da EDP 2003-2006)
Assim, resulta evidente que o Estado tinha os meios para fazer valer no Conselho de Administração da
EDP o seu entendimento político. Se este fosse outro – por exemplo, introduzir os CMEC mediante revisão
das condições do equilíbrio contratual dos CAE – teria podido impô-lo sem risco de litigância com a empresa.
A mesma situação não se verificava na Tejo Energia e na Turbogás, cujas estruturas acionistas não eram
controladas pelo Estado e que recusaram a cessação dos seus CAE.
«O Decreto-Lei n.º 240/2004 não era um imperativo legal, não obrigava. A publicação do decreto-lei não
acabava com os CAE; era preciso um acordo de cessação e, portanto, (…) uma avaliação por parte dos
produtores para concluir se o regime de CMEC era adequado ou não».
(audição Beatriz Milne, presidente executiva da Tejo Energia).
2.3.4 Notas finais
No processo de cessação dos CAE e transição para mercado, o governo recebeu argumentos jurídicos da
ERSE que defendiam a viabilidade legal de uma revisão do equilíbrio contratual e propostas de modelos
alternativos aos CMEC por parte da AdC e da ERSE, designadamente um modelo de leilões de capacidade
virtual.
Na opção do governo pelo modelo dos CMEC em 2003/2004 pesou a consideração da importância dos
CAE no valor da EDP e a posição da empresa face à concorrência espanhola no futuro mercado ibérico.
Ambas as preocupações devem ser lidas à luz do processo em curso de privatização da empresa. Note-se
que, poucos dias depois da entrada na Assembleia da República do pedido de autorização legislativa que
levava em anexo o projeto do decreto-lei que criou os CMEC, foi aprovado com o Decreto-Lei n.º 218-A/2004,
de 25 de outubro, autorizando o aumento de capital da EDP que reduziu a participação do Estado de 31%
para 25%.
A manutenção do equilíbrio contratual dos CAE foi uma decisão política do governo Durão Barroso,
consumada já sob o governo Santana Lopes com a aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004. O contexto dessa
decisão é resumido nas palavras do então presidente da ERSE, Jorge Vasconcelos, proferidas na CPIPREPE:
«O que está aqui em causa é uma questão de fundo que tem a ver com um conflito interno num Estado que
é, ao mesmo tempo, legislador e proprietário de empresas, e, sobretudo, em processos de privatização
[…].Portanto, esse conflito existe e não vale a pena sermos ingénuos, pois a única forma de tentar minimizar
os inconvenientes desse conflito é criarmos mecanismos de contrapoderes, mecanismos de transparência que
obriguem a escolhas claras».
(audição Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1995-2006)
A manutenção do equilíbrio contratual dos CAE foi uma decisão política do governo Durão Barroso,
consumada já sob o governo Santana Lopes com a aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004, sob a autorização
legislativa do Parlamento Português, através da Lei n.º 52/2004.
2.4 Da efetiva manutenção pelos CMEC do equilíbrio contratual dos CAE
Nos comentários preliminares que enviou ao governo em Fevereiro de 2004, a ERSE alertava para a
existência de «obrigações leoninas para uma das partes, sendo disso beneficiário o produtor», o que
subverteria a própria manutenção do equilíbrio contratual dos CAE. A ERSE resume assim a sua avaliação
jurídica:
«Os CMEC não podem resultar na previsão de novos contratos ou na renovação, mais ou menos implícita,
dos anteriores, que confiram a uma das partes mais direitos ou garantias superiores aos emergentes dos
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contratos originários. O diploma dos CMEC deve pois, encontrar o justo equilíbrio. Contudo, no projeto em
apreço não está ainda encontrado este equilíbrio».
Em setembro de 2017, no cálculo da revisibilidade final do CMEC, a ERSE quantifica um valor total de
510M€ pagos excessivamente aos produtores neste regime em comparação com o que estava previsto no
Decreto-Lei n.º 240/2004:
«São evidenciadas algumas das alterações ao regime vigente aquando da introdução do regime dos
CMEC, designadamente obrigações ou direitos das partes contratantes dos CAE, que cessaram com a
introdução daquele novo regime. Estas alterações resultaram num quadro menos restritivo para os detentores
dos centros electroprodutores do que o que vigorava inicialmente. Ainda neste âmbito procura-se, quando
possível, quantificar os efeitos decorrentes da passagem para o regime dos CMEC, revisitando alguns dos
aspetos que haviam sido assinalados nos pareceres da ERSE ao diploma que instituiu este novo regime.
Em particular, são apresentados os efeitos da aplicação de taxas de juro diferentes para a atualização dos
cash-flows associados aos CMEC e para as rendas anuais a pagar pelos consumidores entre 2007 e 2013, já
referidos no passado pela ERSE. O acréscimo de custos associado à aplicação de taxas diferentes nesse
período foi avaliado em cerca de 125 milhões de euros. Contudo, grande parte desse efeito poderá ser
revertido sem pôr em causa os princípios económicos e financeiros, com a publicação de uma nova taxa para
a renda anual da parcela fixa dos CMEC igual à taxa a aplicar à renda anual do ajustamento final dos CMEC.
A aplicação de uma nova taxa para parcela fixa dos CMEC poderá diminuir esse efeito em cerca de 85
milhões de euros.
Para além desse efeito da aplicação do regime dos CMEC, foram igualmente apurados os impactes
decorrentes doutros efeitos, como sejam (i) ausência de testes de disponibilidade dos centros eletroprodutores
durante o período de 2007 a 2013, (ii) a aplicação de um fator de correção das produções resultantes do
modelo Valorágua ou ainda (iii) a metodologia de apuramento dos custos com licenças de emissão de CO2.
Atendendo a todos estes efeitos avaliados para o período I, estima-se que tenham existido custos
acrescidos para o sistema na ordem dos 510 milhões de euros».
Nesta secção, abordam-se estes quatro pontos levantados pela ERSE e recuperam-se os principais
argumentos que foram discutidos na CPIPREPE sobre estes temas.
Para além destes quatro pontos, foram discutidos na CPIPREPE mais dois temas, resultantes da
aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004, passíveis de configurar uma renda excessiva paga aos produtores de
energia: a extensão da concessão do domínio público hídrico e a prorrogação da operação da central de Sines
sem qualquer compensação ao sistema. Estes dois temas serão discutidos nos capítulos 2 e 3,
respetivamente.
2.4.1 Taxas de atualização diferentes
O Decreto-Lei n.º 240/2004 prevê a utilização de duas taxas diferentes para a atualização dos valores a
pagar pelos CAE e no cálculo das rendas previstas nos CMEC. De facto, inicialmente a taxa de atualização
utilizada para o cálculo do valor inicial dos CMEC foi de 4,85%, enquanto a taxa de juro de cálculo da
anuidade foi de 7,55%, sendo reduzida para 4,72% em 2013 para 4,72% (ver sobre esta matéria o capítulo 6).
A ERSE foi sempre crítica da utilização de taxas diferenciadas e manifestou esta posição já no parecer oficial
que entregou ao governo durante o período preparatório do diploma dos CMEC. Diz a entidade reguladora
neste parecer:
«Os perfis de pagamento previstos nos CAE e nos CMEC devem ser financeiramente equivalentes o que
só é possível utilizando a mesma taxa na actualização dos valores a pagar pelos CAE e no cálculo das rendas
previstas nos CMEC. Só desta forma se garante a equivalência financeira entre os valores de pagamento
previstos nos CAE e os valores previstos nos CMEC.»
(Parecer da ERSE, Maio 2004)
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Dez anos depois da entrada em vigor dos CMEC, no documento que faz o cálculo do ajustamento final em
2017, a ERSE continua a manter a mesma posição, afirmando que o princípio da neutralidade económica não
é cumprido com a existência de duas taxas:
«Não se encontra fundamento para a escolha de uma taxa utilizada para descontar os cash-flows dos
CMEC no cálculo do valor inicial (4,85%) significativamente inferior à taxa utilizada para o cálculo das rendas
anuais (7,55%) aplicadas a esses mesmos cash flows no mesmo momento»
(Cálculo do ajustamento final, ERSE 2017)
No mesmo documento, a entidade reguladora defende que, se tivesse sido utilizada a mesma taxa para a
atualização dos valores a pagar pelos CAE e no cálculo das rendas previstas nos CMEC, a EDP teria de
devolver 125M€ ao sistema elétrico para que a neutralidade económica fosse cumprida.
Na sua audição na CPIPREPE, João Conceição, assessor no Ministério da Economia no período da
preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004, procurou refutar esta posição da ERSE. Para o ex-assessor, a
utilização de taxas diferenciadas justifica-se por dois motivos: 1) os períodos de recebimento dos CAE e
CMEC são diferentes; 2) os riscos de recebimento também não são comparáveis. Quanto ao período de
recebimento, diz João Conceição:
«Se fundíssemos todos os CAE num único, teria uma duração de 10 anos. Se fizermos a média com base
nos montantes de recebimento de cada CAE, portanto, a soma dos encargos fixos e dos encargos variáveis,
então, a média ponderada é um bocadinho mais longa, passa para 13 anos […]. Ora, o período de
recebimento, como os Srs. Deputados sabem, dos CMEC são 20 anos. Quando a ERSE se refere, nos seus
relatórios, a que entre 10, 13 ou 20 é mais ou menos a mesma coisa, confesso que fico um bocadinho
surpreendido…»
(audição de João Conceição)
Quanto à diferença de riscos entre CAE e CMEC, na CPIPREPE tanto João Conceição como mais tarde
João Manso Neto apontam o risco adicional nos CMEC associado à gestão da energia, em que os produtores
apenas recebem uma remuneração equivalente à dos CAE em condições de gestão eficiente, avaliadas pelo
modelo de otimização Valorágua. João Conceição argumenta:
«Se o produtor, numa perspetiva de CAE, tivesse a central disponível, automaticamente, não tinha
qualquer risco de funcionamento da central, porque todos os seus custos variáveis estavam assegurados; ao
migrar para um modelo de CMEC, em que o funcionamento do produtor é avaliado ano a ano com base numa
lógica otimizada de gestão centralizada que está associada à utilização do modelo Valorágua, pode haver aqui
diferenças, e existiram diferenças, que podem pôr um determinado risco ao produtor.»
(audição de João Conceição)
Pelo seu lado, João Manso Neto refere que o Decreto-Lei n.º 240/2004 faz o cálculo da compensação
simplificando a metodologia. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 240/2004 desconta à mesma taxa de juros os cash-
flows associados quer aos CAE, quer às estimativas das receitas líquidas a auferir pelos produtores em
mercado. Afirma João Manso Neto que haveria que descontar o valor dos CAE e dos primeiros 10 anos das
receitas líquidas de mercado a uma taxa de juro mais baixa, porquanto são cash-flows que não apresentam
risco elevado. Os primeiros por serem um montante quase certo e os segundos por, nesses primeiros 10 anos,
estarem sujeitos a um mecanismo de revisibilidade que mitiga risco.
Durante a CPIPREPE, Maria de Lurdes Baía, Coordenadora da Área de Previsões Energéticas da REN,
abordou o mesmo assunto em posição contrária, dizendo que a revisibilidade anual associada ao fator de
ajustamento das produções, é em si mesmo um mecanismo para mitigar este de risco de desvios de
produção, utilizando a posteriori as produções reais para corrigir as estimativas feitas com o modelo
Valorágua:
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«Se olharmos para a questão dos ajustamentos anuais, ao fazermos a revisibilidade anual, estamos a
considerar os preços verificados. Ou seja, durante 10 anos foram salvaguardadas as variações de todas as
variáveis utilizadas no cálculo. (…) Para além disso, poderíamos dizer: «Mas há o risco da produção, porque
não são as produções reais». Realmente, não são as produções reais, mas há um fator de ajustamento das
produções. Ou seja, dentro desse mecanismo de mitigação de risco existe ainda um fator de ajustamento das
produções que é, ele próprio, um fator de mitigação de risco».
(audição de Maria de Lurdes Baía)
Para além do suposto risco de utilização do modelo Valorágua, João Conceição aponta também o risco de
preço de mercado para o produtor após o cálculo da revisibilidade final dos CMEC. Isto é, a partir do momento
que é feita esta revisibilidade, a remuneração proveniente dos CMEC não se altera e os produtores ficam
sujeitos aos riscos de mercado. Diz o ex-assessor do Governo:
«Um terceiro aspeto tem a ver com o facto de, durante o período dois, que começou em julho de 2017, o
produtor passar a ter riscos de mercado, porque o modelo de CMEC previa que fosse feita uma revisibilidade
final e definido o montante dessa revisibilidade, que era pago ao longo de 10 anos, e, a partir daí, o risco seria
total do produtor.»
(audição de João Conceição)
Maria de Lurdes Baía reconhece que este risco de mercado existe no período após a revisibilidade final e
admite «que poderia ser objeto de reflexão a introdução de um prémio de risco no cálculo da parcela de acerto
relativa ao ajustamento final». Todavia, argumenta que este risco é tanto da EDP como dos consumidores.
«Realmente, existe o risco do preço — os preços de mercado são preços baseados nas médias históricas
— e existe o risco da produção. Mas também é bem verdade que o risco existe para os dois lados, pois
também existe para os consumidores. Por exemplo, neste momento, estamos com preços de mercado na
ordem dos 80 €/MWh. No estudo do ajustamento final os preços de mercado que estão lá incluídos não
chegam aos 50 €/MWh. Ou seja, a EDP está a ser beneficiada. Por outro lado, o ano passado foi muito seco.
Portanto, o risco de produção para a EDP no ano passado foi muito grande. Ou seja, vamos ter anos húmidos,
anos secos, e temos riscos para os dois lados: não são apenas para a EDP, são também para os
consumidores.»
(audição de Maria de Lurdes Baía)
O tema da utilização de duas taxas diferentes para a atualização dos CAE e dos CMEC foi também alvo de
comentários e exposições na CPIPREPE de académicos da área financeira, como o professor João Duque e o
professor Paulo Pinho. Também nestas posições encontramos divergências semelhantes na análise de risco e
opiniões contrárias no que diz respeito à utilização de taxas diferenciadas.
João Duque, que realizou o seu estudo sobre esta matéria por encomenda da EDP, preconizou que «a
passagem de CAE para CMEC não é favorável à EDP. Não é favorável! Aliás, eu até diria que lhe é
ligeiramente desfavorável.». João Duque manifestou uma opinião semelhante à de João Conceição e João
Manso Neto, argumentando que há um risco adicional nos CMEC que não existia nos CAE, e que está
relacionado precisamente com o período após a revisibilidade final. Para João Duque, este risco é suficiente
para justificar a aplicação de duas taxas diferentes:
«Dois cash-flowsidênticos com níveis de risco diferentes têm de ser descontados a taxas de custo de
oportunidade de capital diferentes. Ponto! Do ponto de vista técnico, é um erro — é um erro! — descontarem-
se dois fluxos de caixa com riscos diferentes à mesma taxa. (…) Se é verdade que, durante um período de
tempo, ainda havia um preço de referência — salvo erro, de 50 € por unidade de medida elétrica —, a partir de
determinada altura, deixa mesmo de se considerar esse regime. Por isso, se, de 2007 a 2016, havia um
regime ainda algo protegido, a partir daí, de 2017 a 2027, há total desproteção. Por isso, de facto, não
estamos a comparar dois fluxos de caixa iguais.»
(audição de João Duque)
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Já Paulo Pinho, que era administrador da REN em 2007, convergiu com Maria de Lurdes Baía, defendendo
que a revisibilidade é um mecanismo de mitigação do risco que faz equivaler as condições dos CAE à dos
CMEC no que toca ao risco dos produtores o que, portanto, não justifica a utilização de duas taxas de
atualização diferentes nos primeiros dez anos.
«Os CMEC estavam sujeitos a um mecanismo de revisibilidade anual […] O que é que isto significa?
Significa uma coisa tão importante quanto isto: é que o risco dos CMEC é igual ao dos CAE!»
(audição de Paulo Pinho)
Paulo Pinho reconhece o argumento de João Conceição e João Duque no que respeita ao risco adicional
nos últimos 10 anos dos CMEC, após a revisibilidade final. No entanto, defende que esse risco é muito baixo,
uma vez que:
«Segundo a teoria financeira, se não houver financiamento por dívida […] o custo de capital depende
apenas de uma coisa: daquilo a que chamamos o risco sistemático do ativo que estamos a avaliar. Ou seja, o
risco que o acionista do produtor — não é o produtor — não consegue eliminar por diversificação».
Segundo Paulo Pinho, nos últimos 10 anos dos CMEC, precisamente quando poderá haver o risco de
mercado, a totalidade das centrais abrangidas por CMEC são hídricas, que têm um risco sistemático baixo.
«É que o risco que é relevante, repito, posso chamar de ‘risco sistemático’ e o risco sistemático das
centrais hídricas é baixo. O risco que é relevante para as centrais hídricas é: há chuva ou não há chuva e esse
nada tem a ver com o estado geral da economia».
(audição de Paulo Pinho)
Assim, para Paulo Pinho, só seria possível considerar-se uma taxa diferente para a atualização do valor
dos CMEC se ela se aplicasse apenas aos 10 anos finais e se refletisse as condições dos centros
electroprodutores (na sua totalidade hídricas) que estivessem abrangidos pelos CMEC.
«O que se poderia ter feito era descontar os fluxos de caixa desses centros eletroprodutores a uma taxa
que refletisse o custo do risco da hídrica, e só esses e só para esses anos em que não havia revisibilidade.
Um cálculo feito assim daria um valor completamente diferente daquele que veio a ser apurado.”
(audição de Paulo Pinho)
De acordo com João Duque, os cash-flows deveriam ter sido descontados a taxas diferentes segundo o
período a que correspondem (taxa mais baixa nos primeiros dez anos, taxa mais alta para o período seguinte)
Esta metodologia poderia ter atribuído à EDP uma compensação superior 1,2 mil milhões de euros, ao invés
da de 832 milhões de euros que recebeu. Quanto à taxa da anuidade associada ao pagamento do CMEC
inicial, várias entidades defendem que essa taxa deveria ter sido inferior aos 7,55% que foram fixados na
altura, associada ao custo médio de capital do produtor. Segundo João Duque, essa taxa deveria de facto ter
sido inferior e que esse aspeto terá beneficiado a EDP. No entanto, este ganho da EDP apenas compensa
parcialmente a perda por se ter considerado uma única taxa para descontar os cash-flows. Assim, alega João
Duque que a EDP poderá ter sido prejudicada no tema das taxas de juro. Esta é também a opinião dos
autores do autor de outro estudo encomendado pela EDP, Miguel Ferreira da Universidade Nova.
Em novembro de 2012, esta questão é reaberta pelo governo no âmbito da aplicação da medida 5.6 do
Memorando de Entendimento com a troika, que estabelecia a «tomada de medidas visando limitar o
sobrecusto da produção de eletricidade em regime ordinário, em particular através da renegociação ou da
revisão em baixa do mecanismo de compensação garantida (CMEC) pago aos produtores em regime ordinário
e dos CAE remanescentes».
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No relatório «Report on the CMEC scheme», o governo contesta a utilização de duas taxas no cálculo do
valor inicial dos CMEC e coloca explicitamente em causa a autorização dada em 2004 pela Comissão
Europeia ao Decreto-Lei n.º 240/2004:
«O aumento do valor contratual em relação ao valor inicial dos CAE através da metodologia usada nos
CMEC parece não ter sido considerado na Decisão da UE n.º 161/2004, que validou a compensação por
custos ociosos».
Relatório «Report on the CMEC scheme», enviado à troika pelo Governo português em novembro de 2012.
Segundo a ERSE, essa decisão teve um custo adicional para os consumidores de 300 milhões, dos quais
apenas 120 milhões foram recuperados na sequência do acordo, celebrado em abril de 2012 ano entre a EDP
e o governo, que esteve na origem da redução da taxa de juro aplicada à componente fixa do CMEC, de
7,55% para 4,72% (Portaria n.º 85-A/2013, ver também capítulo 9).
Após várias intervenções na CPIPREPE sobre o uso de taxas diferentes para a atualização dos valores a
pagar pelos CAE e no cálculo das rendas previstas nos CMEC, fica clara a divergência entre intervenientes
sobre o tema.
Conclusão
No que respeita ao impacto deste ponto na neutralidade económica dos CMEC em relação aos CAE, pode
concluir-se que:
1. Não se encontram argumentos nas posições de João Conceição, nem da EDP (Manso Neto), que
contrariem a ideia de que a revisibilidade é uma forma de minimizar o risco dos CMEC, fazendo equivaler este
risco ao dos CAE. Por isso, fica claro que os ganhos da EDP decorrentes do uso de uma taxa diferente na
primeira década do CMEC (2007-2017) quebram a neutralidade económica que quer o Governo quer a EDP
defendiam para o processo de transição.
2. Os governos envolvidos no processo de preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 tiveram conhecimento
das diferentes posições sobre este tema, nomeadamente o parecer crítico da ERSE quanto ao uso de duas
taxas para atualização dos valores do CAE e das rendas previstas nos CMEC;
3. Sobre a segunda década de CMEC, após a revisibilidade final, os argumentos de João Conceição e
João Manso Neto sobre o aumento do risco pela exposição ao mercado coincidem com as posições de Maria
de Lurdes Baía e Paulo Pinho. Assim, os intervenientes na CPIPREPE que se debruçaram mais
detalhadamente sobre esta matéria convergem na ideia de que os riscos do CMEC na segunda fase de
implementação são superiores ao dos CAE, podendo assim considerar-se uma taxa diferente (ou um prémio
de risco) que refletisse esta diferença.
4. Foram também apresentados, sem refutação consistente, dois fatores que suavizam esta diferença: (1)
o número de centrais da EDP abrangidas pelo CMEC na segunda fase é significativamente menor do que na
primeira; (2) o cálculo da revisibilidade final tem em conta dados históricos e, quando aplicado a um período
significativamente longo (os 10 anos da segunda fase), tende a equilibrar as flutuações anuais e a reproduzir
um valor do CMEC a longo prazo semelhante ao previsto nos CAE. Assim, admitindo-se a utilização das duas
taxas na segunda fase do CMEC, não se verifica consenso sobre a amplitude dessa diferença.
2.4.2 Testes de verificação da disponibilidade das centrais
Durante o período dos CAE, as centrais abrangidas por este mecanismo estavam sujeitas à verificação da
disponibilidade por parte da REN, no sentido de apurar se a disponibilidade contratualizada nos CAE estava
de facto a ser oferecida por cada central.
Com a cessação dos CAE e sem obrigação explícita no Decreto-Lei n.º 240/2004, os testes deixaram de ter
cobertura legal que os permitisse (salvo casos excecionais, detalhados no depoimento do ex-Diretor-Geral de
Energia Pedro Cabral).
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Para a ERSE, a não realização dos testes de disponibilidade permite que as declarações de disponibilidade
efetuadas pelo produtor não correspondam à disponibilidade real, em particular para as centrais que produzem
menos.
No relatório que suporta o cálculo do ajustamento final, a ERSE contabiliza em 285M€ os ganhos auferidos
pela EDP por níveis de disponibilidade superiores aos contratados:
«Ausência total deste tipo de testes, por não terem sido previstos no Decreto-Lei n.º 240/2004 nem nos
Acordos de Cessação, cria condições de impunidade para as centrais que não produzem, particularmente as
que não colocam ofertas de venda no mercado ou fazem ofertas que não são ‘casadas’, sendo assim
impossível verificar se a disponibilidade declarada é real. Como a remuneração da central está diretamente
associada à disponibilidade, o fim dos testes à disponibilidade das centrais incentiva as mesmas a declararem
uma disponibilidade superior à que efetivamente se verificava. Nestes casos, não é possível assegurar que os
encargos fixos que foram pagos aos produtores, muitas vezes corrigidos por excesso por via dos coeficientes
km, corresponda a uma disponibilidade efetiva das centrais.»
(Cálculo do ajustamento final, ERSE 2017)
Em audição na CPIPREPE, João Conceição discordou da posição da ERSE e argumenta que a média
mensal das disponibilidades declaradas durante o período em que não houve verificação é inferior à do
período após 2014 em que houve verificação:
«O que a ERSE faz é simplesmente anular os valores de revisibilidade reais e utilizar o valor de referência
do [coeficiente de disponibilidade] KM=1. (…) Fazendo a média de todos os meses, de todas as centrais que
tiveram CAE e depois passaram para CMEC, entre 2001 e junho de 2007 — portanto, estamos a falar de
período CAE —, a média dos KM mensais de todas as centrais com CAE tem um valor de 1,039. A média do
período de julho de 2007 a julho de 2014, quando foi restituída, como os Srs. Deputados sabem, a realização
dos testes de disponibilidade, foi de 1,032. Fazendo a média do período de agosto de 2014 até junho de 2017,
o período remanescente já sujeito a testes de disponibilidade, e que a ERSE não questiona, dá um valor de
1,043. Ou seja, tenho uma grande dificuldade em perceber por que é que a ERSE, quando deveria usar
valores reais, simplesmente transforma a utilização do valor de referência, definido precisamente com base no
conceito de referência. Esse valor é definido mas todas as outras variáveis são também variáveis de referência
e não variáveis reais. Tenho ainda mais dificuldade quando a média dos KM, durante o período em que não
foram realizados testes, foi a mais baixa de todos os períodos com CAE e durante o período com testes».
(audição de João Conceição)
Estes foram os argumentos técnicos de contestação do cálculo do regulador para o valor de ajustamento
de 285M€. Ficou claro o desacordo entre os vários intervenientes sobre o valor e o método de cálculo da
ERSE que quantifica os ganhos dos produtores relativos à supressão dos testes de disponibilidade.
Porém, a questão central que a CPIPREPE pretendeu esclarecer foi a decisão política que levou à não
inclusão de um mecanismo de verificação de disponibilidade no Decreto-Lei n.º 240/2004. De facto,
independentemente de esta decisão ter vindo (ou não) mais tarde a consagrar-se num fator de desequilíbrio
económico dos CMEC em relação ao CAE, a abolição destes testes abriu pelo menos essa possibilidade aos
produtores.
O esclarecimento desta decisão ganha ainda mais relevância quando se sabe que, à data das decisões, o
governo tinha recebido alertas, tanto da REN como da ERSE, sobre as consequências da não inclusão de um
mecanismo de verificação das disponibilidades. Resume assim o parecer da ERSE de 2004, que chegou ao
governo durante a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004:
«Caso não sejam definidos os mecanismos necessários à verificação da disponibilidade dos grupos
electroprodutores, os produtores poderão fazer declarações de disponibilidade superiores às acordadas nos
CAE. Não podendo estas declarações ser verificadas a posteriori, traduzir-se-ão em pagamentos fixos pelos
CMEC mais elevados».
(Parecer ERSE 2004)
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Quando confrontados com esta decisão, os principais intervenientes no processo de preparação do
Decreto-Lei n.º 240/2004 argumentaram que os próprios mecanismos de mercado são um desincentivo à
declaração de disponibilidades acima das reais e que portanto não era necessário incluir estes testes no
diploma, como argumenta Ricardo Ferreira, assessor do Ministério da Economia de então:
«Foi considerado que os incentivos que o mercado dava para os agentes estarem disponíveis eram mais
do que suficientes. Se eu disser que estou disponível, o Valorágua pode dizer-me que vou ter de produzir; se
eu não produzir, é uma chatice. Portanto, os produtores não tinham incentivo nenhum em andar a falsear
declarações, porque o problema era exatamente esse; era dizer que ‘os produtores vão falsear’»
(audição Ricardo Ferreira)
Também João Manso Neto, que conduziu o processo do lado da EDP não tem dúvidas que um mecanismo
de verificação de disponibilidade era totalmente desnecessário, já que o mercado fazia esse papel:
«A EDP não podia declarar em mercado o que não estava disponível. Porquê? Porque se declarasse em
mercado e depois fosse chamada incorria em penalidades. Aliás, se formos ver a história, é claríssimo que a
EDP, em muitas circunstâncias, não esteve disponível, declarou a indisponibilidade e por isso pagou.»
(audição João Manso Neto)
Dispondo de um quase monopólio da produção hídrica, a margem de manobra da EDP na gestão da oferta
é muito grande. No seu depoimento, o ex-Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, não reconhece a
impossibilidade de manipulação alegada por João Manso Neto.
«Está provado que as centrais hídricas do Douro estavam em obras e aumentavam a disponibilidade e que
a central hidroelétrica de Setúbal, tinha peças desmanteladas e aumentava aquilo que declarava na
disponibilidade. (…) Não havia nem forma contratual nem forma legal de haver a sua consideração».
Jorge Seguro Sanches acrescenta como argumento jurídico que:
«No momento em que os CAE cessaram, o direito dos seus titulares limitava-se à disponibilidade
contratada. Não obstante estar previsto nos CAE um mecanismo para pagar disponibilidade acrescida e
penalizar a disponibilidade inferior, a verdade é que esses mecanismos para funcionarem careciam da
verificação de um facto que se afastava da normalidade contratada.
Tal significa que as duas situações anormais – disponibilidade superior ou inferior – não podem ser
consideradas no cálculo de uma indemnização [o CMEC], pois não existe qualquer direito constituído.
Dito por outras palavras: se o Estado tivesse optado por pagar de imediato a indemnização em vez de criar
os CMEC, o cálculo do montante indemnizatório teria, necessariamente, que cingir-se à disponibilidade
contratada e garantida».
(audição Jorge Seguro Sanches)
Pode concluir-se que:
1. Os governos envolvidos no processo de preparação e aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004
consideraram que a participação em mercado era suficiente para que as centrais declarassem a sua
disponibilidade real, descartando assim os testes de disponibilidade;
2. Não foram considerados os vários alertas da ERSE e da REN sobre a abolição deste mecanismo e
sobre os possíveis impactos no valor dos CMEC a pagar aos produtores, quantificados mais tarde pela ERSE
em 285 M€.
3. Não existe suporte legal para a remuneração de disponibilidade superior à contratada, tal como define a
ERSE no cálculo do ajustamento final homologado pelo governo em 2018.
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2.4.3 Aplicação do fator de correção das produções resultantes do modelo Valorágua
No cálculo da revisibilidade final dos CMEC, a ERSE atribui um valor adicional de 90M€ a favor dos
produtores decorrente da aplicação de fator de correção de 0.99 previsto do Decreto-Lei n.º 240/2004. Este
fator pretendia corrigir as produções do modelo Valorágua, usado para o cálculo das diferentes componentes
dos CMEC em 2004, por comparação com dados históricos. Após a primeira década dos CMEC, a ERSE fez
uma avaliação ex-post ao fator de correção, aplicando o modelo Valorágua às produções reais de Sines e das
centrais hídricas com um fator de correção igual a 1. Conclui assim o regulador no documento que expõe o
cálculo da revisibilidade final:
«A aplicação deste fator, utilizado em todos os cálculos dos CMEC (como o cálculo do valor inicial e os
ajustamentos anuais), origina uma diminuição das receitas de mercado das centrais de Sines e hidroelétricas,
e uma diminuição dos custos variáveis da central de Sines.»
(ERSE, Cálculo do ajustamento final, 2017)
Em audiência na CPIPREPE, João Manso Neto discorda da posição da ERSE, argumentando que, ao
utilizar um fator de correção igual a 1, o regulador está a pedir que os produtores tenham um desempenho
melhor do que o modelo de otimização:
«O modelo tem informação do ano inteiro para otimizar, e eu não tenho, só tenho informação do passado,
não tenho informação futura. Portanto, fizeram-se análises estatísticas, em termos de grupo de trabalho, e
chegou-se à conclusão de que era necessário um ajustamento de apenas 1% ao Valorágua para haver
equilíbrio. A ERSE acha mal, sem fundamento nenhum — a estatística o demonstra e a intuição também. Não
faz sentido nenhum que, de facto, se obrigue alguém, por muito inteligente que seja, a ser melhor do que
modelo, que tem informação que não se tem».
(audição João Manso Neto)
Também o diretor de regulação da EDP, Ricardo Ferreira, considera que a existência de um fator de
correção é justificada pelo facto de, historicamente, se verificar que o modelo Valorágua sobrevalorizava
algumas produções.
Já João Conceição discorda da forma como a ERSE chegou ao valor de 90 M€, descontando aos ganhos
com a aplicação do fator de correção (116 M€) o valor do que já antes teria sido detetado nos diferentes
exercícios de revisibilidade (26 M€). Para João Conceição, estes 26 M€ estão muito abaixo do que a ERSE
teria declarado em anteriores exercícios de revisibilidade e argumenta que o regulador deveria ter descontado
um valor muito mais alto.
«A mesma ERSE no seu parecer à revisibilidade de 2014, feito em junho de 2016, […] vem reconhecer que
o modelo Valorágua induziu um benefício a favor dos consumidores de 103 milhões de euros. (…) Portanto, o
meu comentário em relação ao ponto do Valorágua é simples e é o seguinte: só gostava de perceber porque é
que, em 2016, a ERSE diz que houve uma vantagem de 103 milhões de euros para os consumidores e, um
ano depois, por prudência, reduz essa vantagem para 26 milhões de euros.»
(audição de João Conceição)
Mais uma vez sobre uma decisão de 2004 – neste caso o fator de correção de 0,99 dos resultados do
Valorágua – tanto os representantes da EDP como as pessoas envolvidas na preparação do Decreto-Lei n.º
240/2004 têm opiniões contrárias às do regulador no que toca ao impacto da medida. Os argumentos da
discussão são essencialmente técnicos, envolvendo um detalhe nos cálculos e nos pressupostos das duas
partes que torna difícil à CPIPREPE ter uma conclusão definitiva sobre o valor real do impacto da medida.
Salientam-se, porém, os valores avançados pela ERSE, de 90 M€, bem como valor de 103 M€ a que nos
remete a argumentação de João Conceição.
Por fim, salienta-se que, ao contrário dos dois pontos anteriores, quanto à decisão da aplicação do fator de
correção de 0,99 das produções provenientes do modelo Valorágua, não se conhece nenhum alerta do
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regulador durante a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 sobre o impacto desta medida na neutralidade
económica dos CMEC em relação aos CAE. Daqui pode-se retirar que a ERSE, em 2004, ou não considerou
relevantes os possíveis impactos do fator de correção das produções ou assumiu que este ponto iria ser objeto
de revisibilidade. Esta última hipótese justificaria a opção do regulador no exercício de revisibilidade final em
2017, onde refaz as contas do modelo Valorágua sem o fator de correção previsto no Decreto-Lei n.º
240/2004.
2.4.4 Licenças de CO2
Para além das produções simuladas do modelo Valorágua, o cálculo do valor do CMEC tem em conta um
fator anual de emissão de CO2 teórico (0,912 ton CO2/MWh). No exercício da revisibilidade final, a ERSE
quantifica o impacto da utilização deste fator, tendo em conta os valores de emissões reais das centrais e
conclui que houve um ganho dos produtores de 10 M€. No documento, a ERSE justifica assim o facto de
corrigir o valor de emissões teórico existente no procedimento de cálculo dos CMEC:
«Estando disponível desde 2005 o mecanismo europeu de comércio de emissões, onde foram registadas
os valores das emissões verificadas nos centros eletroprodutores, é possível calcular um fator de emissão de
CO2 real, não havendo racional que justifique o cálculo do custo das licenças de CO2 com quantidades obtidas
através de fatores de emissão e rendimentos teóricos».
(Cálculo do ajustamento final, ERSE 2017)
Também sobre este assunto, apenas João Manso Neto e João Conceição fizeram declarações sobre o
exercício do regulador. Para o administrador da EDP entre 2006 e 2015, este cálculo da ERSE baseia-se em
detalhes que não se justificam e carece de legitimidade constitucional:
«A ERSE, quando faz este estudo em 2017, diz que essas alterações exigiam alterações legislativas que
não existem. E mais: a Secretaria de Estado, quando despacha a revisibilidade final diz, taxativamente, que
introduzir estas medidas em termos de compensação, seria de constitucionalidade duvidosa. Ou seja, é um
estudo que, de facto, do meu ponto de vista, não tem fundamento nenhum.»
(audição João Manso Neto)
Já João Conceição não compreende os cálculos do regulador mas admite que poderá haver razões que os
justifique.
«É um parágrafo muito curto, não há grandes justificações e a ERSE apenas diz que houve benefícios
entre 7,5 milhões de euros e 11 milhões de euros e, portanto, o valor a considerar é 10 milhões de euros. Não
consigo perceber mas certamente a ERSE teve alguma razão, que não detalhou no relatório, não só para
chegar a destes 7,5 milhões de euros a 11 milhões de euros como, de repente, não fazer o valor médio deste
intervalo e dizer simplesmente que é 10 milhões de euros.»
(audição de João Conceição)
Ricardo Ferreira argumentou com o facto de todo o mecanismo de CMEC estar assente em modelos e
estimativas e não na utilização de valores reais. Por isso, apenas no caso das licenças de CO2 usar os valores
reais seria incoerente com o modelo.
O ponto relativo ao impacto das licenças de CO2 na neutralidade dos CAE em relação aos CMEC foi alvo
de pouca atenção dos intervenientes na CPIPREPE. Não foram apresentados argumentos que contrariem o
valor de 10 M€ avançado pelo regulador, nem foram propostos cálculos alternativos.
Tal como no ponto anterior, também se desconhecem alertas do regulador ou de outras entidades à data
das decisões em 2004 sobre o impacto das licenças de CO2 na neutralidade dos CMEC em relação aos CAE.
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2.4.5 O parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República
A repercussão tarifária dos valores enunciados pela ERSE no cálculo do ajustamento final dos CMEC veio
a sustentar-se no Parecer n.º 24/2017 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR),
homologado pelo Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches. Nas suas conclusões, pode ler-se:
«9.ª (…) Dada a natureza dos CMEC, sempre se terá de considerar estar-se perante matéria de reserva de
lei, pelo que não pode o Governo proceder a uma deslegalização, remetendo para a via contratual a regulação
primária de aspetos essenciais do respetivo regime;
10.ª Consequentemente, os acordos de cessação dos CAE não podem introduzir novos fatores nos
cálculos dos ajustamentos anuais e final dos CMEC;
11.ª No cálculo dos CMEC, o valor do CAE reporta-se à data prevista para a sua cessação antecipada e
calcula-se de acordo com as disposições nele previstas, incluindo a amortização e remuneração implícita ou
explícita no CAE do ativo líquido inicial e do investimento adicional, conforme definidos no respetivo contrato,
devidamente autorizados e contabilizados;
12.ª O procedimento da revisibilidade dos CMEC, com vista ao apuramento dos ajustamentos anuais,
processa-se nos termos dos n.os 1 a 11 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 240/2004, sendo, após a
determinação do respetivo valor, enviados os ajustamentos anuais ao membro do governo responsável pela
área de energia para efeitos de homologação (cf. n.º 7);
13.ª O despacho homologatório do montante do ajustamento anual dos CMEC configura um ato
administrativo;
14.ª Assim, o ato de homologação com fundamento na sua invalidade, pode ser declarado nulo, a todo o
tempo, no caso da ocorrência de vício gerador de nulidade (cf. artigo 162.º do Código do Procedimento
Administrativo — CPA –, em vigor, e, anteriormente, artigos 133.º e Diário da República, 2.ª série — N.º 23 —
1 de fevereiro de 2018 3869 134.º do CPA de 1991), ou ser objeto de anulação administrativa (n.º 2 do artigo
165.º do CPA), nos termos e condições dos artigos 166.º e 168.º do CPA;
15.ª Ora, no caso de o ato homologatório considerar aspetos abrangidos pela matéria de reserva de lei, e
que tenham inovatoriamente sido regulados nos acordos de cessação dos CAE, terá de ser considerado nulo
por estar viciado de usurpação de poder [cf. artigo 161.º, n.º 2, alínea a), do CPA e, anteriormente, artigo
133.º, n.º 2, alínea a), do CPA de 1991].»
(Parecer n.º 42/2017 do Conselho Consultivo da PGR, de 9 de novembro de 2017, homologado por
despacho de Jorge Seguro Sanches em 24 de novembro de 2017)
Em dezembro de 2017 é criado pelo governo um grupo de trabalho envolvendo a DGEG e a ERSE, com a
missão de identificar e quantificar a remuneração indevidamente paga em função regras introduzidas pelos
acordos de cessação dos CAE.
2.5 Processo de aprovação dos CMEC na Comissão Europeia
Em 2004, tendo Comissão Europeia analisado e discutido o projeto de decreto-lei dos CMEC, impôs a
introdução de diversos aspetos nesse texto, designadamente a existência de um período de revisibilidade
inicial (que veio a ser de 10 anos), um montante máximo para as compensações e aspetos relativos à
repercussão tarifária.
Ainda em 2004, a CE aprovou o conteúdo do decreto-lei dos CMEC que já continha os seguintes aspetos:
utilização de taxas de juro distintas para a atualização de fluxos financeiros e cálculo da anuidade da
compensação; utilização do modelo Valorágua; necessidade de emissão de licenças de produção para as
centrais cujos CAE fossem cessados; ausência de referências a realização de testes às disponibilidades das
centrais.
Em 2013 a CE emitiu uma Decisão de investigação aprofundada, na qual afirma sobre o regime de CMEC
que, «baseado na informação disponível à data, não há evidência de que a compensação aprovada tenha sido
mal utilizada ou cessado a sua compatibilidade com o Mercado Interno».
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Em 2017, emitiu uma decisão, após 5 anos de investigação do tema do domínio público hídrico, afirmando
que o valor pago pela EDP foi um valor justo e com referenciais de mercado. Mais afirmou a Comissão
Europeia que a utilização de uma única taxa de juro não é uma metodologia correta no caso da determinação
do valor do domínio público hídrico.
A Decisão de 2004 baseou-se na Comunicação da Comissão Europeia relativa à «Metodologia de análise
dos auxílios estatais ligados a custos ociosos», de 26 de julho de 2001, que define os critérios a cumprir pelas
garantias e compromissos que constituam custos ociosos suscetíveis de serem reconhecidos pela Comissão
para efeito da atribuição de ajudas de Estado. Entre esses critérios estão os seguintes, enunciados na
Metodologia da Comissão:
«3.3 Estes compromissos ou garantias de funcionamento devem ser suscetíveis de não poderem ser
honrados na sequência das disposições da directiva. Para constituir um custo ocioso, um compromisso ou
uma garantia deve por conseguinte tornar-se não económico devido aos efeitos da Directiva 96/92/CE e
afectar sensivelmente a competitividade da empresa em causa. (…) Os compromissos ou garantias que não
tiverem podido ser honrados independentemente da entrada em vigor da directiva não constituem custos
ociosos. (…)
3.5 Os compromissos ou garantias que ligam empresas pertencentes a um mesmo grupo não podem, em
princípio, constituir custos ociosos. (…)
3.8 Os custos ociosos devem ser avaliados após dedução de qualquer auxílio pago ou a pagar para os
activos a que se referem. Em especial, quando um compromisso ou garantia de exploração corresponde a um
investimento que foi objecto de um auxílio público, o valor deste auxílio deve ser deduzido do montante dos
eventuais custos ociosos resultantes desse compromisso ou garantia. (…)
3.10 Os custos amortizados antes da transposição para o direito nacional da Directiva 96/92/CE não podem
ser considerados custos ociosos. No entanto, as provisões ou as depreciações de activos inscritos no balanço
das empresas em causa com o objectivo explícito de ter em conta os efeitos previsíveis da Directiva podem
corresponder a custos ociosos. (…)
3.12 Os custos eventualmente suportados por certas empresas para além do horizonte indicado no artigo
26º da Directiva 96/92/CE (18 de Fevereiro de 2006) não podem, em princípio, constituir custos ociosos
elegíveis nos termos da presente metodologia». (…)
(Comunicação da Comissão Europeia relativa à Metodologia de análise dos auxílios estatais ligados a
custos ociosos, 26 de julho de 2001)
Na sua Decisão de 22 de setembro de 2004 sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 240/2004, a Comissão
Europeia começa por recusar a base da argumentação do governo português:
«De acordo com as Autoridades portuguesas, tais compensações consistem apenas numa justa
indemnização pelo facto de o Estado proceder à cessação antecipada dos CAE, que são contratos entre duas
partes privadas, o que não poderá ser considerado uma vantagem. A Comissão considera que uma tal
justificação não se aplica a este caso específico, dado que os contratos iniciais, que serão objecto de
cessação, já concedem uma vantagem aos produtores vinculados. Na verdade, os CAE eximem os produtores
vinculados de todos os riscos associados aos investimentos cobertos pelos contratos: dispõem da garantia de
reembolso de todos os seus custos, e de venda de um montante fixo de electricidade a um preço garantido e
durante um período determinado e muito longo. Este factor de segurança contra todos os riscos, num mercado
aliás muito cíclico, é proporcionado sem qualquer contrapartida. Constitui uma clara vantagem para os
produtores que celebraram os CAE. Por conseguinte, a cessação dos CAE e a concessão de compensações a
esse título constitui apenas um modo de alterar a forma como era concedida a vantagem anterior e não um
modo de compensar uma desvantagem. De facto, após a cessação dos CAE, aqueles produtores receberão
uma compensação que lhes permitirá, não obstante a abertura do mercado, manter o seu volume de vendas
(deste modo limitando os riscos em que de outro modo incorreriam) ainda que os centros produtores em
questão se venham a revelar ser intrinsecamente menos eficientes que outros centros produtores que possam
ser construídos no futuro por novos concorrentes potenciais.»
(Decisão em 22 de setembro de 2004 – Auxílio estatal N 161/2004)
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Estas constatações bastariam para excluir da consideração de custos ociosos tanto os CAE da EDP como
os da Turbogás e da Tejo Energia, tal como aliás sucedeu em decisões do Tribunal de Justiça da União
Europeia sobre contratos semelhantes na Hungria.
Apesar de considerar que «a cessação dos CAE e a concessão de compensações a esse título constitui
apenas um modo de alterar a forma como era concedida a vantagem anterior e não um modo de compensar
uma desvantagem», a Comissão Europeia validou o Decreto-Lei n.º 240/2004 no pressuposto de que os CAE
representaram para a EDP uma garantia de funcionamento que «tornou possível a construção destes centros
electroprodutores» (pág. 5 da Decisão da CE) e que 1) poderia ter influenciado investimentos geradores de
elevados prejuízos para estas centrais 2) dada a sua alegada ineficiência; 3) na falta de compensação destes
custos, a EDP poderia ter a sua viabilidade ameaçada.
Entre 2007 e 2016, o conjunto de auxílios de Estado atribuídos à EDP a título de custos ociosos
ultrapassou os 2700 milhões de euros, números da ERSE.
«Penso que há graves deficiências nessa apreciação [da Comissão Europeia]. Grande parte da análise da
Comissão baseia-se na ideia de que os CMEC foram a continuação dos CAE — sem fazer uma análise
profunda ou pronunciar-se grandemente sobre os CMEC — e de que os CAE foram atribuídos numa altura em
que a empresa não poderia sobreviver em termos de mercado. Sabemos, a posteriori, que isso não tem
qualquer racionalidade. (…)
Não vejo que todas as decisões da Comissão Europeia tenham de ser consideradas, digamos, modelo;
mas julgo que esta foi das piores decisões que a Comissão tomou. E, como sabem, várias decisões da
Comissão Europeia são, depois, rejeitadas pelos tribunais europeus».
Audição de Abel Mateus, presidente da AdC (2003-2008)
Em novembro de 2012, o governo português remete à troika o relatório previsto na medida 5.6 do
Memorando de Entendimento – «Report on the CMEC Scheme» –, e que mais tarde será enviado também à
Comissão Europeia no âmbito da investigação aprofundada à extensão da concessão do domínio hídrico à
EDP, que, na opinião do governo, promoveu uma vantagem adicional em relação aos CAE, quantificada em
300 milhões de euros:
«O aumento do valor contratual em relação ao valor inicial dos CAE através da metodologia usada nos
CMEC parece não ter sido considerada na Decisão da UE n.º 161/2004, que validou a compensação por
custos ociosos».
(Report on the CMEC Scheme, Governo português, novembro de 2012)
No entanto, em 2013, em face da queixa apresentada no ano anterior por um conjunto de cidadãos, a
Comissão Europeia decide o arquivamento dos elementos relativos à Decisão de 2004, abrindo, em
contrapartida uma investigação aprofundada sobre a questão da extensão do domínio hídrico.
Conclusões
1. A legislação de 1995 veio, na sequência de legislação anterior que previa um mecanismo CAE no SEN,
estender estes contratos às centrais pertencentes à EDP, então totalmente pública. A taxa de remuneração
aplicável à extensão dos CAE às centrais da EDP foi de 8,5%. A taxa anteriormente aplicada aos CAE da Tejo
Energia e da Turbogás cifrava-se em 10%.
2. A decisão política de configurar os CAE das centrais da EDP (centrais existentes) tomando como
referência os CAE das centrais da Tejo Energia e da Turbogás (novos investimentos) reconfigurou a empresa,
tendo em vista o cumprimento das diretivas europeias de liberalização do mercado, o robustecimento
financeiro da empresa e a dinamização do seu processo de privatização.
3. A cessação antecipada dos CAE foi imposta por força de uma diretiva comunitária, num momento em
que existiam condições para a revisão das remunerações garantidas dez anos antes, na medida em que eram
previsíveis as graves consequências económicas e sociais da manutenção dos níveis de remuneração dos
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CAE e na medida em que o Estado era o acionista de controlo da EDP. A par da AdC, a ERSE propôs
modelos de enquadramento alternativos ao dos CMEC. O governo de Durão Barroso rejeitou essas propostas
e optou pelo modelo de manutenção do equilíbrio contratual.
4. Contra a premissa da manutenção do equilíbrio contratual dos CAE, que presidiu à preparação do
Decreto-Lei n.º 240/2004, este introduziu vantagens para os produtores que não decorriam daqueles
contratos. Essas vantagens foram quantificadas pela ERSE em 2017 e podem ser agrupadas em duas
categorias:
○ Vantagens para as quais os governos Durão Barroso e Santana Lopes foram alertados previamente:
■ aplicação das duas taxas à primeira fase do CMEC (período de revisibilidade);
■ ausência da verificação de disponibilidade. Nestes existe uma responsabilidade clara assente em
decisões conscientes;
○ Vantagens identificadas a posteriori:
■ aplicação do fator de correção do modelo Valorágua;
■ introdução das licenças de CO2, decorrente de legislação posterior.
○ O governo foi ainda alertado pela ERSE para a transferência para os produtores, por força do
Decreto-Lei n.º 240/2004, de opções com valor económico e estratégico e de rendas adicionais,
nomeadamente na extensão da concessão do domínio hídrico a favor da EDP (tema desenvolvido no
capítulo 2), na operação de outras centrais (capítulo 3), e ainda no pagamento de rendas pelos terrenos do
domínio público hídrico (capítulo 4).
○ Como sinaliza a ERSE, sob o atual enquadramento legal são recuperáveis os ganhos indevidos
ocorridos por efeito das práticas identificadas na nota de ilicitude emitida à EDP pela Autoridade da
Concorrência, resultante de um abuso de posição dominante da empresa entre 2009 e 2014 no mercado
de serviços de sistema, bem como da sobrecompensação identificada pela ERSE quanto ao cálculo da
disponibilidade das centrais em mercado, estimada em 285 milhões de euros, e validada por Parecer da
Procuradoria-Geral da República e por cálculos da ERSE.
5. A autorização concedida em 2004 pela Comissão Europeia para a aprovação do regime previsto no
Decreto-Lei n.º 240/2004 assenta na omissão de aspetos que flagrantemente contradizem a Metodologia
invocada na Decisão da Comissão em 2004.
6. O XVI Governo, de Santana Lopes, aprovou o Decreto-Lei n.º 240/2004 mediante autorização legislativa
da Assembleia da República, aprovada com os votos dos partidos que sustentavam o governo.
Recomendações
1. Tal como indicado pela ERSE no cálculo do ajustamento final dos CMEC, os elementos que pervertem o
objetivo legal da manutenção do equilíbrio contratual devem continuar a ser corrigidos.
2. A sobrerremuneração constituída na atribuição dos CAE à EDP e mantida pelos CMEC deve ser revista
para o período remanescente deste regime.
Capítulo 2
A prorrogação das centrais de Sines e do Pego para além do prazo do CAE
A Central Termoelétrica de Sines foi construída na década de 80, integrada no plano de construção da
zona industrial de Sines. É explorada pela EDP, sendo a central a carvão de maior potência no país, 1256 MW
(4 grupos de 314 MW).
A Central Termoelétrica do Pego, detida pelo consórcio Tejo Energia, tem uma potência de 628 MW
dividida por dois grupos, que entraram em serviço em 1993 e 1995.
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Na década de 2000 foram realizados importantes investimentos em ambas as centrais no sentido de dar
cumprimento à Diretiva 2001/80/CE, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes
provenientes de grandes instalações de combustão. Assim, as unidades foram equipadas com sistemas de
dessulfurização, desnitrificação e redução de partículas.
Na sequência da legislação de 1995, a EDP e a Tejo Energia assinaram com a REN, Contratos de
Aquisição de Energia. O regime jurídico destes contratos enquadra a produção por ele abrangida no âmbito do
Sistema Elétrico de Serviço Público (SEP) e estabelece que essa atividade carece da atribuição de uma
licença de produção vinculada (cuja produção é inteiramente absorvida pelo sistema público e remunerada por
contrato).
Nos termos do Decreto-Lei n.º 182/95, as licenças de produção vinculadas têm um prazo mínimo de 15
anos (artigo 60.º) e os direitos dos detentores dessas licenças são garantidos até ao final desse período (artigo
66.º). No caso das centrais abrangidas pelos CAE, o prazo da licença corresponde ao prazo de vigência do
contrato.
Sob o Decreto-Lei n.º 240/2004, a cessação do CAE resulta na atribuição de uma licença não vinculada
(sem prazo, nem contrato de aquisição de energia com o sistema público). No caso de Sines, essa licença foi
atribuída em 2007 como um mero ato administrativo da DGEG e permitiu que, dez anos depois, findo o
período CAE e terminada a amortização da central pelos consumidores (já sob regime CMEC), a EDP
pudesse continuar a produzir em mercado sem qualquer compensação ao SEN. No caso do Pego, a Tejo
Energia recusou a cessação do CAE daquela central, cuja vigência termina em 2021.
Ao longo dos trabalhos da CPIPREPE, foi analisada a consistência da legislação de 2004 com a de 1995
em termos de equilíbrio contratual, procurando-se determinar a eventual existência de vantagem económica
desadequada, bem como a autoria e a validade legal das decisões que lhe tenham dado origem.
1. A prorrogação da central de Sines para além do prazo do CAE
1.1 As definições do CAE
Na defesa da neutralidade económica da passagem da Central de Sines do regime CAE para o regime
CMEC sem qualquer compensação ao sistema elétrico nacional, destacou-se o depoimento de Miguel Barreto,
diretor-geral de energia (2004-2009) em funções no momento da aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e
também em 2007, no momento da atribuição à EDP da licença de produção não-vinculada prevista naquele
decreto-lei.
«Não foi o diretor-geral de energia que decidiu dar uma licença sem prazo à EDP. Isso decorria da lei. A lei
não previa qualquer prazo nem tão pouco permitia que fosse fixado um prazo na licença. Também é falso que
o diretor-geral tenha dado a central à EDP. Não deu, nem podia dar. Licença nada tem a ver com propriedade
ou com remuneração da central. Se não podia dar, também não podia cobrar. É totalmente descabido dizer
que foi oferecido à EDP algo que já era seu, pelo menos, desde 1996 (…) A partir do momento em que a
Procuradoria-Geral da República emitiu o Parecer n.º 26/2017, as coisas são inequívocas. Ou seja, existia
uma cláusula no CAE, que era válida, a cláusula 26.4.2, que dizia que a REN não podia tomar posse da
central, nem sequer a podia colocar a concurso. A central era, efetivamente, da EDP. (…) O Estado, para
tomar posse daquela central, teria de expropriar a EDP e, se expropriasse a EDP, teria de a indemnizar».
(Miguel Barreto)
No entanto, uma leitura atenta do Parecer do Conselho Consultivo da PGR e dos termos do próprio CAE
não permite tal conclusão. Como a seguir se demonstra, sendo verdade que está vedada à REN a
possibilidade de, no final do contrato, lançar concurso para os grupos produtores existentes, não é verdade
que a REN não pudesse tomar posse da central, nem é verdade que, no final do contrato, concluída a
amortização, houvesse lugar a qualquer indemnização à EDP.
Segundo o referido Parecer, no regime dos CAE a continuidade da central após o fim do contrato não era
um direito da EDP. Pelo contrário, pertencia à REN a opção entre negociar com a EDP sobre as condições de
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uma eventual continuidade depois do final do contrato ou simplesmente terminar a atividade da central,
desmantelando-a e eventualmente lançando concurso para a instalação de novos grupos produtores.
Eis a leitura do CAE de Sines feita nas conclusões do parecer do Conselho Consultivo da PGR:
«19.ª No CAE de Sines, ao dispor-se sobre a futura utilização do sítio da Central, nas hipóteses de extinção
do CAE por este terminar na data prevista para o seu fim, nos termos da cláusula 25.1.3., ou por resolução
unilateral da Concessionária da RNT [REN], nos termos da cláusula 23, relativamente à totalidade da Central,
estabeleceu-se na cláusula 26.4.2. que a Concessionária só poderá utilizar o sítio para a construção de novos
grupos geradores, devendo lançar o respetivo concurso mediante decisão da Entidade de Planeamento,
esclarecendo-se que, nessas circunstâncias, fica expressamente vedado à RNT voltar a colocar a concurso a
exploração da Central com os Grupos existentes à data da cessação ou resolução unilateral do contrato, ou
explorar por si mesmo a Central.
20.ª Pretendeu-se com a cláusula em análise salvaguardar a produtora de uma tomada de decisão da
Concessionária da RNT no sentido de não propor a extensão do contrato de aquisição de energia ou recusar a
extensão proposta pelo produtor ou ainda de resolver esse contrato, mediante a invocação de situações em
que a exploração da Central Electroprodutora deixa de ser economicamente viável, com a consequente
transferência da posse da Central, com a finalidade de posteriormente se entregar a sua exploração a outra
produtora ou da Concessionária a explorar ela própria».
Em síntese, desde que a produção da central de Sines fosse viável economicamente e conforme com as
orientações do Planeamento do SEN, a central deveria permanecer em mãos da EDP. Mas não sem
condições.
«21.ª Sendo estes os objetivos da cláusula questionada, deve a mesma ser interpretada restritivamente, de
modo a dela estarem excluídas as situações em que a transferência da posse da Central Electroprodutora e
do sítio onde ela está implantada para a Concessionária da RNT ocorre, não por opção desta, mas porque a
produtora rejeitou as propostas alternativas de extensão do contrato de direito de superfície ou de
transferência da propriedade do sítio (…)».
«Com uma antecedência mínima de 5 anos relativamente à Data de Fim de Contrato, a RNT notificará o
produtor do interesse na extensão do contrato, relativamente a todos ou alguns Grupos da Central. Neste
caso, o produtor deverá responder por escrito, num prazo máximo de um mês manifestando ou não o seu
interesse em iniciar negociações nesse sentido».
(da cláusula 25.1.1 do CAE da Central de Sines, negrito do relator)
Com efeito, o CAE de Sines prevê, na cláusula 26.1.1, que, se a REN optar por não fechar a central, como
seria seu direito fazer no final do contrato, e todavia não chegar a acordo com a EDP sobre as condições de
venda do sítio ou de extensão do contrato, impõe-se a transferência da central e do seu sítio para a posse da
REN. Diz a cláusula 26.1.1:
«Na data de fim do contrato: a RNTpoderá optar, de acordo com a proposta da Entidade de Planeamento,
confirmada pela Entidade Reguladora, entre: a) tomar de imediato posse da Central e respetivo Sítio,
terminando o Contrato de Direito de Superfície e transferindo para a RNT a posse sobre as instalações e
terrenos da Central, incluindo todos os bens imóveis, sem direito a qualquer indemnização adicional por parte
do Produtor para além do previsto neste Contrato; b) propor ao Produtor a extensão do Contrato de Direito de
Superfície por um período e em condições a definir, durante o qual o Produtor poderá funcionar como
Produtor Não Vinculado; c) transferir a propriedade do Sítio para ao Produtor que passará a funcionar como
Produtor Não Vinculado».
(da cláusula 26.1.1 CAE da Central de Sines, 26 de setembro de 1996, negritos do relator)
Sobre a questão de eventuais indemnizações a pagar à EDP pelo encerramento da central, o parecer da
PGR refere que:
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«Sem prejuízo dos direitos e obrigações assumidos por qualquer das partes anteriormente ao terminusdo
contrato, no caso de resolução parcial ou total do contrato, nos termos previstos na cláusula 23, a
Concessionária da RNT ficava obrigada ao pagar, a título de indemnização, ao Produtor, o Valor Atual de
Referência do Grupo, ou Grupos, ou da totalidade da Central, tal como definido no Anexo 10 do contrato
(cláusula 26.1.2), em que se procura obter o valor residual da Central, tendo em atenção as remunerações já
satisfeitas pela Concessionária da RNT».
Ouvido na CPIPREPE, o Secretário de Estado da Energia, João Galamba, afirmou:
«A EDP pode ter tido ganhos que não foram tidos em conta na altura, mas teve-os e hoje não podemos
fazer muito em relação a isso. A capacidade negocial do Estado também não é muito grande, porque a EDP,
nesse caso, pode sempre dizer não. Ou seja, posso propor imensas coisas, posso dizer que houve um
benefício decorrente da nova licença em mercado de Sines que não foi tida em conta em 2004 quando
procurámos garantir a neutralidade. Foi mal feito em 2004, mas foi feito em 2004, consagrado num decreto-lei
em 2004 e agora é assim que as coisas são. Se me pergunta se gosto, não, não gosto, mas infelizmente tenho
de viver com essa decisão».
(João Galamba)
1.1.2 Do direito de superfície
Na preparação da cessação antecipada dos CAE, o Decreto-Lei n.º 198/2003 veio definir as condições de
transferência da propriedade e posse dos terrenos da REN afetos aos centros eletroprodutores que abastecem
o SEP. O artigo 4.º deste Decreto-Lei dispõe que a REN fica autorizada a transferir para os produtores os seus
terrenos que constituem os sítios dos centros electroprodutores termoelétricos. Refere ainda que a
transmissão abrange todos os direitos e obrigações relacionados com a propriedade e posse dos referidos
terrenos, à exceção dos direitos de superfície constituídos sobre os terrenos onde se encontram instalados
esses centros produtores.
Assim, a REN só procurou aplicar esta orientação do governo às centrais térmicas do Pego, Setúbal,
Carregado, Tunes e Tapada do Outeiro, cujos terrenos foram avaliados em 2004 para efeitos de venda ou
arrendamento, segundo regras estabelecidas na Portaria n.º 96/2004. Nestes casos, além da obrigação de
compra ou arrendamento dos terrenos, os produtores assumem o encargo com o desmantelamento das
centrais.
A Central de Sines não foi abrangida pela Portaria n.º 96/2004 pois existia desde dezembro de 1987 um
contrato de cessão onerosa de direitos de superfície, celebrado entre um instituto do Estado (o Gabinete do
Planeamento de Desenvolvimento da Área de Sines) e a EDP, válido por 40 anos, com efeitos a agosto de
1980.
Para o ex-Diretor-Geral Miguel Barreto, que aplicou a Portaria n.º 96/2004, validou avaliações realizadas
em 2004 e concretizou a venda de terrenos em 2007, a especificidade de Sines é única:
«A grande diferença deste direito de superfície, que é quase um direito de propriedade, é que dá direito à
EDP, enquanto quiser, a prorrogar, por sua iniciativa, quantas vezes quiser, ad aeternum»
Ao contrário do que assevera o ex-diretor geral Miguel Barreto, este contrato de direito de superfície está
longe de ser um direito de propriedade. Nos termos das já transcritas cláusulas 25.1.1 e 26.1.1, a REN tinha a
opção de, em 2017, determinar unilateralmente a interrupção do direito de superfície, mesmo antes do fim do
prazo contratado (2020), transferindo para a RNT a posse sobre as instalações e terrenos da central.
Esse direito de opção da REN, previsto no CAE, cessou com este em 2007. De imediato, quando ainda
faltavam treze anos para o termo da vigência do contrato de direito de superfície assinado com Gabinete da
Área de Sines (GAS, Estado), a EDP comunicou a sua intenção de o renovar.
Entretanto, a propriedade e posse dos terrenos inicialmente geridos pelo GAS tinha passado para o
IAPMEI (que os entregou à gestão da AICEP Global Parques). De acordo com o contrato original, esta
prorrogação dependeria apenas da demonstração de vontade pela superficiária, a EDP. Uma recusa pela
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parte do fundeiro deveria basear-se em «fundamento legal» ou «violação do contrato». A AICEP Global
Parques automaticamente reconheceu aquela pretensão e definiu como novo prazo o ano 2060.
1.1.3 Dos custos de desmantelamento das centrais
No seu depoimento na CPIPREPE, o presidente do conselho de administração da EDP, António Mexia,
defendeu que «no âmbito da extinção dos CAE, a EDP ficou responsável pelo pagamento dos custos de
desmantelamento». No mesmo sentido, o ex-Diretor-Geral de Energia, Miguel Barreto, argumentou:
«O CAE dava o direito a que a EDP dissesse: ‘Não quero prorrogar’ e, então, aplicava-se a tal alínea a) e a
REN tinha de tomar posse do sítio, não lhe podia tocar, não podia concursar e o consumidor português tinha
de pagar o desmantelamento todo da central. Portanto, efetivamente, aqui, em termos de equilíbrio, a EDP
quando assinou o CMEC, perdeu o direito a ver os custos de desmantelamento pagos pelo setor elétrico. Isso
é inequívoco! Em termos de equilíbrio, relativamente à assinatura do CMEC, faz com que a EDP perca o
direito de ser o setor elétrico a pagar o desmantelamento da central. E estamos a falar de um valor superior a
100 milhões de euros! (…) Lembro que a Agência Internacional de Energia estima o custo de
desmantelamento de uma central em mais ou menos 5% do investimento.»
No entanto, a passagem do SEN para a EDP da obrigação do desmantelamento da central de Sines – que
a ERSE avalia em 73 milhões de euros – não se encontra nos acordos de cessação nem no Decreto-Lei n.º
240/2004. Solicitada a demonstrar o suporte legal ou contratual dessa sua alegada obrigação, a EDP remeteu
à CPIPREPE um conjunto de documentos que em nada suporta aquela alegação.
Contra a alegação da EDP, existe ainda o precedente da central do Barreiro, que também ocupava
terrenos com direitos de superfície constituídos. Estando obsoleta à data do final do CAE, a central passou
para a posse do Estado e o seu desmantelamento foi pago pelos consumidores de eletricidade na sequência
do reconhecimento pela DGEG e pela ERSE da sua repercussão tarifária (na revisão do encargo fixo das
revisibilidades anuais dos CMEC de 2010 e 2011), num total de 3,1 milhões de euros.
Finalmente, no cenário base da avaliação económica da prorrogação da prorrogação da central de Sines, a
ERSE assume que aqueles custos – avaliados em 73 milhões de euros – não são da EDP (ainda que
apresente também o caso oposto como cenário alternativo).
Em síntese, sob o CAE da central de Sines:
– ambas as hipóteses de extensão do funcionamento da central previstas pelo CAE – mediante venda do
terreno ou extensão da produção – implicavam uma transferência de valor da EDP para a REN. É sobre essa
transferência que, no fim do CAE, se deveria «iniciar negociações» (cláusula 25.1.1);
– na ausência de acordo entre EDP e REN para uma extensão ou para a venda do terreno no final do
contrato, a REN podia interromper o direito de superfície, tomar posse do sítio e desmantelar a central; neste
caso, não haveria lugar a qualquer indemnização à EDP: tanto o CAE como o próprio direito de superfície
ligam eventuais montantes indemnizatórios ao valor residual da central (por amortizar) no momento da
resolução (igual a zero desde 2017);
– os custos com o desmantelamento da central constituem encargo do Estado;
1.2 As definições do Decreto-Lei n.º 240/2004
Ao condicionar a cessação antecipada dos CAE à atribuição de licenças de produção não vinculadas (sem
prazo) aos centros electroprodutores afetados, o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 240/2004 tratou diferentemente
as centrais hídricas e as termoelétricas. Às primeiras, impunha como prazo o termo da concessão do domínio
hídrico, no termos da alínea vii) do ponto 1 do artigo 4.º:
«Na hipótese de os respectivos produtores pretenderem manter a exploração até ao termo da concessão
do domínio hídrico, ao valor do CAE é deduzido o valor residual dos bens que, nos termos do respectivo título
de concessão, não devessem reverter gratuitamente para o Estado no final do contrato».
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Relativamente às centrais térmicas, não ficou prevista como contrapartida daquela possibilidade qualquer
forma de compensação adicional à prevista no Decreto-Lei n.º 198/2003 – a compra/arrendamento dos
terrenos e a passagem dos custos de desmantelamento para o produtor. Como já descrito, estas
compensações não foram exigidas a central de Sines (a única central térmica que, após o fim do CAE/CMEC
continuou a operar em mercado).
Assim, com a cessação antecipada do CAE, tendo caducado todos os direitos que este constituía, a nova
legislação não previu qualquer transferência de valor da EDP para o SEN pela operação de Sines após 2017.
«Não me apercebi, na altura (…) que o Decreto-Lei n.º 240/2004 abria essa porta [da licença perpétua para
Sines]. De qualquer forma, se está a perguntar como é que avalio, ponho as coisas nos seguintes termos: a
EDP viu remunerado o investimento que fez na central, portanto, obteve uma taxa de remuneração sobre o
investimento; todos os custos que teve foram-lhe pagos; recebeu a amortização da central; (…) recebeu a
amortização do capital; os investimentos que foram realizados na central, por imposição ambiental, foram
pagos pelos consumidores; e, no fim, a central ficou para a EDP. Se me permite esta analogia, é um
bocadinho como eu ir ao banco pedir um empréstimo para comprar casa, pago o empréstimo todo e no fim o
banco diz: «ó meu amigo, há aqui uma alínea qualquer em que nunca ninguém tinha reparado que diz que,
afinal, a casa é minha».
Paulo Pinho, assessor do ministro Carlos Tavares (2002-2004)
Logo em maio de 2004, a ERSE dedicou o ponto 12.3 do seu parecer prévio ao Decreto-Lei n.º 240/2004
precisamente aos «parâmetros e metodologia de cálculo dos CMEC e a prorrogação do prazo das licenças».
Os alertas do regulador focaram-se nas centrais hídricas e na relação entre os prazos dos contratos e licenças
(iguais e mais curtos) e os prazos da concessão do domínio hídrico (mais longos). Mas o princípio afirmado
pela ERSE no parecer aplicava-se inteiramente ao caso de Sines:
«Embora o n.º 2 [do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 183/95] disponha que o prazo do contrato de vinculação
deva ser igual ao prazo de duração da licença, a verdade é que o prazo de utilização do domínio hídrico é
muito superior ao prazo de duração dos contratos de vinculação.
Resulta daqui que, na prática, os termos de formulação da citada alínea [do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-
Lei n.º 240/2004] traduzem uma prorrogação implícita da licença de produção. Assim sendo, esta prorrogação
deve ter uma tradução económica a favor do sistema eléctrico, devendo ser levada em linha de conta na
determinação dos CMEC. A não ser assim, está-se a conferir aos produtores, sem qualquer correspondência
no sistema eléctrico, vantagens que não resultam dos CAE se estes contratos fossem cumpridos nos seus
precisos termos. Ora, para além da imediata prorrogação da licença ser questionável à luz dos princípios da
Directiva 2003/54/CE, já que não confere aos interessados igualdade de oportunidades e de tratamento, a
ausência de correspondência económica no sistema eléctrico torna este acto ilegítimo. Donde, importaria
adoptar uma disposição expressamente aplicável à prorrogação das licenças».
(Parecer ERSE ao Decreto-Lei n.º 240/2004, entregue ao governo em maio de 2004)
Assim, para a ERSE, era «questionável» a ausência de concurso para atribuição da exploração das
centrais no período adicional ao previsto no CAE. Mas a «ausência de correspondência económica no sistema
elétrico» foi antevista e severamente condenada. Este alerta não foi levado em conta no Ministério da
Economia. Em julho de 2004, com a mudança de governo, Carlos Tavares deixou a Álvaro Barreto a equipa
para a Energia e o projeto de Decreto-Lei criticado pela ERSE –, recusou na CPIPREPE a sua
responsabilidade na redação da lei:
«Daqui a um bocado o Sr. Deputado ainda vai dizer que qualquer coisa que aconteça em 2023 é porque
estava a porta aberta no Decreto-Lei n.º 240/2004… Que não é meu, atenção!…»
Carlos Tavares, Ministro da Economia (2002-2004)
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Na Comissão de Inquérito, os restantes membros do governo que prepararam (Franquelim Alves) e
aprovaram (Manuel Lencastre) o Decreto-Lei n.º 240/2004 não responderam a respeito deste tema.
«Não tenho memória de qualquer tipo de discussão sobre esse tema [operação de Sines após 2017] nem
sequer a noção de que, por via do decreto-lei que estava em discussão no meu tempo…».
(Franquelim Alves, secretário de Estado Adjunto do ministro da Economia, 2002-2004)
«Álvaro Barreto não se recorda de ter recebido qualquer alerta para o parecer da ERSE sobre o tema
CMEC. Diz que o processo legislativo vinha de trás e que o tema foi tratado pelo seu então secretário de
Estado adjunto, Manuel Lancastre».
(Observador, 16 de junho de 2017)
«Esta matéria tinha passado pelas várias entidades reguladoras que tinham dado pareceres nesta matéria
e eram pareceres grandes. (…) O XV governo [Durão Barroso] não incorporou aqueles [contributos] que,
legitimamente, entendeu não incorporar. (…) Devo ter lido a introdução, as conclusões, que é aquilo que faço
quando os documentos são muito grandes».
(Manuel Lancastre, secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, 2004-2005)
«Em relação à questão do Eng.º Álvaro Barreto não conhecer o estudo da ERSE, só pode ser outra
surpresa. Não sei se ele terá dito isso assim. Até por uma razão simples: o Prof. Ricardo Ferreira continuou a
ser assessor do Eng.º Álvaro Barreto».
(Carlos Tavares, Ministro da Economia, 2002-2004)
No entanto, já antes dos alertas da ERSE, a «prorrogação implícita da licença de produção» citada pelo
regulador resultava evidente, em função dos novos investimentos planeados para a central. A equipa que
preparou o Decreto-Lei n.º 240/2004 estava muito informada desse processo: Ricardo Ferreira (Adjunto do
Ministro Carlos Tavares), João Conceição (assessor do Secretário de Estado Franquelim Alves) e o Diretor-
Geral da Energia, Jorge Borrego (depois substituído por Miguel Barreto), acompanharam pessoalmente a
transposição para a ordem interna das obrigações da Diretiva 2001/80/CE, relativa às emissões de certos
poluentes provenientes de grandes instalações de combustão, e foram encarregados de conduzir junto da
Comissão Europeia o processo de autorização investimentos ambientais previstos para as duas maiores
centrais a carvão, Sines e Pego.
Esses investimentos ambientais – que vieram a orçar em 320 milhões de euros no caso de Sines –
prolongaram a vida útil destas centrais muito para além do prazo do CAE e do fim da sua amortização, tendo
sido pagos e remunerados pelos consumidores. Ao invés, a outorga de licenças sem prazo que permite aos
produtores usufruir desses equipamentos por um período adicional não foi «levada em linha de conta na
determinação dos CMEC», como a ERSE defendeu junto do governo na preparação do Decreto-Lei n.º
240/2004.
Outro argumento a ponderar é aquele que foi apresentado por Miguel Barreto acerca da incorporação pelo
Estado, através da receita das privatizações, do valor da prorrogação da central de Sines:
«Esse valor económico que estava nos balanços da EDP foi atribuído em 26 de setembro de 1996 e foi
apropriado pelo Estado».
(Miguel Barreto)
Esta afirmação carece de sustentação, visto que a única informação oficialmente disponível para os
investidores que acorreram às diferentes fases da privatização da EDP era a dos documentos do planeamento
do SEN, a qual sempre enunciou o descomissionamento de Sines no final do CAE, em 2017.
«Nos relatórios de monitorização de segurança de abastecimento, a REN sempre considerou que, a partir
do dia 31 de dezembro de 2017, não havia Sines; o que havia eram novos grupos de ciclo combinado ou,
então, grupos a carvão, porque estavam reservados, por um decreto antigo, 800 MW de carvão de novas
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tecnologias de eliminação do CO2, etc., etc. Portanto, (…) a REN, a partir de 31 de dezembro [de 2017], tinha
Sines a zero. Era a informação que tínhamos! Nós não sabíamos disto!»
(Victor Baptista, administrador da REN até 2010)
«O Decreto-Lei n.º 29/2006 estabelece o princípio de que o regime que se aplica à produção ordinária é o
regime de mercado. (…) Um ano antes de se atingir o fim do prazo dos CAE devia ser organizado um
concurso público. Explicitamente, isso resulta da conjugação dos CAE — a cláusula 26.1.1. existe em todos os
CAE —, com o Decreto-Lei n.º 29/2006, verificando-se que o concurso público é mesmo obrigatório ou,
melhor, seria obrigatório.»
(Vítor Santos, ex-presidente da ERSE – 2007-2017)
A própria atribuição de uma licença sem prazo em 2007 não podia ser do conhecimento dos potenciais
investidores. Além de não ter sido comunicada à ERSE, não foi do conhecimento público nem sequer do setor,
como atestam diversos depoimentos:
«A Autoridade da Concorrência não foi chamada a pronunciar-se. Numa análise estrita de ajuda de Estado,
isso [a operação de Sines após 2017 sem compensação ao sistema] não faz qualquer sentido».
(Abel Mateus, presidente da AdC, 2003-2008)
«A REN não teve qualquer conhecimento sobre a licença de Sines! Qualquer conhecimento! Não sabíamos
da extensão… Soubemos mais tarde, claro! Já em 2012 ou 2013».
(Victor Baptista, administrador da REN até 2010)
«Não sei em que condições é que foi atribuída esta extensão e, de facto, a existência ou a falta de
contrapartidas não foi tema de que eu tivesse conhecimento na altura».
(Rui Cartaxo, adjunto do ministro da Economia, Manuel Pinho, 2005-2008)
«As empresas não pagam licenças, as licenças são todas dadas, não é?! Portanto, nesse caso, não sei
responder com exatidão, peço desculpa, posso tentar informar-me, mas as licenças de produção são dadas,
são gratuitas».
(Manuel Pinho, ministro da Economia, 2005-2008).
Em síntese, a cessação do CAE de Sines:
– não teve em conta a legislação posterior a 2004 que remetia a produção ordinária a regime de mercado
e a procedimentos concorrenciais;
– tirou à REN a capacidade de interromper o direito de superfície cedido pelo Estado à EDP;
– ocorreu em paralelo com avultados investimentos ambientais previstos no Decreto-Lei n.º 240/2004,
pagos pelos consumidores e que permitem a extensão da operação da central para além de 2017;
– ocorreu após alerta da ERSE para a ilegitimidade da prorrogação de prazos contratuais sem
compensação económica para o SEN;
– eliminou a atribuição ao SEN da responsabilidade pelo desmantelamento da central de Sines,
expressamente prevista no CAE, sem a redefinir de qualquer forma; em última análise, aquela
responsabilidade mantém-se no fundeiro do direito de superfície – o IAPMEI (Estado);
– constituiu uma nova ajuda de Estado à EDP (não comunicada à Comissão Europeia em 2004 nem
depois) e uma distorção à concorrência;
– constituiu uma vantagem para os acionistas, que, na privatização da empresa, não incorporaram nas
suas ofertas o valor desta prorrogação, que só podiam desconhecer, dado que toda a informação
disponível apontava o descomissionamento de Sines para 2017 (cf. prospetos das várias fases de
privatização; Relatórios de Monitorização da Segurança do Abastecimento até 2014).
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1.3 Valorização económica da prorrogação de Sines
A única avaliação económica da prorrogação da central de Sines conhecida publicamente é a que a ERSE
entregou ao governo, a pedido deste, em fevereiro de 2018. Essa avaliação considera a operação da central
por 8 anos adicionais, até 2025. No cenário base, o valor atualizado líquido (VAL) da prorrogação será de 951
milhões de euros. Este valor económico será afetado pela redução da isenção de ISP introduzida no
Orçamento do Estado para 2018, mas ainda assim é positivo em centenas de milhões de euros.
Segundo a ERSE, o VAL positivo da exploração da central baixa para 571 milhões de euros num cenário
desfavorável em que o carvão e o CO2 custam mais 50% e 35%, respetivamente, e em que o
desmantelamento da central, estimado em 73 milhões de euros, é reconhecido como encargo da EDP.
2. A prorrogação da central do Pego para além do prazo do CAE
Não tendo sido objeto de cessação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 240/2004, o CAE da Central do Pego,
assinado entre a REN e a Tejo Energia mantém-se em vigor e termina a 31 de dezembro de 2021. Nestas
circunstâncias, não houve lugar à aplicação do Decreto-Lei n.º 240/2004, pelo que a licença de produção
caduca quando terminar o CAE.
Ao contrário da central de Sines, os terrenos da central do Pego foram adquiridos pelo titular da licença de
produção ao abrigo do Decreto-Lei n.º 198/2003, o que significa que houve a transmissão dos direitos e
obrigações relacionados com a propriedade e posse do terreno da central, incluindo o desmantelamento da
central.
Essa compra não resultou de necessidade imposta por cessação do CAE (que não ocorreu) mas por
simples interesse das partes, Tejo Energia e REN, que assinam em maio de 2005 um contrato promessa de
compra/venda do terreno. As mesmas partes que, simultaneamente à venda, em maio de 2007, assinaram um
«acordo de emenda» ao CAE (ammendment agreement) em que a REN renuncia a um conjunto de direitos,
desde logo o direito à reversão dos terrenos e da central no termo do CAE, e se obriga a proporcionar à
central do Pego todas as condições técnicas para a prorrogação da sua produção. Nesse acordo de emenda
ao CAE, a Tejo Energia assume os custos com seguros e os encargos do descomissionamento e
desmantelamento da central.
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«A Tejo Energia, quando adquire o terreno da central do Pego, no ano de 2005 ou de 2007, já tinha um
direito de superfície, pelo qual pagámos 27 milhões de contos, que foi pago logo à cabeça, e (…) comprou a
possibilidade de ter a propriedade [do terreno e da central] após 2021. (…) Há uma escritura pública.
Compramo-la à REN por 23 milhões de euros e assumimos o seu desmantelamento».
Beatriz Milne, CEO da Tejo Energia
Em 2004, os terrenos da central foram avaliados por duas instituições financeiras em 118 milhões de euros
e 157 milhões. Menos de um mês depois essas avaliações foram revistas em baixa para um intervalo entre
quatro e 36 milhões, acabando por ser feita a venda por 23 milhões, valor proposto pela REN e mais tarde
aprovado pelo diretor geral de energia, Miguel Barreto. A CPIPREPE não logrou esclarecer os fundamentos
dessa modificação.
Em face dos parâmetros para a avaliação dos terrenos das centrais térmicas, definidos na Portaria n.º
96/2004 e seguidos pela consultora CPU e pela Caixa BI, verifica-se que os valores avaliados refletem apenas
critérios estritamente imobiliários, não incluindo qualquer parcela relativa à central. Assim, o valor económico
da possibilidade de operar a central do Pego após 2021 nunca foi objeto de qualquer avaliação específica,
tendo a REN e a Tejo Energia assinado o acordo de emenda ao CAE, em 2007, em torno de dois valores
parciais: um presente, o do solo (23 milhões), e outro futuro, o desmantelamento da central (não avaliado
formalmente mas cujo custo a Tejo Energia estima hoje em 40 a 50 milhões de euros, cf. audição de Beatriz
Milne).
Assim, após 31 de dezembro de 2021, a Tejo Energia fica na posse dos equipamentos que compõem a
central, mas não a pode explorar porque não detém licença de produção válida. A própria empresa reconhece
que a questão da prorrogação do funcionamento da central está dependente da emissão de uma licença de
produção não-vinculada, que permita a operação futura nos termos estabelecidos no acordo de emenda ao
CAE. E que essa emissão pode ser objeto de negociação específica:
«O CAE da Tejo Energia acaba a 30 de novembro de 2021. São 28 anos, estamos agora a cumprir 25,
precisamente no mês de novembro [de 2018], a partir daí a licença expira e, portanto, não sei se iremos
continuar ou se haverá algum tipo de negociação».
(Beatriz Milne, presidente executiva da Tejo Energia)
Um elemento essencial dessa futura avaliação é relativa aos investimentos ambientais realizados na
central do Pego (e também em Sines, tal como referidos atrás). Em junho de 2007, logo após a venda dos
terrenos e a assinatura do acordo de alteração ao CAE, a ERSE alertava para que, no final do CAE do Pego,
os equipamentos ambientais pagos pelos consumidores ainda mantêm um valor relevante:
«Dado que o tempo de vida útil do equipamento ambiental não é coincidente com o tempo de vida útil do
restante equipamento da central, será necessário acautelar que, decorrido o prazo contratual previsto no CAE,
o valor real de mercado deste equipamento seja determinado e encontrada uma forma de o fazer reverter para
o SEN através das tarifas.
Com efeito, tratando-se de um CAE, era suposto, no termo da caducidade deste contrato, o centro
electroprodutor reverter para a concessionária da RNT [REN] nos termos do Decreto-Lei n.º 183/95, de 27 de
julho. Todavia, não tendo a legislação do sector elétrico recentemente publicada previsto esta situação, a
natureza desta matéria aconselha a que venha a ser adotada legislação específica que regule a eventual
revisão dos bens das centrais a operar no âmbito do Sistema Elétrico de Serviço Público vinculado ao abrigo
do citado diploma».
(carta do presidente da ERSE, Vítor Santos, ao Diretor-Geral de Energia, Miguel Barreto, 6 junho de 2007)
Conclusões
Registando a controvérsia havida sobre esta questão nos diversos depoimentos em comissão, é possível
concluir que:
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1. A Tejo Energia, nos termos do CAE, terá de negociar o quadro económico de uma eventual extensão da
operação da central do Pego para além do prazo do contrato (2021). No entanto, no caso da central de Sines,
o Decreto-Lei n.º 240/2004 possibilitou a prorrogação da sua operação para além do prazo do CAE (2017)
sem prever qualquer forma de compensação ao SEN. No cenário base usado pela ERSE, a prorrogação da
central de Sines por oito anos (até 2025) sem correspondência económica no SEN, ainda que legalmente
enquadrada, é geradora de uma vantagem para a EDP de 951 milhões de euros.
2. Quanto ao Pego, a ausência de qualquer avaliação específica sobre o valor da extensão da operação
não permite considerar a aquisição dos terrenos e a assunção do encargo do desmantelamento como
adequada compensação ao SEN. Este ponto é aliás reconhecido pela própria Tejo Energia que, na
CPIPREPE e nos termos do próprio CAE, demonstrou abertura à negociação.
Recomendações
1. O governo, tal como já fez em relação a Sines, deve solicitar à ERSE uma avaliação do valor económico
da prorrogação do funcionamento da Central do Pego;
2. Em ambos os casos, devem ser propostas negociações aos produtores para a definição das
compensações a pagar ao SEN por estas prorrogações;
3. Não havendo disponibilidade negocial ou acordo satisfatório, as soluções legislativas a encontrar devem
incluir:
a. A adequação do valor da renda paga pela cessão onerosa dos terrenos da central à recuperação
integral do valor económico da extensão (cláusula terceira, número dois, do contrato de direito de superfície:
«o preço será atualizado de acordo com as disposições legais em cada momento aplicáveis»);
b. A antecipação da cobrança integral do ISP as estas centrais e, complementarmente, de um adicional ao
ISP para os níveis de emissões destas centrais, a vigorar até à integral recuperação dos valores
correspondentes à prorrogação da operação das centrais de Sines e do Pego.
4. Quanto à recuperação pelo SEN, no momento do descomissionamento, do valor real de mercado dos
equipamentos ambientais do Pego e de Sines, pagos pelos consumidores:
Legislar no sentido da proposta da ERSE em 2007.
5. Os valores assim recuperados devem aplicar-se na eliminação do défice tarifário.
Capítulo 3
Remuneração dos terrenos da REN e extensão do prazo de concessão da RNT
1. Contexto e legislação associada
Os ativos que hoje constituem a RNT fizeram parte do Grupo EDP até à desverticalização do SEN em
1994. Nesse contexto, ficaram entregues em concessão à REN da rede de transporte de eletricidade, a gestão
global do sistema elétrico nacional e a aquisição total da energia gerada no SEN.
O Decreto-Lei n.º 183/95 atribuiu à entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de energia
elétrica (RNT) – a REN – a utilização do domínio público hídrico (DPH) para a instalação de aproveitamentos
hidroelétricos, ficando esta autorizada a subconceder aquela utilização em contratos próprios.
O Decreto-Lei n.º 182/95 prevê que os terrenos do domínio público na posse da REN e que estejam
ocupados pelas centrais eletroprodutoras sejam remunerados através de rendas repercutidas nas tarifas
pagas pelos consumidores.
No ano 2000 o Estado concessionou à REN, pelo prazo de cinquenta anos, os ativos da RNT, nos quais se
incluíam os terrenos do domínio público hídrico. Simultaneamente, o Estado adquiriu 70% do capital da REN.
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Para a determinação do valor de aquisição do capital pelo Estado, contribuiu o valor contabilístico dos terrenos
do domínio público hídrico não afetos à exploração de centrais electroprodutoras.
É, neste contexto, que a REN a ser remunerada pelo valor de renda dos terrenos do domínio público
hídrico em regime de não-exploração, valor este que deveria ser fixado anualmente pela ERSE.
Esta situação criou, nas palavras de Cristina Portugal, presidente da ERSE, um conflito entre o regulador e
o regulado pois a ERSE (que deve determinar essa taxa) não reconhece esses ativos para efeitos de
remuneração. O regulador, em 2013, no seu parecer sobre o projeto de Portaria n.º 301-A/2013, volta a
lembrar a sua posição:
«A pretensão da REN não encontra suporte no quadro de atividades que constituem a génese da atribuição
da concessão, da qual aquela parcela constitui componente residual. A aceitação de uma taxa de
remuneração sobre os terrenos corresponderia a aceitar uma taxa de remuneração sobre a atividade de
aquisição de energia elétrica.»
Nesse sentido a ERSE fixou, durante os anos de 1999 a 2003, uma taxa de remuneração para os terrenos
do DPH correspondente a 0%.
«Eu não conseguia perceber, em primeiro lugar, porque é que um ativo que fazia parte do domínio público
hídricopertencia ao balanço da REN e, fazendo parte desse balanço, por que razão é que deveria ser
remunerado. Mais: por que razão é que, face a uma situação destas, devia ser a ERSE a estabelecer essa
remuneração?»
(Vítor Santos, presidente da ERSE 2007-2017)
O Decreto-Lei n.º 198/2003 passa a prever a remuneração anual dos terrenos dos centros
electroprodutores e do domínio público hídrico na posse da entidade concessionária da RNT, que os pode
vender ou arrendar, enquanto o Decreto-Lei n.º 153/2004 prevê que esta remuneração seja repercutida nas
tarifas dos consumidores.
«A remuneração dos terrenos não estava explícita nos CAE, portanto, ali, houve uma margem de
interpretação muito alargada, houve, naturalmente, uma pressão muito forte das empresas sobre sucessivos
governos, não foi só sobre um, foi sobre sucessivos governos — estou completamente à vontade, como sou
independente de partidos políticos para poder dizer isto. (…) O que ficou estabelecido foi que seria a ERSE
quem determinaria a taxa de remuneração dos mesmos e a ERSE determinou, então, que essa taxa seria de
0%. Se a remuneração desses terrenos é de 0%, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 240/2004 não pode representar
um sobrecusto de 408 milhões de euros, como está referido no parecer da ERSE [Parecer da ERSE sobre o
Projeto de Decreto-Lei CMEC, Maio 2004].»
(Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1997-2007)
No seu parecer ao que viria a ser o Decreto-Lei n.º 240/2004, em maio de 2004, a ERSE pronuncia-se
quanto aos sobrecustos gerados, na transição dos CAE para os CMEC, pela Portaria n.º 96/2004, que redefine
a taxa de remuneração dos terrenos e a aplica retroativamente a 1999. Segundo a ERSE, a remuneração dos
terrenos levará a 408M€ de sobrecusto, de 1999 até ao fim dos CMEC. Nesse sentido, recomenda que a
remuneração dos terrenos seja eliminada destes contratos.
A portaria retira à ERSE a fixação da taxa de remuneração dos terrenos, que passa a ser incumbência do
próprio Ministério da Economia:
«A remuneração anual deve ser calculada à taxa swap interbancária de prazo mais próximo ao horizonte
de amortização legal dos terrenos em causa, verificada no primeiro dia de cada período, divulgada pela
Reuters, acrescida de 50 basis points. Para efeitos da compensação do desvio tarifário ocorrido entre 1999 e
2003, a remuneração anual deve ser calculada à taxa de 6,5 pontos percentuais».
(Portaria n.º 96/2004)
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«A ERSE acatou, naturalmente, a decisão e passou a remunerar aqueles terrenos. Se me perguntar se
aquilo tem lógica económica, digo que não tem. (…) Foi uma medida para valorizar a empresa, porque havia
mais uma fase de privatização e havia que aumentar, por esta via, o valor da empresa».
(Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1997-2007)
Em 2007, o ministro Manuel Pinho revê o regime de remuneração dos terrenos da REN com vista a reduzir
custos:
«[A remuneração anual deve ser calculada] utilizando a taxa de variação média dos últimos 12 meses do
índice de preços no consumidor [inflação], publicada pelo INE relativamente ao mês de Setembro do ano
anterior ao de amortização legal dos terrenos em causa. A taxa é aplicada a partir de 1 de Julho de 2007, para
o cálculo da compensação do valor remanescente do desvio tarifário ocorrido entre 1999 e 2003.»
(Portaria n.º 481/2007)
Já em 2010 na sequência de uma variação negativa da inflação (-0,9% em 2009) a remuneração dos
terrenos é alterada pela Portaria n.º 542/2010, passando a ser calculada:
«(…) À taxa swapinterbancária de prazo mais próximo ao horizonte de amortização legal dos terrenos em
causa, verificada no 1.º dia de cada período, divulgada pela Reuters, acrescida de 50 basis points».
Carlos Zorrinho explica as motivações do governo para a alteração ocorrida em 2010, que veio a aumentar
o valor da renda recebida pela REN:
«Eu deparei-me com uma empresa pública, de que eu tinha a tutela indireta. (…) Havia um capital não
remunerado no balanço que afetava os rácios financeiros numa altura em que a REN (…) tinha um potencial
de investimento forte – aliás, incentivámos a REN a investir no armazenamento de gás no mercado (…) e
incentivámos a REN para se expandir para fora do país (…) Era óbvio que, na decorrência da compra dos
terrenos da REN à EDP, sendo que a EDP era remunerada, a REN iria exigir uma remuneração. (…) A
compra, isto é, fazer a REN comprar estes terrenos à EDP foi um erro».
(Carlos Zorrinho)
A Portaria n.º 301-A/2013 vem introduzir a terceira alteração à Portaria n.º 96/2004, revendo em baixa a
remuneração dos terrenos hídricos. A taxa de remuneração é indexada à avaliação de desempenho da
entidade concessionária da RNT feita por auditoria (já prevista no artigo 23.º-A do Decreto-Lei n.º 29/2006,
nunca aplicado até 2014), dirigida em particular á obrigações da REN quanto à realização dos testes de
disponibilidade, ao cálculo da revisibilidade dos CMEC e ao funcionamento do mercado dos serviços do
sistema. Esta medida resulta num decréscimo de encargos relativamente aos anos anteriores. No entanto, no
seu parecer,
«a ERSE continua a achar prudente uma clarificação jurídica relativamente à possibilidade de se aplicar ao
domínio público hídrico qualquer “renda” que se destine a uma determinada empresa que, por autorização
expressa através de contrato de concessão, outorgou o seu uso.»
2. Custos imputados aos consumidores
Em 2004,o parecer da ERSE sobre o projeto de decreto-lei dos CMEC estima a remuneração retroativa dos
terrenos em 408 M€, recomendando que a remuneração dos terrenos seja excluída pelo Decreto-Lei.
Em 2006, já ao abrigo da Portaria n.º 96/2004, a remuneração retroativa dos terrenos é estimada em 228
M€, a pagar em 10 anos, elevando os custos com os terrenos em 2006 a 68 M€.
Com a Portaria n.º 481/2007, os custos anuais com a remuneração dos terrenos hídricos baixam de 56 M€
para 17 M€, o que representa um decréscimo de cerca de 70%, devido à indexação ao consumo que baixa
durante esses anos.
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Com a Portaria n.º 542/2010, existe um aumento de custos anuais de cerca de 10 M€, de 13M€ para cerca
de 24 M€.
Gráfico 4 – Evolução dos custos com os terrenos hídricos (Fonte: documentos anuais, Proveitos permitidos ERSE)
Só em 2014, com o efeito da Portaria n.º 301-A/2013, o custo com a remuneração dos terrenos volta a
descer, mantendo-se até ao ano de 2019, em cerca de 13M€ anuais. Esta portaria enuncia como objetivo
incentivar a REN a desempenhar as suas responsabilidades de modo eficiente e tabela a remuneração a
aplicar em função da nota de desempenho. O novo regime manteve este custo estável como resultado de
sucessivas auditorias anuais com nota 3, que correspondem a uma taxa de remuneração de 0,1%. A ERSE no
seu documento anual de proveitos permitidos e ajustamentos para 2019 adianta ainda que desde 2015 não
foram realizados relatórios de desempenho, pelo que assumiu uma taxa nula.
Desde 2006 até à presente data, o montante acumulado de remuneração dos referidos terrenos, totalizou
cerca de 330 milhões de euros, dos quais, segundo a REN, cerca de 76% respeitam exclusivamente à
componente de «amortização anual dos terrenos», componente esta que é aceite pela ERSE e nunca foi por
esta questionada.
Assim sendo, dos 330 milhões de euros enunciados, 79 milhões são contestados pela ERSE.
3. Extensão do Contrato de Concessão da RNT à REN por 7 anos adicionais
Em 2007 foi assinado um novo contrato de concessão da RNT à REN, com base na publicação do Decreto-
Lei n.º 172/2006. Este contrato consagrou, a título gracioso, uma prorrogação de sete anos do período da
concessão. Nesse momento, 30% da REN pertenciam à EDP, que por sua vez era já detida a 70% por capital
privado.
O valor económico desta prorrogação de prazo não foi apurado pela CPIPREPE. Todavia, a título
indicativo, é possível referir que esta prorrogação representou um acréscimo na ordem de 16% ao prazo inicial
de concessão.
Conclusões
1. Os consumidores de eletricidade pagaram cerca de 330 milhões de euros à REN, a título de custo de
interesse económico geral, para remunerar a posse pela empresa de terrenos do domínio público.
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2. No contexto da desintegração vertical do Grupo EDP, a REN pública adquire o estatuto de
concessionária dos terrenos do domínio público hídrico.
3. Como sempre assinalou a ERSE, não haveria justificação para a remuneração da REN – empresa
100% estatal – pela detenção deste ativo público. A introdução desta remuneração teve como única
justificação a valorização da REN na perspetiva da privatização parcial da empresa, que teve lugar em 2007.
4. A constante alteração dos critérios e níveis desta remuneração conduziu a grandes oscilações ao longo
dos anos, tendo chegado a registar valores negativos, o que levou a grande instabilidade e falha nas
estimativas dos impactos tarifários.
5. Na atual situação, a alteração em 2014 da definição legal do objetivo deste custo de interesse
económico geral (CIEG) – que deixou de ser simples remuneração do ativo para passar a constituir estímulo à
sua gestão eficiente –, não modifica a opção de fundo: remunerar a concessionária dos terrenos do domínio
público hídrico pela posse desses terrenos, mantendo nas tarifas um CIEG sem legitimidade: os consumidores
pagam a um operador 100% privado pela detenção nos seus ativos de um ativo do domínio público.
6. Os acionistas da REN (Estado e EDP privada) beneficiaram em 2007 de uma extensão gratuita do prazo
de concessão da RNT por sete anos adicionais e sem qualquer contrapartida conhecida, em vésperas da
privatização parcial da empresa naquele ano. O valor económico deste benefício não está determinado,
podendo, no caso do Estado, ter-se refletido na receita da subsequente privatização e sendo, no caso da EDP,
acumulado como mais-valia.
Recomendações
1. Eliminação da remuneração do ativo líquido dos terrenos estabelecida pela Portaria n.º 301-A/2013.
2. Apurar o valor económico da extensão gratuita do prazo de concessão da REN.
Capítulo 4
Remuneração da Produção em Regime Especial
1. Introdução
No âmbito da adoção de políticas destinadas a incentivar a produção de eletricidade através da utilização
de recursos endógenos renováveis ou de tecnologias de produção combinada de calor e eletricidade, foi
criada a Produção em Regime Especial (PRE).
A partir de 2001, a União Europeia reconheceu a necessidade de apoio ao desenvolvimento da produção
de energia de fonte renovável. Esta orientação foi seguida por Portugal, conduzindo à previsão legal de
regimes de remuneração garantida, entre eles o das feed in tariffs (FIT), concedidos à produção de energia
proveniente, entre outras, de fontes eólica, biomassa e fotovoltaica.
A tarifa feed-in incorpora todos os custos evitados por montantes equivalentes de instalação de potência
em energias convencionais, custos de investimento, operacionais, ambientais e de perdas na rede. Acresce
que a energia produzida por estas centrais entra na rede de transporte e distribuição antes de todas as outras,
isto é, as suas vendas estão garantidas ao valor da FIT. Esta dupla proteção e aquele diferencial entre preço
de mercado e tarifa subsidiada originam custos suportados pelo sistema energético e pelos consumidores que
não são visíveis na taxa de remuneração do investimento realizado pelos produtores de renováveis.
Hoje, Portugal tem cerca de 8.1 MVA de potência instalada em regime de PRE (ver tabela seguinte). A
energia eólica é dominante neste regime, representando cerca de 70% de toda a PRE.
Fonte Potência Instalada (MVA)
Biogás 77.24
Biomassa 150.28
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Fonte Potência Instalada (MVA)
Cogeração 976.89
Cogeração Renovável 463.84
Eólica 5,648.85
Fotovoltaica 295.94
Hídrica 423.76
Resíduos Sólidos Urbanos 94.76
Fonte – Portal da ERSE (dados de Outubro 2018)
A primeira fase de crescimento da energia eólica em Portugal dá-se entre 2001 e 2002, quando são
atribuídos direitos de ligação à rede de parques eólicos num total de 2300 MW. Mais tarde, o Decreto-Lei n.º
33‐A/2005 introduziu alterações legais ao quadro remuneratório, atualizando fatores para o cálculo do valor da
remuneração garantida, estabelecendo um prazo considerado suficiente para permitir a recuperação do
investimento efetuado e o cumprimento da expectativa dos promotores quanto ao seu retorno económico.
No caso das centrais eólicas, o Decreto-Lei n.º 33-A/2005 definia que esta remuneração era aplicável
apenas aos primeiros 33 GWh entregues à rede (por megawatt de potência instalada) e por um limite máximo
de 15 anos. No quadro deste diploma, o Ministério da Economia e Inovação lançou um concurso público
internacional em Junho de 2005 para a atribuição de 1600 MVA. A primeira fase do concurso, ganho pelo
consórcio ENEOP, obrigava a que fosse criado um cluster industrial associado à produção de aerogeradores.
É hoje amplamente reconhecido que estas políticas de incentivo às energias renováveis, em particular as
FIT, foram importantes para promover investimentos em tecnologias que o país precisava de desenvolver com
vista a atingir metas ambientais.
Porém, considerando o peso do sobrecusto da PRE (a diferença entre a tarifa garantida à produção
renovável e o preço do mercado grossista) na componente de custos de interesse económico geral incluída na
tarifa paga pelos consumidores, a CPIPREPE procurou averiguar a adequação destas FIT e a eventual
existência de rendas excessivas paga à PRE.
Assim, a CPIPREPE discutiu duas questões principais: 1) as taxas de rentabilidade asseguradas aos
produtores através das FIT; 2) no caso da produção eólica, a eventual existência de ganhos dos produtores
decorrentes de maior eficiência da tecnologia aplicada, resultantes de atraso no licenciamento e construção de
parques eólicos.
Para além destes pontos, foi ainda dada especial atenção aos impactos tarifários, presentes e futuros, do
Decreto-Lei n.º 35/2013 que assegura à produção eólica garantias de preços por mais alguns anos. A este
ponto é dedicado o capítulo 11 deste relatório.
2. Taxas de rentabilidade na PRE
Em 2012, o relatório produzido no âmbito da aplicação da medida 5.15 do Memorando de Entendimento
com a troika concluiu que existe uma renda excessiva paga na fatura energética aos produtores de
eletricidade abrangidos pela PRE. O relatório preparado pelo então Secretário de Estado Henrique Gomes,
apoiado em estudos das consultoras Cambridge Economic Policy Associates (CEPA) e A.T. Kearney, veio
quantificar um valor de 113 M€/ano respeitante a rendas excessivas pagas à PRE. Deste montante, 54M€/ano
dizem respeito às centrais eólicas e 42 M€/ano às centrais de cogeração. O documento contabiliza esta renda
excessiva a partir da diferença entre as taxas de rentabilidade e o custo médio ponderado do capital (em
inglês WACC) da atividade.
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Na mesma linha, o relatório da ERSE intitulado «Instrumentos para a participação da oferta e da procura na
gestão do SEN», publicado em 2018, veio calcular a taxa interna de rentabilidade (TIR) das centrais com tarifa
garantida, verificando que esta se encontra muito acima dos respetivos WACC, em contraste aliás com a TIR
das centrais térmicas que vão a mercado.
(Taxas de rentabilidade apresentadas no Relatório Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do SEN, ERSE)
Para o regulador, os mecanismos de tarifa garantida são hoje uma forma de distorção da concorrência, na
medida em que atribuem níveis de sobrecompensação implícitos muito acima do restante mercado.
«Subsistem, na realidade nacional, situações distintas:
1. Por um lado, os produtores com remuneração garantida ou enquadrada por um mecanismo legal ou
regulatório, apresentam genericamente valores da TIR superiores aos respetivos WACC, ou, quando muito,
valores aproximados. No caso específico dos PRE com tarifa garantida, os valores das TIR estão muito
claramente acima dos WACC da atividade ou tecnologia.
2. Por outro lado, para os produtores em regime de mercado, concluiu-se pela existência de um
‘desincentivo’ à própria operação no caso das tecnologias térmicas, na medida em que observam TIR
inferiores aos correspondentes WACC. Para os restantes casos – centrais hídricas ou solares fotovoltaicas –
os valores de TIR e WACC estão relativamente alinhados.»
(Relatório ERSE, Outubro de 2018, Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do
SEN)
Carlos Pimenta, chairman do fundo Novenergia (detentor da Generg até 2019), acredita que a rentabilidade
dos projetos eólicos em Portugal está em linha com o que é praticado no resto da Europa. A prova disso, é
que as tarifas praticadas em Portugal são semelhantes à de outros países:
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«Se um parque eólico recebe, em Portugal, uma tarifa que, no momento em que ganhou o concurso, é
equivalente à que foi dada na Alemanha ou na Itália, como é que pode ser mais rentável do que na Alemanha
ou na Itália, se o outro fator que pesa a seguir é o dinheiro e se o custo do dinheiro aqui é mais caro? Não
pode! Não pode!»
Na sua alocução à CPIPREPE, Carlos Pimenta justifica ainda a adequação das FIT pagas aos produtores
eólicos em Portugal com o argumento de que os processos de atribuição de potência eólica resultaram de
concursos:
«O que é que todos estes processos têm em comum? Um, não houve nenhuma atribuição de eólica que
não tivesse sido feita transparentemente em processo concursivo. Esses processos concursivos foram sempre
muito disputados. (…) Nenhum dos processos concursivos lançados em nenhum dos governos — do PS, do
PSD, de todos — teve alguma vez contestação. Nenhum deles!»
(Audição Carlos Pimenta)
O presidente da EDP-Renováveis, João Manso Neto, admite que a rentabilidade das centrais eólicas da
empresa situadas em Portugal é mais elevada do que a das centrais noutros países. Porém, rejeita uma
comparação direta, uma vez que, alega, as centrais eólicas da EDP em Portugal correspondem a projetos
promovidos de raiz, enquanto os parques eólicos da EDP em outros países foram adquiridos em fases mais
avançadas, portanto com menos margem de lucro.
«Por que é que Portugal é mais rentável que outros? Por duas razões muito simples: primeiro, porque a
EDP, em Portugal — como em Espanha, aliás —, começou mais cedo, fez o que se chama greenfield,
enquanto, nos outros países, muitas vezes, teve de comprar e desenvolver numa segunda fase e não há um
prémio de compra que reduz a margem de lucro; e, segundo, porque Portugal também tem um custo de capital
mais alto, portanto, a rentabilidade tem de ser mais alta. Portanto, a dimensão é a certa.»
(Audição João Manso Neto)
António Sá da Costa, presidente da associação dos produtores de energia renovável (APREN), dá o
exemplo do concurso ganho pela ENEOP, para sublinhar que as tarifas praticadas nem sempre correspondem
a uma rentabilidade do promotor eólico e que muitas traduzem também o financiamento de instrumentos de
política económica e industrial do país:
«Quando fomos obrigados a ir a concurso com um fabricante único tivemos de ter um aerogerador que
nuns sítios era melhor e noutros era menos bom, mas ele teve de montar a fábrica e só veio fazê-lo com duas
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condições: teria de fornecer uma determinada quantidade de máquinas e tem de estar cá instalado por um
período de 17 anos. E teve de montar a fábrica, arranjar os terrenos e isso teve custos. Isso foi uma medida
acertada? Foi uma medida acertada do ponto de vista do país, mas tem os custos de uma política económica.
(…) Quem é que «pagou o pato»? Acaba sempre por ser o consumidor, mas fomos nós quem se adiantou».
(Audição António Sá da Costa)
3. Eventuais ganhos dos produtores decorrentes de atrasos no licenciamento
O segundo ponto discutido na CPIPREPE quanto a eventual sobrerremuneração da PRE diz respeito a
eventuais ganhos obtidos pelos produtores eólicos resultantes de atrasos no licenciamento e construção de
parques eólicos. Segundo Autoridade da Concorrência (AdC) e a ERSE, o decurso de vários anos, por
responsabilidades próprias ou alheias ao produtor, entre a fixação da tarifa feed-in nos concursos e a efetiva
entrada em funcionamento dos parques eólicos, tem proporcionado aos produtores ganhos de eficiência
tecnológica que não estavam previstos aquando da definição da tarifa no concurso.
Este assunto parece ser identificado pela primeira vez no parecer da AdC à Proposta de Tarifas e Preços
para a Energia Eléctrica e outros Serviços em 2012 e aos Parâmetros para o Período de Regulação 2012-
2014 apresentados pela ERSE. Diz o parecer da AdC de 2011:
«No caso da energia eólica, permitiu-se que os investimentos em parques eólicos concluídos até meados
de 2009 continuassem a beneficiar de uma tarifa definida em 2001, tarifa essa que não teve em conta as
descidas dos custos de investimento por unidade instalada ou os ganhos de eficiência verificados na
tecnologia eólica – i. e.: a tarifa poderá ter ido além do que era suficiente para incentivar o investimento. A
comparação entre o tarifário antigo – superior a 95 €/MWh e o tarifário definido no concurso eólico de 2006
Fase A e 2007 Fase B – na ordem dos 72 €/MWh – e de 2008 Fase C – onde chegaram a ser observados
tarifários inferiores a 60 €/MWh – é demonstrativa da ineficiência do tarifário antigo de que beneficiam mais de
2/3 dos parques eólicos em atividade».
(Parecer da Autoridade da Concorrência à Proposta de Tarifas e Preços para a Energia Eléctrica e outros
Serviços em 2012 e Parâmetros para o Período de Regulação 2012-2014)
No relatório «Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do SEN»,de outubro de
2018, a ERSE chama também a atenção para este tópico. O regulador distingue dois fenómenos: 1)
desfasamento (favorável aos produtores) entre a evolução das FIT e a dos custos de investimento em centrais
eólicas; 2) a insensibilidade da FIT à prorrogação de licenças sem entrada em produção. No segundo caso,
haveria uma vantagem dos produtores em causa em relação àqueles produtores que, em iguais
circunstâncias, iniciam imediatamente a instalação do parque. A ERSE dá o exemplo das licenças atribuídas a
parques eólicos após 2001 e a centros de produção fotovoltaica após 2007:
«A revisão em baixa de algumas tarifas em certos segmentos, não acompanhou em intensidade a
diminuição verificada dos custos de investimentos decorrentes da evolução tecnológica, o que se refletiu num
incremento significativo das TIR desses investimentos e na diferença entre os custos nivelados e as tarifas
garantidas. Este efeito também ocorre quando existe um grande desfasamento temporal entre o momento da
obtenção da licença de produção, enquadrada num determinado regime remuneratório, e o momento em que
produtor entra em exploração, em resultado de prorrogações do prazo da licença de produção. Com este
desfasamento, ao manter a FIT do regime remuneratório em que obteve a licença de produção, o produtor
pode beneficiar de uma diminuição dos custos de investimentos, face aos que estão subjacentes ao cálculo da
FIT desse regime remuneratório particularmente se este desfasamento coincidir com zonas da curva de
aprendizagem com declive acentuado. Tal verificou-se no caso do segmento de produtores eólicos licenciados
ao abrigo do Decreto-Lei n.º 339-C/2001, de 29 de dezembro, entrados em exploração após 2010 e do
segmento de produtores fotovoltaicos licenciados nos termos do Decreto-Lei n.º 225/2007, de 31 de maio,
entrados em exploração entre 2012 e 2015, com FIT acima de 200€/MWh.»
(Relatório ERSE, Outubro de 2018, Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do
SEN)
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João Peças Lopes, que presidiu ao concurso para atribuição das licenças eólicas em 2005, reconhece que
na primeira década do século XXI as diferenças tecnológicas dos aerogeradores são muito significativas e
que, de facto, os concursos poderiam ajustar as tarifas feed-in aos ganhos tecnológicos para os novos
entrantes:
«Um gerador eólico em 2005, 2006, de 1MW custaria 1 400 000 € e teria uma produtibilidade na casa das
2400 horas, num bom sítio, num sítio razoável. Hoje, esse mesmo aerogerador, e até com requisitos técnicos
adicionais, custa 800 ou 900 mil euros, e tem uma produtibilidade superior às 3000 horas. (…) O que poderia
ter sido feito era termos tido uma revisão das tarifas, mas, deixe-me dizer, para os novos entrantes. Ter uma
revisão dos mecanismos de tarifa feed-in para os novos entrantes, porque, à medida que o processo
tecnológico foi evoluindo, naturalmente que os preços de investimento baixaram. Essa, sim, é a lição que
podemos tirar do passado. E devíamos tê-lo feito, ou seja, devíamos ter introduzido naquelas fórmulas
horríveis um mecanismozinho para ajuste da remuneração, mas, continuo a dizê-lo, para os novos entrantes,
não para aqueles que já estão.»
(Audição João Peças Lopes)
Aníbal Fernandes, ex-presidente do consórcio da ENEOP, acredita que os atrasos na exploração não
constituem manobra de especulação por parte dos promotores e defende que, por estes terem contratos
assinados e responsabilidades a cumprir com a banca, é do seu interesse que a exploração entre em
funcionamento o mais cedo possível:
«Não há nenhum promotor eólico que tenha — só de for, de facto, masoquista — interesse em dilatar os
seus prazos de execução. (…) Ele fez o plano de negócios, na altura, com o banco, isto foi aprovado pelo
banco e não por conselho de administração. Isto foi um project finance. Estas coisas não são feitas em cima
do joelho! Os bancos olham para o plano de negócios e dizem se dão o dinheiro ou não — 80% do dinheiro
dos parques eólicos foi financiado em project finance, em alguns até mais, com 85%!»
(Audição Aníbal Fernandes)
António Sá da Costa, presidente da APREN, também desvaloriza os ganhos com o atraso da entrada em
exploração e argumenta que o valor dos investimentos, contratualizado no momento dos concursos, não pode
ser alterado. Contudo, reconhece que, para o mesmo valor de investimento, há um ganho na rentabilidade
pela via do aumento da produção com a incorporação de tecnologia mais avançada (cuja disponibilidade pode
ser consequência do atraso da entrada em operação), realça que as tarifas feed-in só se aplicam até a um
limite máximo de energia:
«A rentabilidade vai aumentando? Vai. Mas como eu disse há bocadinho, e é preciso ter isso presente, a
tarifa é garantida por uma quantidade de energia elétrica. Portanto, se a máquina produz mais… Tem é menos
tempo de tarifa garantida, porque a tarifa só é apoiada para os primeiros 33 GWh por megawatt instalado. Se a
máquina tem 2200 horas, é 15 anos; se a máquina tem 3300 horas, só tem o apoio durante 10 anos. É preciso
ter isto em consideração».
(Audição António Sá da Costa)
As afirmações de António Sá da Costa não refutam as opiniões da AdC, da ERSE e de Peças Lopes. Ao
atingirem mais cedo o limite de 33 GWh produzidos por megawatt instalado, terminando a FIT original, as
centrais não cessam de existir. Seja sob o regime previsto no Decreto-Lei n.º 33-A/2005, seja no oferecido
pelo Decreto-Lei n.º 35/2013 (analisado no capítulo 11 deste relatório), as centrais eólicas continuam a
beneficiar de garantias de preço por um período adicional de 5 a 7 anos, o que, considerando a fase da sua
amortização nesse momento, assegura a sua rentabilidade.
Conclusões
1. O crescimento da PRE, nomeadamente através de mecanismos de tarifa garantida, deveu-se à
necessidade de, por objetivos ambientais e de independência energética, incentivar o investimento em
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produção de eletricidade a partir de fontes de energia endógenas e renováveis. Após quase duas décadas do
início da produção renovável em Portugal, pode concluir-se que as FIT das renováveis provocaram um
aumento dos valores pagos nas faturas da eletricidade.
2. A existência deste sobrecusto deve-se essencialmente a três componentes: 1) a primeira corresponde a
um esforço necessário para atingir metas ambientais e de independência energética. Não teria sido possível o
nível de penetração renovável que hoje existe no sistema eletroprodutor português sem mecanismos de
incentivo como as FIT; 2) a segunda componente, como defende a ERSE, diz respeito às elevadas taxas de
rentabilidade pagas aos promotores, que correspondem aos custos do investimento (maturação tecnológica e
nível de risco) no momento da definição das tarifas; 3) a terceira componente resulta da inclusão nas FIT de
custos do domínio da política industrial, como é o caso da criação do cluster associado ao fabrico de
componentes de aerogeradores, custos que, pela sua natureza, são típicos encargos do Estado e não dos
consumidores de energia.
3. Não existe consenso sobre o peso relativo destas três componentes do sobrecusto, mas é claro que
todas elas resultam de decisões políticas tomadas por vários governos, sobretudo entre 2001 e 2007. Hoje
podemos dizer que esta decisão trouxe benefícios ao país (ambientais, de criação de empregos, de redução
do preço da eletricidade no mercado grossista). As taxas de rentabilidade no setor tiveram um impacto na
evolução dos valores fatura dos consumidores domésticos, sobre quem recai o sobrecusto da PRE.
Recomendações
1. Solicitar à ERSE o desenho de possíveis medidas que, de forma proporcional, permitam a recuperação
pelo SEN das vantagens obtidas pelos produtores por efeito da rigidez da FIT face aos ganhos de eficiência
resultantes da demora da entrada em produção;
2. Consideração desta experiência nas regras de futuros concursos, na prevenção de atrasos e das suas
consequências sobre as características económicas dos projetos.
Capítulo 5
Dívida e diferimentos tarifários, mais-valias da sua titularização
Em 1995, o Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de julho, «estabelece as bases da organização do Sistema
Eléctrico Nacional (SEN)», no seguimento de profundas reestruturações no setor. No mesmo dia, o Decreto-
Lei n.º 187/95, de 27 de julho, «cria a Entidade Reguladora do Sector Eléctrico» (ERSE), «uma entidade com
marcadas características de independência», para «estabelecer mecanismos explícitos de regulação», por
forma a «suscitar a desejada confiança nos operadores do mercado e a criar um quadro regulamentar estável
e equilibrado».
O artigo 4.º deste Decreto-Lei estabelece que «compete à Entidade Reguladora, ouvida a Direcção-Geral
de Concorrência e Preços, a preparação e emissão do Regulamento Tarifário», que deverá estabelecer, entre
outros, «os critérios e métodos para formulação e fixação de tarifas e preços para a energia eléctrica». O
mesmo artigo estabelece ainda os princípios que deverão orientar este Regulamento Tarifário de onde se
destaca que «O valor global resultante da aplicação das tarifas e preços a clientes finais em baixa tensão (BT),
não pode, em cada ano, ter aumentos superiores à taxa de inflação esperada para esse ano”; “o valor dos
custos não reflectidos nessas tarifas e preços pode ser repercutido», sem prejuízo da manutenção de um
aumento inferior à taxa de inflação, «nas tarifas e preços dos anos seguintes, num máximo de cinco».
Decreto-Lei n.º 187/95 – primeira legislação sobre diferimentos tarifários
Em janeiro de 1997 é efetivamente constituída a ERSE e em 15 de setembro de 1998 é publicado o
primeiro Regulamento Tarifário, que concretiza e detalha os princípios enunciados no Decreto-Lei n.º 187/95,
de 27 de julho, nomeadamente, o seu artigo 40.º, estabelece o mecanismo de limitação do aumento da tarifa
(à taxa de inflação), e institui, pela primeira vez, uma remuneração da possível dívida, à taxa de juro LISBOR a
três meses acrescida de 0,5%.
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As primeiras tarifas são publicadas para o ano de 1999, e até 2005 as tarifas têm sempre aumentos anuais
inferiores à taxa de inflação prevista para cada ano, não existindo, portanto, défice tarifário. Apenas no final de
2005, na definição das tarifas a aplicar em 2006, o mecanismo de limitação previsto tem efeitos práticos pela
primeira vez, como se verá mais à frente.
Decreto-Lei n.º 172/2006 – preparação do Mibel, termina limitação a aumentos de tarifa
No contexto da liberalização do mercado elétrico, este diploma «desenvolve os princípios gerais relativos à
organização e ao funcionamento do sistema elétrico nacional (SEN), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 29/2006,
de 15 de fevereiro».
Um dos aspetos de maior relevo do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, é o levantamento do limite
ao aumento anual das tarifas de eletricidade à taxa de inflação, prevendo apenas no artigo 62.º que «as
disposições do Regulamento Tarifário devem adequar-se à organização e funcionamento do mercado interno
da electricidade».
Recorde-se que a Diretiva 2003/54/CE estabelecia que «as entidades reguladoras nacionais deverão
desempenhar um papel activo no sentido de garantir que as tarifas de compensação não sejam
discriminatórias e reflictam os custos».
De relevar que no final do ano anterior, na definição das Tarifas para 2006, o mecanismo de limitação de
acréscimos em Baixa Tensão (BT) previsto no Decreto-Lei n.º 187/95, de 27 de julho, teve pela primeira vez
efeitos práticos, criando assim um défice tarifário.
Figura 2 – Fonte: ERSE – Proposta Tarifas 2006
Com efeito, como se pode observar no quadro constante da Proposta de Tarifas de 2006 elaborada pela
ERSE no final de 2005, o aumento das tarifas de BT foi limitado a 2,9%, a taxa de inflação prevista para
aquele ano, quando os proveitos permitidos nas várias atividades geravam um aumento de 14,51% no
Continente, por exemplo. Esta limitação criou um défice tarifário global de 335 M€, que no contexto da
legislação então em vigor deveria ser repercutido na tarifa e preços dos anos seguintes, num máximo de 5.
Na sua audição na CPI, o então presidente da ERSE, Jorge Vasconcelos afirma ter sinalizado ao governo
de José Sócrates o problema tarifário que se avolumava:
«O diálogo com o XVII Governo sobre estas questões não foi em finais de 2006, tinha sido já em 2005,
porque em 2005 se tinha colocado, pela primeira vez, a situação de termos um aumento de tarifas superior à
taxa prevista de inflação (…) cerca de 14,4%, em termos médios, para 2006, o que ultrapassava a inflação
prevista, que, salvo erro, era de 2,3%.
O que é que a ERSE fez? Aplicou a lei, limitou o aumento das tarifas a 2,3% e alertou os consumidores, as
empresas, o Governo, a Assembleia da República para esta situação. Era evidente — e é uma questão de
pura lógica — que, não sendo feito nada, a situação do final de 2005 ia repetir-se em 2006. Ela foi apenas
mitigada em 2005, mas, se tudo se mantivesse igual, esta situação ia-se repetir em 2006.
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Durante o ano não foram tomadas medidas para resolver este problema, aquilo que foi feito foi uma
transposição tardia da diretiva de 2003, que, em Portugal, só se fez em 2006 e, entre outras coisas, aboliu-se
o teto da inflação (…).
(…) Portanto, não houve dias, houve um ano inteiro para tomar as decisões úteis de forma a podermos
evitar aquela situação. A verdade é que essas decisões não foram tomadas.»
Decreto-Lei n.º 237-B/2006 – previstos os diferimentos dos sobrecustos com PRE, CMEC e CAE
«Nunca se partiu para nenhuma negociação com os produtores no sentido de reduzir a tarifa. Isso é um
facto. Não tenho memória de alguma vez essa hipótese ter sido posta. Isso levar-nos-ia para um processo
negocial muito demorado e precisávamos de uma solução imediata, porque as tarifas iam entrar em
funcionamento em janeiro de 2007 e o anúncio [do aumento de tarifas pela ERSE] foi feito a 15 de outubro de
2016».
(Audição de Castro Guerra, Secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, 2005-2009)
A ERSE apresenta a sua proposta para as tarifas e preços de eletricidade para 2007. Como se pode
observar na tabela abaixo, constante desta proposta, a ERSE previa um aumento de 14,4% para
consumidores de BT, que incluía o abate de 1/3 do défice tarifário acumulado.
Figura 3 – Fonte: ERSE – Proposta de tarifas e preços 2007
Face ao impacto público da proposta tarifária da ERSE, o governo é obrigado a pronunciar-se e, num
primeiro momento, o secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, António Castro Guerra, ainda
procura sustentar a proposta do regulador. As suas declarações públicas – «este défice tem de ser pago por
quem o gerou. (…) São os consumidores que devem este dinheiro, não é mais ninguém» – geram intensa
polémica:
«Em outubro de 2006, eu disse uma frase infeliz a propósito da energia, quando houve aquele [anúncio de]
grande aumento de 15,7%. Acho que começou aí o início do envolvimento mais intenso, operacional também,
do ministro na área da energia».
(Audição de Castro Guerra, Secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, 2005-2009)
No mesmo dia em que se registam essas declarações do secretário de Estado, 18 de outubro de 2006,
realiza-se no Ministério da Economia uma reunião para debater a proposta da ERSE.
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«É dessa reunião em que estavam a EDP, a REN, a ERSE, a Direção-Geral de Energia e Geologia, e o
Gabinete, enfim, toda a gente, que nasce um programa de trabalho. Um dos trabalhos que o Sr. Ministro deu à
EDP e à REN, nessa reunião, foi o de preparar uma resolução do Conselho de Ministros que fizesse o
corolário dessas medidas. (…) Tenho ideia de que a questão dos 6% [de aumento da tarifa] estava nessa
versão inicial da resolução do Conselho de Ministros. Só que, entretanto, em dezembro, foi publicado o
Decreto-Lei n.º 237-B/2006, que impõe o défice, e esse era urgentíssimo. Portanto, esse decreto-lei do
alisamento tarifário dos 6% é publicado antes da resolução do Conselho de Ministros, já não fazia sentido nela
incluir essa cláusula».
(Audição de Miguel Barreto, Diretor-Geral de Energia 2004-2009)
A reação do governo ao anúncio da ERSE instala uma pressão política que desencadeia, sob Manuel
Pinho, um programa que vai bem além do diferimento de custos.
«Como se recordarão da tal história dos 15% de que se falou há bocado, havia um risco de a tarifa subir
muito. Então, uma das maneiras de, a curto prazo, baixar a tarifa ou evitar que ela subisse, era implementar os
CMEC, que permitiriam um alisamento dos custos».
(Audição de João Manso Neto, administrador da EDP desde 2006)
«[Outra] solução que também estava ligada aos CMEC, e que acabava por ser uma solução virtuosa, era a
seguinte: vamos, então, assumir a prorrogação do domínio hídrico e vamos negociar uma compensação para
diminuir esse défice tarifário».
(Audição de Miguel Barreto)
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 237-B/2006, de 18 de dezembro, o Governo refere:
«Nesta proposta verifica-se que, da conjugação entre a ausência de limite ao aumento tarifário para os
consumidores em baixa tensão, a recuperação do défice tarifário em três anos e, ainda, os demais fatores que
intervêm na formação das tarifas iriam resultar aumentos tarifários excessivamente bruscos, especialmente na
baixa tensão normal. Os aumentos propostos, a verificarem-se, teriam impactes negativos, tanto ao nível da
inflação como do poder de compra dos consumidores».
Com base nesta justificação, o Decreto-Lei prevê uma série de medidas, entre as quais se destaca:
● A título transitório, as tarifas para 2007, aplicáveis aos consumidores BT, não podem ter um aumento
superior a 6% (o défice de 2006 não é repercutido e cria-se um novo défice de 2007).
● O período de recuperação do défice tarifário é alargado de 3 para 10 anos.
● O défice tarifário é remunerado à taxa Euribor a 3 meses acrescida de 0,5% (antes 0,25%).
● Possibilita a transmissão a terceiros dos direitos de crédito associados ao défice tarifário e aos
ajustamentos anuais entre o valor dos proveitos permitidos e os efetivamente faturados.
De referir que nesta abertura à possibilidade de titularização, perdeu-se a lógica contemplada no Decreto-
Lei n.º 240/2004 para os CMEC, que previa que a taxa de juro a aplicar seria a menor entre a remuneração
inicial, estipulada no Decreto-Lei, e a obtida na operação de titularização (ver capítulo 1, ponto 2.8 sobre a
titularização da parcela fixa dos CMEC). Assim, qualquer ganho que pudesse advir da titularização de dívida
tarifária ou diferimentos de sobrecustos fica integralmente no comercializador de último recurso (a EDP), sem
qualquer partilha com o sistema elétrico. De notar ainda que o diploma é omisso em relação à
responsabilidade pelos custos incorridos na montagem e manutenção de possíveis operações de titularização.
A publicação deste Decreto-Lei e a fixação administrativa das tarifas para 2007, pelo Governo, levou à
demissão do então presidente da ERSE, Jorge Vasconcelos, que na sua carta de demissão escreveu:
«Uma vez que as tarifas incluem não apenas os custos inerentes à produção, transporte, distribuição e
comercialização de energia eléctrica, mas também custos de natureza política, cujo aumento é de longe o
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mais significativo, teria sido possível reduzir parte desses custos, com benefício real para os consumidores.
Contudo, entendeu o Governo não proceder a qualquer redução de custos, antes impondo, por via legislativa,
às tarifas de baixa tensão do sistema público um limite administrativo de 6%, não sustentado em qualquer
lógica económica interna ao sector eléctrico e apenas justificado por “Os aumentos propostos, a verificarem-
se, teriam impactos negativos, tanto ao nível da inflação e do poder de compra dos consumidores».
Em março de 2008, a EDP completa a sua primeira titularização de dívida tarifária, relativa aos défices de
2006 e 2007. Desta titularização resultou numa pequena mais-valia de 1M€, que a EDP absorveu por inteiro.
Decreto-Lei n.º 165/2008 – o maior diferimento tarifário de sempre
Alegando a preocupação com a volatilidade tarifária e o objetivo de promover «uma tendencial estabilidade
tarifária num ambiente de concorrência no sector energético, enquanto forma de proteção dos interesses
económicos dos consumidores no âmbito do acesso aos serviços de interesse geral relacionados com a
energia eléctrica», o Governo publica o Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto, que cria um regime de
repercussão tarifária excecional.
O artigo 2.º estabelece que, «sempre que se verifiquem condições que a ERSE, de modo fundamentado,
considere excepcionais e susceptíveis de provocar variações e impactes tarifários significativos», cabe à
ERSE propor ao governo condições da repercussão dos custos que delas resultem, podendo o titular da pasta
da energia repercutir esses custos ao longo do período máximo de 15 anos.
A nova lei prevê a possibilidade de titularização, total ou parcial, destas diluições temporais excecionais,
mas os custos destas operações de titularização são suportados pelas entidades interessadas na cedência,
não podendo ser repercutidos nas tarifas. Os direitos transmitidos mantêm-se, mesmo em caso de insolvência
ou cessação da atividade da entidade cessante: o novo titular continua a recuperar os montantes em dívida
até ao seu integral pagamento.
No seguimento deste Decreto-Lei é publicado o Despacho n.º 27677/2008, de 29 de outubro, que aprova o
diferimento de custos proposto pela ERSE no quadro da «situação excecional da atual conjuntura nos
mercados de combustíveis fósseis, suscetível de gerar acréscimos desproporcionadamente elevados nas
tarifas de venda a clientes finais que, como tal, poderiam representar um risco sistémico que afetaria o
equilíbrio de preços em todo o mercado retalhista». Segundo o Despacho, «o elevado valor dos referidos
custos justifica a adopção de um período de repercussão tarifária suficientemente longo, que se estabelece em
15 anos e se inicia em 1 de Janeiro de 2010». A remuneração da dívida assim gerada «reflecte as actuais
condições de mercado para a obtenção de um financiamento com um prazo de maturidade equivalente ao
período de recuperação dos montantes em causa»: a taxa Euribor a 3 meses acrescida de 0,9%.
São assim diferidos os custos relativos aos ajustamentos positivos dos CMEC em 2007 e 2008 – ou à sua
estimativa, no caso de 2008 –, bem como os sobrecustos da PRE estimados para 2009. Estes dois
diferimentos geraram um défice de 1723M€, o maior aumento anual de dívida tarifária registado até hoje.
Titularização com partilha de ganhos – a exceção que confirma a regra
O Despacho n.º 27677/2008, feito sob proposta da ERSE, introduz uma cláusula singular – aplicada
apenas aos diferimentos previstos neste mesmo despacho – que garante um ganho para o consumidor em
caso de titularização em condições favoráveis, e só se favoráveis. Com efeito, o n.º 6 prevê que no caso de
ocorrer cessão de direitos de crédito, se o valor líquido recebido pela EDP for superior ao valor daqueles
montantes que se encontrem em dívida à data da respetiva cessão, então metade da mais-valia deve ser
repercutida para redução das tarifas.
No seguimento deste despacho, a EDP decide titularizar ambos os diferimentos do ano seguinte. As
operações ficam muito próximas do valor líquido em dívida, gerando, num caso, uma menos-valia e, no outro
caso, uma mais-valia. O n.º 6 do Despacho foi cumprido: a primeira foi integralmente assumida pela EDP e
metade da segunda foi entregue ao sistema elétrico para abater às tarifas.
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É também interessante notar que esta mais-valia só ocorre no seguimento da publicação do Despacho
5579-A/2009, a 16 de fevereiro, que vem alterar o spread dos diferimentos estipulados no Despacho n.º
27677/2008 de 0,9% para 1,95%. Por si só, esta «correção» seria justificada, até para viabilizar a titularização,
uma vez que a remuneração destes diferimentos devia traduzir a expectativa sobre o custo de financiamento.
A mudança do spread acompanha o agravamento da situação nos mercados financeiros naqueles meses,
considerando as regras de elegibilidade e valorização de valores mobiliários como ativos de garantia em
operações de política monetária do Eurossistema.
Uma vez mais, como já referido, estava em causa um valor significativo, 1723M€, e as condições de
mercado parecem justificar este ajustamento. O aspeto relevante é que se trata de um movimento de sentido
único: quando se deterioraram as condições de financiamento, a remuneração foi ajustada, refletindo-se nas
tarifas e preços. Posteriormente, face à melhoria dessas mesmas condições, não existiram decisões políticas
de correção. Assim, os ganhos sistemáticos gerados pela evolução do mercado entre o momento da fixação
da taxa de remuneração e o momento da sua titularização, foram sempre integrados nos lucros da EDP, em
detrimento dos consumidores, como veremos mais à frente.
Decreto-Lei n.º 78/2011 – O diferimento de custos como prática generalizada
Este Decreto-Lei, que procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, adita-
lhe o artigo 73.º-A, que prevê a repercussão tarifária intertemporal dos sobrecustos com a aquisição de
energia a produtores em regime especial. Institui assim a repercussão tarifária intertemporal destes
sobrecustos como um mecanismo regular, por oposição ao regime de exceção anteriormente previsto no
Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto.
Destacam-se as principais características:
● Repercussão tarifária a 5 anos;
● Taxa de remuneração a ser definida por portaria;
● Suscetível de ser transmitida nos termos previstos no Decreto-Lei 237-B/2006, de 18 de dezembro, mas
também no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto (que prevê a garantia de
reconhecimento dos direitos dos novos titulares).
Em relação à possibilidade de transmissão dos direitos de crédito, de notar que continua a ser facultativa,
sem qualquer cláusula que preveja qualquer capacidade de interferência do governo no processo seja em que
momento for, e que se ignora por completo a possibilidade de partilha de mais-valias estabelecida no
Despacho n.º 27677/2008, regressando à lógica de absorção integral dos potenciais ganhos pela entidades
cessante.
Esta questão é especialmente relevante quando conjugada com a taxa de remuneração estabelecida. Em
outubro desse ano, a Portaria n.º 279/2011 estabelece a metodologia de cálculo da taxa de remuneração
aplicável a este regime de repercussão tarifária intertemporal. A fórmula é dada por:
RDSPRE = RF + RDP × θ
em que:
RDSPRE — taxa de juro a aplicar à parcela dos sobrecustos com a produção em regime especial a
recuperar no prazo de cinco anos a partir do dia 1 de janeiro do ano a que dizem respeito os proveitos
permitidos, nos termos do Regulamento Tarifário da ERSE;
RF — taxa de juro sem risco, correspondendo às yield das obrigações do tesouro alemãs a cinco anos,
subtraída do prémio de risco refletido nos credit default swaps dessas obrigações, determinada com base na
média dos seis meses anteriores à data de início da aplicação das tarifas associadas ao diferimento dos
sobrecustos com a produção em regime especial;
RDP — prémio de risco da dívida do comercializador de último recurso no mercado financeiro refletido,
designadamente nos credit default swaps relativos aos financiamentos a cinco anos do grupo empresarial que
integra o comercializador de último recurso, determinada com base na média dos seis meses anteriores à data
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de início da aplicação das tarifas associadas ao diferimento dos sobrecustos com a produção em regime
especial;
θ — fator [definido pelo titular da pasta da Energia no governo], entre zero e a unidade, a aplicar ao prémio
de risco da dívida associado ao grupo empresarial que integra o comercializador de último recurso, tendo em
conta a necessidade de promover a sustentabilidade económica e social da repercussão tarifária dos custos
de financiamento do sector.
A decisão de acompanhar o custo de financiamento das empresas com o intuito de garantir o equilíbrio
económico-financeiro das atividades reguladas mereceu o parecer positivo da ERSE e nada tem de
preocupante. Porém, as condições para a titularização destes montantes não preveem a eventual inversão da
tendência adversa nas condições de financiamento, nem considera o perfil de reduzido risco destes cashflows
– tal como já se argumentou aqui e em diversos depoimentos na CPIPREPE. Esse perfil densificou-se aliás
com a garantia prestada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto, que veio assegurar os
direitos creditórios dos novos titulares, mesmo em caso de insolvência ou cessação de atividade da entidade
cessante.
Figura4 – Fonte: ERSE – Tarifas e preços 2012
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Como é possível observar no quadro em cima, esta nova metodologia de cálculo da taxa resultou, para
2012, numa estimativa, à data da proposta das tarifas, de 5,5%, a maior taxa de remuneração aplicável para
as várias repercussões tarifárias intertemporais em vigor em 2012 (já somando as taxas Euribor com os seus
spreads, para cada caso, como é possível verificar). Na realidade, no cálculo final, feito no início de 2012, esta
taxa fixou-se em 6,32%.
Na sequência destas decisões, em 2013, quando as condições de mercado melhoram, a EDP titulariza
cerca de 70% do diferimento do sobrecusto da PRE de 2012 (valores da ERSE) com a sua maior mais-valia
até à data – 50M€ (valores dos seus Relatórios e Contas), que constitui lucro integral da EDP.
Esta mais-valia reflete por um lado a evolução positiva do mercado e a dificuldade da fórmula em
acompanhar essa movimentação, uma vez que esta avalia as condições de financiamento médias nos 6
meses anteriores à sua aplicação, em particular no período de tempo que decorre entre a fixação da taxa e a
titularização, e por outro, o prémio implícito de um cashflow de risco reduzido remunerado ao custo de
financiamento de uma atividade que naturalmente tem mais risco. Este fenómeno foi sendo replicado com os
vários diferimentos anuais de sobrecustos da PRE com mais-valias substanciais para a EDP.
Sob o Memorando, o debate do diferimento de custos
Na sequência da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika, em maio de 2011, a tutela da
Energia inicia um processo negocial com os produtores de eletricidade com vista ao cumprimento das medidas
previstas naquele documento, nomeadamente a redução dos Custos de Interesse Económico Geral.
Logo em agosto de 2011, a EDP apresenta em reunião com o Secretário de Estado da Energia a sua
proposta, sinalizando a disponibilidade da EDP para financiar em 1200 milhões de euros um conjunto de
medidas que vem propor, considerando «importante, que, simultaneamente, seja definido um enquadramento
que remunere adequadamente estes créditos pelo custo de capital da empresa e se criem as condições para a
securitização dos elevados montantes em causa». Com efeito, as medidas propostas pela EDP procuram
evitar cortes permanentes de custos (exceto no sobrecusto das cogerações com mais de 15 anos),
substituindo-os por diferimentos temporais, nomeadamente do sobrecusto da PRE, da revisibilidade dos
CMEC de 2012 e 2013 e da interruptibilidade.
Na sequência das conversações posteriores, a EDP remete em 4 de outubro de 2011 uma nova proposta,
em que refere «aceitar» uma taxa de juro da dívida tarifária correspondente aos títulos de dívida pública
alemães acrescida de 5%. A EDP propõe ainda a alteração das regras para a titularização dos CMEC
estabelecidas no Decreto-Lei n.º 240/2004, que prevê que a taxa utilizada para o cálculo dos encargos
financeiros da anuidade do valor inicial dos CMEC (7,55%) seja revista em caso de titularização do respetivo
montante, passando nessas circunstâncias a ser aplicada a menor das duas taxas (5,22% na portaria de
2007). Em outubro de 2011, a EDP propõe ao governo uma redução da taxa 7,55% para 6,5%, em troca da
perda do direito do sistema de beneficiar de uma taxa mais baixa em futuras titularizações.
Analisando as propostas da EDP em carta enviada ao ministro Álvaro Santos Pereira, o secretário de
Estado Henrique Gomes considera que o diferimento do sobrecusto da PRE «deveria ser a última medida a
utilizar no ajustamento das tarifas, minimizando a criação de nova dívida, e não como primeira solução que
torna desnecessária qualquer outra. A perspectiva da EDP não é essa, porque com a aplicação deste
mecanismo resolve o problema do curto prazo (a sua perspectiva de sustentabilidade no longo prazo é vã) e
ainda ganha com a remuneração do financiamento da dívida».
Quanto à taxa desta remuneração, Henrique Gomes esclarece o ministro que a proposta do governo à EDP
foi diferente da que a EDP veio «aceitar», nomeadamente uma taxa de remuneração baseada na taxa de juro
sem risco, correspondente às «yielddas obrigações de tesouro alemãs a 5 anos, subtraída do prémio de risco
reflectido nos Credit Default Swaps dessas obrigações, determinada com base na média dos últimos seis
meses, acrescida de 5%». O Secretário de Estado estranha que «a EDP argumente que essa taxa se situa
abaixo do custo actual de financiamento, quando um dos argumentos apresentados em defesa da não
perturbação do processo de privatização foi precisamente a possibilidade de acesso a financiamento com
custos muito baixos».
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Finalmente, a revisão da taxa da componente fixa dos CMEC para 6,5%, proposta pela EDP em
contrapartida do direito a absorver os ganhos resultantes da titularização daquelas anuidades, é considerada
por Henrique Gomes «uma tentativa de aproveitamento do momento de pressão sobre os preços da
electricidade, uma vez que se consubstancia no abdicar pelo sistema de uma opção, e correspondente valor,
de que hoje dispõe».
Decreto-Lei n.º 109/2011 – avança o diferimento de custos
No final de 2011, depois do aumento da taxa de IVA para a taxa máxima – dez pontos acima da taxa
intermédia de 13% indicada no Memorando de Entendimento – e visando evitar «o efeito prejudicial que o
aumento brusco da factura de electricidadeteria no relançamento da economia e nas condições da população
em geral», o Governo considerou «necessário diferir, excepcionalmente, o ajustamento anual do montante da
compensação referente a 2010 devido pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia»,
previsto no Decreto-Lei n.º 240/2004, na sua redação à data, sendo repercutido nos proveitos permitidos de
2013. O diploma previa ainda uma taxa de remuneração igual à taxa Euribor a 12 meses acrescida de um
spread de 2%.
O diferimento do sobrecusto com a PRE de 2012, por si só, já representava um aumento da dívida tarifária
de 939M€. Este diferimento adicional representava mais 141M€. A este respeito, no parecer do Conselho
Tarifário (CT) para as tarifas e preços de 2012 constam as seguintes considerações:
«O CT, no seu parecer do ano anterior, procurou alertar explicitamente que a trajetória dos CIEG [Custos
de Interesse económico Geral] assumida ao longo dos últimos anos poderia pôr em causa a própria
sustentabilidade do setor se nenhumas medidas de redução estrutural a estes custos fossem equacionadas e
aplicadas. (…) Efetivamente, na ausência de qualquer medida de redução dos CIEG’s, o diferimento legislativo
de uma parcela relevante dos seus custos visou evitar uma variação tarifária muito significativa em 2012. A
esse propósito, o CT não pode deixar de recordar que os consumidores finais já impactaram o choque do
expressivo aumento do IVA, com um acréscimo na sua fatura na ordem dos 16% a partir de 16 de outubro de
2011.
Considera assim o CT que é particularmente gravosa a ausência de qualquer medida legislativa com o
objetivo de reduzir, de forma estrutural, os CIEG’s no setor elétrico.
Reitera, assim, o CT o seu apelo à ERSE para que esta promova as necessárias diligências junto das
entidades competentes para a necessidade de medidas visando garantir a sustentabilidade do setor, evitando
medidas pontuais e isoladas de diferimento de encargos».
Nos comentários ao parecer do CT, refere a ERSE:
Apesar da generalidade dos CIEG decorrer de decisões que extravasam a competência do regulador, a
ERSE tem vindo a alertar para o impacte da evolução destes custos, apelando à ponderação das decisões no
que respeita à introdução e revisão de medidas no âmbito dos CIEG. As diligências para uma maior
sensibilização e reflexão do impacte que estas medidas podem causar, estão em linha com as posições da
ERSE, que tem aproveitado para manifestar a sua preocupação, sempre que lhe é solicitado parecer.
Decreto-Lei n.º 256/2012 – surge o fator de sustentabilidade da EDP
A 28 de abril de 2012, um mês depois da demissão do secretário de Estado Henrique Gomes, o seu
sucessor, Artur Trindade, e o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, fecham com a EDP um acordo
visando a redução da taxa de juro da componente fixa dos CMEC, de 7,55% para 4,72%. Esta alteração
resultou numa redução dos custos com a parcela fixa dos CMEC de cerca de 14 Milhões de Euros por ano, um
total acumulado de 205 milhões de euros de redução, que se traduz num valor atualizado líquido total de
120M€ reportado a julho de 2012.
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Como já se referiu neste relatório, o documento informal que fixou esse acordo nunca foi publicado nem
comunicado ao regulador. Entre as contrapartidas então aceites pelo governo, estava a revisão da taxa de juro
aplicada aos montantes diferidos, nos seguintes termos:
«a) Para os montantes abrangidos pelo artigo 73.º-A do Decreto-Lei n.º 78/2011 e que estejam em dívida
e/ou sejam gerados entre 1-01-2013 s 31-12-2016, a taxa de juro deverá reflectir o custo marginal (all in)
suportado pela EDP em operações de mercado grossista de prazos equivalentes realizadas nos últimos 6/12
meses anteriores a 1 de janeiro de cada ano. Caso não haja operações de mercado nessas circunstâncias de
volume/número significativos procurar-se-iam proxies de mercado com efeito equivalente (CDS, cotação
mercado secundário); b) Compromisso de não aprovação das novas condições financeiras abaixo do custo
marginal da EDP».
(Acordo EDP-Ministério da Economia, 12 de abril de 2012)
O então Secretário de Estado, Artur Trindade, referiu na sua audição na CPIPREPE que todas as medidas
deste acordo, mesmo quando individualmente consideradas, eram positivas para o SEN e que, nessa medida,
teria adotado qualquer uma delas, ainda que fora do quadro do acordo mencionado.
No final do ano, em novembro, é aprovado o Decreto-Lei n.º 256/2012. O preâmbulo situa o seu contexto:
«Encontra-se em curso a adoção de um conjunto de medidas que visam travar, a médio e longo prazo, a
tendência de crescimento dos diversos custos que oneram a fatura final de eletricidade, bem como o aumento
contínuo e exponencial do défice tarifário. A curto prazo é, porém, necessário conjugar a implementação
destas medidas com a adoção de outras soluções, que permitam manter as tarifas de eletricidade em valores
adequados e comportáveis para os cidadãos, famílias e empresas em geral».
O decreto prevê os diferimentos – novamente apresentados como «excecionais» – dos ajustamentos
anuais dos CMEC de 2011 e 2012 (previsional no segundo caso). As taxas de remuneração são remetidas
para portaria e a cedência dos direitos de crédito é prevista nos mesmos termos do Decreto-Lei n.º 237-
B/2006.
Em conjunto com o diferimento dos sobrecustos da PRE de 2013, ao abrigo do mecanismo de alisamento
quinquenal do Decreto-Lei n.º 78/2011, estas três medidas representam um acréscimo de dívida tarifária de
1109 M€ (valor da ERSE).
A este respeito, o Conselho Tarifário (CT), no seu parecer às tarifas e preços de 2013, refere o seguinte:
«Além da insignificativa expressão da renegociação do sobrecusto dos CMEC, o CT sublinha,
adicionalmente, que a proposta é omissa quanto às medidas de intervenção no sobrecusto da PRE-FER (para
além do alisamento quinquenal disposto no Decreto-Lei n.º 78/2011). Tendo em conta que se trata da maior
fatia dos CIEG, não pode deixar de se considerar surpreendente essa omissão, dadas as diversas referências
públicas a um acordo com a associação representativa dos interesses do setor respetivo.
Não pode, assim, deixar o CT de enfatizar a desproporção entre as medidas de redução de encargos
anunciadas e razoavelmente previsíveis (150 milhões de euros [em 2013]), e as medidas legislativas de (mero)
diferimento de um montante substancial de CIEG (1109 milhões de euros).
Estando o CT ciente de vários atos legislativos concretizados, aprovados em sede de Conselho de
Ministros ou anunciados que incidem sobre os CIEG (não só em 2013, mas também nos anos subsequentes)
que tanto tem condicionado a evolução das tarifas na última década, seria muito útil para os agentes do setor,
em particular para os consumidores, uma clara explicitação de como se pretende assegurar a eliminação da
dívida até 2020 e a sustentabilidade setor».
Em abril de 2013, a Portaria n.º 146/2013 atualiza a fórmula de cálculo da taxa de remuneração da dívida
tarifária em linha com o estabelecido no acordo entre a EDP e o governo no ano anterior. O preâmbulo da
Portaria preconiza que, diante da «evolução das condições dos mercados financeiros, verifica-se a
necessidade de compatibilizar a metodologia de cálculo prevista na Portaria n.º 279/2011, de 17 de outubro,
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por forma a não comprometer o equilíbrio-económico financeiro das atividades reguladas (…) mediante a
introdução de um fator de sustentabilidade da empresa».
Em concreto, é introduzido um parâmetro gama na fórmula:
Este novo parâmetro gama garante que a taxa reflete a diferença entre o custo de financiamento estimado
(soma de Rf com Rdp) e o custo de financiamento efetivo da EDP nos 6 meses anteriores (ponderando taxas
de juro de capitais alheios ou de obrigações de cupão fixo em mercado secundário) e refletindo os encargos
com a contratação do financiamento do diferimento intertemporal dos proveitos permitidos.
Mais ainda, esta portaria altera o valor do parâmetro teta, aumentando-o de 0,85 para 0,97, mitigando
consideravelmente o seu efeito promotor da sustentabilidade económica e social da repercussão tarifária dos
custos de financiamento do setor.
Tal como a Portaria n.º 279/2011, de 17 de outubro, o objetivo de aproximação ao custo de financiamento
da EDP numa altura adversa nos mercados financeiros, parece, por si só, razoável. Esta visão da
aproximação total ao custo de financiamento da EDP inclui uma mitigação significativa do fator de
sustentabilidade do SEN (de 0,85 para 0,97). No entanto, ao conjugar esta aproximação com as condições
previstas para a titularização (já aqui detalhadas), não é devidamente acautelada a sustentabilidade da dívida
tarifária a médio-longo prazo. Não há disposição legislativa que contemple uma evolução positiva do mercado.
Não há espaço para renegociação, ou para ter um papel na decisão da titularização ou ainda para obter
alguma vantagem que daí advenha. E isto num cenário em que a taxa a vigorar ao longo do período
quinquenal é fixa, não acompanha qualquer movimentação do mercado, ao contrário de taxas de remuneração
estabelecidas anteriormente que eram indexadas à Euribor.
Como já aqui foi mencionado, o mercado evolui positivamente e a EDP tira partido desse facto titularizando
uma parte considerável da dívida tarifária que detinha, e em particular a referente aos alisamentos quinquenais
dos sobrecustos da PRE, remunerados à taxa aqui descrita, obtendo mais-valias significativas – 50M€ em
2013, com a PRE de 2012, ainda ao abrigo da fórmula anterior, e 187M€ com os diferimentos dos sobrecustos
das PRE de 2013 a 2017 (valores da EDP). Estes valores foram incorporados por completo nos seus lucros,
uma vez que estas mais-valias já são líquidas de encargos com montagem e manutenção das operações de
titularização.
Na concretização do Decreto-Lei n.º 256/2012, a remuneração dos dois diferimentos nele previstos é fixada
pela Portaria n.º 145/2013, de 9 de abril. A taxa anual para os sobrecustos com CMEC é fixada em 5%; para
os sobrecustos com CAE, é 4%.
Estas taxas foram fixadas e publicadas apesar das objeções apontadas pela ERSE. No seu parecer de
fevereiro de 2013 pode ler-se:
«… considera-se que os valores considerados para esta taxa são elevados, não apenas face ao risco
associado a estes títulos e plasmado, por exemplo, nas yields das obrigações da EDP, bem como face ao
procedimento seguido pelo Governo no ano anterior para uma situação semelhante. No que diz respeito ao
primeiro ponto, tem-se observado uma diminuição significativa das yields das obrigações da EDP. O quadro
que se segue ilustra este facto, evidenciando que as taxas propostas na Portaria não refletem o risco
atualmente associado ao custo de financiamento destas empresas.
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Por outro lado, o risco associado a este diferimento não pode assumir um risco igual ao do financiamento
do conjunto das atividades da EDP e da REN, tendo em conta que a recuperação destes montantes está
enquadrada legalmente.
Este facto pode explicar que em 2011 o Decreto-Lei n.º 109/2011, de 18 de novembro, que também diferiu
os ajustamentos anuais determinados nos termos dos sobrecustos com os CMEC, neste caso, relativos a
2010, de modo a serem recuperados nas tarifas de 2013, tinham implícita uma taxa substancialmente inferior
ao custo médio de financiamento desse ano. Registe-se que, ao contrário do Decreto-Lei n.º 256/2012, o
Decreto-Lei n.º 109/2011 não remeteu para uma posterior Portaria a definição da taxa a aplicar aos encargos
financeiros associados a este diferimento. Este diploma define a taxa a aplicar como sendo igual à média da
taxa Euribor a 12 meses verificada em 2011, acrescida de um spread de 2%. O valor desta taxa correspondeu
a cerca de 4%, tendo em conta que em 2011 a média da taxa Euribor a 12 meses foi de 2,008%.
A aplicação da mesma regra para o diferimento dos sobrecustos CAE, que contempla o mesmo horizonte
temporal, levaria a aplicação de uma taxa de 3,1% (em 2012 a média da taxa Euribor a 12 meses foi de
1,1%)».
Decreto-Lei n.º 32/2014
Em 2014, uma vez mais, o Governo, visando suster a evolução tarifária no setor elétrico a curto prazo,
recorre ao diferimento da repercussão nas tarifas de 2014 do montante não repercutido do ajustamento anual
dos CMEC referentes ao ano de 2012, a ser repercutido, em partes iguais, nos proveitos permitidos de 2017 e
2018. Este diferimento representa um acréscimo na dívida tarifária de 250 M€. A sua remuneração é remetida
para portaria, sendo estabelecida mais tarde na Portaria n.º 500/2014, de 16 de junho, em termos em tudo
idênticos aos da Portaria n.º 146/2013, de 11 de abril, sob parecer da ERSE expressando objeções a uma taxa
de 5%.
Pese embora não tenha apresentado objeções à Portaria n.º 146/2013, de 11 de abril, e à respetiva
metodologia da fórmula de cálculo da taxa de remuneração, a ERSE refere desta feita que “entende ser
necessário uma revisão da taxa estabelecida na proposta de Portaria por forma a garantir que o custo
financeiro associado ao diferimento reflita adequadamente as condições vigentes nos mercados financeiros e
deste modo, seja neutro para o SEN". Acrescenta ainda que:
«Na primeira abordagem, a análise foca-se no risco percebido pelos agentes de mercado para a dívida da
EDP, observável na evolução nos mercados secundários das yields das obrigações desta empresa emitidas
em euros. Deverão preferencialmente ser consideradas maturidades compreendidas entre o final de 2017 e o
início de 2018, tendo em conta que o período médio de recuperação do montante diferido é de 48 meses, a
contar a partir do mês de janeiro de 2014. Existem dois empréstimos obrigacionistas nesta situação, para os
quais se tem dados associados a transação dos títulos nos mercados secundários. No cálculo do valor médio
das yields desses empréstimos poderão ser seguidas duas abordagens, que passam por considerar: i) o
primeiro trimestre do corrente ano, tendo em conta os custos de oportunidade destes títulos que atualmente se
verificam no mercado secundário, ii) o semestre anterior ao da criação da dívida, porque as necessidades de
financiamento deste montante surgem antecipadamente ao diferimento.
No primeiro caso, as médias das yields diárias das obrigações da EDP são:
• 2,5%, com maturidade em setembro de 2017;
• 3,3%, com maturidade em junho de 2020.
No segundo caso, as médias das yieldsdiárias das obrigações da EDP – Energias de Portugal, SA, são:
• 3,8%, com maturidade em setembro de 2017;
• 3,9%, com maturidade em junho de 2020.
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Assim, se for considerado o risco percebido pelos agentes nos mercados secundários para as obrigações
da EDP, as taxas praticadas são inferiores à taxa de 5% estabelecida na proposta de Portaria.
Pese embora o facto da evolução das yields das obrigações nos mercados secundários ser um bom
indicador do risco percebido pelos agentes para estes títulos, poderá não ser o indicador mais preciso para
avaliar qual o custo associado à necessidade de obtenção imediata de um determinado financiamento.
Tomando assim por base a estimativa do custo de financiamento do montante em causa para o grupo EDP,
importará observar os cupões das mais recentes emissões obrigacionistas deste grupo em euros, para
maturidades posteriores a 2017, que foram:
• 4,875% em setembro 2013, que corresponde a uma emissão com maturidade de setembro 2020, para
um montante de 750 milhões de euros.
• 4,125% em novembro 2013, que corresponde a uma emissão com maturidade de novembro 2021, para
um montante de 600 milhões de euros.
Estas últimas taxas são superiores às taxas mencionadas na abordagem anterior. Contudo, a taxa definida
na proposta de Portaria é superior às taxas referidas nas duas abordagens apresentadas anteriormente.
Sublinhe-se que as análises efetuadas não tiveram em conta, por uma questão de simplificação, nem com
o risco específico desta operação que beneficia da chancela legislativa e regulatória, nem com os custos
associados ao processo de financiamento propriamente dito».
No seguimento deste parecer crítico da ERSE à proposta de portaria de fixação de uma taxa de 5%, o
Governo publica antes a Portaria n.º 500/2014, de 16 de junho, que, como já referido, estabelece uma
metodologia de cálculo da taxa de remuneração em tudo semelhante à estabelecida na Portaria n.º 146/2013,
de 11 de abril e onde são incluídos os aspetos metodológicos referidos pela ERSE. O resultado da aplicação
dessa metodologia para este diferimento é uma taxa de 5%.
A titularização deste diferimento, em dezembro de 2014, gera uma mais-valia líquida para a EDP de 11M€.
Evolução
Tal como já aqui foi amplamente notado, várias entidades foram manifestando a sua preocupação com a
evolução anual da dívida tarifária, desde o Conselho Tarifário (CT) da ERSE, à própria ERSE, e até o
Governo, referindo-o nos preâmbulos dos vários diplomas legislativos que acabaram por contribuir para essa
mesma dívida.
Para uma melhor perceção dos montantes que foram sendo gerados com os diplomas legislativos aqui
referidos e para uma perspetiva do seu avolumar, veja-se o gráfico relativo à evolução anual da dívida tarifária
e sua composição.
Para uma análise do seu impacto nas tarifas e preços da energia elétrica, veja-se o gráfico com a evolução
anual do serviço da dívida tarifária, para o mesmo período, discriminado entre amortização e juros. Segue-se
um outro gráfico com a composição dos juros, onde fica bem patente a relevância dos diferimentos da PRE, e
onde se observa a comparação da sua remuneração em contraste com emissões de dívida da EDP no mesmo
ano.
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Evolução anual da dívida tarifária e sua composição
Figura 5 – Fonte: EDP (com base nos documentos anuais das tarifas e preços para a energia elétrica da ERSE)
Figura 6 – Gráfico do autor (Dados da ERSE)
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Figura 7 – Fonte: ERSE
A propósito desta evolução o CT da ERSE, no seu parecer no final de 2013, às tarifas e preços para 2014,
cria uma secção específica para a discussão da dívida tarifária e serviço da dívida (mantida até à data), onde
tece os seguintes comentários:
«As preocupações evidenciadas, reiteradamente, pelo CT no que a evolução dos CIEG’s diz respeito,
encontram a sua natural repercussão na trajetória assumida pela dívida tarifária no setor elétrico.
Embora o CT reconheça que os diversos mecanismos de diferimento e/ou alisamento de custos utilizados,
com frequência, nos últimos anos tenham evitado uma significativa subida nas tarifas dos consumidores no
próprio ano, também não pode deixar de exprimir a sua apreensão pelo volume e trajetória assumida.
A própria evolução, associada, do serviço da dívida, ou seja, a amortização e juros, atingem em 2014,
valores muito significativos: mais de 150 milhões de Euros só em juros, num total de quase 1000 milhões de
Euros a recuperar nas tarifas».
O CT voltou a manifestar preocupações muito semelhantes no parecer do ano seguinte, em particular com
a trajetória crescente da dívida e com os mais de 200 milhões de euros pagos em juros. Apenas no final de
2015, e «face à trajetória descendente iniciada na Proposta de Tarifas para 2016, o CT regista os sinais que
indiciam a sustentabilidade do sistema elétrico nacional».
A respeito da remuneração da dívida, o ex-secretário de Estado Artur Trindade apresentou na CPIPREPE o
gráfico que se segue, com o intuito de ilustrar que a adoção de uma metodologia consistente com os
parâmetros financeiros aplicáveis permitiu que o custo da dívida tarifária acompanhasse o custo de
financiamento aplicável. Essa metodologia desenhada a partir de 2013 vem sendo aplicada até hoje (ver
ERSE, Tarifas para 2019).
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Ainda a este respeito pode ver-se, no gráfico que se segue, a evolução da taxa de juro média anual (reflete
a média ponderada das várias rubricas da dívida naquele ano, definidas em diplomas diferentes, como aqui foi
visto). Foi também acrescentada a evolução da taxa Euribor a 12 meses acrescida de um spread «razoável»
de 2%, para o mesmo período, como termo de comparação e barómetro da evolução do mercado. A partir de
2012, com a introdução do alisamento quinquenal dos sobrecustos da PRE e respetiva taxa de remuneração,
fica patente o desfasamento da taxa de juro média da dívida tarifária não só em distância a uma taxa que
acompanha a evolução do mercado, mas também em tendência, nomeadamente entre 2013 e 2015.
Figura 8 – Gráfico a partir de dados ERSE + PORDATA
De seguida apresenta-se uma tabela resumo das cessões de dívida tarifária feitas pela EDP, bem como
dos montantes envolvidos, das mais ou menos-valias resultantes, líquidas dos respetivos custos com a
montagem e manutenção das operações, e a representação percentual da mais ou menos-valia em relação ao
montante titularizado.
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Ano Rubrica da dívida tarifária Montante
titularizado (M€)
Mais/ Menos-Valia
(M€)
Mais/ Menos-Valia
(%)
2008 Défice 2006+2007 176 1 0,6%
2009 Ajustamento tarifários 2007 + 2008 1 276 -23 -1,8%
2009 Ajustamento tarifários 2009 447 -13 -2,9%
2011 Reclassificação Cogeração FER 185 -5 -2,7%
2012 Diferimento acerto CMEC 2010 141 0 0,0%
2013 Diferimento sobrecusto PRE 2012 864 50 5,8%
2013 Diferimento acerto CMEC 2011 150 1 0,7%
2014 Diferimento sobrecusto PRE 2013 833 62 7,4%
2014 Diferimento acerto CMEC 2012 229 11 4,8%
2015+16 Diferimento sobrecusto PRE 2014 1 073 63 5,9%
2016+17 Diferimento sobrecusto PRE 2015 1 271 46 3,6%
2016 Diferimento sobrecusto PRE 2016 1 223 -11 -0,9%
2017 Diferimento sobrecusto PRE 2017 1 155 16 1,4%
Total 9 023 198 2,2%
Total – fórmula custo financiamento EDP4 6 648 237 3,6%
Total – outras taxas 2 375 -39 -1,6%
Figura 9 – Tabela a partir de dados da EDP
Contabilizando todas as mais e menos-valias do período completo, a EDP encaixou 198M€ como lucros,
uma vez que estes valores já são líquidos de custos incorridos com as operações de titularização. Note-se que
isto corresponde a uma margem bruta de 2,2% sobre a dívida titularizada. Mais ainda, se considerarmos
apenas os lucros obtidos com os diferimentos cuja remuneração replica o custo de financiamento da EDP,
entre 2013 e 2017, observa-se um valor de 237M€, 3,6% do montante titularizado e cerca de 30%, quase um
terço, da totalidade dos juros pagos pelo SEN no mesmo período.
E, desta forma, a EDP conseguiu, no período entre 2008 e 2017, atravessando uma crise financeira
mundial seguida de uma crise de dívida pública portuguesa, com graves implicações para o tecido empresarial
nacional, sair a ganhar com a enorme quantidade de dívida tarifária gerada, a custo dos consumidores.
No entanto, esta não é a visão manifestada na CPIPREPE pelo Secretário de Estado Artur Trindade e pelo
atual titular, João Galamba.
Artur Trindade defendeu que os ganhos financeiros podem ser contabilísticos, mas não económicos, uma
vez que ao efetuar as operações, não na data da geração da dívida, mas uns anos mais tarde, a empresa
suportou com meios próprios (WACC) o financiamento do défice tarifário. Logo, titularizou uma maturidade
inferior à da divida, o que só por si pode traduzir-se num ganho “nominal”, relatado contabilisticamente, mas
numa perda económica.
Por sua vez, o atual Secretário de Estado, João Galamba, manifestou uma visão diversa e reiterou que o
«que conta é a taxa e a respetiva metodologia», reconhecendo à EDP o direito a dispor da dívida tarifária
como propriedade sua.
Notas finais
A criação da dívida tarifária em 2006 é uma decisão política que visa, por um lado, manter intocados os
custos de interesse económico geral (recusando recomendações da ERSE de sentido contrário) e, por outro
4Considera o total dos diferimentos sujeitos a taxas de remuneração calculadas ao abrigo das metodologias que têm por objetivo replicar o custo de financiamento da EDP: o Diferimento sobrecusto PRE 2012 => Portaria 279/2011 o Diferimento sobrecusto PRE 2013-2017 => Portaria 146/2013 o Diferimento acerto CMEC 2012 => Portaria 500/2014
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lado, evitar as consequências sociais e políticas do aumento de cerca de 15% nas tarifas de eletricidade para
2007.
Então como mais tarde, se a preocupação dos Governos era o financiamento do défice e o serviço da
dívida, poderiam ter financiado esse mesmo défice através do Orçamento do Estado ou com a emissão de
dívida pública. Não o fizeram, porém, num movimento de clara desorçamentação.
Esta decisão, com pequenas variantes, foi sendo reproduzida quase todos os anos, com acréscimos ao
volume de dívida até 2016, quando a tendência foi finalmente invertida.
Um primeiro elemento relevante quanto à identificação de formas de rendas indevidas reside na taxa de
remuneração de montantes a recuperar através das tarifas e preços da energia elétrica.
Esta questão é levantada pela ERSE perante o Decreto-Lei n.º 240/2004 e a fixação da taxa de cálculo da
anuidade ao custo médio de capital da EDP (7,55%), depois face aos aumentos de spreads em relação à
Euribor e pela definição de taxas fixas, até à fórmula de cálculo da remuneração dos diferimentos dos
sobrecustos da PRE e às tentativas de aproximação das taxas de juro ao custo de financiamento da EDP.
A discussão em torno da taxa de remuneração prende-se com vários aspetos:
● Sustentabilidade económica e social da repercussão tarifária dos custos de financiamento do sector.
● Risco dos cashflows: a dívida tarifária emitida, dado o enquadramento legislativo e regulatório da
recuperação dos seus montantes, tem um risco reduzido, em todo o caso risco sempre menor que o
financiamento do conjunto das atividades da EDP. E, nesse sentido, a sua taxa de remuneração deveria
refletir isso mesmo.
● Custo de financiamento da EDP: para garantir o equilíbrio económico-financeiro das atividades
reguladas, é importante acompanhar a evolução do seu custo de financiamento, em particular em
condições de mercado adversas.
● Possibilidade de revisão da taxa: o impacto da definição da taxa inicial será tanto maior quanto menor
for a flexibilidade prevista para a rever, seja por renegociação direta com a EDP, seja pela possibilidade
da sua cedência a terceiros.
É da ponderação destes fatores e do equilíbrio entre o curto e o médio-longo prazo que deve resultar uma
taxa de remuneração adequada.
Assim, por simplificação, surgem dois rumos possíveis:
● A taxa de remuneração é definida de forma completamente alheia à EDP-CUR, exclusivamente tendo
em conta as condições de mercado e o perfil de risco dos cashflows envolvidos, definida como uma
emissão direta em mercado. É concebida como uma taxa «justa» para o SEN. Neste caso, depois de
entregue à EDP, esta poderia geri-la da forma que melhor lhe aprouvesse, mantendo-a ou cedendo-a a
seu custo ou benefício;
● A taxa de remuneração é definida como uma taxa «justa» para a EDP enquanto recetor da dívida,
ponderando o esforço financeiro envolvido e custos incorridos com vista a garantir o equilíbrio
económico-financeiro das atividades reguladas. Neste caso, o acompanhamento pelo SEN da evolução
do custo financeiro deve ser mantido. Para assegurar a sustentabilidade económica e social da
repercussão tarifária dos custos de financiamento, a gestão da dívida tem de ser partilhada entre EDP e
SEN. Isto é, o governo tem de ter uma palavra na renegociação das condições da dívida sempre que
alterações nas condições de financiamento da empresa ou do mercado assim o justifiquem, bem como
na cedência da dívida a terceiros, seja na opção pela sua realização, seja nas condições negociadas.
Obviamente, estas decisões devem ser pautadas pela procura do equilíbrio entre a sustentabilidade das
atividades reguladas e a sustentabilidade do SEN.
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Conclusões
Seguindo este racional, cabe referenciar as decisões tomadas ao longo dos anos pelos responsáveis de
governo quanto à remuneração de montantes a recuperar através das tarifas e preços da energia elétrica,
entre as quais se destacam:
1. Remuneração dos diferimentos dos sobrecustos da PRE a uma aproximação do custo de financiamento
da EDP – Decreto-Lei n.º 78/2011 e Portaria n.º 279/2011 + Portaria n.º 146/2013.
Como já aqui foi argumentado, o pressuposto de que «a taxa de juro deve refletir as condições de
financiamento da empresa» pode ser pertinente. Sobretudo em contexto adverso (como o dos anos da crise) a
decisão de acompanhar o custo de financiamento das empresas com o intuito de garantir o equilíbrio
económico-financeiro das atividades reguladas, parece natural, e mereceu parecer positivo da ERSE.
Mas esta decisão, lida em conjunto com as condições previstas para a titularização destes montantes, não
teve em conta nem uma eventual melhoria das condições de financiamento nem o perfil de risco específico
destes cash-flows que, tal como reiterado pelo depoimento de vários intervenientes na CPIPREPE, têm um
risco reduzido (mais ainda depois da garantia prestada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de
agosto, em que o Estado assegura os direitos creditórios dos novos titulares em caso de insolvência ou
cessação de atividade da EDP).
Embora prevista, a titularização é uma opção da EDP, que, tal como os eventuais ganhos, lhe cabem em
exclusivo. Em suma: o SEN acompanhou o custo de financiamento da EDP nos momentos de maior
adversidade nos mercados financeiros para, logo a seguir, a EDP tirar todo o proveito da evolução positiva
desses mercados.
A publicação da Portaria n.º 146/2013, que altera a fórmula original da Portaria n.º 279/2011, introduz um
novo parâmetro que essencialmente visa garantir uma maior aproximação ao custo de financiamento efetivo
da empresa, bem como assumir na taxa os encargos com a contratação do financiamento necessário à dívida
que remunera. É então decidida uma redução significativa do impacto do fator de sustentabilidade do SEN (de
0,85% para 0,97%, contrapartida prevista no acordo de abril de 2012 entre o governo e a EDP pela redução da
taxa de juro da componente fixa dos CMEC), favorecendo a EDP e agravando os problemas que fórmula
anterior já tinha.
Ainda de notar que, embora a fórmula teoricamente preveja uma grande adesão ao custo de financiamento
da EDP, a comparação dos seus resultados com yields de emissões de obrigações da EDP (Figura 7) bem
como a comparação com as taxas de juro médias paga pelo SEN (influenciadas por estes diferimentos) ou
ainda com uma taxa de referência de mercado (Figura 8) evidenciam sobrerremuneração.
Quando, a partir de 2013, o mercado evolui positivamente, a EDP titulariza uma parte considerável da
dívida tarifária que detinha, obtendo mais-valias significativas – 50 M€ em 2013, com a PRE de 2012 e 187M€
com os diferimentos dos sobrecustos das PRE de 2013 a 2017 (valores da EDP).
No total, acrescentando a titularização do diferimento do acerto de revisibilidade dos CMEC de 2012, a
EDP realizou 237M€ com estas titularizações (Figura 9), que incorporou por completo nos seus lucros. Este
montante que corresponde a cerca de 30%, quase um terço, da totalidade dos juros pagos pelo SEN no
mesmo período.
2. A distorção introduzida pela decisão inicial da remuneração dos CMEC já foi, entretanto, corrigida.
Numa primeira instância, com a redução da taxa aplicada à componente fixa dos originais 7,55% para 4,72%,
negociada em 2012 com a EDP. Mais tarde, no final de 2017, o Governo pede à ERSE uma proposta para
novo cálculo dessa taxa. Em resposta, a ERSE apresentou uma taxa visando recuperar os valores que, no
entendimento da ERSE, foram pagos indevidamente, por força dos erros identificados no seu parecer ao
Decreto-Lei n.º 240/2004. A ERSE avalia o impacto da primeira redução da taxa em 205M€. Assim, uma nova
redução deveria permitir recuperar grande parte dos restantes 125M€. Propôs a ERSE:
«À data de 23 de setembro de 2017, essa taxa seria aproximadamente a yield das Obrigações do Tesouro
com maturidade de 5 anos (visto que a vida média das rendas da parcela fixa é de cerca de 5 anos), de
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0,949%, acrescida de 0,25%, totalizando 1,20%. A aplicação desta taxa ao cálculo da renda anual de 2018 até
ao final do período de vigência dos CMEC permitiria recuperar cerca de 111 milhões de euros dos 125 milhões
de euros que faltaria recuperar relativamente à situação desejável.»
O Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, homologou o cálculo do ajustamento final
proposto pela ERSE, que, para impor esta correção, situou em 154M€ o valor a pagar até 2027 na
componente variável dos CMEC, uma quantia que fica 102 M€ abaixo da versão apresentada pela EDP e pela
REN para o ajustamento final.
3. Em relação à remuneração dos diferimentos dos sobrecustos da PRE, num cenário em que se pretende
assegurar o custo de financiamento da empresa, urge introduzir mecanismos de partilha da gestão da dívida,
muitos deles já reproduzidos em diplomas legislativos pontuais.
O Estado deve poder:
● Ser consultado na decisão de uma operação de titularização, nomeadamente, no que respeita às suas
condições e aos seus custos;
● Forçar uma operação de titularização caso as condições de mercado assim o justifiquem;
● Incorporar no SEN os resultados dessas titularizações.
A este respeito, em abril de 2016, foi criado um Grupo de Estudo, composto por membros do Gabinete da
Secretaria de Estado da Energia, da ERSE e da DGEG, com vista a avaliar a «Repercussão dos sobrecustos
com a aquisição de energia a produtores em regime especial». No relatório elaborado é sugerida, entre outras
opções, a «inclusão de um mecanismo de incentivo à eficiente gestão da colocação em mercado da dívida
tarifária», referindo que este incentivaria a EDP «a conseguir as melhores condições de mercado, na
colocação da dívida, partilhando com o consumidor os benefícios obtidos». Para este efeito é sugerida no
relatório uma partilha 50/50, com exceção da definição de um teto máximo para a incorporação no SEN de
potenciais perdas, com vista a incentivar uma gestão eficiente da dívida.
4. A EDP, enquanto Comercializador de Último Recurso, é a entidade financiadora da dívida tarifária.
Nesse sentido, a partir de 2011, legislou-se no sentido de refletir o custo de financiamento da EDP na taxa de
juro da dívida tarifária, sem todavia salvaguardar a possibilidade de intervenção da tutela em decisões de
gestão desta dívida regulada. Assim, o SEN acompanhou o custo de financiamento da EDP nos momentos de
maior adversidade nos mercados financeiros sem que, perante uma evolução positiva dos mercados,
assegurasse para si parte dos proveitos da titularização dessa dívida. A pertinência dessa partilha de ganhos
foi contrariada na CPIPREPE por dois titulares da pasta da Energia, Artur Trindade e João Galamba. As mais-
valias geradas nas operações de titularização decididas pela EDP foram integralmente absorvidas pela
empresa, gerando 198 milhões de euros de lucros entre 2008 e 2017.
Recomendações
1. Tal como proposto pelo relatório do Grupo de Trabalho SEE/DGEG/ERSE em 2016, a partilha dos
resultados obtidos em operações de titularização de dívida tarifária deve ser objeto de iniciativa legislativa.
2. A proporção de tal partilha não deverá ser mais desfavorável ao SEN do que os 50/50 propostos pelo
Grupo de Trabalho SEE/DGEG/ERSE. Este regime de partilha assegura um estímulo suficiente à EDP para
uma gestão eficiente da dívida.
3. Como garantia da melhor prossecução do interesse público, o membro do governo com a tutela da
energia deverá poder, por iniciativa própria ou sob proposta da ERSE, determinar ou suspender operações de
titularização desencadeadas pela EDP – Comercializador de Último Recurso.
4. Este princípio deverá ser aplicado igualmente às mais-valias e menos-valias realizadas em operações
de titularização realizadas no passado, de forma a recuperar para o SEN parte do saldo dessas operações, as
quais importam em 198M€ positivos. Não tendo sido ilegal, esta apropriação integral é indevida e injusta,
devendo ser corrigida.
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Capítulo 6
Garantia de potência
A garantia de potência é um mecanismo de remuneração de capacidade elétrica destinada a garantir a
segurança de abastecimento de eletricidade e o investimento em infraestruturas. Esta resume-se, por um lado,
a remunerar centrais electroprodutoras para estarem disponíveis para entrarem em funcionamento face a um
evento extraordinário (situação não prevista de consumo ou variações bruscas na produção renovável), e por
outro, a incentivar a manutenção e investimento neste tipo de potência despachável e imediata, no sistema
elétrico nacional. O contributo das unidades de produção baseadas em tecnologias convencionais (térmica,
hídrica) é por isso fundamental para a garantia da segurança do abastecimento, como complemento à
produção de energia elétrica a partir de fontes de energia renováveis (não-despacháveis).
1. Contexto, legislação e regulamentação
1.1 Na preparação do MIBEL, previsão da remuneração de potência segundo a disponibilidade
A primeira referência legal a um futuro regime de remuneração da garantia de potência é feita no artigo 16.º
do Decreto-Lei n.º 185/2003, do ministro Carlos Tavares, que «estabelece as regras gerais que permitem a
criação de um mercado livre e concorrencial de energia eléctrica»:
1 – Até à entrada em vigor do diploma que estabelece as novas bases de organização do funcionamento
do sector eléctrico, transpondo para o direito nacional a Directiva do Mercado Interno de Electricidade, cabe à
entidade concessionária da RNT assegurar a garantia do abastecimento de energia eléctrica.
2 – Os produtores em regime ordinário que participem no mercado sob qualquer forma de contratação têm
direito a um pagamento de potência dependente da sua disponibilidade no período de maior procura ou de
escassez de oferta.
3 – Os proveitos do pagamento da garantia de potência aos produtores, determinado com base numa
metodologia de valorização que assegure o equilíbrio contratual, são proporcionados por uma tarifa fixada pelo
regulamento do tarifário, aplicável a todos os consumidores.
(Artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 185/2003)
Aquela remuneração geral é retomada mais tarde, com o Decreto-Lei n.º 264/2007 do ministro Manuel
Pinho, que prevê «a possibilidade de criação de instrumentos de incentivo à garantia de potência para centros
eletroprodutores cuja atividade é exercida em regime de mercado», de modo a «assegurar um adequado grau
de cobertura da procura de eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros
eletroprodutores em regime ordinário (PRO)».
Nesse contexto de 2007, em vésperas da entrada em funcionamento do MIBEL, as entidades reguladoras
portuguesa e espanhola entregam aos respetivos governos uma proposta de regulamentação conjunta do
mecanismo de garantia de potência, cujas linhas gerais estão contidas no projeto então apresentado,
apontando à existência de um procedimento concorrencial.
Em dezembro do mesmo ano de 2007, é de registar ainda a aprovação pelo Conselho de Ministros do
Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico, cujo concurso só terá regras aprovadas por
Decreto-Lei em setembro do ano seguinte.
Entre 2007 e 2010, o governo não regulamenta a possibilidade aberta na lei para a remuneração deste
serviço.
«Voltei a ser Secretário de Estado com o Professor Teixeira dos Santos [de julho a outubro de 2009] e
lembro-me de ter recebido a EDP para legislar sobre a garantia de potência, e não o fiz. Expliquei-lhe que o
momento já não era propício a decisões dessa natureza. Estávamos próximos do fim do mandato e não o fiz
em consciência».
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(Castro Guerra, Secretário de Estado Adjunto, da Indústria e da Inovação, entre 2005 e 2009)
1.2 Início do pagamento pela garantia de potência
Será já sob a tutela do ministro Vieira da Silva e do Secretário de Estado da Energia, Carlos Zorrinho, que
o mecanismo é criado, através da Portaria n.º 765/2010, sem que seja dado acolhimento à proposta de
harmonização ibérica baseada em leilões avançada pelos reguladores ibéricos. Pelo contrário, o regime criado
integra duas linhas de remuneração, ambas atribuídas por via administrativa e não concorrencial:
● o pagamento do serviço de disponibilidade prestado pelos centros eletroprodutores;
● o incentivo ao investimento em capacidade de produção, para os centros electroprodutores que
tivessem entrado em exploração há menos de 10 anos.
Ambos se destinam a centrais em regime ordinário e sem garantias CMEC ou CAE, os quais já remuneram
a disponibilidade de potência.
A ERSE acompanha a preparação da portaria e expressa as suas preocupações, mencionando um parecer
que, no entanto, não constará do acervo da ERSE, de acordo com a resposta aos pedidos feitos pela
CPIPREPE:
«Permitimo-nos reiterar o conteúdo do Parecer da ERSE oportunamente enviado a esse Ministério e
sublinhar a nossa preocupação com os impactes tarifários, agora acentuados com as alterações introduzidas
nos artigos 10.º e 11.º».
(correspondência entre José Afonso, da Direção de Mercados da ERSE, e Bruno Caetano, assessor de
Carlos Zorrinho, 28 julho de 2010).
Em defesa da introdução do pagamento destes incentivos, são mobilizados pelos ex-ministros Vieira da
Silva e Carlos Zorrinho dois argumentos principais: 1) a necessidade de corresponder a compromissos
assumidos junto das companhias que acorreram aos leilões do Plano Nacional de Barragens, lançado pelo
ministro do Ambiente, Nunes Correia; 2) a necessidade de robustecer a segurança de abastecimento.
Quanto ao primeiro, é assumido por Carlos Zorrinho – «o decreto-lei que cria a garantia de potência estava
publicado desde 2007 [Decreto-Lei n.º 264/2007] e, portanto, obviamente que o concurso [do Plano Nacional
de Barragens] foi feito nessa perspetiva». Porém, no momento daquele concurso, a lei não previa mais do que
a mera possibilidade da futura criação de um tal mecanismo –, o que está longe de poder constituir
compromisso ou sequer fundada expectativa – e com referência apenas à remuneração da disponibilidade,
sem que o incentivo ao investimento estivesse previsto sob qualquer forma.
O segundo argumento é relativo à promoção da segurança de abastecimento. Afirma Carlos Zorrinho, na
sua audição na CPIPREPE:
«É muito fácil, agora, dizermos que há uma sobredisponibilidade, mas as projeções, quer quanto ao
consumo de energia em Portugal, quer quanto ao consumo de energia no MIBEL, na eletricidade em
particular, quer quanto às interconexões eram completamente diferentes».
Porém, a Portaria n.º 765/2010 é posterior à publicação do Relatório de Monitorização da Segurança de
Abastecimento para os anos 2011-2020, preparado pela REN, que apontava claramente a falta de
necessidade de novos mecanismos de reforço da segurança do abastecimento, considerando a
«Suficiência da reserva de capacidade para a cobertura, nos períodos de ponta anual (Janeiro), de ponta
de Verão (Julho) e da ponta de Dezembro, de situações particularmente críticas e muito excepcionais,
caracterizadas pela ocorrência simultânea de um agravamento da ponta de consumos, de uma
indisponibilidade de potência hídrica por efeito de um regime seco, de indisponibilidade de potência eólica
correspondente à disponibilidade do recurso com um nível de confiança de 95%, de uma contribuição reduzida
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da restante PRE e da falha fortuita do maior grupo térmico e do maior grupo hídrico. (…) Na verificação do
cumprimento destes padrões não se considera o recurso à interruptibilidade».
(Relatório de Segurança de Abastecimento ao nível da Produção de Electricidade para 2011-2020, REN
abril 2010, pag. 5)
A ERSE produziu declarações públicas no mesmo sentido, alertando para «um problema tarifário para
vários anos»:
«A garantia de potência foi negociada [em 2007] numa altura de assimetria com Espanha, quandoa
margem de segurança do mercado português era escassa, o que já não acontece hoje, registando-se um
excesso de energia no mercado ibérico».
Vítor Santos, presidente da ERSE, Público, 22 dezembro de 2010
Na CPIPREPE, um terceiro elemento de motivação – além dos compromissos assumidos e da segurança
do abastecimento – foi objeto de abordagens contraditórias entre Vieira da Silva e Carlos Zorrinho. Segundo o
então Secretário de Estado, a remuneração da garantia de potência foi parte de um pacote legislativo mais
amplo, que incluiu também a tarifa social, cuja criação é simultânea à da garantia de potência:
«Conseguimos que as operadoras se tivessem comprometido em simultâneo com a tarifa social. (…) A
tarifa social foi criada em complemento e em pacote político com a garantia de potência, dizendo o seguinte:
se há aqui uma garantia de fornecimento, temos uma garantia de fornecimento do lado da produção, mas
também temos de ter uma garantia de consumo do lado dos utilizadores. (…) [Houve] o aproveitamento dessa
circunstância, ou seja, da concretização de uma expectativa legítima, que tinha sido criada por um decreto-lei
anterior, para cumprir uma linha de política, que era a criação de uma tarifa social paga por esses mesmos
operadores». (…)
«Conseguimos que as operadoras se tivessem comprometido em simultâneo com a tarifa social. (…) A
tarifa social foi criada em complemento e em pacote político com a garantia de potência, dizendo o seguinte:
‘Se há aqui uma garantia de fornecimento, temos uma garantia de fornecimento do lado da produção, mas
também temos de ter uma garantia de consumo do lado dos utilizadores’»
(Audição de Carlos Zorrinho, Secretário de Estado da Energia 2009-2011)
Pelo seu lado, o ex-Ministro da Economia assume que a introdução da tarifa social visou compensar novos
custos inscritos na tarifa (a garantia de potência seria um deles), mas nega uma negociação em pacote com
as empresas:
«Nunca esteve na minha cabeça nem em nenhuma negociação, qualquer articulação de género
compensatório com a questão da garantia de potência mas, sim — assumo essa compensação —, com aquilo
que eu achava ser uma pressão potencialmente crescente sobre a tarifa e a necessidade de desagravar, para
esses grupos sociais [beneficiários da tarifa social], essa tensão e essa pressão». (…)
«[A garantia de potência] faz parte da política de criação de condições de segurança para os investimentos,
não só para os investimentos do passado mas também para os do futuro.» (…) «Na perspectiva que tive, a
pressão sobre as tarifas e a necessidade de aliviar as famílias conta seguramente muito mais do que qualquer
outro tipo de negociação [da garantia de potência e tarifa social indicada pelo SEE Carlos Zorrinho), na qual,
aliás, não participei.»
(Audição de Vieira da Silva, Ministro da Economia 2009-2011)
Quanto ao incentivo ao investimento, a Autoridade da Concorrência reforça a tese de que este incentivo,
enquadrado na garantia de potência, não corresponde a uma necessidade efetiva dos produtores:
«Essas centrais não precisaram de incentivos para que os respectivos investimentos fossem
desencadeados, o que coloca em causa o valor acrescentado do incentivo de garantia de potência, nos termos
em que esse incentivo foi apresentado.»
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(Parecer da AdC sobre proposta de tarifas e preços para 2012, novembro 2011)
Já Carlos Zorrinho, na CPIPREPE, defendeu veemente o incentivo ao investimento como medida para
alavancar um modelo energético limpo:
«Portanto, o incentivo ao investimento é feito nesta lógica de garantir a atratividade no investimento, no
modelo — ainda não conversámos sobre isso aqui, mas, se calhar, valeria a pena conversar — energético
para Portugal. Há vários modelos energéticos… Não demos garantia de potência à central de carvão, por
exemplo! (…) A garantia de potência foi dada, como disse, por harmonização com o MIBEL e por portaria,
para poder ser alterada em cada momento, em função do índice de cobertura — como foi! —, mas foi dada ao
ciclo combinado e à energia renovável. Portanto, para termos um modelo de armazenamento e de resposta
rápida com o ciclo combinado e um modelo de armazenamento e de resposta mais lenta com o domínio
hídrico, suportando o crescimento progressivo de outro tipo de renovável, como o fotovoltaico e o eólico.»
A ERSE não será chamada a pronunciar-se sobre a versão final da portaria.
1.3. Os cortes nos incentivos da garantia de potência após o Memorando da troika
Em dezembro de 2011, na sequência do recuo do governo na aplicação da contribuição especial do setor
elétrico proposta pelo Secretário de Estado Henrique Gomes, é introduzida na segunda revisão do Memorando
a Medida 5.13, que prevê a aplicação de medidas até ao final do segundo trimestre de 2012:
«Tomar medidas no segundo trimestre de 2012 para a retirada do mecanismo de garantia de potência e a
redução dos custos políticos associados. Os incentivos ao investimento em centrais devem ser revistos em
baixa e retirados à luz da atual situação de baixo consumo de eletricidade, excesso de capacidade de
produção e da sobreposição com o mecanismo do serviço de interruptibilidade, tendo ainda em consideração
os desenvolvimentos no mercado ibérico de eletricidade e considerações de segurança energética».
É neste contexto que, em fevereiro de 2012, o Governo PSD/CDS remete à troika o relatório «Rents in the
Electricity Sector», que quantifica em 60 M€/ano os ganhos tarifários da retirada do incentivo ao investimento
para centrais atribuídas antes de 2007.
Em abril de 2012, é firmado o acordo entre a EDP e o governo para a redução da taxa de juro da
componente fixa dos CMEC. Esse acordo – que será analisado mais adiante neste relatório – elenca um
conjunto de medidas tendentes a «estabilizar o quadro regulatório». Quanto ao serviço de disponibilidade (que
deixará de ser pago na sequência da portaria 251/2012, de 20 de agosto), o governo sinaliza à EDP a intenção
de não aplicar integralmente a Medida 5.13, que previa a retirada faseada mas total da remuneração da
disponibilidade e do incentivo ao investimento.
Quanto à remuneração do serviço de disponibilidade das centrais térmicas sem CMEC, o acordo define
que suspensão será levantada no final do programa de ajustamento dando lugar a uma remuneração sem
prazo a 6000 €/MW (o valor em 2010 era 20000 €/MW). Para as centrais hídricas construídas e/ou em
operação depois de 2007 o incentivo ao investimento permanece, com novas regras que devem considerar o
reforço da segurança de abastecimento entretanto registado com a interruptibilidade (1000 MW disponíveis em
2012) e as interligações com Espanha (2000 MW em 2012, com outros 3000 MW projetados).
Em síntese, a Portaria n.º 251/2012, do Secretário de Estado Artur Trindade, redefine o mecanismo de
garantia de potência do seguinte modo:
● o incentivo à disponibilidade passa a ser exclusivo dos centros electroprodutores térmicos e vigente até
à cessação da licença de exploração. No entanto, os pagamentos ficam suspensos até ao ano
seguinte ao da conclusão do Programa de Assistência Económico-Financeira que então se aplicava
em Portugal;
● o incentivo ao investimento é limitado a centrais hídricas futuras ou cuja decisão de construção seja
posterior a 2007. O incentivo deixa a ser atribuído diretamente por MW, passando a discriminar
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valores por central hídrica e a ter duração limitada a dez anos. Fica assim excluída a central de
Alqueva, que recebeu a este título 6,8 M€, entre 2010 e 2012.
● passar para 50% o incentivo ao investimento dos reforços de potência, obrigando a bombagem, uma
vez o investimento da infraestrutura do aproveitamento hidroelétrico já seria existente.
Segundo Artur Trindade, estas alterações foram validadas pela troika previamente à Portaria n.º 251/2012.
Quanto à manutenção do incentivo ao investimento, contra o que era a orientação da Medida 5.13 do
Memorando, ela é justificada por Artur Trindade na mesma linha já apresentada por Carlos Zorrinho:
«O subsídio ao investimento, que é [depois da portaria de 2012] o principal da garantia de potência, não é o
da disponibilidade, foi tratado também como um direito adquirido por parte dos produtores, daqueles que o
tinham. E foi pago nessa perspetiva de incentivo ao investimento que, como sabe, dura 10 anos, e tendo em
conta aquilo que eram as perspetivas de investimento que já tinham sido aceites e que já vinham de governos
anteriores».
(Artur Trindade)
Posteriormente, a portaria 172/2013 vem repor regras para os procedimentos para a verificação da
disponibilidade, que tinham perdido suporte legal no momento da cessação dos CAE, tema que este relatório
já tratou atrás.
1.4. A eliminação dos pagamentos por disponibilidade
Em 2016, após parecer técnico pedido pela tutela à ERSE, a Lei do Orçamento do Estado para 2017
(42/2016) substitui o incentivo à disponibilidade por um sistema de leilões para a «Reserva de Segurança do
SEN», definido mais tarde pela Portaria n.º 41/2017. Face ao posterior questionamento deste sistema por
parte da Comissão Europeia, o então Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, determinou a
sua suspensão sem prazo (Portaria n.º 93/2018).
Em 2016, a necessidade de remuneração de disponibilidade através deste mecanismo é de novo
contestada pela ERSE, que, a pedido pelo governo, emite um parecer técnico em que aponta a este subsídio
falta de transparência e de razão para existir: «No período 2015-2024 o sistema eletroprodutor mostra-se
capaz de dar resposta à evolução expectável dos consumos de eletricidade, garantindo os níveis de
segurança de abastecimento.»
Em 2018 é a REN, em resposta ao Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches que se pronuncia sobre as
necessidades da Reserva de Segurança no curto prazo. Com o mecanismo de garantia de potência suspenso
e nos cenários mais pessimistas (alta procura e baixa oferta de eletricidade), as centrais electroprodutoras e
os mecanismos existentes seriam suficientes para assegurar as necessidades do SEN (Pronúncia da REN em
2018), dispensando mais mecanismos adicionais.
«A REN assegurou que até ao fim do primeiro trimestre deste ano não era necessária garantia de potência.
Fiz-lhes a pergunta, a REN respondeu dessa forma e, por essa razão, suspendeu-se a garantia de potência e
continuou-se um processo de negociação e de construção de uma solução legislativa com Bruxelas que,
penso, estava em fase próxima do fim quando eu cessei funções, (…)
Eu acho que resolvemos bem o problema. Se não precisamos de garantia de potência, não a temos e
temos a interruptibilidade; acho é que, mais tarde ou mais cedo, teremos de evoluir para um modelo
concorrencial que possa, efetivamente, contribuir para reduzir custos, o que não me parece que se tenha
conseguido fazer nessa área.»
Jorge Seguro Sanches, SEE 2015-2018, na CPIPREPE
Já em abril de 2018, numa interpelação da Direção-Geral de Concorrência da Comissão Europeia,
referente à Portaria n.º 41/2017 o governo assume que o mecanismo da Remuneração da Reserva de
Segurança que se encontrava suspenso com a Portaria n.º 93/2018 vai ser cancelado.
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Ainda no seguimento desta interpelação por eventuais ajudas de Estado, encontra-se em análise o
mecanismo da garantia de potência na modalidade de apoio ao investimento, no sentido de averiguar a
transparência e equidade na sua atribuição, com vista a uma possível revisão.
2. Custos para o SEN
Os custos com a garantia de potência são inseridos nas tarifas do consumidor final a título de Custo de
Interesse Económico Geral (CIEG). Em 2011, a ERSE esclareceu a inclusão do sobrecusto da GP pela
primeira vez, na parcela III da tarifa de Uso Global do Sistema UGS justificando:
«(…) sendo que o seu sobrecusto é uma função inversa das horas de funcionamento destas centrais, por
ser pago tendo como referencial a potência instalada das centrais abrangidas por esse diploma e não a
energia produzida pelas mesmas. (…) Assim o risco de não colocação destas centrais PRO aumenta sempre
que a energia produzida pelos produtores em PRE excede as necessidades previstas pelo CUR. (…) Deste
modo, enquanto o diferencial de custo com a PRE evolui de uma forma independente dos restantes CIEG
associados à produção de energia eléctrica, os CIEG com produção em PRO (CAE, CMEC e garantia de
potência) aumentam com a evolução da produção em regime especial.»
(Tarifas e preços para a energia elétrica e outros serviços em 2011, ERSE)
Gráfico 1 – Valores gastos com a garantia de potência de 2011 a 2019 e reserva de segurança em
2017-2019, em milhões de euros (Dados ERSE)
Até 2018, a garantia de potência resultou em custos de 143 M€ (101 M€ em incentivo à disponibilidade e
52 M€ em incentivo ao investimento). A Reserva de Segurança, que veio substituir o incentivo à
disponibilidade custou 6 M€ em 2017, tendo sido suspensos os leilões em 2018. Os dados para 2019 foram
retirados das estimativas da ERSE a incluir nas tarifas e referem-se apenas à componente de incentivo ao
investimento, que permanece.
Conclusões
1. A garantia de potência foi acordada na XII Cimeira luso-espanhola de 2006, daí resultando uma
solicitação ao Conselho de Reguladores do MIBEL para que se operacionalizasse este mecanismo no espaço
ibérico, de modo a garantir uma compatibilização regulatória, condição determinante para a construção do
MIBEL. As preocupações da ERSE em 2007 (adoção de mecanismo concorrencial harmonizado no MIBEL) e
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de 2010 (redundância dos incentivos face à situação do SEN) não foram acolhidas pelo governo ao
regulamentar a remuneração da garantia de potência.
2. A natureza excedentária do serviço foi constatada pelo regulador e pela REN ao longo de todo a
vigência do regime.
3. A decisão do governo, em 2010, foi movida (também) por motivações alheias à segurança de
abastecimento do SEN, a saber: mitigar a pressão tarifária sobre os setores sociais mais vulneráveis do ponto
de vista económico, através da criação da tarifa social como encargo dos centros eletroprodutores em regime
ordinário. A aceitação sem litígio deste encargo pelos produtores foi simultânea à regulamentação da garantia
de potência, ambas integrando a estratégia para o SEN desenhada pelo governo de então.
4. Ao contrário do incentivo à disponibilidade, que encontra enquadramento legal nos termos da legislação
de 2003 e 2007, a criação do incentivo ao investimento não tem qualquer base legal. Aliás, as condições do
concurso internacional para o Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico não incluíam
qualquer referência a esta futura remuneração, que a lei não previa sequer como hipótese futura. Por
conseguinte, a instituição deste incentivo veio alterar o quadro económico-financeiro em que se os
concorrentes de 2008 formularam as suas ofertas, beneficiando de forma injustificada os vencedores do
concurso.
5. A suspensão do incentivo à disponibilidade durante o programa de assistência financeira demonstrou a
redundância deste dispositivo, tal como a Medida 5.13 do Memorando com a troika já sinalizava. O Governo
PSD/CDS excluiu as centrais térmicas do incentivo ao investimento e as centrais hídricas do incentivo à
disponibilidade. Porém, vinculado a um acordo informal com a EDP traduzido na Portaria n.º 251/2012, não
definiu qualquer prazo para o fim da remuneração da disponibilidade das centrais térmicas, tal como previa o
Memorando, limitando-se a reduzi-la significativamente.
6. A eliminação do pagamento por disponibilidade em 2018 tornou clara (e confirmada pela REN até 2025)
a suficiência das atuais garantias de segurança de abastecimento do SEN.
Recomendações
1. Terminar o incentivo ao investimento, cuja conexão com necessidades concretas do sistema elétrico
está até hoje por justificar tecnicamente e cuja criação veio distorcer o quadro dos concursos do Plano
Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico, levantando a questão da sua legalidade;
2. Manter suspensos todos os pagamentos a título de incentivo à disponibilidade, fazendo-os depender, no
futuro, das necessidades reais da segurança de abastecimento identificadas pela REN e confirmadas pela
ERSE, no quadro da integração de novos instrumentos de disponibilidade a dinamizar do lado da procura e da
oferta.
Capítulo 7
Remuneração do serviço de Interruptibilidade
O serviço de interruptibilidade refere-se à remuneração da disponibilidade de determinados consumidores
para reduzir voluntariamente o seu consumo de eletricidade em resposta a uma ordem de redução de potência
dada pelo operador da rede de transporte, de forma a dar resposta rápida e eficiente a problemas de
correspondência entre oferta e procura de eletricidade. A interruptibilidade, além de flexibilizar a operação do
sistema, permite contribuir para a segurança de abastecimento.
Este mecanismo é gerido pelo operador de rede e contratualizado com grandes consumidores de energia
no mercado livre.
1. Contexto e legislação associada
Até 2010, o serviço de interruptibilidade era um mecanismo prestado no âmbito do mercado regulado e
com limitada expressão.
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A Portaria n.º 592/2010, do Secretário de Estado Carlos Zorrinho, veio obrigar a que a prestação do serviço
passasse a ser feita exclusivamente por unidades consumidoras no mercado livre, com potências interruptíveis
superiores 4 MW. A gestão deste serviço cabe ao gestor global do sistema, a REN.
A Portaria n.º 1308/2010 veio estabelecer um novo regime transitório durante 2011, dispensando a
apresentação de alguns requisitos e valorizando a remuneração.
A Portaria n.º 200/2012, após várias portarias de carácter transitório e/ou técnico, altera o teto máximo da
remuneração e introduz mecanismos de verificação da disponibilidade da interruptibilidade.
A Portaria n.º 215-A/2013 estabelece as regras da repercussão dos custos com interruptibilidade nas
tarifas.
A Portaria n.º 221/2015 volta a rever o teto máximo nas remunerações para as instalações com energia
anual consumida superior a 75 GWh e potências interruptíveis superiores a 50 MW, que não sejam
abastecidas em muito alta tensão (MAT).
A Portaria n.º 268-A/2016 limita a remuneração da interruptibilidade às instalações que demonstrarem
estarem efetivamente aptas à prestação do serviço, através da realização de testes, impedindo que continue a
ser um subsídio independente do seu objetivo primordial.
2. Custos imputados aos consumidores
Os custos com a interruptibilidade evoluíram de acordo com o Gráfico abaixo.
Constata-se que até 2010 os custos anuais com a interruptibilidade foram sempre menos de 50 M€, sendo
que a partir da publicação da Portaria n.º 1308/2010 se verifica um aumento exponencial dos custos anuais,
até aos 109,9 M€ registados em 2015. Com a obrigatoriedade da prova efetiva de disponibilidade via
instituição de testes da Portaria n.º 268-A/2016, os custos regrediram, mas em 2019 já foram estimados nas
tarifas encargos de 109.3 M€.
Evolução dos custos com o mecanismo de interruptibilidade desde 2004 a 2019 (Dados ERSE)
3. Premência do mecanismo de interruptibilidade
Sob o governo do Partido Socialista, em 2010, a publicação da Portaria n.º 1308/2010 surge quase em
simultâneo com a da garantia de potência. Criam-se por isso, em paralelo, dois novos mecanismos dedicados
a promover a segurança de abastecimento do SEN, um pelo lado da procura (interruptibilidade) e outro pelo
lado da oferta (garantia de potência).
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Nessa fase, como já se explicitou na secção relativa à garantia de potência, o regulador e a REN
consideravam que as necessidades de segurança do sistema estavam garantidas pelas centrais térmicas em
CAE e CMEC e pelo efeito dos investimentos nas interligações a Espanha. Com essas necessidades
preenchidas do lado da oferta, recorde-se que existia já então um mecanismo de interruptibilidade prestado
por grandes consumidores de energia elétrica com contratos no mercado regulado.
Na sua audição na CPIPREPE o secretário de Estado Carlos Zorrinho referiu uma motivação de
circunstância para o estabelecimento deste adicional ao regime de interruptibilidade, relativo a um aumento de
custos com as redes de distribuição que foi repercutido nas tarifas de média tensão:
«Houve um reconhecimento por parte do regulador de um sobrecusto nas redes de distribuição de 70
milhões, sobrecusto esse que não estava previsto. Portanto, havia aqui um problema, que era um aumento
complexo na fatura energética das empresas, e isso [o subsídio às empresas no âmbito da interruptibilidade]
também ajudou a resolver».
Essa circunstância, ainda segundo Carlos Zorrinho, terá vindo juntar-se a uma segunda motivação,
reforçada pelo ministro Vieira da Silva:
«Lembro-me de, na altura, ter contactado várias empresas que tinham, de facto, problemas com a
distribuição e a qualidade dessa distribuição, com os chamados «microcortes» e a oscilação da potência
elétrica em atividades fortemente sensíveis, e que encararam isto como uma oportunidade de diminuir esses
riscos e serem compensadas por isso mesmo».
Audição de Vieira da Silva, Ministro da Economia, 2009-2011
«Pergunta-me: ‘todos fizeram esse investimento?’. Não sei, saí antes de o poder verificar e sinto que, em
Portugal, os mecanismos de verificação são pouco robustos”.
Audição de Carlos Zorrinho, Secretário de Estado da Energia, 2009-2011
3.1. Realização de testes
Em 2012, a Portaria n.º 200/2012 introduz mecanismos de verificação da disponibilidade da
interruptibilidade e da sua operacionalidade, obrigando o operador de rede à realização de testes de
disponibilidade, de modo a garantir uma segurança de abastecimento efetiva:
«Artigo 4.º-A
Verificação da disponibilidade da interruptibilidade
1 – O operador da rede de transporte deve emitir, em cada ano, às instalações consumidoras prestadoras
do serviço de interruptibilidade, ordens de redução de potência com a duração mínima de uma hora que
incidam sobre aproximadamente 10% do total de potência interruptível contratada nesse ano, com vista a
verificar se as instalações submetidas às referidas ordens se encontram efetivamente disponíveis para a
prestação do serviço de interruptibilidade.»
Em 2016, a Portaria n.º 268-A/2016 vem condicionar a remuneração da interruptibilidade à realização dos
testes previstos no artigo 4.º da Portaria n.º 200/2012, e limitando-a às instalações que se revelem aptas à
prestação do serviço.
«Pretende-se com esta portaria credibilizar e dar rigor ao sistema, garantindo e atestando a disponibilidade
e capacidade de todas as instalações consumidoras prestadoras do serviço de interruptibilidade através da
redução efetiva de potência (…). Desta forma, o sistema deverá remunerar as instalações que contribuírem
para flexibilizar a operação do sistema e para garantir o aumento da segurança de abastecimento.»
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No entanto, a REN que está obrigada à publicação de um relatório anual sobre o serviço de
interruptibilidade, não o publica desde 2017, não existindo qualquer referência à execução dos testes
legalmente previstos, nem no acervo documental da CPIPREPE nem online.
Contudo, o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, questionado na CPIPREPE sobre o
impacto da Portaria n.º 268-A/2016 na exclusão de indústrias abrangidas pela interruptibilidade que não
estivessem capazes de prestar o serviço, respondeu:
«Eu não tenho esses elementos comigo, mas eles estão online no site da REN, porque a REN controla o
sistema e faz relatórios regulares sobre essa questão.
Sei que houve algumas situações em que deixaram de ser interruptíveis por não reunirem as condições e
por não estarem disponíveis para os testes.»
3.2 Balanço da existência do serviço
Entre 2011 e 2015, tornou-se evidente a natureza excedentária deste serviço: os relatórios anuais da REN
sobre a interruptibilidade registam que não houve uma única ocasião em que fosse usado. No entanto a
adesão de grandes consumidores continuou a crescer e os custos com o serviço também.
Em 2017, a pedido do Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, a ERSE pronunciou-se
sobre este mecanismo afirmando que:
«Importaria estabelecer um regime que substitua a atual atribuição guiada por critérios de caráter
administrativo – potencialmente ilimitada na abrangência que pode ter –, por uma atribuição do serviço de
interruptibilidade com critérios de mercado e em função das reais necessidades do SEN.»
(Parecer sobre proposta de despacho relativo aos regimes de interruptibilidade e de reserva de segurança,
ERSE, 2017)
Assim, os custos acrescidos com este mecanismo não são justificáveis do ponto de vista estratégico para o
SEN, mas sim uma forma de fazer pesar medidas de política industrial na fatura dos consumidores, tal como
Carlos Zorrinho reconheceu na sua audição:
«Temos a consciência de que, em grande parte, a interruptibilidade foi uma medida de política industrial e,
já agora, comercial [por admitir grandes superfícies comerciais]».
Sobre o seu mandato, Jorge Seguro Sanches, afirmou na CPIPREPE que:
«Aquilo que se fez na interruptibilidade foi menos do que aquilo que eu gostaria de ter feito – e isso é
público; eu gostaria de ter lançado um leilão decrescente para a interruptibilidade e só o consegui fazer na
garantia de potência.»
Em abril de 2018, numa interpelação da Comissão Europeia via DG Competition sobre eventuais auxílios
de estado na política energética portuguesa, o governo é confrontado com os termos do mecanismo de
interruptibilidade. Enquanto a posição do governo se cingiu a defender a interruptibilidade per se, a DG COMP
não pondo em causa a necessidade deste mecanismo, identificou que tanto a sua atribuição (administrativa),
dimensão (em potência disponível correspondente a 13% do consumo em portugal) e remuneração (custos
consideráveis) são desajustados para um serviço que nunca foi utilizado. Nesse sentido, a DG Comp, defende
que a interruptibilidade seja revista na sua dimensão e remuneração, sendo ajustada para um sistema
concursal, de atribuição por leilão, tendo dado o prazo de 1 de novembro de 2018 para se proceder às
referidas alterações.
Não são conhecidos desta comissão demais avanços neste processo.
O SEE João Galamba apenas referiu na CPIPREPE que:
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«O único processo que foi concluído e em que já houve notificação foi aquele que foi noticiado na semana
passada, sobre as barragens, sobre o domínio hídrico. (…) Sobre os outros processos abertos, (…)
nomeadamente o da interruptibilidade, ainda não fomos notificados, portanto, do que sabemos, eles não estão
encerrados. (…).»
Não obstante reconfirmou que terão de rever o mecanismo da interruptibilidade:
«Não iremos suspender agora o regime de interruptibilidade como ele existe, mas há um compromisso da
parte do Governo de o rever nesse quadro geral, portanto, de rever todos os serviços de sistema e de fazer
uma revisão geral deste quadro.»
Conclusões
1. Entre 2011 e 2018, o serviço de interruptibilidade custou aos consumidores 727M€. Esse valor resulta
do redimensionamento do serviço de interruptibilidade em 2010.
2. Esse redimensionamento correspondeu a diversos objetivos:
○ Promover a transição de unidades grandes consumidoras de eletricidade para o mercado liberalizado;
○ Fazer face a um sobrecusto pontual na ordem dos 70M€ na rede de distribuição com impactos tarifários
nas empresas;
○ Estimular investimentos em equipamentos destinados a melhorar a eficiência de unidades industriais e
comerciais afetadas por oscilações na distribuição elétrica;
○ Subsidiar empresas grandes consumidoras de eletricidade.
3. Durante vários anos, não se realizaram os testes previstos na portaria de 2012.
4. Este serviço chegou a ser pago a prestadores que não estavam em efetivas condições de o prestar,
como demonstra a redução de custos pela introdução de testes. Não há registo de aplicação de qualquer
sanção.
Recomendações
1. Imediata adoção de um teto para estes custos, atendendo à potência interruptível que corresponda às
reais necessidades do SEN;
2. Redução de custos no curto prazo, com a criação de regime concorrencial, desenhado por escalões de
potência interruptível por unidade de consumo;
3. Preparação de um novo quadro para este serviço redimensionado considerando a integração de novos
instrumentos de disponibilidade do lado da procura e da oferta.
Capítulo 8
Medidas sob a aplicação do Memorando de Entendimento com a troika
Em 2011, na sequência do Programa de Assistência Financeira e do Memorando de Entendimento, o
governo assumiu compromissos em diversas áreas do setor energético.
No Ponto 5 do Memorando, «Energy Markets», o Governo comprometeu-se a rever políticas específicas do
setor energético para combater o défice tarifário e assegurar a sustentabilidade do SEN.
Entre vários objetivos, as áreas de intervenção que importam à CPIPREPE, eram elencadas subáreas para
as quais era indicada a necessidade de medidas concretas:
● 5.6 Redução de rendas com CMEC e CAE
● 5.7 Revisão da lei da cogeração
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● 5.9 e 5.10 Negociação e revisão em baixa das tarifas feed-in com os produtores PRE existentes e para
futuros concursos
● 5.13 Revogação do mecanismo de garantia de potência e regulamentação de novo regime
● 5.15 Eliminação do défice tarifário até 2020 e estabilização até 2013
1. Do Memorando inicial à segunda revisão
1.1 O modelo de equilíbrio preparado por Henrique Gomes e as propostas da EDP
As primeiras diligências de Henrique Gomes na Secretaria de Estado da Energia foram no sentido da
preparação de um modelo de sustentabilidade do SEN, em que participa como consultor externo a Boston
Consulting Group.
«Depois de conhecer o modelo e de saber quais eram os desequilíbrios, a preocupação foi a de tentar
identificar medidas para eliminar a prazo os excessos e equilibrar. E o nosso objetivo político passou a ser o
de os custos, até 2020, em termos reais, não subirem mais do que de 1% a 1,5% e de, quando chegássemos
a 2020, não haver défice. Esse era o nosso objetivo. Para lá chegar, havia várias medidas e andámos a
preparar algumas delas. Uma das medidas era esta: já que os custos, relativamente às emissões de CO2,
eram produzidos no seio do sistema energético e penalizavam porque, sendo incorporados os custos dos
produtores, aumentavam, a ideia era que parte desses custos, cerca de 80%, revertesse não para um fundo
de carbono para outras atividades, mas para o setor — até porque, sendo parte substancial desses custos
gerados pela PRE, isto é, pelas renováveis, fazia todo o sentido que parte desses custos (e na hora
apontámos para os 80%) revertesse para o setor. Esta foi uma medida que identificámos e que era importante.
Depois, havia outras medidas (que eram a garantia de potência, pequenos cortes, etc.). Até que chegámos
— aliás, chegámos muito rapidamente — à necessidade de ter uma contribuição sobre o sistema. Essa
contribuição era sobre o potencial de geração (…) envolvia todos os produtores menos os miniprodutores da
microgeração e da minigeração, e todos aqueles que tivessem contratos ou tarifas que tivessem vindo de
leilões ou de algum sistema de mercado. Tudo o resto sofreria a contribuição».
(Henrique Gomes)
Na sequência da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika, em maio de 2011, a tutela da
Energia inicia um processo negocial com os produtores de eletricidade com vista ao cumprimento das medidas
previstas naquele documento.
A partir de agosto de 2011, realizam-se reuniões com a EDP, que logo nos primeiros dias daquele mês,
apresenta, em reunião com o Secretário de Estado da Energia, a sua primeira proposta, sinalizando a sua
disponibilidade para financiar em 1200 milhões de euros um conjunto de medidas que vem propor,
considerando «importante, que, simultaneamente, seja definido um enquadramento que remunere
adequadamente estes créditos pelo custo de capital da empresa e se criem as condições para a securitização
dos elevados montantes em causa». Com efeito, as medidas propostas pela EDP procuram evitar cortes
permanentes de custos (exceto no sobrecusto das cogerações com mais de 15 anos), substituindo-os por
diferimentos temporais, nomeadamente do sobrecusto da PRE, da revisibilidade dos CMEC de 2012 e 2013 e
da interruptibilidade. Estes diferimentos foram analisados no capítulo 6).
Na sequência das conversações posteriores, a EDP remete em 4 de outubro de 2011 um novo documento,
em que volta a sistematizar as suas propostas:
● Diferimento temporal dos sobrecustos com a Produção em Regime Especial (PRE);
● Revisão da taxa de juro aplicável ao cálculo da anuidade do montante inicial dos CMEC (e eventual
extinção negociada do regime de CMEC para centrais a determinar);
● Reformulação do prazo de tarifa bonificada garantida aplicável à produção de eletricidade com
tecnologia eólica (parques existentes cuja capacidade não foi objeto de procedimento concursal);
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● Revisão da remuneração aplicável à cogeração;
● Estabilidade legislativa e regulamentar, em particular no que se refere à Garantia de Potência;
● Captação do valor inerente às licenças de CO2.
A EDP refere então «aceitar» uma taxa de juro da dívida tarifária correspondente aos títulos de dívida
pública alemães acrescida de 5% e propõe ainda a alteração das regras para a titularização dos CMEC
estabelecidas no Decreto-Lei n.º 240/2004, que prevê que a taxa de 7,55% seja revista em caso de
titularização do respetivo montante, passando nessas circunstâncias a ser aplicada a menor das duas taxas
(5,22% na portaria de 2007). Em outubro de 2011, a EDP propõe ao governo uma redução da taxa 7,55% para
6,5%, em troca da perda do direito do sistema de beneficiar de uma taxa mais baixa em futuras titularizações
(este tema é analisado em maior detalhe no capítulo 6).
Analisando as propostas da EDP em carta enviada ao ministro Álvaro Santos Pereira, o secretário de
Estado Henrique Gomes critica a primazia dada na proposta da empresa a medidas de diferimento de custos,
como o diferimento do sobrecusto da PRE, que, segundo Henrique Gomes «deveria ser a última medida a
utilizar no ajustamento das tarifas, minimizando a criação de nova dívida, e não como primeira solução que
torna desnecessária qualquer outra. A perspectiva da EDP não é essa, porque com a aplicação deste
mecanismo resolve o problema do curto prazo (a sua perspectiva de sustentabilidade no longo prazo é vã) e
ainda ganha com a remuneração do financiamento da dívida».
A outra proposta da EDP foi aceitar a revisão da taxa da componente fixa dos CMEC para 6,5%, em
contrapartida do direito a absorver os ganhos resultantes da titularização daquelas anuidades. Na mesma
carta, Henrique Gomes considera esta proposta «uma tentativa de aproveitamento do momento de pressão
sobre os preços da electricidade, uma vez que se consubstancia no abdicar pelo sistema de uma opção, e
correspondente valor, de que hoje dispõe».
1.2 A queda da contribuição especial proposta por Henrique Gomes
Em outubro de 2011, o gabinete do Secretário de Estado da Energia continua a preparação da contribuição
especial constante do modelo de equilíbrio preparado pela Secretaria de Estado, prevendo uma receita anual
de 230 milhões de euros. O valor atualizado líquido da redução dos cash-flows esperados da EDP até 2020
seria de cerca de –675 M€, representando os CMEC 44% deste valor e a Garantia de Potência (atribuída em
2010 a centrais que operam desde 2004) cerca de 49%.
Esta contribuição incidiria sobre a potência instalada, sendo a taxa variável em função do regime de
produção e tecnologia utilizada. A contribuição não seria repercutível nas tarifas nem no cálculo dos CMEC.
Estariam isentos do pagamento da contribuição os produtores sem apoio aos custos de produção ou tarifa de
venda garantida, bem como os que tenham obtido as suas licenças por concurso.
A receita obtida seria consignada a um Fundo cujo objetivo seria a aquisição de créditos que integram o
défice tarifário (créditos dos operadores regulados ou de terceiros a quem tenham sido cedidos sobre os
consumidores), sendo estes depois extintos mediante decisão do Governo.
O impacto no encaixe com a futura privatização seria de cerca de –135 M€ (20% do efeito no valor total da
empresa), que comparava com o valor atualizado líquido da receita da Contribuição de cerca de +1500 M€.
No entanto, segundo Henrique Gomes e Álvaro Santos Pereira, o Ministro das Finanças, Vítor Gaspar,
considerou que a introdução desta contribuição constituiria um fator de perturbação da 7.ª fase de privatização
da EDP, prevista no Memorando, retirando-a do processo de preparação do Orçamento do Estado para 2012.
Para Carlos Moedas, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro e responsável pela ESAME, «nas
vendas de empresas, é importantíssimo que as pessoas sintam que há confiança entre as partes e qualquer
medida unilateral quebraria essa confiança».
«No Ministério da Economia tínhamos estimado que o impacto da contribuição especial nos cash-flowsda
EDP seria de cerca de 700 milhões. (…) E estimámos que, devido aos valores de que estávamos a falar da
privatização, um pouco mais de 21%, o impacto na privatização seria de cerca de 140 milhões. Portanto,
esses foram os números que utilizámos no Ministério das Finanças».
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(Álvaro Santos Pereira, Ministro da Economia, 2011-2014)
«[Dar prioridade à privatização da EDP sem prévia correção das rendas excessivas pagas ao setor] não foi
uma atitude inteligente. A única maneira correta de fazer as coisas era limpar, porque tínhamos limpo isto,
calmamente, tínhamos entrado na privatização, calmamente, e com o setor potencialmente em equilíbrio,
sempre o disse. (…) Ainda hoje há tensões neste setor porque a casa nunca foi limpa».
(Henrique Gomes)
O sucessor de Henrique Gomes na Secretaria de Estado da Energia, Artur Trindade, assumiu perante a
CPIPREPE que as medidas que posteriormente implementou foram limitadas pela recente privatização da
EDP, que terá inibido medidas mais incisivas:
«É evidente que este facto condicionou, de forma muito relevante, a aplicação de um conjunto de outras
medidas – aliás, a própria troika que muito falou na necessidade de implementar as reduções de custos e os
cortes, nunca aceitou sacrificar a privatização a esses cortes. Porquê? Porque, de facto, a troika era um
conjunto de credores, a privatização implicava venda, a venda implicava receita e os credores gostam que as
entidades a quem emprestam dinheiro tenham receita. (…) Acho que para haver uma coerência total, se a
troika identificava que havia rendas excessivas, então, pelo menos, deveriam ter alterado a prioridade dos
fatores e dito: ‘vocês não privatizam nada enquanto não acabarmos com as rendas’. Não foi isso que fizeram!
‘Privatizem, tragam para cá o dinheiro que nós precisamos dele’, disseram. Isto é completamente
contraditório.»
(Artur Trindade, Secretário de Estado da Energia, 2012-2015)
1.3 A privatização face às medidas do Memorando
No início de dezembro, na sequência do abandono pelo governo do projeto de contribuição especial do
setor elétrico preparada no ministério da Economia, a segunda revisão do Memorando adita a medida 5.15:
«Serão tomadas medidas para colocar o SEN numa trajetória sustentável, para eliminar o défice tarifário
em 2020 e assegurar a sua estabilização em 2013. Este prazo é sujeito a uma revisão baseada num relatório
a propor pelo governo que especificará também como serão corrigidas as rendas excessivas na produção nos
regimes ordinário (CMEC, CAE, garantia de potência) e especial (cogeração e renováveis). Esta proposta
considerará os méritos de um largo espectro de medidas que cobrirão todas as fontes de rendas».
(Medida 5.15 do Memorando)
A existência de um compromisso expresso do governo português com as instituições internacionais no
sentido da redução das rendas excessivas no setor era a informação disponível aos concorrentes à
privatização no momento de realizarem as suas ofertas – a privatização foi dispensada de prospeto.
Porém, aquele compromisso não terá sido considerado pelos compradores, afirma Eduardo Catroga, que
veio a representar o acionista China Three Gorges no Conselho Geral e de Supervisão (CGS):
«Não sei se esses memorandos de entendimento têm o valor que têm. Não têm valor jurídico
absolutamente nenhum em relação aos compromissos legais e contratuais do Estado português. Não há
nenhum Governo do País que infrinja… Portanto, nunca passou pela cabeça nem dos concorrentes chineses,
que pagaram um prémio de preço muito elevado, nem dos concorrentes alemães, nem dos concorrentes
brasileiros, que o Governo português não ia continuar a ser um Estado de direito. Umas propostas do
memorando são executadas, outras não são executadas. O memorando da troica nesta matéria é muito
imperfeito, como o é, aliás, também noutros segmentos. Não é uma Bíblia. É, quanto muito, um quadro de
referência.»
(Eduardo Catroga, presidente do CGS da EDP)
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1.4 Do relatório sobre rendas no setor eletroprodutor à demissão de Henrique Gomes
O relatório de que o governo ficou encarregado na medida 5.15 – «Rents in the electricity generation
sector» – foi preparado durante o mês de janeiro de 2012, incorporando como anexo o estudo encomendado à
CEPA – Cambridge Economic Policy Associates. A CPIPREPE apurou que este estudo teve duas versões.
A primeira versão, com data de 31 de janeiro de 2011, foi encontrada no arquivo do Ministério da
Economia. É a versão que Henrique Gomes entregou ao ministro e que este encaminhou a Carlos Moedas, o
membro do governo responsável pela Estrutura de Acompanhamento do Memorando (ESAME). Como
medidas propostas estão cortes na cogeração, a revisão do regime do CO2, o corte na garantia de potência e
o corte na duração do subsídio às mini-hídricas.
De acordo com Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes (e também do seu
sucessor, Artur Trindade), o então secretário de Estado considerou não ter condições para intervir sobre as
remunerações dos CMEC e da PRE eólica, não incluindo esses temas na sua proposta.
«O engenheiro Henrique Gomes entendeu, face ao abandono do tema da contribuição, que não existiria, à
data, uma terapêutica no tocava aos CMEC e à PRE, e, neste caso, estamos basicamente a falar na eólica
(…) Este documento foi objeto de alguma discussão entre o Ministério da Economia e a ESAME e houve uma
série de reuniões posteriores — estamos a falar de dezembro, início de janeiro — no sentido de o consolidar.
Creio que o que estava a passar-se tratava-se, acima de tudo, de mensagens políticas».
(Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes, 2011-2012)
Deste trabalho conjunto entre as equipas do Ministério da Economia e da ESAME, resulta, a 9 de fevereiro,
a segunda versão do referido relatório, a única efetivamente entregue à troika. Este segundo documento
nunca foi encontrado nos arquivos do governo no seguimento dos pedidos da CPIPREPE, tendo sido obtido
junto da OCDE (que o cita num estudo sobre a economia portuguesa).
Nesse documento é acrescentada, em termos em tudo semelhantes aos da proposta adiantada três meses
antes pela EDP, a medida de extensão da tarifa garantida das centrais eólicas, bem como uma proposta de
redução da taxa de juro da componente fixa dos CMEC de 7,55% para 6,86% (poupança de 4M€/ano). Como
já abordado no capítulo 1, o Governo veio a negociar, como parte de um pacote de medidas acordadas com a
EDP, uma correção no valor de 14M€/ano.
As condições políticas do exercício do cargo de secretário de Estado da Energia degradaram-se ao longo
destas semanas, porquanto Henrique Gomes, assumindo a derrota do seu projeto de contribuição, manteve
diversas intervenções públicas que causaram incómodo no governo:
A opinião pública tinha de saber ou devia saber quais eram os excessos — Pronto! E cada vez que eu
falava nos excessos ou nas rendas excessivas, etc., o Ministro ficava muito atrapalhado e dizia: «Henrique, já
lhe disse várias vezes que não pode ser, não pode falar em rendas excessivas. Está proibido de falar de
rendas excessivas», e eu pensava: «Mas como é que eu faço? Eu não me calo!». Eu não me calava mesmo e
não lhe tornei a vida fácil e disso já me penitenciei há bocado. Entretanto, para eu não falar de rendas
excessivas, o Ministro começou a querer ver os discursos, etc. E um belo dia eu ia ao ISEG e ele olhou para o
discurso e tinha lá os preços, tinha lá os problemas. Ainda da parte da manhã ele disse-me que eu não podia
falar e eu disse-lhe que não falava e que dessa vez é que me ia embora.
Com a substituição de Henrique Gomes por Artur Trindade em março de 2012, iniciam-se negociações com
os produtores para dar sequência às medidas previstas no relatório enviado à troika. Essas negociações têm
lugar, por um lado, com a EDP e, por outro, com os produtores de energia renovável representados pela
APREN (destas negociações e dos seus resultados é dada conta no capítulo 11).
Em abril de 2012, é obtido acordo entre a EDP e o governo para a redução da taxa de juro da componente
fixa dos CMEC, de 7,55% para 4,72%. Essa redução é aceite tendo como contrapartida um conjunto de
garantias dadas pelo governo à EDP quanto aos termos da futura reposição do pagamento da garantia de
potência e quanto ao cálculo da remuneração da dívida tarifária detida pela EDP.
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Na sequência deste acordo, o Decreto-Lei n.º 32/2013 vem alterar o Decreto-Lei n.º 240/2004 para fixar as
condições de alteração daquela taxa – «cujos termos e condições para a sua aplicação são aprovados por
portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, após proposta apresentada pelo produtor».
Pela portaria 85-A/2013, Artur Trindade fixa aquela taxa, «em conformidade com os pressupostos e a
metodologia constantes da proposta apresentada pela EDP».
Na CPIPREPE, o então presidente da ERSE, Vítor Santos, que deu parecer positivo à portaria, reconheceu
que nunca teve conhecimento do conteúdo daqueles pressupostos e metodologia.
«A minha interpretação foi a seguinte: esta não é uma decisão unilateral, é uma decisão que não pode ser
perspetivada do ponto de vista jurídico como tendo sido uma decisão unilateral do governo. E a circunstância
de se mencionar, no despacho ou portaria, já não estou certo, que até tinha havido uma proposta
metodológica da EDP, era no sentido de retirar espaço de manobra, por parte da EDP, em termos de
contestação da decisão do governo, isto é, em termos de litigância. Foi algo que foi mencionado pelo governo
para sinalizar que o processo não tinha resultado de uma decisão unilateral, mas que tinha havido uma
interação e que até tinha havido uma proposta metodológica — é normal que, num processo desta natureza,
haja proposta metodológicas — da parte interessada. Gostava de partilhar com os Srs. Deputados, de forma
inequívoca, que não tinha conhecimento, obviamente, daquilo que foi hoje referido e é uma coisa,
sinceramente, que me deixa muito penalizado, se é que essa situação corresponde à verdade. Não tive
acesso a nenhuma informação sobre essa matéria, não fiz a interpretação de que isso pudesse ter
acontecido.»
(Vítor Santos)
Na sua audição, o ex-Secretário de Estado da Energia (2015-2018), Jorge Seguro Sanches, atribui
consequências de longo prazo ao Decreto-Lei n.º 32/2013:
Há pouco mais de um ano a Assembleia da República aprovou uma resolução no sentido de recomendar
ao Governo cortes nas rendas da energia em especial nos CMEC, penso que a designação era mais ou
menos esta, e o Governo procurou, não só pela nossa natural vontade de fazer reforma neste setor, como
também, sem alterar a lei, sendo apenas rigoroso e colocando acima de tudo o que está na lei e o que está
nos contratos, encarar esse problema.
Todavia, como já disse, surgiram duas condicionantes: primeira condicionante é o Decreto-Lei n.º 32/2013.
Porquê? Porque a fixação das taxas de juro dos CMEC, em 2007, resultou de um ato do Governo – era assim
que era feito –, mas, a partir de 2013, passou a ser não por um ato do Governo mas sob proposta do produtor.
Ora, isto subverte completamente a questão e, portanto, o Secretário de Estado da Energia, na altura, em
funções, há cerca de um ano, escreveu à EDP Produção manifestando vontade de entabular negociações ou
conversações no sentido de baixar a taxa de juro dos CMEC e do lado de lá veio a resposta: não. Isto apesar
de o Governo estar com o documento da ERSE no qual me dizia que a taxa de juro podia baixar
substancialmente, mas o que aconteceu em 2013 foi que os CMEC foram blindados na taxa de juro.
Portanto, a partir de 2013, a não ser que, efetivamente, quiséssemos entrar numa situação de litígio, na
qual, na minha opinião, não tínhamos razão, a partir de 2013 quem fixa a taxa de juro passou a ser a empresa,
a EDP, e deixou de ser o Governo, que era o que acontecia até então».
(Jorge Seguro Sanches)
Na sua audição, Artur Trindade refuta a ideia da blindagem da taxa no Decreto-Lei n.º 32/2013:
Se o Sr. Deputado ler bem o Decreto-Lei também não diz lá isso. Ele até podia ter proposto 4,72 e eu
publicava 3,5… estava a cumprir com a lei, não estava a cumprir com o acordo, mas estava a cumprir com a
lei. Uma coisa é a lei, outra coisa é a portaria, outra coisa são as expectativas — repito — legítimas do
produtor. É tão legítima como uma promessa que o Governo faz ao cidadão de que vai baixar a luz. É uma
promessa legítima, é um acordo mas não é um contrato. O pedido de parecer à ERSE é um pedido naquilo
que é o circuito legislativo. Portanto, era interpretação minha e dos meus juristas que a generalidade dos
diplomas sobre o setor elétrico, neste caso tinham de ir pedir parecer à ERSE, especialmente aqueles sobre
este tipo de temas. E, portanto, eu não podia fazer um diploma sem ouvir a ERSE.
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(Artur Trindade)
2. Os três pacotes de medidas de equilíbrio do SEN
Houve primeiramente um conjunto de medidas aprovadas em maio de 2012, que no entanto, acabou por
não ser suficiente para cumprir o objetivo enunciado de limitar o aumento das tarifas de energia elétrica em
1,5% ao ano mais inflação, o que levou a criação de novas medidas, aprovadas por fases, concretizando-se
em três pacotes de medidas.
Este conjunto de medidas tinha como objetivo fundamental a eliminação progressiva do défice e a dívida
tarifária, tendo como horizonte de referência 2020, nos termos do gráfico abaixo, que foi apresentado na CPI,
tanto por Artur Trindade como por Carlos Moedas.
2.1 Primeiro pacote de medidas
O primeiro pacote de medidas foi aplicado em maio de 2012, no âmbito da sétima avaliação da troika, com
a convicção que seria suficiente para atingir o objetivo da eliminação da dívida tarifária em 2020. Este pacote
resumia-se a cortar nas rendas excessivas dos instrumentos identificados, e que se apresentam no quadro
abaixo.
Pedro Cabral, na sua apresentação inicial à CPIPREPE, deu a conhecer a estimativa de poupanças feita
em maio de 2012, na apresentação do pacote de medidas: 700, 165 e 385 M€, relativos a cortes de
remuneração da cogeração, da anuidade dos CMEC e da garantia de potência, respetivamente, num total de
1635 M€. Em outubro 2013, o governo atualiza em alta aquela estimativa no momento em que apresenta o
segundo pacote de medidas (v. Quadro 1). Não se conhece a razão desta diferença.
Acresce a estas medidas a afetação de 80% das receitas dos leilões de CO2 ao SEN, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 38/2013 e concretizado na Portaria n.º 3-A/2014.
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Primeiro pacote de medidas, aprovado em maio de 2012, para eliminação da dívida tarifária (em
milhões de Euros) (Dados Governo)
Medidas Ato legislativo Descrição Montante total [M€]
Período
Cogeração Portaria n.º 140/2012
Redução dos subsídios pagos aos produtores de eletricidade em cogeração
996 2012-2025
Extensão FiT Decreto-Lei n.º
35/2013
Acordo de redução de custos alcançado com os produtores eólicos que beneficiam do regime remuneratório anterior a 2005
151 2013-2020
Limitar custo mini hídricas
Decreto-Lei n.º 35/2013
Introdução de um limite de 25 anos para a duração da tarifa garantida das pequenas
centrais hídricas 285 2013-2030
Redução taxa anuidade CMEC
Decreto-Lei n.º 32/2013,
Portaria n.º 85A/2013
Redução dos custos com o CMEC, através da redução da taxa da anuidade
da parcela fixa de 7,55% para 4,72% 205 2013-2027
Garantia de Potência
Portaria n.º 139/2012, Portaria n.º 251/2012
Substituição do mecanismo anterior, por um novo regime de maior racionalidade e
menor incerteza 443 2012-2020
Total 2080 M€
Enquanto as medidas de redução de custos em cogeração, mini-hídricas, CMEC e garantia de potência
representavam um contributo efetivo para a redução do défice tarifário, a compra de uma extensão de preços
garantidos às eólicas (Decreto-Lei n.º 35/2013) tem sido questionada como redução custos. Considerando as
conclusões do capítulo 11 deste relatório, esta medida não pode ser considerada como redução de custos.
Assim, o impacto atribuído por vários inquiridos (Artur Trindade, Álvaro Santos Pereira, Jorge Moreira da Silva)
a este primeiro pacote (2080 M€), assumindo que as metas das restantes medidas foram alcançadas, deve ser
corrigido para 1929 M€.
Relativamente às receitas das licenças de CO2 a afetar ao SEN, Álvaro Santos Pereira estimava-as em
1800M€, entre 2014 e 2020. No entanto, os cálculos da ERSE (relatórios anuais de «Proveitos e
Ajustamentos»), até 2019 tinham sido angariados apenas 378 M€, o que mesmo considerando uma trajetória
linear para o período total 2014-2020, atingiria um total de apenas 464 M€, cerca de 26% do previsto. Esta
receita configura uma perda de receita do Estado a favor do SEN, não representando por isso corte ou
poupança.
2.2 Segundo pacote de medidas
O segundo pacote de medidas foi aprovado em outubro de 2013, no quadro da 8.ª e da 9.ª avaliação da
troika, na sequência da constatação de que o primeiro pacote não seria suficiente para a eliminação do défice
tarifário. A falta de alcance das medidas deveu-se a falhas nos pressupostos do primeiro pacote (estagnação
do consumo, descida do preço do CO2, novas medidas legislativas espanholas que desequilibraram o
mercado ibérico).
As medidas aprovadas encontram-se resumidas no quadro seguinte.
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Quadro 2 – Segundo pacote de medidas, aprovado em outubro de 2013, para eliminação da dívida
tarifária (em milhões de euros) (Dados Governo)
Medidas Ato
legislativo Descrição
Montante total [M€]
Período
Clawback Decreto-Lei n.º 74/2013
Eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais
introduzidas em Espanha 300-500 2014-2020
Harmonização tarifária
Introdução de incentivos à eficiência de custos no mecanismo de harmonização
de tarifas aplicável às Regiões Autónomas
160-200 2014-2020
Remuneração terrenos
Portaria n.º 301-A/2013
Revisão da remuneração dos terrenos hídricos
100-120 2014-2020
Serviços de Sistema
Portaria n.º 301-A/2013
Despacho n.º 4694/2014
Correção das distorções no mercado de serviços de sistema
300-400 2014-2020
Contribuição centrais carvão
Não aplicada Contribuição das centrais de carvão para
o SEN 150-170 2014-2020
Total
Total (sem carvão) 1010-1390 M€ 860-1220 M€
2.2.1 A medida para a eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais
introduzidas em Espanha (Clawback)
Relativamente à medida Clawback (aprofundada no capítulo 13), as poupanças enunciadas seriam entre
300 e 500 M€.
As sucessivas alterações legislativas levaram a que os valores cobrados sejam bastante díspares
relativamente ao esperado. Segundo a ERSE nos seus documentos anuais de «proveitos permitidos», até
2019 só teriam sido angariados 192,5 M€, o que extrapolando para o período 2014-2020, totaliza 234,6 M€,
entre 47% a 78% do valor inicialmente previsto.
2.2.1.1. Contexto e legislação associada
Em 2013 é aprovado o Decreto-Lei n.º 74/2013, que aprova o mecanismo de «clawback» (retenção,
restituição) para a eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais introduzidas em
Espanha. O seu preâmbulo clarifica o contexto e necessidade desta medida:
«Importa instituir um mecanismo regulatório destinado a corrigir o desequilíbrio entre produtores de energia
elétrica, originado por distorções resultantes de eventos externos ao mercado grossista da eletricidade e, de
igual modo, evitar que o funcionamento anómalo do mercado se repercuta nos produtores e consumidores
portugueses. Esse objetivo é alcançado através da repartição, em função do impacto registado na formação
dos preços, dos custos de interesse económico geral.»
No seu artigo 4.º, n.º 1 – refere que:
«A repartição de custos (…), deve considerar, designadamente, os resultados de um estudo a elaborar, no
final de cada semestre, pela ERSE, (…) sobre o impacto na formação de preços médios da eletricidade no
mercado grossista em Portugal de medidas e eventos extramercado na UE e os seus efeitos redistributivos
nas diversas rubricas de proveitos que influem nas tarifas de energia elétrica».
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A Portaria n.º 288/2013 vem regular o procedimento de elaboração do referido estudo e o mecanismo de
repartição de CIEG a suportar pelos produtores em mercado, definindo a Portaria n.º 225/2015 a fórmula de
cálculo do valor a pagar por cada produtor.
Segundo o ex-secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, esta medida visava:
«simplesmente ter em conta eventos fiscais (…) que estavam a acontecer em Espanha que poderiam
contribuir para um agravamento do preço. Não havendo esses mesmos efeitos em Portugal, ou até eles não
existirem, visava aplicar o valor líquido entre os impostos, o agravamento de impostos em Portugal e em
Espanha aos produtores que estivessem de fora das PRE, dos CMEC e dos CAE (…) para os equilibrar com
as suas contrapartes no MIBEL que estavam no lado de Espanha.»
2.2.1.2. Repercussão tarifária dos custos com a CESE e a tarifa social: dupla tributação ou dupla
compensação?
Em 2015, em vésperas de eleições, na definição dos parâmetros para as tarifas anunciadas em 15 de
outubro, o Despacho n.º 11566-A/2015 vem redefinir a fórmula de cálculo do clawback, com vista à
contabilização da CESE e da tarifa social como eventos extramercado nacionais dedutíveis ao valor da taxa
dos eventos extramercado UE.
Deste modo estava-se a legislar sobre a repercussão indireta da CESE (ponto 11) e da tarifa social (ponto
12) através da lei do clawback. Este decreto permitia então uma dedução das empresas dos valores pagos
com a CESE e a tarifa social de 75% em 2015 e 2016, e de 100% a partir de 2017.
Artur Trindade defende que, em termos líquidos, o consumidor paga menos:
«Comecei a receber, por parte das empresas afetadas por este decreto-lei, comentários que considerei
relevantes e perigosos. Se eu não considerasse, pelo menos, qualquer «coisinha» de impostos pagos em
Portugal, em primeiro lugar não estava a cumprir o decreto-lei e, em segundo lugar, estaria a impor os
impostos de Espanha a Portugal e a somar os impostos de Portugal. (…)
Enfim, admito que pudesse passar dos 0,75 para os 0,5 e se pudesse alterar ligeiramente, mas não pôr
nada e não fazer «isto» pelo líquido seria dar um argumento de inconstitucionalidade ao decreto-lei, seria
acabar com ele e seria dar às empresas argumentos para não pagarem nada no decreto-lei. (…)
Eu ponho-os a pagar 6,5 nesse despacho que aí está e depois digo: «Podem deduzir 75% da CESE e 75%
da tarifa social», que equivaliam aos tais 2€ a 3€/MWh. Ou seja, estou a pô-los a pagar 4 e tal, em vez dos
2,5! Estou a subir o que eles vão pagar, porque achava que havia espaço para isso. Se eu não tivesse posto
esses números nesse despacho, continuava a cobrar-se os 2,5€, continuava a cobrar-se menos! Esta foi uma
forma de matar dois coelhos com um mesmo tiro!»
Artur Trindade
O ex-Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, referiu na comissão que havia uma grande
pressão em torno da repercutibilidade da CESE, nomeadamente na revisibilidade dos CMEC:
«Sempre que recebia algum dos acionistas da EDP, (…) vinham falar em duas questões, a tarifa social e a
CESE e, depois, a partir de certa altura, do clawback. Portanto, são estes os temas que sempre foram
colocados e sobre eles havia que atuar legalmente. (…) Foi uma reunião realizada comigo e com o Sr. Ministro
da Economia. E, aliás, toda a questão dos CMEC começa aqui. Pode ler-se: «Com base no acordo e
entendimentos transmitidos aos novos acionistas, a EDP comunicou ao mercado e tem assumido nas suas
contas desde 2014 o montante da CESE líquido, contribuição paga por centrais CMEC»,
(…)
Não obstante, já durante o mandato de Jorge Seguro Sanches, e após o pedido à ERSE da definição de
novo valor para os eventos extra mercado a considerar no âmbito da UE, esta medida volta a ser alvo de novo
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Despacho n.º 7557-A/2017, redefinindo a taxa que passa de 6,5€/MWh a 4,7 €/MWh e a acabando com a
dedução retroativamente:
No seu estudo de avaliação do impacto de eventos extramercado na formação do preço de mercado
grossista sob o efeito do Decreto-Lei n.º 74/2013, a ERSE considera que esta repercussão chega a constituir
uma «dupla compensação»:
«Existe evidência estatística de que os agentes portugueses já repercutiram nas ofertas em mercado o
valor dos pagamentos da CESE, pelo que o seu efeito no preço de mercado já se encontra incorporado na
análise efetuada no estudo. Daqui decorre que qualquer nova compensação teria o caráter de uma dupla
compensação».
«Em outubro de 2017, quem me sucedeu resolveu alterar isso e fazer as contas de outra maneira —
anulou os 6,5, publicou os 4,7 e, depois, deixou de deduzir (…). O efeito líquido não sei qual é, mas não é todo
dedução (…). Mas o saldo só é positivo por causa de uma coisa: anulou-se a dedução para trás e cobrou-se
6,5 para trás, retroativamente, o que, do ponto de vista jurídico, não vou comentar. (…) para trás não pode
deduzir-se e cobram-se os 6,5; para a frente é todo um mundo novo e passa a cobrar-se os 4,7, também sem
deduzir. Hoje em dia está a cobrar-se zero (…).»
(Artur Trindade)
Artur Trindade reforça ainda a sua tese de que a medida é correta, recusando que se trate de uma
repercussão e lamentando a atuação do seu sucessor:
«Não é repercutir, mas sim cobrar, cobrar pelo valor líquido. Diria até de outra forma: se não deduzisse
esse valor da CESE e da tarifa social, no fundo, as empresas estariam a pagar duas vezes. O que se faz com
esta medida é pôr as empresas a pagar a CESE e a tarifa social duas vezes, o que é mais um argumento para
lhes dar capital de queixa e para poder até permitir-lhes que ganhassem, noutras arenas, ações contra o
Estado».
Assim, em 2016 e 2017, a CESE e tarifa social foram repercutidas nos consumidores, até em 2017 ser
emitido um novo Despacho n.º 9371/2017, declarando a nulidade parcial do 11566-A/2015, de modo a que os
valores que tinham sido repercutidos em 2016 e 2017 na tarifa pudessem ser recuperados pelo SEN (cerca de
100 M€).
2.2.1.2.1 A ilegalidade da repercussão da CESE e da tarifa social
Para contestar a decisão do governo em 2017, a EDP contratou estudos a duas consultoras, a Poyry e a
FTI Compass-Lexecon sobre a definição dos parâmetros relacionados com a fórmula de cálculo introduzida
pela Portaria n.º 225/2015, concluindo que uma taxa que nivele a concorrência entre produtores, terá sempre
de considerar uma dedução de 100% desses mesmos custos, sejam eles fixos ou variáveis. Afirmam por isso
que, com a impossibilidade da dedução dos eventos CESE e tarifa social, os produtores sofrem dupla
tributação.
Pelo seu lado, a atuação do governo partiu das seguintes premissas jurídicas:
● A proibição da repercussão da tarifa social já foi objeto do Parecer n.º 39/2012 do Conselho Consultivo
da Procuradoria Geral da República e é explícita na própria lei da CESE:
«Artigo 5.º
Não repercussão
As importâncias suportadas pelos sujeitos passivos a título de contribuição extraordinária sobre o setor
energético não são repercutíveis, direta ou indiretamente, nas tarifas de uso das redes de transporte, de
distribuição ou de outros ativos regulados de energia elétrica e de gás natural, previstas nos regulamentos
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tarifários dos respetivos setores, não devendo a contribuição ser considerada, designadamente, para efeitos
de determinação do respetivo custo de capital».
● Só poderem ser incluídas nas tarifas de eletricidade, especialmente na sua componente de uso global
do sistema (UGS, que constitui uma componente fixa), contribuições impostas aos consumidores por via
da lei. Este despacho, ao determinar por ato administrativo a repercussão nas tarifas da eletricidade dos
custos suportados pelos produtores com a tarifa social e com a CESE, constituía a criação de uma nova
contribuição pecuniária sobre os consumidores, sendoportanto ilegal de acordo com o Código do
Procedimento Administrativo (artigo 161.º, ponto 2, alínea k): «São nulos: (…) Os atos que criem
obrigações pecuniárias não previstas na lei»;
● Os pontos 11 e 12 do referido despacho (relativos à dedução da CESE e da tarifa social no âmbito do
clawback) invocam que a determinação da repercussão se baseia no parecer da ERSE («identificado no
estudo a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 74/2013 [parecer da ERSE]»)quando o
referido estudo é omisso no que se refere à ponderação dos custos com a tarifa social e expressamente
afasta a ponderação dos custos com a CESE, por entender que tal constituiria uma sobrecompensação.
2.2.2 Remuneração dos terrenos do domínio hídrico
A Portaria n.º 301-A/2013 reduziu o custo com a remuneração dos terrenos, mantendo-se até ao ano de
2019, em cerca de 13 M€ anuais. Esta portaria, que enuncia como objetivo incentivar a REN a desempenhar
as suas responsabilidades de modo mais eficiente, manteve este custo estável como resultado de sucessivas
auditorias anuais que resultaram na atribuição de nota 3, que correspondem a uma taxa de remuneração de
0,1%. No seu relatório de proveitos permitidos e ajustamentos para 2019, adianta ainda que desde 2015 não
foram realizados relatórios de desempenho, pelo que decidiu assumir uma taxa de remuneração 0%.
Na CPIPREPE, Artur Trindade avaliou a poupança resultante da Portaria n.º 301-A/2014 em 106 M€.
2.2.3 Corte de remuneração dos serviços de sistema
Em 2014 é emitido o Despacho n.º 4694/2014, que decide a auditoria da REN e institui a respetiva
comissão de acompanhamento, a qual encomenda um estudo à consultora Brattle Group, com o objetivo de
quantificar as sobrecompensações ocorridas entre 2010 e 2014 no mercado dos serviços de sistema (este
processo será detalhado em capítulo próprio).
Em paralelo, o secretário de Estado Artur Trindade procura estancar as falhas no mercado de serviços de
sistema, definindo como preço de referência o do mercado de serviço de sistema espanhol e incluindo os
custos da tele-regulação na revisibilidade dos CMEC. Desta forma, o governo procurou prevenir que a EDP,
preterindo as centrais CMEC, limitasse a sua oferta de serviços de sistema às centrais em mercado.
Segundo declarações de Artur Trindade, em 2013, ao Diário Económico, estariam aqui 70% das poupanças
anunciadas com a medida dos serviços de sistema que constava no segundo pacote de medidas de redução
de custos (300M€ a 400M€). Os outros 30% estariam ligados à não inclusão na revisibilidade dos ganhos das
centrais CMEC no mercado de serviços de sistema.
2.2.4 Contribuição das centrais a carvão para o SEN
Esta medida nunca chegou a concretizar-se. Na CPIPREPE, Artur Trindade evoca-a como uma forma de
compensação pela extensão da operação de Sines:
«Chegámos a um acordo: estudar a hipótese de a EDP na utilização da central de Sines fazê-la no
mercado, vendendo a energia e pagando o carvão e uma parte desse ganho vir para o SEN através de um
pagamento, eventualmente, limitando os ganhos associados a esse patamar. Essa medida seria sempre, na
minha opinião, um ganho para o sistema».
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Porém na redação do documento que regista o acordo entre o governo e a EDP para a redução da taxa de
juro da componente fixa do CMEC, a natureza da medida é diferente de uma contribuição:
«Caso o Governo considere adequado, a EDP terá disponibilidade para estudar uma solução que permita
baixar o custo anual do CMEC fixo através da extensão do período da cobertura de risco da central de Sines a
partir do fim do ex-CAE. A solução terá de ser vista em conjunto com a central do Pego».
A «contribuição das centrais a carvão» assemelhava-se assim, no acordo que a previa, ao tipo de venda
antecipada de uma garantia de preços futuros que veio a ser acordada meses depois com os produtores
eólicos a título de «contribuição voluntária»:
Esta interpretação foi confirmada na CPIPREPE por António Mexia, presidente da EDP:
«O Estado queria, obviamente, receitas excecionais e propôs exploração para além dos CAE/CMEC. A
ideia era essa! Ou seja, disse «eu prolongo isto» — acho que já vimos isso em vários setores, vimos isso em
vários sentidos, temos visto isto durante muito tempo! —, mas propôs que «os senhores ficarão com um cap e
um floor»; que nunca chegou a ser discutido, mas que anda dentro de um cap e de um floor. Para nós, a ideia
não era má — sobretudo, sendo nós líderes nas renováveis, na altura, a nível mundial —, porque era óbvio
que tudo aquilo que estivesse associado ao carvão iria ter problemas. Portanto, apenas queria dizer que não
tirámos nenhuma vantagem, só sujeitámos isto a uma condição, a de que a Tejo Energia, ou seja, o outro
produtor de carvão, também aceitasse. Como não aceitou, não quisemos! Não quisemos, para não dar um
sinal, que já nos vinham preocupando, de que «os CMEC têm isto…».
(António Mexia)
Neste sentido, as poupanças totais com o segundo pacote podem ser corrigidas para cerca 800 M€.
2.3 Terceiro pacote de medidas
O terceiro pacote de medidas é provado em maio de 2014, na sequência da 12.ª avaliação da troika, e
advém da necessidade de uma medida adicional para a sustentabilidade do setor elétrico e do encargo dos
produtores com a redefinição das regras do apoio social dado aos consumidores economicamente vulneráveis.
Quadro 3 – Terceiro pacote de medidas aprovado (Dados Jorge Moreira da Silva, em audição à comissão)
Medidas Ato
legislativo Descrição
Montante total [M€]
Período
CESE Lei 83-C/2013 Contribuição extraordinária sobre o sector
energético 300 2014-15
Tarifa Social Decreto-Lei n.º 172/2014
Oneração dos produtores do pagamento da tarifa social
180 2015-2026
Total 480 M€
Neste terceiro pacote figura a CESE (contribuição extraordinária sobre o setor energético), aprovada no
orçamento do Estado para 2014 (artigo 228.º, Lei n.º 83-C/2013), e a medida da tarifa social que não é
analisada neste relatório por não visar a correção de uma renda excessiva.
Com a CESE, aprovada para 2014 e 2015 e fixada sobre os ativos das empresas de energia, isentando a
PRE, o governo esperava angariar um total de 300 M€, que deveria financiar o Fundo para a Sustentabilidade
Sistémica do Setor Energético (FSSSE) criado com o Decreto-Lei n.º 55/2014. Este tinha como objetivo
financiar “políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência
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energética. Esta contribuição visa igualmente contribuir para a redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico
Nacional (SEN), designadamente, através da minimização dos encargos decorrentes de custos de interesse
económico geral (CIEG)”.
A CESE, prevista pelo Governo PSD/CDS até 2018, foi mantida nos orçamentos de Estado subsequentes a
2015, estando hoje ainda prevista a sua continuação até à eliminação do défice tarifário.
Segundo a Autoridade Tributária, em 2014 e 2015 foram cobrados a título de CESE cerca de 90M€ anuais,
não tendo sido, no entanto, transferidos para o FSSSE quaisquer fundos à data de 31 de dezembro de 2015.
Cristina Portugal, presidente da ERSE, ouvida na CPIPREPE, mostrou que, embora de 2015 a 2017
tenham sido previstos nas tarifas 50 M€ anuais de transferências do FSSSE para os CIEG, apenas ocorreram
transferências reais de 5M€ e 25M€ nos anos 2016 e 2017, respetivamente, totalizando por isso cerca de 30
M€ para abatimento do défice tarifário.
Existe, portanto, uma grande disparidade entre as estimativas das receitas conseguidas com a CESE (300
M€) e a que foi realmente conseguida até à data (30 M€) para a diminuição da fatura dos contribuintes, o que
representa uma consolidação apenas de 10% do previsto.
Em 2018, foi aprovado o reforço do FSSSE através do Decreto-Lei n.º 109-A/2018 que passa a instituir a
alocação de ⅔ da CESE ao FSSSE, e no Orçamento do Estado para 2019 (Lei n.º 71/2018) o sector das
renováveis é chamado a contribuir, com exceção dos produtores em mercado.
Já em 2018, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, declarou ao Jornal de Negócios, que tinha
chegado a um acordo com a EDP que iria voltar a pagar a CESE, o que representa cerca de 60M€/ano.
3. Impacto efetivo das medidas
Ao aprovar o terceiro pacote, Jorge Moreira da Silva afirma em entrevista ao Expresso nessa altura que
«Já não existem rendas excessivas no setor elétrico» dando como finalizada a redução de custos com os
pacotes aprovados:
«Dois (pacotes) muito orientados para a eliminação da dívida e do défice tarifário e o terceiro (que
apresentei no final da 12.ª avaliação da troika, em final de abril) muito orientado para as questões sociais e
para a competitividade das empresas. No total estamos a falar de cortes no setor energético de 4,4 mil milhões
de euros, até 2020».
Nesta comissão foram vários os números dados para o impacto destes pacotes pelos seus principais
responsáveis: 2100M€ do primeiro pacote, 1500 M€ do segundo pacote, 300M€ do terceiro pacote. No total,
cerca de 3000-3400M€ no setor elétrico e a 4000-4400M€ no total do setor da energia.
O Ministro Jorge Moreira da Silva concluiu na sua audição que só com os dois primeiros pacotes as
poupanças no setor da eletricidade atingiriam 3200 M€.
Em resposta à CPIPREPE, a ERSE atualizou o somatório dos impactos efetivamente verificados no SEN a
partir das medidas do governo PSD/CDS. Esses impactos são de dois tipos:
● Cortes de custos (garantia de potência, remuneração dos terrenos do domínio público hídrico, redução
da taxa dos CMEC, tarifa social e cogeração)
● Contribuições para o SEN (receitas das licenças de CO2, CESE e utilização do DPH, contribuição dos
produtores eólicos e «clawback»).
O documento distingue ainda entre valores previsionais (estimativas de receita a incluir na tarifa) e valores
reais (valores de pagamentos já efetivados, aos quais se reporta o seguinte gráfico.
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Evolução da contribuição para o sistema tarifário das medidas de sustentabilidade do SEN, com
valores reais de 2013 a 2017 (Dados ERSE) e projeção para 2020.
Soma-se entre 2013 e 2017 um impacto positivo total de 1076M€ como efeito das medidas de
sustentabilidade do SEN.
Uma projeção para os anos de 2018, 2019 e 2020 segundo a tendência verificada de efetivação dos cortes,
no período 2013-2020 seriam atingidos 2043M€, incluindo medidas que não constavam nos pacotes, como é a
relativa às receitas do CO2.
Impacto total dos três pacotes de medidas sobre a EDP
Segundo Artur Trindade e Jorge Moreira da Silva, os pacotes de medidas teriam um impacto de cerca de
1800 M€ negativos para a EDP.
O impacto do conjunto das medidas sobre a EDP foi atualizado pela ERSE: entre 2013 e 2017 a EDP
contribuiu, entre redução de custos e pagamentos, com 414 M€ positivos para o SEN, valor que, projetado
para o horizonte 2013-2020, atinge os 718 M€, ou seja 40% dos enunciados 1800 M€.
EDP: impacto das medidas de sustentabilidade do SEN vs lucros anuais
(Fonte: ERSE e EDP)
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De ressalvar, porém, que na análise aqui citada, a ERSE indica que algumas das medidas que afetam a
EDP não foram contabilizadas, uma vez que a ERSE não dispõe de informação de como “repartir” esse efeito.
Como tal, as estimativas são um minorante, pois há cortes em relação aos quais a falta de informação precisa
determina a sua consideração como zero. Por exemplo, no que respeita à cogeração, a EDP também é
afetada, não se sabe se 2% ou se 8%, mas a falta de informação determina a consideração de 0% deste corte.
Assim, o impacto de conjunto destas medidas – pelo menos 414M€ negativos no período 2013-2017 –
compara com lucros de 5552 M€, representando 7% dos seus resultados.
Conclusões
1. No contexto da aplicação do Memorando de Entendimento com a troika teve lugar um comprovado
esforço do governo então em funções para identificação e quantificação de rendas excessivas pagas aos
produtores de eletricidade em Portugal.
2. No entanto, a prioridade dada pelo governo à medida do Memorando que previa a privatização da EDP
inibiu a aplicação do modelo de equilíbrio do SEN que o governo produziu no início do seu mandato.
3. As medidas corretivas tomadas após a privatização, entre 2012 e 2014, sendo significativas, não
corresponderam integralmente ao previsto no Memorando. Na CPIPREPE foi reconhecido pelos membros do
governo de então que a concretização da privatização condicionou o perfil das medidas adotadas.
4. O impacto das medidas adotadas verificado pela ERSE (e projetado até 2020) está aquém do objetivo
dos seus autores, anunciado no momento das suas decisões. Quanto ao efeito no conjunto do setor elétrico,
os 2048M€ positivos para o SEN, já considerados até 2020 correspondem a 60 a 68% do previsto pelo
governo de então; quanto ao impacto das medidas sobre a EDP, os 718 milhões de euros negativos para a
EDP (mínimo verificado + projetado até 2020) perfazem, em termos projetados a 2020, 40% da previsão do
governo.
5. A medida do clawback tem como objetivo promover o equilíbrio concorrencial no mercado grossista de
eletricidade. O seu funcionamento não deve perverter princípios expressos da lei portuguesa.
Recomendação
Deve ser respeitada a não elegibilidade dos custos com a tarifa social e com a CESE para efeitos da
aplicação do mecanismo de clawback.
Capítulo 9
Serviços de Sistema
Os serviços de sistema referem-se a um conjunto de mecanismos dedicados a manter e assegurar o
equilíbrio instantâneo entre a procura e a oferta de eletricidade, garantindo a segurança e fiabilidade da
operação do sistema elétrico nacional.
Os serviços de sistema incluem:
● banda de regulação secundária: consiste no estabelecimento de um intervalo de variação da potência
do grupo gerador em torno do ponto de funcionamento em que se encontra em cada instante e no acréscimo
ou decréscimo do fornecimento de energia, conforme solicitado pelo gestor do sistema; constitui um custo fixo
de operação do sistema, pelo que é paga por todo o consumo;
● energia de reserva de regulação: visa a restituição da regulação secundária utilizada, a resposta a
uma perda máxima de produção pré-definida e a cobertura do consumo sempre que existam diferenças
significativas entre os valores previstos e os resultantes dos mercados de produção; é paga pelos agentes de
mercado que incorrerem em desvios nessa hora;
● energia de resolução de restrições técnicas: define-se por qualquer circunstância ou incidência
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derivada das atividades de produção, transporte ou distribuição que, por afetar as condições de segurança,
qualidade e fiabilidade do abastecimento, requer a modificação dos programas de energia elétrica; é um custo
suportado por todo o consumo.
Os custos deste mecanismo são repercutidos diretamente na formação do preço final da energia, refletindo
esta componente uma oferta de âmbito nacional estruturalmente concentrada no grupo EDP.
Componentes da formação de preço final grossista (Fonte: ERSE)
A potência habilitada a integrar o mercado de serviços de sistema provém na sua maior parte (60%) de
centrais com CMEC ou CAE, sendo a restante proveniente de centrais em mercado.
Em 2012, a EDP detinha 74% da potência possível de tele-regular (correspondente ao serviço de sistema
de banda de regulação secundária), essencialmente com centrais hídricas e de ciclo combinado (gás),
correspondendo a 78% da disponibilidade total de centrais com CMEC, e 69% de centrais em mercado, o que
segundo Artur Trindade quando ouvido na CPIPREPE, corresponde a ⅔ dos custos do mercado de serviços
de sistema.
1. Primeiros indícios de falha no mercado de serviços de sistema
Em 2010-2011, a ERSE identifica baixos níveis de prestação do serviço de tele-regulação pelos centros
eletroprodutores ao abrigo dos CMEC, nomeadamente nas centrais hídricas de Bemposta e Picote, que detêm
também grupos geradores em mercado (sem CMEC).
«21. (…) foram detetados, tanto pela ERSE como pela AdC, indícios de baixos níveis de utilização das
centrais CMEC na prestação de serviço de tele-regulação, em comparação com centrais hidroelétricas em
regime de mercado. Indícios que remontam, pelo menos, a 2010 e se estendem, como se verá infra, até
2013/2014. (…)
23. Essas diferenças de utilização são especialmente evidentes, por exemplo, no caso da barragem de
Picote, caso particular em que uma mesma barragem dispõe, simultaneamente, de grupos geradores em
regime CMEC e grupos geradores em regime de mercado, ambos aptos para prestar este tipo de serviço.
24. Tais indícios de subutilização ocorrem num contexto no qual se demonstrou a existência de capacidade
dessas centrais, economicamente e fisicamente disponível, que, ainda assim, não foi oferecida em mercado
por razões externas à própria operação desses equipamentos produtivos.
Abertura de Inquérito de contraordenação, AdC, 2016
Em 2012, face ao aumento registado dos preços no mercado de serviços de sistema, nomeadamente no
mercado de banda de regulação secundária, com um aumento de custo a suportar de 45 M€, a ERSE elabora
uma análise dos custos de mercado de serviços de sistema na sequência do qual solicita à Autoridade da
Concorrência (AdC) um relatório sobre eventual abuso de mercado por parte da EDP, que poderia explicar a
subida dos preços no mercado de serviços de sistema na ausência de eventos extraordinários que o
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justificassem. A AdC confirma então uma falha no mecanismo de revisibilidade dos CMEC – que ignora a
participação ou ausência das centrais CMEC neste mercado e, em 2013, recomenda ao Governo a realização
de uma auditoria. Perante esta falha, a EDP terá adotado estratégias de oferta que maximizaram a
componente CMEC da remuneração das centrais sob esse regime, concentrando nas centrais em mercado as
ofertas que realizava.
No gráfico seguinte é possível observar como as receitas dos serviços de sistema em Centrais CMEC
(Azul) começaram a descer em 2010 até 2013, até que voltam a subir com a publicação do despacho
4694/2014, altura em que face ao processo em curso, a EDP voltou a regularizar a oferta no mercado dos
serviços de sistema com as centrais com CMEC.
(Dados retirados dos relatórios anuais de proveitos permitidos e ajustamentos, ERSE)
2. Intervenção de governo e estudo da Brattle Group
Em 2014 é emitido o Despacho n.º 4694/2014, que decide a auditoria da REN e institui a respetiva
comissão de acompanhamento, a qual encomenda um estudo à consultora Brattle Group, com o objetivo de
quantificar as sobrecompensações ocorridas entre 2010 e 2014 no mercado dos serviços de sistema.
Nesse despacho, Artur Trindade define que:
«Caso a auditoria (…) conclua que se verificou uma sobrecompensação no modo de cálculo da
revisibilidade CMEC, os respetivos montantes, determinados no âmbito da auditoria, devem ser refletidos no
mecanismo de revisibilidade».
Em paralelo, o governo procura estancar as falhas no mercado de serviços de sistema, definindo como
preço de referência o do mercado de serviço de sistema espanhol e incluindo os custos da tele-regulação na
revisibilidade dos CMEC. Desta forma, o governo procurou prevenir que a EDP, preterindo as centrais CMEC,
limitasse a sua oferta de serviços de sistema às centrais em mercado. Segundo declarações do secretário de
Estado Artur Trindade, em 2013, ao Diário Económico, estariam aqui 70% das poupanças anunciadas com a
medida dos serviços de sistema que constava no segundo pacote de medidas de redução de custos (300M€ a
400M€). Os outros 30% estariam ligados à falha de contabilizar o mercado dos serviços de sistema na
revisibilidade dos CMEC.
2.1. Sobrecusto identificado pelo relatório Brattle
Os resultados do estudo da Brattle Group só foram conhecidos em 2016, já durante o mandato do
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secretário de Estado Jorge Seguro Sanches. Nesse estudo, consoante os cenários e pressupostos
considerados, foram identificados os seguintes sobrecustos:
● Num cenário de quantidade e para o mercado de banda regulação secundária, conclui-se que as
centrais com CMEC, adotando um comportamento ineficiente, auferiram menos 46,6M€ a 72,9M€
(consoante se considere um prémio de risco 10€/MWh ou nulo);
● Num cenário de efeito total, constataram-se lucros adicionais das centrais em mercado (sem CMEC) da
EDP, entre 59,6M€ e 143.2M€ (com ou sem aquele prémio de risco).
Face a estes resultados da auditoria e ao parecer da comissão de acompanhamento, Jorge Seguro
Sanches emite o despacho 10840/2016, onde pede a diferentes instituições com responsabilidades no setor
energético (DGEG, ERSE, AdC) para que, face aos resultados do relatório, tomem as diligências necessárias.
Para além disso, pede também que os resultados da auditoria sejam enviados à Direção Geral da
Concorrência da Comissão Europeia a fim de averiguar se esta sobrecompensação no mercado dos serviços
de sistema é enquadrável na autorização do auxílio estatal CMEC – Decisão n.º 161/2004. A DGEG e ERSE,
face a este pedido, sugerem a inclusão na projeção das tarifas de 2018 o abatimento dos custos de
sobrecompensação apurados pelo relatório da Brattle Group, na quantia de 72,9 M€.
A EDP contestou a cobrança deste valor, acusando «erros grosseiros» nos relatórios da Brattle Group e da
comissão de acompanhamento da auditoria. Pelo seu lado, apresentou um relatório da consultora FTI
Compass-Lexecon que indica não existir qualquer sobrecompensação.
«Olhando para o relatório da Brattle sobre a sobrecompensação dos CMEC, por causa da participação no
mercado de banda secundária, entendemos que a melhor maneira de resolver essa posição dominante da
EDP era, obviamente, sancionar a EDP quando se justifique — e a Autoridade da Concorrência está nesse
processo —, mas era, sobretudo, criar concorrência onde ela hoje não existe, portanto, permitir que outros
possam participar no mercado de serviços de sistema».
(João Galamba)
Segundo Galamba, o problema nos serviços de sistema é a existência de um quase monopólio, que leva a
situações de falha de mercado e sobrecusto:
«Hoje, nos serviços de sistema, é a EDP que tem praticamente o monopólio da prestação destes serviços.
Como é que se cria mais concorrência?! Abrindo esse mercado a outros participantes. (…) Ou seja, quanto
mais produção descentralizada, agregadores, redes inteligentes, com o lançamento de tudo isso, podemos
rever todos os serviços de sistema, nomeadamente criando concorrência onde ela hoje não existe.(…) Estas
mudanças e a questão dos agregadores que referi são instrumentos fundamentais para criar concorrência
nesse mercado e para reduzir algumas rendas que hoje existem, não por vício contratual, mas pelo simples
facto de que quem presta aquele serviço é uma só empresa, ou são poucas empresas, por isso, essa empresa
tem facilidade em apropriar-se de ganhos, com prejuízo para os consumidores».
2.2. Atuação da Autoridade da Concorrência
Após o relatório da ERSE em 2012, foi requerido à AdC um relatório sobre eventuais práticas de abuso no
mercado de serviços de sistema. Nesse sentido, é detetada a falha no mecanismo de revisibilidade dos
CMEC, e em 2013 recomenda ao governo que seja feita uma auditoria. No entanto, apenas em 2016, já com
os resultados da auditoria dados a conhecer com o Despacho n.º 10840/2016, a AdC abre um processo de
contraordenação à EDP no âmbito das práticas abusivas no mercado dos serviços de sistema, embora a sua
recomendação ao governo, sobre os indícios das alegadas práticas abusivas, remonte a 2013. Nesse
documento é identificado:
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«25. Este tipo de gestão da oferta no mercado de banda de regulação secundária — na conjuntura em que
é adotado, oportunamente descrita no Estudo desenvolvido pela ERSE e, posteriormente, nos relatórios de
auditoria — aparenta estar na origem da subida dos preços no mercado no período em causa. (…)
27. De facto, no quadro do regime CMEC — em que a empresa é compensada até ao limite dos benefícios
económicos equivalentes aos proporcionados pelos (terminados) CAE, no caso de tais benefícios não serem
assegurados através das receitas obtidas pelas centrais em regime de mercado — existe um incentivo
estratégico de aumento de lucros, concretizável através de uma prática de redução da atividade das centrais
em regime CMEC em contrapartida de um aumento da atividade das centrais não abrangidas por
compensações CMEC. (…)
29. Assim, em resultado dos baixos níveis de utilização das centrais CMEC na prestação de serviço de
teleregulação em comparação com centrais hidroelétricas em regime de mercado, e para além da eventual
sobrecompensação do Auxílio de Estado atribuído à EDP produção, foi potenciada a prática de preços mais
altos no mercado de banda secundária.»
Abertura de Inquérito de contraordenação, AdC, 2016
Segundo Margarida Matos Rosa, na sua apresentação na CPIPREPE, esta prática onerou os
consumidores duplamente, por via do aumento do valor das compensações pagas à EDP Produção a título de
CMEC e por via do aumento dos preços da banda de regulação secundária, permitindo à EDP Produção
beneficiar de receitas mais elevadas através das centrais não-CMEC.
A AdC estima que esta dupla compensação obtida pela EDP Produção tenha gerado um sobrecusto de
cerca de 140 milhões de euros para o SEN e para os consumidores.
Sobre o processo de contraordenação em curso, em setembro de 2018 foi adotada uma Nota de Ilicitude
contra a EDP Produção, sobre a qual esta se pronunciou em novembro seguinte.
Em 2019, o atual secretário de Estado João Galamba, ouvido na comissão, afirmou que «em princípio, o
processo deverá avançar para uma multa por parte da Autoridade da Concorrência [à EDP]», não tendo no
entanto referido nenhum valor.
Face à dúvida levantada pela comissão de acompanhamento da auditoria, sobre se o valor do sobrecusto
identificado no relatório deveria ser abatido à tarifa (e por isso considerado um aspeto inovatório), João
Galamba considera que a sobrecompensação ocorrida no mercado de serviços de sistema não é um aspeto
inovatório da natureza dos que a ERSE identificou quanto aos CMEC (isto é: vantagens adicionadas por atos
administrativos posteriores ao Decreto-Lei n.º 240/2004), mas sim um abuso de posição dominante a penalizar
em sede própria, alheio à revisibilidade dos CMEC:
«A DGEG envia-me o processo e eu irei perguntar à DGEG e à ERSE os fundamentos para considerar a
sobrecompensação dos CMEC um aspeto inovatório porque me parece que neste caso não estamos perante
um aspeto inovatório, estamos, sim, perante um abuso de posição dominante, que deve ser sancionado e está
a ser sancionado pela Autoridade da Concorrência em sede própria. (…) A sanção, a existir, virá da
Autoridade da Concorrência e não de uma penalização via tarifa, e porque me parece, também, que não se
pode sancionar uma empresa duas vezes.»
(João Galamba)
Conclusões
1. A existência de sobrecompensações pagas à EDP no âmbito do mercado de serviços de sistema é
matéria de grande complexidade técnica que tem sido estudada ao longo dos últimos seis anos em diversas
instâncias. O SEN foi prejudicado pela EDP em valores que são avaliados de 72,9 M€ (ERSE/DGEG) a 140
M€ (AdC).
2. A correção da legislação introduzida em 2014 terá impedido eventuais estratégias de abuso de posição
dominante por parte da EDP.
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Recomendação
A integração dos serviços de sistema, em termos de política energética e planeamento estratégico do SEN,
tal como de outros instrumentos de gestão de oferta e procura em modelos concorrenciais que propiciem a
redução de custos para os consumidores e a maximização da integração da produção de fonte renovável.
Capítulo 10
O novo regime remuneratório da produção eólica aprovado em 2013
O Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro, foi aprovado em Conselho de Ministros em dezembro de
2012. Para o apresentar, recorremos ao próprio preâmbulo do diploma:
«Na linha dos compromissos assumidos no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de
Política Económica, celebrado em maio de 2011, entre o Estado Português, o Banco Central Europeu e a
Comissão Europeia, foram encetadas conversações com a APREN – Associação Portuguesa de Energias
Renováveis (APREN), que representa os interesses dos titulares de centros eletroprodutores a partir de fontes
renováveis, com vista à densificação do enquadramento remuneratório aplicável às instalações eólicas
existentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 33-A/2005, de 16 de fevereiro, após o decurso dos
respetivos períodos de remuneração garantida, em termos passíveis de conjugar a resposta às referidas
questões de segurança jurídica [alegadas atrás quanto ao “regime remuneratório ou à forma da sua
remuneração”] com o imperativo de promoção da sustentabilidade económica e social do SEN.
No seguimento dessas conversações, e em conformidade com o acordo de princípio aí alcançado, o
presente decreto-lei prevê a possibilidade de adesão por parte das referidas instalações a um de entre quatro
regimes remuneratórios alternativos, destinados a vigorar por um período determinado, para além dos
períodos de remuneração garantida. A adesão aos mencionados regimes remuneratórios, selecionados pelos
titulares de cada instalação em função das suas particularidades, implica o pagamento de uma compensação
anual destinada a contribuir para a sustentabilidade do SEN, permitindo, assim, preservar a estabilidade
remuneratória dos centros eletroprodutores eólicos, ao mesmo tempo que assegura a mitigação do impacto na
fatura energética dos sobrecustos anuais resultantes do apoio à produção de eletricidade a partir de fontes
eólicas».
1. O contexto em que surge a medida
1.1 O Memorando de Entendimento com a troika e a limitação dos sobrecustos associados à
Produção em Regime Especial (PRE)
Um dos afirmados objetivos do Memorando de Entendimento assinado em maio de 2011 entre o governo
José Sócrates e a troika era «assegurar que a redução da dependência energética e a promoção das energias
renováveis seja feita de modo a limitar os sobrecustos associados à produção de electricidade nos regimes
ordinário e especial (cogeração e renováveis)».
Na sua medida 5.9, o Memorando encarregava as autoridades portuguesas de, «em relação aos actuais
contratos em renováveis, avaliar, num relatório, a possibilidade de acordar uma renegociação dos contratos,
com vista a uma tarifa bonificada de venda mais baixa», sendo o prazo de concretização desta medida o
quarto trimestre de 2011.
1.2 A proposta da EDP e a resposta do Governo
No final de julho de 2011, Henrique Gomes, secretário de Estado da Energia do recém-empossado
Governo PSD/CDS, convoca a EDP a uma reunião para a discussão dos pontos do Memorando. Nessa
reunião, a 2 de agosto, a EDP apresenta uma proposta global, assente essencialmente em diferimentos de
custos e no corte de remunerações na cogeração (analisada noutro capítulo deste relatório) e que inclui,
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quanto à restante Produção em Regime Especial, a «criação de um mecanismo de adesão voluntária
previamente formalizada para compra pelos produtores da extensão do período de tarifa garantida».
A ideia não é bem acolhida pelo Secretário de Estado da Energia, mas a EDP insiste em outubro de 2011,
incluindo-a novamente na proposta de entendimento sobre «medidas para a revisão dos custos do sector
eléctrico» que remete ao governo. A proposta é agora mais detalhada:
«Reformulação do prazo de tarifa bonificada garantida aplicável à produção de electricidade com tecnologia
eólica (parques existentes cuja capacidade não foi objecto de procedimento concursal).
(…) a única forma equilibrada de se agir sobre este universo é através da proposta de um negócio,
totalmente separado do existente, mas que poderá ser benéfico para o sistema eléctrico e para o Estado,
mantendo o equilíbrio contratual dos promotores.
A medida proposta consiste em colocar à disposição dos promotores um prolongamento do período pelo
qual recebem a tarifa bonificada, tendo como contrapartida um pagamento a suportar pelos produtores a favor
da tarifa, durante os próximos 2 a 3 anos, em montante a definir.
Esta medida permite ultrapassar os constrangimentos dos parques em project finance por não afectar os
cash-flows do projecto, garante um encaixe financeiro para o sistema eléctrico já no curto prazo e confere uma
maior estabilidade temporal aos promotores».
O Secretário de Estado Henrique Gomes remete então ao ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira,
uma nota interna sobre a proposta de acordo da EDP de 4 de outubro. Nessa nota, sobre as negociações,
explicita que:
«A reformulação do prazo da tarifa bonificada garantida à produção eólica consiste em prolongar no tempo
o direito à remuneração garantida (3 a 5 anos, de acordo com a proposta efectuada por um conjunto de
produtores que representam cerca de 80% da potência instalada relevante) em troca de um pagamento a favor
do sistema tarifário a efectuar pelos produtores (15 000€/MW instalado por cada ano de extensão, de acordo
com a referida proposta).
Conclusão: Esta medida insere-se na lógica de “empurrar” para o futuro os custos dos compromissos
assumidos no passado, não contribuindo para resolver os problemas estruturais e aumentando os riscos do
SEN. Isenta os produtores eólicos de empreenderem qualquer esforço de redução de custos do sistema
eléctrico».
1.3. A queda da contribuição especial e a insistência da troika sobre redução de custos com a PRE
No início de dezembro, na sequência do abandono pelo governo do projeto de contribuição especial do
setor elétrico preparada no ministério da Economia (ver capítulo anterior), a segunda revisão do Memorando
adita a medida 5.15:
«Serão tomadas medidas para colocar o SEN numa trajetória sustentável, para eliminar o défice tarifário
em 2020 e assegurar a sua estabilização em 2013. Este prazo é sujeito a uma revisão baseada num relatório
a propor pelo governo que especificará também como serão corrigidas as rendas excessivas na produção nos
regimes ordinário (CMEC, CAE, garantia de potência) e especial (cogeração e renováveis). Esta proposta
considerará os méritos de um largo espectro de medidas que cobrirão todas as fontes de rendas».
A CPIPREPE apurou que este relatório sobre rendas excessivas no setor elétrico (que anexou o estudo da
CEPA – Cambridge Economic Policy Associates) teve duas versões.
A primeira versão, com data de 31 de janeiro de 2011, foi encontrada no arquivo do Ministério da
Economia. É a versão que Henrique Gomes entregou ao ministro e que este encaminhou a Carlos Moedas, o
membro do governo responsável pela Estrutura de Acompanhamento do Memorando (ESAME).
De acordo com Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes (e também do seu
sucessor, Artur Trindade), o secretário de Estado considerou não ter condições para intervir sobre as
remunerações dos CMEC e da PRE eólica, não incluindo esses temas na sua proposta.
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«O engenheiro Henrique Gomes entendeu, face ao abandono do tema da contribuição, que não existiria, à
data, uma terapêutica no tocava aos CMEC e à PRE, e, neste caso, estamos basicamente a falar na eólica
(…) Este documento foi objeto de alguma discussão entre o Ministério da Economia e a ESAME e houve uma
série de reuniões posteriores — estamos a falar de dezembro, início de janeiro — no sentido de o consolidar.
Creio que o que estava a passar-se tratava-se, acima de tudo, de mensagens políticas».
(Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes, 2011-2012)
O membro do governo que liderava a ESAME era Carlos Moedas, que no seu testemunho afirmou:
Não sou especialista nem me lembro exatamente desse decreto-lei [35/2013] em particular. (…) Recordo-
me da negociação no seu conjunto. (…) Tínhamos de chegar a 2,1 mil milhões de cortes. Na verdade, eu tinha
de ter um papel pragmático, que era pedir ao ministro da Economia que me enviasse como é que chegava a
esse valor. E assim foi. Esse valor era atingido por várias negociações, fosse nos CMEC, na garantia de
potência, na cogeração, isso para mim não era o meu dia a dia. Portanto, para lhe responder com toda a
franqueza, não me lembro exatamente desse ponto porque não era parte do meu trabalho; o meu trabalho era
receber o que estava a ser feito, as soluções, e ir para a frente. Era essa a minha função”.
(Carlos Moedas, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro, 2011-2014)
Deste trabalho conjunto entre as equipas do Ministério da Economia e da ESAME, resulta, a 9 de fevereiro,
a segunda versão do referido relatório, a única efetivamente entregue à troika. Este segundo documento
nunca foi encontrado nos arquivos do governo no seguimento dos pedidos da CPIPREPE, tendo sido obtido
por esta junto da OCDE (que o cita num estudo sobre a economia portuguesa). Nesse documento é
introduzida, em termos em tudo semelhantes aos da proposta adiantada três meses antes pela EDP, a medida
de extensão da tarifa garantida das centrais eólicas:
«Dado que a maioria dos investimentos [em centrais eólicas] envolvemproject-finance ou estruturas
complexas de financiamento e de capital, desenhadas em articulação com os contratos de FIT [feed-in tariff]
atualmente existentes,foi discutido um esquema alternativo, financeiramente equivalente a uma redução das
FIT, em troca de uma extensão do período garantido: em vez de reduzir desde já as FIT (que desencadearia
eventos de crédito nos project-financesubjacentes e conduziria estes produtores a uma situação de falência),
a maioria dos produtores (cerca de 65% concordaram em adiantar uma determinada quantia em troca de
comprarem a extensão desta tarifa garantida).
Esta operação implicaria o pagamento de 50M€/ano por cada ano adicional de extensão da FIT garantida
(a proposta foi uma extensão de três anos, num total de 150M€ ao fim de três anos). O lado negativo desta
medida seria a extensão por mais três da atual estrutura de FIT para estes operadores, atrasando a venda de
eletricidade gerada em centrais eólicas a preços de mercado. Em todo o caso, a medida precisa de ser
aprofundada para assegurar a sua neutralidade financeira no défice tarifário».
A existência de acordo, em janeiro de 2011, por parte de 65% dos produtores para adesão à medida foi
contestada na CPIPREPE pelo presidente da Associação dos Produtores de Energias Renováveis (APREN),
António Sá da Costa:
«Também fui confrontado com esta história dos 65% e não faço ideia de onde foram inventar os 65%! Nem
quem foi, nem de onde veio esse valor! Porque para arranjar 65%… Fui fazer umas contas e, para ter 65% da
potência da altura, tinha de falar com oito ou nove dos maiores promotores. E, depois, se tirássemos o maior e
começássemos a descer, então o número começava a crescer. Eu dei-me ao trabalho, antes de responder à
vossa questão, de falar não com os oito, mas com os sete — deixei a EDP de fora, que não sabia o que se
tinha passado — e fui falar com os CEO [chief executive officers] de todos os sete da altura e todos me
disseram que nunca souberam do assunto. (…) A primeira vez que fui chamado a falar deste assunto, não sei
se foi em maio ou junho de 2012, já era o Dr. Artur Trindade. O trabalho que fizemos desenvolveu-se
fundamentalmente em julho e agosto. A proposta que ele nos pôs em cima da mesa foi no final de agosto de
2012».
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(Sá da Costa, presidente da APREN)
A proposta do governo aos produtores eólicos veio a dar origem ao Decreto-Lei n.º 35/2013, que prevê,
terminados os 15 anos da tarifa garantida estabelecida no Decreto-Lei n.º 33-A/2005, a extensão da garantia
de escoamento de toda a produção eólica e o pagamento dessa eletricidade ao preço do mercado a preço
mínimo (floor) em duas modalidades:
1) a primeira assegura a remuneração numa banda que pode variar entre um chão (floor) –
aproximadamente 69€/MWh em 2020 – e, se o preço do mercado estiver acima desse valor, um teto (cap) de
90€/MWh, valor em 2020;
2) a segunda modalidade garante aos produtores, em 2021, um floor mais baixo, de 55€/MWh; mas, se o
mercado estiver acima desse valor, é esse o preço pago ao produtor, sem qualquer teto.
Ambas as modalidades podem ser praticadas por períodos de 5 ou de 7 anos, à discrição do produtor. Os
números da distribuição da potência pelas diferentes modalidades são disponibilizados pela ERSE.
A compra da extensão do período de tarifa garantida tem sido concretizada mediante uma “contribuição
voluntária” anual, paga ao SEN pelos produtores ao longo de oito anos (2013-2020) de acordo com a potência
inscrita, da modalidade escolhida e do período de extensão. A receita anual do SEN é de 27,7M€ anuais, ou
222M€ no total (valor sem inflação).
Adicionalmente, o governo assegurou nesse acordo com a APREN a criação de um regime de escoamento
garantido da eletricidade produzida por potência instalada em sobreequipamento (capacidade adicional em
centrais já existentes) com regime FIT específico para essa potência. O novo regime, estabelecido no Decreto-
Lei n.º 94/2014, fixou uma FIT de 60€/MWh mas permitiu que, mediante pagamento dos oito anos de
«contribuição voluntária» ao SEN, essa potência transite para o regime do Decreto-Lei n.º 35/2013.
Praticamente toda a produção eólica existente no país em 2013 aderiu ao regime do Decreto-Lei n.º
35/2013, repartindo-se pelas suas modalidade da seguinte forma (fonte: ERSE):
Regime Duração Potência
floor 69 + cap 90 5 anos 273,9 MW
floor 69 + cap 90 7 anos 4045,5 MW
floor 55 5 anos 33,8 MW
floor 55 7 anos 478 MW
Fonte: SEE, resposta a requerimento do Bloco de Esquerda, janeiro 2018
1.4 O impacto incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013
Desde o início dos trabalhos da CPIPREPE, o impacto tarifário desta extensão de garantias pelo Decreto-
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Lei n.º 35/2013 foi objeto de acesa controvérsia. Para a encerrar, este relatório adota a metodologia de
avaliação defendida pelo ex-secretário de Estado Artur Trindade para esta medida política que ele próprio
tomou:
«Quando se analisa uma medida, é importante ver, nessa legislação, nesta medida, o que é que existia se
a medida não fosse tomada e o que é que existe se a medida for tomada. (…) Uma coisa é criticar o regime
dos produtores eólicos, outra coisa é analisar o impacto, se quiserem, incremental que este decreto-lei teve
nesses mesmos produtores».
1.4.1 O que existiria se o Decreto-Lei n.º 35/2013 não tivesse sido aprovado pelo governo?
Sem o Decreto-Lei n.º 35/2013, estaria em plena aplicação o Decreto-Lei n.º 33-A/2005, que no seu artigo
4.º define o regime para a remuneração da produção eólica após os 15 anos de FIT definidos em 2005:
«Artigo 4.º
Âmbito de aplicação
1 – À electricidade produzida em instalações que já tenham obtido licença de estabelecimento à data da
entrada em vigor do presente diploma e à electricidade produzida em instalações cujo pedido de informação
prévia tenha sido respondido favoravelmente pela DGGE até à data de entrada em vigor do presente diploma
e venham a obter a respectiva licença de estabelecimento no prazo de um ano. (…)
3 – Para as instalações previstas no n.º 1, o regime de remuneração em vigor até à data de entrada em
vigor do presente diploma mantém-se (…) b) por um prazo de 15 anos a contar da data de entrada em vigor
do presente diploma, para as instalações não hídricas já em exploração;
4 – No final do período de 15 anos referido no número anterior, excepto no caso das PCH [pequenas
centrais hídricas], as instalações são remuneradas pelo fornecimento da electricidade entregue à rede a
preços de mercado e pelas receitas obtidas pela venda de certificados verdes mencionados no preâmbulo da
Directiva 2001/77/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Setembro;
5 – Se no final do período referido nas alíneas b) e c) do n.º 3 não existirem certificados verdes
transaccionáveis, aplica-se, durante um período adicional de cinco anos, a tarifa referente às centrais
renováveis com início de exploração nessa data».
(Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 33-A/2005)
No início das negociações com a APREN para a venda aos produtores eólicos de uma extensão de preço
garantido, ficou claro um primeiro ponto: o governo excluía totalmente do cenário pós-2020 a venda em
mercado adicionada das receitas de certificados verdes prevista no ponto 4 do artigo 4.º da Lei n.º 33-A/2005:
«Foi-nos transmitido pelo Secretário de Estado Artur Trindade que não era intenção… É que já se tinha
provado que os certificados verdes não funcionam na Europa, não funcionaram, nunca. (…) Portanto, era
muito complexo e diz-se: ‘nós não vamos ter’».
(Sá da Costa, presidente da APREN)
«O que temos por detrás desta análise são os direitos que eles já tinham, os direitos adquiridos. Poderão
ser esses cinco anos de tarifas ou o regime de certificados verdes, em relação aos quais eu disse «só por
cima do meu cadáver». Os certificados verdes são a coisa pior em termos de promoção, não de garantias de
origem. De todo o histórico, por todo o planeta, o pior que existe em termos de custos são os certificados
verdes. Há vários exemplos aí documentados disso. Eles geram subsídios mais altos. E, portanto, nunca lhes
ia dar».
(Artur Trindade, secretário de Estado da Energia, 2012-2015)
Assim, o direito constituído pelo Decreto-Lei n.º 33-A/2005 está claro e corresponde ao regime definido no
ponto 5 do artigo 4.º aplicado ao universo de produtores definido no ponto 1 do mesmo artigo: no final de
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2020, as centrais eólicas licenciadas até final de 2006 – e só essas – receberiam, por cinco anos adicionais
(até 2025), a tarifa fixa que tivesse sido atribuída às centrais com início de exploração em 2021.
Por força da lei, as centrais com início de exploração em 2021 seriam atribuídas por mecanismo
concorrencial. A tarifa assim determinada refletiria necessariamente o embaratecimento das tecnologias, como
efetivamente se tem verificado de forma acelerada.
Assim, das centrais hoje em funcionamento, estariam excluídas desta extensão todas as que foram
atribuídas pelos concursos de 2005-2007. A realização de um único concurso antes de 2020 e o licenciamento
da respetiva produção bastariam para fixar a nova tarifa a pagar à potência abrangida pelo Decreto-Lei n.º 33-
A/2005 (4379 MW).
1.4.2 Os pressupostos do acordo entre o Governo e a APREN
A negociação entre governo e APREN assentou num pressuposto arbitrário e não explicado, o de que,
entre 2012 e 2020, não se realizaria qualquer novo concurso.
«O que se disse foi que a tarifa de exploração a essa data [2021], era a que estava em vigor na altura
[2012]. Não havia nenhum mecanismo para haver alguma redução».
(Sá da Costa)
«Na altura [das negociações, em 2012], ninguém pensava que uma central eólica iria entrar em
funcionamento nos próximos anos. E olhe que, para entrar em funcionamento em 2018, tinha de começar o
licenciamento em 2015 ou 2016».
(Artur Trindade)
Ora, como claramente explicou Carlos Pimenta na CPIPREPE, o mecanismo para a redução da FIT estava
disponível – e até era explicitado pelo Decreto-Lei n.º 33-A/2005:
«[Depois de 2006] nunca mais se fizeram concursos. Para capturar isto [a redução dos custos de
investimento em produção eólica], o Sr. Deputado fazia um concurso agora e tinha tarifas 20 euros mais
abaixo do que teve no último concurso».
(Carlos Pimenta, ex-Secretário de Estado do Ambiente, presidente não-executivo do consórcio Novenergia,
e especialista em renováveis)
Ora, o Governo PSD/CDS – o primeiro a quem foi feita a proposta de venda de uma extensão da tarifa –
optou não só por não promover esse concurso, mas também por eliminá-lo como referência da remuneração
futura. O último concurso realizado para centrais eólicas foi vencido em 2007 pelo consórcio Ventinvest, com
uma tarifa de 70€/MWh.
O Secretário de Estado disse-nos: «então vocês têm, pelo menos por 5 anos, a tarifa garantida dos 74 €
[tarifa do concurso Ventinvest atualizada a 2012], crescendo com a inflação», que era o regime que estava.
Isso já nós tínhamos. E ele disse: «Então está bem. Vocês podem receber o valor do mercado com os 74 € de
floor e um cap, um teto, de 98 €».
(Sá da Costa, presidente da APREN)
Assim, se o Decreto-Lei n.º 35/2013 não existisse, toda a potência eólica licenciada antes dos concursos de
2005-2007 beneficiaria por cinco anos adicionais de uma tarifa fixa (correspondente ao valor da tarifa atribuída
à última central licenciada até àquela data). O valor dessa tarifa é desconhecido porque não se realizou em
Portugal qualquer concurso desde 2007. Mais adiante, tomaremos como referência de cálculos o valor
indicado por Carlos Pimenta (50€/MWh em 2018) e também outros, superiores e inferiores, verificados em
leilões de potência eólica recentes, realizados noutros países.
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Por fim, sob o Decreto-Lei n.º 33-A/2005, o SEN não encaixaria a «contribuição voluntária» (cerca de 27
M€/ano) paga pelo conjunto dos produtores pela compra da extensão de preços garantidos prevista no
Decreto-Lei n.º 35/2013.
Decreto-Lei n.º 33-A/2005 Decreto-Lei n.º 35/2013
risco
tarifa fixa
última central licenciada antes de 2021
tarifa mercado com ● floor 69/MWh cap 90/MWh ● floor 55€/MWh
dimensão 3386 MW (não inclui concursos pós 2005)
4832 MW (inclui centrais por concurso)
prazo 5 anos 7 anos (4524 MW) 5 anos (307MW)
receita - c. 222 milhões de euros
1.4.3 O que passou a existir com o Decreto-Lei n.º 35/2013?
Sob o Governo PSD/CDS e a tutela do ministro Santos Pereira e do Secretário de Estado Artur Trindade,
foi decidido que:
– a tarifa fixa atribuída por concurso em 2007 (70€/MWh) era projetada como referência do floors a praticar
de 2021 a 2027 (note-se que diversas centrais atribuídas por concurso tardaram vários anos a entrar em
produção, contando a partir daí a FIT original e só depois usufruindo do sistema de floor/cap, que em alguns
casos irá até 2035);
– em vez de uma tarifa fixa, é criado um regime assente num floor que acompanha o preço de mercado e
assim transfere grande parte do risco para o lado dos consumidores;
– em vez de uma garantia por 5 anos, é oferecida uma garantia por 5 ou 7 anos, sendo a segunda a
escolhida por 87,5% da capacidade eólica;
– as centrais atribuídas por concurso após 2005 (excluídas de qualquer benefício sob o Decreto-Lei n.º 33-
A/2005) passaram a estar cobertas por um regime de garantia por 7 anos, o que configura uma radical
mudança das condições definidas no momento dos concursos.
1.4.4. A intervenção da ERSE
1.4.4.1 O parecer prévio da ERSE sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 35/2013
Em outubro de 2012 a ERSE remete ao governo o seu parecer prévio acerca do projeto de Decreto-Lei que
prevê a contribuição dos centros eletroprodutores integrados na PRE para a sustentabilidade do SEN”.
Sucintamente, a ERSE regista que:
«Este mecanismo corresponde a uma transferência intertemporal de custos estando, no entanto, implícito
um risco para o consumidor e o produtor associado à evolução do preço de mercado. (…) O objetivo deste
regime de aliviar a tensão tarifária entre 2013 e 2020, é apreciado pela ERSE. (…)
Considerando que o projeto de decreto-lei analisado se constitui como um instrumento para a
sustentabilidade do SEN, assegurando ao mesmo tempo a consolidação da promoção da produção de energia
elétrica em regime especial (recursos endógenos e renováveis), a ERSE nada tem a opor».
(parecer prévio da ERSE sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 35/2013)
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1.4.4.2 O primeiro estudo da ERSE sobre o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013
Em maio de 2017, a ERSE pronunciou-se sobre o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013 a pedido do
secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, vindo em junho desse ano adicionar novos
elementos.
A ERSE usou cinco cenários de evolução do preço de mercado de eletricidade entre 2017 e 2037: 91
€/MWh (cenário superior para os preços de energia no Relatório de Monitorização e Segurança de
Abastecimento RMSA-2012); 47,6 €/MWh (cenário base de análise de sustentabilidade do SEN 2018-2028,
realizado no âmbito do exercício tarifário para 2017, seguido de evolução à taxa média dessa série); E mais
três cenários até 2037: 40 €/MWh, 50 €/MWh e 60 €/MWh. A taxa de inflação sem habitação no continente,
para a atualização anual dos limiares dos preços, foi de 1,7% (previsão do Banco de Portugal).
Para o cálculo do VAL foram considerados cenários para três taxas de desconto, que pretendem refletir a
perspetiva das empresas reguladas – taxa de 10%, que considera o risco de mercado; taxa de 6,5%, que
reflete o custo de capital de um ativo regulado – e também a perspetiva do SEN, considerando a taxa média
implícita no serviço de dívida tarifária em 2017 (aproximadamente 3,2%).
No que respeita à tarifa de referência para a remuneração dos PRE eólicos prevista em 2005 para o
período adicional de 5 anos foi considerado um valor base de 72 €/MWh (média das tarifas dos produtores
eólicos que se ligaram à rede em 2015 e 2016). Segundo a ERSE, “por se tratar de uma variável sensível, cuja
definição não é clara, na análise, para além de se ter pressuposto uma tarifa igual a 72 €/MWh, consideraram-
se duas situações adicionais desta tarifa de referência: (i) o maior valor entre 72 €/MWh e o preço de mercado
e (ii) um valor igual a 85 €/MWh”.
Assim, nesta primeira avaliação (feita em maio de 2017, a solicitação do governo), a ERSE faz os seus
cálculos para o cenário de aplicação do Decreto-Lei n.º 33-A/2005 considerando que «a tarifa referente às
centrais renováveis com início de exploração nessa data [2020]» seria 72€/MWh (a tarifa atualizada da última
central licenciada em Portugal, em 2007). Daí conclui que:
«Em todos os cenários de preços de energia elétrica, com exceção dos preços que terão estado na origem
das simulações do RMSA-E 2012, o VAL dos impactos anuais agregados resultantes da aplicação do Decreto-
Lei n.º 35/2013 é negativo, isto é, este diploma gerou um menor custo para o SEN. A exceção, quando se
consideram os preços mais elevados do RMSA-E 2012 [91€/MWh], deve-se ao facto destes preços serem
substancialmente mais altos do que a tarifa de referência considerada na simulação. Registe-se que tanto na
opção com limite a) (74 a 98 €/MWh), como na opção com limite b) (acima de 60 €/MWh), a consideração de
preços de mercado tão elevados como os do RMSA-E 2012 leva a perdas para o sistema».
No entanto, é possível observar no detalhe dos cálculos do mesmo parecer que os impactos anuais deste
Decreto-Lei, no que refere apenas à PRE das eólicas (sem contabilizar o impacto das Pequenas Centrais
Hídricas), são negativos para o SEN, oscilando entre 181,6M€ e 460,6M€ considerando a taxa de de desconto
que reflete a sua perspetiva e consoante a estimativa de preço de mercado utilizada.
1.4.4.3 Secretário de Estado pede parecer mais detalhado
Porém, no momento do Decreto-Lei n.º 35/2013, não podia ser excluída a realização de um leilão que
determinasse uma FIT mais baixa. Esse leilão poderia ocorrer ainda nos anos seguintes, obtendo-se tarifas
que refletiriam a redução dos custos de investimento em eólicas. O congelamento do valor de referência em
2013 é uma inovação do Decreto-Lei n.º 35/2013 e em nada resulta dos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005.
Nesta primeira avaliação, a ERSE assume assim o racional do governo e dos produtores que, em 2013,
concordaram não considerar a tarifa de eventuais novos leilões como referência para a tarifa fixa no período
adicional. Ora, a realização de leilões não só não estava legalmente excluída como, no quadro do Decreto-Lei
n.º 33-A/2005, era a única opção racional numa lógica de proteção do interesse do SEN.
O Secretário de Estado da Energia solicita então à ERSE um aditamento ao estudo, que é realizado. Jorge
Seguro Sanches pede à ERSE que complete o seu estudo considerando um segundo cenário para o preço da
FIT pós-2020, tomando como referência os preços de mercado de então, 45,1€/MWh (preço médio ponderado
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de mercado em Portugal, entre 1 de novembro de 2015 e o último dia disponível, 23 de junho de 2017) e
mantendo todos os restantes parâmetros.
Assim, a ERSE estima o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013 para o SEN, no que refere à PRE eólica, e
com a taxa de desconto que reflete a sua perspetiva, em 1.298 M€ negativos no novo cenário com mercado a
45,1€/MWh e tarifa fixa a 45,1€MWh.).
1.4.5 Cálculos apresentados por Carlos Pimenta na CPIPREPE
Na sequência da sua apresentação à CPIPREPE, Carlos Pimenta fez chegar à comissão uma folha de
cálculo em que é avaliado o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013. Os dados são os do novo regime e os
pressupostos são em tudo semelhantes aos do cálculo da ERSE, com a taxa de desconto adequada na
perspetiva dos produtores, 7,5% (e não do SEN – 3,2% segundo a ERSE). Os seus cálculos não identificam o
impacto da nova legislação face à anterior, antes assumindo um outro cenário contrafactual que não é o do
Decreto-Lei n.º 33-A/2005.
«Como não há certificados verdes, o que está aqui a ser considerado é apenas o CO2. (…) Só estou a
contar com o mesmo fator que estava na fórmula do feed-in tarifa, que é o número de gramas de CO2 que é
utilizado para fazer 1 KWh de gás, ciclo combinado, na central mais eficiente, que são 370 g. (…) Se o preço
de mercado for acima de 57 €/MWh, os consumidores estão a ganhar e os produtores estão a perder. Isto está
mais ou menos de acordo com as previsões que tínhamos em 2012».
(Carlos Pimenta)
O contrafactual adotado por Carlos Pimenta enferma de um erro que é a incorporação no cálculo dos
custos de CO2 evitados. Ora, estes não são evitados por efeito desta extensão, mas sim pela simples
existência destas centrais, que é um facto resultante de anteriores medidas de política energética. A existência
desta capacidade instalada é independente dos méritos do Decreto-Lei n.º 35/2013. Numa análise do impacto
incremental entre este novo regime e o anterior (Decreto-Lei n.º 33-A 2005) a incorporação destes valores leva
a conclusões erradas.
1.4.6 Cálculos apresentados por Artur Trindade na CPIPREPE
O ex-secretário de Estado Artur Trindade, autor do Decreto-Lei n.º 35/2013, apresentou à CPIPREPE uma
folha de cálculo com os seguintes parâmetros:
Taxa Desconto 7,00%
Horas equivalentes 2 450 h/ano
Degradação anual 0,50% %/ano
Potência 1 4 045 MW
Contribuição 1 5 800 €/MW
Potência 2 479 MW
Contribuição 2 5 800 €/MW
Potência 3 274 MW
Contribuição 3 5 000 €/MW
Potência 4 34 MW
Contribuição 4 5 000 €/MW
Potência total 4 832 MW
Floor 2021 - 2 60 €/MWh
Floor 2021 - 1 74 €/MWh
Cap 2021 98 €/MWh
Preço mercado 2021 65 €/MWh
Emissão evitada 370 g/kWh
Custo CO2 25 €/ton
Inflação 2013-2020 - Base 2,00%
Inflação 2018-2020 1,00%
Inflação 2021-2028 2,00%
Valor GO EUR/MWh 3 €/MWh
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Esta metodologia considera como efeito incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013 o não pagamento de
certificados verdes. Os certificados verdes são valorizados, tal como já fizera Carlos Pimenta, tendo em conta
as emissões evitadas por uma central a ciclo combinado a gás natural – a central marginal e a menos poluente
– logo, são um minorante em termos de quantidade. Em termos de preço de CO2, foi proposto 25€ a tonelada,
como um valor em linha com as ambições de transição energética e que é um valor mais alto do que o
apresentado por Carlos Pimenta na sua audição.
Os resultados do cálculo são os apresentados no gráfico seguinte:
Os resultados apontam para um VAL positivo para o SEN e para os consumidores, para a generalidade dos
preços de mercado em 2012. A partir de 65 € por MWh o VAL (benefício) para os consumidores é de cerca de
650 M€. Foi referido que o preço médio de mercado no segundo semestre de 2018 foi de 65 €/Mwh. No
entanto, é claro que a dimensão do ganho (ou até perda) para o consumidor depende do preço de mercado
que se verifique. Com efeito, de acordo com esta metodologia, se o preço for inferior a 50€ a partir de 2021
pode haver perda para o SEN.
A metodologia proposta pelo ex-Secretário de Estado Artur Trindade enferma do mesmo erro já apontado
aos cálculos apresentados por Carlos Pimenta: não identifica o impacto da nova legislação face à anterior,
antes assumindo um cenário contrafactual que não é o do Decreto-Lei n.º 33-A/2005. Por outro lado, incorpora
também no cálculo (mesmo se de forma diferente) os custos de CO2 evitados. Ora, estes custos não são
evitados por efeito deste novo regime remuneratório, mas sim pela simples existência e funcionamento destas
centrais, que é prévia e independente do Decreto-Lei n.º 35/2013.
1.4.7 Cálculo dos possíveis impactos incrementais do Decreto-Lei n.º 35/2013
Para bem determinar os possíveis impactos do Decreto-Lei n.º 35/2013 devem ser utilizados diferentes
cenários de preços médios de mercado. Para cada um desses cenários, cabe identificar:
● o ganho ou sobrecusto para o SEN resultante da aplicação dos floors e do cap previstos do Decreto-Lei
n.º 35/2013, por oposição à tarifa de referência (leilão), deduzido da receita obtida pelo SEN com a
«contribuição voluntária» paga pelos produtores;
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● a cada um dos valores assim determinado deve ser somada uma segunda quantia, obtida face a cada
preço médio de mercado possível. Trata-se dos ganhos adicionais/cessantes pela não aplicação de
uma tarifa fixa determinada por leilão (como previa o 33-A/2005). Para identificar esses ganhos
adicionais/cessantes, cada preço médio de mercado deve ser cruzado com diferentes tarifas fixas que
poderiam ser obtidas em leilões competitivos;
● o efeito adicional do alargamento da cobertura à potência atribuída por concurso (excluída pelo Decreto-
Lei n.º 33-A/2005);
● o aumento da duração dessa cobertura, de 5 para 7 anos (quando aplicável).
A soma destas parcelas determinará o impacto incremental, em termos financeiros, do Decreto-Lei n.º
35/2013 em cada uma das combinações de preço médio de mercado/tarifa obtida em leilão até 2020.
Os parâmetros utilizados nos cálculos deste relatório são os seguintes:
1. A inflação é a verificada até 2018, sendo igual a este último ano para o resto do período considerado.
2. O load factor é extraído da média de produção real ocorrida entre 2013 e 2016 utilizada nos cálculos do
parecer da ERSE.
3. A taxa de desconto utilizada pretende dar a perspetiva do SEN, refletindo assim o custo médio da dívida
tarifária. Utilizou-se o mesmo valor do parecer da ERSE, sendo portanto o da avaliação do custo daquela
dívida referente a 2017.
4. Por simplificação, e sabendo à data que a maioria da potência instalada aderiu à remuneração igual ao
preço de mercado, com limite inferior de 74€/MWh e superior de 98€/MWh, por oposição à opção que apenas
previa o limite inferior de 60€/MWh, os cálculos foram efetuados com referência à primeira opção.
5. Por simplificação, no que se refere aos PRE eólicos resultantes de concursos públicos, foi assumido que
em média a operação se iniciou em 2010, aplicando-se o novo regime no período 2025 a 2032.
Quanto aos valores de uma tarifa de referência determinada nos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005
(leilão), foi utilizada uma ampla gama de valores:
● o valor do floor do regime principal do Decreto-Lei n.º 35/2013 tal como calculado por Artur Trindade:
67€/MWh;
● a estimativa de Carlos Pimenta na CPIPREPE: 50€/MWh em julho de 2018;
● os valores médios de leilões recentes em diversos países.
País Data Preço
Peru 2016 Q1 34€/MWh
México 2016 Q3 30€/MWh
Alemanha 2018 Q1 47€/MWh
Espanha 2017 Q2 43€/MWh
Os potenciais efeitos incrementais do Decreto-Lei n.º 35/2013 são apresentados no quadro abaixo para um
conjunto de preços médios de mercado e preços de referência. (Folha de cálculo disponível aqui)
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Conclusões
1. Apesar de, no seu parecer prévio, a ERSE se ter pronunciado favoravelmente ao Decreto-Lei n.º
35/2013, a ERSE constatou a existência de ganhos de curto prazo (fruto da contribuição voluntária paga pelos
produtores) mas também de perigo para os consumidores no longo prazo. A averiguação desse perigo ocupou
a CPIPREPE e foi objeto de controvérsia entre diversos intervenientes.
2. O impacto incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013 não pode ser identificado apenas pelo cálculo do
«sobrecusto líquido», isto é, a diferença entre o preço de mercado e a tarifa resultante da aplicação do
floor/cap menos a «contribuição voluntária». Nem tão pouco ignorando que, entre 2013 e 2020, era possível a
realização de novos concursos que viessem a resultar numa tarifa mais baixa do que a atribuída em 2007 ao
consórcio Ventinvest (70€/MWh). De facto, aquele impacto só pode ser calculado integrando a dissipação de
todos os ganhos/perdas potenciais sob o regime anterior.
3. Cruzando todos os preços de mercado (entre 30€ e 95€/MWh) com o valor da tarifa fixa que se poderia
obter num leilão de capacidade eólica a licenciar até 2020, em todos os cenários o SEN sai prejudicado.
Melhor cenário – leilão 67€/MWh (igual ao floor do Decreto-Lei n.º 35/2013), mercado 70€/MWh –, o
impacto incremental para o SEN é de 76 M€ positivos;
Pior cenário – leilão 30 €/MWh, mercado 30€/MWh –, impacto de 1971 M€ negativos;
Cenário com as premissas usadas por Carlos Pimenta na CPIPREPE – leilão 50€/MWh, mercado
65€/MWh5 – impacto de 536 M€ negativos.
4. Na sequência da aprovação do Decreto-Lei n.º 35/2013, registou-se a transação da propriedade, logo
entre 2013 e 2015, de centrais correspondentes a mais de um terço do mercado português:
● Iberwind (13,6% do mercado) – Magnum Capital vende à Cheung Kong Infrastructure Holdings e à
Power Assets Holdings.
● TrustEnergy (9,2% do mercado) – Engie vende 25% à Marubeni.
● Finerge (12,7% do mercado) – Enel vende à australiana First State Investments.
● Generg (8,2% do mercado) – Fundo Novaenergia vende à Total.
Recomendações
1. Para tentar evitar situações de litigância, será procurada uma solução negociada com os produtores
para a revisão deste regime mediante adaptações legislativas para a reposição do equilíbrio económico do
5 Preço de mercado no dia da audição, citado por Carlos Pimenta.
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regime anterior ao Decreto-Lei n.º 35/2013 e para a devolução aos produtores das contribuições voluntárias
pagas até hoje, acrescidas dos juros respetivos;
2. Em caso de recusa à negociação ou na falta de um acordo satisfatório, o governo definirá os termos da
concretização daqueles objetivos;
3. Realização de um concurso em regime de leilão descendente para a atribuição de novas licenças
eólicas. A tarifa feed in resultante desse leilão será paga, nos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005, a todas as
centrais abrangidas por esse quadro legal;
4. Nos casos de centrais entretanto transacionadas, a ERSE deverá determinar uma taxa de rentabilidade
razoável que, havendo casos em que não seja atingida sob o quadro legal reposto, dará origem a um
mecanismo de compensação a pagar pelo SEN.
Capítulo 11
Sobreequipamento
1. Contexto e legislação associada
Sobreequipamento é a instalação de novos aerogeradores em centrais eólicas já existentes, de modo a
aumentar a sua potência instalada.
A possibilidade do sobreequipamento é introduzida pelo Decreto-Lei n.º 225/2007, apresentado como «uma
via de desenvolvimento da energia eólica (…), permitindo minimizar os impactes ambientais e os tempos de
licenciamento e de construção por via da utilização das infraestruturas existentes» justificada com «a
necessidade de minimizar os custos de interesse económico geral».
No entanto, este decreto limita o sobreequipamento a 20% da capacidade de injeção licenciada e define
que a remuneração da potência adicional é feita com tarifa e prazo do regime remuneratório pelo qual o
parque eólico já esteja abrangido.
O Decreto-Lei n.º 51/2010 vem reforçar que o sobreequipamento no sentido de contribuir «para a
concretização do compromisso assumido pelo Governo de assegurar a duplicação da capacidade de produção
de energia eléctrica no horizonte de 2020 eliminando importações, reduzindo a utilização das centrais mais
poluentes e contribuindo para que, em 2020, 60% da produção de energia eléctrica seja feita a partir de fontes
renováveis», passando a obrigar à instalação nos aerogeradores de equipamentos destinados a suportar
cavas de tensão e fornecimento de energia reactiva durante essas cavas para reforçar a segurança da Rede
Elétrica de Serviço Público (RESP). Adicionalmente, isenta a instalação de nova potência da obrigação de
estudos de impacto ambiental adicionais e reduz o processo de licenciamento a uma comunicação prévia.
A remuneração da potência licenciada ao abrigo Decreto-Lei n.º 51/2010 é redefinida «com um desconto de
0,12 % sobre a tarifa aplicável por cada aumento de 1% na capacidade instalada relativamente à potência de
injecção atribuída», vigorando essa tarifa até ao final da feed-in tariff original.
Em 2012, no quadro do acordo proposto pelo governo à APREN e que daria origem ao Decreto-Lei n.º
35/2013, é incluído um ponto relativo à intenção do governo de legislar o sobreequipamento e a energia
adicional:
«A par da aprovação da legislação tendente à concretização da proposta, é intenção do governo proceder
à revisão do regime jurídico aplicável ao sobreequipamento, contemplando, no quadro dessa revisão a
possibilidade de os parques eólicos que apresentam uma potência instalada superior à potência de injeção
autorizada injetarem na rede, sempre que as condições técnicas e de segurança da rede assim o permitam, a
totalidade da energia produzida pela respetiva potência instalada.
O regime de remuneração aplicável à energia gerada pela potência instalada que ultrapassa a potência de
injeção autorizada – a qual, atualmente não é remunerada, nem injetada na rede – será criado e fixado de
acordo com critérios de racionalidade económica, devendo constituir-se um grupo de trabalho para analisar os
aspetos técnicos necessários à operacionalização do regime de remuneração fixado.»
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Assim em 2014, após a criação de um grupo de trabalho com várias entidades (operadores da rede de
transporte e distribuição, CUR, gestor do SEN e APREN), o Decreto-Lei n.º 94/2014 vem alterar a
remuneração do sobreequipamento definindo que a mesma será remunerada a 60 €/MWh, enquanto perdurar
a aplicação do regime bonificado/garantido ao abrigo do qual o parque foi licenciado.
Na altura, a ERSE foi consultada e alertou para o seguinte:
● a energia adicional e a energia do sobreequipamento serem remuneradas ao mesmo preço (60€/MWh):
enquanto a primeira se limita à remuneração do eventual diferencial entre potência injetada na rede e
licenciada pelo parque, a segunda decorre de investimentos feitos, o que justificaria uma tarifa específica:
«Esta situação leva a questionar a pertinência de tratar do mesmo modo situações claramente distintas, se
vistas na perspetiva de um regime de incentivo aos produtores. Em particular, é questionável que a
remuneração necessária para incentivar a injeção de potência adicional (nos casos em que não existem
investimentos adicionais relevantes) seja igual à remuneração atribuída às situações de sobreequipamento,
em que o produtor incorre necessariamente em investimentos em novos aerogeradores. (…) A ERSE
considera que carece de justificação a utilização do mesmo valor para remuneração de situações
potencialmente distintas, nomeadamente no que diz respeito aos investimentos necessários a efetuar pelos
produtores. No caso da energia adicional, podendo esta corresponder a situações nas quais o investimento
adicional exigido ao produtor seja residual ou nulo, a remuneração parece desajustada.»
● a tarifa dos 60 €/MWh não tem uma justificação económica baseada no mercado, o que levaria a um
potencial sobrecusto máximo de 48,5M€, em 2013.
Artur Trindade, na sua audição na CPIPREPE justificou a tarifa de 60€/MWh:
«Previa-se que esse mecanismo do sobreequipamento pudesse facilitar, liberalizar, se quiser, o
investimento em energia eólica, menorizando os custos e facilitando as metas da energia renovável. Os
60€/MWh, não atualizáveis, eram o valor pensado para desbloquear e para dinamizar o sobreequipamento;
para permitir que, de uma forma rápida, se pudesse ter mais investimento em energias renováveis, porque
iriamos precisar deles; (…) Portanto, era fácil, era rápido e tínhamos uma forma de cumprir com os nossos
objetivos e com as novas metas de energias renováveis.»
Ao abrigo deste decreto foram instalados 128 MW de potência em sobreequipamento, de um total de 822
MW elegíveis (Dados ERSE).
No Decreto-Lei n.º 94/2014 fica previsto ainda que a potência licenciada de sobreequipamento em parques
que usufruam do Decreto-Lei n.º 35/2013 possa ser abrangida por esse regime desde que pagas e atualizadas
à nova potência as respetivas contribuições:
«Artigo 11.º
2 – (…) a entidade obrigada à aquisição da energia elétrica produzida em regime especial a nível
continental, procede à determinação do reforço do valor da compensação anual, derivado da autorização para
sobreequipamento, e em consequência das prestações mensais a pagar pelo titular do centro eletroprodutor
cuja adesão ao regime do Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro, se mantenha válida e eficaz.»
Assim, aplica-se à nova potência resultante do sobreequipamento, no fim do prazo da tarifa garantida da
central, o regime remuneratório previsto no Decreto-Lei n.º 35/2013 (na grande maioria dos casos, com um
floor de 68€/MWh).
Em 2015, a Portaria n.º 102/2015 vem regulamentar o novo procedimento para os pedidos de autorização
de injeção de energia adicional e de sobreequipamento previsto do Decreto-Lei n.º 94/2014, dispensando a
instalação de equipamentos individualizados da telecontagem da energia adicional e do sobreequipamento
caso se demonstre que o custo do equipamento de contagem é desproporcional quando comparado com a
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energia faturada (decisão a que ERSE já se tinha oposto no seu parecer ao Decreto-Lei n.º 94/2014).
Adicionalmente, prevê a possibilidade de corte no fornecimento de energia por razões de segurança.
Em 2017, o Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, emite o Despacho n.º 7087/2017, em
que pede à ERSE o cálculo dos impactos tarifários dos pedidos de sobreequipamento pendentes na DGEG,
condicionando assim o seu licenciamento à ausência de «efeitos negativos para o Sistema Elétrico Nacional».
A ERSE define a metodologia de cálculo dos sobrecustos que utilizará para a averiguação dos impactos
tarifários, dando igualmente o exemplo do cálculo para caso de articulação com o Decreto-Lei n.º 35/2013.
Nessa metodologia assume num cenário base que o preço médio nominal do mercado até 2030 seria de 47,5
€/MWh.
Na origem do Despacho n.º 7087/2017 está a preocupação de eventuais sobrecustos devido à
sobreposição dos Decretos-Leis n.os 94/2014 (sobreequipamento) e 35/2013 para os produtores que aderiram
a este último, uma vez que as normas estabelecidas no Decreto-Lei n.º 35/2013 implicam uma remuneração,
aplicável à totalidade da energia produzida, que incide igualmente sobre a energia proveniente do
sobreequipamento, garantindo assim não os 60 €/MWh mas sim, uma remuneração entre os 68 e 90 €/MWh,
até ao final do prazo da tarifa garantida (mais 5 ou 7 anos mediante o regime a que o produtor aderiu). Esta
sobreposição leva a que os custos com a medida do sobreequipamento resultante do acordo celebrado entre a
APREN e o governo em 2012 sejam superiores aos resultantes da simples aplicação da tarifa de 60€/MWh.
Já em 2019, o Secretário de Estado da Energia, João Galamba, pela Portaria n.º 43/2019, cria um regime
opcional destinado aos produtores com pedidos de sobreequipamento pendentes na DGEG. Esse regime
reduz a tarifa garantida ao sobreequipamento para 45€/MWh, dispensando o parecer da ERSE sobre o
licenciamento, considerando que este preço seria abaixo do cenário plausível da ERSE para a evolução do
mercado (47,5 €/MWh), e por isso não suscetível de inferir efeitos negativos no SEN. Esta tarifa de
sobreequipamento é garantida por 15 anos e não admite a posterior transição para o regime remuneratórios
previstos no Decreto-Lei n.º 35/2013.
Na CPIPREPE, o Secretário de Estado João Galamba justificou esta medida:
«O parecer da ERSE é dispensado porque o parecer da ERSE assenta num seu próprio pressuposto de
que tarifas acima de 47,5€ geram um sobrecusto e, portanto, tarifas abaixo de 47,5 € não geram um
sobrecusto e nós pusemos uma tarifa de 45€/MWh, (…) em linha com o LCOE da energia eólica (…) e,
portanto, de acordo com os argumentos da própria ERSE, um sobreequipamento a 45 €/MWh (…) gera um
sobreganho. (…) A tarifa de 45€/MWh não pode ser separada do facto de haver um decreto-lei que dá um
direito de produzir a 60€/MWh. (…) Portanto, [trata-se de] com os 60€/MWh do decreto-lei e os 74€/MWh que
estavam implicados nesse decreto-lei, (…) sem alterar o decreto-lei, permitir que, por uma opção livre dos
promotores, eles optem por uma tarifa significativamente mais baixa. (…) Todos os projetos que têm aceitado
os 45/MWh acabam com a litigância que tinham com o Estado, retirando os processos que tinham posto em
tribunal.»
2. Custos para o SEN
Sobre a articulação dos Decretos-Leis n.os 35/2013 e 94/2014 e os respetivos custos para o sistema, o SEE
João Galamba, ouvido na CPIPREPE, afirmou:
«(…) havia um decreto-lei publicado em 2014, que definia que os pedidos de sobreequipamento teriam
direito a uma tarifa de 60 €, mas esse decreto-lei articulava-se com o Decreto-Lei n.º 35/2013 e, na realidade,
as tarifas subiriam posteriormente acima dos 70 €. Esse processo estava bloqueado porque no procedimento
administrativo que operacionalizava este Decreto-Lei havia lugar à emissão de um parecer por parte da ERSE,
um parecer obrigatório, em que se a ERSE concluísse que aquele pedido de sobreequipamento onerava os
consumidores e representava um custo para o sistema elétrico nacional, não seriam autorizados. Nesta
medida, todos os que foram apresentados foram indeferidos, porque todos apresentavam custos para o
sistema elétrico nacional.»
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Em 2017, a ERSE quantificou os impactos potenciais do sobrecusto na tarifa entre 101 e 332M€, com
máximo de 47M€ anuais em 2027. O sobrecusto só deixaria de existir em 2038, com o fim da remuneração
garantida de todos os produtores ao abrigo do Decreto-Lei n.º 35/2013.
Contudo, a APREN, na voz do seu presidente António Sá da Costa, quando ouvido na comissão, recusa
esta metodologia, dizendo que é enviesada de modo a apresentar elevados sobrecustos.
Conclusões
1. O Decreto-Lei n.º 94/2014, ao admitir a integração da potência de sobreequipamento nos regimes
remuneratórios do Decreto-Lei n.º 35/2013, veio alargar o prazo da tarifa garantida a esta potência. Aos prazos
anteriores da FIT do sobreequipamento (o remanescente do período de 15 anos definido em 2005) foram
adicionados 5 a 7 anos adicionais em patamares relativamente elevados.
2. A adesão dos produtores ao regime opcional criado em 2019 e que impõe uma remuneração de
45€/MWh por 15 anos, eliminando a possibilidade de trânsito para o regime cap/floors estabelecido no
Decreto-Lei n.º 35/2013, demonstra que as opções de 2014 favoreciam os produtores de forma desadequada.
Capítulo 12
Dupla subsidiação a produtores em Regime Especial
Contextoe legislação associada
No trabalho de «Análise aos incentivos às renováveis com apoio comunitário» realizado pela DGEG, sob a
tutela do Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, verificou-se a existência de centros electroprodutores
que beneficiam ou beneficiaram cumulativamente de tarifa garantida e de apoios públicos à promoção e ao
desenvolvimento das energias renováveis. Face aos factos e perante indícios fortes de motivo para devolução
ao SEN de valores muito elevados, o Secretário de Estado determinou em 22 de agosto de 2016 a apreciação
do problema e a averiguação da possibilidade da consideração destes valores na fixação de tarifas para 2017
pela ERSE.
O Secretário de Estado determinou, através da Portaria n.º 268-B/2016 que «na previsão dos custos
estimados pela aquisição pelo CUR do SEN da energia elétrica produzida em PRE, que beneficia de
remuneração garantida, devem ser deduzidos os valores recebidos pelos centros electroprodutores que
beneficiaram cumulativamente de apoios à promoção e ao desenvolvimento das energias renováveis através
de outros apoios públicos.»
Posteriormente, a Lei do OE para 2018 veio consolidar e ordenar a verificação da dupla subsidiação e a
dedução dos apoios excessivos. Pela Portaria n.º 69/2017 o governo determinou o mecanismo de dedução
e/ou reposição da acumulação indevida.
Tratando-se de um processo de elevada complexidade e no quadro das debilidades de recursos dos
serviços envolvidos, verificaram-se significativos atrasos na identificação dos centros electroprodutores e dos
valores recebidos em excesso por cada um deles, o que levou mesmo o Secretário de Estado da Energia a
solicitar à Inspeção Geral de Finanças do apoio técnico especializado necessário à realização daquelas
operações. O valor apurado pela IGF, no seu Relatório «Dupla Subsidiação aos produtores de eletricidade em
regime especial» foi de cerca de 300 milhões de euros.
Por efeito daquele atraso, o montante de 140 milhões, deduzido à tarifa de 2018, assume hoje a natureza
de uma imparidade não registada no SEN.
O Secretário de Estado da Energia, João Galamba, disse na CPIPREPE o seguinte:
«Sobre esse tema foi pedida uma auditoria à IGF [Inspeção-Geral de Finanças], que completou o relatório
preliminar e enviou-o para a DGEG para contraditório, o que aconteceu. Neste momento, o relatório ainda não
me foi enviado, portanto, não sei se já foi concluído ou não o relatório final por parte da IGF, mas esse relatório
ainda não me foi enviado».
(João Galamba)
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Sobre o mesmo assunto, o ministro do Ambiente e da Transição Energética, Matos Fernandes, afirmou o
seguinte:
«No que diz respeito às decisões tomadas sobre o duplo apoio e à forma como a sugestão da ERSE se
refletiu nas próprias tarifas, não há novidade nenhuma. Isto é, aquilo que foi feito, à altura, com a informação
que a ERSE tinha, é aquilo que não pode deixar de ser feito agora. A nossa questão é a de avaliar, na prática:
se esses 140 milhões existem mesmo; e, porque estamos a falar de um processo já muito pretérito, se ainda
estamos em tempo de, objetivamente, os podermos trazer para dentro do sistema e, dessa forma, continuar o
abaixamento das tarifas também por via da incorporação desta receita. Foi isso que solicitámos à Inspeção-
Geral de Finanças e aguardamos que nos seja enviado o seu parecer para percebermos se, de facto, e repito
o que já disse, esses 140 milhões de euros existem mesmo para os podermos manter — e oxalá assim seja!
— onde eles estão, que é a contribuir para a redução na tarifa da eletricidade.»
(audição Matos Fernandes)
Conclusão
Está por aplicar a determinação aprovada em lei de Orçamento do Estado quanto a esta matéria.
Recomendação
O Governo deve tomar as medidas necessárias ao integral cumprimento dos dispositivos legais inscritos no
artigo 171.º da Lei n.º 42/2016 e da Portaria n.º 69/2017.
Capítulo 13
O papel dos consultores da Boston Consulting Group na liberalização do mercado elétrico em
Portugal
Na vigência dos Governos PSD/CDS (2002-2005), a tutela governativa da energia esteve assessorada por
dois especialistas requisitados à Boston Consulting Group (BCG), Ricardo Ferreira e João Conceição,
respetivamente nos gabinetes dos ministros Carlos Tavares e Álvaro Barreto e do secretário de Estado
Franquelim Alves (desde junho de 2003 a junho de 2004), respetivamente.
Em 2003, Pedro Rezende, quadro da BCG desde 1990 e vice-presidente da filial portuguesa, transita para
o conselho de administração da EDP, integrado na equipa presidida por João Talone. Em 2004, já no final do
processo preparatório do Decreto-Lei n.º 240/2004, um outro quadro da mesma consultora, Miguel Barreto, é
requisitado para o cargo de diretor-geral de Energia e Geologia.
Na altura, a centralidade desta consultora no setor foi notada, inclusivé pela imprensa. A 9 de junho de
2004, à chegada de Miguel Barreto à DGEG, o jornal Público e a TVI noticiam que a «Boston Consulting
Group reforça influência no Ministério da Economia»:
«Miguel Barreto Antunes, 28 anos, substituiu recentemente Jorge Borrego no cargo, no âmbito de uma
reestruturação que envolve a fusão entre as anteriores direcções-gerais de Energia e Geologia e Minas. Os
últimos dois grandes projectos profissionais de Miguel Barreto Antunes, enquanto consultor da BCG, foram de
apoio à EDP no processo de reestruturação do sector e na negociação do Plano Nacional de Alocação de
Licenças de Emissões de CO2. Esta contratação vem reforçar o «peso» que a consultora tem ganho na área
energética, junto do Governo e das principais entidades do sector, uma presença que é justificada por ser a
área em que tem ganho competências. No último ano, a BCG foi solicitada para vários trabalhos de consultoria
para o Ministério de Economia, EDP e Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), além de outras
empresas.»
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Ricardo Ferreira coordenou a preparação do processo legislativo dos CMEC, redigiu respostas oficiais do
ministro Tavares, acompanhou-o a reuniões em Bruxelas, inclusivé com o Comissário europeu da
Concorrência, Mario Monti, no âmbito da preparação da aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 pela
Comissão. E foi Ricardo Ferreira quem recomendou ao secretário de Estado Franquelim Alves a assessoria do
seu antigo colega da BCG, João Conceição.
Enquanto estes quadros requisitados exerciam funções nos gabinetes do Estado, a Boston Consulting
Group continuou, de 2002 a 2005, a prestar assessoria à EDP na preparação para a entrada em
funcionamento do MIBEL.
No final do curto mandato do governo Santana Lopes, Ricardo Ferreira transita diretamente para o cargo
de diretor-geral do Departamento de Regulação e Concorrência da EDP, onde permanece até hoje.
Ao contrário de Ricardo Ferreira, que transita do gabinete de Carlos Tavares para o de Álvaro Barreto,
João Conceição não se mantém no gabinete sob o governo Santana Lopes, regressando aos quadros da
Boston Consulting Group, onde permanece até agosto de 2008.
No seu curriculum vitae, João Conceição resume aquele ano de trabalho no Ministério:
«Co-liderou equipa governamental nas negociações com as Autoridades Espanholas para definição do
novo Mercado Eléctrico Ibérico (MIBEL) – volume de negócio estimado superior a €5000M/ano; Superintendeu
equipa responsável pela gestão do processo legislativo de liberalização do Mercado Eléctrico em Portugal
(incluindo aprovação da Comissão Europeia sobre as compensações prestadas); Delineou acções de
coordenação junto do Min. do Ambiente e co-orientou a transposição da Directiva Europeia do Mercado de
Emissões e a implementação da Política Nacional sobre Energias Renováveis; Coordenou a preparação de
diplomas legais no ramo da Energia (Petróleo, GN e Electricidade)».
(Currículo disponibilizado no site da REN em 2010)
De regresso à BCG, João Conceição permanece na área da Energia da consultora e, em finais de 2006,
quando o governo de José Sócrates decide concretizar a cessação dos CAE e sua substituição pelos CMEC,
vai liderar a equipa da consultora ao serviço da EDP na preparação de propostas para a nova legislação do
MIBEL.
De acordo com peças do processo judicial citadas pela imprensa, entre novembro e dezembro de 2006, o
consultor João Conceição terá enviado aos responsáveis da EDP várias versões confidenciais de diplomas em
preparação nos ministérios da Economia e do Ambiente, tendo articulado com os advogados da EDP
(escritório MLGTS) alterações àqueles textos.
Em abril de 2007, João Conceição estabelece-se no Ministério da Economia, como assessor do ministro
Manuel Pinho. No currículo que entregou à REN, o seu vínculo à BCG termina aí, mas a verdade é que
Conceição permaneceu nos quadros da consultora e foi remunerado por ela, até agosto de 2008.
Não foram encontrados nos arquivos da BCG e do governo quaisquer registos de vínculo contratual entre a
consultora e o Ministério da Economia. Em contrapartida, a CPIPREPE obteve da EDP um conjunto de
documentos que comprovam o pagamento à BCG de 296 mil euros, a título de remuneração da consultoria
coordenada por João Conceição desde janeiro de 2007 – sobre «o futuro modelo de funcionamento do
MIBEL». Na última das três fases do projeto, estava prevista a apresentação de propostas da EDP ao
Ministério da Economia e à Direção Geral de Energia.
Questionado na CPIPREPE sobre quem pagou à Boston Consulting o trabalho de João Conceição no
Ministério da Economia, o administrador da EDP, João Manso Neto respondeu apenas: «Não faço a mínima
ideia». António Mexia, presidente executivo da empresa, afirmou que, «João Conceição deixou de integrar a
equipa da BCG [que apoiava a EDP] assim que assumiu funções no Ministério e foi substituído por outro
sócio».
João Conceição só interrompe de facto o seu vínculo à BCG em agosto de 2008. No entanto, permanece
como assessor de Manuel Pinho até abril de 2009, sempre sem qualquer contrato com o Ministério. Nesse
período, é quadro do banco Millennium BCP, acionista da EDP. Mas o banco opta por manter este quadro a
tempo inteiro no gabinete do ministro da Economia.
Esta contratação pelo Millennium BCP ocorre um mês depois de João Conceição enviar um e-mail a
António Mexia e a João Manso Neto – «conforme pedido» por estes – apresentando as suas qualificações
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profissionais e condições de remuneração — 140 mil euros por ano, mais seguros de saúde e vida, e um
bónus até 50%. Correspondência enviada pelo Ministério Público à CPIPREPE comprova que João Manso
Neto escreveu a António Mexia dizendo que «nesta fase no BCP teriam de lhe pagar 10 000 euros/mês (14
meses) e os seguros de vida e saúde. O resto seria regularizado depois na solução definitiva».
Em abril de 2009, a convite dos acionistas privados da REN, João Conceição torna-se administrador da
empresa em regime de substituição (ao mesmo tempo e de igual modo, outro assessor de Manuel Pinho, Rui
Cartaxo, cujo papel no processo de avaliação da extensão da utilização do domínio hídrico foi detalhado no
capítulo 2, torna-se chief financial officer da REN, passando a CEO em novembro de 2009).
Em resumo, entre abril de 2007 e abril de 2009, João Conceição assessorou Manuel Pinho, com e-mail
oficial e funções permanentes no Ministério da Economia, assim descritas pelo próprio João Conceição no seu
currículo:
«Liderou a implementação do novo modelo do Mercado Ibérico de Electricidade e do processo cessação
antecipada dos CAE (>€ 3300 M); coordenou a definição e implementação da Política Energética Nacional na
vertente das renováveis, em particular na elaboração do Plano Nacional de Barragens e na diversificação em
novas áreas (ex. solar); co-liderou a Equipa responsável pela gestão da Presidência Portuguesa da União
Europeia no sector da Energia, em especial na elaboração e apresentação da Visão de longo prazo para as
Tecnologias Energéticas; conduziu a promoção e monitorização do Plano de Investimentos no sector da
Energia (>€ 15 B até 2015); Coordenou as intervenções do Gabinete do Ministro em temas do sector da
Energia».
Conclusões
1. Uma equipa de quadros altamente qualificados e com experiência partilhada numa consultora que
apoiava em permanência a EDP migrou em 2002-2004 para posições de importância crítica no momento da
elaboração do novo quadro legal do setor elétrico:
● na preparação de legislação, negociação com as partes interessadas e com as instituições europeias,
no aconselhamento de responsáveis de governo (assessores Ricardo Ferreira e João Conceição);
● na liderança do órgão administrativo que tutela a Energia, a DGEG (Miguel Barreto);
● no Conselho de Administração da EDP (Pedro Rezende).
2. Esta circunstância era do conhecimento público e, portanto, também dos membros do governo que a
proporcionaram, em particular, Carlos Tavares e Franquelim Alves, ministro da Economia e secretário de
Estado com a tutela da Energia no Governo PSD/CDS.
3. O trânsito de Ricardo Ferreira do gabinete do ministro Carlos Tavares para um lugar de direção na EDP
foi abordado na CPIPREPE como um exemplo da «porta giratória» entre lugares de grande influência/decisão
política sobre determinado setor e cargos de responsabilidade em grandes empresas desse mesmo setor.
4. O caso de Rui Cartaxo, assessor de Manuel Pinho no governo PS e que ocupará lugares de topo na
REN, apresenta características semelhantes.
5. Miguel Barreto, Diretor-Geral de Energia nomeado pelo Governo PSD/CDS e que, já sob o governo PS
e por inerência ao cargo de diretor-geral de Energia, presidiu à Agência para a Energia (ADENE), centralizou,
entre 2006 e 2009, a preparação do sistema nacional de certificação energética. Saiu da DGEG em 2008 e
fundou, em sociedade com o grupo Martifer, uma empresa de certificação energética, a Home Energy, em que
deteve uma quota de 40%. A empresa foi vendida em 2010 à EDP por 3,4 milhões de euros.
Na sua audição, Miguel Barreto respondeu que foi obrigado pela Martifer a também vender a sua quota à
EDP:
A empresa era maioritariamente do Grupo Martifer e nós tínhamos um parassocial. Normalmente, quando
se cria uma empresa, faz-se um parassocial e existe uma série de cláusulas, e havia uma cláusula que se
chama drag along. O que é que quer dizer uma cláusula drag along? Quer dizer que se o Grupo Martifer, como
maioritário, quisesse vender, tinha o direito de me levar com ele, tinha o direito de me obrigar a vender a
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minha posição. De qualquer maneira, a decisão de vender a Home Energy foi do Grupo Martifer. E gostava
também de dizer aqui que a Home Energy foi depois vendida — como perguntou, clarifico — ao Grupo EDP,
mas gostava de deixar clara esta ideia: nunca recebi nenhuma vantagem do Grupo EDP pela venda da Home
Energy.
No entanto, no aludido acordo parassocial, a que a CPIPREPE teve acesso, não se encontra a cláusula
referida por Miguel Barreto, pelo que a decisão de venda sido uma opção própria do acionista.
6. O caso de João Conceição tem contornos especialmente graves, como resulta das várias funções
incompatíveis que, em simultâneo ou interpoladamente, desempenhou e da entrega à REN de um curriculum
vitae que omite a sobreposição da presença nos quadros da BCG com a assessoria no Ministério da
Economia, bem como a passagem pelo Millennium BCP também nesse período. A omissão destas
informações revela a consciência da situação de incompatibilidade em que João Conceição se encontrou ao
longo dos dois anos em que desempenhou funções de assessor do ministro Manuel Pinho.
7. Esta incompatibilidade não podia ser do desconhecimento de João Manso Neto e António Mexia,
porquanto a EDP participou em reuniões regulares (na preparação dos contratos de concessão do domínio
hídrico, por exemplo) em que a representação do Ministério da Economia estava a cargo de João Conceição,
então remunerado pelo Millennium BCP, no contexto já apresentado.
8. Tanto no caso de Rui Cartaxo (ver capítulo 2) como no caso de João Conceição, estão identificadas, no
âmbito do processo judicial que corre termos, comunicações com responsáveis da EDP que demonstram que,
na relação entre quadros do Ministério e responsáveis da empresa, além do fluxo permanente de informação,
ocorreu uma deslocação da preparação do processo legislativo, do seu ritmo e do seu conteúdo, para o
incumbente privado.
Capítulo 14
Manuel Pinho e o protocolo da EDP com a Universidade de Columbia
A CPIPREPE procurou obter esclarecimentos, em particular junto de Manuel Pinho, António Mexia e João
Manso Neto, acerca da natureza do convite recebido pelo ex-Ministro da Economia para lecionar na School of
International and Public Affairs, Universidade de Columbia, no âmbito de uma cátedra sobre energia
renováveis criada por proposta e com patrocínio da EDP.
Num artigo no jornal Público em 2017, Manuel Pinho escreveu que «a ideia surgiu apenas em setembro de
2009 num jantar em casa do Professor Joe Stiglitz».
Em correspondência disponibilizada à CPIPREPE pela Procuradoria Geral da República, verifica-se que tal
jantar ocorreu antes de julho de 2009, quando Manuel Pinho ainda era ministro da Economia. Com efeito, a 23
de julho, apenas duas semanas depois da demissão do ministro, a sua esposa escreve a Anya Stiglitz (esposa
de Joseph Stiglitz, e também professora daquela universidade) considerando oportuno «planear algo
relacionado com a Universidade de Columbia». Uma semana depois, a 29 de setembro, Manuel Pinho escreve
a Anya Stiglitz afirmando que a Horizon (subsidiária norte-americana da EDP) estaria preparada para fazer um
donativo de 300 mil dólares/ano ao longo de cinco anos «desde que eu esteja envolvido no desenvolvimento
de um programa relacionado com energia».
António Mexia estava ao corrente das diligências de Manuel Pinho. Em audição na CPIPREPE, o
presidente da EDP admitiu a sondagem do ex-ministro quanto ao patrocínio da EDP, de onde terão resultado
os 300 mil euros/ano ao longo de cinco anos que Pinho transmitiu a Anya Stiglitz ainda em julho. Afirma Mexia:
«A única coisa de que me recordo é que, nesta procura de uma universidade, o Dr. Manuel Pinho terá
partilhado comigo, tranquilo: ‘E se houver alguma universidade como a de Columbia?’ E eu disse: ‘Não tenho
problema nenhum, a minha relação é com a Universidade de Columbia’. (…) ‘É natural que eu tenha referido,
inclusive ao Dr. Manuel Pinho, quais eram tipicamente os montantes que poderiam ser objeto de acordos ’».
Na CPIPREPE, o administrador da EDP João Manso Neto insistiu que «a Universidade pediu à EDP um
patrocínio». Porém, resulta claro da consulta de documentação emergente no processo judicial que o primeiro
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contacto entre a EDP e a Universidade é da iniciativa da primeira: a 1 de novembro de 2009, Manuel Pinho
escreve ao reitor de Columbia que António Mexia lhe enviaria uma solicitação pessoal para um encontro na
última semana do mês. O presidente da EDP confirma que a iniciativa parte da empresa:
«Quisemos que houvesse uma universidade, não contratando, ao contrário do que fizemos com Berkeley,
em que contratámos diretamente um professor, que pudesse fazer pedagogia, defesa e debate à volta do que
era um recurso enorme nos Estados Unidos».
A 20 de novembro, realiza-se o encontro agenciado por Manuel Pinho e fica comprometido entre Mexia e o
reitor de Columbia o pagamento de um patrocínio pela Horizon de 300 mil dólares/ano durante quatro anos e
que Manuel Pinho será um dos professores visitantes convidado.
Nos seus primeiros contactos com Columbia, Manuel Pinho prontificara-se a ocupar um lugar não
remunerado e informa que se prepara para assumir um cargo não-executivo na administração da Horizon. Na
CPIPREPE, António Mexia nega a existência de tal hipótese. O facto é que, na versão assinada do protocolo,
está prevista a remuneração do lugar que, durante um ano, veio a ser ocupado por Manuel Pinho no âmbito
deste programa.
Conclusão relativa aos capítulos 14 e 15
Ao longo dos trabalhos da CPIPREPE foram apurados factos sobre a atuação de Manuel Pinho e João
Conceição, arguidos no âmbito da investigação judicial decorrente da “Operação Ciclone”, que se somaram à
informação extraída do processo judicial em curso e remetida à CPIPREPE pela Procuradoria Geral da
República. Esses novos factos apurados pela CPIPREPE foram comunicados à PGR e constam deste
relatório, reforçando e em nenhum caso contrariando indícios que levaram à abertura do referido processo de
investigação.
Parte III
Conclusões finais
1. A legislação de 1995 previa a celebração de contratos de aquisição de energia (CAE) entre o então
Sistema Elétrico Público e a EDP (então CPPE). Em 1996, o desenho desses contratos define taxas de
remuneração e condições contratuais para as centrais EDP (estatais e já construídas, 8,5%) inferiores às
definidas para o investimento (privado e externo, 10%) nas novas centrais térmicas do Pego e da Tapada do
Outeiro. A opção política pela atribuição à EDP desta renda por 20 anos teve em vista o cumprimento das
diretivas europeias que impunham o início da liberalização do mercado e o robustecimento financeiro da
empresa e a oferta de garantias de rentabilidade futura que dinamizassem o processo da sua privatização.
2. A legislação europeia da liberalização do mercado de eletricidade veio impor a cessação dos CAE.
Essa imposição externa originou a criação do mecanismo CMEC, que governou a transição para o mercado
ibérico. Registe-se que essa aparente imposição obrigatória da passagem dos CAE a CMEC não se verificou
para as centrais térmicas do Pego e da Tapada do Outeiro. O Estado português, na dupla condição de
legislador e de acionista de controlo da EDP, promoveu este mecanismo com o objetivo anunciado de manter
o equilíbrio contratual resultante das regras e remuneração dos CAE. Subjaz ao Decreto-Lei n.º 240/2004 uma
autorização legislativa da Assembleia da República aprovada pela maioria parlamentar que na altura
suportava o governo.
3. A autorização pela Comissão Europeia do regime previsto no Decreto-Lei n.º 240/2004 foi contestada
nesta CPI, contudo a comissão europeia reiterou a sua metodologia em períodos temporais posteriores.
4. A manutenção do equilíbrio contratual dos CAE não foi respeitada em diversos pontos da nova
legislação, tal como a ERSE indicou no seu parecer prévio ao Decreto-Lei n.º 240/2004, que define as
condições da cessação dos CAE e a criação de medidas compensatórias. No âmbito do cálculo da
revisibilidade final dos CMEC, a ERSE contabilizou alguns desses elementos de vantagem, perfazendo um
valor de 510 milhões de euros de rendas excessivas a corrigir. Deste montante, são recuperáveis sob o atual
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enquadramento legislativo e contratual, 285M€ relativos à não realização de testes de verificação de
disponibilidade. Àquele montante acresce, como valor recuperável, os 140 M€ de dano ao SEN entre 2009 e
2014 no mercado de serviço de sistemas, bem como 102 M€ (até 2027) por efeito da revisão da taxa de juro
dos CMEC no cálculo do ajustamento final.
5. A Tejo Energia, nos termos do CAE, terá de negociar o quadro económico de uma eventual extensão
da operação da central do Pego para além do prazo do contrato (2021). No entanto, no caso da central de
Sines, o Decreto-Lei n.º 240/2004 possibilitou a prorrogação da sua operação para além do prazo do CAE
(2017) sem prever qualquer forma de compensação ao SEN. No cenário base usado pela ERSE, a
prorrogação da central de Sines por oito anos (até 2025) sem correspondência económica no SEN, ainda que
legalmente enquadrada, é geradora de uma vantagem para a EDP de 951 milhões de euros.
6. A remuneração da REN pela detenção de terrenos do domínio público cria uma rentabilidade de ativos
estatais para valorizar a empresa no contexto da sua privatização e, mais tarde, da sua natureza 100%
privada. Desde 2006, as rendas pagas à REN por terrenos do domínio público somaram custos tarifários de
330 milhões de euros, dos quais 80 milhões correspondem a remuneração que a ERSE sempre contestou.
7. Os acionistas da REN (Estado e acionistas privados) beneficiaram em 2007 de uma extensão gratuita
do prazo de concessão da RNT, por sete anos adicionais e sem qualquer contrapartida conhecida, em
vésperas da privatização parcial da empresa naquele ano. O valor económico deste benefício não está
determinado, podendo, no caso do Estado, ter-se refletido na receita da subsequente privatização e sendo, no
caso da EDP, acumulado como mais-valia.
8. A produção eólica, muito preponderante no contexto da produção renovável em Portugal, regista no
nosso país uma rentabilidade mais elevada do que em países comparáveis. Os fatores explicativos dessa
elevada rentabilidade são a) a manutenção de níveis de remuneração próprios de investimento em fase
precoce do amadurecimento das respetivas tecnologias, fruto da opção por uma abertura pioneira à transição
para as energias limpas, com múltiplos benefícios para o país; b) a existência de ganhos de eficiência
tecnológica obtidos pela demora entre o momento da definição da remuneração garantida e a construção das
centrais. A quantificação desse excesso de rentabilidade do setor (ou de determinados segmentos do setor)
face aos níveis de outros países não pôde ser quantificado rigorosamente pela CPIPREPE.
9. A EDP, enquanto Comercializador de Último Recurso, é a entidade financiadora da dívida tarifária.
Nesse sentido, a partir de 2011, legislou-se no sentido de refletir o custo de financiamento da EDP na taxa de
juro da dívida tarifária, sem todavia salvaguardar a possibilidade de intervenção da tutela em decisões de
gestão desta dívida regulada. Assim, o SEN acompanhou o custo de financiamento da EDP nos momentos de
maior adversidade nos mercados financeiros sem que, perante uma evolução positiva dos mercados,
assegurasse para si parte dos proveitos da titularização dessa dívida. A pertinência dessa partilha de ganhos
foi contrariada na CPIPREPE por dois titulares da pasta da Energia, Artur Trindade e João Galamba. As mais-
valias geradas nas operações de titularização decididas pela EDP foram integralmente absorvidas pela
empresa, gerando 198 milhões de euros de lucros entre 2008 e 2017.
10. O mecanismo de garantia de potência foi concebido no contexto da instalação do MIBEL,
compatibilizando os sistemas elétricos português e espanhol. Foi criado no quadro de uma estratégia que
incluiu a instituição, em simultâneo, da tarifa social. A garantia de potência não correspondeu, no momento da
sua criação e até hoje, a um diagnóstico técnico de necessidade de maior segurança de abastecimento. Das
suas duas componentes, o incentivo à disponibilidade (101 milhões de euros entre 2010 e 2018) foi objeto de
recente suspensão; o incentivo ao investimento (52 milhões de euros entre 2010 e 2018) mantém-se em
pagamento.
11. O serviço de interruptibilidade remunera unidades industriais consumidoras de eletricidade em alta e
muito alta tensão pela sua disponibilidade para responder prontamente a necessidades do sistema,
interrompendo o seu consumo. Desde 2010, ano em que foi incrementado, o sistema nunca foi usado e só
recentemente foram implementados os testes à prontidão previstos, o que levou à eliminação de um conjunto
de prestadores. Desde 2010, a remuneração do serviço de interruptibilidade custou aos consumidores 727
milhões de euros.
12. Na aplicação do Memorando de Entendimento, a partir de 2011, o governo priorizou a privatização da
EDP em relação à aplicação das medidas corretivas das rendas excessivas igualmente impostas no
Memorando. Até 2020, projetando a partir do executado até 2017 (contabilizada pela ERSE), essas medidas
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saldar-se-ão em 2048 milhões de euros positivos para o SEN (dois terços do previsto pelo governo), dos quais
718 milhões são impacto negativo na EDP (40% do previsto).
13. Em 2013, foram identificados pela ERSE indícios da prática de manipulação de mercado na atuação
da EDP na prestação de serviços de sistema. Esses indícios deram origem a procedimentos de auditoria que
identificaram ganhos abusivos da EDP (a devolver nas tarifas) no montante de 72,9 milhões de euros,
quantificados pela ERSE e pela DGEG. Ainda neste âmbito, a Autoridade da Concorrência abriu um processo
que culminou na emissão, em novembro de 2018, de uma nota de ilicitude que a EDP já contestou. Na
CPIPREPE, a presidente da AdC quantificou o prejuízo para o SEN em 140 milhões de euros.
14. Em 2013, o governo propôs aos produtores eólicos a adesão a um sistema de remuneração
alternativo para o período posterior à vigência das tarifas feed-in atualmente em pagamento. A lei aprovada
em 2005 previa cinco anos adicionais de remuneração à tarifa da última central licenciada. O novo regime
aprovado em 2013 vem garantir uma remuneração que acompanhará o mercado dentro de uma banda entre
os 68€ e os 90€/MWh e por dois anos adicionais. Aderindo a este regime, os produtores aceitaram pagar ao
SEN uma «contribuição voluntária» (que totalizará 200M€ pagos entre 2013 e 2021). A ERSE em 2013
pronunciou-se favoravelmente e em 2017 registou ganhos para o SEN no curto prazo (encaixe da contribuição
voluntária paga pelos produtores) e perigos no longo prazo. A comparação entre o regime de 2005 e o de
2013 demonstra a grande probabilidade de futuras perdas para o SEN, que atingem centenas de milhões de
euros em diversos cenários plausíveis.
15. Ao longo dos trabalhos da CPIPREPE foram apurados factos sobre a atuação de Manuel Pinho e João
Conceição, arguidos no âmbito da investigação judicial decorrente da «Operação Ciclone», que se somaram à
informação extraída do processo judicial em curso e remetida à CPIPREPE pela Procuradoria-Geral da
República. Esses novos factos apurados pela CPIPREPE foram comunicados à PGR e constam deste
relatório, reforçando e em nenhum caso contrariando indícios que levaram à abertura do referido processo de
investigação.
16. As obrigações da ERSE devem ser formalizadas quanto obrigação de pontualmente publicar online e
de modo acessível todos os estudos e relatórios da ERSE, bem como as atas do seu Conselho de
Administração.
Recomendações
Capítulo 1
1. Tal como indicado pela ERSE no cálculo do ajustamento final dos CMEC, os elementos que pervertem o
objetivo legal da manutenção do equilíbrio contratual devem continuar a ser corrigidos;
2. A sobrerremuneração constituída na atribuição dos CAE à EDP e mantida pelos CMEC deve ser revista
para o período remanescente deste regime;
Capítulo 2
1. O governo, tal como já fez em relação a Sines, deve solicitar à ERSE uma avaliação do valor económico
da prorrogação do funcionamento da Central do Pego;
2. Em ambos os casos, devem ser propostas negociações aos produtores para a definição das
compensações a pagar ao SEN por estas prorrogações;
3. Não havendo disponibilidade negocial ou acordo satisfatório, as soluções legislativas a encontrar devem
incluir:
a) a adequação do valor da renda paga pela cessão onerosa dos terrenos da central à recuperação
integral do valor económico da extensão (cláusula terceira, número dois, do contrato de direito de superfície:
«o preço será atualizado de acordo com as disposições legais em cada momento aplicáveis»);
b) A antecipação da cobrança integral do ISP as estas centrais e, complementarmente, de um adicional ao
ISP para os níveis de emissões destas centrais, a vigorar até à integral recuperação dos valores
correspondentes à prorrogação da operação das centrais de Sines e do Pego;
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4 Quanto à recuperação pelo SEN, no momento do descomissionamento, do valor real de mercado dos
equipamentos ambientais do Pego e de Sines, pagos pelos consumidores:
a) Legislar no sentido da proposta da ERSE em 2007.
5 Os valores assim recuperados devem aplicar-se na eliminação do défice tarifário.
Capítulo 3
1. Eliminação da remuneração do ativo líquido dos terrenos estabelecida pela Portaria n.º 301-A/2013.
2. Apurar o valor económico da extensão gratuita do prazo de concessão da REN.
Capítulo 4
1. Solicitar à ERSE o desenho de possíveis medidas que, de forma proporcional, permitam a recuperação
pelo SEN das vantagens obtidas pelos produtores por efeito da rigidez da FIT face aos ganhos de eficiência
resultantes da demora da entrada em produção;
2. Consideração desta experiência nas regras de futuros concursos, na prevenção de atrasos e das suas
consequências sobre as características económicas dos projetos.
Capítulo 5
1. Tal como proposto pelo relatório do Grupo de Trabalho SEE/DGEG/ERSE em 2016, a partilha dos
resultados obtidos em operações de titularização de dívida tarifária deve ser objeto de iniciativa legislativa.
2. A proporção de tal partilha não deverá ser mais desfavorável ao SEN do que os 50/50 propostos pelo
Grupo de Trabalho SEE/DGEG/ERSE. Este regime de partilha assegura um estímulo suficiente à EDP para
uma gestão eficiente da dívida.
3. Como garantia da melhor prossecução do interesse público, o membro do governo com a tutela da
energia deverá poder, por iniciativa própria ou sob proposta da ERSE, determinar ou suspender operações de
titularização desencadeadas pela EDP – Comercializador de Último Recurso.
4. Este princípio deverá ser aplicado igualmente às mais-valias e menos-valias realizadas em operações
de titularização realizadas no passado, de forma a recuperar para o SEN parte do saldo dessas operações, as
quais importam em 198M€ positivos. Não tendo sido ilegal, esta apropriação integral é indevida e injusta,
devendo ser corrigida.
Capítulo 6
1. Terminar o incentivo ao investimento, cuja conexão com necessidades concretas do sistema elétrico
está até hoje por justificar tecnicamente e cuja criação veio distorcer o quadro dos concursos do Plano
Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico, levantando a questão da sua legalidade;
2. Manter suspensos todos os pagamentos a título de incentivo à disponibilidade, fazendo-os depender, no
futuro, das necessidades reais da segurança de abastecimento identificadas pela REN e confirmadas pela
ERSE, no quadro da integração de novos instrumentos de disponibilidade a dinamizar do lado da procura e da
oferta.
Capítulo 7
1. Imediata adoção de um teto para estes custos, atendendo à potência interruptível que corresponda às
reais necessidades do SEN;
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2. Redução de custos no curto prazo, com a criação de regime concorrencial, desenhado por escalões de
potência interruptível por unidade de consumo;
3. Preparação de um novo quadro para este serviço redimensionado considerando a integração de novos
instrumentos de disponibilidade do lado da procura e da oferta.
Capítulo 8
Deve ser respeitada a não elegibilidade dos custos com a tarifa social e com a CESE para efeitos da
aplicação do mecanismo de clawback.
Capítulo 9
A integração dos serviços de sistema, em termos de política energética e planeamento estratégico do SEN,
tal como de outros instrumentos de gestão de oferta e procura em modelos concorrenciais que propiciem a
redução de custos para os consumidores e a maximização da integração da produção de fonte renovável.
Capítulo 10
1. Para tentar evitar situações de litigância, será procurada uma solução negociada com os produtores
para a revisão deste regime mediante adaptações legislativas para a reposição do equilíbrio económico do
regime anterior ao Decreto-Lei n.º 35/2013 e para a devolução aos produtores das contribuições voluntárias
pagas até hoje, acrescidas dos juros respetivos.
2. Em caso de recusa à negociação ou na falta de um acordo satisfatório, o governo definirá os termos da
concretização daqueles objetivos;
3. Realização de um concurso em regime de leilão descendente para a atribuição de novas licenças
eólicas. A tarifa feed in resultante desse leilão será paga, nos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005, a todas as
centrais abrangidas por esse quadro legal;
4. Nos casos de centrais entretanto transacionadas, a ERSE deverá determinar uma taxa de rentabilidade
razoável que, havendo casos em que não seja atingida sob o quadro legal reposto, dará origem a um
mecanismo de compensação a pagar pelo SEN.
Nota: o Capítulo 11 não contém recomendações.
Capítulo 12
O Governo deve tomar as medidas necessárias ao integral cumprimento dos dispositivos legais inscritos no
artigo 171.º da Lei n.º 42/2016 e da Portaria n.º 69/2017.
Assembleia da República, 15 de maio de 2019.
O Deputado relator, Jorge Costa.
Nota: O parecer foi aprovado, com votos a favor do PS, do BE, do PCP e de Os Verdes e votos contra do
PSD e do CDS-PP, na reunião da Comissão de 15 de maio de 2019.
Parte IV – Anexos
Relatório da votação
Declarações de voto escritas
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Parte IV – Anexos
Relatório da votação
Sentido de voto de cada membro da Comissão
Capítulo 1 (pág. 2 a 35 da versão preliminar do relatório)
5 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8
Capítulo 1Conclusão 1
ponto 2.4.1
pág 23
Conclusão 2
ponto 2.4.1
pág 23
Conclusão 3
ponto 2.4.1
pág 23
Conclusão 4
ponto 2.4.1
pág 23
Conclusão 1
ponto 2.4.2
pág 26
Conclusão 2
ponto 2.4.2
pág 26
Conclusão 3
ponto 2.4.2
pág 26
Conclusão 1
( pág. 34)
Conclusão 2
( pág. 34)
Conclusão 3
( pág. 34)
Conclusão 4
( pág. 34)
Conclusão 5
( pág. 34)
Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
António Topa PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Cristóvão Norte PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Duarte Marques PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Helga Correia PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Joel Sá PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helder Amaral CDS-PP Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
APROVADOResultado da votação
PREJUDICADA
(com aprovação
da proposta de
eliminação do
PSD)
17 efetivos
7 PSD, 6 PS, 1, BE, CDS-PP, PCP, PEV
ORDEM DA VOTAÇÃO
APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADOAPROVADO
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129
12 12 10 1 2 11 3 4 6 6 6 6 6 6 6 7 9
Recomendação 1
( pág. 35)
Recomendação 2
( pág. 35)
Recomendação 3
( pág. 35)
CDS-PP
Proposta 6
(elim recom 1 e
2 - cap. 1)
pg 35.
PS
Proposta
(elim. desde "Ora"
fim pg 32 a
5) pág 33)
PS
Proposta
(elim no 1.º §
desde"Este" a
"compensação,
que"
pg 34)
PS
Proposta
(elim. recom. 3)
pág 35
PSD
Proposta
(alter. redacção
do cap.) -
eliminações
pg 2 a 33
PSD
Proposta
(alter. redacção
do cap.) -
aditamentos
pg 2 a 33
PSD
Proposta
(elim. concl. 1
do ponto 2.4.1.)
pg 2 3
PSD
Proposta
(subs. concl. 4
do ponto 2.4.1.)
pg 23
PSD
Proposta
(adit. concl. 1
do ponto 2.4.2.)
pg 26
PSD
Proposta
(elim. concl. 2 e
3 do ponto
2.4.2.)
pg 26
PSD
Proposta
(alter. concl. 1)
pg 34
PSD
Proposta
(alt. concl. 2)
pg 34
PSD
Proposta
(elim. concl.
3 e 4)
pg 34/35
PSD
Proposta
(elim. concl.
5)
p35
PSD
Proposta
(adit. nova
concl. )
PSD
Proposta
(elim. todas
recom.)
pg 35
Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
António Topa PSD Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Ana Passos PS Favor Favor Contra Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra
André Pinotes Batista PS Favor Favor Contra Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra
António Cardoso PS Favor Favor Contra Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra
Luís Testa PS Favor Favor Contra Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra
Hugo Costa PS Favor Favor Contra Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra
Maria Lopes PS Favor Favor Contra Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra
Jorge Costa BE Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Helder Amaral CDS-PP Contra Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Bruno Dias PCP Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Resultado da votação REJEITADA REJEITADA REJEITADA
17 efetivos
7 PSD, 6 PS, 1, BE, CDS-PP, PCP, PEV
ORDEM DA VOTAÇÃO
APROVADA APROVADAREJEITADA
PREJUDICADA
com aprovação
da proposta do
PS e rejeição da
proposta do CDS-
PP
PREJUDICADA
com aprovação
da proposta do
PS
APROVADA APROVADA REJEITADA REJEITADAAPROVADA APROVADAREJEITADA REJEITADAREJEITADA REJEITADA REJEITADA
Página 130
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130
Capítulo 2 (pág. 36 a 62 da versão preliminar do relatório)
4
Capítulo 2Conclusão 1
( pág. 61)
Conclusão 2
( pág. 61)
Conclusão 3
( pág. 61)
Conclusão 4
( pág. 61)
Conclusão 5
(pág. 62)
Conclusão 6
(pág. 62)
Recomendação 1
(pág. 62)
Recomendação 2
( pág. 62)
CDS-PP
Proposta 7
(elim todas
recom)
pg 62
Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra
António Topa PSD Contra
Cristóvão Norte PSD Contra
Duarte Marques PSD Contra
Helga Correia PSD Contra
Joel Sá PSD Contra
Jorge Paulo OliveiraPSD Contra
Ana Passos PS Abstenção
André Pinotes BatistaPS Abstenção
António Cardoso PS Abstenção
Luís Testa PS Abstenção
Hugo Costa PS Abstenção
Maria Lopes PS Abstenção
Jorge Costa BE Favor
Helder Amaral CDS-PP Abstenção
Bruno Dias PCP Favor
José Luís Ferreira PEV Favor
ORDEM DA VOTAÇÃO
17 efetivos
7 PSD, 6 PS, 1, BE, CDS-PP, PCP,
PEV
REJEITADO PREJUDICADO com a REJEIÇÃO do CAPÍTULO
Página 131
5 DE JUNHO DE 2019
131
3 1 2
CDS-PP
Proposta 1
(aditamento)
pg 39.
PSD
Proposta
(alter. redacção
do cap.) -
eliminações
pg 36 a 61
PSD
Proposta
(alter. redacção
do cap.) -
aditamentos
pg 36 a 61
PSD
Proposta
(alter. concl. 1)
pg 61
PSD
Proposta
(alt. concl. 2)
pg 61
PSD
Proposta
(elim. concl. 3)
pg 61
PSD
Proposta
(alt. concl 4. )
pg 61/62
PSD
Proposta
(elim. concl. 5 e 6)
pg 35
PSD
Proposta
(subst. recom. 1 e
2)
pg 62
Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor
António Topa PSD Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Favor Favor Favor
Jorge Paulo OliveiraPSD Favor Favor Favor
Ana Passos PS Contra Contra Contra
André Pinotes BatistaPS Contra Contra Contra
António Cardoso PS Contra Contra Contra
Luís Testa PS Contra Contra Contra
Hugo Costa PS Contra Contra Contra
Maria Lopes PS Contra Contra Contra
Jorge Costa BE Contra Contra Contra
Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor
Bruno Dias PCP Contra Contra Contra
José Luís Ferreira PEV Contra Contra Contra
ORDEM DA VOTAÇÃO
PREJUDICADO com a REJEIÇÃO do CAPÍTULO
17 efetivos
7 PSD, 6 PS, 1, BE, CDS-PP, PCP,
PEV
REJEITADA REJEITADA REJEITADA
Página 132
II SÉRIE-B — NÚMERO 50
132
Capítulo 3 (pág. 63 a 77 da versão preliminar do relatório)
3 6 7 10 10 10 10 10 10 10
Capítulo 3Conclusão 1
(pág. 76)
Conclusão 2
(pág. 76)
Recomendação 1
(pág. 76)
Recomendação 2
(pág. 76)
Recomendação 3
(pág. 76)
Recomendação 4
(pág. 77)
Recomendação 5
(pág. 77)
Recomendação 6
(pág. 77)
Recomendação 7
(pág. 77)
Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
António Topa PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Cristóvão Norte PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Duarte Marques PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Helga Correia PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Joel Sá PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helder Amaral CDS-PP Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
17 efetivos
7 PSD, 6 PS, 1, BE, CDS-PP, PCP, PEV
Resultado da Votação APROVADOPREJUDICADA (com
aprovação
da Proposta de
Alteração do PS)
APROVADO APROVADO APROVADOAPROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO
ORDEM DA VOTAÇÃO
Página 133
5 DE JUNHO DE 2019
133
8 4 1 2 5 9
CDS-PP
Proposta 8
(elim todas recom)
pg 76/77
PS
Proposta
(alt. concl. 1)
pg 76)
PSD
Proposta
(alter. redacção do
cap.) - eliminações
pg 63 a 76
PSD
Proposta
(alter. redacção do
cap.) - X aditamentos
pg 63 a 76
PSD
Proposta
(subs. concl. 1 e 2 )
pg 76
PSD
Proposta
(subs. recom 1 a 7)
pg 76/77
Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor
António Topa PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor
Ana Passos PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra
André Pinotes Batista PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra
António Cardoso PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra
Luís Testa PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra
Hugo Costa PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra
Maria Lopes PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra
Jorge Costa BE Contra Favor Contra Contra Contra Contra
Helder Amaral CDS-PP Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor
Bruno Dias PCP Contra Favor Contra Contra Contra Contra
José Luís Ferreira PEV Contra Favor Contra Contra Contra Contra
REJEITADA
17 efetivos
7 PSD, 6 PS, 1, BE, CDS-PP, PCP, PEV
Resultado da Votação REJEITADA
ORDEM DA VOTAÇÃO
APROVADA REJEITADA REJEITADA REJEITADA
Página 134
II SÉRIE-B — NÚMERO 50
134
Capítulo 4 (pág. 78 a 83 da versão preliminar do relatório)
4 10 10 8 10 11 9 13 14 1
Capítulo 4Conclusão 1
(pág. 82)
Conclusão 2
(pág. 82)
Conclusão 3
(pág. 82)
Conclusão 4
(pág. 82)
Conclusão 5
(pág. 82/83)
Conclusão 6
(pág. 83)
Recomendação 1
(pág. 83)
Recomendação 2
(pág. 83)
PSD
Proposta
(adit. título do cap.)
pg 78
Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor
António Topa PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor
Duarte Marques PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor
Helga Correia PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor
Joel Sá PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor
Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Abstenção Contra
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Abstenção Contra
António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Abstenção Contra
Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Abstenção Contra
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Abstenção Contra
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Abstenção Contra
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helder Amaral CDS-PP Contra Favor Favor Contra Contra Abstenção Favor Contra Favor Favor
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção
APROVADOResultado da Votação
ORDEM DA VOTAÇÃO
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADO APROVADO APROVADA
Página 135
5 DE JUNHO DE 2019
135
2 3 7 5 6 12
PSD
Proposta
(alter. redacção do
cap.) - eliminações
pg 78 a 82
PSD
Proposta
(alter. redacção do
cap.) - aditamentos
pg 78 a 82
PSD
Proposta
(adit. nova concl.
[n.º2] a inserir entre a
1 e 3 atuais )
pg 82
PSD
Proposta
(alt. concl. 3) -
eliminações e
aditamentos
pg 82
PSD
Proposta
(alt. concl. 6) -
eliminações e
aditamentos
pg 83
PSD
Proposta
(elim. recom. 1)
pg 83
Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Favor Favor Favor
António Topa PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Ana Passos PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra
André Pinotes Batista PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra
António Cardoso PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Luís Testa PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Hugo Costa PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Maria Lopes PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Jorge Costa BE Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Bruno Dias PCP Contra Contra Contra Contra Contra Contra
José Luís Ferreira PEV Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Resultado da Votação
ORDEM DA VOTAÇÃO
REJEITADA
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
REJEITADA REJEITADA REJEITADAREJEITADA REJEITADA
Página 136
II SÉRIE-B — NÚMERO 50
136
Capítulo 5 (pág. 84 a 92 da versão preliminar do relatório)
4 7 6 7 10 11 1 8 2 3 5 9
Capítulo 5Conclusão 1
(pág. 91)
Conclusão 2
(pág. 92)
Conclusão 3
(pág. 92)
Recomendação 1
(pág. 92)
Recomendação 2
(pág. 92)
CDS-PP
Proposta 2 (aditamento)
pg 86.
CDS-PP
Proposta 9
(elim todas recom)
pg 92.
PCP
Proposta
(substituição de todas as
recom.)
pg 92.
PSD
Proposta
(alter. redacção do cap.) -
eliminações
pg 84
PSD
Proposta
(alter. redacção do cap.) -
aditamentos
pg 84
PSD
Proposta
(alt. concl. 2 )
pg 92
PSD
Proposta
(alt. recom 1)
pg 92
Emídio Guerreiro PSD/PRES Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
António Topa PSD Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra
Helder Amaral CDS-PP Contra Favor Abstenção Favor Contra Abstenção Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Contra Contra Contra Contra
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Contra Contra Contra Contra
REJEITADAAPROVADA APROVADA REJEITADA
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
REJEITADA REJEITADAREJEITADAAPROVADOResultado da Votação APROVADA
ORDEM DA VOTAÇÃO
REJEITADAAPROVADA APROVADARETIRADA PELO
PROPONENTE
Página 137
5 DE JUNHO DE 2019
137
Capítulo 6 (pág. 93 a 120 da versão preliminar do relatório)
4 6 8 9 13 14 15 17
Capítulo 6Conclusão 1
(pág. 117)
Conclusão 2
(pág. 117)
Conclusão 3
(pág.118)
Recomendação 1
(pág. 119)
Recomendação 2
(pág. 119)
Recomendação 3
(pág. 119)
Recomendação 4
(pág. 120)
Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra
António Topa PSD Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra
Cristóvão Norte PSD Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra
Duarte Marques PSD Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra
Helga Correia PSD Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra
Joel Sá PSD Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra
Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra
Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helder Amaral CDS-PP Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
ORDEM DA VOTAÇÃO
Resultado da Votação APROVADA APROVADA APROVADA
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
APROVADO APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA
Página 138
II SÉRIE-B — NÚMERO 50
138
12 10 1 2 3 5 7 11 16
CDS-PP
Proposta 10
(elim todas recom)
pg 119/120
PS
Proposta
(adit. nova concl.)
pg 119
PSD
Proposta
(alter. redacção do cap.) -
eliminações
pg 104 a 117
PSD
Proposta
(alter. redacção do cap.) -
substituições
pg 104 a 117
PSD
Proposta
(alter. redacção do cap.) -
aditamentos
pg 104 a 117
PSD
Proposta
(elim. concl. 1 desde "
Em suma" a "SEN no
mesmo periodo" - pg 118
PSD
Proposta
(elim. concl. 2 desde " O
Secretário de Estado" a "
para o ajustamento final"
- PG 119)
PSD
Proposta
(adit. nova concl.)
pg 119
PSD
Proposta
(elim. recom. 4)
pg 120
Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
António Topa PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Ana Passos PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
André Pinotes Batista PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
António Cardoso PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Luís Testa PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Hugo Costa PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Maria Lopes PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Jorge Costa BE Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Bruno Dias PCP Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
José Luís Ferreira PEV Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra
ORDEM DA VOTAÇÃO
APROVADA REJEITADAREJEITADAResultado da Votação REJEITADA REJEITADA
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
REJEITADA REJEITADA REJEITADA REJEITADA
Página 139
5 DE JUNHO DE 2019
139
Capítulo 7 (pág. 121 a 130 da versão preliminar do relatório)
3 4 4 4 4 6 4 9 11 7 1 2 5 8 10
Capítulo 7Conclusão 1
(pág. 129)
Conclusão 2
(pág. 129)
Conclusão 3
(pág.129)
Conclusão 4
(pág.129)
Conclusão 5
(pág.130)
Conclusão 6
(pág.130)
Recomendação 1
(pág. 130)
Recomendação 2
(pág. 130)
CDS-PP
Proposta 11
(elim todas recom)
pg 130
PSD
Proposta
(alter. redacção do
cap.) - eliminação
pg 125
PSD
Proposta
(alter. redacção do
cap.) - aditamentos
pg 125
PSD
Proposta
(alt. concl 5.)
pg 130
PSD
Proposta
(elim. recom. 1)
pg 130
PSD
Proposta
(alt. recom. 2)
pg 130
Emídio Guerreiro PSD/PRES Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor
António Topa PSD Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
Helder Amaral CDS-PP Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra Abstenção Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra
APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
APROVADAResultado da Votação APROVADA APROVADA
ORDEM DA VOTAÇÃO
REJEITADA REJEITADAREJEITADAAPROVADA APROVADA REJEITADAREJEITADA REJEITADA
Página 140
II SÉRIE-B — NÚMERO 50
140
Capítulo 8 (pág. 131 a 136 da versão preliminar do relatório)
1 2 2 2 2 4 5 5 3
Capítulo 8Conclusão 1
(pág. 135)
Conclusão 2
(pág. 135)
Conclusão 3
(pág.136)
Conclusão 4
(pág.136)
Recomendação 1
(pág. 136)
Recomendação 2
(pág. 136)
Recomendação 3
(pág. 136)
PSD
Proposta
(alt. recom. 1)
pg 136
Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor
António Topa PSD Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor
Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra
António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra
Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra
Helder Amaral CDS-PP Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Favor
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
ORDEM DA VOTAÇÃO
APROVAD0 APROVADAResultado da Votação APROVADA APROVADA APROVADA REJEITADAAPROVADA APROVAD0 APROVAD0
Página 141
5 DE JUNHO DE 2019
141
Capítulo 9 (pág. 137 a 158 da versão preliminar do relatório)
3 4 4 4 6 8 10 1 2 5 7 9
Capítulo 9Conclusão 1
(pág. 158)
Conclusão 2
(pág. 158)
Conclusão 3
(pág.158)
Conclusão 4
(pág.158)
Conclusão 5
(pág.158)
Recomendação
(pág. 158)
PSD
Proposta
(alter. redacção do
cap.) - eliminações
pág. 146 a 157
PSD
Proposta
(alter. redacção do
cap.) - aditamentos
pág. 146 a 157
PSD
Proposta
(adit. concl 4.)
pág. 158
PSD
Proposta
(adit. concl. 5)
pág. 158
PSD
Proposta
(alt. recom. )
pág. 158
Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor
António Topa PSD Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor
Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
REJEITADA REJEITADA
ORDEM DA VOTAÇÃO
APROVAD0Resultado da Votação APROVADA APROVADA APROVADA REJEITADA REJEITADA REJEITADAAPROVADAAPROVADA APROVADA
Página 142
II SÉRIE-B — NÚMERO 50
142
Capítulo 10 (pág. 159 a 165 da versão preliminar do relatório)
1 2 2 4 3
Capítulo 10Conclusão 1
(pág. 164)
Conclusão 2
(pág. 164)
Recomendação
(pág. 164/5)
CDS-PP
Proposta 12
(elim recom)
pg 164/5.
Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Favor Contra
António Topa PSD Favor Favor Favor Favor Contra
Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Favor Contra
Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Favor Contra
Helga Correia PSD Favor Favor Favor Favor Contra
Joel Sá PSD Favor Favor Favor Favor Contra
Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Favor Contra
Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Contra
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Contra
António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Contra
Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Contra
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Contra
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Contra
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Contra
Helder Amaral CDS-PP Favor Abstenção Abstenção Contra Favor
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Contra
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Contra
APROVADA REJEITADAResultado da Votação
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
ORDEM DA VOTAÇÃO
APROVAD0 APROVADA APROVADA
Página 143
5 DE JUNHO DE 2019
143
Capítulo 11 (pág. 166 a 182 da versão preliminar do relatório)
6 7 7 7 7 12 14 14 14
Capítulo 11Conclusão 1
(pág. 181)
Conclusão 2
(pág. 181)
Conclusão 3
(pág. 181)
Conclusão 4
(pág. 182)
Recomendação 1
(pág. 182)
Recomendação 2
(pág. 182)
Recomendação 3
(pág. 182)
Recomendação 4
(pág. 182)
Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
António Topa PSD Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
Cristóvão Norte PSD Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
Duarte Marques PSD Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
Helga Correia PSD Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
Joel Sá PSD Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helder Amaral CDS-PP Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra Contra Contra Contra
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
ORDEM DA VOTAÇÃO
APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADAResultado da Votação APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA
Página 144
II SÉRIE-B — NÚMERO 50
144
3 4 5 9 1 2 8 11 10 13
CDS-PP
Proposta 3
(aditamento)
pg 177.
CDS-PP
Proposta 4
(aditamento)
pg 177
CDS-PP
Proposta 5
(aditamento)
pg 181
CDS-PP
Proposta 13
(elim todas recom)
pg 182
PSD
Proposta
(alter. redacção do
cap.) - eliminações
pg 175 a 181
PSD
Proposta
(alter. redacção do
cap.)
- aditamentos
pg 175 a 181
PSD
Proposta
(adit. duas concl .
Antes atual concl. 4)
pg 182
PSD
Proposta
(alt. recom. 1)
pg 182
PSD
Proposta
(elim. recom. 2,3 4)
pg 158
PS
Proposta
(alt. recom. 2)
pg 182
Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra
António Topa PSD Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra
Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra
Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra
Helga Correia PSD Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra
Joel Sá PSD Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra
Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra
Ana Passos PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor
André Pinotes Batista PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor
António Cardoso PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor
Luís Testa PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor
Hugo Costa PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor
Maria Lopes PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor
Jorge Costa BE Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor
Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra
Bruno Dias PCP Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Abstenção
José Luís Ferreira PEV Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
ORDEM DA VOTAÇÃO
REJEITADA REJEITADAREJEITADA REJEITADA REJEITADAResultado da VotaçãoREJEITADA por
empate
na segunda
votação
REJEITADAREJEITADA REJEITADA REJEITADA
Página 145
5 DE JUNHO DE 2019
145
Capítulo 12 (pág. 183 a 188 da versão preliminar do relatório)
2 3 3 4 5 1 6
Capítulo 12Conclusão 1
(pág. 187)
Conclusão 2
(pág. 187)
PCP
Proposta
(aditamento de nova recom. )
pág. 187.
PCP
Proposta
(aditamento de nova concl.)
pág. 187.
PSD
Proposta
(alter. redacção do cap.) -
aditamentos
pág. 183 a 187
PSD
Proposta
(adit. concl. 2)
pág. 182
Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor
António Topa PSD Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor
Duarte Marques PSD Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor
Helga Correia PSD Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor
Joel Sá PSD Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor
Ana Passos PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
António Cardoso PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
Luís Testa PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra
Helder Amaral CDS-PP Abstenção Contra Contra Contra Contra Favor Favor
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra
REJEITADAResultado da Votação
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
ORDEM DA VOTAÇÃO
REJEITADAAPROVADA APROVADA APROVADA REJEITADA REJEITADA
Página 146
II SÉRIE-B — NÚMERO 50
146
Capítulo 13 (pág. 189 a 190 da versão preliminar do relatório)
3 4 6 8 1 2 5 7
Capítulo13Conclusão
(pág. 190)
Recomendação
(pág. 190)
PCP
Proposta
(aditamento novo capítulo c/
nova conclusão)
entre pg 190 (fim cap.13) e
191 (início cap.14).
PSD
Proposta
(alter. redacção do cap.) -
eliminações
pg 189 a 190
PSD
Proposta
(alter. redacção do cap.) -
aditamentos
pg 189 a 190
PSD
Proposta
(adit. 5 novos §/concl. )
pg 190
PSD
Proposta
(adit. recom. )
pg 190
Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
António Topa PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor
Ana Passos PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
António Cardoso PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
Luís Testa PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
Helder Amaral CDS-PP Contra Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra
REJEITADAAPROVADA APROVAD0 APROVAD0 REJEITADA
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
ORDEM DA VOTAÇÃO
REJEITADA REJEITADA REJEITADAResultado da Votação
Página 147
5 DE JUNHO DE 2019
147
Capítulo 14 (pág. 191 a 195 da versão preliminar do relatório)
1 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Capítulo 14Conclusão 1
(pág. 194)
Conclusão 2
(pág. 194)
Conclusão 3
(pág. 194)
Conclusão 4
(pág. 194)
Conclusão 5
(pág. 194)
Conclusão 6
(pág. 194)
Conclusão 7
(pág. 195)
Conclusão 8
(pág. 195)
Conclusão 9
(pág. 195)
Conclusão 10
(pág. 195)
Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
António Topa PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Ana Passos PS Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção
André Pinotes Batista PS Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção
António Cardoso PS Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção
Luís Testa PS Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção
Hugo Costa PS Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção
Maria Lopes PS Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
APROVAD0 APROVAD0Resultado da Votação
ORDEM DA VOTAÇÃO
APROVAD0 APROVAD0 APROVAD0 APROVAD0 APROVAD0
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
APROVAD0 APROVAD0 APROVAD0 APROVAD0
Página 148
II SÉRIE-B — NÚMERO 50
148
Capítulo 15 (pág. 196 a 197 da versão preliminar do relatório)
1 2
Capítulo 15
Conclusão
capítulo 14 e 15
(pág. 197)
Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor
António Topa PSD Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Favor Favor
Duarte Marques PSD Favor Favor
Helga Correia PSD Favor Favor
Joel Sá PSD Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor
Ana Passos PS Abstenção Abstenção
André Pinotes Batista PS Abstenção Abstenção
António Cardoso PS Abstenção Abstenção
Luís Testa PS Abstenção Abstenção
Hugo Costa PS Abstenção Abstenção
Maria Lopes PS Abstenção Abstenção
Jorge Costa BE Favor Favor
Helder Amaral CDS-PP Favor Favor
Bruno Dias PCP Favor Favor
José Luís Ferreira PEV Favor Favor
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
APROVAD0 APROVAD0Resultado da Votação
ORDEM DA VOTAÇÃO
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5 DE JUNHO DE 2019
149
Conclusões finais (pág. 198 a 203 da versão preliminar do relatório)
2 4 8 10 11 14 16 17 18 20 22 25 26
Conclusão 1
(pág. 198)
Conclusão 2
(pág. 198)
Conclusão 3
(pág. 198)
Conclusão 4
(pág. 198)
Conclusão 5
(pág. 199)
Conclusão 6
(pág. 199)
Conclusão 7
(pág. 199)
Conclusão 8
(pág. 199)
Conclusão 9
(pág. 199)
Conclusão 10
(pág. 199)
Conclusão 11
(pág. 200)
Conclusão 12
(pág. 200)
Conclusão 13
(pág. 200)
Conclusão 14
(pág. 200)
Conclusão 15
(pág. 201)
Conclusão 16
(pág. 201)
Conclusão 17
(pág. 201)
Conclusão 18
(pág. 201)
Conclusão 19
(pág. 202)
Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor
António Topa PSD Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor
André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor
António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor
Carla Tavares PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor
Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor
Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor
Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helder Amaral CDS-PP Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Abstenção Abstenção Contra Contra Favor Favor
Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
PREJUDICADA com
a
aprovação da
Proposta do PS
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
APROVADAPrejudicadas com a
REJEIÇÃO DO CAPÍTULO 2
ORDEM DA VOTAÇÃO
PREJUDICADA com a
aprovação da
Proposta do PSDResultado da Votação APROVADA APROVADA APROVADA
PREJUDICADA
com a
aprovação da
Proposta do PSD
APROVADA
PREJUDICADA
com a
aprovação da
Proposta do
Relator
APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA
Página 150
II SÉRIE-B — NÚMERO 50
150
13 28 6 24
PCP
Proposta
(aditamento à concl. 10,
corretamente renumerada
é conclusão 11 )
pg 199
PCP
Proposta
(aditamento parte II
coclusões gerais)
pg 202
PS
Proposta
(subst. concl. 3)
pg 198
RELATOR
Proposta
(alt. à concl. 17)
pg 201
Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Contra Favor Contra
António Topa PSD Contra Contra Favor Contra
Cristóvão Norte PSD Contra Contra Favor Contra
Duarte Marques PSD Contra Contra Favor Contra
Helga Correia PSD Contra Contra Favor Contra
Joel Sá PSD Contra Contra Favor Contra
Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Contra Favor Contra
Ana Passos PS Contra Contra Favor Favor
André Pinotes Batista PS Contra Contra Favor Favor
António Cardoso PS Contra Contra Favor Favor
Carla Tavares PS Contra Contra Favor Favor
Hugo Costa PS Contra Contra Favor Favor
Maria Lopes PS Contra Contra Favor Favor
Jorge Costa BE Favor Favor Contra Favor
Helder Amaral CDS-PP Contra Contra Abstenção Contra
Bruno Dias PCP Favor Favor Contra Favor
José Luís Ferreira PEV Favor Favor Contra Favor
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
ORDEM DA VOTAÇÃO
Resultado da Votação APROVAD0REJEITADA REJEITADA APROVADA
Página 151
5 DE JUNHO DE 2019
151
1 3 5 7 9 12 15 19 21 23 27
PSD
Proposta
(alter. CF 1.)
pg 198
PSD
Proposta
(adit. CF 2. )
pg 198
PSD
Proposta
(elim. CF 3 )
pg 198
PSD
Proposta
(subs. CF 4 )
pg 199
PSD
Proposta
(subst. CF 5. )
pg 199
PSD
Proposta
(alt. CF 6 )
pg 199
PSD
Proposta
(elim. CF 7.)
pg 199
PSD
Proposta
(alt. CF 8. )
pg 199
PSD
Proposta
(alt. CF 10)
pg 199
PSD
Proposta
(alt. CF 12.)
pg 200
PSD
Proposta
(alt. CF 15. )
pg 201
PSD
Proposta
(adit. CF 16 )
pg 201
PSD
Proposta
(alt. CF 17 )
pg 201
PSD
Proposta
(adit. 2 novas CF)
pg 202
Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
António Topa PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Helga Correia PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Joel Sá PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Ana Passos PS Favor Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra
André Pinotes Batista PS Favor Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra
António Cardoso PS Favor Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra
Carla Tavares PS Favor Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra
Hugo Costa PS Favor Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra
Maria Lopes PS Favor Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra
Jorge Costa BE Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra
Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor
Bruno Dias PCP Contra Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra
José Luís Ferreira PEV Contra Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra
17 efetivos
7 PSD e PS
1 BE, CDS-PP, PCP, PEV
ORDEM DA VOTAÇÃO
Resultado da Votação REJEITADAAPROVADA REJEITADAREJEITADA REJEITADA REJEITADAREJEITADA APROVADA REJEITADAPrejudicadas com a
REJEIÇÃO DO CAPÍTULO 2 REJEITADAREJEITADA
Página 152
II SÉRIE-B — NÚMERO 50
152
Declarações de voto apresentadas pelo PSD, pelo PS, pelo CDS-PP, pelo BE e pelo PCP
Foi o anterior Governo do PSD/CDS-PP quem, pela primeira vez, colocou a temática das rendas
excessivas no centro das preocupações governativas e apontou para a necessidade de aplicação de medidas
corretivas.
Foi o anterior Governo do PSD/CDS-PP quem, pela primeira vez, definiu e aplicou sem instabilidade social
ou para o setor medidas corretivas que, de acordo com os dados contabilizados pela ERSE executados até
2017 e projetados até 2020, mas que sabemos se prolongam para além daquele prazo, equivalem a cortes no
montante global de 2048 milhões de euros, dos quais 718 milhões de euros com impacto direto e negativo na
EDP.
Foi o Grupo Parlamentar do PSD quem, no decurso dos trabalhos desta Comissão Parlamentar de
Inquérito, apurou que, em 2007, durante a governação do Eng.º José Sócrates, foi assinado um novo contrato
de concessão da RNT à REN, a título gracioso, ou seja, sem qualquer contrapartida económica para o Estado,
uma vantagem económica que ao contrário de todas as outras rendas, custos, sobrecustos, benefícios e
privilégios identificados, nunca havia sido referenciada em qualquer estudo de reguladores, especialistas ou
consultores da área.
A resposta à pergunta sobre a existência de rendas excessivas é pois mais do que óbvia.
O Grupo Parlamentar do PSD veio para esta Comissão Parlamentar de Inquérito motivado apenas pela
descoberta da verdade material, pelo apuramento das responsabilidades políticas, sem conclusões no bolso e
sem preconceitos ideológicos.
O Relatório Final aprovado, refira-se apenas com os votos da maioria parlamentar de esquerda, é uma
tentativa de reescrever a história, orientada sobretudo pelo habitual desígnio político do Bloco de Esquerda,
contra as empresas e contra as renováveis.
Na verdade, o Relatório Final não reflete a realidade vivida por todos quantos participaram e colaboraram
com esta Comissão Parlamentar de Inquérito, não reflete os factos que nela foram inequivocamente apurados,
seja por via dos depoimentos prestados em mais de 200 horas de inquirição, seja pelos mais de 13 mil
documentos reunidos.
Tudo serviu o propósito de reescrever a história.
Muitos juízos assentam mais em depoimentos meramente opinativos do que em factos sobejamente
documentados e, portanto, facilmente verificáveis.
Muitos juízos decorrem de interpretações claramente abusivas dos normativos legais.
É manifesta a seletividade intencional de parte de conteúdos dos pareceres da ERSE e da Autoridade da
Concorrência, omitindo-se, quando não interessa à narrativa dominante, a circunstância de não se terem
materializado no tempo os riscos nos mesmos antecipados.
Muitos factos dados como assentes não são mais que opiniões estritamente pessoais ou partidárias que,
ademais, não foram sujeitas ao normal escrutínio do contraditório.
Muitos depoimentos são destacados e outros são de todo descartados e desconsiderados.
Na verdade, o Relatório Final faz tábua rasa do amplo contraditório produzido nas audições e apresenta
conclusões e, concomitantemente, recomendações apoiadas nas convicções apenas e tão só do Deputado
Relator que se recusa a vergar à realidade dos factos.
Ao longo de todos os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito, o Grupo Parlamentar do PSD teve
sempre a preocupação de tratar dos assuntos com a maior profundidade e tecnicidades possíveis que os
temas exigiam, tudo com o intuito de apurar a verdade dos factos e não com a ligeireza de quem apenas
pretendia um sound-bite para veicular nos meios de comunicação social.
Numa Comissão de natureza essencialmente técnica e que se reporta a factos passados e verificáveis, não
se justifica, nem se aceita, uma visão sectária como aquela que acabou espelhada no Relatório Final.
Exige-se rigor, factualidade e veracidade.
Página 153
5 DE JUNHO DE 2019
153
Nesse sentido, apresentámos à proposta de relatório final mais de quatro centenas e meia de propostas,
com as quais se pretendia afastar a visão excessivamente ideológica do Deputado Relator sobre os temas da
energia, contextualizar algumas conclusões, colmatar omissões, corrigir deficiências, eliminar inverdades.
Nenhuma mereceu a concordância do PS, BE e PCP. Todas foram votadas desfavoravelmente. Agora se
percebe a razão pela qual aqueles partidos impuseram que a votação se fizesse por blocos e não proposta a
proposta. Tudo fora combinado, tudo fora previamente acordado entre aqueles partidos em nome de um
interesse político de ocasião.
Votar proposta a proposta tornaria mais claro aos olhos dos portugueses a contradição, a incoerência ou a
falta de sustentabilidade de muitos dos considerandos, conclusões e recomendações.
Votar proposta a proposta evidenciaria que muitas eram de mera referência a diplomas legislativos.
Nada passou. O recurso ao “rolo compressor” sobre as propostas do Grupo Parlamentar do PSD tinha sido
previamente acordado por aquelas três forças partidárias.
Um “rolo compressor” que só falhou quando o PS, após rejeitar as propostas de alteração do PSD, decidiu
“passar a perna” aos seus parceiros e deixar cair todo o Capítulo 2, branqueando assim a história.
Com tudo isto o setor da energia sai prejudicado, a instabilidade no setor aumenta, a credibilidade do
Estado degrada-se, a condição de investimento estrangeiro no país piora, o cumprimento das metas do Plano
Nacional de Energia e Clima 2030 e os objetivos do RNC 2050 podem ser postos em causa.
O país e os portugueses ganhariam muito se a verdade não fosse atropelada.
Se os juízos assentassem em factos documentados, se não decorressem de interpretações abusivas dos
normativos legais, se não se operasse uma seletividade dos pareceres dos reguladores, se os depoimentos
dos especialistas não fossem obliterados, se o contraditório fosse respeitado, se o rigor fosse observado, se
imperasse o apuramento da verdade dos factos, o Relatório Final que os portugueses conheceriam teria os
seguintes capítulos, conclusões e recomendações:
Capítulo 1
Dos CAE aos CMEC
1. Contratos de Aquisição de Energia
1.1. Criação dos CAE
Tal como é explicado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 182/95, na sequência da abertura do setor elétrico à
iniciativa privada em 1988, o Decreto-Lei n.º 99/91 veio definir princípios gerais aplicáveis ao exercício das
atividades de produção, transporte e distribuição de energia elétrica. Paralelamente, a desintegração vertical
da EDP, enunciada nos Decretos-Leis n.os 7/91 e 131/94, deu origem a empresas vocacionadas a cada uma
daquelas atividades.
A outorga dos primeiros CAE ocorreu em 1992 e 1993, às centrais térmicas da Turbogás, a gás natural, e
da Tejo Energia, a carvão, já então em construção.
Em 1995, com vista a “garantir a transparência no relacionamento dos diferentes intervenientes no sector e
permitir o equilíbrio entre as diversas formas de organização que o sector admite”, foi revisto o Decreto-Lei n.º
99/91.
Para a compreensão do contexto concreto da criação dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE)
parece-nos pertinente fazer uso das declarações a este respeito do Senhor Eng.º Mira Amaral que, nesta
parte, não foram nesta CPIPREP contraditadas por nenhum outro inquirido, nem são infirmadas por nenhuma
documentação. Procuraremos resumi-las como segue.
Em 1987 a EDP era uma empresa totalmente pública, verticalmente integrada e numa situação altamente
debilitada, fruto de dois passivos distintos e importantes. O primeiro proveniente da dívida dos Municípios e o
segundo proveniente da dificuldade de financiamento internacional da República Portuguesa, que utilizava por
isso a EDP para “ir buscar dólares ao mercado internacional em nome da República Portuguesa num período
dramático de crise de divisas para Portugal. (…) Isso gerou um passivo cambial tremendo” (depoimento de
Mira Amaral).
Havia, nessa altura, a necessidade de investir fortemente na rede de distribuição e no aumento da
capacidade de produção. Para tanto, considerada a fragilidade financeira da EDP, optou-se por captar
investimento privado estrangeiro para esses investimentos, de onde surgiram, então, os primeiros Contratos
Página 154
II SÉRIE-B — NÚMERO 50
154
de Aquisição de Energia (CAE), o da Central do Pego, a carvão, em 1993 e o da Tapada do Outeiro, em gás
natural, em 1994.
A rentabilidade destes dois CAE foi definida em concurso público internacional, com base na menor taxa
exigida para a execução do investimento. Por definição, taxas resultantes de concursos não são suscetíveis de
integrarem o conceito de rendas excessivas, uma vez que refletem a rentabilidade mínima exigida pelo
mercado para um ativo com determinadas características. A taxa de remuneração resultante destes contratos
foi de, aproximadamente, 10% do investimento efetuado.
Em 1995, com o intuito de enquadrar as alterações que vinham sendo efetuadas no setor,
designadamente, a abertura do sector a operadores privados, são publicados os Decretos-Leis n.os 182 a
188/95, que configuraram as bases do sistema elétrico português, pelos dez anos que se seguiram.
Para a nossa análise, releva especialmente a criação do sistema vinculado de produção de energia, no
qual eram celebrados contratos bilaterais entre a Rede Nacional de Transporte (REN) e os produtores de
energia. Os contratos que regiam essa relação eram os CAE. Esta legislação pressupunha que os contratos
de vinculação ao SEN deveriam ser contratos exclusivos e de médio-longo prazo, sendo, todavia, omissa
sobre quaisquer outras condições ou vicissitudes contratuais.
1.2 Extensão dos CAE à EDP
Em 1996, o Governo, então liderado pelo Eng.º António Guterres, decidiu estender a figura dos CAE às
centrais de produção da EDP, ao abrigo do conceito legal de vinculação ao SEN. Tal extensão terá sido
suportada também na letra do Decreto-Lei n.º 182/95 que, no seu artigo 17.º considera integrados no SEP (por
oposição ao sistema não vinculado que se caraterizava pela inexistência de CAE) os centros electroprodutores
da então CPPE, hoje EDP.
À luz do dispositivo legal de então e também por decisão política, o Governo entendeu que os CAE da EDP
deviam ser em tudo semelhantes aos CAE privados, exceto no que respeitava à definição da taxa de
remuneração pois, diferentemente do que sucedia nos CAE privados, esta taxa não foi resultante de
determinação concursal, mas sim de um ato administrativo de fixação. Fixou-se o nível de rentabilidade que se
verificava à data e que era menor, naquele momento, do que a taxa dos CAE privados.
Os CAE da EDP conferiram-lhe ainda um conjunto de direitos especiais, nomeadamente, o da possibilidade
de estender a exploração dos ativos para além do seu termo contratual, através de uma negociação direta
entre as partes contraentes.
Em 1996, o grupo EDP celebrou, assim, contratos de aquisição de energia entre duas empresas do grupo –
a CPPE (hoje EDP Produção), vendedora, e a REN, compradora. Esses contratos abrangeram centrais
construídas entre 1954 e 1993, nomeadamente 27 centrais hidroelétricas, uma central a carvão, três centrais a
fuelóleo e duas centrais a gasóleo, correspondentes a 7330 MW de capacidade instalada.
Os CAE da EDP enquadraram, assim, a remuneração contratualizada das centrais, imunizando-as a
quebras de preço, quebras de produção, subidas dos custos com combustíveis ou regimes hidrológicos menos
favoráveis, prevenindo o impacto da liberalização do mercado interno da eletricidade e a possibilidade de
estender a exploração dos ativos para além do seu termo contratual, através de uma negociação direta entre
as partes contraentes.
Para esta opção política pela atribuição à EDP desta remuneração por 20 anos, terá pesado não apenas a
necessidade de clarificar o quadro de operação e remuneração em linha com o contexto económico à data,
mas também a necessidade do robustecimento financeiro da empresa, de modo a acomodar duas
necessidades, a saber: pagar os passivos provenientes da dívida dos municípios e do financiamento
internacional da república e oferecer garantias de rentabilidade futura que dinamizassem o processo da
privatização da EDP. Cerca de 70% do capital da EDP viria a ser privatizado nos cinco anos que se seguiram.
Assim, e de acordo com a maioria dos depoimentos prestados sobre esta matéria a esta Comissão, o maior
beneficiário destas rendas da EDP foi o Estado, na direta medida em que arrecadou, tanto pelo valor da
privatização da empresa como pelos dividendos entretanto recebidos, todo o valor que hipoteticamente
poderia ser considerado como renda excessiva, razão pela qual se classificou esta operação como de
desorçamentação.
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“[Em 1996] foi criada a maior renda alguma vez criada em Portugal. Foi quando os PPA [CAE, em
português], que tinham sido criados para o investimento da Tejo Energia e da Turbogás, foram extensíveis às
centrais da EDP. (…) Provavelmente, a extensão dos CAE às centrais da EDP teve a ver com tornar uma
empresa que estava muito descapitalizada numa empresa com um balanço mais são para poder ser
privatizada”.
(João Talone, presidente da EDP 2003-2006)
“Os CAE foram celebrados tomando como referência os concursos internacionais para as Centrais do Pego
e da Tapada do Outeiro, dado que o governo da época quis iniciar o processo de venda das acções da EDP,
definindo preços contratualizados, os quais tomaram como referência os preços dos concursos internacionais
realizados anteriormente nas referidas centrais”.
(Eduardo Catroga, ministro das finanças em 1995, presidente do CGS da EDP em carta a Caldeira Cabral
e Mário Centeno, 17 de março 2016)
“(…)Portanto, Senhor Deputado, estes são os dois argumentos que vejo (…) o primeiro é por uma questão
de igualdade relativamente às centrais privadas que já existiam; e o segundo, para mim, e porque sei como é
que os Governos funcionam, é que normalmente os Governos gostam de embelezar a noiva para privatizar –
os Ministros das Finanças mandam nisto e, portanto, é preciso sacar mais receita. E quanto mais a noiva
estiver embelezada, nesse caso a empresa a privatizar, mais obtemos de receitas das privatizações.”
(Mira Amaral, Ministro da Energia e da Indústria de 1987 a 1985, em excerto de transcrição do seu
depoimento à CPIREPE).
“Não tenho dúvida nenhuma de que o objetivo foi tentar — como se costuma dizer, em linguagem mais
banal — «engordar o porco» para depois o vender, só que não se pode fazer isso à custa da competitividade
do País e dos consumidores. O que aconteceu foi que, quando foi feita essa legislação, em 1995, não estava
em vigor a Diretiva 96/92/CE. Por isso, essa era uma prática corrente que foi, aliás, seguida noutros países.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Foi uma desorçamentação?
O Sr. Eng.º Pedro de Sampaio Nunes: — Exatamente! Isso foi feito, foi preparado, no sentido de melhorar
e tornar o mais atrativa possível a EDP para a irmos privatizando por fatias com estes ativos.”
(Eng.º Pedro Sampaio Nunes, em Excerto da transcrição do seu depoimento à CPIPREPE)
Na CPIPREPE, Pedro de Sampaio Nunes foi o único depoente a considerar existir uma colisão destes
contratos com os dois primeiros pontos do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
(este tema é aprofundado no ponto 2.5 deste capítulo):
“1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as
decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afetar o
comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a
concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:
a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de
transação;
b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes
colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações
suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto
desses contratos.
2. São nulos os acordos ou decisões proibidas pelo presente artigo”.
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“Agora, se, por acaso, der razão a esta visão — o que me parece óbvio —, nessa altura, haverá uma
questão que tem de ser decidida: a dívida passa para as empresas, que, ao comprarem, tinham de fazer uma
due diligence e eram obrigadas a conhecer o direito aplicável e, por isso, compraram ativos a risco; ou a dívida
é do Estado, que vendeu «gato por lebre»? Neste último caso, a dívida passará para os contribuintes. De
qualquer forma, melhora muito a situação na energia: é que deixam de ser as famílias e as pequenas e médias
empresas e passam a ser os contribuintes a ter de pagar esse diferencial.”
(Eng.º Pedro Sampaio Nunes, Excerto da transcrição do seu depoimento à CPIPREPE).
No início do 2.º milénio, a liberalização do mercado de eletricidade e a abertura à concorrência foi
apresentada pelas instâncias comunitárias e pelos diferentes Governos que sucessivamente reiteraram a
vontade de construir um mercado ibérico da eletricidade concorrencial. De facto, a liberalização era uma
oportunidade para a redução de custos para os consumidores, assente na separação vertical das empresas do
setor e na cessação de contratos vinculados e com remunerações garantidas.
No entanto, essa promessa estava em contradição com a própria lógica de uma privatização assente no
valor económico de preços contratualizados. Por essa razão, a legislação de 2003 e 2004 que veio a
enquadrar a cessação dos CAE foi produzida com o objetivo expresso de manter o equilíbrio contratual dos
CAE, “permitindo, simultaneamente, a colocação em mercado da energia dessas centrais e o aumentando o
nível de risco até então enfrentado pelas operadores”.
(excerto de depoimento da Dra. Beatriz Milne nesta CPIPREPE, a propósito das razões pelas quais os
restantes operadores não cessaram os respetivos CAE).
2. Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC)
2.1. Introdução
A perspetiva de entrada em vigor do MIBEL, cujas primeiras intenções de construção datam de finais da
década de 90 e foram desde então reiteradas por diversos Governos e ratificadas pela Assembleia da
República (Resolução da Assembleia da República n.º 33-A/2004 ou Resolução da Assembleia da República
n.º 23/2006), e as imposições de várias diretivas europeias (sendo a de 2003/54/CE a mais recente à data),
obrigou à transição do sistema eletroprodutor português para um regime de mercado liberalizado. Porém, a
quase totalidade das centrais elétricas do país encontrava-se abrangida por contratos Contratos de Aquisição
de Energia (CAE), celebrados entre a REN e os produtores de eletricidade, que teriam de ser cessados para
dar lugar ao mercado.
Na preparação do processo legislativo para a transição para o mercado liberalizado, um dos pontos em
discussão entre o governo e os vários intervenientes no setor foi precisamente a forma de cessação desses
CAE.
Importa reconhecer à partida que, sendo Portugal um Estado de Direito e sendo os CAE contratos entre
duas partes, a sua cessação antecipada não poderia ser realizada unilateralmente. Caso o fosse, aplicar-se-
iam as cláusulas dos CAE para essa situação o que levaria ao pagamento de indemnizações incomportáveis
em favor dos produtores. Assim, a negociação e o acordo com os produtores era não apenas aconselhável,
mas necessária para a defesa dos interesses nacionais.
A ERSE argumentou a favor de uma negociação aberta pelo Estado junto dos produtores com vista a
estabelecer, com o mecanismo de transição, novas condições económicas e financeiras. Do lado dos
produtores, havia uma firme oposição à redução dos níveis de rentabilidade garantidos nos CAE.
Essas negociações existiram e tiveram como resultado os acordos de cessação dos CAE no co caso da
EDP e não tiveram sucesso com os demais operadores titulares de CAE. Mantendo essa situação até hoje.
Segundo as palavras da Dr.ª Beatriz Milne nesta Comissão, os outros operadores não iriam aceitar passar
para uma situação com maior risco.
O Decreto-Lei n.º 185/2003, aprovado pelo Governo PSD/CDS liderado por Durão Barroso, estabelece as
regras gerais para a criação do MIBEL e define a necessidade de cessação dos CAE e da criação de medidas
compensatórias no processo de transição para o mercado. Estas medidas dariam forma a “um mecanismo
destinado a manter o equilíbrio contratual subjacente, designado por custos para a manutenção do equilíbrio
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contratual” (artigo 13.º). O mesmo ponto remete para diploma específico o desenho deste mecanismo, as
formas de pagamento e de repercussão nas tarifas.
Também a ERSE, no respetivo parecer de Maio de 2004 ao projeto a legislação dos CMEC, referiu a
necessidade de existência de medidas compensatórias.
É neste contexto que o Decreto-Lei n.º 240/2004 vem definir as condições da cessação dos CAE e as
medidas compensatórias no processo de transição para o mercado. A preparação deste diploma, a sua
redação final e a legislação subsequente, são elementos fundamentais para clarificar os impactos destas
medidas nas tarifas pagas pelos consumidores. Nos trabalhos da CPIPREPE, foram abordados três grandes
tópicos quanto ao período de preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004:
● O primeiro é sobre a necessidade de manutenção do equilíbrio contratual dos CAE na passagem para o
mercado liberalizado. Perante a necessidade de alteração à legislação nacional por força da legislação
europeia de 1996 e 2003, e sendo à data o Estado Português detentor da REN e acionista de controlo da
EDP, importa apurar se o governo teria margem legal e política para, nesta transição, negociar condições mais
vantajosas para os consumidores;
● O segundo ponto é sobre a efetiva manutenção do equilíbrio contratual dos CAE no Decreto-Lei n.º
240/2004 e na legislação subsequente. Tomando o anunciado objetivo de neutralidade económico-financeira
do Decreto-Lei n.º 240/2004, importa aferir a manutenção de condições equivalentes na transição dos CAE
para os CMEC. Assim, sempre que não sejam mantidas condições equivalentes, importa quantificar
disparidades, identificar responsáveis e medidas para a sua correção;
● O terceiro ponto diz respeito ao enquadramento da manutenção do equilíbrio contratual no quadro
legislativo europeu em matéria de concorrência. Neste ponto, foram levantadas dúvidas na CPIPREPE sobre o
processo de aprovação pela Comissão Europeia (CE) dos mecanismos de ajuda de Estado associados ao
Decreto-Lei n.º 240/2004. Foram interpelados os representantes dos governos da época e analisada a troca
de correspondência entre o governo e as autoridades europeias. Importa, portanto, averiguar a qualidade
deste processo e das decisões europeias.
Estes três pontos serão discutidos separadamente nas seções 2.3, 2.4 e 2.5 respetivamente. Para um
melhor enquadramento, o presente capítulo inicia-se com uma breve descrição dos acontecimentos
respeitantes ao período preparatório do Decreto-Lei n.º 240/2004, na qual é exposto o encadeamento dos
factos relevantes e da produção de informação disponível no momento da decisão política. A secção 2.6
apresenta as principais conclusões e recomendações da CPIPREPE sobre os assuntos discutidos neste
capítulo.
Por fim, importa referir que a aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 implicava decisões e legislação
subsequentes, em particular para o período posterior aos CAE, fosse quanto à concessão do domínio público
hídrico fosse quanto aos termos legais e económicos da continuidade da exploração da central termoelétrica
de Sines. Por terem sido objeto de particular atenção da CPIPREPE, estes temas serão analisados em
capítulos próprios deste relatório.
2.2. Breve descrição dos acontecimentos
A preparação da legislação relativa aos CMEC é um processo que decorre ao longo dos anos 2003 e 2004
e que culmina na publicação do Decreto-Lei n.º 240/2004, em dezembro, e na homologação dos contratos de
cessação dos CAE da EDP, já no início de 2005. Durante os primeiros meses de 2004, os gabinetes do
ministro Carlos Tavares e do secretário de Estado Franquelim Alves mantiveram várias reuniões em paralelo
com ERSE, AdC e REN bem como com os representantes dos produtores (EDP, Turbogás e Tejo Energia). A
DGEG participa também neste processo desde cedo, pelo menos de forma passiva, como comprova a troca
de correspondência entre o Governo e a REN sobre o projeto do DL. Mais tarde, é a própria DGEG que
notifica os serviços da Direção Geral da Concorrência da Comissão sobre a preparação da legislação dos
CMEC.
Após mais duas cartas de esclarecimento aos serviços da CE, várias reuniões entre o Governo português e
Bruxelas, a Comissão aprova o mecanismo de Auxílio Estatal, não levantando quaisquer objeções ao Decreto-
Lei n.º 240/2004.
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Durante o verão de 2004, o governo do primeiro-ministro Durão Barroso é substituído pelo de Santana
Lopes. É já o novo Secretário de Estado, Manuel Lencastre, a receber os pareceres da DECO e do Instituto do
Consumidor, que se queixam dos prazos de resposta que lhes foram dados e da falta de meios técnicos que
dispõem para elaborar um parecer sobre uma legislação de natureza tão complexa. Ao mesmo tempo,
chegam também os comentários da EDP, Turbogás e Tejo Energia.
2.3. A manutenção do equilíbrio contratual foi uma escolha política tomada entre um conjunto de
opções
Esta secção é dedicada à primeira decisão política do governo sobre o processo de cessação dos CAE na
transição para o MIBEL. O governo português assumiu a vontade de manter o equilíbrio contratual e ressarcir
integralmente os produtores pela cessação antecipada dos CAE. Esta vontade é anterior à preparação do
Decreto-Lei n.º 240/2004. Já faz parte do Decreto-Lei n.º 185/2003, que estabelece as regras gerais para a
criação do MIBEL. No artigo 13º deste diploma são definidos os objetivos e as justificações para a introdução
dos Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC):
“A cessação dos contratos vinculados a que se refere o número anterior implica a adopção de medidas
indemnizatórias, tendo em vista o ressarcimento dos direitos dos produtores através de um mecanismo
destinado a manter o equilíbrio contratual subjacente, designado por custos para a manutenção do equilíbrio
contratual (CMEC).
Os CMEC deverão garantir a compensação dos investimentos realizados e a cobertura dos compromissos
nos CAE que não sejam garantidos pelas receitas expectáveis em regime de mercado.”
Refira-se que os CAE continham disposições detalhadas e específicas dedicadas às
indemnizações/compensações a pagar aos respetivos titulares, no caso de cessação antecipada, motivadas
por razões não imputáveis aos produtores. Estas indemnizações/compensações implicavam o pagamento
integral e à cabeça do valor dos contratos em vigor.
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Nos seus trabalhos, a CPIPREPE procurou identificar as razões que levaram o governo português a adotar
o modelo do equilíbrio contratual como base para a transição dos CAE para o mercado, em detrimento de
outras alternativas que pudessem ter menor impacto nas condições de mercado e na fatura dos consumidores
de eletricidade. Nesta secção, apresentam-se as alternativas propostas pela ERSE e pela AdC nos diferentes
pareceres que entregaram ao governo em 2004 e analisam-se ainda as posições do governo bem como dos
produtores de eletricidade de então.
2.3.1. Posição da ERSE
Em fevereiro de 2004, a ERSE envia ao Governo um documento com comentários preliminares à versão de
trabalho do Decreto-Lei n.º 240/2004 e, em maio de 2004, remete o parecer oficial sobre o mesmo diploma.
Nestes dois momentos, o regulador opina sobre os aspetos jurídicos relacionados com a cessação dos CAE e
entrada em vigor dos CMEC.
Segundo a ERSE, a cessação dos CAE é imposta pela aprovação de uma diretiva europeia, evento alheio
à vontade do Estado português. Ora, segundo a ERSE, esse facto altera as circunstâncias indemnizatórias
previstas nos CAE e abre espaço ao governo para negociar outra solução com os produtores.
“Por força desta Directiva, os contratos de aquisição de energia celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º
183/95 deixam de poder vigorar na ordem jurídica interna, determinando a sua caducidade.
Esta circunstância altera profundamente os termos e as disposições aplicáveis ao regime indemnizatório
previsto quer no citado diploma quer no respectivo contrato.
Esta alteração decorre desta Directiva Comunitária, impondo-se quer à vontade do Estado Português quer
à vontade das partes contratantes.
Com efeito, o direito comunitário, nos termos da Constituição da República Portuguesa, tem primazia sobre
o direito nacional. Daqui resulta que o equilíbrio contratual há-de decorrer, não nos termos expressos
contratuais, mas das novas circunstâncias, segundo juízos de equidade. Quer isto dizer que as modificações
ao contrato para salvaguarda do seu equilíbrio têm pleno enquadramento nos princípios estabelecidos no
artigo 437.º do Código Civil (CC) que dispõe sobre a resolução ou modificação do contrato por alterações das
circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar”
(comentários preliminares ERSE).
No seu parecer de maio de 2004, a ERSE completa:
“A extinção dos CAE por imperativos da obrigatoriedade do cumprimento da Directiva 2003/54/CE altera
profundamente, em termos estritamente jurídicos, as condições aplicáveis ao regime indemnizatório previsto
no Decreto-Lei n.º 183/95 e nos respectivos contratos de vinculação. É que esta extinção impõe-se
objectivamente quer à vontade do Estado Português quer à vontade das partes contratantes.
Na verdade, o direito comunitário tem primazia sobre o direito nacional, sendo certo que o Estado
Português está sujeito ao cumprimento obrigatório da transposição para o direito nacional das Directivas
Comunitárias. Esta realidade altera significativamente as circunstâncias legais e factuais em que as partes
fundaram a celebração do contrato. Ora, a modificação das circunstâncias em que as partes celebraram os
CAE tem previsão na disciplina do artigo 437.º do Código Civil. Ou seja: a extinção dos CAE por força da
transposição da Directiva 2003/54/CE, ou pela sua invocação, altera as circunstâncias indemnizatórias
previstas no Decreto-Lei n.o 183/95”.
(Parecer da ERSE ao projeto de decreto-lei 240/2004)
Com base nestes argumentos jurídicos, a ERSE assumindo explicitamente que seria necessário
compensar os produtores pela cessação antecipada dos CAE, preconiza a abertura de negociações com os
produtores, por parte do governo, com vista a obter melhores condições para os consumidores no mecanismo
de transição para mercado, uma vez que a cessação dos CAE resulta de imposição europeia e não da
vontade do Estado Português.
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Durante a audição na CPIPREPE, Jorge Vasconcelos dá o exemplo do que se passou em Espanha na
transição de um quadro legal estável (que garantia aos produtores uma remuneração através de valores
publicados anualmente pelo governo espanhol) para o quadro do MIBEL:
“O que o governo espanhol fez foi chamar os produtores, sentá-los à mesa da negociação e dizer: minhas
senhoras e meus senhores, vamos liberalizar o setor espanhol, não podemos continuar a dar estas garantias,
vamos negociar uma solução de transição em que não vamos, pura e simplesmente, eliminar toda e qualquer
forma de garantia, vamos, sim, dar aos produtores uma garantia transitória — o mecanismo que foi
implementado em Espanha chamava-se, de facto, custos de transição para a concorrência (CTC), que são os
nossos CMEC, no fundo — e vamos, já aqui à cabeça, negociar um desconto e esse desconto foi de 30%.”
(Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1997-2007)
Assim, a posição oficial da ERSE, presente nos vários pareceres da entidade reguladora sobre o Decreto-
Lei n.º 240/2004, era a de que haveria margem legal para uma negociação com os produtores no sentido de
obter condições mais favoráveis para os consumidores e para o próprio funcionamento do mercado.
2.3.2. Posição do Governo
A seguir-se a letra dos CAE, os produtores teriam de ser indemnizados não apenas pelo valor residual das
centrais, mas também pelo valor dos lucros cessantes. Ora, esta indemnização assumiria claramente um valor
incomportável para o Orçamento do Estado ou para os consumidores de energia elétrica.
Assim, o governo de Durão Barroso optou por desenhar um mecanismo que evitava o pagamento das
compensações previstas à cabeça, e recuperar através das receitas auferidas no mercado de eletricidade
pelos produtores pelo menos parte da compensação que lhes era devida. O remanescente da compensação
para assegurar a manutenção do equilíbrio contratual seria então o designado CMEC.
Assim, desde cedo, a posição do ministro Carlos Tavares foi a de cessar os CAE e adotar um novo quadro
regulatório que oferecesse aos produtores condições equivalentes aos anteriores contratos, mas optando por
desenhar um mecanismo que evitava o pagamento das compensações previstas àcabeça, e recuperava aos
produtores, através das receitas auferidas no mercado de eletricidade, pelo menos parte da compensação que
lhes era devida. O remanescente da compensação para assegurar a manutenção do equilíbrio contratual seria
então o designado CMEC.
Nos documentos a que a CPIPREPE teve acesso, assim como nas declarações em audição dos
representantes e assessores do governo responsáveis pela elaboração do Decreto-Lei n.º 240/2004, registam-
se quatro argumentos principais para a adoção de um sistema de manutenção do equilíbrio contratual pré-
existente.
a) Impossibilidade de negociação por blindagem dos CAE
Ao longo das várias audições a membros do governo no período de preparação dos CMEC (2003-2005), foi
claro o argumento jurídico de que os CAE eram muito blindados e que só um acordo entre os produtores e o
governo poderia desfazer os CAE. Uma prova disso, dizem os membros de governo na comissão, é o facto de
haver dois produtores, Turbogás e Tejo Energia, que não chegaram a acordo com a REN e com o governo
para a transição para os CMEC e ainda hoje mantêm os seus CAE.
Assim, assumir uma posição negocial que alterasse os valores e os direitos garantidos à EDP nos CAE, tal
como foi feito em Espanha, não seria possível para o governo de então. O principal argumento para a não
negociação é a existência de um contrato, instrumento que não existia em Espanha, tido como inalterável pelo
governo, como argumentam Ricardo Ferreira e João Conceição na CPIPREPE:
“Se alguma coisa fosse forçada ou alterasse de alguma forma o equilíbrio contratual, a cláusula lender of
last resort, que estava nos CAE, seria invocada. Isto quer dizer que no dia a seguir esses produtores
entregariam a chave, as pessoas, e diriam: «Olhem, quero os lucros cessantes, por favor, e o valor residual»
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se o houvesse ou coisa que o valha. Portanto, a cláusula era deste género. Na resposta que dou às objeções
feitas pela Autoridade da Concorrência nacional [Nota enviada pelo ministro Carlos Tavares a Abel Mateus,
abril 2004], penso que faço lá uma menção a essa cláusula — lender of last resort”.
(audição Ricardo Ferreira, adjunto do ministro Carlos Tavares)
“A EDP tinha um contrato com uma outra entidade que lhe dava um conjunto de direitos e o que o Estado
estava a pedir à EDP era para, simplesmente, anular esse contrato. Esta é uma realidade (…) bastante
diferente do que acontecia em Espanha. É que, em Espanha, os CTC estavam assentes num direito atribuído
aos produtores por legislação e, como é óbvio, o governo e o legislador, o parlamento, são soberanos para
alterar a legislação. O caso em Portugal era bastante diferente, pois a EDP tinha nas mãos um contrato muito
rígido e muito protetor do produtor.”
(audição João Conceição, assessor do secretário de Estado Franquelim Alves)
O Governo da altura discorda da opinião da ERSE segundo a qual haveria margem para baixar a
rentabilidade. E a prová-lo, argumentam os depoentes, estava o facto de ter havido centrais que nem sequer
aceitaram a manutenção do equilíbrio contratual.
Por seu turno, soluções como a adotada em Espanha não estariam ao alcance do Governo Português
porquanto a situação nacional se caraterizava pela existência de contratos, inexistentes em Espanha.
Finalmente, e como adiante se verá, vários depoentes apontam a realidade fáctica de que a própria
Comissão Europeia aprovou o mecanismo de manutenção de equilíbrio contratual, o que de per se indicia que
não haveria espaço a redução das rentabilidades.
b) Proteção da EDP como companhia portuguesa
No caso de o governo optar por alternativas aos CMEC, por exemplo abrindo concurso para centros
electroprodutores, as empresas espanholas passariam a poder operar centrais em território português,
ganhando uma vantagem competitiva no mercado ibérico, uma vez que a EDP não teria a possibilidade de
fazer o mesmo do lado de Espanha, onde os CTC já estavam aprovados.
Esta linha de argumentação ficou bem explícita na resposta do governo. Na resposta do Ministério da
Economia ao parecer da Autoridade da Concorrência, que propunha um modelo de leilões de capacidade
virtual como alternativa aos CMEC, fica claro que o governo português pretendeu proteger a posição relativa
da EDP no nascente mercado ibérico:
“Um exemplo claro é a própria forma que Espanha encontrou para compensar os seus produtores não
recorrendo a leilão de capacidade virtual de geração. Seria extremamente gravoso, não apenas para o sector
elétrico nacional a nível de empresas (estas passariam a ser meros executantes de instruções de operação e
manutenção das centrais, a mando de quem arrematou essa capacidade de produção; implicaria perder a já
reduzida capacidade de gestão de caudais de água provenientes de Espanha), mas também para o nível de
concentração ibérico no que respeita a capacidade geradora. Note-se que a EDP, a nível ibérico, dispõe de
uma quota de produção de cerca de 10,3% contra 33,9 da Endesa e 21,2% da Iberdrola. Naturalmente, se
fosse promovido um leilão da capacidade de produção da EDP, correr-se-ia o risco de aumentar ainda mais a
concentração no mercado Ibérico, com os perigos que isso implicaria através de um eventual abuso de
posição dominante daquelas empresas”.
(Resposta do Ministro Carlos Tavares ao Parecer da Autoridade da Concorrência, abril 2004)
A mesma posição foi reforçada pelo próprio ex-ministro Carlos Tavares na CPIPREPE, realçando a
importância de uma decisão estratégica que impedisse que a posição da EDP na operação dos centros
electroprodutores nacionais fosse ganha por empresas espanholas:
“Os Senhores Deputados, se calhar, também têm de recuar 15 anos e perceber qual era o ambiente da
altura a respeito dos centros de decisão nacional e, sobretudo, na área da energia, que levaram até o
Presidente da República da altura a convocar uma conferência sobre os centros de decisão nacional no setor
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da energia. E eu queria saber o que é que aconteceria se nós tivéssemos feito um mecanismo de leilão dos
CAE em que a posição da REN fosse substituída pela da Iberdrola, pela Endesa, ou por um outro qualquer e
em que a EDP passasse a atuar apenas como agente dos produtores espanhóis”.
(audição Carlos Tavares, Ministro da Economia, 2002-2004)
c) Valorizar a EDP nas vésperas da sua privatização
Outro ponto em discussão na CPIPREPE foi o impacto que a cessação dos CAE teria no valor da EDP do
qual o Estado português era também acionista, detendo 25% da empresa. Em 2004, os CAE representavam
uma parte significativa do valor da EDP, como declarou na CPIPREPE João Talone, CEO da EDP à data da
preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e da cessação dos CAE:
“Na altura, o valor que era atribuído aos CAE pelos analistas independentes do mercado era,
aproximadamente — aqui é que não tenho a certeza do número —, entre 30% a 33% do valor da EDP.
Portanto, o valor dos CAE, para efeitos da visão que o mercado tinha da empresa — o mercado global,
americano, europeu, mercado de capitais —, representava cerca de 30% do valor da empresa.”
(audição João Talone, presidente da EDP, 2003-2006)
Dada a importância destes contratos no valor da EDP, Pedro Sampaio Nunes, secretário de Estado do
governo que aprovou o Decreto-Lei n.º 240/2004, admitiu que na transição dos CAE para os CMEC que na
sua opinião terão pesado as perspetivas futuras de privatização da EDP e o maior encaixe que o Estado teria
nesta operação se a EDP estivesse resguardada por garantias semelhantes aos CAE:
“Na questão dos CMEC da EDP acho que havia sempre essa preocupação, porque, mesmo na altura em
que fui Secretário de Estado, em 2004-2005, já não havia dinheiro nenhum — acho que isto é permanente em
todos os governos. Não havia dinheiro nenhum e havia que encontrar meios e inventar recursos para
podermos ter alguma disponibilidade orçamental e, eventualmente, pesou o facto de se poder «engordar o
porco», como é costume dizer-se, numa futura privatização da EDP. Ninguém, na altura, imaginou as
consequências dramáticas que isso traria, a prazo, na evolução exponencial dos custos de interesse
económico geral e da dívida tarifária.
(audição Pedro de Sampaio Nunes, Diretor de energia na Comissão Europeia e Secretário de Estado da
Ciência e Inovação 2004-2005)
d) Honrar os compromissos assumidos com os investidores nas anteriores fases de privatização da
EDP
Sendo certo que, como todos os depoentes a quem foi colocada a questão concordaram, o valor dos CAE
foi diretamente incorporado no valor do ativo EDP e, nessa medida, pago pelos investidores privados ao
Estado Português nas operações de privatização de 70% do respetivo capital, não se podia simplesmente,
com a introdução dos CMEC, retirar as garantias prestadas e vendidas com o valor da privatização.
Com efeito, como foi por diversas vezes referido nesta CPIPREPE, por vários depoentes, em nome da
credibilidade e da boa imagem do Estado Português e, também, em ordem a evitar litigância nos tribunais
internacionais, era importante que os CMEC assegurassem um nível de garantias equivalente aos dos CAE,
pagos na privatização pelos investidores.
2.3.3. Posição dos produtores
Nas várias audições da CPIPREPE aos principais responsáveis da EDP, ficou claro que a posição da
empresa em 2004 era a de se proteger nas cláusulas que vigoravam nos CAE e tentar impedir qualquer
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acordo de transição para o mercado que não correspondesse a uma situação similar em termos económicos e
financeiros.
A negociação do diploma dos CMEC foi feita, por parte da EDP, com estes pressupostos, de acordo com
as palavras de Pedro Rezende na CPIPREPE, confrontando o próprio conceito de compensação por custos
ociosos que esteve na base da autorização da Comissão Europeia dada ao Decreto-Lei n.º 240/2004:
“Não são custos ociosos do sistema, o que há é contratos, portanto, ou o Estado mantém os contratos, ou
quebra os contratos e paga a indemnização lá prevista, ou alguém encontra um meio-caminho (…) São
situações diferentes e a própria Comissão aceitou que era diferente, verificou, auditou e aprovou.”
(audição Pedro Rezende, administrador da EDP 2003-2006)
No entanto, quando questionado na CPIPREPE sobre o quadro negocial entre a EDP e o Estado, que em
2004 era acionista de controlo da EDP (os acionistas de referência da EDP não estatais – BCP, Iberdrola e
Brisa – detinham apenas 12% do capital da empresa), João Talone responde:
“Eu estava preparado – embora houvesse uma imposição da União Europeia – para não abrir os CAE, da
mesma forma que a Tejo Energia e a Turbogás não abriram os CAE. Nessa altura o Estado teria de chamar
uma assembleia geral, pôr o assunto à assembleia e, se tivesse maioria, destituir a administração e nomear
outra".
(audição João Talone, presidente da EDP 2003-2006)
Assim, resulta evidente que o Estado tinha os meios para fazer valer no Conselho de Administração da
EDP o seu entendimento político. Se este fosse outro – por exemplo, introduzir os CMEC mediante revisão
das condições do equilíbrio contratual dos CAE – teria podido impô-lo sem risco de litigância com a empresa.
Resulta também evidente que se tratou de uma opção política, entre o Estado acionista e o Estado legislador,
conforme foi trazido à CPIPREPE por Eduardo Catroga e Jorge Vasconcelos (conforme se verá
seguidamente). Este depoente chama a atenção para o facto de o Estado acionista ser o mesmo que definia
as regras, em proveito próprio, pelo que se se demonstrar que houve algum tipo de rendas, no final do dia
beneficiou o próprio Estado.
A mesma situação não se verificava na Tejo Energia e na Turbogás, cujas estruturas acionistas não eram
controladas pelo Estado e que recusaram a cessação dos seus CAE.
“O Decreto-Lei n.º 240/2004 não era um imperativo legal, não obrigava. A publicação do decreto-lei não
acabava com os CAE; era preciso um acordo de cessação e, portanto, (…) uma avaliação por parte dos
produtores para concluir se o regime de CMEC era adequado ou não”.
(audição Beatriz Milne, presidente executiva da Tejo Energia).
2.3.4. Notas finais
No processo de cessação dos CAE e transição para mercado, o governo recebeu argumentos jurídicos da
ERSE que defendiam a viabilidade legal de uma revisão do equilíbrio contratual e propostas de modelos
alternativos aos CMEC por parte da AdC e da ERSE, designadamente um modelo de leilões de capacidade
virtual.
Adicionalmente, a existência de contratos com cláusulas específicas sobre a sua cessação por motivos não
imputáveis aos produtores, terá pesado na opção política pelos CMEC em 2004 e poderá, também, ter evitado
custos maiores. Afigura-se este um possível fator diferenciador, eventualmente não devidamente valorizado
pela ERSE na comparação entre os casos Português e Espanhol. De qualquer forma, o facto que se constata
sem dúvida é que a Comissão Europeia veio a aprovar o mecanismo de manutenção do equilíbrio contratual,
demonstrando considerar não haver espaço para a redução de remunerações.
Na opção do governo pelo modelo dos CMEC em 2003/2004, pesaram os direitos contratuais vigentes, ao
abrigo dos CAE, nos termos dos quais o mecanismo de compensação deveria assegurar, no mínimo, uma
neutralidade financeira face à situação anterior. Relevou ainda a consideração da importância dos CAE no
valor da EDP e a posição da empresa face à concorrência espanhola no futuro mercado ibérico. Ambas as
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preocupações devem ser lidas à luz do processo em curso de privatização da empresa. Note-se que, poucos
dias depois da entrada na Assembleia da República do pedido de autorização legislativa que levava em anexo
o projeto do decreto-lei que criou os CMEC, foi aprovado com o Decreto-Lei n.º 218-A/2004, de 25 de outubro,
autorizando o aumento de capital da EDP que reduziu a participação do Estado de 31% para 25%.
O contexto da criação dos CMEC é resumido nas palavras do então presidente da ERSE, Jorge
Vasconcelos, proferidas na CPIPREPE:
“O que está aqui em causa é uma questão de fundo que tem a ver com um conflito interno num Estado que
é, ao mesmo tempo, legislador e proprietário de empresas, e, sobretudo, em processos de privatização […].
Portanto, esse conflito existe e não vale a pena sermos ingénuos, pois a única forma de tentar minimizar os
inconvenientes desse conflito é criarmos mecanismos de contrapoderes, mecanismos de transparência que
obriguem a escolhas claras”.
(audição Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1995-2006)
A manutenção do equilíbrio contratual dos CAE foi uma decisão política do governo Durão Barroso,
consumada já sob o governo Santana Lopes com a aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004, sob a autorização
legislativa do Parlamento Português, através da Lei n.º 52/2004. Embora só tenha sido concretizada através
do cumprimento das clausulas suspensivas constantes dos Acordos de Cessação Antecipada dos CAE e com
a parametrização adicional. Tais factos ocorreram durante o Governo do Eng.º José Sócrates.
Outro tipo de decisão poderia ter implicado custos superiores para o Orçamento do Estado ou
consumidores, nomeadamente se se tivesse optado por cessar os contratos e indemnizar, conforme neles
previsto. As incertezas que um leilão posterior geraria e os problemas que daí poderiam advir, mesmo para a
segurança do abastecimento nacional, poderão ainda justificar a opção tomada de não se enveredar pelo
caminho do concurso.
2.3.5. Da efetiva manutenção pelos CMEC do equilíbrio contratual dos CAE
Nos comentários preliminares que enviou ao governo em fevereiro de 2004, a ERSE alertava para a
existência de ”obrigações leoninas para uma das partes, sendo disso beneficiário o produtor”, o que
subverteria a própria manutenção do equilíbrio contratual dos CAE. A ERSE resume assim a sua avaliação
jurídica:
“Os CMEC não podem resultar na previsão de novos contratos ou na renovação, mais ou menos implícita,
dos anteriores, que confiram a uma das partes mais direitos ou garantias superiores aos emergentes dos
contratos originários. O diploma dos CMEC deve, pois, encontrar o justo equilíbrio. Contudo, no projeto em
apreço não está ainda encontrado este equilíbrio”.
Em setembro de 2017, no cálculo da revisibilidade final do CMEC, a ERSE quantifica um valor total de
510M€ pagos excessivamente aos produtores neste regime em comparação com o que estava previsto no
Decreto-Lei n.º 240/2004:
“São evidenciadas algumas das alterações ao regime vigente aquando da introdução do regime dos
CMEC, designadamente obrigações ou direitos das partes contratantes dos CAE, que cessaram com a
introdução daquele novo regime. Estas alterações resultaram num quadro menos restritivo para os detentores
dos centros electroprodutores do que o que vigorava inicialmente. Ainda neste âmbito procura-se, quando
possível, quantificar os efeitos decorrentes da passagem para o regime dos CMEC, revisitando alguns dos
aspetos que haviam sido assinalados nos pareceres da ERSE ao diploma que instituiu este novo regime.
Em particular, são apresentados os efeitos da aplicação de taxas de juro diferentes para a atualização dos
cash-flows associados aos CMEC e para as rendas anuais a pagar pelos consumidores entre 2007 e 2013, já
referidos no passado pela ERSE. O acréscimo de custos associado à aplicação de taxas diferentes nesse
período foi avaliado em cerca de 125 milhões de euros. Contudo, grande parte desse efeito poderá ser
revertido sem pôr em causa os princípios económicos e financeiros, com a publicação de uma nova taxa para
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a renda anual da parcela fixa dos CMEC igual à taxa a aplicar à renda anual do ajustamento final dos CMEC.
A aplicação de uma nova taxa para parcela fixa dos CMEC poderá diminuir esse efeito em cerca de 85
milhões de euros.
Para além desse efeito da aplicação do regime dos CMEC, foram igualmente apurados os impactes
decorrentes doutros efeitos, como sejam (i) ausência de testes de disponibilidade dos centros eletroprodutores
durante o período de 2007 a 2013, (ii) a aplicação de um fator de correção das produções resultantes do
modelo Valorágua ou ainda (iii) a metodologia de apuramento dos custos com licenças de emissão de CO2.
Atendendo a todos estes efeitos avaliados para o período I, estima-se que tenham existido custos
acrescidos para o sistema na ordem dos 510 milhões de euros”.
Nesta secção, abordam-se estes quatro pontos levantados pela ERSE e recuperam-se os principais
argumentos que foram discutidos na CPIPREPE sobre estes temas.
Para além destes quatro pontos, foram discutidos na CPIPREPE mais dois temas, resultantes da
aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004, passíveis de configurar uma renda excessiva paga aos produtores de
energia: a extensão da concessão do domínio público hídrico e a prorrogação da operação da central de Sines
sem qualquer compensação ao sistema. Estes dois temas serão discutidos nos capítulos 2 e 3,
respetivamente.
Exatamente sobre a temática da transição de CAE para CMEC e extensão do direito de utilização do
domínio público hídrico, também a Comissão Europeia foi chamada a pronunciar-se em diversos momentos.
São aspetos de relevar neste contexto, os seguintes:
a) Em 2004, tendo Comissão Europeia analisado e discutido o projeto de Decreto-Lei n.º dos CMEC,
impôs a introdução de diversos aspetos nesse texto, designadamente a existência de um período de
revisibilidade inicial (que veio a ser de 10 anos), um montante máximo para as compensações e aspetos
relativos à repercussão tarifária;
b) Em 2004 a CE aprovou o conteúdo do Decreto-Lei n.º dos CMEC que já continha os seguintes aspetos:
i. Utilização de taxas de juro distintas para a actualização de fluxos financeiros e cálculo da anuidade
da compensação;
ii. Utilização do modelo Valorágua;
iii. Necessidade de emissão de licenças de produção para as centrais cujos CAE fossem cessados
iv. Ausência de referências a realização de testes às disponibilidades das centrais;
c) Em 2013 a CE emitiu uma Decisão de investigação aprofundada, na qual afirma sobre o regime de
CMEC e após mais de 5 anos da sua aplicação (e portanto, após definição de taxas de juro, utilização do
Valorágua, emissão de licenças…) que “baseado na informação disponível à data não há evidência de que a
compensação aprovada tenha sido mal utilizada ou cessado a sua compatibilidade com o Mercado Interno”
d) Em 2017, emitiu uma decisão, após 5 anos de investigação do tema do domínio público hídrico,
afirmando que o valor pago pela EDP foi um valor justo e com referenciais de mercado. Mais afirmou a
Comissão Europeia que a utilização de uma única taxa de juro não é uma metodologia correta no caso da
determinação do valor do domínio público hídrico.
Assim, a CIPREPE foi confrontada com duas visões distintas sobre estas temáticas, importando avaliar da
sua validade.
2.3.6. Taxas de atualização diferentes
O Decreto-Lei n.º 240/2004 prevê a utilização de duas taxas diferentes para a atualização dos valores a
pagar pelos CAE e no cálculo das anuidades previstas para pagamento faseado da compensação inicial
apurada CMEC. De facto, inicialmente a taxa de atualização utilizada para o cálculo do valor inicial dos CMEC
foi de 4,85%, enquanto a taxa de juro de cálculo da anuidade foi de 7,55%, sendo reduzida para 4,72% em
2013 (ver sobre esta matéria o capítulo 6). A ERSE foi sempre crítica da utilização de taxas diferenciadas e
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manifestou esta posição já no parecer oficial que entregou ao governo durante o período preparatório do
diploma dos CMEC. Diz a entidade reguladora neste parecer:
“Os perfis de pagamento previstos nos CAE e nos CMEC devem ser financeiramente equivalentes o que só
é possível utilizando a mesma taxa na actualização dos valores a pagar pelos CAE e no cálculo das rendas
previstas nos CMEC. Só desta forma se garante a equivalência financeira entre os valores de pagamento
previstos nos CAE e os valores previstos nos CMEC.”
(Parecer da ERSE, Maio 2004)
Dez anos depois da entrada em vigor dos CMEC, no documento que faz o cálculo do ajustamento final em
2017, a ERSE continua a manter a mesma posição, afirmando que o princípio da neutralidade económica não
é cumprido com a existência de duas taxas:
“Não se encontra fundamento para a escolha de uma taxa utilizada para descontar os cash-flows dos
CMEC no cálculo do valor inicial (4,85%) significativamente inferior à taxa utilizada para o cálculo das rendas
anuais (7,55%) aplicadas a esses mesmos cash-flows no mesmo momento”
(Cálculo do ajustamento final, ERSE 2017)
No mesmo documento, a entidade reguladora defende que, se tivesse sido utilizada a mesma taxa para a
atualização dos valores a pagar pelos CAE e no cálculo das rendas previstas nos CMEC, a EDP teria de
devolver 125M€ ao sistema elétrico para que a neutralidade económica fosse cumprida.
Na sua audição na CPIPREPE, João Conceição, assessor no Ministério da Economia no período da
preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004, procurou refutar esta posição da ERSE. Para o ex-assessor, a
utilização de taxas diferenciadas justifica-se por dois motivos: 1) os períodos de recebimento dos CAE e
CMEC são diferentes; 2) os riscos de recebimento também não são comparáveis. Quanto ao período de
recebimento, diz João Conceição:
“Se fundíssemos todos os CAE num único, teria uma duração de 10 anos. Se fizermos a média com base
nos montantes de recebimento de cada CAE, portanto, a soma dos encargos fixos e dos encargos variáveis,
então, a média ponderada é um bocadinho mais longa, passa para 13 anos […]. Ora, o período de
recebimento, como os Srs. Deputados sabem, dos CMEC são 20 anos. Quando a ERSE se refere, nos seus
relatórios, a que entre 10, 13 ou 20 é mais ou menos a mesma coisa, confesso que fico um bocadinho
surpreendido…”
(audição de João Conceição)
Quanto à diferença de riscos entre CAE e CMEC, na CPIPREPE tanto João Conceição como mais tarde
João Manso Neto apontam o risco adicional nos CMEC associado à gestão da energia, em que os produtores
apenas recebem uma remuneração equivalente à dos CAE em condições de gestão eficiente, avaliadas pelo
modelo de otimização Valorágua. João Conceição argumenta:
“Se o produtor, numa perspetiva de CAE, tivesse a central disponível, automaticamente, não tinha qualquer
risco de funcionamento da central, porque todos os seus custos variáveis estavam assegurados; ao migrar
para um modelo de CMEC, em que o funcionamento do produtor é avaliado ano a ano com base numa lógica
otimizada de gestão centralizada que está associada à utilização do modelo Valorágua, pode haver aqui
diferenças, e existiram diferenças, que podem pôr um determinado risco ao produtor.”
(audição de João Conceição)
Aliás, João Manso Neto refere que o Decreto-Lei n.º 240/2004 faz o cálculo da compensação simplificando
a metodologia.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º 240/2004 desconta à mesma taxa de juros os cash flows associados quer aos
CAE, quer às estimativas das receitas líquidas a auferir pelos produtores em mercado.
Afirma João Manso Neto que, pretendendo ser totalmente rigoroso, haveria que descontar o valor dos CAE
e dos primeiros 10 anos das receitas líquidas de mercado a uma taxa de juro mais baixa, porquanto são cash
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flows que não apresentam risco elevado. Os primeiros por serem um montante quase certo e os segundos por,
nesses primeiros 10 anos, estarem sujeitos a um mecanismo de revisibilidade que mitiga risco.
Já relativamente ao período de 10 anos após a revisibilidade final, vários inquiridos – nomeadamente Maria
de Lurdes Baia, João Conceição e Paulo Pinho, concordam com a tese de que as receitas líquidas estimadas
para esse período têm associado um nível de risco mais elevado e, por isso, poderiam ser sujeitas a uma taxa
de desconto mais alta.
Com efeito, durante a CPIPREPE, Maria de Lurdes Baía, Coordenadora da Área de Previsões Energéticas
da REN, afirmou que a revisibilidade anual associada é em si mesmo um mecanismo para mitigar este de
risco de desvios de produção, utilizando a posteriori as produções reais para corrigir as estimativas feitas com
o modelo Valorágua:
“Se olharmos para a questão dos ajustamentos anuais, ao fazermos a revisibilidade anual, estamos a
considerar os preços verificados. Ou seja, durante 10 anos foram salvaguardadas as variações de todas as
variáveis utilizadas no cálculo. (…) Para além disso, poderíamos dizer: «Mas há o risco da produção, porque
não são as produções reais». Realmente, não são as produções reais, mas há um fator de ajustamento das
produções. Ou seja, dentro desse mecanismo de mitigação de risco existe ainda um fator de ajustamento das
produções que é, ele próprio, um fator de mitigação de risco”.
(audição de Maria de Lurdes Baía)
Para além do risco de utilização do modelo Valorágua, João Conceição aponta também o risco de preço de
mercado para o produtor após o cálculo da revisibilidade final dos CMEC. Isto é, a partir do momento que é
feita esta revisibilidade, a remuneração proveniente dos CMEC não se altera e os produtores ficam sujeitos
aos riscos de mercado. Diz o ex-assessor do Governo:
“Um terceiro aspeto tem a ver com o facto de, durante o período dois, que começou em julho de 2017, o
produtor passar a ter riscos de mercado, porque o modelo de CMEC previa que fosse feita uma revisibilidade
final e definido o montante dessa revisibilidade, que era pago ao longo de 10 anos, e, a partir daí, o risco seria
total do produtor.”
(audição de João Conceição)
Maria de Lurdes Baía reconhece que este risco de mercado existe no período após a revisibilidade final e
admite “que poderia ser objeto de reflexão a introdução de um prémio de risco no cálculo da parcela de acerto
relativa ao ajustamento final”. Todavia, argumenta que este risco é tanto da EDP como dos consumidores.
“Realmente, existe o risco do preço — os preços de mercado são preços baseados nas médias históricas
— e existe o risco da produção. Mas também é bem verdade que o risco existe para os dois lados, pois
também existe para os consumidores. Por exemplo, neste momento, estamos com preços de mercado na
ordem dos 80 €/MWh. No estudo do ajustamento final os preços de mercado que estão lá incluídos não
chegam aos 50 €/MWh. Ou seja, a EDP está a ser beneficiada. Por outro lado, o ano passado foi muito seco.
Portanto, o risco de produção para a EDP no ano passado foi muito grande. Ou seja, vamos ter anos húmidos,
anos secos, e temos riscos para os dois lados: não são apenas para a EDP, são também para os
consumidores.”
(audição de Maria de Lurdes Baía)
O tema da utilização de duas taxas diferentes para a atualização dos CAE e dos CMEC foi também alvo de
comentários e exposições na CPIPREPE de académicos da área financeira, como o professor João Duque e o
professor Paulo Pinho.
João Duque, que realizou o seu estudo sobre esta matéria por solicitação da EDP, preconizou que “a
passagem de CAE para CMEC não é favorável à EDP. Não é favorável! Aliás, eu até diria que lhe é
ligeiramente desfavorável.”. João Duque manifestou uma opinião semelhante à de João Conceição e João
Manso Neto, argumentando que há um risco adicional nos CMEC que não existia nos CAE, e que está
relacionado precisamente com o período após a revisibilidade final. Para João Duque, este risco é suficiente
para justificar a aplicação de duas taxas diferentes:
“Dois cash-flowsidênticos com níveis de risco diferentes têm de ser descontados a taxas de custo de
oportunidade de capital diferentes. Ponto! Do ponto de vista técnico, é um erro — é um erro! — descontarem-
se dois fluxos de caixa com riscos diferentes à mesma taxa. (…) Se é verdade que, durante um período de
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tempo, ainda havia um preço de referência — salvo erro, de 50 € por unidade de medida elétrica —, a partir de
determinada altura, deixa mesmo de se considerar esse regime. Por isso, se, de 2007 a 2016, havia um
regime ainda algo protegido, a partir daí, de 2017 a 2027, há total desproteção. Por isso, de facto, não
estamos a comparar dois fluxos de caixa iguais.”
(audição de João Duque)
Paulo Pinho, que era administrador da REN em 2007, convergiu com Maria de Lurdes Baía, defendendo
que a revisibilidade é um mecanismo de mitigação do risco que faz equivaler as condições dos CAE à dos
CMEC no que toca ao risco dos produtores o que, portanto, não justifica a utilização de duas taxas de
atualização diferentes para a atualização do valor dos CAE e das receitas de mercado líquidas esperadas nos
dez primeiros anos.
“Os CMEC estavam sujeitos a um mecanismo de revisibilidade anual […] O que é que isto significa?
Significa uma coisa tão importante quanto isto: é que o risco dos CMEC é igual ao dos CAE!”
(audição de Paulo Pinho)
No entanto, Paulo Pinho reconhece o argumento de João Conceição e João Duque no que respeita ao
risco adicional nos últimos 10 anos dos CMEC, após a revisibilidade final. Defende, porém, sem apresentar
qualquer tipo de suporte objetivo e quantificado (ao contrário de João Duque) que esse risco é muito baixo,
uma vez que:
“Segundo a teoria financeira, se não houver financiamento por dívida […] o custo de capital depende
apenas de uma coisa: daquilo a que chamamos o risco sistemático do ativo que estamos a avaliar. Ou seja, o
risco que o acionista do produtor — não é o produtor — não consegue eliminar por diversificação”.
Segundo Paulo Pinho, nos últimos 10 anos dos CMEC, precisamente quando poderá haver o risco de
mercado, a totalidade das centrais abrangidas por CMEC são hídricas, que têm um risco sistemático baixo.
“É que o risco que é relevante, repito, posso chamar de «risco sistemático» e o risco sistemático das
centrais hídricas é baixo. O risco que é relevante para as centrais hídricas é: há chuva ou não há chuva e esse
nada tem a ver com o estado geral da economia”.
(audição de Paulo Pinho)
Assim, para Paulo Pinho, só seria possível considerar-se uma taxa diferente para a atualização do valor
dos CMEC se ela se aplicasse apenas aos 10 anos finais e se refletisse as condições dos centros
electroprodutores (na sua totalidade hídricas) que estivessem abrangidos pelos CMEC.
O que se poderia ter feito era descontar os fluxos de caixa desses centros eletroprodutores a uma taxa que
refletisse o custo do risco da hídrica, e só esses e só para esses anos em que não havia revisibilidade. Um
cálculo feito assim daria um valor completamente diferente daquele que veio a ser apurado.”
(audição de Paulo Pinho)
Assim, e em resumo, no cálculo do valor inicial do CMEC parece haver convergência entre muitas das
entidades ouvidas que deveria ter sido utilizada uma taxa de juro mais elevada para descontar os cash-flows
associados à expectativa de receitas de mercado no período pós revisibilidade final.
De acordo com João Duque, a utilização desta metodologia mais rigorosa poderia ter atribuído à EDP uma
compensação superior avaliada em 1,2 mil milhões de euros, ao invés da de 832 milhões de euros que
recebeu.
Mas, fica por dirimir a questão da taxa da anuidade associada ao pagamento do CMEC inicial. Várias
entidades defendem que essa taxa deveria ter sido inferior aos 7,55% que foram fixados na altura, associada
ao custo médio de capital do produtor.
Facto é que, segundo João Duque, essa taxa deveria de facto ter sido inferior e que esse aspeto terá
beneficiado a EDP. No entanto, este aspeto apenas compensa parcialmente a perda na compensação por se
ter considerado uma única taxa para descontar os cash-flows. Assim, contas feitas e no computo geral, alega-
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se que a EDP poderá ter sido prejudicada no tema das taxas de juro. Esta é a opinião de João Duque, e
também de Miguel Ferreira da NOVA SBE.
Do exposto conclui-se que:
a) a utilização de uma única taxa de juro para descontar o valor dos CAE e das receitas em mercado foi
uma simplificação operada pelo Decreto-Lei n.º 240/2004.
b) Para se ser rigoroso dever-se-ia ter utilizado a taxa de 4,85% para descontar o valor dos CAE e as
receitas de mercado dos primeiros 10 anos de CMEC (período de revisibilidade anual) e uma taxa mais
elevada para descontar as receitas de mercado após 2017 (período em que não há revisibilidade anual).
c) A simplificação identificada em a) diminui o valor da compensação a pagar à EDP.
d) A taxa de juro associada ao cálculo da anuidade do CMEC inicial poderia ter sido mais baixa, atendendo
ao perfil de risco dos pagamentos.
e) No computo geral, suportado nas afirmações de depoentes e estudos quantificados apresentados, a
simplificação identificada em a) induziu uma perda à EDP que não foi totalmente compensada pelo eventual
benefício identificado em d).
Em novembro de 2012, esta questão é reaberta pelo governo no âmbito da aplicação da medida 5.6 do
Memorando de Entendimento com a troika, que estabelecia a “tomada de medidas visando limitar o
sobrecusto da produção de eletricidade em regime ordinário, em particular através da renegociação ou da
revisão em baixa do mecanismo de compensação garantida (CMEC) pago aos produtores em regime ordinário
e dos CAE remanescentes”.
No relatório “Report on the CMEC scheme”, existe uma citação contra a utilização de duas taxas no cálculo
do valor inicial dos CMEC e coloca explicitamente em causa a autorização dada em 2004 pela Comissão
Europeia ao Decreto-Lei n.º 240/2004:
“O aumento do valor contratual em relação ao valor inicial dos CAE através da metodologia usada nos
CMEC parece não ter sido considerado na Decisão da UE n.º 161/2004, que validou a compensação por
custos ociosos”.
Relatório “Report on the CMEC scheme”, enviado à troika pelo governo português em novembro de 2012.
Este aspeto merece ser mencionado, porquanto a Comissão Europeia, na posse de toda a informação no
ano de 2013, incluindo a que constava no relatório do governo de 2012, toma uma decisão em sentido
contrário – afirma explicitamente que não encontra evidência de má utilização do mecanismo CMEC ou de que
este tenha deixado de ser compatível com as regras comunitárias.
Na audição da Presidente da ERSE, Dr.ª Maria Cristina Portugal, a contradição entre as estimativas da
ERSE sobre o custo adicional para os consumidores (300 milhões, dos quais apenas 120 milhões foram
recuperados na sequência do acordo, celebrado em abril de 2012 ano entre a EDP e o governo, que esteve na
origem da redução da taxa de juro aplicada à componente fixa do CMEC, de 7,55% para 4,72% (portaria 85-
A/2013, ver também capítulo 9) e a correção de todo o mecanismo defendida pela Comissão Europeia, não foi
devidamente esclarecida.
Após várias intervenções na CPIPREPE sobre o uso de taxas diferentes para a atualização dos valores a
pagar pelos CAE e no cálculo das rendas previstas nos CMEC, fica clara a convergência entre intervenientes
sobre o tema relativamente à existência de uma metodologia simplificada decorrente do Decreto-Lei n.º
240/2004. Alguns depoentes manifestaram, no entanto, dúvidas sobre o nível das taxas de juro que deveriam
ter sido utilizadas, conforme acabou por concordar o Prof. Vítor Santos – ex-Presidente da ERSE – na sua
audição nesta CPIPREPE.
Conclusão
No que respeita ao impacto deste ponto na neutralidade económica dos CMEC em relação CAE, pode
concluir-se que:
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● Os governos envolvidos no processo de preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 tiveram conhecimento
das diferentes posições sobre este tema, nomeadamente o parecer crítico da ERSE quanto ao uso de duas
taxas para atualização dos valores do CAE e das rendas previstas nos CMEC;
● Sobre a segunda década de CMEC, após a revisibilidade final, os argumentos de João Conceição e
João Manso Neto sobre o aumento do risco pela exposição ao mercado coincidem com as posições de Maria
de Lurdes Baía e Paulo Pinho. Assim, os intervenientes na CPIPREPE que se debruçaram mais
detalhadamente sobre esta matéria convergem na ideia de que os riscos do CMEC na segunda fase de
implementação são superiores ao dos CAE, podendo assim considerar-se uma taxa diferente (ou um prémio
de risco) que refletisse esta diferença.
● Esta diferença resultou numa compensação CMEC menor para a EDP, tendo o Prof. João Duque e o
Prof. Miguel Ferreira estimado que a perda para a EDP poderá ter ascendido a várias centenas de milhões de
euros.
● Foi apresentado um fator que suaviza esta diferença, que é o do número de centrais da EDP abrangidas
pelo CMEC na segunda fase ser significativamente menor do que na primeira.
2.3.7. Testes de verificação da disponibilidade das centrais
Durante o período dos CAE, as centrais abrangidas por este mecanismo estavam sujeitas à verificação das
disponibilidades por parte da REN, no sentido de apurar se a disponibilidade contratualizada nos CAE estava
de facto a ser oferecida por cada central.
Esta possibilidade justificava-se na medida em que a REN era a entidade que decidia em cada momento o
que cada central deveria produzir. Assim, teria que ter informação sobre a disponibilidade das centrais para
produzir.
Atendendo a que a REN tinha ainda que garantir a segurança do abastecimento, estava previsto um
mecanismo de incentivos que premiava os produtores que apresentassem disponibilidades acima de um valor
de referência contratualizado no CAE.
Com a cessação dos CAE e sem obrigação explícita no Decreto-Lei n.º 240/2004, os testes passaram a
poder ser feitos no âmbito de um regime geral previsto no manual de procedimentos do gestor do sistema.
Aliás, isso mesmo assinou a REN no âmbito dos Acordos de Cessação de 2005, homologados pelo Eng.º
Manuel Lancastre.
Para a ERSE, a ideia de que não era possível realização dos testes de disponibilidade permitiria que as
declarações de disponibilidade efetuadas pelo produtor não correspondessem à disponibilidade real, em
particular para as centrais que produzem menos. Trata-se de um juízo de valor, não tendo a ERSE, no
entanto, apresentado em momento algum, prova, ou sequer indício, de que houve falseamento das
disponibilidades por parte dos produtores.
No relatório que suporta o cálculo do ajustamento final, a ERSE contabiliza em 285M€ os ganhos auferidos
pela EDP por níveis de disponibilidade superiores aos contratados:
“Ausência total deste tipo de testes, por não terem sido previstos no Decreto-Lei n.º 240/2004 nem nos
Acordos de Cessação, cria condições de impunidade para as centrais que não produzem, particularmente as
que não colocam ofertas de venda no mercado ou fazem ofertas que não são “casadas”, sendo assim
impossível verificar se a disponibilidade declarada é real. Como a remuneração da central está diretamente
associada à disponibilidade, o fim dos testes à disponibilidade das centrais incentiva as mesmas a declararem
uma disponibilidade superior à que efetivamente se verificava. Nestes casos, não é possível assegurar que os
encargos fixos que foram pagos aos produtores, muitas vezes corrigidos por excesso por via dos coeficientes
km, corresponda a uma disponibilidade efetiva das centrais.”
(Cálculo do ajustamento final, ERSE 2017)
Estes foram os argumentos técnicos de contestação do cálculo do regulador para o valor de ajustamento
de 285 M€.
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Em audição na CPIPREPE, João Conceição discordou da posição da ERSE e argumenta que a média
mensal das disponibilidades declaradas durante o período em que não houve verificação é inferior à do
período após 2014 em que houve verificação:
“O que a ERSE faz é simplesmente anular os valores de revisibilidade reais e utilizar o valor de referência
do [coeficiente de disponibilidade] KM=1. (…) Fazendo a média de todos os meses, de todas as centrais que
tiveram CAE e depois passaram para CMEC, entre 2001 e junho de 2007 — portanto, estamos a falar de
período CAE —, a média dos KM mensais de todas as centrais com CAE tem um valor de 1,039. A média do
período de julho de 2007 a julho de 2014, quando foi restituída, como os Srs. Deputados sabem, a realização
dos testes de disponibilidade, foi de 1,032. Fazendo a média do período de agosto de 2014 até junho de 2017,
o período remanescente já sujeito a testes de disponibilidade, e que a ERSE não questiona, dá um valor de
1,043. Ou seja, tenho uma grande dificuldade em perceber por que é que a ERSE, quando deveria usar
valores reais, simplesmente transforma a utilização do valor de referência, definido precisamente com base no
conceito de referência. Esse valor é definido, mas todas as outras variáveis são também variáveis de
referência e não variáveis reais. Tenho ainda mais dificuldade quando a média dos KM, durante o período em
que não foram realizados testes, foi a mais baixa de todos os períodos com CAE e durante o período com
testes”.
(audição de João Conceição)
Adicionalmente, Rodrigo Costa, presidente da REN, confirmou que a REN tem toda a capacidade para
detetar se os produtores estão ou não a emitir falsas declarações de disponibilidade.
Mais ainda, a própria ERSE admite que o valor de 285 milhões de euros não é o valor do impacto da
ausência de testes. Conforme reconhece a ERSE em cartas escritas à DGEG e que são do conhecimento da
CIPREPE, esses 285 milhões de euros são um cálculo elaborado num pressuposto específico que, no fundo,
responde a uma questão hipotética de quanto seria o pagamento aos produtores se a disponibilidade real
fosse igual à disponibilidade contratada.
A CIPREPE não tem conhecimento da base legal que pode ter permitido à ERSE a realização desse
cálculo. No entanto, a própria ERSE reconhece no seu relatório sobre o ajustamento final dos CMEC que a
obtenção deste valor iria requerer alterações legislativas.
Acrescente-se que o Secretário de Estado da Energia Jorge Seguro Sanches, também terá afirmado no
despacho de homologação do valor da revisibilidade final que essas alterações legais seriam de
constitucionalidade duvidosa.
Ficou claro o desacordo entre os vários intervenientes sobre o valor e o método de cálculo da ERSE que
quantifica os ganhos dos produtores relativos à suposta supressão dos testes de disponibilidade.
Porém, a questão central que a CPIPREPE pretendeu esclarecer foi a decisão política que levou à não
inclusão de um mecanismo de verificação de disponibilidade no Decreto-Lei n.º 240/2004. De facto,
independentemente de esta decisão ter vindo (ou não) mais tarde a consagrar-se num fator de desequilíbrio
económico dos CMEC em relação ao CAE, a não referência no Decreto-Lei n.º 240/2004 a estes testes abriu,
na opinião da ERSE, pelo menos essa possibilidade aos produtores.
O esclarecimento desta decisão ganha ainda mais relevância quando se sabe que, à data das decisões, o
governo tinha recebido alertas, tanto da REN como da ERSE, sobre as consequências da não inclusão no
Decreto-Lei n.º 240/2004 de um mecanismo de verificação das disponibilidades. Resume assim o parecer da
ERSE de 2004, que chegou ao governo durante a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004:
“Caso não sejam definidos os mecanismos necessários à verificação da disponibilidade dos grupos
electroprodutores, os produtores poderão fazer declarações de disponibilidade superiores às acordadas nos
CAE. Não podendo estas declarações ser verificadas a posteriori, traduzir-se-ão em pagamentos fixos pelos
CMEC mais elevados”.
(Parecer ERSE 2004)
Quando confrontados com esta decisão, os principais intervenientes no processo de preparação do
Decreto-Lei n.º 240/2004 argumentaram que os próprios mecanismos de mercado são um desincentivo à
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declaração de disponibilidades acima das reais e que, portanto, não era necessário incluir estes testes no
diploma, como argumenta Ricardo Ferreira, assessor do Ministério da Economia de então:
“Foi considerado que os incentivos que o mercado dava para os agentes estarem disponíveis eram mais do
que suficientes. Se eu disser que estou disponível, o Valorágua pode dizer-me que vou ter de produzir; se eu
não produzir, é uma chatice. Portanto, os produtores não tinham incentivo nenhum em andar a falsear
declarações, porque o problema era exatamente esse; era dizer que «os produtores vão falsear»”
(audição Ricardo Ferreira)
Também João Manso Neto, que conduziu o processo do lado da EDP não tem dúvidas que um mecanismo
de verificação de disponibilidade era totalmente desnecessário, já que o mercado fazia esse papel:
“A EDP não podia declarar em mercado o que não estava disponível. Porquê? Porque se declarasse em
mercado e depois fosse chamada incorria em penalidades. Aliás, se formos ver a história, é claríssimo que a
EDP, em muitas circunstâncias, não esteve disponível, declarou a indisponibilidade e por isso pagou.”
(audição João Manso Neto)
Dispondo de um quase monopólio da produção hídrica, a margem de manobra da EDP na gestão da oferta
é muito grande. No seu depoimento, o ex-Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, não reconhece a
impossibilidade de manipulação alegada por João Manso Neto.
“Está provado que as centrais hídricas do Douro estavam em obras e aumentavam a disponibilidade e que
a central hidroelétrica de Setúbal, tinha peças desmanteladas e aumentava aquilo que declarava na
disponibilidade. (…) Não havia nem forma contratual nem forma legal de haver a sua consideração”.
Jorge Seguro Sanches acrescenta como argumento jurídico que:
“No momento em que os CAE cessaram, o direito dos seus titulares limitava-se à disponibilidade
contratada. Não obstante estar previsto nos CAE um mecanismo para pagar disponibilidade acrescida e
penalizar a disponibilidade inferior, a verdade é que esses mecanismos para funcionarem careciam da
verificação de um facto que se afastava da normalidade contratada.
Tal significa que as duas situações anormais – disponibilidade superior ou inferior – não podem ser
consideradas no cálculo de uma indemnização [o CMEC], pois não existe qualquer direito constituído.
Dito por outras palavras: se o Estado tivesse optado por pagar de imediato a indemnização em vez de criar
os CMEC, o cálculo do montante indemnizatório teria, necessariamente, que cingir-se à disponibilidade
contratada e garantida”.
(audição Jorge Seguro Sanches)
Em sentido contrário, há que relevar que os Acordos de Cessação, assinados pela REN e homologados
por Manuel Lancastre, continham uma disposição que permitia de facto à REN a realização desses testes. E o
manual de procedimentos do gestor do sistema, também previa a realização dos mesmos.
Assim, fica por esclarecer porque é que a REN – que assinou os acordos de cessação – afirma que não
poderia realizar esses testes à disponibilidade das centrais e porque é que a ERSE desconhecia que o Manual
de Procedimentos do Gestor de Sistema tinha essa possibilidade. De referir ainda que a ERSE, apesar da
desconfiança manifestada, não apresentou nenhum elemento de prova do aproveitamento de suposto
benefício.
Importa ainda referir que a REN efetuou pelo menos um teste de disponibilidade à Central Térmica de
Setúbal, como referido no depoimento do Dr. António Mexia e facilmente comprovável de forma documental, e
fê-lo por suspeitar de irregularidades nas declarações de disponibilidade apresentadas pelo produtor, como se
depreende da citação do Ex. SEE Seguro Sanches. Se o fez é porque poderia fazer, se não fez mais vezes é
porque não tinha razão para duvidar dos valores das disponibilidades declaradas ou não quis fazer os testes.
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Pode concluir-se que:
● Os governos envolvidos no processo de preparação e aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004
consideraram que a participação em mercado era suficiente para que as centrais declarassem a sua
disponibilidade real, descartando assim os testes de disponibilidade para efeitos de remuneração do cálculo da
remuneração;
● No entanto, os acordos de cessação e as regras gerais do SEN permitiam e permitiram a realização de
testes de disponibilidade para efeitos de segurança ou de auditoria das declarações de disponibilidade por
parte dos produtores.
2.3.8 Aplicação do fator de correção das produções resultantes do modelo Valorágua
No cálculo da revisibilidade final dos CMEC, a ERSE atribui um valor adicional de 90M€ a favor dos
produtores decorrente da aplicação de fator de correção de 0,99 previsto do Decreto-Lei n.º 240/2004. Este
fator pretendia corrigir as produções do modelo Valorágua, usado para o cálculo das diferentes componentes
dos CMEC em 2004, por comparação com dados históricos. Após a primeira década dos CMEC, a ERSE fez
uma avaliação ex-post ao fator de correção, aplicando o modelo Valorágua às produções reais de Sines e das
centrais hídricas com um fator de correção igual a 1. Conclui assim o regulador no documento que expõe o
cálculo da revisibilidade final:
“A aplicação deste fator, utilizado em todos os cálculos dos CMEC (como o cálculo do valor inicial e os
ajustamentos anuais), origina uma diminuição das receitas de mercado das centrais de Sines e hidroelétricas,
e uma diminuição dos custos variáveis da central de Sines.”
(ERSE, Cálculo do ajustamento final, 2017)
Em audiência na CPIPREPE, João Manso Neto discorda da posição da ERSE, argumentando que, ao
utilizar um fator de correção igual a 1, o regulador está a pedir que os produtores tenham um desempenho
melhor do que o modelo de otimização:
“O modelo tem informação do ano inteiro para otimizar, e eu não tenho, só tenho informação do passado,
não tenho informação futura. Portanto, fizeram-se análises estatísticas, em termos de grupo de trabalho, e
chegou-se à conclusão de que era necessário um ajustamento de apenas 1% ao Valorágua para haver
equilíbrio. A ERSE acha mal, sem fundamento nenhum — a estatística o demonstra e a intuição também. Não
faz sentido nenhum que, de facto, se obrigue alguém, por muito inteligente que seja, a ser melhor do que
modelo, que tem informação que não se tem”.
(audição João Manso Neto)
Também Ricardo Ferreira considera que a existência de um fator de correção é justificada pelo facto de,
historicamente, se verificar que o modelo Valorágua sobrevalorizava algumas produções, conforme aliás
decorre do n.º 4 do anexo IV do Decreto-Lei n.º 240/2004.
Já João Conceição discorda da forma como a ERSE chegou ao valor de 90 M€, descontando aos ganhos
com a aplicação do fator de correção (116 M€) o valor do que já antes teria sido detetado nos diferentes
exercícios de revisibilidade (26 M€). Para João Conceição, estes 26 M€ estão muito abaixo do que a ERSE
teria declarado em anteriores exercícios de revisibilidade e argumenta que o regulador deveria ter descontado
um valor muito mais alto.
“A mesma ERSE no seu parecer à revisibilidade de 2014, feito em junho de 2016, […] vem reconhecer que
o modelo Valorágua induziu um benefício a favor dos consumidores de 103 milhões de euros. (…) Portanto, o
meu comentário em relação ao ponto do Valorágua é simples e é o seguinte: só gostava de perceber porque é
que, em 2016, a ERSE diz que houve uma vantagem de 103 milhões de euros para os consumidores e, um
ano depois, por prudência, reduz essa vantagem para 26 milhões de euros.”
(audição de João Conceição)
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Mais uma vez sobre uma decisão de 2004 – neste caso o fator de correção de 0,99 dos resultados do
Valorágua – tanto os representantes da EDP como as pessoas envolvidas na preparação do Decreto-Lei n.º
240/2004 têm opiniões contrárias às do regulador no que toca ao impacto da medida. Os argumentos da
discussão são essencialmente técnicos, envolvendo um detalhe nos cálculos e nos pressupostos das duas
partes que torna difícil à CPIPREPE ter uma conclusão definitiva sobre o valor real do impacto da medida.
Salientam-se, porém, os valores avançados pela ERSE, de 90 M€, bem como valor de 103 M€ a que nos
remete a argumentação de João Conceição.
Por fim, salienta-se que, ao contrário dos dois pontos anteriores, quanto à decisão da aplicação do fator de
correção de 0,99 das produções provenientes do modelo Valorágua, não se conhece nenhum alerta do
regulador durante a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 sobre o impacto desta medida na neutralidade
económica dos CMEC em relação aos CAE. Daqui pode-se retirar que a ERSE, em 2004, ou não considerou
relevantes os possíveis impactos do fator de correção das produções ou assumiu que este ponto iria ser objeto
de revisibilidade. Esta última hipótese justificaria a opção do regulador no exercício de revisibilidade final em
2017, onde refaz as contas do modelo Valorágua sem o fator de correção previsto no Decreto-Lei n.º
240/2004.
Sem embargo, não pode a CIPREPE deixar de manifestar estranheza com a ligeireza e falta de rigor com
que a ERSE aborda o tema no documento relativo ao ajustamento final, no qual admite que haverá mais
alguns aspetos a beneficiar o produtor (sem sequer identificar e quantificar quais). De facto, no documento
sobre o valor do Ajustamento Final, no 1.º parágrafo da seção 4.3 que aborda este tema, a ERSE reconhece
que de facto existem imperfeições no modelo Valorágua na estimativa das produções, mas depois afirma de
forma vaga e não suportada, “No entanto, o facto de as quantidades serem simuladas por um modelo teórico
(VALORAGUA), que tem outras imperfeições face à realidade, estas poderiam ser aceites sem correção, isto é
igualando este fator a 1”. A ERSE refere apenas “outras imperfeições”. Não as identifica e ainda menos as
quantifica. Exigir-se-ia mais rigor do regulador quando estariam em causa 90 milhões de euros.
2.3.8. Licenças de CO2
Para além das produções simuladas do modelo Valorágua, o cálculo do valor do CMEC tem em conta um
fator anual de emissão de CO2 teórico (0,912 ton CO2/MWh). No exercício da revisibilidade final, a ERSE
quantifica o impacto da utilização deste fator, tendo em conta os valores de emissões reais das centrais e
conclui que houve um ganho dos produtores de 10 M€. No documento, a ERSE justifica assim o facto de
corrigir o valor de emissões teórico existente no procedimento de cálculo dos CMEC:
“Estando disponível desde 2005 o mecanismo europeu de comércio de emissões, onde foram registadas
os valores das emissões verificadas nos centros eletroprodutores, é possível calcular um fator de emissão de
CO2 real, não havendo racional que justifique o cálculo do custo das licenças de CO2 com quantidades obtidas
através de fatores de emissão e rendimentos teóricos”
(Cálculo do ajustamento final, ERSE 2017)
Também sobre este assunto, apenas João Manso Neto e João Conceição fizeram declarações sobre o
exercício do regulador. Para o administrador da EDP entre 2006 e 2015, este cálculo da ERSE baseia-se em
detalhes que não se justificam e carece de legitimidade constitucional:
“A ERSE, quando faz este estudo em 2017, diz que essas alterações exigiam alterações legislativas que
não existem. E mais: a Secretaria de Estado, quando despacha a revisibilidade final diz, taxativamente, que
introduzir estas medidas em termos de compensação, seria de constitucionalidade duvidosa. Ou seja, é um
estudo que, de facto, do meu ponto de vista, não tem fundamento nenhum.”
(audição João Manso Neto)
Já João Conceição não compreende os cálculos do regulador, mas admite que poderá haver razões que os
justifique.
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“É um parágrafo muito curto, não há grandes justificações e a ERSE apenas diz que houve benefícios entre
7,5 milhões de euros e 11 milhões de euros e, portanto, o valor a considerar é 10 milhões de euros. Não
consigo perceber, mas certamente a ERSE teve alguma razão, que não detalhou no relatório, não só para
chegar a destes 7,5 milhões de euros a 11 milhões de euros como, de repente, não fazer o valor médio deste
intervalo e dizer simplesmente que é 10 milhões de euros.”
(audição de João Conceição)
Ricardo Ferreira argumentou com o facto de todo o mecanismo de CMEC estar assente em modelos e
estimativas e não na utilização de valores reais. Por isso, apenas no caso das licenças de CO2 usar os valores
reais seria incoerente com o modelo.
O ponto relativo ao impacto das licenças de CO2 na neutralidade dos CAE em relação aos CMEC foi alvo
de pouca atenção dos intervenientes na CPIPREPE. Não foram apresentados argumentos que contrariem o
valor de 10 M€ avançado pelo regulador, nem foram propostos cálculos alternativos.
Tal como no ponto anterior, também se desconhecem alertas do regulador ou de outras entidades à data
das decisões em 2004 sobre o impacto das licenças de CO2 na neutralidade dos CMEC em relação aos CAE.
2.4.5 O parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República
A repercussão tarifária dos valores enunciados pela ERSE no cálculo do ajustamento final dos CMEC veio
a sustentar-se no Parecer n.º 24/2017 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR),
homologado pelo Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches. Nas suas conclusões, pode ler-se:
“9.ª (…) Dada a natureza dos CMEC, sempre se terá de considerar estar-se perante matéria de reserva de
lei, pelo que não pode o Governo proceder a uma deslegalização, remetendo para a via contratual a regulação
primária de aspetos essenciais do respetivo regime;
10.ª Consequentemente, os acordos de cessação dos CAE não podem introduzir novos fatores nos
cálculos dos ajustamentos anuais e final dos CMEC;
11.ª No cálculo dos CMEC, o valor do CAE reporta-se à data prevista para a sua cessação antecipada e
calcula-se de acordo com as disposições nele previstas, incluindo a amortização e remuneração implícita ou
explícita no CAE do ativo líquido inicial e do investimento adicional, conforme definidos no respetivo contrato,
devidamente autorizados e contabilizados;
12.ª O procedimento da revisibilidade dos CMEC, com vista ao apuramento dos ajustamentos anuais,
processa-se nos termos dos n.os 1 a 11 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 240/2004, sendo, após a
determinação do respetivo valor, enviados os ajustamentos anuais ao membro do governo responsável pela
área de energia para efeitos de homologação (cf. n.º 7);
13.ª O despacho homologatório do montante do ajustamento anual dos CMEC configura um ato
administrativo;
14.ª Assim, o ato de homologação com fundamento na sua invalidade, pode ser declarado nulo, a todo o
tempo, no caso da ocorrência de vício gerador de nulidade (cf. artigo 162.º do Código do Procedimento
Administrativo — CPA –, em vigor, e, anteriormente, artigos 133.º e Diário da República, 2.ª série — N.º 23 —
1 de fevereiro de 2018 3869 134.º do CPA de 1991), ou ser objeto de anulação administrativa (n.º 2 do artigo
165.º do CPA), nos termos e condições dos artigos 166.º e 168.º do CPA;
15.ª Ora, no caso de o ato homologatório considerar aspetos abrangidos pela matéria de reserva de lei, e
que tenham inovatoriamente sido regulados nos acordos de cessação dos CAE, terá de ser considerado nulo
por estar viciado de usurpação de poder [cf. artigo 161.º, n.º 2, alínea a), do CPA e, anteriormente, artigo
133.º, n.º 2, alínea a), do CPA de 1991].”
(Parecer n.º 42/2017 do Conselho Consultivo da PGR, de 9 de novembro de 2017, homologado por
despacho de Jorge Seguro Sanches em 24 de novembro de 2017)
Em dezembro de 2017 é criado pelo governo um grupo de trabalho envolvendo a DGEG e a ERSE, com a
missão de identificar e quantificar a remuneração indevidamente paga em função regras introduzidas pelos
acordos de cessação dos CAE.
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Esse grupo de trabalho identificou como temas a questão dos testes de disponibilidade, anteriormente já
analisado, e dos serviços de sistema que se analisará mais adiante.
2.4 Processo de aprovação dos CMEC na Comissão Europeia
Em 2004, a Comissão Europeia aprovou os Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC),
enquanto compensação pela cessação antecipada dos CAE, entre os quais se incluíam os CAE que a EDP
celebrou em 1996 com a REN.
Esta Decisão baseou-se na Comunicação da Comissão Europeia relativa à “Metodologia de análise dos
auxílios estatais ligados a custos ociosos”, de 26 de julho de 2001, que define os critérios a cumprir pelas
garantias e compromissos que constituam custos ociosos suscetíveis de serem reconhecidos pela Comissão
para efeito da atribuição de ajudas de Estado. Entre esses critérios estão os seguintes, enunciados na
Metodologia da Comissão:
“3.3 Estes compromissos ou garantias de funcionamento devem ser suscetíveis de não poderem ser
honrados na sequência das disposições da directiva. Para constituir um custo ocioso, um compromisso ou
uma garantia deve por conseguinte tornar-se não económico devido aos efeitos da Directiva 96/92/CE e
afectar sensivelmente a competitividade da empresa em causa. (…) Os compromissos ou garantias que não
tiverem podido ser honrados independentemente da entrada em vigor da directiva não constituem custos
ociosos. (…)
3.5 Os compromissos ou garantias que ligam empresas pertencentes a um mesmo grupo não podem, em
princípio, constituir custos ociosos. (…)
3.8 Os custos ociosos devem ser avaliados após dedução de qualquer auxílio pago ou a pagar para os
activos a que se referem. Em especial, quando um compromisso ou garantia de exploração corresponde a um
investimento que foi objecto de um auxílio público, o valor deste auxílio deve ser deduzido do montante dos
eventuais custos ociosos resultantes desse compromisso ou garantia. (…)
3.10 Os custos amortizados antes da transposição para o direito nacional da Directiva 96/92/CE não podem
ser considerados custos ociosos. No entanto, as provisões ou as depreciações de activos inscritos no balanço
das empresas em causa com o objectivo explícito de ter em conta os efeitos previsíveis da Directiva podem
corresponder a custos ociosos. (…)
3.12 Os custos eventualmente suportados por certas empresas para além do horizonte indicado no artigo
26.º da Directiva 96/92/CE (18 de fevereiro de 2006) não podem, em princípio, constituir custos ociosos
elegíveis nos termos da presente metodologia”. (…)
(Comunicação da Comissão Europeia relativa à Metodologia de análise dos auxílios estatais ligados a
custos ociosos, 26 de julho de 2001)
Na sua Decisão de 22 de setembro de 2004 sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 240/2004, a Comissão
Europeia começa por recusar a base da argumentação do governo português:
“De acordo com as Autoridades portuguesas, tais compensações consistem apenas numa justa
indemnização pelo facto de o Estado proceder à cessação antecipada dos CAE, que são contratos entre duas
partes privadas, o que não poderá ser considerado uma vantagem. A Comissão considera que uma tal
justificação não se aplica a este caso específico, dado que os contratos iniciais, que serão objecto de
cessação, já concedem uma vantagem aos produtores vinculados. Na verdade, os CAE eximem os produtores
vinculados de todos os riscos associados aos investimentos cobertos pelos contratos: dispõem da garantia de
reembolso de todos os seus custos, e de venda de um montante fixo de electricidade a um preço garantido e
durante um período determinado e muito longo. Este factor de segurança contra todos os riscos, num mercado
aliás muito cíclico, é proporcionado sem qualquer contrapartida. Constitui uma clara vantagem para os
produtores que celebraram os CAE. Por conseguinte, a cessação dos CAE e a concessão de compensações a
esse título constitui apenas um modo de alterar a forma como era concedida a vantagem anterior e não um
modo de compensar uma desvantagem. De facto, após a cessação dos CAE, aqueles produtores receberão
uma compensação que lhes permitirá, não obstante a abertura do mercado, manter o seu volume de vendas
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(deste modo limitando os riscos em que de outro modo incorreriam) ainda que os centros produtores em
questão se venham a revelar ser intrinsecamente menos eficientes que outros centros produtores que possam
ser construídos no futuro por novos concorrentes potenciais.”
(Decisão em 22 de Setembro de 2004 – Auxílio estatal N 161/2004)
Apesar de considerar que “a cessação dos CAE e a concessão de compensações a esse título constitui
apenas um modo de alterar a forma como era concedida a vantagem anterior e não um modo de compensar
uma desvantagem”, a Comissão Europeia validou o Decreto-Lei n.º 240/2004 no pressuposto de que os CAE
representaram para a EDP uma garantia de funcionamento que 1) poderia ter influenciado investimentos
geradores de elevados prejuízos para estas centrais 2) dada a sua alegada ineficiência; 3) na falta de
compensação destes custos, a EDP poderia ter a sua viabilidade ameaçada.
Em novembro de 2012, o governo português remete à troika o relatório previsto na medida 5.6 do
Memorando de Entendimento – “Report on the CMEC Scheme” –, e que mais tarde será enviado também à
Comissão Europeia no âmbito da investigação aprofundada à extensão da concessão do domínio hídrico à
EDP.
Este relatório põe explicitamente em causa a Decisão da Comissão Europeia em 2004, não sobre a
elegibilidade dos CMEC como ajuda de Estado, mas sobre o próprio modo de cálculo da compensação, que,
na opinião do governo, promoveu uma vantagem adicional em relação aos CAE, quantificada pelo governo em
300 milhões de euros:
“O aumento do valor contratual em relação ao valor inicial dos CAE através da metodologia usada nos
CMEC parece não ter sido considerada na Decisão da UE n.º 161/2004, que validou a compensação por
custos ociosos”.
(Report on the CMEC Scheme, Governo português, novembro de 2012)
No entanto, em 2013, em face da queixa apresentada no ano anterior por um conjunto de cidadãos, a
Comissão Europeia decide o arquivamento dos elementos relativos à Decisão de 2004, abrindo, em
contrapartida uma investigação aprofundada sobre a questão da extensão do domínio hídrico.
Em maio de 2017, a Comissão Europeia não altera as decisões de 2004 e 2013, e decide pelo
arquivamento também relativamente ao tema da extensão do domínio público hídrico.
2.6 – Titularização da parcela fixa do CMEC
Decreto-Lei n.º 240/2004 – criação dos CMEC, titularização como opção do produtor
Em 2004, a transposição para a ordem jurídica nacional da Diretiva 2003/54/CE, do Parlamento Europeu e
do Conselho, de 26 de Junho, que estabeleceu regras comuns para o mercado interno da eletricidade, e a
construção do MIBEL “obrigam a alterar, de forma substancial, a relação comercial entre a entidade
concessionária da RNT (Rede Nacional de Transporte de Energia Elétrica) e os produtores que operam no
SEP (Sistema Elétrico de Serviço Público)” consubstanciada em contratos de vinculação de longo prazo,
designados por contratos de aquisição de energia (CAE) – celebrados ao abrigo do artigo 15.º do Decreto-Lei
n.º 182/95, de 27 de Julho, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 56/97, de 14 de Março:
“O novo modelo de relação comercial (…) implica a cessação antecipada dos CAE, com a consequente
afetação da base contratual que estes contratos proporcionavam a ambas as partes.”
Assim, o Decreto-Lei n.º 240/2004, de 27 de dezembro, pretendia “proceder à definição das condições da
cessação antecipada dos CAE e à criação de medidas compensatórias que assegurem a apropriada
equivalência económica relativamente à posição de cada parte no CAE”. Na prática, este diploma, atribui aos
titulares dos CAE o direito ao recebimento, a partir da data da respetiva cessação antecipada, e mediante um
mecanismo de repercussão universal nas tarifas elétricas, de uma compensação pecuniária, designada por
custos para a manutenção do equilíbrio contratual (CMEC). Estabelece ainda a metodologia de determinação
do montante dessas compensações bem como as formas e momentos dos seus pagamentos.
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Em resumo, as compensações a pagar aos produtores – a recuperar na Tarifa de Uso Global do Sistema –
dividem-se em duas parcelas:
● Parcela fixa – corresponde à diferença entre o valor do encargo fixo previsto nos CAE e a estimativa das
receitas a obter em mercado deduzidas dos custos variáveis de produção, para o período restante dos CAE.
Todos estes valores são atualizados à data de cessação dos CAE. O resultado desta diferença é então
anualizado, por um período previsto de 23 anos – diluindo a sua repercussão na tarifa.
● Parcela variável – corresponde ao ajustamento determinado anualmente entre as estimativas feitas no
cálculo da parcela fixa e os seus valores reais (quantidade de energia vendida, preço de mercado e encargos
com combustíveis).
Um dos aspetos essenciais na determinação dos CMEC são as taxas de juro utilizadas no apuramento do
valor anual da parcela fixa, nomeadamente:
● Taxa de remuneração do imobilizado dos centros eletroprodutores implícita nos CAE: embora não seja
uma taxa explícita neste decreto, mas sim implícita no valor dos CAE, é importante para a compreensão da
remuneração final dos CMEC;
● Taxa de atualização dos encargos fixos (previstos nos CAE) e dos proveitos líquidos (as receitas e os
encargos de exploração expectáveis em regime de mercado) dos centros electroprodutores;
● Taxa utilizada no cálculo da anuidade: remuneração pela diluição no período previsto de 23 anos.
A primeira taxa resulta das condições de mercado de capitais existentes aquando da celebração dos CAE e
correspondem a taxas reais de 8,5% nuns casos e 10% noutros.
A segunda taxa está estabelecida no artigo 4.º deste Decreto-Lei, como a taxa de rendimento de mercado
de dívida pública portuguesa – obrigações do Tesouro com maturidade residual mais próxima da vida média
remanescente dos CAE de cada produtor – em vigor no 5.º dia útil anterior à cessação dos CAE acrescida de
0,25%.
A última taxa, surge definida no artigo 5.º como a menor das seguintes taxas:
i) A taxa nominal referenciada ao custo médio de capital do produtor, a definir, com uma antecedência
mínima de 15 dias em relação à data de cessação antecipada dos CAE de cada produtor, por portaria do
membro do Governo responsável pela área de energia;
ii) No caso de o produtor ceder a terceiros, para efeitos de titularização, o direito ao recebimento do
montante das compensações (…) a taxa de juro anual associada aos pagamentos realizados aos titulares de
valores mobiliários titularizados em cada operação de titularização dos activos (…), incluindo os custos
incorridos com a montagem e manutenção da referida operação de titularização.
De notar que é prevista pela primeira vez a possibilidade de titularização de montantes a recuperar através
das tarifas. No preâmbulo deste diploma é argumentado que “a solução mais eficiente para reduzir o impacte
económico associado ao pagamento das compensações (…) consiste no recurso facultativo a operações de
titularização”, e, assim, são definidas “algumas regras especiais aplicáveis à realização de eventuais
operações dessa natureza”.
De referir ainda algumas características desta possibilidade de titularização:
1 – Os custos incorridos com a montagem e manutenção da operação são 100% incorporados na Tarifa
de Uso Global do Sistema;
2 – Os possíveis ganhos resultantes da titularização (deduzidos os custos, por força do ponto anterior)
beneficiam integralmente os consumidores – remuneração pela taxa mais baixa;
3 – Também da utilização da taxa mais baixa decorre que apenas os ganhos são repercutidos nos
consumidores. Uma potencial menos-valia com a operação, seria absorvida pelo produtor;
4 – Embora existindo um potencial de ganho para o consumidor relevante com a titularização, o diploma
não prevê nenhuma forma de obrigatoriedade em qualquer circunstância, sendo esta facultativa e de decisão
exclusiva do produtor.
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Com efeito, em vésperas da cessação antecipada dos CAE celebrados com a EDP Produção, agendada
para 1 de julho de 2007, para cumprimento do disposto na alínea a) do número 2 do artigo 7.º deste Decreto-
Lei, que atribuía ao Governo a competência para aprovar, mediante despacho, o valor estimado da taxa de
juro associada à titularização dos CMEC, tendo por base estimativa do produtor, a EDP disponibiliza esse
valor, confirmando-se uma estimativa mais baixa que o custo de capital da EDP – 5,22% que compara com
7,55% respetivamente. Este valor é apresentado em carta enviada por João Manso Neto ao ministro Manuel
Pinho, referindo que a estimativa foi feita pela Rothchild com base numa série de pressupostos e estimativas
de condições de mercado, anexando o respetivo relatório. De notar que a Rothchild antecipava a atribuição de
um rating relativamente elevado, com base no risco dos cash-flows em questão e que a estimativa
apresentada, os 5,22%, já contemplava todos os custos incorridos com a montagem e manutenção da
operação de titularização.
A estimativa é apresentada, o Despacho com essa taxa é publicado (Despacho n.º 15291/2007) em
conjunto com a portaria (Portaria n.º 611/2007) que estabelece o custo médio de capital dos produtores
(7,55% para a EDP) mas nunca será efetivada qualquer titularização. Desde então, como veremos, a EDP
concretizou um número substancial de operações de titularização relativas a montantes de dívida tarifária (ao
abrigo de outros diplomas legislativos e com outras condições) mas nunca titularizou esta anuidade, onde os
ganhos obtidos reverteriam integralmente para os consumidores.
Questionado a este respeito na CPIPREPE, Manuel Lencastre, ex-secretário de Estado com a tutela da
energia (governo Santana Lopes), responde:
“Se as compensações dos CMEC tivessem sido titularizadas, muito provavelmente, a segunda taxa de
desconto a que os Srs. Deputados se referem seria inferior à Euribor mais 25 basis points. Sei que a EDP
titularizou grande parte da sua dívida tarifária (…) a um valor muito próximo da Euribor.
Ora, se a titularização tivesse acontecido de facto, já não se falava da segunda sobretaxa maior do que a
primeira, mas estaríamos, no limite, a falar de uma segunda taxa inferior à primeira. Acho que isso teria sido
possível, com ganhos inequívocos para os consumidores. Agora, isso não foi feito! E por que é que não foi
feito? Aqui, assumo as minhas responsabilidades, por uma razão muito simples: não foi feito porque a EDP
não foi obrigada a fazê-lo. E se havia melhoria a fazer neste decreto-lei, era no sentido de criar pressão na
EDP para que o fizesse.
Vejamos: a EDP podia não ter acesso aos mercados de titularização, mas não é o caso. A EDP tem acesso
aos mercados de titularização. E a questão que se coloca é muito simples: se a EDP tem acesso aos
mercados de titularização, está aqui a arranjar um precedente e uma razão que pode eventualmente despertar
algum interesse político. E algum interesse político neste sentido: então, se estás a titularizar isto, por que é
que não titularizas isto aqui também? Na prática, isto seria criar naquele decreto-lei — e, de facto, não está lá
criada — essa obrigatoriedade.
Voltando à questão da titularização, devo dizer que esta é uma questão muito importante. É que a questão
da titularização da dívida tarifária poderia ter criado um precedente, pois teria criado uma justificação ao
Governo para dizer o seguinte: «Então, se vocês titularizam a dívida tarifária, têm de titularizar isto aqui
também». «Ah, mas isto aqui não está no decreto-lei!», diriam. Bom, acho que, então, o decreto-lei seria
passível de uma melhoria nesse sentido, até porque foi alterado mais tarde”.
Questionado os motivos de a EDP não ter realizado a titularização planeada, Ricardo Ferreira, assessor de
Carlos Tavares e diretor da EDP desde 2005, responde:
Ainda agora, há relativamente pouco tempo, tive de novo essa conversa com uma responsável do Grupo
EDP que me disse que, poucos meses depois de o Decreto-Lei estar em prática, a partir de 1 de julho de
2007, houve um conjunto de acontecimentos que fez disparar a coisa e que montar uma operação destas
demoraria ainda tempo. Não sei… Não foi feita, de facto, terão sido os mercados.
Ainda reiterando a perceção de risco dos montantes em causa, Carlos Tavares, ex-ministro da economia
(governo Durão Barroso), comenta na CPIPREPE:
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“Aqueles fluxos, aqueles cash-flowsdos CAE, são fluxos garantidos, na prática, porque são fluxos
calculados por uma entidade pública, que era a ERSE, e repercutidos nos consumidores que não deixam de
pagar eletricidade, como é evidente.
Portanto, o risco de uma operação de titularização seria muitíssimo baixo, muito próximo de um risco
Estado, digamos assim. Por isso, se tivesse sido calculada a taxa dessa operação de titularização,
provavelmente ela encostar-se-ia à taxa de atualização, descontado o facto de os períodos serem diferentes
(…). Se o período for mais longo a taxa seria maior, porque a curva seria positivamente inclinada.
Portanto, o decreto-lei, vendo a posteriori, fornecia, no meu entender, a solução que podia ser adequada
para isso: ir ao mercado e ver quanto é que o mercado cobraria para titularizar aqueles fluxos. É uma
operação, na prática, quase de factoring, ou seja, são receitas praticamente garantidas que os consumidores
pagam. Julgo que se teria certamente concluído que haveria uma taxa mais baixa do que o custo médio de
capital da EDP, que resulta relativamente elevada”.
Na sua audição na CPIPREPE, o presidente executivo da EDP, António Mexia, afirma que a EDP estava
interessada na titularização, e envidou vários esforços nesse sentido, dos quais a CPIPREPE tomou
conhecimento documental. Após 2008 o mercado não estava recetivo a estes ativos, fruto da crise
internacional, de acordo com a documentação recebida dos consultores financeiros da EDP que contactaram
varias entidades bancárias:
Esta dívida não foi vendável. E não foi vendável porquê? Por causa do prazo, ou seja, estamos a falar de
um produto a 20 anos com todos os riscos que tem de alteração desse produto. O Sr. Deputado perguntar-me-
á: então, por que é que consegue vender défice tarifário? Porque o défice tarifário são operações a
quatro/cinco anos com um período médio de 2,5 anos e, portanto, é fácil securitizar coisas a 2,5 anos, mas é
muito difícil securitizar coisas a 20 anos. (…) E por que é que eu queria imenso securitizar isso? (…) Porque
era o mercado que era dono dessas obrigações e – disso eu tenho a certeza – se o mercado fosse dono
dessas obrigações aquelas medidas [propostas pela ERSE no cálculo do ajustamento final dos CMEC] não
tinham acontecido. Disso não tenho dúvidas nenhumas! Portanto, eu teria tido o dinheiro à cabeça e teria
poupado 500 milhões que, entretanto, paguei. (…) Eu não vendi, porque ninguém quis comprar! (…) Em 2007
e 2008. Estivemos dois anos a tentar vender.
Na sequência do pedido de documentação adicional sobre esta tentativa de titularização do CMEC inicial, a
EDP remeteu à CPIPREPE um conjunto de documentação e correspondência. Essa documentação confirma
que a EDP, no ano de 2008, procurou e obteve do banco Rothschild informação sobre as condições do
mercado para a concretização desta eventual oferta da EDP. Nesse documento, são descritas as dificuldades
emergentes no quadro da crise financeira de 2007 e é apresentado um leque de valores, estimativas entre
5,93% para um rating de AAA a 7,65% para um rating de A, que poderiam resultar de uma eventual tentativa
de titularização. Apesar do intervalo estimado ser compatível com um potencial ganho para o SEN, não existe,
entre os documentos remetidos pela EDP à CPIPREPE, nenhum que comprove a concretização efetiva da
alegada tentativa frustrada de titularização daqueles créditos, ou de qualquer comunicação com a tutela no
sentido de dar nota da evolução da estimativa desta taxa.
A EDP justifica com as condições de mercado, que a taxa final não fosse pelo menos mais baixa que o
custo médio de capital da EDP. Com o passar do tempo e com a substancial melhoria das condições de
mercado, a EDP procede a uma série de outras operações de titularização, mas nunca titulariza os CMEC
(nem há registo de pressão de qualquer Governo nesse sentido). A EDP afirmou que o tipo de ativo e os
prazos subjacentes não permitem comparações com as operações de titularização do défice, tipicamente com
prazos mais curtos.
Conclusões
● A decisão política de configurar os CAE das centrais da EDP (centrais existentes) tomando como
referência os CAE das centrais da Tejo Energia e da Turbogás (novos investimentos) reconfigurou a empresa,
valorizando-a com vista a obter o maior valor possível para os cofres do Estado na sua privatização;
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● A par da AdC, a ERSE propôs modelos de enquadramento alternativos ao dos CMEC. O governo de
Durão Barroso rejeitou de forma fundamentada essas propostas e optou pelo modelo de manutenção do
equilíbrio contratual.
● É a própria ERSE no seu Estudo de 2017 que reconhece que nenhum dos fatores identificados nos
estudos de 2004 e 2005 se materializaram a não ser a questão da existência de duas taxas de juro diferentes
na metodologia de cálculo dos CMEC.
Com respeito à utilização de taxas de juro diferentes para o cálculo dos CMEC, ficou demonstrado que a
abordagem da ERSE, não estando errada desconsidera outros aspectos importantes, que foram aceites por
todos os depoentes sobre este assunto, e que anulam a vantagem para as empresas.
Capítulo 2
Extensão sem concurso do uso do Domínio Público Hídrico a favor da EDP e metodologia do
cálculo da compensação a pagar ao SEN
Com o Decreto-Lei n.º 183/95 a entidade concessionária da RNT (a REN) obteve a concessão por parte do
Estado do direito de utilização do Domínio Público Hídrico (DPH) para a produção hidroelétrica. Aquando da
celebração dos CAE das centrais hídricas, na sua totalidade detidas pela EDP, estabeleceu-se que a REN
subconcederia a utilização do DPH a estas centrais até ao final destes contratos.
Os CAE continham também cláusulas para a negociação da extensão do contrato, bem como cláusulas
com direitos e obrigações a observar na resolução do mesmo. Previam também direitos e obrigações da REN
relativos à realização, findo o prazo de subconcessão, de concursos para o reequipamento do aproveitamento
e exploração destas centrais.
Com a entrada em vigor dos CMEC e a necessidade de cessação antecipada dos CAE, foi necessário
estabelecer termos e condições dos direitos de utilização do DPH destas centrais hidroeléctricas. Assim foi
aprovada uma série de legislação entre 2003 e 2007 que culminou com uma extensão dos direitos de
utilização do DPH à totalidade das centrais hídricas até ao final de vida dos equipamentos (em média, 25 anos
para além do previsto nos CAE), mediante uma compensação paga pela EDP ao estado de 759 M€, que
acresceu ao facto de a EDP ter prescindido do recebimento do valor residual das centrais previsto nos próprios
CAE. No total, o montante envolvido excedera os 2,1 mil milhões de euros. Este direito foi atribuído à EDP
sem a realização de qualquer procedimento concorrencial.
Está em causa a análise de duas vertentes deste tema:
i) O valor pago pela EDP para poder usar o domínio público hídrico
ii) O processo de atribuição
Quanto ao primeiro tema, este foi analisado aprofundadamente pela Comissão Europeia entre 2012 e maio
de 2017, tendo esta entidade concluído (na sequência de uma queixa apresentada por diversas entidade
ouvidas na CPIPREPE) que a metodologia utilizada para o cálculo do valor a pagar pela EDP tinha sido o
correto e conforme as boas práticas de cálculo financeiro (criticando de forma violenta a nota da REN sobre
esta temática) e ainda que o valor apurado era justo e conforme referenciais de mercado.
Quanto ao segundo tema, esta opção é criticada pela ERSE desde a preparação do Decreto-Lei n.º
240/2004 e é ainda hoje objeto de um processo formal de investigação por parte da Comissão Europeia, ainda
não decidido e que abrange igualmente muitos outros Estados Membros. O comunicado mais recente da
Comissão Europeia sobre o tema, com data de 7 março de 2019, considera que as práticas legislativas de
Portugal e França na atribuição sem concurso de barragens violam o direito da UE.
“França e Portugal: A Comissão vai enviar notificações para cumprir a estes dois Estados-Membros, uma
vez que considera que tanto a legislação como a prática das autoridades francesas e portuguesas são
contrárias ao direito da UE. A legislação francesa e portuguesa permite a renovação ou extensão de algumas
concessões hidroelétricas sem recorrer a concurso.”
(Comunicado da CE, 7 de março de 2019)
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Assim, este foi também um assunto central na CPIPREPE, onde foi debatida a possibilidade de a atribuição
da utilização do DPH sem concurso estar na origem de vantagens indevidas conferidas à EDP. Duas questões
foram levantadas a este respeito: 1) a falta de um procedimento concorrencial na concessão do DPH no
período posterior ao prazo do CAE; 2) o método de fixação de uma compensação económico ao sistema
elétrico pelo valor dessa concessão.
1. Atribuição à EDP da exploração dos aproveitamentos hidroelétricos sem concurso
1.1 As definições previstas nos CAE
Os CAE definiam cláusulas para a negociação da sua extensão. Este processo negocial, que poderia ser
iniciado tanto pela entidade concessionária da RNT (REN) como pelo produtor (EDP), é estabelecido na
cláusula 25.1 dos CAE das centrais hidroelétricas. O ponto 3 da mesma cláusula define que, se não for
iniciado um processo negocial, ou no caso de este falhar, o contrato terminaria na data de fim de contrato
estipulada para o CAE.
“Com uma antecedência mínima de 5 anos relativamente à Data de Fim do Contrato, a RNT, ouvida a
entidade de planeamento, notificará o Produtor do seu interesse ou não em negociar a extensão do Contrato
relativo ao Aproveitamento, devendo o Produtor responder por escrito, num prazo máximo de 1 mês.
O Produtor poderá, até 5 anos antes da Data de Fim de Contrato, apresentar à RNT uma proposta
fundamentada para a extensão do Contrato. Nesse caso, a RNT, ouvida a entidade de Planeamento, deverá
notificar, o Produtor, no prazo máximo de um mês sobre o seu interesse, ou não, em iniciar negociações para
a extensão do Contrato.”
(cláusula 25.1.1 dos CAE das centrais hidroelétricas)
“No caso de nenhuma das partes solicitar a extensão do Contrato, ou no caso de a RNT responder
negativamente a uma proposta do Produtor para a extensão, o contrato terminará na Data de Fim de
Contrato.”
(cláusula 25.1.3 dos CAE das centrais hidroelétricas)
Neste cenário em que a RNT optasse pela não extensão do contrato, estaria obrigada, pela cláusula
26.1.1, a abrir um concurso para o reequipamento e exploração do aproveitamento hidroelétrico. No caso de o
vencedor deste concurso não ser a EDP, a RNT teria de devolver o valor residual do aproveitamento
hidroelétrico, de acordo com a cláusula 26.3. De notar que a este valor acresceriam os lucros cessantes, no
caso de a data de cessação do CAE não coincidir com o seu termo previsto no contrato.
“A RNT deverá, com a antecedência de pelo menos um ano relativamente à data de fim de Contrato,
colocar de novo a concurso o reequipamento do Aproveitamento e respectiva exploração. Em resultado desse
concurso a RNT optará entre:
a) celebrar com o mesmo produtor um novo Contrato de Aquisição de Energia.
b) celebrar com outra entidade que não o Produtor um novo Contrato de Aquisição de Energia, tomando
posse do Aproveitamento e transferindo para o novo produtor seleccionado a posse sobre as instalações e
bens pertencentes ao Aproveitamento, sem direito a qualquer indemnização adicional por parte do produtor
para além do previsto na cláusula 26.3 deste Contrato”.
(cláusula 26.1.1 dos CAE das centrais hidroelétricas)
“[…] se a RNT, em resultado do concurso aberto para o reequipamento e exploração do Aproveitamento,
vier a celebrar com outro produtor um novo contrato de aquisição de energia, a RNT pagará ao Produtor o
Valor Residual do Aproveitamento, tal como definido no Anexo 10 deste Contrato.”
(cláusula 26.3 dos CAE das centrais hidroelétricas)
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Em suma, os CAE, nos termos da legislação em vigor à data, concediam à REN a opção de estender o
contrato de exploração dos centros hidroelétricos da EDP ou abrir um novo concurso e transferir a exploração
para outra entidade, pagando à EDP valor residual do aproveitamento e eventuais lucros cessantes.
O processo de transição para o mercado de eletricidade veio obrigar à cessação antecipada dos CAE e à
produção de nova legislação que enquadrasse a exploração dos centros electroprodutores. Para fazer face a
este processo de transição, como vimos anteriormente, o governo optou em 2003 pela adoção de um
mecanismo de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), cuja principal premissa era a neutralidade
relativamente aos CAE.
Assim, no que diz respeito às centrais hídricas da EDP, esperava-se que fossem mantidos sob o regime
CMEC os mesmos prazos de exploração previstos nos CAE, a menos que fosse concedida à EDP a
possibilidade prevista desde 1996 de prolongar a exploração dos centros eletroprodutores Todavia, na
sequência do Despacho n.º 14 315/2003, o Decreto-Lei n.º 240/2004 concretizou a opção prevista desde 1996
de a EDP poder explorar os aproveitamentos hidroelétricos até ao termo de concessão do domínio hídrico
(muito além do prazo dos CAE). Mais tarde, em 2005, este novo direito ficou também plasmado como cláusula
suspensiva nos Acordos de Cessação dos CAE, dando à EDP o direito de não transitar para os CMEC
enquanto não fossem estendidos os prazos de concessão das 27 barragens em território nacional e cumpridas
uma série de outras condições, algumas delas de foro administrativo.
Na secção seguinte analisam-se estes dois momentos de atuação do governo, em 2004 e 2005, na
preparação e aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e na negociação e homologação dos Acordos de
Cessação antecipada dos CAE.
1.2 Aspetos decorrentes do Decreto-Lei n.º 240/2004
Já previsto no Despacho n.º 14 315/2013, o artigo 4.º ponto 1 do Decreto-Lei n.º 240/2004 mantém a
possibilidade dos produtores hidroelétricos manterem a exploração das centrais até ao termo da concessão do
domínio hídrico:
“No caso dos centros produtores hidroeléctricos, e na hipótese de os respectivos produtores pretenderem
manter a exploração até ao termo da concessão do domínio hídrico, ao valor do CAE é deduzido o valor
residual dos bens que, nos termos do respectivo título de concessão, não devessem reverter gratuitamente
para o Estado no final do contrato”.
[artigo 4.º ponto 1, alínea vii)]
No parecer ao Decreto-Lei n.º enviado pela ERSE em 2004, o regulador debruça-se sobre este direito de
opção conferido à EDP já em 2003, afirmando que esta prorrogação implícita da licença de produção, por não
ser feita através de um procedimento concursal, prejudica a concorrência e não confere aos potenciais
interessados igualdade de tratamento. A ausência até 2007 de previsão de uma tradução económica a favor
do sistema elétrico desta nova vantagem concedida à EDP é fortemente criticada:
“Embora o n.º 2 [do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 183/95] disponha que o prazo do contrato de vinculação
deva ser igual ao prazo de duração da licença, a verdade é que o prazo de utilização do domínio hídrico é
muito superior ao prazo de duração dos contratos de vinculação.
Resulta daqui que, na prática, os termos de formulação da citada alínea [do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-
Lei n.º 240/2004] traduzem uma prorrogação implícita da licença de produção. Assim sendo, esta prorrogação
deve ter uma tradução económica a favor do sistema eléctrico, devendo ser levada em linha de conta na
determinação dos CMEC. A não ser assim, está-se a conferir aos produtores, sem qualquer correspondência
no sistema eléctrico, vantagens que não resultam dos CAE se estes contratos fossem cumpridos nos seus
precisos termos. Ora, para além da imediata prorrogação da licença ser questionável à luz dos princípios da
Directiva 2003/54/CE, já que não confere aos interessados igualdade de oportunidades e de tratamento, a
ausência de correspondência económica no sistema eléctrico torna este acto ilegítimo. Donde, importaria
adoptar uma disposição expressamente aplicável à prorrogação das licenças”.
(Parecer ERSE ao Decreto-Lei n.º 240/2004, entregue ao governo em maio de 2004)
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Também a REN, nos primeiros comentários ao Decreto-Lei n.º 240/2004 que faz chegar ao governo em
fevereiro de 2004, alerta para este aspeto do diploma:
“O ponto v. da alínea a) do número 1 do artigo 4.º ao permitir manter a exploração das centrais hídricas
(3903 MW) até ao termo da concessão do domínio hídrico está a beneficiar a EDP, atendendo a que, no termo
de cada CAE, a REN iria colocar a concurso a exploração do sítio (Decreto-Lei n.º 183/95, n.º 4 do artigo 13.º,
texto consolidado pelo Decreto-Lei n.º 56/97 de 14 de março”.
(Comentários REN, enviados em fevereiro de 2004)
Muitos dos depoentes inquiridos na CPIPREPE responderam às mais variadas questões com frases do tipo
“não sei” ou “não me lembro”.
Por exemplo, dois dos protagonistas do contrato assinado em 2005 entre a REN e a EDP disseram não se
lembrarem do assunto. José Penedos, então presidente da REN, disse: "O presidente de uma empresa como
a REN assina muita coisa…". Pedro Rezende, presidente da filial da EDP, também não se lembra.
A EDP desvaloriza o facto de a extensão do DPH se constituir como um novo direito, dizendo que a lei já
permitia que a RNT fizesse a subconcessão sem concurso. O administrador da empresa em 2007, João
Manso Neto afirma hoje:
“Desde 1995 que estava previsto que o produtor o pudesse ter. Obviamente — e podemos fazer já esse
comentário —, também o Estado o poderia ter, mas aquilo já estava previsto, pelo que não há nada de novo.”
(Audição de João Manso Neto)
Contudo, o Decreto-Lei n.º 183/95 no artigo 6.º (citado em baixo) apenas concede o direito à RNT de
subconceder o DPH à entidade selecionada para a exploração da central.
“A entidade concessionária da RNT fica autorizada a subconceder o contrato de concessão de utilização do
domínio hídrico à entidade por ela seleccionada, nos termos do presente diploma.”
(Artigo 6.º, ponto 3, do Decreto-Lei n.º 183/95)
Como vimos anteriormente, como impunha a legislação de 1995, os CAE definiam os termos da extensão
desta subconcessão, dando poderes à RNT para não estender o contrato e iniciar um concurso para a
exploração dos aproveitamentos hidroelétricos. De igual modo, os mesmos CAE abriam a possibilidade dessa
extensão ser operada sem nenhum concurso. Só no processo de transição para o mercado, mais
concretamente no Despacho n.º 14 315/2003 e no Decreto-Lei n.º 240/2004, é que a extensão deixa de
depender da vontade da RNT e passa a depender da vontade da EDP. Enquanto Paulo Pinho chama a isto
uma “opção real muito valiosa”, João Manso Neto considera que “não há nada de novo”.
E de facto, há que analisar todo o enquadramento de 1995/96 para se perceber que de facto os Governos
dessa altura pretendiam que essa fosse uma possibilidade mais tarde. Mais, a redação dos próprios CAE
tinham na sua génese a intenção de ser a EDP continuar a explorar as centrais para além do termo dos CAE,
na medida em que, por exemplo, para além de contemplarem essa opção, obrigariam a que se houvesse
concurso e um operador terceiro obtivesse o direito a explorar a central, então esse operador teria que
reequipar a central, algo que não seria exigido à EDP. Ou seja, em 1996 foi tomada uma opção política e de
estratégia energética de privilegiar a EDP na extensão da operação das centrais, porquanto esta não teria que
reequipar as centrais. Ou seja, configura-se nessa data algo que pragmaticamente manifesta a preferência de
ser a EDP a continuar a exploração das centrais para além do fim dos CAE.
João Manso Neto centra o seu argumentário na racionalidade económica da medida:
“A opção de não fazer concurso público e atribuir o domínio hídrico por negociação bilateral era aquilo que
fazia sentido, já não digo do ponto de vista jurídico, mas do ponto de vista económico”.
(Audição de João Manso Neto)
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Para justificar a vantagem económica da negociação sem concurso, João Manso Neto enunciou na
CPIPREPE as quatro opções que o governo teria aquando da cessação dos CAE:
1 – “Realizar concurso em 2007 para todas as centrais para exploração imediata, [o que] implicaria pagar à
EDP o valor residual de 1356M€ e valor atual líquido dos lucros cessantes (7982M€) [até ao final do prazo do
CAE]”; 2 – “Realizar um concurso em 2007 para exploração das centrais, mas salvaguardando os direitos de
exploração até que os CMEC/CAE terminassem, [o que] Implicaria pagar à EDP o valor residual de 1356M€
[com o] inconveniente de estar a pagar, em 2007, por um ativo que só começaria a explorar à medida que os
CMEC/CAE fossem cessando”; 3 – Realizar concursos para exploração das centrais à medida que os
CMEC/CAE terminassem, [o que] Implicaria pagar à EDP o valor residual de 1356M€” 4 – “Conceder à EDP a
exploração das centrais até ao fim da vida útil das mesmas, [em que] o Estado teria um encaixe financeiro de
759M€ e não teria de pagar o valor residual de 1356M€”.
Manso Neto concluiu dizendo que o “O governo tomou a opção mais racional e com maiores benefícios
para o sistema e para o país”.
Sobre a tradução económica da decisão do governo, Paulo Pinho não é da mesma opinião. Ouvido na
CPIPREPE, o ex-administrador da REN não tem dúvidas de que o Decreto-Lei n.º 240/2004 proporcionou à
EDP uma opção real muito valiosa, quebrando a neutralidade dos CMEC em relação aos CAE.
“Sou professor de Finanças e uma peça fundamental da teoria financeira são as opções, a avaliação de
opções. Estamos aqui a falar daquilo que, em finanças, chamamos opção real. Isto é uma opção real? Uma
opção real vale muito dinheiro! O Estado português oferece a um produtor uma opção real muito valiosa a
troco de nada. Aí, foi uma das várias áreas onde, para mim, se violou o princípio, que vigorava nos CMEC, de
que eles deveriam ser financeiramente neutrais. Não é financeiramente neutral quando alguém me põe uma
alínea… aliás, acrescenta lá um texto em que dá essa opção, que é uma opção real, que tem imenso valor.
Mesmo que eles não o exercessem mais tarde, o simples facto de lhe ser dado tem um valor financeiro e esse
valor não foi tido em conta em nenhum dos cálculos feito posteriormente.”
(Paulo Pinho, ex-assessor do ministro Carlos Tavares e ex-administrador da REN)
O valor estratégico da opção, dada à EDP, de estender a utilização do DPH por mais 25 anos foi realçado
por vários depoimentos na CPIPREPE. Para o ex-secretário de estado da energia, a EDP obteve, sem
concurso, o monopólio da produção hidroelétrica em Portugal, que é um bem muito importante para a
operação em mercado:
“A concessão do controlo monopolista da capacidade de bombagem, que é um assetque tem um valor
incalculável para fazer a arbitragem do sistema e quando há excessos da produção eólica a baixo valor — e,
na prática, o Estado passou o monopólio para a EDP — é um valor que não está determinado e que, sob o
ponto de vista estratégico, é um valor incalculável.”
(Henrique Gomes, Secretário de Estado da Energia 2011-2012)
Em suma, a Portaria n.º 14 315/2013 e o Decreto-Lei n.º 240/2004 vieram fazer depender da vontade da
EDP a extensão da concessão do domínio público hídrico em média por mais 25 anos em todas as centrais
hidroelétricas do país. Este novo direito não existia anteriormente nos CAE nem na legislação de 1995, apesar
da opção estar prevista nos CAE e estes mesmos CAE conferirem à EDP uma vantagem (não necessidade de
reequipamento) caso houvesse concurso. Esta extensão tratou-se de uma decisão clara do governo,
introduzida pelo Despacho n.º 14 315/2003 e consumada no Decreto-Lei n.º 240/2004.
Diga-se, porém, que de facto a existência de valor nesta opção levanta dúvidas e é no mínimo discutível.
Com efeito, apesar de aparentemente a EDP ter ficado com a decisão de continuar a explorar as centrais
hidroelétricas do seu lado, o que é facto é que – conforme adiante se verá – a existência de cláusulas
suspensivas nos acordos de cessação deixa ao arbítrio do Estado a possibilidade do seu não cumprimento,
inviabilizando assim a existência de acordos de cessação, do fim dos CAE e transição para CMEC, bem como
ainda da extensão do domínio público hídrico.
Com esta decisão o governo evitou que o Estado pagasse o valor residual dos equipamentos das centrais,
avaliados em €1356M e mais os lucros cessantes. Por outro lado, perdeu o direito de, através da REN, abrir
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novos concursos para a exploração dos 26 aproveitamentos hidroelétricos em Portugal, permitindo que estes
ativos ficassem nas mãos de uma única empresa.
Isto dito, seria incerto que o valor auferido nesses concursos chegasse sequer para cobrir o valor
indemnizatório a pagar à EDP nos termos dos CAE assinados em 1996. De facto, bastaria que o concurso
para algumas centrais ficasse deserto para que – além da incerteza sobre quem exploraria e garantiria a
segurança de abastecimento – o Estado tivesse que ressarcir a EDP.
A estratégia prosseguida na altura permitiu:
a) angariar receitas para os cofres públicos e minimizar o deficit tarifário;
b) evitar tema de concursos desertos e segurança do abastecimento;
c) evitar ter de pagar à EDP avultados valores para a indemnizar, nos termos dos contratos de 1996
d) promover a concorrência a nível ibérico, pois não permitiu que agentes espanhóis de maior dimensão
ficassem a controlar os ativos em questão, beneficiando assim a menor concentração do mercado.
Registam-se, portanto, as posições das duas entidades envolvidas no processo: para a EDP, nas palavras
de João Manso Neto, a extensão do DPH “era aquilo que fazia sentido do ponto de vista económico”; para a
REN, nas palavras do seu então presidente, José Penedos, “a extensão do domínio hídrico, da maneira que
foi feita, era contra o interesse nacional”.
1.3 Aspetos decorrentes dos acordos de cessação dos CAE
Os acordos de cessação antecipada dos CAE, assinados pela EDP e pela REN e homologados em
fevereiro 2005 pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, Manuel Lencastre, através do
Despacho n.º 4672/2005, vieram estabelecer as condições para a cessação daqueles contratos no processo
de transição para os CMEC. Nestas condições foi introduzida uma cláusula suspensiva destes acordos
(cláusula 2, alínea b) que obrigava à subconcessão do DPH à EDP até ao fim de vida útil dos equipamentos
das centrais hídricas:
“Concessão à Entidade Concessionária da RNT dos direitos de utilização do domínio público hídrico que
integre o conjunto dos Centros Electroprodutores, por prazo não inferior ao correspondente à vida útil dos
equipamentos e obras de engenharia civil que se encontra indicado no Anexo I – Parte B em relação a cada
Centro Electroprodutor e subsequente subconcessão pela Entidade Concessionária da RNT a favor do
Produtor dos aludidos direitos de utilização, por prazo idêntico ao daquela concessão”.
(Acordos de cessação dos CAE, cláusula 2, ponto 1-b)
Assim, na prática, esta cláusula suspensiva veio fazer depender a cessação dos CAE e a consequente
passagem aos CMEC, da extensão do DPH. Para o então diretor geral da EDP, João Manso Neto, esta
cláusula foi introduzida apenas para salvaguardar a opção conferida à EDP pelo Decreto-Lei n.º 240/2004:
“O Decreto-Lei n.º 240/2004 permitia à empresa, aos produtores — neste caso éramos só nós que já
tínhamos o hídrico — escolher entre receber o valor residual, ou seja, somar ao valor dos CMEC [o] valor
residual, ou optar pela extensão do domínio hídrico. Quando assinámos o acordo de cessação, exercemos a
opção: o montante CMEC é de 3300M€ e não 4600M€ porque exercemos a opção.
Portanto, o acordo CMEC nunca podia entrar em vigor sem me regularizarem o domínio hídrico, porque se
não me dessem o domínio hídrico, então tinha de ir para os 4,6 – esta é uma razão financeira.
Mas há, também, uma razão mais operacional, que é: «eu preciso de ter o domínio hídrico para operar em
mercado». Esta era a direta execução do Decreto-Lei n.º 240/2004: 3,3 mais domínio hídrico, ou 3,3 mais valor
residual. Como escolhemos o primeiro, só podemos dar o CAE como morto quando tivermos o resto. Está a
ver? Se eu escolhesse um e, depois, não tivesse o resto ficava desequilibrado… É uma condição suspensiva
que não podia deixar de existir, face ao teor do Decreto-Lei n.º 240/2004.”
(Audição de João Manso Neto)
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Victor Batista, um dos administradores da REN que conduziu o processo por parte da concessionária da
RNT, concorda que esta cláusula foi só uma forma da EDP exercer um direito que lhe tinha sido atribuído pela
legislação introduzida no ano anterior:
“Nessa condição suspensiva a EDP, no fundo, está a exercer o direito de opção. A opção que lhe foi
oferecida ela exerce-a! É a tal opção real. A EDP exerceu esse direito, ou seja, «eu quero continuar». E,
portanto, aparece na condição suspensiva.”
(Audição de Victor Batista)
Ouvidas as duas empresas envolvidas na elaboração e assinatura dos acordos de cessação, pode
concluir-se que a inclusão da obrigatoriedade de extensão do DPH na cláusula suspensiva dos acordos de
cessação dos CAE foi a concretização do novo direito de opção dado à EDP no Despacho n.º 14 315/2003 e
confirmado pelo Decreto-Lei n.º 240/2004, inicialmente previsto nos CAE de 1996.
Na sua Decisão de 2017 relativa ao processo por ajudas de Estado sobre a extensão do domínio hídrico, a
Comissão Europeia sublinha este facto:
“(25) Em primeiro lugar, a Comissão observou que a adjudicação da utilização de recursos hídricos
públicos em regime de concessão para efeitos de prestação de um serviço num mercado pode não comportar
uma vantagem económica para o beneficiário, se a dita concessão for adjudicada no âmbito de um concurso
público e não discriminatório em que participe um número suficiente de operadores interessados. No entanto,
no caso em apreço, os acordos de cessação dos CAE prolongaram, de facto, por cerca de 25 anos, em média,
o direito exclusivo da EDP de explorar as centrais elétricas em causa sem qualquer processo de concurso.
Com efeito, a organização de um concurso ficou esvaziada pelas cláusulas suspensivas dos 27 acordos de
cessação dos CAE entre a REN e a EDP.
(26) Tendo em conta a significativa parte do mercado português representada pelas centrais elétricas (27
%), a posição da EDP no mercado português de geração e venda por grosso (55 %) e o interesse específico
de centrais hidroelétricas numa carteira de produção de eletricidade, a Comissão considerou que essas
cláusulas suspensivas podem ter desencadeado um efeito de exclusão do mercado numa base duradoura
para a entrada no mercado de potenciais concorrentes que poderiam ter concorrido ao concurso público. Por
conseguinte, poderia estabelecer-se uma vantagem económica beneficiando indevidamente a EDP caso o
concurso tivesse tido por resultado um preço mais elevado do que o que foi pago pela EDP, líquido do valor
residual devido a esta empresa”.
(Decisão da Comissão Europeia sobre a extensão da utilização do DPH, 15 de maio de 2017)
A este respeito, e para uma análise concreta, importa relevar que a análise da Comissão Europeia não está
completa nem foi definitiva, como acima já se fez notar. De facto, a Comissão Europeia está ainda a analisar o
tema da extensão do DPH em vários Estados membros, entre os quais Portugal, não tendo ainda tomado
qualquer decisão acerca da validade dessa extensão sem recurso a concurso.
1.4 Negociação e decisões políticas
Como vimos nos dois pontos anteriores, a extensão da concessão do DPH à EDP foi feita em duas fases:
1) o Despacho n.º 1415/2013 que transformou uma opção da REN (estender o DPH ou fazer concurso público)
numa opção da EDP; 2) o Despacho n.º 4672/2005 assinado por Manuel Lancastre aprovou os acordos de
cessação que continham a cláusula suspensiva que concretiza essa decisão, transformando a extensão do
DPH numa condição para a cessação dos CAE e entrada em vigor dos CMEC.
Refira-se, no entanto, que caso alguma das condições suspensivas não fosse concretizada, o Estado teria
sempre a possibilidade de revogar os CAE, pagar aos produtores as indeminizações previstas e lançar os
concursos.
Sobre estes dois momentos legislativos, as opiniões manifestadas na CPIPREPE dividiram-se. Para alguns
intervenientes esta foi uma decisão acertada do governo, que impediu o pagamento do valor residual de
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€1356M estipulado pelos CAE, para outros o Estado quebrou a neutralidade entre os CAE e os CMEC,
entregou à EDP um ativo com grande valor estratégico quer para o Estado quer para a EDP, cujo o seu maior
acionista era o Estado, e perdeu a possibilidade de fazer um encaixe superior ao valor residual em futuros
concursos públicos. No entanto, nenhum dos depoentes adeptos desta última tese demonstraram que esse
encaixe seria de facto superior. Na realidade, poderia até ser inferior, porquanto em caso de concurso, os
outros operadores teriam que suportar o custo do reequipamento das centrais, reduzindo por isso o preço que
estariam dispostos a pagar pela respetiva exploração.
Interessou, por isso, à CPIPREPE averiguar em que moldes foi tomada esta decisão e perceber se ela
resultou de um processo negocial entre o governo e a EDP durante a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004.
Passados mais de 15 anos sobre estes factos, os principais responsáveis políticos alegaram não se recordar
de discussões, decisões ou negociações sobre a extensão do DPH, tanto no processo de preparação do
Decreto-Lei n.º 240/2004 como na sua versão final como ainda na preparação dos acordos de cessação dos
CAE.
Franquelim Alves, Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia, assinou o Despacho n.º 14
315/2003 onde já se prevê a extensão do domínio hídrico:
“Não tenho memória de qualquer tipo de discussão sobre esse tema nem sequer a noção de que, por via
do decreto-lei que estava em discussão, que estava em cima da mesa no meu tempo…”
Carlos Tavares, Ministro da Economia 2002-2004, remeteu a parecer da ERSE e à aprovação pela
Comissão Europeia o anteprojeto do que viria a ser o Decreto-Lei n.º 240/2004 (que já continha sobre esta
matéria a formulação que veio a ficar no diploma aprovado):
“Se calhar, não vou corresponder às suas expectativas. Só lhe posso garantir uma coisa: não houve
nenhuma negociação comigo sobre esse ponto. (…) Também não lhe sei dizer se esse ponto estava no
decreto que foi notificado ou não, mas acredito plenamente… De facto, não foi ponto de que eu tivesse tratado
explicitamente”.
Não obstante o mesmo Carlos Tavares afirmou perante a CPIPREPE, a propósito dos CAE, mas
igualmente aplicável ao tema do concurso do DPH:
“Os Senhores Deputados, se calhar, também têm de recuar 15 anos e perceber qual era o ambiente da
altura a respeito dos centros de decisão nacional e, sobretudo, na área da energia, que levaram até o
Presidente da República da altura a convocar uma conferência sobre os centros de decisão nacional no setor
da energia. E eu queria saber o que é que aconteceria se nós tivéssemos feito um mecanismo de leilão dos
CAE em que a posição da REN fosse substituída pela da Iberdrola, pela Endesa, ou por um outro qualquer e
em que a EDP passasse a atuar apenas como agente dos produtores espanhóis”.
(audição Carlos Tavares, Ministro da Economia, 2002-2004)
Manuel Lancastre, Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico 2004-2005, assinou o despacho
4672/2005 que homologa os Acordos de Cessação dos CAE, onde figura como cláusula suspensiva da
cessação a extensão do DPH:
“Se me lembro de ter negociado e discutido essa questão da concessão para além dos prazos com a REN
e com a EDP? A resposta é não”.
Diga-se, no entanto, em abono da verdade, que esta decisão data de facto de 2003, quando Manuel
Lancastre ainda não fazia parte do Governo, pelo que naturalmente não se poderia lembrar de tais discussões.
Conforme Victor Baptista afirmou na CPIPREPE, os acordos de cessação homologados por Manuel Lancastre
apenas foram reflexo do disposto na legislação anteriormente aprovada.
Quanto aos principais responsáveis da EDP ouvidos na CPIPREPE fizeram declarações contraditórias.
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Por um lado, o presidente executivo da empresa à data, João Talone, e o administrador responsável pelo
processo negocial do Decreto-Lei n.º 240/2004, Pedro Rezende, afirmaram que não houve qualquer
abordagem da EDP junto do governo sobre a extensão do DPH e que esse tema não foi uma preocupação
nas negociações em 2004 sobre a transição dos CAE para os CMEC.
Pedro Rezende, vice-presidente da Boston Consulting Group 1990-2003, administrador da EDP 2003-2006,
assinou pela empresa os acordos de cessação dos CAE:
“Enquanto estive na EDP o assunto da extensão do domínio hídrico não foi negociado com o Estado, não
foi negociado pelo Estado, não foi tratado. (…) Lamento imenso dizer-lhe que não recordo que houvesse essa
condição suspensiva nos contratos”.
João Talone, presidente-executivo da EDP 2003-2006 na preparação do Decreto-Lei n.º 240/2005 e na
assinatura dos acordos de cessação dos CAE:
“Aquilo de que me lembro é que, no decreto-lei de 2004, estava previsto que, no fim da concessão do
domínio hídrico, a concessão revertia para o Estado e o Estado tinha de pagar os ativos ao operador. (…) Mas
não me lembro, sequer, que isso tenha sido tema enquanto estive na EDP.”
Por outro lado, o atual presidente executivo da EDP, António Mexia, não tem dúvidas que a empresa impôs
a extensão do DPH como condição para aceitar a transição para os CMEC. Já João Manso Neto afirma que a
extensão do DPH foi uma opção do governo.
“Nesta altura a EDP manifestou-se no sentido de condicionar a cessação antecipada dos seus CAE à
extensão do DPH. (…) [Os administradores da EDP] punham a condição A, B, C, D, entre as quais estava a
extensão do domínio hídrico. Gostava que ficasse claro que em 2003 e 2004 houve muito envolvimento”.
(António Mexia)
“O Estado optou, em 2003 e, depois, em 2004, pela solução mais fácil, o ajuste direto… (…) Neste caso do
domínio hídrico, estávamos a falar da substituição de CAE por CMEC. Se querem acabar com os contratos é
conveniente que estejamos de acordo.”
(João Manso Neto, Diretor-Geral e administrador da EDP 2003-2015, atual presidente da EDP Renováveis)
Para provar o empenho da EDP já em 2004 na negociação da extensão do DPH, António Mexia remeteu à
CPIPREPE uma carta enviada pelo Conselho de Administração da empresa ao secretário de Estado do
Desenvolvimento Económico, Manuel Lancastre no final de 2004, no final do processo de negociação do que
viria a ser o Decreto-Lei n.º 240/2004.
No último ponto, o Conselho de Administração da EDP alerta o governo para a necessidade de garantir que
a concessão do DPH seja feita à REN, porque só assim ficaria assegurada a extensão do DPH prevista no
artigo 4º (ponto 1 alínea vii) do projeto de lei.
“É fundamental para assegurar a atribuição do montante dos CMEC resultante do artigo 4.º do Decreto-Lei
que os prazos das subconcessões a atribuir aos produtores titulares de centros hidroeléctricos correspondam,
no mínimo, aos períodos de vida útil dos equipamentos de construção civil e engenharia mecânica. Neste
momento, face à inexecução do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 153/2004, de 30 de junho, torna-se essencial a
adopção de medidas que assegurem a atribuição das concessões à entidade concessionária da RNT em
consonância com os prazos acima referidos, embora não prejudicando a celeridade e oportunidade do
presente processo legislativo.”
(Pedro Rezende, Carta CA da EDP, 10 de novembro de 2004)
“Os serviços competentes do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente devem
celebrar os respectivos contratos [de concessão do domínio hídrico] com a entidade concessionária da RNT
no prazo de 120 dias a contar da publicação do presente diploma, devendo constar dos mesmos a
possibilidade de subconcessão a favor dos respectivos produtores hidroeléctricos”.
(Decreto-Lei 153/2004, de 30 de junho, artigo 2.º, n.º 2)
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Esta carta prova que em 2004 houve uma primeira negociação entre a EDP e o governo sobre a extensão
do DPH. A preocupação da EDP era garantir que a lei sobre domínio hídrico em vigor não impediria a
extensão do DPH prevista no novo Decreto-Lei n.º 240/2004. Em particular, Pedro Rezende quer assegurar
que os prazos de concessão do Estado à REN são compatíveis com a extensão da subconcessão à EDP,
prevista no artigo 4º do DL. Esta garantia é contratualizada através da inclusão da respetiva cláusula
suspensiva nos acordos de cessação dos CAE que Manuel Lencastre homologaria:
“Concessão à Entidade Concessionária da RNT dos direitos de utilização do domínio público hídrico que
integre o conjunto dos Centros Electroprodutores, por prazo não inferior ao correspondente à vida útil dos
equipamentos e obras de engenharia civil […] e subsequente subconcessão pela Entidade Concessionária da
RNT a favor do Produtor dos aludidos direitos de utilização, por prazo idêntico ao daquela concessão”.
2. O processo de concessão do domínio hídrico
2.1 Regulamentação da Lei da Água
No final do Governo Santana Lopes, estava em finalização a futura Lei n.º 58/2005, aprovada pela
Assembleia da República já no período do Governo Sócrates. A Lei da Água determina que a concessão da
utilização do domínio público hídrico é atribuída mediante concurso público, cabendo ao governo aprovar
decretos-leis complementares que regulem a utilização de recursos hídricos e o respetivo regime económico e
financeiro. Em finais de 2006 e início de 2007, a aplicação concreta da nova lei será objeto de um conflito no
seio do governo de maioria absoluta do Partido Socialista, quando as posições dos ministérios do Ambiente e
da Economia se confrontam.
Em maio de 2006, o presidente do Instituto da Água (INAG), Orlando Borges, remete ao Ministro do
Ambiente o projeto de decreto-lei de regulamentação da Lei da Água, cuja preparação coordenou. Entre outras
definições, esta proposta determinava que, finda a vigência dos CAE das centrais hidroelétricas, a concessão
do domínio hídrico dependeria da realização de concurso público, tal como indicado na Lei da Água. No
entanto, este projeto de Decreto-Lei estava em clara contradição com o direito já conferido à EDP na Portaria
n.º 14 315/2003 e no Decreto-Lei n.º 240/2004, que tinha sido objeto de autorização legislativa da Assembleia
da República.
Paralelamente a este processo e sem a participação do Ministério do Ambiente, o Ministério da Economia
inicia, em outubro de 2006, o processo de atribuição à EDP, de modo imediato, urgente e sem concurso,
conforme previsto desde os CAE de 1996, na Portaria n.º 14 315/2003 e Decreto-Lei n.º 240/2004, da
extensão da concessão do domínio hídrico, como forma de incorporar uma receita extraordinária que
contribuísse fazer face aos aumentos de tarifa previstos pela ERSE para 2007 (ver mais sobre este processo
no capítulo dívida tarifária).
É neste momento que, no quadro do percurso legislativo do projeto de decreto regulamentar da Lei da
Água preparado pelo INAG, o Ministério da Economia entende propor-lhe um conjunto de alterações, que
decorriam do quadro legal estabelecido em 2003/2004 e permitiam angariar mais receitas para os cofres do
Estado.
As objeções do Ministério da Economia e Inovação (MEI) são apresentadas num memorando interno do
governo designado “Análise da proposta de diploma do MAOTDR para a regulamentação da Lei da Água”. As
principais objeções do MEI são 1) a existência de risco de redução da margem de manobra negocial para a
extinção antecipada dos CAE e, consequentemente, para a obtenção de contrapartidas económicas para
reduzir os esperados aumentos da tarifa; 2) a imposição de taxas de utilização de água ou rendas, com
impacto no aumento das tarifas. Em consequência, o MEI propõe, entre outras, 1) a prorrogação das
concessões do domínio hídrico das centrais com CAE (“em resolução do Conselho de Ministros sob proposta
do MEI”); 2) a isenção do pagamento de taxas por utilização de água.
Em nome do INAG, Orlando Borges remete a 21 de novembro de 2006 ao ministro do Ambiente, Nunes
Correia, uma crítica das propostas de alteração feitas pelo MEI. Nesse parecer, Orlando Borges refere que as
propostas do MEI “beneficiam claramente um sector de actividade [o da produção de energia] em detrimento
de outros”. Um exemplo de alegado favorecimento ao setor eléctrico seria a proposta de isenção de
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pagamento da taxa de recursos hídricos, “isenção contrária ao espírito da Lei da Água”. O INAG criticava
ainda o papel que o MEI pretendia atribuir à Direção-Geral de Energia e Geologia na gestão dos recursos
hídricos utilizados na produção eléctrica, sendo um dos exemplos o facto de se pretender que passasse a ser
a DGEG a tomar a posse administrativa dos bens e a geri-los, em caso de reversão para o Estado.
Não me recordo dessa carta. Se os Srs. Deputados têm cópia dela, teria muito gosto em lê-la. Não me
recordo dessa carta. Não disse que ela não existiu, disse que não me recordo dessa carta. E, 12 anos depois,
vir dizer que alguém escreveu uma carta a alguém… Bom, onde está a carta?! Quero vê-la! Não me recordo
dela!
(Nunes Correia, ministro do Ambiente 2005-)
Perante o parecer do INAG, o MAOTDR recusa as propostas da Economia e Tiago D’Alte, adjunto do
ministro Nunes Correia, responde sucintamente ao gabinete de Manuel Pinho apontando falhas de
legalidade/constitucionalidade nas propostas do MEI.
Na sequência destes factos, o secretário de Estado com a pasta da Energia, Castro Guerra, encomenda
um conjunto de pareceres jurídicos sobre a legalidade/constitucionalidade das propostas do MEI.
Num primeiro momento, ainda em novembro de 2006, Castro Guerra recebe da EDP um parecer de Pedro
Gonçalves (MLGTS & Associados) a dar suporte às propostas do MEI.
Ao mesmo tempo, o secretário de Estado pede a Freitas do Amaral um parecer sobre o mesmo assunto.
Este não se pronuncia sobre se alguma das alterações propostas é incompatível com legislação comunitária
(porque “não me foi pedido e por falta de tempo”), limitando-se a recomendar que, para cumprir o artigo 165.º
da Constituição, o Decreto-Lei alterado pelo MEI seja enquadrado por autorização legislativa da Assembleia
da República, “por causa do encargo especial a exigir aos beneficiários de prorrogações de concessões”.
Na CPIPREPE, Orlando Borges resumiu esta fase do processo da seguinte forma:
“Estávamos ali a criar um problema e a única forma que encontraram, nomeadamente do ponto de vista da
legalidade, para ultrapassar esse problema foi pedir uma autorização legislativa e fazer aquilo que, no âmbito
do regulamento e da proposta de decreto-lei que era apresentado, não podiam ou não tinham condições de
fazer. (…) A autorização legislativa desta Assembleia da República, a Lei n.º 13/2007, introduziu duas
situações que não estavam previstas na Lei da Água. A alínea h), que dizia: «a possibilidade de prorrogação,
por uma única vez», e depois definia o prazo —, e a alínea o), feita justamente com este objetivo, que pedia
autorização legislativa à Assembleia da República para definir «um regime especial de regularização de
atribuição de títulos de utilização dos recursos hídricos às empresas titulares de centros electroprodutores,
prevendo a possibilidade de continuação de utilização dos recursos hídricos mediante a celebração de um
contrato de concessão no prazo de dois anos». Ou seja, com este respaldo, utilizando uma linguagem jurídica,
o Decreto-Lei n.º 226-A/2007 introduziu objetivamente dois ou três artigos”.
O pedido de autorização legislativa é aprovado pelo Parlamento a 8 de fevereiro de 2007.
Castro Guerra solicita novos pareceres jurídicos aos advogados Rui Pena (RPA Associados) e António
Vitorino e Duarte Abecasis (sociedade Gonçalves Pereira), não só sobre as alterações pretendidas pelo MEI
ao projeto inicial, mas também já sobre os termos a adotar na futura portaria conjunta MEI/MAOTDR que fixará
o valor a pagar pela EDP e ainda sobre a modalidade de incorporação desse valor na tarifa da eletricidade.
Em fevereiro de 2007, a finalização do decreto-lei passa a estar a cargo exclusivo do Ministério da
Economia. A 15 desse mês fevereiro, a resolução do conselho de ministros n.º 50/2007 incumbe o MEI da
“prossecução das acções necessárias para a concretização das orientações constantes da presente
resolução”, embora o Decreto-Lei n.º 226-A/2006 seja atribuído da iniciativa do MAOTDR e o despacho que,
em agosto, fixa o valor do equilíbrio económico-financeiro seja assinado conjuntamente pelo Ministro Manuel
Pinho e pelo ministro Nunes Correia.
No entanto, os valores não são divulgados por Manuel Pinho, que refere apenas “várias centenas de
milhões de euros”. De acordo com o jornal Público de 16 de fevereiro, o governo iria ainda pedir estudos, mas
toda a imprensa noticia 800M e as ações da EDP em bolsa atingem máximos desde 1999. Nesse mesmo dia
16, João Manso Neto envia informação por e-mail a Miguel Viana, do BESI, que produz uma nota de research
confirmando o valor da imprensa como a expectativa da EDP: 700 a 800 milhões de euros.
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A versão final do Decreto-Lei n.º 226-A/2007 consagrou a possibilidade de uma extensão adicional do
período da utilização do domínio hídrico – para além daquela que foi avaliada, tanto pela REN como pelas
entidades bancárias – no caso da realização de investimentos não previstos no contrato de concessão. Por
outro, lado é previsto o pagamento pela EDP de um valor de equilíbrio económico-financeiro:
“1 – Com o termo da concessão e sem prejuízo do disposto no respectivo contrato, revertem gratuitamente
para o Estado os bens e meios àquela directamente afectos, as obras executadas e as instalações construídas
no âmbito da concessão, nos termos do disposto no artigo seguinte.
2 – No termo do prazo fixado, quando o titular da concessão tenha realizado investimentos adicionais aos
inicialmente previstos no contrato de concessão devidamente autorizados pela autoridade competente e se
demonstre que os mesmos não foram ainda nem teriam podido ser recuperados, esta entidade pode optar por
reembolsar o titular do valor não recuperado ou, excepcionalmente e por uma única vez, prorrogar a
concessão pelo prazo necessário a permitir a recuperação dos investimentos, não podendo em caso algum o
prazo total exceder 75 anos.”
(Decreto-Lei n.º 226-A/2007, artigo 35.º – Termo da concessão)
“1 – A entidade concessionária da RNT e as empresas titulares dos centros electroprodutores (…) poderão
continuar a utilizar os recursos hídricos atrás referidos através de outorga de contrato de concessão a celebrar
entre o Estado e a entidade concessionária da RNT, a ocorrer no prazo máximo de dois anos a contar da data
de entrada em vigor do presente decreto-lei, podendo aquela transmitir os correspondentes direitos às
referidas empresas titulares dos centros electroprodutores. (…)
6 – A transmissão dos direitos de utilização do domínio hídrico a favor das empresas titulares dos centros
electroprodutores a que se refere o n.º 1 fica sujeita ao pagamento de um valor de equilíbrio económico-
financeiro”.
(Decreto-Lei n.º 226-A/2007, artigo 91.º – Regularização da atribuição de títulos de utilização às empresas
titulares de centros electroprodutores)
Conforme refere António Mexia na sua audição, o pagamento deste valor não estaria explicitamente
previsto em 2003 ou sequer em 2004. De facto, face à legislação em vigor até à entrada em vigor do Decreto-
Lei n.º 226-A/2007, a EDP tinha o direito à extensão do domínio público hídrico, sem ter que efetuar nenhum
pagamento adicional pelo facto de prescindir do recebimento do valor residual das centrais, avaliado em 1356
milhões de euros. Com este diploma, a EDP foi obrigada a pagar um montante adicional não previsto
anteriormente.
No ministério, a passagem da tutela da energia de Castro Guerra para Manuel Pinho é sinalizada em maio
com a saída do gabinete do Secretário de Estado da equipa de assessores para a área da energia.
2.2 A omissão da medida perante a Comissão Europeia
Depois do atos legislativos e de governo de 2003 e 2004 discutidos nos pontos anteriores –, que permitia a
extensão sem concurso da concessão do DPH às barragens da EDP até ao fim de vida dos equipamentos, era
necessário encontrar um método de fixação de uma compensação económica ao sistema elétrico por
concessão. Este assunto foi alvo de reuniões durante o ano de 2006 entre a EDP e a REN com o objetivo de
fixar esse método e calcular um valor a pagar pela EDP por essa concessão.
Em 2006, na preparação da entrada em vigor do regime CMEC, foi identificada a necessidade de rever a
estimativa do preço médio de mercado feita no Decreto-Lei n.º 240/2004 para o período CMEC, de 36€/MWh
para 50€/MWh. Esta alteração era neutra quanto à remuneração, apenas alterando a sua repartição entre
parcela fixa e parcela de ajustamento, e a posteriori é possível constatar que se revelou correta, por mais
aproximada aos valores verificados no mercado grossista.
Se era neutra no caso dos CMEC, ela era importante no caso da extensão do domínio hídrico, visto que o
aumento do valor estimado para a exploração vinha afetar a disposição do Decreto-Lei n.º 240/2004 que
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previa, para a extensão da concessão, a dedução do valor residual ao CMEC a receber pela EDP. Esses
cálculos foram realizados, da forma que se analisa mais à frente neste relatório.
Mas esta alteração ao auxílio de Estado CMEC implicava, nos termos da Decisão da CE de 2004, uma
notificação à Comissão. Este facto, atendendo à documentação dada a conhecer pela Procuradoria-Geral da
República, gerava grande preocupação no governo e na EDP. Em parecer jurídico, António Vitorino sugere a
realização de uma notificação informal à CE sobre os dois temas, preços de referência e extensão do domínio
hídrico.
A opção por esta informalidade é resultado de uma preocupação expressada no memorando enviado por
António Mexia ao ministro Manuel Pinho, depois de preparado por João Manso Neto com conhecimento prévio
a Rui Cartaxo, assessor do ministro, que terá concordado.
Nesse memorando, escreve o presidente da EDP ao ministro:
“3. O risco que pode haver é que, sob o pretexto dessa confirmação [pela Comissão] da análise [do
governo] sobre a pertinência e neutralidade desta alteração [da previsão de preço de mercado], a Comissão
Europeia ter a tentação de rever o dossier, o que poderia bloquear o processo.
4. Daí que sugeria que se evitasse uma reapreciação técnica do assunto e que, pelo contrário, falasses
com a Comissária [da Concorrência, Nelie Kroes] no sentido de lhe voltar a explicar o que se pretende e a
simplicidade do que está em causa. Se sentires que não é viável obter um acordo informal com base nessas
explicações, a melhor solução para evitar os riscos referidos em 3, será avançar com a implementação dos
CMEC nos termos em que está o DL (…).
5. Naturalmente que a manutenção do preço de referência de 36 no período de revisibilidade não teria
qualquer efeito na avaliação da extensão do domínio hídrico, que continuaria a ser calculada com base em
preços futuros reais de EUR 50 MWh".
Manuel Pinho acabará por realizar uma comunicação informal sobre a alteração do preço de referência,
sem objeções da parte da Comissão. Quanto à extensão da concessão do domínio hídrico, o conselho de
António Vitorino não foi seguido – a medida, que implicou um pagamento que o Decreto-Lei n.º 240/2004 não
previa, só veio a ser do conhecimento formal da Comissão Europeia em agosto de 2012, através da queixa
apresentada por um conjunto de cidadãos acerca dos auxílios de Estado pagos à EDP sob a vigência do
Decreto-Lei 240/2004 e por via da atribuição da utilização do domínio hídrico em 2007.
2.3 Cálculo do valor residual e da extensão da utilização do domínio hídrico
A avaliação era particularmente complexa, dado que implicava avaliar, em 2007, o valor atual do valor
residual das centrais no termo dos CAE/CMEC (entre 2013 e 2027) e o valor económico da exploração das
centrais entre o termo que estava previsto para os CAE e o fim da vida útil das centrais hidroelétricas CMEC
(entre 2032 e 2053). Para o período tão longo da avaliação foram necessários pressupostos simplificadores
em relação a taxas de desconto e preços de mercado futuros.
De acordo com a documentação a que a CPIPREPE teve acesso, até novembro de 2006, a EDP e a REN
estiveram de acordo sobre o método de cálculo para avaliação da extensão do DPH. Porém, pouco tempo
mais tarde, a EDP comunicou ao governo a discordância das contas apresentadas no grupo de trabalho
conjunto com a REN, sugerindo novos pressupostos no método de cálculo, mais concretamente a
consideração de taxas de atualização distintas para o valor dos equipamentos e para os cash-flows. Essa
mudança de posição é analisada em detalhe no ponto seguinte.
No início de 2007, a DGEG e o gabinete do ministro pediram novos cálculos à REN, que, aceitando
apresentar outros cenários, continuou a defender a utilização de apenas uma taxa de atualização para as duas
componentes do cálculo. Em face do diferendo sobre os pressupostos a utilizar, a tutela encomendou uma
avaliação externa a duas entidades diferentes: Caixa BI e Credit Suisse. A EDP conhece as entidades
bancárias escolhidas desde antes de 8 de janeiro, data em que o administrador Manso Neto envia a António
Mexia a seguinte nota, constante do processo judicial 184/12.STELSB:
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“Falei hoje com RC [Rui Cartaxo, assessor de Manuel Pinho] que disse que já havia falado com a CGD e a
CSFB para os contratar para fazerem a avaliação do DH [domínio hídrico] em semanas. Confirmou-me ter lido
os documentos que lhe enviei”.
O resultado destas avaliações acabou por estar em linha com a segunda posição da EDP, considerando
duas taxas de desconto. Curiosamente, a decisão formal de contratar estas entidades é do Conselho de
Ministros de 15 de fevereiro, quando já estavam entregues as conclusões de pelo menos uma das avaliações
(a da Caixa BI), estando a outra datada do dia seguinte à reunião do Conselho de Ministros. Estas avaliações
foram a base para a fixação do valor de 759 M€, através do Despacho n.º 16982/2007, assinado em agosto
pelos Ministros do Ambiente e da Economia e Inovação, Nunes Correia e Manuel Pinho, respetivamente.
Dada a discrepância entre o valor decidido pelo governo e o apresentado pela REN na sua avaliação (1150
M€), uma parte dos trabalhos da CPIPREPE debruçou-se sobre este processo, desde o consenso entre EDP e
REN até à mudança de posição da EDP em novembro de 2006 e ainda à assinatura do Despacho n.º 16
982/2007. Foram ouvidos os principais argumentos a favor e contra a utilização das duas taxas, bem como a
justificação dos principais intervenientes na condução do processo por parte do Governo, EDP e REN.
2.4 Mudança de posição da EDP
A 13 de Novembro de 2006, João Manso Neto envia a António Castro Guerra, Secretário de Estado
Adjunto do Ministro da Economia e Inovação, os cálculos preliminares da EDP relativos à valorização da
extensão do DPH. No e-mail, o administrador refere que estes “ainda são só valores da EDP” e que ainda falta
trabalhar com a REN para chegar a valores finais. O valor apresentado considera apenas a taxa WACC 6,6%
e apresenta um valor residual do total dos aproveitamentos hídricos de 1051M€.
No dia seguinte à EDP enviar estes valores ao governo, circula no conselho de administração da REN uma
versão dos mesmos cálculos feita pela equipa da concessionária da RNT. Este documento, enviado a 5 de
dezembro por Francisco Saraiva a José Penedos, Victor Batista e Paulo Pinho usa a mesma taxa WACC da
EDP e chega a valores, “consolidados com a EDP” de 1045M€.
Assim, a 5 de dezembro, a REN ainda julga haver um consenso com a EDP sobre o valor residual a
descontar no pagamento da EDP pela extensão do DPH até ao fim de vida útil dos equipamentos. Todavia,
uma semana antes, a 30 de novembro, uma nova posição da EDP já tinha sido remetida ao Secretário de
Estado Castro Guerra, incluindo taxas diferenciadas (4,7% para a atualização do valor residual e várias
superiores para os cash-flows futuros).
No início de dezembro, o presidente da DGEG, Miguel Barreto, envia um e-mail à REN a pedir mais
simulações relativas a este cálculo, utilizando uma taxa de 4,13% em vez da WACC da EDP de 6,6%. A razão
para este pedido é explicada pelo próprio Miguel Barreto na CPIPREPE:
“No final de novembro ou logo no início de dezembro, não consigo precisar, foi-me transmitido que a EDP e
a REN não tinham conseguido convergir nas suas posições. Tudo tinha que ver com o valor residual.
Surgiram, concretamente, várias questões mas aquela que, de alguma maneira, se tem destacado foi a
seguinte: a EDP entendia que o valor residual era um direito seu na compensação relativa aos CAE, cuja taxa
de atualização já estava definida no Decreto-Lei n.º 240/2004, e que apenas os cash-flows, após o CAE,
deveriam ser considerados para valorizar a extensão; a REN defendia que o valor residual era como um
investimento que o Estado fazia para viabilizar a extensão e que ambos, valor residual e cash-flowsfuturos,
deviam ser avaliados com a mesma taxa, como se de um projeto único se tratasse. (…) É nesta altura que me
é solicitado que interaja com a REN, no sentido de fornecer ao Governo uma comparação das duas posições,
utilizando um modelo do Estado, que era o da REN. Depois de várias interações, finalmente recebi uma tabela
que compara de forma correta as duas abordagens, com várias taxas de desconto — aliás, julgo que a tabela
foi ontem aqui mostrada pelo Dr. Rui Cartaxo —, que reencaminhei ao Governo em janeiro e, a partir daí, nada
mais tive que ver com o tema de extensão do domínio hídrico.”
(Audição Miguel Barreto)
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Victor Batista, o administrador que conduziu o processo do lado da REN, diz não conhecer divergências
anteriores com a EDP quanto às taxas a utilizar no cálculo do valor residual. Até ao pedido de Miguel Barreto,
a REN acreditava que havia acordo e nunca recebera informação contrária da EDP:
“Eu tinha a informação interna de que havia acordo e, às tantas, recebi um telefonema da Direção-Geral de
Energia a pedir algo que fugia ao acordo que a equipa interna da REN me tinha transmitido e, como não tinha
nenhum telefonema, quer do Dr. Manso Neto ou de alguém da EDP para me dizerem alguma coisa, achei
aquilo muito estranho e tentei combater e defender a ideia da REN durante cerca de um mês, mas o resultado
é que não fui bem-sucedido, mas, pronto.”
(Audição de Victor Batista)
João Manso Neto, na CPIPREPE, afirma que a ideia da EDP não era a de utilizar a taxa de 6,6% para o
cálculo do valor residual e que o primeiro e-mail enviado ao secretário de Estado continha um erro. Realça que
o erro foi corrigido poucos dias depois e os novos valores enviados ao secretário de Estado:
“A nível das taxas de juro, não houve discussão com a REN. Não houve! Se está aí dito é porque foi uma
imprecisão minha.
Agora também reconheço, eu erro muitas vezes na vida. As simulações que mandei ao Sr. Secretário de
Estado, a 13 de novembro, tinham um erro, que, na altura, lhe expliquei.
Agora, perguntam-me assim: «Mas como é que estes indivíduos mandam uma coisa errada?!». Sabe
porquê? É porque tínhamos uma relação muito transparente — não é promíscua, é transparente! —, porque
todos queríamos chegar ao mesmo sítio.
[…] As simulações que foram entregues no dia 13 de novembro estavam erradas, como concluí pouco dias
depois, porque havia um problema nas taxas, daí que, no final do mês de novembro — penso que isso
também consta de vários documentos —, já estavam certos.”
(Audição João Manso Neto)
Assim, ouvidos todos os intervenientes, podemos concluir que, durante o mês de novembro de 2006, houve
uma mudança de posição da EDP quanto ao método a taxa a utilizar no valor residual do cálculo da extensão
do DPH. Não foi possível esclarecer a razão pela qual essa mudança de posição não foi comunicada
diretamente à REN nas equipas de trabalho conjuntas, mas sim diretamente ao governo e à DGEG, que mais
tarde informaram a REN da posição da EDP.
Após receber esta informação, Victor Batista, em janeiro de 2007 envia à DGEG as simulações pedidas e
ao secretário de Estado Castro Guerra os cálculos da REN, onde inclui uma nota sobre a diferença de
posições da EDP e REN, quantificada em 400 M€:
“Em resumo, existem dois pontos de vista em confronto: um, defendido pela REN, que o Valor Residual
deverá ser descontado à taxa WACC do Produtor uma vez que se trata de uma parcela de investimento
necessário à extensão da vida útil do centro hidroeléctrico até ao termo do título de domínio público; outro,
defendido pelo Produtor, que o valor residual deverá ser descontado à taxa definida pelo Decreto-Lei n.º
240/2004 na medida em que foi assim considerado na altura e, portanto, constitui um custo já assumido pelo
mercado, pelo que não será razoável descontá-lo a outra taxa modificando o seu valor. De notar que as duas
taxas de desconto levam a uma diferença de cerca de 400 M€.”
(Nota “CMEC”, enviada por Victor Batista a Castro Guerra em janeiro de 2007)
2.3 Decisão do Governo
Do lado do Governo, o processo foi conduzido no gabinete do ministro da Economia por Rui Cartaxo
assessor no Ministério da Economia. Rui Cartaxo diz ter tido conhecimento da posição da EDP através de um
estudo que a empresa encomendou à Rothschild e enviou ao Ministério. Quanto à posição da REN, Rui
Cartaxo diz ter tido conhecimento dos cálculos enviados por Victor Batista que mais tarde lhe foram entregues
por Maria de Lurdes Baía:
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“Eu tive conhecimento deste documento por via do Ministério da Economia, e, poucos dias depois, também
tive conhecimento por uma técnica da REN, que se deslocou expressamente ao Ministério da Economia e que
mo entregou. (…) Na conclusão desse documento da REN diz-se o seguinte: «Para os pressupostos
assumidos, o custo de capital da EDP após impostos varia entre 6,2% e 7,1%. Em termos médios, esse valor
será de cerca de 6,6%»”.
(Audição Rui Cartaxo)
Rui Cartaxo afirma que perante a diferença de posições entre a REN e a EDP sobre o valor da extensão do
DPH, a decisão do ministério foi a de pedir dois estudos independentes e, com base neles, fixar o valor por
despacho:
“Foi decidido, então, pela equipa do ministério que fossem pedidas avaliações independentes a duas
instituições financeiras de primeira linha, missão que veio a recair sobre o Caixa Banco de Investimento e o
Credit Suisse First Boston. Com base nessas duas avaliações, o Governo veio a fixar o valor da extensão a
pagar pela EDP, por despacho de 15 de junho de 2007, cerca de três meses depois de ter cessado funções no
Ministério”.
(Audição Rui Cartaxo)
Os estudos das duas entidades chegaram ao Ministério em poucas semanas. O Caixa BI avalia extensão
da concessão do DPH em 650 a 750 M€; o Credit Suisse em 704M€. Ambos utilizam abordagens próximas da
defendida pela EDP quanto à taxa a utilizar no cálculo do valor residual – por sinal, semelhantes às defendidas
pelos professores João Duque e Miguel Ferreira. Na CPIPREPE foram levantadas dúvidas quanto ao curto
tempo que estes bancos levaram a produzir os estudos, uma vez que equipas da REN e da EDP demoraram
vários meses a fazer o mesmo tipo de exercício. Rui Cartaxo esclarece e diz não ter dúvidas que os dois
bancos utilizaram a informação de base que estava no estudo da REN entregue por Maria de Lurdes Baía:
Se foi entregue ou não o modelo da REN aos bancos. Bom, não lhe sei responder com precisão se foi dada
essa tal pen ou se foi dado o que lá estava, mas há uma coisa que sei: os bancos receberam essa informação
da REN. Ela era oriunda da REN. Digo isto, primeiro, porque os próprios bancos dizem isso nos seus
relatórios. Eu não tenho comigo a versão final dos relatórios dos bancos — bem que a procurei, mas não
tenho —, mas tive acesso a documentos do processo, em que está claramente escrito que esses elementos
foram recebidos da REN.”
(Audição Rui Cartaxo)
Assim, do depoimento de Rui Cartaxo conclui-se que o governo, perante uma diferença de posição
metodológica entre a EDP e a REN quanto às taxas a utilizar no cálculo da extensão do DPH, decidiu fixar o
valor com base em dois estudos pedidos propositadamente para o efeito. Estes estudos tiveram por base os
mesmos pressupostos dos cálculos da REN, mas utilizaram uma metodologia próxima da defendida pela EDP.
2.4 A utilização de duas taxas
Na CPIPREPE foram apresentados argumentos contrários, defendendo as posições da EDP e da REN
quanto à taxa a utilizar no cálculo do valor residual. Parte de este debate repete os mesmos argumentos sobre
utilização de uma ou duas taxas no cálculo dos CMEC.
Maria de Lurdes Baía defende que a avaliação da extensão do DPH tem de ser olhada como um projeto de
investimento, que tem sempre o mesmo nível de risco e, portanto, terá sempre de ser calculado com uma só
taxa:
“Numa análise de rendibilidade de um projeto de investimento, vamos determinar se aquele projeto
assegura a remuneração e a recuperação do investimento e ainda aferir se há um excedente económico, que,
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neste caso, e tendo em consideração este critério de avaliação, será o aval do projeto. Ou seja, vamos
determinar se aqueles fluxos anuais de receitas e de custos operacionais conseguem fazer face ao
investimento e ainda assegurar um excedente e, portanto, o próprio critério de avaliação do projeto tem
intrínseca a ligação entre o investimento inicial e os fluxos anuais, uma coisa não está dissociada da outra,
não pode, pois têm o mesmo nível de risco. Estou a falar de um projeto que tem o mesmo nível de risco.
O custo de capital que vou utilizar para atualizar todos os fluxos do projeto, tem de refletir o risco daquele
projeto e aí podemos entrar aqui em debates, mas será que os 6,6% era o valor correto? Será que os 7,8% ou
coisa que o valha — sobre o qual li algures que foi considerado pelas entidades financeiras —, será que era
um valor mais adequado? Eu aí aceito este tipo de discussão. Portanto, ok, estamos a falar de valores de
custos médios ponderados de capital diferente aplicado aos mesmos fluxos. Eu aí aceito a discussão. Mas,
pegar num investimento inicial e atualizá-lo a uma taxa e depois pegar nos fluxos anuais, que vão
determinar…? São esses fluxos anuais que vão determinar a recuperação e a remuneração do meu
investimento e se há ou não lugar a excedente, e atualizá-lo a uma taxa diferente? Isso para mim não faz
qualquer sentido, não encontro o racional para justificar essa opção.”
(Audição Maria de Lurdes Baía)
A Comissão Europeia, em linha com as alegações da EDP, vem defende o cálculo com duas taxas. No
documento de decisão final relativo à queixa apresentada a Comissão conclui que a metodologia utilizada pela
REN não constitui uma prática de mercado.
“[A utilização de duas taxas de desconto] é justificada pelo maior risco operacional num contexto de
mercado liberalizado, pela realização do mercado ibérico de energia, pelo desenvolvimento de um mercado da
energia mais integrado a nível europeu, o que implica, no seu conjunto, mais incertezas sobre a geração de
liquidez”.
“[Quanto à utilização de uma só taxa,] a metodologia da REN não constitui uma prática de mercado”
(Decisão da Comissão Europeia, 15 de maio de 2017)
Já João Manso Neto realça a forma consensual como todos os estudos aplicam taxas diferentes para o
cálculo do valor residual e dos cash-flows, exceto o estudo da REN:
“Chegamos às taxas de desconto. E aqui no slide 21 apresento as taxas de desconto dos assessores do
Governo, as taxas de desconto dos nossos assessores e aquilo que os órgãos sociais da EDP quiseram, na
altura. Como vêem, tudo isto anda à volta dos 700, 670, 800 e tal milhões. Tudo anda à volta das mesmas
taxas; só uma é que está fora destes valores: a taxa de cálculo da REN. Não temos divergência nenhuma com
a REN quanto aos fluxos futuros, aos pagamentos, às vendas, a quanto é que se produz; agora, quanto à taxa
de desconto em mercado e ao domínio hídrico, não podemos estar de acordo, aliás, mais ninguém está de
acordo, porque riscos diferentes não podem ter a mesma taxa”.
(Audição João Manso Neto)
Rui Cartaxo partilha da opinião da EDP. Por se tratar de riscos diferentes devem ser aplicadas duas taxas.
Porém, Cartaxo não tem a certeza que a diferença entre taxas deva ser tão elevada.
“Sobre esse tema, tenho a minha opinião e já a referi aqui. Acho que deveria haver duas taxas, porque os
riscos eram, efetivamente, diferentes. Não sei se as diferenças deveriam ser aquelas que foram. Não me
pronuncio sobre isso. Mas tenho uma ideia bastante clara na minha cabeça de que deveria haver duas”.
(Audição Rui Cartaxo)
Idêntica opinião tem Vítor Santos, que naquele ano assumiu a presidência da ERSE. Embora aceite a
utilização das duas taxas, discorda da desproporção verificada entre elas:
“Não nos parece que esta desproporção existente entre as duas taxas tivesse de ser aquela que foi aqui
utilizada. Porventura, poderia haver uma solução intermédia entre o valor estimado pela REN e o valor
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estimado pelas duas casas de investimento, que resultasse das taxas que foram propostas pelas duas casas
de investimento.”
(Audição de Vítor Santos)
Já Victor Batista, ainda hoje acredita que o correto seria utilizar a metodologia defendida pela REN e que a
fixação do valor da extensão do DPH foi uma decisão política:
Ou seja, ainda hoje estou convencido de que o critério, na altura, defendido pela REN é que deveria ter
sido aplicado, mas houve outra decisão e tenho de a aceitar. Mas ainda hoje defendo isso! No entanto, devo
dizer-lhe que é uma opinião muito técnica e não tenho uma informação mais vasta da «floresta», como têm os
membros do Governo que olham para a economia no geral e que tem relações com outros Estados.
(Audição de Victor Batista)
Tal como no debate sobre a utilização de um ou duas taxas no cálculo dos CMEC, por se tratar de um
assunto muito técnico com avaliações subjetivas de risco, não foi possível à comissão concluir com certeza
que o método utilizado para o cálculo do valor residual foi o mais acertado. Porém, pode dizer-se que a
utilização de duas taxas é hoje validada por várias opiniões técnicas e pareceres, incluindo o da Comissão
Europeia. Acresce ainda que se poderá tentar abordar este tema de forma faseada:
a) caso não fosse atribuído à EDP o direito de extensão do DPH, é consensual, e decorre da letra dos
CAE, que esta teria direito ao valor residual das centrais. Pelo baixo risco que estes fluxos têm associado,
naturalmente teria que ser descontado a uma taxa baixa próxima das OT a 10 anos;
b) não sendo atribuído esse direito à EDP, haveria um concurso no qual os licitantes iriam pagar no
máximo o valor atualizado das receitas em mercado. Estas receitas, seriam sempre muito próximas das
apresentadas nos estudos da REN e dos Bancos e, têm associado um nível de risco elevado, pelo que teriam
que ser naturalmente descontadas a uma taxa elevada ao nível da considerada pela REN ou mesmo pelos
Bancos.
Ou seja, caso não fosse a EDP a escolhida, fica claro que teriam que existir duas taxas de desconto
distintas.
2.5 O valor estratégico da extensão e a não consideração, na sua avaliação, dos futuros ganhos em
serviços de sistema
Finalmente, o último aspeto discutido no cálculo da extensão do DPH foram as eventuais limitações da
metodologia para, em 2007, projetar os rendimentos das centrais hidroelétricas em mercado no período entre
o fim dos CMEC e o fim de vida útil dos equipamentos. O valor médio de mercado considerado para o cálculo
da extensão foi de 50€/MWh e a sua utilização em 2007 não foi alvo de discussão na CPIPREPE. Porém,
passados 10 anos da decisão, é possível aferir com maior precisão se este pressuposto da metodologia de
cálculo se aproxima da realidade.
Obviamente, esta remuneração não poderia ser estimada em 2007, mas hoje já poderá ser possível
quantificá-la, como explica Maria de Lurdes Baía:
“O mercado de serviços de sistema só entrou em funcionamento em 2009, portanto, não tínhamos
quaisquer elementos, eu não conseguia valorizar essas receitas. Hoje sabemos que são muito valiosas, valem
muito dinheiro, valem muitos milhões de euros. Na altura não tínhamos como quantificar essas receitas. (…) O
que posso dizer —, mas, por favor, não extrapolem os números —, é que, no âmbito das revisibilidades
anuais, a EDP devolveu cerca de 390 milhões de euros relativos às receitas de serviços de sistema. No total
dos 10 anos, foi quanto a EDP devolveu”
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Quando questionado sobe esta matéria na CPIPREPE, João Manso Neto afirma que os 50€/MWh
considerados são um preço total de rede – que já inclui os serviços de sistema – e que o valor real observado
nas centrais hidroelétricas está hoje abaixo dos 50€/MWh:
“Não pode pensar nos serviços de sistema, tem de pensar no preço total. E a resposta, até agora, o preço
de 50, em termos reais, em termos realized, é inferior ao preço que lá metemos. Pode vir a ser diferente, como
sabemos. Amanhã, se vier a ser de 60 ou 70, será diferente, mas sugeria que não olhasse… (…) Portanto, o
preço é o preço total. Tem de somar o preço do diário, dos serviços de sistema e, portanto, até ao ano
passado, os preços realizados foram bastante inferiores aos preços que se tinham tido.”
Perante estas informações não faz sentido descontar eventuais verbas futuras decorrentes do mercado de
serviços de sistema na valorização da extensão do DPH. Por um lado, estão já incluídas no preço de 50€ e,
por outro, qualquer alteração nesta data seria considerada retroativa e teria problemas de legalidade.
Conclusões
● O direito à possibilidade de extensão da utilização do domínio hídrico sem concurso constava dos CAE,
do Despacho n.º 14 315/2003 e foi incluído no projeto de Decreto-Lei n.º 240/2004, preparado e
remetido a parecer do regulador e à Comissão Europeia pelo ministro Carlos Tavares. Na sua
preparação, tiveram papel importante os assessores do ministro e do secretário de Estado Franquelim
Alves, respetivamente Ricardo Ferreira e João Conceição. A Comissão Europeia veio a autorizar o texto
do que viria a ser o Decreto-Lei n.º 240/2004;
● Após analisar o eventual auxílio de Estado ilegal relativo à extensão, sem concurso, da utilização do
domínio hídrico pelas centrais hidroelétricas da EDP (processo SA 35429), a Comissão Europeia decidiu
o arquivamento do processo.
○ As avaliações defendidas pela EDP e pelas entidades bancárias, que a Comissão Europeia validou
em 2017, tomaram a entrega pelo Estado daquela opção à EDP como razão para considerarem
garantido pelo Estado (menor risco) o valor residual das centrais no fim dos CAE, descontando-o à
taxa da dívida pública. Por essa via, o valor atual em 2007 do valor residual aumentou, reduzindo a
diferença em relação ao valor dos cash-flows de exploração e portanto, diminuindo o montante da
contrapartida a pagar pela EDP. Adotando e metodologia das duas taxas, o Estado calculou o valor
residual (direito singular da EDP e não comum ao mercado) a uma taxa de desconto mais baixa.
Recomendações
Foi diversas vezes referido nesta CPI que a EDP estaria disposta a reverter a extensão do Domínio Hídrico.
Considerando esta abertura, deve o Governo fazer as contas a qual será a melhor alternativa a seguir, se é a
manutenção do negócio tal e qual ele se materializou ou se, pelo contrário, é benéfico reverter o negócio e
proceder a um concurso público e pagar o valor residual a que a EDP teria direito no fim dos CAE.
Capítulo 3
A prorrogação das centrais de Sines e do Pego para além do prazo do CAE
A Central Termoelétrica de Sines foi construída na década de 80, integrada no plano de construção da
zona industrial de Sines. É explorada pela EDP, sendo a central a carvão de maior potência no país, 1256 MW
(4 grupos de 314 MW).
A Central Termoelétrica do Pego, detida pelo consórcio Tejo Energia, tem uma potência de 628 MW
dividida por dois grupos, que entraram em serviço em 1993 e 1995.
Na década de 2000 foram realizados importantes investimentos em ambas as centrais no sentido de dar
cumprimento à Diretiva 2001/80/CE, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes
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provenientes de grandes instalações de combustão. Assim, as unidades foram equipadas com sistemas de
dessulfurização, desnitrificação e redução de partículas.
Na sequência da legislação de 1995, a EDP e a Tejo Energia assinaram com a REN, Contratos de
Aquisição de Energia. O regime jurídico destes contratos enquadra a produção por ele abrangida no âmbito do
Sistema Elétrico de Serviço Público (SEP) e estabelece que essa atividade carece da atribuição de uma
licença de produção vinculada (cuja produção é inteiramente absorvida pelo sistema público e remunerada por
contrato).
Nos termos do Decreto-Lei n.º 182/95, as licenças de produção vinculadas têm um prazo mínimo de 15
anos (artigo 60.º) e os direitos dos detentores dessas licenças são garantidos até ao final desse período (artigo
66.º). No caso das centrais abrangidas pelos CAE, o prazo da licença corresponde ao prazo de vigência do
contrato.
Por seu lado, as licenças de produção não vinculada não tinham associado qualquer prazo de duração, tal
como definido no n.º 4 do artigo 60.º do Decreto-Lei n.º 182/95.
A cessação do CAE impõe a passagem das centrais em regime vinculado (SEP) para o regime de mercado
(SENV). Assim, tornava-se necessário habilitar as centrais que transitassem do SEP para o SENV com uma
licença para operar no âmbito do SENV que, de acordo com a legislação de 1995, não tinha qualquer tipo de
prazo associado (sem prazo, nem contrato de aquisição de energia com o sistema público).
Em 2006, com a alteração das Bases do SEN e a publicação do Decreto-Lei n.º 172/2006, deixaram de
existir licenças não vinculadas e passaram a existir licenças de produção em regime ordinário. É ao abrigo
destas licenças que decorre a atividade de todas as centrais em mercado. Estas licenças também não têm
prazo. Caso fosse intenção do Governo à altura que existisse um regime especial para licenças que outrora
estavam abrangidas pelo conceito de licença vinculada, como era o caso dos CAE, teria sido uma ótima
oportunidade para incluir qualquer alteração nesse sentido. Mas tal não foi feito e, portanto, as licenças
aplicáveis às centrais a operar em regime ordinário não tinham qualquer prazo associado.
Assim, em 2007, quando cessaram antecipadamente os CAE das centrais EDP, foram atribuídas licenças
de produção em regime ordinário, sem prazo (como determinava a legislação em vigor), a todas as centrais
que transitaram para mercado. tratou-se de um mero ato administrativo da DGEG, conforme referiu Miguel
Barreto à CPIPREPE.
De entre as centrais às quais foi atribuída licença de produção em regime ordinário, estava a central de
Sines o que permitiu que, dez anos depois, findo o período CAE e terminada a amortização da central pelos
consumidores (já sob regime CMEC), a EDP pudesse continuar a produzir em mercado sem pagar qualquer
compensação ao SEN. No caso do Pego, a Tejo Energia recusou a cessação do CAE daquela central, cuja
vigência termina em 2021.
Ao longo dos trabalhos da CPIPREPE, foi analisada a consistência da legislação de 2004 com a de 1995
em termos de equilíbrio contratual, procurando-se determinar a eventual existência de vantagem económica
desadequada, bem como a autoria e a validade legal das decisões que lhe tenham dado origem.
1. A prorrogação da central de Sines para além do prazo do CAE
1.1 As definições do CAE
Na defesa da neutralidade económica da passagem da Central de Sines do regime CAE para o regime
CMEC sem qualquer compensação ao sistema elétrico nacional destacou-se o depoimento de Miguel Barreto,
diretor-geral de energia (2004-2009) em funções no momento da aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e
também em 2007, no momento da atribuição à EDP da licença de produção não-vinculada prevista naquele
decreto-lei.
Não foi o diretor-geral de energia que decidiu dar uma licença sem prazo à EDP. Isso decorria da lei. A lei
não previa qualquer prazo nem tão pouco permitia que fosse fixado um prazo na licença. Também é falso que
o diretor-geral tenha dado a central á EDP. Não deu, nem podia dar. Licença nada tem a ver com propriedade
ou com remuneração da central. Se não podia dar, também não podia cobrar. É totalmente descabido dizer
que foi oferecido à EDP algo que já era seu, pelo menos, desde 1996 (…) A partir do momento em que a
Procuradoria-Geral da República emitiu o Parecer n.º 26/2017, as coisas são inequívocas. Ou seja, existia
uma cláusula no CAE, que era válida, a cláusula 26.4.2, que dizia que a REN não podia tomar posse da
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central, nem sequer a podia colocar a concurso. A central era, efetivamente, da EDP. (…) O Estado, para
tomar posse daquela central, teria de expropriar a EDP e, se expropriasse a EDP, teria de a indemnizar”.
(Miguel Barreto)
No entanto, uma leitura atenta do Parecer do Conselho Consultivo da PGR e dos termos do próprio CAE
não permite tal conclusão. Como a seguir se demonstra, sendo verdade que está vedada à REN a
possibilidade de, no final do contrato, lançar concurso para os grupos produtores existentes, nem é verdade
que, no final do contrato, concluída a amortização, houvesse lugar a qualquer indemnização à EDP.
Segundo o referido Parecer, era uma possibilidade que teria que ser acordada pelas partes a continuidade
da exploração da central após o termo do CAE, não sendo um direito absoluto da EDP continuar essa
exploração. Pelo contrário, pertencia à REN a opção entre negociar com a EDP sobre as condições de uma
eventual continuidade depois do final do contrato ou simplesmente terminar a atividade da central,
desmantelando-a e suportando os respetivos custos e eventualmente lançando concurso para a instalação de
novos grupos produtores.
Eis a leitura do CAE de Sines feita nas conclusões do parecer do Conselho Consultivo da PGR:
“19.ª No CAE de Sines, ao dispor-se sobre a futura utilização do sítio da Central, nas hipóteses de extinção
do CAE por este terminar na data prevista para o seu fim, nos termos da cláusula 25.1.3., ou por resolução
unilateral da Concessionária da RNT [REN], nos termos da cláusula 23, relativamente à totalidade da Central,
estabeleceu-se na cláusula 26.4.2. que a Concessionária só poderá utilizar o sítio para a construção de novos
grupos geradores, devendo lançar o respetivo concurso mediante decisão da Entidade de Planeamento,
esclarecendo-se que, nessas circunstâncias, fica expressamente vedado à RNT voltar a colocar a concurso a
exploração da Central com os Grupos existentes à data da cessação ou resolução unilateral do contrato, ou
explorar por si mesmo a Central.
20.ª Pretendeu-se com a cláusula em análise salvaguardar a produtora de uma tomada de decisão da
Concessionária da RNT no sentido de não propor a extensão do contrato de aquisição de energia ou recusar a
extensão proposta pelo produtor ou ainda de resolver esse contrato, mediante a invocação de situações em
que a exploração da Central Electroprodutora deixa de ser economicamente viável, com a consequente
transferência da posse da Central, com a finalidade de posteriormente se entregar a sua exploração a outra
produtora ou da Concessionária a explorar ela própria”.
Em síntese, desde que a produção da central de Sines fosse viável economicamente e conforme com as
orientações do Planeamento do SEN, a central deveria permanecer em mãos da EDP. Mas não sem
condições.
“21.ª Sendo estes os objetivos da cláusula questionada, deve a mesma ser interpretada restritivamente, de
modo a dela estarem excluídas as situações em que a transferência da posse da Central Electroprodutora e
do sítio onde ela está implantada para a Concessionária da RNT ocorre, não por opção desta, mas porque a
produtora rejeitou as propostas alternativas de extensão do contrato de direito de superfície ou de
transferência da propriedade do sítio (…)”.
“Com uma antecedência mínima de 5 anos relativamente à Data de Fim de Contrato, a RNT notificará o
produtor do interesse na extensão do contrato, relativamente a todos ou alguns Grupos da Central. Neste
caso, o produtor deverá responder por escrito, num prazo máximo de um mês manifestando ou não o seu
interesse em iniciar negociações nesse sentido”.
(da cláusula 25.1.1 do CAE da Central de Sines, negrito do relator)
Com efeito, o CAE de Sines prevê, na cláusula 26.1.1, que, se a REN optar por não fechar a central, como
seria seu direito fazer no final do contrato, e todavia não chegar a acordo com a EDP sobre as condições de
venda do sítio ou de extensão do contrato, impõe-se a transferência da central e do seu sítio para a posse da
REN. Diz a cláusula 26.1.1:
“Na data de fim do contrato: a RNTpoderá optar, de acordo com a proposta da Entidade de Planeamento,
confirmada pela Entidade Reguladora, entre: a) tomar de imediato posse da Central e respetivo Sítio,
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terminando o Contrato de Direito de Superfície e transferindo para a RNT a posse sobre as instalações e
terrenos da Central, incluindo todos os bens imóveis, sem direito a qualquer indemnização adicional por parte
do Produtor para além do previsto neste Contrato; b) propor ao Produtor a extensão do Contrato de Direito de
Superfície por um período e em condições a definir, durante o qual o Produtor poderá funcionar como
Produtor Não Vinculado; c) transferir a propriedade do Sítio para ao Produtor que passará a funcionar como
Produtor Não Vinculado”.
(da cláusula 26.1.1 CAE da Central de Sines, 26 de setembro de 1996, negritos do relator)
Sobre a questão de eventuais indemnizações a pagar à EDP pelo encerramento da central, o parecer da
PGR refere que:
«Sem prejuízo dos direitos e obrigações assumidos por qualquer das partes anteriormente ao terminusdo
contrato, no caso de resolução parcial ou total do contrato, nos termos previstos na cláusula 23, a
Concessionária da RNT ficava obrigada ao pagar, a título de indemnização, ao Produtor, o Valor Atual de
Referência do Grupo, ou Grupos, ou da totalidade da Central, tal como definido no Anexo 10 do contrato
(cláusula 26.1.2), em que se procura obter o valor residual da Central, tendo em atenção as remunerações já
satisfeitas pela Concessionária da RNT».
Ouvido na CPIPREPE, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, afirmou:
“A EDP pode ter tido ganhos que não foram tidos em conta na altura, mas teve-os e hoje não podemos
fazer muito em relação a isso. A capacidade negocial do Estado também não é muito grande, porque a EDP,
nesse caso, pode sempre dizer não. Ou seja, posso propor imensas coisas, posso dizer que houve um
benefício decorrente da nova licença em mercado de Sines que não foi tida em conta em 2004 quando
procurámos garantir a neutralidade. Foi mal feito em 2004, mas foi feito em 2004, consagrado num decreto-lei
em 2004 e agora é assim que as coisas são. Se me pergunta se gosto, não, não gosto, mas infelizmente tenho
de viver com essa decisão”.
(João Galamba)
1.1.2 Do direito de superfície
Na preparação da cessação antecipada dos CAE, o Decreto-Lei n.º 198/2003 veio definir as condições de
transferência da propriedade e posse dos terrenos da REN afetos aos centros eletroprodutores que abastecem
o SEP. O artigo 4.º deste Decreto-Lei dispõe que a REN fica autorizada a transferir para os produtores os seus
terrenos que constituem os sítios dos centros electroprodutores termoelétricos. Refere ainda que a
transmissão abrange todos os direitos e obrigações relacionados com a propriedade e posse dos referidos
terrenos, à exceção dos direitos de superfície constituídos sobre os terrenos onde se encontram instalados
esses centros produtores.
Assim, a REN só procurou aplicar esta orientação do governo às centrais térmicas do Pego, Setúbal,
Carregado, Tunes e Tapada do Outeiro, cujos terrenos foram avaliados em 2004 para efeitos de venda ou
arrendamento, segundo regras estabelecidas na Portaria n.º 96/2004. Nestes casos, além da obrigação de
compra ou arrendamento dos terrenos, os produtores assumem o encargo com o desmantelamento das
centrais.
A Central de Sines não foi abrangida pela Portaria n.º 96/2004 pois existia desde dezembro de 1987 um
contrato de cessão onerosa de direitos de superfície, celebrado entre um instituto do Estado (o Gabinete do
Planeamento de Desenvolvimento da Área de Sines) e a EDP, válido por 40 anos, com efeitos a agosto de
1980.
Para o ex-Diretor-Geral Miguel Barreto, que aplicou a Portaria n.º 96/2004, validou avaliações realizadas
em 2004 e concretizou a venda de terrenos em 2007, a especificidade de Sines é única:
“A grande diferença deste direito de superfície, que é quase um direito de propriedade, é que dá direito à
EDP, enquanto quiser, a prorrogar, por sua iniciativa, quantas vezes quiser, ad aeternum”.
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1.1.3 Dos custos de desmantelamento das centrais
No seu depoimento na CPIPREPE, o presidente do conselho de administração da EDP, António Mexia,
defendeu que “no âmbito da extinção dos CAE, a EDP ficou responsável pelo pagamento dos custos de
desmantelamento”. No mesmo sentido, o ex-diretor geral de energia, Miguel Barreto, argumentou:
“O CAE dava o direito a que a EDP dissesse: «Não quero prorrogar» e, então, aplicava-se a tal alínea a) e
a REN tinha de tomar posse do sítio, não lhe podia tocar, não podia concursar e o consumidor português tinha
de pagar o desmantelamento todo da central. Portanto, efetivamente, aqui, em termos de equilíbrio, a EDP
quando assinou o CMEC, perdeu o direito a ver os custos de desmantelamento pagos pelo setor elétrico. Isso
é inequívoco! Em termos de equilíbrio, relativamente à assinatura do CMEC, faz com que a EDP perca o
direito de ser o setor elétrico a pagar o desmantelamento da central. E estamos a falar de um valor superior a
100 milhões de euros! (…) Lembro que a Agência Internacional de Energia estima o custo de
desmantelamento de uma central em mais ou menos 5% do investimento.”
No entanto, a passagem do SEN para a EDP da obrigação do desmantelamento da central de Sines – que
a ERSE avalia em 73 milhões de euros – não se encontra nos acordos de cessação nem na lei 240/2004.
Solicitada a demonstrar o suporte legal ou contratual dessa sua alegada obrigação, a EDP remeteu à
CPIPREPE um conjunto de documentos que mostram que nas obrigações ambientais a EDP estará obrigada
a devolver o sítio com a central desmantelada.
1.2 As definições do Decreto-Lei n.º 240/2004
Ao condicionar a cessação antecipada dos CAE à atribuição de licenças de produção não vinculadas (sem
prazo) aos centros electroprodutores afetados, o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 240/2004 tratou diferentemente
as centrais hídricas e as termoelétricas. Às primeiras, impunha como prazo o termo da concessão do domínio
hídrico, nos termos da alínea vii) do ponto 1 do artigo 4.º:
“Na hipótese de os respectivos produtores pretenderem manter a exploração até ao termo da concessão do
domínio hídrico, ao valor do CAE é deduzido o valor residual dos bens que, nos termos do respectivo título de
concessão, não devessem reverter gratuitamente para o Estado no final do contrato”.
Relativamente às centrais térmicas, não ficou prevista como contrapartida daquela possibilidade qualquer
forma de compensação adicional à prevista no Decreto-Lei n.º 198/2003 – a compra/arrendamento dos
terrenos e a passagem dos custos de desmantelamento para o produtor. Como já descrito, estas
compensações não foram exigidas a central de Sines (a única central térmica com CAE que hoje subsiste).
Assim, com a cessação antecipada do CAE, tendo caducado todos os direitos que este constituía, a nova
legislação não previu qualquer transferência de valor da EDP para o SEN pela operação de Sines após 2017.
Esta nova legislação teve autorização do Parlamento Português e da Comissão Europeia.
“Não me apercebi, na altura (…) que o Decreto-Lei n.º 240/2004 abria essa porta [da licença perpétua para
Sines]. De qualquer forma, se está a perguntar como é que avalio, ponho as coisas nos seguintes termos: a
EDP viu remunerado o investimento que fez na central, portanto, obteve uma taxa de remuneração sobre o
investimento; todos os custos que teve foram-lhe pagos; recebeu a amortização da central; (…) recebeu a
amortização do capital; os investimentos que foram realizados na central, por imposição ambiental, foram
pagos pelos consumidores; e, no fim, a central ficou para a EDP. Se me permite esta analogia, é um
bocadinho como eu ir ao banco pedir um empréstimo para comprar casa, pago o empréstimo todo e no fim o
banco diz: «ó meu amigo, há aqui uma alínea qualquer em que nunca ninguém tinha reparado que diz que,
afinal, a casa é minha».
Paulo Pinho, assessor do Ministro Carlos Tavares (2002-2004)
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Assim, para a ERSE, era “questionável” a ausência de concurso para atribuição da exploração das centrais
no período adicional ao previsto no CAE. Mas a “ausência de correspondência económica no sistema elétrico”
foi antevista e severamente condenada. Este alerta não foi levado em conta no Ministério da Economia. Em
julho de 2004, com a mudança de governo, Carlos Tavares deixou a Álvaro Barreto a equipa para a Energia e
o projeto de Decreto-Lei criticado pela ERSE –, recusou na CPIPREPE a sua responsabilidade na redação da
lei:
“Daqui a um bocado o Sr. Deputado ainda vai dizer que qualquer coisa que aconteça em 2023 é porque
estava a porta aberta no Decreto-Lei n.º 240/2004… Que não é meu, atenção!…”
Carlos Tavares, ministro da Economia (2002-2004)
Na Comissão de Inquérito, os restantes membros do governo que prepararam (Franquelim Alves) e
aprovaram (Manuel Lencastre) o Decreto-Lei n.º 240/2004 não responderam a respeito deste tema.
“Não tenho memória de qualquer tipo de discussão sobre esse tema [operação de Sines após 2017] nem
sequer a noção de que, por via do decreto-lei que estava em discussão no meu tempo…”.
(Franquelim Alves, secretário de Estado Adjunto do ministro da Economia, 2002-2004)
“Álvaro Barreto não se recorda de ter recebido qualquer alerta para o parecer da ERSE sobre o tema
CMEC. Diz que o processo legislativo vinha de trás e que o tema foi tratado pelo seu então secretário de
Estado adjunto, Manuel Lancastre”.
(Observador, 16 de junho de 2017)
“Esta matéria tinha passado pelas várias entidades reguladoras que tinham dado pareceres nesta matéria e
eram pareceres grandes. (…) O XV governo [Durão Barroso] não incorporou aqueles [contributos] que,
legitimamente, entendeu não incorporar. (…) Devo ter lido a introdução, as conclusões, que é aquilo que faço
quando os documentos são muito grandes”.
(Manuel Lancastre, secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, 2004-2005)
“Em relação à questão do Eng.º Álvaro Barreto não conhecer o estudo da ERSE, só pode ser outra
surpresa. Não sei se ele terá dito isso assim. Até por uma razão simples: o Prof. Ricardo Ferreira continuou a
ser assessor do Eng.º Álvaro Barreto”.
(Carlos Tavares, Ministro da Economia, 2002-2004)
No entanto, já antes dos alertas da ERSE, a “prorrogação implícita da licença de produção” citada pelo
regulador resultava evidente, em função dos novos investimentos planeados para a central. A equipa que
preparou o Decreto-Lei n.º 240/2004 estava muito informada desse processo: Ricardo Ferreira (adjunto do
ministro Carlos Tavares), João Conceição (assessor do secretário de Estado Franquelim Alves) e o diretor-
geral da Energia, Jorge Borrego (depois substituído por Miguel Barreto), acompanharam pessoalmente a
transposição para a ordem interna das obrigações da Diretiva 2001/80/CE, relativa às emissões de certos
poluentes provenientes de grandes instalações de combustão, e foram encarregados de conduzir junto da
Comissão Europeia o processo de autorização investimentos ambientais previstos para as duas maiores
centrais a carvão, Sines e Pego.
Esses investimentos ambientais – que vieram a orçar em 320 milhões de euros no caso de Sines –
prolongaram a vida útil destas centrais muito para além do prazo do CAE e do fim da sua amortização, tendo
sido pagos e remunerados pelos consumidores, nos termos previstos nos CAE da década de 90 e da
continuidade que lhes foi dada no âmbito do CMEC. Ao invés, a outorga de licenças sem prazo que permite
aos produtores usufruir desses equipamentos por um período adicional não foi “levada em linha de conta na
determinação dos CMEC”, como a ERSE defendeu junto do governo na preparação do Decreto-Lei n.º
240/2004.
Outro argumento a ponderar é aquele que foi apresentado por Miguel Barreto acerca da incorporação pelo
Estado, através da receita das privatizações, do valor da prorrogação da central de Sines:
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“Esse valor económico que estava nos balanços da EDP foi atribuído em 26 de setembro de 1996 e foi
apropriado pelo Estado”.
(Miguel Barreto)
Esta afirmação carece de sustentação, visto que a única informação oficialmente disponível para os
investidores que acorreram às diferentes fases da privatização da EDP era a dos documentos do planeamento
do SEN, a qual sempre enunciou o descomissionamento de Sines no final do CAE, em 2017.
“Nos relatórios de monitorização de segurança de abastecimento, a REN sempre considerou que, a partir
do dia 31 de dezembro de 2017, não havia Sines; o que havia eram novos grupos de ciclo combinado ou,
então, grupos a carvão, porque estavam reservados, por um decreto antigo, 800 MW de carvão de novas
tecnologias de eliminação do CO2, etc., etc. Portanto, (…) a REN, a partir de 31 de dezembro [de 2017], tinha
Sines a zero. Era a informação que tínhamos! Nós não sabíamos disto!”
(Victor Baptista, administrador da REN até 2010)
“O Decreto-Lei n.º 29/2006 estabelece o princípio de que o regime que se aplica à produção ordinária é o
regime de mercado. (…) Um ano antes de se atingir o fim do prazo dos CAE devia ser organizado um
concurso público. Explicitamente, isso resulta da conjugação dos CAE — a cláusula 26.1.1. existe em todos os
CAE —, com o Decreto-Lei n.º 29/2006, verificando-se que o concurso público é mesmo obrigatório ou,
melhor, seria obrigatório.”
(Vítor Santos, ex-Presidente da ERSE – 2007-2017)
A atribuição da licença sem prazo em 2007 foi comunicada à ERSE, não foi do conhecimento público nem
sequer do setor, como atestam diversos depoimentos:
“A Autoridade da Concorrência não foi chamada a pronunciar-se. Numa análise estrita de ajuda de Estado,
isso [a operação de Sines após 2017 sem compensação ao sistema] não faz qualquer sentido”.
(Abel Mateus, presidente da AdC, 2003-2008)
“A REN não teve qualquer conhecimento sobre a licença de Sines! Qualquer conhecimento! Não sabíamos
da extensão… Soubemos mais tarde, claro! Já em 2012 ou 2013”.
(Victor Baptista, administrador da REN até 2010)
“Não sei em que condições é que foi atribuída esta extensão e, de facto, a existência ou a falta de
contrapartidas não foi tema de que eu tivesse conhecimento na altura”.
(Rui Cartaxo, adjunto do ministro da Economia, Manuel Pinho, 2005-2008)
Neste âmbito, Manuel Pinho chama a atenção para o quadro legal que data da década de 90:
“As empresas não pagam licenças, as licenças são todas dadas, não é?! Portanto, nesse caso, não sei
responder com exatidão, peço desculpa, posso tentar informar-me, mas as licenças de produção são dadas,
são gratuitas”
(Manuel Pinho, Ministro da Economia, 2005-2008).
Em síntese, a cessação do CAE de Sines:
- ocorreu em paralelo com avultados investimentos ambientais previstos no Decreto-Lei n.º 240/2004,
pagos pelos consumidores nos termos inicialmente previstos nos CAE de 1996 e assumidos no âmbito
dos CMEC e que permitiram que a central de Sines não tivesse sido antecipadamente encerrada por
incumprimento dos limites de emissões;
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- ocorreu após alerta da ERSE para, na sua opinião, haver ilegitimidade da prorrogação de prazos
contratuais sem compensação económica para o SEN;
1.3 Valorização económica da prorrogação de Sines
A única avaliação económica da prorrogação da central de Sines conhecida é a que a ERSE entregou ao
governo, a pedido deste, em fevereiro de 2018. Essa avaliação considera a operação da central por 8 anos
adicionais, até 2025. No cenário base, o valor atualizado líquido (VAL) da prorrogação será de 951 milhões de
euros. Este valor económico será afetado pela redução da isenção de ISP introduzida no Orçamento do
Estado para 2018, mas ainda assim é positivo em centenas de milhões de euros.
Segundo a ERSE, o VAL positivo da exploração da central baixa para 571 milhões de euros num cenário
desfavorável em que o carvão e o CO2 custam mais 50% e 35%, respetivamente, e em que o
desmantelamento da central, estimado em 73 milhões de euros, é reconhecido como encargo da EDP.
No entanto, é necessário referir que o Estudo da ERSE ainda não foi alvo de nenhum contraditório e
contém um conjunto de pressupostos que estão claramente desatualizados. Um exemplo destes pressupostos
é o valor das licenças de CO2 que não são consideradas a 27€/ton que é o valor atualmente considerado e
que de acordo com as declarações do Sr. Ministro do Ambiente Matos Fernandes, perspetiva-se que
continuem a subir. Com efeito, no estudo da ERSE assumiu-se que essas licenças teriam um custo inferior a
5€/ton, o que já de si demonstra a fragilidade da análise efetuada.
Também não é conhecido se os pressupostos de custos de funcionamento da central correspondem aos
reais
2. A prorrogação da central do Pego para além do prazo do CAE
Não tendo sido objeto de cessação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 240/2004, o CAE da Central do Pego,
assinado entre a REN e a Tejo Energia mantém-se em vigor e termina a 31 de dezembro de 2021. Nestas
circunstâncias, não houve lugar à aplicação do Decreto-Lei n.º 240/2004, pelo que a licença de produção
caduca quando terminar o CAE.
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Ao contrário da central de Sines, os terrenos da central do Pego foram adquiridos pelo titular da licença de
produção ao abrigo do Decreto-Lei n.º 198/2003, o que significa que houve a transmissão dos direitos e
obrigações relacionados com a propriedade e posse do terreno da central, incluindo o desmantelamento da
central.
Essa compra não resultou de necessidade imposta por cessação do CAE (que não ocorreu) mas por
simples interesse das partes, Tejo Energia e REN, que assinam em maio de 2005 um contrato promessa de
compra/venda do terreno. As mesmas partes que, simultaneamente à venda, em Maio de 2007, assinaram um
“acordo de emenda” ao CAE (ammendment agreement) em que a REN renuncia a um conjunto de direitos,
desde logo o direito à reversão dos terrenos e da central no termo do CAE, e se obriga a proporcionar à
central do Pego todas as condições técnicas para a prorrogação da sua produção. Nesse acordo de emenda
ao CAE, a Tejo Energia assume os custos com seguros e os encargos do descomissionamento e
desmantelamento da central.
"A Tejo Energia, quando adquire o terreno da central do Pego, no ano de 2005 ou de 2007, já tinha um
direito de superfície, pelo qual pagámos 27 milhões de contos, que foi pago logo à cabeça, e (…) comprou a
possibilidade de ter a propriedade [do terreno e da central] após 2021. (…) Há uma escritura pública.
Compramo-la à REN por 23 milhões de euros e assumimos o seu desmantelamento"
Beatriz Milne, CEO da Tejo Energia
Em 2004, os terrenos da central foram avaliados por duas instituições financeiras em 118 milhões de euros
e 157 milhões. Menos de um mês depois essas avaliações foram revistas em baixa para um intervalo entre
quatro e 36 milhões, acabando por ser feita a venda por 23 milhões, valor proposto pela REN e mais tarde
aprovado pelo diretor geral de energia, Miguel Barreto.
Em face dos parâmetros para a avaliação dos terrenos das centrais térmicas, definidos na portaria 96/2004
e seguidos pela consultora CPU e pela Caixa BI, verifica-se que os valores avaliados refletem apenas critérios
estritamente imobiliários, não incluindo qualquer parcela relativa à central. Assim, o valor económico da
possibilidade de operar a central do Pego após 2021 nunca foi objeto de qualquer avaliação específica, tendo
a REN e a Tejo Energia assinado o acordo de emenda ao CAE, em 2007, em torno de dois valores parciais:
um presente, o do solo (23 milhões), e outro futuro, o desmantelamento da central (não avaliado formalmente,
mas cujo custo a Tejo Energia estima hoje em 40 a 50 milhões de euros, cf. audição de Beatriz Milne).
Assim, após 31 de dezembro de 2021, a Tejo Energia fica na posse dos equipamentos que compõem a
central, mas não a pode explorar porque não detém licença de produção válida. A própria empresa reconhece
que a questão da prorrogação do funcionamento da central está dependente da emissão de uma licença de
produção não-vinculada, que permita a operação futura nos termos estabelecidos no acordo de emenda ao
CAE. E que essa emissão pode ser objeto de negociação específica:
“O CAE da Tejo Energia acaba a 30 de novembro de 2021. São 28 anos, estamos agora a cumprir 25,
precisamente no mês de novembro [de 2018], a partir daí a licença expira e, portanto, não sei se iremos
continuar ou se haverá algum tipo de negociação”.
(Beatriz Milne, presidente executiva da Tejo Energia)
Um elemento essencial dessa futura avaliação é relativa aos investimentos ambientais realizados na
central do Pego (e também em Sines, tal como referidos atrás). Em junho de 2007, logo após a venda dos
terrenos e a assinatura do acordo de alteração ao CAE, a ERSE alertava para que, no final do CAE do Pego,
os equipamentos ambientais pagos pelos consumidores ainda mantêm um valor relevante:
“Dado que o tempo de vida útil do equipamento ambiental não é coincidente com o tempo de vida útil do
restante equipamento da central, será necessário acautelar que, decorrido o prazo contratual previsto no CAE,
o valor real de mercado deste equipamento seja determinado encontrada uma forma de o fazer reverter para o
SEN através das tarifas.
Com efeito, tratando-se de um CAE, era suposto, no termo da caducidade deste contrato, o centro
electroprodutor reverter para a concessionária da RNT [REN] nos termos do Decreto-Lei n.º 183/95, de 27 de
Julho. Todavia, não tendo a legislação do sector elétrico recentemente publicada previsto esta situação, a
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natureza desta matéria aconselha a que venha a ser adotada legislação específica que regule a eventual
revisão dos bens das centrais a operar no âmbito do Sistema Elétrico de Serviço Público vinculado ao abrigo
do citado diploma”.
(carta do presidente da ERSE, Vítor Santos, ao diretor geral de Energia, Miguel Barreto, 6 junho de 2007)
Conclusões
Quanto a Sines, foi cumprido o quadro legal que data de 2006 mais especificamente no Decreto-Lei n.º
172/2006 e que enquadra as licenças de produção em regime ordinário, sendo esta não sujeitas a
prazo de duração.
A possibilidade de prorrogação da operação da central de Sines para além do prazo do CAE (2017)
estava prevista nos CAE de 1996 e tal veio a concretizar-se em 2007, com a cessação antecipada
daqueles contratos. A legislação de 1995 (Decreto-Lei n.º 182/95) previa que as licenças de centrais a
operar no sistema não vinculado não fosse objeto de qualquer prazo e a legislação de 2006 manteve
esse entendimento, pelo que a passagem das centrais para o mercado implicou a atribuição de
licenças sem prazo, inexistindo enquadramento legal para qualquer forma de compensação ao SEN.
Sines, bem como as restantes centrais, ao passar para um regime de mercado, foi forçada a deixar a
sua licença vinculada que vinha da legislação de 1995 e a passar a operar sob licença não vinculada
sem prazo, de outro modo seria impossível continuar a sua operação.
No caso de Sines, os seus responsáveis e não só, asseguraram que a EDP suportará os custos de
desmantelamento e ambientais. A EDP já está a pagar o valor do ISP e adicionamento de CO2 sobre a
utilização de carvão.
A legislação não previu em momento algum o pagamento de qualquer tipo de compensação a não ser
que a EDP passasse a assegurar os custos com o desmantelamento e ambientais da Central, como
foi possível constatar por diversos responsáveis, incluindo das empresas.
A ERSE elaborou um estudo sobre o valor da prorrogação da central de Sines por oito anos (até 2025)
concluindo que seria de 951 milhões de euros. No entanto, o estudo em causa não foi sujeito a
discussão nem a confirmação dos pressupostos utilizados, já desatualizados e não confirmados.
Mais, a Comissão Europeia avaliou o mecanismo de CMEC, quer na sua génese quer depois estando já
ele implementado, produzindo a sua última decisão em 2017.
Em caso algum a Comissão Europeia registou qualquer tipo de ilegitimidade, seja no caso da
continuação da exploração seja no tema dos investimentos ambientais.
Recomendações
Uma vez que existe a dúvida sobre a responsabilidade pelo desmantelamento das centrais de Sines e do
PEGO e que os responsáveis por ambas as centrais assumiram que este custo deveria ser assumido pelas
empresas detentoras das centrais, sugere-se legislar, ou contratualizar no sentido de assegurar que os custos
de desmantelamento das centrais de Sines e do Pego sejam assegurados pela EDP e pela Tejo Energia
respetivamente
Continuar a eliminar progressivamente às isenções do ISP para as centrais a Carvão não abrangidas pelos
CAE e aplicar essa receita à redução da dívida tarifária do SEN.
Capítulo 4
Remuneração dos terrenos da REN e extensão do prazo de concessão da RNT
1. Contexto e legislação associada
Os ativos que hoje constituem a RNT fizeram parte da EDP até à separação entre a REN e a EDP no ano
2000. Nesse contexto, ficaram entregues em concessão à REN da rede de transporte de eletricidade, a gestão
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global do sistema elétrico nacional e a aquisição total da energia gerada no SEN.
O Decreto-Lei n.º 183/95 atribuiu à entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de energia
elétrica (RNT) – a REN – a utilização do domínio público hídrico (DPH) para a instalação de aproveitamentos
hidroelétricos, ficando esta autorizada a subconceder aquela utilização em contratos próprios.
O Decreto-Lei n.º 182/95 prevê que os terrenos do domínio público na posse da REN e que estejam
ocupados pelas centrais eletroprodutoras sejam remunerados através de rendas repercutidas nas tarifas
pagas pelos consumidores.
No ano 2000 o Estado concessionou à REN, pelo prazo de cinquenta anos, os ativos da RNT, nos quais se
incluíam os terrenos do domínio público hídrico. Simultaneamente, o Estado adquiriu 70% do capital da REN.
Para a determinação do valor de aquisição do capital pelo Estado, contribuiu o valor contabilístico dos terrenos
do domínio público hídrico não afetos à exploração de centrais electroprodutoras.
É, neste contexto, que surge o direito da REN a ser remunerada pelo valor de renda dos terrenos do
domínio público hídrico em regime de não-exploração, valor este que deveria ser fixado anualmente pela
ERSE.
Esta situação criou, nas palavras de Cristina Portugal, presidente da ERSE, um conflito entre o regulador e
o regulado pois a ERSE (que deve determinar essa taxa) não reconhece esses ativos para efeitos de
remuneração. O regulador, em 2013, no seu parecer sobre o projeto de Portaria n.º 301-A/2013, volta a
lembrar a sua posição:
“A pretensão da REN não encontra suporte no quadro de atividades que constituem a génese da atribuição
da concessão, da qual aquela parcela constitui componente residual. A aceitação de uma taxa de
remuneração sobre os terrenos corresponderia a aceitar uma taxa de remuneração sobre a atividade de
aquisição de energia elétrica.”
Nesse sentido a ERSE fixou, durante os anos de 1999 a 2003, uma taxa de remuneração para os terrenos
do DPH) correspondente a 0%.
“Eu não conseguia perceber, em primeiro lugar, porque é que um ativo que fazia parte do domínio público
hídricopertencia ao balanço da REN e, fazendo parte desse balanço, por que razão é que deveria ser
remunerado. Mais: por que razão é que, face a uma situação destas, devia ser a ERSE a estabelecer essa
remuneração?”
(Vítor Santos, presidente da ERSE 2007-2017)
O Decreto-Lei n.º 198/2003 passa a prever a remuneração anual dos terrenos dos centros
electroprodutores e do domínio público hídrico na posse da entidade concessionária da RNT, que os pode
vender ou arrendar, enquanto o Decreto-Lei n.º 153/2004 prevê que esta remuneração seja repercutida nas
tarifas dos consumidores.
“A remuneração dos terrenos não estava explícita nos CAE, portanto, ali, houve uma margem de
interpretação muito alargada, houve, naturalmente, uma pressão muito forte das empresas sobre sucessivos
governos, não foi só sobre um, foi sobre sucessivos governos — estou completamente à vontade, como sou
independente de partidos políticos para poder dizer isto. (…) O que ficou estabelecido foi que seria a ERSE
quem determinaria a taxa de remuneração dos mesmos e a ERSE determinou, então, que essa taxa seria de
0%. Se a remuneração desses terrenos é de 0%, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 240/2004 não pode representar
um sobrecusto de 408 milhões de euros, como está referido no parecer da ERSE [Parecer da ERSE sobre o
Projeto de Decreto-Lei CMEC, Maio 2004].”
(Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1997-2007)
A Portaria n.º 96/2004 redefine a taxa de remuneração dos terrenos e aplica-a retroativamente a 1999,
retirando à ERSE a fixação da taxa de remuneração dos terrenos, que passa a ser incumbência do próprio
Ministério da Economia:
“A remuneração anual deve ser calculada à taxa swap interbancária de prazo mais próximo ao horizonte de
amortização legal dos terrenos em causa, verificada no primeiro dia de cada período, divulgada pela Reuters,
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acrescida de 50 basis points. Para efeitos da compensação do desvio tarifário ocorrido entre 1999 e 2003, a
remuneração anual deve ser calculada à taxa de 6,5 pontos percentuais”.
(Portaria n.º 96/2004)
A ERSE acatou, naturalmente, a decisão e passou a remunerar aqueles terrenos. Se me perguntar se
aquilo tem lógica económica, digo que não tem. (…) Foi uma medida para valorizar a empresa, porque havia
mais uma fase de privatização e havia que aumentar, por esta via, o valor da empresa”.
(Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1997-2007)
Em 2007, o ministro Manuel Pinho revê o regime de remuneração dos terrenos da REN com vista a reduzir
custos:
“[A remuneração anual deve ser calculada] utilizando a taxa de variação média dos últimos 12 meses do
índice de preços no consumidor [inflação], publicada pelo INE relativamente ao mês de Setembro do ano
anterior ao de amortização legal dos terrenos em causa. A taxa é aplicada a partir de 1 de Julho de 2007, para
o cálculo da compensação do valor remanescente do desvio tarifário ocorrido entre 1999 e 2003.”
(Portaria n.º 481/2007)
Já em 2010 na sequência de uma variação negativa da inflação (-0,9% em 2009) a remuneração dos
terrenos é alterada pela portaria 542/2010, passando a ser calculada:
“(…) À taxa swapinterbancária de prazo mais próximo ao horizonte de amortização legal dos terrenos em
causa, verificada no 1.º dia de cada período, divulgada pela Reuters, acrescida de 50 basis points”.
Carlos Zorrinho explica as motivações do governo para a alteração ocorrida em 2010, que veio a aumentar
o valor da renda recebida pela REN:
“Eu deparei-me com uma empresa pública, de que eu tinha a tutela indireta. (…) Havia um capital não
remunerado no balanço que afetava os rácios financeiros numa altura em que a REN (…) tinha um potencial
de investimento forte – aliás, incentivámos a REN a investir no armazenamento de gás no mercado (…) e
incentivámos a REN para se expandir para fora do país (…) Era óbvio que, na decorrência da compra dos
terrenos da REN à EDP, sendo que a EDP era remunerada, a REN iria exigir uma remuneração. (…) A
compra, isto é, fazer a REN comprar estes terrenos à EDP foi um erro”.
(Carlos Zorrinho)
A Portaria n.º 301-A/2013 vem introduzir a terceira alteração à portaria 96/2004, revendo em baixa a
remuneração dos terrenos hídricos. A taxa de remuneração é indexada à avaliação de desempenho da
entidade concessionária da RNT feita por auditoria (já prevista no artigo 23.º-A do Decreto-Lei n.º 29/2006,
nunca aplicado até 2014), dirigida em particular á obrigações da REN quanto à realização dos testes de
disponibilidade, ao cálculo da revisibilidade dos CMEC e ao funcionamento do mercado dos serviços do
sistema. Esta medida resulta num decréscimo de encargos relativamente aos anos anteriores. No entanto, no
seu parecer, “a ERSE continua a achar prudente uma clarificação jurídica relativamente à possibilidade de se
aplicar ao domínio público hídrico qualquer “renda” que se destine a uma determinada empresa que, por
autorização expressa através de contrato de concessão, outorgou o seu uso.”
2. Custos imputados aos consumidores
No entanto, como o próprio Dr. Jorge Vasconcelos afirmou na sua audição, a remuneração dos terrenos
não resultou dos CMEC, mas sim da alteração das taxas dessa mesma remuneração quando deixaram de ser
definidas pela ERSE e passaram a ser definidas pelo membro do Governo com a pasta da energia.
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Em 2006, já ao abrigo da portaria 96/2004, a remuneração retroativa dos terrenos é estimada em 228 M€,
que será paga em 10 anos, elevando os custos com os terrenos em 2006 a 68 M€, dos quais mais de 20
milhões seriam relativos ao pagamento da retroatividade.
Esta rectroatividade como explicou o Eng.º Victor Baptista decorria de uma imparidade registada nas
contas da REN resultante da compra pelo Estado de 70% da REN à EDP em 2000, como já referido.
Com a Portaria n.º 481/2007, os custos anuais com a remuneração dos terrenos hídricos baixam de 56 M€
para 17M€, o que representa um decréscimo de cerca de 70%, devido à indexação ao consumo que baixa
durante esses anos.
Com a Portaria n.º 542/2010, existe um aumento de custos anuais de cerca de 10 M€, de 13M€ para cerca
de 24 M€, ou seja, um aumento de quase 100%
Gráfico 4 – Evolução dos custos com os terrenos hídricos (Fonte: documentos anuais, Proveitos permitidos ERSE)
Só em 2014, com o efeito da Portaria n.º 301-A/2013, o custo com a remuneração dos terrenos volta a
descer, mantendo-se até ao ano de 2019, em cerca de 13M€ anuais. Esta portaria enuncia como objetivo
incentivar a REN a desempenhar as suas responsabilidades de modo eficiente e tabela a remuneração a
aplicar em função da nota de desempenho. O novo regime manteve este custo estável como resultado de
sucessivas auditorias anuais com nota 3, que correspondem a uma taxa de remuneração de 0,1%. A ERSE no
seu documento anual de proveitos permitidos e ajustamentos para 2019 adianta ainda que desde 2015 não
foram realizados relatórios de desempenho, pelo que assumiu uma taxa nula.
A CPIPREPE recebeu uma comunicação da REN, clarificando que, desde 2006 até à presente data, o
montante acumulado de remuneração dos referidos terrenos, totalizou cerca de 330 milhões de euros, dos
quais cerca de 76% respeitam exclusivamente à componente de “amortização anual dos terrenos”,
componente esta que é aceite pela ERSE e nunca foi por esta questionada.
Assim sendo, dos 330 milhões de euros enunciados apenas 79 milhões estarão em controvérsia com a
ERSE.
3. Extensão do Contrato de Concessão da RNT à REN por 7 anos adicionais
Em 2007 foi assinado um novo contrato de concessão da RNT à REN, com base na publicação do Decreto-
Lei n.º 172/2006. Este contrato consagrou, a título gracioso, uma prorrogação de sete (7) anos do período da
concessão.
O valor económico desta prorrogação de prazo não foi apurado pela CPIPREPE. Todavia, a título
indicativo, é possível referir que esta prorrogação representou um acréscimo na ordem de 16% ao prazo inicial
de concessão.
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Conclusões
Os consumidores de eletricidade pagaram cerca de 330 milhões de euros à REN, a título de custo de
interesse económico geral, para remunerar a posse pela empresa de terrenos do domínio público
A necessidade de remunerar estes terrenos está relacionada com os termos do negócio de aquisição
por parte do Estado de 70% do capital da REN à EDP.
No contexto da desintegração vertical do Grupo EDP, a REN pública adquire o estatuto de
concessionária dos terrenos do domínio público hídrico;
Como sempre assinalou a ERSE, não haveria justificação para a remuneração da REN pela detenção
deste ativo público para além do valor da sua amortização.
A constante alteração dos critérios e níveis desta remuneração conduziu a grandes oscilações ao longo
dos anos, tendo chegado a registar valores negativos, o que levou a grande instabilidade e falha nas
estimativas dos impactos tarifários.
Na atual situação, a alteração em 2014 da definição legal do objetivo deste custo de interesse
económico geral (CIEG) – que deixou de ser simples remuneração do ativo para passar a constituir
estímulo à sua gestão eficiente –, não modifica a opção de fundo: remunerar a concessionária dos
terrenos do domínio público hídrico pela posse desses terrenos, mantendo nas tarifas um CIEG sem
legitimidade: os consumidores pagam a um operador 100% privado pela detenção nos seus ativos de
um ativo do domínio público.
A REN beneficiou de uma extensão gratuita do prazo de concessão da RNT, por sete anos adicionais,
em vésperas da sua privatização parcial em 2007, não se encontrando apurado o valor económico
deste benefício, mas sendo certo que este é quantificável e que o Orçamento do Estado beneficiou do
mesmo, através do valor arrecadado pela privatização.
Recomendação
Apurar o valor económico da extensão gratuita do prazo de concessão da REN.
Capítulo 5
Remuneração da Produção em Regime Especial
Introdução
No âmbito da adoção de políticas destinadas a incentivar a produção de eletricidade através da utilização
de recursos endógenos renováveis ou de tecnologias de produção combinada de calor e eletricidade, foi
criada a Produção em Regime Especial (PRE).
A partir de 2001, a União Europeia reconheceu a necessidade de apoio ao desenvolvimento da produção
de energia de fonte renovável. Esta orientação foi seguida por Portugal, conduzindo à previsão legal de
regimes de remuneração garantida, entre eles o das feed in tariffs (FIT), concedidos à produção de energia
proveniente, entre outras, de fontes eólica, biomassa e fotovoltaica.
A tarifa feed-in incorpora todos os custos evitados por montantes equivalentes de instalação de potência
em energias convencionais, custos de investimento, operacionais, ambientais e de perdas na rede. Acresce
que a energia produzida por estas centrais entra na rede de transporte e distribuição antes de todas as outras,
isto é, as suas vendas estão garantidas ao valor da FIT.
Hoje, Portugal tem cerca de 8,1 MVA de potência instalada em regime de PRE (ver tabela seguinte). A
energia eólica é dominante neste regime, representando cerca de 70% de toda a PRE.
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Fonte Potência Instalada (MVA)
Biogás 77.24
Biomassa 150.28
Cogeração 976.89
Cogeração Renovável 463.84
Eólica 5,648.85
Fotovoltaica 295.94
Hídrica 423.76
Resíduos Sólidos Urbanos 94.76
Fonte – Portal da ERSE (dados de outubro 2018)
A primeira fase de crescimento da energia eólica em Portugal dá-se entre 2001 e 2002, quando são
atribuídos direitos de ligação à rede de parques eólicos num total de 2300 MW. Mais tarde, o Decreto-Lei n.º
33‐A/2005 introduziu alterações legais ao quadro remuneratório, atualizando fatores para o cálculo do valor da
remuneração garantida, estabelecendo um prazo considerado suficiente para permitir a recuperação do
investimento efetuado e o cumprimento da expectativa dos promotores quanto ao seu retorno económico.
No caso das centrais eólicas, o Decreto-Lei n.º 33-A/2005 definia que esta remuneração era aplicável
apenas aos primeiros 33 GWh entregues à rede (por megawatt de potência instalada) e por um limite máximo
de 15 anos. No quadro deste diploma, o Ministério da Economia e Inovação lançou um concurso público
internacional em junho de 2005 para a atribuição de 1600 MVA. A primeira fase do concurso, ganho pelo
consórcio ENEOP, obrigava a que fosse criado um cluster industrial associado à produção de aerogeradores.
É hoje amplamente reconhecido que estas políticas de incentivo às energias renováveis, em particular as
FIT, foram importantes para promover investimentos em tecnologias que o país precisava de desenvolver com
vista a atingir metas ambientais.
Porém, considerando o peso do sobrecusto da PRE (a diferença entre a tarifa garantida à produção
renovável e o preço do mercado grossista) na componente de custos de interesse económico geral incluída na
tarifa paga pelos consumidores, a CPIPREPE procurou averiguar a adequação destas FIT e a eventual
existência de rendas excessivas paga à PRE.
Assim, a CPIPREPE discutiu duas questões principais: 1) as taxas de rentabilidade asseguradas aos
produtores através das FIT; 2) no caso da produção eólica, a eventual existência de ganhos dos produtores
decorrentes de maior eficiência da tecnologia aplicada, resultantes de atraso no licenciamento e construção de
parques eólicos.
Para além destes pontos, foi ainda dada especial atenção aos impactos tarifários, presentes e futuros, do
Decreto-Lei n.º 35/2013 que assegura à produção eólica garantias de preços por mais alguns anos. A este
ponto é dedicado o capítulo 11 deste relatório.
2. Taxas de rentabilidade na PRE
Em 2012, o relatório produzido no âmbito da aplicação da medida 5.15 do Memorando de Entendimento
com a troika concluiu que existe uma renda excessiva paga na fatura energética aos produtores de
eletricidade abrangidos pela PRE. O relatório preparado pelo então Secretário de Estado Henrique Gomes,
apoiado em estudos das consultoras Cambridge Economic Policy Associates (CEPA) e A.T. Kearney, veio
quantificar um valor de 113 M€/ano respeitante a rendas excessivas pagas à PRE. Deste montante, 54 M€/ano
dizem respeito às centrais eólicas e 42 M€/ano às centrais de cogeração. O documento contabiliza esta renda
excessiva a partir da diferença entre as taxas de rentabilidade e o custo médio ponderado do capital (em
inglês WACC) da atividade.
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O anexo do estudo encomendado à CEPA – Cambridge Economic Policy Associates, integrado no relatório
de que o Governo ficou encarregado na medida 5.15 – e que preparou durante o mês de janeiro de 2012
(«Rents in the electricity generation sector») –, e que determina os WACC das produções dos CAE e dos
CMEC, indica que aqueles “não são irrazoáveis”.
“Eu, que estava de fora, senti algum conforto quando vi que no famoso relatório de Cambridge de 2012, o
tal que também defendia que havia muitas rendas excessivas… Aliás, este não é um relatório da Universidade
de Cambridge — e os Srs. Deputados já terão tido oportunidade de o ter lido, após a troca de impressões que
o Sr. Deputado Jorge Costa e o Eng.º Mira Amaral tiveram em sede de audiência —, mas, sim, da CEPA
(Cambridge Economic Policy Associates) em que se apresenta um anexo, o chamado Apêndice I, em que na
página 28 há uma tabela, que inclusivamente trago comigo, em se afirma que a taxa é de 5,8% mas após
impostos. Antes de impostos, a CEPA afirma que a taxa chega aos 8%. Portanto, uma vez mais, parece-me
que a afirmação da ERSE de que a taxa de juro não foi bem calculada, carece, pelo menos, de algum
suporte.”
(audição de Ricardo Ferreira)
No mesmo estudo, pode-se constatar no Anexo 4, página 3 podemos ler: “Nestes termos, podemos
concluir que a rentabilidade típica observada nos projectos de parques eólicos portugueses seguiu o mesmo
padrão e o mesmo intervalo dos observados noutras referências europeias, como sejam a Alemanha e a
Espanha.”
No que diz respeito à PRE (eólica em particular), o estudo apresentado no relatório da SEE conclui, na
página 11, que a rentabilidade média dos projetos foi de 6,2% para o período entre 2000 e 2010, virtualmente
idêntica à média do custo de capital exigível (WACC real após impostos): 6,1%.
Questionado sobre porque continuaria a afirmar que existem rendas excessivas na produção eólica, uma
vez que essa afirmação é diametralmente oposta à conclusão deste Estudo que a sua SEE apresentou.
Henrique Gomes respondeu que se enganou.
“Foi o contributo da AT Kearny que nos deu os elementos para determinarmos a rentabilidade da PRE. E
essas rentabilidades e essas rendas excessivas, que, obviamente, não tenho de cor, nem é preciso, existem,
existem. E, por acaso, nesse relatório as rentabilidades até saíram relativamente pequenas, o excesso, nesse
relatório, mas, depois, vamos verificar e vamos acompanhar a realidade, aquilo que pagamos no fim do ano,
etc. e temos surpresas grandes e no fim do ano temos, por exemplo, a fatura só das renováveis que é de 2100
milhões de euros.
A realidade tem mostrado que há mais excessos do que aqueles que foram identificados no relatório. Mas
o relatório tem isso tudo e eu não o tenho de cor.”
“Agora, tudo isto é naquela altura, também. Se quiser, havia uma desconfiança ou quase uma certeza que
não se terá confirmado neste relatório relativamente às eólicas.”
(Audição de Henrique Gomes na CPIPREPE quando confrontado com os resultados do estudo “Excessive
Rents – Rents in the electricity generation sector” sobre as rendas excessivas na produção de energia eólica
que serviu como suporte técnico para fundamentar e quantificar a existência de rendas excessivas no sector
electroprodutor)
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Na mesma linha, o relatório da ERSE intitulado “Instrumentos para a participação da oferta e da procura na
gestão do SEN”, publicado em 2018, veio calcular a taxa interna de rentabilidade (TIR) das centrais com tarifa
garantida, verificando que esta se encontra muito acima dos respetivos WACC, em contraste aliás com a TIR
das centrais térmicas que vão a mercado.
(Taxas de rentabilidade apresentadas no Relatório Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do SEN, ERSE)
Para o regulador, os mecanismos de tarifa garantida são hoje uma forma de distorção da concorrência, na
medida em que atribuem níveis de sobrecompensação implícitos muito acima do restante mercado.
“Subsistem, na realidade nacional, situações distintas:
1. Por um lado, os produtores com remuneração garantida ou enquadrada por um mecanismo legal ou
regulatório, apresentam genericamente valores da TIR superiores aos respetivos WACC, ou, quando muito,
valores aproximados. No caso específico dos PRE com tarifa garantida, os valores das TIR estão muito
claramente acima dos WACC da atividade ou tecnologia.
2. Por outro lado, para os produtores em regime de mercado, concluiu-se pela existência de um
“desincentivo” à própria operação no caso das tecnologias térmicas, na medida em que observam TIR
inferiores aos correspondentes WACC. Para os restantes casos – centrais hídricas ou solares fotovoltaicas –
os valores de TIR e WACC estão relativamente alinhados.”
(Relatório ERSE, outubro de 2018, Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do
SEN)
Carlos Pimenta, chairman do fundo Novenergia (detentor da Generg até 2019), acredita que a rentabilidade
dos projetos eólicos em Portugal está em linha com o que é praticado no resto da Europa. A prova disso, é
que as tarifas praticadas em Portugal são semelhantes à de outros países:
“Se um parque eólico recebe, em Portugal, uma tarifa que, no momento em que ganhou o concurso, é
equivalente à que foi dada na Alemanha ou na Itália, como é que pode ser mais rentável do que na Alemanha
ou na Itália, se o outro fator que pesa a seguir é o dinheiro e se o custo do dinheiro aqui é mais caro? Não
pode! Não pode!”
Na sua alocução à CPIPREPE, Carlos Pimenta justifica ainda a adequação das FIT pagas aos produtores
eólicos em Portugal com o argumento de que os processos de atribuição de potência eólica resultaram de
concursos:
“O que é que todos estes processos têm em comum? Um, não houve nenhuma atribuição de eólica que
não tivesse sido feita transparentemente em processo concursivo. Esses processos concursivos foram sempre
muito disputados. (…) Nenhum dos processos concursivos lançados em nenhum dos governos — do PS, do
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PSD, de todos — teve alguma vez contestação. Nenhum deles!”
(Audição Carlos Pimenta)
O presidente da EDP-Renováveis, João Manso Neto, admite que a rentabilidade das centrais eólicas da
empresa situadas em Portugal é mais elevada do que a das centrais noutros países. Porém, rejeita uma
comparação direta, uma vez que, alega, as centrais eólicas da EDP em Portugal correspondem a projetos
promovidos de raiz, enquanto os parques eólicos da EDP em outros países foram adquiridos em fases mais
avançadas, portanto com menos margem de lucro.
“Por que é que Portugal é mais rentável que outros? Por duas razões muito simples: primeiro, porque a
EDP, em Portugal — como em Espanha, aliás —, começou mais cedo, fez o que se chama greenfield,
enquanto, nos outros países, muitas vezes, teve de comprar e desenvolver numa segunda fase e não há um
prémio de compra que reduz a margem de lucro; e, segundo, porque Portugal também tem um custo de capital
mais alto, portanto, a rentabilidade tem de ser mais alta. Portanto, a dimensão é a certa.”
(Audição João Manso Neto)
António Sá da Costa, presidente da associação dos produtores de energia renovável (APREN), dá o
exemplo do concurso ganho pela ENEOP, para sublinhar que as tarifas praticadas nem sempre correspondem
a uma rentabilidade do promotor eólico e que muitas traduzem também o financiamento de instrumentos de
política económica e industrial do país:
“Quando fomos obrigados a ir a concurso com um fabricante único tivemos de ter um aerogerador que
nuns sítios era melhor e noutros era menos bom, mas ele teve de montar a fábrica e só veio fazê-lo com duas
condições: teria de fornecer uma determinada quantidade de máquinas e tem de estar cá instalado por um
período de 17 anos. E teve de montar a fábrica, arranjar os terrenos e isso teve custos. Isso foi uma medida
acertada? Foi uma medida acertada do ponto de vista do país, mas tem os custos de uma política económica.
(…) Quem é que «pagou o pato»? Acaba sempre por ser o consumidor, mas fomos nós quem se adiantou”.
(Audição António Sá da Costa)
3. Eventuais ganhos dos produtores decorrentes de atrasos no licenciamento
O segundo ponto discutido na CPIPREPE quanto a eventual sobrerremuneração da PRE diz respeito a
eventuais ganhos obtidos pelos produtores eólicos resultantes de atrasos no licenciamento e construção de
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parques eólicos. Segundo Autoridade da Concorrência (AdC) e a ERSE, o decurso de vários anos, por
responsabilidades próprias ou alheias ao produtor, entre a fixação da tarifa feed-in nos concursos e a efetiva
entrada em funcionamento dos parques eólicos, tem proporcionado aos produtores ganhos de eficiência
tecnológica que não estavam previstos aquando da definição da tarifa no concurso.
Este assunto parece ser identificado pela primeira vez no parecer da AdC à Proposta de Tarifas e Preços
para a Energia Eléctrica e outros Serviços em 2012 e aos Parâmetros para o Período de Regulação 2012-
2014 apresentados pela ERSE. Diz o parecer da AdC de 2011:
“No caso da energia eólica, permitiu-se que os investimentos em parques eólicos concluídos até meados
de 2009 continuassem a beneficiar de uma tarifa definida em 2001, tarifa essa que não teve em conta as
descidas dos custos de investimento por unidade instalada ou os ganhos de eficiência verificados na
tecnologia eólica – i. e.: a tarifa poderá ter ido além do que era suficiente para incentivar o investimento. A
comparação entre o tarifário antigo – superior a 95 €/MWh e o tarifário definido no concurso eólico de 2006
Fase A e 2007 Fase B – na ordem dos 72 €/MWh – e de 2008 Fase C – onde chegaram a ser observados
tarifários inferiores a 60€/MWh – é demonstrativa da ineficiência do tarifário antigo de que beneficiam mais de
2/3 dos parques eólicos em atividade”
(Parecer da Autoridade da Concorrência à Proposta de Tarifas e Preços para a Energia Elétrica e outros
Serviços em 2012 e Parâmetros para o Período de Regulação 2012-2014)
No relatório “Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do SEN”,de outubro de
2018, a ERSE chama também a atenção para este tópico. O regulador distingue dois fenómenos: 1)
desfasamento (favorável aos produtores) entre a evolução das FIT e a dos custos de investimento em centrais
eólicas; 2) a insensibilidade da FIT à prorrogação de licenças sem entrada em produção. No segundo caso,
haveria uma vantagem dos produtores em causa em relação àqueles produtores que, em iguais
circunstâncias, iniciam imediatamente a instalação do parque. A ERSE dá o exemplo das licenças atribuídas a
parques eólicos após 2001 e a centros de produção fotovoltaica após 2007:
“A revisão em baixa de algumas tarifas em certos segmentos, não acompanhou em intensidade a
diminuição verificada dos custos de investimentos decorrentes da evolução tecnológica, o que se refletiu num
incremento significativo das TIR desses investimentos e na diferença entre os custos nivelados e as tarifas
garantidas. Este efeito também ocorre quando existe um grande desfasamento temporal entre o momento da
obtenção da licença de produção, enquadrada num determinado regime remuneratório, e o momento em que
produtor entra em exploração, em resultado de prorrogações do prazo da licença de produção. Com este
desfasamento, ao manter a FIT do regime remuneratório em que obteve a licença de produção, o produtor
pode beneficiar de uma diminuição dos custos de investimentos, face aos que estão subjacentes ao cálculo da
FIT desse regime remuneratório particularmente se este desfasamento coincidir com zonas da curva de
aprendizagem com declive acentuado. Tal verificou-se no caso do segmento de produtores eólicos licenciados
ao abrigo do Decreto-Lei n.º 339-C/2001, de 29 de dezembro, entrados em exploração após 2010 e do
segmento de produtores fotovoltaicos licenciados nos termos do Decreto-Lei n.º 225/2007, de 31 de maio,
entrados em exploração entre 2012 e 2015, com FIT acima de 200€/MWh.”
(Relatório ERSE, outubro de 2018, Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do
SEN)
João Peças Lopes, que presidiu ao concurso para atribuição das licenças eólicas em 2005, reconhece que
na primeira década do século XXI as diferenças tecnológicas dos aerogeradores são muito significativas e
que, de facto, os concursos poderiam ajustar as tarifas feed-in aos ganhos tecnológicos para os novos
entrantes:
“Um gerador eólico em 2005, 2006, de 1MW custaria 1 400 000 € e teria uma produtibilidade na casa das
2400 horas, num bom sítio, num sítio razoável. Hoje, esse mesmo aerogerador, e até com requisitos técnicos
adicionais, custa 800 ou 900 mil euros, e tem uma produtibilidade superior às 3000 horas. (…) O que poderia
ter sido feito era termos tido uma revisão das tarifas, mas, deixe-me dizer, para os novos entrantes. Ter uma
revisão dos mecanismos de tarifa feed-in para os novos entrantes, porque, à medida que o processo
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tecnológico foi evoluindo, naturalmente que os preços de investimento baixaram. Essa, sim, é a lição que
podemos tirar do passado. E devíamos tê-lo feito, ou seja, devíamos ter introduzido naquelas fórmulas
horríveis um mecanismozinho para ajuste da remuneração, mas, continuo a dizê-lo, para os novos entrantes,
não para aqueles que já estão.”
(Audição João Peças Lopes)
Aníbal Fernandes, ex-presidente do consórcio da ENEOP, acredita que os atrasos na exploração não
constituem manobra de especulação por parte dos promotores e defende que, por estes terem contratos
assinados e responsabilidades a cumprir com a banca, é do seu interesse que a exploração entre em
funcionamento o mais cedo possível:
“Não há nenhum promotor eólico que tenha — só de for, de facto, masoquista — interesse em dilatar os
seus prazos de execução. (…) Ele fez o plano de negócios, na altura, com o banco, isto foi aprovado pelo
banco e não por conselho de administração. Isto foi um project finance. Estas coisas não são feitas em cima
do joelho! Os bancos olham para o plano de negócios e dizem se dão o dinheiro ou não — 80% do dinheiro
dos parques eólicos foi financiado em project finance, em alguns até mais, com 85%!”
(Audição Aníbal Fernandes)
António Sá da Costa, presidente da APREN, também desvaloriza os ganhos com o atraso da entrada em
exploração e argumenta que o valor dos investimentos, contratualizado no momento dos concursos, não pode
ser alterado. Contudo, reconhece que, para o mesmo valor de investimento, há um ganho na rentabilidade
pela via do aumento da produção com a incorporação de tecnologia mais avançada (cuja disponibilidade pode
ser consequência do atraso da entrada em operação), realça que as tarifas feed-in só se aplicam até a um
limite máximo de energia:
“A rentabilidade vai aumentando? Vai. Mas como eu disse há bocadinho, e é preciso ter isso presente, a
tarifa é garantida por uma quantidade de energia elétrica. Portanto, se a máquina produz mais… Tem é menos
tempo de tarifa garantida, porque a tarifa só é apoiada para os primeiros 33 GWh por megawatt instalado. Se a
máquina tem 2200 horas, é 15 anos; se a máquina tem 3300 horas, só tem o apoio durante 10 anos. É preciso
ter isto em consideração”.
(Audição António Sá da Costa)
As afirmações de António Sá da Costa não refutam as opiniões da AdC, da ERSE e de Peças Lopes. Ao
atingirem mais cedo o limite de 33 GWh produzidos por megawatt instalado, terminando a FIT original, as
centrais não cessam de existir. Seja sob o regime previsto no Decreto-Lei n.º 33-A/2005, seja no oferecido
pelo Decreto-Lei n.º 35/2013 (analisado no capítulo 11 deste relatório), as centrais eólicas continuam a
beneficiar de garantias de preço por um período adicional de 5 a 7 anos, o que, considerando a fase da sua
amortização nesse momento, assegura a sua rentabilidade.
Conclusões
O crescimento da PRE, nomeadamente através de mecanismos de tarifa garantida, deveu-se à
necessidade de, por objetivos ambientais e de independência energética, incentivar o investimento em
produção de eletricidade a partir de fontes de energia endógenas e renováveis. Após quase duas
décadas do início da produção renovável em Portugal, pode concluir-se que as FIT das renováveis
provocaram um aumento dos valores pagos nas faturas da eletricidade.
A existência deste sobrecusto deve-se, em tese, essencialmente a três componentes: 1) a primeira
corresponde a um esforço necessário para atingir metas ambientais e de independência energética.
Não teria sido possível o nível de penetração renovável que hoje existe no sistema eletroprodutor
português sem mecanismos de incentivo como as FIT; 2) a segunda componente , diz respeito às
taxas de rentabilidade pagas aos promotores, que correspondem aos custos do investimento
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(maturação tecnológica e nível de risco) no momento da definição das tarifas; 3) a terceira
componente resulta da inclusão nas FIT de custos do domínio da política industrial, como é o caso da
criação do cluster associado ao fabrico de componentes de aerogeradores, custos que, pela sua
natureza, são típicos encargos do Estado e não dos consumidores de energia.
Não existe consenso sobre o peso relativo destas três componentes do sobrecusto, mas é claro que
todas elas resultam de decisões políticas tomadas por vários governos, sobretudo entre 2001 e 2007.
Hoje podemos dizer que esta decisão trouxe benefícios ao país (ambientais, de criação de empregos,
de redução do preço da eletricidade no mercado grossista). As taxas de rentabilidade no setor tiveram
um impacto na evolução dos valores fatura dos consumidores domésticos, sobre quem recai o
sobrecusto da PRE.
Recomendações
Solicitar ao Governo o desenho de possíveis medidas que, de forma proporcional, permitam a
recuperação pelo SEN das vantagens obtidas pelos produtores por efeito da rigidez da FIT face aos
ganhos de eficiência resultantes da demora da entrada em produção;
Consideração desta experiência nas regras de futuros concursos, na prevenção de atrasos e das suas
consequências sobre as características económicas dos projetos.
Capítulo 6
Dívida e diferimentos tarifários, mais-valias da sua titularização
Em 1995, o Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de julho, “estabelece as bases da organização do Sistema
Eléctrico Nacional (SEN)”, no seguimento de profundas reestruturações no setor. No mesmo dia, o Decreto-Lei
n.º 187/95, de 27 de julho, “cria a Entidade Reguladora do Sector Eléctrico” (ERSE), “uma entidade com
marcadas características de independência”, para “estabelecer mecanismos explícitos de regulação”, por
forma a “suscitar a desejada confiança nos operadores do mercado e a criar um quadro regulamentar estável
e equilibrado”.
O artigo 4.º deste Decreto-Lei estabelece que “compete à Entidade Reguladora, ouvida a Direcção-Geral
de Concorrência e Preços, a preparação e emissão do Regulamento Tarifário”, que deverá estabelecer, entre
outros, “os critérios e métodos para formulação e fixação de tarifas e preços para a energia eléctrica”. O
mesmo artigo estabelece ainda os princípios que deverão orientar este Regulamento Tarifário de onde se
destaca que “O valor global resultante da aplicação das tarifas e preços a clientes finais em baixa tensão (BT),
não pode, em cada ano, ter aumentos superiores à taxa de inflação esperada para esse ano”; “o valor dos
custos não reflectidos nessas tarifas e preços pode ser repercutido”, sem prejuízo da manutenção de um
aumento inferior à taxa de inflação, “nas tarifas e preços dos anos seguintes, num máximo de cinco”.
Decreto-Lei n.º 187/95 – primeira legislação sobre diferimentos tarifários
Em janeiro de 1997 é efetivamente constituída a ERSE e em 15 de setembro de 1998 é publicado o
primeiro Regulamento Tarifário, que concretiza e detalha os princípios enunciados no Decreto-Lei n.º 187/95,
de 27 de julho, nomeadamente, o seu artigo 40.º, estabelece o mecanismo de limitação do aumento da tarifa
(à taxa de inflação), e institui, pela primeira vez, uma remuneração da possível dívida, à taxa de juro LISBOR a
três meses acrescida de 0,5%.
As primeiras tarifas são publicadas para o ano de 1999, e até 2005 as tarifas têm sempre aumentos anuais
inferiores à taxa de inflação prevista para cada ano, não existindo, portanto, défice tarifário. Apenas no final de
2005, na definição das tarifas a aplicar em 2006, o mecanismo de limitação previsto tem efeitos práticos pela
primeira vez, como se verá mais à frente.
Decreto-Lei n.º 172/2006 – preparação do Mibel, termina limitação a aumentos de tarifa
No contexto da liberalização do mercado elétrico, este diploma “desenvolve os princípios gerais relativos à
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organização e ao funcionamento do sistema elétrico nacional (SEN), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 29/2006,
de 15 de fevereiro”.
Um dos aspetos de maior relevo do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, é o levantamento do limite
ao aumento anual das tarifas de eletricidade à taxa de inflação, prevendo apenas no artigo 62.º que “as
disposições do Regulamento Tarifário devem adequar-se à organização e funcionamento do mercado interno
da electricidade”.
Recorde-se que a Diretiva 2003/54/CE estabelecia que “as entidades reguladoras nacionais deverão
desempenhar um papel activo no sentido de garantir que as tarifas de compensação não sejam
discriminatórias e reflictam os custos”.
De relevar que no final do ano anterior, na definição das Tarifas para 2006, o mecanismo de limitação de
acréscimos em Baixa Tensão (BT) previsto no Decreto-Lei n.º 187/95, de 27 de julho, teve pela primeira vez
efeitos práticos, criando assim um défice tarifário.
Figura 2 – Fonte: ERSE – Proposta Tarifas 2006
Com efeito, como se pode observar no quadro constante da Proposta de Tarifas de 2006 elaborada pela
ERSE no final de 2005, o aumento das tarifas de BT foi limitado a 2,9%, a taxa de inflação prevista para
aquele ano, quando os proveitos permitidos nas várias atividades geravam um aumento de 14,51% no
Continente, por exemplo. Esta limitação criou um défice tarifário global de 335 M€, que no contexto da
legislação então em vigor deveria ser repercutido na tarifa e preços dos anos seguintes, num máximo de 5.
Na sua audição na CPI, o então presidente da ERSE, Jorge Vasconcelos afirma ter sinalizado ao governo
de José Sócrates o problema tarifário que se avolumava:
“O diálogo com o XVII Governo sobre estas questões não foi em finais de 2006, tinha sido já em 2005,
porque em 2005 se tinha colocado, pela primeira vez, a situação de termos um aumento de tarifas superior à
taxa prevista de inflação (…) cerca de 14,4%, em termos médios, para 2006, o que ultrapassava a inflação
prevista, que, salvo erro, era de 2,3%.
O que é que a ERSE fez? Aplicou a lei, limitou o aumento das tarifas a 2,3% e alertou os consumidores, as
empresas, o Governo, a Assembleia da República para esta situação. Era evidente — e é uma questão de
pura lógica — que, não sendo feito nada, a situação do final de 2005 ia repetir-se em 2006. Ela foi apenas
mitigada em 2005, mas, se tudo se mantivesse igual, esta situação ia-se repetir em 2006.
Durante o ano não foram tomadas medidas para resolver este problema, aquilo que foi feito foi uma
transposição tardia da diretiva de 2003, que, em Portugal, só se fez em 2006 e, entre outras coisas, aboliu-se
o teto da inflação (…).
(…) Portanto, não houve dias, houve um ano inteiro para tomar as decisões úteis de forma a podermos
evitar aquela situação. A verdade é que essas decisões não foram tomadas.
Decreto-Lei n.º 237-B/2006 – previstos os diferimentos dos sobrecustos com PRE, CMEC e CAE
“Nunca se partiu para nenhuma negociação com os produtores no sentido de reduzir a tarifa. Isso é um
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facto. Não tenho memória de alguma vez essa hipótese ter sido posta. Isso levar-nos-ia para um processo
negocial muito demorado e precisávamos de uma solução imediata, porque as tarifas iam entrar em
funcionamento em janeiro de 2007 e o anúncio [do aumento de tarifas pela ERSE] foi feito a 15 de outubro de
2016”.
(Audição de Castro Guerra, secretário de Estado XXX)
A ERSE apresenta a sua proposta para as tarifas e preços de eletricidade para 2007. Como se pode
observar na tabela abaixo, constante desta proposta, a ERSE previa um aumento de 14,4% para
consumidores de BT, que incluía o abate de 1/3 do défice tarifário acumulado.
Figura 3 – Fonte: ERSE – Proposta de tarifas e preços 2007
Face ao impacto público da proposta tarifária da ERSE, o governo é obrigado a pronunciar-se e, num
primeiro momento, o secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, António Castro Guerra, ainda
procura sustentar a proposta do regulador. As suas declarações públicas – «este défice tem de ser pago por
quem o gerou. (…) São os consumidores que devem este dinheiro, não é mais ninguém» – geram intensa
polémica:
“Em outubro de 2006, eu disse uma frase infeliz a propósito da energia, quando houve aquele [anúncio de]
grande aumento de 15,7%. Acho que começou aí o início do envolvimento mais intenso, operacional também,
do ministro na área da energia”.
(Audição de Castro Guerra, Secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, 2005-2009)
No mesmo dia em que se registam essas declarações do secretário de Estado, 18 de outubro de 2006,
realiza-se no Ministério da Economia uma reunião para debater a proposta da ERSE.
“É dessa reunião em que estavam a EDP, a REN, a ERSE, a Direção-Geral de Energia e Geologia, e o
Gabinete, enfim, toda a gente, que nasce um programa de trabalho. Um dos trabalhos que o Sr. Ministro deu à
EDP e à REN, nessa reunião, foi o de preparar uma resolução do Conselho de Ministros que fizesse o
corolário dessas medidas. (…) Tenho ideia de que a questão dos 6% [de aumento da tarifa] estava nessa
versão inicial da resolução do Conselho de Ministros. Só que, entretanto, em dezembro, foi publicado o
Decreto-Lei n.º 237-B/2006, que impõe o défice, e esse era urgentíssimo. Portanto, esse decreto-lei do
alisamento tarifário dos 6% é publicado antes da resolução do Conselho de Ministros, já não fazia sentido nela
incluir essa cláusula”.
(Audição de Miguel Barreto, Diretor-Geral de Energia 2004-2009)
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A reação do governo ao anúncio da ERSE instala uma pressão política que desencadeia, sob Manuel
Pinho, um programa que vai bem além do diferimento de custos.
“Como se recordarão da tal história dos 15% de que se falou há bocado, havia um risco de a tarifa subir
muito. Então, uma das maneiras de, a curto prazo, baixar a tarifa ou evitar que ela subisse, era implementar os
CMEC, que permitiriam um alisamento dos custos”.
(Audição de João Manso Neto, administrador da EDP desde 2006)
“[Outra] solução que também estava ligada aos CMEC, e que acabava por ser uma solução virtuosa, era a
seguinte: vamos, então, assumir a prorrogação do domínio hídrico e vamos negociar uma compensação para
diminuir esse défice tarifário”.
(Audição de Miguel Barreto)
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 237-B/2006, de 18 de dezembro o Governo refere:
“Nesta proposta verifica-se que, da conjugação entre a ausência de limite ao aumento tarifário para os
consumidores em baixa tensão, a recuperação do défice tarifário em três anos e, ainda, os demais fatores que
intervêm na formação das tarifas iriam resultar aumentos tarifários excessivamente bruscos, especialmente na
baixa tensão normal. Os aumentos propostos, a verificarem-se, teriam impactes negativos, tanto ao nível da
inflação como do poder de compra dos consumidores”.
Com base nesta justificação, o Decreto-Lei prevê uma série de medidas, entre as quais se destaca:
A título transitório, as tarifas para 2007, aplicáveis aos consumidores BT, não podem ter um aumento
superior a 6% (o défice de 2006 não é repercutido e cria-se um novo défice de 2007).
O período de recuperação do défice tarifário é alargado de 3 para 10 anos.
O défice tarifário é remunerado à taxa Euribor a 3 meses acrescida de 0,5% (antes 0,25%).
Possibilita a transmissão a terceiros dos direitos de crédito associados ao défice tarifário e aos
ajustamentos anuais entre o valor dos proveitos permitidos e os efetivamente faturados.
De referir que nesta abertura à possibilidade de titularização, perdeu-se a lógica contemplada no Decreto-
Lei n.º 240/2004 para os CMEC, que previa que a taxa de juro a aplicar seria a menor entre a remuneração
inicial, estipulada no Decreto-Lei, e a obtida na operação de titularização (ver capítulo 1, ponto 2.8 sobre a
titularização da parcela fixa dos CMEC). Assim, qualquer ganho que pudesse advir da titularização de dívida
tarifária ou diferimentos de sobrecustos fica integralmente no comercializador de último recurso (a EDP), sem
qualquer partilha com o sistema elétrico. De notar ainda que o diploma é omisso em relação à
responsabilidade pelos custos incorridos na montagem e manutenção de possíveis operações de titularização.
A publicação deste Decreto-Lei e a fixação administrativa das tarifas para 2007, pelo Governo, levou à
demissão do então presidente da ERSE, Jorge Vasconcelos, que na sua carta de demissão escreveu:
“Uma vez que as tarifas incluem não apenas os custos inerentes à produção, transporte, distribuição e
comercialização de energia eléctrica, mas também custos de natureza política, cujo aumento é de longe o
mais significativo, teria sido possível reduzir parte desses custos, com benefício real para os consumidores.
Contudo, entendeu o Governo não proceder a qualquer redução de custos, antes impondo, por via legislativa,
às tarifas de baixa tensão do sistema público um limite administrativo de 6%, não sustentado em qualquer
lógica económica interna ao sector eléctrico e apenas justificado por “Os aumentos propostos, a verificarem-
se, teriam impactos negativos, tanto ao nível da inflação e do poder de compra dos consumidores”.
Em março de 2008, a EDP completa a sua primeira titularização de dívida tarifária, relativa aos défices de
2006 e 2007. Desta titularização resultou numa pequena mais-valia de 1M€, que a EDP absorveu por inteiro.
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Decreto-Lei n.º 165/2008 – o maior diferimento tarifário de sempre
Alegando a preocupação com a volatilidade tarifária e o objetivo de promover “uma tendencial estabilidade
tarifária num ambiente de concorrência no sector energético, enquanto forma de proteção dos interesses
económicos dos consumidores no âmbito do acesso aos serviços de interesse geral relacionados com a
energia eléctrica”, o Governo publica o Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto, que cria um regime de
repercussão tarifária excecional.
O artigo 2.º estabelece que, “sempre que se verifiquem condições que a ERSE, de modo fundamentado,
considere excepcionais e susceptíveis de provocar variações e impactes tarifários significativos”, cabe à ERSE
propor ao governo condições da repercussão dos custos que delas resultem, podendo o titular da pasta da
energia repercutir esses custos ao longo do período máximo de 15 anos.
A nova lei prevê a possibilidade de titularização, total ou parcial, destas diluições temporais excecionais,
mas os custos destas operações de titularização são suportados pelas entidades interessadas na cedência,
não podendo ser repercutidos nas tarifas. Os direitos transmitidos mantêm-se, mesmo em caso de insolvência
ou cessação da atividade da entidade cessante: o novo titular continua a recuperar os montantes em dívida
até ao seu integral pagamento.
No seguimento deste Decreto-Lei é publicado o Despacho n.º 27677/2008, de 29 de outubro, que aprova o
diferimento de custos proposto pela ERSE no quadro da “situação excecional da atual conjuntura nos
mercados de combustíveis fósseis, suscetível de gerar acréscimos desproporcionadamente elevados nas
tarifas de venda a clientes finais que, como tal, poderiam representar um risco sistémico que afetaria o
equilíbrio de preços em todo o mercado retalhista”. Segundo o Despacho, “o elevado valor dos referidos
custos justifica a adopção de um período de repercussão tarifária suficientemente longo, que se estabelece em
15 anos e se inicia em 1 de Janeiro de 2010”. A remuneração da dívida assim gerada “reflecte as actuais
condições de mercado para a obtenção de um financiamento com um prazo de maturidade equivalente ao
período de recuperação dos montantes em causa”: a taxa Euribor a 3 meses acrescida de 0,9%.
São assim diferidos os custos relativos aos ajustamentos positivos dos CMEC em 2007 e 2008 – ou à sua
estimativa, no caso de 2008 –, bem como os sobrecustos da PRE estimados para 2009. Estes dois
diferimentos geraram um défice de 1723M€, o maior aumento anual de dívida tarifária registado até hoje.
Titularização com partilha de ganhos – a exceção que confirma a regra
O Despacho n.º 27677/2008, feito sob proposta da ERSE, introduz uma cláusula singular – aplicada
apenas aos diferimentos previstos neste mesmo despacho – que garante um ganho para o consumidor em
caso de titularização em condições favoráveis, e só se favoráveis. Com efeito, o n.º 6 prevê que no caso de
ocorrer cessão de direitos de crédito, se o valor líquido recebido pela EDP for superior ao valor daqueles
montantes que se encontrem em dívida à data da respetiva cessão, então metade da mais-valia deve ser
repercutida para redução das tarifas.
No seguimento deste despacho, a EDP decide titularizar ambos os diferimentos do ano seguinte. As
operações ficam muito próximas do valor líquido em dívida, gerando, num caso, uma menos-valia e, no outro
caso, uma mais-valia. O n.º 6 do Despacho foi cumprido: a primeira foi integralmente assumida pela EDP e
metade da segunda foi entregue ao sistema elétrico para abater às tarifas.
É também interessante notar que esta mais-valia só ocorre no seguimento da publicação do Despacho
5579-A/2009, a 16 de fevereiro, que vem alterar o spread dos diferimentos estipulados no Despacho n.º 27
677/2008 de 0,9% para 1,95%. Por si só, esta “correção” seria justificada, até para viabilizar a titularização,
uma vez que a remuneração destes diferimentos devia traduzir a expectativa sobre o custo de financiamento.
A mudança do spread acompanha o agravamento da situação nos mercados financeiros naqueles meses,
considerando as regras de elegibilidade e valorização de valores mobiliários como ativos de garantia em
operações de política monetária do Eurossistema.
Uma vez mais, como já referido, estava em causa um valor significativo, 1723 M€, e as condições de
mercado parecem justificar este ajustamento. O aspeto relevante é que se trata de um movimento de sentido
único: quando se deterioraram as condições de financiamento, a remuneração foi ajustada, refletindo-se nas
tarifas e preços. Posteriormente, face à melhoria dessas mesmas condições, não existiram decisões políticas
de correção. Assim, os ganhos sistemáticos gerados pela evolução do mercado entre o momento da fixação
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da taxa de remuneração e o momento da sua titularização, foram sempre integrados nos lucros da EDP, em
detrimento dos consumidores, como veremos mais à frente.
Decreto-Lei n.º 78/2011 – O diferimento de custos como prática generalizada
Este Decreto-Lei, que procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, adita-
lhe o artigo 73.º-A, que prevê a repercussão tarifária intertemporal dos sobrecustos com a aquisição de
energia a produtores em regime especial. Institui assim a repercussão tarifária intertemporal destes
sobrecustos como um mecanismo regular, por oposição ao regime de exceção anteriormente previsto no
Decreto-Lei 165/2008, de 21 de agosto.
Destacam-se as principais características:
Repercussão tarifária a 5 anos;
Taxa de remuneração a ser definida por portaria;
Suscetível de ser transmitida nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 237-B/2006, de 18 de dezembro,
mas também no artigo 5-º do Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto (que prevê a garantia de
reconhecimento dos direitos dos novos titulares).
Em relação à possibilidade de transmissão dos direitos de crédito, de notar que continua a ser facultativa,
sem qualquer cláusula que preveja qualquer capacidade de interferência do governo no processo seja em que
momento for, e que se ignora por completo a possibilidade de partilha de mais-valias estabelecida no
Despacho n.º 27677/2008, regressando à lógica de absorção integral dos potenciais ganhos pela entidade
cessante.
Esta questão é especialmente relevante quando conjugada com a taxa de remuneração estabelecida. Em
outubro desse ano, a Portaria n.º 279/2011 estabelece a metodologia de cálculo da taxa de remuneração
aplicável a este regime de repercussão tarifária intertemporal. A fórmula é dada por:
RDSPRE = RF + RDP × θ
em que:
RDSPRE — taxa de juro a aplicar à parcela dos sobrecustos com a produção em regime especial a
recuperar no prazo de cinco anos a partir do dia 1 de janeiro do ano a que dizem respeito os proveitos
permitidos, nos termos do Regulamento Tarifário da ERSE;
RF — taxa de juro sem risco, correspondendo às yield das obrigações do tesouro alemãs a cinco anos,
subtraída do prémio de risco refletido nos credit default swaps dessas obrigações, determinada com base na
média dos seis meses anteriores à data de início da aplicação das tarifas associadas ao diferimento dos
sobrecustos com a produção em regime especial;
RDP — prémio de risco da dívida do comercializador de último recurso no mercado financeiro refletido,
designadamente nos credit default swaps relativos aos financiamentos a cinco anos do grupo empresarial que
integra o comercializador de último recurso, determinada com base na média dos seis meses anteriores à data
de início da aplicação das tarifas associadas ao diferimento dos sobrecustos com a produção em regime
especial;
θ — fator [definido pelo titular da pasta da Energia no governo], entre zero e a unidade, a aplicar ao prémio
de risco da dívida associado ao grupo empresarial que integra o comercializador de último recurso, tendo em
conta a necessidade de promover a sustentabilidade económica e social da repercussão tarifária dos custos
de financiamento do sector.
A decisão de acompanhar o custo de financiamento das empresas com o intuito de garantir o equilíbrio
económico-financeiro das atividades reguladas mereceu o parecer positivo da ERSE e nada tem de
preocupante. Porém, as condições para a titularização destes montantes não preveem a eventual inversão da
tendência adversa nas condições de financiamento, nem considera o perfil de reduzido risco destes cash-flows
– tal como já se argumentou aqui e em diversos depoimentos na CPIPREPE. Esse perfil densificou-se aliás
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com a garantia prestada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto, que veio assegurar os
direitos creditórios dos novos titulares, mesmo em caso de insolvência ou cessação de atividade da entidade
cessante.
Figura4 – Fonte: ERSE – Tarifas e preços 2012
Como é possível observar no quadro em cima, esta nova metodologia de cálculo da taxa resultou, para
2012, numa estimativa, à data da proposta das tarifas, de 5,5%, a maior taxa de remuneração aplicável para
as várias repercussões tarifárias intertemporais em vigor em 2012 (já somando as taxas Euribor com os seus
spreads, para cada caso, como é possível verificar). Na realidade, no cálculo final, feito no início de 2012, esta
taxa fixou-se em 6,32%.
Na sequência destas decisões, em 2013, quando as condições de mercado melhoram, a EDP titulariza
cerca de 70% do diferimento do sobrecusto da PRE de 2012 (valores da ERSE) com a sua maior mais-valia
até à data – 50M€ (valores dos seus Relatórios e Contas), que constitui lucro integral da EDP.
Esta mais-valia reflete por um lado a evolução positiva do mercado e a dificuldade da fórmula em
acompanhar essa movimentação, uma vez que esta avalia as condições de financiamento médias nos 6
meses anteriores à sua aplicação, em particular no período de tempo que decorre entre a fixação da taxa e a
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titularização, e por outro, o prémio implícito de um cash-flow de risco reduzido remunerado ao custo de
financiamento de uma atividade que naturalmente tem mais risco. Este fenómeno foi sendo replicado com os
vários diferimentos anuais de sobrecustos da PRE com mais-valias substanciais para a EDP.
Sob o Memorando, o debate do diferimento de custos
Na sequência da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika, em maio de 2011, a tutela da
Energia inicia um processo negocial com os produtores de eletricidade com vista ao cumprimento das medidas
previstas naquele documento, nomeadamente a redução dos Custos de Interesse Económico Geral.
Logo em agosto de 2011, a EDP apresenta em reunião com o Secretário de Estado da Energia a sua
proposta, sinalizando a disponibilidade da EDP para financiar em 1200 milhões de euros um conjunto de
medidas que vem propor, considerando “importante, que, simultaneamente, seja definido um enquadramento
que remunere adequadamente estes créditos pelo custo de capital da empresa e se criem as condições para a
securitização dos elevados montantes em causa”. Com efeito, as medidas propostas pela EDP procuram
evitar cortes permanentes de custos (exceto no sobrecusto das cogerações com mais de 15 anos),
substituindo-os por diferimentos temporais, nomeadamente do sobrecusto da PRE, da revisibilidade dos
CMEC de 2012 e 2013 e da interruptibilidade.
Na sequência das conversações posteriores, a EDP remete em 4 de outubro de 2011 uma nova proposta,
em que refere “aceitar” uma taxa de juro da dívida tarifária correspondente aos títulos de dívida pública
alemães acrescida de 5%. A EDP propõe ainda a alteração das regras para a titularização dos CMEC
estabelecidas no Decreto-Lei n.º 240/2004, que prevê que a taxa utilizada para o cálculo dos encargos
financeiros da anuidade do valor inicial dos CMEC (7,55%) seja revista em caso de titularização do respetivo
montante, passando nessas circunstâncias a ser aplicada a menor das duas taxas (5,22% na portaria de
2007). Em outubro de 2011, a EDP propõe ao governo uma redução da taxa 7,55% para 6,5%, em troca da
perda do direito do sistema de beneficiar de uma taxa mais baixa em futuras titularizações.
Analisando as propostas da EDP em carta enviada ao ministro Álvaro Santos Pereira, o secretário de
Estado Henrique Gomes considera que o diferimento do sobrecusto da PRE “deveria ser a última medida a
utilizar no ajustamento das tarifas, minimizando a criação de nova dívida, e não como primeira solução que
torna desnecessária qualquer outra. A perspectiva da EDP não é essa, porque com a aplicação deste
mecanismo resolve o problema do curto prazo (a sua perspectiva de sustentabilidade no longo prazo é vã) e
ainda ganha com a remuneração do financiamento da dívida”.
Quanto à taxa desta remuneração, Henrique Gomes esclarece o ministro que a proposta do governo à EDP
foi diferente da que a EDP veio “aceitar”, nomeadamente uma taxa de remuneração baseada na taxa de juro
sem risco, correspondente às “yield das obrigações de tesouro alemãs a 5 anos, subtraída do prémio de risco
reflectido nos Credit Default Swaps dessas obrigações, determinada com base na média dos últimos seis
meses, acrescida de 5%”. O secretário de Estado estranha que “a EDP argumente que essa taxa se situa
abaixo do custo actual de financiamento, quando um dos argumentos apresentados em defesa da não
perturbação do processo de privatização foi precisamente a possibilidade de acesso a financiamento com
custos muito baixos”.
Finalmente, a revisão da taxa da componente fixa dos CMEC para 6,5%, proposta pela EDP em
contrapartida do direito a absorver os ganhos resultantes da titularização daquelas anuidades, é considerada
por Henrique Gomes “uma tentativa de aproveitamento do momento de pressão sobre os preços da
electricidade, uma vez que se consubstancia no abdicar pelo sistema de uma opção, e correspondente valor,
de que hoje dispõe”.
Decreto-Lei n.º 109/2011 – avança o diferimento de custos
No final de 2011, depois do aumento da taxa de IVA para a taxa máxima – dez pontos acima da taxa
intermédia de 13% indicada no Memorando de Entendimento – e visando evitar “o efeito prejudicial que o
aumento brusco da fatura de eletricidadeteria no relançamento da economia e nas condições da população
em geral”, o Governo considerou “necessário diferir, excecionalmente, o ajustamento anual do montante da
compensação referente a 2010 devido pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia”,
previsto no Decreto-Lei n.º 240/2004, na sua redação à data, sendo repercutido nos proveitos permitidos de
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2013. O diploma previa ainda uma taxa de remuneração igual à taxa Euribor a 12 meses acrescida de um
spread de 2%.
O diferimento do sobrecusto com a PRE de 2012, por si só, já representava um aumento da dívida tarifária
de 939M€. Este diferimento adicional representava mais 141M€. A este respeito, no parecer do Conselho
Tarifário (CT) para as tarifas e preços de 2012 constam as seguintes considerações:
“O CT, no seu parecer do ano anterior, procurou alertar explicitamente que a trajetória dos CIEG [Custos de
Interesse económico Geral] assumida ao longo dos últimos anos poderia pôr em causa a própria
sustentabilidade do setor se nenhumas medidas de redução estrutural a estes custos fossem equacionadas e
aplicadas. (…) Efetivamente, na ausência de qualquer medida de redução dos CIEG’s, o diferimento legislativo
de uma parcela relevante dos seus custos visou evitar uma variação tarifária muito significativa em 2012. A
esse propósito, o CT não pode deixar de recordar que os consumidores finais já impactaram o choque do
expressivo aumento do IVA, com um acréscimo na sua fatura na ordem dos 16% a partir de 16 de outubro de
2011.
Considera assim o CT que é particularmente gravosa a ausência de qualquer medida legislativa com o
objetivo de reduzir, de forma estrutural, os CIEG’s no setor elétrico.
Reitera, assim, o CT o seu apelo à ERSE para que esta promova as necessárias diligências junto das
entidades competentes para a necessidade de medidas visando garantir a sustentabilidade do setor, evitando
medidas pontuais e isoladas de diferimento de encargos”.
Nos comentários ao parecer do CT, refere a ERSE:
Apesar da generalidade dos CIEG decorrer de decisões que extravasam a competência do regulador, a
ERSE tem vindo a alertar para o impacte da evolução destes custos, apelando à ponderação das decisões no
que respeita à introdução e revisão de medidas no âmbito dos CIEG. As diligências para uma maior
sensibilização e reflexão do impacte que estas medidas podem causar, estão em linha com as posições da
ERSE, que tem aproveitado para manifestar a sua preocupação, sempre que lhe é solicitado parecer.
Decreto-Lei n.º 256/2012 – surge o fator de sustentabilidade da EDP
A 28 de abril de 2012, um mês depois da demissão do secretário de Estado Henrique Gomes, o seu
sucessor, Artur Trindade, e o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, fecham com a EDP um acordo
visando a redução da taxa de juro da componente fixa dos CMEC, de 7,55% para 4,72%. Esta alteração
resultou numa redução dos custos com a parcela fixa dos CMEC de cerca de 14 Milhões de Euros por ano, um
total acumulado de 205 milhões de euros de redução, que se traduz num valor atualizado líquido total de
120M€ reportado a julho de 2012.
Como já se referiu neste relatório, o documento informal que fixou esse acordo nunca foi publicado nem
comunicado ao regulador. Entre as medidas então acordadas pelo governo, estavam os critérios a considerar
na determinação da taxa de juro aplicada aos montantes diferidos, nos seguintes termos:
“a) Para os montantes abrangidos pelo artigo 73.º-A do Decreto-Lei n.º 78/2011 e que estejam em dívida
e/ou sejam gerados entre 1-01-2013 s 31-12-2016, a taxa de juro deverá reflectir o custo marginal (all in)
suportado pela EDP em operações de mercado grossista de prazos equivalentes realizadas nos últimos 6/12
meses anteriores a 1 de janeiro de cada ano. Caso não haja operações de mercado nessas circunstâncias de
volume/número significativos procurar-se-iam proxies de mercado com efeito equivalente (CDS, cotação
mercado secundário); b) Compromisso de não aprovação das novas condições financeiras abaixo do custo
marginal da EDP”.
(Acordo EDP-Ministério da Economia, 12 de abril de 2012)
O então Secretário de Estado, Artur Trindade, referiu na sua audição na CPIPREPE que todas as medidas
deste acordo, mesmo quando individualmente consideradas, eram positivas para o SEN e que, nessa medida,
teria adotado qualquer uma delas, ainda que fora do quadro do acordo mencionado.
No final do ano, em novembro, é aprovado o Decreto-Lei n.º 256/2012. O preâmbulo situa o seu contexto:
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“Encontra-se em curso a adoção de um conjunto de medidas que visam travar, a médio e longo prazo, a
tendência de crescimento dos diversos custos que oneram a fatura final de eletricidade, bem como o aumento
contínuo e exponencial do défice tarifário. A curto prazo é, porém, necessário conjugar a implementação
destas medidas com a adoção de outras soluções, que permitam manter as tarifas de eletricidade em valores
adequados e comportáveis para os cidadãos, famílias e empresas em geral”.
O decreto prevê os diferimentos – novamente apresentados como “excecionais” – dos ajustamentos anuais
dos CMEC de 2011 e 2012 (previsional no segundo caso). As taxas de remuneração são remetidas para
portaria e a cedência dos direitos de crédito é prevista nos mesmo termos do Decreto-Lei n.º 237-B/2006.
Em conjunto com o diferimento dos sobrecustos da PRE de 2013, ao abrigo do mecanismo de alisamento
quinquenal do Decreto-Lei n.º 78/2011, estas três medidas representam um acréscimo de dívida tarifária de
1.109M€ (valor da ERSE).
A este respeito, o Conselho Tarifário (CT), no seu parecer às tarifas e preços de 2013, refere o seguinte:
“Além da insignificativa expressão da renegociação do sobrecusto dos CMEC’s, o CT sublinha,
adicionalmente, que a proposta é omissa quanto às medidas de intervenção no sobrecusto da PRE-FER (para
além do alisamento quinquenal disposto no Decreto-Lei n.º 78/2011). Tendo em conta que se trata da maior
fatia dos CIEG’s, não pode deixar de se considerar surpreendente essa omissão, dadas as diversas
referências públicas a um acordo com a associação representativa dos interesses do setor respetivo.
Não pode, assim, deixar o CT de enfatizar a desproporção entre as medidas de redução de encargos
anunciadas e razoavelmente previsíveis (150 milhões de euros [em 2013]), e as medidas legislativas de (mero)
diferimento de um montante substancial de CIEG’s (1109 milhões de euros).
Estando o CT ciente de vários atos legislativos concretizados, aprovados em sede de Conselho de
Ministros ou anunciados que incidem sobre os CIEG’s (não só em 2013, mas também nos anos subsequentes)
que tanto tem condicionado a evolução das tarifas na última década, seria muito útil para os agentes do setor,
em particular para os consumidores, uma clara explicitação de como se pretende assegurar a eliminação da
dívida até 2020 e a sustentabilidade setor”.
Em abril de 2013, a Portaria n.º 146/2013 atualiza a fórmula de cálculo da taxa de remuneração da dívida
tarifária em linha com o estabelecido no acordo entre a EDP e o governo no ano anterior. O preâmbulo da
Portaria preconiza que, diante da “evolução das condições dos mercados financeiros, verifica-se a
necessidade de compatibilizar a metodologia de cálculo prevista na Portaria 279/2011, de 17 de outubro, por
forma a não comprometer o equilíbrio-económico financeiro das atividades reguladas (…) mediante a
introdução de um fator de sustentabilidade da empresa”.
Em concreto, é introduzido um parâmetro gama na fórmula:
Este novo parâmetro gama garante que a taxa reflete a diferença entre o custo de financiamento estimado
(soma de Rf com Rdp) e o custo de financiamento efetivo da EDP nos 6 meses anteriores (ponderando taxas
de juro de capitais alheios ou de obrigações de cupão fixo em mercado secundário) e refletindo os encargos
com a contratação do financiamento do diferimento intertemporal dos proveitos permitidos.
Mais ainda, esta portaria altera o valor do parâmetro teta, aumentando-o de 0,85 para 0,97, mitigando
consideravelmente o seu efeito promotor da sustentabilidade económica e social da repercussão tarifária dos
custos de financiamento do setor.
Tal como a Portaria n.º 279/2011, de 17 de outubro, o objetivo de aproximação ao custo de financiamento
da EDP numa altura adversa nos mercados financeiros, parece, por si só, razoável. Esta visão da
aproximação total ao custo de financiamento da EDP inclui uma mitigação significativa do fator de
sustentabilidade do SEN (de 0,85 para 0,97). No entanto, ao conjugar esta aproximação com as condições
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previstas para a titularização (já aqui detalhadas), não é devidamente acautelada a sustentabilidade da dívida
tarifária a médio-longo prazo. Não há disposição legislativa que contemple uma evolução positiva do mercado.
Não há espaço para renegociação, ou para ter um papel na decisão da titularização ou ainda para obter
alguma vantagem que daí advenha. E isto num cenário em que a taxa a vigorar ao longo do período
quinquenal é fixa, não acompanha qualquer movimentação do mercado, ao contrário de taxas de remuneração
estabelecidas anteriormente que eram indexadas. No entanto, o inverso também é verdadeiro, a existência de
uma taxa fixa protege os SEN e os consumidores de subidas das taxas de juro e contribui para a estabilidade
tarifária, pois perante uma subida generalizada das taxas de juro o serviço da dívida não aumenta.
Como já aqui foi mencionado, o mercado evolui positivamente e a EDP tira partido desse facto titularizando
uma parte considerável da dívida tarifária que detinha, e em particular a referente aos alisamentos quinquenais
dos sobrecustos da PRE, remunerados à taxa aqui descrita, obtendo mais-valias significativas – 50M€ em
2013, com a PRE de 2012, ainda ao abrigo da fórmula anterior, e 187M€ com os diferimentos dos sobrecustos
das PRE de 2013 a 2017 (valores da EDP). Estes valores foram incorporados por completo nos seus lucros,
uma vez que estas mais-valias já são líquidas de encargos com montagem e manutenção das operações de
titularização. Todavia, a estes ganhos não está deduzido o valor do financiamento destes fluxos pela EDP, por
muito tempo, no seu custo WACC. Este valor, quer pelos volumes em jogo, quer pela evolução negativa do
WACC da empresa no período de ajustamento, pode impactar a conclusão de existência das mais-valias
acima mencionadas
Na concretização do Decreto-Lei n.º 256/2012, a remuneração dos dois diferimentos nele previstos é fixada
pela Portaria n.º 145/2013, de 9 de abril. A taxa anual para os sobrecustos com CMEC é fixada em 5%; para
os sobrecustos com CAE, é 4%.
Estas taxas foram fixadas e publicadas apesar dos comentários pela ERSE (no seu parecer que é
globalmente positivo). No seu parecer de fevereiro de 2013 pode ler-se:
“… considera-se que os valores considerados para esta taxa são elevados, não apenas face ao risco
associado a estes títulos e plasmado, por exemplo, nas yields das obrigações da EDP, bem como face ao
procedimento seguido pelo Governo no ano anterior para uma situação semelhante. No que diz respeito ao
primeiro ponto, tem-se observado uma diminuição significativa das yields das obrigações da EDP. O quadro
que se segue ilustra este facto, evidenciando que as taxas propostas na Portaria não refletem o risco
atualmente associado ao custo de financiamento destas empresas.
Por outro lado, o risco associado a este diferimento não pode assumir um risco igual ao do financiamento
do conjunto das atividades da EDP e da REN, tendo em conta que a recuperação destes montantes está
enquadrada legalmente.
Este facto pode explicar que em 2011 o Decreto-Lei n.º 109/2011, de 18 de novembro, que também diferiu
os ajustamentos anuais determinados nos termos dos sobrecustos com os CMEC, neste caso, relativos a
2010, de modo a serem recuperados nas tarifas de 2013, tinham implícita uma taxa substancialmente inferior
ao custo médio de financiamento desse ano. Registe-se que, ao contrário do Decreto-lei n.º 256/2012, o
Decreto-Lei n.º 109/2011 não remeteu para uma posterior Portaria a definição da taxa a aplicar aos encargos
financeiros associados a este diferimento. Este diploma define a taxa a aplicar como sendo igual à média da
taxa Euribor a 12 meses verificada em 2011, acrescida de um spread de 2%. O valor desta taxa correspondeu
a cerca de 4%, tendo em conta que em 2011 a média da taxa Euribor a 12 meses foi de 2,008%.
A aplicação da mesma regra para o diferimento dos sobrecustos CAE, que contempla o mesmo horizonte
temporal, levaria a aplicação de uma taxa de 3,1% (em 2012 a média da taxa Euribor a 12 meses foi de
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1,1%)”.
O texto do parecer aponta para taxas muito semelhantes às que foram publicadas, sendo as principais
diferenças referentes ao período considerado para integração dos indexantes (nessa altura a consideração de
um semestre diferente era relevante) e maturidades a considerar tendo em conta a necessidade do
aprovisionamento de fundos ser anterior à geração da dívida. Considerando estes efeitos as taxas aplicadas
estão muito alinhadas com texto da ERSE.
É aliás este conjunto de comentários, de natureza metodológica, acumulados em vários pareceres da
ERSE, nunca negativos, mas com relevantes considerandos metodológicos que vem a estar na origem da
Portaria 146/2013
Decreto-Lei n.º 32/2014
Em 2014, uma vez mais, o Governo, visando suster a evolução tarifária no setor elétrico a curto prazo,
recorre ao diferimento da repercussão nas tarifas de 2014 do montante não repercutido do ajustamento anual
dos CMEC referentes ao ano de 2012, a ser repercutido, em partes iguais, nos proveitos permitidos de 2017 e
2018. Este diferimento representa um acréscimo na dívida tarifária de 250M€. A sua remuneração é remetida
para portaria, sendo estabelecida mais tarde na Portaria n.º 500/2014, de 16 de junho, em termos em tudo
idênticos aos da Portaria n.º 146/2013, de 11 de abril, sob parecer da ERSE expressando objeções à não
existência de metodologia detalhada para o cálculo da taxa.
Pese embora não tenha apresentado objeções à Portaria n.º 146/2013, de 11 de abril, e à respetiva
metodologia da fórmula de cálculo da taxa de remuneração, a ERSE refere desta feita que “entende ser
necessário uma revisão da taxa estabelecida na proposta de Portaria por forma a garantir que o custo
financeiro associado ao diferimento reflita adequadamente as condições vigentes nos mercados financeiros e
deste modo, seja neutro para o SEN". Acrescenta ainda que:
“Na primeira abordagem, a análise foca-se no risco percebido pelos agentes de mercado para a dívida da
EDP, observável na evolução nos mercados secundários das yields das obrigações desta empresa emitidas
em euros. Deverão preferencialmente ser consideradas maturidades compreendidas entre o final de 2017 e o
início de 2018, tendo em conta que o período médio de recuperação do montante diferido é de 48 meses, a
contar a partir do mês de janeiro de 2014. Existem dois empréstimos obrigacionistas nesta situação, para os
quais se tem dados associados a transação dos títulos nos mercados secundários. No cálculo do valor médio
das yields desses empréstimos poderão ser seguidas duas abordagens, que passam por considerar: i) o
primeiro trimestre do corrente ano, tendo em conta os custos de oportunidade destes títulos que atualmente se
verificam no mercado secundário, ii) o semestre anterior ao da criação da dívida, porque as necessidades de
financiamento deste montante surgem antecipadamente ao diferimento.
No primeiro caso, as médias das yields diárias das obrigações da EDP são:
• 2,5%, com maturidade em setembro de 2017;
• 3,3%, com maturidade em junho de 2020.
No segundo caso, as médias das yields diárias das obrigações da EDP – Energias de Portugal, SA são:
• 3,8%, com maturidade em setembro de 2017;
• 3,9%, com maturidade em junho de 2020.
Assim, se for considerado o risco percebido pelos agentes nos mercados secundários para as obrigações
da EDP, as taxas praticadas são inferiores à taxa de 5% estabelecida na proposta de Portaria.
Pese embora o facto da evolução das yields das obrigações nos mercados secundários ser um bom
indicador do risco percebido pelos agentes para estes títulos, poderá não ser o indicador mais preciso para
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avaliar qual o custo associado à necessidade de obtenção imediata de um determinado financiamento.
Tomando assim por base a estimativa do custo de financiamento do montante em causa para o grupo EDP,
importará observar os cupões das mais recentes emissões obrigacionistas deste grupo em euros, para
maturidades posteriores a 2017, que foram:
• 4,875% em setembro 2013, que corresponde a uma emissão com maturidade de setembro 2020, para um
montante de 750 milhões de euros.
• 4,125% em novembro 2013, que corresponde a uma emissão com maturidade de novembro 2021, para
um montante de 600 milhões de euros.
Estas últimas taxas são superiores às taxas mencionadas na abordagem anterior. Contudo, a taxa definida
na proposta de Portaria é superior às taxas referidas nas duas abordagens apresentadas anteriormente.
Sublinhe-se que as análises efetuadas não tiveram em conta, por uma questão de simplificação, nem com
o risco específico desta operação que beneficia da chancela legislativa e regulatória, nem com os custos
associados ao processo de financiamento propriamente dito”.
No seguimento deste parecer crítico da ERSE à proposta de portaria o Governo publica antes a Portaria n.º
500/2014, de 16 de junho, que, como já referido, estabelece uma metodologia de cálculo da taxa de
remuneração em tudo semelhante à estabelecida na Portaria n.º 146/2013, de 11 de abril e onde são incluídos
os aspetos metodológicos referidos pela ERSE. O resultado da aplicação dessa metodologia para este
diferimento é uma taxa de 5%, como aliás deixa antever o valor de 4,875%, acima citado e sem custos “all in”.
Refira-se que a taxa implícita nas OT a 5 anos da República Portuguesa, média durante o ano de 2013 (ano
de formação da dívida) foi de 5,35%. Ou seja, mais uma vez foi possível gerar dívida tarifária a um custo
inferior ao da República.
A titularização deste diferimento, em dezembro de 2014, gera uma mais-valia líquida para a EDP de 11M€,
valor este a que ainda não foi deduzido o impacte negativo (para a EDP) de ter financiado ao custo WACC
estes montantes entre janeiro de 2014 e dezembro de 2014, certamente bastante superior a 11 Milhões pelos
volumes em causa.
Evolução
Tal como já aqui foi amplamente notado, várias entidades foram manifestando a sua preocupação com a
evolução anual da dívida tarifária, desde o Conselho Tarifário (CT) da ERSE, à própria ERSE, e até o
Governo, referindo-o nos preâmbulos dos vários diplomas legislativos que acabaram por contribuir para essa
mesma dívida.
Para uma melhor perceção dos montantes que foram sendo gerados com os diplomas legislativos aqui
referidos e para uma perspetiva do seu avolumar, veja-se o gráfico relativo à evolução anual da dívida tarifária
e sua composição.
Para uma análise do seu impacto nas tarifas e preços da energia elétrica, veja-se o gráfico com a evolução
anual do serviço da dívida tarifária, para o mesmo período, discriminado entre amortização e juros. Segue-se
um outro gráfico com a composição dos juros, onde fica bem patente a relevância dos diferimentos da PRE, e
onde se observa a comparação da sua remuneração em contraste com emissões de dívida da EDP no mesmo
ano.
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Evolução anual da dívida tarifária e sua composição
Figura 5 – Fonte: EDP (com base nos documentos anuais das tarifas e preços para a energia elétrica da ERSE)
Figura 6 – Gráfico do autor (Dados da ERSE)
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A propósito desta evolução o CT da ERSE, no seu parecer no final de 2013, às tarifas e preços para 2014,
cria uma secção específica para a discussão da dívida tarifária e serviço da dívida (mantida até à data), onde
tece os seguintes comentários:
“As preocupações evidenciadas, reiteradamente, pelo CT no que a evolução dos CIEG’s diz respeito,
encontram a sua natural repercussão na trajetória assumida pela dívida tarifária no setor elétrico.
Embora o CT reconheça que os diversos mecanismos de diferimento e/ou alisamento de custos utilizados,
com frequência, nos últimos anos tenham evitado uma significativa subida nas tarifas dos consumidores no
próprio ano, também não pode deixar de exprimir a sua apreensão pelo volume e trajetória assumida.
A própria evolução, associada, do serviço da dívida, ou seja, a amortização e juros, atingem em 2014,
valores muito significativos: mais de 150 milhões de Euros só em juros, num total de quase 1000 milhões de
Euros a recuperar nas tarifas”.
O CT voltou a manifestar preocupações muito semelhantes no parecer do ano seguinte, em particular com
a trajetória crescente da dívida e com os mais de 200 milhões de euros pagos em juros. Apenas no final de
2015, e “face à trajetória descendente iniciada na Proposta de Tarifas para 2016, o CT regista os sinais que
indiciam a sustentabilidade do sistema elétrico nacional”.
A respeito da remuneração da dívida, o ex-secretário de Estado Artur Trindade apresentou na CPIPREPE o
gráfico que se segue, com o intuito de ilustrar que a adoção de uma metodologia consistente com os
parâmetros financeiros aplicáveis permitiu que o custo da dívida tarifária acompanhasse o custo de
financiamento aplicável. Essa metodologia desenhada a partir de 2013 vem sendo aplicada até hoje (ver
ERSE, Tarifas para 2019).
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De seguida apresenta-se uma tabela resumo das cessões de dívida tarifária feitas pela EDP, bem como
dos montantes envolvidos, das mais ou menos-valias resultantes, líquidas dos respetivos custos com a
montagem e manutenção das operações, e a representação percentual da mais ou menos-valia em relação ao
montante titularizado.
Ano Rubrica da dívida tarifária Montante
titularizado (M€)
Mais/ Menos-Valia
(M€)
Mais/ Menos-Valia
(%)
2008 Défice 2006+2007 176 1 0,6%
2009 Ajustamento tarifários 2007 + 2008 1 276 -23 -1,8%
2009 Ajustamento tarifários 2009 447 -13 -2,9%
2011 Reclassificação Cogeração FER 185 -5 -2,7%
2012 Diferimento acerto CMEC 2010 141 0 0,0%
2013 Diferimento sobrecusto PRE 2012 864 50 5,8%
2013 Diferimento acerto CMEC 2011 150 1 0,7%
2014 Diferimento sobrecusto PRE 2013 833 62 7,4%
2014 Diferimento acerto CMEC 2012 229 11 4,8%
2015+16 Diferimento sobrecusto PRE 2014 1 073 63 5,9%
2016+17 Diferimento sobrecusto PRE 2015 1 271 46 3,6%
2016 Diferimento sobrecusto PRE 2016 1 223 -11 -0,9%
2017 Diferimento sobrecusto PRE 2017 1 155 16 1,4%
Total 9 023 198 2,2%
Total – fórmula custo financiamento EDP1 6 648 237 3,6%
Total – outras taxas 2 375 -39 -1,6%
Figura 9 – Tabela a partir de dados da EDP
1Considera o total dos diferimentos sujeitos a taxas de remuneração calculadas ao abrigo das metodologias que têm por objetivo replicar o custo de financiamento da EDP:
o Diferimento sobrecusto PRE 2012 => Portaria 279/2011 o Diferimento sobrecusto PRE 2013-2017 => Portaria 146/2013 o Diferimento acerto CMEC 2012 => Portaria 500/2014
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Contabilizando todas as mais e menos-valias do período completo, a EDP encaixou 198 M€ como lucros,
uma vez que estes valores já são líquidos de custos incorridos com as operações de titularização. Note-se que
isto corresponde a uma margem bruta de 2,2% sobre a dívida titularizada. Mais ainda, se considerarmos
apenas os lucros obtidos com os diferimentos cuja remuneração replica o custo de financiamento da EDP,
entre 2013 e 2017, observa-se um valor de 237 M€, 3,6% do montante titularizado e cerca de 30%, quase um
terço, da totalidade dos juros pagos pelo SEN no mesmo período.
E, desta forma, a EDP conseguiu, no período entre 2008 e 2017, atravessando uma crise financeira
mundial seguida de uma crise de dívida pública portuguesa, com graves implicações para o tecido empresarial
nacional, sair a ganhar com a enorme quantidade de dívida tarifária gerada, a custo dos consumidores.
No entanto, esta não é a visão manifestada na CPIPREPE pelo secretário de Estado Artur Trindade e pelo
atual titular, João Galamba.
Artur Trindade defendeu que os ganhos financeiros podem ser contabilísticos, mas não económicos, uma
vez que ao efetuar as operações, não na data da geração da dívida, mas uns anos mais tarde, a empresa
suportou com meios próprios (WACC) o financiamento do défice tarifário. Logo, titularizou uma maturidade
inferior à da divida, o que só por si pode traduzir-se num ganho “nominal”, relatado contabilisticamente, mas
numa perda económica.
Por sua vez, o atual Secretário de Estado, João Galamba, manifestou uma visão diversa e reiterou que o
“que conta é a taxa e a respetiva metodologia”, reconhecendo à EDP o direito a dispor da dívida tarifária como
propriedade sua.
Ainda nesta linha, o ex-Secretário de Estado, Seguro Sanches, que constituiu um grupo de trabalho para
definir a metodologia de determinação do custo do défice tarifário, grupo este que apresentou várias
metodologias alternativas possíveis, preferiu replicar, quase na totalidade, a metodologia do seu antecessor,
aderindo, portanto, ao mesmo racional em vigor.
E a verdade é que este racional parece encontrar demonstração em dados reais. Na prática, o único aspeto
alterado pela portaria de 2016, face à metodologia anterior, é o período de integração, para cálculo da média
dos indexantes (em apenas uns meses). Sucede que, caso não tivesse havido essa alteração, a taxa de juro
apurada para cálculo da remuneração do diferimento teria sido ligeiramente inferior. I.e., se a portaria de 2013
não tivesse sido alterada em 2016, a taxa que teria sido publicada seria de 1,82% e não 1,88%.
Figura 9 – comparação entre as taxas que resultam da portaria 262/A-2016 de 10 de outubro e a portaria que a antecede
(2013), dados REUTERS.
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Juro 17
Portaria de 2013 1,82%
Portaria de 2016 1,88% Tabela –1 Resultados da figura anterior
O relatório do Grupo de Trabalho SEE/DGEG/ERSE considera a hipótese de partilhas de ganhos/perdas
com estas operações, mas também identifica desvantagens. O membro do Governo em funções na altura
nunca deu sequência a essa opção. Os membros do Governo que lhe antecederam e sucederam também
nunca consideram viável esse mecanismo.
Com efeito a consideração desta hipótese de partilha de ganhos e perdas num contexto em que a taxa (via
indexantes) já é tão baixa aumenta muito a probabilidade de menos-valias virem a ser partilhadas com os
consumidores. Por outro lado, é uma forma de indexar a taxa tornando-a variável, o que traz preocupações
com a volatilidade tarifária desta parcela de custos.
Notas finais
A criação da dívida tarifária em 2006 é uma decisão política que visa, por um lado, manter intocados os
custos de interesse económico geral (recusando recomendações da ERSE de sentido contrário) e, por outro
lado, evitar as consequências sociais e políticas do aumento de cerca de 15% nas tarifas de eletricidade para
2007.
Se a preocupação dos Governos era o financiamento do défice e o serviço da dívida, poderiam ter
financiado esse mesmo défice através do Orçamento do Estado ou com a emissão de dívida pública. Não o
fizeram, porém, num movimento de clara desorçamentação.
Um primeiro elemento relevante quanto à identificação de formas de rendas indevidas reside na taxa de
remuneração de montantes a recuperar através das tarifas e preços da energia elétrica.
Esta questão é levantada pela ERSE perante o Decreto-Lei n.º 240/2004 e a fixação da taxa de cálculo da
anuidade ao custo médio de capital da EDP (7,55%), depois face aos aumentos de spreads em relação à
Euribor e pela definição de taxas fixas, até à fórmula de cálculo da remuneração dos diferimentos dos
sobrecustos da PRE e às tentativas de aproximação das taxas de juro ao custo de financiamento da EDP.
A discussão em torno da taxa de remuneração prende-se com vários aspetos:
● Sustentabilidade económica e social da repercussão tarifária dos custos de financiamento do sector.
● Risco dos cash-flows: a dívida tarifária emitida, dado o enquadramento legislativo e regulatório da
recuperação dos seus montantes, tem um risco reduzido, em todo o caso risco sempre menor que o
financiamento do conjunto das atividades da EDP. E, nesse sentido, a sua taxa de remuneração deveria
refletir isso mesmo.
● Custo de financiamento da EDP: para garantir o equilíbrio económico-financeiro das atividades
reguladas, é importante acompanhar a evolução do seu custo de financiamento, em particular em
condições de mercado adversas.
● Possibilidade de revisão da taxa: o impacto da definição da taxa inicial será tanto maior quanto menor
for a flexibilidade prevista para a rever, seja por renegociação direta com a EDP, seja pela possibilidade
da sua cedência a terceiros.
É da ponderação destes fatores e do equilíbrio entre o curto e o médio-longo prazo que deve resultar uma
taxa de remuneração adequada.
Assim, por simplificação, surgem dois rumos possíveis:
● A taxa de remuneração é definida de forma completamente alheia à EDP-CUR, exclusivamente tendo
em conta as condições de mercado e o perfil de risco dos cash-flows envolvidos, definida como uma
emissão direta em mercado. É concebida como uma taxa «justa» para o SEN. Neste caso, depois de
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entregue à EDP, esta poderia geri-la da forma que melhor lhe aprouvesse, mantendo-a ou cedendo-a a
seu custo ou benefício;
● A taxa de remuneração é definida como uma taxa «justa» para a EDP enquanto recetor da dívida,
ponderando o esforço financeiro envolvido e custos incorridos com vista a garantir o equilíbrio
económico-financeiro das atividades reguladas. Neste caso, o acompanhamento pelo SEN da evolução
do custo financeiro deve ser mantido. Para assegurar a sustentabilidade económica e social da
repercussão tarifária dos custos de financiamento, a gestão da dívida tem de ser partilhada entre EDP e
SEN. Isto é, o governo tem de ter uma palavra na renegociação das condições da dívida sempre que
alterações nas condições de financiamento da empresa ou do mercado assim o justifiquem, bem como
na cedência da dívida a terceiros, seja na opção pela sua realização, seja nas condições negociadas.
Obviamente, estas decisões devem ser pautadas pela procura do equilíbrio entre a sustentabilidade das
atividades reguladas e a sustentabilidade do SEN.
Conclusões
Seguindo este racional, cabe referenciar as decisões tomadas ao longo dos anos pelos responsáveis de
governo quanto à remuneração de montantes a recuperar através das tarifas e preços da energia elétrica,
entre as quais se destacam:
1 – Remuneração dos diferimentos dos sobrecustos da PRE a uma aproximação do custo de
financiamento da EDP – Decreto-Lei n.º 78/2011 e Portaria n.º 279/2011 + Portaria n.º 146/2013.
Como já aqui foi argumentado, o pressuposto de que “a taxa de juro deve refletir as condições de
financiamento da empresa” pode ser pertinente. Sobretudo em contexto adverso (como o dos anos da crise) a
decisão de acompanhar o custo de financiamento das empresas com o intuito de garantir o equilíbrio
económico-financeiro das atividades reguladas, parece natural, e mereceu parecer positivo da ERSE.
Mas esta decisão, lida em conjunto com as condições previstas para a titularização destes montantes, não
teve em conta nem uma eventual melhoria das condições de financiamento nem o perfil de risco específico
destes cash-flows que, tal como reiterado pelo depoimento de vários intervenientes na CPIPREPE, têm um
risco reduzido (mais ainda depois da garantia prestada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de
agosto, em que o Estado assegura os direitos creditórios dos novos titulares em caso de insolvência ou
cessação de atividade da EDP). Isto indica risco parecido (mas não igual) ao do Estado. Esses juros tendem
para as OT mas nunca poderão ser inferiores. Como bem prova a sua não-aceitação como dívida pública e a
sua não-aceitação como colateral no Eurossistema.
Embora prevista, a titularização é uma opção da EDP, que, tal como os eventuais ganhos e perdas, lhe
cabem em exclusivo.
2 – A distorção introduzida pela decisão inicial da remuneração dos CMEC já foi, entretanto, corrigida.
Numa primeira instância, com a redução da taxa aplicada à componente fixa dos originais 7,55% para 4,72%,
negociada em 2012 com a EDP. Mais tarde, no final de 2017, o Governo pede à ERSE uma proposta para
novo cálculo dessa taxa. Em resposta, a ERSE apresentou uma taxa visando recuperar os valores que, no
entendimento da ERSE, foram pagos indevidamente, por força dos erros identificados no seu parecer ao
Decreto-Lei 240/2004. A ERSE avalia o impacto da primeira redução da taxa em 205M€. Assim, uma nova
redução deveria permitir recuperar grande parte dos restantes 125M€. Propôs a ERSE:
“À data de 23 de setembro de 2017, essa taxa seria aproximadamente a yield das Obrigações do Tesouro
com maturidade de 5 anos (visto que a vida média das rendas da parcela fixa é de cerca de 5 anos), de
0,949%, acrescida de 0,25%, totalizando 1,20%. A aplicação desta taxa ao cálculo da renda anual de 2018 até
ao final do período de vigência dos CMEC permitiria recuperar cerca de 111 milhões de euros dos 125 milhões
de euros que faltaria recuperar relativamente à situação desejável.”
3 – Em relação à remuneração dos diferimentos dos sobrecustos da PRE, num cenário em que se
pretende assegurar o custo de financiamento da empresa, urge introduzir mecanismos de partilha da gestão
da dívida, muitos deles já reproduzidos em diplomas legislativos pontuais.
O Estado deve poder:
● Ser consultado na decisão de uma operação de titularização, nomeadamente, no que respeita às suas
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condições e aos seus custos;
● Forçar uma operação de titularização caso as condições de mercado assim o justifiquem;
● Incorporar no SEN os resultados dessas titularizações.
A este respeito, em abril de 2016, foi criado um Grupo de Estudo, composto por membros do Gabinete da
Secretaria de Estado da Energia, da ERSE e da DGEG, com vista a avaliar a “Repercussão dos sobrecustos
com a aquisição de energia a produtores em regime especial”. No relatório elaborado é sugerida, entre outras
opções, a “inclusão de um mecanismo de incentivo à eficiente gestão da colocação em mercado da dívida
tarifária”, referindo que este incentivaria a EDP “a conseguir as melhores condições de mercado, na colocação
da dívida, partilhando com o consumidor os benefícios obtidos”. Para este efeito é sugerida no relatório uma
partilha 50/50, com exceção da definição de um teto máximo para a incorporação no SEN de potenciais
perdas, com vista a incentivar uma gestão eficiente da dívida.
Não obstante as várias propostas sugeridas pelo referido Grupo de Estudo, o então SEE Seguro Sanches,
entendeu manter o racional em vigor alterando ligeiramente os termos do mecanismo de determinação dos
juros à pagar pelo diferimento da dívida tarifária.
Recomendação
Como garantia da melhor prossecução do interesse público, o membro do governo com a tutela da energia
deverá poder, por iniciativa própria determinar ou suspender operações de titularização desencadeadas pela
EDP – Comercializador de Último Recurso.
Capítulo 7
Garantia de potência
A garantia de potência é um mecanismo de remuneração de capacidade elétrica destinada a garantir a
segurança de abastecimento de eletricidade e o investimento em infraestruturas. Esta resume-se, por um lado,
a remunerar centrais electroprodutoras para estarem disponíveis para entrarem em funcionamento face a um
evento extraordinário (situação não prevista de consumo ou variações bruscas na produção renovável), e por
outro, a incentivar a manutenção e investimento neste tipo de potência despachável e imediata, no sistema
elétrico nacional. O contributo das unidades de produção baseadas em tecnologias convencionais (térmica,
hídrica) é por isso fundamental para a garantia da segurança do abastecimento, como complemento à
produção de energia elétrica a partir de fontes de energia renováveis (não-despacháveis).
1. Contexto, legislação e regulamentação
1.1. Na preparação do MIBEL, previsão da remuneração de potência segundo a disponibilidade
A primeira referência legal a um futuro regime de remuneração da garantia de potência é feita no artigo 16º
do Decreto-Lei n.º 185/2003, do ministro Carlos Tavares, que “estabelece as regras gerais que permitem a
criação de um mercado livre e concorrencial de energia eléctrica”:
1 – Até à entrada em vigor do diploma que estabelece as novas bases de organização do funcionamento
do sector eléctrico, transpondo para o direito nacional a Directiva do Mercado Interno de Electricidade, cabe à
entidade concessionária da RNT assegurar a garantia do abastecimento de energia eléctrica.
2 – Os produtores em regime ordinário que participem no mercado sob qualquer forma de contratação têm
direito a um pagamento de potência dependente da sua disponibilidade no período de maior procura ou de
escassez de oferta.
3 – Os proveitos do pagamento da garantia de potência aos produtores, determinado com base numa
metodologia de valorização que assegure o equilíbrio contratual, são proporcionados por uma tarifa fixada pelo
regulamento do tarifário, aplicável a todos os consumidores.
(Artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 185/2003)
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Aquela remuneração geral é retomada mais tarde, com o Decreto-Lei n.º 264/2007 do ministro Manuel
Pinho, que prevê “a possibilidade de criação de instrumentos de incentivo à garantia de potência para centros
eletroprodutores cuja atividade é exercida em regime de mercado”, de modo a “assegurar um adequado grau
de cobertura da procura de eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros
eletroprodutores em regime ordinário (PRO)”.
Nesse contexto de 2007, em vésperas da entrada em funcionamento do MIBEL, as entidades reguladoras
portuguesa e espanhola entregam aos respetivos governos uma proposta de regulamentação conjunta do
mecanismo de garantia de potência, cujas linhas gerais estão contidas no projeto então apresentado,
apontando à existência de um procedimento concorrencial.
Em dezembro do mesmo ano de 2007, é de registar ainda a aprovação pelo Conselho de Ministros do
Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico, cujo concurso só terá regras aprovadas por
Decreto-Lei em setembro do ano seguinte.
Entre 2007 e 2010, o governo não regulamenta a possibilidade aberta na lei para a remuneração deste
serviço.
“Voltei a ser Secretário de Estado com o Professor Teixeira dos Santos [de julho a outubro de 2009] e
lembro-me de ter recebido a EDP para legislar sobre a garantia de potência, e não o fiz. Expliquei-lhe que o
momento já não era propício a decisões dessa natureza. Estávamos próximos do fim do mandato e não o fiz
em consciência”.
(Castro Guerra, Secretário de Estado Adjunto, da Indústria e da Inovação, entre 2005 e 2009)
1.2. Início do pagamento pela garantia de potência
Será já sob a tutela do ministro Vieira da Silva e do secretário de Estado da Energia, Carlos Zorrinho, que o
mecanismo é criado, através da portaria 765/2010, sem que seja dado acolhimento à proposta de
harmonização ibérica baseada em leilões avançada pelos reguladores ibéricos. Pelo contrário, o regime criado
integra duas linhas de remuneração, ambas atribuídas por via administrativa e não concorrencial:
● o pagamento do serviço de disponibilidade prestado pelos centros eletroprodutores;
● o incentivo ao investimento em capacidade de produção, para os centros electroprodutores que
tivessem entrado em exploração há menos de 10 anos.
Ambos se destinam a centrais em regime ordinário e sem garantias CMEC ou CAE, os quais já remuneram
a disponibilidade de potência.
A ERSE acompanha a preparação da portaria e expressa as suas preocupações, mencionando um parecer
que, no entanto, não constará do acervo da ERSE, de acordo com a resposta aos pedidos feitos pela
CPIPREPE:
De acordo com documentação existente no acervo da CPI, a ERSE emitiu um parecer negativo em relação
à versão preliminar da Portaria n.º 765/2010. Ao longo do processo a ERSE é mantida informada sobre as
alterações que vão sendo efetuadas no texto da referida Portaria e mantém a suas objeções.
“Permitimo-nos reiterar o conteúdo do Parecer da ERSE oportunamente enviado a esse Ministério e
sublinhar a nossa preocupação com os impactes tarifários, agora acentuados com as alterações introduzidas
nos artigos 10.º e 11.º”.
(correspondência entre José Afonso, da Direção de Mercados da ERSE, e Bruno Caetano, assessor de
Carlos Zorrinho, 28 julho de 2010).
O referido parecer nunca foi disponibilizado à esta CPI.
Questionada mais do que uma vez sobre o referido parecer, a Presidente da ERSE, Dr.ª Cristina Portugal,
referiu sempre que enviou toda a documentação existente na ERSE sobre o tema da Garantia de Potência,
mesmo quando confrontada com documentos escritos que evidenciam a existência de tal parecer.
A Secretaria de Estado da Energia também não enviou o referido parecer, nem o processo de diálogo entre
a SEE e a ERSE que antecedeu a publicação da Portaria n.º 765/2010.
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É no mínimo estranho que um documento tão relevante para o sector elétrico tenha desaparecido do
acervo documental da ERSE e também do acervo da SEE.
Em defesa da introdução do pagamento destes incentivos, são mobilizados pelos ex-ministros Vieira da
Silva e Carlos Zorrinho dois argumentos principais: 1) a necessidade de corresponder a compromissos
assumidos junto das companhias que acorreram aos leilões do Plano Nacional de Barragens, lançado pelo
ministro do Ambiente, Nunes Correia; 2) a necessidade de robustecer a segurança de abastecimento.
Quanto ao primeiro, é assumido por Carlos Zorrinho – “o decreto-lei que cria a garantia de potência estava
publicado desde 2007 [Decreto-Lei n.º 264/2007] e, portanto, obviamente que o concurso [do Plano Nacional
de Barragens] foi feito nessa perspetiva”. Porém, no momento daquele concurso, a lei não previa mais do que
a mera possibilidade da futura criação de um tal mecanismo –, o que está longe de poder constituir
compromisso ou sequer fundada expectativa – e com referência apenas à remuneração da disponibilidade,
sem que o incentivo ao investimento estivesse previsto sob qualquer forma.
O segundo argumento é relativo à promoção da segurança de abastecimento. Afirma Carlos Zorrinho, na
sua audição na CPIPREPE:
“É muito fácil, agora, dizermos que há uma sobredisponibilidade, mas as projeções, quer quanto ao
consumo de energia em Portugal, quer quanto ao consumo de energia no MIBEL, na eletricidade em
particular, quer quanto às interconexões eram completamente diferentes”.
Porém, a Portaria n.º 765/2010 é posterior à publicação do Relatório de Monitorização da Segurança de
Abastecimento para os anos 2011-2020, preparado pela REN, que apontava claramente a falta de
necessidade de novos mecanismos de reforço da segurança do abastecimento, considerando a “Suficiência
da reserva de capacidade para a cobertura, nos períodos de ponta anual (Janeiro), de ponta de Verão (Julho)
e da ponta de Dezembro, de situações particularmente críticas e muito excepcionais, caracterizadas pela
ocorrência simultânea de um agravamento da ponta de consumos, de uma indisponibilidade de potência
hídrica por efeito de um regime seco, de indisponibilidade de potência eólica correspondente à disponibilidade
do recurso com um nível de confiança de 95%, de uma contribuição reduzida da restante PRE e da falha
fortuita do maior grupo térmico e do maior grupo hídrico. (…) Na verificação do cumprimento destes padrões
não se considera o recurso à interruptibilidade”.
(Relatório de Segurança de Abastecimento ao nível da Produção de Electricidade para 2011-2020, REN
abril 2010, pág. 5)
A ERSE produziu declarações públicas no mesmo sentido, alertando para “um problema tarifário para
vários anos”:
“A garantia de potência foi negociada [em 2007] numa altura de assimetria com Espanha, quandoa
margem de segurança do mercado português era escassa, o que já não acontece hoje, registando-se um
excesso de energia no mercado ibérico”.
Vítor Santos, presidente da ERSE, Público, 22 dezembro de 2010
Na CPIPREPE, um terceiro elemento de motivação – além dos compromissos assumidos e da segurança
do abastecimento – foi objeto de abordagens contraditórias entre Vieira da Silva e Carlos Zorrinho. Segundo o
então Secretário de Estado, a remuneração da garantia de potência foi parte de um pacote legislativo mais
amplo, que incluiu também a tarifa social, cuja criação é simultânea à da garantia de potência:
“Conseguimos que as operadoras se tivessem comprometido em simultâneo com a tarifa social. (…) A
tarifa social foi criada em complemento e em pacote político com a garantia de potência, dizendo o seguinte:
se há aqui uma garantia de fornecimento, temos uma garantia de fornecimento do lado da produção, mas
também temos de ter uma garantia de consumo do lado dos utilizadores. (…) [Houve] o aproveitamento dessa
circunstância, ou seja, da concretização de uma expectativa legítima, que tinha sido criada por um decreto-lei
anterior, para cumprir uma linha de política, que era a criação de uma tarifa social paga por esses mesmos
operadores”. (…)
“Conseguimos que as operadoras se tivessem comprometido em simultâneo com a tarifa social. (…) A
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tarifa social foi criada em complemento e em pacote político com a garantia de potência, dizendo o seguinte:
«Se há aqui uma garantia de fornecimento, temos uma garantia de fornecimento do lado da produção, mas
também temos de ter uma garantia de consumo do lado dos utilizadores».”
(Audição de Carlos Zorrinho, secretário de Estado da Energia 2009-2011)
Pelo seu lado, o ex-Ministro da Economia assume que a introdução da tarifa social visou compensar novos
custos inscritos na tarifa (a garantia de potência seria um deles), mas nega uma negociação em pacote com
as empresas:
“Nunca esteve na minha cabeça nem em nenhuma negociação, qualquer articulação de género
compensatório com a questão da garantia de potência, mas, sim — assumo essa compensação —, com aquilo
que eu achava ser uma pressão potencialmente crescente sobre a tarifa e a necessidade de desagravar, para
esses grupos sociais [beneficiários da tarifa social], essa tensão e essa pressão”. (…)
“[A garantia de potência] faz parte da política de criação de condições de segurança para os investimentos,
não só para os investimentos do passado, mas também para os do futuro.” (…) “Na perspectiva que tive, a
pressão sobre as tarifas e a necessidade de aliviar as famílias conta seguramente muito mais do que qualquer
outro tipo de negociação [da garantia de potência e tarifa social indicada pelo SEE Carlos Zorrinho), na qual,
aliás, não participei.”
(Audição de Vieira da Silva, Ministro da Economia 2009-2011)
Quanto ao incentivo ao investimento, a Autoridade da Concorrência reforça a tese de que este incentivo,
enquadrado na garantia de potência, não corresponde a uma necessidade efetiva dos produtores:
“Essas centrais não precisaram de incentivos para que os respectivos investimentos fossem
desencadeados, o que coloca em causa o valor acrescentado do incentivo de garantia de potência, nos termos
em que esse incentivo foi apresentado.”
(Parecer da AdC sobre proposta de tarifas e preços para 2012, novembro 2011)
Já Carlos Zorrinho, na CPIPREPE, defendeu veemente o incentivo ao investimento como medida para
alavancar um modelo energético limpo:
“Portanto, o incentivo ao investimento é feito nesta lógica de garantir a atratividade no investimento, no
modelo — ainda não conversámos sobre isso aqui, mas, se calhar, valeria a pena conversar — energético
para Portugal. Há vários modelos energéticos… Não demos garantia de potência à central de carvão, por
exemplo! (…) A garantia de potência foi dada, como disse, por harmonização com o MIBEL e por portaria,
para poder ser alterada em cada momento, em função do índice de cobertura — como foi! —, mas foi dada ao
ciclo combinado e à energia renovável. Portanto, para termos um modelo de armazenamento e de resposta
rápida com o ciclo combinado e um modelo de armazenamento e de resposta mais lenta com o domínio
hídrico, suportando o crescimento progressivo de outro tipo de renovável, como o fotovoltaico e o eólico.”
1.3. Os cortes nos incentivos da garantia de potência após o Memorando da troika
Em dezembro de 2011, na sequência do recuo do governo na aplicação da contribuição especial do setor
elétrico proposta pelo Secretário de Estado Henrique Gomes, é introduzida na segunda revisão do Memorando
a Medida 5.13, que prevê a aplicação de medidas até ao final do segundo trimestre de 2012:
“Tomar medidas no segundo trimestre de 2012 para a retirada do mecanismo de garantia de potência e a
redução dos custos políticos associados. Os incentivos ao investimento em centrais devem ser revistos em
baixa e retirados à luz da atual situação de baixo consumo de eletricidade, excesso de capacidade de
produção e da sobreposição com o mecanismo do serviço de interruptibilidade, tendo ainda em consideração
os desenvolvimentos no mercado ibérico de eletricidade e considerações de segurança energética”.
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É neste contexto que, em fevereiro de 2012, o Governo PSD/CDS remete à troika o relatório “Rents in the
Electricity Sector”, que quantifica em 60 M€/ano os ganhos tarifários da retirada do incentivo ao investimento
para centrais atribuídas antes de 2007.
Em abril de 2012, é firmado o acordo entre a EDP e o governo para a redução da taxa de juro da
componente fixa dos CMEC. Esse acordo – que será analisado mais adiante neste relatório – elenca um
conjunto de medidas tendentes a “estabilizar o quadro regulatório”. Quanto ao serviço de disponibilidade (que
deixará de ser pago na sequência da portaria 251/2012, de 20 de agosto), o governo sinaliza à EDP a intenção
de não aplicar integralmente a Medida 5.13, que previa a retirada faseada, mas total da remuneração da
disponibilidade e do incentivo ao investimento.
Quanto à remuneração do serviço de disponibilidade das centrais térmicas sem CMEC, o acordo define
que suspensão será levantada no final do programa de ajustamento dando lugar a uma remuneração sem
prazo a 6000 €/MW (o valor em 2010 era 20000 €/MW). Para as centrais hídricas construídas e/ou em
operação depois de 2007 o incentivo ao investimento permanece, com novas regras que devem considerar o
reforço da segurança de abastecimento, entretanto registado com a interruptibilidade (1000 MW disponíveis
em 2012) e as interligações com Espanha (2000 MW em 2012, com outros 3000 MW projetados).
Em síntese, a Portaria n.º 251/2012, do Secretário de Estado Artur Trindade, redefine o mecanismo de
garantia de potência do seguinte modo:
● o incentivo à disponibilidade passa a ser exclusivo dos centros electroprodutores térmicos e vigente até
à cessação da licença de exploração. No entanto, os pagamentos ficam suspensos até ao ano
seguinte ao da conclusão do Programa de Assistência Económico-Financeira que então se aplicava
em Portugal;
● o incentivo ao investimento é limitado a centrais hídricas futuras ou cuja decisão de construção seja
posterior a 2007. O incentivo deixa a ser atribuído diretamente por MW, passando a discriminar
valores por central hídrica e a ter duração limitada a dez anos. Fica assim excluída a central de
Alqueva, que recebeu a este título 6,8 M€, entre 2010 e 2012.
● passar para 50% o incentivo ao investimento dos reforços de potência, obrigando a bombagem, uma
vez o investimento da infraestrutura do aproveitamento hidroelétrico já seria existente.
Segundo Artur Trindade, estas alterações foram validadas pela troika previamente à Portaria n.º 251/2012.
Quanto à manutenção do incentivo ao investimento, contra o que era a orientação da Medida 5.13 do
Memorando, ela é justificada por Artur Trindade na mesma linha já apresentada por Carlos Zorrinho:
“O subsídio ao investimento, que é [depois da portaria de 2012] o principal da garantia de potência, não é o
da disponibilidade, foi tratado também como um direito adquirido por parte dos produtores, daqueles que o
tinham. E foi pago nessa perspetiva de incentivo ao investimento que, como sabe, dura 10 anos, e tendo em
conta aquilo que eram as perspetivas de investimento que já tinham sido aceites e que já vinham de governos
anteriores”.
(Artur Trindade)
Posteriormente, a Portaria n.º 172/2013 vem repor regras para os procedimentos para a verificação da
disponibilidade, que tinham perdido suporte legal no momento da cessação dos CAE, tema que este relatório
já tratou atrás.
1.4. A eliminação dos pagamentos por disponibilidade
Em 2016, após parecer técnico pedido pela tutela à ERSE, a Lei do Orçamento do Estado para 2017
(42/2016) substitui o incentivo à disponibilidade por um sistema de leilões para a “Reserva de Segurança do
SEN”, definido mais tarde pela Portaria n.º 41/2017. Face ao posterior questionamento deste sistema por parte
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da Comissão Europeia, o então Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, determinou a sua
suspensão sem prazo (Portaria n.º 93/2018).
Em 2016, a necessidade de remuneração de disponibilidade através deste mecanismo é de novo
contestada pela ERSE, que, a pedido pelo governo, emite um parecer técnico em que aponta a este subsídio
falta de transparência e de razão para existir: “No período 2015-2024 o sistema eletroprodutor mostra-se
capaz de dar resposta à evolução expectável dos consumos de eletricidade, garantindo os níveis de
segurança de abastecimento.“
Em 2018 é a REN, em resposta ao secretário de Estado Jorge Seguro Sanches que se pronuncia sobre as
necessidades da Reserva de Segurança no curto prazo. Com o mecanismo de garantia de potência suspenso
e nos cenários mais pessimistas (alta procura e baixa oferta de eletricidade), as centrais electroprodutoras e
os mecanismos existentes seriam suficientes para assegurar as necessidades do SEN (Pronúncia da REN em
2018), dispensando mais mecanismos adicionais.
“A REN assegurou que até ao fim do primeiro trimestre deste ano não era necessária garantia de potência.
Fiz-lhes a pergunta, a REN respondeu dessa forma e, por essa razão, suspendeu-se a garantia de potência e
continuou-se um processo de negociação e de construção de uma solução legislativa com Bruxelas que,
penso, estava em fase próxima do fim quando eu cessei funções, (…)
Eu acho que resolvemos bem o problema. Se não precisamos de garantia de potência, não a temos e
temos a interruptibilidade; acho é que, mais tarde ou mais cedo, teremos de evoluir para um modelo
concorrencial que possa, efetivamente, contribuir para reduzir custos, o que não me parece que se tenha
conseguido fazer nessa área.”
Jorge Seguro Sanches, SEE 2015-2018, na CPIPREPE
Já em abril de 2018, numa interpelação da Direção-Geral de Concorrência da Comissão Europeia,
referente à Portaria n.º 41/2017 o governo assume que o mecanismo da Remuneração da Reserva de
Segurança que se encontrava suspenso com a Portaria n.º 93/2018 vai ser cancelado.
Ainda no seguimento desta interpelação por eventuais ajudas de Estado, encontra-se em análise o
mecanismo da garantia de potência na modalidade de apoio ao investimento, no sentido de averiguar a
transparência e equidade na sua atribuição, com vista a uma possível revisão.
2. Custos para o SEN
Os custos com a garantia de potência são inseridos nas tarifas do consumidor final a título de Custo de
Interesse Económico Geral (CIEG). Em 2011, a ERSE esclareceu a inclusão do sobrecusto da GP pela
primeira vez, na parcela III da tarifa de Uso Global do Sistema UGS justificando:
“(…) sendo que o seu sobrecusto é uma função inversa das horas de funcionamento destas centrais, por
ser pago tendo como referencial a potência instalada das centrais abrangidas por esse diploma e não a
energia produzida pelas mesmas. (…) Assim o risco de não colocação destas centrais PRO aumenta sempre
que a energia produzida pelos produtores em PRE excede as necessidades previstas pelo CUR. (…) Deste
modo, enquanto o diferencial de custo com a PRE evolui de uma forma independente dos restantes CIEG
associados à produção de energia eléctrica, os CIEG com produção em PRO (CAE, CMEC e garantia de
potência) aumentam com a evolução da produção em regime especial.”
(Tarifas e preços para a energia elétrica e outros serviços em 2011, ERSE)
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Gráfico 1 – Valores gastos com a garantia de potência de 2011 a 2019 e reserva de segurança em 2017-2019, em
milhões de euros (Dados ERSE)
Até 2018, a garantia de potência resultou em custos de 143 M€ (101 M€ em incentivo à disponibilidade e
52 M€ em incentivo ao investimento). A Reserva de Segurança, que veio substituir o incentivo à
disponibilidade custou 6 M€ em 2017, tendo sido suspensos os leilões em 2018. Os dados para 2019 foram
retirados das estimativas da ERSE a incluir nas tarifas e referem-se apenas à componente de incentivo ao
investimento, que permanece.
Conclusões
1. A garantia de potência foi acordada na XII Cimeira luso-espanhola de 2006, daí resultando uma
solicitação ao Conselho de Reguladores do MIBEL para que se operacionalizasse este mecanismo no espaço
ibérico, de modo a garantir uma compatibilização regulatória, condição determinante para a construção do
MIBEL. As preocupações da ERSE em 2007 (adoção de mecanismo concorrencial harmonizado no MIBEL) e
de 2010 (redundância dos incentivos face à situação do SEN) não foram acolhidas pelo governo ao
regulamentar a remuneração da garantia de potência;
2. A natureza excedentária do serviço foi constatada pelo regulador e pela REN ao longo de todo a
vigência do regime;
3. A decisão do governo, em 2010, foi movida (também) por motivações alheias à segurança de
abastecimento do SEN, a saber: mitigar a pressão tarifária sobre os setores sociais mais vulneráveis do ponto
de vista económico, através da criação da tarifa social como encargo dos centros eletroprodutores em regime
ordinário. A aceitação sem litígio deste encargo pelos produtores foi simultânea à regulamentação da garantia
de potência, ambas integrando a estratégia para o SEN desenhada pelo governo de então;
4. Ao contrário do incentivo à disponibilidade, que encontra enquadramento legal nos termos da legislação
de 2003 e 2007, a criação do incentivo ao investimento não tem qualquer base legal. Aliás, as condições do
concurso internacional para o Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico não incluíam
qualquer referência a esta futura remuneração, que a lei não previa sequer como hipótese futura. Por
conseguinte, a instituição deste incentivo veio alterar o quadro económico-financeiro em que se os
concorrentes de 2008 formularam as suas ofertas, beneficiando de forma injustificada os vencedores do
concurso;
5. A suspensão do incentivo à disponibilidade durante o programa de assistência financeira demonstrou a
redundância deste dispositivo, tal como a Medida 5.13 do Memorando com a troika já sinalizava. O governo
PSD/CDS excluiu as centrais térmicas do incentivo ao investimento e as centrais hídricas do incentivo à
disponibilidade. Porém, não definiu qualquer prazo para o fim da remuneração da disponibilidade das centrais
térmicas limitando-se a reduzi-la significativamente.
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Recomendações
Manter suspensos todos os pagamentos a título de incentivo à disponibilidade, fazendo-os depender, no
futuro, das necessidades reais da segurança de abastecimento identificados pelo Estado, no quadro da
integração de novos instrumentos de disponibilidade a dinamizar do lado da procura e da oferta.
Capítulo 8
Remuneração do serviço de Interruptibilidade
O serviço de interruptibilidade refere-se à remuneração da disponibilidade de determinados consumidores
para reduzir voluntariamente o seu consumo de eletricidade em resposta a uma ordem de redução de potência
dada pelo operador da rede de transporte, de forma a dar resposta rápida e eficiente a problemas de
correspondência entre oferta e procura de eletricidade. A interruptibilidade, além de flexibilizar a operação do
sistema, permite contribuir para a segurança de abastecimento.
Este mecanismo é gerido pelo operador de rede e contratualizado com grandes consumidores de energia
no mercado livre.
1. Contexto e legislação associada
Até 2010, o serviço de interruptibilidade era um mecanismo prestado no âmbito do mercado regulado e
com limitada expressão.
A Portaria n.º 592/2010, do secretário de Estado Carlos Zorrinho, veio obrigar a que a prestação do serviço
passasse a ser feita exclusivamente por unidades consumidoras no mercado livre, com potências interruptíveis
superiores 4 MW. A gestão deste serviço cabe ao gestor global do sistema, a REN.
A Portaria n.º 1308/2010 veio estabelecer um novo regime transitório durante 2011, dispensando a
apresentação de alguns requisitos e valorizando a remuneração.
A Portaria n.º 200/2012, após várias portarias de carácter transitório e/ou técnico, altera o teto máximo da
remuneração e introduz mecanismos de verificação da disponibilidade da interruptibilidade.
A Portaria n.º 215-A/2013 estabelece as regras da repercussão dos custos com interruptibilidade nas
tarifas.
A Portaria n.º 221/2015 volta a rever o teto máximo nas remunerações para as instalações com energia
anual consumida superior a 75 GWh e potências interruptíveis superiores a 50 MW, que não sejam
abastecidas em muito alta tensão (MAT).
A Portaria n.º 268-A/2016 limita a remuneração da interruptibilidade às instalações que demonstrarem
estarem efetivamente aptas à prestação do serviço, através da realização de testes, impedindo que continue a
ser um subsídio independente do seu objetivo primordial.
2. Custos imputados aos consumidores
Os custos com a interruptibilidade evoluíram de acordo com o Gráfico abaixo.
Constata-se que até 2010 os custos anuais com a interruptibilidade foram sempre menos de 50 M€, sendo
que a partir da publicação da Portaria n.º 1308/2010 se verifica um aumento exponencial dos custos anuais,
até aos 109,9 M€ registados em 2015. Com a obrigatoriedade da prova efetiva de disponibilidade via
instituição de testes da Portaria n.º 268-A/2016, os custos regrediram, mas em 2019 já foram estimados nas
tarifas encargos de 109,3 M€.
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Evolução dos custos com o mecanismo de interruptibilidade desde 2004 a 2019 (Dados ERSE)
3. Premência do mecanismo de interruptibilidade
Sob o governo do Partido Socialista, em 2010, a publicação da portaria 1308/2010 surge quase em
simultâneo com a da garantia de potência. Criam-se por isso, em paralelo, dois novos mecanismos dedicados
a promover a segurança de abastecimento do SEN, um pelo lado da procura (interruptibilidade) e outro pelo
lado da oferta (garantia de potência).
Nessa fase, como já se explicitou na secção relativa à garantia de potência, o regulador e a REN
consideravam que as necessidades de segurança do sistema estavam garantidas pelas centrais térmicas em
CAE e CMEC e pelo efeito dos investimentos nas interligações a Espanha. Com essas necessidades
preenchidas do lado da oferta, recorde-se que existia já então um mecanismo de interruptibilidade prestado
por grandes consumidores de energia elétrica com contratos no mercado regulado.
Na sua audição na CPIPREPE o secretário de Estado Carlos Zorrinho referiu uma motivação de
circunstância para o estabelecimento deste adicional ao regime de interruptibilidade, relativo a um aumento de
custos com as redes de distribuição que foi repercutido nas tarifas de média tensão:
“Houve um reconhecimento por parte do regulador de um sobrecusto nas redes de distribuição de 70
milhões, sobrecusto esse que não estava previsto. Portanto, havia aqui um problema, que era um aumento
complexo na fatura energética das empresas, e isso [o subsídio às empresas no âmbito da interruptibilidade]
também ajudou a resolver”.
Essa circunstância, ainda segundo Carlos Zorrinho, terá vindo juntar-se a uma segunda motivação,
reforçada pelo ministro Vieira da Silva:
“Lembro-me de, na altura, ter contactado várias empresas que tinham, de facto, problemas com a
distribuição e a qualidade dessa distribuição, com os chamados «microcortes» e a oscilação da potência
elétrica em atividades fortemente sensíveis, e que encararam isto como uma oportunidade de diminuir esses
riscos e serem compensadas por isso mesmo”.
Audição de Vieira da Silva, Ministro da Economia, 2009-2011
“Pergunta-me: «todos fizeram esse investimento?». Não sei, saí antes de o poder verificar e sinto que, em
Portugal, os mecanismos de verificação são pouco robustos”.
Audição de Carlos Zorrinho, Secretário de Estado da Energia, 2009-2011
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3.1. Realização de testes
Em 2012, a Portaria n.º 200/2012 introduz mecanismos de verificação da disponibilidade da
interruptibilidade e da sua operacionalidade, obrigando o operador de rede à realização de testes de
disponibilidade, de modo a garantir uma segurança de abastecimento efetiva:
“Artigo 4.º-A
Verificação da disponibilidade da interruptibilidade
1 – O operador da rede de transporte deve emitir, em cada ano, às instalações consumidoras prestadoras
do serviço de interruptibilidade, ordens de redução de potência com a duração mínima de uma hora que
incidam sobre aproximadamente 10 % do total de potência interruptível contratada nesse ano, com vista a
verificar se as instalações submetidas às referidas ordens se encontram efetivamente disponíveis para a
prestação do serviço de interruptibilidade.”
Em 2016, a Portaria n.º 268-A/2016 vem condicionar a remuneração da interruptibilidade à realização dos
testes previstos no artigo 4.º da Portaria n.º 200/2012, e limitando-a às instalações que se revelem aptas à
prestação do serviço.
“Pretende-se com esta portaria credibilizar e dar rigor ao sistema, garantindo e atestando a disponibilidade
e capacidade de todas as instalações consumidoras prestadoras do serviço de interruptibilidade através da
redução efetiva de potência (…). Desta forma, o sistema deverá remunerar as instalações que contribuírem
para flexibilizar a operação do sistema e para garantir o aumento da segurança de abastecimento.”
No entanto, a REN que está obrigada à publicação de um relatório anual sobre o serviço de
interruptibilidade, não o publica desde 2017, não existindo qualquer referência à execução dos testes
legalmente previstos, nem no acervo documental da CPIPREPE nem online.
Contudo, o Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, questionado na CPIPREPE sobre o
impacto da Portaria n.º 268-A/2016 na exclusão de indústrias abrangidas pela interruptibilidade que não
estivessem capazes de prestar o serviço, respondeu:
“Eu não tenho esses elementos comigo, mas eles estão online no site da REN, porque a REN controla o
sistema e faz relatórios regulares sobre essa questão.
Sei que houve algumas situações em que deixaram de ser interruptíveis por não reunirem as condições e
por não estarem disponíveis para os testes.”
3.2 Balanço da existência do serviço
Entre 2011 e 2015, tornou-se evidente a natureza excedentária deste serviço: os relatórios anuais da REN
sobre a interruptibilidade registam que não houve uma única ocasião em que fosse usado. No entanto a
adesão de grandes consumidores continuou a crescer e os custos com o serviço também.
Em 2017, a pedido do secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, a ERSE pronunciou-se
sobre este mecanismo afirmando que:
“Importaria estabelecer um regime que substitua a atual atribuição guiada por critérios de caráter
administrativo – potencialmente ilimitada na abrangência que pode ter –, por uma atribuição do serviço de
interruptibilidade com critérios de mercado e em função das reais necessidades do SEN.”
(Parecer sobre proposta de despacho relativo aos regimes de interruptibilidade e de reserva de segurança,
ERSE, 2017)
Assim, os custos acrescidos com este mecanismo não são justificáveis do ponto de vista estratégico para o
SEN, mas sim uma forma de fazer pesar medidas de política industrial na fatura dos consumidores, tal como
Carlos Zorrinho reconheceu na sua audição:
“Temos a consciência de que, em grande parte, a interruptibilidade foi uma medida de política industrial e,
já agora, comercial [por admitir grandes superfícies comerciais]”.
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Sobre o seu mandato, Jorge Seguro Sanches, afirmou na CPIPREPE que:
“Aquilo que se fez na interruptibilidade foi menos do que aquilo que eu gostaria de ter feito – e isso é
público; eu gostaria de ter lançado um leilão decrescente para a interruptibilidade e só o consegui fazer na
garantia de potência.”
Em abril de 2018, numa interpelação da Comissão Europeia via DG Competition sobre eventuais auxílios
de estado na política energética portuguesa, o governo é confrontado com os termos do mecanismo de
interruptibilidade. Enquanto a posição do governo se cingiu a defender a interruptibilidade per se, a DG COMP
não pondo em causa a necessidade deste mecanismo, identificou que tanto a sua atribuição (administrativa),
dimensão (em potência disponível correspondente a 13% do consumo em Portugal) e remuneração (custos
consideráveis) são desajustados para um serviço que nunca foi utilizado. Nesse sentido, a DG Comp, defende
que a interruptibilidade seja revista na sua dimensão e remuneração, sendo ajustada para um sistema
concursal, de atribuição por leilão, tendo dado o prazo de 1 de novembro de 2018 para se proceder às
referidas alterações.
Não são conhecidos desta comissão demais avanços neste processo.
O SEE João Galamba apenas referiu na CPIPREPE que:
“O único processo que foi concluído e em que já houve notificação foi aquele que foi noticiado na semana
passada, sobre as barragens, sobre o domínio hídrico. (…) Sobre os outros processos abertos, (…)
nomeadamente o da interruptibilidade, ainda não fomos notificados, portanto, do que sabemos, eles não estão
encerrados. (…).”
Não obstante reconfirmou que terão de rever o mecanismo da interruptibilidade:
“Não iremos suspender agora o regime de interruptibilidade como ele existe, mas há um compromisso da
parte do Governo de o rever nesse quadro geral, portanto, de rever todos os serviços de sistema e de fazer
uma revisão geral deste quadro.”
Conclusões
Entre 2011 e 2018, o serviço de interruptibilidade custou aos consumidores 727M€. Esse valor resulta
do redimensionamento do serviço de interruptibilidade em 2010.
Esse redimensionamento correspondeu a diversos objetivos:
○ Promover a transição de unidades grandes consumidoras de eletricidade para o mercado
liberalizado;
○ Fazer face a um sobrecusto pontual na ordem dos 70M€ na rede de distribuição com impactos
tarifários nas empresas;
○ Estimular investimentos em equipamentos destinados a melhorar a eficiência de unidades industriais
e comerciais afetadas por oscilações na distribuição elétrica;
○ Subsidiar empresas grandes consumidoras de eletricidade.
Durante vários anos, não se realizaram os testes previstos na portaria de 2012;
Este serviço chegou a ser pago a prestadores que não estavam em efetivas condições de o prestar,
como demonstra a redução de custos pela introdução de testes. Não há registo de aplicação de
qualquer sanção.
Recomendações
Estudar a adoção de um teto para estes custos, atendendo à potência interruptível que corresponda às
reais necessidades do SEN; sem, sem esquecer o efeito na competitividade da indústria e na
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manutenção de empregos que esta medida pode ter, tendo em conta os regimes similares noutros
países da UE;
Redução de custos no curto prazo, com a criação de regime concorrencial, desenhado por escalões de
potência interruptível por unidade de consumo;
Preparação de um novo quadro para este serviço redimensionado considerando a integração de novos
instrumentos de disponibilidade do lado da procura e da oferta.
Capítulo 9
Medidas sob a aplicação do Memorando de Entendimento com a troika
Em 2011, na sequência do Programa de Assistência Financeira e do Memorando de Entendimento, o
governo assumiu compromissos em diversas áreas do setor energético.
No Ponto 5 do Memorando, “Energy Markets”, o Governo comprometeu-se a rever políticas específicas do
setor energético para combater o défice tarifário e assegurar a sustentabilidade do SEN.
Entre vários objetivos, as áreas de intervenção que importam à CPIPREPE, eram elencadas subáreas para
as quais era indicada a necessidade de medidas concretas:
● 5.6 Redução de rendas com CMEC e CAE
● 5.7 Revisão da lei da cogeração
● 5.9 e 5.10 Negociação e revisão em baixa das tarifas feed-in com os produtores PRE existentes e para
futuros concursos
● 5.13 Revogação do mecanismo de garantia de potência e regulamentação de novo regime
● 5.15 Eliminação do défice tarifário até 2020 e estabilização até 2013
1. Do Memorando inicial à segunda revisão
1.1. O modelo de equilíbrio preparado por Henrique Gomes e as propostas da EDP
As primeiras diligências de Henrique Gomes na Secretaria de Estado da Energia foram no sentido da
preparação de um modelo de sustentabilidade do SEN, em que participa como consultor externo a Boston
Consulting Group.
“Depois de conhecer o modelo e de saber quais eram os desequilíbrios, a preocupação foi a de tentar
identificar medidas para eliminar a prazo os excessos e equilibrar. E o nosso objetivo político passou a ser o
de os custos, até 2020, em termos reais, não subirem mais do que de 1% a 1,5% e de, quando chegássemos
a 2020, não haver défice. Esse era o nosso objetivo. Para lá chegar, havia várias medidas e andámos a
preparar algumas delas. Uma das medidas era esta: já que os custos, relativamente às emissões de CO2,
eram produzidos no seio do sistema energético e penalizavam porque, sendo incorporados os custos dos
produtores, aumentavam, a ideia era que parte desses custos, cerca de 80%, revertesse não para um fundo
de carbono para outras atividades, mas para o setor — até porque, sendo parte substancial desses custos
gerados pela PRE, isto é, pelas renováveis, fazia todo o sentido que parte desses custos (e na hora
apontámos para os 80%) revertesse para o setor. Esta foi uma medida que identificámos e que era importante.
Depois, havia outras medidas (que eram a garantia de potência, pequenos cortes, etc.). Até que chegámos
— aliás, chegámos muito rapidamente — à necessidade de ter uma contribuição sobre o sistema. Essa
contribuição era sobre o potencial de geração (…) envolvia todos os produtores menos os miniprodutores da
microgeração e da minigeração, e todos aqueles que tivessem contratos ou tarifas que tivessem vindo de
leilões ou de algum sistema de mercado. Tudo o resto sofreria a contribuição”.
(Henrique Gomes)
Na sequência da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika, em maio de 2011, a tutela da
Energia inicia um processo negocial com os produtores de eletricidade com vista ao cumprimento das medidas
previstas naquele documento.
A partir de agosto de 2011, realizam-se reuniões com a EDP, que logo nos primeiros dias daquele mês,
apresenta, em reunião com o Secretário de Estado da Energia, a sua primeira proposta, sinalizando a sua
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disponibilidade para financiar em 1200 milhões de euros um conjunto de medidas que vem propor,
considerando “importante, que, simultaneamente, seja definido um enquadramento que remunere
adequadamente estes créditos pelo custo de capital da empresa e se criem as condições para a securitização
dos elevados montantes em causa”. Com efeito, as medidas propostas pela EDP procuram evitar cortes
permanentes de custos (exceto no sobrecusto das cogerações com mais de 15 anos), substituindo-os por
diferimentos temporais, nomeadamente do sobrecusto da PRE, da revisibilidade dos CMEC de 2012 e 2013 e
da interruptibilidade. Estes diferimentos foram analisados no capítulo 6).
Na sequência das conversações posteriores, a EDP remete em 4 de outubro de 2011 um novo documento,
em que volta a sistematizar as suas propostas:
● Diferimento temporal dos sobrecustos com a Produção em Regime Especial (PRE);
● Revisão da taxa de juro aplicável ao cálculo da anuidade do montante inicial dos CMEC (e eventual
extinção negociada do regime de CMEC para centrais a determinar);
● Reformulação do prazo de tarifa bonificada garantida aplicável à produção de eletricidade com
tecnologia eólica (parques existentes cuja capacidade não foi objeto de procedimento concursal);
● Revisão da remuneração aplicável à cogeração;
● Estabilidade legislativa e regulamentar, em particular no que se refere à Garantia de Potência;
● Captação do valor inerente às licenças de CO2.
A EDP refere então «aceitar» uma taxa de juro da dívida tarifária correspondente aos títulos de dívida
pública alemães acrescida de 5% e propõe ainda a alteração das regras para a titularização dos CMEC
estabelecidas no Decreto-Lei n.º 240/2004, que prevê que a taxa de 7,55% seja revista em caso de
titularização do respetivo montante, passando nessas circunstâncias a ser aplicada a menor das duas taxas
(5,22% na portaria de 2007). Em outubro de 2011, a EDP propõe ao governo uma redução da taxa 7,55% para
6,5%, em troca da perda do direito do sistema de beneficiar de uma taxa mais baixa em futuras titularizações
(este tema é analisado em maior detalhe no capítulo 6).
Analisando as propostas da EDP em carta enviada ao ministro Álvaro Santos Pereira, o secretário de
Estado Henrique Gomes critica a primazia dada na proposta da empresa a medidas de diferimento de custos,
como o diferimento do sobrecusto da PRE, que, segundo Henrique Gomes “deveria ser a última medida a
utilizar no ajustamento das tarifas, minimizando a criação de nova dívida, e não como primeira solução que
torna desnecessária qualquer outra. A perspectiva da EDP não é essa, porque com a aplicação deste
mecanismo resolve o problema do curto prazo (a sua perspectiva de sustentabilidade no longo prazo é vã) e
ainda ganha com a remuneração do financiamento da dívida”.
A outra proposta da EDP foi aceitar a revisão da taxa da componente fixa dos CMEC para 6,5%, em
contrapartida do direito a absorver os ganhos resultantes da titularização daquelas anuidades. Na mesma
carta, Henrique Gomes considera esta proposta “uma tentativa de aproveitamento do momento de pressão
sobre os preços da electricidade, uma vez que se consubstancia no abdicar pelo sistema de uma opção, e
correspondente valor, de que hoje dispõe”.
1.2 A queda da contribuição especial proposta por Henrique Gomes
Em outubro de 2011, o gabinete do Secretário de Estado da Energia continua a preparação da contribuição
especial constante do modelo de equilíbrio preparado pela Secretaria de Estado, prevendo uma receita anual
de 230 milhões de euros. O valor atualizado líquido da redução dos cash-flows esperados da EDP até 2020
seria de cerca de -675 M€, representando os CMEC 44% deste valor e a Garantia de Potência (atribuída em
2010 a centrais que operam desde 2004) cerca de 49%.
Esta contribuição incidiria sobre a potência instalada, sendo a taxa variável em função do regime de
produção e tecnologia utilizada. A contribuição não seria repercutível nas tarifas nem no cálculo dos CMEC.
Estariam isentos do pagamento da contribuição os produtores sem apoio aos custos de produção ou tarifa de
venda garantida, bem como os que tenham obtido as suas licenças por concurso.
A receita obtida seria consignada a um Fundo cujo objetivo seria a aquisição de créditos que integram o
défice tarifário (créditos dos operadores regulados ou de terceiros a quem tenham sido cedidos sobre os
consumidores), sendo estes depois extintos mediante decisão do Governo.
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O impacto no encaixe com a futura privatização seria de cerca de -135 M€ (20% do efeito no valor total da
empresa), que comparava com o valor atualizado líquido da receita da Contribuição de cerca de +1500 M€.
No entanto, segundo Henrique Gomes e Álvaro Santos Pereira, o ministro das Finanças, Vítor Gaspar,
considerou que a introdução desta contribuição constituiria um fator de perturbação da 7.ª fase de privatização
da EDP, prevista no Memorando, retirando-a do processo de preparação do Orçamento do Estado para 2012.
Para Carlos Moedas, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro e responsável pela ESAME, “nas
vendas de empresas, é importantíssimo que as pessoas sintam que há confiança entre as partes e qualquer
medida unilateral quebraria essa confiança”.
“No Ministério da Economia tínhamos estimado que o impacto da contribuição especial nos cash-flows da
EDP seria de cerca de 700 milhões. (…) E estimámos que, devido aos valores de que estávamos a falar da
privatização, um pouco mais de 21%, o impacto na privatização seria de cerca de 140 milhões. Portanto,
esses foram os números que utilizámos no Ministério das Finanças”.
(Álvaro Santos Pereira, Ministro da Economia, 2011-2014)
“[Dar prioridade à privatização da EDP sem prévia correção das rendas excessivas pagas ao setor] não foi
uma atitude inteligente. A única maneira correta de fazer as coisas era limpar, porque tínhamos limpo isto,
calmamente, tínhamos entrado na privatização, calmamente, e com o setor potencialmente em equilíbrio,
sempre o disse. (…) Ainda hoje há tensões neste setor porque a casa nunca foi limpa”.
(Henrique Gomes)
O sucessor de Henrique Gomes na Secretaria de Estado da Energia, Artur Trindade, assumiu perante a
CPIPREPE que as medidas que posteriormente implementou foram limitadas pela recente privatização da
EDP, que terá inibido medidas mais incisivas:
“É evidente que este facto condicionou, de forma muito relevante, a aplicação de um conjunto de outras
medidas – aliás, a própria troika que muito falou na necessidade de implementar as reduções de custos e os
cortes, nunca aceitou sacrificar a privatização a esses cortes. Porquê? Porque, de facto, a troika era um
conjunto de credores, a privatização implicava venda, a venda implicava receita e os credores gostam que as
entidades a quem emprestam dinheiro tenham receita. (…) “Acho que para haver uma coerência total, se a
troika identificava que havia rendas excessivas, então, pelo menos, deveriam ter alterado a prioridade dos
fatores e dito: «vocês não privatizam nada enquanto não acabarmos com as rendas». Não foi isso que
fizeram! «Privatizem, tragam para cá o dinheiro que nós precisamos dele», disseram. Isto é completamente
contraditório.”
(Artur Trindade, Secretário de Estado da Energia, 2012-2015)
1.3 A privatização face às medidas do Memorando
No início de dezembro, na sequência do abandono pelo governo do projeto de contribuição especial do
setor elétrico preparada no ministério da Economia, a segunda revisão do Memorando adita a medida 5.15:
“Serão tomadas medidas para colocar o SEN numa trajetória sustentável, para eliminar o défice tarifário em
2020 e assegurar a sua estabilização em 2013. Este prazo é sujeito a uma revisão baseada num relatório a
propor pelo governo que especificará também como serão corrigidas as rendas excessivas na produção nos
regimes ordinário (CMEC, CAE, garantia de potência) e especial (cogeração e renováveis). Esta proposta
considerará os méritos de um largo espectro de medidas que cobrirão todas as fontes de rendas”.
(Medida 5.15 do Memorando)
A existência de um compromisso expresso do governo português com as instituições internacionais no
sentido da redução das rendas excessivas no setor era a informação disponível aos concorrentes à
privatização no momento de realizarem as suas ofertas – a privatização foi dispensada de prospeto.
Porém, aquele compromisso não terá sido considerado pelos compradores, afirma Eduardo Catroga, que
veio a representar o acionista China Three Gorges no Conselho Geral e de Supervisão (CGS):
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“Não sei se esses memorandos de entendimento têm o valor que têm. Não têm valor jurídico
absolutamente nenhum em relação aos compromissos legais e contratuais do Estado português. Não há
nenhum Governo do País que infrinja… Portanto, nunca passou pela cabeça nem dos concorrentes chineses,
que pagaram um prémio de preço muito elevado, nem dos concorrentes alemães, nem dos concorrentes
brasileiros, que o Governo português não ia continuar a ser um Estado de direito. Umas propostas do
memorando são executadas, outras não são executadas. O memorando da troica nesta matéria é muito
imperfeito, como o é, aliás, também noutros segmentos. Não é uma Bíblia. É, quanto muito, um quadro de
referência.”
(Eduardo Catroga, presidente do CGS da EDP)
1.4 Do relatório sobre rendas no setor eletroprodutor à demissão de Henrique Gomes
O relatório de que o governo ficou encarregado na medida 5.15 – “Rents in the electricity generation sector”
– foi preparado durante o mês de janeiro de 2012, incorporando como anexo o estudo encomendado à CEPA
– Cambridge Economic Policy Associates. A CPIPREPE apurou que este estudo teve duas versões.
A primeira versão, com data de 31 de janeiro de 2011, foi encontrada no arquivo do Ministério da
Economia. É a versão que Henrique Gomes entregou ao ministro e que este encaminhou a Carlos Moedas, o
membro do governo responsável pela Estrutura de Acompanhamento do Memorando (ESAME). Como
medidas propostas estão cortes na cogeração, a revisão do regime do CO2, o corte na garantia de potência e
o corte na duração do subsídio às mini-hídricas.
De acordo com Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes (e também do seu
sucessor, Artur Trindade), o então secretário de Estado considerou não ter condições para intervir sobre as
remunerações dos CMEC e da PRE eólica, não incluindo esses temas na sua proposta.
“O engenheiro Henrique Gomes entendeu, face ao abandono do tema da contribuição, que não existir ia, à
data, uma terapêutica no tocava aos CMEC e à PRE, e, neste caso, estamos basicamente a falar na eólica
(…) Este documento foi objeto de alguma discussão entre o Ministério da Economia e a ESAME e houve uma
série de reuniões posteriores — estamos a falar de dezembro, início de janeiro — no sentido de o consolidar.
Creio que o que estava a passar-se tratava-se, acima de tudo, de mensagens políticas”.
(Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes, 2011-2012)
Deste trabalho conjunto entre as equipas do Ministério da Economia e da ESAME, resulta, a 9 de fevereiro,
a segunda versão do referido relatório, a única efetivamente entregue à troika. Este segundo documento
nunca foi encontrado nos arquivos do governo no seguimento dos pedidos da CPIPREPE, tendo sido obtido
junto da OCDE (que o cita num estudo sobre a economia portuguesa).
Nesse documento é acrescentada, em termos em tudo semelhantes aos da proposta adiantada três meses
antes pela EDP, a medida de extensão da tarifa garantida das centrais eólicas, bem como uma proposta de
redução da taxa de juro da componente fixa dos CMEC de 7,55% para 6,86% (poupança de 4M€/ano). Como
já abordado no capítulo 1, o Governo veio a negociar, como parte de um pacote de medidas acordadas com a
EDP, uma correção no valor de 14M€/ano (205 milhões de euros no total).
As condições políticas do exercício do cargo de secretário de Estado da Energia degradaram-se ao longo
destas semanas, porquanto Henrique Gomes, assumindo a derrota do seu projeto de contribuição, manteve
diversas intervenções públicas que causaram incómodo no governo:
A opinião pública tinha de saber ou devia saber quais eram os excessos — Pronto! E cada vez que eu
falava nos excessos ou nas rendas excessivas, etc., o Ministro ficava muito atrapalhado e dizia: «Henrique, já
lhe disse várias vezes que não pode ser, não pode falar em rendas excessivas. Está proibido de falar de
rendas excessivas», e eu pensava: «Mas como é que eu faço? Eu não me calo!». Eu não me calava mesmo e
não lhe tornei a vida fácil e disso já me penitenciei há bocado. Entretanto, para eu não falar de rendas
excessivas, o Ministro começou a querer ver os discursos, etc. E um belo dia eu ia ao ISEG e ele olhou para o
discurso e tinha lá os preços, tinha lá os problemas. Ainda da parte da manhã ele disse-me que eu não podia
falar e eu disse-lhe que não falava e que dessa vez é que me ia embora.
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Com a substituição de Henrique Gomes por Artur Trindade em março de 2012, iniciam-se negociações com
os produtores para dar sequência às medidas previstas no relatório enviado à troika. Essas negociações têm
lugar, por um lado, com a EDP e, por outro, com os produtores de energia renovável representados pela
APREN (destas negociações e dos seus resultados é dada conta no capítulo 11).
Em abril de 2012, é obtido acordo entre a EDP e o governo para a redução da taxa de juro da componente
fixa dos CMEC, de 7,55% para 4,72%. Essa redução é aceite tendo como contrapartida um conjunto de
garantias dadas pelo governo à EDP quanto aos termos da futura reposição do pagamento da garantia de
potência e quanto ao cálculo da remuneração da dívida tarifária detida pela EDP.
Na sequência deste acordo, o Decreto-Lei n.º 32/2013 vem alterar o Decreto-Lei n.º 240/2004 para fixar as
condições de alteração daquela taxa – “cujos termos e condições para a sua aplicação são aprovados por
portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, após proposta apresentada pelo produtor”.
Pela Portaria n.º 85-A/2013, Artur Trindade fixa aquela taxa, “em conformidade com os pressupostos e a
metodologia constantes da proposta apresentada pela EDP”.
Na CPIPREPE, o então presidente da ERSE, Vítor Santos, que deu parecer positivo à portaria, reconheceu
que nunca teve conhecimento do conteúdo daqueles pressupostos e metodologia.
“A minha interpretação foi a seguinte: esta não é uma decisão unilateral, é uma decisão que não pode ser
perspetivada do ponto de vista jurídico como tendo sido uma decisão unilateral do governo. E a circunstância
de se mencionar, no despacho ou portaria, já não estou certo, que até tinha havido uma proposta
metodológica da EDP, era no sentido de retirar espaço de manobra, por parte da EDP, em termos de
contestação da decisão do governo, isto é, em termos de litigância. Foi algo que foi mencionado pelo governo
para sinalizar que o processo não tinha resultado de uma decisão unilateral, mas que tinha havido uma
interação e que até tinha havido uma proposta metodológica — é normal que, num processo desta natureza,
haja proposta metodológicas — da parte interessada. Gostava de partilhar com os Srs. Deputados, de forma
inequívoca, que não tinha conhecimento, obviamente, daquilo que foi hoje referido e é uma coisa,
sinceramente, que me deixa muito penalizado, se é que essa situação corresponde à verdade. Não tive
acesso a nenhuma informação sobre essa matéria, não fiz a interpretação de que isso pudesse ter
acontecido.”
(Vítor Santos)
Na sua audição, o ex-Secretário de Estado da Energia (2015-2018), Jorge Seguro Sanches, atribui
consequências de longo prazo ao Decreto-Lei n.º 32/2013:
Há pouco mais de um ano a Assembleia da República aprovou uma resolução no sentido de recomendar
ao Governo cortes nas rendas da energia em especial nos CMEC, penso que a designação era mais ou
menos esta, e o Governo procurou, não só pela nossa natural vontade de fazer reforma neste setor, como
também, sem alterar a lei, sendo apenas rigoroso e colocando acima de tudo o que está na lei e o que está
nos contratos, encarar esse problema.
Todavia, como já disse, surgiram duas condicionantes: primeira condicionante é o Decreto-Lei n.º 32/2013.
Porquê? Porque a fixação das taxas de juro dos CMEC, em 2007, resultou de um ato do Governo – era assim
que era feito –, mas, a partir de 2013, passou a ser não por um ato do Governo mas sob proposta do produtor.
Ora, isto subverte completamente a questão e, portanto, o Secretário de Estado da Energia, na altura, em
funções, há cerca de um ano, escreveu à EDP Produção manifestando vontade de entabular negociações ou
conversações no sentido de baixar a taxa de juro dos CMEC e do lado de lá veio a resposta: não. Isto apesar
de o Governo estar com o documento da ERSE no qual me dizia que a taxa de juro podia baixar
substancialmente, mas o que aconteceu em 2013 foi que os CMEC foram blindados na taxa de juro.
Portanto, a partir de 2013, a não ser que, efetivamente, quiséssemos entrar numa situação de litígio, na
qual, na minha opinião, não tínhamos razão, a partir de 2013 quem fixa a taxa de juro passou a ser a empresa,
a EDP, e deixou de ser o Governo, que era o que acontecia até então”.
(Jorge Seguro Sanches)
Na sua audição, Artur Trindade refuta a ideia da blindagem da taxa no Decreto-Lei n.º 32/2013:
Se o Sr. Deputado ler bem o Decreto-Lei também não diz lá isso. Ele até podia ter proposto 4,72 e eu
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publicava 3,5… estava a cumprir com a lei, não estava a cumprir com o acordo, mas estava a cumprir com a
lei. Uma coisa é a lei, outra coisa é a portaria, outra coisa são as expectativas — repito — legítimas do
produtor. É tão legítima como uma promessa que o Governo faz ao cidadão de que vai baixar a luz. É uma
promessa legítima, é um acordo mas não é um contrato. O pedido de parecer à ERSE é um pedido naquilo
que é o circuito legislativo. Portanto, era interpretação minha e dos meus juristas que a generalidade dos
diplomas sobre o setor elétrico, neste caso tinham de ir pedir parecer à ERSE, especialmente aqueles sobre
este tipo de temas. E, portanto, eu não podia fazer um diploma sem ouvir a ERSE”.
(Artur Trindade)
2. Os três pacotes de medidas de equilíbrio do SEN
Houve primeiramente um conjunto de medidas aprovadas em maio de 2012, que no entanto, acabou por
não ser suficiente para cumprir o objetivo enunciado de limitar o aumento das tarifas de energia elétrica em
1,5% ao ano mais inflação, o que levou a criação de novas medidas, aprovadas por fases, concretizando-se
em três pacotes de medidas.
Este conjunto de medidas tinha como objetivo fundamental a eliminação progressiva do défice e a dívida
tarifária, tendo como horizonte de referência 2020, nos termos do gráfico abaixo, que foi apresentado na CPI,
tanto por Artur Trindade como por Carlos Moedas.
2.1 Primeiro pacote de medidas
O primeiro pacote de medidas foi aplicado em maio de 2012, no âmbito da sétima avaliação da troika, com
a convicção que seria suficiente para atingir o objetivo da eliminação da dívida tarifária em 2020. Este pacote
resumia-se a cortar nas rendas excessivas dos instrumentos identificados, e que se apresentam no quadro
abaixo.
Pedro Cabral, na sua apresentação inicial à CPIPREPE, deu a conhecer a estimativa de poupanças feita
em maio de 2012, na apresentação do pacote de medidas: 700, 165 e 385 M€, relativos a cortes de
remuneração da cogeração, da anuidade dos CMEC e da garantia de potência, respetivamente, num total de
1635 M€. Em outubro 2013, o governo atualiza em alta aquela estimativa no momento em que apresenta o
segundo pacote de medidas (v. Quadro 1). Esta diferença está relacionada com atualizações de algumas
rubricas, consequência de consideração de mais informação, e com o facto.de as primeiras estarem
descontadas e de as segundas serem somas diretas.
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Acresce a estas medidas a afetação de 80% das receitas dos leilões de CO2 ao SEN, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 38/2013 e concretizado na Portaria n.º 3-A/2014.
Primeiro pacote de medidas, aprovado em Maio de 2012, para eliminação da dívida tarifária (em
milhões de Euros) (Dados Governo)
Medidas Ato legislativo Descrição Montante total [M€]
Período
Cogeração Portaria n.º 140/2012
Redução dos subsídios pagos aos produtores de eletricidade em cogeração
996 2012-2025
Extensão FiT Decreto-Lei n.º
35/2013
Acordo de redução de custos alcançado com os produtores eólicos que beneficiam do
regime remuneratório anterior a 2005 151 2013-2020
Limitar custo mini-hídricas
Decreto-Lei n.º 35/2013
Introdução de um limite de 25 anos para a duração da tarifa garantida das pequenas
centrais hídricas 285 2013-2030
Redução taxa anuidade CMEC
Decreto-Lei n.º 32/2013, Portaria
n.º 85-A/2013
Redução dos custos com o CMEC, através da redução da taxa da anuidade da parcela
fixa de 7,55% para 4,72% 205 2013-2027
Garantia de Potência
Portaria n.º 139/2012, Portaria n.º 251/2012
Substituição do mecanismo anterior, por um novo regime de maior racionalidade e menor
incerteza 443 2012-2020
Total 2080 M€
Enquanto as medidas de redução de custos em cogeração, mini-hídricas, CMEC e garantia de potência
representavam um contributo efetivo para a redução do défice tarifário, a compra de uma extensão de preços
garantidos às eólicas (Decreto-Lei n.º 35/2013) tem sido questionada como redução custos. Considerando as
conclusões do capítulo 11 deste relatório, esta medida não pode ser considerada como redução de custos.
Assim, o impacto atribuído por vários inquiridos (Artur Trindade, Álvaro Santos Pereira, Jorge Moreira da Silva)
a este primeiro pacote (2080 M€), assumindo que as metas das restantes medidas foram alcançadas, deve ser
corrigido para 1929 M€, embora tal desiderato não seja consensual.
Relativamente às receitas das licenças de CO2 a afetar ao SEN, Álvaro Santos Pereira estimava-as em
1800M€, entre 2014 e 2020. No entanto, os cálculos da ERSE (relatórios anuais de “Proveitos e
Ajustamentos”), até 2019 tinham sido angariados apenas 378 M€, o que mesmo considerando uma trajetória
linear para o período total 2014-2020, atingiria um total de apenas 464 M€, cerca de 26% do previsto. Esta
receita configura uma perda de receita do Estado a favor do SEN, não representando por isso corte ou
poupança.
2.2 Segundo pacote de medidas
O segundo pacote de medidas foi aprovado em outubro de 2013, no quadro da 8.ª e da 9.ª avaliação da
troika, na sequência da constatação de que o primeiro pacote não seria suficiente para a eliminação do défice
tarifário. A falta de alcance das medidas deveu-se a falhas nos pressupostos do primeiro pacote (estagnação
do consumo, descida do preço do CO2, novas medidas legislativas espanholas que desequilibraram o
mercado ibérico).
As medidas aprovadas encontram-se resumidas no quadro seguinte.
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Quadro 2 – Segundo pacote de medidas, aprovado em outubro de 2013, para eliminação da dívida tarifária (em
milhões de euros) (Dados Governo)
Medidas Ato
legislativo Descrição
Montante total [M€]
Período
Clawback Decreto-Lei n.º 74/2013
Eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais
introduzidas em Espanha 300-500 2014-2020
Harmonização tarifária
Introdução de incentivos à eficiência de
custos no mecanismo de harmonização de tarifas aplicável às Regiões Autónomas
160-200 2014-2020
Remuneração terrenos
Portaria n.º 301-A/2013
Revisão da remuneração dos terrenos hídricos
100-120 2014-2020
Serviços de Sistema
Portaria n.º 301-A/2013
Despacho n.º 4694/2014
Correção das distorções no mercado de serviços de sistema
300-400 2014-2020
Contribuição centrais carvão
Não aplicada Contribuição das centrais de carvão para o
SEN 150-170 2014-2020
Total
Total (sem carvão) 1010-1390 M€ 860-1220 M€
2.2.1 A medida para a eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais
introduzidas em Espanha (Clawback)
Relativamente à medida Clawback (aprofundada no capítulo 13), as poupanças enunciadas seriam entre
300 e 500 M€.
As sucessivas alterações legislativas levaram a que os valores cobrados sejam bastante díspares
relativamente ao esperado. Segundo a ERSE nos seus documentos anuais de “proveitos permitidos”, até 2019
só teriam sido angariados 192,5 M€, o que extrapolando para o período 2014-2020, totaliza 234,6 M€, entre
47% a 78% do valor inicialmente previsto.
2.2.1.1. Contexto e legislação associada
Em 2013 é aprovado o Decreto-Lei n.º 74/2013, que aprova o mecanismo de “clawback” (retenção,
restituição) para a eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais introduzidas em
Espanha. O seu preâmbulo clarifica o contexto e necessidade desta medida:
“Importa instituir um mecanismo regulatório destinado a corrigir o desequilíbrio entre produtores de energia
elétrica, originado por distorções resultantes de eventos externos ao mercado grossista da eletricidade e, de
igual modo, evitar que o funcionamento anómalo do mercado se repercuta nos produtores e consumidores
portugueses. Esse objetivo é alcançado através da repartição, em função do impacto registado na formação
dos preços, dos custos de interesse económico geral.”
No seu artigo 4.º, n.º 1 – refere que:
“A repartição de custos (…), deve considerar, designadamente, os resultados de um estudo a elaborar, no
final de cada semestre, pela ERSE, (…) sobre o impacto na formação de preços médios da eletricidade no
mercado grossista em Portugal de medidas e eventos extramercado na UE e os seus efeitos redistributivos
nas diversas rubricas de proveitos que influem nas tarifas de energia elétrica”.
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A Portaria n.º 288/2013 vem regular o procedimento de elaboração do referido estudo e o mecanismo de
repartição de CIEG a suportar pelos produtores em mercado, definindo a Portaria n.º 225/2015 a fórmula de
cálculo do valor a pagar por cada produtor.
Segundo o ex-Secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, esta medida visava:
“simplesmente ter em conta eventos fiscais (…) que estavam a acontecer em Espanha que poderiam
contribuir para um agravamento do preço. Não havendo esses mesmos efeitos em Portugal, ou até eles não
existirem, visava aplicar o valor líquido entre os impostos, o agravamento de impostos em Portugal e em
Espanha aos produtores que estivessem de fora das PRE, dos CMEC e dos CAE (…) para os equilibrar com
as suas contrapartes no MIBEL que estavam no lado de Espanha.”
2.2.1.2. Repercussão tarifária dos custos com a CESE e a tarifa social: dupla tributação ou dupla
compensação?
Em 2015, em vésperas de eleições, na definição dos parâmetros para as tarifas anunciadas em 15 de
outubro, o Despacho n.º 11566-A/2015 vem redefinir a fórmula de cálculo do clawback, com vista à
contabilização da CESE e da tarifa social como eventos extramercado nacionais dedutíveis ao valor da taxa
dos eventos extramercado UE.
Deste modo, de acordo com a interpretação do ex-SEE, Seguro Sanches estava-se a legislar sobre a
repercussão indireta da CESE (ponto 11) e da tarifa social (ponto 12) através da lei do clawback. Este decreto
permitia então uma dedução das empresas dos valores pagos com a CESE e a tarifa social de 75% em 2015 e
2016, e de 100% a partir de 2017.
Artur Trindade alerta para o problema da dupla tributação e defende que, em termos líquidos, o consumidor
paga menos:
“Comecei a receber, por parte das empresas afetadas por este decreto-lei, comentários que considerei
relevantes e perigosos. Se eu não considerasse, pelo menos, qualquer «coisinha» de impostos pagos em
Portugal, em primeiro lugar não estava a cumprir o decreto-lei e, em segundo lugar, estaria a impor os
impostos de Espanha a Portugal e a somar os impostos de Portugal. (…)
Enfim, admito que pudesse passar dos 0,75 para os 0,5 e se pudesse alterar ligeiramente, mas não pôr
nada e não fazer «isto» pelo líquido seria dar um argumento de inconstitucionalidade ao decreto-lei, seria
acabar com ele e seria dar às empresas argumentos para não pagarem nada no decreto-lei. (…)
Eu ponho-os a pagar 6,5 nesse despacho que aí está e depois digo: «Podem deduzir 75% da CESE e 75%
da tarifa social», que equivaliam aos tais 2€ a 3€/MWh. Ou seja, estou a pô-los a pagar 4 e tal, em vez dos
2,5! Estou a subir o que eles vão pagar, porque achava que havia espaço para isso. Se eu não tivesse posto
esses números nesse despacho, continuava a cobrar-se os 2,5€, continuava a cobrar-se menos! Esta foi uma
forma de matar dois coelhos com um mesmo tiro!”
Artur Trindade
O ex-Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, referiu na comissão que havia uma grande
pressão em torno da repercutibilidade da CESE, nomeadamente na revisibilidade dos CMEC:
“Sempre que recebia algum dos acionistas da EDP, (…) vinham falar em duas questões, a tarifa social e a
CESE e, depois, a partir de certa altura, do clawback. Portanto, são estes os temas que sempre foram
colocados e sobre eles havia que atuar legalmente. (…) Foi uma reunião realizada comigo e com o Sr. Ministro
da Economia. E, aliás, toda a questão dos CMEC começa aqui. Pode ler-se: «Com base no acordo e
entendimentos transmitidos aos novos acionistas, a EDP comunicou ao mercado e tem assumido nas suas
contas desde 2014 o montante da CESE líquido, contribuição paga por centrais CMEC»,
(…)
Não obstante, já durante o mandato de Jorge Seguro Sanches, e após o pedido à ERSE da definição de
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novo valor para os eventos extra mercado a considerar no âmbito da UE, esta medida volta a ser alvo de novo
Despacho n.º 7557-A/2017, redefinindo a taxa que passa de 6,5€/MWh a 4,7 €/MWh e a acabando com a
dedução retroativamente:
No seu estudo de avaliação do impacto de eventos extramercado na formação do preço de mercado
grossista sob o efeito do Decreto-Lei n.º 74/2013, para o 2.º Semestre de 2014, procede-se a uma simulação
com vista a determinar o peso dos eventos extramercado relevantes nesse semestre. Para a presente nota
técnica importa, a partir destes elementos obter um valor em €/MWh com referencia a esse semestre.
Esse valor daria origem ao pagamento tarifário a aplicar aos centros electroprodutores, P_liq, definido em
€/MWh e tendo em conta a equação (simplificada) da Portaria:
P_liq = P_ue – λ P_pt
Onde P_liq é o valor líquido a cobrar, P_ue o valor dos eventos extramercado em Espanha, P_pt o valor
dos efeitos extramercado em Portugal, tudo expresso em €/MWh, e λ é um ponderador, entre 0 e 1 para os
referidos impactes.
Apesar do despacho ter que vir a publicar todos aqueles parâmetros o cenário simulado e alisado do
estudo da ERSE, do 2.º semestre de 2014, centra-se no valor de P_liq não o desdobrando, de forma explicita,
nas suas componentes, P_ue, P_pt ou mesmo λ. Ao analisar e comparar os valores de diferentes cenários é
necessário ter este aspeto metodológico em consideração.
A ERSE define claramente esta opção metodológica:
“Por outro lado, o artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013 referente ao Orçamento do Estado Português para 2014
introduz uma norma que estabelece a contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE), de
natureza fiscal, cuja incidência é suportada pelos sujeitos passivos que integram o setor energético nacional.
O valor da CESE incide sobre uma percentagem do valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos.
Em relação à CESE, o estudo apurou que as centrais portuguesas já repercutem a sua existência nas
ofertas colocadas em mercado, pelo que o efeito no preço já se encontra considerado na simulação ajustada.”
Ou seja, no 2.º semestre de 2014 a CESE é um evento extramercado, e o método utilizado pela ERSE ao
visar o P_liq (e não o P_ue) já desconta esse efeito.
Se, erradamente, se interpretasse os valores da ERSE como P_ue e não como P_liq estar-se si a
considerar o evento extramercado CESE duas vezes, dando lugar a uma sobre compensação: “Neste sentido,
não haverá lugar a qualquer outra compensação por este facto, que, a existir, constituiria uma
sobrecompensação do agente económico com centrais em Portugal”.
A ERSE vai mais longe e apresenta um teste estatístico demonstrativo do efeito da CESE enquanto evento
extramercado: “O presente estudo considera o efeito da CESE como um evento extramercado ocorrido em
Portugal, por semelhança conceptual com os eventos extramercado anteriormente caracterizados”. Os
resultados são, segundo a ERSE, estatisticamente significativos e reproduzem-se abaixo.
Coeficiente do driver Coeficiente do evento CESE
βcarv ão = 0,842 βCESE = 3,201
p-value: 0
[significância estatística]
p-value: 0
[significância estatística]
Qualidade do
ajustamento
Autocorrelação
Homoscedasticidade
Coeficientes de
regressão
R2 ajustado=0,944
Estatisticamente não existem indícios de presença de autocorrelação
(dependência) nos resíduos
Teste de White: rejeição de existência de não heteroscedasticidade na
regressão
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Coeficiente do driver Coeficiente do evento CESE
βGN = 0,982 βCESE = 6,551
p-value: 0
[significância estatística]
p-value: 0
[significância estatística]
Qualidade do
ajustamento
Autocorrelação
Homoscedasticidade
Coeficientes de
regressão
R2 ajustado=0,977
Estatisticamente não existem indícios de presença de autocorrelação
(dependência) nos resíduos
Teste de White: rejeição de existência de não heteroscedasticidade na
regressão
Coeficiente do driver Coeficiente do evento CESE
βhid = 149,44 βCESE = 19,872
p-value: 0
[significância estatística]
p-value: 0
[significância estatística]
Qualidade do
ajustamento
Autocorrelação
Homoscedasticidade
R2 ajustado=0,876
Estatisticamente não existem indícios de presença de autocorrelação
(dependência) nos resíduos
Teste de White: rejeição de existência de não heteroscedasticidade na
regressão
Coeficientes de
regressão
No cenário alisado estes valores já estão incorporados nas ofertas e, consequentemente, na simulação,
não podendo ser incluídos outra vez. Todavia o que a ERSE não faz é explicitar o valor desta parcela, que diz
já incluída em P_liq, no referencial de preço de mercado, no entanto dá uma pista, referindo que “os agentes
portugueses já repercutiram nas ofertas em mercado o valor dos pagamentos da CESE, pelo que o seu efeito
no preço de mercado já se encontra incorporado na análise efetuada no estudo”.
“Em outubro de 2017, quem me sucedeu resolveu alterar isso e fazer as contas de outra maneira — anulou
os 6,5, publicou os 4,7 e, depois, deixou de deduzir (…). O efeito líquido não sei qual é, mas não é todo
dedução (…). Mas o saldo só é positivo por causa de uma coisa: anulou-se a dedução para trás e cobrou-se
6,5 para trás, retroativamente, o que, do ponto de vista jurídico, não vou comentar. (…) para trás não pode
deduzir-se e cobram-se os 6,5; para a frente é todo um mundo novo e passa a cobrar-se os 4,7, também sem
deduzir. Hoje em dia está a cobrar-se zero (…).”
(Artur Trindade)
Artur Trindade reforça ainda a sua tese de que a medida é correta, recusando que se trate de uma
repercussão e lamentando a atuação do seu sucessor:
“Não é repercutir, mas sim cobrar, cobrar pelo valor líquido. Diria até de outra forma: se não deduzisse
esse valor da CESE e da tarifa social, no fundo, as empresas estariam a pagar duas vezes. O que se faz com
esta medida é pôr as empresas a pagar a CESE e a tarifa social duas vezes, o que é mais um argumento para
lhes dar capital de queixa e para poder até permitir-lhes que ganhassem, noutras arenas, ações contra o
Estado”.
Assim, em 2016 e 2017, a CESE e tarifa social foram consideradas explicitamente no cálculo do Clawback,
até em 2017 ser emitido um novo Despacho n.º 9371/2017, declarando a nulidade parcial do 11566-A/2015,
de modo a que os valores que tinham sido repercutidos em 2016 e 2017 na tarifa pudessem ser recuperados
pelo SEN (cerca de 100 M€).
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2.2.1.2.1 A ilegalidade da repercussão da CESE e da tarifa social
Para contestar a decisão do governo em 2017, a EDP contratou estudos a duas consultoras, a Poyry e a
FTI Compass-Lexecon sobre a definição dos parâmetros relacionados com a fórmula de cálculo introduzida
pela Portaria n.º 225/2015, concluindo que uma taxa que nivele a concorrência entre produtores terá sempre
de considerar uma dedução de 100% desses mesmos custos, sejam eles fixos ou variáveis. Afirmam por isso
que, com a impossibilidade da dedução dos eventos CESE e tarifa social, os produtores sofrem dupla
tributação.
Pelo seu lado, a atuação do governo partiu das seguintes premissas jurídicas:
● A proibição da repercussão da tarifa social já foi objeto do Parecer n.º 39/2012 do Conselho Consultivo
da Procuradoria-Geral da República e é explícita na própria lei da CESE:
“Artigo 5.º
Não repercussão
As importâncias suportadas pelos sujeitos passivos a título de contribuição extraordinária sobre o setor
energético não são repercutíveis, direta ou indiretamente, nas tarifas de uso das redes de transporte, de
distribuição ou de outros ativos regulados de energia elétrica e de gás natural, previstas nos regulamentos
tarifários dos respetivos setores, não devendo a contribuição ser considerada, designadamente, para efeitos
de determinação do respetivo custo de capital”.
● Só poderem ser incluídas nas tarifas de eletricidade, especialmente na sua componente de uso global
do sistema (UGS, que constitui uma componente fixa), contribuições impostas aos consumidores por via
da lei. Este despacho, ao determinar por ato administrativo a repercussão nas tarifas da eletricidade dos
custos suportados pelos produtores com a tarifa social e com a CESE, constituía a criação de uma nova
contribuição pecuniária sobre os consumidores, sendo portanto ilegal de acordo com o Código do
Procedimento Administrativo (artigo 161.º, ponto 2, alínea k): “São nulos: (…) Os atos que criem
obrigações pecuniárias não previstas na lei”;
● Os pontos 11 e 12 do referido despacho (relativos à dedução da CESE e da tarifa social no âmbito do
clawback) invocam que a determinação da repercussão se baseia no parecer da ERSE (“identificado no
estudo a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 74/2013 [parecer da ERSE]”)quando, de
acordo com este entendimento, o referido estudo é omisso no que se refere à ponderação dos custos
com a tarifa social e expressamente afasta a ponderação dos custos com a CESE, por entender que tal
constituiria uma sobrecompensação.
No entanto, se estes valores forem considerados como o apuramento do valor líquido a cobrar aos
produtores, como estabelece o Decreto-Lei n.º 74/2013, então são uma forma de evitar um regime de dupla
tributação e, por essa via, evitar a inconstitucionalidade desse regime.
Importa, por isso, evitar que, na prática, se caia num regime de dupla tributação, incompatível com o direito
nacional e com o direito europeu. Caso tal aconteça corre-se o risco de perder todo o efeito económico
positivo para o SEN, efeito este de dimensão muito maior e mais relevante do que os eventuais ganhos de
curto prazo.
2.2.2 Remuneração dos terrenos do domínio hídrico
A portaria n.º 301-A/2013 reduziu o custo com a remuneração dos terrenos, mantendo-se até ao ano de
2019, em cerca de 13 M€ anuais. Esta portaria, que enuncia como objetivo incentivar a REN a desempenhar
as suas responsabilidades de modo mais eficiente, manteve este custo estável como resultado de sucessivas
auditorias anuais que resultaram na atribuição de nota 3, que correspondem a uma taxa de remuneração de
0,1%. No seu relatório de proveitos permitidos e ajustamentos para 2019, adianta ainda que desde 2015 não
foram realizados relatórios de desempenho, pelo que decidiu assumir uma taxa de remuneração 0%.
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Na CPIPREPE, Artur Trindade avaliou a poupança resultante da Portaria n.º 301-A/2014 em 106 M€.
2.2.3 Corte de remuneração dos serviços de sistema
Em 2014 é emitido o Despacho n.º 4694/2014, que decide a auditoria da REN e institui a respetiva
comissão de acompanhamento, a qual encomenda um estudo à consultora Brattle Group, com o objetivo de
quantificar as sobrecompensações ocorridas entre 2010 e 2014 no mercado dos serviços de sistema (este
processo será detalhado em capítulo próprio).
Em paralelo, o secretário de Estado Artur Trindade procura estancar as falhas no mercado de serviços de
sistema, definindo como preço de referência o do mercado de serviço de sistema espanhol e incluindo os
custos da tele-regulação na revisibilidade dos CMEC. Desta forma, o governo procurou prevenir que a EDP,
preterindo as centrais CMEC, limitasse a sua oferta de serviços de sistema às centrais em mercado.
Segundo declarações de Artur Trindade, em 2013, ao Diário Económico, estariam aqui 70% das poupanças
anunciadas com a medida dos serviços de sistema que constava no segundo pacote de medidas de redução
de custos (300M€ a 400M€). Os outros 30% estariam ligados à não inclusão na revisibilidade dos ganhos das
centrais CMEC no mercado de serviços de sistema.
2.2.4 Contribuição das centrais a carvão para o SEN
Esta medida nunca chegou a concretizar-se. Na CPIPREPE, Artur Trindade evoca-a como uma forma de
compensação pela extensão da operação de Sines:
“Chegámos a um acordo: estudar a hipótese de a EDP na utilização da central de Sines fazê-la no
mercado, vendendo a energia e pagando o carvão e uma parte desse ganho vir para o SEN através de um
pagamento, eventualmente, limitando os ganhos associados a esse patamar. Essa medida seria sempre, na
minha opinião, um ganho para o sistema”.
Porém na redação do documento que regista o acordo entre o governo e a EDP para a redução da taxa de
juro da componente fixa do CMEC, a natureza da medida é diferente de uma contribuição:
“Caso o Governo considere adequado, a EDP terá disponibilidade para estudar uma solução que permita
baixar o custo anual do CMEC fixo através da extensão do período da cobertura de risco da central de Sines a
partir do fim do ex-CAE. A solução terá de ser vista em conjunto com a central do Pego”.
A “contribuição das centrais a carvão” assemelhava-se assim, no acordo que a previa, ao tipo de venda
antecipada de uma garantia de preços futuros que veio a ser acordada meses depois com os produtores
eólicos a título de “contribuição voluntária”:
Esta interpretação foi confirmada na CPIPREPE por António Mexia, presidente da EDP:
“O Estado queria, obviamente, receitas excecionais e propôs exploração para além dos CAE/CMEC. A
ideia era essa! Ou seja, disse «eu prolongo isto» — acho que já vimos isso em vários setores, vimos isso em
vários sentidos, temos visto isto durante muito tempo! —, mas propôs que «os senhores ficarão com um cap e
um floor»; que nunca chegou a ser discutido, mas que anda dentro de um cap e de um floor. Para nós, a ideia
não era má — sobretudo, sendo nós líderes nas renováveis, na altura, a nível mundial —, porque era óbvio
que tudo aquilo que estivesse associado ao carvão iria ter problemas. Portanto, apenas queria dizer que não
tirámos nenhuma vantagem, só sujeitámos isto a uma condição, a de que a Tejo Energia, ou seja, o outro
produtor de carvão, também aceitasse. Como não aceitou, não quisemos! Não quisemos, para não dar um
sinal, que já nos vinham preocupando, de que «os CMEC têm isto…».”
(António Mexia)
Neste sentido, as poupanças totais com o segundo pacote podem ser corrigidas para cerca 800 M€.
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2.3 Terceiro pacote de medidas
O terceiro pacote de medidas é provado em maio de 2014, na sequência da 12.ª avaliação da troika, e
advém da necessidade de uma medida adicional para a sustentabilidade do setor elétrico e do encargo dos
produtores com a redefinição das regras do apoio social dado aos consumidores economicamente vulneráveis.
Quadro 3 – Terceiro pacote de medidas aprovado (Dados Jorge Moreira da Silva, em audição à comissão)
Medidas Ato
legislativo Descrição
Montante
total [M€] Período
CESE Lei n.º 83-
C/2013
Contribuição extraordinária sobre o sector
energético 300 2014-15
Tarifa Social Decreto-Lei
n.º 172/2014
Oneração dos produtores do pagamento
da tarifa social 180 2015-2026
Total 480 M€
Neste terceiro pacote figura a CESE (contribuição extraordinária sobre o setor energético), aprovada no
orçamento do Estado para 2014 (artigo 228.º, Lei n.º 83-C/2013), e a medida da tarifa social que não é
analisada neste relatório por não visar a correção de uma renda excessiva.
Com a CESE, aprovada para 2014 e 2015 e fixada sobre os ativos das empresas de energia, isentando a
PRE, o governo esperava angariar um total de 300 M€, que deveria financiar o Fundo para a Sustentabilidade
Sistémica do Setor Energético (FSSSE) criado com o Decreto-Lei n.º 55/2014. Este tinha como objetivo
financiar “políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência
energética. Esta contribuição visa igualmente contribuir para a redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico
Nacional (SEN), designadamente, através da minimização dos encargos decorrentes de custos de interesse
económico geral (CIEG)”.
A CESE, prevista pelo Governo PSD/CDS até 2018, foi mantida nos orçamentos de Estado subsequentes a
2015, estando hoje ainda prevista a sua continuação até à eliminação do défice tarifário.
Segundo a Autoridade Tributária, em 2014 e 2015 foram cobrados a título de CESE cerca de 90M€ anuais,
não tendo sido, no entanto, transferidos para o FSSSE quaisquer fundos à data de 31 de dezembro de 2015.
Cristina Portugal, presidente da ERSE, ouvida na CPIPREPE, mostrou que, embora de 2015 a 2017
tenham sido previstos nas tarifas 50 M€ anuais de transferências do FSSSE para os CIEG, apenas ocorreram
transferências reais de 5M€ e 25M€ nos anos 2016 e 2017, respetivamente, totalizando por isso cerca de 30
M€ para abatimento do défice tarifário.
Existe, portanto, uma grande disparidade entre as estimativas das receitas conseguidas com a CESE (300
M€) e a que foi realmente conseguida até à data (30 M€) para a diminuição da fatura dos contribuintes, o que
representa uma consolidação apenas de 10% do previsto.
Em 2018, foi aprovado o reforço do FSSSE através do Decreto-Lei n.º 109-A/2018 que passa a instituir a
alocação de ⅔ da CESE ao FSSSE, e no Orçamento do Estado para 2019 (Lei n.º 71/2018) o sector das
renováveis é chamado a contribuir, com exceção dos produtores em mercado.
Já em 2018, o Secretário de Estado da Energia, João Galamba, declarou ao Jornal de Negócios, que tinha
chegado a um acordo com a EDP que iria voltar a pagar a CESE, o que representa cerca de 60M€/ano.
3. Impacto efetivo das medidas
Ao aprovar o terceiro pacote, Jorge Moreira da Silva afirma em entrevista ao Expresso nessa altura que ”Já
não existem rendas excessivas no setor elétrico” dando como finalizada a redução de custos com os pacotes
aprovados:
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"Dois (pacotes) muito orientados para a eliminação da dívida e do défice tarifário e o terceiro (que
apresentei no final da 12.ª avaliação da troika, em final de abril) muito orientado para as questões sociais e
para a competitividade das empresas. No total estamos a falar de cortes no setor energético de 4,4 mil milhões
de euros, até 2020".
Nesta comissão foram vários os números dados para o impacto destes pacotes pelos seus principais
responsáveis: 2100M€ do primeiro pacote, 1500 M€ do segundo pacote, 300M€ do terceiro pacote. No total,
cerca de 3000-3400M€ no setor elétrico e a 4000-4400M€ no total do setor da energia.
O Ministro Jorge Moreira da Silva concluiu na sua audição que só com os dois primeiros pacotes as
poupanças no setor da eletricidade atingiriam 3200 M€.
Em resposta à CPIPREPE, a ERSE atualizou o somatório dos impactos efetivamente verificados no SEN a
partir das medidas do governo PSD/CDS. Esses impactos são de dois tipos:
● Cortes de custos (garantia de potência, remuneração dos terrenos do domínio público hídrico, redução
da taxa dos CMEC, tarifa social e cogeração)
● Contribuições para o SEN (receitas das licenças de CO2, CESE e utilização do DPH, contribuição dos
produtores eólicos e “clawback”).
O documento distingue ainda entre valores previsionais (estimativas de receita a incluir na tarifa) e valores
reais (valores de pagamentos já efetivados, aos quais se reporta o seguinte gráfico.
Evolução da contribuição para o sistema tarifário das medidas de sustentabilidade do SEN, com valores reais de 2013
a 2017 (Dados ERSE) e projeção para 2020.
Soma-se entre 2013 e 2017 um impacto positivo total de 1076 M€ como efeito das medidas de
sustentabilidade do SEN.
Uma projeção para os anos de 2018, 2019 e 2020 segundo a tendência verificada de efetivação dos cortes,
no período 2013-2020 seriam atingidos 2043M€, incluindo medidas que não constavam nos pacotes, como é a
relativa às receitas do CO2.
Impacto total dos três pacotes de medidas sobre a EDP
Segundo Artur Trindade e Jorge Moreira da Silva, os pacotes de medidas teriam um impacto de cerca de
1800M€ negativos para a EDP.
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O impacto do conjunto das medidas sobre a EDP foi atualizado pela ERSE: entre 2013 e 2017 a EDP
contribuiu, entre redução de custos e pagamentos, com 414 M€ positivos para o SEN, valor que, projetado
para o horizonte 2013-2020, atinge os 718 M€, ou seja 40% dos enunciados 1800 M€.
No entanto, alguns destes impactos não se esgotam em 2020, sendo ilustrativa deste entendimento a
redução dos CMEC que perdurará até 2027.
EDP: impacto das medidas de sustentabilidade do SEN vs lucros anuais
(Fonte: ERSE e EDP)
De ressalvar, porém, que na análise aqui citada, a ERSE indica que algumas das medidas que afetam a
EDP não foram contabilizadas, uma vez que a ERSE não dispõe de informação de como “repartir” esse efeito.
Como tal, as estimativas são um minorante, pois há cortes em relação aos quais a falta de informação precisa
determina a sua consideração como zero. Por exemplo, no que respeita à cogeração, a EDP também é
afetada, não se sabe se 2% ou se 8%, mas a falta de informação determina a consideração de 0% deste corte.
Assim, o impacto de conjunto destas medidas – pelo menos 414M€ negativos no período 2013-2017 –
compara com lucros de 5552 M€, representando no mínimo 7% dos seus resultados.
Conclusões
1. No contexto da aplicação do Memorando de Entendimento com a troika teve lugar um comprovado
esforço do governo então em funções para identificação e quantificação de rendas excessivas pagas aos
produtores de eletricidade em Portugal.
2. No entanto, a prioridade dada pelo governo à medida do Memorando que previa a privatização da EDP
inibiu a aplicação do modelo de equilíbrio do SEN que o governo produziu no início do seu mandato.
3. As medidas corretivas tomadas após a privatização, entre 2012 e 2014, sendo significativas, não
corresponderam integralmente ao previsto no Memorando. Na CPIPREPE foi reconhecido pelos membros do
governo de então que a concretização da privatização condicionou o perfil das medidas adotadas.
4. O impacto das medidas adotadas verificado pela ERSE (e projetado até 2020) está, por enquanto,
aquém do objetivo dos seus autores, anunciado no momento das suas decisões. Quanto ao efeito no conjunto
do setor elétrico, os 2048 M€ positivos para o SEN, já considerados até 2020 correspondem a 60 a 68% do
previsto pelo governo de então; quanto ao impacto das medidas sobre a EDP, os 718 milhões de euros
negativos para a EDP (mínimo verificado + projetado até 2020) perfazem, em termos projetados a 2020, 40%
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da previsão do governo. Uma parte relevante destas medidas continuarão a produzir efeitos após 2020.
5. A medida do clawback tem como objetivo promover o equilíbrio concorrencial no mercado grossista de
eletricidade. O seu funcionamento não deve perverter princípios expressos da lei portuguesa, incluindo o
princípio da não existência de dupla tributação.
Recomendação
Deve ser conciliado o princípio da não elegibilidade dos custos com a tarifa social e com a CESE para
efeitos da aplicação do mecanismo de clawback, com o princípio da não existência de dupla tributação.
Capítulo 10
Serviços de Sistema
Os serviços de sistema referem-se a um conjunto de mecanismos dedicados a manter e assegurar o
equilíbrio instantâneo entre a procura e a oferta de eletricidade, garantindo a segurança e fiabilidade da
operação do sistema elétrico nacional.
Os serviços de sistema incluem:
● banda de regulação secundária: consiste no estabelecimento de um intervalo de variação da potência
do grupo gerador em torno do ponto de funcionamento em que se encontra em cada instante e no
acréscimo ou decréscimo do fornecimento de energia, conforme solicitado pelo gestor do sistema;
constitui um custo fixo de operação do sistema, pelo que é paga por todo o consumo;
● energia de reserva de regulação: visa a restituição da regulação secundária utilizada, a resposta a
uma perda máxima de produção pré-definida e a cobertura do consumo sempre que existam
diferenças significativas entre os valores previstos e os resultantes dos mercados de produção; é paga
pelos agentes de mercado que incorrerem em desvios nessa hora;
● energia de resolução de restrições técnicas: define-se por qualquer circunstância ou incidência
derivada das atividades de produção, transporte ou distribuição que, por afetar as condições de
segurança, qualidade e fiabilidade do abastecimento, requer a modificação dos programas de energia
elétrica; é um custo suportado por todo o consumo.
Os custos deste mecanismo são repercutidos diretamente na formação do preço final da energia, refletindo
esta componente uma oferta de âmbito nacional estruturalmente concentrada no grupo EDP.
Componentes da formação de preço final grossista
(Fonte: ERSE)
A potência habilitada a integrar o mercado de serviços de sistema provém na sua maior parte (60%) de
centrais com CMEC ou CAE, sendo a restante proveniente de centrais em mercado.
Em 2012, a EDP detinha 74% da potência possível de telerregular (correspondente ao serviço de sistema
de banda de regulação secundária), essencialmente com centrais hídricas e de ciclo combinado (gás),
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correspondendo a 78% da disponibilidade total de centrais com CMEC, e 69% de centrais em mercado, o que
segundo Artur Trindade, quando ouvido na CPIPREPE, corresponde a ⅔ dos custos do mercado de serviços
de sistema.
1. Primeiros indícios de falha no mercado de serviços de sistema
Em 2010-2011, a ERSE identifica baixos níveis de prestação do serviço de telerregulação pelos centros
eletroprodutores ao abrigo dos CMEC, nomeadamente nas centrais hídricas de Bemposta e Picote, que detêm
também grupos geradores em mercado (sem CMEC).
“21. (…) foram detetados, tanto pela ERSE como pela AdC, indícios de baixos níveis de utilização das
centrais CMEC na prestação de serviço de telerregulação, em comparação com centrais hidroelétricas em
regime de mercado. Indícios que remontam, pelo menos, a 2010 e se estendem, como se verá infra, até
2013/2014. (…)
23. Essas diferenças de utilização são especialmente evidentes, por exemplo, no caso da barragem de
Picote, caso particular em que uma mesma barragem dispõe, simultaneamente, de grupos geradores em
regime CMEC e grupos geradores em regime de mercado, ambos aptos para prestar este tipo de serviço.
24. Tais indícios de subutilização ocorrem num contexto no qual se demonstrou a existência de capacidade
dessas centrais, economicamente e fisicamente disponível, que, ainda assim, não foi oferecida em mercado
por razões externas à própria operação desses equipamentos produtivos.
Abertura de Inquérito de contraordenação, AdC, 2016
Em 2012, face ao aumento registado dos preços no mercado de serviços de sistema, nomeadamente no
mercado de banda de regulação secundária, com um aumento de custo a suportar de 45 M€, a ERSE elabora
uma análise dos custos de mercado de serviços de sistema na sequência do qual solicita à Autoridade da
Concorrência (AdC) um relatório sobre eventual abuso de mercado por parte da EDP, que poderia explicar a
subida dos preços no mercado de serviços de sistema na ausência de eventos extraordinários que o
justificassem. A AdC confirma então uma falha no mecanismo de revisibilidade dos CMEC – que ignora a
participação ou ausência das centrais CMEC neste mercado e, em 2013, recomenda ao governo a realização
de uma auditoria. Perante esta falha, a EDP terá adotado estratégias de oferta que maximizaram a
componente CMEC da remuneração das centrais sob esse regime, concentrando nas centrais em mercado as
ofertas que realizava.
No gráfico seguinte é possível observar como as receitas dos serviços de sistema em Centrais CMEC
(Azul) começaram a descer em 2010 até 2013, até que voltam a subir com a publicação do despacho
4694/2014, altura em que face ao processo em curso, a EDP voltou a regularizar a oferta no mercado dos
serviços de sistema com as centrais com CMEC.
(Dados retirados dos relatórios anuais de proveitos permitidos e ajustamentos, ERSE)
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2. Intervenção de governo e estudo da Brattle Group
Em 2014 é emitido o Despacho n.º 4694/2014, que decide a auditoria da REN e institui a respetiva
comissão de acompanhamento, a qual encomenda um estudo à consultora Brattle Group, com o objetivo de
quantificar as sobrecompensações ocorridas entre 2010 e 2014 no mercado dos serviços de sistema.
Nesse despacho, Artur Trindade define que:
“Caso a auditoria (…) conclua que se verificou uma sobrecompensação no modo de cálculo da
revisibilidade CMEC, os respetivos montantes, determinados no âmbito da auditoria, devem ser refletidos no
mecanismo de revisibilidade”.
Em paralelo, o Governo procura estancar as falhas no mercado de serviços de sistema, definindo como
preço de referência o do mercado de serviço de sistema espanhol e incluindo os custos da telerregulação na
revisibilidade dos CMEC. Desta forma, o governo procurou prevenir que a EDP, preterindo as centrais CMEC,
limitasse a sua oferta de serviços de sistema às centrais em mercado. Segundo declarações do secretário de
Estado Artur Trindade, em 2013, ao Diário Económico, estariam aqui 70% das poupanças anunciadas com a
medida dos serviços de sistema que constava no segundo pacote de medidas de redução de custos (300M€ a
400M€). Os outros 30% estariam ligados à falha de contabilizar o mercado dos serviços de sistema na
revisibilidade dos CMEC.
2.1. Sobrecusto identificado pelo relatório Brattle
Os resultados do estudo da Brattle Group só foram conhecidos em 2016, já durante o mandato do
Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches. Nesse estudo, consoante os cenários e pressupostos
considerados, foram identificados os seguintes sobrecustos:
● Num cenário de quantidade e para o mercado de banda regulação secundária, conclui-se que as
centrais com CMEC, adotando um comportamento ineficiente, auferiram menos 46,6 M€ a 72,9 M€
(consoante se considere um prémio de risco 10€/MWh ou nulo);
● Num cenário de efeito total, constataram-se lucros adicionais das centrais em mercado (sem CMEC) da
EDP, entre 59,6M€ e 143,2M€ (com ou sem aquele prémio de risco).
Face a estes resultados da auditoria e ao parecer da comissão de acompanhamento, Jorge Seguro
Sanches emite o Despacho n.º 10 840/2016, onde pede a diferentes instituições com responsabilidades no
setor energético (DGEG, ERSE, AdC) para que, face aos resultados do relatório, tomem as diligências
necessárias. Para além disso, pede também que os resultados da auditoria sejam enviados à Direção Geral da
Concorrência da Comissão Europeia a fim de averiguar se esta sobrecompensação no mercado dos serviços
de sistema é enquadrável na autorização do auxílio estatal CMEC – Decisão n.º 161/2004. A DGEG e ERSE,
face a este pedido, sugerem a inclusão na projeção das tarifas de 2018 o abatimento dos custos de
sobrecompensação apurados pelo relatório da Brattle Group, na quantia de 72,9 M€.
A EDP contestou a cobrança deste valor, acusando «erros grosseiros» nos relatórios da Brattle Group e da
comissão de acompanhamento da auditoria. Pelo seu lado, apresentou um relatório da consultora FTI
Compass-Lexecon que indica não existir qualquer sobrecompensação.
“Olhando para o relatório da Brattle sobre a sobrecompensação dos CMEC, por causa da participação no
mercado de banda secundária, entendemos que a melhor maneira de resolver essa posição dominante da
EDP era, obviamente, sancionar a EDP quando se justifique — e a Autoridade da Concorrência está nesse
processo —, mas era, sobretudo, criar concorrência onde ela hoje não existe, portanto, permitir que outros
possam participar no mercado de serviços de sistema”.
(João Galamba)
Segundo Galamba, o problema nos serviços de sistema é a existência de um quase monopólio, que leva a
situações de falha de mercado e sobrecusto:
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“Hoje, nos serviços de sistema, é a EDP que tem praticamente o monopólio da prestação destes serviços.
Como é que se cria mais concorrência?! Abrindo esse mercado a outros participantes. (…) Ou seja, quanto
mais produção descentralizada, agregadores, redes inteligentes, com o lançamento de tudo isso, podemos
rever todos os serviços de sistema, nomeadamente criando concorrência onde ela hoje não existe. (…) Estas
mudanças e a questão dos agregadores que referi são instrumentos fundamentais para criar concorrência
nesse mercado e para reduzir algumas rendas que hoje existem, não por vício contratual, mas pelo simples
facto de que quem presta aquele serviço é uma só empresa, ou são poucas empresas, por isso, essa empresa
tem facilidade em apropriar-se de ganhos, com prejuízo para os consumidores”.
2.2. Atuação da Autoridade da Concorrência
Após o relatório da ERSE em 2012, foi requerido à AdC um relatório sobre eventuais práticas de abuso no
mercado de serviços de sistema. Nesse sentido, é detetada a falha no mecanismo de revisibilidade dos
CMEC, e em 2013 recomenda ao governo que seja feita uma auditoria. No entanto, apenas em 2016, já com
os resultados da auditoria dados a conhecer com o Despacho n.º 10 840/2016, a AdC abre um processo de
contraordenação à EDP no âmbito das práticas abusivas no mercado dos serviços de sistema, embora a sua
recomendação ao governo, sobre os indícios das alegadas práticas abusivas, remonte a 2013. Nesse
documento é identificado:
“25. Este tipo de gestão da oferta no mercado de banda de regulação secundária — na conjuntura em que
é adotado, oportunamente descrita no Estudo desenvolvido pela ERSE e, posteriormente, nos relatórios de
auditoria — aparenta estar na origem da subida dos preços no mercado no período em causa. (…)
27. De facto, no quadro do regime CMEC — em que a empresa é compensada até ao limite dos benefícios
económicos equivalentes aos proporcionados pelos (terminados) CAE, no caso de tais benefícios não serem
assegurados através das receitas obtidas pelas centrais em regime de mercado—a existe um incentivo
estratégico de aumento de lucros, concretizável através de uma prática de redução da atividade das centrais
em regime CMEC em contrapartida de um aumento da atividade das centrais não abrangidas por
compensações CMEC. (…)
29. Assim, em resultado dos baixos níveis de utilização das centrais CMEC na prestação de serviço de
telerregulação em comparação com centrais hidroelétricas em regime de mercado, e para além da eventual
sobrecompensação do Auxílio de Estado atribuído à EDP produção, foi potenciada a prática de preços mais
altos no mercado de banda secundária.”
Abertura de Inquérito de contraordenação, AdC, 2016
Segundo Margarida Matos Rosa, na sua apresentação na CPIPREPE, esta prática onerou os
consumidores duplamente, por via do aumento do valor das compensações pagas à EDP Produção a título de
CMEC e por via do aumento dos preços da banda de regulação secundária, permitindo à EDP Produção
beneficiar de receitas mais elevadas através das centrais não-CMEC.
A AdC estima que esta dupla compensação obtida pela EDP Produção tenha gerado um sobrecusto de
cerca de 140 milhões de euros para o SEN e para os consumidores.
Sobre o processo de contraordenação em curso, em setembro de 2018 foi adotada uma Nota de Ilicitude
contra a EDP Produção, sobre a qual esta se pronunciou em novembro seguinte.
Em 2019, o atual secretário de Estado João Galamba, ouvido na comissão, afirmou que “em princípio, o
processo deverá avançar para uma multa por parte da Autoridade da Concorrência [à EDP]”, não tendo, no
entanto, referido nenhum valor.
Face à dúvida levantada pela comissão de acompanhamento da auditoria, sobre se o valor do sobrecusto
identificado no relatório deveria ser abatido à tarifa (e por isso considerado um aspeto inovatório), João
Galamba considera que a sobrecompensação ocorrida no mercado de serviços de sistema não é um aspeto
inovatório da natureza dos que a ERSE identificou quanto aos CMEC (isto é: vantagens adicionadas por atos
administrativos posteriores ao Decreto-Lei n.º 240/2004), mas sim um abuso de posição dominante a penalizar
em sede própria, alheio à revisibilidade dos CMEC:
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“A DGEG envia-me o processo e eu irei perguntar à DGEG e à ERSE os fundamentos para considerar a
sobrecompensação dos CMEC um aspeto inovatório porque me parece que neste caso não estamos perante
um aspeto inovatório, estamos, sim, perante um abuso de posição dominante, que deve ser sancionado e está
a ser sancionado pela Autoridade da Concorrência em sede própria. (…) A sanção, a existir, virá da
Autoridade da Concorrência e não de uma penalização via tarifa, e porque me parece, também, que não se
pode sancionar uma empresa duas vezes.”
(João Galamba)
Conclusão
A existência de sobrecompensações pagas à EDP no âmbito do mercado de serviços de sistema é matéria
de grande complexidade técnica que tem sido estudada ao longo dos últimos seis anos em diversas
instâncias. O SEN foi prejudicado pela EDP em valores que são avaliados de 72,9 M€ (ERSE/DGEG) a 140
M€ (AdC).
A correção da legislação introduzida em 2014 terá impedido eventuais estratégias de abuso de posição
dominante por parte da EDP.
Recomendação
A integração dos serviços de sistema, em termos de política energética e planeamento estratégico do SEN,
tal como de outros instrumentos de gestão de oferta e procura em modelos concorrenciais que propiciem a
redução de custos para os consumidores e a maximização da integração da produção de fonte renovável.
Capítulo 11
O novo regime remuneratório da produção eólica aprovado em 2013
O Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro, foi aprovado em Conselho de Ministros em dezembro de
2012. Para o apresentar, recorremos ao próprio preâmbulo do diploma:
“Na linha dos compromissos assumidos no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de
Política Económica, celebrado em maio de 2011, entre o Estado Português, o Banco Central Europeu e a
Comissão Europeia, foram encetadas conversações com a APREN – Associação Portuguesa de Energias
Renováveis (APREN), que representa os interesses dos titulares de centros eletroprodutores a partir de fontes
renováveis, com vista à densificação do enquadramento remuneratório aplicável às instalações eólicas
existentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 33-A/2005, de 16 de fevereiro, após o decurso dos
respetivos períodos de remuneração garantida, em termos passíveis de conjugar a resposta às referidas
questões de segurança jurídica [alegadas atrás quanto ao “regime remuneratório ou à forma da sua
remuneração”] com o imperativo de promoção da sustentabilidade económica e social do SEN.
No seguimento dessas conversações, e em conformidade com o acordo de princípio aí alcançado, o
presente decreto-lei prevê a possibilidade de adesão por parte das referidas instalações a um de entre quatro
regimes remuneratórios alternativos, destinados a vigorar por um período determinado, para além dos
períodos de remuneração garantida. A adesão aos mencionados regimes remuneratórios, selecionados pelos
titulares de cada instalação em função das suas particularidades, implica o pagamento de uma compensação
anual destinada a contribuir para a sustentabilidade do SEN, permitindo, assim, preservar a estabilidade
remuneratória dos centros eletroprodutores eólicos, ao mesmo tempo que assegura a mitigação do impacto na
fatura energética dos sobrecustos anuais resultantes do apoio à produção de eletricidade a partir de fontes
eólicas”.
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1. O contexto em que surge a medida
1.1. O Memorando de Entendimento com a troika e a limitação dos sobrecustos associados à
Produção em Regime Especial (PRE)
Um dos afirmados objetivos do Memorando de Entendimento assinado em maio de 2011 entre o governo
José Sócrates e a troika era “assegurar que a redução da dependência energética e a promoção das energias
renováveis seja feita de modo a limitar os sobrecustos associados à produção de electricidade nos regimes
ordinário e especial (cogeração e renováveis)”.
Na sua medida 5.9, o Memorando encarregava as autoridades portuguesas de, “em relação aos actuais
contratos em renováveis, avaliar, num relatório, a possibilidade de acordar uma renegociação dos contratos,
com vista a uma tarifa bonificada de venda mais baixa”, sendo o prazo de concretização desta medida o
quarto trimestre de 2011.
1.2. A proposta da EDP e a resposta do Governo
No final de julho de 2011, Henrique Gomes, secretário de Estado da Energia do recém-empossado
Governo PSD/CDS, convoca a EDP a uma reunião para a discussão dos pontos do Memorando. Nessa
reunião, a 2 de agosto, a EDP apresenta uma proposta global, assente essencialmente em diferimentos de
custos e no corte de remunerações na cogeração (analisada noutro capítulo deste relatório) e que inclui,
quanto à restante Produção em Regime Especial, a “criação de um mecanismo de adesão voluntária
previamente formalizada para compra pelos produtores da extensão do período de tarifa garantida”.
A ideia não é bem acolhida pelo secretário de Estado da Energia, mas a EDP insiste em outubro de 2011,
incluindo-a novamente na proposta de entendimento sobre “medidas para a revisão dos custos do sector
eléctrico” que remete ao governo. A proposta é agora mais detalhada:
“Reformulação do prazo de tarifa bonificada garantida aplicável à produção de electricidade com tecnologia
eólica (parques existentes cuja capacidade não foi objecto de procedimento concursal).
(…) a única forma equilibrada de se agir sobre este universo é através da proposta de um negócio,
totalmente separado do existente, mas que poderá ser benéfico para o sistema eléctrico e para o Estado,
mantendo o equilíbrio contratual dos promotores.
A medida proposta consiste em colocar à disposição dos promotores um prolongamento do período pelo
qual recebem a tarifa bonificada, tendo como contrapartida um pagamento a suportar pelos produtores a favor
da tarifa, durante os próximos 2 a 3 anos, em montante a definir.
Esta medida permite ultrapassar os constrangimentos dos parques em project finance por não afectar os
cash-flows do projecto, garante um encaixe financeiro para o sistema eléctrico já no curto prazo e confere uma
maior estabilidade temporal aos promotores”.
O Secretário de Estado Henrique Gomes remete então ao Ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira,
uma nota interna sobre a proposta de acordo da EDP de 4 de outubro. Nessa nota, sobre as negociações,
explicita que:
“A reformulação do prazo da tarifa bonificada garantida à produção eólica consiste em prolongar no tempo
o direito à remuneração garantida (3 a 5 anos, de acordo com a proposta efectuada por um conjunto de
produtores que representam cerca de 80% da potência instalada relevante) em troca de um pagamento a favor
do sistema tarifário a efectuar pelos produtores (15000€/MW instalado por cada ano de extensão, de acordo
com a referida proposta).
Conclusão: Esta medida insere-se na lógica de “empurrar” para o futuro os custos dos compromissos
assumidos no passado, não contribuindo para resolver os problemas estruturais e aumentando os riscos do
SEN. Isenta os produtores eólicos de empreenderem qualquer esforço de redução de custos do sistema
eléctrico”.
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1.3. A queda da contribuição especial e a insistência da troika sobre redução de custos com a PRE
No início de dezembro, na sequência do abandono pelo governo do projeto de contribuição especial do
setor elétrico preparada no ministério da Economia (ver capítulo anterior), a segunda revisão do Memorando
adita a medida 5.15:
“Serão tomadas medidas para colocar o SEN numa trajetória sustentável, para eliminar o défice tarifário em
2020 e assegurar a sua estabilização em 2013. Este prazo é sujeito a uma revisão baseada num relatório a
propor pelo governo que especificará também como serão corrigidas as rendas excessivas na produção nos
regimes ordinário (CMEC, CAE, garantia de potência) e especial (cogeração e renováveis). Esta proposta
considerará os méritos de um largo espectro de medidas que cobrirão todas as fontes de rendas”.
A CPIPREPE apurou que este relatório sobre rendas excessivas no setor elétrico (que anexou o estudo da
CEPA – Cambridge Economic Policy Associates) teve duas versões.
A primeira versão, com data de 31 de janeiro de 2011, foi encontrada no arquivo do Ministério da
Economia. É a versão que Henrique Gomes entregou ao ministro e que este encaminhou a Carlos Moedas, o
membro do governo responsável pela Estrutura de Acompanhamento do Memorando (ESAME).
De acordo com Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes (e também do seu
sucessor, Artur Trindade), o secretário de Estado considerou não ter condições para intervir sobre as
remunerações dos CMEC e da PRE eólica, não incluindo esses temas na sua proposta.
“O engenheiro Henrique Gomes entendeu, face ao abandono do tema da contribuição, que não existiria, à
data, uma terapêutica no tocava aos CMEC e à PRE, e, neste caso, estamos basicamente a falar na eólica
(…) Este documento foi objeto de alguma discussão entre o Ministério da Economia e a ESAME e houve uma
série de reuniões posteriores — estamos a falar de dezembro, início de janeiro — no sentido de o consolidar.
Creio que o que estava a passar-se tratava-se, acima de tudo, de mensagens políticas”.
(Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes, 2011-2012)
O membro do governo que liderava a ESAME era Carlos Moedas, que no seu testemunho afirmou:
Não sou especialista nem me lembro exatamente desse decreto-lei [35/2013] em particular. (…) Recordo-
me da negociação no seu conjunto. (…) Tínhamos de chegar a 2,1 mil milhões de cortes. Na verdade, eu tinha
de ter um papel pragmático, que era pedir ao ministro da Economia que me enviasse como é que chegava a
esse valor. E assim foi. Esse valor era atingido por várias negociações, fosse nos CMEC, na garantia de
potência, na cogeração, isso para mim não era o meu dia a dia. Portanto, para lhe responder com toda a
franqueza, não me lembro exatamente desse ponto porque não era parte do meu trabalho; o meu trabalho era
receber o que estava a ser feito, as soluções, e ir para a frente. Era essa a minha função”.
(Carlos Moedas, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro, 2011-2014)
Deste trabalho conjunto entre as equipas do Ministério da Economia e da ESAME, resulta, a 9 de fevereiro,
a segunda versão do referido relatório, a única efetivamente entregue à troika. Este segundo documento
nunca foi encontrado nos arquivos do governo no seguimento dos pedidos da CPIPREPE, tendo sido obtido
por esta junto da OCDE (que o cita num estudo sobre a economia portuguesa). Nesse documento é
introduzida, em termos em tudo semelhantes aos da proposta adiantada três meses antes pela EDP, a medida
de extensão da tarifa garantida das centrais eólicas:
“Dado que a maioria dos investimentos [em centrais eólicas] envolvemproject-finance ou estruturas
complexas de financiamento e de capital, desenhadas em articulação com os contratos de FIT [feed-in tariff]
atualmente existentes,foi discutido um esquema alternativo, financeiramente equivalente a uma redução das
FIT, em troca de uma extensão do período garantido: em vez de reduzir desde já as FIT (que desencadearia
eventos de crédito nos project-financesubjacentes e conduziria estes produtores a uma situação de falência),
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a maioria dos produtores (cerca de 65% concordaram em adiantar uma determinada quantia em troca de
comprarem a extensão desta tarifa garantida).
Esta operação implicaria o pagamento de 50M€/ano por cada ano adicional de extensão da FIT garantida
(a proposta foi uma extensão de três anos, num total de 150M€ ao fim de três anos). O lado negativo desta
medida seria a extensão por mais três da atual estrutura de FIT para estes operadores, atrasando a venda de
eletricidade gerada em centrais eólicas a preços de mercado. Em todo o caso, a medida precisa de ser
aprofundada para assegurar a sua neutralidade financeira no défice tarifário”.
A existência de acordo, em janeiro de 2011, por parte de 65% dos produtores para adesão à medida foi
contestada na CPIPREPE pelo presidente da Associação dos Produtores de Energias Renováveis (APREN),
António Sá da Costa:
“Também fui confrontado com esta história dos 65% e não faço ideia de onde foram inventar os 65%! Nem
quem foi, nem de onde veio esse valor! Porque para arranjar 65%… Fui fazer umas contas e, para ter 65% da
potência da altura, tinha de falar com oito ou nove dos maiores promotores. E, depois, se tirássemos o maior e
começássemos a descer, então o número começava a crescer. Eu dei-me ao trabalho, antes de responder à
vossa questão, de falar não com os oito, mas com os sete — deixei a EDP de fora, que não sabia o que se
tinha passado — e fui falar com os CEO [chief executive officers] de todos os sete da altura e todos me
disseram que nunca souberam do assunto. (…) A primeira vez que fui chamado a falar deste assunto, não sei
se foi em maio ou junho de 2012, já era o Dr. Artur Trindade. O trabalho que fizemos desenvolveu-se
fundamentalmente em julho e agosto. A proposta que ele nos pôs em cima da mesa foi no final de agosto de
2012”.
(Sá da Costa, presidente da APREN)
A proposta do governo aos produtores eólicos veio a dar origem ao Decreto-Lei n.º 35/2013, que prevê,
terminados os 15 anos da tarifa garantida estabelecida no Decreto-Lei n.º 33-A/2005, a extensão da garantia
de escoamento de toda a produção eólica e o pagamento dessa eletricidade ao preço do mercado a preço
mínimo (floor) em duas modalidades:
1) a primeira assegura a remuneração numa banda que pode variar entre um chão (floor) –
aproximadamente 69€/MWh em 2020 – e, se o preço do mercado estiver acima desse valor, um teto (cap) de
90€/MWh, valor em 2020;
2) a segunda modalidade garante aos produtores, em 2021, um floor mais baixo, de 55€/MWh; mas, se o
mercado estiver acima desse valor, é esse o preço pago ao produtor, sem qualquer teto.
Ambas as modalidades podem ser praticadas por períodos de 5 ou de 7 anos, à discrição do produtor. Os
números da distribuição da potência pelas diferentes modalidades são disponibilizados pela ERSE.
A compra da extensão do período de tarifa garantida tem sido concretizada mediante uma “contribuição
voluntária” anual, paga ao SEN pelos produtores ao longo de oito anos (2013-2020) de acordo com a potência
inscrita, da modalidade escolhida e do período de extensão. A receita anual do SEN é de 27,7M€ anuais, ou
222M€ no total (valor sem inflação).
Adicionalmente, o governo assegurou nesse acordo com a APREN a criação de um regime de escoamento
garantido da eletricidade produzida por potência instalada em sobreequipamento (capacidade adicional em
centrais já existentes) com regime FIT específico para essa potência. O novo regime, estabelecido no Decreto-
Lei n.º 94/2014, fixou uma FIT de 60€/MWh mas permitiu que, mediante pagamento dos oito anos de
“contribuição voluntária” ao SEN, essa potência transite para o regime do Decreto-Lei n.º 35/2013.
Praticamente toda a produção eólica existente no país em 2013 aderiu ao regime do Decreto-Lei n.º
35/2013, repartindo-se pelas suas modalidade da seguinte forma (fonte: ERSE):
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Regime Duração Potência
floor 69 + cap 90 5 anos 273,9 MW
floor 69 + cap 90 7 anos 4045,5 MW
floor 55 5 anos 33,8 MW
floor 55 7 anos 478 MW
Fonte: SEE, resposta a requerimento do Bloco de Esquerda, janeiro 2018
1.5 O impacto incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013
Desde o início dos trabalhos da CPIPREPE, o impacto tarifário desta extensão de garantias pelo Decreto-
Lei n.º 35/2013 foi objeto de acesa controvérsia. Para a encerrar, este relatório adota a metodologia de
avaliação defendida pelo ex-secretário de Estado Artur Trindade para esta medida política que ele próprio
tomou:
“Quando se analisa uma medida, é importante ver, nessa legislação, nesta medida, o que é que existia se a
medida não fosse tomada e o que é que existe se a medida for tomada. (…) Uma coisa é criticar o regime dos
produtores eólicos, outra coisa é analisar o impacto, se quiserem, incremental que este decreto-lei teve nesses
mesmos produtores”.
1.5.1 O que existiria se o Decreto-Lei n.º 35/2013 não tivesse sido aprovado pelo governo?
Sem o Decreto-Lei n.º 35/2013, estaria em plena aplicação o Decreto-Lei n.º 33-A/2005, que no seu artigo
4.º define o regime para a remuneração da produção eólica após os 15 anos de FIT definidos em 2005:
“Artigo 4.º
Âmbito de aplicação
1 – À electricidade produzida em instalações que já tenham obtido licença de estabelecimento à data da
entrada em vigor do presente diploma e à electricidade produzida em instalações cujo pedido de informação
prévia tenha sido respondido favoravelmente pela DGGE até à data de entrada em vigor do presente diploma
e venham a obter a respectiva licença de estabelecimento no prazo de um ano. (…)
3 – Para as instalações previstas no n.º 1, o regime de remuneração em vigor até à data de entrada em
vigor do presente diploma mantém-se (…) b) por um prazo de 15 anos a contar da data de entrada em vigor
do presente diploma, para as instalações não hídricas já em exploração;
4 – No final do período de 15 anos referido no número anterior, excepto no caso das PCH [pequenas
centrais hídricas], as instalações são remuneradas pelo fornecimento da electricidade entregue à rede a
preços de mercado e pelas receitas obtidas pela venda de certificados verdes mencionados no preâmbulo da
Directiva 2001/77/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Setembro;
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5 – Se no final do período referido nas alíneas b) e c) do n.º 3 não existirem certificados verdes
transaccionáveis, aplica-se, durante um período adicional de cinco anos, a tarifa referente às centrais
renováveis com início de exploração nessa data”.
(Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 33-A/2005)
No início das negociações com a APREN para a venda aos produtores eólicos de uma extensão de preço
garantido, ficou claro um primeiro ponto: o governo excluía totalmente do cenário pós-2020 a venda em
mercado adicionada das receitas de certificados verdes prevista no ponto 4 do artigo 4.º da Lei n.º 33-A/2005:
“Foi-nos transmitido pelo Secretário de Estado Artur Trindade que não era intenção… É que já se tinha
provado que os certificados verdes não funcionam na Europa, não funcionaram, nunca. (…) Portanto, era
muito complexo e diz-se: «nós não vamos ter»”.
(Sá da Costa, presidente da APREN)
“O que temos por detrás desta análise são os direitos que eles já tinham, os direitos adquiridos. Poderão
ser esses cinco anos de tarifas ou o regime de certificados verdes, em relação aos quais eu disse «só por
cima do meu cadáver». Os certificados verdes são a coisa pior em termos de promoção, não de garantias de
origem. De todo o histórico, por todo o planeta, o pior que existe em termos de custos são os certificados
verdes. Há vários exemplos aí documentados disso. Eles geram subsídios mais altos. E, portanto, nunca lhes
ia dar”.
(Artur Trindade, secretário de Estado da Energia, 2012-2015)
Assim, o direito constituído pelo Decreto-Lei n.º 33-A/2005 está claro e corresponde ao regime definido no
ponto 5 do artigo 4.º aplicado ao universo de produtores definido no ponto 1 do mesmo artigo: no final de
2020, as centrais eólicas licenciadas até final de 2006 – e só essas – receberiam, por cinco anos adicionais
(até 2025), a tarifa fixa que tivesse sido atribuída às centrais com início de exploração em 2021.
Por força da lei, as centrais com início de exploração em 2021 seriam atribuídas por mecanismo
concorrencial. A tarifa assim determinada refletiria necessariamente o embaratecimento das tecnologias, como
efetivamente se tem verificado de forma acelerada.
Assim, das centrais hoje em funcionamento, estariam excluídas desta extensão todas as que foram
atribuídas pelos concursos de 2005-2007. A realização de um único concurso antes de 2020 e o licenciamento
da respetiva produção bastariam para fixar a nova tarifa a pagar à potência abrangida pelo Decreto-Lei n.º 33-
A/2005 (4379 MW), admitindo que não era instituído o regime de certificados verdes previsto nesse diploma de
2005.
Por outro lado, é bastante evidente que o regime de certificados verdes, pós FiT é a linha geral do Diploma.
Os 5 anos adicionais de extensão da FiT eram um regime de Salvaguarda. Ora, os certificados verdes
abrangeriam toda a potência, já estavam previstos no tempo do concurso, logo seria reclamado pelas
restantes centrais como alternativa aos certificados verdes, no caso de estes não viram a existir.
1.5.2 Os pressupostos do acordo entre o Governo e a APREN
A negociação entre governo e APREN assentou num pressuposto arbitrário e não explicado, o de que,
entre 2012 e 2020, não se realizaria qualquer novo concurso.
“O que se disse foi que a tarifa de exploração a essa data [2021], era a que estava em vigor na altura
[2012]. Não havia nenhum mecanismo para haver alguma redução”.
(Sá da Costa)
“Na altura [das negociações, em 2012], ninguém pensava que uma central eólica iria entrar em
funcionamento nos próximos anos. E olhe que, para entrar em funcionamento em 2018, tinha de começar o
licenciamento em 2015 ou 2016”.
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(Artur Trindade)
Ora, como claramente explicou Carlos Pimenta na CPIPREPE, o mecanismo para a redução da FIT estava
disponível – e até era explicitado pelo Decreto-Lei n.º 33-A/2005:
“[Depois de 2006] nunca mais se fizeram concursos. Para capturar isto [a redução dos custos de
investimento em produção eólica], o Sr. Deputado fazia um concurso agora e tinha tarifas 20 euros mais
abaixo do que teve no último concurso”.
(Carlos Pimenta, ex-Secretário de Estado do Ambiente, presidente não-executivo do consórcio Novenergia,
e especialista em renováveis)
Ora, o Governo PSD/CDS – o primeiro a quem foi feita a proposta de venda de uma extensão da tarifa –
optou não só por não promover esse concurso, mas também por eliminá-lo como referência da remuneração
futura. O último concurso realizado para centrais eólicas foi vencido em 2007 pelo consórcio Ventinvest, com
uma tarifa de 70€/MWh.
“O Secretário de Estado disse-nos: «então vocês têm, pelo menos por 5 anos, a tarifa garantida dos 74 €
[tarifa do concurso Ventinvest atualizada a 2012], crescendo com a inflação», que era o regime que estava.
Isso já nós tínhamos. E ele disse: «Então está bem. Vocês podem receber o valor do mercado com os 74 € de
floor e um cap, um teto, de 98 €».
(Sá da Costa, presidente da APREN)
Assim, se o Decreto-Lei n.º 35/2013 não existisse, toda a potência eólica licenciada antes dos concursos de
2005-2007 beneficiaria por cinco anos adicionais de uma tarifa fixa (correspondente ao valor da tarifa atribuída
à última central licenciada até àquela data). O valor dessa tarifa é o da última central licenciada (72€ em
2008+inflação) ou um valor de leilão que é desconhecido porque não se realizou em Portugal qualquer
concurso desde 2007. Mais adiante, tomaremos como referência de cálculos o valor indicado por Carlos
Pimenta (50€/MWh em 2018) e também outros, superiores e inferiores, verificados em leilões de potência
eólica recentes, realizados noutros países.
Por fim, sob o Decreto-Lei n.º 33-A/2005, o SEN não encaixaria a “contribuição voluntária” (cerca de 27
M€/ano) paga pelo conjunto dos produtores pela compra da extensão de preços garantidos prevista no
Decreto-Lei n.º 35/2013.
Decreto-Lei n.º 33-A/2005 Decreto-Lei n.º 35/2013
Risco tarifa fixa
última central licenciada antes de 2021
tarifa mercado com ● floor 69/MWh cap 90/MWh
● floor 55€/MWh
Dimensão 3386 MW (não inclui concursos pós 2005)
4832 MW (inclui centrais por concurso)
Prazo 5 anos 7 anos (4524 MW) 5 anos (307MW)
receita — c. 222 milhões de euros
1.5.3 O que passou a existir com o Decreto-Lei n.º 35/2013?
Sob o Governo PSD/CDS e a tutela do ministro Santos Pereira e do secretário de Estado Artur Trindade, foi
decidido que:
– em vez de uma tarifa fixa, é criado um regime assente num floor que acompanha o preço de mercado e
assim transfere grande parte do risco para o lado dos consumidores;
– em vez de uma garantia por 5 anos, é oferecida uma garantia por 5 ou 7 anos, sendo a segunda a
escolhida por 87,5% da capacidade eólica;
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– as centrais atribuídas por concurso após 2005 (que se pode argumentar estarem excluídas de qualquer
benefício sob o Decreto-Lei n.º 33-A/2005) passaram a estar cobertas por um regime de garantia por 5 ou 7
anos, e impedidas de beneficiar do regime de certificados verdes, o que configura uma radical mudança das
condições definidas no momento dos concursos.
A este respeito refira-se que o Decreto-Lei n.º 33-A/2005 já previa os certificados verdes antes do
concurso. O mesmo diploma prevê que caso não haja certificados verdes haverá 5 anos de tarifa (a última)
não resulta nada claro que ao lhes ser retirados os certificados verdes, esta potência não tivesse direito a
beneficiar da alínea seguinte. Pois já existia essa legislação na altura dos concursos.
1.5.4. A intervenção da ERSE
1.5.4.1 O parecer prévio da ERSE sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 35/2013
Em outubro de 2012 a ERSE remete ao governo o seu parecer prévio acerca do projeto de Decreto-Lei que
prevê a contribuição dos centros eletroprodutores integrados na PRE para a sustentabilidade do SEN”.
Sucintamente, a ERSE regista que:
“Este mecanismo corresponde a uma transferência intertemporal de custos estando, no entanto, implícito
um risco para o consumidor e o produtor associado à evolução do preço de mercado. (…) O objetivo deste
regime de aliviar a tensão tarifária entre 2013 e 2020 é apreciado pela ERSE. (…)
Considerando que o projeto de decreto-lei analisado se constitui como um instrumento para a
sustentabilidade do SEN, assegurando ao mesmo tempo a consolidação da promoção da produção de energia
elétrica em regime especial (recursos endógenos e renováveis), a ERSE nada tem a opor”.
(parecer prévio da ERSE sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 35/2013)
1.5.4.2 O primeiro estudo da ERSE sobre o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013
Em maio de 2017, a ERSE pronunciou-se sobre o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013 a pedido do
Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, vindo em junho desse ano adicionar novos
elementos.
O pedido do secretário de estado já continha certos aspetos metodológicos como pressupostos a
considerar, a ERSE não o esconde: “… o tratamento de dados individualizado por produtor permitiu, conforme
solicitado pela SEE, uma separação dos resultados…”
A ERSE usou cinco cenários de evolução do preço de mercado de eletricidade entre 2017 e 2037: 91
€/MWh (cenário superior para os preços de energia no Relatório de Monitorização e Segurança de
Abastecimento RMSA-2012); 47,6 €/MWh (cenário base de análise de sustentabilidade do SEN 2018-2028,
realizado no âmbito do exercício tarifário para 2017, seguido de evolução à taxa média dessa série); E mais
três cenários até 2037: 40 €/MWh, 50 €/MWh e 60 €/MWh. A taxa de inflação sem habitação no continente,
para a atualização anual dos limiares dos preços, foi de 1,7% (previsão do Banco de Portugal).
Para o cálculo do VAL foram considerados cenários para três taxas de desconto, que pretendem refletir a
perspetiva das empresas reguladas – taxa de 10%, que considera o risco de mercado; taxa de 6,5%, que
reflete o custo de capital de um ativo regulado – e também a perspetiva do SEN, considerando a taxa média
implícita no serviço de dívida tarifária em 2017 (aproximadamente 3,2%).
No que respeita à tarifa de referência para a remuneração dos PRE eólicos prevista em 2005 para o
período adicional de 5 anos foi considerado um valor base de 72 €/MWh (média das tarifas dos produtores
eólicos que se ligaram à rede em 2015 e 2016). Segundo a ERSE, “por se tratar de uma variável sensível, cuja
definição não é clara, na análise, para além de se ter pressuposto uma tarifa igual a 72 €/MWh, consideraram-
se duas situações adicionais desta tarifa de referência: (i) o maior valor entre 72 €/MWh e o preço de mercado
e (ii) um valor igual a 85 €/MWh”.
Assim, nesta primeira avaliação (feita em maio de 2017, a solicitação do governo), a ERSE faz os seus
cálculos para o cenário de aplicação do Decreto-Lei n.º 33-A/2005 considerando que “a tarifa referente às
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centrais renováveis com início de exploração nessa data [2020]” seria 72€/MWh (a tarifa atualizada da última
central licenciada em Portugal, em 2007). Daí conclui que:
“Em todos os cenários de preços de energia elétrica, com exceção dos preços que terão estado na origem
das simulações do RMSA-E 2012, o VAL dos impactos anuais agregados resultantes da aplicação do Decreto-
Lei n.º 35/2013 é negativo, isto é, este diploma gerou um menor custo para o SEN. A exceção, quando se
consideram os preços mais elevados do RMSA-E 2012 [91€/MWh], deve-se ao facto destes preços serem
substancialmente mais altos do que a tarifa de referência considerada na simulação. Registe-se que tanto na
opção com limite a) (74 a 98 €/MWh), como na opção com limite b) (acima de 60 €/MWh), a consideração de
preços de mercado tão elevados como os do RMSA-E 2012 leva a perdas para o sistema”.
1.5.4.3 Secretário de Estado pede parecer mais detalhado
Porém, no momento do Decreto-Lei n.º 35/2013, não podia ser excluída a realização de um leilão que
determinasse uma FIT mais baixa. Esse leilão poderia ocorrer ainda nos anos seguintes, obtendo-se tarifas
que refletiriam a redução dos custos de investimento em eólicas. O congelamento do valor de referência em
2013 é uma inovação do Decreto-Lei n.º 35/2013 e em nada resulta dos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005.
Nesta primeira avaliação, a ERSE assume assim o racional do governo e dos produtores que, em 2013,
concordaram não considerar a tarifa de eventuais novos leilões como referência para a tarifa fixa no período
adicional. Ora, a realização de leilões não só não estava legalmente excluída como, no quadro do Decreto-Lei
n.º 33-A/2005, era a única opção racional numa lógica de proteção do interesse do SEN.
O Secretário de Estado da Energia solicita então à ERSE um aditamento ao estudo, que é realizado. Jorge
Seguro Sanches pede à ERSE que complete o seu estudo considerando um segundo cenário para o preço da
FIT pós-2020, tomando como referência os preços de mercado de então, 45,1€/MWh (preço médio ponderado
de mercado em Portugal, entre 1 de novembro de 2015 e o último dia disponível, 23 de junho de 2017) e
mantendo todos os restantes parâmetros.
Assim, a ERSE estima o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013 para o SEN, no que refere à PRE eólica, e
com a taxa de desconto que reflete a sua perspetiva, em 1.298 M€ negativos no novo cenário com mercado a
45,1€/MWh e tarifa fixa a 45,1€MWh.).
Muitas das questões feitas ao longo da CPIPREPE centraram-se na qualidade dos reguladores e na sua
ação. Um regulador incapaz, ineficaz, sai caro ao Estado e aos contribuintes.
A verdade é que parece que alguns reguladores não foram diligentes. O Ministério Público acusa a
Autoridade da Concorrência (AdC) de ter esperado uma década para se pronunciar sobre os CMEC. Esta falta
de ação do regulador da concorrência consta num relatório do Ministério Público produzido no âmbito da
investigação aos CMEC, datado de meados de 2015: “A AdC, apesar dos recursos técnicos ao seu dispor,
precisou de mais de dez anos após a publicação do regime dos CMEC, ou de mais de seis anos após a
cessação efetiva dos CAE, para formular a recomendação que se impunha na ótica da defesa do interesse
público”, lê-se nesse relatório. Só em 2013, já Manuel Sebastião estava em fim de mandato na AdC, foi aberta
uma investigação. Sobre o porquê de só se ter pronunciado passado todo este tempo, Manuel Sebastião
disse:
“Ouvi essa afirmação, não a li, mas não percebo essa conclusão da Procuradoria. De facto, estive sempre
a trabalhar sobre este assunto. Em maio de 2008… É que eu nem sequer tinha poderes; tive de explorar muito
bem a capacidade que podia ter porque, ao abrigo da lei da concorrência, eu não podia fazer nada. Então, ao
abrigo dos estatutos, podia fazer estudos e nesses estudos podia dizer qualquer coisa, e disse.”
(audição Manuel Sebastião)
Importa, no entanto, clarificar que a ERSE refere que estes são os resultados que decorrem das premissas
e inputs considerados da responsabilidade do Secretário de Estado, não da ERSE. Ou seja, os pressupostos
que dão origem aos cálculos são do responsável político da altura e não da ERSE, como fica bem claro nos
documentos emitidos pela ERSE.
Primeiro parágrafo da primeira página deste texto da ERSE:
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“Correspondendo ao solicitado pelo Senhor Secretário de Estado da Energia (SEEn), em 27 de junho,
sobrea alteração de pressupostos utilizados no parecer da ERSE de maio de 2017 e aditamento subsequente,
sobre os potenciais impactos das alterações do regime remuneratório da Produção em Regime Especial (PRE)
introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro, nos custos atuais e futuros do Sistema Elétrico
Nacional (SEN), designadamente na análise de sustentabilidade do SEN, a ERSE efetuou um conjunto de
simulações, cujos resultados são de seguida apresentados.”
Aliás, já no primeiro estudo que o responsável político pede à ERSE estavam alguns pressupostos e
premissas, que a ERSE também assinala na resposta. Neste segundo parecer a malha de pressupostos é
ainda mais apertada e a ERSE limita-se a fazer os cálculos, usando os pressupostos que a tutela da energia
lhe fornece, mas fazendo essa indicação.
Ao contrário, o parecer de 2013 da ERSE foi emitido de forma totalmente independente e espontânea, sem
que lhe tenha sido submetido qualquer pressuposto pelo Governo de então.
Houve falta de credibilidade dos reguladores e, no caso da ERSE – particularmente na atual administração
– falta de independência que descredibiliza todos os pareceres que a ERSE enviou à CPIPREPE. Cristina
Portugal ocultou do Parlamento (ao não referir no seu curriculum vitae) que tinha participado no Grupo de
Trabalho Conjunto Sobre Custos Energéticos (PS e BE). Tal informação teria sido relevante na apreciação da
sua adequação para o cargo. Assim, os pareceres da entidade reguladora, a pedido do então secretário de
Estado da Energia Seguro Sanches – e parametrizados pelo BE – não têm, qualquer credibilidade.
1.5.5 Cálculos apresentados por Carlos Pimenta na CPIPREPE
Na sequência da sua apresentação à CPIPREPE, Carlos Pimenta fez chegar à comissão uma folha de
cálculo em que é avaliado o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013. Os dados são os do novo regime e os
pressupostos são em tudo semelhantes aos do cálculo da ERSE, com a taxa de desconto adequada na
perspetiva dos produtores, 7,5% (e não do SEN – 3,2% segundo a ERSE). Os seus cálculos não identificam o
impacto da nova legislação face à anterior, antes assumindo um outro cenário contrafactual que não é o do
Decreto-Lei n.º 33-A/2005.
“Como não há certificados verdes, o que está aqui a ser considerado é apenas o CO2. (…) Só estou a
contar com o mesmo fator que estava na fórmula do feed-in tarifa, que é o número de gramas de CO2 que é
utilizado para fazer 1 KWh de gás, ciclo combinado, na central mais eficiente, que são 370 g. (…) Se o preço
de mercado for acima de 57 €/MWh, os consumidores estão a ganhar e os produtores estão a perder. Isto está
mais ou menos de acordo com as previsões que tínhamos em 2012”.
(Carlos Pimenta)
Sobre a ERSE, o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade afirmou na CPIPREPE:
“Costumo dizer que quem quer dar poderes à ERSE, não manda a ERSE dar pareceres. Quando se quer
dar poder à ERSE, diz-se à ERSE que determine. Isso é que é dar poderes, porque os pareceres são não-
vinculativos! Cada um dá os pareceres que quer.”
(audição Artur Trindade)
Segundo a argumentação de Carlos Pimenta, o CO2 evitado é utilizado como um estimador do valor dos
certificados verdes, tendo em conta as emissões de uma central a gás de ciclo combinado e o preço da
tonelada de CO2.
1.5.6 Cálculos apresentados por Artur Trindade na CPIPREPE
O ex-secretário de Estado Artur Trindade, autor do Decreto-Lei n.º 35/2013, apresentou à CPIPREPE uma
folha de cálculo com os seguintes parâmetros:
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Taxa Desconto 7,00%
Horas equivalentes 2 450 h/ano
Degradação anual 0,50% %/ano
Potência 1 4 045 MW
Contribuição 1 5 800 €/MW
Potência 2 479 MW
Contribuição 2 5 800 €/MW
Potência 3 274 MW
Contribuição 3 5 000 €/MW
Potência 4 34 MW
Contribuição 4 5 000 €/MW
Potência total 4 832 MW
Floor 2021 - 2 60 €/MWh
Floor 2021 - 1 74 €/MWh
Cap 2021 98 €/MWh
Preço mercado 2021 65 €/MWh
Emissão evitada 370 g/kWh
Custo CO2 25 €/ton
Inflação 2013-2020 - Base 2,00%
Inflação 2018-2020 1,00%
Inflação 2021-2028 2,00%
Valor GO EUR/MWh 3 €/MWh
Esta metodologia considera como efeito incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013 o não pagamento de
certificados verdes. Os certificados verdes são valorizados, tal como tinha já fizera Carlos Pimenta, tendo em
conta as emissões evitadas por uma central a ciclo combinado a gás natural – a central marginal e a menos
poluente – logo, são um minorante em termos de quantidade. Em termos de preço de CO2, foi proposto 25€ a
tonelada, como um valor em linha com as ambições de transição energética e que é um valor mais alto do que
o apresentado por Carlos Pimenta na sua audição.
Os resultados do cálculo são os apresentados no gráfico seguinte:
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Os resultados apontam para um VAL positivo para o SEN e para os consumidores, para a generalidade dos
preços de mercado em 2012. A partir de 65 € por MWh o VAL (benefício) para os consumidores é de cerca de
650 M€. Foi referido que o preço médio de mercado no segundo semestre de 2018 foi de 65 €/Mwh. No
entanto, é claro que a dimensão do ganho (ou até perda) para o consumidor depende do preço de mercado
que se verifique. Com efeito, de acordo com esta metodologia, se o preço for inferior a 50€ a partir de 2021
pode haver perda para o SEN.
1.5.6 Cálculo dos possíveis impactos incrementais do Decreto-Lei n.º 35/2013 – Cenários BE
Para bem determinar os possíveis impactos do Decreto-Lei n.º 35/2013 devem ser utilizados diferentes
cenários de preços médios de mercado. Para cada um desses cenários, cabe identificar:
● o ganho ou sobrecusto para o SEN resultante da aplicação dos floors e do cap previstos do Decreto-Lei
n.º 35/2013, por oposição à tarifa de referência (leilão), deduzido da receita obtida pelo SEN com a
“contribuição voluntária” paga pelos produtores;
● a cada um dos valores assim determinado deve ser somada uma segunda quantia, obtida face a cada
preço médio de mercado possível. Trata-se dos ganhos adicionais/cessantes pela não aplicação de
uma tarifa fixa determinada por leilão (como previa o 33-A/2005). Para identificar esses ganhos
adicionais/cessantes, cada preço médio de mercado deve ser cruzado com diferentes tarifas fixas que
poderiam ser obtidas em leilões competitivos;
● o efeito adicional do alargamento da cobertura à potência atribuída por concurso (excluída pelo Decreto-
Lei n.º 33-A/2005);
● o aumento da duração dessa cobertura, de 5 para 7 anos (quando aplicável).
A soma destas parcelas determinará o impacto incremental, em termos financeiros, do Decreto-Lei n.º
35/2013 em cada uma das combinações de preço médio de mercado/tarifa obtida em leilão e que entre em
funcionamento até 2020.
Uma vez que de acordo com o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 33-A/2005 no seu número 5 – Se no final do
período referido nas alíneas b) e c) do n.º 3 não existirem certificados verdes transaccionáveis, aplica-se,
durante um período adicional de cinco anos, a tarifa referente às centrais renováveis com início de
exploração nessa data”.
Os parâmetros utilizados nos cálculos deste relatório são os seguintes:
1. A inflação é a verificada até 2018, sendo igual a este último ano para o resto do período considerado.
2. O load factor é extraído da média de produção real ocorrida entre 2013 e 2016 utilizada nos cálculos
do parecer da ERSE.
3. A taxa de desconto utilizada pretende dar a perspetiva do SEN, refletindo assim o custo médio da
dívida tarifária. Utilizou-se o mesmo valor do parecer da ERSE, sendo, portanto, o da avaliação do custo
daquela dívida referente a 2017.
4. Por simplificação, e sabendo à data que a maioria da potência instalada aderiu à remuneração igual ao
preço de mercado, com limite inferior de 74€/MWh e superior de 98€/MWh, por oposição à opção que apenas
previa o limite inferior de 60€/MWh, os cálculos foram efetuados com referência à primeira opção.
5. Por simplificação, no que se refere aos PRE eólicos resultantes de concursos públicos, foi assumido
que em média a operação se iniciou em 2010, aplicando-se o novo regime no período 2025 a 2032.
Quanto aos valores de uma tarifa de referência determinada nos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005
(leilão), foi utilizada uma ampla gama de valores:
● o valor do floor do regime principal do Decreto-Lei n.º 35/2013 tal como calculado por Artur Trindade:
67€/MWh;
● a estimativa de Carlos Pimenta na CPIPREPE: 50€/MWh em julho de 2018;
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Os potenciais efeitos incrementais do Decreto-Lei n.º 35/2013 são apresentados no quadro abaixo para um
conjunto de preços médios de mercado e preços de referência. (Folha de cálculo disponível aqui).
Na audição do secretário de Estado da Energia, João Galamba, este disse que uma renda excessiva é uma
rentabilidade que, à luz de hoje, parece excessiva e pouco justificada. Contudo, ressalvou que estas decisões
têm de ser reconduzidas ao momento em que foram tomadas. Nesse sentido, argumentou que na transição
entre mercados é natural que se mantenham algumas rendas, apontando para o momento de criação dos
CMEC.
Por outro lado, João Galamba expressou concordância com o seu antecessor no cargo de secretário de
Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, o qual, em audição anterior, disse que não defendia a decisão de
rasgar, alterar ou ignorar contratos estabelecidos pelo próprio Estado:
“O que o meu antecessor e o Ministro da Economia afirmaram nesta Comissão de Inquérito foi que não
concordavam com rasgar, alterar ou ignorar contratos estabelecidos pelo próprio Estado e aí concordo
inteiramente com eles.
Se a sua pergunta é: se identificarmos rendas excessivas e se as devemos cortar, se isso implicar rasgar
contratos? A minha resposta é: não! Não devemos rasgar contratos. E por que é que não devemos rasgar
contratos? Porque foram contratos celebrados pelo próprio Estado e rasgar contratos não é uma forma de
cortar rendas excessivas; pode ser uma forma de, na aparência, cortar rendas excessivas no curto prazo, mas
essas rendas surgem com juros mais à frente.
Portanto, se a sua pergunta é: se devemos ignorar os contratos que, eventualmente, poderão ter
cristalizado no passado essas rendas? A minha resposta é. Não! E, citando o meu antecessor, o que devemos
fazer é, dentro dos contratos existentes, respeitando os contratos existentes, ver se eles estão a ser
corretamente aplicados ou não.
Se defende que devemos olhar para os contratos e ver o que é que neles poderá, eventualmente, ter sido
mal concretizado, aí concordo que devemos cortar essas rendas excessivas; se a pergunta sobre se devemos
ignorar os contratos ou rasgar contratos, a minha resposta é não.”
(audição João Galamba)»
Conclusões desta metodologia
Apesar de, no seu parecer prévio, a ERSE se ter pronunciado favoravelmente ao Decreto-Lei n.º 35/2013, a
ERSE constatou a existência de ganhos de curto prazo (fruto da contribuição voluntária paga pelos
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produtores) mas também de perigo para os consumidores no longo prazo. A averiguação desse perigo ocupou
a CPIPREPE e foi objeto de controvérsia entre diversos intervenientes.
O impacto incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013 não pode ser identificado apenas pelo cálculo do
“sobrecusto líquido”, isto é, a diferença entre o preço de mercado e a tarifa resultante da aplicação do floor/cap
menos a “contribuição voluntária”. Nem tão pouco ignorando que, entre 2013 e 2020, era possível a realização
de novos concursos que viessem a resultar numa tarifa mais baixa do que a atribuída em 2007 ao consórcio
Ventinvest (70€/MWh). De facto, aquele impacto só pode ser calculado integrando a dissipação de todos os
ganhos/perdas potenciais sob o regime anterior.
Cruzando todos os preços de mercado (entre 30€ e 95€/MWh) com o valor da tarifa fixa que se poderia
obter num leilão de capacidade eólica a licenciar até 2020, em todos os cenários o SEN sai prejudicado.
Melhor cenário – leilão 67€/MWh (igual ao floor do Decreto-Lei n.º 35/2013), mercado 70€/MWh –, o
impacto incremental para o SEN é de 76 M€ positivos;
Pior cenário – leilão 30€/MWh, mercado 30€/MWh –, impacto de 1971 M€ negativos;
Cenário com as premissas usadas por Carlos Pimenta na CPIPREPE – leilão 50€/MWh, mercado
65€/MWh2 – impacto de 536 M€ negativos.
1.5.7 Cálculo dos possíveis impactos incrementais do Decreto-Lei n.º 35/2013 – Cenários PSD
Nesta secção procura-se considerar os impactos da metodologia definida no cenário do BE, utilizando para
o efeito exatamente o mesmo ficheiro de Excel. O é analisar os cenários obtidos pelo mesmo instrumento de
cálculo mas com parâmetros diferentes e perceber se os resultados se alteram nos cenários analisados.
Os parâmetros utilizados nos cálculos desta secção são os seguintes:
1 – A inflação é a verificada até 2018, sendo igual a este último ano para o resto do período considerado.
2 – O load factor é extraído da média de produção real ocorrida entre 2013 e 2016 utilizada nos cálculos
do parecer da ERSE.
3 – A taxa de desconto é de 7%, à semelhança de diferentes análises já mencionadas nesta comissão.
4 – Por simplificação, e sabendo à data que a maioria da potência instalada aderiu à remuneração igual ao
preço de mercado, com limite inferior de 74€/MWh e superior de 98€/MWh, por oposição à opção que apenas
previa o limite inferior de 60€/MWh, os cálculos foram efetuados com referência à primeira opção.
5 – Por simplificação, no que se refere aos PRE eólicos resultantes de concursos públicos, foi assumido
que em média a operação se iniciou em 2010, aplicando-se o novo regime no período 2025 a 2032.
6 – Factor de degradação das máquinas é de 0,05% ao ano.
Quanto aos valores de uma tarifa de referência determinada nos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005
(leilão), foi utilizada a seguinte gama de valores:
● o valor da tarifa de referência da úúltima central licenciada, 72€/MWh, actualizada com a inflação até
2021 nos termos da FiT que lhe é aplicável e que resulta em 84,3€/MWh valor muito próximo do
utilizado pela ERSE no parecer pedido pela SEE em 2017 e acima citado (85€/MWh);
● a estimativa implícita de Carlos Pimenta na CPIPREPE: 50€/MWh em julho de 2018 acrescentada dos
custos com as rendas aos municípios, ligação às redes e sobrecusto dos terrenos. O que resulta em
54,3€ MWh.
Os resultados são os seguintes:
2 Preço de mercado no dia da audição, citado por Carlos Pimenta
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54,3 59,7 65,1 70,5 75,9 81,3 84,3
30 -690 -573 -455 -337 -219 -101 -36
35 -623 -505 -387 -269 -151 -34 32
40 -555 -437 -320 -202 -84 34 99
45 -488 -370 -252 -134 -16 102 167
50 -420 -302 -184 -66 51 169 235
55 -352 -234 -117 1 119 237 302
60 -285 -167 -49 69 187 305 370
65 -217 -99 19 136 254 372 438
70 -175 -57 61 179 297 415 480
75 -255 -137 -19 99 216 334 400
80 -364 -246 -128 -10 107 225 291
85 -473 -355 -237 -120 -2 116 182
90 -581 -463 -345 -227 -109 9 74
95 -603 -486 -368 -250 -132 -14 51
100 -547 -429 -312 -194 -76 42 107
105 -480 -362 -244 -126 -8 110 175
Tarifa de referência ou Preço LeilãoEstimativa
Preço Mercado
Impacto SEN - Total (M€)
Refira-se que a última coluna da tabela é a única que não é especulativa. Essa diz respeito a uma tarifa
que, efetivamente, existe hoje e existia em 2012, à data da discussão do Decreto-Lei n.º 35/20013. As
restantes colunas são especulações sobre o preço de um putativo leilão – que nunca ocorreu e que até está
baseado em discussões de custos, havidas em 2018, muito depois de 2012 e com um conhecimento sobre
uma realidade técnica e económica que não existia na altura.
Conclui-se, pois, que em relação à última coluna da tabela, a única que se baseia em dados reais e não
especulativos, o VAL do Decreto-Lei n.º 35/2013 é genericamente positivo, atingindo o seu máximo para
preços de mercado entre 65€ e 75€ por MWh em 2021. O benefício máximo é de 480 Milhões de euros para o
consumidor, quando o preço de mercado estimado para 2021 é de 70 € MWh.
Com esta metodologia, proposta pela primeira vez pelo Deputado Jorge Costa aquando da versão inicial do
relatório desta CPI, o Decreto-Lei n.º 35/2013 apresenta VAL positivo mesmo quando o preço de mercado
atinge valores baixos (entre 40 a 50 € por MWh), algo que não acontece na metodologia apresentada pelo Dr.
Artur Trindade na sua audição na CPI.
Todavia, é importante referir que:
a) o lançamento de leilões para, de forma artificial, encontrar uma outra tarifa de referência, ao abrigo do
disposto no Decreto-Lei n.º 33-A/2005, geraria em si só mais sobre custos. Para que o cálculo fosse
absolutamente correto, o VAL desta nova potência teria que ser abatido ao VAL da tabela, com exceção da
última coluna, que é a única que não pressupõe nova potência.
b) o State Aide Guideline para os apoios a renováveis, publicado pela DG Comp em 2014, já estava em
discussão pública e institucional em 2012/2013. Ora, esse documento não permite antecipar a autorização da
UE do regime de nova potência eólica considerado, a posteriori, na metodologia exposta em 1.5.6.1. Por isso,
o único cenário aceite pela Comissão Europeia (DG Comp) é o da última coluna, ou o regime de certificados
verdes referido na subsecção anterior.
Apenas muito recentemente, já em março de 2019, a aprovação do Novo Pacote de Energia e Clima veio
dar abertura para o que estava anteriormente inviabilizado, nos termos acima descritos. Contudo, não faz
sentido citar uma Diretiva de março de 2019 para criticar um decreto-lei gerado em 2012.
Na sequência da aprovação do Decreto-Lei n.º 35/2013, registou-se a transação da propriedade, logo entre
2013 e 2015, de centrais correspondentes a mais de um terço do mercado português:
● Iberwind (13,6% do mercado) – Magnum Capital vende à Cheung Kong Infrastructure Holdings e à
Power Assets Holdings.
● TrustEnergy (9,2% do mercado) – Engie vende 25% à Marubeni.
● Finerge (12,7% do mercado) – Enel vende à australiana First State Investments.
● Generg (8,2% do mercado) – Fundo Novaenergia vende à Total.
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Recomendação
No caso do Governo entender que este diploma deve ser revisto, para tentar evitar situações de litigância,
deverá ser procurada uma solução negociada e acordada com os produtores para a revisão deste regime
mediante adaptações legislativas para a reposição do equilíbrio económico do regime anterior ao Decreto-Lei
n.º 35/2013 e para a devolução aos produtores das contribuições voluntárias pagas até hoje, acrescidas dos
juros respetivos;
Capítulo 12
Sobreequipamento
1. Contexto e legislação associada
Sobreequipamento é a instalação de novos aerogeradores em centrais eólicas já existentes, de modo a
aumentar a sua potência instalada.
A possibilidade do sobreequipamento é introduzida pelo Decreto de Lei n.º 225/2007, apresentado como
“uma via de desenvolvimento da energia eólica (…), permitindo minimizar os impactes ambientais e os tempos
de licenciamento e de construção por via da utilização das infraestruturas existentes” justificada com “a
necessidade de minimizar os custos de interesse económico geral”.
No entanto, este decreto limita o sobreequipamento a 20% da capacidade de injeção licenciada e define
que a remuneração da potência adicional é feita com tarifa e prazo do regime remuneratório pelo qual o
parque eólico já esteja abrangido.
O Decreto-Lei n.º 51/2010 vem reforçar que o sobreequipamento no sentido de contribuir “para a
concretização do compromisso assumido pelo Governo de assegurar a duplicação da capacidade de produção
de energia eléctrica no horizonte de 2020 eliminando importações, reduzindo a utilização das centrais mais
poluentes e contribuindo para que, em 2020, 60% da produção de energia eléctrica seja feita a partir de fontes
renováveis”, passando a obrigar à instalação nos aerogeradores de equipamentos destinados a suportar cavas
de tensão e fornecimento de energia reactiva durante essas cavas para reforçar a segurança da Rede Elétrica
de Serviço Público (RESP). Adicionalmente, isenta a instalação de nova potência da obrigação de estudos de
impacto ambiental adicionais e reduz o processo de licenciamento a uma comunicação prévia.
A remuneração da potência licenciada ao abrigo Decreto-Lei n.º 51/2010 é redefinida “com um desconto de
0,12 % sobre a tarifa aplicável por cada aumento de 1% na capacidade instalada relativamente à potência de
injecção atribuída”, vigorando essa tarifa até ao final da feed-in tariff original.
Em 2012, no quadro do acordo proposto pelo governo à APREN e que daria origem ao Decreto-Lei n.º
35/2013, é incluído um ponto relativo à intenção do governo de legislar o sobreequipamento e a energia
adicional:
“A par da aprovação da legislação tendente à concretização da proposta, é intenção do governo proceder à
revisão do regime jurídico aplicável ao sobreequipamento, contemplando, no quadro dessa revisão a
possibilidade de os parques eólicos que apresentam uma potência instalada superior à potência de injecção
autorizada injectarem na rede, sempre que as condições técnicas e de segurança da rede assim o permitam, a
totalidade da energia produzida pela respectiva potência instalada.
O regime de remuneração aplicável à energia gerada pela potência instalada que ultrapassa a potência de
injecção autorizada – a qual, actualmente não é remunerada, nem injectada na rede – será criado e fixado de
acordo com critérios de racionalidade económica, devendo constituir-se um grupo de trabalho para analisar os
aspectos técnicos necessários à operacionalização do regime de remuneração fixado.”
Assim em 2014, após a criação de um grupo de trabalho com várias entidades (operadores da rede de
transporte e distribuição, CUR, gestor do SEN e APREN), o Decreto-Lei n.º 94/2014 vem alterar a
remuneração do sobreequipamento definindo que a mesma será remunerada a 60 €/MWh, enquanto perdurar
a aplicação do regime bonificado/garantido ao abrigo do qual o parque foi licenciado.
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Na altura, a ERSE foi consultada e alertou para o seguinte:
● a energia adicional e a energia do sobreequipamento serem remuneradas ao mesmo preço (60€/MWh):
enquanto a primeira se limita à remuneração do eventual diferencial entre potência injetada na rede e
licenciada pelo parque, a segunda decorre de investimentos feitos, o que justificaria uma tarifa
específica:
“Esta situação leva a questionar a pertinência de tratar do mesmo modo situações claramente
distintas, se vistas na perspetiva de um regime de incentivo aos produtores. Em particular, é
questionável que a remuneração necessária para incentivar a injeção de potência adicional (nos
casos em que não existem investimentos adicionais relevantes) seja igual à remuneração atribuída
às situações de sobreequipamento, em que o produtor incorre necessariamente em investimentos
em novos aerogeradores. (…) A ERSE considera que carece de justificação a utilização do mesmo
valor para remuneração de situações potencialmente distintas, nomeadamente no que diz respeito
aos investimentos necessários a efetuar pelos produtores. No caso da energia adicional, podendo
esta corresponder a situações nas quais o investimento adicional exigido ao produtor seja residual ou
nulo, a remuneração parece desajustada.”
● a tarifa dos 60 €/MWh não tem uma justificação económica baseada no mercado, o que levaria a um
potencial sobrecusto máximo de 48,5M€, em 2013.
A ERSE deu parecer positivo a este diploma, nas conclusões e última página do parecer do parecer refere:
“A ERSE reafirma a virtualidade do regime proposto no projeto de decreto-lei na medida em que prossegue
objetivos de política energética nacional e europeia, a um custo mais reduzido para o sistema e com menores
impactes ambientais do que a solução alternativa correspondente a licenciar novos parques eólicos.”
Artur Trindade, na sua audição na CPIPREPE justificou a tarifa de 60€/MWh:
“Previa-se que esse mecanismo do sobreequipamento pudesse facilitar, liberalizar, se quiser, o
investimento em energia eólica, menorizando os custos e facilitando as metas da energia renovável. Os
60€/MWh, não atualizáveis, eram o valor pensado para desbloquear e para dinamizar o sobreequipamento;
para permitir que, de uma forma rápida, se pudesse ter mais investimento em energias renováveis, porque
iriamos precisar deles; (…) Portanto, era fácil, era rápido e tínhamos uma forma de cumprir com os nossos
objetivos e com as novas metas de energias renováveis.”
Ao abrigo deste decreto foram instalado 128 MW de potência em sobreequipamento, de um total de 822
MW elegíveis (Dados ERSE).
No Decreto-Lei n.º 94/2014 fica previsto ainda que a potência licenciada de sobreequipamento em parques
que usufruam do Decreto-Lei n.º 35/2013 possa ser abrangida por esse regime desde que pagas e atualizadas
à nova potência as respetivas contribuições:
“Artigo 11.º
2 – (…) a entidade obrigada à aquisição da energia elétrica produzida em regime especial a nível
continental, procede à determinação do reforço do valor da compensação anual, derivado da autorização para
sobreequipamento, e em consequência das prestações mensais a pagar pelo titular do centro eletroprodutor
cuja adesão ao regime do Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro, se mantenha válida e eficaz.”
Assim, aplica-se à nova potência resultante do sobreequipamento, no fim do prazo da tarifa garantida da
central, o regime remuneratório previsto no Decreto-Lei n.º 35/2013 (na grande maioria dos casos, com um
floor de 68€/MWh).
Em 2015, a Portaria n.º 102/2015 vem regulamentar o novo procedimento para os pedidos de autorização
de injeção de energia adicional e de sobreequipamento previsto do Decreto-Lei n.º 94/2014, dispensando a
instalação de equipamentos individualizados da telecontagem da energia adicional e do sobreequipamento
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caso se demonstre que o custo do equipamento de contagem é desproporcional quando comparado com a
energia faturada (decisão a que ERSE já se tinha oposto no seu parecer ao Decreto-Lei n.º 94/2014).
Adicionalmente, prevê a possibilidade de corte no fornecimento de energia por razões de segurança.
Em 2017, o Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, emite o Despacho n.º 7087/2017, em
que pede à ERSE o cálculo dos impactos tarifários dos pedidos de sobreequipamento pendentes na DGEG,
condicionando assim o seu licenciamento à ausência de “efeitos negativos para o Sistema Elétrico Nacional”.
A ERSE define a metodologia de cálculo dos sobrecustos que utilizará para a averiguação dos impactos
tarifários, dando igualmente o exemplo do cálculo para caso de articulação com o Decreto-Lei n.º 35/2013.
Nessa metodologia assume num cenário base que o preço médio nominal do mercado até 2030 seria de 47,5
€/MWh.
Refira-se que, ao contrário do previsto nos cálculos acima, o preço de mercado verificado tem sido
superior. Por exemplo, o preço médio no mercado grossista em todo o segundo semestre de 2018 foi de
65,45€ por MWh. Quer isto dizer que se já tivéssemos tido sobreequimento nas condições iniciais previstas no
Decreto-Lei n.º 94/2014, e conseguido pôr em exploração estes equipamentos, neste semestre teríamos tido
não um “sobrecusto” mas um “sobreganho” para o sistema, que adviria da diferença positiva entre os 60€ do
Decreto Lei (não atualizáveis com a inflação) e o preço de mercado grossista de 65,45. Ora, este valor é bem
distinto da previsão feita pela ERSE em 2017 que, num espaço temporal relativamente curto (inferior a um
ano) cometeu um erro de previsão de quase 50% (de 47,5€ para 65,45€).
O Ministro do Ambiente, Matos Fernandes, referiu em várias declarações prestadas à imprensa e nesta
própria Comissão que espera que o preço da energia continue a subir e seja sempre superior 60€/MWh.
Adicionalmente, a própria ERSE admite não ter levado em conta os benefícios da entrada das renováveis
para o sector, designadamente, a mais-valia ambiental e a contribuição para a redução das alterações
climáticas, que através do preço do CO2 certamente influenciaram o mercado de energia.
Na origem do Despacho n.º 7087/2017 está a preocupação de eventuais sobrecustos devido à
sobreposição do Decreto-Lei n.º 94/2014 (sobreequipamento) e do n.º 35/2013 para os produtores que
aderiram a este último, uma vez que as normas estabelecidas no Decreto-Lei n.º 35/2013 implicam uma
remuneração, aplicável à totalidade da energia produzida, que incide igualmente sobre a energia proveniente
do sobreequipamento, garantindo assim não os 60 €/MWh mas sim, uma remuneração entre os 68 e 90
€/MWh, até ao final do prazo da tarifa garantida (mais 5 ou 7 anos mediante o regime a que o produtor aderiu).
Esta sobreposição leva a que os custos com a medida do sobreequipamento resultante do acordo celebrado
entre a APREN e o governo em 2012 sejam superiores aos resultantes da simples aplicação da tarifa de
60€/MWh.
Já em 2019, o Secretário de Estado da Energia, João Galamba, pela Portaria n.º 43/2019, cria um regime
opcional destinado aos produtores com pedidos de sobreequipamento pendentes na DGEG. Esse regime
reduz a tarifa garantida ao sobreequipamento para 45€/MWh, dispensando o parecer da ERSE sobre o
licenciamento, considerando que este preço seria abaixo do cenário plausível da ERSE para a evolução do
mercado (47,5 €/MWh), e por isso não suscetível de inferir efeitos negativos no SEN. Esta tarifa de
sobreequipamento é garantida por 15 anos e não admite a posterior transição para o regime remuneratórios
previstos no Decreto-Lei n.º 35/2013.
Na CPIPREPE, o secretário de Estado João Galamba justificou esta medida:
“O parecer da ERSE é dispensado porque o parecer da ERSE assenta num seu próprio pressuposto de
que tarifas acima de 47,5€ geram um sobrecusto e, portanto, tarifas abaixo de 47,5 € não geram um
sobrecusto e nós pusemos uma tarifa de 45€/MWh, (…) em linha com o LCOE da energia eólica (…) e,
portanto, de acordo com os argumentos da própria ERSE, um sobreequipamento a 45 €/MWh (…) gera um
sobreganho. (…) A tarifa de 45€/MWh não pode ser separada do facto de haver um decreto-lei que dá um
direito de produzir a 60€/MWh. (…) Portanto, [trata-se de] com os 60€/MWh do decreto-lei e os 74€/MWh que
estavam implicados nesse decreto-lei, (…) sem alterar o decreto-lei, permitir que, por uma opção livre dos
promotores, eles optem por uma tarifa significativamente mais baixa. (…) Todos os projetos que têm aceitado
os 45/MWh acabam com a litigância que tinham com o Estado, retirando os processos que tinham posto em
tribunal.”
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2. Custos para o SEN
Sobre a articulação dos Decretos-Leis n.os 35/2013 e 94/2014 e os respetivos custos para o sistema, o SEE
João Galamba, ouvido na CPIPREPE, afirmou:
“(…) havia um decreto-lei publicado em 2014, que definia que os pedidos de sobreequipamento teriam
direito a uma tarifa de 60 €, mas esse decreto-lei articulava-se com o Decreto-Lei n.º 35/2013 e, na realidade,
as tarifas subiriam posteriormente acima dos 70 €. Esse processo estava bloqueado porque no procedimento
administrativo que operacionalizava este Decreto-Lei havia lugar à emissão de um parecer por parte da ERSE,
um parecer obrigatório, em que se a ERSE concluísse que aquele pedido de sobreequipamento onerava os
consumidores e representava um custo para o sistema elétrico nacional, não seriam autorizados. Nesta
medida, todos os que foram apresentados foram indeferidos, porque todos apresentavam custos para o
sistema elétrico nacional.”
Em 2017, a ERSE quantificou os impactos potenciais do sobrecusto na tarifa entre 101 e 332M€, com
máximo de 47M€ anuais em 2027. O sobrecusto só deixaria de existir em 2038, com o fim da remuneração
garantida de todos os produtores ao abrigo do 35/2013.
Contudo, a APREN, na voz do seu presidente António Sá da Costa, quando ouvido na comissão, recusa
esta metodologia, dizendo que é enviesada de modo a apresentar elevados sobrecustos.
Efetivamente, a ERSE publicou o relatório em questão a 12 de Dezembro de 2017 e, apenas três dias
depois, a 15 de Dezembro de 2017, publicou as tarifas para 2018, determinando que o preço da electricidade
para 2019 seria de 54€/MWh, o que representa um aumento de 15% relativamente ao valor que anunciara três
dias antes. Ou seja, segundo a ERSE, o preço base da energia para 2019 aumentou 15% num espaço de três
dias. Segundo António Sá da Costa, esta situação não abonou a favor da imparcialidade e isenção do
regulador, tendo ainda este acrescentado que a única leitura que pode fazer deste estudo é de uma intenção
de prejudicar os produtores.
Conclusões
O Decreto-Lei n.º 94/2014, ao admitir a integração da potência de sobreequipamento nos regimes
remuneratórios do Decreto-Lei n.º 35/2013, veio alargar o prazo da tarifa garantida a esta potência.
Aos prazos anteriores da FIT do sobreequipamento (o remanescente do período de 15 anos definido
em 2005) foram adicionados 5 a 7 anos adicionais em patamares relativamente elevados.
A adesão dos produtores ao regime opcional criado em 2019 e que impõe uma remuneração de 45€/MWh
por 15 anos, eliminando a possibilidade de trânsito para o regime cap/floors estabelecido no Decreto-Lei n.º
35/2013, demonstra que as opções de 2014 em 2019 já são desadequadas, como seria de esperar.
Capítulo 13
Dupla subsidiação a produtores em Regime Especial
Contextoe legislação associada
No trabalho de «Análise aos incentivos às renováveis com apoio comunitário» realizado pela DGEG, sob a
tutela do Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, verificou-se a existência de centros electroprodutores
que beneficiam ou beneficiaram cumulativamente de tarifa garantida e de apoios públicos à promoção e ao
desenvolvimento das energias renováveis. O Secretário de Estado determinou em 22 de Agosto de 2016 a
apreciação do problema e a averiguação da possibilidade da consideração destes valores na fixação de tarifas
para 2017 pela ERSE.
O Secretário de Estado determinou, através da Portaria n.º 268-B/2016 que «na previsão dos custos
estimados pela aquisição pelo CUR do SEN da energia elétrica produzida em PRE, que beneficia de
remuneração garantida, devem ser deduzidos os valores recebidos pelos centros electroprodutores que
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beneficiaram cumulativamente de apoios à promoção e ao desenvolvimento das energias renováveis através
de outros apoios públicos.»
Todavia, não só a referida Portaria omite a indicação de qualquer base legal que proíba a cumulação de
outros apoios públicos com o regime de feed-in tariff, como também não contém qualquer previsão normativa
com o montante dos 140 milhões de euros, alegadamente recebidos em excesso pelos centros
electroprodutores. Este montante vem apenas referido, a título de estimativa, no texto preambular do diploma.
Aliás, no que respeita ao montante concreto do corte a ser efetuado, a Portaria remete para um futuro
Despacho Ministerial, por proposta da DGEG, o qual, que se saiba, nunca veio a existir.
Outra irregularidade da Portaria n.º 268-B/2016 reside no facto que uma Portaria existe para regulamentar
um Decreto-Lei. Ora, esta Portaria não regulamentava nem estava enquadrada em nenhum Decreto-Lei, logo,
trata-se de uma Portaria ilegal. Tal facto foi sinalizado pela ERSE.
Posteriormente, a Lei do OE para 2018 veio consolidar e ordenar a verificação da dupla subsidiação e a
dedução dos apoios excessivos. Pela Portaria 69/2017 o governo determinou o mecanismo de dedução e/ou
reposição da acumulação indevida.
A Lei do OE para 2017, no respetivo artigo 171.º, n.º 3, impor pela primeira vez, a previsão normativa de
não serem cumuláveis os apoios do regime da feed-in tariff com outros apoios públicos. Surpreendentemente,
porém, a norma veio com aplicação retroativa, na medida em que foi esta mesma norma que categorizou, à
sua própria luz, como indevidamente recebidos, os apoios pagos no passado.
Nesta sequência e para regulamentação do referido artigo 171.º do OE, foi então publicada a Portaria
69/2017, que nada mais é, ipsis verbis, do que o texto da anterior Portaria n.º 268-B/2016 que, formalmente
revogada por esta última, se viu materialmente reforçada pela habilitação legal da Lei OE. Ora, sendo o texto
legislativo exatamente o mesmo do anterior, com exceção do texto preambular, o cálculo do montante do corte
a ser efetuado continua a ser remetido para um despacho Ministerial que, ao que se sabe, continuou a não
existir. Ao mesmo tempo, porém, desapareceu do quadro normativo vigente, juntamente com a revogação da
Portaria n.º 268-B/2016, qualquer referência (ainda que preambular) aos 140 milhões de euros.
Não obstante o que antecede, a verdade é que o corte foi mesmo levado a efeito pela ERSE e pelo
montante dos 140 milhões de euros, que assumem, por isso e até à respetiva cobrança aos centros
electroprodutores, a natureza de uma imparidade não registada neste valor, que se vem arrastando pelo
menos desde 2017.
No documento emitido pela ERSE intitulado “Comentário aos pareceres do Conselho Tarifário relativo a
propostas de tarifas e preços para 2019”, refere-se a existência de uma comunicação telefónica da SEE à
ERSE sobre um Estudo da IGF com a conclusão de que os montantes indevidamente recebidos pelos centros
electroprodutores se cifraram em 309 milhões de euros. Este estudo não chegou ao conhecimento da ERSE
nem foi da CPI e o SEE João Galamba refere que está à espera das conclusões finais do referido estudo.
Ficaram sem resposta as seguintes questões colocadas pelo Grupo Parlamentar do PSD quer ao SEE
João Galamba, quer ao Ministro da Transição Energética Matos Fernandes:
“Se os apoios públicos ou as feed-in tariffs fossem indevidos, à data da respetiva atribuição, qual seria a
necessidade de produzir nova legislação para remediar um ilícito já estabelecido por lei anterior?”
“Na ausência do Despacho Ministerial com o cálculo dos montantes concretos de corte a cada centro
electroprodutor nas condições referidas, qual foi a habilitação legal utilizada pela ERSE para proceder ao corte
dos 140 milhões de euros nas tarifas do SEN?”
Tratando-se de um processo de elevada complexidade e no quadro das debilidades de recursos dos
serviços envolvidos, verificaram-se significativos atrasos na identificação dos centros electroprodutores e dos
valores recebidos em excesso por cada um deles, o que levou mesmo o Secretário de Estado da Energia a
solicitar à Inspeção Geral de Finanças do apoio técnico especializado necessário à realização daquelas
operações.
O montante de 140 milhões, deduzido à tarifa de 2018 e 2019, assume hoje a natureza de uma imparidade
não registada no SEN, uma vez que nunca chegou a existir o despacho Ministerial que habilitaria a ERSE a
proceder a tal dedução.
O Secretário de Estado da Energia, João Galamba, disse na CPIPREPE o seguinte:
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“Sobre esse tema foi pedida uma auditoria à IGF [Inspeção-Geral de Finanças], que completou o relatório
preliminar e enviou-o para a DGEG para contraditório, o que aconteceu. Neste momento, o relatório ainda não
me foi enviado, portanto, não sei se já foi concluído ou não o relatório final por parte da IGF, mas esse relatório
ainda não me foi enviado.”
(João Galamba)
Sobre o mesmo assunto, o ministro do Ambiente e da Transição Energética, Matos Fernandes, afirmou o
seguinte:
“No que diz respeito às decisões tomadas sobre o duplo apoio e à forma como a sugestão da ERSE se
refletiu nas próprias tarifas, não há novidade nenhuma. Isto é, aquilo que foi feito, à altura, com a informação
que a ERSE tinha, é aquilo que não pode deixar de ser feito agora. A nossa questão é a de avaliar, na prática:
se esses 140 milhões existem mesmo; e, porque estamos a falar de um processo já muito pretérito, se ainda
estamos em tempo de, objetivamente, os podermos trazer para dentro do sistema e, dessa forma, continuar o
abaixamento das tarifas também por via da incorporação desta receita. Foi isso que solicitámos à Inspeção-
Geral de Finanças e aguardamos que nos seja enviado o seu parecer para percebermos se, de facto, e repito
o que já disse, esses 140 milhões de euros existem mesmo para os podermos manter — e oxalá assim seja!
— onde eles estão, que é a contribuir para a redução na tarifa da eletricidade.”
(audição Matos Fernandes)
Conclusão
Está por aplicar a determinação aprovada em lei de Orçamento do Estado quanto a esta matéria.
O SEE Seguro Sanches publicou a Portaria n.º 268-B/2016 sem nenhum suporte legal e que veio
posteriormente a ser revogada. Esta portaria é que referia no seu preâmbulo a existência de um duplo apoio
indevido à produção de energias renováveis no valor de 140 milhões de euros.
A ERSE, procedeu a dedução de 140 milhões de euros com base no preambulo de uma portaria ilegal.
No contexto das Portarias n.º 268-B/2016 e n.º 69/2017, a ERSE só deveria proceder a algum corte nas
tarifas depois da Publicação de um Despacho Ministerial que indicaria o valor a reduzir. Tal nunca se veio a
concretizar.
A ERSE manteve em 2019 a dedução de 140 milhões de euros com base apenas num telefonema da
Secretaria de Estado da Energia, mesmo sem que essa mesma Secretaria de Estado se sentisse habilitada
para proceder ao Despacho Ministerial que habilitaria a tal redução.
Não há nenhum estudo publicado que quantifique qualquer irregularidade na atribuição de subsídios ou
apoios no contexto das Portarias n.º 268-B/2016 e n.º 69/2017.
Recomendação
O Governo deve tomar as medidas necessárias ao integral cumprimento dos dispositivos legais inscritos no
artigo 171.º da Lei n.º 42/2016 e da Portaria n.º 69/2017.
A ERSE deverá ser chamada à Comissão de Economia para explicar o enquadramento legal da dedução
efetuada quer no que respeita ao suporte legal quer no que respeita ao montante em causa.
Capítulo 14
O papel dos consultores da Boston Consulting Group na liberalização do mercado elétrico em
Portugal
Na vigência dos governos PSD/CDS (2002-2005), a tutela governativa da energia esteve assessorada por
dois especialistas requisitados à Boston Consulting Group (BCG), Ricardo Ferreira e João Conceição,
respetivamente nos gabinetes dos ministros Carlos Tavares e Álvaro Barreto e do Secretário de Estado
Franquelim Alves (desde junho de 2003 a junho de 2004), respetivamente.
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Em 2003, Pedro Rezende, quadro da BCG desde 1990 e vice-presidente da filial portuguesa, transita para
o conselho de administração da EDP, integrado na equipa presidida por João Talone. Em 2004, já no final do
processo preparatório do Decreto-Lei n.º 240/2004, um outro quadro da mesma consultora, Miguel Barreto, é
requisitado para o cargo de diretor-geral de Energia e Geologia.
Na altura, a centralidade desta consultora no setor foi notada, inclusivé pela imprensa. A 9 de junho de
2004, à chegada de Miguel Barreto à DGEG, o jornal Público e a TVI noticiam que a “Boston Consulting Group
reforça influência no Ministério da Economia”:
“Miguel Barreto Antunes, 28 anos, substituiu recentemente Jorge Borrego no cargo, no âmbito de uma
reestruturação que envolve a fusão entre as anteriores direcções gerais de Energia e Geologia e Minas. Os
últimos dois grandes projectos profissionais de Miguel Barreto Antunes, enquanto consultor da BCG, foram de
apoio à EDP no processo de reestruturação do sector e na negociação do Plano Nacional de Alocação de
Licenças de Emissões de CO2. Esta contratação vem reforçar o «peso» que a consultora tem ganho na área
energética, junto do Governo e das principais entidades do sector, uma presença que é justificada por ser a
área em que tem ganho competências. No último ano, a BCG foi solicitada para vários trabalhos de consultoria
para o Ministério de Economia, EDP e Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), além de outras
empresas.”
Ricardo Ferreira coordenou a preparação do processo legislativo dos CMEC, redigiu respostas oficiais do
ministro Tavares, acompanhou-o a reuniões em Bruxelas, inclusivé com o Comissário europeu da
Concorrência, Mario Monti, no âmbito da preparação da aprovação do Decreto-Lei 240/2004 pela Comissão. E
foi Ricardo Ferreira quem recomendou ao secretário de Estado Franquelim Alves a assessoria do seu antigo
colega da BCG, João Conceição.
Enquanto estes quadros requisitados exerciam funções nos gabinetes do Estado, a Boston Consulting
Group continuou, de 2002 a 2005, a prestar assessoria à EDP na preparação para a entrada em
funcionamento do MIBEL.
No final do curto mandato do governo Santana Lopes, Ricardo Ferreira transita diretamente para o cargo
de diretor-geral do Departamento de Regulação e Concorrência da EDP, onde permanece até hoje.
Ao contrário de Ricardo Ferreira, que transita do gabinete de Carlos Tavares para o de Álvaro Barreto,
João Conceição não se mantém no gabinete sob o governo Santana Lopes, regressando aos quadros da
Boston Consulting Group, onde permanece até agosto de 2008.
No seu curriculum vitae, João Conceição resume aquele ano de trabalho no Ministério:
“Co-liderou equipa governamental nas negociações com as Autoridades Espanholas para definição do
novo Mercado Eléctrico Ibérico (MIBEL) – volume de negócio estimado superior a €5.000M/ano;
Superintendeu equipa responsável pela gestão do processo legislativo de liberalização do Mercado Eléctrico
em Portugal (incluindo aprovação da Comissão Europeia sobre as compensações prestadas); Delineou
acções de coordenação junto do Min. do Ambiente e co-orientou a transposição da Directiva Europeia do
Mercado de Emissões e a implementação da Política Nacional sobre Energias Renováveis; Coordenou a
preparação de diplomas legais no ramo da Energia (Petróleo, GN e Electricidade)”.
(Currículo disponibilizado no site da REN em 2010)
De regresso à BCG, João Conceição permanece na área da Energia da consultora e, em finais de 2006,
quando o governo de José Sócrates decide concretizar a cessação dos CAE e sua substituição pelos CMEC,
vai liderar a equipa da consultora ao serviço da EDP na preparação de propostas para a nova legislação do
MIBEL.
De acordo com peças do processo judicial citadas pela imprensa, entre novembro e dezembro de 2006, o
consultor João Conceição terá enviado aos responsáveis da EDP várias versões confidenciais de diplomas em
preparação nos ministérios da Economia e do Ambiente, tendo articulado com os advogados da EDP
(escritório MLGTS) alterações àqueles textos.
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Em abril de 2007, João Conceição estabelece-se no Ministério da Economia, como assessor do ministro
Manuel Pinho. No currículo que entregou à REN, o seu vínculo à BCG termina aí, mas a verdade é que
Conceição permaneceu nos quadros da consultora e foi remunerado por ela, até agosto de 2008.
Não foram encontrados nos arquivos da BCG e do governo quaisquer registos de vínculo contratual entre a
consultora e o Ministério da Economia. Em contrapartida, a CPIPREPE obteve da EDP um conjunto de
documentos que comprovam o pagamento à BCG de 296 mil euros, a título de remuneração da consultoria
coordenada por João Conceição desde janeiro de 2007 – sobre “o futuro modelo de funcionamento do MIBEL”.
Na última das três fases do projeto, estava prevista a apresentação de propostas da EDP ao Ministério da
Economia e à Direção Geral de Energia.
Questionado na CPIPREPE sobre quem pagou à Boston Consulting o trabalho de João Conceição no
Ministério da Economia, o administrador da EDP, João Manso Neto respondeu apenas: “Não faço a mínima
ideia”. António Mexia, presidente executivo da empresa, afirmou que, “João Conceição deixou de integrar a
equipa da BCG [que apoiava a EDP] assim que assumiu funções no Ministério e foi substituído por outro
sócio”.
João Conceição só interrompe de facto o seu vínculo à BCG em agosto de 2008. No entanto, permanece
como assessor de Manuel Pinho até abril de 2009, sempre sem qualquer contrato com o Ministério. Nesse
período, é quadro do banco Millennium BCP, acionista da EDP. Mas o banco opta por manter este quadro a
tempo inteiro no gabinete do ministro da Economia.
Esta contratação pelo Millennium BCP ocorre um mês depois de João Conceição enviar um e-mail a
António Mexia e a João Manso Neto – “conforme pedido” por estes – apresentando as suas qualificações
profissionais e condições de remuneração — 140 mil euros por ano, mais seguros de saúde e vida, e um
bónus até 50%. Correspondência enviada pelo Ministério Público à CPIPREPE comprova que João Manso
Neto escreveu a António Mexia dizendo que “nesta fase no BCP teriam de lhe pagar 10.000 euros/mês (14
meses) e os seguros de vida e saúde. O resto seria regularizado depois na solução definitiva”.
Em abril de 2009, a convite dos acionistas privados da REN, João Conceição torna-se administrador da
empresa em regime de substituição (ao mesmo tempo e de igual modo, outro assessor de Manuel Pinho, Rui
Cartaxo, cujo papel no processo de avaliação da extensão da utilização do domínio hídrico foi detalhado no
capítulo 2, torna-se chief financial officer da REN, passando a CEO em novembro de 2009).
Em resumo, entre abril de 2007 e abril de 2009, João Conceição assessorou Manuel Pinho, com e-mail
oficial e funções permanentes no Ministério da Economia, assim descritas pelo próprio João Conceição no seu
currículo:
“Liderou a implementação do novo modelo do Mercado Ibérico de Electricidade e do processo cessação
antecipada dos CAE (>€ 3300M); coordenou a definição e implementação da Política Energética Nacional na
vertente das renováveis, em particular na elaboração do Plano Nacional de Barragens e na diversificação em
novas áreas (ex. solar); coliderou a Equipa responsável pela gestão da Presidência Portuguesa da União
Europeia no sector da Energia, em especial na elaboração e apresentação da Visão de longo prazo para as
Tecnologias Energéticas; conduziu a promoção e monitorização do Plano de Investimentos no sector da
Energia (>€15B até 2015); Coordenou as intervenções do Gabinete do Ministro em temas do sector da
Energia”.
Conclusão
Uma equipa de quadros altamente qualificados e com experiência partilhada numa consultora que apoiava
em permanência a EDP, migrou em 2002-2004 para posições de importância crítica no momento da
elaboração do novo quadro legal do setor elétrico:
● na preparação de legislação, negociação com as partes interessadas e com as instituições europeias,
no aconselhamento de responsáveis de governo (assessores Ricardo Ferreira e João Conceição);
● na liderança do órgão administrativo que tutela a Energia, a DGEG (Miguel Barreto);
● no Conselho de Administração da EDP (Pedro Rezende).
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Esta circunstância era do conhecimento público e, portanto, também dos membros do governo que a
proporcionaram, em particular, Carlos Tavares e Franquelim Alves, ministro da Economia e secretário de
Estado com a tutela da Energia no Governo PSD/CDS.
O trânsito de Ricardo Ferreira do gabinete do ministro Carlos Tavares para um lugar de direção na EDP foi
abordado na CPIPREPE como um exemplo da “porta giratória” entre lugares de grande influência/decisão
política sobre determinado setor e cargos de responsabilidade em grandes empresas desse mesmo setor.
O caso de Rui Cartaxo, assessor de Manuel Pinho no governo PS e que ocupará lugares de topo na REN,
apresenta características semelhantes.
Miguel Barreto, diretor-geral de Energia nomeado pelo Governo PSD/CDS e que, já sob o governo PS e
por inerência ao cargo de Diretor-Geral de Energia, presidiu à Agência para a Energia (ADENE), centralizou,
entre 2006 e 2009, a preparação do sistema nacional de certificação energética. Saiu da DGEG em 2008 e
fundou, em sociedade com o grupo Martifer, uma empresa de certificação energética, a Home Energy, em que
deteve uma quota de 40%. A empresa foi vendida em 2010 à EDP por 3,4 milhões de euros.
Na sua audição, Miguel Barreto respondeu que foi obrigado pela Martifer a também vender a sua quota à
EDP:
A empresa era maioritariamente do Grupo Martifer e nós tínhamos um parassocial. Normalmente, quando
se cria uma empresa, faz-se um parassocial e existe uma série de cláusulas, e havia uma cláusula que se
chama drag along. O que é que quer dizer uma cláusula drag along? Quer dizer que se o Grupo Martifer, como
maioritário, quisesse vender, tinha o direito de me levar com ele, tinha o direito de me obrigar a vender a
minha posição. De qualquer maneira, a decisão de vender a Home Energy foi do Grupo Martifer. E gostava
também de dizer aqui que a Home Energy foi depois vendida — como perguntou, clarifico — ao Grupo EDP,
mas gostava de deixar clara esta ideia: nunca recebi nenhuma vantagem do Grupo EDP pela venda da Home
Energy.
No entanto, no aludido acordo parassocial, a que a CPIPREPE teve acesso, não se encontra a cláusula
referida por Miguel Barreto, pelo que a decisão de venda sido uma opção própria do acionista.
O caso de João Conceição tem contornos especialmente graves, como resulta das várias funções
incompatíveis que, em simultâneo ou interpoladamente, desempenhou e da entrega à REN de um curriculum
vitae que omite a sobreposição da presença nos quadros da BCG com a assessoria no Ministério da
Economia, bem como a passagem pelo Millennium BCP também nesse período. A omissão destas
informações revela a consciência da situação de incompatibilidade em que João Conceição se encontrou ao
longo dos dois anos em que desempenhou funções de assessor do ministro Manuel Pinho.
Esta incompatibilidade não podia ser do desconhecimento de João Manso Neto e António Mexia, porquanto
a EDP participou em reuniões regulares (na preparação dos contratos de concessão do domínio hídrico, por
exemplo) em que a representação do Ministério da Economia estava a cargo de João Conceição, então
remunerado pelo Millennium BCP, no contexto já apresentado.
Tanto no caso de Rui Cartaxo (ver capítulo 2) como no caso de João Conceição, estão identificadas, no
âmbito do processo judicial que corre termos, comunicações com responsáveis da EDP que demonstram que,
na relação entre quadros do Ministério e responsáveis da empresa, além do fluxo permanente de informação,
ocorreu uma deslocação da preparação do processo legislativo, do seu ritmo e do seu conteúdo, para o
incumbente privado.
Capítulo 15
Manuel Pinho e o protocolo da EDP com a Universidade de Columbia
A CPIPREPE procurou obter esclarecimentos, em particular junto de Manuel Pinho, António Mexia e João
Manso Neto, acerca da natureza do convite recebido pelo ex-ministro da Economia para lecionar na School of
International and Public Affairs, Universidade de Columbia, no âmbito de uma cátedra sobre energia
renováveis criada por proposta e com patrocínio da EDP.
Num artigo no jornal Público em 2017, Manuel Pinho escreveu que “a ideia surgiu apenas em setembro de
2009 num jantar em casa do Professor Joe Stiglitz”.
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Em correspondência disponibilizada à CPIPREPE pela Procuradoria-Geral da República, verifica-se que tal
jantar ocorreu antes de julho de 2009, quando Manuel Pinho ainda era ministro da Economia. Com efeito, a 23
de julho, apenas duas semanas depois da demissão do ministro, a sua esposa escreve a Anya Stiglitz (esposa
de Joseph Stiglitz, e também professora daquela universidade) considerando oportuno “planear algo
relacionado com a Universidade de Columbia”. Uma semana depois, a 29 de setembro, Manuel Pinho escreve
a Anya Stiglitz afirmando que a Horizon (subsidiária norte-americana da EDP) estaria preparada para fazer um
donativo de 300 mil dólares/ano ao longo de cinco anos “desde que eu esteja envolvido no desenvolvimento
de um programa relacionado com energia”.
António Mexia estava ao corrente das diligências de Manuel Pinho. Em audição na CPIPREPE, o
presidente da EDP admitiu a sondagem do ex-Ministro quanto ao patrocínio da EDP, de onde terão resultado
os 300 mil euros/ano ao longo de cinco anos que Pinho transmitiu a Anya Stiglitz ainda em julho. Afirma Mexia:
“A única coisa de que me recordo é que, nesta procura de uma universidade, o Dr. Manuel Pinho terá
partilhado comigo, tranquilo: «E se houver alguma universidade como a de Columbia?» E eu disse: «Não
tenho problema nenhum, a minha relação é com a Universidade de Columbia». (…) “É natural que eu tenha
referido, inclusive ao Dr. Manuel Pinho, quais eram tipicamente os montantes que poderiam ser objeto de
acordos”.
Na CPIPREPE, o administrador da EDP João Manso Neto insistiu que “a Universidade pediu à EDP um
patrocínio”. Porém, resulta claro da consulta de documentação emergente no processo judicial que o primeiro
contacto entre a EDP e a Universidade é da iniciativa da primeira: a 1 de novembro de 2009, Manuel Pinho
escreve ao reitor de Columbia que António Mexia lhe enviaria uma solicitação pessoal para um encontro na
última semana do mês. O presidente da EDP confirma que a iniciativa parte da empresa:
“Quisemos que houvesse uma universidade, não contratando, ao contrário do que fizemos com Berkeley,
em que contratámos diretamente um professor, que pudesse fazer pedagogia, defesa e debate à volta do que
era um recurso enorme nos Estados Unidos”.
A 20 de novembro, realiza-se o encontro agenciado por Manuel Pinho e fica comprometido entre Mexia e o
reitor de Columbia o pagamento de um patrocínio pela Horizon de 300 mil dólares/ano durante quatro anos e
que Manuel Pinho será um dos professores visitantes convidado.
Nos seus primeiros contactos com Columbia, Manuel Pinho prontificara-se a ocupar um lugar não
remunerado e informa que se prepara para assumir um cargo não-executivo na administração da Horizon. Na
CPIPREPE, António Mexia nega a existência de tal hipótese. O facto é que, na versão assinada do protocolo,
está prevista a remuneração do lugar que, durante um ano, veio a ser ocupado por Manuel Pinho no âmbito
deste programa.
Conclusão relativa aos capítulos 14 e 15
Ao longo dos trabalhos da CPIPREPE foram apurados factos sobre a atuação de Manuel Pinho e João
Conceição, arguidos no âmbito da investigação judicial decorrente da “Operação Ciclone”, que se somaram à
informação extraída do processo judicial em curso e remetida à CPIPREPE pela Procuradoria Geral da
República. Esses novos factos apurados pela CPIPREPE foram comunicados à PGR e constam deste
relatório, reforçando e em nenhum caso contrariando indícios que levaram à abertura do referido processo de
investigação.
Conclusões finais
1 – A legislação de 1995 previa a celebração de contratos de aquisição de energia (CAE) entre o então
Sistema Elétrico Público e a EDP (então CPPE). Em 1996, o desenho desses contratos define condições
contratuais especiais e taxas de remuneração as centrais EDP (estatais e já construídas, 8,5%) inferiores às
definidas para o investimento (privado e externo, 10%) nas novas centrais térmicas do Pego e da Tapada do
Outeiro. A opção política pela atribuição à EDP desta renda por 20 anos teve em vista o cumprimento das
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diretivas europeias que impunham o início da liberalização do mercado e o robustecimento financeiro da
empresa e a oferta de garantias de rentabilidade futura que dinamizassem o processo da sua privatização.
2 – A legislação europeia da liberalização do mercado de eletricidade veio impor a cessação dos CAE.
Essa imposição externa originou a criação do mecanismo CMEC, que governou a transição para o mercado
ibérico. Registe-se que essa aparente imposição obrigatória da passagem dos CAE a CMEC não se verificou
para as centrais térmicas do Pego e da Tapada do Outeiro. O Estado português, na dupla condição de
legislador e de acionista de controlo da EDP, promoveu este mecanismo com o objetivo anunciado de manter
o equilíbrio contratual resultante das regras e remuneração dos CAE. Subjaz ao Decreto-lei 240/2004 uma
autorização legislativa da Assembleia da República aprovada pela maioria parlamentar que na altura
suportava o governo e uma autorização dada pela Comissão Europeia que aprovou o mecanismo de CMEC
em 2004, após notificação do Governo português
3 – No âmbito do cálculo da revisibilidade final dos CMEC, a ERSE estimou que a passagem de CAE a
CMEC teria conferido uma vantagem para a EDP, perfazendo um valor de 510 milhões de euros de rendas
excessivas a corrigir. No entanto é de assinalar que vários depoentes e documentação que chegou ao
conhecimento da CPIPREPE contestam esse valor e apresentam estimativas de danos causados por essa
passagem, ao comparar quanto receberam as centrais EDP em regime CMEC com o quanto teriam recebido
caso se tivessem mantido no regime CAE. É de assinalar que as centrais da Tejo Energia e da Turbogas não
aderiram ao regime de CMEC, tendo sido suscitada a dúvida se tal não seria por não haver vantagem nisso,
pelo contrário, haveria risco acrescido. Deste montante, são recuperáveis sob o atual enquadramento
legislativo e contratual, 285M€ relativos à não realização de testes de verificação de disponibilidade. Àquele
montante acresce, como valor recuperável, os 140 M€ de dano ao SEN entre 2009 e 2014 no mercado de
serviço de sistemas, bem como 102 M€ (até 2027) por efeito da revisão da taxa de juro dos CMEC no do
cálculo do ajustamento final. Em relação ao valor dos 285M€ relativos à não realização dos testes de
disponibilidade, importa referir que este valor não é suportado pela própria ERSE que afirma claramente esta
não ser uma estimativa do impacto da ausência de testes de disponibilidade. É apenas um cenário, sem
suporte ou fundamento legal, que a ERSE reconhece necessitar de enquadramento legal.
4 – A eventualidade de a EDP poder estender o direito de utilização do domínio público hídrico (através da
continuação da exploração das centrais para lá do termo do CAE) estava prevista nos CAE de 1996. A outorga
à EDP, através da aprovação e implementação da Portaria n.º 14315/2003 e do Decreto-Lei n.º 240/2004, da
concretização dessa opção sobre a extensão da utilização do domínio público hídrico (DPH) permitiu a não
realização de procedimentos concursais para aquela extensão e a conservação pela EDP de uma vantagem
estratégica: a detenção do monopólio da produção hídrica em Portugal, embora essa vantagem seja
muitíssimo mitigada com a integração da produção numa área internacional (MIBEL). Tal constituiu uma opção
política em defesa dos interesses nacionais e da manutenção dos centros de decisão em território português,
impediu o aumento da concentração do mercado de produção de energia elétrica nas empresas espanholas e
que fossem empresas espanholas a controlar os recursos hídricos portugueses;
5 – O valor económico a receber pelo Estado como contrapartida desta extensão, feita antes da cessação
dos CAE, foi objeto de cálculo por duas entidades financeiras que concluíram por um valor de
aproximadamente 704M€, a que acresceria a taxa de recursos hídricos e o não recebimento do valor residual
das centrais avaliado em 1.356M€. Estudos de professores especialistas na área financeira concluem que a
metodologia usada, recorrendo a taxas de desconto diferenciadas foi correta. No entanto, a REN produziu uma
Nota onde estima o valor da extensão num valor bastante superior (cerca de 581M€ superior). Sobre este
tema é factual que a Comissão Europeia, após ter realizado uma análise aprofundada da questão, concluiu em
maio de 2017 que o valor pago pela EDP tinha sido justo e com referenciais de mercado. Por seu turno, a
mesma instância Europeia, afirma que a metodologia utilizada pela REN não constitui uma prática de
mercado. De referir que a Comissão validou por 3 vezes, entre 2004 e 2017, a temática dos CMEC e DPH, em
particular, em 2013 e 2017 já com vários anos de implementação dos CMEC.
6 – A Tejo Energia, nos termos do CAE, terá de negociar o quadro económico de uma eventual extensão
da operação da central do Pego para além do prazo do contrato (2021). No entanto, no caso da central de
Sines, o Decreto-Lei n.º 240/2004 possibilitou a prorrogação da sua operação para além do prazo do CAE
(2017), por impor a passagem da central para o regime de mercado e a respetiva licença não ter prazo
associado, nos termos legais em vigor desde 1995 (Decreto-Lei n.º 182/95) não estando prevista qualquer
forma de compensação ao SEN, para além do produtor ter que suportar os custos de desmantelamento da
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central. No cenário base usado pela ERSE, a prorrogação da central de Sines por oito anos (até 2025) sem
correspondência económica no SEN, ainda que legalmente enquadrada, é geradora de uma vantagem para a
EDP de 951 milhões de euros, embora não haja nenhuma garantia de materialização das condições temporais
e económicas do estudoCom efeito, o estudo da ERSE contém pressupostos manifestamente desatualizados
(por exemplo relativos ao custo do CO2) e eventualmente considerações não suportadas na realidade
porquanto o produtor não foi consultado quanto aos custos reais de funcionamento da central.
7 – A remuneração da REN pela detenção de terrenos do domínio público cria uma rentabilidade de ativos
estatais para valorizar a empresa no contexto da sua privatização e, mais tarde, da sua natureza 100%
privada. Desde 2006, as rendas pagas à REN por terrenos do domínio público somaram custos tarifários de
330 milhões de euros, dos quais 80 milhões correspondem a remuneração que a ERSE sempre contestou.
8 – Os acionistas da REN (Estado e acionistas privados) beneficiaram em 2007 de uma extensão gratuita
do prazo de concessão da RNT, por sete anos adicionais e sem qualquer contrapartida conhecida, em
vésperas da privatização parcial da empresa naquele ano. O valor económico deste benefício não está
determinado, podendo, no caso do Estado, ter-se refletido na receita da subsequente privatização e sendo, no
caso da EDP, acumulado como mais-valia.
9 – Várias opiniões ouvidas nesta CPI referem que a produção eólica, muito preponderante no contexto da
produção renovável em Portugal, no nosso país uma rentabilidade mais elevada do que em países
comparáveis. Os fatores explicativos dessa elevada rentabilidade são a) a manutenção de níveis de
remuneração próprios de investimento em fase precoce do amadurecimento das respetivas tecnologias, fruto
da opção por uma abertura pioneira à transição para as energias limpas, com múltiplos benefícios para o país;
b) a existência de ganhos de eficiência tecnológica obtidos pela demora entre o momento da definição da
remuneração garantida e a construção das centrais. A quantificação desse excesso de rentabilidade do setor
(ou de determinados segmentos do setor) face aos níveis de outros países não pôde ser identificado ou
quantificado rigorosamente pela CPIPREPE, na media que os preponentes destas opiniões não conseguiram
apresentar dados ou estudos que as sustentassem.
10 – A EDP, enquanto Comercializador de Último Recurso, é a entidade à qual foi imposta pela via legal o
financiamento da dívida tarifária. Nesse sentido, a partir de 2011, legislou-se no sentido de refletir o custo de
financiamento da EDP na taxa de juro da dívida tarifária, sem, todavia, salvaguardar a possibilidade de
intervenção da tutela em decisões de gestão desta dívida regulada. Assim, o SEN acompanhou o custo de
financiamento da EDP nos momentos de maior adversidade nos mercados financeiros sem que, perante uma
evolução positiva dos mercados, assegurasse para si parte dos proveitos da titularização dessa dívida. A
pertinência dessa partilha de ganhos foi contrariada na CPIPREPE por dois titulares da pasta da Energia, Artur
Trindade e João Galamba.
11 – O mecanismo de garantia de potência foi concebido no contexto da instalação do MIBEL,
compatibilizando os sistemas elétricos português e espanhol. Foi criado no quadro de uma estratégia que
incluiu a instituição, em simultâneo, da tarifa social. A garantia de potência não correspondeu, no momento da
sua criação e até hoje, a um diagnóstico técnico de necessidade de maior segurança de abastecimento. Das
suas duas componentes, o incentivo à disponibilidade (101 milhões de euros entre 2010 e 2018) foi objeto de
recente suspensão; o incentivo ao investimento (52 milhões de euros entre 2010 e 2018) mantém-se em
pagamento.
12 – O serviço de interruptibilidade remunera unidades industriais consumidoras de eletricidade em alta e
muito alta tensão pela sua disponibilidade para responder prontamente a necessidades do sistema,
interrompendo o seu consumo. Desde 2010, ano em que foi incrementado, o sistema nunca foi usado e só
recentemente foram implementados os testes à prontidão previstos, o que levou à eliminação de um conjunto
de prestadores. Desde 2010, a remuneração do serviço de interruptibilidade custou aos consumidores 727
milhões de euros.
13 – Na aplicação do Memorando de Entendimento, a partir de 2011, o governo priorizou a privatização
da EDP em relação à aplicação das medidas corretivas das rendas excessivas suportadas num estudo da
Secretaria de Estado da Energia igualmente impostas no Memorando. Até 2020, projetando a partir do
executado até 2017 (contabilizada pela ERSE), essas medidas saldar-se-ão em 2048 milhões de euros
positivos para o SEN (dois terços do previsto pelo governo), dos quais 718 milhões são impacto negativo
na EDP (40% do previsto, mas sem contabilizar o efeito das medidas para além de 2020 ou aquelas para as
quais a ERSE afirma não dispor de dados.
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14 – Em 2013, foram identificados pela ERSE indícios da prática de manipulação de mercado na atuação
da EDP na prestação de serviços de sistema. Esses indícios deram origem a procedimentos de auditoria que
identificaram ganhos abusivos da EDP no montante de 72,9 milhões de euros, quantificados pela ERSE e
pela DGEG. Ainda neste âmbito, a Autoridade da Concorrência abriu um processo que culminou na emissão,
em novembro de 2018, de uma nota de ilicitude que a EDP já contestou. Na CPIPREPE, a presidente da AdC
quantificou o prejuízo para o SEN em 140 milhões de euros. No entanto, até à data, não há uma decisão da
AdC sobre este tema.
15 – Ao pronunciar-se, em parecer prévio, favorável ao Decreto-Lei n.º 35/2013, a ERSE constatou a
existência de ganhos de curto prazo (fruto da contribuição voluntária paga pelos produtores) mas também de
perigo para os consumidores no longo prazo. A averiguação desse perigo ocupou a CPIPREPE e foi objeto de
controvérsia entre diversos intervenientes. Em 2013, o governo propôs aos produtores eólicos a adesão a um
sistema de remuneração alternativo para o período posterior à vigência das tarifas feed-in atualmente em
pagamento. A lei aprovada em 2005 previa cinco anos adicionais de remuneração à tarifa da última central
licenciada. O novo regime aprovado em 2013, de modo simplificado, vem garantir uma remuneração que
acompanhará o mercado dentro de uma banda entre os 68€ e os 90€/MWh e por dois anos adicionais.
Aderindo a este regime, os produtores aceitaram pagar ao SEN uma “contribuição voluntária” (que totalizará
200M€ pagos entre 2013 e 2021). A comparação entre o regime de 2005 e o de 2013 demonstra a
possibilidade de futuras perdas ou ganhos para o SEN, consoante os diferentes cenários possíveis.
16 – Ao longo dos trabalhos da CPIPREPE foram apurados factos sobre a atuação de Manuel Pinho e
João Conceição, arguidos no âmbito da investigação judicial decorrente da “Operação Ciclone”, que se
somaram à informação extraída do processo judicial em curso e remetida à CPIPREPE pela Procuradoria
Geral da República. Esses novos factos apurados pela CPIPREPE foram comunicados à PGR e constam
deste relatório, reforçando e em nenhum caso contrariando indícios que levaram à abertura do referido
processo de investigação.
17 – As obrigações da ERSE devem ser formalizadas quanto obrigação de pontualmente publicar online e
de modo acessível todos os estudos e relatórios da ERSE, bem como as atas do seu Conselho de
Administração.
18 – Ficou cabalmente demonstrado, ao longo dos trabalhos da CPIPREPE, que os sucessivos governos
da República utilizaram sempre o consumidor de energia (que é, afinal, o melhor pagador de todos) para um
financiamento efetivo, mas pouco transparente, do Orçamento do Estado. Senão vejamos: (1) Até 1987, o
Estado utilizava a EDP para o financiamento da República nos mercados internacionais, tendo a dívida assim
gerada sido paga pelos consumidores de energia; (2) Com o estabelecimento dos CAE em 1996, à conta dos
consumidores de energia, a EDP viu robustecida a respetiva situação financeira e, nessa mesma medida,
robustecido ficou o valor acionista do Estado, valor este que viria a ser encaixado pelo Orçamento do Estado,
não só através da distribuição de dividendos, mas também pela maior receita obtida nas sucessivas operações
de privatização da EDP; (3) O alargamento dos prazos de concessão da REN e a valorização dos terrenos do
domínio público hídrico também constituíram um fator de aumento das receitas para o Orçamento do Estado,
tanto pelos dividendos gerados, como pelo maior valor arrecadado nas sucessivas fases de privatização, mais
uma vez à custa dos consumidores de energia; (4) O mecanismo de garantia de potência, nos termos
definidos durante o mandato do Dr. Carlos Zorrinho, enquanto SEE, aumentando o valor das licenças leiloadas
ao abrigo do Plano Nacional de Barragens, permitiu novo encaixe adicional para o Orçamento do Estado, à
custa do consumidor de energia; (5) Também no que respeita a um número significativo dos leilões de licenças
para produção de energia eólica, o Orçamento do Estado beneficiou da desoneração do investimento que era
necessário para o desenvolvimento de um novo cluster industrial no país, bem como da desobrigação do
investimento em projetos de investigação e desenvolvimento científico, investimentos esses que passaram a
ser financiados pela tarifa feed-in e, consequentemente, pelos consumidores de energia; (6) As rendas
recebidas pelos Municípios dos produtores de energia eólica são, no mínimo, 2,5% da faturação global destes
produtores. Assim, uma vez mais, são os consumidores de energia chamados a contribuir, neste âmbito para o
financiamento municipal. A tudo isto acresce, claro, as diversas taxas integradas na fatura de energia, a taxa
de emissão de carbono, o imposto sobre os produtos petrolíferos, as rendas municipais pagas pelas redes de
baixa tensão e a subsidiação dos sectores elétricos das Regiões Autónomas. Ora, se somarmos todos estes
valores, ao longo dos últimos 20 anos, obteremos um valor largamente superior a 10 mil milhões de euros. Se
a este valor adicionarmos o IVA – superior a 1000 milhões de euros anuais, pagos pelos consumidores de
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energia – obteremos, sem margem para dúvidas, a mais irrefutável explicação para os altos valores que os
portugueses pagam na sua fatura de eletricidade. Impõe-se, por isso, a conclusão de que é o Orçamento do
Estado o maior beneficiário da fatura da energia e de todas as rendas criadas, sejam estas excessivas ou não.
Sem pôr em causa a nobreza e/ou a necessidade das causas reais que as determinaram, o certo é que estas
operações de desorçamentação são pouco transparentes e dificilmente escrutináveis, induzindo em erro o
cidadão e as próprias instituições do Estado, quanto aos responsáveis pelo alto valor da fatura da energia em
Portugal. Dificultam também uma comparação direta da fatura energética portuguesa com as que são pagas
por outros consumidores europeus.
Recomendações
No futuro os Governos devem evitar financiar políticas públicas à custa da fatura de energia, quer através
de operações de desorçamentação quer pela geração de impostos e tributos que, mais tarde ou mais cedo, se
transformam em rendas ou ineficiências várias, que onerarão a fatura de eletricidade dos consumidores.
Palácio de S. Bento, 15 de maio de 2019.
Os Deputados do PSD.
——
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista votou favoravelmente o relatório final da Comissão Parlamentar
de Inquérito ao pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade (CPIPREPE), da autoria do
Deputado relator Jorge Costa.
O GPPS considera que, após serem acolhidas muitas das suas propostas de alteração, o texto primitivo do
relatório ficou politicamente mais sóbrio, passando a reproduzir de forma mais cabal e fidedigna o desenrolar
dos trabalhos e a refletir um conjunto de conclusões e posicionamentos que na generalidade sufragamos.
Das votações resultou a aprovação de todas as propostas de alteração que o GPPS manteve, o que
produz um relatório manifestamente mais equilibrado.
Não obstante, o GPPS não deixa de vincar as suas reservas face a determinadas conclusões e ilações
patentes no relatório, que motivaram a nossa abstenção, dado que consideramos não estarem suficientemente
fundamentadas.
Face ao exposto, consideramos:
Ficou introduzido no relatório, sob proposta do GPPS, que a taxa de remuneração aplicável à extensão
dos CAE às centrais da EDP foi de 8,5%, enquanto a taxa que tinha sido aplicada aos CAE da Tejo Energia e
da Turbogás cifrava-se em 10%, desmistificando assim a confusão entre os valores das taxas de
remuneração, que não foram iguais nos CAE de 1995 e nos CAE de 1996.
Ficou clarividente que a transição dos CAE para os CMEC teve como rostos os Governos liderados por
Durão Barroso e posteriormente por Pedro Santana Lopes, consumando-se com o Decreto-lei 240/2004 e com
a homologação dos contratos de cessação dos CAE, criando um novo enquadramento que, para lá de não ter
garantido a ambicionada neutralidade financeira, gerou onerações futuras.
Ficou claro que foi o Decreto-Lei n.º 240/2004 aprovado à revelia dos alertas apresentados pelos
reguladores, alegando o próprio titular da pasta à época desconhecimento de causa.
Ficaram provados os números avançados pela ERSE, que calculou o custo da transição entre CAE e
CMEC em 510 milhões de euros, o que para o GPPS constitui uma renda excessiva.
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Dos montantes sobrantes, para efeitos de sobrecompensações, que são recuperáveis pelo atual
enquadramento legal, identificam-se os 140 milhões que motivaram a nota de ilicitude da Autoridade da
Concorrência à EDP, resultante de um abuso de posição dominante da empresa entre 2009 e 2014 no
mercado de serviço de sistemas e a sobrecompensação resultante do cálculo da disponibilidade das centrais a
operar em regime de mercado, estimada em 285 milhões, valor suportado por um parecer da Procuradoria-
Geral da República e pelos cálculos da ERSE.
Consideramos, no entanto, e em conformidade com proposta de eliminação que apresentamos, e que foi
aprovada, que o Decreto-Lei n.º 240/2004 já foi reiteradamente validado pela Comissão Europeia, em mais do
que uma ocasião, e sempre num mesmo sentido, pelo que não podíamos corroborar a renovada tentativa de
abrir este processo, com possíveis custos de litigância com as instâncias europeias.
A proposta de relatório atribuía, de forma clara, a extensão sem concurso do Uso do Domínio Público
Hídrico a favor da EDP ao Decreto-Lei n.º 240/2004, que criou no seu clausulado esta oneração futura.
Salientamos, contudo, que o texto do relatório não fazia referência à consequência para o Estado português
da não observância desta extensão, a qual redundaria na obrigação de o Estado indemnizar a EDP.
Não podemos, todavia, deixar de referir que, no nosso entender, a proposta de relatório desvalorizava a
decisão da Comissão Europeia de validar a metodologia utilizada para apurar o montante da extensão. A
utilização de duas taxas, metodologia utilizada nos dois estudos independentes encomendados pelo governo
de então, foi sendo validada pela CE e por várias opiniões técnicas, ao contrário do valor apurado pela REN
cuja CE considerou não ser uma prática de mercado.
Acrescentamos que nos parece não terem sido feitas todas as questões e todas as questões relevantes
aos responsáveis políticos que foram nesta matéria intervenientes, nomeadamente sobre a não existência da
extensão do domínio hídrico (porque segundo os mesmos era um direito da EDP), deixando desigual o
tratamento dado a este tema pela CPI.
Foram estes pressupostos, que não se encontravam vertidos no relatório, que motivaram a abstenção do
GPPS nas votações do capítulo II. Não nos opusemos à existência de um capítulo sobre o tema do Domínio
Público Hídrico.
Não corroborando nós as premissas que o texto primitivo do relatório invocava e não tendo sido aceites as
nossas propostas de alteração, o GPPS assumiu que se abstinha, dando publicidade ao seu sentido de voto
na intervenção inicial a que teve direito. Pelo que, a responsabilidade da supressão deste capítulo do relatório
deve-se, única e exclusivamente, à conduta do GP do PSD, cujo voto contra inviabilizou que as matérias
respeitantes ao Domínio Público Hídrico constassem do relatório, nomeadamente a conclusão de que foi o
Decreto-lei 240/2004 a determinar a extensão do Domínio Público Hídrico.
Reconhecemos que a prorrogação das central de Sines para lá do prazo dos CAE gerou um significativo
custo, ainda que deva ficar bem transparente que foi essa decisão legalmente enquadrada, pelo que nenhum
vício de legalidade pode ser ao processo assacado.
A solução deve ser negociada, mas caso esta não seja possível, a via apontada no relatório, de resgatar
esses valores através do ISP, é uma alternativa em linha com as pretendidas metas de descarbonização da
nossa economia.
Entendemos que a remuneração dos terrenos da REN está justificada pela existência de insuperáveis
imparidades, as quais precisavam de ser corrigidas. O GPPS expressa as suas reservas face à extensão
gratuita do prazo, mas expressa igualmente algumas interrogações face à parte resolutiva do relatório nesta
temática.
A produção de energia renovável, encarada no início da CPI como fonte de irremediáveis desequilíbrios
para sistema eletroprodutor nacional, provou-se afinal como dínamo do aprofundamento da nossa
independência energética e de uma transição para um país sustentável, trazendo mensuráveis benefícios
ambientais, de criação de emprego e de redução do valor da eletricidade no mercado grossista. Porém, tendo
em conta o grau de maturidade tecnológica da altura, inseparável do facto de termos sido pioneiros na aposta
neste tipo de energias, com todos os benefícios que isso acarretou, acabou também por influenciar a evolução
dos valores das faturas dos consumidores domésticos. Resultou desta CPI, ficando vertido neste relatório, não
se ter chegado a indícios para sustentar a conclusão de que a produção em regime especial significou uma
renda excessiva.
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No que toca à dívida tarifária foi esta matéria bastante controvertida na CPI. O relatório explora uma
versão contradita pelo atual Secretário de Estado, João Galamba, e pelo ex-Secretário de Estado, Artur
Trindade. A opção da indexação de ganhos deve continuar a existir ainda que possa apresentar alguns
inconvenientes, cabendo a cada governo contrabalançar os convenientes e os inconvenientes e decidir em
conformidade.
A Garantia de Potência é um mecanismo de caráter transitório que tem de ser enquadrado no seu
contexto. Nasce no âmbito dos acordos entre Portugal e Espanha para a consolidação do MIBEL de modo a
construir uma compatibilização regulatória no espaço ibérico.
Este mecanismo foi contemporâneo da tarifa social, cujos encargos ficaram a cargo dos produtores em
regime ordinário. Ambos os instrumentos fizeram parte da macro estratégia do governo de então. Esta medida
está suspensa pelo atual Governo.
Os custos associados à ininterruptibilidade e ao seu sobredimensionamento visaram contribuir para a
transição de unidades de grandes consumidores para o mercado liberalizado, estimular investimentos, pondo
cobro às muitas falhas nos sistemas que se verificavam, fazer face a um sobrecusto tarifário para as empresas
e remunerar a disponibilidade de determinados consumidores para reduzir voluntariamente o seu consumo de
eletricidade em resposta a uma ordem de redução de potência dada pelo operador da rede de transporte, de
forma a dar resposta rápida e eficiente a problemas de correspondência entre oferta e procura de eletricidade.
O mecanismo permitiu assim dar sustentabilidade ao sistema elétrico, ajudar as empresas a serem mais
competitivas e cumprir com mais uma etapa do MIBEL, harmonizando instrumentos entre Portugal e Espanha,
contexto em que este mecanismo tem de ser interpretado.
O período de assistência financeira esteve particularmente na retina da CPI. Foi neste período que se
assistiu a denúncias públicas, reiteradas nesta CPI, pela então Secretário de Estado com a pasta da Energia,
Henrique Gomes, de censura aos seus discursos e ao desenvolvimento da sua política energética por parte do
governo que integrava, por força de alegadas e reiteradas pressões da EDP ao qual o executivo estaria
permeável.
É também neste período que o governo abandona a tentativa de reforma do sistema elétrico, desistindo da
CESE, em prol da privatização da EDP.
É neste contexto que surge o Decreto-Lei n.º 35/2013, pelas mãos do Secretário de Estado Artur Trindade,
lesivo para os interesses do SEN.
No que respeita aos serviços de sistema o GPPS subscreve a posição elencada no relatório,
considerando que a proposta de integração dos serviços de sistema, em termos de política energética e
planeamento estratégico para o SEN em modelos concorrenciais que propiciem a redução de custos para os
consumidores e a maximização da integração da produção de fonte renovável merece a nossa concordância.
A ERSE pronunciou-se favoravelmente ao Decreto-Lei n.º 35/2013, embora ressalvando os custos a
médio prazo que este implicaria. Em 2013, o governo propôs aos produtores eólicos a adesão a um sistema
de remuneração alternativo para o período posterior à vigência das tarifas feed-in atualmente em pagamento.
O novo regime aprovado em 2013 vem garantir uma remuneração entre os 68€ e os 90€/MWh e por dois anos
adicionais, contra o pagamento voluntário de um valor pelos produtores.
Concluiu esta CPI que este Decreto-Lei provoca prejuízos a médio prazo, pagando acima do valor de
mercado, quando outros valores eram possíveis e consentâneos com a realidade que se estava a disciplinar.
Não obstante devem as soluções apresentadas respeitar as devoluções devidas aos produtores, zelar pelo
Estado de Direito, prevenir putativas litigâncias potencialmente danosas para o erário público e reduzir ao
máximo o risco de criar novos custos que sobrecarreguem os consumidores.
O sobreequipamento está a ser um importante estímulo para acelerar-se a instalação de mais
capacidade de produção renovável, rentabilizando as infraestruturas já existentes (em parques eólicos
preexistentes). Este governo, através de uma recente portaria, prevê a possibilidade do promotor escolher
uma tarifa garantida de 45 euros o MGW (abaixo do valor de sobrecusto estimado pela ERSE – 47,5), não
atualizável e garantida por 15 anos (a partir da qual transita para o regime normal), assegurando a inexistência
de impactos negativos para o sistema elétrico nacional e para o ambiente.
No que respeita a pessoas individualmente consideradas somos da opinião que os processos judicias
devem correr os seus trâmites, depositando o GPPS total confiança no Estado de Direito.
A atual governação está a construir uma trajetória de redução dos preços para os consumidores. O
défice tarifário era de 5 mil milhões no início desta legislatura e cifra-se agora em 3,6 mil milhões. A nova
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potência renovável instalada será feita a partir de leilões, assegurando impactos nos valores que os
consumidores pagam, nomeadamente através da subtração às tarifas. Há regras mais apertadas para a
especulação das licenças, vedando que se faça a transação dos títulos antes de se ter realizado investimento,
garantindo com isso sobreganhos. Estamos, com o PNEC, a acelerar as metas para a incorporação renovável,
com os previstos 40 % no consumo final para 2030 e já 31 % para 2020, assumindo que se tem de duplicar a
capacidade renovável instalada e apostar na mobilidade elétrica, sempre com o horizonte de redução de
custos para os consumidores em perspetiva. Já demos importantes passos no sentido de cimentar as
interligações, importante ferramenta para que o espaço ibérico deixe de ser uma ilha energética, com
evidentes ganhos. Alargamos a tarifa social nesta legislatura, através do cruzamento automático de dados,
passando de 80 mil beneficiários para os 800 mil, revolucionando o preço da eletricidade para muitos
portugueses, e estendemos este mecanismo ao gás botija. Reduzimos o IVA na eletricidade através do
Decreto-Lei n.º 60/2019.
Em conformidade com o exposto, votamos favoravelmente o presente relatório, sufragando, na
generalidade, a maioria das suas conclusões. Não obstante, não pode o GPPS deixar de frisar que gostaria de
ver vertidos outros contributos que considera terem sido relevantes para uma visão holística do Sistema
Elétrico Nacional.
O GPPS encarou esta CPI com a sobriedade de quem procurou, na avaliação das dezenas de audições,
na consulta da documentação que nos foi chegando e no estudo dos vários dossiers, desvendar um fio
condutor que desse respostas claras aos portugueses e satisfizesse o intento que presidiu a esta CPI: avaliar
a existência de rendas excessivas no Sistema Elétrico Nacional. É por tal que consideramos que os montantes
apurados nesta CPI devem ser cautelosamente observados, respeitando o Estado de Direito e por isso não
rasgando contratos nem aplicando medidas de efeitos retroativos – sendo o alcance das alterações ao quadro
regulatório para o futuro e não para o passado – à exceção das que convoquem nulidades e ilegalidades,
dando preferência a soluções negociadas e por isso recusando decisões unilaterais, prevenindo custos para
os consumidores decorrentes de possível litigância.
Palácio de S. Bento, 15 de maio de 2019.
Os Deputados do PS.
——
Grupo Parlamentar
O CDS votou contra o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas
Excessivas aos Produtores de Eletricidade (CPIPREPE) por considerar que o documento traduz a visão
política do Bloco de Esquerda e reflete as posições já defendidas pelo deputado relator ainda antes do início
da comissão. O relatório chega a conclusões com base em opiniões, não tendo em conta muitos dos
depoimentos, assim como ignorou a maioria dos cerca de 13 mil documentos recebidos na comissão ao longo
de dez meses.
Não negamos a existência de rendas excessivas no setor elétrico, mas também não podemos deixar de
criticar o conteúdo e conclusões do relatório, que ignora factos e sobrevaloriza opiniões, não sendo fiel ao que
realmente se passou nas mais de meia centena de audições.
O Deputado relator chega a avançar com opiniões puramente pessoais – ou de visão partidária – sem
serem sujeitas ao contraditório. O tema da avaliação da Central de Sines efetuada pela ERSE é disso
exemplo.
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Houve, como foi dito na CPIPREPE, renda da EDP em 1996. Foi com o Governo PS do Primeiro-Ministro
António Guterres que “foi criada a maior renda alguma vez criada em Portugal”, tal como referiu João Talone,
ex-presidente da empresa pública, ao explicar durante a sua audição que foi quando os CAE, que tinham sido
criados para o investimento da Tejo Energia e da Turbogás, foram extensíveis às centrais da EDP.
No que ao Domínio Público Hídrico (DPH) se refere, o relatório foca-se em reuniões e conversas, em
detrimento de factos e de documentação técnica. Seja na fase de draft, seja já com vários anos de
implementação do mecanismo CMEC – Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual, a Comissão Europeia
(CE) afirmou sempre a compatibilidade do mecanismo com a legislação europeia. É, pois, incorreto afirmar
que a CE tenha errado três vezes, sendo que o relatório não o demostra sequer.
Como já referido, não negamos a existência de sobrecustos no setor elétrico. Concordamos, aliás, que
houve renda da EDP em 1996. Depois, os sucessivos governos ficaram manietados, uma vez que qualquer
alteração do enquadramento legislativo deveria ocorrer num contexto de equilíbrio contratual.
Houve renda apurada na extensão do prazo da concessão da Rede Nacional de Transporte (RNT) à REN –
Redes Energéticas Nacionais, SA por um prazo de sete anos. Está documentado, sendo que o próprio
presidente da empresa não foi capaz de indicar qualquer contrapartida a favor do Estado durante a sua
inquirição.
Outras rendas como o mecanismo de garantia de potência, estabelecido pelo Ministro Vieira da Silva,
engordaram o valor dos leilões do plano nacional de barragens, permitindo ao Estado, mais uma vez,
arrecadar uma verba significativa à conta dos consumidores de energia.
Por detrás dessas escolhas não ficou clara a inexistência de comportamentos menos éticos, que podem
configurar tráfico de influências e até corrupção: passagem de lugares de decisão para a elétrica.
É disso exemplo João Conceição, que ao mesmo tempo em que exercia funções de assessor do ministro
Manuel Pinho era quadro remunerado do BCP, tal como consta de documentação entregue na CPIPREPE,
sendo hoje administrador da REN. Ou ainda o caso do ex-Ministro Manuel Pinho e o convite para lecionar na
Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
Ao longo das audições, o CDS centrou as suas inquirições muito na qualidade dos reguladores e na sua
ação, afirmando que um regulador incapaz, ineficaz, sai caro ao Estado e aos contribuintes.
A verdade é que perpassa que os reguladores não foram diligentes e foram até coniventes.
O Ministério Público acusa a Autoridade da Concorrência (AdC) de ter esperado uma década para se
pronunciar sobre os CMEC. Esta falta de ação do regulador da concorrência consta num relatório do Ministério
Público produzido no âmbito da investigação aos CMEC, datado de meados de 2015: “A AdC, apesar dos
recursos técnicos ao seu dispor, precisou de mais de dez anos após a publicação do regime dos CMEC, ou de
mais de seis anos após a cessação efetiva dos CAE, para formular a recomendação que se impunha na ótica
da defesa do interesse público”, lê-se nesse relatório. Só em 2013, já Manuel Sebastião estava em fim de
mandato na AdC, foi aberta uma investigação.
Sobre o porquê de só se ter pronunciado passado todo este tempo, Manuel Sebastião disse: “Ouvi essa
afirmação, não a li, mas não percebo essa conclusão da Procuradoria. […] É que eu nem sequer tinha
poderes; tive de explorar muito bem a capacidade que podia ter porque, ao abrigo da lei da concorrência, eu
não podia fazer nada.”
Houve falta de credibilidade dos reguladores e, no caso da ERSE – particularmente na atual administração
– falta de independência que descredibiliza todos os pareceres que esta entidade reguladora enviou à
CPIPREPE. A presidente Maria Cristina Portugal ocultou do Parlamento (ao não referir no seu curriculum
vitae) que tinha participado no Grupo de Trabalho Conjunto Sobre Custos Energéticos (PS e BE). Tal
informação teria sido relevante na apreciação da sua adequação para o cargo. Assim, os pareceres da ERSE,
a pedido do então secretário de Estado Seguro Sanches – e parametrizados pelo BE – não têm, a nosso ver,
qualquer credibilidade.
No que se refere à dupla subsidiação, a ERSE cortou 140 milhões de euros sem abrigo legal.
Em 2016, a secretaria de Estado da Energia levou a ERSE a cortar 140 milhões de euros na dívida
tarifária, isto com base num entendimento sumariamente referido na Portaria n.º 268-B/2016, que considerava
este montante indevido por ser decorrente de uma dupla subsidiação proveniente das feed-in tariff e
proveniente de outros apoios públicos. Este montante de 140 milhões é referido na portaria só a título de
estimativa. Aliás, no que respeita ao valor concreto do corte, a portaria remete para um futuro despacho
ministerial por proposta do DGEG – Direção-Geral de Energia e Geologia, despacho que nunca veio a existir.
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Nesta sequência, por regulamentação do referido artigo 171.º do Orçamento do Estado, foi publicada a
Portaria n.º 69/2017, que refere ipsis verbis a portaria anterior.
Não obstante, a verdade é que o corte foi mesmo levado a efeito pela ERSE e pelo montante dos 140
milhões de euros, que assume, por isso, até à respetiva cobrança, aos centros eletroprodutores, a natureza de
uma imparidade não registada neste valor que vem arrastado desde 2017.
O atual Secretário de Estado da Energia, João Galamba, disse na CPIPREPE o seguinte: “Sobre esse
tema foi pedida uma auditoria à IGF [Inspeção-Geral de Finanças], que completou o relatório preliminar e
enviou-o para a DGEG para contraditório, o que aconteceu. Neste momento, o relatório ainda não me foi
enviado, portanto, não sei se já foi concluído ou não o relatório final por parte da IGF, mas esse relatório ainda
não me foi enviado”.
A falta de memória também foi uma constante ao longo desta comissão parlamentar de inquérito. Foram
muitos os depoentes que vieram à CPIPREPE responder às mais variadas questões com frases tipo “não sei”
ou “não me lembro”.
Por exemplo, dois dos protagonistas do contrato assinado em 2005 entre a REN e a EDP afirmaram não se
lembrarem do assunto. José Penedos, então presidente da REN, disse: "O presidente de uma empresa como
a REN assina muita coisa…", Pedro Rezende, presidente da filial da EDP, também não.
Foi difícil obter respostas que façam algum sentido, tal como constatou o próprio deputado relator. Perante
outra "falta de lembrança" do ex-presidente da EDP João Talone, o próprio deputado relator afirmou na
comissão: "Estamos a falar da possibilidade de estender por 25 anos adicionais a concessão do domínio
hídrico a favor da empresa, sem concurso. Isto não é uma pequena coisa. Estamos a falar de uma quarta
parte da capacidade produtiva que existia em Portugal naquela altura. Como é que o presidente da EDP não
consegue recordar-se da forma como esses acordos foram negociados?".
A CPIPREPE não conseguiu provar que em algum Governo PSD/CDS tenha havido atribuição de rendas à
EDP. Houve sim cortes de cerca de 720 milhões de euros, e cortes previstos de 2080 milhões: Cogeração
(Portaria 140/2012), 996 milhões até 2025; Extensão FiT (Decreto-Lei n.º 35/2013), 151 milhões até 2020;
Limitar custo mini hídricas (Decreto-Lei n.º 35/2013), 285 milhões até 2030; Redução taxa anuidade CMEC
(Decreto-Lei n.º 32/2013 e Portaria n.º 85-A/2013), 202 milhões até 2027; Garantia de Potência (Portaria n.º
139/2012 e Portaria n.º 251/2012), 443 milhões de euros até 2020.
O CDS considera que o relatório não reflete o que efetivamente se passou ao longo da comissão de
inquérito – sendo para nós inaceitável que o capítulo 2 (Extensão sem concurso do Domínio Público Hídrico a
favor da EDP e metodologia do cálculo da compensação a pagar ao SEN) tenha sido suprimido –, nem
poderia chegar a conclusões a que chega, as quais nos merecem os seguintes comentários:
Conclusão «1. A legislação de 1995 previa a celebração de contratos de aquisição de energia (CAE) entre
o então Sistema Elétrico Público e a EDP (então CPPE). Em 1996, o desenho desses contratos define taxas
de remuneração para as centrais EDP (estatais e já construídas) semelhantes aos definidos para o
investimento (privado e externo) nas novas centrais térmicas do Pego e da Tapada do Outeiro. A opção
política pela atribuição à EDP desta renda por 20 anos teve em vista o robustecimento financeiro da empresa
e a oferta de garantias de rentabilidade futura que dinamizassem o processo da sua privatização.»
Comentário:
A taxa de remuneração fixada para as centrais EDP não foi semelhante às taxas de remuneração fixadas
para as centrais da Tejo Energia e da Turbogás, mas sim mais baixa. É factual que a remuneração das
centrais EDP foi fixada em 1,5 pontos percentuais abaixo das restantes (taxa real pre tax), conforme conta do
Parecer da ERSE ao projeto de Decreto-Lei dos CMEC de maio de 2004.
– EDP – 8,5%
– Tejo Energia – 10%
– Turbogás – 10%
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Conclusão «3. A autorização pela Comissão Europeia do regime previsto no Decreto-Lei n.º 240/2004 foi
contestada nesta CPI, contudo a comissão europeia reiterou a sua metodologia em períodos temporais
posteriores.»
Comentário:
A CE analisou o tema e pronunciou-se em vários momentos (2004, 2013 e 2017), afirmando e reiterando a
correção da metodologia de passagem de CAE a CMEC e DPH. Seja na fase de draft, seja já com vários anos
de implementação do mecanismo CMEC, a CE afirmou sempre a compatibilidade do mecanismo com a
legislação europeia.
Consideramos grave o facto de o relatório desprezar as sucessivas decisões da CE a este respeito,
porquanto se trata de entidade supranacional, independente e especializada.
Apesar disso, achamos prudente uma nova reapreciação da Comissão Europeia, principalmente na lógica
do que foi declarado na CPIPREPE durante o depoimento de Pedro de Sampaio Nunes que considerou existir
uma colisão destes contratos com os dois primeiros pontos do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento
da União Europeia
Conclusão «4. A manutenção do equilíbrio contratual dos CAE não foi respeitada em diversos pontos da
nova legislação, tal como a ERSE indicou no seu parecer prévio ao Decreto-Lei n.º 240/2004, que define as
condições da cessação dos CAE e a criação de medidas compensatórias. No âmbito do cálculo da
revisibilidade final dos CMEC, a ERSE contabilizou alguns desses elementos de vantagem, perfazendo um
valor de 510 milhões de euros de rendas excessivas a corrigir.»
Comentário:
O estudo da ERSE relativo aos 510 milhões de euros parece apresentar erros graves, nomeadamente na
análise que efetua relativamente às taxas de juro, conforme demonstrado pelos estudos dos economistas João
Duque (ISEG), «Financial Analysis of the CMEC and of the Hydro ConcessionExtension of edp – Energias de
Portugal, SA», e Miguel Ferreira (NOVA SBE), «Rents in the Electricity Generation Sector in Portugal: CMEC
and Hydro Concession Extension». Outro exemplo de erro é o relativo aos testes de disponibilidade, onde o
valor de 285 milhões de euros calculado pela ERSE se baseia num pressuposto (como a própria ERSE
explicitamente refere na correspondência trocada com a DGEG) que não tem base legal.
Consideramos que esta conclusão não está suportada e não considera todas as demostrações e estudos
de reputadas entidades, sendo mesmo considerado sem fundamento legal ou económico.
Não deixamos de registar o facto de só em 2017 aparecer uma avaliação global das matérias em apreço.
Conclusão «8. O Decreto-Lei n.º 240/2004 permitiu a possibilidade de prorrogação da operação da Central
de Sines para além do prazo do CAE (2017) sem prever qualquer forma de compensação ao SEN. A Tejo
Energia, nos termos do CAE, terá de negociar o quadro económico de uma eventual extensão da operação da
central do Pego para além do prazo do contrato (2021). No cenário base usado pela ERSE, a prorrogação da
central de Sines por oito anos (até 2025) vale 951 milhões de euros.»
Comentário:
Cumpriu-se a lei e os contratos, que datavam desde 1995/1996, que impõe que as licenças em causa não
tenham prazo. Tal facto foi levado ao conhecimento da CPIPREPE por vários depoentes.
Caso as condições para ficar com a central tivessem sido outras, a EDP poderia não ter aceitado.
O estudo da ERSE não foi sequer apresentado pela sua presidente, Maria Cristina Portugal, nem foi sujeito
a discussão nem a contraditório, pelo que entendemos não dever ser tomado como algo correto.
O estudo da ERSE sobre Sines usa pressupostos desfasados da realidade, como por exemplo o
pressuposto de valores CO2 e custos de operação e manutenção da central subvalorizados.
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Conclusão «10. A produção eólica, muito preponderante no contexto da produção renovável em Portugal,
regista no nosso país uma rentabilidade mais elevada do que em países comparáveis. Os fatores explicativos
dessa elevada rentabilidade são a) a manutenção de níveis de remuneração próprios de investimento em fase
precoce do amadurecimento das respetivas tecnologias; b) a existência de ganhos de eficiência tecnológica
obtidos pela demora entre o momento da definição da remuneração garantida e a construção das centrais. A
quantificação desse excesso de rentabilidade do setor (ou de determinados segmentos do setor) face aos
níveis de outros países não pôde ser quantificado rigorosamente pela CPIPREPE.»
Comentário:
Entendemos que não podemos dar como verdadeiras as afirmações sobre taxas de remuneração mais
elevadas. O relatório não refuta nem consegue demonstrar objetivamente esse ponto, pelo que não pode
retirar as conclusões que retira sobre as rentabilidades.
Conclusão «11. A EDP, enquanto Comercializador de Último Recurso, é a entidade financiadora da dívida
tarifária. Nesse sentido, a partir de 2011, legislou-se no sentido de refletir o custo de financiamento da EDP na
taxa de juro da dívida tarifária, sem todavia salvaguardar a possibilidade de intervenção da tutela em decisões
de gestão desta dívida regulada. Assim, o SEN acompanhou o custo de financiamento da EDP nos momentos
de maior adversidade nos mercados financeiros sem assegurar para si parte dos proveitos da titularização
dessa dívida quando verificada uma evolução positiva dos mercados. As mais-valias geradas nas operações
de titularização decididas pela EDP foram integralmente absorvidas pela empresa, gerando 198 milhões de
euros de lucros entre 2008 e 2017.»
Comentário:
Esta conclusão parece desconsiderar aspetos fundamentais do processo e as afirmações de diversos
depoentes na CPIPREPE.
A quem compete fixar a taxa de juro que remunera esse financiamento é ao Governo, que a fixa tendo em
conta os custos que a EDP suporta com o financiamento, conforme afirmou o secretário de Estado da Energia,
João Galamba, na comissão.
Conclusão «12. O mecanismo de garantia de potência não correspondeu, no momento da sua criação e até
hoje, a um diagnóstico técnico de necessidade de maior segurança de abastecimento. Das suas duas
componentes, o incentivo à disponibilidade (101 milhões de euros entre 2010 e 2018) foi objeto de recente
suspensão; o incentivo ao investimento (52 milhões de euros entre 2010 e 2018) mantém-se em pagamento.»
Comentário:
A existência deste mecanismo em Portugal teve a primeira referência legal no Decreto-Lei n.º 185/2003 e é
retomada mais tarde no Decreto-Lei n.º 264/2007, do ministro Manuel Pinho (que prevê “a possibilidade de
criação de instrumentos de incentivo à garantia de potência para centros electroprodutores, cuja atividade é
exercida em regime de mercado”, de modo a “assegurar um adequado grau de cobertura da procura de
eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros eletroprodutores em regime ordinário –
PRO”), sendo que o início de pagamento pela Garantia de Potência teve início na Portaria 765/2010, na tutela
do ministro Vieira da Silva e do secretário de Estado Carlos Zorrinho.
Nesse contexto de 2007, em vésperas da entrada em funcionamento do MIBEL, as entidades reguladoras
portuguesa e espanhola entregaram aos respetivos governos uma proposta de regulamentação conjunta do
mecanismo de garantia de potência, cujas linhas gerais estão contidas no projeto então apresentado,
apontando à existência de um procedimento concorrencial.
Ficou por esclarecer a existência e o teor, em concreto, do parecer dado pela ERSE. O referido parecer
nunca foi disponibilizado a esta comissão.
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A presidente da ERSE, Cristina Portugal, referiu sempre que enviou toda a documentação existente na
entidade reguladora sobre o tema da garantia de potência, mesmo quando confrontada com documentos
escritos que evidenciam a existência de tal parecer. A Secretaria de Estado da Energia também não enviou o
referido parecer, nem o processo de diálogo entre a Secretaria de Estado da Energia e a ERSE que antecedeu
a publicação da Portaria n.º 765/2010. Estranhamos que um documento desta relevância tenha desaparecido.
Conclusão «14. Na aplicação do Memorando de Entendimento, a partir de 2011, o governo priorizou a
privatização da EDP em relação à aplicação das medidas corretivas das rendas excessivas igualmente
impostas no Memorando. Até 2020, projetando a partir do executado até 2017 (contabilizada pela ERSE),
essas medidas saldar-se-ão em 2048 milhões de euros positivos para o SEN (dois terços do previsto pelo
governo), dos quais 718 milhões são impacto negativo na EDP (40% do previsto).»
Comentário:
Os valores apontados diferem consoante as fontes, e a CPIPREPE não conseguiu apurar de facto e de
forma sustentada o valor correto. Esta conclusão efetua cálculos ao arrepio do que vários depoentes –
governantes e empresas – afirmaram em audições.
Por outro lado, considera esse documento que 510 milhões de euros de alegados benefícios para a EDP é
um valor enorme, mas cortes de 718 milhões de euros é um valor pequeno.
Conclusão «16. Em 2013, o governo vendeu aos produtores eólicos por 200 milhões de euros um sistema
de preço garantido para o período posterior à vigência das tarifas feed-in atualmente em pagamento. À lei
aprovada em 2005, que previa para esse período cinco anos adicionais de remuneração à tarifa da última
central licenciada, é criada uma alternativa que permite aos promotores condições de remuneração que
acompanhem o mercado dentro de uma banda entre os 68€ e os 90€/MWh e por dois anos adicionais. A
comparação entre o regime de 2005 e o de 2013 demonstra a grande probabilidade de futuras perdas para o
SEN (v. capítulo 11), que atingem centenas de milhões de euros em diversos cenários plausíveis.»
Comentário:
Parece-nos prematuro fazer o balanço da medida nesta fase em que ainda faltam vários anos para o seu
termo.
A forma como a medida foi concebida terá permitido a redução do défice a curto prazo, havendo à data em
que o mecanismo foi aprovado estimativas de preço de mercado apontavam para uma medida vantajosa para
o SEN.
Na audição do ministro do Ambiente à CPIPREPE, este afirma que o preço de mercado só pode subir, o
que de facto confirma a bondade e a vantagem deste mecanismo para o SEN.
Por tudo o que foi dito, pela documentação recebida e guardada no arquivo da CPIPREPE e pelo que
efetivamente se passou ao longo das mais de cinquenta audições presenciais, o CDS considera que este
relatório carece de independência, não reflete os factos apurados ao longo da comissão de inquérito e tem a
marca política do Bloco de Esquerda.
Palácio de S. Bento, 15 de maio de 2019.
O Deputado Coordenador do GP CDS-PP, Hélder Amaral.
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Grupo Parlamentar
Deixei registadas em declaração final, na última reunião da CPIPREPE, as minhas considerações acerca
do andamento dos trabalhos da Comissão e da minha atuação enquanto relator. Enunciei também então a
perspetiva do Bloco de Esquerda sobre as importantes conclusões do inquérito aprovadas pelos deputados, a
obrigação política de lhes dar consequência e, portanto, o compromisso do Bloco de Esquerda de, em sede
parlamentar, tomar em tempo útil todas as iniciativas legislativas recomendadas pela maioria dos deputados
na Comissão.
Da proposta de relatório foram eliminados – com os votos de PSD, CDS (contra) e PS (abstenção) – dois
elementos importantes e profundamente escrutinados ao longo dos trabalhos da CPIPREPE: 1) as passagens
relativas à atuação da Comissão Europeia na aprovação do regime dos CMEC e 2) todo o capítulo respeitante
à extensão sem concurso da utilização do domínio hídrico de 26 barragens, a favor da EDP.
Limita-se assim esta declaração de voto a sublinhar a importância das evidências, conclusões e
recomendações submetidas à CPIPREPE pelo deputado relator e a gravidade da sua eliminação com os votos
do PS, PSD e CDS.
1. Eliminação da demonstração da inconsistência da atuação da Comissão Europeia na aprovação
do regime dos CMEC
Tal como consta na versão final do relatório, a Comissão Europeia considerou que “a cessação dos CAE e
a concessão de compensações a esse título constitui apenas um modo de alterar a forma como era concedida
a vantagem anterior e não um modo de compensar uma desvantagem”. Apesar disso, a Comissão Europeia
validou o Decreto-Lei n.º 240/2004 no pressuposto de que os CAE representaram para a EDP uma garantia de
funcionamento que “tornou possível a construção destes centros electroprodutores” (pág. 5 da Decisão da CE)
e que 1) poderia ter influenciado investimentos geradores de elevados prejuízos para estas centrais 2) dada a
sua alegada ineficiência; 3) na falta de compensação destes custos, a EDP poderia ter a sua viabilidade
ameaçada.
Com a abstenção do PS e o voto contra do PSD e do CDS, foi eliminada a demonstração da inconsistência
da atuação da Comissão Europeia com os pontos da própria Metodologia aprovada pela Comissão para a
apreciação de ajudas de Estado. Essa demonstração, bem como as consequentes conclusão e
recomendação, transcrevem-se a seguir:
«(…) Ora, nenhum desses pressupostos se verificava no momento da Decisão de 2004, nem se constatou
depois:
1) Os CAE da EDP, enquanto garantia de funcionamento, não determinaram investimentos na construção
das centrais – todos os investimentos em centrais com CAE da EDP já haviam sido realizados à data de
assinatura dos contratos. De resto, os CAE da EDP aplicam-se a ativos, na sua maioria, amplamente
amortizados. Não correspondem a custos ociosos (vd. pontos 3.8 e 3.10 da Metodologia atrás citada);
2) A perda de quota de mercado da produção em regime ordinário não resultou da Diretiva 96/92/CE, mas
sim da penetração da PRE, anos depois. De resto, a EDP nunca esteve em perigo de registar prejuízos, como
se verifica nos relatórios da empresa. Mesmo sem CMEC, estas centrais seriam lucrativas em mercado,
excluindo a possibilidade de prejuízos para a EDP. Assim, não há custos ociosos (vd. ponto 3.3 da
Metodologia);
3) A grande maioria das centrais da EDP abrangidas por CAE era eficiente. A central de Sines (como a
ERSE demonstra, vd. adiante neste relatório) e as centrais hidroelétricas (a EDP decidiu pagar para poder
explorá-las após o termo dos CAE) não são ineficientes como alega a Comissão Europeia;
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4) Na sua génese, os CAE da EDP eram contratos entre empresas do mesmo grupo económico, o que não
pode dar origem a custos ociosos (vd. ponto 3.5 da Metodologia).
5) Eventuais custos ociosos não deveriam ser pagos além de 2006 (vd. ponto 3.12 da Metodologia). Ora,
em Portugal, os CMEC começaram a ser pagos em 2007.
Conclusão: A autorização concedida em 2004 pela Comissão Europeia para a aprovação do regime
previsto no Decreto-Lei n.º 240/2004 assenta na omissão de aspetos que flagrantemente contradizem a
Metodologia invocada na Decisão da Comissão em 2004.
Recomendação: A Assembleia da República notificará a Direção-Geral de Concorrência da Comissão
Europeia das presentes conclusões, com vista a uma eventual reapreciação do regime de auxílio de Estado
aprovado em 2004.»
2. Eliminação do capítulo respeitante à extensão sem concurso de 26 barragens, a favor da EDP e
das respetivas conclusões e recomendações
O capítulo eliminado é aqui transcrito na íntegra.
Extensão sem concurso do uso do Domínio Público Hídrico a favor da EDP e metodologia do
cálculo da compensação a pagar ao SEN
Com o Decreto-Lei n.º 183/95 a entidade concessionária da RNT (a REN) obteve a concessão por parte do
Estado do direito de utilização do Domínio Público Hídrico (DPH) para a produção hidroelétrica. Aquando da
celebração dos CAE das centrais hídricas, na sua totalidade detidas pela EDP, estabeleceu-se que a REN
subconcederia a utilização do DPH a estas centrais até ao final destes contratos.
Com a entrada em vigor dos CMEC e a necessidade de cessação antecipada dos CAE, foi necessário
estabelecer termos e condições dos direitos de utilização do DPH destas centrais hidroelétricas. Assim foi
aprovada uma série de legislação entre 2004 e 2007 que culminou com uma extensão dos direitos de
utilização do DPH à totalidade das centrais hídricas até ao final de vida dos equipamentos (em média, 25 anos
para além do previsto nos CAE), abdicando a EDP do valor residual a que tinha direito e pagando ao Estado
759 M€. Esta posição estratégica foi atribuída à EDP sem a realização de qualquer procedimento
concorrencial. Os CAE continham também cláusulas para a negociação da extensão do contrato, bem como
cláusulas com direitos e obrigações a observar na resolução do mesmo. Previam também direitos e
obrigações da REN relativos à realização, findo o prazo de subconcessão, de concursos para o reequipamento
do aproveitamento e exploração destas centrais.
Esta opção é criticada pela ERSE desde a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e é ainda hoje objeto de
um processo formal de investigação por parte da Comissão Europeia. O comunicado mais recente da
Comissão Europeia sobre o tema, com data de 7 março de 2019, considera que as práticas legislativas de
Portugal e França na atribuição sem concurso de barragens violam o direito da UE.
“França e Portugal: A Comissão vai enviar notificações para cumprir a estes dois Estados-Membros, uma
vez que considera que tanto a legislação como a prática das autoridades francesas e portuguesas são
contrárias ao direito da UE. A legislação francesa e portuguesa permite a renovação ou extensão de algumas
concessões hidroelétricas sem recorrer a concurso.”
(Comunicado da CE, 7 de Março de 2019)
Assim, este foi também um assunto central na CPIPREPE, onde foi debatida a possibilidade de a atribuição
da utilização do DPH sem concurso estar na origem de vantagens indevidas conferidas à EDP. Duas questões
foram levantadas a este respeito: 1) a falta de um procedimento concorrencial na concessão do DPH no
período posterior ao prazo do CAE; 2) o método de fixação de uma compensação económico ao sistema
elétrico pelo valor dessa concessão.
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1. Atribuição à EDP da exploração dos aproveitamentos hidroelétricos sem concurso
1.1 As definições previstas nos CAE
Os CAE definiam cláusulas para a negociação da sua extensão. Este processo negocial, que poderia ser
iniciado tanto pela entidade concessionária da RNT (REN) como pelo produtor (EDP), é estabelecido na
cláusula 25.1 dos CAE das centrais hidroelétricas. O ponto 3 da mesma cláusula define que, se não for
iniciado um processo negocial, ou no caso de este falhar, o contrato terminaria na data de fim de contrato
estipulada para o CAE.
“Com uma antecedência mínima de 5 anos relativamente à Data de Fim do Contrato, a RNT, ouvida a
entidade de planeamento, notificará o Produtor do seu interesse ou não em negociar a extensão do Contrato
relativo ao Aproveitamento, devendo o Produtor responder por escrito, num prazo máximo de 1 mês. O
Produtor, poderá, até 5 anos antes da Data de Fim de Contrato, apresentar à RNT uma proposta
fundamentada para a extensão do Contrato. Nesse caso, a RNT, ouvida a entidade de Planeamento, deverá
notificar, o Produtor, no prazo máximo de um mês sobre o seu interesse, ou não, em iniciar negociações para
a extensão do Contrato.”
(cláusula 25.1.1 dos CAE das centrais hidroelétricas)
“No caso de nenhuma das partes solicitar a extensão do Contrato, ou no caso de a RNT responder
negativamente a uma proposta do Produtor para a extensão, o contrato terminará na Data de Fim de
Contrato.”
(cláusula 25.1.3 dos CAE das centrais hidroelétricas)
Neste cenário em que a RNT optasse pela não extensão do contrato, estaria obrigada, pela cláusula
26.1.1, a abrir um concurso para o reequipamento e exploração do aproveitamento hidroelétrico. No caso de o
vencedor deste concurso não ser a EDP, a RNT teria de devolver o valor residual do aproveitamento
hidroelétrico, de acordo com a cláusula 26.3.
“A RNT deverá, com a antecedência de pelo menos um ano relativamente à data de fim de Contrato,
colocar de novo a concurso o reequipamento do Aproveitamento e respectiva exploração. Em resultado desse
concurso a RNT optará entre:
• celebrar com o mesmo produtor um novo Contrato de Aquisição de Energia.
• celebrar com outra entidade que não o Produtor um novo Contrato de Aquisição de Energia, tomando
posse do Aproveitamento e transferindo para o novo produtor seleccionado a posse sobre as instalações e
bens pertencentes ao Aproveitamento, sem direito a qualquer indemnização adicional por parte do produtor
para além do previsto na cláusula 26.3 deste Contrato ”
(cláusula 26.1.1 dos CAE das centrais hidroelétricas)
“[…] se a RNT, em resultado do concurso aberto para o reequipamento e exploração do Aproveitamento,
vier a celebrar com outro produtor um novo contrato de aquisição de energia, a RNT pagará ao Produtor o
Valor Residual do Aproveitamento, tal como definido no Anexo 10 deste Contrato.”
(cláusula 26.3 dos CAE das centrais hidroelétricas)
Em suma, os CAE, nos termos da legislação em vigor à data, concediam à REN a opção de estender o
contrato de exploração dos centros hidroelétricos da EDP ou abrir um novo concurso e transferir a exploração
para outra entidade, pagando à EDP valor residual do aproveitamento.
O processo de transição para o mercado de eletricidade veio obrigar à cessação antecipada dos CAE e à
produção de nova legislação que enquadrasse a exploração dos centros electroprodutores. Para fazer face a
este processo de transição, como vimos anteriormente, o governo optou em 2003 pela adoção de um
mecanismo de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), cuja principal premissa era a neutralidade
relativamente aos CAE.
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Assim, no que diz respeito às centrais hídricas da EDP, esperava-se que fossem mantidos sob o regime
CMEC os mesmos prazos de exploração previstos nos CAE. Todavia, na sequência do Despacho n.º 14
315/2003, o Decreto-Lei n.º 240/2004 concedeu à EDP a opção de explorar os aproveitamentos hidroelétricos
até ao termo de concessão do domínio hídrico (muito além do prazo dos CAE). Mais tarde, em 2005, este
novo direito ficou também plasmado como cláusula suspensiva nos Acordos de Cessação dos CAE, dando à
EDP o direito de não transitar para os CMEC enquanto não fossem estendidos os prazos de concessão das 27
barragens em território nacional.
Na secção seguinte analisam-se estes dois momentos de atuação do governo, em 2004 e 2005, na
preparação e aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e na negociação e homologação dos Acordos de
Cessação antecipada dos CAE.
1.2 Aspetos decorrentes do Decreto-Lei n.º 240/2004
No artigo 4.º ponto 1 do Decreto-Lei n.º 240/2004 é introduzida a possibilidade – já prevista no Despacho
n.º 14 315/2003 – de os produtores hidroelétricos manterem a exploração das centrais até ao termo da
concessão do domínio hídrico:
“No caso dos centros produtores hidroeléctricos, e na hipótese de os respectivos produtores pretenderem
manter a exploração até ao termo da concessão do domínio hídrico, ao valor do CAE é deduzido o valor
residual dos bens que, nos termos do respectivo título de concessão, não devessem reverter gratuitamente
para o Estado no final do contrato”.
[artigo 4.º ponto 1, alínea vii)]
No parecer ao Decreto-Lei n.º enviado pela ERSE em 2004, o regulador debruça-se sobre este novo direito
de opção conferido à EDP, afirmando que esta prorrogação implícita da licença de produção, por não ser feita
através de um procedimento concursal, prejudica a concorrência e não confere aos potenciais interessados
igualdade de tratamento. A ausência de previsão de uma tradução económica a favor do sistema elétrico desta
nova vantagem concedida à EDP é fortemente criticada:
“Embora o n.º 2 [do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 183/95] disponha que o prazo do contrato de vinculação
deva ser igual ao prazo de duração da licença, a verdade é que o prazo de utilização do domínio hídrico é
muito superior ao prazo de duração dos contratos de vinculação.
Resulta daqui que, na prática, os termos de formulação da citada alínea [do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-
Lei n.º 240/2004] traduzem uma prorrogação implícita da licença de produção. Assim sendo, esta prorrogação
deve ter uma tradução económica a favor do sistema eléctrico, devendo ser levada em linha de conta na
determinação dos CMEC. A não ser assim, está-se a conferir aos produtores, sem qualquer correspondência
no sistema eléctrico, vantagens que não resultam dos CAE se estes contratos fossem cumpridos nos seus
precisos termos. Ora, para além da imediata prorrogação da licença ser questionável à luz dos princípios da
Directiva 2003/54/CE, já que não confere aos interessados igualdade de oportunidades e de tratamento, a
ausência de correspondência económica no sistema eléctrico torna este acto ilegítimo. Donde, importaria
adoptar uma disposição expressamente aplicável à prorrogação das licenças”.
(Parecer ERSE ao Decreto-Lei n.º 240/2004, entregue ao governo em maio de 2004)
Também a REN, nos primeiros comentários ao Decreto-Lei n.º 240/2004 que faz chegar ao governo em
Fevereiro de 2004, alerta para este aspeto do diploma:
“O ponto v. da alínea a) do número 1 do artigo 4.º ao permitir manter a exploração das centrais hídricas
(3903 MW) até ao termo da concessão do domínio hídrico está a beneficiar a EDP, atendendo a que, no termo
de cada CAE, a REN iria colocar a concurso a exploração do sítio (Decreto-Lei n.º 183/95, n.º 4 do artigo 13.º,
texto consolidado pelo Decreto-Lei n.º 56/97 de 14 de março”.
(Comentários REN, enviados em Fevereiro de 2004)
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A EDP desvaloriza o facto de a extensão do DPH se constituir como um novo direito, dizendo que a lei já
permitia que a RNT fizesse a subconcessão sem concurso. O administrador da empresa em 2007, João
Manso Neto afirma hoje:
“Desde 1995 que estava previsto que o produtor o pudesse ter. Obviamente — e podemos fazer já esse
comentário —, também o Estado o poderia ter, mas aquilo já estava previsto, pelo que não há nada de novo.”
(Audição de João Manso Neto)
Contudo, o Decreto-Lei n.º 183/95 no artigo 6 (citado em baixo) apenas concede o direito à RNT de
subconceder o DPH à entidade selecionada para a exploração da central.
“A entidade concessionária da RNT fica autorizada a subconceder o contrato de concessão de utilização do
domínio hídrico à entidade por ela seleccionada, nos termos do presente diploma.”
(Artigo 6.º, ponto 3, do Decreto-Lei n.º 183/95)
Como vimos anteriormente, como impunha a legislação de 1995, os CAE definiam os termos da extensão
desta subconcessão, dando poderes à RNT para não estender o contrato e iniciar um concurso para a
exploração dos aproveitamentos hidroelétricos. Só no processo de transição para o mercado, mais
concretamente no Despacho n.º 14 315/2003 e no Decreto-Lei n.º 240/2004, é que a extensão deixa de
depender da vontade da RNT e passa a depender da vontade da EDP. Enquanto Paulo Pinho chama a isto
uma “opção real muito valiosa”, João Manso Neto considera que “não há nada de novo”.
Perante as evidências que demonstram que a extensão por opção da EDP é um aspeto jurídico inovatório
introduzido no Decreto-Lei n.º 240/2004, João Manso Neto centra o seu argumentário na racionalidade
económica da medida:
“A opção de não fazer concurso público e atribuir o domínio hídrico por negociação bilateral era aquilo que
fazia sentido, já não digo do ponto de vista jurídico, mas do ponto de vista económico”.
(Audição de João Manso Neto)
Para justificar a vantagem económica da negociação sem concurso, João Manso Neto enunciou na
CPIPREPE as quatro opções que o governo teria aquando da cessação dos CAE:
1 – “Realizar concurso em 2007 para todas as centrais para exploração imediata, [o que] implicaria pagar à
EDP o valor residual de 1356M€ e valor atual líquido dos lucros cessantes (7982M€) [até ao final do prazo do
CAE]”; 2 – “Realizar um concurso em 2007 para exploração das centrais, mas salvaguardando os direitos de
exploração até que os CMEC/CAE terminassem, [o que] Implicaria pagar à EDP o valor residual de 1356M€
[com o] inconveniente de estar a pagar, em 2007, por um ativo que só começaria a explorar à medida que os
CMEC/CAE fossem cessando”; 3 – Realizar concursos para exploração das centrais à medida que os
CMEC/CAE terminassem, [o que] Implicaria pagar à EDP o valor residual de 1356M€” 4 – “Conceder à EDP a
exploração das centrais até ao fim da vida útil das mesmas, [em que] o Estado teria um encaixe financeiro de
759M€ e não teria de pagar o valor residual de 1356M€”.
Manso Neto concluiu dizendo que “O governo tomou a opção mais racional e com maiores benefícios para
o sistema e para o país”.
Sobre a tradução económica da decisão do governo, Paulo Pinho não é da mesma opinião. Ouvido na
CPIPREPE, o ex-administrador da REN não tem dúvidas de que o Decreto-Lei n.º 240/2004 proporcionou à
EDP uma opção real muito valiosa, quebrando a neutralidade dos CMEC em relação aos CAE.
“Sou professor de Finanças e uma peça fundamental da teoria financeira são as opções, a avaliação de
opções. Estamos aqui a falar daquilo que, em finanças, chamamos opção real. Isto é uma opção real? Uma
opção real vale muito dinheiro! O Estado português oferece a um produtor uma opção real muito valiosa a
troco de nada. Aí, foi uma das várias áreas onde, para mim, se violou o princípio, que vigorava nos CMEC, de
que eles deveriam ser financeiramente neutrais. Não é financeiramente neutral quando alguém me põe uma
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alínea… aliás, acrescenta lá um texto em que dá essa opção, que é uma opção real, que tem imenso valor.
Mesmo que eles não o exercessem mais tarde, o simples facto de lhe ser dado tem um valor financeiro e esse
valor não foi tido em conta em nenhum dos cálculos feito posteriormente.”
(Paulo Pinho, ex-assessor do Ministro Carlos Tavares e ex-administrador da REN)
O valor estratégico da opção, dada à EDP, de estender a utilização do DPH por mais 25 anos foi realçado
por vários depoimentos na CPIPREPE. Para o ex-Secretário de estado da energia, a EDP obteve, sem
concurso, o monopólio da produção hidroelétrica em Portugal, que é um bem muito importante para a
operação em mercado:
“A concessão do controlo monopolista da capacidade de bombagem, que é um asset que tem um valor
incalculável para fazer a arbitragem do sistema e quando há excessos da produção eólica a baixo valor — e,
na prática, o Estado passou o monopólio para a EDP — é um valor que não está determinado e que, sob o
ponto de vista estratégico, é um valor incalculável.”
(Henrique Gomes, Secretário de Estado da Energia 2011-2012)
Em suma, o Decreto-Lei n.º 240/2004 veio fazer depender da vontade da EDP a extensão da concessão do
domínio público hídrico em média por mais 25 anos em todas as centrais hidroelétricas do país. Este novo
direito não existia anteriormente nos CAE nem na legislação de 1995. Esta extensão tratou-se de uma decisão
clara do governo, introduzida pelo Despacho n.º 14315/2003 e consumada no Decreto-Lei n.º 240/2004.
Com esta decisão o governo evitou que o Estado pagasse o valor residual dos equipamentos das centrais,
avaliados em 1356M€. Por outro lado perdeu o direito de, através da REN, abrir novos concursos para a
exploração dos 26 aproveitamentos hidroelétricos em Portugal, obrigando a que estes ativos ficassem nas
mãos de uma única empresa.
Registam-se, portanto, as posições das duas entidades envolvidas no processo: para a EDP, nas palavras
de João Manso Neto, a extensão do domínio público hídrico “era aquilo que fazia sentido do ponto de vista
económico”; para a REN, nas palavras do seu então presidente, José Penedos, “a extensão do domínio
hídrico, da maneira que foi feita, era contra o interesse nacional”.
1.3 Aspetos decorrentes dos acordos de cessação dos CAE
Os acordos de cessação antecipada dos CAE, assinados pela EDP e pela REN e homologados em
fevereiro 2005 pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, Manuel Lencastre, através do
despacho n.º 4672/2005, vieram estabelecer as condições para a cessação daqueles contratos no processo
de transição para os CMEC. Nestas condições foi introduzida uma cláusula suspensiva destes acordos
[cláusula 2, alínea b)] que obrigava à subconcessão do DPH à EDP até ao fim de vida útil dos equipamentos
das centrais hídricas:
“Concessão à Entidade Concessionária da RNT dos direitos de utilização do domínio público hídrico que
integre o conjunto dos Centros Electroprodutores, por prazo não inferior ao correspondente à vida útil dos
equipamentos e obras de engenharia civil que se encontra indicado no Anexo I – Parte B em relação a cada
Centro Electroprodutor e subsequente subconcessão pela Entidade Concessionária da RNT a favor do
Produtor dos aludidos direitos de utilização, por prazo idêntico ao daquela concessão.“
[Acordos de cessação dos CAE, cláusula 2, ponto 1-b)]
Assim, na prática, esta cláusula suspensiva veio fazer depender a cessação dos CAE e a consequente
passagem aos CMEC, da extensão do DPH. Para o então diretor geral da EDP, João Manso Neto, esta
cláusula foi introduzida apenas para salvaguardar a opção conferida à EDP pelo Decreto-Lei n.º 240/2004:
“O Decreto-Lei n.º 240/2004 permitia à empresa, aos produtores — neste caso éramos só nós que já
tínhamos o hídrico — escolher entre receber o valor residual, ou seja, somar ao valor dos CMEC [o] valor
residual, ou optar pela extensão do domínio hídrico. Quando assinámos o acordo de cessação, exercemos a
opção: o montante CMEC é de 3300M€ e não 4600M€ porque exercemos a opção.
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Portanto, o acordo CMEC nunca podia entrar em vigor sem me regularizarem o domínio hídrico, porque se
não me dessem o domínio hídrico, então tinha de ir para os 4,6 – esta é uma razão financeira.
Mas há, também, uma razão mais operacional, que é: «eu preciso de ter o domínio hídrico para operar em
mercado». Esta era a direta execução do Decreto-Lei n.º 240/2004: 3,3 mais domínio hídrico, ou 3,3 mais valor
residual. Como escolhemos o primeiro, só podemos dar o CAE como morto quando tivermos o resto. Está a
ver? Se eu escolhesse um e, depois, não tivesse o resto ficava desequilibrado… É uma condição suspensiva
que não podia deixar de existir, face ao teor do Decreto-Lei n.º 240/2004.”
(Audição de João Manso Neto)
Victor Batista, um dos administradores da REN que conduziu o processo por parte da concessionária da
RNT, concorda que esta cláusula foi só uma forma da EDP exercer um direito que lhe tinha sido atribuído pela
legislação introduzida no ano anterior:
“Nessa condição suspensiva a EDP, no fundo, está a exercer o direito de opção. A opção que lhe foi
oferecida ela exerce-a! É a tal opção real. A EDP exerceu esse direito, ou seja, «eu quero continuar». E,
portanto, aparece na condição suspensiva.”
(Audição de Victor Batista)
Ouvidas as duas empresas envolvidas na elaboração e assinatura dos acordos de cessação, pode
concluir-se que a inclusão da obrigatoriedade de extensão do DPH na cláusula suspensiva dos acordos de
cessação dos CAE foi a concretização do novo direito de opção dado à EDP no Decreto-Lei n.º 240/2004.
Porém, ao ficar contratualizada, a EDP transformou essa numa condição contratual, que, na prática impunha
que não poderia haver cessação do CAE e entrada em vigor do MIBEL sem que o DPH fosse concessionado à
REN e subconcessionado à EDP até ao fim do prazo de vida útil dos equipamentos, retirando ao estado a
possibilidade de fazer concurso para a exploração dos aproveitamentos hídricos no fim dos CAE.
Na sua Decisão de 2017 relativa ao processo por ajudas de Estado sobre a extensão do domínio hídrico, a
Comissão Europeia sublinha este facto:
“(25) Em primeiro lugar, a Comissão observou que a adjudicação da utilização de recursos hídricos
públicos em regime de concessão para efeitos de prestação de um serviço num mercado pode não comportar
uma vantagem económica para o beneficiário, se a dita concessão for adjudicada no âmbito de um concurso
público e não discriminatório em que participe um número suficiente de operadores interessados. No entanto,
no caso em apreço, os acordos de cessação dos CAE prolongaram, de facto, por cerca de 25 anos, em média,
o direito exclusivo da EDP de explorar as centrais elétricas em causa sem qualquer processo de concurso.
Com efeito, a organização de um concurso ficou esvaziada pelas cláusulas suspensivas dos 27 acordos de
cessação dos CAE entre a REN e a EDP.
(26) Tendo em conta a significativa parte do mercado português representada pelas centrais elétricas (27
%), a posição da EDP no mercado português de geração e venda por grosso (55 %) e o interesse específico
de centrais hidroelétricas numa carteira de produção de eletricidade, a Comissão considerou que essas
cláusulas suspensivas podem ter desencadeado um efeito de exclusão do mercado numa base duradoura
para a entrada no mercado de potenciais concorrentes que poderiam ter concorrido ao concurso público. Por
conseguinte, poderia estabelecer-se uma vantagem económica beneficiando indevidamente a EDP caso o
concurso tivesse tido por resultado um preço mais elevado do que o que foi pago pela EDP, líquido do valor
residual devido a esta empresa”.
(Decisão da Comissão Europeia sobre a extensão da utilização do DPH, 15 de maio de 2017)
1.4 Negociação e decisões políticas
Como vimos nos dois pontos anteriores, a extensão da concessão do DPH à EDP foi feita em duas fases:
1) o Decreto-Lei n.º 240/2004 transformou uma opção da REN (estender o DPH ou fazer concurso público)
numa opção da EDP; 2) o Despacho n.º 4672/2005, do secretário de Estado Manuel Lancastre aprovou os
acordos de cessação que continham a cláusula suspensiva que concretiza essa decisão, transformando a
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extensão do DPH numa condição para a cessação dos CAE e entrada em vigor dos CMEC.
Sobre estes dois momentos legislativos, as opiniões manifestadas na CPIPREPE dividiram-se. Para alguns
intervenientes esta foi uma decisão acertada do governo, que impediu o pagamento do valor residual de
1356M€ estipulado pelos CAE, para outros o Estado quebrou a neutralidade entre os CAE e os CMEC,
entregou à EDP um monopólio com enorme valor estratégico e perdeu a possibilidade de fazer um encaixe
superior ao valor residual em futuros concursos públicos.
Interessou, por isso, à CPIPREPE averiguar em que moldes foi tomada esta decisão e perceber se ela
resultou de um processo negocial entre o governo e a EDP durante a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004.
Os principais responsáveis políticos alegaram não se recordar de discussões, decisões ou negociações sobre
a extensão do DPH, tanto no processo de preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 como na sua versão final
como ainda na preparação dos acordos de cessação dos CAE.
Franquelim Alves, Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia, assinou o Despacho n.º 14
315/2003 onde já se prevê a extensão do domínio hídrico:
“Não tenho memória de qualquer tipo de discussão sobre esse tema nem sequer a noção de que, por via
do decreto-lei que estava em discussão, que estava em cima da mesa no meu tempo…”
Carlos Tavares, Ministro da Economia 2002-2004, remeteu a parecer da ERSE e à aprovação pela
Comissão Europeia o anteprojeto do que viria a ser o decreto-lei 240/2004 (que já continha sobre esta matéria
a formulação que veio a ficar no diploma aprovado):
“Se calhar, não vou corresponder às suas expectativas. Só lhe posso garantir uma coisa: não houve
nenhuma negociação comigo sobre esse ponto. (…) Também não lhe sei dizer se esse ponto estava no
decreto que foi notificado ou não, mas acredito plenamente… De facto, não foi ponto de que eu tivesse tratado
explicitamente”.
Manuel Lancastre, Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico 2004-2005, assinou o despacho
4672/2005 que homologa os Acordos de Cessação dos CAE, onde figura como cláusula suspensiva da
cessação a extensão do DPH:
“Se me lembro de ter negociado e discutido essa questão da concessão para além dos prazos com a REN
e com a EDP? A resposta é não”.
Quanto aos principais responsáveis da EDP ouvidos na CPIPREPE fizeram declarações contraditórias.
Por um lado, o presidente executivo da empresa à data, João Talone, e o administrador responsável pelo
processo negocial do Decreto-Lei n.º 240/2004, Pedro Rezende, afirmaram que não houve quaisquer
abordagem da EDP junto do governo sobre a extensão do DPH e que esse tema não foi uma preocupação
nas negociações em 2004 sobre a transição dos CAE para os CMEC.
Pedro Rezende, vice-presidente da Boston Consulting Group 1990-2003, administrador da EDP 2003-2006,
assinou pela empresa os acordos de cessação dos CAE:
“Enquanto estive na EDP o assunto da extensão do domínio hídrico não foi negociado com o Estado, não
foi negociado pelo Estado, não foi tratado. (…) Lamento imenso dizer-lhe que não recordo que houvesse essa
condição suspensiva nos contratos”.
João Talone, presidente-executivo da EDP 2003-2006 na preparação do Decreto-Lei n.º 240/2005 e na
assinatura dos acordos de cessação dos CAE:
“Aquilo de que me lembro é que, no decreto-lei de 2004, estava previsto que, no fim da concessão do
domínio hídrico, a concessão revertia para o Estado e o Estado tinha de pagar os ativos ao operador. (…) Mas
não me lembro, sequer, que isso tenha sido tema enquanto estive na EDP.”
Por outro lado, o atual presidente executivo da EDP, António Mexia, não tem dúvidas que a empresa impôs
a extensão do DPH como condição para aceitar a transição para os CMEC. Já João Manso Neto afirma que a
extensão do DPH foi uma opção do Governo.
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“Nesta altura a EDP manifestou-se no sentido de condicionar a cessação antecipada dos seus CAE à
extensão do DPH. (…) [Os administradores da EDP] punham a condição A, B, C, D, entre as quais estava a
extensão do domínio hídrico. Gostava que ficasse claro que em 2003 e 2004 houve muito envolvimento”.
(António Mexia)
“O Estado optou, em 2003 e, depois, em 2004, pela solução mais fácil, o ajuste direto… (…) Neste caso do
domínio hídrico, estávamos a falar da substituição de CAE por CMEC. Se querem acabar com os contratos é
conveniente que estejamos de acordo.”
(João Manso Neto, diretor-geral e administrador da EDP 2003-2015, atual presidente da EDP Renováveis)
Para provar o empenho da EDP já em 2004 na negociação da extensão do DPH, António Mexia remeteu à
CPIPREPE uma carta enviada pelo Conselho de Administração da empresa ao secretário de Estado do
Desenvolvimento Económico, Manuel Lancastre no final de 2004, no final do processo de negociação do que
viria a ser o Decreto-Lei n.º 240/2004.
No último ponto, o Conselho de Administração da EDP alerta o governo para a necessidade de garantir que
a concessão do DPH seja feita à REN, porque só assim ficaria assegurada a extensão do DPH prevista no
artigo 4.º [ponto 1 alínea vii)] do projeto de lei.
“É fundamental para assegurar a atribuição do montante dos CMEC resultante do artigo 4.º do Decreto-Lei
que os prazos das subconcessões a atribuir aos produtores titulares de centros hidroelétricos correspondam,
no mínimo, aos períodos de vida útil dos equipamentos de construção civil e engenharia mecânica. Neste
momento, face à inexecução do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 153/2004, de 30 de junho, torna-se essencial a
adoção de medidas que assegurem a atribuição das concessões à entidade concessionária da RNT em
consonância com os prazos acima referidos, embora não prejudicando a celeridade e oportunidade do
presente processo legislativo.”
(Pedro Rezende, Carta CA da EDP, 10 de novembro de 2004)
“Os serviços competentes do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente devem
celebrar os respectivos contratos [de concessão do domínio hídrico] com a entidade concessionária da RNT
no prazo de 120 dias a contar da publicação do presente diploma, devendo constar dos mesmos a
possibilidade de subconcessão a favor dos respectivos produtores hidroeléctricos”.
(Decreto-Lei n.º 153/2004, de 30 de Junho, artigo 2.º, número 2)
Esta carta prova que em 2004 houve uma primeira negociação entre a EDP e o governo sobre a extensão
do DPH. A preocupação da EDP era garantir que a lei sobre domínio hídrico em vigor não impediria a
extensão do DPH prevista no novo Decreto-Lei n.º 240/2004. Em particular, Pedro Rezende quer assegurar
que os prazos de concessão do Estado à REN são compatíveis com a extensão da subconcessão à EDP,
prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei. Esta garantia é contratualizada através da inclusão da respetiva cláusula
suspensiva nos acordos de cessação dos CAE que Manuel Lencastre homologaria:
“Concessão à Entidade Concessionária da RNT dos direitos de utilização do domínio público hídrico que
integre o conjunto dos Centros Electroprodutores, por prazo não inferior ao correspondente à vida útil dos
equipamentos e obras de engenharia civil […] e subsequente subconcessão pela Entidade Concessionária da
RNT a favor do Produtor dos aludidos direitos de utilização, por prazo idêntico ao daquela concessão”.
2. O processo de concessão do domínio hídrico
2.1 Regulamentação da Lei da Água
No final do governo Santana Lopes, estava em finalização a futura Lei n.º 58/2005, aprovada pela
Assembleia da República já no período do governo Sócrates. A Lei da Água determina que a concessão da
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utilização do domínio público hídrico é atribuída mediante concurso público, cabendo ao governo aprovar
decretos-leis complementares que regulem a utilização de recursos hídricos e o respetivo regime económico e
financeiro. Em finais de 2006 e início de 2007, a aplicação concreta da nova lei será objeto de uma divergência
de posições entre os titulares das pastas governativas do Ambiente e da Economia.
Em maio de 2006, o presidente do Instituto da Água (INAG), Orlando Borges, remete ao Ministro do
Ambiente o projeto de decreto-lei de regulamentação da Lei da Água, cuja preparação coordenou. Entre outras
definições, esta proposta determinava que, finda a vigência dos CAE das centrais hidroelétricas, a concessão
do domínio hídrico dependeria da realização de concurso público, tal como indicado na Lei da Água.
Paralelamente a este processo e sem a participação do Ministério do Ambiente, o Ministério da Economia
inicia, em outubro de 2006, o processo de atribuição à EDP, de modo imediato, urgente e sem concurso, da
extensão da concessão do domínio hídrico, como forma de incorporar uma receita extraordinária que
contribuísse fazer face aos aumentos de tarifa previstos pela ERSE para 2007 (ver mais sobre este processo
no capítulo dívida tarifária).
É neste momento que, no quadro do percurso legislativo do projeto de decreto regulamentar da Lei da
Água preparado pelo INAG, o Ministério da Economia entende propor-lhe um conjunto de alterações.
As objeções do Ministério da Economia e Inovação (MEI) são apresentadas num memorando interno do
governo designado “Análise da proposta de diploma do MAOTDR para a regulamentação da Lei da Água”. As
principais objeções do MEI são 1) a existência de risco de redução da margem de manobra negocial para a
extinção antecipada dos CAE e, consequentemente, para a obtenção de contrapartidas económicas para
reduzir os esperados aumentos da tarifa; 2) a imposição de taxas de utilização de água ou rendas, com
impacto no aumento das tarifas. Em consequência, o MEI propõe, entre outras, 1) a prorrogação das
concessões do domínio hídrico das centrais com CAE (“em resolução do Conselho de Ministros sob proposta
do MEI”); 2) a isenção do pagamento de taxas por utilização de água.
Em nome do INAG, Orlando Borges remete a 21 de novembro de 2006 ao ministro do Ambiente, Nunes
Correia, uma crítica das propostas de alteração feitas pelo MEI. Nesse parecer, Orlando Borges refere que as
propostas do MEI “beneficiam claramente um sector de atividade [o da produção de energia] em detrimento de
outros”. Um exemplo de alegado favorecimento ao setor elétrico seria a proposta de isenção de pagamento da
taxa de recursos hídricos, “isenção contrária ao espírito da Lei da Água”. O INAG criticava ainda o papel que o
MEI pretendia atribuir à Direção-geral de Energia e Geologia na gestão dos recursos hídricos utilizados na
produção elétrica, sendo um dos exemplos o facto de se pretender que passasse a ser a DGEG a tomar a
posse administrativa dos bens e a geri-los, em caso de reversão para o Estado.
Não me recordo dessa carta. Se os Srs. Deputados têm cópia dela, teria muito gosto em lê-la. Não me
recordo dessa carta. Não disse que ela não existiu, disse que não me recordo dessa carta. E, 12 anos depois,
vir dizer que alguém escreveu uma carta a alguém… Bom, onde está a carta?! Quero vê-la! Não me recordo
dela!
(Nunes Correia, ministro do Ambiente 2005-2009)
Perante o parecer do INAG, o MAOTDR recusa as propostas da Economia e Tiago D’Alte, adjunto do
ministro Nunes Correia, responde sucintamente ao gabinete de Manuel Pinho apontando falhas de
legalidade/constitucionalidade nas propostas do MEI.
Na sequência destes factos, o secretário de Estado com a pasta da Energia, Castro Guerra, encomenda
um conjunto de pareceres jurídicos sobre a legalidade/constitucionalidade das propostas do MEI.
Num primeiro momento, ainda em novembro de 2006, Castro Guerra recebe da EDP um parecer de Pedro
Gonçalves (MLGTS & Associados) a dar suporte às propostas do MEI.
Ao mesmo tempo, o secretário de Estado pede a Freitas do Amaral um parecer sobre o mesmo assunto.
Este não se pronuncia sobre se alguma das alterações propostas é incompatível com legislação comunitária
(porque “não me foi pedido e por falta de tempo”), limitando-se a recomendar que, para cumprir o artigo 165º
da Constituição, o Decreto-Lei alterado pelo MEI seja enquadrado por autorização legislativa da Assembleia
da República, “por causa do encargo especial a exigir aos beneficiários de prorrogações de concessões”.
Na CPIPREPE, Orlando Borges resumiu esta fase do processo da seguinte forma:
“Estávamos ali a criar um problema e a única forma que encontraram, nomeadamente do ponto de vista da
legalidade, para ultrapassar esse problema foi pedir uma autorização legislativa e fazer aquilo que, no âmbito
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do regulamento e da proposta de decreto-lei que era apresentado, não podiam ou não tinham condições de
fazer. (…) A autorização legislativa desta Assembleia da República, a Lei n.º 13/2007, introduziu duas
situações que não estavam previstas na Lei da Água. A alínea h), que dizia: «a possibilidade de prorrogação,
por uma única vez», e depois definia o prazo —, e a alínea o), feita justamente com este objetivo, que pedia
autorização legislativa à Assembleia da República para definir «um regime especial de regularização de
atribuição de títulos de utilização dos recursos hídricos às empresas titulares de centros electroprodutores,
prevendo a possibilidade de continuação de utilização dos recursos hídricos mediante a celebração de um
contrato de concessão no prazo de dois anos». Ou seja, com este respaldo, utilizando uma linguagem jurídica,
o Decreto-Lei n.º 226-A/2007 introduziu objetivamente dois ou três artigos”.
O pedido de autorização legislativa é aprovado pelo Parlamento a 8 de fevereiro de 2007.
Castro Guerra solicita novos pareceres jurídicos aos advogados Rui Pena (RPA Associados) e António
Vitorino e Duarte Abecasis (sociedade Gonçalves Pereira), não só sobre as alterações pretendidas pelo MEI
ao projeto inicial, mas também já sobre os termos a adotar na futura portaria conjunta MEI/MAOTDR que fixará
o valor a pagar pela EDP e ainda sobre a modalidade de incorporação desse valor na tarifa da eletricidade.
Em fevereiro de 2007, a finalização do decreto-lei passa a estar a cargo exclusivo do Ministério da
Economia. A 15 desse mês fevereiro, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/2007 incumbe o MEI da
“prossecução das acções necessárias para a concretização das orientações constantes da presente
resolução”, embora o Decreto-Lei n.º 226-A/2006 seja atribuído da iniciativa do MAOTDR e o despacho que,
em agosto, fixa o valor do equilíbrio económico-financeiro seja assinado conjuntamente pelo Ministro Manuel
Pinho e pelo ministro Nunes Correia.
É nesse momento que Manuel Pinho torna pública a decisão de extensão do domínio hídrico (e também o
ajuste direto empreendimento de fins múltiplos de Alqueva à EDP). No entanto, os valores não são divulgados
por Manuel Pinho, que refere apenas “várias centenas de milhões de euros”. De acordo com o jornal Público
de 16 de fevereiro, o governo iria ainda pedir estudos, mas toda a imprensa noticia 800 milhões de euros e as
ações da EDP em bolsa atingem máximos desde 1999. Nesse mesmo dia 16, João Manso Neto envia
informação por e-mail a Miguel Viana, do BESI, que produz uma nota de research confirmando o valor da
imprensa como a expectativa da EDP: 700 a 800 milhões de euros. Pouco tempo depois, Viana torna-se
responsável da EDP pelas relações com investidores.
A versão final do Decreto-Lei n.º 226-A/2007 consagrou a possibilidade de uma extensão adicional do
período da utilização do domínio hídrico – para além daquela que foi avaliada, tanto pela REN como pelas
entidades bancárias – no caso da realização de investimentos não previstos no contrato de concessão. Por
outro lado, é previsto o pagamento pela EDP de um valor de equilíbrio económico-financeiro:
“1 – Com o termo da concessão e sem prejuízo do disposto no respectivo contrato, revertem gratuitamente
para o Estado os bens e meios àquela directamente afectos, as obras executadas e as instalações construídas
no âmbito da concessão, nos termos do disposto no artigo seguinte.
2 – No termo do prazo fixado, quando o titular da concessão tenha realizado investimentos adicionais aos
inicialmente previstos no contrato de concessão devidamente autorizados pela autoridade competente e se
demonstre que os mesmos não foram ainda nem teriam podido ser recuperados, esta entidade pode optar por
reembolsar o titular do valor não recuperado ou, excepcionalmente e por uma única vez, prorrogar a
concessão pelo prazo necessário a permitir a recuperação dos investimentos, não podendo em caso algum o
prazo total exceder 75 anos.”
(Decreto-Lei n.º 226-A/2007, artigo 35.º Termo da concessão)
“1 – A entidade concessionária da RNT e as empresas titulares dos centros electroprodutores (…) poderão
continuar a utilizar os recursos hídricos atrás referidos através de outorga de contrato de concessão a celebrar
entre o Estado e a entidade concessionária da RNT, a ocorrer no prazo máximo de dois anos a contar da data
de entrada em vigor do presente decreto-lei, podendo aquela transmitir os correspondentes direitos às
referidas empresas titulares dos centros electroprodutores. (…)
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6 – A transmissão dos direitos de utilização do domínio hídrico a favor das empresas titulares dos centros
electroprodutores a que se refere o n.º 1 fica sujeita ao pagamento de um valor de equilíbrio económico-
financeiro”.
(Decreto-Lei n.º 226-A/2007, artigo 91.º Regularização da atribuição de títulos de utilização às empresas
titulares de centros electroprodutores)
No ministério, a passagem da tutela da energia de Castro Guerra para Manuel Pinho é sinalizada em maio
com o saída do gabinete do Secretário de Estado da equipa de assessores para a área da energia.
2.2 A omissão da medida perante a Comissão Europeia
Depois do atos legislativos e de Governo de 2003 e 2004, discutidos nos pontos anteriores – que permitia a
extensão sem concurso da concessão do DPH às barragens da EDP até ao fim de vida dos equipamentos, era
necessário encontrar um método de fixação de uma compensação económica ao sistema elétrico por
concessão. Este assunto foi alvo de reuniões durante o ano de 2006 entre a EDP e a REN com o objetivo de
fixar esse método e calcular um valor a pagar pela EDP por essa concessão.
Em 2006, na preparação da entrada em vigor do regime CMEC, foi identificada a necessidade de rever a
estimativa do preço médio de mercado feita no Decreto-Lei n.º 240/2004 para o período CMEC, de 36€/MWh
para 50€/MWh. Esta alteração era neutra quanto à remuneração, apenas alterando a sua repartição entre
parcela fixa e parcela de ajustamento, e a posteriori é possível constatar que se revelou correta, por mais
aproximada aos valores verificados no mercado grossista.
Se era neutra no caso dos CMEC, ela era importante no caso da extensão do domínio hídrico, visto que o
aumento do valor estimado para a exploração vinha afetar a disposição do Decreto-Lei n.º 240/2004 que
previa, para a extensão da concessão, a dedução do valor residual ao CMEC a receber pela EDP. Esses
cálculos foram realizados, da forma que se analisa mais à frente neste relatório.
Mas esta alteração ao auxílio de Estado CMEC implicava, nos termos da Decisão da CE de 2004, uma
notificação à Comissão. Este facto, atendendo à documentação dada a conhecer pela Procuradoria-Geral da
República, gerava grande preocupação no governo e na EDP. Em parecer jurídico, António Vitorino sugere a
realização de uma notificação informal à CE sobre os dois temas, preços de referência e extensão do domínio
hídrico.
A opção por esta informalidade é resultado de uma preocupação expressada no memorando enviado por
António Mexia ao ministro Manuel Pinho, depois de preparado por João Manso Neto com conhecimento prévio
a Rui Cartaxo, assessor do ministro, que terá concordado.
Nesse memorando, escreve o presidente da EDP ao ministro:
“3. O risco que pode haver é que, sob o pretexto dessa confirmação [pela Comissão] da análise [do
governo] sobre a pertinência e neutralidade desta alteração [da previsão de preço de mercado], a Comissão
Europeia ter a tentação de rever o dossier, o que poderia bloquear o processo.
4. Daí que sugeria que se evitasse uma reapreciação técnica do assunto e que, pelo contrário, falasses
com a Comissária [da Concorrência, Nelie Kroes] no sentido de lhe voltar a explicar o que se pretende e a
simplicidade do que está em causa. Se sentires que não é viável obter um acordo informal com base nessas
explicações, a melhor solução para evitar os riscos referidos em 3, será avançar com a implementação dos
CMEC nos termos em que está o Decreto-Lei n.º (…).
5. Naturalmente que a manutenção do preço de referência de 36 no período de revisibilidade não teria
qualquer efeito na avaliação da extensão do domínio hídrico, que continuaria a ser calculada com base em
preços futuros reais de EUR 50 MWh".
Manuel Pinho acabará por realizar uma comunicação informal sobre a alteração do preço de referência,
sem objeções da parte da Comissão. Quanto à extensão da concessão do domínio hídrico, o conselho de
António Vitorino não foi seguido – a medida, que implicou um pagamento que o Decreto-Lei n.º 240/2004 não
previa, só veio a ser do conhecimento formal da Comissão Europeia em agosto de 2012, através da queixa
apresentada por um conjunto de cidadãos acerca dos auxílios de Estado pagos à EDP sob a vigência do
Decreto-Lei n.º 240/2004 e por via da atribuição da utilização do domínio hídrico em 2007.
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2.3 Cálculo do valor residual e da extensão da utilização do domínio hídrico
A avaliação era particularmente complexa, dado que implicava avaliar, em 2007, o valor atual do valor
residual no termo dos CAE/CMEC (entre 2013 e 2027) e o valor económico da exploração das centrais entre o
termo que estava previsto para os CAE e o fim da vida útil das centrais hidroelétricas CMEC (entre 2032 e
2053). Para o período tão longo da avaliação foram necessários pressupostos simplificadores em relação a
taxas de desconto e preços de mercado futuros.
De acordo com a documentação a que a CPIPREPE teve acesso, até novembro de 2006, a EDP e a REN
estiveram de acordo sobre o método de cálculo para avaliação da extensão do DPH. Porém, pouco tempo
mais tarde, a EDP comunicou ao governo a discordância das contas apresentadas no grupo de trabalho
conjunto com a REN, sugerindo novos pressupostos no método de cálculo, mais concretamente a
consideração de taxas de atualização distintas para o valor dos equipamentos e para os cash-flows. Essa
mudança de posição é analisada em detalhe no ponto seguinte.
No início de 2007, a DGEG e o gabinete do ministro pediram novos cálculos à REN, que, aceitando
apresentar outros cenários, continuou a defender a utilização de apenas uma taxa de atualização para as duas
componentes do cálculo. Em face do diferendo sobre os pressupostos a utilizar, a tutela encomendou uma
avaliação externa a duas entidades diferentes: Caixa BI e Crédit Suisse. A EDP conhece as entidades
bancárias escolhidas desde antes de 8 de janeiro, data em que o administrador Manso Neto envia a António
Mexia a seguinte nota, constante do Processo judicial n.º 184/12.STELSB:
“Falei hoje com RC [Rui Cartaxo, assessor de Manuel Pinho] que disse que já havia falado com a CGD e a
CSFB para os contratar para fazerem a avaliação do DH [domínio hídrico] em semanas. Confirmou-me ter lido
os documentos que lhe enviei”.
O resultado destas avaliações acabou por estar em linha com a segunda posição da EDP, considerando
duas taxas de desconto. Curiosamente, a decisão formal de contratar estas entidades é do Conselho de
Ministros de 15 de fevereiro, quando já estavam entregues as conclusões de pelo menos uma das avaliações
(a da Caixa BI), estando a outra datada do dia seguinte à reunião do Conselho de Ministros. Estas avaliações
foram a base para a fixação do valor de 759 M€, através do despacho 16982/2007, assinado em agosto pelos
Ministros do Ambiente e da Economia e Inovação, Nunes Correia e Manuel Pinho, respetivamente.
Dada a discrepância entre o valor decidido pelo governo e o apresentado pela REN na sua avaliação
(1150M€), uma parte dos trabalhos da CPIPREPE debruçou-se sobre este processo, desde o consenso entre
EDP e REN até à mudança de posição da EDP em novembro de 2006 e ainda à assinatura do Despacho n.º
16 982/2007. Foram ouvidos os principais argumentos a favor e contra a utilização das duas taxas, bem como
a justificação dos principais intervenientes na condução do processo por parte do Governo, EDP e REN.
2.4 Mudança de posição da EDP
A 13 de Novembro de 2006, João Manso Neto envia a António Castro Guerra, Secretário de Estado
Adjunto do Ministro da Economia e Inovação, os cálculos da EDP relativos à valorização da extensão do DPH.
No e-mail, o administrador refere que estes “ainda são só valores da EDP” e que ainda falta trabalhar com a
REN para chegar a valores finais. O valor apresentado considera apenas a taxa WACC 6,6% e apresenta um
valor residual do total dos aproveitamentos hídricos de 1051M€.
No dia seguinte à EDP enviar estes valores ao governo, circula no conselho de administração da REN uma
versão dos mesmos cálculos feita pela equipa da concessionária da RNT. Este documento, enviado a 5 de
dezembro por Francisco Saraiva a José Penedos, Victor Batista e Paulo Pinho usa a mesma taxa WACC da
EDP e chega a valores, “consolidados com a EDP” de 1045M€.
Assim, a 5 de dezembro, a REN ainda julga haver um consenso com a EDP sobre o valor residual a
descontar no pagamento da EDP pela extensão do DPH até ao fim de vida útil dos equipamentos. Todavia,
uma semana antes, a 30 de novembro, uma nova posição da EDP já tinha sido remetida ao Secretário de
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Estado Castro Guerra, incluindo taxas diferenciadas (4,7% para a atualização do valor residual e várias
superiores para os cash-flows futuros).
No início de dezembro, o presidente da DGEG, Miguel Barreto, envia um e-mail à REN a pedir mais
simulações relativas a este cálculo, utilizando uma taxa de 4,13% em vez da WACC da EDP de 6,6%. A razão
para este pedido é explicada pelo próprio Miguel Barreto na CPIPREPE:
“No final de novembro ou logo no início de dezembro, não consigo precisar, foi-me transmitido que a EDP e
a REN não tinham conseguido convergir nas suas posições. Tudo tinha que ver com o valor residual.
Surgiram, concretamente, várias questões mas aquela que, de alguma maneira, se tem destacado foi a
seguinte: a EDP entendia que o valor residual era um direito seu na compensação relativa aos CAE, cuja taxa
de atualização já estava definida no Decreto-Lei n.º 240/2004, e que apenas os cash-flows, após o CAE,
deveriam ser considerados para valorizar a extensão; a REN defendia que o valor residual era como um
investimento que o Estado fazia para viabilizar a extensão e que ambos, valor residual e cash-flows futuros,
deviam ser avaliados com a mesma taxa, como se de um projeto único se tratasse. (…) É nesta altura que me
é solicitado que interaja com a REN, no sentido de fornecer ao Governo uma comparação das duas posições,
utilizando um modelo do Estado, que era o da REN. Depois de várias interações, finalmente recebi uma tabela
que compara de forma correta as duas abordagens, com várias taxas de desconto — aliás, julgo que a tabela
foi ontem aqui mostrada pelo Dr. Rui Cartaxo —, que reencaminhei ao Governo em janeiro e, a partir daí, nada
mais tive que ver com o tema de extensão do domínio hídrico.”
(Audição Miguel Barreto)
Victor Batista, o administrador que conduziu o processo do lado da REN, diz não conhecer divergências
anteriores com a EDP quanto às taxas a utilizar no cálculo do valor residual. Até ao pedido de Miguel Barreto,
a REN acreditava que havia acordo e nunca recebera informação contrária da EDP:
“Eu tinha a informação interna de que havia acordo e, às tantas, recebi um telefonema da Direção-Geral de
Energia a pedir algo que fugia ao acordo que a equipa interna da REN me tinha transmitido e, como não tinha
nenhum telefonema, quer do Dr. Manso Neto ou de alguém da EDP para me dizerem alguma coisa, achei
aquilo muito estranho e tentei combater e defender a ideia da REN durante cerca de um mês, mas o resultado
é que não fui bem-sucedido, mas, pronto.”
(Audição de Victor Batista)
João Manso Neto, na CPIPREPE, afirma que a ideia da EDP não era a de utilizar a taxa de 6,6% para o
cálculo do valor residual e que o primeiro e-mail enviado ao secretário de Estado foi um erro. Realça que o
erro foi corrigido poucos dias depois e os novos valores enviados ao secretário de Estado:
“A nível das taxas de juro, não houve discussão com a REN. Não houve! Se está aí dito é porque foi uma
imprecisão minha.
Agora também reconheço, eu erro muitas vezes na vida. As simulações que mandei ao Sr. Secretário de
Estado, a 13 de novembro, tinham um erro, que, na altura, lhe expliquei.
Agora, perguntam-me assim: «Mas como é que estes indivíduos mandam uma coisa errada?!». Sabe
porquê? É porque tínhamos uma relação muito transparente — não é promíscua, é transparente! —, porque
todos queríamos chegar ao mesmo sítio.
[…] As simulações que foram entregues no dia 13 de novembro estavam erradas, como concluí pouco dias
depois, porque havia um problema nas taxas, daí que, no final do mês de novembro — penso que isso
também consta de vários documentos —, já estavam certos.”
(Audição João Manso Neto)
Assim, ouvidos todos os intervenientes, podemos concluir que, durante o mês de novembro de 2006, houve
uma mudança de posição formal da EDP quanto ao método a taxa a utilizar no valor residual do cálculo da
extensão do DPH. Não foi possível esclarecer a razão pela qual essa mudança de posição não foi comunicada
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diretamente à REN nas equipas de trabalho conjuntas, mas sim diretamente ao governo e à DGEG, que mais
tarde informaram a REN da posição da EDP.
Após receber esta informação, Victor Batista, em janeiro de 2007 envia à DGEG as simulações pedidas e
ao secretário de Estado Castro Guerra os cálculos da REN, onde inclui uma nota sobre a diferença de
posições da EDP e REN, quantificada em 400 M€:
"Em resumo, existem dois pontos de vista em confronto: um, defendido pela REN, que o Valor Residual
deverá ser descontado à taxa WACC do Produtor uma vez que se trata de uma parcela de investimento
necessário à extensão da vida útil do centro hidroelétrico até ao termo do título de domínio público; outro,
defendido pelo Produtor, que o valor residual deverá ser descontado à taxa definida pelo Decreto-Lei n.º
240/2004 na medida em que foi assim considerado na altura e, portanto, constitui um custo já assumido pelo
mercado, pelo que não será razoável descontá-lo a outra taxa modificando o seu valor. De notar que as duas
taxas de desconto levam a uma diferença de cerca de 400 M€.”
(Nota “CMEC”, enviada por Victor Batista a Castro Guerra em janeiro de 2007)
2.5 Decisão do Governo
Do lado do Governo, o processo foi conduzido no gabinete do Ministro da Economia por Rui Cartaxo
assessor no Ministério da Economia. Rui Cartaxo diz ter tido conhecimento da posição da EDP através de um
estudo que a empresa encomendou à Rothschild e enviou ao Ministério. Quanto à posição da REN, Rui
Cartaxo diz ter tido conhecimento dos cálculos enviados por Victor Batista que mais tarde lhe foram entregues
por Maria de Lurdes Baía:
“Eu tive conhecimento deste documento por via do Ministério da Economia, e, poucos dias depois, também
tive conhecimento por uma técnica da REN, que se deslocou expressamente ao Ministério da Economia e que
mo entregou. (…) Na conclusão desse documento da REN diz-se o seguinte: «Para os pressupostos
assumidos, o custo de capital da EDP após impostos varia entre 6,2% e 7,1%. Em termos médios, esse valor
será de cerca de 6,6%»”.
(Audição Rui Cartaxo)
Rui Cartaxo afirma que perante a diferença de posições entre a REN e a EDP sobre o valor da extensão do
DPH, a decisão do ministério foi a de pedir dois estudos independentes e, com base neles, fixar o valor por
despacho:
“Foi decidido, então, pela equipa do ministério que fossem pedidas avaliações independentes a duas
instituições financeiras de primeira linha, missão que veio a recair sobre o Caixa Banco de Investimento e o
Credit Suisse First Boston. Com base nessas duas avaliações, o Governo veio a fixar o valor da extensão a
pagar pela EDP, por despacho de 15 de junho de 2007, cerca de três meses depois de ter cessado funções no
Ministério”.
(Audição Rui Cartaxo)
Os estudos das duas entidades chegaram ao Ministério em poucas semanas. O Caixa BI avalia extensão
da concessão do DPH em 650 a 750 M€; o Credit Suisse em 704M€. Ambos utilizam abordagens próximas da
defendida pela EDP quanto à taxa a utilizar no cálculo do valor residual. Na CPIPREPE foram levantadas
dúvidas quanto ao curto tempo que estes bancos levaram a produzir os estudos, uma vez que equipas da
REN e da EDP demoraram vários meses a fazer o mesmo tipo de exercício. Rui Cartaxo esclarece e diz não
ter dúvidas que os dois bancos utilizaram a informação de base que estava no estudo da REN entregue por
Maria de Lurdes Baía:
Se foi entregue ou não o modelo da REN aos bancos. Bom, não lhe sei responder com precisão se foi dada
essa tal pen ou se foi dado o que lá estava, mas há uma coisa que sei: os bancos receberam essa informação
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da REN. Ela era oriunda da REN. Digo isto, primeiro, porque os próprios bancos dizem isso nos seus
relatórios. Eu não tenho comigo a versão final dos relatórios dos bancos — bem que a procurei, mas não
tenho —, mas tive acesso a documentos do processo, em que está claramente escrito que esses elementos
foram recebidos da REN.”
(Audição Rui Cartaxo)
Assim, do depoimento de Rui Cartaxo conclui-se que o governo, perante uma diferença de posição
metodológica entre a EDP e a REN quanto às taxas a utilizar no cálculo da extensão do DPH, decidiu fixar o
valor com base em dois estudos pedidos propositadamente para o efeito. Estes estudos tiveram por base os
mesmos pressupostos dos cálculos da REN, mas utilizaram uma metodologia próxima da defendida pela EDP.
2.6 A utilização de duas taxas
Na CPIPREPE foram apresentados argumentos contrários, defendendo as posições da EDP e da REN
quanto à taxa a utilizar no cálculo do valor residual. Parte de este debate repete os mesmos argumentos sobre
utilização de uma ou duas taxas no cálculo dos CMEC.
Maria de Lurdes Baía defende que a avaliação da extensão do DPH tem de ser olhada como um projeto de
investimento, que tem sempre o mesmo nível de risco e, portanto, terá sempre de ser calculado com uma só
taxa:
“Numa análise de rendibilidade de um projeto de investimento, vamos determinar se aquele projeto
assegura a remuneração e a recuperação do investimento e ainda aferir se há um excedente económico, que,
neste caso, e tendo em consideração este critério de avaliação, será o aval do projeto. Ou seja, vamos
determinar se aqueles fluxos anuais de receitas e de custos operacionais conseguem fazer face ao
investimento e ainda assegurar um excedente e, portanto, o próprio critério de avaliação do projeto tem
intrínseca a ligação entre o investimento inicial e os fluxos anuais, uma coisa não está dissociada da outra,
não pode, pois têm o mesmo nível de risco. Estou a falar de um projeto que tem o mesmo nível de risco.
O custo de capital que vou utilizar para atualizar todos os fluxos do projeto, tem de refletir o risco daquele
projeto e aí podemos entrar aqui em debates, mas será que os 6,6% era o valor correto? Será que os 7,8% ou
coisa que o valha — sobre o qual li algures que foi considerado pelas entidades financeiras —, será que era
um valor mais adequado? Eu aí aceito este tipo de discussão. Portanto, ok, estamos a falar de valores de
custos médios ponderados de capital diferente aplicado aos mesmos fluxos. Eu aí aceito a discussão. Mas,
pegar num investimento inicial e atualizá-lo a uma taxa e depois pegar nos fluxos anuais, que vão
determinar…? São esses fluxos anuais que vão determinar a recuperação e a remuneração do meu
investimento e se há ou não lugar a excedente, e atualizá-lo a uma taxa diferente? Isso para mim não faz
qualquer sentido, não encontro o racional para justificar essa opção.”
(Audição Maria de Lurdes Baía)
A Comissão Europeia, em linha com as alegações da EDP, vem defender o cálculo com duas taxas. No
documento de decisão final relativo à queixa apresentada a Comissão conclui que a metodologia utilizada pela
REN não constitui uma prática de mercado.
“[A utilização de duas taxas de desconto] é justificada pelo maior risco operacional num contexto de
mercado liberalizado, pela realização do mercado ibérico de energia, pelo desenvolvimento de um mercado da
energia mais integrado a nível europeu, o que implica, no seu conjunto, mais incertezas sobre a geração de
liquidez”.
“[Quanto à utilização de uma só taxa,] a metodologia da REN não constitui uma prática de mercado”
(Decisão da Comissão Europeia, 15 de maio de 2017)
Já João Manso Neto realça a forma consensual como todos os estudos aplicam taxas diferentes para o
cálculo do valor residual e dos cash-flows, exceto o estudo da REN:
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“Chegamos às taxas de desconto. E aqui no slide 21 apresento as taxas de desconto dos assessores do
Governo, as taxas de desconto dos nossos assessores e aquilo que os órgãos sociais da EDP quiseram, na
altura. Como veem, tudo isto anda à volta dos 700, 670, 800 e tal milhões. Tudo anda à volta das mesmas
taxas; só uma é que está fora destes valores: a taxa de cálculo da REN. Não temos divergência nenhuma com
a REN quanto aos fluxos futuros, aos pagamentos, às vendas, a quanto é que se produz; agora, quanto à taxa
de desconto em mercado e ao domínio hídrico, não podemos estar de acordo, aliás, mais ninguém está de
acordo, porque riscos diferentes não podem ter a mesma taxa”
(Audição João Manso Neto)
Rui Cartaxo partilha da opinião da EDP. Por se tratar de riscos diferentes devem ser aplicadas duas taxas.
Porém, Cartaxo não tem a certeza que a diferença entre taxas deva ser tão elevada.
“Sobre esse tema, tenho a minha opinião e já a referi aqui. Acho que deveria haver duas taxas, porque os
riscos eram, efetivamente, diferentes. Não sei se as diferenças deveriam ser aquelas que foram. Não me
pronuncio sobre isso. Mas tenho uma ideia bastante clara na minha cabeça de que deveria haver duas”.
(Audição Rui Cartaxo)
Idêntica opinião tem Vítor Santos, que naquele ano assumiu a presidência da ERSE. Embora aceite a
utilização das duas taxas, discorda da desproporção verificada entre elas:
“Não nos parece que esta desproporção existente entre as duas taxas tivesse de ser aquela que foi aqui
utilizada. Porventura, poderia haver uma solução intermédia entre o valor estimado pela REN e o valor
estimado pelas duas casas de investimento, que resultasse das taxas que foram propostas pelas duas casas
de investimento.”
(Audição de Vítor Santos)
Já Victor Batista, ainda hoje acredita que o correto seria utilizar a metodologia defendida pela REN e que a
fixação do valor da extensão do DPH foi uma decisão política:
Ou seja, ainda hoje estou convencido de que o critério, na altura, defendido pela REN é que deveria ter
sido aplicado, mas houve outra decisão e tenho de a aceitar. Mas ainda hoje defendo isso! No entanto, devo
dizer-lhe que é uma opinião muito técnica e não tenho uma informação mais vasta da «floresta», como têm os
membros do Governo que olham para a economia no geral e que tem relações com outros Estados.
(Audição de Victor Batista)
A utilização de duas taxas é hoje validada por várias opiniões técnicas e pareceres, incluindo o da
Comissão Europeia, cuja decisão valida a metodologia utilizada nos dois estudos realizados por entidades
bancárias contratadas pelo governo, rejeitando a metodologia preconizada pela REN por alegadamente não
constituir uma prática de mercado.
2.7 O valor estratégico da extensão e a não consideração, na sua avaliação, dos futuros ganhos em
serviços de sistema
Finalmente, o último aspeto discutido no cálculo da extensão do DPH foram as eventuais limitações da
Metodologia para, em 2007, projetar os rendimentos das centrais hidroelétricas em mercado no período entre
o fim dos CMEC e o fim de vida útil dos equipamentos. O valor médio de mercado considerado para o cálculo
da extensão foi de 50€/MWh e a sua utilização em 2007 não foi alvo de discussão na CPIPREPE. Porém,
passados 10 anos da decisão, é possível aferir com maior precisão se este pressuposto da metodologia de
cálculo se aproxima da realidade.
Neste contexto, a limitação mais importante da metodologia de cálculo do valor da extensão do DPH foi a
de não considerar as receitas do mercado de serviços de sistema, que já são hoje uma parte significativa da
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remuneração das centrais hidroelétricas. Obviamente, esta remuneração não poderia ser estimada em 2007,
mas hoje já poderá ser possível quantificá-la, como explica Maria de Lurdes Baía:
“O mercado de serviços de sistema só entrou em funcionamento em 2009, portanto, não tínhamos
quaisquer elementos, eu não conseguia valorizar essas receitas. Hoje sabemos que são muito valiosas, valem
muito dinheiro, valem muitos milhões de euros. Na altura não tínhamos como quantificar essas receitas. (…) O
que posso dizer —, mas, por favor, não extrapolem os números —, é que, no âmbito das revisibilidades
anuais, a EDP devolveu cerca de 390 milhões de euros relativos às receitas de serviços de sistema. No total
dos 10 anos, foi quanto a EDP devolveu”.
Quando questionado sobe esta matéria na CPIPREPE, João Manso Neto afirma que os 50€/MWh
considerados são um preço total de rede – que já inclui os serviços de sistema – e que o valor real observado
nas centrais hidroelétricas está hoje abaixo dos 50€/MWh:
“Não pode pensar nos serviços de sistema, tem de pensar no preço total. E a resposta, até agora, o preço
de 50, em termos reais, em termos realized, é inferior ao preço que lá metemos. Pode vir a ser diferente, como
sabemos. Amanhã, se vier a ser de 60 ou 70, será diferente, mas sugeria que não olhasse… (…) Portanto, o
preço é o preço total. Tem de somar o preço do diário, dos serviços de sistema e, portanto, até ao ano
passado, os preços realizados foram bastante inferiores aos preços que se tinham tido.”
Perante estas informações aparentemente contraditórias dos dois intervenientes ouvidos sobre o assunto,
não foi possível à comissão concluir se faria sentido descontar eventuais verbas futuras decorrentes do
mercado de serviços de sistema na valorização da extensão do DPH. Porém, é do entender da comissão que
esta situação merecia uma especial atenção por parte da ERSE.
2.8 Custo de oportunidade para o SEN da antecipação da extensão do DPH
Além da segunda consequência dos acordos de cessação é que, obrigando à simultaneidade entre
cessação do CAE e extensão do DPH, na prática obrigaram também à antecipação dessa decisão
relativamente à data em que ela se impunha. Essa data era 2013, quando chegavam ao fim os primeiros CAE,
das barragens do Picote, Pocinho e Bemposta.
Para além do benefício inerente à metodologia baseada em duas taxas de desconto, o Estado concedeu
um benefício adicional ao ter aceitado negociar a extensão da exploração das centrais antes daquela data, no
caso em 2007, sete anos antes. Esta decisão sobre a titularidade da exploração das centrais no período pós-
CAE/CMEC poderia ter sido protelada para o fim dos CAE/CMEC. Caso se avaliasse a extensão em 2013,
com exatamente a mesma metodologia e as mesmas taxas diferenciadas que foram usadas pelo governo, o
valor a pagar pela EDP ascenderia a 1564M€, mais 573M€ que o valor pago em 2007, capitalizado a 2013 à
taxa do Estado.
quadrorendascap2.jpg
Quadro: valor de exploração da extensão da exploração e do valor residual das centrais hídricas em função do ano de avaliação, na perspetiva do decisor público, com as taxas de desconto adotadas pelo Crédit Suisse e admitindo que estas se manteriam constantes no futuro.
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Conclusões
O direito à extensão da utilização do domínio hídrico sem concurso foi incluído no projeto de Decreto-Lei
n.º 240/2004, preparado e remetido a parecer do regulador e à Comissão Europeia pelo ministro Carlos
Tavares. Na sua preparação, tiveram papel importante os assessores do ministro e do secretário de Estado
Franquelim Alves, respetivamente Ricardo Ferreira e João Conceição;
A opção foi efetivamente conferida à EDP, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 já sob o
governo seguinte, com a energia sob a tutela do ministro Álvaro Barreto. Tal opção foi exercida e homologada
como condição para a cessação dos CAE pelo Secretário de Estado Manuel Lencastre;
O valor desta opção resulta: 1) da diferença entre o valor económico da produção elétrica futura e o
valor residual dos equipamentos que, sob a legislação anterior, a EDP deveria cobrar no termo dos CAE; e 2)
da obtenção de uma posição estratégica de monopólio, em particular na prestação de serviços de sistema,
remunerados no período pós-CMEC. Destes, só o primeiro foi plenamente considerado nas avaliações de
2007;
Após analisar o eventual auxílio de Estado ilegal relativo à extensão, sem concurso, da utilização do
domínio hídrico pelas centrais hidroelétricas da EDP (processo SA 35429), a Comissão Europeia decidiu o
arquivamento do processo. A utilização pelo Estado português da metodologia que a Comissão veio mais
tarde a validar resultou num preço mais baixo. Ora, o princípio adequado para a formação pelo Estado de um
preço de venda seria o do investidor privado numa economia de mercado ou num concurso público, o que
levaria à utilização de uma única taxa de desconto para todo o investimento (pagamento inicial do valor
residual e proveitos futuros de exploração);
As avaliações defendidas pela EDP e pelas entidades bancárias, que a Comissão Europeia validou em
2017 (excluindo a metodologia da REN por “não constituir prática de mercado”), tomaram a entrega pelo
Estado daquela opção à EDP como razão para considerarem garantido pelo Estado (menor risco) o valor
residual das centrais no fim dos CAE, descontando-o à taxa da dívida pública. Por essa via, o valor atual em
2007 do valor residual aumentou, reduzindo a diferença em relação ao valor dos cash-flows de exploração e
portanto diminuindo o montante da contrapartida a pagar pela EDP. Adotando aquela metodologia, o Estado
calculou o valor residual (direito singular da EDP e não comum ao mercado) a uma taxa de desconto mais
baixa. Tal não sucederia no caso de qualquer outro operador, que descontaria sempre o valor residual (que
assegurava a transmissão das centrais no termo dos CAE), à mesma taxa utilizada para descontar os
proveitos futuros da exploração dessas centrais.
Para além do benefício inerente a esta metodologia de cálculo, o Estado concedeu um benefício
adicional ao comprometer-se em 2005, na homologação dos acordos de cessação dos CAE, a conceder a
extensão da exploração das centrais logo no momento da cessação antecipada (2007), quando os primeiros
CAE/CMEC terminavam somente a partir de 2013. O valor económico da utilização do domínio hídrico no
período pós-CAE/CMEC poderia ter sido calculado no fim dos CAE/CMEC, sendo nesse momento
concretizada a subconcessão. Caso se avaliasse esta extensão em 2013, com as exatas metodologia e taxas
diferenciadas que prevaleceram, o valor a pagar pela EDP ascenderia a 1564,8 M€, mais 573,6 M€ que o valor
pago em 2007, capitalizado a 2013 à taxa do Estado;
Além de Ricardo Ferreira, que assessorou os Ministros Carlos Tavares e Álvaro Barreto, e João
Conceição, assessor do secretário de Estado Franquelim Alves – cujo papel foi central na preparação do
Decreto-Lei n.º 240/2004 e da homologação dos acordos de cessação dos CAE em 2005 –, Rui Cartaxo,
adjunto de Manuel Pinho, teve grande influência no processo de avaliação da extensão do domínio hídrico. Rui
Cartaxo manteve um fluxo permanente de informação com a EDP, como ressalta das peças do processo
judicial remetidas pela Procuradoria-Geral da República à CPIPREPE, em que são reproduzidas
comunicações que demonstram que Rui Cartaxo preparou diretamente com a cúpula da EDP os termos do
aconselhamento desta empresa ao ministro Manuel Pinho, que Cartaxo assessorava, e que informou a EDP
do andamento das diligências para a contratação das entidades bancárias a quem foram encomendadas pelo
Estado avaliações do valor da extensão da utilização do domínio hídrico.
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Recomendações
Criação de um mecanismo de revisibilidade anual da compensação paga ao Estado pela EDP pela
subconcessão do domínio público hídrico. Ao longo do período desta extensão, este mecanismo deve:
corrigir o efeito da subcompensação recebida da EDP em 2007 por efeito da utilização de duas taxas de
desconto;
incorporar nos cálculos dos ajustamentos todos os ganhos de exploração, incluindo os relativos a
serviços de sistema, que os estudos de 2007 não puderam incorporar plenamente.
Conclusões finais eliminadas do relatório
Os CMEC, ajuda de Estado atribuída a título de compensação pela cessação dos CAE, visa manter
elevados níveis de rentabilidade anteriores, o que não se coaduna com os critérios da Metodologia
europeia para autorização de ajudas de Estado. A autorização pela Comissão Europeia do regime
previsto no Decreto-Lei n.º 240/2004 assentou na omissão desta contradição entre o regime CMEC e
as regras dos Tratados e outras.
A outorga à EDP, através do Decreto-Lei n.º 240/2004, da opção sobre a extensão da utilização do
domínio público hídrico (DPH) permitiu a não realização de procedimentos concursais para aquela
extensão e a conservação pela EDP de uma vantagem estratégica: a detenção do monopólio da
produção hídrica em Portugal.
O valor económico a receber pelo Estado como contrapartida desta extensão, feita antes da cessação
dos CAE, não foi calculado segundo o princípio do investidor privado numa economia de mercado ou
num concurso público, o que levaria à utilização de uma única taxa de desconto para todo o
investimento. Pela utilização de taxas diferenciadas, criticada pela ERSE em 2004 e em 2017 mas
validada pela Comissão Europeia, o Estado perdeu uma receita de 581 milhões de euros, valor
comunicado à Comissão Europeia pelo Secretário de Estado Artur Trindade em 2012.
A condição, introduzida nos acordos de cessação dos CAE homologados pelo governo em 2005, da
obrigatoriedade da concretização desta extensão no momento da cessação dos contratos criou uma nova
vantagem para a EDP em função do momento da cessação ter ocorrido sete anos antes do final do prazo do
primeiro a terminar (2013). Se a extensão da utilização do DPH fosse avaliada em 2013, com as exatas
metodologia e taxas diferenciadas que prevaleceram, o valor a pagar pela EDP teria sido superior em 573
milhões de euros.
Assembleia da República, 29 de maio de 2019.
O Deputado do BE, Jorge Costa.
——
O PCP votou favoravelmente o Relatório desta Comissão Parlamentar de Inquérito e afirmou desde o início
que não deixaria de contribuir para um relatório que permitisse dar a conhecer os factos, responsabilidades e
implicações deste processo e destas desastrosas opções políticas que deram origem às rendas excessivas no
sector elétrico.
Apresentámos propostas de alteração que permitiriam, caso fossem integradas no documento, assegurar
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um Relatório mais factual, mais rigoroso e mais consequente – em particular no que diz respeito às causas e
opções políticas que estiveram na origem destas decisões, no quadro de uma política que foi levada a cabo
durante décadas, de desmantelamento do sector público, de desmembramento, segmentação, privatização e
liberalização do sector energético. Mas também propusemos a inclusão de um novo capítulo sobre os famosos
“direitos contratuais” dos acionistas dos grupos económicos, demonstrando que os próprios prospetos das
privatizações já deixavam bem claro que seria possível (e perfeitamente legítimo!) ao Estado alterar o quadro
normativo vigente no sector.
Por opção, numa primeira fase, do Deputado Relator, representante do BE, e finalmente na fase das
votações por opção do PSD, PS e CDS, a parte fundamental destas propostas do PCP foi excluída do
Relatório. Não só na parte respeitante às conclusões a retirar deste processo, e às responsabilidades que
devem ser imputadas, mas desde logo na consideração de matérias
É de registar que, quer o CDS, quer (particularmente) o PSD, apresentaram na aprovação do Relatório
uma versão e uma leitura deste processo que se evidenciou claramente como um alinhamento total com a
versão dos grupos económicos do sector electroprodutor, com a EDP à cabeça. PSD e CDS tentaram omitir e
apagar capítulos inteiros, conclusões inteiras, e chegaram a conseguir, em convergência com o PS, eliminar
praticamente todas as referências à União Europeia, ao papel e às responsabilidades da Comissão Europeia –
tendo ainda retirado do Relatório a totalidade do capítulo relativo ao Domínio Público Hídrico!
O PSD nem sequer se deu ao trabalho de apresentar propostas de alteração dignas desse nome: numa
atitude bem reveladora do seu posicionamento nos trabalhos desta Comissão de Inquérito, e num
procedimento de muito discutível admissibilidade, o PSD apresentou um documento que mais não era do que
a reescrita do Relatório, pretendendo a sua transmutação para o tornar numa espécie de homenagem à EDP.
Não seria o PCP a contribuir para a inviabilização de um Relatório da Comissão de Inquérito. Mas o PCP
não deixa de assinalar que as omissões impostas por opção do PSD, PS e CDS (e, anteriormente, do BE),
face às propostas que o PCP apresentou, se traduzem numa oportunidade perdida para a necessária análise,
conclusão, responsabilização e ilações a retirar de todo este desastroso processo.
Destacamos aqui apenas as principais conclusões que deveriam constar do Relatório e que foram
rejeitadas nos termos referidos:
1. A existência de «Rendas Excessivas»
A primeira conclusão da Comissão de Inquérito é a da existência de «Rendas Excessivas» (RE) no SEN,
identificadas como uma sobrerremuneração dos ativos de vários agentes económicos presentes na cadeia de
valor da produção, transporte e comercialização da energia elétrica em Portugal. Esta tese ficou inteiramente
consolidada na generalidade das audições realizadas, com poucas exceções, pese as opiniões diversas sobre
o seu valor, a sua origem e a própria noção de renda excessiva. A contrapartida à existência das RE, foram as
elevadas tarifas e faturas da energia elétrica, majoradas, sobrecarregadas pelos valores correspondentes à
sobrerremuneração dos agentes. Valores suportados por clientes domésticos e empresariais, com graves
consequências para a competitividade nacional.
A Comissão de Inquérito entendeu as RE por «sobrerremuneração» dos ativos, com uma obtenção, de
forma sistemática e significativa de rendimentos/lucros superior aos valores médios obtidos na restante
economia na remuneração do capital. Na formulação econométrica do texto do Relatório uma RE aparece: «a
partir da diferença entre as taxas de rentabilidade e o custo médio ponderado do capital da atividade (em
inglês com o acrónimo WACC)». Este conceito de «Rendas Excessivas» deveria ser distinguido de «Receitas
Indevidas» (RI), resultantes da obtenção de rendimentos pelos agentes económicos decorrentes de
ilegalidades ou de vantagens ilegítimas por legislação/decisão administrativa incorreta. A CI não fez esta
separação no decorrer dos seus trabalhos, contabilizando RI por RE, o que não obsta a que façamos esta
referência, com a consideração de que não põe em causa o essencial das suas conclusões.
A dimensão das RE é avaliada pela CI em cerca de cinco mil milhões de euros. Dada a permanência dos
mecanismos legais e operacionais que as originaram, e também a constatação de que alguns dos «cortes» de
RE confirmados foram temporários, a «criação» de RE manteve-se e mantém-se para lá daquele período, pelo
que é necessário que o poder executivo e os reguladores tomem as medidas necessárias à sua completa
eliminação, considerando desde logo as recomendações apontadas neste Relatório.
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2. A causa primordial das «Rendas Excessivas»
Dos trabalhos da CI ficou claro que a causa original de uma parte significativa das RE – a parte respeitante
aos CAE e CMEC – decorreu do objetivo de privatizar a principal empresa do SEN, a EDP, que integrou o
processo do desmembramento vertical, da cadeia de valor em empresas da produção, transporte e
distribuição e o desenvolvimento de um processo de liberalização abrindo a outras empresas a atividade de
produção e comercialização de energia elétrica. Tais decisões visavam a construção de um putativo
«mercado» de energia elétrica, que posteriormente veio a ser desenhado para toda a Península Ibérica, o
chamado MIBEL. O desmembramento da EDP, entre empresas autónomas de produção (EDP) e transporte
de energia elétrica (REN) levou à elaboração de contratos, ditos de vinculação, de fornecimento de energia,
que posteriormente, para concretização da privatização da EDP, foram transformados em Contratos de
Aquisição de Energia, os CAE. Transformação feita por decisão administrativa e sem nenhum enquadramento
legislativo regulamentar, por simples negociação entre representantes técnicos e da administração das duas
empresas. A fim de valorizar a EDP, que se ia privatizar, foram pelos CAE estabelecidas extraordinárias e
seguras condições garantísticas sobre possíveis futuros riscos para os capitais privados que a viessem a
adquirir. O posterior processo de substituição dos CAE, por imposição da CE, pelos CMEC, os ditos Custos de
Manutenção do Equilíbrio Contratual, reforçaram a segurança dos riscos, por conta do SEN e dos
consumidores. «Com a assinatura dos CAE, todos os riscos de natureza concorrencial que poderiam advir do
processo de liberalização passaram, segundo este modelo, a ser suportados pelos consumidores. Qualquer
perda que pudesse advir do processo de liberalização, associada a uma eventual redução da produção ou do
preço de mercado, ou mesmo a qualquer subida dos custos, seria suportada pelos consumidores». «Os
CMEC garantem por isso a manutenção, em contexto de mercado liberalizado, das condições de remuneração
que haviam sido estabelecidos entre duas empresas (REN e EDP) do mesmo grupo nos contratos celebrados
em 1996 (os CAE)» (Textos do Anexo – Resumo da Transição do regime CAE para o regime CMEC, da AdC,
13SET2013).
O processo de extinção dos CAE arrastou a decisão de extensão do Domínio Público Hídrico para a EDP,
numa negociação em que o Estado sai fortemente prejudicado.
A Produção em Regime Especial, PRE, particularmente a produção eólica, quer no seu enquadramento
legislativo inicial quer após as alterações feitas em 2013, é outra fonte de RE provenientes da diferença entre
a tarifa garantida à produção renovável e o preço do mercado grossista, cujos custos para o SEN são
transferidos para os consumidores pelo seu englobamento nos CIEG – Custos de Interesse Económico Geral
– incluídos anualmente na tarifa pela ERSE.
Como se escreve no Relatório: «Em 2012, o relatório produzido no âmbito da aplicação da medida 5.15 do
Memorando de Entendimento com a troika concluiu que existe uma renda excessiva paga na fatura energética
aos produtores de eletricidade abrangidos pela PRE. O relatório preparado pelo então Secretário de Estado
Henrique Gomes, apoiado em estudos das consultoras Cambridge Economic Policy Associates (CEPA) e A.T.
Kearney, veio quantificar um valor de 113M€/ano respeitante a rendas excessivas pagas à PRE. Deste
montante, 54M€/ano dizem respeito às centrais eólicas e 42 M€/ano às centrais de cogeração. O documento
contabiliza esta renda excessiva a partir da diferença entre as taxas de rentabilidade e o custo médio
ponderado do capital (em inglês WACC) da atividade».
Outras RE (nalguns casos de facto RI) destacadas nas audições e nos trabalhos da CI são a consequência
direta ou indireta dos processos atrás assinalados de privatização, desmembramento da EDP e liberalização
do «mercado», muitas vezes medidas e alterações legislativas no falso pressuposto de colmatar falhas de
mercado, desajustes legislativos, erros regulamentares e outros problemas decorrentes da complexidade da
situação criada. Ou ainda de medidas avulsas governamentais correspondendo a solicitações e pressões dos
principais operadores do SEN. Como resulta claro do simples enunciado das que foram referenciadas na CI,
que se podem ver no quadro seguinte que apresenta um cálculo dos seus valores.
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Beneficiário Valor (M€)
CMEC (1) EDP 510
Subvalorização do DPH (1) EDP 581
Prorrogação prazo Sines (1) (*) EDP 951
Terrenos (1) (*) REN 330
Titularização Deficit (1) EDP 198
Garantia de Potência (1) EDP e outros 153
Interruptibilidade (1) Empresas Grandes
Consumidoras 727
CAE remanescentes (a partir de 2007) (2)
Tejo Energia, Turbogás, EDP 574
Manipulação de Mercado (3) EDP 140
Sobrecusto PRE (4) EDP e outras 810
Dupla subsidiação aos produtores de eletricidade em PRE (5) (*)
Vários – produtores PRE 300
TOTAL "RENDAS EXCESSIVAS" 5274
Prejuízo para o Estado (*) por Receitas Indevidas 1211
Prejuízo para os Consumidores (RE-PE) 4063
Notas:
(1) Valores expressos no Relatório
(2) Os valores de RE por CAE remanescentes (Turbogás – Tapada do Outeiro e Tejo Energia – Pego), verificados a
partir do segundo semestre de 2007 (quando cessaram os CAE da CPPE e foram criados os CMEC), são
estimados no contexto de pressuposto que se teria procedido a uma renegociação com as duas empresas
beneficiárias e aplicando 30% de redução tal como foi feito em Espanha com os CTC. Deve notar-se que a ERSE
considerou, desde 2004, que, do ponto de vista legal, a cessação dos CAE estava imposta “pela aprovação de
uma diretiva europeia, evento alheio à vontade do Estado português. Ora, segundo a ERSE, esse facto altera as
circunstâncias indemnizatórias previstas nos CAE e abre espaço ao governo para negociar outra solução com os
produtores”.
(3) Valor indicado pela AdC na sua apresentação na Comissão de Inquérito a 13-02-2019.
(4) Valor calculado na base do relatório de Henrique Gomes referido no Relatório (ponto 2 do capítulo 5), valorizando
em 54M€/ano as RE imputáveis às centrais de energia renovável (concretamente a eletricidade proveniente das
centrais eólicas) durante os últimos 15 anos.
(5) Valor indicado no relatório da IGF “Dupla subsidiação aos produtores de eletricidade em regime especial”,
novembro de 2018.
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3. As «Rendas Excessivas» como resultado da política energética de sucessivos governos do PS,
PSD e CDS
Todo os processos anteriormente referidos se iniciaram com os XI e XII Governos do PSD que produziram
os Decreto-Lei n.º 449/88, Decreto-Lei n.º 7/91, Decreto-Lei n.º 99/91, Decreto-Lei n.º 100/91, Decreto-Lei n.º
131/94, Decreto-Lei n.º 182/95, Decreto-Lei n.º 183/95, Decreto-Lei n.º 184/95, que diziam ter como objetivo
reorganizar/reestruturar a EDP-EP. De facto, abriu caminho ao seu desmembramento, nomeadamente a
separação da REN em 1994, e à sua privatização total e liberalização neste sector.
Os XIII e XIV Governos Constitucionais (PS) prosseguiram a mesma estratégia e concluiu o trajeto iniciado
pelos governos anteriores, nomeadamente realizando a 1.ª fase da privatização de parte do capital da EDP.
O Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de julho, estabeleceu as bases da organização do Sistema Elétrico
Nacional (SEN), prevendo no artigo 15.º a existência de contratos de aquisição de energia (PPA/CAE),
designados no Diploma como «Contratos de Vinculação». Este tipo de contratos tiveram um papel
fundamental nos processos de liberalização e privatização. Caracterizam-se por apontarem para o longo prazo
e através deles os produtores privados vinculados ao serviço público da energia ganharam segurança para o
negócio através de um compromisso em fornecerem, em exclusivo, toda a energia produzida à entidade
concessionária da rede nacional de transporte (RNT), cabendo a esta a obrigação de os remunerar,
assegurando-lhes as receitas que os próprios produtores, com o aval governativo, consideravam “adequadas”.
É já o XIII Governo PS a concretizar os CAE. E através de um Contrato de Aquisição de Energia, CAE,
celebrado sempre entre um produtor vinculado e a entidade concessionária da RNT, determina-se que o
produtor se compromete a vender à entidade concessionária da RNT a capacidade total da instalação
produtora de acordo com as condições técnicas e comerciais estabelecidas nos CAE.
Ou seja, sem os CAE não haveria privatização e, portanto, eles surgiram com esse objetivo, porque, num
contexto integrado e público, não haveria necessidade do seu estabelecimento. O Eng.º Mira Amaral (que
como ministro da economia concretizou a primeira legislação que deu origem à reorganização e reestruturação
do SEM) escreveu: «suspeito que a verdadeira razão para os CAE da EDP foi o Governo Guterres querer
começar a sua privatização» (Expresso, 22JUL17). CAE que, aliás, já eram supervalorizados, como também
refere, a fim de facilitar uma privatização, “bem paga”. E sem CAE, não teriam acontecido os CMEC.
Foram os Governos seguintes (XV e XVI), governos PSD/CDS, que avançaram para essa transformação
através da produção do Decreto-Lei n.º 240/2004. E foi o XVII Governo (PS) que consolidou o sistema
predatório do SEN, através de múltiplas alterações ao Decreto-Lei n.º 240/2004. É também no período desses
governos que avança a legislação e se tomam as medidas que vão engrossar as RE e os RI, como a
legislação de promoção da PRE, particularmente a Eólica, se decide a prorrogação do prazo da Central de
Sines e o estabelecimento de uma renda dos terrenos da REN, preparando uma privatização valorizada
daquela empresa pública, se legisla sobre a Garantia de Potência e o Serviço de Interruptibilidade.
Em síntese. Os XI e XII Governos preparam a privatização da EDP e os CAE. Os XIII e XIV Governos
iniciaram a privatização da EDP e REN e concretizaram os CAE. Os XV e XVI Governos fizeram avançar a
passagem dos CAE a CMEC. O XVII Governo além de alterar legislação dos CMEC, avançou para a
«extensão» do DPH com o Decreto-Lei n.º 226-A/2007 e cedeu por Despacho a extensão do DPH à EDP, com
prejuízo do Estado e sem o pagamento de Taxa de Recursos Hídricos enquanto tal.
As RE, qualquer que seja a sua origem e natureza não são fruto do acaso ou de simples ou complexas
operações à margem das leis pela EDP e outros operadores do SEN. Sejam sobreremunerações de
ativos/investimentos a taxas acima do que seria de esperar para o capital investido, sejam rendas decorrentes
de preços de monopólio da EDP e outras empresas na produção e comercialização de energia, sejam uma
herança indevida/ilegítima da privatização e segmentação da EDP pública, ou mesmo resultado da
manipulação e aproveitamento oportunista do poder económico e político de grupos económicos monopolistas.
De facto, resultaram de decisões políticas e administrativas do poder político, enquadradas por uma estratégia
económica e energética bem definidas e conhecidas, traduzida em legislação e outros atos regulamentares do
Estado, nomeadamente legislação regulatória permissiva e favorável aos interesses do capital privado.
Acrescente-se, decisões e medidas, muitas vezes ao arrepio dos alertas e propostas das entidades
reguladoras, como a ERSE e a AdC.
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4. A grave violação do princípio constitucional de subordinação do poder económico ao poder
político, a promiscuidade interesses públicos/interesses privados, as “portas giratórias” e os indícios
de corrupção
O processo de reorganização e reestruturação do sector elétrico nacional, o nome de batismo da
privatização, desmembramento da EDP e liberalização, pelos interesses económicos que envolveu foi
absolutamente capturado pelo poder económico dos grupos monopolistas e financeiros, nacionais e
estrangeiros. E é esse poder económico que determinou o conteúdo e a forma, e o desenho final do processo,
pelo condicionamento imposto às condições em que foram tomadas as sucessivas decisões governamentais
que o impulsionaram. O que se tornou particularmente visível na proliferação de textos e diplomas, muitas
vezes revendo, alterando, eliminando em curtos períodos de tempo comandos legais anteriores, quase sempre
comprometendo a defesa do interesse público. O Estado foi profundamente lesado nos seus interesses e a
população e a economia foram defraudadas nas promessas que lhes tinham sido feitas de redução dos custos
da energia elétrica.
Foi gravemente subvertido, por opção política deliberada, o princípio constitucional de subordinação do
poder económico ao poder político, antes se verificando precisamente o contrário, com o poder económico a
determinar o que poder político deveria fazer. Tal ficou bem patente nos trabalhos da CI, que na feitura de
muita legislação – decretos-leis, portarias, despachos e até resoluções do conselho de ministros – era
preparada, formatada e em grande parte redigida pelos interesses económicos e grandes operadores do
sector como a EDP, limitando-se o poder político a fazê-la sua, pela assinatura e publicação no Diário da
República. Regista-se como o melhor exemplo, as declarações de Manso Neto, na sua Audição na CI. «O
Governo decide» diz Manso Neto. E acrescenta: «Redigir uma proposta de decreto-lei, a pedido do Governo,
que o Governo depois, pode emendar, cortar e decidir, não vejo sinceramente, onde está o crime.» É uma
«interação» «normal.» «É uma grande empresa» Ou a referência ao papel de Rui Cartaxo feita no Relatório.
Facilitou, para não se dizer que promoveu, toda esta intervenção do poder económico nos processos
decisórios do poder político a existência de um importante conjunto de quadros que circularam no conhecido
sistema das portas giratórias entre posições e lugares no aparelho de Estado / administração pública
(assessores e conselheiros de gabinetes governamentais), incluindo como Secretários de Estado e Diretores
da DGEG ocupam lugares nas administrações e cargos técnicos superiores nos operadores privados. Quadros
que assumiram um papel relevante nas delegações do poder político e do poder económico que negociaram
diferendos e acertaram pontos de vista na preparação das decisões políticas e administrativas. Quadros em
grande parte com percurso profissional na Boston Consulting Group (BCG) que funcionou como uma espécie
de banco de quadros, como resulta do que se escreve no Relatório no Capítulo 14 “o papel dos consultores da
Boston Consulting Group na liberalização do mercado elétrico em Portugal”.
Outra evidência forte das portas giratórias e da procura pelos operadores privados de passadeiras para o
poder político é a presença, após a privatização total da EDP, no Conselho Geral e de Supervisão da EDP
(CGS) de cinco ex-ministros mais um ex-Ministro como CEO. E quando se faz substituição do Presidente do
CGS, é ainda um 6.º ex-ministro que ocupa o lugar.
Tudo indicia a completa porosidade e indefinição da fronteira e uma intensa promiscuidade entre a parte
pública e a parte privada, acabando mesmo por ofender direitos dos operadores privados do sector não
chamados às mesas de negociação e afastados de qualquer intervenção na decisão pública.
Reproduza-se um pequeno texto, como exemplo, retirado do Relatório: «Rui Cartaxo, adjunto de Manuel
Pinho, teve grande influência no processo de avaliação da extensão do domínio hídrico. Rui Cartaxo manteve
um fluxo permanente de informação com a EDP, como ressalta das peças do processo judicial remetidas pela
Procuradoria-Geral da República à CPIPREPE, em que são reproduzidas comunicações que demonstram que
Rui Cartaxo preparou diretamente com a cúpula da EDP os termos do aconselhamento desta empresa ao
ministro Manuel Pinho, que Cartaxo assessorava, e que informou a EDP do andamento das diligências para a
contratação das entidades bancárias a quem foram encomendadas pelo Estado avaliações do valor da
extensão da utilização do domínio hídrico.» (último item das Conclusões do Capítulo 2 – O processo de
concessão do domínio hídrico).
Não é assim difícil de aceitar que um tal grau de intenso, ambíguo e perverso relacionamento entre os
agentes do Estado e os agentes dos operadores privados em negociações, consolidando mecanismos e
operações político-administrativos, envolvendo muitas centenas de milhões de euros, constituem elementos
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propícios a situações de corrupção. São questões que cabem em última instância ser esclarecidos e decididos
em definitivo pelo poder judicial, no apuramento final da investigação em curso operação Ciclone.
Mas cabe registar em síntese que estes comportamentos de profunda promiscuidade e subordinação do
poder político ao poder económico – bem evidenciadas em sucessivas audições na CI – se traduziram
inevitavelmente em vultuosos prejuízos para o Estado e o interesse público.
Não pode a CIPREPE deixar de registar nesta matéria os processos de demissão de dois secretários de
Estado da Energia: a demissão do Secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes do Governo PSD/CDS e
do Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches do Governo PS. Só por ingenuidade se aceitará que tal foi
obra do acaso, ou uma simples coincidência. Foi sim a consequência inevitável de cada um, à sua maneira,
levar a cabo um processo de saneamento das «Rendas Excessivas», afrontando os interesses económicos
poderosos do sector da energia. Resultado do poder político se demitir da sua supremacia institucional e
constitucional, e se submeter às manifestações de desagrado e até ceder a operações de chantagem como o
não pagamento da CESE, por parte dos operadores privados.
5. A responsabilidade das entidades reguladoras – ERSE e AdC
Um dos objetivos do mandato da CI foi a existência de omissões ou falha comportamental de relevo no
cumprimento das obrigações dos serviços de energia e das entidades reguladoras, inclusive no tocante à
atribuição legal à ERSE de proposta de alterações legislativas.
Da audição na CI de todos os ex-responsáveis e os atuais responsáveis das entidades reguladoras com
intervenção estatutária no SEN, a ERSE, Entidade Reguladora dos Serviços de Energia e a AdC, Autoridade
da Concorrência, duas conclusões são claras:
(i) As duas entidades conheciam e conhecem em todas as suas dimensões técnica, administrativas e
legais, e em profundidade, os problemas do SEN que são objeto da CI. Logicamente, que pela
especificidade do seu objeto, sendo que é criada e amadurece no próprio processo de reorganização e
reestruturação do SEN a partir de 1995, a ERSE tem legalmente um mais largo espectro de intervenção
regulatória e uma imposição legal de sistemática atenção ao sector. Mas quer a ERSE quer a AdC
alertaram oportunamente sucessivos governos para os riscos e consequências de projetos legislativos e
decisões administrativas regulatórias e outras. Assim aconteceu em particular com o processo de
elaboração do Decreto-Lei n.º 240/2004 de passagem dos CAE a CMEC, em que intervieram com
relatórios de avaliação antecipando e indicando os problemas e indiciando os seus custos para o SEN.
Não foram, no entanto, e em geral tão explícitos na abordagem de outras origens de RE ou RI, como a
PRE.
(ii) As duas entidades não foram, contudo, suficientemente diligentes e persistentes na denúncia e na
tomada e/ou proposta de medidas que atalhassem em particular os crescentes custos transferidos para
as tarifas de energia elétrica pelas RE, após a consolidação dos sistemas CMEC e PRE e até 2012,
quando a problemática das RE entra na agenda política. É assim que, por exemplo, não foram tão
incisivas, nomeadamente a ERSE consultada para o efeito, na avaliação das alterações produzidas no
Decreto-Lei n.º 240/2004 a partir de 2005, apesar de se manterem todas razões para objeções que
tinham levantado ao projeto do Decreto-lei ou sobre todo o processo da extensão do DPH.
Outras questões devem, todavia, ser assinaladas de forma crítica à intervenção das duas entidades
reguladoras.
Os estatutos da ERSE, até à alteração de 2012, estabeleciam no artigo 19.º, titulado “Competências
Comuns”, no n.º 1: «A ERSE pronunciar-se-á sobre todos os assuntos da sua esfera de atribuições que lhe
sejam submetidos pela Assembleia da República ou pelo Governo e pode, por sua iniciativa sugerir ou propor
medidas de natureza política ou legislativa nas matérias atinentes às suas atribuições». Ora a ERSE nunca
usou desta capacidade de iniciativa para propor ao governo ou à Assembleia da República alterações
legislativas, nem sequer quando o documento da Cambridge Economic Policy Associates, realizado a pedido
do Secretário de Estado Henrique Gomes, determinou que havia um valor de rendas excessivas de 3925
milhões de euros, provenientes dos CAE (271), CMEC (2133) e PRE (1521).
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De acordo com o seu figurino institucional quer a ERSE quer a AdC para lá de audições extraordinárias
solicitadas pelos Grupos Parlamentares, tiveram e têm presença anual regular para apresentação dos seus
relatórios de contas e atividades e respetivo escrutínio parlamentar. A que acrescentaria a possibilidade de
sempre puderem solicitar igualmente audições para fins que julgassem necessários ou convenientes às
comissões parlamentares. Ora, estas são oportunidades que sempre foram desperdiçadas pelas entidades
reguladoras para uma franca e séria informação de factos e problemas que julgassem oportuno colocar aos
deputados. É uma evidência que a consulta dos relatórios entregues e o conhecimento das audições
realizadas pecaram sempre por uma certa opacidade e falta de clareza da abordagem destes temas, mesmo
quando a subida das tarifas de energia elétrica foi o tema central da audição parlamentar.
Outra questão a merecer reflexão foi a aparente reduzida articulação da ERSE e da AdC no respeitante ao
tema das rendas excessivas. Como é possível que as avaliações bem fundamentadas, ao que hoje se
conhece, das duas entidades reguladoras, não conseguissem alterar uma situação, com graves danos para a
economia nacional e os consumidores? Por exemplo, terá a ERSE alguma vez concretizado as sugestões da
AdC presentes nas cartas desta sobre as propostas de tarifas em 2006 e 2007 para se realizar «uma análise
do impacte da regulação de preços finais no contexto do mercado liberalizado de eletricidade, nomeadamente
do grau atingido de convergência; existência de tetos máximos ao crescimento de tarifas reguladas; existência
e criação de défices tarifários e introdução dos CMEC»? Que se saiba, não.
A merecer também uma anotação é um quase funcionamento em circuito fechado das entidades
reguladoras com o poder executivo, nem sequer compensado por outra relação com a Assembleia da
República. O que não faz jus à sua natureza de órgãos dotados de autonomia e independência face aos
governos, prosseguindo fins e missões especificas consignados nos respetivos estatutos.
E finalmente um registo para a longa e inaceitável duração dos processos de investigação e decisão final,
nos procedimentos destas entidades contra os operadores económicos que acompanham no âmbito das suas
funções. Detetada pela ERSE em 2011 uma «manipulação de mercado» e «abuso de posição dominante»
pela EDP na Barragem do Picote/Douro, só em setembro de 2013 a AdC aprovou uma Recomendação ao
Governo sobre o assunto, que apenas foi remetida ao Governo em novembro do mesmo ano, e que só em
setembro de 2018 deu origem a uma Nota de Ilicitude pela AdC. Um processo que ainda não terminou, e já
leva sete anos. Mas o sinal mais visível é mesmo o das RE atrás referido: decorrem sete anos, de 2004 a
2012, para que a ERSE e a AdC passem a uma outra atenção ao problema, que mesmo assim só se
concretiza em resultados nos anos 2017/2018.
6. A responsabilidade da Comissão Europeia
A União Europeia através da Comissão Europeia, e em particular por via da sua Direcção-Geral da
Concorrência acabou por assumir um papel negativo neste processo das RE, porque apesar de uma posição
ziguezagueante na avaliação dos CAE/CMEC e extensão do regime do DPH, acabou por confortar e
consolidar as decisões dos governos de Portugal favoráveis aos grandes operadores privados do SEN, e
assim absolvê-las. Refiram-se as inúmeras vezes que os intervenientes diretos neste processo, quer do lado
do Estado quer do lado do capital privado, invocaram como supremo argumento de autoridade e de verdade
para as suas teses, as decisões da CE.
A primeira intervenção desastrosa da União Europeia faz-se pela imposição da Diretiva 2003/54/CE
manifestamente incapaz de corresponder à diversidade física, orgânica e empresarial dos diversos sistemas
elétricos nacionais, empurrando-os todos (embora alguns estados o não tivessem concretizado) para
processos de privatização, segmentação de empresas com cadeia de valor integral e liberalização dos
respetivos mercados e regulamentações. Em Portugal a Diretiva acaba por dar cobertura à extinção dos CAE,
dita obrigatória. Uma leitura falsa, como rapidamente ficou demonstrado, pela manutenção, até hoje, de dois
CAE, o do Pego e o da Tapada do Outeiro, da Tejo Energia e da Turbogás, respetivamente.
O segundo erro da CE acontece quando aprova sem objeções (Decisão da CE de 22 de setembro de 2004)
os mecanismos do Decreto-Lei n.º 240/2004 no âmbito da sua avaliação, a que tinha sido sujeito por
solicitação do Governo português, como Auxílio de Estado.
Como é posto em evidência no Relatório (Ponto 2.5), conformadas pelas considerações de Abel Mateus e
Manuel Sebastião, ex-presidentes da AdC, a CE com essa Decisão, tropeça em profunda contradição com a
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sua própria teorização sobre os CAE e os CMEC, até face a decisões noutros Estados-membros. A Comissão
desenvolve, entre muitos lapsos, a consideração notável da «classificação das centrais hídricas da EDP
abrangidas por CAE como centrais ineficientes» (in Documento Anexo à Recomendação o Governo da AdC de
13 de setembro de 2013).
O mesmo comportamento errático acontece em torno da intervenção da CE no processo da extensão do
regime do DPH. Até hoje não está clara qual a posição definitiva da CE, dada a recente notícia de que a CE
iria abrir um processo a Portugal decorrente desse processo.
A forma como a Comissão Europeia decidiu impulsionar o desenvolvimento das energias renováveis, sem
avaliação nem medida, teve custos muito elevados para o SEN em Portugal.
Ao fixar metas gerais e iguais para todos os estados-membros sem qualquer consideração das
particularidades dos respetivos sistemas electroprodutores e dos próprios recursos naturais de energias
endógenas renováveis, sem ter em conta os sobrecustos decorrentes da exigência de centrais de backup para
as energias renováveis intermitentes, a CE acabou por incentivar para lá do necessário a produção de
sobrecustos no SEN, que foram depois transferidos para consumidores domésticos e empresas. Esta
consideração não anula a responsabilidade primeira dos governos de Portugal nos problemas ocorridos, antes
devem ser penalizados politicamente pelo seu seguidismo face às decisões de Bruxelas.
7. A responsabilidade da Assembleia da República
A Assembleia da República no âmbito das suas atribuições e competências constitucionais [alínea a) do
artigo 162.º da CRP] tem responsabilidades no acompanhamento e fiscalização dos atos do Governo e da
Administração Pública. As preocupações manifestadas por diversos grupos parlamentares ao longo dos anos
pelos elevados preços da energia elétrica, traduzidas em iniciativas diversas, não obstam a que a CI
reconheça que deveria ter havido outra atenção e escrutínio aos atos dos governos e das entidades
reguladoras respeitantes à reorganização e reestruturação do SEN, a partir de 1995 pelos seus impactes no
valor das tarifas. A reconfiguração estrutural do SEN traduzida em inúmeros diplomas produzidos pelos
governos, caso paradigmático das PPL 141/X (2004) e PPL 112/XI (2007), que poderiam ter tido uma
apreciação e escrutínio mais profundos.
Esta avaliação crítica da intervenção parlamentar está atenuada pelo registo de um insuficiente, deficiente
ou mesmo inaceitável comportamento do poder executivo, e também, em muito menor grau, das entidades
reguladoras, nas suas relações com a Assembleia da República. É nomeadamente o caso da proposta de lei
n.º 141/X, aprovada como Lei n.º 52/2004, viabilizando a Autorização Legislativa para o Decreto-Lei n.º
240/2004 – diploma central na questão dos CMEC – cujo debate no Parlamento foi prejudicado pela
sonegação pelo XVI Governo dos pareceres (muito críticos e negativos) da ERSE e AdC sobre o projeto de
Decreto-Lei. Foi também o caso do debate da proposta de lei n.º 112/XI, aprovada como a Lei n.º 13/2007,
viabilizando o Decreto-Lei n.º 216-A/2007 – que consagrava a possibilidade de uma extensão do período de
utilização do Domínio Público Hídrico – prejudicado pela sonegação do XVII Governo do Parecer fortemente
negativo do INAG sobre o projeto de decreto-lei.
No caso das entidades reguladoras tenha-se em conta o que já se referiu da sua subestimação e relutância
a um outro relacionamento, mais transparente, com a Assembleia da República para o bom desempenho das
suas funções. Tal relacionamento manifestamente não se verificou em toda a abordagem das RE. Registe-se,
para memória futura, que o importante Parecer da ERSE de 2004, sobre o Decreto-Lei n.º 240/2004, só foi do
conhecimento da Assembleia da República em março de 2018, após Requerimento do GP do PCP. E que as
opiniões da AdC sobre o mesmo Projeto de Decreto-Lei só foram conhecidas no âmbito das solicitações da CI,
igualmente em 2018.
Estas «atenuantes» não eximem nem desculpam a Assembleia da República de outra exigência,
profundidade e rigor na abordagem futura de situações semelhantes.
E para que conste, reproduzimos ainda a proposta do PCP sobre DIREITOS CONTRATUAIS E
REGULAMENTAÇÃO DO SEN
Contexto: Nas audições da CPIPREPE dos responsáveis da EDP foi várias vezes glosada a tese da
ilegitimidade e até ilegalidade das alterações legislativas e regulamentares com vista à defesa dos interesses
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dos consumidores de energia elétrica e da própria economia portuguesa. Assim se procurava pôr em causa os
esforços para a eliminação ou pelo menos uma drástica redução da «Rendas Excessivas».
A par da conhecida argumentação de que a «instabilidade contratual», o rompimento dos acordos
estabelecidos com os investidores, estrangeiros reduz a atratividade do país ao capital estrangeiro,
desenvolve-se a tese de que tal é inaceitável por que significa pôr em causa a «inviolabilidade dos contratos»,
nomeadamente dos que foram feitos para suportar as privatizações da EDP e REN nas suas diversas fases.
A CPIPREPE não pode no seu Relatório deixar de esclarecer em definitivo tal argumentação, porque
capciosa e parcial, sem qualquer suporte legal. Pelo contrário, a realização das alterações necessárias à
defesa dos interesses dos consumidores de energia elétrica e da economia nacional, tem um claro e evidente
respaldo legal.
Não é aceitável que se diga que os acionistas foram às privatizações da EDP de boa-fé na base do que
informavam os prospetos de OPV com a chancela da CMVM, e logo, nada pode ser revertido, porque isso
significa pôr em causa aqueles compromissos do Estado.
Ora nos prospetos sempre se assinalou e com grande desenvolvimento justificatório a possibilidade da
mudança de legislação, porque dada a matéria em causa – um bem de grande sensibilidade económica e
social – havia sempre o risco de o Estado mudar regras por exemplo de regulação, com impactos na
rendibilidade dos capitais investidos. Os chamados «Riscos Regulatórios».
Os prospetos das privatizações de qualquer das suas fases da privatização da EDP, assinalam, e também
avisam os putativos investidores dos riscos, afirmando:
«O investimento nas Ações da EDP envolve riscos. Antes de ser tomada qualquer decisão de investimento
dever-se-á ponderar toda a informação contida neste Prospeto (…)».
E no prospeto (2.º Capítulo, páginas 30/66) vinham indicados, entre outros, como fatores de risco:
2.1.2 «medidas adicionais do Estado português para limitar o aumento dos preços da energia»
2.1.4 «os resultados da EDP são fortemente afetados pelas normas legais e regulamentares
implementadas por várias entidades públicas»
2.1.5 «nas atividades das redes reguladas (…) as revisões regulatórias periódicas podem implicar perdas
significativas de proveitos»
2.1.8 «A EDP não pode prever, ou sequer excluir medidas regulatórias ou legais que possam ter um efeito
adverso nos resultados da EDP»
Depois destes avisos continua, como é possível que alguém invoque que os acionistas foram enganados
na sua boa-fé de investidores?
Conclusão: nada impede no ordenamento jurídico nacional que o Estado possa alterar, corrigir, recuperar,
legislação e regulamentos, com consequências nos proveitos da EDP e da REN, e de outros operadores do
SEN, na defesa dos interesses dos consumidores portugueses, domésticos e empresariais. Os investimentos
nas privatizações foram mesmo alvo de alertas específicos sobre ricos regulatórios pela CMVM, pelo que não
lhes é lícito reclamar ou contestar redução dos proveitos decorrentes de alterações legislativa e
regulamentares, levadas a cabo pelo Estado em defesa dos interesses nacionais.
Lisboa, 31 de maio de 2019.
Pelo Grupo Parlamentar do PCP: Bruno Dias — António Filipe — Duarte Alves.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.