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Quarta-feira, 5 de junho de 2019 II Série-B — Número 50

XIII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2018-2019)

S U M Á R I O

Comissão Parlamentar de Inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade:

— Relatório final da Comissão, incluindo em anexo o relatório da votação e declarações de voto.

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COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO AO PAGAMENTO DE RENDAS EXCESSIVAS AOS

PRODUTORES DE ELETRICIDADE

Relatório final da Comissão, incluindo em anexo o relatório da votação e declarações de voto

Relatório final

Índice

Parte I

Introdução

Parte II

Capítulo 1 – Dos CAE aos CMEC

1. Contratos de Aquisição de Energia

1.1. Criação dos CAE

1.2. Extensão dos CAE às centrais da EDP

2. Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC)

2.1. Introdução

2.2. Breve descrição dos acontecimentos

2.3. A manutenção do equilíbrio contratual foi uma escolha política tomada entre um conjunto de

opções

2.3.1. Posição da ERSE

2.3.2. Posição do Governo

a) Impossibilidade de negociação por blindagem dos CAE

b) Proteção da EDP como companhia portuguesa

c) Valorizar a EDP no quadro da sua privatização

d) Manter o quadro remuneratório existente no momento da privatização da EDP

2.3.3. Posição dos produtores

2.3.4. Notas finais

2.4. Da efetiva manutenção pelos CMEC do equilíbrio contratual dos CAE

2.4.1. Taxas de atualização diferentes

Conclusão

2.4.2. Testes de verificação da disponibilidade das centrais

Pode concluir-se que:

2.4.3. Aplicação do fator de correção das produções resultantes do modelo Valorágua

2.4.4. Licenças de CO2

2.4.5. O parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República

2.5. Processo de aprovação dos CMEC na Comissão Europeia

Conclusões

Recomendações

Capítulo 2 – A prorrogação das centrais de Sines e do Pego para além do prazo do CAE

1. A prorrogação da central de Sines para além do prazo do CAE

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1.1 As definições do CAE

1.1.2 Do direito de superfície

1.1.3 Dos custos de desmantelamento das centrais

1.2 As definições do Decreto-Lei n.º 240/2004

1.3 Valorização económica da prorrogação de Sines

2. A prorrogação da central do Pego para além do prazo do CAE

Conclusões

Recomendações

Capítulo 3 – Remuneração dos terrenos da REN e extensão do prazo de concessão

1. Contexto e legislação associada

2. Custos imputados aos consumidores

3. Extensão do Contrato de Concessão da RNT à REN por 7 anos adicionais

Conclusões

Recomendações

Capítulo 4 – Remuneração da Produção em Regime Especial

1. Introdução

2. Taxas de rentabilidade na PRE

3. Eventuais ganhos dos produtores decorrentes de atrasos no licenciamento

Conclusões

Recomendações

Capítulo 5 – Dívida e diferimentos tarifários, mais-valias da sua titularização

Decreto-Lei n.º 187/95 – primeira legislação sobre diferimentos tarifários

Decreto-Lei n.º 172/2006 – preparação do Mibel, termina limitação a aumentos de tarifa

Decreto-Lei n.º 237-B/2006 – previstos os diferimentos dos sobrecustos com PRE, CMEC e CAE

Decreto-Lei n.º 165/2008 – o maior diferimento tarifário de sempre

Titularização com partilha de ganhos – a exceção que confirma a regra

Decreto-Lei n.º 78/2011 – O diferimento de custos como prática generalizada

Sob o Memorando, o debate do diferimento de custos

Decreto-Lei n.º 109/2011 – avança o diferimento de custos

Decreto-Lei n.º 256/2012 – surge o fator de sustentabilidade da EDP

Decreto-Lei n.º 32/2014

Evolução

Evolução anual da dívida tarifária e sua composição

Notas finais

Conclusões

Recomendações

Capítulo 6 – Garantia de potência

1. Contexto, legislação e regulamentação

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1.1. Na preparação do MIBEL, previsão da remuneração de potência segundo a disponibilidade

1.2. Início do pagamento pela garantia de potência

1.3. Os cortes nos incentivos da garantia de potência após o Memorando da troika

1.4. A eliminação dos pagamentos por disponibilidade

2. Custos para o SEN

Conclusões

Recomendações

Capítulo 7 – Remuneração do serviço de Interruptibilidade

1. Contexto e legislação associada

2. Custos imputados aos consumidores

3. Premência do mecanismo de interruptibilidade

3.1. Realização de testes

3.2 Balanço da existência do serviço

Conclusões

Recomendações

Capítulo 8 – Medidas sob a aplicação do Memorando de Entendimento com a troika

1. Do Memorando inicial à segunda revisão

1.1. O modelo de equilíbrio preparado por Henrique Gomes e as propostas da EDP

1.2 A queda da contribuição especial proposta por Henrique Gomes

1.3 A privatização face às medidas do Memorando

1.4 Do relatório sobre rendas no setor eletroprodutor à demissão de Henrique Gomes

2. Os três pacotes de medidas de equilíbrio do SEN

2.1 Primeiro pacote de medidas

2.2 Segundo pacote de medidas

2.2.1 A medida para a eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais

introduzidas em Espanha (Clawback)

2.2.1.1. Contexto e legislação associada

2.2.1.2. Repercussão tarifária dos custos com a CESE e a tarifa social: dupla tributação ou dupla

compensação?

2.2.1.2.1 A ilegalidade da repercussão da CESE e da tarifa social

2.2.2 Remuneração dos terrenos do domínio hídrico

2.2.3 Corte de remuneração dos serviços de sistema

2.2.4 Contribuição das centrais a carvão para o SEN

2.3 Terceiro pacote de medidas

3. Impacto efetivo das medidas

Impacto total dos três pacotes de medidas sobre a EDP

Conclusões

Recomendação

Capítulo 9 – Serviços de Sistema

1. Primeiros indícios de falha no mercado de serviços de sistema

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2. Intervenção de governo e estudo da Brattle Group

2.1. Sobrecusto identificado pelo relatório Brattle

2.2. Atuação da Autoridade da Concorrência

Conclusões

Recomendação

Capítulo 10 – O novo regime remuneratório da produção eólica aprovado em 2013

1. O contexto em que surge a medida

1.1. O Memorando de Entendimento com a troika e a limitação dos sobrecustos associados à

Produção em Regime Especial (PRE)

1.2. A proposta da EDP e a resposta do Governo

1.3. A queda da contribuição especial e a insistência da troika sobre redução de custos com a PRE

1.4 O impacto incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013

1.4.1 O que existiria se o Decreto-Lei n.º 35/2013 não tivesse sido aprovado pelo governo?

1.4.2 Os pressupostos do acordo entre o Governo e a APREN

1.4.3 O que passou a existir com o Decreto-Lei n.º 35/2013?

1.4.4. A intervenção da ERSE

1.4.4.1 O parecer prévio da ERSE sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 35/2013

1.4.4.2 O primeiro estudo da ERSE sobre o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013

1.4.4.3 Secretário de Estado pede parecer mais detalhado

1.4.5 Cálculos apresentados por Carlos Pimenta na CPIPREPE

1.4.6 Cálculos apresentados por Artur Trindade na CPIPREPE

1.4.7 Cálculo dos possíveis impactos incrementais do Decreto-Lei n.º 35/2013

Conclusões

Recomendações

Capítulo 11 – Sobreequipamento

1. Contexto e legislação associada

2. Custos para o SEN

Conclusão

Capítulo 12 – Dupla subsidiação a produtores em Regime Especial

Contexto e legislação associada

Conclusão

Recomendações

Capítulo 13 – O papel dos consultores da Boston Consulting Group na liberalização do mercado elétrico em

Portugal

Conclusões

Capítulo 14 – Manuel Pinho e o protocolo da EDP com a Universidade de Columbia

Conclusão relativa aos capítulos 14 e 15

Parte III – Conclusões finais

Recomendações

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Parte IV – Anexos

Relatório da votação

Declarações de voto escritas

Parte I

Introdução

A Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de

Eletricidade, que tomou posse no dia 23 de maio de 2018, foi constituída pela Resolução da Assembleia da

República n.º 126/2018, de 17 de maio1, cujo conteúdo se transcreve:

«A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º e do n.º 4 do artigo 178.º da

Constituição e da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março (Regime Jurídico dos Inquéritos

Parlamentares), alterada pela Lei n.º 126/97, de 10 de dezembro, e alterada e republicada pela Lei n.º

15/2007, de 3 de abril:

1 — Constituir uma comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas e subsídios aos produtores

de eletricidade, sob a forma de Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) ou outros.

2 — A Comissão Parlamentar de Inquérito deve funcionar pelo prazo de 120 dias e tem por objeto,

designadamente, determinar:

a) A dimensão dos pagamentos realizados e a realizar por efeito dos regimes em vigor no âmbito do

disposto no n.º 1;

b) O efeito sobre os custos do sistema elétrico produzido pelas alterações legislativas e atos

administrativos realizados no âmbito dos CMEC e dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) pelos

governos entre 2004 e 2018;

c) O efeito sobre os custos do sistema elétrico produzido por outras alterações legislativas,

designadamente na Produção em Regime Especial (PRE), na extensão do regime de tarifa subsidiada à

produção eólica, nas rendas das barragens ou na remuneração da garantia de potência;

d) As condições em que foram tomadas decisões governativas, designadamente em face de eventuais

estudos e pareceres de entidades reguladoras, Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e

Autoridade da Concorrência (AdC), ou outros atos e documentos de outras entidades com atribuições neste

âmbito;

e) A existência de omissão ou falha comportamental de relevo no cumprimento das obrigações dos

serviços de energia e das entidades reguladoras, inclusive no tocante à atribuição legal da ERSE de proposta

de alterações legislativas;

f) A avaliação da execução da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, desde a sua criação

até à atualidade;

g) A existência de favorecimento por parte de governos relativamente à EDP, à REN e a outras empresas

do setor elétrico, no caso dos CMEC, dos CAE e de outros instrumentos;

h) A existência de atos de corrupção ou enriquecimento sem causa de responsáveis administrativos ou

titulares de cargos políticos com influência ou poder na definição das rendas no setor energético.»

1 Resultou da aprovação, por unanimidade, do Projeto de Resolução n.º 1560/XIII/3.ª (BE) em 11 de maio de 2019.

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A composição da Comissão2 era a seguinte:

Maria das Mercês Borges PSD Presidente

Carlos Pereira PS 1.º Vice-Presidente

Bruno Dias PCP 2.º Vice-Presidente e Coordenador GP PCP

António Topa PSD

Duarte Marques PSD

Fernando Virgílio Macedo PSD

Helga Correia PSD

Joel Sá PSD

Jorge Paulo Oliveira PSD Coordenador GP PSD

André Pinotes Batista PS

Fernando Anastácio PS

Hortense Martins PS

Hugo Costa PS

Luís Moreira Testa PS Coordenador GP PS

Jorge Costa BE Coordenador GP BE e Relator designado

Hélder Amaral CDS-PP Coordenador GP CDS-PP

José Luís Ferreira PEV Coordenador GP PEV

A composição da Comissão, na última reunião, realizada em 15 de maio de 2019, era a seguinte:

Emídio Guerreiro PSD Presidente

Bruno Dias PCP 2.º Vice-Presidente e Coordenador GP PCP

Luís Moreira Testa PS 1.º Vice-Presidente

António Topa PSD

Cristóvão Norte PSD

Duarte Marques PSD

Helga Correia PSD Vice-Coordenadora GP PSD

Joel Sá PSD

Jorge Paulo Oliveira PSD Coordenador GP PSD

Ana Passos PS

André Pinotes Batista PS

António Cardoso PS

Carla Tavares PS

Hugo Costa PS Coordenador GP PS

2 Total: 17 deputados (7 PSD; 6 PS, 1 BE; 1 CDS-PP; 1 PCP; 1 PEV).

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Jorge Costa BE Coordenador GP BE e Relator designado

Hélder Amaral CDS-PP Coordenador GP CDS-PP

José Luís Ferreira PEV Coordenador GP PEV

A Comissão realizou 61 reuniões, das quais 55 audições, pela seguinte ordem:

1 23-05-2018 Tomada de posse; Eleição da Mesa

2 05-06-2018 1. Apreciação e votação das propostas de audições a realizar e dos documentos a requerer no âmbito da CPI; 2. Apreciação e votação do Regulamento da Comissão; 3. Outros assuntos

3 14-06-2018 1. Apreciação e votação das propostas de audições a realizar e dos documentos a requerer no âmbito da CPI; 2. Outros Assuntos

4 27-06-2018 1. Designação relator; 2. Audição Eng.º Pedro de Sampaio Nunes

5 04-07-2018 1. Designação relator; 2. Audição Eng.º Luís Mira Amaral

6 11-07-2018 Audição Eng.º Jorge Vasconcelos (ex-Presidente da ERSE)

7 17-07-2018 Audição Professor Clemente Pedro Nunes (Prof. Catedrático do IST)

8 19-07-2018 Audição Sr. João Peças Lopes (Diretor INESC-TEC)

9 20-07-2018 Audição Eng.º Carlos Pimenta (Ex-secretário de estado e chairman da Novenergia)

10 24-07-2018 (10h00) Audição Professor Vítor Santos (Ex-Presidente da ERSE, de 2007 a 2017)

11 24-07-2018 (15h00) Audição Dr.ª Cristina Portugal (Presidente da ERSE desde 2017)

12 25-07-2018 (15h00) Audição Professor João Duque (prof. catedrático e presidente do ISEG)

13 11-09-2018 Audição Prof. Abel Mateus (Presidente AdC – 2003 a 2008)

14 11-09-2018 Audição Prof. Manuel Sebastião (Presidente da AdC – 2008-2013)

15 12-09-2018 Audição Eng.º Jorge Borrego (DGE até 2004) – Skype

16 13-09-2018 Audição Eng.º João Conceição (Assessor SE Franquelim, do M Manuel Pinho e atual Adm REN

17 14-09-2018 Audição Prof. Ricardo Ferreira (Assessor do M Economia Tavares e Barreto)

18 18-09-2018 (1) Audição Eng.º José Penedos (CEO da REN entre 2001-2009)

19 18-09-2018 (2) Audição Eng.º João Talone

20 19-09-2018 Audição Eng.º Pedro Rezende (Administrador da EDP entre 2003-2006)

21 20-09-2018 Audição Prof. Paulo Pinho (Adjunto ME Carlos Tavares 2002-2004; CA REN 2004-2007)

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22 25-09-2018 Audição Dr. Franquelim Alves (SE A Ministro Economia Carlos Tavares 2002-2204)

23 25-09-2018 Audição Dr. Carlos Tavares, Ministro da Economia

24 26-09-2018 Audição Dr. Orlando Borges (Presidente do INAG, entre 2000-2010)

25 03-10-2018 Audição Eng.º Vítor Baptista (CA da REN entre 2001 e 2009)

26 04-10-2018 Audição Prof. Manuel Lancastre (Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico entre 2004-2005) – Skype

27 09-10-2018 (1) Audição Dr.ª Maria de Lurdes Baía (Coordenadora da Área de Previsões Energéticas da REN)

28 09-10-2018 (2) Audição Dr. Rui Cartaxo (ex-CEO REN; adjunto do ME Manuel Pinho)

29 10-10-2018 Audição Dr. Miguel Barreto (Diretor-Geral da Direção-Geral de Energia e Geologia, de 2004 a 2008)

30 16-10-2018 (1) Audição Prof. António Castro Guerra (SE Adjunto Indústria e Inovação, de 2005 a 2009)

31 16-10-2018 (2) Audição Prof. Francisco Nunes Correia (M Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional 2005-09)

32 11-12-2018 Audição Dr. Tiago Andrade Sousa (Assessor F. Alves e Chefe Gabinete do SEE)

33 12-12-2018 Audição Dr.ª Beatriz Milne (Tejo Energia)

34 13-12-2018 Audição Eng.º Aníbal Fernandes (ENEOP)

35 18-12-2018 Audição Dr. João Manso Neto (EDP)

36 20-12-2018 Audição Dr. Manuel Pinho (ex-Ministro Economia e Inovação de 2005 a 2009)

37 09-01-2019 Audição Dr. Carlos Zorrinho (Secretário de Estado da Energia e da Inovação, entre 2009 e 2011)

38 16-01-2019 Audição Dr. Eduardo Catroga (Presidente do CGS da EDP)

39 17-01-2019 Audição Dr. António Sá da Costa (Presidente da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis)

40 22-01-2019 Audição Dr. Vieira da Silva (ex-Ministro da Economia)

41 23-01-2019 Audição Eng.º Henrique Gomes (S Est. Energia e Inovação entre 2011 e 2012)

42 24-01-2019 Audição Eng.º Nuno Ribeiro da Silva (Presidente da Endesa, Portugal)

43 30-01-2019 Audição Dr. Artur Trindade (Secretário de Estado da Energia e da Inovação entre 2012 e 2015

44 06-02-2019 Audição Eng.º Pedro Cabral, Assessor do SE Energia e Diretor-Geral da DGEG

45 07-02-2019 Audição Dr. Álvaro Santos Pereira, ex-ministro da Economia

46 12-02-2019 Audição Sr. Rodrigo Costa (Presidente da REN-Redes Estratégicas Nacionais)

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47 13-02-2019 Audição Dr.ª Margarida Matos Rosa (Presidente da AdC)

48 14-02-2019 Audição Eng.º Mário Ferreira Guedes (ex-Diretor-Geral da DGEG)

49 15-02-2019 Audição Eng.º Carlos Moedas (Secretário de Estado Adjunto do PM do XIX Governo) – Skype

50 15-02-2019 Audição Eng.º Jorge Moreira da Silva (M Ambiente, Ordenamento do Território e Energia XIX G

51 21-02-2019 Audição Dr. António Ferreira Gomes (presidente AdC entre 2013 e 2016)

52 26-02-2019 Audição Dr. António Mexia (Presidente do CA EDP)

53 27-02-2019 Audição Dr. Luís Amado Presidente do CGS EDP)

54 06-03-2019 Audição Dr. Jorge Seguro Sanches

55 07-03-2019 Audição Dr. Manuel Caldeira Cabral

56 13-03-2019 Audição Dr. João Galamba

57 19-03-2019 Audição Dr. Matos Fernandes

58 27-03-2019 Audição Dr. António Ferreira Gomes (presidente AdC entre 2013 e 2016) – Skype

59 10-04-2019 Apresentação e apreciação do relatório

60 16-04-2019 Agendamentos

61 15-05-2019 Votação do relatório

O número total de horas de gravação das audições foi de 211 horas e 56 minutos; a audição mais longa foi

a do Dr. António Mexia (6h 43m); a audição mais curta foi a da Dra. Beatriz Milne (2h 03m). O número de

pastas de documentos é de 1679; o número de ficheiros de documentos é de 13 642 e o tamanho dos

ficheiros é de 42,9 GB.

Foram ainda realizadas 19 reuniões de Mesa e Coordenadores.

Parte II

Capítulo 1

Dos CAE aos CMEC

1. Contratos de Aquisição de Energia

1.1 Criação dos CAE

Tal como é explicado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 182/95, na sequência da abertura do setor elétrico à

iniciativa privada em 1988, o Decreto-Lei n.º 99/91 veio definir princípios gerais aplicáveis ao exercício das

atividades de produção, transporte e distribuição de energia elétrica. Paralelamente, a desintegração vertical

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da EDP, enunciada nos Decretos-Leis n.os 7/91 e 131/94, deu origem a empresas vocacionadas a cada uma

daquelas atividades.

A outorga dos primeiros CAE ocorreu em 1992 e 1993, às centrais térmicas da Turbogás, a gás natural, e

da Tejo Energia, a carvão, já então em construção. Estava então em exercício do XII Governo, de Aníbal

Cavaco Silva, sendo ministro da tutela Mira Amaral.

Em 1995, com vista a «garantir a transparência no relacionamento dos diferentes intervenientes no sector e

permitir o equilíbrio entre as diversas formas de organização que o sector admite», foi revisto o Decreto-Lei n.º

99/91.

Em 1987 a EDP era uma empresa totalmente pública, verticalmente integrada e numa situação altamente

debilitada, fruto de dois passivos distintos e importantes. O primeiro proveniente da dívida dos Municípios e o

segundo proveniente da dificuldade de financiamento internacional da República Portuguesa, que utilizava por

isso a EDP para «ir buscar dólares ao mercado internacional em nome da República Portuguesa num período

dramático de crise de divisas para Portugal. (…) Isso gerou um passivo cambial tremendo» (depoimento de

Mira Amaral).

Havia, nessa altura, a necessidade de investir fortemente na rede de distribuição e no aumento da

capacidade de produção. Para tanto, considerada a fragilidade financeira da EDP, optou-se por captar

investimento privado estrangeiro para esses investimentos, de onde surgiram, então, os primeiros Contratos

de Aquisição de Energia (CAE), o da Central do Pego, a carvão, em 1993 e o da Tapada do Outeiro, em gás

natural, em 1994.

A taxa de remuneração resultante destes contratos foi de, aproximadamente, 10% do investimento

efetuado.

Em 1995, com o intuito de enquadrar as alterações que vinham sendo efetuadas no setor,

designadamente, a sua abertura a operadores privados, são publicados os Decretos-Lei n.os 182 a 188/95, que

configuraram as bases do sistema elétrico português, pelos dez anos que se seguiram.

Para a nossa análise, releva especialmente a criação do sistema vinculado de produção de energia, no

qual eram celebrados contratos bilaterais entre a Rede Nacional de Transporte (REN) e os produtores de

energia. Os contratos que regiam essa relação eram os CAE. Esta legislação pressupunha que os contratos

de vinculação ao SEN deveriam ser contratos exclusivos e de médio-longo prazo, sendo todavia omissa sobre

quaisquer outras condições ou vicissitudes contratuais.

A legislação de 1995 veio assim, na sequência de legislação anterior que previa o mecanismo CAE no

SEN, estender estes contratos às centrais pertencentes à EDP, então totalmente pública. A taxa de

remuneração aplicável à extensão dos CAE às centrais da EDP foi de 8,5%. A taxa anteriormente aplicada aos

CAE da Tejo Energia e da Turbogás cifrava-se em 10%.

1.2 Extensão dos CAE às centrais da EDP

O Decreto-Lei n.º 185/95 previa a contratualização da aquisição da totalidade da produção elétrica das

centrais vinculadas ao Sistema Elétrico Público (SEP) atribuição de CAE às centrais da CPPE (hoje EDP

Produção), o que veio a concretizar-se em 1996, impondo a produção daquelas centrais em exclusivo para o

SEP (artigo 17.º), mediante contratos de vinculação baseados num «sistema misto baseado em preços de

natureza essencialmente fixa e em preços variáveis, reflectindo, respectivamente, encargos de potência e

encargos variáveis de produção de energia» (artigo 15.º). No início do século, os CAE enquadravam mais de

98% da produção da EDP.

«Com a liberalização do sistema elétrico, havia que pôr as centrais da EDP em igualdade com essas

centrais privadas e por isso estendemos os CAE às centrais da EDP».

Mira Amaral, Ministro da Indústria em 1995 (Expresso, 3 de março 2007)

Em 1996, já sob o governo António Guterres, o grupo EDP celebrou contratos de aquisição de energia

entre duas empresas do grupo – a EDP Produção, vendedora, e a REN, compradora. Esses contratos

abrangeram centrais construídas entre 1951 e 1994, nomeadamente 26 centrais hidroelétricas, uma central a

carvão, quatro centrais a fuel-óleo e duas centrais a gasóleo, correspondentes a 7330 MW de capacidade

instalada.

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Os CAE da EDP enquadraram assim a remuneração contratualizada das centrais, imunizando-as a

quebras de preço, quebras de produção, subidas dos custos com combustíveis ou regimes hidrológicos menos

favoráveis e prevenindo o impacto da liberalização do mercado interno da eletricidade.

O nível de remuneração garantido por estes contratos de baixo risco (8,5% reais + inflação) é qualificável

como em excesso do custo de capital da produção no grupo EDP (7,55% nominais na introdução dos CMEC).

Nas decisões tarifárias da ERSE, a atividade de produção com CAE era qualificada como a de menor risco no

grupo.

A legislação de 1995 previa a celebração de contratos de aquisição de energia (CAE) entre o então

Sistema Elétrico Público e a EDP (então CPPE). Em 1996, o desenho desses contratos define taxas de

remuneração de 8,5% para as centrais EDP (estatais e já construídas) e de 8,5% para as centrais de novo

investimento (privado e externo) nas centrais térmicas do Pego e da Tapada do Outeiro. A opção política de

contratualizar os CAE com a EDP por 20 anos teve em vista responder às primeiras diretivas europeias de

liberalização dos mercados de eletricidade, pagar os passivos das dívidas dos municípios e do financiamento

da República, o robustecimento financeiro da empresa e a oferta de garantias de rentabilidade futura que

dinamizassem o processo da sua privatização. Cerca de 70% do capital da EDP viria a ser privatizado nos

cinco anos que se seguiram.

«[Em 1996] foi criada a maior renda alguma vez criada em Portugal. Foi quando os PPA [CAE, em

português], que tinham sido criados para o investimento da Tejo Energia e da Turbogás, foram extensíveis às

centrais da EDP. (…) Provavelmente, a extensão dos CAE às centrais da EDP teve a ver com tornar uma

empresa que estava muito descapitalizada numa empresa com um balanço mais são para poder ser

privatizada».

(João Talone, presidente da EDP 2003-2006)

«Os CAE foram celebrados tomando como referência os concursos internacionais para as Centrais do

Pego e da Tapada do Outeiro, dado que o governo da época quis iniciar o processo de venda das acções da

EDP, definindo preços contratualizados, os quais tomaram como referência os preços dos concursos

internacionais realizados anteriormente nas referidas centrais».

(Eduardo Catroga, ministro das finanças em 1995, presidente do CGS da EDP em carta a Caldeira Cabral

e Mário Centeno, 17 de março 2016)

«(…)Portanto, Senhor Deputado, estes são os dois argumentos que vejo (…) o primeiro é por uma questão

de igualdade relativamente às centrais privadas que já existiam; e o segundo, para mim, e porque sei como é

que os Governos funcionam, é que normalmente os Governos gostam de embelezar a noiva para privatizar –

os Ministros das Finanças mandam nisto e, portanto, é preciso sacar mais receita. E quanto mais a noiva

estiver embelezada, nesse caso a empresa a privatizar, mais obtemos de receitas das privatizações.»

(Mira Amaral, ministro da Energia e da Indústria de 1987 a 1985)

«Não tenho dúvida nenhuma de que o objetivo foi tentar — como se costuma dizer, em linguagem mais

banal — «engordar o porco» para depois o vender, só que não se pode fazer isso à custa da competitividade

do País e dos consumidores. O que aconteceu foi que, quando foi feita essa legislação, em 1995, não estava

em vigor a Diretiva 96/92/CE. Por isso, essa era uma prática corrente que foi, aliás, seguida noutros países.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Foi uma desorçamentação?

O Sr. Eng.º Pedro de Sampaio Nunes: — Exatamente! Isso foi feito, foi preparado, no sentido de melhorar e

tornar o mais atrativa possível a EDP para a irmos privatizando por fatias com estes ativos.»

(Pedro Sampaio Nunes)

Na CPIPREPE, Pedro de Sampaio Nunes sublinhou a colisão destes contratos com os dois primeiros

pontos do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (este tema é aprofundado no

ponto 2.5 deste capítulo):

«1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as

decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afetar o

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comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a

concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:

a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de

transação;

b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;

c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;

d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes

colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;

e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações

suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto

desses contratos.

2. São nulos os acordos ou decisões proibidos pelo presente artigo».

«Agora, se, por acaso, der razão a esta visão — o que me parece óbvio —, nessa altura, haverá uma

questão que tem de ser decidida: a dívida passa para as empresas, que, ao comprarem, tinham de fazer uma

due diligence e eram obrigadas a conhecer o direito aplicável e, por isso, compraram ativos a risco; ou a dívida

é do Estado, que vendeu «gato por lebre»? Neste último caso, a dívida passará para os contribuintes. De

qualquer forma, melhora muito a situação na energia: é que deixam de ser as famílias e as pequenas e médias

empresas e passam a ser os contribuintes a ter de pagar esse diferencial.»

(Pedro Sampaio Nunes)

A liberalização do mercado de eletricidade e a abertura à concorrência foi apresentada como uma

oportunidade para a redução de custos para os consumidores, assente na separação vertical das empresas do

setor e na cessação de contratos vinculados e com remunerações garantidas.

A legislação de 2003 e 2004 que veio a enquadrar a cessação dos CAE foi produzida com o objetivo

expresso de manter o equilíbrio contratual dos CAE, protegendo a própria lógica de uma privatização assente

no valor económico de preços contratualizados

2. Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC)

2.1 Introdução

A perspetiva de entrada em vigor do MIBEL, imposto por várias diretivas europeias (sendo a de

2003/54/CE a mais recente à data), obrigou à transição do sistema eletroprodutor português para um regime

de mercado liberalizado. Porém, a quase totalidade das centrais elétricas do país encontrava-se abrangida por

Contratos de Aquisição de Energia (CAE), celebrados entre a REN e os produtores de eletricidade, que teriam

de ser cessados para dar lugar ao mercado.

Na preparação do processo legislativo para a transição para o mercado liberalizado, um dos pontos em

discussão entre o governo e os vários intervenientes no setor foi precisamente a forma de cessação desses

CAE. A ERSE argumentou juridicamente a favor de uma negociação aberta pelo Estado junto dos produtores

com vista a estabelecer, com o mecanismo de transição, novas condições económicas e financeiras. Do lado

dos produtores, havia uma firme oposição à redução dos níveis de rentabilidade garantidos nos CAE.

O Decreto-Lei n.º 185/2003, aprovado pelo governo PSD/CDS liderado por Durão Barroso, estabelece as

regras gerais para a criação do MIBEL e define a necessidade de cessação dos CAE e da criação de medidas

compensatórias no processo de transição para o mercado. Estas medidas dariam forma a «um mecanismo

destinado a manter o equilíbrio contratual subjacente, designado por custos para a manutenção do equilíbrio

contratual» (artigo 13.º). O mesmo ponto remete para diploma específico o desenho deste mecanismo, as

formas de pagamento e de repercussão nas tarifas.

É neste contexto que o Decreto-Lei n.º 240/2004 vem definir as condições da cessação dos CAE e as

medidas compensatórias no processo de transição para o mercado. A preparação deste diploma, a sua

redação final e a legislação subsequente, são elementos fundamentais para clarificar os impactos destas

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medidas nas tarifas pagas pelos consumidores. Nos trabalhos da CPIPREPE, foram abordados três grandes

tópicos quanto ao período de preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004:

● O primeiro é sobre a necessidade de manutenção do equilíbrio contratual dos CAE na passagem para o

mercado liberalizado. Perante a necessidade de alteração à legislação nacional por força da legislação

europeia de 1996 e 2003, e sendo à data o Estado Português detentor da REN e acionista de controlo

da EDP, importa apurar se o governo teria margem legal e política para, nesta transição, negociar

condições mais vantajosas para os consumidores;

● O segundo ponto é sobre a efetiva manutenção do equilíbrio contratual dos CAE no Decreto-Lei n.º

240/2004 e na legislação subsequente. Tomando o anunciado objetivo de neutralidade económico-

financeira do Decreto-Lei n.º 240/2004, importa aferir a manutenção de condições equivalentes na

transição dos CAE para os CMEC. Assim, sempre que não sejam mantidas condições equivalentes,

importa quantificar disparidades, identificar responsáveis e medidas para a sua correção;

● O terceiro ponto diz respeito ao enquadramento da manutenção do equilíbrio contratual no quadro

legislativo europeu em matéria de concorrência. Neste ponto, foram levantadas dúvidas na CPIPREPE

sobre o processo de aprovação pela Comissão Europeia (CE) dos mecanismos de ajuda de Estado

associados ao Decreto-Lei n.º 240/2004. Foram interpelados os representantes dos governos da época

e analisada a troca de correspondência entre o governo e as autoridades europeias. Importa, portanto,

averiguar a qualidade deste processo e das decisões europeias.

Estes três pontos serão discutidos separadamente nas seções 2.3, 2.4 e 2.5 respetivamente. Para um

melhor enquadramento, o presente capítulo inicia-se com uma breve descrição dos acontecimentos

respeitantes ao período preparatório do Decreto-Lei n.º 240/2004, na qual é exposto o encadeamento dos

factos relevantes e da produção de informação disponível no momento da decisão política. A secção 2.6

apresenta as principais conclusões e recomendações da CPIPREPE sobre os assuntos discutidos neste

capítulo.

Por fim, importa referir que a aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 implicava decisões e legislação

subsequentes, em particular para o período posterior aos CAE, fosse quanto à concessão do domínio público

hídrico fosse quanto aos termos legais e económicos da continuidade da exploração da central termoelétrica

de Sines. Por terem sido objeto de particular atenção da CPIPREPE, estes temas serão analisados em

capítulos próprios deste relatório.

2.2 Breve descrição dos acontecimentos

A preparação da legislação relativa aos CMEC é um processo que decorre ao longo dos anos 2003 e 2004

e que culmina na publicação do Decreto-Lei n.º 240/2004, em Dezembro, e na homologação dos contratos de

cessação dos CAE da EDP, já no início de 2005. Durante os primeiros meses de 2004, os gabinetes do

ministro Carlos Tavares e do secretário de Estado Franquelim Alves têm várias reuniões em paralelo com

ERSE, AdC e REN bem como com os representantes dos produtores (EDP, Turbogás e Tejo Energia). A

DGEG participa também neste processo desde cedo, pelo menos de forma passiva, como comprova a troca

de correspondência entre o Governo e a REN sobre o projeto do decreto-lei. Mais tarde, é a própria DGEG

que notifica os serviços da Direção-Geral da Concorrência da Comissão sobre a preparação da legislação dos

CMEC.

Após mais duas cartas de esclarecimento aos serviços da CE, várias reuniões entre o Governo português e

Bruxelas, a Comissão aprova o mecanismo de Auxílio Estatal, não levantando quaisquer objeções ao Decreto-

Lei n.º 240/2004.

Durante o verão de 2004, o Governo do Primeiro-Ministro Durão Barroso é substituído pelo de Santana

Lopes. É já o novo Secretário de Estado, Manuel Lancastre, a receber os pareceres da DECO e do Instituto do

Consumidor, que se queixam dos prazos de resposta que lhes foram dados e da falta de meios técnicos que

dispõem para elaborar um parecer sobre uma legislação de natureza tão complexa. Ao mesmo tempo,

chegam também os comentários da EDP, Turbogás e Tejo Energia.

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2.3 A manutenção do equilíbrio contratual foi uma escolha política tomada entre um conjunto de

opções

Esta secção é dedicada à primeira decisão política do governo sobre o processo de cessação dos CAE na

transição para o MIBEL. O governo português assumiu a vontade de manter o equilíbrio contratual e ressarcir

integralmente os produtores pela cessação antecipada dos CAE. Esta vontade é anterior à preparação do

Decreto-Lei n.º 240/2004. Já faz parte do Decreto-Lei n.º 185/2003, que estabelece as regras gerais para a

criação do MIBEL. No artigo 13.º deste diploma são definidos os objetivos e as justificações para a introdução

dos Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC):

«A cessação dos contratos vinculados a que se refere o número anterior implica a adopção de medidas

indemnizatórias, tendo em vista o ressarcimento dos direitos dos produtores através de um mecanismo

destinado a manter o equilíbrio contratual subjacente, designado por custos para a manutenção do equilíbrio

contratual (CMEC).

Os CMEC deverão garantir a compensação dos investimentos realizados e a cobertura dos compromissos

nos CAE que não sejam garantidos pelas receitas expectáveis em regime de mercado.»

Nos seus trabalhos, a CPIPREPE procurou identificar as razões que levaram o governo português a adotar

o modelo do equilíbrio contratual como base para a transição dos CAE para o mercado, em detrimento de

outras alternativas que pudessem ter menor impacto nas condições de mercado e na fatura dos consumidores

de eletricidade. Nesta secção, apresentam-se as alternativas propostas pela ERSE e pela AdC nos diferentes

pareceres que entregaram ao governo em 2004 e analisam-se ainda as posições do governo bem como dos

produtores de eletricidade de então.

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2.3.1 Posição da ERSE

Em fevereiro de 2004, a ERSE envia ao Governo um documento com comentários preliminares à versão de

trabalho do Decreto-Lei n.º 240/2004 e, em maio de 2004, remete o parecer oficial sobre o mesmo diploma.

Nestes dois momentos, admitindo a pertinência da existência de um regime compensatório pelo fim dos CAE,

o regulador opina sobre os aspetos jurídicos relacionados com a cessação dos CAE e entrada em vigor dos

CMEC.

Segundo a ERSE, a cessação dos CAE é imposta pela aprovação de uma diretiva europeia, evento alheio

à vontade do Estado português. Ora, segundo a ERSE, esse facto altera as circunstâncias indemnizatórias

previstas nos CAE e abre espaço ao governo para negociar outra solução com os produtores.

«Por força desta Directiva, os contratos de aquisição de energia celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º

183/95 deixam de poder vigorar na ordem jurídica interna, determinando a sua caducidade.

Esta circunstância altera profundamente os termos e as disposições aplicáveis ao regime indemnizatório

previsto quer no citado diploma quer no respectivo contrato.

Esta alteração decorre desta Directiva Comunitária, impondo-se quer à vontade do Estado Português quer

à vontade das partes contratantes.

Com efeito, o direito comunitário, nos termos da Constituição da República Portuguesa, tem primazia sobre

o direito nacional. Daqui resulta que o equilíbrio contratual há-de decorrer, não nos termos expressos

contratuais, mas das novas circunstâncias, segundo juízos de equidade. Quer isto dizer que as modificações

ao contrato para salvaguarda do seu equilíbrio têm pleno enquadramento nos princípios estabelecidos no

artigo 437.º do Código Civil (C. C.) que dispõe sobre a resolução ou modificação do contrato por alterações

das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar».

(comentários preliminares ERSE).

No seu parecer de Maio de 2004, a ERSE completa:

«A extinção dos CAE por imperativos da obrigatoriedade do cumprimento da Directiva 2003/54/CE altera

profundamente, em termos estritamente jurídicos, as condições aplicáveis ao regime indemnizatório previsto

no Decreto-Lei n.º 183/95 e nos respectivos contratos de vinculação. É que esta extinção impõe-se

objectivamente quer à vontade do Estado Português quer à vontade das partes contratantes.

Na verdade, o direito comunitário tem primazia sobre o direito nacional, sendo certo que o Estado

Português está sujeito ao cumprimento obrigatório da transposição para o direito nacional das Directivas

Comunitárias. Esta realidade altera significativamente as circunstâncias legais e factuais em que as partes

fundaram a celebração do contrato. Ora, a modificação das circunstâncias em que as partes celebraram os

CAE tem previsão na disciplina do artigo 437.º do Código Civil. Ou seja: a extinção dos CAE por força da

transposição da Directiva 2003/54/CE, ou pela sua invocação, altera as circunstâncias indemnizatórias

previstas no Decreto-Lei n.º 183/95».

(Parecer da ERSE ao projeto de Decreto-Lei n.º 240/2004)

Com base nestes argumentos jurídicos, a ERSE preconiza a abertura de negociações com os produtores,

por parte do governo, com vista a obter melhores condições para os consumidores no mecanismo de transição

para mercado, uma vez que a cessação dos CAE resulta de imposição europeia e não da vontade do Estado

Português.

Durante a audição na CPIPREPE, Jorge Vasconcelos dá o exemplo do que se passou em Espanha na

transição de um quadro legal estável (que garantia aos produtores uma remuneração através de valores

publicados anualmente pelo governo espanhol) para o quadro do MIBEL:

«O que o governo espanhol fez foi chamar os produtores, sentá-los à mesa da negociação e dizer: minhas

senhoras e meus senhores, vamos liberalizar o setor espanhol, não podemos continuar a dar estas garantias,

vamos negociar uma solução de transição em que não vamos, pura e simplesmente, eliminar toda e qualquer

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forma de garantia, vamos, sim, dar aos produtores uma garantia transitória — o mecanismo que foi

implementado em Espanha chamava-se, de facto, custos de transição para a concorrência (CTC), que são os

nossos CMEC, no fundo — e vamos, já aqui à cabeça, negociar um desconto e esse desconto foi de 30%.»

(Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1997-2007)

Assim, a posição oficial da ERSE, presente nos vários pareceres da entidade reguladora sobre o Decreto-

Lei n.º 240/2004, era a de que haveria margem legal para uma negociação com os produtores no sentido de

obter condições mais favoráveis para os consumidores e para o próprio funcionamento do mercado.

2.3.2 Posição do Governo

A seguir-se a letra dos CAE, os produtores teriam de ser indemnizados não apenas pelo valor residual das

centrais mas também pelo valor dos lucros cessantes. Ora, esta indemnização assumiria um valor elevado.

Desde cedo, a posição do ministro Carlos Tavares foi a de cessar os CAE e adotar um novo quadro

regulatório que oferecesse aos produtores condições equivalentes aos anteriores contratos, mas optando por

desenhar um mecanismo que evitava o pagamento dos compensações previstas à cabeça, e recuperava aos

produtores, através das receitas auferidas no mercado de eletricidade, pelo menos parte da compensação que

lhes era devida. O remanescente da compensação para assegurar a manutenção do equilíbrio contratual seria

então o designado CMEC.

Nos documentos a que a CPIPREPE teve acesso, assim como nas declarações em audição dos

representantes e assessores do governo responsáveis pela elaboração do Decreto-Lei n.º 240/2004, registam-

se quatro argumentos principais para a adoção de um sistema de manutenção do equilíbrio contratual

preexistente.

a) Impossibilidade de negociação por blindagem dos CAE

Ao longo das várias audições a membros do governo no período de preparação dos CMEC (2003 – 2005),

foi claro o argumento jurídico de que os CAE eram muito blindados e que só um acordo entre os produtores e

o governo poderia desfazer os CAE. Uma prova disso, dizem os membros de governo na comissão, é o facto

de haver dois produtores, Turbogás e Tejo Energia, que não chegaram a acordo com a REN e com o governo

para a transição para os CMEC e ainda hoje mantêm os seus CAE.

Assim, assumir uma posição negocial que alterasse os valores e os direitos garantidos à EDP nos CAE, tal

como foi feito em Espanha, não seria possível para o governo de então. O principal argumento para a não

negociação é a existência de um contrato, tido como inalterável pelo governo, como argumentam Ricardo

Ferreira e João Conceição na CPIPREPE:

«Se alguma coisa fosse forçada ou alterasse de alguma forma o equilíbrio contratual, a cláusula lender of

last resort, que estava nos CAE, seria invocada. Isto quer dizer que no dia a seguir esses produtores

entregariam a chave, as pessoas, e diriam: «Olhem, quero os lucros cessantes, por favor, e o valor residual»

se o houvesse ou coisa que o valha. Portanto, a cláusula era deste género. Na resposta que dou às objeções

feitas pela Autoridade da Concorrência nacional [Nota enviada pelo Ministro Carlos Tavares a Abel Mateus,

abril 2004], penso que faço lá uma menção a essa cláusula — lender of last resort».

(audição Ricardo Ferreira, adjunto do ministro Carlos Tavares)

«A EDP tinha um contrato com uma outra entidade que lhe dava um conjunto de direitos e o que o Estado

estava a pedir à EDP era para, simplesmente, anular esse contrato. Esta é uma realidade (…) bastante

diferente do que acontecia em Espanha. É que, em Espanha, os CTC estavam assentes num direito atribuído

aos produtores por legislação e, como é óbvio, o governo e o legislador, o parlamento, são soberanos para

alterar a legislação. O caso em Portugal era bastante diferente, pois a EDP tinha nas mãos um contrato muito

rígido e muito protetor do produtor.»

(audição João Conceição, assessor do secretário de Estado Franquelim Alves)

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b) Proteção da EDP como companhia portuguesa

No caso de o governo optar por alternativas aos CMEC, por exemplo abrindo concurso para centros

electroprodutores, as empresas espanholas passariam a poder operar centrais em território português,

ganhando uma vantagem competitiva no mercado ibérico, uma vez que a EDP não teria a possibilidade de

fazer o mesmo do lado de Espanha, onde os CTC já estavam aprovados3.

Esta linha de argumentação ficou bem explícita na resposta do governo. Na resposta do Ministério da

Economia ao parecer da Autoridade da Concorrência, que propunha um modelo de leilões de capacidade

virtual como alternativa aos CMEC, fica claro que o governo português pretendeu proteger a posição relativa

da EDP no nascente mercado ibérico:

«Um exemplo claro é a própria forma que Espanha encontrou para compensar os seus produtores não

recorrendo a leilão de capacidade virtual de geração. Seria extremamente gravoso, não apenas para o sector

elétrico nacional a nível de empresas (estas passariam a ser meros executantes de instruções de operação e

manutenção das centrais, a mando de quem arrematou essa capacidade de produção; implicaria perder a já

reduzida capacidade de gestão de caudais de água provenientes de Espanha), mas também para o nível de

concentração ibérico no que respeita a capacidade geradora. Note-se que a EDP, a nível ibérico, dispõe de

uma quota de produção de cerca de 10,3% contra 33,9 da Endesa e 21,2% da Iberdrola. Naturalmente, se

fosse promovido um leilão da capacidade de produção da EDP, correr-se-ia o risco de aumentar ainda mais a

concentração no mercado Ibérico, com os perigos que isso implicaria através de um eventual abuso de

posição dominante daquelas empresas».

(Resposta do Ministro Carlos Tavares ao Parecer da Autoridade da Concorrência, abril 2004)

A mesma posição foi reforçada pelo próprio ex-Ministro Carlos Tavares na CPIPREPE, realçando a

importância de uma decisão estratégica que impedisse que a posição da EDP na operação dos centros

electroprodutores nacionais fosse ganha por empresas espanholas:

«Os Senhores Deputados, se calhar, também têm de recuar 15 anos e perceber qual era o ambiente da

altura a respeito dos centros de decisão nacional e, sobretudo, na área da energia, que levaram até o

Presidente da República da altura a convocar uma conferência sobre os centros de decisão nacional no setor

da energia. E eu queria saber o que é que aconteceria se nós tivéssemos feito um mecanismo de leilão dos

CAE em que a posição da REN fosse substituída pela da Iberdrola, pela Endesa, ou por um outro qualquer e

em que a EDP passasse a atuar apenas como agente dos produtores espanhóis».

(audição Carlos Tavares, Ministro da Economia, 2002-2004)

c) Valorizar a EDP no quadro da sua privatização

Outro ponto em discussão na CPIPREPE foi o impacto que a cessação dos CAE teria no valor da EDP do

qual o Estado português era também acionista, detendo 25% da empresa. Em 2004, os CAE representavam

uma parte significativa do valor da EDP, como declarou na CPIPREPE João Talone, CEO da EDP à data da

preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e da cessação dos CAE:

«Na altura, o valor que era atribuído aos CAE pelos analistas independentes do mercado era,

aproximadamente — aqui é que não tenho a certeza do número —, entre 30% a 33% do valor da EDP.

Portanto, o valor dos CAE, para efeitos da visão que o mercado tinha da empresa — o mercado global,

americano, europeu, mercado de capitais —, representava cerca de 30% do valor da empresa.»

3 Os CTC foram criados pela Ley 54/1997, de 27 de novembro, e terminados antecipadamente pelo Real– Decreto Ley 7/2006, de 23 de junho. Conforme refere o preâmbulo do Real-Decreto Ley 7/2006, explicando essa decisão: “el mecanismo de los CTC ha devenido ineficiente, en primer lugar, porque generan distorsiones en los precios de mercado al ser integrados como determinantes en las estrategias de oferta; en segundo lugar, porque han quedado obsoletas las hipótesis sobre las que se basaron los cálculos de los CTC al promulgarse la Ley; por último, los informes disponibles revelan un alto grado de amortización de las instalaciones afectadas. En suma, se trata de un mecanismo innecesario y distorsionador que requiere una urgente supresión, lo que se lleva a cabo mediante la derogación de la mencionada Disposición transitoria sexta.”

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(audição João Talone, presidente da EDP, 2003-2006)

Dada a importância destes contratos no valor da EDP, Pedro Sampaio Nunes, secretário de Estado do

governo que aprovou o Decreto-Lei n.º 240/2004, admitiu que na transição dos CAE para os CMEC pesaram

as perspetivas futuras de privatização da EDP e o maior encaixe que o Estado teria nesta operação se a EDP

estivesse resguardada por garantias semelhantes aos CAE:

«Na questão dos CMEC da EDP acho que havia sempre essa preocupação, porque, mesmo na altura em

que fui Secretário de Estado, em 2004-2005, já não havia dinheiro nenhum — acho que isto é permanente em

todos os governos. Não havia dinheiro nenhum e havia que encontrar meios e inventar recursos para

podermos ter alguma disponibilidade orçamental e, eventualmente, pesou o facto de se poder «engordar o

porco», como é costume dizer-se, numa futura privatização da EDP. Ninguém, na altura, imaginou as

consequências dramáticas que isso traria, a prazo, na evolução exponencial dos custos de interesse

económico geral e da dívida tarifária.»

(audição Pedro de Sampaio Nunes, Diretor de energia na Comissão Europeia e Secretário de Estado da

Ciência e Inovação 2004-2005)

d) Manter o quadro remuneratório existente no momento da privatização da EDP

Membros do governo e responsáveis da EDP defenderam que o valor dos CAE foi diretamente incorporado

no valor do ativo EDP e, nessa medida, comprado pelos investidores privados ao Estado Português nas

operações de privatização de 70% do respetivo capital, pelo que não se poderia, com a introdução dos CMEC,

modificar as garantias prestadas e vendidas pelo valor da privatização. De acordo com estes depoimentos, na

defesa da credibilidade do Estado Português nos mercados internacionais e, também, para evitar litigância nos

tribunais internacionais, seria obrigatório que os CMEC assegurassem garantias equivalente aos dos CAE,

que teriam sido pagos na privatização pelos investidores.

2.3.3 Posição dos produtores

Nas várias audições da CPIPREPE aos principais responsáveis da EDP, ficou claro que a posição da

empresa em 2004 era a de se proteger nas cláusulas que vigoravam nos CAE e tentar impedir qualquer

acordo de transição para o mercado que não correspondesse a uma situação idêntica em termos económicos

e financeiros.

A negociação do diploma dos CMEC foi feita, por parte da EDP, com estes pressupostos, de acordo com

as palavras de Pedro Rezende na CPIPREPE, confrontando o próprio conceito de compensação por custos

ociosos que esteve na base da autorização da Comissão Europeia dada ao Decreto-Lei n.º 240/2004:

«Não são custos ociosos do sistema, o que há é contratos, portanto, ou o Estado mantém os contratos, ou

quebra os contratos e paga a indemnização lá prevista, ou alguém encontra um meio-caminho (…) São

situações diferentes e a própria Comissão aceitou que era diferente, verificou, auditou e aprovou.»

(audição Pedro Rezende, administrador da EDP 2003-2006)

No entanto, quando questionado na CPIPREPE sobre o quadro negocial entre a EDP e o Estado, que em

2004 era acionista de controlo da EDP (os acionistas de referência da EDP não estatais – BCP, Iberdrola e

Brisa – detinham apenas 12% do capital da empresa), João Talone responde:

«Eu estava preparado – embora houvesse uma imposição da União Europeia – para não abrir os CAE, da

mesma forma que a Tejo Energia e a Turbogás não abriram os CAE. Nessa altura o Estado teria de chamar

uma assembleia geral, pôr o assunto à assembleia e, se tivesse maioria, destituir a administração e nomear

outra».

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(audição João Talone, presidente da EDP 2003-2006)

Assim, resulta evidente que o Estado tinha os meios para fazer valer no Conselho de Administração da

EDP o seu entendimento político. Se este fosse outro – por exemplo, introduzir os CMEC mediante revisão

das condições do equilíbrio contratual dos CAE – teria podido impô-lo sem risco de litigância com a empresa.

A mesma situação não se verificava na Tejo Energia e na Turbogás, cujas estruturas acionistas não eram

controladas pelo Estado e que recusaram a cessação dos seus CAE.

«O Decreto-Lei n.º 240/2004 não era um imperativo legal, não obrigava. A publicação do decreto-lei não

acabava com os CAE; era preciso um acordo de cessação e, portanto, (…) uma avaliação por parte dos

produtores para concluir se o regime de CMEC era adequado ou não».

(audição Beatriz Milne, presidente executiva da Tejo Energia).

2.3.4 Notas finais

No processo de cessação dos CAE e transição para mercado, o governo recebeu argumentos jurídicos da

ERSE que defendiam a viabilidade legal de uma revisão do equilíbrio contratual e propostas de modelos

alternativos aos CMEC por parte da AdC e da ERSE, designadamente um modelo de leilões de capacidade

virtual.

Na opção do governo pelo modelo dos CMEC em 2003/2004 pesou a consideração da importância dos

CAE no valor da EDP e a posição da empresa face à concorrência espanhola no futuro mercado ibérico.

Ambas as preocupações devem ser lidas à luz do processo em curso de privatização da empresa. Note-se

que, poucos dias depois da entrada na Assembleia da República do pedido de autorização legislativa que

levava em anexo o projeto do decreto-lei que criou os CMEC, foi aprovado com o Decreto-Lei n.º 218-A/2004,

de 25 de outubro, autorizando o aumento de capital da EDP que reduziu a participação do Estado de 31%

para 25%.

A manutenção do equilíbrio contratual dos CAE foi uma decisão política do governo Durão Barroso,

consumada já sob o governo Santana Lopes com a aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004. O contexto dessa

decisão é resumido nas palavras do então presidente da ERSE, Jorge Vasconcelos, proferidas na CPIPREPE:

«O que está aqui em causa é uma questão de fundo que tem a ver com um conflito interno num Estado que

é, ao mesmo tempo, legislador e proprietário de empresas, e, sobretudo, em processos de privatização

[…].Portanto, esse conflito existe e não vale a pena sermos ingénuos, pois a única forma de tentar minimizar

os inconvenientes desse conflito é criarmos mecanismos de contrapoderes, mecanismos de transparência que

obriguem a escolhas claras».

(audição Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1995-2006)

A manutenção do equilíbrio contratual dos CAE foi uma decisão política do governo Durão Barroso,

consumada já sob o governo Santana Lopes com a aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004, sob a autorização

legislativa do Parlamento Português, através da Lei n.º 52/2004.

2.4 Da efetiva manutenção pelos CMEC do equilíbrio contratual dos CAE

Nos comentários preliminares que enviou ao governo em Fevereiro de 2004, a ERSE alertava para a

existência de «obrigações leoninas para uma das partes, sendo disso beneficiário o produtor», o que

subverteria a própria manutenção do equilíbrio contratual dos CAE. A ERSE resume assim a sua avaliação

jurídica:

«Os CMEC não podem resultar na previsão de novos contratos ou na renovação, mais ou menos implícita,

dos anteriores, que confiram a uma das partes mais direitos ou garantias superiores aos emergentes dos

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contratos originários. O diploma dos CMEC deve pois, encontrar o justo equilíbrio. Contudo, no projeto em

apreço não está ainda encontrado este equilíbrio».

Em setembro de 2017, no cálculo da revisibilidade final do CMEC, a ERSE quantifica um valor total de

510M€ pagos excessivamente aos produtores neste regime em comparação com o que estava previsto no

Decreto-Lei n.º 240/2004:

«São evidenciadas algumas das alterações ao regime vigente aquando da introdução do regime dos

CMEC, designadamente obrigações ou direitos das partes contratantes dos CAE, que cessaram com a

introdução daquele novo regime. Estas alterações resultaram num quadro menos restritivo para os detentores

dos centros electroprodutores do que o que vigorava inicialmente. Ainda neste âmbito procura-se, quando

possível, quantificar os efeitos decorrentes da passagem para o regime dos CMEC, revisitando alguns dos

aspetos que haviam sido assinalados nos pareceres da ERSE ao diploma que instituiu este novo regime.

Em particular, são apresentados os efeitos da aplicação de taxas de juro diferentes para a atualização dos

cash-flows associados aos CMEC e para as rendas anuais a pagar pelos consumidores entre 2007 e 2013, já

referidos no passado pela ERSE. O acréscimo de custos associado à aplicação de taxas diferentes nesse

período foi avaliado em cerca de 125 milhões de euros. Contudo, grande parte desse efeito poderá ser

revertido sem pôr em causa os princípios económicos e financeiros, com a publicação de uma nova taxa para

a renda anual da parcela fixa dos CMEC igual à taxa a aplicar à renda anual do ajustamento final dos CMEC.

A aplicação de uma nova taxa para parcela fixa dos CMEC poderá diminuir esse efeito em cerca de 85

milhões de euros.

Para além desse efeito da aplicação do regime dos CMEC, foram igualmente apurados os impactes

decorrentes doutros efeitos, como sejam (i) ausência de testes de disponibilidade dos centros eletroprodutores

durante o período de 2007 a 2013, (ii) a aplicação de um fator de correção das produções resultantes do

modelo Valorágua ou ainda (iii) a metodologia de apuramento dos custos com licenças de emissão de CO2.

Atendendo a todos estes efeitos avaliados para o período I, estima-se que tenham existido custos

acrescidos para o sistema na ordem dos 510 milhões de euros».

Nesta secção, abordam-se estes quatro pontos levantados pela ERSE e recuperam-se os principais

argumentos que foram discutidos na CPIPREPE sobre estes temas.

Para além destes quatro pontos, foram discutidos na CPIPREPE mais dois temas, resultantes da

aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004, passíveis de configurar uma renda excessiva paga aos produtores de

energia: a extensão da concessão do domínio público hídrico e a prorrogação da operação da central de Sines

sem qualquer compensação ao sistema. Estes dois temas serão discutidos nos capítulos 2 e 3,

respetivamente.

2.4.1 Taxas de atualização diferentes

O Decreto-Lei n.º 240/2004 prevê a utilização de duas taxas diferentes para a atualização dos valores a

pagar pelos CAE e no cálculo das rendas previstas nos CMEC. De facto, inicialmente a taxa de atualização

utilizada para o cálculo do valor inicial dos CMEC foi de 4,85%, enquanto a taxa de juro de cálculo da

anuidade foi de 7,55%, sendo reduzida para 4,72% em 2013 para 4,72% (ver sobre esta matéria o capítulo 6).

A ERSE foi sempre crítica da utilização de taxas diferenciadas e manifestou esta posição já no parecer oficial

que entregou ao governo durante o período preparatório do diploma dos CMEC. Diz a entidade reguladora

neste parecer:

«Os perfis de pagamento previstos nos CAE e nos CMEC devem ser financeiramente equivalentes o que

só é possível utilizando a mesma taxa na actualização dos valores a pagar pelos CAE e no cálculo das rendas

previstas nos CMEC. Só desta forma se garante a equivalência financeira entre os valores de pagamento

previstos nos CAE e os valores previstos nos CMEC.»

(Parecer da ERSE, Maio 2004)

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Dez anos depois da entrada em vigor dos CMEC, no documento que faz o cálculo do ajustamento final em

2017, a ERSE continua a manter a mesma posição, afirmando que o princípio da neutralidade económica não

é cumprido com a existência de duas taxas:

«Não se encontra fundamento para a escolha de uma taxa utilizada para descontar os cash-flows dos

CMEC no cálculo do valor inicial (4,85%) significativamente inferior à taxa utilizada para o cálculo das rendas

anuais (7,55%) aplicadas a esses mesmos cash flows no mesmo momento»

(Cálculo do ajustamento final, ERSE 2017)

No mesmo documento, a entidade reguladora defende que, se tivesse sido utilizada a mesma taxa para a

atualização dos valores a pagar pelos CAE e no cálculo das rendas previstas nos CMEC, a EDP teria de

devolver 125M€ ao sistema elétrico para que a neutralidade económica fosse cumprida.

Na sua audição na CPIPREPE, João Conceição, assessor no Ministério da Economia no período da

preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004, procurou refutar esta posição da ERSE. Para o ex-assessor, a

utilização de taxas diferenciadas justifica-se por dois motivos: 1) os períodos de recebimento dos CAE e

CMEC são diferentes; 2) os riscos de recebimento também não são comparáveis. Quanto ao período de

recebimento, diz João Conceição:

«Se fundíssemos todos os CAE num único, teria uma duração de 10 anos. Se fizermos a média com base

nos montantes de recebimento de cada CAE, portanto, a soma dos encargos fixos e dos encargos variáveis,

então, a média ponderada é um bocadinho mais longa, passa para 13 anos […]. Ora, o período de

recebimento, como os Srs. Deputados sabem, dos CMEC são 20 anos. Quando a ERSE se refere, nos seus

relatórios, a que entre 10, 13 ou 20 é mais ou menos a mesma coisa, confesso que fico um bocadinho

surpreendido…»

(audição de João Conceição)

Quanto à diferença de riscos entre CAE e CMEC, na CPIPREPE tanto João Conceição como mais tarde

João Manso Neto apontam o risco adicional nos CMEC associado à gestão da energia, em que os produtores

apenas recebem uma remuneração equivalente à dos CAE em condições de gestão eficiente, avaliadas pelo

modelo de otimização Valorágua. João Conceição argumenta:

«Se o produtor, numa perspetiva de CAE, tivesse a central disponível, automaticamente, não tinha

qualquer risco de funcionamento da central, porque todos os seus custos variáveis estavam assegurados; ao

migrar para um modelo de CMEC, em que o funcionamento do produtor é avaliado ano a ano com base numa

lógica otimizada de gestão centralizada que está associada à utilização do modelo Valorágua, pode haver aqui

diferenças, e existiram diferenças, que podem pôr um determinado risco ao produtor.»

(audição de João Conceição)

Pelo seu lado, João Manso Neto refere que o Decreto-Lei n.º 240/2004 faz o cálculo da compensação

simplificando a metodologia. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 240/2004 desconta à mesma taxa de juros os cash-

flows associados quer aos CAE, quer às estimativas das receitas líquidas a auferir pelos produtores em

mercado. Afirma João Manso Neto que haveria que descontar o valor dos CAE e dos primeiros 10 anos das

receitas líquidas de mercado a uma taxa de juro mais baixa, porquanto são cash-flows que não apresentam

risco elevado. Os primeiros por serem um montante quase certo e os segundos por, nesses primeiros 10 anos,

estarem sujeitos a um mecanismo de revisibilidade que mitiga risco.

Durante a CPIPREPE, Maria de Lurdes Baía, Coordenadora da Área de Previsões Energéticas da REN,

abordou o mesmo assunto em posição contrária, dizendo que a revisibilidade anual associada ao fator de

ajustamento das produções, é em si mesmo um mecanismo para mitigar este de risco de desvios de

produção, utilizando a posteriori as produções reais para corrigir as estimativas feitas com o modelo

Valorágua:

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«Se olharmos para a questão dos ajustamentos anuais, ao fazermos a revisibilidade anual, estamos a

considerar os preços verificados. Ou seja, durante 10 anos foram salvaguardadas as variações de todas as

variáveis utilizadas no cálculo. (…) Para além disso, poderíamos dizer: «Mas há o risco da produção, porque

não são as produções reais». Realmente, não são as produções reais, mas há um fator de ajustamento das

produções. Ou seja, dentro desse mecanismo de mitigação de risco existe ainda um fator de ajustamento das

produções que é, ele próprio, um fator de mitigação de risco».

(audição de Maria de Lurdes Baía)

Para além do suposto risco de utilização do modelo Valorágua, João Conceição aponta também o risco de

preço de mercado para o produtor após o cálculo da revisibilidade final dos CMEC. Isto é, a partir do momento

que é feita esta revisibilidade, a remuneração proveniente dos CMEC não se altera e os produtores ficam

sujeitos aos riscos de mercado. Diz o ex-assessor do Governo:

«Um terceiro aspeto tem a ver com o facto de, durante o período dois, que começou em julho de 2017, o

produtor passar a ter riscos de mercado, porque o modelo de CMEC previa que fosse feita uma revisibilidade

final e definido o montante dessa revisibilidade, que era pago ao longo de 10 anos, e, a partir daí, o risco seria

total do produtor.»

(audição de João Conceição)

Maria de Lurdes Baía reconhece que este risco de mercado existe no período após a revisibilidade final e

admite «que poderia ser objeto de reflexão a introdução de um prémio de risco no cálculo da parcela de acerto

relativa ao ajustamento final». Todavia, argumenta que este risco é tanto da EDP como dos consumidores.

«Realmente, existe o risco do preço — os preços de mercado são preços baseados nas médias históricas

— e existe o risco da produção. Mas também é bem verdade que o risco existe para os dois lados, pois

também existe para os consumidores. Por exemplo, neste momento, estamos com preços de mercado na

ordem dos 80 €/MWh. No estudo do ajustamento final os preços de mercado que estão lá incluídos não

chegam aos 50 €/MWh. Ou seja, a EDP está a ser beneficiada. Por outro lado, o ano passado foi muito seco.

Portanto, o risco de produção para a EDP no ano passado foi muito grande. Ou seja, vamos ter anos húmidos,

anos secos, e temos riscos para os dois lados: não são apenas para a EDP, são também para os

consumidores.»

(audição de Maria de Lurdes Baía)

O tema da utilização de duas taxas diferentes para a atualização dos CAE e dos CMEC foi também alvo de

comentários e exposições na CPIPREPE de académicos da área financeira, como o professor João Duque e o

professor Paulo Pinho. Também nestas posições encontramos divergências semelhantes na análise de risco e

opiniões contrárias no que diz respeito à utilização de taxas diferenciadas.

João Duque, que realizou o seu estudo sobre esta matéria por encomenda da EDP, preconizou que «a

passagem de CAE para CMEC não é favorável à EDP. Não é favorável! Aliás, eu até diria que lhe é

ligeiramente desfavorável.». João Duque manifestou uma opinião semelhante à de João Conceição e João

Manso Neto, argumentando que há um risco adicional nos CMEC que não existia nos CAE, e que está

relacionado precisamente com o período após a revisibilidade final. Para João Duque, este risco é suficiente

para justificar a aplicação de duas taxas diferentes:

«Dois cash-flowsidênticos com níveis de risco diferentes têm de ser descontados a taxas de custo de

oportunidade de capital diferentes. Ponto! Do ponto de vista técnico, é um erro — é um erro! — descontarem-

se dois fluxos de caixa com riscos diferentes à mesma taxa. (…) Se é verdade que, durante um período de

tempo, ainda havia um preço de referência — salvo erro, de 50 € por unidade de medida elétrica —, a partir de

determinada altura, deixa mesmo de se considerar esse regime. Por isso, se, de 2007 a 2016, havia um

regime ainda algo protegido, a partir daí, de 2017 a 2027, há total desproteção. Por isso, de facto, não

estamos a comparar dois fluxos de caixa iguais.»

(audição de João Duque)

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Já Paulo Pinho, que era administrador da REN em 2007, convergiu com Maria de Lurdes Baía, defendendo

que a revisibilidade é um mecanismo de mitigação do risco que faz equivaler as condições dos CAE à dos

CMEC no que toca ao risco dos produtores o que, portanto, não justifica a utilização de duas taxas de

atualização diferentes nos primeiros dez anos.

«Os CMEC estavam sujeitos a um mecanismo de revisibilidade anual […] O que é que isto significa?

Significa uma coisa tão importante quanto isto: é que o risco dos CMEC é igual ao dos CAE!»

(audição de Paulo Pinho)

Paulo Pinho reconhece o argumento de João Conceição e João Duque no que respeita ao risco adicional

nos últimos 10 anos dos CMEC, após a revisibilidade final. No entanto, defende que esse risco é muito baixo,

uma vez que:

«Segundo a teoria financeira, se não houver financiamento por dívida […] o custo de capital depende

apenas de uma coisa: daquilo a que chamamos o risco sistemático do ativo que estamos a avaliar. Ou seja, o

risco que o acionista do produtor — não é o produtor — não consegue eliminar por diversificação».

Segundo Paulo Pinho, nos últimos 10 anos dos CMEC, precisamente quando poderá haver o risco de

mercado, a totalidade das centrais abrangidas por CMEC são hídricas, que têm um risco sistemático baixo.

«É que o risco que é relevante, repito, posso chamar de ‘risco sistemático’ e o risco sistemático das

centrais hídricas é baixo. O risco que é relevante para as centrais hídricas é: há chuva ou não há chuva e esse

nada tem a ver com o estado geral da economia».

(audição de Paulo Pinho)

Assim, para Paulo Pinho, só seria possível considerar-se uma taxa diferente para a atualização do valor

dos CMEC se ela se aplicasse apenas aos 10 anos finais e se refletisse as condições dos centros

electroprodutores (na sua totalidade hídricas) que estivessem abrangidos pelos CMEC.

«O que se poderia ter feito era descontar os fluxos de caixa desses centros eletroprodutores a uma taxa

que refletisse o custo do risco da hídrica, e só esses e só para esses anos em que não havia revisibilidade.

Um cálculo feito assim daria um valor completamente diferente daquele que veio a ser apurado.”

(audição de Paulo Pinho)

De acordo com João Duque, os cash-flows deveriam ter sido descontados a taxas diferentes segundo o

período a que correspondem (taxa mais baixa nos primeiros dez anos, taxa mais alta para o período seguinte)

Esta metodologia poderia ter atribuído à EDP uma compensação superior 1,2 mil milhões de euros, ao invés

da de 832 milhões de euros que recebeu. Quanto à taxa da anuidade associada ao pagamento do CMEC

inicial, várias entidades defendem que essa taxa deveria ter sido inferior aos 7,55% que foram fixados na

altura, associada ao custo médio de capital do produtor. Segundo João Duque, essa taxa deveria de facto ter

sido inferior e que esse aspeto terá beneficiado a EDP. No entanto, este ganho da EDP apenas compensa

parcialmente a perda por se ter considerado uma única taxa para descontar os cash-flows. Assim, alega João

Duque que a EDP poderá ter sido prejudicada no tema das taxas de juro. Esta é também a opinião dos

autores do autor de outro estudo encomendado pela EDP, Miguel Ferreira da Universidade Nova.

Em novembro de 2012, esta questão é reaberta pelo governo no âmbito da aplicação da medida 5.6 do

Memorando de Entendimento com a troika, que estabelecia a «tomada de medidas visando limitar o

sobrecusto da produção de eletricidade em regime ordinário, em particular através da renegociação ou da

revisão em baixa do mecanismo de compensação garantida (CMEC) pago aos produtores em regime ordinário

e dos CAE remanescentes».

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No relatório «Report on the CMEC scheme», o governo contesta a utilização de duas taxas no cálculo do

valor inicial dos CMEC e coloca explicitamente em causa a autorização dada em 2004 pela Comissão

Europeia ao Decreto-Lei n.º 240/2004:

«O aumento do valor contratual em relação ao valor inicial dos CAE através da metodologia usada nos

CMEC parece não ter sido considerado na Decisão da UE n.º 161/2004, que validou a compensação por

custos ociosos».

Relatório «Report on the CMEC scheme», enviado à troika pelo Governo português em novembro de 2012.

Segundo a ERSE, essa decisão teve um custo adicional para os consumidores de 300 milhões, dos quais

apenas 120 milhões foram recuperados na sequência do acordo, celebrado em abril de 2012 ano entre a EDP

e o governo, que esteve na origem da redução da taxa de juro aplicada à componente fixa do CMEC, de

7,55% para 4,72% (Portaria n.º 85-A/2013, ver também capítulo 9).

Após várias intervenções na CPIPREPE sobre o uso de taxas diferentes para a atualização dos valores a

pagar pelos CAE e no cálculo das rendas previstas nos CMEC, fica clara a divergência entre intervenientes

sobre o tema.

Conclusão

No que respeita ao impacto deste ponto na neutralidade económica dos CMEC em relação aos CAE, pode

concluir-se que:

1. Não se encontram argumentos nas posições de João Conceição, nem da EDP (Manso Neto), que

contrariem a ideia de que a revisibilidade é uma forma de minimizar o risco dos CMEC, fazendo equivaler este

risco ao dos CAE. Por isso, fica claro que os ganhos da EDP decorrentes do uso de uma taxa diferente na

primeira década do CMEC (2007-2017) quebram a neutralidade económica que quer o Governo quer a EDP

defendiam para o processo de transição.

2. Os governos envolvidos no processo de preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 tiveram conhecimento

das diferentes posições sobre este tema, nomeadamente o parecer crítico da ERSE quanto ao uso de duas

taxas para atualização dos valores do CAE e das rendas previstas nos CMEC;

3. Sobre a segunda década de CMEC, após a revisibilidade final, os argumentos de João Conceição e

João Manso Neto sobre o aumento do risco pela exposição ao mercado coincidem com as posições de Maria

de Lurdes Baía e Paulo Pinho. Assim, os intervenientes na CPIPREPE que se debruçaram mais

detalhadamente sobre esta matéria convergem na ideia de que os riscos do CMEC na segunda fase de

implementação são superiores ao dos CAE, podendo assim considerar-se uma taxa diferente (ou um prémio

de risco) que refletisse esta diferença.

4. Foram também apresentados, sem refutação consistente, dois fatores que suavizam esta diferença: (1)

o número de centrais da EDP abrangidas pelo CMEC na segunda fase é significativamente menor do que na

primeira; (2) o cálculo da revisibilidade final tem em conta dados históricos e, quando aplicado a um período

significativamente longo (os 10 anos da segunda fase), tende a equilibrar as flutuações anuais e a reproduzir

um valor do CMEC a longo prazo semelhante ao previsto nos CAE. Assim, admitindo-se a utilização das duas

taxas na segunda fase do CMEC, não se verifica consenso sobre a amplitude dessa diferença.

2.4.2 Testes de verificação da disponibilidade das centrais

Durante o período dos CAE, as centrais abrangidas por este mecanismo estavam sujeitas à verificação da

disponibilidade por parte da REN, no sentido de apurar se a disponibilidade contratualizada nos CAE estava

de facto a ser oferecida por cada central.

Com a cessação dos CAE e sem obrigação explícita no Decreto-Lei n.º 240/2004, os testes deixaram de ter

cobertura legal que os permitisse (salvo casos excecionais, detalhados no depoimento do ex-Diretor-Geral de

Energia Pedro Cabral).

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Para a ERSE, a não realização dos testes de disponibilidade permite que as declarações de disponibilidade

efetuadas pelo produtor não correspondam à disponibilidade real, em particular para as centrais que produzem

menos.

No relatório que suporta o cálculo do ajustamento final, a ERSE contabiliza em 285M€ os ganhos auferidos

pela EDP por níveis de disponibilidade superiores aos contratados:

«Ausência total deste tipo de testes, por não terem sido previstos no Decreto-Lei n.º 240/2004 nem nos

Acordos de Cessação, cria condições de impunidade para as centrais que não produzem, particularmente as

que não colocam ofertas de venda no mercado ou fazem ofertas que não são ‘casadas’, sendo assim

impossível verificar se a disponibilidade declarada é real. Como a remuneração da central está diretamente

associada à disponibilidade, o fim dos testes à disponibilidade das centrais incentiva as mesmas a declararem

uma disponibilidade superior à que efetivamente se verificava. Nestes casos, não é possível assegurar que os

encargos fixos que foram pagos aos produtores, muitas vezes corrigidos por excesso por via dos coeficientes

km, corresponda a uma disponibilidade efetiva das centrais.»

(Cálculo do ajustamento final, ERSE 2017)

Em audição na CPIPREPE, João Conceição discordou da posição da ERSE e argumenta que a média

mensal das disponibilidades declaradas durante o período em que não houve verificação é inferior à do

período após 2014 em que houve verificação:

«O que a ERSE faz é simplesmente anular os valores de revisibilidade reais e utilizar o valor de referência

do [coeficiente de disponibilidade] KM=1. (…) Fazendo a média de todos os meses, de todas as centrais que

tiveram CAE e depois passaram para CMEC, entre 2001 e junho de 2007 — portanto, estamos a falar de

período CAE —, a média dos KM mensais de todas as centrais com CAE tem um valor de 1,039. A média do

período de julho de 2007 a julho de 2014, quando foi restituída, como os Srs. Deputados sabem, a realização

dos testes de disponibilidade, foi de 1,032. Fazendo a média do período de agosto de 2014 até junho de 2017,

o período remanescente já sujeito a testes de disponibilidade, e que a ERSE não questiona, dá um valor de

1,043. Ou seja, tenho uma grande dificuldade em perceber por que é que a ERSE, quando deveria usar

valores reais, simplesmente transforma a utilização do valor de referência, definido precisamente com base no

conceito de referência. Esse valor é definido mas todas as outras variáveis são também variáveis de referência

e não variáveis reais. Tenho ainda mais dificuldade quando a média dos KM, durante o período em que não

foram realizados testes, foi a mais baixa de todos os períodos com CAE e durante o período com testes».

(audição de João Conceição)

Estes foram os argumentos técnicos de contestação do cálculo do regulador para o valor de ajustamento

de 285M€. Ficou claro o desacordo entre os vários intervenientes sobre o valor e o método de cálculo da

ERSE que quantifica os ganhos dos produtores relativos à supressão dos testes de disponibilidade.

Porém, a questão central que a CPIPREPE pretendeu esclarecer foi a decisão política que levou à não

inclusão de um mecanismo de verificação de disponibilidade no Decreto-Lei n.º 240/2004. De facto,

independentemente de esta decisão ter vindo (ou não) mais tarde a consagrar-se num fator de desequilíbrio

económico dos CMEC em relação ao CAE, a abolição destes testes abriu pelo menos essa possibilidade aos

produtores.

O esclarecimento desta decisão ganha ainda mais relevância quando se sabe que, à data das decisões, o

governo tinha recebido alertas, tanto da REN como da ERSE, sobre as consequências da não inclusão de um

mecanismo de verificação das disponibilidades. Resume assim o parecer da ERSE de 2004, que chegou ao

governo durante a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004:

«Caso não sejam definidos os mecanismos necessários à verificação da disponibilidade dos grupos

electroprodutores, os produtores poderão fazer declarações de disponibilidade superiores às acordadas nos

CAE. Não podendo estas declarações ser verificadas a posteriori, traduzir-se-ão em pagamentos fixos pelos

CMEC mais elevados».

(Parecer ERSE 2004)

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Quando confrontados com esta decisão, os principais intervenientes no processo de preparação do

Decreto-Lei n.º 240/2004 argumentaram que os próprios mecanismos de mercado são um desincentivo à

declaração de disponibilidades acima das reais e que portanto não era necessário incluir estes testes no

diploma, como argumenta Ricardo Ferreira, assessor do Ministério da Economia de então:

«Foi considerado que os incentivos que o mercado dava para os agentes estarem disponíveis eram mais

do que suficientes. Se eu disser que estou disponível, o Valorágua pode dizer-me que vou ter de produzir; se

eu não produzir, é uma chatice. Portanto, os produtores não tinham incentivo nenhum em andar a falsear

declarações, porque o problema era exatamente esse; era dizer que ‘os produtores vão falsear’»

(audição Ricardo Ferreira)

Também João Manso Neto, que conduziu o processo do lado da EDP não tem dúvidas que um mecanismo

de verificação de disponibilidade era totalmente desnecessário, já que o mercado fazia esse papel:

«A EDP não podia declarar em mercado o que não estava disponível. Porquê? Porque se declarasse em

mercado e depois fosse chamada incorria em penalidades. Aliás, se formos ver a história, é claríssimo que a

EDP, em muitas circunstâncias, não esteve disponível, declarou a indisponibilidade e por isso pagou.»

(audição João Manso Neto)

Dispondo de um quase monopólio da produção hídrica, a margem de manobra da EDP na gestão da oferta

é muito grande. No seu depoimento, o ex-Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, não reconhece a

impossibilidade de manipulação alegada por João Manso Neto.

«Está provado que as centrais hídricas do Douro estavam em obras e aumentavam a disponibilidade e que

a central hidroelétrica de Setúbal, tinha peças desmanteladas e aumentava aquilo que declarava na

disponibilidade. (…) Não havia nem forma contratual nem forma legal de haver a sua consideração».

Jorge Seguro Sanches acrescenta como argumento jurídico que:

«No momento em que os CAE cessaram, o direito dos seus titulares limitava-se à disponibilidade

contratada. Não obstante estar previsto nos CAE um mecanismo para pagar disponibilidade acrescida e

penalizar a disponibilidade inferior, a verdade é que esses mecanismos para funcionarem careciam da

verificação de um facto que se afastava da normalidade contratada.

Tal significa que as duas situações anormais – disponibilidade superior ou inferior – não podem ser

consideradas no cálculo de uma indemnização [o CMEC], pois não existe qualquer direito constituído.

Dito por outras palavras: se o Estado tivesse optado por pagar de imediato a indemnização em vez de criar

os CMEC, o cálculo do montante indemnizatório teria, necessariamente, que cingir-se à disponibilidade

contratada e garantida».

(audição Jorge Seguro Sanches)

Pode concluir-se que:

1. Os governos envolvidos no processo de preparação e aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004

consideraram que a participação em mercado era suficiente para que as centrais declarassem a sua

disponibilidade real, descartando assim os testes de disponibilidade;

2. Não foram considerados os vários alertas da ERSE e da REN sobre a abolição deste mecanismo e

sobre os possíveis impactos no valor dos CMEC a pagar aos produtores, quantificados mais tarde pela ERSE

em 285 M€.

3. Não existe suporte legal para a remuneração de disponibilidade superior à contratada, tal como define a

ERSE no cálculo do ajustamento final homologado pelo governo em 2018.

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2.4.3 Aplicação do fator de correção das produções resultantes do modelo Valorágua

No cálculo da revisibilidade final dos CMEC, a ERSE atribui um valor adicional de 90M€ a favor dos

produtores decorrente da aplicação de fator de correção de 0.99 previsto do Decreto-Lei n.º 240/2004. Este

fator pretendia corrigir as produções do modelo Valorágua, usado para o cálculo das diferentes componentes

dos CMEC em 2004, por comparação com dados históricos. Após a primeira década dos CMEC, a ERSE fez

uma avaliação ex-post ao fator de correção, aplicando o modelo Valorágua às produções reais de Sines e das

centrais hídricas com um fator de correção igual a 1. Conclui assim o regulador no documento que expõe o

cálculo da revisibilidade final:

«A aplicação deste fator, utilizado em todos os cálculos dos CMEC (como o cálculo do valor inicial e os

ajustamentos anuais), origina uma diminuição das receitas de mercado das centrais de Sines e hidroelétricas,

e uma diminuição dos custos variáveis da central de Sines.»

(ERSE, Cálculo do ajustamento final, 2017)

Em audiência na CPIPREPE, João Manso Neto discorda da posição da ERSE, argumentando que, ao

utilizar um fator de correção igual a 1, o regulador está a pedir que os produtores tenham um desempenho

melhor do que o modelo de otimização:

«O modelo tem informação do ano inteiro para otimizar, e eu não tenho, só tenho informação do passado,

não tenho informação futura. Portanto, fizeram-se análises estatísticas, em termos de grupo de trabalho, e

chegou-se à conclusão de que era necessário um ajustamento de apenas 1% ao Valorágua para haver

equilíbrio. A ERSE acha mal, sem fundamento nenhum — a estatística o demonstra e a intuição também. Não

faz sentido nenhum que, de facto, se obrigue alguém, por muito inteligente que seja, a ser melhor do que

modelo, que tem informação que não se tem».

(audição João Manso Neto)

Também o diretor de regulação da EDP, Ricardo Ferreira, considera que a existência de um fator de

correção é justificada pelo facto de, historicamente, se verificar que o modelo Valorágua sobrevalorizava

algumas produções.

Já João Conceição discorda da forma como a ERSE chegou ao valor de 90 M€, descontando aos ganhos

com a aplicação do fator de correção (116 M€) o valor do que já antes teria sido detetado nos diferentes

exercícios de revisibilidade (26 M€). Para João Conceição, estes 26 M€ estão muito abaixo do que a ERSE

teria declarado em anteriores exercícios de revisibilidade e argumenta que o regulador deveria ter descontado

um valor muito mais alto.

«A mesma ERSE no seu parecer à revisibilidade de 2014, feito em junho de 2016, […] vem reconhecer que

o modelo Valorágua induziu um benefício a favor dos consumidores de 103 milhões de euros. (…) Portanto, o

meu comentário em relação ao ponto do Valorágua é simples e é o seguinte: só gostava de perceber porque é

que, em 2016, a ERSE diz que houve uma vantagem de 103 milhões de euros para os consumidores e, um

ano depois, por prudência, reduz essa vantagem para 26 milhões de euros.»

(audição de João Conceição)

Mais uma vez sobre uma decisão de 2004 – neste caso o fator de correção de 0,99 dos resultados do

Valorágua – tanto os representantes da EDP como as pessoas envolvidas na preparação do Decreto-Lei n.º

240/2004 têm opiniões contrárias às do regulador no que toca ao impacto da medida. Os argumentos da

discussão são essencialmente técnicos, envolvendo um detalhe nos cálculos e nos pressupostos das duas

partes que torna difícil à CPIPREPE ter uma conclusão definitiva sobre o valor real do impacto da medida.

Salientam-se, porém, os valores avançados pela ERSE, de 90 M€, bem como valor de 103 M€ a que nos

remete a argumentação de João Conceição.

Por fim, salienta-se que, ao contrário dos dois pontos anteriores, quanto à decisão da aplicação do fator de

correção de 0,99 das produções provenientes do modelo Valorágua, não se conhece nenhum alerta do

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regulador durante a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 sobre o impacto desta medida na neutralidade

económica dos CMEC em relação aos CAE. Daqui pode-se retirar que a ERSE, em 2004, ou não considerou

relevantes os possíveis impactos do fator de correção das produções ou assumiu que este ponto iria ser objeto

de revisibilidade. Esta última hipótese justificaria a opção do regulador no exercício de revisibilidade final em

2017, onde refaz as contas do modelo Valorágua sem o fator de correção previsto no Decreto-Lei n.º

240/2004.

2.4.4 Licenças de CO2

Para além das produções simuladas do modelo Valorágua, o cálculo do valor do CMEC tem em conta um

fator anual de emissão de CO2 teórico (0,912 ton CO2/MWh). No exercício da revisibilidade final, a ERSE

quantifica o impacto da utilização deste fator, tendo em conta os valores de emissões reais das centrais e

conclui que houve um ganho dos produtores de 10 M€. No documento, a ERSE justifica assim o facto de

corrigir o valor de emissões teórico existente no procedimento de cálculo dos CMEC:

«Estando disponível desde 2005 o mecanismo europeu de comércio de emissões, onde foram registadas

os valores das emissões verificadas nos centros eletroprodutores, é possível calcular um fator de emissão de

CO2 real, não havendo racional que justifique o cálculo do custo das licenças de CO2 com quantidades obtidas

através de fatores de emissão e rendimentos teóricos».

(Cálculo do ajustamento final, ERSE 2017)

Também sobre este assunto, apenas João Manso Neto e João Conceição fizeram declarações sobre o

exercício do regulador. Para o administrador da EDP entre 2006 e 2015, este cálculo da ERSE baseia-se em

detalhes que não se justificam e carece de legitimidade constitucional:

«A ERSE, quando faz este estudo em 2017, diz que essas alterações exigiam alterações legislativas que

não existem. E mais: a Secretaria de Estado, quando despacha a revisibilidade final diz, taxativamente, que

introduzir estas medidas em termos de compensação, seria de constitucionalidade duvidosa. Ou seja, é um

estudo que, de facto, do meu ponto de vista, não tem fundamento nenhum.»

(audição João Manso Neto)

Já João Conceição não compreende os cálculos do regulador mas admite que poderá haver razões que os

justifique.

«É um parágrafo muito curto, não há grandes justificações e a ERSE apenas diz que houve benefícios

entre 7,5 milhões de euros e 11 milhões de euros e, portanto, o valor a considerar é 10 milhões de euros. Não

consigo perceber mas certamente a ERSE teve alguma razão, que não detalhou no relatório, não só para

chegar a destes 7,5 milhões de euros a 11 milhões de euros como, de repente, não fazer o valor médio deste

intervalo e dizer simplesmente que é 10 milhões de euros.»

(audição de João Conceição)

Ricardo Ferreira argumentou com o facto de todo o mecanismo de CMEC estar assente em modelos e

estimativas e não na utilização de valores reais. Por isso, apenas no caso das licenças de CO2 usar os valores

reais seria incoerente com o modelo.

O ponto relativo ao impacto das licenças de CO2 na neutralidade dos CAE em relação aos CMEC foi alvo

de pouca atenção dos intervenientes na CPIPREPE. Não foram apresentados argumentos que contrariem o

valor de 10 M€ avançado pelo regulador, nem foram propostos cálculos alternativos.

Tal como no ponto anterior, também se desconhecem alertas do regulador ou de outras entidades à data

das decisões em 2004 sobre o impacto das licenças de CO2 na neutralidade dos CMEC em relação aos CAE.

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2.4.5 O parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República

A repercussão tarifária dos valores enunciados pela ERSE no cálculo do ajustamento final dos CMEC veio

a sustentar-se no Parecer n.º 24/2017 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR),

homologado pelo Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches. Nas suas conclusões, pode ler-se:

«9.ª (…) Dada a natureza dos CMEC, sempre se terá de considerar estar-se perante matéria de reserva de

lei, pelo que não pode o Governo proceder a uma deslegalização, remetendo para a via contratual a regulação

primária de aspetos essenciais do respetivo regime;

10.ª Consequentemente, os acordos de cessação dos CAE não podem introduzir novos fatores nos

cálculos dos ajustamentos anuais e final dos CMEC;

11.ª No cálculo dos CMEC, o valor do CAE reporta-se à data prevista para a sua cessação antecipada e

calcula-se de acordo com as disposições nele previstas, incluindo a amortização e remuneração implícita ou

explícita no CAE do ativo líquido inicial e do investimento adicional, conforme definidos no respetivo contrato,

devidamente autorizados e contabilizados;

12.ª O procedimento da revisibilidade dos CMEC, com vista ao apuramento dos ajustamentos anuais,

processa-se nos termos dos n.os 1 a 11 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 240/2004, sendo, após a

determinação do respetivo valor, enviados os ajustamentos anuais ao membro do governo responsável pela

área de energia para efeitos de homologação (cf. n.º 7);

13.ª O despacho homologatório do montante do ajustamento anual dos CMEC configura um ato

administrativo;

14.ª Assim, o ato de homologação com fundamento na sua invalidade, pode ser declarado nulo, a todo o

tempo, no caso da ocorrência de vício gerador de nulidade (cf. artigo 162.º do Código do Procedimento

Administrativo — CPA –, em vigor, e, anteriormente, artigos 133.º e Diário da República, 2.ª série — N.º 23 —

1 de fevereiro de 2018 3869 134.º do CPA de 1991), ou ser objeto de anulação administrativa (n.º 2 do artigo

165.º do CPA), nos termos e condições dos artigos 166.º e 168.º do CPA;

15.ª Ora, no caso de o ato homologatório considerar aspetos abrangidos pela matéria de reserva de lei, e

que tenham inovatoriamente sido regulados nos acordos de cessação dos CAE, terá de ser considerado nulo

por estar viciado de usurpação de poder [cf. artigo 161.º, n.º 2, alínea a), do CPA e, anteriormente, artigo

133.º, n.º 2, alínea a), do CPA de 1991].»

(Parecer n.º 42/2017 do Conselho Consultivo da PGR, de 9 de novembro de 2017, homologado por

despacho de Jorge Seguro Sanches em 24 de novembro de 2017)

Em dezembro de 2017 é criado pelo governo um grupo de trabalho envolvendo a DGEG e a ERSE, com a

missão de identificar e quantificar a remuneração indevidamente paga em função regras introduzidas pelos

acordos de cessação dos CAE.

2.5 Processo de aprovação dos CMEC na Comissão Europeia

Em 2004, tendo Comissão Europeia analisado e discutido o projeto de decreto-lei dos CMEC, impôs a

introdução de diversos aspetos nesse texto, designadamente a existência de um período de revisibilidade

inicial (que veio a ser de 10 anos), um montante máximo para as compensações e aspetos relativos à

repercussão tarifária.

Ainda em 2004, a CE aprovou o conteúdo do decreto-lei dos CMEC que já continha os seguintes aspetos:

utilização de taxas de juro distintas para a atualização de fluxos financeiros e cálculo da anuidade da

compensação; utilização do modelo Valorágua; necessidade de emissão de licenças de produção para as

centrais cujos CAE fossem cessados; ausência de referências a realização de testes às disponibilidades das

centrais.

Em 2013 a CE emitiu uma Decisão de investigação aprofundada, na qual afirma sobre o regime de CMEC

que, «baseado na informação disponível à data, não há evidência de que a compensação aprovada tenha sido

mal utilizada ou cessado a sua compatibilidade com o Mercado Interno».

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Em 2017, emitiu uma decisão, após 5 anos de investigação do tema do domínio público hídrico, afirmando

que o valor pago pela EDP foi um valor justo e com referenciais de mercado. Mais afirmou a Comissão

Europeia que a utilização de uma única taxa de juro não é uma metodologia correta no caso da determinação

do valor do domínio público hídrico.

A Decisão de 2004 baseou-se na Comunicação da Comissão Europeia relativa à «Metodologia de análise

dos auxílios estatais ligados a custos ociosos», de 26 de julho de 2001, que define os critérios a cumprir pelas

garantias e compromissos que constituam custos ociosos suscetíveis de serem reconhecidos pela Comissão

para efeito da atribuição de ajudas de Estado. Entre esses critérios estão os seguintes, enunciados na

Metodologia da Comissão:

«3.3 Estes compromissos ou garantias de funcionamento devem ser suscetíveis de não poderem ser

honrados na sequência das disposições da directiva. Para constituir um custo ocioso, um compromisso ou

uma garantia deve por conseguinte tornar-se não económico devido aos efeitos da Directiva 96/92/CE e

afectar sensivelmente a competitividade da empresa em causa. (…) Os compromissos ou garantias que não

tiverem podido ser honrados independentemente da entrada em vigor da directiva não constituem custos

ociosos. (…)

3.5 Os compromissos ou garantias que ligam empresas pertencentes a um mesmo grupo não podem, em

princípio, constituir custos ociosos. (…)

3.8 Os custos ociosos devem ser avaliados após dedução de qualquer auxílio pago ou a pagar para os

activos a que se referem. Em especial, quando um compromisso ou garantia de exploração corresponde a um

investimento que foi objecto de um auxílio público, o valor deste auxílio deve ser deduzido do montante dos

eventuais custos ociosos resultantes desse compromisso ou garantia. (…)

3.10 Os custos amortizados antes da transposição para o direito nacional da Directiva 96/92/CE não podem

ser considerados custos ociosos. No entanto, as provisões ou as depreciações de activos inscritos no balanço

das empresas em causa com o objectivo explícito de ter em conta os efeitos previsíveis da Directiva podem

corresponder a custos ociosos. (…)

3.12 Os custos eventualmente suportados por certas empresas para além do horizonte indicado no artigo

26º da Directiva 96/92/CE (18 de Fevereiro de 2006) não podem, em princípio, constituir custos ociosos

elegíveis nos termos da presente metodologia». (…)

(Comunicação da Comissão Europeia relativa à Metodologia de análise dos auxílios estatais ligados a

custos ociosos, 26 de julho de 2001)

Na sua Decisão de 22 de setembro de 2004 sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 240/2004, a Comissão

Europeia começa por recusar a base da argumentação do governo português:

«De acordo com as Autoridades portuguesas, tais compensações consistem apenas numa justa

indemnização pelo facto de o Estado proceder à cessação antecipada dos CAE, que são contratos entre duas

partes privadas, o que não poderá ser considerado uma vantagem. A Comissão considera que uma tal

justificação não se aplica a este caso específico, dado que os contratos iniciais, que serão objecto de

cessação, já concedem uma vantagem aos produtores vinculados. Na verdade, os CAE eximem os produtores

vinculados de todos os riscos associados aos investimentos cobertos pelos contratos: dispõem da garantia de

reembolso de todos os seus custos, e de venda de um montante fixo de electricidade a um preço garantido e

durante um período determinado e muito longo. Este factor de segurança contra todos os riscos, num mercado

aliás muito cíclico, é proporcionado sem qualquer contrapartida. Constitui uma clara vantagem para os

produtores que celebraram os CAE. Por conseguinte, a cessação dos CAE e a concessão de compensações a

esse título constitui apenas um modo de alterar a forma como era concedida a vantagem anterior e não um

modo de compensar uma desvantagem. De facto, após a cessação dos CAE, aqueles produtores receberão

uma compensação que lhes permitirá, não obstante a abertura do mercado, manter o seu volume de vendas

(deste modo limitando os riscos em que de outro modo incorreriam) ainda que os centros produtores em

questão se venham a revelar ser intrinsecamente menos eficientes que outros centros produtores que possam

ser construídos no futuro por novos concorrentes potenciais.»

(Decisão em 22 de setembro de 2004 – Auxílio estatal N 161/2004)

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Estas constatações bastariam para excluir da consideração de custos ociosos tanto os CAE da EDP como

os da Turbogás e da Tejo Energia, tal como aliás sucedeu em decisões do Tribunal de Justiça da União

Europeia sobre contratos semelhantes na Hungria.

Apesar de considerar que «a cessação dos CAE e a concessão de compensações a esse título constitui

apenas um modo de alterar a forma como era concedida a vantagem anterior e não um modo de compensar

uma desvantagem», a Comissão Europeia validou o Decreto-Lei n.º 240/2004 no pressuposto de que os CAE

representaram para a EDP uma garantia de funcionamento que «tornou possível a construção destes centros

electroprodutores» (pág. 5 da Decisão da CE) e que 1) poderia ter influenciado investimentos geradores de

elevados prejuízos para estas centrais 2) dada a sua alegada ineficiência; 3) na falta de compensação destes

custos, a EDP poderia ter a sua viabilidade ameaçada.

Entre 2007 e 2016, o conjunto de auxílios de Estado atribuídos à EDP a título de custos ociosos

ultrapassou os 2700 milhões de euros, números da ERSE.

«Penso que há graves deficiências nessa apreciação [da Comissão Europeia]. Grande parte da análise da

Comissão baseia-se na ideia de que os CMEC foram a continuação dos CAE — sem fazer uma análise

profunda ou pronunciar-se grandemente sobre os CMEC — e de que os CAE foram atribuídos numa altura em

que a empresa não poderia sobreviver em termos de mercado. Sabemos, a posteriori, que isso não tem

qualquer racionalidade. (…)

Não vejo que todas as decisões da Comissão Europeia tenham de ser consideradas, digamos, modelo;

mas julgo que esta foi das piores decisões que a Comissão tomou. E, como sabem, várias decisões da

Comissão Europeia são, depois, rejeitadas pelos tribunais europeus».

Audição de Abel Mateus, presidente da AdC (2003-2008)

Em novembro de 2012, o governo português remete à troika o relatório previsto na medida 5.6 do

Memorando de Entendimento – «Report on the CMEC Scheme» –, e que mais tarde será enviado também à

Comissão Europeia no âmbito da investigação aprofundada à extensão da concessão do domínio hídrico à

EDP, que, na opinião do governo, promoveu uma vantagem adicional em relação aos CAE, quantificada em

300 milhões de euros:

«O aumento do valor contratual em relação ao valor inicial dos CAE através da metodologia usada nos

CMEC parece não ter sido considerada na Decisão da UE n.º 161/2004, que validou a compensação por

custos ociosos».

(Report on the CMEC Scheme, Governo português, novembro de 2012)

No entanto, em 2013, em face da queixa apresentada no ano anterior por um conjunto de cidadãos, a

Comissão Europeia decide o arquivamento dos elementos relativos à Decisão de 2004, abrindo, em

contrapartida uma investigação aprofundada sobre a questão da extensão do domínio hídrico.

Conclusões

1. A legislação de 1995 veio, na sequência de legislação anterior que previa um mecanismo CAE no SEN,

estender estes contratos às centrais pertencentes à EDP, então totalmente pública. A taxa de remuneração

aplicável à extensão dos CAE às centrais da EDP foi de 8,5%. A taxa anteriormente aplicada aos CAE da Tejo

Energia e da Turbogás cifrava-se em 10%.

2. A decisão política de configurar os CAE das centrais da EDP (centrais existentes) tomando como

referência os CAE das centrais da Tejo Energia e da Turbogás (novos investimentos) reconfigurou a empresa,

tendo em vista o cumprimento das diretivas europeias de liberalização do mercado, o robustecimento

financeiro da empresa e a dinamização do seu processo de privatização.

3. A cessação antecipada dos CAE foi imposta por força de uma diretiva comunitária, num momento em

que existiam condições para a revisão das remunerações garantidas dez anos antes, na medida em que eram

previsíveis as graves consequências económicas e sociais da manutenção dos níveis de remuneração dos

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CAE e na medida em que o Estado era o acionista de controlo da EDP. A par da AdC, a ERSE propôs

modelos de enquadramento alternativos ao dos CMEC. O governo de Durão Barroso rejeitou essas propostas

e optou pelo modelo de manutenção do equilíbrio contratual.

4. Contra a premissa da manutenção do equilíbrio contratual dos CAE, que presidiu à preparação do

Decreto-Lei n.º 240/2004, este introduziu vantagens para os produtores que não decorriam daqueles

contratos. Essas vantagens foram quantificadas pela ERSE em 2017 e podem ser agrupadas em duas

categorias:

○ Vantagens para as quais os governos Durão Barroso e Santana Lopes foram alertados previamente:

■ aplicação das duas taxas à primeira fase do CMEC (período de revisibilidade);

■ ausência da verificação de disponibilidade. Nestes existe uma responsabilidade clara assente em

decisões conscientes;

○ Vantagens identificadas a posteriori:

■ aplicação do fator de correção do modelo Valorágua;

■ introdução das licenças de CO2, decorrente de legislação posterior.

○ O governo foi ainda alertado pela ERSE para a transferência para os produtores, por força do

Decreto-Lei n.º 240/2004, de opções com valor económico e estratégico e de rendas adicionais,

nomeadamente na extensão da concessão do domínio hídrico a favor da EDP (tema desenvolvido no

capítulo 2), na operação de outras centrais (capítulo 3), e ainda no pagamento de rendas pelos terrenos do

domínio público hídrico (capítulo 4).

○ Como sinaliza a ERSE, sob o atual enquadramento legal são recuperáveis os ganhos indevidos

ocorridos por efeito das práticas identificadas na nota de ilicitude emitida à EDP pela Autoridade da

Concorrência, resultante de um abuso de posição dominante da empresa entre 2009 e 2014 no mercado

de serviços de sistema, bem como da sobrecompensação identificada pela ERSE quanto ao cálculo da

disponibilidade das centrais em mercado, estimada em 285 milhões de euros, e validada por Parecer da

Procuradoria-Geral da República e por cálculos da ERSE.

5. A autorização concedida em 2004 pela Comissão Europeia para a aprovação do regime previsto no

Decreto-Lei n.º 240/2004 assenta na omissão de aspetos que flagrantemente contradizem a Metodologia

invocada na Decisão da Comissão em 2004.

6. O XVI Governo, de Santana Lopes, aprovou o Decreto-Lei n.º 240/2004 mediante autorização legislativa

da Assembleia da República, aprovada com os votos dos partidos que sustentavam o governo.

Recomendações

1. Tal como indicado pela ERSE no cálculo do ajustamento final dos CMEC, os elementos que pervertem o

objetivo legal da manutenção do equilíbrio contratual devem continuar a ser corrigidos.

2. A sobrerremuneração constituída na atribuição dos CAE à EDP e mantida pelos CMEC deve ser revista

para o período remanescente deste regime.

Capítulo 2

A prorrogação das centrais de Sines e do Pego para além do prazo do CAE

A Central Termoelétrica de Sines foi construída na década de 80, integrada no plano de construção da

zona industrial de Sines. É explorada pela EDP, sendo a central a carvão de maior potência no país, 1256 MW

(4 grupos de 314 MW).

A Central Termoelétrica do Pego, detida pelo consórcio Tejo Energia, tem uma potência de 628 MW

dividida por dois grupos, que entraram em serviço em 1993 e 1995.

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Na década de 2000 foram realizados importantes investimentos em ambas as centrais no sentido de dar

cumprimento à Diretiva 2001/80/CE, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes

provenientes de grandes instalações de combustão. Assim, as unidades foram equipadas com sistemas de

dessulfurização, desnitrificação e redução de partículas.

Na sequência da legislação de 1995, a EDP e a Tejo Energia assinaram com a REN, Contratos de

Aquisição de Energia. O regime jurídico destes contratos enquadra a produção por ele abrangida no âmbito do

Sistema Elétrico de Serviço Público (SEP) e estabelece que essa atividade carece da atribuição de uma

licença de produção vinculada (cuja produção é inteiramente absorvida pelo sistema público e remunerada por

contrato).

Nos termos do Decreto-Lei n.º 182/95, as licenças de produção vinculadas têm um prazo mínimo de 15

anos (artigo 60.º) e os direitos dos detentores dessas licenças são garantidos até ao final desse período (artigo

66.º). No caso das centrais abrangidas pelos CAE, o prazo da licença corresponde ao prazo de vigência do

contrato.

Sob o Decreto-Lei n.º 240/2004, a cessação do CAE resulta na atribuição de uma licença não vinculada

(sem prazo, nem contrato de aquisição de energia com o sistema público). No caso de Sines, essa licença foi

atribuída em 2007 como um mero ato administrativo da DGEG e permitiu que, dez anos depois, findo o

período CAE e terminada a amortização da central pelos consumidores (já sob regime CMEC), a EDP

pudesse continuar a produzir em mercado sem qualquer compensação ao SEN. No caso do Pego, a Tejo

Energia recusou a cessação do CAE daquela central, cuja vigência termina em 2021.

Ao longo dos trabalhos da CPIPREPE, foi analisada a consistência da legislação de 2004 com a de 1995

em termos de equilíbrio contratual, procurando-se determinar a eventual existência de vantagem económica

desadequada, bem como a autoria e a validade legal das decisões que lhe tenham dado origem.

1. A prorrogação da central de Sines para além do prazo do CAE

1.1 As definições do CAE

Na defesa da neutralidade económica da passagem da Central de Sines do regime CAE para o regime

CMEC sem qualquer compensação ao sistema elétrico nacional, destacou-se o depoimento de Miguel Barreto,

diretor-geral de energia (2004-2009) em funções no momento da aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e

também em 2007, no momento da atribuição à EDP da licença de produção não-vinculada prevista naquele

decreto-lei.

«Não foi o diretor-geral de energia que decidiu dar uma licença sem prazo à EDP. Isso decorria da lei. A lei

não previa qualquer prazo nem tão pouco permitia que fosse fixado um prazo na licença. Também é falso que

o diretor-geral tenha dado a central à EDP. Não deu, nem podia dar. Licença nada tem a ver com propriedade

ou com remuneração da central. Se não podia dar, também não podia cobrar. É totalmente descabido dizer

que foi oferecido à EDP algo que já era seu, pelo menos, desde 1996 (…) A partir do momento em que a

Procuradoria-Geral da República emitiu o Parecer n.º 26/2017, as coisas são inequívocas. Ou seja, existia

uma cláusula no CAE, que era válida, a cláusula 26.4.2, que dizia que a REN não podia tomar posse da

central, nem sequer a podia colocar a concurso. A central era, efetivamente, da EDP. (…) O Estado, para

tomar posse daquela central, teria de expropriar a EDP e, se expropriasse a EDP, teria de a indemnizar».

(Miguel Barreto)

No entanto, uma leitura atenta do Parecer do Conselho Consultivo da PGR e dos termos do próprio CAE

não permite tal conclusão. Como a seguir se demonstra, sendo verdade que está vedada à REN a

possibilidade de, no final do contrato, lançar concurso para os grupos produtores existentes, não é verdade

que a REN não pudesse tomar posse da central, nem é verdade que, no final do contrato, concluída a

amortização, houvesse lugar a qualquer indemnização à EDP.

Segundo o referido Parecer, no regime dos CAE a continuidade da central após o fim do contrato não era

um direito da EDP. Pelo contrário, pertencia à REN a opção entre negociar com a EDP sobre as condições de

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uma eventual continuidade depois do final do contrato ou simplesmente terminar a atividade da central,

desmantelando-a e eventualmente lançando concurso para a instalação de novos grupos produtores.

Eis a leitura do CAE de Sines feita nas conclusões do parecer do Conselho Consultivo da PGR:

«19.ª No CAE de Sines, ao dispor-se sobre a futura utilização do sítio da Central, nas hipóteses de extinção

do CAE por este terminar na data prevista para o seu fim, nos termos da cláusula 25.1.3., ou por resolução

unilateral da Concessionária da RNT [REN], nos termos da cláusula 23, relativamente à totalidade da Central,

estabeleceu-se na cláusula 26.4.2. que a Concessionária só poderá utilizar o sítio para a construção de novos

grupos geradores, devendo lançar o respetivo concurso mediante decisão da Entidade de Planeamento,

esclarecendo-se que, nessas circunstâncias, fica expressamente vedado à RNT voltar a colocar a concurso a

exploração da Central com os Grupos existentes à data da cessação ou resolução unilateral do contrato, ou

explorar por si mesmo a Central.

20.ª Pretendeu-se com a cláusula em análise salvaguardar a produtora de uma tomada de decisão da

Concessionária da RNT no sentido de não propor a extensão do contrato de aquisição de energia ou recusar a

extensão proposta pelo produtor ou ainda de resolver esse contrato, mediante a invocação de situações em

que a exploração da Central Electroprodutora deixa de ser economicamente viável, com a consequente

transferência da posse da Central, com a finalidade de posteriormente se entregar a sua exploração a outra

produtora ou da Concessionária a explorar ela própria».

Em síntese, desde que a produção da central de Sines fosse viável economicamente e conforme com as

orientações do Planeamento do SEN, a central deveria permanecer em mãos da EDP. Mas não sem

condições.

«21.ª Sendo estes os objetivos da cláusula questionada, deve a mesma ser interpretada restritivamente, de

modo a dela estarem excluídas as situações em que a transferência da posse da Central Electroprodutora e

do sítio onde ela está implantada para a Concessionária da RNT ocorre, não por opção desta, mas porque a

produtora rejeitou as propostas alternativas de extensão do contrato de direito de superfície ou de

transferência da propriedade do sítio (…)».

«Com uma antecedência mínima de 5 anos relativamente à Data de Fim de Contrato, a RNT notificará o

produtor do interesse na extensão do contrato, relativamente a todos ou alguns Grupos da Central. Neste

caso, o produtor deverá responder por escrito, num prazo máximo de um mês manifestando ou não o seu

interesse em iniciar negociações nesse sentido».

(da cláusula 25.1.1 do CAE da Central de Sines, negrito do relator)

Com efeito, o CAE de Sines prevê, na cláusula 26.1.1, que, se a REN optar por não fechar a central, como

seria seu direito fazer no final do contrato, e todavia não chegar a acordo com a EDP sobre as condições de

venda do sítio ou de extensão do contrato, impõe-se a transferência da central e do seu sítio para a posse da

REN. Diz a cláusula 26.1.1:

«Na data de fim do contrato: a RNTpoderá optar, de acordo com a proposta da Entidade de Planeamento,

confirmada pela Entidade Reguladora, entre: a) tomar de imediato posse da Central e respetivo Sítio,

terminando o Contrato de Direito de Superfície e transferindo para a RNT a posse sobre as instalações e

terrenos da Central, incluindo todos os bens imóveis, sem direito a qualquer indemnização adicional por parte

do Produtor para além do previsto neste Contrato; b) propor ao Produtor a extensão do Contrato de Direito de

Superfície por um período e em condições a definir, durante o qual o Produtor poderá funcionar como

Produtor Não Vinculado; c) transferir a propriedade do Sítio para ao Produtor que passará a funcionar como

Produtor Não Vinculado».

(da cláusula 26.1.1 CAE da Central de Sines, 26 de setembro de 1996, negritos do relator)

Sobre a questão de eventuais indemnizações a pagar à EDP pelo encerramento da central, o parecer da

PGR refere que:

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«Sem prejuízo dos direitos e obrigações assumidos por qualquer das partes anteriormente ao terminusdo

contrato, no caso de resolução parcial ou total do contrato, nos termos previstos na cláusula 23, a

Concessionária da RNT ficava obrigada ao pagar, a título de indemnização, ao Produtor, o Valor Atual de

Referência do Grupo, ou Grupos, ou da totalidade da Central, tal como definido no Anexo 10 do contrato

(cláusula 26.1.2), em que se procura obter o valor residual da Central, tendo em atenção as remunerações já

satisfeitas pela Concessionária da RNT».

Ouvido na CPIPREPE, o Secretário de Estado da Energia, João Galamba, afirmou:

«A EDP pode ter tido ganhos que não foram tidos em conta na altura, mas teve-os e hoje não podemos

fazer muito em relação a isso. A capacidade negocial do Estado também não é muito grande, porque a EDP,

nesse caso, pode sempre dizer não. Ou seja, posso propor imensas coisas, posso dizer que houve um

benefício decorrente da nova licença em mercado de Sines que não foi tida em conta em 2004 quando

procurámos garantir a neutralidade. Foi mal feito em 2004, mas foi feito em 2004, consagrado num decreto-lei

em 2004 e agora é assim que as coisas são. Se me pergunta se gosto, não, não gosto, mas infelizmente tenho

de viver com essa decisão».

(João Galamba)

1.1.2 Do direito de superfície

Na preparação da cessação antecipada dos CAE, o Decreto-Lei n.º 198/2003 veio definir as condições de

transferência da propriedade e posse dos terrenos da REN afetos aos centros eletroprodutores que abastecem

o SEP. O artigo 4.º deste Decreto-Lei dispõe que a REN fica autorizada a transferir para os produtores os seus

terrenos que constituem os sítios dos centros electroprodutores termoelétricos. Refere ainda que a

transmissão abrange todos os direitos e obrigações relacionados com a propriedade e posse dos referidos

terrenos, à exceção dos direitos de superfície constituídos sobre os terrenos onde se encontram instalados

esses centros produtores.

Assim, a REN só procurou aplicar esta orientação do governo às centrais térmicas do Pego, Setúbal,

Carregado, Tunes e Tapada do Outeiro, cujos terrenos foram avaliados em 2004 para efeitos de venda ou

arrendamento, segundo regras estabelecidas na Portaria n.º 96/2004. Nestes casos, além da obrigação de

compra ou arrendamento dos terrenos, os produtores assumem o encargo com o desmantelamento das

centrais.

A Central de Sines não foi abrangida pela Portaria n.º 96/2004 pois existia desde dezembro de 1987 um

contrato de cessão onerosa de direitos de superfície, celebrado entre um instituto do Estado (o Gabinete do

Planeamento de Desenvolvimento da Área de Sines) e a EDP, válido por 40 anos, com efeitos a agosto de

1980.

Para o ex-Diretor-Geral Miguel Barreto, que aplicou a Portaria n.º 96/2004, validou avaliações realizadas

em 2004 e concretizou a venda de terrenos em 2007, a especificidade de Sines é única:

«A grande diferença deste direito de superfície, que é quase um direito de propriedade, é que dá direito à

EDP, enquanto quiser, a prorrogar, por sua iniciativa, quantas vezes quiser, ad aeternum»

Ao contrário do que assevera o ex-diretor geral Miguel Barreto, este contrato de direito de superfície está

longe de ser um direito de propriedade. Nos termos das já transcritas cláusulas 25.1.1 e 26.1.1, a REN tinha a

opção de, em 2017, determinar unilateralmente a interrupção do direito de superfície, mesmo antes do fim do

prazo contratado (2020), transferindo para a RNT a posse sobre as instalações e terrenos da central.

Esse direito de opção da REN, previsto no CAE, cessou com este em 2007. De imediato, quando ainda

faltavam treze anos para o termo da vigência do contrato de direito de superfície assinado com Gabinete da

Área de Sines (GAS, Estado), a EDP comunicou a sua intenção de o renovar.

Entretanto, a propriedade e posse dos terrenos inicialmente geridos pelo GAS tinha passado para o

IAPMEI (que os entregou à gestão da AICEP Global Parques). De acordo com o contrato original, esta

prorrogação dependeria apenas da demonstração de vontade pela superficiária, a EDP. Uma recusa pela

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parte do fundeiro deveria basear-se em «fundamento legal» ou «violação do contrato». A AICEP Global

Parques automaticamente reconheceu aquela pretensão e definiu como novo prazo o ano 2060.

1.1.3 Dos custos de desmantelamento das centrais

No seu depoimento na CPIPREPE, o presidente do conselho de administração da EDP, António Mexia,

defendeu que «no âmbito da extinção dos CAE, a EDP ficou responsável pelo pagamento dos custos de

desmantelamento». No mesmo sentido, o ex-Diretor-Geral de Energia, Miguel Barreto, argumentou:

«O CAE dava o direito a que a EDP dissesse: ‘Não quero prorrogar’ e, então, aplicava-se a tal alínea a) e a

REN tinha de tomar posse do sítio, não lhe podia tocar, não podia concursar e o consumidor português tinha

de pagar o desmantelamento todo da central. Portanto, efetivamente, aqui, em termos de equilíbrio, a EDP

quando assinou o CMEC, perdeu o direito a ver os custos de desmantelamento pagos pelo setor elétrico. Isso

é inequívoco! Em termos de equilíbrio, relativamente à assinatura do CMEC, faz com que a EDP perca o

direito de ser o setor elétrico a pagar o desmantelamento da central. E estamos a falar de um valor superior a

100 milhões de euros! (…) Lembro que a Agência Internacional de Energia estima o custo de

desmantelamento de uma central em mais ou menos 5% do investimento.»

No entanto, a passagem do SEN para a EDP da obrigação do desmantelamento da central de Sines – que

a ERSE avalia em 73 milhões de euros – não se encontra nos acordos de cessação nem no Decreto-Lei n.º

240/2004. Solicitada a demonstrar o suporte legal ou contratual dessa sua alegada obrigação, a EDP remeteu

à CPIPREPE um conjunto de documentos que em nada suporta aquela alegação.

Contra a alegação da EDP, existe ainda o precedente da central do Barreiro, que também ocupava

terrenos com direitos de superfície constituídos. Estando obsoleta à data do final do CAE, a central passou

para a posse do Estado e o seu desmantelamento foi pago pelos consumidores de eletricidade na sequência

do reconhecimento pela DGEG e pela ERSE da sua repercussão tarifária (na revisão do encargo fixo das

revisibilidades anuais dos CMEC de 2010 e 2011), num total de 3,1 milhões de euros.

Finalmente, no cenário base da avaliação económica da prorrogação da prorrogação da central de Sines, a

ERSE assume que aqueles custos – avaliados em 73 milhões de euros – não são da EDP (ainda que

apresente também o caso oposto como cenário alternativo).

Em síntese, sob o CAE da central de Sines:

– ambas as hipóteses de extensão do funcionamento da central previstas pelo CAE – mediante venda do

terreno ou extensão da produção – implicavam uma transferência de valor da EDP para a REN. É sobre essa

transferência que, no fim do CAE, se deveria «iniciar negociações» (cláusula 25.1.1);

– na ausência de acordo entre EDP e REN para uma extensão ou para a venda do terreno no final do

contrato, a REN podia interromper o direito de superfície, tomar posse do sítio e desmantelar a central; neste

caso, não haveria lugar a qualquer indemnização à EDP: tanto o CAE como o próprio direito de superfície

ligam eventuais montantes indemnizatórios ao valor residual da central (por amortizar) no momento da

resolução (igual a zero desde 2017);

– os custos com o desmantelamento da central constituem encargo do Estado;

1.2 As definições do Decreto-Lei n.º 240/2004

Ao condicionar a cessação antecipada dos CAE à atribuição de licenças de produção não vinculadas (sem

prazo) aos centros electroprodutores afetados, o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 240/2004 tratou diferentemente

as centrais hídricas e as termoelétricas. Às primeiras, impunha como prazo o termo da concessão do domínio

hídrico, no termos da alínea vii) do ponto 1 do artigo 4.º:

«Na hipótese de os respectivos produtores pretenderem manter a exploração até ao termo da concessão

do domínio hídrico, ao valor do CAE é deduzido o valor residual dos bens que, nos termos do respectivo título

de concessão, não devessem reverter gratuitamente para o Estado no final do contrato».

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Relativamente às centrais térmicas, não ficou prevista como contrapartida daquela possibilidade qualquer

forma de compensação adicional à prevista no Decreto-Lei n.º 198/2003 – a compra/arrendamento dos

terrenos e a passagem dos custos de desmantelamento para o produtor. Como já descrito, estas

compensações não foram exigidas a central de Sines (a única central térmica que, após o fim do CAE/CMEC

continuou a operar em mercado).

Assim, com a cessação antecipada do CAE, tendo caducado todos os direitos que este constituía, a nova

legislação não previu qualquer transferência de valor da EDP para o SEN pela operação de Sines após 2017.

«Não me apercebi, na altura (…) que o Decreto-Lei n.º 240/2004 abria essa porta [da licença perpétua para

Sines]. De qualquer forma, se está a perguntar como é que avalio, ponho as coisas nos seguintes termos: a

EDP viu remunerado o investimento que fez na central, portanto, obteve uma taxa de remuneração sobre o

investimento; todos os custos que teve foram-lhe pagos; recebeu a amortização da central; (…) recebeu a

amortização do capital; os investimentos que foram realizados na central, por imposição ambiental, foram

pagos pelos consumidores; e, no fim, a central ficou para a EDP. Se me permite esta analogia, é um

bocadinho como eu ir ao banco pedir um empréstimo para comprar casa, pago o empréstimo todo e no fim o

banco diz: «ó meu amigo, há aqui uma alínea qualquer em que nunca ninguém tinha reparado que diz que,

afinal, a casa é minha».

Paulo Pinho, assessor do ministro Carlos Tavares (2002-2004)

Logo em maio de 2004, a ERSE dedicou o ponto 12.3 do seu parecer prévio ao Decreto-Lei n.º 240/2004

precisamente aos «parâmetros e metodologia de cálculo dos CMEC e a prorrogação do prazo das licenças».

Os alertas do regulador focaram-se nas centrais hídricas e na relação entre os prazos dos contratos e licenças

(iguais e mais curtos) e os prazos da concessão do domínio hídrico (mais longos). Mas o princípio afirmado

pela ERSE no parecer aplicava-se inteiramente ao caso de Sines:

«Embora o n.º 2 [do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 183/95] disponha que o prazo do contrato de vinculação

deva ser igual ao prazo de duração da licença, a verdade é que o prazo de utilização do domínio hídrico é

muito superior ao prazo de duração dos contratos de vinculação.

Resulta daqui que, na prática, os termos de formulação da citada alínea [do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-

Lei n.º 240/2004] traduzem uma prorrogação implícita da licença de produção. Assim sendo, esta prorrogação

deve ter uma tradução económica a favor do sistema eléctrico, devendo ser levada em linha de conta na

determinação dos CMEC. A não ser assim, está-se a conferir aos produtores, sem qualquer correspondência

no sistema eléctrico, vantagens que não resultam dos CAE se estes contratos fossem cumpridos nos seus

precisos termos. Ora, para além da imediata prorrogação da licença ser questionável à luz dos princípios da

Directiva 2003/54/CE, já que não confere aos interessados igualdade de oportunidades e de tratamento, a

ausência de correspondência económica no sistema eléctrico torna este acto ilegítimo. Donde, importaria

adoptar uma disposição expressamente aplicável à prorrogação das licenças».

(Parecer ERSE ao Decreto-Lei n.º 240/2004, entregue ao governo em maio de 2004)

Assim, para a ERSE, era «questionável» a ausência de concurso para atribuição da exploração das

centrais no período adicional ao previsto no CAE. Mas a «ausência de correspondência económica no sistema

elétrico» foi antevista e severamente condenada. Este alerta não foi levado em conta no Ministério da

Economia. Em julho de 2004, com a mudança de governo, Carlos Tavares deixou a Álvaro Barreto a equipa

para a Energia e o projeto de Decreto-Lei criticado pela ERSE –, recusou na CPIPREPE a sua

responsabilidade na redação da lei:

«Daqui a um bocado o Sr. Deputado ainda vai dizer que qualquer coisa que aconteça em 2023 é porque

estava a porta aberta no Decreto-Lei n.º 240/2004… Que não é meu, atenção!…»

Carlos Tavares, Ministro da Economia (2002-2004)

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Na Comissão de Inquérito, os restantes membros do governo que prepararam (Franquelim Alves) e

aprovaram (Manuel Lencastre) o Decreto-Lei n.º 240/2004 não responderam a respeito deste tema.

«Não tenho memória de qualquer tipo de discussão sobre esse tema [operação de Sines após 2017] nem

sequer a noção de que, por via do decreto-lei que estava em discussão no meu tempo…».

(Franquelim Alves, secretário de Estado Adjunto do ministro da Economia, 2002-2004)

«Álvaro Barreto não se recorda de ter recebido qualquer alerta para o parecer da ERSE sobre o tema

CMEC. Diz que o processo legislativo vinha de trás e que o tema foi tratado pelo seu então secretário de

Estado adjunto, Manuel Lancastre».

(Observador, 16 de junho de 2017)

«Esta matéria tinha passado pelas várias entidades reguladoras que tinham dado pareceres nesta matéria

e eram pareceres grandes. (…) O XV governo [Durão Barroso] não incorporou aqueles [contributos] que,

legitimamente, entendeu não incorporar. (…) Devo ter lido a introdução, as conclusões, que é aquilo que faço

quando os documentos são muito grandes».

(Manuel Lancastre, secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, 2004-2005)

«Em relação à questão do Eng.º Álvaro Barreto não conhecer o estudo da ERSE, só pode ser outra

surpresa. Não sei se ele terá dito isso assim. Até por uma razão simples: o Prof. Ricardo Ferreira continuou a

ser assessor do Eng.º Álvaro Barreto».

(Carlos Tavares, Ministro da Economia, 2002-2004)

No entanto, já antes dos alertas da ERSE, a «prorrogação implícita da licença de produção» citada pelo

regulador resultava evidente, em função dos novos investimentos planeados para a central. A equipa que

preparou o Decreto-Lei n.º 240/2004 estava muito informada desse processo: Ricardo Ferreira (Adjunto do

Ministro Carlos Tavares), João Conceição (assessor do Secretário de Estado Franquelim Alves) e o Diretor-

Geral da Energia, Jorge Borrego (depois substituído por Miguel Barreto), acompanharam pessoalmente a

transposição para a ordem interna das obrigações da Diretiva 2001/80/CE, relativa às emissões de certos

poluentes provenientes de grandes instalações de combustão, e foram encarregados de conduzir junto da

Comissão Europeia o processo de autorização investimentos ambientais previstos para as duas maiores

centrais a carvão, Sines e Pego.

Esses investimentos ambientais – que vieram a orçar em 320 milhões de euros no caso de Sines –

prolongaram a vida útil destas centrais muito para além do prazo do CAE e do fim da sua amortização, tendo

sido pagos e remunerados pelos consumidores. Ao invés, a outorga de licenças sem prazo que permite aos

produtores usufruir desses equipamentos por um período adicional não foi «levada em linha de conta na

determinação dos CMEC», como a ERSE defendeu junto do governo na preparação do Decreto-Lei n.º

240/2004.

Outro argumento a ponderar é aquele que foi apresentado por Miguel Barreto acerca da incorporação pelo

Estado, através da receita das privatizações, do valor da prorrogação da central de Sines:

«Esse valor económico que estava nos balanços da EDP foi atribuído em 26 de setembro de 1996 e foi

apropriado pelo Estado».

(Miguel Barreto)

Esta afirmação carece de sustentação, visto que a única informação oficialmente disponível para os

investidores que acorreram às diferentes fases da privatização da EDP era a dos documentos do planeamento

do SEN, a qual sempre enunciou o descomissionamento de Sines no final do CAE, em 2017.

«Nos relatórios de monitorização de segurança de abastecimento, a REN sempre considerou que, a partir

do dia 31 de dezembro de 2017, não havia Sines; o que havia eram novos grupos de ciclo combinado ou,

então, grupos a carvão, porque estavam reservados, por um decreto antigo, 800 MW de carvão de novas

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tecnologias de eliminação do CO2, etc., etc. Portanto, (…) a REN, a partir de 31 de dezembro [de 2017], tinha

Sines a zero. Era a informação que tínhamos! Nós não sabíamos disto!»

(Victor Baptista, administrador da REN até 2010)

«O Decreto-Lei n.º 29/2006 estabelece o princípio de que o regime que se aplica à produção ordinária é o

regime de mercado. (…) Um ano antes de se atingir o fim do prazo dos CAE devia ser organizado um

concurso público. Explicitamente, isso resulta da conjugação dos CAE — a cláusula 26.1.1. existe em todos os

CAE —, com o Decreto-Lei n.º 29/2006, verificando-se que o concurso público é mesmo obrigatório ou,

melhor, seria obrigatório.»

(Vítor Santos, ex-presidente da ERSE – 2007-2017)

A própria atribuição de uma licença sem prazo em 2007 não podia ser do conhecimento dos potenciais

investidores. Além de não ter sido comunicada à ERSE, não foi do conhecimento público nem sequer do setor,

como atestam diversos depoimentos:

«A Autoridade da Concorrência não foi chamada a pronunciar-se. Numa análise estrita de ajuda de Estado,

isso [a operação de Sines após 2017 sem compensação ao sistema] não faz qualquer sentido».

(Abel Mateus, presidente da AdC, 2003-2008)

«A REN não teve qualquer conhecimento sobre a licença de Sines! Qualquer conhecimento! Não sabíamos

da extensão… Soubemos mais tarde, claro! Já em 2012 ou 2013».

(Victor Baptista, administrador da REN até 2010)

«Não sei em que condições é que foi atribuída esta extensão e, de facto, a existência ou a falta de

contrapartidas não foi tema de que eu tivesse conhecimento na altura».

(Rui Cartaxo, adjunto do ministro da Economia, Manuel Pinho, 2005-2008)

«As empresas não pagam licenças, as licenças são todas dadas, não é?! Portanto, nesse caso, não sei

responder com exatidão, peço desculpa, posso tentar informar-me, mas as licenças de produção são dadas,

são gratuitas».

(Manuel Pinho, ministro da Economia, 2005-2008).

Em síntese, a cessação do CAE de Sines:

– não teve em conta a legislação posterior a 2004 que remetia a produção ordinária a regime de mercado

e a procedimentos concorrenciais;

– tirou à REN a capacidade de interromper o direito de superfície cedido pelo Estado à EDP;

– ocorreu em paralelo com avultados investimentos ambientais previstos no Decreto-Lei n.º 240/2004,

pagos pelos consumidores e que permitem a extensão da operação da central para além de 2017;

– ocorreu após alerta da ERSE para a ilegitimidade da prorrogação de prazos contratuais sem

compensação económica para o SEN;

– eliminou a atribuição ao SEN da responsabilidade pelo desmantelamento da central de Sines,

expressamente prevista no CAE, sem a redefinir de qualquer forma; em última análise, aquela

responsabilidade mantém-se no fundeiro do direito de superfície – o IAPMEI (Estado);

– constituiu uma nova ajuda de Estado à EDP (não comunicada à Comissão Europeia em 2004 nem

depois) e uma distorção à concorrência;

– constituiu uma vantagem para os acionistas, que, na privatização da empresa, não incorporaram nas

suas ofertas o valor desta prorrogação, que só podiam desconhecer, dado que toda a informação

disponível apontava o descomissionamento de Sines para 2017 (cf. prospetos das várias fases de

privatização; Relatórios de Monitorização da Segurança do Abastecimento até 2014).

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1.3 Valorização económica da prorrogação de Sines

A única avaliação económica da prorrogação da central de Sines conhecida publicamente é a que a ERSE

entregou ao governo, a pedido deste, em fevereiro de 2018. Essa avaliação considera a operação da central

por 8 anos adicionais, até 2025. No cenário base, o valor atualizado líquido (VAL) da prorrogação será de 951

milhões de euros. Este valor económico será afetado pela redução da isenção de ISP introduzida no

Orçamento do Estado para 2018, mas ainda assim é positivo em centenas de milhões de euros.

Segundo a ERSE, o VAL positivo da exploração da central baixa para 571 milhões de euros num cenário

desfavorável em que o carvão e o CO2 custam mais 50% e 35%, respetivamente, e em que o

desmantelamento da central, estimado em 73 milhões de euros, é reconhecido como encargo da EDP.

2. A prorrogação da central do Pego para além do prazo do CAE

Não tendo sido objeto de cessação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 240/2004, o CAE da Central do Pego,

assinado entre a REN e a Tejo Energia mantém-se em vigor e termina a 31 de dezembro de 2021. Nestas

circunstâncias, não houve lugar à aplicação do Decreto-Lei n.º 240/2004, pelo que a licença de produção

caduca quando terminar o CAE.

Ao contrário da central de Sines, os terrenos da central do Pego foram adquiridos pelo titular da licença de

produção ao abrigo do Decreto-Lei n.º 198/2003, o que significa que houve a transmissão dos direitos e

obrigações relacionados com a propriedade e posse do terreno da central, incluindo o desmantelamento da

central.

Essa compra não resultou de necessidade imposta por cessação do CAE (que não ocorreu) mas por

simples interesse das partes, Tejo Energia e REN, que assinam em maio de 2005 um contrato promessa de

compra/venda do terreno. As mesmas partes que, simultaneamente à venda, em maio de 2007, assinaram um

«acordo de emenda» ao CAE (ammendment agreement) em que a REN renuncia a um conjunto de direitos,

desde logo o direito à reversão dos terrenos e da central no termo do CAE, e se obriga a proporcionar à

central do Pego todas as condições técnicas para a prorrogação da sua produção. Nesse acordo de emenda

ao CAE, a Tejo Energia assume os custos com seguros e os encargos do descomissionamento e

desmantelamento da central.

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«A Tejo Energia, quando adquire o terreno da central do Pego, no ano de 2005 ou de 2007, já tinha um

direito de superfície, pelo qual pagámos 27 milhões de contos, que foi pago logo à cabeça, e (…) comprou a

possibilidade de ter a propriedade [do terreno e da central] após 2021. (…) Há uma escritura pública.

Compramo-la à REN por 23 milhões de euros e assumimos o seu desmantelamento».

Beatriz Milne, CEO da Tejo Energia

Em 2004, os terrenos da central foram avaliados por duas instituições financeiras em 118 milhões de euros

e 157 milhões. Menos de um mês depois essas avaliações foram revistas em baixa para um intervalo entre

quatro e 36 milhões, acabando por ser feita a venda por 23 milhões, valor proposto pela REN e mais tarde

aprovado pelo diretor geral de energia, Miguel Barreto. A CPIPREPE não logrou esclarecer os fundamentos

dessa modificação.

Em face dos parâmetros para a avaliação dos terrenos das centrais térmicas, definidos na Portaria n.º

96/2004 e seguidos pela consultora CPU e pela Caixa BI, verifica-se que os valores avaliados refletem apenas

critérios estritamente imobiliários, não incluindo qualquer parcela relativa à central. Assim, o valor económico

da possibilidade de operar a central do Pego após 2021 nunca foi objeto de qualquer avaliação específica,

tendo a REN e a Tejo Energia assinado o acordo de emenda ao CAE, em 2007, em torno de dois valores

parciais: um presente, o do solo (23 milhões), e outro futuro, o desmantelamento da central (não avaliado

formalmente mas cujo custo a Tejo Energia estima hoje em 40 a 50 milhões de euros, cf. audição de Beatriz

Milne).

Assim, após 31 de dezembro de 2021, a Tejo Energia fica na posse dos equipamentos que compõem a

central, mas não a pode explorar porque não detém licença de produção válida. A própria empresa reconhece

que a questão da prorrogação do funcionamento da central está dependente da emissão de uma licença de

produção não-vinculada, que permita a operação futura nos termos estabelecidos no acordo de emenda ao

CAE. E que essa emissão pode ser objeto de negociação específica:

«O CAE da Tejo Energia acaba a 30 de novembro de 2021. São 28 anos, estamos agora a cumprir 25,

precisamente no mês de novembro [de 2018], a partir daí a licença expira e, portanto, não sei se iremos

continuar ou se haverá algum tipo de negociação».

(Beatriz Milne, presidente executiva da Tejo Energia)

Um elemento essencial dessa futura avaliação é relativa aos investimentos ambientais realizados na

central do Pego (e também em Sines, tal como referidos atrás). Em junho de 2007, logo após a venda dos

terrenos e a assinatura do acordo de alteração ao CAE, a ERSE alertava para que, no final do CAE do Pego,

os equipamentos ambientais pagos pelos consumidores ainda mantêm um valor relevante:

«Dado que o tempo de vida útil do equipamento ambiental não é coincidente com o tempo de vida útil do

restante equipamento da central, será necessário acautelar que, decorrido o prazo contratual previsto no CAE,

o valor real de mercado deste equipamento seja determinado e encontrada uma forma de o fazer reverter para

o SEN através das tarifas.

Com efeito, tratando-se de um CAE, era suposto, no termo da caducidade deste contrato, o centro

electroprodutor reverter para a concessionária da RNT [REN] nos termos do Decreto-Lei n.º 183/95, de 27 de

julho. Todavia, não tendo a legislação do sector elétrico recentemente publicada previsto esta situação, a

natureza desta matéria aconselha a que venha a ser adotada legislação específica que regule a eventual

revisão dos bens das centrais a operar no âmbito do Sistema Elétrico de Serviço Público vinculado ao abrigo

do citado diploma».

(carta do presidente da ERSE, Vítor Santos, ao Diretor-Geral de Energia, Miguel Barreto, 6 junho de 2007)

Conclusões

Registando a controvérsia havida sobre esta questão nos diversos depoimentos em comissão, é possível

concluir que:

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1. A Tejo Energia, nos termos do CAE, terá de negociar o quadro económico de uma eventual extensão da

operação da central do Pego para além do prazo do contrato (2021). No entanto, no caso da central de Sines,

o Decreto-Lei n.º 240/2004 possibilitou a prorrogação da sua operação para além do prazo do CAE (2017)

sem prever qualquer forma de compensação ao SEN. No cenário base usado pela ERSE, a prorrogação da

central de Sines por oito anos (até 2025) sem correspondência económica no SEN, ainda que legalmente

enquadrada, é geradora de uma vantagem para a EDP de 951 milhões de euros.

2. Quanto ao Pego, a ausência de qualquer avaliação específica sobre o valor da extensão da operação

não permite considerar a aquisição dos terrenos e a assunção do encargo do desmantelamento como

adequada compensação ao SEN. Este ponto é aliás reconhecido pela própria Tejo Energia que, na

CPIPREPE e nos termos do próprio CAE, demonstrou abertura à negociação.

Recomendações

1. O governo, tal como já fez em relação a Sines, deve solicitar à ERSE uma avaliação do valor económico

da prorrogação do funcionamento da Central do Pego;

2. Em ambos os casos, devem ser propostas negociações aos produtores para a definição das

compensações a pagar ao SEN por estas prorrogações;

3. Não havendo disponibilidade negocial ou acordo satisfatório, as soluções legislativas a encontrar devem

incluir:

a. A adequação do valor da renda paga pela cessão onerosa dos terrenos da central à recuperação

integral do valor económico da extensão (cláusula terceira, número dois, do contrato de direito de superfície:

«o preço será atualizado de acordo com as disposições legais em cada momento aplicáveis»);

b. A antecipação da cobrança integral do ISP as estas centrais e, complementarmente, de um adicional ao

ISP para os níveis de emissões destas centrais, a vigorar até à integral recuperação dos valores

correspondentes à prorrogação da operação das centrais de Sines e do Pego.

4. Quanto à recuperação pelo SEN, no momento do descomissionamento, do valor real de mercado dos

equipamentos ambientais do Pego e de Sines, pagos pelos consumidores:

Legislar no sentido da proposta da ERSE em 2007.

5. Os valores assim recuperados devem aplicar-se na eliminação do défice tarifário.

Capítulo 3

Remuneração dos terrenos da REN e extensão do prazo de concessão da RNT

1. Contexto e legislação associada

Os ativos que hoje constituem a RNT fizeram parte do Grupo EDP até à desverticalização do SEN em

1994. Nesse contexto, ficaram entregues em concessão à REN da rede de transporte de eletricidade, a gestão

global do sistema elétrico nacional e a aquisição total da energia gerada no SEN.

O Decreto-Lei n.º 183/95 atribuiu à entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de energia

elétrica (RNT) – a REN – a utilização do domínio público hídrico (DPH) para a instalação de aproveitamentos

hidroelétricos, ficando esta autorizada a subconceder aquela utilização em contratos próprios.

O Decreto-Lei n.º 182/95 prevê que os terrenos do domínio público na posse da REN e que estejam

ocupados pelas centrais eletroprodutoras sejam remunerados através de rendas repercutidas nas tarifas

pagas pelos consumidores.

No ano 2000 o Estado concessionou à REN, pelo prazo de cinquenta anos, os ativos da RNT, nos quais se

incluíam os terrenos do domínio público hídrico. Simultaneamente, o Estado adquiriu 70% do capital da REN.

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Para a determinação do valor de aquisição do capital pelo Estado, contribuiu o valor contabilístico dos terrenos

do domínio público hídrico não afetos à exploração de centrais electroprodutoras.

É, neste contexto, que a REN a ser remunerada pelo valor de renda dos terrenos do domínio público

hídrico em regime de não-exploração, valor este que deveria ser fixado anualmente pela ERSE.

Esta situação criou, nas palavras de Cristina Portugal, presidente da ERSE, um conflito entre o regulador e

o regulado pois a ERSE (que deve determinar essa taxa) não reconhece esses ativos para efeitos de

remuneração. O regulador, em 2013, no seu parecer sobre o projeto de Portaria n.º 301-A/2013, volta a

lembrar a sua posição:

«A pretensão da REN não encontra suporte no quadro de atividades que constituem a génese da atribuição

da concessão, da qual aquela parcela constitui componente residual. A aceitação de uma taxa de

remuneração sobre os terrenos corresponderia a aceitar uma taxa de remuneração sobre a atividade de

aquisição de energia elétrica.»

Nesse sentido a ERSE fixou, durante os anos de 1999 a 2003, uma taxa de remuneração para os terrenos

do DPH correspondente a 0%.

«Eu não conseguia perceber, em primeiro lugar, porque é que um ativo que fazia parte do domínio público

hídricopertencia ao balanço da REN e, fazendo parte desse balanço, por que razão é que deveria ser

remunerado. Mais: por que razão é que, face a uma situação destas, devia ser a ERSE a estabelecer essa

remuneração?»

(Vítor Santos, presidente da ERSE 2007-2017)

O Decreto-Lei n.º 198/2003 passa a prever a remuneração anual dos terrenos dos centros

electroprodutores e do domínio público hídrico na posse da entidade concessionária da RNT, que os pode

vender ou arrendar, enquanto o Decreto-Lei n.º 153/2004 prevê que esta remuneração seja repercutida nas

tarifas dos consumidores.

«A remuneração dos terrenos não estava explícita nos CAE, portanto, ali, houve uma margem de

interpretação muito alargada, houve, naturalmente, uma pressão muito forte das empresas sobre sucessivos

governos, não foi só sobre um, foi sobre sucessivos governos — estou completamente à vontade, como sou

independente de partidos políticos para poder dizer isto. (…) O que ficou estabelecido foi que seria a ERSE

quem determinaria a taxa de remuneração dos mesmos e a ERSE determinou, então, que essa taxa seria de

0%. Se a remuneração desses terrenos é de 0%, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 240/2004 não pode representar

um sobrecusto de 408 milhões de euros, como está referido no parecer da ERSE [Parecer da ERSE sobre o

Projeto de Decreto-Lei CMEC, Maio 2004].»

(Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1997-2007)

No seu parecer ao que viria a ser o Decreto-Lei n.º 240/2004, em maio de 2004, a ERSE pronuncia-se

quanto aos sobrecustos gerados, na transição dos CAE para os CMEC, pela Portaria n.º 96/2004, que redefine

a taxa de remuneração dos terrenos e a aplica retroativamente a 1999. Segundo a ERSE, a remuneração dos

terrenos levará a 408M€ de sobrecusto, de 1999 até ao fim dos CMEC. Nesse sentido, recomenda que a

remuneração dos terrenos seja eliminada destes contratos.

A portaria retira à ERSE a fixação da taxa de remuneração dos terrenos, que passa a ser incumbência do

próprio Ministério da Economia:

«A remuneração anual deve ser calculada à taxa swap interbancária de prazo mais próximo ao horizonte

de amortização legal dos terrenos em causa, verificada no primeiro dia de cada período, divulgada pela

Reuters, acrescida de 50 basis points. Para efeitos da compensação do desvio tarifário ocorrido entre 1999 e

2003, a remuneração anual deve ser calculada à taxa de 6,5 pontos percentuais».

(Portaria n.º 96/2004)

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«A ERSE acatou, naturalmente, a decisão e passou a remunerar aqueles terrenos. Se me perguntar se

aquilo tem lógica económica, digo que não tem. (…) Foi uma medida para valorizar a empresa, porque havia

mais uma fase de privatização e havia que aumentar, por esta via, o valor da empresa».

(Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1997-2007)

Em 2007, o ministro Manuel Pinho revê o regime de remuneração dos terrenos da REN com vista a reduzir

custos:

«[A remuneração anual deve ser calculada] utilizando a taxa de variação média dos últimos 12 meses do

índice de preços no consumidor [inflação], publicada pelo INE relativamente ao mês de Setembro do ano

anterior ao de amortização legal dos terrenos em causa. A taxa é aplicada a partir de 1 de Julho de 2007, para

o cálculo da compensação do valor remanescente do desvio tarifário ocorrido entre 1999 e 2003.»

(Portaria n.º 481/2007)

Já em 2010 na sequência de uma variação negativa da inflação (-0,9% em 2009) a remuneração dos

terrenos é alterada pela Portaria n.º 542/2010, passando a ser calculada:

«(…) À taxa swapinterbancária de prazo mais próximo ao horizonte de amortização legal dos terrenos em

causa, verificada no 1.º dia de cada período, divulgada pela Reuters, acrescida de 50 basis points».

Carlos Zorrinho explica as motivações do governo para a alteração ocorrida em 2010, que veio a aumentar

o valor da renda recebida pela REN:

«Eu deparei-me com uma empresa pública, de que eu tinha a tutela indireta. (…) Havia um capital não

remunerado no balanço que afetava os rácios financeiros numa altura em que a REN (…) tinha um potencial

de investimento forte – aliás, incentivámos a REN a investir no armazenamento de gás no mercado (…) e

incentivámos a REN para se expandir para fora do país (…) Era óbvio que, na decorrência da compra dos

terrenos da REN à EDP, sendo que a EDP era remunerada, a REN iria exigir uma remuneração. (…) A

compra, isto é, fazer a REN comprar estes terrenos à EDP foi um erro».

(Carlos Zorrinho)

A Portaria n.º 301-A/2013 vem introduzir a terceira alteração à Portaria n.º 96/2004, revendo em baixa a

remuneração dos terrenos hídricos. A taxa de remuneração é indexada à avaliação de desempenho da

entidade concessionária da RNT feita por auditoria (já prevista no artigo 23.º-A do Decreto-Lei n.º 29/2006,

nunca aplicado até 2014), dirigida em particular á obrigações da REN quanto à realização dos testes de

disponibilidade, ao cálculo da revisibilidade dos CMEC e ao funcionamento do mercado dos serviços do

sistema. Esta medida resulta num decréscimo de encargos relativamente aos anos anteriores. No entanto, no

seu parecer,

«a ERSE continua a achar prudente uma clarificação jurídica relativamente à possibilidade de se aplicar ao

domínio público hídrico qualquer “renda” que se destine a uma determinada empresa que, por autorização

expressa através de contrato de concessão, outorgou o seu uso.»

2. Custos imputados aos consumidores

Em 2004,o parecer da ERSE sobre o projeto de decreto-lei dos CMEC estima a remuneração retroativa dos

terrenos em 408 M€, recomendando que a remuneração dos terrenos seja excluída pelo Decreto-Lei.

Em 2006, já ao abrigo da Portaria n.º 96/2004, a remuneração retroativa dos terrenos é estimada em 228

M€, a pagar em 10 anos, elevando os custos com os terrenos em 2006 a 68 M€.

Com a Portaria n.º 481/2007, os custos anuais com a remuneração dos terrenos hídricos baixam de 56 M€

para 17 M€, o que representa um decréscimo de cerca de 70%, devido à indexação ao consumo que baixa

durante esses anos.

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Com a Portaria n.º 542/2010, existe um aumento de custos anuais de cerca de 10 M€, de 13M€ para cerca

de 24 M€.

Gráfico 4 – Evolução dos custos com os terrenos hídricos (Fonte: documentos anuais, Proveitos permitidos ERSE)

Só em 2014, com o efeito da Portaria n.º 301-A/2013, o custo com a remuneração dos terrenos volta a

descer, mantendo-se até ao ano de 2019, em cerca de 13M€ anuais. Esta portaria enuncia como objetivo

incentivar a REN a desempenhar as suas responsabilidades de modo eficiente e tabela a remuneração a

aplicar em função da nota de desempenho. O novo regime manteve este custo estável como resultado de

sucessivas auditorias anuais com nota 3, que correspondem a uma taxa de remuneração de 0,1%. A ERSE no

seu documento anual de proveitos permitidos e ajustamentos para 2019 adianta ainda que desde 2015 não

foram realizados relatórios de desempenho, pelo que assumiu uma taxa nula.

Desde 2006 até à presente data, o montante acumulado de remuneração dos referidos terrenos, totalizou

cerca de 330 milhões de euros, dos quais, segundo a REN, cerca de 76% respeitam exclusivamente à

componente de «amortização anual dos terrenos», componente esta que é aceite pela ERSE e nunca foi por

esta questionada.

Assim sendo, dos 330 milhões de euros enunciados, 79 milhões são contestados pela ERSE.

3. Extensão do Contrato de Concessão da RNT à REN por 7 anos adicionais

Em 2007 foi assinado um novo contrato de concessão da RNT à REN, com base na publicação do Decreto-

Lei n.º 172/2006. Este contrato consagrou, a título gracioso, uma prorrogação de sete anos do período da

concessão. Nesse momento, 30% da REN pertenciam à EDP, que por sua vez era já detida a 70% por capital

privado.

O valor económico desta prorrogação de prazo não foi apurado pela CPIPREPE. Todavia, a título

indicativo, é possível referir que esta prorrogação representou um acréscimo na ordem de 16% ao prazo inicial

de concessão.

Conclusões

1. Os consumidores de eletricidade pagaram cerca de 330 milhões de euros à REN, a título de custo de

interesse económico geral, para remunerar a posse pela empresa de terrenos do domínio público.

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2. No contexto da desintegração vertical do Grupo EDP, a REN pública adquire o estatuto de

concessionária dos terrenos do domínio público hídrico.

3. Como sempre assinalou a ERSE, não haveria justificação para a remuneração da REN – empresa

100% estatal – pela detenção deste ativo público. A introdução desta remuneração teve como única

justificação a valorização da REN na perspetiva da privatização parcial da empresa, que teve lugar em 2007.

4. A constante alteração dos critérios e níveis desta remuneração conduziu a grandes oscilações ao longo

dos anos, tendo chegado a registar valores negativos, o que levou a grande instabilidade e falha nas

estimativas dos impactos tarifários.

5. Na atual situação, a alteração em 2014 da definição legal do objetivo deste custo de interesse

económico geral (CIEG) – que deixou de ser simples remuneração do ativo para passar a constituir estímulo à

sua gestão eficiente –, não modifica a opção de fundo: remunerar a concessionária dos terrenos do domínio

público hídrico pela posse desses terrenos, mantendo nas tarifas um CIEG sem legitimidade: os consumidores

pagam a um operador 100% privado pela detenção nos seus ativos de um ativo do domínio público.

6. Os acionistas da REN (Estado e EDP privada) beneficiaram em 2007 de uma extensão gratuita do prazo

de concessão da RNT por sete anos adicionais e sem qualquer contrapartida conhecida, em vésperas da

privatização parcial da empresa naquele ano. O valor económico deste benefício não está determinado,

podendo, no caso do Estado, ter-se refletido na receita da subsequente privatização e sendo, no caso da EDP,

acumulado como mais-valia.

Recomendações

1. Eliminação da remuneração do ativo líquido dos terrenos estabelecida pela Portaria n.º 301-A/2013.

2. Apurar o valor económico da extensão gratuita do prazo de concessão da REN.

Capítulo 4

Remuneração da Produção em Regime Especial

1. Introdução

No âmbito da adoção de políticas destinadas a incentivar a produção de eletricidade através da utilização

de recursos endógenos renováveis ou de tecnologias de produção combinada de calor e eletricidade, foi

criada a Produção em Regime Especial (PRE).

A partir de 2001, a União Europeia reconheceu a necessidade de apoio ao desenvolvimento da produção

de energia de fonte renovável. Esta orientação foi seguida por Portugal, conduzindo à previsão legal de

regimes de remuneração garantida, entre eles o das feed in tariffs (FIT), concedidos à produção de energia

proveniente, entre outras, de fontes eólica, biomassa e fotovoltaica.

A tarifa feed-in incorpora todos os custos evitados por montantes equivalentes de instalação de potência

em energias convencionais, custos de investimento, operacionais, ambientais e de perdas na rede. Acresce

que a energia produzida por estas centrais entra na rede de transporte e distribuição antes de todas as outras,

isto é, as suas vendas estão garantidas ao valor da FIT. Esta dupla proteção e aquele diferencial entre preço

de mercado e tarifa subsidiada originam custos suportados pelo sistema energético e pelos consumidores que

não são visíveis na taxa de remuneração do investimento realizado pelos produtores de renováveis.

Hoje, Portugal tem cerca de 8.1 MVA de potência instalada em regime de PRE (ver tabela seguinte). A

energia eólica é dominante neste regime, representando cerca de 70% de toda a PRE.

Fonte Potência Instalada (MVA)

Biogás 77.24

Biomassa 150.28

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Fonte Potência Instalada (MVA)

Cogeração 976.89

Cogeração Renovável 463.84

Eólica 5,648.85

Fotovoltaica 295.94

Hídrica 423.76

Resíduos Sólidos Urbanos 94.76

Fonte – Portal da ERSE (dados de Outubro 2018)

A primeira fase de crescimento da energia eólica em Portugal dá-se entre 2001 e 2002, quando são

atribuídos direitos de ligação à rede de parques eólicos num total de 2300 MW. Mais tarde, o Decreto-Lei n.º

33‐A/2005 introduziu alterações legais ao quadro remuneratório, atualizando fatores para o cálculo do valor da

remuneração garantida, estabelecendo um prazo considerado suficiente para permitir a recuperação do

investimento efetuado e o cumprimento da expectativa dos promotores quanto ao seu retorno económico.

No caso das centrais eólicas, o Decreto-Lei n.º 33-A/2005 definia que esta remuneração era aplicável

apenas aos primeiros 33 GWh entregues à rede (por megawatt de potência instalada) e por um limite máximo

de 15 anos. No quadro deste diploma, o Ministério da Economia e Inovação lançou um concurso público

internacional em Junho de 2005 para a atribuição de 1600 MVA. A primeira fase do concurso, ganho pelo

consórcio ENEOP, obrigava a que fosse criado um cluster industrial associado à produção de aerogeradores.

É hoje amplamente reconhecido que estas políticas de incentivo às energias renováveis, em particular as

FIT, foram importantes para promover investimentos em tecnologias que o país precisava de desenvolver com

vista a atingir metas ambientais.

Porém, considerando o peso do sobrecusto da PRE (a diferença entre a tarifa garantida à produção

renovável e o preço do mercado grossista) na componente de custos de interesse económico geral incluída na

tarifa paga pelos consumidores, a CPIPREPE procurou averiguar a adequação destas FIT e a eventual

existência de rendas excessivas paga à PRE.

Assim, a CPIPREPE discutiu duas questões principais: 1) as taxas de rentabilidade asseguradas aos

produtores através das FIT; 2) no caso da produção eólica, a eventual existência de ganhos dos produtores

decorrentes de maior eficiência da tecnologia aplicada, resultantes de atraso no licenciamento e construção de

parques eólicos.

Para além destes pontos, foi ainda dada especial atenção aos impactos tarifários, presentes e futuros, do

Decreto-Lei n.º 35/2013 que assegura à produção eólica garantias de preços por mais alguns anos. A este

ponto é dedicado o capítulo 11 deste relatório.

2. Taxas de rentabilidade na PRE

Em 2012, o relatório produzido no âmbito da aplicação da medida 5.15 do Memorando de Entendimento

com a troika concluiu que existe uma renda excessiva paga na fatura energética aos produtores de

eletricidade abrangidos pela PRE. O relatório preparado pelo então Secretário de Estado Henrique Gomes,

apoiado em estudos das consultoras Cambridge Economic Policy Associates (CEPA) e A.T. Kearney, veio

quantificar um valor de 113 M€/ano respeitante a rendas excessivas pagas à PRE. Deste montante, 54M€/ano

dizem respeito às centrais eólicas e 42 M€/ano às centrais de cogeração. O documento contabiliza esta renda

excessiva a partir da diferença entre as taxas de rentabilidade e o custo médio ponderado do capital (em

inglês WACC) da atividade.

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Na mesma linha, o relatório da ERSE intitulado «Instrumentos para a participação da oferta e da procura na

gestão do SEN», publicado em 2018, veio calcular a taxa interna de rentabilidade (TIR) das centrais com tarifa

garantida, verificando que esta se encontra muito acima dos respetivos WACC, em contraste aliás com a TIR

das centrais térmicas que vão a mercado.

(Taxas de rentabilidade apresentadas no Relatório Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do SEN, ERSE)

Para o regulador, os mecanismos de tarifa garantida são hoje uma forma de distorção da concorrência, na

medida em que atribuem níveis de sobrecompensação implícitos muito acima do restante mercado.

«Subsistem, na realidade nacional, situações distintas:

1. Por um lado, os produtores com remuneração garantida ou enquadrada por um mecanismo legal ou

regulatório, apresentam genericamente valores da TIR superiores aos respetivos WACC, ou, quando muito,

valores aproximados. No caso específico dos PRE com tarifa garantida, os valores das TIR estão muito

claramente acima dos WACC da atividade ou tecnologia.

2. Por outro lado, para os produtores em regime de mercado, concluiu-se pela existência de um

‘desincentivo’ à própria operação no caso das tecnologias térmicas, na medida em que observam TIR

inferiores aos correspondentes WACC. Para os restantes casos – centrais hídricas ou solares fotovoltaicas –

os valores de TIR e WACC estão relativamente alinhados.»

(Relatório ERSE, Outubro de 2018, Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do

SEN)

Carlos Pimenta, chairman do fundo Novenergia (detentor da Generg até 2019), acredita que a rentabilidade

dos projetos eólicos em Portugal está em linha com o que é praticado no resto da Europa. A prova disso, é

que as tarifas praticadas em Portugal são semelhantes à de outros países:

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«Se um parque eólico recebe, em Portugal, uma tarifa que, no momento em que ganhou o concurso, é

equivalente à que foi dada na Alemanha ou na Itália, como é que pode ser mais rentável do que na Alemanha

ou na Itália, se o outro fator que pesa a seguir é o dinheiro e se o custo do dinheiro aqui é mais caro? Não

pode! Não pode!»

Na sua alocução à CPIPREPE, Carlos Pimenta justifica ainda a adequação das FIT pagas aos produtores

eólicos em Portugal com o argumento de que os processos de atribuição de potência eólica resultaram de

concursos:

«O que é que todos estes processos têm em comum? Um, não houve nenhuma atribuição de eólica que

não tivesse sido feita transparentemente em processo concursivo. Esses processos concursivos foram sempre

muito disputados. (…) Nenhum dos processos concursivos lançados em nenhum dos governos — do PS, do

PSD, de todos — teve alguma vez contestação. Nenhum deles!»

(Audição Carlos Pimenta)

O presidente da EDP-Renováveis, João Manso Neto, admite que a rentabilidade das centrais eólicas da

empresa situadas em Portugal é mais elevada do que a das centrais noutros países. Porém, rejeita uma

comparação direta, uma vez que, alega, as centrais eólicas da EDP em Portugal correspondem a projetos

promovidos de raiz, enquanto os parques eólicos da EDP em outros países foram adquiridos em fases mais

avançadas, portanto com menos margem de lucro.

«Por que é que Portugal é mais rentável que outros? Por duas razões muito simples: primeiro, porque a

EDP, em Portugal — como em Espanha, aliás —, começou mais cedo, fez o que se chama greenfield,

enquanto, nos outros países, muitas vezes, teve de comprar e desenvolver numa segunda fase e não há um

prémio de compra que reduz a margem de lucro; e, segundo, porque Portugal também tem um custo de capital

mais alto, portanto, a rentabilidade tem de ser mais alta. Portanto, a dimensão é a certa.»

(Audição João Manso Neto)

António Sá da Costa, presidente da associação dos produtores de energia renovável (APREN), dá o

exemplo do concurso ganho pela ENEOP, para sublinhar que as tarifas praticadas nem sempre correspondem

a uma rentabilidade do promotor eólico e que muitas traduzem também o financiamento de instrumentos de

política económica e industrial do país:

«Quando fomos obrigados a ir a concurso com um fabricante único tivemos de ter um aerogerador que

nuns sítios era melhor e noutros era menos bom, mas ele teve de montar a fábrica e só veio fazê-lo com duas

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condições: teria de fornecer uma determinada quantidade de máquinas e tem de estar cá instalado por um

período de 17 anos. E teve de montar a fábrica, arranjar os terrenos e isso teve custos. Isso foi uma medida

acertada? Foi uma medida acertada do ponto de vista do país, mas tem os custos de uma política económica.

(…) Quem é que «pagou o pato»? Acaba sempre por ser o consumidor, mas fomos nós quem se adiantou».

(Audição António Sá da Costa)

3. Eventuais ganhos dos produtores decorrentes de atrasos no licenciamento

O segundo ponto discutido na CPIPREPE quanto a eventual sobrerremuneração da PRE diz respeito a

eventuais ganhos obtidos pelos produtores eólicos resultantes de atrasos no licenciamento e construção de

parques eólicos. Segundo Autoridade da Concorrência (AdC) e a ERSE, o decurso de vários anos, por

responsabilidades próprias ou alheias ao produtor, entre a fixação da tarifa feed-in nos concursos e a efetiva

entrada em funcionamento dos parques eólicos, tem proporcionado aos produtores ganhos de eficiência

tecnológica que não estavam previstos aquando da definição da tarifa no concurso.

Este assunto parece ser identificado pela primeira vez no parecer da AdC à Proposta de Tarifas e Preços

para a Energia Eléctrica e outros Serviços em 2012 e aos Parâmetros para o Período de Regulação 2012-

2014 apresentados pela ERSE. Diz o parecer da AdC de 2011:

«No caso da energia eólica, permitiu-se que os investimentos em parques eólicos concluídos até meados

de 2009 continuassem a beneficiar de uma tarifa definida em 2001, tarifa essa que não teve em conta as

descidas dos custos de investimento por unidade instalada ou os ganhos de eficiência verificados na

tecnologia eólica – i. e.: a tarifa poderá ter ido além do que era suficiente para incentivar o investimento. A

comparação entre o tarifário antigo – superior a 95 €/MWh e o tarifário definido no concurso eólico de 2006

Fase A e 2007 Fase B – na ordem dos 72 €/MWh – e de 2008 Fase C – onde chegaram a ser observados

tarifários inferiores a 60 €/MWh – é demonstrativa da ineficiência do tarifário antigo de que beneficiam mais de

2/3 dos parques eólicos em atividade».

(Parecer da Autoridade da Concorrência à Proposta de Tarifas e Preços para a Energia Eléctrica e outros

Serviços em 2012 e Parâmetros para o Período de Regulação 2012-2014)

No relatório «Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do SEN»,de outubro de

2018, a ERSE chama também a atenção para este tópico. O regulador distingue dois fenómenos: 1)

desfasamento (favorável aos produtores) entre a evolução das FIT e a dos custos de investimento em centrais

eólicas; 2) a insensibilidade da FIT à prorrogação de licenças sem entrada em produção. No segundo caso,

haveria uma vantagem dos produtores em causa em relação àqueles produtores que, em iguais

circunstâncias, iniciam imediatamente a instalação do parque. A ERSE dá o exemplo das licenças atribuídas a

parques eólicos após 2001 e a centros de produção fotovoltaica após 2007:

«A revisão em baixa de algumas tarifas em certos segmentos, não acompanhou em intensidade a

diminuição verificada dos custos de investimentos decorrentes da evolução tecnológica, o que se refletiu num

incremento significativo das TIR desses investimentos e na diferença entre os custos nivelados e as tarifas

garantidas. Este efeito também ocorre quando existe um grande desfasamento temporal entre o momento da

obtenção da licença de produção, enquadrada num determinado regime remuneratório, e o momento em que

produtor entra em exploração, em resultado de prorrogações do prazo da licença de produção. Com este

desfasamento, ao manter a FIT do regime remuneratório em que obteve a licença de produção, o produtor

pode beneficiar de uma diminuição dos custos de investimentos, face aos que estão subjacentes ao cálculo da

FIT desse regime remuneratório particularmente se este desfasamento coincidir com zonas da curva de

aprendizagem com declive acentuado. Tal verificou-se no caso do segmento de produtores eólicos licenciados

ao abrigo do Decreto-Lei n.º 339-C/2001, de 29 de dezembro, entrados em exploração após 2010 e do

segmento de produtores fotovoltaicos licenciados nos termos do Decreto-Lei n.º 225/2007, de 31 de maio,

entrados em exploração entre 2012 e 2015, com FIT acima de 200€/MWh.»

(Relatório ERSE, Outubro de 2018, Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do

SEN)

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João Peças Lopes, que presidiu ao concurso para atribuição das licenças eólicas em 2005, reconhece que

na primeira década do século XXI as diferenças tecnológicas dos aerogeradores são muito significativas e

que, de facto, os concursos poderiam ajustar as tarifas feed-in aos ganhos tecnológicos para os novos

entrantes:

«Um gerador eólico em 2005, 2006, de 1MW custaria 1 400 000 € e teria uma produtibilidade na casa das

2400 horas, num bom sítio, num sítio razoável. Hoje, esse mesmo aerogerador, e até com requisitos técnicos

adicionais, custa 800 ou 900 mil euros, e tem uma produtibilidade superior às 3000 horas. (…) O que poderia

ter sido feito era termos tido uma revisão das tarifas, mas, deixe-me dizer, para os novos entrantes. Ter uma

revisão dos mecanismos de tarifa feed-in para os novos entrantes, porque, à medida que o processo

tecnológico foi evoluindo, naturalmente que os preços de investimento baixaram. Essa, sim, é a lição que

podemos tirar do passado. E devíamos tê-lo feito, ou seja, devíamos ter introduzido naquelas fórmulas

horríveis um mecanismozinho para ajuste da remuneração, mas, continuo a dizê-lo, para os novos entrantes,

não para aqueles que já estão.»

(Audição João Peças Lopes)

Aníbal Fernandes, ex-presidente do consórcio da ENEOP, acredita que os atrasos na exploração não

constituem manobra de especulação por parte dos promotores e defende que, por estes terem contratos

assinados e responsabilidades a cumprir com a banca, é do seu interesse que a exploração entre em

funcionamento o mais cedo possível:

«Não há nenhum promotor eólico que tenha — só de for, de facto, masoquista — interesse em dilatar os

seus prazos de execução. (…) Ele fez o plano de negócios, na altura, com o banco, isto foi aprovado pelo

banco e não por conselho de administração. Isto foi um project finance. Estas coisas não são feitas em cima

do joelho! Os bancos olham para o plano de negócios e dizem se dão o dinheiro ou não — 80% do dinheiro

dos parques eólicos foi financiado em project finance, em alguns até mais, com 85%!»

(Audição Aníbal Fernandes)

António Sá da Costa, presidente da APREN, também desvaloriza os ganhos com o atraso da entrada em

exploração e argumenta que o valor dos investimentos, contratualizado no momento dos concursos, não pode

ser alterado. Contudo, reconhece que, para o mesmo valor de investimento, há um ganho na rentabilidade

pela via do aumento da produção com a incorporação de tecnologia mais avançada (cuja disponibilidade pode

ser consequência do atraso da entrada em operação), realça que as tarifas feed-in só se aplicam até a um

limite máximo de energia:

«A rentabilidade vai aumentando? Vai. Mas como eu disse há bocadinho, e é preciso ter isso presente, a

tarifa é garantida por uma quantidade de energia elétrica. Portanto, se a máquina produz mais… Tem é menos

tempo de tarifa garantida, porque a tarifa só é apoiada para os primeiros 33 GWh por megawatt instalado. Se a

máquina tem 2200 horas, é 15 anos; se a máquina tem 3300 horas, só tem o apoio durante 10 anos. É preciso

ter isto em consideração».

(Audição António Sá da Costa)

As afirmações de António Sá da Costa não refutam as opiniões da AdC, da ERSE e de Peças Lopes. Ao

atingirem mais cedo o limite de 33 GWh produzidos por megawatt instalado, terminando a FIT original, as

centrais não cessam de existir. Seja sob o regime previsto no Decreto-Lei n.º 33-A/2005, seja no oferecido

pelo Decreto-Lei n.º 35/2013 (analisado no capítulo 11 deste relatório), as centrais eólicas continuam a

beneficiar de garantias de preço por um período adicional de 5 a 7 anos, o que, considerando a fase da sua

amortização nesse momento, assegura a sua rentabilidade.

Conclusões

1. O crescimento da PRE, nomeadamente através de mecanismos de tarifa garantida, deveu-se à

necessidade de, por objetivos ambientais e de independência energética, incentivar o investimento em

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produção de eletricidade a partir de fontes de energia endógenas e renováveis. Após quase duas décadas do

início da produção renovável em Portugal, pode concluir-se que as FIT das renováveis provocaram um

aumento dos valores pagos nas faturas da eletricidade.

2. A existência deste sobrecusto deve-se essencialmente a três componentes: 1) a primeira corresponde a

um esforço necessário para atingir metas ambientais e de independência energética. Não teria sido possível o

nível de penetração renovável que hoje existe no sistema eletroprodutor português sem mecanismos de

incentivo como as FIT; 2) a segunda componente, como defende a ERSE, diz respeito às elevadas taxas de

rentabilidade pagas aos promotores, que correspondem aos custos do investimento (maturação tecnológica e

nível de risco) no momento da definição das tarifas; 3) a terceira componente resulta da inclusão nas FIT de

custos do domínio da política industrial, como é o caso da criação do cluster associado ao fabrico de

componentes de aerogeradores, custos que, pela sua natureza, são típicos encargos do Estado e não dos

consumidores de energia.

3. Não existe consenso sobre o peso relativo destas três componentes do sobrecusto, mas é claro que

todas elas resultam de decisões políticas tomadas por vários governos, sobretudo entre 2001 e 2007. Hoje

podemos dizer que esta decisão trouxe benefícios ao país (ambientais, de criação de empregos, de redução

do preço da eletricidade no mercado grossista). As taxas de rentabilidade no setor tiveram um impacto na

evolução dos valores fatura dos consumidores domésticos, sobre quem recai o sobrecusto da PRE.

Recomendações

1. Solicitar à ERSE o desenho de possíveis medidas que, de forma proporcional, permitam a recuperação

pelo SEN das vantagens obtidas pelos produtores por efeito da rigidez da FIT face aos ganhos de eficiência

resultantes da demora da entrada em produção;

2. Consideração desta experiência nas regras de futuros concursos, na prevenção de atrasos e das suas

consequências sobre as características económicas dos projetos.

Capítulo 5

Dívida e diferimentos tarifários, mais-valias da sua titularização

Em 1995, o Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de julho, «estabelece as bases da organização do Sistema

Eléctrico Nacional (SEN)», no seguimento de profundas reestruturações no setor. No mesmo dia, o Decreto-

Lei n.º 187/95, de 27 de julho, «cria a Entidade Reguladora do Sector Eléctrico» (ERSE), «uma entidade com

marcadas características de independência», para «estabelecer mecanismos explícitos de regulação», por

forma a «suscitar a desejada confiança nos operadores do mercado e a criar um quadro regulamentar estável

e equilibrado».

O artigo 4.º deste Decreto-Lei estabelece que «compete à Entidade Reguladora, ouvida a Direcção-Geral

de Concorrência e Preços, a preparação e emissão do Regulamento Tarifário», que deverá estabelecer, entre

outros, «os critérios e métodos para formulação e fixação de tarifas e preços para a energia eléctrica». O

mesmo artigo estabelece ainda os princípios que deverão orientar este Regulamento Tarifário de onde se

destaca que «O valor global resultante da aplicação das tarifas e preços a clientes finais em baixa tensão (BT),

não pode, em cada ano, ter aumentos superiores à taxa de inflação esperada para esse ano”; “o valor dos

custos não reflectidos nessas tarifas e preços pode ser repercutido», sem prejuízo da manutenção de um

aumento inferior à taxa de inflação, «nas tarifas e preços dos anos seguintes, num máximo de cinco».

Decreto-Lei n.º 187/95 – primeira legislação sobre diferimentos tarifários

Em janeiro de 1997 é efetivamente constituída a ERSE e em 15 de setembro de 1998 é publicado o

primeiro Regulamento Tarifário, que concretiza e detalha os princípios enunciados no Decreto-Lei n.º 187/95,

de 27 de julho, nomeadamente, o seu artigo 40.º, estabelece o mecanismo de limitação do aumento da tarifa

(à taxa de inflação), e institui, pela primeira vez, uma remuneração da possível dívida, à taxa de juro LISBOR a

três meses acrescida de 0,5%.

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As primeiras tarifas são publicadas para o ano de 1999, e até 2005 as tarifas têm sempre aumentos anuais

inferiores à taxa de inflação prevista para cada ano, não existindo, portanto, défice tarifário. Apenas no final de

2005, na definição das tarifas a aplicar em 2006, o mecanismo de limitação previsto tem efeitos práticos pela

primeira vez, como se verá mais à frente.

Decreto-Lei n.º 172/2006 – preparação do Mibel, termina limitação a aumentos de tarifa

No contexto da liberalização do mercado elétrico, este diploma «desenvolve os princípios gerais relativos à

organização e ao funcionamento do sistema elétrico nacional (SEN), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 29/2006,

de 15 de fevereiro».

Um dos aspetos de maior relevo do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, é o levantamento do limite

ao aumento anual das tarifas de eletricidade à taxa de inflação, prevendo apenas no artigo 62.º que «as

disposições do Regulamento Tarifário devem adequar-se à organização e funcionamento do mercado interno

da electricidade».

Recorde-se que a Diretiva 2003/54/CE estabelecia que «as entidades reguladoras nacionais deverão

desempenhar um papel activo no sentido de garantir que as tarifas de compensação não sejam

discriminatórias e reflictam os custos».

De relevar que no final do ano anterior, na definição das Tarifas para 2006, o mecanismo de limitação de

acréscimos em Baixa Tensão (BT) previsto no Decreto-Lei n.º 187/95, de 27 de julho, teve pela primeira vez

efeitos práticos, criando assim um défice tarifário.

Figura 2 – Fonte: ERSE – Proposta Tarifas 2006

Com efeito, como se pode observar no quadro constante da Proposta de Tarifas de 2006 elaborada pela

ERSE no final de 2005, o aumento das tarifas de BT foi limitado a 2,9%, a taxa de inflação prevista para

aquele ano, quando os proveitos permitidos nas várias atividades geravam um aumento de 14,51% no

Continente, por exemplo. Esta limitação criou um défice tarifário global de 335 M€, que no contexto da

legislação então em vigor deveria ser repercutido na tarifa e preços dos anos seguintes, num máximo de 5.

Na sua audição na CPI, o então presidente da ERSE, Jorge Vasconcelos afirma ter sinalizado ao governo

de José Sócrates o problema tarifário que se avolumava:

«O diálogo com o XVII Governo sobre estas questões não foi em finais de 2006, tinha sido já em 2005,

porque em 2005 se tinha colocado, pela primeira vez, a situação de termos um aumento de tarifas superior à

taxa prevista de inflação (…) cerca de 14,4%, em termos médios, para 2006, o que ultrapassava a inflação

prevista, que, salvo erro, era de 2,3%.

O que é que a ERSE fez? Aplicou a lei, limitou o aumento das tarifas a 2,3% e alertou os consumidores, as

empresas, o Governo, a Assembleia da República para esta situação. Era evidente — e é uma questão de

pura lógica — que, não sendo feito nada, a situação do final de 2005 ia repetir-se em 2006. Ela foi apenas

mitigada em 2005, mas, se tudo se mantivesse igual, esta situação ia-se repetir em 2006.

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Durante o ano não foram tomadas medidas para resolver este problema, aquilo que foi feito foi uma

transposição tardia da diretiva de 2003, que, em Portugal, só se fez em 2006 e, entre outras coisas, aboliu-se

o teto da inflação (…).

(…) Portanto, não houve dias, houve um ano inteiro para tomar as decisões úteis de forma a podermos

evitar aquela situação. A verdade é que essas decisões não foram tomadas.»

Decreto-Lei n.º 237-B/2006 – previstos os diferimentos dos sobrecustos com PRE, CMEC e CAE

«Nunca se partiu para nenhuma negociação com os produtores no sentido de reduzir a tarifa. Isso é um

facto. Não tenho memória de alguma vez essa hipótese ter sido posta. Isso levar-nos-ia para um processo

negocial muito demorado e precisávamos de uma solução imediata, porque as tarifas iam entrar em

funcionamento em janeiro de 2007 e o anúncio [do aumento de tarifas pela ERSE] foi feito a 15 de outubro de

2016».

(Audição de Castro Guerra, Secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, 2005-2009)

A ERSE apresenta a sua proposta para as tarifas e preços de eletricidade para 2007. Como se pode

observar na tabela abaixo, constante desta proposta, a ERSE previa um aumento de 14,4% para

consumidores de BT, que incluía o abate de 1/3 do défice tarifário acumulado.

Figura 3 – Fonte: ERSE – Proposta de tarifas e preços 2007

Face ao impacto público da proposta tarifária da ERSE, o governo é obrigado a pronunciar-se e, num

primeiro momento, o secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, António Castro Guerra, ainda

procura sustentar a proposta do regulador. As suas declarações públicas – «este défice tem de ser pago por

quem o gerou. (…) São os consumidores que devem este dinheiro, não é mais ninguém» – geram intensa

polémica:

«Em outubro de 2006, eu disse uma frase infeliz a propósito da energia, quando houve aquele [anúncio de]

grande aumento de 15,7%. Acho que começou aí o início do envolvimento mais intenso, operacional também,

do ministro na área da energia».

(Audição de Castro Guerra, Secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, 2005-2009)

No mesmo dia em que se registam essas declarações do secretário de Estado, 18 de outubro de 2006,

realiza-se no Ministério da Economia uma reunião para debater a proposta da ERSE.

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«É dessa reunião em que estavam a EDP, a REN, a ERSE, a Direção-Geral de Energia e Geologia, e o

Gabinete, enfim, toda a gente, que nasce um programa de trabalho. Um dos trabalhos que o Sr. Ministro deu à

EDP e à REN, nessa reunião, foi o de preparar uma resolução do Conselho de Ministros que fizesse o

corolário dessas medidas. (…) Tenho ideia de que a questão dos 6% [de aumento da tarifa] estava nessa

versão inicial da resolução do Conselho de Ministros. Só que, entretanto, em dezembro, foi publicado o

Decreto-Lei n.º 237-B/2006, que impõe o défice, e esse era urgentíssimo. Portanto, esse decreto-lei do

alisamento tarifário dos 6% é publicado antes da resolução do Conselho de Ministros, já não fazia sentido nela

incluir essa cláusula».

(Audição de Miguel Barreto, Diretor-Geral de Energia 2004-2009)

A reação do governo ao anúncio da ERSE instala uma pressão política que desencadeia, sob Manuel

Pinho, um programa que vai bem além do diferimento de custos.

«Como se recordarão da tal história dos 15% de que se falou há bocado, havia um risco de a tarifa subir

muito. Então, uma das maneiras de, a curto prazo, baixar a tarifa ou evitar que ela subisse, era implementar os

CMEC, que permitiriam um alisamento dos custos».

(Audição de João Manso Neto, administrador da EDP desde 2006)

«[Outra] solução que também estava ligada aos CMEC, e que acabava por ser uma solução virtuosa, era a

seguinte: vamos, então, assumir a prorrogação do domínio hídrico e vamos negociar uma compensação para

diminuir esse défice tarifário».

(Audição de Miguel Barreto)

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 237-B/2006, de 18 de dezembro, o Governo refere:

«Nesta proposta verifica-se que, da conjugação entre a ausência de limite ao aumento tarifário para os

consumidores em baixa tensão, a recuperação do défice tarifário em três anos e, ainda, os demais fatores que

intervêm na formação das tarifas iriam resultar aumentos tarifários excessivamente bruscos, especialmente na

baixa tensão normal. Os aumentos propostos, a verificarem-se, teriam impactes negativos, tanto ao nível da

inflação como do poder de compra dos consumidores».

Com base nesta justificação, o Decreto-Lei prevê uma série de medidas, entre as quais se destaca:

● A título transitório, as tarifas para 2007, aplicáveis aos consumidores BT, não podem ter um aumento

superior a 6% (o défice de 2006 não é repercutido e cria-se um novo défice de 2007).

● O período de recuperação do défice tarifário é alargado de 3 para 10 anos.

● O défice tarifário é remunerado à taxa Euribor a 3 meses acrescida de 0,5% (antes 0,25%).

● Possibilita a transmissão a terceiros dos direitos de crédito associados ao défice tarifário e aos

ajustamentos anuais entre o valor dos proveitos permitidos e os efetivamente faturados.

De referir que nesta abertura à possibilidade de titularização, perdeu-se a lógica contemplada no Decreto-

Lei n.º 240/2004 para os CMEC, que previa que a taxa de juro a aplicar seria a menor entre a remuneração

inicial, estipulada no Decreto-Lei, e a obtida na operação de titularização (ver capítulo 1, ponto 2.8 sobre a

titularização da parcela fixa dos CMEC). Assim, qualquer ganho que pudesse advir da titularização de dívida

tarifária ou diferimentos de sobrecustos fica integralmente no comercializador de último recurso (a EDP), sem

qualquer partilha com o sistema elétrico. De notar ainda que o diploma é omisso em relação à

responsabilidade pelos custos incorridos na montagem e manutenção de possíveis operações de titularização.

A publicação deste Decreto-Lei e a fixação administrativa das tarifas para 2007, pelo Governo, levou à

demissão do então presidente da ERSE, Jorge Vasconcelos, que na sua carta de demissão escreveu:

«Uma vez que as tarifas incluem não apenas os custos inerentes à produção, transporte, distribuição e

comercialização de energia eléctrica, mas também custos de natureza política, cujo aumento é de longe o

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mais significativo, teria sido possível reduzir parte desses custos, com benefício real para os consumidores.

Contudo, entendeu o Governo não proceder a qualquer redução de custos, antes impondo, por via legislativa,

às tarifas de baixa tensão do sistema público um limite administrativo de 6%, não sustentado em qualquer

lógica económica interna ao sector eléctrico e apenas justificado por “Os aumentos propostos, a verificarem-

se, teriam impactos negativos, tanto ao nível da inflação e do poder de compra dos consumidores».

Em março de 2008, a EDP completa a sua primeira titularização de dívida tarifária, relativa aos défices de

2006 e 2007. Desta titularização resultou numa pequena mais-valia de 1M€, que a EDP absorveu por inteiro.

Decreto-Lei n.º 165/2008 – o maior diferimento tarifário de sempre

Alegando a preocupação com a volatilidade tarifária e o objetivo de promover «uma tendencial estabilidade

tarifária num ambiente de concorrência no sector energético, enquanto forma de proteção dos interesses

económicos dos consumidores no âmbito do acesso aos serviços de interesse geral relacionados com a

energia eléctrica», o Governo publica o Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto, que cria um regime de

repercussão tarifária excecional.

O artigo 2.º estabelece que, «sempre que se verifiquem condições que a ERSE, de modo fundamentado,

considere excepcionais e susceptíveis de provocar variações e impactes tarifários significativos», cabe à

ERSE propor ao governo condições da repercussão dos custos que delas resultem, podendo o titular da pasta

da energia repercutir esses custos ao longo do período máximo de 15 anos.

A nova lei prevê a possibilidade de titularização, total ou parcial, destas diluições temporais excecionais,

mas os custos destas operações de titularização são suportados pelas entidades interessadas na cedência,

não podendo ser repercutidos nas tarifas. Os direitos transmitidos mantêm-se, mesmo em caso de insolvência

ou cessação da atividade da entidade cessante: o novo titular continua a recuperar os montantes em dívida

até ao seu integral pagamento.

No seguimento deste Decreto-Lei é publicado o Despacho n.º 27677/2008, de 29 de outubro, que aprova o

diferimento de custos proposto pela ERSE no quadro da «situação excecional da atual conjuntura nos

mercados de combustíveis fósseis, suscetível de gerar acréscimos desproporcionadamente elevados nas

tarifas de venda a clientes finais que, como tal, poderiam representar um risco sistémico que afetaria o

equilíbrio de preços em todo o mercado retalhista». Segundo o Despacho, «o elevado valor dos referidos

custos justifica a adopção de um período de repercussão tarifária suficientemente longo, que se estabelece em

15 anos e se inicia em 1 de Janeiro de 2010». A remuneração da dívida assim gerada «reflecte as actuais

condições de mercado para a obtenção de um financiamento com um prazo de maturidade equivalente ao

período de recuperação dos montantes em causa»: a taxa Euribor a 3 meses acrescida de 0,9%.

São assim diferidos os custos relativos aos ajustamentos positivos dos CMEC em 2007 e 2008 – ou à sua

estimativa, no caso de 2008 –, bem como os sobrecustos da PRE estimados para 2009. Estes dois

diferimentos geraram um défice de 1723M€, o maior aumento anual de dívida tarifária registado até hoje.

Titularização com partilha de ganhos – a exceção que confirma a regra

O Despacho n.º 27677/2008, feito sob proposta da ERSE, introduz uma cláusula singular – aplicada

apenas aos diferimentos previstos neste mesmo despacho – que garante um ganho para o consumidor em

caso de titularização em condições favoráveis, e só se favoráveis. Com efeito, o n.º 6 prevê que no caso de

ocorrer cessão de direitos de crédito, se o valor líquido recebido pela EDP for superior ao valor daqueles

montantes que se encontrem em dívida à data da respetiva cessão, então metade da mais-valia deve ser

repercutida para redução das tarifas.

No seguimento deste despacho, a EDP decide titularizar ambos os diferimentos do ano seguinte. As

operações ficam muito próximas do valor líquido em dívida, gerando, num caso, uma menos-valia e, no outro

caso, uma mais-valia. O n.º 6 do Despacho foi cumprido: a primeira foi integralmente assumida pela EDP e

metade da segunda foi entregue ao sistema elétrico para abater às tarifas.

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É também interessante notar que esta mais-valia só ocorre no seguimento da publicação do Despacho

5579-A/2009, a 16 de fevereiro, que vem alterar o spread dos diferimentos estipulados no Despacho n.º

27677/2008 de 0,9% para 1,95%. Por si só, esta «correção» seria justificada, até para viabilizar a titularização,

uma vez que a remuneração destes diferimentos devia traduzir a expectativa sobre o custo de financiamento.

A mudança do spread acompanha o agravamento da situação nos mercados financeiros naqueles meses,

considerando as regras de elegibilidade e valorização de valores mobiliários como ativos de garantia em

operações de política monetária do Eurossistema.

Uma vez mais, como já referido, estava em causa um valor significativo, 1723M€, e as condições de

mercado parecem justificar este ajustamento. O aspeto relevante é que se trata de um movimento de sentido

único: quando se deterioraram as condições de financiamento, a remuneração foi ajustada, refletindo-se nas

tarifas e preços. Posteriormente, face à melhoria dessas mesmas condições, não existiram decisões políticas

de correção. Assim, os ganhos sistemáticos gerados pela evolução do mercado entre o momento da fixação

da taxa de remuneração e o momento da sua titularização, foram sempre integrados nos lucros da EDP, em

detrimento dos consumidores, como veremos mais à frente.

Decreto-Lei n.º 78/2011 – O diferimento de custos como prática generalizada

Este Decreto-Lei, que procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, adita-

lhe o artigo 73.º-A, que prevê a repercussão tarifária intertemporal dos sobrecustos com a aquisição de

energia a produtores em regime especial. Institui assim a repercussão tarifária intertemporal destes

sobrecustos como um mecanismo regular, por oposição ao regime de exceção anteriormente previsto no

Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto.

Destacam-se as principais características:

● Repercussão tarifária a 5 anos;

● Taxa de remuneração a ser definida por portaria;

● Suscetível de ser transmitida nos termos previstos no Decreto-Lei 237-B/2006, de 18 de dezembro, mas

também no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto (que prevê a garantia de

reconhecimento dos direitos dos novos titulares).

Em relação à possibilidade de transmissão dos direitos de crédito, de notar que continua a ser facultativa,

sem qualquer cláusula que preveja qualquer capacidade de interferência do governo no processo seja em que

momento for, e que se ignora por completo a possibilidade de partilha de mais-valias estabelecida no

Despacho n.º 27677/2008, regressando à lógica de absorção integral dos potenciais ganhos pela entidades

cessante.

Esta questão é especialmente relevante quando conjugada com a taxa de remuneração estabelecida. Em

outubro desse ano, a Portaria n.º 279/2011 estabelece a metodologia de cálculo da taxa de remuneração

aplicável a este regime de repercussão tarifária intertemporal. A fórmula é dada por:

RDSPRE = RF + RDP × θ

em que:

RDSPRE — taxa de juro a aplicar à parcela dos sobrecustos com a produção em regime especial a

recuperar no prazo de cinco anos a partir do dia 1 de janeiro do ano a que dizem respeito os proveitos

permitidos, nos termos do Regulamento Tarifário da ERSE;

RF — taxa de juro sem risco, correspondendo às yield das obrigações do tesouro alemãs a cinco anos,

subtraída do prémio de risco refletido nos credit default swaps dessas obrigações, determinada com base na

média dos seis meses anteriores à data de início da aplicação das tarifas associadas ao diferimento dos

sobrecustos com a produção em regime especial;

RDP — prémio de risco da dívida do comercializador de último recurso no mercado financeiro refletido,

designadamente nos credit default swaps relativos aos financiamentos a cinco anos do grupo empresarial que

integra o comercializador de último recurso, determinada com base na média dos seis meses anteriores à data

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de início da aplicação das tarifas associadas ao diferimento dos sobrecustos com a produção em regime

especial;

θ — fator [definido pelo titular da pasta da Energia no governo], entre zero e a unidade, a aplicar ao prémio

de risco da dívida associado ao grupo empresarial que integra o comercializador de último recurso, tendo em

conta a necessidade de promover a sustentabilidade económica e social da repercussão tarifária dos custos

de financiamento do sector.

A decisão de acompanhar o custo de financiamento das empresas com o intuito de garantir o equilíbrio

económico-financeiro das atividades reguladas mereceu o parecer positivo da ERSE e nada tem de

preocupante. Porém, as condições para a titularização destes montantes não preveem a eventual inversão da

tendência adversa nas condições de financiamento, nem considera o perfil de reduzido risco destes cashflows

– tal como já se argumentou aqui e em diversos depoimentos na CPIPREPE. Esse perfil densificou-se aliás

com a garantia prestada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto, que veio assegurar os

direitos creditórios dos novos titulares, mesmo em caso de insolvência ou cessação de atividade da entidade

cessante.

Figura4 – Fonte: ERSE – Tarifas e preços 2012

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Como é possível observar no quadro em cima, esta nova metodologia de cálculo da taxa resultou, para

2012, numa estimativa, à data da proposta das tarifas, de 5,5%, a maior taxa de remuneração aplicável para

as várias repercussões tarifárias intertemporais em vigor em 2012 (já somando as taxas Euribor com os seus

spreads, para cada caso, como é possível verificar). Na realidade, no cálculo final, feito no início de 2012, esta

taxa fixou-se em 6,32%.

Na sequência destas decisões, em 2013, quando as condições de mercado melhoram, a EDP titulariza

cerca de 70% do diferimento do sobrecusto da PRE de 2012 (valores da ERSE) com a sua maior mais-valia

até à data – 50M€ (valores dos seus Relatórios e Contas), que constitui lucro integral da EDP.

Esta mais-valia reflete por um lado a evolução positiva do mercado e a dificuldade da fórmula em

acompanhar essa movimentação, uma vez que esta avalia as condições de financiamento médias nos 6

meses anteriores à sua aplicação, em particular no período de tempo que decorre entre a fixação da taxa e a

titularização, e por outro, o prémio implícito de um cashflow de risco reduzido remunerado ao custo de

financiamento de uma atividade que naturalmente tem mais risco. Este fenómeno foi sendo replicado com os

vários diferimentos anuais de sobrecustos da PRE com mais-valias substanciais para a EDP.

Sob o Memorando, o debate do diferimento de custos

Na sequência da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika, em maio de 2011, a tutela da

Energia inicia um processo negocial com os produtores de eletricidade com vista ao cumprimento das medidas

previstas naquele documento, nomeadamente a redução dos Custos de Interesse Económico Geral.

Logo em agosto de 2011, a EDP apresenta em reunião com o Secretário de Estado da Energia a sua

proposta, sinalizando a disponibilidade da EDP para financiar em 1200 milhões de euros um conjunto de

medidas que vem propor, considerando «importante, que, simultaneamente, seja definido um enquadramento

que remunere adequadamente estes créditos pelo custo de capital da empresa e se criem as condições para a

securitização dos elevados montantes em causa». Com efeito, as medidas propostas pela EDP procuram

evitar cortes permanentes de custos (exceto no sobrecusto das cogerações com mais de 15 anos),

substituindo-os por diferimentos temporais, nomeadamente do sobrecusto da PRE, da revisibilidade dos

CMEC de 2012 e 2013 e da interruptibilidade.

Na sequência das conversações posteriores, a EDP remete em 4 de outubro de 2011 uma nova proposta,

em que refere «aceitar» uma taxa de juro da dívida tarifária correspondente aos títulos de dívida pública

alemães acrescida de 5%. A EDP propõe ainda a alteração das regras para a titularização dos CMEC

estabelecidas no Decreto-Lei n.º 240/2004, que prevê que a taxa utilizada para o cálculo dos encargos

financeiros da anuidade do valor inicial dos CMEC (7,55%) seja revista em caso de titularização do respetivo

montante, passando nessas circunstâncias a ser aplicada a menor das duas taxas (5,22% na portaria de

2007). Em outubro de 2011, a EDP propõe ao governo uma redução da taxa 7,55% para 6,5%, em troca da

perda do direito do sistema de beneficiar de uma taxa mais baixa em futuras titularizações.

Analisando as propostas da EDP em carta enviada ao ministro Álvaro Santos Pereira, o secretário de

Estado Henrique Gomes considera que o diferimento do sobrecusto da PRE «deveria ser a última medida a

utilizar no ajustamento das tarifas, minimizando a criação de nova dívida, e não como primeira solução que

torna desnecessária qualquer outra. A perspectiva da EDP não é essa, porque com a aplicação deste

mecanismo resolve o problema do curto prazo (a sua perspectiva de sustentabilidade no longo prazo é vã) e

ainda ganha com a remuneração do financiamento da dívida».

Quanto à taxa desta remuneração, Henrique Gomes esclarece o ministro que a proposta do governo à EDP

foi diferente da que a EDP veio «aceitar», nomeadamente uma taxa de remuneração baseada na taxa de juro

sem risco, correspondente às «yielddas obrigações de tesouro alemãs a 5 anos, subtraída do prémio de risco

reflectido nos Credit Default Swaps dessas obrigações, determinada com base na média dos últimos seis

meses, acrescida de 5%». O Secretário de Estado estranha que «a EDP argumente que essa taxa se situa

abaixo do custo actual de financiamento, quando um dos argumentos apresentados em defesa da não

perturbação do processo de privatização foi precisamente a possibilidade de acesso a financiamento com

custos muito baixos».

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Finalmente, a revisão da taxa da componente fixa dos CMEC para 6,5%, proposta pela EDP em

contrapartida do direito a absorver os ganhos resultantes da titularização daquelas anuidades, é considerada

por Henrique Gomes «uma tentativa de aproveitamento do momento de pressão sobre os preços da

electricidade, uma vez que se consubstancia no abdicar pelo sistema de uma opção, e correspondente valor,

de que hoje dispõe».

Decreto-Lei n.º 109/2011 – avança o diferimento de custos

No final de 2011, depois do aumento da taxa de IVA para a taxa máxima – dez pontos acima da taxa

intermédia de 13% indicada no Memorando de Entendimento – e visando evitar «o efeito prejudicial que o

aumento brusco da factura de electricidadeteria no relançamento da economia e nas condições da população

em geral», o Governo considerou «necessário diferir, excepcionalmente, o ajustamento anual do montante da

compensação referente a 2010 devido pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia»,

previsto no Decreto-Lei n.º 240/2004, na sua redação à data, sendo repercutido nos proveitos permitidos de

2013. O diploma previa ainda uma taxa de remuneração igual à taxa Euribor a 12 meses acrescida de um

spread de 2%.

O diferimento do sobrecusto com a PRE de 2012, por si só, já representava um aumento da dívida tarifária

de 939M€. Este diferimento adicional representava mais 141M€. A este respeito, no parecer do Conselho

Tarifário (CT) para as tarifas e preços de 2012 constam as seguintes considerações:

«O CT, no seu parecer do ano anterior, procurou alertar explicitamente que a trajetória dos CIEG [Custos

de Interesse económico Geral] assumida ao longo dos últimos anos poderia pôr em causa a própria

sustentabilidade do setor se nenhumas medidas de redução estrutural a estes custos fossem equacionadas e

aplicadas. (…) Efetivamente, na ausência de qualquer medida de redução dos CIEG’s, o diferimento legislativo

de uma parcela relevante dos seus custos visou evitar uma variação tarifária muito significativa em 2012. A

esse propósito, o CT não pode deixar de recordar que os consumidores finais já impactaram o choque do

expressivo aumento do IVA, com um acréscimo na sua fatura na ordem dos 16% a partir de 16 de outubro de

2011.

Considera assim o CT que é particularmente gravosa a ausência de qualquer medida legislativa com o

objetivo de reduzir, de forma estrutural, os CIEG’s no setor elétrico.

Reitera, assim, o CT o seu apelo à ERSE para que esta promova as necessárias diligências junto das

entidades competentes para a necessidade de medidas visando garantir a sustentabilidade do setor, evitando

medidas pontuais e isoladas de diferimento de encargos».

Nos comentários ao parecer do CT, refere a ERSE:

Apesar da generalidade dos CIEG decorrer de decisões que extravasam a competência do regulador, a

ERSE tem vindo a alertar para o impacte da evolução destes custos, apelando à ponderação das decisões no

que respeita à introdução e revisão de medidas no âmbito dos CIEG. As diligências para uma maior

sensibilização e reflexão do impacte que estas medidas podem causar, estão em linha com as posições da

ERSE, que tem aproveitado para manifestar a sua preocupação, sempre que lhe é solicitado parecer.

Decreto-Lei n.º 256/2012 – surge o fator de sustentabilidade da EDP

A 28 de abril de 2012, um mês depois da demissão do secretário de Estado Henrique Gomes, o seu

sucessor, Artur Trindade, e o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, fecham com a EDP um acordo

visando a redução da taxa de juro da componente fixa dos CMEC, de 7,55% para 4,72%. Esta alteração

resultou numa redução dos custos com a parcela fixa dos CMEC de cerca de 14 Milhões de Euros por ano, um

total acumulado de 205 milhões de euros de redução, que se traduz num valor atualizado líquido total de

120M€ reportado a julho de 2012.

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Como já se referiu neste relatório, o documento informal que fixou esse acordo nunca foi publicado nem

comunicado ao regulador. Entre as contrapartidas então aceites pelo governo, estava a revisão da taxa de juro

aplicada aos montantes diferidos, nos seguintes termos:

«a) Para os montantes abrangidos pelo artigo 73.º-A do Decreto-Lei n.º 78/2011 e que estejam em dívida

e/ou sejam gerados entre 1-01-2013 s 31-12-2016, a taxa de juro deverá reflectir o custo marginal (all in)

suportado pela EDP em operações de mercado grossista de prazos equivalentes realizadas nos últimos 6/12

meses anteriores a 1 de janeiro de cada ano. Caso não haja operações de mercado nessas circunstâncias de

volume/número significativos procurar-se-iam proxies de mercado com efeito equivalente (CDS, cotação

mercado secundário); b) Compromisso de não aprovação das novas condições financeiras abaixo do custo

marginal da EDP».

(Acordo EDP-Ministério da Economia, 12 de abril de 2012)

O então Secretário de Estado, Artur Trindade, referiu na sua audição na CPIPREPE que todas as medidas

deste acordo, mesmo quando individualmente consideradas, eram positivas para o SEN e que, nessa medida,

teria adotado qualquer uma delas, ainda que fora do quadro do acordo mencionado.

No final do ano, em novembro, é aprovado o Decreto-Lei n.º 256/2012. O preâmbulo situa o seu contexto:

«Encontra-se em curso a adoção de um conjunto de medidas que visam travar, a médio e longo prazo, a

tendência de crescimento dos diversos custos que oneram a fatura final de eletricidade, bem como o aumento

contínuo e exponencial do défice tarifário. A curto prazo é, porém, necessário conjugar a implementação

destas medidas com a adoção de outras soluções, que permitam manter as tarifas de eletricidade em valores

adequados e comportáveis para os cidadãos, famílias e empresas em geral».

O decreto prevê os diferimentos – novamente apresentados como «excecionais» – dos ajustamentos

anuais dos CMEC de 2011 e 2012 (previsional no segundo caso). As taxas de remuneração são remetidas

para portaria e a cedência dos direitos de crédito é prevista nos mesmos termos do Decreto-Lei n.º 237-

B/2006.

Em conjunto com o diferimento dos sobrecustos da PRE de 2013, ao abrigo do mecanismo de alisamento

quinquenal do Decreto-Lei n.º 78/2011, estas três medidas representam um acréscimo de dívida tarifária de

1109 M€ (valor da ERSE).

A este respeito, o Conselho Tarifário (CT), no seu parecer às tarifas e preços de 2013, refere o seguinte:

«Além da insignificativa expressão da renegociação do sobrecusto dos CMEC, o CT sublinha,

adicionalmente, que a proposta é omissa quanto às medidas de intervenção no sobrecusto da PRE-FER (para

além do alisamento quinquenal disposto no Decreto-Lei n.º 78/2011). Tendo em conta que se trata da maior

fatia dos CIEG, não pode deixar de se considerar surpreendente essa omissão, dadas as diversas referências

públicas a um acordo com a associação representativa dos interesses do setor respetivo.

Não pode, assim, deixar o CT de enfatizar a desproporção entre as medidas de redução de encargos

anunciadas e razoavelmente previsíveis (150 milhões de euros [em 2013]), e as medidas legislativas de (mero)

diferimento de um montante substancial de CIEG (1109 milhões de euros).

Estando o CT ciente de vários atos legislativos concretizados, aprovados em sede de Conselho de

Ministros ou anunciados que incidem sobre os CIEG (não só em 2013, mas também nos anos subsequentes)

que tanto tem condicionado a evolução das tarifas na última década, seria muito útil para os agentes do setor,

em particular para os consumidores, uma clara explicitação de como se pretende assegurar a eliminação da

dívida até 2020 e a sustentabilidade setor».

Em abril de 2013, a Portaria n.º 146/2013 atualiza a fórmula de cálculo da taxa de remuneração da dívida

tarifária em linha com o estabelecido no acordo entre a EDP e o governo no ano anterior. O preâmbulo da

Portaria preconiza que, diante da «evolução das condições dos mercados financeiros, verifica-se a

necessidade de compatibilizar a metodologia de cálculo prevista na Portaria n.º 279/2011, de 17 de outubro,

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por forma a não comprometer o equilíbrio-económico financeiro das atividades reguladas (…) mediante a

introdução de um fator de sustentabilidade da empresa».

Em concreto, é introduzido um parâmetro gama na fórmula:

Este novo parâmetro gama garante que a taxa reflete a diferença entre o custo de financiamento estimado

(soma de Rf com Rdp) e o custo de financiamento efetivo da EDP nos 6 meses anteriores (ponderando taxas

de juro de capitais alheios ou de obrigações de cupão fixo em mercado secundário) e refletindo os encargos

com a contratação do financiamento do diferimento intertemporal dos proveitos permitidos.

Mais ainda, esta portaria altera o valor do parâmetro teta, aumentando-o de 0,85 para 0,97, mitigando

consideravelmente o seu efeito promotor da sustentabilidade económica e social da repercussão tarifária dos

custos de financiamento do setor.

Tal como a Portaria n.º 279/2011, de 17 de outubro, o objetivo de aproximação ao custo de financiamento

da EDP numa altura adversa nos mercados financeiros, parece, por si só, razoável. Esta visão da

aproximação total ao custo de financiamento da EDP inclui uma mitigação significativa do fator de

sustentabilidade do SEN (de 0,85 para 0,97). No entanto, ao conjugar esta aproximação com as condições

previstas para a titularização (já aqui detalhadas), não é devidamente acautelada a sustentabilidade da dívida

tarifária a médio-longo prazo. Não há disposição legislativa que contemple uma evolução positiva do mercado.

Não há espaço para renegociação, ou para ter um papel na decisão da titularização ou ainda para obter

alguma vantagem que daí advenha. E isto num cenário em que a taxa a vigorar ao longo do período

quinquenal é fixa, não acompanha qualquer movimentação do mercado, ao contrário de taxas de remuneração

estabelecidas anteriormente que eram indexadas à Euribor.

Como já aqui foi mencionado, o mercado evolui positivamente e a EDP tira partido desse facto titularizando

uma parte considerável da dívida tarifária que detinha, e em particular a referente aos alisamentos quinquenais

dos sobrecustos da PRE, remunerados à taxa aqui descrita, obtendo mais-valias significativas – 50M€ em

2013, com a PRE de 2012, ainda ao abrigo da fórmula anterior, e 187M€ com os diferimentos dos sobrecustos

das PRE de 2013 a 2017 (valores da EDP). Estes valores foram incorporados por completo nos seus lucros,

uma vez que estas mais-valias já são líquidas de encargos com montagem e manutenção das operações de

titularização.

Na concretização do Decreto-Lei n.º 256/2012, a remuneração dos dois diferimentos nele previstos é fixada

pela Portaria n.º 145/2013, de 9 de abril. A taxa anual para os sobrecustos com CMEC é fixada em 5%; para

os sobrecustos com CAE, é 4%.

Estas taxas foram fixadas e publicadas apesar das objeções apontadas pela ERSE. No seu parecer de

fevereiro de 2013 pode ler-se:

«… considera-se que os valores considerados para esta taxa são elevados, não apenas face ao risco

associado a estes títulos e plasmado, por exemplo, nas yields das obrigações da EDP, bem como face ao

procedimento seguido pelo Governo no ano anterior para uma situação semelhante. No que diz respeito ao

primeiro ponto, tem-se observado uma diminuição significativa das yields das obrigações da EDP. O quadro

que se segue ilustra este facto, evidenciando que as taxas propostas na Portaria não refletem o risco

atualmente associado ao custo de financiamento destas empresas.

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Por outro lado, o risco associado a este diferimento não pode assumir um risco igual ao do financiamento

do conjunto das atividades da EDP e da REN, tendo em conta que a recuperação destes montantes está

enquadrada legalmente.

Este facto pode explicar que em 2011 o Decreto-Lei n.º 109/2011, de 18 de novembro, que também diferiu

os ajustamentos anuais determinados nos termos dos sobrecustos com os CMEC, neste caso, relativos a

2010, de modo a serem recuperados nas tarifas de 2013, tinham implícita uma taxa substancialmente inferior

ao custo médio de financiamento desse ano. Registe-se que, ao contrário do Decreto-Lei n.º 256/2012, o

Decreto-Lei n.º 109/2011 não remeteu para uma posterior Portaria a definição da taxa a aplicar aos encargos

financeiros associados a este diferimento. Este diploma define a taxa a aplicar como sendo igual à média da

taxa Euribor a 12 meses verificada em 2011, acrescida de um spread de 2%. O valor desta taxa correspondeu

a cerca de 4%, tendo em conta que em 2011 a média da taxa Euribor a 12 meses foi de 2,008%.

A aplicação da mesma regra para o diferimento dos sobrecustos CAE, que contempla o mesmo horizonte

temporal, levaria a aplicação de uma taxa de 3,1% (em 2012 a média da taxa Euribor a 12 meses foi de

1,1%)».

Decreto-Lei n.º 32/2014

Em 2014, uma vez mais, o Governo, visando suster a evolução tarifária no setor elétrico a curto prazo,

recorre ao diferimento da repercussão nas tarifas de 2014 do montante não repercutido do ajustamento anual

dos CMEC referentes ao ano de 2012, a ser repercutido, em partes iguais, nos proveitos permitidos de 2017 e

2018. Este diferimento representa um acréscimo na dívida tarifária de 250 M€. A sua remuneração é remetida

para portaria, sendo estabelecida mais tarde na Portaria n.º 500/2014, de 16 de junho, em termos em tudo

idênticos aos da Portaria n.º 146/2013, de 11 de abril, sob parecer da ERSE expressando objeções a uma taxa

de 5%.

Pese embora não tenha apresentado objeções à Portaria n.º 146/2013, de 11 de abril, e à respetiva

metodologia da fórmula de cálculo da taxa de remuneração, a ERSE refere desta feita que “entende ser

necessário uma revisão da taxa estabelecida na proposta de Portaria por forma a garantir que o custo

financeiro associado ao diferimento reflita adequadamente as condições vigentes nos mercados financeiros e

deste modo, seja neutro para o SEN". Acrescenta ainda que:

«Na primeira abordagem, a análise foca-se no risco percebido pelos agentes de mercado para a dívida da

EDP, observável na evolução nos mercados secundários das yields das obrigações desta empresa emitidas

em euros. Deverão preferencialmente ser consideradas maturidades compreendidas entre o final de 2017 e o

início de 2018, tendo em conta que o período médio de recuperação do montante diferido é de 48 meses, a

contar a partir do mês de janeiro de 2014. Existem dois empréstimos obrigacionistas nesta situação, para os

quais se tem dados associados a transação dos títulos nos mercados secundários. No cálculo do valor médio

das yields desses empréstimos poderão ser seguidas duas abordagens, que passam por considerar: i) o

primeiro trimestre do corrente ano, tendo em conta os custos de oportunidade destes títulos que atualmente se

verificam no mercado secundário, ii) o semestre anterior ao da criação da dívida, porque as necessidades de

financiamento deste montante surgem antecipadamente ao diferimento.

No primeiro caso, as médias das yields diárias das obrigações da EDP são:

• 2,5%, com maturidade em setembro de 2017;

• 3,3%, com maturidade em junho de 2020.

No segundo caso, as médias das yieldsdiárias das obrigações da EDP – Energias de Portugal, SA, são:

• 3,8%, com maturidade em setembro de 2017;

• 3,9%, com maturidade em junho de 2020.

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Assim, se for considerado o risco percebido pelos agentes nos mercados secundários para as obrigações

da EDP, as taxas praticadas são inferiores à taxa de 5% estabelecida na proposta de Portaria.

Pese embora o facto da evolução das yields das obrigações nos mercados secundários ser um bom

indicador do risco percebido pelos agentes para estes títulos, poderá não ser o indicador mais preciso para

avaliar qual o custo associado à necessidade de obtenção imediata de um determinado financiamento.

Tomando assim por base a estimativa do custo de financiamento do montante em causa para o grupo EDP,

importará observar os cupões das mais recentes emissões obrigacionistas deste grupo em euros, para

maturidades posteriores a 2017, que foram:

• 4,875% em setembro 2013, que corresponde a uma emissão com maturidade de setembro 2020, para

um montante de 750 milhões de euros.

• 4,125% em novembro 2013, que corresponde a uma emissão com maturidade de novembro 2021, para

um montante de 600 milhões de euros.

Estas últimas taxas são superiores às taxas mencionadas na abordagem anterior. Contudo, a taxa definida

na proposta de Portaria é superior às taxas referidas nas duas abordagens apresentadas anteriormente.

Sublinhe-se que as análises efetuadas não tiveram em conta, por uma questão de simplificação, nem com

o risco específico desta operação que beneficia da chancela legislativa e regulatória, nem com os custos

associados ao processo de financiamento propriamente dito».

No seguimento deste parecer crítico da ERSE à proposta de portaria de fixação de uma taxa de 5%, o

Governo publica antes a Portaria n.º 500/2014, de 16 de junho, que, como já referido, estabelece uma

metodologia de cálculo da taxa de remuneração em tudo semelhante à estabelecida na Portaria n.º 146/2013,

de 11 de abril e onde são incluídos os aspetos metodológicos referidos pela ERSE. O resultado da aplicação

dessa metodologia para este diferimento é uma taxa de 5%.

A titularização deste diferimento, em dezembro de 2014, gera uma mais-valia líquida para a EDP de 11M€.

Evolução

Tal como já aqui foi amplamente notado, várias entidades foram manifestando a sua preocupação com a

evolução anual da dívida tarifária, desde o Conselho Tarifário (CT) da ERSE, à própria ERSE, e até o

Governo, referindo-o nos preâmbulos dos vários diplomas legislativos que acabaram por contribuir para essa

mesma dívida.

Para uma melhor perceção dos montantes que foram sendo gerados com os diplomas legislativos aqui

referidos e para uma perspetiva do seu avolumar, veja-se o gráfico relativo à evolução anual da dívida tarifária

e sua composição.

Para uma análise do seu impacto nas tarifas e preços da energia elétrica, veja-se o gráfico com a evolução

anual do serviço da dívida tarifária, para o mesmo período, discriminado entre amortização e juros. Segue-se

um outro gráfico com a composição dos juros, onde fica bem patente a relevância dos diferimentos da PRE, e

onde se observa a comparação da sua remuneração em contraste com emissões de dívida da EDP no mesmo

ano.

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Evolução anual da dívida tarifária e sua composição

Figura 5 – Fonte: EDP (com base nos documentos anuais das tarifas e preços para a energia elétrica da ERSE)

Figura 6 – Gráfico do autor (Dados da ERSE)

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Figura 7 – Fonte: ERSE

A propósito desta evolução o CT da ERSE, no seu parecer no final de 2013, às tarifas e preços para 2014,

cria uma secção específica para a discussão da dívida tarifária e serviço da dívida (mantida até à data), onde

tece os seguintes comentários:

«As preocupações evidenciadas, reiteradamente, pelo CT no que a evolução dos CIEG’s diz respeito,

encontram a sua natural repercussão na trajetória assumida pela dívida tarifária no setor elétrico.

Embora o CT reconheça que os diversos mecanismos de diferimento e/ou alisamento de custos utilizados,

com frequência, nos últimos anos tenham evitado uma significativa subida nas tarifas dos consumidores no

próprio ano, também não pode deixar de exprimir a sua apreensão pelo volume e trajetória assumida.

A própria evolução, associada, do serviço da dívida, ou seja, a amortização e juros, atingem em 2014,

valores muito significativos: mais de 150 milhões de Euros só em juros, num total de quase 1000 milhões de

Euros a recuperar nas tarifas».

O CT voltou a manifestar preocupações muito semelhantes no parecer do ano seguinte, em particular com

a trajetória crescente da dívida e com os mais de 200 milhões de euros pagos em juros. Apenas no final de

2015, e «face à trajetória descendente iniciada na Proposta de Tarifas para 2016, o CT regista os sinais que

indiciam a sustentabilidade do sistema elétrico nacional».

A respeito da remuneração da dívida, o ex-secretário de Estado Artur Trindade apresentou na CPIPREPE o

gráfico que se segue, com o intuito de ilustrar que a adoção de uma metodologia consistente com os

parâmetros financeiros aplicáveis permitiu que o custo da dívida tarifária acompanhasse o custo de

financiamento aplicável. Essa metodologia desenhada a partir de 2013 vem sendo aplicada até hoje (ver

ERSE, Tarifas para 2019).

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Ainda a este respeito pode ver-se, no gráfico que se segue, a evolução da taxa de juro média anual (reflete

a média ponderada das várias rubricas da dívida naquele ano, definidas em diplomas diferentes, como aqui foi

visto). Foi também acrescentada a evolução da taxa Euribor a 12 meses acrescida de um spread «razoável»

de 2%, para o mesmo período, como termo de comparação e barómetro da evolução do mercado. A partir de

2012, com a introdução do alisamento quinquenal dos sobrecustos da PRE e respetiva taxa de remuneração,

fica patente o desfasamento da taxa de juro média da dívida tarifária não só em distância a uma taxa que

acompanha a evolução do mercado, mas também em tendência, nomeadamente entre 2013 e 2015.

Figura 8 – Gráfico a partir de dados ERSE + PORDATA

De seguida apresenta-se uma tabela resumo das cessões de dívida tarifária feitas pela EDP, bem como

dos montantes envolvidos, das mais ou menos-valias resultantes, líquidas dos respetivos custos com a

montagem e manutenção das operações, e a representação percentual da mais ou menos-valia em relação ao

montante titularizado.

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Ano Rubrica da dívida tarifária Montante

titularizado (M€)

Mais/ Menos-Valia

(M€)

Mais/ Menos-Valia

(%)

2008 Défice 2006+2007 176 1 0,6%

2009 Ajustamento tarifários 2007 + 2008 1 276 -23 -1,8%

2009 Ajustamento tarifários 2009 447 -13 -2,9%

2011 Reclassificação Cogeração FER 185 -5 -2,7%

2012 Diferimento acerto CMEC 2010 141 0 0,0%

2013 Diferimento sobrecusto PRE 2012 864 50 5,8%

2013 Diferimento acerto CMEC 2011 150 1 0,7%

2014 Diferimento sobrecusto PRE 2013 833 62 7,4%

2014 Diferimento acerto CMEC 2012 229 11 4,8%

2015+16 Diferimento sobrecusto PRE 2014 1 073 63 5,9%

2016+17 Diferimento sobrecusto PRE 2015 1 271 46 3,6%

2016 Diferimento sobrecusto PRE 2016 1 223 -11 -0,9%

2017 Diferimento sobrecusto PRE 2017 1 155 16 1,4%

Total 9 023 198 2,2%

Total – fórmula custo financiamento EDP4 6 648 237 3,6%

Total – outras taxas 2 375 -39 -1,6%

Figura 9 – Tabela a partir de dados da EDP

Contabilizando todas as mais e menos-valias do período completo, a EDP encaixou 198M€ como lucros,

uma vez que estes valores já são líquidos de custos incorridos com as operações de titularização. Note-se que

isto corresponde a uma margem bruta de 2,2% sobre a dívida titularizada. Mais ainda, se considerarmos

apenas os lucros obtidos com os diferimentos cuja remuneração replica o custo de financiamento da EDP,

entre 2013 e 2017, observa-se um valor de 237M€, 3,6% do montante titularizado e cerca de 30%, quase um

terço, da totalidade dos juros pagos pelo SEN no mesmo período.

E, desta forma, a EDP conseguiu, no período entre 2008 e 2017, atravessando uma crise financeira

mundial seguida de uma crise de dívida pública portuguesa, com graves implicações para o tecido empresarial

nacional, sair a ganhar com a enorme quantidade de dívida tarifária gerada, a custo dos consumidores.

No entanto, esta não é a visão manifestada na CPIPREPE pelo Secretário de Estado Artur Trindade e pelo

atual titular, João Galamba.

Artur Trindade defendeu que os ganhos financeiros podem ser contabilísticos, mas não económicos, uma

vez que ao efetuar as operações, não na data da geração da dívida, mas uns anos mais tarde, a empresa

suportou com meios próprios (WACC) o financiamento do défice tarifário. Logo, titularizou uma maturidade

inferior à da divida, o que só por si pode traduzir-se num ganho “nominal”, relatado contabilisticamente, mas

numa perda económica.

Por sua vez, o atual Secretário de Estado, João Galamba, manifestou uma visão diversa e reiterou que o

«que conta é a taxa e a respetiva metodologia», reconhecendo à EDP o direito a dispor da dívida tarifária

como propriedade sua.

Notas finais

A criação da dívida tarifária em 2006 é uma decisão política que visa, por um lado, manter intocados os

custos de interesse económico geral (recusando recomendações da ERSE de sentido contrário) e, por outro

4Considera o total dos diferimentos sujeitos a taxas de remuneração calculadas ao abrigo das metodologias que têm por objetivo replicar o custo de financiamento da EDP: o Diferimento sobrecusto PRE 2012 => Portaria 279/2011 o Diferimento sobrecusto PRE 2013-2017 => Portaria 146/2013 o Diferimento acerto CMEC 2012 => Portaria 500/2014

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lado, evitar as consequências sociais e políticas do aumento de cerca de 15% nas tarifas de eletricidade para

2007.

Então como mais tarde, se a preocupação dos Governos era o financiamento do défice e o serviço da

dívida, poderiam ter financiado esse mesmo défice através do Orçamento do Estado ou com a emissão de

dívida pública. Não o fizeram, porém, num movimento de clara desorçamentação.

Esta decisão, com pequenas variantes, foi sendo reproduzida quase todos os anos, com acréscimos ao

volume de dívida até 2016, quando a tendência foi finalmente invertida.

Um primeiro elemento relevante quanto à identificação de formas de rendas indevidas reside na taxa de

remuneração de montantes a recuperar através das tarifas e preços da energia elétrica.

Esta questão é levantada pela ERSE perante o Decreto-Lei n.º 240/2004 e a fixação da taxa de cálculo da

anuidade ao custo médio de capital da EDP (7,55%), depois face aos aumentos de spreads em relação à

Euribor e pela definição de taxas fixas, até à fórmula de cálculo da remuneração dos diferimentos dos

sobrecustos da PRE e às tentativas de aproximação das taxas de juro ao custo de financiamento da EDP.

A discussão em torno da taxa de remuneração prende-se com vários aspetos:

● Sustentabilidade económica e social da repercussão tarifária dos custos de financiamento do sector.

● Risco dos cashflows: a dívida tarifária emitida, dado o enquadramento legislativo e regulatório da

recuperação dos seus montantes, tem um risco reduzido, em todo o caso risco sempre menor que o

financiamento do conjunto das atividades da EDP. E, nesse sentido, a sua taxa de remuneração deveria

refletir isso mesmo.

● Custo de financiamento da EDP: para garantir o equilíbrio económico-financeiro das atividades

reguladas, é importante acompanhar a evolução do seu custo de financiamento, em particular em

condições de mercado adversas.

● Possibilidade de revisão da taxa: o impacto da definição da taxa inicial será tanto maior quanto menor

for a flexibilidade prevista para a rever, seja por renegociação direta com a EDP, seja pela possibilidade

da sua cedência a terceiros.

É da ponderação destes fatores e do equilíbrio entre o curto e o médio-longo prazo que deve resultar uma

taxa de remuneração adequada.

Assim, por simplificação, surgem dois rumos possíveis:

● A taxa de remuneração é definida de forma completamente alheia à EDP-CUR, exclusivamente tendo

em conta as condições de mercado e o perfil de risco dos cashflows envolvidos, definida como uma

emissão direta em mercado. É concebida como uma taxa «justa» para o SEN. Neste caso, depois de

entregue à EDP, esta poderia geri-la da forma que melhor lhe aprouvesse, mantendo-a ou cedendo-a a

seu custo ou benefício;

● A taxa de remuneração é definida como uma taxa «justa» para a EDP enquanto recetor da dívida,

ponderando o esforço financeiro envolvido e custos incorridos com vista a garantir o equilíbrio

económico-financeiro das atividades reguladas. Neste caso, o acompanhamento pelo SEN da evolução

do custo financeiro deve ser mantido. Para assegurar a sustentabilidade económica e social da

repercussão tarifária dos custos de financiamento, a gestão da dívida tem de ser partilhada entre EDP e

SEN. Isto é, o governo tem de ter uma palavra na renegociação das condições da dívida sempre que

alterações nas condições de financiamento da empresa ou do mercado assim o justifiquem, bem como

na cedência da dívida a terceiros, seja na opção pela sua realização, seja nas condições negociadas.

Obviamente, estas decisões devem ser pautadas pela procura do equilíbrio entre a sustentabilidade das

atividades reguladas e a sustentabilidade do SEN.

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Conclusões

Seguindo este racional, cabe referenciar as decisões tomadas ao longo dos anos pelos responsáveis de

governo quanto à remuneração de montantes a recuperar através das tarifas e preços da energia elétrica,

entre as quais se destacam:

1. Remuneração dos diferimentos dos sobrecustos da PRE a uma aproximação do custo de financiamento

da EDP – Decreto-Lei n.º 78/2011 e Portaria n.º 279/2011 + Portaria n.º 146/2013.

Como já aqui foi argumentado, o pressuposto de que «a taxa de juro deve refletir as condições de

financiamento da empresa» pode ser pertinente. Sobretudo em contexto adverso (como o dos anos da crise) a

decisão de acompanhar o custo de financiamento das empresas com o intuito de garantir o equilíbrio

económico-financeiro das atividades reguladas, parece natural, e mereceu parecer positivo da ERSE.

Mas esta decisão, lida em conjunto com as condições previstas para a titularização destes montantes, não

teve em conta nem uma eventual melhoria das condições de financiamento nem o perfil de risco específico

destes cash-flows que, tal como reiterado pelo depoimento de vários intervenientes na CPIPREPE, têm um

risco reduzido (mais ainda depois da garantia prestada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de

agosto, em que o Estado assegura os direitos creditórios dos novos titulares em caso de insolvência ou

cessação de atividade da EDP).

Embora prevista, a titularização é uma opção da EDP, que, tal como os eventuais ganhos, lhe cabem em

exclusivo. Em suma: o SEN acompanhou o custo de financiamento da EDP nos momentos de maior

adversidade nos mercados financeiros para, logo a seguir, a EDP tirar todo o proveito da evolução positiva

desses mercados.

A publicação da Portaria n.º 146/2013, que altera a fórmula original da Portaria n.º 279/2011, introduz um

novo parâmetro que essencialmente visa garantir uma maior aproximação ao custo de financiamento efetivo

da empresa, bem como assumir na taxa os encargos com a contratação do financiamento necessário à dívida

que remunera. É então decidida uma redução significativa do impacto do fator de sustentabilidade do SEN (de

0,85% para 0,97%, contrapartida prevista no acordo de abril de 2012 entre o governo e a EDP pela redução da

taxa de juro da componente fixa dos CMEC), favorecendo a EDP e agravando os problemas que fórmula

anterior já tinha.

Ainda de notar que, embora a fórmula teoricamente preveja uma grande adesão ao custo de financiamento

da EDP, a comparação dos seus resultados com yields de emissões de obrigações da EDP (Figura 7) bem

como a comparação com as taxas de juro médias paga pelo SEN (influenciadas por estes diferimentos) ou

ainda com uma taxa de referência de mercado (Figura 8) evidenciam sobrerremuneração.

Quando, a partir de 2013, o mercado evolui positivamente, a EDP titulariza uma parte considerável da

dívida tarifária que detinha, obtendo mais-valias significativas – 50 M€ em 2013, com a PRE de 2012 e 187M€

com os diferimentos dos sobrecustos das PRE de 2013 a 2017 (valores da EDP).

No total, acrescentando a titularização do diferimento do acerto de revisibilidade dos CMEC de 2012, a

EDP realizou 237M€ com estas titularizações (Figura 9), que incorporou por completo nos seus lucros. Este

montante que corresponde a cerca de 30%, quase um terço, da totalidade dos juros pagos pelo SEN no

mesmo período.

2. A distorção introduzida pela decisão inicial da remuneração dos CMEC já foi, entretanto, corrigida.

Numa primeira instância, com a redução da taxa aplicada à componente fixa dos originais 7,55% para 4,72%,

negociada em 2012 com a EDP. Mais tarde, no final de 2017, o Governo pede à ERSE uma proposta para

novo cálculo dessa taxa. Em resposta, a ERSE apresentou uma taxa visando recuperar os valores que, no

entendimento da ERSE, foram pagos indevidamente, por força dos erros identificados no seu parecer ao

Decreto-Lei n.º 240/2004. A ERSE avalia o impacto da primeira redução da taxa em 205M€. Assim, uma nova

redução deveria permitir recuperar grande parte dos restantes 125M€. Propôs a ERSE:

«À data de 23 de setembro de 2017, essa taxa seria aproximadamente a yield das Obrigações do Tesouro

com maturidade de 5 anos (visto que a vida média das rendas da parcela fixa é de cerca de 5 anos), de

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II SÉRIE-B — NÚMERO 50

72

0,949%, acrescida de 0,25%, totalizando 1,20%. A aplicação desta taxa ao cálculo da renda anual de 2018 até

ao final do período de vigência dos CMEC permitiria recuperar cerca de 111 milhões de euros dos 125 milhões

de euros que faltaria recuperar relativamente à situação desejável.»

O Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, homologou o cálculo do ajustamento final

proposto pela ERSE, que, para impor esta correção, situou em 154M€ o valor a pagar até 2027 na

componente variável dos CMEC, uma quantia que fica 102 M€ abaixo da versão apresentada pela EDP e pela

REN para o ajustamento final.

3. Em relação à remuneração dos diferimentos dos sobrecustos da PRE, num cenário em que se pretende

assegurar o custo de financiamento da empresa, urge introduzir mecanismos de partilha da gestão da dívida,

muitos deles já reproduzidos em diplomas legislativos pontuais.

O Estado deve poder:

● Ser consultado na decisão de uma operação de titularização, nomeadamente, no que respeita às suas

condições e aos seus custos;

● Forçar uma operação de titularização caso as condições de mercado assim o justifiquem;

● Incorporar no SEN os resultados dessas titularizações.

A este respeito, em abril de 2016, foi criado um Grupo de Estudo, composto por membros do Gabinete da

Secretaria de Estado da Energia, da ERSE e da DGEG, com vista a avaliar a «Repercussão dos sobrecustos

com a aquisição de energia a produtores em regime especial». No relatório elaborado é sugerida, entre outras

opções, a «inclusão de um mecanismo de incentivo à eficiente gestão da colocação em mercado da dívida

tarifária», referindo que este incentivaria a EDP «a conseguir as melhores condições de mercado, na

colocação da dívida, partilhando com o consumidor os benefícios obtidos». Para este efeito é sugerida no

relatório uma partilha 50/50, com exceção da definição de um teto máximo para a incorporação no SEN de

potenciais perdas, com vista a incentivar uma gestão eficiente da dívida.

4. A EDP, enquanto Comercializador de Último Recurso, é a entidade financiadora da dívida tarifária.

Nesse sentido, a partir de 2011, legislou-se no sentido de refletir o custo de financiamento da EDP na taxa de

juro da dívida tarifária, sem todavia salvaguardar a possibilidade de intervenção da tutela em decisões de

gestão desta dívida regulada. Assim, o SEN acompanhou o custo de financiamento da EDP nos momentos de

maior adversidade nos mercados financeiros sem que, perante uma evolução positiva dos mercados,

assegurasse para si parte dos proveitos da titularização dessa dívida. A pertinência dessa partilha de ganhos

foi contrariada na CPIPREPE por dois titulares da pasta da Energia, Artur Trindade e João Galamba. As mais-

valias geradas nas operações de titularização decididas pela EDP foram integralmente absorvidas pela

empresa, gerando 198 milhões de euros de lucros entre 2008 e 2017.

Recomendações

1. Tal como proposto pelo relatório do Grupo de Trabalho SEE/DGEG/ERSE em 2016, a partilha dos

resultados obtidos em operações de titularização de dívida tarifária deve ser objeto de iniciativa legislativa.

2. A proporção de tal partilha não deverá ser mais desfavorável ao SEN do que os 50/50 propostos pelo

Grupo de Trabalho SEE/DGEG/ERSE. Este regime de partilha assegura um estímulo suficiente à EDP para

uma gestão eficiente da dívida.

3. Como garantia da melhor prossecução do interesse público, o membro do governo com a tutela da

energia deverá poder, por iniciativa própria ou sob proposta da ERSE, determinar ou suspender operações de

titularização desencadeadas pela EDP – Comercializador de Último Recurso.

4. Este princípio deverá ser aplicado igualmente às mais-valias e menos-valias realizadas em operações

de titularização realizadas no passado, de forma a recuperar para o SEN parte do saldo dessas operações, as

quais importam em 198M€ positivos. Não tendo sido ilegal, esta apropriação integral é indevida e injusta,

devendo ser corrigida.

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Capítulo 6

Garantia de potência

A garantia de potência é um mecanismo de remuneração de capacidade elétrica destinada a garantir a

segurança de abastecimento de eletricidade e o investimento em infraestruturas. Esta resume-se, por um lado,

a remunerar centrais electroprodutoras para estarem disponíveis para entrarem em funcionamento face a um

evento extraordinário (situação não prevista de consumo ou variações bruscas na produção renovável), e por

outro, a incentivar a manutenção e investimento neste tipo de potência despachável e imediata, no sistema

elétrico nacional. O contributo das unidades de produção baseadas em tecnologias convencionais (térmica,

hídrica) é por isso fundamental para a garantia da segurança do abastecimento, como complemento à

produção de energia elétrica a partir de fontes de energia renováveis (não-despacháveis).

1. Contexto, legislação e regulamentação

1.1 Na preparação do MIBEL, previsão da remuneração de potência segundo a disponibilidade

A primeira referência legal a um futuro regime de remuneração da garantia de potência é feita no artigo 16.º

do Decreto-Lei n.º 185/2003, do ministro Carlos Tavares, que «estabelece as regras gerais que permitem a

criação de um mercado livre e concorrencial de energia eléctrica»:

1 – Até à entrada em vigor do diploma que estabelece as novas bases de organização do funcionamento

do sector eléctrico, transpondo para o direito nacional a Directiva do Mercado Interno de Electricidade, cabe à

entidade concessionária da RNT assegurar a garantia do abastecimento de energia eléctrica.

2 – Os produtores em regime ordinário que participem no mercado sob qualquer forma de contratação têm

direito a um pagamento de potência dependente da sua disponibilidade no período de maior procura ou de

escassez de oferta.

3 – Os proveitos do pagamento da garantia de potência aos produtores, determinado com base numa

metodologia de valorização que assegure o equilíbrio contratual, são proporcionados por uma tarifa fixada pelo

regulamento do tarifário, aplicável a todos os consumidores.

(Artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 185/2003)

Aquela remuneração geral é retomada mais tarde, com o Decreto-Lei n.º 264/2007 do ministro Manuel

Pinho, que prevê «a possibilidade de criação de instrumentos de incentivo à garantia de potência para centros

eletroprodutores cuja atividade é exercida em regime de mercado», de modo a «assegurar um adequado grau

de cobertura da procura de eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros

eletroprodutores em regime ordinário (PRO)».

Nesse contexto de 2007, em vésperas da entrada em funcionamento do MIBEL, as entidades reguladoras

portuguesa e espanhola entregam aos respetivos governos uma proposta de regulamentação conjunta do

mecanismo de garantia de potência, cujas linhas gerais estão contidas no projeto então apresentado,

apontando à existência de um procedimento concorrencial.

Em dezembro do mesmo ano de 2007, é de registar ainda a aprovação pelo Conselho de Ministros do

Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico, cujo concurso só terá regras aprovadas por

Decreto-Lei em setembro do ano seguinte.

Entre 2007 e 2010, o governo não regulamenta a possibilidade aberta na lei para a remuneração deste

serviço.

«Voltei a ser Secretário de Estado com o Professor Teixeira dos Santos [de julho a outubro de 2009] e

lembro-me de ter recebido a EDP para legislar sobre a garantia de potência, e não o fiz. Expliquei-lhe que o

momento já não era propício a decisões dessa natureza. Estávamos próximos do fim do mandato e não o fiz

em consciência».

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(Castro Guerra, Secretário de Estado Adjunto, da Indústria e da Inovação, entre 2005 e 2009)

1.2 Início do pagamento pela garantia de potência

Será já sob a tutela do ministro Vieira da Silva e do Secretário de Estado da Energia, Carlos Zorrinho, que

o mecanismo é criado, através da Portaria n.º 765/2010, sem que seja dado acolhimento à proposta de

harmonização ibérica baseada em leilões avançada pelos reguladores ibéricos. Pelo contrário, o regime criado

integra duas linhas de remuneração, ambas atribuídas por via administrativa e não concorrencial:

● o pagamento do serviço de disponibilidade prestado pelos centros eletroprodutores;

● o incentivo ao investimento em capacidade de produção, para os centros electroprodutores que

tivessem entrado em exploração há menos de 10 anos.

Ambos se destinam a centrais em regime ordinário e sem garantias CMEC ou CAE, os quais já remuneram

a disponibilidade de potência.

A ERSE acompanha a preparação da portaria e expressa as suas preocupações, mencionando um parecer

que, no entanto, não constará do acervo da ERSE, de acordo com a resposta aos pedidos feitos pela

CPIPREPE:

«Permitimo-nos reiterar o conteúdo do Parecer da ERSE oportunamente enviado a esse Ministério e

sublinhar a nossa preocupação com os impactes tarifários, agora acentuados com as alterações introduzidas

nos artigos 10.º e 11.º».

(correspondência entre José Afonso, da Direção de Mercados da ERSE, e Bruno Caetano, assessor de

Carlos Zorrinho, 28 julho de 2010).

Em defesa da introdução do pagamento destes incentivos, são mobilizados pelos ex-ministros Vieira da

Silva e Carlos Zorrinho dois argumentos principais: 1) a necessidade de corresponder a compromissos

assumidos junto das companhias que acorreram aos leilões do Plano Nacional de Barragens, lançado pelo

ministro do Ambiente, Nunes Correia; 2) a necessidade de robustecer a segurança de abastecimento.

Quanto ao primeiro, é assumido por Carlos Zorrinho – «o decreto-lei que cria a garantia de potência estava

publicado desde 2007 [Decreto-Lei n.º 264/2007] e, portanto, obviamente que o concurso [do Plano Nacional

de Barragens] foi feito nessa perspetiva». Porém, no momento daquele concurso, a lei não previa mais do que

a mera possibilidade da futura criação de um tal mecanismo –, o que está longe de poder constituir

compromisso ou sequer fundada expectativa – e com referência apenas à remuneração da disponibilidade,

sem que o incentivo ao investimento estivesse previsto sob qualquer forma.

O segundo argumento é relativo à promoção da segurança de abastecimento. Afirma Carlos Zorrinho, na

sua audição na CPIPREPE:

«É muito fácil, agora, dizermos que há uma sobredisponibilidade, mas as projeções, quer quanto ao

consumo de energia em Portugal, quer quanto ao consumo de energia no MIBEL, na eletricidade em

particular, quer quanto às interconexões eram completamente diferentes».

Porém, a Portaria n.º 765/2010 é posterior à publicação do Relatório de Monitorização da Segurança de

Abastecimento para os anos 2011-2020, preparado pela REN, que apontava claramente a falta de

necessidade de novos mecanismos de reforço da segurança do abastecimento, considerando a

«Suficiência da reserva de capacidade para a cobertura, nos períodos de ponta anual (Janeiro), de ponta

de Verão (Julho) e da ponta de Dezembro, de situações particularmente críticas e muito excepcionais,

caracterizadas pela ocorrência simultânea de um agravamento da ponta de consumos, de uma

indisponibilidade de potência hídrica por efeito de um regime seco, de indisponibilidade de potência eólica

correspondente à disponibilidade do recurso com um nível de confiança de 95%, de uma contribuição reduzida

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da restante PRE e da falha fortuita do maior grupo térmico e do maior grupo hídrico. (…) Na verificação do

cumprimento destes padrões não se considera o recurso à interruptibilidade».

(Relatório de Segurança de Abastecimento ao nível da Produção de Electricidade para 2011-2020, REN

abril 2010, pag. 5)

A ERSE produziu declarações públicas no mesmo sentido, alertando para «um problema tarifário para

vários anos»:

«A garantia de potência foi negociada [em 2007] numa altura de assimetria com Espanha, quandoa

margem de segurança do mercado português era escassa, o que já não acontece hoje, registando-se um

excesso de energia no mercado ibérico».

Vítor Santos, presidente da ERSE, Público, 22 dezembro de 2010

Na CPIPREPE, um terceiro elemento de motivação – além dos compromissos assumidos e da segurança

do abastecimento – foi objeto de abordagens contraditórias entre Vieira da Silva e Carlos Zorrinho. Segundo o

então Secretário de Estado, a remuneração da garantia de potência foi parte de um pacote legislativo mais

amplo, que incluiu também a tarifa social, cuja criação é simultânea à da garantia de potência:

«Conseguimos que as operadoras se tivessem comprometido em simultâneo com a tarifa social. (…) A

tarifa social foi criada em complemento e em pacote político com a garantia de potência, dizendo o seguinte:

se há aqui uma garantia de fornecimento, temos uma garantia de fornecimento do lado da produção, mas

também temos de ter uma garantia de consumo do lado dos utilizadores. (…) [Houve] o aproveitamento dessa

circunstância, ou seja, da concretização de uma expectativa legítima, que tinha sido criada por um decreto-lei

anterior, para cumprir uma linha de política, que era a criação de uma tarifa social paga por esses mesmos

operadores». (…)

«Conseguimos que as operadoras se tivessem comprometido em simultâneo com a tarifa social. (…) A

tarifa social foi criada em complemento e em pacote político com a garantia de potência, dizendo o seguinte:

‘Se há aqui uma garantia de fornecimento, temos uma garantia de fornecimento do lado da produção, mas

também temos de ter uma garantia de consumo do lado dos utilizadores’»

(Audição de Carlos Zorrinho, Secretário de Estado da Energia 2009-2011)

Pelo seu lado, o ex-Ministro da Economia assume que a introdução da tarifa social visou compensar novos

custos inscritos na tarifa (a garantia de potência seria um deles), mas nega uma negociação em pacote com

as empresas:

«Nunca esteve na minha cabeça nem em nenhuma negociação, qualquer articulação de género

compensatório com a questão da garantia de potência mas, sim — assumo essa compensação —, com aquilo

que eu achava ser uma pressão potencialmente crescente sobre a tarifa e a necessidade de desagravar, para

esses grupos sociais [beneficiários da tarifa social], essa tensão e essa pressão». (…)

«[A garantia de potência] faz parte da política de criação de condições de segurança para os investimentos,

não só para os investimentos do passado mas também para os do futuro.» (…) «Na perspectiva que tive, a

pressão sobre as tarifas e a necessidade de aliviar as famílias conta seguramente muito mais do que qualquer

outro tipo de negociação [da garantia de potência e tarifa social indicada pelo SEE Carlos Zorrinho), na qual,

aliás, não participei.»

(Audição de Vieira da Silva, Ministro da Economia 2009-2011)

Quanto ao incentivo ao investimento, a Autoridade da Concorrência reforça a tese de que este incentivo,

enquadrado na garantia de potência, não corresponde a uma necessidade efetiva dos produtores:

«Essas centrais não precisaram de incentivos para que os respectivos investimentos fossem

desencadeados, o que coloca em causa o valor acrescentado do incentivo de garantia de potência, nos termos

em que esse incentivo foi apresentado.»

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(Parecer da AdC sobre proposta de tarifas e preços para 2012, novembro 2011)

Já Carlos Zorrinho, na CPIPREPE, defendeu veemente o incentivo ao investimento como medida para

alavancar um modelo energético limpo:

«Portanto, o incentivo ao investimento é feito nesta lógica de garantir a atratividade no investimento, no

modelo — ainda não conversámos sobre isso aqui, mas, se calhar, valeria a pena conversar — energético

para Portugal. Há vários modelos energéticos… Não demos garantia de potência à central de carvão, por

exemplo! (…) A garantia de potência foi dada, como disse, por harmonização com o MIBEL e por portaria,

para poder ser alterada em cada momento, em função do índice de cobertura — como foi! —, mas foi dada ao

ciclo combinado e à energia renovável. Portanto, para termos um modelo de armazenamento e de resposta

rápida com o ciclo combinado e um modelo de armazenamento e de resposta mais lenta com o domínio

hídrico, suportando o crescimento progressivo de outro tipo de renovável, como o fotovoltaico e o eólico.»

A ERSE não será chamada a pronunciar-se sobre a versão final da portaria.

1.3. Os cortes nos incentivos da garantia de potência após o Memorando da troika

Em dezembro de 2011, na sequência do recuo do governo na aplicação da contribuição especial do setor

elétrico proposta pelo Secretário de Estado Henrique Gomes, é introduzida na segunda revisão do Memorando

a Medida 5.13, que prevê a aplicação de medidas até ao final do segundo trimestre de 2012:

«Tomar medidas no segundo trimestre de 2012 para a retirada do mecanismo de garantia de potência e a

redução dos custos políticos associados. Os incentivos ao investimento em centrais devem ser revistos em

baixa e retirados à luz da atual situação de baixo consumo de eletricidade, excesso de capacidade de

produção e da sobreposição com o mecanismo do serviço de interruptibilidade, tendo ainda em consideração

os desenvolvimentos no mercado ibérico de eletricidade e considerações de segurança energética».

É neste contexto que, em fevereiro de 2012, o Governo PSD/CDS remete à troika o relatório «Rents in the

Electricity Sector», que quantifica em 60 M€/ano os ganhos tarifários da retirada do incentivo ao investimento

para centrais atribuídas antes de 2007.

Em abril de 2012, é firmado o acordo entre a EDP e o governo para a redução da taxa de juro da

componente fixa dos CMEC. Esse acordo – que será analisado mais adiante neste relatório – elenca um

conjunto de medidas tendentes a «estabilizar o quadro regulatório». Quanto ao serviço de disponibilidade (que

deixará de ser pago na sequência da portaria 251/2012, de 20 de agosto), o governo sinaliza à EDP a intenção

de não aplicar integralmente a Medida 5.13, que previa a retirada faseada mas total da remuneração da

disponibilidade e do incentivo ao investimento.

Quanto à remuneração do serviço de disponibilidade das centrais térmicas sem CMEC, o acordo define

que suspensão será levantada no final do programa de ajustamento dando lugar a uma remuneração sem

prazo a 6000 €/MW (o valor em 2010 era 20000 €/MW). Para as centrais hídricas construídas e/ou em

operação depois de 2007 o incentivo ao investimento permanece, com novas regras que devem considerar o

reforço da segurança de abastecimento entretanto registado com a interruptibilidade (1000 MW disponíveis em

2012) e as interligações com Espanha (2000 MW em 2012, com outros 3000 MW projetados).

Em síntese, a Portaria n.º 251/2012, do Secretário de Estado Artur Trindade, redefine o mecanismo de

garantia de potência do seguinte modo:

● o incentivo à disponibilidade passa a ser exclusivo dos centros electroprodutores térmicos e vigente até

à cessação da licença de exploração. No entanto, os pagamentos ficam suspensos até ao ano

seguinte ao da conclusão do Programa de Assistência Económico-Financeira que então se aplicava

em Portugal;

● o incentivo ao investimento é limitado a centrais hídricas futuras ou cuja decisão de construção seja

posterior a 2007. O incentivo deixa a ser atribuído diretamente por MW, passando a discriminar

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valores por central hídrica e a ter duração limitada a dez anos. Fica assim excluída a central de

Alqueva, que recebeu a este título 6,8 M€, entre 2010 e 2012.

● passar para 50% o incentivo ao investimento dos reforços de potência, obrigando a bombagem, uma

vez o investimento da infraestrutura do aproveitamento hidroelétrico já seria existente.

Segundo Artur Trindade, estas alterações foram validadas pela troika previamente à Portaria n.º 251/2012.

Quanto à manutenção do incentivo ao investimento, contra o que era a orientação da Medida 5.13 do

Memorando, ela é justificada por Artur Trindade na mesma linha já apresentada por Carlos Zorrinho:

«O subsídio ao investimento, que é [depois da portaria de 2012] o principal da garantia de potência, não é o

da disponibilidade, foi tratado também como um direito adquirido por parte dos produtores, daqueles que o

tinham. E foi pago nessa perspetiva de incentivo ao investimento que, como sabe, dura 10 anos, e tendo em

conta aquilo que eram as perspetivas de investimento que já tinham sido aceites e que já vinham de governos

anteriores».

(Artur Trindade)

Posteriormente, a portaria 172/2013 vem repor regras para os procedimentos para a verificação da

disponibilidade, que tinham perdido suporte legal no momento da cessação dos CAE, tema que este relatório

já tratou atrás.

1.4. A eliminação dos pagamentos por disponibilidade

Em 2016, após parecer técnico pedido pela tutela à ERSE, a Lei do Orçamento do Estado para 2017

(42/2016) substitui o incentivo à disponibilidade por um sistema de leilões para a «Reserva de Segurança do

SEN», definido mais tarde pela Portaria n.º 41/2017. Face ao posterior questionamento deste sistema por

parte da Comissão Europeia, o então Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, determinou a

sua suspensão sem prazo (Portaria n.º 93/2018).

Em 2016, a necessidade de remuneração de disponibilidade através deste mecanismo é de novo

contestada pela ERSE, que, a pedido pelo governo, emite um parecer técnico em que aponta a este subsídio

falta de transparência e de razão para existir: «No período 2015-2024 o sistema eletroprodutor mostra-se

capaz de dar resposta à evolução expectável dos consumos de eletricidade, garantindo os níveis de

segurança de abastecimento.»

Em 2018 é a REN, em resposta ao Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches que se pronuncia sobre as

necessidades da Reserva de Segurança no curto prazo. Com o mecanismo de garantia de potência suspenso

e nos cenários mais pessimistas (alta procura e baixa oferta de eletricidade), as centrais electroprodutoras e

os mecanismos existentes seriam suficientes para assegurar as necessidades do SEN (Pronúncia da REN em

2018), dispensando mais mecanismos adicionais.

«A REN assegurou que até ao fim do primeiro trimestre deste ano não era necessária garantia de potência.

Fiz-lhes a pergunta, a REN respondeu dessa forma e, por essa razão, suspendeu-se a garantia de potência e

continuou-se um processo de negociação e de construção de uma solução legislativa com Bruxelas que,

penso, estava em fase próxima do fim quando eu cessei funções, (…)

Eu acho que resolvemos bem o problema. Se não precisamos de garantia de potência, não a temos e

temos a interruptibilidade; acho é que, mais tarde ou mais cedo, teremos de evoluir para um modelo

concorrencial que possa, efetivamente, contribuir para reduzir custos, o que não me parece que se tenha

conseguido fazer nessa área.»

Jorge Seguro Sanches, SEE 2015-2018, na CPIPREPE

Já em abril de 2018, numa interpelação da Direção-Geral de Concorrência da Comissão Europeia,

referente à Portaria n.º 41/2017 o governo assume que o mecanismo da Remuneração da Reserva de

Segurança que se encontrava suspenso com a Portaria n.º 93/2018 vai ser cancelado.

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Ainda no seguimento desta interpelação por eventuais ajudas de Estado, encontra-se em análise o

mecanismo da garantia de potência na modalidade de apoio ao investimento, no sentido de averiguar a

transparência e equidade na sua atribuição, com vista a uma possível revisão.

2. Custos para o SEN

Os custos com a garantia de potência são inseridos nas tarifas do consumidor final a título de Custo de

Interesse Económico Geral (CIEG). Em 2011, a ERSE esclareceu a inclusão do sobrecusto da GP pela

primeira vez, na parcela III da tarifa de Uso Global do Sistema UGS justificando:

«(…) sendo que o seu sobrecusto é uma função inversa das horas de funcionamento destas centrais, por

ser pago tendo como referencial a potência instalada das centrais abrangidas por esse diploma e não a

energia produzida pelas mesmas. (…) Assim o risco de não colocação destas centrais PRO aumenta sempre

que a energia produzida pelos produtores em PRE excede as necessidades previstas pelo CUR. (…) Deste

modo, enquanto o diferencial de custo com a PRE evolui de uma forma independente dos restantes CIEG

associados à produção de energia eléctrica, os CIEG com produção em PRO (CAE, CMEC e garantia de

potência) aumentam com a evolução da produção em regime especial.»

(Tarifas e preços para a energia elétrica e outros serviços em 2011, ERSE)

Gráfico 1 – Valores gastos com a garantia de potência de 2011 a 2019 e reserva de segurança em

2017-2019, em milhões de euros (Dados ERSE)

Até 2018, a garantia de potência resultou em custos de 143 M€ (101 M€ em incentivo à disponibilidade e

52 M€ em incentivo ao investimento). A Reserva de Segurança, que veio substituir o incentivo à

disponibilidade custou 6 M€ em 2017, tendo sido suspensos os leilões em 2018. Os dados para 2019 foram

retirados das estimativas da ERSE a incluir nas tarifas e referem-se apenas à componente de incentivo ao

investimento, que permanece.

Conclusões

1. A garantia de potência foi acordada na XII Cimeira luso-espanhola de 2006, daí resultando uma

solicitação ao Conselho de Reguladores do MIBEL para que se operacionalizasse este mecanismo no espaço

ibérico, de modo a garantir uma compatibilização regulatória, condição determinante para a construção do

MIBEL. As preocupações da ERSE em 2007 (adoção de mecanismo concorrencial harmonizado no MIBEL) e

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de 2010 (redundância dos incentivos face à situação do SEN) não foram acolhidas pelo governo ao

regulamentar a remuneração da garantia de potência.

2. A natureza excedentária do serviço foi constatada pelo regulador e pela REN ao longo de todo a

vigência do regime.

3. A decisão do governo, em 2010, foi movida (também) por motivações alheias à segurança de

abastecimento do SEN, a saber: mitigar a pressão tarifária sobre os setores sociais mais vulneráveis do ponto

de vista económico, através da criação da tarifa social como encargo dos centros eletroprodutores em regime

ordinário. A aceitação sem litígio deste encargo pelos produtores foi simultânea à regulamentação da garantia

de potência, ambas integrando a estratégia para o SEN desenhada pelo governo de então.

4. Ao contrário do incentivo à disponibilidade, que encontra enquadramento legal nos termos da legislação

de 2003 e 2007, a criação do incentivo ao investimento não tem qualquer base legal. Aliás, as condições do

concurso internacional para o Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico não incluíam

qualquer referência a esta futura remuneração, que a lei não previa sequer como hipótese futura. Por

conseguinte, a instituição deste incentivo veio alterar o quadro económico-financeiro em que se os

concorrentes de 2008 formularam as suas ofertas, beneficiando de forma injustificada os vencedores do

concurso.

5. A suspensão do incentivo à disponibilidade durante o programa de assistência financeira demonstrou a

redundância deste dispositivo, tal como a Medida 5.13 do Memorando com a troika já sinalizava. O Governo

PSD/CDS excluiu as centrais térmicas do incentivo ao investimento e as centrais hídricas do incentivo à

disponibilidade. Porém, vinculado a um acordo informal com a EDP traduzido na Portaria n.º 251/2012, não

definiu qualquer prazo para o fim da remuneração da disponibilidade das centrais térmicas, tal como previa o

Memorando, limitando-se a reduzi-la significativamente.

6. A eliminação do pagamento por disponibilidade em 2018 tornou clara (e confirmada pela REN até 2025)

a suficiência das atuais garantias de segurança de abastecimento do SEN.

Recomendações

1. Terminar o incentivo ao investimento, cuja conexão com necessidades concretas do sistema elétrico

está até hoje por justificar tecnicamente e cuja criação veio distorcer o quadro dos concursos do Plano

Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico, levantando a questão da sua legalidade;

2. Manter suspensos todos os pagamentos a título de incentivo à disponibilidade, fazendo-os depender, no

futuro, das necessidades reais da segurança de abastecimento identificadas pela REN e confirmadas pela

ERSE, no quadro da integração de novos instrumentos de disponibilidade a dinamizar do lado da procura e da

oferta.

Capítulo 7

Remuneração do serviço de Interruptibilidade

O serviço de interruptibilidade refere-se à remuneração da disponibilidade de determinados consumidores

para reduzir voluntariamente o seu consumo de eletricidade em resposta a uma ordem de redução de potência

dada pelo operador da rede de transporte, de forma a dar resposta rápida e eficiente a problemas de

correspondência entre oferta e procura de eletricidade. A interruptibilidade, além de flexibilizar a operação do

sistema, permite contribuir para a segurança de abastecimento.

Este mecanismo é gerido pelo operador de rede e contratualizado com grandes consumidores de energia

no mercado livre.

1. Contexto e legislação associada

Até 2010, o serviço de interruptibilidade era um mecanismo prestado no âmbito do mercado regulado e

com limitada expressão.

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A Portaria n.º 592/2010, do Secretário de Estado Carlos Zorrinho, veio obrigar a que a prestação do serviço

passasse a ser feita exclusivamente por unidades consumidoras no mercado livre, com potências interruptíveis

superiores 4 MW. A gestão deste serviço cabe ao gestor global do sistema, a REN.

A Portaria n.º 1308/2010 veio estabelecer um novo regime transitório durante 2011, dispensando a

apresentação de alguns requisitos e valorizando a remuneração.

A Portaria n.º 200/2012, após várias portarias de carácter transitório e/ou técnico, altera o teto máximo da

remuneração e introduz mecanismos de verificação da disponibilidade da interruptibilidade.

A Portaria n.º 215-A/2013 estabelece as regras da repercussão dos custos com interruptibilidade nas

tarifas.

A Portaria n.º 221/2015 volta a rever o teto máximo nas remunerações para as instalações com energia

anual consumida superior a 75 GWh e potências interruptíveis superiores a 50 MW, que não sejam

abastecidas em muito alta tensão (MAT).

A Portaria n.º 268-A/2016 limita a remuneração da interruptibilidade às instalações que demonstrarem

estarem efetivamente aptas à prestação do serviço, através da realização de testes, impedindo que continue a

ser um subsídio independente do seu objetivo primordial.

2. Custos imputados aos consumidores

Os custos com a interruptibilidade evoluíram de acordo com o Gráfico abaixo.

Constata-se que até 2010 os custos anuais com a interruptibilidade foram sempre menos de 50 M€, sendo

que a partir da publicação da Portaria n.º 1308/2010 se verifica um aumento exponencial dos custos anuais,

até aos 109,9 M€ registados em 2015. Com a obrigatoriedade da prova efetiva de disponibilidade via

instituição de testes da Portaria n.º 268-A/2016, os custos regrediram, mas em 2019 já foram estimados nas

tarifas encargos de 109.3 M€.

Evolução dos custos com o mecanismo de interruptibilidade desde 2004 a 2019 (Dados ERSE)

3. Premência do mecanismo de interruptibilidade

Sob o governo do Partido Socialista, em 2010, a publicação da Portaria n.º 1308/2010 surge quase em

simultâneo com a da garantia de potência. Criam-se por isso, em paralelo, dois novos mecanismos dedicados

a promover a segurança de abastecimento do SEN, um pelo lado da procura (interruptibilidade) e outro pelo

lado da oferta (garantia de potência).

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Nessa fase, como já se explicitou na secção relativa à garantia de potência, o regulador e a REN

consideravam que as necessidades de segurança do sistema estavam garantidas pelas centrais térmicas em

CAE e CMEC e pelo efeito dos investimentos nas interligações a Espanha. Com essas necessidades

preenchidas do lado da oferta, recorde-se que existia já então um mecanismo de interruptibilidade prestado

por grandes consumidores de energia elétrica com contratos no mercado regulado.

Na sua audição na CPIPREPE o secretário de Estado Carlos Zorrinho referiu uma motivação de

circunstância para o estabelecimento deste adicional ao regime de interruptibilidade, relativo a um aumento de

custos com as redes de distribuição que foi repercutido nas tarifas de média tensão:

«Houve um reconhecimento por parte do regulador de um sobrecusto nas redes de distribuição de 70

milhões, sobrecusto esse que não estava previsto. Portanto, havia aqui um problema, que era um aumento

complexo na fatura energética das empresas, e isso [o subsídio às empresas no âmbito da interruptibilidade]

também ajudou a resolver».

Essa circunstância, ainda segundo Carlos Zorrinho, terá vindo juntar-se a uma segunda motivação,

reforçada pelo ministro Vieira da Silva:

«Lembro-me de, na altura, ter contactado várias empresas que tinham, de facto, problemas com a

distribuição e a qualidade dessa distribuição, com os chamados «microcortes» e a oscilação da potência

elétrica em atividades fortemente sensíveis, e que encararam isto como uma oportunidade de diminuir esses

riscos e serem compensadas por isso mesmo».

Audição de Vieira da Silva, Ministro da Economia, 2009-2011

«Pergunta-me: ‘todos fizeram esse investimento?’. Não sei, saí antes de o poder verificar e sinto que, em

Portugal, os mecanismos de verificação são pouco robustos”.

Audição de Carlos Zorrinho, Secretário de Estado da Energia, 2009-2011

3.1. Realização de testes

Em 2012, a Portaria n.º 200/2012 introduz mecanismos de verificação da disponibilidade da

interruptibilidade e da sua operacionalidade, obrigando o operador de rede à realização de testes de

disponibilidade, de modo a garantir uma segurança de abastecimento efetiva:

«Artigo 4.º-A

Verificação da disponibilidade da interruptibilidade

1 – O operador da rede de transporte deve emitir, em cada ano, às instalações consumidoras prestadoras

do serviço de interruptibilidade, ordens de redução de potência com a duração mínima de uma hora que

incidam sobre aproximadamente 10% do total de potência interruptível contratada nesse ano, com vista a

verificar se as instalações submetidas às referidas ordens se encontram efetivamente disponíveis para a

prestação do serviço de interruptibilidade.»

Em 2016, a Portaria n.º 268-A/2016 vem condicionar a remuneração da interruptibilidade à realização dos

testes previstos no artigo 4.º da Portaria n.º 200/2012, e limitando-a às instalações que se revelem aptas à

prestação do serviço.

«Pretende-se com esta portaria credibilizar e dar rigor ao sistema, garantindo e atestando a disponibilidade

e capacidade de todas as instalações consumidoras prestadoras do serviço de interruptibilidade através da

redução efetiva de potência (…). Desta forma, o sistema deverá remunerar as instalações que contribuírem

para flexibilizar a operação do sistema e para garantir o aumento da segurança de abastecimento.»

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No entanto, a REN que está obrigada à publicação de um relatório anual sobre o serviço de

interruptibilidade, não o publica desde 2017, não existindo qualquer referência à execução dos testes

legalmente previstos, nem no acervo documental da CPIPREPE nem online.

Contudo, o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, questionado na CPIPREPE sobre o

impacto da Portaria n.º 268-A/2016 na exclusão de indústrias abrangidas pela interruptibilidade que não

estivessem capazes de prestar o serviço, respondeu:

«Eu não tenho esses elementos comigo, mas eles estão online no site da REN, porque a REN controla o

sistema e faz relatórios regulares sobre essa questão.

Sei que houve algumas situações em que deixaram de ser interruptíveis por não reunirem as condições e

por não estarem disponíveis para os testes.»

3.2 Balanço da existência do serviço

Entre 2011 e 2015, tornou-se evidente a natureza excedentária deste serviço: os relatórios anuais da REN

sobre a interruptibilidade registam que não houve uma única ocasião em que fosse usado. No entanto a

adesão de grandes consumidores continuou a crescer e os custos com o serviço também.

Em 2017, a pedido do Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, a ERSE pronunciou-se

sobre este mecanismo afirmando que:

«Importaria estabelecer um regime que substitua a atual atribuição guiada por critérios de caráter

administrativo – potencialmente ilimitada na abrangência que pode ter –, por uma atribuição do serviço de

interruptibilidade com critérios de mercado e em função das reais necessidades do SEN.»

(Parecer sobre proposta de despacho relativo aos regimes de interruptibilidade e de reserva de segurança,

ERSE, 2017)

Assim, os custos acrescidos com este mecanismo não são justificáveis do ponto de vista estratégico para o

SEN, mas sim uma forma de fazer pesar medidas de política industrial na fatura dos consumidores, tal como

Carlos Zorrinho reconheceu na sua audição:

«Temos a consciência de que, em grande parte, a interruptibilidade foi uma medida de política industrial e,

já agora, comercial [por admitir grandes superfícies comerciais]».

Sobre o seu mandato, Jorge Seguro Sanches, afirmou na CPIPREPE que:

«Aquilo que se fez na interruptibilidade foi menos do que aquilo que eu gostaria de ter feito – e isso é

público; eu gostaria de ter lançado um leilão decrescente para a interruptibilidade e só o consegui fazer na

garantia de potência.»

Em abril de 2018, numa interpelação da Comissão Europeia via DG Competition sobre eventuais auxílios

de estado na política energética portuguesa, o governo é confrontado com os termos do mecanismo de

interruptibilidade. Enquanto a posição do governo se cingiu a defender a interruptibilidade per se, a DG COMP

não pondo em causa a necessidade deste mecanismo, identificou que tanto a sua atribuição (administrativa),

dimensão (em potência disponível correspondente a 13% do consumo em portugal) e remuneração (custos

consideráveis) são desajustados para um serviço que nunca foi utilizado. Nesse sentido, a DG Comp, defende

que a interruptibilidade seja revista na sua dimensão e remuneração, sendo ajustada para um sistema

concursal, de atribuição por leilão, tendo dado o prazo de 1 de novembro de 2018 para se proceder às

referidas alterações.

Não são conhecidos desta comissão demais avanços neste processo.

O SEE João Galamba apenas referiu na CPIPREPE que:

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«O único processo que foi concluído e em que já houve notificação foi aquele que foi noticiado na semana

passada, sobre as barragens, sobre o domínio hídrico. (…) Sobre os outros processos abertos, (…)

nomeadamente o da interruptibilidade, ainda não fomos notificados, portanto, do que sabemos, eles não estão

encerrados. (…).»

Não obstante reconfirmou que terão de rever o mecanismo da interruptibilidade:

«Não iremos suspender agora o regime de interruptibilidade como ele existe, mas há um compromisso da

parte do Governo de o rever nesse quadro geral, portanto, de rever todos os serviços de sistema e de fazer

uma revisão geral deste quadro.»

Conclusões

1. Entre 2011 e 2018, o serviço de interruptibilidade custou aos consumidores 727M€. Esse valor resulta

do redimensionamento do serviço de interruptibilidade em 2010.

2. Esse redimensionamento correspondeu a diversos objetivos:

○ Promover a transição de unidades grandes consumidoras de eletricidade para o mercado liberalizado;

○ Fazer face a um sobrecusto pontual na ordem dos 70M€ na rede de distribuição com impactos tarifários

nas empresas;

○ Estimular investimentos em equipamentos destinados a melhorar a eficiência de unidades industriais e

comerciais afetadas por oscilações na distribuição elétrica;

○ Subsidiar empresas grandes consumidoras de eletricidade.

3. Durante vários anos, não se realizaram os testes previstos na portaria de 2012.

4. Este serviço chegou a ser pago a prestadores que não estavam em efetivas condições de o prestar,

como demonstra a redução de custos pela introdução de testes. Não há registo de aplicação de qualquer

sanção.

Recomendações

1. Imediata adoção de um teto para estes custos, atendendo à potência interruptível que corresponda às

reais necessidades do SEN;

2. Redução de custos no curto prazo, com a criação de regime concorrencial, desenhado por escalões de

potência interruptível por unidade de consumo;

3. Preparação de um novo quadro para este serviço redimensionado considerando a integração de novos

instrumentos de disponibilidade do lado da procura e da oferta.

Capítulo 8

Medidas sob a aplicação do Memorando de Entendimento com a troika

Em 2011, na sequência do Programa de Assistência Financeira e do Memorando de Entendimento, o

governo assumiu compromissos em diversas áreas do setor energético.

No Ponto 5 do Memorando, «Energy Markets», o Governo comprometeu-se a rever políticas específicas do

setor energético para combater o défice tarifário e assegurar a sustentabilidade do SEN.

Entre vários objetivos, as áreas de intervenção que importam à CPIPREPE, eram elencadas subáreas para

as quais era indicada a necessidade de medidas concretas:

● 5.6 Redução de rendas com CMEC e CAE

● 5.7 Revisão da lei da cogeração

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● 5.9 e 5.10 Negociação e revisão em baixa das tarifas feed-in com os produtores PRE existentes e para

futuros concursos

● 5.13 Revogação do mecanismo de garantia de potência e regulamentação de novo regime

● 5.15 Eliminação do défice tarifário até 2020 e estabilização até 2013

1. Do Memorando inicial à segunda revisão

1.1 O modelo de equilíbrio preparado por Henrique Gomes e as propostas da EDP

As primeiras diligências de Henrique Gomes na Secretaria de Estado da Energia foram no sentido da

preparação de um modelo de sustentabilidade do SEN, em que participa como consultor externo a Boston

Consulting Group.

«Depois de conhecer o modelo e de saber quais eram os desequilíbrios, a preocupação foi a de tentar

identificar medidas para eliminar a prazo os excessos e equilibrar. E o nosso objetivo político passou a ser o

de os custos, até 2020, em termos reais, não subirem mais do que de 1% a 1,5% e de, quando chegássemos

a 2020, não haver défice. Esse era o nosso objetivo. Para lá chegar, havia várias medidas e andámos a

preparar algumas delas. Uma das medidas era esta: já que os custos, relativamente às emissões de CO2,

eram produzidos no seio do sistema energético e penalizavam porque, sendo incorporados os custos dos

produtores, aumentavam, a ideia era que parte desses custos, cerca de 80%, revertesse não para um fundo

de carbono para outras atividades, mas para o setor — até porque, sendo parte substancial desses custos

gerados pela PRE, isto é, pelas renováveis, fazia todo o sentido que parte desses custos (e na hora

apontámos para os 80%) revertesse para o setor. Esta foi uma medida que identificámos e que era importante.

Depois, havia outras medidas (que eram a garantia de potência, pequenos cortes, etc.). Até que chegámos

— aliás, chegámos muito rapidamente — à necessidade de ter uma contribuição sobre o sistema. Essa

contribuição era sobre o potencial de geração (…) envolvia todos os produtores menos os miniprodutores da

microgeração e da minigeração, e todos aqueles que tivessem contratos ou tarifas que tivessem vindo de

leilões ou de algum sistema de mercado. Tudo o resto sofreria a contribuição».

(Henrique Gomes)

Na sequência da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika, em maio de 2011, a tutela da

Energia inicia um processo negocial com os produtores de eletricidade com vista ao cumprimento das medidas

previstas naquele documento.

A partir de agosto de 2011, realizam-se reuniões com a EDP, que logo nos primeiros dias daquele mês,

apresenta, em reunião com o Secretário de Estado da Energia, a sua primeira proposta, sinalizando a sua

disponibilidade para financiar em 1200 milhões de euros um conjunto de medidas que vem propor,

considerando «importante, que, simultaneamente, seja definido um enquadramento que remunere

adequadamente estes créditos pelo custo de capital da empresa e se criem as condições para a securitização

dos elevados montantes em causa». Com efeito, as medidas propostas pela EDP procuram evitar cortes

permanentes de custos (exceto no sobrecusto das cogerações com mais de 15 anos), substituindo-os por

diferimentos temporais, nomeadamente do sobrecusto da PRE, da revisibilidade dos CMEC de 2012 e 2013 e

da interruptibilidade. Estes diferimentos foram analisados no capítulo 6).

Na sequência das conversações posteriores, a EDP remete em 4 de outubro de 2011 um novo documento,

em que volta a sistematizar as suas propostas:

● Diferimento temporal dos sobrecustos com a Produção em Regime Especial (PRE);

● Revisão da taxa de juro aplicável ao cálculo da anuidade do montante inicial dos CMEC (e eventual

extinção negociada do regime de CMEC para centrais a determinar);

● Reformulação do prazo de tarifa bonificada garantida aplicável à produção de eletricidade com

tecnologia eólica (parques existentes cuja capacidade não foi objeto de procedimento concursal);

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● Revisão da remuneração aplicável à cogeração;

● Estabilidade legislativa e regulamentar, em particular no que se refere à Garantia de Potência;

● Captação do valor inerente às licenças de CO2.

A EDP refere então «aceitar» uma taxa de juro da dívida tarifária correspondente aos títulos de dívida

pública alemães acrescida de 5% e propõe ainda a alteração das regras para a titularização dos CMEC

estabelecidas no Decreto-Lei n.º 240/2004, que prevê que a taxa de 7,55% seja revista em caso de

titularização do respetivo montante, passando nessas circunstâncias a ser aplicada a menor das duas taxas

(5,22% na portaria de 2007). Em outubro de 2011, a EDP propõe ao governo uma redução da taxa 7,55% para

6,5%, em troca da perda do direito do sistema de beneficiar de uma taxa mais baixa em futuras titularizações

(este tema é analisado em maior detalhe no capítulo 6).

Analisando as propostas da EDP em carta enviada ao ministro Álvaro Santos Pereira, o secretário de

Estado Henrique Gomes critica a primazia dada na proposta da empresa a medidas de diferimento de custos,

como o diferimento do sobrecusto da PRE, que, segundo Henrique Gomes «deveria ser a última medida a

utilizar no ajustamento das tarifas, minimizando a criação de nova dívida, e não como primeira solução que

torna desnecessária qualquer outra. A perspectiva da EDP não é essa, porque com a aplicação deste

mecanismo resolve o problema do curto prazo (a sua perspectiva de sustentabilidade no longo prazo é vã) e

ainda ganha com a remuneração do financiamento da dívida».

A outra proposta da EDP foi aceitar a revisão da taxa da componente fixa dos CMEC para 6,5%, em

contrapartida do direito a absorver os ganhos resultantes da titularização daquelas anuidades. Na mesma

carta, Henrique Gomes considera esta proposta «uma tentativa de aproveitamento do momento de pressão

sobre os preços da electricidade, uma vez que se consubstancia no abdicar pelo sistema de uma opção, e

correspondente valor, de que hoje dispõe».

1.2 A queda da contribuição especial proposta por Henrique Gomes

Em outubro de 2011, o gabinete do Secretário de Estado da Energia continua a preparação da contribuição

especial constante do modelo de equilíbrio preparado pela Secretaria de Estado, prevendo uma receita anual

de 230 milhões de euros. O valor atualizado líquido da redução dos cash-flows esperados da EDP até 2020

seria de cerca de –675 M€, representando os CMEC 44% deste valor e a Garantia de Potência (atribuída em

2010 a centrais que operam desde 2004) cerca de 49%.

Esta contribuição incidiria sobre a potência instalada, sendo a taxa variável em função do regime de

produção e tecnologia utilizada. A contribuição não seria repercutível nas tarifas nem no cálculo dos CMEC.

Estariam isentos do pagamento da contribuição os produtores sem apoio aos custos de produção ou tarifa de

venda garantida, bem como os que tenham obtido as suas licenças por concurso.

A receita obtida seria consignada a um Fundo cujo objetivo seria a aquisição de créditos que integram o

défice tarifário (créditos dos operadores regulados ou de terceiros a quem tenham sido cedidos sobre os

consumidores), sendo estes depois extintos mediante decisão do Governo.

O impacto no encaixe com a futura privatização seria de cerca de –135 M€ (20% do efeito no valor total da

empresa), que comparava com o valor atualizado líquido da receita da Contribuição de cerca de +1500 M€.

No entanto, segundo Henrique Gomes e Álvaro Santos Pereira, o Ministro das Finanças, Vítor Gaspar,

considerou que a introdução desta contribuição constituiria um fator de perturbação da 7.ª fase de privatização

da EDP, prevista no Memorando, retirando-a do processo de preparação do Orçamento do Estado para 2012.

Para Carlos Moedas, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro e responsável pela ESAME, «nas

vendas de empresas, é importantíssimo que as pessoas sintam que há confiança entre as partes e qualquer

medida unilateral quebraria essa confiança».

«No Ministério da Economia tínhamos estimado que o impacto da contribuição especial nos cash-flowsda

EDP seria de cerca de 700 milhões. (…) E estimámos que, devido aos valores de que estávamos a falar da

privatização, um pouco mais de 21%, o impacto na privatização seria de cerca de 140 milhões. Portanto,

esses foram os números que utilizámos no Ministério das Finanças».

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(Álvaro Santos Pereira, Ministro da Economia, 2011-2014)

«[Dar prioridade à privatização da EDP sem prévia correção das rendas excessivas pagas ao setor] não foi

uma atitude inteligente. A única maneira correta de fazer as coisas era limpar, porque tínhamos limpo isto,

calmamente, tínhamos entrado na privatização, calmamente, e com o setor potencialmente em equilíbrio,

sempre o disse. (…) Ainda hoje há tensões neste setor porque a casa nunca foi limpa».

(Henrique Gomes)

O sucessor de Henrique Gomes na Secretaria de Estado da Energia, Artur Trindade, assumiu perante a

CPIPREPE que as medidas que posteriormente implementou foram limitadas pela recente privatização da

EDP, que terá inibido medidas mais incisivas:

«É evidente que este facto condicionou, de forma muito relevante, a aplicação de um conjunto de outras

medidas – aliás, a própria troika que muito falou na necessidade de implementar as reduções de custos e os

cortes, nunca aceitou sacrificar a privatização a esses cortes. Porquê? Porque, de facto, a troika era um

conjunto de credores, a privatização implicava venda, a venda implicava receita e os credores gostam que as

entidades a quem emprestam dinheiro tenham receita. (…) Acho que para haver uma coerência total, se a

troika identificava que havia rendas excessivas, então, pelo menos, deveriam ter alterado a prioridade dos

fatores e dito: ‘vocês não privatizam nada enquanto não acabarmos com as rendas’. Não foi isso que fizeram!

‘Privatizem, tragam para cá o dinheiro que nós precisamos dele’, disseram. Isto é completamente

contraditório.»

(Artur Trindade, Secretário de Estado da Energia, 2012-2015)

1.3 A privatização face às medidas do Memorando

No início de dezembro, na sequência do abandono pelo governo do projeto de contribuição especial do

setor elétrico preparada no ministério da Economia, a segunda revisão do Memorando adita a medida 5.15:

«Serão tomadas medidas para colocar o SEN numa trajetória sustentável, para eliminar o défice tarifário

em 2020 e assegurar a sua estabilização em 2013. Este prazo é sujeito a uma revisão baseada num relatório

a propor pelo governo que especificará também como serão corrigidas as rendas excessivas na produção nos

regimes ordinário (CMEC, CAE, garantia de potência) e especial (cogeração e renováveis). Esta proposta

considerará os méritos de um largo espectro de medidas que cobrirão todas as fontes de rendas».

(Medida 5.15 do Memorando)

A existência de um compromisso expresso do governo português com as instituições internacionais no

sentido da redução das rendas excessivas no setor era a informação disponível aos concorrentes à

privatização no momento de realizarem as suas ofertas – a privatização foi dispensada de prospeto.

Porém, aquele compromisso não terá sido considerado pelos compradores, afirma Eduardo Catroga, que

veio a representar o acionista China Three Gorges no Conselho Geral e de Supervisão (CGS):

«Não sei se esses memorandos de entendimento têm o valor que têm. Não têm valor jurídico

absolutamente nenhum em relação aos compromissos legais e contratuais do Estado português. Não há

nenhum Governo do País que infrinja… Portanto, nunca passou pela cabeça nem dos concorrentes chineses,

que pagaram um prémio de preço muito elevado, nem dos concorrentes alemães, nem dos concorrentes

brasileiros, que o Governo português não ia continuar a ser um Estado de direito. Umas propostas do

memorando são executadas, outras não são executadas. O memorando da troica nesta matéria é muito

imperfeito, como o é, aliás, também noutros segmentos. Não é uma Bíblia. É, quanto muito, um quadro de

referência.»

(Eduardo Catroga, presidente do CGS da EDP)

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1.4 Do relatório sobre rendas no setor eletroprodutor à demissão de Henrique Gomes

O relatório de que o governo ficou encarregado na medida 5.15 – «Rents in the electricity generation

sector» – foi preparado durante o mês de janeiro de 2012, incorporando como anexo o estudo encomendado à

CEPA – Cambridge Economic Policy Associates. A CPIPREPE apurou que este estudo teve duas versões.

A primeira versão, com data de 31 de janeiro de 2011, foi encontrada no arquivo do Ministério da

Economia. É a versão que Henrique Gomes entregou ao ministro e que este encaminhou a Carlos Moedas, o

membro do governo responsável pela Estrutura de Acompanhamento do Memorando (ESAME). Como

medidas propostas estão cortes na cogeração, a revisão do regime do CO2, o corte na garantia de potência e

o corte na duração do subsídio às mini-hídricas.

De acordo com Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes (e também do seu

sucessor, Artur Trindade), o então secretário de Estado considerou não ter condições para intervir sobre as

remunerações dos CMEC e da PRE eólica, não incluindo esses temas na sua proposta.

«O engenheiro Henrique Gomes entendeu, face ao abandono do tema da contribuição, que não existiria, à

data, uma terapêutica no tocava aos CMEC e à PRE, e, neste caso, estamos basicamente a falar na eólica

(…) Este documento foi objeto de alguma discussão entre o Ministério da Economia e a ESAME e houve uma

série de reuniões posteriores — estamos a falar de dezembro, início de janeiro — no sentido de o consolidar.

Creio que o que estava a passar-se tratava-se, acima de tudo, de mensagens políticas».

(Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes, 2011-2012)

Deste trabalho conjunto entre as equipas do Ministério da Economia e da ESAME, resulta, a 9 de fevereiro,

a segunda versão do referido relatório, a única efetivamente entregue à troika. Este segundo documento

nunca foi encontrado nos arquivos do governo no seguimento dos pedidos da CPIPREPE, tendo sido obtido

junto da OCDE (que o cita num estudo sobre a economia portuguesa).

Nesse documento é acrescentada, em termos em tudo semelhantes aos da proposta adiantada três meses

antes pela EDP, a medida de extensão da tarifa garantida das centrais eólicas, bem como uma proposta de

redução da taxa de juro da componente fixa dos CMEC de 7,55% para 6,86% (poupança de 4M€/ano). Como

já abordado no capítulo 1, o Governo veio a negociar, como parte de um pacote de medidas acordadas com a

EDP, uma correção no valor de 14M€/ano.

As condições políticas do exercício do cargo de secretário de Estado da Energia degradaram-se ao longo

destas semanas, porquanto Henrique Gomes, assumindo a derrota do seu projeto de contribuição, manteve

diversas intervenções públicas que causaram incómodo no governo:

A opinião pública tinha de saber ou devia saber quais eram os excessos — Pronto! E cada vez que eu

falava nos excessos ou nas rendas excessivas, etc., o Ministro ficava muito atrapalhado e dizia: «Henrique, já

lhe disse várias vezes que não pode ser, não pode falar em rendas excessivas. Está proibido de falar de

rendas excessivas», e eu pensava: «Mas como é que eu faço? Eu não me calo!». Eu não me calava mesmo e

não lhe tornei a vida fácil e disso já me penitenciei há bocado. Entretanto, para eu não falar de rendas

excessivas, o Ministro começou a querer ver os discursos, etc. E um belo dia eu ia ao ISEG e ele olhou para o

discurso e tinha lá os preços, tinha lá os problemas. Ainda da parte da manhã ele disse-me que eu não podia

falar e eu disse-lhe que não falava e que dessa vez é que me ia embora.

Com a substituição de Henrique Gomes por Artur Trindade em março de 2012, iniciam-se negociações com

os produtores para dar sequência às medidas previstas no relatório enviado à troika. Essas negociações têm

lugar, por um lado, com a EDP e, por outro, com os produtores de energia renovável representados pela

APREN (destas negociações e dos seus resultados é dada conta no capítulo 11).

Em abril de 2012, é obtido acordo entre a EDP e o governo para a redução da taxa de juro da componente

fixa dos CMEC, de 7,55% para 4,72%. Essa redução é aceite tendo como contrapartida um conjunto de

garantias dadas pelo governo à EDP quanto aos termos da futura reposição do pagamento da garantia de

potência e quanto ao cálculo da remuneração da dívida tarifária detida pela EDP.

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Na sequência deste acordo, o Decreto-Lei n.º 32/2013 vem alterar o Decreto-Lei n.º 240/2004 para fixar as

condições de alteração daquela taxa – «cujos termos e condições para a sua aplicação são aprovados por

portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, após proposta apresentada pelo produtor».

Pela portaria 85-A/2013, Artur Trindade fixa aquela taxa, «em conformidade com os pressupostos e a

metodologia constantes da proposta apresentada pela EDP».

Na CPIPREPE, o então presidente da ERSE, Vítor Santos, que deu parecer positivo à portaria, reconheceu

que nunca teve conhecimento do conteúdo daqueles pressupostos e metodologia.

«A minha interpretação foi a seguinte: esta não é uma decisão unilateral, é uma decisão que não pode ser

perspetivada do ponto de vista jurídico como tendo sido uma decisão unilateral do governo. E a circunstância

de se mencionar, no despacho ou portaria, já não estou certo, que até tinha havido uma proposta

metodológica da EDP, era no sentido de retirar espaço de manobra, por parte da EDP, em termos de

contestação da decisão do governo, isto é, em termos de litigância. Foi algo que foi mencionado pelo governo

para sinalizar que o processo não tinha resultado de uma decisão unilateral, mas que tinha havido uma

interação e que até tinha havido uma proposta metodológica — é normal que, num processo desta natureza,

haja proposta metodológicas — da parte interessada. Gostava de partilhar com os Srs. Deputados, de forma

inequívoca, que não tinha conhecimento, obviamente, daquilo que foi hoje referido e é uma coisa,

sinceramente, que me deixa muito penalizado, se é que essa situação corresponde à verdade. Não tive

acesso a nenhuma informação sobre essa matéria, não fiz a interpretação de que isso pudesse ter

acontecido.»

(Vítor Santos)

Na sua audição, o ex-Secretário de Estado da Energia (2015-2018), Jorge Seguro Sanches, atribui

consequências de longo prazo ao Decreto-Lei n.º 32/2013:

Há pouco mais de um ano a Assembleia da República aprovou uma resolução no sentido de recomendar

ao Governo cortes nas rendas da energia em especial nos CMEC, penso que a designação era mais ou

menos esta, e o Governo procurou, não só pela nossa natural vontade de fazer reforma neste setor, como

também, sem alterar a lei, sendo apenas rigoroso e colocando acima de tudo o que está na lei e o que está

nos contratos, encarar esse problema.

Todavia, como já disse, surgiram duas condicionantes: primeira condicionante é o Decreto-Lei n.º 32/2013.

Porquê? Porque a fixação das taxas de juro dos CMEC, em 2007, resultou de um ato do Governo – era assim

que era feito –, mas, a partir de 2013, passou a ser não por um ato do Governo mas sob proposta do produtor.

Ora, isto subverte completamente a questão e, portanto, o Secretário de Estado da Energia, na altura, em

funções, há cerca de um ano, escreveu à EDP Produção manifestando vontade de entabular negociações ou

conversações no sentido de baixar a taxa de juro dos CMEC e do lado de lá veio a resposta: não. Isto apesar

de o Governo estar com o documento da ERSE no qual me dizia que a taxa de juro podia baixar

substancialmente, mas o que aconteceu em 2013 foi que os CMEC foram blindados na taxa de juro.

Portanto, a partir de 2013, a não ser que, efetivamente, quiséssemos entrar numa situação de litígio, na

qual, na minha opinião, não tínhamos razão, a partir de 2013 quem fixa a taxa de juro passou a ser a empresa,

a EDP, e deixou de ser o Governo, que era o que acontecia até então».

(Jorge Seguro Sanches)

Na sua audição, Artur Trindade refuta a ideia da blindagem da taxa no Decreto-Lei n.º 32/2013:

Se o Sr. Deputado ler bem o Decreto-Lei também não diz lá isso. Ele até podia ter proposto 4,72 e eu

publicava 3,5… estava a cumprir com a lei, não estava a cumprir com o acordo, mas estava a cumprir com a

lei. Uma coisa é a lei, outra coisa é a portaria, outra coisa são as expectativas — repito — legítimas do

produtor. É tão legítima como uma promessa que o Governo faz ao cidadão de que vai baixar a luz. É uma

promessa legítima, é um acordo mas não é um contrato. O pedido de parecer à ERSE é um pedido naquilo

que é o circuito legislativo. Portanto, era interpretação minha e dos meus juristas que a generalidade dos

diplomas sobre o setor elétrico, neste caso tinham de ir pedir parecer à ERSE, especialmente aqueles sobre

este tipo de temas. E, portanto, eu não podia fazer um diploma sem ouvir a ERSE.

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(Artur Trindade)

2. Os três pacotes de medidas de equilíbrio do SEN

Houve primeiramente um conjunto de medidas aprovadas em maio de 2012, que no entanto, acabou por

não ser suficiente para cumprir o objetivo enunciado de limitar o aumento das tarifas de energia elétrica em

1,5% ao ano mais inflação, o que levou a criação de novas medidas, aprovadas por fases, concretizando-se

em três pacotes de medidas.

Este conjunto de medidas tinha como objetivo fundamental a eliminação progressiva do défice e a dívida

tarifária, tendo como horizonte de referência 2020, nos termos do gráfico abaixo, que foi apresentado na CPI,

tanto por Artur Trindade como por Carlos Moedas.

2.1 Primeiro pacote de medidas

O primeiro pacote de medidas foi aplicado em maio de 2012, no âmbito da sétima avaliação da troika, com

a convicção que seria suficiente para atingir o objetivo da eliminação da dívida tarifária em 2020. Este pacote

resumia-se a cortar nas rendas excessivas dos instrumentos identificados, e que se apresentam no quadro

abaixo.

Pedro Cabral, na sua apresentação inicial à CPIPREPE, deu a conhecer a estimativa de poupanças feita

em maio de 2012, na apresentação do pacote de medidas: 700, 165 e 385 M€, relativos a cortes de

remuneração da cogeração, da anuidade dos CMEC e da garantia de potência, respetivamente, num total de

1635 M€. Em outubro 2013, o governo atualiza em alta aquela estimativa no momento em que apresenta o

segundo pacote de medidas (v. Quadro 1). Não se conhece a razão desta diferença.

Acresce a estas medidas a afetação de 80% das receitas dos leilões de CO2 ao SEN, aprovado pelo

Decreto-Lei n.º 38/2013 e concretizado na Portaria n.º 3-A/2014.

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Primeiro pacote de medidas, aprovado em maio de 2012, para eliminação da dívida tarifária (em

milhões de Euros) (Dados Governo)

Medidas Ato legislativo Descrição Montante total [M€]

Período

Cogeração Portaria n.º 140/2012

Redução dos subsídios pagos aos produtores de eletricidade em cogeração

996 2012-2025

Extensão FiT Decreto-Lei n.º

35/2013

Acordo de redução de custos alcançado com os produtores eólicos que beneficiam do regime remuneratório anterior a 2005

151 2013-2020

Limitar custo mini hídricas

Decreto-Lei n.º 35/2013

Introdução de um limite de 25 anos para a duração da tarifa garantida das pequenas

centrais hídricas 285 2013-2030

Redução taxa anuidade CMEC

Decreto-Lei n.º 32/2013,

Portaria n.º 85A/2013

Redução dos custos com o CMEC, através da redução da taxa da anuidade

da parcela fixa de 7,55% para 4,72% 205 2013-2027

Garantia de Potência

Portaria n.º 139/2012, Portaria n.º 251/2012

Substituição do mecanismo anterior, por um novo regime de maior racionalidade e

menor incerteza 443 2012-2020

Total 2080 M€

Enquanto as medidas de redução de custos em cogeração, mini-hídricas, CMEC e garantia de potência

representavam um contributo efetivo para a redução do défice tarifário, a compra de uma extensão de preços

garantidos às eólicas (Decreto-Lei n.º 35/2013) tem sido questionada como redução custos. Considerando as

conclusões do capítulo 11 deste relatório, esta medida não pode ser considerada como redução de custos.

Assim, o impacto atribuído por vários inquiridos (Artur Trindade, Álvaro Santos Pereira, Jorge Moreira da Silva)

a este primeiro pacote (2080 M€), assumindo que as metas das restantes medidas foram alcançadas, deve ser

corrigido para 1929 M€.

Relativamente às receitas das licenças de CO2 a afetar ao SEN, Álvaro Santos Pereira estimava-as em

1800M€, entre 2014 e 2020. No entanto, os cálculos da ERSE (relatórios anuais de «Proveitos e

Ajustamentos»), até 2019 tinham sido angariados apenas 378 M€, o que mesmo considerando uma trajetória

linear para o período total 2014-2020, atingiria um total de apenas 464 M€, cerca de 26% do previsto. Esta

receita configura uma perda de receita do Estado a favor do SEN, não representando por isso corte ou

poupança.

2.2 Segundo pacote de medidas

O segundo pacote de medidas foi aprovado em outubro de 2013, no quadro da 8.ª e da 9.ª avaliação da

troika, na sequência da constatação de que o primeiro pacote não seria suficiente para a eliminação do défice

tarifário. A falta de alcance das medidas deveu-se a falhas nos pressupostos do primeiro pacote (estagnação

do consumo, descida do preço do CO2, novas medidas legislativas espanholas que desequilibraram o

mercado ibérico).

As medidas aprovadas encontram-se resumidas no quadro seguinte.

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Quadro 2 – Segundo pacote de medidas, aprovado em outubro de 2013, para eliminação da dívida

tarifária (em milhões de euros) (Dados Governo)

Medidas Ato

legislativo Descrição

Montante total [M€]

Período

Clawback Decreto-Lei n.º 74/2013

Eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais

introduzidas em Espanha 300-500 2014-2020

Harmonização tarifária

Introdução de incentivos à eficiência de custos no mecanismo de harmonização

de tarifas aplicável às Regiões Autónomas

160-200 2014-2020

Remuneração terrenos

Portaria n.º 301-A/2013

Revisão da remuneração dos terrenos hídricos

100-120 2014-2020

Serviços de Sistema

Portaria n.º 301-A/2013

Despacho n.º 4694/2014

Correção das distorções no mercado de serviços de sistema

300-400 2014-2020

Contribuição centrais carvão

Não aplicada Contribuição das centrais de carvão para

o SEN 150-170 2014-2020

Total

Total (sem carvão) 1010-1390 M€ 860-1220 M€

2.2.1 A medida para a eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais

introduzidas em Espanha (Clawback)

Relativamente à medida Clawback (aprofundada no capítulo 13), as poupanças enunciadas seriam entre

300 e 500 M€.

As sucessivas alterações legislativas levaram a que os valores cobrados sejam bastante díspares

relativamente ao esperado. Segundo a ERSE nos seus documentos anuais de «proveitos permitidos», até

2019 só teriam sido angariados 192,5 M€, o que extrapolando para o período 2014-2020, totaliza 234,6 M€,

entre 47% a 78% do valor inicialmente previsto.

2.2.1.1. Contexto e legislação associada

Em 2013 é aprovado o Decreto-Lei n.º 74/2013, que aprova o mecanismo de «clawback» (retenção,

restituição) para a eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais introduzidas em

Espanha. O seu preâmbulo clarifica o contexto e necessidade desta medida:

«Importa instituir um mecanismo regulatório destinado a corrigir o desequilíbrio entre produtores de energia

elétrica, originado por distorções resultantes de eventos externos ao mercado grossista da eletricidade e, de

igual modo, evitar que o funcionamento anómalo do mercado se repercuta nos produtores e consumidores

portugueses. Esse objetivo é alcançado através da repartição, em função do impacto registado na formação

dos preços, dos custos de interesse económico geral.»

No seu artigo 4.º, n.º 1 – refere que:

«A repartição de custos (…), deve considerar, designadamente, os resultados de um estudo a elaborar, no

final de cada semestre, pela ERSE, (…) sobre o impacto na formação de preços médios da eletricidade no

mercado grossista em Portugal de medidas e eventos extramercado na UE e os seus efeitos redistributivos

nas diversas rubricas de proveitos que influem nas tarifas de energia elétrica».

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A Portaria n.º 288/2013 vem regular o procedimento de elaboração do referido estudo e o mecanismo de

repartição de CIEG a suportar pelos produtores em mercado, definindo a Portaria n.º 225/2015 a fórmula de

cálculo do valor a pagar por cada produtor.

Segundo o ex-secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, esta medida visava:

«simplesmente ter em conta eventos fiscais (…) que estavam a acontecer em Espanha que poderiam

contribuir para um agravamento do preço. Não havendo esses mesmos efeitos em Portugal, ou até eles não

existirem, visava aplicar o valor líquido entre os impostos, o agravamento de impostos em Portugal e em

Espanha aos produtores que estivessem de fora das PRE, dos CMEC e dos CAE (…) para os equilibrar com

as suas contrapartes no MIBEL que estavam no lado de Espanha.»

2.2.1.2. Repercussão tarifária dos custos com a CESE e a tarifa social: dupla tributação ou dupla

compensação?

Em 2015, em vésperas de eleições, na definição dos parâmetros para as tarifas anunciadas em 15 de

outubro, o Despacho n.º 11566-A/2015 vem redefinir a fórmula de cálculo do clawback, com vista à

contabilização da CESE e da tarifa social como eventos extramercado nacionais dedutíveis ao valor da taxa

dos eventos extramercado UE.

Deste modo estava-se a legislar sobre a repercussão indireta da CESE (ponto 11) e da tarifa social (ponto

12) através da lei do clawback. Este decreto permitia então uma dedução das empresas dos valores pagos

com a CESE e a tarifa social de 75% em 2015 e 2016, e de 100% a partir de 2017.

Artur Trindade defende que, em termos líquidos, o consumidor paga menos:

«Comecei a receber, por parte das empresas afetadas por este decreto-lei, comentários que considerei

relevantes e perigosos. Se eu não considerasse, pelo menos, qualquer «coisinha» de impostos pagos em

Portugal, em primeiro lugar não estava a cumprir o decreto-lei e, em segundo lugar, estaria a impor os

impostos de Espanha a Portugal e a somar os impostos de Portugal. (…)

Enfim, admito que pudesse passar dos 0,75 para os 0,5 e se pudesse alterar ligeiramente, mas não pôr

nada e não fazer «isto» pelo líquido seria dar um argumento de inconstitucionalidade ao decreto-lei, seria

acabar com ele e seria dar às empresas argumentos para não pagarem nada no decreto-lei. (…)

Eu ponho-os a pagar 6,5 nesse despacho que aí está e depois digo: «Podem deduzir 75% da CESE e 75%

da tarifa social», que equivaliam aos tais 2€ a 3€/MWh. Ou seja, estou a pô-los a pagar 4 e tal, em vez dos

2,5! Estou a subir o que eles vão pagar, porque achava que havia espaço para isso. Se eu não tivesse posto

esses números nesse despacho, continuava a cobrar-se os 2,5€, continuava a cobrar-se menos! Esta foi uma

forma de matar dois coelhos com um mesmo tiro!»

Artur Trindade

O ex-Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, referiu na comissão que havia uma grande

pressão em torno da repercutibilidade da CESE, nomeadamente na revisibilidade dos CMEC:

«Sempre que recebia algum dos acionistas da EDP, (…) vinham falar em duas questões, a tarifa social e a

CESE e, depois, a partir de certa altura, do clawback. Portanto, são estes os temas que sempre foram

colocados e sobre eles havia que atuar legalmente. (…) Foi uma reunião realizada comigo e com o Sr. Ministro

da Economia. E, aliás, toda a questão dos CMEC começa aqui. Pode ler-se: «Com base no acordo e

entendimentos transmitidos aos novos acionistas, a EDP comunicou ao mercado e tem assumido nas suas

contas desde 2014 o montante da CESE líquido, contribuição paga por centrais CMEC»,

(…)

Não obstante, já durante o mandato de Jorge Seguro Sanches, e após o pedido à ERSE da definição de

novo valor para os eventos extra mercado a considerar no âmbito da UE, esta medida volta a ser alvo de novo

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Despacho n.º 7557-A/2017, redefinindo a taxa que passa de 6,5€/MWh a 4,7 €/MWh e a acabando com a

dedução retroativamente:

No seu estudo de avaliação do impacto de eventos extramercado na formação do preço de mercado

grossista sob o efeito do Decreto-Lei n.º 74/2013, a ERSE considera que esta repercussão chega a constituir

uma «dupla compensação»:

«Existe evidência estatística de que os agentes portugueses já repercutiram nas ofertas em mercado o

valor dos pagamentos da CESE, pelo que o seu efeito no preço de mercado já se encontra incorporado na

análise efetuada no estudo. Daqui decorre que qualquer nova compensação teria o caráter de uma dupla

compensação».

«Em outubro de 2017, quem me sucedeu resolveu alterar isso e fazer as contas de outra maneira —

anulou os 6,5, publicou os 4,7 e, depois, deixou de deduzir (…). O efeito líquido não sei qual é, mas não é todo

dedução (…). Mas o saldo só é positivo por causa de uma coisa: anulou-se a dedução para trás e cobrou-se

6,5 para trás, retroativamente, o que, do ponto de vista jurídico, não vou comentar. (…) para trás não pode

deduzir-se e cobram-se os 6,5; para a frente é todo um mundo novo e passa a cobrar-se os 4,7, também sem

deduzir. Hoje em dia está a cobrar-se zero (…).»

(Artur Trindade)

Artur Trindade reforça ainda a sua tese de que a medida é correta, recusando que se trate de uma

repercussão e lamentando a atuação do seu sucessor:

«Não é repercutir, mas sim cobrar, cobrar pelo valor líquido. Diria até de outra forma: se não deduzisse

esse valor da CESE e da tarifa social, no fundo, as empresas estariam a pagar duas vezes. O que se faz com

esta medida é pôr as empresas a pagar a CESE e a tarifa social duas vezes, o que é mais um argumento para

lhes dar capital de queixa e para poder até permitir-lhes que ganhassem, noutras arenas, ações contra o

Estado».

Assim, em 2016 e 2017, a CESE e tarifa social foram repercutidas nos consumidores, até em 2017 ser

emitido um novo Despacho n.º 9371/2017, declarando a nulidade parcial do 11566-A/2015, de modo a que os

valores que tinham sido repercutidos em 2016 e 2017 na tarifa pudessem ser recuperados pelo SEN (cerca de

100 M€).

2.2.1.2.1 A ilegalidade da repercussão da CESE e da tarifa social

Para contestar a decisão do governo em 2017, a EDP contratou estudos a duas consultoras, a Poyry e a

FTI Compass-Lexecon sobre a definição dos parâmetros relacionados com a fórmula de cálculo introduzida

pela Portaria n.º 225/2015, concluindo que uma taxa que nivele a concorrência entre produtores, terá sempre

de considerar uma dedução de 100% desses mesmos custos, sejam eles fixos ou variáveis. Afirmam por isso

que, com a impossibilidade da dedução dos eventos CESE e tarifa social, os produtores sofrem dupla

tributação.

Pelo seu lado, a atuação do governo partiu das seguintes premissas jurídicas:

● A proibição da repercussão da tarifa social já foi objeto do Parecer n.º 39/2012 do Conselho Consultivo

da Procuradoria Geral da República e é explícita na própria lei da CESE:

«Artigo 5.º

Não repercussão

As importâncias suportadas pelos sujeitos passivos a título de contribuição extraordinária sobre o setor

energético não são repercutíveis, direta ou indiretamente, nas tarifas de uso das redes de transporte, de

distribuição ou de outros ativos regulados de energia elétrica e de gás natural, previstas nos regulamentos

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tarifários dos respetivos setores, não devendo a contribuição ser considerada, designadamente, para efeitos

de determinação do respetivo custo de capital».

● Só poderem ser incluídas nas tarifas de eletricidade, especialmente na sua componente de uso global

do sistema (UGS, que constitui uma componente fixa), contribuições impostas aos consumidores por via

da lei. Este despacho, ao determinar por ato administrativo a repercussão nas tarifas da eletricidade dos

custos suportados pelos produtores com a tarifa social e com a CESE, constituía a criação de uma nova

contribuição pecuniária sobre os consumidores, sendoportanto ilegal de acordo com o Código do

Procedimento Administrativo (artigo 161.º, ponto 2, alínea k): «São nulos: (…) Os atos que criem

obrigações pecuniárias não previstas na lei»;

● Os pontos 11 e 12 do referido despacho (relativos à dedução da CESE e da tarifa social no âmbito do

clawback) invocam que a determinação da repercussão se baseia no parecer da ERSE («identificado no

estudo a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 74/2013 [parecer da ERSE]»)quando o

referido estudo é omisso no que se refere à ponderação dos custos com a tarifa social e expressamente

afasta a ponderação dos custos com a CESE, por entender que tal constituiria uma sobrecompensação.

2.2.2 Remuneração dos terrenos do domínio hídrico

A Portaria n.º 301-A/2013 reduziu o custo com a remuneração dos terrenos, mantendo-se até ao ano de

2019, em cerca de 13 M€ anuais. Esta portaria, que enuncia como objetivo incentivar a REN a desempenhar

as suas responsabilidades de modo mais eficiente, manteve este custo estável como resultado de sucessivas

auditorias anuais que resultaram na atribuição de nota 3, que correspondem a uma taxa de remuneração de

0,1%. No seu relatório de proveitos permitidos e ajustamentos para 2019, adianta ainda que desde 2015 não

foram realizados relatórios de desempenho, pelo que decidiu assumir uma taxa de remuneração 0%.

Na CPIPREPE, Artur Trindade avaliou a poupança resultante da Portaria n.º 301-A/2014 em 106 M€.

2.2.3 Corte de remuneração dos serviços de sistema

Em 2014 é emitido o Despacho n.º 4694/2014, que decide a auditoria da REN e institui a respetiva

comissão de acompanhamento, a qual encomenda um estudo à consultora Brattle Group, com o objetivo de

quantificar as sobrecompensações ocorridas entre 2010 e 2014 no mercado dos serviços de sistema (este

processo será detalhado em capítulo próprio).

Em paralelo, o secretário de Estado Artur Trindade procura estancar as falhas no mercado de serviços de

sistema, definindo como preço de referência o do mercado de serviço de sistema espanhol e incluindo os

custos da tele-regulação na revisibilidade dos CMEC. Desta forma, o governo procurou prevenir que a EDP,

preterindo as centrais CMEC, limitasse a sua oferta de serviços de sistema às centrais em mercado.

Segundo declarações de Artur Trindade, em 2013, ao Diário Económico, estariam aqui 70% das poupanças

anunciadas com a medida dos serviços de sistema que constava no segundo pacote de medidas de redução

de custos (300M€ a 400M€). Os outros 30% estariam ligados à não inclusão na revisibilidade dos ganhos das

centrais CMEC no mercado de serviços de sistema.

2.2.4 Contribuição das centrais a carvão para o SEN

Esta medida nunca chegou a concretizar-se. Na CPIPREPE, Artur Trindade evoca-a como uma forma de

compensação pela extensão da operação de Sines:

«Chegámos a um acordo: estudar a hipótese de a EDP na utilização da central de Sines fazê-la no

mercado, vendendo a energia e pagando o carvão e uma parte desse ganho vir para o SEN através de um

pagamento, eventualmente, limitando os ganhos associados a esse patamar. Essa medida seria sempre, na

minha opinião, um ganho para o sistema».

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Porém na redação do documento que regista o acordo entre o governo e a EDP para a redução da taxa de

juro da componente fixa do CMEC, a natureza da medida é diferente de uma contribuição:

«Caso o Governo considere adequado, a EDP terá disponibilidade para estudar uma solução que permita

baixar o custo anual do CMEC fixo através da extensão do período da cobertura de risco da central de Sines a

partir do fim do ex-CAE. A solução terá de ser vista em conjunto com a central do Pego».

A «contribuição das centrais a carvão» assemelhava-se assim, no acordo que a previa, ao tipo de venda

antecipada de uma garantia de preços futuros que veio a ser acordada meses depois com os produtores

eólicos a título de «contribuição voluntária»:

Esta interpretação foi confirmada na CPIPREPE por António Mexia, presidente da EDP:

«O Estado queria, obviamente, receitas excecionais e propôs exploração para além dos CAE/CMEC. A

ideia era essa! Ou seja, disse «eu prolongo isto» — acho que já vimos isso em vários setores, vimos isso em

vários sentidos, temos visto isto durante muito tempo! —, mas propôs que «os senhores ficarão com um cap e

um floor»; que nunca chegou a ser discutido, mas que anda dentro de um cap e de um floor. Para nós, a ideia

não era má — sobretudo, sendo nós líderes nas renováveis, na altura, a nível mundial —, porque era óbvio

que tudo aquilo que estivesse associado ao carvão iria ter problemas. Portanto, apenas queria dizer que não

tirámos nenhuma vantagem, só sujeitámos isto a uma condição, a de que a Tejo Energia, ou seja, o outro

produtor de carvão, também aceitasse. Como não aceitou, não quisemos! Não quisemos, para não dar um

sinal, que já nos vinham preocupando, de que «os CMEC têm isto…».

(António Mexia)

Neste sentido, as poupanças totais com o segundo pacote podem ser corrigidas para cerca 800 M€.

2.3 Terceiro pacote de medidas

O terceiro pacote de medidas é provado em maio de 2014, na sequência da 12.ª avaliação da troika, e

advém da necessidade de uma medida adicional para a sustentabilidade do setor elétrico e do encargo dos

produtores com a redefinição das regras do apoio social dado aos consumidores economicamente vulneráveis.

Quadro 3 – Terceiro pacote de medidas aprovado (Dados Jorge Moreira da Silva, em audição à comissão)

Medidas Ato

legislativo Descrição

Montante total [M€]

Período

CESE Lei 83-C/2013 Contribuição extraordinária sobre o sector

energético 300 2014-15

Tarifa Social Decreto-Lei n.º 172/2014

Oneração dos produtores do pagamento da tarifa social

180 2015-2026

Total 480 M€

Neste terceiro pacote figura a CESE (contribuição extraordinária sobre o setor energético), aprovada no

orçamento do Estado para 2014 (artigo 228.º, Lei n.º 83-C/2013), e a medida da tarifa social que não é

analisada neste relatório por não visar a correção de uma renda excessiva.

Com a CESE, aprovada para 2014 e 2015 e fixada sobre os ativos das empresas de energia, isentando a

PRE, o governo esperava angariar um total de 300 M€, que deveria financiar o Fundo para a Sustentabilidade

Sistémica do Setor Energético (FSSSE) criado com o Decreto-Lei n.º 55/2014. Este tinha como objetivo

financiar “políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência

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energética. Esta contribuição visa igualmente contribuir para a redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico

Nacional (SEN), designadamente, através da minimização dos encargos decorrentes de custos de interesse

económico geral (CIEG)”.

A CESE, prevista pelo Governo PSD/CDS até 2018, foi mantida nos orçamentos de Estado subsequentes a

2015, estando hoje ainda prevista a sua continuação até à eliminação do défice tarifário.

Segundo a Autoridade Tributária, em 2014 e 2015 foram cobrados a título de CESE cerca de 90M€ anuais,

não tendo sido, no entanto, transferidos para o FSSSE quaisquer fundos à data de 31 de dezembro de 2015.

Cristina Portugal, presidente da ERSE, ouvida na CPIPREPE, mostrou que, embora de 2015 a 2017

tenham sido previstos nas tarifas 50 M€ anuais de transferências do FSSSE para os CIEG, apenas ocorreram

transferências reais de 5M€ e 25M€ nos anos 2016 e 2017, respetivamente, totalizando por isso cerca de 30

M€ para abatimento do défice tarifário.

Existe, portanto, uma grande disparidade entre as estimativas das receitas conseguidas com a CESE (300

M€) e a que foi realmente conseguida até à data (30 M€) para a diminuição da fatura dos contribuintes, o que

representa uma consolidação apenas de 10% do previsto.

Em 2018, foi aprovado o reforço do FSSSE através do Decreto-Lei n.º 109-A/2018 que passa a instituir a

alocação de ⅔ da CESE ao FSSSE, e no Orçamento do Estado para 2019 (Lei n.º 71/2018) o sector das

renováveis é chamado a contribuir, com exceção dos produtores em mercado.

Já em 2018, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, declarou ao Jornal de Negócios, que tinha

chegado a um acordo com a EDP que iria voltar a pagar a CESE, o que representa cerca de 60M€/ano.

3. Impacto efetivo das medidas

Ao aprovar o terceiro pacote, Jorge Moreira da Silva afirma em entrevista ao Expresso nessa altura que

«Já não existem rendas excessivas no setor elétrico» dando como finalizada a redução de custos com os

pacotes aprovados:

«Dois (pacotes) muito orientados para a eliminação da dívida e do défice tarifário e o terceiro (que

apresentei no final da 12.ª avaliação da troika, em final de abril) muito orientado para as questões sociais e

para a competitividade das empresas. No total estamos a falar de cortes no setor energético de 4,4 mil milhões

de euros, até 2020».

Nesta comissão foram vários os números dados para o impacto destes pacotes pelos seus principais

responsáveis: 2100M€ do primeiro pacote, 1500 M€ do segundo pacote, 300M€ do terceiro pacote. No total,

cerca de 3000-3400M€ no setor elétrico e a 4000-4400M€ no total do setor da energia.

O Ministro Jorge Moreira da Silva concluiu na sua audição que só com os dois primeiros pacotes as

poupanças no setor da eletricidade atingiriam 3200 M€.

Em resposta à CPIPREPE, a ERSE atualizou o somatório dos impactos efetivamente verificados no SEN a

partir das medidas do governo PSD/CDS. Esses impactos são de dois tipos:

● Cortes de custos (garantia de potência, remuneração dos terrenos do domínio público hídrico, redução

da taxa dos CMEC, tarifa social e cogeração)

● Contribuições para o SEN (receitas das licenças de CO2, CESE e utilização do DPH, contribuição dos

produtores eólicos e «clawback»).

O documento distingue ainda entre valores previsionais (estimativas de receita a incluir na tarifa) e valores

reais (valores de pagamentos já efetivados, aos quais se reporta o seguinte gráfico.

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Evolução da contribuição para o sistema tarifário das medidas de sustentabilidade do SEN, com

valores reais de 2013 a 2017 (Dados ERSE) e projeção para 2020.

Soma-se entre 2013 e 2017 um impacto positivo total de 1076M€ como efeito das medidas de

sustentabilidade do SEN.

Uma projeção para os anos de 2018, 2019 e 2020 segundo a tendência verificada de efetivação dos cortes,

no período 2013-2020 seriam atingidos 2043M€, incluindo medidas que não constavam nos pacotes, como é a

relativa às receitas do CO2.

Impacto total dos três pacotes de medidas sobre a EDP

Segundo Artur Trindade e Jorge Moreira da Silva, os pacotes de medidas teriam um impacto de cerca de

1800 M€ negativos para a EDP.

O impacto do conjunto das medidas sobre a EDP foi atualizado pela ERSE: entre 2013 e 2017 a EDP

contribuiu, entre redução de custos e pagamentos, com 414 M€ positivos para o SEN, valor que, projetado

para o horizonte 2013-2020, atinge os 718 M€, ou seja 40% dos enunciados 1800 M€.

EDP: impacto das medidas de sustentabilidade do SEN vs lucros anuais

(Fonte: ERSE e EDP)

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De ressalvar, porém, que na análise aqui citada, a ERSE indica que algumas das medidas que afetam a

EDP não foram contabilizadas, uma vez que a ERSE não dispõe de informação de como “repartir” esse efeito.

Como tal, as estimativas são um minorante, pois há cortes em relação aos quais a falta de informação precisa

determina a sua consideração como zero. Por exemplo, no que respeita à cogeração, a EDP também é

afetada, não se sabe se 2% ou se 8%, mas a falta de informação determina a consideração de 0% deste corte.

Assim, o impacto de conjunto destas medidas – pelo menos 414M€ negativos no período 2013-2017 –

compara com lucros de 5552 M€, representando 7% dos seus resultados.

Conclusões

1. No contexto da aplicação do Memorando de Entendimento com a troika teve lugar um comprovado

esforço do governo então em funções para identificação e quantificação de rendas excessivas pagas aos

produtores de eletricidade em Portugal.

2. No entanto, a prioridade dada pelo governo à medida do Memorando que previa a privatização da EDP

inibiu a aplicação do modelo de equilíbrio do SEN que o governo produziu no início do seu mandato.

3. As medidas corretivas tomadas após a privatização, entre 2012 e 2014, sendo significativas, não

corresponderam integralmente ao previsto no Memorando. Na CPIPREPE foi reconhecido pelos membros do

governo de então que a concretização da privatização condicionou o perfil das medidas adotadas.

4. O impacto das medidas adotadas verificado pela ERSE (e projetado até 2020) está aquém do objetivo

dos seus autores, anunciado no momento das suas decisões. Quanto ao efeito no conjunto do setor elétrico,

os 2048M€ positivos para o SEN, já considerados até 2020 correspondem a 60 a 68% do previsto pelo

governo de então; quanto ao impacto das medidas sobre a EDP, os 718 milhões de euros negativos para a

EDP (mínimo verificado + projetado até 2020) perfazem, em termos projetados a 2020, 40% da previsão do

governo.

5. A medida do clawback tem como objetivo promover o equilíbrio concorrencial no mercado grossista de

eletricidade. O seu funcionamento não deve perverter princípios expressos da lei portuguesa.

Recomendação

Deve ser respeitada a não elegibilidade dos custos com a tarifa social e com a CESE para efeitos da

aplicação do mecanismo de clawback.

Capítulo 9

Serviços de Sistema

Os serviços de sistema referem-se a um conjunto de mecanismos dedicados a manter e assegurar o

equilíbrio instantâneo entre a procura e a oferta de eletricidade, garantindo a segurança e fiabilidade da

operação do sistema elétrico nacional.

Os serviços de sistema incluem:

● banda de regulação secundária: consiste no estabelecimento de um intervalo de variação da potência

do grupo gerador em torno do ponto de funcionamento em que se encontra em cada instante e no acréscimo

ou decréscimo do fornecimento de energia, conforme solicitado pelo gestor do sistema; constitui um custo fixo

de operação do sistema, pelo que é paga por todo o consumo;

● energia de reserva de regulação: visa a restituição da regulação secundária utilizada, a resposta a

uma perda máxima de produção pré-definida e a cobertura do consumo sempre que existam diferenças

significativas entre os valores previstos e os resultantes dos mercados de produção; é paga pelos agentes de

mercado que incorrerem em desvios nessa hora;

● energia de resolução de restrições técnicas: define-se por qualquer circunstância ou incidência

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derivada das atividades de produção, transporte ou distribuição que, por afetar as condições de segurança,

qualidade e fiabilidade do abastecimento, requer a modificação dos programas de energia elétrica; é um custo

suportado por todo o consumo.

Os custos deste mecanismo são repercutidos diretamente na formação do preço final da energia, refletindo

esta componente uma oferta de âmbito nacional estruturalmente concentrada no grupo EDP.

Componentes da formação de preço final grossista (Fonte: ERSE)

A potência habilitada a integrar o mercado de serviços de sistema provém na sua maior parte (60%) de

centrais com CMEC ou CAE, sendo a restante proveniente de centrais em mercado.

Em 2012, a EDP detinha 74% da potência possível de tele-regular (correspondente ao serviço de sistema

de banda de regulação secundária), essencialmente com centrais hídricas e de ciclo combinado (gás),

correspondendo a 78% da disponibilidade total de centrais com CMEC, e 69% de centrais em mercado, o que

segundo Artur Trindade quando ouvido na CPIPREPE, corresponde a ⅔ dos custos do mercado de serviços

de sistema.

1. Primeiros indícios de falha no mercado de serviços de sistema

Em 2010-2011, a ERSE identifica baixos níveis de prestação do serviço de tele-regulação pelos centros

eletroprodutores ao abrigo dos CMEC, nomeadamente nas centrais hídricas de Bemposta e Picote, que detêm

também grupos geradores em mercado (sem CMEC).

«21. (…) foram detetados, tanto pela ERSE como pela AdC, indícios de baixos níveis de utilização das

centrais CMEC na prestação de serviço de tele-regulação, em comparação com centrais hidroelétricas em

regime de mercado. Indícios que remontam, pelo menos, a 2010 e se estendem, como se verá infra, até

2013/2014. (…)

23. Essas diferenças de utilização são especialmente evidentes, por exemplo, no caso da barragem de

Picote, caso particular em que uma mesma barragem dispõe, simultaneamente, de grupos geradores em

regime CMEC e grupos geradores em regime de mercado, ambos aptos para prestar este tipo de serviço.

24. Tais indícios de subutilização ocorrem num contexto no qual se demonstrou a existência de capacidade

dessas centrais, economicamente e fisicamente disponível, que, ainda assim, não foi oferecida em mercado

por razões externas à própria operação desses equipamentos produtivos.

Abertura de Inquérito de contraordenação, AdC, 2016

Em 2012, face ao aumento registado dos preços no mercado de serviços de sistema, nomeadamente no

mercado de banda de regulação secundária, com um aumento de custo a suportar de 45 M€, a ERSE elabora

uma análise dos custos de mercado de serviços de sistema na sequência do qual solicita à Autoridade da

Concorrência (AdC) um relatório sobre eventual abuso de mercado por parte da EDP, que poderia explicar a

subida dos preços no mercado de serviços de sistema na ausência de eventos extraordinários que o

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justificassem. A AdC confirma então uma falha no mecanismo de revisibilidade dos CMEC – que ignora a

participação ou ausência das centrais CMEC neste mercado e, em 2013, recomenda ao Governo a realização

de uma auditoria. Perante esta falha, a EDP terá adotado estratégias de oferta que maximizaram a

componente CMEC da remuneração das centrais sob esse regime, concentrando nas centrais em mercado as

ofertas que realizava.

No gráfico seguinte é possível observar como as receitas dos serviços de sistema em Centrais CMEC

(Azul) começaram a descer em 2010 até 2013, até que voltam a subir com a publicação do despacho

4694/2014, altura em que face ao processo em curso, a EDP voltou a regularizar a oferta no mercado dos

serviços de sistema com as centrais com CMEC.

(Dados retirados dos relatórios anuais de proveitos permitidos e ajustamentos, ERSE)

2. Intervenção de governo e estudo da Brattle Group

Em 2014 é emitido o Despacho n.º 4694/2014, que decide a auditoria da REN e institui a respetiva

comissão de acompanhamento, a qual encomenda um estudo à consultora Brattle Group, com o objetivo de

quantificar as sobrecompensações ocorridas entre 2010 e 2014 no mercado dos serviços de sistema.

Nesse despacho, Artur Trindade define que:

«Caso a auditoria (…) conclua que se verificou uma sobrecompensação no modo de cálculo da

revisibilidade CMEC, os respetivos montantes, determinados no âmbito da auditoria, devem ser refletidos no

mecanismo de revisibilidade».

Em paralelo, o governo procura estancar as falhas no mercado de serviços de sistema, definindo como

preço de referência o do mercado de serviço de sistema espanhol e incluindo os custos da tele-regulação na

revisibilidade dos CMEC. Desta forma, o governo procurou prevenir que a EDP, preterindo as centrais CMEC,

limitasse a sua oferta de serviços de sistema às centrais em mercado. Segundo declarações do secretário de

Estado Artur Trindade, em 2013, ao Diário Económico, estariam aqui 70% das poupanças anunciadas com a

medida dos serviços de sistema que constava no segundo pacote de medidas de redução de custos (300M€ a

400M€). Os outros 30% estariam ligados à falha de contabilizar o mercado dos serviços de sistema na

revisibilidade dos CMEC.

2.1. Sobrecusto identificado pelo relatório Brattle

Os resultados do estudo da Brattle Group só foram conhecidos em 2016, já durante o mandato do

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secretário de Estado Jorge Seguro Sanches. Nesse estudo, consoante os cenários e pressupostos

considerados, foram identificados os seguintes sobrecustos:

● Num cenário de quantidade e para o mercado de banda regulação secundária, conclui-se que as

centrais com CMEC, adotando um comportamento ineficiente, auferiram menos 46,6M€ a 72,9M€

(consoante se considere um prémio de risco 10€/MWh ou nulo);

● Num cenário de efeito total, constataram-se lucros adicionais das centrais em mercado (sem CMEC) da

EDP, entre 59,6M€ e 143.2M€ (com ou sem aquele prémio de risco).

Face a estes resultados da auditoria e ao parecer da comissão de acompanhamento, Jorge Seguro

Sanches emite o despacho 10840/2016, onde pede a diferentes instituições com responsabilidades no setor

energético (DGEG, ERSE, AdC) para que, face aos resultados do relatório, tomem as diligências necessárias.

Para além disso, pede também que os resultados da auditoria sejam enviados à Direção Geral da

Concorrência da Comissão Europeia a fim de averiguar se esta sobrecompensação no mercado dos serviços

de sistema é enquadrável na autorização do auxílio estatal CMEC – Decisão n.º 161/2004. A DGEG e ERSE,

face a este pedido, sugerem a inclusão na projeção das tarifas de 2018 o abatimento dos custos de

sobrecompensação apurados pelo relatório da Brattle Group, na quantia de 72,9 M€.

A EDP contestou a cobrança deste valor, acusando «erros grosseiros» nos relatórios da Brattle Group e da

comissão de acompanhamento da auditoria. Pelo seu lado, apresentou um relatório da consultora FTI

Compass-Lexecon que indica não existir qualquer sobrecompensação.

«Olhando para o relatório da Brattle sobre a sobrecompensação dos CMEC, por causa da participação no

mercado de banda secundária, entendemos que a melhor maneira de resolver essa posição dominante da

EDP era, obviamente, sancionar a EDP quando se justifique — e a Autoridade da Concorrência está nesse

processo —, mas era, sobretudo, criar concorrência onde ela hoje não existe, portanto, permitir que outros

possam participar no mercado de serviços de sistema».

(João Galamba)

Segundo Galamba, o problema nos serviços de sistema é a existência de um quase monopólio, que leva a

situações de falha de mercado e sobrecusto:

«Hoje, nos serviços de sistema, é a EDP que tem praticamente o monopólio da prestação destes serviços.

Como é que se cria mais concorrência?! Abrindo esse mercado a outros participantes. (…) Ou seja, quanto

mais produção descentralizada, agregadores, redes inteligentes, com o lançamento de tudo isso, podemos

rever todos os serviços de sistema, nomeadamente criando concorrência onde ela hoje não existe.(…) Estas

mudanças e a questão dos agregadores que referi são instrumentos fundamentais para criar concorrência

nesse mercado e para reduzir algumas rendas que hoje existem, não por vício contratual, mas pelo simples

facto de que quem presta aquele serviço é uma só empresa, ou são poucas empresas, por isso, essa empresa

tem facilidade em apropriar-se de ganhos, com prejuízo para os consumidores».

2.2. Atuação da Autoridade da Concorrência

Após o relatório da ERSE em 2012, foi requerido à AdC um relatório sobre eventuais práticas de abuso no

mercado de serviços de sistema. Nesse sentido, é detetada a falha no mecanismo de revisibilidade dos

CMEC, e em 2013 recomenda ao governo que seja feita uma auditoria. No entanto, apenas em 2016, já com

os resultados da auditoria dados a conhecer com o Despacho n.º 10840/2016, a AdC abre um processo de

contraordenação à EDP no âmbito das práticas abusivas no mercado dos serviços de sistema, embora a sua

recomendação ao governo, sobre os indícios das alegadas práticas abusivas, remonte a 2013. Nesse

documento é identificado:

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«25. Este tipo de gestão da oferta no mercado de banda de regulação secundária — na conjuntura em que

é adotado, oportunamente descrita no Estudo desenvolvido pela ERSE e, posteriormente, nos relatórios de

auditoria — aparenta estar na origem da subida dos preços no mercado no período em causa. (…)

27. De facto, no quadro do regime CMEC — em que a empresa é compensada até ao limite dos benefícios

económicos equivalentes aos proporcionados pelos (terminados) CAE, no caso de tais benefícios não serem

assegurados através das receitas obtidas pelas centrais em regime de mercado — existe um incentivo

estratégico de aumento de lucros, concretizável através de uma prática de redução da atividade das centrais

em regime CMEC em contrapartida de um aumento da atividade das centrais não abrangidas por

compensações CMEC. (…)

29. Assim, em resultado dos baixos níveis de utilização das centrais CMEC na prestação de serviço de

teleregulação em comparação com centrais hidroelétricas em regime de mercado, e para além da eventual

sobrecompensação do Auxílio de Estado atribuído à EDP produção, foi potenciada a prática de preços mais

altos no mercado de banda secundária.»

Abertura de Inquérito de contraordenação, AdC, 2016

Segundo Margarida Matos Rosa, na sua apresentação na CPIPREPE, esta prática onerou os

consumidores duplamente, por via do aumento do valor das compensações pagas à EDP Produção a título de

CMEC e por via do aumento dos preços da banda de regulação secundária, permitindo à EDP Produção

beneficiar de receitas mais elevadas através das centrais não-CMEC.

A AdC estima que esta dupla compensação obtida pela EDP Produção tenha gerado um sobrecusto de

cerca de 140 milhões de euros para o SEN e para os consumidores.

Sobre o processo de contraordenação em curso, em setembro de 2018 foi adotada uma Nota de Ilicitude

contra a EDP Produção, sobre a qual esta se pronunciou em novembro seguinte.

Em 2019, o atual secretário de Estado João Galamba, ouvido na comissão, afirmou que «em princípio, o

processo deverá avançar para uma multa por parte da Autoridade da Concorrência [à EDP]», não tendo no

entanto referido nenhum valor.

Face à dúvida levantada pela comissão de acompanhamento da auditoria, sobre se o valor do sobrecusto

identificado no relatório deveria ser abatido à tarifa (e por isso considerado um aspeto inovatório), João

Galamba considera que a sobrecompensação ocorrida no mercado de serviços de sistema não é um aspeto

inovatório da natureza dos que a ERSE identificou quanto aos CMEC (isto é: vantagens adicionadas por atos

administrativos posteriores ao Decreto-Lei n.º 240/2004), mas sim um abuso de posição dominante a penalizar

em sede própria, alheio à revisibilidade dos CMEC:

«A DGEG envia-me o processo e eu irei perguntar à DGEG e à ERSE os fundamentos para considerar a

sobrecompensação dos CMEC um aspeto inovatório porque me parece que neste caso não estamos perante

um aspeto inovatório, estamos, sim, perante um abuso de posição dominante, que deve ser sancionado e está

a ser sancionado pela Autoridade da Concorrência em sede própria. (…) A sanção, a existir, virá da

Autoridade da Concorrência e não de uma penalização via tarifa, e porque me parece, também, que não se

pode sancionar uma empresa duas vezes.»

(João Galamba)

Conclusões

1. A existência de sobrecompensações pagas à EDP no âmbito do mercado de serviços de sistema é

matéria de grande complexidade técnica que tem sido estudada ao longo dos últimos seis anos em diversas

instâncias. O SEN foi prejudicado pela EDP em valores que são avaliados de 72,9 M€ (ERSE/DGEG) a 140

M€ (AdC).

2. A correção da legislação introduzida em 2014 terá impedido eventuais estratégias de abuso de posição

dominante por parte da EDP.

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Recomendação

A integração dos serviços de sistema, em termos de política energética e planeamento estratégico do SEN,

tal como de outros instrumentos de gestão de oferta e procura em modelos concorrenciais que propiciem a

redução de custos para os consumidores e a maximização da integração da produção de fonte renovável.

Capítulo 10

O novo regime remuneratório da produção eólica aprovado em 2013

O Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro, foi aprovado em Conselho de Ministros em dezembro de

2012. Para o apresentar, recorremos ao próprio preâmbulo do diploma:

«Na linha dos compromissos assumidos no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de

Política Económica, celebrado em maio de 2011, entre o Estado Português, o Banco Central Europeu e a

Comissão Europeia, foram encetadas conversações com a APREN – Associação Portuguesa de Energias

Renováveis (APREN), que representa os interesses dos titulares de centros eletroprodutores a partir de fontes

renováveis, com vista à densificação do enquadramento remuneratório aplicável às instalações eólicas

existentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 33-A/2005, de 16 de fevereiro, após o decurso dos

respetivos períodos de remuneração garantida, em termos passíveis de conjugar a resposta às referidas

questões de segurança jurídica [alegadas atrás quanto ao “regime remuneratório ou à forma da sua

remuneração”] com o imperativo de promoção da sustentabilidade económica e social do SEN.

No seguimento dessas conversações, e em conformidade com o acordo de princípio aí alcançado, o

presente decreto-lei prevê a possibilidade de adesão por parte das referidas instalações a um de entre quatro

regimes remuneratórios alternativos, destinados a vigorar por um período determinado, para além dos

períodos de remuneração garantida. A adesão aos mencionados regimes remuneratórios, selecionados pelos

titulares de cada instalação em função das suas particularidades, implica o pagamento de uma compensação

anual destinada a contribuir para a sustentabilidade do SEN, permitindo, assim, preservar a estabilidade

remuneratória dos centros eletroprodutores eólicos, ao mesmo tempo que assegura a mitigação do impacto na

fatura energética dos sobrecustos anuais resultantes do apoio à produção de eletricidade a partir de fontes

eólicas».

1. O contexto em que surge a medida

1.1 O Memorando de Entendimento com a troika e a limitação dos sobrecustos associados à

Produção em Regime Especial (PRE)

Um dos afirmados objetivos do Memorando de Entendimento assinado em maio de 2011 entre o governo

José Sócrates e a troika era «assegurar que a redução da dependência energética e a promoção das energias

renováveis seja feita de modo a limitar os sobrecustos associados à produção de electricidade nos regimes

ordinário e especial (cogeração e renováveis)».

Na sua medida 5.9, o Memorando encarregava as autoridades portuguesas de, «em relação aos actuais

contratos em renováveis, avaliar, num relatório, a possibilidade de acordar uma renegociação dos contratos,

com vista a uma tarifa bonificada de venda mais baixa», sendo o prazo de concretização desta medida o

quarto trimestre de 2011.

1.2 A proposta da EDP e a resposta do Governo

No final de julho de 2011, Henrique Gomes, secretário de Estado da Energia do recém-empossado

Governo PSD/CDS, convoca a EDP a uma reunião para a discussão dos pontos do Memorando. Nessa

reunião, a 2 de agosto, a EDP apresenta uma proposta global, assente essencialmente em diferimentos de

custos e no corte de remunerações na cogeração (analisada noutro capítulo deste relatório) e que inclui,

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quanto à restante Produção em Regime Especial, a «criação de um mecanismo de adesão voluntária

previamente formalizada para compra pelos produtores da extensão do período de tarifa garantida».

A ideia não é bem acolhida pelo Secretário de Estado da Energia, mas a EDP insiste em outubro de 2011,

incluindo-a novamente na proposta de entendimento sobre «medidas para a revisão dos custos do sector

eléctrico» que remete ao governo. A proposta é agora mais detalhada:

«Reformulação do prazo de tarifa bonificada garantida aplicável à produção de electricidade com tecnologia

eólica (parques existentes cuja capacidade não foi objecto de procedimento concursal).

(…) a única forma equilibrada de se agir sobre este universo é através da proposta de um negócio,

totalmente separado do existente, mas que poderá ser benéfico para o sistema eléctrico e para o Estado,

mantendo o equilíbrio contratual dos promotores.

A medida proposta consiste em colocar à disposição dos promotores um prolongamento do período pelo

qual recebem a tarifa bonificada, tendo como contrapartida um pagamento a suportar pelos produtores a favor

da tarifa, durante os próximos 2 a 3 anos, em montante a definir.

Esta medida permite ultrapassar os constrangimentos dos parques em project finance por não afectar os

cash-flows do projecto, garante um encaixe financeiro para o sistema eléctrico já no curto prazo e confere uma

maior estabilidade temporal aos promotores».

O Secretário de Estado Henrique Gomes remete então ao ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira,

uma nota interna sobre a proposta de acordo da EDP de 4 de outubro. Nessa nota, sobre as negociações,

explicita que:

«A reformulação do prazo da tarifa bonificada garantida à produção eólica consiste em prolongar no tempo

o direito à remuneração garantida (3 a 5 anos, de acordo com a proposta efectuada por um conjunto de

produtores que representam cerca de 80% da potência instalada relevante) em troca de um pagamento a favor

do sistema tarifário a efectuar pelos produtores (15 000€/MW instalado por cada ano de extensão, de acordo

com a referida proposta).

Conclusão: Esta medida insere-se na lógica de “empurrar” para o futuro os custos dos compromissos

assumidos no passado, não contribuindo para resolver os problemas estruturais e aumentando os riscos do

SEN. Isenta os produtores eólicos de empreenderem qualquer esforço de redução de custos do sistema

eléctrico».

1.3. A queda da contribuição especial e a insistência da troika sobre redução de custos com a PRE

No início de dezembro, na sequência do abandono pelo governo do projeto de contribuição especial do

setor elétrico preparada no ministério da Economia (ver capítulo anterior), a segunda revisão do Memorando

adita a medida 5.15:

«Serão tomadas medidas para colocar o SEN numa trajetória sustentável, para eliminar o défice tarifário

em 2020 e assegurar a sua estabilização em 2013. Este prazo é sujeito a uma revisão baseada num relatório

a propor pelo governo que especificará também como serão corrigidas as rendas excessivas na produção nos

regimes ordinário (CMEC, CAE, garantia de potência) e especial (cogeração e renováveis). Esta proposta

considerará os méritos de um largo espectro de medidas que cobrirão todas as fontes de rendas».

A CPIPREPE apurou que este relatório sobre rendas excessivas no setor elétrico (que anexou o estudo da

CEPA – Cambridge Economic Policy Associates) teve duas versões.

A primeira versão, com data de 31 de janeiro de 2011, foi encontrada no arquivo do Ministério da

Economia. É a versão que Henrique Gomes entregou ao ministro e que este encaminhou a Carlos Moedas, o

membro do governo responsável pela Estrutura de Acompanhamento do Memorando (ESAME).

De acordo com Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes (e também do seu

sucessor, Artur Trindade), o secretário de Estado considerou não ter condições para intervir sobre as

remunerações dos CMEC e da PRE eólica, não incluindo esses temas na sua proposta.

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«O engenheiro Henrique Gomes entendeu, face ao abandono do tema da contribuição, que não existiria, à

data, uma terapêutica no tocava aos CMEC e à PRE, e, neste caso, estamos basicamente a falar na eólica

(…) Este documento foi objeto de alguma discussão entre o Ministério da Economia e a ESAME e houve uma

série de reuniões posteriores — estamos a falar de dezembro, início de janeiro — no sentido de o consolidar.

Creio que o que estava a passar-se tratava-se, acima de tudo, de mensagens políticas».

(Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes, 2011-2012)

O membro do governo que liderava a ESAME era Carlos Moedas, que no seu testemunho afirmou:

Não sou especialista nem me lembro exatamente desse decreto-lei [35/2013] em particular. (…) Recordo-

me da negociação no seu conjunto. (…) Tínhamos de chegar a 2,1 mil milhões de cortes. Na verdade, eu tinha

de ter um papel pragmático, que era pedir ao ministro da Economia que me enviasse como é que chegava a

esse valor. E assim foi. Esse valor era atingido por várias negociações, fosse nos CMEC, na garantia de

potência, na cogeração, isso para mim não era o meu dia a dia. Portanto, para lhe responder com toda a

franqueza, não me lembro exatamente desse ponto porque não era parte do meu trabalho; o meu trabalho era

receber o que estava a ser feito, as soluções, e ir para a frente. Era essa a minha função”.

(Carlos Moedas, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro, 2011-2014)

Deste trabalho conjunto entre as equipas do Ministério da Economia e da ESAME, resulta, a 9 de fevereiro,

a segunda versão do referido relatório, a única efetivamente entregue à troika. Este segundo documento

nunca foi encontrado nos arquivos do governo no seguimento dos pedidos da CPIPREPE, tendo sido obtido

por esta junto da OCDE (que o cita num estudo sobre a economia portuguesa). Nesse documento é

introduzida, em termos em tudo semelhantes aos da proposta adiantada três meses antes pela EDP, a medida

de extensão da tarifa garantida das centrais eólicas:

«Dado que a maioria dos investimentos [em centrais eólicas] envolvemproject-finance ou estruturas

complexas de financiamento e de capital, desenhadas em articulação com os contratos de FIT [feed-in tariff]

atualmente existentes,foi discutido um esquema alternativo, financeiramente equivalente a uma redução das

FIT, em troca de uma extensão do período garantido: em vez de reduzir desde já as FIT (que desencadearia

eventos de crédito nos project-financesubjacentes e conduziria estes produtores a uma situação de falência),

a maioria dos produtores (cerca de 65% concordaram em adiantar uma determinada quantia em troca de

comprarem a extensão desta tarifa garantida).

Esta operação implicaria o pagamento de 50M€/ano por cada ano adicional de extensão da FIT garantida

(a proposta foi uma extensão de três anos, num total de 150M€ ao fim de três anos). O lado negativo desta

medida seria a extensão por mais três da atual estrutura de FIT para estes operadores, atrasando a venda de

eletricidade gerada em centrais eólicas a preços de mercado. Em todo o caso, a medida precisa de ser

aprofundada para assegurar a sua neutralidade financeira no défice tarifário».

A existência de acordo, em janeiro de 2011, por parte de 65% dos produtores para adesão à medida foi

contestada na CPIPREPE pelo presidente da Associação dos Produtores de Energias Renováveis (APREN),

António Sá da Costa:

«Também fui confrontado com esta história dos 65% e não faço ideia de onde foram inventar os 65%! Nem

quem foi, nem de onde veio esse valor! Porque para arranjar 65%… Fui fazer umas contas e, para ter 65% da

potência da altura, tinha de falar com oito ou nove dos maiores promotores. E, depois, se tirássemos o maior e

começássemos a descer, então o número começava a crescer. Eu dei-me ao trabalho, antes de responder à

vossa questão, de falar não com os oito, mas com os sete — deixei a EDP de fora, que não sabia o que se

tinha passado — e fui falar com os CEO [chief executive officers] de todos os sete da altura e todos me

disseram que nunca souberam do assunto. (…) A primeira vez que fui chamado a falar deste assunto, não sei

se foi em maio ou junho de 2012, já era o Dr. Artur Trindade. O trabalho que fizemos desenvolveu-se

fundamentalmente em julho e agosto. A proposta que ele nos pôs em cima da mesa foi no final de agosto de

2012».

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(Sá da Costa, presidente da APREN)

A proposta do governo aos produtores eólicos veio a dar origem ao Decreto-Lei n.º 35/2013, que prevê,

terminados os 15 anos da tarifa garantida estabelecida no Decreto-Lei n.º 33-A/2005, a extensão da garantia

de escoamento de toda a produção eólica e o pagamento dessa eletricidade ao preço do mercado a preço

mínimo (floor) em duas modalidades:

1) a primeira assegura a remuneração numa banda que pode variar entre um chão (floor) –

aproximadamente 69€/MWh em 2020 – e, se o preço do mercado estiver acima desse valor, um teto (cap) de

90€/MWh, valor em 2020;

2) a segunda modalidade garante aos produtores, em 2021, um floor mais baixo, de 55€/MWh; mas, se o

mercado estiver acima desse valor, é esse o preço pago ao produtor, sem qualquer teto.

Ambas as modalidades podem ser praticadas por períodos de 5 ou de 7 anos, à discrição do produtor. Os

números da distribuição da potência pelas diferentes modalidades são disponibilizados pela ERSE.

A compra da extensão do período de tarifa garantida tem sido concretizada mediante uma “contribuição

voluntária” anual, paga ao SEN pelos produtores ao longo de oito anos (2013-2020) de acordo com a potência

inscrita, da modalidade escolhida e do período de extensão. A receita anual do SEN é de 27,7M€ anuais, ou

222M€ no total (valor sem inflação).

Adicionalmente, o governo assegurou nesse acordo com a APREN a criação de um regime de escoamento

garantido da eletricidade produzida por potência instalada em sobreequipamento (capacidade adicional em

centrais já existentes) com regime FIT específico para essa potência. O novo regime, estabelecido no Decreto-

Lei n.º 94/2014, fixou uma FIT de 60€/MWh mas permitiu que, mediante pagamento dos oito anos de

«contribuição voluntária» ao SEN, essa potência transite para o regime do Decreto-Lei n.º 35/2013.

Praticamente toda a produção eólica existente no país em 2013 aderiu ao regime do Decreto-Lei n.º

35/2013, repartindo-se pelas suas modalidade da seguinte forma (fonte: ERSE):

Regime Duração Potência

floor 69 + cap 90 5 anos 273,9 MW

floor 69 + cap 90 7 anos 4045,5 MW

floor 55 5 anos 33,8 MW

floor 55 7 anos 478 MW

Fonte: SEE, resposta a requerimento do Bloco de Esquerda, janeiro 2018

1.4 O impacto incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013

Desde o início dos trabalhos da CPIPREPE, o impacto tarifário desta extensão de garantias pelo Decreto-

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Lei n.º 35/2013 foi objeto de acesa controvérsia. Para a encerrar, este relatório adota a metodologia de

avaliação defendida pelo ex-secretário de Estado Artur Trindade para esta medida política que ele próprio

tomou:

«Quando se analisa uma medida, é importante ver, nessa legislação, nesta medida, o que é que existia se

a medida não fosse tomada e o que é que existe se a medida for tomada. (…) Uma coisa é criticar o regime

dos produtores eólicos, outra coisa é analisar o impacto, se quiserem, incremental que este decreto-lei teve

nesses mesmos produtores».

1.4.1 O que existiria se o Decreto-Lei n.º 35/2013 não tivesse sido aprovado pelo governo?

Sem o Decreto-Lei n.º 35/2013, estaria em plena aplicação o Decreto-Lei n.º 33-A/2005, que no seu artigo

4.º define o regime para a remuneração da produção eólica após os 15 anos de FIT definidos em 2005:

«Artigo 4.º

Âmbito de aplicação

1 – À electricidade produzida em instalações que já tenham obtido licença de estabelecimento à data da

entrada em vigor do presente diploma e à electricidade produzida em instalações cujo pedido de informação

prévia tenha sido respondido favoravelmente pela DGGE até à data de entrada em vigor do presente diploma

e venham a obter a respectiva licença de estabelecimento no prazo de um ano. (…)

3 – Para as instalações previstas no n.º 1, o regime de remuneração em vigor até à data de entrada em

vigor do presente diploma mantém-se (…) b) por um prazo de 15 anos a contar da data de entrada em vigor

do presente diploma, para as instalações não hídricas já em exploração;

4 – No final do período de 15 anos referido no número anterior, excepto no caso das PCH [pequenas

centrais hídricas], as instalações são remuneradas pelo fornecimento da electricidade entregue à rede a

preços de mercado e pelas receitas obtidas pela venda de certificados verdes mencionados no preâmbulo da

Directiva 2001/77/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Setembro;

5 – Se no final do período referido nas alíneas b) e c) do n.º 3 não existirem certificados verdes

transaccionáveis, aplica-se, durante um período adicional de cinco anos, a tarifa referente às centrais

renováveis com início de exploração nessa data».

(Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 33-A/2005)

No início das negociações com a APREN para a venda aos produtores eólicos de uma extensão de preço

garantido, ficou claro um primeiro ponto: o governo excluía totalmente do cenário pós-2020 a venda em

mercado adicionada das receitas de certificados verdes prevista no ponto 4 do artigo 4.º da Lei n.º 33-A/2005:

«Foi-nos transmitido pelo Secretário de Estado Artur Trindade que não era intenção… É que já se tinha

provado que os certificados verdes não funcionam na Europa, não funcionaram, nunca. (…) Portanto, era

muito complexo e diz-se: ‘nós não vamos ter’».

(Sá da Costa, presidente da APREN)

«O que temos por detrás desta análise são os direitos que eles já tinham, os direitos adquiridos. Poderão

ser esses cinco anos de tarifas ou o regime de certificados verdes, em relação aos quais eu disse «só por

cima do meu cadáver». Os certificados verdes são a coisa pior em termos de promoção, não de garantias de

origem. De todo o histórico, por todo o planeta, o pior que existe em termos de custos são os certificados

verdes. Há vários exemplos aí documentados disso. Eles geram subsídios mais altos. E, portanto, nunca lhes

ia dar».

(Artur Trindade, secretário de Estado da Energia, 2012-2015)

Assim, o direito constituído pelo Decreto-Lei n.º 33-A/2005 está claro e corresponde ao regime definido no

ponto 5 do artigo 4.º aplicado ao universo de produtores definido no ponto 1 do mesmo artigo: no final de

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2020, as centrais eólicas licenciadas até final de 2006 – e só essas – receberiam, por cinco anos adicionais

(até 2025), a tarifa fixa que tivesse sido atribuída às centrais com início de exploração em 2021.

Por força da lei, as centrais com início de exploração em 2021 seriam atribuídas por mecanismo

concorrencial. A tarifa assim determinada refletiria necessariamente o embaratecimento das tecnologias, como

efetivamente se tem verificado de forma acelerada.

Assim, das centrais hoje em funcionamento, estariam excluídas desta extensão todas as que foram

atribuídas pelos concursos de 2005-2007. A realização de um único concurso antes de 2020 e o licenciamento

da respetiva produção bastariam para fixar a nova tarifa a pagar à potência abrangida pelo Decreto-Lei n.º 33-

A/2005 (4379 MW).

1.4.2 Os pressupostos do acordo entre o Governo e a APREN

A negociação entre governo e APREN assentou num pressuposto arbitrário e não explicado, o de que,

entre 2012 e 2020, não se realizaria qualquer novo concurso.

«O que se disse foi que a tarifa de exploração a essa data [2021], era a que estava em vigor na altura

[2012]. Não havia nenhum mecanismo para haver alguma redução».

(Sá da Costa)

«Na altura [das negociações, em 2012], ninguém pensava que uma central eólica iria entrar em

funcionamento nos próximos anos. E olhe que, para entrar em funcionamento em 2018, tinha de começar o

licenciamento em 2015 ou 2016».

(Artur Trindade)

Ora, como claramente explicou Carlos Pimenta na CPIPREPE, o mecanismo para a redução da FIT estava

disponível – e até era explicitado pelo Decreto-Lei n.º 33-A/2005:

«[Depois de 2006] nunca mais se fizeram concursos. Para capturar isto [a redução dos custos de

investimento em produção eólica], o Sr. Deputado fazia um concurso agora e tinha tarifas 20 euros mais

abaixo do que teve no último concurso».

(Carlos Pimenta, ex-Secretário de Estado do Ambiente, presidente não-executivo do consórcio Novenergia,

e especialista em renováveis)

Ora, o Governo PSD/CDS – o primeiro a quem foi feita a proposta de venda de uma extensão da tarifa –

optou não só por não promover esse concurso, mas também por eliminá-lo como referência da remuneração

futura. O último concurso realizado para centrais eólicas foi vencido em 2007 pelo consórcio Ventinvest, com

uma tarifa de 70€/MWh.

O Secretário de Estado disse-nos: «então vocês têm, pelo menos por 5 anos, a tarifa garantida dos 74 €

[tarifa do concurso Ventinvest atualizada a 2012], crescendo com a inflação», que era o regime que estava.

Isso já nós tínhamos. E ele disse: «Então está bem. Vocês podem receber o valor do mercado com os 74 € de

floor e um cap, um teto, de 98 €».

(Sá da Costa, presidente da APREN)

Assim, se o Decreto-Lei n.º 35/2013 não existisse, toda a potência eólica licenciada antes dos concursos de

2005-2007 beneficiaria por cinco anos adicionais de uma tarifa fixa (correspondente ao valor da tarifa atribuída

à última central licenciada até àquela data). O valor dessa tarifa é desconhecido porque não se realizou em

Portugal qualquer concurso desde 2007. Mais adiante, tomaremos como referência de cálculos o valor

indicado por Carlos Pimenta (50€/MWh em 2018) e também outros, superiores e inferiores, verificados em

leilões de potência eólica recentes, realizados noutros países.

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Por fim, sob o Decreto-Lei n.º 33-A/2005, o SEN não encaixaria a «contribuição voluntária» (cerca de 27

M€/ano) paga pelo conjunto dos produtores pela compra da extensão de preços garantidos prevista no

Decreto-Lei n.º 35/2013.

Decreto-Lei n.º 33-A/2005 Decreto-Lei n.º 35/2013

risco

tarifa fixa

última central licenciada antes de 2021

tarifa mercado com ● floor 69/MWh cap 90/MWh ● floor 55€/MWh

dimensão 3386 MW (não inclui concursos pós 2005)

4832 MW (inclui centrais por concurso)

prazo 5 anos 7 anos (4524 MW) 5 anos (307MW)

receita - c. 222 milhões de euros

1.4.3 O que passou a existir com o Decreto-Lei n.º 35/2013?

Sob o Governo PSD/CDS e a tutela do ministro Santos Pereira e do Secretário de Estado Artur Trindade,

foi decidido que:

– a tarifa fixa atribuída por concurso em 2007 (70€/MWh) era projetada como referência do floors a praticar

de 2021 a 2027 (note-se que diversas centrais atribuídas por concurso tardaram vários anos a entrar em

produção, contando a partir daí a FIT original e só depois usufruindo do sistema de floor/cap, que em alguns

casos irá até 2035);

– em vez de uma tarifa fixa, é criado um regime assente num floor que acompanha o preço de mercado e

assim transfere grande parte do risco para o lado dos consumidores;

– em vez de uma garantia por 5 anos, é oferecida uma garantia por 5 ou 7 anos, sendo a segunda a

escolhida por 87,5% da capacidade eólica;

– as centrais atribuídas por concurso após 2005 (excluídas de qualquer benefício sob o Decreto-Lei n.º 33-

A/2005) passaram a estar cobertas por um regime de garantia por 7 anos, o que configura uma radical

mudança das condições definidas no momento dos concursos.

1.4.4. A intervenção da ERSE

1.4.4.1 O parecer prévio da ERSE sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 35/2013

Em outubro de 2012 a ERSE remete ao governo o seu parecer prévio acerca do projeto de Decreto-Lei que

prevê a contribuição dos centros eletroprodutores integrados na PRE para a sustentabilidade do SEN”.

Sucintamente, a ERSE regista que:

«Este mecanismo corresponde a uma transferência intertemporal de custos estando, no entanto, implícito

um risco para o consumidor e o produtor associado à evolução do preço de mercado. (…) O objetivo deste

regime de aliviar a tensão tarifária entre 2013 e 2020, é apreciado pela ERSE. (…)

Considerando que o projeto de decreto-lei analisado se constitui como um instrumento para a

sustentabilidade do SEN, assegurando ao mesmo tempo a consolidação da promoção da produção de energia

elétrica em regime especial (recursos endógenos e renováveis), a ERSE nada tem a opor».

(parecer prévio da ERSE sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 35/2013)

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1.4.4.2 O primeiro estudo da ERSE sobre o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013

Em maio de 2017, a ERSE pronunciou-se sobre o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013 a pedido do

secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, vindo em junho desse ano adicionar novos

elementos.

A ERSE usou cinco cenários de evolução do preço de mercado de eletricidade entre 2017 e 2037: 91

€/MWh (cenário superior para os preços de energia no Relatório de Monitorização e Segurança de

Abastecimento RMSA-2012); 47,6 €/MWh (cenário base de análise de sustentabilidade do SEN 2018-2028,

realizado no âmbito do exercício tarifário para 2017, seguido de evolução à taxa média dessa série); E mais

três cenários até 2037: 40 €/MWh, 50 €/MWh e 60 €/MWh. A taxa de inflação sem habitação no continente,

para a atualização anual dos limiares dos preços, foi de 1,7% (previsão do Banco de Portugal).

Para o cálculo do VAL foram considerados cenários para três taxas de desconto, que pretendem refletir a

perspetiva das empresas reguladas – taxa de 10%, que considera o risco de mercado; taxa de 6,5%, que

reflete o custo de capital de um ativo regulado – e também a perspetiva do SEN, considerando a taxa média

implícita no serviço de dívida tarifária em 2017 (aproximadamente 3,2%).

No que respeita à tarifa de referência para a remuneração dos PRE eólicos prevista em 2005 para o

período adicional de 5 anos foi considerado um valor base de 72 €/MWh (média das tarifas dos produtores

eólicos que se ligaram à rede em 2015 e 2016). Segundo a ERSE, “por se tratar de uma variável sensível, cuja

definição não é clara, na análise, para além de se ter pressuposto uma tarifa igual a 72 €/MWh, consideraram-

se duas situações adicionais desta tarifa de referência: (i) o maior valor entre 72 €/MWh e o preço de mercado

e (ii) um valor igual a 85 €/MWh”.

Assim, nesta primeira avaliação (feita em maio de 2017, a solicitação do governo), a ERSE faz os seus

cálculos para o cenário de aplicação do Decreto-Lei n.º 33-A/2005 considerando que «a tarifa referente às

centrais renováveis com início de exploração nessa data [2020]» seria 72€/MWh (a tarifa atualizada da última

central licenciada em Portugal, em 2007). Daí conclui que:

«Em todos os cenários de preços de energia elétrica, com exceção dos preços que terão estado na origem

das simulações do RMSA-E 2012, o VAL dos impactos anuais agregados resultantes da aplicação do Decreto-

Lei n.º 35/2013 é negativo, isto é, este diploma gerou um menor custo para o SEN. A exceção, quando se

consideram os preços mais elevados do RMSA-E 2012 [91€/MWh], deve-se ao facto destes preços serem

substancialmente mais altos do que a tarifa de referência considerada na simulação. Registe-se que tanto na

opção com limite a) (74 a 98 €/MWh), como na opção com limite b) (acima de 60 €/MWh), a consideração de

preços de mercado tão elevados como os do RMSA-E 2012 leva a perdas para o sistema».

No entanto, é possível observar no detalhe dos cálculos do mesmo parecer que os impactos anuais deste

Decreto-Lei, no que refere apenas à PRE das eólicas (sem contabilizar o impacto das Pequenas Centrais

Hídricas), são negativos para o SEN, oscilando entre 181,6M€ e 460,6M€ considerando a taxa de de desconto

que reflete a sua perspetiva e consoante a estimativa de preço de mercado utilizada.

1.4.4.3 Secretário de Estado pede parecer mais detalhado

Porém, no momento do Decreto-Lei n.º 35/2013, não podia ser excluída a realização de um leilão que

determinasse uma FIT mais baixa. Esse leilão poderia ocorrer ainda nos anos seguintes, obtendo-se tarifas

que refletiriam a redução dos custos de investimento em eólicas. O congelamento do valor de referência em

2013 é uma inovação do Decreto-Lei n.º 35/2013 e em nada resulta dos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005.

Nesta primeira avaliação, a ERSE assume assim o racional do governo e dos produtores que, em 2013,

concordaram não considerar a tarifa de eventuais novos leilões como referência para a tarifa fixa no período

adicional. Ora, a realização de leilões não só não estava legalmente excluída como, no quadro do Decreto-Lei

n.º 33-A/2005, era a única opção racional numa lógica de proteção do interesse do SEN.

O Secretário de Estado da Energia solicita então à ERSE um aditamento ao estudo, que é realizado. Jorge

Seguro Sanches pede à ERSE que complete o seu estudo considerando um segundo cenário para o preço da

FIT pós-2020, tomando como referência os preços de mercado de então, 45,1€/MWh (preço médio ponderado

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de mercado em Portugal, entre 1 de novembro de 2015 e o último dia disponível, 23 de junho de 2017) e

mantendo todos os restantes parâmetros.

Assim, a ERSE estima o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013 para o SEN, no que refere à PRE eólica, e

com a taxa de desconto que reflete a sua perspetiva, em 1.298 M€ negativos no novo cenário com mercado a

45,1€/MWh e tarifa fixa a 45,1€MWh.).

1.4.5 Cálculos apresentados por Carlos Pimenta na CPIPREPE

Na sequência da sua apresentação à CPIPREPE, Carlos Pimenta fez chegar à comissão uma folha de

cálculo em que é avaliado o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013. Os dados são os do novo regime e os

pressupostos são em tudo semelhantes aos do cálculo da ERSE, com a taxa de desconto adequada na

perspetiva dos produtores, 7,5% (e não do SEN – 3,2% segundo a ERSE). Os seus cálculos não identificam o

impacto da nova legislação face à anterior, antes assumindo um outro cenário contrafactual que não é o do

Decreto-Lei n.º 33-A/2005.

«Como não há certificados verdes, o que está aqui a ser considerado é apenas o CO2. (…) Só estou a

contar com o mesmo fator que estava na fórmula do feed-in tarifa, que é o número de gramas de CO2 que é

utilizado para fazer 1 KWh de gás, ciclo combinado, na central mais eficiente, que são 370 g. (…) Se o preço

de mercado for acima de 57 €/MWh, os consumidores estão a ganhar e os produtores estão a perder. Isto está

mais ou menos de acordo com as previsões que tínhamos em 2012».

(Carlos Pimenta)

O contrafactual adotado por Carlos Pimenta enferma de um erro que é a incorporação no cálculo dos

custos de CO2 evitados. Ora, estes não são evitados por efeito desta extensão, mas sim pela simples

existência destas centrais, que é um facto resultante de anteriores medidas de política energética. A existência

desta capacidade instalada é independente dos méritos do Decreto-Lei n.º 35/2013. Numa análise do impacto

incremental entre este novo regime e o anterior (Decreto-Lei n.º 33-A 2005) a incorporação destes valores leva

a conclusões erradas.

1.4.6 Cálculos apresentados por Artur Trindade na CPIPREPE

O ex-secretário de Estado Artur Trindade, autor do Decreto-Lei n.º 35/2013, apresentou à CPIPREPE uma

folha de cálculo com os seguintes parâmetros:

Taxa Desconto 7,00%

Horas equivalentes 2 450 h/ano

Degradação anual 0,50% %/ano

Potência 1 4 045 MW

Contribuição 1 5 800 €/MW

Potência 2 479 MW

Contribuição 2 5 800 €/MW

Potência 3 274 MW

Contribuição 3 5 000 €/MW

Potência 4 34 MW

Contribuição 4 5 000 €/MW

Potência total 4 832 MW

Floor 2021 - 2 60 €/MWh

Floor 2021 - 1 74 €/MWh

Cap 2021 98 €/MWh

Preço mercado 2021 65 €/MWh

Emissão evitada 370 g/kWh

Custo CO2 25 €/ton

Inflação 2013-2020 - Base 2,00%

Inflação 2018-2020 1,00%

Inflação 2021-2028 2,00%

Valor GO EUR/MWh 3 €/MWh

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Esta metodologia considera como efeito incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013 o não pagamento de

certificados verdes. Os certificados verdes são valorizados, tal como já fizera Carlos Pimenta, tendo em conta

as emissões evitadas por uma central a ciclo combinado a gás natural – a central marginal e a menos poluente

– logo, são um minorante em termos de quantidade. Em termos de preço de CO2, foi proposto 25€ a tonelada,

como um valor em linha com as ambições de transição energética e que é um valor mais alto do que o

apresentado por Carlos Pimenta na sua audição.

Os resultados do cálculo são os apresentados no gráfico seguinte:

Os resultados apontam para um VAL positivo para o SEN e para os consumidores, para a generalidade dos

preços de mercado em 2012. A partir de 65 € por MWh o VAL (benefício) para os consumidores é de cerca de

650 M€. Foi referido que o preço médio de mercado no segundo semestre de 2018 foi de 65 €/Mwh. No

entanto, é claro que a dimensão do ganho (ou até perda) para o consumidor depende do preço de mercado

que se verifique. Com efeito, de acordo com esta metodologia, se o preço for inferior a 50€ a partir de 2021

pode haver perda para o SEN.

A metodologia proposta pelo ex-Secretário de Estado Artur Trindade enferma do mesmo erro já apontado

aos cálculos apresentados por Carlos Pimenta: não identifica o impacto da nova legislação face à anterior,

antes assumindo um cenário contrafactual que não é o do Decreto-Lei n.º 33-A/2005. Por outro lado, incorpora

também no cálculo (mesmo se de forma diferente) os custos de CO2 evitados. Ora, estes custos não são

evitados por efeito deste novo regime remuneratório, mas sim pela simples existência e funcionamento destas

centrais, que é prévia e independente do Decreto-Lei n.º 35/2013.

1.4.7 Cálculo dos possíveis impactos incrementais do Decreto-Lei n.º 35/2013

Para bem determinar os possíveis impactos do Decreto-Lei n.º 35/2013 devem ser utilizados diferentes

cenários de preços médios de mercado. Para cada um desses cenários, cabe identificar:

● o ganho ou sobrecusto para o SEN resultante da aplicação dos floors e do cap previstos do Decreto-Lei

n.º 35/2013, por oposição à tarifa de referência (leilão), deduzido da receita obtida pelo SEN com a

«contribuição voluntária» paga pelos produtores;

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● a cada um dos valores assim determinado deve ser somada uma segunda quantia, obtida face a cada

preço médio de mercado possível. Trata-se dos ganhos adicionais/cessantes pela não aplicação de

uma tarifa fixa determinada por leilão (como previa o 33-A/2005). Para identificar esses ganhos

adicionais/cessantes, cada preço médio de mercado deve ser cruzado com diferentes tarifas fixas que

poderiam ser obtidas em leilões competitivos;

● o efeito adicional do alargamento da cobertura à potência atribuída por concurso (excluída pelo Decreto-

Lei n.º 33-A/2005);

● o aumento da duração dessa cobertura, de 5 para 7 anos (quando aplicável).

A soma destas parcelas determinará o impacto incremental, em termos financeiros, do Decreto-Lei n.º

35/2013 em cada uma das combinações de preço médio de mercado/tarifa obtida em leilão até 2020.

Os parâmetros utilizados nos cálculos deste relatório são os seguintes:

1. A inflação é a verificada até 2018, sendo igual a este último ano para o resto do período considerado.

2. O load factor é extraído da média de produção real ocorrida entre 2013 e 2016 utilizada nos cálculos do

parecer da ERSE.

3. A taxa de desconto utilizada pretende dar a perspetiva do SEN, refletindo assim o custo médio da dívida

tarifária. Utilizou-se o mesmo valor do parecer da ERSE, sendo portanto o da avaliação do custo daquela

dívida referente a 2017.

4. Por simplificação, e sabendo à data que a maioria da potência instalada aderiu à remuneração igual ao

preço de mercado, com limite inferior de 74€/MWh e superior de 98€/MWh, por oposição à opção que apenas

previa o limite inferior de 60€/MWh, os cálculos foram efetuados com referência à primeira opção.

5. Por simplificação, no que se refere aos PRE eólicos resultantes de concursos públicos, foi assumido que

em média a operação se iniciou em 2010, aplicando-se o novo regime no período 2025 a 2032.

Quanto aos valores de uma tarifa de referência determinada nos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005

(leilão), foi utilizada uma ampla gama de valores:

● o valor do floor do regime principal do Decreto-Lei n.º 35/2013 tal como calculado por Artur Trindade:

67€/MWh;

● a estimativa de Carlos Pimenta na CPIPREPE: 50€/MWh em julho de 2018;

● os valores médios de leilões recentes em diversos países.

País Data Preço

Peru 2016 Q1 34€/MWh

México 2016 Q3 30€/MWh

Alemanha 2018 Q1 47€/MWh

Espanha 2017 Q2 43€/MWh

Os potenciais efeitos incrementais do Decreto-Lei n.º 35/2013 são apresentados no quadro abaixo para um

conjunto de preços médios de mercado e preços de referência. (Folha de cálculo disponível aqui)

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Conclusões

1. Apesar de, no seu parecer prévio, a ERSE se ter pronunciado favoravelmente ao Decreto-Lei n.º

35/2013, a ERSE constatou a existência de ganhos de curto prazo (fruto da contribuição voluntária paga pelos

produtores) mas também de perigo para os consumidores no longo prazo. A averiguação desse perigo ocupou

a CPIPREPE e foi objeto de controvérsia entre diversos intervenientes.

2. O impacto incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013 não pode ser identificado apenas pelo cálculo do

«sobrecusto líquido», isto é, a diferença entre o preço de mercado e a tarifa resultante da aplicação do

floor/cap menos a «contribuição voluntária». Nem tão pouco ignorando que, entre 2013 e 2020, era possível a

realização de novos concursos que viessem a resultar numa tarifa mais baixa do que a atribuída em 2007 ao

consórcio Ventinvest (70€/MWh). De facto, aquele impacto só pode ser calculado integrando a dissipação de

todos os ganhos/perdas potenciais sob o regime anterior.

3. Cruzando todos os preços de mercado (entre 30€ e 95€/MWh) com o valor da tarifa fixa que se poderia

obter num leilão de capacidade eólica a licenciar até 2020, em todos os cenários o SEN sai prejudicado.

Melhor cenário – leilão 67€/MWh (igual ao floor do Decreto-Lei n.º 35/2013), mercado 70€/MWh –, o

impacto incremental para o SEN é de 76 M€ positivos;

Pior cenário – leilão 30 €/MWh, mercado 30€/MWh –, impacto de 1971 M€ negativos;

Cenário com as premissas usadas por Carlos Pimenta na CPIPREPE – leilão 50€/MWh, mercado

65€/MWh5 – impacto de 536 M€ negativos.

4. Na sequência da aprovação do Decreto-Lei n.º 35/2013, registou-se a transação da propriedade, logo

entre 2013 e 2015, de centrais correspondentes a mais de um terço do mercado português:

● Iberwind (13,6% do mercado) – Magnum Capital vende à Cheung Kong Infrastructure Holdings e à

Power Assets Holdings.

● TrustEnergy (9,2% do mercado) – Engie vende 25% à Marubeni.

● Finerge (12,7% do mercado) – Enel vende à australiana First State Investments.

● Generg (8,2% do mercado) – Fundo Novaenergia vende à Total.

Recomendações

1. Para tentar evitar situações de litigância, será procurada uma solução negociada com os produtores

para a revisão deste regime mediante adaptações legislativas para a reposição do equilíbrio económico do

5 Preço de mercado no dia da audição, citado por Carlos Pimenta.

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regime anterior ao Decreto-Lei n.º 35/2013 e para a devolução aos produtores das contribuições voluntárias

pagas até hoje, acrescidas dos juros respetivos;

2. Em caso de recusa à negociação ou na falta de um acordo satisfatório, o governo definirá os termos da

concretização daqueles objetivos;

3. Realização de um concurso em regime de leilão descendente para a atribuição de novas licenças

eólicas. A tarifa feed in resultante desse leilão será paga, nos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005, a todas as

centrais abrangidas por esse quadro legal;

4. Nos casos de centrais entretanto transacionadas, a ERSE deverá determinar uma taxa de rentabilidade

razoável que, havendo casos em que não seja atingida sob o quadro legal reposto, dará origem a um

mecanismo de compensação a pagar pelo SEN.

Capítulo 11

Sobreequipamento

1. Contexto e legislação associada

Sobreequipamento é a instalação de novos aerogeradores em centrais eólicas já existentes, de modo a

aumentar a sua potência instalada.

A possibilidade do sobreequipamento é introduzida pelo Decreto-Lei n.º 225/2007, apresentado como «uma

via de desenvolvimento da energia eólica (…), permitindo minimizar os impactes ambientais e os tempos de

licenciamento e de construção por via da utilização das infraestruturas existentes» justificada com «a

necessidade de minimizar os custos de interesse económico geral».

No entanto, este decreto limita o sobreequipamento a 20% da capacidade de injeção licenciada e define

que a remuneração da potência adicional é feita com tarifa e prazo do regime remuneratório pelo qual o

parque eólico já esteja abrangido.

O Decreto-Lei n.º 51/2010 vem reforçar que o sobreequipamento no sentido de contribuir «para a

concretização do compromisso assumido pelo Governo de assegurar a duplicação da capacidade de produção

de energia eléctrica no horizonte de 2020 eliminando importações, reduzindo a utilização das centrais mais

poluentes e contribuindo para que, em 2020, 60% da produção de energia eléctrica seja feita a partir de fontes

renováveis», passando a obrigar à instalação nos aerogeradores de equipamentos destinados a suportar

cavas de tensão e fornecimento de energia reactiva durante essas cavas para reforçar a segurança da Rede

Elétrica de Serviço Público (RESP). Adicionalmente, isenta a instalação de nova potência da obrigação de

estudos de impacto ambiental adicionais e reduz o processo de licenciamento a uma comunicação prévia.

A remuneração da potência licenciada ao abrigo Decreto-Lei n.º 51/2010 é redefinida «com um desconto de

0,12 % sobre a tarifa aplicável por cada aumento de 1% na capacidade instalada relativamente à potência de

injecção atribuída», vigorando essa tarifa até ao final da feed-in tariff original.

Em 2012, no quadro do acordo proposto pelo governo à APREN e que daria origem ao Decreto-Lei n.º

35/2013, é incluído um ponto relativo à intenção do governo de legislar o sobreequipamento e a energia

adicional:

«A par da aprovação da legislação tendente à concretização da proposta, é intenção do governo proceder

à revisão do regime jurídico aplicável ao sobreequipamento, contemplando, no quadro dessa revisão a

possibilidade de os parques eólicos que apresentam uma potência instalada superior à potência de injeção

autorizada injetarem na rede, sempre que as condições técnicas e de segurança da rede assim o permitam, a

totalidade da energia produzida pela respetiva potência instalada.

O regime de remuneração aplicável à energia gerada pela potência instalada que ultrapassa a potência de

injeção autorizada – a qual, atualmente não é remunerada, nem injetada na rede – será criado e fixado de

acordo com critérios de racionalidade económica, devendo constituir-se um grupo de trabalho para analisar os

aspetos técnicos necessários à operacionalização do regime de remuneração fixado.»

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Assim em 2014, após a criação de um grupo de trabalho com várias entidades (operadores da rede de

transporte e distribuição, CUR, gestor do SEN e APREN), o Decreto-Lei n.º 94/2014 vem alterar a

remuneração do sobreequipamento definindo que a mesma será remunerada a 60 €/MWh, enquanto perdurar

a aplicação do regime bonificado/garantido ao abrigo do qual o parque foi licenciado.

Na altura, a ERSE foi consultada e alertou para o seguinte:

● a energia adicional e a energia do sobreequipamento serem remuneradas ao mesmo preço (60€/MWh):

enquanto a primeira se limita à remuneração do eventual diferencial entre potência injetada na rede e

licenciada pelo parque, a segunda decorre de investimentos feitos, o que justificaria uma tarifa específica:

«Esta situação leva a questionar a pertinência de tratar do mesmo modo situações claramente distintas, se

vistas na perspetiva de um regime de incentivo aos produtores. Em particular, é questionável que a

remuneração necessária para incentivar a injeção de potência adicional (nos casos em que não existem

investimentos adicionais relevantes) seja igual à remuneração atribuída às situações de sobreequipamento,

em que o produtor incorre necessariamente em investimentos em novos aerogeradores. (…) A ERSE

considera que carece de justificação a utilização do mesmo valor para remuneração de situações

potencialmente distintas, nomeadamente no que diz respeito aos investimentos necessários a efetuar pelos

produtores. No caso da energia adicional, podendo esta corresponder a situações nas quais o investimento

adicional exigido ao produtor seja residual ou nulo, a remuneração parece desajustada.»

● a tarifa dos 60 €/MWh não tem uma justificação económica baseada no mercado, o que levaria a um

potencial sobrecusto máximo de 48,5M€, em 2013.

Artur Trindade, na sua audição na CPIPREPE justificou a tarifa de 60€/MWh:

«Previa-se que esse mecanismo do sobreequipamento pudesse facilitar, liberalizar, se quiser, o

investimento em energia eólica, menorizando os custos e facilitando as metas da energia renovável. Os

60€/MWh, não atualizáveis, eram o valor pensado para desbloquear e para dinamizar o sobreequipamento;

para permitir que, de uma forma rápida, se pudesse ter mais investimento em energias renováveis, porque

iriamos precisar deles; (…) Portanto, era fácil, era rápido e tínhamos uma forma de cumprir com os nossos

objetivos e com as novas metas de energias renováveis.»

Ao abrigo deste decreto foram instalados 128 MW de potência em sobreequipamento, de um total de 822

MW elegíveis (Dados ERSE).

No Decreto-Lei n.º 94/2014 fica previsto ainda que a potência licenciada de sobreequipamento em parques

que usufruam do Decreto-Lei n.º 35/2013 possa ser abrangida por esse regime desde que pagas e atualizadas

à nova potência as respetivas contribuições:

«Artigo 11.º

2 – (…) a entidade obrigada à aquisição da energia elétrica produzida em regime especial a nível

continental, procede à determinação do reforço do valor da compensação anual, derivado da autorização para

sobreequipamento, e em consequência das prestações mensais a pagar pelo titular do centro eletroprodutor

cuja adesão ao regime do Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro, se mantenha válida e eficaz.»

Assim, aplica-se à nova potência resultante do sobreequipamento, no fim do prazo da tarifa garantida da

central, o regime remuneratório previsto no Decreto-Lei n.º 35/2013 (na grande maioria dos casos, com um

floor de 68€/MWh).

Em 2015, a Portaria n.º 102/2015 vem regulamentar o novo procedimento para os pedidos de autorização

de injeção de energia adicional e de sobreequipamento previsto do Decreto-Lei n.º 94/2014, dispensando a

instalação de equipamentos individualizados da telecontagem da energia adicional e do sobreequipamento

caso se demonstre que o custo do equipamento de contagem é desproporcional quando comparado com a

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energia faturada (decisão a que ERSE já se tinha oposto no seu parecer ao Decreto-Lei n.º 94/2014).

Adicionalmente, prevê a possibilidade de corte no fornecimento de energia por razões de segurança.

Em 2017, o Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, emite o Despacho n.º 7087/2017, em

que pede à ERSE o cálculo dos impactos tarifários dos pedidos de sobreequipamento pendentes na DGEG,

condicionando assim o seu licenciamento à ausência de «efeitos negativos para o Sistema Elétrico Nacional».

A ERSE define a metodologia de cálculo dos sobrecustos que utilizará para a averiguação dos impactos

tarifários, dando igualmente o exemplo do cálculo para caso de articulação com o Decreto-Lei n.º 35/2013.

Nessa metodologia assume num cenário base que o preço médio nominal do mercado até 2030 seria de 47,5

€/MWh.

Na origem do Despacho n.º 7087/2017 está a preocupação de eventuais sobrecustos devido à

sobreposição dos Decretos-Leis n.os 94/2014 (sobreequipamento) e 35/2013 para os produtores que aderiram

a este último, uma vez que as normas estabelecidas no Decreto-Lei n.º 35/2013 implicam uma remuneração,

aplicável à totalidade da energia produzida, que incide igualmente sobre a energia proveniente do

sobreequipamento, garantindo assim não os 60 €/MWh mas sim, uma remuneração entre os 68 e 90 €/MWh,

até ao final do prazo da tarifa garantida (mais 5 ou 7 anos mediante o regime a que o produtor aderiu). Esta

sobreposição leva a que os custos com a medida do sobreequipamento resultante do acordo celebrado entre a

APREN e o governo em 2012 sejam superiores aos resultantes da simples aplicação da tarifa de 60€/MWh.

Já em 2019, o Secretário de Estado da Energia, João Galamba, pela Portaria n.º 43/2019, cria um regime

opcional destinado aos produtores com pedidos de sobreequipamento pendentes na DGEG. Esse regime

reduz a tarifa garantida ao sobreequipamento para 45€/MWh, dispensando o parecer da ERSE sobre o

licenciamento, considerando que este preço seria abaixo do cenário plausível da ERSE para a evolução do

mercado (47,5 €/MWh), e por isso não suscetível de inferir efeitos negativos no SEN. Esta tarifa de

sobreequipamento é garantida por 15 anos e não admite a posterior transição para o regime remuneratórios

previstos no Decreto-Lei n.º 35/2013.

Na CPIPREPE, o Secretário de Estado João Galamba justificou esta medida:

«O parecer da ERSE é dispensado porque o parecer da ERSE assenta num seu próprio pressuposto de

que tarifas acima de 47,5€ geram um sobrecusto e, portanto, tarifas abaixo de 47,5 € não geram um

sobrecusto e nós pusemos uma tarifa de 45€/MWh, (…) em linha com o LCOE da energia eólica (…) e,

portanto, de acordo com os argumentos da própria ERSE, um sobreequipamento a 45 €/MWh (…) gera um

sobreganho. (…) A tarifa de 45€/MWh não pode ser separada do facto de haver um decreto-lei que dá um

direito de produzir a 60€/MWh. (…) Portanto, [trata-se de] com os 60€/MWh do decreto-lei e os 74€/MWh que

estavam implicados nesse decreto-lei, (…) sem alterar o decreto-lei, permitir que, por uma opção livre dos

promotores, eles optem por uma tarifa significativamente mais baixa. (…) Todos os projetos que têm aceitado

os 45/MWh acabam com a litigância que tinham com o Estado, retirando os processos que tinham posto em

tribunal.»

2. Custos para o SEN

Sobre a articulação dos Decretos-Leis n.os 35/2013 e 94/2014 e os respetivos custos para o sistema, o SEE

João Galamba, ouvido na CPIPREPE, afirmou:

«(…) havia um decreto-lei publicado em 2014, que definia que os pedidos de sobreequipamento teriam

direito a uma tarifa de 60 €, mas esse decreto-lei articulava-se com o Decreto-Lei n.º 35/2013 e, na realidade,

as tarifas subiriam posteriormente acima dos 70 €. Esse processo estava bloqueado porque no procedimento

administrativo que operacionalizava este Decreto-Lei havia lugar à emissão de um parecer por parte da ERSE,

um parecer obrigatório, em que se a ERSE concluísse que aquele pedido de sobreequipamento onerava os

consumidores e representava um custo para o sistema elétrico nacional, não seriam autorizados. Nesta

medida, todos os que foram apresentados foram indeferidos, porque todos apresentavam custos para o

sistema elétrico nacional.»

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Em 2017, a ERSE quantificou os impactos potenciais do sobrecusto na tarifa entre 101 e 332M€, com

máximo de 47M€ anuais em 2027. O sobrecusto só deixaria de existir em 2038, com o fim da remuneração

garantida de todos os produtores ao abrigo do Decreto-Lei n.º 35/2013.

Contudo, a APREN, na voz do seu presidente António Sá da Costa, quando ouvido na comissão, recusa

esta metodologia, dizendo que é enviesada de modo a apresentar elevados sobrecustos.

Conclusões

1. O Decreto-Lei n.º 94/2014, ao admitir a integração da potência de sobreequipamento nos regimes

remuneratórios do Decreto-Lei n.º 35/2013, veio alargar o prazo da tarifa garantida a esta potência. Aos prazos

anteriores da FIT do sobreequipamento (o remanescente do período de 15 anos definido em 2005) foram

adicionados 5 a 7 anos adicionais em patamares relativamente elevados.

2. A adesão dos produtores ao regime opcional criado em 2019 e que impõe uma remuneração de

45€/MWh por 15 anos, eliminando a possibilidade de trânsito para o regime cap/floors estabelecido no

Decreto-Lei n.º 35/2013, demonstra que as opções de 2014 favoreciam os produtores de forma desadequada.

Capítulo 12

Dupla subsidiação a produtores em Regime Especial

Contextoe legislação associada

No trabalho de «Análise aos incentivos às renováveis com apoio comunitário» realizado pela DGEG, sob a

tutela do Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, verificou-se a existência de centros electroprodutores

que beneficiam ou beneficiaram cumulativamente de tarifa garantida e de apoios públicos à promoção e ao

desenvolvimento das energias renováveis. Face aos factos e perante indícios fortes de motivo para devolução

ao SEN de valores muito elevados, o Secretário de Estado determinou em 22 de agosto de 2016 a apreciação

do problema e a averiguação da possibilidade da consideração destes valores na fixação de tarifas para 2017

pela ERSE.

O Secretário de Estado determinou, através da Portaria n.º 268-B/2016 que «na previsão dos custos

estimados pela aquisição pelo CUR do SEN da energia elétrica produzida em PRE, que beneficia de

remuneração garantida, devem ser deduzidos os valores recebidos pelos centros electroprodutores que

beneficiaram cumulativamente de apoios à promoção e ao desenvolvimento das energias renováveis através

de outros apoios públicos.»

Posteriormente, a Lei do OE para 2018 veio consolidar e ordenar a verificação da dupla subsidiação e a

dedução dos apoios excessivos. Pela Portaria n.º 69/2017 o governo determinou o mecanismo de dedução

e/ou reposição da acumulação indevida.

Tratando-se de um processo de elevada complexidade e no quadro das debilidades de recursos dos

serviços envolvidos, verificaram-se significativos atrasos na identificação dos centros electroprodutores e dos

valores recebidos em excesso por cada um deles, o que levou mesmo o Secretário de Estado da Energia a

solicitar à Inspeção Geral de Finanças do apoio técnico especializado necessário à realização daquelas

operações. O valor apurado pela IGF, no seu Relatório «Dupla Subsidiação aos produtores de eletricidade em

regime especial» foi de cerca de 300 milhões de euros.

Por efeito daquele atraso, o montante de 140 milhões, deduzido à tarifa de 2018, assume hoje a natureza

de uma imparidade não registada no SEN.

O Secretário de Estado da Energia, João Galamba, disse na CPIPREPE o seguinte:

«Sobre esse tema foi pedida uma auditoria à IGF [Inspeção-Geral de Finanças], que completou o relatório

preliminar e enviou-o para a DGEG para contraditório, o que aconteceu. Neste momento, o relatório ainda não

me foi enviado, portanto, não sei se já foi concluído ou não o relatório final por parte da IGF, mas esse relatório

ainda não me foi enviado».

(João Galamba)

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Sobre o mesmo assunto, o ministro do Ambiente e da Transição Energética, Matos Fernandes, afirmou o

seguinte:

«No que diz respeito às decisões tomadas sobre o duplo apoio e à forma como a sugestão da ERSE se

refletiu nas próprias tarifas, não há novidade nenhuma. Isto é, aquilo que foi feito, à altura, com a informação

que a ERSE tinha, é aquilo que não pode deixar de ser feito agora. A nossa questão é a de avaliar, na prática:

se esses 140 milhões existem mesmo; e, porque estamos a falar de um processo já muito pretérito, se ainda

estamos em tempo de, objetivamente, os podermos trazer para dentro do sistema e, dessa forma, continuar o

abaixamento das tarifas também por via da incorporação desta receita. Foi isso que solicitámos à Inspeção-

Geral de Finanças e aguardamos que nos seja enviado o seu parecer para percebermos se, de facto, e repito

o que já disse, esses 140 milhões de euros existem mesmo para os podermos manter — e oxalá assim seja!

— onde eles estão, que é a contribuir para a redução na tarifa da eletricidade.»

(audição Matos Fernandes)

Conclusão

Está por aplicar a determinação aprovada em lei de Orçamento do Estado quanto a esta matéria.

Recomendação

O Governo deve tomar as medidas necessárias ao integral cumprimento dos dispositivos legais inscritos no

artigo 171.º da Lei n.º 42/2016 e da Portaria n.º 69/2017.

Capítulo 13

O papel dos consultores da Boston Consulting Group na liberalização do mercado elétrico em

Portugal

Na vigência dos Governos PSD/CDS (2002-2005), a tutela governativa da energia esteve assessorada por

dois especialistas requisitados à Boston Consulting Group (BCG), Ricardo Ferreira e João Conceição,

respetivamente nos gabinetes dos ministros Carlos Tavares e Álvaro Barreto e do secretário de Estado

Franquelim Alves (desde junho de 2003 a junho de 2004), respetivamente.

Em 2003, Pedro Rezende, quadro da BCG desde 1990 e vice-presidente da filial portuguesa, transita para

o conselho de administração da EDP, integrado na equipa presidida por João Talone. Em 2004, já no final do

processo preparatório do Decreto-Lei n.º 240/2004, um outro quadro da mesma consultora, Miguel Barreto, é

requisitado para o cargo de diretor-geral de Energia e Geologia.

Na altura, a centralidade desta consultora no setor foi notada, inclusivé pela imprensa. A 9 de junho de

2004, à chegada de Miguel Barreto à DGEG, o jornal Público e a TVI noticiam que a «Boston Consulting

Group reforça influência no Ministério da Economia»:

«Miguel Barreto Antunes, 28 anos, substituiu recentemente Jorge Borrego no cargo, no âmbito de uma

reestruturação que envolve a fusão entre as anteriores direcções-gerais de Energia e Geologia e Minas. Os

últimos dois grandes projectos profissionais de Miguel Barreto Antunes, enquanto consultor da BCG, foram de

apoio à EDP no processo de reestruturação do sector e na negociação do Plano Nacional de Alocação de

Licenças de Emissões de CO2. Esta contratação vem reforçar o «peso» que a consultora tem ganho na área

energética, junto do Governo e das principais entidades do sector, uma presença que é justificada por ser a

área em que tem ganho competências. No último ano, a BCG foi solicitada para vários trabalhos de consultoria

para o Ministério de Economia, EDP e Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), além de outras

empresas.»

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Ricardo Ferreira coordenou a preparação do processo legislativo dos CMEC, redigiu respostas oficiais do

ministro Tavares, acompanhou-o a reuniões em Bruxelas, inclusivé com o Comissário europeu da

Concorrência, Mario Monti, no âmbito da preparação da aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 pela

Comissão. E foi Ricardo Ferreira quem recomendou ao secretário de Estado Franquelim Alves a assessoria do

seu antigo colega da BCG, João Conceição.

Enquanto estes quadros requisitados exerciam funções nos gabinetes do Estado, a Boston Consulting

Group continuou, de 2002 a 2005, a prestar assessoria à EDP na preparação para a entrada em

funcionamento do MIBEL.

No final do curto mandato do governo Santana Lopes, Ricardo Ferreira transita diretamente para o cargo

de diretor-geral do Departamento de Regulação e Concorrência da EDP, onde permanece até hoje.

Ao contrário de Ricardo Ferreira, que transita do gabinete de Carlos Tavares para o de Álvaro Barreto,

João Conceição não se mantém no gabinete sob o governo Santana Lopes, regressando aos quadros da

Boston Consulting Group, onde permanece até agosto de 2008.

No seu curriculum vitae, João Conceição resume aquele ano de trabalho no Ministério:

«Co-liderou equipa governamental nas negociações com as Autoridades Espanholas para definição do

novo Mercado Eléctrico Ibérico (MIBEL) – volume de negócio estimado superior a €5000M/ano; Superintendeu

equipa responsável pela gestão do processo legislativo de liberalização do Mercado Eléctrico em Portugal

(incluindo aprovação da Comissão Europeia sobre as compensações prestadas); Delineou acções de

coordenação junto do Min. do Ambiente e co-orientou a transposição da Directiva Europeia do Mercado de

Emissões e a implementação da Política Nacional sobre Energias Renováveis; Coordenou a preparação de

diplomas legais no ramo da Energia (Petróleo, GN e Electricidade)».

(Currículo disponibilizado no site da REN em 2010)

De regresso à BCG, João Conceição permanece na área da Energia da consultora e, em finais de 2006,

quando o governo de José Sócrates decide concretizar a cessação dos CAE e sua substituição pelos CMEC,

vai liderar a equipa da consultora ao serviço da EDP na preparação de propostas para a nova legislação do

MIBEL.

De acordo com peças do processo judicial citadas pela imprensa, entre novembro e dezembro de 2006, o

consultor João Conceição terá enviado aos responsáveis da EDP várias versões confidenciais de diplomas em

preparação nos ministérios da Economia e do Ambiente, tendo articulado com os advogados da EDP

(escritório MLGTS) alterações àqueles textos.

Em abril de 2007, João Conceição estabelece-se no Ministério da Economia, como assessor do ministro

Manuel Pinho. No currículo que entregou à REN, o seu vínculo à BCG termina aí, mas a verdade é que

Conceição permaneceu nos quadros da consultora e foi remunerado por ela, até agosto de 2008.

Não foram encontrados nos arquivos da BCG e do governo quaisquer registos de vínculo contratual entre a

consultora e o Ministério da Economia. Em contrapartida, a CPIPREPE obteve da EDP um conjunto de

documentos que comprovam o pagamento à BCG de 296 mil euros, a título de remuneração da consultoria

coordenada por João Conceição desde janeiro de 2007 – sobre «o futuro modelo de funcionamento do

MIBEL». Na última das três fases do projeto, estava prevista a apresentação de propostas da EDP ao

Ministério da Economia e à Direção Geral de Energia.

Questionado na CPIPREPE sobre quem pagou à Boston Consulting o trabalho de João Conceição no

Ministério da Economia, o administrador da EDP, João Manso Neto respondeu apenas: «Não faço a mínima

ideia». António Mexia, presidente executivo da empresa, afirmou que, «João Conceição deixou de integrar a

equipa da BCG [que apoiava a EDP] assim que assumiu funções no Ministério e foi substituído por outro

sócio».

João Conceição só interrompe de facto o seu vínculo à BCG em agosto de 2008. No entanto, permanece

como assessor de Manuel Pinho até abril de 2009, sempre sem qualquer contrato com o Ministério. Nesse

período, é quadro do banco Millennium BCP, acionista da EDP. Mas o banco opta por manter este quadro a

tempo inteiro no gabinete do ministro da Economia.

Esta contratação pelo Millennium BCP ocorre um mês depois de João Conceição enviar um e-mail a

António Mexia e a João Manso Neto – «conforme pedido» por estes – apresentando as suas qualificações

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profissionais e condições de remuneração — 140 mil euros por ano, mais seguros de saúde e vida, e um

bónus até 50%. Correspondência enviada pelo Ministério Público à CPIPREPE comprova que João Manso

Neto escreveu a António Mexia dizendo que «nesta fase no BCP teriam de lhe pagar 10 000 euros/mês (14

meses) e os seguros de vida e saúde. O resto seria regularizado depois na solução definitiva».

Em abril de 2009, a convite dos acionistas privados da REN, João Conceição torna-se administrador da

empresa em regime de substituição (ao mesmo tempo e de igual modo, outro assessor de Manuel Pinho, Rui

Cartaxo, cujo papel no processo de avaliação da extensão da utilização do domínio hídrico foi detalhado no

capítulo 2, torna-se chief financial officer da REN, passando a CEO em novembro de 2009).

Em resumo, entre abril de 2007 e abril de 2009, João Conceição assessorou Manuel Pinho, com e-mail

oficial e funções permanentes no Ministério da Economia, assim descritas pelo próprio João Conceição no seu

currículo:

«Liderou a implementação do novo modelo do Mercado Ibérico de Electricidade e do processo cessação

antecipada dos CAE (>€ 3300 M); coordenou a definição e implementação da Política Energética Nacional na

vertente das renováveis, em particular na elaboração do Plano Nacional de Barragens e na diversificação em

novas áreas (ex. solar); co-liderou a Equipa responsável pela gestão da Presidência Portuguesa da União

Europeia no sector da Energia, em especial na elaboração e apresentação da Visão de longo prazo para as

Tecnologias Energéticas; conduziu a promoção e monitorização do Plano de Investimentos no sector da

Energia (>€ 15 B até 2015); Coordenou as intervenções do Gabinete do Ministro em temas do sector da

Energia».

Conclusões

1. Uma equipa de quadros altamente qualificados e com experiência partilhada numa consultora que

apoiava em permanência a EDP migrou em 2002-2004 para posições de importância crítica no momento da

elaboração do novo quadro legal do setor elétrico:

● na preparação de legislação, negociação com as partes interessadas e com as instituições europeias,

no aconselhamento de responsáveis de governo (assessores Ricardo Ferreira e João Conceição);

● na liderança do órgão administrativo que tutela a Energia, a DGEG (Miguel Barreto);

● no Conselho de Administração da EDP (Pedro Rezende).

2. Esta circunstância era do conhecimento público e, portanto, também dos membros do governo que a

proporcionaram, em particular, Carlos Tavares e Franquelim Alves, ministro da Economia e secretário de

Estado com a tutela da Energia no Governo PSD/CDS.

3. O trânsito de Ricardo Ferreira do gabinete do ministro Carlos Tavares para um lugar de direção na EDP

foi abordado na CPIPREPE como um exemplo da «porta giratória» entre lugares de grande influência/decisão

política sobre determinado setor e cargos de responsabilidade em grandes empresas desse mesmo setor.

4. O caso de Rui Cartaxo, assessor de Manuel Pinho no governo PS e que ocupará lugares de topo na

REN, apresenta características semelhantes.

5. Miguel Barreto, Diretor-Geral de Energia nomeado pelo Governo PSD/CDS e que, já sob o governo PS

e por inerência ao cargo de diretor-geral de Energia, presidiu à Agência para a Energia (ADENE), centralizou,

entre 2006 e 2009, a preparação do sistema nacional de certificação energética. Saiu da DGEG em 2008 e

fundou, em sociedade com o grupo Martifer, uma empresa de certificação energética, a Home Energy, em que

deteve uma quota de 40%. A empresa foi vendida em 2010 à EDP por 3,4 milhões de euros.

Na sua audição, Miguel Barreto respondeu que foi obrigado pela Martifer a também vender a sua quota à

EDP:

A empresa era maioritariamente do Grupo Martifer e nós tínhamos um parassocial. Normalmente, quando

se cria uma empresa, faz-se um parassocial e existe uma série de cláusulas, e havia uma cláusula que se

chama drag along. O que é que quer dizer uma cláusula drag along? Quer dizer que se o Grupo Martifer, como

maioritário, quisesse vender, tinha o direito de me levar com ele, tinha o direito de me obrigar a vender a

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II SÉRIE-B — NÚMERO 50

122

minha posição. De qualquer maneira, a decisão de vender a Home Energy foi do Grupo Martifer. E gostava

também de dizer aqui que a Home Energy foi depois vendida — como perguntou, clarifico — ao Grupo EDP,

mas gostava de deixar clara esta ideia: nunca recebi nenhuma vantagem do Grupo EDP pela venda da Home

Energy.

No entanto, no aludido acordo parassocial, a que a CPIPREPE teve acesso, não se encontra a cláusula

referida por Miguel Barreto, pelo que a decisão de venda sido uma opção própria do acionista.

6. O caso de João Conceição tem contornos especialmente graves, como resulta das várias funções

incompatíveis que, em simultâneo ou interpoladamente, desempenhou e da entrega à REN de um curriculum

vitae que omite a sobreposição da presença nos quadros da BCG com a assessoria no Ministério da

Economia, bem como a passagem pelo Millennium BCP também nesse período. A omissão destas

informações revela a consciência da situação de incompatibilidade em que João Conceição se encontrou ao

longo dos dois anos em que desempenhou funções de assessor do ministro Manuel Pinho.

7. Esta incompatibilidade não podia ser do desconhecimento de João Manso Neto e António Mexia,

porquanto a EDP participou em reuniões regulares (na preparação dos contratos de concessão do domínio

hídrico, por exemplo) em que a representação do Ministério da Economia estava a cargo de João Conceição,

então remunerado pelo Millennium BCP, no contexto já apresentado.

8. Tanto no caso de Rui Cartaxo (ver capítulo 2) como no caso de João Conceição, estão identificadas, no

âmbito do processo judicial que corre termos, comunicações com responsáveis da EDP que demonstram que,

na relação entre quadros do Ministério e responsáveis da empresa, além do fluxo permanente de informação,

ocorreu uma deslocação da preparação do processo legislativo, do seu ritmo e do seu conteúdo, para o

incumbente privado.

Capítulo 14

Manuel Pinho e o protocolo da EDP com a Universidade de Columbia

A CPIPREPE procurou obter esclarecimentos, em particular junto de Manuel Pinho, António Mexia e João

Manso Neto, acerca da natureza do convite recebido pelo ex-Ministro da Economia para lecionar na School of

International and Public Affairs, Universidade de Columbia, no âmbito de uma cátedra sobre energia

renováveis criada por proposta e com patrocínio da EDP.

Num artigo no jornal Público em 2017, Manuel Pinho escreveu que «a ideia surgiu apenas em setembro de

2009 num jantar em casa do Professor Joe Stiglitz».

Em correspondência disponibilizada à CPIPREPE pela Procuradoria Geral da República, verifica-se que tal

jantar ocorreu antes de julho de 2009, quando Manuel Pinho ainda era ministro da Economia. Com efeito, a 23

de julho, apenas duas semanas depois da demissão do ministro, a sua esposa escreve a Anya Stiglitz (esposa

de Joseph Stiglitz, e também professora daquela universidade) considerando oportuno «planear algo

relacionado com a Universidade de Columbia». Uma semana depois, a 29 de setembro, Manuel Pinho escreve

a Anya Stiglitz afirmando que a Horizon (subsidiária norte-americana da EDP) estaria preparada para fazer um

donativo de 300 mil dólares/ano ao longo de cinco anos «desde que eu esteja envolvido no desenvolvimento

de um programa relacionado com energia».

António Mexia estava ao corrente das diligências de Manuel Pinho. Em audição na CPIPREPE, o

presidente da EDP admitiu a sondagem do ex-ministro quanto ao patrocínio da EDP, de onde terão resultado

os 300 mil euros/ano ao longo de cinco anos que Pinho transmitiu a Anya Stiglitz ainda em julho. Afirma Mexia:

«A única coisa de que me recordo é que, nesta procura de uma universidade, o Dr. Manuel Pinho terá

partilhado comigo, tranquilo: ‘E se houver alguma universidade como a de Columbia?’ E eu disse: ‘Não tenho

problema nenhum, a minha relação é com a Universidade de Columbia’. (…) ‘É natural que eu tenha referido,

inclusive ao Dr. Manuel Pinho, quais eram tipicamente os montantes que poderiam ser objeto de acordos ’».

Na CPIPREPE, o administrador da EDP João Manso Neto insistiu que «a Universidade pediu à EDP um

patrocínio». Porém, resulta claro da consulta de documentação emergente no processo judicial que o primeiro

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5 DE JUNHO DE 2019

123

contacto entre a EDP e a Universidade é da iniciativa da primeira: a 1 de novembro de 2009, Manuel Pinho

escreve ao reitor de Columbia que António Mexia lhe enviaria uma solicitação pessoal para um encontro na

última semana do mês. O presidente da EDP confirma que a iniciativa parte da empresa:

«Quisemos que houvesse uma universidade, não contratando, ao contrário do que fizemos com Berkeley,

em que contratámos diretamente um professor, que pudesse fazer pedagogia, defesa e debate à volta do que

era um recurso enorme nos Estados Unidos».

A 20 de novembro, realiza-se o encontro agenciado por Manuel Pinho e fica comprometido entre Mexia e o

reitor de Columbia o pagamento de um patrocínio pela Horizon de 300 mil dólares/ano durante quatro anos e

que Manuel Pinho será um dos professores visitantes convidado.

Nos seus primeiros contactos com Columbia, Manuel Pinho prontificara-se a ocupar um lugar não

remunerado e informa que se prepara para assumir um cargo não-executivo na administração da Horizon. Na

CPIPREPE, António Mexia nega a existência de tal hipótese. O facto é que, na versão assinada do protocolo,

está prevista a remuneração do lugar que, durante um ano, veio a ser ocupado por Manuel Pinho no âmbito

deste programa.

Conclusão relativa aos capítulos 14 e 15

Ao longo dos trabalhos da CPIPREPE foram apurados factos sobre a atuação de Manuel Pinho e João

Conceição, arguidos no âmbito da investigação judicial decorrente da “Operação Ciclone”, que se somaram à

informação extraída do processo judicial em curso e remetida à CPIPREPE pela Procuradoria Geral da

República. Esses novos factos apurados pela CPIPREPE foram comunicados à PGR e constam deste

relatório, reforçando e em nenhum caso contrariando indícios que levaram à abertura do referido processo de

investigação.

Parte III

Conclusões finais

1. A legislação de 1995 previa a celebração de contratos de aquisição de energia (CAE) entre o então

Sistema Elétrico Público e a EDP (então CPPE). Em 1996, o desenho desses contratos define taxas de

remuneração e condições contratuais para as centrais EDP (estatais e já construídas, 8,5%) inferiores às

definidas para o investimento (privado e externo, 10%) nas novas centrais térmicas do Pego e da Tapada do

Outeiro. A opção política pela atribuição à EDP desta renda por 20 anos teve em vista o cumprimento das

diretivas europeias que impunham o início da liberalização do mercado e o robustecimento financeiro da

empresa e a oferta de garantias de rentabilidade futura que dinamizassem o processo da sua privatização.

2. A legislação europeia da liberalização do mercado de eletricidade veio impor a cessação dos CAE.

Essa imposição externa originou a criação do mecanismo CMEC, que governou a transição para o mercado

ibérico. Registe-se que essa aparente imposição obrigatória da passagem dos CAE a CMEC não se verificou

para as centrais térmicas do Pego e da Tapada do Outeiro. O Estado português, na dupla condição de

legislador e de acionista de controlo da EDP, promoveu este mecanismo com o objetivo anunciado de manter

o equilíbrio contratual resultante das regras e remuneração dos CAE. Subjaz ao Decreto-Lei n.º 240/2004 uma

autorização legislativa da Assembleia da República aprovada pela maioria parlamentar que na altura

suportava o governo.

3. A autorização pela Comissão Europeia do regime previsto no Decreto-Lei n.º 240/2004 foi contestada

nesta CPI, contudo a comissão europeia reiterou a sua metodologia em períodos temporais posteriores.

4. A manutenção do equilíbrio contratual dos CAE não foi respeitada em diversos pontos da nova

legislação, tal como a ERSE indicou no seu parecer prévio ao Decreto-Lei n.º 240/2004, que define as

condições da cessação dos CAE e a criação de medidas compensatórias. No âmbito do cálculo da

revisibilidade final dos CMEC, a ERSE contabilizou alguns desses elementos de vantagem, perfazendo um

valor de 510 milhões de euros de rendas excessivas a corrigir. Deste montante, são recuperáveis sob o atual

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II SÉRIE-B — NÚMERO 50

124

enquadramento legislativo e contratual, 285M€ relativos à não realização de testes de verificação de

disponibilidade. Àquele montante acresce, como valor recuperável, os 140 M€ de dano ao SEN entre 2009 e

2014 no mercado de serviço de sistemas, bem como 102 M€ (até 2027) por efeito da revisão da taxa de juro

dos CMEC no cálculo do ajustamento final.

5. A Tejo Energia, nos termos do CAE, terá de negociar o quadro económico de uma eventual extensão

da operação da central do Pego para além do prazo do contrato (2021). No entanto, no caso da central de

Sines, o Decreto-Lei n.º 240/2004 possibilitou a prorrogação da sua operação para além do prazo do CAE

(2017) sem prever qualquer forma de compensação ao SEN. No cenário base usado pela ERSE, a

prorrogação da central de Sines por oito anos (até 2025) sem correspondência económica no SEN, ainda que

legalmente enquadrada, é geradora de uma vantagem para a EDP de 951 milhões de euros.

6. A remuneração da REN pela detenção de terrenos do domínio público cria uma rentabilidade de ativos

estatais para valorizar a empresa no contexto da sua privatização e, mais tarde, da sua natureza 100%

privada. Desde 2006, as rendas pagas à REN por terrenos do domínio público somaram custos tarifários de

330 milhões de euros, dos quais 80 milhões correspondem a remuneração que a ERSE sempre contestou.

7. Os acionistas da REN (Estado e acionistas privados) beneficiaram em 2007 de uma extensão gratuita

do prazo de concessão da RNT, por sete anos adicionais e sem qualquer contrapartida conhecida, em

vésperas da privatização parcial da empresa naquele ano. O valor económico deste benefício não está

determinado, podendo, no caso do Estado, ter-se refletido na receita da subsequente privatização e sendo, no

caso da EDP, acumulado como mais-valia.

8. A produção eólica, muito preponderante no contexto da produção renovável em Portugal, regista no

nosso país uma rentabilidade mais elevada do que em países comparáveis. Os fatores explicativos dessa

elevada rentabilidade são a) a manutenção de níveis de remuneração próprios de investimento em fase

precoce do amadurecimento das respetivas tecnologias, fruto da opção por uma abertura pioneira à transição

para as energias limpas, com múltiplos benefícios para o país; b) a existência de ganhos de eficiência

tecnológica obtidos pela demora entre o momento da definição da remuneração garantida e a construção das

centrais. A quantificação desse excesso de rentabilidade do setor (ou de determinados segmentos do setor)

face aos níveis de outros países não pôde ser quantificado rigorosamente pela CPIPREPE.

9. A EDP, enquanto Comercializador de Último Recurso, é a entidade financiadora da dívida tarifária.

Nesse sentido, a partir de 2011, legislou-se no sentido de refletir o custo de financiamento da EDP na taxa de

juro da dívida tarifária, sem todavia salvaguardar a possibilidade de intervenção da tutela em decisões de

gestão desta dívida regulada. Assim, o SEN acompanhou o custo de financiamento da EDP nos momentos de

maior adversidade nos mercados financeiros sem que, perante uma evolução positiva dos mercados,

assegurasse para si parte dos proveitos da titularização dessa dívida. A pertinência dessa partilha de ganhos

foi contrariada na CPIPREPE por dois titulares da pasta da Energia, Artur Trindade e João Galamba. As mais-

valias geradas nas operações de titularização decididas pela EDP foram integralmente absorvidas pela

empresa, gerando 198 milhões de euros de lucros entre 2008 e 2017.

10. O mecanismo de garantia de potência foi concebido no contexto da instalação do MIBEL,

compatibilizando os sistemas elétricos português e espanhol. Foi criado no quadro de uma estratégia que

incluiu a instituição, em simultâneo, da tarifa social. A garantia de potência não correspondeu, no momento da

sua criação e até hoje, a um diagnóstico técnico de necessidade de maior segurança de abastecimento. Das

suas duas componentes, o incentivo à disponibilidade (101 milhões de euros entre 2010 e 2018) foi objeto de

recente suspensão; o incentivo ao investimento (52 milhões de euros entre 2010 e 2018) mantém-se em

pagamento.

11. O serviço de interruptibilidade remunera unidades industriais consumidoras de eletricidade em alta e

muito alta tensão pela sua disponibilidade para responder prontamente a necessidades do sistema,

interrompendo o seu consumo. Desde 2010, ano em que foi incrementado, o sistema nunca foi usado e só

recentemente foram implementados os testes à prontidão previstos, o que levou à eliminação de um conjunto

de prestadores. Desde 2010, a remuneração do serviço de interruptibilidade custou aos consumidores 727

milhões de euros.

12. Na aplicação do Memorando de Entendimento, a partir de 2011, o governo priorizou a privatização da

EDP em relação à aplicação das medidas corretivas das rendas excessivas igualmente impostas no

Memorando. Até 2020, projetando a partir do executado até 2017 (contabilizada pela ERSE), essas medidas

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5 DE JUNHO DE 2019

125

saldar-se-ão em 2048 milhões de euros positivos para o SEN (dois terços do previsto pelo governo), dos quais

718 milhões são impacto negativo na EDP (40% do previsto).

13. Em 2013, foram identificados pela ERSE indícios da prática de manipulação de mercado na atuação

da EDP na prestação de serviços de sistema. Esses indícios deram origem a procedimentos de auditoria que

identificaram ganhos abusivos da EDP (a devolver nas tarifas) no montante de 72,9 milhões de euros,

quantificados pela ERSE e pela DGEG. Ainda neste âmbito, a Autoridade da Concorrência abriu um processo

que culminou na emissão, em novembro de 2018, de uma nota de ilicitude que a EDP já contestou. Na

CPIPREPE, a presidente da AdC quantificou o prejuízo para o SEN em 140 milhões de euros.

14. Em 2013, o governo propôs aos produtores eólicos a adesão a um sistema de remuneração

alternativo para o período posterior à vigência das tarifas feed-in atualmente em pagamento. A lei aprovada

em 2005 previa cinco anos adicionais de remuneração à tarifa da última central licenciada. O novo regime

aprovado em 2013 vem garantir uma remuneração que acompanhará o mercado dentro de uma banda entre

os 68€ e os 90€/MWh e por dois anos adicionais. Aderindo a este regime, os produtores aceitaram pagar ao

SEN uma «contribuição voluntária» (que totalizará 200M€ pagos entre 2013 e 2021). A ERSE em 2013

pronunciou-se favoravelmente e em 2017 registou ganhos para o SEN no curto prazo (encaixe da contribuição

voluntária paga pelos produtores) e perigos no longo prazo. A comparação entre o regime de 2005 e o de

2013 demonstra a grande probabilidade de futuras perdas para o SEN, que atingem centenas de milhões de

euros em diversos cenários plausíveis.

15. Ao longo dos trabalhos da CPIPREPE foram apurados factos sobre a atuação de Manuel Pinho e João

Conceição, arguidos no âmbito da investigação judicial decorrente da «Operação Ciclone», que se somaram à

informação extraída do processo judicial em curso e remetida à CPIPREPE pela Procuradoria-Geral da

República. Esses novos factos apurados pela CPIPREPE foram comunicados à PGR e constam deste

relatório, reforçando e em nenhum caso contrariando indícios que levaram à abertura do referido processo de

investigação.

16. As obrigações da ERSE devem ser formalizadas quanto obrigação de pontualmente publicar online e

de modo acessível todos os estudos e relatórios da ERSE, bem como as atas do seu Conselho de

Administração.

Recomendações

Capítulo 1

1. Tal como indicado pela ERSE no cálculo do ajustamento final dos CMEC, os elementos que pervertem o

objetivo legal da manutenção do equilíbrio contratual devem continuar a ser corrigidos;

2. A sobrerremuneração constituída na atribuição dos CAE à EDP e mantida pelos CMEC deve ser revista

para o período remanescente deste regime;

Capítulo 2

1. O governo, tal como já fez em relação a Sines, deve solicitar à ERSE uma avaliação do valor económico

da prorrogação do funcionamento da Central do Pego;

2. Em ambos os casos, devem ser propostas negociações aos produtores para a definição das

compensações a pagar ao SEN por estas prorrogações;

3. Não havendo disponibilidade negocial ou acordo satisfatório, as soluções legislativas a encontrar devem

incluir:

a) a adequação do valor da renda paga pela cessão onerosa dos terrenos da central à recuperação

integral do valor económico da extensão (cláusula terceira, número dois, do contrato de direito de superfície:

«o preço será atualizado de acordo com as disposições legais em cada momento aplicáveis»);

b) A antecipação da cobrança integral do ISP as estas centrais e, complementarmente, de um adicional ao

ISP para os níveis de emissões destas centrais, a vigorar até à integral recuperação dos valores

correspondentes à prorrogação da operação das centrais de Sines e do Pego;

Página 126

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126

4 Quanto à recuperação pelo SEN, no momento do descomissionamento, do valor real de mercado dos

equipamentos ambientais do Pego e de Sines, pagos pelos consumidores:

a) Legislar no sentido da proposta da ERSE em 2007.

5 Os valores assim recuperados devem aplicar-se na eliminação do défice tarifário.

Capítulo 3

1. Eliminação da remuneração do ativo líquido dos terrenos estabelecida pela Portaria n.º 301-A/2013.

2. Apurar o valor económico da extensão gratuita do prazo de concessão da REN.

Capítulo 4

1. Solicitar à ERSE o desenho de possíveis medidas que, de forma proporcional, permitam a recuperação

pelo SEN das vantagens obtidas pelos produtores por efeito da rigidez da FIT face aos ganhos de eficiência

resultantes da demora da entrada em produção;

2. Consideração desta experiência nas regras de futuros concursos, na prevenção de atrasos e das suas

consequências sobre as características económicas dos projetos.

Capítulo 5

1. Tal como proposto pelo relatório do Grupo de Trabalho SEE/DGEG/ERSE em 2016, a partilha dos

resultados obtidos em operações de titularização de dívida tarifária deve ser objeto de iniciativa legislativa.

2. A proporção de tal partilha não deverá ser mais desfavorável ao SEN do que os 50/50 propostos pelo

Grupo de Trabalho SEE/DGEG/ERSE. Este regime de partilha assegura um estímulo suficiente à EDP para

uma gestão eficiente da dívida.

3. Como garantia da melhor prossecução do interesse público, o membro do governo com a tutela da

energia deverá poder, por iniciativa própria ou sob proposta da ERSE, determinar ou suspender operações de

titularização desencadeadas pela EDP – Comercializador de Último Recurso.

4. Este princípio deverá ser aplicado igualmente às mais-valias e menos-valias realizadas em operações

de titularização realizadas no passado, de forma a recuperar para o SEN parte do saldo dessas operações, as

quais importam em 198M€ positivos. Não tendo sido ilegal, esta apropriação integral é indevida e injusta,

devendo ser corrigida.

Capítulo 6

1. Terminar o incentivo ao investimento, cuja conexão com necessidades concretas do sistema elétrico

está até hoje por justificar tecnicamente e cuja criação veio distorcer o quadro dos concursos do Plano

Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico, levantando a questão da sua legalidade;

2. Manter suspensos todos os pagamentos a título de incentivo à disponibilidade, fazendo-os depender, no

futuro, das necessidades reais da segurança de abastecimento identificadas pela REN e confirmadas pela

ERSE, no quadro da integração de novos instrumentos de disponibilidade a dinamizar do lado da procura e da

oferta.

Capítulo 7

1. Imediata adoção de um teto para estes custos, atendendo à potência interruptível que corresponda às

reais necessidades do SEN;

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127

2. Redução de custos no curto prazo, com a criação de regime concorrencial, desenhado por escalões de

potência interruptível por unidade de consumo;

3. Preparação de um novo quadro para este serviço redimensionado considerando a integração de novos

instrumentos de disponibilidade do lado da procura e da oferta.

Capítulo 8

Deve ser respeitada a não elegibilidade dos custos com a tarifa social e com a CESE para efeitos da

aplicação do mecanismo de clawback.

Capítulo 9

A integração dos serviços de sistema, em termos de política energética e planeamento estratégico do SEN,

tal como de outros instrumentos de gestão de oferta e procura em modelos concorrenciais que propiciem a

redução de custos para os consumidores e a maximização da integração da produção de fonte renovável.

Capítulo 10

1. Para tentar evitar situações de litigância, será procurada uma solução negociada com os produtores

para a revisão deste regime mediante adaptações legislativas para a reposição do equilíbrio económico do

regime anterior ao Decreto-Lei n.º 35/2013 e para a devolução aos produtores das contribuições voluntárias

pagas até hoje, acrescidas dos juros respetivos.

2. Em caso de recusa à negociação ou na falta de um acordo satisfatório, o governo definirá os termos da

concretização daqueles objetivos;

3. Realização de um concurso em regime de leilão descendente para a atribuição de novas licenças

eólicas. A tarifa feed in resultante desse leilão será paga, nos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005, a todas as

centrais abrangidas por esse quadro legal;

4. Nos casos de centrais entretanto transacionadas, a ERSE deverá determinar uma taxa de rentabilidade

razoável que, havendo casos em que não seja atingida sob o quadro legal reposto, dará origem a um

mecanismo de compensação a pagar pelo SEN.

Nota: o Capítulo 11 não contém recomendações.

Capítulo 12

O Governo deve tomar as medidas necessárias ao integral cumprimento dos dispositivos legais inscritos no

artigo 171.º da Lei n.º 42/2016 e da Portaria n.º 69/2017.

Assembleia da República, 15 de maio de 2019.

O Deputado relator, Jorge Costa.

Nota: O parecer foi aprovado, com votos a favor do PS, do BE, do PCP e de Os Verdes e votos contra do

PSD e do CDS-PP, na reunião da Comissão de 15 de maio de 2019.

Parte IV – Anexos

Relatório da votação

Declarações de voto escritas

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II SÉRIE-B — NÚMERO 50

128

Parte IV – Anexos

Relatório da votação

Sentido de voto de cada membro da Comissão

Capítulo 1 (pág. 2 a 35 da versão preliminar do relatório)

5 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8

Capítulo 1Conclusão 1

ponto 2.4.1

pág 23

Conclusão 2

ponto 2.4.1

pág 23

Conclusão 3

ponto 2.4.1

pág 23

Conclusão 4

ponto 2.4.1

pág 23

Conclusão 1

ponto 2.4.2

pág 26

Conclusão 2

ponto 2.4.2

pág 26

Conclusão 3

ponto 2.4.2

pág 26

Conclusão 1

( pág. 34)

Conclusão 2

( pág. 34)

Conclusão 3

( pág. 34)

Conclusão 4

( pág. 34)

Conclusão 5

( pág. 34)

Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

António Topa PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Cristóvão Norte PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Duarte Marques PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Helga Correia PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Joel Sá PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helder Amaral CDS-PP Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

APROVADOResultado da votação

PREJUDICADA

(com aprovação

da proposta de

eliminação do

PSD)

17 efetivos

7 PSD, 6 PS, 1, BE, CDS-PP, PCP, PEV

ORDEM DA VOTAÇÃO

APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADOAPROVADO

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5 DE JUNHO DE 2019

129

12 12 10 1 2 11 3 4 6 6 6 6 6 6 6 7 9

Recomendação 1

( pág. 35)

Recomendação 2

( pág. 35)

Recomendação 3

( pág. 35)

CDS-PP

Proposta 6

(elim recom 1 e

2 - cap. 1)

pg 35.

PS

Proposta

(elim. desde "Ora"

fim pg 32 a

5) pág 33)

PS

Proposta

(elim no 1.º §

desde"Este" a

"compensação,

que"

pg 34)

PS

Proposta

(elim. recom. 3)

pág 35

PSD

Proposta

(alter. redacção

do cap.) -

eliminações

pg 2 a 33

PSD

Proposta

(alter. redacção

do cap.) -

aditamentos

pg 2 a 33

PSD

Proposta

(elim. concl. 1

do ponto 2.4.1.)

pg 2 3

PSD

Proposta

(subs. concl. 4

do ponto 2.4.1.)

pg 23

PSD

Proposta

(adit. concl. 1

do ponto 2.4.2.)

pg 26

PSD

Proposta

(elim. concl. 2 e

3 do ponto

2.4.2.)

pg 26

PSD

Proposta

(alter. concl. 1)

pg 34

PSD

Proposta

(alt. concl. 2)

pg 34

PSD

Proposta

(elim. concl.

3 e 4)

pg 34/35

PSD

Proposta

(elim. concl.

5)

p35

PSD

Proposta

(adit. nova

concl. )

PSD

Proposta

(elim. todas

recom.)

pg 35

Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

António Topa PSD Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Ana Passos PS Favor Favor Contra Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra

André Pinotes Batista PS Favor Favor Contra Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra

António Cardoso PS Favor Favor Contra Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra

Luís Testa PS Favor Favor Contra Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra

Hugo Costa PS Favor Favor Contra Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra

Maria Lopes PS Favor Favor Contra Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra

Jorge Costa BE Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Helder Amaral CDS-PP Contra Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Bruno Dias PCP Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Resultado da votação REJEITADA REJEITADA REJEITADA

17 efetivos

7 PSD, 6 PS, 1, BE, CDS-PP, PCP, PEV

ORDEM DA VOTAÇÃO

APROVADA APROVADAREJEITADA

PREJUDICADA

com aprovação

da proposta do

PS e rejeição da

proposta do CDS-

PP

PREJUDICADA

com aprovação

da proposta do

PS

APROVADA APROVADA REJEITADA REJEITADAAPROVADA APROVADAREJEITADA REJEITADAREJEITADA REJEITADA REJEITADA

Página 130

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

130

Capítulo 2 (pág. 36 a 62 da versão preliminar do relatório)

4

Capítulo 2Conclusão 1

( pág. 61)

Conclusão 2

( pág. 61)

Conclusão 3

( pág. 61)

Conclusão 4

( pág. 61)

Conclusão 5

(pág. 62)

Conclusão 6

(pág. 62)

Recomendação 1

(pág. 62)

Recomendação 2

( pág. 62)

CDS-PP

Proposta 7

(elim todas

recom)

pg 62

Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra

António Topa PSD Contra

Cristóvão Norte PSD Contra

Duarte Marques PSD Contra

Helga Correia PSD Contra

Joel Sá PSD Contra

Jorge Paulo OliveiraPSD Contra

Ana Passos PS Abstenção

André Pinotes BatistaPS Abstenção

António Cardoso PS Abstenção

Luís Testa PS Abstenção

Hugo Costa PS Abstenção

Maria Lopes PS Abstenção

Jorge Costa BE Favor

Helder Amaral CDS-PP Abstenção

Bruno Dias PCP Favor

José Luís Ferreira PEV Favor

ORDEM DA VOTAÇÃO

17 efetivos

7 PSD, 6 PS, 1, BE, CDS-PP, PCP,

PEV

REJEITADO PREJUDICADO com a REJEIÇÃO do CAPÍTULO

Página 131

5 DE JUNHO DE 2019

131

3 1 2

CDS-PP

Proposta 1

(aditamento)

pg 39.

PSD

Proposta

(alter. redacção

do cap.) -

eliminações

pg 36 a 61

PSD

Proposta

(alter. redacção

do cap.) -

aditamentos

pg 36 a 61

PSD

Proposta

(alter. concl. 1)

pg 61

PSD

Proposta

(alt. concl. 2)

pg 61

PSD

Proposta

(elim. concl. 3)

pg 61

PSD

Proposta

(alt. concl 4. )

pg 61/62

PSD

Proposta

(elim. concl. 5 e 6)

pg 35

PSD

Proposta

(subst. recom. 1 e

2)

pg 62

Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor

António Topa PSD Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Favor Favor Favor

Jorge Paulo OliveiraPSD Favor Favor Favor

Ana Passos PS Contra Contra Contra

André Pinotes BatistaPS Contra Contra Contra

António Cardoso PS Contra Contra Contra

Luís Testa PS Contra Contra Contra

Hugo Costa PS Contra Contra Contra

Maria Lopes PS Contra Contra Contra

Jorge Costa BE Contra Contra Contra

Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor

Bruno Dias PCP Contra Contra Contra

José Luís Ferreira PEV Contra Contra Contra

ORDEM DA VOTAÇÃO

PREJUDICADO com a REJEIÇÃO do CAPÍTULO

17 efetivos

7 PSD, 6 PS, 1, BE, CDS-PP, PCP,

PEV

REJEITADA REJEITADA REJEITADA

Página 132

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

132

Capítulo 3 (pág. 63 a 77 da versão preliminar do relatório)

3 6 7 10 10 10 10 10 10 10

Capítulo 3Conclusão 1

(pág. 76)

Conclusão 2

(pág. 76)

Recomendação 1

(pág. 76)

Recomendação 2

(pág. 76)

Recomendação 3

(pág. 76)

Recomendação 4

(pág. 77)

Recomendação 5

(pág. 77)

Recomendação 6

(pág. 77)

Recomendação 7

(pág. 77)

Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

António Topa PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Cristóvão Norte PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Duarte Marques PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Helga Correia PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Joel Sá PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helder Amaral CDS-PP Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

17 efetivos

7 PSD, 6 PS, 1, BE, CDS-PP, PCP, PEV

Resultado da Votação APROVADOPREJUDICADA (com

aprovação

da Proposta de

Alteração do PS)

APROVADO APROVADO APROVADOAPROVADO APROVADO APROVADO APROVADO APROVADO

ORDEM DA VOTAÇÃO

Página 133

5 DE JUNHO DE 2019

133

8 4 1 2 5 9

CDS-PP

Proposta 8

(elim todas recom)

pg 76/77

PS

Proposta

(alt. concl. 1)

pg 76)

PSD

Proposta

(alter. redacção do

cap.) - eliminações

pg 63 a 76

PSD

Proposta

(alter. redacção do

cap.) - X aditamentos

pg 63 a 76

PSD

Proposta

(subs. concl. 1 e 2 )

pg 76

PSD

Proposta

(subs. recom 1 a 7)

pg 76/77

Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor

António Topa PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor

Ana Passos PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra

André Pinotes Batista PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra

António Cardoso PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra

Luís Testa PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra

Hugo Costa PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra

Maria Lopes PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra

Jorge Costa BE Contra Favor Contra Contra Contra Contra

Helder Amaral CDS-PP Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor

Bruno Dias PCP Contra Favor Contra Contra Contra Contra

José Luís Ferreira PEV Contra Favor Contra Contra Contra Contra

REJEITADA

17 efetivos

7 PSD, 6 PS, 1, BE, CDS-PP, PCP, PEV

Resultado da Votação REJEITADA

ORDEM DA VOTAÇÃO

APROVADA REJEITADA REJEITADA REJEITADA

Página 134

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

134

Capítulo 4 (pág. 78 a 83 da versão preliminar do relatório)

4 10 10 8 10 11 9 13 14 1

Capítulo 4Conclusão 1

(pág. 82)

Conclusão 2

(pág. 82)

Conclusão 3

(pág. 82)

Conclusão 4

(pág. 82)

Conclusão 5

(pág. 82/83)

Conclusão 6

(pág. 83)

Recomendação 1

(pág. 83)

Recomendação 2

(pág. 83)

PSD

Proposta

(adit. título do cap.)

pg 78

Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor

António Topa PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor

Duarte Marques PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor

Helga Correia PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor

Joel Sá PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor

Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Abstenção Contra

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Abstenção Contra

António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Abstenção Contra

Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Abstenção Contra

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Abstenção Contra

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Abstenção Contra

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helder Amaral CDS-PP Contra Favor Favor Contra Contra Abstenção Favor Contra Favor Favor

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção

APROVADOResultado da Votação

ORDEM DA VOTAÇÃO

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADO APROVADO APROVADA

Página 135

5 DE JUNHO DE 2019

135

2 3 7 5 6 12

PSD

Proposta

(alter. redacção do

cap.) - eliminações

pg 78 a 82

PSD

Proposta

(alter. redacção do

cap.) - aditamentos

pg 78 a 82

PSD

Proposta

(adit. nova concl.

[n.º2] a inserir entre a

1 e 3 atuais )

pg 82

PSD

Proposta

(alt. concl. 3) -

eliminações e

aditamentos

pg 82

PSD

Proposta

(alt. concl. 6) -

eliminações e

aditamentos

pg 83

PSD

Proposta

(elim. recom. 1)

pg 83

Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Favor Favor Favor

António Topa PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Ana Passos PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra

André Pinotes Batista PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra

António Cardoso PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Luís Testa PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Hugo Costa PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Maria Lopes PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Jorge Costa BE Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Bruno Dias PCP Contra Contra Contra Contra Contra Contra

José Luís Ferreira PEV Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Resultado da Votação

ORDEM DA VOTAÇÃO

REJEITADA

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

REJEITADA REJEITADA REJEITADAREJEITADA REJEITADA

Página 136

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

136

Capítulo 5 (pág. 84 a 92 da versão preliminar do relatório)

4 7 6 7 10 11 1 8 2 3 5 9

Capítulo 5Conclusão 1

(pág. 91)

Conclusão 2

(pág. 92)

Conclusão 3

(pág. 92)

Recomendação 1

(pág. 92)

Recomendação 2

(pág. 92)

CDS-PP

Proposta 2 (aditamento)

pg 86.

CDS-PP

Proposta 9

(elim todas recom)

pg 92.

PCP

Proposta

(substituição de todas as

recom.)

pg 92.

PSD

Proposta

(alter. redacção do cap.) -

eliminações

pg 84

PSD

Proposta

(alter. redacção do cap.) -

aditamentos

pg 84

PSD

Proposta

(alt. concl. 2 )

pg 92

PSD

Proposta

(alt. recom 1)

pg 92

Emídio Guerreiro PSD/PRES Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

António Topa PSD Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Abstenção Favor Abstenção Favor Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra

Helder Amaral CDS-PP Contra Favor Abstenção Favor Contra Abstenção Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Contra Contra Contra Contra

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Contra Contra Contra Contra

REJEITADAAPROVADA APROVADA REJEITADA

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

REJEITADA REJEITADAREJEITADAAPROVADOResultado da Votação APROVADA

ORDEM DA VOTAÇÃO

REJEITADAAPROVADA APROVADARETIRADA PELO

PROPONENTE

Página 137

5 DE JUNHO DE 2019

137

Capítulo 6 (pág. 93 a 120 da versão preliminar do relatório)

4 6 8 9 13 14 15 17

Capítulo 6Conclusão 1

(pág. 117)

Conclusão 2

(pág. 117)

Conclusão 3

(pág.118)

Recomendação 1

(pág. 119)

Recomendação 2

(pág. 119)

Recomendação 3

(pág. 119)

Recomendação 4

(pág. 120)

Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra

António Topa PSD Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra

Cristóvão Norte PSD Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra

Duarte Marques PSD Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra

Helga Correia PSD Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra

Joel Sá PSD Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra

Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra

Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helder Amaral CDS-PP Contra Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

ORDEM DA VOTAÇÃO

Resultado da Votação APROVADA APROVADA APROVADA

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

APROVADO APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA

Página 138

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

138

12 10 1 2 3 5 7 11 16

CDS-PP

Proposta 10

(elim todas recom)

pg 119/120

PS

Proposta

(adit. nova concl.)

pg 119

PSD

Proposta

(alter. redacção do cap.) -

eliminações

pg 104 a 117

PSD

Proposta

(alter. redacção do cap.) -

substituições

pg 104 a 117

PSD

Proposta

(alter. redacção do cap.) -

aditamentos

pg 104 a 117

PSD

Proposta

(elim. concl. 1 desde "

Em suma" a "SEN no

mesmo periodo" - pg 118

PSD

Proposta

(elim. concl. 2 desde " O

Secretário de Estado" a "

para o ajustamento final"

- PG 119)

PSD

Proposta

(adit. nova concl.)

pg 119

PSD

Proposta

(elim. recom. 4)

pg 120

Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

António Topa PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Ana Passos PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

André Pinotes Batista PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

António Cardoso PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Luís Testa PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Hugo Costa PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Maria Lopes PS Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Jorge Costa BE Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Bruno Dias PCP Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

José Luís Ferreira PEV Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra

ORDEM DA VOTAÇÃO

APROVADA REJEITADAREJEITADAResultado da Votação REJEITADA REJEITADA

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

REJEITADA REJEITADA REJEITADA REJEITADA

Página 139

5 DE JUNHO DE 2019

139

Capítulo 7 (pág. 121 a 130 da versão preliminar do relatório)

3 4 4 4 4 6 4 9 11 7 1 2 5 8 10

Capítulo 7Conclusão 1

(pág. 129)

Conclusão 2

(pág. 129)

Conclusão 3

(pág.129)

Conclusão 4

(pág.129)

Conclusão 5

(pág.130)

Conclusão 6

(pág.130)

Recomendação 1

(pág. 130)

Recomendação 2

(pág. 130)

CDS-PP

Proposta 11

(elim todas recom)

pg 130

PSD

Proposta

(alter. redacção do

cap.) - eliminação

pg 125

PSD

Proposta

(alter. redacção do

cap.) - aditamentos

pg 125

PSD

Proposta

(alt. concl 5.)

pg 130

PSD

Proposta

(elim. recom. 1)

pg 130

PSD

Proposta

(alt. recom. 2)

pg 130

Emídio Guerreiro PSD/PRES Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor

António Topa PSD Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Abstenção Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

Helder Amaral CDS-PP Contra Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra Abstenção Contra Contra Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra Contra

APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

APROVADAResultado da Votação APROVADA APROVADA

ORDEM DA VOTAÇÃO

REJEITADA REJEITADAREJEITADAAPROVADA APROVADA REJEITADAREJEITADA REJEITADA

Página 140

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

140

Capítulo 8 (pág. 131 a 136 da versão preliminar do relatório)

1 2 2 2 2 4 5 5 3

Capítulo 8Conclusão 1

(pág. 135)

Conclusão 2

(pág. 135)

Conclusão 3

(pág.136)

Conclusão 4

(pág.136)

Recomendação 1

(pág. 136)

Recomendação 2

(pág. 136)

Recomendação 3

(pág. 136)

PSD

Proposta

(alt. recom. 1)

pg 136

Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor

António Topa PSD Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor

Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra

António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra

Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra

Helder Amaral CDS-PP Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Favor

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

ORDEM DA VOTAÇÃO

APROVAD0 APROVADAResultado da Votação APROVADA APROVADA APROVADA REJEITADAAPROVADA APROVAD0 APROVAD0

Página 141

5 DE JUNHO DE 2019

141

Capítulo 9 (pág. 137 a 158 da versão preliminar do relatório)

3 4 4 4 6 8 10 1 2 5 7 9

Capítulo 9Conclusão 1

(pág. 158)

Conclusão 2

(pág. 158)

Conclusão 3

(pág.158)

Conclusão 4

(pág.158)

Conclusão 5

(pág.158)

Recomendação

(pág. 158)

PSD

Proposta

(alter. redacção do

cap.) - eliminações

pág. 146 a 157

PSD

Proposta

(alter. redacção do

cap.) - aditamentos

pág. 146 a 157

PSD

Proposta

(adit. concl 4.)

pág. 158

PSD

Proposta

(adit. concl. 5)

pág. 158

PSD

Proposta

(alt. recom. )

pág. 158

Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor

António Topa PSD Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor Favor

Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

REJEITADA REJEITADA

ORDEM DA VOTAÇÃO

APROVAD0Resultado da Votação APROVADA APROVADA APROVADA REJEITADA REJEITADA REJEITADAAPROVADAAPROVADA APROVADA

Página 142

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

142

Capítulo 10 (pág. 159 a 165 da versão preliminar do relatório)

1 2 2 4 3

Capítulo 10Conclusão 1

(pág. 164)

Conclusão 2

(pág. 164)

Recomendação

(pág. 164/5)

CDS-PP

Proposta 12

(elim recom)

pg 164/5.

Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Favor Contra

António Topa PSD Favor Favor Favor Favor Contra

Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Favor Contra

Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Favor Contra

Helga Correia PSD Favor Favor Favor Favor Contra

Joel Sá PSD Favor Favor Favor Favor Contra

Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Favor Contra

Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Contra

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Contra

António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Contra

Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Contra

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Contra

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Contra

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Contra

Helder Amaral CDS-PP Favor Abstenção Abstenção Contra Favor

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Contra

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Contra

APROVADA REJEITADAResultado da Votação

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

ORDEM DA VOTAÇÃO

APROVAD0 APROVADA APROVADA

Página 143

5 DE JUNHO DE 2019

143

Capítulo 11 (pág. 166 a 182 da versão preliminar do relatório)

6 7 7 7 7 12 14 14 14

Capítulo 11Conclusão 1

(pág. 181)

Conclusão 2

(pág. 181)

Conclusão 3

(pág. 181)

Conclusão 4

(pág. 182)

Recomendação 1

(pág. 182)

Recomendação 2

(pág. 182)

Recomendação 3

(pág. 182)

Recomendação 4

(pág. 182)

Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

António Topa PSD Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

Cristóvão Norte PSD Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

Duarte Marques PSD Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

Helga Correia PSD Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

Joel Sá PSD Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Luís Testa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helder Amaral CDS-PP Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Contra Contra Contra Contra

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

ORDEM DA VOTAÇÃO

APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADAResultado da Votação APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA

Página 144

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

144

3 4 5 9 1 2 8 11 10 13

CDS-PP

Proposta 3

(aditamento)

pg 177.

CDS-PP

Proposta 4

(aditamento)

pg 177

CDS-PP

Proposta 5

(aditamento)

pg 181

CDS-PP

Proposta 13

(elim todas recom)

pg 182

PSD

Proposta

(alter. redacção do

cap.) - eliminações

pg 175 a 181

PSD

Proposta

(alter. redacção do

cap.)

- aditamentos

pg 175 a 181

PSD

Proposta

(adit. duas concl .

Antes atual concl. 4)

pg 182

PSD

Proposta

(alt. recom. 1)

pg 182

PSD

Proposta

(elim. recom. 2,3 4)

pg 158

PS

Proposta

(alt. recom. 2)

pg 182

Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra

António Topa PSD Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra

Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra

Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra

Helga Correia PSD Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra

Joel Sá PSD Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra

Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor Favor Contra

Ana Passos PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor

André Pinotes Batista PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor

António Cardoso PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor

Luís Testa PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor

Hugo Costa PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor

Maria Lopes PS Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor

Jorge Costa BE Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor

Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Contra

Bruno Dias PCP Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Abstenção

José Luís Ferreira PEV Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Contra Favor

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

ORDEM DA VOTAÇÃO

REJEITADA REJEITADAREJEITADA REJEITADA REJEITADAResultado da VotaçãoREJEITADA por

empate

na segunda

votação

REJEITADAREJEITADA REJEITADA REJEITADA

Página 145

5 DE JUNHO DE 2019

145

Capítulo 12 (pág. 183 a 188 da versão preliminar do relatório)

2 3 3 4 5 1 6

Capítulo 12Conclusão 1

(pág. 187)

Conclusão 2

(pág. 187)

PCP

Proposta

(aditamento de nova recom. )

pág. 187.

PCP

Proposta

(aditamento de nova concl.)

pág. 187.

PSD

Proposta

(alter. redacção do cap.) -

aditamentos

pág. 183 a 187

PSD

Proposta

(adit. concl. 2)

pág. 182

Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor

António Topa PSD Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor

Duarte Marques PSD Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor

Helga Correia PSD Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor

Joel Sá PSD Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Contra Contra Contra Contra Favor Favor

Ana Passos PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

António Cardoso PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

Luís Testa PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra

Helder Amaral CDS-PP Abstenção Contra Contra Contra Contra Favor Favor

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Contra Contra

REJEITADAResultado da Votação

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

ORDEM DA VOTAÇÃO

REJEITADAAPROVADA APROVADA APROVADA REJEITADA REJEITADA

Página 146

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

146

Capítulo 13 (pág. 189 a 190 da versão preliminar do relatório)

3 4 6 8 1 2 5 7

Capítulo13Conclusão

(pág. 190)

Recomendação

(pág. 190)

PCP

Proposta

(aditamento novo capítulo c/

nova conclusão)

entre pg 190 (fim cap.13) e

191 (início cap.14).

PSD

Proposta

(alter. redacção do cap.) -

eliminações

pg 189 a 190

PSD

Proposta

(alter. redacção do cap.) -

aditamentos

pg 189 a 190

PSD

Proposta

(adit. 5 novos §/concl. )

pg 190

PSD

Proposta

(adit. recom. )

pg 190

Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

António Topa PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Favor Favor Contra Favor Favor Favor Favor

Ana Passos PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

António Cardoso PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

Luís Testa PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra Contra

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

Helder Amaral CDS-PP Contra Favor Abstenção Contra Favor Favor Favor Favor

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Contra Contra Contra Contra

REJEITADAAPROVADA APROVAD0 APROVAD0 REJEITADA

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

ORDEM DA VOTAÇÃO

REJEITADA REJEITADA REJEITADAResultado da Votação

Página 147

5 DE JUNHO DE 2019

147

Capítulo 14 (pág. 191 a 195 da versão preliminar do relatório)

1 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2

Capítulo 14Conclusão 1

(pág. 194)

Conclusão 2

(pág. 194)

Conclusão 3

(pág. 194)

Conclusão 4

(pág. 194)

Conclusão 5

(pág. 194)

Conclusão 6

(pág. 194)

Conclusão 7

(pág. 195)

Conclusão 8

(pág. 195)

Conclusão 9

(pág. 195)

Conclusão 10

(pág. 195)

Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

António Topa PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Ana Passos PS Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção

André Pinotes Batista PS Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção

António Cardoso PS Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção

Luís Testa PS Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção

Hugo Costa PS Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção

Maria Lopes PS Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção Abstenção

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

APROVAD0 APROVAD0Resultado da Votação

ORDEM DA VOTAÇÃO

APROVAD0 APROVAD0 APROVAD0 APROVAD0 APROVAD0

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

APROVAD0 APROVAD0 APROVAD0 APROVAD0

Página 148

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

148

Capítulo 15 (pág. 196 a 197 da versão preliminar do relatório)

1 2

Capítulo 15

Conclusão

capítulo 14 e 15

(pág. 197)

Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor

António Topa PSD Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Favor Favor

Duarte Marques PSD Favor Favor

Helga Correia PSD Favor Favor

Joel Sá PSD Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor

Ana Passos PS Abstenção Abstenção

André Pinotes Batista PS Abstenção Abstenção

António Cardoso PS Abstenção Abstenção

Luís Testa PS Abstenção Abstenção

Hugo Costa PS Abstenção Abstenção

Maria Lopes PS Abstenção Abstenção

Jorge Costa BE Favor Favor

Helder Amaral CDS-PP Favor Favor

Bruno Dias PCP Favor Favor

José Luís Ferreira PEV Favor Favor

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

APROVAD0 APROVAD0Resultado da Votação

ORDEM DA VOTAÇÃO

Página 149

5 DE JUNHO DE 2019

149

Conclusões finais (pág. 198 a 203 da versão preliminar do relatório)

2 4 8 10 11 14 16 17 18 20 22 25 26

Conclusão 1

(pág. 198)

Conclusão 2

(pág. 198)

Conclusão 3

(pág. 198)

Conclusão 4

(pág. 198)

Conclusão 5

(pág. 199)

Conclusão 6

(pág. 199)

Conclusão 7

(pág. 199)

Conclusão 8

(pág. 199)

Conclusão 9

(pág. 199)

Conclusão 10

(pág. 199)

Conclusão 11

(pág. 200)

Conclusão 12

(pág. 200)

Conclusão 13

(pág. 200)

Conclusão 14

(pág. 200)

Conclusão 15

(pág. 201)

Conclusão 16

(pág. 201)

Conclusão 17

(pág. 201)

Conclusão 18

(pág. 201)

Conclusão 19

(pág. 202)

Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor

António Topa PSD Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Ana Passos PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor

André Pinotes Batista PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor

António Cardoso PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor

Carla Tavares PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor

Hugo Costa PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor

Maria Lopes PS Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Abstenção Favor

Jorge Costa BE Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helder Amaral CDS-PP Favor Contra Contra Favor Favor Abstenção Abstenção Abstenção Contra Contra Favor Favor

Bruno Dias PCP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

PREJUDICADA com

a

aprovação da

Proposta do PS

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

APROVADAPrejudicadas com a

REJEIÇÃO DO CAPÍTULO 2

ORDEM DA VOTAÇÃO

PREJUDICADA com a

aprovação da

Proposta do PSDResultado da Votação APROVADA APROVADA APROVADA

PREJUDICADA

com a

aprovação da

Proposta do PSD

APROVADA

PREJUDICADA

com a

aprovação da

Proposta do

Relator

APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA APROVADA

Página 150

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

150

13 28 6 24

PCP

Proposta

(aditamento à concl. 10,

corretamente renumerada

é conclusão 11 )

pg 199

PCP

Proposta

(aditamento parte II

coclusões gerais)

pg 202

PS

Proposta

(subst. concl. 3)

pg 198

RELATOR

Proposta

(alt. à concl. 17)

pg 201

Emídio Guerreiro PSD/PRES Contra Contra Favor Contra

António Topa PSD Contra Contra Favor Contra

Cristóvão Norte PSD Contra Contra Favor Contra

Duarte Marques PSD Contra Contra Favor Contra

Helga Correia PSD Contra Contra Favor Contra

Joel Sá PSD Contra Contra Favor Contra

Jorge Paulo Oliveira PSD Contra Contra Favor Contra

Ana Passos PS Contra Contra Favor Favor

André Pinotes Batista PS Contra Contra Favor Favor

António Cardoso PS Contra Contra Favor Favor

Carla Tavares PS Contra Contra Favor Favor

Hugo Costa PS Contra Contra Favor Favor

Maria Lopes PS Contra Contra Favor Favor

Jorge Costa BE Favor Favor Contra Favor

Helder Amaral CDS-PP Contra Contra Abstenção Contra

Bruno Dias PCP Favor Favor Contra Favor

José Luís Ferreira PEV Favor Favor Contra Favor

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

ORDEM DA VOTAÇÃO

Resultado da Votação APROVAD0REJEITADA REJEITADA APROVADA

Página 151

5 DE JUNHO DE 2019

151

1 3 5 7 9 12 15 19 21 23 27

PSD

Proposta

(alter. CF 1.)

pg 198

PSD

Proposta

(adit. CF 2. )

pg 198

PSD

Proposta

(elim. CF 3 )

pg 198

PSD

Proposta

(subs. CF 4 )

pg 199

PSD

Proposta

(subst. CF 5. )

pg 199

PSD

Proposta

(alt. CF 6 )

pg 199

PSD

Proposta

(elim. CF 7.)

pg 199

PSD

Proposta

(alt. CF 8. )

pg 199

PSD

Proposta

(alt. CF 10)

pg 199

PSD

Proposta

(alt. CF 12.)

pg 200

PSD

Proposta

(alt. CF 15. )

pg 201

PSD

Proposta

(adit. CF 16 )

pg 201

PSD

Proposta

(alt. CF 17 )

pg 201

PSD

Proposta

(adit. 2 novas CF)

pg 202

Emídio Guerreiro PSD/PRES Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

António Topa PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Cristóvão Norte PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Duarte Marques PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Helga Correia PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Joel Sá PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Jorge Paulo Oliveira PSD Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Ana Passos PS Favor Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra

André Pinotes Batista PS Favor Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra

António Cardoso PS Favor Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra

Carla Tavares PS Favor Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra

Hugo Costa PS Favor Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra

Maria Lopes PS Favor Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra

Jorge Costa BE Contra Contra Contra Contra Contra Favor Contra Contra Contra Contra Contra

Helder Amaral CDS-PP Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor Favor

Bruno Dias PCP Contra Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra

José Luís Ferreira PEV Contra Contra Contra Contra Contra Abstenção Contra Contra Contra Contra Contra

17 efetivos

7 PSD e PS

1 BE, CDS-PP, PCP, PEV

ORDEM DA VOTAÇÃO

Resultado da Votação REJEITADAAPROVADA REJEITADAREJEITADA REJEITADA REJEITADAREJEITADA APROVADA REJEITADAPrejudicadas com a

REJEIÇÃO DO CAPÍTULO 2 REJEITADAREJEITADA

Página 152

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

152

Declarações de voto apresentadas pelo PSD, pelo PS, pelo CDS-PP, pelo BE e pelo PCP

Foi o anterior Governo do PSD/CDS-PP quem, pela primeira vez, colocou a temática das rendas

excessivas no centro das preocupações governativas e apontou para a necessidade de aplicação de medidas

corretivas.

Foi o anterior Governo do PSD/CDS-PP quem, pela primeira vez, definiu e aplicou sem instabilidade social

ou para o setor medidas corretivas que, de acordo com os dados contabilizados pela ERSE executados até

2017 e projetados até 2020, mas que sabemos se prolongam para além daquele prazo, equivalem a cortes no

montante global de 2048 milhões de euros, dos quais 718 milhões de euros com impacto direto e negativo na

EDP.

Foi o Grupo Parlamentar do PSD quem, no decurso dos trabalhos desta Comissão Parlamentar de

Inquérito, apurou que, em 2007, durante a governação do Eng.º José Sócrates, foi assinado um novo contrato

de concessão da RNT à REN, a título gracioso, ou seja, sem qualquer contrapartida económica para o Estado,

uma vantagem económica que ao contrário de todas as outras rendas, custos, sobrecustos, benefícios e

privilégios identificados, nunca havia sido referenciada em qualquer estudo de reguladores, especialistas ou

consultores da área.

A resposta à pergunta sobre a existência de rendas excessivas é pois mais do que óbvia.

O Grupo Parlamentar do PSD veio para esta Comissão Parlamentar de Inquérito motivado apenas pela

descoberta da verdade material, pelo apuramento das responsabilidades políticas, sem conclusões no bolso e

sem preconceitos ideológicos.

O Relatório Final aprovado, refira-se apenas com os votos da maioria parlamentar de esquerda, é uma

tentativa de reescrever a história, orientada sobretudo pelo habitual desígnio político do Bloco de Esquerda,

contra as empresas e contra as renováveis.

Na verdade, o Relatório Final não reflete a realidade vivida por todos quantos participaram e colaboraram

com esta Comissão Parlamentar de Inquérito, não reflete os factos que nela foram inequivocamente apurados,

seja por via dos depoimentos prestados em mais de 200 horas de inquirição, seja pelos mais de 13 mil

documentos reunidos.

Tudo serviu o propósito de reescrever a história.

Muitos juízos assentam mais em depoimentos meramente opinativos do que em factos sobejamente

documentados e, portanto, facilmente verificáveis.

Muitos juízos decorrem de interpretações claramente abusivas dos normativos legais.

É manifesta a seletividade intencional de parte de conteúdos dos pareceres da ERSE e da Autoridade da

Concorrência, omitindo-se, quando não interessa à narrativa dominante, a circunstância de não se terem

materializado no tempo os riscos nos mesmos antecipados.

Muitos factos dados como assentes não são mais que opiniões estritamente pessoais ou partidárias que,

ademais, não foram sujeitas ao normal escrutínio do contraditório.

Muitos depoimentos são destacados e outros são de todo descartados e desconsiderados.

Na verdade, o Relatório Final faz tábua rasa do amplo contraditório produzido nas audições e apresenta

conclusões e, concomitantemente, recomendações apoiadas nas convicções apenas e tão só do Deputado

Relator que se recusa a vergar à realidade dos factos.

Ao longo de todos os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito, o Grupo Parlamentar do PSD teve

sempre a preocupação de tratar dos assuntos com a maior profundidade e tecnicidades possíveis que os

temas exigiam, tudo com o intuito de apurar a verdade dos factos e não com a ligeireza de quem apenas

pretendia um sound-bite para veicular nos meios de comunicação social.

Numa Comissão de natureza essencialmente técnica e que se reporta a factos passados e verificáveis, não

se justifica, nem se aceita, uma visão sectária como aquela que acabou espelhada no Relatório Final.

Exige-se rigor, factualidade e veracidade.

Página 153

5 DE JUNHO DE 2019

153

Nesse sentido, apresentámos à proposta de relatório final mais de quatro centenas e meia de propostas,

com as quais se pretendia afastar a visão excessivamente ideológica do Deputado Relator sobre os temas da

energia, contextualizar algumas conclusões, colmatar omissões, corrigir deficiências, eliminar inverdades.

Nenhuma mereceu a concordância do PS, BE e PCP. Todas foram votadas desfavoravelmente. Agora se

percebe a razão pela qual aqueles partidos impuseram que a votação se fizesse por blocos e não proposta a

proposta. Tudo fora combinado, tudo fora previamente acordado entre aqueles partidos em nome de um

interesse político de ocasião.

Votar proposta a proposta tornaria mais claro aos olhos dos portugueses a contradição, a incoerência ou a

falta de sustentabilidade de muitos dos considerandos, conclusões e recomendações.

Votar proposta a proposta evidenciaria que muitas eram de mera referência a diplomas legislativos.

Nada passou. O recurso ao “rolo compressor” sobre as propostas do Grupo Parlamentar do PSD tinha sido

previamente acordado por aquelas três forças partidárias.

Um “rolo compressor” que só falhou quando o PS, após rejeitar as propostas de alteração do PSD, decidiu

“passar a perna” aos seus parceiros e deixar cair todo o Capítulo 2, branqueando assim a história.

Com tudo isto o setor da energia sai prejudicado, a instabilidade no setor aumenta, a credibilidade do

Estado degrada-se, a condição de investimento estrangeiro no país piora, o cumprimento das metas do Plano

Nacional de Energia e Clima 2030 e os objetivos do RNC 2050 podem ser postos em causa.

O país e os portugueses ganhariam muito se a verdade não fosse atropelada.

Se os juízos assentassem em factos documentados, se não decorressem de interpretações abusivas dos

normativos legais, se não se operasse uma seletividade dos pareceres dos reguladores, se os depoimentos

dos especialistas não fossem obliterados, se o contraditório fosse respeitado, se o rigor fosse observado, se

imperasse o apuramento da verdade dos factos, o Relatório Final que os portugueses conheceriam teria os

seguintes capítulos, conclusões e recomendações:

Capítulo 1

Dos CAE aos CMEC

1. Contratos de Aquisição de Energia

1.1. Criação dos CAE

Tal como é explicado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 182/95, na sequência da abertura do setor elétrico à

iniciativa privada em 1988, o Decreto-Lei n.º 99/91 veio definir princípios gerais aplicáveis ao exercício das

atividades de produção, transporte e distribuição de energia elétrica. Paralelamente, a desintegração vertical

da EDP, enunciada nos Decretos-Leis n.os 7/91 e 131/94, deu origem a empresas vocacionadas a cada uma

daquelas atividades.

A outorga dos primeiros CAE ocorreu em 1992 e 1993, às centrais térmicas da Turbogás, a gás natural, e

da Tejo Energia, a carvão, já então em construção.

Em 1995, com vista a “garantir a transparência no relacionamento dos diferentes intervenientes no sector e

permitir o equilíbrio entre as diversas formas de organização que o sector admite”, foi revisto o Decreto-Lei n.º

99/91.

Para a compreensão do contexto concreto da criação dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE)

parece-nos pertinente fazer uso das declarações a este respeito do Senhor Eng.º Mira Amaral que, nesta

parte, não foram nesta CPIPREP contraditadas por nenhum outro inquirido, nem são infirmadas por nenhuma

documentação. Procuraremos resumi-las como segue.

Em 1987 a EDP era uma empresa totalmente pública, verticalmente integrada e numa situação altamente

debilitada, fruto de dois passivos distintos e importantes. O primeiro proveniente da dívida dos Municípios e o

segundo proveniente da dificuldade de financiamento internacional da República Portuguesa, que utilizava por

isso a EDP para “ir buscar dólares ao mercado internacional em nome da República Portuguesa num período

dramático de crise de divisas para Portugal. (…) Isso gerou um passivo cambial tremendo” (depoimento de

Mira Amaral).

Havia, nessa altura, a necessidade de investir fortemente na rede de distribuição e no aumento da

capacidade de produção. Para tanto, considerada a fragilidade financeira da EDP, optou-se por captar

investimento privado estrangeiro para esses investimentos, de onde surgiram, então, os primeiros Contratos

Página 154

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

154

de Aquisição de Energia (CAE), o da Central do Pego, a carvão, em 1993 e o da Tapada do Outeiro, em gás

natural, em 1994.

A rentabilidade destes dois CAE foi definida em concurso público internacional, com base na menor taxa

exigida para a execução do investimento. Por definição, taxas resultantes de concursos não são suscetíveis de

integrarem o conceito de rendas excessivas, uma vez que refletem a rentabilidade mínima exigida pelo

mercado para um ativo com determinadas características. A taxa de remuneração resultante destes contratos

foi de, aproximadamente, 10% do investimento efetuado.

Em 1995, com o intuito de enquadrar as alterações que vinham sendo efetuadas no setor,

designadamente, a abertura do sector a operadores privados, são publicados os Decretos-Leis n.os 182 a

188/95, que configuraram as bases do sistema elétrico português, pelos dez anos que se seguiram.

Para a nossa análise, releva especialmente a criação do sistema vinculado de produção de energia, no

qual eram celebrados contratos bilaterais entre a Rede Nacional de Transporte (REN) e os produtores de

energia. Os contratos que regiam essa relação eram os CAE. Esta legislação pressupunha que os contratos

de vinculação ao SEN deveriam ser contratos exclusivos e de médio-longo prazo, sendo, todavia, omissa

sobre quaisquer outras condições ou vicissitudes contratuais.

1.2 Extensão dos CAE à EDP

Em 1996, o Governo, então liderado pelo Eng.º António Guterres, decidiu estender a figura dos CAE às

centrais de produção da EDP, ao abrigo do conceito legal de vinculação ao SEN. Tal extensão terá sido

suportada também na letra do Decreto-Lei n.º 182/95 que, no seu artigo 17.º considera integrados no SEP (por

oposição ao sistema não vinculado que se caraterizava pela inexistência de CAE) os centros electroprodutores

da então CPPE, hoje EDP.

À luz do dispositivo legal de então e também por decisão política, o Governo entendeu que os CAE da EDP

deviam ser em tudo semelhantes aos CAE privados, exceto no que respeitava à definição da taxa de

remuneração pois, diferentemente do que sucedia nos CAE privados, esta taxa não foi resultante de

determinação concursal, mas sim de um ato administrativo de fixação. Fixou-se o nível de rentabilidade que se

verificava à data e que era menor, naquele momento, do que a taxa dos CAE privados.

Os CAE da EDP conferiram-lhe ainda um conjunto de direitos especiais, nomeadamente, o da possibilidade

de estender a exploração dos ativos para além do seu termo contratual, através de uma negociação direta

entre as partes contraentes.

Em 1996, o grupo EDP celebrou, assim, contratos de aquisição de energia entre duas empresas do grupo –

a CPPE (hoje EDP Produção), vendedora, e a REN, compradora. Esses contratos abrangeram centrais

construídas entre 1954 e 1993, nomeadamente 27 centrais hidroelétricas, uma central a carvão, três centrais a

fuelóleo e duas centrais a gasóleo, correspondentes a 7330 MW de capacidade instalada.

Os CAE da EDP enquadraram, assim, a remuneração contratualizada das centrais, imunizando-as a

quebras de preço, quebras de produção, subidas dos custos com combustíveis ou regimes hidrológicos menos

favoráveis, prevenindo o impacto da liberalização do mercado interno da eletricidade e a possibilidade de

estender a exploração dos ativos para além do seu termo contratual, através de uma negociação direta entre

as partes contraentes.

Para esta opção política pela atribuição à EDP desta remuneração por 20 anos, terá pesado não apenas a

necessidade de clarificar o quadro de operação e remuneração em linha com o contexto económico à data,

mas também a necessidade do robustecimento financeiro da empresa, de modo a acomodar duas

necessidades, a saber: pagar os passivos provenientes da dívida dos municípios e do financiamento

internacional da república e oferecer garantias de rentabilidade futura que dinamizassem o processo da

privatização da EDP. Cerca de 70% do capital da EDP viria a ser privatizado nos cinco anos que se seguiram.

Assim, e de acordo com a maioria dos depoimentos prestados sobre esta matéria a esta Comissão, o maior

beneficiário destas rendas da EDP foi o Estado, na direta medida em que arrecadou, tanto pelo valor da

privatização da empresa como pelos dividendos entretanto recebidos, todo o valor que hipoteticamente

poderia ser considerado como renda excessiva, razão pela qual se classificou esta operação como de

desorçamentação.

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“[Em 1996] foi criada a maior renda alguma vez criada em Portugal. Foi quando os PPA [CAE, em

português], que tinham sido criados para o investimento da Tejo Energia e da Turbogás, foram extensíveis às

centrais da EDP. (…) Provavelmente, a extensão dos CAE às centrais da EDP teve a ver com tornar uma

empresa que estava muito descapitalizada numa empresa com um balanço mais são para poder ser

privatizada”.

(João Talone, presidente da EDP 2003-2006)

“Os CAE foram celebrados tomando como referência os concursos internacionais para as Centrais do Pego

e da Tapada do Outeiro, dado que o governo da época quis iniciar o processo de venda das acções da EDP,

definindo preços contratualizados, os quais tomaram como referência os preços dos concursos internacionais

realizados anteriormente nas referidas centrais”.

(Eduardo Catroga, ministro das finanças em 1995, presidente do CGS da EDP em carta a Caldeira Cabral

e Mário Centeno, 17 de março 2016)

“(…)Portanto, Senhor Deputado, estes são os dois argumentos que vejo (…) o primeiro é por uma questão

de igualdade relativamente às centrais privadas que já existiam; e o segundo, para mim, e porque sei como é

que os Governos funcionam, é que normalmente os Governos gostam de embelezar a noiva para privatizar –

os Ministros das Finanças mandam nisto e, portanto, é preciso sacar mais receita. E quanto mais a noiva

estiver embelezada, nesse caso a empresa a privatizar, mais obtemos de receitas das privatizações.”

(Mira Amaral, Ministro da Energia e da Indústria de 1987 a 1985, em excerto de transcrição do seu

depoimento à CPIREPE).

“Não tenho dúvida nenhuma de que o objetivo foi tentar — como se costuma dizer, em linguagem mais

banal — «engordar o porco» para depois o vender, só que não se pode fazer isso à custa da competitividade

do País e dos consumidores. O que aconteceu foi que, quando foi feita essa legislação, em 1995, não estava

em vigor a Diretiva 96/92/CE. Por isso, essa era uma prática corrente que foi, aliás, seguida noutros países.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Foi uma desorçamentação?

O Sr. Eng.º Pedro de Sampaio Nunes: — Exatamente! Isso foi feito, foi preparado, no sentido de melhorar

e tornar o mais atrativa possível a EDP para a irmos privatizando por fatias com estes ativos.”

(Eng.º Pedro Sampaio Nunes, em Excerto da transcrição do seu depoimento à CPIPREPE)

Na CPIPREPE, Pedro de Sampaio Nunes foi o único depoente a considerar existir uma colisão destes

contratos com os dois primeiros pontos do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

(este tema é aprofundado no ponto 2.5 deste capítulo):

“1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as

decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afetar o

comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a

concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:

a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de

transação;

b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;

c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;

d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes

colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;

e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações

suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto

desses contratos.

2. São nulos os acordos ou decisões proibidas pelo presente artigo”.

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“Agora, se, por acaso, der razão a esta visão — o que me parece óbvio —, nessa altura, haverá uma

questão que tem de ser decidida: a dívida passa para as empresas, que, ao comprarem, tinham de fazer uma

due diligence e eram obrigadas a conhecer o direito aplicável e, por isso, compraram ativos a risco; ou a dívida

é do Estado, que vendeu «gato por lebre»? Neste último caso, a dívida passará para os contribuintes. De

qualquer forma, melhora muito a situação na energia: é que deixam de ser as famílias e as pequenas e médias

empresas e passam a ser os contribuintes a ter de pagar esse diferencial.”

(Eng.º Pedro Sampaio Nunes, Excerto da transcrição do seu depoimento à CPIPREPE).

No início do 2.º milénio, a liberalização do mercado de eletricidade e a abertura à concorrência foi

apresentada pelas instâncias comunitárias e pelos diferentes Governos que sucessivamente reiteraram a

vontade de construir um mercado ibérico da eletricidade concorrencial. De facto, a liberalização era uma

oportunidade para a redução de custos para os consumidores, assente na separação vertical das empresas do

setor e na cessação de contratos vinculados e com remunerações garantidas.

No entanto, essa promessa estava em contradição com a própria lógica de uma privatização assente no

valor económico de preços contratualizados. Por essa razão, a legislação de 2003 e 2004 que veio a

enquadrar a cessação dos CAE foi produzida com o objetivo expresso de manter o equilíbrio contratual dos

CAE, “permitindo, simultaneamente, a colocação em mercado da energia dessas centrais e o aumentando o

nível de risco até então enfrentado pelas operadores”.

(excerto de depoimento da Dra. Beatriz Milne nesta CPIPREPE, a propósito das razões pelas quais os

restantes operadores não cessaram os respetivos CAE).

2. Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC)

2.1. Introdução

A perspetiva de entrada em vigor do MIBEL, cujas primeiras intenções de construção datam de finais da

década de 90 e foram desde então reiteradas por diversos Governos e ratificadas pela Assembleia da

República (Resolução da Assembleia da República n.º 33-A/2004 ou Resolução da Assembleia da República

n.º 23/2006), e as imposições de várias diretivas europeias (sendo a de 2003/54/CE a mais recente à data),

obrigou à transição do sistema eletroprodutor português para um regime de mercado liberalizado. Porém, a

quase totalidade das centrais elétricas do país encontrava-se abrangida por contratos Contratos de Aquisição

de Energia (CAE), celebrados entre a REN e os produtores de eletricidade, que teriam de ser cessados para

dar lugar ao mercado.

Na preparação do processo legislativo para a transição para o mercado liberalizado, um dos pontos em

discussão entre o governo e os vários intervenientes no setor foi precisamente a forma de cessação desses

CAE.

Importa reconhecer à partida que, sendo Portugal um Estado de Direito e sendo os CAE contratos entre

duas partes, a sua cessação antecipada não poderia ser realizada unilateralmente. Caso o fosse, aplicar-se-

iam as cláusulas dos CAE para essa situação o que levaria ao pagamento de indemnizações incomportáveis

em favor dos produtores. Assim, a negociação e o acordo com os produtores era não apenas aconselhável,

mas necessária para a defesa dos interesses nacionais.

A ERSE argumentou a favor de uma negociação aberta pelo Estado junto dos produtores com vista a

estabelecer, com o mecanismo de transição, novas condições económicas e financeiras. Do lado dos

produtores, havia uma firme oposição à redução dos níveis de rentabilidade garantidos nos CAE.

Essas negociações existiram e tiveram como resultado os acordos de cessação dos CAE no co caso da

EDP e não tiveram sucesso com os demais operadores titulares de CAE. Mantendo essa situação até hoje.

Segundo as palavras da Dr.ª Beatriz Milne nesta Comissão, os outros operadores não iriam aceitar passar

para uma situação com maior risco.

O Decreto-Lei n.º 185/2003, aprovado pelo Governo PSD/CDS liderado por Durão Barroso, estabelece as

regras gerais para a criação do MIBEL e define a necessidade de cessação dos CAE e da criação de medidas

compensatórias no processo de transição para o mercado. Estas medidas dariam forma a “um mecanismo

destinado a manter o equilíbrio contratual subjacente, designado por custos para a manutenção do equilíbrio

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contratual” (artigo 13.º). O mesmo ponto remete para diploma específico o desenho deste mecanismo, as

formas de pagamento e de repercussão nas tarifas.

Também a ERSE, no respetivo parecer de Maio de 2004 ao projeto a legislação dos CMEC, referiu a

necessidade de existência de medidas compensatórias.

É neste contexto que o Decreto-Lei n.º 240/2004 vem definir as condições da cessação dos CAE e as

medidas compensatórias no processo de transição para o mercado. A preparação deste diploma, a sua

redação final e a legislação subsequente, são elementos fundamentais para clarificar os impactos destas

medidas nas tarifas pagas pelos consumidores. Nos trabalhos da CPIPREPE, foram abordados três grandes

tópicos quanto ao período de preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004:

● O primeiro é sobre a necessidade de manutenção do equilíbrio contratual dos CAE na passagem para o

mercado liberalizado. Perante a necessidade de alteração à legislação nacional por força da legislação

europeia de 1996 e 2003, e sendo à data o Estado Português detentor da REN e acionista de controlo da

EDP, importa apurar se o governo teria margem legal e política para, nesta transição, negociar condições mais

vantajosas para os consumidores;

● O segundo ponto é sobre a efetiva manutenção do equilíbrio contratual dos CAE no Decreto-Lei n.º

240/2004 e na legislação subsequente. Tomando o anunciado objetivo de neutralidade económico-financeira

do Decreto-Lei n.º 240/2004, importa aferir a manutenção de condições equivalentes na transição dos CAE

para os CMEC. Assim, sempre que não sejam mantidas condições equivalentes, importa quantificar

disparidades, identificar responsáveis e medidas para a sua correção;

● O terceiro ponto diz respeito ao enquadramento da manutenção do equilíbrio contratual no quadro

legislativo europeu em matéria de concorrência. Neste ponto, foram levantadas dúvidas na CPIPREPE sobre o

processo de aprovação pela Comissão Europeia (CE) dos mecanismos de ajuda de Estado associados ao

Decreto-Lei n.º 240/2004. Foram interpelados os representantes dos governos da época e analisada a troca

de correspondência entre o governo e as autoridades europeias. Importa, portanto, averiguar a qualidade

deste processo e das decisões europeias.

Estes três pontos serão discutidos separadamente nas seções 2.3, 2.4 e 2.5 respetivamente. Para um

melhor enquadramento, o presente capítulo inicia-se com uma breve descrição dos acontecimentos

respeitantes ao período preparatório do Decreto-Lei n.º 240/2004, na qual é exposto o encadeamento dos

factos relevantes e da produção de informação disponível no momento da decisão política. A secção 2.6

apresenta as principais conclusões e recomendações da CPIPREPE sobre os assuntos discutidos neste

capítulo.

Por fim, importa referir que a aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 implicava decisões e legislação

subsequentes, em particular para o período posterior aos CAE, fosse quanto à concessão do domínio público

hídrico fosse quanto aos termos legais e económicos da continuidade da exploração da central termoelétrica

de Sines. Por terem sido objeto de particular atenção da CPIPREPE, estes temas serão analisados em

capítulos próprios deste relatório.

2.2. Breve descrição dos acontecimentos

A preparação da legislação relativa aos CMEC é um processo que decorre ao longo dos anos 2003 e 2004

e que culmina na publicação do Decreto-Lei n.º 240/2004, em dezembro, e na homologação dos contratos de

cessação dos CAE da EDP, já no início de 2005. Durante os primeiros meses de 2004, os gabinetes do

ministro Carlos Tavares e do secretário de Estado Franquelim Alves mantiveram várias reuniões em paralelo

com ERSE, AdC e REN bem como com os representantes dos produtores (EDP, Turbogás e Tejo Energia). A

DGEG participa também neste processo desde cedo, pelo menos de forma passiva, como comprova a troca

de correspondência entre o Governo e a REN sobre o projeto do DL. Mais tarde, é a própria DGEG que

notifica os serviços da Direção Geral da Concorrência da Comissão sobre a preparação da legislação dos

CMEC.

Após mais duas cartas de esclarecimento aos serviços da CE, várias reuniões entre o Governo português e

Bruxelas, a Comissão aprova o mecanismo de Auxílio Estatal, não levantando quaisquer objeções ao Decreto-

Lei n.º 240/2004.

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Durante o verão de 2004, o governo do primeiro-ministro Durão Barroso é substituído pelo de Santana

Lopes. É já o novo Secretário de Estado, Manuel Lencastre, a receber os pareceres da DECO e do Instituto do

Consumidor, que se queixam dos prazos de resposta que lhes foram dados e da falta de meios técnicos que

dispõem para elaborar um parecer sobre uma legislação de natureza tão complexa. Ao mesmo tempo,

chegam também os comentários da EDP, Turbogás e Tejo Energia.

2.3. A manutenção do equilíbrio contratual foi uma escolha política tomada entre um conjunto de

opções

Esta secção é dedicada à primeira decisão política do governo sobre o processo de cessação dos CAE na

transição para o MIBEL. O governo português assumiu a vontade de manter o equilíbrio contratual e ressarcir

integralmente os produtores pela cessação antecipada dos CAE. Esta vontade é anterior à preparação do

Decreto-Lei n.º 240/2004. Já faz parte do Decreto-Lei n.º 185/2003, que estabelece as regras gerais para a

criação do MIBEL. No artigo 13º deste diploma são definidos os objetivos e as justificações para a introdução

dos Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC):

“A cessação dos contratos vinculados a que se refere o número anterior implica a adopção de medidas

indemnizatórias, tendo em vista o ressarcimento dos direitos dos produtores através de um mecanismo

destinado a manter o equilíbrio contratual subjacente, designado por custos para a manutenção do equilíbrio

contratual (CMEC).

Os CMEC deverão garantir a compensação dos investimentos realizados e a cobertura dos compromissos

nos CAE que não sejam garantidos pelas receitas expectáveis em regime de mercado.”

Refira-se que os CAE continham disposições detalhadas e específicas dedicadas às

indemnizações/compensações a pagar aos respetivos titulares, no caso de cessação antecipada, motivadas

por razões não imputáveis aos produtores. Estas indemnizações/compensações implicavam o pagamento

integral e à cabeça do valor dos contratos em vigor.

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Nos seus trabalhos, a CPIPREPE procurou identificar as razões que levaram o governo português a adotar

o modelo do equilíbrio contratual como base para a transição dos CAE para o mercado, em detrimento de

outras alternativas que pudessem ter menor impacto nas condições de mercado e na fatura dos consumidores

de eletricidade. Nesta secção, apresentam-se as alternativas propostas pela ERSE e pela AdC nos diferentes

pareceres que entregaram ao governo em 2004 e analisam-se ainda as posições do governo bem como dos

produtores de eletricidade de então.

2.3.1. Posição da ERSE

Em fevereiro de 2004, a ERSE envia ao Governo um documento com comentários preliminares à versão de

trabalho do Decreto-Lei n.º 240/2004 e, em maio de 2004, remete o parecer oficial sobre o mesmo diploma.

Nestes dois momentos, o regulador opina sobre os aspetos jurídicos relacionados com a cessação dos CAE e

entrada em vigor dos CMEC.

Segundo a ERSE, a cessação dos CAE é imposta pela aprovação de uma diretiva europeia, evento alheio

à vontade do Estado português. Ora, segundo a ERSE, esse facto altera as circunstâncias indemnizatórias

previstas nos CAE e abre espaço ao governo para negociar outra solução com os produtores.

“Por força desta Directiva, os contratos de aquisição de energia celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º

183/95 deixam de poder vigorar na ordem jurídica interna, determinando a sua caducidade.

Esta circunstância altera profundamente os termos e as disposições aplicáveis ao regime indemnizatório

previsto quer no citado diploma quer no respectivo contrato.

Esta alteração decorre desta Directiva Comunitária, impondo-se quer à vontade do Estado Português quer

à vontade das partes contratantes.

Com efeito, o direito comunitário, nos termos da Constituição da República Portuguesa, tem primazia sobre

o direito nacional. Daqui resulta que o equilíbrio contratual há-de decorrer, não nos termos expressos

contratuais, mas das novas circunstâncias, segundo juízos de equidade. Quer isto dizer que as modificações

ao contrato para salvaguarda do seu equilíbrio têm pleno enquadramento nos princípios estabelecidos no

artigo 437.º do Código Civil (CC) que dispõe sobre a resolução ou modificação do contrato por alterações das

circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar”

(comentários preliminares ERSE).

No seu parecer de maio de 2004, a ERSE completa:

“A extinção dos CAE por imperativos da obrigatoriedade do cumprimento da Directiva 2003/54/CE altera

profundamente, em termos estritamente jurídicos, as condições aplicáveis ao regime indemnizatório previsto

no Decreto-Lei n.º 183/95 e nos respectivos contratos de vinculação. É que esta extinção impõe-se

objectivamente quer à vontade do Estado Português quer à vontade das partes contratantes.

Na verdade, o direito comunitário tem primazia sobre o direito nacional, sendo certo que o Estado

Português está sujeito ao cumprimento obrigatório da transposição para o direito nacional das Directivas

Comunitárias. Esta realidade altera significativamente as circunstâncias legais e factuais em que as partes

fundaram a celebração do contrato. Ora, a modificação das circunstâncias em que as partes celebraram os

CAE tem previsão na disciplina do artigo 437.º do Código Civil. Ou seja: a extinção dos CAE por força da

transposição da Directiva 2003/54/CE, ou pela sua invocação, altera as circunstâncias indemnizatórias

previstas no Decreto-Lei n.o 183/95”.

(Parecer da ERSE ao projeto de decreto-lei 240/2004)

Com base nestes argumentos jurídicos, a ERSE assumindo explicitamente que seria necessário

compensar os produtores pela cessação antecipada dos CAE, preconiza a abertura de negociações com os

produtores, por parte do governo, com vista a obter melhores condições para os consumidores no mecanismo

de transição para mercado, uma vez que a cessação dos CAE resulta de imposição europeia e não da

vontade do Estado Português.

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Durante a audição na CPIPREPE, Jorge Vasconcelos dá o exemplo do que se passou em Espanha na

transição de um quadro legal estável (que garantia aos produtores uma remuneração através de valores

publicados anualmente pelo governo espanhol) para o quadro do MIBEL:

“O que o governo espanhol fez foi chamar os produtores, sentá-los à mesa da negociação e dizer: minhas

senhoras e meus senhores, vamos liberalizar o setor espanhol, não podemos continuar a dar estas garantias,

vamos negociar uma solução de transição em que não vamos, pura e simplesmente, eliminar toda e qualquer

forma de garantia, vamos, sim, dar aos produtores uma garantia transitória — o mecanismo que foi

implementado em Espanha chamava-se, de facto, custos de transição para a concorrência (CTC), que são os

nossos CMEC, no fundo — e vamos, já aqui à cabeça, negociar um desconto e esse desconto foi de 30%.”

(Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1997-2007)

Assim, a posição oficial da ERSE, presente nos vários pareceres da entidade reguladora sobre o Decreto-

Lei n.º 240/2004, era a de que haveria margem legal para uma negociação com os produtores no sentido de

obter condições mais favoráveis para os consumidores e para o próprio funcionamento do mercado.

2.3.2. Posição do Governo

A seguir-se a letra dos CAE, os produtores teriam de ser indemnizados não apenas pelo valor residual das

centrais, mas também pelo valor dos lucros cessantes. Ora, esta indemnização assumiria claramente um valor

incomportável para o Orçamento do Estado ou para os consumidores de energia elétrica.

Assim, o governo de Durão Barroso optou por desenhar um mecanismo que evitava o pagamento das

compensações previstas à cabeça, e recuperar através das receitas auferidas no mercado de eletricidade

pelos produtores pelo menos parte da compensação que lhes era devida. O remanescente da compensação

para assegurar a manutenção do equilíbrio contratual seria então o designado CMEC.

Assim, desde cedo, a posição do ministro Carlos Tavares foi a de cessar os CAE e adotar um novo quadro

regulatório que oferecesse aos produtores condições equivalentes aos anteriores contratos, mas optando por

desenhar um mecanismo que evitava o pagamento das compensações previstas àcabeça, e recuperava aos

produtores, através das receitas auferidas no mercado de eletricidade, pelo menos parte da compensação que

lhes era devida. O remanescente da compensação para assegurar a manutenção do equilíbrio contratual seria

então o designado CMEC.

Nos documentos a que a CPIPREPE teve acesso, assim como nas declarações em audição dos

representantes e assessores do governo responsáveis pela elaboração do Decreto-Lei n.º 240/2004, registam-

se quatro argumentos principais para a adoção de um sistema de manutenção do equilíbrio contratual pré-

existente.

a) Impossibilidade de negociação por blindagem dos CAE

Ao longo das várias audições a membros do governo no período de preparação dos CMEC (2003-2005), foi

claro o argumento jurídico de que os CAE eram muito blindados e que só um acordo entre os produtores e o

governo poderia desfazer os CAE. Uma prova disso, dizem os membros de governo na comissão, é o facto de

haver dois produtores, Turbogás e Tejo Energia, que não chegaram a acordo com a REN e com o governo

para a transição para os CMEC e ainda hoje mantêm os seus CAE.

Assim, assumir uma posição negocial que alterasse os valores e os direitos garantidos à EDP nos CAE, tal

como foi feito em Espanha, não seria possível para o governo de então. O principal argumento para a não

negociação é a existência de um contrato, instrumento que não existia em Espanha, tido como inalterável pelo

governo, como argumentam Ricardo Ferreira e João Conceição na CPIPREPE:

“Se alguma coisa fosse forçada ou alterasse de alguma forma o equilíbrio contratual, a cláusula lender of

last resort, que estava nos CAE, seria invocada. Isto quer dizer que no dia a seguir esses produtores

entregariam a chave, as pessoas, e diriam: «Olhem, quero os lucros cessantes, por favor, e o valor residual»

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se o houvesse ou coisa que o valha. Portanto, a cláusula era deste género. Na resposta que dou às objeções

feitas pela Autoridade da Concorrência nacional [Nota enviada pelo ministro Carlos Tavares a Abel Mateus,

abril 2004], penso que faço lá uma menção a essa cláusula — lender of last resort”.

(audição Ricardo Ferreira, adjunto do ministro Carlos Tavares)

“A EDP tinha um contrato com uma outra entidade que lhe dava um conjunto de direitos e o que o Estado

estava a pedir à EDP era para, simplesmente, anular esse contrato. Esta é uma realidade (…) bastante

diferente do que acontecia em Espanha. É que, em Espanha, os CTC estavam assentes num direito atribuído

aos produtores por legislação e, como é óbvio, o governo e o legislador, o parlamento, são soberanos para

alterar a legislação. O caso em Portugal era bastante diferente, pois a EDP tinha nas mãos um contrato muito

rígido e muito protetor do produtor.”

(audição João Conceição, assessor do secretário de Estado Franquelim Alves)

O Governo da altura discorda da opinião da ERSE segundo a qual haveria margem para baixar a

rentabilidade. E a prová-lo, argumentam os depoentes, estava o facto de ter havido centrais que nem sequer

aceitaram a manutenção do equilíbrio contratual.

Por seu turno, soluções como a adotada em Espanha não estariam ao alcance do Governo Português

porquanto a situação nacional se caraterizava pela existência de contratos, inexistentes em Espanha.

Finalmente, e como adiante se verá, vários depoentes apontam a realidade fáctica de que a própria

Comissão Europeia aprovou o mecanismo de manutenção de equilíbrio contratual, o que de per se indicia que

não haveria espaço a redução das rentabilidades.

b) Proteção da EDP como companhia portuguesa

No caso de o governo optar por alternativas aos CMEC, por exemplo abrindo concurso para centros

electroprodutores, as empresas espanholas passariam a poder operar centrais em território português,

ganhando uma vantagem competitiva no mercado ibérico, uma vez que a EDP não teria a possibilidade de

fazer o mesmo do lado de Espanha, onde os CTC já estavam aprovados.

Esta linha de argumentação ficou bem explícita na resposta do governo. Na resposta do Ministério da

Economia ao parecer da Autoridade da Concorrência, que propunha um modelo de leilões de capacidade

virtual como alternativa aos CMEC, fica claro que o governo português pretendeu proteger a posição relativa

da EDP no nascente mercado ibérico:

“Um exemplo claro é a própria forma que Espanha encontrou para compensar os seus produtores não

recorrendo a leilão de capacidade virtual de geração. Seria extremamente gravoso, não apenas para o sector

elétrico nacional a nível de empresas (estas passariam a ser meros executantes de instruções de operação e

manutenção das centrais, a mando de quem arrematou essa capacidade de produção; implicaria perder a já

reduzida capacidade de gestão de caudais de água provenientes de Espanha), mas também para o nível de

concentração ibérico no que respeita a capacidade geradora. Note-se que a EDP, a nível ibérico, dispõe de

uma quota de produção de cerca de 10,3% contra 33,9 da Endesa e 21,2% da Iberdrola. Naturalmente, se

fosse promovido um leilão da capacidade de produção da EDP, correr-se-ia o risco de aumentar ainda mais a

concentração no mercado Ibérico, com os perigos que isso implicaria através de um eventual abuso de

posição dominante daquelas empresas”.

(Resposta do Ministro Carlos Tavares ao Parecer da Autoridade da Concorrência, abril 2004)

A mesma posição foi reforçada pelo próprio ex-ministro Carlos Tavares na CPIPREPE, realçando a

importância de uma decisão estratégica que impedisse que a posição da EDP na operação dos centros

electroprodutores nacionais fosse ganha por empresas espanholas:

“Os Senhores Deputados, se calhar, também têm de recuar 15 anos e perceber qual era o ambiente da

altura a respeito dos centros de decisão nacional e, sobretudo, na área da energia, que levaram até o

Presidente da República da altura a convocar uma conferência sobre os centros de decisão nacional no setor

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da energia. E eu queria saber o que é que aconteceria se nós tivéssemos feito um mecanismo de leilão dos

CAE em que a posição da REN fosse substituída pela da Iberdrola, pela Endesa, ou por um outro qualquer e

em que a EDP passasse a atuar apenas como agente dos produtores espanhóis”.

(audição Carlos Tavares, Ministro da Economia, 2002-2004)

c) Valorizar a EDP nas vésperas da sua privatização

Outro ponto em discussão na CPIPREPE foi o impacto que a cessação dos CAE teria no valor da EDP do

qual o Estado português era também acionista, detendo 25% da empresa. Em 2004, os CAE representavam

uma parte significativa do valor da EDP, como declarou na CPIPREPE João Talone, CEO da EDP à data da

preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e da cessação dos CAE:

“Na altura, o valor que era atribuído aos CAE pelos analistas independentes do mercado era,

aproximadamente — aqui é que não tenho a certeza do número —, entre 30% a 33% do valor da EDP.

Portanto, o valor dos CAE, para efeitos da visão que o mercado tinha da empresa — o mercado global,

americano, europeu, mercado de capitais —, representava cerca de 30% do valor da empresa.”

(audição João Talone, presidente da EDP, 2003-2006)

Dada a importância destes contratos no valor da EDP, Pedro Sampaio Nunes, secretário de Estado do

governo que aprovou o Decreto-Lei n.º 240/2004, admitiu que na transição dos CAE para os CMEC que na

sua opinião terão pesado as perspetivas futuras de privatização da EDP e o maior encaixe que o Estado teria

nesta operação se a EDP estivesse resguardada por garantias semelhantes aos CAE:

“Na questão dos CMEC da EDP acho que havia sempre essa preocupação, porque, mesmo na altura em

que fui Secretário de Estado, em 2004-2005, já não havia dinheiro nenhum — acho que isto é permanente em

todos os governos. Não havia dinheiro nenhum e havia que encontrar meios e inventar recursos para

podermos ter alguma disponibilidade orçamental e, eventualmente, pesou o facto de se poder «engordar o

porco», como é costume dizer-se, numa futura privatização da EDP. Ninguém, na altura, imaginou as

consequências dramáticas que isso traria, a prazo, na evolução exponencial dos custos de interesse

económico geral e da dívida tarifária.

(audição Pedro de Sampaio Nunes, Diretor de energia na Comissão Europeia e Secretário de Estado da

Ciência e Inovação 2004-2005)

d) Honrar os compromissos assumidos com os investidores nas anteriores fases de privatização da

EDP

Sendo certo que, como todos os depoentes a quem foi colocada a questão concordaram, o valor dos CAE

foi diretamente incorporado no valor do ativo EDP e, nessa medida, pago pelos investidores privados ao

Estado Português nas operações de privatização de 70% do respetivo capital, não se podia simplesmente,

com a introdução dos CMEC, retirar as garantias prestadas e vendidas com o valor da privatização.

Com efeito, como foi por diversas vezes referido nesta CPIPREPE, por vários depoentes, em nome da

credibilidade e da boa imagem do Estado Português e, também, em ordem a evitar litigância nos tribunais

internacionais, era importante que os CMEC assegurassem um nível de garantias equivalente aos dos CAE,

pagos na privatização pelos investidores.

2.3.3. Posição dos produtores

Nas várias audições da CPIPREPE aos principais responsáveis da EDP, ficou claro que a posição da

empresa em 2004 era a de se proteger nas cláusulas que vigoravam nos CAE e tentar impedir qualquer

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acordo de transição para o mercado que não correspondesse a uma situação similar em termos económicos e

financeiros.

A negociação do diploma dos CMEC foi feita, por parte da EDP, com estes pressupostos, de acordo com

as palavras de Pedro Rezende na CPIPREPE, confrontando o próprio conceito de compensação por custos

ociosos que esteve na base da autorização da Comissão Europeia dada ao Decreto-Lei n.º 240/2004:

“Não são custos ociosos do sistema, o que há é contratos, portanto, ou o Estado mantém os contratos, ou

quebra os contratos e paga a indemnização lá prevista, ou alguém encontra um meio-caminho (…) São

situações diferentes e a própria Comissão aceitou que era diferente, verificou, auditou e aprovou.”

(audição Pedro Rezende, administrador da EDP 2003-2006)

No entanto, quando questionado na CPIPREPE sobre o quadro negocial entre a EDP e o Estado, que em

2004 era acionista de controlo da EDP (os acionistas de referência da EDP não estatais – BCP, Iberdrola e

Brisa – detinham apenas 12% do capital da empresa), João Talone responde:

“Eu estava preparado – embora houvesse uma imposição da União Europeia – para não abrir os CAE, da

mesma forma que a Tejo Energia e a Turbogás não abriram os CAE. Nessa altura o Estado teria de chamar

uma assembleia geral, pôr o assunto à assembleia e, se tivesse maioria, destituir a administração e nomear

outra".

(audição João Talone, presidente da EDP 2003-2006)

Assim, resulta evidente que o Estado tinha os meios para fazer valer no Conselho de Administração da

EDP o seu entendimento político. Se este fosse outro – por exemplo, introduzir os CMEC mediante revisão

das condições do equilíbrio contratual dos CAE – teria podido impô-lo sem risco de litigância com a empresa.

Resulta também evidente que se tratou de uma opção política, entre o Estado acionista e o Estado legislador,

conforme foi trazido à CPIPREPE por Eduardo Catroga e Jorge Vasconcelos (conforme se verá

seguidamente). Este depoente chama a atenção para o facto de o Estado acionista ser o mesmo que definia

as regras, em proveito próprio, pelo que se se demonstrar que houve algum tipo de rendas, no final do dia

beneficiou o próprio Estado.

A mesma situação não se verificava na Tejo Energia e na Turbogás, cujas estruturas acionistas não eram

controladas pelo Estado e que recusaram a cessação dos seus CAE.

“O Decreto-Lei n.º 240/2004 não era um imperativo legal, não obrigava. A publicação do decreto-lei não

acabava com os CAE; era preciso um acordo de cessação e, portanto, (…) uma avaliação por parte dos

produtores para concluir se o regime de CMEC era adequado ou não”.

(audição Beatriz Milne, presidente executiva da Tejo Energia).

2.3.4. Notas finais

No processo de cessação dos CAE e transição para mercado, o governo recebeu argumentos jurídicos da

ERSE que defendiam a viabilidade legal de uma revisão do equilíbrio contratual e propostas de modelos

alternativos aos CMEC por parte da AdC e da ERSE, designadamente um modelo de leilões de capacidade

virtual.

Adicionalmente, a existência de contratos com cláusulas específicas sobre a sua cessação por motivos não

imputáveis aos produtores, terá pesado na opção política pelos CMEC em 2004 e poderá, também, ter evitado

custos maiores. Afigura-se este um possível fator diferenciador, eventualmente não devidamente valorizado

pela ERSE na comparação entre os casos Português e Espanhol. De qualquer forma, o facto que se constata

sem dúvida é que a Comissão Europeia veio a aprovar o mecanismo de manutenção do equilíbrio contratual,

demonstrando considerar não haver espaço para a redução de remunerações.

Na opção do governo pelo modelo dos CMEC em 2003/2004, pesaram os direitos contratuais vigentes, ao

abrigo dos CAE, nos termos dos quais o mecanismo de compensação deveria assegurar, no mínimo, uma

neutralidade financeira face à situação anterior. Relevou ainda a consideração da importância dos CAE no

valor da EDP e a posição da empresa face à concorrência espanhola no futuro mercado ibérico. Ambas as

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preocupações devem ser lidas à luz do processo em curso de privatização da empresa. Note-se que, poucos

dias depois da entrada na Assembleia da República do pedido de autorização legislativa que levava em anexo

o projeto do decreto-lei que criou os CMEC, foi aprovado com o Decreto-Lei n.º 218-A/2004, de 25 de outubro,

autorizando o aumento de capital da EDP que reduziu a participação do Estado de 31% para 25%.

O contexto da criação dos CMEC é resumido nas palavras do então presidente da ERSE, Jorge

Vasconcelos, proferidas na CPIPREPE:

“O que está aqui em causa é uma questão de fundo que tem a ver com um conflito interno num Estado que

é, ao mesmo tempo, legislador e proprietário de empresas, e, sobretudo, em processos de privatização […].

Portanto, esse conflito existe e não vale a pena sermos ingénuos, pois a única forma de tentar minimizar os

inconvenientes desse conflito é criarmos mecanismos de contrapoderes, mecanismos de transparência que

obriguem a escolhas claras”.

(audição Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1995-2006)

A manutenção do equilíbrio contratual dos CAE foi uma decisão política do governo Durão Barroso,

consumada já sob o governo Santana Lopes com a aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004, sob a autorização

legislativa do Parlamento Português, através da Lei n.º 52/2004. Embora só tenha sido concretizada através

do cumprimento das clausulas suspensivas constantes dos Acordos de Cessação Antecipada dos CAE e com

a parametrização adicional. Tais factos ocorreram durante o Governo do Eng.º José Sócrates.

Outro tipo de decisão poderia ter implicado custos superiores para o Orçamento do Estado ou

consumidores, nomeadamente se se tivesse optado por cessar os contratos e indemnizar, conforme neles

previsto. As incertezas que um leilão posterior geraria e os problemas que daí poderiam advir, mesmo para a

segurança do abastecimento nacional, poderão ainda justificar a opção tomada de não se enveredar pelo

caminho do concurso.

2.3.5. Da efetiva manutenção pelos CMEC do equilíbrio contratual dos CAE

Nos comentários preliminares que enviou ao governo em fevereiro de 2004, a ERSE alertava para a

existência de ”obrigações leoninas para uma das partes, sendo disso beneficiário o produtor”, o que

subverteria a própria manutenção do equilíbrio contratual dos CAE. A ERSE resume assim a sua avaliação

jurídica:

“Os CMEC não podem resultar na previsão de novos contratos ou na renovação, mais ou menos implícita,

dos anteriores, que confiram a uma das partes mais direitos ou garantias superiores aos emergentes dos

contratos originários. O diploma dos CMEC deve, pois, encontrar o justo equilíbrio. Contudo, no projeto em

apreço não está ainda encontrado este equilíbrio”.

Em setembro de 2017, no cálculo da revisibilidade final do CMEC, a ERSE quantifica um valor total de

510M€ pagos excessivamente aos produtores neste regime em comparação com o que estava previsto no

Decreto-Lei n.º 240/2004:

“São evidenciadas algumas das alterações ao regime vigente aquando da introdução do regime dos

CMEC, designadamente obrigações ou direitos das partes contratantes dos CAE, que cessaram com a

introdução daquele novo regime. Estas alterações resultaram num quadro menos restritivo para os detentores

dos centros electroprodutores do que o que vigorava inicialmente. Ainda neste âmbito procura-se, quando

possível, quantificar os efeitos decorrentes da passagem para o regime dos CMEC, revisitando alguns dos

aspetos que haviam sido assinalados nos pareceres da ERSE ao diploma que instituiu este novo regime.

Em particular, são apresentados os efeitos da aplicação de taxas de juro diferentes para a atualização dos

cash-flows associados aos CMEC e para as rendas anuais a pagar pelos consumidores entre 2007 e 2013, já

referidos no passado pela ERSE. O acréscimo de custos associado à aplicação de taxas diferentes nesse

período foi avaliado em cerca de 125 milhões de euros. Contudo, grande parte desse efeito poderá ser

revertido sem pôr em causa os princípios económicos e financeiros, com a publicação de uma nova taxa para

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a renda anual da parcela fixa dos CMEC igual à taxa a aplicar à renda anual do ajustamento final dos CMEC.

A aplicação de uma nova taxa para parcela fixa dos CMEC poderá diminuir esse efeito em cerca de 85

milhões de euros.

Para além desse efeito da aplicação do regime dos CMEC, foram igualmente apurados os impactes

decorrentes doutros efeitos, como sejam (i) ausência de testes de disponibilidade dos centros eletroprodutores

durante o período de 2007 a 2013, (ii) a aplicação de um fator de correção das produções resultantes do

modelo Valorágua ou ainda (iii) a metodologia de apuramento dos custos com licenças de emissão de CO2.

Atendendo a todos estes efeitos avaliados para o período I, estima-se que tenham existido custos

acrescidos para o sistema na ordem dos 510 milhões de euros”.

Nesta secção, abordam-se estes quatro pontos levantados pela ERSE e recuperam-se os principais

argumentos que foram discutidos na CPIPREPE sobre estes temas.

Para além destes quatro pontos, foram discutidos na CPIPREPE mais dois temas, resultantes da

aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004, passíveis de configurar uma renda excessiva paga aos produtores de

energia: a extensão da concessão do domínio público hídrico e a prorrogação da operação da central de Sines

sem qualquer compensação ao sistema. Estes dois temas serão discutidos nos capítulos 2 e 3,

respetivamente.

Exatamente sobre a temática da transição de CAE para CMEC e extensão do direito de utilização do

domínio público hídrico, também a Comissão Europeia foi chamada a pronunciar-se em diversos momentos.

São aspetos de relevar neste contexto, os seguintes:

a) Em 2004, tendo Comissão Europeia analisado e discutido o projeto de Decreto-Lei n.º dos CMEC,

impôs a introdução de diversos aspetos nesse texto, designadamente a existência de um período de

revisibilidade inicial (que veio a ser de 10 anos), um montante máximo para as compensações e aspetos

relativos à repercussão tarifária;

b) Em 2004 a CE aprovou o conteúdo do Decreto-Lei n.º dos CMEC que já continha os seguintes aspetos:

i. Utilização de taxas de juro distintas para a actualização de fluxos financeiros e cálculo da anuidade

da compensação;

ii. Utilização do modelo Valorágua;

iii. Necessidade de emissão de licenças de produção para as centrais cujos CAE fossem cessados

iv. Ausência de referências a realização de testes às disponibilidades das centrais;

c) Em 2013 a CE emitiu uma Decisão de investigação aprofundada, na qual afirma sobre o regime de

CMEC e após mais de 5 anos da sua aplicação (e portanto, após definição de taxas de juro, utilização do

Valorágua, emissão de licenças…) que “baseado na informação disponível à data não há evidência de que a

compensação aprovada tenha sido mal utilizada ou cessado a sua compatibilidade com o Mercado Interno”

d) Em 2017, emitiu uma decisão, após 5 anos de investigação do tema do domínio público hídrico,

afirmando que o valor pago pela EDP foi um valor justo e com referenciais de mercado. Mais afirmou a

Comissão Europeia que a utilização de uma única taxa de juro não é uma metodologia correta no caso da

determinação do valor do domínio público hídrico.

Assim, a CIPREPE foi confrontada com duas visões distintas sobre estas temáticas, importando avaliar da

sua validade.

2.3.6. Taxas de atualização diferentes

O Decreto-Lei n.º 240/2004 prevê a utilização de duas taxas diferentes para a atualização dos valores a

pagar pelos CAE e no cálculo das anuidades previstas para pagamento faseado da compensação inicial

apurada CMEC. De facto, inicialmente a taxa de atualização utilizada para o cálculo do valor inicial dos CMEC

foi de 4,85%, enquanto a taxa de juro de cálculo da anuidade foi de 7,55%, sendo reduzida para 4,72% em

2013 (ver sobre esta matéria o capítulo 6). A ERSE foi sempre crítica da utilização de taxas diferenciadas e

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manifestou esta posição já no parecer oficial que entregou ao governo durante o período preparatório do

diploma dos CMEC. Diz a entidade reguladora neste parecer:

“Os perfis de pagamento previstos nos CAE e nos CMEC devem ser financeiramente equivalentes o que só

é possível utilizando a mesma taxa na actualização dos valores a pagar pelos CAE e no cálculo das rendas

previstas nos CMEC. Só desta forma se garante a equivalência financeira entre os valores de pagamento

previstos nos CAE e os valores previstos nos CMEC.”

(Parecer da ERSE, Maio 2004)

Dez anos depois da entrada em vigor dos CMEC, no documento que faz o cálculo do ajustamento final em

2017, a ERSE continua a manter a mesma posição, afirmando que o princípio da neutralidade económica não

é cumprido com a existência de duas taxas:

“Não se encontra fundamento para a escolha de uma taxa utilizada para descontar os cash-flows dos

CMEC no cálculo do valor inicial (4,85%) significativamente inferior à taxa utilizada para o cálculo das rendas

anuais (7,55%) aplicadas a esses mesmos cash-flows no mesmo momento”

(Cálculo do ajustamento final, ERSE 2017)

No mesmo documento, a entidade reguladora defende que, se tivesse sido utilizada a mesma taxa para a

atualização dos valores a pagar pelos CAE e no cálculo das rendas previstas nos CMEC, a EDP teria de

devolver 125M€ ao sistema elétrico para que a neutralidade económica fosse cumprida.

Na sua audição na CPIPREPE, João Conceição, assessor no Ministério da Economia no período da

preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004, procurou refutar esta posição da ERSE. Para o ex-assessor, a

utilização de taxas diferenciadas justifica-se por dois motivos: 1) os períodos de recebimento dos CAE e

CMEC são diferentes; 2) os riscos de recebimento também não são comparáveis. Quanto ao período de

recebimento, diz João Conceição:

“Se fundíssemos todos os CAE num único, teria uma duração de 10 anos. Se fizermos a média com base

nos montantes de recebimento de cada CAE, portanto, a soma dos encargos fixos e dos encargos variáveis,

então, a média ponderada é um bocadinho mais longa, passa para 13 anos […]. Ora, o período de

recebimento, como os Srs. Deputados sabem, dos CMEC são 20 anos. Quando a ERSE se refere, nos seus

relatórios, a que entre 10, 13 ou 20 é mais ou menos a mesma coisa, confesso que fico um bocadinho

surpreendido…”

(audição de João Conceição)

Quanto à diferença de riscos entre CAE e CMEC, na CPIPREPE tanto João Conceição como mais tarde

João Manso Neto apontam o risco adicional nos CMEC associado à gestão da energia, em que os produtores

apenas recebem uma remuneração equivalente à dos CAE em condições de gestão eficiente, avaliadas pelo

modelo de otimização Valorágua. João Conceição argumenta:

“Se o produtor, numa perspetiva de CAE, tivesse a central disponível, automaticamente, não tinha qualquer

risco de funcionamento da central, porque todos os seus custos variáveis estavam assegurados; ao migrar

para um modelo de CMEC, em que o funcionamento do produtor é avaliado ano a ano com base numa lógica

otimizada de gestão centralizada que está associada à utilização do modelo Valorágua, pode haver aqui

diferenças, e existiram diferenças, que podem pôr um determinado risco ao produtor.”

(audição de João Conceição)

Aliás, João Manso Neto refere que o Decreto-Lei n.º 240/2004 faz o cálculo da compensação simplificando

a metodologia.

Com efeito, o Decreto-Lei n.º 240/2004 desconta à mesma taxa de juros os cash flows associados quer aos

CAE, quer às estimativas das receitas líquidas a auferir pelos produtores em mercado.

Afirma João Manso Neto que, pretendendo ser totalmente rigoroso, haveria que descontar o valor dos CAE

e dos primeiros 10 anos das receitas líquidas de mercado a uma taxa de juro mais baixa, porquanto são cash

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flows que não apresentam risco elevado. Os primeiros por serem um montante quase certo e os segundos por,

nesses primeiros 10 anos, estarem sujeitos a um mecanismo de revisibilidade que mitiga risco.

Já relativamente ao período de 10 anos após a revisibilidade final, vários inquiridos – nomeadamente Maria

de Lurdes Baia, João Conceição e Paulo Pinho, concordam com a tese de que as receitas líquidas estimadas

para esse período têm associado um nível de risco mais elevado e, por isso, poderiam ser sujeitas a uma taxa

de desconto mais alta.

Com efeito, durante a CPIPREPE, Maria de Lurdes Baía, Coordenadora da Área de Previsões Energéticas

da REN, afirmou que a revisibilidade anual associada é em si mesmo um mecanismo para mitigar este de

risco de desvios de produção, utilizando a posteriori as produções reais para corrigir as estimativas feitas com

o modelo Valorágua:

“Se olharmos para a questão dos ajustamentos anuais, ao fazermos a revisibilidade anual, estamos a

considerar os preços verificados. Ou seja, durante 10 anos foram salvaguardadas as variações de todas as

variáveis utilizadas no cálculo. (…) Para além disso, poderíamos dizer: «Mas há o risco da produção, porque

não são as produções reais». Realmente, não são as produções reais, mas há um fator de ajustamento das

produções. Ou seja, dentro desse mecanismo de mitigação de risco existe ainda um fator de ajustamento das

produções que é, ele próprio, um fator de mitigação de risco”.

(audição de Maria de Lurdes Baía)

Para além do risco de utilização do modelo Valorágua, João Conceição aponta também o risco de preço de

mercado para o produtor após o cálculo da revisibilidade final dos CMEC. Isto é, a partir do momento que é

feita esta revisibilidade, a remuneração proveniente dos CMEC não se altera e os produtores ficam sujeitos

aos riscos de mercado. Diz o ex-assessor do Governo:

“Um terceiro aspeto tem a ver com o facto de, durante o período dois, que começou em julho de 2017, o

produtor passar a ter riscos de mercado, porque o modelo de CMEC previa que fosse feita uma revisibilidade

final e definido o montante dessa revisibilidade, que era pago ao longo de 10 anos, e, a partir daí, o risco seria

total do produtor.”

(audição de João Conceição)

Maria de Lurdes Baía reconhece que este risco de mercado existe no período após a revisibilidade final e

admite “que poderia ser objeto de reflexão a introdução de um prémio de risco no cálculo da parcela de acerto

relativa ao ajustamento final”. Todavia, argumenta que este risco é tanto da EDP como dos consumidores.

“Realmente, existe o risco do preço — os preços de mercado são preços baseados nas médias históricas

— e existe o risco da produção. Mas também é bem verdade que o risco existe para os dois lados, pois

também existe para os consumidores. Por exemplo, neste momento, estamos com preços de mercado na

ordem dos 80 €/MWh. No estudo do ajustamento final os preços de mercado que estão lá incluídos não

chegam aos 50 €/MWh. Ou seja, a EDP está a ser beneficiada. Por outro lado, o ano passado foi muito seco.

Portanto, o risco de produção para a EDP no ano passado foi muito grande. Ou seja, vamos ter anos húmidos,

anos secos, e temos riscos para os dois lados: não são apenas para a EDP, são também para os

consumidores.”

(audição de Maria de Lurdes Baía)

O tema da utilização de duas taxas diferentes para a atualização dos CAE e dos CMEC foi também alvo de

comentários e exposições na CPIPREPE de académicos da área financeira, como o professor João Duque e o

professor Paulo Pinho.

João Duque, que realizou o seu estudo sobre esta matéria por solicitação da EDP, preconizou que “a

passagem de CAE para CMEC não é favorável à EDP. Não é favorável! Aliás, eu até diria que lhe é

ligeiramente desfavorável.”. João Duque manifestou uma opinião semelhante à de João Conceição e João

Manso Neto, argumentando que há um risco adicional nos CMEC que não existia nos CAE, e que está

relacionado precisamente com o período após a revisibilidade final. Para João Duque, este risco é suficiente

para justificar a aplicação de duas taxas diferentes:

“Dois cash-flowsidênticos com níveis de risco diferentes têm de ser descontados a taxas de custo de

oportunidade de capital diferentes. Ponto! Do ponto de vista técnico, é um erro — é um erro! — descontarem-

se dois fluxos de caixa com riscos diferentes à mesma taxa. (…) Se é verdade que, durante um período de

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tempo, ainda havia um preço de referência — salvo erro, de 50 € por unidade de medida elétrica —, a partir de

determinada altura, deixa mesmo de se considerar esse regime. Por isso, se, de 2007 a 2016, havia um

regime ainda algo protegido, a partir daí, de 2017 a 2027, há total desproteção. Por isso, de facto, não

estamos a comparar dois fluxos de caixa iguais.”

(audição de João Duque)

Paulo Pinho, que era administrador da REN em 2007, convergiu com Maria de Lurdes Baía, defendendo

que a revisibilidade é um mecanismo de mitigação do risco que faz equivaler as condições dos CAE à dos

CMEC no que toca ao risco dos produtores o que, portanto, não justifica a utilização de duas taxas de

atualização diferentes para a atualização do valor dos CAE e das receitas de mercado líquidas esperadas nos

dez primeiros anos.

“Os CMEC estavam sujeitos a um mecanismo de revisibilidade anual […] O que é que isto significa?

Significa uma coisa tão importante quanto isto: é que o risco dos CMEC é igual ao dos CAE!”

(audição de Paulo Pinho)

No entanto, Paulo Pinho reconhece o argumento de João Conceição e João Duque no que respeita ao

risco adicional nos últimos 10 anos dos CMEC, após a revisibilidade final. Defende, porém, sem apresentar

qualquer tipo de suporte objetivo e quantificado (ao contrário de João Duque) que esse risco é muito baixo,

uma vez que:

“Segundo a teoria financeira, se não houver financiamento por dívida […] o custo de capital depende

apenas de uma coisa: daquilo a que chamamos o risco sistemático do ativo que estamos a avaliar. Ou seja, o

risco que o acionista do produtor — não é o produtor — não consegue eliminar por diversificação”.

Segundo Paulo Pinho, nos últimos 10 anos dos CMEC, precisamente quando poderá haver o risco de

mercado, a totalidade das centrais abrangidas por CMEC são hídricas, que têm um risco sistemático baixo.

“É que o risco que é relevante, repito, posso chamar de «risco sistemático» e o risco sistemático das

centrais hídricas é baixo. O risco que é relevante para as centrais hídricas é: há chuva ou não há chuva e esse

nada tem a ver com o estado geral da economia”.

(audição de Paulo Pinho)

Assim, para Paulo Pinho, só seria possível considerar-se uma taxa diferente para a atualização do valor

dos CMEC se ela se aplicasse apenas aos 10 anos finais e se refletisse as condições dos centros

electroprodutores (na sua totalidade hídricas) que estivessem abrangidos pelos CMEC.

O que se poderia ter feito era descontar os fluxos de caixa desses centros eletroprodutores a uma taxa que

refletisse o custo do risco da hídrica, e só esses e só para esses anos em que não havia revisibilidade. Um

cálculo feito assim daria um valor completamente diferente daquele que veio a ser apurado.”

(audição de Paulo Pinho)

Assim, e em resumo, no cálculo do valor inicial do CMEC parece haver convergência entre muitas das

entidades ouvidas que deveria ter sido utilizada uma taxa de juro mais elevada para descontar os cash-flows

associados à expectativa de receitas de mercado no período pós revisibilidade final.

De acordo com João Duque, a utilização desta metodologia mais rigorosa poderia ter atribuído à EDP uma

compensação superior avaliada em 1,2 mil milhões de euros, ao invés da de 832 milhões de euros que

recebeu.

Mas, fica por dirimir a questão da taxa da anuidade associada ao pagamento do CMEC inicial. Várias

entidades defendem que essa taxa deveria ter sido inferior aos 7,55% que foram fixados na altura, associada

ao custo médio de capital do produtor.

Facto é que, segundo João Duque, essa taxa deveria de facto ter sido inferior e que esse aspeto terá

beneficiado a EDP. No entanto, este aspeto apenas compensa parcialmente a perda na compensação por se

ter considerado uma única taxa para descontar os cash-flows. Assim, contas feitas e no computo geral, alega-

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se que a EDP poderá ter sido prejudicada no tema das taxas de juro. Esta é a opinião de João Duque, e

também de Miguel Ferreira da NOVA SBE.

Do exposto conclui-se que:

a) a utilização de uma única taxa de juro para descontar o valor dos CAE e das receitas em mercado foi

uma simplificação operada pelo Decreto-Lei n.º 240/2004.

b) Para se ser rigoroso dever-se-ia ter utilizado a taxa de 4,85% para descontar o valor dos CAE e as

receitas de mercado dos primeiros 10 anos de CMEC (período de revisibilidade anual) e uma taxa mais

elevada para descontar as receitas de mercado após 2017 (período em que não há revisibilidade anual).

c) A simplificação identificada em a) diminui o valor da compensação a pagar à EDP.

d) A taxa de juro associada ao cálculo da anuidade do CMEC inicial poderia ter sido mais baixa, atendendo

ao perfil de risco dos pagamentos.

e) No computo geral, suportado nas afirmações de depoentes e estudos quantificados apresentados, a

simplificação identificada em a) induziu uma perda à EDP que não foi totalmente compensada pelo eventual

benefício identificado em d).

Em novembro de 2012, esta questão é reaberta pelo governo no âmbito da aplicação da medida 5.6 do

Memorando de Entendimento com a troika, que estabelecia a “tomada de medidas visando limitar o

sobrecusto da produção de eletricidade em regime ordinário, em particular através da renegociação ou da

revisão em baixa do mecanismo de compensação garantida (CMEC) pago aos produtores em regime ordinário

e dos CAE remanescentes”.

No relatório “Report on the CMEC scheme”, existe uma citação contra a utilização de duas taxas no cálculo

do valor inicial dos CMEC e coloca explicitamente em causa a autorização dada em 2004 pela Comissão

Europeia ao Decreto-Lei n.º 240/2004:

“O aumento do valor contratual em relação ao valor inicial dos CAE através da metodologia usada nos

CMEC parece não ter sido considerado na Decisão da UE n.º 161/2004, que validou a compensação por

custos ociosos”.

Relatório “Report on the CMEC scheme”, enviado à troika pelo governo português em novembro de 2012.

Este aspeto merece ser mencionado, porquanto a Comissão Europeia, na posse de toda a informação no

ano de 2013, incluindo a que constava no relatório do governo de 2012, toma uma decisão em sentido

contrário – afirma explicitamente que não encontra evidência de má utilização do mecanismo CMEC ou de que

este tenha deixado de ser compatível com as regras comunitárias.

Na audição da Presidente da ERSE, Dr.ª Maria Cristina Portugal, a contradição entre as estimativas da

ERSE sobre o custo adicional para os consumidores (300 milhões, dos quais apenas 120 milhões foram

recuperados na sequência do acordo, celebrado em abril de 2012 ano entre a EDP e o governo, que esteve na

origem da redução da taxa de juro aplicada à componente fixa do CMEC, de 7,55% para 4,72% (portaria 85-

A/2013, ver também capítulo 9) e a correção de todo o mecanismo defendida pela Comissão Europeia, não foi

devidamente esclarecida.

Após várias intervenções na CPIPREPE sobre o uso de taxas diferentes para a atualização dos valores a

pagar pelos CAE e no cálculo das rendas previstas nos CMEC, fica clara a convergência entre intervenientes

sobre o tema relativamente à existência de uma metodologia simplificada decorrente do Decreto-Lei n.º

240/2004. Alguns depoentes manifestaram, no entanto, dúvidas sobre o nível das taxas de juro que deveriam

ter sido utilizadas, conforme acabou por concordar o Prof. Vítor Santos – ex-Presidente da ERSE – na sua

audição nesta CPIPREPE.

Conclusão

No que respeita ao impacto deste ponto na neutralidade económica dos CMEC em relação CAE, pode

concluir-se que:

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● Os governos envolvidos no processo de preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 tiveram conhecimento

das diferentes posições sobre este tema, nomeadamente o parecer crítico da ERSE quanto ao uso de duas

taxas para atualização dos valores do CAE e das rendas previstas nos CMEC;

● Sobre a segunda década de CMEC, após a revisibilidade final, os argumentos de João Conceição e

João Manso Neto sobre o aumento do risco pela exposição ao mercado coincidem com as posições de Maria

de Lurdes Baía e Paulo Pinho. Assim, os intervenientes na CPIPREPE que se debruçaram mais

detalhadamente sobre esta matéria convergem na ideia de que os riscos do CMEC na segunda fase de

implementação são superiores ao dos CAE, podendo assim considerar-se uma taxa diferente (ou um prémio

de risco) que refletisse esta diferença.

● Esta diferença resultou numa compensação CMEC menor para a EDP, tendo o Prof. João Duque e o

Prof. Miguel Ferreira estimado que a perda para a EDP poderá ter ascendido a várias centenas de milhões de

euros.

● Foi apresentado um fator que suaviza esta diferença, que é o do número de centrais da EDP abrangidas

pelo CMEC na segunda fase ser significativamente menor do que na primeira.

2.3.7. Testes de verificação da disponibilidade das centrais

Durante o período dos CAE, as centrais abrangidas por este mecanismo estavam sujeitas à verificação das

disponibilidades por parte da REN, no sentido de apurar se a disponibilidade contratualizada nos CAE estava

de facto a ser oferecida por cada central.

Esta possibilidade justificava-se na medida em que a REN era a entidade que decidia em cada momento o

que cada central deveria produzir. Assim, teria que ter informação sobre a disponibilidade das centrais para

produzir.

Atendendo a que a REN tinha ainda que garantir a segurança do abastecimento, estava previsto um

mecanismo de incentivos que premiava os produtores que apresentassem disponibilidades acima de um valor

de referência contratualizado no CAE.

Com a cessação dos CAE e sem obrigação explícita no Decreto-Lei n.º 240/2004, os testes passaram a

poder ser feitos no âmbito de um regime geral previsto no manual de procedimentos do gestor do sistema.

Aliás, isso mesmo assinou a REN no âmbito dos Acordos de Cessação de 2005, homologados pelo Eng.º

Manuel Lancastre.

Para a ERSE, a ideia de que não era possível realização dos testes de disponibilidade permitiria que as

declarações de disponibilidade efetuadas pelo produtor não correspondessem à disponibilidade real, em

particular para as centrais que produzem menos. Trata-se de um juízo de valor, não tendo a ERSE, no

entanto, apresentado em momento algum, prova, ou sequer indício, de que houve falseamento das

disponibilidades por parte dos produtores.

No relatório que suporta o cálculo do ajustamento final, a ERSE contabiliza em 285M€ os ganhos auferidos

pela EDP por níveis de disponibilidade superiores aos contratados:

“Ausência total deste tipo de testes, por não terem sido previstos no Decreto-Lei n.º 240/2004 nem nos

Acordos de Cessação, cria condições de impunidade para as centrais que não produzem, particularmente as

que não colocam ofertas de venda no mercado ou fazem ofertas que não são “casadas”, sendo assim

impossível verificar se a disponibilidade declarada é real. Como a remuneração da central está diretamente

associada à disponibilidade, o fim dos testes à disponibilidade das centrais incentiva as mesmas a declararem

uma disponibilidade superior à que efetivamente se verificava. Nestes casos, não é possível assegurar que os

encargos fixos que foram pagos aos produtores, muitas vezes corrigidos por excesso por via dos coeficientes

km, corresponda a uma disponibilidade efetiva das centrais.”

(Cálculo do ajustamento final, ERSE 2017)

Estes foram os argumentos técnicos de contestação do cálculo do regulador para o valor de ajustamento

de 285 M€.

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Em audição na CPIPREPE, João Conceição discordou da posição da ERSE e argumenta que a média

mensal das disponibilidades declaradas durante o período em que não houve verificação é inferior à do

período após 2014 em que houve verificação:

“O que a ERSE faz é simplesmente anular os valores de revisibilidade reais e utilizar o valor de referência

do [coeficiente de disponibilidade] KM=1. (…) Fazendo a média de todos os meses, de todas as centrais que

tiveram CAE e depois passaram para CMEC, entre 2001 e junho de 2007 — portanto, estamos a falar de

período CAE —, a média dos KM mensais de todas as centrais com CAE tem um valor de 1,039. A média do

período de julho de 2007 a julho de 2014, quando foi restituída, como os Srs. Deputados sabem, a realização

dos testes de disponibilidade, foi de 1,032. Fazendo a média do período de agosto de 2014 até junho de 2017,

o período remanescente já sujeito a testes de disponibilidade, e que a ERSE não questiona, dá um valor de

1,043. Ou seja, tenho uma grande dificuldade em perceber por que é que a ERSE, quando deveria usar

valores reais, simplesmente transforma a utilização do valor de referência, definido precisamente com base no

conceito de referência. Esse valor é definido, mas todas as outras variáveis são também variáveis de

referência e não variáveis reais. Tenho ainda mais dificuldade quando a média dos KM, durante o período em

que não foram realizados testes, foi a mais baixa de todos os períodos com CAE e durante o período com

testes”.

(audição de João Conceição)

Adicionalmente, Rodrigo Costa, presidente da REN, confirmou que a REN tem toda a capacidade para

detetar se os produtores estão ou não a emitir falsas declarações de disponibilidade.

Mais ainda, a própria ERSE admite que o valor de 285 milhões de euros não é o valor do impacto da

ausência de testes. Conforme reconhece a ERSE em cartas escritas à DGEG e que são do conhecimento da

CIPREPE, esses 285 milhões de euros são um cálculo elaborado num pressuposto específico que, no fundo,

responde a uma questão hipotética de quanto seria o pagamento aos produtores se a disponibilidade real

fosse igual à disponibilidade contratada.

A CIPREPE não tem conhecimento da base legal que pode ter permitido à ERSE a realização desse

cálculo. No entanto, a própria ERSE reconhece no seu relatório sobre o ajustamento final dos CMEC que a

obtenção deste valor iria requerer alterações legislativas.

Acrescente-se que o Secretário de Estado da Energia Jorge Seguro Sanches, também terá afirmado no

despacho de homologação do valor da revisibilidade final que essas alterações legais seriam de

constitucionalidade duvidosa.

Ficou claro o desacordo entre os vários intervenientes sobre o valor e o método de cálculo da ERSE que

quantifica os ganhos dos produtores relativos à suposta supressão dos testes de disponibilidade.

Porém, a questão central que a CPIPREPE pretendeu esclarecer foi a decisão política que levou à não

inclusão de um mecanismo de verificação de disponibilidade no Decreto-Lei n.º 240/2004. De facto,

independentemente de esta decisão ter vindo (ou não) mais tarde a consagrar-se num fator de desequilíbrio

económico dos CMEC em relação ao CAE, a não referência no Decreto-Lei n.º 240/2004 a estes testes abriu,

na opinião da ERSE, pelo menos essa possibilidade aos produtores.

O esclarecimento desta decisão ganha ainda mais relevância quando se sabe que, à data das decisões, o

governo tinha recebido alertas, tanto da REN como da ERSE, sobre as consequências da não inclusão no

Decreto-Lei n.º 240/2004 de um mecanismo de verificação das disponibilidades. Resume assim o parecer da

ERSE de 2004, que chegou ao governo durante a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004:

“Caso não sejam definidos os mecanismos necessários à verificação da disponibilidade dos grupos

electroprodutores, os produtores poderão fazer declarações de disponibilidade superiores às acordadas nos

CAE. Não podendo estas declarações ser verificadas a posteriori, traduzir-se-ão em pagamentos fixos pelos

CMEC mais elevados”.

(Parecer ERSE 2004)

Quando confrontados com esta decisão, os principais intervenientes no processo de preparação do

Decreto-Lei n.º 240/2004 argumentaram que os próprios mecanismos de mercado são um desincentivo à

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172

declaração de disponibilidades acima das reais e que, portanto, não era necessário incluir estes testes no

diploma, como argumenta Ricardo Ferreira, assessor do Ministério da Economia de então:

“Foi considerado que os incentivos que o mercado dava para os agentes estarem disponíveis eram mais do

que suficientes. Se eu disser que estou disponível, o Valorágua pode dizer-me que vou ter de produzir; se eu

não produzir, é uma chatice. Portanto, os produtores não tinham incentivo nenhum em andar a falsear

declarações, porque o problema era exatamente esse; era dizer que «os produtores vão falsear»”

(audição Ricardo Ferreira)

Também João Manso Neto, que conduziu o processo do lado da EDP não tem dúvidas que um mecanismo

de verificação de disponibilidade era totalmente desnecessário, já que o mercado fazia esse papel:

“A EDP não podia declarar em mercado o que não estava disponível. Porquê? Porque se declarasse em

mercado e depois fosse chamada incorria em penalidades. Aliás, se formos ver a história, é claríssimo que a

EDP, em muitas circunstâncias, não esteve disponível, declarou a indisponibilidade e por isso pagou.”

(audição João Manso Neto)

Dispondo de um quase monopólio da produção hídrica, a margem de manobra da EDP na gestão da oferta

é muito grande. No seu depoimento, o ex-Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, não reconhece a

impossibilidade de manipulação alegada por João Manso Neto.

“Está provado que as centrais hídricas do Douro estavam em obras e aumentavam a disponibilidade e que

a central hidroelétrica de Setúbal, tinha peças desmanteladas e aumentava aquilo que declarava na

disponibilidade. (…) Não havia nem forma contratual nem forma legal de haver a sua consideração”.

Jorge Seguro Sanches acrescenta como argumento jurídico que:

“No momento em que os CAE cessaram, o direito dos seus titulares limitava-se à disponibilidade

contratada. Não obstante estar previsto nos CAE um mecanismo para pagar disponibilidade acrescida e

penalizar a disponibilidade inferior, a verdade é que esses mecanismos para funcionarem careciam da

verificação de um facto que se afastava da normalidade contratada.

Tal significa que as duas situações anormais – disponibilidade superior ou inferior – não podem ser

consideradas no cálculo de uma indemnização [o CMEC], pois não existe qualquer direito constituído.

Dito por outras palavras: se o Estado tivesse optado por pagar de imediato a indemnização em vez de criar

os CMEC, o cálculo do montante indemnizatório teria, necessariamente, que cingir-se à disponibilidade

contratada e garantida”.

(audição Jorge Seguro Sanches)

Em sentido contrário, há que relevar que os Acordos de Cessação, assinados pela REN e homologados

por Manuel Lancastre, continham uma disposição que permitia de facto à REN a realização desses testes. E o

manual de procedimentos do gestor do sistema, também previa a realização dos mesmos.

Assim, fica por esclarecer porque é que a REN – que assinou os acordos de cessação – afirma que não

poderia realizar esses testes à disponibilidade das centrais e porque é que a ERSE desconhecia que o Manual

de Procedimentos do Gestor de Sistema tinha essa possibilidade. De referir ainda que a ERSE, apesar da

desconfiança manifestada, não apresentou nenhum elemento de prova do aproveitamento de suposto

benefício.

Importa ainda referir que a REN efetuou pelo menos um teste de disponibilidade à Central Térmica de

Setúbal, como referido no depoimento do Dr. António Mexia e facilmente comprovável de forma documental, e

fê-lo por suspeitar de irregularidades nas declarações de disponibilidade apresentadas pelo produtor, como se

depreende da citação do Ex. SEE Seguro Sanches. Se o fez é porque poderia fazer, se não fez mais vezes é

porque não tinha razão para duvidar dos valores das disponibilidades declaradas ou não quis fazer os testes.

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Pode concluir-se que:

● Os governos envolvidos no processo de preparação e aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004

consideraram que a participação em mercado era suficiente para que as centrais declarassem a sua

disponibilidade real, descartando assim os testes de disponibilidade para efeitos de remuneração do cálculo da

remuneração;

● No entanto, os acordos de cessação e as regras gerais do SEN permitiam e permitiram a realização de

testes de disponibilidade para efeitos de segurança ou de auditoria das declarações de disponibilidade por

parte dos produtores.

2.3.8 Aplicação do fator de correção das produções resultantes do modelo Valorágua

No cálculo da revisibilidade final dos CMEC, a ERSE atribui um valor adicional de 90M€ a favor dos

produtores decorrente da aplicação de fator de correção de 0,99 previsto do Decreto-Lei n.º 240/2004. Este

fator pretendia corrigir as produções do modelo Valorágua, usado para o cálculo das diferentes componentes

dos CMEC em 2004, por comparação com dados históricos. Após a primeira década dos CMEC, a ERSE fez

uma avaliação ex-post ao fator de correção, aplicando o modelo Valorágua às produções reais de Sines e das

centrais hídricas com um fator de correção igual a 1. Conclui assim o regulador no documento que expõe o

cálculo da revisibilidade final:

“A aplicação deste fator, utilizado em todos os cálculos dos CMEC (como o cálculo do valor inicial e os

ajustamentos anuais), origina uma diminuição das receitas de mercado das centrais de Sines e hidroelétricas,

e uma diminuição dos custos variáveis da central de Sines.”

(ERSE, Cálculo do ajustamento final, 2017)

Em audiência na CPIPREPE, João Manso Neto discorda da posição da ERSE, argumentando que, ao

utilizar um fator de correção igual a 1, o regulador está a pedir que os produtores tenham um desempenho

melhor do que o modelo de otimização:

“O modelo tem informação do ano inteiro para otimizar, e eu não tenho, só tenho informação do passado,

não tenho informação futura. Portanto, fizeram-se análises estatísticas, em termos de grupo de trabalho, e

chegou-se à conclusão de que era necessário um ajustamento de apenas 1% ao Valorágua para haver

equilíbrio. A ERSE acha mal, sem fundamento nenhum — a estatística o demonstra e a intuição também. Não

faz sentido nenhum que, de facto, se obrigue alguém, por muito inteligente que seja, a ser melhor do que

modelo, que tem informação que não se tem”.

(audição João Manso Neto)

Também Ricardo Ferreira considera que a existência de um fator de correção é justificada pelo facto de,

historicamente, se verificar que o modelo Valorágua sobrevalorizava algumas produções, conforme aliás

decorre do n.º 4 do anexo IV do Decreto-Lei n.º 240/2004.

Já João Conceição discorda da forma como a ERSE chegou ao valor de 90 M€, descontando aos ganhos

com a aplicação do fator de correção (116 M€) o valor do que já antes teria sido detetado nos diferentes

exercícios de revisibilidade (26 M€). Para João Conceição, estes 26 M€ estão muito abaixo do que a ERSE

teria declarado em anteriores exercícios de revisibilidade e argumenta que o regulador deveria ter descontado

um valor muito mais alto.

“A mesma ERSE no seu parecer à revisibilidade de 2014, feito em junho de 2016, […] vem reconhecer que

o modelo Valorágua induziu um benefício a favor dos consumidores de 103 milhões de euros. (…) Portanto, o

meu comentário em relação ao ponto do Valorágua é simples e é o seguinte: só gostava de perceber porque é

que, em 2016, a ERSE diz que houve uma vantagem de 103 milhões de euros para os consumidores e, um

ano depois, por prudência, reduz essa vantagem para 26 milhões de euros.”

(audição de João Conceição)

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Mais uma vez sobre uma decisão de 2004 – neste caso o fator de correção de 0,99 dos resultados do

Valorágua – tanto os representantes da EDP como as pessoas envolvidas na preparação do Decreto-Lei n.º

240/2004 têm opiniões contrárias às do regulador no que toca ao impacto da medida. Os argumentos da

discussão são essencialmente técnicos, envolvendo um detalhe nos cálculos e nos pressupostos das duas

partes que torna difícil à CPIPREPE ter uma conclusão definitiva sobre o valor real do impacto da medida.

Salientam-se, porém, os valores avançados pela ERSE, de 90 M€, bem como valor de 103 M€ a que nos

remete a argumentação de João Conceição.

Por fim, salienta-se que, ao contrário dos dois pontos anteriores, quanto à decisão da aplicação do fator de

correção de 0,99 das produções provenientes do modelo Valorágua, não se conhece nenhum alerta do

regulador durante a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 sobre o impacto desta medida na neutralidade

económica dos CMEC em relação aos CAE. Daqui pode-se retirar que a ERSE, em 2004, ou não considerou

relevantes os possíveis impactos do fator de correção das produções ou assumiu que este ponto iria ser objeto

de revisibilidade. Esta última hipótese justificaria a opção do regulador no exercício de revisibilidade final em

2017, onde refaz as contas do modelo Valorágua sem o fator de correção previsto no Decreto-Lei n.º

240/2004.

Sem embargo, não pode a CIPREPE deixar de manifestar estranheza com a ligeireza e falta de rigor com

que a ERSE aborda o tema no documento relativo ao ajustamento final, no qual admite que haverá mais

alguns aspetos a beneficiar o produtor (sem sequer identificar e quantificar quais). De facto, no documento

sobre o valor do Ajustamento Final, no 1.º parágrafo da seção 4.3 que aborda este tema, a ERSE reconhece

que de facto existem imperfeições no modelo Valorágua na estimativa das produções, mas depois afirma de

forma vaga e não suportada, “No entanto, o facto de as quantidades serem simuladas por um modelo teórico

(VALORAGUA), que tem outras imperfeições face à realidade, estas poderiam ser aceites sem correção, isto é

igualando este fator a 1”. A ERSE refere apenas “outras imperfeições”. Não as identifica e ainda menos as

quantifica. Exigir-se-ia mais rigor do regulador quando estariam em causa 90 milhões de euros.

2.3.8. Licenças de CO2

Para além das produções simuladas do modelo Valorágua, o cálculo do valor do CMEC tem em conta um

fator anual de emissão de CO2 teórico (0,912 ton CO2/MWh). No exercício da revisibilidade final, a ERSE

quantifica o impacto da utilização deste fator, tendo em conta os valores de emissões reais das centrais e

conclui que houve um ganho dos produtores de 10 M€. No documento, a ERSE justifica assim o facto de

corrigir o valor de emissões teórico existente no procedimento de cálculo dos CMEC:

“Estando disponível desde 2005 o mecanismo europeu de comércio de emissões, onde foram registadas

os valores das emissões verificadas nos centros eletroprodutores, é possível calcular um fator de emissão de

CO2 real, não havendo racional que justifique o cálculo do custo das licenças de CO2 com quantidades obtidas

através de fatores de emissão e rendimentos teóricos”

(Cálculo do ajustamento final, ERSE 2017)

Também sobre este assunto, apenas João Manso Neto e João Conceição fizeram declarações sobre o

exercício do regulador. Para o administrador da EDP entre 2006 e 2015, este cálculo da ERSE baseia-se em

detalhes que não se justificam e carece de legitimidade constitucional:

“A ERSE, quando faz este estudo em 2017, diz que essas alterações exigiam alterações legislativas que

não existem. E mais: a Secretaria de Estado, quando despacha a revisibilidade final diz, taxativamente, que

introduzir estas medidas em termos de compensação, seria de constitucionalidade duvidosa. Ou seja, é um

estudo que, de facto, do meu ponto de vista, não tem fundamento nenhum.”

(audição João Manso Neto)

Já João Conceição não compreende os cálculos do regulador, mas admite que poderá haver razões que os

justifique.

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“É um parágrafo muito curto, não há grandes justificações e a ERSE apenas diz que houve benefícios entre

7,5 milhões de euros e 11 milhões de euros e, portanto, o valor a considerar é 10 milhões de euros. Não

consigo perceber, mas certamente a ERSE teve alguma razão, que não detalhou no relatório, não só para

chegar a destes 7,5 milhões de euros a 11 milhões de euros como, de repente, não fazer o valor médio deste

intervalo e dizer simplesmente que é 10 milhões de euros.”

(audição de João Conceição)

Ricardo Ferreira argumentou com o facto de todo o mecanismo de CMEC estar assente em modelos e

estimativas e não na utilização de valores reais. Por isso, apenas no caso das licenças de CO2 usar os valores

reais seria incoerente com o modelo.

O ponto relativo ao impacto das licenças de CO2 na neutralidade dos CAE em relação aos CMEC foi alvo

de pouca atenção dos intervenientes na CPIPREPE. Não foram apresentados argumentos que contrariem o

valor de 10 M€ avançado pelo regulador, nem foram propostos cálculos alternativos.

Tal como no ponto anterior, também se desconhecem alertas do regulador ou de outras entidades à data

das decisões em 2004 sobre o impacto das licenças de CO2 na neutralidade dos CMEC em relação aos CAE.

2.4.5 O parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República

A repercussão tarifária dos valores enunciados pela ERSE no cálculo do ajustamento final dos CMEC veio

a sustentar-se no Parecer n.º 24/2017 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR),

homologado pelo Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches. Nas suas conclusões, pode ler-se:

“9.ª (…) Dada a natureza dos CMEC, sempre se terá de considerar estar-se perante matéria de reserva de

lei, pelo que não pode o Governo proceder a uma deslegalização, remetendo para a via contratual a regulação

primária de aspetos essenciais do respetivo regime;

10.ª Consequentemente, os acordos de cessação dos CAE não podem introduzir novos fatores nos

cálculos dos ajustamentos anuais e final dos CMEC;

11.ª No cálculo dos CMEC, o valor do CAE reporta-se à data prevista para a sua cessação antecipada e

calcula-se de acordo com as disposições nele previstas, incluindo a amortização e remuneração implícita ou

explícita no CAE do ativo líquido inicial e do investimento adicional, conforme definidos no respetivo contrato,

devidamente autorizados e contabilizados;

12.ª O procedimento da revisibilidade dos CMEC, com vista ao apuramento dos ajustamentos anuais,

processa-se nos termos dos n.os 1 a 11 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 240/2004, sendo, após a

determinação do respetivo valor, enviados os ajustamentos anuais ao membro do governo responsável pela

área de energia para efeitos de homologação (cf. n.º 7);

13.ª O despacho homologatório do montante do ajustamento anual dos CMEC configura um ato

administrativo;

14.ª Assim, o ato de homologação com fundamento na sua invalidade, pode ser declarado nulo, a todo o

tempo, no caso da ocorrência de vício gerador de nulidade (cf. artigo 162.º do Código do Procedimento

Administrativo — CPA –, em vigor, e, anteriormente, artigos 133.º e Diário da República, 2.ª série — N.º 23 —

1 de fevereiro de 2018 3869 134.º do CPA de 1991), ou ser objeto de anulação administrativa (n.º 2 do artigo

165.º do CPA), nos termos e condições dos artigos 166.º e 168.º do CPA;

15.ª Ora, no caso de o ato homologatório considerar aspetos abrangidos pela matéria de reserva de lei, e

que tenham inovatoriamente sido regulados nos acordos de cessação dos CAE, terá de ser considerado nulo

por estar viciado de usurpação de poder [cf. artigo 161.º, n.º 2, alínea a), do CPA e, anteriormente, artigo

133.º, n.º 2, alínea a), do CPA de 1991].”

(Parecer n.º 42/2017 do Conselho Consultivo da PGR, de 9 de novembro de 2017, homologado por

despacho de Jorge Seguro Sanches em 24 de novembro de 2017)

Em dezembro de 2017 é criado pelo governo um grupo de trabalho envolvendo a DGEG e a ERSE, com a

missão de identificar e quantificar a remuneração indevidamente paga em função regras introduzidas pelos

acordos de cessação dos CAE.

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Esse grupo de trabalho identificou como temas a questão dos testes de disponibilidade, anteriormente já

analisado, e dos serviços de sistema que se analisará mais adiante.

2.4 Processo de aprovação dos CMEC na Comissão Europeia

Em 2004, a Comissão Europeia aprovou os Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC),

enquanto compensação pela cessação antecipada dos CAE, entre os quais se incluíam os CAE que a EDP

celebrou em 1996 com a REN.

Esta Decisão baseou-se na Comunicação da Comissão Europeia relativa à “Metodologia de análise dos

auxílios estatais ligados a custos ociosos”, de 26 de julho de 2001, que define os critérios a cumprir pelas

garantias e compromissos que constituam custos ociosos suscetíveis de serem reconhecidos pela Comissão

para efeito da atribuição de ajudas de Estado. Entre esses critérios estão os seguintes, enunciados na

Metodologia da Comissão:

“3.3 Estes compromissos ou garantias de funcionamento devem ser suscetíveis de não poderem ser

honrados na sequência das disposições da directiva. Para constituir um custo ocioso, um compromisso ou

uma garantia deve por conseguinte tornar-se não económico devido aos efeitos da Directiva 96/92/CE e

afectar sensivelmente a competitividade da empresa em causa. (…) Os compromissos ou garantias que não

tiverem podido ser honrados independentemente da entrada em vigor da directiva não constituem custos

ociosos. (…)

3.5 Os compromissos ou garantias que ligam empresas pertencentes a um mesmo grupo não podem, em

princípio, constituir custos ociosos. (…)

3.8 Os custos ociosos devem ser avaliados após dedução de qualquer auxílio pago ou a pagar para os

activos a que se referem. Em especial, quando um compromisso ou garantia de exploração corresponde a um

investimento que foi objecto de um auxílio público, o valor deste auxílio deve ser deduzido do montante dos

eventuais custos ociosos resultantes desse compromisso ou garantia. (…)

3.10 Os custos amortizados antes da transposição para o direito nacional da Directiva 96/92/CE não podem

ser considerados custos ociosos. No entanto, as provisões ou as depreciações de activos inscritos no balanço

das empresas em causa com o objectivo explícito de ter em conta os efeitos previsíveis da Directiva podem

corresponder a custos ociosos. (…)

3.12 Os custos eventualmente suportados por certas empresas para além do horizonte indicado no artigo

26.º da Directiva 96/92/CE (18 de fevereiro de 2006) não podem, em princípio, constituir custos ociosos

elegíveis nos termos da presente metodologia”. (…)

(Comunicação da Comissão Europeia relativa à Metodologia de análise dos auxílios estatais ligados a

custos ociosos, 26 de julho de 2001)

Na sua Decisão de 22 de setembro de 2004 sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 240/2004, a Comissão

Europeia começa por recusar a base da argumentação do governo português:

“De acordo com as Autoridades portuguesas, tais compensações consistem apenas numa justa

indemnização pelo facto de o Estado proceder à cessação antecipada dos CAE, que são contratos entre duas

partes privadas, o que não poderá ser considerado uma vantagem. A Comissão considera que uma tal

justificação não se aplica a este caso específico, dado que os contratos iniciais, que serão objecto de

cessação, já concedem uma vantagem aos produtores vinculados. Na verdade, os CAE eximem os produtores

vinculados de todos os riscos associados aos investimentos cobertos pelos contratos: dispõem da garantia de

reembolso de todos os seus custos, e de venda de um montante fixo de electricidade a um preço garantido e

durante um período determinado e muito longo. Este factor de segurança contra todos os riscos, num mercado

aliás muito cíclico, é proporcionado sem qualquer contrapartida. Constitui uma clara vantagem para os

produtores que celebraram os CAE. Por conseguinte, a cessação dos CAE e a concessão de compensações a

esse título constitui apenas um modo de alterar a forma como era concedida a vantagem anterior e não um

modo de compensar uma desvantagem. De facto, após a cessação dos CAE, aqueles produtores receberão

uma compensação que lhes permitirá, não obstante a abertura do mercado, manter o seu volume de vendas

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(deste modo limitando os riscos em que de outro modo incorreriam) ainda que os centros produtores em

questão se venham a revelar ser intrinsecamente menos eficientes que outros centros produtores que possam

ser construídos no futuro por novos concorrentes potenciais.”

(Decisão em 22 de Setembro de 2004 – Auxílio estatal N 161/2004)

Apesar de considerar que “a cessação dos CAE e a concessão de compensações a esse título constitui

apenas um modo de alterar a forma como era concedida a vantagem anterior e não um modo de compensar

uma desvantagem”, a Comissão Europeia validou o Decreto-Lei n.º 240/2004 no pressuposto de que os CAE

representaram para a EDP uma garantia de funcionamento que 1) poderia ter influenciado investimentos

geradores de elevados prejuízos para estas centrais 2) dada a sua alegada ineficiência; 3) na falta de

compensação destes custos, a EDP poderia ter a sua viabilidade ameaçada.

Em novembro de 2012, o governo português remete à troika o relatório previsto na medida 5.6 do

Memorando de Entendimento – “Report on the CMEC Scheme” –, e que mais tarde será enviado também à

Comissão Europeia no âmbito da investigação aprofundada à extensão da concessão do domínio hídrico à

EDP.

Este relatório põe explicitamente em causa a Decisão da Comissão Europeia em 2004, não sobre a

elegibilidade dos CMEC como ajuda de Estado, mas sobre o próprio modo de cálculo da compensação, que,

na opinião do governo, promoveu uma vantagem adicional em relação aos CAE, quantificada pelo governo em

300 milhões de euros:

“O aumento do valor contratual em relação ao valor inicial dos CAE através da metodologia usada nos

CMEC parece não ter sido considerada na Decisão da UE n.º 161/2004, que validou a compensação por

custos ociosos”.

(Report on the CMEC Scheme, Governo português, novembro de 2012)

No entanto, em 2013, em face da queixa apresentada no ano anterior por um conjunto de cidadãos, a

Comissão Europeia decide o arquivamento dos elementos relativos à Decisão de 2004, abrindo, em

contrapartida uma investigação aprofundada sobre a questão da extensão do domínio hídrico.

Em maio de 2017, a Comissão Europeia não altera as decisões de 2004 e 2013, e decide pelo

arquivamento também relativamente ao tema da extensão do domínio público hídrico.

2.6 – Titularização da parcela fixa do CMEC

Decreto-Lei n.º 240/2004 – criação dos CMEC, titularização como opção do produtor

Em 2004, a transposição para a ordem jurídica nacional da Diretiva 2003/54/CE, do Parlamento Europeu e

do Conselho, de 26 de Junho, que estabeleceu regras comuns para o mercado interno da eletricidade, e a

construção do MIBEL “obrigam a alterar, de forma substancial, a relação comercial entre a entidade

concessionária da RNT (Rede Nacional de Transporte de Energia Elétrica) e os produtores que operam no

SEP (Sistema Elétrico de Serviço Público)” consubstanciada em contratos de vinculação de longo prazo,

designados por contratos de aquisição de energia (CAE) – celebrados ao abrigo do artigo 15.º do Decreto-Lei

n.º 182/95, de 27 de Julho, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 56/97, de 14 de Março:

“O novo modelo de relação comercial (…) implica a cessação antecipada dos CAE, com a consequente

afetação da base contratual que estes contratos proporcionavam a ambas as partes.”

Assim, o Decreto-Lei n.º 240/2004, de 27 de dezembro, pretendia “proceder à definição das condições da

cessação antecipada dos CAE e à criação de medidas compensatórias que assegurem a apropriada

equivalência económica relativamente à posição de cada parte no CAE”. Na prática, este diploma, atribui aos

titulares dos CAE o direito ao recebimento, a partir da data da respetiva cessação antecipada, e mediante um

mecanismo de repercussão universal nas tarifas elétricas, de uma compensação pecuniária, designada por

custos para a manutenção do equilíbrio contratual (CMEC). Estabelece ainda a metodologia de determinação

do montante dessas compensações bem como as formas e momentos dos seus pagamentos.

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Em resumo, as compensações a pagar aos produtores – a recuperar na Tarifa de Uso Global do Sistema –

dividem-se em duas parcelas:

● Parcela fixa – corresponde à diferença entre o valor do encargo fixo previsto nos CAE e a estimativa das

receitas a obter em mercado deduzidas dos custos variáveis de produção, para o período restante dos CAE.

Todos estes valores são atualizados à data de cessação dos CAE. O resultado desta diferença é então

anualizado, por um período previsto de 23 anos – diluindo a sua repercussão na tarifa.

● Parcela variável – corresponde ao ajustamento determinado anualmente entre as estimativas feitas no

cálculo da parcela fixa e os seus valores reais (quantidade de energia vendida, preço de mercado e encargos

com combustíveis).

Um dos aspetos essenciais na determinação dos CMEC são as taxas de juro utilizadas no apuramento do

valor anual da parcela fixa, nomeadamente:

● Taxa de remuneração do imobilizado dos centros eletroprodutores implícita nos CAE: embora não seja

uma taxa explícita neste decreto, mas sim implícita no valor dos CAE, é importante para a compreensão da

remuneração final dos CMEC;

● Taxa de atualização dos encargos fixos (previstos nos CAE) e dos proveitos líquidos (as receitas e os

encargos de exploração expectáveis em regime de mercado) dos centros electroprodutores;

● Taxa utilizada no cálculo da anuidade: remuneração pela diluição no período previsto de 23 anos.

A primeira taxa resulta das condições de mercado de capitais existentes aquando da celebração dos CAE e

correspondem a taxas reais de 8,5% nuns casos e 10% noutros.

A segunda taxa está estabelecida no artigo 4.º deste Decreto-Lei, como a taxa de rendimento de mercado

de dívida pública portuguesa – obrigações do Tesouro com maturidade residual mais próxima da vida média

remanescente dos CAE de cada produtor – em vigor no 5.º dia útil anterior à cessação dos CAE acrescida de

0,25%.

A última taxa, surge definida no artigo 5.º como a menor das seguintes taxas:

i) A taxa nominal referenciada ao custo médio de capital do produtor, a definir, com uma antecedência

mínima de 15 dias em relação à data de cessação antecipada dos CAE de cada produtor, por portaria do

membro do Governo responsável pela área de energia;

ii) No caso de o produtor ceder a terceiros, para efeitos de titularização, o direito ao recebimento do

montante das compensações (…) a taxa de juro anual associada aos pagamentos realizados aos titulares de

valores mobiliários titularizados em cada operação de titularização dos activos (…), incluindo os custos

incorridos com a montagem e manutenção da referida operação de titularização.

De notar que é prevista pela primeira vez a possibilidade de titularização de montantes a recuperar através

das tarifas. No preâmbulo deste diploma é argumentado que “a solução mais eficiente para reduzir o impacte

económico associado ao pagamento das compensações (…) consiste no recurso facultativo a operações de

titularização”, e, assim, são definidas “algumas regras especiais aplicáveis à realização de eventuais

operações dessa natureza”.

De referir ainda algumas características desta possibilidade de titularização:

1 – Os custos incorridos com a montagem e manutenção da operação são 100% incorporados na Tarifa

de Uso Global do Sistema;

2 – Os possíveis ganhos resultantes da titularização (deduzidos os custos, por força do ponto anterior)

beneficiam integralmente os consumidores – remuneração pela taxa mais baixa;

3 – Também da utilização da taxa mais baixa decorre que apenas os ganhos são repercutidos nos

consumidores. Uma potencial menos-valia com a operação, seria absorvida pelo produtor;

4 – Embora existindo um potencial de ganho para o consumidor relevante com a titularização, o diploma

não prevê nenhuma forma de obrigatoriedade em qualquer circunstância, sendo esta facultativa e de decisão

exclusiva do produtor.

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Com efeito, em vésperas da cessação antecipada dos CAE celebrados com a EDP Produção, agendada

para 1 de julho de 2007, para cumprimento do disposto na alínea a) do número 2 do artigo 7.º deste Decreto-

Lei, que atribuía ao Governo a competência para aprovar, mediante despacho, o valor estimado da taxa de

juro associada à titularização dos CMEC, tendo por base estimativa do produtor, a EDP disponibiliza esse

valor, confirmando-se uma estimativa mais baixa que o custo de capital da EDP – 5,22% que compara com

7,55% respetivamente. Este valor é apresentado em carta enviada por João Manso Neto ao ministro Manuel

Pinho, referindo que a estimativa foi feita pela Rothchild com base numa série de pressupostos e estimativas

de condições de mercado, anexando o respetivo relatório. De notar que a Rothchild antecipava a atribuição de

um rating relativamente elevado, com base no risco dos cash-flows em questão e que a estimativa

apresentada, os 5,22%, já contemplava todos os custos incorridos com a montagem e manutenção da

operação de titularização.

A estimativa é apresentada, o Despacho com essa taxa é publicado (Despacho n.º 15291/2007) em

conjunto com a portaria (Portaria n.º 611/2007) que estabelece o custo médio de capital dos produtores

(7,55% para a EDP) mas nunca será efetivada qualquer titularização. Desde então, como veremos, a EDP

concretizou um número substancial de operações de titularização relativas a montantes de dívida tarifária (ao

abrigo de outros diplomas legislativos e com outras condições) mas nunca titularizou esta anuidade, onde os

ganhos obtidos reverteriam integralmente para os consumidores.

Questionado a este respeito na CPIPREPE, Manuel Lencastre, ex-secretário de Estado com a tutela da

energia (governo Santana Lopes), responde:

“Se as compensações dos CMEC tivessem sido titularizadas, muito provavelmente, a segunda taxa de

desconto a que os Srs. Deputados se referem seria inferior à Euribor mais 25 basis points. Sei que a EDP

titularizou grande parte da sua dívida tarifária (…) a um valor muito próximo da Euribor.

Ora, se a titularização tivesse acontecido de facto, já não se falava da segunda sobretaxa maior do que a

primeira, mas estaríamos, no limite, a falar de uma segunda taxa inferior à primeira. Acho que isso teria sido

possível, com ganhos inequívocos para os consumidores. Agora, isso não foi feito! E por que é que não foi

feito? Aqui, assumo as minhas responsabilidades, por uma razão muito simples: não foi feito porque a EDP

não foi obrigada a fazê-lo. E se havia melhoria a fazer neste decreto-lei, era no sentido de criar pressão na

EDP para que o fizesse.

Vejamos: a EDP podia não ter acesso aos mercados de titularização, mas não é o caso. A EDP tem acesso

aos mercados de titularização. E a questão que se coloca é muito simples: se a EDP tem acesso aos

mercados de titularização, está aqui a arranjar um precedente e uma razão que pode eventualmente despertar

algum interesse político. E algum interesse político neste sentido: então, se estás a titularizar isto, por que é

que não titularizas isto aqui também? Na prática, isto seria criar naquele decreto-lei — e, de facto, não está lá

criada — essa obrigatoriedade.

Voltando à questão da titularização, devo dizer que esta é uma questão muito importante. É que a questão

da titularização da dívida tarifária poderia ter criado um precedente, pois teria criado uma justificação ao

Governo para dizer o seguinte: «Então, se vocês titularizam a dívida tarifária, têm de titularizar isto aqui

também». «Ah, mas isto aqui não está no decreto-lei!», diriam. Bom, acho que, então, o decreto-lei seria

passível de uma melhoria nesse sentido, até porque foi alterado mais tarde”.

Questionado os motivos de a EDP não ter realizado a titularização planeada, Ricardo Ferreira, assessor de

Carlos Tavares e diretor da EDP desde 2005, responde:

Ainda agora, há relativamente pouco tempo, tive de novo essa conversa com uma responsável do Grupo

EDP que me disse que, poucos meses depois de o Decreto-Lei estar em prática, a partir de 1 de julho de

2007, houve um conjunto de acontecimentos que fez disparar a coisa e que montar uma operação destas

demoraria ainda tempo. Não sei… Não foi feita, de facto, terão sido os mercados.

Ainda reiterando a perceção de risco dos montantes em causa, Carlos Tavares, ex-ministro da economia

(governo Durão Barroso), comenta na CPIPREPE:

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“Aqueles fluxos, aqueles cash-flowsdos CAE, são fluxos garantidos, na prática, porque são fluxos

calculados por uma entidade pública, que era a ERSE, e repercutidos nos consumidores que não deixam de

pagar eletricidade, como é evidente.

Portanto, o risco de uma operação de titularização seria muitíssimo baixo, muito próximo de um risco

Estado, digamos assim. Por isso, se tivesse sido calculada a taxa dessa operação de titularização,

provavelmente ela encostar-se-ia à taxa de atualização, descontado o facto de os períodos serem diferentes

(…). Se o período for mais longo a taxa seria maior, porque a curva seria positivamente inclinada.

Portanto, o decreto-lei, vendo a posteriori, fornecia, no meu entender, a solução que podia ser adequada

para isso: ir ao mercado e ver quanto é que o mercado cobraria para titularizar aqueles fluxos. É uma

operação, na prática, quase de factoring, ou seja, são receitas praticamente garantidas que os consumidores

pagam. Julgo que se teria certamente concluído que haveria uma taxa mais baixa do que o custo médio de

capital da EDP, que resulta relativamente elevada”.

Na sua audição na CPIPREPE, o presidente executivo da EDP, António Mexia, afirma que a EDP estava

interessada na titularização, e envidou vários esforços nesse sentido, dos quais a CPIPREPE tomou

conhecimento documental. Após 2008 o mercado não estava recetivo a estes ativos, fruto da crise

internacional, de acordo com a documentação recebida dos consultores financeiros da EDP que contactaram

varias entidades bancárias:

Esta dívida não foi vendável. E não foi vendável porquê? Por causa do prazo, ou seja, estamos a falar de

um produto a 20 anos com todos os riscos que tem de alteração desse produto. O Sr. Deputado perguntar-me-

á: então, por que é que consegue vender défice tarifário? Porque o défice tarifário são operações a

quatro/cinco anos com um período médio de 2,5 anos e, portanto, é fácil securitizar coisas a 2,5 anos, mas é

muito difícil securitizar coisas a 20 anos. (…) E por que é que eu queria imenso securitizar isso? (…) Porque

era o mercado que era dono dessas obrigações e – disso eu tenho a certeza – se o mercado fosse dono

dessas obrigações aquelas medidas [propostas pela ERSE no cálculo do ajustamento final dos CMEC] não

tinham acontecido. Disso não tenho dúvidas nenhumas! Portanto, eu teria tido o dinheiro à cabeça e teria

poupado 500 milhões que, entretanto, paguei. (…) Eu não vendi, porque ninguém quis comprar! (…) Em 2007

e 2008. Estivemos dois anos a tentar vender.

Na sequência do pedido de documentação adicional sobre esta tentativa de titularização do CMEC inicial, a

EDP remeteu à CPIPREPE um conjunto de documentação e correspondência. Essa documentação confirma

que a EDP, no ano de 2008, procurou e obteve do banco Rothschild informação sobre as condições do

mercado para a concretização desta eventual oferta da EDP. Nesse documento, são descritas as dificuldades

emergentes no quadro da crise financeira de 2007 e é apresentado um leque de valores, estimativas entre

5,93% para um rating de AAA a 7,65% para um rating de A, que poderiam resultar de uma eventual tentativa

de titularização. Apesar do intervalo estimado ser compatível com um potencial ganho para o SEN, não existe,

entre os documentos remetidos pela EDP à CPIPREPE, nenhum que comprove a concretização efetiva da

alegada tentativa frustrada de titularização daqueles créditos, ou de qualquer comunicação com a tutela no

sentido de dar nota da evolução da estimativa desta taxa.

A EDP justifica com as condições de mercado, que a taxa final não fosse pelo menos mais baixa que o

custo médio de capital da EDP. Com o passar do tempo e com a substancial melhoria das condições de

mercado, a EDP procede a uma série de outras operações de titularização, mas nunca titulariza os CMEC

(nem há registo de pressão de qualquer Governo nesse sentido). A EDP afirmou que o tipo de ativo e os

prazos subjacentes não permitem comparações com as operações de titularização do défice, tipicamente com

prazos mais curtos.

Conclusões

● A decisão política de configurar os CAE das centrais da EDP (centrais existentes) tomando como

referência os CAE das centrais da Tejo Energia e da Turbogás (novos investimentos) reconfigurou a empresa,

valorizando-a com vista a obter o maior valor possível para os cofres do Estado na sua privatização;

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● A par da AdC, a ERSE propôs modelos de enquadramento alternativos ao dos CMEC. O governo de

Durão Barroso rejeitou de forma fundamentada essas propostas e optou pelo modelo de manutenção do

equilíbrio contratual.

● É a própria ERSE no seu Estudo de 2017 que reconhece que nenhum dos fatores identificados nos

estudos de 2004 e 2005 se materializaram a não ser a questão da existência de duas taxas de juro diferentes

na metodologia de cálculo dos CMEC.

Com respeito à utilização de taxas de juro diferentes para o cálculo dos CMEC, ficou demonstrado que a

abordagem da ERSE, não estando errada desconsidera outros aspectos importantes, que foram aceites por

todos os depoentes sobre este assunto, e que anulam a vantagem para as empresas.

Capítulo 2

Extensão sem concurso do uso do Domínio Público Hídrico a favor da EDP e metodologia do

cálculo da compensação a pagar ao SEN

Com o Decreto-Lei n.º 183/95 a entidade concessionária da RNT (a REN) obteve a concessão por parte do

Estado do direito de utilização do Domínio Público Hídrico (DPH) para a produção hidroelétrica. Aquando da

celebração dos CAE das centrais hídricas, na sua totalidade detidas pela EDP, estabeleceu-se que a REN

subconcederia a utilização do DPH a estas centrais até ao final destes contratos.

Os CAE continham também cláusulas para a negociação da extensão do contrato, bem como cláusulas

com direitos e obrigações a observar na resolução do mesmo. Previam também direitos e obrigações da REN

relativos à realização, findo o prazo de subconcessão, de concursos para o reequipamento do aproveitamento

e exploração destas centrais.

Com a entrada em vigor dos CMEC e a necessidade de cessação antecipada dos CAE, foi necessário

estabelecer termos e condições dos direitos de utilização do DPH destas centrais hidroeléctricas. Assim foi

aprovada uma série de legislação entre 2003 e 2007 que culminou com uma extensão dos direitos de

utilização do DPH à totalidade das centrais hídricas até ao final de vida dos equipamentos (em média, 25 anos

para além do previsto nos CAE), mediante uma compensação paga pela EDP ao estado de 759 M€, que

acresceu ao facto de a EDP ter prescindido do recebimento do valor residual das centrais previsto nos próprios

CAE. No total, o montante envolvido excedera os 2,1 mil milhões de euros. Este direito foi atribuído à EDP

sem a realização de qualquer procedimento concorrencial.

Está em causa a análise de duas vertentes deste tema:

i) O valor pago pela EDP para poder usar o domínio público hídrico

ii) O processo de atribuição

Quanto ao primeiro tema, este foi analisado aprofundadamente pela Comissão Europeia entre 2012 e maio

de 2017, tendo esta entidade concluído (na sequência de uma queixa apresentada por diversas entidade

ouvidas na CPIPREPE) que a metodologia utilizada para o cálculo do valor a pagar pela EDP tinha sido o

correto e conforme as boas práticas de cálculo financeiro (criticando de forma violenta a nota da REN sobre

esta temática) e ainda que o valor apurado era justo e conforme referenciais de mercado.

Quanto ao segundo tema, esta opção é criticada pela ERSE desde a preparação do Decreto-Lei n.º

240/2004 e é ainda hoje objeto de um processo formal de investigação por parte da Comissão Europeia, ainda

não decidido e que abrange igualmente muitos outros Estados Membros. O comunicado mais recente da

Comissão Europeia sobre o tema, com data de 7 março de 2019, considera que as práticas legislativas de

Portugal e França na atribuição sem concurso de barragens violam o direito da UE.

“França e Portugal: A Comissão vai enviar notificações para cumprir a estes dois Estados-Membros, uma

vez que considera que tanto a legislação como a prática das autoridades francesas e portuguesas são

contrárias ao direito da UE. A legislação francesa e portuguesa permite a renovação ou extensão de algumas

concessões hidroelétricas sem recorrer a concurso.”

(Comunicado da CE, 7 de março de 2019)

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Assim, este foi também um assunto central na CPIPREPE, onde foi debatida a possibilidade de a atribuição

da utilização do DPH sem concurso estar na origem de vantagens indevidas conferidas à EDP. Duas questões

foram levantadas a este respeito: 1) a falta de um procedimento concorrencial na concessão do DPH no

período posterior ao prazo do CAE; 2) o método de fixação de uma compensação económico ao sistema

elétrico pelo valor dessa concessão.

1. Atribuição à EDP da exploração dos aproveitamentos hidroelétricos sem concurso

1.1 As definições previstas nos CAE

Os CAE definiam cláusulas para a negociação da sua extensão. Este processo negocial, que poderia ser

iniciado tanto pela entidade concessionária da RNT (REN) como pelo produtor (EDP), é estabelecido na

cláusula 25.1 dos CAE das centrais hidroelétricas. O ponto 3 da mesma cláusula define que, se não for

iniciado um processo negocial, ou no caso de este falhar, o contrato terminaria na data de fim de contrato

estipulada para o CAE.

“Com uma antecedência mínima de 5 anos relativamente à Data de Fim do Contrato, a RNT, ouvida a

entidade de planeamento, notificará o Produtor do seu interesse ou não em negociar a extensão do Contrato

relativo ao Aproveitamento, devendo o Produtor responder por escrito, num prazo máximo de 1 mês.

O Produtor poderá, até 5 anos antes da Data de Fim de Contrato, apresentar à RNT uma proposta

fundamentada para a extensão do Contrato. Nesse caso, a RNT, ouvida a entidade de Planeamento, deverá

notificar, o Produtor, no prazo máximo de um mês sobre o seu interesse, ou não, em iniciar negociações para

a extensão do Contrato.”

(cláusula 25.1.1 dos CAE das centrais hidroelétricas)

“No caso de nenhuma das partes solicitar a extensão do Contrato, ou no caso de a RNT responder

negativamente a uma proposta do Produtor para a extensão, o contrato terminará na Data de Fim de

Contrato.”

(cláusula 25.1.3 dos CAE das centrais hidroelétricas)

Neste cenário em que a RNT optasse pela não extensão do contrato, estaria obrigada, pela cláusula

26.1.1, a abrir um concurso para o reequipamento e exploração do aproveitamento hidroelétrico. No caso de o

vencedor deste concurso não ser a EDP, a RNT teria de devolver o valor residual do aproveitamento

hidroelétrico, de acordo com a cláusula 26.3. De notar que a este valor acresceriam os lucros cessantes, no

caso de a data de cessação do CAE não coincidir com o seu termo previsto no contrato.

“A RNT deverá, com a antecedência de pelo menos um ano relativamente à data de fim de Contrato,

colocar de novo a concurso o reequipamento do Aproveitamento e respectiva exploração. Em resultado desse

concurso a RNT optará entre:

a) celebrar com o mesmo produtor um novo Contrato de Aquisição de Energia.

b) celebrar com outra entidade que não o Produtor um novo Contrato de Aquisição de Energia, tomando

posse do Aproveitamento e transferindo para o novo produtor seleccionado a posse sobre as instalações e

bens pertencentes ao Aproveitamento, sem direito a qualquer indemnização adicional por parte do produtor

para além do previsto na cláusula 26.3 deste Contrato”.

(cláusula 26.1.1 dos CAE das centrais hidroelétricas)

“[…] se a RNT, em resultado do concurso aberto para o reequipamento e exploração do Aproveitamento,

vier a celebrar com outro produtor um novo contrato de aquisição de energia, a RNT pagará ao Produtor o

Valor Residual do Aproveitamento, tal como definido no Anexo 10 deste Contrato.”

(cláusula 26.3 dos CAE das centrais hidroelétricas)

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Em suma, os CAE, nos termos da legislação em vigor à data, concediam à REN a opção de estender o

contrato de exploração dos centros hidroelétricos da EDP ou abrir um novo concurso e transferir a exploração

para outra entidade, pagando à EDP valor residual do aproveitamento e eventuais lucros cessantes.

O processo de transição para o mercado de eletricidade veio obrigar à cessação antecipada dos CAE e à

produção de nova legislação que enquadrasse a exploração dos centros electroprodutores. Para fazer face a

este processo de transição, como vimos anteriormente, o governo optou em 2003 pela adoção de um

mecanismo de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), cuja principal premissa era a neutralidade

relativamente aos CAE.

Assim, no que diz respeito às centrais hídricas da EDP, esperava-se que fossem mantidos sob o regime

CMEC os mesmos prazos de exploração previstos nos CAE, a menos que fosse concedida à EDP a

possibilidade prevista desde 1996 de prolongar a exploração dos centros eletroprodutores Todavia, na

sequência do Despacho n.º 14 315/2003, o Decreto-Lei n.º 240/2004 concretizou a opção prevista desde 1996

de a EDP poder explorar os aproveitamentos hidroelétricos até ao termo de concessão do domínio hídrico

(muito além do prazo dos CAE). Mais tarde, em 2005, este novo direito ficou também plasmado como cláusula

suspensiva nos Acordos de Cessação dos CAE, dando à EDP o direito de não transitar para os CMEC

enquanto não fossem estendidos os prazos de concessão das 27 barragens em território nacional e cumpridas

uma série de outras condições, algumas delas de foro administrativo.

Na secção seguinte analisam-se estes dois momentos de atuação do governo, em 2004 e 2005, na

preparação e aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e na negociação e homologação dos Acordos de

Cessação antecipada dos CAE.

1.2 Aspetos decorrentes do Decreto-Lei n.º 240/2004

Já previsto no Despacho n.º 14 315/2013, o artigo 4.º ponto 1 do Decreto-Lei n.º 240/2004 mantém a

possibilidade dos produtores hidroelétricos manterem a exploração das centrais até ao termo da concessão do

domínio hídrico:

“No caso dos centros produtores hidroeléctricos, e na hipótese de os respectivos produtores pretenderem

manter a exploração até ao termo da concessão do domínio hídrico, ao valor do CAE é deduzido o valor

residual dos bens que, nos termos do respectivo título de concessão, não devessem reverter gratuitamente

para o Estado no final do contrato”.

[artigo 4.º ponto 1, alínea vii)]

No parecer ao Decreto-Lei n.º enviado pela ERSE em 2004, o regulador debruça-se sobre este direito de

opção conferido à EDP já em 2003, afirmando que esta prorrogação implícita da licença de produção, por não

ser feita através de um procedimento concursal, prejudica a concorrência e não confere aos potenciais

interessados igualdade de tratamento. A ausência até 2007 de previsão de uma tradução económica a favor

do sistema elétrico desta nova vantagem concedida à EDP é fortemente criticada:

“Embora o n.º 2 [do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 183/95] disponha que o prazo do contrato de vinculação

deva ser igual ao prazo de duração da licença, a verdade é que o prazo de utilização do domínio hídrico é

muito superior ao prazo de duração dos contratos de vinculação.

Resulta daqui que, na prática, os termos de formulação da citada alínea [do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-

Lei n.º 240/2004] traduzem uma prorrogação implícita da licença de produção. Assim sendo, esta prorrogação

deve ter uma tradução económica a favor do sistema eléctrico, devendo ser levada em linha de conta na

determinação dos CMEC. A não ser assim, está-se a conferir aos produtores, sem qualquer correspondência

no sistema eléctrico, vantagens que não resultam dos CAE se estes contratos fossem cumpridos nos seus

precisos termos. Ora, para além da imediata prorrogação da licença ser questionável à luz dos princípios da

Directiva 2003/54/CE, já que não confere aos interessados igualdade de oportunidades e de tratamento, a

ausência de correspondência económica no sistema eléctrico torna este acto ilegítimo. Donde, importaria

adoptar uma disposição expressamente aplicável à prorrogação das licenças”.

(Parecer ERSE ao Decreto-Lei n.º 240/2004, entregue ao governo em maio de 2004)

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Também a REN, nos primeiros comentários ao Decreto-Lei n.º 240/2004 que faz chegar ao governo em

fevereiro de 2004, alerta para este aspeto do diploma:

“O ponto v. da alínea a) do número 1 do artigo 4.º ao permitir manter a exploração das centrais hídricas

(3903 MW) até ao termo da concessão do domínio hídrico está a beneficiar a EDP, atendendo a que, no termo

de cada CAE, a REN iria colocar a concurso a exploração do sítio (Decreto-Lei n.º 183/95, n.º 4 do artigo 13.º,

texto consolidado pelo Decreto-Lei n.º 56/97 de 14 de março”.

(Comentários REN, enviados em fevereiro de 2004)

Muitos dos depoentes inquiridos na CPIPREPE responderam às mais variadas questões com frases do tipo

“não sei” ou “não me lembro”.

Por exemplo, dois dos protagonistas do contrato assinado em 2005 entre a REN e a EDP disseram não se

lembrarem do assunto. José Penedos, então presidente da REN, disse: "O presidente de uma empresa como

a REN assina muita coisa…". Pedro Rezende, presidente da filial da EDP, também não se lembra.

A EDP desvaloriza o facto de a extensão do DPH se constituir como um novo direito, dizendo que a lei já

permitia que a RNT fizesse a subconcessão sem concurso. O administrador da empresa em 2007, João

Manso Neto afirma hoje:

“Desde 1995 que estava previsto que o produtor o pudesse ter. Obviamente — e podemos fazer já esse

comentário —, também o Estado o poderia ter, mas aquilo já estava previsto, pelo que não há nada de novo.”

(Audição de João Manso Neto)

Contudo, o Decreto-Lei n.º 183/95 no artigo 6.º (citado em baixo) apenas concede o direito à RNT de

subconceder o DPH à entidade selecionada para a exploração da central.

“A entidade concessionária da RNT fica autorizada a subconceder o contrato de concessão de utilização do

domínio hídrico à entidade por ela seleccionada, nos termos do presente diploma.”

(Artigo 6.º, ponto 3, do Decreto-Lei n.º 183/95)

Como vimos anteriormente, como impunha a legislação de 1995, os CAE definiam os termos da extensão

desta subconcessão, dando poderes à RNT para não estender o contrato e iniciar um concurso para a

exploração dos aproveitamentos hidroelétricos. De igual modo, os mesmos CAE abriam a possibilidade dessa

extensão ser operada sem nenhum concurso. Só no processo de transição para o mercado, mais

concretamente no Despacho n.º 14 315/2003 e no Decreto-Lei n.º 240/2004, é que a extensão deixa de

depender da vontade da RNT e passa a depender da vontade da EDP. Enquanto Paulo Pinho chama a isto

uma “opção real muito valiosa”, João Manso Neto considera que “não há nada de novo”.

E de facto, há que analisar todo o enquadramento de 1995/96 para se perceber que de facto os Governos

dessa altura pretendiam que essa fosse uma possibilidade mais tarde. Mais, a redação dos próprios CAE

tinham na sua génese a intenção de ser a EDP continuar a explorar as centrais para além do termo dos CAE,

na medida em que, por exemplo, para além de contemplarem essa opção, obrigariam a que se houvesse

concurso e um operador terceiro obtivesse o direito a explorar a central, então esse operador teria que

reequipar a central, algo que não seria exigido à EDP. Ou seja, em 1996 foi tomada uma opção política e de

estratégia energética de privilegiar a EDP na extensão da operação das centrais, porquanto esta não teria que

reequipar as centrais. Ou seja, configura-se nessa data algo que pragmaticamente manifesta a preferência de

ser a EDP a continuar a exploração das centrais para além do fim dos CAE.

João Manso Neto centra o seu argumentário na racionalidade económica da medida:

“A opção de não fazer concurso público e atribuir o domínio hídrico por negociação bilateral era aquilo que

fazia sentido, já não digo do ponto de vista jurídico, mas do ponto de vista económico”.

(Audição de João Manso Neto)

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Para justificar a vantagem económica da negociação sem concurso, João Manso Neto enunciou na

CPIPREPE as quatro opções que o governo teria aquando da cessação dos CAE:

1 – “Realizar concurso em 2007 para todas as centrais para exploração imediata, [o que] implicaria pagar à

EDP o valor residual de 1356M€ e valor atual líquido dos lucros cessantes (7982M€) [até ao final do prazo do

CAE]”; 2 – “Realizar um concurso em 2007 para exploração das centrais, mas salvaguardando os direitos de

exploração até que os CMEC/CAE terminassem, [o que] Implicaria pagar à EDP o valor residual de 1356M€

[com o] inconveniente de estar a pagar, em 2007, por um ativo que só começaria a explorar à medida que os

CMEC/CAE fossem cessando”; 3 – Realizar concursos para exploração das centrais à medida que os

CMEC/CAE terminassem, [o que] Implicaria pagar à EDP o valor residual de 1356M€” 4 – “Conceder à EDP a

exploração das centrais até ao fim da vida útil das mesmas, [em que] o Estado teria um encaixe financeiro de

759M€ e não teria de pagar o valor residual de 1356M€”.

Manso Neto concluiu dizendo que o “O governo tomou a opção mais racional e com maiores benefícios

para o sistema e para o país”.

Sobre a tradução económica da decisão do governo, Paulo Pinho não é da mesma opinião. Ouvido na

CPIPREPE, o ex-administrador da REN não tem dúvidas de que o Decreto-Lei n.º 240/2004 proporcionou à

EDP uma opção real muito valiosa, quebrando a neutralidade dos CMEC em relação aos CAE.

“Sou professor de Finanças e uma peça fundamental da teoria financeira são as opções, a avaliação de

opções. Estamos aqui a falar daquilo que, em finanças, chamamos opção real. Isto é uma opção real? Uma

opção real vale muito dinheiro! O Estado português oferece a um produtor uma opção real muito valiosa a

troco de nada. Aí, foi uma das várias áreas onde, para mim, se violou o princípio, que vigorava nos CMEC, de

que eles deveriam ser financeiramente neutrais. Não é financeiramente neutral quando alguém me põe uma

alínea… aliás, acrescenta lá um texto em que dá essa opção, que é uma opção real, que tem imenso valor.

Mesmo que eles não o exercessem mais tarde, o simples facto de lhe ser dado tem um valor financeiro e esse

valor não foi tido em conta em nenhum dos cálculos feito posteriormente.”

(Paulo Pinho, ex-assessor do ministro Carlos Tavares e ex-administrador da REN)

O valor estratégico da opção, dada à EDP, de estender a utilização do DPH por mais 25 anos foi realçado

por vários depoimentos na CPIPREPE. Para o ex-secretário de estado da energia, a EDP obteve, sem

concurso, o monopólio da produção hidroelétrica em Portugal, que é um bem muito importante para a

operação em mercado:

“A concessão do controlo monopolista da capacidade de bombagem, que é um assetque tem um valor

incalculável para fazer a arbitragem do sistema e quando há excessos da produção eólica a baixo valor — e,

na prática, o Estado passou o monopólio para a EDP — é um valor que não está determinado e que, sob o

ponto de vista estratégico, é um valor incalculável.”

(Henrique Gomes, Secretário de Estado da Energia 2011-2012)

Em suma, a Portaria n.º 14 315/2013 e o Decreto-Lei n.º 240/2004 vieram fazer depender da vontade da

EDP a extensão da concessão do domínio público hídrico em média por mais 25 anos em todas as centrais

hidroelétricas do país. Este novo direito não existia anteriormente nos CAE nem na legislação de 1995, apesar

da opção estar prevista nos CAE e estes mesmos CAE conferirem à EDP uma vantagem (não necessidade de

reequipamento) caso houvesse concurso. Esta extensão tratou-se de uma decisão clara do governo,

introduzida pelo Despacho n.º 14 315/2003 e consumada no Decreto-Lei n.º 240/2004.

Diga-se, porém, que de facto a existência de valor nesta opção levanta dúvidas e é no mínimo discutível.

Com efeito, apesar de aparentemente a EDP ter ficado com a decisão de continuar a explorar as centrais

hidroelétricas do seu lado, o que é facto é que – conforme adiante se verá – a existência de cláusulas

suspensivas nos acordos de cessação deixa ao arbítrio do Estado a possibilidade do seu não cumprimento,

inviabilizando assim a existência de acordos de cessação, do fim dos CAE e transição para CMEC, bem como

ainda da extensão do domínio público hídrico.

Com esta decisão o governo evitou que o Estado pagasse o valor residual dos equipamentos das centrais,

avaliados em €1356M e mais os lucros cessantes. Por outro lado, perdeu o direito de, através da REN, abrir

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novos concursos para a exploração dos 26 aproveitamentos hidroelétricos em Portugal, permitindo que estes

ativos ficassem nas mãos de uma única empresa.

Isto dito, seria incerto que o valor auferido nesses concursos chegasse sequer para cobrir o valor

indemnizatório a pagar à EDP nos termos dos CAE assinados em 1996. De facto, bastaria que o concurso

para algumas centrais ficasse deserto para que – além da incerteza sobre quem exploraria e garantiria a

segurança de abastecimento – o Estado tivesse que ressarcir a EDP.

A estratégia prosseguida na altura permitiu:

a) angariar receitas para os cofres públicos e minimizar o deficit tarifário;

b) evitar tema de concursos desertos e segurança do abastecimento;

c) evitar ter de pagar à EDP avultados valores para a indemnizar, nos termos dos contratos de 1996

d) promover a concorrência a nível ibérico, pois não permitiu que agentes espanhóis de maior dimensão

ficassem a controlar os ativos em questão, beneficiando assim a menor concentração do mercado.

Registam-se, portanto, as posições das duas entidades envolvidas no processo: para a EDP, nas palavras

de João Manso Neto, a extensão do DPH “era aquilo que fazia sentido do ponto de vista económico”; para a

REN, nas palavras do seu então presidente, José Penedos, “a extensão do domínio hídrico, da maneira que

foi feita, era contra o interesse nacional”.

1.3 Aspetos decorrentes dos acordos de cessação dos CAE

Os acordos de cessação antecipada dos CAE, assinados pela EDP e pela REN e homologados em

fevereiro 2005 pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, Manuel Lencastre, através do

Despacho n.º 4672/2005, vieram estabelecer as condições para a cessação daqueles contratos no processo

de transição para os CMEC. Nestas condições foi introduzida uma cláusula suspensiva destes acordos

(cláusula 2, alínea b) que obrigava à subconcessão do DPH à EDP até ao fim de vida útil dos equipamentos

das centrais hídricas:

“Concessão à Entidade Concessionária da RNT dos direitos de utilização do domínio público hídrico que

integre o conjunto dos Centros Electroprodutores, por prazo não inferior ao correspondente à vida útil dos

equipamentos e obras de engenharia civil que se encontra indicado no Anexo I – Parte B em relação a cada

Centro Electroprodutor e subsequente subconcessão pela Entidade Concessionária da RNT a favor do

Produtor dos aludidos direitos de utilização, por prazo idêntico ao daquela concessão”.

(Acordos de cessação dos CAE, cláusula 2, ponto 1-b)

Assim, na prática, esta cláusula suspensiva veio fazer depender a cessação dos CAE e a consequente

passagem aos CMEC, da extensão do DPH. Para o então diretor geral da EDP, João Manso Neto, esta

cláusula foi introduzida apenas para salvaguardar a opção conferida à EDP pelo Decreto-Lei n.º 240/2004:

“O Decreto-Lei n.º 240/2004 permitia à empresa, aos produtores — neste caso éramos só nós que já

tínhamos o hídrico — escolher entre receber o valor residual, ou seja, somar ao valor dos CMEC [o] valor

residual, ou optar pela extensão do domínio hídrico. Quando assinámos o acordo de cessação, exercemos a

opção: o montante CMEC é de 3300M€ e não 4600M€ porque exercemos a opção.

Portanto, o acordo CMEC nunca podia entrar em vigor sem me regularizarem o domínio hídrico, porque se

não me dessem o domínio hídrico, então tinha de ir para os 4,6 – esta é uma razão financeira.

Mas há, também, uma razão mais operacional, que é: «eu preciso de ter o domínio hídrico para operar em

mercado». Esta era a direta execução do Decreto-Lei n.º 240/2004: 3,3 mais domínio hídrico, ou 3,3 mais valor

residual. Como escolhemos o primeiro, só podemos dar o CAE como morto quando tivermos o resto. Está a

ver? Se eu escolhesse um e, depois, não tivesse o resto ficava desequilibrado… É uma condição suspensiva

que não podia deixar de existir, face ao teor do Decreto-Lei n.º 240/2004.”

(Audição de João Manso Neto)

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Victor Batista, um dos administradores da REN que conduziu o processo por parte da concessionária da

RNT, concorda que esta cláusula foi só uma forma da EDP exercer um direito que lhe tinha sido atribuído pela

legislação introduzida no ano anterior:

“Nessa condição suspensiva a EDP, no fundo, está a exercer o direito de opção. A opção que lhe foi

oferecida ela exerce-a! É a tal opção real. A EDP exerceu esse direito, ou seja, «eu quero continuar». E,

portanto, aparece na condição suspensiva.”

(Audição de Victor Batista)

Ouvidas as duas empresas envolvidas na elaboração e assinatura dos acordos de cessação, pode

concluir-se que a inclusão da obrigatoriedade de extensão do DPH na cláusula suspensiva dos acordos de

cessação dos CAE foi a concretização do novo direito de opção dado à EDP no Despacho n.º 14 315/2003 e

confirmado pelo Decreto-Lei n.º 240/2004, inicialmente previsto nos CAE de 1996.

Na sua Decisão de 2017 relativa ao processo por ajudas de Estado sobre a extensão do domínio hídrico, a

Comissão Europeia sublinha este facto:

“(25) Em primeiro lugar, a Comissão observou que a adjudicação da utilização de recursos hídricos

públicos em regime de concessão para efeitos de prestação de um serviço num mercado pode não comportar

uma vantagem económica para o beneficiário, se a dita concessão for adjudicada no âmbito de um concurso

público e não discriminatório em que participe um número suficiente de operadores interessados. No entanto,

no caso em apreço, os acordos de cessação dos CAE prolongaram, de facto, por cerca de 25 anos, em média,

o direito exclusivo da EDP de explorar as centrais elétricas em causa sem qualquer processo de concurso.

Com efeito, a organização de um concurso ficou esvaziada pelas cláusulas suspensivas dos 27 acordos de

cessação dos CAE entre a REN e a EDP.

(26) Tendo em conta a significativa parte do mercado português representada pelas centrais elétricas (27

%), a posição da EDP no mercado português de geração e venda por grosso (55 %) e o interesse específico

de centrais hidroelétricas numa carteira de produção de eletricidade, a Comissão considerou que essas

cláusulas suspensivas podem ter desencadeado um efeito de exclusão do mercado numa base duradoura

para a entrada no mercado de potenciais concorrentes que poderiam ter concorrido ao concurso público. Por

conseguinte, poderia estabelecer-se uma vantagem económica beneficiando indevidamente a EDP caso o

concurso tivesse tido por resultado um preço mais elevado do que o que foi pago pela EDP, líquido do valor

residual devido a esta empresa”.

(Decisão da Comissão Europeia sobre a extensão da utilização do DPH, 15 de maio de 2017)

A este respeito, e para uma análise concreta, importa relevar que a análise da Comissão Europeia não está

completa nem foi definitiva, como acima já se fez notar. De facto, a Comissão Europeia está ainda a analisar o

tema da extensão do DPH em vários Estados membros, entre os quais Portugal, não tendo ainda tomado

qualquer decisão acerca da validade dessa extensão sem recurso a concurso.

1.4 Negociação e decisões políticas

Como vimos nos dois pontos anteriores, a extensão da concessão do DPH à EDP foi feita em duas fases:

1) o Despacho n.º 1415/2013 que transformou uma opção da REN (estender o DPH ou fazer concurso público)

numa opção da EDP; 2) o Despacho n.º 4672/2005 assinado por Manuel Lancastre aprovou os acordos de

cessação que continham a cláusula suspensiva que concretiza essa decisão, transformando a extensão do

DPH numa condição para a cessação dos CAE e entrada em vigor dos CMEC.

Refira-se, no entanto, que caso alguma das condições suspensivas não fosse concretizada, o Estado teria

sempre a possibilidade de revogar os CAE, pagar aos produtores as indeminizações previstas e lançar os

concursos.

Sobre estes dois momentos legislativos, as opiniões manifestadas na CPIPREPE dividiram-se. Para alguns

intervenientes esta foi uma decisão acertada do governo, que impediu o pagamento do valor residual de

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€1356M estipulado pelos CAE, para outros o Estado quebrou a neutralidade entre os CAE e os CMEC,

entregou à EDP um ativo com grande valor estratégico quer para o Estado quer para a EDP, cujo o seu maior

acionista era o Estado, e perdeu a possibilidade de fazer um encaixe superior ao valor residual em futuros

concursos públicos. No entanto, nenhum dos depoentes adeptos desta última tese demonstraram que esse

encaixe seria de facto superior. Na realidade, poderia até ser inferior, porquanto em caso de concurso, os

outros operadores teriam que suportar o custo do reequipamento das centrais, reduzindo por isso o preço que

estariam dispostos a pagar pela respetiva exploração.

Interessou, por isso, à CPIPREPE averiguar em que moldes foi tomada esta decisão e perceber se ela

resultou de um processo negocial entre o governo e a EDP durante a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004.

Passados mais de 15 anos sobre estes factos, os principais responsáveis políticos alegaram não se recordar

de discussões, decisões ou negociações sobre a extensão do DPH, tanto no processo de preparação do

Decreto-Lei n.º 240/2004 como na sua versão final como ainda na preparação dos acordos de cessação dos

CAE.

Franquelim Alves, Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia, assinou o Despacho n.º 14

315/2003 onde já se prevê a extensão do domínio hídrico:

“Não tenho memória de qualquer tipo de discussão sobre esse tema nem sequer a noção de que, por via

do decreto-lei que estava em discussão, que estava em cima da mesa no meu tempo…”

Carlos Tavares, Ministro da Economia 2002-2004, remeteu a parecer da ERSE e à aprovação pela

Comissão Europeia o anteprojeto do que viria a ser o Decreto-Lei n.º 240/2004 (que já continha sobre esta

matéria a formulação que veio a ficar no diploma aprovado):

“Se calhar, não vou corresponder às suas expectativas. Só lhe posso garantir uma coisa: não houve

nenhuma negociação comigo sobre esse ponto. (…) Também não lhe sei dizer se esse ponto estava no

decreto que foi notificado ou não, mas acredito plenamente… De facto, não foi ponto de que eu tivesse tratado

explicitamente”.

Não obstante o mesmo Carlos Tavares afirmou perante a CPIPREPE, a propósito dos CAE, mas

igualmente aplicável ao tema do concurso do DPH:

“Os Senhores Deputados, se calhar, também têm de recuar 15 anos e perceber qual era o ambiente da

altura a respeito dos centros de decisão nacional e, sobretudo, na área da energia, que levaram até o

Presidente da República da altura a convocar uma conferência sobre os centros de decisão nacional no setor

da energia. E eu queria saber o que é que aconteceria se nós tivéssemos feito um mecanismo de leilão dos

CAE em que a posição da REN fosse substituída pela da Iberdrola, pela Endesa, ou por um outro qualquer e

em que a EDP passasse a atuar apenas como agente dos produtores espanhóis”.

(audição Carlos Tavares, Ministro da Economia, 2002-2004)

Manuel Lancastre, Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico 2004-2005, assinou o despacho

4672/2005 que homologa os Acordos de Cessação dos CAE, onde figura como cláusula suspensiva da

cessação a extensão do DPH:

“Se me lembro de ter negociado e discutido essa questão da concessão para além dos prazos com a REN

e com a EDP? A resposta é não”.

Diga-se, no entanto, em abono da verdade, que esta decisão data de facto de 2003, quando Manuel

Lancastre ainda não fazia parte do Governo, pelo que naturalmente não se poderia lembrar de tais discussões.

Conforme Victor Baptista afirmou na CPIPREPE, os acordos de cessação homologados por Manuel Lancastre

apenas foram reflexo do disposto na legislação anteriormente aprovada.

Quanto aos principais responsáveis da EDP ouvidos na CPIPREPE fizeram declarações contraditórias.

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Por um lado, o presidente executivo da empresa à data, João Talone, e o administrador responsável pelo

processo negocial do Decreto-Lei n.º 240/2004, Pedro Rezende, afirmaram que não houve qualquer

abordagem da EDP junto do governo sobre a extensão do DPH e que esse tema não foi uma preocupação

nas negociações em 2004 sobre a transição dos CAE para os CMEC.

Pedro Rezende, vice-presidente da Boston Consulting Group 1990-2003, administrador da EDP 2003-2006,

assinou pela empresa os acordos de cessação dos CAE:

“Enquanto estive na EDP o assunto da extensão do domínio hídrico não foi negociado com o Estado, não

foi negociado pelo Estado, não foi tratado. (…) Lamento imenso dizer-lhe que não recordo que houvesse essa

condição suspensiva nos contratos”.

João Talone, presidente-executivo da EDP 2003-2006 na preparação do Decreto-Lei n.º 240/2005 e na

assinatura dos acordos de cessação dos CAE:

“Aquilo de que me lembro é que, no decreto-lei de 2004, estava previsto que, no fim da concessão do

domínio hídrico, a concessão revertia para o Estado e o Estado tinha de pagar os ativos ao operador. (…) Mas

não me lembro, sequer, que isso tenha sido tema enquanto estive na EDP.”

Por outro lado, o atual presidente executivo da EDP, António Mexia, não tem dúvidas que a empresa impôs

a extensão do DPH como condição para aceitar a transição para os CMEC. Já João Manso Neto afirma que a

extensão do DPH foi uma opção do governo.

“Nesta altura a EDP manifestou-se no sentido de condicionar a cessação antecipada dos seus CAE à

extensão do DPH. (…) [Os administradores da EDP] punham a condição A, B, C, D, entre as quais estava a

extensão do domínio hídrico. Gostava que ficasse claro que em 2003 e 2004 houve muito envolvimento”.

(António Mexia)

“O Estado optou, em 2003 e, depois, em 2004, pela solução mais fácil, o ajuste direto… (…) Neste caso do

domínio hídrico, estávamos a falar da substituição de CAE por CMEC. Se querem acabar com os contratos é

conveniente que estejamos de acordo.”

(João Manso Neto, Diretor-Geral e administrador da EDP 2003-2015, atual presidente da EDP Renováveis)

Para provar o empenho da EDP já em 2004 na negociação da extensão do DPH, António Mexia remeteu à

CPIPREPE uma carta enviada pelo Conselho de Administração da empresa ao secretário de Estado do

Desenvolvimento Económico, Manuel Lancastre no final de 2004, no final do processo de negociação do que

viria a ser o Decreto-Lei n.º 240/2004.

No último ponto, o Conselho de Administração da EDP alerta o governo para a necessidade de garantir que

a concessão do DPH seja feita à REN, porque só assim ficaria assegurada a extensão do DPH prevista no

artigo 4º (ponto 1 alínea vii) do projeto de lei.

“É fundamental para assegurar a atribuição do montante dos CMEC resultante do artigo 4.º do Decreto-Lei

que os prazos das subconcessões a atribuir aos produtores titulares de centros hidroeléctricos correspondam,

no mínimo, aos períodos de vida útil dos equipamentos de construção civil e engenharia mecânica. Neste

momento, face à inexecução do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 153/2004, de 30 de junho, torna-se essencial a

adopção de medidas que assegurem a atribuição das concessões à entidade concessionária da RNT em

consonância com os prazos acima referidos, embora não prejudicando a celeridade e oportunidade do

presente processo legislativo.”

(Pedro Rezende, Carta CA da EDP, 10 de novembro de 2004)

“Os serviços competentes do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente devem

celebrar os respectivos contratos [de concessão do domínio hídrico] com a entidade concessionária da RNT

no prazo de 120 dias a contar da publicação do presente diploma, devendo constar dos mesmos a

possibilidade de subconcessão a favor dos respectivos produtores hidroeléctricos”.

(Decreto-Lei 153/2004, de 30 de junho, artigo 2.º, n.º 2)

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Esta carta prova que em 2004 houve uma primeira negociação entre a EDP e o governo sobre a extensão

do DPH. A preocupação da EDP era garantir que a lei sobre domínio hídrico em vigor não impediria a

extensão do DPH prevista no novo Decreto-Lei n.º 240/2004. Em particular, Pedro Rezende quer assegurar

que os prazos de concessão do Estado à REN são compatíveis com a extensão da subconcessão à EDP,

prevista no artigo 4º do DL. Esta garantia é contratualizada através da inclusão da respetiva cláusula

suspensiva nos acordos de cessação dos CAE que Manuel Lencastre homologaria:

“Concessão à Entidade Concessionária da RNT dos direitos de utilização do domínio público hídrico que

integre o conjunto dos Centros Electroprodutores, por prazo não inferior ao correspondente à vida útil dos

equipamentos e obras de engenharia civil […] e subsequente subconcessão pela Entidade Concessionária da

RNT a favor do Produtor dos aludidos direitos de utilização, por prazo idêntico ao daquela concessão”.

2. O processo de concessão do domínio hídrico

2.1 Regulamentação da Lei da Água

No final do Governo Santana Lopes, estava em finalização a futura Lei n.º 58/2005, aprovada pela

Assembleia da República já no período do Governo Sócrates. A Lei da Água determina que a concessão da

utilização do domínio público hídrico é atribuída mediante concurso público, cabendo ao governo aprovar

decretos-leis complementares que regulem a utilização de recursos hídricos e o respetivo regime económico e

financeiro. Em finais de 2006 e início de 2007, a aplicação concreta da nova lei será objeto de um conflito no

seio do governo de maioria absoluta do Partido Socialista, quando as posições dos ministérios do Ambiente e

da Economia se confrontam.

Em maio de 2006, o presidente do Instituto da Água (INAG), Orlando Borges, remete ao Ministro do

Ambiente o projeto de decreto-lei de regulamentação da Lei da Água, cuja preparação coordenou. Entre outras

definições, esta proposta determinava que, finda a vigência dos CAE das centrais hidroelétricas, a concessão

do domínio hídrico dependeria da realização de concurso público, tal como indicado na Lei da Água. No

entanto, este projeto de Decreto-Lei estava em clara contradição com o direito já conferido à EDP na Portaria

n.º 14 315/2003 e no Decreto-Lei n.º 240/2004, que tinha sido objeto de autorização legislativa da Assembleia

da República.

Paralelamente a este processo e sem a participação do Ministério do Ambiente, o Ministério da Economia

inicia, em outubro de 2006, o processo de atribuição à EDP, de modo imediato, urgente e sem concurso,

conforme previsto desde os CAE de 1996, na Portaria n.º 14 315/2003 e Decreto-Lei n.º 240/2004, da

extensão da concessão do domínio hídrico, como forma de incorporar uma receita extraordinária que

contribuísse fazer face aos aumentos de tarifa previstos pela ERSE para 2007 (ver mais sobre este processo

no capítulo dívida tarifária).

É neste momento que, no quadro do percurso legislativo do projeto de decreto regulamentar da Lei da

Água preparado pelo INAG, o Ministério da Economia entende propor-lhe um conjunto de alterações, que

decorriam do quadro legal estabelecido em 2003/2004 e permitiam angariar mais receitas para os cofres do

Estado.

As objeções do Ministério da Economia e Inovação (MEI) são apresentadas num memorando interno do

governo designado “Análise da proposta de diploma do MAOTDR para a regulamentação da Lei da Água”. As

principais objeções do MEI são 1) a existência de risco de redução da margem de manobra negocial para a

extinção antecipada dos CAE e, consequentemente, para a obtenção de contrapartidas económicas para

reduzir os esperados aumentos da tarifa; 2) a imposição de taxas de utilização de água ou rendas, com

impacto no aumento das tarifas. Em consequência, o MEI propõe, entre outras, 1) a prorrogação das

concessões do domínio hídrico das centrais com CAE (“em resolução do Conselho de Ministros sob proposta

do MEI”); 2) a isenção do pagamento de taxas por utilização de água.

Em nome do INAG, Orlando Borges remete a 21 de novembro de 2006 ao ministro do Ambiente, Nunes

Correia, uma crítica das propostas de alteração feitas pelo MEI. Nesse parecer, Orlando Borges refere que as

propostas do MEI “beneficiam claramente um sector de actividade [o da produção de energia] em detrimento

de outros”. Um exemplo de alegado favorecimento ao setor eléctrico seria a proposta de isenção de

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pagamento da taxa de recursos hídricos, “isenção contrária ao espírito da Lei da Água”. O INAG criticava

ainda o papel que o MEI pretendia atribuir à Direção-Geral de Energia e Geologia na gestão dos recursos

hídricos utilizados na produção eléctrica, sendo um dos exemplos o facto de se pretender que passasse a ser

a DGEG a tomar a posse administrativa dos bens e a geri-los, em caso de reversão para o Estado.

Não me recordo dessa carta. Se os Srs. Deputados têm cópia dela, teria muito gosto em lê-la. Não me

recordo dessa carta. Não disse que ela não existiu, disse que não me recordo dessa carta. E, 12 anos depois,

vir dizer que alguém escreveu uma carta a alguém… Bom, onde está a carta?! Quero vê-la! Não me recordo

dela!

(Nunes Correia, ministro do Ambiente 2005-)

Perante o parecer do INAG, o MAOTDR recusa as propostas da Economia e Tiago D’Alte, adjunto do

ministro Nunes Correia, responde sucintamente ao gabinete de Manuel Pinho apontando falhas de

legalidade/constitucionalidade nas propostas do MEI.

Na sequência destes factos, o secretário de Estado com a pasta da Energia, Castro Guerra, encomenda

um conjunto de pareceres jurídicos sobre a legalidade/constitucionalidade das propostas do MEI.

Num primeiro momento, ainda em novembro de 2006, Castro Guerra recebe da EDP um parecer de Pedro

Gonçalves (MLGTS & Associados) a dar suporte às propostas do MEI.

Ao mesmo tempo, o secretário de Estado pede a Freitas do Amaral um parecer sobre o mesmo assunto.

Este não se pronuncia sobre se alguma das alterações propostas é incompatível com legislação comunitária

(porque “não me foi pedido e por falta de tempo”), limitando-se a recomendar que, para cumprir o artigo 165.º

da Constituição, o Decreto-Lei alterado pelo MEI seja enquadrado por autorização legislativa da Assembleia

da República, “por causa do encargo especial a exigir aos beneficiários de prorrogações de concessões”.

Na CPIPREPE, Orlando Borges resumiu esta fase do processo da seguinte forma:

“Estávamos ali a criar um problema e a única forma que encontraram, nomeadamente do ponto de vista da

legalidade, para ultrapassar esse problema foi pedir uma autorização legislativa e fazer aquilo que, no âmbito

do regulamento e da proposta de decreto-lei que era apresentado, não podiam ou não tinham condições de

fazer. (…) A autorização legislativa desta Assembleia da República, a Lei n.º 13/2007, introduziu duas

situações que não estavam previstas na Lei da Água. A alínea h), que dizia: «a possibilidade de prorrogação,

por uma única vez», e depois definia o prazo —, e a alínea o), feita justamente com este objetivo, que pedia

autorização legislativa à Assembleia da República para definir «um regime especial de regularização de

atribuição de títulos de utilização dos recursos hídricos às empresas titulares de centros electroprodutores,

prevendo a possibilidade de continuação de utilização dos recursos hídricos mediante a celebração de um

contrato de concessão no prazo de dois anos». Ou seja, com este respaldo, utilizando uma linguagem jurídica,

o Decreto-Lei n.º 226-A/2007 introduziu objetivamente dois ou três artigos”.

O pedido de autorização legislativa é aprovado pelo Parlamento a 8 de fevereiro de 2007.

Castro Guerra solicita novos pareceres jurídicos aos advogados Rui Pena (RPA Associados) e António

Vitorino e Duarte Abecasis (sociedade Gonçalves Pereira), não só sobre as alterações pretendidas pelo MEI

ao projeto inicial, mas também já sobre os termos a adotar na futura portaria conjunta MEI/MAOTDR que fixará

o valor a pagar pela EDP e ainda sobre a modalidade de incorporação desse valor na tarifa da eletricidade.

Em fevereiro de 2007, a finalização do decreto-lei passa a estar a cargo exclusivo do Ministério da

Economia. A 15 desse mês fevereiro, a resolução do conselho de ministros n.º 50/2007 incumbe o MEI da

“prossecução das acções necessárias para a concretização das orientações constantes da presente

resolução”, embora o Decreto-Lei n.º 226-A/2006 seja atribuído da iniciativa do MAOTDR e o despacho que,

em agosto, fixa o valor do equilíbrio económico-financeiro seja assinado conjuntamente pelo Ministro Manuel

Pinho e pelo ministro Nunes Correia.

No entanto, os valores não são divulgados por Manuel Pinho, que refere apenas “várias centenas de

milhões de euros”. De acordo com o jornal Público de 16 de fevereiro, o governo iria ainda pedir estudos, mas

toda a imprensa noticia 800M e as ações da EDP em bolsa atingem máximos desde 1999. Nesse mesmo dia

16, João Manso Neto envia informação por e-mail a Miguel Viana, do BESI, que produz uma nota de research

confirmando o valor da imprensa como a expectativa da EDP: 700 a 800 milhões de euros.

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A versão final do Decreto-Lei n.º 226-A/2007 consagrou a possibilidade de uma extensão adicional do

período da utilização do domínio hídrico – para além daquela que foi avaliada, tanto pela REN como pelas

entidades bancárias – no caso da realização de investimentos não previstos no contrato de concessão. Por

outro, lado é previsto o pagamento pela EDP de um valor de equilíbrio económico-financeiro:

“1 – Com o termo da concessão e sem prejuízo do disposto no respectivo contrato, revertem gratuitamente

para o Estado os bens e meios àquela directamente afectos, as obras executadas e as instalações construídas

no âmbito da concessão, nos termos do disposto no artigo seguinte.

2 – No termo do prazo fixado, quando o titular da concessão tenha realizado investimentos adicionais aos

inicialmente previstos no contrato de concessão devidamente autorizados pela autoridade competente e se

demonstre que os mesmos não foram ainda nem teriam podido ser recuperados, esta entidade pode optar por

reembolsar o titular do valor não recuperado ou, excepcionalmente e por uma única vez, prorrogar a

concessão pelo prazo necessário a permitir a recuperação dos investimentos, não podendo em caso algum o

prazo total exceder 75 anos.”

(Decreto-Lei n.º 226-A/2007, artigo 35.º – Termo da concessão)

“1 – A entidade concessionária da RNT e as empresas titulares dos centros electroprodutores (…) poderão

continuar a utilizar os recursos hídricos atrás referidos através de outorga de contrato de concessão a celebrar

entre o Estado e a entidade concessionária da RNT, a ocorrer no prazo máximo de dois anos a contar da data

de entrada em vigor do presente decreto-lei, podendo aquela transmitir os correspondentes direitos às

referidas empresas titulares dos centros electroprodutores. (…)

6 – A transmissão dos direitos de utilização do domínio hídrico a favor das empresas titulares dos centros

electroprodutores a que se refere o n.º 1 fica sujeita ao pagamento de um valor de equilíbrio económico-

financeiro”.

(Decreto-Lei n.º 226-A/2007, artigo 91.º – Regularização da atribuição de títulos de utilização às empresas

titulares de centros electroprodutores)

Conforme refere António Mexia na sua audição, o pagamento deste valor não estaria explicitamente

previsto em 2003 ou sequer em 2004. De facto, face à legislação em vigor até à entrada em vigor do Decreto-

Lei n.º 226-A/2007, a EDP tinha o direito à extensão do domínio público hídrico, sem ter que efetuar nenhum

pagamento adicional pelo facto de prescindir do recebimento do valor residual das centrais, avaliado em 1356

milhões de euros. Com este diploma, a EDP foi obrigada a pagar um montante adicional não previsto

anteriormente.

No ministério, a passagem da tutela da energia de Castro Guerra para Manuel Pinho é sinalizada em maio

com a saída do gabinete do Secretário de Estado da equipa de assessores para a área da energia.

2.2 A omissão da medida perante a Comissão Europeia

Depois do atos legislativos e de governo de 2003 e 2004 discutidos nos pontos anteriores –, que permitia a

extensão sem concurso da concessão do DPH às barragens da EDP até ao fim de vida dos equipamentos, era

necessário encontrar um método de fixação de uma compensação económica ao sistema elétrico por

concessão. Este assunto foi alvo de reuniões durante o ano de 2006 entre a EDP e a REN com o objetivo de

fixar esse método e calcular um valor a pagar pela EDP por essa concessão.

Em 2006, na preparação da entrada em vigor do regime CMEC, foi identificada a necessidade de rever a

estimativa do preço médio de mercado feita no Decreto-Lei n.º 240/2004 para o período CMEC, de 36€/MWh

para 50€/MWh. Esta alteração era neutra quanto à remuneração, apenas alterando a sua repartição entre

parcela fixa e parcela de ajustamento, e a posteriori é possível constatar que se revelou correta, por mais

aproximada aos valores verificados no mercado grossista.

Se era neutra no caso dos CMEC, ela era importante no caso da extensão do domínio hídrico, visto que o

aumento do valor estimado para a exploração vinha afetar a disposição do Decreto-Lei n.º 240/2004 que

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previa, para a extensão da concessão, a dedução do valor residual ao CMEC a receber pela EDP. Esses

cálculos foram realizados, da forma que se analisa mais à frente neste relatório.

Mas esta alteração ao auxílio de Estado CMEC implicava, nos termos da Decisão da CE de 2004, uma

notificação à Comissão. Este facto, atendendo à documentação dada a conhecer pela Procuradoria-Geral da

República, gerava grande preocupação no governo e na EDP. Em parecer jurídico, António Vitorino sugere a

realização de uma notificação informal à CE sobre os dois temas, preços de referência e extensão do domínio

hídrico.

A opção por esta informalidade é resultado de uma preocupação expressada no memorando enviado por

António Mexia ao ministro Manuel Pinho, depois de preparado por João Manso Neto com conhecimento prévio

a Rui Cartaxo, assessor do ministro, que terá concordado.

Nesse memorando, escreve o presidente da EDP ao ministro:

“3. O risco que pode haver é que, sob o pretexto dessa confirmação [pela Comissão] da análise [do

governo] sobre a pertinência e neutralidade desta alteração [da previsão de preço de mercado], a Comissão

Europeia ter a tentação de rever o dossier, o que poderia bloquear o processo.

4. Daí que sugeria que se evitasse uma reapreciação técnica do assunto e que, pelo contrário, falasses

com a Comissária [da Concorrência, Nelie Kroes] no sentido de lhe voltar a explicar o que se pretende e a

simplicidade do que está em causa. Se sentires que não é viável obter um acordo informal com base nessas

explicações, a melhor solução para evitar os riscos referidos em 3, será avançar com a implementação dos

CMEC nos termos em que está o DL (…).

5. Naturalmente que a manutenção do preço de referência de 36 no período de revisibilidade não teria

qualquer efeito na avaliação da extensão do domínio hídrico, que continuaria a ser calculada com base em

preços futuros reais de EUR 50 MWh".

Manuel Pinho acabará por realizar uma comunicação informal sobre a alteração do preço de referência,

sem objeções da parte da Comissão. Quanto à extensão da concessão do domínio hídrico, o conselho de

António Vitorino não foi seguido – a medida, que implicou um pagamento que o Decreto-Lei n.º 240/2004 não

previa, só veio a ser do conhecimento formal da Comissão Europeia em agosto de 2012, através da queixa

apresentada por um conjunto de cidadãos acerca dos auxílios de Estado pagos à EDP sob a vigência do

Decreto-Lei 240/2004 e por via da atribuição da utilização do domínio hídrico em 2007.

2.3 Cálculo do valor residual e da extensão da utilização do domínio hídrico

A avaliação era particularmente complexa, dado que implicava avaliar, em 2007, o valor atual do valor

residual das centrais no termo dos CAE/CMEC (entre 2013 e 2027) e o valor económico da exploração das

centrais entre o termo que estava previsto para os CAE e o fim da vida útil das centrais hidroelétricas CMEC

(entre 2032 e 2053). Para o período tão longo da avaliação foram necessários pressupostos simplificadores

em relação a taxas de desconto e preços de mercado futuros.

De acordo com a documentação a que a CPIPREPE teve acesso, até novembro de 2006, a EDP e a REN

estiveram de acordo sobre o método de cálculo para avaliação da extensão do DPH. Porém, pouco tempo

mais tarde, a EDP comunicou ao governo a discordância das contas apresentadas no grupo de trabalho

conjunto com a REN, sugerindo novos pressupostos no método de cálculo, mais concretamente a

consideração de taxas de atualização distintas para o valor dos equipamentos e para os cash-flows. Essa

mudança de posição é analisada em detalhe no ponto seguinte.

No início de 2007, a DGEG e o gabinete do ministro pediram novos cálculos à REN, que, aceitando

apresentar outros cenários, continuou a defender a utilização de apenas uma taxa de atualização para as duas

componentes do cálculo. Em face do diferendo sobre os pressupostos a utilizar, a tutela encomendou uma

avaliação externa a duas entidades diferentes: Caixa BI e Credit Suisse. A EDP conhece as entidades

bancárias escolhidas desde antes de 8 de janeiro, data em que o administrador Manso Neto envia a António

Mexia a seguinte nota, constante do processo judicial 184/12.STELSB:

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“Falei hoje com RC [Rui Cartaxo, assessor de Manuel Pinho] que disse que já havia falado com a CGD e a

CSFB para os contratar para fazerem a avaliação do DH [domínio hídrico] em semanas. Confirmou-me ter lido

os documentos que lhe enviei”.

O resultado destas avaliações acabou por estar em linha com a segunda posição da EDP, considerando

duas taxas de desconto. Curiosamente, a decisão formal de contratar estas entidades é do Conselho de

Ministros de 15 de fevereiro, quando já estavam entregues as conclusões de pelo menos uma das avaliações

(a da Caixa BI), estando a outra datada do dia seguinte à reunião do Conselho de Ministros. Estas avaliações

foram a base para a fixação do valor de 759 M€, através do Despacho n.º 16982/2007, assinado em agosto

pelos Ministros do Ambiente e da Economia e Inovação, Nunes Correia e Manuel Pinho, respetivamente.

Dada a discrepância entre o valor decidido pelo governo e o apresentado pela REN na sua avaliação (1150

M€), uma parte dos trabalhos da CPIPREPE debruçou-se sobre este processo, desde o consenso entre EDP e

REN até à mudança de posição da EDP em novembro de 2006 e ainda à assinatura do Despacho n.º 16

982/2007. Foram ouvidos os principais argumentos a favor e contra a utilização das duas taxas, bem como a

justificação dos principais intervenientes na condução do processo por parte do Governo, EDP e REN.

2.4 Mudança de posição da EDP

A 13 de Novembro de 2006, João Manso Neto envia a António Castro Guerra, Secretário de Estado

Adjunto do Ministro da Economia e Inovação, os cálculos preliminares da EDP relativos à valorização da

extensão do DPH. No e-mail, o administrador refere que estes “ainda são só valores da EDP” e que ainda falta

trabalhar com a REN para chegar a valores finais. O valor apresentado considera apenas a taxa WACC 6,6%

e apresenta um valor residual do total dos aproveitamentos hídricos de 1051M€.

No dia seguinte à EDP enviar estes valores ao governo, circula no conselho de administração da REN uma

versão dos mesmos cálculos feita pela equipa da concessionária da RNT. Este documento, enviado a 5 de

dezembro por Francisco Saraiva a José Penedos, Victor Batista e Paulo Pinho usa a mesma taxa WACC da

EDP e chega a valores, “consolidados com a EDP” de 1045M€.

Assim, a 5 de dezembro, a REN ainda julga haver um consenso com a EDP sobre o valor residual a

descontar no pagamento da EDP pela extensão do DPH até ao fim de vida útil dos equipamentos. Todavia,

uma semana antes, a 30 de novembro, uma nova posição da EDP já tinha sido remetida ao Secretário de

Estado Castro Guerra, incluindo taxas diferenciadas (4,7% para a atualização do valor residual e várias

superiores para os cash-flows futuros).

No início de dezembro, o presidente da DGEG, Miguel Barreto, envia um e-mail à REN a pedir mais

simulações relativas a este cálculo, utilizando uma taxa de 4,13% em vez da WACC da EDP de 6,6%. A razão

para este pedido é explicada pelo próprio Miguel Barreto na CPIPREPE:

“No final de novembro ou logo no início de dezembro, não consigo precisar, foi-me transmitido que a EDP e

a REN não tinham conseguido convergir nas suas posições. Tudo tinha que ver com o valor residual.

Surgiram, concretamente, várias questões mas aquela que, de alguma maneira, se tem destacado foi a

seguinte: a EDP entendia que o valor residual era um direito seu na compensação relativa aos CAE, cuja taxa

de atualização já estava definida no Decreto-Lei n.º 240/2004, e que apenas os cash-flows, após o CAE,

deveriam ser considerados para valorizar a extensão; a REN defendia que o valor residual era como um

investimento que o Estado fazia para viabilizar a extensão e que ambos, valor residual e cash-flowsfuturos,

deviam ser avaliados com a mesma taxa, como se de um projeto único se tratasse. (…) É nesta altura que me

é solicitado que interaja com a REN, no sentido de fornecer ao Governo uma comparação das duas posições,

utilizando um modelo do Estado, que era o da REN. Depois de várias interações, finalmente recebi uma tabela

que compara de forma correta as duas abordagens, com várias taxas de desconto — aliás, julgo que a tabela

foi ontem aqui mostrada pelo Dr. Rui Cartaxo —, que reencaminhei ao Governo em janeiro e, a partir daí, nada

mais tive que ver com o tema de extensão do domínio hídrico.”

(Audição Miguel Barreto)

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Victor Batista, o administrador que conduziu o processo do lado da REN, diz não conhecer divergências

anteriores com a EDP quanto às taxas a utilizar no cálculo do valor residual. Até ao pedido de Miguel Barreto,

a REN acreditava que havia acordo e nunca recebera informação contrária da EDP:

“Eu tinha a informação interna de que havia acordo e, às tantas, recebi um telefonema da Direção-Geral de

Energia a pedir algo que fugia ao acordo que a equipa interna da REN me tinha transmitido e, como não tinha

nenhum telefonema, quer do Dr. Manso Neto ou de alguém da EDP para me dizerem alguma coisa, achei

aquilo muito estranho e tentei combater e defender a ideia da REN durante cerca de um mês, mas o resultado

é que não fui bem-sucedido, mas, pronto.”

(Audição de Victor Batista)

João Manso Neto, na CPIPREPE, afirma que a ideia da EDP não era a de utilizar a taxa de 6,6% para o

cálculo do valor residual e que o primeiro e-mail enviado ao secretário de Estado continha um erro. Realça que

o erro foi corrigido poucos dias depois e os novos valores enviados ao secretário de Estado:

“A nível das taxas de juro, não houve discussão com a REN. Não houve! Se está aí dito é porque foi uma

imprecisão minha.

Agora também reconheço, eu erro muitas vezes na vida. As simulações que mandei ao Sr. Secretário de

Estado, a 13 de novembro, tinham um erro, que, na altura, lhe expliquei.

Agora, perguntam-me assim: «Mas como é que estes indivíduos mandam uma coisa errada?!». Sabe

porquê? É porque tínhamos uma relação muito transparente — não é promíscua, é transparente! —, porque

todos queríamos chegar ao mesmo sítio.

[…] As simulações que foram entregues no dia 13 de novembro estavam erradas, como concluí pouco dias

depois, porque havia um problema nas taxas, daí que, no final do mês de novembro — penso que isso

também consta de vários documentos —, já estavam certos.”

(Audição João Manso Neto)

Assim, ouvidos todos os intervenientes, podemos concluir que, durante o mês de novembro de 2006, houve

uma mudança de posição da EDP quanto ao método a taxa a utilizar no valor residual do cálculo da extensão

do DPH. Não foi possível esclarecer a razão pela qual essa mudança de posição não foi comunicada

diretamente à REN nas equipas de trabalho conjuntas, mas sim diretamente ao governo e à DGEG, que mais

tarde informaram a REN da posição da EDP.

Após receber esta informação, Victor Batista, em janeiro de 2007 envia à DGEG as simulações pedidas e

ao secretário de Estado Castro Guerra os cálculos da REN, onde inclui uma nota sobre a diferença de

posições da EDP e REN, quantificada em 400 M€:

“Em resumo, existem dois pontos de vista em confronto: um, defendido pela REN, que o Valor Residual

deverá ser descontado à taxa WACC do Produtor uma vez que se trata de uma parcela de investimento

necessário à extensão da vida útil do centro hidroeléctrico até ao termo do título de domínio público; outro,

defendido pelo Produtor, que o valor residual deverá ser descontado à taxa definida pelo Decreto-Lei n.º

240/2004 na medida em que foi assim considerado na altura e, portanto, constitui um custo já assumido pelo

mercado, pelo que não será razoável descontá-lo a outra taxa modificando o seu valor. De notar que as duas

taxas de desconto levam a uma diferença de cerca de 400 M€.”

(Nota “CMEC”, enviada por Victor Batista a Castro Guerra em janeiro de 2007)

2.3 Decisão do Governo

Do lado do Governo, o processo foi conduzido no gabinete do ministro da Economia por Rui Cartaxo

assessor no Ministério da Economia. Rui Cartaxo diz ter tido conhecimento da posição da EDP através de um

estudo que a empresa encomendou à Rothschild e enviou ao Ministério. Quanto à posição da REN, Rui

Cartaxo diz ter tido conhecimento dos cálculos enviados por Victor Batista que mais tarde lhe foram entregues

por Maria de Lurdes Baía:

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“Eu tive conhecimento deste documento por via do Ministério da Economia, e, poucos dias depois, também

tive conhecimento por uma técnica da REN, que se deslocou expressamente ao Ministério da Economia e que

mo entregou. (…) Na conclusão desse documento da REN diz-se o seguinte: «Para os pressupostos

assumidos, o custo de capital da EDP após impostos varia entre 6,2% e 7,1%. Em termos médios, esse valor

será de cerca de 6,6%»”.

(Audição Rui Cartaxo)

Rui Cartaxo afirma que perante a diferença de posições entre a REN e a EDP sobre o valor da extensão do

DPH, a decisão do ministério foi a de pedir dois estudos independentes e, com base neles, fixar o valor por

despacho:

“Foi decidido, então, pela equipa do ministério que fossem pedidas avaliações independentes a duas

instituições financeiras de primeira linha, missão que veio a recair sobre o Caixa Banco de Investimento e o

Credit Suisse First Boston. Com base nessas duas avaliações, o Governo veio a fixar o valor da extensão a

pagar pela EDP, por despacho de 15 de junho de 2007, cerca de três meses depois de ter cessado funções no

Ministério”.

(Audição Rui Cartaxo)

Os estudos das duas entidades chegaram ao Ministério em poucas semanas. O Caixa BI avalia extensão

da concessão do DPH em 650 a 750 M€; o Credit Suisse em 704M€. Ambos utilizam abordagens próximas da

defendida pela EDP quanto à taxa a utilizar no cálculo do valor residual – por sinal, semelhantes às defendidas

pelos professores João Duque e Miguel Ferreira. Na CPIPREPE foram levantadas dúvidas quanto ao curto

tempo que estes bancos levaram a produzir os estudos, uma vez que equipas da REN e da EDP demoraram

vários meses a fazer o mesmo tipo de exercício. Rui Cartaxo esclarece e diz não ter dúvidas que os dois

bancos utilizaram a informação de base que estava no estudo da REN entregue por Maria de Lurdes Baía:

Se foi entregue ou não o modelo da REN aos bancos. Bom, não lhe sei responder com precisão se foi dada

essa tal pen ou se foi dado o que lá estava, mas há uma coisa que sei: os bancos receberam essa informação

da REN. Ela era oriunda da REN. Digo isto, primeiro, porque os próprios bancos dizem isso nos seus

relatórios. Eu não tenho comigo a versão final dos relatórios dos bancos — bem que a procurei, mas não

tenho —, mas tive acesso a documentos do processo, em que está claramente escrito que esses elementos

foram recebidos da REN.”

(Audição Rui Cartaxo)

Assim, do depoimento de Rui Cartaxo conclui-se que o governo, perante uma diferença de posição

metodológica entre a EDP e a REN quanto às taxas a utilizar no cálculo da extensão do DPH, decidiu fixar o

valor com base em dois estudos pedidos propositadamente para o efeito. Estes estudos tiveram por base os

mesmos pressupostos dos cálculos da REN, mas utilizaram uma metodologia próxima da defendida pela EDP.

2.4 A utilização de duas taxas

Na CPIPREPE foram apresentados argumentos contrários, defendendo as posições da EDP e da REN

quanto à taxa a utilizar no cálculo do valor residual. Parte de este debate repete os mesmos argumentos sobre

utilização de uma ou duas taxas no cálculo dos CMEC.

Maria de Lurdes Baía defende que a avaliação da extensão do DPH tem de ser olhada como um projeto de

investimento, que tem sempre o mesmo nível de risco e, portanto, terá sempre de ser calculado com uma só

taxa:

“Numa análise de rendibilidade de um projeto de investimento, vamos determinar se aquele projeto

assegura a remuneração e a recuperação do investimento e ainda aferir se há um excedente económico, que,

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neste caso, e tendo em consideração este critério de avaliação, será o aval do projeto. Ou seja, vamos

determinar se aqueles fluxos anuais de receitas e de custos operacionais conseguem fazer face ao

investimento e ainda assegurar um excedente e, portanto, o próprio critério de avaliação do projeto tem

intrínseca a ligação entre o investimento inicial e os fluxos anuais, uma coisa não está dissociada da outra,

não pode, pois têm o mesmo nível de risco. Estou a falar de um projeto que tem o mesmo nível de risco.

O custo de capital que vou utilizar para atualizar todos os fluxos do projeto, tem de refletir o risco daquele

projeto e aí podemos entrar aqui em debates, mas será que os 6,6% era o valor correto? Será que os 7,8% ou

coisa que o valha — sobre o qual li algures que foi considerado pelas entidades financeiras —, será que era

um valor mais adequado? Eu aí aceito este tipo de discussão. Portanto, ok, estamos a falar de valores de

custos médios ponderados de capital diferente aplicado aos mesmos fluxos. Eu aí aceito a discussão. Mas,

pegar num investimento inicial e atualizá-lo a uma taxa e depois pegar nos fluxos anuais, que vão

determinar…? São esses fluxos anuais que vão determinar a recuperação e a remuneração do meu

investimento e se há ou não lugar a excedente, e atualizá-lo a uma taxa diferente? Isso para mim não faz

qualquer sentido, não encontro o racional para justificar essa opção.”

(Audição Maria de Lurdes Baía)

A Comissão Europeia, em linha com as alegações da EDP, vem defende o cálculo com duas taxas. No

documento de decisão final relativo à queixa apresentada a Comissão conclui que a metodologia utilizada pela

REN não constitui uma prática de mercado.

“[A utilização de duas taxas de desconto] é justificada pelo maior risco operacional num contexto de

mercado liberalizado, pela realização do mercado ibérico de energia, pelo desenvolvimento de um mercado da

energia mais integrado a nível europeu, o que implica, no seu conjunto, mais incertezas sobre a geração de

liquidez”.

“[Quanto à utilização de uma só taxa,] a metodologia da REN não constitui uma prática de mercado”

(Decisão da Comissão Europeia, 15 de maio de 2017)

Já João Manso Neto realça a forma consensual como todos os estudos aplicam taxas diferentes para o

cálculo do valor residual e dos cash-flows, exceto o estudo da REN:

“Chegamos às taxas de desconto. E aqui no slide 21 apresento as taxas de desconto dos assessores do

Governo, as taxas de desconto dos nossos assessores e aquilo que os órgãos sociais da EDP quiseram, na

altura. Como vêem, tudo isto anda à volta dos 700, 670, 800 e tal milhões. Tudo anda à volta das mesmas

taxas; só uma é que está fora destes valores: a taxa de cálculo da REN. Não temos divergência nenhuma com

a REN quanto aos fluxos futuros, aos pagamentos, às vendas, a quanto é que se produz; agora, quanto à taxa

de desconto em mercado e ao domínio hídrico, não podemos estar de acordo, aliás, mais ninguém está de

acordo, porque riscos diferentes não podem ter a mesma taxa”.

(Audição João Manso Neto)

Rui Cartaxo partilha da opinião da EDP. Por se tratar de riscos diferentes devem ser aplicadas duas taxas.

Porém, Cartaxo não tem a certeza que a diferença entre taxas deva ser tão elevada.

“Sobre esse tema, tenho a minha opinião e já a referi aqui. Acho que deveria haver duas taxas, porque os

riscos eram, efetivamente, diferentes. Não sei se as diferenças deveriam ser aquelas que foram. Não me

pronuncio sobre isso. Mas tenho uma ideia bastante clara na minha cabeça de que deveria haver duas”.

(Audição Rui Cartaxo)

Idêntica opinião tem Vítor Santos, que naquele ano assumiu a presidência da ERSE. Embora aceite a

utilização das duas taxas, discorda da desproporção verificada entre elas:

“Não nos parece que esta desproporção existente entre as duas taxas tivesse de ser aquela que foi aqui

utilizada. Porventura, poderia haver uma solução intermédia entre o valor estimado pela REN e o valor

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estimado pelas duas casas de investimento, que resultasse das taxas que foram propostas pelas duas casas

de investimento.”

(Audição de Vítor Santos)

Já Victor Batista, ainda hoje acredita que o correto seria utilizar a metodologia defendida pela REN e que a

fixação do valor da extensão do DPH foi uma decisão política:

Ou seja, ainda hoje estou convencido de que o critério, na altura, defendido pela REN é que deveria ter

sido aplicado, mas houve outra decisão e tenho de a aceitar. Mas ainda hoje defendo isso! No entanto, devo

dizer-lhe que é uma opinião muito técnica e não tenho uma informação mais vasta da «floresta», como têm os

membros do Governo que olham para a economia no geral e que tem relações com outros Estados.

(Audição de Victor Batista)

Tal como no debate sobre a utilização de um ou duas taxas no cálculo dos CMEC, por se tratar de um

assunto muito técnico com avaliações subjetivas de risco, não foi possível à comissão concluir com certeza

que o método utilizado para o cálculo do valor residual foi o mais acertado. Porém, pode dizer-se que a

utilização de duas taxas é hoje validada por várias opiniões técnicas e pareceres, incluindo o da Comissão

Europeia. Acresce ainda que se poderá tentar abordar este tema de forma faseada:

a) caso não fosse atribuído à EDP o direito de extensão do DPH, é consensual, e decorre da letra dos

CAE, que esta teria direito ao valor residual das centrais. Pelo baixo risco que estes fluxos têm associado,

naturalmente teria que ser descontado a uma taxa baixa próxima das OT a 10 anos;

b) não sendo atribuído esse direito à EDP, haveria um concurso no qual os licitantes iriam pagar no

máximo o valor atualizado das receitas em mercado. Estas receitas, seriam sempre muito próximas das

apresentadas nos estudos da REN e dos Bancos e, têm associado um nível de risco elevado, pelo que teriam

que ser naturalmente descontadas a uma taxa elevada ao nível da considerada pela REN ou mesmo pelos

Bancos.

Ou seja, caso não fosse a EDP a escolhida, fica claro que teriam que existir duas taxas de desconto

distintas.

2.5 O valor estratégico da extensão e a não consideração, na sua avaliação, dos futuros ganhos em

serviços de sistema

Finalmente, o último aspeto discutido no cálculo da extensão do DPH foram as eventuais limitações da

metodologia para, em 2007, projetar os rendimentos das centrais hidroelétricas em mercado no período entre

o fim dos CMEC e o fim de vida útil dos equipamentos. O valor médio de mercado considerado para o cálculo

da extensão foi de 50€/MWh e a sua utilização em 2007 não foi alvo de discussão na CPIPREPE. Porém,

passados 10 anos da decisão, é possível aferir com maior precisão se este pressuposto da metodologia de

cálculo se aproxima da realidade.

Obviamente, esta remuneração não poderia ser estimada em 2007, mas hoje já poderá ser possível

quantificá-la, como explica Maria de Lurdes Baía:

“O mercado de serviços de sistema só entrou em funcionamento em 2009, portanto, não tínhamos

quaisquer elementos, eu não conseguia valorizar essas receitas. Hoje sabemos que são muito valiosas, valem

muito dinheiro, valem muitos milhões de euros. Na altura não tínhamos como quantificar essas receitas. (…) O

que posso dizer —, mas, por favor, não extrapolem os números —, é que, no âmbito das revisibilidades

anuais, a EDP devolveu cerca de 390 milhões de euros relativos às receitas de serviços de sistema. No total

dos 10 anos, foi quanto a EDP devolveu”

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Quando questionado sobe esta matéria na CPIPREPE, João Manso Neto afirma que os 50€/MWh

considerados são um preço total de rede – que já inclui os serviços de sistema – e que o valor real observado

nas centrais hidroelétricas está hoje abaixo dos 50€/MWh:

“Não pode pensar nos serviços de sistema, tem de pensar no preço total. E a resposta, até agora, o preço

de 50, em termos reais, em termos realized, é inferior ao preço que lá metemos. Pode vir a ser diferente, como

sabemos. Amanhã, se vier a ser de 60 ou 70, será diferente, mas sugeria que não olhasse… (…) Portanto, o

preço é o preço total. Tem de somar o preço do diário, dos serviços de sistema e, portanto, até ao ano

passado, os preços realizados foram bastante inferiores aos preços que se tinham tido.”

Perante estas informações não faz sentido descontar eventuais verbas futuras decorrentes do mercado de

serviços de sistema na valorização da extensão do DPH. Por um lado, estão já incluídas no preço de 50€ e,

por outro, qualquer alteração nesta data seria considerada retroativa e teria problemas de legalidade.

Conclusões

● O direito à possibilidade de extensão da utilização do domínio hídrico sem concurso constava dos CAE,

do Despacho n.º 14 315/2003 e foi incluído no projeto de Decreto-Lei n.º 240/2004, preparado e

remetido a parecer do regulador e à Comissão Europeia pelo ministro Carlos Tavares. Na sua

preparação, tiveram papel importante os assessores do ministro e do secretário de Estado Franquelim

Alves, respetivamente Ricardo Ferreira e João Conceição. A Comissão Europeia veio a autorizar o texto

do que viria a ser o Decreto-Lei n.º 240/2004;

● Após analisar o eventual auxílio de Estado ilegal relativo à extensão, sem concurso, da utilização do

domínio hídrico pelas centrais hidroelétricas da EDP (processo SA 35429), a Comissão Europeia decidiu

o arquivamento do processo.

○ As avaliações defendidas pela EDP e pelas entidades bancárias, que a Comissão Europeia validou

em 2017, tomaram a entrega pelo Estado daquela opção à EDP como razão para considerarem

garantido pelo Estado (menor risco) o valor residual das centrais no fim dos CAE, descontando-o à

taxa da dívida pública. Por essa via, o valor atual em 2007 do valor residual aumentou, reduzindo a

diferença em relação ao valor dos cash-flows de exploração e portanto, diminuindo o montante da

contrapartida a pagar pela EDP. Adotando e metodologia das duas taxas, o Estado calculou o valor

residual (direito singular da EDP e não comum ao mercado) a uma taxa de desconto mais baixa.

Recomendações

Foi diversas vezes referido nesta CPI que a EDP estaria disposta a reverter a extensão do Domínio Hídrico.

Considerando esta abertura, deve o Governo fazer as contas a qual será a melhor alternativa a seguir, se é a

manutenção do negócio tal e qual ele se materializou ou se, pelo contrário, é benéfico reverter o negócio e

proceder a um concurso público e pagar o valor residual a que a EDP teria direito no fim dos CAE.

Capítulo 3

A prorrogação das centrais de Sines e do Pego para além do prazo do CAE

A Central Termoelétrica de Sines foi construída na década de 80, integrada no plano de construção da

zona industrial de Sines. É explorada pela EDP, sendo a central a carvão de maior potência no país, 1256 MW

(4 grupos de 314 MW).

A Central Termoelétrica do Pego, detida pelo consórcio Tejo Energia, tem uma potência de 628 MW

dividida por dois grupos, que entraram em serviço em 1993 e 1995.

Na década de 2000 foram realizados importantes investimentos em ambas as centrais no sentido de dar

cumprimento à Diretiva 2001/80/CE, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes

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provenientes de grandes instalações de combustão. Assim, as unidades foram equipadas com sistemas de

dessulfurização, desnitrificação e redução de partículas.

Na sequência da legislação de 1995, a EDP e a Tejo Energia assinaram com a REN, Contratos de

Aquisição de Energia. O regime jurídico destes contratos enquadra a produção por ele abrangida no âmbito do

Sistema Elétrico de Serviço Público (SEP) e estabelece que essa atividade carece da atribuição de uma

licença de produção vinculada (cuja produção é inteiramente absorvida pelo sistema público e remunerada por

contrato).

Nos termos do Decreto-Lei n.º 182/95, as licenças de produção vinculadas têm um prazo mínimo de 15

anos (artigo 60.º) e os direitos dos detentores dessas licenças são garantidos até ao final desse período (artigo

66.º). No caso das centrais abrangidas pelos CAE, o prazo da licença corresponde ao prazo de vigência do

contrato.

Por seu lado, as licenças de produção não vinculada não tinham associado qualquer prazo de duração, tal

como definido no n.º 4 do artigo 60.º do Decreto-Lei n.º 182/95.

A cessação do CAE impõe a passagem das centrais em regime vinculado (SEP) para o regime de mercado

(SENV). Assim, tornava-se necessário habilitar as centrais que transitassem do SEP para o SENV com uma

licença para operar no âmbito do SENV que, de acordo com a legislação de 1995, não tinha qualquer tipo de

prazo associado (sem prazo, nem contrato de aquisição de energia com o sistema público).

Em 2006, com a alteração das Bases do SEN e a publicação do Decreto-Lei n.º 172/2006, deixaram de

existir licenças não vinculadas e passaram a existir licenças de produção em regime ordinário. É ao abrigo

destas licenças que decorre a atividade de todas as centrais em mercado. Estas licenças também não têm

prazo. Caso fosse intenção do Governo à altura que existisse um regime especial para licenças que outrora

estavam abrangidas pelo conceito de licença vinculada, como era o caso dos CAE, teria sido uma ótima

oportunidade para incluir qualquer alteração nesse sentido. Mas tal não foi feito e, portanto, as licenças

aplicáveis às centrais a operar em regime ordinário não tinham qualquer prazo associado.

Assim, em 2007, quando cessaram antecipadamente os CAE das centrais EDP, foram atribuídas licenças

de produção em regime ordinário, sem prazo (como determinava a legislação em vigor), a todas as centrais

que transitaram para mercado. tratou-se de um mero ato administrativo da DGEG, conforme referiu Miguel

Barreto à CPIPREPE.

De entre as centrais às quais foi atribuída licença de produção em regime ordinário, estava a central de

Sines o que permitiu que, dez anos depois, findo o período CAE e terminada a amortização da central pelos

consumidores (já sob regime CMEC), a EDP pudesse continuar a produzir em mercado sem pagar qualquer

compensação ao SEN. No caso do Pego, a Tejo Energia recusou a cessação do CAE daquela central, cuja

vigência termina em 2021.

Ao longo dos trabalhos da CPIPREPE, foi analisada a consistência da legislação de 2004 com a de 1995

em termos de equilíbrio contratual, procurando-se determinar a eventual existência de vantagem económica

desadequada, bem como a autoria e a validade legal das decisões que lhe tenham dado origem.

1. A prorrogação da central de Sines para além do prazo do CAE

1.1 As definições do CAE

Na defesa da neutralidade económica da passagem da Central de Sines do regime CAE para o regime

CMEC sem qualquer compensação ao sistema elétrico nacional destacou-se o depoimento de Miguel Barreto,

diretor-geral de energia (2004-2009) em funções no momento da aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e

também em 2007, no momento da atribuição à EDP da licença de produção não-vinculada prevista naquele

decreto-lei.

Não foi o diretor-geral de energia que decidiu dar uma licença sem prazo à EDP. Isso decorria da lei. A lei

não previa qualquer prazo nem tão pouco permitia que fosse fixado um prazo na licença. Também é falso que

o diretor-geral tenha dado a central á EDP. Não deu, nem podia dar. Licença nada tem a ver com propriedade

ou com remuneração da central. Se não podia dar, também não podia cobrar. É totalmente descabido dizer

que foi oferecido à EDP algo que já era seu, pelo menos, desde 1996 (…) A partir do momento em que a

Procuradoria-Geral da República emitiu o Parecer n.º 26/2017, as coisas são inequívocas. Ou seja, existia

uma cláusula no CAE, que era válida, a cláusula 26.4.2, que dizia que a REN não podia tomar posse da

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central, nem sequer a podia colocar a concurso. A central era, efetivamente, da EDP. (…) O Estado, para

tomar posse daquela central, teria de expropriar a EDP e, se expropriasse a EDP, teria de a indemnizar”.

(Miguel Barreto)

No entanto, uma leitura atenta do Parecer do Conselho Consultivo da PGR e dos termos do próprio CAE

não permite tal conclusão. Como a seguir se demonstra, sendo verdade que está vedada à REN a

possibilidade de, no final do contrato, lançar concurso para os grupos produtores existentes, nem é verdade

que, no final do contrato, concluída a amortização, houvesse lugar a qualquer indemnização à EDP.

Segundo o referido Parecer, era uma possibilidade que teria que ser acordada pelas partes a continuidade

da exploração da central após o termo do CAE, não sendo um direito absoluto da EDP continuar essa

exploração. Pelo contrário, pertencia à REN a opção entre negociar com a EDP sobre as condições de uma

eventual continuidade depois do final do contrato ou simplesmente terminar a atividade da central,

desmantelando-a e suportando os respetivos custos e eventualmente lançando concurso para a instalação de

novos grupos produtores.

Eis a leitura do CAE de Sines feita nas conclusões do parecer do Conselho Consultivo da PGR:

“19.ª No CAE de Sines, ao dispor-se sobre a futura utilização do sítio da Central, nas hipóteses de extinção

do CAE por este terminar na data prevista para o seu fim, nos termos da cláusula 25.1.3., ou por resolução

unilateral da Concessionária da RNT [REN], nos termos da cláusula 23, relativamente à totalidade da Central,

estabeleceu-se na cláusula 26.4.2. que a Concessionária só poderá utilizar o sítio para a construção de novos

grupos geradores, devendo lançar o respetivo concurso mediante decisão da Entidade de Planeamento,

esclarecendo-se que, nessas circunstâncias, fica expressamente vedado à RNT voltar a colocar a concurso a

exploração da Central com os Grupos existentes à data da cessação ou resolução unilateral do contrato, ou

explorar por si mesmo a Central.

20.ª Pretendeu-se com a cláusula em análise salvaguardar a produtora de uma tomada de decisão da

Concessionária da RNT no sentido de não propor a extensão do contrato de aquisição de energia ou recusar a

extensão proposta pelo produtor ou ainda de resolver esse contrato, mediante a invocação de situações em

que a exploração da Central Electroprodutora deixa de ser economicamente viável, com a consequente

transferência da posse da Central, com a finalidade de posteriormente se entregar a sua exploração a outra

produtora ou da Concessionária a explorar ela própria”.

Em síntese, desde que a produção da central de Sines fosse viável economicamente e conforme com as

orientações do Planeamento do SEN, a central deveria permanecer em mãos da EDP. Mas não sem

condições.

“21.ª Sendo estes os objetivos da cláusula questionada, deve a mesma ser interpretada restritivamente, de

modo a dela estarem excluídas as situações em que a transferência da posse da Central Electroprodutora e

do sítio onde ela está implantada para a Concessionária da RNT ocorre, não por opção desta, mas porque a

produtora rejeitou as propostas alternativas de extensão do contrato de direito de superfície ou de

transferência da propriedade do sítio (…)”.

“Com uma antecedência mínima de 5 anos relativamente à Data de Fim de Contrato, a RNT notificará o

produtor do interesse na extensão do contrato, relativamente a todos ou alguns Grupos da Central. Neste

caso, o produtor deverá responder por escrito, num prazo máximo de um mês manifestando ou não o seu

interesse em iniciar negociações nesse sentido”.

(da cláusula 25.1.1 do CAE da Central de Sines, negrito do relator)

Com efeito, o CAE de Sines prevê, na cláusula 26.1.1, que, se a REN optar por não fechar a central, como

seria seu direito fazer no final do contrato, e todavia não chegar a acordo com a EDP sobre as condições de

venda do sítio ou de extensão do contrato, impõe-se a transferência da central e do seu sítio para a posse da

REN. Diz a cláusula 26.1.1:

“Na data de fim do contrato: a RNTpoderá optar, de acordo com a proposta da Entidade de Planeamento,

confirmada pela Entidade Reguladora, entre: a) tomar de imediato posse da Central e respetivo Sítio,

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terminando o Contrato de Direito de Superfície e transferindo para a RNT a posse sobre as instalações e

terrenos da Central, incluindo todos os bens imóveis, sem direito a qualquer indemnização adicional por parte

do Produtor para além do previsto neste Contrato; b) propor ao Produtor a extensão do Contrato de Direito de

Superfície por um período e em condições a definir, durante o qual o Produtor poderá funcionar como

Produtor Não Vinculado; c) transferir a propriedade do Sítio para ao Produtor que passará a funcionar como

Produtor Não Vinculado”.

(da cláusula 26.1.1 CAE da Central de Sines, 26 de setembro de 1996, negritos do relator)

Sobre a questão de eventuais indemnizações a pagar à EDP pelo encerramento da central, o parecer da

PGR refere que:

«Sem prejuízo dos direitos e obrigações assumidos por qualquer das partes anteriormente ao terminusdo

contrato, no caso de resolução parcial ou total do contrato, nos termos previstos na cláusula 23, a

Concessionária da RNT ficava obrigada ao pagar, a título de indemnização, ao Produtor, o Valor Atual de

Referência do Grupo, ou Grupos, ou da totalidade da Central, tal como definido no Anexo 10 do contrato

(cláusula 26.1.2), em que se procura obter o valor residual da Central, tendo em atenção as remunerações já

satisfeitas pela Concessionária da RNT».

Ouvido na CPIPREPE, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, afirmou:

“A EDP pode ter tido ganhos que não foram tidos em conta na altura, mas teve-os e hoje não podemos

fazer muito em relação a isso. A capacidade negocial do Estado também não é muito grande, porque a EDP,

nesse caso, pode sempre dizer não. Ou seja, posso propor imensas coisas, posso dizer que houve um

benefício decorrente da nova licença em mercado de Sines que não foi tida em conta em 2004 quando

procurámos garantir a neutralidade. Foi mal feito em 2004, mas foi feito em 2004, consagrado num decreto-lei

em 2004 e agora é assim que as coisas são. Se me pergunta se gosto, não, não gosto, mas infelizmente tenho

de viver com essa decisão”.

(João Galamba)

1.1.2 Do direito de superfície

Na preparação da cessação antecipada dos CAE, o Decreto-Lei n.º 198/2003 veio definir as condições de

transferência da propriedade e posse dos terrenos da REN afetos aos centros eletroprodutores que abastecem

o SEP. O artigo 4.º deste Decreto-Lei dispõe que a REN fica autorizada a transferir para os produtores os seus

terrenos que constituem os sítios dos centros electroprodutores termoelétricos. Refere ainda que a

transmissão abrange todos os direitos e obrigações relacionados com a propriedade e posse dos referidos

terrenos, à exceção dos direitos de superfície constituídos sobre os terrenos onde se encontram instalados

esses centros produtores.

Assim, a REN só procurou aplicar esta orientação do governo às centrais térmicas do Pego, Setúbal,

Carregado, Tunes e Tapada do Outeiro, cujos terrenos foram avaliados em 2004 para efeitos de venda ou

arrendamento, segundo regras estabelecidas na Portaria n.º 96/2004. Nestes casos, além da obrigação de

compra ou arrendamento dos terrenos, os produtores assumem o encargo com o desmantelamento das

centrais.

A Central de Sines não foi abrangida pela Portaria n.º 96/2004 pois existia desde dezembro de 1987 um

contrato de cessão onerosa de direitos de superfície, celebrado entre um instituto do Estado (o Gabinete do

Planeamento de Desenvolvimento da Área de Sines) e a EDP, válido por 40 anos, com efeitos a agosto de

1980.

Para o ex-Diretor-Geral Miguel Barreto, que aplicou a Portaria n.º 96/2004, validou avaliações realizadas

em 2004 e concretizou a venda de terrenos em 2007, a especificidade de Sines é única:

“A grande diferença deste direito de superfície, que é quase um direito de propriedade, é que dá direito à

EDP, enquanto quiser, a prorrogar, por sua iniciativa, quantas vezes quiser, ad aeternum”.

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1.1.3 Dos custos de desmantelamento das centrais

No seu depoimento na CPIPREPE, o presidente do conselho de administração da EDP, António Mexia,

defendeu que “no âmbito da extinção dos CAE, a EDP ficou responsável pelo pagamento dos custos de

desmantelamento”. No mesmo sentido, o ex-diretor geral de energia, Miguel Barreto, argumentou:

“O CAE dava o direito a que a EDP dissesse: «Não quero prorrogar» e, então, aplicava-se a tal alínea a) e

a REN tinha de tomar posse do sítio, não lhe podia tocar, não podia concursar e o consumidor português tinha

de pagar o desmantelamento todo da central. Portanto, efetivamente, aqui, em termos de equilíbrio, a EDP

quando assinou o CMEC, perdeu o direito a ver os custos de desmantelamento pagos pelo setor elétrico. Isso

é inequívoco! Em termos de equilíbrio, relativamente à assinatura do CMEC, faz com que a EDP perca o

direito de ser o setor elétrico a pagar o desmantelamento da central. E estamos a falar de um valor superior a

100 milhões de euros! (…) Lembro que a Agência Internacional de Energia estima o custo de

desmantelamento de uma central em mais ou menos 5% do investimento.”

No entanto, a passagem do SEN para a EDP da obrigação do desmantelamento da central de Sines – que

a ERSE avalia em 73 milhões de euros – não se encontra nos acordos de cessação nem na lei 240/2004.

Solicitada a demonstrar o suporte legal ou contratual dessa sua alegada obrigação, a EDP remeteu à

CPIPREPE um conjunto de documentos que mostram que nas obrigações ambientais a EDP estará obrigada

a devolver o sítio com a central desmantelada.

1.2 As definições do Decreto-Lei n.º 240/2004

Ao condicionar a cessação antecipada dos CAE à atribuição de licenças de produção não vinculadas (sem

prazo) aos centros electroprodutores afetados, o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 240/2004 tratou diferentemente

as centrais hídricas e as termoelétricas. Às primeiras, impunha como prazo o termo da concessão do domínio

hídrico, nos termos da alínea vii) do ponto 1 do artigo 4.º:

“Na hipótese de os respectivos produtores pretenderem manter a exploração até ao termo da concessão do

domínio hídrico, ao valor do CAE é deduzido o valor residual dos bens que, nos termos do respectivo título de

concessão, não devessem reverter gratuitamente para o Estado no final do contrato”.

Relativamente às centrais térmicas, não ficou prevista como contrapartida daquela possibilidade qualquer

forma de compensação adicional à prevista no Decreto-Lei n.º 198/2003 – a compra/arrendamento dos

terrenos e a passagem dos custos de desmantelamento para o produtor. Como já descrito, estas

compensações não foram exigidas a central de Sines (a única central térmica com CAE que hoje subsiste).

Assim, com a cessação antecipada do CAE, tendo caducado todos os direitos que este constituía, a nova

legislação não previu qualquer transferência de valor da EDP para o SEN pela operação de Sines após 2017.

Esta nova legislação teve autorização do Parlamento Português e da Comissão Europeia.

“Não me apercebi, na altura (…) que o Decreto-Lei n.º 240/2004 abria essa porta [da licença perpétua para

Sines]. De qualquer forma, se está a perguntar como é que avalio, ponho as coisas nos seguintes termos: a

EDP viu remunerado o investimento que fez na central, portanto, obteve uma taxa de remuneração sobre o

investimento; todos os custos que teve foram-lhe pagos; recebeu a amortização da central; (…) recebeu a

amortização do capital; os investimentos que foram realizados na central, por imposição ambiental, foram

pagos pelos consumidores; e, no fim, a central ficou para a EDP. Se me permite esta analogia, é um

bocadinho como eu ir ao banco pedir um empréstimo para comprar casa, pago o empréstimo todo e no fim o

banco diz: «ó meu amigo, há aqui uma alínea qualquer em que nunca ninguém tinha reparado que diz que,

afinal, a casa é minha».

Paulo Pinho, assessor do Ministro Carlos Tavares (2002-2004)

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Assim, para a ERSE, era “questionável” a ausência de concurso para atribuição da exploração das centrais

no período adicional ao previsto no CAE. Mas a “ausência de correspondência económica no sistema elétrico”

foi antevista e severamente condenada. Este alerta não foi levado em conta no Ministério da Economia. Em

julho de 2004, com a mudança de governo, Carlos Tavares deixou a Álvaro Barreto a equipa para a Energia e

o projeto de Decreto-Lei criticado pela ERSE –, recusou na CPIPREPE a sua responsabilidade na redação da

lei:

“Daqui a um bocado o Sr. Deputado ainda vai dizer que qualquer coisa que aconteça em 2023 é porque

estava a porta aberta no Decreto-Lei n.º 240/2004… Que não é meu, atenção!…”

Carlos Tavares, ministro da Economia (2002-2004)

Na Comissão de Inquérito, os restantes membros do governo que prepararam (Franquelim Alves) e

aprovaram (Manuel Lencastre) o Decreto-Lei n.º 240/2004 não responderam a respeito deste tema.

“Não tenho memória de qualquer tipo de discussão sobre esse tema [operação de Sines após 2017] nem

sequer a noção de que, por via do decreto-lei que estava em discussão no meu tempo…”.

(Franquelim Alves, secretário de Estado Adjunto do ministro da Economia, 2002-2004)

“Álvaro Barreto não se recorda de ter recebido qualquer alerta para o parecer da ERSE sobre o tema

CMEC. Diz que o processo legislativo vinha de trás e que o tema foi tratado pelo seu então secretário de

Estado adjunto, Manuel Lancastre”.

(Observador, 16 de junho de 2017)

“Esta matéria tinha passado pelas várias entidades reguladoras que tinham dado pareceres nesta matéria e

eram pareceres grandes. (…) O XV governo [Durão Barroso] não incorporou aqueles [contributos] que,

legitimamente, entendeu não incorporar. (…) Devo ter lido a introdução, as conclusões, que é aquilo que faço

quando os documentos são muito grandes”.

(Manuel Lancastre, secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, 2004-2005)

“Em relação à questão do Eng.º Álvaro Barreto não conhecer o estudo da ERSE, só pode ser outra

surpresa. Não sei se ele terá dito isso assim. Até por uma razão simples: o Prof. Ricardo Ferreira continuou a

ser assessor do Eng.º Álvaro Barreto”.

(Carlos Tavares, Ministro da Economia, 2002-2004)

No entanto, já antes dos alertas da ERSE, a “prorrogação implícita da licença de produção” citada pelo

regulador resultava evidente, em função dos novos investimentos planeados para a central. A equipa que

preparou o Decreto-Lei n.º 240/2004 estava muito informada desse processo: Ricardo Ferreira (adjunto do

ministro Carlos Tavares), João Conceição (assessor do secretário de Estado Franquelim Alves) e o diretor-

geral da Energia, Jorge Borrego (depois substituído por Miguel Barreto), acompanharam pessoalmente a

transposição para a ordem interna das obrigações da Diretiva 2001/80/CE, relativa às emissões de certos

poluentes provenientes de grandes instalações de combustão, e foram encarregados de conduzir junto da

Comissão Europeia o processo de autorização investimentos ambientais previstos para as duas maiores

centrais a carvão, Sines e Pego.

Esses investimentos ambientais – que vieram a orçar em 320 milhões de euros no caso de Sines –

prolongaram a vida útil destas centrais muito para além do prazo do CAE e do fim da sua amortização, tendo

sido pagos e remunerados pelos consumidores, nos termos previstos nos CAE da década de 90 e da

continuidade que lhes foi dada no âmbito do CMEC. Ao invés, a outorga de licenças sem prazo que permite

aos produtores usufruir desses equipamentos por um período adicional não foi “levada em linha de conta na

determinação dos CMEC”, como a ERSE defendeu junto do governo na preparação do Decreto-Lei n.º

240/2004.

Outro argumento a ponderar é aquele que foi apresentado por Miguel Barreto acerca da incorporação pelo

Estado, através da receita das privatizações, do valor da prorrogação da central de Sines:

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“Esse valor económico que estava nos balanços da EDP foi atribuído em 26 de setembro de 1996 e foi

apropriado pelo Estado”.

(Miguel Barreto)

Esta afirmação carece de sustentação, visto que a única informação oficialmente disponível para os

investidores que acorreram às diferentes fases da privatização da EDP era a dos documentos do planeamento

do SEN, a qual sempre enunciou o descomissionamento de Sines no final do CAE, em 2017.

“Nos relatórios de monitorização de segurança de abastecimento, a REN sempre considerou que, a partir

do dia 31 de dezembro de 2017, não havia Sines; o que havia eram novos grupos de ciclo combinado ou,

então, grupos a carvão, porque estavam reservados, por um decreto antigo, 800 MW de carvão de novas

tecnologias de eliminação do CO2, etc., etc. Portanto, (…) a REN, a partir de 31 de dezembro [de 2017], tinha

Sines a zero. Era a informação que tínhamos! Nós não sabíamos disto!”

(Victor Baptista, administrador da REN até 2010)

“O Decreto-Lei n.º 29/2006 estabelece o princípio de que o regime que se aplica à produção ordinária é o

regime de mercado. (…) Um ano antes de se atingir o fim do prazo dos CAE devia ser organizado um

concurso público. Explicitamente, isso resulta da conjugação dos CAE — a cláusula 26.1.1. existe em todos os

CAE —, com o Decreto-Lei n.º 29/2006, verificando-se que o concurso público é mesmo obrigatório ou,

melhor, seria obrigatório.”

(Vítor Santos, ex-Presidente da ERSE – 2007-2017)

A atribuição da licença sem prazo em 2007 foi comunicada à ERSE, não foi do conhecimento público nem

sequer do setor, como atestam diversos depoimentos:

“A Autoridade da Concorrência não foi chamada a pronunciar-se. Numa análise estrita de ajuda de Estado,

isso [a operação de Sines após 2017 sem compensação ao sistema] não faz qualquer sentido”.

(Abel Mateus, presidente da AdC, 2003-2008)

“A REN não teve qualquer conhecimento sobre a licença de Sines! Qualquer conhecimento! Não sabíamos

da extensão… Soubemos mais tarde, claro! Já em 2012 ou 2013”.

(Victor Baptista, administrador da REN até 2010)

“Não sei em que condições é que foi atribuída esta extensão e, de facto, a existência ou a falta de

contrapartidas não foi tema de que eu tivesse conhecimento na altura”.

(Rui Cartaxo, adjunto do ministro da Economia, Manuel Pinho, 2005-2008)

Neste âmbito, Manuel Pinho chama a atenção para o quadro legal que data da década de 90:

“As empresas não pagam licenças, as licenças são todas dadas, não é?! Portanto, nesse caso, não sei

responder com exatidão, peço desculpa, posso tentar informar-me, mas as licenças de produção são dadas,

são gratuitas”

(Manuel Pinho, Ministro da Economia, 2005-2008).

Em síntese, a cessação do CAE de Sines:

- ocorreu em paralelo com avultados investimentos ambientais previstos no Decreto-Lei n.º 240/2004,

pagos pelos consumidores nos termos inicialmente previstos nos CAE de 1996 e assumidos no âmbito

dos CMEC e que permitiram que a central de Sines não tivesse sido antecipadamente encerrada por

incumprimento dos limites de emissões;

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- ocorreu após alerta da ERSE para, na sua opinião, haver ilegitimidade da prorrogação de prazos

contratuais sem compensação económica para o SEN;

1.3 Valorização económica da prorrogação de Sines

A única avaliação económica da prorrogação da central de Sines conhecida é a que a ERSE entregou ao

governo, a pedido deste, em fevereiro de 2018. Essa avaliação considera a operação da central por 8 anos

adicionais, até 2025. No cenário base, o valor atualizado líquido (VAL) da prorrogação será de 951 milhões de

euros. Este valor económico será afetado pela redução da isenção de ISP introduzida no Orçamento do

Estado para 2018, mas ainda assim é positivo em centenas de milhões de euros.

Segundo a ERSE, o VAL positivo da exploração da central baixa para 571 milhões de euros num cenário

desfavorável em que o carvão e o CO2 custam mais 50% e 35%, respetivamente, e em que o

desmantelamento da central, estimado em 73 milhões de euros, é reconhecido como encargo da EDP.

No entanto, é necessário referir que o Estudo da ERSE ainda não foi alvo de nenhum contraditório e

contém um conjunto de pressupostos que estão claramente desatualizados. Um exemplo destes pressupostos

é o valor das licenças de CO2 que não são consideradas a 27€/ton que é o valor atualmente considerado e

que de acordo com as declarações do Sr. Ministro do Ambiente Matos Fernandes, perspetiva-se que

continuem a subir. Com efeito, no estudo da ERSE assumiu-se que essas licenças teriam um custo inferior a

5€/ton, o que já de si demonstra a fragilidade da análise efetuada.

Também não é conhecido se os pressupostos de custos de funcionamento da central correspondem aos

reais

2. A prorrogação da central do Pego para além do prazo do CAE

Não tendo sido objeto de cessação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 240/2004, o CAE da Central do Pego,

assinado entre a REN e a Tejo Energia mantém-se em vigor e termina a 31 de dezembro de 2021. Nestas

circunstâncias, não houve lugar à aplicação do Decreto-Lei n.º 240/2004, pelo que a licença de produção

caduca quando terminar o CAE.

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Ao contrário da central de Sines, os terrenos da central do Pego foram adquiridos pelo titular da licença de

produção ao abrigo do Decreto-Lei n.º 198/2003, o que significa que houve a transmissão dos direitos e

obrigações relacionados com a propriedade e posse do terreno da central, incluindo o desmantelamento da

central.

Essa compra não resultou de necessidade imposta por cessação do CAE (que não ocorreu) mas por

simples interesse das partes, Tejo Energia e REN, que assinam em maio de 2005 um contrato promessa de

compra/venda do terreno. As mesmas partes que, simultaneamente à venda, em Maio de 2007, assinaram um

“acordo de emenda” ao CAE (ammendment agreement) em que a REN renuncia a um conjunto de direitos,

desde logo o direito à reversão dos terrenos e da central no termo do CAE, e se obriga a proporcionar à

central do Pego todas as condições técnicas para a prorrogação da sua produção. Nesse acordo de emenda

ao CAE, a Tejo Energia assume os custos com seguros e os encargos do descomissionamento e

desmantelamento da central.

"A Tejo Energia, quando adquire o terreno da central do Pego, no ano de 2005 ou de 2007, já tinha um

direito de superfície, pelo qual pagámos 27 milhões de contos, que foi pago logo à cabeça, e (…) comprou a

possibilidade de ter a propriedade [do terreno e da central] após 2021. (…) Há uma escritura pública.

Compramo-la à REN por 23 milhões de euros e assumimos o seu desmantelamento"

Beatriz Milne, CEO da Tejo Energia

Em 2004, os terrenos da central foram avaliados por duas instituições financeiras em 118 milhões de euros

e 157 milhões. Menos de um mês depois essas avaliações foram revistas em baixa para um intervalo entre

quatro e 36 milhões, acabando por ser feita a venda por 23 milhões, valor proposto pela REN e mais tarde

aprovado pelo diretor geral de energia, Miguel Barreto.

Em face dos parâmetros para a avaliação dos terrenos das centrais térmicas, definidos na portaria 96/2004

e seguidos pela consultora CPU e pela Caixa BI, verifica-se que os valores avaliados refletem apenas critérios

estritamente imobiliários, não incluindo qualquer parcela relativa à central. Assim, o valor económico da

possibilidade de operar a central do Pego após 2021 nunca foi objeto de qualquer avaliação específica, tendo

a REN e a Tejo Energia assinado o acordo de emenda ao CAE, em 2007, em torno de dois valores parciais:

um presente, o do solo (23 milhões), e outro futuro, o desmantelamento da central (não avaliado formalmente,

mas cujo custo a Tejo Energia estima hoje em 40 a 50 milhões de euros, cf. audição de Beatriz Milne).

Assim, após 31 de dezembro de 2021, a Tejo Energia fica na posse dos equipamentos que compõem a

central, mas não a pode explorar porque não detém licença de produção válida. A própria empresa reconhece

que a questão da prorrogação do funcionamento da central está dependente da emissão de uma licença de

produção não-vinculada, que permita a operação futura nos termos estabelecidos no acordo de emenda ao

CAE. E que essa emissão pode ser objeto de negociação específica:

“O CAE da Tejo Energia acaba a 30 de novembro de 2021. São 28 anos, estamos agora a cumprir 25,

precisamente no mês de novembro [de 2018], a partir daí a licença expira e, portanto, não sei se iremos

continuar ou se haverá algum tipo de negociação”.

(Beatriz Milne, presidente executiva da Tejo Energia)

Um elemento essencial dessa futura avaliação é relativa aos investimentos ambientais realizados na

central do Pego (e também em Sines, tal como referidos atrás). Em junho de 2007, logo após a venda dos

terrenos e a assinatura do acordo de alteração ao CAE, a ERSE alertava para que, no final do CAE do Pego,

os equipamentos ambientais pagos pelos consumidores ainda mantêm um valor relevante:

“Dado que o tempo de vida útil do equipamento ambiental não é coincidente com o tempo de vida útil do

restante equipamento da central, será necessário acautelar que, decorrido o prazo contratual previsto no CAE,

o valor real de mercado deste equipamento seja determinado encontrada uma forma de o fazer reverter para o

SEN através das tarifas.

Com efeito, tratando-se de um CAE, era suposto, no termo da caducidade deste contrato, o centro

electroprodutor reverter para a concessionária da RNT [REN] nos termos do Decreto-Lei n.º 183/95, de 27 de

Julho. Todavia, não tendo a legislação do sector elétrico recentemente publicada previsto esta situação, a

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natureza desta matéria aconselha a que venha a ser adotada legislação específica que regule a eventual

revisão dos bens das centrais a operar no âmbito do Sistema Elétrico de Serviço Público vinculado ao abrigo

do citado diploma”.

(carta do presidente da ERSE, Vítor Santos, ao diretor geral de Energia, Miguel Barreto, 6 junho de 2007)

Conclusões

 Quanto a Sines, foi cumprido o quadro legal que data de 2006 mais especificamente no Decreto-Lei n.º

172/2006 e que enquadra as licenças de produção em regime ordinário, sendo esta não sujeitas a

prazo de duração.

 A possibilidade de prorrogação da operação da central de Sines para além do prazo do CAE (2017)

estava prevista nos CAE de 1996 e tal veio a concretizar-se em 2007, com a cessação antecipada

daqueles contratos. A legislação de 1995 (Decreto-Lei n.º 182/95) previa que as licenças de centrais a

operar no sistema não vinculado não fosse objeto de qualquer prazo e a legislação de 2006 manteve

esse entendimento, pelo que a passagem das centrais para o mercado implicou a atribuição de

licenças sem prazo, inexistindo enquadramento legal para qualquer forma de compensação ao SEN.

 Sines, bem como as restantes centrais, ao passar para um regime de mercado, foi forçada a deixar a

sua licença vinculada que vinha da legislação de 1995 e a passar a operar sob licença não vinculada

sem prazo, de outro modo seria impossível continuar a sua operação.

 No caso de Sines, os seus responsáveis e não só, asseguraram que a EDP suportará os custos de

desmantelamento e ambientais. A EDP já está a pagar o valor do ISP e adicionamento de CO2 sobre a

utilização de carvão.

 A legislação não previu em momento algum o pagamento de qualquer tipo de compensação a não ser

que a EDP passasse a assegurar os custos com o desmantelamento e ambientais da Central, como

foi possível constatar por diversos responsáveis, incluindo das empresas.

 A ERSE elaborou um estudo sobre o valor da prorrogação da central de Sines por oito anos (até 2025)

concluindo que seria de 951 milhões de euros. No entanto, o estudo em causa não foi sujeito a

discussão nem a confirmação dos pressupostos utilizados, já desatualizados e não confirmados.

 Mais, a Comissão Europeia avaliou o mecanismo de CMEC, quer na sua génese quer depois estando já

ele implementado, produzindo a sua última decisão em 2017.

 Em caso algum a Comissão Europeia registou qualquer tipo de ilegitimidade, seja no caso da

continuação da exploração seja no tema dos investimentos ambientais.

Recomendações

Uma vez que existe a dúvida sobre a responsabilidade pelo desmantelamento das centrais de Sines e do

PEGO e que os responsáveis por ambas as centrais assumiram que este custo deveria ser assumido pelas

empresas detentoras das centrais, sugere-se legislar, ou contratualizar no sentido de assegurar que os custos

de desmantelamento das centrais de Sines e do Pego sejam assegurados pela EDP e pela Tejo Energia

respetivamente

Continuar a eliminar progressivamente às isenções do ISP para as centrais a Carvão não abrangidas pelos

CAE e aplicar essa receita à redução da dívida tarifária do SEN.

Capítulo 4

Remuneração dos terrenos da REN e extensão do prazo de concessão da RNT

1. Contexto e legislação associada

Os ativos que hoje constituem a RNT fizeram parte da EDP até à separação entre a REN e a EDP no ano

2000. Nesse contexto, ficaram entregues em concessão à REN da rede de transporte de eletricidade, a gestão

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global do sistema elétrico nacional e a aquisição total da energia gerada no SEN.

O Decreto-Lei n.º 183/95 atribuiu à entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de energia

elétrica (RNT) – a REN – a utilização do domínio público hídrico (DPH) para a instalação de aproveitamentos

hidroelétricos, ficando esta autorizada a subconceder aquela utilização em contratos próprios.

O Decreto-Lei n.º 182/95 prevê que os terrenos do domínio público na posse da REN e que estejam

ocupados pelas centrais eletroprodutoras sejam remunerados através de rendas repercutidas nas tarifas

pagas pelos consumidores.

No ano 2000 o Estado concessionou à REN, pelo prazo de cinquenta anos, os ativos da RNT, nos quais se

incluíam os terrenos do domínio público hídrico. Simultaneamente, o Estado adquiriu 70% do capital da REN.

Para a determinação do valor de aquisição do capital pelo Estado, contribuiu o valor contabilístico dos terrenos

do domínio público hídrico não afetos à exploração de centrais electroprodutoras.

É, neste contexto, que surge o direito da REN a ser remunerada pelo valor de renda dos terrenos do

domínio público hídrico em regime de não-exploração, valor este que deveria ser fixado anualmente pela

ERSE.

Esta situação criou, nas palavras de Cristina Portugal, presidente da ERSE, um conflito entre o regulador e

o regulado pois a ERSE (que deve determinar essa taxa) não reconhece esses ativos para efeitos de

remuneração. O regulador, em 2013, no seu parecer sobre o projeto de Portaria n.º 301-A/2013, volta a

lembrar a sua posição:

“A pretensão da REN não encontra suporte no quadro de atividades que constituem a génese da atribuição

da concessão, da qual aquela parcela constitui componente residual. A aceitação de uma taxa de

remuneração sobre os terrenos corresponderia a aceitar uma taxa de remuneração sobre a atividade de

aquisição de energia elétrica.”

Nesse sentido a ERSE fixou, durante os anos de 1999 a 2003, uma taxa de remuneração para os terrenos

do DPH) correspondente a 0%.

“Eu não conseguia perceber, em primeiro lugar, porque é que um ativo que fazia parte do domínio público

hídricopertencia ao balanço da REN e, fazendo parte desse balanço, por que razão é que deveria ser

remunerado. Mais: por que razão é que, face a uma situação destas, devia ser a ERSE a estabelecer essa

remuneração?”

(Vítor Santos, presidente da ERSE 2007-2017)

O Decreto-Lei n.º 198/2003 passa a prever a remuneração anual dos terrenos dos centros

electroprodutores e do domínio público hídrico na posse da entidade concessionária da RNT, que os pode

vender ou arrendar, enquanto o Decreto-Lei n.º 153/2004 prevê que esta remuneração seja repercutida nas

tarifas dos consumidores.

“A remuneração dos terrenos não estava explícita nos CAE, portanto, ali, houve uma margem de

interpretação muito alargada, houve, naturalmente, uma pressão muito forte das empresas sobre sucessivos

governos, não foi só sobre um, foi sobre sucessivos governos — estou completamente à vontade, como sou

independente de partidos políticos para poder dizer isto. (…) O que ficou estabelecido foi que seria a ERSE

quem determinaria a taxa de remuneração dos mesmos e a ERSE determinou, então, que essa taxa seria de

0%. Se a remuneração desses terrenos é de 0%, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 240/2004 não pode representar

um sobrecusto de 408 milhões de euros, como está referido no parecer da ERSE [Parecer da ERSE sobre o

Projeto de Decreto-Lei CMEC, Maio 2004].”

(Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1997-2007)

A Portaria n.º 96/2004 redefine a taxa de remuneração dos terrenos e aplica-a retroativamente a 1999,

retirando à ERSE a fixação da taxa de remuneração dos terrenos, que passa a ser incumbência do próprio

Ministério da Economia:

“A remuneração anual deve ser calculada à taxa swap interbancária de prazo mais próximo ao horizonte de

amortização legal dos terrenos em causa, verificada no primeiro dia de cada período, divulgada pela Reuters,

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acrescida de 50 basis points. Para efeitos da compensação do desvio tarifário ocorrido entre 1999 e 2003, a

remuneração anual deve ser calculada à taxa de 6,5 pontos percentuais”.

(Portaria n.º 96/2004)

A ERSE acatou, naturalmente, a decisão e passou a remunerar aqueles terrenos. Se me perguntar se

aquilo tem lógica económica, digo que não tem. (…) Foi uma medida para valorizar a empresa, porque havia

mais uma fase de privatização e havia que aumentar, por esta via, o valor da empresa”.

(Jorge Vasconcelos, presidente da ERSE 1997-2007)

Em 2007, o ministro Manuel Pinho revê o regime de remuneração dos terrenos da REN com vista a reduzir

custos:

“[A remuneração anual deve ser calculada] utilizando a taxa de variação média dos últimos 12 meses do

índice de preços no consumidor [inflação], publicada pelo INE relativamente ao mês de Setembro do ano

anterior ao de amortização legal dos terrenos em causa. A taxa é aplicada a partir de 1 de Julho de 2007, para

o cálculo da compensação do valor remanescente do desvio tarifário ocorrido entre 1999 e 2003.”

(Portaria n.º 481/2007)

Já em 2010 na sequência de uma variação negativa da inflação (-0,9% em 2009) a remuneração dos

terrenos é alterada pela portaria 542/2010, passando a ser calculada:

“(…) À taxa swapinterbancária de prazo mais próximo ao horizonte de amortização legal dos terrenos em

causa, verificada no 1.º dia de cada período, divulgada pela Reuters, acrescida de 50 basis points”.

Carlos Zorrinho explica as motivações do governo para a alteração ocorrida em 2010, que veio a aumentar

o valor da renda recebida pela REN:

“Eu deparei-me com uma empresa pública, de que eu tinha a tutela indireta. (…) Havia um capital não

remunerado no balanço que afetava os rácios financeiros numa altura em que a REN (…) tinha um potencial

de investimento forte – aliás, incentivámos a REN a investir no armazenamento de gás no mercado (…) e

incentivámos a REN para se expandir para fora do país (…) Era óbvio que, na decorrência da compra dos

terrenos da REN à EDP, sendo que a EDP era remunerada, a REN iria exigir uma remuneração. (…) A

compra, isto é, fazer a REN comprar estes terrenos à EDP foi um erro”.

(Carlos Zorrinho)

A Portaria n.º 301-A/2013 vem introduzir a terceira alteração à portaria 96/2004, revendo em baixa a

remuneração dos terrenos hídricos. A taxa de remuneração é indexada à avaliação de desempenho da

entidade concessionária da RNT feita por auditoria (já prevista no artigo 23.º-A do Decreto-Lei n.º 29/2006,

nunca aplicado até 2014), dirigida em particular á obrigações da REN quanto à realização dos testes de

disponibilidade, ao cálculo da revisibilidade dos CMEC e ao funcionamento do mercado dos serviços do

sistema. Esta medida resulta num decréscimo de encargos relativamente aos anos anteriores. No entanto, no

seu parecer, “a ERSE continua a achar prudente uma clarificação jurídica relativamente à possibilidade de se

aplicar ao domínio público hídrico qualquer “renda” que se destine a uma determinada empresa que, por

autorização expressa através de contrato de concessão, outorgou o seu uso.”

2. Custos imputados aos consumidores

No entanto, como o próprio Dr. Jorge Vasconcelos afirmou na sua audição, a remuneração dos terrenos

não resultou dos CMEC, mas sim da alteração das taxas dessa mesma remuneração quando deixaram de ser

definidas pela ERSE e passaram a ser definidas pelo membro do Governo com a pasta da energia.

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Em 2006, já ao abrigo da portaria 96/2004, a remuneração retroativa dos terrenos é estimada em 228 M€,

que será paga em 10 anos, elevando os custos com os terrenos em 2006 a 68 M€, dos quais mais de 20

milhões seriam relativos ao pagamento da retroatividade.

Esta rectroatividade como explicou o Eng.º Victor Baptista decorria de uma imparidade registada nas

contas da REN resultante da compra pelo Estado de 70% da REN à EDP em 2000, como já referido.

Com a Portaria n.º 481/2007, os custos anuais com a remuneração dos terrenos hídricos baixam de 56 M€

para 17M€, o que representa um decréscimo de cerca de 70%, devido à indexação ao consumo que baixa

durante esses anos.

Com a Portaria n.º 542/2010, existe um aumento de custos anuais de cerca de 10 M€, de 13M€ para cerca

de 24 M€, ou seja, um aumento de quase 100%

Gráfico 4 – Evolução dos custos com os terrenos hídricos (Fonte: documentos anuais, Proveitos permitidos ERSE)

Só em 2014, com o efeito da Portaria n.º 301-A/2013, o custo com a remuneração dos terrenos volta a

descer, mantendo-se até ao ano de 2019, em cerca de 13M€ anuais. Esta portaria enuncia como objetivo

incentivar a REN a desempenhar as suas responsabilidades de modo eficiente e tabela a remuneração a

aplicar em função da nota de desempenho. O novo regime manteve este custo estável como resultado de

sucessivas auditorias anuais com nota 3, que correspondem a uma taxa de remuneração de 0,1%. A ERSE no

seu documento anual de proveitos permitidos e ajustamentos para 2019 adianta ainda que desde 2015 não

foram realizados relatórios de desempenho, pelo que assumiu uma taxa nula.

A CPIPREPE recebeu uma comunicação da REN, clarificando que, desde 2006 até à presente data, o

montante acumulado de remuneração dos referidos terrenos, totalizou cerca de 330 milhões de euros, dos

quais cerca de 76% respeitam exclusivamente à componente de “amortização anual dos terrenos”,

componente esta que é aceite pela ERSE e nunca foi por esta questionada.

Assim sendo, dos 330 milhões de euros enunciados apenas 79 milhões estarão em controvérsia com a

ERSE.

3. Extensão do Contrato de Concessão da RNT à REN por 7 anos adicionais

Em 2007 foi assinado um novo contrato de concessão da RNT à REN, com base na publicação do Decreto-

Lei n.º 172/2006. Este contrato consagrou, a título gracioso, uma prorrogação de sete (7) anos do período da

concessão.

O valor económico desta prorrogação de prazo não foi apurado pela CPIPREPE. Todavia, a título

indicativo, é possível referir que esta prorrogação representou um acréscimo na ordem de 16% ao prazo inicial

de concessão.

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Conclusões

 Os consumidores de eletricidade pagaram cerca de 330 milhões de euros à REN, a título de custo de

interesse económico geral, para remunerar a posse pela empresa de terrenos do domínio público

 A necessidade de remunerar estes terrenos está relacionada com os termos do negócio de aquisição

por parte do Estado de 70% do capital da REN à EDP.

 No contexto da desintegração vertical do Grupo EDP, a REN pública adquire o estatuto de

concessionária dos terrenos do domínio público hídrico;

 Como sempre assinalou a ERSE, não haveria justificação para a remuneração da REN pela detenção

deste ativo público para além do valor da sua amortização.

 A constante alteração dos critérios e níveis desta remuneração conduziu a grandes oscilações ao longo

dos anos, tendo chegado a registar valores negativos, o que levou a grande instabilidade e falha nas

estimativas dos impactos tarifários.

 Na atual situação, a alteração em 2014 da definição legal do objetivo deste custo de interesse

económico geral (CIEG) – que deixou de ser simples remuneração do ativo para passar a constituir

estímulo à sua gestão eficiente –, não modifica a opção de fundo: remunerar a concessionária dos

terrenos do domínio público hídrico pela posse desses terrenos, mantendo nas tarifas um CIEG sem

legitimidade: os consumidores pagam a um operador 100% privado pela detenção nos seus ativos de

um ativo do domínio público.

 A REN beneficiou de uma extensão gratuita do prazo de concessão da RNT, por sete anos adicionais,

em vésperas da sua privatização parcial em 2007, não se encontrando apurado o valor económico

deste benefício, mas sendo certo que este é quantificável e que o Orçamento do Estado beneficiou do

mesmo, através do valor arrecadado pela privatização.

Recomendação

Apurar o valor económico da extensão gratuita do prazo de concessão da REN.

Capítulo 5

Remuneração da Produção em Regime Especial

Introdução

No âmbito da adoção de políticas destinadas a incentivar a produção de eletricidade através da utilização

de recursos endógenos renováveis ou de tecnologias de produção combinada de calor e eletricidade, foi

criada a Produção em Regime Especial (PRE).

A partir de 2001, a União Europeia reconheceu a necessidade de apoio ao desenvolvimento da produção

de energia de fonte renovável. Esta orientação foi seguida por Portugal, conduzindo à previsão legal de

regimes de remuneração garantida, entre eles o das feed in tariffs (FIT), concedidos à produção de energia

proveniente, entre outras, de fontes eólica, biomassa e fotovoltaica.

A tarifa feed-in incorpora todos os custos evitados por montantes equivalentes de instalação de potência

em energias convencionais, custos de investimento, operacionais, ambientais e de perdas na rede. Acresce

que a energia produzida por estas centrais entra na rede de transporte e distribuição antes de todas as outras,

isto é, as suas vendas estão garantidas ao valor da FIT.

Hoje, Portugal tem cerca de 8,1 MVA de potência instalada em regime de PRE (ver tabela seguinte). A

energia eólica é dominante neste regime, representando cerca de 70% de toda a PRE.

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Fonte Potência Instalada (MVA)

Biogás 77.24

Biomassa 150.28

Cogeração 976.89

Cogeração Renovável 463.84

Eólica 5,648.85

Fotovoltaica 295.94

Hídrica 423.76

Resíduos Sólidos Urbanos 94.76

Fonte – Portal da ERSE (dados de outubro 2018)

A primeira fase de crescimento da energia eólica em Portugal dá-se entre 2001 e 2002, quando são

atribuídos direitos de ligação à rede de parques eólicos num total de 2300 MW. Mais tarde, o Decreto-Lei n.º

33‐A/2005 introduziu alterações legais ao quadro remuneratório, atualizando fatores para o cálculo do valor da

remuneração garantida, estabelecendo um prazo considerado suficiente para permitir a recuperação do

investimento efetuado e o cumprimento da expectativa dos promotores quanto ao seu retorno económico.

No caso das centrais eólicas, o Decreto-Lei n.º 33-A/2005 definia que esta remuneração era aplicável

apenas aos primeiros 33 GWh entregues à rede (por megawatt de potência instalada) e por um limite máximo

de 15 anos. No quadro deste diploma, o Ministério da Economia e Inovação lançou um concurso público

internacional em junho de 2005 para a atribuição de 1600 MVA. A primeira fase do concurso, ganho pelo

consórcio ENEOP, obrigava a que fosse criado um cluster industrial associado à produção de aerogeradores.

É hoje amplamente reconhecido que estas políticas de incentivo às energias renováveis, em particular as

FIT, foram importantes para promover investimentos em tecnologias que o país precisava de desenvolver com

vista a atingir metas ambientais.

Porém, considerando o peso do sobrecusto da PRE (a diferença entre a tarifa garantida à produção

renovável e o preço do mercado grossista) na componente de custos de interesse económico geral incluída na

tarifa paga pelos consumidores, a CPIPREPE procurou averiguar a adequação destas FIT e a eventual

existência de rendas excessivas paga à PRE.

Assim, a CPIPREPE discutiu duas questões principais: 1) as taxas de rentabilidade asseguradas aos

produtores através das FIT; 2) no caso da produção eólica, a eventual existência de ganhos dos produtores

decorrentes de maior eficiência da tecnologia aplicada, resultantes de atraso no licenciamento e construção de

parques eólicos.

Para além destes pontos, foi ainda dada especial atenção aos impactos tarifários, presentes e futuros, do

Decreto-Lei n.º 35/2013 que assegura à produção eólica garantias de preços por mais alguns anos. A este

ponto é dedicado o capítulo 11 deste relatório.

2. Taxas de rentabilidade na PRE

Em 2012, o relatório produzido no âmbito da aplicação da medida 5.15 do Memorando de Entendimento

com a troika concluiu que existe uma renda excessiva paga na fatura energética aos produtores de

eletricidade abrangidos pela PRE. O relatório preparado pelo então Secretário de Estado Henrique Gomes,

apoiado em estudos das consultoras Cambridge Economic Policy Associates (CEPA) e A.T. Kearney, veio

quantificar um valor de 113 M€/ano respeitante a rendas excessivas pagas à PRE. Deste montante, 54 M€/ano

dizem respeito às centrais eólicas e 42 M€/ano às centrais de cogeração. O documento contabiliza esta renda

excessiva a partir da diferença entre as taxas de rentabilidade e o custo médio ponderado do capital (em

inglês WACC) da atividade.

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O anexo do estudo encomendado à CEPA – Cambridge Economic Policy Associates, integrado no relatório

de que o Governo ficou encarregado na medida 5.15 – e que preparou durante o mês de janeiro de 2012

(«Rents in the electricity generation sector») –, e que determina os WACC das produções dos CAE e dos

CMEC, indica que aqueles “não são irrazoáveis”.

“Eu, que estava de fora, senti algum conforto quando vi que no famoso relatório de Cambridge de 2012, o

tal que também defendia que havia muitas rendas excessivas… Aliás, este não é um relatório da Universidade

de Cambridge — e os Srs. Deputados já terão tido oportunidade de o ter lido, após a troca de impressões que

o Sr. Deputado Jorge Costa e o Eng.º Mira Amaral tiveram em sede de audiência —, mas, sim, da CEPA

(Cambridge Economic Policy Associates) em que se apresenta um anexo, o chamado Apêndice I, em que na

página 28 há uma tabela, que inclusivamente trago comigo, em se afirma que a taxa é de 5,8% mas após

impostos. Antes de impostos, a CEPA afirma que a taxa chega aos 8%. Portanto, uma vez mais, parece-me

que a afirmação da ERSE de que a taxa de juro não foi bem calculada, carece, pelo menos, de algum

suporte.”

(audição de Ricardo Ferreira)

No mesmo estudo, pode-se constatar no Anexo 4, página 3 podemos ler: “Nestes termos, podemos

concluir que a rentabilidade típica observada nos projectos de parques eólicos portugueses seguiu o mesmo

padrão e o mesmo intervalo dos observados noutras referências europeias, como sejam a Alemanha e a

Espanha.”

No que diz respeito à PRE (eólica em particular), o estudo apresentado no relatório da SEE conclui, na

página 11, que a rentabilidade média dos projetos foi de 6,2% para o período entre 2000 e 2010, virtualmente

idêntica à média do custo de capital exigível (WACC real após impostos): 6,1%.

Questionado sobre porque continuaria a afirmar que existem rendas excessivas na produção eólica, uma

vez que essa afirmação é diametralmente oposta à conclusão deste Estudo que a sua SEE apresentou.

Henrique Gomes respondeu que se enganou.

“Foi o contributo da AT Kearny que nos deu os elementos para determinarmos a rentabilidade da PRE. E

essas rentabilidades e essas rendas excessivas, que, obviamente, não tenho de cor, nem é preciso, existem,

existem. E, por acaso, nesse relatório as rentabilidades até saíram relativamente pequenas, o excesso, nesse

relatório, mas, depois, vamos verificar e vamos acompanhar a realidade, aquilo que pagamos no fim do ano,

etc. e temos surpresas grandes e no fim do ano temos, por exemplo, a fatura só das renováveis que é de 2100

milhões de euros.

A realidade tem mostrado que há mais excessos do que aqueles que foram identificados no relatório. Mas

o relatório tem isso tudo e eu não o tenho de cor.”

“Agora, tudo isto é naquela altura, também. Se quiser, havia uma desconfiança ou quase uma certeza que

não se terá confirmado neste relatório relativamente às eólicas.”

(Audição de Henrique Gomes na CPIPREPE quando confrontado com os resultados do estudo “Excessive

Rents – Rents in the electricity generation sector” sobre as rendas excessivas na produção de energia eólica

que serviu como suporte técnico para fundamentar e quantificar a existência de rendas excessivas no sector

electroprodutor)

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Na mesma linha, o relatório da ERSE intitulado “Instrumentos para a participação da oferta e da procura na

gestão do SEN”, publicado em 2018, veio calcular a taxa interna de rentabilidade (TIR) das centrais com tarifa

garantida, verificando que esta se encontra muito acima dos respetivos WACC, em contraste aliás com a TIR

das centrais térmicas que vão a mercado.

(Taxas de rentabilidade apresentadas no Relatório Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do SEN, ERSE)

Para o regulador, os mecanismos de tarifa garantida são hoje uma forma de distorção da concorrência, na

medida em que atribuem níveis de sobrecompensação implícitos muito acima do restante mercado.

“Subsistem, na realidade nacional, situações distintas:

1. Por um lado, os produtores com remuneração garantida ou enquadrada por um mecanismo legal ou

regulatório, apresentam genericamente valores da TIR superiores aos respetivos WACC, ou, quando muito,

valores aproximados. No caso específico dos PRE com tarifa garantida, os valores das TIR estão muito

claramente acima dos WACC da atividade ou tecnologia.

2. Por outro lado, para os produtores em regime de mercado, concluiu-se pela existência de um

“desincentivo” à própria operação no caso das tecnologias térmicas, na medida em que observam TIR

inferiores aos correspondentes WACC. Para os restantes casos – centrais hídricas ou solares fotovoltaicas –

os valores de TIR e WACC estão relativamente alinhados.”

(Relatório ERSE, outubro de 2018, Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do

SEN)

Carlos Pimenta, chairman do fundo Novenergia (detentor da Generg até 2019), acredita que a rentabilidade

dos projetos eólicos em Portugal está em linha com o que é praticado no resto da Europa. A prova disso, é

que as tarifas praticadas em Portugal são semelhantes à de outros países:

“Se um parque eólico recebe, em Portugal, uma tarifa que, no momento em que ganhou o concurso, é

equivalente à que foi dada na Alemanha ou na Itália, como é que pode ser mais rentável do que na Alemanha

ou na Itália, se o outro fator que pesa a seguir é o dinheiro e se o custo do dinheiro aqui é mais caro? Não

pode! Não pode!”

Na sua alocução à CPIPREPE, Carlos Pimenta justifica ainda a adequação das FIT pagas aos produtores

eólicos em Portugal com o argumento de que os processos de atribuição de potência eólica resultaram de

concursos:

“O que é que todos estes processos têm em comum? Um, não houve nenhuma atribuição de eólica que

não tivesse sido feita transparentemente em processo concursivo. Esses processos concursivos foram sempre

muito disputados. (…) Nenhum dos processos concursivos lançados em nenhum dos governos — do PS, do

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PSD, de todos — teve alguma vez contestação. Nenhum deles!”

(Audição Carlos Pimenta)

O presidente da EDP-Renováveis, João Manso Neto, admite que a rentabilidade das centrais eólicas da

empresa situadas em Portugal é mais elevada do que a das centrais noutros países. Porém, rejeita uma

comparação direta, uma vez que, alega, as centrais eólicas da EDP em Portugal correspondem a projetos

promovidos de raiz, enquanto os parques eólicos da EDP em outros países foram adquiridos em fases mais

avançadas, portanto com menos margem de lucro.

“Por que é que Portugal é mais rentável que outros? Por duas razões muito simples: primeiro, porque a

EDP, em Portugal — como em Espanha, aliás —, começou mais cedo, fez o que se chama greenfield,

enquanto, nos outros países, muitas vezes, teve de comprar e desenvolver numa segunda fase e não há um

prémio de compra que reduz a margem de lucro; e, segundo, porque Portugal também tem um custo de capital

mais alto, portanto, a rentabilidade tem de ser mais alta. Portanto, a dimensão é a certa.”

(Audição João Manso Neto)

António Sá da Costa, presidente da associação dos produtores de energia renovável (APREN), dá o

exemplo do concurso ganho pela ENEOP, para sublinhar que as tarifas praticadas nem sempre correspondem

a uma rentabilidade do promotor eólico e que muitas traduzem também o financiamento de instrumentos de

política económica e industrial do país:

“Quando fomos obrigados a ir a concurso com um fabricante único tivemos de ter um aerogerador que

nuns sítios era melhor e noutros era menos bom, mas ele teve de montar a fábrica e só veio fazê-lo com duas

condições: teria de fornecer uma determinada quantidade de máquinas e tem de estar cá instalado por um

período de 17 anos. E teve de montar a fábrica, arranjar os terrenos e isso teve custos. Isso foi uma medida

acertada? Foi uma medida acertada do ponto de vista do país, mas tem os custos de uma política económica.

(…) Quem é que «pagou o pato»? Acaba sempre por ser o consumidor, mas fomos nós quem se adiantou”.

(Audição António Sá da Costa)

3. Eventuais ganhos dos produtores decorrentes de atrasos no licenciamento

O segundo ponto discutido na CPIPREPE quanto a eventual sobrerremuneração da PRE diz respeito a

eventuais ganhos obtidos pelos produtores eólicos resultantes de atrasos no licenciamento e construção de

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parques eólicos. Segundo Autoridade da Concorrência (AdC) e a ERSE, o decurso de vários anos, por

responsabilidades próprias ou alheias ao produtor, entre a fixação da tarifa feed-in nos concursos e a efetiva

entrada em funcionamento dos parques eólicos, tem proporcionado aos produtores ganhos de eficiência

tecnológica que não estavam previstos aquando da definição da tarifa no concurso.

Este assunto parece ser identificado pela primeira vez no parecer da AdC à Proposta de Tarifas e Preços

para a Energia Eléctrica e outros Serviços em 2012 e aos Parâmetros para o Período de Regulação 2012-

2014 apresentados pela ERSE. Diz o parecer da AdC de 2011:

“No caso da energia eólica, permitiu-se que os investimentos em parques eólicos concluídos até meados

de 2009 continuassem a beneficiar de uma tarifa definida em 2001, tarifa essa que não teve em conta as

descidas dos custos de investimento por unidade instalada ou os ganhos de eficiência verificados na

tecnologia eólica – i. e.: a tarifa poderá ter ido além do que era suficiente para incentivar o investimento. A

comparação entre o tarifário antigo – superior a 95 €/MWh e o tarifário definido no concurso eólico de 2006

Fase A e 2007 Fase B – na ordem dos 72 €/MWh – e de 2008 Fase C – onde chegaram a ser observados

tarifários inferiores a 60€/MWh – é demonstrativa da ineficiência do tarifário antigo de que beneficiam mais de

2/3 dos parques eólicos em atividade”

(Parecer da Autoridade da Concorrência à Proposta de Tarifas e Preços para a Energia Elétrica e outros

Serviços em 2012 e Parâmetros para o Período de Regulação 2012-2014)

No relatório “Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do SEN”,de outubro de

2018, a ERSE chama também a atenção para este tópico. O regulador distingue dois fenómenos: 1)

desfasamento (favorável aos produtores) entre a evolução das FIT e a dos custos de investimento em centrais

eólicas; 2) a insensibilidade da FIT à prorrogação de licenças sem entrada em produção. No segundo caso,

haveria uma vantagem dos produtores em causa em relação àqueles produtores que, em iguais

circunstâncias, iniciam imediatamente a instalação do parque. A ERSE dá o exemplo das licenças atribuídas a

parques eólicos após 2001 e a centros de produção fotovoltaica após 2007:

“A revisão em baixa de algumas tarifas em certos segmentos, não acompanhou em intensidade a

diminuição verificada dos custos de investimentos decorrentes da evolução tecnológica, o que se refletiu num

incremento significativo das TIR desses investimentos e na diferença entre os custos nivelados e as tarifas

garantidas. Este efeito também ocorre quando existe um grande desfasamento temporal entre o momento da

obtenção da licença de produção, enquadrada num determinado regime remuneratório, e o momento em que

produtor entra em exploração, em resultado de prorrogações do prazo da licença de produção. Com este

desfasamento, ao manter a FIT do regime remuneratório em que obteve a licença de produção, o produtor

pode beneficiar de uma diminuição dos custos de investimentos, face aos que estão subjacentes ao cálculo da

FIT desse regime remuneratório particularmente se este desfasamento coincidir com zonas da curva de

aprendizagem com declive acentuado. Tal verificou-se no caso do segmento de produtores eólicos licenciados

ao abrigo do Decreto-Lei n.º 339-C/2001, de 29 de dezembro, entrados em exploração após 2010 e do

segmento de produtores fotovoltaicos licenciados nos termos do Decreto-Lei n.º 225/2007, de 31 de maio,

entrados em exploração entre 2012 e 2015, com FIT acima de 200€/MWh.”

(Relatório ERSE, outubro de 2018, Instrumentos para a participação da oferta e da procura na gestão do

SEN)

João Peças Lopes, que presidiu ao concurso para atribuição das licenças eólicas em 2005, reconhece que

na primeira década do século XXI as diferenças tecnológicas dos aerogeradores são muito significativas e

que, de facto, os concursos poderiam ajustar as tarifas feed-in aos ganhos tecnológicos para os novos

entrantes:

“Um gerador eólico em 2005, 2006, de 1MW custaria 1 400 000 € e teria uma produtibilidade na casa das

2400 horas, num bom sítio, num sítio razoável. Hoje, esse mesmo aerogerador, e até com requisitos técnicos

adicionais, custa 800 ou 900 mil euros, e tem uma produtibilidade superior às 3000 horas. (…) O que poderia

ter sido feito era termos tido uma revisão das tarifas, mas, deixe-me dizer, para os novos entrantes. Ter uma

revisão dos mecanismos de tarifa feed-in para os novos entrantes, porque, à medida que o processo

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tecnológico foi evoluindo, naturalmente que os preços de investimento baixaram. Essa, sim, é a lição que

podemos tirar do passado. E devíamos tê-lo feito, ou seja, devíamos ter introduzido naquelas fórmulas

horríveis um mecanismozinho para ajuste da remuneração, mas, continuo a dizê-lo, para os novos entrantes,

não para aqueles que já estão.”

(Audição João Peças Lopes)

Aníbal Fernandes, ex-presidente do consórcio da ENEOP, acredita que os atrasos na exploração não

constituem manobra de especulação por parte dos promotores e defende que, por estes terem contratos

assinados e responsabilidades a cumprir com a banca, é do seu interesse que a exploração entre em

funcionamento o mais cedo possível:

“Não há nenhum promotor eólico que tenha — só de for, de facto, masoquista — interesse em dilatar os

seus prazos de execução. (…) Ele fez o plano de negócios, na altura, com o banco, isto foi aprovado pelo

banco e não por conselho de administração. Isto foi um project finance. Estas coisas não são feitas em cima

do joelho! Os bancos olham para o plano de negócios e dizem se dão o dinheiro ou não — 80% do dinheiro

dos parques eólicos foi financiado em project finance, em alguns até mais, com 85%!”

(Audição Aníbal Fernandes)

António Sá da Costa, presidente da APREN, também desvaloriza os ganhos com o atraso da entrada em

exploração e argumenta que o valor dos investimentos, contratualizado no momento dos concursos, não pode

ser alterado. Contudo, reconhece que, para o mesmo valor de investimento, há um ganho na rentabilidade

pela via do aumento da produção com a incorporação de tecnologia mais avançada (cuja disponibilidade pode

ser consequência do atraso da entrada em operação), realça que as tarifas feed-in só se aplicam até a um

limite máximo de energia:

“A rentabilidade vai aumentando? Vai. Mas como eu disse há bocadinho, e é preciso ter isso presente, a

tarifa é garantida por uma quantidade de energia elétrica. Portanto, se a máquina produz mais… Tem é menos

tempo de tarifa garantida, porque a tarifa só é apoiada para os primeiros 33 GWh por megawatt instalado. Se a

máquina tem 2200 horas, é 15 anos; se a máquina tem 3300 horas, só tem o apoio durante 10 anos. É preciso

ter isto em consideração”.

(Audição António Sá da Costa)

As afirmações de António Sá da Costa não refutam as opiniões da AdC, da ERSE e de Peças Lopes. Ao

atingirem mais cedo o limite de 33 GWh produzidos por megawatt instalado, terminando a FIT original, as

centrais não cessam de existir. Seja sob o regime previsto no Decreto-Lei n.º 33-A/2005, seja no oferecido

pelo Decreto-Lei n.º 35/2013 (analisado no capítulo 11 deste relatório), as centrais eólicas continuam a

beneficiar de garantias de preço por um período adicional de 5 a 7 anos, o que, considerando a fase da sua

amortização nesse momento, assegura a sua rentabilidade.

Conclusões

 O crescimento da PRE, nomeadamente através de mecanismos de tarifa garantida, deveu-se à

necessidade de, por objetivos ambientais e de independência energética, incentivar o investimento em

produção de eletricidade a partir de fontes de energia endógenas e renováveis. Após quase duas

décadas do início da produção renovável em Portugal, pode concluir-se que as FIT das renováveis

provocaram um aumento dos valores pagos nas faturas da eletricidade.

 A existência deste sobrecusto deve-se, em tese, essencialmente a três componentes: 1) a primeira

corresponde a um esforço necessário para atingir metas ambientais e de independência energética.

Não teria sido possível o nível de penetração renovável que hoje existe no sistema eletroprodutor

português sem mecanismos de incentivo como as FIT; 2) a segunda componente , diz respeito às

taxas de rentabilidade pagas aos promotores, que correspondem aos custos do investimento

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(maturação tecnológica e nível de risco) no momento da definição das tarifas; 3) a terceira

componente resulta da inclusão nas FIT de custos do domínio da política industrial, como é o caso da

criação do cluster associado ao fabrico de componentes de aerogeradores, custos que, pela sua

natureza, são típicos encargos do Estado e não dos consumidores de energia.

 Não existe consenso sobre o peso relativo destas três componentes do sobrecusto, mas é claro que

todas elas resultam de decisões políticas tomadas por vários governos, sobretudo entre 2001 e 2007.

Hoje podemos dizer que esta decisão trouxe benefícios ao país (ambientais, de criação de empregos,

de redução do preço da eletricidade no mercado grossista). As taxas de rentabilidade no setor tiveram

um impacto na evolução dos valores fatura dos consumidores domésticos, sobre quem recai o

sobrecusto da PRE.

Recomendações

 Solicitar ao Governo o desenho de possíveis medidas que, de forma proporcional, permitam a

recuperação pelo SEN das vantagens obtidas pelos produtores por efeito da rigidez da FIT face aos

ganhos de eficiência resultantes da demora da entrada em produção;

 Consideração desta experiência nas regras de futuros concursos, na prevenção de atrasos e das suas

consequências sobre as características económicas dos projetos.

Capítulo 6

Dívida e diferimentos tarifários, mais-valias da sua titularização

Em 1995, o Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de julho, “estabelece as bases da organização do Sistema

Eléctrico Nacional (SEN)”, no seguimento de profundas reestruturações no setor. No mesmo dia, o Decreto-Lei

n.º 187/95, de 27 de julho, “cria a Entidade Reguladora do Sector Eléctrico” (ERSE), “uma entidade com

marcadas características de independência”, para “estabelecer mecanismos explícitos de regulação”, por

forma a “suscitar a desejada confiança nos operadores do mercado e a criar um quadro regulamentar estável

e equilibrado”.

O artigo 4.º deste Decreto-Lei estabelece que “compete à Entidade Reguladora, ouvida a Direcção-Geral

de Concorrência e Preços, a preparação e emissão do Regulamento Tarifário”, que deverá estabelecer, entre

outros, “os critérios e métodos para formulação e fixação de tarifas e preços para a energia eléctrica”. O

mesmo artigo estabelece ainda os princípios que deverão orientar este Regulamento Tarifário de onde se

destaca que “O valor global resultante da aplicação das tarifas e preços a clientes finais em baixa tensão (BT),

não pode, em cada ano, ter aumentos superiores à taxa de inflação esperada para esse ano”; “o valor dos

custos não reflectidos nessas tarifas e preços pode ser repercutido”, sem prejuízo da manutenção de um

aumento inferior à taxa de inflação, “nas tarifas e preços dos anos seguintes, num máximo de cinco”.

Decreto-Lei n.º 187/95 – primeira legislação sobre diferimentos tarifários

Em janeiro de 1997 é efetivamente constituída a ERSE e em 15 de setembro de 1998 é publicado o

primeiro Regulamento Tarifário, que concretiza e detalha os princípios enunciados no Decreto-Lei n.º 187/95,

de 27 de julho, nomeadamente, o seu artigo 40.º, estabelece o mecanismo de limitação do aumento da tarifa

(à taxa de inflação), e institui, pela primeira vez, uma remuneração da possível dívida, à taxa de juro LISBOR a

três meses acrescida de 0,5%.

As primeiras tarifas são publicadas para o ano de 1999, e até 2005 as tarifas têm sempre aumentos anuais

inferiores à taxa de inflação prevista para cada ano, não existindo, portanto, défice tarifário. Apenas no final de

2005, na definição das tarifas a aplicar em 2006, o mecanismo de limitação previsto tem efeitos práticos pela

primeira vez, como se verá mais à frente.

Decreto-Lei n.º 172/2006 – preparação do Mibel, termina limitação a aumentos de tarifa

No contexto da liberalização do mercado elétrico, este diploma “desenvolve os princípios gerais relativos à

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organização e ao funcionamento do sistema elétrico nacional (SEN), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 29/2006,

de 15 de fevereiro”.

Um dos aspetos de maior relevo do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, é o levantamento do limite

ao aumento anual das tarifas de eletricidade à taxa de inflação, prevendo apenas no artigo 62.º que “as

disposições do Regulamento Tarifário devem adequar-se à organização e funcionamento do mercado interno

da electricidade”.

Recorde-se que a Diretiva 2003/54/CE estabelecia que “as entidades reguladoras nacionais deverão

desempenhar um papel activo no sentido de garantir que as tarifas de compensação não sejam

discriminatórias e reflictam os custos”.

De relevar que no final do ano anterior, na definição das Tarifas para 2006, o mecanismo de limitação de

acréscimos em Baixa Tensão (BT) previsto no Decreto-Lei n.º 187/95, de 27 de julho, teve pela primeira vez

efeitos práticos, criando assim um défice tarifário.

Figura 2 – Fonte: ERSE – Proposta Tarifas 2006

Com efeito, como se pode observar no quadro constante da Proposta de Tarifas de 2006 elaborada pela

ERSE no final de 2005, o aumento das tarifas de BT foi limitado a 2,9%, a taxa de inflação prevista para

aquele ano, quando os proveitos permitidos nas várias atividades geravam um aumento de 14,51% no

Continente, por exemplo. Esta limitação criou um défice tarifário global de 335 M€, que no contexto da

legislação então em vigor deveria ser repercutido na tarifa e preços dos anos seguintes, num máximo de 5.

Na sua audição na CPI, o então presidente da ERSE, Jorge Vasconcelos afirma ter sinalizado ao governo

de José Sócrates o problema tarifário que se avolumava:

“O diálogo com o XVII Governo sobre estas questões não foi em finais de 2006, tinha sido já em 2005,

porque em 2005 se tinha colocado, pela primeira vez, a situação de termos um aumento de tarifas superior à

taxa prevista de inflação (…) cerca de 14,4%, em termos médios, para 2006, o que ultrapassava a inflação

prevista, que, salvo erro, era de 2,3%.

O que é que a ERSE fez? Aplicou a lei, limitou o aumento das tarifas a 2,3% e alertou os consumidores, as

empresas, o Governo, a Assembleia da República para esta situação. Era evidente — e é uma questão de

pura lógica — que, não sendo feito nada, a situação do final de 2005 ia repetir-se em 2006. Ela foi apenas

mitigada em 2005, mas, se tudo se mantivesse igual, esta situação ia-se repetir em 2006.

Durante o ano não foram tomadas medidas para resolver este problema, aquilo que foi feito foi uma

transposição tardia da diretiva de 2003, que, em Portugal, só se fez em 2006 e, entre outras coisas, aboliu-se

o teto da inflação (…).

(…) Portanto, não houve dias, houve um ano inteiro para tomar as decisões úteis de forma a podermos

evitar aquela situação. A verdade é que essas decisões não foram tomadas.

Decreto-Lei n.º 237-B/2006 – previstos os diferimentos dos sobrecustos com PRE, CMEC e CAE

“Nunca se partiu para nenhuma negociação com os produtores no sentido de reduzir a tarifa. Isso é um

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facto. Não tenho memória de alguma vez essa hipótese ter sido posta. Isso levar-nos-ia para um processo

negocial muito demorado e precisávamos de uma solução imediata, porque as tarifas iam entrar em

funcionamento em janeiro de 2007 e o anúncio [do aumento de tarifas pela ERSE] foi feito a 15 de outubro de

2016”.

(Audição de Castro Guerra, secretário de Estado XXX)

A ERSE apresenta a sua proposta para as tarifas e preços de eletricidade para 2007. Como se pode

observar na tabela abaixo, constante desta proposta, a ERSE previa um aumento de 14,4% para

consumidores de BT, que incluía o abate de 1/3 do défice tarifário acumulado.

Figura 3 – Fonte: ERSE – Proposta de tarifas e preços 2007

Face ao impacto público da proposta tarifária da ERSE, o governo é obrigado a pronunciar-se e, num

primeiro momento, o secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, António Castro Guerra, ainda

procura sustentar a proposta do regulador. As suas declarações públicas – «este défice tem de ser pago por

quem o gerou. (…) São os consumidores que devem este dinheiro, não é mais ninguém» – geram intensa

polémica:

“Em outubro de 2006, eu disse uma frase infeliz a propósito da energia, quando houve aquele [anúncio de]

grande aumento de 15,7%. Acho que começou aí o início do envolvimento mais intenso, operacional também,

do ministro na área da energia”.

(Audição de Castro Guerra, Secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, 2005-2009)

No mesmo dia em que se registam essas declarações do secretário de Estado, 18 de outubro de 2006,

realiza-se no Ministério da Economia uma reunião para debater a proposta da ERSE.

“É dessa reunião em que estavam a EDP, a REN, a ERSE, a Direção-Geral de Energia e Geologia, e o

Gabinete, enfim, toda a gente, que nasce um programa de trabalho. Um dos trabalhos que o Sr. Ministro deu à

EDP e à REN, nessa reunião, foi o de preparar uma resolução do Conselho de Ministros que fizesse o

corolário dessas medidas. (…) Tenho ideia de que a questão dos 6% [de aumento da tarifa] estava nessa

versão inicial da resolução do Conselho de Ministros. Só que, entretanto, em dezembro, foi publicado o

Decreto-Lei n.º 237-B/2006, que impõe o défice, e esse era urgentíssimo. Portanto, esse decreto-lei do

alisamento tarifário dos 6% é publicado antes da resolução do Conselho de Ministros, já não fazia sentido nela

incluir essa cláusula”.

(Audição de Miguel Barreto, Diretor-Geral de Energia 2004-2009)

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A reação do governo ao anúncio da ERSE instala uma pressão política que desencadeia, sob Manuel

Pinho, um programa que vai bem além do diferimento de custos.

“Como se recordarão da tal história dos 15% de que se falou há bocado, havia um risco de a tarifa subir

muito. Então, uma das maneiras de, a curto prazo, baixar a tarifa ou evitar que ela subisse, era implementar os

CMEC, que permitiriam um alisamento dos custos”.

(Audição de João Manso Neto, administrador da EDP desde 2006)

“[Outra] solução que também estava ligada aos CMEC, e que acabava por ser uma solução virtuosa, era a

seguinte: vamos, então, assumir a prorrogação do domínio hídrico e vamos negociar uma compensação para

diminuir esse défice tarifário”.

(Audição de Miguel Barreto)

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 237-B/2006, de 18 de dezembro o Governo refere:

“Nesta proposta verifica-se que, da conjugação entre a ausência de limite ao aumento tarifário para os

consumidores em baixa tensão, a recuperação do défice tarifário em três anos e, ainda, os demais fatores que

intervêm na formação das tarifas iriam resultar aumentos tarifários excessivamente bruscos, especialmente na

baixa tensão normal. Os aumentos propostos, a verificarem-se, teriam impactes negativos, tanto ao nível da

inflação como do poder de compra dos consumidores”.

Com base nesta justificação, o Decreto-Lei prevê uma série de medidas, entre as quais se destaca:

 A título transitório, as tarifas para 2007, aplicáveis aos consumidores BT, não podem ter um aumento

superior a 6% (o défice de 2006 não é repercutido e cria-se um novo défice de 2007).

 O período de recuperação do défice tarifário é alargado de 3 para 10 anos.

 O défice tarifário é remunerado à taxa Euribor a 3 meses acrescida de 0,5% (antes 0,25%).

 Possibilita a transmissão a terceiros dos direitos de crédito associados ao défice tarifário e aos

ajustamentos anuais entre o valor dos proveitos permitidos e os efetivamente faturados.

De referir que nesta abertura à possibilidade de titularização, perdeu-se a lógica contemplada no Decreto-

Lei n.º 240/2004 para os CMEC, que previa que a taxa de juro a aplicar seria a menor entre a remuneração

inicial, estipulada no Decreto-Lei, e a obtida na operação de titularização (ver capítulo 1, ponto 2.8 sobre a

titularização da parcela fixa dos CMEC). Assim, qualquer ganho que pudesse advir da titularização de dívida

tarifária ou diferimentos de sobrecustos fica integralmente no comercializador de último recurso (a EDP), sem

qualquer partilha com o sistema elétrico. De notar ainda que o diploma é omisso em relação à

responsabilidade pelos custos incorridos na montagem e manutenção de possíveis operações de titularização.

A publicação deste Decreto-Lei e a fixação administrativa das tarifas para 2007, pelo Governo, levou à

demissão do então presidente da ERSE, Jorge Vasconcelos, que na sua carta de demissão escreveu:

“Uma vez que as tarifas incluem não apenas os custos inerentes à produção, transporte, distribuição e

comercialização de energia eléctrica, mas também custos de natureza política, cujo aumento é de longe o

mais significativo, teria sido possível reduzir parte desses custos, com benefício real para os consumidores.

Contudo, entendeu o Governo não proceder a qualquer redução de custos, antes impondo, por via legislativa,

às tarifas de baixa tensão do sistema público um limite administrativo de 6%, não sustentado em qualquer

lógica económica interna ao sector eléctrico e apenas justificado por “Os aumentos propostos, a verificarem-

se, teriam impactos negativos, tanto ao nível da inflação e do poder de compra dos consumidores”.

Em março de 2008, a EDP completa a sua primeira titularização de dívida tarifária, relativa aos défices de

2006 e 2007. Desta titularização resultou numa pequena mais-valia de 1M€, que a EDP absorveu por inteiro.

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Decreto-Lei n.º 165/2008 – o maior diferimento tarifário de sempre

Alegando a preocupação com a volatilidade tarifária e o objetivo de promover “uma tendencial estabilidade

tarifária num ambiente de concorrência no sector energético, enquanto forma de proteção dos interesses

económicos dos consumidores no âmbito do acesso aos serviços de interesse geral relacionados com a

energia eléctrica”, o Governo publica o Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto, que cria um regime de

repercussão tarifária excecional.

O artigo 2.º estabelece que, “sempre que se verifiquem condições que a ERSE, de modo fundamentado,

considere excepcionais e susceptíveis de provocar variações e impactes tarifários significativos”, cabe à ERSE

propor ao governo condições da repercussão dos custos que delas resultem, podendo o titular da pasta da

energia repercutir esses custos ao longo do período máximo de 15 anos.

A nova lei prevê a possibilidade de titularização, total ou parcial, destas diluições temporais excecionais,

mas os custos destas operações de titularização são suportados pelas entidades interessadas na cedência,

não podendo ser repercutidos nas tarifas. Os direitos transmitidos mantêm-se, mesmo em caso de insolvência

ou cessação da atividade da entidade cessante: o novo titular continua a recuperar os montantes em dívida

até ao seu integral pagamento.

No seguimento deste Decreto-Lei é publicado o Despacho n.º 27677/2008, de 29 de outubro, que aprova o

diferimento de custos proposto pela ERSE no quadro da “situação excecional da atual conjuntura nos

mercados de combustíveis fósseis, suscetível de gerar acréscimos desproporcionadamente elevados nas

tarifas de venda a clientes finais que, como tal, poderiam representar um risco sistémico que afetaria o

equilíbrio de preços em todo o mercado retalhista”. Segundo o Despacho, “o elevado valor dos referidos

custos justifica a adopção de um período de repercussão tarifária suficientemente longo, que se estabelece em

15 anos e se inicia em 1 de Janeiro de 2010”. A remuneração da dívida assim gerada “reflecte as actuais

condições de mercado para a obtenção de um financiamento com um prazo de maturidade equivalente ao

período de recuperação dos montantes em causa”: a taxa Euribor a 3 meses acrescida de 0,9%.

São assim diferidos os custos relativos aos ajustamentos positivos dos CMEC em 2007 e 2008 – ou à sua

estimativa, no caso de 2008 –, bem como os sobrecustos da PRE estimados para 2009. Estes dois

diferimentos geraram um défice de 1723M€, o maior aumento anual de dívida tarifária registado até hoje.

Titularização com partilha de ganhos – a exceção que confirma a regra

O Despacho n.º 27677/2008, feito sob proposta da ERSE, introduz uma cláusula singular – aplicada

apenas aos diferimentos previstos neste mesmo despacho – que garante um ganho para o consumidor em

caso de titularização em condições favoráveis, e só se favoráveis. Com efeito, o n.º 6 prevê que no caso de

ocorrer cessão de direitos de crédito, se o valor líquido recebido pela EDP for superior ao valor daqueles

montantes que se encontrem em dívida à data da respetiva cessão, então metade da mais-valia deve ser

repercutida para redução das tarifas.

No seguimento deste despacho, a EDP decide titularizar ambos os diferimentos do ano seguinte. As

operações ficam muito próximas do valor líquido em dívida, gerando, num caso, uma menos-valia e, no outro

caso, uma mais-valia. O n.º 6 do Despacho foi cumprido: a primeira foi integralmente assumida pela EDP e

metade da segunda foi entregue ao sistema elétrico para abater às tarifas.

É também interessante notar que esta mais-valia só ocorre no seguimento da publicação do Despacho

5579-A/2009, a 16 de fevereiro, que vem alterar o spread dos diferimentos estipulados no Despacho n.º 27

677/2008 de 0,9% para 1,95%. Por si só, esta “correção” seria justificada, até para viabilizar a titularização,

uma vez que a remuneração destes diferimentos devia traduzir a expectativa sobre o custo de financiamento.

A mudança do spread acompanha o agravamento da situação nos mercados financeiros naqueles meses,

considerando as regras de elegibilidade e valorização de valores mobiliários como ativos de garantia em

operações de política monetária do Eurossistema.

Uma vez mais, como já referido, estava em causa um valor significativo, 1723 M€, e as condições de

mercado parecem justificar este ajustamento. O aspeto relevante é que se trata de um movimento de sentido

único: quando se deterioraram as condições de financiamento, a remuneração foi ajustada, refletindo-se nas

tarifas e preços. Posteriormente, face à melhoria dessas mesmas condições, não existiram decisões políticas

de correção. Assim, os ganhos sistemáticos gerados pela evolução do mercado entre o momento da fixação

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da taxa de remuneração e o momento da sua titularização, foram sempre integrados nos lucros da EDP, em

detrimento dos consumidores, como veremos mais à frente.

Decreto-Lei n.º 78/2011 – O diferimento de custos como prática generalizada

Este Decreto-Lei, que procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, adita-

lhe o artigo 73.º-A, que prevê a repercussão tarifária intertemporal dos sobrecustos com a aquisição de

energia a produtores em regime especial. Institui assim a repercussão tarifária intertemporal destes

sobrecustos como um mecanismo regular, por oposição ao regime de exceção anteriormente previsto no

Decreto-Lei 165/2008, de 21 de agosto.

Destacam-se as principais características:

 Repercussão tarifária a 5 anos;

 Taxa de remuneração a ser definida por portaria;

 Suscetível de ser transmitida nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 237-B/2006, de 18 de dezembro,

mas também no artigo 5-º do Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto (que prevê a garantia de

reconhecimento dos direitos dos novos titulares).

Em relação à possibilidade de transmissão dos direitos de crédito, de notar que continua a ser facultativa,

sem qualquer cláusula que preveja qualquer capacidade de interferência do governo no processo seja em que

momento for, e que se ignora por completo a possibilidade de partilha de mais-valias estabelecida no

Despacho n.º 27677/2008, regressando à lógica de absorção integral dos potenciais ganhos pela entidade

cessante.

Esta questão é especialmente relevante quando conjugada com a taxa de remuneração estabelecida. Em

outubro desse ano, a Portaria n.º 279/2011 estabelece a metodologia de cálculo da taxa de remuneração

aplicável a este regime de repercussão tarifária intertemporal. A fórmula é dada por:

RDSPRE = RF + RDP × θ

em que:

RDSPRE — taxa de juro a aplicar à parcela dos sobrecustos com a produção em regime especial a

recuperar no prazo de cinco anos a partir do dia 1 de janeiro do ano a que dizem respeito os proveitos

permitidos, nos termos do Regulamento Tarifário da ERSE;

RF — taxa de juro sem risco, correspondendo às yield das obrigações do tesouro alemãs a cinco anos,

subtraída do prémio de risco refletido nos credit default swaps dessas obrigações, determinada com base na

média dos seis meses anteriores à data de início da aplicação das tarifas associadas ao diferimento dos

sobrecustos com a produção em regime especial;

RDP — prémio de risco da dívida do comercializador de último recurso no mercado financeiro refletido,

designadamente nos credit default swaps relativos aos financiamentos a cinco anos do grupo empresarial que

integra o comercializador de último recurso, determinada com base na média dos seis meses anteriores à data

de início da aplicação das tarifas associadas ao diferimento dos sobrecustos com a produção em regime

especial;

θ — fator [definido pelo titular da pasta da Energia no governo], entre zero e a unidade, a aplicar ao prémio

de risco da dívida associado ao grupo empresarial que integra o comercializador de último recurso, tendo em

conta a necessidade de promover a sustentabilidade económica e social da repercussão tarifária dos custos

de financiamento do sector.

A decisão de acompanhar o custo de financiamento das empresas com o intuito de garantir o equilíbrio

económico-financeiro das atividades reguladas mereceu o parecer positivo da ERSE e nada tem de

preocupante. Porém, as condições para a titularização destes montantes não preveem a eventual inversão da

tendência adversa nas condições de financiamento, nem considera o perfil de reduzido risco destes cash-flows

– tal como já se argumentou aqui e em diversos depoimentos na CPIPREPE. Esse perfil densificou-se aliás

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com a garantia prestada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto, que veio assegurar os

direitos creditórios dos novos titulares, mesmo em caso de insolvência ou cessação de atividade da entidade

cessante.

Figura4 – Fonte: ERSE – Tarifas e preços 2012

Como é possível observar no quadro em cima, esta nova metodologia de cálculo da taxa resultou, para

2012, numa estimativa, à data da proposta das tarifas, de 5,5%, a maior taxa de remuneração aplicável para

as várias repercussões tarifárias intertemporais em vigor em 2012 (já somando as taxas Euribor com os seus

spreads, para cada caso, como é possível verificar). Na realidade, no cálculo final, feito no início de 2012, esta

taxa fixou-se em 6,32%.

Na sequência destas decisões, em 2013, quando as condições de mercado melhoram, a EDP titulariza

cerca de 70% do diferimento do sobrecusto da PRE de 2012 (valores da ERSE) com a sua maior mais-valia

até à data – 50M€ (valores dos seus Relatórios e Contas), que constitui lucro integral da EDP.

Esta mais-valia reflete por um lado a evolução positiva do mercado e a dificuldade da fórmula em

acompanhar essa movimentação, uma vez que esta avalia as condições de financiamento médias nos 6

meses anteriores à sua aplicação, em particular no período de tempo que decorre entre a fixação da taxa e a

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II SÉRIE-B — NÚMERO 50

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titularização, e por outro, o prémio implícito de um cash-flow de risco reduzido remunerado ao custo de

financiamento de uma atividade que naturalmente tem mais risco. Este fenómeno foi sendo replicado com os

vários diferimentos anuais de sobrecustos da PRE com mais-valias substanciais para a EDP.

Sob o Memorando, o debate do diferimento de custos

Na sequência da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika, em maio de 2011, a tutela da

Energia inicia um processo negocial com os produtores de eletricidade com vista ao cumprimento das medidas

previstas naquele documento, nomeadamente a redução dos Custos de Interesse Económico Geral.

Logo em agosto de 2011, a EDP apresenta em reunião com o Secretário de Estado da Energia a sua

proposta, sinalizando a disponibilidade da EDP para financiar em 1200 milhões de euros um conjunto de

medidas que vem propor, considerando “importante, que, simultaneamente, seja definido um enquadramento

que remunere adequadamente estes créditos pelo custo de capital da empresa e se criem as condições para a

securitização dos elevados montantes em causa”. Com efeito, as medidas propostas pela EDP procuram

evitar cortes permanentes de custos (exceto no sobrecusto das cogerações com mais de 15 anos),

substituindo-os por diferimentos temporais, nomeadamente do sobrecusto da PRE, da revisibilidade dos

CMEC de 2012 e 2013 e da interruptibilidade.

Na sequência das conversações posteriores, a EDP remete em 4 de outubro de 2011 uma nova proposta,

em que refere “aceitar” uma taxa de juro da dívida tarifária correspondente aos títulos de dívida pública

alemães acrescida de 5%. A EDP propõe ainda a alteração das regras para a titularização dos CMEC

estabelecidas no Decreto-Lei n.º 240/2004, que prevê que a taxa utilizada para o cálculo dos encargos

financeiros da anuidade do valor inicial dos CMEC (7,55%) seja revista em caso de titularização do respetivo

montante, passando nessas circunstâncias a ser aplicada a menor das duas taxas (5,22% na portaria de

2007). Em outubro de 2011, a EDP propõe ao governo uma redução da taxa 7,55% para 6,5%, em troca da

perda do direito do sistema de beneficiar de uma taxa mais baixa em futuras titularizações.

Analisando as propostas da EDP em carta enviada ao ministro Álvaro Santos Pereira, o secretário de

Estado Henrique Gomes considera que o diferimento do sobrecusto da PRE “deveria ser a última medida a

utilizar no ajustamento das tarifas, minimizando a criação de nova dívida, e não como primeira solução que

torna desnecessária qualquer outra. A perspectiva da EDP não é essa, porque com a aplicação deste

mecanismo resolve o problema do curto prazo (a sua perspectiva de sustentabilidade no longo prazo é vã) e

ainda ganha com a remuneração do financiamento da dívida”.

Quanto à taxa desta remuneração, Henrique Gomes esclarece o ministro que a proposta do governo à EDP

foi diferente da que a EDP veio “aceitar”, nomeadamente uma taxa de remuneração baseada na taxa de juro

sem risco, correspondente às “yield das obrigações de tesouro alemãs a 5 anos, subtraída do prémio de risco

reflectido nos Credit Default Swaps dessas obrigações, determinada com base na média dos últimos seis

meses, acrescida de 5%”. O secretário de Estado estranha que “a EDP argumente que essa taxa se situa

abaixo do custo actual de financiamento, quando um dos argumentos apresentados em defesa da não

perturbação do processo de privatização foi precisamente a possibilidade de acesso a financiamento com

custos muito baixos”.

Finalmente, a revisão da taxa da componente fixa dos CMEC para 6,5%, proposta pela EDP em

contrapartida do direito a absorver os ganhos resultantes da titularização daquelas anuidades, é considerada

por Henrique Gomes “uma tentativa de aproveitamento do momento de pressão sobre os preços da

electricidade, uma vez que se consubstancia no abdicar pelo sistema de uma opção, e correspondente valor,

de que hoje dispõe”.

Decreto-Lei n.º 109/2011 – avança o diferimento de custos

No final de 2011, depois do aumento da taxa de IVA para a taxa máxima – dez pontos acima da taxa

intermédia de 13% indicada no Memorando de Entendimento – e visando evitar “o efeito prejudicial que o

aumento brusco da fatura de eletricidadeteria no relançamento da economia e nas condições da população

em geral”, o Governo considerou “necessário diferir, excecionalmente, o ajustamento anual do montante da

compensação referente a 2010 devido pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia”,

previsto no Decreto-Lei n.º 240/2004, na sua redação à data, sendo repercutido nos proveitos permitidos de

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2013. O diploma previa ainda uma taxa de remuneração igual à taxa Euribor a 12 meses acrescida de um

spread de 2%.

O diferimento do sobrecusto com a PRE de 2012, por si só, já representava um aumento da dívida tarifária

de 939M€. Este diferimento adicional representava mais 141M€. A este respeito, no parecer do Conselho

Tarifário (CT) para as tarifas e preços de 2012 constam as seguintes considerações:

“O CT, no seu parecer do ano anterior, procurou alertar explicitamente que a trajetória dos CIEG [Custos de

Interesse económico Geral] assumida ao longo dos últimos anos poderia pôr em causa a própria

sustentabilidade do setor se nenhumas medidas de redução estrutural a estes custos fossem equacionadas e

aplicadas. (…) Efetivamente, na ausência de qualquer medida de redução dos CIEG’s, o diferimento legislativo

de uma parcela relevante dos seus custos visou evitar uma variação tarifária muito significativa em 2012. A

esse propósito, o CT não pode deixar de recordar que os consumidores finais já impactaram o choque do

expressivo aumento do IVA, com um acréscimo na sua fatura na ordem dos 16% a partir de 16 de outubro de

2011.

Considera assim o CT que é particularmente gravosa a ausência de qualquer medida legislativa com o

objetivo de reduzir, de forma estrutural, os CIEG’s no setor elétrico.

Reitera, assim, o CT o seu apelo à ERSE para que esta promova as necessárias diligências junto das

entidades competentes para a necessidade de medidas visando garantir a sustentabilidade do setor, evitando

medidas pontuais e isoladas de diferimento de encargos”.

Nos comentários ao parecer do CT, refere a ERSE:

Apesar da generalidade dos CIEG decorrer de decisões que extravasam a competência do regulador, a

ERSE tem vindo a alertar para o impacte da evolução destes custos, apelando à ponderação das decisões no

que respeita à introdução e revisão de medidas no âmbito dos CIEG. As diligências para uma maior

sensibilização e reflexão do impacte que estas medidas podem causar, estão em linha com as posições da

ERSE, que tem aproveitado para manifestar a sua preocupação, sempre que lhe é solicitado parecer.

Decreto-Lei n.º 256/2012 – surge o fator de sustentabilidade da EDP

A 28 de abril de 2012, um mês depois da demissão do secretário de Estado Henrique Gomes, o seu

sucessor, Artur Trindade, e o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, fecham com a EDP um acordo

visando a redução da taxa de juro da componente fixa dos CMEC, de 7,55% para 4,72%. Esta alteração

resultou numa redução dos custos com a parcela fixa dos CMEC de cerca de 14 Milhões de Euros por ano, um

total acumulado de 205 milhões de euros de redução, que se traduz num valor atualizado líquido total de

120M€ reportado a julho de 2012.

Como já se referiu neste relatório, o documento informal que fixou esse acordo nunca foi publicado nem

comunicado ao regulador. Entre as medidas então acordadas pelo governo, estavam os critérios a considerar

na determinação da taxa de juro aplicada aos montantes diferidos, nos seguintes termos:

“a) Para os montantes abrangidos pelo artigo 73.º-A do Decreto-Lei n.º 78/2011 e que estejam em dívida

e/ou sejam gerados entre 1-01-2013 s 31-12-2016, a taxa de juro deverá reflectir o custo marginal (all in)

suportado pela EDP em operações de mercado grossista de prazos equivalentes realizadas nos últimos 6/12

meses anteriores a 1 de janeiro de cada ano. Caso não haja operações de mercado nessas circunstâncias de

volume/número significativos procurar-se-iam proxies de mercado com efeito equivalente (CDS, cotação

mercado secundário); b) Compromisso de não aprovação das novas condições financeiras abaixo do custo

marginal da EDP”.

(Acordo EDP-Ministério da Economia, 12 de abril de 2012)

O então Secretário de Estado, Artur Trindade, referiu na sua audição na CPIPREPE que todas as medidas

deste acordo, mesmo quando individualmente consideradas, eram positivas para o SEN e que, nessa medida,

teria adotado qualquer uma delas, ainda que fora do quadro do acordo mencionado.

No final do ano, em novembro, é aprovado o Decreto-Lei n.º 256/2012. O preâmbulo situa o seu contexto:

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228

“Encontra-se em curso a adoção de um conjunto de medidas que visam travar, a médio e longo prazo, a

tendência de crescimento dos diversos custos que oneram a fatura final de eletricidade, bem como o aumento

contínuo e exponencial do défice tarifário. A curto prazo é, porém, necessário conjugar a implementação

destas medidas com a adoção de outras soluções, que permitam manter as tarifas de eletricidade em valores

adequados e comportáveis para os cidadãos, famílias e empresas em geral”.

O decreto prevê os diferimentos – novamente apresentados como “excecionais” – dos ajustamentos anuais

dos CMEC de 2011 e 2012 (previsional no segundo caso). As taxas de remuneração são remetidas para

portaria e a cedência dos direitos de crédito é prevista nos mesmo termos do Decreto-Lei n.º 237-B/2006.

Em conjunto com o diferimento dos sobrecustos da PRE de 2013, ao abrigo do mecanismo de alisamento

quinquenal do Decreto-Lei n.º 78/2011, estas três medidas representam um acréscimo de dívida tarifária de

1.109M€ (valor da ERSE).

A este respeito, o Conselho Tarifário (CT), no seu parecer às tarifas e preços de 2013, refere o seguinte:

“Além da insignificativa expressão da renegociação do sobrecusto dos CMEC’s, o CT sublinha,

adicionalmente, que a proposta é omissa quanto às medidas de intervenção no sobrecusto da PRE-FER (para

além do alisamento quinquenal disposto no Decreto-Lei n.º 78/2011). Tendo em conta que se trata da maior

fatia dos CIEG’s, não pode deixar de se considerar surpreendente essa omissão, dadas as diversas

referências públicas a um acordo com a associação representativa dos interesses do setor respetivo.

Não pode, assim, deixar o CT de enfatizar a desproporção entre as medidas de redução de encargos

anunciadas e razoavelmente previsíveis (150 milhões de euros [em 2013]), e as medidas legislativas de (mero)

diferimento de um montante substancial de CIEG’s (1109 milhões de euros).

Estando o CT ciente de vários atos legislativos concretizados, aprovados em sede de Conselho de

Ministros ou anunciados que incidem sobre os CIEG’s (não só em 2013, mas também nos anos subsequentes)

que tanto tem condicionado a evolução das tarifas na última década, seria muito útil para os agentes do setor,

em particular para os consumidores, uma clara explicitação de como se pretende assegurar a eliminação da

dívida até 2020 e a sustentabilidade setor”.

Em abril de 2013, a Portaria n.º 146/2013 atualiza a fórmula de cálculo da taxa de remuneração da dívida

tarifária em linha com o estabelecido no acordo entre a EDP e o governo no ano anterior. O preâmbulo da

Portaria preconiza que, diante da “evolução das condições dos mercados financeiros, verifica-se a

necessidade de compatibilizar a metodologia de cálculo prevista na Portaria 279/2011, de 17 de outubro, por

forma a não comprometer o equilíbrio-económico financeiro das atividades reguladas (…) mediante a

introdução de um fator de sustentabilidade da empresa”.

Em concreto, é introduzido um parâmetro gama na fórmula:

Este novo parâmetro gama garante que a taxa reflete a diferença entre o custo de financiamento estimado

(soma de Rf com Rdp) e o custo de financiamento efetivo da EDP nos 6 meses anteriores (ponderando taxas

de juro de capitais alheios ou de obrigações de cupão fixo em mercado secundário) e refletindo os encargos

com a contratação do financiamento do diferimento intertemporal dos proveitos permitidos.

Mais ainda, esta portaria altera o valor do parâmetro teta, aumentando-o de 0,85 para 0,97, mitigando

consideravelmente o seu efeito promotor da sustentabilidade económica e social da repercussão tarifária dos

custos de financiamento do setor.

Tal como a Portaria n.º 279/2011, de 17 de outubro, o objetivo de aproximação ao custo de financiamento

da EDP numa altura adversa nos mercados financeiros, parece, por si só, razoável. Esta visão da

aproximação total ao custo de financiamento da EDP inclui uma mitigação significativa do fator de

sustentabilidade do SEN (de 0,85 para 0,97). No entanto, ao conjugar esta aproximação com as condições

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previstas para a titularização (já aqui detalhadas), não é devidamente acautelada a sustentabilidade da dívida

tarifária a médio-longo prazo. Não há disposição legislativa que contemple uma evolução positiva do mercado.

Não há espaço para renegociação, ou para ter um papel na decisão da titularização ou ainda para obter

alguma vantagem que daí advenha. E isto num cenário em que a taxa a vigorar ao longo do período

quinquenal é fixa, não acompanha qualquer movimentação do mercado, ao contrário de taxas de remuneração

estabelecidas anteriormente que eram indexadas. No entanto, o inverso também é verdadeiro, a existência de

uma taxa fixa protege os SEN e os consumidores de subidas das taxas de juro e contribui para a estabilidade

tarifária, pois perante uma subida generalizada das taxas de juro o serviço da dívida não aumenta.

Como já aqui foi mencionado, o mercado evolui positivamente e a EDP tira partido desse facto titularizando

uma parte considerável da dívida tarifária que detinha, e em particular a referente aos alisamentos quinquenais

dos sobrecustos da PRE, remunerados à taxa aqui descrita, obtendo mais-valias significativas – 50M€ em

2013, com a PRE de 2012, ainda ao abrigo da fórmula anterior, e 187M€ com os diferimentos dos sobrecustos

das PRE de 2013 a 2017 (valores da EDP). Estes valores foram incorporados por completo nos seus lucros,

uma vez que estas mais-valias já são líquidas de encargos com montagem e manutenção das operações de

titularização. Todavia, a estes ganhos não está deduzido o valor do financiamento destes fluxos pela EDP, por

muito tempo, no seu custo WACC. Este valor, quer pelos volumes em jogo, quer pela evolução negativa do

WACC da empresa no período de ajustamento, pode impactar a conclusão de existência das mais-valias

acima mencionadas

Na concretização do Decreto-Lei n.º 256/2012, a remuneração dos dois diferimentos nele previstos é fixada

pela Portaria n.º 145/2013, de 9 de abril. A taxa anual para os sobrecustos com CMEC é fixada em 5%; para

os sobrecustos com CAE, é 4%.

Estas taxas foram fixadas e publicadas apesar dos comentários pela ERSE (no seu parecer que é

globalmente positivo). No seu parecer de fevereiro de 2013 pode ler-se:

“… considera-se que os valores considerados para esta taxa são elevados, não apenas face ao risco

associado a estes títulos e plasmado, por exemplo, nas yields das obrigações da EDP, bem como face ao

procedimento seguido pelo Governo no ano anterior para uma situação semelhante. No que diz respeito ao

primeiro ponto, tem-se observado uma diminuição significativa das yields das obrigações da EDP. O quadro

que se segue ilustra este facto, evidenciando que as taxas propostas na Portaria não refletem o risco

atualmente associado ao custo de financiamento destas empresas.

Por outro lado, o risco associado a este diferimento não pode assumir um risco igual ao do financiamento

do conjunto das atividades da EDP e da REN, tendo em conta que a recuperação destes montantes está

enquadrada legalmente.

Este facto pode explicar que em 2011 o Decreto-Lei n.º 109/2011, de 18 de novembro, que também diferiu

os ajustamentos anuais determinados nos termos dos sobrecustos com os CMEC, neste caso, relativos a

2010, de modo a serem recuperados nas tarifas de 2013, tinham implícita uma taxa substancialmente inferior

ao custo médio de financiamento desse ano. Registe-se que, ao contrário do Decreto-lei n.º 256/2012, o

Decreto-Lei n.º 109/2011 não remeteu para uma posterior Portaria a definição da taxa a aplicar aos encargos

financeiros associados a este diferimento. Este diploma define a taxa a aplicar como sendo igual à média da

taxa Euribor a 12 meses verificada em 2011, acrescida de um spread de 2%. O valor desta taxa correspondeu

a cerca de 4%, tendo em conta que em 2011 a média da taxa Euribor a 12 meses foi de 2,008%.

A aplicação da mesma regra para o diferimento dos sobrecustos CAE, que contempla o mesmo horizonte

temporal, levaria a aplicação de uma taxa de 3,1% (em 2012 a média da taxa Euribor a 12 meses foi de

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1,1%)”.

O texto do parecer aponta para taxas muito semelhantes às que foram publicadas, sendo as principais

diferenças referentes ao período considerado para integração dos indexantes (nessa altura a consideração de

um semestre diferente era relevante) e maturidades a considerar tendo em conta a necessidade do

aprovisionamento de fundos ser anterior à geração da dívida. Considerando estes efeitos as taxas aplicadas

estão muito alinhadas com texto da ERSE.

É aliás este conjunto de comentários, de natureza metodológica, acumulados em vários pareceres da

ERSE, nunca negativos, mas com relevantes considerandos metodológicos que vem a estar na origem da

Portaria 146/2013

Decreto-Lei n.º 32/2014

Em 2014, uma vez mais, o Governo, visando suster a evolução tarifária no setor elétrico a curto prazo,

recorre ao diferimento da repercussão nas tarifas de 2014 do montante não repercutido do ajustamento anual

dos CMEC referentes ao ano de 2012, a ser repercutido, em partes iguais, nos proveitos permitidos de 2017 e

2018. Este diferimento representa um acréscimo na dívida tarifária de 250M€. A sua remuneração é remetida

para portaria, sendo estabelecida mais tarde na Portaria n.º 500/2014, de 16 de junho, em termos em tudo

idênticos aos da Portaria n.º 146/2013, de 11 de abril, sob parecer da ERSE expressando objeções à não

existência de metodologia detalhada para o cálculo da taxa.

Pese embora não tenha apresentado objeções à Portaria n.º 146/2013, de 11 de abril, e à respetiva

metodologia da fórmula de cálculo da taxa de remuneração, a ERSE refere desta feita que “entende ser

necessário uma revisão da taxa estabelecida na proposta de Portaria por forma a garantir que o custo

financeiro associado ao diferimento reflita adequadamente as condições vigentes nos mercados financeiros e

deste modo, seja neutro para o SEN". Acrescenta ainda que:

“Na primeira abordagem, a análise foca-se no risco percebido pelos agentes de mercado para a dívida da

EDP, observável na evolução nos mercados secundários das yields das obrigações desta empresa emitidas

em euros. Deverão preferencialmente ser consideradas maturidades compreendidas entre o final de 2017 e o

início de 2018, tendo em conta que o período médio de recuperação do montante diferido é de 48 meses, a

contar a partir do mês de janeiro de 2014. Existem dois empréstimos obrigacionistas nesta situação, para os

quais se tem dados associados a transação dos títulos nos mercados secundários. No cálculo do valor médio

das yields desses empréstimos poderão ser seguidas duas abordagens, que passam por considerar: i) o

primeiro trimestre do corrente ano, tendo em conta os custos de oportunidade destes títulos que atualmente se

verificam no mercado secundário, ii) o semestre anterior ao da criação da dívida, porque as necessidades de

financiamento deste montante surgem antecipadamente ao diferimento.

No primeiro caso, as médias das yields diárias das obrigações da EDP são:

• 2,5%, com maturidade em setembro de 2017;

• 3,3%, com maturidade em junho de 2020.

No segundo caso, as médias das yields diárias das obrigações da EDP – Energias de Portugal, SA são:

• 3,8%, com maturidade em setembro de 2017;

• 3,9%, com maturidade em junho de 2020.

Assim, se for considerado o risco percebido pelos agentes nos mercados secundários para as obrigações

da EDP, as taxas praticadas são inferiores à taxa de 5% estabelecida na proposta de Portaria.

Pese embora o facto da evolução das yields das obrigações nos mercados secundários ser um bom

indicador do risco percebido pelos agentes para estes títulos, poderá não ser o indicador mais preciso para

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avaliar qual o custo associado à necessidade de obtenção imediata de um determinado financiamento.

Tomando assim por base a estimativa do custo de financiamento do montante em causa para o grupo EDP,

importará observar os cupões das mais recentes emissões obrigacionistas deste grupo em euros, para

maturidades posteriores a 2017, que foram:

• 4,875% em setembro 2013, que corresponde a uma emissão com maturidade de setembro 2020, para um

montante de 750 milhões de euros.

• 4,125% em novembro 2013, que corresponde a uma emissão com maturidade de novembro 2021, para

um montante de 600 milhões de euros.

Estas últimas taxas são superiores às taxas mencionadas na abordagem anterior. Contudo, a taxa definida

na proposta de Portaria é superior às taxas referidas nas duas abordagens apresentadas anteriormente.

Sublinhe-se que as análises efetuadas não tiveram em conta, por uma questão de simplificação, nem com

o risco específico desta operação que beneficia da chancela legislativa e regulatória, nem com os custos

associados ao processo de financiamento propriamente dito”.

No seguimento deste parecer crítico da ERSE à proposta de portaria o Governo publica antes a Portaria n.º

500/2014, de 16 de junho, que, como já referido, estabelece uma metodologia de cálculo da taxa de

remuneração em tudo semelhante à estabelecida na Portaria n.º 146/2013, de 11 de abril e onde são incluídos

os aspetos metodológicos referidos pela ERSE. O resultado da aplicação dessa metodologia para este

diferimento é uma taxa de 5%, como aliás deixa antever o valor de 4,875%, acima citado e sem custos “all in”.

Refira-se que a taxa implícita nas OT a 5 anos da República Portuguesa, média durante o ano de 2013 (ano

de formação da dívida) foi de 5,35%. Ou seja, mais uma vez foi possível gerar dívida tarifária a um custo

inferior ao da República.

A titularização deste diferimento, em dezembro de 2014, gera uma mais-valia líquida para a EDP de 11M€,

valor este a que ainda não foi deduzido o impacte negativo (para a EDP) de ter financiado ao custo WACC

estes montantes entre janeiro de 2014 e dezembro de 2014, certamente bastante superior a 11 Milhões pelos

volumes em causa.

Evolução

Tal como já aqui foi amplamente notado, várias entidades foram manifestando a sua preocupação com a

evolução anual da dívida tarifária, desde o Conselho Tarifário (CT) da ERSE, à própria ERSE, e até o

Governo, referindo-o nos preâmbulos dos vários diplomas legislativos que acabaram por contribuir para essa

mesma dívida.

Para uma melhor perceção dos montantes que foram sendo gerados com os diplomas legislativos aqui

referidos e para uma perspetiva do seu avolumar, veja-se o gráfico relativo à evolução anual da dívida tarifária

e sua composição.

Para uma análise do seu impacto nas tarifas e preços da energia elétrica, veja-se o gráfico com a evolução

anual do serviço da dívida tarifária, para o mesmo período, discriminado entre amortização e juros. Segue-se

um outro gráfico com a composição dos juros, onde fica bem patente a relevância dos diferimentos da PRE, e

onde se observa a comparação da sua remuneração em contraste com emissões de dívida da EDP no mesmo

ano.

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Evolução anual da dívida tarifária e sua composição

Figura 5 – Fonte: EDP (com base nos documentos anuais das tarifas e preços para a energia elétrica da ERSE)

Figura 6 – Gráfico do autor (Dados da ERSE)

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A propósito desta evolução o CT da ERSE, no seu parecer no final de 2013, às tarifas e preços para 2014,

cria uma secção específica para a discussão da dívida tarifária e serviço da dívida (mantida até à data), onde

tece os seguintes comentários:

“As preocupações evidenciadas, reiteradamente, pelo CT no que a evolução dos CIEG’s diz respeito,

encontram a sua natural repercussão na trajetória assumida pela dívida tarifária no setor elétrico.

Embora o CT reconheça que os diversos mecanismos de diferimento e/ou alisamento de custos utilizados,

com frequência, nos últimos anos tenham evitado uma significativa subida nas tarifas dos consumidores no

próprio ano, também não pode deixar de exprimir a sua apreensão pelo volume e trajetória assumida.

A própria evolução, associada, do serviço da dívida, ou seja, a amortização e juros, atingem em 2014,

valores muito significativos: mais de 150 milhões de Euros só em juros, num total de quase 1000 milhões de

Euros a recuperar nas tarifas”.

O CT voltou a manifestar preocupações muito semelhantes no parecer do ano seguinte, em particular com

a trajetória crescente da dívida e com os mais de 200 milhões de euros pagos em juros. Apenas no final de

2015, e “face à trajetória descendente iniciada na Proposta de Tarifas para 2016, o CT regista os sinais que

indiciam a sustentabilidade do sistema elétrico nacional”.

A respeito da remuneração da dívida, o ex-secretário de Estado Artur Trindade apresentou na CPIPREPE o

gráfico que se segue, com o intuito de ilustrar que a adoção de uma metodologia consistente com os

parâmetros financeiros aplicáveis permitiu que o custo da dívida tarifária acompanhasse o custo de

financiamento aplicável. Essa metodologia desenhada a partir de 2013 vem sendo aplicada até hoje (ver

ERSE, Tarifas para 2019).

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De seguida apresenta-se uma tabela resumo das cessões de dívida tarifária feitas pela EDP, bem como

dos montantes envolvidos, das mais ou menos-valias resultantes, líquidas dos respetivos custos com a

montagem e manutenção das operações, e a representação percentual da mais ou menos-valia em relação ao

montante titularizado.

Ano Rubrica da dívida tarifária Montante

titularizado (M€)

Mais/ Menos-Valia

(M€)

Mais/ Menos-Valia

(%)

2008 Défice 2006+2007 176 1 0,6%

2009 Ajustamento tarifários 2007 + 2008 1 276 -23 -1,8%

2009 Ajustamento tarifários 2009 447 -13 -2,9%

2011 Reclassificação Cogeração FER 185 -5 -2,7%

2012 Diferimento acerto CMEC 2010 141 0 0,0%

2013 Diferimento sobrecusto PRE 2012 864 50 5,8%

2013 Diferimento acerto CMEC 2011 150 1 0,7%

2014 Diferimento sobrecusto PRE 2013 833 62 7,4%

2014 Diferimento acerto CMEC 2012 229 11 4,8%

2015+16 Diferimento sobrecusto PRE 2014 1 073 63 5,9%

2016+17 Diferimento sobrecusto PRE 2015 1 271 46 3,6%

2016 Diferimento sobrecusto PRE 2016 1 223 -11 -0,9%

2017 Diferimento sobrecusto PRE 2017 1 155 16 1,4%

Total 9 023 198 2,2%

Total – fórmula custo financiamento EDP1 6 648 237 3,6%

Total – outras taxas 2 375 -39 -1,6%

Figura 9 – Tabela a partir de dados da EDP

1Considera o total dos diferimentos sujeitos a taxas de remuneração calculadas ao abrigo das metodologias que têm por objetivo replicar o custo de financiamento da EDP:

o Diferimento sobrecusto PRE 2012 => Portaria 279/2011 o Diferimento sobrecusto PRE 2013-2017 => Portaria 146/2013 o Diferimento acerto CMEC 2012 => Portaria 500/2014

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Contabilizando todas as mais e menos-valias do período completo, a EDP encaixou 198 M€ como lucros,

uma vez que estes valores já são líquidos de custos incorridos com as operações de titularização. Note-se que

isto corresponde a uma margem bruta de 2,2% sobre a dívida titularizada. Mais ainda, se considerarmos

apenas os lucros obtidos com os diferimentos cuja remuneração replica o custo de financiamento da EDP,

entre 2013 e 2017, observa-se um valor de 237 M€, 3,6% do montante titularizado e cerca de 30%, quase um

terço, da totalidade dos juros pagos pelo SEN no mesmo período.

E, desta forma, a EDP conseguiu, no período entre 2008 e 2017, atravessando uma crise financeira

mundial seguida de uma crise de dívida pública portuguesa, com graves implicações para o tecido empresarial

nacional, sair a ganhar com a enorme quantidade de dívida tarifária gerada, a custo dos consumidores.

No entanto, esta não é a visão manifestada na CPIPREPE pelo secretário de Estado Artur Trindade e pelo

atual titular, João Galamba.

Artur Trindade defendeu que os ganhos financeiros podem ser contabilísticos, mas não económicos, uma

vez que ao efetuar as operações, não na data da geração da dívida, mas uns anos mais tarde, a empresa

suportou com meios próprios (WACC) o financiamento do défice tarifário. Logo, titularizou uma maturidade

inferior à da divida, o que só por si pode traduzir-se num ganho “nominal”, relatado contabilisticamente, mas

numa perda económica.

Por sua vez, o atual Secretário de Estado, João Galamba, manifestou uma visão diversa e reiterou que o

“que conta é a taxa e a respetiva metodologia”, reconhecendo à EDP o direito a dispor da dívida tarifária como

propriedade sua.

Ainda nesta linha, o ex-Secretário de Estado, Seguro Sanches, que constituiu um grupo de trabalho para

definir a metodologia de determinação do custo do défice tarifário, grupo este que apresentou várias

metodologias alternativas possíveis, preferiu replicar, quase na totalidade, a metodologia do seu antecessor,

aderindo, portanto, ao mesmo racional em vigor.

E a verdade é que este racional parece encontrar demonstração em dados reais. Na prática, o único aspeto

alterado pela portaria de 2016, face à metodologia anterior, é o período de integração, para cálculo da média

dos indexantes (em apenas uns meses). Sucede que, caso não tivesse havido essa alteração, a taxa de juro

apurada para cálculo da remuneração do diferimento teria sido ligeiramente inferior. I.e., se a portaria de 2013

não tivesse sido alterada em 2016, a taxa que teria sido publicada seria de 1,82% e não 1,88%.

Figura 9 – comparação entre as taxas que resultam da portaria 262/A-2016 de 10 de outubro e a portaria que a antecede

(2013), dados REUTERS.

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Juro 17

Portaria de 2013 1,82%

Portaria de 2016 1,88% Tabela –1 Resultados da figura anterior

O relatório do Grupo de Trabalho SEE/DGEG/ERSE considera a hipótese de partilhas de ganhos/perdas

com estas operações, mas também identifica desvantagens. O membro do Governo em funções na altura

nunca deu sequência a essa opção. Os membros do Governo que lhe antecederam e sucederam também

nunca consideram viável esse mecanismo.

Com efeito a consideração desta hipótese de partilha de ganhos e perdas num contexto em que a taxa (via

indexantes) já é tão baixa aumenta muito a probabilidade de menos-valias virem a ser partilhadas com os

consumidores. Por outro lado, é uma forma de indexar a taxa tornando-a variável, o que traz preocupações

com a volatilidade tarifária desta parcela de custos.

Notas finais

A criação da dívida tarifária em 2006 é uma decisão política que visa, por um lado, manter intocados os

custos de interesse económico geral (recusando recomendações da ERSE de sentido contrário) e, por outro

lado, evitar as consequências sociais e políticas do aumento de cerca de 15% nas tarifas de eletricidade para

2007.

Se a preocupação dos Governos era o financiamento do défice e o serviço da dívida, poderiam ter

financiado esse mesmo défice através do Orçamento do Estado ou com a emissão de dívida pública. Não o

fizeram, porém, num movimento de clara desorçamentação.

Um primeiro elemento relevante quanto à identificação de formas de rendas indevidas reside na taxa de

remuneração de montantes a recuperar através das tarifas e preços da energia elétrica.

Esta questão é levantada pela ERSE perante o Decreto-Lei n.º 240/2004 e a fixação da taxa de cálculo da

anuidade ao custo médio de capital da EDP (7,55%), depois face aos aumentos de spreads em relação à

Euribor e pela definição de taxas fixas, até à fórmula de cálculo da remuneração dos diferimentos dos

sobrecustos da PRE e às tentativas de aproximação das taxas de juro ao custo de financiamento da EDP.

A discussão em torno da taxa de remuneração prende-se com vários aspetos:

● Sustentabilidade económica e social da repercussão tarifária dos custos de financiamento do sector.

● Risco dos cash-flows: a dívida tarifária emitida, dado o enquadramento legislativo e regulatório da

recuperação dos seus montantes, tem um risco reduzido, em todo o caso risco sempre menor que o

financiamento do conjunto das atividades da EDP. E, nesse sentido, a sua taxa de remuneração deveria

refletir isso mesmo.

● Custo de financiamento da EDP: para garantir o equilíbrio económico-financeiro das atividades

reguladas, é importante acompanhar a evolução do seu custo de financiamento, em particular em

condições de mercado adversas.

● Possibilidade de revisão da taxa: o impacto da definição da taxa inicial será tanto maior quanto menor

for a flexibilidade prevista para a rever, seja por renegociação direta com a EDP, seja pela possibilidade

da sua cedência a terceiros.

É da ponderação destes fatores e do equilíbrio entre o curto e o médio-longo prazo que deve resultar uma

taxa de remuneração adequada.

Assim, por simplificação, surgem dois rumos possíveis:

● A taxa de remuneração é definida de forma completamente alheia à EDP-CUR, exclusivamente tendo

em conta as condições de mercado e o perfil de risco dos cash-flows envolvidos, definida como uma

emissão direta em mercado. É concebida como uma taxa «justa» para o SEN. Neste caso, depois de

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entregue à EDP, esta poderia geri-la da forma que melhor lhe aprouvesse, mantendo-a ou cedendo-a a

seu custo ou benefício;

● A taxa de remuneração é definida como uma taxa «justa» para a EDP enquanto recetor da dívida,

ponderando o esforço financeiro envolvido e custos incorridos com vista a garantir o equilíbrio

económico-financeiro das atividades reguladas. Neste caso, o acompanhamento pelo SEN da evolução

do custo financeiro deve ser mantido. Para assegurar a sustentabilidade económica e social da

repercussão tarifária dos custos de financiamento, a gestão da dívida tem de ser partilhada entre EDP e

SEN. Isto é, o governo tem de ter uma palavra na renegociação das condições da dívida sempre que

alterações nas condições de financiamento da empresa ou do mercado assim o justifiquem, bem como

na cedência da dívida a terceiros, seja na opção pela sua realização, seja nas condições negociadas.

Obviamente, estas decisões devem ser pautadas pela procura do equilíbrio entre a sustentabilidade das

atividades reguladas e a sustentabilidade do SEN.

Conclusões

Seguindo este racional, cabe referenciar as decisões tomadas ao longo dos anos pelos responsáveis de

governo quanto à remuneração de montantes a recuperar através das tarifas e preços da energia elétrica,

entre as quais se destacam:

1 – Remuneração dos diferimentos dos sobrecustos da PRE a uma aproximação do custo de

financiamento da EDP – Decreto-Lei n.º 78/2011 e Portaria n.º 279/2011 + Portaria n.º 146/2013.

Como já aqui foi argumentado, o pressuposto de que “a taxa de juro deve refletir as condições de

financiamento da empresa” pode ser pertinente. Sobretudo em contexto adverso (como o dos anos da crise) a

decisão de acompanhar o custo de financiamento das empresas com o intuito de garantir o equilíbrio

económico-financeiro das atividades reguladas, parece natural, e mereceu parecer positivo da ERSE.

Mas esta decisão, lida em conjunto com as condições previstas para a titularização destes montantes, não

teve em conta nem uma eventual melhoria das condições de financiamento nem o perfil de risco específico

destes cash-flows que, tal como reiterado pelo depoimento de vários intervenientes na CPIPREPE, têm um

risco reduzido (mais ainda depois da garantia prestada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de

agosto, em que o Estado assegura os direitos creditórios dos novos titulares em caso de insolvência ou

cessação de atividade da EDP). Isto indica risco parecido (mas não igual) ao do Estado. Esses juros tendem

para as OT mas nunca poderão ser inferiores. Como bem prova a sua não-aceitação como dívida pública e a

sua não-aceitação como colateral no Eurossistema.

Embora prevista, a titularização é uma opção da EDP, que, tal como os eventuais ganhos e perdas, lhe

cabem em exclusivo.

2 – A distorção introduzida pela decisão inicial da remuneração dos CMEC já foi, entretanto, corrigida.

Numa primeira instância, com a redução da taxa aplicada à componente fixa dos originais 7,55% para 4,72%,

negociada em 2012 com a EDP. Mais tarde, no final de 2017, o Governo pede à ERSE uma proposta para

novo cálculo dessa taxa. Em resposta, a ERSE apresentou uma taxa visando recuperar os valores que, no

entendimento da ERSE, foram pagos indevidamente, por força dos erros identificados no seu parecer ao

Decreto-Lei 240/2004. A ERSE avalia o impacto da primeira redução da taxa em 205M€. Assim, uma nova

redução deveria permitir recuperar grande parte dos restantes 125M€. Propôs a ERSE:

“À data de 23 de setembro de 2017, essa taxa seria aproximadamente a yield das Obrigações do Tesouro

com maturidade de 5 anos (visto que a vida média das rendas da parcela fixa é de cerca de 5 anos), de

0,949%, acrescida de 0,25%, totalizando 1,20%. A aplicação desta taxa ao cálculo da renda anual de 2018 até

ao final do período de vigência dos CMEC permitiria recuperar cerca de 111 milhões de euros dos 125 milhões

de euros que faltaria recuperar relativamente à situação desejável.”

3 – Em relação à remuneração dos diferimentos dos sobrecustos da PRE, num cenário em que se

pretende assegurar o custo de financiamento da empresa, urge introduzir mecanismos de partilha da gestão

da dívida, muitos deles já reproduzidos em diplomas legislativos pontuais.

O Estado deve poder:

● Ser consultado na decisão de uma operação de titularização, nomeadamente, no que respeita às suas

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condições e aos seus custos;

● Forçar uma operação de titularização caso as condições de mercado assim o justifiquem;

● Incorporar no SEN os resultados dessas titularizações.

A este respeito, em abril de 2016, foi criado um Grupo de Estudo, composto por membros do Gabinete da

Secretaria de Estado da Energia, da ERSE e da DGEG, com vista a avaliar a “Repercussão dos sobrecustos

com a aquisição de energia a produtores em regime especial”. No relatório elaborado é sugerida, entre outras

opções, a “inclusão de um mecanismo de incentivo à eficiente gestão da colocação em mercado da dívida

tarifária”, referindo que este incentivaria a EDP “a conseguir as melhores condições de mercado, na colocação

da dívida, partilhando com o consumidor os benefícios obtidos”. Para este efeito é sugerida no relatório uma

partilha 50/50, com exceção da definição de um teto máximo para a incorporação no SEN de potenciais

perdas, com vista a incentivar uma gestão eficiente da dívida.

Não obstante as várias propostas sugeridas pelo referido Grupo de Estudo, o então SEE Seguro Sanches,

entendeu manter o racional em vigor alterando ligeiramente os termos do mecanismo de determinação dos

juros à pagar pelo diferimento da dívida tarifária.

Recomendação

Como garantia da melhor prossecução do interesse público, o membro do governo com a tutela da energia

deverá poder, por iniciativa própria determinar ou suspender operações de titularização desencadeadas pela

EDP – Comercializador de Último Recurso.

Capítulo 7

Garantia de potência

A garantia de potência é um mecanismo de remuneração de capacidade elétrica destinada a garantir a

segurança de abastecimento de eletricidade e o investimento em infraestruturas. Esta resume-se, por um lado,

a remunerar centrais electroprodutoras para estarem disponíveis para entrarem em funcionamento face a um

evento extraordinário (situação não prevista de consumo ou variações bruscas na produção renovável), e por

outro, a incentivar a manutenção e investimento neste tipo de potência despachável e imediata, no sistema

elétrico nacional. O contributo das unidades de produção baseadas em tecnologias convencionais (térmica,

hídrica) é por isso fundamental para a garantia da segurança do abastecimento, como complemento à

produção de energia elétrica a partir de fontes de energia renováveis (não-despacháveis).

1. Contexto, legislação e regulamentação

1.1. Na preparação do MIBEL, previsão da remuneração de potência segundo a disponibilidade

A primeira referência legal a um futuro regime de remuneração da garantia de potência é feita no artigo 16º

do Decreto-Lei n.º 185/2003, do ministro Carlos Tavares, que “estabelece as regras gerais que permitem a

criação de um mercado livre e concorrencial de energia eléctrica”:

1 – Até à entrada em vigor do diploma que estabelece as novas bases de organização do funcionamento

do sector eléctrico, transpondo para o direito nacional a Directiva do Mercado Interno de Electricidade, cabe à

entidade concessionária da RNT assegurar a garantia do abastecimento de energia eléctrica.

2 – Os produtores em regime ordinário que participem no mercado sob qualquer forma de contratação têm

direito a um pagamento de potência dependente da sua disponibilidade no período de maior procura ou de

escassez de oferta.

3 – Os proveitos do pagamento da garantia de potência aos produtores, determinado com base numa

metodologia de valorização que assegure o equilíbrio contratual, são proporcionados por uma tarifa fixada pelo

regulamento do tarifário, aplicável a todos os consumidores.

(Artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 185/2003)

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Aquela remuneração geral é retomada mais tarde, com o Decreto-Lei n.º 264/2007 do ministro Manuel

Pinho, que prevê “a possibilidade de criação de instrumentos de incentivo à garantia de potência para centros

eletroprodutores cuja atividade é exercida em regime de mercado”, de modo a “assegurar um adequado grau

de cobertura da procura de eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros

eletroprodutores em regime ordinário (PRO)”.

Nesse contexto de 2007, em vésperas da entrada em funcionamento do MIBEL, as entidades reguladoras

portuguesa e espanhola entregam aos respetivos governos uma proposta de regulamentação conjunta do

mecanismo de garantia de potência, cujas linhas gerais estão contidas no projeto então apresentado,

apontando à existência de um procedimento concorrencial.

Em dezembro do mesmo ano de 2007, é de registar ainda a aprovação pelo Conselho de Ministros do

Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico, cujo concurso só terá regras aprovadas por

Decreto-Lei em setembro do ano seguinte.

Entre 2007 e 2010, o governo não regulamenta a possibilidade aberta na lei para a remuneração deste

serviço.

“Voltei a ser Secretário de Estado com o Professor Teixeira dos Santos [de julho a outubro de 2009] e

lembro-me de ter recebido a EDP para legislar sobre a garantia de potência, e não o fiz. Expliquei-lhe que o

momento já não era propício a decisões dessa natureza. Estávamos próximos do fim do mandato e não o fiz

em consciência”.

(Castro Guerra, Secretário de Estado Adjunto, da Indústria e da Inovação, entre 2005 e 2009)

1.2. Início do pagamento pela garantia de potência

Será já sob a tutela do ministro Vieira da Silva e do secretário de Estado da Energia, Carlos Zorrinho, que o

mecanismo é criado, através da portaria 765/2010, sem que seja dado acolhimento à proposta de

harmonização ibérica baseada em leilões avançada pelos reguladores ibéricos. Pelo contrário, o regime criado

integra duas linhas de remuneração, ambas atribuídas por via administrativa e não concorrencial:

● o pagamento do serviço de disponibilidade prestado pelos centros eletroprodutores;

● o incentivo ao investimento em capacidade de produção, para os centros electroprodutores que

tivessem entrado em exploração há menos de 10 anos.

Ambos se destinam a centrais em regime ordinário e sem garantias CMEC ou CAE, os quais já remuneram

a disponibilidade de potência.

A ERSE acompanha a preparação da portaria e expressa as suas preocupações, mencionando um parecer

que, no entanto, não constará do acervo da ERSE, de acordo com a resposta aos pedidos feitos pela

CPIPREPE:

De acordo com documentação existente no acervo da CPI, a ERSE emitiu um parecer negativo em relação

à versão preliminar da Portaria n.º 765/2010. Ao longo do processo a ERSE é mantida informada sobre as

alterações que vão sendo efetuadas no texto da referida Portaria e mantém a suas objeções.

“Permitimo-nos reiterar o conteúdo do Parecer da ERSE oportunamente enviado a esse Ministério e

sublinhar a nossa preocupação com os impactes tarifários, agora acentuados com as alterações introduzidas

nos artigos 10.º e 11.º”.

(correspondência entre José Afonso, da Direção de Mercados da ERSE, e Bruno Caetano, assessor de

Carlos Zorrinho, 28 julho de 2010).

O referido parecer nunca foi disponibilizado à esta CPI.

Questionada mais do que uma vez sobre o referido parecer, a Presidente da ERSE, Dr.ª Cristina Portugal,

referiu sempre que enviou toda a documentação existente na ERSE sobre o tema da Garantia de Potência,

mesmo quando confrontada com documentos escritos que evidenciam a existência de tal parecer.

A Secretaria de Estado da Energia também não enviou o referido parecer, nem o processo de diálogo entre

a SEE e a ERSE que antecedeu a publicação da Portaria n.º 765/2010.

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É no mínimo estranho que um documento tão relevante para o sector elétrico tenha desaparecido do

acervo documental da ERSE e também do acervo da SEE.

Em defesa da introdução do pagamento destes incentivos, são mobilizados pelos ex-ministros Vieira da

Silva e Carlos Zorrinho dois argumentos principais: 1) a necessidade de corresponder a compromissos

assumidos junto das companhias que acorreram aos leilões do Plano Nacional de Barragens, lançado pelo

ministro do Ambiente, Nunes Correia; 2) a necessidade de robustecer a segurança de abastecimento.

Quanto ao primeiro, é assumido por Carlos Zorrinho – “o decreto-lei que cria a garantia de potência estava

publicado desde 2007 [Decreto-Lei n.º 264/2007] e, portanto, obviamente que o concurso [do Plano Nacional

de Barragens] foi feito nessa perspetiva”. Porém, no momento daquele concurso, a lei não previa mais do que

a mera possibilidade da futura criação de um tal mecanismo –, o que está longe de poder constituir

compromisso ou sequer fundada expectativa – e com referência apenas à remuneração da disponibilidade,

sem que o incentivo ao investimento estivesse previsto sob qualquer forma.

O segundo argumento é relativo à promoção da segurança de abastecimento. Afirma Carlos Zorrinho, na

sua audição na CPIPREPE:

“É muito fácil, agora, dizermos que há uma sobredisponibilidade, mas as projeções, quer quanto ao

consumo de energia em Portugal, quer quanto ao consumo de energia no MIBEL, na eletricidade em

particular, quer quanto às interconexões eram completamente diferentes”.

Porém, a Portaria n.º 765/2010 é posterior à publicação do Relatório de Monitorização da Segurança de

Abastecimento para os anos 2011-2020, preparado pela REN, que apontava claramente a falta de

necessidade de novos mecanismos de reforço da segurança do abastecimento, considerando a “Suficiência

da reserva de capacidade para a cobertura, nos períodos de ponta anual (Janeiro), de ponta de Verão (Julho)

e da ponta de Dezembro, de situações particularmente críticas e muito excepcionais, caracterizadas pela

ocorrência simultânea de um agravamento da ponta de consumos, de uma indisponibilidade de potência

hídrica por efeito de um regime seco, de indisponibilidade de potência eólica correspondente à disponibilidade

do recurso com um nível de confiança de 95%, de uma contribuição reduzida da restante PRE e da falha

fortuita do maior grupo térmico e do maior grupo hídrico. (…) Na verificação do cumprimento destes padrões

não se considera o recurso à interruptibilidade”.

(Relatório de Segurança de Abastecimento ao nível da Produção de Electricidade para 2011-2020, REN

abril 2010, pág. 5)

A ERSE produziu declarações públicas no mesmo sentido, alertando para “um problema tarifário para

vários anos”:

“A garantia de potência foi negociada [em 2007] numa altura de assimetria com Espanha, quandoa

margem de segurança do mercado português era escassa, o que já não acontece hoje, registando-se um

excesso de energia no mercado ibérico”.

Vítor Santos, presidente da ERSE, Público, 22 dezembro de 2010

Na CPIPREPE, um terceiro elemento de motivação – além dos compromissos assumidos e da segurança

do abastecimento – foi objeto de abordagens contraditórias entre Vieira da Silva e Carlos Zorrinho. Segundo o

então Secretário de Estado, a remuneração da garantia de potência foi parte de um pacote legislativo mais

amplo, que incluiu também a tarifa social, cuja criação é simultânea à da garantia de potência:

“Conseguimos que as operadoras se tivessem comprometido em simultâneo com a tarifa social. (…) A

tarifa social foi criada em complemento e em pacote político com a garantia de potência, dizendo o seguinte:

se há aqui uma garantia de fornecimento, temos uma garantia de fornecimento do lado da produção, mas

também temos de ter uma garantia de consumo do lado dos utilizadores. (…) [Houve] o aproveitamento dessa

circunstância, ou seja, da concretização de uma expectativa legítima, que tinha sido criada por um decreto-lei

anterior, para cumprir uma linha de política, que era a criação de uma tarifa social paga por esses mesmos

operadores”. (…)

“Conseguimos que as operadoras se tivessem comprometido em simultâneo com a tarifa social. (…) A

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tarifa social foi criada em complemento e em pacote político com a garantia de potência, dizendo o seguinte:

«Se há aqui uma garantia de fornecimento, temos uma garantia de fornecimento do lado da produção, mas

também temos de ter uma garantia de consumo do lado dos utilizadores».”

(Audição de Carlos Zorrinho, secretário de Estado da Energia 2009-2011)

Pelo seu lado, o ex-Ministro da Economia assume que a introdução da tarifa social visou compensar novos

custos inscritos na tarifa (a garantia de potência seria um deles), mas nega uma negociação em pacote com

as empresas:

“Nunca esteve na minha cabeça nem em nenhuma negociação, qualquer articulação de género

compensatório com a questão da garantia de potência, mas, sim — assumo essa compensação —, com aquilo

que eu achava ser uma pressão potencialmente crescente sobre a tarifa e a necessidade de desagravar, para

esses grupos sociais [beneficiários da tarifa social], essa tensão e essa pressão”. (…)

“[A garantia de potência] faz parte da política de criação de condições de segurança para os investimentos,

não só para os investimentos do passado, mas também para os do futuro.” (…) “Na perspectiva que tive, a

pressão sobre as tarifas e a necessidade de aliviar as famílias conta seguramente muito mais do que qualquer

outro tipo de negociação [da garantia de potência e tarifa social indicada pelo SEE Carlos Zorrinho), na qual,

aliás, não participei.”

(Audição de Vieira da Silva, Ministro da Economia 2009-2011)

Quanto ao incentivo ao investimento, a Autoridade da Concorrência reforça a tese de que este incentivo,

enquadrado na garantia de potência, não corresponde a uma necessidade efetiva dos produtores:

“Essas centrais não precisaram de incentivos para que os respectivos investimentos fossem

desencadeados, o que coloca em causa o valor acrescentado do incentivo de garantia de potência, nos termos

em que esse incentivo foi apresentado.”

(Parecer da AdC sobre proposta de tarifas e preços para 2012, novembro 2011)

Já Carlos Zorrinho, na CPIPREPE, defendeu veemente o incentivo ao investimento como medida para

alavancar um modelo energético limpo:

“Portanto, o incentivo ao investimento é feito nesta lógica de garantir a atratividade no investimento, no

modelo — ainda não conversámos sobre isso aqui, mas, se calhar, valeria a pena conversar — energético

para Portugal. Há vários modelos energéticos… Não demos garantia de potência à central de carvão, por

exemplo! (…) A garantia de potência foi dada, como disse, por harmonização com o MIBEL e por portaria,

para poder ser alterada em cada momento, em função do índice de cobertura — como foi! —, mas foi dada ao

ciclo combinado e à energia renovável. Portanto, para termos um modelo de armazenamento e de resposta

rápida com o ciclo combinado e um modelo de armazenamento e de resposta mais lenta com o domínio

hídrico, suportando o crescimento progressivo de outro tipo de renovável, como o fotovoltaico e o eólico.”

1.3. Os cortes nos incentivos da garantia de potência após o Memorando da troika

Em dezembro de 2011, na sequência do recuo do governo na aplicação da contribuição especial do setor

elétrico proposta pelo Secretário de Estado Henrique Gomes, é introduzida na segunda revisão do Memorando

a Medida 5.13, que prevê a aplicação de medidas até ao final do segundo trimestre de 2012:

“Tomar medidas no segundo trimestre de 2012 para a retirada do mecanismo de garantia de potência e a

redução dos custos políticos associados. Os incentivos ao investimento em centrais devem ser revistos em

baixa e retirados à luz da atual situação de baixo consumo de eletricidade, excesso de capacidade de

produção e da sobreposição com o mecanismo do serviço de interruptibilidade, tendo ainda em consideração

os desenvolvimentos no mercado ibérico de eletricidade e considerações de segurança energética”.

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É neste contexto que, em fevereiro de 2012, o Governo PSD/CDS remete à troika o relatório “Rents in the

Electricity Sector”, que quantifica em 60 M€/ano os ganhos tarifários da retirada do incentivo ao investimento

para centrais atribuídas antes de 2007.

Em abril de 2012, é firmado o acordo entre a EDP e o governo para a redução da taxa de juro da

componente fixa dos CMEC. Esse acordo – que será analisado mais adiante neste relatório – elenca um

conjunto de medidas tendentes a “estabilizar o quadro regulatório”. Quanto ao serviço de disponibilidade (que

deixará de ser pago na sequência da portaria 251/2012, de 20 de agosto), o governo sinaliza à EDP a intenção

de não aplicar integralmente a Medida 5.13, que previa a retirada faseada, mas total da remuneração da

disponibilidade e do incentivo ao investimento.

Quanto à remuneração do serviço de disponibilidade das centrais térmicas sem CMEC, o acordo define

que suspensão será levantada no final do programa de ajustamento dando lugar a uma remuneração sem

prazo a 6000 €/MW (o valor em 2010 era 20000 €/MW). Para as centrais hídricas construídas e/ou em

operação depois de 2007 o incentivo ao investimento permanece, com novas regras que devem considerar o

reforço da segurança de abastecimento, entretanto registado com a interruptibilidade (1000 MW disponíveis

em 2012) e as interligações com Espanha (2000 MW em 2012, com outros 3000 MW projetados).

Em síntese, a Portaria n.º 251/2012, do Secretário de Estado Artur Trindade, redefine o mecanismo de

garantia de potência do seguinte modo:

● o incentivo à disponibilidade passa a ser exclusivo dos centros electroprodutores térmicos e vigente até

à cessação da licença de exploração. No entanto, os pagamentos ficam suspensos até ao ano

seguinte ao da conclusão do Programa de Assistência Económico-Financeira que então se aplicava

em Portugal;

● o incentivo ao investimento é limitado a centrais hídricas futuras ou cuja decisão de construção seja

posterior a 2007. O incentivo deixa a ser atribuído diretamente por MW, passando a discriminar

valores por central hídrica e a ter duração limitada a dez anos. Fica assim excluída a central de

Alqueva, que recebeu a este título 6,8 M€, entre 2010 e 2012.

● passar para 50% o incentivo ao investimento dos reforços de potência, obrigando a bombagem, uma

vez o investimento da infraestrutura do aproveitamento hidroelétrico já seria existente.

Segundo Artur Trindade, estas alterações foram validadas pela troika previamente à Portaria n.º 251/2012.

Quanto à manutenção do incentivo ao investimento, contra o que era a orientação da Medida 5.13 do

Memorando, ela é justificada por Artur Trindade na mesma linha já apresentada por Carlos Zorrinho:

“O subsídio ao investimento, que é [depois da portaria de 2012] o principal da garantia de potência, não é o

da disponibilidade, foi tratado também como um direito adquirido por parte dos produtores, daqueles que o

tinham. E foi pago nessa perspetiva de incentivo ao investimento que, como sabe, dura 10 anos, e tendo em

conta aquilo que eram as perspetivas de investimento que já tinham sido aceites e que já vinham de governos

anteriores”.

(Artur Trindade)

Posteriormente, a Portaria n.º 172/2013 vem repor regras para os procedimentos para a verificação da

disponibilidade, que tinham perdido suporte legal no momento da cessação dos CAE, tema que este relatório

já tratou atrás.

1.4. A eliminação dos pagamentos por disponibilidade

Em 2016, após parecer técnico pedido pela tutela à ERSE, a Lei do Orçamento do Estado para 2017

(42/2016) substitui o incentivo à disponibilidade por um sistema de leilões para a “Reserva de Segurança do

SEN”, definido mais tarde pela Portaria n.º 41/2017. Face ao posterior questionamento deste sistema por parte

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da Comissão Europeia, o então Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, determinou a sua

suspensão sem prazo (Portaria n.º 93/2018).

Em 2016, a necessidade de remuneração de disponibilidade através deste mecanismo é de novo

contestada pela ERSE, que, a pedido pelo governo, emite um parecer técnico em que aponta a este subsídio

falta de transparência e de razão para existir: “No período 2015-2024 o sistema eletroprodutor mostra-se

capaz de dar resposta à evolução expectável dos consumos de eletricidade, garantindo os níveis de

segurança de abastecimento.“

Em 2018 é a REN, em resposta ao secretário de Estado Jorge Seguro Sanches que se pronuncia sobre as

necessidades da Reserva de Segurança no curto prazo. Com o mecanismo de garantia de potência suspenso

e nos cenários mais pessimistas (alta procura e baixa oferta de eletricidade), as centrais electroprodutoras e

os mecanismos existentes seriam suficientes para assegurar as necessidades do SEN (Pronúncia da REN em

2018), dispensando mais mecanismos adicionais.

“A REN assegurou que até ao fim do primeiro trimestre deste ano não era necessária garantia de potência.

Fiz-lhes a pergunta, a REN respondeu dessa forma e, por essa razão, suspendeu-se a garantia de potência e

continuou-se um processo de negociação e de construção de uma solução legislativa com Bruxelas que,

penso, estava em fase próxima do fim quando eu cessei funções, (…)

Eu acho que resolvemos bem o problema. Se não precisamos de garantia de potência, não a temos e

temos a interruptibilidade; acho é que, mais tarde ou mais cedo, teremos de evoluir para um modelo

concorrencial que possa, efetivamente, contribuir para reduzir custos, o que não me parece que se tenha

conseguido fazer nessa área.”

Jorge Seguro Sanches, SEE 2015-2018, na CPIPREPE

Já em abril de 2018, numa interpelação da Direção-Geral de Concorrência da Comissão Europeia,

referente à Portaria n.º 41/2017 o governo assume que o mecanismo da Remuneração da Reserva de

Segurança que se encontrava suspenso com a Portaria n.º 93/2018 vai ser cancelado.

Ainda no seguimento desta interpelação por eventuais ajudas de Estado, encontra-se em análise o

mecanismo da garantia de potência na modalidade de apoio ao investimento, no sentido de averiguar a

transparência e equidade na sua atribuição, com vista a uma possível revisão.

2. Custos para o SEN

Os custos com a garantia de potência são inseridos nas tarifas do consumidor final a título de Custo de

Interesse Económico Geral (CIEG). Em 2011, a ERSE esclareceu a inclusão do sobrecusto da GP pela

primeira vez, na parcela III da tarifa de Uso Global do Sistema UGS justificando:

“(…) sendo que o seu sobrecusto é uma função inversa das horas de funcionamento destas centrais, por

ser pago tendo como referencial a potência instalada das centrais abrangidas por esse diploma e não a

energia produzida pelas mesmas. (…) Assim o risco de não colocação destas centrais PRO aumenta sempre

que a energia produzida pelos produtores em PRE excede as necessidades previstas pelo CUR. (…) Deste

modo, enquanto o diferencial de custo com a PRE evolui de uma forma independente dos restantes CIEG

associados à produção de energia eléctrica, os CIEG com produção em PRO (CAE, CMEC e garantia de

potência) aumentam com a evolução da produção em regime especial.”

(Tarifas e preços para a energia elétrica e outros serviços em 2011, ERSE)

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Gráfico 1 – Valores gastos com a garantia de potência de 2011 a 2019 e reserva de segurança em 2017-2019, em

milhões de euros (Dados ERSE)

Até 2018, a garantia de potência resultou em custos de 143 M€ (101 M€ em incentivo à disponibilidade e

52 M€ em incentivo ao investimento). A Reserva de Segurança, que veio substituir o incentivo à

disponibilidade custou 6 M€ em 2017, tendo sido suspensos os leilões em 2018. Os dados para 2019 foram

retirados das estimativas da ERSE a incluir nas tarifas e referem-se apenas à componente de incentivo ao

investimento, que permanece.

Conclusões

1. A garantia de potência foi acordada na XII Cimeira luso-espanhola de 2006, daí resultando uma

solicitação ao Conselho de Reguladores do MIBEL para que se operacionalizasse este mecanismo no espaço

ibérico, de modo a garantir uma compatibilização regulatória, condição determinante para a construção do

MIBEL. As preocupações da ERSE em 2007 (adoção de mecanismo concorrencial harmonizado no MIBEL) e

de 2010 (redundância dos incentivos face à situação do SEN) não foram acolhidas pelo governo ao

regulamentar a remuneração da garantia de potência;

2. A natureza excedentária do serviço foi constatada pelo regulador e pela REN ao longo de todo a

vigência do regime;

3. A decisão do governo, em 2010, foi movida (também) por motivações alheias à segurança de

abastecimento do SEN, a saber: mitigar a pressão tarifária sobre os setores sociais mais vulneráveis do ponto

de vista económico, através da criação da tarifa social como encargo dos centros eletroprodutores em regime

ordinário. A aceitação sem litígio deste encargo pelos produtores foi simultânea à regulamentação da garantia

de potência, ambas integrando a estratégia para o SEN desenhada pelo governo de então;

4. Ao contrário do incentivo à disponibilidade, que encontra enquadramento legal nos termos da legislação

de 2003 e 2007, a criação do incentivo ao investimento não tem qualquer base legal. Aliás, as condições do

concurso internacional para o Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico não incluíam

qualquer referência a esta futura remuneração, que a lei não previa sequer como hipótese futura. Por

conseguinte, a instituição deste incentivo veio alterar o quadro económico-financeiro em que se os

concorrentes de 2008 formularam as suas ofertas, beneficiando de forma injustificada os vencedores do

concurso;

5. A suspensão do incentivo à disponibilidade durante o programa de assistência financeira demonstrou a

redundância deste dispositivo, tal como a Medida 5.13 do Memorando com a troika já sinalizava. O governo

PSD/CDS excluiu as centrais térmicas do incentivo ao investimento e as centrais hídricas do incentivo à

disponibilidade. Porém, não definiu qualquer prazo para o fim da remuneração da disponibilidade das centrais

térmicas limitando-se a reduzi-la significativamente.

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Recomendações

Manter suspensos todos os pagamentos a título de incentivo à disponibilidade, fazendo-os depender, no

futuro, das necessidades reais da segurança de abastecimento identificados pelo Estado, no quadro da

integração de novos instrumentos de disponibilidade a dinamizar do lado da procura e da oferta.

Capítulo 8

Remuneração do serviço de Interruptibilidade

O serviço de interruptibilidade refere-se à remuneração da disponibilidade de determinados consumidores

para reduzir voluntariamente o seu consumo de eletricidade em resposta a uma ordem de redução de potência

dada pelo operador da rede de transporte, de forma a dar resposta rápida e eficiente a problemas de

correspondência entre oferta e procura de eletricidade. A interruptibilidade, além de flexibilizar a operação do

sistema, permite contribuir para a segurança de abastecimento.

Este mecanismo é gerido pelo operador de rede e contratualizado com grandes consumidores de energia

no mercado livre.

1. Contexto e legislação associada

Até 2010, o serviço de interruptibilidade era um mecanismo prestado no âmbito do mercado regulado e

com limitada expressão.

A Portaria n.º 592/2010, do secretário de Estado Carlos Zorrinho, veio obrigar a que a prestação do serviço

passasse a ser feita exclusivamente por unidades consumidoras no mercado livre, com potências interruptíveis

superiores 4 MW. A gestão deste serviço cabe ao gestor global do sistema, a REN.

A Portaria n.º 1308/2010 veio estabelecer um novo regime transitório durante 2011, dispensando a

apresentação de alguns requisitos e valorizando a remuneração.

A Portaria n.º 200/2012, após várias portarias de carácter transitório e/ou técnico, altera o teto máximo da

remuneração e introduz mecanismos de verificação da disponibilidade da interruptibilidade.

A Portaria n.º 215-A/2013 estabelece as regras da repercussão dos custos com interruptibilidade nas

tarifas.

A Portaria n.º 221/2015 volta a rever o teto máximo nas remunerações para as instalações com energia

anual consumida superior a 75 GWh e potências interruptíveis superiores a 50 MW, que não sejam

abastecidas em muito alta tensão (MAT).

A Portaria n.º 268-A/2016 limita a remuneração da interruptibilidade às instalações que demonstrarem

estarem efetivamente aptas à prestação do serviço, através da realização de testes, impedindo que continue a

ser um subsídio independente do seu objetivo primordial.

2. Custos imputados aos consumidores

Os custos com a interruptibilidade evoluíram de acordo com o Gráfico abaixo.

Constata-se que até 2010 os custos anuais com a interruptibilidade foram sempre menos de 50 M€, sendo

que a partir da publicação da Portaria n.º 1308/2010 se verifica um aumento exponencial dos custos anuais,

até aos 109,9 M€ registados em 2015. Com a obrigatoriedade da prova efetiva de disponibilidade via

instituição de testes da Portaria n.º 268-A/2016, os custos regrediram, mas em 2019 já foram estimados nas

tarifas encargos de 109,3 M€.

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Evolução dos custos com o mecanismo de interruptibilidade desde 2004 a 2019 (Dados ERSE)

3. Premência do mecanismo de interruptibilidade

Sob o governo do Partido Socialista, em 2010, a publicação da portaria 1308/2010 surge quase em

simultâneo com a da garantia de potência. Criam-se por isso, em paralelo, dois novos mecanismos dedicados

a promover a segurança de abastecimento do SEN, um pelo lado da procura (interruptibilidade) e outro pelo

lado da oferta (garantia de potência).

Nessa fase, como já se explicitou na secção relativa à garantia de potência, o regulador e a REN

consideravam que as necessidades de segurança do sistema estavam garantidas pelas centrais térmicas em

CAE e CMEC e pelo efeito dos investimentos nas interligações a Espanha. Com essas necessidades

preenchidas do lado da oferta, recorde-se que existia já então um mecanismo de interruptibilidade prestado

por grandes consumidores de energia elétrica com contratos no mercado regulado.

Na sua audição na CPIPREPE o secretário de Estado Carlos Zorrinho referiu uma motivação de

circunstância para o estabelecimento deste adicional ao regime de interruptibilidade, relativo a um aumento de

custos com as redes de distribuição que foi repercutido nas tarifas de média tensão:

“Houve um reconhecimento por parte do regulador de um sobrecusto nas redes de distribuição de 70

milhões, sobrecusto esse que não estava previsto. Portanto, havia aqui um problema, que era um aumento

complexo na fatura energética das empresas, e isso [o subsídio às empresas no âmbito da interruptibilidade]

também ajudou a resolver”.

Essa circunstância, ainda segundo Carlos Zorrinho, terá vindo juntar-se a uma segunda motivação,

reforçada pelo ministro Vieira da Silva:

“Lembro-me de, na altura, ter contactado várias empresas que tinham, de facto, problemas com a

distribuição e a qualidade dessa distribuição, com os chamados «microcortes» e a oscilação da potência

elétrica em atividades fortemente sensíveis, e que encararam isto como uma oportunidade de diminuir esses

riscos e serem compensadas por isso mesmo”.

Audição de Vieira da Silva, Ministro da Economia, 2009-2011

“Pergunta-me: «todos fizeram esse investimento?». Não sei, saí antes de o poder verificar e sinto que, em

Portugal, os mecanismos de verificação são pouco robustos”.

Audição de Carlos Zorrinho, Secretário de Estado da Energia, 2009-2011

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3.1. Realização de testes

Em 2012, a Portaria n.º 200/2012 introduz mecanismos de verificação da disponibilidade da

interruptibilidade e da sua operacionalidade, obrigando o operador de rede à realização de testes de

disponibilidade, de modo a garantir uma segurança de abastecimento efetiva:

“Artigo 4.º-A

Verificação da disponibilidade da interruptibilidade

1 – O operador da rede de transporte deve emitir, em cada ano, às instalações consumidoras prestadoras

do serviço de interruptibilidade, ordens de redução de potência com a duração mínima de uma hora que

incidam sobre aproximadamente 10 % do total de potência interruptível contratada nesse ano, com vista a

verificar se as instalações submetidas às referidas ordens se encontram efetivamente disponíveis para a

prestação do serviço de interruptibilidade.”

Em 2016, a Portaria n.º 268-A/2016 vem condicionar a remuneração da interruptibilidade à realização dos

testes previstos no artigo 4.º da Portaria n.º 200/2012, e limitando-a às instalações que se revelem aptas à

prestação do serviço.

“Pretende-se com esta portaria credibilizar e dar rigor ao sistema, garantindo e atestando a disponibilidade

e capacidade de todas as instalações consumidoras prestadoras do serviço de interruptibilidade através da

redução efetiva de potência (…). Desta forma, o sistema deverá remunerar as instalações que contribuírem

para flexibilizar a operação do sistema e para garantir o aumento da segurança de abastecimento.”

No entanto, a REN que está obrigada à publicação de um relatório anual sobre o serviço de

interruptibilidade, não o publica desde 2017, não existindo qualquer referência à execução dos testes

legalmente previstos, nem no acervo documental da CPIPREPE nem online.

Contudo, o Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, questionado na CPIPREPE sobre o

impacto da Portaria n.º 268-A/2016 na exclusão de indústrias abrangidas pela interruptibilidade que não

estivessem capazes de prestar o serviço, respondeu:

“Eu não tenho esses elementos comigo, mas eles estão online no site da REN, porque a REN controla o

sistema e faz relatórios regulares sobre essa questão.

Sei que houve algumas situações em que deixaram de ser interruptíveis por não reunirem as condições e

por não estarem disponíveis para os testes.”

3.2 Balanço da existência do serviço

Entre 2011 e 2015, tornou-se evidente a natureza excedentária deste serviço: os relatórios anuais da REN

sobre a interruptibilidade registam que não houve uma única ocasião em que fosse usado. No entanto a

adesão de grandes consumidores continuou a crescer e os custos com o serviço também.

Em 2017, a pedido do secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, a ERSE pronunciou-se

sobre este mecanismo afirmando que:

“Importaria estabelecer um regime que substitua a atual atribuição guiada por critérios de caráter

administrativo – potencialmente ilimitada na abrangência que pode ter –, por uma atribuição do serviço de

interruptibilidade com critérios de mercado e em função das reais necessidades do SEN.”

(Parecer sobre proposta de despacho relativo aos regimes de interruptibilidade e de reserva de segurança,

ERSE, 2017)

Assim, os custos acrescidos com este mecanismo não são justificáveis do ponto de vista estratégico para o

SEN, mas sim uma forma de fazer pesar medidas de política industrial na fatura dos consumidores, tal como

Carlos Zorrinho reconheceu na sua audição:

“Temos a consciência de que, em grande parte, a interruptibilidade foi uma medida de política industrial e,

já agora, comercial [por admitir grandes superfícies comerciais]”.

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Sobre o seu mandato, Jorge Seguro Sanches, afirmou na CPIPREPE que:

“Aquilo que se fez na interruptibilidade foi menos do que aquilo que eu gostaria de ter feito – e isso é

público; eu gostaria de ter lançado um leilão decrescente para a interruptibilidade e só o consegui fazer na

garantia de potência.”

Em abril de 2018, numa interpelação da Comissão Europeia via DG Competition sobre eventuais auxílios

de estado na política energética portuguesa, o governo é confrontado com os termos do mecanismo de

interruptibilidade. Enquanto a posição do governo se cingiu a defender a interruptibilidade per se, a DG COMP

não pondo em causa a necessidade deste mecanismo, identificou que tanto a sua atribuição (administrativa),

dimensão (em potência disponível correspondente a 13% do consumo em Portugal) e remuneração (custos

consideráveis) são desajustados para um serviço que nunca foi utilizado. Nesse sentido, a DG Comp, defende

que a interruptibilidade seja revista na sua dimensão e remuneração, sendo ajustada para um sistema

concursal, de atribuição por leilão, tendo dado o prazo de 1 de novembro de 2018 para se proceder às

referidas alterações.

Não são conhecidos desta comissão demais avanços neste processo.

O SEE João Galamba apenas referiu na CPIPREPE que:

“O único processo que foi concluído e em que já houve notificação foi aquele que foi noticiado na semana

passada, sobre as barragens, sobre o domínio hídrico. (…) Sobre os outros processos abertos, (…)

nomeadamente o da interruptibilidade, ainda não fomos notificados, portanto, do que sabemos, eles não estão

encerrados. (…).”

Não obstante reconfirmou que terão de rever o mecanismo da interruptibilidade:

“Não iremos suspender agora o regime de interruptibilidade como ele existe, mas há um compromisso da

parte do Governo de o rever nesse quadro geral, portanto, de rever todos os serviços de sistema e de fazer

uma revisão geral deste quadro.”

Conclusões

 Entre 2011 e 2018, o serviço de interruptibilidade custou aos consumidores 727M€. Esse valor resulta

do redimensionamento do serviço de interruptibilidade em 2010.

 Esse redimensionamento correspondeu a diversos objetivos:

○ Promover a transição de unidades grandes consumidoras de eletricidade para o mercado

liberalizado;

○ Fazer face a um sobrecusto pontual na ordem dos 70M€ na rede de distribuição com impactos

tarifários nas empresas;

○ Estimular investimentos em equipamentos destinados a melhorar a eficiência de unidades industriais

e comerciais afetadas por oscilações na distribuição elétrica;

○ Subsidiar empresas grandes consumidoras de eletricidade.

 Durante vários anos, não se realizaram os testes previstos na portaria de 2012;

 Este serviço chegou a ser pago a prestadores que não estavam em efetivas condições de o prestar,

como demonstra a redução de custos pela introdução de testes. Não há registo de aplicação de

qualquer sanção.

Recomendações

 Estudar a adoção de um teto para estes custos, atendendo à potência interruptível que corresponda às

reais necessidades do SEN; sem, sem esquecer o efeito na competitividade da indústria e na

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manutenção de empregos que esta medida pode ter, tendo em conta os regimes similares noutros

países da UE;

 Redução de custos no curto prazo, com a criação de regime concorrencial, desenhado por escalões de

potência interruptível por unidade de consumo;

 Preparação de um novo quadro para este serviço redimensionado considerando a integração de novos

instrumentos de disponibilidade do lado da procura e da oferta.

Capítulo 9

Medidas sob a aplicação do Memorando de Entendimento com a troika

Em 2011, na sequência do Programa de Assistência Financeira e do Memorando de Entendimento, o

governo assumiu compromissos em diversas áreas do setor energético.

No Ponto 5 do Memorando, “Energy Markets”, o Governo comprometeu-se a rever políticas específicas do

setor energético para combater o défice tarifário e assegurar a sustentabilidade do SEN.

Entre vários objetivos, as áreas de intervenção que importam à CPIPREPE, eram elencadas subáreas para

as quais era indicada a necessidade de medidas concretas:

● 5.6 Redução de rendas com CMEC e CAE

● 5.7 Revisão da lei da cogeração

● 5.9 e 5.10 Negociação e revisão em baixa das tarifas feed-in com os produtores PRE existentes e para

futuros concursos

● 5.13 Revogação do mecanismo de garantia de potência e regulamentação de novo regime

● 5.15 Eliminação do défice tarifário até 2020 e estabilização até 2013

1. Do Memorando inicial à segunda revisão

1.1. O modelo de equilíbrio preparado por Henrique Gomes e as propostas da EDP

As primeiras diligências de Henrique Gomes na Secretaria de Estado da Energia foram no sentido da

preparação de um modelo de sustentabilidade do SEN, em que participa como consultor externo a Boston

Consulting Group.

“Depois de conhecer o modelo e de saber quais eram os desequilíbrios, a preocupação foi a de tentar

identificar medidas para eliminar a prazo os excessos e equilibrar. E o nosso objetivo político passou a ser o

de os custos, até 2020, em termos reais, não subirem mais do que de 1% a 1,5% e de, quando chegássemos

a 2020, não haver défice. Esse era o nosso objetivo. Para lá chegar, havia várias medidas e andámos a

preparar algumas delas. Uma das medidas era esta: já que os custos, relativamente às emissões de CO2,

eram produzidos no seio do sistema energético e penalizavam porque, sendo incorporados os custos dos

produtores, aumentavam, a ideia era que parte desses custos, cerca de 80%, revertesse não para um fundo

de carbono para outras atividades, mas para o setor — até porque, sendo parte substancial desses custos

gerados pela PRE, isto é, pelas renováveis, fazia todo o sentido que parte desses custos (e na hora

apontámos para os 80%) revertesse para o setor. Esta foi uma medida que identificámos e que era importante.

Depois, havia outras medidas (que eram a garantia de potência, pequenos cortes, etc.). Até que chegámos

— aliás, chegámos muito rapidamente — à necessidade de ter uma contribuição sobre o sistema. Essa

contribuição era sobre o potencial de geração (…) envolvia todos os produtores menos os miniprodutores da

microgeração e da minigeração, e todos aqueles que tivessem contratos ou tarifas que tivessem vindo de

leilões ou de algum sistema de mercado. Tudo o resto sofreria a contribuição”.

(Henrique Gomes)

Na sequência da assinatura do Memorando de Entendimento com a troika, em maio de 2011, a tutela da

Energia inicia um processo negocial com os produtores de eletricidade com vista ao cumprimento das medidas

previstas naquele documento.

A partir de agosto de 2011, realizam-se reuniões com a EDP, que logo nos primeiros dias daquele mês,

apresenta, em reunião com o Secretário de Estado da Energia, a sua primeira proposta, sinalizando a sua

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disponibilidade para financiar em 1200 milhões de euros um conjunto de medidas que vem propor,

considerando “importante, que, simultaneamente, seja definido um enquadramento que remunere

adequadamente estes créditos pelo custo de capital da empresa e se criem as condições para a securitização

dos elevados montantes em causa”. Com efeito, as medidas propostas pela EDP procuram evitar cortes

permanentes de custos (exceto no sobrecusto das cogerações com mais de 15 anos), substituindo-os por

diferimentos temporais, nomeadamente do sobrecusto da PRE, da revisibilidade dos CMEC de 2012 e 2013 e

da interruptibilidade. Estes diferimentos foram analisados no capítulo 6).

Na sequência das conversações posteriores, a EDP remete em 4 de outubro de 2011 um novo documento,

em que volta a sistematizar as suas propostas:

● Diferimento temporal dos sobrecustos com a Produção em Regime Especial (PRE);

● Revisão da taxa de juro aplicável ao cálculo da anuidade do montante inicial dos CMEC (e eventual

extinção negociada do regime de CMEC para centrais a determinar);

● Reformulação do prazo de tarifa bonificada garantida aplicável à produção de eletricidade com

tecnologia eólica (parques existentes cuja capacidade não foi objeto de procedimento concursal);

● Revisão da remuneração aplicável à cogeração;

● Estabilidade legislativa e regulamentar, em particular no que se refere à Garantia de Potência;

● Captação do valor inerente às licenças de CO2.

A EDP refere então «aceitar» uma taxa de juro da dívida tarifária correspondente aos títulos de dívida

pública alemães acrescida de 5% e propõe ainda a alteração das regras para a titularização dos CMEC

estabelecidas no Decreto-Lei n.º 240/2004, que prevê que a taxa de 7,55% seja revista em caso de

titularização do respetivo montante, passando nessas circunstâncias a ser aplicada a menor das duas taxas

(5,22% na portaria de 2007). Em outubro de 2011, a EDP propõe ao governo uma redução da taxa 7,55% para

6,5%, em troca da perda do direito do sistema de beneficiar de uma taxa mais baixa em futuras titularizações

(este tema é analisado em maior detalhe no capítulo 6).

Analisando as propostas da EDP em carta enviada ao ministro Álvaro Santos Pereira, o secretário de

Estado Henrique Gomes critica a primazia dada na proposta da empresa a medidas de diferimento de custos,

como o diferimento do sobrecusto da PRE, que, segundo Henrique Gomes “deveria ser a última medida a

utilizar no ajustamento das tarifas, minimizando a criação de nova dívida, e não como primeira solução que

torna desnecessária qualquer outra. A perspectiva da EDP não é essa, porque com a aplicação deste

mecanismo resolve o problema do curto prazo (a sua perspectiva de sustentabilidade no longo prazo é vã) e

ainda ganha com a remuneração do financiamento da dívida”.

A outra proposta da EDP foi aceitar a revisão da taxa da componente fixa dos CMEC para 6,5%, em

contrapartida do direito a absorver os ganhos resultantes da titularização daquelas anuidades. Na mesma

carta, Henrique Gomes considera esta proposta “uma tentativa de aproveitamento do momento de pressão

sobre os preços da electricidade, uma vez que se consubstancia no abdicar pelo sistema de uma opção, e

correspondente valor, de que hoje dispõe”.

1.2 A queda da contribuição especial proposta por Henrique Gomes

Em outubro de 2011, o gabinete do Secretário de Estado da Energia continua a preparação da contribuição

especial constante do modelo de equilíbrio preparado pela Secretaria de Estado, prevendo uma receita anual

de 230 milhões de euros. O valor atualizado líquido da redução dos cash-flows esperados da EDP até 2020

seria de cerca de -675 M€, representando os CMEC 44% deste valor e a Garantia de Potência (atribuída em

2010 a centrais que operam desde 2004) cerca de 49%.

Esta contribuição incidiria sobre a potência instalada, sendo a taxa variável em função do regime de

produção e tecnologia utilizada. A contribuição não seria repercutível nas tarifas nem no cálculo dos CMEC.

Estariam isentos do pagamento da contribuição os produtores sem apoio aos custos de produção ou tarifa de

venda garantida, bem como os que tenham obtido as suas licenças por concurso.

A receita obtida seria consignada a um Fundo cujo objetivo seria a aquisição de créditos que integram o

défice tarifário (créditos dos operadores regulados ou de terceiros a quem tenham sido cedidos sobre os

consumidores), sendo estes depois extintos mediante decisão do Governo.

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O impacto no encaixe com a futura privatização seria de cerca de -135 M€ (20% do efeito no valor total da

empresa), que comparava com o valor atualizado líquido da receita da Contribuição de cerca de +1500 M€.

No entanto, segundo Henrique Gomes e Álvaro Santos Pereira, o ministro das Finanças, Vítor Gaspar,

considerou que a introdução desta contribuição constituiria um fator de perturbação da 7.ª fase de privatização

da EDP, prevista no Memorando, retirando-a do processo de preparação do Orçamento do Estado para 2012.

Para Carlos Moedas, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro e responsável pela ESAME, “nas

vendas de empresas, é importantíssimo que as pessoas sintam que há confiança entre as partes e qualquer

medida unilateral quebraria essa confiança”.

“No Ministério da Economia tínhamos estimado que o impacto da contribuição especial nos cash-flows da

EDP seria de cerca de 700 milhões. (…) E estimámos que, devido aos valores de que estávamos a falar da

privatização, um pouco mais de 21%, o impacto na privatização seria de cerca de 140 milhões. Portanto,

esses foram os números que utilizámos no Ministério das Finanças”.

(Álvaro Santos Pereira, Ministro da Economia, 2011-2014)

“[Dar prioridade à privatização da EDP sem prévia correção das rendas excessivas pagas ao setor] não foi

uma atitude inteligente. A única maneira correta de fazer as coisas era limpar, porque tínhamos limpo isto,

calmamente, tínhamos entrado na privatização, calmamente, e com o setor potencialmente em equilíbrio,

sempre o disse. (…) Ainda hoje há tensões neste setor porque a casa nunca foi limpa”.

(Henrique Gomes)

O sucessor de Henrique Gomes na Secretaria de Estado da Energia, Artur Trindade, assumiu perante a

CPIPREPE que as medidas que posteriormente implementou foram limitadas pela recente privatização da

EDP, que terá inibido medidas mais incisivas:

“É evidente que este facto condicionou, de forma muito relevante, a aplicação de um conjunto de outras

medidas – aliás, a própria troika que muito falou na necessidade de implementar as reduções de custos e os

cortes, nunca aceitou sacrificar a privatização a esses cortes. Porquê? Porque, de facto, a troika era um

conjunto de credores, a privatização implicava venda, a venda implicava receita e os credores gostam que as

entidades a quem emprestam dinheiro tenham receita. (…) “Acho que para haver uma coerência total, se a

troika identificava que havia rendas excessivas, então, pelo menos, deveriam ter alterado a prioridade dos

fatores e dito: «vocês não privatizam nada enquanto não acabarmos com as rendas». Não foi isso que

fizeram! «Privatizem, tragam para cá o dinheiro que nós precisamos dele», disseram. Isto é completamente

contraditório.”

(Artur Trindade, Secretário de Estado da Energia, 2012-2015)

1.3 A privatização face às medidas do Memorando

No início de dezembro, na sequência do abandono pelo governo do projeto de contribuição especial do

setor elétrico preparada no ministério da Economia, a segunda revisão do Memorando adita a medida 5.15:

“Serão tomadas medidas para colocar o SEN numa trajetória sustentável, para eliminar o défice tarifário em

2020 e assegurar a sua estabilização em 2013. Este prazo é sujeito a uma revisão baseada num relatório a

propor pelo governo que especificará também como serão corrigidas as rendas excessivas na produção nos

regimes ordinário (CMEC, CAE, garantia de potência) e especial (cogeração e renováveis). Esta proposta

considerará os méritos de um largo espectro de medidas que cobrirão todas as fontes de rendas”.

(Medida 5.15 do Memorando)

A existência de um compromisso expresso do governo português com as instituições internacionais no

sentido da redução das rendas excessivas no setor era a informação disponível aos concorrentes à

privatização no momento de realizarem as suas ofertas – a privatização foi dispensada de prospeto.

Porém, aquele compromisso não terá sido considerado pelos compradores, afirma Eduardo Catroga, que

veio a representar o acionista China Three Gorges no Conselho Geral e de Supervisão (CGS):

Página 252

II SÉRIE-B — NÚMERO 50

252

“Não sei se esses memorandos de entendimento têm o valor que têm. Não têm valor jurídico

absolutamente nenhum em relação aos compromissos legais e contratuais do Estado português. Não há

nenhum Governo do País que infrinja… Portanto, nunca passou pela cabeça nem dos concorrentes chineses,

que pagaram um prémio de preço muito elevado, nem dos concorrentes alemães, nem dos concorrentes

brasileiros, que o Governo português não ia continuar a ser um Estado de direito. Umas propostas do

memorando são executadas, outras não são executadas. O memorando da troica nesta matéria é muito

imperfeito, como o é, aliás, também noutros segmentos. Não é uma Bíblia. É, quanto muito, um quadro de

referência.”

(Eduardo Catroga, presidente do CGS da EDP)

1.4 Do relatório sobre rendas no setor eletroprodutor à demissão de Henrique Gomes

O relatório de que o governo ficou encarregado na medida 5.15 – “Rents in the electricity generation sector”

– foi preparado durante o mês de janeiro de 2012, incorporando como anexo o estudo encomendado à CEPA

– Cambridge Economic Policy Associates. A CPIPREPE apurou que este estudo teve duas versões.

A primeira versão, com data de 31 de janeiro de 2011, foi encontrada no arquivo do Ministério da

Economia. É a versão que Henrique Gomes entregou ao ministro e que este encaminhou a Carlos Moedas, o

membro do governo responsável pela Estrutura de Acompanhamento do Memorando (ESAME). Como

medidas propostas estão cortes na cogeração, a revisão do regime do CO2, o corte na garantia de potência e

o corte na duração do subsídio às mini-hídricas.

De acordo com Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes (e também do seu

sucessor, Artur Trindade), o então secretário de Estado considerou não ter condições para intervir sobre as

remunerações dos CMEC e da PRE eólica, não incluindo esses temas na sua proposta.

“O engenheiro Henrique Gomes entendeu, face ao abandono do tema da contribuição, que não existir ia, à

data, uma terapêutica no tocava aos CMEC e à PRE, e, neste caso, estamos basicamente a falar na eólica

(…) Este documento foi objeto de alguma discussão entre o Ministério da Economia e a ESAME e houve uma

série de reuniões posteriores — estamos a falar de dezembro, início de janeiro — no sentido de o consolidar.

Creio que o que estava a passar-se tratava-se, acima de tudo, de mensagens políticas”.

(Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes, 2011-2012)

Deste trabalho conjunto entre as equipas do Ministério da Economia e da ESAME, resulta, a 9 de fevereiro,

a segunda versão do referido relatório, a única efetivamente entregue à troika. Este segundo documento

nunca foi encontrado nos arquivos do governo no seguimento dos pedidos da CPIPREPE, tendo sido obtido

junto da OCDE (que o cita num estudo sobre a economia portuguesa).

Nesse documento é acrescentada, em termos em tudo semelhantes aos da proposta adiantada três meses

antes pela EDP, a medida de extensão da tarifa garantida das centrais eólicas, bem como uma proposta de

redução da taxa de juro da componente fixa dos CMEC de 7,55% para 6,86% (poupança de 4M€/ano). Como

já abordado no capítulo 1, o Governo veio a negociar, como parte de um pacote de medidas acordadas com a

EDP, uma correção no valor de 14M€/ano (205 milhões de euros no total).

As condições políticas do exercício do cargo de secretário de Estado da Energia degradaram-se ao longo

destas semanas, porquanto Henrique Gomes, assumindo a derrota do seu projeto de contribuição, manteve

diversas intervenções públicas que causaram incómodo no governo:

A opinião pública tinha de saber ou devia saber quais eram os excessos — Pronto! E cada vez que eu

falava nos excessos ou nas rendas excessivas, etc., o Ministro ficava muito atrapalhado e dizia: «Henrique, já

lhe disse várias vezes que não pode ser, não pode falar em rendas excessivas. Está proibido de falar de

rendas excessivas», e eu pensava: «Mas como é que eu faço? Eu não me calo!». Eu não me calava mesmo e

não lhe tornei a vida fácil e disso já me penitenciei há bocado. Entretanto, para eu não falar de rendas

excessivas, o Ministro começou a querer ver os discursos, etc. E um belo dia eu ia ao ISEG e ele olhou para o

discurso e tinha lá os preços, tinha lá os problemas. Ainda da parte da manhã ele disse-me que eu não podia

falar e eu disse-lhe que não falava e que dessa vez é que me ia embora.

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253

Com a substituição de Henrique Gomes por Artur Trindade em março de 2012, iniciam-se negociações com

os produtores para dar sequência às medidas previstas no relatório enviado à troika. Essas negociações têm

lugar, por um lado, com a EDP e, por outro, com os produtores de energia renovável representados pela

APREN (destas negociações e dos seus resultados é dada conta no capítulo 11).

Em abril de 2012, é obtido acordo entre a EDP e o governo para a redução da taxa de juro da componente

fixa dos CMEC, de 7,55% para 4,72%. Essa redução é aceite tendo como contrapartida um conjunto de

garantias dadas pelo governo à EDP quanto aos termos da futura reposição do pagamento da garantia de

potência e quanto ao cálculo da remuneração da dívida tarifária detida pela EDP.

Na sequência deste acordo, o Decreto-Lei n.º 32/2013 vem alterar o Decreto-Lei n.º 240/2004 para fixar as

condições de alteração daquela taxa – “cujos termos e condições para a sua aplicação são aprovados por

portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, após proposta apresentada pelo produtor”.

Pela Portaria n.º 85-A/2013, Artur Trindade fixa aquela taxa, “em conformidade com os pressupostos e a

metodologia constantes da proposta apresentada pela EDP”.

Na CPIPREPE, o então presidente da ERSE, Vítor Santos, que deu parecer positivo à portaria, reconheceu

que nunca teve conhecimento do conteúdo daqueles pressupostos e metodologia.

“A minha interpretação foi a seguinte: esta não é uma decisão unilateral, é uma decisão que não pode ser

perspetivada do ponto de vista jurídico como tendo sido uma decisão unilateral do governo. E a circunstância

de se mencionar, no despacho ou portaria, já não estou certo, que até tinha havido uma proposta

metodológica da EDP, era no sentido de retirar espaço de manobra, por parte da EDP, em termos de

contestação da decisão do governo, isto é, em termos de litigância. Foi algo que foi mencionado pelo governo

para sinalizar que o processo não tinha resultado de uma decisão unilateral, mas que tinha havido uma

interação e que até tinha havido uma proposta metodológica — é normal que, num processo desta natureza,

haja proposta metodológicas — da parte interessada. Gostava de partilhar com os Srs. Deputados, de forma

inequívoca, que não tinha conhecimento, obviamente, daquilo que foi hoje referido e é uma coisa,

sinceramente, que me deixa muito penalizado, se é que essa situação corresponde à verdade. Não tive

acesso a nenhuma informação sobre essa matéria, não fiz a interpretação de que isso pudesse ter

acontecido.”

(Vítor Santos)

Na sua audição, o ex-Secretário de Estado da Energia (2015-2018), Jorge Seguro Sanches, atribui

consequências de longo prazo ao Decreto-Lei n.º 32/2013:

Há pouco mais de um ano a Assembleia da República aprovou uma resolução no sentido de recomendar

ao Governo cortes nas rendas da energia em especial nos CMEC, penso que a designação era mais ou

menos esta, e o Governo procurou, não só pela nossa natural vontade de fazer reforma neste setor, como

também, sem alterar a lei, sendo apenas rigoroso e colocando acima de tudo o que está na lei e o que está

nos contratos, encarar esse problema.

Todavia, como já disse, surgiram duas condicionantes: primeira condicionante é o Decreto-Lei n.º 32/2013.

Porquê? Porque a fixação das taxas de juro dos CMEC, em 2007, resultou de um ato do Governo – era assim

que era feito –, mas, a partir de 2013, passou a ser não por um ato do Governo mas sob proposta do produtor.

Ora, isto subverte completamente a questão e, portanto, o Secretário de Estado da Energia, na altura, em

funções, há cerca de um ano, escreveu à EDP Produção manifestando vontade de entabular negociações ou

conversações no sentido de baixar a taxa de juro dos CMEC e do lado de lá veio a resposta: não. Isto apesar

de o Governo estar com o documento da ERSE no qual me dizia que a taxa de juro podia baixar

substancialmente, mas o que aconteceu em 2013 foi que os CMEC foram blindados na taxa de juro.

Portanto, a partir de 2013, a não ser que, efetivamente, quiséssemos entrar numa situação de litígio, na

qual, na minha opinião, não tínhamos razão, a partir de 2013 quem fixa a taxa de juro passou a ser a empresa,

a EDP, e deixou de ser o Governo, que era o que acontecia até então”.

(Jorge Seguro Sanches)

Na sua audição, Artur Trindade refuta a ideia da blindagem da taxa no Decreto-Lei n.º 32/2013:

Se o Sr. Deputado ler bem o Decreto-Lei também não diz lá isso. Ele até podia ter proposto 4,72 e eu

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publicava 3,5… estava a cumprir com a lei, não estava a cumprir com o acordo, mas estava a cumprir com a

lei. Uma coisa é a lei, outra coisa é a portaria, outra coisa são as expectativas — repito — legítimas do

produtor. É tão legítima como uma promessa que o Governo faz ao cidadão de que vai baixar a luz. É uma

promessa legítima, é um acordo mas não é um contrato. O pedido de parecer à ERSE é um pedido naquilo

que é o circuito legislativo. Portanto, era interpretação minha e dos meus juristas que a generalidade dos

diplomas sobre o setor elétrico, neste caso tinham de ir pedir parecer à ERSE, especialmente aqueles sobre

este tipo de temas. E, portanto, eu não podia fazer um diploma sem ouvir a ERSE”.

(Artur Trindade)

2. Os três pacotes de medidas de equilíbrio do SEN

Houve primeiramente um conjunto de medidas aprovadas em maio de 2012, que no entanto, acabou por

não ser suficiente para cumprir o objetivo enunciado de limitar o aumento das tarifas de energia elétrica em

1,5% ao ano mais inflação, o que levou a criação de novas medidas, aprovadas por fases, concretizando-se

em três pacotes de medidas.

Este conjunto de medidas tinha como objetivo fundamental a eliminação progressiva do défice e a dívida

tarifária, tendo como horizonte de referência 2020, nos termos do gráfico abaixo, que foi apresentado na CPI,

tanto por Artur Trindade como por Carlos Moedas.

2.1 Primeiro pacote de medidas

O primeiro pacote de medidas foi aplicado em maio de 2012, no âmbito da sétima avaliação da troika, com

a convicção que seria suficiente para atingir o objetivo da eliminação da dívida tarifária em 2020. Este pacote

resumia-se a cortar nas rendas excessivas dos instrumentos identificados, e que se apresentam no quadro

abaixo.

Pedro Cabral, na sua apresentação inicial à CPIPREPE, deu a conhecer a estimativa de poupanças feita

em maio de 2012, na apresentação do pacote de medidas: 700, 165 e 385 M€, relativos a cortes de

remuneração da cogeração, da anuidade dos CMEC e da garantia de potência, respetivamente, num total de

1635 M€. Em outubro 2013, o governo atualiza em alta aquela estimativa no momento em que apresenta o

segundo pacote de medidas (v. Quadro 1). Esta diferença está relacionada com atualizações de algumas

rubricas, consequência de consideração de mais informação, e com o facto.de as primeiras estarem

descontadas e de as segundas serem somas diretas.

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Acresce a estas medidas a afetação de 80% das receitas dos leilões de CO2 ao SEN, aprovado pelo

Decreto-Lei n.º 38/2013 e concretizado na Portaria n.º 3-A/2014.

Primeiro pacote de medidas, aprovado em Maio de 2012, para eliminação da dívida tarifária (em

milhões de Euros) (Dados Governo)

Medidas Ato legislativo Descrição Montante total [M€]

Período

Cogeração Portaria n.º 140/2012

Redução dos subsídios pagos aos produtores de eletricidade em cogeração

996 2012-2025

Extensão FiT Decreto-Lei n.º

35/2013

Acordo de redução de custos alcançado com os produtores eólicos que beneficiam do

regime remuneratório anterior a 2005 151 2013-2020

Limitar custo mini-hídricas

Decreto-Lei n.º 35/2013

Introdução de um limite de 25 anos para a duração da tarifa garantida das pequenas

centrais hídricas 285 2013-2030

Redução taxa anuidade CMEC

Decreto-Lei n.º 32/2013, Portaria

n.º 85-A/2013

Redução dos custos com o CMEC, através da redução da taxa da anuidade da parcela

fixa de 7,55% para 4,72% 205 2013-2027

Garantia de Potência

Portaria n.º 139/2012, Portaria n.º 251/2012

Substituição do mecanismo anterior, por um novo regime de maior racionalidade e menor

incerteza 443 2012-2020

Total 2080 M€

Enquanto as medidas de redução de custos em cogeração, mini-hídricas, CMEC e garantia de potência

representavam um contributo efetivo para a redução do défice tarifário, a compra de uma extensão de preços

garantidos às eólicas (Decreto-Lei n.º 35/2013) tem sido questionada como redução custos. Considerando as

conclusões do capítulo 11 deste relatório, esta medida não pode ser considerada como redução de custos.

Assim, o impacto atribuído por vários inquiridos (Artur Trindade, Álvaro Santos Pereira, Jorge Moreira da Silva)

a este primeiro pacote (2080 M€), assumindo que as metas das restantes medidas foram alcançadas, deve ser

corrigido para 1929 M€, embora tal desiderato não seja consensual.

Relativamente às receitas das licenças de CO2 a afetar ao SEN, Álvaro Santos Pereira estimava-as em

1800M€, entre 2014 e 2020. No entanto, os cálculos da ERSE (relatórios anuais de “Proveitos e

Ajustamentos”), até 2019 tinham sido angariados apenas 378 M€, o que mesmo considerando uma trajetória

linear para o período total 2014-2020, atingiria um total de apenas 464 M€, cerca de 26% do previsto. Esta

receita configura uma perda de receita do Estado a favor do SEN, não representando por isso corte ou

poupança.

2.2 Segundo pacote de medidas

O segundo pacote de medidas foi aprovado em outubro de 2013, no quadro da 8.ª e da 9.ª avaliação da

troika, na sequência da constatação de que o primeiro pacote não seria suficiente para a eliminação do défice

tarifário. A falta de alcance das medidas deveu-se a falhas nos pressupostos do primeiro pacote (estagnação

do consumo, descida do preço do CO2, novas medidas legislativas espanholas que desequilibraram o

mercado ibérico).

As medidas aprovadas encontram-se resumidas no quadro seguinte.

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Quadro 2 – Segundo pacote de medidas, aprovado em outubro de 2013, para eliminação da dívida tarifária (em

milhões de euros) (Dados Governo)

Medidas Ato

legislativo Descrição

Montante total [M€]

Período

Clawback Decreto-Lei n.º 74/2013

Eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais

introduzidas em Espanha 300-500 2014-2020

Harmonização tarifária

Introdução de incentivos à eficiência de

custos no mecanismo de harmonização de tarifas aplicável às Regiões Autónomas

160-200 2014-2020

Remuneração terrenos

Portaria n.º 301-A/2013

Revisão da remuneração dos terrenos hídricos

100-120 2014-2020

Serviços de Sistema

Portaria n.º 301-A/2013

Despacho n.º 4694/2014

Correção das distorções no mercado de serviços de sistema

300-400 2014-2020

Contribuição centrais carvão

Não aplicada Contribuição das centrais de carvão para o

SEN 150-170 2014-2020

Total

Total (sem carvão) 1010-1390 M€ 860-1220 M€

2.2.1 A medida para a eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais

introduzidas em Espanha (Clawback)

Relativamente à medida Clawback (aprofundada no capítulo 13), as poupanças enunciadas seriam entre

300 e 500 M€.

As sucessivas alterações legislativas levaram a que os valores cobrados sejam bastante díspares

relativamente ao esperado. Segundo a ERSE nos seus documentos anuais de “proveitos permitidos”, até 2019

só teriam sido angariados 192,5 M€, o que extrapolando para o período 2014-2020, totaliza 234,6 M€, entre

47% a 78% do valor inicialmente previsto.

2.2.1.1. Contexto e legislação associada

Em 2013 é aprovado o Decreto-Lei n.º 74/2013, que aprova o mecanismo de “clawback” (retenção,

restituição) para a eliminação da distorção de mercado provocada pelas medidas fiscais introduzidas em

Espanha. O seu preâmbulo clarifica o contexto e necessidade desta medida:

“Importa instituir um mecanismo regulatório destinado a corrigir o desequilíbrio entre produtores de energia

elétrica, originado por distorções resultantes de eventos externos ao mercado grossista da eletricidade e, de

igual modo, evitar que o funcionamento anómalo do mercado se repercuta nos produtores e consumidores

portugueses. Esse objetivo é alcançado através da repartição, em função do impacto registado na formação

dos preços, dos custos de interesse económico geral.”

No seu artigo 4.º, n.º 1 – refere que:

“A repartição de custos (…), deve considerar, designadamente, os resultados de um estudo a elaborar, no

final de cada semestre, pela ERSE, (…) sobre o impacto na formação de preços médios da eletricidade no

mercado grossista em Portugal de medidas e eventos extramercado na UE e os seus efeitos redistributivos

nas diversas rubricas de proveitos que influem nas tarifas de energia elétrica”.

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A Portaria n.º 288/2013 vem regular o procedimento de elaboração do referido estudo e o mecanismo de

repartição de CIEG a suportar pelos produtores em mercado, definindo a Portaria n.º 225/2015 a fórmula de

cálculo do valor a pagar por cada produtor.

Segundo o ex-Secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, esta medida visava:

“simplesmente ter em conta eventos fiscais (…) que estavam a acontecer em Espanha que poderiam

contribuir para um agravamento do preço. Não havendo esses mesmos efeitos em Portugal, ou até eles não

existirem, visava aplicar o valor líquido entre os impostos, o agravamento de impostos em Portugal e em

Espanha aos produtores que estivessem de fora das PRE, dos CMEC e dos CAE (…) para os equilibrar com

as suas contrapartes no MIBEL que estavam no lado de Espanha.”

2.2.1.2. Repercussão tarifária dos custos com a CESE e a tarifa social: dupla tributação ou dupla

compensação?

Em 2015, em vésperas de eleições, na definição dos parâmetros para as tarifas anunciadas em 15 de

outubro, o Despacho n.º 11566-A/2015 vem redefinir a fórmula de cálculo do clawback, com vista à

contabilização da CESE e da tarifa social como eventos extramercado nacionais dedutíveis ao valor da taxa

dos eventos extramercado UE.

Deste modo, de acordo com a interpretação do ex-SEE, Seguro Sanches estava-se a legislar sobre a

repercussão indireta da CESE (ponto 11) e da tarifa social (ponto 12) através da lei do clawback. Este decreto

permitia então uma dedução das empresas dos valores pagos com a CESE e a tarifa social de 75% em 2015 e

2016, e de 100% a partir de 2017.

Artur Trindade alerta para o problema da dupla tributação e defende que, em termos líquidos, o consumidor

paga menos:

“Comecei a receber, por parte das empresas afetadas por este decreto-lei, comentários que considerei

relevantes e perigosos. Se eu não considerasse, pelo menos, qualquer «coisinha» de impostos pagos em

Portugal, em primeiro lugar não estava a cumprir o decreto-lei e, em segundo lugar, estaria a impor os

impostos de Espanha a Portugal e a somar os impostos de Portugal. (…)

Enfim, admito que pudesse passar dos 0,75 para os 0,5 e se pudesse alterar ligeiramente, mas não pôr

nada e não fazer «isto» pelo líquido seria dar um argumento de inconstitucionalidade ao decreto-lei, seria

acabar com ele e seria dar às empresas argumentos para não pagarem nada no decreto-lei. (…)

Eu ponho-os a pagar 6,5 nesse despacho que aí está e depois digo: «Podem deduzir 75% da CESE e 75%

da tarifa social», que equivaliam aos tais 2€ a 3€/MWh. Ou seja, estou a pô-los a pagar 4 e tal, em vez dos

2,5! Estou a subir o que eles vão pagar, porque achava que havia espaço para isso. Se eu não tivesse posto

esses números nesse despacho, continuava a cobrar-se os 2,5€, continuava a cobrar-se menos! Esta foi uma

forma de matar dois coelhos com um mesmo tiro!”

Artur Trindade

O ex-Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, referiu na comissão que havia uma grande

pressão em torno da repercutibilidade da CESE, nomeadamente na revisibilidade dos CMEC:

“Sempre que recebia algum dos acionistas da EDP, (…) vinham falar em duas questões, a tarifa social e a

CESE e, depois, a partir de certa altura, do clawback. Portanto, são estes os temas que sempre foram

colocados e sobre eles havia que atuar legalmente. (…) Foi uma reunião realizada comigo e com o Sr. Ministro

da Economia. E, aliás, toda a questão dos CMEC começa aqui. Pode ler-se: «Com base no acordo e

entendimentos transmitidos aos novos acionistas, a EDP comunicou ao mercado e tem assumido nas suas

contas desde 2014 o montante da CESE líquido, contribuição paga por centrais CMEC»,

(…)

Não obstante, já durante o mandato de Jorge Seguro Sanches, e após o pedido à ERSE da definição de

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novo valor para os eventos extra mercado a considerar no âmbito da UE, esta medida volta a ser alvo de novo

Despacho n.º 7557-A/2017, redefinindo a taxa que passa de 6,5€/MWh a 4,7 €/MWh e a acabando com a

dedução retroativamente:

No seu estudo de avaliação do impacto de eventos extramercado na formação do preço de mercado

grossista sob o efeito do Decreto-Lei n.º 74/2013, para o 2.º Semestre de 2014, procede-se a uma simulação

com vista a determinar o peso dos eventos extramercado relevantes nesse semestre. Para a presente nota

técnica importa, a partir destes elementos obter um valor em €/MWh com referencia a esse semestre.

Esse valor daria origem ao pagamento tarifário a aplicar aos centros electroprodutores, P_liq, definido em

€/MWh e tendo em conta a equação (simplificada) da Portaria:

P_liq = P_ue – λ P_pt

Onde P_liq é o valor líquido a cobrar, P_ue o valor dos eventos extramercado em Espanha, P_pt o valor

dos efeitos extramercado em Portugal, tudo expresso em €/MWh, e λ é um ponderador, entre 0 e 1 para os

referidos impactes.

Apesar do despacho ter que vir a publicar todos aqueles parâmetros o cenário simulado e alisado do

estudo da ERSE, do 2.º semestre de 2014, centra-se no valor de P_liq não o desdobrando, de forma explicita,

nas suas componentes, P_ue, P_pt ou mesmo λ. Ao analisar e comparar os valores de diferentes cenários é

necessário ter este aspeto metodológico em consideração.

A ERSE define claramente esta opção metodológica:

“Por outro lado, o artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013 referente ao Orçamento do Estado Português para 2014

introduz uma norma que estabelece a contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE), de

natureza fiscal, cuja incidência é suportada pelos sujeitos passivos que integram o setor energético nacional.

O valor da CESE incide sobre uma percentagem do valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos.

Em relação à CESE, o estudo apurou que as centrais portuguesas já repercutem a sua existência nas

ofertas colocadas em mercado, pelo que o efeito no preço já se encontra considerado na simulação ajustada.”

Ou seja, no 2.º semestre de 2014 a CESE é um evento extramercado, e o método utilizado pela ERSE ao

visar o P_liq (e não o P_ue) já desconta esse efeito.

Se, erradamente, se interpretasse os valores da ERSE como P_ue e não como P_liq estar-se si a

considerar o evento extramercado CESE duas vezes, dando lugar a uma sobre compensação: “Neste sentido,

não haverá lugar a qualquer outra compensação por este facto, que, a existir, constituiria uma

sobrecompensação do agente económico com centrais em Portugal”.

A ERSE vai mais longe e apresenta um teste estatístico demonstrativo do efeito da CESE enquanto evento

extramercado: “O presente estudo considera o efeito da CESE como um evento extramercado ocorrido em

Portugal, por semelhança conceptual com os eventos extramercado anteriormente caracterizados”. Os

resultados são, segundo a ERSE, estatisticamente significativos e reproduzem-se abaixo.

Coeficiente do driver Coeficiente do evento CESE

βcarv ão = 0,842 βCESE = 3,201

p-value: 0

[significância estatística]

p-value: 0

[significância estatística]

Qualidade do

ajustamento

Autocorrelação

Homoscedasticidade

Coeficientes de

regressão

R2 ajustado=0,944

Estatisticamente não existem indícios de presença de autocorrelação

(dependência) nos resíduos

Teste de White: rejeição de existência de não heteroscedasticidade na

regressão

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Coeficiente do driver Coeficiente do evento CESE

βGN = 0,982 βCESE = 6,551

p-value: 0

[significância estatística]

p-value: 0

[significância estatística]

Qualidade do

ajustamento

Autocorrelação

Homoscedasticidade

Coeficientes de

regressão

R2 ajustado=0,977

Estatisticamente não existem indícios de presença de autocorrelação

(dependência) nos resíduos

Teste de White: rejeição de existência de não heteroscedasticidade na

regressão

Coeficiente do driver Coeficiente do evento CESE

βhid = 149,44 βCESE = 19,872

p-value: 0

[significância estatística]

p-value: 0

[significância estatística]

Qualidade do

ajustamento

Autocorrelação

Homoscedasticidade

R2 ajustado=0,876

Estatisticamente não existem indícios de presença de autocorrelação

(dependência) nos resíduos

Teste de White: rejeição de existência de não heteroscedasticidade na

regressão

Coeficientes de

regressão

No cenário alisado estes valores já estão incorporados nas ofertas e, consequentemente, na simulação,

não podendo ser incluídos outra vez. Todavia o que a ERSE não faz é explicitar o valor desta parcela, que diz

já incluída em P_liq, no referencial de preço de mercado, no entanto dá uma pista, referindo que “os agentes

portugueses já repercutiram nas ofertas em mercado o valor dos pagamentos da CESE, pelo que o seu efeito

no preço de mercado já se encontra incorporado na análise efetuada no estudo”.

“Em outubro de 2017, quem me sucedeu resolveu alterar isso e fazer as contas de outra maneira — anulou

os 6,5, publicou os 4,7 e, depois, deixou de deduzir (…). O efeito líquido não sei qual é, mas não é todo

dedução (…). Mas o saldo só é positivo por causa de uma coisa: anulou-se a dedução para trás e cobrou-se

6,5 para trás, retroativamente, o que, do ponto de vista jurídico, não vou comentar. (…) para trás não pode

deduzir-se e cobram-se os 6,5; para a frente é todo um mundo novo e passa a cobrar-se os 4,7, também sem

deduzir. Hoje em dia está a cobrar-se zero (…).”

(Artur Trindade)

Artur Trindade reforça ainda a sua tese de que a medida é correta, recusando que se trate de uma

repercussão e lamentando a atuação do seu sucessor:

“Não é repercutir, mas sim cobrar, cobrar pelo valor líquido. Diria até de outra forma: se não deduzisse

esse valor da CESE e da tarifa social, no fundo, as empresas estariam a pagar duas vezes. O que se faz com

esta medida é pôr as empresas a pagar a CESE e a tarifa social duas vezes, o que é mais um argumento para

lhes dar capital de queixa e para poder até permitir-lhes que ganhassem, noutras arenas, ações contra o

Estado”.

Assim, em 2016 e 2017, a CESE e tarifa social foram consideradas explicitamente no cálculo do Clawback,

até em 2017 ser emitido um novo Despacho n.º 9371/2017, declarando a nulidade parcial do 11566-A/2015,

de modo a que os valores que tinham sido repercutidos em 2016 e 2017 na tarifa pudessem ser recuperados

pelo SEN (cerca de 100 M€).

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260

2.2.1.2.1 A ilegalidade da repercussão da CESE e da tarifa social

Para contestar a decisão do governo em 2017, a EDP contratou estudos a duas consultoras, a Poyry e a

FTI Compass-Lexecon sobre a definição dos parâmetros relacionados com a fórmula de cálculo introduzida

pela Portaria n.º 225/2015, concluindo que uma taxa que nivele a concorrência entre produtores terá sempre

de considerar uma dedução de 100% desses mesmos custos, sejam eles fixos ou variáveis. Afirmam por isso

que, com a impossibilidade da dedução dos eventos CESE e tarifa social, os produtores sofrem dupla

tributação.

Pelo seu lado, a atuação do governo partiu das seguintes premissas jurídicas:

● A proibição da repercussão da tarifa social já foi objeto do Parecer n.º 39/2012 do Conselho Consultivo

da Procuradoria-Geral da República e é explícita na própria lei da CESE:

“Artigo 5.º

Não repercussão

As importâncias suportadas pelos sujeitos passivos a título de contribuição extraordinária sobre o setor

energético não são repercutíveis, direta ou indiretamente, nas tarifas de uso das redes de transporte, de

distribuição ou de outros ativos regulados de energia elétrica e de gás natural, previstas nos regulamentos

tarifários dos respetivos setores, não devendo a contribuição ser considerada, designadamente, para efeitos

de determinação do respetivo custo de capital”.

● Só poderem ser incluídas nas tarifas de eletricidade, especialmente na sua componente de uso global

do sistema (UGS, que constitui uma componente fixa), contribuições impostas aos consumidores por via

da lei. Este despacho, ao determinar por ato administrativo a repercussão nas tarifas da eletricidade dos

custos suportados pelos produtores com a tarifa social e com a CESE, constituía a criação de uma nova

contribuição pecuniária sobre os consumidores, sendo portanto ilegal de acordo com o Código do

Procedimento Administrativo (artigo 161.º, ponto 2, alínea k): “São nulos: (…) Os atos que criem

obrigações pecuniárias não previstas na lei”;

● Os pontos 11 e 12 do referido despacho (relativos à dedução da CESE e da tarifa social no âmbito do

clawback) invocam que a determinação da repercussão se baseia no parecer da ERSE (“identificado no

estudo a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 74/2013 [parecer da ERSE]”)quando, de

acordo com este entendimento, o referido estudo é omisso no que se refere à ponderação dos custos

com a tarifa social e expressamente afasta a ponderação dos custos com a CESE, por entender que tal

constituiria uma sobrecompensação.

No entanto, se estes valores forem considerados como o apuramento do valor líquido a cobrar aos

produtores, como estabelece o Decreto-Lei n.º 74/2013, então são uma forma de evitar um regime de dupla

tributação e, por essa via, evitar a inconstitucionalidade desse regime.

Importa, por isso, evitar que, na prática, se caia num regime de dupla tributação, incompatível com o direito

nacional e com o direito europeu. Caso tal aconteça corre-se o risco de perder todo o efeito económico

positivo para o SEN, efeito este de dimensão muito maior e mais relevante do que os eventuais ganhos de

curto prazo.

2.2.2 Remuneração dos terrenos do domínio hídrico

A portaria n.º 301-A/2013 reduziu o custo com a remuneração dos terrenos, mantendo-se até ao ano de

2019, em cerca de 13 M€ anuais. Esta portaria, que enuncia como objetivo incentivar a REN a desempenhar

as suas responsabilidades de modo mais eficiente, manteve este custo estável como resultado de sucessivas

auditorias anuais que resultaram na atribuição de nota 3, que correspondem a uma taxa de remuneração de

0,1%. No seu relatório de proveitos permitidos e ajustamentos para 2019, adianta ainda que desde 2015 não

foram realizados relatórios de desempenho, pelo que decidiu assumir uma taxa de remuneração 0%.

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Na CPIPREPE, Artur Trindade avaliou a poupança resultante da Portaria n.º 301-A/2014 em 106 M€.

2.2.3 Corte de remuneração dos serviços de sistema

Em 2014 é emitido o Despacho n.º 4694/2014, que decide a auditoria da REN e institui a respetiva

comissão de acompanhamento, a qual encomenda um estudo à consultora Brattle Group, com o objetivo de

quantificar as sobrecompensações ocorridas entre 2010 e 2014 no mercado dos serviços de sistema (este

processo será detalhado em capítulo próprio).

Em paralelo, o secretário de Estado Artur Trindade procura estancar as falhas no mercado de serviços de

sistema, definindo como preço de referência o do mercado de serviço de sistema espanhol e incluindo os

custos da tele-regulação na revisibilidade dos CMEC. Desta forma, o governo procurou prevenir que a EDP,

preterindo as centrais CMEC, limitasse a sua oferta de serviços de sistema às centrais em mercado.

Segundo declarações de Artur Trindade, em 2013, ao Diário Económico, estariam aqui 70% das poupanças

anunciadas com a medida dos serviços de sistema que constava no segundo pacote de medidas de redução

de custos (300M€ a 400M€). Os outros 30% estariam ligados à não inclusão na revisibilidade dos ganhos das

centrais CMEC no mercado de serviços de sistema.

2.2.4 Contribuição das centrais a carvão para o SEN

Esta medida nunca chegou a concretizar-se. Na CPIPREPE, Artur Trindade evoca-a como uma forma de

compensação pela extensão da operação de Sines:

“Chegámos a um acordo: estudar a hipótese de a EDP na utilização da central de Sines fazê-la no

mercado, vendendo a energia e pagando o carvão e uma parte desse ganho vir para o SEN através de um

pagamento, eventualmente, limitando os ganhos associados a esse patamar. Essa medida seria sempre, na

minha opinião, um ganho para o sistema”.

Porém na redação do documento que regista o acordo entre o governo e a EDP para a redução da taxa de

juro da componente fixa do CMEC, a natureza da medida é diferente de uma contribuição:

“Caso o Governo considere adequado, a EDP terá disponibilidade para estudar uma solução que permita

baixar o custo anual do CMEC fixo através da extensão do período da cobertura de risco da central de Sines a

partir do fim do ex-CAE. A solução terá de ser vista em conjunto com a central do Pego”.

A “contribuição das centrais a carvão” assemelhava-se assim, no acordo que a previa, ao tipo de venda

antecipada de uma garantia de preços futuros que veio a ser acordada meses depois com os produtores

eólicos a título de “contribuição voluntária”:

Esta interpretação foi confirmada na CPIPREPE por António Mexia, presidente da EDP:

“O Estado queria, obviamente, receitas excecionais e propôs exploração para além dos CAE/CMEC. A

ideia era essa! Ou seja, disse «eu prolongo isto» — acho que já vimos isso em vários setores, vimos isso em

vários sentidos, temos visto isto durante muito tempo! —, mas propôs que «os senhores ficarão com um cap e

um floor»; que nunca chegou a ser discutido, mas que anda dentro de um cap e de um floor. Para nós, a ideia

não era má — sobretudo, sendo nós líderes nas renováveis, na altura, a nível mundial —, porque era óbvio

que tudo aquilo que estivesse associado ao carvão iria ter problemas. Portanto, apenas queria dizer que não

tirámos nenhuma vantagem, só sujeitámos isto a uma condição, a de que a Tejo Energia, ou seja, o outro

produtor de carvão, também aceitasse. Como não aceitou, não quisemos! Não quisemos, para não dar um

sinal, que já nos vinham preocupando, de que «os CMEC têm isto…».”

(António Mexia)

Neste sentido, as poupanças totais com o segundo pacote podem ser corrigidas para cerca 800 M€.

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2.3 Terceiro pacote de medidas

O terceiro pacote de medidas é provado em maio de 2014, na sequência da 12.ª avaliação da troika, e

advém da necessidade de uma medida adicional para a sustentabilidade do setor elétrico e do encargo dos

produtores com a redefinição das regras do apoio social dado aos consumidores economicamente vulneráveis.

Quadro 3 – Terceiro pacote de medidas aprovado (Dados Jorge Moreira da Silva, em audição à comissão)

Medidas Ato

legislativo Descrição

Montante

total [M€] Período

CESE Lei n.º 83-

C/2013

Contribuição extraordinária sobre o sector

energético 300 2014-15

Tarifa Social Decreto-Lei

n.º 172/2014

Oneração dos produtores do pagamento

da tarifa social 180 2015-2026

Total 480 M€

Neste terceiro pacote figura a CESE (contribuição extraordinária sobre o setor energético), aprovada no

orçamento do Estado para 2014 (artigo 228.º, Lei n.º 83-C/2013), e a medida da tarifa social que não é

analisada neste relatório por não visar a correção de uma renda excessiva.

Com a CESE, aprovada para 2014 e 2015 e fixada sobre os ativos das empresas de energia, isentando a

PRE, o governo esperava angariar um total de 300 M€, que deveria financiar o Fundo para a Sustentabilidade

Sistémica do Setor Energético (FSSSE) criado com o Decreto-Lei n.º 55/2014. Este tinha como objetivo

financiar “políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência

energética. Esta contribuição visa igualmente contribuir para a redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico

Nacional (SEN), designadamente, através da minimização dos encargos decorrentes de custos de interesse

económico geral (CIEG)”.

A CESE, prevista pelo Governo PSD/CDS até 2018, foi mantida nos orçamentos de Estado subsequentes a

2015, estando hoje ainda prevista a sua continuação até à eliminação do défice tarifário.

Segundo a Autoridade Tributária, em 2014 e 2015 foram cobrados a título de CESE cerca de 90M€ anuais,

não tendo sido, no entanto, transferidos para o FSSSE quaisquer fundos à data de 31 de dezembro de 2015.

Cristina Portugal, presidente da ERSE, ouvida na CPIPREPE, mostrou que, embora de 2015 a 2017

tenham sido previstos nas tarifas 50 M€ anuais de transferências do FSSSE para os CIEG, apenas ocorreram

transferências reais de 5M€ e 25M€ nos anos 2016 e 2017, respetivamente, totalizando por isso cerca de 30

M€ para abatimento do défice tarifário.

Existe, portanto, uma grande disparidade entre as estimativas das receitas conseguidas com a CESE (300

M€) e a que foi realmente conseguida até à data (30 M€) para a diminuição da fatura dos contribuintes, o que

representa uma consolidação apenas de 10% do previsto.

Em 2018, foi aprovado o reforço do FSSSE através do Decreto-Lei n.º 109-A/2018 que passa a instituir a

alocação de ⅔ da CESE ao FSSSE, e no Orçamento do Estado para 2019 (Lei n.º 71/2018) o sector das

renováveis é chamado a contribuir, com exceção dos produtores em mercado.

Já em 2018, o Secretário de Estado da Energia, João Galamba, declarou ao Jornal de Negócios, que tinha

chegado a um acordo com a EDP que iria voltar a pagar a CESE, o que representa cerca de 60M€/ano.

3. Impacto efetivo das medidas

Ao aprovar o terceiro pacote, Jorge Moreira da Silva afirma em entrevista ao Expresso nessa altura que ”Já

não existem rendas excessivas no setor elétrico” dando como finalizada a redução de custos com os pacotes

aprovados:

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"Dois (pacotes) muito orientados para a eliminação da dívida e do défice tarifário e o terceiro (que

apresentei no final da 12.ª avaliação da troika, em final de abril) muito orientado para as questões sociais e

para a competitividade das empresas. No total estamos a falar de cortes no setor energético de 4,4 mil milhões

de euros, até 2020".

Nesta comissão foram vários os números dados para o impacto destes pacotes pelos seus principais

responsáveis: 2100M€ do primeiro pacote, 1500 M€ do segundo pacote, 300M€ do terceiro pacote. No total,

cerca de 3000-3400M€ no setor elétrico e a 4000-4400M€ no total do setor da energia.

O Ministro Jorge Moreira da Silva concluiu na sua audição que só com os dois primeiros pacotes as

poupanças no setor da eletricidade atingiriam 3200 M€.

Em resposta à CPIPREPE, a ERSE atualizou o somatório dos impactos efetivamente verificados no SEN a

partir das medidas do governo PSD/CDS. Esses impactos são de dois tipos:

● Cortes de custos (garantia de potência, remuneração dos terrenos do domínio público hídrico, redução

da taxa dos CMEC, tarifa social e cogeração)

● Contribuições para o SEN (receitas das licenças de CO2, CESE e utilização do DPH, contribuição dos

produtores eólicos e “clawback”).

O documento distingue ainda entre valores previsionais (estimativas de receita a incluir na tarifa) e valores

reais (valores de pagamentos já efetivados, aos quais se reporta o seguinte gráfico.

Evolução da contribuição para o sistema tarifário das medidas de sustentabilidade do SEN, com valores reais de 2013

a 2017 (Dados ERSE) e projeção para 2020.

Soma-se entre 2013 e 2017 um impacto positivo total de 1076 M€ como efeito das medidas de

sustentabilidade do SEN.

Uma projeção para os anos de 2018, 2019 e 2020 segundo a tendência verificada de efetivação dos cortes,

no período 2013-2020 seriam atingidos 2043M€, incluindo medidas que não constavam nos pacotes, como é a

relativa às receitas do CO2.

Impacto total dos três pacotes de medidas sobre a EDP

Segundo Artur Trindade e Jorge Moreira da Silva, os pacotes de medidas teriam um impacto de cerca de

1800M€ negativos para a EDP.

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O impacto do conjunto das medidas sobre a EDP foi atualizado pela ERSE: entre 2013 e 2017 a EDP

contribuiu, entre redução de custos e pagamentos, com 414 M€ positivos para o SEN, valor que, projetado

para o horizonte 2013-2020, atinge os 718 M€, ou seja 40% dos enunciados 1800 M€.

No entanto, alguns destes impactos não se esgotam em 2020, sendo ilustrativa deste entendimento a

redução dos CMEC que perdurará até 2027.

EDP: impacto das medidas de sustentabilidade do SEN vs lucros anuais

(Fonte: ERSE e EDP)

De ressalvar, porém, que na análise aqui citada, a ERSE indica que algumas das medidas que afetam a

EDP não foram contabilizadas, uma vez que a ERSE não dispõe de informação de como “repartir” esse efeito.

Como tal, as estimativas são um minorante, pois há cortes em relação aos quais a falta de informação precisa

determina a sua consideração como zero. Por exemplo, no que respeita à cogeração, a EDP também é

afetada, não se sabe se 2% ou se 8%, mas a falta de informação determina a consideração de 0% deste corte.

Assim, o impacto de conjunto destas medidas – pelo menos 414M€ negativos no período 2013-2017 –

compara com lucros de 5552 M€, representando no mínimo 7% dos seus resultados.

Conclusões

1. No contexto da aplicação do Memorando de Entendimento com a troika teve lugar um comprovado

esforço do governo então em funções para identificação e quantificação de rendas excessivas pagas aos

produtores de eletricidade em Portugal.

2. No entanto, a prioridade dada pelo governo à medida do Memorando que previa a privatização da EDP

inibiu a aplicação do modelo de equilíbrio do SEN que o governo produziu no início do seu mandato.

3. As medidas corretivas tomadas após a privatização, entre 2012 e 2014, sendo significativas, não

corresponderam integralmente ao previsto no Memorando. Na CPIPREPE foi reconhecido pelos membros do

governo de então que a concretização da privatização condicionou o perfil das medidas adotadas.

4. O impacto das medidas adotadas verificado pela ERSE (e projetado até 2020) está, por enquanto,

aquém do objetivo dos seus autores, anunciado no momento das suas decisões. Quanto ao efeito no conjunto

do setor elétrico, os 2048 M€ positivos para o SEN, já considerados até 2020 correspondem a 60 a 68% do

previsto pelo governo de então; quanto ao impacto das medidas sobre a EDP, os 718 milhões de euros

negativos para a EDP (mínimo verificado + projetado até 2020) perfazem, em termos projetados a 2020, 40%

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da previsão do governo. Uma parte relevante destas medidas continuarão a produzir efeitos após 2020.

5. A medida do clawback tem como objetivo promover o equilíbrio concorrencial no mercado grossista de

eletricidade. O seu funcionamento não deve perverter princípios expressos da lei portuguesa, incluindo o

princípio da não existência de dupla tributação.

Recomendação

Deve ser conciliado o princípio da não elegibilidade dos custos com a tarifa social e com a CESE para

efeitos da aplicação do mecanismo de clawback, com o princípio da não existência de dupla tributação.

Capítulo 10

Serviços de Sistema

Os serviços de sistema referem-se a um conjunto de mecanismos dedicados a manter e assegurar o

equilíbrio instantâneo entre a procura e a oferta de eletricidade, garantindo a segurança e fiabilidade da

operação do sistema elétrico nacional.

Os serviços de sistema incluem:

● banda de regulação secundária: consiste no estabelecimento de um intervalo de variação da potência

do grupo gerador em torno do ponto de funcionamento em que se encontra em cada instante e no

acréscimo ou decréscimo do fornecimento de energia, conforme solicitado pelo gestor do sistema;

constitui um custo fixo de operação do sistema, pelo que é paga por todo o consumo;

● energia de reserva de regulação: visa a restituição da regulação secundária utilizada, a resposta a

uma perda máxima de produção pré-definida e a cobertura do consumo sempre que existam

diferenças significativas entre os valores previstos e os resultantes dos mercados de produção; é paga

pelos agentes de mercado que incorrerem em desvios nessa hora;

● energia de resolução de restrições técnicas: define-se por qualquer circunstância ou incidência

derivada das atividades de produção, transporte ou distribuição que, por afetar as condições de

segurança, qualidade e fiabilidade do abastecimento, requer a modificação dos programas de energia

elétrica; é um custo suportado por todo o consumo.

Os custos deste mecanismo são repercutidos diretamente na formação do preço final da energia, refletindo

esta componente uma oferta de âmbito nacional estruturalmente concentrada no grupo EDP.

Componentes da formação de preço final grossista

(Fonte: ERSE)

A potência habilitada a integrar o mercado de serviços de sistema provém na sua maior parte (60%) de

centrais com CMEC ou CAE, sendo a restante proveniente de centrais em mercado.

Em 2012, a EDP detinha 74% da potência possível de telerregular (correspondente ao serviço de sistema

de banda de regulação secundária), essencialmente com centrais hídricas e de ciclo combinado (gás),

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correspondendo a 78% da disponibilidade total de centrais com CMEC, e 69% de centrais em mercado, o que

segundo Artur Trindade, quando ouvido na CPIPREPE, corresponde a ⅔ dos custos do mercado de serviços

de sistema.

1. Primeiros indícios de falha no mercado de serviços de sistema

Em 2010-2011, a ERSE identifica baixos níveis de prestação do serviço de telerregulação pelos centros

eletroprodutores ao abrigo dos CMEC, nomeadamente nas centrais hídricas de Bemposta e Picote, que detêm

também grupos geradores em mercado (sem CMEC).

“21. (…) foram detetados, tanto pela ERSE como pela AdC, indícios de baixos níveis de utilização das

centrais CMEC na prestação de serviço de telerregulação, em comparação com centrais hidroelétricas em

regime de mercado. Indícios que remontam, pelo menos, a 2010 e se estendem, como se verá infra, até

2013/2014. (…)

23. Essas diferenças de utilização são especialmente evidentes, por exemplo, no caso da barragem de

Picote, caso particular em que uma mesma barragem dispõe, simultaneamente, de grupos geradores em

regime CMEC e grupos geradores em regime de mercado, ambos aptos para prestar este tipo de serviço.

24. Tais indícios de subutilização ocorrem num contexto no qual se demonstrou a existência de capacidade

dessas centrais, economicamente e fisicamente disponível, que, ainda assim, não foi oferecida em mercado

por razões externas à própria operação desses equipamentos produtivos.

Abertura de Inquérito de contraordenação, AdC, 2016

Em 2012, face ao aumento registado dos preços no mercado de serviços de sistema, nomeadamente no

mercado de banda de regulação secundária, com um aumento de custo a suportar de 45 M€, a ERSE elabora

uma análise dos custos de mercado de serviços de sistema na sequência do qual solicita à Autoridade da

Concorrência (AdC) um relatório sobre eventual abuso de mercado por parte da EDP, que poderia explicar a

subida dos preços no mercado de serviços de sistema na ausência de eventos extraordinários que o

justificassem. A AdC confirma então uma falha no mecanismo de revisibilidade dos CMEC – que ignora a

participação ou ausência das centrais CMEC neste mercado e, em 2013, recomenda ao governo a realização

de uma auditoria. Perante esta falha, a EDP terá adotado estratégias de oferta que maximizaram a

componente CMEC da remuneração das centrais sob esse regime, concentrando nas centrais em mercado as

ofertas que realizava.

No gráfico seguinte é possível observar como as receitas dos serviços de sistema em Centrais CMEC

(Azul) começaram a descer em 2010 até 2013, até que voltam a subir com a publicação do despacho

4694/2014, altura em que face ao processo em curso, a EDP voltou a regularizar a oferta no mercado dos

serviços de sistema com as centrais com CMEC.

(Dados retirados dos relatórios anuais de proveitos permitidos e ajustamentos, ERSE)

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2. Intervenção de governo e estudo da Brattle Group

Em 2014 é emitido o Despacho n.º 4694/2014, que decide a auditoria da REN e institui a respetiva

comissão de acompanhamento, a qual encomenda um estudo à consultora Brattle Group, com o objetivo de

quantificar as sobrecompensações ocorridas entre 2010 e 2014 no mercado dos serviços de sistema.

Nesse despacho, Artur Trindade define que:

“Caso a auditoria (…) conclua que se verificou uma sobrecompensação no modo de cálculo da

revisibilidade CMEC, os respetivos montantes, determinados no âmbito da auditoria, devem ser refletidos no

mecanismo de revisibilidade”.

Em paralelo, o Governo procura estancar as falhas no mercado de serviços de sistema, definindo como

preço de referência o do mercado de serviço de sistema espanhol e incluindo os custos da telerregulação na

revisibilidade dos CMEC. Desta forma, o governo procurou prevenir que a EDP, preterindo as centrais CMEC,

limitasse a sua oferta de serviços de sistema às centrais em mercado. Segundo declarações do secretário de

Estado Artur Trindade, em 2013, ao Diário Económico, estariam aqui 70% das poupanças anunciadas com a

medida dos serviços de sistema que constava no segundo pacote de medidas de redução de custos (300M€ a

400M€). Os outros 30% estariam ligados à falha de contabilizar o mercado dos serviços de sistema na

revisibilidade dos CMEC.

2.1. Sobrecusto identificado pelo relatório Brattle

Os resultados do estudo da Brattle Group só foram conhecidos em 2016, já durante o mandato do

Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches. Nesse estudo, consoante os cenários e pressupostos

considerados, foram identificados os seguintes sobrecustos:

● Num cenário de quantidade e para o mercado de banda regulação secundária, conclui-se que as

centrais com CMEC, adotando um comportamento ineficiente, auferiram menos 46,6 M€ a 72,9 M€

(consoante se considere um prémio de risco 10€/MWh ou nulo);

● Num cenário de efeito total, constataram-se lucros adicionais das centrais em mercado (sem CMEC) da

EDP, entre 59,6M€ e 143,2M€ (com ou sem aquele prémio de risco).

Face a estes resultados da auditoria e ao parecer da comissão de acompanhamento, Jorge Seguro

Sanches emite o Despacho n.º 10 840/2016, onde pede a diferentes instituições com responsabilidades no

setor energético (DGEG, ERSE, AdC) para que, face aos resultados do relatório, tomem as diligências

necessárias. Para além disso, pede também que os resultados da auditoria sejam enviados à Direção Geral da

Concorrência da Comissão Europeia a fim de averiguar se esta sobrecompensação no mercado dos serviços

de sistema é enquadrável na autorização do auxílio estatal CMEC – Decisão n.º 161/2004. A DGEG e ERSE,

face a este pedido, sugerem a inclusão na projeção das tarifas de 2018 o abatimento dos custos de

sobrecompensação apurados pelo relatório da Brattle Group, na quantia de 72,9 M€.

A EDP contestou a cobrança deste valor, acusando «erros grosseiros» nos relatórios da Brattle Group e da

comissão de acompanhamento da auditoria. Pelo seu lado, apresentou um relatório da consultora FTI

Compass-Lexecon que indica não existir qualquer sobrecompensação.

“Olhando para o relatório da Brattle sobre a sobrecompensação dos CMEC, por causa da participação no

mercado de banda secundária, entendemos que a melhor maneira de resolver essa posição dominante da

EDP era, obviamente, sancionar a EDP quando se justifique — e a Autoridade da Concorrência está nesse

processo —, mas era, sobretudo, criar concorrência onde ela hoje não existe, portanto, permitir que outros

possam participar no mercado de serviços de sistema”.

(João Galamba)

Segundo Galamba, o problema nos serviços de sistema é a existência de um quase monopólio, que leva a

situações de falha de mercado e sobrecusto:

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“Hoje, nos serviços de sistema, é a EDP que tem praticamente o monopólio da prestação destes serviços.

Como é que se cria mais concorrência?! Abrindo esse mercado a outros participantes. (…) Ou seja, quanto

mais produção descentralizada, agregadores, redes inteligentes, com o lançamento de tudo isso, podemos

rever todos os serviços de sistema, nomeadamente criando concorrência onde ela hoje não existe. (…) Estas

mudanças e a questão dos agregadores que referi são instrumentos fundamentais para criar concorrência

nesse mercado e para reduzir algumas rendas que hoje existem, não por vício contratual, mas pelo simples

facto de que quem presta aquele serviço é uma só empresa, ou são poucas empresas, por isso, essa empresa

tem facilidade em apropriar-se de ganhos, com prejuízo para os consumidores”.

2.2. Atuação da Autoridade da Concorrência

Após o relatório da ERSE em 2012, foi requerido à AdC um relatório sobre eventuais práticas de abuso no

mercado de serviços de sistema. Nesse sentido, é detetada a falha no mecanismo de revisibilidade dos

CMEC, e em 2013 recomenda ao governo que seja feita uma auditoria. No entanto, apenas em 2016, já com

os resultados da auditoria dados a conhecer com o Despacho n.º 10 840/2016, a AdC abre um processo de

contraordenação à EDP no âmbito das práticas abusivas no mercado dos serviços de sistema, embora a sua

recomendação ao governo, sobre os indícios das alegadas práticas abusivas, remonte a 2013. Nesse

documento é identificado:

“25. Este tipo de gestão da oferta no mercado de banda de regulação secundária — na conjuntura em que

é adotado, oportunamente descrita no Estudo desenvolvido pela ERSE e, posteriormente, nos relatórios de

auditoria — aparenta estar na origem da subida dos preços no mercado no período em causa. (…)

27. De facto, no quadro do regime CMEC — em que a empresa é compensada até ao limite dos benefícios

económicos equivalentes aos proporcionados pelos (terminados) CAE, no caso de tais benefícios não serem

assegurados através das receitas obtidas pelas centrais em regime de mercado—a existe um incentivo

estratégico de aumento de lucros, concretizável através de uma prática de redução da atividade das centrais

em regime CMEC em contrapartida de um aumento da atividade das centrais não abrangidas por

compensações CMEC. (…)

29. Assim, em resultado dos baixos níveis de utilização das centrais CMEC na prestação de serviço de

telerregulação em comparação com centrais hidroelétricas em regime de mercado, e para além da eventual

sobrecompensação do Auxílio de Estado atribuído à EDP produção, foi potenciada a prática de preços mais

altos no mercado de banda secundária.”

Abertura de Inquérito de contraordenação, AdC, 2016

Segundo Margarida Matos Rosa, na sua apresentação na CPIPREPE, esta prática onerou os

consumidores duplamente, por via do aumento do valor das compensações pagas à EDP Produção a título de

CMEC e por via do aumento dos preços da banda de regulação secundária, permitindo à EDP Produção

beneficiar de receitas mais elevadas através das centrais não-CMEC.

A AdC estima que esta dupla compensação obtida pela EDP Produção tenha gerado um sobrecusto de

cerca de 140 milhões de euros para o SEN e para os consumidores.

Sobre o processo de contraordenação em curso, em setembro de 2018 foi adotada uma Nota de Ilicitude

contra a EDP Produção, sobre a qual esta se pronunciou em novembro seguinte.

Em 2019, o atual secretário de Estado João Galamba, ouvido na comissão, afirmou que “em princípio, o

processo deverá avançar para uma multa por parte da Autoridade da Concorrência [à EDP]”, não tendo, no

entanto, referido nenhum valor.

Face à dúvida levantada pela comissão de acompanhamento da auditoria, sobre se o valor do sobrecusto

identificado no relatório deveria ser abatido à tarifa (e por isso considerado um aspeto inovatório), João

Galamba considera que a sobrecompensação ocorrida no mercado de serviços de sistema não é um aspeto

inovatório da natureza dos que a ERSE identificou quanto aos CMEC (isto é: vantagens adicionadas por atos

administrativos posteriores ao Decreto-Lei n.º 240/2004), mas sim um abuso de posição dominante a penalizar

em sede própria, alheio à revisibilidade dos CMEC:

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“A DGEG envia-me o processo e eu irei perguntar à DGEG e à ERSE os fundamentos para considerar a

sobrecompensação dos CMEC um aspeto inovatório porque me parece que neste caso não estamos perante

um aspeto inovatório, estamos, sim, perante um abuso de posição dominante, que deve ser sancionado e está

a ser sancionado pela Autoridade da Concorrência em sede própria. (…) A sanção, a existir, virá da

Autoridade da Concorrência e não de uma penalização via tarifa, e porque me parece, também, que não se

pode sancionar uma empresa duas vezes.”

(João Galamba)

Conclusão

A existência de sobrecompensações pagas à EDP no âmbito do mercado de serviços de sistema é matéria

de grande complexidade técnica que tem sido estudada ao longo dos últimos seis anos em diversas

instâncias. O SEN foi prejudicado pela EDP em valores que são avaliados de 72,9 M€ (ERSE/DGEG) a 140

M€ (AdC).

A correção da legislação introduzida em 2014 terá impedido eventuais estratégias de abuso de posição

dominante por parte da EDP.

Recomendação

A integração dos serviços de sistema, em termos de política energética e planeamento estratégico do SEN,

tal como de outros instrumentos de gestão de oferta e procura em modelos concorrenciais que propiciem a

redução de custos para os consumidores e a maximização da integração da produção de fonte renovável.

Capítulo 11

O novo regime remuneratório da produção eólica aprovado em 2013

O Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro, foi aprovado em Conselho de Ministros em dezembro de

2012. Para o apresentar, recorremos ao próprio preâmbulo do diploma:

“Na linha dos compromissos assumidos no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de

Política Económica, celebrado em maio de 2011, entre o Estado Português, o Banco Central Europeu e a

Comissão Europeia, foram encetadas conversações com a APREN – Associação Portuguesa de Energias

Renováveis (APREN), que representa os interesses dos titulares de centros eletroprodutores a partir de fontes

renováveis, com vista à densificação do enquadramento remuneratório aplicável às instalações eólicas

existentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 33-A/2005, de 16 de fevereiro, após o decurso dos

respetivos períodos de remuneração garantida, em termos passíveis de conjugar a resposta às referidas

questões de segurança jurídica [alegadas atrás quanto ao “regime remuneratório ou à forma da sua

remuneração”] com o imperativo de promoção da sustentabilidade económica e social do SEN.

No seguimento dessas conversações, e em conformidade com o acordo de princípio aí alcançado, o

presente decreto-lei prevê a possibilidade de adesão por parte das referidas instalações a um de entre quatro

regimes remuneratórios alternativos, destinados a vigorar por um período determinado, para além dos

períodos de remuneração garantida. A adesão aos mencionados regimes remuneratórios, selecionados pelos

titulares de cada instalação em função das suas particularidades, implica o pagamento de uma compensação

anual destinada a contribuir para a sustentabilidade do SEN, permitindo, assim, preservar a estabilidade

remuneratória dos centros eletroprodutores eólicos, ao mesmo tempo que assegura a mitigação do impacto na

fatura energética dos sobrecustos anuais resultantes do apoio à produção de eletricidade a partir de fontes

eólicas”.

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1. O contexto em que surge a medida

1.1. O Memorando de Entendimento com a troika e a limitação dos sobrecustos associados à

Produção em Regime Especial (PRE)

Um dos afirmados objetivos do Memorando de Entendimento assinado em maio de 2011 entre o governo

José Sócrates e a troika era “assegurar que a redução da dependência energética e a promoção das energias

renováveis seja feita de modo a limitar os sobrecustos associados à produção de electricidade nos regimes

ordinário e especial (cogeração e renováveis)”.

Na sua medida 5.9, o Memorando encarregava as autoridades portuguesas de, “em relação aos actuais

contratos em renováveis, avaliar, num relatório, a possibilidade de acordar uma renegociação dos contratos,

com vista a uma tarifa bonificada de venda mais baixa”, sendo o prazo de concretização desta medida o

quarto trimestre de 2011.

1.2. A proposta da EDP e a resposta do Governo

No final de julho de 2011, Henrique Gomes, secretário de Estado da Energia do recém-empossado

Governo PSD/CDS, convoca a EDP a uma reunião para a discussão dos pontos do Memorando. Nessa

reunião, a 2 de agosto, a EDP apresenta uma proposta global, assente essencialmente em diferimentos de

custos e no corte de remunerações na cogeração (analisada noutro capítulo deste relatório) e que inclui,

quanto à restante Produção em Regime Especial, a “criação de um mecanismo de adesão voluntária

previamente formalizada para compra pelos produtores da extensão do período de tarifa garantida”.

A ideia não é bem acolhida pelo secretário de Estado da Energia, mas a EDP insiste em outubro de 2011,

incluindo-a novamente na proposta de entendimento sobre “medidas para a revisão dos custos do sector

eléctrico” que remete ao governo. A proposta é agora mais detalhada:

“Reformulação do prazo de tarifa bonificada garantida aplicável à produção de electricidade com tecnologia

eólica (parques existentes cuja capacidade não foi objecto de procedimento concursal).

(…) a única forma equilibrada de se agir sobre este universo é através da proposta de um negócio,

totalmente separado do existente, mas que poderá ser benéfico para o sistema eléctrico e para o Estado,

mantendo o equilíbrio contratual dos promotores.

A medida proposta consiste em colocar à disposição dos promotores um prolongamento do período pelo

qual recebem a tarifa bonificada, tendo como contrapartida um pagamento a suportar pelos produtores a favor

da tarifa, durante os próximos 2 a 3 anos, em montante a definir.

Esta medida permite ultrapassar os constrangimentos dos parques em project finance por não afectar os

cash-flows do projecto, garante um encaixe financeiro para o sistema eléctrico já no curto prazo e confere uma

maior estabilidade temporal aos promotores”.

O Secretário de Estado Henrique Gomes remete então ao Ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira,

uma nota interna sobre a proposta de acordo da EDP de 4 de outubro. Nessa nota, sobre as negociações,

explicita que:

“A reformulação do prazo da tarifa bonificada garantida à produção eólica consiste em prolongar no tempo

o direito à remuneração garantida (3 a 5 anos, de acordo com a proposta efectuada por um conjunto de

produtores que representam cerca de 80% da potência instalada relevante) em troca de um pagamento a favor

do sistema tarifário a efectuar pelos produtores (15000€/MW instalado por cada ano de extensão, de acordo

com a referida proposta).

Conclusão: Esta medida insere-se na lógica de “empurrar” para o futuro os custos dos compromissos

assumidos no passado, não contribuindo para resolver os problemas estruturais e aumentando os riscos do

SEN. Isenta os produtores eólicos de empreenderem qualquer esforço de redução de custos do sistema

eléctrico”.

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1.3. A queda da contribuição especial e a insistência da troika sobre redução de custos com a PRE

No início de dezembro, na sequência do abandono pelo governo do projeto de contribuição especial do

setor elétrico preparada no ministério da Economia (ver capítulo anterior), a segunda revisão do Memorando

adita a medida 5.15:

“Serão tomadas medidas para colocar o SEN numa trajetória sustentável, para eliminar o défice tarifário em

2020 e assegurar a sua estabilização em 2013. Este prazo é sujeito a uma revisão baseada num relatório a

propor pelo governo que especificará também como serão corrigidas as rendas excessivas na produção nos

regimes ordinário (CMEC, CAE, garantia de potência) e especial (cogeração e renováveis). Esta proposta

considerará os méritos de um largo espectro de medidas que cobrirão todas as fontes de rendas”.

A CPIPREPE apurou que este relatório sobre rendas excessivas no setor elétrico (que anexou o estudo da

CEPA – Cambridge Economic Policy Associates) teve duas versões.

A primeira versão, com data de 31 de janeiro de 2011, foi encontrada no arquivo do Ministério da

Economia. É a versão que Henrique Gomes entregou ao ministro e que este encaminhou a Carlos Moedas, o

membro do governo responsável pela Estrutura de Acompanhamento do Memorando (ESAME).

De acordo com Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes (e também do seu

sucessor, Artur Trindade), o secretário de Estado considerou não ter condições para intervir sobre as

remunerações dos CMEC e da PRE eólica, não incluindo esses temas na sua proposta.

“O engenheiro Henrique Gomes entendeu, face ao abandono do tema da contribuição, que não existiria, à

data, uma terapêutica no tocava aos CMEC e à PRE, e, neste caso, estamos basicamente a falar na eólica

(…) Este documento foi objeto de alguma discussão entre o Ministério da Economia e a ESAME e houve uma

série de reuniões posteriores — estamos a falar de dezembro, início de janeiro — no sentido de o consolidar.

Creio que o que estava a passar-se tratava-se, acima de tudo, de mensagens políticas”.

(Tiago Andrade e Sousa, chefe de gabinete de Henrique Gomes, 2011-2012)

O membro do governo que liderava a ESAME era Carlos Moedas, que no seu testemunho afirmou:

Não sou especialista nem me lembro exatamente desse decreto-lei [35/2013] em particular. (…) Recordo-

me da negociação no seu conjunto. (…) Tínhamos de chegar a 2,1 mil milhões de cortes. Na verdade, eu tinha

de ter um papel pragmático, que era pedir ao ministro da Economia que me enviasse como é que chegava a

esse valor. E assim foi. Esse valor era atingido por várias negociações, fosse nos CMEC, na garantia de

potência, na cogeração, isso para mim não era o meu dia a dia. Portanto, para lhe responder com toda a

franqueza, não me lembro exatamente desse ponto porque não era parte do meu trabalho; o meu trabalho era

receber o que estava a ser feito, as soluções, e ir para a frente. Era essa a minha função”.

(Carlos Moedas, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro, 2011-2014)

Deste trabalho conjunto entre as equipas do Ministério da Economia e da ESAME, resulta, a 9 de fevereiro,

a segunda versão do referido relatório, a única efetivamente entregue à troika. Este segundo documento

nunca foi encontrado nos arquivos do governo no seguimento dos pedidos da CPIPREPE, tendo sido obtido

por esta junto da OCDE (que o cita num estudo sobre a economia portuguesa). Nesse documento é

introduzida, em termos em tudo semelhantes aos da proposta adiantada três meses antes pela EDP, a medida

de extensão da tarifa garantida das centrais eólicas:

“Dado que a maioria dos investimentos [em centrais eólicas] envolvemproject-finance ou estruturas

complexas de financiamento e de capital, desenhadas em articulação com os contratos de FIT [feed-in tariff]

atualmente existentes,foi discutido um esquema alternativo, financeiramente equivalente a uma redução das

FIT, em troca de uma extensão do período garantido: em vez de reduzir desde já as FIT (que desencadearia

eventos de crédito nos project-financesubjacentes e conduziria estes produtores a uma situação de falência),

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a maioria dos produtores (cerca de 65% concordaram em adiantar uma determinada quantia em troca de

comprarem a extensão desta tarifa garantida).

Esta operação implicaria o pagamento de 50M€/ano por cada ano adicional de extensão da FIT garantida

(a proposta foi uma extensão de três anos, num total de 150M€ ao fim de três anos). O lado negativo desta

medida seria a extensão por mais três da atual estrutura de FIT para estes operadores, atrasando a venda de

eletricidade gerada em centrais eólicas a preços de mercado. Em todo o caso, a medida precisa de ser

aprofundada para assegurar a sua neutralidade financeira no défice tarifário”.

A existência de acordo, em janeiro de 2011, por parte de 65% dos produtores para adesão à medida foi

contestada na CPIPREPE pelo presidente da Associação dos Produtores de Energias Renováveis (APREN),

António Sá da Costa:

“Também fui confrontado com esta história dos 65% e não faço ideia de onde foram inventar os 65%! Nem

quem foi, nem de onde veio esse valor! Porque para arranjar 65%… Fui fazer umas contas e, para ter 65% da

potência da altura, tinha de falar com oito ou nove dos maiores promotores. E, depois, se tirássemos o maior e

começássemos a descer, então o número começava a crescer. Eu dei-me ao trabalho, antes de responder à

vossa questão, de falar não com os oito, mas com os sete — deixei a EDP de fora, que não sabia o que se

tinha passado — e fui falar com os CEO [chief executive officers] de todos os sete da altura e todos me

disseram que nunca souberam do assunto. (…) A primeira vez que fui chamado a falar deste assunto, não sei

se foi em maio ou junho de 2012, já era o Dr. Artur Trindade. O trabalho que fizemos desenvolveu-se

fundamentalmente em julho e agosto. A proposta que ele nos pôs em cima da mesa foi no final de agosto de

2012”.

(Sá da Costa, presidente da APREN)

A proposta do governo aos produtores eólicos veio a dar origem ao Decreto-Lei n.º 35/2013, que prevê,

terminados os 15 anos da tarifa garantida estabelecida no Decreto-Lei n.º 33-A/2005, a extensão da garantia

de escoamento de toda a produção eólica e o pagamento dessa eletricidade ao preço do mercado a preço

mínimo (floor) em duas modalidades:

1) a primeira assegura a remuneração numa banda que pode variar entre um chão (floor) –

aproximadamente 69€/MWh em 2020 – e, se o preço do mercado estiver acima desse valor, um teto (cap) de

90€/MWh, valor em 2020;

2) a segunda modalidade garante aos produtores, em 2021, um floor mais baixo, de 55€/MWh; mas, se o

mercado estiver acima desse valor, é esse o preço pago ao produtor, sem qualquer teto.

Ambas as modalidades podem ser praticadas por períodos de 5 ou de 7 anos, à discrição do produtor. Os

números da distribuição da potência pelas diferentes modalidades são disponibilizados pela ERSE.

A compra da extensão do período de tarifa garantida tem sido concretizada mediante uma “contribuição

voluntária” anual, paga ao SEN pelos produtores ao longo de oito anos (2013-2020) de acordo com a potência

inscrita, da modalidade escolhida e do período de extensão. A receita anual do SEN é de 27,7M€ anuais, ou

222M€ no total (valor sem inflação).

Adicionalmente, o governo assegurou nesse acordo com a APREN a criação de um regime de escoamento

garantido da eletricidade produzida por potência instalada em sobreequipamento (capacidade adicional em

centrais já existentes) com regime FIT específico para essa potência. O novo regime, estabelecido no Decreto-

Lei n.º 94/2014, fixou uma FIT de 60€/MWh mas permitiu que, mediante pagamento dos oito anos de

“contribuição voluntária” ao SEN, essa potência transite para o regime do Decreto-Lei n.º 35/2013.

Praticamente toda a produção eólica existente no país em 2013 aderiu ao regime do Decreto-Lei n.º

35/2013, repartindo-se pelas suas modalidade da seguinte forma (fonte: ERSE):

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Regime Duração Potência

floor 69 + cap 90 5 anos 273,9 MW

floor 69 + cap 90 7 anos 4045,5 MW

floor 55 5 anos 33,8 MW

floor 55 7 anos 478 MW

Fonte: SEE, resposta a requerimento do Bloco de Esquerda, janeiro 2018

1.5 O impacto incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013

Desde o início dos trabalhos da CPIPREPE, o impacto tarifário desta extensão de garantias pelo Decreto-

Lei n.º 35/2013 foi objeto de acesa controvérsia. Para a encerrar, este relatório adota a metodologia de

avaliação defendida pelo ex-secretário de Estado Artur Trindade para esta medida política que ele próprio

tomou:

“Quando se analisa uma medida, é importante ver, nessa legislação, nesta medida, o que é que existia se a

medida não fosse tomada e o que é que existe se a medida for tomada. (…) Uma coisa é criticar o regime dos

produtores eólicos, outra coisa é analisar o impacto, se quiserem, incremental que este decreto-lei teve nesses

mesmos produtores”.

1.5.1 O que existiria se o Decreto-Lei n.º 35/2013 não tivesse sido aprovado pelo governo?

Sem o Decreto-Lei n.º 35/2013, estaria em plena aplicação o Decreto-Lei n.º 33-A/2005, que no seu artigo

4.º define o regime para a remuneração da produção eólica após os 15 anos de FIT definidos em 2005:

“Artigo 4.º

Âmbito de aplicação

1 – À electricidade produzida em instalações que já tenham obtido licença de estabelecimento à data da

entrada em vigor do presente diploma e à electricidade produzida em instalações cujo pedido de informação

prévia tenha sido respondido favoravelmente pela DGGE até à data de entrada em vigor do presente diploma

e venham a obter a respectiva licença de estabelecimento no prazo de um ano. (…)

3 – Para as instalações previstas no n.º 1, o regime de remuneração em vigor até à data de entrada em

vigor do presente diploma mantém-se (…) b) por um prazo de 15 anos a contar da data de entrada em vigor

do presente diploma, para as instalações não hídricas já em exploração;

4 – No final do período de 15 anos referido no número anterior, excepto no caso das PCH [pequenas

centrais hídricas], as instalações são remuneradas pelo fornecimento da electricidade entregue à rede a

preços de mercado e pelas receitas obtidas pela venda de certificados verdes mencionados no preâmbulo da

Directiva 2001/77/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Setembro;

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5 – Se no final do período referido nas alíneas b) e c) do n.º 3 não existirem certificados verdes

transaccionáveis, aplica-se, durante um período adicional de cinco anos, a tarifa referente às centrais

renováveis com início de exploração nessa data”.

(Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 33-A/2005)

No início das negociações com a APREN para a venda aos produtores eólicos de uma extensão de preço

garantido, ficou claro um primeiro ponto: o governo excluía totalmente do cenário pós-2020 a venda em

mercado adicionada das receitas de certificados verdes prevista no ponto 4 do artigo 4.º da Lei n.º 33-A/2005:

“Foi-nos transmitido pelo Secretário de Estado Artur Trindade que não era intenção… É que já se tinha

provado que os certificados verdes não funcionam na Europa, não funcionaram, nunca. (…) Portanto, era

muito complexo e diz-se: «nós não vamos ter»”.

(Sá da Costa, presidente da APREN)

“O que temos por detrás desta análise são os direitos que eles já tinham, os direitos adquiridos. Poderão

ser esses cinco anos de tarifas ou o regime de certificados verdes, em relação aos quais eu disse «só por

cima do meu cadáver». Os certificados verdes são a coisa pior em termos de promoção, não de garantias de

origem. De todo o histórico, por todo o planeta, o pior que existe em termos de custos são os certificados

verdes. Há vários exemplos aí documentados disso. Eles geram subsídios mais altos. E, portanto, nunca lhes

ia dar”.

(Artur Trindade, secretário de Estado da Energia, 2012-2015)

Assim, o direito constituído pelo Decreto-Lei n.º 33-A/2005 está claro e corresponde ao regime definido no

ponto 5 do artigo 4.º aplicado ao universo de produtores definido no ponto 1 do mesmo artigo: no final de

2020, as centrais eólicas licenciadas até final de 2006 – e só essas – receberiam, por cinco anos adicionais

(até 2025), a tarifa fixa que tivesse sido atribuída às centrais com início de exploração em 2021.

Por força da lei, as centrais com início de exploração em 2021 seriam atribuídas por mecanismo

concorrencial. A tarifa assim determinada refletiria necessariamente o embaratecimento das tecnologias, como

efetivamente se tem verificado de forma acelerada.

Assim, das centrais hoje em funcionamento, estariam excluídas desta extensão todas as que foram

atribuídas pelos concursos de 2005-2007. A realização de um único concurso antes de 2020 e o licenciamento

da respetiva produção bastariam para fixar a nova tarifa a pagar à potência abrangida pelo Decreto-Lei n.º 33-

A/2005 (4379 MW), admitindo que não era instituído o regime de certificados verdes previsto nesse diploma de

2005.

Por outro lado, é bastante evidente que o regime de certificados verdes, pós FiT é a linha geral do Diploma.

Os 5 anos adicionais de extensão da FiT eram um regime de Salvaguarda. Ora, os certificados verdes

abrangeriam toda a potência, já estavam previstos no tempo do concurso, logo seria reclamado pelas

restantes centrais como alternativa aos certificados verdes, no caso de estes não viram a existir.

1.5.2 Os pressupostos do acordo entre o Governo e a APREN

A negociação entre governo e APREN assentou num pressuposto arbitrário e não explicado, o de que,

entre 2012 e 2020, não se realizaria qualquer novo concurso.

“O que se disse foi que a tarifa de exploração a essa data [2021], era a que estava em vigor na altura

[2012]. Não havia nenhum mecanismo para haver alguma redução”.

(Sá da Costa)

“Na altura [das negociações, em 2012], ninguém pensava que uma central eólica iria entrar em

funcionamento nos próximos anos. E olhe que, para entrar em funcionamento em 2018, tinha de começar o

licenciamento em 2015 ou 2016”.

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(Artur Trindade)

Ora, como claramente explicou Carlos Pimenta na CPIPREPE, o mecanismo para a redução da FIT estava

disponível – e até era explicitado pelo Decreto-Lei n.º 33-A/2005:

“[Depois de 2006] nunca mais se fizeram concursos. Para capturar isto [a redução dos custos de

investimento em produção eólica], o Sr. Deputado fazia um concurso agora e tinha tarifas 20 euros mais

abaixo do que teve no último concurso”.

(Carlos Pimenta, ex-Secretário de Estado do Ambiente, presidente não-executivo do consórcio Novenergia,

e especialista em renováveis)

Ora, o Governo PSD/CDS – o primeiro a quem foi feita a proposta de venda de uma extensão da tarifa –

optou não só por não promover esse concurso, mas também por eliminá-lo como referência da remuneração

futura. O último concurso realizado para centrais eólicas foi vencido em 2007 pelo consórcio Ventinvest, com

uma tarifa de 70€/MWh.

“O Secretário de Estado disse-nos: «então vocês têm, pelo menos por 5 anos, a tarifa garantida dos 74 €

[tarifa do concurso Ventinvest atualizada a 2012], crescendo com a inflação», que era o regime que estava.

Isso já nós tínhamos. E ele disse: «Então está bem. Vocês podem receber o valor do mercado com os 74 € de

floor e um cap, um teto, de 98 €».

(Sá da Costa, presidente da APREN)

Assim, se o Decreto-Lei n.º 35/2013 não existisse, toda a potência eólica licenciada antes dos concursos de

2005-2007 beneficiaria por cinco anos adicionais de uma tarifa fixa (correspondente ao valor da tarifa atribuída

à última central licenciada até àquela data). O valor dessa tarifa é o da última central licenciada (72€ em

2008+inflação) ou um valor de leilão que é desconhecido porque não se realizou em Portugal qualquer

concurso desde 2007. Mais adiante, tomaremos como referência de cálculos o valor indicado por Carlos

Pimenta (50€/MWh em 2018) e também outros, superiores e inferiores, verificados em leilões de potência

eólica recentes, realizados noutros países.

Por fim, sob o Decreto-Lei n.º 33-A/2005, o SEN não encaixaria a “contribuição voluntária” (cerca de 27

M€/ano) paga pelo conjunto dos produtores pela compra da extensão de preços garantidos prevista no

Decreto-Lei n.º 35/2013.

Decreto-Lei n.º 33-A/2005 Decreto-Lei n.º 35/2013

Risco tarifa fixa

última central licenciada antes de 2021

tarifa mercado com ● floor 69/MWh cap 90/MWh

● floor 55€/MWh

Dimensão 3386 MW (não inclui concursos pós 2005)

4832 MW (inclui centrais por concurso)

Prazo 5 anos 7 anos (4524 MW) 5 anos (307MW)

receita — c. 222 milhões de euros

1.5.3 O que passou a existir com o Decreto-Lei n.º 35/2013?

Sob o Governo PSD/CDS e a tutela do ministro Santos Pereira e do secretário de Estado Artur Trindade, foi

decidido que:

– em vez de uma tarifa fixa, é criado um regime assente num floor que acompanha o preço de mercado e

assim transfere grande parte do risco para o lado dos consumidores;

– em vez de uma garantia por 5 anos, é oferecida uma garantia por 5 ou 7 anos, sendo a segunda a

escolhida por 87,5% da capacidade eólica;

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– as centrais atribuídas por concurso após 2005 (que se pode argumentar estarem excluídas de qualquer

benefício sob o Decreto-Lei n.º 33-A/2005) passaram a estar cobertas por um regime de garantia por 5 ou 7

anos, e impedidas de beneficiar do regime de certificados verdes, o que configura uma radical mudança das

condições definidas no momento dos concursos.

A este respeito refira-se que o Decreto-Lei n.º 33-A/2005 já previa os certificados verdes antes do

concurso. O mesmo diploma prevê que caso não haja certificados verdes haverá 5 anos de tarifa (a última)

não resulta nada claro que ao lhes ser retirados os certificados verdes, esta potência não tivesse direito a

beneficiar da alínea seguinte. Pois já existia essa legislação na altura dos concursos.

1.5.4. A intervenção da ERSE

1.5.4.1 O parecer prévio da ERSE sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 35/2013

Em outubro de 2012 a ERSE remete ao governo o seu parecer prévio acerca do projeto de Decreto-Lei que

prevê a contribuição dos centros eletroprodutores integrados na PRE para a sustentabilidade do SEN”.

Sucintamente, a ERSE regista que:

“Este mecanismo corresponde a uma transferência intertemporal de custos estando, no entanto, implícito

um risco para o consumidor e o produtor associado à evolução do preço de mercado. (…) O objetivo deste

regime de aliviar a tensão tarifária entre 2013 e 2020 é apreciado pela ERSE. (…)

Considerando que o projeto de decreto-lei analisado se constitui como um instrumento para a

sustentabilidade do SEN, assegurando ao mesmo tempo a consolidação da promoção da produção de energia

elétrica em regime especial (recursos endógenos e renováveis), a ERSE nada tem a opor”.

(parecer prévio da ERSE sobre o projeto de Decreto-Lei n.º 35/2013)

1.5.4.2 O primeiro estudo da ERSE sobre o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013

Em maio de 2017, a ERSE pronunciou-se sobre o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013 a pedido do

Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, vindo em junho desse ano adicionar novos

elementos.

O pedido do secretário de estado já continha certos aspetos metodológicos como pressupostos a

considerar, a ERSE não o esconde: “… o tratamento de dados individualizado por produtor permitiu, conforme

solicitado pela SEE, uma separação dos resultados…”

A ERSE usou cinco cenários de evolução do preço de mercado de eletricidade entre 2017 e 2037: 91

€/MWh (cenário superior para os preços de energia no Relatório de Monitorização e Segurança de

Abastecimento RMSA-2012); 47,6 €/MWh (cenário base de análise de sustentabilidade do SEN 2018-2028,

realizado no âmbito do exercício tarifário para 2017, seguido de evolução à taxa média dessa série); E mais

três cenários até 2037: 40 €/MWh, 50 €/MWh e 60 €/MWh. A taxa de inflação sem habitação no continente,

para a atualização anual dos limiares dos preços, foi de 1,7% (previsão do Banco de Portugal).

Para o cálculo do VAL foram considerados cenários para três taxas de desconto, que pretendem refletir a

perspetiva das empresas reguladas – taxa de 10%, que considera o risco de mercado; taxa de 6,5%, que

reflete o custo de capital de um ativo regulado – e também a perspetiva do SEN, considerando a taxa média

implícita no serviço de dívida tarifária em 2017 (aproximadamente 3,2%).

No que respeita à tarifa de referência para a remuneração dos PRE eólicos prevista em 2005 para o

período adicional de 5 anos foi considerado um valor base de 72 €/MWh (média das tarifas dos produtores

eólicos que se ligaram à rede em 2015 e 2016). Segundo a ERSE, “por se tratar de uma variável sensível, cuja

definição não é clara, na análise, para além de se ter pressuposto uma tarifa igual a 72 €/MWh, consideraram-

se duas situações adicionais desta tarifa de referência: (i) o maior valor entre 72 €/MWh e o preço de mercado

e (ii) um valor igual a 85 €/MWh”.

Assim, nesta primeira avaliação (feita em maio de 2017, a solicitação do governo), a ERSE faz os seus

cálculos para o cenário de aplicação do Decreto-Lei n.º 33-A/2005 considerando que “a tarifa referente às

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5 DE JUNHO DE 2019

277

centrais renováveis com início de exploração nessa data [2020]” seria 72€/MWh (a tarifa atualizada da última

central licenciada em Portugal, em 2007). Daí conclui que:

“Em todos os cenários de preços de energia elétrica, com exceção dos preços que terão estado na origem

das simulações do RMSA-E 2012, o VAL dos impactos anuais agregados resultantes da aplicação do Decreto-

Lei n.º 35/2013 é negativo, isto é, este diploma gerou um menor custo para o SEN. A exceção, quando se

consideram os preços mais elevados do RMSA-E 2012 [91€/MWh], deve-se ao facto destes preços serem

substancialmente mais altos do que a tarifa de referência considerada na simulação. Registe-se que tanto na

opção com limite a) (74 a 98 €/MWh), como na opção com limite b) (acima de 60 €/MWh), a consideração de

preços de mercado tão elevados como os do RMSA-E 2012 leva a perdas para o sistema”.

1.5.4.3 Secretário de Estado pede parecer mais detalhado

Porém, no momento do Decreto-Lei n.º 35/2013, não podia ser excluída a realização de um leilão que

determinasse uma FIT mais baixa. Esse leilão poderia ocorrer ainda nos anos seguintes, obtendo-se tarifas

que refletiriam a redução dos custos de investimento em eólicas. O congelamento do valor de referência em

2013 é uma inovação do Decreto-Lei n.º 35/2013 e em nada resulta dos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005.

Nesta primeira avaliação, a ERSE assume assim o racional do governo e dos produtores que, em 2013,

concordaram não considerar a tarifa de eventuais novos leilões como referência para a tarifa fixa no período

adicional. Ora, a realização de leilões não só não estava legalmente excluída como, no quadro do Decreto-Lei

n.º 33-A/2005, era a única opção racional numa lógica de proteção do interesse do SEN.

O Secretário de Estado da Energia solicita então à ERSE um aditamento ao estudo, que é realizado. Jorge

Seguro Sanches pede à ERSE que complete o seu estudo considerando um segundo cenário para o preço da

FIT pós-2020, tomando como referência os preços de mercado de então, 45,1€/MWh (preço médio ponderado

de mercado em Portugal, entre 1 de novembro de 2015 e o último dia disponível, 23 de junho de 2017) e

mantendo todos os restantes parâmetros.

Assim, a ERSE estima o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013 para o SEN, no que refere à PRE eólica, e

com a taxa de desconto que reflete a sua perspetiva, em 1.298 M€ negativos no novo cenário com mercado a

45,1€/MWh e tarifa fixa a 45,1€MWh.).

Muitas das questões feitas ao longo da CPIPREPE centraram-se na qualidade dos reguladores e na sua

ação. Um regulador incapaz, ineficaz, sai caro ao Estado e aos contribuintes.

A verdade é que parece que alguns reguladores não foram diligentes. O Ministério Público acusa a

Autoridade da Concorrência (AdC) de ter esperado uma década para se pronunciar sobre os CMEC. Esta falta

de ação do regulador da concorrência consta num relatório do Ministério Público produzido no âmbito da

investigação aos CMEC, datado de meados de 2015: “A AdC, apesar dos recursos técnicos ao seu dispor,

precisou de mais de dez anos após a publicação do regime dos CMEC, ou de mais de seis anos após a

cessação efetiva dos CAE, para formular a recomendação que se impunha na ótica da defesa do interesse

público”, lê-se nesse relatório. Só em 2013, já Manuel Sebastião estava em fim de mandato na AdC, foi aberta

uma investigação. Sobre o porquê de só se ter pronunciado passado todo este tempo, Manuel Sebastião

disse:

“Ouvi essa afirmação, não a li, mas não percebo essa conclusão da Procuradoria. De facto, estive sempre

a trabalhar sobre este assunto. Em maio de 2008… É que eu nem sequer tinha poderes; tive de explorar muito

bem a capacidade que podia ter porque, ao abrigo da lei da concorrência, eu não podia fazer nada. Então, ao

abrigo dos estatutos, podia fazer estudos e nesses estudos podia dizer qualquer coisa, e disse.”

(audição Manuel Sebastião)

Importa, no entanto, clarificar que a ERSE refere que estes são os resultados que decorrem das premissas

e inputs considerados da responsabilidade do Secretário de Estado, não da ERSE. Ou seja, os pressupostos

que dão origem aos cálculos são do responsável político da altura e não da ERSE, como fica bem claro nos

documentos emitidos pela ERSE.

Primeiro parágrafo da primeira página deste texto da ERSE:

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278

“Correspondendo ao solicitado pelo Senhor Secretário de Estado da Energia (SEEn), em 27 de junho,

sobrea alteração de pressupostos utilizados no parecer da ERSE de maio de 2017 e aditamento subsequente,

sobre os potenciais impactos das alterações do regime remuneratório da Produção em Regime Especial (PRE)

introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro, nos custos atuais e futuros do Sistema Elétrico

Nacional (SEN), designadamente na análise de sustentabilidade do SEN, a ERSE efetuou um conjunto de

simulações, cujos resultados são de seguida apresentados.”

Aliás, já no primeiro estudo que o responsável político pede à ERSE estavam alguns pressupostos e

premissas, que a ERSE também assinala na resposta. Neste segundo parecer a malha de pressupostos é

ainda mais apertada e a ERSE limita-se a fazer os cálculos, usando os pressupostos que a tutela da energia

lhe fornece, mas fazendo essa indicação.

Ao contrário, o parecer de 2013 da ERSE foi emitido de forma totalmente independente e espontânea, sem

que lhe tenha sido submetido qualquer pressuposto pelo Governo de então.

Houve falta de credibilidade dos reguladores e, no caso da ERSE – particularmente na atual administração

– falta de independência que descredibiliza todos os pareceres que a ERSE enviou à CPIPREPE. Cristina

Portugal ocultou do Parlamento (ao não referir no seu curriculum vitae) que tinha participado no Grupo de

Trabalho Conjunto Sobre Custos Energéticos (PS e BE). Tal informação teria sido relevante na apreciação da

sua adequação para o cargo. Assim, os pareceres da entidade reguladora, a pedido do então secretário de

Estado da Energia Seguro Sanches – e parametrizados pelo BE – não têm, qualquer credibilidade.

1.5.5 Cálculos apresentados por Carlos Pimenta na CPIPREPE

Na sequência da sua apresentação à CPIPREPE, Carlos Pimenta fez chegar à comissão uma folha de

cálculo em que é avaliado o impacto do Decreto-Lei n.º 35/2013. Os dados são os do novo regime e os

pressupostos são em tudo semelhantes aos do cálculo da ERSE, com a taxa de desconto adequada na

perspetiva dos produtores, 7,5% (e não do SEN – 3,2% segundo a ERSE). Os seus cálculos não identificam o

impacto da nova legislação face à anterior, antes assumindo um outro cenário contrafactual que não é o do

Decreto-Lei n.º 33-A/2005.

“Como não há certificados verdes, o que está aqui a ser considerado é apenas o CO2. (…) Só estou a

contar com o mesmo fator que estava na fórmula do feed-in tarifa, que é o número de gramas de CO2 que é

utilizado para fazer 1 KWh de gás, ciclo combinado, na central mais eficiente, que são 370 g. (…) Se o preço

de mercado for acima de 57 €/MWh, os consumidores estão a ganhar e os produtores estão a perder. Isto está

mais ou menos de acordo com as previsões que tínhamos em 2012”.

(Carlos Pimenta)

Sobre a ERSE, o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade afirmou na CPIPREPE:

“Costumo dizer que quem quer dar poderes à ERSE, não manda a ERSE dar pareceres. Quando se quer

dar poder à ERSE, diz-se à ERSE que determine. Isso é que é dar poderes, porque os pareceres são não-

vinculativos! Cada um dá os pareceres que quer.”

(audição Artur Trindade)

Segundo a argumentação de Carlos Pimenta, o CO2 evitado é utilizado como um estimador do valor dos

certificados verdes, tendo em conta as emissões de uma central a gás de ciclo combinado e o preço da

tonelada de CO2.

1.5.6 Cálculos apresentados por Artur Trindade na CPIPREPE

O ex-secretário de Estado Artur Trindade, autor do Decreto-Lei n.º 35/2013, apresentou à CPIPREPE uma

folha de cálculo com os seguintes parâmetros:

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279

Taxa Desconto 7,00%

Horas equivalentes 2 450 h/ano

Degradação anual 0,50% %/ano

Potência 1 4 045 MW

Contribuição 1 5 800 €/MW

Potência 2 479 MW

Contribuição 2 5 800 €/MW

Potência 3 274 MW

Contribuição 3 5 000 €/MW

Potência 4 34 MW

Contribuição 4 5 000 €/MW

Potência total 4 832 MW

Floor 2021 - 2 60 €/MWh

Floor 2021 - 1 74 €/MWh

Cap 2021 98 €/MWh

Preço mercado 2021 65 €/MWh

Emissão evitada 370 g/kWh

Custo CO2 25 €/ton

Inflação 2013-2020 - Base 2,00%

Inflação 2018-2020 1,00%

Inflação 2021-2028 2,00%

Valor GO EUR/MWh 3 €/MWh

Esta metodologia considera como efeito incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013 o não pagamento de

certificados verdes. Os certificados verdes são valorizados, tal como tinha já fizera Carlos Pimenta, tendo em

conta as emissões evitadas por uma central a ciclo combinado a gás natural – a central marginal e a menos

poluente – logo, são um minorante em termos de quantidade. Em termos de preço de CO2, foi proposto 25€ a

tonelada, como um valor em linha com as ambições de transição energética e que é um valor mais alto do que

o apresentado por Carlos Pimenta na sua audição.

Os resultados do cálculo são os apresentados no gráfico seguinte:

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II SÉRIE-B — NÚMERO 50

280

Os resultados apontam para um VAL positivo para o SEN e para os consumidores, para a generalidade dos

preços de mercado em 2012. A partir de 65 € por MWh o VAL (benefício) para os consumidores é de cerca de

650 M€. Foi referido que o preço médio de mercado no segundo semestre de 2018 foi de 65 €/Mwh. No

entanto, é claro que a dimensão do ganho (ou até perda) para o consumidor depende do preço de mercado

que se verifique. Com efeito, de acordo com esta metodologia, se o preço for inferior a 50€ a partir de 2021

pode haver perda para o SEN.

1.5.6 Cálculo dos possíveis impactos incrementais do Decreto-Lei n.º 35/2013 – Cenários BE

Para bem determinar os possíveis impactos do Decreto-Lei n.º 35/2013 devem ser utilizados diferentes

cenários de preços médios de mercado. Para cada um desses cenários, cabe identificar:

● o ganho ou sobrecusto para o SEN resultante da aplicação dos floors e do cap previstos do Decreto-Lei

n.º 35/2013, por oposição à tarifa de referência (leilão), deduzido da receita obtida pelo SEN com a

“contribuição voluntária” paga pelos produtores;

● a cada um dos valores assim determinado deve ser somada uma segunda quantia, obtida face a cada

preço médio de mercado possível. Trata-se dos ganhos adicionais/cessantes pela não aplicação de

uma tarifa fixa determinada por leilão (como previa o 33-A/2005). Para identificar esses ganhos

adicionais/cessantes, cada preço médio de mercado deve ser cruzado com diferentes tarifas fixas que

poderiam ser obtidas em leilões competitivos;

● o efeito adicional do alargamento da cobertura à potência atribuída por concurso (excluída pelo Decreto-

Lei n.º 33-A/2005);

● o aumento da duração dessa cobertura, de 5 para 7 anos (quando aplicável).

A soma destas parcelas determinará o impacto incremental, em termos financeiros, do Decreto-Lei n.º

35/2013 em cada uma das combinações de preço médio de mercado/tarifa obtida em leilão e que entre em

funcionamento até 2020.

Uma vez que de acordo com o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 33-A/2005 no seu número 5 – Se no final do

período referido nas alíneas b) e c) do n.º 3 não existirem certificados verdes transaccionáveis, aplica-se,

durante um período adicional de cinco anos, a tarifa referente às centrais renováveis com início de

exploração nessa data”.

Os parâmetros utilizados nos cálculos deste relatório são os seguintes:

1. A inflação é a verificada até 2018, sendo igual a este último ano para o resto do período considerado.

2. O load factor é extraído da média de produção real ocorrida entre 2013 e 2016 utilizada nos cálculos

do parecer da ERSE.

3. A taxa de desconto utilizada pretende dar a perspetiva do SEN, refletindo assim o custo médio da

dívida tarifária. Utilizou-se o mesmo valor do parecer da ERSE, sendo, portanto, o da avaliação do custo

daquela dívida referente a 2017.

4. Por simplificação, e sabendo à data que a maioria da potência instalada aderiu à remuneração igual ao

preço de mercado, com limite inferior de 74€/MWh e superior de 98€/MWh, por oposição à opção que apenas

previa o limite inferior de 60€/MWh, os cálculos foram efetuados com referência à primeira opção.

5. Por simplificação, no que se refere aos PRE eólicos resultantes de concursos públicos, foi assumido

que em média a operação se iniciou em 2010, aplicando-se o novo regime no período 2025 a 2032.

Quanto aos valores de uma tarifa de referência determinada nos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005

(leilão), foi utilizada uma ampla gama de valores:

● o valor do floor do regime principal do Decreto-Lei n.º 35/2013 tal como calculado por Artur Trindade:

67€/MWh;

● a estimativa de Carlos Pimenta na CPIPREPE: 50€/MWh em julho de 2018;

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281

Os potenciais efeitos incrementais do Decreto-Lei n.º 35/2013 são apresentados no quadro abaixo para um

conjunto de preços médios de mercado e preços de referência. (Folha de cálculo disponível aqui).

Na audição do secretário de Estado da Energia, João Galamba, este disse que uma renda excessiva é uma

rentabilidade que, à luz de hoje, parece excessiva e pouco justificada. Contudo, ressalvou que estas decisões

têm de ser reconduzidas ao momento em que foram tomadas. Nesse sentido, argumentou que na transição

entre mercados é natural que se mantenham algumas rendas, apontando para o momento de criação dos

CMEC.

Por outro lado, João Galamba expressou concordância com o seu antecessor no cargo de secretário de

Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, o qual, em audição anterior, disse que não defendia a decisão de

rasgar, alterar ou ignorar contratos estabelecidos pelo próprio Estado:

“O que o meu antecessor e o Ministro da Economia afirmaram nesta Comissão de Inquérito foi que não

concordavam com rasgar, alterar ou ignorar contratos estabelecidos pelo próprio Estado e aí concordo

inteiramente com eles.

Se a sua pergunta é: se identificarmos rendas excessivas e se as devemos cortar, se isso implicar rasgar

contratos? A minha resposta é: não! Não devemos rasgar contratos. E por que é que não devemos rasgar

contratos? Porque foram contratos celebrados pelo próprio Estado e rasgar contratos não é uma forma de

cortar rendas excessivas; pode ser uma forma de, na aparência, cortar rendas excessivas no curto prazo, mas

essas rendas surgem com juros mais à frente.

Portanto, se a sua pergunta é: se devemos ignorar os contratos que, eventualmente, poderão ter

cristalizado no passado essas rendas? A minha resposta é. Não! E, citando o meu antecessor, o que devemos

fazer é, dentro dos contratos existentes, respeitando os contratos existentes, ver se eles estão a ser

corretamente aplicados ou não.

Se defende que devemos olhar para os contratos e ver o que é que neles poderá, eventualmente, ter sido

mal concretizado, aí concordo que devemos cortar essas rendas excessivas; se a pergunta sobre se devemos

ignorar os contratos ou rasgar contratos, a minha resposta é não.”

(audição João Galamba)»

Conclusões desta metodologia

Apesar de, no seu parecer prévio, a ERSE se ter pronunciado favoravelmente ao Decreto-Lei n.º 35/2013, a

ERSE constatou a existência de ganhos de curto prazo (fruto da contribuição voluntária paga pelos

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II SÉRIE-B — NÚMERO 50

282

produtores) mas também de perigo para os consumidores no longo prazo. A averiguação desse perigo ocupou

a CPIPREPE e foi objeto de controvérsia entre diversos intervenientes.

O impacto incremental do Decreto-Lei n.º 35/2013 não pode ser identificado apenas pelo cálculo do

“sobrecusto líquido”, isto é, a diferença entre o preço de mercado e a tarifa resultante da aplicação do floor/cap

menos a “contribuição voluntária”. Nem tão pouco ignorando que, entre 2013 e 2020, era possível a realização

de novos concursos que viessem a resultar numa tarifa mais baixa do que a atribuída em 2007 ao consórcio

Ventinvest (70€/MWh). De facto, aquele impacto só pode ser calculado integrando a dissipação de todos os

ganhos/perdas potenciais sob o regime anterior.

Cruzando todos os preços de mercado (entre 30€ e 95€/MWh) com o valor da tarifa fixa que se poderia

obter num leilão de capacidade eólica a licenciar até 2020, em todos os cenários o SEN sai prejudicado.

Melhor cenário – leilão 67€/MWh (igual ao floor do Decreto-Lei n.º 35/2013), mercado 70€/MWh –, o

impacto incremental para o SEN é de 76 M€ positivos;

Pior cenário – leilão 30€/MWh, mercado 30€/MWh –, impacto de 1971 M€ negativos;

Cenário com as premissas usadas por Carlos Pimenta na CPIPREPE – leilão 50€/MWh, mercado

65€/MWh2 – impacto de 536 M€ negativos.

1.5.7 Cálculo dos possíveis impactos incrementais do Decreto-Lei n.º 35/2013 – Cenários PSD

Nesta secção procura-se considerar os impactos da metodologia definida no cenário do BE, utilizando para

o efeito exatamente o mesmo ficheiro de Excel. O é analisar os cenários obtidos pelo mesmo instrumento de

cálculo mas com parâmetros diferentes e perceber se os resultados se alteram nos cenários analisados.

Os parâmetros utilizados nos cálculos desta secção são os seguintes:

1 – A inflação é a verificada até 2018, sendo igual a este último ano para o resto do período considerado.

2 – O load factor é extraído da média de produção real ocorrida entre 2013 e 2016 utilizada nos cálculos

do parecer da ERSE.

3 – A taxa de desconto é de 7%, à semelhança de diferentes análises já mencionadas nesta comissão.

4 – Por simplificação, e sabendo à data que a maioria da potência instalada aderiu à remuneração igual ao

preço de mercado, com limite inferior de 74€/MWh e superior de 98€/MWh, por oposição à opção que apenas

previa o limite inferior de 60€/MWh, os cálculos foram efetuados com referência à primeira opção.

5 – Por simplificação, no que se refere aos PRE eólicos resultantes de concursos públicos, foi assumido

que em média a operação se iniciou em 2010, aplicando-se o novo regime no período 2025 a 2032.

6 – Factor de degradação das máquinas é de 0,05% ao ano.

Quanto aos valores de uma tarifa de referência determinada nos termos do Decreto-Lei n.º 33-A/2005

(leilão), foi utilizada a seguinte gama de valores:

● o valor da tarifa de referência da úúltima central licenciada, 72€/MWh, actualizada com a inflação até

2021 nos termos da FiT que lhe é aplicável e que resulta em 84,3€/MWh valor muito próximo do

utilizado pela ERSE no parecer pedido pela SEE em 2017 e acima citado (85€/MWh);

● a estimativa implícita de Carlos Pimenta na CPIPREPE: 50€/MWh em julho de 2018 acrescentada dos

custos com as rendas aos municípios, ligação às redes e sobrecusto dos terrenos. O que resulta em

54,3€ MWh.

Os resultados são os seguintes:

2 Preço de mercado no dia da audição, citado por Carlos Pimenta

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54,3 59,7 65,1 70,5 75,9 81,3 84,3

30 -690 -573 -455 -337 -219 -101 -36

35 -623 -505 -387 -269 -151 -34 32

40 -555 -437 -320 -202 -84 34 99

45 -488 -370 -252 -134 -16 102 167

50 -420 -302 -184 -66 51 169 235

55 -352 -234 -117 1 119 237 302

60 -285 -167 -49 69 187 305 370

65 -217 -99 19 136 254 372 438

70 -175 -57 61 179 297 415 480

75 -255 -137 -19 99 216 334 400

80 -364 -246 -128 -10 107 225 291

85 -473 -355 -237 -120 -2 116 182

90 -581 -463 -345 -227 -109 9 74

95 -603 -486 -368 -250 -132 -14 51

100 -547 -429 -312 -194 -76 42 107

105 -480 -362 -244 -126 -8 110 175

Tarifa de referência ou Preço LeilãoEstimativa

Preço Mercado

Impacto SEN - Total (M€)

Refira-se que a última coluna da tabela é a única que não é especulativa. Essa diz respeito a uma tarifa

que, efetivamente, existe hoje e existia em 2012, à data da discussão do Decreto-Lei n.º 35/20013. As

restantes colunas são especulações sobre o preço de um putativo leilão – que nunca ocorreu e que até está

baseado em discussões de custos, havidas em 2018, muito depois de 2012 e com um conhecimento sobre

uma realidade técnica e económica que não existia na altura.

Conclui-se, pois, que em relação à última coluna da tabela, a única que se baseia em dados reais e não

especulativos, o VAL do Decreto-Lei n.º 35/2013 é genericamente positivo, atingindo o seu máximo para

preços de mercado entre 65€ e 75€ por MWh em 2021. O benefício máximo é de 480 Milhões de euros para o

consumidor, quando o preço de mercado estimado para 2021 é de 70 € MWh.

Com esta metodologia, proposta pela primeira vez pelo Deputado Jorge Costa aquando da versão inicial do

relatório desta CPI, o Decreto-Lei n.º 35/2013 apresenta VAL positivo mesmo quando o preço de mercado

atinge valores baixos (entre 40 a 50 € por MWh), algo que não acontece na metodologia apresentada pelo Dr.

Artur Trindade na sua audição na CPI.

Todavia, é importante referir que:

a) o lançamento de leilões para, de forma artificial, encontrar uma outra tarifa de referência, ao abrigo do

disposto no Decreto-Lei n.º 33-A/2005, geraria em si só mais sobre custos. Para que o cálculo fosse

absolutamente correto, o VAL desta nova potência teria que ser abatido ao VAL da tabela, com exceção da

última coluna, que é a única que não pressupõe nova potência.

b) o State Aide Guideline para os apoios a renováveis, publicado pela DG Comp em 2014, já estava em

discussão pública e institucional em 2012/2013. Ora, esse documento não permite antecipar a autorização da

UE do regime de nova potência eólica considerado, a posteriori, na metodologia exposta em 1.5.6.1. Por isso,

o único cenário aceite pela Comissão Europeia (DG Comp) é o da última coluna, ou o regime de certificados

verdes referido na subsecção anterior.

Apenas muito recentemente, já em março de 2019, a aprovação do Novo Pacote de Energia e Clima veio

dar abertura para o que estava anteriormente inviabilizado, nos termos acima descritos. Contudo, não faz

sentido citar uma Diretiva de março de 2019 para criticar um decreto-lei gerado em 2012.

Na sequência da aprovação do Decreto-Lei n.º 35/2013, registou-se a transação da propriedade, logo entre

2013 e 2015, de centrais correspondentes a mais de um terço do mercado português:

● Iberwind (13,6% do mercado) – Magnum Capital vende à Cheung Kong Infrastructure Holdings e à

Power Assets Holdings.

● TrustEnergy (9,2% do mercado) – Engie vende 25% à Marubeni.

● Finerge (12,7% do mercado) – Enel vende à australiana First State Investments.

● Generg (8,2% do mercado) – Fundo Novaenergia vende à Total.

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II SÉRIE-B — NÚMERO 50

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Recomendação

No caso do Governo entender que este diploma deve ser revisto, para tentar evitar situações de litigância,

deverá ser procurada uma solução negociada e acordada com os produtores para a revisão deste regime

mediante adaptações legislativas para a reposição do equilíbrio económico do regime anterior ao Decreto-Lei

n.º 35/2013 e para a devolução aos produtores das contribuições voluntárias pagas até hoje, acrescidas dos

juros respetivos;

Capítulo 12

Sobreequipamento

1. Contexto e legislação associada

Sobreequipamento é a instalação de novos aerogeradores em centrais eólicas já existentes, de modo a

aumentar a sua potência instalada.

A possibilidade do sobreequipamento é introduzida pelo Decreto de Lei n.º 225/2007, apresentado como

“uma via de desenvolvimento da energia eólica (…), permitindo minimizar os impactes ambientais e os tempos

de licenciamento e de construção por via da utilização das infraestruturas existentes” justificada com “a

necessidade de minimizar os custos de interesse económico geral”.

No entanto, este decreto limita o sobreequipamento a 20% da capacidade de injeção licenciada e define

que a remuneração da potência adicional é feita com tarifa e prazo do regime remuneratório pelo qual o

parque eólico já esteja abrangido.

O Decreto-Lei n.º 51/2010 vem reforçar que o sobreequipamento no sentido de contribuir “para a

concretização do compromisso assumido pelo Governo de assegurar a duplicação da capacidade de produção

de energia eléctrica no horizonte de 2020 eliminando importações, reduzindo a utilização das centrais mais

poluentes e contribuindo para que, em 2020, 60% da produção de energia eléctrica seja feita a partir de fontes

renováveis”, passando a obrigar à instalação nos aerogeradores de equipamentos destinados a suportar cavas

de tensão e fornecimento de energia reactiva durante essas cavas para reforçar a segurança da Rede Elétrica

de Serviço Público (RESP). Adicionalmente, isenta a instalação de nova potência da obrigação de estudos de

impacto ambiental adicionais e reduz o processo de licenciamento a uma comunicação prévia.

A remuneração da potência licenciada ao abrigo Decreto-Lei n.º 51/2010 é redefinida “com um desconto de

0,12 % sobre a tarifa aplicável por cada aumento de 1% na capacidade instalada relativamente à potência de

injecção atribuída”, vigorando essa tarifa até ao final da feed-in tariff original.

Em 2012, no quadro do acordo proposto pelo governo à APREN e que daria origem ao Decreto-Lei n.º

35/2013, é incluído um ponto relativo à intenção do governo de legislar o sobreequipamento e a energia

adicional:

“A par da aprovação da legislação tendente à concretização da proposta, é intenção do governo proceder à

revisão do regime jurídico aplicável ao sobreequipamento, contemplando, no quadro dessa revisão a

possibilidade de os parques eólicos que apresentam uma potência instalada superior à potência de injecção

autorizada injectarem na rede, sempre que as condições técnicas e de segurança da rede assim o permitam, a

totalidade da energia produzida pela respectiva potência instalada.

O regime de remuneração aplicável à energia gerada pela potência instalada que ultrapassa a potência de

injecção autorizada – a qual, actualmente não é remunerada, nem injectada na rede – será criado e fixado de

acordo com critérios de racionalidade económica, devendo constituir-se um grupo de trabalho para analisar os

aspectos técnicos necessários à operacionalização do regime de remuneração fixado.”

Assim em 2014, após a criação de um grupo de trabalho com várias entidades (operadores da rede de

transporte e distribuição, CUR, gestor do SEN e APREN), o Decreto-Lei n.º 94/2014 vem alterar a

remuneração do sobreequipamento definindo que a mesma será remunerada a 60 €/MWh, enquanto perdurar

a aplicação do regime bonificado/garantido ao abrigo do qual o parque foi licenciado.

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Na altura, a ERSE foi consultada e alertou para o seguinte:

● a energia adicional e a energia do sobreequipamento serem remuneradas ao mesmo preço (60€/MWh):

enquanto a primeira se limita à remuneração do eventual diferencial entre potência injetada na rede e

licenciada pelo parque, a segunda decorre de investimentos feitos, o que justificaria uma tarifa

específica:

“Esta situação leva a questionar a pertinência de tratar do mesmo modo situações claramente

distintas, se vistas na perspetiva de um regime de incentivo aos produtores. Em particular, é

questionável que a remuneração necessária para incentivar a injeção de potência adicional (nos

casos em que não existem investimentos adicionais relevantes) seja igual à remuneração atribuída

às situações de sobreequipamento, em que o produtor incorre necessariamente em investimentos

em novos aerogeradores. (…) A ERSE considera que carece de justificação a utilização do mesmo

valor para remuneração de situações potencialmente distintas, nomeadamente no que diz respeito

aos investimentos necessários a efetuar pelos produtores. No caso da energia adicional, podendo

esta corresponder a situações nas quais o investimento adicional exigido ao produtor seja residual ou

nulo, a remuneração parece desajustada.”

● a tarifa dos 60 €/MWh não tem uma justificação económica baseada no mercado, o que levaria a um

potencial sobrecusto máximo de 48,5M€, em 2013.

A ERSE deu parecer positivo a este diploma, nas conclusões e última página do parecer do parecer refere:

“A ERSE reafirma a virtualidade do regime proposto no projeto de decreto-lei na medida em que prossegue

objetivos de política energética nacional e europeia, a um custo mais reduzido para o sistema e com menores

impactes ambientais do que a solução alternativa correspondente a licenciar novos parques eólicos.”

Artur Trindade, na sua audição na CPIPREPE justificou a tarifa de 60€/MWh:

“Previa-se que esse mecanismo do sobreequipamento pudesse facilitar, liberalizar, se quiser, o

investimento em energia eólica, menorizando os custos e facilitando as metas da energia renovável. Os

60€/MWh, não atualizáveis, eram o valor pensado para desbloquear e para dinamizar o sobreequipamento;

para permitir que, de uma forma rápida, se pudesse ter mais investimento em energias renováveis, porque

iriamos precisar deles; (…) Portanto, era fácil, era rápido e tínhamos uma forma de cumprir com os nossos

objetivos e com as novas metas de energias renováveis.”

Ao abrigo deste decreto foram instalado 128 MW de potência em sobreequipamento, de um total de 822

MW elegíveis (Dados ERSE).

No Decreto-Lei n.º 94/2014 fica previsto ainda que a potência licenciada de sobreequipamento em parques

que usufruam do Decreto-Lei n.º 35/2013 possa ser abrangida por esse regime desde que pagas e atualizadas

à nova potência as respetivas contribuições:

“Artigo 11.º

2 – (…) a entidade obrigada à aquisição da energia elétrica produzida em regime especial a nível

continental, procede à determinação do reforço do valor da compensação anual, derivado da autorização para

sobreequipamento, e em consequência das prestações mensais a pagar pelo titular do centro eletroprodutor

cuja adesão ao regime do Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro, se mantenha válida e eficaz.”

Assim, aplica-se à nova potência resultante do sobreequipamento, no fim do prazo da tarifa garantida da

central, o regime remuneratório previsto no Decreto-Lei n.º 35/2013 (na grande maioria dos casos, com um

floor de 68€/MWh).

Em 2015, a Portaria n.º 102/2015 vem regulamentar o novo procedimento para os pedidos de autorização

de injeção de energia adicional e de sobreequipamento previsto do Decreto-Lei n.º 94/2014, dispensando a

instalação de equipamentos individualizados da telecontagem da energia adicional e do sobreequipamento

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caso se demonstre que o custo do equipamento de contagem é desproporcional quando comparado com a

energia faturada (decisão a que ERSE já se tinha oposto no seu parecer ao Decreto-Lei n.º 94/2014).

Adicionalmente, prevê a possibilidade de corte no fornecimento de energia por razões de segurança.

Em 2017, o Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, emite o Despacho n.º 7087/2017, em

que pede à ERSE o cálculo dos impactos tarifários dos pedidos de sobreequipamento pendentes na DGEG,

condicionando assim o seu licenciamento à ausência de “efeitos negativos para o Sistema Elétrico Nacional”.

A ERSE define a metodologia de cálculo dos sobrecustos que utilizará para a averiguação dos impactos

tarifários, dando igualmente o exemplo do cálculo para caso de articulação com o Decreto-Lei n.º 35/2013.

Nessa metodologia assume num cenário base que o preço médio nominal do mercado até 2030 seria de 47,5

€/MWh.

Refira-se que, ao contrário do previsto nos cálculos acima, o preço de mercado verificado tem sido

superior. Por exemplo, o preço médio no mercado grossista em todo o segundo semestre de 2018 foi de

65,45€ por MWh. Quer isto dizer que se já tivéssemos tido sobreequimento nas condições iniciais previstas no

Decreto-Lei n.º 94/2014, e conseguido pôr em exploração estes equipamentos, neste semestre teríamos tido

não um “sobrecusto” mas um “sobreganho” para o sistema, que adviria da diferença positiva entre os 60€ do

Decreto Lei (não atualizáveis com a inflação) e o preço de mercado grossista de 65,45. Ora, este valor é bem

distinto da previsão feita pela ERSE em 2017 que, num espaço temporal relativamente curto (inferior a um

ano) cometeu um erro de previsão de quase 50% (de 47,5€ para 65,45€).

O Ministro do Ambiente, Matos Fernandes, referiu em várias declarações prestadas à imprensa e nesta

própria Comissão que espera que o preço da energia continue a subir e seja sempre superior 60€/MWh.

Adicionalmente, a própria ERSE admite não ter levado em conta os benefícios da entrada das renováveis

para o sector, designadamente, a mais-valia ambiental e a contribuição para a redução das alterações

climáticas, que através do preço do CO2 certamente influenciaram o mercado de energia.

Na origem do Despacho n.º 7087/2017 está a preocupação de eventuais sobrecustos devido à

sobreposição do Decreto-Lei n.º 94/2014 (sobreequipamento) e do n.º 35/2013 para os produtores que

aderiram a este último, uma vez que as normas estabelecidas no Decreto-Lei n.º 35/2013 implicam uma

remuneração, aplicável à totalidade da energia produzida, que incide igualmente sobre a energia proveniente

do sobreequipamento, garantindo assim não os 60 €/MWh mas sim, uma remuneração entre os 68 e 90

€/MWh, até ao final do prazo da tarifa garantida (mais 5 ou 7 anos mediante o regime a que o produtor aderiu).

Esta sobreposição leva a que os custos com a medida do sobreequipamento resultante do acordo celebrado

entre a APREN e o governo em 2012 sejam superiores aos resultantes da simples aplicação da tarifa de

60€/MWh.

Já em 2019, o Secretário de Estado da Energia, João Galamba, pela Portaria n.º 43/2019, cria um regime

opcional destinado aos produtores com pedidos de sobreequipamento pendentes na DGEG. Esse regime

reduz a tarifa garantida ao sobreequipamento para 45€/MWh, dispensando o parecer da ERSE sobre o

licenciamento, considerando que este preço seria abaixo do cenário plausível da ERSE para a evolução do

mercado (47,5 €/MWh), e por isso não suscetível de inferir efeitos negativos no SEN. Esta tarifa de

sobreequipamento é garantida por 15 anos e não admite a posterior transição para o regime remuneratórios

previstos no Decreto-Lei n.º 35/2013.

Na CPIPREPE, o secretário de Estado João Galamba justificou esta medida:

“O parecer da ERSE é dispensado porque o parecer da ERSE assenta num seu próprio pressuposto de

que tarifas acima de 47,5€ geram um sobrecusto e, portanto, tarifas abaixo de 47,5 € não geram um

sobrecusto e nós pusemos uma tarifa de 45€/MWh, (…) em linha com o LCOE da energia eólica (…) e,

portanto, de acordo com os argumentos da própria ERSE, um sobreequipamento a 45 €/MWh (…) gera um

sobreganho. (…) A tarifa de 45€/MWh não pode ser separada do facto de haver um decreto-lei que dá um

direito de produzir a 60€/MWh. (…) Portanto, [trata-se de] com os 60€/MWh do decreto-lei e os 74€/MWh que

estavam implicados nesse decreto-lei, (…) sem alterar o decreto-lei, permitir que, por uma opção livre dos

promotores, eles optem por uma tarifa significativamente mais baixa. (…) Todos os projetos que têm aceitado

os 45/MWh acabam com a litigância que tinham com o Estado, retirando os processos que tinham posto em

tribunal.”

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2. Custos para o SEN

Sobre a articulação dos Decretos-Leis n.os 35/2013 e 94/2014 e os respetivos custos para o sistema, o SEE

João Galamba, ouvido na CPIPREPE, afirmou:

“(…) havia um decreto-lei publicado em 2014, que definia que os pedidos de sobreequipamento teriam

direito a uma tarifa de 60 €, mas esse decreto-lei articulava-se com o Decreto-Lei n.º 35/2013 e, na realidade,

as tarifas subiriam posteriormente acima dos 70 €. Esse processo estava bloqueado porque no procedimento

administrativo que operacionalizava este Decreto-Lei havia lugar à emissão de um parecer por parte da ERSE,

um parecer obrigatório, em que se a ERSE concluísse que aquele pedido de sobreequipamento onerava os

consumidores e representava um custo para o sistema elétrico nacional, não seriam autorizados. Nesta

medida, todos os que foram apresentados foram indeferidos, porque todos apresentavam custos para o

sistema elétrico nacional.”

Em 2017, a ERSE quantificou os impactos potenciais do sobrecusto na tarifa entre 101 e 332M€, com

máximo de 47M€ anuais em 2027. O sobrecusto só deixaria de existir em 2038, com o fim da remuneração

garantida de todos os produtores ao abrigo do 35/2013.

Contudo, a APREN, na voz do seu presidente António Sá da Costa, quando ouvido na comissão, recusa

esta metodologia, dizendo que é enviesada de modo a apresentar elevados sobrecustos.

Efetivamente, a ERSE publicou o relatório em questão a 12 de Dezembro de 2017 e, apenas três dias

depois, a 15 de Dezembro de 2017, publicou as tarifas para 2018, determinando que o preço da electricidade

para 2019 seria de 54€/MWh, o que representa um aumento de 15% relativamente ao valor que anunciara três

dias antes. Ou seja, segundo a ERSE, o preço base da energia para 2019 aumentou 15% num espaço de três

dias. Segundo António Sá da Costa, esta situação não abonou a favor da imparcialidade e isenção do

regulador, tendo ainda este acrescentado que a única leitura que pode fazer deste estudo é de uma intenção

de prejudicar os produtores.

Conclusões

 O Decreto-Lei n.º 94/2014, ao admitir a integração da potência de sobreequipamento nos regimes

remuneratórios do Decreto-Lei n.º 35/2013, veio alargar o prazo da tarifa garantida a esta potência.

Aos prazos anteriores da FIT do sobreequipamento (o remanescente do período de 15 anos definido

em 2005) foram adicionados 5 a 7 anos adicionais em patamares relativamente elevados.

A adesão dos produtores ao regime opcional criado em 2019 e que impõe uma remuneração de 45€/MWh

por 15 anos, eliminando a possibilidade de trânsito para o regime cap/floors estabelecido no Decreto-Lei n.º

35/2013, demonstra que as opções de 2014 em 2019 já são desadequadas, como seria de esperar.

Capítulo 13

Dupla subsidiação a produtores em Regime Especial

Contextoe legislação associada

No trabalho de «Análise aos incentivos às renováveis com apoio comunitário» realizado pela DGEG, sob a

tutela do Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, verificou-se a existência de centros electroprodutores

que beneficiam ou beneficiaram cumulativamente de tarifa garantida e de apoios públicos à promoção e ao

desenvolvimento das energias renováveis. O Secretário de Estado determinou em 22 de Agosto de 2016 a

apreciação do problema e a averiguação da possibilidade da consideração destes valores na fixação de tarifas

para 2017 pela ERSE.

O Secretário de Estado determinou, através da Portaria n.º 268-B/2016 que «na previsão dos custos

estimados pela aquisição pelo CUR do SEN da energia elétrica produzida em PRE, que beneficia de

remuneração garantida, devem ser deduzidos os valores recebidos pelos centros electroprodutores que

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beneficiaram cumulativamente de apoios à promoção e ao desenvolvimento das energias renováveis através

de outros apoios públicos.»

Todavia, não só a referida Portaria omite a indicação de qualquer base legal que proíba a cumulação de

outros apoios públicos com o regime de feed-in tariff, como também não contém qualquer previsão normativa

com o montante dos 140 milhões de euros, alegadamente recebidos em excesso pelos centros

electroprodutores. Este montante vem apenas referido, a título de estimativa, no texto preambular do diploma.

Aliás, no que respeita ao montante concreto do corte a ser efetuado, a Portaria remete para um futuro

Despacho Ministerial, por proposta da DGEG, o qual, que se saiba, nunca veio a existir.

Outra irregularidade da Portaria n.º 268-B/2016 reside no facto que uma Portaria existe para regulamentar

um Decreto-Lei. Ora, esta Portaria não regulamentava nem estava enquadrada em nenhum Decreto-Lei, logo,

trata-se de uma Portaria ilegal. Tal facto foi sinalizado pela ERSE.

Posteriormente, a Lei do OE para 2018 veio consolidar e ordenar a verificação da dupla subsidiação e a

dedução dos apoios excessivos. Pela Portaria 69/2017 o governo determinou o mecanismo de dedução e/ou

reposição da acumulação indevida.

A Lei do OE para 2017, no respetivo artigo 171.º, n.º 3, impor pela primeira vez, a previsão normativa de

não serem cumuláveis os apoios do regime da feed-in tariff com outros apoios públicos. Surpreendentemente,

porém, a norma veio com aplicação retroativa, na medida em que foi esta mesma norma que categorizou, à

sua própria luz, como indevidamente recebidos, os apoios pagos no passado.

Nesta sequência e para regulamentação do referido artigo 171.º do OE, foi então publicada a Portaria

69/2017, que nada mais é, ipsis verbis, do que o texto da anterior Portaria n.º 268-B/2016 que, formalmente

revogada por esta última, se viu materialmente reforçada pela habilitação legal da Lei OE. Ora, sendo o texto

legislativo exatamente o mesmo do anterior, com exceção do texto preambular, o cálculo do montante do corte

a ser efetuado continua a ser remetido para um despacho Ministerial que, ao que se sabe, continuou a não

existir. Ao mesmo tempo, porém, desapareceu do quadro normativo vigente, juntamente com a revogação da

Portaria n.º 268-B/2016, qualquer referência (ainda que preambular) aos 140 milhões de euros.

Não obstante o que antecede, a verdade é que o corte foi mesmo levado a efeito pela ERSE e pelo

montante dos 140 milhões de euros, que assumem, por isso e até à respetiva cobrança aos centros

electroprodutores, a natureza de uma imparidade não registada neste valor, que se vem arrastando pelo

menos desde 2017.

No documento emitido pela ERSE intitulado “Comentário aos pareceres do Conselho Tarifário relativo a

propostas de tarifas e preços para 2019”, refere-se a existência de uma comunicação telefónica da SEE à

ERSE sobre um Estudo da IGF com a conclusão de que os montantes indevidamente recebidos pelos centros

electroprodutores se cifraram em 309 milhões de euros. Este estudo não chegou ao conhecimento da ERSE

nem foi da CPI e o SEE João Galamba refere que está à espera das conclusões finais do referido estudo.

Ficaram sem resposta as seguintes questões colocadas pelo Grupo Parlamentar do PSD quer ao SEE

João Galamba, quer ao Ministro da Transição Energética Matos Fernandes:

“Se os apoios públicos ou as feed-in tariffs fossem indevidos, à data da respetiva atribuição, qual seria a

necessidade de produzir nova legislação para remediar um ilícito já estabelecido por lei anterior?”

“Na ausência do Despacho Ministerial com o cálculo dos montantes concretos de corte a cada centro

electroprodutor nas condições referidas, qual foi a habilitação legal utilizada pela ERSE para proceder ao corte

dos 140 milhões de euros nas tarifas do SEN?”

Tratando-se de um processo de elevada complexidade e no quadro das debilidades de recursos dos

serviços envolvidos, verificaram-se significativos atrasos na identificação dos centros electroprodutores e dos

valores recebidos em excesso por cada um deles, o que levou mesmo o Secretário de Estado da Energia a

solicitar à Inspeção Geral de Finanças do apoio técnico especializado necessário à realização daquelas

operações.

O montante de 140 milhões, deduzido à tarifa de 2018 e 2019, assume hoje a natureza de uma imparidade

não registada no SEN, uma vez que nunca chegou a existir o despacho Ministerial que habilitaria a ERSE a

proceder a tal dedução.

O Secretário de Estado da Energia, João Galamba, disse na CPIPREPE o seguinte:

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“Sobre esse tema foi pedida uma auditoria à IGF [Inspeção-Geral de Finanças], que completou o relatório

preliminar e enviou-o para a DGEG para contraditório, o que aconteceu. Neste momento, o relatório ainda não

me foi enviado, portanto, não sei se já foi concluído ou não o relatório final por parte da IGF, mas esse relatório

ainda não me foi enviado.”

(João Galamba)

Sobre o mesmo assunto, o ministro do Ambiente e da Transição Energética, Matos Fernandes, afirmou o

seguinte:

“No que diz respeito às decisões tomadas sobre o duplo apoio e à forma como a sugestão da ERSE se

refletiu nas próprias tarifas, não há novidade nenhuma. Isto é, aquilo que foi feito, à altura, com a informação

que a ERSE tinha, é aquilo que não pode deixar de ser feito agora. A nossa questão é a de avaliar, na prática:

se esses 140 milhões existem mesmo; e, porque estamos a falar de um processo já muito pretérito, se ainda

estamos em tempo de, objetivamente, os podermos trazer para dentro do sistema e, dessa forma, continuar o

abaixamento das tarifas também por via da incorporação desta receita. Foi isso que solicitámos à Inspeção-

Geral de Finanças e aguardamos que nos seja enviado o seu parecer para percebermos se, de facto, e repito

o que já disse, esses 140 milhões de euros existem mesmo para os podermos manter — e oxalá assim seja!

— onde eles estão, que é a contribuir para a redução na tarifa da eletricidade.”

(audição Matos Fernandes)

Conclusão

Está por aplicar a determinação aprovada em lei de Orçamento do Estado quanto a esta matéria.

O SEE Seguro Sanches publicou a Portaria n.º 268-B/2016 sem nenhum suporte legal e que veio

posteriormente a ser revogada. Esta portaria é que referia no seu preâmbulo a existência de um duplo apoio

indevido à produção de energias renováveis no valor de 140 milhões de euros.

A ERSE, procedeu a dedução de 140 milhões de euros com base no preambulo de uma portaria ilegal.

No contexto das Portarias n.º 268-B/2016 e n.º 69/2017, a ERSE só deveria proceder a algum corte nas

tarifas depois da Publicação de um Despacho Ministerial que indicaria o valor a reduzir. Tal nunca se veio a

concretizar.

A ERSE manteve em 2019 a dedução de 140 milhões de euros com base apenas num telefonema da

Secretaria de Estado da Energia, mesmo sem que essa mesma Secretaria de Estado se sentisse habilitada

para proceder ao Despacho Ministerial que habilitaria a tal redução.

Não há nenhum estudo publicado que quantifique qualquer irregularidade na atribuição de subsídios ou

apoios no contexto das Portarias n.º 268-B/2016 e n.º 69/2017.

Recomendação

O Governo deve tomar as medidas necessárias ao integral cumprimento dos dispositivos legais inscritos no

artigo 171.º da Lei n.º 42/2016 e da Portaria n.º 69/2017.

A ERSE deverá ser chamada à Comissão de Economia para explicar o enquadramento legal da dedução

efetuada quer no que respeita ao suporte legal quer no que respeita ao montante em causa.

Capítulo 14

O papel dos consultores da Boston Consulting Group na liberalização do mercado elétrico em

Portugal

Na vigência dos governos PSD/CDS (2002-2005), a tutela governativa da energia esteve assessorada por

dois especialistas requisitados à Boston Consulting Group (BCG), Ricardo Ferreira e João Conceição,

respetivamente nos gabinetes dos ministros Carlos Tavares e Álvaro Barreto e do Secretário de Estado

Franquelim Alves (desde junho de 2003 a junho de 2004), respetivamente.

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Em 2003, Pedro Rezende, quadro da BCG desde 1990 e vice-presidente da filial portuguesa, transita para

o conselho de administração da EDP, integrado na equipa presidida por João Talone. Em 2004, já no final do

processo preparatório do Decreto-Lei n.º 240/2004, um outro quadro da mesma consultora, Miguel Barreto, é

requisitado para o cargo de diretor-geral de Energia e Geologia.

Na altura, a centralidade desta consultora no setor foi notada, inclusivé pela imprensa. A 9 de junho de

2004, à chegada de Miguel Barreto à DGEG, o jornal Público e a TVI noticiam que a “Boston Consulting Group

reforça influência no Ministério da Economia”:

“Miguel Barreto Antunes, 28 anos, substituiu recentemente Jorge Borrego no cargo, no âmbito de uma

reestruturação que envolve a fusão entre as anteriores direcções gerais de Energia e Geologia e Minas. Os

últimos dois grandes projectos profissionais de Miguel Barreto Antunes, enquanto consultor da BCG, foram de

apoio à EDP no processo de reestruturação do sector e na negociação do Plano Nacional de Alocação de

Licenças de Emissões de CO2. Esta contratação vem reforçar o «peso» que a consultora tem ganho na área

energética, junto do Governo e das principais entidades do sector, uma presença que é justificada por ser a

área em que tem ganho competências. No último ano, a BCG foi solicitada para vários trabalhos de consultoria

para o Ministério de Economia, EDP e Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), além de outras

empresas.”

Ricardo Ferreira coordenou a preparação do processo legislativo dos CMEC, redigiu respostas oficiais do

ministro Tavares, acompanhou-o a reuniões em Bruxelas, inclusivé com o Comissário europeu da

Concorrência, Mario Monti, no âmbito da preparação da aprovação do Decreto-Lei 240/2004 pela Comissão. E

foi Ricardo Ferreira quem recomendou ao secretário de Estado Franquelim Alves a assessoria do seu antigo

colega da BCG, João Conceição.

Enquanto estes quadros requisitados exerciam funções nos gabinetes do Estado, a Boston Consulting

Group continuou, de 2002 a 2005, a prestar assessoria à EDP na preparação para a entrada em

funcionamento do MIBEL.

No final do curto mandato do governo Santana Lopes, Ricardo Ferreira transita diretamente para o cargo

de diretor-geral do Departamento de Regulação e Concorrência da EDP, onde permanece até hoje.

Ao contrário de Ricardo Ferreira, que transita do gabinete de Carlos Tavares para o de Álvaro Barreto,

João Conceição não se mantém no gabinete sob o governo Santana Lopes, regressando aos quadros da

Boston Consulting Group, onde permanece até agosto de 2008.

No seu curriculum vitae, João Conceição resume aquele ano de trabalho no Ministério:

“Co-liderou equipa governamental nas negociações com as Autoridades Espanholas para definição do

novo Mercado Eléctrico Ibérico (MIBEL) – volume de negócio estimado superior a €5.000M/ano;

Superintendeu equipa responsável pela gestão do processo legislativo de liberalização do Mercado Eléctrico

em Portugal (incluindo aprovação da Comissão Europeia sobre as compensações prestadas); Delineou

acções de coordenação junto do Min. do Ambiente e co-orientou a transposição da Directiva Europeia do

Mercado de Emissões e a implementação da Política Nacional sobre Energias Renováveis; Coordenou a

preparação de diplomas legais no ramo da Energia (Petróleo, GN e Electricidade)”.

(Currículo disponibilizado no site da REN em 2010)

De regresso à BCG, João Conceição permanece na área da Energia da consultora e, em finais de 2006,

quando o governo de José Sócrates decide concretizar a cessação dos CAE e sua substituição pelos CMEC,

vai liderar a equipa da consultora ao serviço da EDP na preparação de propostas para a nova legislação do

MIBEL.

De acordo com peças do processo judicial citadas pela imprensa, entre novembro e dezembro de 2006, o

consultor João Conceição terá enviado aos responsáveis da EDP várias versões confidenciais de diplomas em

preparação nos ministérios da Economia e do Ambiente, tendo articulado com os advogados da EDP

(escritório MLGTS) alterações àqueles textos.

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Em abril de 2007, João Conceição estabelece-se no Ministério da Economia, como assessor do ministro

Manuel Pinho. No currículo que entregou à REN, o seu vínculo à BCG termina aí, mas a verdade é que

Conceição permaneceu nos quadros da consultora e foi remunerado por ela, até agosto de 2008.

Não foram encontrados nos arquivos da BCG e do governo quaisquer registos de vínculo contratual entre a

consultora e o Ministério da Economia. Em contrapartida, a CPIPREPE obteve da EDP um conjunto de

documentos que comprovam o pagamento à BCG de 296 mil euros, a título de remuneração da consultoria

coordenada por João Conceição desde janeiro de 2007 – sobre “o futuro modelo de funcionamento do MIBEL”.

Na última das três fases do projeto, estava prevista a apresentação de propostas da EDP ao Ministério da

Economia e à Direção Geral de Energia.

Questionado na CPIPREPE sobre quem pagou à Boston Consulting o trabalho de João Conceição no

Ministério da Economia, o administrador da EDP, João Manso Neto respondeu apenas: “Não faço a mínima

ideia”. António Mexia, presidente executivo da empresa, afirmou que, “João Conceição deixou de integrar a

equipa da BCG [que apoiava a EDP] assim que assumiu funções no Ministério e foi substituído por outro

sócio”.

João Conceição só interrompe de facto o seu vínculo à BCG em agosto de 2008. No entanto, permanece

como assessor de Manuel Pinho até abril de 2009, sempre sem qualquer contrato com o Ministério. Nesse

período, é quadro do banco Millennium BCP, acionista da EDP. Mas o banco opta por manter este quadro a

tempo inteiro no gabinete do ministro da Economia.

Esta contratação pelo Millennium BCP ocorre um mês depois de João Conceição enviar um e-mail a

António Mexia e a João Manso Neto – “conforme pedido” por estes – apresentando as suas qualificações

profissionais e condições de remuneração — 140 mil euros por ano, mais seguros de saúde e vida, e um

bónus até 50%. Correspondência enviada pelo Ministério Público à CPIPREPE comprova que João Manso

Neto escreveu a António Mexia dizendo que “nesta fase no BCP teriam de lhe pagar 10.000 euros/mês (14

meses) e os seguros de vida e saúde. O resto seria regularizado depois na solução definitiva”.

Em abril de 2009, a convite dos acionistas privados da REN, João Conceição torna-se administrador da

empresa em regime de substituição (ao mesmo tempo e de igual modo, outro assessor de Manuel Pinho, Rui

Cartaxo, cujo papel no processo de avaliação da extensão da utilização do domínio hídrico foi detalhado no

capítulo 2, torna-se chief financial officer da REN, passando a CEO em novembro de 2009).

Em resumo, entre abril de 2007 e abril de 2009, João Conceição assessorou Manuel Pinho, com e-mail

oficial e funções permanentes no Ministério da Economia, assim descritas pelo próprio João Conceição no seu

currículo:

“Liderou a implementação do novo modelo do Mercado Ibérico de Electricidade e do processo cessação

antecipada dos CAE (>€ 3300M); coordenou a definição e implementação da Política Energética Nacional na

vertente das renováveis, em particular na elaboração do Plano Nacional de Barragens e na diversificação em

novas áreas (ex. solar); coliderou a Equipa responsável pela gestão da Presidência Portuguesa da União

Europeia no sector da Energia, em especial na elaboração e apresentação da Visão de longo prazo para as

Tecnologias Energéticas; conduziu a promoção e monitorização do Plano de Investimentos no sector da

Energia (>€15B até 2015); Coordenou as intervenções do Gabinete do Ministro em temas do sector da

Energia”.

Conclusão

Uma equipa de quadros altamente qualificados e com experiência partilhada numa consultora que apoiava

em permanência a EDP, migrou em 2002-2004 para posições de importância crítica no momento da

elaboração do novo quadro legal do setor elétrico:

● na preparação de legislação, negociação com as partes interessadas e com as instituições europeias,

no aconselhamento de responsáveis de governo (assessores Ricardo Ferreira e João Conceição);

● na liderança do órgão administrativo que tutela a Energia, a DGEG (Miguel Barreto);

● no Conselho de Administração da EDP (Pedro Rezende).

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Esta circunstância era do conhecimento público e, portanto, também dos membros do governo que a

proporcionaram, em particular, Carlos Tavares e Franquelim Alves, ministro da Economia e secretário de

Estado com a tutela da Energia no Governo PSD/CDS.

O trânsito de Ricardo Ferreira do gabinete do ministro Carlos Tavares para um lugar de direção na EDP foi

abordado na CPIPREPE como um exemplo da “porta giratória” entre lugares de grande influência/decisão

política sobre determinado setor e cargos de responsabilidade em grandes empresas desse mesmo setor.

O caso de Rui Cartaxo, assessor de Manuel Pinho no governo PS e que ocupará lugares de topo na REN,

apresenta características semelhantes.

Miguel Barreto, diretor-geral de Energia nomeado pelo Governo PSD/CDS e que, já sob o governo PS e

por inerência ao cargo de Diretor-Geral de Energia, presidiu à Agência para a Energia (ADENE), centralizou,

entre 2006 e 2009, a preparação do sistema nacional de certificação energética. Saiu da DGEG em 2008 e

fundou, em sociedade com o grupo Martifer, uma empresa de certificação energética, a Home Energy, em que

deteve uma quota de 40%. A empresa foi vendida em 2010 à EDP por 3,4 milhões de euros.

Na sua audição, Miguel Barreto respondeu que foi obrigado pela Martifer a também vender a sua quota à

EDP:

A empresa era maioritariamente do Grupo Martifer e nós tínhamos um parassocial. Normalmente, quando

se cria uma empresa, faz-se um parassocial e existe uma série de cláusulas, e havia uma cláusula que se

chama drag along. O que é que quer dizer uma cláusula drag along? Quer dizer que se o Grupo Martifer, como

maioritário, quisesse vender, tinha o direito de me levar com ele, tinha o direito de me obrigar a vender a

minha posição. De qualquer maneira, a decisão de vender a Home Energy foi do Grupo Martifer. E gostava

também de dizer aqui que a Home Energy foi depois vendida — como perguntou, clarifico — ao Grupo EDP,

mas gostava de deixar clara esta ideia: nunca recebi nenhuma vantagem do Grupo EDP pela venda da Home

Energy.

No entanto, no aludido acordo parassocial, a que a CPIPREPE teve acesso, não se encontra a cláusula

referida por Miguel Barreto, pelo que a decisão de venda sido uma opção própria do acionista.

O caso de João Conceição tem contornos especialmente graves, como resulta das várias funções

incompatíveis que, em simultâneo ou interpoladamente, desempenhou e da entrega à REN de um curriculum

vitae que omite a sobreposição da presença nos quadros da BCG com a assessoria no Ministério da

Economia, bem como a passagem pelo Millennium BCP também nesse período. A omissão destas

informações revela a consciência da situação de incompatibilidade em que João Conceição se encontrou ao

longo dos dois anos em que desempenhou funções de assessor do ministro Manuel Pinho.

Esta incompatibilidade não podia ser do desconhecimento de João Manso Neto e António Mexia, porquanto

a EDP participou em reuniões regulares (na preparação dos contratos de concessão do domínio hídrico, por

exemplo) em que a representação do Ministério da Economia estava a cargo de João Conceição, então

remunerado pelo Millennium BCP, no contexto já apresentado.

Tanto no caso de Rui Cartaxo (ver capítulo 2) como no caso de João Conceição, estão identificadas, no

âmbito do processo judicial que corre termos, comunicações com responsáveis da EDP que demonstram que,

na relação entre quadros do Ministério e responsáveis da empresa, além do fluxo permanente de informação,

ocorreu uma deslocação da preparação do processo legislativo, do seu ritmo e do seu conteúdo, para o

incumbente privado.

Capítulo 15

Manuel Pinho e o protocolo da EDP com a Universidade de Columbia

A CPIPREPE procurou obter esclarecimentos, em particular junto de Manuel Pinho, António Mexia e João

Manso Neto, acerca da natureza do convite recebido pelo ex-ministro da Economia para lecionar na School of

International and Public Affairs, Universidade de Columbia, no âmbito de uma cátedra sobre energia

renováveis criada por proposta e com patrocínio da EDP.

Num artigo no jornal Público em 2017, Manuel Pinho escreveu que “a ideia surgiu apenas em setembro de

2009 num jantar em casa do Professor Joe Stiglitz”.

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Em correspondência disponibilizada à CPIPREPE pela Procuradoria-Geral da República, verifica-se que tal

jantar ocorreu antes de julho de 2009, quando Manuel Pinho ainda era ministro da Economia. Com efeito, a 23

de julho, apenas duas semanas depois da demissão do ministro, a sua esposa escreve a Anya Stiglitz (esposa

de Joseph Stiglitz, e também professora daquela universidade) considerando oportuno “planear algo

relacionado com a Universidade de Columbia”. Uma semana depois, a 29 de setembro, Manuel Pinho escreve

a Anya Stiglitz afirmando que a Horizon (subsidiária norte-americana da EDP) estaria preparada para fazer um

donativo de 300 mil dólares/ano ao longo de cinco anos “desde que eu esteja envolvido no desenvolvimento

de um programa relacionado com energia”.

António Mexia estava ao corrente das diligências de Manuel Pinho. Em audição na CPIPREPE, o

presidente da EDP admitiu a sondagem do ex-Ministro quanto ao patrocínio da EDP, de onde terão resultado

os 300 mil euros/ano ao longo de cinco anos que Pinho transmitiu a Anya Stiglitz ainda em julho. Afirma Mexia:

“A única coisa de que me recordo é que, nesta procura de uma universidade, o Dr. Manuel Pinho terá

partilhado comigo, tranquilo: «E se houver alguma universidade como a de Columbia?» E eu disse: «Não

tenho problema nenhum, a minha relação é com a Universidade de Columbia». (…) “É natural que eu tenha

referido, inclusive ao Dr. Manuel Pinho, quais eram tipicamente os montantes que poderiam ser objeto de

acordos”.

Na CPIPREPE, o administrador da EDP João Manso Neto insistiu que “a Universidade pediu à EDP um

patrocínio”. Porém, resulta claro da consulta de documentação emergente no processo judicial que o primeiro

contacto entre a EDP e a Universidade é da iniciativa da primeira: a 1 de novembro de 2009, Manuel Pinho

escreve ao reitor de Columbia que António Mexia lhe enviaria uma solicitação pessoal para um encontro na

última semana do mês. O presidente da EDP confirma que a iniciativa parte da empresa:

“Quisemos que houvesse uma universidade, não contratando, ao contrário do que fizemos com Berkeley,

em que contratámos diretamente um professor, que pudesse fazer pedagogia, defesa e debate à volta do que

era um recurso enorme nos Estados Unidos”.

A 20 de novembro, realiza-se o encontro agenciado por Manuel Pinho e fica comprometido entre Mexia e o

reitor de Columbia o pagamento de um patrocínio pela Horizon de 300 mil dólares/ano durante quatro anos e

que Manuel Pinho será um dos professores visitantes convidado.

Nos seus primeiros contactos com Columbia, Manuel Pinho prontificara-se a ocupar um lugar não

remunerado e informa que se prepara para assumir um cargo não-executivo na administração da Horizon. Na

CPIPREPE, António Mexia nega a existência de tal hipótese. O facto é que, na versão assinada do protocolo,

está prevista a remuneração do lugar que, durante um ano, veio a ser ocupado por Manuel Pinho no âmbito

deste programa.

Conclusão relativa aos capítulos 14 e 15

Ao longo dos trabalhos da CPIPREPE foram apurados factos sobre a atuação de Manuel Pinho e João

Conceição, arguidos no âmbito da investigação judicial decorrente da “Operação Ciclone”, que se somaram à

informação extraída do processo judicial em curso e remetida à CPIPREPE pela Procuradoria Geral da

República. Esses novos factos apurados pela CPIPREPE foram comunicados à PGR e constam deste

relatório, reforçando e em nenhum caso contrariando indícios que levaram à abertura do referido processo de

investigação.

Conclusões finais

1 – A legislação de 1995 previa a celebração de contratos de aquisição de energia (CAE) entre o então

Sistema Elétrico Público e a EDP (então CPPE). Em 1996, o desenho desses contratos define condições

contratuais especiais e taxas de remuneração as centrais EDP (estatais e já construídas, 8,5%) inferiores às

definidas para o investimento (privado e externo, 10%) nas novas centrais térmicas do Pego e da Tapada do

Outeiro. A opção política pela atribuição à EDP desta renda por 20 anos teve em vista o cumprimento das

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diretivas europeias que impunham o início da liberalização do mercado e o robustecimento financeiro da

empresa e a oferta de garantias de rentabilidade futura que dinamizassem o processo da sua privatização.

2 – A legislação europeia da liberalização do mercado de eletricidade veio impor a cessação dos CAE.

Essa imposição externa originou a criação do mecanismo CMEC, que governou a transição para o mercado

ibérico. Registe-se que essa aparente imposição obrigatória da passagem dos CAE a CMEC não se verificou

para as centrais térmicas do Pego e da Tapada do Outeiro. O Estado português, na dupla condição de

legislador e de acionista de controlo da EDP, promoveu este mecanismo com o objetivo anunciado de manter

o equilíbrio contratual resultante das regras e remuneração dos CAE. Subjaz ao Decreto-lei 240/2004 uma

autorização legislativa da Assembleia da República aprovada pela maioria parlamentar que na altura

suportava o governo e uma autorização dada pela Comissão Europeia que aprovou o mecanismo de CMEC

em 2004, após notificação do Governo português

3 – No âmbito do cálculo da revisibilidade final dos CMEC, a ERSE estimou que a passagem de CAE a

CMEC teria conferido uma vantagem para a EDP, perfazendo um valor de 510 milhões de euros de rendas

excessivas a corrigir. No entanto é de assinalar que vários depoentes e documentação que chegou ao

conhecimento da CPIPREPE contestam esse valor e apresentam estimativas de danos causados por essa

passagem, ao comparar quanto receberam as centrais EDP em regime CMEC com o quanto teriam recebido

caso se tivessem mantido no regime CAE. É de assinalar que as centrais da Tejo Energia e da Turbogas não

aderiram ao regime de CMEC, tendo sido suscitada a dúvida se tal não seria por não haver vantagem nisso,

pelo contrário, haveria risco acrescido. Deste montante, são recuperáveis sob o atual enquadramento

legislativo e contratual, 285M€ relativos à não realização de testes de verificação de disponibilidade. Àquele

montante acresce, como valor recuperável, os 140 M€ de dano ao SEN entre 2009 e 2014 no mercado de

serviço de sistemas, bem como 102 M€ (até 2027) por efeito da revisão da taxa de juro dos CMEC no do

cálculo do ajustamento final. Em relação ao valor dos 285M€ relativos à não realização dos testes de

disponibilidade, importa referir que este valor não é suportado pela própria ERSE que afirma claramente esta

não ser uma estimativa do impacto da ausência de testes de disponibilidade. É apenas um cenário, sem

suporte ou fundamento legal, que a ERSE reconhece necessitar de enquadramento legal.

4 – A eventualidade de a EDP poder estender o direito de utilização do domínio público hídrico (através da

continuação da exploração das centrais para lá do termo do CAE) estava prevista nos CAE de 1996. A outorga

à EDP, através da aprovação e implementação da Portaria n.º 14315/2003 e do Decreto-Lei n.º 240/2004, da

concretização dessa opção sobre a extensão da utilização do domínio público hídrico (DPH) permitiu a não

realização de procedimentos concursais para aquela extensão e a conservação pela EDP de uma vantagem

estratégica: a detenção do monopólio da produção hídrica em Portugal, embora essa vantagem seja

muitíssimo mitigada com a integração da produção numa área internacional (MIBEL). Tal constituiu uma opção

política em defesa dos interesses nacionais e da manutenção dos centros de decisão em território português,

impediu o aumento da concentração do mercado de produção de energia elétrica nas empresas espanholas e

que fossem empresas espanholas a controlar os recursos hídricos portugueses;

5 – O valor económico a receber pelo Estado como contrapartida desta extensão, feita antes da cessação

dos CAE, foi objeto de cálculo por duas entidades financeiras que concluíram por um valor de

aproximadamente 704M€, a que acresceria a taxa de recursos hídricos e o não recebimento do valor residual

das centrais avaliado em 1.356M€. Estudos de professores especialistas na área financeira concluem que a

metodologia usada, recorrendo a taxas de desconto diferenciadas foi correta. No entanto, a REN produziu uma

Nota onde estima o valor da extensão num valor bastante superior (cerca de 581M€ superior). Sobre este

tema é factual que a Comissão Europeia, após ter realizado uma análise aprofundada da questão, concluiu em

maio de 2017 que o valor pago pela EDP tinha sido justo e com referenciais de mercado. Por seu turno, a

mesma instância Europeia, afirma que a metodologia utilizada pela REN não constitui uma prática de

mercado. De referir que a Comissão validou por 3 vezes, entre 2004 e 2017, a temática dos CMEC e DPH, em

particular, em 2013 e 2017 já com vários anos de implementação dos CMEC.

6 – A Tejo Energia, nos termos do CAE, terá de negociar o quadro económico de uma eventual extensão

da operação da central do Pego para além do prazo do contrato (2021). No entanto, no caso da central de

Sines, o Decreto-Lei n.º 240/2004 possibilitou a prorrogação da sua operação para além do prazo do CAE

(2017), por impor a passagem da central para o regime de mercado e a respetiva licença não ter prazo

associado, nos termos legais em vigor desde 1995 (Decreto-Lei n.º 182/95) não estando prevista qualquer

forma de compensação ao SEN, para além do produtor ter que suportar os custos de desmantelamento da

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central. No cenário base usado pela ERSE, a prorrogação da central de Sines por oito anos (até 2025) sem

correspondência económica no SEN, ainda que legalmente enquadrada, é geradora de uma vantagem para a

EDP de 951 milhões de euros, embora não haja nenhuma garantia de materialização das condições temporais

e económicas do estudoCom efeito, o estudo da ERSE contém pressupostos manifestamente desatualizados

(por exemplo relativos ao custo do CO2) e eventualmente considerações não suportadas na realidade

porquanto o produtor não foi consultado quanto aos custos reais de funcionamento da central.

7 – A remuneração da REN pela detenção de terrenos do domínio público cria uma rentabilidade de ativos

estatais para valorizar a empresa no contexto da sua privatização e, mais tarde, da sua natureza 100%

privada. Desde 2006, as rendas pagas à REN por terrenos do domínio público somaram custos tarifários de

330 milhões de euros, dos quais 80 milhões correspondem a remuneração que a ERSE sempre contestou.

8 – Os acionistas da REN (Estado e acionistas privados) beneficiaram em 2007 de uma extensão gratuita

do prazo de concessão da RNT, por sete anos adicionais e sem qualquer contrapartida conhecida, em

vésperas da privatização parcial da empresa naquele ano. O valor económico deste benefício não está

determinado, podendo, no caso do Estado, ter-se refletido na receita da subsequente privatização e sendo, no

caso da EDP, acumulado como mais-valia.

9 – Várias opiniões ouvidas nesta CPI referem que a produção eólica, muito preponderante no contexto da

produção renovável em Portugal, no nosso país uma rentabilidade mais elevada do que em países

comparáveis. Os fatores explicativos dessa elevada rentabilidade são a) a manutenção de níveis de

remuneração próprios de investimento em fase precoce do amadurecimento das respetivas tecnologias, fruto

da opção por uma abertura pioneira à transição para as energias limpas, com múltiplos benefícios para o país;

b) a existência de ganhos de eficiência tecnológica obtidos pela demora entre o momento da definição da

remuneração garantida e a construção das centrais. A quantificação desse excesso de rentabilidade do setor

(ou de determinados segmentos do setor) face aos níveis de outros países não pôde ser identificado ou

quantificado rigorosamente pela CPIPREPE, na media que os preponentes destas opiniões não conseguiram

apresentar dados ou estudos que as sustentassem.

10 – A EDP, enquanto Comercializador de Último Recurso, é a entidade à qual foi imposta pela via legal o

financiamento da dívida tarifária. Nesse sentido, a partir de 2011, legislou-se no sentido de refletir o custo de

financiamento da EDP na taxa de juro da dívida tarifária, sem, todavia, salvaguardar a possibilidade de

intervenção da tutela em decisões de gestão desta dívida regulada. Assim, o SEN acompanhou o custo de

financiamento da EDP nos momentos de maior adversidade nos mercados financeiros sem que, perante uma

evolução positiva dos mercados, assegurasse para si parte dos proveitos da titularização dessa dívida. A

pertinência dessa partilha de ganhos foi contrariada na CPIPREPE por dois titulares da pasta da Energia, Artur

Trindade e João Galamba.

11 – O mecanismo de garantia de potência foi concebido no contexto da instalação do MIBEL,

compatibilizando os sistemas elétricos português e espanhol. Foi criado no quadro de uma estratégia que

incluiu a instituição, em simultâneo, da tarifa social. A garantia de potência não correspondeu, no momento da

sua criação e até hoje, a um diagnóstico técnico de necessidade de maior segurança de abastecimento. Das

suas duas componentes, o incentivo à disponibilidade (101 milhões de euros entre 2010 e 2018) foi objeto de

recente suspensão; o incentivo ao investimento (52 milhões de euros entre 2010 e 2018) mantém-se em

pagamento.

12 – O serviço de interruptibilidade remunera unidades industriais consumidoras de eletricidade em alta e

muito alta tensão pela sua disponibilidade para responder prontamente a necessidades do sistema,

interrompendo o seu consumo. Desde 2010, ano em que foi incrementado, o sistema nunca foi usado e só

recentemente foram implementados os testes à prontidão previstos, o que levou à eliminação de um conjunto

de prestadores. Desde 2010, a remuneração do serviço de interruptibilidade custou aos consumidores 727

milhões de euros.

13 – Na aplicação do Memorando de Entendimento, a partir de 2011, o governo priorizou a privatização

da EDP em relação à aplicação das medidas corretivas das rendas excessivas suportadas num estudo da

Secretaria de Estado da Energia igualmente impostas no Memorando. Até 2020, projetando a partir do

executado até 2017 (contabilizada pela ERSE), essas medidas saldar-se-ão em 2048 milhões de euros

positivos para o SEN (dois terços do previsto pelo governo), dos quais 718 milhões são impacto negativo

na EDP (40% do previsto, mas sem contabilizar o efeito das medidas para além de 2020 ou aquelas para as

quais a ERSE afirma não dispor de dados.

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14 – Em 2013, foram identificados pela ERSE indícios da prática de manipulação de mercado na atuação

da EDP na prestação de serviços de sistema. Esses indícios deram origem a procedimentos de auditoria que

identificaram ganhos abusivos da EDP no montante de 72,9 milhões de euros, quantificados pela ERSE e

pela DGEG. Ainda neste âmbito, a Autoridade da Concorrência abriu um processo que culminou na emissão,

em novembro de 2018, de uma nota de ilicitude que a EDP já contestou. Na CPIPREPE, a presidente da AdC

quantificou o prejuízo para o SEN em 140 milhões de euros. No entanto, até à data, não há uma decisão da

AdC sobre este tema.

15 – Ao pronunciar-se, em parecer prévio, favorável ao Decreto-Lei n.º 35/2013, a ERSE constatou a

existência de ganhos de curto prazo (fruto da contribuição voluntária paga pelos produtores) mas também de

perigo para os consumidores no longo prazo. A averiguação desse perigo ocupou a CPIPREPE e foi objeto de

controvérsia entre diversos intervenientes. Em 2013, o governo propôs aos produtores eólicos a adesão a um

sistema de remuneração alternativo para o período posterior à vigência das tarifas feed-in atualmente em

pagamento. A lei aprovada em 2005 previa cinco anos adicionais de remuneração à tarifa da última central

licenciada. O novo regime aprovado em 2013, de modo simplificado, vem garantir uma remuneração que

acompanhará o mercado dentro de uma banda entre os 68€ e os 90€/MWh e por dois anos adicionais.

Aderindo a este regime, os produtores aceitaram pagar ao SEN uma “contribuição voluntária” (que totalizará

200M€ pagos entre 2013 e 2021). A comparação entre o regime de 2005 e o de 2013 demonstra a

possibilidade de futuras perdas ou ganhos para o SEN, consoante os diferentes cenários possíveis.

16 – Ao longo dos trabalhos da CPIPREPE foram apurados factos sobre a atuação de Manuel Pinho e

João Conceição, arguidos no âmbito da investigação judicial decorrente da “Operação Ciclone”, que se

somaram à informação extraída do processo judicial em curso e remetida à CPIPREPE pela Procuradoria

Geral da República. Esses novos factos apurados pela CPIPREPE foram comunicados à PGR e constam

deste relatório, reforçando e em nenhum caso contrariando indícios que levaram à abertura do referido

processo de investigação.

17 – As obrigações da ERSE devem ser formalizadas quanto obrigação de pontualmente publicar online e

de modo acessível todos os estudos e relatórios da ERSE, bem como as atas do seu Conselho de

Administração.

18 – Ficou cabalmente demonstrado, ao longo dos trabalhos da CPIPREPE, que os sucessivos governos

da República utilizaram sempre o consumidor de energia (que é, afinal, o melhor pagador de todos) para um

financiamento efetivo, mas pouco transparente, do Orçamento do Estado. Senão vejamos: (1) Até 1987, o

Estado utilizava a EDP para o financiamento da República nos mercados internacionais, tendo a dívida assim

gerada sido paga pelos consumidores de energia; (2) Com o estabelecimento dos CAE em 1996, à conta dos

consumidores de energia, a EDP viu robustecida a respetiva situação financeira e, nessa mesma medida,

robustecido ficou o valor acionista do Estado, valor este que viria a ser encaixado pelo Orçamento do Estado,

não só através da distribuição de dividendos, mas também pela maior receita obtida nas sucessivas operações

de privatização da EDP; (3) O alargamento dos prazos de concessão da REN e a valorização dos terrenos do

domínio público hídrico também constituíram um fator de aumento das receitas para o Orçamento do Estado,

tanto pelos dividendos gerados, como pelo maior valor arrecadado nas sucessivas fases de privatização, mais

uma vez à custa dos consumidores de energia; (4) O mecanismo de garantia de potência, nos termos

definidos durante o mandato do Dr. Carlos Zorrinho, enquanto SEE, aumentando o valor das licenças leiloadas

ao abrigo do Plano Nacional de Barragens, permitiu novo encaixe adicional para o Orçamento do Estado, à

custa do consumidor de energia; (5) Também no que respeita a um número significativo dos leilões de licenças

para produção de energia eólica, o Orçamento do Estado beneficiou da desoneração do investimento que era

necessário para o desenvolvimento de um novo cluster industrial no país, bem como da desobrigação do

investimento em projetos de investigação e desenvolvimento científico, investimentos esses que passaram a

ser financiados pela tarifa feed-in e, consequentemente, pelos consumidores de energia; (6) As rendas

recebidas pelos Municípios dos produtores de energia eólica são, no mínimo, 2,5% da faturação global destes

produtores. Assim, uma vez mais, são os consumidores de energia chamados a contribuir, neste âmbito para o

financiamento municipal. A tudo isto acresce, claro, as diversas taxas integradas na fatura de energia, a taxa

de emissão de carbono, o imposto sobre os produtos petrolíferos, as rendas municipais pagas pelas redes de

baixa tensão e a subsidiação dos sectores elétricos das Regiões Autónomas. Ora, se somarmos todos estes

valores, ao longo dos últimos 20 anos, obteremos um valor largamente superior a 10 mil milhões de euros. Se

a este valor adicionarmos o IVA – superior a 1000 milhões de euros anuais, pagos pelos consumidores de

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energia – obteremos, sem margem para dúvidas, a mais irrefutável explicação para os altos valores que os

portugueses pagam na sua fatura de eletricidade. Impõe-se, por isso, a conclusão de que é o Orçamento do

Estado o maior beneficiário da fatura da energia e de todas as rendas criadas, sejam estas excessivas ou não.

Sem pôr em causa a nobreza e/ou a necessidade das causas reais que as determinaram, o certo é que estas

operações de desorçamentação são pouco transparentes e dificilmente escrutináveis, induzindo em erro o

cidadão e as próprias instituições do Estado, quanto aos responsáveis pelo alto valor da fatura da energia em

Portugal. Dificultam também uma comparação direta da fatura energética portuguesa com as que são pagas

por outros consumidores europeus.

Recomendações

No futuro os Governos devem evitar financiar políticas públicas à custa da fatura de energia, quer através

de operações de desorçamentação quer pela geração de impostos e tributos que, mais tarde ou mais cedo, se

transformam em rendas ou ineficiências várias, que onerarão a fatura de eletricidade dos consumidores.

Palácio de S. Bento, 15 de maio de 2019.

Os Deputados do PSD.

——

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista votou favoravelmente o relatório final da Comissão Parlamentar

de Inquérito ao pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade (CPIPREPE), da autoria do

Deputado relator Jorge Costa.

O GPPS considera que, após serem acolhidas muitas das suas propostas de alteração, o texto primitivo do

relatório ficou politicamente mais sóbrio, passando a reproduzir de forma mais cabal e fidedigna o desenrolar

dos trabalhos e a refletir um conjunto de conclusões e posicionamentos que na generalidade sufragamos.

Das votações resultou a aprovação de todas as propostas de alteração que o GPPS manteve, o que

produz um relatório manifestamente mais equilibrado.

Não obstante, o GPPS não deixa de vincar as suas reservas face a determinadas conclusões e ilações

patentes no relatório, que motivaram a nossa abstenção, dado que consideramos não estarem suficientemente

fundamentadas.

Face ao exposto, consideramos:

 Ficou introduzido no relatório, sob proposta do GPPS, que a taxa de remuneração aplicável à extensão

dos CAE às centrais da EDP foi de 8,5%, enquanto a taxa que tinha sido aplicada aos CAE da Tejo Energia e

da Turbogás cifrava-se em 10%, desmistificando assim a confusão entre os valores das taxas de

remuneração, que não foram iguais nos CAE de 1995 e nos CAE de 1996.

Ficou clarividente que a transição dos CAE para os CMEC teve como rostos os Governos liderados por

Durão Barroso e posteriormente por Pedro Santana Lopes, consumando-se com o Decreto-lei 240/2004 e com

a homologação dos contratos de cessação dos CAE, criando um novo enquadramento que, para lá de não ter

garantido a ambicionada neutralidade financeira, gerou onerações futuras.

Ficou claro que foi o Decreto-Lei n.º 240/2004 aprovado à revelia dos alertas apresentados pelos

reguladores, alegando o próprio titular da pasta à época desconhecimento de causa.

Ficaram provados os números avançados pela ERSE, que calculou o custo da transição entre CAE e

CMEC em 510 milhões de euros, o que para o GPPS constitui uma renda excessiva.

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Dos montantes sobrantes, para efeitos de sobrecompensações, que são recuperáveis pelo atual

enquadramento legal, identificam-se os 140 milhões que motivaram a nota de ilicitude da Autoridade da

Concorrência à EDP, resultante de um abuso de posição dominante da empresa entre 2009 e 2014 no

mercado de serviço de sistemas e a sobrecompensação resultante do cálculo da disponibilidade das centrais a

operar em regime de mercado, estimada em 285 milhões, valor suportado por um parecer da Procuradoria-

Geral da República e pelos cálculos da ERSE.

Consideramos, no entanto, e em conformidade com proposta de eliminação que apresentamos, e que foi

aprovada, que o Decreto-Lei n.º 240/2004 já foi reiteradamente validado pela Comissão Europeia, em mais do

que uma ocasião, e sempre num mesmo sentido, pelo que não podíamos corroborar a renovada tentativa de

abrir este processo, com possíveis custos de litigância com as instâncias europeias.

 A proposta de relatório atribuía, de forma clara, a extensão sem concurso do Uso do Domínio Público

Hídrico a favor da EDP ao Decreto-Lei n.º 240/2004, que criou no seu clausulado esta oneração futura.

Salientamos, contudo, que o texto do relatório não fazia referência à consequência para o Estado português

da não observância desta extensão, a qual redundaria na obrigação de o Estado indemnizar a EDP.

Não podemos, todavia, deixar de referir que, no nosso entender, a proposta de relatório desvalorizava a

decisão da Comissão Europeia de validar a metodologia utilizada para apurar o montante da extensão. A

utilização de duas taxas, metodologia utilizada nos dois estudos independentes encomendados pelo governo

de então, foi sendo validada pela CE e por várias opiniões técnicas, ao contrário do valor apurado pela REN

cuja CE considerou não ser uma prática de mercado.

Acrescentamos que nos parece não terem sido feitas todas as questões e todas as questões relevantes

aos responsáveis políticos que foram nesta matéria intervenientes, nomeadamente sobre a não existência da

extensão do domínio hídrico (porque segundo os mesmos era um direito da EDP), deixando desigual o

tratamento dado a este tema pela CPI.

Foram estes pressupostos, que não se encontravam vertidos no relatório, que motivaram a abstenção do

GPPS nas votações do capítulo II. Não nos opusemos à existência de um capítulo sobre o tema do Domínio

Público Hídrico.

Não corroborando nós as premissas que o texto primitivo do relatório invocava e não tendo sido aceites as

nossas propostas de alteração, o GPPS assumiu que se abstinha, dando publicidade ao seu sentido de voto

na intervenção inicial a que teve direito. Pelo que, a responsabilidade da supressão deste capítulo do relatório

deve-se, única e exclusivamente, à conduta do GP do PSD, cujo voto contra inviabilizou que as matérias

respeitantes ao Domínio Público Hídrico constassem do relatório, nomeadamente a conclusão de que foi o

Decreto-lei 240/2004 a determinar a extensão do Domínio Público Hídrico.

 Reconhecemos que a prorrogação das central de Sines para lá do prazo dos CAE gerou um significativo

custo, ainda que deva ficar bem transparente que foi essa decisão legalmente enquadrada, pelo que nenhum

vício de legalidade pode ser ao processo assacado.

A solução deve ser negociada, mas caso esta não seja possível, a via apontada no relatório, de resgatar

esses valores através do ISP, é uma alternativa em linha com as pretendidas metas de descarbonização da

nossa economia.

 Entendemos que a remuneração dos terrenos da REN está justificada pela existência de insuperáveis

imparidades, as quais precisavam de ser corrigidas. O GPPS expressa as suas reservas face à extensão

gratuita do prazo, mas expressa igualmente algumas interrogações face à parte resolutiva do relatório nesta

temática.

 A produção de energia renovável, encarada no início da CPI como fonte de irremediáveis desequilíbrios

para sistema eletroprodutor nacional, provou-se afinal como dínamo do aprofundamento da nossa

independência energética e de uma transição para um país sustentável, trazendo mensuráveis benefícios

ambientais, de criação de emprego e de redução do valor da eletricidade no mercado grossista. Porém, tendo

em conta o grau de maturidade tecnológica da altura, inseparável do facto de termos sido pioneiros na aposta

neste tipo de energias, com todos os benefícios que isso acarretou, acabou também por influenciar a evolução

dos valores das faturas dos consumidores domésticos. Resultou desta CPI, ficando vertido neste relatório, não

se ter chegado a indícios para sustentar a conclusão de que a produção em regime especial significou uma

renda excessiva.

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299

 No que toca à dívida tarifária foi esta matéria bastante controvertida na CPI. O relatório explora uma

versão contradita pelo atual Secretário de Estado, João Galamba, e pelo ex-Secretário de Estado, Artur

Trindade. A opção da indexação de ganhos deve continuar a existir ainda que possa apresentar alguns

inconvenientes, cabendo a cada governo contrabalançar os convenientes e os inconvenientes e decidir em

conformidade.

 A Garantia de Potência é um mecanismo de caráter transitório que tem de ser enquadrado no seu

contexto. Nasce no âmbito dos acordos entre Portugal e Espanha para a consolidação do MIBEL de modo a

construir uma compatibilização regulatória no espaço ibérico.

Este mecanismo foi contemporâneo da tarifa social, cujos encargos ficaram a cargo dos produtores em

regime ordinário. Ambos os instrumentos fizeram parte da macro estratégia do governo de então. Esta medida

está suspensa pelo atual Governo.

 Os custos associados à ininterruptibilidade e ao seu sobredimensionamento visaram contribuir para a

transição de unidades de grandes consumidores para o mercado liberalizado, estimular investimentos, pondo

cobro às muitas falhas nos sistemas que se verificavam, fazer face a um sobrecusto tarifário para as empresas

e remunerar a disponibilidade de determinados consumidores para reduzir voluntariamente o seu consumo de

eletricidade em resposta a uma ordem de redução de potência dada pelo operador da rede de transporte, de

forma a dar resposta rápida e eficiente a problemas de correspondência entre oferta e procura de eletricidade.

O mecanismo permitiu assim dar sustentabilidade ao sistema elétrico, ajudar as empresas a serem mais

competitivas e cumprir com mais uma etapa do MIBEL, harmonizando instrumentos entre Portugal e Espanha,

contexto em que este mecanismo tem de ser interpretado.

 O período de assistência financeira esteve particularmente na retina da CPI. Foi neste período que se

assistiu a denúncias públicas, reiteradas nesta CPI, pela então Secretário de Estado com a pasta da Energia,

Henrique Gomes, de censura aos seus discursos e ao desenvolvimento da sua política energética por parte do

governo que integrava, por força de alegadas e reiteradas pressões da EDP ao qual o executivo estaria

permeável.

É também neste período que o governo abandona a tentativa de reforma do sistema elétrico, desistindo da

CESE, em prol da privatização da EDP.

É neste contexto que surge o Decreto-Lei n.º 35/2013, pelas mãos do Secretário de Estado Artur Trindade,

lesivo para os interesses do SEN.

 No que respeita aos serviços de sistema o GPPS subscreve a posição elencada no relatório,

considerando que a proposta de integração dos serviços de sistema, em termos de política energética e

planeamento estratégico para o SEN em modelos concorrenciais que propiciem a redução de custos para os

consumidores e a maximização da integração da produção de fonte renovável merece a nossa concordância.

 A ERSE pronunciou-se favoravelmente ao Decreto-Lei n.º 35/2013, embora ressalvando os custos a

médio prazo que este implicaria. Em 2013, o governo propôs aos produtores eólicos a adesão a um sistema

de remuneração alternativo para o período posterior à vigência das tarifas feed-in atualmente em pagamento.

O novo regime aprovado em 2013 vem garantir uma remuneração entre os 68€ e os 90€/MWh e por dois anos

adicionais, contra o pagamento voluntário de um valor pelos produtores.

Concluiu esta CPI que este Decreto-Lei provoca prejuízos a médio prazo, pagando acima do valor de

mercado, quando outros valores eram possíveis e consentâneos com a realidade que se estava a disciplinar.

Não obstante devem as soluções apresentadas respeitar as devoluções devidas aos produtores, zelar pelo

Estado de Direito, prevenir putativas litigâncias potencialmente danosas para o erário público e reduzir ao

máximo o risco de criar novos custos que sobrecarreguem os consumidores.

 O sobreequipamento está a ser um importante estímulo para acelerar-se a instalação de mais

capacidade de produção renovável, rentabilizando as infraestruturas já existentes (em parques eólicos

preexistentes). Este governo, através de uma recente portaria, prevê a possibilidade do promotor escolher

uma tarifa garantida de 45 euros o MGW (abaixo do valor de sobrecusto estimado pela ERSE – 47,5), não

atualizável e garantida por 15 anos (a partir da qual transita para o regime normal), assegurando a inexistência

de impactos negativos para o sistema elétrico nacional e para o ambiente.

 No que respeita a pessoas individualmente consideradas somos da opinião que os processos judicias

devem correr os seus trâmites, depositando o GPPS total confiança no Estado de Direito.

 A atual governação está a construir uma trajetória de redução dos preços para os consumidores. O

défice tarifário era de 5 mil milhões no início desta legislatura e cifra-se agora em 3,6 mil milhões. A nova

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300

potência renovável instalada será feita a partir de leilões, assegurando impactos nos valores que os

consumidores pagam, nomeadamente através da subtração às tarifas. Há regras mais apertadas para a

especulação das licenças, vedando que se faça a transação dos títulos antes de se ter realizado investimento,

garantindo com isso sobreganhos. Estamos, com o PNEC, a acelerar as metas para a incorporação renovável,

com os previstos 40 % no consumo final para 2030 e já 31 % para 2020, assumindo que se tem de duplicar a

capacidade renovável instalada e apostar na mobilidade elétrica, sempre com o horizonte de redução de

custos para os consumidores em perspetiva. Já demos importantes passos no sentido de cimentar as

interligações, importante ferramenta para que o espaço ibérico deixe de ser uma ilha energética, com

evidentes ganhos. Alargamos a tarifa social nesta legislatura, através do cruzamento automático de dados,

passando de 80 mil beneficiários para os 800 mil, revolucionando o preço da eletricidade para muitos

portugueses, e estendemos este mecanismo ao gás botija. Reduzimos o IVA na eletricidade através do

Decreto-Lei n.º 60/2019.

 Em conformidade com o exposto, votamos favoravelmente o presente relatório, sufragando, na

generalidade, a maioria das suas conclusões. Não obstante, não pode o GPPS deixar de frisar que gostaria de

ver vertidos outros contributos que considera terem sido relevantes para uma visão holística do Sistema

Elétrico Nacional.

O GPPS encarou esta CPI com a sobriedade de quem procurou, na avaliação das dezenas de audições,

na consulta da documentação que nos foi chegando e no estudo dos vários dossiers, desvendar um fio

condutor que desse respostas claras aos portugueses e satisfizesse o intento que presidiu a esta CPI: avaliar

a existência de rendas excessivas no Sistema Elétrico Nacional. É por tal que consideramos que os montantes

apurados nesta CPI devem ser cautelosamente observados, respeitando o Estado de Direito e por isso não

rasgando contratos nem aplicando medidas de efeitos retroativos – sendo o alcance das alterações ao quadro

regulatório para o futuro e não para o passado – à exceção das que convoquem nulidades e ilegalidades,

dando preferência a soluções negociadas e por isso recusando decisões unilaterais, prevenindo custos para

os consumidores decorrentes de possível litigância.

Palácio de S. Bento, 15 de maio de 2019.

Os Deputados do PS.

——

Grupo Parlamentar

O CDS votou contra o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas

Excessivas aos Produtores de Eletricidade (CPIPREPE) por considerar que o documento traduz a visão

política do Bloco de Esquerda e reflete as posições já defendidas pelo deputado relator ainda antes do início

da comissão. O relatório chega a conclusões com base em opiniões, não tendo em conta muitos dos

depoimentos, assim como ignorou a maioria dos cerca de 13 mil documentos recebidos na comissão ao longo

de dez meses.

Não negamos a existência de rendas excessivas no setor elétrico, mas também não podemos deixar de

criticar o conteúdo e conclusões do relatório, que ignora factos e sobrevaloriza opiniões, não sendo fiel ao que

realmente se passou nas mais de meia centena de audições.

O Deputado relator chega a avançar com opiniões puramente pessoais – ou de visão partidária – sem

serem sujeitas ao contraditório. O tema da avaliação da Central de Sines efetuada pela ERSE é disso

exemplo.

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Houve, como foi dito na CPIPREPE, renda da EDP em 1996. Foi com o Governo PS do Primeiro-Ministro

António Guterres que “foi criada a maior renda alguma vez criada em Portugal”, tal como referiu João Talone,

ex-presidente da empresa pública, ao explicar durante a sua audição que foi quando os CAE, que tinham sido

criados para o investimento da Tejo Energia e da Turbogás, foram extensíveis às centrais da EDP.

No que ao Domínio Público Hídrico (DPH) se refere, o relatório foca-se em reuniões e conversas, em

detrimento de factos e de documentação técnica. Seja na fase de draft, seja já com vários anos de

implementação do mecanismo CMEC – Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual, a Comissão Europeia

(CE) afirmou sempre a compatibilidade do mecanismo com a legislação europeia. É, pois, incorreto afirmar

que a CE tenha errado três vezes, sendo que o relatório não o demostra sequer.

Como já referido, não negamos a existência de sobrecustos no setor elétrico. Concordamos, aliás, que

houve renda da EDP em 1996. Depois, os sucessivos governos ficaram manietados, uma vez que qualquer

alteração do enquadramento legislativo deveria ocorrer num contexto de equilíbrio contratual.

Houve renda apurada na extensão do prazo da concessão da Rede Nacional de Transporte (RNT) à REN –

Redes Energéticas Nacionais, SA por um prazo de sete anos. Está documentado, sendo que o próprio

presidente da empresa não foi capaz de indicar qualquer contrapartida a favor do Estado durante a sua

inquirição.

Outras rendas como o mecanismo de garantia de potência, estabelecido pelo Ministro Vieira da Silva,

engordaram o valor dos leilões do plano nacional de barragens, permitindo ao Estado, mais uma vez,

arrecadar uma verba significativa à conta dos consumidores de energia.

Por detrás dessas escolhas não ficou clara a inexistência de comportamentos menos éticos, que podem

configurar tráfico de influências e até corrupção: passagem de lugares de decisão para a elétrica.

É disso exemplo João Conceição, que ao mesmo tempo em que exercia funções de assessor do ministro

Manuel Pinho era quadro remunerado do BCP, tal como consta de documentação entregue na CPIPREPE,

sendo hoje administrador da REN. Ou ainda o caso do ex-Ministro Manuel Pinho e o convite para lecionar na

Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

Ao longo das audições, o CDS centrou as suas inquirições muito na qualidade dos reguladores e na sua

ação, afirmando que um regulador incapaz, ineficaz, sai caro ao Estado e aos contribuintes.

A verdade é que perpassa que os reguladores não foram diligentes e foram até coniventes.

O Ministério Público acusa a Autoridade da Concorrência (AdC) de ter esperado uma década para se

pronunciar sobre os CMEC. Esta falta de ação do regulador da concorrência consta num relatório do Ministério

Público produzido no âmbito da investigação aos CMEC, datado de meados de 2015: “A AdC, apesar dos

recursos técnicos ao seu dispor, precisou de mais de dez anos após a publicação do regime dos CMEC, ou de

mais de seis anos após a cessação efetiva dos CAE, para formular a recomendação que se impunha na ótica

da defesa do interesse público”, lê-se nesse relatório. Só em 2013, já Manuel Sebastião estava em fim de

mandato na AdC, foi aberta uma investigação.

Sobre o porquê de só se ter pronunciado passado todo este tempo, Manuel Sebastião disse: “Ouvi essa

afirmação, não a li, mas não percebo essa conclusão da Procuradoria. […] É que eu nem sequer tinha

poderes; tive de explorar muito bem a capacidade que podia ter porque, ao abrigo da lei da concorrência, eu

não podia fazer nada.”

Houve falta de credibilidade dos reguladores e, no caso da ERSE – particularmente na atual administração

– falta de independência que descredibiliza todos os pareceres que esta entidade reguladora enviou à

CPIPREPE. A presidente Maria Cristina Portugal ocultou do Parlamento (ao não referir no seu curriculum

vitae) que tinha participado no Grupo de Trabalho Conjunto Sobre Custos Energéticos (PS e BE). Tal

informação teria sido relevante na apreciação da sua adequação para o cargo. Assim, os pareceres da ERSE,

a pedido do então secretário de Estado Seguro Sanches – e parametrizados pelo BE – não têm, a nosso ver,

qualquer credibilidade.

No que se refere à dupla subsidiação, a ERSE cortou 140 milhões de euros sem abrigo legal.

Em 2016, a secretaria de Estado da Energia levou a ERSE a cortar 140 milhões de euros na dívida

tarifária, isto com base num entendimento sumariamente referido na Portaria n.º 268-B/2016, que considerava

este montante indevido por ser decorrente de uma dupla subsidiação proveniente das feed-in tariff e

proveniente de outros apoios públicos. Este montante de 140 milhões é referido na portaria só a título de

estimativa. Aliás, no que respeita ao valor concreto do corte, a portaria remete para um futuro despacho

ministerial por proposta do DGEG – Direção-Geral de Energia e Geologia, despacho que nunca veio a existir.

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Nesta sequência, por regulamentação do referido artigo 171.º do Orçamento do Estado, foi publicada a

Portaria n.º 69/2017, que refere ipsis verbis a portaria anterior.

Não obstante, a verdade é que o corte foi mesmo levado a efeito pela ERSE e pelo montante dos 140

milhões de euros, que assume, por isso, até à respetiva cobrança, aos centros eletroprodutores, a natureza de

uma imparidade não registada neste valor que vem arrastado desde 2017.

O atual Secretário de Estado da Energia, João Galamba, disse na CPIPREPE o seguinte: “Sobre esse

tema foi pedida uma auditoria à IGF [Inspeção-Geral de Finanças], que completou o relatório preliminar e

enviou-o para a DGEG para contraditório, o que aconteceu. Neste momento, o relatório ainda não me foi

enviado, portanto, não sei se já foi concluído ou não o relatório final por parte da IGF, mas esse relatório ainda

não me foi enviado”.

A falta de memória também foi uma constante ao longo desta comissão parlamentar de inquérito. Foram

muitos os depoentes que vieram à CPIPREPE responder às mais variadas questões com frases tipo “não sei”

ou “não me lembro”.

Por exemplo, dois dos protagonistas do contrato assinado em 2005 entre a REN e a EDP afirmaram não se

lembrarem do assunto. José Penedos, então presidente da REN, disse: "O presidente de uma empresa como

a REN assina muita coisa…", Pedro Rezende, presidente da filial da EDP, também não.

Foi difícil obter respostas que façam algum sentido, tal como constatou o próprio deputado relator. Perante

outra "falta de lembrança" do ex-presidente da EDP João Talone, o próprio deputado relator afirmou na

comissão: "Estamos a falar da possibilidade de estender por 25 anos adicionais a concessão do domínio

hídrico a favor da empresa, sem concurso. Isto não é uma pequena coisa. Estamos a falar de uma quarta

parte da capacidade produtiva que existia em Portugal naquela altura. Como é que o presidente da EDP não

consegue recordar-se da forma como esses acordos foram negociados?".

A CPIPREPE não conseguiu provar que em algum Governo PSD/CDS tenha havido atribuição de rendas à

EDP. Houve sim cortes de cerca de 720 milhões de euros, e cortes previstos de 2080 milhões: Cogeração

(Portaria 140/2012), 996 milhões até 2025; Extensão FiT (Decreto-Lei n.º 35/2013), 151 milhões até 2020;

Limitar custo mini hídricas (Decreto-Lei n.º 35/2013), 285 milhões até 2030; Redução taxa anuidade CMEC

(Decreto-Lei n.º 32/2013 e Portaria n.º 85-A/2013), 202 milhões até 2027; Garantia de Potência (Portaria n.º

139/2012 e Portaria n.º 251/2012), 443 milhões de euros até 2020.

O CDS considera que o relatório não reflete o que efetivamente se passou ao longo da comissão de

inquérito – sendo para nós inaceitável que o capítulo 2 (Extensão sem concurso do Domínio Público Hídrico a

favor da EDP e metodologia do cálculo da compensação a pagar ao SEN) tenha sido suprimido –, nem

poderia chegar a conclusões a que chega, as quais nos merecem os seguintes comentários:

Conclusão «1. A legislação de 1995 previa a celebração de contratos de aquisição de energia (CAE) entre

o então Sistema Elétrico Público e a EDP (então CPPE). Em 1996, o desenho desses contratos define taxas

de remuneração para as centrais EDP (estatais e já construídas) semelhantes aos definidos para o

investimento (privado e externo) nas novas centrais térmicas do Pego e da Tapada do Outeiro. A opção

política pela atribuição à EDP desta renda por 20 anos teve em vista o robustecimento financeiro da empresa

e a oferta de garantias de rentabilidade futura que dinamizassem o processo da sua privatização.»

Comentário:

A taxa de remuneração fixada para as centrais EDP não foi semelhante às taxas de remuneração fixadas

para as centrais da Tejo Energia e da Turbogás, mas sim mais baixa. É factual que a remuneração das

centrais EDP foi fixada em 1,5 pontos percentuais abaixo das restantes (taxa real pre tax), conforme conta do

Parecer da ERSE ao projeto de Decreto-Lei dos CMEC de maio de 2004.

– EDP – 8,5%

– Tejo Energia – 10%

– Turbogás – 10%

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Conclusão «3. A autorização pela Comissão Europeia do regime previsto no Decreto-Lei n.º 240/2004 foi

contestada nesta CPI, contudo a comissão europeia reiterou a sua metodologia em períodos temporais

posteriores.»

Comentário:

A CE analisou o tema e pronunciou-se em vários momentos (2004, 2013 e 2017), afirmando e reiterando a

correção da metodologia de passagem de CAE a CMEC e DPH. Seja na fase de draft, seja já com vários anos

de implementação do mecanismo CMEC, a CE afirmou sempre a compatibilidade do mecanismo com a

legislação europeia.

Consideramos grave o facto de o relatório desprezar as sucessivas decisões da CE a este respeito,

porquanto se trata de entidade supranacional, independente e especializada.

Apesar disso, achamos prudente uma nova reapreciação da Comissão Europeia, principalmente na lógica

do que foi declarado na CPIPREPE durante o depoimento de Pedro de Sampaio Nunes que considerou existir

uma colisão destes contratos com os dois primeiros pontos do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento

da União Europeia

Conclusão «4. A manutenção do equilíbrio contratual dos CAE não foi respeitada em diversos pontos da

nova legislação, tal como a ERSE indicou no seu parecer prévio ao Decreto-Lei n.º 240/2004, que define as

condições da cessação dos CAE e a criação de medidas compensatórias. No âmbito do cálculo da

revisibilidade final dos CMEC, a ERSE contabilizou alguns desses elementos de vantagem, perfazendo um

valor de 510 milhões de euros de rendas excessivas a corrigir.»

Comentário:

O estudo da ERSE relativo aos 510 milhões de euros parece apresentar erros graves, nomeadamente na

análise que efetua relativamente às taxas de juro, conforme demonstrado pelos estudos dos economistas João

Duque (ISEG), «Financial Analysis of the CMEC and of the Hydro ConcessionExtension of edp – Energias de

Portugal, SA», e Miguel Ferreira (NOVA SBE), «Rents in the Electricity Generation Sector in Portugal: CMEC

and Hydro Concession Extension». Outro exemplo de erro é o relativo aos testes de disponibilidade, onde o

valor de 285 milhões de euros calculado pela ERSE se baseia num pressuposto (como a própria ERSE

explicitamente refere na correspondência trocada com a DGEG) que não tem base legal.

Consideramos que esta conclusão não está suportada e não considera todas as demostrações e estudos

de reputadas entidades, sendo mesmo considerado sem fundamento legal ou económico.

Não deixamos de registar o facto de só em 2017 aparecer uma avaliação global das matérias em apreço.

Conclusão «8. O Decreto-Lei n.º 240/2004 permitiu a possibilidade de prorrogação da operação da Central

de Sines para além do prazo do CAE (2017) sem prever qualquer forma de compensação ao SEN. A Tejo

Energia, nos termos do CAE, terá de negociar o quadro económico de uma eventual extensão da operação da

central do Pego para além do prazo do contrato (2021). No cenário base usado pela ERSE, a prorrogação da

central de Sines por oito anos (até 2025) vale 951 milhões de euros.»

Comentário:

Cumpriu-se a lei e os contratos, que datavam desde 1995/1996, que impõe que as licenças em causa não

tenham prazo. Tal facto foi levado ao conhecimento da CPIPREPE por vários depoentes.

Caso as condições para ficar com a central tivessem sido outras, a EDP poderia não ter aceitado.

O estudo da ERSE não foi sequer apresentado pela sua presidente, Maria Cristina Portugal, nem foi sujeito

a discussão nem a contraditório, pelo que entendemos não dever ser tomado como algo correto.

O estudo da ERSE sobre Sines usa pressupostos desfasados da realidade, como por exemplo o

pressuposto de valores CO2 e custos de operação e manutenção da central subvalorizados.

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Conclusão «10. A produção eólica, muito preponderante no contexto da produção renovável em Portugal,

regista no nosso país uma rentabilidade mais elevada do que em países comparáveis. Os fatores explicativos

dessa elevada rentabilidade são a) a manutenção de níveis de remuneração próprios de investimento em fase

precoce do amadurecimento das respetivas tecnologias; b) a existência de ganhos de eficiência tecnológica

obtidos pela demora entre o momento da definição da remuneração garantida e a construção das centrais. A

quantificação desse excesso de rentabilidade do setor (ou de determinados segmentos do setor) face aos

níveis de outros países não pôde ser quantificado rigorosamente pela CPIPREPE.»

Comentário:

Entendemos que não podemos dar como verdadeiras as afirmações sobre taxas de remuneração mais

elevadas. O relatório não refuta nem consegue demonstrar objetivamente esse ponto, pelo que não pode

retirar as conclusões que retira sobre as rentabilidades.

Conclusão «11. A EDP, enquanto Comercializador de Último Recurso, é a entidade financiadora da dívida

tarifária. Nesse sentido, a partir de 2011, legislou-se no sentido de refletir o custo de financiamento da EDP na

taxa de juro da dívida tarifária, sem todavia salvaguardar a possibilidade de intervenção da tutela em decisões

de gestão desta dívida regulada. Assim, o SEN acompanhou o custo de financiamento da EDP nos momentos

de maior adversidade nos mercados financeiros sem assegurar para si parte dos proveitos da titularização

dessa dívida quando verificada uma evolução positiva dos mercados. As mais-valias geradas nas operações

de titularização decididas pela EDP foram integralmente absorvidas pela empresa, gerando 198 milhões de

euros de lucros entre 2008 e 2017.»

Comentário:

Esta conclusão parece desconsiderar aspetos fundamentais do processo e as afirmações de diversos

depoentes na CPIPREPE.

A quem compete fixar a taxa de juro que remunera esse financiamento é ao Governo, que a fixa tendo em

conta os custos que a EDP suporta com o financiamento, conforme afirmou o secretário de Estado da Energia,

João Galamba, na comissão.

Conclusão «12. O mecanismo de garantia de potência não correspondeu, no momento da sua criação e até

hoje, a um diagnóstico técnico de necessidade de maior segurança de abastecimento. Das suas duas

componentes, o incentivo à disponibilidade (101 milhões de euros entre 2010 e 2018) foi objeto de recente

suspensão; o incentivo ao investimento (52 milhões de euros entre 2010 e 2018) mantém-se em pagamento.»

Comentário:

A existência deste mecanismo em Portugal teve a primeira referência legal no Decreto-Lei n.º 185/2003 e é

retomada mais tarde no Decreto-Lei n.º 264/2007, do ministro Manuel Pinho (que prevê “a possibilidade de

criação de instrumentos de incentivo à garantia de potência para centros electroprodutores, cuja atividade é

exercida em regime de mercado”, de modo a “assegurar um adequado grau de cobertura da procura de

eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros eletroprodutores em regime ordinário –

PRO”), sendo que o início de pagamento pela Garantia de Potência teve início na Portaria 765/2010, na tutela

do ministro Vieira da Silva e do secretário de Estado Carlos Zorrinho.

Nesse contexto de 2007, em vésperas da entrada em funcionamento do MIBEL, as entidades reguladoras

portuguesa e espanhola entregaram aos respetivos governos uma proposta de regulamentação conjunta do

mecanismo de garantia de potência, cujas linhas gerais estão contidas no projeto então apresentado,

apontando à existência de um procedimento concorrencial.

Ficou por esclarecer a existência e o teor, em concreto, do parecer dado pela ERSE. O referido parecer

nunca foi disponibilizado a esta comissão.

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A presidente da ERSE, Cristina Portugal, referiu sempre que enviou toda a documentação existente na

entidade reguladora sobre o tema da garantia de potência, mesmo quando confrontada com documentos

escritos que evidenciam a existência de tal parecer. A Secretaria de Estado da Energia também não enviou o

referido parecer, nem o processo de diálogo entre a Secretaria de Estado da Energia e a ERSE que antecedeu

a publicação da Portaria n.º 765/2010. Estranhamos que um documento desta relevância tenha desaparecido.

Conclusão «14. Na aplicação do Memorando de Entendimento, a partir de 2011, o governo priorizou a

privatização da EDP em relação à aplicação das medidas corretivas das rendas excessivas igualmente

impostas no Memorando. Até 2020, projetando a partir do executado até 2017 (contabilizada pela ERSE),

essas medidas saldar-se-ão em 2048 milhões de euros positivos para o SEN (dois terços do previsto pelo

governo), dos quais 718 milhões são impacto negativo na EDP (40% do previsto).»

Comentário:

Os valores apontados diferem consoante as fontes, e a CPIPREPE não conseguiu apurar de facto e de

forma sustentada o valor correto. Esta conclusão efetua cálculos ao arrepio do que vários depoentes –

governantes e empresas – afirmaram em audições.

Por outro lado, considera esse documento que 510 milhões de euros de alegados benefícios para a EDP é

um valor enorme, mas cortes de 718 milhões de euros é um valor pequeno.

Conclusão «16. Em 2013, o governo vendeu aos produtores eólicos por 200 milhões de euros um sistema

de preço garantido para o período posterior à vigência das tarifas feed-in atualmente em pagamento. À lei

aprovada em 2005, que previa para esse período cinco anos adicionais de remuneração à tarifa da última

central licenciada, é criada uma alternativa que permite aos promotores condições de remuneração que

acompanhem o mercado dentro de uma banda entre os 68€ e os 90€/MWh e por dois anos adicionais. A

comparação entre o regime de 2005 e o de 2013 demonstra a grande probabilidade de futuras perdas para o

SEN (v. capítulo 11), que atingem centenas de milhões de euros em diversos cenários plausíveis.»

Comentário:

Parece-nos prematuro fazer o balanço da medida nesta fase em que ainda faltam vários anos para o seu

termo.

A forma como a medida foi concebida terá permitido a redução do défice a curto prazo, havendo à data em

que o mecanismo foi aprovado estimativas de preço de mercado apontavam para uma medida vantajosa para

o SEN.

Na audição do ministro do Ambiente à CPIPREPE, este afirma que o preço de mercado só pode subir, o

que de facto confirma a bondade e a vantagem deste mecanismo para o SEN.

Por tudo o que foi dito, pela documentação recebida e guardada no arquivo da CPIPREPE e pelo que

efetivamente se passou ao longo das mais de cinquenta audições presenciais, o CDS considera que este

relatório carece de independência, não reflete os factos apurados ao longo da comissão de inquérito e tem a

marca política do Bloco de Esquerda.

Palácio de S. Bento, 15 de maio de 2019.

O Deputado Coordenador do GP CDS-PP, Hélder Amaral.

——

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Grupo Parlamentar

Deixei registadas em declaração final, na última reunião da CPIPREPE, as minhas considerações acerca

do andamento dos trabalhos da Comissão e da minha atuação enquanto relator. Enunciei também então a

perspetiva do Bloco de Esquerda sobre as importantes conclusões do inquérito aprovadas pelos deputados, a

obrigação política de lhes dar consequência e, portanto, o compromisso do Bloco de Esquerda de, em sede

parlamentar, tomar em tempo útil todas as iniciativas legislativas recomendadas pela maioria dos deputados

na Comissão.

Da proposta de relatório foram eliminados – com os votos de PSD, CDS (contra) e PS (abstenção) – dois

elementos importantes e profundamente escrutinados ao longo dos trabalhos da CPIPREPE: 1) as passagens

relativas à atuação da Comissão Europeia na aprovação do regime dos CMEC e 2) todo o capítulo respeitante

à extensão sem concurso da utilização do domínio hídrico de 26 barragens, a favor da EDP.

Limita-se assim esta declaração de voto a sublinhar a importância das evidências, conclusões e

recomendações submetidas à CPIPREPE pelo deputado relator e a gravidade da sua eliminação com os votos

do PS, PSD e CDS.

1. Eliminação da demonstração da inconsistência da atuação da Comissão Europeia na aprovação

do regime dos CMEC

Tal como consta na versão final do relatório, a Comissão Europeia considerou que “a cessação dos CAE e

a concessão de compensações a esse título constitui apenas um modo de alterar a forma como era concedida

a vantagem anterior e não um modo de compensar uma desvantagem”. Apesar disso, a Comissão Europeia

validou o Decreto-Lei n.º 240/2004 no pressuposto de que os CAE representaram para a EDP uma garantia de

funcionamento que “tornou possível a construção destes centros electroprodutores” (pág. 5 da Decisão da CE)

e que 1) poderia ter influenciado investimentos geradores de elevados prejuízos para estas centrais 2) dada a

sua alegada ineficiência; 3) na falta de compensação destes custos, a EDP poderia ter a sua viabilidade

ameaçada.

Com a abstenção do PS e o voto contra do PSD e do CDS, foi eliminada a demonstração da inconsistência

da atuação da Comissão Europeia com os pontos da própria Metodologia aprovada pela Comissão para a

apreciação de ajudas de Estado. Essa demonstração, bem como as consequentes conclusão e

recomendação, transcrevem-se a seguir:

«(…) Ora, nenhum desses pressupostos se verificava no momento da Decisão de 2004, nem se constatou

depois:

1) Os CAE da EDP, enquanto garantia de funcionamento, não determinaram investimentos na construção

das centrais – todos os investimentos em centrais com CAE da EDP já haviam sido realizados à data de

assinatura dos contratos. De resto, os CAE da EDP aplicam-se a ativos, na sua maioria, amplamente

amortizados. Não correspondem a custos ociosos (vd. pontos 3.8 e 3.10 da Metodologia atrás citada);

2) A perda de quota de mercado da produção em regime ordinário não resultou da Diretiva 96/92/CE, mas

sim da penetração da PRE, anos depois. De resto, a EDP nunca esteve em perigo de registar prejuízos, como

se verifica nos relatórios da empresa. Mesmo sem CMEC, estas centrais seriam lucrativas em mercado,

excluindo a possibilidade de prejuízos para a EDP. Assim, não há custos ociosos (vd. ponto 3.3 da

Metodologia);

3) A grande maioria das centrais da EDP abrangidas por CAE era eficiente. A central de Sines (como a

ERSE demonstra, vd. adiante neste relatório) e as centrais hidroelétricas (a EDP decidiu pagar para poder

explorá-las após o termo dos CAE) não são ineficientes como alega a Comissão Europeia;

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4) Na sua génese, os CAE da EDP eram contratos entre empresas do mesmo grupo económico, o que não

pode dar origem a custos ociosos (vd. ponto 3.5 da Metodologia).

5) Eventuais custos ociosos não deveriam ser pagos além de 2006 (vd. ponto 3.12 da Metodologia). Ora,

em Portugal, os CMEC começaram a ser pagos em 2007.

Conclusão: A autorização concedida em 2004 pela Comissão Europeia para a aprovação do regime

previsto no Decreto-Lei n.º 240/2004 assenta na omissão de aspetos que flagrantemente contradizem a

Metodologia invocada na Decisão da Comissão em 2004.

Recomendação: A Assembleia da República notificará a Direção-Geral de Concorrência da Comissão

Europeia das presentes conclusões, com vista a uma eventual reapreciação do regime de auxílio de Estado

aprovado em 2004.»

2. Eliminação do capítulo respeitante à extensão sem concurso de 26 barragens, a favor da EDP e

das respetivas conclusões e recomendações

O capítulo eliminado é aqui transcrito na íntegra.

Extensão sem concurso do uso do Domínio Público Hídrico a favor da EDP e metodologia do

cálculo da compensação a pagar ao SEN

Com o Decreto-Lei n.º 183/95 a entidade concessionária da RNT (a REN) obteve a concessão por parte do

Estado do direito de utilização do Domínio Público Hídrico (DPH) para a produção hidroelétrica. Aquando da

celebração dos CAE das centrais hídricas, na sua totalidade detidas pela EDP, estabeleceu-se que a REN

subconcederia a utilização do DPH a estas centrais até ao final destes contratos.

Com a entrada em vigor dos CMEC e a necessidade de cessação antecipada dos CAE, foi necessário

estabelecer termos e condições dos direitos de utilização do DPH destas centrais hidroelétricas. Assim foi

aprovada uma série de legislação entre 2004 e 2007 que culminou com uma extensão dos direitos de

utilização do DPH à totalidade das centrais hídricas até ao final de vida dos equipamentos (em média, 25 anos

para além do previsto nos CAE), abdicando a EDP do valor residual a que tinha direito e pagando ao Estado

759 M€. Esta posição estratégica foi atribuída à EDP sem a realização de qualquer procedimento

concorrencial. Os CAE continham também cláusulas para a negociação da extensão do contrato, bem como

cláusulas com direitos e obrigações a observar na resolução do mesmo. Previam também direitos e

obrigações da REN relativos à realização, findo o prazo de subconcessão, de concursos para o reequipamento

do aproveitamento e exploração destas centrais.

Esta opção é criticada pela ERSE desde a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e é ainda hoje objeto de

um processo formal de investigação por parte da Comissão Europeia. O comunicado mais recente da

Comissão Europeia sobre o tema, com data de 7 março de 2019, considera que as práticas legislativas de

Portugal e França na atribuição sem concurso de barragens violam o direito da UE.

“França e Portugal: A Comissão vai enviar notificações para cumprir a estes dois Estados-Membros, uma

vez que considera que tanto a legislação como a prática das autoridades francesas e portuguesas são

contrárias ao direito da UE. A legislação francesa e portuguesa permite a renovação ou extensão de algumas

concessões hidroelétricas sem recorrer a concurso.”

(Comunicado da CE, 7 de Março de 2019)

Assim, este foi também um assunto central na CPIPREPE, onde foi debatida a possibilidade de a atribuição

da utilização do DPH sem concurso estar na origem de vantagens indevidas conferidas à EDP. Duas questões

foram levantadas a este respeito: 1) a falta de um procedimento concorrencial na concessão do DPH no

período posterior ao prazo do CAE; 2) o método de fixação de uma compensação económico ao sistema

elétrico pelo valor dessa concessão.

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1. Atribuição à EDP da exploração dos aproveitamentos hidroelétricos sem concurso

1.1 As definições previstas nos CAE

Os CAE definiam cláusulas para a negociação da sua extensão. Este processo negocial, que poderia ser

iniciado tanto pela entidade concessionária da RNT (REN) como pelo produtor (EDP), é estabelecido na

cláusula 25.1 dos CAE das centrais hidroelétricas. O ponto 3 da mesma cláusula define que, se não for

iniciado um processo negocial, ou no caso de este falhar, o contrato terminaria na data de fim de contrato

estipulada para o CAE.

“Com uma antecedência mínima de 5 anos relativamente à Data de Fim do Contrato, a RNT, ouvida a

entidade de planeamento, notificará o Produtor do seu interesse ou não em negociar a extensão do Contrato

relativo ao Aproveitamento, devendo o Produtor responder por escrito, num prazo máximo de 1 mês. O

Produtor, poderá, até 5 anos antes da Data de Fim de Contrato, apresentar à RNT uma proposta

fundamentada para a extensão do Contrato. Nesse caso, a RNT, ouvida a entidade de Planeamento, deverá

notificar, o Produtor, no prazo máximo de um mês sobre o seu interesse, ou não, em iniciar negociações para

a extensão do Contrato.”

(cláusula 25.1.1 dos CAE das centrais hidroelétricas)

“No caso de nenhuma das partes solicitar a extensão do Contrato, ou no caso de a RNT responder

negativamente a uma proposta do Produtor para a extensão, o contrato terminará na Data de Fim de

Contrato.”

(cláusula 25.1.3 dos CAE das centrais hidroelétricas)

Neste cenário em que a RNT optasse pela não extensão do contrato, estaria obrigada, pela cláusula

26.1.1, a abrir um concurso para o reequipamento e exploração do aproveitamento hidroelétrico. No caso de o

vencedor deste concurso não ser a EDP, a RNT teria de devolver o valor residual do aproveitamento

hidroelétrico, de acordo com a cláusula 26.3.

“A RNT deverá, com a antecedência de pelo menos um ano relativamente à data de fim de Contrato,

colocar de novo a concurso o reequipamento do Aproveitamento e respectiva exploração. Em resultado desse

concurso a RNT optará entre:

• celebrar com o mesmo produtor um novo Contrato de Aquisição de Energia.

• celebrar com outra entidade que não o Produtor um novo Contrato de Aquisição de Energia, tomando

posse do Aproveitamento e transferindo para o novo produtor seleccionado a posse sobre as instalações e

bens pertencentes ao Aproveitamento, sem direito a qualquer indemnização adicional por parte do produtor

para além do previsto na cláusula 26.3 deste Contrato ”

(cláusula 26.1.1 dos CAE das centrais hidroelétricas)

“[…] se a RNT, em resultado do concurso aberto para o reequipamento e exploração do Aproveitamento,

vier a celebrar com outro produtor um novo contrato de aquisição de energia, a RNT pagará ao Produtor o

Valor Residual do Aproveitamento, tal como definido no Anexo 10 deste Contrato.”

(cláusula 26.3 dos CAE das centrais hidroelétricas)

Em suma, os CAE, nos termos da legislação em vigor à data, concediam à REN a opção de estender o

contrato de exploração dos centros hidroelétricos da EDP ou abrir um novo concurso e transferir a exploração

para outra entidade, pagando à EDP valor residual do aproveitamento.

O processo de transição para o mercado de eletricidade veio obrigar à cessação antecipada dos CAE e à

produção de nova legislação que enquadrasse a exploração dos centros electroprodutores. Para fazer face a

este processo de transição, como vimos anteriormente, o governo optou em 2003 pela adoção de um

mecanismo de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), cuja principal premissa era a neutralidade

relativamente aos CAE.

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Assim, no que diz respeito às centrais hídricas da EDP, esperava-se que fossem mantidos sob o regime

CMEC os mesmos prazos de exploração previstos nos CAE. Todavia, na sequência do Despacho n.º 14

315/2003, o Decreto-Lei n.º 240/2004 concedeu à EDP a opção de explorar os aproveitamentos hidroelétricos

até ao termo de concessão do domínio hídrico (muito além do prazo dos CAE). Mais tarde, em 2005, este

novo direito ficou também plasmado como cláusula suspensiva nos Acordos de Cessação dos CAE, dando à

EDP o direito de não transitar para os CMEC enquanto não fossem estendidos os prazos de concessão das 27

barragens em território nacional.

Na secção seguinte analisam-se estes dois momentos de atuação do governo, em 2004 e 2005, na

preparação e aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 e na negociação e homologação dos Acordos de

Cessação antecipada dos CAE.

1.2 Aspetos decorrentes do Decreto-Lei n.º 240/2004

No artigo 4.º ponto 1 do Decreto-Lei n.º 240/2004 é introduzida a possibilidade – já prevista no Despacho

n.º 14 315/2003 – de os produtores hidroelétricos manterem a exploração das centrais até ao termo da

concessão do domínio hídrico:

“No caso dos centros produtores hidroeléctricos, e na hipótese de os respectivos produtores pretenderem

manter a exploração até ao termo da concessão do domínio hídrico, ao valor do CAE é deduzido o valor

residual dos bens que, nos termos do respectivo título de concessão, não devessem reverter gratuitamente

para o Estado no final do contrato”.

[artigo 4.º ponto 1, alínea vii)]

No parecer ao Decreto-Lei n.º enviado pela ERSE em 2004, o regulador debruça-se sobre este novo direito

de opção conferido à EDP, afirmando que esta prorrogação implícita da licença de produção, por não ser feita

através de um procedimento concursal, prejudica a concorrência e não confere aos potenciais interessados

igualdade de tratamento. A ausência de previsão de uma tradução económica a favor do sistema elétrico desta

nova vantagem concedida à EDP é fortemente criticada:

“Embora o n.º 2 [do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 183/95] disponha que o prazo do contrato de vinculação

deva ser igual ao prazo de duração da licença, a verdade é que o prazo de utilização do domínio hídrico é

muito superior ao prazo de duração dos contratos de vinculação.

Resulta daqui que, na prática, os termos de formulação da citada alínea [do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-

Lei n.º 240/2004] traduzem uma prorrogação implícita da licença de produção. Assim sendo, esta prorrogação

deve ter uma tradução económica a favor do sistema eléctrico, devendo ser levada em linha de conta na

determinação dos CMEC. A não ser assim, está-se a conferir aos produtores, sem qualquer correspondência

no sistema eléctrico, vantagens que não resultam dos CAE se estes contratos fossem cumpridos nos seus

precisos termos. Ora, para além da imediata prorrogação da licença ser questionável à luz dos princípios da

Directiva 2003/54/CE, já que não confere aos interessados igualdade de oportunidades e de tratamento, a

ausência de correspondência económica no sistema eléctrico torna este acto ilegítimo. Donde, importaria

adoptar uma disposição expressamente aplicável à prorrogação das licenças”.

(Parecer ERSE ao Decreto-Lei n.º 240/2004, entregue ao governo em maio de 2004)

Também a REN, nos primeiros comentários ao Decreto-Lei n.º 240/2004 que faz chegar ao governo em

Fevereiro de 2004, alerta para este aspeto do diploma:

“O ponto v. da alínea a) do número 1 do artigo 4.º ao permitir manter a exploração das centrais hídricas

(3903 MW) até ao termo da concessão do domínio hídrico está a beneficiar a EDP, atendendo a que, no termo

de cada CAE, a REN iria colocar a concurso a exploração do sítio (Decreto-Lei n.º 183/95, n.º 4 do artigo 13.º,

texto consolidado pelo Decreto-Lei n.º 56/97 de 14 de março”.

(Comentários REN, enviados em Fevereiro de 2004)

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A EDP desvaloriza o facto de a extensão do DPH se constituir como um novo direito, dizendo que a lei já

permitia que a RNT fizesse a subconcessão sem concurso. O administrador da empresa em 2007, João

Manso Neto afirma hoje:

“Desde 1995 que estava previsto que o produtor o pudesse ter. Obviamente — e podemos fazer já esse

comentário —, também o Estado o poderia ter, mas aquilo já estava previsto, pelo que não há nada de novo.”

(Audição de João Manso Neto)

Contudo, o Decreto-Lei n.º 183/95 no artigo 6 (citado em baixo) apenas concede o direito à RNT de

subconceder o DPH à entidade selecionada para a exploração da central.

“A entidade concessionária da RNT fica autorizada a subconceder o contrato de concessão de utilização do

domínio hídrico à entidade por ela seleccionada, nos termos do presente diploma.”

(Artigo 6.º, ponto 3, do Decreto-Lei n.º 183/95)

Como vimos anteriormente, como impunha a legislação de 1995, os CAE definiam os termos da extensão

desta subconcessão, dando poderes à RNT para não estender o contrato e iniciar um concurso para a

exploração dos aproveitamentos hidroelétricos. Só no processo de transição para o mercado, mais

concretamente no Despacho n.º 14 315/2003 e no Decreto-Lei n.º 240/2004, é que a extensão deixa de

depender da vontade da RNT e passa a depender da vontade da EDP. Enquanto Paulo Pinho chama a isto

uma “opção real muito valiosa”, João Manso Neto considera que “não há nada de novo”.

Perante as evidências que demonstram que a extensão por opção da EDP é um aspeto jurídico inovatório

introduzido no Decreto-Lei n.º 240/2004, João Manso Neto centra o seu argumentário na racionalidade

económica da medida:

“A opção de não fazer concurso público e atribuir o domínio hídrico por negociação bilateral era aquilo que

fazia sentido, já não digo do ponto de vista jurídico, mas do ponto de vista económico”.

(Audição de João Manso Neto)

Para justificar a vantagem económica da negociação sem concurso, João Manso Neto enunciou na

CPIPREPE as quatro opções que o governo teria aquando da cessação dos CAE:

1 – “Realizar concurso em 2007 para todas as centrais para exploração imediata, [o que] implicaria pagar à

EDP o valor residual de 1356M€ e valor atual líquido dos lucros cessantes (7982M€) [até ao final do prazo do

CAE]”; 2 – “Realizar um concurso em 2007 para exploração das centrais, mas salvaguardando os direitos de

exploração até que os CMEC/CAE terminassem, [o que] Implicaria pagar à EDP o valor residual de 1356M€

[com o] inconveniente de estar a pagar, em 2007, por um ativo que só começaria a explorar à medida que os

CMEC/CAE fossem cessando”; 3 – Realizar concursos para exploração das centrais à medida que os

CMEC/CAE terminassem, [o que] Implicaria pagar à EDP o valor residual de 1356M€” 4 – “Conceder à EDP a

exploração das centrais até ao fim da vida útil das mesmas, [em que] o Estado teria um encaixe financeiro de

759M€ e não teria de pagar o valor residual de 1356M€”.

Manso Neto concluiu dizendo que “O governo tomou a opção mais racional e com maiores benefícios para

o sistema e para o país”.

Sobre a tradução económica da decisão do governo, Paulo Pinho não é da mesma opinião. Ouvido na

CPIPREPE, o ex-administrador da REN não tem dúvidas de que o Decreto-Lei n.º 240/2004 proporcionou à

EDP uma opção real muito valiosa, quebrando a neutralidade dos CMEC em relação aos CAE.

“Sou professor de Finanças e uma peça fundamental da teoria financeira são as opções, a avaliação de

opções. Estamos aqui a falar daquilo que, em finanças, chamamos opção real. Isto é uma opção real? Uma

opção real vale muito dinheiro! O Estado português oferece a um produtor uma opção real muito valiosa a

troco de nada. Aí, foi uma das várias áreas onde, para mim, se violou o princípio, que vigorava nos CMEC, de

que eles deveriam ser financeiramente neutrais. Não é financeiramente neutral quando alguém me põe uma

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alínea… aliás, acrescenta lá um texto em que dá essa opção, que é uma opção real, que tem imenso valor.

Mesmo que eles não o exercessem mais tarde, o simples facto de lhe ser dado tem um valor financeiro e esse

valor não foi tido em conta em nenhum dos cálculos feito posteriormente.”

(Paulo Pinho, ex-assessor do Ministro Carlos Tavares e ex-administrador da REN)

O valor estratégico da opção, dada à EDP, de estender a utilização do DPH por mais 25 anos foi realçado

por vários depoimentos na CPIPREPE. Para o ex-Secretário de estado da energia, a EDP obteve, sem

concurso, o monopólio da produção hidroelétrica em Portugal, que é um bem muito importante para a

operação em mercado:

“A concessão do controlo monopolista da capacidade de bombagem, que é um asset que tem um valor

incalculável para fazer a arbitragem do sistema e quando há excessos da produção eólica a baixo valor — e,

na prática, o Estado passou o monopólio para a EDP — é um valor que não está determinado e que, sob o

ponto de vista estratégico, é um valor incalculável.”

(Henrique Gomes, Secretário de Estado da Energia 2011-2012)

Em suma, o Decreto-Lei n.º 240/2004 veio fazer depender da vontade da EDP a extensão da concessão do

domínio público hídrico em média por mais 25 anos em todas as centrais hidroelétricas do país. Este novo

direito não existia anteriormente nos CAE nem na legislação de 1995. Esta extensão tratou-se de uma decisão

clara do governo, introduzida pelo Despacho n.º 14315/2003 e consumada no Decreto-Lei n.º 240/2004.

Com esta decisão o governo evitou que o Estado pagasse o valor residual dos equipamentos das centrais,

avaliados em 1356M€. Por outro lado perdeu o direito de, através da REN, abrir novos concursos para a

exploração dos 26 aproveitamentos hidroelétricos em Portugal, obrigando a que estes ativos ficassem nas

mãos de uma única empresa.

Registam-se, portanto, as posições das duas entidades envolvidas no processo: para a EDP, nas palavras

de João Manso Neto, a extensão do domínio público hídrico “era aquilo que fazia sentido do ponto de vista

económico”; para a REN, nas palavras do seu então presidente, José Penedos, “a extensão do domínio

hídrico, da maneira que foi feita, era contra o interesse nacional”.

1.3 Aspetos decorrentes dos acordos de cessação dos CAE

Os acordos de cessação antecipada dos CAE, assinados pela EDP e pela REN e homologados em

fevereiro 2005 pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, Manuel Lencastre, através do

despacho n.º 4672/2005, vieram estabelecer as condições para a cessação daqueles contratos no processo

de transição para os CMEC. Nestas condições foi introduzida uma cláusula suspensiva destes acordos

[cláusula 2, alínea b)] que obrigava à subconcessão do DPH à EDP até ao fim de vida útil dos equipamentos

das centrais hídricas:

“Concessão à Entidade Concessionária da RNT dos direitos de utilização do domínio público hídrico que

integre o conjunto dos Centros Electroprodutores, por prazo não inferior ao correspondente à vida útil dos

equipamentos e obras de engenharia civil que se encontra indicado no Anexo I – Parte B em relação a cada

Centro Electroprodutor e subsequente subconcessão pela Entidade Concessionária da RNT a favor do

Produtor dos aludidos direitos de utilização, por prazo idêntico ao daquela concessão.“

[Acordos de cessação dos CAE, cláusula 2, ponto 1-b)]

Assim, na prática, esta cláusula suspensiva veio fazer depender a cessação dos CAE e a consequente

passagem aos CMEC, da extensão do DPH. Para o então diretor geral da EDP, João Manso Neto, esta

cláusula foi introduzida apenas para salvaguardar a opção conferida à EDP pelo Decreto-Lei n.º 240/2004:

“O Decreto-Lei n.º 240/2004 permitia à empresa, aos produtores — neste caso éramos só nós que já

tínhamos o hídrico — escolher entre receber o valor residual, ou seja, somar ao valor dos CMEC [o] valor

residual, ou optar pela extensão do domínio hídrico. Quando assinámos o acordo de cessação, exercemos a

opção: o montante CMEC é de 3300M€ e não 4600M€ porque exercemos a opção.

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Portanto, o acordo CMEC nunca podia entrar em vigor sem me regularizarem o domínio hídrico, porque se

não me dessem o domínio hídrico, então tinha de ir para os 4,6 – esta é uma razão financeira.

Mas há, também, uma razão mais operacional, que é: «eu preciso de ter o domínio hídrico para operar em

mercado». Esta era a direta execução do Decreto-Lei n.º 240/2004: 3,3 mais domínio hídrico, ou 3,3 mais valor

residual. Como escolhemos o primeiro, só podemos dar o CAE como morto quando tivermos o resto. Está a

ver? Se eu escolhesse um e, depois, não tivesse o resto ficava desequilibrado… É uma condição suspensiva

que não podia deixar de existir, face ao teor do Decreto-Lei n.º 240/2004.”

(Audição de João Manso Neto)

Victor Batista, um dos administradores da REN que conduziu o processo por parte da concessionária da

RNT, concorda que esta cláusula foi só uma forma da EDP exercer um direito que lhe tinha sido atribuído pela

legislação introduzida no ano anterior:

“Nessa condição suspensiva a EDP, no fundo, está a exercer o direito de opção. A opção que lhe foi

oferecida ela exerce-a! É a tal opção real. A EDP exerceu esse direito, ou seja, «eu quero continuar». E,

portanto, aparece na condição suspensiva.”

(Audição de Victor Batista)

Ouvidas as duas empresas envolvidas na elaboração e assinatura dos acordos de cessação, pode

concluir-se que a inclusão da obrigatoriedade de extensão do DPH na cláusula suspensiva dos acordos de

cessação dos CAE foi a concretização do novo direito de opção dado à EDP no Decreto-Lei n.º 240/2004.

Porém, ao ficar contratualizada, a EDP transformou essa numa condição contratual, que, na prática impunha

que não poderia haver cessação do CAE e entrada em vigor do MIBEL sem que o DPH fosse concessionado à

REN e subconcessionado à EDP até ao fim do prazo de vida útil dos equipamentos, retirando ao estado a

possibilidade de fazer concurso para a exploração dos aproveitamentos hídricos no fim dos CAE.

Na sua Decisão de 2017 relativa ao processo por ajudas de Estado sobre a extensão do domínio hídrico, a

Comissão Europeia sublinha este facto:

“(25) Em primeiro lugar, a Comissão observou que a adjudicação da utilização de recursos hídricos

públicos em regime de concessão para efeitos de prestação de um serviço num mercado pode não comportar

uma vantagem económica para o beneficiário, se a dita concessão for adjudicada no âmbito de um concurso

público e não discriminatório em que participe um número suficiente de operadores interessados. No entanto,

no caso em apreço, os acordos de cessação dos CAE prolongaram, de facto, por cerca de 25 anos, em média,

o direito exclusivo da EDP de explorar as centrais elétricas em causa sem qualquer processo de concurso.

Com efeito, a organização de um concurso ficou esvaziada pelas cláusulas suspensivas dos 27 acordos de

cessação dos CAE entre a REN e a EDP.

(26) Tendo em conta a significativa parte do mercado português representada pelas centrais elétricas (27

%), a posição da EDP no mercado português de geração e venda por grosso (55 %) e o interesse específico

de centrais hidroelétricas numa carteira de produção de eletricidade, a Comissão considerou que essas

cláusulas suspensivas podem ter desencadeado um efeito de exclusão do mercado numa base duradoura

para a entrada no mercado de potenciais concorrentes que poderiam ter concorrido ao concurso público. Por

conseguinte, poderia estabelecer-se uma vantagem económica beneficiando indevidamente a EDP caso o

concurso tivesse tido por resultado um preço mais elevado do que o que foi pago pela EDP, líquido do valor

residual devido a esta empresa”.

(Decisão da Comissão Europeia sobre a extensão da utilização do DPH, 15 de maio de 2017)

1.4 Negociação e decisões políticas

Como vimos nos dois pontos anteriores, a extensão da concessão do DPH à EDP foi feita em duas fases:

1) o Decreto-Lei n.º 240/2004 transformou uma opção da REN (estender o DPH ou fazer concurso público)

numa opção da EDP; 2) o Despacho n.º 4672/2005, do secretário de Estado Manuel Lancastre aprovou os

acordos de cessação que continham a cláusula suspensiva que concretiza essa decisão, transformando a

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extensão do DPH numa condição para a cessação dos CAE e entrada em vigor dos CMEC.

Sobre estes dois momentos legislativos, as opiniões manifestadas na CPIPREPE dividiram-se. Para alguns

intervenientes esta foi uma decisão acertada do governo, que impediu o pagamento do valor residual de

1356M€ estipulado pelos CAE, para outros o Estado quebrou a neutralidade entre os CAE e os CMEC,

entregou à EDP um monopólio com enorme valor estratégico e perdeu a possibilidade de fazer um encaixe

superior ao valor residual em futuros concursos públicos.

Interessou, por isso, à CPIPREPE averiguar em que moldes foi tomada esta decisão e perceber se ela

resultou de um processo negocial entre o governo e a EDP durante a preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004.

Os principais responsáveis políticos alegaram não se recordar de discussões, decisões ou negociações sobre

a extensão do DPH, tanto no processo de preparação do Decreto-Lei n.º 240/2004 como na sua versão final

como ainda na preparação dos acordos de cessação dos CAE.

Franquelim Alves, Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia, assinou o Despacho n.º 14

315/2003 onde já se prevê a extensão do domínio hídrico:

“Não tenho memória de qualquer tipo de discussão sobre esse tema nem sequer a noção de que, por via

do decreto-lei que estava em discussão, que estava em cima da mesa no meu tempo…”

Carlos Tavares, Ministro da Economia 2002-2004, remeteu a parecer da ERSE e à aprovação pela

Comissão Europeia o anteprojeto do que viria a ser o decreto-lei 240/2004 (que já continha sobre esta matéria

a formulação que veio a ficar no diploma aprovado):

“Se calhar, não vou corresponder às suas expectativas. Só lhe posso garantir uma coisa: não houve

nenhuma negociação comigo sobre esse ponto. (…) Também não lhe sei dizer se esse ponto estava no

decreto que foi notificado ou não, mas acredito plenamente… De facto, não foi ponto de que eu tivesse tratado

explicitamente”.

Manuel Lancastre, Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico 2004-2005, assinou o despacho

4672/2005 que homologa os Acordos de Cessação dos CAE, onde figura como cláusula suspensiva da

cessação a extensão do DPH:

“Se me lembro de ter negociado e discutido essa questão da concessão para além dos prazos com a REN

e com a EDP? A resposta é não”.

Quanto aos principais responsáveis da EDP ouvidos na CPIPREPE fizeram declarações contraditórias.

Por um lado, o presidente executivo da empresa à data, João Talone, e o administrador responsável pelo

processo negocial do Decreto-Lei n.º 240/2004, Pedro Rezende, afirmaram que não houve quaisquer

abordagem da EDP junto do governo sobre a extensão do DPH e que esse tema não foi uma preocupação

nas negociações em 2004 sobre a transição dos CAE para os CMEC.

Pedro Rezende, vice-presidente da Boston Consulting Group 1990-2003, administrador da EDP 2003-2006,

assinou pela empresa os acordos de cessação dos CAE:

“Enquanto estive na EDP o assunto da extensão do domínio hídrico não foi negociado com o Estado, não

foi negociado pelo Estado, não foi tratado. (…) Lamento imenso dizer-lhe que não recordo que houvesse essa

condição suspensiva nos contratos”.

João Talone, presidente-executivo da EDP 2003-2006 na preparação do Decreto-Lei n.º 240/2005 e na

assinatura dos acordos de cessação dos CAE:

“Aquilo de que me lembro é que, no decreto-lei de 2004, estava previsto que, no fim da concessão do

domínio hídrico, a concessão revertia para o Estado e o Estado tinha de pagar os ativos ao operador. (…) Mas

não me lembro, sequer, que isso tenha sido tema enquanto estive na EDP.”

Por outro lado, o atual presidente executivo da EDP, António Mexia, não tem dúvidas que a empresa impôs

a extensão do DPH como condição para aceitar a transição para os CMEC. Já João Manso Neto afirma que a

extensão do DPH foi uma opção do Governo.

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314

“Nesta altura a EDP manifestou-se no sentido de condicionar a cessação antecipada dos seus CAE à

extensão do DPH. (…) [Os administradores da EDP] punham a condição A, B, C, D, entre as quais estava a

extensão do domínio hídrico. Gostava que ficasse claro que em 2003 e 2004 houve muito envolvimento”.

(António Mexia)

“O Estado optou, em 2003 e, depois, em 2004, pela solução mais fácil, o ajuste direto… (…) Neste caso do

domínio hídrico, estávamos a falar da substituição de CAE por CMEC. Se querem acabar com os contratos é

conveniente que estejamos de acordo.”

(João Manso Neto, diretor-geral e administrador da EDP 2003-2015, atual presidente da EDP Renováveis)

Para provar o empenho da EDP já em 2004 na negociação da extensão do DPH, António Mexia remeteu à

CPIPREPE uma carta enviada pelo Conselho de Administração da empresa ao secretário de Estado do

Desenvolvimento Económico, Manuel Lancastre no final de 2004, no final do processo de negociação do que

viria a ser o Decreto-Lei n.º 240/2004.

No último ponto, o Conselho de Administração da EDP alerta o governo para a necessidade de garantir que

a concessão do DPH seja feita à REN, porque só assim ficaria assegurada a extensão do DPH prevista no

artigo 4.º [ponto 1 alínea vii)] do projeto de lei.

“É fundamental para assegurar a atribuição do montante dos CMEC resultante do artigo 4.º do Decreto-Lei

que os prazos das subconcessões a atribuir aos produtores titulares de centros hidroelétricos correspondam,

no mínimo, aos períodos de vida útil dos equipamentos de construção civil e engenharia mecânica. Neste

momento, face à inexecução do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 153/2004, de 30 de junho, torna-se essencial a

adoção de medidas que assegurem a atribuição das concessões à entidade concessionária da RNT em

consonância com os prazos acima referidos, embora não prejudicando a celeridade e oportunidade do

presente processo legislativo.”

(Pedro Rezende, Carta CA da EDP, 10 de novembro de 2004)

“Os serviços competentes do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente devem

celebrar os respectivos contratos [de concessão do domínio hídrico] com a entidade concessionária da RNT

no prazo de 120 dias a contar da publicação do presente diploma, devendo constar dos mesmos a

possibilidade de subconcessão a favor dos respectivos produtores hidroeléctricos”.

(Decreto-Lei n.º 153/2004, de 30 de Junho, artigo 2.º, número 2)

Esta carta prova que em 2004 houve uma primeira negociação entre a EDP e o governo sobre a extensão

do DPH. A preocupação da EDP era garantir que a lei sobre domínio hídrico em vigor não impediria a

extensão do DPH prevista no novo Decreto-Lei n.º 240/2004. Em particular, Pedro Rezende quer assegurar

que os prazos de concessão do Estado à REN são compatíveis com a extensão da subconcessão à EDP,

prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei. Esta garantia é contratualizada através da inclusão da respetiva cláusula

suspensiva nos acordos de cessação dos CAE que Manuel Lencastre homologaria:

“Concessão à Entidade Concessionária da RNT dos direitos de utilização do domínio público hídrico que

integre o conjunto dos Centros Electroprodutores, por prazo não inferior ao correspondente à vida útil dos

equipamentos e obras de engenharia civil […] e subsequente subconcessão pela Entidade Concessionária da

RNT a favor do Produtor dos aludidos direitos de utilização, por prazo idêntico ao daquela concessão”.

2. O processo de concessão do domínio hídrico

2.1 Regulamentação da Lei da Água

No final do governo Santana Lopes, estava em finalização a futura Lei n.º 58/2005, aprovada pela

Assembleia da República já no período do governo Sócrates. A Lei da Água determina que a concessão da

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utilização do domínio público hídrico é atribuída mediante concurso público, cabendo ao governo aprovar

decretos-leis complementares que regulem a utilização de recursos hídricos e o respetivo regime económico e

financeiro. Em finais de 2006 e início de 2007, a aplicação concreta da nova lei será objeto de uma divergência

de posições entre os titulares das pastas governativas do Ambiente e da Economia.

Em maio de 2006, o presidente do Instituto da Água (INAG), Orlando Borges, remete ao Ministro do

Ambiente o projeto de decreto-lei de regulamentação da Lei da Água, cuja preparação coordenou. Entre outras

definições, esta proposta determinava que, finda a vigência dos CAE das centrais hidroelétricas, a concessão

do domínio hídrico dependeria da realização de concurso público, tal como indicado na Lei da Água.

Paralelamente a este processo e sem a participação do Ministério do Ambiente, o Ministério da Economia

inicia, em outubro de 2006, o processo de atribuição à EDP, de modo imediato, urgente e sem concurso, da

extensão da concessão do domínio hídrico, como forma de incorporar uma receita extraordinária que

contribuísse fazer face aos aumentos de tarifa previstos pela ERSE para 2007 (ver mais sobre este processo

no capítulo dívida tarifária).

É neste momento que, no quadro do percurso legislativo do projeto de decreto regulamentar da Lei da

Água preparado pelo INAG, o Ministério da Economia entende propor-lhe um conjunto de alterações.

As objeções do Ministério da Economia e Inovação (MEI) são apresentadas num memorando interno do

governo designado “Análise da proposta de diploma do MAOTDR para a regulamentação da Lei da Água”. As

principais objeções do MEI são 1) a existência de risco de redução da margem de manobra negocial para a

extinção antecipada dos CAE e, consequentemente, para a obtenção de contrapartidas económicas para

reduzir os esperados aumentos da tarifa; 2) a imposição de taxas de utilização de água ou rendas, com

impacto no aumento das tarifas. Em consequência, o MEI propõe, entre outras, 1) a prorrogação das

concessões do domínio hídrico das centrais com CAE (“em resolução do Conselho de Ministros sob proposta

do MEI”); 2) a isenção do pagamento de taxas por utilização de água.

Em nome do INAG, Orlando Borges remete a 21 de novembro de 2006 ao ministro do Ambiente, Nunes

Correia, uma crítica das propostas de alteração feitas pelo MEI. Nesse parecer, Orlando Borges refere que as

propostas do MEI “beneficiam claramente um sector de atividade [o da produção de energia] em detrimento de

outros”. Um exemplo de alegado favorecimento ao setor elétrico seria a proposta de isenção de pagamento da

taxa de recursos hídricos, “isenção contrária ao espírito da Lei da Água”. O INAG criticava ainda o papel que o

MEI pretendia atribuir à Direção-geral de Energia e Geologia na gestão dos recursos hídricos utilizados na

produção elétrica, sendo um dos exemplos o facto de se pretender que passasse a ser a DGEG a tomar a

posse administrativa dos bens e a geri-los, em caso de reversão para o Estado.

Não me recordo dessa carta. Se os Srs. Deputados têm cópia dela, teria muito gosto em lê-la. Não me

recordo dessa carta. Não disse que ela não existiu, disse que não me recordo dessa carta. E, 12 anos depois,

vir dizer que alguém escreveu uma carta a alguém… Bom, onde está a carta?! Quero vê-la! Não me recordo

dela!

(Nunes Correia, ministro do Ambiente 2005-2009)

Perante o parecer do INAG, o MAOTDR recusa as propostas da Economia e Tiago D’Alte, adjunto do

ministro Nunes Correia, responde sucintamente ao gabinete de Manuel Pinho apontando falhas de

legalidade/constitucionalidade nas propostas do MEI.

Na sequência destes factos, o secretário de Estado com a pasta da Energia, Castro Guerra, encomenda

um conjunto de pareceres jurídicos sobre a legalidade/constitucionalidade das propostas do MEI.

Num primeiro momento, ainda em novembro de 2006, Castro Guerra recebe da EDP um parecer de Pedro

Gonçalves (MLGTS & Associados) a dar suporte às propostas do MEI.

Ao mesmo tempo, o secretário de Estado pede a Freitas do Amaral um parecer sobre o mesmo assunto.

Este não se pronuncia sobre se alguma das alterações propostas é incompatível com legislação comunitária

(porque “não me foi pedido e por falta de tempo”), limitando-se a recomendar que, para cumprir o artigo 165º

da Constituição, o Decreto-Lei alterado pelo MEI seja enquadrado por autorização legislativa da Assembleia

da República, “por causa do encargo especial a exigir aos beneficiários de prorrogações de concessões”.

Na CPIPREPE, Orlando Borges resumiu esta fase do processo da seguinte forma:

“Estávamos ali a criar um problema e a única forma que encontraram, nomeadamente do ponto de vista da

legalidade, para ultrapassar esse problema foi pedir uma autorização legislativa e fazer aquilo que, no âmbito

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do regulamento e da proposta de decreto-lei que era apresentado, não podiam ou não tinham condições de

fazer. (…) A autorização legislativa desta Assembleia da República, a Lei n.º 13/2007, introduziu duas

situações que não estavam previstas na Lei da Água. A alínea h), que dizia: «a possibilidade de prorrogação,

por uma única vez», e depois definia o prazo —, e a alínea o), feita justamente com este objetivo, que pedia

autorização legislativa à Assembleia da República para definir «um regime especial de regularização de

atribuição de títulos de utilização dos recursos hídricos às empresas titulares de centros electroprodutores,

prevendo a possibilidade de continuação de utilização dos recursos hídricos mediante a celebração de um

contrato de concessão no prazo de dois anos». Ou seja, com este respaldo, utilizando uma linguagem jurídica,

o Decreto-Lei n.º 226-A/2007 introduziu objetivamente dois ou três artigos”.

O pedido de autorização legislativa é aprovado pelo Parlamento a 8 de fevereiro de 2007.

Castro Guerra solicita novos pareceres jurídicos aos advogados Rui Pena (RPA Associados) e António

Vitorino e Duarte Abecasis (sociedade Gonçalves Pereira), não só sobre as alterações pretendidas pelo MEI

ao projeto inicial, mas também já sobre os termos a adotar na futura portaria conjunta MEI/MAOTDR que fixará

o valor a pagar pela EDP e ainda sobre a modalidade de incorporação desse valor na tarifa da eletricidade.

Em fevereiro de 2007, a finalização do decreto-lei passa a estar a cargo exclusivo do Ministério da

Economia. A 15 desse mês fevereiro, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/2007 incumbe o MEI da

“prossecução das acções necessárias para a concretização das orientações constantes da presente

resolução”, embora o Decreto-Lei n.º 226-A/2006 seja atribuído da iniciativa do MAOTDR e o despacho que,

em agosto, fixa o valor do equilíbrio económico-financeiro seja assinado conjuntamente pelo Ministro Manuel

Pinho e pelo ministro Nunes Correia.

É nesse momento que Manuel Pinho torna pública a decisão de extensão do domínio hídrico (e também o

ajuste direto empreendimento de fins múltiplos de Alqueva à EDP). No entanto, os valores não são divulgados

por Manuel Pinho, que refere apenas “várias centenas de milhões de euros”. De acordo com o jornal Público

de 16 de fevereiro, o governo iria ainda pedir estudos, mas toda a imprensa noticia 800 milhões de euros e as

ações da EDP em bolsa atingem máximos desde 1999. Nesse mesmo dia 16, João Manso Neto envia

informação por e-mail a Miguel Viana, do BESI, que produz uma nota de research confirmando o valor da

imprensa como a expectativa da EDP: 700 a 800 milhões de euros. Pouco tempo depois, Viana torna-se

responsável da EDP pelas relações com investidores.

A versão final do Decreto-Lei n.º 226-A/2007 consagrou a possibilidade de uma extensão adicional do

período da utilização do domínio hídrico – para além daquela que foi avaliada, tanto pela REN como pelas

entidades bancárias – no caso da realização de investimentos não previstos no contrato de concessão. Por

outro lado, é previsto o pagamento pela EDP de um valor de equilíbrio económico-financeiro:

“1 – Com o termo da concessão e sem prejuízo do disposto no respectivo contrato, revertem gratuitamente

para o Estado os bens e meios àquela directamente afectos, as obras executadas e as instalações construídas

no âmbito da concessão, nos termos do disposto no artigo seguinte.

2 – No termo do prazo fixado, quando o titular da concessão tenha realizado investimentos adicionais aos

inicialmente previstos no contrato de concessão devidamente autorizados pela autoridade competente e se

demonstre que os mesmos não foram ainda nem teriam podido ser recuperados, esta entidade pode optar por

reembolsar o titular do valor não recuperado ou, excepcionalmente e por uma única vez, prorrogar a

concessão pelo prazo necessário a permitir a recuperação dos investimentos, não podendo em caso algum o

prazo total exceder 75 anos.”

(Decreto-Lei n.º 226-A/2007, artigo 35.º Termo da concessão)

“1 – A entidade concessionária da RNT e as empresas titulares dos centros electroprodutores (…) poderão

continuar a utilizar os recursos hídricos atrás referidos através de outorga de contrato de concessão a celebrar

entre o Estado e a entidade concessionária da RNT, a ocorrer no prazo máximo de dois anos a contar da data

de entrada em vigor do presente decreto-lei, podendo aquela transmitir os correspondentes direitos às

referidas empresas titulares dos centros electroprodutores. (…)

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6 – A transmissão dos direitos de utilização do domínio hídrico a favor das empresas titulares dos centros

electroprodutores a que se refere o n.º 1 fica sujeita ao pagamento de um valor de equilíbrio económico-

financeiro”.

(Decreto-Lei n.º 226-A/2007, artigo 91.º Regularização da atribuição de títulos de utilização às empresas

titulares de centros electroprodutores)

No ministério, a passagem da tutela da energia de Castro Guerra para Manuel Pinho é sinalizada em maio

com o saída do gabinete do Secretário de Estado da equipa de assessores para a área da energia.

2.2 A omissão da medida perante a Comissão Europeia

Depois do atos legislativos e de Governo de 2003 e 2004, discutidos nos pontos anteriores – que permitia a

extensão sem concurso da concessão do DPH às barragens da EDP até ao fim de vida dos equipamentos, era

necessário encontrar um método de fixação de uma compensação económica ao sistema elétrico por

concessão. Este assunto foi alvo de reuniões durante o ano de 2006 entre a EDP e a REN com o objetivo de

fixar esse método e calcular um valor a pagar pela EDP por essa concessão.

Em 2006, na preparação da entrada em vigor do regime CMEC, foi identificada a necessidade de rever a

estimativa do preço médio de mercado feita no Decreto-Lei n.º 240/2004 para o período CMEC, de 36€/MWh

para 50€/MWh. Esta alteração era neutra quanto à remuneração, apenas alterando a sua repartição entre

parcela fixa e parcela de ajustamento, e a posteriori é possível constatar que se revelou correta, por mais

aproximada aos valores verificados no mercado grossista.

Se era neutra no caso dos CMEC, ela era importante no caso da extensão do domínio hídrico, visto que o

aumento do valor estimado para a exploração vinha afetar a disposição do Decreto-Lei n.º 240/2004 que

previa, para a extensão da concessão, a dedução do valor residual ao CMEC a receber pela EDP. Esses

cálculos foram realizados, da forma que se analisa mais à frente neste relatório.

Mas esta alteração ao auxílio de Estado CMEC implicava, nos termos da Decisão da CE de 2004, uma

notificação à Comissão. Este facto, atendendo à documentação dada a conhecer pela Procuradoria-Geral da

República, gerava grande preocupação no governo e na EDP. Em parecer jurídico, António Vitorino sugere a

realização de uma notificação informal à CE sobre os dois temas, preços de referência e extensão do domínio

hídrico.

A opção por esta informalidade é resultado de uma preocupação expressada no memorando enviado por

António Mexia ao ministro Manuel Pinho, depois de preparado por João Manso Neto com conhecimento prévio

a Rui Cartaxo, assessor do ministro, que terá concordado.

Nesse memorando, escreve o presidente da EDP ao ministro:

“3. O risco que pode haver é que, sob o pretexto dessa confirmação [pela Comissão] da análise [do

governo] sobre a pertinência e neutralidade desta alteração [da previsão de preço de mercado], a Comissão

Europeia ter a tentação de rever o dossier, o que poderia bloquear o processo.

4. Daí que sugeria que se evitasse uma reapreciação técnica do assunto e que, pelo contrário, falasses

com a Comissária [da Concorrência, Nelie Kroes] no sentido de lhe voltar a explicar o que se pretende e a

simplicidade do que está em causa. Se sentires que não é viável obter um acordo informal com base nessas

explicações, a melhor solução para evitar os riscos referidos em 3, será avançar com a implementação dos

CMEC nos termos em que está o Decreto-Lei n.º (…).

5. Naturalmente que a manutenção do preço de referência de 36 no período de revisibilidade não teria

qualquer efeito na avaliação da extensão do domínio hídrico, que continuaria a ser calculada com base em

preços futuros reais de EUR 50 MWh".

Manuel Pinho acabará por realizar uma comunicação informal sobre a alteração do preço de referência,

sem objeções da parte da Comissão. Quanto à extensão da concessão do domínio hídrico, o conselho de

António Vitorino não foi seguido – a medida, que implicou um pagamento que o Decreto-Lei n.º 240/2004 não

previa, só veio a ser do conhecimento formal da Comissão Europeia em agosto de 2012, através da queixa

apresentada por um conjunto de cidadãos acerca dos auxílios de Estado pagos à EDP sob a vigência do

Decreto-Lei n.º 240/2004 e por via da atribuição da utilização do domínio hídrico em 2007.

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2.3 Cálculo do valor residual e da extensão da utilização do domínio hídrico

A avaliação era particularmente complexa, dado que implicava avaliar, em 2007, o valor atual do valor

residual no termo dos CAE/CMEC (entre 2013 e 2027) e o valor económico da exploração das centrais entre o

termo que estava previsto para os CAE e o fim da vida útil das centrais hidroelétricas CMEC (entre 2032 e

2053). Para o período tão longo da avaliação foram necessários pressupostos simplificadores em relação a

taxas de desconto e preços de mercado futuros.

De acordo com a documentação a que a CPIPREPE teve acesso, até novembro de 2006, a EDP e a REN

estiveram de acordo sobre o método de cálculo para avaliação da extensão do DPH. Porém, pouco tempo

mais tarde, a EDP comunicou ao governo a discordância das contas apresentadas no grupo de trabalho

conjunto com a REN, sugerindo novos pressupostos no método de cálculo, mais concretamente a

consideração de taxas de atualização distintas para o valor dos equipamentos e para os cash-flows. Essa

mudança de posição é analisada em detalhe no ponto seguinte.

No início de 2007, a DGEG e o gabinete do ministro pediram novos cálculos à REN, que, aceitando

apresentar outros cenários, continuou a defender a utilização de apenas uma taxa de atualização para as duas

componentes do cálculo. Em face do diferendo sobre os pressupostos a utilizar, a tutela encomendou uma

avaliação externa a duas entidades diferentes: Caixa BI e Crédit Suisse. A EDP conhece as entidades

bancárias escolhidas desde antes de 8 de janeiro, data em que o administrador Manso Neto envia a António

Mexia a seguinte nota, constante do Processo judicial n.º 184/12.STELSB:

“Falei hoje com RC [Rui Cartaxo, assessor de Manuel Pinho] que disse que já havia falado com a CGD e a

CSFB para os contratar para fazerem a avaliação do DH [domínio hídrico] em semanas. Confirmou-me ter lido

os documentos que lhe enviei”.

O resultado destas avaliações acabou por estar em linha com a segunda posição da EDP, considerando

duas taxas de desconto. Curiosamente, a decisão formal de contratar estas entidades é do Conselho de

Ministros de 15 de fevereiro, quando já estavam entregues as conclusões de pelo menos uma das avaliações

(a da Caixa BI), estando a outra datada do dia seguinte à reunião do Conselho de Ministros. Estas avaliações

foram a base para a fixação do valor de 759 M€, através do despacho 16982/2007, assinado em agosto pelos

Ministros do Ambiente e da Economia e Inovação, Nunes Correia e Manuel Pinho, respetivamente.

Dada a discrepância entre o valor decidido pelo governo e o apresentado pela REN na sua avaliação

(1150M€), uma parte dos trabalhos da CPIPREPE debruçou-se sobre este processo, desde o consenso entre

EDP e REN até à mudança de posição da EDP em novembro de 2006 e ainda à assinatura do Despacho n.º

16 982/2007. Foram ouvidos os principais argumentos a favor e contra a utilização das duas taxas, bem como

a justificação dos principais intervenientes na condução do processo por parte do Governo, EDP e REN.

2.4 Mudança de posição da EDP

A 13 de Novembro de 2006, João Manso Neto envia a António Castro Guerra, Secretário de Estado

Adjunto do Ministro da Economia e Inovação, os cálculos da EDP relativos à valorização da extensão do DPH.

No e-mail, o administrador refere que estes “ainda são só valores da EDP” e que ainda falta trabalhar com a

REN para chegar a valores finais. O valor apresentado considera apenas a taxa WACC 6,6% e apresenta um

valor residual do total dos aproveitamentos hídricos de 1051M€.

No dia seguinte à EDP enviar estes valores ao governo, circula no conselho de administração da REN uma

versão dos mesmos cálculos feita pela equipa da concessionária da RNT. Este documento, enviado a 5 de

dezembro por Francisco Saraiva a José Penedos, Victor Batista e Paulo Pinho usa a mesma taxa WACC da

EDP e chega a valores, “consolidados com a EDP” de 1045M€.

Assim, a 5 de dezembro, a REN ainda julga haver um consenso com a EDP sobre o valor residual a

descontar no pagamento da EDP pela extensão do DPH até ao fim de vida útil dos equipamentos. Todavia,

uma semana antes, a 30 de novembro, uma nova posição da EDP já tinha sido remetida ao Secretário de

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Estado Castro Guerra, incluindo taxas diferenciadas (4,7% para a atualização do valor residual e várias

superiores para os cash-flows futuros).

No início de dezembro, o presidente da DGEG, Miguel Barreto, envia um e-mail à REN a pedir mais

simulações relativas a este cálculo, utilizando uma taxa de 4,13% em vez da WACC da EDP de 6,6%. A razão

para este pedido é explicada pelo próprio Miguel Barreto na CPIPREPE:

“No final de novembro ou logo no início de dezembro, não consigo precisar, foi-me transmitido que a EDP e

a REN não tinham conseguido convergir nas suas posições. Tudo tinha que ver com o valor residual.

Surgiram, concretamente, várias questões mas aquela que, de alguma maneira, se tem destacado foi a

seguinte: a EDP entendia que o valor residual era um direito seu na compensação relativa aos CAE, cuja taxa

de atualização já estava definida no Decreto-Lei n.º 240/2004, e que apenas os cash-flows, após o CAE,

deveriam ser considerados para valorizar a extensão; a REN defendia que o valor residual era como um

investimento que o Estado fazia para viabilizar a extensão e que ambos, valor residual e cash-flows futuros,

deviam ser avaliados com a mesma taxa, como se de um projeto único se tratasse. (…) É nesta altura que me

é solicitado que interaja com a REN, no sentido de fornecer ao Governo uma comparação das duas posições,

utilizando um modelo do Estado, que era o da REN. Depois de várias interações, finalmente recebi uma tabela

que compara de forma correta as duas abordagens, com várias taxas de desconto — aliás, julgo que a tabela

foi ontem aqui mostrada pelo Dr. Rui Cartaxo —, que reencaminhei ao Governo em janeiro e, a partir daí, nada

mais tive que ver com o tema de extensão do domínio hídrico.”

(Audição Miguel Barreto)

Victor Batista, o administrador que conduziu o processo do lado da REN, diz não conhecer divergências

anteriores com a EDP quanto às taxas a utilizar no cálculo do valor residual. Até ao pedido de Miguel Barreto,

a REN acreditava que havia acordo e nunca recebera informação contrária da EDP:

“Eu tinha a informação interna de que havia acordo e, às tantas, recebi um telefonema da Direção-Geral de

Energia a pedir algo que fugia ao acordo que a equipa interna da REN me tinha transmitido e, como não tinha

nenhum telefonema, quer do Dr. Manso Neto ou de alguém da EDP para me dizerem alguma coisa, achei

aquilo muito estranho e tentei combater e defender a ideia da REN durante cerca de um mês, mas o resultado

é que não fui bem-sucedido, mas, pronto.”

(Audição de Victor Batista)

João Manso Neto, na CPIPREPE, afirma que a ideia da EDP não era a de utilizar a taxa de 6,6% para o

cálculo do valor residual e que o primeiro e-mail enviado ao secretário de Estado foi um erro. Realça que o

erro foi corrigido poucos dias depois e os novos valores enviados ao secretário de Estado:

“A nível das taxas de juro, não houve discussão com a REN. Não houve! Se está aí dito é porque foi uma

imprecisão minha.

Agora também reconheço, eu erro muitas vezes na vida. As simulações que mandei ao Sr. Secretário de

Estado, a 13 de novembro, tinham um erro, que, na altura, lhe expliquei.

Agora, perguntam-me assim: «Mas como é que estes indivíduos mandam uma coisa errada?!». Sabe

porquê? É porque tínhamos uma relação muito transparente — não é promíscua, é transparente! —, porque

todos queríamos chegar ao mesmo sítio.

[…] As simulações que foram entregues no dia 13 de novembro estavam erradas, como concluí pouco dias

depois, porque havia um problema nas taxas, daí que, no final do mês de novembro — penso que isso

também consta de vários documentos —, já estavam certos.”

(Audição João Manso Neto)

Assim, ouvidos todos os intervenientes, podemos concluir que, durante o mês de novembro de 2006, houve

uma mudança de posição formal da EDP quanto ao método a taxa a utilizar no valor residual do cálculo da

extensão do DPH. Não foi possível esclarecer a razão pela qual essa mudança de posição não foi comunicada

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diretamente à REN nas equipas de trabalho conjuntas, mas sim diretamente ao governo e à DGEG, que mais

tarde informaram a REN da posição da EDP.

Após receber esta informação, Victor Batista, em janeiro de 2007 envia à DGEG as simulações pedidas e

ao secretário de Estado Castro Guerra os cálculos da REN, onde inclui uma nota sobre a diferença de

posições da EDP e REN, quantificada em 400 M€:

"Em resumo, existem dois pontos de vista em confronto: um, defendido pela REN, que o Valor Residual

deverá ser descontado à taxa WACC do Produtor uma vez que se trata de uma parcela de investimento

necessário à extensão da vida útil do centro hidroelétrico até ao termo do título de domínio público; outro,

defendido pelo Produtor, que o valor residual deverá ser descontado à taxa definida pelo Decreto-Lei n.º

240/2004 na medida em que foi assim considerado na altura e, portanto, constitui um custo já assumido pelo

mercado, pelo que não será razoável descontá-lo a outra taxa modificando o seu valor. De notar que as duas

taxas de desconto levam a uma diferença de cerca de 400 M€.”

(Nota “CMEC”, enviada por Victor Batista a Castro Guerra em janeiro de 2007)

2.5 Decisão do Governo

Do lado do Governo, o processo foi conduzido no gabinete do Ministro da Economia por Rui Cartaxo

assessor no Ministério da Economia. Rui Cartaxo diz ter tido conhecimento da posição da EDP através de um

estudo que a empresa encomendou à Rothschild e enviou ao Ministério. Quanto à posição da REN, Rui

Cartaxo diz ter tido conhecimento dos cálculos enviados por Victor Batista que mais tarde lhe foram entregues

por Maria de Lurdes Baía:

“Eu tive conhecimento deste documento por via do Ministério da Economia, e, poucos dias depois, também

tive conhecimento por uma técnica da REN, que se deslocou expressamente ao Ministério da Economia e que

mo entregou. (…) Na conclusão desse documento da REN diz-se o seguinte: «Para os pressupostos

assumidos, o custo de capital da EDP após impostos varia entre 6,2% e 7,1%. Em termos médios, esse valor

será de cerca de 6,6%»”.

(Audição Rui Cartaxo)

Rui Cartaxo afirma que perante a diferença de posições entre a REN e a EDP sobre o valor da extensão do

DPH, a decisão do ministério foi a de pedir dois estudos independentes e, com base neles, fixar o valor por

despacho:

“Foi decidido, então, pela equipa do ministério que fossem pedidas avaliações independentes a duas

instituições financeiras de primeira linha, missão que veio a recair sobre o Caixa Banco de Investimento e o

Credit Suisse First Boston. Com base nessas duas avaliações, o Governo veio a fixar o valor da extensão a

pagar pela EDP, por despacho de 15 de junho de 2007, cerca de três meses depois de ter cessado funções no

Ministério”.

(Audição Rui Cartaxo)

Os estudos das duas entidades chegaram ao Ministério em poucas semanas. O Caixa BI avalia extensão

da concessão do DPH em 650 a 750 M€; o Credit Suisse em 704M€. Ambos utilizam abordagens próximas da

defendida pela EDP quanto à taxa a utilizar no cálculo do valor residual. Na CPIPREPE foram levantadas

dúvidas quanto ao curto tempo que estes bancos levaram a produzir os estudos, uma vez que equipas da

REN e da EDP demoraram vários meses a fazer o mesmo tipo de exercício. Rui Cartaxo esclarece e diz não

ter dúvidas que os dois bancos utilizaram a informação de base que estava no estudo da REN entregue por

Maria de Lurdes Baía:

Se foi entregue ou não o modelo da REN aos bancos. Bom, não lhe sei responder com precisão se foi dada

essa tal pen ou se foi dado o que lá estava, mas há uma coisa que sei: os bancos receberam essa informação

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da REN. Ela era oriunda da REN. Digo isto, primeiro, porque os próprios bancos dizem isso nos seus

relatórios. Eu não tenho comigo a versão final dos relatórios dos bancos — bem que a procurei, mas não

tenho —, mas tive acesso a documentos do processo, em que está claramente escrito que esses elementos

foram recebidos da REN.”

(Audição Rui Cartaxo)

Assim, do depoimento de Rui Cartaxo conclui-se que o governo, perante uma diferença de posição

metodológica entre a EDP e a REN quanto às taxas a utilizar no cálculo da extensão do DPH, decidiu fixar o

valor com base em dois estudos pedidos propositadamente para o efeito. Estes estudos tiveram por base os

mesmos pressupostos dos cálculos da REN, mas utilizaram uma metodologia próxima da defendida pela EDP.

2.6 A utilização de duas taxas

Na CPIPREPE foram apresentados argumentos contrários, defendendo as posições da EDP e da REN

quanto à taxa a utilizar no cálculo do valor residual. Parte de este debate repete os mesmos argumentos sobre

utilização de uma ou duas taxas no cálculo dos CMEC.

Maria de Lurdes Baía defende que a avaliação da extensão do DPH tem de ser olhada como um projeto de

investimento, que tem sempre o mesmo nível de risco e, portanto, terá sempre de ser calculado com uma só

taxa:

“Numa análise de rendibilidade de um projeto de investimento, vamos determinar se aquele projeto

assegura a remuneração e a recuperação do investimento e ainda aferir se há um excedente económico, que,

neste caso, e tendo em consideração este critério de avaliação, será o aval do projeto. Ou seja, vamos

determinar se aqueles fluxos anuais de receitas e de custos operacionais conseguem fazer face ao

investimento e ainda assegurar um excedente e, portanto, o próprio critério de avaliação do projeto tem

intrínseca a ligação entre o investimento inicial e os fluxos anuais, uma coisa não está dissociada da outra,

não pode, pois têm o mesmo nível de risco. Estou a falar de um projeto que tem o mesmo nível de risco.

O custo de capital que vou utilizar para atualizar todos os fluxos do projeto, tem de refletir o risco daquele

projeto e aí podemos entrar aqui em debates, mas será que os 6,6% era o valor correto? Será que os 7,8% ou

coisa que o valha — sobre o qual li algures que foi considerado pelas entidades financeiras —, será que era

um valor mais adequado? Eu aí aceito este tipo de discussão. Portanto, ok, estamos a falar de valores de

custos médios ponderados de capital diferente aplicado aos mesmos fluxos. Eu aí aceito a discussão. Mas,

pegar num investimento inicial e atualizá-lo a uma taxa e depois pegar nos fluxos anuais, que vão

determinar…? São esses fluxos anuais que vão determinar a recuperação e a remuneração do meu

investimento e se há ou não lugar a excedente, e atualizá-lo a uma taxa diferente? Isso para mim não faz

qualquer sentido, não encontro o racional para justificar essa opção.”

(Audição Maria de Lurdes Baía)

A Comissão Europeia, em linha com as alegações da EDP, vem defender o cálculo com duas taxas. No

documento de decisão final relativo à queixa apresentada a Comissão conclui que a metodologia utilizada pela

REN não constitui uma prática de mercado.

“[A utilização de duas taxas de desconto] é justificada pelo maior risco operacional num contexto de

mercado liberalizado, pela realização do mercado ibérico de energia, pelo desenvolvimento de um mercado da

energia mais integrado a nível europeu, o que implica, no seu conjunto, mais incertezas sobre a geração de

liquidez”.

“[Quanto à utilização de uma só taxa,] a metodologia da REN não constitui uma prática de mercado”

(Decisão da Comissão Europeia, 15 de maio de 2017)

Já João Manso Neto realça a forma consensual como todos os estudos aplicam taxas diferentes para o

cálculo do valor residual e dos cash-flows, exceto o estudo da REN:

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“Chegamos às taxas de desconto. E aqui no slide 21 apresento as taxas de desconto dos assessores do

Governo, as taxas de desconto dos nossos assessores e aquilo que os órgãos sociais da EDP quiseram, na

altura. Como veem, tudo isto anda à volta dos 700, 670, 800 e tal milhões. Tudo anda à volta das mesmas

taxas; só uma é que está fora destes valores: a taxa de cálculo da REN. Não temos divergência nenhuma com

a REN quanto aos fluxos futuros, aos pagamentos, às vendas, a quanto é que se produz; agora, quanto à taxa

de desconto em mercado e ao domínio hídrico, não podemos estar de acordo, aliás, mais ninguém está de

acordo, porque riscos diferentes não podem ter a mesma taxa”

(Audição João Manso Neto)

Rui Cartaxo partilha da opinião da EDP. Por se tratar de riscos diferentes devem ser aplicadas duas taxas.

Porém, Cartaxo não tem a certeza que a diferença entre taxas deva ser tão elevada.

“Sobre esse tema, tenho a minha opinião e já a referi aqui. Acho que deveria haver duas taxas, porque os

riscos eram, efetivamente, diferentes. Não sei se as diferenças deveriam ser aquelas que foram. Não me

pronuncio sobre isso. Mas tenho uma ideia bastante clara na minha cabeça de que deveria haver duas”.

(Audição Rui Cartaxo)

Idêntica opinião tem Vítor Santos, que naquele ano assumiu a presidência da ERSE. Embora aceite a

utilização das duas taxas, discorda da desproporção verificada entre elas:

“Não nos parece que esta desproporção existente entre as duas taxas tivesse de ser aquela que foi aqui

utilizada. Porventura, poderia haver uma solução intermédia entre o valor estimado pela REN e o valor

estimado pelas duas casas de investimento, que resultasse das taxas que foram propostas pelas duas casas

de investimento.”

(Audição de Vítor Santos)

Já Victor Batista, ainda hoje acredita que o correto seria utilizar a metodologia defendida pela REN e que a

fixação do valor da extensão do DPH foi uma decisão política:

Ou seja, ainda hoje estou convencido de que o critério, na altura, defendido pela REN é que deveria ter

sido aplicado, mas houve outra decisão e tenho de a aceitar. Mas ainda hoje defendo isso! No entanto, devo

dizer-lhe que é uma opinião muito técnica e não tenho uma informação mais vasta da «floresta», como têm os

membros do Governo que olham para a economia no geral e que tem relações com outros Estados.

(Audição de Victor Batista)

A utilização de duas taxas é hoje validada por várias opiniões técnicas e pareceres, incluindo o da

Comissão Europeia, cuja decisão valida a metodologia utilizada nos dois estudos realizados por entidades

bancárias contratadas pelo governo, rejeitando a metodologia preconizada pela REN por alegadamente não

constituir uma prática de mercado.

2.7 O valor estratégico da extensão e a não consideração, na sua avaliação, dos futuros ganhos em

serviços de sistema

Finalmente, o último aspeto discutido no cálculo da extensão do DPH foram as eventuais limitações da

Metodologia para, em 2007, projetar os rendimentos das centrais hidroelétricas em mercado no período entre

o fim dos CMEC e o fim de vida útil dos equipamentos. O valor médio de mercado considerado para o cálculo

da extensão foi de 50€/MWh e a sua utilização em 2007 não foi alvo de discussão na CPIPREPE. Porém,

passados 10 anos da decisão, é possível aferir com maior precisão se este pressuposto da metodologia de

cálculo se aproxima da realidade.

Neste contexto, a limitação mais importante da metodologia de cálculo do valor da extensão do DPH foi a

de não considerar as receitas do mercado de serviços de sistema, que já são hoje uma parte significativa da

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remuneração das centrais hidroelétricas. Obviamente, esta remuneração não poderia ser estimada em 2007,

mas hoje já poderá ser possível quantificá-la, como explica Maria de Lurdes Baía:

“O mercado de serviços de sistema só entrou em funcionamento em 2009, portanto, não tínhamos

quaisquer elementos, eu não conseguia valorizar essas receitas. Hoje sabemos que são muito valiosas, valem

muito dinheiro, valem muitos milhões de euros. Na altura não tínhamos como quantificar essas receitas. (…) O

que posso dizer —, mas, por favor, não extrapolem os números —, é que, no âmbito das revisibilidades

anuais, a EDP devolveu cerca de 390 milhões de euros relativos às receitas de serviços de sistema. No total

dos 10 anos, foi quanto a EDP devolveu”.

Quando questionado sobe esta matéria na CPIPREPE, João Manso Neto afirma que os 50€/MWh

considerados são um preço total de rede – que já inclui os serviços de sistema – e que o valor real observado

nas centrais hidroelétricas está hoje abaixo dos 50€/MWh:

“Não pode pensar nos serviços de sistema, tem de pensar no preço total. E a resposta, até agora, o preço

de 50, em termos reais, em termos realized, é inferior ao preço que lá metemos. Pode vir a ser diferente, como

sabemos. Amanhã, se vier a ser de 60 ou 70, será diferente, mas sugeria que não olhasse… (…) Portanto, o

preço é o preço total. Tem de somar o preço do diário, dos serviços de sistema e, portanto, até ao ano

passado, os preços realizados foram bastante inferiores aos preços que se tinham tido.”

Perante estas informações aparentemente contraditórias dos dois intervenientes ouvidos sobre o assunto,

não foi possível à comissão concluir se faria sentido descontar eventuais verbas futuras decorrentes do

mercado de serviços de sistema na valorização da extensão do DPH. Porém, é do entender da comissão que

esta situação merecia uma especial atenção por parte da ERSE.

2.8 Custo de oportunidade para o SEN da antecipação da extensão do DPH

Além da segunda consequência dos acordos de cessação é que, obrigando à simultaneidade entre

cessação do CAE e extensão do DPH, na prática obrigaram também à antecipação dessa decisão

relativamente à data em que ela se impunha. Essa data era 2013, quando chegavam ao fim os primeiros CAE,

das barragens do Picote, Pocinho e Bemposta.

Para além do benefício inerente à metodologia baseada em duas taxas de desconto, o Estado concedeu

um benefício adicional ao ter aceitado negociar a extensão da exploração das centrais antes daquela data, no

caso em 2007, sete anos antes. Esta decisão sobre a titularidade da exploração das centrais no período pós-

CAE/CMEC poderia ter sido protelada para o fim dos CAE/CMEC. Caso se avaliasse a extensão em 2013,

com exatamente a mesma metodologia e as mesmas taxas diferenciadas que foram usadas pelo governo, o

valor a pagar pela EDP ascenderia a 1564M€, mais 573M€ que o valor pago em 2007, capitalizado a 2013 à

taxa do Estado.

quadrorendascap2.jpg

Quadro: valor de exploração da extensão da exploração e do valor residual das centrais hídricas em função do ano de avaliação, na perspetiva do decisor público, com as taxas de desconto adotadas pelo Crédit Suisse e admitindo que estas se manteriam constantes no futuro.

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Conclusões

 O direito à extensão da utilização do domínio hídrico sem concurso foi incluído no projeto de Decreto-Lei

n.º 240/2004, preparado e remetido a parecer do regulador e à Comissão Europeia pelo ministro Carlos

Tavares. Na sua preparação, tiveram papel importante os assessores do ministro e do secretário de Estado

Franquelim Alves, respetivamente Ricardo Ferreira e João Conceição;

 A opção foi efetivamente conferida à EDP, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 240/2004 já sob o

governo seguinte, com a energia sob a tutela do ministro Álvaro Barreto. Tal opção foi exercida e homologada

como condição para a cessação dos CAE pelo Secretário de Estado Manuel Lencastre;

 O valor desta opção resulta: 1) da diferença entre o valor económico da produção elétrica futura e o

valor residual dos equipamentos que, sob a legislação anterior, a EDP deveria cobrar no termo dos CAE; e 2)

da obtenção de uma posição estratégica de monopólio, em particular na prestação de serviços de sistema,

remunerados no período pós-CMEC. Destes, só o primeiro foi plenamente considerado nas avaliações de

2007;

 Após analisar o eventual auxílio de Estado ilegal relativo à extensão, sem concurso, da utilização do

domínio hídrico pelas centrais hidroelétricas da EDP (processo SA 35429), a Comissão Europeia decidiu o

arquivamento do processo. A utilização pelo Estado português da metodologia que a Comissão veio mais

tarde a validar resultou num preço mais baixo. Ora, o princípio adequado para a formação pelo Estado de um

preço de venda seria o do investidor privado numa economia de mercado ou num concurso público, o que

levaria à utilização de uma única taxa de desconto para todo o investimento (pagamento inicial do valor

residual e proveitos futuros de exploração);

 As avaliações defendidas pela EDP e pelas entidades bancárias, que a Comissão Europeia validou em

2017 (excluindo a metodologia da REN por “não constituir prática de mercado”), tomaram a entrega pelo

Estado daquela opção à EDP como razão para considerarem garantido pelo Estado (menor risco) o valor

residual das centrais no fim dos CAE, descontando-o à taxa da dívida pública. Por essa via, o valor atual em

2007 do valor residual aumentou, reduzindo a diferença em relação ao valor dos cash-flows de exploração e

portanto diminuindo o montante da contrapartida a pagar pela EDP. Adotando aquela metodologia, o Estado

calculou o valor residual (direito singular da EDP e não comum ao mercado) a uma taxa de desconto mais

baixa. Tal não sucederia no caso de qualquer outro operador, que descontaria sempre o valor residual (que

assegurava a transmissão das centrais no termo dos CAE), à mesma taxa utilizada para descontar os

proveitos futuros da exploração dessas centrais.

 Para além do benefício inerente a esta metodologia de cálculo, o Estado concedeu um benefício

adicional ao comprometer-se em 2005, na homologação dos acordos de cessação dos CAE, a conceder a

extensão da exploração das centrais logo no momento da cessação antecipada (2007), quando os primeiros

CAE/CMEC terminavam somente a partir de 2013. O valor económico da utilização do domínio hídrico no

período pós-CAE/CMEC poderia ter sido calculado no fim dos CAE/CMEC, sendo nesse momento

concretizada a subconcessão. Caso se avaliasse esta extensão em 2013, com as exatas metodologia e taxas

diferenciadas que prevaleceram, o valor a pagar pela EDP ascenderia a 1564,8 M€, mais 573,6 M€ que o valor

pago em 2007, capitalizado a 2013 à taxa do Estado;

 Além de Ricardo Ferreira, que assessorou os Ministros Carlos Tavares e Álvaro Barreto, e João

Conceição, assessor do secretário de Estado Franquelim Alves – cujo papel foi central na preparação do

Decreto-Lei n.º 240/2004 e da homologação dos acordos de cessação dos CAE em 2005 –, Rui Cartaxo,

adjunto de Manuel Pinho, teve grande influência no processo de avaliação da extensão do domínio hídrico. Rui

Cartaxo manteve um fluxo permanente de informação com a EDP, como ressalta das peças do processo

judicial remetidas pela Procuradoria-Geral da República à CPIPREPE, em que são reproduzidas

comunicações que demonstram que Rui Cartaxo preparou diretamente com a cúpula da EDP os termos do

aconselhamento desta empresa ao ministro Manuel Pinho, que Cartaxo assessorava, e que informou a EDP

do andamento das diligências para a contratação das entidades bancárias a quem foram encomendadas pelo

Estado avaliações do valor da extensão da utilização do domínio hídrico.

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Recomendações

Criação de um mecanismo de revisibilidade anual da compensação paga ao Estado pela EDP pela

subconcessão do domínio público hídrico. Ao longo do período desta extensão, este mecanismo deve:

 corrigir o efeito da subcompensação recebida da EDP em 2007 por efeito da utilização de duas taxas de

desconto;

 incorporar nos cálculos dos ajustamentos todos os ganhos de exploração, incluindo os relativos a

serviços de sistema, que os estudos de 2007 não puderam incorporar plenamente.

Conclusões finais eliminadas do relatório

 Os CMEC, ajuda de Estado atribuída a título de compensação pela cessação dos CAE, visa manter

elevados níveis de rentabilidade anteriores, o que não se coaduna com os critérios da Metodologia

europeia para autorização de ajudas de Estado. A autorização pela Comissão Europeia do regime

previsto no Decreto-Lei n.º 240/2004 assentou na omissão desta contradição entre o regime CMEC e

as regras dos Tratados e outras.

 A outorga à EDP, através do Decreto-Lei n.º 240/2004, da opção sobre a extensão da utilização do

domínio público hídrico (DPH) permitiu a não realização de procedimentos concursais para aquela

extensão e a conservação pela EDP de uma vantagem estratégica: a detenção do monopólio da

produção hídrica em Portugal.

 O valor económico a receber pelo Estado como contrapartida desta extensão, feita antes da cessação

dos CAE, não foi calculado segundo o princípio do investidor privado numa economia de mercado ou

num concurso público, o que levaria à utilização de uma única taxa de desconto para todo o

investimento. Pela utilização de taxas diferenciadas, criticada pela ERSE em 2004 e em 2017 mas

validada pela Comissão Europeia, o Estado perdeu uma receita de 581 milhões de euros, valor

comunicado à Comissão Europeia pelo Secretário de Estado Artur Trindade em 2012.

A condição, introduzida nos acordos de cessação dos CAE homologados pelo governo em 2005, da

obrigatoriedade da concretização desta extensão no momento da cessação dos contratos criou uma nova

vantagem para a EDP em função do momento da cessação ter ocorrido sete anos antes do final do prazo do

primeiro a terminar (2013). Se a extensão da utilização do DPH fosse avaliada em 2013, com as exatas

metodologia e taxas diferenciadas que prevaleceram, o valor a pagar pela EDP teria sido superior em 573

milhões de euros.

Assembleia da República, 29 de maio de 2019.

O Deputado do BE, Jorge Costa.

——

O PCP votou favoravelmente o Relatório desta Comissão Parlamentar de Inquérito e afirmou desde o início

que não deixaria de contribuir para um relatório que permitisse dar a conhecer os factos, responsabilidades e

implicações deste processo e destas desastrosas opções políticas que deram origem às rendas excessivas no

sector elétrico.

Apresentámos propostas de alteração que permitiriam, caso fossem integradas no documento, assegurar

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um Relatório mais factual, mais rigoroso e mais consequente – em particular no que diz respeito às causas e

opções políticas que estiveram na origem destas decisões, no quadro de uma política que foi levada a cabo

durante décadas, de desmantelamento do sector público, de desmembramento, segmentação, privatização e

liberalização do sector energético. Mas também propusemos a inclusão de um novo capítulo sobre os famosos

“direitos contratuais” dos acionistas dos grupos económicos, demonstrando que os próprios prospetos das

privatizações já deixavam bem claro que seria possível (e perfeitamente legítimo!) ao Estado alterar o quadro

normativo vigente no sector.

Por opção, numa primeira fase, do Deputado Relator, representante do BE, e finalmente na fase das

votações por opção do PSD, PS e CDS, a parte fundamental destas propostas do PCP foi excluída do

Relatório. Não só na parte respeitante às conclusões a retirar deste processo, e às responsabilidades que

devem ser imputadas, mas desde logo na consideração de matérias

É de registar que, quer o CDS, quer (particularmente) o PSD, apresentaram na aprovação do Relatório

uma versão e uma leitura deste processo que se evidenciou claramente como um alinhamento total com a

versão dos grupos económicos do sector electroprodutor, com a EDP à cabeça. PSD e CDS tentaram omitir e

apagar capítulos inteiros, conclusões inteiras, e chegaram a conseguir, em convergência com o PS, eliminar

praticamente todas as referências à União Europeia, ao papel e às responsabilidades da Comissão Europeia –

tendo ainda retirado do Relatório a totalidade do capítulo relativo ao Domínio Público Hídrico!

O PSD nem sequer se deu ao trabalho de apresentar propostas de alteração dignas desse nome: numa

atitude bem reveladora do seu posicionamento nos trabalhos desta Comissão de Inquérito, e num

procedimento de muito discutível admissibilidade, o PSD apresentou um documento que mais não era do que

a reescrita do Relatório, pretendendo a sua transmutação para o tornar numa espécie de homenagem à EDP.

Não seria o PCP a contribuir para a inviabilização de um Relatório da Comissão de Inquérito. Mas o PCP

não deixa de assinalar que as omissões impostas por opção do PSD, PS e CDS (e, anteriormente, do BE),

face às propostas que o PCP apresentou, se traduzem numa oportunidade perdida para a necessária análise,

conclusão, responsabilização e ilações a retirar de todo este desastroso processo.

Destacamos aqui apenas as principais conclusões que deveriam constar do Relatório e que foram

rejeitadas nos termos referidos:

1. A existência de «Rendas Excessivas»

A primeira conclusão da Comissão de Inquérito é a da existência de «Rendas Excessivas» (RE) no SEN,

identificadas como uma sobrerremuneração dos ativos de vários agentes económicos presentes na cadeia de

valor da produção, transporte e comercialização da energia elétrica em Portugal. Esta tese ficou inteiramente

consolidada na generalidade das audições realizadas, com poucas exceções, pese as opiniões diversas sobre

o seu valor, a sua origem e a própria noção de renda excessiva. A contrapartida à existência das RE, foram as

elevadas tarifas e faturas da energia elétrica, majoradas, sobrecarregadas pelos valores correspondentes à

sobrerremuneração dos agentes. Valores suportados por clientes domésticos e empresariais, com graves

consequências para a competitividade nacional.

A Comissão de Inquérito entendeu as RE por «sobrerremuneração» dos ativos, com uma obtenção, de

forma sistemática e significativa de rendimentos/lucros superior aos valores médios obtidos na restante

economia na remuneração do capital. Na formulação econométrica do texto do Relatório uma RE aparece: «a

partir da diferença entre as taxas de rentabilidade e o custo médio ponderado do capital da atividade (em

inglês com o acrónimo WACC)». Este conceito de «Rendas Excessivas» deveria ser distinguido de «Receitas

Indevidas» (RI), resultantes da obtenção de rendimentos pelos agentes económicos decorrentes de

ilegalidades ou de vantagens ilegítimas por legislação/decisão administrativa incorreta. A CI não fez esta

separação no decorrer dos seus trabalhos, contabilizando RI por RE, o que não obsta a que façamos esta

referência, com a consideração de que não põe em causa o essencial das suas conclusões.

A dimensão das RE é avaliada pela CI em cerca de cinco mil milhões de euros. Dada a permanência dos

mecanismos legais e operacionais que as originaram, e também a constatação de que alguns dos «cortes» de

RE confirmados foram temporários, a «criação» de RE manteve-se e mantém-se para lá daquele período, pelo

que é necessário que o poder executivo e os reguladores tomem as medidas necessárias à sua completa

eliminação, considerando desde logo as recomendações apontadas neste Relatório.

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327

2. A causa primordial das «Rendas Excessivas»

Dos trabalhos da CI ficou claro que a causa original de uma parte significativa das RE – a parte respeitante

aos CAE e CMEC – decorreu do objetivo de privatizar a principal empresa do SEN, a EDP, que integrou o

processo do desmembramento vertical, da cadeia de valor em empresas da produção, transporte e

distribuição e o desenvolvimento de um processo de liberalização abrindo a outras empresas a atividade de

produção e comercialização de energia elétrica. Tais decisões visavam a construção de um putativo

«mercado» de energia elétrica, que posteriormente veio a ser desenhado para toda a Península Ibérica, o

chamado MIBEL. O desmembramento da EDP, entre empresas autónomas de produção (EDP) e transporte

de energia elétrica (REN) levou à elaboração de contratos, ditos de vinculação, de fornecimento de energia,

que posteriormente, para concretização da privatização da EDP, foram transformados em Contratos de

Aquisição de Energia, os CAE. Transformação feita por decisão administrativa e sem nenhum enquadramento

legislativo regulamentar, por simples negociação entre representantes técnicos e da administração das duas

empresas. A fim de valorizar a EDP, que se ia privatizar, foram pelos CAE estabelecidas extraordinárias e

seguras condições garantísticas sobre possíveis futuros riscos para os capitais privados que a viessem a

adquirir. O posterior processo de substituição dos CAE, por imposição da CE, pelos CMEC, os ditos Custos de

Manutenção do Equilíbrio Contratual, reforçaram a segurança dos riscos, por conta do SEN e dos

consumidores. «Com a assinatura dos CAE, todos os riscos de natureza concorrencial que poderiam advir do

processo de liberalização passaram, segundo este modelo, a ser suportados pelos consumidores. Qualquer

perda que pudesse advir do processo de liberalização, associada a uma eventual redução da produção ou do

preço de mercado, ou mesmo a qualquer subida dos custos, seria suportada pelos consumidores». «Os

CMEC garantem por isso a manutenção, em contexto de mercado liberalizado, das condições de remuneração

que haviam sido estabelecidos entre duas empresas (REN e EDP) do mesmo grupo nos contratos celebrados

em 1996 (os CAE)» (Textos do Anexo – Resumo da Transição do regime CAE para o regime CMEC, da AdC,

13SET2013).

O processo de extinção dos CAE arrastou a decisão de extensão do Domínio Público Hídrico para a EDP,

numa negociação em que o Estado sai fortemente prejudicado.

A Produção em Regime Especial, PRE, particularmente a produção eólica, quer no seu enquadramento

legislativo inicial quer após as alterações feitas em 2013, é outra fonte de RE provenientes da diferença entre

a tarifa garantida à produção renovável e o preço do mercado grossista, cujos custos para o SEN são

transferidos para os consumidores pelo seu englobamento nos CIEG – Custos de Interesse Económico Geral

– incluídos anualmente na tarifa pela ERSE.

Como se escreve no Relatório: «Em 2012, o relatório produzido no âmbito da aplicação da medida 5.15 do

Memorando de Entendimento com a troika concluiu que existe uma renda excessiva paga na fatura energética

aos produtores de eletricidade abrangidos pela PRE. O relatório preparado pelo então Secretário de Estado

Henrique Gomes, apoiado em estudos das consultoras Cambridge Economic Policy Associates (CEPA) e A.T.

Kearney, veio quantificar um valor de 113M€/ano respeitante a rendas excessivas pagas à PRE. Deste

montante, 54M€/ano dizem respeito às centrais eólicas e 42 M€/ano às centrais de cogeração. O documento

contabiliza esta renda excessiva a partir da diferença entre as taxas de rentabilidade e o custo médio

ponderado do capital (em inglês WACC) da atividade».

Outras RE (nalguns casos de facto RI) destacadas nas audições e nos trabalhos da CI são a consequência

direta ou indireta dos processos atrás assinalados de privatização, desmembramento da EDP e liberalização

do «mercado», muitas vezes medidas e alterações legislativas no falso pressuposto de colmatar falhas de

mercado, desajustes legislativos, erros regulamentares e outros problemas decorrentes da complexidade da

situação criada. Ou ainda de medidas avulsas governamentais correspondendo a solicitações e pressões dos

principais operadores do SEN. Como resulta claro do simples enunciado das que foram referenciadas na CI,

que se podem ver no quadro seguinte que apresenta um cálculo dos seus valores.

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Beneficiário Valor (M€)

CMEC (1) EDP 510

Subvalorização do DPH (1) EDP 581

Prorrogação prazo Sines (1) (*) EDP 951

Terrenos (1) (*) REN 330

Titularização Deficit (1) EDP 198

Garantia de Potência (1) EDP e outros 153

Interruptibilidade (1) Empresas Grandes

Consumidoras 727

CAE remanescentes (a partir de 2007) (2)

Tejo Energia, Turbogás, EDP 574

Manipulação de Mercado (3) EDP 140

Sobrecusto PRE (4) EDP e outras 810

Dupla subsidiação aos produtores de eletricidade em PRE (5) (*)

Vários – produtores PRE 300

TOTAL "RENDAS EXCESSIVAS" 5274

Prejuízo para o Estado (*) por Receitas Indevidas 1211

Prejuízo para os Consumidores (RE-PE) 4063

Notas:

(1) Valores expressos no Relatório

(2) Os valores de RE por CAE remanescentes (Turbogás – Tapada do Outeiro e Tejo Energia – Pego), verificados a

partir do segundo semestre de 2007 (quando cessaram os CAE da CPPE e foram criados os CMEC), são

estimados no contexto de pressuposto que se teria procedido a uma renegociação com as duas empresas

beneficiárias e aplicando 30% de redução tal como foi feito em Espanha com os CTC. Deve notar-se que a ERSE

considerou, desde 2004, que, do ponto de vista legal, a cessação dos CAE estava imposta “pela aprovação de

uma diretiva europeia, evento alheio à vontade do Estado português. Ora, segundo a ERSE, esse facto altera as

circunstâncias indemnizatórias previstas nos CAE e abre espaço ao governo para negociar outra solução com os

produtores”.

(3) Valor indicado pela AdC na sua apresentação na Comissão de Inquérito a 13-02-2019.

(4) Valor calculado na base do relatório de Henrique Gomes referido no Relatório (ponto 2 do capítulo 5), valorizando

em 54M€/ano as RE imputáveis às centrais de energia renovável (concretamente a eletricidade proveniente das

centrais eólicas) durante os últimos 15 anos.

(5) Valor indicado no relatório da IGF “Dupla subsidiação aos produtores de eletricidade em regime especial”,

novembro de 2018.

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3. As «Rendas Excessivas» como resultado da política energética de sucessivos governos do PS,

PSD e CDS

Todo os processos anteriormente referidos se iniciaram com os XI e XII Governos do PSD que produziram

os Decreto-Lei n.º 449/88, Decreto-Lei n.º 7/91, Decreto-Lei n.º 99/91, Decreto-Lei n.º 100/91, Decreto-Lei n.º

131/94, Decreto-Lei n.º 182/95, Decreto-Lei n.º 183/95, Decreto-Lei n.º 184/95, que diziam ter como objetivo

reorganizar/reestruturar a EDP-EP. De facto, abriu caminho ao seu desmembramento, nomeadamente a

separação da REN em 1994, e à sua privatização total e liberalização neste sector.

Os XIII e XIV Governos Constitucionais (PS) prosseguiram a mesma estratégia e concluiu o trajeto iniciado

pelos governos anteriores, nomeadamente realizando a 1.ª fase da privatização de parte do capital da EDP.

O Decreto-Lei n.º 182/95, de 27 de julho, estabeleceu as bases da organização do Sistema Elétrico

Nacional (SEN), prevendo no artigo 15.º a existência de contratos de aquisição de energia (PPA/CAE),

designados no Diploma como «Contratos de Vinculação». Este tipo de contratos tiveram um papel

fundamental nos processos de liberalização e privatização. Caracterizam-se por apontarem para o longo prazo

e através deles os produtores privados vinculados ao serviço público da energia ganharam segurança para o

negócio através de um compromisso em fornecerem, em exclusivo, toda a energia produzida à entidade

concessionária da rede nacional de transporte (RNT), cabendo a esta a obrigação de os remunerar,

assegurando-lhes as receitas que os próprios produtores, com o aval governativo, consideravam “adequadas”.

É já o XIII Governo PS a concretizar os CAE. E através de um Contrato de Aquisição de Energia, CAE,

celebrado sempre entre um produtor vinculado e a entidade concessionária da RNT, determina-se que o

produtor se compromete a vender à entidade concessionária da RNT a capacidade total da instalação

produtora de acordo com as condições técnicas e comerciais estabelecidas nos CAE.

Ou seja, sem os CAE não haveria privatização e, portanto, eles surgiram com esse objetivo, porque, num

contexto integrado e público, não haveria necessidade do seu estabelecimento. O Eng.º Mira Amaral (que

como ministro da economia concretizou a primeira legislação que deu origem à reorganização e reestruturação

do SEM) escreveu: «suspeito que a verdadeira razão para os CAE da EDP foi o Governo Guterres querer

começar a sua privatização» (Expresso, 22JUL17). CAE que, aliás, já eram supervalorizados, como também

refere, a fim de facilitar uma privatização, “bem paga”. E sem CAE, não teriam acontecido os CMEC.

Foram os Governos seguintes (XV e XVI), governos PSD/CDS, que avançaram para essa transformação

através da produção do Decreto-Lei n.º 240/2004. E foi o XVII Governo (PS) que consolidou o sistema

predatório do SEN, através de múltiplas alterações ao Decreto-Lei n.º 240/2004. É também no período desses

governos que avança a legislação e se tomam as medidas que vão engrossar as RE e os RI, como a

legislação de promoção da PRE, particularmente a Eólica, se decide a prorrogação do prazo da Central de

Sines e o estabelecimento de uma renda dos terrenos da REN, preparando uma privatização valorizada

daquela empresa pública, se legisla sobre a Garantia de Potência e o Serviço de Interruptibilidade.

Em síntese. Os XI e XII Governos preparam a privatização da EDP e os CAE. Os XIII e XIV Governos

iniciaram a privatização da EDP e REN e concretizaram os CAE. Os XV e XVI Governos fizeram avançar a

passagem dos CAE a CMEC. O XVII Governo além de alterar legislação dos CMEC, avançou para a

«extensão» do DPH com o Decreto-Lei n.º 226-A/2007 e cedeu por Despacho a extensão do DPH à EDP, com

prejuízo do Estado e sem o pagamento de Taxa de Recursos Hídricos enquanto tal.

As RE, qualquer que seja a sua origem e natureza não são fruto do acaso ou de simples ou complexas

operações à margem das leis pela EDP e outros operadores do SEN. Sejam sobreremunerações de

ativos/investimentos a taxas acima do que seria de esperar para o capital investido, sejam rendas decorrentes

de preços de monopólio da EDP e outras empresas na produção e comercialização de energia, sejam uma

herança indevida/ilegítima da privatização e segmentação da EDP pública, ou mesmo resultado da

manipulação e aproveitamento oportunista do poder económico e político de grupos económicos monopolistas.

De facto, resultaram de decisões políticas e administrativas do poder político, enquadradas por uma estratégia

económica e energética bem definidas e conhecidas, traduzida em legislação e outros atos regulamentares do

Estado, nomeadamente legislação regulatória permissiva e favorável aos interesses do capital privado.

Acrescente-se, decisões e medidas, muitas vezes ao arrepio dos alertas e propostas das entidades

reguladoras, como a ERSE e a AdC.

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4. A grave violação do princípio constitucional de subordinação do poder económico ao poder

político, a promiscuidade interesses públicos/interesses privados, as “portas giratórias” e os indícios

de corrupção

O processo de reorganização e reestruturação do sector elétrico nacional, o nome de batismo da

privatização, desmembramento da EDP e liberalização, pelos interesses económicos que envolveu foi

absolutamente capturado pelo poder económico dos grupos monopolistas e financeiros, nacionais e

estrangeiros. E é esse poder económico que determinou o conteúdo e a forma, e o desenho final do processo,

pelo condicionamento imposto às condições em que foram tomadas as sucessivas decisões governamentais

que o impulsionaram. O que se tornou particularmente visível na proliferação de textos e diplomas, muitas

vezes revendo, alterando, eliminando em curtos períodos de tempo comandos legais anteriores, quase sempre

comprometendo a defesa do interesse público. O Estado foi profundamente lesado nos seus interesses e a

população e a economia foram defraudadas nas promessas que lhes tinham sido feitas de redução dos custos

da energia elétrica.

Foi gravemente subvertido, por opção política deliberada, o princípio constitucional de subordinação do

poder económico ao poder político, antes se verificando precisamente o contrário, com o poder económico a

determinar o que poder político deveria fazer. Tal ficou bem patente nos trabalhos da CI, que na feitura de

muita legislação – decretos-leis, portarias, despachos e até resoluções do conselho de ministros – era

preparada, formatada e em grande parte redigida pelos interesses económicos e grandes operadores do

sector como a EDP, limitando-se o poder político a fazê-la sua, pela assinatura e publicação no Diário da

República. Regista-se como o melhor exemplo, as declarações de Manso Neto, na sua Audição na CI. «O

Governo decide» diz Manso Neto. E acrescenta: «Redigir uma proposta de decreto-lei, a pedido do Governo,

que o Governo depois, pode emendar, cortar e decidir, não vejo sinceramente, onde está o crime.» É uma

«interação» «normal.» «É uma grande empresa» Ou a referência ao papel de Rui Cartaxo feita no Relatório.

Facilitou, para não se dizer que promoveu, toda esta intervenção do poder económico nos processos

decisórios do poder político a existência de um importante conjunto de quadros que circularam no conhecido

sistema das portas giratórias entre posições e lugares no aparelho de Estado / administração pública

(assessores e conselheiros de gabinetes governamentais), incluindo como Secretários de Estado e Diretores

da DGEG ocupam lugares nas administrações e cargos técnicos superiores nos operadores privados. Quadros

que assumiram um papel relevante nas delegações do poder político e do poder económico que negociaram

diferendos e acertaram pontos de vista na preparação das decisões políticas e administrativas. Quadros em

grande parte com percurso profissional na Boston Consulting Group (BCG) que funcionou como uma espécie

de banco de quadros, como resulta do que se escreve no Relatório no Capítulo 14 “o papel dos consultores da

Boston Consulting Group na liberalização do mercado elétrico em Portugal”.

Outra evidência forte das portas giratórias e da procura pelos operadores privados de passadeiras para o

poder político é a presença, após a privatização total da EDP, no Conselho Geral e de Supervisão da EDP

(CGS) de cinco ex-ministros mais um ex-Ministro como CEO. E quando se faz substituição do Presidente do

CGS, é ainda um 6.º ex-ministro que ocupa o lugar.

Tudo indicia a completa porosidade e indefinição da fronteira e uma intensa promiscuidade entre a parte

pública e a parte privada, acabando mesmo por ofender direitos dos operadores privados do sector não

chamados às mesas de negociação e afastados de qualquer intervenção na decisão pública.

Reproduza-se um pequeno texto, como exemplo, retirado do Relatório: «Rui Cartaxo, adjunto de Manuel

Pinho, teve grande influência no processo de avaliação da extensão do domínio hídrico. Rui Cartaxo manteve

um fluxo permanente de informação com a EDP, como ressalta das peças do processo judicial remetidas pela

Procuradoria-Geral da República à CPIPREPE, em que são reproduzidas comunicações que demonstram que

Rui Cartaxo preparou diretamente com a cúpula da EDP os termos do aconselhamento desta empresa ao

ministro Manuel Pinho, que Cartaxo assessorava, e que informou a EDP do andamento das diligências para a

contratação das entidades bancárias a quem foram encomendadas pelo Estado avaliações do valor da

extensão da utilização do domínio hídrico.» (último item das Conclusões do Capítulo 2 – O processo de

concessão do domínio hídrico).

Não é assim difícil de aceitar que um tal grau de intenso, ambíguo e perverso relacionamento entre os

agentes do Estado e os agentes dos operadores privados em negociações, consolidando mecanismos e

operações político-administrativos, envolvendo muitas centenas de milhões de euros, constituem elementos

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propícios a situações de corrupção. São questões que cabem em última instância ser esclarecidos e decididos

em definitivo pelo poder judicial, no apuramento final da investigação em curso operação Ciclone.

Mas cabe registar em síntese que estes comportamentos de profunda promiscuidade e subordinação do

poder político ao poder económico – bem evidenciadas em sucessivas audições na CI – se traduziram

inevitavelmente em vultuosos prejuízos para o Estado e o interesse público.

Não pode a CIPREPE deixar de registar nesta matéria os processos de demissão de dois secretários de

Estado da Energia: a demissão do Secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes do Governo PSD/CDS e

do Secretário de Estado Jorge Seguro Sanches do Governo PS. Só por ingenuidade se aceitará que tal foi

obra do acaso, ou uma simples coincidência. Foi sim a consequência inevitável de cada um, à sua maneira,

levar a cabo um processo de saneamento das «Rendas Excessivas», afrontando os interesses económicos

poderosos do sector da energia. Resultado do poder político se demitir da sua supremacia institucional e

constitucional, e se submeter às manifestações de desagrado e até ceder a operações de chantagem como o

não pagamento da CESE, por parte dos operadores privados.

5. A responsabilidade das entidades reguladoras – ERSE e AdC

Um dos objetivos do mandato da CI foi a existência de omissões ou falha comportamental de relevo no

cumprimento das obrigações dos serviços de energia e das entidades reguladoras, inclusive no tocante à

atribuição legal à ERSE de proposta de alterações legislativas.

Da audição na CI de todos os ex-responsáveis e os atuais responsáveis das entidades reguladoras com

intervenção estatutária no SEN, a ERSE, Entidade Reguladora dos Serviços de Energia e a AdC, Autoridade

da Concorrência, duas conclusões são claras:

(i) As duas entidades conheciam e conhecem em todas as suas dimensões técnica, administrativas e

legais, e em profundidade, os problemas do SEN que são objeto da CI. Logicamente, que pela

especificidade do seu objeto, sendo que é criada e amadurece no próprio processo de reorganização e

reestruturação do SEN a partir de 1995, a ERSE tem legalmente um mais largo espectro de intervenção

regulatória e uma imposição legal de sistemática atenção ao sector. Mas quer a ERSE quer a AdC

alertaram oportunamente sucessivos governos para os riscos e consequências de projetos legislativos e

decisões administrativas regulatórias e outras. Assim aconteceu em particular com o processo de

elaboração do Decreto-Lei n.º 240/2004 de passagem dos CAE a CMEC, em que intervieram com

relatórios de avaliação antecipando e indicando os problemas e indiciando os seus custos para o SEN.

Não foram, no entanto, e em geral tão explícitos na abordagem de outras origens de RE ou RI, como a

PRE.

(ii) As duas entidades não foram, contudo, suficientemente diligentes e persistentes na denúncia e na

tomada e/ou proposta de medidas que atalhassem em particular os crescentes custos transferidos para

as tarifas de energia elétrica pelas RE, após a consolidação dos sistemas CMEC e PRE e até 2012,

quando a problemática das RE entra na agenda política. É assim que, por exemplo, não foram tão

incisivas, nomeadamente a ERSE consultada para o efeito, na avaliação das alterações produzidas no

Decreto-Lei n.º 240/2004 a partir de 2005, apesar de se manterem todas razões para objeções que

tinham levantado ao projeto do Decreto-lei ou sobre todo o processo da extensão do DPH.

Outras questões devem, todavia, ser assinaladas de forma crítica à intervenção das duas entidades

reguladoras.

Os estatutos da ERSE, até à alteração de 2012, estabeleciam no artigo 19.º, titulado “Competências

Comuns”, no n.º 1: «A ERSE pronunciar-se-á sobre todos os assuntos da sua esfera de atribuições que lhe

sejam submetidos pela Assembleia da República ou pelo Governo e pode, por sua iniciativa sugerir ou propor

medidas de natureza política ou legislativa nas matérias atinentes às suas atribuições». Ora a ERSE nunca

usou desta capacidade de iniciativa para propor ao governo ou à Assembleia da República alterações

legislativas, nem sequer quando o documento da Cambridge Economic Policy Associates, realizado a pedido

do Secretário de Estado Henrique Gomes, determinou que havia um valor de rendas excessivas de 3925

milhões de euros, provenientes dos CAE (271), CMEC (2133) e PRE (1521).

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De acordo com o seu figurino institucional quer a ERSE quer a AdC para lá de audições extraordinárias

solicitadas pelos Grupos Parlamentares, tiveram e têm presença anual regular para apresentação dos seus

relatórios de contas e atividades e respetivo escrutínio parlamentar. A que acrescentaria a possibilidade de

sempre puderem solicitar igualmente audições para fins que julgassem necessários ou convenientes às

comissões parlamentares. Ora, estas são oportunidades que sempre foram desperdiçadas pelas entidades

reguladoras para uma franca e séria informação de factos e problemas que julgassem oportuno colocar aos

deputados. É uma evidência que a consulta dos relatórios entregues e o conhecimento das audições

realizadas pecaram sempre por uma certa opacidade e falta de clareza da abordagem destes temas, mesmo

quando a subida das tarifas de energia elétrica foi o tema central da audição parlamentar.

Outra questão a merecer reflexão foi a aparente reduzida articulação da ERSE e da AdC no respeitante ao

tema das rendas excessivas. Como é possível que as avaliações bem fundamentadas, ao que hoje se

conhece, das duas entidades reguladoras, não conseguissem alterar uma situação, com graves danos para a

economia nacional e os consumidores? Por exemplo, terá a ERSE alguma vez concretizado as sugestões da

AdC presentes nas cartas desta sobre as propostas de tarifas em 2006 e 2007 para se realizar «uma análise

do impacte da regulação de preços finais no contexto do mercado liberalizado de eletricidade, nomeadamente

do grau atingido de convergência; existência de tetos máximos ao crescimento de tarifas reguladas; existência

e criação de défices tarifários e introdução dos CMEC»? Que se saiba, não.

A merecer também uma anotação é um quase funcionamento em circuito fechado das entidades

reguladoras com o poder executivo, nem sequer compensado por outra relação com a Assembleia da

República. O que não faz jus à sua natureza de órgãos dotados de autonomia e independência face aos

governos, prosseguindo fins e missões especificas consignados nos respetivos estatutos.

E finalmente um registo para a longa e inaceitável duração dos processos de investigação e decisão final,

nos procedimentos destas entidades contra os operadores económicos que acompanham no âmbito das suas

funções. Detetada pela ERSE em 2011 uma «manipulação de mercado» e «abuso de posição dominante»

pela EDP na Barragem do Picote/Douro, só em setembro de 2013 a AdC aprovou uma Recomendação ao

Governo sobre o assunto, que apenas foi remetida ao Governo em novembro do mesmo ano, e que só em

setembro de 2018 deu origem a uma Nota de Ilicitude pela AdC. Um processo que ainda não terminou, e já

leva sete anos. Mas o sinal mais visível é mesmo o das RE atrás referido: decorrem sete anos, de 2004 a

2012, para que a ERSE e a AdC passem a uma outra atenção ao problema, que mesmo assim só se

concretiza em resultados nos anos 2017/2018.

6. A responsabilidade da Comissão Europeia

A União Europeia através da Comissão Europeia, e em particular por via da sua Direcção-Geral da

Concorrência acabou por assumir um papel negativo neste processo das RE, porque apesar de uma posição

ziguezagueante na avaliação dos CAE/CMEC e extensão do regime do DPH, acabou por confortar e

consolidar as decisões dos governos de Portugal favoráveis aos grandes operadores privados do SEN, e

assim absolvê-las. Refiram-se as inúmeras vezes que os intervenientes diretos neste processo, quer do lado

do Estado quer do lado do capital privado, invocaram como supremo argumento de autoridade e de verdade

para as suas teses, as decisões da CE.

A primeira intervenção desastrosa da União Europeia faz-se pela imposição da Diretiva 2003/54/CE

manifestamente incapaz de corresponder à diversidade física, orgânica e empresarial dos diversos sistemas

elétricos nacionais, empurrando-os todos (embora alguns estados o não tivessem concretizado) para

processos de privatização, segmentação de empresas com cadeia de valor integral e liberalização dos

respetivos mercados e regulamentações. Em Portugal a Diretiva acaba por dar cobertura à extinção dos CAE,

dita obrigatória. Uma leitura falsa, como rapidamente ficou demonstrado, pela manutenção, até hoje, de dois

CAE, o do Pego e o da Tapada do Outeiro, da Tejo Energia e da Turbogás, respetivamente.

O segundo erro da CE acontece quando aprova sem objeções (Decisão da CE de 22 de setembro de 2004)

os mecanismos do Decreto-Lei n.º 240/2004 no âmbito da sua avaliação, a que tinha sido sujeito por

solicitação do Governo português, como Auxílio de Estado.

Como é posto em evidência no Relatório (Ponto 2.5), conformadas pelas considerações de Abel Mateus e

Manuel Sebastião, ex-presidentes da AdC, a CE com essa Decisão, tropeça em profunda contradição com a

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sua própria teorização sobre os CAE e os CMEC, até face a decisões noutros Estados-membros. A Comissão

desenvolve, entre muitos lapsos, a consideração notável da «classificação das centrais hídricas da EDP

abrangidas por CAE como centrais ineficientes» (in Documento Anexo à Recomendação o Governo da AdC de

13 de setembro de 2013).

O mesmo comportamento errático acontece em torno da intervenção da CE no processo da extensão do

regime do DPH. Até hoje não está clara qual a posição definitiva da CE, dada a recente notícia de que a CE

iria abrir um processo a Portugal decorrente desse processo.

A forma como a Comissão Europeia decidiu impulsionar o desenvolvimento das energias renováveis, sem

avaliação nem medida, teve custos muito elevados para o SEN em Portugal.

Ao fixar metas gerais e iguais para todos os estados-membros sem qualquer consideração das

particularidades dos respetivos sistemas electroprodutores e dos próprios recursos naturais de energias

endógenas renováveis, sem ter em conta os sobrecustos decorrentes da exigência de centrais de backup para

as energias renováveis intermitentes, a CE acabou por incentivar para lá do necessário a produção de

sobrecustos no SEN, que foram depois transferidos para consumidores domésticos e empresas. Esta

consideração não anula a responsabilidade primeira dos governos de Portugal nos problemas ocorridos, antes

devem ser penalizados politicamente pelo seu seguidismo face às decisões de Bruxelas.

7. A responsabilidade da Assembleia da República

A Assembleia da República no âmbito das suas atribuições e competências constitucionais [alínea a) do

artigo 162.º da CRP] tem responsabilidades no acompanhamento e fiscalização dos atos do Governo e da

Administração Pública. As preocupações manifestadas por diversos grupos parlamentares ao longo dos anos

pelos elevados preços da energia elétrica, traduzidas em iniciativas diversas, não obstam a que a CI

reconheça que deveria ter havido outra atenção e escrutínio aos atos dos governos e das entidades

reguladoras respeitantes à reorganização e reestruturação do SEN, a partir de 1995 pelos seus impactes no

valor das tarifas. A reconfiguração estrutural do SEN traduzida em inúmeros diplomas produzidos pelos

governos, caso paradigmático das PPL 141/X (2004) e PPL 112/XI (2007), que poderiam ter tido uma

apreciação e escrutínio mais profundos.

Esta avaliação crítica da intervenção parlamentar está atenuada pelo registo de um insuficiente, deficiente

ou mesmo inaceitável comportamento do poder executivo, e também, em muito menor grau, das entidades

reguladoras, nas suas relações com a Assembleia da República. É nomeadamente o caso da proposta de lei

n.º 141/X, aprovada como Lei n.º 52/2004, viabilizando a Autorização Legislativa para o Decreto-Lei n.º

240/2004 – diploma central na questão dos CMEC – cujo debate no Parlamento foi prejudicado pela

sonegação pelo XVI Governo dos pareceres (muito críticos e negativos) da ERSE e AdC sobre o projeto de

Decreto-Lei. Foi também o caso do debate da proposta de lei n.º 112/XI, aprovada como a Lei n.º 13/2007,

viabilizando o Decreto-Lei n.º 216-A/2007 – que consagrava a possibilidade de uma extensão do período de

utilização do Domínio Público Hídrico – prejudicado pela sonegação do XVII Governo do Parecer fortemente

negativo do INAG sobre o projeto de decreto-lei.

No caso das entidades reguladoras tenha-se em conta o que já se referiu da sua subestimação e relutância

a um outro relacionamento, mais transparente, com a Assembleia da República para o bom desempenho das

suas funções. Tal relacionamento manifestamente não se verificou em toda a abordagem das RE. Registe-se,

para memória futura, que o importante Parecer da ERSE de 2004, sobre o Decreto-Lei n.º 240/2004, só foi do

conhecimento da Assembleia da República em março de 2018, após Requerimento do GP do PCP. E que as

opiniões da AdC sobre o mesmo Projeto de Decreto-Lei só foram conhecidas no âmbito das solicitações da CI,

igualmente em 2018.

Estas «atenuantes» não eximem nem desculpam a Assembleia da República de outra exigência,

profundidade e rigor na abordagem futura de situações semelhantes.

E para que conste, reproduzimos ainda a proposta do PCP sobre DIREITOS CONTRATUAIS E

REGULAMENTAÇÃO DO SEN

Contexto: Nas audições da CPIPREPE dos responsáveis da EDP foi várias vezes glosada a tese da

ilegitimidade e até ilegalidade das alterações legislativas e regulamentares com vista à defesa dos interesses

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dos consumidores de energia elétrica e da própria economia portuguesa. Assim se procurava pôr em causa os

esforços para a eliminação ou pelo menos uma drástica redução da «Rendas Excessivas».

A par da conhecida argumentação de que a «instabilidade contratual», o rompimento dos acordos

estabelecidos com os investidores, estrangeiros reduz a atratividade do país ao capital estrangeiro,

desenvolve-se a tese de que tal é inaceitável por que significa pôr em causa a «inviolabilidade dos contratos»,

nomeadamente dos que foram feitos para suportar as privatizações da EDP e REN nas suas diversas fases.

A CPIPREPE não pode no seu Relatório deixar de esclarecer em definitivo tal argumentação, porque

capciosa e parcial, sem qualquer suporte legal. Pelo contrário, a realização das alterações necessárias à

defesa dos interesses dos consumidores de energia elétrica e da economia nacional, tem um claro e evidente

respaldo legal.

Não é aceitável que se diga que os acionistas foram às privatizações da EDP de boa-fé na base do que

informavam os prospetos de OPV com a chancela da CMVM, e logo, nada pode ser revertido, porque isso

significa pôr em causa aqueles compromissos do Estado.

Ora nos prospetos sempre se assinalou e com grande desenvolvimento justificatório a possibilidade da

mudança de legislação, porque dada a matéria em causa – um bem de grande sensibilidade económica e

social – havia sempre o risco de o Estado mudar regras por exemplo de regulação, com impactos na

rendibilidade dos capitais investidos. Os chamados «Riscos Regulatórios».

Os prospetos das privatizações de qualquer das suas fases da privatização da EDP, assinalam, e também

avisam os putativos investidores dos riscos, afirmando:

«O investimento nas Ações da EDP envolve riscos. Antes de ser tomada qualquer decisão de investimento

dever-se-á ponderar toda a informação contida neste Prospeto (…)».

E no prospeto (2.º Capítulo, páginas 30/66) vinham indicados, entre outros, como fatores de risco:

2.1.2 «medidas adicionais do Estado português para limitar o aumento dos preços da energia»

2.1.4 «os resultados da EDP são fortemente afetados pelas normas legais e regulamentares

implementadas por várias entidades públicas»

2.1.5 «nas atividades das redes reguladas (…) as revisões regulatórias periódicas podem implicar perdas

significativas de proveitos»

2.1.8 «A EDP não pode prever, ou sequer excluir medidas regulatórias ou legais que possam ter um efeito

adverso nos resultados da EDP»

Depois destes avisos continua, como é possível que alguém invoque que os acionistas foram enganados

na sua boa-fé de investidores?

Conclusão: nada impede no ordenamento jurídico nacional que o Estado possa alterar, corrigir, recuperar,

legislação e regulamentos, com consequências nos proveitos da EDP e da REN, e de outros operadores do

SEN, na defesa dos interesses dos consumidores portugueses, domésticos e empresariais. Os investimentos

nas privatizações foram mesmo alvo de alertas específicos sobre ricos regulatórios pela CMVM, pelo que não

lhes é lícito reclamar ou contestar redução dos proveitos decorrentes de alterações legislativa e

regulamentares, levadas a cabo pelo Estado em defesa dos interesses nacionais.

Lisboa, 31 de maio de 2019.

Pelo Grupo Parlamentar do PCP: Bruno Dias — António Filipe — Duarte Alves.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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