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Sexta-feira, 13 de setembro de 2019 II Série-C — Número 18

XIII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2018-2019)

S U M Á R I O

Comissão Independente para a Descentralização: Relatório final da Comissão, tendo como anexos estudos e contributos de várias entidades.

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RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO INDEPENDENTE PARA A DESCENTRALIZAÇÃO, TENDO COMO ANEXOS ESTUDOS E CONTRIBUTOS DE VÁRIAS ENTIDADES

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RELATÓRIO

Comissão Independente para a Descentralização

Lei n.º 58/2018, de 21 de agosto

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julho 2019

________________________________________________

Citação recomendada: Comissão Independente para a Descentralização, Cravinho J., Ferrão J., Pimpão A., João Jardim A., Moura P.H., Carmona-Rodrigues A., Fontainhas-Fernandes A., (2019) Avaliação independente sobre a organização e funções do Estado. Assembleia da República. Lisboa. 312 pp.

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ÍNDICE

SUMÁRIO EXECUTIVO

INTRODUÇÃO

PARTE I – MODELO TERRITORIAL

CAPÍTULO 1 – DISPARIDADES REGIONAIS

1.1 – União Europeia: tendências e ilações 1.2 – Portugal: tendências e ilações

CAPÍTULO 2 – SISTEMA URBANO

2.1 – União Europeia: tendências 2.2 – As cidades portuguesas no contexto dos sistemas urbanos europeu e ibérico

CAPÍTULO 3 – AS GRANDES INFRAESTRUTURAS DE TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES

CAPÍTULO 4 – ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL E DEMOGRAFIA

CAPÍTULO 5 – MODELO TERRITORIAL E DESCENTRALIZAÇÃO

PARTE II – DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

CAPÍTULO 1 – ENTIDADES INTERMUNICIPAIS: ÁREAS METROPOLITANAS E COMUNIDADES INTERMUNICIPAIS

1.1 – Introdução 1.2 – A cooperação intermunicipal nos países da OCDE 1.3 – A cooperação intermunicipal em Portugal: uma visão geral 1.4 – Áreas metropolitanas

1.4.1 – Breve enquadramento 1.4.2 – Principais questões e desafios

1.5 – Comunidades intermunicipais

1.5.1 – Breve enquadramento 1.5.2 – Principais questões e desafios

1.6 – Síntese e recomendações

CAPÍTULO 2 – REGIÕES ADMINISTRATIVAS

2.1 – Introdução 2.2 – Antecedentes: breve história da evolução da administração supramunicipal em Portugal 2.3 – A regionalização na União Europeia na ótica da OCDE 2.4 – A regionalização na Constituição da República Portuguesa 2.5 – Criação de regiões administrativas em Portugal (continente)

2.5.1 – Argumentos a favor 2.5.2 – Argumentos contra

2.6 – Condições básicas para uma regionalização administrativa bem sucedida

2.6.1 – A regionalização é um meio, não um fim

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2.6.2 – A regionalização é um processo, não um produto

2.7 – Caminhos para uma regionalização administrativa de Portugal (continente) 2.8 – O mapa das regiões administrativas 2.9 – Síntese e recomendações

PARTE III – SISTEMA DE GOVERNO DAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS

CAPÍTULO 1 – SISTEMA DE GOVERNO

1.1 – Introdução 1.2 – Sistemas de Governo das regiões administrativas

CAPÍTULO 2 – REPRESENTANTE DO GOVERNO, TUTELA ADMINISTRATIVA E COORDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL

2.1 – Representante do Governo 2.2 – Tutela administrativa

2.2.1 – Necessidade da tutela administrativa 2.2.2 – Incidência da tutela administrativa 2.2.3. – Quem deve exercer a tutela?

2.3 – Coordenação de ações da Administração Central de relevância regional

CAPÍTULO 3 – SISTEMA ELEITORAL REGIONAL

3.1 – Círculos uninominais, círculos plurinominais e eleições indiretas 3.2 – Normativos constitucionais enquadradores 3.3 – Princípios orientadores do sistema eleitoral

3.3.1 – Sobre cada um dos princípios 3.3.2 – Sobre a escolha do sistema eleitoral 3.3.3 – Número de Deputados 3.3.4 – Assembleias territoriais em função de círculos uninominais 3.3.5 – Sistema eleitoral das regiões

CAPÍTULO 4 – O REFERENDO

CAPÍTULO 5 – CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO REFERENCIAL

PARTE IV – FINANCIAMENTO DAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS, INVESTIMENTO E COESÃO

CAPÍTULO 1 – FINANCIAMENTO DAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS

1.1 – Linhas de Orientação 1.2 – Considerações gerais de enquadramento 1.3 – As finanças públicas subnacionais no contexto da UE 1.4 – O estado da arte e contributos 1.5 – Normativo constitucional e legal existente 1.6 – Os cenários possíveis de financiamento 1.7 – Programa de Investimentos e Desenvolvimento da Administração Regional (PIDAR) 1.8 – Endividamento 1.9 – Tutela inspetiva e auditoria de contas 1.10 – As atribuições e competências regionais e o modelo de financiamento

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CAPÍTULO 2 – FUNDOS REGIONAIS DE COESÃO

CAPÍTULO 3 – A ADMINISTRAÇÃO REGIONAL E O INVESTIMENTO PÚBLICO

CAPÍTULO 4 – SÍNTESE E RECOMENDAÇÕES

PARTE V – DESCONCENTRAÇÃO E DESLOCALIZAÇÃO ADMINISTRATIVAS

CAPÍTULO 1 – ENQUADRAMENTO

CAPÍTULO 2 – POLÍTICAS PARA A VALORIZAÇÃO DO INTERIOR

CAPÍTULO 3 – UMA GOVERNAÇÃO FAVORÁVEL À OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO CAPÍTULO 4 – MAPA ATUAL DOS SERVIÇOS DESCONCENTRADOS

PARTE VI – ADMINISTRAÇÕES REGIONAIS MODERNAS E EFICIENTES

CAPÍTULO 1 – DIGITALIZAÇÃO

1.1 – Enquadramento 1.2 – Digitalização das Administrações Regionais 1.3 – Princípios e procedimentos orientadores da digitalização da Administrações Regionais

CAPÍTULO 2 – DESCENTRALIZAÇÃO E MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA: DEZ PISTAS PARA A AÇÃO. CONTRIBUIÇÃO DO LABX DA AMA

2.1. – Introdução 2.2 – Dez pistas para a ação

CAPÍTULO 3 – TRANSPARÊNCIA

CAPÍTULO 4 – PREVENÇÃO DA CORRUPÇÃO

CAPÍTULO 5 – DESENVOLVIMENTO DAS ESTATÍSTICAS OFICIAIS TERRITORIALIZADAS E DE INDICADORES NECESSÁRIOS À PREPARAÇÃO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS TERRITORIALIZADAS

CAPÍTULO 6 – SISTEMA DE INOVAÇÃO

6.1 – Enquadramento 6.2 – A proposta 6.3 – Os Alicerces: o papel das instituições de ensino superior 6.4 – As alavancas: o talento, a concertação estratégica e o financiamento 6.5 – Os desafios

CAPITULO 7 – UM BANCO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL DE NOVO TIPO PARA ALAVANCAR O NÍVEL TECNOLÓGICO, A QUALIDADE DE GESTÃO E A COMPETITIVIDADE DAS EMPRESAS

7.1 – Enquadramento 7.2 – Princípios característicos dos bancos promocionais 7.3 – Perspetivas de atuação: o InvestEU

ANEXO

DECLARAÇÕES DE VOTO

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SUMÁRIO EXECUTIVO Enquadramento

A Comissão Independente para a Descentralização foi criada pela Lei n.º 58/2018, de 21 de agosto, com a seguinte missão:

a) Promover um estudo aprofundado sobre a organização e funções do Estado, aos níveis regional,

metropolitano e intermunicipal, sobre a forma de organização infraestadual; b) Desenvolver um programa de desconcentração da localização de entidades e serviços públicos,

assegurando coerência na presença do Estado no território. Para atingir os objetivos definidos, a referida Lei exige: a) Uma análise comparativa de modelos em países da União Europeia e da Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE); b) Um programa de auscultação e debates públicos com entidades, em particular as áreas metropolitanas,

as comunidades intermunicipais, as comissões de coordenação e desenvolvimento regional, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Associação Nacional de Freguesias.

Em relação ao estudo aprofundado sobre a organização e funções do Estado, aos níveis regional,

metropolitano e intermunicipal, sobre a forma de organização infraestadual, o ponto 2 do artigo 2.º da Lei n.º 58/2018 considera que devem ser considerados os seguintes aspetos:

a) A ponderação das possibilidades de aplicação dos vários níveis de descentralização; b) A delimitação das competências próprias do nível infraestadual; c) A avaliação dos recursos e meios, próprios e a transferir, ajustados às competências a definir e ao seu

cumprimento; d) A análise dos graus de eficiência dos modelos a propor e respetivas vantagens comparativas; e) Um cronograma de execução referencial. No ponto 1 do artigo 6.º, a Lei n.º 58/2018 refere que a Comissão, no final do seu mandato (31 de julho de

2019), deverá apresentar «relatórios do trabalho desenvolvido, que devem conter as recomendações e propostas que entenda pertinentes, que são tomados como referência para as iniciativas legislativas subsequentes que se revelem necessárias».

No ponto 2 do mesmo artigo diz-se que «Os relatórios referidos no número anterior são entregues ao Presidente da Assembleia da República, que os manda publicar em Diário da Assembleia da República e publicitar na página da Assembleia da República na Internet».

Metodologia

Tendo em conta a missão e as atribuições que lhe foram cometidas, a Comissão recorreu à seguinte metodologia:

a) Contratualização de estudos coordenados por reputados peritos da OCDE e nacionais, respetivamente,

Dr. Antti Moisio (OCDE), Prof. Diogo Freitas do Amaral (direito público), Prof. João Bilhim (administração pública, Sociedade de Geografia de Lisboa), Prof. José da Silva Costa (economia regional, Faculdade de Economia da Universidade do Porto) e Prof.ª Teresa Sá Marques (geografia, Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território, Faculdade de Letras da Universidade do Porto);

b) Contributos preparados, por solicitação da Comissão, pelo Dr. Francisco Vala, dirigente do Gabinete para a Coordenação das Estatísticas Territoriais do INE, pelo Laboratório de Experimentação da Administração Pública, Agência para a Modernização Administrativa (AMA) e pelo Prof. António Cunha, da Universidade do Minho;

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c) Audição das entidades referidas na Lei n.º 58/2018: áreas metropolitanas, comunidades intermunicipais, comissões de coordenação e desenvolvimento regional, Associação Nacional de Municípios Portugueses e Associação Nacional de Freguesias (reuniões realizadas na Assembleia da República, Vila Real, Évora e Torres Novas);

d) Audição de entidades da administração central relevantes: Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C), Direção-Geral do Território (DGT) e Instituto Nacional de Estatística (INE);

e) Audição com representantes das universidades (12) e do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (8);

f) Audição com membros do Conselho Económico e Social (CAP, CIP, CCP, CGTP-IN, UGT, Federação Nacional das Associações Juvenis e CNA);

g) Audição com especialistas em finanças regionais e locais (6); h) Audição com personalidades críticas do processo de regionalização (4); i) Realização de uma sessão colaborativa com o Laboratório de Experimentação da Administração

Pública; j) Realização do Seminário Internacional de 2 dias «Descentralização e Regionalização em Portugal:

Ensinamentos da Experiência Internacional e Recomendações», no Porto, e da Conferência «Regionalização: Sim ou Não», em Lisboa;

k) Realização de quatro seminários regionais sobre «Regionalização e Desenvolvimento e Reforma da Administração Pública» (Beja, Faro, Viseu e Braga);

l) Estímulo à apresentação de contributos individuais (cerca de duas dezenas). Como resultado destas iniciativas, complementadas pelo recurso a bibliografia especializada, a Comissão

recolheu um conjunto vasto e diversificado de informação, opiniões, argumentos e sugestões que permitiram uma análise comparativa em termos internacionais, evolutiva do ponto de vista histórico e das tendências recentes e em emergência, sensível aos vários pontos de vista em jogo e às várias perspetivas expressas, e reconhecedora das boas práticas existentes e dos resultados das avaliações disponíveis em domínios relevantes para o estudo a realizar.

A análise efetuada pela Comissão e as recomendações apresentadas resultam, pois, de um trabalho rigoroso, baseado em informação empírica, aberto à existência de perspetivas diferenciadas e consciente de que num tema complexo e controverso como o que aqui é tratado não existem soluções ótimas e únicas, o que implica um esforço sério e exigente de ponderação dos aspetos positivos e negativos de qualquer opção que seja tomada, bem como de identificação das condições necessárias para uma concretização bem-sucedida das soluções preconizadas.

A Comissão está também consciente de que as decisões últimas sobre as opções em debate serão inevitavelmente políticas. Mas elas não podem prescindir de uma base técnica bem fundamentada. À Comissão cabe fornecer essa base, sob a forma de análises e recomendações que contribuam para um debate nacional que se deseja sereno, profundo, mobilizador não só dos representantes políticos aos vários níveis e dos partidos, mas da generalidade dos portugueses, e conclusivo.

Estrutura

Os resultados dos trabalhos da Comissão estão organizados em três volumes. O Volume I corresponde ao Relatório da Comissão. O Volume II contém os estudos realizados por peritos a pedido da Comissão. Finalmente, o Volume III inclui os vários contributos individuais enviados à Comissão e está exclusivamente

disponível na página da Assembleia da República na Internet. O Volume I encontra-se estruturado em seis Partes. O âmbito e as principais recomendações de cada uma

das Partes serão apresentados nos pontos seguintes deste Sumário Executivo. Antes, porém, a Comissão considera conveniente esclarecer quatro aspetos que suscitaram dúvidas e originaram equívocos durante as audições e os debates realizados.

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Esclarecimentos prévios O primeiro aspeto a esclarecer relaciona-se com o equívoco que resulta da coincidência temporal da

existência desta Comissão – designada Comissão Independente para a Descentralização – com o processo em curso de descentralização para os municípios. A Lei n.º 58/2018, que cria a Comissão, é clara quanto à missão que lhe foi atribuída: promover um estudo aprofundado sobre a organização e funções do Estado aos níveis regional, metropolitano e intermunicipal. Assim, o processo de descentralização para os municípios não faz parte das atribuições desta Comissão, cujo objeto se centra nas regiões administrativas, nas áreas metropolitanas e nas comunidades intermunicipais, isto é, nos níveis compreendidos entre a administração central e os municípios e freguesias.

O segundo aspeto diz respeito à relação entre descentralização e regionalização. Por diversas vezes emergiu a ideia, certamente relacionada com o processo em curso de descentralização para os municípios, de que descentralização e regionalização constituem duas vias alternativas, porque mutuamente exclusivas. Ora a regionalização é uma das componentes do processo de descentralização, o qual, em abstrato, pode incluir a transferência de atribuições e competências para as regiões administrativas, para as entidades intermunicipais (áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais), para os municípios e para as freguesias.

O terceiro aspeto prende-se com a não distinção entre regiões político-administrativas (como as regiões autónomas dos Açores e da Madeira) e regiões administrativas, que são as que estão em causa quando se discute a regionalização, isto é, a criação e instituição em concreto de regiões no continente. Esta confusão é particularmente evidente em algumas críticas à regionalização, que pressupõem poderes que as regiões administrativas não poderão ter.

O quarto aspeto decorre do facto de a Constituição da República Portuguesa (CRP) definir as regiões administrativas do continente como autarquias locais. De facto, no artigo 236.º, relativo às categorias de autarquias locais, afirma-se expressamente que «No continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas». A categorização das regiões administrativas como autarquias locais tem a vantagem de as distinguir claramente das regiões autónomas dos Açores e da Madeira (regiões político-administrativas). Mas para a população em geral essa classificação cria estranheza na medida em que é habitual identificar as autarquias locais com os municípios e as freguesias, o que leva, por vezes, a que as regiões administrativas sejam apresentadas como «autarquias regionais», sobrepondo a lógica da escala de intervenção (regional) à sua natureza jurídico-constitucional (autarquia local).

PARTE I — MODELO TERRITORIAL A Parte I deste Relatório tem como objetivo estabelecer uma relação entre o modelo territorial de

desenvolvimento do País (Portugal continental) e os processos de descentralização e desconcentração a favor dos níveis da administração de âmbito regional e sub-regional.

A Comissão considera que estes processos não podem ser concebidos e concretizados como se o País fosse internamente homogéneo.

Tendo em consideração as diversidades (a potenciar e a valorizar) e as assimetrias (a combater e a reduzir) existentes no País (continente), os processos de descentralização e desconcentração devem ter como referência um modelo territorial de desenvolvimento baseado numa rigorosa identificação das situações atuais ou previsíveis e numa ambição de médio e longo prazo, visando um país globalmente mais coeso, justo e sustentável e com uma presença internacional mais forte, competitiva e reconhecida.

Este modelo é incompatível com leituras da geografia do País baseadas em dicotomias simples, como Norte/Sul, litoral/interior, áreas urbanas/áreas rurais ou territórios de baixa densidade (demográfica, económica e institucional)/outros territórios. Embora as dicotomias referidas sejam relevantes, e algumas delas devam até ter expressão do ponto de vista de políticas ou instrumentos de política específicos, elas não permitem, isoladamente ou em conjunto, uma leitura integrada, estratégica e prospetiva da diversidade do País (continente), nem proporcionam uma visão adequada da inserção dos vários territórios em espaços mais vastos: ibérico (além da componente transfronteiriça), europeu, intercontinental e global.

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A leitura conjugada das disparidades regionais, dos sistemas urbanos e das grandes infraestruturas de transportes e comunicações é essencial para garantir a necessária perspetiva integrada, estratégica e prospetiva.

Considerada numa perspetiva comparada (sobretudo no contexto europeu) e temporal (pré-crise e pós-crise recentes, internacional e da zona euro), essa leitura constitui a referência de base para ponderar criticamente a relação entre território e descentralização/desconcentração.

Esta referência é essencial para formular soluções viáveis no que diz respeito quer à descentralização (e desconcentração) de atribuições e competências para os níveis subnacionais (âmbitos geográficos mais apropriados), quer à dimensão e configuração geográfica de regiões administrativas competentes para cumprirem a sua missão, num contexto nacional marcado por tendências de forte retração populacional e envelhecimento demográfico, sistemas urbanos insuficientemente policêntricos, ecossistemas regionais de inovação incipientes e défices de conectividade persistentes, a que se adiciona uma elevada exposição aos impactos quer de decisões de âmbitos ibérico, europeu e internacional quer das rápidas transformações tecnológicas, económicas e societais de natureza global. Regiões administrativas ou entidades intermunicipais (áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais) sem dimensão, massa crítica, capacidade instalada e instituições de qualidade tornar-se-ão demasiado vulneráveis a todo o tipo de choques, internos e externos.

Uma visão integrada do País pressupõe a recusa de políticas centradas nas regiões e aglomerações urbanas com maior potencial de desenvolvimento (lógica de apoio prioritário aos «campeões nacionais», na convicção de que a sua dinâmica desencadeará efeitos positivos de arrastamento nos restantes territórios), ou, no polo oposto, nas regiões menos desenvolvidas (lógica de política assistencial de apoio prioritário aos «perdedores» nacionais, visando inverter espirais estruturais de subdesenvolvimento relativo ou absoluto). Uma política nacional de desenvolvimento regional terá de considerar o conjunto do território do País numa ótica relacional, levando em consideração, de forma integrada, as potencialidades, as capacidades e as limitações das várias regiões e sub-regiões.

A visão de uma política nacional de desenvolvimento regional pressupõe, portanto, a perspetiva de que as políticas públicas devem estimular o desenvolvimento de todas as regiões, e não apenas de um tipo de regiões,através da valorização eficiente e inteligente dos recursos e potencialidades existentes em cada uma delas, mas reconhece, ao mesmo tempo, a necessidade de mecanismos de âmbito nacional que compensem a desigual dotação das regiões no que se refere a fatores e condições de desenvolvimento.

Uma política nacional de desenvolvimento regional deve, assim, prosseguir objetivos de coesão, competitividade e equidade, sem optar por um deles em detrimento dos restantes nem valorizar determinadas regiões e cidades em desfavor de outras.

Sendo distintas as características das diversas regiões e cidades, também diferenciadas deverão ser as intervenções. A política nacional de desenvolvimento regionalnão pode, por isso, resultar exclusivamente de decisões centralizadas. Ela deve tomar em consideração o contributo das entidades regionais, sub-regionais e locais, para que os processos de decisão de âmbito nacional possam compatibilizar os interesses gerais do País com os interesses diversificados dos seus vários territórios.

PARTE II — DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA Na Parte II do Relatório efetua-se um diagnóstico o mais abrangente possível das várias questões

suscitadas pelo aprofundamento da descentralização administrativa em Portugal continental a favor das entidades intermunicipais (Capítulo 1) e das regiões administrativas (Capítulo 2).

O Capítulo 1 começa por analisar a cooperação intermunicipal noutros países, sistematizando-se os objetivos prosseguidos, os modelos de cooperação existentes e os desafios que este tipo de organização coloca em relação, nomeadamente, ao modelo de governação das entidades intermunicipais e às relações de governança entre diferentes níveis administrativos. Este enquadramento é complementado por uma breve reconstituição histórica da evolução em Portugal da cooperação intermunicipal, em geral, e das áreas

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metropolitanas e das comunidades intermunicipais, em particular. Segue-se a identificação das principais questões que se colocam a cada um desses tipos de entidades intermunicipais com base numa leitura integrada dos resultados da análise comparativa internacional, da análise histórica da realidade nacional e dos aspetos debatidos nas audições e nos encontros públicos organizados pela Comissão. As recomendações que a seguir se apresentam, e que correspondem a uma seleção dos aspetos mais relevantes dos diversos pontos identificados ao longo deste Capítulo, traduzem a ponderação feita pela Comissão da leitura integrada dos referidos resultados.

Áreas Metropolitanas (AM)  Recomendações independentes da existência de regiões administrativas:

o Diferenciar as áreas metropolitanas como realidades com identidade específica e com um modelo de gestão distinto do adotado para as demais áreas urbanas, para resolver os problemas que lhes são próprios.

o Reforçar competências próprias, sendo esse reforço acompanhado pelos necessários meios humanos e financeiros.

o Introduzir mecanismos que garantam uma boa administração, designadamente ao nível da política de digitalização e gestão de dados e de prevenção da corrupção, indo além dos deveres de transparência já consagrados quanto à sua atividade financeira (Lei n.º 75/2013) e às atribuições e competências transferidas (Lei n.º 50/2018).

o Excluir órgãos ou funcionários do Estado do órgão consultivo das áreas metropolitanas, dado que essa presença constitui uma entorse à configuração constitucional da administração autónoma e das associações públicas (situação das AM).

 Recomendações no caso de serem criadas e instituídas regiões administrativas: A Comissão defende que, em qualquer situação, isto é, sem ou com regiões administrativas, as AM devem

manter a sua natureza intermunicipal, não apoiando a sua evolução para uma entidade supramunicipal («autarquia local») com legitimidade democrática garantida através de eleição por sufrágio universal e voto direto. Esta posição da Comissão, reforçada num contexto em que existam regiões administrativas, resulta da conjugação de vários fatores:

o O facto de as AM articularem, para além da ação dos municípios, as atuações destes com a da

administração central aproxima-as do papel que se espera que as regiões administrativas desempenhem. No entanto, no contexto da eventual criação das regiões administrativas não se afigura nem adequada nem oportuna a transformação das áreas metropolitanas em «autarquias locais» (que estão limitadas aos tipos previstos no n.º 1 do artigo 236.º da Constituição), como se fossem proto-regiões dentro de regiões.

o Os estudos comparativos efetuados pela OCDE mostram que, para um país com a dimensão demográfica de Portugal, não é habitual existirem quatro níveis de decisão (nacional, regional, metropolitano e local – municípios locais).

o A multiplicação de níveis de decisão ou a instauração de eleições diretas para órgãos metropolitanos sem que existam regiões administrativas aumentam, por razões distintas, a complexidade e a conflitualidade institucional, no primeiro caso entre entidades com legitimidade democrática e no segundo entre municípios, áreas metropolitanas e serviços desconcentrados de nível regional.

o A transformação das AM em «autarquias locais» pode promover uma visão e uma gestão fragmentadas de territórios que já hoje funcionam de forma sistémica, dificultando iniciativas que consolidem e qualifiquem a integração funcional crescente que se verifica entre as áreas metropolitanas, tal como estão atualmente delimitadas, e as regiões metropolitanas em que se integram e por elas polarizadas.

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Comunidades intermunicipais (CIM)  Recomendações independentes da existência de regiões administrativas:

o Manter as CIM como associações de municípios, como determina a Constituição, centrando a sua missão em matérias que os municípios entendam dever ser tratadas no patamar intermunicipal, por o considerarem como o mais adequado.

o Efetuar uma avaliação ex-ante do potencial impacto do efeito conjugado do despovoamento e do envelhecimento no que se refere à tensão entre, por um lado, a definição de um perfil universal de atribuições e competências e, por outro, a existência de distintas capacidades de resposta, com consequências negativas sobretudo no que diz respeito aos serviços públicos mais diretamente ligados à população idosa, colocando os cidadãos em desiguais condições de acesso a esses serviços.

o Definir um pacote-base de atribuições e competências universal a transferir pela administração central para as CIM e um conjunto complementar de atribuições e competências a transferir ao longo do tempo e/ou a contratualizar em função das capacidades existentes em cada CIM.

o Superar a incongruência respeitante à inserção das NUTS III Oeste, Médio Tejo e Lezíria do Tejo na NUTS II Região de Lisboa e Vale do Tejo para efeitos de desenvolvimento regional, ordenamento do território e ambiente e nas NUTS II do Centro (nos dois primeiros casos) e do Alentejo (Lezíria do Tejo), sem direito de voto, no que se refere a fundos estruturais.

 Recomendações no caso de serem criadas e instituídas regiões administrativas:

o Garantir uma segmentação clara de responsabilidades e funções entre as CIM (associações de municípios) e as regiões administrativas (autarquias locais), nomeadamente no que diz respeito a atribuições e competências na área da articulação com a administração central, bem como à gestão de findos estruturais.

o Manter o atual mapa das CIM, não se promovendo alterações territoriais até à avaliação a efetuar no quinto ano após a entrada em funcionamento das regiões administrativas, de modo a evitar estratégias de criação de «maiorias políticas artificiais» (gerrymandering).

o Introduzir acertos no regime jurídico das CIM constante da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, nomeadamente no que se refere aos processos de decisão, às suas atribuições e à articulação com os órgãos da administração central, que sofrerão alterações por força da criação das regiões administrativas.

O Capítulo 2 diz respeito às regiões administrativas. Ponderando, como no capítulo anterior, os

resultados da análise comparativa internacional, da análise histórica da realidade nacional e os aspetos debatidos nas audições e nos encontros públicos, nomeadamente os argumentos a favor e contra a regionalização, a Comissão apresenta neste Relatório diversas observações e recomendações, de que destaca as seguintes:

 Estudos da OCDE mostram que se verifica uma clara associação estatística entre desenvolvimento e

descentralização. Embora não exista uma relação de causalidade direta, observa-se que os países mais desenvolvidos são mais descentralizados e que os países mais centralizados são menos desenvolvidos.

 Os mesmos estudos revelam que se tem verificado nos últimos anos uma tendência genérica nos países da União Europeia para um reforço do papel dos níveis subnacionais e supramunicipais (isto é, entre o Estado central e o nível local), ainda que através de processos distintos.

 Nos últimos anos o grau de centralismo das decisões públicas em Portugal acentuou-se de forma significativa, com a crescente debilitação das entidades da administração central presentes nas regiões (extinção, desqualificação funcional, diminuição de autonomia administrativa, escassez de meios humanos e financeiros, etc.). Esta tendência tem elevados custos do ponto de vista da eficácia, eficiência

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e equidade das políticas e da provisão de serviços aos cidadãos e às empresas e tem alimentado um perigoso sentimento de abandono por parte de populações que se sentem esquecidas e cada vez mais longe de decisores políticos vistos como distantes e inacessíveis.

 Tendo em conta os aspetos referidos nos pontos anteriores, a Comissão considera que é necessário proceder a um reforço do nível subnacional que dê uma resposta articulada e coerente a quatro objetivos:

o Racionalização do processo de tomada de decisões organizativas; o Aprofundamento da democracia e da governação democrática; o Formulação de políticas públicas mais ajustadas à diversidade territorial existente; o Melhoria da prestação de serviços públicos aos cidadãos.

 O reforço do nível subnacional inclui várias componentes (desconcentração, cooperação intermunicipal

e descentralização administrativa), todas importantes mas em que apenas a descentralização administrativa (criação e instituição de regiões administrativas) permite responder de forma integrada aos quatro objetivos identificados.

 A Comissão subscreve a opção de descentralização baseada numa reforma conjugada do nível regional e da cooperação intermunicipal apesentada pela OCDE.

 Portugal é, aliás, o país de maior dimensão demográfica do grupo de Estados-Membros da União Europeia com apenas dois níveis de administração e possui um total de habitantes que é superior ao de vários dos países com três níveis administrativos (nacional, regional e local).

 A Comissão ponderou os principais argumentos a favor da regionalização (custos de um centralismo excessivo, setorializado, descoordenado e territorialmente cego; necessidade de superar défices que constituem obstáculos ao desenvolvimento das regiões; vantagens de um Estado mais próximo; vantagens de estratégias regionais mais previsíveis; e necessidade de consolidar uma escala de respostas públicas adequada a um contexto de mudanças tecnológicas acentuadas) e contra a regionalização (tema artificial criado pelas elites políticas e intelectuais sem aderência por parte das populações; fator de quebra da coesão nacional; obstáculo ao desenvolvimento nacional e regional e fator de agravamento das assimetrias inter-regionais e intrarregionais; e acréscimo de cargos políticos e aumento da corrupção).

 A Comissão considera que um debate rigoroso sobre vantagens, desvantagens e riscos associados à regionalização só é possível a partir do esclarecimento prévio de três aspetos, de natureza conceptual (definição de «regionalização»), legal (limites constitucionais à «regionalização») e operativa («regionalização» como meio e não como fim). Na ausência deste esclarecimento prévio, que complementa os quatro esclarecimentos referidos no quarto ponto deste Sumário Executivo, não é possível garantir um debate devidamente focado no que está realmente em causa.

 A Comissão considera que a regionalização não é um produto mas sim um processo, cujo êxito depende de doze requisitos básicos que são identificados e brevemente caracterizados.

 A Comissão defende um processo gradual, programado, faseado e com metas de transferência de atribuições e competências para as regiões administrativas, sujeito a uma permanente monitorização e avaliação.

 A Comissão considera que as regiões administrativas deverão concentrar-se, numa primeira fase, que é de arranque e transição, em políticas de âmbito transversal, reforçando a capacidade de intervenção nos domínios de ação das atuais CCDR (desenvolvimento regional, ordenamento do território e cidades, ambiente e cooperação regional transfronteiriça) em termos de decisão e de coordenação. Essa intervenção deverá ser acompanhada por uma maior intervenção dos poderes regionais na conceção dos programas regionais e dos programas temáticos com particular incidência na regiãoque beneficiam de Fundos Europeus Estruturais e de Investimento e uma intensificação da cooperação inter-regional ao nível nacional, sobretudo com as regiões administrativas vizinhas, tendo também em consideração o desempenho das atribuições referidas no ponto seguinte.

 Esta fase de arranque e transição poderá envolver atribuições e competências nos domínios da cultura, da agricultura, da educação e da saúde, desde que, numa avaliação ex-ante, se comprove que as alterações institucionais que terão de ocorrer aos níveis nacional (serviços centrais) e regional

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(serviços desconcentrados) não contribuem para diminuir a capacidade efetiva de as regiões administrativas desempenharem com eficácia e eficiência a sua intervenção nas políticas transversais acima referidas.

 No quinto ano de funcionamento, e levando em conta quer os resultados de uma avaliação de desempenho e de impacto relativa aos quatro anos anteriores (primeiro mandato dos órgãos eleitos) quer as capacidades existentes em cada região, estas poderão vir a acolher novas atribuições e competências provenientes da administração desconcentrada ou de serviços centrais da administração, por iniciativa da Região e como resultado de um processo de negociação com as respetivas tutelas.

 A Comissão propõe que se assuma como metas que ao fim dos dois mandatos iniciais a despesa das regiões administrativas em percentagem do PIB se aproxime da média dos países unitários da UE nessas mesmas datas, isto é, valores que se estimam em cerca de 8,5% do PIB ao fim de 4 anos e cerca de 12% do PIB ao fim de oito anos.

 A Comissão defende que o mapa das regiões administrativas deve coincidir com as atuais regiões de planeamento, por razões deconhecimento acumulado, continuidade e custos menos elevados.

 A Comissão salienta que um mapa com regiões mais pequenas, algumas das quais localizadas exclusivamente no interior, não garante que todas tenham, já hoje e sobretudo no futuro, a escala e a massa crítica necessárias para poder cumprir com eficácia e eficiência a sua missão.

 A Comissão defende que, assim que possível, se deve assegurar que as regiões administrativas coincidem com uma NUTS II ou com uma agregação de NUTS II, permitindo resolver as situações disfuncionais atualmente existentes entre regiões plano e NUTS II.

 A Comissão está consciente de que o mapa proposto, sendo o mais adequado e consensual, levanta questões que devem ser levadas em consideração e acauteladas (p. e., importância dos fatores identitários de base histórica e cultural; suspeita de que os interesses e as prioridades das sub-regiões mais fortes do litoral se irão sobrepor aos das sub-regiões menos desenvolvidas do interior; fragmentação artificial de sistemas naturais, como as bacias hidrográficas, e de regiões funcionais, que exigem uma gestão integrada).

 A Comissão considera que, por razões práticas, a localização das futuras Juntas Regionais deve coincidir com a das atuais CCDR. A localização das Assembleias Regionais deverá ter em conta a configuração geográfica de cada uma das regiões numa ótica de equidade territorial, podendo ser tendencialmente fixa ou rotativa.

 A criação de regiões administrativas vem alterar o atual modelo de poderes e relações verticais, a nível nacional, e horizontais, no âmbito de cada região e entre diferentes regiões administrativas. Dada a relevância deste tema, a Comissão consagra-lhe particular atenção na Parte III.

PARTE III — SISTEMA DE GOVERNO DAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS Na Parte III do Relatório são tratados os vários aspetos relativos ao sistema de Governo a aplicar nas

regiões administrativas. É feita uma breve análise dos diferentes sistemas de Governo, incluindo o sistema vigente nas câmaras, assembleias municipais, juntas de freguesia e assembleias de freguesia, que não encontram paralelo noutros países, e em particular o sistema previsto na Constituição da República Portuguesa para as regiões administrativas (Capítulo I).

Abordam-se de seguida as vantagens e desvantagens de consagrar a figura do «representante do Governo» junto das regiões administrativas em relação com a matéria da tutela administrativa e com a entidade competente para a exercer, aspeto que não pode ser desligado da necessária coordenação de ações da administração central de relevância regional (Capítulo II).

O sistema eleitoral regional é tratado nos seus múltiplos aspetos: para além do enquadramento constitucional e da referência aos princípios orientadores que o devem nortear, o Relatório pondera os valores em presença e vários tipos de sistema eleitoral, efetuando uma projeção do número de Deputados a eleger nas várias regiões (Capítulo 3).

O Referendo previsto na Constituição é também objeto de análise, fazendo-se um breve historial sobre o mesmo com ponderação dos vários aspetos a levar em conta quanto à realização de uma nova consulta

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referendária (Capítulo 4). Por último, é apresentado um cronograma de execução referencial (Capítulo 5). Tendo por base as análises e ponderações efetuadas:  A Comissão considera que a Lei-Quadro das Regiões Administrativas (Lei n.º 56/91, ainda em vigor)

deve ser substituída por uma nova Lei-Quadro, onde entre outras matérias, devem ficar consagrados os seguintes aspetos sobre o sistema de Governo das regiões administrativas:

o Que a Junta Regional tem até sete elementos, incluindo o seu presidente; o Que a eleição da Junta Regional se realiza segundoo sistema de representação maioritária, por

escrutínio secreto e por listas plurinominais, na primeira sessão da Assembleia Regional, sendo que o presidente da Junta Regional é o primeiro elemento da lista mais votada;

o Que a Junta Regional toma posse perante a Assembleia Regional; o Que a Junta Regional tem de estar presente em todas as assembleias regionais para defender

as suas iniciativas e responder a todas as questões dos Deputados/as; o Que se consagram a moção de censura, o voto de confiança e a moção de censura construtiva; o Que em caso de aprovação de uma moção de censura ou rejeição do voto de confiança e, se

no prazo de 30 ou 45 dias por maioria absoluta dos Deputados a Assembleia Regional não eleger uma nova Junta Regional, esta se dissolve e têm de ser convocadas eleições.

 A Comissão entende como positiva a existência de um órgão consultivo, que colabore na

definição das estratégias e das políticas públicas para a região, sugerindo a sua criação.  A Comissão não reconhece que as atribuições do «representante do Governo» nas regiões

administrativas – tutela administrativa sobre as autarquias, coordenação da administração central e informação do Governo junto das regiões – sejam indispensáveis ao bom funcionamento das regiões.

 A Comissão salienta que é indispensável que o Primeiro-Ministro e o Governo assumam todas as responsabilidades que a Constituição lhes atribui no que se refere à regionalização.

 A Comissão considera que num Estado unitário faz todo o sentido que a tutela administrativa das regiões seja uma competência do Governo, a exercer nos termos do artigo 199.º da Constituição. Nesse sentido, deve fazer parte da Lei-Quadro a explicitação do seguinte:

o o poder tutelar de verificação do cumprimento da legalidade inclui os poderes de tutela inspetiva e

integrada apenas para efeitos de controlo da legalidade; o em casos graves nos termos da lei, o Governo pode destituir o órgão executivo das regiões

administrativas – a Junta Regional – nomeando para o substituir uma comissão administrativa, por um período limitado, até ao restabelecimento da normalidade;

o em casos graves, assim expressamente tidos pela lei, o Governo pode dissolver os órgãos das regiões administrativas, seguindo-se, obrigatoriamente, a convocação de eleições conforme o legalmente expresso.

 A Comissão defende que o papel desempenhado pelo Conselho de Coordenação Territorial como

organismo de coordenação intersectorial ao nível da administração central não é suficientemente satisfatório, recomendando a sua reestruturação de modo a valorizar as relações entre o Governo e os órgãos das administrações regionais.

 A Comissão, no que diz respeito ao sistema eleitoral regional e após analisar os vários sistemas possíveis no atual enquadramento constitucional, propõe os seguintes princípios orientadores: proporcionalidade; representação territorial institucional; respeito pela vontade soberana dos eleitores; representatividade territorial direta e igualdade de género.

 A Comissão manifesta-se pela manutenção do artigo 260.º da CRP, que prevê a eleição de parte dos Deputados regionais pelo colégio eleitoral formado pelas assembleias municipais, por considerar que esta eleição é importante numa fase inicial da regionalização como forma de garantir o princípio da representatividade territorial.

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 Analisados os vários sistemas eleitorais – círculo regional único, com ou sem Deputados regionais eleitos indiretamente; círculo regional único, com personalização de voto através de boletins de voto com as listas completas dos partidos e grupos de cidadãos; e círculo regional plurinominal, dividido em circunscrições uninominais, sem ou com Deputados regionais eleitos indiretamente – a Comissão considera que só a adoção deste último sistema eleitoral permite cumprir todos os princípios basilares enunciados, obedecendo obrigatoriamente ao princípio da paridade as listas para os círculos plurinominais e para as eleições indiretas.

 A Comissão recomenda que na fase preparatória se teste cientificamentea introdução do seguinte esquema base:

o Distribuição de círculos uninominais a fixar previamente; o Número total de Deputados a eleger em círculos uninominais e plurinominais igual ao número de

Deputados nacionais no continente; o Número de Deputados a eleger indiretamente pelos colégios de assembleias municipais igual a 25%

do total de Deputados regionais; o Adoção de metodologias específicas para os casos do Alentejo e do Algarve; o Possibilidade de extensão do total de Deputados das assembleias regionais de modo a integrar

supranumerários, totalizando mais de 300 Deputados no conjunto das regiões.  A Comissão defende que o Referendo previsto na Constituição se deve realizar, sendo no entanto

necessário o seu aperfeiçoamento, suprimindo do artigo 256.º da CRP a segunda pergunta, de alcance regional, no sentido de eliminar a possibilidade de flagrante enviesamento antidemocrático, aspeto que é amplamente desenvolvido no Relatório;

 A Comissão apresenta um Cronograma de Execução Referencial, enumerando todos os passos legislativos necessários para a instituição em abstrato de todas as regiões administrativas; a instituição em concreto das regiões administrativas, iniciando com a consulta referendária; a primeira eleição dos órgãos regionais, cujas primeiras eleições a Comissão recomenda que sejam fixadas com uma antecedência mínima de 120 dias;

 Finalmente, a Comissão prevê a necessidade de comissões instaladoras, que cessarão as suas funções com a posse dos titulares dos órgãos, embora o regime de instalação não possa ser dado por terminado nesse mesmo momento. A Comissão recomenda que a lei permita o recurso a procedimentos próprios de regime de instalação e que defina faculdades excecionais agilizadoras da instalação dos órgãos e das administrações durante os dois primeiros anos do primeiro mandato.

PARTE IV — FINANCIAMENTO DAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS, INVESTIMENTO E COESÃO A Parte IV é constituída pelos capítulos referentes às finanças públicas propostas para as regiões

administrativas, dando especial realce à componente de investimento público e à criação dos Fundos de Coesão Regional.

 A Comissão propõe um modelo de financiamento das regiões administrativas enquadrado nos

princípios constitucionais das finanças públicas das autarquias locais. A afetação de recursos deverá seguir, com as devidas adaptações, os princípios e as regras preconizados na Lei das Finanças Locais.

 A Comissão recomenda, contudo, um modelo mais específico e preciso nos seus aspetos orçamentais, fiscais e de endividamento. Esta exigência permite dar especial relevância ao «princípio da solidariedade nacional recíproca», pelo qual o sector local, onde se inserem também as regiões administrativas, assume compromissos no quadro do equilíbrio global das contas públicas, da gestão da dívida pública e dos limites nas transferências, no âmbito da Lei do Orçamento do Estado aprovada na Assembleia da República para cada ano económico e fiscal.

 A Comissão recomenda que as regiões administrativas cumpram, desde a sua instalação, as normas que lhe possam ser aplicadas pela Lei de Enquadramento Orçamental, aprovada pela Lei n.º

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151/2015, de 11 de setembro, na sua redação atual.  O modelo proposto pela Comissão baseia-se em três marcos de confiança:

o Baixa autonomia fiscal, incluindo a não criação de impostos a nível regional; o Garantia de neutralidade orçamental e fiscal, nomeadamente no processo de transferências

orçamentais (que acompanham as transferências de atribuições e competências) e na participação nos impostos nacionais;

o Consagração de incentivos à governação (pela gestão da partilha da receita dos impostos nacionais), sem descurar a suficiência de meios para garantir a provisão universal e equitativa dos serviços públicos.

 O modelo proposto pela Comissão deve ainda cumprir os seguintes princípios de regulação:

o Existência de «normas travão» para o controlo financeiro, especialmente do endividamento; o Estabelecimento da tutela do Estado para inspeção e acompanhamento financeiro.

 A estrutura de financiamento segue o modelo definido na lei para as restantes autarquias locais, com

as necessárias adaptações (Receitas próprias, Fundo Geral Regional, Fundo Especial Regional, Derrama regional, Participação na receita de impostos nacionais, Contratualização de financiamento, Fundos de Coesão Regional). Nesta estrutura assumem especial relevo as transferências condicionais, através do designado Fundo Especial Regional, relativamente aos serviços públicos em que é mais relevante a equidade pessoal e territorial.

 Ainda no que se refere à estrutura de financiamento, a Comissão recomenda, com ênfase especial, a criação dos Fundos de Coesão Regional (um por cada região administrativa), com o objetivo de reforçar a coesão inter-regional e intrarregional. Estes fundos permitem aumentar a capacidade de investimento dos órgãos das regiões administrativas com um menor esforço relativo do orçamento nacional, pois devem ter uma forte componente de financiamento comunitário, sem prejuízo do cumprimento das regras nacionais e comunitárias aplicáveis.

 A Comissão recomenda, no sentido do reforço da política nacional de desenvolvimento regional, que se organizem as iniciativas de investimento público com incidência regional num programa específico designado por PIDAR (Programa de Investimento e Desenvolvimento da Administração Regional). Este programa deverá incluir todos os projetos de investimento público com incidência regional, independentemente da origem do financiamento, que se insiram na estratégia definida no Plano de Desenvolvimento Regional de cada região administrativa.

 A Comissão defende que, a fim de analisar de forma objetiva a eficiência e eficácia dos recursos públicos aplicados, todos os projetos de investimento com uma determinada dimensão (a definir) deverão ter obrigatoriamente uma avaliação custo-benefício.

 A Comissão recomenda também, neste âmbito, que os investimentos públicos de grande envergadura a decidir e a realizar no âmbito nacional, mas que podem afetar interesses legítimos regionais,sejam objeto (como previsto na lei) de parecer do CSOP (Conselho Superior de Obras Públicas), integrando no processo de decisão os órgãos das regiões administrativas.

 No que se refere à dimensão do financiamento, a Comissão considerou vários cenários tendo sempre como objetivo o aprofundamento da descentralização administrativa ao nível supramunicipal através da criação de regiões administrativas.

 A Comissão considera que, no quadro mais global, nomeadamente europeu, se deve optar pelo cenário de atingir, no final dos dois primeiros mandatos (8 anos), no mínimo a média da UE. Tal significa que a despesa pública subnacional atinja, no ano 8,12% do PIB (em 2017 a média europeia já tinha atingido 10,7% do PIB).

 A Comissão propõe que este processo seja gradual, tendo como referência inicial o nível de descentralização registado em 2017 em Portugal (despesa pública subnacional igual a 5,8% do PIB, segundo a OCDE), e recomenda que ao fim do primeiro mandato dos órgãos regionais (4 anos) se atinja um nível de 8,5% do PIB.

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 Este objetivo implica uma alteração profunda no processo de transferência de atribuições e competências, que por razões de capacitação e de escala só é possível no âmbito das regiões administrativas e que envolverá necessariamente funções nas áreas da Proteção Social, da Educação e da Saúde.

 A Comissão sublinha que esta repartição de recursos é condição para uma maior responsabilização política e controlo democrático dos cidadãos, o que obriga a uma reorganização da administração que acompanhe os princípios da boa governação (transparência, acesso a informação, prevenção da corrupção).

PARTE V — DESCONCENTRAÇÃO E DESLOCALIZAÇÃO Na Parte V do Relatório, que inclui uma análise dos processos de desconcentração e deslocalização, a

Comissão recomenda critérios e medidas que visam permitir uma localização dos serviços públicos que assegurem de forma coerente a presença do Estado no território.

Esta presença não deve ser dissociada da obrigação constitucional prevista no artigo 81.º da CRP, segundo a qual a incumbência prioritária do Estado visa ir «eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior».

A Comissão reconhece o mérito do trabalho desenvolvido no âmbito do Programa de Valorização do Interior, bem como pelo «Movimento pelo Interior», e revê-se nas propostas feitas no âmbito destas duas iniciativas, mas considera que as medidas incluídas no Programa de Valorização do Interior terão de ser avaliadas.

A Comissão recomenda a adequação da área geográfica de atuação dos organismos desconcentrados às fronteiras propostas para as regiões administrativas.

A Comissão recomenda também a devida articulação dos processos de desconcentração e deslocalização com a implementação das regiões administrativas, sendo que aqueles processos deverão ocorrer após a decisão relativa aos locais das sedes dos respetivos órgãos. Todavia, se o processo de criação e instituição em concreto das regiões não avançar rapidamente, a Comissão recomenda a próxima definição e realização de um programa de descentralização e deslocalização a aprovar previamente pela Assembleia da República.

A Comissão entende, no entanto, que se está perante uma matéria vasta que deve ser analisada pelo Governo, dada a orgânica própria de cada Ministério e a necessidade de assegurar a continuidade dos serviços públicos e do acesso a esses serviços sem perturbações por parte da população, das instituições e das empresas.

Nesse sentido, a Comissão recomenda a criação, na dependência direta do Primeiro-Ministro, de um Grupo de Trabalho interministerial para a Reforma da Administração Desconcentrada do Estado devendo o Governo, no início de cada legislatura, e apresentar à Assembleia da República propostas sobre a matéria de desconcentração e deslocalização.

A Comissão recomenda ainda que, em matéria de Orçamento do Estado, seja desenvolvido um trabalho sistemático de identificação dos organismos desconcentrados por NUTS II que facilite a avaliação dos recursos do Estado central assim mobilizados na sua afetação regional.

PARTE VI — ADMINISTRAÇÕES REGIONAIS MODERNAS E EFICIENTES A Parte VI integra uma visão sobre as administrações regionais modernas e eficientes, assentes na

capacitação de recursos humanos e na qualidade das instituições. Os processos de modernização e eficiência incluem a digitalização das administrações regionais, a transparência da ação dos titulares dos órgãos, dos serviços e da administração regional, a prevenção da corrupção, bem como a aposta na criação de ecossistemas regionais de inovação. Assim, a Comissão entende que:

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 As condições necessárias para esses efeitos exigem tempo e planificação objetiva e precisa, pelo que é essencial que sejam adotados mecanismos que garantam a modernização e uma maior eficiência da administração regional durante os dois primeiros anos do primeiro mandato dos órgãos regionais.

 O sucesso da descentralização depende da digitalização e da boa gestão das tecnologias de informação e comunicação (TIC), bem como do alinhamento com a visão estratégica para a administração pública, da interoperabilidade entre serviços públicos e sua disponibilização descentralizada, de práticas de segurança e infraestruturas cloud based e da transparência e partilha de dados abertos.

 A transparência, enquanto dever dos responsáveis de cargos públicos, permite que os cidadãos acompanhem a atividade da administração, gera confiança nas instituições e assegura a prestação de contas e o acesso público à informação, estimulando a exigência dos cidadãos, a boa governação e o combate à corrupção.

 No primeiro mandato, os órgãos regionais eleitos devem concretizar um sistema de acesso à informação que permita uma administração pública responsável, aberta e transparente. A informação relativa a conflitos de interesses dos responsáveis de cargos públicos deverá estar acessível.

 A criação de um novo nível de órgãos locais é suscetível de suscitar desconfiança e conduzir a situações de corrupção e de ilícitos de natureza financeira. Assim, devem ser dadas orientações para prevenir a ocorrência de crimes de carácter económico e financeiro, ser assegurada a fiscalização do cumprimento dos planos e procedimentos, incluindo inspeção e sanção de comprovadas responsabilidades de dirigentes, por ação ou omissão, em matéria de prevenção da corrupção.

 No primeiro ano de mandato dos órgãos regionais, deverá assegurar-se a existência de um sistema de gestão de riscos de corrupção adaptado a cada região (NP ISO 37001 de 2018) e a adoção na Lei-Quadro das Regiões de normas habilitadoras do desenvolvimento regulamentar de instrumentos de prevenção ao abrigo da NP ISO 37001 e da certificação por entidades de prestígio internacional.

 O reforço institucional das diversas áreas de intervenção do Estado ao nível regional exige o robustecimento da monitorização dos impactos territoriais das políticas públicas nos vários níveis de administração e a possibilidade de escrutínio das políticas públicas pelas comunidades regionais.

 A produção de informação estatística adequada e fiável é crucial para monitorizar as políticas com qualidade, confidencialidade e comparabilidade. A implementação da Infraestrutura Nacional de Dados no INE permitirá a crescente digitalização de processos e de estatísticas fit for purpose, nomeadamente de indicadores de apoio à decisão e monitorização de políticas públicas.

 O enquadramento europeu para a produção de estatísticas oficiais e o uso de fontes de dados alternativas tendem a valorizar a sua consistência e coerência, sendo vital que os sistemas de informação regionais permitam garantir a integração de informação e a compilação de agregados nacionais, bem como mecanismos de coordenação setorial que assegurem a interoperabilidadeentre os sistemas de informação das várias regiões.

 O novo quadro de descentralização administrativa exige soluções inovadoras em cada região que podem ser replicadas noutras regiões, dinâmicas de cooperação que permitam o alinhamento entre os sistemas implementados e as orientações de produção estatística de base territorial que valorizem a componente territorial nas políticas setoriais e garantam que a descentralização seja sustentada em informação abrangente visando monitorizar o processo.

 Atendendo às conhecidas assimetrias regionais, é vital implementar estratégias adequadas aos desafios económicos e societais visando o desenvolvimento sustentado dos territórios, sendo o conhecimento e a inovação elementos diferenciadores de novas lógicas de competitividade e as instituições de ensino superior o fator central desse processo nas regiões do interior.

 O desenvolvimento baseado na valorização do conhecimento implica capacidade para a sua produção, apropriação e aplicação, para além da imprescindível formação de recursos humanos até aos níveis mais avançados. Esta situação exige a concertação dos principais atores relevantes em torno de estratégias regionais concebidas para lidar com os novos desafios tecnológicos e os novos modelos de negócio, dando lugar a ecossistemas regionais de inovação.

 A Comissão recomenda um Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Sistemas Regionais de Inovação que integre duas componentes devidamente articuladas: uma componente nacional, visando

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garantir elevados padrões de qualidade dos polos regionais e a sua participação em projetos nacionais e internacionais; e uma componente regional, visando mobilizar as suas capacidades em prol de objetivos importantes das regiões que os acolhem.

A Comissão considera ainda imprescindível a criação de instrumentos inovadores para que a

regionalização potencie a mobilização dos recursos endógenos e a atração de recursos externos a cada região, recorrendo a novos métodos de promoção do investimento para capacitação e expansão das empresas e atração de novas empresas que gerem postos de trabalho sem precariedade. Por outro lado, as tendências recentes da banca nacional não favorecem o desenvolvimento de atividades promocionais viradas para o médio/longo prazo, dado que a banca de investimento atribui reduzida importância às funções de advisory e de aconselhamento e ao financiamento a longo prazo. Assim, a Comissão recomenda a criação de um Banco de Desenvolvimento Regional para apoiar o desenvolvimento tecnológico, a qualidade da gestão e a competitividade de empresas que reforcem o desenvolvimento económico regional e do País, bem como infraestruturas e equipamentos complementares, nas seguintes condições:

 Ser direta e integralmente detido pelo Estado;  Ser excluído do perímetro da administração pública, obedecendo às exigências do Eurostat, com

relativa autonomia de decisão expressa no modelo de governança e elevados padrões éticos, sem atuar como agência do Governo;

 Intervir como banco de missão nas áreas apoiadas pelo Fundo InvestEU: I&D, inovação e digitalização, PME, infraestruturas sustentáveis, com destaque para o combate às alterações climáticas, descentralização da economia, investimento social e qualificação;

 Recorrer aos melhores recursos humanos quer na sua governança, quer na constituição de unidades de advisory;

 Adotar como referência a missão e o funcionamento do Scottish National Investiment Bank e do Banco Europeu Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD), prevendo-se desde já uma apreciação da atividade desenvolvida ao fim dos primeiros 5 anos, visando avaliar a eficácia do financiamento e necessidades futuras de capital;

 Dotar o Banco de Desenvolvimento Regional, à imagem do Scottish National Investiment Bank, de um capital social no valor de três mil M€ (1,5% do PIB), necessário para apoiar o desenvolvimento do banco nos primeiros 5 anos de atividade a favor dapromoção do crescimento da economia, da inovação e da transição para uma economia de baixo carbono, competitiva e inclusiva.

Em suma, o Banco de Desenvolvimento Regional é uma instituição de tipo não existente no País,

radicalmente diferente nas suas finalidades e no modo de financiamento por comparação com a banca tradicional. A missão do Banco é alavancar, simultaneamente, o nível tecnológico, a boa gestão e a competitividade das entidades apoiadas, contrastando com a banca comercial cuja missão é a maximização dos lucros, sob risco controlado por garantias reais.

É um banco de «capital paciente», podendo fazer operações a 10/15 anos de prazo, enquanto, habitualmente, a banca tradicional não ultrapassa metade desse período.

O Banco deve ainda ser vocacionado para participar, se conveniente, minoritariamente, no capital social dos promotores dos projetos por si apoiados mediante condições pré-negociadas, incluindo condições de saída.

A execução da sua missão não pode colocar em causa a sua sustentabilidade e capacidade de autofinanciamento futuro.

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Quarta-feira, 19 de setembro de 2018 II Série-E — Número 1

XIII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2018-2019)

S U M Á R I O

Presidente da Assembleia da República:

Despacho n.º 96/XIII — Composição da Comissão Independente para a Descentralização.

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PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Despacho n.º 96/XIII — Composição da Comissão Independente para a Descentralização

1. Considerando o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 1.º da Lei n.º 58/2018, de 21 de agosto, publicada na 1.ª

Série do Diário da República n.º 160, de 21 de agosto, que cria a Comissão Independente para a

Descentralização, adiante denomina abreviadamente de Comissão, com a missão de proceder a uma profunda

avaliação independente sobre a organização e funções do Estado e, ainda, de avaliar e propor um programa de

desconcentração da localização de entidades e serviços públicos, assegurando coerência na presença do

Estado no território,

2. Designo como membros da Comissão, ouvidos os Grupos Parlamentares:

Engenheiro João Cravinho, que coordena;

Professor Doutor João Manuel Machado Ferrão;

Professor Doutor António Fontainhas Fernandes;

Dr. Alberto João Jardim;

Professor Doutor Adriano Lopes Gomes Pimpão;

Helena Pinto;

Professor Doutor António Carmona Rodrigues

3. Os membros da Comissão iniciam funções com a primeira reunião deste órgão, que deve ser agendada

pelo respetivo Coordenador.

Registe-se e publique-se.

O Presidente da Assembleia da República

Eduardo Ferro Rodrigues

Palácio de São Bento, 19 de setembro de 2018.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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4286 Diário da República, 1.ª série — N.º 160 — 21 de agosto de 2018

instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições de pagamento e instituições de moeda eletrónica, por um período de seis meses a três anos, no caso de infrações previstas no n.os 1 e 2 do artigo 7.º, ou de 1 a 10 anos, no caso de infrações previstas no n.º 3 do artigo 7.º;

e) Interdição, no todo ou em parte, por um período até três anos, do exercício da atividade de prestação dos ser-viços de pagamento ou de serviços de emissão de moeda eletrónica.

6 — Também no uso da autorização legislativa confe-rida pela alínea f) do n.º 4 do artigo 1.º, pode o Governo estabelecer que, sem prejuízo do disposto na alínea b) do número anterior, se o dobro do benefício económico obtido pelo infrator for determinável e exceder o limite máximo da coima aplicável, este é elevado àquele valor.

7 — Ainda no uso da autorização legislativa conferida pela alínea f) do n.º 4 do artigo 1.º, pode o Governo:

a) Prever a punibilidade, a título de negligência, dos ilícitos de mera ordenação social, bem como da tentativa, e o respetivo regime;

b) Atribuir a competência para instruir os processos de contraordenação e aplicar as correspondentes coimas e sanções acessórias ao Banco de Portugal relativamente aos ilícitos previstos no n.º 1, na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 7.º, e à entidade reguladora setorial respetiva, ou, nos demais setores de atividade, à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica relativamente aos ilícitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 7.º;

c) Atribuir ao Banco de Portugal a competência para, no decurso da averiguação ou da instrução de processos da sua competência, solicitar às entidades policiais e a quaisquer outros serviços públicos ou autoridades toda a colaboração ou auxílio necessários para a realização das finalidades do processo.

d) Estabelecer que ao processo relativo aos ilícitos de mera ordenação social tipificados sejam aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições constantes do Título XI do RGICSF, e do Decreto -Lei n.º 57/2008, de 26 de março, na sua redação atual, consoante a autoridade competente.

Artigo 8.ºDuração

A presente autorização legislativa tem a duração de 180 dias.

Artigo 9.ºEntrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Aprovada em 6 de julho de 2018.O Presidente da Assembleia da República, Eduardo

Ferro Rodrigues.Promulgada em 2 de agosto de 2018.Publique -se.O Presidente da República, MARCELO REBELO DE SOUSA.Referendada em 6 de agosto de 2018.O Primeiro -Ministro, António Luís Santos da Costa.

111575138

Lei n.º 58/2018de 21 de agosto

Cria a Comissão Independente para a DescentralizaçãoA Assembleia da República decreta, nos termos da

alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.ºObjeto e composição

1 — A presente lei cria a Comissão Independente para a Descentralização, adiante designada por Comissão, cuja missão consiste em proceder a uma profunda avaliação independente sobre a organização e funções do Estado.

2 — A Comissão deve igualmente avaliar e propor um programa de desconcentração da localização de entidades e serviços públicos, assegurando coerência na presença do Estado no território.

3 — A Comissão é composta por sete especialistas de reconhecido mérito, nacionais ou internacionais, com com-petências no âmbito das políticas públicas e a organização e funções do Estado.

4 — Os membros da Comissão e o seu coordenador são designados pelo Presidente da Assembleia da República, ouvidos os Grupos Parlamentares.

Artigo 2.ºAtribuições

1 — Para o desempenho da sua missão, são conferidas à Comissão as seguintes atribuições:

a) Promover um estudo aprofundado sobre a organi-zação e funções do Estado, aos níveis regional, metro-politano e intermunicipal, sobre a forma de organização infraestadual;

b) Desenvolver um programa de desconcentração da localização de entidades e serviços públicos, assegurando coerência na presença do Estado no território;

c) Assegurar uma análise comparativa de modelos em países da União Europeia e da Organização para a Coope-ração e Desenvolvimento Económico (OCDE);

d) Organizar e garantir um programa de auscultação e debates públicos com entidades, em particular as áreas me-tropolitanas, as comunidades intermunicipais, as comissões de coordenação e desenvolvimento regional, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Associação Na-cional de Freguesias.

2 — O estudo referido na alínea a) do número anterior deve incluir:

a) A ponderação das possibilidades de aplicação dos vários níveis de descentralização;

b) A delimitação das competências próprias do nível infra estadual;

c) A avaliação dos recursos e meios, próprios e a trans-ferir, ajustados às competências a definir e ao seu cum-primento;

d) A análise dos graus de eficiência dos modelos a pro-por e respetivas vantagens comparativas;

e) Um cronograma de execução referencial.

3 — Para o desempenho da sua missão a Comissão deve contar com o apoio de instituições de ensino superior com

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Diário da República, 1.ª série — N.º 160 — 21 de agosto de 2018 4287

reconhecidas competências académicas na investigação sobre as políticas públicas.

Artigo 3.ºIndependência

Os membros da Comissão atuam de forma independente no desempenho das funções que lhe estão cometidas pela presente lei, não podendo solicitar nem receber instruções da Assembleia da República, do Governo ou de quaisquer outras entidades públicas ou privadas.

Artigo 4.ºAcesso à informação e colaboração

1 — A Comissão tem acesso a toda a informação ne-cessária ao cumprimento da sua missão, estando todas as entidades públicas e privadas obrigadas ao fornecimento atempado da mesma, e aos esclarecimentos e colaboração adicionais que lhes forem solicitados.

2 — O acesso à informação referido no número anterior obedece às regras previstas na lei em matéria de segredo de Estado.

3 — O incumprimento do dever de prestação de infor-mação em tempo oportuno por parte das entidades referidas no n.º 1 é objeto de divulgação no relatório a que se refere o artigo 6.º

Artigo 5.ºMandato

O mandato da Comissão dura até 31 de julho de 2019.

Artigo 6.ºRelatórios e propostas

1 — No final do seu mandato, a Comissão apresenta relatórios do trabalho desenvolvido, que devem conter as recomendações e propostas que entenda pertinentes, que são tomados como referência para as iniciativas legislativas subsequentes que se revelem necessárias.

2 — Os relatórios referidos no número anterior são entregues ao Presidente da Assembleia da República, que os manda publicar em Diário da Assembleia da República e publicitar na página da Assembleia da República na Internet.

Artigo 7.ºEstatuto dos membros

1 — Durante o seu mandato, os membros da Comissão só podem desempenhar outras funções, públicas ou priva-das, desde que as atribuições das entidades onde prestem serviço não possam objetivamente ser geradoras de con-flitos de interesse com as suas funções na Comissão.

2 — As situações de impedimento dos membros da Comissão são comunicadas ao Presidente da Assembleia da República, que procede a nova designação, ouvidos os Grupos Parlamentares.

3 — Os membros da Comissão não podem ser preju-dicados na sua colocação, nos seus benefícios sociais ou no seu emprego permanente em virtude do desempenho do seu mandato.

4 — O desempenho do mandato de membro da Comis-são conta como tempo de serviço para todos os efeitos,

salvo para aqueles que pressuponham o exercício efetivo da atividade profissional.

5 — Os membros da Comissão são equiparados a diri-gente superior de 1.º grau para efeitos remuneratórios.

6 — Os membros da Comissão têm direito a ajudas de custo e despesas de transporte, nos termos da lei.

Artigo 8.ºApoio administrativo, logístico e financeiro

O apoio administrativo, logístico e financeiro da Comis-são é assegurado pela Assembleia da República.

Artigo 9.ºEntrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Aprovada em 18 de julho de 2018.O Presidente da Assembleia da República, Eduardo

Ferro Rodrigues.Promulgada em 1 de agosto de 2018.Publique -se.O Presidente da República, MARCELO REBELO DE SOUSA.Referendada em 6 de agosto de 2018.O Primeiro -Ministro, António Luís Santos da Costa.

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Lei n.º 59/2018de 21 de agosto

Primeira alteração, por apreciação parlamentar, ao Decreto -Lei n.º 97/2017, de 10 de agosto, que estabelece

o regime das instalações de gases combustíveis em edifíciosA Assembleia da República decreta, nos termos da

alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.ºObjeto

A presente lei procede à primeira alteração, por apre-ciação parlamentar, ao Decreto -Lei n.º 97/2017, de 10 de agosto, que estabelece o regime das instalações de gases combustíveis em edifícios.

Artigo 2.ºAlteração ao Decreto -Lei n.º 97/2017, de 10 de agosto

Os artigos 3.º, 5.º, 8.º, 21.º, 23.º e 29.º do Decreto -Lei n.º 96/2017, de 10 de agosto, passam a ter a seguinte re-dação:

«Artigo 3.º[...]

1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 — Excluem -se da obrigação estabelecida no nú-

mero anterior as edificações destinadas a atividade agrá-ria, industrial, comercial e de serviços que não tenham prevista a utilização de gás.

3 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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INTRODUÇÃO A Lei n.º 58/2018, de 21 de agosto, criou a Comissão Independente para a Descentralização com as

atribuições expressas no artigo 2.º, do seguinte teor: Artigo 2.º Atribuições 1 – Para o desempenho da sua missão, são conferidas à Comissão as seguintes atribuições: a) Promover um estudo aprofundado sobre a organização e funções do Estado, aos níveis regional,

metropolitano e intermunicipal, sobre a forma de organização infraestadual; b) Desenvolver um programa de desconcentração da localização de entidades e serviços públicos,

assegurando coerência na presença do Estado no território; c) Assegurar uma análise comparativa de modelos em países da União Europeia e da Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE); d) Organizar e garantir um programa de auscultação e debates públicos com entidades, em particular as

áreas metropolitanas, as comunidades intermunicipais, as comissões de coordenação e desenvolvimento regional, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Associação Nacional de Freguesias.

2 – O estudo referido na alínea a) do número anterior deve incluir: a) A ponderação das possibilidades de aplicação dos vários níveis de descentralização; b) A delimitação das competências próprias do nível infraestadual; c) A avaliação dos recursos e meios, próprios e a transferir, ajustados às competências a definir e ao seu

cumprimento; d) A análise dos graus de eficiência dos modelos a propor e respetivas vantagens comparativas; e) Um cronograma de execução referencial. 3 – Para o desempenho da sua missão a Comissão deve contar com o apoio de instituições de ensino

superior com reconhecidas competências académicas na investigação sobre as políticas públicas. Por despacho de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, os signatários foram

designados membros da Comissão. Em todo o seu mandato sempre tiveram presente o cumprimento do seu dever de independência como estabelecido no artigo 3.º da Lei n.º 58/2018.

Nos termos da Lei, o apoio administrativo e financeiro à Comissão coube à Assembleia da República. A Comissão realça e agradece o excelente desempenho e a decisiva eficácia dos funcionários da Assembleia da República destacados para a apoiar, criteriosamente liderados pela Sr.ª Dr.ª Teresa Diogo, assessorada pela Dr.ª Cátia Leonor, Dr.ª Ana Valente e Dr. Luís Marques.

A Comissão agradece também o apoio manifestado pelo Senhor Secretário-Geral da Assembleia da República, Dr. Albino de Azevedo Soares, pela atenção que dedicou à resolução das dificuldades que trabalhos desta natureza frequentemente suscitam.

A Comissão iniciou os seus trabalhos a 1 de outubro de 2018, tendo efetuado 21 reuniões formais. A Comissão dedicou as suas primeiras reuniões à identificação dos elementos essenciais do desempenho

do seu mandato, bem como dos correspondentes atos preparatórios, muito em especial no que toca à qualidade e profundidade dos estudos a encomendar, tendo em conta a exigência estabelecida na Lei determinando que a sua «missão consiste em proceder a uma profunda avaliação independente sobre a averiguação e função do Estado» (artigo 1.º, n.º 3).

A dimensão e o peso das tarefas dificilmente poderiam ser maiores, considerando quer a inexistência de estruturas de apoio técnico, quer o prazo fixado para a conclusão dos trabalhos.

No cumprimento do seu mandato, a Comissão organizou, em primeiro lugar, um conjunto de reuniões e audições com a participação de todas as entidades referidas na alínea d), do n.º 1, do artigo 2.º, bem como várias outras reuniões, audições e um Seminário internacional com a finalidade de colher o benefício de

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auscultações e troca de pontos de vista com especialistas e cidadãos interessados em problemas de descentralização. No mesmo intuito, ainda em outubro, preparou a contratualização de importantes estudos a cargo de especialistas nacionais de reconhecido mérito e da OCDE.

Anexa a esta Introdução inclui-se a lista de atividades de auscultação e debate empreendidas, bem como dos especialistas autores dos estudos encomendados.

A Comissão agradece profundamente a colaboração recebida quer dos participantes nas atividades acima mencionadas quer dos especialistas convidados a dar o seu contributo.

Na impossibilidade de mencionar nesta Introdução os muitos que assim lhe deram o benefício das suas ideias e opiniões, a Comissão vem agora, perante as personalidades e as instituições mencionadas, manifestar-lhes publicamente neste Sumário Executivo o seu apreço e reconhecimento. Idêntico agradecimento é devido às entidades que colaboraram de vários modos com os trabalhos da Comissão, referidos em listagem própria.

A Comissão deseja ainda manifestar a sua gratidão às personalidades que lhe deram significativa ajuda em várias fases dos seus trabalhos. Com receio de pecar por omissão, de que se pede desculpa desde já.

Não cabe agora referir especificamente matérias adiante incluídas quer no Sumário Executivo e no Relatório desenvolvidos neste Volume I, quer nos estudos que integram o Volume II, informação que será disponibilizada no sítio da Assembleia da República conjuntamente com os contributos individuais enviados por iniciativa própria à Comissão (Volume III).

A Comissão entende que o tema da descentralização convoca um amplíssimo debate público de sentido profundamente plural e diversificado segundo múltiplas dimensões. Foi nesse entendimento que procurou dar o seu contributo próprio plasmando-o no Relatório (Volume I), mas muito mais importante do que esse contributo é o conjunto de toda a documentação publicitada, sem exceção, no sítio da Assembleia da República, tornando-a de fácil acesso a quem queira preparar-se para formar seriamente uma opinião sobre matéria tão complexa e multifacetada e, do mesmo passo, tão importante para o futuro dos portugueses e de Portugal.

Também por isso, a nossa participação na Comissão Independente para a Descentralização foi uma oportunidade que muito nos honrou e que muito agradecemos a quem em nós confiou.

Agradecimentos:

Mariana Vieira da Silva, Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa Eduardo Cabrita, Ministro da Administração Interna Manuel Heitor, Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior António Mendonça Mendes, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Carlos Soares Miguel, Secretário de Estado das Autarquias Locais João Catarino, Secretário de Estado da Valorização do Interior Bernardo Lucena, Embaixador de Portugal na OCDE Francisco Duarte Lopes, Embaixador de Portugal nas Nações Unidas Pedro Conceição, Diretor da Unidade do Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD, Nações Unidas António Cunha, Professor da Universidade do Minho Filipe Cartaxo, Administrador do Banco Europeu de Investimento e da Instituição Financeira de

Desenvolvimento Isabel Patrício, Jurista

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Audições realizadas em 2018

Mês Dia Audição Local Presenças

outu

bro

15 Audição com Consultor Assembleia da República  (OCDE) Prof. Joaquim Oliveira Martins

29 Audição com Consultores Assembleia da República

 (OCDE) Dr. Joaquim Oliveira Martins e Dr.ª Dorothée Allain-Dupré

 Prof. João Bilhim  Prof. Diogo Freitas do Amaral

outu

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9 Audição com Consultor Assembleia da República  Prof. José da Silva Costa

12 Audição com Consultores Assembleia da República  Prof. Freitas do Amaral  Prof. João Bilhim

19 Audição com Consultor Assembleia da República  Prof. João Bilhim

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10

Audição com a Direção-Geral do Território (DGT)

Assembleia da República

 Dr.ª Fernanda do Carmo e Prof.ª Teresa Sá Marques

Audição com as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional

 (CCDR Norte) Presidente Prof. Fernando Freire de Sousa

 (CCDR Centro) Presidente Prof.ª Ana Maria Pereira Abrunhosa

 (CCDR Lisboa e Vale do Tejo) Presidente Eng.º João Teixeira

 (CCDR Alentejo) Presidente Dr. Roberto Pereira Grilo

 (CCDR Algarve) Presidente Prof. Francisco Serra

Audições e seminários realizadas em 2018

Mês Dia Audição Local Presenças

jane

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14

Audição com Agência de Desenvolvimento& Coesão Audição com Instituto Nacional de Estatística

Assembleia da República

 (AD&C) Dr. Duarte Rodrigues  (INE) Dr. Francisco Vala

21 Audição com CCDR Norte Assembleia da República  (CCDR Norte) Presidente Prof. Fernando

Freire de Sousa

28

Audição com CIM da Região Norte e da Região Centro e Associação Nacional de Municípios Portugueses

Vila Real

 (CIM Terras de Trás-os-Montes) Dr. Artur Nunes

 (CIM Oeste) Dr. Paulo Simões  (CIM Médio Tejo) Dr.ª Maria

Albuquerque  (CIM Aveiro) Eng.º José Ribau Esteves

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Audições e seminários realizadas em 2018

Mês Dia Audição Local Presenças

 (CIM Coimbra) Dr. João Neves  (CIM Alto Tâmega) Prof. Ramiro

Gonçalves  (ANMP) Dr. Manuel Machado e Dr. Rui

Solheiro  (CCDR Norte) Prof. Freire de Sousa

feve

reiro

4

Audição com representantes das Universidades

Assembleia da República

 (Universidade do Porto) Dr. João Carlos Ribeiro

 (Universidade de Aveiro) Prof. Eduardo Castro

 (Universidade do Minho) Prof. Fernando Alexandre

 (Universidade de Évora) Prof. Carlos Vieira

 (Universidade dos Açores) Prof.ª Graça Baptista

 (Universidade do Algarve) Prof. António Covas

 (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) Prof. Fontainhas Fernandes

 (Universidade da Beira Interior) Prof. José Páscoa

 (Universidade da Madeira) Prof. Sílvio Fernandes

 (Universidade da Aberta) Prof. Domingos Caeiro

 (Universidade Católica) Prof.ª Marta Portocarrero

 (ISCTE Instituto Universitário de Lisboa) Prof. Raul Lopes

Audição com representantes dos Institutos Superiores Politécnicos

Assembleia da República

 Politécnico de Bragança) Prof. Orlando Rodrigues

 (Politécnico de Castelo Branco) Prof. António Fernandes

 (Politécnico de Setúbal) Prof. Pedro Dominguinhos

 (Politécnico de Tomar) Prof. Eugénio de Almeida

 (Politécnico de Viseu) Prof. João Monney Paiva

 (Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril) Prof. Raúl Filipe

 (Escola Superior Náutica Infante D. Henrique) Prof. Luís Baptista

 (Escola Superior de Enfermagem de Coimbra) Prof.ª Aida Cruz Mendes

11 Audição com CIM Sul e Associação Nacional de Municípios Portugueses

Évora

 (CIM Alentejo Central) Dr. Carlos Pinto de Sá  (CIM Lezíria do Tejo) Dr. Pedro Ribeiro e Eng.º António Torres  (CIM Algarve) Dr. Jorge Manuel Botelho  (ANMP) Dr. Manuel Machado e Dr. Rui Solheiro  (CCDR Centro) Prof.ª Ana Maria Pereira Abrunhosa  (CCDR Algarve) Prof. Francisco Serra  (CCDR Lisboa e Vale do Tejo) Eng.º João Manuel Pereira Teixeira

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Audições e seminários realizadas em 2018

Mês Dia Audição Local Presenças

18

Audição com Áreas Metropolitanas Lisboa e Porto e Associação Nacional de Freguesias

Torres Novas

 (AML) Dr. Carlos Humberto (1.º Secretário) e Dr. Luís Costa (técnico)

 (AMP) Prof. Eduardo Vítor de Almeida Rodrigues

 (CIM Tâmega e Sousa) Enf. Armando Silva Mourisco

 (CCDR Lisboa e Vale do Tejo) Eng.º João Manuel Pereira Teixeira

 (CCDR Norte) Prof. Fernando Freire de Sousa

 (ANMP) Dr. Manuel Machado, Dr. Alfredo Monteiro e Dr. Rui Solheiro

25 Audição com Especialistas em Finanças Públicas Assembleia da República

 Deputado Paulo Trigo Pereira  Prof. Rui Nuno Baleiras  Prof. Nuno Cunha Rodrigues  Prof. Fernando Freire de Sousa  Prof. José da Silva Costa  Dr. Rui Inácio

abril

1 Audição com o Conselho Económico e Social (CES) Assembleia da República

 Dra. Teresa Oleiro (Coordenadora do Gabinete do Presidente)

 (Confederações de Empregadores) CAP – Eng.º António Ferreira, CIP e CCP – Dr.ª Manuela Gameiro

 (Confederações de Trabalhadores) CGTP-IN – Arménio Carlos, UGT – Dr.ª Dina Carvalho e Dr. Carlos Marques

 (Federação Nacional das Associações Juvenis) Dr. Rui Rego

 (Associações representativas da Agricultura Familiar) CNA – Eng.º Pedro Santos

Audição com a Associação Nacional de Assembleias Municipais (ANAM)

Assembleia da República

 Dr. Albino Pinto de Almeida (Presidente)

 Dr. António dos Santos Pires Afonso (Secretário-geral)

 Dr. Manuel Ferreira Ramos (Consultor jurídico)

8

Seminário Descentralização e Regionalização em Portugal: Ensinamentos da Experiência Internacional e Recomendações

Porto

15 Audição com ConsultorAssembleia da República Prof. Pedro Correia (equipa do Prof. João Bilhim)

mai

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6 Seminário Regionalização e Desenvolvimento e Reforma da Administração Pública

Beja

7 Seminário Regionalização e Desenvolvimento e Reforma da Administração Pública

Faro

13 Audição Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE)Assembleia da República

 Pedro Cegonho, Presidente  Armando Vieira, Vice-Presidente  Jorge Amador, Vice-Presidente

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Audições e seminários realizadas em 2018

Mês Dia Audição Local Presenças

Audição com Personalidades Discordantes

Assembleia da República

 Prof. António Barreto  Dr. Daniel Proença de Carvalho  Prof. João César das Neves  Dr. Rui Vilar

20 Audição ConsultoresAssembleia da República  Prof. Freitas do Amaral  Prof. João Bilhim

junh

o

3 Conferência Sim ou NãoAssembleia da República

17 Seminário Regionalização e Desenvolvimento e Reforma da Administração Pública

Viseu

18

Seminário Regionalização e Desenvolvimento e Reforma da Administração Pública

Braga

Audição ConsultorBraga  Prof. José da Silva Costa

julh

o

1 Sessão colaborativa com o Laboratório de Experimentação da Administração Pública

Instalações da AMA  Prof. Bruno Monteiro

PARTE I — MODELO TERRITORIAL Portugal é um país pequeno, mas bastante diversificado e com significativas assimetrias territoriais. A

organização territorial do Estado, no caso presente dos níveis regional e sub-regional, não pode, por isso, ser espacialmente cega, isto é, pensada como se o País fosse uniforme.

Por outro lado, os processos de descentralização e de desconcentração para os níveis regional e sub-regional não visam apenas a racionalização dos serviços da administração do Estado com o objetivo de aumentar as suas eficácia, eficiência e equidade. Às entidades da administração descentralizada e desconcentrada cabe um papel muito relevante, conjuntamente com outras instituições públicas e agentes económicos e sociais, na construção de caminhos de desenvolvimento para as várias regiões e sub-regiões do País. Mas para que tenham uma efetiva capacidade de ação, necessitam de poder e autonomia para participar ativamente na construção de visões estratégicas baseadas na compreensão das diversidades e assimetrias territoriais existentes e da identificação do modo mais adequado de potenciar as primeiras (diversidades) e de combater as segundas (assimetrias).

Finalmente, os processos de descentralização para níveis subnacionais devem dar um contributo significativo a fim de melhorar a qualidade da democracia, através de procedimentos de legitimidade democrática, de aproximação entre eleitos e eleitores, de reforço da participação dos cidadãos nos processos de decisão, de maior transparência e prestação de contas pelos decisores e de maior controlo democrático pelas populações em relação ao desempenho desses decisores.

As visões regionais devem, no entanto, inscrever-se numa perspetiva mais ampla, de âmbito

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nacional e mesmo supranacional. A organização territorial do Estado, e em particular a criação de regiões administrativas, tem, portanto, de incorporar uma estratégia nacional de desenvolvimento que leve em conta as dinâmicas territoriais atuais e previsíveis, o modelo territorial de desenvolvimento desejado para o País e as condições necessárias e os meios disponíveis para a sua concretização. Este é o pano de fundo com base no qual é possível definir processos sustentáveis de descentralização e de desconcentração a favor dos níveis regional e sub-regional.

A diversidade e as assimetrias do País (continente) são habitualmente analisadas e interpretadas com origem em três dicotomias – Norte vs. Sul, litoral vs. interior, áreas urbanas vs. áreas rurais –, a que se juntou nos últimos anos uma quarta, que destaca os territórios de baixa densidade dos restantes. O objetivo da Parte I deste relatório é evidenciar que não é possível compreender corretamente o território nacional com base nessas dicotomias, não porque elas sejam irrelevantes ou não tenham sentido, mas porque, por um lado, não permitem, isoladamente ou em conjunto, uma visão integrada da variedade de situações existentes e, por outro, se cingem ao espaço nacional, integrando, quando muito, os espaços fronteiriços do lado espanhol.

Esta Parte I está organizada em cinco capítulos. Os três primeiros analisam, numa ótica comparativa (regiões e cidades da União Europeia) e temporal (dimensão evolutiva), três componentes essenciais para construir um modelo de desenvolvimento territorial sustentável para o País no quadro do espaço europeu e das relações intercontinentais e globais: disparidades regionais (Capítulo 1), sistemas urbanos policêntricos (Capítulo 2) e grandes infraestruturas de transporte e comunicação (Capítulo 3). O Capítulo 4 introduz duas componentes essenciais em relação aos três aspetos anteriores: o conceito de modelo territorial, que garante um enquadramento integrador de natureza estratégica e prospetiva, e a questão demográfica, uma condição decisiva de natureza estrutural. Na parte final (Capítulo 5) explicitam-se, à luz das ilações dos capítulos anteriores, as relações a estabelecer entre o modelo territorial de desenvolvimento do País (Portugal continental) e os processos de descentralização e desconcentração a favor dos níveis da administração de âmbito regional e sub-regional.

CAPÍTULO 1 — Disparidades regionais

1.1 – União Europeia: tendências e ilações Tendo por base múltiplos estudos académicos e relatórios de organizações internacionais, em particular da

OCDE, a publicação «Para uma Política de Coesão 4.0: Transformação Estrutural e Crescimento Inclusivo» (Bachtler et al., 2017) apresenta tendências e retira ilações sobre a evolução recente das disparidades regionais na União Europeia úteis para enquadrar, do ponto de vista estratégico e prospetivo, a questão regional em Portugal.

Do ponto de vista das tendências, merecem particular destaque os seguintes aspetos: As diferenças regionais de produtividade (PIB per capita) estão a aumentar na União Europeia, tendo

a diferença entre as regiões de fronteira (as que têm maior produtividade em cada país) e as regiões mais atrasadas (com produtividade mais baixa) sofrido um agravamento de 56% entre 1995 e 2014 (Figura I.1);

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Figura I.1 – Crescente diferença de produtividade entre as regiões de fronteira e as regiões mais atrasadas na União Europeia, 1995-20141. Fonte: Bachtler et al. (2017), p. 18

i) Pelo contrário, as diferenças de produtividade entre os Estados-Membros têm diminuído, o que significa que as disparidades são maiores entre regiões (NUTS II) do que entre países (Figura I.2);

Figura I.2 – A dispersão do PIB per capita diminuiu entre os países da União Europeia, mas aumentou entre as regiões no interior desses países, 1995-2014. Fonte: Bachtler et al. (2017), p. 19

ii) A convergência entre Estados-Membros deve-se ao comportamento das regiões de fronteira (que

incluem as capitais dos respetivos países e outras grandes cidades); estas regiões contribuíram para 32% do crescimento do PIB no espaço comunitário entre 2000 e 2014, detendo, nesta última data, 24% do PIB e 19% do emprego da UE (Figuras I.3 e I.4);

1 A política de coesão abrange todas as regiões da União Europeia. Contudo, a maioria dos fundos destina-se às regiões mais necessitadas: regiões com um PIB per capita inferior a 75% da média europeia.

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Figura I.3 – Diferenças de produtividade na União Europeia em função das regiões de fronteira de cada país, 2000-20142. Fonte: Bachtler et al. (2017), p. 24

Figura I.4 – Relação entre tipos de regiões (produtividade) e grau de urbanização na União Europeia, 2000-2014 (Tipo de região = 100%). Fonte: Bachtler et al. (2017), p. 22

iii) O facto de as regiões de fronteira incluírem as metrópoles e cidades europeias de maior dimensão pode

implicar o risco de os principais motores de crescimento da UE descolarem, do ponto de vista económico e social, das restantes regiões dos respetivos países;

iv) A circunstância de a análise efetuada se basear nas regiões NUTS II, e não num grau de desagregação geográfica mais fino (por exemplo, NUTS III), oculta uma outra diferenciação importante salientada na referida publicação, entre regiões rurais com uma localização próxima (periférica) ou afastada (remota) em relação às principais cidades, sendo que as primeiras tendem, de uma forma global, a apresentar índices e taxas de crescimento de produtividade superiores às segundas.

2 Regiões de fronteira (frontier regions): as que têm os níveis de produtividade mais elevados em cada país (desde que concentrem pelo menos 10% da população); (ii) Regiões em recuperação (catching-up regions): as que reduziram a diferença de produtividade em relação às respetivas regiões de fronteira durante o período considerado; (iii) Regiões estabilizadas (keeping-pace regions): as que mantiveram (±5%) a diferença de produtividade em relação às respetivas regiões de fronteira durante o período considerado; (iv) Regiões em divergência (diverging regions): as que aumentaram a diferença de produtividade em relação às respetivas regiões de fronteira durante o período considerado.

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A análise referida abrange quase duas décadas (1995-2014) e identifica as tendências verificadas nesse

período. Se considerarmos apenas os anos que se seguem à crise iniciada em 2008, verifica-se que a tendência persistente de redução das disparidades do PIB per capita entre os países da UE foi interrompida pelos impactos assimétricos da crise nos vários Estados-Membros, regressando, no entanto, à tendência de convergência com o início do processo de recuperação pós-crise (EC, 2017). Também entre regiões se verificou de novo, desde 2015, uma diminuição das disparidades do PIB per capita, embora muitas regiões não tenham ainda conseguido atingir os níveis de produtividade dos anos pré-crise. Estas tendências mais recentes não contrariam o essencial da mensagem da publicação de Bachtler et al. (2017): na UE as disparidades de produtividade inter-regionais (NUTS II) são persistentemente superiores às disparidades entre os Estados-Membros.

Refira-se que a recuperação pós-crise dos índices de produtividade regional nem sempre foi acompanhada por um aumento do emprego, ao contrário da tendência verificada na maior parte das regiões mais desenvolvidas (que incluem as capitais dos respetivos países ou cidades de maior dimensão)3, as quais tiveram ganhos de produtividade e de emprego baseados em economias de aglomeração, mercados de trabalho dinâmicos, serviços especializados, boas infraestruturas de transporte e comunicação, e ecossistemas de inovação4 envolvendo redes de empresas, instituições de ensino superior, autarquias e outros agentes que se complementam entre si (EC, 2017).

Com base no diagnóstico efetuado, Bachtler et al. (2017) sublinham que a renovação do modelo de crescimento económico europeu depende da capacidade de diminuir a diferença de produtividade entre as regiões de fronteira e as restantes regiões da UE, isto é, de aumentar a convergência entre os diferentes territórios no que diz respeito à capacidade de retirar partido das oportunidades de crescimento e desenvolvimento criadas pela globalização (comércio, cadeias de valor globais, redes globais de produção) e pelas mudanças tecnológicas.

A questão regional ganha, assim, grande centralidade, não só no que diz respeito ao diagnóstico, mas também do ponto de vista estratégico e propositivo:

i) As estratégias de crescimento económico e de desenvolvimentotêm atribuído grande importância

à disponibilidade de recursos, aos défices de governação (sobretudo de coerência e coordenação entre diferentes políticas) e ao grau de desempenho das intervenções (resultados, efeitos), mas subvalorizado a existência de desigualdades territoriais significativas no que se refere às necessidades e aos desafios no espaço europeu;

ii) A UE deve, por isso, reconhecer de forma mais consistente e sistemática – isto é, em todos os domínios de política relevantes – a existência de diferentes potenciais nas regiões da UE e desenvolver instrumentos que assegurem um crescimento territorialmente inclusivo, capaz de promover uma maior convergência entre regiões de fronteira, regiões intermédias e regiões menos desenvolvidas;

iii) Este crescimento territorialmente inclusivo implica uma política estrutural mais versátil e adequada às especificidades de cada região, combinando soluções de âmbitos nacional, regional e local, bem como um novo equilíbrio entre competitividade e coesão, e ainda abordagens que integrem a dimensão territorial nas políticas sectoriais tradicionais;

iv) Adicionalmente, um crescimento territorialmente inclusivo pressupõe o envolvimento das várias partes interessadas, soluções de cooperação desenvolvidas no âmbito de parcerias estratégicas e modelos abertos de colaboração que permitam dar respostas rápidas e flexíveis às mudanças societais, do mercado e tecnológicas através de uma forte aposta na inovação e na criatividade;

v) A concretização de políticas territoriais visando transformações estruturais depende da qualidade das diferentes instituições (aos níveis europeu, nacional, regional e local) no que se refere aos sistemas de governação e à capacidade administrativa das entidades envolvidas;

vi) A concretização das estratégias de transformação estruturalno terreno é mais fácil e efetiva quando os atores regionais e locais detêm maior poder;

vii) As regiões que não são de fronteira, isto é, as regiões intermédias e as regiões menos 3 Como se verá adiante, a Área Metropolitana de Lisboa está em contraciclo em relação a esta tendência. 4 A propósito da relação entre ecossistemas regionais de inovação e desenvolvimento regional, ver Capítulo 4, Volume V.

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desenvolvidas, devem estar no centro das políticas de transformação estrutural e de crescimento inclusivo, mas é fundamental que ao serem concebidas novas políticas as estratégias de desenvolvimento considerem, de forma integrada, o sistema constituído pelas várias regiões, de modo a que as regiões de fronteira mantenham e, desejavelmente, reforcem o seu papel inovador no âmbito supranacional.

As leituras das disparidades regionais com base em indicadores de produtividade são importantes, mas

captam apenas uma parte da realidade. O Índice Regional de Desenvolvimento Humano (IRDH) desenvolvido por Hardeman e Dijkstra (2014) reflete uma visão mais abrangente, adaptando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU à realidade europeia e à avaliação das disparidades entre regiões (e não entre países). O IRDH é um índice compósito, que inclui variáveis organizadas em três dimensões: saúde (sete variáveis), conhecimento (nove variáveis) e rendimento (seis variáveis).

Os resultados do IRDH relativos às NUTS II do continente colocam-nas numa situação média (Figura I.5). Entre as 272 NUTS II da UE28, as posições relativas ocupadas por cada uma delas são as seguintes: Área Metropolitana de Lisboa: 187; Centro: 195; Alentejo: 197; Norte: 199 e Algarve: 202 (saliente-se que os dados se referem a 2012 e que a região do Algarve foi das mais afetadas pela crise internacional iniciada em 2009). Mas a comparação do IRDH (Figura I.5) com o PIB per capita (Figura I.6) mostra que as disparidades regionais quer no país quer em relação às restantes regiões da UE são mais acentuadas do ponto de vista do indicador de produtividade.

Outros índices atribuem igualmente uma classificação às NUTS II do continente mais positiva do que a

obtida através do PIB per capita. É o caso do Painel de Inovação Regional (Regional Innovation Scoreboard) de 2019 (EC, 2019a). Embora Portugal seja, enquanto país, classificado como moderadamente inovador, na Figura I.7 é possível observar que três NUTS II estão integradas na subcategoria inferior da categoria «inovação forte»: Área Metropolitana de Lisboa (posição 94), Norte (posição 100 e com uma melhoria bastante significativa) e Centro (posição 105). Já o Algarve e o Alentejo são classificados como «moderadamente inovadores», ocupando, respetivamente, as posições 148 e 152.

Figura I.5 – Índice Regional de Desenvolvimento Humano (NUTS II), 2012. Fonte: Hardeman e Dijkstra (2014), p. 55

Figura I.6 – PIB per capita (NUTS II), 2011. Fonte: Hardeman e Dijkstra (2014), p. 55

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Figura I.7 – Grupos de regiões por nível de desempenho inovador, NUTS II, 2019. Fonte: EC (2019a), p. 5

1.2 – Portugal: tendências e ilações Conforme se ilustra e explica no Relatório do Desenvolvimento & Coesão (AD&C, 2018), a evolução do

PIB per capita em Portugal apresenta um processo de divergência externa (afastamento em relação aos valores médios da União Europeia) mas de convergência interna (diminuição das disparidades inter-regionais entre NUTS II). Portugal possui, aliás, uma das menores amplitudes de PIB regionais dos Estados-Membros da UE. Mas tem, igualmente, níveis regionais de PIB per capita baixos em relação à média da UE (Figura I.8).

Figura I.8 – PIB per capita por NUTS III, 2014 (% da média da UE28). Fonte: Eurostat

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Também Alexandre et al. (2019) sublinham que, ao contrário da tendência prevalecente na maior parte dos países da UE, as desigualdades do PIB per capita por região (NUTS II) não só diminuíram como registaram uma das maiores reduções verificadas no período 2008-2016.

As tendências referidas parecem desvalorizar duplamente a questão das disparidades regionais em Portugal: por um lado, subalterniza-a em relação ao problema mais substantivo da divergência externa; por outro, relativiza-a no sentido em que não apenas as disparidades são pouco acentuadas à luz da realidade do conjunto dos países da UE como estão a esbater-se a um ritmo significativo.

Os resultados detetados sugerem, contudo, quatro comentários, relativos, respetivamente, à interpretação dessas tendências, ao período em causa (2008-2016), ao indicador utilizado (PIB per capita) e às unidades geográficas de referência (apenas NUTS II no caso do estudo da AD&C, 2018).

Esta convergência regional é na verdade negativa, dado que reflete, em parte, uma confluência perversa. Por um lado, a forte quebra do PIB per capita da Área Metropolitana de Lisboa (AML) no período pós-crise, como resultado, nomeadamente, do seu elevado grau de endividamento (importância do crédito bancário e do endividamento das famílias e das empresas) e do seu perfil de especialização (peso dos setores não transacionáveis). Por outro, o aumento do PIB per capita de algumas das regiões menos desenvolvidas é sobretudo provocado pela diminuição da população ativa. É certo que estas duas componentes não explicam a globalidade do processo de convergência regional, mas permitem sinalizar que se trata de uma convergência não virtuosa, em parte conjuntural (convergência negativa da AML) e em parte fictícia (crescimento pouco significativo do PIB acompanhado por uma diminuição do total de população ativa associada aos fenómenos de envelhecimento e de despovoamento verificados nas regiões menos desenvolvidas).

No que diz respeito ao período em causa, é necessário levar em conta que tem características muito particulares dado coincidir com os anos das crises internacional e da zona euro e posterior recuperação. Neste contexto, as regiões menos endividadas e com maior capacidade exportadora não só sofreram menos com os efeitos da crise, como recuperaram mais rapidamente. Mas perante as mudanças tecnológicas e as dinâmicas dos mercados mundiais em curso e previsíveis, não é garantido que essas regiões mantenham trajetórias sustentadas de crescimento económico, assim como não é improvável que a AML reinicie um percurso de convergência positiva em relação à média da União Europeia.

No que se refere ao indicador maioritariamente utilizado (PIB per capita), ele capta, como é bem salientado nas duas obras acima referidas, tendências de convergência ou divergência económica, e ainda assim de forma parcial. Se atendermos a indicadores como a dinâmica demográfica, os níveis de escolaridade e de qualificações da população residente, a presença de investimento direto, a intensidade do recurso a novas tecnologias de informação e comunicação ou a capacidade de inovação e de criatividade, ou seja, fatores essenciais de competitividade económica num mundo cada vez mais globalizado e alvo de rápidas alterações tecnológicas, não é certo, antes pelo contrário, que o atual processo de convergência regional interno corresponda a uma tendência duradoura.

Finalmente, uma análise mais fina (NUTS III) e multidimensional aponta para resultados diferentes dos anteriores. O Índice Sintético de Desenvolvimento Regional (ISDR) calculado pelo INE (2019) para a série temporal 2011-2017, que inclui três índices parciais (competitividade, coesão e qualidade ambiental) e um índice de síntese para as 25 sub-regiões NUTS III do País, permite destacar o seguinte:

i) Os índices de menor disparidade inter-regional verificaram-se em 2011 no que se refere à qualidade

ambiental e em 2012 no que diz respeito à competitividade e à coesão, isto é, nos primeiros anos da série temporal disponível;

ii) Pelo contrário, os valores mais elevados de disparidade ocorreram em 2015 nos índices de coesão e de qualidade ambiental e em 2017 no índice de competitividade, ou seja, muito recentemente;

iii) Ao longo da série disponível, o índice de competitividade apresentou sistematicamente o grau de disparidade territorial mais elevado, seguindo-se o índice da coesão e, por fim, o índice de qualidade ambiental;

iv) Em 2017, o ano mais recente para o qual estes índices do INE foram calculados, verificou-se um aumento da disparidade territorial nas três componentes de desenvolvimento regional em relação a 2012, com destaque para o índice de competitividade;

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v) O índice sintético para 2017 coloca a NUTS III Área Metropolitana de Lisboa numa posição de destaque, seguida pelas NUTS III Área Metropolitana do Porto, Cávado e Região de Aveiro, todas elas com um valor superior à média nacional; a NUTS III Alto Tâmega ocupa a última posição. No Anexo final desta Parte pode ver-se uma análise mais pormenorizada de um indicador sintético alternativo ao do INE, e suas componentes, igualmente calculados por NUTS III e enquadrados pelos respetivos resultados ao nível europeu.

As observações anteriores sugerem dois comentários. Em primeiro lugar, a impossibilidade de se

deduzir, de forma linear, do processo de convergência económica das regiões portuguesas verificado nos últimos anos que estamos perante uma tendência duradoura, o que levaria a considerar que o debate sobre disparidades territoriais em Portugal se teria tornado irrelevante. Em segundo lugar, o reconhecimento de que os indicadores utilizados, o período de análise considerado e as unidades geográficas de referência condicionam, necessariamente, os resultados obtidos.

Por último, deve salientar-se que a relação entre disparidades regionais e descentralização é complexa, não sendo possível estabelecer relações de causalidade lineares segundo as quais quanto maiores forem as disparidades regionais mais se justifica a descentralização ou, simetricamente, quanto mais descentralizado é um país menores serão as assimetrias regionais. Em cada contexto nacional, a relação entre disparidades regionais e descentralização, em ambos os sentidos, é mediada por vários fatores, nomeadamente a capacidade real de intervenção dos níveis descentralizados de âmbito subnacional, como se verá na Parte II deste Relatório.

CAPÍTULO 2 — Sistema urbano5

2.1 – União Europeia: tendências O conhecimento dos sistemas urbanos é fundamental para entender a organização do território e apoiar a

formulação de políticas públicas de ordenamento e de desenvolvimento territorial. A análise dos sistemas urbanos pressupõe a compreensão das características dos vários centros urbanos

(nós) e das interdependências sociais, económicas e territoriais que se estabelecem entre eles (fluxos), bem como das relações de causalidade que tendem a gerar-se entre essas duas dimensões, isto é, entender em que medida as características dos centros urbanos condicionam o seu posicionamento no contexto de redes urbanas nacionais e internacionais e, simetricamente, até que ponto a integração das cidades em redes interurbanas as favorece, criando condições de desenvolvimento que não estariam ao seu alcance se funcionassem de forma isolada. Isto significa que a relevância de um centro urbano não depende apenas da sua dimensão, mas, cada vez mais, do modo como se insere em redes de fluxos, de conectividade e de cooperação em distintos domínios, envolvendo outras cidades, próximas e distantes, do mesmo país e de países diferentes.

Por outro lado, e como se observou anteriormente, diversos estudos da OCDE têm salientado que as áreas rurais mais próximas dos centros urbanos evidenciam, genericamente, desempenhos económicos e demográficos mais positivos do que as áreas rurais com uma localização remota. Esta relação permite sublinhar a importância das relações urbano-rurais e realçar que falar sobre sistemas urbanos não significa centrar a atenção apenas nas cidades.

A visão referida nos parágrafos anteriores permite associar o conceito de sistema urbano, enquanto organização das cidades em rede, a um outro conceito, o de sistema urbano policêntrico, e a um importante objetivo de política, o desenvolvimento de sistemas urbanos policêntricos como fator de desenvolvimento territorial.

O conceito de sistema urbano policêntrico pressupõe uma hierarquia da estrutura urbana constituída por nós (metrópoles, cidades) com diferentes níveis e funções, padrões densos de acessibilidade, mobilidade e conectividade entre esses nós, e estruturas e práticas de cooperação interurbana, com graus desiguais de formalização.

O incentivo ao desenvolvimento de sistemas urbanos policêntricos passa, assim, pelo reforço dos nós

5 Este ponto baseia-se no relatório coordenado pela consultora Teresa Sá Marques (ver Anexo A, Volume II).

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urbanos existentes, pela promoção de novos fluxos e interações entre aglomerações urbanas e também urbano-rurais, e pelo estabelecimento de formas de cooperação entre territórios urbanos localizados em áreas tanto de elevada como de baixa densidade demográfica, económica e institucional. Um sistema urbano efetivamente policêntrico deverá incluir cidades dos quatro tipos de regiões referidas anteriormente (Figura I.3), através de sistemas e subsistemas com diferentes graus de ambição e de cobertura geográfica articulados entre si.

Esta visão ampla e integrada reconhece o papel, naturalmente diferenciado, tanto das grandes metrópoles e aglomerações urbanas como das cidades de média e pequena dimensão e as áreas rurais, umas decisivas para a estruturação do espaço europeu e a afirmação da Europa nos circuitos globais, outras essenciais para a consolidação de relacionamentos de proximidade que garantam equidade territorial na prestação de serviços às famílias e às empresas, outras ainda com um importante papel de interface entre os dois universos anteriormente referidos.

O conceito de sistema urbano policêntrico como fator de desenvolvimento territorial surge, assim, como um instrumento de política capaz de combater a concentração excessiva nas metrópoles, potenciar a revitalização das pequenas e médias centralidades, dinamizar as interações urbano-rurais e promover a integração espacial das regiões, mitigando disparidades inter-regionais e intrarregionais com base numa lógica de organização em rede das cidades.

No contexto do espaço europeu, as cidades mais importantes e as regiões urbanas mais densas têm conseguido participar e construir lógicas de desenvolvimento urbano policêntrico aos níveis nacional e internacional. Pelo contrário, muitas cidades ou regiões periféricas, mesmo tendo intensificado as interações no âmbito de redes urbanas, sobretudo de cooperação e de intercâmbio de experiências, mantêm uma posição tendencialmente marginal em relação às dinâmicas de desenvolvimento baseadas em sistemas urbanos policêntricos (Figura I.9). Ao mesmo tempo que se verifica o risco de as regiões menos urbanizadas serem excluídas dos processos de desenvolvimento territorial impulsionados pela consolidação de sistemas urbanos policêntricos, ocorre um outro risco: a promoção do policentrismo à escala europeia pode ter como consequência o reforço do monocentrismo à escala nacional, sobretudo nos países em que o policentrismo interurbano e inter-regional se encontra pouco desenvolvido.

Figura I.9 – Regiões potenciais para um maior desenvolvimento policêntrico na Europa (2016). Fonte: ESPON (2016), Polycentric Territorial Structures and Territorial Cooperation

As tendências de evolução das cidades europeias do ponto de vista demográfico e económico são

diversificadas.

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A contribuição das cidades capitais para o PIB não está a aumentar, ainda que continuem a atrair segmentos de população mais qualificados e em idade ativa. A aglomeração tem comprovados benefícios económicos, mas a partir de um determinado limiar as deseconomias externas podem torná-las menos competitivas. A especialização (assim como o grau de qualificação do capital humano e o I&D público) é uma fonte essencial do crescimento da produtividade nas grandes cidades. O papel futuro destas cidades no âmbito de sistemas urbanos policêntricos às escalas internacional e nacional dependerá muito do modo como irão evoluir em relação aos grandes desafios tecnológicos, climáticos e societais que marcarão as próximas décadas.

Várias cidades pequenas e médias pouco desenvolvidas economicamente estão a recuperar, ainda que algumas percam emprego. A aposta nas cidades de segundo nível pode contribuir para reduzir as deseconomias de aglomerações verificadas nas grandes cidades e potenciar o crescimento e a eficiência económica nos segmentos inferiores dos sistemas urbanos. A evolução daquelas depende das dinâmicas de crescimento de emprego, muito associadas à diversidade (e não tanto à especialização, como nas grandes aglomerações urbanas), e à sua capacidade de retirar partido dos benefícios decorrentes da participação em redes urbanas inovadoras, situação tecnicamente designada por obter «tamanho emprestado» com base nas externalidades positivas resultantes da participação em rede de cidades. Em qualquer dos casos, o tamanho das cidades continua a ser importante para a existência de massa crítica, para assegurar várias funções urbanas e até para estabelecer e explorar plenamente a conectividade das redes de cidades.

A concretização do conceito de sistema urbano policêntrico como fator de desenvolvimento territorial implica uma agenda de políticas que vise esse objetivo, tendo em conta as potencialidades e os riscos anteriormente identificados. Essa agenda inclui a descentralização de responsabilidades, poderes e recursos, assim como a distribuição do investimento e dos incentivos à melhoria do desempenho económico (inovação, capital humano, conectividade, qualidade dos lugares e capacidades estratégicas de governança) por um leque abrangente de cidades. Uma distribuição não concentrada nas cidades capitais ou de primeira linha, evitando um sistemático sobreinvestimento nas grandes aglomerações urbanas acompanhado por um subinvestimento persistente nas cidades de segunda linha, terá claros benefícios para o desempenho económico de cada país e do conjunto do espaço europeu.

2.2 – As cidades portuguesas no contexto dos sistemas urbanos europeu e ibérico A Comissão Europeia, para efeitos de estudos comparativos, identifica dois tipos de aglomerações

urbanas: as áreas urbanas funcionais, correspondendo às áreas de influência das cidades com 50 mil ou mais habitantes (672 no espaço europeu, das quais 11 em Portugal e 66 em Espanha), e, com uma escala maior, as regiões metropolitanas, que coincidem com as NUTS III de 2010 (271 no total, sendo três em Portugal – Lisboa, Porto e Coimbra – e 21 em Espanha).

No que diz respeito à dimensão demográfica, a área urbana funcional de Lisboa encontra-se entre as 20 maiores da Europa e o Porto entre as 50 maiores (Figura I.10). Madrid e Barcelona estão entre as 10 maiores, e Valência e Sevilha entre as 30 maiores. Estima-se que as duas áreas urbanas funcionais portuguesas mantenham sensivelmente a mesma população em 2030, com decréscimos inferiores àqueles que serão sentidos por Madrid, Barcelona ou Sevilha. Isto significa que, no futuro, não será pelo incremento da dimensão que se obterão ganhos económicos significativos resultantes das economias de aglomeração ou de urbanização. Para muitas das principais áreas urbanas funcionais europeias, como Londres, Paris, Berlim, Milão, Roma, Bruxelas ou Estocolmo, prevêem-se, no entanto, aumentos populacionais.

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Figura I.10 – População: as 50 maiores áreas urbanas funcionais da Europa em 2010, 2020 e 2030. Fonte: Marques et al. (2019), dados primários: Urban Data Platform – UE, consulta em junho, 2019

Numa classificação de âmbito europeu (Figura I.11) realizada pelo ESPON (2016), as áreas polarizadas por Paris e por Londres são categorizadas como nós globais (escalão superior) e os «motores» europeus (segundo escalão) localizam-se sobretudo nos países do Centro e do Norte da Europa, mas incluem também Madrid e Barcelona. A área urbana funcional de Lisboa, a principal do País, surge apenas num quarto escalão, identificado como Áreas de Crescimento Metropolitano potenciais (potential MEGAs), a par de Bilbao, Valência e Palma de Maiorca. A área urbana funcional do Porto integra o quinto escalão, denominado Áreas de Crescimento Metropolitano fracas (weak MEGAs), a par da de Sevilha. As áreas urbanas funcionais de Faro, Coimbra, Aveiro e Braga foram incluídas no sétimo e penúltimo escalão (âmbito nacional) e as restantes áreas urbanas funcionais portuguesas no oitavo e último escalão (âmbito regional/local).

Figura I.11 – Hierarquização da estrutura urbana europeia (2016). Fonte: ESPON (2016), Polycentric Territorial Structures and Territorial Cooperation

Ainda no que se refere a aspetos demográficos e sociodemográficos, as figuras I.12, I.13, 1.14 e 1.15 mostram a debilidade quantitativa e qualitativa das concentrações urbanas portuguesas no contexto ibérico, um aspeto que não pode ser ignorado ou menosprezado dado que o conjunto da Península tenderá cada vez

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mais a funcionar como um sistema fortemente polarizado por Madrid, mas também por outras regiões metropolitanas de localização periférica, como Barcelona. Registe-se, por exemplo, que, na lista das dez principais regiões metropolitanas da Península Ibérica, Lisboa e Porto tendem a ocupar os últimos lugares em indicadores como a relação entre o total de jovens e de idosos, revelando uma maior tendência para o envelhecimento, ou a percentagem de população com ensino superior, um importante fator de criatividade, inovação e atratividade (ver Anexo A, Volume II).

No que diz respeito ao emprego, a posição relativa das duas regiões metropolitanas do País à escala

europeia exibe um comportamento diferenciado (Figura I.16): Lisboa ocupa a 20.ª posição, duas posições abaixo do seu lugar com base no indicador da dimensão populacional, mas o Porto melhora cinco posições, ascendendo ao 41.º lugar. Este resultado está em consonância com a ideia de que as cidades de segunda linha têm uma melhor prestação no que diz respeito ao emprego. No entanto, no ano de 2030 estima-se um recuo da população empregada, quer em Lisboa quer no Porto. De salientar que o cenário europeu é dominado novamente por Londres e Paris e que muitas das cidades que não detêm o estatuto de capital (as de segunda linha) assumem posições de relevo no domínio do emprego, à frente de Lisboa (Barcelona, Vale do Ruhr, Milão, Hamburgo, Munique, Manchester, Estugarda, Francoforte).

Figura I.14 – População jovem (0-15 anos) por população idosa (>65 anos) na Península Ibérica, 2011. Fonte: Marques et al. (2019)

Figura I.12 – Densidade populacional na Península Ibérica, 2011. Fonte: Marques et al. (2019)

Figura I.13 – Variação da população na Península Ibérica, 2001/2011. Fonte: Marques et al. (2019)

Figura I.15 – População com o ensino superior (%) na Península Ibérica, 2011. Fonte: Marques et al. (2019)

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Figura I.16 – População empregada: as 50 regiões metropolitanas com valores mais elevados na Europa em 2015, 2030 e 2050. Fonte: Marques et al. (2019), dados primários: Urban Data Platform – UE, consulta em junho, 2019

À escala ibérica (Figura I.17), as regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto ocupam,

respetivamente, a 3.ª e a 8.ª posições, sendo que no caso do Porto, e ao contrário das regiões urbanas de maior dimensão, se prevê uma diminuição do total de população empregada entre 2015 e 2030.

Figura I.17 – População empregada em 2015 e 2030 nas 10 maiores regiões metropolitanas da Península Ibérica (PIB). Fonte: Marques et al. (2019), dados primários: Urban Data Platform – UE, consulta em junho, 2019

Finalmente, e no que se refere ao crescimento económico medido a partir do PIB, as regiões

metropolitanas portuguesas exibem um retrato menos favorável no contexto europeu (Figura I.18). No caso de Lisboa, os valores do PIB (2015) colocam-na num segundo patamar, a par de Manchester, Marselha ou Atenas. O Porto integra o último patamar do grupo das 70 regiões metropolitanas europeias com PIB mais elevado, conjuntamente com as cidades de Cracóvia e Leeds. O primeiro patamar é liderado por Londres, Paris e Madrid. Do ponto de vista prospetivo, o cenário revela uma expectativa de crescimento económico positivo tanto para Lisboa como para o Porto. É de realçar, no entanto, que se preveem crescimentos muito acentuados para Londres, Paris e Madrid, que se convertem numa espécie de «lebres» do crescimento económico para os horizontes temporais de 2030 e 2050.

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Figura I.18 – PIB: as 70 regiões metropolitanas com valores mais altos da UE em 2015, 2030 e 2050. Fonte: Marques et al. (2019), dados primários: Urban Data Platform – UE, consulta em junho, 2019

À escala ibérica (Figura I.19), Lisboa ocupa a terceira posição, a seguir a Madrid e Barcelona, que em

conjunto com Valência constituem o grupo das regiões metropolitanas com maior PIB da Península Ibérica. O Porto apresenta valores de PIB menos expressivos, conjuntamente com Málaga-Marbelha e Múrcia-Cartagena.

Figura I.19 – PIB nas 10 maiores regiões metropolitanas da Península Ibérica em 2015 e 2030. Fonte: Marques et al. (2019), dados primários: Urban Data Platform – UE, consulta em junho, 2019

No contexto europeu, a produtividade das regiões metropolitanas portuguesas é baixa. É verdade

que Lisboa revela níveis de produtividade semelhantes à média da UE, mas situa-se significativamente abaixo dos níveis de produtividade observados na maioria das regiões metropolitanas europeias que detêm o estatuto de capital, sendo mesmo ultrapassada por capitais de países que aderiram à UE mais recentemente, como Bucareste, Varsóvia ou Bratislava, e por um número elevado de regiões metropolitanas de segunda linha. O Porto tem níveis de produtividade ainda inferiores (cerca de 75% da média comunitária).

A participação das áreas urbanas funcionais portuguesas nas redes europeias e globais de economia e de inovação é também classificada como relativamente fraca no ESPON ATLAS (2014) (Figura I.20). As áreas funcionais de Lisboa e Porto são consideradas como tendo uma participação «modesta». Em contrapartida, e no que se refere a Espanha, Madrid é classificada como «bem integrada»,

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Barcelona como possuindo uma «participação internacional razoável» e as áreas urbanas funcionais de Valência, Sevilha e Bilbao obtêm uma classificação igual às de Lisboa e Porto.

Figura I.20 – Participação das áreas urbanas funcionais em redes europeias e globais. Fonte: ESPON ATLAS (2014), Mapping European Territorial Structures and Dynamics

Saliente-se, por último, que a integração de Portugal na então Comunidade Económica Europeia estimulou

a intensificação de relações interurbanas, nomeadamente no âmbito do programa INTERREG, tanto transfronteiriço (em particular com Tui, Vigo, Ourense, Zamora, Salamanca, Cáceres, Badajoz, Huelva, Aiamonte e Sevilha) como transnacional e inter-regional. Muitos outros programas e iniciativas – nomeadamente o Programa de Cooperação Territorial Europeia URBACT – têm fomentado, de forma direta e indireta, contactos, formas de cooperação e projetos conjuntos entre agentes públicos, entidades do ensino superior, empresas e organizações não-governamentais de diversas cidades europeias.

O objetivo de construir (sub)sistemas urbanos policêntricos como fatores de desenvolvimento territorial ganha sobretudo sentido às escalas europeia, ibérica e nacional. Mas a presença das cidades portuguesas em redes intercontinentais e mesmo globais é igualmente importante, na medida em que contribui não só para consolidar os nós das redes desenvolvidas àquelas escalas, mas também para alargar os benefícios potenciais dos efeitos de organização em rede a outras cidades que delas participam. Estes estímulos externos ao País, à Península Ibérica e mesmo à Europa, que mobilizam atores e domínios muito distintos, da economia à cultura, ao conhecimento ou ao turismo, trazem diferenciação e qualidade às aglomerações urbanas portuguesas. É, por isso, importante retirar partido da posição geoestratégica de Portugal, não só como frente atlântica da União Europeia e espaço-charneira entre o Mediterrâneo e o Atlântico, mas, num mundo crescentemente baseado nas novas tecnologias de informação e comunicação, como plataforma de redes de conexão, históricas ou recentes, que os portugueses, os estrangeiros residentes em Portugal e aqueles que nos visitam ou que aqui investem possuem e mantêm com diferentes partes do globo.

Por comparação com as dinâmicas observadas ao nível europeu, as aglomerações urbanas portuguesas apresentam um potencial muito diferenciado, mas genericamente aquém do desejável, no

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que diz respeito à participação em sistemas urbanos policêntricos e à capacidade de retirar partido dos benefícios decorrentes das lógicas de organização em rede. As perspetivas de evolução da população, do emprego e da produtividade em comparação com cidades e regiões de outros países europeus, incluindo a vizinha Espanha, não parecem particularmente promissoras. Por outro lado, o risco de descolagem das duas regiões metropolitanas do País, centradas em Braga-Porto-Aveiro (Noroeste) e Lisboa-Setúbal-Sines, em relação ao restante território é real. Torna-se fundamental, por isso, levar em conta que a questão das disparidades regionais, exposta na secção anterior, e a da configuração dos sistemas urbanos, tratada nesta secção, não só não são dissociáveis como não podem ser analisadas numa ótica estritamente nacional, ignorando o modo como a integração diferenciada das cidades e das regiões portuguesas em redes e processos mais amplos influenciam decisivamente a possibilidade do seu desenvolvimento futuro e, por isso, do desenvolvimento do conjunto do País.

De acordo com o diagnóstico que consta do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), o sistema urbano nacional organiza-se em torno de três tipos de elementos (Figura I.21):

i) Centros urbanos (considerados individualmente)

Os centros urbanos estruturam a organização do território e garantem uma oferta diversificada de funções urbanas. Incluem três tipos de situações: as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, definidas como âncoras da estrutura urbana nacional e rótulas dos processos de internacionalização; os centros urbanos de âmbito regional, que se destacam dos territórios envolventes pela concentração de população residente, pela importância da base económica e pela capacidade de atração das suas funções urbanas, constituindo polos importantes de coesão e de competitividade regional; e os centros urbanos de âmbito municipal ou supramunicipal/sub-regional, que correspondem ao nível mais baixo do sistema urbano a constituir, mas fundamentais para sustentar uma rede de apoio básico à organização do conjunto do território nacional.

ii) Subsistemas territoriais

Os subsistemas territoriais articulam relacionamentos de proximidade e são essenciais para a prestação de serviços de interesse geral numa ótica de equidade espacial. O PNPOT diferencia três tipos de subsistemas, conforme as características dos centros urbanos envolvidos: subsistemas territoriais a valorizar (constituídos por várias cidades de âmbito regional e sub-regional e próximos, geograficamente ou em acessibilidade, das áreas metropolitanas); subsistemas territoriais a consolidar (organizados em torno de um número restrito de centros urbanos de âmbito regional e mais afastados das duas áreas metropolitanas); e subsistemas territoriais a estruturar (compostos por centros urbanos de âmbito municipal e com uma localização intersticial em relação às aglomerações urbanas de maior dimensão e aos principais eixos viários).

iii) Corredores de polaridades

Este terceiro elemento do sistema urbano, que inclui centros urbanos de âmbito regional, sub-regional e municipal que se localizam ao longo de corredores viários de importância nacional ou inter-regional, desempenha um importante papel na estruturação da consolidação de eixos que favorecem a integração entre diferentes territórios.

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Figura I.21 – Sistema urbano do modelo territorial. Fonte: PNPOT, Estratégia, p. 103

Em Portugal, o total de cidades e a percentagem de habitantes a residir em áreas urbanas têm vindo

a aumentar e essa tendência tenderá a prolongar-se nas próximas décadas. A existência de diversas definições de «cidade» e de «áreas urbanas» torna difícil comparar dados ao longo do tempo. Mesmo para uma determinada data existem resultados distintos de acordo com a definição a que se recorre. O INE usa o conceito de «cidade estatística» (INE, 2014a) e produz igualmente informação sobre o grau de urbanização (INE, 2014b), de acordo com uma tipologia adotada pelo EUROSTAT que tem por base unidades que no nosso País equivalem às freguesias, que são agrupadas em três categorias: áreas densamente povoadas, áreas medianamente povoadas e áreas pouco povoadas.

Em Portugal existiam 159 cidades (estatísticas) em 2011, nas quais residiam 4,5 milhões de indivíduos, o que correspondia a 42% da população residente (INE, 2014a). Essas cidades repartiam-se por quatro conjuntos do ponto de vista da sua dimensão demográfica:

i) Lisboa e do Porto, com população residente acima dos 500 mil e dos 200 mil habitantes; ii) Cinco cidades com população residente entre os 100 mil e os 200 mil habitantes (Vila Nova de Gaia,

Amadora, Braga, Funchal e Coimbra); iii) 96 cidades com população residente entre 100 mil e 10 mil habitantes;

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iv) 56 cidades com uma população inferior a 10 mil habitantes. Considerando apenas o continente, o total de cidades aumentou de 123, em 2001, para 146, em 2018. O

acréscimo de população a viver em cidades deve-se, portanto, à expansão demográfica das cidades existentes e ainda à ascensão à categoria de cidade de aglomerados de menor dimensão em crescimento demográfico. As dinâmicas de expansão das cidades têm sido particularmente relevantes nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e ainda na região do Algarve.

Se medirmos o grau de urbanização com base nas freguesias integradas na categoria «áreas densamente povoadas», verifica-se que 24% das freguesias com essa classificação concentravam 72% da população do País em 2013. Hoje a percentagem será certamente superior. Naquela mesma data, as «áreas pouco povoadas» (predominantemente rurais) correspondiam a 52% das freguesias e apenas a 13% da população residente (INE, 2914b).

Destes resultados, mesmo tendo em conta as disparidades resultantes do recurso a conceitos estatísticos distintos, retiram-se duas conclusões importantes. A primeira é que a retração demográfica do País é acompanhada por uma crescente concentração urbana. Esta tendência tem consequências negativas e positivas: por um lado, ela significa que se estão a ampliar as áreas geográficas intersticiais crescentemente despovoadas e em abandono; por outro, ela garante a existência de concentração de massa crítica e de economias de aglomeração que é essencial para viabilizar determinadas atividades económicas e serviços públicos com algum grau de especialização. A segunda conclusão é a debilidade do sistema urbano nacional, constituído por um grande número de pequenas cidades, que correspondem ao que no PNPOT se designa por centros urbanos de âmbito municipal ou supramunicipal/sub-regional e que integram os «subsistemas territoriais a estruturar», cuja sobrevivência é tão decisiva quanto problemática.

Portugal não foge à tendência geral de crescente urbanização. Essa é uma tendência potencialmente positiva para a sociedade e a economia portuguesas. Mas apenas o será efetivamente se forem garantidas três condições: a consolidação de uma base do sistema urbano nacional de natureza capilar, que contribua para o desenvolvimento das áreas rurais envolventes; a afirmação internacional não só do topo do sistema urbano (áreas metropolitanas) mas também das cidades de segunda ordem (cidades de âmbito regional); e um funcionamento em rede do conjunto do sistema urbano e dos seus vários subsistemas.

É verdade que, em virtude da significativa melhoria das infraestruturas de transportes e comunicações verificada após a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia em 1986, as condições de mobilidade e interação são hoje muito mais favoráveis, tornando o País «mais pequeno» (ver Capítulo 3). Contudo, se é verdade que esse efeito benéfico se fez sentir em todo o território nacional, também é certo que o seu impacto foi desigual, aproximando sobretudo os centros urbanos mais importantes e os que se localizam ao longo dos eixos viários de âmbito internacional e nacional. Um sistema urbano robusto e policêntrico necessita, contudo, de poder apoiar-se nos vários elementos anteriormente apresentados. Ora a situação atual está bastante longe do que seria desejável.

Por um lado, ao nível nacional existe uma acentuada desproporção de dimensão quantitativa e qualitativa quer entre as duas áreas metropolitanas, quer entre estas e os subsistemas polarizados por centros urbanos de âmbito regional (geralmente designados por cidades médias), quer, finalmente, entre as realidades anteriormente mencionadas e os espaços intersticiais com uma presença urbana frágil, de âmbito municipal. As figuras seguintes expressam bem essa realidade desigual, salientando as diferentes capacidades de polarização dos vários centros urbanos (Figura I.22), as fortes assimetrias territoriais de acessibilidade a serviços de interesse geral (Figura I.23) e, de forma espacialmente mais agregada, a evolução do PIB per capita nas áreas rurais em função da distância a que se encontram em relação às sub-regiões predominantemente urbanas (FiguraI.24).

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Figura I.22 – Fluxos casa-trabalho/escola (2011) e movimentos dos estudantes para o ensino superior (2015), por concelho.

Fonte: PNPOT, Diagnóstico, p. 124

Figura I.23 – Síntese da acessibilidade aos serviços de interesse geral. Fonte: PNPOT, Diagnóstico, p. 103

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Figura I.24 – Evolução da produtividade por tipos de áreas rurais em Portugal6. Fonte: OCDE (elaboração para este Relatório)

Ao mesmo tempo, as duas áreas metropolitanas do País, mesmo consideradas na aceção mais

ampla de áreas urbanas funcionais ou de regiões metropolitanas de acordo com as categorias adotadas pela OCDE, têm uma dimensão funcional pequena ao nível europeu, como se viu anteriormente (Figura I.20), e uma relevância de segunda (Lisboa) ou terceira linha (Porto) ao nível do espaço ibérico, no que se refere à sua capacidade de atratividade (Figura I.25).

Figura I.25- Sistemas Territoriais na Península Ibérica, 2011. Fonte: Marques et al. (2019), a partir de: Gómez Giménez, J. M. (FUA); Ribeiro D. & Gómez Giménez, J. M. (fluxos); Gómez Giménez, J. M. & Ribeiro, P. (sistemas territoriais).

A consolidação de sistemas urbanos mais policêntricos tanto ao nível interno como no contexto

ibérico e europeu constitui, por isso, uma condição fundamental de combate às disparidades regionais e de desenvolvimento das diversas regiões e do conjunto do País.

6 Não foi considerada a NUTS III Alentejo Litoral, dado que as atividades localizadas em Sines justificam um valor médio artificialmente elevado para o conjunto desta NUTS, o que contribuiria para distorcer os resultados agregados relativos às sub-regiões classificadas como rurais remotas.

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CAPÍTULO 3 — As grandes infraestruturas de transportes e comunicações7 A inserção das regiões e das cidades portugueses no espaço europeu e nas redes intercontinentais e

globais depende da qualidade, configuração espacial e articulação das grandes infraestruturas de transportes, embora, como se salientou no parágrafo anterior, os espaços relacionais que dinamizam e fortalecem os vários territórios incluam cada vez mais dimensões imateriais sem geografias fixas, dependentes das infraestruturas de comunicações.

Para um país com uma localização periférica no contexto europeu, mas que pretende retirar partido da posição geoestratégica que daí decorre numa perspetiva intercontinental, é essencial desenvolver e articular infraestruturas de transportes (ferroviário, marítimo-portuário, aeroportuário e rodoviário) numa ótica de integração europeia e global, mas também de superação dos défices de acessibilidade e mobilidade que persistem no país entre as diversas regiões e as diferentes cidades e espaços envolventes.

As infraestruturas de mobilidade de pessoas, bens e serviços e de comunicação pessoal nem sempre têm sido explicitamente associadas a objetivos de coesão e de equidade no plano nacional de um triplo ponto de vista: reversão do aprofundamento da fragmentação histórica entre as áreas do litoral e do interior e, a uma outra escala, entre as aglomerações urbanas e os espaços rurais; reposicionamento de Portugal no contexto europeu e global; e ponderação dos critérios de eficiência económica e financeira subjacentes às opções de investimento neste tipo de infraestruturas com critérios de igualdade de oportunidades para todos, independentemente do local onde residem (direito de acessibilidade e de mobilidade), com consequências no que diz respeito à cobertura territorial, à racionalidade intermodal e à qualidade e segurança das várias redes.

A conceção adequada das redes de infraestruturas de transportes e comunicações constitui, por isso, um pilar do modelo de desenvolvimento territorial indissociável quer do combate às disparidades regionais quer da potenciação de sistemas urbanos policêntricos que integrem os centros urbanos das várias regiões do País e estimulem interações reciprocamente vantajosas entre estes últimos e as áreas rurais.

A qualidade das infraestruturas em causa é bastante díspar em Portugal. O País está, em geral, dotado de infraestruturas rodoviárias de qualidade. O mesmo não se passa, no entanto, no que diz respeito às infraestruturas pesadas não rodoviárias: portuárias (e respetivos sistemas logísticos), aeroportuárias e ferroviárias. No que se refere às infraestruturas digitais, fundamentais nas sociedades pós-industriais em que cada vez mais nos inserimos, o País possui uma cobertura razoável, inclusive no que diz respeito a banda larga de alta velocidade (indicador em que Portugal alcança a melhor pontuação no âmbito do Índice de Inovação do National Innovation Scoreboard, cf. EC, 2019b). O problema, ao contrário do que sucede com as infraestruturas de transportes, não é o acesso, embora os preços de banda larga fixa sejam elevados em relação a outros países europeus, mas sim a capacidade de uso e apropriação social, que é prejudicada pela elevada iliteracia digital de grande parte da população. Portugal possui, assim, um desempenho digital relativamente baixo num contexto de melhoria permanente dos países mais desenvolvidos, resultante da ausência de competências digitais básicas de uma percentagem relevante dos portugueses, sobretudo os mais idosos, com níveis de educação menos elevados e menor qualificação.

A melhoria das ligações ferroviárias de Portugal à Europa através de comboios pesados de mercadorias e de passageiros, a afirmação dos aeroportos nacionais como hubs intercontinentais e o reforço internacional das áreas portuárias e logísticas (aumento das operações de transhipment, penetração em Espanha dos hinterlands dos portos portugueses, etc.), com destaque para o porto de Sines, deve ser pensada à luz de um modelo de infraestruturação territorial e de desenvolvimento territorial que concilie os desígnios nacionais de reposicionamento europeu e global do País com as necessidades e potencialidades das nossas regiões e cidades numa ótica de coesão económica, social e territorial. Ou seja, todos estes grandes investimentos devem ser pensados estrategicamente a 10-15 anos, numa ótica que concilie uma presença do País nas grandes redes mundiais com um acesso equitativo de todo o território nacional às plataformas portuárias, aeroportuárias e ferroviárias de inserção internacional.

A inserção de Portugal nas Redes Transeuropeias de Transportes é um exemplo claro, e particularmente relevante, desse desígnio (Figura I.26). O projeto de redes transeuropeias, nascido no final dos 1980, evoluiu desde então de forma assinalável, passando de um conjunto de infraestruturas físicas interligadas numa lógica 7 A parte inicial deste capítulo baseia-se em João Cravinho (2019).

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de reforço da conectividade no espaço europeu para uma visão bem mais abrangente, envolvendo três tipos de redes (energia, telecomunicações e transportes), a construção ou requalificação de infraestruturas físicas e o seu funcionamento integrado e sem ruturas de cadeias de prestação de serviços sob as mesmas normas, princípios de interoperabilidade e padrões de operação em todos os Estados-Membros, a adoção de processos de governança inovadores e a sua associação ao desenvolvimento de sistemas inteligentes visando a digitalização dos sistemas de transporte de forma a assegurar maior eficiência, sustentabilidade e confiabilidade, e ainda a gestão segura da condução rodoviária autónoma.

Figura I.26 – Corredores da RTE-T.Fonte: www.ec.europa.eu

Portugal participa na Rede Principal Transeuropeia de Transportes através do Corredor Atlântico, que

assegura a ligação do País a Espanha, à fachada atlântica europeia e ao centro da UE, a partir do qual se estabelece a conexão com outros corredores da Rede (Figura I.26). Este corredor permitirá transformar os portos de Sines, Lisboa e Leixões em importantes pontos emissores e recetores de contentores sem ruturas de tráfego envolvendo grande parte do território europeu.

Figura I.27 – Deformação virtual do país 1986-2006. Fonte: Comunicação do Eng.º Mário Fernandes, Infraestruturas de Portugal, em Cravinho (2019)

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Esta nova inserção do País no espaço atlântico e europeu e a substancial melhoria de acessibilidades verificada nas últimas décadas ao nível nacional (Figura I.27), que se refletiu numa enorme compressão do espaço-tempo entre cidades e em relação aos aeroportos e portos internacionais, criam condições favoráveis a um maior protagonismo futuro dos centros urbanos e das regiões portuguesas numa Europa mais policêntrica.

A visão integrada das disparidades regionais, dos sistemas urbanos e das grandes infraestruturas de transportes e comunicações permite superar perspetivas parciais, por vezes contraditórias entre si, e que suscitam políticas definidas de forma autónoma e por isso nem sempre coerente.

As disparidades regionais constituem o foco das políticas regionais, tanto europeias como nacionais, e são, a maior parte das vezes, medidas através de indicadores analiticamente limitados, como sucede com o PIB per capita (veja-se, a título de exemplo, o elevado valor alcançado por este indicador na NUTS III Alentejo Litoral, associado às atividades desenvolvidas em Sines, mas sem qualquer adesão à realidade socioeconómica existente nos outros municípios dessa NUTS III).

Os sistemas urbanos são considerados no âmbito de políticas e instrumentos de ordenamento do território. Têm a vantagem, em relação à ótica das disparidades regionais, de introduzir uma perspetiva geograficamente mais fina e funcionalmente mais relacional, e de integrar programas e planos que são aplicados a diferentes escalas: Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), Programas Regionais de Ordenamento do Território (PROT) e Planos Diretores Municipais (PDM). Mas a sua relação com os instrumentos de política regional, em particular como critério de afetação seletiva e orientada de apoios comunitários, nem sempre é clara ou é mesmo inexistente.

Finalmente, as decisões sobre grandes infraestruturas de transportes e comunicações dependem de várias tutelas ministeriais e raramente ultrapassam uma visão de base sectorial, levantando problemas de desarticulação entre as políticas dos sectores envolvidos, e entre estas e as políticas de base territorial (desenvolvimento regional e ordenamento do território).

A necessária visão integrada das disparidades regionais, dos sistemas urbanos e das grandes infraestruturas de transportes e comunicações pressupõe, contudo, a existência de um modelo de organização territorial de referência de âmbito nacional e partilhado pelos vários domínios e níveis de decisão política, ou seja, de um instrumento que vincule a administração central e, indiretamente, os restantes níveis de administração.

CAPÍTULO 4 — Organização territorial e demografia O Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT) foi criado pela Lei de Bases da

Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo de 1998 (Lei n.º 48/98, de 11 de agosto) «com o objetivo de dotar o País de um instrumento competente pela definição de uma visão prospetiva, completa e integrada da organização e desenvolvimento do território e pela promoção da coordenação e articulação de políticas públicas numa base territorializada».

O PNPOT define os objetivos e as opções estratégicas de desenvolvimento territorial do País e estabelece o modelo de organização do território nacional.

No âmbito da primeira revisão do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (Lei n.º 58/2007, de 4 de setembro), foram elaborados três documentos:

i) Diagnóstico Territorial (6 de julho de 2018); ii) Estratégia e Modelo Territorial, aprovado pelo Conselho de Ministros Extraordinário de 14 de julho de

2018, que incorpora a ponderação da Discussão Pública e os resultados do Conselho de Ministros (versão de 20 de julho);

iii) Uma Agenda para o Território (Programa de Ação), aprovada pelo Conselho de Ministros Extraordinário de 14 de julho de 2018, que incorpora a ponderação dos resultados da Discussão Pública (versão de 20 de julho).

No Diagnóstico Territorial, focado nas dinâmicas territoriais da última década, é apresentada «uma leitura

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atualizada do território, servindo de suporte às opções estratégicas de desenvolvimento preconizadas». No documento Estratégia e Modelo Territorial é explicitada a Estratégia de Ordenamento do Território 2030,

tendo por base a identificação das mudanças decisivas e das tendências territoriais mais relevantes e previsíveis e dos seus potenciais impactos num cenário de inação pública, a formulação dos princípios e desafios territoriais que resultam da relação entre os recursos estratégicos territoriais identificados no diagnóstico e as mudanças decisivas e tendências territoriais salientadas no ponto anterior, e, finalmente, a apresentação do modelo de organização espacial ambicionado, tendo por base cinco sistemas territoriais: sistema natural, sistema urbano, sistema social, sistema económico e sistema de conectividade.

Finalmente, na Agenda para o Território apresenta-se o Programa de Ação 2030 do PNPOT, que visa concretizar o Modelo Territorial esquematizado.

A revisão do PNPOT (que inclui as matérias dos dois últimos documentos acima referidos) foi aprovada pela Assembleia da República em 14 de junho de 2019.

No contexto deste Relatório, importa sobretudo salientar uma dimensão transversal aos três aspetos anteriormente focados (disparidades regionais, sistemas urbanos policêntricos e grandes infraestruturas de transportes e comunicações): a questão demográfica.

Diminuição populacional (total e em idade ativa), envelhecimento e despovoamento são fenómenos que têm vindo a acentuar-se desde os anos 1960, alimentando espirais recessivas (menos pessoas / menos investimento / menos emprego / menor atratividade / envelhecimento e despovoamento / encerramento de equipamentos / supressão de serviços / abandono) de difícil reversão e com elevados custos sociais, económicos e ambientais para as regiões mais afetadas e para o País. As dinâmicas de perda demográfica e envelhecimento entre 1991 e 2011, bem visíveis nas Figuras I.28 e I.29, revelam como em muitas parcelas do território nacional é cada vez mais difícil garantir níveis desejáveis de prosperidade, qualidade de vida e bem-estar. Essa evolução, a persistir, terá um forte impacto no futuro das famílias e das empresas dessas áreas, mas também na organização territorial das redes de equipamentos sociais e consequente provisão de serviços de interesse geral.

Figura I.28 – Variação da população residente, por freguesia. Fonte: PNPOT, Diagnóstico Territorial, p. 5

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Figura I.29 – População jovem (0-24 anos) relativamente aos idosos (65 ou mais anos), por concelho (1991, 2001 e 2011). Fonte:

PNPOT, Diagnóstico Territorial, p. 60

As projeções demográficas efetuadas no âmbito de diferentes estudos e de forma regular pelo INE

confirmam que, sem uma alteração profunda dos fluxos imigratórios, as tendências anteriormente referidas tenderão a agravar-se de forma sistémica, contribuindo para aumentar as disparidades inter-regionais e intrarregionais, para erodir grande parte da base do sistema urbano nacional e para confinar geograficamente soluções no domínio das grandes infraestruturas de transportes (por exemplo, ferroviárias).

A situação descrita é ainda mais crítica quando se analisam as projeções efetuadas paras as cidades (Figura I.30) e para as regiões (Figura I.31) portuguesas no contexto europeu.

Figura I.30 – Total e variação da população por área urbana funcional, 1991-1911 e 2011-2030. Fonte: Marques et al. (2019), dados

primários: Urban Data Platform – UE, consulta em junho, 2019

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Figura I.31 – Variação da população por NUTS III (2015-2025). Fonte: PNPOT, Estratégia e Modelo Territorial, p. 25

CAPÍTULO 5 — Modelo territorial e descentralização Da conjugação das análises e dos comentários apresentados nas secções anteriores e dos retratos

territoriais ilustrados pelos mapas incluídos nesta secção é possível retirar diversas ilações no que diz respeito à relação entre modelo territorial de desenvolvimento do País (Portugal Continental) e processos de descentralização e desconcentração a favor dos níveis da administração de âmbito regional e sub-regional:

i) Os processos de descentralização e de desconcentração para a administração de âmbito regional e

sub-regional não podem ser concebidos e concretizados como se o País fosse internamente homogéneo; ii) Tendo em consideração as diversidades (a potenciar e a valorizar) e as assimetrias (a combater e a

reduzir) existentes no País (continente), aqueles processos devem ter como referência um modelo territorial de desenvolvimento que se baseie numa rigorosa identificação das situações atuais ou previsíveis e que reflita uma ambição de médio e longo prazo, visando um País globalmente mais coeso, justo e sustentável e com uma presença internacional mais forte, competitiva e reconhecida;

iii) Esse modelo é incompatível com leituras da geografia do País baseadas em dicotomias simples, como Norte/Sul, litoral/interior, áreas urbanas/áreas rurais ou territórios de baixa densidade (demográfica, económica e institucional)/outros territórios;

iv) Embora as dicotomias referidas sejam relevantes, e algumas delas devam até ter expressão do ponto de vista de políticas ou instrumentos de política específicos, elas não permitem, isoladamente ou em conjunto, uma leitura integrada, sistémica, estratégica e prospetiva da diversidade do País (continente), nem proporcionam uma adequada inserção dos vários territórios em espaços mais vastos: ibérico (além da componente transfronteiriça), europeu, intercontinental e mesmo global;

v) A leitura conjugada das disparidades regionais, dos sistemas urbanos e das grandes infraestruturas de transportes e comunicações é essencial para garantir a necessária visão estratégica e prospetiva;

vi) Consideradas numa perspetiva comparada (sobretudo no contexto europeu) e temporal (pré-crise e

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pós-crise recentes, internacional e da zona euro), essa leitura conjugada constitui a grelha de referência com base na qual é possível ponderar criticamente a relação entre território e descentralização/desconcentração;

vii) De facto, os elementos analisados dão um contributo essencial para a formulação de soluções viáveis no que diz respeito quer à descentralização (e desconcentração) de atribuições e competências para os níveis subnacionais (âmbitos geográficos mais apropriados), quer à dimensão e configuração geográfica de regiões administrativas competentes para cumprirem a sua missão, num contexto nacional marcado por tendências de forte retração populacional e envelhecimento demográfico, sistemas urbanos insuficientemente policêntricos, ecossistemas regionais de inovação incipientes e défices de conectividade persistentes, e com uma elevada exposição aos impactos de decisões de âmbitos ibérico, europeu e internacional e de rápidas transformações tecnológicas, económicas e societais de natureza global;

viii) Regiões administrativas ou entidades intermunicipais (áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais) sem dimensão, massa crítica, capacidade instalada e instituições de qualidade tornar-se-ão demasiado vulneráveis a todo o tipo de choques, internos e externos, levando a que os seus responsáveis sejam acusados de não cumprir a sua missão por demérito próprio, quando a verdadeira explicação reside no facto de as unidades geográficas demasiado pequenas, débeis e vulneráveis não reunirem as condições indispensáveis para alcançar os objetivos pretendidos;

ix) A visão integrada e sistémica adotada pressupõe, ainda, a recusa de políticas centradas que privilegiam as regiões e aglomerações urbanas com maior potencial de desenvolvimento (lógica de apoio prioritário aos «campeões nacionais», na convicção de que a sua dinâmica desencadeará efeitos positivos de arrastamento nos restantes territórios), ou as regiões menos desenvolvidas (lógica de de política assistencial de apoio prioritário aos «perdedores» nacionais, visando inverter espirais estruturais de subdesenvolvimento relativo ou absoluto). Uma política nacional de desenvolvimento regional terá de considerar o conjunto do território do País numa ótica relacional, levando em consideração, de forma integrada, as potencialidades, as capacidades e as limitações das várias regiões e sub-regiões;

x) A visão de uma política nacional de desenvolvimento regional associa-se a uma conceção do papel do Estado que é incompatível com duas perspetivas. Num extremo, a perspetiva centrada na ideia de que, em nome da competitividade do País, ao Estado cabe prioritariamente intervir como facilitador dos mecanismos de mercado que permitam que as regiões e as cidades motoras reforcem o seu posicionamento nas redes internacionais e globais. No outro, a perspetiva que, privilegiando objetivos de coesão interna, defende que a ação pública deve concentrar-se na promoção de ações de natureza assistencialista, reativa e não estrutural nas regiões menos desenvolvidas. A visão de uma política nacional de desenvolvimento regional pressupõe, antes, uma perspetiva em que as políticas públicas devem estimular o desenvolvimento de todas as regiões, e não apenas de um tipo de regiões, através da valorização eficiente e inteligente dos recursos e potencialidades existentes em cada uma delas, mas em que, ao mesmo tempo, se reconhece a necessidade de existirem mecanismos de âmbito nacional que compensem a desigual dotação das regiões no que se refere a fatores e condições de desenvolvimento;

xi) Uma política nacional de desenvolvimento regional deve, assim, prosseguir objetivos de coesão, competitividade e equidade, sem optar por um deles em detrimento dos restantes nem valorizar determinadas regiões e cidades em desfavor de outras;

xii) Sendo distintas as características das diversas regiões e cidades, também diferenciadas deverão ser as intervenções, desde, por exemplo, a requalificação das áreas metropolitanas à valorização da rede capilar de pequenos centros urbanos;

xiii) Essa política não pode ser o resultado de decisões centralizadas. Deve acolher o contributo das entidades regionais, sub-regionais e locais, para que os processos de decisão de âmbito nacional possam compatibilizar os interesses genéricos do País com os interesses diversificados dos seus vários territórios.

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Referências

AD&C (2018), Relatório do Desenvolvimento & Coesão, Agência para o Desenvolvimento e Coesão, IP, Lisboa.

Alexandre, F. (coord.) (2019), Assimetrias e Convergência Regional. Implicações para a Descentralização e Regionalização em Portugal, Associação Comercial do Porto, Porto.

Bachtler, J., Martins, J. Oliveira, Wostner, P. e Zuber, P. (2017), Towards Cohesion Policy 4.0: Structural Transformation and Inclusive Growth, RSA Europe, Regional Studies Association, Bruxelas.

Cravinho, João (2019), «A Visão Estratégica para Vencer o Século XXI e a Afectação dos Fundos Comunitários», Ciclo de Conferências «As Décadas da Europa», Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa, 7 de junho de 2019.

EC (2017), My Region, My Europe, Our Future. Seventh Report on Economic, Social and Territorial Cohesion, European Commission, Directorate-General for Regional and Urban Policy, Bruxelas.

EC (2019a), Regional Innovation Scoreboard 2019, Publications Office of the European Union, Luxemburgo.

EC (2019b), European Innovation Scoreboard 2019, Publications Office of the European Union, Luxemburgo.

ESPON (2014), ESPON ATLAS 2014, ESPON, novembro de 2014, Luxemburgo. ESPON (2016), Polycentric Territorial Structures and Territorial Cooperation, ESPON Policy Brief, outubro

de 2016, Luxemburgo. Hardeman, Sjoerd e Dijkstra, Lewis (2014), The EU Regional Human Development Index, European

Commission, Joint Research Centre, Publications Office of the European Union, Luxemburgo. INE (2014a), «Cidades Portuguesas: Um Retrato Estatístico 2011», Destaque, 31 de outubro de 2014. INE (2019b), «Tipologia de Áreas urbanas 2014. Relatório Técnico», setembro de 2014. Marques, T. Sá (coord.) (2019), O papel dos Sistemas Urbanos na Caracterização do Território Nacional no

Contexto Ibérico e Europeu, CEGOT-Universidade do Porto, junho de 2019 (Anexo A, Volume II), Porto.

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ANEXO

Ficha Técnica Título Assimetrias Regionais (NUTS III) Autoria Luís Miguel Valente Marques Assessor Parlamentar Economista | Divisão de Apoio às Comissões

Lisboa, 29 de julho de 2019.

2017

2014

2011

MAPAS COM A EVOLUÇÃO DA

COESÃO E DA COMPETITIVIDADE

EM NUTS III

COMISSÃO INDEPENDENTE PARA A DESCENTRALIZAÇÃO

ASSIMETRIAS REGIONAIS

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ÍNDICE

Nota Introdutória

Competitividade

Dinâmica Empresarial Potencial Humano Inovação Internacionalização Crescimento e Convergência Resultado Global da Competitividade

Coesão

Demografia Inclusão Social Saúde Educação, Cultura e Sociedade Digital Resultado Global da Coesão

Sustentabilidade

Conservação da Natureza Economia Circular Resultado Global da Sustentabilidade

Índice Assimetrias Regionais

Síntese dos Indicadores Breve Nota Explicativa Nota Metodológica

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A análise estatística das assimetrias regionais

proposta no âmbito da Comissão Independente para a Descentralização tem como objetivo a avaliação do atual estádio de desenvolvimento espacial das Regiões NUTS III de Portugal Continental e a sua comparação com as esferas espaciais no âmbito nacional e europeu. De acordo com a solicitação realizada aos serviços da Assembleia da República, por parte do Presidente da Comissão Independente para a Descentralização, Sr. Eng.º João Cravinho, o estudo apresentado corresponde a uma análise estática capaz de identificar o padrão de progresso territorial através de funções de localização assentes na competitividade dos territórios (princípio de eficiência), na coesão social (princípio de equidade) e na sustentabilidade (princípio da responsabilidade intergeracional).

Por determinação metodológica foi elaborado um índice compósito capaz de agregar informação que cristalize o bem-estar social, não tendo como enfoque o estudo da provisão de bens e serviços públicos no âmbito territorial. Pretendeu-se identificar e descrever os processos com impactos relevantes nas dimensões competitividade, coesão e sustentabilidade, para tal foram selecionadas um conjunto de subdimensões/fatores que refletem a interação entre os processos e os resultados. Privilegiou-se o cruzamento das análises entre as subdimensões e também como outros indicadores, ao nível nacional e de âmbito europeu, para o

efeito as diferentes dimensões e subdimensões são apresentadas através de mapas ao longo do documento na coluna da direita, facilitando a leitura em comparação com as diferentes estatísticas apresentadas. A cartografia apresentada em coluna decorre de um processo de transformação de variáveis, correspondendo o valor 0 à região com pior desempenho e ao valor 100 a região com melhor desempenho, como tal todas as regiões são analisadas em função da sua distância em relação aos valores extremos de performance.

As alterações introduzidas em 2015, com a entrada em vigor de nova divisão regional no âmbito das NUTS III, passando de 30 para 25 unidades territoriais, impossibilitaram a análise espacial com referência a períodos inferiores a 2011, tendo em conta a exigência de comparabilidade entre indicadores. No total foram utilizados 68 indicadores de acordo com a sua pertinência para o estudo e respeitando a consistência estatística.

Adicionalmente, procedeu-se à técnica de classificação aplicada ao estudo espacial, a análise estatística exploratória de clusters, numa primeira etapa recorreu-se à classificação por métodos hierárquicos, procedimento de aglomeração Ward, analisando o dendrograma para determinar o número de clusters, por último realizou-se a agregação das variáveis via metodologia não hierárquica K-Means.

NOTA INTRODUTÓRIA

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Contexto Nacional

 Distribuição de empresas por localização, 2017 (Figura 1) (Banco de Portugal, 2019)

 (Mapa esquerdo) Número de pessoas ao serviço,

2017 (Figura 2) (Banco de Portugal, 2019)

 (Mapa direito)

 Rendibilidade empresarial (Quadro 1) (Banco de Portugal, 2019)

 Nível de risco das empresas (Quadro 2) (Banco de Portugal, 2019)

COMPETITIVIDADE DINÂMICA EMPRESARIAL

2017

2014

2011

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Quociente de localização sobre o VAB, 2015, medição do grau de concentração relativa dos setores de atividade das indústrias transformadoras numa região, INE, (Figura 3)

Elaboração pelo próprio (Observação: ocorrem missing values, por motivos de confidencialidade dos dados, em alguns setores de atividade e regiões)

Clusters de competitividade reconhecidos pelo IAPMEI, 2017(Quadro 3)

2014

2011

COMPETITIVIDADE

DINÂMICA EMPRESARIAL

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

64

Página 65

Estrutura do volume de negócios por segmento de atividade, 2016 (Figura 4) (Banco de Portugal, 2018)

Estrutura por sectores de atividade económica, 2017 (Quadro 4) (Banco de Portugal, 2018)

Concentração setorial: índice de Herfindahl-Hirschman, 2016 (Quadro 5) (INE, 2016)

COMPETITIVIDADE

2014

2011

7

DINÂMICA EMPRESARIAL

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

65

Página 66

Enquadramento Europeu

Taxa média real da variação do valor acrescentado bruto (VAB), 2012-2015, (Figura 5) (Eurostat , 2018)

Número de clusters setoriais europeus distribuídos por região, 2016 (Figura 6) (European Commission, 2016)

COMPETITIVIDADE

2014

2011

DINÂMICA EMPRESARIAL 2017

2014

1

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

66

Página 67

10 Clusters das Indústrias Emergentes na Europa (2016)

Cluster Papel e Embalagem Cluster da Água (mar e tratamento de água)

Cluster Bio farmacêutico Cluster Logístico

Cluster Digital Cluster Indústrias Criativas (design, arquitetura e publicidade)

COMPETITIVIDADE

2014

2011

9

DINÂMICA EMPRESARIAL

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

67

Página 68

Cluster Tecnologias da Mobilidade Cluster Indústrias Verdes (automóvel e aeroespacial)

Cluster das Experiências e Sensações Cluster Equipamento Médico (Turismo, hotelaria, cultura, desporto)

Clusters industriais europeus de setores emergentes e intersectoriais (Figura 7) (European Commission, 2016)

COMPETITIVIDADE

2014

2011

10

DINÂMICA EMPRESARIAL

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

68

Página 69

Contexto Nacional

Densidade populacional, 2016 (Figura 8) (INE, 2017)

Índice de renovação da população em idade ativa, 2016 (Figura 9) (INE, 2017)

COMPETITIVIDADE

POTENCIAL HUMANO

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

69

Página 70

Proporção de trabalhadores por conta de outrem com ensino superior nos estabelecimentos, 2015 (Figura 10) (INE, 2017)

Taxa de crescimento anual médio da componente migratória por município, 2011-2016

(Figura 11) (INE, 2017)

20,3

0 5 10 15 20 25 30

Tâmega e Sousa

Ave

R. A. Açores

Oeste

Alto Alentejo

Alto Minho

R. A. Madeira

Algarve

Alto Tâmega

Alentejo Litoral

Baixo Alentejo

Lezíria do Tejo

Alentejo Central

Médio Tejo

Cávado

Região de Leiria

Viseu Dão Lafões

Beiras e S.Estrela

Beira Baixa

Douro

Região de Aveiro

Região de Coimbra

T. Trás-os-Montes

PORTUGAL

A.M.Porto

A.M.Lisboa

%

0 50 km

NUTS IIIFrequências

Limites territoriais

NUTS IINUTS III

] 20,3 ; 30 ]] 16 ; 20,3 ]] 14 ; 16 ]] 7 ; 14 ]

PT

%

9862

0 50 km

MunicípiosFrequências

Limites territoriais

] 0,6 ; 2,1 ]] 0 ; 0,6 ]] - 0,23 ; 0 ]] - 0,6 ; - 0,23 ]] - 1,7 ; - 0,6 ]

PT

%

NUTS IIMunicípio

35118786710

COMPETITIVIDADE

2017

2014

2011

POTENCIAL HUMANO

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

70

Página 71

Enquadramento Europeu

Densidade populacional, 2011 (Figura 12) (European Commission, 2017)

Proporção de pessoal empregado com ensino superior, 2017 (Figura 13) (Eurostat , 2018)

COMPETITIVIDADE

2014

2011

POTENCIAL HUMANO

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

71

Página 72

Contexto Nacional

Despesa em I&D em proporção no PIB, 2014 (Figura 14) (INE, 2017)

Repartição da despesa em I&D por setor de execução, 2014 (Quadro 6) (INE, 2017)

Proporção de recursos humanos em Ciência e Tecnologia na população ativa, 2005 e 2016

(Quadro 7) (INE, 2017)

0 50 km

FrequênciasNUTS III

PT

Despesa em I&D(milhões de euros)

5875

1 000

550275

%] 1,29 ; 2,83 ]] 0,6 ; 1,29 ]] 0,3 ; 0,6 ]] 0 ; 0,3 ]

Limites territoriais

NUTS IINUTS III

6

13

26

44

46

46

48

52

23

8

24

10

1

6

2

4

72

79

49

43

53

46

49

44

1

3

2

1

0

0 20 40 60 80 100

R. A. Açores

Algarve

R. A. Madeira

A. M. Lisboa

Alentejo

PORTUGAL

Centro

Norte

%

Empresas Estado Ensino superior Instituições privadas sem fins lucrativos

9,6

13,2

13,8

14,1

15,4

15,7

16,5

17,8

24,4

0 7 14 21 28

Alentejo

Algarve

R.A. Açores

Norte

R.A. Madeira

Centro

PORTUGAL

A.M. Lisboa

%

2016

2005

UE-28 (2005) = 15,1% UE-28 (2016) = 20,7%

COMPETITIVIDADE

2014

2011

INOVAÇÃO

2017

2014

20

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

72

Página 73

Proporção de empresas em setores de alta e média-alta tecnologia, município, 2013-2015 (Figura 15) (INE, 2017)

Proporção de investigadores equivalente a tempo integral (ETI) em atividades de I&D na

população ativa, 2014 (Quadro 8) (INE, 2017)

-1 0 1 2 3 4 5

Alto Tâmega

Douro

T.Trás-os-Montes

Tâmega e Sousa

Baixo Alentejo

Alentejo Litoral

Alto Minho

Alto Alentejo

Beiras e S.Estrela

Algarve

Viseu Dão Lafões

R.A.Açores

R.A.Madeira

Médio Tejo

Ave

Alentejo Central

Beira Baixa

Lezíria do Tejo

Oeste

Região de Leiria

Região de Coimbra

Cávado

PORTUGAL

A.M.Porto

Região de Aveiro

A.M.Lisboa

Menor valor municipal Maior valor municipal NUTS III

PORTUGAL

%

Moita Oeiras

Murtosa Aveiro

Arouca Maia

Oeiras

Terras de Bouro Braga

P.Serra Coimbra

Figueiró dos VinhosPedrogão Grande

Peniche Óbidos

Alpiarça Benavente

V.V.Ródão Castelo Branco

Portel Évora

V.Minho Vila Nova de Famalicão

Vila de Rei Constância

FunchalP.Moniz

Ponta DelgadaL.FloresCorvo

Oliveira de FradesA. Beira

Monchique Faro

Almeida Covilhã

Crato Gavião

P. Barca Vila Nova de Cerveira

S.Cacém Alcáçer do Sal

Barrancos Beja

Resende Paços de Ferreira

Vimioso Bragança

Tabuaço Vila Real

R.Pena Chaves0 50 km

MunicípioFrequências

Limites territoriais

] 1,77 ; 4,2 ]] 0,8 ; 1,77 ][ 0 ; 0,8 ]

PT

%

NUTS IIMunicípio

13712744

0,18

0,2

0,23

0,3

0,66

0,67

1,16

0,0 0,3 0,6 0,9 1,2

R.A. Madeira

R.A. Açores

Alentejo

Algarve

Centro

Norte

A.M. Lisboa

%

PT = 0,73%

COMPETITIVIDADE

2014

2011

2014

2011

INOVAÇÃO

2017

2014

20

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

73

Página 74

Enquadramento Europeu

Índice de Inovação Regional «Regional Innovation Scoreboard», 2019 (Figura 16) (European Commission, 2019)

Regional Innovation Scoreboard 2019 – Relative performance to EU in «2011»

2011 2013 2015 2017 2019

EU28 EU28 100,0 101,2 101,0 102,0 104,7

PT11 Norte 83,3 82,7 82,2 82,4 97,1

PT15 Algarve 74,9 63,4 60,1 48,6 77,6

PT16 Centro 87,1 81,4 79,9 83,5 96,0

PT17 Lisboa 93,4 95,0 89,6 82,6 99,1

PT18 Alentejo 68,9 64,4 65,7 62,1 73,9

COMPETITIVIDADE

2014

2011

2014

2011

2014

2011

INOVAÇÃO

2017

2014

20

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

74

Página 75

Contexto Nacional

Exportações (valor médio) e taxa média de cobertura das importações pelas exportações, segundo a localização da sede do operador por NUTS III, 2014-2016 (Figura 17) (INE, 2017)

Intensidade exportadora (2013-2015) e taxa de crescimento real anual médio do PIB (2010-2015) (Figura 18) (INE, 2017)

Alto Minho

Cávado

Ave

A.M.Porto

Alto Tâmega

Tâmega e Sousa

Douro

T. Trás-os-Montes

Oeste

Região de Aveiro

Região de Coimbra

Região de Leiria

Viseu e Dão LafõesBeira Baixa

Médio Tejo

Beiras e S.Estrela

A. M. Lisboa

Alentejo Litoral

Baixo Alentejo

Lezíria do TejoAlto Alentejo

Alentejo Central

Algarve

R. A. Açores

R. A. Madeira

-5

-4

-3

-2

-1

0

1

2

0 8 16 24 32 40 48 56 64

Ta

xa

de

cre

sc

ime

nto

re

al a

nu

al m

éd

io d

o P

IB,

20

10

-20

15 P

e (

%)

Intensidade exportadora, 2013-2015 Pe (%)

PT = -0,9%

PT = 27,7%

PORTUGAL

COMPETITI

VIDADE

2014

2011

INTERNACIONALIZAÇÃO

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO 2019____________________________________________________________________________________________________________________

75

Página 76

Grau de abertura ao exterior por NUTS III, 2015 (Figura 19) (INE, 2015)

Proporção das exportações intra-UE (UE28) e das exportações para Espanha no total das

exportações, 2017 (Quadro 9) (INE, 2017)

8680 79 79

74

6359

28

43

2629 27 25

20

33

11

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Algarve Norte Centro Alentejo PORTUGAL A. M.Lisboa

R. A. Açores

R. A. Madeira

%Intra-UE28Espanha

PORTUGAL

COMPETITIVIDADE

2014

2011

INTERNACIONALIZAÇÃO

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

76

Página 77

Contexto Nacional

Produtividade aparente do trabalho por região, 2014 (Figura 20) (INE, 2017)

Contributos para o crescimento real do PIB (var. anual em Log.) (Figura 21)

(The Conference Board, 2018)

COMPETITIVIDADE

2014

2011

CRESCIMENTO E CONVERGÊNCIA

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

77

Página 78

Enquadramento Europeu

PIB per capita, PPP, 2016 (Figura 22) (Eurostat , 2018)

Produtividade (VAB/colaborador) 2015 (Figura 23) (Eurostat , 2018)

COMPETITIVIDADE

2014

2011

CRESCIMENTO E CONVERGÊNCIA

2017

2

014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

78

Página 79

Enquadramento Europeu

Índice de Competitividade Regional Europeu – 2016, Comissão Europeia (Figura 24) (European Commission, 2017)

Índice de Competitividade Regional Europeu – 2016, média nacional e por capital, (Quadro 10) (European Commission, 2017)

COMPETITIVIDADE

ÍNDICE COMPETITIVIDADE

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

79

Página 80

Contexto Nacional

Taxa de crescimento anual médio da componente natural por município, 2011-2016 (Figura 25) (INE, 2017)

Índice de envelhecimento segundo a tipologia de áreas urbanas, 2016 (Figura 26)

(INE, 2017)

0 50 km

MunicípiosFrequências

Limites territoriais

] 0 ; 0,5 ]] - 0,21 ; 0 ]] - 1,0 ; - 0,21 ]] - 1,5 ; - 1,0 ]] - 2,5 ; - 1,5 ]

PT

%

NUTS IIMunicípio

23481643637

Tipologia de áreas urbanas NUTS III

0 200 400 600 800

R.A. Açores

R.A. Madeira

Tâmega e Sousa

Cávado

Ave

A.M. Lisboa

Algarve

A.M. Porto

PORTUGAL

Oeste

Região de Aveiro

Região de Leiria

Lezíria do Tejo

Baixo Alentejo

Viseu Dão Lafões

Região de Coimbra

Alentejo Central

Alto Minho

Alentejo Litoral

Médio Tejo

Douro

Alto Alentejo

Beiras e S. Estrela

Beira Baixa

T. Trás-os-Montes

Alto Tâmega

APU AMU APR NUTS III

N.º

0 50 km

NUTS IIIFrequências

Limites territoriais

NUTS IINUTS III

] 200 ; 298 ]] 150,9 ; 200 ]] 115 ; 150,9 ]] 85 ; 115 ]

PT

N.º

35611

COESÃO

DEMOGRAFIA

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

80

Página 81

Enquadramento Europeu

Idade média população, NUTS III, 2017 (Figura 27) (Eurostat , 2018)

Rácio de dependência de idosos, NUTS III, 2017 (Figura 28) (Eurostat , 2018) [número de

idosos (com 65 e mais anos) em comparação com a população em idade ativa (15-64 anos)]

COESÃO

DEMOGRAFIA

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

81

Página 82

Contexto Nacional

Tipologia de Exclusão Social (Figura 29) (Seg. Social, 2015)

Indicadores da Economia Social, 2013, (Quadro 11) (INE, 2016)

COESÃO

INCLUSÃO SOCIAL

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

82

Página 83

Criminalidade (Figura 30) (Seg. Social, 2015) (Mapa esquerdo)2 Desemprego (Figura 31) (Seg. Social, 2015) (Mapa direito)

Dependência da reforma ou pensão (Figura 32) (Seg. Social, 2015) (Mapa esquerdo)

Dependência de subsídio ou apoio social (Figura 33) (Seg. Social, 2015) (Mapa direito)

COESÃO

INCLUSÃO SOCIAL

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

83

Página 84

Rendimento (Figura 34) (Seg. Social, 2015) (Mapa esquerdo) Valor médio das pensões (Figura 35) (Seg. Social, 2015) (Mapa direito)

Encargos com a aquisição ou arrendamento de habitação (Figura 36) (Seg. Social, 2015)

COESÃO

INCLUSÃO SOCIAL

2017

26

INCLUSÃO SOCIAL

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

84

Página 85

Enquadramento Europeu

Desemprego de longa duração, 2017 (Figura 37) (Eurostat , 2018)

Taxa de emprego por tipologia urbana (Quadro 12)

COESÃO

INCLUSÃO SOCIAL

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

85

Página 86

Enquadramento Europeu

Padrão de poder de compra e consumo, 2015 (Figura 38) (Eurostat , 2018)

Agregados familiares cujos custos totais de habitação representam mais de 40% do rendimento disponível, 2016 (Quadro 13) (Eurostat , 2018)

COESÃO

INCLUSÃO SOCIAL

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

86

Página 87

Contexto Nacional

Esperança de vida à nascença, 2014-2016 (Figura 39) (INE, 2017)

Óbitos por causa de morte (em %), 2016 e 2017, Portugal (Quadro 14) (INE, 2017)

COESÃO

SAÚDE

SAÚDE

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

87

Página 88

Enquadramento Europeu

Proporção de pessoas que percebem a própria saúde como boa ou muito boa, por grau de urbanização, 2016 (Quadro 15) (Eurostat , 2018)

Taxa de mortalidade por doenças crónicas, 2013-2015 (Figura 40) (Eurostat , 2018)

COESÃO

SAÚDE

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

88

Página 89

Enquadramento Europeu

População adulta com necessidades não satisfeitas de cuidados de saúde – por ser muito cara; longe demais para viajar; ou por causa de listas de espera, por grau de urbanização, 2016 (Quadro 16) (Eurostat , 2018)

Esperança de vida à nascença, 2015 (Figura 41) (European Commission, 2017)

COESÃO SAÚDE

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

89

Página 90

Contexto Nacional

Baixos níveis de habilitações escolares (Figura 42) (Seg. Social, 2015)

Proporção de pessoas entre 16 e 74 anos que utilizam computador, Internet e comércio eletrónico, 2014 (Quadro 17) (INE, 2014)

COESÃO

EDUCAÇÃO, CULTURA E

SOCIEDADE DIGITAL

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

90

Página 91

Enquadramento Europeu

Abandono escolar, 2017 (Figura 43) (Eurostat , 2018) (Mapa esquerdo) Proporção de população, entre 25-64 anos, diplomada com ensino superior (Figura

44) (European Commission, 2019) (Mapa direito)

Proporção de população, entre 25-64 anos, diplomada com ensino superior (Figura 45) (European Commission, 2019)

E

EDUCAÇÃO, CULTURA E

SOCIEDADE DIGITAL

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

91

Página 92

Enquadramento Europeu

Proporção da população que usa e-commerce, 2017 (Figura 46) (Eurostat , 2018)

Proporção da população que participa em redes sociais, 2017 (Figura 47)

(Eurostat , 2018)

COESÃO

EDUCAÇÃO, CULTURA E

SOCIEDADE DIGITAL

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

92

Página 93

Enquadramento Europeu

Índice de Progresso Social Europeu «EU Social Progress Index», 2016 (Figura 48) (European Commission, 2017)

COESÃO

ÍNDICE DE COESÃO

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

93

Página 94

Contexto Nacional

Mapa da Rede Nacional de Áreas Protegidas (Figura 49) (ICNF, 2019)

Carta de perigosidade de incêndio florestal (Figura 50) (ICNF, 2019)

SUSTENTABILIDADE

CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

94

Página 95

Classificação do estado ecológico das massas de água superficiais, no 2.º ciclo, nas oito Regiões Hidrográficas existentes em Portugal continental (Figura 51) (APA, 2019)

Classificação do estado químico das massas de água superficiais, no 2.º ciclo, nas oito

Regiões Hidrográficas (Figura 52) (APA, 2019) (Mapa esquerdo) Classificação do estado químico das massas de água subterrâneas, no 2.º ciclo, nas

oito Regiões Hidrográficas (Figura 53) (APA, 2019) (Mapa direito)

SUSTENTABILIDADE

CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

95

Página 96

Enquadramento Europeu

Impacto climático no cenário de aumento da temperatura em 2º C (Figura 54) (European Commission, 2017)

Rios e lagos com qualidade de água inferior ao bom estado ecológico (Figura 55) (European Commission, 2017)

SUSTENTABILIDADE

CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

96

Página 97

Enquadramento Europeu

Eletricidade gerada através de energias renováveis (Figura 56) (European Commission, 2017)

Resíduos depositados em aterros, 2014 (Quadro 18) (European Commission, 2017)

SUSTENTABILIDADE

ECONOMIA CIRCULAR

ECONOMIA CIRCULAR

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

97

Página 98

Consumo doméstico de recursos, ton. per capita, 2015 (Quadro 19) (European Commission, 2019)

Suscetibilidade dos solos à desertificação (Figura 57) (ICNF, 2019) (Mapa esquerdo)

Linha de costa em erosão (Figura 58) (APA, 2019) (Mapa direito)

SUSTENTABILIDADE

ÍNDICE SUSTENTABILIDADE

2017

2014

2011

II SÉRIE-C — NÚMERO 18____________________________________________________________________________________________________________________

98

Página 99

Os índices compósitos apresentados são o resultado do desempenho das dimensões:  Competitividade;  Coesão;  Sustentabilidade.

A matriz de correlações apresenta o sentido e a intensidade das associações entre as dimensões.

Índice Competitividade Coesão Sustentabilidade

Índice 1,000 0,842 0,793 -0,199Competitividade 0,842 1,000 0,633 -0,536

Coesão 0,793 0,633 1,000 -0,316

Sustentabilidade -0,199 -0,536 -0,316 1,000

Índice Competitividade Coesão Sustentabilidade

Índice 1,000 0,892 0,832 -0,112Competitividade 0,892 1,000 0,743 -0,301

Coesão 0,832 0,743 1,000 -0,297

Sustentabilidade -0,112 -0,301 -0,297 1,000

Índice Competitividade Coesão Sustentabilidade

Índice 1,000 0,865 0,784 -0,118Competitividade 0,865 1,000 0,552 -0,345

Coesão 0,784 0,552 1,000 -0,461

Sustentabilidade -0,118 -0,345 -0,461 1,000

Matriz de Correlações - 2017

Matriz de Correlações - 2014

Matriz de Correlações - 2011

ÍNDICE ASSIMETRIAS REGIONAIS

COESÃOSUSTENTABILIDADE

COESÃO, COMPETITIVIDADE E

SUSTENTABILIDADEÍNDICE COM 3 DIMENSÕES

2017

2014

2011

COESÃO E COMPETITIVIDADEÍNDICE COM 2 DIMENSÕES

2017

2014

2011

13 DE SETEMBRO DE 2019____________________________________________________________________________________________________________________

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II SÉRIE-C — NÚMERO 18

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A análise das dimensões e subdimensões (fatores) referente às regiões NUTS III, para os anos de 2011 e

2017, é apresentada nos quadros seguintes, observando-se a distância relativa de cada região em relação à média de Portugal continental (os valores foram normalizados, passaram a apresentar média igual a 0), e também o seu desempenho comparativo exposto de acordo com a sua posição.

COMPETITIVIDADE

NUTS II MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃOAlto M inho Norte 0,0598 9 0,0511 9 0,0786 9 -0,1717 13 -0,1642 12 -0,0367 10Cávado Norte -0,1535 16 -0,0286 11 0,8657 3 0,5038 3 0,5566 5 0,9437 5Ave Norte -0,111 15 0,1624 6 0,2747 5 -0,1969 15 -0,2362 14 -0,2893 15Área Metropolitana do Porto Norte 0,3636 3 0,5656 2 1,0829 2 1,2603 2 0,8709 4 0,9995 4Alto Tâmega Norte 0,1793 4 -0,1628 14 -0,4743 19 -0,3698 18 -0,7056 19 -1,0088 22Tâmega e Sousa Norte 0,0387 10 -0,3027 17 0,3321 4 -0,1379 11 -0,9615 23 -1,0909 23Douro Norte -0,1703 18 -0,413 19 -0,0889 12 0,1336 6 -0,3487 16 -0,7016 20Terras de Trás-os-Montes Norte -0,0689 13 -0,5982 23 -0,3316 17 0,0237 7 -0,7632 21 -0,886 21Oeste Centro -0,3272 22 -0,0011 10 0,1195 7 0,4412 5 0,3727 7 0,4681 6Região de Aveiro Centro 0,1625 5 0,3174 5 0,1912 6 0,4437 4 0,9687 3 1,1403 2Região de Coimbra Centro 0,0886 8 -0,0735 12 -0,2419 15 -0,0456 10 1,1314 2 1,0749 3Região de Leiria Centro 0,0056 11 0,1239 7 -0,0013 10 -0,0059 8 0,2203 8 -0,1223 12Viseu Dão Lafões Centro 0,1545 6 0,1081 8 -0,2031 14 -0,1915 14 -0,6048 18 -0,4584 17Beira Baixa Centro -0,0074 12 -0,2634 16 -0,5638 21 -0,3663 17 0,0672 9 0,0781 8Médio Tejo Centro -0,0716 14 -0,1477 13 -0,2798 16 -0,0154 9 -0,3007 15 -0,223 13Beiras e Serra da Estrela Centro -0,2712 20 -0,4477 21 -0,752 22 -0,7633 22 -0,0511 10 -0,0358 9Área Metropolitana de Lisboa

Área Metropolitana de Lisboa 1,1688 1 1,8157 1 1,8038 1 2,2975 1 1,8484 1 1,6696 1

Alentejo Litoral Alentejo 0,1501 7 0,4174 3 -0,0074 11 -0,5301 20 -0,833 22 -0,6665 19Baixo Alentejo Alentejo 0,5252 2 0,3274 4 -0,1117 13 -0,4013 19 -0,7315 20 -0,5168 18Lezíria do Tejo Alentejo -0,178 19 -0,2265 15 0,1149 8 -0,1393 12 -0,0999 11 -0,0947 11Alto Alentejo Alentejo -0,1672 17 -0,424 20 -0,5571 20 -0,876 23 -0,5288 17 -0,4052 16Alentejo Central Alentejo -0,2764 21 -0,4659 22 -0,3702 18 -0,6561 21 0,5187 6 0,4243 7Algarve Algarve -1,094 23 -0,3337 18 -0,8804 23 -0,2366 16 -0,2259 13 -0,2626 14

20112011 2017 2011 2017 2017INOVAÇÃOPOTENCIAL HUMANO DINÂMICA EMPRESARIAL

NUTS II MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO M ÉDIA POSIÇÃO M ÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃOAlto Minho Norte 0,9981 3 1,3047 2 -0,7677 22 -0,189 16 0,0409 9 0,1917 6Cávado Norte -0,2037 14 -0,0381 13 -0,2948 17 -0,1376 13 0,1541 6 0,2486 5Ave Norte 0,9928 4 0,825 4 0,0914 9 -0,1412 14 0,2024 5 0,072 8Área Metropolitana do Porto Norte 0,2484 8 0,2391 9 0,4623 4 0,6059 4 0,6056 2 0,7341 2Alto Tâmega Norte -1,3841 23 -1,3498 23 -0,3142 18 -0,8162 21 -0,5398 22 -0,7415 23Tâmega e Sousa Norte -0,2832 15 -0,4339 17 -0,5134 21 -0,7178 19 -0,2775 17 -0,5367 21Douro Norte -1,0733 21 -1,2758 22 -0,4471 19 -0,8834 22 -0,4257 21 -0,6281 22Terras de Trás-os-Montes Norte -0,4247 19 0,5754 5 -0,18 13 -1,5298 23 -0,3537 19 -0,483 19Oeste Centro -0,4241 18 -0,4416 18 -0,7688 23 -0,1956 17 -0,2056 16 0,0542 9Região de Aveiro Centro 1,1776 2 0,8965 3 0,1651 7 0,1431 8 0,533 3 0,5882 3Região de Coimbra Centro -0,6234 20 -0,6064 20 0,0616 10 0,0425 10 0,0833 7 0,0784 7Região de Leiria Centro -0,1942 13 -0,1599 14 0,2022 5 0,268 5 0,0465 8 0,0208 10Viseu Dão Lafões Centro 0,3916 6 0,2943 8 -0,2317 16 -0,1847 15 -0,0987 13 -0,0865 14Beira Baixa Centro -0,2913 16 -0,301 16 0,1122 8 -0,111 12 -0,1366 14 -0,1927 16Médio Tejo Centro -0,0366 11 -0,0329 12 -0,2042 14 0,0602 9 -0,1786 15 -0,0717 13Beiras e Serra da Estrela Centro -0,3889 17 -0,2809 15 -0,4907 20 -0,7548 20 -0,3908 20 -0,4565 18Área Metropolitana de Lisboa

Área Metropolitana de Lisboa 1,6064 1 1,4905 1 2,1677 1 2,1277 1 1,719 1 1,8802 1

Alentejo Litoral Alentejo 0,3284 7 0,5288 6 0,558 3 1,7229 2 0,0392 10 0,2945 4Baixo Alentejo Alentejo 0,7702 5 0,3616 7 0,6218 2 0,2634 6 0,2148 4 0,0069 11Lezíria do Tejo Alentejo 0,1533 9 0,1492 10 -0,0774 11 0,1721 7 -0,0174 12 -0,0278 12Alto Alentejo Alentejo -0,1854 12 -0,5502 19 -0,2309 15 -0,4044 18 -0,3339 18 -0,532 20Alentejo Central Alentejo 0,0357 10 0,0407 11 0,1836 6 0,0355 11 0,0183 11 -0,1243 15Algarve Algarve -1,1893 22 -1,2352 21 -0,1049 12 0,6242 3 -0,6989 23 -0,2888 17

2011 20172011 2017 2011 2017INTERNACIONALIZAÇÃO CRESCIM ENTO COMPETITIVIDADE

SÍNTESE DOS INDICADORES

Página 101

13 DE SETEMBRO DE 2019

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COESÃO

NUTS II MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃOAlto M inho Norte -0,4147 15 -0,5419 16 0,1026 11 0,2394 8 -0,0442 12 -0,0442 12Cávado Norte 1,3071 2 1,3111 2 0,0465 12 0,3087 5 1,4072 1 1,4072 1Ave Norte 1,1422 4 0,9626 5 -0,1408 16 0,2139 11 0,7953 3 0,7953 3Área Metropolitana do Porto Norte 1,0302 6 0,9698 4 -0,4466 20 -0,4206 18 0,7966 2 0,7966 2Alto Tâmega Norte -1,4549 23 -1,5279 23 -0,6649 23 -0,5348 22 -0,4888 18 -0,4888 18Tâmega e Sousa Norte 1,2489 3 0,9306 6 -0,6107 22 -0,3522 17 0,5964 5 0,5964 5Douro Norte -0,4255 16 -0,6274 17 -0,49 21 -0,7876 23 0,0101 10 0,0101 10Terras de Trás-os-Montes Norte -1,3956 22 -1,2367 20 -0,3189 18 -0,4424 19 -0,2998 15 -0,2998 15Oeste Centro 0,6058 7 0,4847 8 0,2582 5 0,5352 2 -0,208 13 -0,208 13Região de Aveiro Centro 0,4644 8 0,678 7 0,1926 8 0,379 4 0,5532 6 0,5532 6Região de Coimbra Centro -0,0534 12 -0,1672 12 0,2525 6 0,2362 10 0,3485 9 0,3485 9Região de Leiria Centro 0,3605 9 0,4444 9 0,4763 3 0,6241 1 0,6022 4 0,6022 4Viseu Dão Lafões Centro 0,0182 11 -0,2899 15 0,1389 9 0,0357 13 0,3946 8 0,3946 8Beira Baixa Centro -1,388 21 -1,2762 21 0,2188 7 -0,0084 14 -0,5797 20 -0,5797 20Médio Tejo Centro -0,5488 18 -0,6885 18 0,3844 4 0,3968 3 -0,3563 17 -0,3563 17Beiras e Serra da Estrela Centro -1,3407 20 -1,3399 22 -0,1125 14 -0,2015 16 -0,2914 14 -0,2914 14Área Metropolitana de Lisboa

Área Metropolitana de Lisboa 1,6048 1 1,8197 1 0,5895 2 0,2962 6 0,4449 7 0,4449 7

Alentejo Litoral Alentejo -0,2743 14 -0,199 14 0,6975 1 0,2847 7 -0,6995 21 -0,6995 21Baixo Alentejo Alentejo -0,4981 17 -0,0408 11 -0,1823 17 -0,4989 20 -1,208 23 -1,208 23Lezíria do Tejo Alentejo 0,1098 10 0,036 10 0,0286 13 0,2363 9 -0,574 19 -0,574 19Alto Alentejo Alentejo -1,0254 19 -0,7836 19 -0,4292 19 -0,5336 21 -0,8692 22 -0,8692 22Alentejo Central Alentejo -0,1695 13 -0,1917 13 0,1349 10 -0,0839 15 -0,3041 16 -0,3041 16Algarve Algarve 1,0997 5 1,274 3 -0,1254 15 0,0772 12 -0,0258 11 -0,0258 11

2011 2017 2011 2017 2011 2017 DEMOGRAFIA INCLUSÃO SOCIAL SAÚDE

EDUCAÇÃO, CULT. E SOC. DIGITAL

NUTS II MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃOAlto M inho Norte 0,3 5 0,4124 5 -0,0189 14 0,0164 12Cávado Norte 0,1382 9 0,7646 1 0,5719 2 0,9479 1Ave Norte 0,0943 10 -0,1058 13 0,4776 3 0,4665 3Área Metropolitana do Porto Norte 0,4412 3 0,4282 4 0,454 4 0,4435 4Alto Tâmega Norte -0,6508 23 -0,3897 21 -0,9189 23 -0,7353 23Tâmega e Sousa Norte -0,5921 22 -0,3704 19 0,0289 13 0,2011 9Douro Norte 0,8928 1 0,2951 7 0,0446 12 -0,2774 17Terras de Trás-os-Montes Norte 0,0384 11 -0,1342 14 -0,4443 19 -0,5283 19Oeste Centro -0,3666 19 -0,3206 16 0,108 9 0,1228 10Região de Aveiro Centro -0,0977 13 -0,042 12 0,2706 7 0,392 6Região de Coimbra Centro 0,628 2 0,6403 2 0,3202 5 0,2644 7Região de Leiria Centro -0,1241 15 0,0164 10 0,3019 6 0,4218 5Viseu Dão Lafões Centro -0,0325 12 0,3437 6 0,0449 11 0,121 11Beira Baixa Centro -0,1153 14 -0,4083 22 -0,6465 21 -0,5681 22Médio Tejo Centro -0,2475 17 -0,2973 15 -0,1023 15 -0,2363 15Beiras e Serra da Estrela Centro 0,2709 7 -0,0082 11 -0,3751 18 -0,4603 18Área Metropolitana de Lisboa

Área Metropolitana de Lisboa 0,2715 6 0,1294 8 0,6661 1 0,6725 2

Alentejo Litoral Alentejo -0,264 18 -0,3416 17 -0,1714 17 -0,2389 16Baixo Alentejo Alentejo -0,1939 16 -0,3772 20 -0,7433 22 -0,5312 21Lezíria do Tejo Alentejo -0,4925 21 -0,5535 23 -0,1432 16 -0,2138 14Alto Alentejo Alentejo 0,2248 8 0,0665 9 -0,6126 20 -0,53 20Alentejo Central Alentejo 0,3409 4 0,6082 3 0,0545 10 0,0071 13Algarve Algarve -0,4642 20 -0,3566 18 0,1778 8 0,2422 8

2011 2017 2011 2017COESÃO

SÍNTESE DOS INDICADORES

Página 102

II SÉRIE-C — NÚMERO 18

102

SUSTENTABILIDADE

NUTS II MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃO MÉDIA POSIÇÃOAlto M inho Norte -0,1528 14 -0,1484 14 0,4378 3 0,4121 3 0,1425 8 0,1318 10Cávado Norte -0,4558 18 -0,1138 13 0,2697 6 0,394 4 -0,0931 16 0,1401 9Ave Norte -0,9777 23 -0,566 20 0,4478 2 0,6334 2 -0,2649 18 0,0337 13Área Metropolitana do Porto Norte -0,9272 22 -1,5096 23 0,3183 5 0,2989 6 -0,3044 19 -0,6053 23Alto Tâmega Norte -0,1039 13 0,3501 6 0,1896 8 0,2491 7 0,0429 13 0,2996 3Tâmega e Sousa Norte -0,6426 19 -0,5589 19 0,8862 1 0,6788 1 0,1218 9 0,0599 11Douro Norte 0,0487 12 0,2002 9 0,089 11 0,1313 9 0,0689 11 0,1658 7Terras de Trás-os-Montes Norte 1,1383 1 1,2421 1 -0,158 17 -0,3333 21 0,4901 1 0,4544 1Oeste Centro -0,8461 21 -0,8544 22 -0,1077 16 -0,05 15 -0,4769 23 -0,4522 22Região de Aveiro Centro 0,3383 6 -0,2165 16 0,4336 4 0,0409 14 0,386 3 -0,0878 16Região de Coimbra Centro 0,1832 10 0,1752 10 -0,263 20 -0,0835 17 -0,0399 14 0,0459 12Região de Leiria Centro 0,2214 9 0,2568 8 -0,0452 15 0,3239 5 0,0881 10 0,2904 4Viseu Dão Lafões Centro 0,1491 11 0,1576 11 0,2359 7 0,204 8 0,1925 6 0,1808 6Beira Baixa Centro 0,3097 8 0,0945 12 0,0898 10 -0,3138 20 0,1998 5 -0,1096 17Médio Tejo Centro -0,2078 15 -0,1796 15 0,044 13 0,0626 12 -0,0819 15 -0,0585 14Beiras e Serra da Estrela Centro 0,3258 7 0,4333 5 0,0091 14 -0,114 19 0,1674 7 0,1596 8Área Metropolitana de Lisboa

Área Metropolitana de Lisboa -0,2533 17 -0,3889 18 -0,4247 21 -0,076 16 -0,339 20 -0,2324 19

Alentejo Litoral Alentejo 0,5914 4 0,5547 4 -1,3089 23 -1,341 23 -0,3587 21 -0,3931 21Baixo Alentejo Alentejo 0,3412 5 0,2876 7 0,0876 12 0,098 11 0,2144 4 0,1928 5Lezíria do Tejo Alentejo -0,737 20 -0,7775 21 -0,2069 18 0,0578 13 -0,4719 22 -0,3598 20Alto Alentejo Alentejo 0,8477 3 0,6607 3 0,1162 9 0,1166 10 0,4819 2 0,3887 2Alentejo Central Alentejo -0,2241 16 -0,234 17 -0,2184 19 -0,0924 18 -0,2213 17 -0,1632 18Algarve Algarve 1,0336 2 1,1347 2 -0,9218 22 -1,3049 22 0,0559 12 -0,0851 15

2017 2011 20172011 2017 2011CONSERVAÇÃO DA NATUREZA ECONOMIA CIRCULAR SUSTENTABILIDADE

ÍNDICE

NUTS II MÉDIA POSIÇÃOVALORES MÉDIA POSIÇÃOVALORES MÉDIA POSIÇÃOVALORES MÉDIA POSIÇÃOVALORESAlto M inho Norte 0,0548 8 45,649 0,1133 8 43,378 0,022 9 38,523 0,104 8 41,814Cávado Norte 0,211 4 59,178 0,4455 2 71,875 0,726 4 56,837 0,5983 2 66,344Ave Norte 0,1383 6 52,884 0,1907 6 50,019 0,6799 5 55,638 0,2693 5 50,013Área Metropolitana do Porto Norte 0,2517 3 62,708 0,1908 5 50,02 1,0596 2 65,515 0,5888 3 65,873Alto Tâmega Norte -0,472 23 0 -0,3924 23 0 -1,4587 23 0 -0,7384 23 0Tâmega e Sousa Norte -0,0422 10 37,236 -0,0919 12 25,777 -0,2485 14 31,484 -0,1678 16 28,322Douro Norte -0,1041 13 31,879 -0,2466 20 12,51 -0,3811 16 28,035 -0,4527 19 14,178Terras de Trás-os-Montes Norte -0,1026 12 32,004 -0,1856 17 17,737 -0,798 21 17,189 -0,5056 21 11,554Oeste Centro -0,1915 19 24,302 -0,0917 11 25,789 -0,0976 11 35,41 0,0885 9 41,042Região de Aveiro Centro 0,3965 2 75,257 0,2975 3 59,175 0,8036 3 58,856 0,4901 4 60,976Região de Coimbra Centro 0,1212 7 51,398 0,1296 7 44,771 0,4035 6 48,446 0,1714 7 45,157Região de Leiria Centro 0,1455 5 53,506 0,2443 4 54,614 0,3485 7 47,015 0,2213 6 47,632Viseu Dão Lafões Centro 0,0462 9 44,904 0,0718 9 39,817 -0,0537 10 36,551 0,0173 11 37,508Beira Baixa Centro -0,1945 20 24,046 -0,2902 22 8,7702 -0,7831 20 17,575 -0,3804 18 17,767Médio Tejo Centro -0,1209 15 30,418 -0,1222 16 23,177 -0,2808 15 30,643 -0,154 15 29,004Beiras e Serra da Estrela Centro -0,1995 21 23,61 -0,2524 21 12,01 -0,7659 19 18,024 -0,4584 20 13,898Área Metropolitana de Lisboa

Área M etropolitana de Lisboa 0,6821 1 100 0,7734 1 100 2,3851 1 100 1,2764 1 100

Alentejo Litoral Alentejo -0,1636 18 26,717 -0,1125 15 24,009 -0,1321 12 34,512 0,0278 10 38,03Baixo Alentejo Alentejo -0,1047 14 31,823 -0,1105 14 24,178 -0,5285 18 24,2 -0,2622 17 23,636Lezíria do Tejo Alentejo -0,2108 22 22,626 -0,2005 18 16,462 -0,1606 13 33,771 -0,1208 14 30,653Alto Alentejo Alentejo -0,1548 16 27,479 -0,2244 19 14,409 -0,9465 22 13,327 -0,531 22 10,296Alentejo Central Alentejo -0,0495 11 36,606 -0,0935 13 25,643 0,0727 8 39,842 -0,0586 13 33,741Algarve Algarve -0,1551 17 27,459 -0,0439 10 29,894 -0,5211 17 24,392 -0,0233 12 35,494

2011 2017 2011 2017COMPETITIVIDADE E COESÃOCOMPETITIVIDADE, COESÃO E SUSTENTABILIDADE

ÍNDICE ÍNDICE

SÍNTESE DOS INDICADORES

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A compreensão dos padrões de assimetrias regionais resulta de um processo de decomposição das dimensões competitividade, coesão e sustentabilidade. A análise proposta pela Comissão Independente para a Descentralização explora a escala regional NUTS III e compara com as estatísticas disponíveis nas diferentes escalas nacional e europeia, referente ao período de 2011 a 2017, coincidindo com um contexto de recuperação de uma crise macroeconómica.

Os fenómenos de localização têm de ser abordados a diferentes escalas e de forma complementar, pelo que também a escala europeia deve ser considerada e é também a essa escala que as opções de política territorial se devem colocar.

Quando comparamos a cartografia e os gráficos das dimensões e dos fatores em análise no estudo realizado, podemos ver como os contrastes territoriais têm caracterizado o país. A apresentação das assimetrias territoriais é seguidamente formulada de acordo com as dimensões em estudo.

(i)Competitividade – dinâmica empresarial,

potencial humano, inovação, internacionalização da economia, crescimento e convergência produtiva

Há uma multiplicidade de fatores que podem explicar a competitividade. Importa salientar que no âmbito territorial a escolha das localizações pelos agentes económicos é um processo dinâmico. A mobilidade dos fatores é função das relações entre agentes económicos, de economias de aglomeração, de economias de escala, de indivisibilidades produtivas, da fricção das distâncias, dos custos de relocalização ou de outros fatores de inércia. Pretendeu-se compreender a competitividade abordando os fatores da dinâmica empresarial, do potencial humano, da inovação, da internacionalização e do crescimento e convergência produtiva.

A dinâmica empresarial reflete a capacidade de produzir e de comercializar, a dimensão dos mercados nacionais e regionais, a segmentação da procura, os custos de transporte, o risco, a rendibilidade, o espaço das relações, etc. Constata-se a perda de dinâmica empresarial, oriunda do anterior contexto de crise macroeconómica, de forma acentuada nas Terras de Trás-os-Montes, Douro,

Beiras e Serra da Estrela, Alto Alentejo, Alentejo Central e Algarve.

São indissociáveis da dinâmica empresarial as aglomerações (clusters) industriais territoriais, que constituem um conjunto de entidades que competem e cooperam entre si, em termos comerciais e tecnológicos, num processo ou cadeia de criação coletiva e cumulativa de valor em torno de uma atividade central. Para o efeito a análise dos 10 clusters das indústrias emergentes na Europa destaca alguma dinâmica na AM Lisboa e a importância associada ao cluster papel e embalagem no Norte do país. Porém Portugal apresenta um comportamento periférico à capacidade de aglomeração registada na Europa Central.

Observa-se a preponderância da faixa litoral na concentração empresarial e também se constata que os níveis de endividamento das empresas portuguesas limitam a capacidade de investimento da economia, sendo de destacar que cerca de 30% do tecido empresarial está em situação de falência técnica. Por fim refiram-se os baixos níveis de rendibilidade, que só iniciaram a inverter de forma positiva a partir de 2014.

Genericamente, o comportamento registado na dinâmica empresarial em 2017 corresponde à incapacidade das restantes regiões do país acompanharem o significativo ritmo empresarial das AM de Lisboa e do Porto. Como tal apresentam na maioria dos indicadores valores inferiores à média nacional. É também de referir as particularidades observadas na dinâmica empresarial nas regiões do Alentejo Litoral e do Baixo Alentejo.

Partindo do pressuposto de que uma empresa ao procurar localizar-se em zonas menos desenvolvidas pode ter dificuldades em obter colaboradores em número e com qualificações desejáveis, bem como de beneficiar de economias de aglomeração e de urbanização, a subdimensão potencial humano pretende reter informação relativa à densidade populacional, à componente migratória, à renovação da população em idade ativa e aos trabalhadores com ensino superior. O potencial humano está concentrado na faixa litoral desde a região de AM Lisboa ao Norte do país, em consonância com a densidade populacional e com a maior disposição de colaboradores com ensino superior.

 Agregação de grupos homogéneos de

BREVE NOTA EXPLICATIVA

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territórios no âmbito da Competitividade, 2011 (Figura 3) Elaboração do próprio (análise de clusters com inclusão de todos os indicadores usados no âmbito da competitividade)

A Inovação assenta em dois pilares: a geração e

difusão de conhecimento (instituições I&D&I, de interface, de formação e ensino), e a sua aplicação e exploração (a nível produtivo e comercial). Esta subdimensão pretende captar a informação relativa a estes diferentes aspetos. Comparativamente com os seus parceiros europeus, e segundo os últimos dados do «Innovation Scoreboard 2019», as regiões NUTS II de Portugal apresenta dois ritmos distintos: Lisboa, Norte e Centro evidenciam um ritmo inovador elevado, quase a atingir a média da União Europeia (28), enquanto o Alentejo e o Algarve registam uma dinâmica de inovação moderada. Contudo, quando considerado em mais detalhe, manifesta-se a sua diversificação nas regiões NUTS III, contribuindo cada uma, de forma específica, observando-se uma associação entra a distribuição das despesas em I&D em proporção do PIB e a proporção de empresas em sectores de alta e média-alta tecnologia, sendo de destacar as regiões das AM Lisboa e do Porto, Coimbra, Aveiro e a situação particular do Alentejo Central (que se deve à importância das atividades localizadas em Sines).

 Agregação de grupos homogéneos de territórios no âmbito da Competitividade, 2017 (Figura 4) Elaboração do próprio

A internacionalização está associada à

capacidade que as empresas, indústrias, regiões, e países têm de gerar, quando expostas à concorrência internacional e díspares níveis de rendimento, emprego e salários. Ao nível das exportações, é de destacar as relações comerciais com o país vizinho, Espanha, que representam 25% do todo nacional, sendo uma dinâmica transversal a todas as regiões NUTS II.

No âmbito do crescimento e da convergência, a redução do investimento em Portugal foi apontada como uma das possíveis causas para a desaceleração da produtividade. É de salientar a conhecida associação entre a produtividade e o crescimento do PIB bem expressa nas regiões em 2017, sendo de observar o pior desempenho em ambos os indicadores nas regiões Terras de Trás-os-Montes, Tâmega e Sousa, Douro e Alto Tâmega.

Foi promovida a elaboração de uma análise por agregação de grupos homogéneos de territórios no âmbito da competitividade, associando todas as variáveis aplicadas no estudo desta dimensão. Para tal recorreu-se à análise estatística por clusters, sendo de observar a heterogeneidade dos espaços e a mutação temporal ocorrida entre 2011 e 2017. De referir que a dimensão competitividade em 2017,

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observável na figura 60, apresentava dois clusters distintos e não contíguos na faixa interior até ao Algarve, uma dinâmica distinta entre as regiões de AM Porto, Cávado, Ave, Tâmega e Sousa, a particularidade da AM Lisboa e um cluster inclusivo das restantes regiões da faixa litoral Centro e Norte.

Igualmente a merecer destaque, surge o facto que, sendo a distância a variável mais relevante do espaço das localizações, a contiguidade entre espaços físicos constitui um fator relevante na propagação do crescimento económico entre regiões. Porém, o progresso tecnológico e a transformação digital conduzem à perda de importância da contiguidade dos espaços como fator difusor de progresso, o que corresponde a um desafio de futuro.

(ii) Coesão – demografia, inclusão social,

saúde e educação, cultura e sociedade digital

Pudemos verificar que persistem assimetrias regionais entre as regiões portuguesas, o estudo desenvolvido permite identificar as regiões com melhor desempenho e as mais penalizadas ao nível da coesão, bem como assimilar os níveis de diversificação e homogeneidade de comportamentos entre regiões através de análise por clusters.

As regiões com melhor dinâmica demográfica correspondem à AM Lisboa, Cávado, Ave, AM Porto e Algarve, e os piores desempenhos apresentam-se no eixo interior que inclui o Alto Tâmega, Terras de Trás-os-Montes, Beiras e serra da Estrela, Beira Baixa e Alto Alentejo. De salientar que o referido eixo é contíguo com as províncias espanholas que registam piores comportamentos demográficos. Enfatiza-se, por opção metodológica, que a densidade populacional foi integrada na análise da subdimensão potencial humano associada à competitividade.

A tipificação da inclusão social ocorreu com base nas vertentes do rendimento, desemprego, encargos com habitação e criminalidade. Pretendeu-se observar as dimensões de vulnerabilidade associadas às situações de pobreza e exclusão social.

Genericamente, o comportamento de destaque na distribuição do ganho médio mensal corresponde à desigual repartição entre as regiões do litoral e do interior. O valor médio das pensões acompanha o comportamento dos rendimentos, sendo de registar os montantes mais baixos nas regiões do Alto Tâmega, Douro, Terras de Trás-os-Montes, Beiras e serra da Estrela, Baixo Alentejo, Alto Alentejo, Viseu

Dão-Lafões. A maior incidência de dependência de prestações sociais regista-se na AM do Porto, no Tâmega e Sousa, no Alto Alentejo e no Baixo Alentejo. De relevar que a dinâmica da economia social é mais expressiva nas regiões do Alentejo.

As regiões mais afetadas pela incidência do desemprego correspondem às regiões a norte do rio Douro, em contiguidade com o desempenho das regiões espanholas da Galiza e do Principado das Astúrias. Também se destacam os níveis de desemprego no Alto e no Baixo Alentejo. Por fim, regista-se que a taxa de emprego nacional está acima da média europeia, com a exceção das áreas rurais.

Os maiores encargos da habitação localizam-se nas AM de Lisboa e do Porto, no Algarve e em algumas capitais de distrito. Em contraponto, fora dos grandes centros, designadamente nas regiões de Trás-os-Montes, Alto Tâmega, Douro, Beira Baixa, Beiras e serra da Estrela, Alto Alentejo e Baixo Alentejo, as despesas das famílias com a habitação são menos significativas.

 Agregação de grupos homogéneos de

territórios no âmbito da Coesão, 2011 (Figura 5) Elaboração do próprio (análise de clusters com inclusão de todos os indicadores usados no âmbito da coesão)

No âmbito da criminalidade regista-se maior

incidência nas regiões mais urbanas, em particular no Algarve e nas AM de Lisboa e do Porto.

A saúde das populações refletida através dos indicadores que apresentam as taxas de mortalidade

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por tipologia de doenças e patologias, bem como através da esperança de vida, destacam as regiões do Alentejo, a Beira Baixa e a Lezíria do Tejo por apresentarem os piores resultados em termos de bem-estar físico e mental.

Ao nível da educação observam-se os piores níveis de escolarização no sul do País, sendo de destacar o melhor desempenho na faixa litoral norte do país. A sociedade digital na vertente do utilizador de computador, Internet e comércio eletrónico regista um melhor desempenho nas regiões AM Lisboa e Algarve. Relativamente aos congéneres europeus, Portugal regista um desempenho significativo na participação em redes sociais e uma menor aderência ao e-comerce.

 Agregação de grupos homogéneos de

territórios no âmbito da Coesão, 2017 (Figura 62) Elaboração do próprio

Quando analisada a evolução do progresso social

a nível europeu, segundo os últimos dados do «Social Progress Index», referente a 2016, a região do Alentejo regista o pior desempenho da Península Ibérica.

Para finalizar, a análise da coesão, através das suas componentes e conforme os retratos observados em períodos distintos, demonstra que a situação é multifacetada e mutável. Vejamos os resultados apurados através da análise estatística por clusters, que possibilitou agregar grupos homogéneos de regiões, com referência a 2011 e a 2017:

– de salientar as regiões que apresentam

dinâmicas de coesão territorial distintas de todas as restantes, nomeadamente a AM Lisboa e o Algarve;

– as duas regiões Alentejo Litoral e Baixo Alentejo apresentam um comportamento singular e com baixos níveis de coesão, tanto em 2011 como em 2017;

– analisando o espaço ocupado pelas restantes regiões, e comparando o ano de 2011 com 2017, observa-se uma alteração da distribuição da coesão territorial: em 2011 regista-se alguma homogeneidade espacial com a exceção do cluster AM Porto/Aveiro e Cávado e do cluster Alto Tâmega/Ave e Tâmega e Sousa. Porém, em 2017 passou a evidenciar-se uma dicotomia litoral/interior.

(iii)Sustentabilidade – conservação da

natureza e economia circular

A análise da sustentabilidade ocorreu nas vertentes da conservação da natureza e da economia circular. De destacar que o espaço é intrinsecamente portador de descontinuidades e fatores de atrito que se refletem no aproveitamento integral e sustentado dos recursos.

A fraca densidade e consistência dos indicadores desta dimensão ao nível das NUTS III condicionou a análise. Porém, ocorreu um esforço na tentativa de extrair informação, sendo de destacar:

– a conservação da natureza está associada às

áreas rurais, com exceção da região do Algarve, situação que decorre da sua paisagem protegida costeira, sendo também de relevar o impacto discricionário dos incêndios florestais nos territórios;

– no âmbito da economia circular, expresso através de indicadores associados ao consumo de energia e de água e à produção de resíduos, refira-se que o consumo doméstico nacional de recursos está acima da média da União Europeia, sendo porém de salientar a melhoria do desempenho nestes indicadores com o evoluir do tempo. O pior desempenho nesta temática regista-se no Algarve, associado à pressão turística, e no Alentejo Litoral, decorrente dos processos de transformação energética em Sines, sendo de salientar o melhor desempenho das regiões Tâmega e Sousa, Ave e Alto Minho.

Outros elementos significativos, contudo, não incluídos no cálculo do índice por limitações estatísticas, mas apresentados em figuras, correspondem aos impactos imediatos e potenciais do aumento da temperatura e da suscetibilidade dos

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solos à desertificação, que apresentam uma maior expressão no sul do País.

(iv) Conclusão – agregação das dimensões

A análise dos fenómenos associados às dimensões Competitividade, Coesão e Sustentabilidade contribui para compreender os processos entre diferentes fatores e em escalas territoriais não exclusivas, incentivando a definição e implementação de políticas de base territorial.

De acordo com os resultados apresentados no índice compósito das 3 dimensões em estudo, regista-se uma correlação positiva e significativa entre o índice e a dimensão Competitividade (0,9) e a Coesão (0,8) ao longo dos anos em análise. Contudo a dimensão sustentabilidade apresenta uma correlação baixa e negativa.

A nível macro foram observadas as identidades económicas e sociais e os respetivos fatores de desenvolvimento. A nível micro analisou-se a concretização dos princípios da eficiência, da equidade e da responsabilidade intergeracional entre as diferentes sub-regiões. Porém, destaca-se a complexidade da integração simultânea de todos estes blocos e a inclusão de diferentes escalas territoriais.

 Agregação de grupos homogéneos de

territórios no âmbito do bem-estar social, 2011 (Figura 63) Elaboração do próprio (análise de clusters com inclusão de todos os indicadores usados no âmbito do índice com 3 dimensões)

Como expresso nas anteriores análises estatísticas por clusters, destacam-se a heterogeneidade territorial e as mutações temporais. Por fim, da leitura baseada em 2017 constata-se uma dicotomia litoral/interior desde o Norte até à região Alentejo Central. A AM Lisboa apresenta um comportamento díspar, tal como sucede no Algarve. Por fim, identificou-se um cluster específico entre as regiões do Alentejo Litoral e Baixo Alentejo. Este retrato é consonante com os resultados apurados no índice compósito e decorre de um padrão consistente com as anteriores análises de clusters realizadas às dimensões Competitividade e Coesão.

 Agregação de grupos homogéneos de

territórios no âmbito do bem-estar social, 2017 (Figura 64) Elaboração do próprio

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Apresenta-se, nos quadros seguintes, a seleção dos 68 indicadores de acordo com as dimensões e

respetivas sub-dimensões (fatores), bem como as fontes de informação, a unidade de medida e a orientação do sentido do indicador em relação ao objetivo do índice.

DIMENSÕES FATORES INDICADORES FONTE / OBSERVAÇÕESOrientação a respeito ao

Índice

Unidade de medida

COMPETITIVIDADE Valor acrescentado bruto (€) por empresa INE e BP - (VAB / N.º Empresas) Positivo (%) Euro (€)

Formação bruta de capital fixo (€) por empresaINE e BP - (FBCF / N.º Empresas)

(Média 3 anos) Positivo (%) Euro (€)Volume de negócios (€) por empresa INE e BP - (VAB / N.º Empresas) Positivo (%) Euro (€)Taxa de sobrevivência (%) das Empresas nascidas 2 anos antes INE Positivo (%)Empresas Nascimentos Líquidos INE Positivo NominalEmpresas Gazela (empresas jovens de elevado crescimento) INE Positivo NominalProporção de empresas das indústrias transformadoras com fatores competitivos avançados nas empresas das indústrias transformadoras (CAE Rev. 3 - %)

INEPositivo (%)

Taxa de investimento (%) das empresas (peso da FBCF em relação ao VAB)

INE - (Formação bruta de capital fixo/ Valor acrescentado bruto

a custo de fatores)*100 (Média 3 anos) Positivo (%)

Proporção do número de empresas em comparação com o total nacionalBP - (N.º Empresas / Total Empresas Nacionais) Positivo (%)

Proporção de vendas e serviços prestados em comparação com o total nacionalBP - (vendas e serviços prestados / Total vendas e serviços prestados nacional) Positivo (%)

Proporção do número de pessoas ao serviço em comparação com o total nacionalBP - (N.º de pessoas ao serviço / Total nacional de pessoas ao serviço) Positivo (%)

Rendabilidade do Ativo BP - Empresas não financeiras Positivo (%)Rendabilidade do Capital Próprio BP - Empresas não financeiras Positivo (%)Proporção de empresas em Falência Técnica (capital próprio negativo) BP - Empresas não financeiras Negativo (%)

Densidade populacional Local de residênciaINE - (Total de indivíduos / Área (km²)) Positivo (%)

Taxa de crescimento migratório INE Positivo (%)Índice de renovação da população em idade activa (N.º) INE Positivo ÍndiceProporção de pop. Empregado com ensino superior INE Positivo (%)

Proporção de exportações de bens de alta tecnologia INE Positivo (%)Proporção de pessoal ao serviço equivalente a tempo integral (ETI) em actividades de investigação e desenvolvimento (I&D) nas empresas

INEPositivo (%)

Proporção da despesa em investigação e desenvolvimento (I&D) no PIB (%) nas empresas

INE - (Total da despesa em I&D/ PIBpm)*100 Positivo (%)

Proporção da despesa em investigação e desenvolvimento (I&D) no PIB (%) nas universidades

INE - (Total da despesa em I&D/ PIBpm)*100

Positivo(%)

Proporção dos nascimentos de empresas em sectores de alta e média-alta tecnologia (CAE Rev. 3 - %)

INE Positivo (%)

Proporção de empresas com atividades de tecnologias da informação e da comunicação, TIC (CAE Rev. 3 - %)

INE Positivo (%)

Proporção de empresas de serviços intensivos em conhecimento de alta tecnologia no total dos serviços (CAE Rev. 3 - %)

INE Positivo (%)

Proporção de empresas das indústrias de alta e média-alta tecnologia nas empresas das indústrias transformadoras (CAE Rev. 3 - %)

INE Positivo (%)

Intensidade exportadora (%) INE - (Exportações de bens/ PIB)*100 Positivo (%)

Grau de abertura (%) INE - [(Exportações de bens + Importações de bens)/ PIB]*100 Positivo (%)

Proporção do valor acrescentado bruto (%) das Empresas maioritariamente estrangeiras INE Positivo (%)Proporção de pessoal ao serviço (%) das Empresas maioritariamente estrangeiras INE Positivo (%)

Taxa de crescimento real do PIB em volume INE Positivo (%)

PIBpc PPP (EU28=100)INE - Convergência Económica EU Positivo (%)

Estrutura regional do PIBINE - Peso do PIB Regional no PIB nacional

Positivo(%)

Produtividade aparente do trabalho (Base 2011 - €) INE - VAB/ População Empregada Positivo (%) Euro (€)

DINÂMICA EMPRESARIAL

POTENCIAL HUMANO

INOVAÇÃO

INTERNACIONALIZAÇÃO

CRESCIMENTO E CONVERGÊNCIA

NOTA METODOLÓGICA

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DIMENSÕES FATORES INDICADORES FONTE / OBSERVAÇÕESOrientação a respeito ao

Índice

Unidade de medida

COESÃO Índice de envelhecimento (N.º) por Local de residência INE Negativo índiceTaxa de crescimento natural (%) por Local de residência INE Positivo (%)Taxa bruta de natalidade (‰) por Local de residência INE Positivo (‰)

Beneficiárias/os do rendimento social de inserção (RSI), da segurança social por 1000 habitantes em idade ativa (‰) por Local de residência INE Negativo (‰)

Valor médio das pensões da segurança socialINE - (€/ montante) Valor das pensões da segurança social/ Reformados da segurança social Positivo Nominal

Ganho médio mensal (€)INE - Montante ilíquido pago ao trabalhador Positivo Nominal

Dinamismo relativo de poder compra INE Positivo índice

Desemprego registado por 100 habitantes com 15 ou mais anos de idadeINE -(Média mensal do número de desempregados registados/ População média residente com 15 ou mais anos de idade)*100 Negativo (%)

Desemprego Jovem

INE -(Média mensal de desempregados jovens registados/ População média residente com idade entre 25 e 34 anos)*100 Negativo (%)

Valor médio dos prédios transaccionados -Urbanos (€/ N.º) por Localização geográfica

INE - Valor dos prédios transaccionados/ Número de prédios transaccionados Negativo Nominal

Taxa de criminalidade (‰) por Localização geográfica INE - Número de crimes/ População residente)*1000 Negativo (‰)

Taxa de mortalidade por tumores malignos INE Negativo (‰)Taxa de mortalidade por doenças do aparelho circulatório INE Negativo (‰)Mortalidade Acidentes Transportes INE Negativo NominalSuicídios e lesões autoprovocadas voluntariamente INE Negativo NominalMortalidade Doenças Mentais INE Negativo NominalTaxa quinquenal de mortalidade infantil (‰) por Local de residência INE Negativo Taxa (‰)Esperança de vida à nascença (Metodologia 2007 - Anos) por Local de residência INE Positivo NominalEsperança de vida aos 65 anos (Metodologia 2007 - Anos) por Local de residência INE Positivo Nominal

Taxa de transição/ conclusão no ensino secundário (%) por Localização geográfica INE Positivo (%)Taxa de retenção e desistência no ensino básico (%) por Localização geográfica INE Negativo (%)Diplomadas/os do ensino superior por 1000 habitantes (N.º) da população residente com idade entre 20 e 29 anos por Localização geográfica INE Positivo NominalBens imóveis culturais (N.º) por Localização geográfica INE Positivo NominalEspectadores de espetáculos ao vivo (N.º) por Localização geográfica INE Positivo per capitaVisitantes (N.º) de museus por Localização geográfica INE Positivo NominalAcessos à Internet em banda larga por 100 habitantes (%) por Localização geográfica INE Positivo (%)

SUSTENTABILIDADETaxa de superfície florestal ardida

INE Negativo (%)Proporção de massas de água com bom estado/ potencial ecológico INE Positivo (%)Proporção de superfície das áreas classificadas INE Positivo (%)

Intensidade energética da economia em energia final (tep/ €)

INE - Quociente entre o consumo bruto de energia e o Produto Interno Bruto (PIB) (valores anuais)

Negativo

Tonelada equivalente de petróleo/ Euro - (tep/ €)

Água distribuída por habitante (Série 2011) ( m³/ hab.) INE Negativo Per capitaÁguas residuais drenadas por habitante (Série 2011) ( m³/ hab.) INE Negativo Per capitaProporção de resíduos urbanos recolhidos selectivamente INE Positivo (%)Resíduos urbanos recolhidos por habitante INE Negativo (kg/ hab.)

ECONOMIA CIRCULAR

(energia, água e resíduos)

DEMOGRAFIA

INCLUSÃO SOCIAL

(Rendimento, Emprego,

Habitação e Justiça)

SAÚDE

EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE

DIGITAL

CONSERVAÇÃO NATUREZA

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PARTE II — DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA Na Parte II deste Relatório efetua-se uma síntese dos aspetos genéricos relacionados com a

descentralização administrativa, tendo por base as audições, a Conferência e os seminários organizados pela Comissão (Anexo à Introdução), os estudos solicitados a especialistas (Volume II) e os contributos individuais enviados à Comissão (Volume III).

A síntese realizada procura sistematizar os elementos mais relevantes resultantes dessas várias fontes, refletindo perspetivas distintas, umas complementares, outras contraditórias, mas todas elas fundamentais para traçar um diagnóstico o mais abrangente possível das várias questões suscitadas pelo aprofundamento da descentralização administrativa em Portugal continental a favor das entidades intermunicipais (Capítulo 1) e das regiões administrativas (Capítulo 2). Na elaboração desta síntese levaram-se em conta não só tendências e exemplos de outros países, mas também as opiniões de representantes de instituições dos mais diversos domínios (autarquias locais e suas associações, administração central, universidades, organizações patronais e sindicais, entidades associativas, empresas, etc.) e de personalidades de reconhecido mérito, assim como de cidadãos presentes nos debates públicos ou que enviaram contributos individuais.

A síntese que a seguir se apresenta permite construir uma sólida base de partida para uma reflexão aberta e aprofundada sobre um tema de grande complexidade, constituindo o referencial baseado no qual a Comissão expressará a sua opinião sobre os vários aspetos em discussão.

CAPÍTULO 1 – Entidades intermunicipais: áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais

1.1 – Introdução Este capítulo reúne informação relativa à cooperação intermunicipal, em geral, e às entidades

intermunicipais, em particular: as áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais. Recorrendo às audições, aos debates públicos, estudos de peritos e contributos individuais enviados à Comissão, sistematizam-se algumas ideias-chave que permitem identificar o papel da cooperação intermunicipal no contexto dos processos de descentralização administrativa.

Na próxima secção faz-se uma apresentação sumária da cooperação intermunicipal nos países da OCDE (secção 1.2), prosseguindo nos pontos seguintes com a realidade portuguesa, primeiro numa ótica geral e de enquadramento (1.3) e depois focando a atenção especificamente no caso das áreas metropolitanas (1.4) e das comunidades intermunicipais (1.5). No final, e levando em conta o conteúdo das secções anteriores, é apresentada uma síntese com as principais recomendações da Comissão (1.6).

1.2 – A cooperação intermunicipal nos países da OCDE8 A cooperação intermunicipal significa que dois ou mais municípios trabalham em conjunto para executar

uma ou várias tarefas específicas ou para prestar um serviço comum à população. Existem múltiplas formas de cooperação intermunicipal, seja relativamente ao âmbito das funções

envolvidas, seja quanto ao seu carácter obrigatório ou voluntário, seja ainda no que se refere à relação contratual, da simples coordenação de ações ao estabelecimento de contratos específicos ou gerais de cooperação.

São vários os objetivos que justificam a cooperação intermunicipal, nomeadamente: i) Superar o défice de escala dos municípios, para melhorar a eficiência do seu desempenho, ao

mesmo tempo que se garante uma maior capacidade técnica e de recursos humanos (por exemplo, abastecimento de água, higiene urbana, recolha e tratamento de resíduos, etc.);

ii) Assegurar um padrão de qualidade no serviço prestado incompatível com a escala e os recursos ao dispor dos municípios tomados isoladamente; 8 Ver relatório da OECD (2019), Anexo B, Volume II.

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iii) Evitar recorrer a outsourcing na prestação de serviços em municípios com menores capacidades organizacionais.

A parceria intermunicipal surge, assim, como uma forma de viabilizar a descentralização municipal sem que

a escala demasiado reduzida dos municípios conduza à necessidade de os fundir ou de incrementar o recurso a soluções de outsourcing.

Adicionalmente, e em contextos metropolitanos, a cooperação intermunicipal pode ser uma resposta à fragmentação administrativa, incompatível com a visão e a ação integradas exigidas por realidades complexas e com intensas interdependências funcionais, como sucede no caso dos espaços metropolitanos.

A cooperação intermunicipal, que implica partilha de despesas e receitas, pode ser voluntária ou obrigatória. A primeira é livre nos objetivos, nos prazos e na metodologia. A segunda é estabelecida por lei. A cooperação voluntária tornou-se bastante popular em muitos países, devido quer à simplicidade do processo, dado que um município pode facilmente envolver-se em vários acordos ao mesmo tempo sem custos administrativos elevados, quer por ser uma solução flexível, já que a cooperação pode ser reforçada ou reduzida ao longo do tempo ou mesmo dada como terminada caso os municípios assim o desejem.

Os municípios podem ainda delegar determinados serviços em empresas, como já acontece no nosso País com as empresas intermunicipais, detidas pelas Câmaras.

Uma análise comparada dos países da OCDE mostra que existem diversos modelos de cooperação intermunicipal:

i) Acordos/contratos voluntários informais, regidos pelo direito privado; ii) Acordos/contratos definidos por lei e de cooperação voluntária regulamentada, regida pelo direito

público ou privado; iii) Cooperação obrigatória, regida pelo direito público. Nos países da OCDE é comum iniciar um processo de cooperação com um modelo de lei privada, que

permite maior liberdade às autoridades locais, evoluindo posteriormente para soluções de cooperação reguladas pelo direito público no que se refere a aspetos como o financiamento, o tipo de funções delegadas, a estrutura de governação, a supervisão e o controlo.

Na maioria dos países da UE com forte tradição municipal, a cooperação intermunicipal é formalizada através da criação de entidades associativas com personalidade jurídica, que podem prosseguir fins específicos ou corresponder a arranjos territoriais definidos por lei.

Na última década, as limitações da cooperação intermunicipal têm conduzido à criação de entidades metropolitanas com personalidade jurídica própria em vários países, como França, Itália, Turquia e Austrália. Atualmente, cerca de dois terços das áreas metropolitanas da OCDE com mais de 500 mil habitantes dispõem de uma entidade de governo metropolitano. Ainda que adotem soluções institucionais muito diversas, a maioria destas entidades tem como responsabilidades o planeamento e o ordenamento do território, os transportes e o desenvolvimento regional.

A cooperação intermunicipal não está, no entanto, isenta de desafios: basta relembrar que os municípios que participam na cooperação têm inevitavelmente de partilhar poder entre si. A cooperação intermunicipal corre mesmo o risco de apresentar desvantagens. Talvez a principal seja a criação de um novo nível na administração, o que é suscetível de contribuir para aumentar os custos de funcionamento. Pode também traduzir-se por um défice democrático, já que as organizações intermunicipais são geralmente dirigidas por representantes dos municípios que não são diretamente eleitos para essa função, o que concorre para reduzir o nível de responsabilidade e de transparência nos processos de tomada de decisão.

No seu conjunto, as experiências vividas nos países da OCDE não permitem retirar conclusões definitivas em matéria de cooperação intermunicipal, não só porque não existe um modelo ótimo e universal, como as condições político-institucionais e socioeconómicas variam substancialmente de país para país e mesmo, num mesmo país, entre períodos temporais distintos. O conhecimento dessas experiências permite, no entanto, comparar vantagens e limitações de várias soluções possíveis e tomar consciência de que a cooperação intermunicipal suscita desafios importantes em relação ao modelo de governação dessas entidades e às relações de governança entre diferentes níveis administrativos.

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Os três caminhos possíveis apresentados pela OCDE para a reforma regional em Portugal preveem um reforço da cooperação intermunicipal (ou do associativismo municipal), ainda que com graduações diferentes consoante sejam, ou não, instituídas as regiões administrativas (ver Tabela II.5).

Como se verá no Capítulo 2, o caminho da concretização da descentralização através da criação de regiões administrativas (opção 3) pode e deve ser complementado com o reforço da cooperação intermunicipal, potenciando os ganhos para a democracia local em matéria de legitimidade, de transparência e de prestação de contas pelos/as eleitos/as. A criação das regiões administrativas não exclui, portanto, a existência de políticas no sentido da descentralização para o nível local – municípios e entidades intermunicipais, sejam elas de carácter obrigatório ou voluntário. Pelo contrário, estas políticas devem ter como objetivo melhorar as condições de provisão dos serviços públicos locais, conferindo-lhes escala e massa crítica.

1.3 – A cooperação intermunicipal em Portugal: uma visão geral9

A Constituição da República Portuguesa (CRP) reconhece a existência de pessoas coletivas públicas

primárias de base territorial – além do Estado –, as regiões autónomas e as autarquias locais. As autarquias locais são «pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a

prossecução de interesses próprios das populações respetivas», conforme consta do n.º 2 do artigo 235.º da CRP.

No n.º 1 do artigo 236.º são tipificadas as categorias de autarquias locais – freguesias, municípios e regiões administrativas.

No mesmo artigo, no n.º 3, prevê-se que «nas grandes áreas urbanas e nas ilhas, a lei poderá estabelecer outras formas de organização territorial autárquica».

O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 236/2013 afirma: «Autarquias locais são apenas as expressamente tipificadas e assim designadas pela Constituição».

Portanto, as pessoas coletivas públicas que correspondem às características do n.º 2 do artigo 235.º da CRP e estão tipificadas no n.º 1 do artigo 36.º são autarquias locais. Caso não preencham estes requisitos poderão ser consideradas «outra forma de organização autárquica», estando neste caso limitadas às grandes áreas urbanas e às ilhas (n.º 3 do artigo 236.º).

As áreas metropolitanas têm cabimento na disposição constitucional «outras formas de organização territorial autárquica».As CIM não têm, podendo apenas ser consideradas associações de municípios.

A CRP prevê a possibilidade de os municípios, por sua iniciativa, se associarem entre si, constituindo associações. De acordo com o artigo 253.º da CRP, «os municípios podem constituir associações e federações para a administração de interesses comuns, às quais a lei pode conferir atribuições e competências próprias». Esta possibilidade está protegida de forma mais ampla pelo artigo 10.º da Carta Europeia de Autonomia Local de 1985, que consagra o direito de associação das autarquias locais.

Estas associações «dirigem-se à prossecução conjunta, isto é, coordenada, de interesses comuns, constituindo por isso uma forma institucionalizada de cooperação intermunicipal com vista à prossecução de «interesses coletivos partilhados entre as populações dos municípios envolvidos». Definem-se assim como associações cooperativas, pelo que se distinguem das associações que desempenham funções de representação dos seus associados, como acontece com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses».

A primeira referência relativamente à cooperação intermunicipal, através da associação de municípios, foi inscrita na Lei n.º 88, de 7 de agosto de 1913, relativa à organização, funcionamento, atribuições e competências dos corpos administrativos, e consagrava, no seu artigo 24.º, a celebração entre câmaras municipais de «acordos para a realização de melhoramentos e de serviços de utilidade comum».

Mais tarde, em 1940, o Código Administrativo, nos artigos 177.º e seguintes, prevê a constituição de federações de municípios criadas por decreto, para a realização de interesses comuns dos respetivos concelhos. A redação inicial da Constituição de 1976 consagra o direito de os municípios criarem associações

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e federações de municípios. Atualmente, e desde 1997, a Constituição passou a prever a possibilidade de, por via de lei

ordinária, serem conferidas atribuições próprias às associações e federações de municípios. As áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais (a par das associações de municípios e

freguesias de fins específicos, não analisadas neste Relatório) são uma das modalidades institucionais possíveis de relacionamento cooperativo entre autarquias locais. Neste âmbito, as autarquias envolvidas desenvolvem entre si relações não hierárquicas de colaboração e de cooperação. As relações de colaboração contribuem para o êxito de uma competência alheia, enquanto as relações de cooperação permitem a produção de um resultado comum, visando aumentar o grau de eficácia e de eficiência das iniciativas desenvolvidas ou dos serviços disponibilizados.

Em Portugal, a experiência de cooperação intermunicipal é muito diversificada, variando conforme a dinâmica de cada Área Metropolitana (AM) e sobretudo de cada Comunidade Intermunicipal (CIM). Ainda assim, identificam-se como principais áreas de cooperação:

i) A gestão contratualizada de fundos comunitários, tendo por base a elaboração de um plano estratégico

de desenvolvimento territorial correspondendo à área da respetiva NUTS III; ii) A gestão conjunta de contratos de aquisição de produtos e serviços; iii) A gestão em rede de serviços coletivos da responsabilidade dos municípios; iv) A cooperação no âmbito dos estudos e processos de gestão do território. Não existe uma avaliação sistemática dos resultados e dos impactos das diversas formas de cooperação

desenvolvidas pelas AM e pelas CIM. Contudo, o conhecimento empírico da realidade portuguesa permite identificar situações muito distintas, umas relacionadas com as características dos municípios envolvidos (dimensão e dinamismo demográfico, características socioeconómicas, etc.) e outras com a história de cada uma das entidades intermunicipais (experiência de trabalho colaborativo, recursos técnicos, capacidade de liderança, etc.). Ao longo do tempo, as áreas de cooperação prevalecentes sofreram, naturalmente, alterações. Nos últimos anos, foi sem dúvida a gestão contratualizada de fundos comunitários, tendo por base as estratégias territoriais de desenvolvimento definidas pelos municípios, que mais contribuiu para consolidar a capacidade de intervenção deste nível sub-regional, assim como projetos em áreas como o ambiente, a educação e os transportes.

Apesar de os resultados serem muito diversificados, sobretudo entre diferentes CIM, as principais limitações ao aprofundamento da cooperação intermunicipal no âmbito das AM e das CIM são comuns e estão bem identificadas:

i) O modelo de gestão, que faz depender a tomada de decisão executiva das decisões dos respetivos

municípios, prejudicando a capacidade de decisão e execução da entidade intermunicipal; ii) A liderança política exercida por um dos presidentes de câmara, que cria um conflito de representação

entre o interesse do coletivo territorial e o interesse do município pelo qual o presidente foi eleito, prejudicando a eficiência da entidade intermunicipal;

iii) O facto de os responsáveis pela gestão da organização intermunicipal não responderem diretamente perante os eleitores, o que afeta a qualidade da democracia local.

O regime da delegação de competências, previsto nos artigos 116.º a 136.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de

setembro, permite ao Estado e aos municípios a transferência, para as entidades intermunicipais (áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais), de poderes funcionais relativos às atribuições de que são titulares os associados, tendo em vista o estabelecimento de relações de cooperação e de colaboração quanto à prossecução de atribuições coincidentes. O objetivo é «o uso instrumental da cooperação administrativa como forma de satisfação dos princípios da descentralização e da subsidiariedade, pelo qual se transferem poderes funcionais relativos a atribuições tituladas pelas pessoas coletivas envolvidas». Os contratos de delegação são contratos interadministrativos, subsidiariamente regidos pelo Código dos Contratos Públicos

9 Para uma visão mais aprofundada, ver relatórios dos consultores Diogo Freitas do Amaral e Jorge Pereira da Silva (Anexo C, Volume II) e João Abreu de Faria Bilhim (Anexo D, Volume II).

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(artigo 338.º) e pelo Código do Procedimento Administrativo (CPA), vigentes durante o período do mandato da assembleia municipal, no caso de delegação pelos municípios, e do Governo, no caso de delegação pelo Governo.

Por se tratar, ao contrário das associações de municípios e de freguesias de fins específicos, de entidades intermunicipais, à semelhança das áreas metropolitanas, o regime do financiamento e endividamento das comunidades intermunicipais está previsto na Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro. A única diferenciação prevista relativamente às áreas metropolitanas refere-se ao montante da transferência do Orçamento do Estado, uma vez que nos termos do n.º 1 do artigo 69.º se fixa, para as áreas metropolitanas, o equivalente a 1% do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) dos municípios que integram a respetiva área metropolitana e, para as comunidades intermunicipais, o equivalente a 0,5% do FEF dos municípios que integram a respetiva comunidade intermunicipal.

Recentemente, a Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, estabeleceu o enquadramento geral da transferência de competências (ou melhor, de atribuições), prevendo os princípios e prazos a observar, a afetação dos recursos financeiros e humanos necessários, e as novas competências a exercer pelas entidades intermunicipais (artigos 30.º e seguintes) nos domínios da educação, do ensino e formação profissional, da ação social, saúde, proteção civil, justiça e promoção turística. A estes domínios acresce ainda a participação na gestão dos portos de âmbito regional, na designação dos vogais representantes dos municípios nos conselhos de região hidrográfica, e na gestão de projetos financiados com fundos europeus e de programas de captação de investimento.

As atribuições e competências previstas na Lei n.º 50/2018 consideram-se transferidas para todas as entidades intermunicipais até 1 de janeiro de 2021, possibilitando-se que até essa data, e com referência aos anos de 2019 e 2020, as entidades intermunicipais recusem a sua transferência imediata dentro dos prazos previstos (n.º 1 do artigo 3.º e artigo 4.º). Trata-se, portanto, de um processo que numa primeira fase, referente aos anos de 2019 e 2020, é gradual e voluntário, e que num segundo momento, de 1 de janeiro de 2021 em diante, é universal e obrigatório.

Em julho de 2019, a transferência de atribuições e de competências para as entidades intermunicipais – áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais – já tinha sido regulada nos seguintes domínios:

i) Decreto-Lei n.º 99/2018, de 28 de novembro: competências no domínio da promoção turística interna

sub-regional, em articulação com as entidades regionais de turismo; ii) Decreto-Lei n.º 101/2018, de 29 de novembro: competências no domínio da justiça nos âmbitos de

reinserção social de jovens e adultos, prevenção e combate à violência contra mulheres e à violência doméstica, rede dos julgados de paz e apoio às vítimas de crimes;

iii) Decreto-Lei n.º 102/2018, de 29 de novembro: competências no domínio dos projetos financiados por fundos europeus e programas de captação de investimento;

iv) Decreto-Lei n.º 103/2018, de 29 de novembro: competências no domínio do apoio aos bombeiros voluntários;

v) Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro: competências no domínio da educação; vi) Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de janeiro: competências no domínio da saúde. A transferência de atribuições e de competências depende, no entanto, do acordo prévio de todos os

municípios que integram as áreas metropolitanas ou as comunidades intermunicipais. Basta, portanto, que um município rejeite essa transferência para que ela não se possa concretizar antes de 1 de janeiro de 2021, data a partir da qual as transferências previstas passarão a ter, como se referiu anteriormente, caráter universal e obrigatório.

A transferência das novas competências será acompanhada e avaliada no que se refere à adequabilidade dos recursos financeiros de cada área de competências por uma Comissão de Acompanhamento da Descentralização, cujo funcionamento e organização constam da Resolução do Conselho de Ministros n.º 89/2019, de 4 de junho.

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1.4 – Áreas metropolitanas

1.4.1 – Breve enquadramento10 O Código Administrativo de 1936/49 instituiu a federação obrigatória dos municípios de Lisboa e do Porto

com os municípios limítrofes (artigo 195.º), dando forma à ideia hoje subjacente às áreas metropolitanas, iniciativa reforçada em1981, com a aprovação da primeira lei das associações de municípios (Lei n.º 266/81, de 15 de setembro).

Contudo, as áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa apenas foram instituídas dez anos mais tarde, pela Lei n.º 44/91, de 2 de agosto, que as define como pessoas coletivas públicas de âmbito territorial que visam a prossecução dos interesses próprios das populações da área dos municípios integrantes (n.º 2 do artigo 1.º) em áreas urbanas com uma grande densidade populacional e com dinâmicas diversas entre o centro e a periferia.

As áreas metropolitanas foram, entretanto, alvo de sucessivas alterações legislativas, com incidência, nomeadamente:

i) No processo de constituição e de delimitação do âmbito territorial: definição por lei ou por iniciativa dos

municípios; áreas geográficas coincidentes ou não com as NUTS III; ii) Nas funções exercidas: apenas articulação das atuações dos municípios ou também articulação das

atuações entre os municípios e a administração central; iii) Nas atribuições cometidas: delegadas pelo Estado e pelos municípios ou também próprias e

específicas, previstas por lei. Com a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, atualmente em vigor, as áreas metropolitanas são instituídas

por lei, assentam num âmbito territorial previamente definido, têm como função articular tanto a ação dos municípios integrantes (relações horizontais de colaboração e de coordenação) como as atuações destes com a da administração central (relação vertical de coordenação), e podem dispor de um leque alargado de atribuições de acordo com o regime disciplinador das transferências que se venham a efetuar, concretizadas na Lei n.º 50/2018 e no conjunto de diplomas sectoriais que visam a transferência de atribuições em áreas específicas. A concretização efetiva dessas atribuições está dependente do acordo prévio de todos os municípios que as integram até 1 de janeiro de 2021, data a partir da qual ela é universal e obrigatória.

São órgãos das áreas metropolitanas o conselho metropolitano (órgão deliberativo), a comissão executiva metropolitana (órgão executivo) e o conselho estratégico para o desenvolvimento metropolitano. As competências são exercidas pelos conselhos metropolitanos.

1.4.2 – Principais questões e desafios As questões relativas às áreas metropolitanas suscitaram comentários sobretudo por autarcas dos

respetivos municípios. O aspeto mais controverso, e que tende a polarizar as intervenções e os debates, prende-se com a

natureza das áreas metropolitanas: supramunicipal (autarquia local), com legitimidade democrática garantida através de eleição por sufrágio universal e voto direto, ou intermunicipal, mantendo-se como associação de municípios.

A complexidade das áreas metropolitanas – veja-se-lhes a dimensão, o grau de integração funcional, as fortes desigualdades internas – confere-lhes características particulares, sobretudo em domínios em que a lógica de rede, a visão sistémica e a internacionalização são essenciais como fatores de eficiência, sustentabilidade e afirmação supranacional. Este diagnóstico é consensual, mas dele podem retirar-se ilações distintas.

Para uns, essa é a justificação para que as áreas metropolitanas tenham uma natureza supramunicipal: só com um poder politicamente legitimado será possível gerir, com eficácia, eficiência e equidade, problemas

10 Para uma visão mais aprofundada, ver relatórios dos consultores Diogo Freitas do Amaral e Juliana Ferraz Coutinho (Anexo E, Volume II) e João Abreu de Faria Bilhim (Anexo D, Volume II).

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de tão elevada complexidade. Para outros, esta natureza singular justifica, antes, o reforço de competências próprias, acompanhado

pelos respetivos meios humanos e financeiros (natureza intermunicipal). Num caso como no outro, trata-se de aceitar a aplicação do princípio da descentralização/desconcentração

assimétrica. Refira-se, a propósito, que as poucas intervenções sobre este assunto por autarcas de outras áreas do país sublinharam que existem igualmente distinções bastante significativas entre as diversas CIM, pelo que a diferenciação, a existir, não deve ser entre áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais, mas sim, de forma mais genérica, entre entidades intermunicipais (isto é, AM e CIM) com distintas massas críticas e capacidades de intervenção.

Por outro lado, o debate da natureza supramunicipal ou intermunicipal das áreas metropolitanas não pode ser dissociado do debate mais amplo sobre a instituição de regiões administrativas. Ou seja, a defesa das áreas metropolitanas como entidades supramunicipais é mais pacífica num contexto de ausência de regionalização do território continental e, pelo contrário, mais controversa caso sejam instituídas regiões administrativas. Como se verá no Capítulo 2, a comparação com países da UE com dimensão geográfica semelhante à de Portugal aconselha que existam apenas dois níveis subnacionais com legitimidade política, ou seja, o regional e o ´local` (municípios/freguesias).

Este confronto de posições tem, por sua vez, reflexo no mapa da regionalização. É na região de Lisboa que surgem os defensores do mapa 5+2, isto é, em que as duas áreas metropolitanas se somam, por autonomização, às cinco regiões de planeamento (ver Capítulo 2).

Em qualquer dos casos, e embora este não tenha sido um aspeto explicitamente focado de modo relevante, ambas as áreas metropolitanas do País levantam a questão da sua integração no espaço mais vasto por elas diretamente polarizado, as designadas regiões metropolitanas ou regiões urbanas funcionais. No que se refere a planeamento e a desenvolvimento regional, qualquer solução que ignore essa integração geograficamente mais ampla, ou, pior ainda, que a impeça ou contrarie, constitui uma fonte de ineficiência com custos elevados para as regiões envolvidas e, dada a relevância estratégica dessas áreas, para o próprio País.

Das audições não resultou uma identificação clara das atribuições ou domínios de intervenção a privilegiar no âmbito metropolitano, embora se tenham destacado as menções relativas a ambiente, ordenamento do território, mobilidade e transportes, habitação e fundos estruturais. No Inquérito sobre descentralização e competências dos municípios realizado pelo IPPS-IUL (Lopes, 2019), 60% dos municípios metropolitanos referiram a proteção civil e o ordenamento e gestão das águas superficiais e subterrâneas como áreas de intervenção a serem desenvolvidas a esta escala.

1.5 – Comunidades intermunicipais

1.5.1 – Breve enquadramento11 As comunidades intermunicipais são associações de municípios nos termos do artigo 253.º da CRP. O Decreto-Lei n.º 266/81, de 15 de setembro, é o primeiro diploma, após o 25 de Abril de 1974, sobre

associações de municípios. Antecederam-no, em 1913, a Lei n.º 88, de 7 de agosto, que permitia a celebração de acordos entre municípios com vista à prossecução de interesses comuns, e o Código Administrativo de 1936-1940, que previa as federações de municípios «para a realização de interesses comuns dos respetivos concelhos», que poderiam por sua vez ser facultativas ou obrigatórias.

As associações de municípios foram alvo de sucessivas alterações jurídicas, nomeadamente no que se refere à sua natureza (pessoas coletivas de direito privado ou público), ao caráter facultativo ou obrigatório da sua existência, ao número de municípios integrantes, às atribuições cometidas ou à composição dos órgãos.

A Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto, que estabeleceu o regime do associativismo autárquico, prevê a constituição de dois tipos de associações: as de fins múltiplos, denominadas comunidades intermunicipais, e as de fins específicos. As associações de fins múltiplos são pessoas coletivas de direito público, constituídas por municípios que correspondam a uma ou mais unidades territoriais definidas com base nas NUTS III. Cada

11 Para uma visão mais aprofundada, ver relatórios dos consultores Diogo Freitas do Amaral e Juliana Ferraz Coutinho (Anexo E, Volume II) e João Abreu de Faria Bilhim (Anexo D, Volume II).

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município só pode fazer parte de uma comunidade intermunicipal, mas é possível pertencer a várias associações de municípios de fins específicos, desde que estas tenham fins diversos.

A Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, qualifica as comunidades intermunicipais, à semelhança das áreas metropolitanas, como associações de municípios, integrando ambas as figuras o conceito de entidades intermunicipais, não obstante as significativas diferenças que existem entre elas quanto aos respetivos regimes. As comunidades intermunicipais sucedem às «associações de municípios de fins múltiplos» previstas na Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto, e distinguem-se das associações de municípios e de freguesias de fins específicos, que não integram o conceito de entidades intermunicipais e que não constituem objeto deste Relatório.

As comunidades intermunicipais são livremente constituídas por contrato público, têm atribuições próprias definidas diretamente por lei, podendo ainda beneficiar de delegações de competências do Estado e dos municípios, e a sua delimitação territorial também é definida por lei, não sendo possível incluir um número inferior a cinco municípios ou ter um total de população inferior a 85 mil habitantes. Desde 2008 as CIM passaram a ser obrigatoriamente coincidentes com NUTS III ou agregações de NUTS III. Os seus órgãos são a assembleia intermunicipal, o conselho intermunicipal, o secretariado executivo intermunicipal e o conselho estratégico para o desenvolvimento intermunicipal.

São atribuições das comunidades intermunicipais: a) Promoção do planeamento e da gestão da estratégia de desenvolvimento económico, social e ambiental

do território abrangido; b) Articulação dos investimentos municipais de interesse intermunicipal; c) Participação na gestão de programas de apoio ao desenvolvimento regional, designadamente no âmbito

do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional); d) Planeamento das atuações de entidades públicas, de caráter supramunicipal. Cabe ainda às comunidades intermunicipais assegurar a articulação das atuações entre os municípios e os

serviços da administração central nas seguintes áreas: a) Redes de abastecimento público, infraestruturas de saneamento básico, tratamento de águas residuais

e resíduos urbanos; b) Rede de equipamentos de saúde; c) Rede educativa e de formação profissional; d) Ordenamento do território, conservação da natureza e recursos naturais; e) Segurança e proteção civil; f) Mobilidade e transportes; g) Redes de equipamentos públicos; h) Promoção do desenvolvimento económico, social e cultural; i) Rede de equipamentos culturais, desportivos e de lazer. Finalmente, cabe às comunidades intermunicipais exercer as atribuições transferidas pela

administração estadual e o exercício em comum das competências delegadas pelos municípios que as integram.

Como se referiu na secção relativa às áreas metropolitanas (1.4), a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, estabelece o regime da delegação de competências nas entidades intermunicipais (áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais) e a Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, define o enquadramento geral da transferência de competências para o mesmo universo de entidades.

O Decreto da Assembleia da República (que mais tarde, depois de corrigido, viria a dar origem à Lei n.º 75/2013) foi objeto de fiscalização preventiva da constitucionalidade por parte do Presidente da República. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 296/2013, de 19 de junho de 2013, considerou inconstitucional a configuração das comunidades intermunicipais como pessoas coletivas de âmbito territorial autárquico, com atribuições genéricas, dotadas de órgãos representativos, instituídas diretamente por lei, e sujeitas ao regime da tutela administrativa, integrando elementos de qualificação que também compõem a

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caracterização constitucional da categoria de autarquia local, assim como os poderes que se previam relativamente aos municípios, como a emissão de pareceres sobre o exercício de competências das assembleias municipais e mesmo o exercício da cobrança de impostos municipais. Expurgado o Decreto das referidas inconstitucionalidades, as CIM voltaram ao seu carácter de associações de municípios.

1.5.2 – Principais questões e desafios As audições e os debates realizados, bem como os contributos individuais enviados à Comissão, permitem

identificar pontos consensuais, que não justificam qualquer alteração, aspetos críticos, que exigem ponderação, e modificações consideradas desejáveis, que suscitaram a apresentação de recomendações.

Os aspetos que reúnem consenso prendem-se, sobretudo, com a missão, a natureza e a composição das CIM:

i) Manter a natureza de associação de municípios (entidades intermunicipais e não autarquias), focando a

missão das CIM nas questões intermunicipais e nas competências que os municípios entendam dever ser tratadas a esse nível;

ii) Manter a atual composição, dado que a introdução de alterações, talvez justificáveis, pode abrir caminho a estratégias de criação de «maiorias políticas artificiais» (gerrymandering), o que justifica que não se altere o atual modelo geográfico;

iii) Manter a coexistência com associações de municípios de geometria variável para fins específicos (água, resíduos, etc.);

iv) Desenvolver planos estratégicos de desenvolvimento ao nível sub-regional de médio prazo que envolvam o conjunto dos atores relevantes dos territórios em causa, evitando uma excessiva polarização pelos municípios, que não coincidam com ciclos de governação e que não sejam concebidos em função dos apoios comunitários existentes.

Os aspetos críticos, a exigir ponderação, têm uma natureza diversificada, mas prendem-se sobretudo

com as dificuldades com que as CIM se confrontam no seu dia-a-dia, contribuindo para lhes retirar operacionalidade e eficiência:

i) Diferenças significativas entre as várias CIM quanto a experiência colaborativa, capacidade instalada e

tipos de projetos desenvolvidos; ii) Despesas de funcionamento exclusivamente suportadas pelos municípios; iii) Dificuldades decorrentes da obrigatoriedade de decisões tomadas por unanimidade; iv) Ausência de legitimidade direta dos/as presidentes das CIM para assumirem posições que abrangem

outros municípios. Quanto às recomendações sugeridas, as mais recorrentes foram as seguintes: i) Rever a legislação sobre as CIM, nomeadamente no que diz respeito ao sistema de voto dos

municípios, ao papel do conselho intermunicipal e às decisões de natureza vinculativa; ii) Alargar o leque de competências das CIM e equacionar competências que devam estar ao nível

supramunicipal e não nos municípios; iii) Definir um pacote-base de competências universal a transferir pela administração central para as CIM

e um conjunto complementar de competências a transferir ao longo do tempo e/ou a contratualizar em função das capacidades existentes em cada CIM;

iv) Reforçar as possibilidades de contratualização com serviços da administração central desconcentrada/futura administração regional descentralizada;

v) Reforçar serviços partilhados da administração central de apoio às CIM e aos seus municípios; vi) Garantir um financiamento às CIM que permita a existência de estruturas de apoio estáveis, não

dependentes de fundos estruturais; vii) Disponibilizar uma linha de apoio comunitário para formação técnica e capacitação institucional das

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CIM; viii) Eventual transformação das CIM em autarquias na ausência de regiões administrativas, com

consequente necessidade de introduzir essa possibilidade na Constituição. Foi ainda sublinhada a incongruência respeitante à inserção das NUTS III Oeste, Médio Tejo e Lezíria do

Tejo na NUTS II Região de Lisboa e Vale do Tejo para efeitos de planeamento, ambiente e desenvolvimento regional e nas NUTS II do Centro (nos dois primeiros casos) e do Alentejo (Lezíria do Tejo), sem direito de voto, no que se refere a fundos estruturais.

Também relevante é a questão demográfica. A experiência internacional mostra como o efeito conjugado do despovoamento e do envelhecimento aumenta a tensão entre, por um lado, a definição de um perfil universal de atribuições e competências legais e, por outro, a existência de distintas capacidades de resposta das CIM, o que pode ter consequências negativas sobretudo no que diz respeito aos serviços públicos mais diretamente ligados à população idosa, colocando os cidadãos em desiguais condições de acesso a esses serviços.

Refira-se que das audições efetuadas não resultou uma identificação clara dos domínios de intervenção a privilegiar na esfera das CIM. O inquérito realizado pelo IPPS-IUL às autarquias municipais (Lopes, 2019) dá uma indicação do tipo de áreas de intervenção que os respondentes consideram que deveriam ter o nível sub-regional (AM ou CIM) como escala privilegiada ou relevante, como se indica na Tabela II.1.

Áreas de intervenção a desenvolver ao nível sub-regional

Planeamento e gestão do serviço público de transportes (55%) Definição das redes regionais de serviços de transportes, educação, saúde, justiça e apoio ao cidadão

(49%) Tratamento de resíduos sólidos e águas residuais (46%) Gestão de fundos comunitários europeus (42%) Promoção e gestão turística (39%) Planeamento da rede de transportes escolares (37%) Gestão do risco de incêndio florestal e rural (37%) Promoção da competitividade empresarial (36%) Ordenamento e gestão florestal (35%) Definição de redes de equipamentos sociais (34%) Ordenamento e gestão de áreas protegidas (33%) Promoção do desenvolvimento económico (32%) Planeamento e coordenação da proteção civil (31%) Gestão das áreas portuário-marítimas de recreio e de pesca (31%) Planeamento da rede de educação (30%) Atração e apoio ao investimento (30%)

Tabela II.1 – Áreas de intervenção mais relevantes a serem desenvolvidas ao nível sub-regional segundo os autarcas (% de concordância iguais ou superiores a 30% das respostas). Fonte: Elaboração própria com base em Lopes (2019), Inquérito sobre descentralização e competências dos municípios, IPPS-IUL. N = 107 (margem de erro <8%; grau de confiança = 95%)

Finalmente, vale a pena salientar que não surgiu com a centralidade que seria talvez de esperar a

dimensão da governança multinível, isto é, o conjunto de questões complexas relativas ao alinhamento estratégico de decisões e políticas entre os vários níveis da administração, nem uma visão sistémica dos processos de transferência e de delegação ascendente e descendente de competências tendo como entidades recetoras as CIM.

1.6 – Síntese e recomendações

 Áreas Metropolitanas e Comunidades Intermunicipais As áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto foram criadas pela Lei n.º 44/91, de 2 de agosto, como

pessoas coletivas públicas de âmbito territorial que visam a prossecução de interesses próprios das populações da área dos municípios integrantes.

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De acordo com o artigo 2.º da Lei n.º 46/2008, «as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto são pessoas coletivas de direito público e constituem uma forma específica de associação dos municípios abrangidos pelas unidades territoriais definidas com base nas NUTS III da Grande Lisboa e da Península de Setúbal [atualmente, NUTS II Área Metropolitana de Lisboa] e do Grande Porto e de Entre Douro e Vouga [hoje NUTS III Área Metropolitana do Porto], respectivamente».

A inclusão das comunidades intermunicipais e das áreas metropolitanas numa mesma noção funcional de entidades intermunicipais faz-lhes corresponder um regime comum, sem prejuízo dos seus regimes especiais, contrapondo-as às associações de fins específicos quer de municípios quer de freguesias.

No entanto, e ao contrário das comunidades intermunicipais, as áreas metropolitanas não são livremente instituídas pelos municípios que as integram. Não resultam, pois, do exercício da sua liberdade de associação. As áreas metropolitanas são instituídas por lei – veja-se o anexo II à Lei n.º 75/2013 – e os municípios que as integram não podem optar por não as integrar, nem por deixar de pertencer à respetiva área metropolitana.

As áreas metropolitanas não merecem, por isso, nem a qualificação de «associações de municípios», categoria definida no artigo 253.º da Constituição, por não serem livremente instituídas pelos municípios que as integram, nem a de «autarquias locais», que estão limitadas aos tipos previstos no n.º 1 do artigo 236.º da Constituição. Qualificam-se como uma «outra forma de organização autárquica», categoria a que se refere o n.º 3 do artigo 236.º da Constituição.

As áreas metropolitanas estão sujeitas a uma tutela de mera legalidade, o que permite ao Estado aprovar ou autorizar os atos da área metropolitana (tutela integrativa) ou até mesmo anular esses mesmos atos (tutela de anulação). Por se tratar de uma tutela de mera legalidade, a revogação está fora de questão.

 Áreas Metropolitanas e Regiões Administrativas O facto de as áreas metropolitanas articularem, para além da ação dos municípios, as atuações destes

com a da administração central aproxima-as do papel que se espera que as regiões administrativas desempenhem. No entanto, a Comissão entende que no contexto da eventual criação das regiões administrativas não se afigura nem adequada nem oportuna a transformação das áreas metropolitanas em «autarquias locais» (que estão limitadas aos tipos previstos no n.º 1 do artigo 236.º da Constituição), como se fossem proto regiões dentro de regiões.

Aliás, os estudos comparativos efetuados pela OCDE mostram que, para um país com a dimensão demográfica de Portugal, não é habitual existirem quatro níveis de decisão (nacional, regional, metropolitano e local – municípios locais).

Por outro lado, a multiplicação de níveis de decisão ou a realização de eleições diretas para órgãos metropolitanos sem que existam regiões administrativas aumentam, por razões distintas, a complexidade e a conflitualidade institucional, no primeiro caso entre entidades com legitimidade democrática e no segundo entre municípios, áreas metropolitanas e serviços desconcentrados de nível regional.

Por último, e dada a integração funcional crescente entre as áreas metropolitanas, tal como estão atualmente delimitadas, e as ´regiões metropolitanas` em que se integram e que polarizam, devem evitar-se uma visão e uma gestão fragmentadas de territórios que já hoje funcionam de forma sistémica. A transformação das áreas metropolitanas em «autarquias locais» pode dificultar a promoção e concretização de intervenções que levem em conta as interações existentes no interior das regiões urbanas funcionais de Lisboa e do Porto, que são mais vastas que as respetivas áreas metropolitanas.

 As especificidades das Áreas Metropolitanas Com base na análise realizada e nas audiências efetuadas, a Comissão defende a necessidade de

diferenciar as áreas metropolitanas como realidades com identidade específica a partir de critérios que não se limitem à contiguidade territorial e ao número de habitantes, mas que incluam também a forma de organização que as serve e, por consequência, o modelo de gestão a adotar para resolver os seus

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problemas específicos. A instituição de regiões administrativas irá exigir um reajustamento do enquadramento e das

atribuições das áreas metropolitanas, as quais, como existem no presente, foram pensadas e constituídas num contexto em que não havia, nem haveria, regiões administrativas.

Apesar de nenhum dos órgãos da área metropolitana ser eleito diretamente, o que se revelaria constitucionalmente inadmissível dada a sua não classificação como «autarquia local», sempre foi assegurada a sua representatividade, seja por via da eleição indireta do órgão deliberativo, seja através da composição do órgão executivo por todos os presidentes da câmara dos municípios integrantes.

Já a presença de órgãos ou funcionários do Estado no órgão consultivo das áreas metropolitanas, que chegou, na Lei n.º 44/91, a ser presidido pelo presidente da CCDR respetiva, é pouco compatível com a sua natureza de associação pública. De facto, tratando-se as áreas metropolitanas de associações públicas e, portanto, de uma forma de administração autónoma, sujeita a uma tutela de mera legalidade, a intromissão da administração direta, por via da composição de um dos seus órgãos e à margem da vontade dos seus associados, pese embora a sua função meramente consultiva, constitui uma entorse à configuração constitucional da administração autónoma e das associações públicas.

No que respeita às atribuições das áreas metropolitanas, tem-se registado, a partir da Lei n.º 10/2003, uma ampliação das atribuições que lhe são cometidas, com o correspondente alargamento das fontes de financiamento e reajustamento das competências dos seus órgãos.

A legislação atual já prevê um leque relativamente alargado de atribuições, podendo-se distinguir entre: i) As atribuições que visam garantir a articulação entre os municípios, seja por via do planeamento dos

investimentos a realizar, seja ao nível dos investimentos municipais de caráter metropolitano; ii) As atribuições que se traduzem na participação (institucional) em entidades públicas de âmbito

intermunicipal e, no plano co constitutivo, na participação na definição de redes de serviços e equipamentos de âmbito intermunicipal e na gestão de programas de desenvolvimento;

iii) As atribuições que têm em vista a articulação entre os municípios e os serviços da Administração Central.

A Comissão considera que, sem prejuízo de outras matérias, as áreas metropolitanas poderão e

deverão ter um papel determinante no que diz respeito ao planeamento dos sistemas de transportes, à reabilitação urbana, à habitação, às infraestruturas de serviços ambientais (águas, saneamento e gestão de resíduos) e à definição de redes de serviços e equipamentos de âmbito intermunicipal.

A Lei n.º 75/2013 não sujeita as entidades intermunicipais a normas de boa administração. Na verdade, os deveres de transparência a que estão sujeitas encontram apenas consagração expressa no regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais, restringindo-se à sua atividade financeira e agora, na Lei n.º 50/2018, às atribuições e competências transferidas. A Comissão entende que se deverá evoluir no sentido de introduzir mecanismos que garantam uma boa administração, designadamente ao nível da política de digitalização e gestão de dados.

 Associativismo municipal O associativismo municipal tem dado respostas importantes para a resolução de vários problemas e para a

construção de soluções que permitem garantir a prestação de serviços públicos essenciais à melhoria da qualidade de vida das populações e à promoção dos seus direitos. São exemplos de domínios que têm beneficiado do associativismo municipal, entre outros, o abastecimento de água e saneamento, a recolha e tratamento de resíduos, e as redes culturais e desportivas.

Ultrapassar a fragmentação municipal, criando escala ao agregar municípios para alcançar objetivos comuns, tem tido resultados positivos que, para além da resolução de problemas, geram poupança, introduzem mais eficácia e proporcionam maior capacidade de investimento público.

Olhar para o município vizinho como um parceiro para a prossecução de objetivos comuns, e não como um concorrente, potencia redes de solidariedade mas também eficiência na gestão dos bens públicos e racionalidade nos investimentos.

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Os municípios têm hoje ao seu dispor várias formas para concretizar as relações de cooperação e de colaboração:

 Associações de fins específicos;  Empresas intermunicipais;  Contratos interadministrativos. No respeito pela autonomia dos municípios, cabe-lhes a decisão de aderir, ou não, a qualquer forma de

cooperação e ou de colaboração.

 Comunidades Intermunicipais As comunidades intermunicipais (CIM) foram criadas com o objetivo de viabilizar um nível de

descentralização num contexto de ausência de regiões administrativas ou até na perspetiva da sua não concretização. Visavam, por isso, preencher o patamar da colaboração intermunicipal que não se limitava a fins específicos, sendo, portanto, associações de municípios de fins múltiplos, mas detendo ainda atribuições de articulação dos municípios com a administração central. Este último aspeto faz toda a diferença em relação a outro tipo de associativismo municipal e reflete a intenção de descentralização da administração central para as CIM.

Em 2013, a tentativa de constituição das CIM por lei e com carácter obrigatório, equiparando-as a autarquias locais, não vingou após a apreciação pelo Tribunal Constitucional no âmbito da fiscalização preventiva da constitucionalidade pedida pelo Presidente da República.

Assim, as CIM, constituídas por contrato, são associações de municípios que se formam por iniciativa dos seus associados, os quais podem decidir se integram, aderem ou abandonam determinada comunidade.

No entanto, e embora exista esta liberdade de decisão dos municípios, estes não podem escolher se pertencem, ou não, a uma determinada comunidade intermunicipal, uma vez que a composição territorial das mesmas é definida por lei, correspondendo às NUTS III, e porque existem consequências para os municípios que decidam sair da CIM. No contexto atual, em que muitas matérias referentes a financiamento comunitário passam pelas CIM, é fácil entender que nenhum município terá condições objetivas para abandonar a comunidade da sua área geográfica.

 Comunidades Intermunicipais e Regiões Administrativas Avaliando as audições realizadas, que envolveram a maioria das comunidades intermunicipais, bem como

o contributo dos consultores, a Comissão considera que, no contexto da criação de regiões administrativas, as CIM devem manter-se como associações de municípios, como determina a Constituição, e que a sua missão se deve centrar em matérias que os municípios entendam dever ser tratadas no patamar intermunicipal, por ser o mais adequado.

A Comissão considera também fundamental que as atribuições da CIM não se sobreponham ou confundam com as atribuições das regiões administrativas. A distinção clara de responsabilidades e funções entre as CIM (associações de municípios) e as regiões administrativas (autarquias locais), nomeadamente no que diz respeito a atribuições e competências na área da articulação com a administração central, resolve algumas das questões levantadas a esta Comissão em sede de audições, nomeadamente, a ausência de legitimidade dos presidentes da CIM.

A Comissão considera, ainda, que se deve manter o atual mapa das CIM, não se promovendo alterações territoriais até à avaliação a efetuar no quinto ano após a entrada em funcionamento das regiões administrativas (ver secção 2.9).

Por último, a Comissão considera que a criação de regiões administrativas deverá originar acertos no regime jurídico das comunidades intermunicipais, constante da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, nomeadamente no que se refere às suas atribuições e à articulação com os órgãos da administração central, que sofrerão alterações por força da criação das regiões administrativas.

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ANEXO

Mapa das áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa e das comunidades intermunicipais. Fonte: ANMP (https://www.anmp.pt/index.php/municipios/comunidades-intermunicipais-e-areas-metropolitanas)

Áreas Metropolitanas Municípios Área (km2) População (2018)

ISDR (2017)

1 PORTO (AM Porto)

Arouca, Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Oliveira de Azeméis, Paredes, Porto, Póvoa de Varzim, Santa Maria da Feira, Santo Tirso, São João da Madeira, Trofa, Vale de Cambra, Valongo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia (17).

2041 1 722 374 102,37

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Áreas Metropolitanas Municípios Área (km2) População (2018)

ISDR (2017)

2 LISBOA (AM Lisboa)

Alcochete, Almada, Amadora, Barreiro, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Moita, Montijo, Odivelas, Oeiras, Palmela, Seixal, Sesimbra, Setúbal, Sintra e Vila Franca de Xira (18).

3015 2 846 332 106,36

1 CIMAC (Alentejo Central)

Alandroal, Arraiolos, Borba, Estremoz, Évora, Montemor-o-Novo, Mora, Mourão, Portel, Redondo, Reguengos de Monsaraz, Vendas Novas, Viana do Alentejo e Vila Viçosa (14).

7393,6 152 865 98,46

2 CIMAL (Alentejo Litoral) Alcácer do Sal, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém e Sines (5). 5309,4 93 259 96,85

3 AMAL (Algarve)

Albufeira, Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Monchique, Olhão, Portimão, S. Brás de Alportel, Silves, Tavira, Vila do Bispo e Vila Real de Santo António (16).

4997,1 438 864 94,99

4 CIMAA (Alto Alentejo)

Alter do Chão, Arronches, Avis, Campo Maior, Castelo de Vide, Crato, Elvas, Fronteira, Gavião, Marvão, Monforte, Nisa, Ponte de Sor, Portalegre e Sousel (15).

6084,3 105 479 95,14

5 AMAT (Alto Tâmega) Boticas, Chaves, Montalegre, Ribeira de Pena, Valpaços e Vila Pouca de Aguiar (6). 2922 86 466 89,29

6 CIM-ALTO MINHO (Alto Minho)

Arcos de Valdevez, Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Valença, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira (10).

2218,8 230 954 99,77

7 CIM-AVE (Ave)

Cabeceiras de Basto, Fafe, Guimarães, Mondim de Basto, Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Vila Nova de Famalicão e Vizela (8).

1453 412 669 98,76

8 CIRA (Aveiro)

Águeda, Albergaria-a-Velha, Anadia, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Murtosa, Oliveira do Bairro, Ovar, Sever do Vouga e Vagos (11).

1692,9 362 100 101,17

9 CIMBAL (Baixo Alentejo)

Aljustrel, Almodôvar, Alvito, Barrancos, Beja, Castro Verde, Cuba, Ferreira do Alentejo, Mértola, Moura, Ourique, Serpa e Vidigueira (13).

8542,7 116 557 94,01

10 CIMBB (Beira Baixa)Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Oleiros, Penamacor, Proença-a-Nova e Vila Velha de Ródão (6).

4614,6 80 782 93,89

11 CIMBSE

(Beiras e Serra da Estrela)

Almeida, Belmonte, Celorico da Beira, Covilhã, Figueira de Castelo Rodrigo, Fornos de Algodres, Fundão, Guarda, Gouveia, Manteigas, Mêda, Pinhel, Sabugal, Seia e Trancoso (15).

6305 213 326 96,26

12 CIM CAVADO (Cávado) Amares, Braga, Barcelos, Esposende, Terras de Bouro e Vila Verde (6). 1245,8 403 891 101,18

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Áreas Metropolitanas Municípios Área (km2) População (2018)

ISDR (2017)

13 CIM REGIÃO DE

COIMBRA (Região de Coimbra)

Arganil, Cantanhede, Coimbra, Condeixa-a-Nova, Figueira da Foz, Góis, Lousã, Mealhada, Mira, Miranda do Corvo, Montemor-o-Velho, Mortágua, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penacova, Penela, Soure, Tábua e Vila Nova de Poiares (19).

4336 434 015 96,77

14 CIMVDL (Viseu Dão Lafões)

Aguiar da Beira, Carregal do Sal, Castro Daire, Mangualde, Nelas, Oliveira de Frades, Penalva do Castelo, Santa Comba Dão, São Pedro do Sul, Sátão, Tondela, Vila Nova de Paiva, Viseu e Vouzela (14).

3237,6 252 220 93,91

15 CIMDOURO (Douro)

Alijó, Armamar, Carrazeda de Ansiães, Freixo de Espada à Cinta, Lamego, Mesão Frio, Murça, Peso da Régua, Moimenta da Beira, Penedono, S. João da Pesqueira, Sernancelhe, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, Tabuaço, Tarouca, Torre de Moncorvo, Vila Nova de Foz Côa e Vila Real (19).

4031,6 191 101 91,52

16 CIMRL (Região de Leiria)

Alvaiázere, Ansião, Batalha, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Leiria, Marinha Grande, Pedrógão Grande, Pombal e Porto de Mós (10).

2449,2 284 492 98,14

17 CIMLT (Lezíria do Tejo)

Almeirim, Alpiarça, Azambuja, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Coruche, Golegã, Rio Maior, Salvaterra de Magos e Santarém (12).

4275 237 318 95,29

18 CIM MT

(Médio Tejo)

Abrantes, Alcanena, Constância, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Mação, Ourém, Sardoal, Sertã, Tomar, Torres Novas, Vila de Rei e Vila Nova da Barquinha (13).

3344 232 849 93,59

19 OESTECIM

(Oeste)

Alcobaça, Alenquer, Arruda dos Vinhos, Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha, Lourinhã, Nazaré, Óbidos, Peniche, Sobral de Monte Agraço e Torres Vedras (12).

2220,1 356 785 96,07

20

CIM TAMEGA E SOUSA

(Tâmega e Sousa)

Amarante, Baião, Castelo de Paiva, Celorico de Basto, Cinfães, Felgueiras, Lousada, Marco de Canaveses, Paços de Ferreira, Penafiel e Resende (11).

1831,4 417 268 93,38

21 CIM-TTM

(Terras de Trás-os-Montes)

Alfândega da Fé, Bragança, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela, Mogadouro, Vila Flor, Vimioso e Vinhais (9).

5543,6 107 860 97,69

TOTAL 89 102,2 9 779 826 100

Caracterização das áreas metropolitanas (AM) e das comunidades intermunicipais (CIM). Fontes: Área (km²) das NUTS: Direcção-Geral do Território; População (NUTS – 2013): INE – Estimativas anuais da população residente, 2018; ISDR – Índice Sintético de

Desenvolvimento Regional (Portugal = 100), NUTS III, 2017, INE, 6 de junho de 2019

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CAPÍTULO 2 – REGIÕES ADMINISTRATIVAS

2.1 – Introdução Este capítulo, além de incluir a Introdução, está organizado em oito secções. Na próxima (2.2) reconstitui-

se brevemente a evolução da administração supramunicipal em Portugal. Nas duas secções seguintes analisa-se a regionalização na ótica da OCDE (2.3) e da Constituição da República Portuguesa (2.4). Na secção 2.5 sistematizam-se os principais argumentos a favor e contra a criação de regiões administrativas em Portugal (continente), o que permite enquadrar a identificação das condições básicas para uma regionalização administrativa bem-sucedida (2.6). Na secção 2.7 apontam-se três caminhos para uma regionalização administrativa de acordo com o estudo da OCDE (OECD, 2019, Anexo B, Volume II), a que se adicionam algumas variantes ou situações intermédias decorrentes das sessões de auscultação e debate e dos contributos individuais recebidos. Na secção 2.8 é analisada a questão do mapa da regionalização administrativa do território continental. Finalmente, na secção 2.9 os membros da Comissão apresentam um conjunto de recomendações, tendo por base a ponderação da informação e dos argumentos provenientes das várias fontes utilizadas.

2.2 – Antecedentes: breve história da evolução da administração supramunicipal em Portugal12 Uma análise sumária da evolução da administração supramunicipal em Portugal mostra que desde as

épocas de ocupação romana e leonesa se sucederam diversas tentativas de dividir o território nacional (continente) num número relativamente limitado de grandes áreas geoeconómicas, umas vezes com significado militar, outras com significado civil. Essas diferentes divisões regionais, que vão variando em número, delimitação, designação e estatuto, consolidam-se no tempo com base em três referências principais – as comarcas, as províncias e os distritos –, elas próprias com funções voláteis ao longo da história.

O termo «comarca» é o mais antigo e começou por corresponder às grandes divisões administrativas e militares do País. No Cadastro da População do Reino, ordenado por D. João III em 1572, aparecem definidas seis comarcas – Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Entre Tejo e Odiana, e Reino do Algarve – que não diferem muito dos agrupamentos de concelhos que constavam do testamento de D. Dinis quase três séculos antes (1299). No século XVII, com o Regimento de 1678, publicado pela regência de D. Pedro II no tempo de D. Afonso VI, a comarca perde para a província a sua natureza de circunscrição militar. Em 1835, numa disputa entre defensores e críticos das províncias, é criada a figura de distrito como alternativa à oposição província-comarca. O distrito irá absorver o papel de divisão administrativa acima do concelho até então desempenhado pela comarca, sobrevivendo esta última como mera divisão judicial. Em 1835, aquando da criação dos distritos (17), existiam oito províncias e 40 comarcas.

Durante o liberalismo e o Estado Novo, as províncias e os distritos irão disputar a sua relevância política e simbólica em contextos marcados por permanentes alterações. O distrito oscila entre autarquia supramunicipal (com personalidade jurídica e órgãos próprios eleitos), papel desempenhado por curtos períodos durante a monarquia (1872-92) e a república (1913-1917; 1959-74), e circunscrição administrativa (sem personalidade jurídica pública), correspondendo à área de atuação dos representantes locais do poder central, nomeadamente os governadores civis. A província, por sua vez, e uma vez perdido o seu significado militar, oscila entre uma função de referencial integrador e identitário (Lei de 1835; reforma de 1959) e o papel de autarquia supramunicipal (Código Administrativo de 1936-40; as províncias mantiveram esse estatuto até 1959).

Em 1969, durante o Governo de Marcelo Caetano, é instituída em Portugal uma conceção então inovadora, fora da lógica da organização local autárquica: as regiões de planeamento ou regiões-plano associadas à ideia de planeamento regional, inicialmente consagrado num projeto de decreto-lei apresentado à Câmara Corporativa em 1961 e mais tarde incorporado no III Plano de Fomento (1968-1973). Planeamento regional, política regional, desenvolvimento regional e regiões de planeamento começam, então, a ganhar uma centralidade crescente em diversos documentos oficiais.

12 Texto baseado nos relatórios dos consultores Diogo Freitas do Amaral e Jorge Pereira da Silva (Anexo C, Volume II) e João Abreu de Faria Bilhim (Anexo D, Volume II) e ainda em Luís Valente de Oliveira (2019).

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Em 1969 são criadas as Comissões de Planeamento Regional (CPR), que em 1979 dão origem às Comissões de Coordenação Regional (CCR), com funções de planeamento do desenvolvimento, de coordenação das atividades dos municípios e de reforço do seu papel e da democracia local. A partir de 1986, com a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, as CCR passam a deter um papel relevante na gestão de programas financeiros nacionais, comunitários e de cooperação. Em 2003, por fusão das Comissões de Coordenação Regional com as direções regionais do Ambiente e do Ordenamento do Território, foram criadas as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) em cinco regiões: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. O Decreto-Lei n.º 104/2003, de 23 de maio, define as CCDR como serviços desconcentrados, dotados de autonomia administrativa e financeira, incumbidos de «executar ao nível das respetivas áreas geográficas de atuação, as políticas de ambiente, de ordenamento do território, de conservação da natureza e da biodiversidade, de utilização sustentável dos recursos naturais, de requalificação urbana, de planeamento estratégico regional e de apoio às autarquias locais e suas associações, tendo em vista o desenvolvimento regional integrado». Dada a sua natureza de serviços desconcentrados, são dirigidos por órgãos nomeados pelo Governo. As CCDR, com uma influência e um reconhecimento crescentes à medida que foram ocupando uma posição relevante na gestão de programas e fundos comunitários, tornaram-se, nas últimas décadas, entidades dinamizadoras de planeamento e de desenvolvimento regional, líderes da elaboração de visões e estratégias regionais envolvendo autarquias locais, agentes económicos, universidades e organizações associativas e da sociedade civil, agentes de cooperação e intercâmbio com regiões de diversos Estados-Membros da União Europeia, bem como protagonistas da defesa e negociação dos interesses regionais com autoridades nacionais e comunitárias.

Entretanto, a Constituição da República Portuguesa de 2 de abril de 1976 introduziu o conceito de «região administrativa», sem referir o número e respetiva delimitação, ou seja, sem definir o mapa da regionalização administrativa do País (continente). A relação quer com os espaços tradicionais – províncias e distritos – quer com as regiões de planeamento e com as NUTS II, que coincidem parcialmente com aquelas, está, portanto, por esclarecer.

Esta análise sumária suscita cinco observações finais. Em primeiro lugar, a observação de que existe uma aceitação recorrente dos poderes políticos, ao

longo da história, da necessidade de uma organização do território continental num número restrito de divisões administrativas supramunicipais.

Em segundo lugar, o reconhecimento da progressiva estabilização da divisão do território, primeiro em torno das províncias e dos distritos, e nas últimas décadas tendo como referência as regiões – regiões autónomas, no caso dos Açores e da Madeira, e regiões de planeamento, no caso do continente.

Em terceiro lugar, a verificação de a província corresponder a uma comunidade, isto é, a uma autarquia de base histórica, geográfica e cultural, de carácter autónomo e de feição económico-social, e com um maior enraizamento local, enquanto o distrito tem sido visto como uma autarquia de carácter político e administrativo, muito controlada pelo Governo, resultante de uma imposição – por revolução ou reforma legislativa – e não da expressão de vontades locais. Assim, a província parece ser uma emanação espontânea dos municípios, federados para efeitos de desenvolvimento económico-social, enquanto o distrito se afirma como um prolongamento do poder central, que pretendia estar presente localmente para efeitos de coordenação e tutela dos municípios.

Em quarto lugar, a confirmação de que tanto as províncias como os distritos falharam a sua função enquanto autarquias supramunicipais, seja por falta de definição clara de competências, pessoas qualificadas, meios jurídicos e financeiros ou serviços próprios, seja pela ausência de um real empenho do Governo central em dinamizar e impulsionar uma administração mais descentralizada.

Finalmente, a ideia de que se é verdade que a história da evolução da administração supramunicipal e o agravamento das assimetrias territoriais em Portugal sugerem a necessidade de um nível autárquico à escala regional, não é menos certo que os insucessos evidenciados na breve caracterização anteriormente apresentada e a profusão de mapas de referência de divisões regionais transformam a criação de regiões administrativas estáveis e sustentáveis num exercício complexo, de grande exigência e rigor.

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2.3 – A regionalização na União Europeia na ótica da OCDE13 Nos últimos anos o nível regional tem vindo a ganhar importância nos países da União Europeia

(UE), tanto nos descentralizados como nos centralizados. Neste último caso, o reforço do nível regional inscreve-se, em geral, num processo mais amplo de reformas descentralizadoras.

A OCDE usa a palavra «regionalização» sempre que se verifica um reforço do poder das regiões. A designação «regionalização» tem, portanto, uma abrangência ampla, incluindo todos os processos que fortalecem o papel das regiões, seja por via da desconcentração de serviços do Estado central, seja pelo aprofundamento da cooperação entre municípios, seja ainda pela transferência de poderes administrativos e político-administrativos do Estado central para órgãos regionais eletivos. Identifica, assim, quatro tipos principais de regionalização: regionalização por desconcentração, regionalização por reforço da cooperação intermunicipal, regionalização por descentralização eregionalização política (Tabela II.2). De acordo com esta nomenclatura, a criação de regiões administrativas em Portugal continental, vulgarmente referida apenas como «regionalização», corresponde a um processo de regionalização por descentralização. Nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, pelo contrário, verificou-se uma regionalização política através da criação de regiões político-administrativas.

Entre os estados unitários da UE, cinco já concretizaram ou aprovaram a criação de regiões administrativas, isto é, regiões geridas por órgãos eleitos por sufrágio direto e universal: França, Dinamarca, Polónia, República Checa e Suécia. A Noruega encontra-se na mesma situação.

Embora com enquadramentos constitucionais e institucionais distintos, estas regiões administrativas tendem a apresentar algumas características em comum: ausência de poderes legislativos, competências centradas em questões económicas e sociais relacionadas com o desenvolvimento regional, capacidade financeira limitada em relação aos casos de regionalização política (por vezes parcial, como a Escócia no Reino Unido, os Açores e a Madeira em Portugal e os quatro departamentos e territórios ultramarinos em França) ou aos sistemas federais ou quase federais (Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha e Itália), e coexistência com entidades desconcentradas do Estado (modelo dual, em que existem lado a lado, numa dada região, serviços descentralizados e desconcentrados).

Por outro lado, e sobretudo nos países da Europa do Sul e do Leste, o reforço da dimensão regional verificado nas últimas décadas está bastante associado ao processo de integração europeia, às condições de acesso aos apoios da política de coesão, à gestão de fundos estruturais e à execução de programas comunitários. Não admira, por isso, que embora existam perfis distintos de competências ao nível das regiões dos vários países europeus, as políticas de desenvolvimento regional e de ordenamento do território ocupem de forma recorrente uma posição central.

A dimensão e a história dos países que adotaram o estabelecimento de regiões administrativas justificam, no entanto, a ocorrência de situações distintas, nomeadamente no que se refere ao tipo de relações hierárquicas que se verificam entre as regiões e as entidades autárquicas de âmbito sub-regional e à importância de critérios de identidade cultural na delimitação das regiões (relevantes sobretudo no caso das regiões político-administrativas).

Tipos de Regionalização Fontes de legitimidade Natureza da intervenção

Nível de decisão Países

Regionalização por desconcentração

Eficácia da política pública

Administração desconcentrada

do Estado ao nível regional

Principalmente nacional

Bulgária, Dinamarca, Eslovénia, Eslováquia

Grécia, Lituânia, Noruega, Portugal, Roménia e Suécia

Regionalização por reforço da cooperação intermunicipal

Eficácia da política pública

Poderes limitados de planeamento

ao nível sub-regional e municipal

Principalmente nacional

Finlândia, Irlanda, Länders da Alemanha

13 Texto elaborado tendo por base o relatório da OECD (2019), Anexo B, Volume II.

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Tipos de Regionalização Fontes de legitimidade Natureza da intervenção

Nível de decisão Países

Regionalização por descentralização

[regiões administrativas]

Eficácia da política

pública e democracia

local

Decentralização ao nível regional

Principalmente nacional (por

vezes subnacional)

Dinamarca, França, Noruega, Polónia,

República Checa, Suécia (província da Escânia)

Regionalização política [regiões político-administrativas]

Identidade cultural e

democracia local

Autonomia política ao nível

regional

Nacional e subnacional (de

forma complementar ou conflituosa)

Espanha, Itália, Reino Unido, França (territórios ultramarinos), Portugal

(Açores, Madeira)

Tabela II.2 – Tipos de Regionalização. Fonte: Romain Pasquier (2019), em OEDC (2019), p. 35, Anexo B, Volume II (adaptado) Os processos de regionalização, nas suas diversas modalidades, estimulam oportunidades e, ao mesmo

tempo, apresentam limitações e acarretam riscos. Infelizmente, a maior parte dos estudos e debates sobre regionalização centram-se em regiões «fortes», isto é, associadas a sistemas federais ou a processos de regionalização política (regiões político-administrativas). Este facto tem duas consequências que condicionam o debate sobre regiões administrativas em Portugal (continente): por um lado, não existe evidência empírica específica suficientemente robusta sobre o desempenho deste tipo de regiões, o que impede análises comparativas rigorosas; por outro, contamina o debate sobre regiões administrativas, trazendo para a discussão argumentos que se aplicam sobretudo às versões «fortes» de região (ver, a este propósito, a primeira observação referida no comentário final relativa aos argumentos contra a regionalização administrativa em Portugal, secção 1.4).

As análises efetuadas pela OCDE permitem, no entanto, sublinhar um aspeto importante: mais do que uma consequência ou um produto de processos mais amplos (democracia, desenvolvimento, identidades culturais, etc.), as regiões (administrativas) devem constituir um motor desses mesmos processos. Esta constatação permite salientar o papel das regiões administrativas como um meio para atingir determinadas finalidades, bem como a necessidade de identificar cuidadosamente as condições indispensáveis para garantir a sua adequada criação, o seu funcionamento sustentável e a obtenção efetiva dos resultados pretendidos. A bibliografia internacional mostra que a capacidade de representação, a qualidade institucional e os domínios de intervenção, a que se juntam de forma menos decisiva os graus de autonomia de decisão e fiscal, são os fatores que mais contribuem para reforçar o papel das regiões como fatores de desenvolvimento económico, vitalidade da democracia e respeito pelas identidades aos níveis local e regional (OECD, 2019, Anexo B, Volume II).

As regiões administrativas não podem, contudo, ser vistas como um nível do poder político isolado. Elas coexistem e estão em permanente interação com outros níveis, não só superiores (nacional e, em certos domínios, União Europeia), como inferiores (níveis sub-regionais). Atualmente, Portugal integra o conjunto de países da UE28 que possui apenas um nível sub-regional (municípios/freguesias, que a OCDE considera como um único nível) (Tabela II.3).

Países com um nível de governo sub-regional (n=11) Municípios

Países com dois níveis de governo sub-regional (n=10) Municípios, Regiões

Países com três níveis de governo sub-regional (n=7) Municípios, governos de nível intermédio, Estados/Regiões

Federações (n=4) Áustria Alemanha

Bélgica Espanha§

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Países com um nível de governo sub-regional (n=11) Municípios

Países com dois níveis de governo sub-regional (n=10) Municípios, Regiões

Países com três níveis de governo sub-regional (n=7) Municípios, governos de nível intermédio, Estados/Regiões

Estados unitários (n=24) Bulgária Chipre Eslovénia Estónia Finlândia§ Irlanda Letónia Lituânia Luxemburgo Malta Portugal§

Croácia Dinamarca Grécia Holanda Hungria República Checa República Eslovaca Roménia Suécia

França Itália Polónia Reino Unido§

Tabela II.3 – Organização dos governos sub-regionais nos países da UE28. Fonte: OEDC (2019), p. 74, Anexo B, Volume II

Nota: §Espanha é um país quase-federal; §Portugal tem duas regiões autónomas; §Finlândia tem uma região autónoma; §O Reino Unido tem três «devolved nations» ao nível regional

O número de níveis de poder sub-regionais apresenta uma forte relação positiva com a dimensão

demográfica do País, embora este não seja o único fator explicativo para a situação existente em cada caso. Ainda assim, deve notar-se que Portugal é o país do primeiro conjunto (países apenas com um nível de governo sub-regional) com maior número de habitantes e que a sua população é superior à de vários dos países integrados no segundo conjunto (países com dois níveis de governo sub-regional) (Tabela II.3). Isto é, se considerarmos relevante a forte relação que se verifica no âmbito da UE28 entre a dimensão demográfica e o número de níveis de governo sub-regional, Portugal deveria integrar o grupo de países com dois níveis: municípios (que, recorde-se, incluem as freguesias segundo o critério da OCDE) e regiões.

Independentemente do número de níveis sub-regionais existentes, a questão da regionalização, tanto no sentido amplo que a OCDE lhe confere como na aceção restrita consagrada na Constituição da República Portuguesa, é indissociável do debate sobre as condições de uma boa governança multinível, que será retomada mais tarde neste Relatório e cujo enquadramento teórico e programático pode ser visto no Anexo D, Volume II, pp. 84 a 97.

2.4 – A regionalização na Constituição da República Portuguesa14 O conceito de regionalização consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP) é bem

mais delimitado do que o conceito de largo espectro adotado pela OCDE, correspondendo, como já se salientou, ao que esta organização internacional designa por processo de «regionalização por descentralização». Na verdade, a regionalização é uma das modalidades possíveis de descentralização. Pode haver descentralização relativamente a todos os níveis de administração abaixo do Estado central: regiões autónomas, regiões administrativas, municípios e freguesias. O que está em causa no caso de Portugal (continente) é a criação de regiões administrativas, que correspondem a autarquias locais de âmbito supramunicipal, sendo, portanto, de base eletiva e situando-se acima dos municípios e abaixo do Governo e da respetiva administração central. Refira-se, ainda, que a regionalização (administrativa) inclui não apenas o ato de criação de regiões administrativas, mas também o processo, necessariamente dinâmico e evolutivo, de transferência de atribuições e competências para essas regiões.

A Constituição da República Portuguesa, aprovada em 2 de abril de 1976 e revista sete vezes até hoje, trata expressamente das «regiões administrativas» no Capítulo IV do seu Título VIII («Poder local»). O

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Capítulo IV compreende oito artigos (os artigos 255.º a 262.º), que versam as matérias seguintes: • Criação legal; • Instituição em concreto; • Atribuições; • Planeamento; • Órgãos da região; • Assembleia regional; • Junta regional; • Representante do Governo. A versão de 1997 do texto constitucional inclui ainda nove artigos que, por conterem regras comuns às

várias espécies de autarquias locais – «freguesias, municípios e regiões administrativas» – e por as regiões administrativas do continente serem formalmente qualificadas pela Constituição como autarquias locais, também são diretamente aplicáveis às regiões administrativas. Esses artigos ocupam-se dos seguintes aspetos:

• Autarquias locais (artigo 235.°); • Categorias de autarquias locais e divisão administrativa (artigo 236.°); • Descentralização administrativa (artigo 237.°); • Património e finanças locais (artigo 238.°); • Órgãos deliberativos e executivos (artigo 239.°); • Referendo local (artigo 240.°); • Poder regulamentar (artigo 241.º); • Tutela administrativa (artigo 242.°); • Pessoal das autarquias locais (artigo 243.°). Existem, no entanto, outros artigos da CRP que, não incidindo explícita e especificamente sobre as

autarquias locais, são igualmente decisivos no âmbito da missão desta Comissão, como se pode verificar quer nos estudos realizados pelos peritos a pedido da Comissão quer em menções feitas ao longo deste Relatório (ver Anexo no final deste Capítulo).

O regime jurídico básicoestabelecido na Constituição para as regiões administrativas baseia-se nos seguintes aspetos:

i) A qualificação jurídica das regiões administrativas como autarquias locais, e não como regiões

autónomas, categoria que só aplicável aos Açores e à Madeira; ii) A consequente caracterização das regiões administrativas como entidades administrativas, capazes

de desenvolverem uma administração autónoma (autoadministração), mas não como entidades político-administrativas, habilitadas constitucionalmente com órgãos de Governo próprio e poderes legislativos (autogoverno);

iii) A atribuição às regiões administrativas de personalidade jurídica pública, autonomia administrativa, património e finanças próprias, poder regulamentar e direito de realização de referendos regionais sobre matérias da competência dos seus órgãos;

iv) A existência, em cada região administrativa, de dois órgãos decisórios: uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos (Assembleia Regional), e um órgão executivo colegial perante ela responsável (Junta Regional);

v) A eleição da maioria dos membros da Assembleia Regional por sufrágio universal dos cidadãos recenseados na respetiva área, segundo o sistema da representação proporcional, além dos membros diretamente eleitos, e em número inferior ao deles, a que se adiciona um segundo grupo de membros da Assembleia Regional, constituído por representantes das assembleias municipais da mesma área, eleitos por

14 Secção baseada no relatório dos consultores Diogo Freitas do Amaral e Jorge Pereira da Silva (Anexo C, Volume II), no qual se efetua uma apresentação pormenorizada e devidamente justificada dos vários aspetos aqui referidos.

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um colégio eleitoral ad hoc; vi) O direito de opção do legislador, quanto à designação da Junta Regional, entre o sistema da eleição

direta pelos cidadãos recenseados na área de cada região administrativa (sistema presidencializante) e o sistema da sua designação indireta, através de votação no seio da própria Assembleia Regional (sistema parlamentar);

vii) A sujeição das regiões administrativas à «tutela administrativa» do Estado, embora limitada à verificação da legalidade dos seus atos (e não do seu mérito);

viii) A possibilidade de criação, por lei, do cargo de «representante do Governo» em cada região administrativa, nomeado em Conselho de Ministros, cuja competência se exercerá quer na região, quer nas outras autarquias locais existentes na área respetiva (isto é, os municípios e freguesias da área);

ix) Uma lista reduzida, mas que pode ser ampliada pela Lei-Quadro, das atribuições da região administrativa;

x) A direção de serviços públicos, que pode ser limitada aos seus próprios serviços ou ser ampliada a alguns serviços do Estado ou de institutos públicos estaduais;

xi) A coordenação e o apoio aos municípios da respetiva área, com respeito dos seus poderes e da sua autonomia;

xii) A elaboração de planos regionais, que pode confinar-se aos planos ou programas de desenvolvimento, ou incluir outros, como, por exemplo, os planos (atualmente programas) regionais de ordenamento do território (PROT);

xiii) A participação na elaboração de planos nacionais. Em suma, a região administrativa é uma pessoa coletiva territorial, dotada de autonomia administrativa e

financeira e de órgãos representativos, que visa a prossecução de interesses próprios das populações respetivas, como fator de coesão social. A autonomia administrativa e financeira das regiões administrativas funda-se no princípio da subsidiariedade das funções em relação ao Estado e aos municípios e na organização unitária do Estado. A atuação da administração regional deve respeitar os seguintes princípios:

• Subsidiariedade; • Legalidade; • Independência; • Descentralização administrativa; • Poder regulamentar; • Administração aberta; • Representante do Governo; • Tutela administrativa. Embora previstas na Constituição de 1976, as regiões administrativas nunca foram instituídas e

concretizadas. Em 1980-82 foi elaborado e publicado o Livro Branco Sobre Regionalização pelo Ministério da

Administração Interna (Secretaria de Estado da Administração Regional e Local), organizado em duas partes, uma de natureza mais conceptual e analítica («As dimensões e o significado da regionalização») e outra com uma orientação sobretudo programática e operacional («A estratégia da regionalização»).

Em 1991 foi aprovada por unanimidade pela Assembleia da República a Lei-Quadro das Regiões Administrativas (Lei n.º 56/91, de 13 de agosto). Contudo, nunca foi regulamentada nem sofreu qualquer alteração desde aquela data.

Em 1997, a revisão constitucional então efetuada passou a exigir que a instituição em concreto das regiões administrativas fosse obrigatoriamente objeto de referendo.

Em 1998 foi realizado um referendo nesse sentido com duas questões, uma de âmbito nacional («Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?») e outra de âmbito regional e apenas dirigida aos cidadãos recenseados no continente («Concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de recenseamento eleitoral?»). Ambas as questões foram rejeitadas por mais de 60% dos votantes.

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Em Portugal, as regiões administrativas são muitas vezes confundidas com regiões político-administrativas, dada a familiaridade dos casos das regiões autónomas da Madeira e dos Açores e mesmo das comunidades autónomas de Espanha. Na Tabela II.4 sintetizam-se as principais diferenças entre regiões administrativas (descentralização administrativa) e regiões autónomas (descentralização político-administrativa).

Natureza Estatuto político-

administrativo Poder

legislativo Poder

administrativo Órgãos de governo próprio

Deputados remunerados

Tutela Administrativa

Regiões Autónomas

Pessoa coletiva territorial

Sim Sim Sim Sim Sim Não

Regiões Administrativas

Autarquia Local Não Não Sim Não (1) Não Sim

(1) A junta regional é um órgão executivo colegial que responde perante a assembleia regional Tabela II.4 – Regiões autónomas e regiões administrativas: principais diferenças. Fonte: Elaboração própria 2.5 – Criação de regiões administrativas em Portugal (continente)

2.5.1 – Argumentos a favor Os defensores da criação de regiões administrativas em Portugal (continente) apontam,

fundamentalmente, para cinco conjuntos de argumentos, tendo como objetivo estimular um melhor desenvolvimento não só de cada uma das regiões mas também do conjunto do País, como resultado de dinâmicas regionais mais favoráveis e de uma administração central mais eficaz, porque dispensada de funções que podem ser executadas com vantagem nos níveis inferiores da organização do Estado, concentrando-se em funções de soberania, de natureza estratégica para o País do ponto de vista quer da formulação, monitorização, avaliação e coordenação de políticas públicas, quer da coesão nacional.

 Os custos de um centralismo excessivo, setorializado, descoordenado e territorialmente cego

De acordo com dados da OCDE, Portugal é um dos países mais centralizados da União Europeia e mesmo da OCDE. Em 2017, o nível subnacional representava apenas 5,8% do PIB (16,2% em média nos países da OCDE e 15,3% nos da UE) e 12,6% da despesa pública (40,4% e 33,5% na OCDE e na UE). A despesa com pessoal representava 17,5% da despesa nacional com pessoal (63% na OCDE).

A esta característica adiciona-se uma administração central do Estado fortemente setorializada (reforçada por uma gestão igualmente setorializada dos fundos europeus), pouco articulada entre si (favorecendo a fragmentação de políticas) e, em alguns domínios, com uma tradição de formulação de políticas nacionais territorialmente cegas, isto é, não regionalmente diferenciadas.

Por outro lado, nos últimos anos verificou-se uma desvitalização de muitos serviços desconcentrados do Estado, por extinção, encerramento, perda de funções e/ou diminuição de recursos humanos, originando uma reconcentração dos processos de decisão relativos às regiões e um afastamento físico de parte dos serviços prestados em relação aos locais em que as pessoas residem.

Num país relativamente pequeno, mas muito diversificado do ponto de vista geográfico e com um modelo territorial marcado pela macrocefalia em torno da área metropolitana de Lisboa (cerca de 3,4% da superfície, 29% da população e 38% do PIB de Portugal continental em 2018), pela bicefalia em torno das duas áreas metropolitanas (5,7%, 45% e quase 55%, respetivamente), e por significativas assimetrias regionais e intrarregionais (em 2016, o PIB per capita das NUTS III com valores mais elevados, Alentejo Litoral e Área Metropolitana de Lisboa, era cerca de duas vezes e meia superior ao da NUTS III mais mal classificada – Tâmega e Sousa), o crescente afastamento do Estado em relação aos territórios tem vindo a alimentar a convicção de que apenas a criação de regiões administrativas poderá reverter os processos de abandono, desprezo e invisibilidade sentidos pelas populações de muitos desses territórios. É neste

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contexto que, para alguns, a regionalização surge como uma instância de intermediação e um processo mobilizador e de esperança entre um Estado visto como demasiado opaco pelos cidadãos e cidadãs considerados demasiado invisíveis pelo Estado.

O primeiro conjunto de argumentos a favor da existência de regiões administrativas decorre, pois, da vivência de uma realidade por decisores, dirigentes e técnicos de entidades públicas e privadas, e mesmo da população em geral, que põe em evidência, no dia a dia, os custos de um centralismo excessivo, setorializado, descoordenado e demasiado insensível à diferenciação territorial, bem como a incapacidade de um Estado com estas características lidar de forma adequada com os problemas e as potencialidades existentes a uma escala infranacional mas de âmbito claramente supramunicipal, isto é, fora do alcance da ação dos municípios, mesmo que em regime de associação. Nestas situações, a existência de uma instância regional com autonomia poderá contribuir para aumentar a racionalidade dos processos de decisão em conformidade com os princípios da subsidiariedade, da proximidade e da eficiência.

 A necessidade de superar défices que constituem obstáculos ao desenvolvimento das regiões

O desenvolvimento das regiões confronta-se atualmente com o efeito conjugado de diversos défices que dificultam a formulação de visões, estratégias, políticas, iniciativas e programas adequados às realidades particulares de cada uma delas:

i) Défice de autonomia política, que impede serem tomadas decisões em função das necessidades,

interesses e prioridades de cada região; ii) Défice de participação das entidades públicas e dos agentes económicos, académicos, sociais e

culturais da região na construção de um futuro comum (recorde-se que as decisões tomadas nos Conselhos Regionais que funcionam nas CCDR, os quais têm uma composição diversificada e representativa dos diversos interesses de cada região, não são vinculativas);

iii) Défice de coordenação e integração de políticas com base numa visão de desenvolvimento territorial definida para cada uma das regiões, função formalmente cometida às CCDR, as quais, no entanto, não possuem as condições políticas, institucionais e técnicas necessárias para assegurar a coordenação entre políticas regionais e políticas setoriais com incidência numa mesma região;

iv) Défice de participação dos atores das regiões na definição de prioridades e políticas nacionais e comunitárias com incidência nas regiões, que impossibilita combater de forma eficaz o predomínio de políticas nacionais uniformes em domínios onde a diferenciação regional é fundamental;

v) Défice de aplicação de compromissos internacionais e transfronteiriços ao nível subnacional, que adia ou subverte iniciativas relevantes para o futuro das regiões;

vi) Défice de governança multinível, que diminui a possibilidade de o nível regional funcionar como um elemento de charneira entre os níveis nacional e municipal/intermunicipal.

Regiões sem voz e sem reconhecimento não conseguirão fazer-se ouvir, influenciar decisões sobre

aspetos que lhes dizem respeito e essenciais para o seu futuro, garantir coerência entre, por um lado, as suas decisões e iniciativas e, por outro, os processos comandados do exterior. Essa voz e esse reconhecimento apenas serão possíveis se baseados em decisões politicamente legitimadas. O défice de legitimação política ao nível regional surge, assim, como o défice maior, aquele que é urgente superar através da criação de regiões administrativas para que os restantes défices sejam igualmente ultrapassados, abrindo novas condições para o desenvolvimento de cada região. Refira-se, a este propósito, que a evidência empírica recolhida pela OCDE revela que os países unitários são os que mais podem beneficiar com os processos de descentralização do ponto de vista económico (dinamização das economias regionais).

 As vantagens de um Estado mais próximo

Para as competências a descentralizar em relação às quais o Estado central é demasiado grande ou está excessivamente longe e os municípios, isolados ou em associação, não garantem a escala e a massa crítica necessárias para a sua viabilização sustentável, o nível regional é o mais ajustado para aproximar os níveis

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de decisão sobre as soluções à origem dos problemas, contribuindo para respostas públicas mais adequadas e eficientes, para aumentar a confiança dos cidadãos nas instituições e para estimular uma maior participação. Esta é, aliás, uma escala essencial no que se refere ao planeamento para a sustentabilidade, a coesão social e territorial, o crescimento económico, o desenvolvimento, a democracia e a cidadania, sobretudo num país onde em largas extensões do seu território predominam pequenas e médias cidades, áreas rurais, microempresas e PME, populações desqualificadas, envelhecidas e em retração demográfica, baixo capital institucional, em suma, (sub)regiões frágeis ou mesmo deprimidas.

Também o facto de os dirigentes regionais terem um conhecimento mais direto, e por isso melhor, de necessidades, problemas e prioridades dos residentes e dos agentes económicos e sociais permite aumentar a eficácia, a eficiência e a equidade da ação pública nos domínios onde a escala regional é relevante, reduzindo o desperdício de esforços e meios.

Finalmente, a proximidade dos dirigentes regionais aos cidadãos estimula o escrutínio público e pressiona no sentido de uma maior transparência e de uma melhor prestação de contas, constituindo, por isso, um fator de responsabilização dos decisores perante os eleitores. Diversos estudos referidos pela OCDE mostram que a descentralização tende a diminuir as oportunidades de corrupção, ante um escrutínio público mais elevado e a uma pressão mais intensa para a prestação de contas e para uma governança de maior qualidade por comparação com o nível nacional.

 As vantagens de estratégias regionais mais previsíveis

Este é um argumento realçado sobretudo por empresários, para quem as decisões de investimento exigem estabilidade e, em particular, previsibilidade.A existência de regiões com uma estratégia própria e legitimada politicamente introduz mais confiança e facilita que sejam assumidos compromissos de médio prazo entre diferentes tipos de agentes. Esta situação é tanto mais necessária quanto as redes de interação e colaboração entre as entidades com intervenção nos domínios da educação, formação profissional, investigação e inovação estão pouco consolidadas. A partilha de uma mesma estratégia regional de médio prazo, com objetivos e um rumo bem definidos, possibilita que, num processo de aprendizagem recíproco, se ajustem prioridades e coordenem esforços, permitindo às empresas aproveitarem melhor os recursos existentes, ganharem escala e massa crítica, aumentarem a sua eficiência produtiva e, por essa via, terem uma presença mais competitiva nos mercados internacionais.

 A necessidade de consolidar uma escala de respostas públicas adequada a um contexto de mudanças tecnológicas acentuadas

As acentuadas mudanças tecnológicas em curso (informática, tecnologias digitais, robotização, etc.) têm importantes consequências na política regional (OECD, 2019b), criando novos riscos, mas também novas oportunidades, às diferentes regiões.

Os primeiros associam-se sobretudo às consequências da automação dos processos produtivos, de armazenamento e de distribuição, cujos impactos na destruição de postos de trabalho se fará sentir de forma assimétrica no plano regional. Dados para 18 países da OCDE revelam que a percentagem de empregos regionais em risco tende a variar entre 5% e 15%, mas para Espanha estima-se que a amplitude entre os valores das regiões potencialmente menos e mais afetadas oscilará entre 15% e 27% e na Eslováquia entre 30% e quase 40%.

A inovação digital pode, no entanto, ter impactos positivos tanto na esfera das atividades económicas (aumento da produtividade e do grau de internacionalização, por exemplo) como na da provisão de serviços públicos online, sobretudo nas áreas da educação e da saúde, alargando-se a um vasto leque de serviços de natureza administrativa ou do domínio da mobilidade (partilhada, a pedido, automatizada).

Os impactos regionalmente assimétricos deste tipo de mudanças tecnológicas e o desenvolvimento de respostas públicas mais adequadas aos perfis sociodemográficos e económicos dos distintos territórios sugerem a necessidade de estratégias de adaptação à mudança geograficamente mais diversificadas, incompatíveis com um Estado centralizado, baseado em paradigmas de organização e de funcionamento estandardizados, típicos das sociedades industriais. De facto, um Estado muito centralizado não terá condições para compreender e acompanhar adequadamente as grandes transformações que se avizinham

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nos planos regional e local. A diversidade de situações e solicitações tenderá a crescer exponencialmente. Neste contexto, o nível regional pode corresponder a uma escala mais ajustada para gerir dinâmicas próprias das sociedades pós-industriais, desempenhando um papel importante na gestão dos mercados de trabalho e dos ecossistemas de inovação regionais, bem como na racionalização de telesserviços que complementem e reforcem o papel mais tradicional de gestão das redes regionais de equipamentos e de mobilidade numa ótica de coesão, competitividade, inovação e desenvolvimento.

 Comentário Os defensores de regiões administrativas reconhecem a existência de riscos associados à sua instituição.

Durante as audições realizadas, alguns desses riscos foram invocados de forma relativamente recorrente: a possibilidade de aumento da ineficácia e ineficiência das políticas públicas por aplicação insuficiente ou desadequada dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade no que se refere à repartição de competências e respetivos recursos financeiros e humanos entre os diferentes níveis de poder com legitimidade política; a tendência para a intensificação da competição entre regiões em diversos domínios (verbas do Orçamento do Estado, fundos comunitários, atração de investimento, etc.); e o perigo de agravamento das assimetrias intrarregionais, através da prevalência dos interesses e da capacidade de influência das sub-regiões mais ricas e populosas em detrimento das restantes. Outros riscos foram igualmente salientados, ainda que de forma minoritária (agravamento de desigualdades pelo facto de as regiões mais necessitadas poderem evidenciar piores capacidades governativas e de liderança institucional ou aumento da despesa pública, por exemplo).

Estes mesmos riscos são invocados, mas de forma ampliada, pelos críticos da regionalização, que veem nos aspetos referidos não situações de risco que devem ser prevenidas e geridas proativamente, mas fatores que justificam a não criação de regiões administrativas pelos efeitos negativos que desencadeiam ao nível nacional e em cada uma das regiões.

Caixa II.1

Efeitos da automação em Portugal

Segundo um estudo recente sobre o futuro do trabalho em Portugal realizado pela Universidade Nova e pela CIP, devemos esperar na próxima década um forte impacto da automação sobre o mercado de trabalho quer no plano nacional, quer no plano regional, neste último caso sobretudo no Norte.

Segundo este Estudo, no plano nacional 50% do tempo de trabalho laboral é suscetível de ser automatizado recorrendo à tecnologia atual, podendo aumentar para 67% em 2030; 26% da automação potencial poderá ser adotada até 2030 (cenário de meio termo da automação expectável), deslocando cerca de 1,1 milhões de trabalhadores; 600 mil a 1,1 milhões de novos empregos poderão ser criados, na sequência da combinação entre automação e crescimento económico; e 700 mil trabalhadores (15% do total da força de trabalho) terão de alterar as suas ocupações laborais atuais e adquirir novas capacidades até 2030.

No plano regional, essas alterações verificar-se-ão mais intensamente nas regiões Norte e Centro. No que se refere à região Norte, o estudo prevê a perda de 421 mil postos de trabalho até 2030, cerca de 40% do total nacional, compensada, em parte, pela criação de 227 mil postos de trabalho. Para a Região Centro prevê-se também um impacto assinalável, da ordem dos 240 mil postos de trabalho.

A automação terá enormes incidências sectoriais e locais, nuns casos concentradamente, noutros em assinalável dispersão pelo território. Prevê-se que o têxtil perca 40 mil postos de trabalho, com uma localização geograficamente mais concentrada do que a perda de 60 mil postos de trabalho no comércio por grosso e a retalho. Como seria expectável, a grande transformação incidirá muito sobre a indústria transformadora, que poderá perder 140 mil postos de trabalho.

Fonte: Nova School of Economics and Business e CIP – Confederação Empresarial Portuguesa, O Futuro do Trabalho em

Portugal. O Imperativo da Requalificação: Impacto no Norte, junho de 2019

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Registe-se, por último, que o tipo de limitações e riscos apresentados durante as várias audições replicam, sem surpresa, os diversos fatores presentes na literatura internacional sobre estes temas (ver, por exemplo, OEDC, 2019, Anexo B, Volume II), talvez com a exceção de um aspeto que, não tendo surgido durante as audições efetuadas, poderá ser, talvez, o mais relevante para grande parte dos cidadãos comuns e que é referido em alguns dos contributos escritos enviados à Comissão: a definição e delimitação das regiões a criar com base em critérios técnicos e institucionais (regiões de planeamento, por exemplo) em detrimento de critérios históricos, geográficos e culturais.

2.5.2 – Argumentos contra  Ponto de partida: consenso no diagnóstico, divergência na solução As audições realizadas, bem como os contributos recebidos15 e os vários estudos elaborados16, permitem

sistematizar os principais argumentos apresentados contra a criação de regiões administrativas em Portugal (continente). Saliente-se, no entanto, que os críticos da regionalização tendem a partilhar com os defensores desta solução um diagnóstico comum quanto a alguns aspetos de fundo: urgência de se proceder a uma reforma tanto do Estado como da Administração Pública, importância da descentralização como componente central de ambas as reformas, necessidade de aumentar a eficácia, a eficiência e a equidade da administração (maior qualidade dos serviços, menores custos, condições mais favoráveis de acesso, organização espacial mais coerente, maior resistência à corrupção e ao nepotismo), e enquadramento deste conjunto de iniciativas na finalidade mais ampla de aperfeiçoamento da democracia representativa e de melhoria da qualidade da relação eleitores-eleitos.

Perante este diagnóstico significativamente convergente, a criação de regiões administrativas é rejeitada pelos seus críticos com base num conjunto diversificado de argumentos. Descentralizar sem regionalizar é a opção prevalecente neste caso. Em situações mais extremas, é mesmo referido que a regionalização constitui um obstáculo à descentralização.

Quais são, então, os argumentos invocados contra a existência de regiões administrativas em Portugal continental? Por razões de exposição, esses argumentos serão organizados em quatro conjuntos.

 A regionalização como tema artificial criado pelas elites políticas e intelectuais Segundo esta perspetiva, em Portugal (continente) não existem regiões, no sentido de territórios com

uma identidade geográfica, histórica e cultural (linguística, étnica, religiosa) própria, que possibilitem a delimitação de unidades internamente coerentes e que cubram a totalidade do espaço nacional. A ausência dessas realidades regionais significa que não há um quadro de referência institucional que funcione como elemento de organização social e administrativa do país, pelo que qualquer delimitação regional será inevitavelmente artificial e arbitrária, logo, conflitual.

É também a ausência de realidades regionais que explica a inexistência de movimentos sociais que afirmem a necessidade da criação de regiões administrativas. Neste contexto, afirma-se, a regionalização é um tema que não mobiliza a opinião pública, que está distante das preocupações dos portugueses e que não se apresenta como uma solução para os problemas prioritários da sociedade portuguesa. A regionalização, a avançar, não seria, portanto, o resultado da expressão dos cidadãos, mas uma solução iluminista e burocrática imposta pelas elites políticas e intelectuais. Uma imposição centralizada que em vez de contribuir para acrescentar valor e eficiência à administração e à ação públicas, iria constituir um problema adicional que hoje não temos.

 A regionalização como fator de quebra da coesão nacional O segundo conjunto de argumentos prende-se com a ideia de que a regionalização contribui para diminuir

15 Ver, em particular, os contributos de António Barreto, Emílio Rui Vilar e João César das Neves (Volume III). 16 Ver, em particular, o relatório dos consultores Diogo Freitas do Amaral e Jorge Pereira da Silva (Anexo C, Volume II).

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o papel do Estado e erodir a prevalência do princípio da identidade nacional, como consequência de uma dupla perda de poder: a favor da globalização e da União Europeia, por um lado, e a favor das regiões, pelo outro. Este efeito de tenaz em relação ao Estado central enfraquece o seu papel como entidade de referência e enquadramento, põe em causa algumas das suas funções essenciais, nomeadamente enquanto fator de democracia, justiça, segurança, solidariedade e autonomia, fragiliza o primado do interesse geral nacional a favor de interesses supranacionais e locais, e diminui a nossa posição negocial diante da União Europeia.

A existência de um Estado unitário forte é apresentada como particularmente decisiva no atual contexto de instabilidade no domínio europeu e global e de significativas desigualdades sociais e assimetrias territoriais no plano nacional. A regionalização é, assim, vista como um fator de divisão da unidade do país, já que lhe enfraquece a capacidade quer de afirmação supranacional quer de desenvolvimento de políticas estruturais de âmbito nacional. Simultaneamente, a promoção de identidades regionais como referência de substituição da identidade nacional pode abrir caminho à emergência de movimentos, populistas ou não, que contribuem para a desagregação do país, nomeadamente em territórios fronteiriços. O resultado será um Estado fraco, dependente, no âmbito externo, de organizações supranacionais, internacionais e globais e, no âmbito interno, de regiões fortes.

 A regionalização como obstáculo ao desenvolvimento nacional e regional e fator de agravamento das assimetrias (intra)regionais

A criação e o funcionamento de regiões administrativas são vistos como tendo consequências negativas

inevitáveis. i) Despesismo: aumento, ou mesmo descontrolo, da despesa pública, decorrente de novas despesas de

instalação, pessoal, funcionamento corrente e investimento, certamente acompanhado pela criação de novos impostos;

ii) Burocracia: a criação de novos aparelhos burocratizados contribuirá para aumentar o emprego público e agravar a complexidade e a lentidão dos processos de decisão;

iii) Descoordenação: a criação de um novo nível de poder aumenta a dificuldade de coordenação vertical (entre diferentes níveis da administração) e inter-regional, tendência agravada num contexto em que se encontram em consolidação, em simultâneo, várias componentes de descentralização (regional, supramunicipal e municipal);

iv) Conflitualidade institucional: em estreita relação com o aspeto anterior, a criação de regiões administrativas contribuirá para aumentar a conflitualidade e a competição entre diferentes instâncias com legitimidade democrática (níveis de poder político e regiões);

v) Conflitualidade social: no que se refere aos cidadãos, a criação de regiões e de novos centralismos (neocentralismos regionais) intensificará bairrismos e estimulará o surgimento de novas barreiras sociais à interação entre comunidades geograficamente próximas, mas pertencentes a regiões distintas.

Este conjunto de consequências negativas é visto como uma fonte de ineficiência sistémica, isto é, que

afeta os vários níveis do poder político e da administração do país, mas também como um fator negativo para as próprias regiões, na medida em que aumenta a competição entre elas, promove novos centralismos em cada uma das regiões, aumenta a dificuldade de realizar projetos de índole nacional ou até grandes projetos regionais, e confronta o cidadão comum com mais burocracia. Em suma, e contrariando frontalmente as justificações que em geral são invocadas para a instituição de regiões administrativas, a regionalização constituirá, com base nestes argumentos, um entrave ao desenvolvimento nacional e regional e um fator de agravamento das assimetrias entre regiões e no interior de cada uma delas.

 A regionalização como fonte de acréscimo de cargos políticos e de aumento da corrupção A constituição de um novo nível de decisão política é encarada como uma situação que favorece o

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amiguismo político e a corrupção. No que diz respeito ao primeiro aspeto, defende-se que a formalização de um novo nível de poder contribuirá para aumentar o número de cargos políticos, favorecer novas clientelas e novos compadrios e agravar a possibilidade de captura por redes corporativas de interesses. No que se refere ao segundo aspeto, é invocado que a maior proximidade dos níveis de decisão por comparação com a situação atual, centralizada em serviços localizados em Lisboa, e a formação das redes anteriormente mencionadas aumentarão a vulnerabilidade a influências individuais ou de grupo, legítimas e ilegítimas, traduzindo-se, na prática, pelo aumento de casos de corrupção.

 Comentário O conjunto de argumentos contra a existência de regiões administrativas anteriormente apresentado

suscita três observações. Antes de mais, a ideia de que parte desses argumentos parece associar-se mais à criação de regiões

político-administrativas do que de regiões meramente administrativas (ver Tabela II.4). Talvez pelo facto de as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e as Comunidades Autónomas de Espanha (que são regiões político-administrativas) corresponderem a situações que nos são mais familiares e pelo menor conhecimento sobre realidades de outros países onde apenas existem regiões de natureza administrativa, alguns dos argumentos apresentados ganham sobretudo sentido num contexto de cedência de novas dimensões de soberania às futuras regiões, o que não é o caso em discussão. Mesmo na perspetiva da Europa das Regiões e da crescente participação das regiões nos processos de integração europeia, o papel das regiões meramente administrativas em relação aos respetivos estados nacionais é bastante limitado. Por exemplo, apesar do inegável avanço de ações de paradiplomacia das regiões administrativas (quer numa ótica transfronteiriça quer através da participação em redes internacionais e comunitárias de regiões, cidades e municípios), é difícil imaginar que essas iniciativas possam pôr em causa as políticas de relações internacionais desenvolvidas pelos respetivos países, tanto mais que algumas delas são claramente apadrinhadas pelos governos nacionais em funções.

Em segundo lugar, convém ter presente que, em Portugal, a relação entre os cidadãos e os seus territórios se alterou muito nos anos mais recentes. O encerramento de equipamentos e serviços públicos locais, a extinção ou desvitalização crescente de serviços regionais desconcentrados, a extinção do cargo de governador civil, a manutenção de uma organização territorial caótica dos serviços da administração desconcentrada, que obriga o cidadão e as empresas a deslocarem-se a diferentes locais conforme o serviço a que têm de recorrer, tudo isto num contexto de acentuado avanço dos processos de despovoamento (a população do país decresce sistematicamente desde 2009, mas alguns municípios encontram-se em regressão demográfica persistente há mais de seis décadas) e de envelhecimento (Portugal é o terceiro país da UE28 com idade mediana mais elevada em 2017, cf. INE, 2019), aumentaram o sentimento de abandono de populações que se sentem esquecidas, ignoradas e sem voz ante decisões cada vez mais centralizadas, tomadas em locais longínquos e por pessoas sem rosto. Atualmente, a identidade regional combina elementos tradicionais (de natureza sobretudo histórico-cultural) com sentimentos de pertença baseados na partilha do mesmo tipo de problemas e na crença de que «quem está mais próximo» será mais sensível a esses problemas e envolver-se-á de forma mais rápida e empenhada na sua solução.

Finalmente, é necessário reconhecer que vários dos argumentos invocados contra a regionalização correspondem a riscos efetivos, que têm de ser avaliados com rigor, prevenidos por antecipação, geridos com prudência e sujeitos a uma monitorização permanente, para que possam ser adotados, em tempo útil, os necessários mecanismos e medidas de regulação, correção e ajustamento. O exemplo mais imediato é o da prevenção da corrupção.

2.6 – Condições básicas para uma regionalização administrativa bem-sucedida

2.6.1 – A regionalização é um meio, não um fim A Constituição da República Portuguesa (CPR) estipula que «Às regiões administrativas são conferidas,

designadamente, a direcção de serviços públicos e tarefas de coordenação e apoio à acção dos municípios no

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respeito da autonomia destes e sem limitação dos respectivos poderes.» (artigo 257.º, relativo às atribuições das regiões administrativas).

A regionalização administrativa do país é, pois, um meio e não um fim. Este será o desenvolvimento territorial nas suas várias dimensões, abarcando o «desenvolvimento económico e social» [Constituição, artigo 80.º, alínea e)], «o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas [id., artigo 81.º, alínea a)], a «igualdade real entre os portugueses» [ibid., artigo 9.º, alínea d)] e «a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões, e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo, e entre o litoral e o interior» [ibid., artigo 81.º, alínea d)]. A regionalização deve ainda contribuir para uma Administração Pública mais democrática e eficiente.

Em suma, a regionalização fundamenta-se na dignidade da pessoa humana, nos direitos humanos, no direito à diferença e numa melhor participação dos cidadãos na construção correta e permanente do Estado. A regionalização deve, ainda, garantir a defesa da identidade ante a massificação da globalização, acautelando os direitos das minorias e suprindo a necessidade de um novo ente público entre as dimensões do Estado central e dos municípios. Com base nestes princípios, a existência de regiões administrativas deverá promover o desenvolvimento, a coesão e a democracia bem como tornar a ação pública mais eficaz, eficiente e equitativa com base numa ótica territorial, isto é, que leve em conta, em cada região, as necessidades, prioridades e capacidades das populações, das comunidades e dos agentes económicos e sociais.

As várias fontes que informam este capítulo permitiram, no entanto, identificar várias conceções de regionalização no que se refere às atribuições e competências a atribuir às regiões administrativas, desde, num extremo, uma visão minimalista de «regionalização suave» a outras com graus de abrangência distintos ou de contornos pouco definidos, mais ou menos alinhados com os domínios previstos no artigo 17.º da Lei-Quadro das regiões administrativas17 (Lei n.º 56/91, de 13 de agosto). No primeiro caso, às regiões administrativas são cometidas funções coincidentes, no essencial, com as das atuais CCDR, embora com o reforço da dimensão de coordenação entre políticas sectoriais com incidência numa mesma região. Valorizam-se, nesta perspetiva, as políticas de âmbito transversal (desenvolvimento regional, ordenamento do território e cidades, ambiente e cultura) e a gestão dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (incluindo a responsabilidade pela afetação dos envelopes de fundos estruturais em causa). A promoção do desenvolvimento das regiões ocupa um papel central, incluindo aspetos relacionados com o desenvolvimento económico (educação, formação profissional, atração de investimento e de população qualificada em idade ativa, mobilidade) e com a estruturação de redes regionais de equipamentos para utilização pública (saúde, educação, desporto, etc.). No polo oposto, as regiões administrativas absorveriam a maioria das funções hoje existentes nos vários serviços desconcentrados da administração central.

Refira-se, a título ilustrativo, que as análises comparadas desenvolvidas pela OCDE revelam que os domínios que mais vezes surgem associados no plano regional (sem que se faça, no entanto, uma distinção entre regiões administrativas e regiões políticas) são: ordenamento do território, desenvolvimento económico, gestão de fundos comunitários, proteção ambiental, ensino secundário e superior, saúde (cuidados de saúde secundários, hospitais), rede viária regional e transportes públicos. Por sua vez, no inquérito aos autarcas realizado pelo IPPS-IUL (Lopes, 2019), as áreas de intervenção consideradas mais adequadas ao nível regional foram as seguintes: gestão de fundos comunitários europeus (40% dos respondentes), definição de redes regionais de transportes, educação, saúde, justiça e apoio ao cidadão (38%), ordenamento e gestão de áreas protegidas (30%) e planeamento, construção e gestão de equipamentos de saúde primária (30%).

Em qualquer das opções a relação entre meios e fins, num domínio tão complexo e em que se visam objetivos tão ambiciosos, está longe de ser linear, mesmo com instituições de qualidade. A regionalização é, portanto, uma condição necessária, mas não suficiente, de desenvolvimento, não podendo ser considerada uma panaceia que tudo permitirá resolver a partir do momento em que sejam instituídas as regiões administrativas. Daí a importância de se efetuar um balanço rigoroso entre vantagens, limitações e

17 a) Desenvolvimento económico e social: b) Ordenamento do território; c) Ambiente, conservação da natureza e recursos hídricos; d) Equipamento social e vias de comunicação; e) Educação e formação profissional; f) Cultura e património histórico; g) Juventude, desporto e tempos livres; h) Turismo; i) Abastecimento público; j) Apoio às atividades produtivas e l) Apoio à ação dos municípios.

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riscos, de identificar o melhor modo de potenciar as primeiras (vantagens), lidar com as segundas (limitações) e prevenir por antecipação os últimos (riscos), de garantir as condições adequadas para a instituição e o funcionamento das regiões quanto a requisitos e princípios orientadores e, finalmente, de criar dispositivos de prestação de contas, acompanhamento, monitorização e avaliação de um processo que será necessariamente evolutivo, gradual e dinâmico, num contexto de governança multinível nacional e europeu também ele em permanente mudança.

2.6.2 – A regionalização é um processo, não um produto Os estudos da OCDE (OECD, 2019, Anexo B, Volume II) revelam que, quando bem elaborados e

executados, os processos de descentralização contribuem para estimular, nos âmbitos local e regional, um desenvolvimento mais proativo, o aumento do crescimento e da produtividade, a melhoria dos serviços públicos, uma administração mais responsável (accountability) e um uso mais eficiente dos recursos públicos.

Em termos genéricos, e tendo por base a bibliografia internacional sobre o assunto (OECD, 2019a; OEDC, 2019, Anexo B, Volume II), os estudos e contributos recebidos e ainda as várias audições realizadas, é possível definir doze requisitos básicos para um processo de regionalização administrativa bem-sucedido, desde a fase de debate sobre a criação das regiões até à sua instituição em concreto e ao seu funcionamento pleno:

i) Participação, debate e comunicação: disponibilizar informação útil, baseada em evidência empírica e

enquadrada em análises comparadas internacionais, de modo a permitir uma participação ampla e um debate alargado, pedagógico e compreensível para a generalidade dos cidadãos sobre o significado e as implicações da criação de regiões administrativas conforme consagrado na Constituição;

ii) Visão nacional de longo prazo: debater a regionalização administrativa do continente numa ótica de projeto nacional de identidade interna e afirmação externa, o que exige a existência de referenciais estratégicos e políticas nacionais de médio/longo prazo (por exemplo, uma estratégia nacional de desenvolvimento regional, construída com a participação ativa das próprias regiões, que evite a mera coexistência de diversas políticas de desenvolvimento regional concebidas de forma desarticulada e executadas de modo descoordenado);

iii) Reformas pensadas de modo articulado e a médio prazo: inserir o debate sobre a criação de regiões administrativas num debate mais amplo sobre as reformas do Estado e da Administração, bem como da Lei Eleitoral;

iv) Subsidiariedade e proporcionalidade: garantir uma repartição clara de competências e dos recursos humanos e financeiros necessários, tanto vertical (entre diferentes níveis de poder) como horizontal (entre serviços descentralizados e desconcentrados de uma mesma região), evitando quer sobreposições, quer vazios, quer espaços de decisão ambíguos;

v) Coordenação e governança multinível; desenvolver mecanismos eficazes de coordenação intersectorial e inter-regional e de governança multinível, incluindo processos e soluções de delegação, contratualização e parceria;

vi) Estabilidade e sustentabilidade: assegurar a autonomia de decisão das regiões num quadro de estabilidade organizacional e de sustentabilidade financeira das soluções a adotar, levando nomeadamente em conta as restrições orçamentais do país e a diminuição dos fundos estruturais que irá ocorrer nos próximos ciclos de programação financeira comunitária;

vii) Capacitação institucional: desenvolver um programa de capacitação e inovação institucional para a descentralização e a desconcentração, envolvendo tanto as entidades que executam como as que delegam;

viii) Gradualismo programado e faseado: prever um processo faseado de transferência de competências para as regiões administrativas – que poderá ter uma componente universal e outra eventualmente diferenciada – com base em critérios claros e predefinidos, evitando reformas regionais radicais executadas num curto período de tempo;

ix) Planeamento e avaliação ex ante de impactos: programar o faseamento, e respetiva calendarização, das tarefas a executar até à instituição em concreto das regiões administrativas, definir metas e avaliar possíveis impactos de modo a prevenir efeitos não desejados;

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x) Informação e indicadores de base territorial: produzir e disponibilizar informação estatística e indicadores aos níveis local e regional hoje inexistentes18, sobretudo de natureza fiscal e relativos à provisão de serviços públicos, de modo a permitir um conhecimento rigoroso das dinâmicas territoriais, a monitorização contínua dos resultados e impactos das políticas e iniciativas de base regional ou com incidência nas regiões, bem como um melhor acompanhamento das atividades desenvolvidas pelos níveis subnacionais, pela administração central e pelos cidadãos em geral;

xi) Capacidade de ajustamento: instituir mecanismos de monitorização e avaliação, hoje muito focados nos fundos da política de coesão, que permitam introduzir ajustamentos em função quer dos processos de aprendizagem institucional pelas entidades envolvidas, quer de alterações dos contextos internacional e nacional;

xii) Transparência, prevenção da corrupção, responsabilização e prestação de contas: instituir práticas de transparência, prevenção da corrupção, responsabilização e prestação de contas que contribuam para a credibilidade institucional, o aumento da confiança dos cidadãos nas instituições e a melhoria da qualidade da democracia.

2.7 – Caminhos para uma regionalização administrativa de Portugal (continente) No Relatório produzido pela OCDE a pedido da Comissão (OECD, 2019, Anexo B, Volume II), são

sugeridos, com base em estudos e experiências internacionais, três caminhos possíveis para a reforma regional em Portugal, que correspondem às três opções mais comuns nos países europeus:

i) Descentralização e reforço da administração desconcentrada sem criação de regiões administrativas; ii) Descentralização baseada no reforço dos níveis municipal e intermunicipal; iii) Descentralização baseada numa reforma conjugada do nível regional e da cooperação intermunicipal. A Tabela II.5 inclui uma síntese dos aspetos principais de cada um desses caminhos, como são

apesentados no referido Relatório.

Opções Caracterização

Descentralização e reforço

Descentralização e reforço da administração desconcentrada sem criação de regiões administrativas de regiões administrativas

Nível regional

 Reforço do papel de coordenação das CCDR via presidentes, em relação aos serviços desconcentrados regionais

 Reorganização dos serviços desconcentrados regionais (melhor segmentação de funções, maior coincidência das áreas geográficas de intervenção)

 Conselhos regionais com funções de coordenação vertical e horizontal sem sobreposição com as CCDR

Nível intermunicipal em geral (AM e CIM)

 Reforço da prestação de serviços públicos

 Incentivos fiscais à cooperação municipal

 Transferência, pela administração central, de serviços públicos com elevadas externalidades

 Reforço das entidades intermunicipais no domínio da política regional

Nível metropolitano

 Autonomia política (eleição direta)

 Maior autonomia fiscal

 Maior capacidade de intervenção em políticas estratégicas para o desenvolvimento das áreas metropolitanas (p.e., transporte, ambiente, habitação,

18 Ver Capítulo 2 da Parte V.

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Opções Caracterização

ordenamento do território)

Nível municipal

 Reforço da transferência de competências para os municípios

 Reforço da autonomia fiscal

Governança multinível

 Melhor alinhamento de tarefas, responsabilidades e recursos entre os diferentes níveis de poder através de um plano nacional preparado com o envolvimento de todas as partes interessadas (Governo, municípios, AM, CIM, agências públicas, universidades, etc.)

Descentralização baseada no reforço dos níveis municipal e intermunicipal

Nível regional

 Criação de associações intermunicipais de âmbito regional (que absorvem as funções atuais das CCDR) («regionalização cooperativa»)

 Conselhos regionais eleitos pelos municípios da região

 Domínios de intervenção principais: planeamento e desenvolvimento regional, gestão de fundos comunitários, ambiente, estradas de âmbito regional

 Possibilidade de transferência ascendente, a partir das CIM, de domínios cujas externalidades justifiquem essa opção

 Financiamento: transferências do Governo central e comparticipação pelos municípios

Nível intermunicipal em geral (AM e CIM)

 Possibilidade de manutenção para domínios em que o nível regional seja demasiado amplo (sobretudo AM)

Nível municipal

 Reforço da transferência de competências para os municípios

 Reforço da autonomia fiscal

Descentralização baseada numa reforma conjugada do nível regional e da cooperação intermunicipal

Nível regional

 Regiões administrativas cf. Constituição

 Principais domínios: desenvolvimento regional, ordenamento do território e coesão territorial, gestão de programas comunitários

 Financiamento: transferências do Governo central e receitas próprias

 Autonomia orçamental e financeira nos domínios de prestação de serviços transferidos da administração central

 Coexistência com serviços desconcentrados regionais (modelo dual), a quem cabe garantir o necessário alinhamento com procedimentos legais e de qualidade de serviços de âmbito nacional

Nível intermunicipal em geral (AM e CIM)

 Cooperação intermunicipal complementa regiões administrativas na racionalização da despesa pública e na provisão de serviços públicos locais de qualidade

Nível municipal

 Reforço da transferência de competências para os municípios

 Reforço da autonomia fiscal

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Opções Caracterização

Governança multinível

 Clara repartição de competências com restantes níveis de poder político

 Relação entre regiões administrativas e áreas metropolitanas baseadas na cooperação e no diálogo

Tabela II.5 – Caracterização genérica de três caminhos possíveis para uma reforma regional em Portugal, de acordo com a OCDE. Fonte: Elaboração própria com base em OECD (2019), Anexo B, Volume II)

A caracterização destes três caminhos, também designados por opções ou cenários, não pretende ser

exaustiva. Por outro lado, eles não são mutuamente excludentes, podendo sobrepor-se parcialmente em alguns aspetos. Finalmente, podem ser vistos como complementares ou mesmo sequenciais, num processo que passaria, primeiro, pela racionalização dos serviços desconcentrados regionais (coordenação, segmentação de funções, coincidência das geografias administrativas de intervenção) e pela eventual eleição de órgãos metropolitanos, depois pelo reforço das soluções de cooperação intermunicipal e, finalmente, pela criação de regiões administrativas.

Em relação aos caminhos identificados, no referido Relatório da OCDE (OECD, 2019, Anexo B, Volume II) chama-se a atenção para três aspetos relevantes: a inexistência de uma solução ótima de aplicação universal, independente das características e da situação de cada país; o facto de não ser habitual existir dois níveis subnacionais com legitimidade democrática (regiões administrativas e áreas metropolitanas) em países com a dimensão demográfica de Portugal; e a necessidade de as reformas serem concretizadas de forma progressiva, incremental e programada, para que possam ser absorvidas convenientemente pelas diversas entidades envolvidas. Saliente-se, a título de exemplo, que a reforma da administração da Finlândia de 2018 previa que as novas entidades regionais a criar neste âmbito deveriam entrar em funcionamento apenas dois anos após a sua aprovação no Parlamento.

Os três caminhos sugeridos pela OCDE não esgotam, naturalmente, as opções possíveis. Dos vários contributos recebidos pode deduzir-se a existência de alternativas que correspondem a versões mitigadas daqueles caminhos ou a soluções que se posicionam entre dois dos cenários indicados. Salientaremos três:

i) Descentralização sobretudo orientada para os municípios, mas também para instituições públicas e

semipúblicas da administração periférica e da administração indireta do Estado: universidades, institutos politécnicos, hospitais, administrações portuárias, comissões das regiões demarcadas de produção vinícola, etc.;

ii) Descentralização baseada no reforço da capacidade operacional e de gestão das políticas territoriais ao nível supramunicipal (NUTS III), valorizando o papel das CIM-Comunidades Intermunicipais e das AM-Áreas Metropolitanas;

iii) Descentralização baseada em regiões administrativas de pequena dimensão tendo por base fatores históricos, geográficos e culturais (recuperando, de certo modo, a ideia de província como autarquia supramunicipal), o que deixaria certamente pouco espaço para o reforço da cooperação intermunicipal tanto nas áreas metropolitanas como fora delas.

Neste contexto, e independentemente da opção prevalecente, deve ainda ser referida a possibilidade de se

desenvolverem processos assimétricos de descentralização de responsabilidades e funções do Governo para as regiões administrativas, as áreas metropolitanas, as comunidades intermunicipais e os municípios, em função da capacidade dos níveis de poder «recetores». O conceito de descentralização assimétrica – tratando de forma desigual o que é distinto – parece ser pacífico no que se refere à diferenciação de competências a atribuir às áreas metropolitanas e às comunidades intermunicipais. No entanto, a opção entre critérios de flexibilidade (geometria variável) e o princípio da igualdade (soluções universais) já é mais complexa e suscita mais dúvidas quando estão em causa municípios com dimensões e capacidades técnicas distintas e sobretudo diferentes regiões administrativas, mesmo reconhecendo-se que estas poderão variar entre si de modo relevante quanto à dimensão (no duplo sentido de massa crítica e extensão geográfica),

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competitividade da base económica, potencial de recursos endógenos, capacidade institucional e grau de desenvolvimento. A existirem processos assimétricos de descentralização, eles devem ser equacionados, avaliados e concretizados no âmbito das dinâmicas incrementais e evolutivas de descentralização e de regionalização já anteriormente referidas.

 Comentário A opção por um dos caminhos referidos e suas diversas variantes não pode ignorar as tendências de

evolução demográfica do país. Entre 2011 e 2017 todas as NUTS III do continente diminuíram de população, ainda que com intensidades

diferentes. Particularmente grave, em matéria de massa crítica, é a situação das NUTS III com valores inferiores a 100 mil habitantes: Beira Baixa (menos de 82 mil habitantes), Alto Tâmega (cerca de 87 mil) e Litoral Alentejano (menos de 94 mil). Outras duas NUTS III (Terras de Trás-os-Montes e Alto Alentejo) aproximaram-se dos 100 mil habitantes entre 2011 e 2017. A situação demográfica é ainda mais preocupante se se levar em conta as recentes previsões do INE, que estima que entre 2018 a 2080 o país poderá perder 2,4 milhões de habitantes (INE, 2019).

Estas tendências regressivas de grande parte do território continental, que devem ser analisadas ao nível regional, das NUTS III e dos municípios, trazem constrangimentos inevitáveis a uma transferência sustentável de determinadas competências para os níveis sub-regional (sobretudo para as comunidades intermunicipais) e local (municípios e freguesias), e mesmo para regiões administrativas de pequena dimensão. De facto, é essencial garantir uma relação sustentável entre dimensão demográfica, social e económica e o leque de competências a exercer, sobretudo num contexto crescentemente global, marcado por uma crescente concorrência não só entre países, mas também entre regiões de diferentes países.

Por outro lado, essas previsões negativas sugerem a necessidade de uma avaliação rigorosa das vantagens, limitações e desvantagens de se recorrer a processos de descentralização assimétrica, em função não só da existência de diferentes capacidades institucionais e níveis de desenvolvimento dos vários territórios, mas também das perspetivas de evolução demográfica de cada um deles, sobretudo no que diz respeito ao total de população em idade ativa. Aliás, e no que se refere às regiões administrativas, a Constituição da República Portuguesa prevê a possibilidade de se estabelecerem diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma (artigo 255.º).

2.8 – O mapa das regiões administrativas O mapa das regiões administrativas do território continental é bastante consensual entre os defensores

da regionalização. Para a esmagadora maioria, esse mapa deve ser o das regiões de planeamento das CCDR. Há vários argumentos que justificam esta posição.

O primeiro, e mais importante, é o da estabilidade institucional. Atualmente, a maior parte dos serviços desconcentrados estão já organizados de acordo com as regiões de planeamento. Adicionalmente, às CCDR, pelas funções que desempenham, caberá sempre um papel central no processo de instituição das regiões administrativas. O redesenho das regiões criaria uma fonte adicional de complexidade num processo já de si complexo, na medida em que envolverá inevitavelmente uma reorganização de vários dos serviços desconcentrados de cada uma das regiões.

O segundo argumento prende-se com a defesa, nos casos do Norte e do Centro, de regiões transversais, que incluam tanto áreas do litoral como do interior, já que se reconhece que estas últimas, por si só, não têm massa crítica (e certamente menos terão no futuro, dado o contexto de retração demográfica que as caracteriza) para sobreviver de forma autónoma e sustentável, correndo o risco de sofrerem um efeito de tenaz entre as hipotéticas regiões administrativas do litoral, a oeste, e as comunidades autónomas espanholas com que fazem fronteira, a Leste.

Finalmente, é ainda invocado o argumento de que os interesses particulares que levaram à apresentação do mapa sujeito a referendo em 1998 foram, talvez, o principal motivo do resultado negativo então obtido.

Para os defensores desta solução, o mapa deveria ser uma não-questão pelas razões anteriormente referidas, mas também para evitar que se abra uma caixa de pandora sem solução, dado que não existe uma

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regionalização ótima do território continental. Esta postura duplamente pragmática de apoio ao mapa das regiões de planeamento não nega que possam verificar-se futuros ajustamentos pontuais em relação a municípios específicos, justificados pela alteração das atuais dinâmicas de interação, integração funcional e relacionamento preferencial entre concelhos vizinhos. E também não ignora que a criação de regiões administrativas obrigará a uma maior coincidência entre as várias geografias administrativas hoje coexistentes, nomeadamente no que se refere aos serviços de base distrital e às NUTS II e III, com consequências relevantes no domínio da gestão de fundos comunitários, sobretudo dos Programas Operacionais Regionais (caso das NUTS III do Oeste e do Médio Tejo, integradas na Região de Lisboa e Vale do Tejo/RLVT mas dependentes da NUTS II Região do Centro no que diz respeito aos fundos comunitários, e da NUTS III Lezíria do Tejo, repartida entre a RLVT e a NUTS II Região do Alentejo pela mesma razão). Essa situação tem, aliás, justificado a defesa da criação de uma nova NUTS II, com a possível designação de Ribatejo e Oeste, integrando as três NUTS III referidas.

Embora claramente dominante, esta perspetiva pragmática e assente numa visão de organização da administração e dos serviços públicos não é unânime. Para os que defendem que o mapa da regionalização do território continental tem de obedecer a critérios de natureza histórica, geográfica e cultural, as regiões deveriam ser menores e, consequentemente, em maior número (sete ou mais). Mas entre este grupo não emerge um mapa consensual e alguns apenas salientam a necessidade de autonomizar a «sua» região (Baixo Alentejo, por exemplo) sem se pronunciarem sobre a totalidade do mapa das regiões do continente.

Finalmente, surgiu uma terceira posição, restrita à área de Lisboa, que defende o mapa 5+2, isto é com as cinco regiões de planeamento acompanhadas pela autonomização das duas áreas metropolitanas, ou o mapa 5+1, em que, para permitir que os municípios da península de Setúbal acedam aos apoios de que beneficiam as regiões de coesão, se autonomize a antiga NUTS III Grande Lisboa da atual Região de Lisboa e Vale do Tejo, ficando esta com uma parcela do território a norte e outra a sul dessa antiga NUTS III, ou, em alternativa, que se crie uma nova NUTS II correspondendo à Península de Setúbal.

Independentemente da pertinência das várias soluções apresentadas, deve relembrar-se que a alteração das NUTS é um processo moroso e dependente do EUROSTAT, que abre regularmente, mas não todos os anos, um período em que os Estados-Membros podem propor modificações em relação à situação existente. E se é verdade que, em casos excecionais devidamente justificados pelos Estados-Membros, se torna possível propor alterações fora desses períodos, também é certo que o EUROSTAT, por uma questão de estabilidade das séries temporais estatísticas, se mostra bastante relutante em aceitar demasiadas alterações, sobretudo se apresentadas por um mesmo Estado-Membro num curto período (Portugal alterou o número e a composição das NUTS III em 2015).

Refira-se, por último, que a questão da localização dos órgãos das regiões administrativas (Junta Regional, Assembleia Regional e, caso exista, representante do Governo), que, aliás, não deverá ser a mesma para os vários órgãos, não suscitou comentários nas várias audiões realizadas.

2.9 – Síntese e recomendações

 Desenvolvimento e descentralização Estudos realizados pela OCDE mostram que existe uma clara associação estatística entre desenvolvimento

e descentralização nos países que integram aquela organização internacional. Dessa associação não é possível deduzir uma relação de causalidade direta, tanto no sentido de se afirmar que o desenvolvimento estimula ou torna possível uma maior descentralização como no sentido de se dizer que um maior grau de descentralização promove o desenvolvimento. Existe, no entanto, uma relação que é importante salientar: os países mais desenvolvidos são mais descentralizados; os países mais centralizados são menos desenvolvidos.

Os mesmos estudos revelam que se tem verificado nos últimos anos uma tendência genérica nos países da União Europeia para um reforço do papel dos níveis subnacionais e supramunicipais (isto é, entre o Estado central e o nível local), através de quatro processos que podem ser complementares ou alternativos entre si: desconcentração, cooperação intermunicipal, descentralização administrativa (regiões

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administrativas) e descentralização política (regiões político-administrativas). No caso de Portugal, a descentralização política restringe-se às regiões autónomas dos Açores e da

Madeira, pelo que apenas estão em debate os três restantes processos de reforço dos níveis subnacionais de âmbito regional e sub-regional.

 O centralismo como problema nacional Portugal é um país com um elevado nível de centralização política, administrativa e orçamental (financeira).

As raízes históricas deste centralismo, que coexiste com uma forte tradição municipalista, são bem conhecidas, sabendo-se, também, que o reconhecimento relativamente recorrente da necessidade de criar autarquias de âmbito regional (distritos, províncias) não foi até hoje suficiente para criar soluções duradouras neste domínio, apesar das várias tentativas desenvolvidas ao longo do tempo.

Nos últimos anos o grau de centralismo das decisões públicas acentuou-se de forma significativa, com a crescente debilitação das entidades da administração central presentes nas regiões (extinção, desqualificação funcional, diminuição de autonomia administrativa, escassez de meios humanos e financeiros, etc.). O reforço do centralismo foi acompanhado pela manutenção, e em alguns casos até agravamento, de uma cultura administrativa de base setorial e territorialmente cega, dando lugar à formulação de políticas setoriais descoordenadas entre si e aplicadas de modo uniforme em todo o país. Esta evolução, paradoxal num país marcado por uma forte diversidade territorial e por assimetrias e condições de desenvolvimento regional bastante desiguais, tem elevados custos do ponto de vista da eficácia, eficiência e equidade das políticas e da provisão de serviços aos cidadãos e às empresas e tem alimentado um perigoso sentimento de abandono por parte de populações que se sentem esquecidas e cada vez mais longe de decisores políticos vistos como distantes e inacessíveis.

Este diagnóstico justifica a defesa, aparentemente em crescendo, de um nível da estrutura organizacional do Estado que permita atuar a uma escala adequada para problemas em relação aos quais o nível nacional é demasiado amplo e o âmbito municipal é excessivamente restrito. Acresce a este apelo a defesa de que esse novo nível deve ser dotado de legitimidade democrática através do voto direto e universal dos eleitores recenseados nas respetivas áreas geográficas.

 A necessidade de reforçar o nível subnacional Tendo em conta os aspetos referidos nos pontos anteriores, a Comissão considera que é necessário

proceder a um reforço do nível subnacional que dê uma resposta articulada e coerente a quatro objetivos:

i) Racionalização do processo de tomada de decisões organizativas, através de uma reorganização do

Estado baseada num sistema de governo multinível, regionalizado e especializado; ii) Aprofundamento da democracia e da governação democrática, através de processos de legitimidade

democrática, aproximação entre eleitos e eleitores, maior transparência, responsabilidade (accountability) e prestação de contas por parte dos primeiros e maior participação e possibilidade de escrutínio por parte dos segundos;

iii) Formulação de políticas públicas mais ajustadas à diversidade territorial existente, dando mais poder e voz a quem está mais próximo das diferentes realidades e por isso as conhece com maior rigor e é mais sensível às necessidades e aos anseios expressos nos vários territórios;

iv) Melhoria da prestação de serviços públicos aos cidadãos, através do aumento da eficiência, qualidade, inovação e capacidade de resposta das formas, já existentes ou a criar, de prestação de serviços.

Melhor Estado, melhor democracia, melhores políticas e melhores serviços públicos na ótica de um país

com acentuada diversidade interna: estes são os objetivos que devem nortear o processo de descentralização para o nível subnacional.

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 Uma visão multidimensional do reforço do nível subnacional Como já foi salientado, o reforço do nível subnacional inclui três componentes (excluindo a transferência de

atribuições e competências para os municípios, que não faz parte da missão da Comissão): desconcentração, cooperação intermunicipal e descentralização administrativa. Todas elas são não só importantes como se reforçam entre si desde que bem articuladas e coordenadas. Mas apenas a descentralização administrativa, isto é, a criação e instituição de regiões administrativas, permite responder de forma integrada aos quatro objetivos identificados.

A existência de regiões administrativas em Portugal (continente) é um imperativo constitucional. Mas mesmo que não o fosse, ela justifica-se por ser a solução mais abrangente em relação aos quatro objetivos apresentados. Dos três caminhos possíveis para uma reforma regional em Portugal indicados no Estudo que a OCDE elaborou a pedido da Comissão (ver Tabela II.5) – descentralização e reforço da administração desconcentrada sem criação de regiões administrativas; descentralização baseada no reforço dos níveis municipal e supramunicipal; e descentralização baseada numa reforma conjugada do nível regional e da cooperação intermunicipal – o último destaca-se como sendo potencialmente o mais adequado.

Relembre-se, a propósito, que o mesmo estudo salienta que Portugal é não só o país de maior dimensão demográfica do grupo de Estados-Membros da União Europeia com apenas dois níveis de administração – nacional e local (municípios e freguesias) – como possui um total de habitantes que é superior ao de vários dos países com três níveis administrativos (nacional, regional e local).

 Regiões administrativas: benefícios, malefícios e riscos Tendo por base as audições efetuadas, os debates públicos realizados, os estudos elaborados por peritos

para a Comissão e os contributos individuais recebidos, foi possível sistematizar os benefícios (apontadas pelos defensores da regionalização) e os malefícios (invocados pelos críticos) associados à criação de regiões administrativas. Os argumentos a favor foram agrupados em cinco conjuntos: a) custos de um centralismo excessivo, setorializado, descoordenado e territorialmente cego; b) necessidade de superar défices que constituem obstáculos ao desenvolvimento das regiões; c) vantagens de um Estado mais próximo; d) vantagens de estratégias regionais mais previsíveis; e e) necessidade de consolidar uma escala de respostas públicas adequada a um contexto de mudanças tecnológicas acentuadas. Os argumentos contra a regionalização foram agregados em quatro categorias: a) tema artificial criado pelas elites políticas e intelectuais sem aderência por parte das populações; b) fator de quebra da coesão nacional; c) obstáculo ao desenvolvimento nacional e regional e fator de agravamento das assimetrias inter-regionais e intrarregionais; e d) acréscimo de cargos políticos e aumento da corrupção.

É curioso verificar que os críticos da regionalização partilham com os que a defendem parte do diagnóstico acima apresentado, sobretudo no que se refere aos custos de um país demasiado centralizado, e que os defensores da regionalização apontam como riscos, que devem ser prevenidos e geridos, aspetos que os detratores da criação de regiões administrativas invocam como motivos para as rejeitar.

É também importante realçar o facto de algumas das críticas surgidas atribuírem às regiões administrativas características próprias de regiões político-administrativas, como as regiões dos Açores e da Madeira, o que manifestamente não é o caso.

 Regionalização: a necessidade de se esclarecer o que é e o que não é Um debate rigoroso sobre vantagens, desvantagens e riscos associados à regionalização só é possível a

partir do esclarecimento prévio de três aspetos. O primeiro esclarecimento é de natureza conceptual. Por «regionalização» entende-se o processo

político, legislativo e administrativo conducente à instituição em concreto da divisão do território do continente português em «regiões administrativas», tal como estão previstas na Constituição e por ela consideradas como autarquias locais, dirigidas por órgãos representativos eleitos pelos cidadãos recenseados em cada área regional. Na Tabela II.4 identificam-se as características principais das regiões administrativas e das regiões

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político-administrativas, o que permite destacar as profundas diferenças que existem entre ambas. Esta é a primeira condição para focar o debate naquilo que está efetivamente em discussão.

O segundo esclarecimento é de natureza legal. A regionalização tem como limites claros o modelo de administração pública definido na Constituição da República Portuguesa (CRP) e os princípios que asseguram uma organização administrativa equilibrada. Nos termos do n.º 2 do artigo 267.º da CRP, a descentralização deve ser entendida «sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de ação e dos poderes de direção, superintendência e tutela dos órgãos competentes». Este segundo esclarecimento é essencial para enquadrar os processos de criação, instituição e funcionamento de regiões administrativas no contexto de um Estado unitário, de uma visão estratégica do conjunto do país e de políticas nacionais. A aceitação do princípio da especialização ou diferenciação na estrutura do Estado não pode pôr em causa a coerência e a uniformidade das decisões administrativas próprias de um Estado unitário.

Finalmente, o terceiro esclarecimento é de natureza operativa. A regionalização é um meio, e não um fim, é uma condição necessária, mas não suficiente, para garantir os quatro objetivos acima referidos bem como as finalidades consagradas na CRP: o «desenvolvimento económico e social», «o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas», a «igualdade real entre os portugueses» e «a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões, e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo, e entre o litoral e o interior». Este terceiro esclarecimento implica considerar a regionalização como um processo e obriga a que sejam definidas e asseguradas as condições para a sua adequada concretização.

 Regionalização: condições para uma adequada concretização Tendo como objetivo assegurar um processo de regionalização administrativa bem-sucedido, a Comissão

defende doze requisitos básicos com as seguintes designações e cuja caracterização sumária foi efetuada neste capítulo:

i) Participação, debate e comunicação; ii) Visão nacional de longo prazo; iii) Reformas pensadas de modo articulado e a médio prazo; iv) Subsidiariedade e proporcionalidade; v) Coordenação e governança multinível; vi) Estabilidade e sustentabilidade; vii) Capacitação institucional; viii) Gradualismo programado e faseado; ix) Planeamento e avaliação ex-ante de impactos; x) Informação e indicadores de base territorial; xi) Capacidade de ajustamento; xii) Transparência, prevenção da corrupção, responsabilização e prestação de contas.

 Atribuições e competências das regiões administrativas A complexidade do processo de instituição de regiões administrativas, em si e nas implicações que tem no

que se refere à reestruturação de serviços centrais e periféricos da administração direta do Estado e à reformulação de poderes e relações verticais entre os vários níveis de entidades administrativas, sugere moderação, prudência, gradualismo programado e faseado, monitorização e avaliação. Não se deve, no entanto, confundir esta visão prudente, monitorizada e avaliada de um gradualismo programado e faseado com um procedimento baseado em decisões escalonadas no tempo que mais não fazem do que diferir sistematicamente a concretização coordenada das várias componentes de descentralização, incluindo a regionalização.

No que se refere especificamente às atribuições e competências, a Comissão considera que as regiões

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administrativas deverão, numa primeira fase, que é de arranque e transição, concentrar-se em políticas de âmbito transversal, reforçando a capacidade de intervenção dos domínios de ação das atuais CCDR em termos de decisão e de coordenação:

I) Desenvolvimento regional; II) Ordenamento do território e cidades; III) Ambiente; IV) Cooperação regional transfronteiriça. O objetivo primeiro é não apenas fortalecer a natureza efetivamente transversal destas políticas ao nível de

cada região, mas também aumentar a coerência entre elas. Por exemplo, o desenvolvimento económico, os ecossistemas regionais de inovação, as redes regionais de equipamentos públicos e de mobilidade (rede viária, transportes públicos), as alterações climáticas, a gestão de bacias hidrográficas ou as estruturas regionais de proteção e valorização ambiental constituem exemplos transversais a vários ou mesmo aos quatro domínios. Por outro lado, em cada um desses domínios há que distinguir de forma clara o que, para além das políticas de âmbito nacional, se deve manter a nível nacional ao nível da gestão (por exemplo, gestão do litoral) ou que, pelo contrário, deverá passar para as regiões administrativas.

Estes quatro domínios pressupõem, por sua vez, uma maior intervenção dos poderes regionais na conceção dos programas que beneficiam de Fundos Europeus Estruturais e de Investimento com incidência nas regiões e uma intensificação da cooperação inter-regional ao nível nacional, sobretudo com as regiões administrativas vizinhas.

Paralelamente, mantém-se a função de «coordenação e apoio à ação dos municípios situados na área correspondente, e respetivas associações» (artigo 257.º da CRP).

Complementarmente, a Comissão considera que esta primeira fase de arranque e transição poderá envolver atribuições e competências nos domínios da cultura, da agricultura, da educação e da saúde, desde que, numa avaliação ex-ante, se comprove que as alterações institucionais que terão de ocorrer aos níveis nacional (serviços centrais) e regional (serviços desconcentrados) não contribuem para diminuir a capacidade efetiva de as regiões administrativas desempenharem com eficácia e eficiência a sua intervenção nas políticas transversais acima referidas. Esta fase inicial inclui, portanto, um conjunto mínimo e universal de domínios e um programa plurianual que poderá integrar iniciativas nos domínios acima referidos em função das avaliações ex-ante realizadas.

No quinto ano de funcionamento, e levando em conta quer os resultados de uma avaliação de desempenho e de impacto relativa aos quatro anos anteriores (período correspondente ao primeiro mandato dos órgãos eleitos) quer as capacidades existentes em cada região, estas poderão vir a acolher novas atribuições e competências provenientes da administração desconcentrada ou de serviços centrais da administração, por iniciativa da Região e como resultado de um processo de negociação com as respetivas tutelas. As atribuições suscetíveis de serem cometidas às regiões administrativas pressupõem a revisitação da listagem que consta do artigo 17.º da Lei n.º 56/91, de 13 de agosto.

O gradualismo programado e faseado de transferência de atribuições e competências para as regiões administrativas pressupõe a definição de metas. A Comissão propõe que se assuma como meta que ao fim dos dois mandatos iniciais (isto é, após os primeiros oito anos de funcionamento), a despesa das regiões administrativas em percentagem do PIB se aproxime da média dos países unitários da União Europeia nessa mesma data.

 O mapa das regiões administrativas Ponderados os vários mapas propostos e respetivas argumentações justificativas, a Comissão defende

que o mapa das regiões administrativas deve coincidir com o das atuais áreas de intervenção das CCDR, com base em vários fatores.

Estando em causa a adoção de um mapa que tem como objetivo delimitar a base geográfica de poderes regionais que irão ter um papel decisivo na racionalização da organização do Estado, no aprofundamento da democracia e da governação democrática, na formulação de políticas públicas ajustadas à diversidade

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territorial existente e na melhoria da prestação de serviços públicos aos cidadãos dos vários territórios, as designadas regiões de planeamento surgem como as mais adequadasdada a missão, o historial de relacionamentos institucionais e o conhecimento de base geográfica acumulado que caracteriza as CCDR. De um ponto de vista prático, a criação de regiões administrativas tendo como referência as atuais áreas de intervenção das CCDR garante uma maior continuidade, evitando introduzir um elemento adicional de dificuldade num processo que será sempre complexo, e incorrerá em menores custos do que qualquer outra solução que introduza novas delimitações.

Por outro lado, num país com uma forte clivagem entre o litoral e o interior e em que parcelas crescentes do território nacional se encontram em regressão demográfica persistente, um mapa com regiões mais pequenas, algumas das quais localizadas exclusivamente no interior, não garante que todas tenham a escala e a massa crítica necessárias para poder cumprir com eficácia e eficiência a sua missão.

A Comissão está consciente de que esta solução, sendo a melhor, não deixa de levantar algumas questões:

i) As regiões propostas não se baseiam em fatores identitários de base histórica e cultural, o que

dificulta o seu reconhecimento e aceitação social por parte das populações, sobretudo as mais idosas, para quem as províncias e os distritos continuam a constituir uma referência importante. É, no entanto, verdade que essas referências são hoje pouco relevantes para as gerações mais jovens. E também é certo que os exemplos de outros países mostram que os fatores históricos e culturais são importantes para as regiões político-administrativas, mas não para as regiões administrativas, cuja configuração espacial se associa preferencialmente a critérios de eficácia, eficiência e equidade da ação pública;

ii) As regiões propostas, que em vários casos incluem áreas do litoral e do interior, levantam a suspeita de que os interesses e as prioridades das sub-regiões mais fortes se irão sobrepor aos das sub-regiões menos desenvolvidas, contribuindo para agravar as assimetrias intrarregionais. Esse risco, que não é fictício, há muito que está identificado e existem processos, de diferente natureza, que podem contribuir para dar mais voz, garantir representação territorial e criar condições de discriminação positiva às sub-regiões menos desenvolvidas de cada região;

iii) A Comissão está igualmente ciente de que qualquer delimitação rígida é artificial do ponto de vista dos sistemas naturais (bacias hidrográficas, por exemplo) e também das chamadas regiões funcionais, baseadas nas interações que se gerem entre diferentes lugares pelos mais diversos motivos (movimentos pendulares casa-trabalho, clusters de atividades, ecossistemas de inovação, etc.). Aliás, num mundo crescentemente relacional, sistémico e globalizado, as delimitações administrativas, sendo inevitáveis, terão sempre de coexistir com a fluidez de geografias com delimitações imprecisas e voláteis. A solução para esta questão não passa por tentar encontrar novas delimitações, mais ajustadas às novas realidades já visíveis ou emergentes, mas antes por tornar as delimitações administrativas mais porosas, facilitando formas de cooperação inter-regional que permitam conciliar a sua inevitável rigidez com a configuração dos sistemas naturais e socioeconómicos, evitando segmentá-los e, assim, prejudicar o seu funcionamento e desenvolvimento e inviabilizar uma gestão integrada.

Por último, a Comissão alerta para o facto de a atual situação das NUTS III do Oeste, Médio Tejo e Lezíria

do Tejo, integradas na Região de Lisboa e Vale do Tejo para efeitos de planeamento mas nas Regiões do Centro (as duas primeiras) e do Alentejo (a última) no que diz respeito a fundos comunitários, e sem direito de voto, ser claramente insustentável. Também a diluição da ex-NUTS III Península de Setúbal na NUTS II Área Metropolitana de Lisboa, decidida no âmbito da última revisão das NUTS, que entrou em vigor em 2015, tem suscitado dúvidas. No futuro as regiões administrativas deverão coincidir com uma NUTS II ou com uma agregação de NUTS II, à semelhança do que sucede atualmente com as CIM, que correspondem a uma ou mais NUTS III, mas sempre respeitando os limites destas últimas. Também em França, por exemplo, existem regiões que correspondem a conjuntos de NUTS II.

 Localização dos órgãos das regiões administrativas A Comissão considera que, por razões práticas (instalações, pessoal, etc.), a localização das

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futuras Juntas Regionais deverá coincidir com a das atuais CCDR. Já a localização das Assembleias Regionais deverá levar em consideração a configuração geográfica de cada uma das regiões numa ótica de equidade territorial, podendo ser tendencialmente fixa ou rotativa, de acordo com as características de cada Região e a vontade dos membros das respetivas Assembleias.

 Regiões administrativas e governança multinível A criação de regiões administrativas vem alterar o atual modelo de poderes e relações verticais, a nível

nacional, e horizontais, no âmbito de cada região e entre diferentes regiões administrativas. A Comissão apresentará as suas propostas sobre esta questão no capítulo relativo ao sistema de governação. Mas importa sinalizar desde já que o novo modelo de governança multinível implica:

i) Uma repartição clara de atribuições e competências tanto vertical (entre diferentes níveis de

administração) como horizontal (entre os serviços das regiões administrativas e os serviços desconcentrados da administração central);

ii) Um alinhamento estratégico entre os diferentes níveis de administração; iii) Uma cooperação reforçada entre as diversas entidades relevantes, o que pressupõe deveres recíprocos

de prestação de informação e de conhecimento; iv) Uma coordenação eficaz e eficiente, visando criar sinergias e evitar sobreposições, vazios ou decisões

contraditórias na regulação pública, na formulação e execução de políticas e na produção de serviços; v) Uma colaboração estreita na procura de soluções partilhadas para problemas comuns ou

complementares; vi) Dispositivos e processos de acompanhamento, monitorização e avaliação que permitam detetar

precocemente falhas ou disfunções, introduzir ajustamentos em tempo útil e preparar com maior segurança o futuro, nomeadamente no que se refere às condições e possibilidades de um eventual alargamento de atribuições e competências das regiões administrativas após a fase inicial de funcionamento das regiões administrativas.

ANEXO

Artigos da Constituição da República Portuguesa com incidência indireta no processo de descentralização administrativa

(regiões administrativas e entidades intermunicipais) • Assembleia regional (artigo 260.º) • Assinatura e veto do Representante da República (artigo 233.º) • Associação e federação (artigo 253.º) • Associações e partidos políticos (artigo 51.º) • Atribuições (artigo 257.º) • Candidaturas (artigo 151.º) • Categorias de autarquias locais e divisão administrativa (artigo 236.º) • Círculos eleitorais (artigo 149.º) • Competência administrativa (artigo 199.º) • Competência de fiscalização (artigo 162.º) • Competência do Conselho de Ministros (artigo 200.º) • Competência dos membros do Governo (artigo 201.º) • Competência nas relações internacionais (artigo 135.º) • Competência para prática de atos próprios (artigo 134.º)

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• Competência política (artigo 197.º) • Conselho Económico e Social (artigo 92.º) • Criação legal (artigo 255.º) • Definição (artigo 182.º) • Delegação de tarefas (artigo 248.º) • Direito de acesso a cargos públicos (artigo 50.º) • Discussão e votação (artigo 168.º) • Distritos (artigo 291.º) • Estado de direito democrático (artigo n.º 2) • Estado unitário (artigo 6.º) • Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus (artigo 15.º) • Estrutura da Administração (artigo 267.º) • Fiscalização abstrata da constitucionalidade e da legalidade (artigo 281.º) • Fiscalização preventiva da constitucionalidade (artigo 278.º) • Forma dos atos (artigo 166.º) • Incumbências prioritárias do Estado (artigo 81.º) • Instituição em concreto (artigo 256.º) • Junta regional (artigo 261.º) • Liberdade de associação (artigo 46.º) • Limites materiais da revisão (artigo 288.º) • Objetivos dos planos (artigo 90.º) • Órgãos da freguesia (artigo 244.º) • Órgãos da Região (artigo 259.º) • Órgãos de governo próprio das regiões autónomas (artigo 231.º) • Participação na vida pública (artigo 48.º) • Perda e renúncia do mandato (artigo 160.º) • Princípio da renovação (artigo 118.º) • Princípios fundamentais (artigo 266.º) • Princípios gerais de direito eleitoral (artigo 113.º) • Publicidade dos atos (artigo 119.º) • Representação política (artigo 152.º) • Representante da República (artigo 230.º) • Representante do Governo (artigo 262.º) • Reserva absoluta de competência legislativa (artigo 164.º) • Sistema eleitoral (artigo 126.º) • Tarefas fundamentais do Estado (artigo 9.º) • Titularidade e exercício do poder (artigo 108.º) • Tutela administrativa (artigo 242.º) Referências AD&C (2018), Relatório do Desenvolvimento & Coesão, Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P.,

Lisboa. Alexandre, F. (coord.) (2019), Assimetrias e Convergência Regional. Implicações para a Descentralização e

Regionalização em Portugal, Associação Comercial do Porto, Porto. Baleiras, R. (2016), Bloqueios Institucionais e Possíveis Soluções para a Operacionalização de Políticas

Transversais: O Caso do Desenvolvimento Económico em Portugal, Public Portuguese Journal, 1 (1), 28-56. INE (2018), Anuários Estatísticos Regionais – Informação estatística à escala regional e municipal – 2017,

Instituto Nacional de Estatística, Lisboa.

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INE (2019), Estimativas de População Residente em Portugal, 2018, Destaque. Informação à Comunicação Social, 14 de junho de 2019.

Lopes. R. (2019), «Organização do Estado e Atribuições Autárquicas: a Visão dos Presidentes de Câmara» in Descentralização e Organização do Estado, IPPS-IUL, Lisboa.

OECD (2019a), Making Decentralisation Work. A Handbook for Policy-Makers, OECD Multi-level Governance Studies, OECD Publishing, Paris.

OECD (2019b), OECD Regional Outlook 2019: Leveraging Megatrends for Cities and Rural Areas, OECD Publishing, Paris.

Oliveira, L. Valente de (2019), Descentralizar o Estado, Reforçar as Regiões, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Porto.

Relatórios dos peritos (ver Volume II) Amaral, D. Freitas do e Silva, J. Pereira da (2019), Estudo Aprofundado sobre a Problemática da

Regionalização. Volume I. Regiões Administrativas, Descontração e Descentralização, Lisboa, 9 de julho de 2019 (Anexo B, Volume II),

Amaral, D. Freitas do e Coutinho, J. Ferraz (2019), Estudo Aprofundado sobre a Problemática da Regionalização. Volume II. Áreas Metropolitanas e Comunidades Intermunicipais, Lisboa, 10 de julho de 2019 (Anexo E, Volume II),

Bilhim, J. A. Faria de (2019), Governança. Proposta de Regionalização e Caminho para a sua Implementação. Relatório Final (Anexo D, Volume II),

OECD (2019), Decentralisation and Regionalisation in Portugal: Lessons from International Experience and Reform Alternatives, OECD, Paris, julho 2019 (Anexo B, Volume II),

Contributos escritos (ver Volume III) António Barreto António Covas Carlos Figueiredo Comissão Política Distrital do PSD de Santarém e Federação do PS do Distrito de Santarém Emílio Rui Vilar Hélder Guerreiro João César das Neves João Luís Calçada Correia João Pereira Teixeira José Albino da Silva Peneda José Figueiredo José Luís Murteira Luís Pita Ameixa Luís Valente de Oliveira Manuel Brandão Alves Plataforma para o Desenvolvimento da Península de Setúbal Raul Lopes

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PARTE III — SISTEMA DE GOVERNO DAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS A Parte III do relatório contém uma síntese sobre os principais aspetos relacionados com o sistema de

governo das regiões administrativas, o representante do governo, a tutela administrativa, a coordenação de ações da administração central, bem como o sistema eleitoral regional, incluindo círculos eleitorais.

Esta parte do relatório reúne informação oriunda de diversas fontes e refletem perspetivas provenientes das diversas audições, dos seminários organizados pela Comissão e ainda dos estudos solicitados. Deste modo, a sistematização desta informação constitui uma base sólida de partida para uma discussão e reflexão sobre a matéria versada nesta Parte do relatório.

Por último, analisa-se a possibilidade da criação e instituição em concreto das Regiões, considerando a possibilidade de corrigir o enviesamento do referendo, sugerindo-se que é necessário aperfeiçoar as normas da CRP sobre o referendo à regionalização.

CAPÍTULO 1 – SISTEMA DE GOVERNO

1.1 – Introdução Existem várias formas de governo ao nível intraestadual, refletindo muitas vezes os modelos que se

aplicam aos Estados, mas numa escala mais reduzida derivada da óbvia redução geográfica e da densidade populacional.

Não existindo uma «teoria dos sistemas de governo das entidades intraestaduais» e analisando os vários tipos de sistemas – parlamentar, presidencialista, semipresidencialista e ainda diretorial e convencional –, os dois últimos raros, ainda se pode acrescentar alguns sistemas mistos que combinam características dos modelos base. O sistema vigente no nosso país para as autarquias locais não encontra paralelo noutros sistemas de governo.

Partindo do princípio de que deve existir alguma coerência entre o sistema de governo das regiões administrativas e das demais autarquias locais, importa analisar o sistema ao nível dos municípios e das freguesias, mesmo que de forma sucinta, para que fiquem claras as opções que se colocarão ao legislador.

Porém, antes, importa situar os limites que a Constituição impõe em relação à forma legal que a definição do sistema de governo e eleitoral deverá assumir.

Tratando matéria de reserva absoluta da competência da Assembleia da República – Assembleia Regional e Junta Regional e, eventualmente, outro órgão a criar com carácter consultivo e ainda a definição do estatuto dos membros que vierem a integrar os órgãos regionais – terá de ter a forma de Lei Orgânica. Isto implica uma maioria absoluta de Deputados/as em efetividade de funções (116), sendo que as disposições sobre o sistema e método de eleição das juntas regionais carecem de uma maioria de dois terços dos Deputados/as presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados/as em efetividade de funções.

Atendendo a que a Constituição contempla artigos específicos sobre o sistema de governo das regiões (259.º, 260.º e 261.º), que, por sua vez, devem obedecer aos princípios gerais das autarquias locais (239.º), os princípios gerais da organização do poder político constantes da Parte III, do artigo 108.º a 119.º, devem também estar presentes, nomeadamente os princípios da democracia representativa, do direito de oposição, da separação de poderes, do funcionamento dos órgãos colegiais, do estatuto dos titulares de cargos políticos, da renovação, da publicidade, da transparência, assim como outras disposições que se encontram consignadas em lei própria, como sejam a limitação de mandatos e a paridade de género e ainda o regime de impedimentos e incompatibilidades.

No nosso país existe um sistema de governo semipresidencialista e as regiões autónomas são dotadas de «órgãos de governo próprio» – a Assembleia Legislativa e o Governo Regional –, aos quais acresce ainda o Representante da República, que não é um órgão de governo próprio.

O sistema de governo dos municípios é marcado pela existência de dois órgãos colegiais eleitos diretamente, a assembleia municipal e a câmara municipal. Este sistema tem a singularidade de não ser um sistema parlamentar – pois o órgão executivo tem legitimidade própria –, nem um sistema presidencialista, pois embora o presidente seja o primeiro da lista mais votada, o órgão a eleger é a câmara municipal, colegial e composto por vários partidos.

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Neste sistema o órgão deliberativo e fiscalizador é formado por membros eleitos diretamente e por inerência, sendo que estes – os presidentes de junta de freguesia – têm os seus poderes limitados. Muitas das suas deliberações só podem ser tomadas «por proposta do órgão executivo», reduzindo a iniciativa própria da assembleia a meras recomendações, e os seus atos de fiscalização não têm consequências, pois a assembleia não pode demitir a câmara. A «moção de censura à câmara municipal» existe, mas não implica a demissão da câmara municipal, pois esta tem legitimidade própria. Quando aprovada, uma moção de censura tem um efeito de aviso ou tomada de posição política.

Quanto às juntas de freguesia o sistema é diferente. O presidente da Junta é o primeiro da lista mais votada, mas a Junta é eleita pela Assembleia de Freguesia. A Assembleia aprecia e fiscaliza toda a atividade da Junta e autoriza a sua prática. Existe a figura da moção de censura que, quando aprovada, provoca a queda da Junta. A Assembleia de Freguesia elegerá nova Junta, embora com o mesmo presidente.

Este sistema, que, como já se afirmou, é único, tem sido objeto de debate, não tendo sido criado consenso ou posição maioritária sobre as alterações a introduzir.

A revisão de 1997 deixou para a lei eleitoral a opção sobre o modo de eleição do presidente do órgão colegial do município, assim como os requisitos da sua constituição, destituição e funcionamento: «O órgão executivo colegial é constituído por um número adequado de membros, sendo designado presidente o primeiro candidato da lista mais votada para a assembleia ou para o executivo, de acordo com a solução adotada na lei, a qual regulará também o processo eleitoral, os requisitos da sua constituição e destituição e o seu funcionamento» (n.º 3 do artigo 239.º da CRP).

1.2 – Sistemas de governo das regiões administrativas Segundo a Constituição, o sistema de governo das regiões administrativas:  Exclui o modelo presidencialista, pois não considera o presidente da Junta como órgão representativo

da região e exclui a sua eleição direta (artigo 259.º);  Consagra a constituição da Assembleia Regional por duas vias: eleição direta e eleitos por colégio

eleitoral formado pelos membros das assembleias municipais;  Deixa em aberto a eleição da Junta enquanto órgão executivo, reportando para o n.º 3 do artigo 239.º;  Consagra a figura de «representante do governo» (artigo 262.º) sem carácter obrigatório: «Junto de

cada região pode haver um representante do Governo, nomeado em Conselho de Ministros, cuja competência se exerce igualmente junto das autarquias existentes na área respetiva».

A Comissão entende que deve ficar consagrado em lei-quadro:  Que a Junta Regional tem até sete elementos, incluindo o seu presidente;  Que a eleição da Junta Regional se realiza segundo o sistema de representação maioritária, por

escrutínio secreto e por listas plurinominais, na primeira sessão da Assembleia Regional, sendo que o presidente da Junta Regional é o primeiro elemento da lista mais votada;

 Que a Junta Regional toma posse perante a Assembleia Regional;  Que a Junta Regional tem de estar presente em todas as assembleias regionais para defender as suas

iniciativas e responder a todas as questões dos Deputados/as;  Que se consagra a moção de censura, o voto de confiança e a moção de censura construtiva;  Que em caso de aprovação de uma moção de censura ou rejeição do voto de confiança e, se no prazo

de 30 ou 45 dias por maioria absoluta dos Deputados a Assembleia Regional não eleger uma nova Junta Regional, esta se dissolve e são convocadas eleições.

A Comissão entende como positiva a existência de um órgão consultivo, que colabore na definição

das estratégias e das políticas públicas para a região. Considera-se que poderá significar uma mais-valia se for entendido como um parceiro, devendo as suas recomendações ser ponderadas e, quando não atendidas, merecer uma justificação por parte do órgão que as recebe.

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CAPÍTULO 2 – REPRESENTANTE DO GOVERNO, TUTELA ADMINISTRATIVA E COORDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL

2.1 – Representante do Governo A Constituição, no artigo 262.º, estabelece que pode existir em cada região um representante do Governo,

mas essa opção não é obrigatória. Na realidade, será que o representante do Governo será necessário? E para quê?

Trata-se de duas questões controversas, que podem assumir relevância no quadro das discussões preparatórias de uma eventual criação e institucionalização das regiões. Face ao exposto, a Comissão entende que devem ser abordadas neste Relatório Final.

Caso existam representantes do Governo, podem-lhes ser atribuídas as seguintes missões:  Exercício da tutela administrativa sobre os órgãos e administrações regionais;  Exercício da tutela administrativa sobre o restante universo autárquico da região, nomeadamente

municípios e freguesias;  Coordenação das ações da Administração Central, em especial da administração desconcentrada, mas

não só;  Recolha por iniciativa própria, e receção e tomada de conhecimento por iniciativa de terceiros, de

informação a transmitir ao Governo sobre o funcionamento dos órgãos e das administrações das regiões. No estudo sobre a problemática da regionalização, os Professores Freitas do Amaral e Pereira da Silva

dedicam especial atenção aos argumentos a favor e contra a nomeação de um representante do Governo nas regiões.19

Entre os argumentos a favor mais proeminentes destacam-se a intervenção dos representantes do Governo visando assegurar o cumprimento de importantes dispositivos da Constituição, designadamente: artigo 266.º, n.º 2 (princípio da legalidade); artigo 267.º, n.º 2 (princípio da unidade de ação da administração); artigo 129.º, alínea f) (defesa da Constituição ou da legalidade democrática); e artigo 267.º, n.º 2 (não prejuízo da necessária eficácia da ação da Administração).

Entre os argumentos contra sugerem-se três ordens de ideias: não há que ter medo ou preconceito de desconfiança em relação à democracia regional ou local; se o Governo no continente exerce diretamente a tutela da legalidade sobre 278 municípios e 2882 freguesias, não será capaz de exercer também diretamente a tutela sobre dez órgãos regionais (dois por região); e, citando Freitas do Amaral e Pereira da Silva, «a colocação de agentes de confiança política do Governo junto dos órgãos regionais eleitos, em cada região administrativa, é muito mais propícia à eclosão de conflitos, quer jurídicos, quer pessoais, entre uns e outros, do que o exercício natural da tutela administrativa de legalidade por parte do Governo apoiado no correspondente serviço inspetivo».

Não obstante estas considerações terem por motivação direta a questão central da tutela administrativa, efetivamente o pano de fundo que lhes está subjacente estende-se também a outros possíveis campos de ação dos representantes do Governo. Freitas do Amaral e Pereira da Silva concluem:

«Tudo visto e ponderado – e reconhecendo, uma vez mais, que a decisão a tomar é política – inclinamo-

nos, embora com algumas dúvidas, para a instituição na Lei-Quadro da figura do ‘represente do Governo’ junto de cada região.»

Considerando os argumentos expostos e prestando especial atenção ao cumprimento dos dispositivos constitucionais referidos, considera-se a necessidade de assegurar o efetivo cumprimento de todas essas disposições constitucionais, em defesa da democracia e do Estado de Direito.

Os representantes do Governo nas regiões não terão necessariamente o perfil de magistrados administrativos, podendo ser personalidades escolhidas pelo seu perfil político e partidário, possivelmente com uma agenda política própria. É expectável que possam ser chamados a intervir em situações por vezes suscetíveis de partidarização, mesmo quando se trata de matéria meramente administrativa. Neste contexto, é percetível avaliar o impacto que certas escolhas possam exercer sobre as dinâmicas políticas e

19 Ibid, pp. 255 a 263.

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administrativas dos órgãos regionais submetidos à sua tutela. Caso exista um representante do Governo, e de acordo com o artigo 262.º, deve-se atribuir-lhe o exercício

da tutela administrativa do Estado sobre todas as autarquias locais, a nível regional, municipal e de freguesia. Esta atribuição da tutela administrativa ao representante do Governo torna-se desnecessária, podendo mesmo ser indesejável.

O mesmo deve ser dito em relação ao exercício de funções de coordenação da Administração Central por parte do representante do Governo, o que seria de menor eficácia face à alternativa da coordenação interministerial e levantaria até sérios problemas de inconstitucionalidade.

Cumpre ainda analisar o possível papel do representante do Governo no que diz respeito à recolha de informação por iniciativa própria e à receção e tomada de conhecimento de informação, por iniciativa de terceiros, sobre o funcionamento dos órgãos e da administração da região.

Durante séculos foi tradição generalizada a existência de agentes de recolha de informação territorializada ao serviço dos detentores do poder, ao abrigo de disposições variáveis, umas mais formalizadas e transparentes do que outras.

Neste aspeto, é fundamental compreender a intransponível diferença entre os processos de recolha e tratamento da informação típicos dos séculos XIX e em parte do século XX. Os processos prevalecentes hoje, certamente, desenvolver-se-ão mais nos próximos anos.

A tradição secular de pôr no terreno personalidades de quem se dizia, em linguagem de conotações perdidas em passado distante, que eram «os olhos e os ouvidos do rei», poderá ter reminiscências no mundo democrático? Certamente, não foi por acaso que a Constituição de 1976 fechou por completo possíveis aberturas propiciadoras da presença de «olhos e ouvidos do rei» junto dos municípios e freguesias por vontade do legislador ordinário. Assim, a Constituição de 1976 consagra a rutura total com a tradição secular, mas o mesmo não se poderá dizer da revisão constitucional operada há cerca de duas décadas.

A eventual criação e institucionalização em concreto das regiões oferece uma oportunidade para retomar, na prática, o espírito da Constituição de 1976, respondendo claramente à questão crucial seguinte: no século XXI, conhecidas as tendências de mudança de sociedade em curso e face a uma profunda reforma descentralizadora destinada a reforçar a vivência democrática aos níveis regional e local, mas também ao nível central, deverão os órgãos de soberania competentes obrigar à institucionalização de soluções de evidente facilidade, mas também configurativas de atualização da tradição secular? Ou, em alternativa, deverão antes concentrar os seus esforços na implantação, aperfeiçoamento e agilização dos mecanismos democráticos de aquisição, tratamento e uso da informação político-administrativa necessária ao reforço da democracia e do Estado de Direito num ambiente decentralizado?

Há um ou dois séculos, era difícil a aquisição de informação de interesse público. Neste contexto, saber como agiam e reagiam, caso a caso e de lugar para lugar, os diversos segmentos da população era tarefa ciclópica e dependente da observação casuística personalizada.

Mas hoje não é assim e muito menos o será nos próximos anos, um período caracterizado pela crescente explosão de informação acessível de variadas formas, pela exploração sistemática e integrada de um número considerável de plataformas, procedimentos, instrumentos informáticose tecnologias de aquisição, tratamento e difusão da informação.

Num mundo pautado por uma quantidade considerável de fluxos de informação, será assim tão difícil mobilizar parte desse potencial, colocando-o ao serviço da administração pública em reforço da democracia nacional, regional e local? Não há razão para nos excluirmos dos novos paradigmas civilizacionais, sem ter melhor solução do que a atualização da antiga tradição secular.

Dito isto e examinando as atribuições dos representantes do Governo – i) tutela administrativa sobre as autarquias; ii) coordenação da Administração Central; e iii) informação do Governo junto das regiões – nenhuma se reconhece como sendo indispensável.

Assim, torna-se indispensável a assunção por parte do Primeiro-Ministro e do Governo de todas as responsabilidades que a Constituição lhes atribui em torno da regionalização, em especial da coordenação interministerial e do exercício da tutela administrativa, bem como a assunção pelos órgãos das Regiões Administrativas do dever de cooperação em conformidade com a Constituição e a Lei.

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2.2 – Tutela administrativa As Regiões Administrativas, tal como as autarquias, gozam de autonomia garantida pela Constituição. Sem

prejuízo dessa autonomia, a tutela administrativa que sobre elas deve incidir desempenha um papel fundamental na boa governação das regiões. De forma sucinta, veremos a seguir: i) a sua necessidade; ii) a sua incidência e iii) quem a deve exercer. Toda esta matéria foi analisada nos Estudos produzidos pelos professores Freitas do Amaral e Silva Pereira, bem como pelo professor João Bilhim, para os quais se remete o leitor interessado no seu aprofundamento.20

2.2.1 – Necessidade da tutela administrativa A necessidade da tutela administrativa está fortemente ancorada na Constituição em diversos artigos.

Diogo Freitas do Amaral e Jorge Silva Pereira explicam-no com clareza no seguinte trecho do seu estudo21: «A fim de assegurar o caráter unitário do Estado (Constituição, artigo 6.º), o respeito do princípio da

legalidade pelas autarquias locais – e, portanto, também pelas regiões administrativas (artigo 266.º, n.º 2) – e, ainda, o princípio segundo o qual «a descentralização administrativa» tem de entender-se «sem prejuízo da necessária (…) unidade de ação da Administração» (artigo 267.º, n.º 2), a Constituição – como, aliás, a de todos os países europeus pertencentes ao sistema administrativo de tipo francês – determina que «ao Governo», na qualidade de «órgão superior da Administração Pública» (artigo 182.º), compete exercer a tutela Administrativa sobre a administração autónoma artigo 199.º, alínea d) na qual se inscrevem entre outras entidade públicas, as autarquias locais e, por conseguinte, as regiões administrativas.»

Esta citação dispensa argumentos adicionais, mas num Estado unitário faz todo o sentido a tutela administrativa das Regiões.

2.2.2 – Incidência da tutela administrativa Em matéria de incidência da tutela administrativa, a primeira questão a realçar é que a Constituição tem

entendimento restrito do que deva ser no plano das autarquias, como resulta claramente do n.º 1 do artigo 242.º: «A tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos e é exercida nos casos previstos e segundo a Lei.»

Que formas e objeto pode a tutela assumir? Não menos importante, o que está vedado, no caso das Regiões Administrativas, a quem eventualmente venha a exercê-la?

Segundo a Constituição, a tutela administrativa em causa é de legalidade e não de mérito. Mas, este simples enunciado não resolve inteiramente as questões colocadas. Os trabalhos solicitados pela Comissão, tanto aos professores Diogo Freitas do Amaral e Jorge Silva Pereira como ao Professor João Bilhim, abordam proficientemente esta importante matéria. Do estudo dos primeiros, relevam o seguinte passo22:

«‘A tutela administrativa consiste no conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa coletiva

pública [em regra, o Estado] na gestão de outra pessoa coletiva [autónoma], a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua atuação (137).’

Quanto ao objeto da sua incidência, a tutela administrativa pode ser uma tutela de legalidade, se apenas consiste em apreciar a legalidade ou ilegalidade dos atos e omissões da entidade tutelada, bem como extrair daí as consequências previstas na lei; uma tutela de mérito, quando lhe é permitido apreciar os aspetos da boa ou má administração levada a cabo pela entidade tutelada, retirando daí as consequências legais; ou mista, se a lei habilitar a entidade tutelante a exercer sobre a entidade tutelada tanto um controlo de legalidade como um controlo de mérito.

Noutro plano, e quanto aos tipos de poderes de tutela, é habitual distinguir a tutela integrativa (poder de

20 Ver dos primeiros, em Anexo (Volume II), o Estudo de que são autores, pp. 263 a 269; e do segundo o respetivo estudo, também em Anexo (Volume II), pp. 224 a 231. 21 Ibid, pp. 263 e 264.

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completar atos da entidade tutelada, que tanto podem ser atos futuros – tutela a priori – como atos já praticados mas que ainda não entraram em vigor – tutela a posteriori); inspetiva (poder de fiscalização); sancionatória (poder de aplicar sanções); revogatória e anulatória (poder de revogar ou anular atos praticados pela entidade tutelada); e substitutiva (poder de suprir a omissão da prática de um ato devido pela entidade tutelada passando a entidade tutelar a poder praticá-lo, em vez da primeira e por conta dela).»23

Sendo a tutela administrativa e não de mérito, inexistirão estes tipos de poderes no caso das Regiões

Administrativas? De acordo com os autores citados, é certo que a Constituição de 1976 reduziu drasticamente a natureza e

o âmbito da tutela do Estado relativa às autarquias locais, como reação forte contra os abusos da tutela administrativa sobre as autarquias locais que lhe estavam subordinadas hierarquicamente, através do citado artigo 242.º.

O alcance exato desse dispositivo constitucional tem estado sujeito a interpretações, por vezes erradas, que convém desfazer, recorrendo-se ao Estudo dos mesmos autores:

«Logo uma parte da doutrina interpretou restritivamente este preceito constitucional, entendendo que a

tutela sobre autarquias locais (1) só podia ser urna tutela de legalidade (o que estava certo); e (2) só podia revestir a modalidade de tutela inspetiva, ficando suprimidas todas as outras espécies, acima enunciadas (o que estava errado).

Como tivemos ocasião de explicar no nosso ensino, «verificar o cumprimento da lei» é uma operação de controlo da legalidade que tanto pode existir na tutela inspetiva como, por exemplo, na tutela integrativa: é perfeitamente possível sujeitar certos atos à autorização ou à aprovação tutelar, apenas para efeitos de controlo da legalidade24. O Supremo Tribunal Administrativo tem seguido o nosso entendimento.25

Daqui podemos extrair uma primeira conclusão quanto à tutela do Estado sobre as regiões administrativas: ela é apenas uma tutela de legalidade; mas pode assumir quer a modalidade inspetiva, quer a integrativa, desde que ambas sejam restritas aos aspetos da legalidade.

Há ainda mais dois poderes de intervenção do Estado na vida própria das autarquias locais e, portanto, na das regiões administrativas. A eles se referem, cautelosamente e sem os denominar, os n.os 2 e 3 do artigo 242.º da Constituição:

O primeiro é descrito como o poder de adotar «medidas tutelares restritivas da autonomia local» (n.º 2),

e dele se diz apenas que o seu exercício deve ser «precedido de parecer de um órgão autárquico, nos termos a definir por lei». Trata-se, no fundo, de permitir que, em casos graves (por ilegalidades grosseiras, ou por incapacidade de funcionamento de um ou mais órgãos autárquicos), o Governo possa destituir o órgão executivo da autarquia, nomeando para o substituir uma comissão administrativa, por um período limitado, até ao restabelecimento da normalidade;

O segundo poder é o de «dissolução dos órgãos autárquicos» (n.º 2), que «só pode ter por causa ações ou omissões ilegais graves», e terá sempre como consequência obrigatória a convocação de eleições, a fim de o eleitorado escolher os titulares do órgão ou órgãos da autarquia em causa.»

A Comissão partilha a opinião de que deverá estar na Lei-Quadro das Regiões, a elaborar em

substituição da lei-quadro atual, a explicitação dos entendimentos acima expostos. A saber:  O poder tutelar de verificação do cumprimento da legalidade inclui os poderes de tutela inspetiva e

integrativa apenas para efeitos de controlo da legalidade;  Em casos graves, nos termos da lei, o Governo pode destituir o órgão executivo das Regiões

Administrativas – a Junta Regional – nomeando para o substituir uma comissão administrativa, por um período

22 Ibid, p. 264. 23 V. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, p. 72. 24 V. o Curso, I, p. 735.

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limitado, até ao restabelecimento da normalidade;  Em casos graves, assim expressamente tidos pela lei, o Governo pode dissolver os órgãos das Regiões

Administrativas, seguindo-se, obrigatoriamente, a convocação de eleições nos termos da lei.

2.2.3 – Quem deve exercer a tutela? Atualmente, todas as autarquias locais estão submetidas aos poderes do Tribunal de Contas e da tutela

administrativa do Estado. A Comissão considera que oexercício exigente, mas também de bom senso, dos poderes tutelares

é condição absolutamente necessária para o alcance dos objetivos e dos benefícios que se esperam alcançar com a regionalização. Esse é o juízo diretor das suas recomendações nesta matéria.

A Comissão recomenda que seja aplicado às Regiões Administrativas o atual regime de poderes tutelares, aperfeiçoando-o e reforçando-o de meios que permitam desempenhar as suas responsabilidades com rigor, abrangência, adequação, celeridade e eficiência, de modo a salvaguardar o funcionamento eficaz dos órgãos e administrações regionais. Assim, a Comissão recomenda que a tutela administrativa do Estado constitua uma competência do Governo, a exercer nos termos do artigo 199.º, alínea d) da Constituição.

Em vez de alterar os princípios enquadradores do atual regime tutelar, será fundamental densifica-lo, reforçando significativamente os meios que lhe estarão afetos e garantindo o seu melhor uso na definição de prioridades e de finalidades criteriosamente estabelecidas.

Em alternativa, tem sido proposta a entrega de atribuições e competências da tutela administrativa do Estado a entidades a criar: os representantes do Governo nas regiões.

Esta opção é alvo de marcada controvérsia. Se, por um lado, tem vantagens – algumas mais frágeis e limitadas do que aparentam – por outro, tem também inconvenientes. No cômputo geral, considera-se que os inconvenientes da transferência de atribuições e competências da tutela para representantes do Governo nas regiões sobrelevam as vantagens de tal opção.

É evidente que haverá sempre alguma subjetividade na valoração de certas vantagens e desvantagens, embora seja possível fazer um balanço global com razoável grau de confiança. De facto, o conhecimento existente sobre sistemas políticos e de administrações públicas em Portugal permite ponderar e decidir sobre a existência de riscos aceitáveis ou inaceitáveis no contexto do seu provável funcionamento. Até aí pode-se ir.

A possibilidade, não a obrigatoriedade, de nomeação de representantes do Governo nas Regiões Administrativas consta do artigo 262.º: «Junto de cada região pode haver um representante do Governo, nomeado em Conselho de Ministros, cuja competência se exerce igualmente junto das autarquias existentes na área respetiva.»

É importante sublinhar que a Constituição colocou a eventual criação do cargo de representante do Governo na total disponibilidade da Assembleia da República. Mas, no caso de a fazer, terá necessariamente de assegurar a conformidade da sua decisão à Constituição. Esta conformidade levanta sérias dificuldades de organização e funcionamento da tutela do Estado, difíceis de ultrapassar, designadamente: em razão da operação diferenciada de região para região, como não pode deixar de ser na prática, sob a égide de n, igual ou superior a cinco, serviços a criar, sob diferentes inspirações preferenciais de n representantes, cada um nomeado por escolha política, tendo em atenção o contexto administrativo específico de cada região.

De acordo com o artigo 262.º, caso existam representantes do Governo, serão para eles transferidos os poderes de tutela administrativa da região administrativa, mas também sobre todos os municípios e todas as freguesias.

Segundo Freitas do Amaral e Jorge Silva Pereira, por imperativo constitucional aquelas tarefas tutelares teriam de ser exercidas simultaneamente pelos representantes do Governo, pois a redução dos seus poderes apenas à tutela das regiões administrativas seria provavelmente impugnada por inconstitucionalidade. Estes autores adiantam26:

«A favor da obrigação constitucional de cometer as duas funções referidas no artigo 262.º ao

25 Idem, idem, nota 726. 26 Ibid, p. 268.

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‘representante do Governo’ junto de cada região, podem alinhar-se pelo menos dois argumentos:  Se a Constituição, embora delegando a opção política fundamental na Assembleia da República,

teve o cuidado de desenhar três traços característicos do cargo de ‘representante do Governo’ (nome, órgão competente para a nomeação dos titulares, e menção das funções principais a desempenhar), isso significa que, podendo haver ou não haver um tal cargo, se houver, ele terá de apresentar os três traços característicos definidos pela Constituição. A opção a fazer na Lei-Quadro não será, pois, a de criar ou não um cargo desse tipo, dotando-o com as funções que se lhe afigurarem mais convenientes, mas apenas a de criar o cargo, com aquelas funções, ou não o criar, deixando tais funções na titularidade do Governo central;

 A transferência por lei, precedendo habilitação constitucional, dos poderes de tutela administrativa, sobre as três espécies de autarquias locais previstas na Constituição, do Governo para os ‘representantes do Governo’, um em cada sede regional, é um caso de desconcentração legal de competências (do Governo para subalternos seus, a ele sujeitos por um vínculo hierárquico). Ora, a mesma Constituição, no Título IX da sua Parte III, dedica um preceito específico à ‘estrutura da Administração’ Pública, o artigo 267.º, em cujo n.º 2 determina que ‘a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas (…)’. Há, pois, uma diretiva constitucional, dirigida aos órgãos legislativos, que manda tornar a nossa Administração Pública, entre outros aspetos, mais desconcentrada do que era, ou do que é. Isso deve entender-se que impede o legislador ordinário de, no caso de optar por criar o cargo de ‘representante do Governo’ junto de cada região administrativa, decidir ser menos desconcentrado do que a diretriz da Constituição exige.»

Do exposto, resulta uma primeira objeção óbvia: a direção da tutela administrativa sobre a região

administrativa, e todos os municípios e freguesias situados na região, ou terá prioridade, não deixando muito tempo livre para o exercício de outras responsabilidades não menos delicadas e exigentes, ou será secundarizada, com todas as consequências daí decorrentes.

Uma segunda questão relevante diz respeito às consequências organizacionais da rutura do sistema nacional de tutela administrativa com o saber fazer acumulado desde 1976 – mais de 40 anos – substituído por n, pelo menos 5, sistemas de igual natureza, finalidade e exigência, mas de âmbito regional.

A esse propósito Freitas do Amaral e Silva Pereira escreveram o seguinte27: «… tratando-se de fiscalizar a título permanente, em cada região administrativa, largas dezenas de

municípios e centenas de freguesias, isso iria agravar significativamente o acréscimo de burocracia que seria necessário criar junto dos Representantes do Governo em todas as regiões administrativas (pelo menos 5). E repare-se: em considerar agora a vertente financeira da tutela, onde hoje há apenas um serviço de inspeção das autarquias locais no Ministério da Administração Interna, com a criação de cinco ou sete regiões administrativas, e consequentemente de igual número de «representantes do Governo», os necessários serviços regionais de inspeção seriam também multiplicados por cinco ou por sete. Com a agravante de, em cada uma das regiões, ter de haver dois serviços diferentes (ou, pelo menos, duas subunidades do mesmo serviço) – o da tutela sobre a região, e o da tutela sobre os municípios e freguesias da mesma área regional.»

Na sequência do exposto, observe-se o facto de existem diversos serviços de tutela criados de novo,

funcionando sem uma cultura operacional comum ao longo de anos, o que conduz a uma certa disparidade entre regiões quanto a modalidades de abordagem e de valorização analítica e probatória no exercício de poderes de tutela. Adicionalmente, pode a disparidade agravar-se pela diversidade de situações específicas de regiões, municípios e freguesias. Em segundo lugar, e não menos importante, pela diversidade de experiências, conhecimento e inspirações preferenciais de cada um dos representantes do Governo. Nestas condições, pode ser um risco de discriminação propenso a explorações de carácter político.

Assim, a necessária unidade do país em termos da administração da tutela de Estado seria substituída no futuro por uma considerável fragmentação territorial, com um potencial de conotações políticas.

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Finalmente, a este respeito cumpre ir mais longe na ponderação de questões políticas de grande significado e alcance que não devem ser subestimadas, como é o caso do risco de se tolerar ingenuidades em torno da «regionalização» da tutela administrativa do Estado.

Um dos argumentos contra a existência de representantes do Governo junto das regiões mencionado por Freitas do Amaral e Silva Pereira consiste no seguinte aspeto:28

«A colocação de agentes de confiança política do Governo junto dos órgãos regionais eleitos, em cada

região administrativa, é muito mais propícia à eclosão de conflitos, quer jurídicos, quer pessoais, entre uns e outros, do que o exercício natural da tutela administrativa de legalidade por parte do Governo, apoiado no correspondente serviço inspetivo;».

Mas a realidade é mais profunda. De facto, os mais de quarenta anos de democracia pós 25 de Abril

demonstram com clareza que as nomeações políticas de cariz regional, de que o caso dos antigos governadores civis são o melhor exemplo, mas que frequentemente se estendem também, direta ou indiretamente, ao chamado aparelho do Estado, têm significativas conotações partidárias. Há exceções, mas essa tem sido a norma.

Dito isto, os nomeados não são habitualmente vistos como entidades independentes ou neutrais, comparativamente a outras personalidades políticas que se relacionam no exercício das suas atribuições e poderes.

É fundamental estar bem ciente de que não é competência desta Comissão apreciar este tipo de situações, mas importa mencioná-las. De igual modo, urge ponderar as suas consequências sobre o que possa afetar consideravelmente matéria relevante do seu mandato.

Até ao presente, o contexto em que o problema ocorre é limitado, envolvendo o distrito, ou mais raramente e apenas no caso de algumas administrações regionalizadas de forma não coordenada, indo para além do distrito. Em qualquer caso, futuras Regiões Administrativas dirão respeito a territórios de maior peso administrativo, económico, social e também político.

É expectável o aumento de incentivos a um alinhamento partidário dos representantes do Governo nas regiões. Como tal, não deverá ser subestimado o seu natural impacto, em especial sobre o exercício dos poderes de tutela.

Assim, recomenda-se que a tutela administrativa do Estado continue entregue ao Governo, nos termos do artigo 199.º, alínea d) da CRP.

2.3 – Coordenação de ações da Administração Central de relevância regional A coordenação de ações da Administração Central de relevante incidência regional tem sido,

historicamente, um problema mal-enquadrado. É disso prova evidente o Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25 de outubro, que aprova a orgânica das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).

O n.º 1 do seu artigo 2.º, dedicado a missão e atribuições, considera: «As CCDR têm por missão assegurar a coordenação e a articulação das diversas políticas sectoriais de âmbito regional …». As alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 2.º consideram que «as CCDR prosseguem, no âmbito das circuncisões territoriais respetivas, as seguintes atribuições:

b) assegurar a articulação entre instituições de administração direta do Estado, autarquias locais e

entidades equiparadas; c) promover e garantir uma adequada articulação intersectorial, entre os serviços desconcentrados de

âmbito regional, em termos de concertação estratégica.» Por sua vez, o artigo 3.º, alínea b), cria o Conselho de Coordenação Territorial, presidido pelo Presidente

da CCDR [artigo 4.º, alínea c)], conferindo-lhe atribuições e competências no artigo 6.º do diploma. Atendendo à importância da matéria, transcreve-se o estabelecido: 27 Ibid, p. 267. 28 Ibid, p. 261.

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«Artigo 6.º

Conselho de coordenação intersectorial 1. O conselho de coordenação intersectorial é o órgão que promove a coordenação técnica da execução

das políticas da administração central, à escala da região. 2. O conselho de coordenação intersectorial é composto pelo presidente da CCDR, que preside, pelos

dirigentes máximos dos serviços locais desconcentrados da administração central do Estado e dos serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado para as áreas da agricultura, florestas, mar, ambiente, ordenamento do território, economia, emprego e formação profissional, administração interna, igualdade, saúde, obras públicas, transportes, energia, educação, desporto, juventude, ciência, defesa nacional e cultura e pelos presidentes das juntas metropolitanas e das comunidades intermunicipais.

3. O conselho de coordenação intersectorial pode, em razão das matérias a tratar, chamar a participar nos seus trabalhos entidades externas ao conselho.

4. Os membros do conselho de coordenação intersectorial são designados, sob proposta dos respetivos membros do Governo, pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas do desenvolvimento regional, do ambiente e do ordenamento do território.

5. Compete ao conselho de coordenação intersectorial: a) acompanhar a elaboração e a execução das políticas públicas nacionais desconcentradas; b) dinamizar a articulação intersectorial em termos de concertação estratégica, de ordenamento do

território e de planeamento das intervenções de natureza económica, social e ambiental, numa ótica de desenvolvimento regional integrado e sustentável;

c) propor medidas tendentes à compatibilização das atuações sectoriais da administração central na região;

d) propor às entidades e serviços competentes as iniciativas que entender adequadas à resolução de problemas detetados nas áreas da sua competência;

e) promover o planeamento estratégico, tendo em vista o desenvolvimento regional integrado; f) pronunciar-se sobre o orçamento de investimento atribuído à região; g) propor medidas de racionalização da administração desconcentrada, bem como de melhoria dos

procedimentos de articulação intersectorial, no sentido de reforçar a eficácia, eficiência e proximidade da ação do Estado na região.»

Sumariamente, considera-se que esta tentativa de resolução do problema de coordenação da

Administração Central não é suficientemente satisfatória, em termos de garantia de resultados, pelas seguintes razões principais:

 É irrealista quanto à possibilidade de garantir a sua eficácia, considerando o padrão habitual de

funcionamento em Portugal de diversos serviços da administração pública, mas não na totalidade;  Subestima o facto de o cerne decisivo do problema estar ao nível da coordenação interministerial e não

ao nível das CCDR e dos serviços locais; o que se faz no local reflete o grau de adequação e a real eficácia da coordenação interministerial, não havendo a possibilidade de alterar este estado de coisas por decreto-lei, como se inculca no referido artigo 6.º.

Estas falhas são antigas e continuadas há mais de quinze anos. As CCDR foram criadas pelo Decreto-Lei n.º 104/2003, de 23 de maio, com a fusão das antigas Comissões de Coordenação Regional (CCDR) e das Direções Regionais do Ambiente e do Ordenamento do Território. Constituem serviços cujos Presidentes são nomeados por três anos mediante despacho conjunto do Governo.

Em qualquer caso, a coordenação é meramente técnica, uma falácia que urge desmitificar. É evidente que a coordenação de serviços tem de ter uma dimensão técnica, mas não deveria ser menos evidente que não há coordenação técnica eficaz na ausência de um enquadramento e uma atuante coordenação política.

Segundo a Constituição, artigo 182.º, o Governo é o órgão superior da Administração Pública, competindo ao Primeiro-Ministro, pelo artigo 201.º, alínea a), dirigir a política geral do Governo, coordenando e orientando

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a ação de todos os ministros. Segundo o n.º 2, alíneas a) e b) do mesmo artigo, compete a cada um dos Ministros executar a política definida para o seu Ministério e assegurar as relações de carácter geral entre o Governo e os demais órgãos do Estado no âmbito do respetivo Ministério.

Estas são as normas da Constituição que regulam o normal funcionamento da coordenação política ou interministerial. À luz delas a coordenação intentada pelas CCDR peca por inconstitucionalidade. A este propósito, importa sublinhar o seguinte reparo de Freitas do Amaral e Pereira da Silva29:

«Vimos que a atual lei orgânica das CCDR lhes atribui uma função que representa uma séria

inconstitucionalidade material: a função, constitucionalmente reservada ao Primeiro-Ministro, de efetuar a coordenação interministerial, isto é, a coordenação da atuação dos vários ministros (e ministérios) entre si. Isto assim, a nível da administração central. Se pensarmos, porém, que uma tal coordenação é também muito necessária a nível regional e local, tem de haver, pelo menos a nível regional, uma permanente coordenação das políticas regionais dos diferentes ministérios (e institutos públicos estaduais), de modo a evitar ou resolver conflitos e a garantir a ‘eficácia e unidade de ação da Administração», como prescreve (e bem) o artigo 267.º, n.º 2, da Constituição. Ora, esta importante função, que tem sido muito descurada entre nós (ao contrário da França, que a estruturou bem através dos prefeitos sob a presidência de De Gaulle) só por erro pode ter sido conferida às CCDR, essencialmente sob a direção de um ministro setorial, que não pode nunca coordenar a ação dos ministérios dos seus colegas, sob pena de violação do «princípio da igualdade dos Ministros’ (136). A nível central, a coordenação interministerial (repetimos) só pode ser assegurada pelo Primeiro-ministro ou, por delegação dele, por um Vice-Primeiro-Ministro, quando exista; a nível regional, essa coordenação tem de ser assegurada por pessoas nomeadas e orientadas pelo Primeiro-Ministro, pela mesma ordem de razões.»

Assim, torna-se necessário criar um novo modelo de coordenação. Esta Comissão ponderou duas soluções

alternativas. A primeira, na sequência de sugestão dos mencionados autores, assenta na delegação, por parte do Primeiro-Ministro, da coordenação a favor dos representantes do Governo junto das regiões, cargo que pode ser criado ao abrigo da Constituição, artigo 262.º. A solução alternativa assenta no exercício dos poderes de coordenação pelo Primeiro-Ministro ou, por delegação em Vice-Primeiro Ministro, a existir, ou em Ministro de Estado, frequentemente existente.

Quanto à coordenação delegada nos representantes do Governo, compreende-se o carácter simples e direto geralmente atribuído a essa solução. Mas a Comissão pensa que haverá menos consciência das limitações constitucionais e das condições que propiciem estrangulamentos burocráticos e vazios de ação que, inevitavelmente, afetam tal solução.

Os representantes do Governo junto das regiões serão nomeados em Conselho de Ministros e hierarquicamente dependerão do Primeiro-Ministro. Mas não será possível delegar neles poderes de coordenação a exercer sobre os próprios Ministros, que têm também as suas competências próprias garantidas pelo artigo 201.º, n.º 2, da Constituição.

Ora, o cerne do problema em questão é exatamente a forma, o grau, a intensidade e a adequação da coordenação direta interministerial.

É possível alegar que o representante do Governo não deve coordenar diretamente, mas poderá fazê-lo mediante comunicação ao Primeiro-Ministro, de quem o representante depende hierarquicamente e com quem manterá relações frequentes para assegurar a boa ação regional dos serviços públicos. Em teoria assim deveria ser, mas na prática, a alto nível político, compreendendo ministros, nem sempre o representante do Governo se sentirá à vontade para reportar ao Primeiro-Ministro conflitos entre ministros, por vezes com repercussões políticas. Também não será despiciendo que o representante do Governo na região possa fazer depender a comunicação ao Primeiro-Ministro de eventuais falhas da responsabilidade de certos ministros.

Em consequência, ocorrerão certamente possíveis adiamentos, vazios de ação de maior ou menor temporalidade, incentivos a fugas burocráticas, incluindo a transformação dos serviços de apoio do representante em resignadas caixas de correio camufladas pelo recurso a pesadas e frustrantes sobrecargas burocráticas.

Por outro lado, a Comissão reconhece que o modelo de intervenção do representante do Governo com

29 Ibid, pp. 262 e 263.

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delegação do Primeiro-Ministro, ainda que limitado, conduz a uma melhoria significativa em relação ao modelo atual, nomeadamente, os ministros, os serviços desconcentrados e a própria população estarão bastante mais atentos ao que faz ou não o representante, dado o seu fácil contacto com o Governo que representa, e com o Primeiro-Ministro, de quem deverá ser o braço direito para a boa administração da região.

Na política, factos desta natureza acarretam avanços consideráveis, embora não seja a questão essencial. A questão essencial reside em saber se haverá ou não melhor modelo de coordenação.

Existe ainda uma questão adicional a ter em atenção: atendendo à tendência portuguesa para adiar a resolução de problemas delicados, a responsabilização do representante do Governo pela coordenação política dos diferentes ministérios e seus serviços não viria a ter o efeito de justificar o alheamento relativo dos atores principais, adiando-se, mais uma vez, ir ao fundo da questão?

A Comissão considera que existe um modelo melhor, em conformidade com a Constituição, assente no exercício dos poderes de coordenação pelo Primeiro-Ministro, diretamente ou delegando em Vice-Primeiro-Ministro, a existir, ou em Ministro de Estado. Trata-se de uma matéria sob exclusiva competência do Primeiro-Ministro, quanto à forma a assumir, que deve ser incluída na futura Lei-Quadro das Regiões.

Sem prejuízo do acima exposto, a Comissão recomenda a necessidade de reestruturação do Conselho de Concertação Territorial, criado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/2014, como realçado pelos professores Freitas do Amaral e Pereira da Silva.

A Comissão partilha do parecer sobre a necessidade de reformar por Lei ou Decreto-Lei o Conselho de Concertação Territorial, como sugerido por aqueles autores30. Em primeiro lugar, será fundamental reformar para atender às necessidades de concertações especializadas centradas na regionalização. A este propósito os referidos autores consideram o seguinte:

«Parece-nos bastante óbvio que a Regionalização do continente português, mesmo na sua primeira

fase – ainda com um número relativamente restrito de atribuições conferidas por lei a cada região –, só pode ter êxito se existirem mecanismos legais, leves e de funcionamento regular, que permitam assegurar um nível elevado de coordenação entre as diferentes instâncias administrativas. Hoje em dia, são muito poucas as atribuições cuja prossecução se esgota num só escalão administrativo e que, portanto, podem corresponder a competências exclusivas dos órgãos do Estado, das regiões ou dos municípios.»

Por isso, o diálogo entre o Governo e as regiões tem de ser construtivo e a articulação das respetivas

atividades tem de ser permanente, nomeadamente será necessário assegurar as seguintes reuniões:  dos órgãos das regiões administrativas com o membro do Governo competente para a coordenação;  das regiões administrativas com os diferentes ministros sectoriais para, nas suas áreas de competência,

tratar de assuntos com interesse direto das regiões;  para promover a harmonização dos planos de desenvolvimento regional com as políticas nacionais de

desenvolvimento;  para promover a resolução de conflitos de atribuições e competências, antes de se tornar inevitável um

eventual recurso aos tribunais competentes. Para além da introdução destas concertações especializadas de âmbito regional, a Resolução do Conselho

de Ministros relativa ao Conselho de Concertação necessita de ser repensada à luz de novas perspetivas de desenvolvimento futuro da descentralização, à medida que esses desenvolvimentos tenham efetivação.

Em conclusão, a Comissão recomenda que os órgãos de soberania competentes deem especial atenção à inserção em futura Lei de Enquadramento das Regiões de um modelo de coordenação interministerial das Administrações Centrais, em conformidade com a Constituição e assente no exercício dos poderes de coordenação do Primeiro-Ministro, diretamente ou por delegação em membro do Governo de superior hierarquia. A Comissão recomenda ainda a reforma do Conselho de Concertação Territorial de modo a agilizar as relações entre o Governo e os órgãos das administrações regionais.

30 Ibid, pp. 270 e 271.

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CAPÍTULO 3 – SISTEMA ELEITORAL REGIONAL

3.1 – Círculos uninominais, círculos plurinominais e eleições indiretas Os trabalhos necessários para a formulação de um projeto de Lei Eleitoral para as Regiões são uma

matéria complexa e de considerável delicadeza. As leis eleitorais estão entre as determinantes mais importantes da qualidade da democracia.

Não tem sentido pensar que esta tarefa se enquadre no domínio de possibilidades de qualquer Comissão do tipo da que foi constituída pela Lei n.º 58/78, sejam quais forem os seus recursos técnicos e as cooperações científicas e operacionais expectavelmente mobilizáveis nas condições, nos prazos e no quadro de desempenho do respetivo mandato. Contudo, avançou-se significativamente na apreciação das orientações de fundo que a matéria suscita, como se pode verificar no estudo da autoria dos professores Freitas do Amaral e Pereira da Silva, em anexo (Volume II).

De seguida, sumariza-se o parecer da Comissão sobre as questões fundamentais que o tema do Sistema Eleitoral Regional suscita à luz da doutrina existente.

3.2 – Normativos constitucionais enquadradores O artigo 260.º da Constituição estabelece que «A assembleia regional é o órgão deliberativo da região e é

constituída por membros eleitos diretamente e por membros, em número inferior ao daqueles eleitos pelo sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt, pelo colégio eleitoral formado pelos membros das assembleias municipais da mesma área designados por eleição direta». O n.º 2 do artigo 239.º vinca também a eleição dos membros da assembleia por sufrágio direto, segundo o sistema de representação proporcional.

Atendendo a que doutrina sobre os círculos eleitorais referente à eleição de Deputados à Assembleia da República pode ser aplicada aos círculos eleitorais das assembleias regionais, transcreve-se também o artigo 149.º da CRP, segundo o qual: «1. Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respetiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos. 2. O número de Deputados por cada círculo plurinominal do território nacional, quando exista, é proporcional ao número de cidadãos eleitores nele inscritos.»

No caso de dúvida, convém acrescentar ao artigo 260.º um n.º 2 confirmando explicitamente a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 149.º aos círculos eleitorais relativos à eleição dos membros das assembleias regionais.

3.3 – Princípios orientadores do sistema eleitoral De entre as diretrizes orientadoras do Sistema Eleitoral, a Comissão destaca quatro princípios básicos:  da proporcionalidade;  da representação territorial institucional;  do respeito pela vontade soberana dos eleitores;  da representatividade territorial direta;  da igualdade de género. Os dois primeiros princípios estão expressamente acolhidos no artigo 260.º da CRP. Os dois últimos

poderão ser acolhidos por analogia com a doutrina estabelecida pelo n.º 1 do artigo 149.º ou, se necessário, pela adição de um número ao artigo 260.º, que determine a aplicabilidade do disposto no artigo 149.º. O último princípio está estabelecido na Lei da Paridade nos Órgãos Colegiais Representativos do Poder Político, alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2019, de 29 de março.

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3.3.1 – Sobre cada um dos princípios O princípio da proporcionalidade está interiorizado na Constituição, na cultura político-administrativa e nas

práticas de representação política e social, que será cumprido no âmbito regional, pelo menos ao nível efetivo já consagrado, como acontece no caso das eleições para a Assembleia da República. Importa formular as regras que assegurem esse resultado.

O princípio da representatividade territorial institucional concretiza-se, nos termos constitucionais, pela eleição de Deputados regionais pelos colégios eleitorais formado pelos membros das assembleias municipais designados por eleição direta. Julga-se que, deste modo, se introduzem nas assembleias regionais possíveis enviesamentos inevitáveis.

Face ao exposto, considera-se que a participação de Deputados eleitos pelas assembleias municipais tem sido uma mais-valia em prol da democratização e da adequação funcional da regionalização. Considera-se também que essa mais-valia pode ser da maior relevância numa fase inicial da regionalização, pelo que a Comissão se manifesta a favor da manutenção do artigo 260.º da CRP no que diz respeito a essa matéria.

O princípio do respeito da vontade soberana dos eleitores é o grande motor do aprofundamento da democracia. Trata-se de acautelar, em primeiro lugar, o respeito pela vontade soberana dos eleitores, quer na eleição de Deputados regionais, quer na avaliação do desempenho dos eleitos, sem limitações impostas por intermediações idiossincráticas características de quem ordene listas plurinominais. Com efeito, assiste-se a uma crescente crítica que, nessas circunstâncias, os eleitos dependem mais da vontade de quem ordena a lista do que do mérito pessoal reconhecido diretamente pelos eleitores. O princípio da vontade soberana dos eleitores expressa-se em votações personalizadas, quer pela escolha preferencial dos eleitores em lista aberta, quer pela escolha de candidatos a círculos uninominais.

O princípio da representatividade territorial direta concretiza-se pela eleição de Deputados regionais em círculos uninominais. A relevância da aplicação deste princípio deve-se ao facto de as políticas públicas de âmbito regional serem cada vez mais territorializadas, atendendo à crescente diversidade de situações económicas e sociais locais, que urge compensar e/ou transformar dentro de cada região.

A história e a geografia locais determinam hoje de modo muito diferente do que o faziam no passado. Somente quem conhece o território poderá ganhar atempadamente a perceção dessas diferenças, para construir a partir delas as dinâmicas do futuro. Portanto, é fundamental reforçar a representatividade territorial das assembleias, segundo a vontade soberana dos eleitores.

Importa sublinhar que os círculos uninominais preenchem uma dupla finalidade, através da sua inserção no cerne dos princípios do respeito pela vontade soberana dos eleitores e da representatividade territorial direta. Esta conjugação torna-os imprescindíveis.

Finalmente, o princípio da igualdade de género é de aplicação obrigatória em listas de círculos plurinominais ou submetidas a colégios eleitorais.

3.3.2 – Sobre a escolha do sistema eleitoral Que sistema escolher em concreto? Nesta matéria, importa analisar três tipos de sistemas eleitorais

caracterizados por: i) Círculo regional único, com ou sem Deputados regionais eleitos indiretamente; ii) Círculo regional único, com personalização de voto através de boletins de voto com as listas completas

dos partidos e grupos de cidadãos; iii) Círculo regional plurinominal, dividido em circunscrições uninominais, sem ou com Deputados regionais

eleitos indiretamente. Para melhor entendimento do que se expõe a seguir, observe-se que as eleições locais (regionais,

municipais e de freguesia) se devem realizar no mesmo dia. O círculo regional único sem eleitos indiretos representa o sistema mais fácil de regulamentar e gerir,

assegurando, também, quer a expressão máxima possível do princípio da proporcionalidade para um mesmo

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número total de Deputados regionais, como do princípio da igualdade de género, quer ainda a significativa conveniência da eleição de toda a assembleia regional num único momento – o dia das eleições –, possibilitando a rápida entrada em funções dos órgãos regionais: Assembleia Regional e Junta Regional.

Os inconvenientes deste sistema são óbvios, pois a sua adoção implicaria a ignorância absoluta dos princípios da representatividade territorial, institucional e direta, bem como do princípio do respeito pela vontade soberana dos eleitores. Para além disso, seria preciso alterar o artigo 260.º da Constituição, suprimindo as eleições indiretas de Deputados pelo colégio das assembleias municipais. Trata-se de uma matéria de difícil consensualização política.

O círculo regional único com Deputados eleitos indiretamente continuaria a exibir forte proporcionalidade e adesão ao princípio da igualdade de género. Por outro lado, adicionaria a adesão à representatividade territorial institucional. Neste sistema, a representatividade territorial como um todo seria manifestamente fraca e os dois outros princípios (representatividade territorial direta e respeito pela vontade soberana dos eleitores) estariam fora da Lei Eleitoral. E a Assembleia Regional seria eleita em dois momentos, retardando a entrada em funcionamento dos órgãos regionais.

O sistema de círculo regional único com personalização do voto colhe a simpatia de muitos, pelo facto de dar ao eleitor a possibilidade de votar no candidato merecedor da sua real preferência, independentemente da ordem que lhe tenha sido dada na lista. Para mais, o princípio da proporcionalidade exibirá também bons índices efetivos, o que poderia reforçar o interesse de pequenos partidos e grupos de cidadãos, sobretudo tendo candidatos que gozem de notoriedade pública. Perante as listas propostas pelos partidos e grupos de cidadãos, o eleitor vota duas vezes, uma no partido ou grupo, outra no candidato do partido ou grupo que neles mereça a sua preferência. Aqui, o problema prático é que o boletim de voto seria extensíssimo.

O primeiro voto determina o número de Deputados a eleger pelo partido ou grupo e o segundo voto quem é eleito, independentemente da ordem da sua posição na lista. Por este facto, o ponto forte deste sistema viola a formatação determinante do princípio de igualdade de género. Como é fácil de perceber, este sistema pode introduzir nos partidos e grupos exacerbada competição interna. Note-se ainda que este sistema se baseia no cumprimento dos mandatos até ao fim. Para além disso, esvazia a representatividade territorial institucional e direta.

Considere-se agora o último tipo de sistemas eleitorais: círculo regional plurinominal, dividido em circunscrições uninominais sem ou com Deputados regionais eleitos indiretamente. Evitando repetições, sublinhe-se que apenas no caso da adoção deste sistema eleitoral se cumprirão todos os princípios basilares enunciados, obedecendo obrigatoriamente ao princípio da paridade as listas para os círculos plurinominais e para as eleições indiretas.

3.3.3 – Número de Deputados A primeira questão a considerar centra-se na definição do número total de Deputados regionais. A Lei-

Quadro das Regiões – Lei n.º 56/91, de 13 de agosto, estabelece no n.º 1 do artigo 22.º que assembleia regional … é constituída por representantes das assembleias municipais, em número de 15 ou 20 e por membros diretamente eleitos pelos cidadãos recenseados na área da respetiva região, em número de 31 ou 41, consoante se trate de região com menos de 1.5 milhões de eleitores ou de 1.5 milhões e mais.

A Constituição da República, no já transcrito artigo 260.º, trata o tema de modo um pouco diferente, designadamente omitindo a referência ao número de Deputados que integram as assembleias, apenas determinando que os eleitos pelo colégio formado a partir das assembleias municipais devem ser em menor número que os eleitos pelo sistema proporcional e pelo método de Hondt.

Como a Lei-Quadro foi aprovada por unanimidade, convirá relembrar o que dela consta quanto ao número de Deputados por região. Assim, atualmente as regiões do Norte, do Centro e de Lisboa e Vale do Tejo teriam, cada uma, exatamente o mesmo número de Deputados, igual a 61, e as regiões do Alentejo e do Algarve teriam também o mesmo número, ou seja, 46 Deputados cada, originando um total de 275 Deputados regionais.

Este resultado é surpreendentemente díspar, pois parece excessiva a dimensão das assembleias do Alentejo e do Algarve e reduzida a dimensão das assembleias do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo. Em consequência, também é díspar o peso dos eleitores das diferentes regiões na ótica da igualdade face ao

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voto. Por 100 000 eleitores o Norte teria 1,2 Deputados regionais eleitos diretamente; o Centro, 2,6; Lisboa e Vale do Tejo, 1,3; o Alentejo, 7,4 e o Algarve, 8,1. O Alentejo e o Algarve serão sempre casos à parte, como adiante se expõe, mas não se deverá omitir que os seus eleitores estão excessivamente favorecidos. A Comissão considera que não se deve retomar este esquema, recomendando a sua retirada da lei.

No estudo aprofundado sobre a problemática da Regionalização, Freitas do Amaral e Silva Pereira manifestam a sua preferência pela fixação de um número total de Deputados regionais igual ao total de Deputados do continente na Assembleia da República: 215 Deputados.

Compreende-se a valoração política subjacente a tal preferência. Aplaude-se a limitação do número de Deputados regionais ao indispensável para o bom desempenho das suas atribuições e competências, mas não é consensual que o total dos Deputados nacionais do continente e das regiões deva coincidir.

Aparentemente, quanto mais baixo for o nível de poder em causa maior é a dimensão relativa do órgão representativo dos eleitores, sendo maior ao nível dos municípios do que ao nível nacional; maior ao nível das freguesias do que ao nível dos municípios. Basta os membros das assembleias das capitais de distrito para exceder em muito, no plano relativo, os membros das assembleias territoriais, na ordem de vários múltiplos.

Quanto mais micro for o contexto da relação entre eleito e eleitor, maior será, naturalmente, o contributo de tempo e intensidade de ocupação solicitado a cada eleito. Para mais, os eleitos locais, incluindo os futuros eleitos regionais – a haver regionalização –, não são remunerados e trabalham pro bono nas horas livres de outros compromissos.

A fundamentação da dimensão das assembleias regionais é inseparável do peso de Deputados eleitos segundo cada um dos regimes eleitorais. Em sistemas com círculos regionais plurinominais, uninominais e eleições indiretas, o mais difícil é a determinação dos círculos uninominais. Apenas equipas especializadas em modelação eleitoral integradas por politólogos, matemáticos e informáticos, atuando segundo um caderno de encargos definido pela instituição/órgão competente, podem realizar essa tarefa. Serão sempre precisas centenas de simulações para atingir resultados minimamente credíveis.

Sem prejuízo deste entendimento, a Comissão admite que eventualmente sejam necessários mais de 300 Deputados, sob pena de se comprometer gravemente a efetivação dos princípios em que se deve basear a eleição dos Deputados regionais, bem como o cumprimento das suas atribuições e competências.

3.3.4 – Assembleias territoriais em função de círculos uninominais A título ilustrativo, aborda-se a seguir uma aproximação hipotética à construção de assembleias, a partir de

círculos uninominais definidos por uma simulação realizada pela Universidade de Aveiro. Essas assembleias designam-se por assembleias territoriais, pois os espaços abrangidos têm alguma diferença, não significativa, relativamente às Regiões Administrativas, exceto nos casos do Alentejo e do Algarve, onde se verifica coincidência.

Importa sintetizar o processo de modelação dos círculos uninominais para melhor compreensão, quer da complexidade da tarefa, quer da vasta extensão de condicionantes a que os resultados obedecem.

Há cerca de duas décadas, a Universidade de Aveiro procedeu à divisão do continente em 94 círculos uninominais, baseados numa visão nacional e não local desta problemática.

A modelação obedece a condições estabelecidas previamente, incidindo sobre a conformidade territorial do círculo, as condições de preferência de agregação/desagregação e a estruturação do objetivo otimizável. Para além disso, definiram-se vários critérios a ter em conta na pormenorizada análise multicritério de cada caso, designadamente critérios de equidade territorial, de homogeneidade dos círculos em termos de eleitores, de competitividade político-territorial, de equidade partidária, de modo a evitar o favorecimento tendencial de algum partido, e de homogeneidade geográfica, entre outros. A este conjunto de condicionantes analíticas, acresce também a possibilidade de decisões ad hoc face à observação caso a caso de inúmeras simulações.

O estudo partiu de círculos parciais por distritos agregados ou únicos e, dentro de cada círculo, considerou as circunscrições nominais que deveriam integrá-lo.

No cômputo geral, duas coisas são evidentes: a complexidade da modelação e a flexibilidade na arbitragem dos seus condicionalismos e critérios, tanto em termos da sua definição substantiva, como do peso relativo ponderado da sua influência sobre o resultado. Com outros estudos passar-se-á o mesmo. Logo, os resultados das diferentes modelações serão diferentes no todo ou em parte, servindo também as várias

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perspetivas que legitimamente possam existir. É neste entendimento que para efeitos de determinação das assembleias territoriais se explica o recurso a

uma simulação a que os autores do estudo deram destaque. Por um lado, a Comissão assim procede, não porque endossou os seus pressupostos e resultados mas, sim, porque respeita a competência científica e o sentido de equilíbrio compromissório da Universidade de Aveiro, aproveitando a oportunidade que o seu labor lhe oferece. Por outro lado, a Comissão apenas assim procede a título de exploração ilustrativa, ciente das mudanças ocorridas desde a realização do estudo. Na base da simulação desenvolvida pela Universidade de Aveiro, anteriormente identificada, construiu-se a hipótese de trabalho expressa na Tabela seguinte.

A Tabela III.I obedece ao seguinte esquema geral: i) Número de círculos uninominais, de acordo com o estudado pela Universidade de Aveiro (coluna B): 94; ii) Número total de Deputados eleitos por círculos uninominais e territoriais igual ao número de Deputados

nacionais do território, exceto Alentejo e Algarve (coluna C); iii) Número de Deputados eleitos indiretamente, através do colégio das assembleias municipais, igual a

cerca de 25% do total de Deputados (coluna D), exceto Alentejo e Algarve. Este esquema aplica-se nos casos do Norte, Centro e Lisboa, Santarém e Setúbal. A aplicação direta

dessas mesmas regras ao Alentejo e ao Algarve levantaria problemas operacionais e políticos insustentáveis.

Territórios

Deputados eleitos por tipos de círculos eleitorais (n.º) Deputados eleitos pelas

Assembleias Municipais (n.º) (D)

Total Deputados Plurinominais

(A) Uninominais

(B) Total (C)

Norte 42 30 72 24 96

Centro 30 22 52 17 69

Lisboa, Santarém e Setúbal 41 33 74 24 98

Alentejo (a) 10 5 15 11 26

Algarve (a) 10 4 14 4 18

Total 133 94 227 80 307

(a) Regras especiais TABELA III.1 – Hipótese de trabalho estimativa do número de Deputados territoriais na base de simulação de círculos uninominais da Universidade de Aveiro. Fonte: elaboração própria Na hipótese de aplicação mecânica do esquema geral, no Alentejo regista-se uma assembleia composta

apenas por 11 Deputados, uma vez que o Alentejo tem oito Deputados nacionais no plano regional (três eleitos por círculos uninominais e cinco eleitos em círculo plurinominal) a que se adicionam três eleitos pelas assembleias municipais. Nestas condições, a proporcionalidade seria escassa e a representatividade territorial seria difícil, acabando por suscitar a rejeição popular e dos municípios. Observe-se que, quanto aos eleitos pelas assembleias municipais ficaríamos por três Deputados num território com 47 concelhos, três distritos e cerca de 30% do território nacional.

Uma realidade é evidente: nunca haverá sistema geral que dê resultados satisfatórios na totalidade das regiões ou territórios quando se procura assegurar a coerência e a eficácia de uma composição baseada na convivência de três tipos diferentes de eleição. Diversas centenas de simulações efetuadas comprovam essa noção sem margem para dúvidas.

As alterações introduzidas dizem respeito ao número de Deputados eleitos nos círculos territoriais e de eleição indireta, respeitando sempre o número de Deputados a eleger em círculo uninominal. Em defesa do

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princípio da proporcionalidade fixa-se em dez a dimensão do círculo plurinominal territorial. Em defesa da representatividade territorial institucional colocou-se o número de eleitos pelas assembleias municipais próximo dos 25% do total de municípios existentes no território. Deste modo, passa-se para um total de 26 Deputados e de três eleitos pelas assembleias municipais para 11. Em termos relativos, as diferenças são significativas, mas em termos absolutos menos do que isso diminuiria gravemente a perceção popular da representatividade democrática da assembleia regional.

No caso do Algarve, a aplicação do esquema geral conduziria a uma assembleia de 13 Deputados, dos quais quatro eleitos em círculo uninominal, cinco em círculo plurinominal e quatro pelas assembleias municipais. A alteração efetuada fixa o círculo plurinominal em dez Deputados, mantendo-se quatro o número de Deputados eleitos, quer em círculos uninominais, quer pelas assembleias municipais, pois atinge 25% dos municípios existentes na região. Nestas condições, os Deputados regionais do Algarve seriam 18, em vez dos 13 decorrentes da aplicação mecânica do esquema geral.

Consideradas estas exceções, importa analisar os resultados globais da Tabela anterior. Em primeiro lugar, a distribuição dimensional das assembleias, embora larga, é indubitavelmente comprimida em comparação com as dimensões relativas das estruturas de representatividade local que já se afirmaram no país ao nível de municípios e de freguesias, embora as assembleias no Norte e em Lisboa, Santarém e Setúbal integrem 96 e 98 Deputados, respetivamente.

Em segundo lugar, a distribuição induz claras maiorias democráticas, tanto na ótica do voto do eleitorado, como em termos de representatividade territorial. No total, a primeira ótica integra 74% dos Deputados e a segunda 57%. Por outro lado, a primeira ótica é dominada pelos eleitos em círculos territoriais plurinominais, 59%, e a segunda pelos eleitos em círculos uninominais, 54%.

Finalmente, o número total de Deputados regionais denota um baixo fator multiplicador relativamente ao número de Deputados nacionais, apenas 1,42, traduzindo-se em 305 Deputados. Para um multiplicador máximo de 1,5, o limite de Deputados regionais seria de 322. Assim, este exercício comporta a possibilidade de ter ordens de grandeza razoáveis do número de Deputados regionais, mesmo atendendo a que um sistema proporcional contendo círculos uninominais pode conduzir à criação de Deputados supranumerários.

Num sistema eleitoral contendo círculos plurinominais e uninominais, o voto dos eleitores nos primeiros determina a proporção de mandatos a atribuir a cada partido e o voto maioritário nos segundos determina os candidatos vencedores. Existem situações em que estes ditames não se conciliam, como, por exemplo, no caso de um determinado partido politico que tenha um candidato vencedor em círculo uninominal, mas em que não exista uma quota proporcional no círculo que lhe permita eleger sequer um Deputado. Em geral, é possível que um partido tenha Deputados eleitos uninominalmente em número superior aos mandatos que lhe cabem pela quota proporcional.

Por elementar princípio democrático é inaceitável que qualquer Deputado eleito em círculo uninominal possa ficar fora da Assembleia Regional. Logo, a lei deve prever a integração de Deputados supranumerários, mediante adição às assembleias do número de lugares necessários e suficientes para o efeito.

3.3.5 – Sistema eleitoral das regiões A Comissão entende o sistema eleitoral das regiões administrativas conforme descrito no estudo em anexo

da autoria de Freitas do Amaral e Silva Pereira (Volume II): Em suma, assumindo que o disposto no artigo 149.º da Constituição não é válido apenas para a eleição

da Assembleia da República, é possível construir um sistema eleitoral regional que concilie o imperativo da proporcionalidade com uma modalidade de personalização do voto associada à representação territorial, ainda que, em última análise, o princípio dominante seja sempre o primeiro.

Para tanto, será necessário desenvolver um trabalho meticuloso de divisão dos círculos plurinominais regionais num número prudentemente limitado de circunscrições uninominais de candidatura, atribuindo depois aos eleitores dois votos:

a) Um voto de lista, cuja contabilização determina – em conformidade com o sistema de representação

proporcional, segundo o método de Hondt – o número total de Deputados a eleger por cada partido no

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respetivo círculo parcial; b) Um voto personalizado num dos candidatos que se apresentam ao eleitorado em cada circunscrição

uninominal, onde naturalmente quem ganha tem de ter a sua eleição assegurada (mesmo que extraordinariamente exceda a quota do partido).

Tratando-se de um sistema proporcional (e não de um sistema misto), repita-se, as vitórias do partido nas

circunscrições uninominais de candidatura são imputadas à quota percentual que o partido obteve com o voto de lista. Só se os vencedores das circunscrições uninominais forem em número inferior à dita quota do partido é que entram os candidatos da lista, por ordem descendente. Na situação inversa, se forem em número superior, ou se admite simplesmente que há distorções da proporcionalidade que são inevitáveis (e autorizadas como tal pelo artigo 149º da Constituição), ou se permite a título excecional, na legislatura em causa, um alargamento do número de Deputados da assembleia regional, de modo a que a quota de todos os partidos aumente e se possam assim absorver os Deputados eleitos acima das quotas originais.»

A aplicação deste esquema implica a fixação de condições que devem também integrar o sistema eleitoral

regional, designadamente no sentido de assegurar um número razoável do total de Deputados regionais, bem como proporções equilibradas entre Deputados eleitos por regimes eleitorais diferentes.

A Comissão recomenda que na fase preparatória se teste cientificamentea introdução do seguinte esquema base:

 Distribuição de círculos uninominais a fixar previamente;  Número total de Deputados a eleger em círculos uninominais e plurinominais igual ao número de

Deputados nacionais no continente;  Número de Deputados a eleger indiretamente pelos colégios de assembleias municipais igual a 25% do

total de Deputados regionais;  Extensão das assembleias de modo a integrar supranumerários. Para além disso, a Comissão propõe metodologias específicas para os casos do Alentejo e do

Algarve, de acordo com a linha deixada exposta a este propósito. CAPÍTULO 4 – O REFERENDO Neste capítulo importa analisar a possibilidade da criação e instituição em concreto das Regiões,

considerando a possibilidade de corrigir o enviesamento do referendo. «O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e

os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.» (n.º 1 do artigo 6.º da Constituição)

As regiões administrativas são as autarquias locais mais importantes a que se refere aquele ditame constitucional. Mas, embora previstas na Constituição de 1976, aguardam realização há mais de quatro décadas.

A criação e a instituição em concreto das regiões nos termos constitucionais são um processo complexo, regulado pelos artigos 255.º (Criação legal) e 256.º (Instituição em concreto), que convém ter presente na íntegra:

«Artigo 255.º Criação legal

As regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os respetivos poderes, a

composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma.

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Artigo 256.º Instituição em concreto

1. A instituição em concreto das regiões administrativas, com aprovação da lei de instituição de cada

uma delas, depende da lei prevista no artigo anterior e do voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta direta, de alcance nacional e relativa a cada área regional.

2. Quando a maioria dos cidadãos eleitores participantes não se pronunciar favoravelmente em relação a pergunta de alcance nacional sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, as respostas a perguntas que tenham tido lugar relativas a cada região criada na lei não produzirão efeitos.

3. As consultas aos cidadãos eleitores previstas nos números anteriores terão lugar nas condições e nos termos estabelecidos em lei orgânica, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República, aplicando-se, com as devidas adaptações, o regime decorrente do artigo 115.º.»

O regime decorrente do artigo 115.º diz respeito ao referendo. Importa ainda esclarecer um aspeto decisivo

que escapa à perceção de muitos. Nos atuais termos constitucionais, a regionalização não é referendável. É referendável, unicamente, o mapa que lhe está associado.

Como escreveu o Prof. António Cândido de Oliveira:31 «a criação de regiões administrativas é irreferendável, como lembrou o Tribunal Constitucional por

ocasião do referendo de 1998 (Acórdão n.º 532/98). Referendável, diz o mesmo acórdão, é apenas o mapa em concreto da regionalização e de tal modo que um resultado negativo de um referendo é, em termos jurídicos, apenas o resultado negativo do mapa apresentado e só deste, não pondo em causa a obrigatoriedade constitucional da existência de regiões administrativas.»

De acordo com Freitas do Amaral e Silva Pereira32, a criação e a instituição em concreto das regiões

exigem os seis atos seguintes: 1 – Criação simultânea, em abstrato, das várias regiões administrativas definidas pelo legislador (AR),

através de uma lei-quadro dasregiões administrativas, «a qual define os respetivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos», podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma (outro ponto controverso);

2 – Aprovação pela AR, sob a forma de resolução, de um projeto de referendo nacional sobre a Regionalização do continente, o qual deverá formular duas perguntas:

 (a responder por todos os cidadãos nacionais): concorda com a instituição simultânea, e em

concreto, das regiões administrativas previstas no mapa anexo?  (a responder pelos cidadãos recenseados na área de cada região administrativa): concorda com a

instituição em concreto da região administrativa na qual se encontra recenseado? 3 – Submissão ao Tribunal Constitucional, pelo Presidente da República, da mencionada resolução da

AR, para verificação da sua constitucionalidade e legalidade (conformidade com a lei do referendo); 4 – Convocação pelo Presidente da República do mencionado referendo, com fixação da data para a

sua realização, com indicação das duas perguntas necessárias e do mapa das regiões constantes da Lei-Quadro. Tratando-se de um referendo sobre a concretização de normas constitucionais e de um referendo necessário, entende-se que o Presidente não pode abster-se de o convocar, uma vez recebida a proposta da Assembleia e declarada pelo Tribunal Constitucional a sua não inconstitucionalidade e ilegalidade;

5 – Realização do referendo citado, seguido do apuramento e divulgação dos seus resultados; 6 – Se as respostas nacionais à primeira pergunta, bem como as respostas de alcance regional à 2.ª

31 Oliveira, A. C. (2019). Regionalização: o novelo constitucional português e a simplicidade francesa. Público, 11/03/2019. 32. Ver dos Autores, o seu Estudo Aprofundado sobre a Problemática da regionalização, Volume I, pp. 138 e 139, em Anexo.

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pergunta, forem de aprovação pela maioria dos cidadãos participantes, deve a Assembleia da República aprovar, para cada uma das regiões administrativas, a respetiva «lei de instituição em concreto», nos termos do artigo 256.º «Instituição em concreto».

Mas se houver uma ou mais regiões administrativas em que a resposta da maioria não seja favorável, tudo

ficará sem efeito porque todas as regiões definidas por lei têm de começar a funcionar simultaneamente. Faltando uma, o conjunto fica paralisado.

A criação e a instituição em concreto das regiões administrativas tornaram-se um processo de grande complexidade e morosidade por força da revisão da Constituição operada em 1997, no sentido de introduzir o referendo conforme anteriormente descrito. Na Constituição de 1976 a instituição das regiões obedecia a um processo mais simples e rápido (artigo 256.º) a cargo do legislador ordinário e das assembleias municipais. A revisão de 1997 aumentou a complexidade do processo, forçando também o seu enviesamento no sentido de dificultar a concretização da regionalização.

Alguns juristas convergem nessa caracterização do processo estabelecido em 1997, nomeadamente Freitas do Amaral, Pereira da Silva, Cândido de Oliveira e Marcelo Rebelo de Sousa.

Os dois primeiros tratam a questão nesses termos no seu estudo aprofundado sobre a problemática da regionalização.33 Por sua vez, Cândido de Oliveira escreveu precisamente que «temos o paradoxo de uma Constituição que ao mesmo tempo que ordena a criação das regiões administrativas, introduziu em 1997 um mecanismo de criação das mesmas que as inviabiliza.»34 Finalmente, Marcelo Rebelo de Sousa, no volume I das suas «Lições de Direito Administrativo,» 1999, escreve a propósito do processo inscrito em 1997 na Constituição que «é mesmo difícil conceber regime constitucional mais convidativo a uma rejeição de qualquer divisão regional do continente».

Em reforço da insustentabilidade de tão paradoxal processo, face à obrigatoriedade da existência de regiões segundo a Constituição, considera-se que um referendo nos termos descritos anteriormente é, pelo menos, de duvidosa democraticidade.

Com efeito, se existir um resultado em que o SIM perca à tangente apenas numa só região e ganhe esmagadoramente em todas as outras regiões, então vencerá necessariamente o NÃO. Isto porque se gerou um processo tal que se o NÃO ganhar numa só região, ainda que por apenas um voto, a simultaneidade obriga a rejeitar o avanço para a regionalização, sem agravo nem apelo, considerando-se derrotada a avassaladora maioria nacional que votou SIM.

Esta situação está em oposição aos mais elementares princípios democráticos: um conjunto de eleitores com uma expressão nacional francamente minoritária poderá impor a sua vontade à grande maioria do eleitorado nacional.

Considerando as razões expostas, a Comissão entende que é necessário aperfeiçoar o regime de referendo aplicável, eliminando a possibilidade de ocorrência eventual do flagrante enviesamento antidemocrático exposto. Nestes termos, a Comissão recomenda a alteração do artigo 256.º no sentido da eliminação da pergunta de alcance regional.

Assim, sugere-se que o referendo deve incidir sobre uma só pergunta formulada com objetividade, clareza e precisão e para resposta de sim e não, a responder por todos os eleitores residentes no continente. Deste modo, sabe-se quantos dizem SIM ou NÃO à instituição simultânea e em concreto das Regiões Administrativas de acordo com o mapa anexo.

Democraticamente, ganha o voto maioritário, nunca o minoritário. Se for o SIM haverá regionalização nos termos e para os efeitos previsto na Constituição. Se for o NÃO, não se passará à regionalização, sem prejuízo de continuar inscrita na Constituição.

CAPÍTULO 5 – CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO REFERENCIAL A Lei n.º 58/2018, de 21 de agosto – a Lei que criou a Comissão – no seu artigo 2.º, n.º 2, alínea e), pede a

apresentação no Relatório Final de um cronograma de execução referencial.

33 Ver Enquadramento Constitucional da Regionalização, pp. 138 e segs. 34 Oliveira, A. C. (2014). A organização territorial do Estado: um problema em aberto. Público, 14/10/2014.

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A Comissão não tem possibilidade de antecipar nem a vontade de concretização da regionalização por parte dos órgãos de soberania, nem a conveniência temporal de futuros agendamentos da Assembleia da República. Nestas condições, o que se apresenta é, tão-somente, um possível esquema temporal dos atos conducentes à criação em concreto das regiões bem como à instalação dos respetivos órgãos em prazo razoável.

Os mais importantes atos preparatórios devem ter lugar segundo uma sequência precisa, mas alguns outros podem ocorrer em paralelo.

De acordo com a Constituição (artigos 255.º e 256.º) há uma sequência obrigatória de atos referentes:  em primeiro lugar, à instituição em abstrato de todas as regiões administrativas;  em segundo lugar, à instituição em concreto de todas e cada uma das regiões;  em terceiro lugar, à realização de eleições para os órgãos regionais representativo. Anotam-se a seguir os atos integrados em cada um dos blocos mencionados. Instituição em Abstrato de todas as Regiões Administrativas A definição e execução do primeiro bloco devem ser materializadas pela preparação e aprovação da

legislação fundamental que contribui para a instituição em abstrato de todas as Regiões Administrativas. A criação legal das Regiões Administrativas obedece ao artigo 255.º da Constituição: As regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os respetivos poderes, a

composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma delas.

A lei a que se refere este artigo – a Lei-Quadro das Regiões – seria a lei fundamental iniciadora de todo o

processo nos termos constitucionais, não fora o caso de haver necessidade de revisão cirúrgica da Constituição. Assim, essa revisão deverá preceder a aprovação da Lei-Quadro. Por outro lado, a instituição em concreto de todas e cada uma das regiões, a fase seguinte, deve ser precedida pela aprovação da regulamentação de aspetos fundamentais da Lei-Quadro.

Assim, para que o processo avance bem, haverá que proceder à preparação e aprovação da seguinte legislação fundamental:

1. Revisão da Constituição: artigos 256.º e, eventualmente, 260.º; 2. Lei-Quadro das regiões administrativas; 3. Lei da Divisão Regional do continente, com o respetivo mapa, lista dos municípios incluídos em cada

região, e indicação da sede principal de cada uma das regiões administrativas; 4. Lei Eleitoral para as regiões administrativas; 5. Lei das Finanças Regionais (continente); 6. Proposta de referendo nacional a enviar ao Presidente da República; 7. Lei de autorização legislativa ao Governo para aprovar, por decreto-lei, a orgânica dos serviços de cada

região, o respetivo quadro de pessoal e o regime de recrutamento do pessoal autorizado por lei, mediante concurso público único, ou por concursos públicos separados em cada região, passível de alteração no fim do 1.º ano do 1.º mandato;

8. Legislação para o Governo tomar as disposições necessárias para instalar os órgãos de cada região. A preparação da Lei Eleitoral e da Lei das Finanças Locais devem ocorrer em paralelo, imediatamente após

aprovação da Lei-Quadro. A legislação referida nos pontos 7 e 8 pode ser aprovada até o fim da fase seguinte. Estima-se que esta fase necessite de cerca de um ano, incluindo férias parlamentares e períodos de

apreciação e votação de propostas de lei do orçamento.

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Instituição em Concreto das Regiões A instituição em concreto depende, em primeiro lugar, do voto favorável da maioria dos eleitores à consulta

nacional referendária, como recomendada na revisão do artigo 256.º da Constituição. Se o resultado do referendo for favorável ao NÃO, o processo de regionalização dar-se-á por terminado. Se for favorável ao SIM, segue-se a instituição simultânea de cada uma das regiões de acordo com o mapa submetido ao referendo. Sublinhe-se, de novo, que não é a regionalização que vai a referendo, mas sim o mapa propriamente dito.

Sublinhe-se também o facto, muito importante, de o referendo em causa beneficiar de exceção face à regra geral estabelecida no artigo 115.º, n.º 1, da Constituição. Em regra, o efeito vinculativo do referendo exige resposta positiva da maioria dos eleitores «inscritos no recenseamento». Muito diferentemente, como nos dizem os Professores Diogo Freitas de Amaral e Jorge Pereira da Silva35 «para que o processo de regionalização possa seguir em frente, mediante um referendo de sentido positivo basta o ‘voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado’ [artigo 256.º, n.º 1] … Portanto, no caso excecional do referendo sobre a regionalização (e apenas nesse caso) a Constituição não exige, para que o referendo possa ser vinculativo, a maioria absoluta dos cidadãos recenseados, mas apenas a maioria absoluta dos participantes no referendo.»

O processo referendário terá de cumprir uma série de atos bem conhecidos, mas que importa ter presente desde já. Bastará recordar a experiência de 1998.

A proposta de referendo, uma vez submetida ao Presidente da República é, por este, enviada ao Tribunal Constitucional que se pronunciará sobre a sua constitucionalidade e legalidade. Se aprovada por este e promulgada por aquele, o referendo deverá ser realizado entre o 40.º e 180.º dia seguinte à sua convocação.

Pensa-se que o processo referendário poderá ser realizado em 3 meses. Eleições para os Órgãos Regionais A Lei Eleitoral e a sua regulamentação estabelecem com precisão a definição e a sequência de todo o

processo eleitoral. Não há aqui necessidade de registar os pormenores desse processo, exceto no que diz respeito ao facto de o Sistema Eleitoral fixar dois momentos distintos para a eleição de Deputados regionais. Daí resulta inevitavelmente uma situação peculiar que condiciona a data de entrada em funções dos órgãos regionais. Mas antes disso, há um problema de muito maior peso político referente à fundamental decisão da Assembleia da Republica, por ação ou omissão, quanto ao desejável momento de início da Regionalização.

Pressupostamente, as eleições para a autarquia regional devem realizar-se no mesmo dia das restantes eleições autárquicas. De acordo com a duração consagrada de mandatos, as duas próximas eleições autárquicas deveriam realizar-se no início do último trimestre de 2021 e de 2025. A grande questão é saber logo no início da próxima legislatura se se visa preparar tudo para que as primeiras eleições regionais possam ocorrer no último trimestre de 2021, ou se se deixa tal propósito para 2025 ou, ainda, para uma data intermédia.

Mesmo a realização de eleições regionais em 2021 é possível, desde que haja empenho significativo maioritário no alcance dessa meta.

A resposta a esta questão tem a maior relevância política e operacional, por óbvias razões. A Comissão limita-se a dar como exemplo que a eventual realização de eleições em 2021 implicaria necessariamente a aceleração dos trabalhos preparatórios logo que o novo Governo estivesse confirmado no pleno uso dos seus poderes. Isto é, nos primeiros meses de 2020, sem prejuízo dos Deputados e Grupos Parlamentares poderem iniciar bastante mais cedo a sua reflexão e trabalho preparatório próprio.

Há dois outros aspetos relacionados com a data das eleições. O primeiro diz respeito à eventualidade de as eleições se realizarem entre 2021 e 2025. Nesse caso haverá necessidade de dispor quanto à duração dos mandatos, tendo em vista a futura coincidência de eleições para todas as autarquias.

O segundo refere-se à necessidade de estabelecer um prazo mínimo entre a fixação das primeiras eleições e a sua realização. Tratando-se de algo antes não experienciado, é preciso prever tempo suficiente para que os partidos nacionais, mas sobretudo os grupos de cidadãos preparem a sua participação.

Para esse efeito, a Comissão recomenda que as primeiras eleições regionais sejam fixadas com

35 Ibid, pp. 283 e 284.

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antecedência mínima de 120 dias. Por exemplo, no caso de eleições em outubro a fixação da sua data teria de ocorrer nos primeiros dias de junho.

Esquema Temporal Aborda-se a seguir um possível esquema temporal na base de trabalhos continuados sem notórias

interrupções. Por facilidade de exposição, suponha-se que os trabalhos têm início no começo de uma sessão legislativa, digamos em outubro, do ano N.

Partindo da instituição em abstrato das regiões administrativas, apenas a revisão da Constituição, a Lei-Quadro da Região, a Lei da Divisão Regional do Continente e a Proposta de Referendo a enviar ao Presidente da República necessitam de estar aprovadas na 1.ª fase que vai até à abertura do processo referendário junto do Presidente da República. Conviria que outra legislação fundamental, como a Lei Eleitoral e a Lei das Finanças Regionais (continente), fosse também aprovada até esse momento. Mas se ainda não o estiverem, isso não é impeditivo da abertura do processo referendário. Por maioria de razões, o mesmo ocorre com os dois últimos diplomas referentes a quadros e a instalação.

Apesar da concentração da Assembleia da República no processo orçamental em outubro e novembro do ano N+1, a 1.ª fase estaria concluída de modo a abrir o processo referendário junto do Presidente da República ainda em dezembro do mesmo ano.

Freitas do Amaral e Pereira da Silva estimam que o processo levará 3 meses, do início à conclusão. Assim, o referendo realizar-se-ia em março do ano N+2.

Se o referendo fosse positivo, começaria logo de seguida a finalização do processo complementar, legal e regulamentar, necessário para se poder fixar a data das eleições para todas as autarquias no início de junho do mesmo modo, os meses de Abril e seguintes deveriam ser utilizados para fazer aprovar toda a restante legislação e regulamentação complementar.

Também será preciso assegurar por essa altura o cumprimento de uma matéria onde não podemos falhar: a instalação dos órgãos da Administração Regional, questão de grande relevo operacional. Cumpre ao Governo nomear atempadamente Comissões Instaladoras, uma para cada região, «incumbidas por decreto lei de praticar todos os atos necessários para que os órgãos regionais que vierem a ser eleitos, bem como o pessoal, entretanto afetado aos serviços de cada região, possam, na data da respetiva posse, ser bem acolhidos, em sedes regionais prontas a funcionar.»36

As Comissões Instaladoras cessam com a posse dos titulares dos órgãos, obviamente. Mas, logicamente, o regime de instalação não pode ser dado por terminado nesse mesmo momento A Comissão recomenda que a lei permita recurso a procedimentos próprios de regime de instalação, que a lei deverá definir em termos de objetivos e de faculdades excecionais agilizadoras da obtenção dos referidos objetivos, durante os dois primeiros anos do primeiro mandato dos órgãos regionais.

Tratando-se de uma criação ex-novo de que não há qualquer experiência ou precedente, impondo-se a capacitação e a organização institucional para que os referidos órgãos possam atuar em curto prazo em defesa do interesse regional que lhe está atribuída, este dispositivo tem toda a justificação, devendo ser devidamente regulado antes da realização das eleições.

Um último tema diz respeito à posse dos titulares dos órgãos autárquicos. Perante quem deviam eles tomar posse? Sendo as regiões autarquias locais, impõe-se a não elevação do processo ao plano político nacional, colocando-se a questão em plano similar ao que ocorre em outras autarquias. No caso dos Deputados regionais faz sentido a realização de um processo de verificação de poderes no âmbito da própria assembleia regional. No que toca aos membros da Junta, normal será a tomada de posse conferida em sessão da Assembleia Regional. Nenhum problema aqui.

Já onde pode haver problema sério é na data em que estarão criadas as condições necessárias para o início da atividade quer da Assembleia, quer da Junta. Com efeito, entre as datas de eleição e de início do funcionamento dos órgãos regionais haverá sempre uma separação significativa. De facto, há Deputados regionais eleitos pelo Colégio formado pelos membros eleitos das Assembleias Municipais da Região. Este Colégio só poderá reunir-se e eleger esses Deputados regionais bastantes dias depois da sua própria eleição, coincidente em data com a eleição de todos os restantes titulares de órgãos regionais. Cria-se assim um hiato

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intransponível: enquanto não estiver feito o pleno de Deputados regionais integrados nas respetivas assembleias regionais,

O que pode dar origem a problemas indesejáveis, nomeadamente em termos de apreciação popular.

Síntese do Esquema Temporal

A

Atos Fundamentais 1.ª fase – Outubro ano N – dezembro ano N+1

– Legislação Fundamental incluindo, pelo menos:

1) Revisão Constitucional; 2) Lei-Quadro das Regiões; 3) Lei da Divisão Regional do Continente, com o respetivo Mapa; 4) Lei Eleitoral para as Regiões Administrativas; 5) Lei das Finanças Regionais (continente); 6) Proposta de Referendo Nacional a enviar ao Presidente da República; 7) Lei de autorização legislativa ao Governo para aprovar, por decreto-lei, a orgânica dos serviços de cada

região, o respetivo quadro de pessoal e o regime de recrutamento do pessoal autorizado por lei, mediante concurso público único, ou por concursos públicos separados por região, podendo ser revista nos dois primeiros anos do primeiro mandato;

8) Legislação para o Governo poder definir os regimes de instalação.

– Levantamento de toda a legislação complementar e regulamentar necessária e organização da respetiva responsabilidade executiva, com inicio imediato.

2.ª fase – Dezembro ano N+1 a março ano N+2

Processo Referendário – Envio da Proposta ao Presidente da República em dezembro ano N+1 – Realização de grande campanha de informação e participação no referendo – Referendo em março ano N+2 – Nomeação de Comissões Instaladoras e aprovação dos regimes de instalação, antes e depois da posse

dos órgãos regionais

3.ª fase – Abril do ano N + 2 – outubro ano N + 2

Realizações de Eleições – Preparação regulamentar iniciada em outubro ano N, acelerada após referendo e concluída antes de

marcação de data de eleições – Marcação de data em início de junho de ano N+2 – Realização de grande campanha de informação e participação nas eleições regionais – Eleições em início de outubro de ano N+2

4.ª fase – Outubro ano N + 2 – ?

Tomada de Posse dos Órgãos Regionais

36Ibid, pp. 287 e 288.

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Sem data predefinível

B

Processos Complementares a Partir de Referendo em março N+2 – Legislação complementar e regulamentar a finalizar antes de marcação de eleições. PARTE IV — FINANCIAMENTO DAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS, INVESTIMENTO E COESÃO Esta Parte é constituída pelos capítulos referentes às finanças públicas propostas para as Regiões

Administrativas, dando especial realce à componente de investimento (Capítulos 1 e 3) e à criação dos Fundos de Coesão Regional (Capítulo 2). No Capítulo 4 apresentam-se uma síntese e as respetivas recomendações.

CAPÍTULO 1 – FINANCIAMENTO DAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS

1.1 – Linhas de Orientação O modelo de financiamento deverá obedecer às normas constitucionais em vigor e seguir, com as

devidas adaptações, os princípios fundamentais e as regras orçamentais e de gestão financeira já enunciados na atual Lei das Finanças Locais (que deverá passar a incluir as três autarquias locais: Regiões Administrativas, Municípios e Freguesias).

O financiamento regional deverá ter uma dimensão e uma estrutura que dependerão das atribuições e competências para as regiões administrativas.

É reconhecido o baixo grau de descentralização financeira em Portugal, segundo dados da OCDE e da UE para 2017, atingindo pouco mais de 50% do valor dos indicadores da UE28 (% da despesa pública nacional em relação ao PIB e à despesa pública total), pelo que um dos objetivos é o aprofundamento desta descentralização, de forma a atingir ao fim de dois mandatos (oito anos após a institucionalização das Regiões Administrativas) um conjunto de atribuições e competências cujo valor deverá representar cerca de 26% da despesa pública total (12,6%, em 2017), o que significa 12% do PIB (5,8%, em 2017), aproximando-se dos valores médios da UE28 registados em 2017 (23,3% e 10,7%, respetivamente). De acordo com os estudos da OCDE fornecidos à Comissão, este objetivo permitirá ao país beneficiar de uma maior eficiência na utilização dos recursos públicos e baixar o nível de corrupção, tendo em conta a responsabilidade política da governação regional perante a avaliação mais próxima das entidades políticas e da forma como estas resolvem os problemas dos cidadãos.

O modelo proposto baseia-se em três marcos de confiança: i) Baixa autonomia fiscal, incluindo a não criação de impostos a nível regional; ii) Garantia da neutralidade orçamental e fiscal; iii) Consagração de incentivos à governação, sem descurar a suficiência de meios para garantir a

provisão universal e equitativa dos serviços públicos. Estes três marcos são complementados pelos seguintes princípios de regulação: i) Estabelecimento de normas de controlo financeiro e restrição ao endividamento (normas travão); ii) Estabelecimento de uma tutela de acompanhamento financeiro e de inspeção por parte do Estado. A estrutura de financiamento proposta para as Regiões Administrativas é a seguinte: i) Receitas próprias: preços e taxas; ii) Repartição de recursos públicos entre o Estado e as Regiões Administrativas (transferências

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incondicionais):  Fundo Geral Regional; Participação variável no IRS (e eventualmente no IRC); iii) Repartição de recursos públicos entre o Estado e as Regiões Administrativas (transferências

condicionais):  Fundo Especial Regional; iv) Participação na receita do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP); v) DerramaRegional: definida a nível nacional para as cinco regiões administrativas, com incidência

sobre sectores e empresas com externalidades negativas na área ambiental; vi) Financiamento contratualizado:  Fundos de Coesão Regional; PIDAR (Programa de Investimento e Desenvolvimento da Administração Regional). Da estrutura atrás exposta destacam-se vários critérios para determinar a origem do financiamento: i) Participação nos recursos públicos ao nível do Estado (Fundo Geral, Participação no IRS, IRC e

ISP). O Fundo Geral e a participação nos impostos nacionais financiam os custos fixos de governação e um conjunto de competências sem implicações sobre a equidade pessoal e territorial;

ii) Transferência do Orçamento do Estado das dotações financeiras correspondentes às competências transferidas para as regiões administrativas com incidência nas competências associadas à satisfação de necessidades com fortes implicações sobre a equidade pessoal e territorial (Fundo Especial);

iii) Financiamento do investimento e da coesão entre regiões através de contratualização com o Estado. Tal permite assegurar o controlo do endividamento e a definição de critérios nacionais para a garantia da política de coesão;

Neste financiamento contratualizado destaca-se o financiamento por parte dos Fundos Estruturais e de Investimento, o que implicará a redefinição do conteúdo, dos montantes e da autonomia de gestão dos Programas Regionais.

Serão também objeto de contratualização os vários projetos de investimento público, no âmbito do PIDAR, como será referido adiante no ponto 8.

iv) Criação de fundos de coesão regional (um por região administrativa) com o objetivo de reforçar a coesão inter-regional e intrarregional, como componente decisiva no financiamento das regiões, aumentando a capacidade de investimento com um relativo menor esforço do orçamento nacional, devendo ser fortemente financiado por fundos estruturais, com gestão autónoma das regiões administrativas, sem prejuízo do cumprimento das regras nacionais e comunitárias relativas à gestão daqueles fundos.

O Fundo Geral e o Fundo Especial têm, como atrás referido, modos de financiamento distintos. O primeiro, através de uma participação que poderá atingir, de forma gradual o equivalente a metade da

participação dos municípios no FEF (9,75%). O segundo, através da transferência direta do pacote financeiro, já considerado no Orçamento do

Estado para as competências a transferir para o nível regional (transferência condicional). A participação variável no IRS poderá atingir os 2,5% de modo também gradual, visando criar

incentivos à governação e promover a concorrência fiscal. A participação no IRC e a criação de uma derrama regional serão determinados por uma política a definir

a nível nacional, de forma a promover o investimento privado nas regiões (participação no IRC) e penalização de atividades com externalidades negativas.

Para o planeamento do investimento público regional recomenda-se a criação do PIDAR (Programa de Investimentos e Desenvolvimento da Administração Regional), que deverá agrupar os vários projetos de

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investimento público, inseridos numa estratégia definida no Plano de Desenvolvimento Regional de cada região administrativa.

Recomenda-se a participação na receita do ISP para garantir o financiamento da conservação das vias rodoviárias, cuja gestão seja transferida para as regiões administrativas.

Recomenda-se que a Administração Regional inicie o seu caminho com as competências que cabem atualmente às CCDR, progressivamente acrescidas de outras transferências no horizonte de dois mandatos. Considera-se que, numa primeira fase, o funcionamento dos Órgãos Regionais (Junta Regional e Assembleia Regional) poderá ser assegurado por uma dotação máxima de 105 milhões de euros, o que constitui um acréscimo de cerca de 33 milhões de euros face à dotação orçamental prevista no Orçamento do Estado 2019.

Recorrendo à estrutura de financiamento atrás enunciada, podemos considerar que, para a instalação e arranque dos órgãos regionais e da administração, existe cobertura financeira através da dotação do Fundo Geral Regional correspondente a 1% da média do IRS, IRC e IVA.

À medida que forem determinadas novas atribuições e competências, o respetivo financiamento será assegurado pela adaptação das várias fontes financeiras que compõem o modelo de financiamento regional atrás descrito. Recomenda-se, como atrás referido, que o pleno exercício das atribuições e competências das Regiões Administrativas possa ser alcançado ao fim de oito anos após o seu arranque, cumprindo os objetivos referidos no ponto 1.2, o que significa uma aproximação progressiva aos indicadores da UE no que se refere ao grau de descentralização.

1.2 – Considerações gerais de enquadramento Do ponto de vista normativo e da prática organizacional e funcional, o financiamento das administrações

regionais insere-se na teoria do federalismo orçamental ou descentralização financeira. Trata-se de encarar as finanças públicas numa perspetiva de governação multinível. O quadro constitucional português define três níveis de governação: 1.º nível – central; 2.º e 3.º níveis –

autarquias locais. O nível regional corporiza-se na região administrativa e o nível local (em sentido restrito) nos municípios e nas freguesias. Esta análise não inclui as regiões autónomas, que se regem por um enquadramento constitucional diferente.

Considera-se que as funções do Estado, no sentido da provisão dos serviços públicos, podem ser desenvolvidas a estes três níveis, de acordo com as atribuições e competências definidas para cada nível.

No sentido mais restrito, o Estado como entidade central, mas também com funções mais globais, é o garante, nos termos constitucionais, da unidade e da organização dos vários níveis de governação, exercendo a tutela nacional, para além das várias tarefas fundamentais também consagradas na Constituição da República. Na Constituição encontram-se também definidos os princípios gerais sobre património e finanças.

Do ponto de vista institucional, as autarquias locais funcionam de forma autónoma com base na descentralização administrativa.

Neste sentido, as atribuições e as competências são transferidas de forma vertical, quer do nível central quer do nível local.

Estamos, assim, perante uma repartição do poder político-administrativo, legitimado democraticamente e dotando os titulares dos cargos a nível regional da responsabilidade de agência (representação) das preferências dos cidadãos dos respetivos territórios. É esta responsabilidade que determina a autonomia de decisão sobre os recursos afetos ao respetivo nível de governação.

Nos três níveis de governação (central, regional e local) dever-se-á definir qual a relevância da provisão de serviços públicos, tendo em conta as várias funções das finanças públicas: redistribuição, estabilização e afetação. No nível regional esta análise condiciona a delimitação das atribuições e competências e o processo de financiamento.

A função de redistribuição deverá assegurar a universalidade e a equidade na afetação de serviços públicos (casos do ensino e da saúde por exemplo), tendo em conta que esta função está predominantemente a cargo da administração central, sendo o eixo fundamental não só a via fiscal como a regulamentação do acesso universal e tendencialmente gratuito a determinados serviços públicos (casos do serviço nacional de saúde e da escolaridade obrigatória pública).

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A função de estabilização exerce-se, essencialmente, ao nível macroeconómico (central), com a utilização da política orçamental nacional.

A função de afetação é a mais adequada na descentralização administrativa e política, devendo ser avaliada a equivalência entre a capacidade orçamental e o tipo e quantidade de serviços públicos a prover. Nesta avaliação poderá haver duas hipóteses de afetação. Uma que tem a ver com a flexibilidade na afetação entre níveis diferentes, de forma a garantir a universalidade e a equidade. A outra, no caso de a universalidade de provisão ser assegurada a nível regional, havendo transferências horizontais que garantam a coesão entre regiões.

1.3 – As finanças públicas subnacionais no contexto da UE Em termos comparativos, no contexto da União Europeia o grau de descentralização orçamental e fiscal de

Portugal é relativamente baixo (OECD, 2019). Entre 2000 e 2017, o rácio da despesa pública do nível subnacional em relação ao PIB apresentou

valores sempre abaixo dos 6% e inferior a 13% quando comparado com a despesa pública total. No conjunto da UE28 o valor médio deste rácio era de 11% e 23%, respetivamente (valores de 2017). Ao longo dos últimos anos tem havido um aumento de transferência de competências para as autarquias

locais, mas mesmo assim Portugal permanece um país fortemente centralizado. Como se referiu, Portugal apresenta um rácio da despesa pública em relação ao PIB inferior a 6% (o valor

em 2017 era de 5,8%), sendo os países abaixo deste valor apenas 5 em 28: Chipre, Irlanda, Grécia, Malta e Luxemburgo.

Países da mesma dimensão ou inferior apresentam valores muito superiores neste indicador: Holanda (13,4%), Eslovénia (8,2%), Áustria (8,3%), Bélgica (7,1%) ou Dinamarca (34,4%). Mesmo países que abandonaram sistemas mais centralizados, como Estónia, Letónia e Lituânia, apresentam valores entre os 7,8 e os 10,2%.

No que se refere à participação da despesa pública subnacional na despesa pública total (conjunto das administrações públicas, tal como definidas no orçamento do Estado), o valor de Portugal (12,6%) é largamente ultrapassado no mesmo conjunto de países, sendo, por exemplo, de 66,2% na Dinamarca.

Esta análise comparativa está resumida no quadro seguinte (Tabela IV.1).

Países % PIB % Despesa Pública Total

Portugal 5,8 12,6

Holanda 13,4 31,4

Eslovénia 8,2 19,1

Áustria 8,3 16,9

Bélgica 7,1 13,7

Dinamarca 34,4 66,2

Estónia 9,8 24,5

Letónia 10,2 26,8

Lituânia 7,8 23,3

UE 28 10,7 23,3

Tabela IV.1 – Finanças Públicas Subnacionais (2017). Posição relativa de Portugal. Fonte: OECD (2018), Keydata on Local and Regional Government in the European Union

Nota: Os dados referem-se ao nível de Governos subnacionais classificados como Local Government pelo Sistema de Contas Nacionais do Eurostat

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Apesar desta posição relativa da despesa pública subnacional, é de sublinhar que, no que se refere ao investimento público em Portugal, as administrações subnacionais são responsáveis por 54,4% daquele investimento, acima da média da UE28, que se situa nos 51,6% (dados também de 2017).

Na função de investimento é interessante a análise feita num trabalho coordenado por Fernando Alexandre da Universidade do Minho e editado pela Associação Comercial do Porto (Alexandre, coord., 2019), em que se procura avaliar a eficiência contratual da administração central versus administração local. Nos contratos de obras públicas desenvolvidos pela administração local os desvios entre o preço final e o preço contratado são menores do que na administração central, considerando-se assim que aquela administração é mais eficiente do que esta. O trabalho citado conclui que «poderá haver ganhos para o país em termos de eficiência na contratação, atribuindo mais competências à administração local».

De referir ainda o bom desempenho das administrações subnacionais no que se refere à gestão das contas públicas. De facto, em 2017 as mesmas apresentaram um saldo global positivo de 0,3% do PIB, enquanto o saldo global de todas as administrações públicas foi negativo em 3%. Do lado do desempenho face à dívida pública aquelas administrações têm diminuído nos últimos anos a participação na dívida pública total, não ultrapassando em 2017 os 4,3%.

A evolução atrás descrita é corroborada em recente trabalho publicado pelo Conselho das Finanças Públicas (Baleiras, Dias e Almeida, 2018).

Os dados atrás apresentados revelam, no contexto da UE28, uma descentralização financeira muito inferior à média europeia apesar do nível de governação apresentar indicadores de boa gestão orçamental, até com melhor desempenho que a própria administração central.

1.4 – O estado da arte e contributos O sistema de finanças públicas ao nível regional, com a devida adaptação do sistema já existente de

finanças públicas ao nível municipal e das freguesias e em algumas situações do sistema de finanças públicas em vigor para as Regiões Autónomas, pode reger-se pelos mesmos princípios daqueles dois sistemas.

O sistema de financiamento, num quadro de governação a vários níveis, e tal como proposto na literatura da especialidade, baseia-se essencialmente nas seguintes fontes financeiras:

a) Receitas próprias; b) Transferências; c) Contratos de financiamento. No que se refere a receitas próprias, a Comissão propõe uma solução com baixa autonomia fiscal,

garantia de neutralidade fiscal e orçamental e uma forte limitação ao endividamento. Neste sentido as receitas próprias da administração regional referem-se apenas a taxas, tarifas e preços, e ainda a outras fontes de receita como o produto de multas e coimas, rendimentos de propriedade, produtos de herança, legados e doações, produtos de venda de imóveis, etc. Fica assim excluída a possibilidade deste nível de governação subnacional poder fixar a base fiscal de impostos regionais e de definir taxas de impostos ou, eventualmente, aprovar adicionais a impostos existentes (derramas regionais).

No entanto, a neutralidade fiscal tem de ser compatibilizada com uma política orçamental que permita concorrência fiscal e provisão de bens públicos com qualidade, o que significa o cumprimento do princípio da «suficiência de meios», como mais à frente será referido.

A atração de pessoas e investimento através da baixa de impostos (concorrência fiscal) poderá ser assegurada através da partilha da receita de impostos (nomeadamente IRS e IRC).

Os Governos das regiões administrativas poderão ter autonomia na devolução ou não de uma parte do IRS e eventualmente do IRC, devendo tal ser balanceado no âmbito de uma política de concorrência fiscal, com a capacidade de fornecer serviço público com qualidade, respeitando os princípios da universalidade e da equidade.

De acordo com o Relatório da OCDE (OECD, 2019a, Volume II) sobre as reformas de descentralização, preparado a pedido da Comissão, a descentralização orçamental e fiscal atribui responsabilidades às regiões no que se refere às despesas e receitas públicas, prevendo-se os níveis adequados de autonomia no âmbito

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das opções dos recursos afetos ao cumprimento das atribuições e competências e à política fiscal mais apropriada.

A propósito da experiência portuguesa no quadro atual da governação multinível (presentemente dois níveis, central e municipal, visto a freguesia ter pouca autonomia em matéria fiscal), a OCDE chama a atenção para os efeitos perversos da concorrência fiscal. Por um lado, pode levar a uma maior eficiência fiscal, mas, por outro, pode criar situações de degradação da cobertura financeira da despesa municipal.

Outra análise elaborada pela OCDE no Regional Outlook 2019 (OECD, 2019b) chama a atenção para o risco de degradação da base tributável dos impostos sobre o rendimento quando estamos perante o aumento das disparidades regionais. Tal situação faz aumentar a proporção das transferências para garantir o equilíbrio orçamental e a equidade no acesso aos serviços públicos.

Refere este relatório o caso da digitalização, que poderá fazer concentrar as empresas nos grandes aglomerados e criar desigualdades na participação das várias regiões nos impostos sobre o lucro das empresas.

Outra das tendências globais que afetarão as regiões é o caso das alterações climáticas e a necessidade de investimentos e atividades para a adaptação àquelas alterações, o que poderá justificar uma política fiscal de taxação das externalidades negativas desta e de outras situações na área ambiental.

A Comissão procurou ouvir um diversificado painel de especialistas em finanças públicas regionais. Nessas audições foram considerados alguns pontos como fundamentais para o estabelecimento do

sistema de Finanças Públicas Regionais. Os principais pontos referidos foram os seguintes: i) Necessidade de definição das atribuições e competências das entidades regionais (foi sugerido um peso

de 5% no total das competências: 4% a transferir do nível nacional e 1% do nível municipal). Foi também proposto um modelo de regionalização suave, com especial incidência na componente de património e investimento;

ii) Definição de atribuições e competências feita de acordo com um modelo de “geometria variável” e gradual;

iii) Necessidade de atribuir uma especial atenção à suborçamentação dos recursos financeiros no atual quadro delimitado pelo Orçamento de Estado em relação às possíveis dotações a transferir para as entidades regionais;

iv) Respeito rigoroso pelo princípio do não aumento da despesa pública no conjunto das entidades que constituem as Administrações Públicas;

v) Respeito rigoroso pelo não aumento da carga fiscal (nomeadamente na sua componente de esforço fiscal);

vi) Afirmação do princípio da neutralidade fiscal como resultado da partilha de receita fiscal entre os vários níveis de governação territorial;

vii) Consequente baixo nível de competências fiscais a nível regional; viii) Consideração da capacidade de endividamento regional como uma questão muito sensível, havendo

uma posição maioritária pela sua forte limitação; ix) A criação de um Fundo de Coesão Regional não mereceu consenso, devido à eventual sobreposição

com os instrumentos de coesão a nível municipal. Foi também afirmado que deviam ser os fundos estruturais a ser parte desse tipo de instrumento a nível regional;

x) A partilha do IRS foi considerada uma das principais fontes de receita fiscal no que se refere ao financiamento regional, bem como a criação de uma derrama regional;

xi) Os fundos estruturais deverão assegurar a componente de coesão e o financiamento dos projetos estruturantes ao nível regional. Foi também considerada a necessidade de um novo modelo de contratualização entre as agências (nomeadamente a Agência de Coesão e Desenvolvimento) que gerem aqueles fundos e as regiões administrativas. Neste ponto foi referida alguma previsível dificuldade de articulação entre aqueles dois tipos de instituições, tendo em conta a atual experiência das CCDR e das CIM. Foram salientadas situações de autonomia muito limitada e de processos de decisão muito burocráticos;

xii) A transferência de competências do nível central (nacional) para o nível regional em certas áreas, como o ambiente, não deverá incluir a definição de normas (que permanecerá como competência nacional), mas apenas a definição e a aplicação de políticas públicas a nível regional;

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xiii) As regiões não deverão ser proprietárias de certas componentes do património (referiu-se o caso das estradas). A questão do planeamento e do financiamento do investimento foi também debatida;

xiv) A existência de uma política nacional de desenvolvimento regional foi considerada fundamental e uma responsabilidade do Estado central, de forma a assegurar a equidade e a igualdade de oportunidades em todo o território nacional.

1.5 – Normativo constitucional e legal existente A Constituição da República Portuguesa prevê no seu artigo 106.º que a lei de Orçamento deverá conter

«as transferências de verbas para … as autarquias locais». No artigo 238.º a CRP prevê ainda um regime de finanças locais que «será estabelecido por lei e visará a

justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau».

Na Lei-Quadro das Regiões Administrativas (Lei n.º 56/91) existe um título (Título V) que determina ao longo de seis artigos o sistema de Finanças Regionais para esta Autarquia Local:

O artigo 34.º consagra o princípio de autonomia financeira, no que se refere ao plano de atividade e

orçamento, à elaboração das contas, à disponibilidade de receitas próprias e à gestão do património. O artigo 35.º determina a organização e a estrutura do plano de atividades, onde a componente de

investimento deve estar explicitada. O artigo 36.º indica os princípios orçamentais: equilíbrio, anualidade, unidade, universalidade,

especificação, não consignação e não compensação. O artigo 37.º determina a forma de elaboração e o conteúdo dos relatórios e contas. O artigo 38.º considera como receitas da Região as seguintes:  Derramas regionais;  Comparticipações no âmbito de contratos-programa;  Taxas (especificadas no artigo 39.º), tarifas e produtos de venda de serviços;  Rendimento do património e de outras situações por ela administradas;  Produto de empréstimos, nos termos da lei;  Produto de heranças, doações, etc.;  Participação no produto das receitas fiscais do Estado. De mencionar ainda que a Lei em análise enuncia as «atribuições das regiões» no seu artigo 17.º e que

nos artigos 19.º e 20.º refere a questão específica dos planos de desenvolvimento regional e os contratos-programa, respetivamente.

O Conselho das Finanças Públicas (CFP), no âmbito das suas competências legais, tem-se pronunciado sobre o sistema de finanças públicas dos níveis de governação subnacionais, propondo a existência de regras orçamentais de médio prazo que permitam a estabilidade das condições para o equilíbrio orçamental e para o controlo da dívida pública. Esta orientação insere-se na política de coordenação e solidariedade ao nível nacional dos processos de consolidação orçamental, envolvendo todas as administrações públicas, o que permitirá um cumprimento mais exequível das regras orçamentais europeias, nomeadamente no que se refere ao Programa de Estabilidade e ao Semestre Europeu.

De referir igualmente, tal como também recomendado pelo CFP, que a coordenação e a solidariedade na gestão orçamental a vários níveis deveriam estar previstas na Lei de Enquadramento Orçamental e nas regras de contabilidade pública, que deveriam ter uma maior harmonização de critérios para os vários níveis de governação.

No que se refere à estrutura de financiamento do nível subnacional, o CFP refere a dependência elevada das transferências do Estado, o que acarreta uma ausência de apropriação política pelos recursos e pelas aplicações desses recursos. Os eleitores não têm assim a possibilidade de exigirem responsabilidades aos decisores políticos, tanto quanto eles próprios desejariam.

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Também, neste sentido, deve haver uma correspondência entre a região que beneficia de um programa orçamental e a região que o paga. É o designado princípio da «equivalência orçamental» (Olson, 1969) ou de «reciprocidade» (Musgrave, 1986).

Este princípio exige que as políticas públicas com externalidades inter-regionais importantes sejam geridas e financiadas por níveis superiores de governação, enquanto as políticas com poucas externalidades devem ser administradas por níveis inferiores de Governo. Daqui decorre, também, a formulação do princípio da subsidiariedade.

1.6 – Os cenários possíveis de financiamento Os estudos prosseguidos pelo consultor da Comissão, Prof. José Costa da Faculdade de Economia do

Porto, apresentam vários cenários possíveis de financiamento, para cuja análise mais aprofundada se recomenda a leitura dos respetivos relatórios em anexo (Volume II).

A partir destes estudos, a Comissão considerou, por sua vez, vários cenários de financiamento, tendo em conta a análise atrás referida, bem como os vários princípios que devem ser observados no sistema das finanças públicas subnacionais e, nomeadamente, ao nível das regiões administrativas. De referir ainda, como especial preocupação, a política de reforço da coesão regional, considerada como uma responsabilidade em primeiro lugar do Estado, sendo assumida como política nacional.

A Comissão considera ainda que a legislação existente sobre as finanças locais, nomeadamente a Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, na sua versão atual, através da Lei n.º 51/2018, de 16 de agosto, constitui, com as devidas adaptações, a base para a legislação adequada ao financiamento dos outros níveis subnacionais, como é o caso das regiões administrativas. Nesse sentido, considera-se que sejam cumpridos um conjunto de princípios fundamentais baseados nos que estão considerados no artigo 3.º daquela Lei, com a devida adaptação, e como a seguir se descrevem:

i) Legalidade, pelo qual se define que a atividade financeira das regiões administrativas é exercida no

quadro da Constituição, no âmbito das regras de direito da União Europeia e das obrigações internacionais assumidas pelo Estado Português;

ii) Subsidiariedade, o que significa que as atribuições e competências devem ser exercidas pelo nível de governação subnacional que melhor se adeque ao seu exercício;

iii) Autonomia financeira e patrimonial, tendo em conta que as regiões terão património e finanças próprias cuja gestão compete aos respetivos órgãos (Assembleia Regional e Junta Regional);

iv) Transparência, que se traduz num dever de informação mútua entre as regiões e o Estado, bem como no dever de divulgar aos cidadãos, de forma acessível e rigorosa, a informação sobre a sua situação financeira;

v) Solidariedade nacional recíproca, que implica a contribuição proporcional regional para o equilíbrio das contas públicas nacionais, conforme previsto na Lei de Enquadramento Orçamental;

vi) Equidade intergeracional, princípio pelo qual a atividade financeira das regiões não deve onerar excessivamente as gerações futuras, nomeadamente no que se refere à incidência orçamental do plano plurianual de investimentos, dos encargos com os passivos financeiros e da despesa fiscal, entre outros encargos;

vii) Não aumento da despesa pública, o que significa que para as novas competências (transferidas para o nível regional) não haverá aumento da despesa pública nem da carga fiscal em termos globais;

viii) Suficiência de meios, pelo qual é estabelecida a garantia da transferência dos recursos financeiros, humanos e patrimoniais que permitam fazer a provisão dos serviços públicos com a qualidade adequada ao exercício das competências transferidas;

ix) Previsibilidade e estabilidade, em que os meios financeiros colocados à disposição das regiões administrativas devem ser previsíveis e as alterações nas fórmulas de repartição devem ter períodos de transição razoáveis e ser acomodados com meios financeiros extraordinários para assegurar estabilidade no financiamento;

x) Equidade territorial, como garantia da universalidade e igualdade de oportunidade no acesso aos serviços públicos em todo o território nacional, assegurando uma coesão territorial efetiva;

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xi) Eficiência e eficácia, em que as atribuições e competências exercidas pelas regiões administrativas devem assegurar ganhos de eficiência e eficácia na provisão dos serviços públicos, constituindo uma oportunidade para a modernização da administração a implementar a nível regional;

xii) Tutela inspetiva, garantia da existência da tutela do Governo sobre a legalidade dos atos, da Assembleia da República e do Tribunal de Contas sobre, nomeadamente, a gestão financeira e patrimonial das regiões administrativas, para além das competências próprias das respetivas assembleias regionais.

Para além destes princípios considerados fundamentais para o financiamento das regiões administrativas,

existe um conjunto de princípios e regras orçamentais de caráter mais técnico, e que são normalmente considerados nos processos orçamentais em Finanças Públicas: unidade e universalidade, anualidade e plurianualidade, não compensação, não consignação, equilíbrio orçamental, endividamento e património.

Como já referido, consideram-se no financiamento das regiões administrativas «três marcos de confiança»:

 Baixa autonomia fiscal, incluindo a não criação de impostos a nível regional;  Garantia da neutralidade orçamental e fiscal;  Consagração de incentivos adequados para a governação, sem descurar a suficiência de meios. Acresce ainda que estes marcos têm como consequência que não são propostas competências de criação

de impostos regionais, nem acréscimo a impostos já existentes (com a eventual exceção da derrama regional sobre o IRC, para os casos específicos de externalidades negativas ambientais).

Neste modelo financeiro, e tendo em conta a evolução das finanças públicas nacionais na última década, dever-se-á avaliar o risco do cumprimento dos princípios e do respeito pelos marcos de confiança atrás expostos, dada a especificidade das novas atribuições e competências a transferir para as regiões administrativas.

Como exemplo desta situação refira-se o caso de possíveis suborçamentações nas atribuições e competências a transferir e por um desajustamento no domicílio dos sujeitos fiscais. Nestes casos pode haver pacotes financeiros insuficientes para o cumprimento da provisão em termos de equidade e de qualidade.

A avaliação desta situação poderá conduzir às seguintes operações orçamentais (aliás, nos termos previstos nos princípios atrás referidos):

a) Reforço do pacote financeiro através da adaptação do orçamento inicial (antes da transferência); b) Adequação de medidas de modernização administrativa ao nível da administração regional para permitir

ganhos de eficiência na provisão dos bens públicos, no âmbito da atribuição e competência em causa. A solução será possivelmente encontrada numa combinação das duas operações, no sentido de combinar

o financiamento suficiente e a qualidade da provisão dos serviços públicos. De seguida, vai-se desenvolver o sistema de financiamento das regiões administrativas na componente de

transferências e participação na coleta de impostos nacionais, bem como da contratualização com outros níveis de governação (com predomínio do Estado central).

De forma esquemática, o financiamento poderá ser assegurado com as seguintes fontes financeiras: i) Receitas próprias da região; ii) Fundo geral regional; iii) Fundo especial regional; iv) Fundos de coesão regional; v) Derrama regional; vi) Participação na receita de impostos nacionais; vii) Contratualização de financiamento; viii) Participação na receita do ISP (imposto sobre produtos petrolíferos). Vejamos de seguida cada uma destas componentes de financiamento:

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a) Receitas próprias da região

Como já atrás referido, esta componente do financiamento será constituída por receitas com a função de taxa (contrapartida de serviços prestados e não com a característica de impostos de iniciativa regional).

Estarão assim incluídos o produto de cobrança de taxas e preços resultantes da concessão de licenças e da prestação de serviços pela região, bem como o produto de multas e coimas fixadas por Lei, regulamento ou postura.

Farão parte ainda das receitas próprias da região o rendimento de bens próprios diretamente administrados ou através de concessão, o produto de heranças, legados e doações, bem como a participação nos resultados de empresas públicas, de empréstimos e o produto da alienação de bens próprios.

b) Fundo Geral Regional

Esta componente é obtida através de uma percentagem da média aritmética simples da receita líquida proveniente de um conjunto de impostos: IRS+IRC+IVA (processo de cálculo semelhante ao utilizado para o Fundo de Equilíbrio Financeiro para os municípios). A percentagem dependerá do nível de competências atribuído às regiões administrativas (competências que não estejam fortemente associadas à satisfação de necessidades com fortes implicações sobre a equidade pessoal e territorial). Trata-se de uma transferência incondicional que assegurará, primeiro que tudo, os custos fixos de governação e que é fundamental para o cumprimento do princípio da autonomia da gestão da região administrativa. Este fundo deve assegurar também o financiamento de atribuições e competências em que as questões de equidade não são tão importantes. Para a provisão de serviços públicos com forte implicação em termos de equidade, pessoal e territorial, usar-se-á o Fundo Especial Regional, apresentado adiante.

No estudo do consultor foram realizadas várias alternativas para o cálculo e a repartição do Fundo Geral utilizando como hipótese mínima de financiamento 1% da receita líquida do IRS, IRC e IVA, o que dá uma estimativa de 96 195.956 € de transferências (dados de 2019).

Na repartição deste Fundo é importante que se defina uma grelha. Para tal procurou-se obter os critérios seguidos em Portugal para a repartição do Fundo Geral Municipal e do Fundo Geral Regional (Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira).

Após esta análise considerou-se, num primeiro cenário, que os parâmetros da repartição seriam os seguintes:

 Repartição por igual para assegurar os custos fixos de governação (5%);  População ajustada combinando a população residente e a população flutuante turística (entre 65 e

85%);  A área ponderada tem a ver com a amplitude altimétrica e com a dispersão geográfica do povoamento

(entre 10 e 30%). Em seguida, considerou-se a desagregação da população em dois grupos, <14 e >65, com parâmetros de

5% cada um e ainda o número de freguesias. Com base nestes critérios foram formuladas seis alternativas (A, B, C, D, E, F, com cinco variantes cada)

do Fundo Geral Regional, o que deu origem a 35 alternativas, cujo desenvolvimento pode ser visto em anexo para cada uma das cinco Regiões Administrativas (Volume II). A Comissão considerou as alternativas F (Tabela IV.2) como o cenário mais completo em termos de justiça de repartição e o que atende melhor à especificidade das regiões.

Critérios Alternativas F

F1 F2 F3 F4 F5

Por igual 5% 5% 5% 5% 5%

População residente ajustada 55% 60% 65% 70% 75%

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Critérios Alternativas F

F1 F2 F3 F4 F5

População <14 5% 5% 5% 5% 5%

População >65 5% 5% 5% 5% 5%

Área ajustada 25% 20% 15% 10% 5%

Número de freguesias 5% 5% 5% 5% 5%

Tabela IV.2 – Critérios Alternativos de Repartição do Fundo Geral Regional (alternativa F). Fonte: Costa, 2019 (Volume II) A partir destes critérios determinou-se a transferência per capita em cada uma das cinco regiões, tendo em

conta os vários critérios atrás explicitados para a alternativa F (Tabela IV.3).

NUTS II Alternativas F

F1 F2 F3 F4 F5

Norte 8,94 9,08 9,22 9,36 9,50

Centro 11,01 10,80 10,58 10,36 10,15

Lisboa 7,12 7,56 8,00 8,44 8,88

Alentejo 19,51 17,79 16,06 14,33 12,60

Algarve 12,38 12,34 12,29 12,25 12,20

Tabela IV.3 – Transferência per capita de 1% de Receita Líquida de IRS, IRC e IVA (alternativa F) Valores em euros. Fonte: Costa, 2019 (Volume II)

Com base nestes vários ponderadores, considerou-se aquele que tivesse uma diferenciação no valor per

capita, mas com um menor rácio de transferência per capita máxima / transferência per capita mínima, o que ocorre na alternativa F3.

Com base nesta alternativa fizeram-se os cálculos do que seria a transferência de 1% de receita líquida (média) de IRS, IRC, IVA, o que consta da Tabela IV.4.

NUTS II Transferência Transferência per capita

Norte 33 001 860,02 9,22

Centro 23 675 351,46 10,58

Lisboa 22 623 096,61 8,00

Alentejo 11 414 840,17 16,06

Algarve 5.414.840,73 12,29

Critério F3: por igual (5%); população ajustada (65%); população residente com 14 ou menos anos de idade (5%); população com 65 ou mais anos de idade (5%); área ponderada (15%); número de freguesias (5%)

Tabela IV 4 – Transferência de 1% de Receita Líquida de IRS, IRC e IVA (alternativa F3). Valores em euros. Fonte: Costa, 2019 (Volume II)

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c) Fundo Especial Regional Esta componente pretende financiar a oferta de serviços públicos onde se colocam de uma forma mais

evidente problemas de equidade pessoal e territorial e em que ter-se-á de ter em atenção a observância do princípio de suficiência de meios, para que os cidadãos possam ter acesso aos mesmos serviços públicos em igualdade de oportunidade e qualidade, independentemente do seu local de residência. Nestas atribuições e competências, o financiamento é assegurado pela via de transferências condicionais, tendo em conta cada um dos tipos de serviços públicos a prover. O cálculo do pacote financeiro deverá ser realizado de acordo com o respetivo custo real.

Esta solução está a ser adotada no processo em curso de transferências para os municípios, freguesias e comunidades intermunicipais. Será conveniente aproveitar a experiência destes cálculos para as finanças regionais, com as devidas adaptações.

Assim, a Comissão recomenda a necessidade de implementar a contabilidade analítica na administração regional para assegurar um cálculo mais rigoroso do atrás referido custo real dos serviços públicos. Para este tipo de atribuições e competências será adequado propor-se o gradualismo na implementação, à medida que se ganha experiência com o processo de transferências e de cálculo de custos.

Tendo em conta o conteúdo técnico destas operações, a Comissão propõe ainda a elaboração de legislação complementar à das finanças regionais para a definição do processo de cálculo específico de cada atribuição e competência.

d) Derrama regional sobre o IRC Existe atualmente uma derrama estadual sobre o IRC, a qual gera maiores problemas de assimetria entre

as regiões. Poder-se-á encarar uma derrama regional apenas para penalização de externalidades negativas, no

domínio ambiental ou outros. A Comissão recomenda o estudo desta opção, mas com critérios definidos por Lei da Assembleia

da República, eventualmente numa atualização da Lei das Finanças Locais, de tal forma que as atividades ou os sectores abrangidos por esta derrama sejam os mesmos em todo o território nacional.

e) Participação na receita do IRS e do IRC A participação na receita de impostos sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) ou coletivas (IRC)

permitirá às regiões (através da devolução parcial ou total destas receitas fiscais partilhadas com a Administração Central) assumir uma política de desenvolvimento com uma forte componente de dinamização da economia e de atração de atividades com grande valor acrescentado e rendimentos de trabalho e de capital elevados. Dever-se-á, contudo, ter em conta os eventuais efeitos perversos da concorrência fiscal entre regiões.

A participação no IRC permitirá uma política de incentivos à localização de empresas em zonas de baixa densidade.

Esta participação permitirá que as regiões administrativas possam ser dotadas de incentivos adequados para a governação, podendo assim assumir a responsabilização, em termos democráticos, das políticas públicas prosseguidas e da respetiva utilização de parte daqueles impostos para o financiamento destas políticas.

A Comissão propõe que esta opção de financiamento seja assegurada sem aumento da carga fiscal (que decorre da própria figura de participação na receita global dos impostos) e que seja articulada com o cumprimento efetivo do princípio da «suficiência de meios» no que se refere à responsabilidade direta das regiões administrativas.

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f) Participação na receita do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos) Esta componente destina-se a financiar a manutenção e a requalificação das infraestruturas rodoviárias

cuja gestão seja atribuída às regiões administrativas. Para manter a neutralidade fiscal deverá ser feita a partilha da Contribuição do Serviço Rodoviário incluída

no ISP em função dos quilómetros das rodovias transferidas.

g) Contratualização de financiamento Esta componente do financiamento refere-se essencialmente à programação financeira dos investimentos

com uma determinada dimensão (e como complemento ao financiamento já incluído no Fundo Geral para investimentos de pequena dimensão ou de reposição).

A Comissão recomenda a elaboração de um Programa de Investimentos e Desenvolvimento da Administração Regional (PIDAR), contratualizado com o Governo nacional, numa perspetiva plurianual e de acordo com a estratégia explicitada no Plano de Desenvolvimento Regional de cada região administrativa.

Nesta contratualização estariam também incluídos os projetos com financiamento comunitário. Para tal, dever-se-á negociar com o Governo nacional e as entidades da UE que administram os fundos comunitários o modelo mais adequado de Programas Regionais no âmbito da negociação dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento com a Comissão Europeia para o próximo ciclo de programação comunitária.

Qualquer que seja o modelo de contratualização nesta área, o mesmo deverá respeitar o princípio de autonomia dos órgãos das regiões administrativas no que se refere à gestão dos Programas Regionais, sem prejuízo da observação das orientações estabelecidas pelo Governo ou pela Comissão Europeia para o todo nacional.

Nesta componente, via contratualização, poderá haver uma preocupação de complementar a política de coesão inter-regional, também presente no já analisado Fundo de Coesão Regional.

Também se insere neste modelo de financiamento, via contratualização, o programa regional de investimentos designado por PIDAR e que será analisado de forma autónoma no ponto 7.

h) Fundos de Coesão Regional A criação dos Fundos de Coesão Regional (um por cada região administrativa) visa reforçar a coesão entre

as várias regiões administrativas e dentro de cada uma delas (coesão inter-regional e intrarregional). A promoção da coesão económica e social decorre diretamente do preceituado na Constituição,

nomeadamente no seu artigo 81.º, em que é afirmado explicitamente na alínea d): «Promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior».

São bem conhecidos os défices do cumprimento desta obrigação do Estado. A criação das regiões administrativas constitui uma oportunidade para olhar o território de forma mais direta, no que constituem os fatores responsáveis pela desigualdade de oportunidades territoriais. Em Portugal há numerosas faixas do território caracterizadas por baixos níveis de bem-estar e de qualidade de vida, bem visíveis entre o litoral e o interior (e não só). Os territórios onde as oportunidades são mais desiguais têm uma população de cerca de 2 milhões de habitantes e ocupam uma área superior a dois terços do país. Esta delimitação poderá atualmente ser referenciada através do agora designado Programa de Valorização do Interior, cujo mapa correspondente se encontra definido pela Portaria n.º 208/2017.

Face a esta realidade pode-se mesmo afirmar que a situação não é apenas grave no que se refere às grandes desigualdades económicas e sociais, mas também que se está perante uma degradação do sentimento de soberania nacional naqueles territórios. De facto, não é apenas a população que os abandona, mas o próprio Estado que retira serviços e desqualifica as competências das entidades desconcentradas.

Assim, a promoção reforçada da coesão económica, social e territorial terá de ser uma das grandes

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finalidades das regiões administrativas. A Comissão, tendo em vista a importância dos recursos necessários para a inclusão de uma componente

de reforço da coesão na estrutura de financiamento regional, estudou dois modelos alternativos. No que se refere a um primeiro modelo, o mesmo insere-se na lógica da criação do Fundo Geral Regional.

O Fundo de Coesão Regional seria uma componente do Fundo Geral (por exemplo, 25%), obedecendo, por sua vez, a uma repartição de acordo com a população residente ponderada por um indicador de esforço fiscal regional (20%) e pela população residente ponderada por um indicador de necessidade de desenvolvimento (80%).

O indicador de esforço fiscal seria dado pelo rácio da receita fiscal partilhada, considerando a devolução de impostos a residentes a dividir pela receita fiscal partilhada sem devolução de imposto. Se a devolução for de 5%, o indicador será de 0,5. Se não houver devolução, o indicador será de 1.

O indicador de necessidade de desenvolvimento seria dado pela diferença entre 100 e o Índice Sintético de Desenvolvimento Regional (ISDR) mais recente, publicado pelo INE. Se a região tiver um ISDR superior a 100, o indicador assume o valor zero.

Fazendo o cálculo da repartição do Fundo Geral Regional para alternativa F3, atrás calculada, e do Fundo de Coesão Regional, obtemos as seguintes transferências por região (Tabelas IV.5 e IV.6).

NUTS II Esforço Fiscal (a) Desenvolvimento Total

Norte 1 757 041,72 5 561 720,46 7 138 762,18

Centro 1 098100,16 7 546 004,60 8 644 101,76

Lisboa 1 387 575,11 0 1 387 575,11

Alentejo 350 888,65 3 417 535,56 3 768 424,21

Algarve 216 192,21 2 713 933,77 2 930 125,08

Total 4 809 797,75 19 239 191,40 24 048 989,25

(a) Considerando esforço fiscal igual a 1 em todas as regiões.

Tabela IV.5 – Fundo de Coesão: Repartição de 25% de 1% da Receita Líquida de IRS+ IRC + IVA. Valores em euros (alternativa F3). Fonte: Costa, 2019 (Volume II)

NUTS II Fundo Geral Regional (75%) Fundo de Coesão Regional (25%) (a) Total

Norte 24 751 395,02 7 138 762,18 32 070 157,20

Centro 17 756 513,60 8 644 101,76 26 400 615,36

Lisboa 16 967 322,46 1 387 575,11 18 354 897,57

Alentejo 8 610 606,13 3 768 424,21 12 379 030,34

Algarve 4 061 130,55 2 930 125,08 6 991 256,53

Total 72 146 967,75 24 048 989,25 96 195 957,00

(a) Considerando esforço fiscal igual a 1 em todas as regiões.

Tabela IV.6 – Fundo Geral Regional (75%) e Fundo de Coesão (25%): Repartição de 1% da Receita Líquida de IRS+IRC+IVA – Valores em euros. Fonte: Costa, 2019 (Volume II)

Na tabela seguinte (Tabela IV.7) é possível analisar a diferença de transferência per capita, considerando a

situação sem e com Fundo de Coesão, como parte do Fundo Geral Regional.

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NUTS II Fundo Geral Regional (100%) Fundo Geral Regional (75%) + Fundo de Coesão (25%) (a)

Transferência Transferência per capita Transferência Transferência per

capita

Norte 33 001 860,02 9,22 32 070 157,20 8,96

Centro 23 675 351,46 10,58 26 400 615,36 11,80

Lisboa 22 623 096,61 8,00 18 354 897,57 6,49

Alentejo 11 414 840,17 16,06 12 379 030,34 17,31

Algarve 5 414 840,73 12,29 6 991 256,53 15,87

Total 96 195 957,00 96 195 957,00

(a) Considerando esforço fiscal igual a 1.

Tabela IV.7- Comparação de Fundo Geral Regional (100%) e Fundo Geral Regional (75%) + Fundo de Coesão (25%) – Valores em euros (alternativa F3). Fonte: Costa, 2019 (Volume II)

Como se pode verificar nas tabelas anteriores, a consideração de um fundo de coesão por região beneficia

o Algarve, o Alentejo e o Centro. Admitindo que estas regiões optam por devolver aos seus residentes metade da receita de impostos partilhados, a distribuição dos fundos será a que consta do quadro seguinte (Tabela IV.8).

NUTS II

Fundo Geral Regional (75%) + Fundo de Coesão (25%) (b)

Fundo Geral Regional (75%) + Fundo de Coesão (25%) (a)

Transferência Transferência per capita Transferência Transferência per

capita

Norte 32 437 977,16 9,06 32 070 157,20 8,96

Centro 25 966 503,69 11,60 26 400 615,36 11,80

Lisboa 18 645 373,21 6,59 18 354 897,57 6,49

Alentejo 12 240 313,62 17,12 12 379 030,34 17,31

Algarve 69 057 689,32 15,68 6 991 256,53 15,87

Total 96 195 957,0096 195 957,00

(a) Considerando esforço fiscal igual a 1. (b) Esforço fiscal nas regiões Centro, Alentejo e Algarve igual a 0,5 e nas regiões Norte e Lisboa igual a 1.

Tabela IV.8 – Comparação de Fundo Geral Regional (100%) e Fundo Geral Regional (75%) + Fundo de Coesão (25%) – Valores em euros. Fonte: Costa, 2019 (Volume II)

Tendo em conta a necessidade de calcular também a forma de contribuir para o reforço da coesão

intrarregional, admite-se agora que a componente relativa ao nível de desenvolvimento é calculada para as NUTS III de cada região. Assim, a repartição de 80% do Fundo de Coesão Regional é feita proporcionalmente à população da NUTS III, ponderada pela diferença entre 100 e o índice sintético de desenvolvimento regional (ISDR) da NUTS III. Quando o ISDR é superior a 100 considera-se o valor 0. Daqui resulta uma repartição da componente de desenvolvimento por cada NUTS III.

No quadro seguinte (Tabela IV.9) apresentam-se os valores dos fundos de coesão regional considerando a nova forma de cálculo da “componente desenvolvimento” (base sub-regional), comparando-os com os

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resultados obtidos na Tabela IV.5, isto é, quando a componente desenvolvimento é calculada numa base regional.

Conforme se pode analisar nesta tabela, a região Norte é a favorecida com esta nova forma de cálculo. Tal ocorre devido à grande dispersão do ISDR (isto é, às elevadas assimetrias territoriais) na região.

Esta nova forma de cálculo implica que a transferência relativa aos fundos de coesão possa ser considerada como uma transferência condicional em bloco (liberdade de aplicação desde que A favor da NUTS II.

NUTS II Esforço Fiscal (a) Desenvolvimento

numa Base Regional Desenvolvimento numa Base Sub-

regional

Fundo de Coesão

Base Regional Fundo de Coesão Base Sub-regional

Norte 1 757 041,72 5 561 720,46 7 364 297,07 7 138 762,18 9 121 338,79

Centro 1 098 100,16 7 546 004,60 6 631 231,97 8 644 101,76 7 729 332,13

Lisboa 1 387 575,11 0 0 1 387 575,11 1 387 575,11

Alentejo 350 888,65 3 417 535,56 2 912 988,76 3 768 424,21 3 263 877,41

Algarve 216 192,21 2 713 933,77 2 330 673,59 2 930 125,08 2 546 865,8

Total 4 809 797,75 19 239 191,40 19 239 191,40 24 048 989,25 24 048 989,25

(a) Considerando esforço fiscal igual a 1 em todas as regiões.

Tabela IV.9 – Comparação do Fundo de Coesão Regional Calculado numa Base Regional e Sub Regional. Valores em euros (alternativa F3). Fonte: Costa, 2019 (Volume II)

Para além deste modelo para a criação do Fundo de Coesão Regional a partir do Fundo Geral, foi

admitido pela Comissão um outro modelo. Este segundo modelo baseia-se na Política Nacional de Coesão, financiada pela política de coesão

da UE, mediante afetação de fundos comunitários significativos à coesão regional a promover pelas regiões administrativas.

Estes Fundos Regionais de Coesão deverão agregar fundos comunitários e verbas nacionais requeridas pelas regras de cofinanciamento.

Para ilustrar os volumes financeiros que poderão aqui ser envolvidos, considere-se um caso hipotético de um ciclo de programação com uma dotação de transferências da UE igual à do ciclo 2014-2020: 21,5 mil milhões de euros. Se se admitir que os fundos comunitários a afetar aos Fundos Regionais de Coesão correspondem a 20% das transferências, caberiam a esses fundos 4,2 mil milhões de euros, ou seja, uma média anual de 600 milhões de euros. Acresceria o cofinanciamento nacional à taxa acordada, supondo 25%, o que corresponderia a 200 milhões de euros.

Uma primeira e importante vantagem comparativa deste modelo relativamente ao modelo alternativo concebido como especialização do Fundo Geral Regional seria a sua maior dotação financeira global, com uma drástica redução do contributo do Orçamento do Estado Português para igual nível de despesa total de coesão.

Cabe agora propor, em relação a estes Fundos de Coesão, o processo de articulação da respetiva gestão entre as Regiões Administrativas e o Estado.

A Comissão considera que, neste caso específico, dever-se-á evitar o risco de se desenvolverem condições regionais que os cidadãos de outras regiões possam ter por discriminatórias e atentatórias da coesão nacional.

Em consonância, haverá que assegurar o bom uso extensivo da autonomia regional, mas dentro do quadro geral, comum a todas as regiões, da política nacional de desenvolvimento regional e do reforço da coesão económica, social e territorial do país.

No Capítulo 2 far-se-á uma explicitação da justificação e do funcionamento dos Fundos Regionais de Coesão.

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1.7 – Programa de Investimentos e Desenvolvimento da Administração Regional (PIDAR) A função investimento ao nível regional, devido às suas características, à proximidade das populações e à

forte articulação com o investimento privado, deverá ter um processo próprio de conceção, decisão e implementação no âmbito do financiamento por contratualização. Também deverá ser incluído o investimento candidato ao cofinanciamento comunitário.

Em termos de enquadramento processual do orçamento, o programa de investimentos aqui tratado deverá seguir, com as devidas adaptações, o previsto no artigo 45.º da Lei de Enquadramento Orçamental (versão de 2015), referente à caracterização dos programas orçamentais, e o artigo 46.º-B da Lei n.º 51/2018, de 16 agosto (Lei das Finanças Locais), relativo ao Plano Plurianual de Investimentos.

Para além da experiência portuguesa, entretanto descontinuada, do PIDDAC e da sua versão de identificação espacial dos investimentos, ter-se-á em consideração as recomendações da OCDE sobre esta matéria (Recommendation of the Council on Effective Public Investment across Levels of Government – adopted on 12 March 2014).

Analisando as recomendações de boas práticas recomendadas pela OCDE, destacam-se as seguintes: a) Promover a avaliação dos projetos de investimento tendo em conta os fatores regionais de crescimento

económico; b) Considerar o processo de contratualização envolvendo os vários níveis de administração; c) Estabelecer plataformas flexíveis de coordenação; d) Garantir processos de avaliação independente ex-ante e ex-post e estabelecer um guião de avaliação

de projetos; e) Garantir um sistema de informação pública sobre o ciclo de projetos de investimento ao nível regional; f) Mobilizar a participação dos atores privados ou públicos de outros níveis em eventuais co-

financiamentos dos investimentos. Tendo em conta os pontos anteriores, a Comissão recomenda o seguinte processo:  Promoção de um Plano de Desenvolvimento Regional, explicitando a política de desenvolvimento

integrada e representativa das preferências de todos os agentes regionais públicos e privados e a consequente definição de um programa de investimentos públicos;

 Acompanhamento pelo Conselho Regional (entidade semelhante à que já existe junto das CCDR) da elaboração do Plano e emissão de um parecer final sobre o mesmo. O Plano acompanhado deste parecer será submetido a deliberação da Assembleia Regional;

 O Plano será objeto de contratualização envolvendo os níveis de decisão central e municipal, de acordo com o financiamento acordado. A contratualização com a administração central é obrigatória devido à relevância do financiamento. O Plano será constituído por duas partes essenciais: a primeira contendo o diagnóstico e a estratégia e a segunda o PIDAR;

 Os investimentos acima de determinado valor (por exemplo, 5 milhões de euros) serão objeto de uma avaliação independente custo-benefício, coordenada por uma Comissão especializada da Assembleia Regional. Os resultados da avaliação serão publicitados;

 A contratualização do PIDAR incluirá o quadro plurianual dos investimentos, podendo o financiamento assumir as seguintes modalidades:

i) Investimento do OE a transferir anualmente para a administração regional; ii) Cofinanciamento comunitário nos termos previstos no ciclo de programação da política regional

europeia (Acordo de Parceria); iii) Cofinanciamento através de parcerias público-privadas ou públicas-públicas (com a administração

central ou administração municipal). O PIDAR inclui todos os projetos de investimento cuja conceção e execução é da responsabilidade

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da administração regional, incluindo os que são financiados por receitas próprias ou através do Fundo Geral Regional.

Este programa deverá apresentar um quadro plurianual e referir-se aos vários programas contidos no Plano de Desenvolvimento Regional.

O PIDAR obedecerá a uma apresentação plurianual deslizante e será um quadro obrigatório anexo ao orçamento da região administrativa.

1.8 – Endividamento O endividamento das Regiões Administrativas deverá seguir, com as devidas adaptações, o já preceituado

para as restantes autarquias locais, nomeadamente a Lei n.º 51/2018 (versão atual da Lei das Finanças Locais) no seu capítulo V (Endividamento).

No entanto, em matéria de financiamento do investimento deverá ser dada preferência à modalidade de contratualização com a administração central, como atrás referido. Neste caso, o eventual endividamento ficará a cargo deste nível de governação, permitindo a sua consolidação ao nível central, no quadro das regras orçamentais europeias e nos termos do Programa de Estabilidade.

No caso de se optar pelo endividamento ao nível regional, poder-se-ão seguir como referência, com as devidas adaptações, os termos e os critérios previstos na já citada Lei n.º 51/2018.

A Comissão recomenda que, independentemente da observância da legislação sobre endividamento aplicável às restantes autarquias, possa haver «normas travão» sobre o nível de endividamento das Regiões Administrativas no âmbito de um processo de contratualização.

1.9 – Tutela inspetiva e auditoria de contas A Comissão recomenda que a tutela inspetiva seja exercida pelo Estado, nos mesmos termos

fixados para as restantes autarquias locais (municípios e freguesias). Por outro lado, a Assembleia Regional deve ser dotada dos poderes e recursos necessários à fiscalização

efetiva da execução orçamental e da prestação de contas por parte do órgão executivo.A auditoria de contas deverá seguir os mesmos procedimentos previstos na referida Lei quanto à

certificação legal de contas. No entanto, por decisão da Assembleia Regional poderá, sempre que tal se justifique, proceder-se à

contratação de entidades especializadas em auditoria financeira para efetuar avaliações de situações específicas.

No que se refere ao julgamento de contas por parte do Tribunal de Contas, dever-se-á ponderar a existência de secções regionais daquele tribunal, a fim de tornar a aplicação bastante mais extensiva.

1.10 – As atribuições e competências regionais e o modelo de financiamento O modelo de financiamento a definir para as Regiões Administrativas depende das atribuições e

competências que forem atribuídas àquelas autarquias e do seu gradualismo. O nível mínimo terá como referência as atribuições e competências atualmente atribuídas às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), o que corresponde à função de planeamento regional, à gestão de parte dos fundos comunitários e de diversas áreas do ordenamento do território e do ambiente. Este domínio é notoriamente exíguo, embora muito importante e transversal.

A Comissão considera que, para além destas atribuições e competências, se poderá ainda considerar, num processo de negociação com o Estado e com os municípios e as entidades intermunicipais, um conjunto adicional de atribuições e competências que possam ser consideradas no primeiro mandato de funcionamento das Regiões Administrativas.

Seja qual for a evolução deste processo gradual, a Comissão recomenda que no final de dois mandatos (oito anos) e, como atrás já referido, no âmbito da evolução gradual, programada e faseada do processo de descentralização se possa atingir um nível de atribuições e competências transferidas da

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Administração Central que corresponda a 12% do PIB. Tratando-se de um processo gradual deve o mesmo ter metas intermédias, pelo que se apresenta a situação ao fim do primeiro mandato, 4 anos, com um nível de atribuições e competências que represente 8,5% do PIB. Tal significa que entre o ano 0 e o ano 8 se procede a um conjunto de transferências de atribuições e competências cujo valor em despesa pública corresponde a cerca de 12 mil milhões de euros (preços de 2017), atingindo um total de 23 mil milhões de euros, o que representa, como acima referido, 12% do PIB (Tabela IV.15).

Este é um processo em que não há aumento de despesa global das administrações públicas, mas apenas transferência entre níveis de governação.

O estudo do consultor Prof. José Costa (em anexo, Volume II) apresenta vários cenários para as atribuições e competências, bem como para a correspondente dimensão financeira dos orçamentos regionais.

A título de exemplo, considerar-se-á o cenário designado de médio, apresentado no estudo e que se aproxima do valor estimado pela Comissão para o nível de descentralização ao fim do primeiro mandato após a instalação das regiões administrativas.

COFOG Despesa Pública 2016 Peso Gov.

Subnacionais (2016)

Peso Médio Gov. Subnacionais na

UE24 (2016) Cenário Médio

Transf. de Despesa Pública

Proteção Social 33 473,70 0,024 0,134 0,08 1 841,05

Educação 8 906,60 0,155 0,373 0,26 970,27

Desporto, Recreação, Cultura, Religião 1 625,40 0,584 0,567 0,584 0,00

Saúde 11 271,50 0,06 0,252 0,16 1 082,06

Habitação e Infraestruturas Coletivas 965,70 0,913 0,54 0,913 0,00

Proteção Ambiente 1 061,00 0,782 0,731 0,782 0,00

Assuntos Económicos 5 932,40 0,276 0,312 0,312 213,57

Segurança e Ordem Pública 3 298,90 0,034 0,201 0,08 135,25

Defesa 1 580,10 0,00 0,01 0,00 0,00

Serviços Gerais da Administração Pública 15 454,00 0,114 0,188 0,188 1 143,60

Transferência de Despesa Pública tipo 1 1 492,42

Transferência de Despesa Pública tipo 2 (impacto

equidade) 3.893,39

Total 5 385,81

Tabela IV.10 – Cenário médio – Evolução do Peso dos Governos Subnacionais na Despesa Pública Total. Valores da despesa pública em milhões de euros. Fonte: Eurostat e cálculos de Costa, 2019 (Volume II)

Neste estudo é apresentado uma tabela do mesmo tipo, em que o nível de descentralização se aproxima

da convergência para a média da UE28 que a Comissão propõe para o fim do segundo mandato (Tabela IV.11).

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COFOG Desp. Pública (2016) Peso Gov.

Subnacionais (2016)

Peso Médio Gov. Subnacionais na UE24

(2016) Cenário

Final Transf. de Despesa Pública

Proteção Social 33 473,70 0,024 0,134 0,134 3 682,11

Educação 8 901,60 0,155 0,373 0,373 1 940,55

Desporto, Recreação, Cultura, Religião 1 625,40 0,584 0,567 0,584 0

Saúde 11 271,50 0,06 0,252 0,252 2 164,13

Habitação e Infraestruturas Coletivas 965,70 0,913 0,54 0,913 0

Proteção Ambiente 1 061,00 0,782 0,731 0,782 0

Assuntos Económicos 5 932,40 0,276 0,312 0,312 213,57

Segurança e Ordem Pública 3 998,90 0,034 0,201 0,201 550,92

Defesa 1 580,10 0,00 0,01 0,00 0

Serviços Gerais da Administração Pública 15 454,00 0,114 0,188 0,188 1 143,60

Transf. Despesa Pública tipo 1 2 024,98

Transf. Despesa Pública tipo 2 (impacto equidade) 7 786,78

Total 9 811,76

Tabela IV. 11 – Cenário Final – Evolução do Peso dos Governos Subnacionais na Despesa Pública Total. Valores da despesa pública em milhões de euros. Fonte: Eurostat e cálculos próprios

A Comissão, por sua vez, considera que as atribuições previstas na Lei n.º 56/91, de 13 de agosto,

constituem uma base geral adequada para o elenco definitivo e específico dessas atribuições. A ponderação dessas atribuições e do respetivo financiamento pode ser feita tendo em conta três níveis

para a respetiva dimensão. O primeiro nível considera o nível mínimo das atribuições e competências regionais, como acima referido.

Neste caso, e utilizando como fonte a despesa destas comissões, constantes do Orçamento do Estado de 2019, estaríamos perante um valor que ascende a 70,8 milhões de euros.

O segundo nível seria o de ampliar as atribuições aos sectores com orçamentos próprios atribuídos a Direções Regionais e constantes do Orçamento do Estado. Esta situação aplica-se, por exemplo, às Direções Regionais da Cultura e da Agricultura e Pescas, cujo valor previsto para 2019 é de 95,4 milhões de euros.

O terceiro nível corresponde à definição de atribuições e competências aplicando o princípio da subsidiariedade e a avaliação da eficiência na afetação de recursos derivada da política de proximidade e do controlo democrático dos cidadãos.

O estudo do consultor (em anexo, Volume II) apresenta uma estimativa da magnitude das fontes de financiamento dos Governos regionais, fazendo um exercício de cenarização tendo em conta o peso da despesa subnacional na despesa pública total em Portugal por classificação das funções do Governo (COFOG – Classification of the functions of government, Eurostat 2016) e a convergência para a média europeia (considerando o peso em cada COFOG para os 24 países não federais ou quase federais da UE).

A Tabela IV.10 apresenta, como já se referiu, o cenário médio deste estudo. A Tabela IV.11 apresenta o cenário final com uma possível configuração de transferência de funções, que se aproxima da média da UE.

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De notar que a convergência para a média europeia só é possível com transferências para o nível subnacional, com valores muito relevantes, nas funções (COFOG) Proteção Social, Saúde e Educação.

Neste contexto de convergência do aprofundamento da descentralização a Comissão recomenda, como atrás já referido, que ao fim de dois mandatos (8 anos) se possa atingir um valor de despesa subnacional que represente 12% do PIB (admitindo uma subida progressiva da média europeia de 10,7% para 12% no ano 8) e tendo como referência que, ao fim do primeiro mandato, se atinja 8,5% do PIB (Tabela IV.15).

Fez-se, entretanto, uma estimativa para os custos de instalação e funcionamento das cinco Assembleias Regionais, tendo-se estimado um valor global de 5 milhões de euros, admitindo como hipóteses que o número total de Deputados regionais não ultrapassaria os 320, que exerceriam funções a tempo parcial (a remuneração limita-se a senhas de presença de valor semelhante às dos Deputados municipais) e que haveria uma média de 20 sessões anuais por assembleia. Nestes custos estão incluídas as estruturas de apoio técnico do funcionamento da assembleia, as comissões especializadas, bem como as despesas para o trabalho de contacto com as populações no território de cada região.

No que se refere aos custos de funcionamento das cinco Juntas Regionais, considerou-se o que está previsto nos orçamentos das CCDR com um acréscimo de 40% para compensar a eventual suborçamentação e transferências de funções de governação, o que implica um acréscimo de 28 milhões de euros e um total de cerca de 100 milhões de euros.

Daqui se pode inferir que os custos de funcionamento dos órgãos das regiões administrativas não ultrapassam os 105 milhões de euros, sendo que o acréscimo de custos face à situação «sem regiões» será de cerca de 33 milhões de euros.

Os vários cenários apresentados, e que conduziram à recomendação da Comissão, permitem concluir que é longo e complexo o caminho para a definição das atribuições regionais e o respetivo financiamento. Este caminho terá de ter em conta a desejada estrutura de governação a três níveis para Portugal, condicionada também pelo processo de transferência de competências, em curso, para os municípios e freguesias e pela capacidade política de introduzir reformas descentralizadoras na administração pública portuguesa.

Os cenários constantes do estudo solicitado pela Comissão (em anexo, Volume II) apontam, como hipótese de trabalho, que a participação no IRS dever-se-ia situar nos 2,5% e que o Fundo Geral Regional deveria ser calculado a partir de uma participação de 9,75% da média da receita líquida de IRS+IRC+IVA. Estes valores poderão ser alterados, dependendo da partilha entre transferências condicionais e transferências incondicionais que se vai operar ao longo do processo de descentralização.

Com base nos cenários e nas hipóteses de trabalho atrás expostos, a Comissão propõe a estrutura de financiamento exposta na Tabela IV.12 e quantificada nas Tabelas IV.13 e IV.14.

Atribuições e competências Fontes de financiamento

Atualmente exercidas pelas CCDR: Planeamento regional Gestão de fundos comunitários Ordenamento do território Ambiente e recursos hídricos

Receitas próprias Impostos partilhados

Fundo Geral Regional Contratualização

Novas atribuições e competências das Regiões Administrativas (que não levantam problemas de equidade pessoal e territorial)

Novas atribuições e competências das Regiões Administrativas (que levantam problemas de equidade pessoal e territorial)

Fundo Especial Regional Contratualização

Atribuições e competências no domínio do investimento e dos programas operacionais regionais

Fundos de Coesão PIDAR

Nota: A correspondência entre as duas colunas da tabela pode sofrer alterações na sequência da legislação sobre financiamento regional que vier a ser aprovada

Tabela IV.12 – Atribuições e competências e fontes de financiamento. Fonte: elaboração Comissão

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Despesas Ano 1 Ano 4 Ano 8

Instalação e competências (ex CCDR) Junta Regional Assembleia Regional

100 5

100 5

100 5

Outras competências (outros serviços regionais) Regiões Administrativas

115

115

115

Novas competências Regiões Administrativas

4985

11740

Total 220 5205 11960

Tabela IV.13 – Cenário proposto para a instalação e evolução das Regiões Administrativas (despesa em milhões de euros, preços de 2017). Fonte: Cálculos da Comissão

Receitas Ano 1 Ano 4 Ano 8

Fundo Geral Regional 220 1000 1000

Fundo Especial Regional. – 2305 9060

Fundos de Coesão Regional – 800 800

Contratos de Investimento – 600 600

Participação no IRS+IRC+Derrama – 500 500

Total 220 5205 11960

Tabela IV.14 – Cenário proposto para a instalação e evolução das Regiões Administrativas (receita em milhões de euros, preços de 2017). Fonte: Cálculos da Comissão

UE 28 Ano 0 Ano 0 Ano 4 Ano 8

Despesa Pública Subnacional (milhões de euros) 1 633 900 11 200 16 405 23 160

% Despesa Pública Subnacional no PIB 10,7 5,8 8,5 12

% Despesa Pública Subnacional no Total da Despesa Pública 23,3 12,6 18,5 26,1

Nota: O ano 0 corresponde a 2017, ano a que se referem os dados e os preços

Tabela IV.15 – Grau de Descentralização em Portugal em comparação com a UE (preços de 2017). Fonte: Cálculos da Comissão com base em dados das tabelas IV.11 e IV.12 e OECD

Do quadro anterior sublinha-se que a medida do grau de descentralização é dada pela relação entre a

despesa pública subnacional e o PIB e pela relação entre esta despesa e a despesa pública total. No que respeita aos valores absolutos deve ter-se em conta que estes cálculos são feitos com valores a preços constantes de 2017, com todas as limitações que tal pressuposto introduz na relação entre despesa pública e PIB ao longo de um período de 8 anos.

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Fontes bibliográficas e de dados Alexandre, F. (coord.), (2019), Assimetrias e Convergência Regional: Implicações para a Descentralização

e Desconcentração do Estado em Portugal, Estudo da Universidade do Minho para a Associação Comercial do Porto.

Baleiras, R, Dias, R e Almeida, M (2018), Finanças Locais. Princípios Económicos, Instituições e a Experiência Portuguesa desde 1987, Conselho das Finanças Públicas, Lisboa.

Conselho das Finanças Públicas (2012), Princípios para a Revisão das Leis de Finanças Públicas Subnacionais, CFP, Lisboa.

Ministério das Finanças (2019), Orçamento do Estado (2019), Ministério das Finanças, Lisboa. Musgrave, R (1986), «The Economics of Fiscal Federalism», in Public Finance in a Democratic Society,

New York University Press, New York. OECD (2018), Key data on Local and Regional Governments in the European Union (brochure), OECD,

Paris. OECD (2019a), Decentralisation and Regionalisation in Portugal: Lessons from International Experience

and Reform Alternatives, OECD, Paris. OECD (2019b), Regional Outlook, OECD, Paris. Olson, M (1969), «The Principle of Fiscal Equivalence: The Division of Responsabilities Among Different

Levels of Government», The American Economic Review, vol.59, Maio, pp. 479-487. Peneda, J (Relator), (2017), Parecer sobre «Proposta de Lei n.º 62/XIII, que estabelece o quadro de

transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais», Conselho Económico e Social, Lisboa.

Pereira, P, Afonso, A, Arcanjo, M e Santos, J (2016), Economia e Finanças Públicas, Escolar Editora,

Lisboa. Pimpão, A (2015), «A Modernização do Estado e as Autarquias Locais» in Paulo Neto e Maria Manuel

Serrano (coords.), Políticas Públicas, Economia e Sociedade, Nexo Literário, Alcochete, pp. 1-12. Anexos (Volume II)

Estudos do consultor Professor José Costa (Faculdade de Economia, Universidade do Porto)

Anexo 1 – Princípios a seguir no financiamento das Regiões Administrativas Anexo 2 – As atribuições e competências das Regiões Administrativas Anexo 3 – Modelos de financiamento Anexo 4 – Modelos alternativos de financiamento no caso português

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CAPÍTULO 2 – FUNDOS REGIONAIS DE COESÃO O artigo 81.º da Constituição da República estabelece as incumbências prioritárias do Estado no âmbito

económico e social. Designadamente, nesse âmbito incumbe prioritariamente ao Estado: i) «Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em

especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável; ii) Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correções

das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal; iii) Promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no

sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior.»

A descentralização e a criação de regiões administrativas são grandes reformas de Estado destinadas a

melhorar significativamente o cumprimento daquelas exigências constitucionais. Para este efeito, é imperioso criar Fundos Regionais de Coesão dotados dos meios requeridos pelo

reforço prioritário da coesão no âmbito territorial de cada região. Os recursos envolvidos têm de ser de montante adequado, e não apenas pouco mais que simbólicos.

A Comissão recomenda a constituição desses Fundos segundo um modelo enquadrado na lógica da Política Nacional de Coesão financiada pela Política de Coesão da União Europeia, mediante a afetação de fundos comunitários significativos à coesão regional a promover por cada uma das Regiões Administrativas.

Por que razão devemos adotar um enquadramento tão pesadamente regulamentado tanto a nível comunitário como a nível nacional? Não deveriam os Fundos Regionais de Coesão ser geridos no amplo uso da autonomia própria de cada Região Administrativa? Nesse quadro, os órgãos regionais definiriam como melhor entendessem as condições de aplicação dos recursos, desde os territórios elegíveis à natureza dos projetos a apoiar e aos procedimentos a cumprir para a aprovação dos projetos e o controlo da sua execução.

Neste contexto, seria inevitável que ocorressem significativas diferenças operacionais entre as diferentes regiões. Sem dúvida que o bom uso da autonomia regional é um pilar fundamental da construção do futuro do país, o que implica a aceitação natural de graus de variabilidade de objetivos e de procedimentos dentro do respeito dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, independentemente da Região em que vivam. Mas importa ter presente que nesse domínio um erro grave a evitar é o eventual desenvolvimento de condições regionais que os cidadãos de outras regiões possam ter por discriminatórias e atentatórias da coesão nacional.

E esse risco existe, indubitavelmente, com o avanço de modelos fundamentalmente enraizados na autonomia própria de cada Região Administrativa.

Em alternativa, haverá que assegurar o bom uso extensivo dessa autonomia dentro de um quadro geral, comum a todas as regiões, da política nacional quanto ao reforço da coesão económica e social.

Por razões óbvias, é preciso dar coerência, lógica harmonicamente integrada e interligação sinergística à nossa política de coesão aos níveis central, regional e local. É nesse quadro que deverá ter lugar o funcionamento dos Fundos Regionais de Coesão. A proliferação de intervenções (ad hoc), para isto e para aquilo, por iniciativa própria de uma grande variedade de poderes fragmentários é um dos problemas mais negativos suscitados pelas nossas políticas públicas de desenvolvimento económico e social.

Os programas de aplicação de fundos comunitários negociados periodicamente com a União Europeia no âmbito da sua Política de Coesão têm sido, e continuarão a ser, a vertente forte da Política Nacional de Coesão. Assim, é racional que os Fundos Regionais de Coesão sejam essencialmente concetualizados e operacionalizados de harmonia com essa vertente. Além do mais, é aí que se concentram os recursos que estão sendo dedicados à política nacional de coesão.

Assim, devemos chegar a Programas Operacionais Regionais de Coesão financiados pela agregação de recursos comunitários e nacionais segundo níveis e estruturas financeiras a negociar para cada ciclo de programação no âmbito comunitário.

Há quatro questões-chave a tratar: objetivos; organização e procedimentos; dimensão e estrutura financeira; e territórios elegíveis em nome da coesão nacional e regional.

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 Objetivos Que objetivos? Para o próximo ciclo de programação 2021-2027 a Comissão Europeia estabeleceu cinco

prioridades:  uma Europa mais inteligente, através da inovação, da digitalização, da transformação económica e do

apoio a PME;  uma Europa mais verde e descarbonizada, implementando o Acordo de Paris e investindo na transição

energética, em energias renováveis e na luta contra as alterações climáticas;  uma Europa mais conectada, com transportes estratégicos e redes digitais;  uma Europa mais social, implementando o Pilar Europeu de Direitos Sociais e apoiando o emprego de

qualidade, a educação, a aquisição de competências, a inclusão social e a igualdade de acesso aos cuidados de saúde;

 uma Europa mais próxima dos cidadãos, mediante o apoio a estratégias de desenvolvimento de base territorial e o desenvolvimento urbano sustentável através da Europa.

Nestas prioridades, onde está Europa leia-se Portugal e as suas regiões. Certamente não será difícil

defender os nossos objetivos prioritários de coesão regional de acordo com as cinco prioridades estabelecidas para a Política de Coesão da União Europeia, igualmente a consagrar, por sua vez, no futuro Portugal.

 Organização e procedimentos Vistos os objetivos, diga-se que em matéria de organização e procedimentos existe tão vasta e testada

acumulação de conhecimentos, experiências e perceções de aspirações que nada mais resta que remeter a resolução desses problemas para a exploração inteligente de tão importante conjunto de ativos nacionais e regionais.

 Dimensão e estrutura financeira Já quanto a níveis e estrutura dos recursos financeiros, em princípio, os Fundos Regionais deverão agregar

fundos comunitários e as verbas nacionais requeridas pelas regras de cofinanciamento. Consideremos que os fundos comunitários em causa correspondem a 20% das transferências a operar ao abrigo da Política de Coesão da União Europeia.

Esta recomendação fundamental terá de certeza muitos e poderosos adversários, dadas as obstinadas solicitações vindas de todo o lado a que os fundos comunitários estão sujeitos. Mas convirá não esquecer as finalidades atribuídas a essas transferências.

O Tratado de Amesterdão (1997) acolheu pela primeira vez o princípio da coesão territorial. Mas o decisivo desenvolvimento foi o Tratado de Lisboa (2009), que inscreveu a coesão territorial como o terceiro pilar da Política de Coesão Europeia, consagrando-a definitivamente como política por excelência territorializada.

Nestes termos, e uma vez criadas as Regiões Administrativas, seria desconcertante que fossem negados aos Fundos de Coesão Regional financiamentos por transferências exclusivamente destinadas à concretização da Política de Coesão da União Europeia em Portugal.

Para efeitos ilustrativos dos volumes financeiros envolvidos, consideremos o caso hipotético de um ciclo de programação com uma dotação de transferências da União Europeia igual à do ciclo 2014-2020: 21,5 mil milhões de euros. Em todo o período de programação caberiam aos Fundos Regionais 4,2 milhões de euros. Ou seja, uma média anual de 600 milhões de euros. A que acresceria o cofinanciamento nacional da ordem de 200 milhões de euros, supondo um coeficiente de cofinanciamento de 25% do total.

Este coeficiente está ainda dependente de negociações entre o Governo e a Comissão Europeia. Atualmente, em aplicações com intervenção das CCDR os fundos comunitários financiam 85% da despesa elegível, ou seja, o cofinanciamento é de 15% Para o próximo ciclo de programação a Comissão propõe que o cofinanciamento nacional seja de 30% Provavelmente, o Governo português conseguirá melhor em

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negociações. Admitamos que o cofinanciamento não irá além de 25%. Para o mesmo investimento total, o modelo proposto necessitaria de um contributo orçamental cinco vezes

menor que o modelo alternativo sem recurso a fundos comunitários e financiado a partir do IRS, do IRC e do IVA C. Continuando o orçamento nacional sob grande pressão na próxima década, vantagens desta magnitude não poderão deixar de ter relevância muito significativa.

 Territórios elegíveis em nome da coesão nacional e regional Na ótica da política de coesão negociada com a União Europeia, os territórios a beneficiar deverão ter, de

modo geral, um PIB per capita igual ou inferior a 75% da média da União Europeia. Uma vez ultrapassado este limiar, as regiões passam a beneficiar de um regime de transição bastante menos generoso.

Norte, Centro e Alentejo são as regiões essencialmente beneficiárias dos fundos estruturais comunitários. Todo o seu território é elegível para efeitos de aplicações de um Programa Operacional Regional. Já o mesmo não é verdadeiro, com exceção do Alentejo, no que respeita ao Programa de Valorização do Interior, que estabelece diferenças de apoio quer dentro da Região Norte, quer dentro da Região Centro, quer ainda em certas freguesias do Algarve e mesmo da Região de Lisboa e Vale do Tejo. O grande interesse nacional e regional que está sendo dedicado aos problemas do Interior levou a Comissão a dar especial atenção a essa temática.

Serão grandes as expectativas das populações do Interior quanto a futura existência de Fundos Regionais de Coesão. Por isso, importa à Comissão ser clara quanto ao que pensa dos efeitos a esperar desses Fundos, muito em especial no que toca ao tipo de investimento a apoiar decisivamente nos territórios de baixa densidade.

O fulcro do funcionamento preconizado para os Fundos Regionais de Coesão está inscrito na estratégia de desenvolvimento territorial delineada concisamente na Parte I deste Relatório Final da Comissão.

Essa estratégia encara o futuro do país sem concessão a divisionismos. Pelo contrário, vê o país como um todo, envolvendo conjuntamente Norte e Sul, Litoral e Interior e áreas urbanas e áreas rurais na construção eficiente e na fruição equitativa da prosperidade e do bem-estar dos portugueses por todo o território nacional. O modelo de desenvolvimento proposto no presente Relatório é um modelo integrado aplicável ao desenvolvimento sustentável do país, com imediato início de realização.

A Comissão entende que é essencial a integração do Interior na concretização desse desígnio nacional. A Comissão entende também que esse objetivo de estratégia integrada merece e precisa de significativa majoração de incentivos no âmbito territorial. Por isso, a Comissão recomenda a majoração dos projetos a realizar no Interior nos coeficientes máximos que vierem a ser estabelecidos nas necessárias negociações com a Comissão Europeia, no sentido de melhor assegurar a solidez duradoura e proveitosa da participação das pessoas e dos territórios do Interior nas dinâmicas de mudança que transformarão o país.

Isto dito, resta à Comissão tornar também claro o que não pode compreender do ponto de vista da desejável estratégia nacional.

A Comissão não compreende que o Interior possa vir a vencer decisivamente as suas fragilidades estruturais sem o seu envolvimento profundo, e por dentro, na estratégia nacional integrada de desenvolvimento. Considerar os territórios do Interior desgarradamente como um ghetto apartado e isolado das grandes dinâmicas nacionais é, sem dúvida, incompatível com a resolução estrutural de graves estados de necessidade local.

Mais, nessa perspetiva desintegrada da formação e propagação das grandes dinâmicas nacionais, o Interior assistirá certamente ao agravamento dos seus problemas estruturais. Porquê? Porque é inevitável o clamoroso fracasso de políticas fundadas em isolados e obsoletos particularismos territoriais.

Em princípio, a majoração acima recomendada tem a finalidade de incentivar o investimento em projetos no Interior devidamente alinhados com a estratégia nacional integrada de desenvolvimento sustentável. Uma das questões operacionais que esta recomendação suscita é a delimitação do Interior.

Propõe-se uma definição territorial em consonância com o Programa de Valorização do Interior, assegurando também a prossecução das orientações inscritas na programação negociada com a União Europeia.

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Essa definição está no Mapa de Territórios de Baixa Densidade, a seguir reproduzido.

Figura IV.1 – Mapa dos Territórios de Baixa Densidade. Fonte: Deliberação CIC Portugal 2020, 1 de julho de 2015 e Portaria

208/2017, de 13 de julho Neste momento, convém ter presente uma nota interpretativa do que deva ser considerado investimento

em benefício do interior nos termos enunciados. É frequente e importante o desenvolvimento de fatores de coesão nos territórios do interior a partir de projetos localizados em áreas exteriores adjacentes. Por exemplo, em matéria de ativação de sistemas regionais de inovação e de aumento de escala de certas infraestruturas seria contraproducente excluir a priori qualquer intervenção desse tipo ditada mecanicamente pelo Mapa dos Territórios de Baixa Densidade.

É necessário estar atento à intensidade e à qualidade das dinâmicas interterritoriais e interurbanas catalisadoras do avanço da coesão, para além da área inicial de aplicação. Eis uma diretriz essencial de toda a política de coesão, muito em especial da que diz respeito aos territórios do interior.

Importa agora indicar a chave de dotação dos Fundos Regionais de Coesão. De entre as abordagens possíveis, a mais simples é a afetação de recursos segundo a população residente na região. Considerando que as várias regiões têm proporções diferentes de residentes no interior suscetíveis de beneficiar de majoração, poder-se-ia ajustar a população residente em função desse fator, o que levaria a uma repartição bem diferente de recursos a partir de cálculos mais complexos.

Mas a ideia fundamental a reter é que a chave de afetação de recursos entre regiões e em cada região tem de ir muito para além da simplista repartição segundo o peso relativo das populações.

Se assim não for, será grande o risco de iniquidade entre regiões e dentro das regiões. Por um lado, impõem-se métricas de repartição mais abrangentes e profundas a partir da construção de

Concelhos

Freguesias

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indicadores compósitos, ponderando adequadamente a extensão e a intensidade de carências em dimensões prioritárias dos estados de coesão e bem-estar. Por outro, importará trabalhar não com valores médios dos atributos em causa, mas sim segundo a variabilidade da sua distribuição territorial. A satisfação desta dupla exigência implica a construção de boas bases de dados e de bons algoritmos optimizadores das chaves de repartição aplicáveis. A verdade é que muito frequentemente levam a insuspeitados e não detetados enviesamentos de equidade

A título de elementar ilustração, examine-se no anterior Capítulo a Tabela IV.9 – Comparação do Fundo de Coesão Calculado numa Base Regional e Sub-Regional. As duas últimas colunas registam a repartição das verbas de coesão por região usando o mesmo critério, mas num caso ao nível de NUTS II e noutro ao nível de NUTS III. Operando a este último nível relativamente à repartição de verbas tendo a NUTS II como unidade espacial, o Norte ganha 28%, o Centro perde 11% e o Alentejo perde 13% No meio disto onde está a equidade?

De resto, este é um exemplo, entre numerosos outros possíveis, da necessidade de dar prioridade a um ambicioso programa de enriquecimento das estatísticas territoriais bem como à construção de novas métricas dos estados de coesão e de desenvolvimento na base de novas baterias de indicadores mais completos e apropriados segundo a ótica de análise. Esta matéria está devidamente realçada no Capítulo 2 da Parte V, para o qual se faz remissão.

Há muito trabalho estatístico a fazer para atingir o duplo objetivo acima registado. Mas mesmo com a informação já existente seria possível melhorar a métrica de repartição avançando para além do peso da população residente. Valerá a pena tentá-lo já?

Sabendo que está em curso uma revisão dos territórios de baixa densidade, que aparenta ser profunda, bem como dos objetivos a apoiar preferencialmente segundo critérios diferentes dos que prevalecem hoje em dia, a Comissão entende que não é útil precipitar-se agora na exploração de novas métricas da coesão e do bem-estar na ignorância do que se pretende atingir prioritariamente nos «novos» territórios de baixa densidade e com os novos objetivos. Foi pedido um estudo sobre critérios e algoritmos a aplicar a um departamento especializado da Universidade de Aveiro. Melhor será esperar por esses resultados.

Perante o que foi anunciado37, mais pertinente será manifestar preocupação quanto à eventual retirada dos territórios a apoiar de certos centros urbanos do interior, em especial de cidades médias. Ora as cidades médias são nós fundamentais da rede urbana regional, servindo de âncora essencial à inter-relação com outros centros urbanos da sub-região, da região e do país.

Como se sublinha na Parte I deste Relatório, a qualificação e a densificação do potencial inovatório da rede urbana regional, de que as cidades médias são parte integrante relevante, constituem condição sine qua non para a valorização do interior circundante e para a sua participação nas dinâmicas mais avançadas e produtivas do país na sua interface com a economia global.

CAPÍTULO 3 – A ADMINISTRAÇÃO REGIONAL E O INVESTIMENTO PÚBLICO Portugal tem uma tradição de programação do investimento público enquadrado em estratégias de

desenvolvimento que tornavam coerentes os vários projetos, seja a nível central, seja a nível regional. É neste contexto de programação dos projetos com incidência nas regiões e da possibilidade dos Governos

das Regiões poderem tomar iniciativas de investimento e prestar contas sobre a execução das mesmas, que se considera a recomendação de criação do PIDAR e outras medidas de reforço do enquadramento do investimento na política de desenvolvimento regional do país.

O PIDAR define os investimentos públicos a decidir e a realizar no âmbito regional. Mas há investimentos públicos de grande envergadura a decidir e a realizar no âmbito nacional que podem afetar interesses que cabe aos órgãos regionais defender. Por isso, cumpre regulamentar a participação dos órgãos regionais nos mecanismos consultivos preparatórios da proposição de tais investimentos ao Governo para efeitos de aprovação.

Pelo Decreto Regulamentar n.º 8/2018, de 4 de setembro, o Governo criou o Conselho Superior de Obras

37 Declaração do Secretário de Estado para a Valorização do Território in «Mapa do Interior encolhe: Governo corta lista de municípios a beneficiar no Portugal 2030», Expresso Economia, 13/04/2019.

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Públicas (CSOP), «um órgão de consulta de matéria de infraestruturas, designadamente, aeroportuárias, rodoviárias, ferroviárias, portuárias, ambientais, energéticas e de comunicações, que funciona junto do membro do Governo responsável pela área das obras públicas» (artigo 2.º).

Os pareceres do CSOP assumem carater técnico, económico e financeiro. Assim, são pareceres integrados que se pronunciam sobre grandes investimentos, superiores a 75 milhões de euros, que sejam aprovados por deliberação do Conselho de Ministros ou a pedido do membro do Governo, ou ainda, por exigência de lei ou regulamento.

O CSOP é composto por um Presidente, um Conselho de Plenário, um Conselho permanente e por Comissões técnicas (artigo 5.º). O Decreto regulamenta competências e composições e modo de funcionamento destas entidades. O órgão operacional é na prática o Conselho Permanente, que designa o Coordenador de cada Comissão Técnica, fixa a sua agenda e aprecia o relatório realizado pelos especialistas que são propostas pelo Coordenador. Mas, importa salientar que compete ao Conselho Plenário «apreciar e deliberar sobre os pareceres e propostas que lhe sejam submetidas pelo Conselho Permanente [artigo 7.º n.º 5, alínea a)].

A participação das Juntas Regionais na Comissão Plenária não deve encontrar dificuldades. Já fazem parte dessas Comissões dois representantes das Áreas Metropolitanas de Lisboa (AML) e Porto (AMP), um representante da Associação Nacional de Municípios (ANMP) e um representante da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE). Mas, importa também assegurar a participação de órgãos regionais em fases que antecedam apresentação em Plenário, sempre que estejam em causa significativos interesses de uma ou várias regiões.

Assim, relativamente às Comissões Técnicas os órgãos regionais devem poder: a) Solicitar ao Presidente do CSOP a participação de especialistas por si indicados nos trabalhos

de Comissões Técnicas incidentes sobre matérias reconhecidamente de especial interesse para a sua região;

b) Apensar aos relatórios das Comissões Técnicas pareceres exclusivamente dedicados ao tratamento de matéria referidas na mesma alínea a);

Relativamente às reuniões da Comissão Permanente, os órgãos regionais devem poder. a) Apresentar, antes da apreciação de relatórios por parte da Comissão Permanente, o seu parecer

sobre as matérias de incidência regional, nos termos enunciados na alínea a) precedente, no caso de não participação em quaisquer trabalhos da Comissão Técnica;

b) Apensar ao processo, tendo em vista toda a tramitação subsequente, o parecer referido na alínea a) anterior.

Relativamente à Comissão Plenária, deverão poder fazer declarações de voto que acompanhem

obrigatoriamente o processo final presente a instâncias superiores. As autoridades regionais conduzirão todas estas diligências no âmbito do dever de leal cooperação

entre entidades públicas. CAPÍTULO 4 – SÍNTESE E RECOMENDAÇÕES O financiamento das Regiões Administrativas deverá ter a dimensão e a estrutura que dependerão das

atribuições e competências que lhes forem conferidas e da política de financiamento da descentralização, nomeadamente das autarquias locais, nas quais se inserem estas regiões.

A Comissão recomenda que os princípios fundamentais e as regras orçamentais e de gestão financeira já enunciadas na atual Lei das Finanças Locais passem a ser aplicadas às Regiões Administrativas, com as devidas adaptações.

No âmbito das propostas sobre organização e funções do Estado, um dos grandes objetivos propostos pela Comissão é o aprofundamento da descentralização, de forma a atingir ao fim de dois mandatos (8 anos) de

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funcionamento das Regiões Administrativas um nível de atribuições e competências que deverão representar 12% do PIB e 26% da despesa pública total, aproximando-se, e eventualmente ultrapassando, os valores médios da UE28 (em 2017 eram 10,7% e 23,3%, respetivamente).

Esta evolução do grau de descentralização, também suportado no estudo da OCDE solicitado pela Comissão, implicará opções políticas de grande relevância no que se refere à transferência de recursos da administração central para a administração regional, política sempre subordinada ao não aumento global da despesa pública, a uma maior eficiência na afetação daqueles recursos e a uma maior eficácia na avaliação dos cidadãos, devido à maior proximidade dos decisores políticos e das suas decisões.

O modelo de financiamento recomendado pela Comissão baseia-se em «três marcos de confiança»: i) Baixa autonomia fiscal, incluindo a não criação de impostos ao nível regional; ii) Garantia da neutralidade orçamental e fiscal; iii) Consagração de incentivos à governação, sem descurar a suficiência de meios para garantir a

provisão universal e equitativa dos serviços públicos. Estes três marcos são complementados pelos seguintes princípios de regulação: i) Estabelecimento de normas de controlo financeiro e restrição ao endividamento (normas travão); ii) Estabelecimento de uma tutela de acompanhamento financeiro e de inspeção por parte do Estado. No âmbito deste modelo a estrutura de financiamento proposta para as Regiões Administrativas é a

seguinte: i) Receitas próprias: preços e taxas; ii) Repartição de recursos públicos entre o Estado e as Regiões Administrativas (transferências

incondicionais):

 Fundo Geral Regional;  Participação variável no IRS (e eventualmente no IRC);

iii) Repartição de recursos públicos entre o Estado e as Regiões Administrativas (transferências

condicionais):

 Fundo Especial Regional iv) Participação na receita do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP); v) Derrama Regional: definida a nível nacional para as cinco regiões administrativas, com incidência sobre

sectores e empresas com externalidades negativas na área ambiental; vi) Financiamento contratualizado:

 Fundos de Coesão Regional;  PIDAR (Programa de Investimentos e Desenvolvimento da Administração Regional).

A Comissão recomenda a elaboração de um PIDDAC regional (aqui designado por PIDAR),

contratualizado com o Governo nacional, numa perspetiva plurianual e de acordo com a estratégia explicitada no Plano de Desenvolvimento Regional de cada região administrativa. Este programa deverá obedecer ao previsto na Lei de Enquadramento Orçamental (versão de 2015), relativa à caracterização dos programas orçamentais e na Lei das Finanças Locais no que se refere ao Plano Plurianual de Investimentos.

O endividamento das Regiões Administrativas deverá seguir, com as devidas adaptações, o já preceituado para as restantes autarquias locais, nomeadamente a Lei n.º 51/2018 (versão atual da Lei das Finanças Locais) no seu capítulo V (Endividamento).

A Comissão recomenda que, independentemente da observância da legislação sobre endividamento

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aplicável às restantes autarquias, possa haver «normas travão» sobre o nível de endividamento das Regiões Administrativas no âmbito de um processo de contratualização, tendo em conta os objetivos de consolidação orçamental e de gestão da dívida pública ao nível nacional.

A Comissão recomenda que a tutela inspetiva seja exercida pelo Estado nos mesmos termos fixados para as restantes autarquias locais (municípios e freguesias). Por outro lado, a Assembleia Regional deve ser dotada dos poderes e recursos necessários à fiscalização efetiva da execução orçamental e da prestação de contas por parte do órgão executivo.

No que se refere ao julgamento de contas por parte do Tribunal de Contas, dever-se-á ponderar a existência de secções regionais daquele tribunal, a fim de tornar a aplicação bastante mais extensiva.

A Comissão dá grande relevo às competências das Regiões Administrativas no que se refere ao investimento público, independentemente das fontes de financiamento provenientes de receitas próprias regionais ou contratualizadas com o Estado central e/ou com a UE, recomendando-se fortemente um programa de investimentos regional enquadrado na estratégia de desenvolvimento de cada região e de desenvolvimento regional de âmbito nacional com a informação obrigatória a incluir no Orçamento do Estado.

A Comissão recomenda que as iniciativas de investimento, nomeadamente os grandes projetos com incidência regional, sejam avaliados no âmbito do Conselho Superior de Obras Públicas e que os órgãos regionais possam participar no processo de avaliação, nos termos a definir pela orgânica daquele Conselho.

A descentralização e, como seu aprofundamento, a criação das Regiões Administrativas constituem uma grande reforma do Estado destinada a melhorar significativamente o comportamento das regras constitucionais previstas no artigo 81.º, nomeadamente no que se refere à promoção da coesão económica e social de todo o território nacional, procurando eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre o litoral e o interior.

Para este efeito, e integrado no modelo de financiamento regional, a Comissão recomenda a criação de Fundos de Coesão Regional (um por cada região), dotados dos meios requeridos pelo reforço prioritário de coesão no âmbito territorial de cada região.

Neste sentido, propõe-se que estes Fundos sejam enquadrados na lógica da Política Nacional de Coesão financiada pela Política de Coesão da UE, mediante a afetação de fundos comunitários significativos à coesão regional a promover pelas Regiões Administrativas. Este financiamento comunitário promoverá, pela aplicação do princípio da adicionalidade, um acréscimo importante de investimento, salvaguardando simultaneamente um menor esforço do orçamento nacional.

A Comissão entende que é essencial a integração do Interior na concretização deste desígnio de reforço da coesão nacional. A Comissão entende também que esse objetivo de estratégia integrada merece e precisa de uma significativa majoração de incentivos no âmbito territorial. Por isso, recomenda-se a majoração dos projetos a realizar no Interior.

Em termos de aplicação territorial, propõe-se que se siga o preceituado no Programa de Valorização do Interior e se adote o Mapa de Territórios de Baixa Densidade, considerado na legislação aplicável.

PARTE V — DESCONCENTRAÇÃO E DESLOCALIZAÇÃO ADMINISTRATIVAS

CAPÍTULO 1 – ENQUADRAMENTO A «desconcentração» administrativa não é um conceito que tenha ficado fora da Constituição. Bem pelo

contrário: no n.º 2 do artigo 267.º está bem claro que a «lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas». Só assim é possível cumprir a incumbência prioritária do Estado que visa ir «eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior» [alínea d) do artigo 81.º CRP].

A «deslocalização» enquanto «opção política que consiste em instalar um ou mais serviços públicos de âmbito nacional em localidades situadas fora da capital do país», embora não esteja assim formulada tem total cabimento na Constituição dentro dos princípios de que «a Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações (…)» (n.º 1 do artigo 267.º).

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São conhecidas tentativas de deslocalizar serviços para fora da capital do país e outras de desconcentração de serviços governamentais (secretarias de Estado) ou da administração (direções-gerais, institutos, etc.), mas ainda sem consequências significativas.

Assinalem-se desde já as iniciativas oficiais ao abrigo do Programa de Valorização do Interior e da sociedade civil corporizada no designado Movimento pelo Interior, que serão analisadas sinteticamente mais à frente.

Partimos de uma situação em que não podemos afirmar que não existem redes de serviços da administração por todo o país, pois existem – na segurança interna, educação, saúde e agricultura, e ainda no ambiente e cultura. Estranho seria que não existissem de todo.

Mas o patamar da decisão encontra-se em Lisboa e isto faz toda a diferença. Podemos afirmar que se retrocedeu bastante a partir de 2011. Nas audições foram bem claras as críticas de empresários, autarcas e outros agentes sobre as dificuldades em alcançar uma decisão sem se deslocar a Lisboa.

A desconcentração e a deslocalização têm uma vertente democrática muito importante, a aproximação dos serviços e da decisão às populações, e promove a democracia, a transparência e a participação das pessoas.

Mas existe também outro lado da questão, não menos importante: a localização de serviços em rede por todo o país e privilegiando as zonas mais despovoadas contribuirá para manter a população e garantir a massa crítica nessas zonas, o que é decisivo para o seu desenvolvimento e mesmo para a afirmação da soberania nacional nos territórios em que o processo de abandono pelo Estado, pelas instituições e pelas pessoas é mais significativo.

Por outro lado, há que estancar o encerramento de serviços públicos no interior do país. CAPÍTULO 2 – POLÍTICAS PARA A VALORIZAÇÃO DO INTERIOR O Conselho de Ministros, através da Resolução n.º 72/2016, de 24 de novembro, aprovou o Programa

Nacional para a Coesão Territorial (PNCT). A articulação deste programa é feita pela Unidade de Missão para a Valorização do Interior, sendo que a implementação das medidas cabe de modo transversal às várias áreas da governação. Este programa divide-se em 5 eixos:

i) Um território interior + coeso; ii) Um território interno + competitivo; iii) Um território interior + sustentável; iv) Um território interior + conectado. Os eixos abrangem áreas como a educação e formação profissional, saúde, justiça, lojas do cidadão,

forças de segurança, turismo, agricultura, comércio local de proximidade, reabilitação urbana, parques naturais, vigilância da natureza, património, apoio às artes, banda larga, redes wi fi, transportes, investigação científica e inovação.

Das 164 medidas, em julho de 2019, segundo a Secretaria de Estado da Valorização do Interior, 90% estão «em curso» ou foram «executadas», sendo que a taxa de execução é de 83%.

Foram depois criadas mais 65 novas medidas e o Programa passou a intitular-se de Valorização do Interior. Segundo a mesma fonte, 70% das medidas estão «em curso» ou «executadas», sendo a taxa de execução de 32%.

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Apesar de todos os esforços realizados e das medidas implementadas ou em vias de o ser, a Comissão

entende que as alterações necessárias para promover a inversão ou minimizar a atual situação de despovoamento dos territórios do Interior implicam um esforço sério e programado da administração

Caixa V.I No Programa de Valorização do Interior, destacam-se as seguintes medidas:

1.48. Abertura de novos serviços/organismos públicos

DESCRIÇÃO DA MEDIDA: Reforçar os mecanismos de transferência de serviços públicos para o interior, criando um quadro regulamentar para a instalação de novos serviços no interior, determinando que a abertura de novos serviços/organismos públicos nas áreas metropolitanas deva ser devidamente fundamentada e objeto de deliberação pelo Conselho de Ministros.

1.51. Incentivos à mobilidade geográfica

DESCRIÇÃO DA MEDIDA: Atribuir aos trabalhadores do setor público um suplemento remuneratório com caráter transitório nas situações de mudança ou alteração temporária do local de trabalho determinada pelo Estado, da área geográfica não abrangida pela Portaria n.º 208/2017, de 13 de julho, para os territórios por ela abrangidos, bem como outros incentivos de natureza não pecuniária, em prol de uma adequada racionalização dos profissionais existentes, no sentido de serem minimizadas as assimetrias regionais.

1.49. Localização dos Arquivos do Estado no Interior

DESCRIÇÃO DA MEDIDA: Estudar a localização de arquivos de serviços da administração central direta e indireta e/ou entidades públicas empresarias num concelho do Interior: (1) permitindo uma utilização mais eficiente dos espaços públicos atualmente ocupados com arquivo e uma maior racionalidade de custos (repositórios físicos); (2) criando postos de trabalho qualificados para tratamento e organização física e digital da informação, com disponibilização digital dos documentos aos organismos e serviços da Administração Pública.

2.62 – Programa de Captação de Investimento para o Interior (PC2II)

DESCRIÇÃO DA MEDIDA: Criar um programa de captação de investimento estratégico para o interior, materializado num conjunto de apoios e incentivos complementares e transversais, alinhados com os desafios e oportunidades destes territórios. Inspirado nos Projetos de Interesse Nacional (PIN), o PC2II pretende ajustar e aprofundar os apoios, tendo em conta as especificidades e necessidades dos territórios do interior. Em termos programáticos operacionaliza-se em duas vertentes: a) Campanha de captação de investimento, com um conjunto de ações internas e externas de divulgação e promoção dirigida a determinadas regiões/sectores;b) Reconhecimento de projetos de investimento PC2II.

4.32 – Alargar a cobertura da Rede de Ciência, Tecnologia e Sociedade

DESCRIÇÃO DA MEDIDA: Dotar as instituições de ensino superior público do interior de meios avançados de comunicação, por via do alargamento da rede de ciência, tecnologia e sociedade, permitindo a participação em atividades que requeiram a aquisição, transmissão e tratamento de grandes volumes de dados e contribuindo, através das suas competências específicas, para atividades de ensino, investigação e inovação, articulando-se em rede e criando agregação de competências a nível regional.

5.12 – Denominação: Redistribuição regional de vagas no ensino superior público

DESCRIÇÃO DA MEDIDA: Alargar a base social de apoio ao ensino superior e estimular a coesão e equilíbrio territorial através de uma distribuição equitativa dos estudantes do ensino superior pelas diversas regiões do país, reduzindo as assimetrias atuais na distribuição de vagas de cursos de formação inicial no ensino superior. Implica alargar as oportunidades de acesso ao ensino superior por jovens que terminam o ensino secundário por via profissional, assim como alargar o âmbito dos apoios sociais para a frequência no ensino superior, designadamente no interior (Programa + Superior). Implica assumir compromissos de âmbito plurianual a implementar em diálogo com as instituições de ensino superior e tendo por base um processo contínuo de monitorização do impacto das novas regras de fixação de vagas no ensino superior público introduzidas para 2018-19. Inclui a correção dos desequilíbrios territoriais na evolução do ensino superior público em Portugal nas últimas décadas, mediante redistribuição gradual das vagas para formação inicial nas instituições de ensino superior em associação com o Concurso Nacional de acesso ao ensino superior, assim como o estímulo a formações curtas no interior.

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pública e do poder político. A Comissão regista ainda como um contributo muito relevante para a perceção da ocupação do território

nacional pelo Estado (através dos serviços desconcentrados), os trabalhos publicados pelo «Movimento pelo Interior», em que se indicam várias medidas para favorecer a desconcentração e a deslocalização.

Para além da deslocalização de serviços a partir de Lisboa, é também preconizada a localização no Interior de todos os novos serviços públicos e a criação nestes territórios de funções de back office.

No que se refere aos funcionários que aceitem a deslocalização, é proposto pelo referido Movimento um sistema de incentivos: subsídio equivalente a um salário anual, majoração do tempo de serviço para progressão e aposentação, duplicação de subsídios de parentalidade e abono de família.

CAPÍTULO 3 – UMA GOVERNAÇÃO FAVORÁVEL À OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO A criação de regiões administrativas será também um fator decisivo para a criação de condições que

favoreçam a ocupação do território. A proximidade com as populações e a capacidade para planear consoante as necessidades e as caraterísticas de cada território potenciam o seu desenvolvimento e as condições de atratividade para empresas e serviços e, como consequência direta, para criar novas oportunidades à população residente ou a atrair.

A fim de assegurar a aplicação do princípio da complementaridade entre a administração regional e central, a Comissão recomenda a adequação da área geográfica de atuação dos organismos desconcentrados às fronteiras propostas para as Regiões Administrativas (NUTS II).

Neste sentido, a Comissão considera que a deslocalização de serviços públicos de âmbito nacional para fora da capital do país só deve ser implementada quando forem conhecidas as regiões administrativas a criar e as sedes dos respetivos órgãos.

Todavia, se o processo de criação e instituição em concreto das regiões não avançar rapidamente, a Comissão recomenda a próxima definição e realização de um programa de descentralização e deslocalização a aprovar previamente pela Assembleia da República.

A deslocalização originária faz todo o sentido e merece ser adotada como elemento essencial da política nacional de ordenamento do território. A Comissão considera quesempre que um novo serviço público seja criado e não seja localizado fora de Lisboa, a decisão da localização na capital deva ser devidamente justificada.

A Comissão entende que a matéria da desconcentração e da deslocalização é vasta e implica um estudo aprofundado de todos os serviços da administração. Deve existir um órgão com a responsabilidade de acompanhar os processos de desconcentração e de deslocalização, que pondere os prós e contras e apresente propostas sempre que necessário.

A Comissão recomenda a criação, na dependência direta do Primeiro-Ministro, de uma Comissão Interministerial da Reforma da Administração Desconcentrada do Estado, com representantes de cada ministério.

Esta Comissão deverá iniciar funções no início da legislatura e apresentar no prazo de 180 dias propostas que visem a desconcentração e deslocalização de serviços a efetuar durante essa legislatura, incluindo todo o regime de apoio à deslocalização. No caso da criação de novos serviços a sua localização deverá ser objeto de Resolução de Conselho de Ministros, com demonstração do interesse público da sua criação.

CAPÍTULO 4 – MAPA ATUAL DOS SERVIÇOS DESCONCENTRADOS A Comissão deparou-se com a dificuldade de identificar os organismos desconcentrados da Administração

Central. Não existe nenhum levantamento sistemático e atualizado, pelo que a única via foi a tentativa de inquérito, o que não foi possível concretizar no tempo disponível.

Procurou-se a via do estudo das leis orgânicas dos ministérios, o que também se revelou infrutífero, pela omissão sistemática sobre os eventuais serviços que se localizem ao longo do território nacional.

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Procurou-se então encontrar esta informação através da análise do Orçamento do Estado, identificando eventuais referências a orçamentos específicos de serviços desconcentrados nos orçamentos de cada ministério. Mesmo assim só foi possível identificar os serviços desconcentrados de três ministérios: Saúde, Cultura e Agricultura e Pescas e ainda os orçamentos das cinco CCDR.

Por esta via do orçamento também é possível obter alguns programas orçamentais com «repartição regionalizada dos Programas e Medidas», com a designação do Mapa XVI. Mas mesmo neste mapa, o rigor na repartição da despesa por NUTS II não oferece garantia. Basta dizer que de um total de despesa (OE 2019) de 121 mil milhões de euros, só é apresentada uma repartição por NUTS II de cerca de mil milhões de euros, ou seja, menos de 1%.

Apesar de tudo, a via orçamental parece a mais viável, devido ao registo obrigatório da despesa e a sua avaliação pela Assembleia da República, pelo que a Comissão, independentemente de se considerar a sugestão atrás feita como aquela que permitirá um trabalho mais aprofundado, recomenda um aperfeiçoamento do Mapa XVI como uma primeira aproximação para a identificação dos recursos do Estado desconcentrados por NUTS II. Recomenda ainda que, na elaboração dos orçamentos sectoriais por ministério, seja obrigatória a identificação dos serviços pela sua localização quando a mesma for diferente da NUTS II onde se localiza a sede do Governo.

PARTE VI — ADMINISTRAÇÕES REGIONAIS MODERNAS E EFICIENTES

CAPÍTULO 1 – DIGITALIZAÇÃO

1.1 – Enquadramento É imperativo que as administrações regionais comecem e continuem modernas e eficientes. Não devem

limitar-se a refletir as rotinas administrativas predominantes. Pelo contrário, devem assentar nas melhores práticas existentes na altura da sua criação e nas fases posteriores do seu desenvolvimento.

As administrações regionais modernas e eficientes são fundadas numa permanente atualização de desenhos orgânicos, de capacitação de recursos humanos e da qualidade e fiabilidade dos seus equipamentos.

A Comissão está consciente de que as condições necessárias para esse efeito levam tempo a realizar, devendo ser rigorosamente planeadas com objetividade e precisão. De qualquer modo, a Comissão recomenda que os mecanismos garantes da modernidade e eficiência das administrações regionais estejam instalados e em funcionamento efetivo ao fim dos dois primeiros anos do primeiro mandato dos órgãos regionais.

A oportunidade da atuação colada à criação ex novo das administrações regionais resulta da conjugação de duas ordens de razões que se reforçam mutuamente. Por um lado, sem administrações regionais modernas e eficientes é o próprio êxito da regionalização que ficará fortemente ameaçado em todas as suas finalidades essenciais, sejam elas de desenvolvimento sustentável, de coesão entre e dentro das regiões, de elevação da qualidade da democracia local. Por outro, sendo a regionalização uma profunda reforma do Estado de grande complexidade e peso institucional, a sua concretização ex novo abre uma oportunidade excecional para criar, testar e pôr em prática novos conceitos organizacionais que naturalmente poderão servir de exemplo para reforma e modernização de outros grandes sectores da Administração Pública. A conjugação continuada destes dois aspetos é essencial. A garantia da existência de administrações regionais modernas e eficientes não resultará de uma série de atos concentrados no início da sua instalação. Resultará, sim, de um processo continuado sustentadamente ao longo do tempo. A manutenção de um ambiente modernizador e reformador pró-ativo será determinante para esse efeito.

De entre os temas convocados pela modernidade e a eficiência das administrações regionais, a Comissão recomenda quatro grandes prioridades:

 Digitalização das administrações regionais;  Transparência dos titulares dos órgãos e serviços;  Transparência da própria administração regional segundo o princípio da administração aberta;

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 Prevenção da corrupção Estes temas devem ser colocados no topo da agenda da regionalização. A Comissão pede a maior

atenção para eles.

1.2 – Digitalização das Administrações Regionais À entrada do segundo quartel do século XXI, a digitalização, tão integrada e tão profunda quanto

tecnologicamente possível, não é uma opção: é um imperativo incontornável. A prossecução desse imperativo não se faz por receita mágica. A digitalização da Administração Pública é,

por ventura, um dos domínios mais condicionados pelo passado da digitalização, não da Administração Pública em si, mas do país, em particular no que toca a recursos humanos e literacia digital. É a chamada dependência da trajetória passada, past dependency, na terminologia anglo-saxónica, que tem aqui expressão máxima.

Por isso, é fundamental equacionar o arranque da digitalização das administrações públicas, começando por ponderar de onde viemos, onde estamos e para onde vamos.

De onde viemos Só em 1995 é que entrou em operação o INFOCID, o primeiro serviço eletrónico de informação ao cidadão.

O compromisso estratégico do Governo com a sociedade de informação consagrou-se com a publicação da Iniciativa Nacional para a Sociedade da Informação, em 1996, e do Livro Verde sobre a Sociedade da Informação em Portugal, em 1997. Aqueles documentos “compreendiam um sector público mais orientado para o utente e serviços públicos melhores e mais eficientes”. Orientação confirmada pelo Plano de Ação do Governo Eletrónico, de 2003. A partir daí, sucederam-se, para além da substituição do INFOCID pelo Portal do Cidadão (2004), a criação do Portal de mensagens SMS (2005); Portal da Empresa (2006); Programa Simplex (2006), continuado reforçadamente desde então e da Agência para a Modernização Administrativa (também em 2006)38.

Já na presente década, temos os planos de nova geração, em plena e radical mudança de toda a paisagem digital, sob o impulso da Inteligência Artificial, a revolução das revoluções. Primeiro, a Agenda Portugal Digital, de 2012 (aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 112/2012, de 31 de dezembro). A partir de 2015, o XXI Governo Constitucional relançou a digitalização em vários domínios, culminando com a primeira Estratégia para a Transformação Digital na Administração Pública ou Estratégia TIC 2020 (contida na Resolução do Conselho de Ministros n.º 108/2017, de 26 de julho).

A Estratégia TIC 2020 compreende 12 medidas e 37 ações repartidas por 3 eixos: Eixo 1 – Integração e interoperabilidade; Eixo 2 – Inovação e competitividade; Eixo 3 – Partilha de recursos. É um instrumento bem estruturado e adequado ao lançamento de novos caminhos para a Administração Pública, devidamente apoiado por uma Agencia para a Modernização Administrativa de reconhecida qualidade.

Onde estamos? Só tem sentido pensar a digitalização de administrações regionais, agilizadas e abertas às melhores

práticas de gestão e prestação de serviços a cidadãos e instituições de todo o tipo, a partir de uma visão do ambiente digital em que vivem e viverão essas administrações, esses cidadãos e essas instituições. Em especial, os pontos de partida de cada país contam diferencialmente e muito. Portugal e a Estónia, por exemplo, não estão na mesma configuração de partida. Isso fará marcada diferença por anos e anos.

Logo, importa tomar consciência dos pontos fracos e dos pontos fortes do Portugal Digital atual, numa perspetiva comparativa europeia. Recorrer-se-á para o efeito ao Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade (IDES) e seus componentes, organizado pela Comissão Europeia, com relevo para o relatório que a Comissão Europeia dedica a Portugal. Transcrevem-se a seguir os elementos essenciais registados nesse Relatório sob o título «Panorâmica de Portugal».

38 OCDE (2009) Tornar a Vida Mais Fácil Para Cidadãos e Empresas em Portugal: Administração Eletrónica e Simplificação. Anexo C: História da Administração Eletrónica em Portugal

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Figura VI.1 – Classificações do índice de digitalidade da economia e da sociedade (IDES) de 2919. Fonte: AMA

Portugal ocupa o 19.º lugar entre os 28 Estados-Membros da UE no Índice de Digitalidade da Economia e

da Sociedade (IDES) da Comissão Europeia de 2019. Em comparação com a edição anterior do IDES, o país registou uma pontuação ligeiramente melhor a nível global, bem como em quatro das cinco dimensões consideradas, mas não melhorou a sua classificação. A melhoria mais significativa corresponde à dimensão dos Serviços públicos digitais (o melhor desempenho de Portugal), impulsionada por um aumento considerável da percentagem de utilizadores da administração pública em linha. Registaram-se igualmente progressos na dimensão da Conectividade, graças a uma melhoria das taxas de utilização dos serviços de banda larga ultrarrápida fixa e móvel. O país tem um fraco desempenho nas dimensões de Capital humano e de Utilização dos serviços Internet, o que explica, em parte, o número relativamente elevado de pessoas que não utilizam regularmente a Internet.

Nesta panorâmica geral, em relação à média da UE, Portugal está mais de 20 pontos afastado dos países

do topo, os escandinavos e a Holanda (próximos dos 70 pontos) e mesmo da Espanha, que tem cerca de 10 pontos mais.

Figura VI.2 – IDES 2019 – desempenho relativo por dimensão. Fonte: AMA

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Os nossos pontos fracos são os recursos humanos e a utilização da Internet. O único ponto forte – significativamente acima da média da UE28 – corresponde aos serviços públicos digitais, apesar da fragilidade digital da sociedade envolvente.

A nossa situação em matéria de recursos humanos e de utilização de Internet é de grande relevância por ser facilitadora ou retardadora da digitalização da economia e da sociedade, com especial incidência na digitalização dos serviços públicos.

Quanto a recursos humanos Portugal ocupa a 23.ª posição entre os 28 países da UE, com 35.2 pontos, bem abaixo dos 48.0 da média da OCDE.

Portugal IDES 2019UE

IDES 2019

valorclassificaçãovalor

2a1 Nível elementar mínimo de competências digitais50%2057%

% pessoas 2017 2017

2a2 Competências digitais mais avançadas31%1631%

% pessoas 2017 2017

2a3 Nível elementar mínimo de competências em matéria de software55%1960%

% pessoas 2017 2017

2b1 Especialistas em TIC2,2%263,7%

% total de empregados 2017 2017

2b2 Mulheres especialistas em TIC0,7%271,4%

% Emprego feminino 2017 2017

2b3 Licenciados em TIC1,2%3,5%

% de licenciados 2016 2015

Tabela VI.1 – Recursos Humanos. Fonte: AMA Na dimensão do capital humano do IDES, Portugal ocupa o 23.º lugar entre os 28 Estados-Membros e

apresenta uma pontuação significativamente inferior à média da UE. Em 2017, metade da população portuguesa carecia de competências digitais básicas e cerca de 30% não tinha quaisquer competências digitais (sendo a média da UE de 43% e de 17%, respetivamente). Esta situação está, em grande medida, associada ao facto de muitas pessoas nunca terem utilizado a Internet (ver secção 3). Além disso, Portugal continua a apresentar uma das mais baixas percentagens de profissionais com competências especializadas em TIC no emprego total da UE: 2,2% em 2017 contra uma média da UE de 3,7%. Na mesma ordem de ideias, a percentagem de especialistas em TIC no emprego total das mulheres é aproximadamente metade da UE e a percentagem de licenciados em TIC no número total de licenciados é muito reduzida relativamente aos padrões da UE.

Na perspetiva comparativa europeia é particularmente penalizador o nosso posicionamento em

especialistas e licenciados em TIC: estamos nas mais baixas posições, a antepenúltima em especialistas e a penúltima em licenciados.

No que toca à utilização dos serviços de Internet, ocupa também a 23.ª posição com 44.5, quase 10 pontos abaixo da média europeia.

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Portugal UE

IDES 2019 IDES 2019

valor classificação valor

3a1 Pessoas que nunca utilizaram a Internet 23% 26 11%

% pessoas 2018 2018

3a2 Utilizadores da Internet 71% 25 83%

% pessoas 2018 2018

3b1 Notícias 80% 13 72%

% Utilizadores da Internet 2017 2017

3b2 Música, vídeo e jogos 83% 13 81%

% Utilizadores da Internet 2018 2018

3b3 Vídeo a pedido 14% 22 31%

% Utilizadores da Internet 2018 2018

3b4 Videochamadas 46% 22 49%

% Utilizadores da Internet 2018 2018

3b5 Redes sociais 79% 8 65%

% Utilizadores da Internet 2018 2018

3b6 Redes sociais profissionais 16% 13 15%

% Utilizadores da Internet 2017 2017

3b7 Cursos em linha 6% 17 9%

% Utilizadores da Internet 2017 2017

3b8 Consultas e votações em linha 15% 3 10%

% Utilizadores da Internet 2017 2017

3c1 Atividade bancária 52% 23 64%

% Utilizadores da Internet 2018 2018

3c2 Compras 49% 23 69%

% Utilizadores da Internet 2018 2018

3c3 Venda em linha 11% 24 23%

% Utilizadores da Internet 2018 2018

Tabela VI.2 – Utilização dos Serviços da Internet, 2019. Fonte: AMA Portugal não registou progressos nesta dimensão e permanece na 23ª posição entre os 28 Estados-

Membros. A percentagem de pessoas que nunca utilizaram a Internet, que permaneceu estável em 2018, é o dobro da média da UE. Na mesma ordem de ideias, um número relativamente reduzido de portugueses utiliza a Internet pelo menos uma vez por semana: 71% em comparação com 81% para o conjunto da UE. A percentagem de utilizadores da Internet que utilizam a banca em linha cresceu significativamente, passando de 42% em 2017 para 52% em 2018, tal como a percentagem daqueles que fazem compras em linha (de 45% para 49%). Estes números continuam, no entanto, a ser inferiores à média da UE de 64% e 69%,

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respetivamente. Em contrapartida, as percentagens de portugueses utilizadores da Internet que utilizam redes sociais, participam em votações e consultas em linha e leem notícias em linha estão todas acima da média da UE.

Afortunadamente, o nosso ponto forte são os serviços públicos digitais: ocupamos a 9.ª posição com 71.4 pontos, bem acima dos 62.9 da média europeia.

Portugal IDES 2019

UE

IDES 2019

valor classificação valor

5a1 Utilizadores de serviços de administração pública em linha 70 % 14 64 %

% de utilizadores da Internet que necessitam de apresentar formulários

2018

2018

5a2 Formulários pré-preenchidos 81 7 58

Pontuação (0 a 100) 2018 2018

5a3 Prestação integral de serviços em linha 99 2 87

Pontuação (0 a 100) 2018 2018

5a4 Serviços públicos digitais para empresas 88 13 85

Pontuação (0 a 100) — incluindo serviços nacionais e transfronteiras

2018

2018

5a5 Dados abertos 51 % 23 64 %

% da pontuação máxima 2018 2018

Tabela VI.3 – Serviços Públicos Digitais, 2019. Fonte: AMAAo longo do último ano, Portugal realizou progressos significativos no que se refere à dimensão IDES de

serviços públicos digitais e continua a ser um dos países da UE com melhores resultados neste domínio: ocupa o 9.º lugar entre os 28 Estados-Membros e apresenta uma pontuação global superior à média. Os níveis de interação em linha entre os utilizadores da Internet e as autoridades públicas aumentaram significativamente com comparação com 2017 e o desempenho do país está muito acima da média da UE no que se refere à prestação de serviços em linha e à quantidade de dados pré-preenchidos em formulários em linha de serviços públicos. Em contrapartida, há margem para melhorias em domínios como a utilização de dados abertos e a disponibilidade de serviços públicos digitais para as empresas (onde os processos estão a estagnar).

Portugal está também a envidar esforços consideráveis com vista a promover abordagens inovadoras baseadas nas tecnologias digitais para a prestação de serviços públicos. Em outubro de 2018, as autoridades portuguesas apresentaram 15 projetos de investigação destinados a aplicar a inteligência artificial e a ciência dos dados no trabalho das administrações públicas. Serão disponibilizados 3,8 milhões de EUR através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) para estes projetos, que fazem parte do eixo 5 da iniciativa INCoDE. 2030 (Pesquisa) e cobrirão domínios como a educação, cultura, mobilidade e ordenamento do território. Além disso, em abril de 2018, a Agência para a Modernização Administrativa de Portugal lançou o «GovTech», um concurso para empresas em fase de arranque que servirá para apresentar protótipos funcionais de produtos e serviços que contribuam para a consecução dos objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas.

Portugal está a adotar medidas relevantes para continuar a modernizar os serviços públicos com a ajuda de tecnologias digitais e é um dos líderes da UE neste domínio. No entanto, é improvável que a percentagem relativamente grande da população portuguesa que não utiliza a Internet ou que o faz raramente venha a beneficiar dos serviços públicos digitais do país.

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Esta última observação é muito importante. Com efeito, o bom uso da digitalização nos serviços públicos

não depende apenas da organização, do equipamento e do zelo procedimental dos serviços públicos. Depende também, e muito, da literacia digital e da correspondente apetência revelada pelos utilizadores em relação a serviços mais avançados.

Compare-se a posição de Portugal com a de outros países da União Europeia relativamente ao uso de serviços de e-governo por indivíduos via web.

Países 2012 2015 2018

Estónia 63 84 95

Dinamarca 88 90 93

Finlândia 78 87 89

Suécia 77 86 89

Espanha 49 55 63

PORTUGAL 47 51 49

Itália 23 27 28

UE28 49 52 58

UE15 50 55 62

Tabela VI.4 – Uso de serviços-governo – web em países selecionados da União Europeia (% da população). Fonte: EUROSTAT E-Government Statistics

Destacam-se os seguintes factos:  Portugal em 2012 estava próximo tanto da média UE 28 como da média UE 15, e tendo praticamente

estagnado em 2012-2018, passou a ficar abaixo da média UE 28 e, sobretudo, da UE 15;  Portugal, que em 2012 estava em posição próxima da Espanha, em 2018 passou a estar francamente

abaixo;  Portugal, que em 2012 já estava muito abaixo do grupo de países da frente (Dinamarca, Finlândia e

Suécia) viu a sua diferença aumentada em relação aos dois países mais avançados em 2018, Estónia e Dinamarca;

 Enquanto Portugal estagnou relativamente entre 2012 e 2018, todos os restantes países, com exceção da Itália, tiveram significativos progressos, com especial destaque para a Estónia que progrediu 50% entre 2012 e 2018;

A lição que a Estónia nos dá é que mesmo um país pequeno com PIB per capita da ordem dos 80%

da média da UE pode ter os serviços públicos digitalizados mais avançados da Europa. O PIB per capita de Portugal é 3% inferior ao da Estónia.

É evidente que dificilmente Portugal poderá igualar o ritmo de progresso da Estónia. Já seria bom que em vez de estagnar, crescesse 33% ou mais até 2024.

A nossa fragilidade está muito mais do lado da iliteracia dos utilizadores de serviços públicos, do que do lado da capacidade e oferta dos mesmos serviços. Temos de ultrapassar a débil dinâmica dos utilizadores. Estamos, assim, a perder terreno em relação às melhores práticas europeias e mesmo em relação à média da UE. Mas existe uma massa crítica de utilizadores potenciais que importa mobilizar.

Em conclusão: Apesar dos seus pontos fracos – capital humano e utilização da Internet – Portugal deverá ter condições para reforçar consideravelmente nos próximos anos a digitalização da Administração Pública, no sentido de agilizar e simplificar a informação e o processamentoeletrónico em benefício da utilização direta por parte dos cidadãos e das instituições públicas e privadas.Mas haverá que fazer um grande esforço no sentido da educação e da mobilização dos utilizadores

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potenciais.

Para onde vamos? A prazo estaremos provavelmente a caminho de assinaláveis aprofundamentos da administração digital,

procurando satisfazer eletronicamente o acesso à informação e a serviços individualmente necessários aos utentes. Isto é, os progressos previsíveis nos próximos anos tenderão a concentrarem-se no alcance das fronteiras da segunda fase da digitalização dos serviços públicos, desenhada para servir solicitações de cada utente, considerado isoladamente.

Não obstante, convirá preparar desde já o lançamento em força da terceira fase da digitalização, organizada em torno do uso e reuso de dados disponibilizados massivamente ao público, de acordo com os mais avançados e eficientes princípios da moderna administração aberta. Estamos bem longe disso, como prova a nossa posição em matéria de dados abertos: 23.ª entre os 28 Estados-Membros da UE. Os países mais avançados da União Europeia estão já trilhando esse caminho.

Se a digitalização das administrações regionais for gerida com visão e determinação, poderá até suceder que a transição do primeiro para o segundo mandato regional seja marcada por significativos avanços pioneiros em Portugal, do uso e reuso de dados, terceira fase da digitalização das administrações públicas.

1.3 – Princípios e procedimentos orientadores da digitalização da Administrações Regionais O estabelecimento de um plano diretor da digitalização das administrações regionais deve ser um projeto

prioritário a lançar e a desenvolver logo no seu início. O que está em causa neste relatório é apenas o delineamento desde já dos princípios e procedimentos a

ter em conta na reflexão sobre o tema. Tratando-se de matéria tão altamente especializada, a Comissão pediu o contributo da Agência para a Modernização Administrativa, entidade pública de reconhecida competência e qualidade técnica neste domínio.

Em resposta a esse pedido a Agência para a Modernização Administrativa produziu dois estudos, sob responsabilidade da Eng.ª Sara Carrasqueiro, do Conselho de Administração da AMA. Um dos estudos foi elaborado pela equipa do Centro de Competências Digitais da AP (TICAPP), uma unidade orgânica da Agência39. A Comissão apreciou muito positivamente esse estudo, deu plena concordância ao seu tero com a relevante.

Com a devida aprovação da AMA publicou-se neste Relatório um resumo reproduzindo diretamente os seus principais desenvolvimentos, compreendendo a análise de desafios e soluções a pôr em prática com vista à digitalização das administrações regionais.

Foi também elaborado um segundo estudo, adiante reproduzido em parte neste relatório. Em paralelo com um processo de descentralização de competências, é essencial ocorrer também a

transferência ou providência de meios técnicos que suportem essas competências. Nesse sentido, registou-se a seguir um conjunto de recomendações na área das Tecnologias de

Informação e Comunicação (TIC), que possam ser tomadas em conta como referências nas iniciativas futuras de desconcentração da localização de entidades e serviços públicos.

Um processo de descentralização de competências enfrenta muitos desafios, mas também oportunidades de melhoria na prestação de serviços aos cidadãos e empresas.

Ao invés de ser uma mera transferência de burocracia, o processo de descentralização pode oferecer um conjunto de oportunidades para a simplificação, para a digitalização ou desmaterialização, e para a otimização da eficiência dos serviços públicos.

Enumeramos alguns desafios e oportunidades que consideramos mais relevantes no domínio das TIC:  Agilização da prestação de serviços públicos – resultante de maior proximidade e autonomia;  Possibilidade de maior responsabilização;  Consolidação de soluções de sistemas informação;

39 Agência para a Modernização da Administração (2019) «Descentralização e Modernização Administrativa – Sessão colaborativa | Notas de trabalho, com a indicação, Estudo elaborado a pedido da Comissão Independente para a Descentralização

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 Uniformização de processos;  Maior economia de meios;  Desigualdades, desajustamentos e descoordenações no processo;  Capacidade de decisão;  Conflito de interesses;  Iliteracia digital;  Maiores gastos financeiros;  Visão Individualista.

Olhando para os desafios mencionados no quadro anterior, o sucesso do processo de descentralização, no que se refere aos meios técnicos, depende em grande parte da aplicação dos seguintes princípios:

1 – Alinhamento com a visão estratégica das TIC para a Administração Pública Portuguesa, com maior

enfoque nos eixos referentes à integração e interoperabilidade entre os diferentes sistemas da AP e na partilha de recursos.

2 – Criação de condições essenciais para Interoperabilidade entre os diferentes serviços públicos e os seus sistemas.

3 – Disponibilização, num único catálogo, os serviços que são disponibilizados de forma descentralizada. 4 – Utilização de arquiteturas de referência de soluções já existentes que permitam potencializar a

reutilização dos seus componentes e reduzir custos associados à duplicação de funções. 5 – Monitorização da aplicação das práticas arquiteturais e de segurança. 6 – Criação de infraestruturas «Cloud Based». 7 – Divulgação em continuidade de boas práticas de implementação, manutenção e gestão das TIC. 8 – Promoção de transparência e partilha de dados abertos. Em janeiro de 2019, foi constituída a Equipa do Centro de Competências Digitais da AP (TicAPP), uma

unidade orgânica da Agência para a Modernização Administrativa, IP (AMA), tendo como missão apoiar as diferentes áreas governativas, no seu processo de transformação digital, através de recursos humanos especializados em tecnologias emergentes neste domínio.

Desde essa data, tem vindo a desenvolver projetos, de forma transversal à Administração Pública, com vista a apoiar as diferentes áreas governativas na conceção de soluções e contratação de serviços externos nas áreas das tecnologias de informação e comunicação, com os correspondentes ganhos em eficiência e eficácia.

São as suas principais áreas de atuação: Arquiteturas Empresariais (Princípio 4), Transformação Digital e Ciência dos Dados. Dentro destas áreas de atuação, colaboram com entidades da AP no apoio à definição de arquitetura de SI, conceção e validação de soluções (Princípios 5, 6 e 7) que permitam melhorar os serviços públicos do ponto de vista do cidadão e empresas e também do ponto de vista de eficiência operacional dos organismos públicos, garantindo o alinhamento destas soluções com a estratégia TIC da administração Pública Portuguesa (Princípio 1).

A maioria dos princípios, enumerados no ponto anterior, encontram-se detalhados na atual estratégia TIC 2020, a qual pode ser consultada em maior detalhe no portal TIC na Administração Pública (https://tic.gov.pt/).

A AMA, IP, como membro dirigente do Comité Técnico, disponibiliza um conjunto de plataformas TIC e outros recursos relacionados com a implementação da Estratégia de Transformação Digital da Administração Pública.

CAPÍTULO 2 – DESCENTRALIZAÇÃO E MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA: DEZ PISTAS PARA A

AÇÃO. CONTRIBUIÇÃO DO LABX DA AMA

2.1. – Introdução O segundo estudo, a cargo do Prof. Bruno Monteiro, dirigente do LabX da AMA, dá-nos as conclusões de

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uma sessão colaborativa multidisplinar pedida pela Comissão ao LabX da Agência para a Modernização Administrativa40.

De que maneira pode a descentralização constituir uma oportunidade para a modernização administrativa? A partir desta pergunta a Comissão Independente para a Descentralização promoveu uma sessão colaborativa para equacionar de que modo a descentralização administrativa pode constituir uma via para a simplificação, para a digitalização ou desmaterialização, e para a otimização da eficiência dos serviços públicos, ao mesmo tempo que evita ser uma mera transferência de burocracia.

É um imperativo que esta administração nasça moderna e eficiente. Esta sessão procura, assim, responder a preocupações e preconceitos latentes em relação a este processo de descentralização. Primeiro, impedir que a decentralização signifique conservar ou, pior ainda, agravar a burocracia do Estado. Depois, impedir a descoordenação e duplicação que possa resultar da descentralização, muito em especial obstar a um retrocesso na harmonização de regras e sistemas de informação, entretanto surgida à escala nacional. O propósito será sempre melhorar os serviços públicos prestados a cidadãos e a empresas, permitindo que a descentralização cumpra quatro objetivos: desenvolvimento económico-social, bem-estar das populações, coesão territorial e democratização das instituições públicas.

A sessão colaborativa reuniu especialistas provenientes de Direções-Gerais, da Administração Central, de Câmaras Municipais, de Áreas Metropolitanas, de CCDR, da CIP e da AIP. Contou com o apoio da AMA – Agência: para a Modernização Administrativa, através da sua equipa LabX, responsável pelo acompanhamento metodológico na delineação e mediação desta sessão colaborativa. Para além disso, o apoio da AMA passou ainda participação de especialistas tecnológicos ligados a AMA. Nesta sessão colaborativa, os participantes foram convidados a expor os desafios ou obstáculos que consideram colocar-se a um processo de descentralização. A partir de uma definição do desafio mais relevante, desenvolveram-se propostas de solução faseadas num plano de ação com sucessivos horizontes temporais (6 meses, 2 anos, 4 anos).

2.2 – Dez pistas para a ação De uma leitura transversal da identificação de desafios realizada nesta sessão, podemos sinalizar, de

maneira necessariamente sucinta, um conjunto de pontos:  Demonstração do valor social para cidadãos e empresas: deve ser sustentado e comunicado o valor

potencial destas iniciativas, salientando sobretudo as vantagens para cidadãos e empresas destas iniciativas. Deve haver um foco claro na resposta às necessidades e expectativas que cidadãos e empresas têm na atualidade ou que emergem continuamente, correspondendo os novos serviços nitidamente a essas solicitações. Neste âmbito seria ainda importante, por último, assegurar que se cumpre com as recomendações de acessibilidade e de usabilidade de modo a que nenhum cidadão ou empresa seja impedido de usufruir das vantagens a que tem direito e que são geradas na modernização administrativa.

 Prevenção da burocracia e simplificação das regulações: desde o primeiro momento, a promoção da descentralização deve ter em conta os riscos de duplicação e de multiplicação de organismos. Depois, deve ter-se em conta o risco de proliferação de regulação ou, pelo menos, a persistência de procedimentos complexos, morosos e penalizadores para cidadãos e empresas. Nesse sentido, a descentralização deve considerar uma visão global que impeça o primeiro risco de duplicação de organismos, que podem ser redundantes ou desnecessários, e que contribua para a simplificação administrativa.

 Harmonização de sistemas e acesso à informação: A descentralização da Administração Publica deve ser, desde logo, equacionada tendo em conta o princípio do digital por omissão. De facto, a utilização das TIC abre cenários de novos e disruptivosprocessos de prestação e gestão dos serviços públicos que devem ser equacionados de forma a potenciar a sua inovação. A cooperação entre as entidades deve ser garantida pela existência de uma infraestrutura de informação comum, que garanta a partilha de informação

40 Bruno Monteiro (2019) Descentralização e Modernização Administrativa. Sessão colaborativa |Nota de trabalho Labx Agência para a Modernização Administrativa

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e a interoperabilidade e que, por outro lado, impeça a fragmentação de sistemas, com os decorrentes problemas de compatibilidade e de descoordenação entre entidades. O recurso a componentes aplicacionais comuns deve ser assumido por regra, atendendo não só a obtenção de melhores rácios beneficio-custo mas também para forma a garantir que cidadão e empresas naveguem facilmente através de interfaces e mecanismos de identificação comuns. Por outro lado, devem ser assegurados mecanismos de governação de dados nos níveis horizontal e vertical que permitam a sua partilha e reutilização, nomeadamente para efeitos de benchmarking e investigação.

 Partilha de recursos e cooperação entre entidades: A este respeito, pode avaliar-se a possibilidade de criar um mecanismo que assegure a identificação e a disponibilização de recursos partilhados entre Administração Central e as outras entidades e, a outro patamar, entre as entidades descentralizadas. Neste sentido ainda, seria importante garantir a cooperação permanente e o alinhamento entre as distintas unidades descentralizadas.

 Mudança cultural e capacitação de recursos humanos: uma alteração desta magnitude cria necessariamente dúvidas e alterações nas rotinas existentes, de maneira que se deve promover o envolvimento dos atores envolvidos nesta mudança, abrangendo o setor público, a sociedade civil e os cidadãos, as empresas, e o sistema científico_ Destacando-se aqui os trabalhadores e dirigentes do setor público, a capacitação dos recursos humanos pode contribuir para essa transição, tornando-se, ainda, uma oportunidade para a capacitação com novas competências (designadamente, em literacia digital e em novos modos de trabalho inovadores).

 Instrumentos de apoio, acompanhamento e monitorização: desde logo, existem incertezas sobre os instrumentos de financiamento, que são agravadas se não existirem esclarecimentos que garantam previsibilidade. De maneira a impedir uma descoordenação e a garantir um apoio nas etapas iniciais, é importante assegurar que existe uma clarificação de competências e de papéis e um apoio técnico de acompanhamento _

 Heterogeneidade e coesão: existe uma preocupação muito saliente com a heterogeneidade de partida entre as distintas regiões do país que deve ser considerada pela descentralização, de modo a que estes processos de mudança não signifiquem um prejuízo para a coesão territorial e social do país.

 Transparência, auditoria e avaliação: as entidades criadas devem ter um compromisso com a Administração Aberta, garantindo a transparência e a auditoria pública das suas iniciativas. Mais: estas suas iniciativas devem ser devidamente planeadas, tendo estes planos uma avaliação clara alinhada por objetivos, indicadores e impacto que possam ser publicamente comunicadas ou usadas numa melhoria contínua.

 Modelo de governança: deve ser clarificado o modelo de governança que enquadra a descentralização e a sua regulação comum, com uma distribuição de papéis e de competências bem definida, e com claros princípios de funcionamento.

 Momento de arranque: para este momento crítico, devemos ter um trabalho preparatório de envolvimento de todos os parceiros e uma auscultação permanente e de cocriação de medidas a partir de um grupo de trabalho multidisciplinar Ninguém deve ficar para trás.

Se as administrações regionais devem atenção prioritária à digitalização em profundidade, como se deseja

e espera, ainda dentro do primeiro mandato surgirá em força a questão da transição da fase centrada na informação para a fase centrada no uso e reuso dos dados. Então estará de novo no topo da agenda digital o saber para onde ir e como.

A Comissão não tem dúvidas sobre a resposta: devemos ir ao encontro do que os países de fronteira tecnológica estão a fazer seguindo, para o efeito, os marcos orientadores consensualmente reconhecidos na União Europeia como as melhores normas aplicáveis às administrações públicas.

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As normas já em uso nos países mais avançados vão no sentido de repensar, «reorganização» e agilizar a

governação; de considerar os dados como ativos de extraordinário valor e importância, a utilizar intensamente para prever necessidades, formatar «produtos», avaliar desempenho, organizar a mudança; de construir ecossistemas para apoiar a administração na formulação e efetiva execução de políticas públicas; incentivar a colaboração com e entre cidadãos, empresas e a sociedade civil de modo a alcançar objetivos de interesse nacional, também de interesse regional e local.

Deste modo, a Comissão recomenda que a fase centrada no uso e reuso dos dados já seja um dos pilares digitais das administrações no segundo mandato dos órgãos regionais.

CAPÍTULO 3 – TRANSPARÊNCIA Regime dos titulares dos órgãos e de funcionamento e controlo dos atos das administrações. Transparência, responsabilidade e participação são conceitos intimamente interligados e constituem

elementos fundamentais em qualquer estrutura anticorrupção. As iniciativas de transparência envolvem a promoção do acesso à informação para uma ampla gama de processos governamentais em vários setores. As abordagens participativas visam capacitar os beneficiários. É mais provável que ambas sejam eficazes se forem combinadas com formas mais tradicionais de responsabilização, tais como a monitorização, o controlo e a supervisão.

A transparência é uma obrigação de todos os responsáveis de cargos públicos a fim de permitir que os cidadãos verifiquem o que a administração faz em seu nome. Desta forma, é um aspeto essencial para a confiança nas instituições. A transparência deverá ser garantida tanto ao nível da prestação de contas da atividade dos organismos públicos como ao nível dos respetivos responsáveis.

A transparência está principalmente centrada na promoção e divulgação de informações e no acesso à informação, como um pré-requisito para a prestação pública de contas. Mas é improvável que a transparência, sem capacitar os beneficiários a participarem em todas as etapas dos processos de tomada de decisão, execução e monitorização, assegure uma maior responsabilidade e capacidade de resposta das políticas públicas. Deste modo, a participação pública pode ser vista como uma melhoria da responsabilização, proporcionando às comunidades afetadas os meios para se envolverem nos processos políticos.

Se queremos uma sociedade com cidadãos mais mobilizados para a participação, é fundamental fornecer-lhes um adequado acesso à informação. De igual forma, são essenciais a transparência dos processos de

As seis dimensões de um Governo Digital

1. Da digitalização dos processos existentes para a digitalização dos processos e serviços determinados para desenho específico tendo em atenção desde o início o potencial das tecnologias digitais e dos dados.

2. De um Governo centrado na informação para um Governo centrado nos dados.

3. De processos e dados fechados para processos e dados abertos, salvo clarificação formalmente determinada.

4. De um Governo auto-centrico para um Governo focado em necessidades e afirmações dos utilizadores.

5. De um Governo simples prestador de serviços para um Governo que funcione como uma grande plataforma digital.

6. De um Governo reativo para um Governo proactivo e antecipador das aspirações dos cidadãos.

Fonte: Adaptação simplificada da caixa do mesmo título em OCDE Digital Government Studies (2019) Divital Government Review of Sweden Towards a Data-driven Public Sector p. 43.

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Governo e o acesso público à informação oficial, para apoiar a exigência dos cidadãos por uma boa governança e pelo combate à corrupção.

Existem alguns sistemas para facilitar e garantir o acesso a informações relativas à administração pública, mas há ainda uma alargada perceção de que devem ser tomadas medidas mais eficazes para garantir que os cidadãos compreendam o funcionamento da administração pública, disponham de informações regulares e transparentes e tenham acesso às decisões.

O acesso à informação através de sites oficiais acessíveis ao público em geral e o uso de ferramentas como o e-government ou o e-procurement deverão ser cada vez mais utilizados para simplificar os procedimentos administrativos e para contribuir para a prevenção da corrupção.

As entidades públicas devem assumir um compromisso de Administração Aberta, garantindo a transparência e a auditoria pública das suas iniciativas e atividades, que por sua vez deverão ser devidamente planeadas. Este planeamento materializa-se através da concretização de planos que deverão incluir no seu conteúdo uma clara definição de objetivos e de medidas, mas também de indicadores de desempenho que possam ser publicamente comunicados ou usados num processo de melhoria contínua.

A transparência dos orçamentos públicos é também uma área seguramente merecedora de uma maior atenção na prevenção e combate à corrupção. Processos opacos de elaboração dos orçamentos, bem como a realização de atividades não previstas nos orçamentos, ou uma gestão orçamental deficiente e sistemas fracos de controlo público, criam muitas oportunidades para a corrupção e tornam impossível aos cidadãos monitorizar devidamente as dotações orçamentais e a respetiva concretização.

O uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) na luta contra a corrupção está a ganhar força um pouco por todo o mundo. A motivação para adotar medidas inovadoras nas iniciativas de prevenção e combate à corrupção, alimentadas pelo rápido desenvolvimento das TIC, tem conduzido a novas soluções interessantes que podem ser usadas para reforçar a transparência, criar confiança nos Governos e aumentar a participação dos cidadãos.

O uso das TIC para prevenir a corrupção baseia-se também na convicção de que o acesso direto dos cidadãos à informação poderá promover a transparência e a prestação de contas.

Os responsáveis políticos precisam de dar o exemplo na gestão dos seus interesses privados para prevenir conflitos de interesse e poder demonstrar publicamente que são capazes de zelar pela gestão dos interesses públicos de forma íntegra e imparcial. A legislação já existente, como, por exemplo, a divulgação pública de interesses por pessoas que exercem cargos públicos, necessita de aplicação continuada e monitorizada, para que se possa manter a confiança dos cidadãos.

Para além disso, os responsáveis de cargos públicos devem demonstrar o seu compromisso não apenas a título pessoal, mas também através da tomada de medidas que promovam uma cultura de integridade nas instituições que dirigem, e criar sanções contra eventuais transgressões.

A legislação existente já prevê as situações de enriquecimento sem causa. Apesar de consagrada legalmente, existe uma perceção de que muitas situações escapam às autoridades fiscais ou judiciais, minando a confiança da população na transparência e maturidade do sistema democrático vigente.

Nestes termos, a Comissão recomenda que no primeiro mandato deverão os órgãos regionais eleitos implementar um sistema de acesso à informação baseado nas melhores tecnologias disponíveis, que vá ao encontro de uma Administração responsável, aberta e transparente.

Deverá também ficar acessível a informação relativa a conflitos de interesses de todos responsáveis de cargos públicos.

Impõe-se que os órgãos regionais aprovem eficazes Códigos de Conduta dos seus titulares, logo no início do primeiro mandato. Esses códigos deverão ser devidamente publicitados junto das populações.

Em razão do princípio de igualdade, pilar básico da Constituição, o regime de obrigações aplicável aos titulares dos órgãos regionais fundamenta-se necessariamente na lei vigente para as autarquias e, por analogia, para outros órgãos e serviços do Estado. O mesmo se impõe no que diz respeito a chefias e servidores das Administrações Regionais.

Quanto ao funcionamento das administrações regionais de acordo com os princípios e normas abertas existe latitude para a introdução de significativas inovações, sempre em cumprimento da lei. A Comissão recomenda que a digitalização das administrações regionais seja planeada e executada tendo como um dos seus grandes objetivos a concretização dessas inovações.

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A Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, regula o acesso à informação administrativa e ambiental e da reutilização dos documentos administrativos.

De acordo com o seu artigo 4.º, n.º 1, alínea e), aplica-se aos órgãos das autarquias locais, das Entidades Intermunicipais e de qualquer outras associações e federações públicas locais.

O artigo 5.º garante o direito de acesso nos termos dos seus números 1 e 2. Assegura o n.º 1 «Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo». De acordo com o n.º 2, «O direito de acesso realiza-se independentemente da integração dos documentos administrativos em arquivo corrente, intermédio ou definitivo».

Atendendo à digitalização intensiva das administrações regionais recomendada pela Comissão, releva-se em especial o direito de acesso a documentos em formato aberto, definindo-se pelo artigo 3.º «Formato aberto» como «um formato de ficheiro disponibilizado ao público e reutilizável independentemente da plataforma utilizada, nos termos do regime jurídico que regula a adoção de normas abertas para a informação em suporte digital na Administração Pública».

Pelas mesmas razões, chama-se também à atenção para o «formato legível por máquina», definido como «um formato de ficheiro estruturado de modo a ser possível, por meio de aplicações de software, nele identificar, reconhecer e extrair dados específicos, incluindo declarações de facto, bem como a sua estrutura interna.»

O acesso à informação administrativa está sujeito a restrições por motivos vários nos artigos 6.º e 7.º da lei. Designadamente, por razões de segredo de Estado devidamente certificado, por respeito a direitos de autor ou direitos conexos, por garantias de proteção de direitos fundamentais quando estão em causa dados normativos, por regras de acesso e comunicação de dados de saúde.

Merecem ainda relevo as restrições do artigo 6.º constantes do n.º 3, que estabelece o seguinte: «o acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido até á tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração, consoante o evento que ocorra em primeiro lugar».

A Comissão entende que o uso de boa-fé de tal dispositivo pode ser essencial para a defesa do interesse público. Mas entende também que a redação dada à norma pode facilitar a manipulação bem-sucedida de direitos fundamentais de acesso a informação relevante em tempo oportuno. O desenvolvimento da norma a fim de impedir tal eventualidade constitui um aperfeiçoamento justificado em nome do interesse público.

Feito o enquadramento determinado pela lei importa agora abordar brevemente o processo que pode garantir a nível regional o mais profundo e completo acesso direto dos cidadãos à informação administrativa.

Tal processo terá de assentar no uso das capacidades operacionais oferecidas por uma política de digitalização que prioriza o objetivo referido em conjugação com a implantação no terreno de boas práticas fundadas no princípio constitucional da administração aberta e na lei. Recorde-se, por um lado o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto: «Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo».

Por outro, a possível e necessária digitalização dos documentos administrativos em formato aberto – um formato de ficheiro disponibilizado ao público e reutilizável independentemente da plataforma utilizada, bem como o seu formato legível por máquina – um formato de ficheiro estruturado de modo a ser possível, por meio de aplicações de software, nele identificar, reconhecer e extrair dados específicos, irá possibilitar o efetivo cumprimento do referido n.º 1 do artigo 5.º da Lei n,º 26/2016, de 22 de agosto.

A Comissão recomenda a obrigatoriedade dos órgãos regionais assegurarem por via eletrónica até ao fim do primeiro ano do seu mandato o acesso direto de qualquer cidadão, residente ou não na região, a todos os documentos administrativos não sujeitos a classificação de acesso.

As restrições aplicadas deverão ser explicitadas na informação aberta ao público, de modo a poderem ser sindicáveis nos termos da lei.

As entidades regionais devem disponibilizar eletronicamente e devidamente organizados, catálogos de referência de documentos, dispositivos de remissão para outras informações relevantes, bem como dispositivo de exploração interativa.

Levará tempo a construir uma base tão vasta. Impõem-se uma avaliação gradual e programada

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desde o início. Mas gradualizar não é sinónimo de protelar. No termo do primeiro mandato a base referida deve estar já em funcionamento no essencial de todas as suas dimensões.

A Lei-Quadro das Regiões deve estatuir sobre esta matéria. A entrada em funcionamento do sistema de informação por via eletrónica é um pré-requisito fundamental para o bom exercício da democracia local. Os cidadãos devem poder aceder a este sistema no momento que entenderem, em casa, no trabalho, em reuniões, formais ou informais como a versão da tertúlia de café, ou em conversa com amigos e famílias, mesmo nos bancos de jardim.

Naturalmente, o modo de acesso eletrónico merecerá certamente a preferência de importantes segmentos da população. Mas toda a restante população que quiser realizar o acesso por via de relacionamento pessoal deverá ter satisfação tão facilitada quanto possível, não podendo ficar ninguém para trás.

CAPÍTULO 4 – PREVENÇÃO DA CORRUPÇÃO Os opositores da regionalização invocam com recorrência que a criação de um novo nível de órgãos locais

é suscetível de propiciar situações de corrupção e de outros ilícitos de natureza financeira. A Comissão está ciente de que existe essa possibilidade como, de resto, existe também com igual

relevância na Administração em geral. Do mesmo modo, está também consciente de que o ordenamento jurídico português não logrou ainda encontrar um verdadeiro sistema articulado e eficaz na luta contra o fenómeno da corrupção.

Os órgãos de investigação criminal (polícias e Ministério Público) de um modo geral justificam a ausência de sucessos significativos com a falta de meios humanos. E, no entanto, a falta de pessoal ocorre essencialmente a jusante do crime. A montante, ou seja, ao nível da prevenção da corrupção, onde mais interessa intervir, o problema vai para além disso porque pouco se tem feito. Basta atentar nos Relatórios do GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção do Conselho da Europa) para se confirmar essa realidade.

Neste contexto, a Comissão considera que devem ser dadas orientações, aplicáveis a cada uma das regiões que venham a ser definidas, em termos de lhes possibilitar assumir a prevenção da ocorrência de crimes de índole económica e financeira no seu seio. Realça ainda a necessidade de assegurar a efetiva fiscalização da adequação e cumprimento dos planos e procedimentos em vigor, incluindo a inspeção e a sanção de comprovadas responsabilidades de dirigentes por ação ou omissão em matéria de prevenção da corrupção.

Pelo termo de Homologação n.º 176/2018, de 4 de outubro, foi homologada a NP – Norma Portuguesa ISO 37001 de 2018, doravante apenas NP, cujo título é «Sistemas de gestão anticorrupção. Requisitos e orientação para a sua utilização», publicada pelo Instituto Português da Qualidade, que se junta como anexo ao presente Relatório.

Como pode ler-se na introdução da NP, «É expectável que uma organização bem gerida disponha de uma política de conformidade assente em sistemas de gestão apropriados que a assistam no cumprimento das suas obrigações legais e no seu compromisso com a integridade».

Esta NP tem como objetivo especificar requisitos e fornecer orientações para estabelecer, implementar, manter, rever e melhorar um sistema de gestão anticorrupção. Os requisitos deste documento são genéricos e destinados a serem aplicados a todas as organizações (ou partes de uma organização), independentemente do tipo, dimensão e natureza da sua atividade e de pertencerem aos sectores público, privado ou sem fins lucrativos.

Com as disposições desta NP pretende-se, como se disse, a implementação de um sistema de gestão anticorrupção, mas que não seja imposto de fora para dentro como uma receita igual para todas as regiões. Pelo contrário, o sistema anticorrupção deve ser adequado a cada caso e sistematicamente avaliado e revisto com vista à atualização da adequação.

É um sistema que não deixa de fora ninguém que integre a instituição. Pelo contrário, envolve desde logo e em primeira linha, os responsáveis máximos pela governação. Com efeito o n.º 5 da NP, sob a epígrafe «Liderança» prevê que «Quando a organização tem um órgão de governação, esse órgão deve demonstrar liderança e compromisso com o sistema de gestão anticorrupção».

Assim, determina o ponto 5.3.1. da NP, para além do mais e salientando apenas o mais relevante, que:

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 A gestão de topo deve assumir a responsabilidade global pela implementação e conformidade do

sistema de gestão anticorrupção (remetendo para a observação de nove características a que devem obedecer os sistemas de gestão);

 A gestão de topo deve assegurar que as responsabilidades e autoridades das funções relevantes são atribuídas e comunicadas a todos os níveis da organização;

 Os gestores a todos os níveis devem ser responsáveis por exigir que os requisitos do sistema de gestão anticorrupção são aplicados e cumpridos no respetivo departamento ou função;

 O órgão de governação (caso exista), a gestão de topo e todo o restante pessoal, devem ser responsáveis por compreender, cumprir e aplicar os requisitos do sistema anticorrupção, relacionados com as suas funções dentro da organização.

A NP assume a dificuldade na deteção da corrupção, pelo que pode ler-se no seu Ponto A.3.1 que «A

corrupção é habitualmente dissimulada. Pode ser difícil de prevenir, detetar e combater. Reconhecendo estas dificuldades, a intenção global deste documento é a de que o órgão de governação (se existir) e a gestão de topo de uma organização precisem de:

– se comprometer a prevenir, detetar e combater a corrupção no que respeita aos negócios ou atividades

da organização; – genuinamente implementar, no seio da organização, medidas concebidas para prevenir, detetar e

combater a corrupção». Um dos pontos fundamentais em que assenta o sistema anticorrupção (NP ponto 4.5) é aquele que tem a

ver com a apreciação dos riscos de corrupção, que deverá ser feita por cada uma das instituições, através de:  estabelecimento de critérios para a avaliação do seu nível de risco corrupção, que devem ter em conta

as políticas e objetivos da instituição;  apreciação regular dos riscos de corrupção, através da identificação dos riscos que possam ser

razoavelmente antecipados nos termos previstos na própria NP;  análise, avaliação e priorização dos riscos de corrupção identificados;  avaliação da adequabilidade e da eficácia dos controlos implementados para mitigar os riscos de

corrupção apreciados;  revisão regular da avaliação dos riscos de corrupção. Há que realçar que o sistema de gestão de riscos de corrupção, para além de ser definido adequadamente

a cada uma das instituições em que é implementado, não se mantém estático. Com efeito, a NP implica que seja sistemática e periodicamente objeto de ações de avaliação, quer sejam auditorias internas quer sejam realizadas por avaliadores externos. Como é óbvio, destas avaliações decorrerão alterações para adequação do sistema ao alcance de mais eficácia, que deverão ser adotadas.

Finalmente há ainda a salientar que o sistema de gestão de riscos de corrupção deverá assentar em documentos publicados, que estarão acessíveis não apenas a todos os membros da instituição, mas também a quantos os pretendam consultar. Quanto a este aspeto, aliás, a Comissão defende que no caso das regiões administrativas deverá ser dada ampla publicidade a esses documentos, para que todos os eleitores os possam conhecer.

O que fica expresso significa que a aplicação da NP ISO 37001 ao funcionamento dos órgãos regionais poderá preencher a já aludida necessidade de mecanismos de prevenção da ocorrência de corrupção no âmbito das futuras regiões administrativas, se as mesmas vierem a ser criadas.

Sem prejuízo da aplicação da NP, a introdução de procedimentos de certificação da qualidade dos serviços deverá vir a constituir uma prática generalizada, que vai também contribuir para a diminuição do risco de más práticas de gestão. Estes procedimentos, que já existem em algumas entidades tanto do sector privado como também do sector público, deverão ser auditados com regularidade e eventualmente corrigidos e melhorados.

Há que salientar, por fim, que a observância da NP em nada colide com as disposições jurídicas já

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existentes relativas à tutela inspetiva a que as regiões, a existirem, ficarão sujeitas, já que são distintos os objetivos e os tempos de atuação das regras da NP e dos normativos jurídicos. A NP a montante e as ações inspetivas a jusante. E nem tampouco colide com as demais leis contra a corrupção vigentes no nosso ordenamento jurídico, já que uma das condições previstas na implementação do sistema de gestão é a conformidade com as leis anticorrupção aplicáveis à organização (ponto 5.2. b).

Nestes termos, a Comissão recomenda que no primeiro mandato deverão os órgãos regionais eleitos implementar um sistema de gestão de riscos de corrupção adequado e adaptado em cada uma das regiões, de acordo com os requisitos e as orientações inscritas na NP ISO 37001 de 2018. Cada um dos sistemas deverá também e ainda no mesmo mandato, ser devidamente certificado nos termos legais, devendo ser o respetivo processo irrestritamente acessível ao público por via eletrónica. Deverá também ficar acessível pela mesma via o regime sancionatório previsto e a sua aplicação, incluindo a obrigação de investigação de eventuais responsabilidades por ação ou omissão de dirigentes, no que toca à adequação e cumprimento dos dispositivos de prevenção, sempre que ocorram casos de corrupção no âmbito de serviços regionais.

A Comissão recomenda vivamente que sejam adotadas na Lei-Quadro das Regiões normas habilitadoras do desenvolvimento regulamentar obrigatório quer da adoção de instrumentos de prevenção baseados adequadamente na NP ISO 37001, quer da sua certificação por entidades de reconhecido prestígio internacional.

CAPÍTULO 5 – DESENVOLVIMENTO DAS ESTATÍSTICAS OFICIAIS TERRITORIALIZADAS E DE

INDICADORES NECESSÁRIOS À PREPARAÇÃO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS TERRITORIALIZADAS

O conhecimento, nas suas diversas dimensões, está na base da boa preparação e avaliação das políticas

públicas. Nas políticas territorializadas, o que mais avulta nessa base é o conhecimento quantificado das situações a que as políticas públicas se dirigem na tentativa de desencadear transformações visando determinados objetivos. No comando e no controlo desses processos é necessário dispor de indicadores quantitativos definidores da sucessão de estádios da situação inicial ao termo final.

Na generalidade dos casos, as estatísticas oficiais territoriais são a fonte essencial que serve à constituição dos indicadores, independentemente do recurso a outras fontes em razão da matéria. Sob pressão das grandes transformações em curso no domínio das estatísticas, tanto do lado da procura como da oferta, as estatísticas oficiais estão em necessidade vital de alargamento e aprofundamento da sua cobertura, frequentemente por incorporação e processamento de dados administrativos ou de outras origens públicas e privadas. Na perspetiva do que já se antevê sobre necessidades futuras, o grande problema a vencer é a insuficiência de recursos dedicados ao rápido reforço da utilidade operacional das estatísticas oficias. Por outro lado, é preocupante a inexistência de baterias de indicadores referentes a problemas que, já o sabemos, serão certamente objeto de importantes políticas futuras, no âmbito nacional como regional.

Neste contexto geral, o que se impõe em primeiro lugar é o reforço do programa de estatísticas territoriais do INE.

No plano da necessidade de novos indicadores, devemos dar prioridade a novas métricas da pobreza, das desigualdades e da produtividade. A inovação estatística subjacente a todos esses domínios é considerável, boa parte dela inadiável. Comecemos pelo reforço imediato do programa de estatísticas territoriais do INE.

Tendo em especial atenção que o INE vem dedicando às estatísticas territoriais, a Comissão pediu ao dirigente do Gabinete para a Coordenação das Estatísticas Territoriais do INE, Dr. Francisco Vala, o seu contributo no sentido de enquadrar o necessário reforço da informação estatística para a monitorização das políticas públicas num quadro de descentralização.

A Comissão recebeu a melhor colaboração do Dr. Francisco Vala sob a forma de um estudo reproduzido no Volume II – Anexo deste Relatório.41

Estatísticas de base territorial para a monitorização de políticas públicas: especificidades e 41 Vala, Francisco (2019) Informação Estatística para a Monitorização das Políticas Públicas num quadro de descentralização: Desafios e oportunidade – Volume II Anexo, elaborado a pedido da Comissão Independente para a Descentralização.

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relevância O reforço institucional das várias áreas de intervenção do Estado a nível regional e a implementação de

políticas setoriais pelas regiões implicarão o reforço das políticas de base territorial e o robustecimento dos instrumentos de monitorização dos impactos territoriais das políticas públicas, independentemente do nível da administração que as implementa. Ao mesmo tempo, considera-se que um quadro de descentralização implicará um maior escrutínio das políticas públicas pelas comunidades locais e regionais.

Estas premissas têm como consequência fundamental, ao nível do aparelho estatístico, um incremento de necessidades de informação estatística oficial de base territorial que permitam observar elementos fundamentais da vida quotidiana dos cidadãos e monitorizar e avaliar o progresso alcançado com as políticas implementadas.

Entendemos como informação estatística de base territorial: i) a informação estatística com elevado detalhe espacial (sub-regional ou superior) e ii) a informação estatística que incorpore características geográficas na sua formulação.

O principal desafio para a produção de estatísticas de base territorial está associado à recolha de informação de elevado detalhe espacial nas diferentes áreas temáticas de produção, que permita a disponibilização de informação territorializada. Este desafio valoriza as operações estatísticas do tipo recenseamento, em detrimento dos inquéritos amostrais que sustentam ainda grande parte das estatísticas oficiais. Neste contexto, para o desenvolvimento das estatísticas de base territorial é fundamental o acesso a fontes externas, obtidas por recolha indireta, nomeadamente registos administrativos georreferenciados, e o desenvolvimento da componente espacial da infraestrutura de apoio à produção enquanto instrumento de integração de dados e de estruturação de resultados.

Adicionalmente, na disponibilização de estatísticas de base territorial as questões relativas à qualidade e confidencialidade surgem com expressão mais saliente pelo detalhe associado aos pequenos domínios geográficos, valorizando, consequentemente, os aspetos metodológicos e as técnicas aplicadas na produção da informação. Em particular, um quadro de produção estatística com base numa infraestrutura integrada de dados georreferenciados permite a estruturação de resultados de acordo com geografias de geometria variável e não necessariamente hierárquicas. Esta potencialidade no serviço aos utilizadores deverá garantir sempre a confidencialidade dos prestadores primários de informação e implica a utilização de técnicas avançadas no tratamento e avaliação de confidencialidade.

Por último, assinalam-se os aspetos de coerência e comparabilidade. Apesar do esforço no sentido de assegurar a comparabilidade num quadro internacional, a relevância de

estatísticas de elevada granularidade, nomeadamente, para a formulação e monitorização de políticas de base territorial, pode comprometer a comparabilidade com outros países.

O Memorando de Lisboa «Indicators for Decision Making and Monitoring» subscrito pelos Diretores Gerais dos Institutos Nacionais de Estatística da União Europeia em setembro de 2015, identifica atribuições distintas entre os domínios das políticas e da estatística: os decisores definem objetivos de política e metas, enquanto os estaticistas desenvolvem de forma independente os indicadores (DGINS, 2015).

É neste quadro de necessidades específicas e que valoriza a informação estatística oficial, que se destaca o desenvolvimento da Infraestrutura Nacional de Dados (IND) no INE, enquanto resposta a uma sociedade cada vez mais complexa que gera novas expectativas relativamente às estatísticas: mais atuais, capazes de responder a temáticas emergentes e que permitam a caracterização de pequenos domínios, sejam geográficos, sociais ou económicos.

O potencial da era da digitalização e a Infraestrutura Nacional de Dados

A avaliação de fontes alternativas para a produção de estatísticas oficiais que permitam não só a otimização de recursos e a eficiência de processos, mas também a diminuição da sobrecarga sobre os respondentes, constitui um objetivo que se tem vindo a materializar no contexto dos vários países europeus, ainda que com diferentes ritmos. Este percurso de valorização de fontes externas como alternativa ou complemento das operações estatísticas de recolha direta com base em inquéritos amostrais centrou-se, primeiramente, na utilização de fontes administrativas de informação e, mais recentemente, no aproveitamento do vasto volume de dados (big data) que são produzidos diariamente em resultado da utilização de vários dispositivos e aplicações.

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A implementação da Infraestrutura Nacional de Dados no INE, através do acesso e integração de dados anonimizados de entidades públicas e privadas, representa uma oportunidade para efetivar um modelo de produção mais versátil, beneficiando da crescente digitalização de processos nas organizações, nomeadamente, da utilização de sistemas de codificação dos agentes económicos, dos seus recursos, atividades, valor gerado e localização.

O processo de integração de novas fontes para a produção estatística permite também corresponder com maior facilidade à produção de estatísticas «fit for purpose», nomeadamente no que se refere a indicadores de apoio à decisão e monitorização de políticas públicas.

Como visão, trata-se de substituir os modelos de dados tradicionais centrados na operação estatística e determinado universo de referência por modelos de dados relacionais complexos que integram diferentes domínios temáticos, sob um quadro de interação entre agentes centrado nas atividades desenvolvidas no espaço e no tempo.

O INE já utiliza um volume considerável de dados administrativos no processo de produção e análise estatística e detém uma estrutura sólida que assegura a proteção e integridade dos dados. Com a intensificação da apropriação e utilização de dados administrativos e de outras fontes no processo produtivo do INE, antecipa-se um grande aumento do volume de dados e um alargamento substancial dos domínios cobertos.

A capacidade para apreender a multidimensionalidade dos dados aumenta com a exploração e análise massiva de dados e a aplicação de novas técnicas de extração de informação: dados gerados com uma determinada finalidade podem encerrar respostas para questões que nem sequer intuitivamente aparentavam estar relacionadas. Só uma organização com equipas multidisciplinares está capacitada para concretizar este desafio.

A par da disponibilização de novas estatísticas oficiais, a implementação da IND permitirá a análise das bases integradas anonimizadas, em ambiente seguro, para estudos de investigação científica e para responder a questões específicas para a formulação e avaliação de políticas públicas.

INFRAESTRUTURA NACIONAL DE

DADOS

Intensificação da apropriação de dados administrativos e de

outras fontesUso mais intensivo e integrado dos dados

Alargamentosubstancial dos

domínios cobertos

Maiorretorno à sociedade

Segurança e qualidade

Integração de dados

Confiança

Bem Público: + INFORMAÇÃO

ESTATÍSTICA

Serviços de acessoInvestigação

Políticas Públicas

Figura VI.3 – Principais desígnios e benefícios da Infraestrutura Nacional de Dados.Fonte: Lima (2019)42 Conclusões e recomendações para o robustecimento da produção de estatísticas de base territorial

num quadro de descentralização administrativa

O enquadramento europeu para a produção de estatísticas oficiais e a crescente utilização de fontes de dados alternativas para a produção de estatísticas oficiais tendem a valorizar a sua consistência e coerência ente os diversos níveis da sua compilação. Será extremamente relevante garantir que os sistemas de informação regionais permitem a integração de informação e a compilação de agregados nacionais. A este respeito, é necessário garantir mecanismos de coordenação setorial que incluam a perspetiva da produção

42 O potencial dos dados para a leitura da diversidade territorial (apresentação nas XI Jornadas Ibero-Atlânticas de Estatística Regional)

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estatística e assegurem a interoperabilidade entre os sistemas de informação das várias regiões. A OCDE (2017),43 na sistematização que efetuou dos modelos de organização da produção de estatísticas territoriais em alguns Estados-Membros, sinalizava justamente o desafio de coordenação em sistemas fortemente descentralizados.

Por outro lado, um quadro de descentralização administrativa constitui uma oportunidade: soluções inovadoras que possam ser encontradas numa determinada região podem ser mimetizadas nas restantes regiões. Um quadro de descentralização administrativa deve, assim, ter por desígnio uma forte dimensão de cooperação. Esta dimensão de cooperação será também relevante dada a assimetria de dimensão e massa crítica que caracterizam cada uma das regiões. Nesta linha, o sistema estatístico poderá ter um papel relevante no apoio à implementação dos sistemas de informação de natureza administrativa, tirando também partido de um maior alinhamento entre os sistemas implementados e as orientações no quadro de produção estatística.

Independentemente do horizonte temporal de implementação de um eventual processo de descentralização, parece fundamental que haja um reforço das estatísticas de base territorial. Por um lado, a pressão para alargar o quadro de produção de estatísticas de base territorial é já saliente, não só pelas necessidades manifestadas pelas entidades de nível local e regional, mas também pela valorização da componente territorial nas políticas setoriais. Por outro lado, a implementação de um processo de descentralização deverá ser sustentado em informação estatística de base territorial mais abrangente e que permita a monitorização do processo.

Identificam-se, por isso, quatro projetos-chave que se entendem como fundamentais para o robustecimento da informação disponível de base territorial sob enquadramento da visão preconizada na Infraestrutura Nacional de Dados. Estes projetos têm natureza distinta: a Base de População Residente e a Carta Georreferenciada de Equipamentos e Serviços de Apoio à População são projetos estatísticos, para a disponibilização de novos resultados e que dependem em larga medida do reforço de recursos no INE, não obstante o seu sucesso estar também dependente de articulação com outras entidades. O Número Único de Estabelecimento e a Base Nacional Oficial de Moradas são projetos infraestruturais a favor de um quadro crescente de integração de dados para a produção de estatísticas oficiais cuja implementação depende de um modelo de Governo que tenderá a ser liderado por outras entidades.

1) Base de População Residente (BPR)

Ao contrário de outros países europeus, Portugal não dispõe de um registo administrativo da população residente no país que, de forma integrada, permita acompanhar os movimentos da população (movimentos natural e migratório) e, simultaneamente, caracterizar os perfis demográficos e socioeconómicos dos residentes.

Atualmente, o país dispõe de um conjunto de informação no domínio das famílias e da população que permite responder, por exemplo, a questões sobre a situação face ao emprego, à formação e à escolaridade, às condições de habitação, ao rendimento e condições de vida e às dinâmicas demográficas. Contudo, uma resposta estatística integrada e espacialmente desagregada a estas temáticas só é atualmente possível, em certa medida, através da utilização de informação censitária.

O projeto BPR surgiu, justamente, no âmbito do estudo de viabilidade para um novo modelo censitário para 2021, mais eficiente, com recurso a informação administrativa. A BPR é o resultado de um processo de agregação de dados, com interligação de registos administrativos de várias entidades e da aplicação de regras de indícios de residência.

Os exercícios realizados são encorajadores no que se refere à contagem e caraterização da população residente no país e mantêm-se em desenvolvimento os trabalhos para o robustecimento de resultados para pequenos domínios territoriais. O estádio de desenvolvimento atual da BPR coloca Portugal num patamar mais favorável relativamente ao cumprimento das obrigações internacionais, nomeadamente a produção de estatísticas censitárias anuais a partir de 2024, conforme preconizado pelo Eurostat.

Contudo, independentemente das variáveis censitárias e da periodicidade de reporte censitárias que

43 OCDE (2017), The Governance of Regional Statistics in OECD Countries (documento apresentado na 33.ª reunião do Grupo de Trabalho de Indicadores Territoriais da OCDE).

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venham a ser fixadas por regulamentação europeia, é fundamental continuar o investimento na BPR enquanto projeto estratégico de charneira das diferentes temáticas da área das estatísticas sociais.

2) Carta Georreferenciada de Equipamentos e Serviços de Apoio à População

O nível de acesso das populações a serviços de interesse geral constitui uma das questões centrais para a avaliação da qualidade de vida dos indivíduos e da coesão dos territórios. Em particular, é fundamental assegurar equidade no acesso das populações aos equipamentos de provisão de serviços sociais de interesse geral (e.g. saúde, educação, emprego). Especificamente sobre a temática da qualidade de vida das populações destaca-se o trabalho da OCDE sobre bem-estar regional44, que salienta como dimensão de análise fundamental a acessibilidade a serviços. No relatório do Desenvolvimento e Coesão (ADC, 2018), os serviços sociais de interesse geral são analisados na perspetiva da coesão social, económica e territorial.

No passado, o INE realizou a operação estatística Carta de Equipamentos e Serviços de Apoio à População (CESAP), que permitia avaliar o grau de cobertura territorial dos equipamentos de utilização coletiva (públicos e privados) e determinar níveis de acessibilidade potencial dos territórios. Este projeto viria a ser descontinuado a favor do desenvolvimento de uma plataforma de informação georreferenciada, fora do perímetro do Sistema Estatístico Nacional.

Tendo em consideração a relevância da CESAP para a monitorização da equidade e coesão territorial, e as necessidades manifestadas no âmbito do próximo período de programação, o INE está a avaliar o reinício da operação estatística CESAP com periodicidade regular, com métricas de disponibilidade dos serviços e de acessibilidade, com recurso a informação sistematizada numa base de dados georreferenciada e centrada, na sua primeira edição, num número limitado de setores (e.g. educação, saúde e justiça).

Pretende-se desenvolver este projeto em estreita articulação com as entidades relevantes da administração pública, beneficiando das experiências anteriores mas tirando partido das atividades de produção relacionadas já existentes no domínio do SEN, da infraestrutura de apoio à produção de estatísticas oficiais e sobretudo do mandato para a recolha de dados do INE.

3) Número Único de Estabelecimento

Uma das questões centrais para a avaliação da competitividade dos territórios e do funcionamento dos mercados locais de trabalho é a existência de informação estruturada de acordo com o local de produção. É nos estabelecimentos das empresas que efetivamente se exercem as atividades económicas e que as pessoas trabalham.

O INE dispõe no seu Ficheiro de Unidades Estatísticas de um registo exaustivo de empresas para suporte às operações estatísticas. Este registo é atualizado nomeadamente com base na integração de dados administrativos, entre os quais se destaca a Informação Empresarial Simplificada (IES). Este processo de manutenção do ficheiro de empresas beneficia da existência de um Número de Identificação Fiscal/Número de Pessoa Coletiva e de uma entidade jurídica (pessoa singular ou coletiva) bem delimitada. O Ficheiro de Unidades Estatísticas inclui também o registo dos estabelecimentos associados às empresas, beneficiando sobretudo do sistema de codificação proveniente dos Quadros de Pessoal do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Contudo, a inexistência de um número de identificação único de estabelecimento limita a integração de outras fontes de informação da Administração Pública. Por exemplo, a existência de um número único de estabelecimento permitiria a integração de informação económica por estabelecimento proveniente da IES com a informação associada ao Cadastro Comercial, preconizado no regime jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração ou com a informação reportada à Segurança Social no âmbito das declarações de remunerações.

Deste modo, considera-se fundamental a definição e implementação de um número único de estabelecimento que potencie os processos de integração de informação, podendo contribuir para reduzir as necessidades de interação entre os agentes económicos e a administração.

44 How’s life in your region? Measuring regional and local well-being for policy making.

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4) Base Nacional Oficial de Moradas

As moradas são um elemento central na atividade corrente do INE pela sua importância no processo de recolha de informação. Ao mesmo tempo, as moradas constituem instrumento para a integração de informação, permitindo a sua espacialização. É, pois, fundamental a implementação de uma estrutura normalizada de moradas e um repositório público, centralizado, que possa servir as várias entidades interessadas e que assegure a integração de informação obtida de diferentes fontes.

Uma estrutura normalizada de moradas deverá obedecer às disposições da Diretiva INSPIRE – Infrastructure for Spatial Information in the European Community45. Esta Diretiva estabelece a sistematização e disponibilização da informação espacial de acordo com um conjunto de especificações técnicas da responsabilidade de instituições públicas dos Estados-Membros, incluindo justamente o tema Endereços. No contexto da implementação da Diretiva em Portugal, enquanto ponto focal da Rede INSPIRE PT Core, o INE é formalmente responsável pela produção e disponibilização de conjuntos de Dados Geográficos e Serviços de Dados relativamente ao tema Endereços.

A realização do Recenseamento Geral da Habitação no contexto da operação Censos 2011 permitiu que o INE constituísse o Ficheiro Nacional de Alojamentos de suporte às operações estatísticas junto das famílias. Este ficheiro, devidamente integrado com o Ficheiro de Unidades Estatísticas de empresas e estabelecimentos, configura um bom contributo, em termos de qualidade e de cobertura, para a constituição de uma Base Nacional Oficial de Moradas, de utilização obrigatória por toda a administração pública e que deverá enquadrar-se no Sistema Nacional de Informação Geográfica (SNIG) e respeitar as regras estabelecidas na diretiva INSPIRE.

A infraestrutura de suporte à constituição da Base Nacional Oficial de Moradas deverá englobar a componente cartográfica e alfanumérica numa base de dados geográfica de moradas, composta por eixos de via, números de polícia, edifícios e frações associadas, assim como a plataforma interoperável que permita a sua utilização generalizada pela administração pública.

Breve nota sobre prioridades em matéria de indicadores Já se escreveu que a preparação, execução e a avaliação das políticas territorializadas deve ser feita com

base em indicadores apropriados à aplicação em causa. É urgente refletir sobre a métrica geral adequada ao âmbito regional à caracterização de certos problemas

destinados a ganhar maior peso e novos contornos em futuro próximo. De entre esses problemas, está a potencial intensificação da pobreza e das desigualdades, sobretudo em ligação com a radical transformação do mundo do trabalho e a necessidade de reforçar a competitividade e o crescimento económico pela via do significativo aumento da produtividade.

Neste relatório apenas nos cabe uma brevíssima referência sobre o modo de iniciar a concretização das necessárias bases de baterias de indicadores.

i) Pobreza e desigualdade

Existe já uma produção significativa de indicadores comparáveis internacionalmente de pobreza e desigualdade no plano regional, muito em especial estabelecidos pelo Eurostat e pela OCDE.

Neste campo devemos acompanhar atentamente inovações de grande porte atualmente em curso nas Nações Unidas com o objetivo de decidir sobre o possível interesse da sua introdução no plano regional, ainda que essas inovações tenham nascido no puro âmbito internacional. Estamos a referir-nos à grande reforma que as Nações Unidas estão a imprimir aos trabalhos do PNUD sobre o Índice de Desenvolvimento Humano. Este foi lançado em 1990 com o explicito propósito de mudar o foco da economia do desenvolvimento da ótica centrada quase que exclusivamente no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e do Rendimento Nacional Bruto (RNB) para a ótica das políticas centradas nas pessoas.

Recentemente, as Nações Unidas conferiram mandato ao programa do Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD46 no sentido de proceder a profundas inovações, associando o Índice de Desenvolvimento Humano a novas métricas incluindo as importantes dimensões da pobreza e da desigualdade. O Relatório do Índice de Desenvolvimento Humano de 2019 apresentará os primeiros resultados desta inovação. 45 Diretiva 2007/2/EC do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de Março de 2007; transposta para a legislação nacional através do Decreto-Lei n.º 180/2009, de 7 de Agosto 46 Pedro Conceição, um português.

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O PNUD também já decidiu que o Relatório do Índice de Desenvolvimento de 2020 incidirá destacadamente sobre disparidades regionais Nestas condições, a Comissão recomenda que se explore o eventual interesse da introdução das inovações promovidas pela Unidade do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (PNUD) para a construção e o uso de indicadores territorializados de pobreza e desigualdades, com as necessárias adaptações ao caso português.

ii) Produtividade

A excecional importância do tema produtividade para o futuro dos portugueses assenta em quatro factos essenciais:

a) A grande determinante do bem-estar a médio/longo prazo dos portugueses é o nível de produtividade

que vier a ser alcançado nesse horizonte; b) Com a previsível perda de postos de trabalho, o crescimento da economia portuguesa dependerá

exclusivamente do crescimento da produtividade; c) Investigações recentes demonstram que o melhor indicador de competitividade das empresas é, de

longe, a sua produtividade; d) Com a regulação do capitalismo baseado na propriedade intelectual e no digital, questão de complexa

resolução no tempo, o crescimento dos salários, em média, tenderá a realinhar-se de novo com a tendência de crescimento da produtividade.

Não será preciso dizer mais para compreender que, no plano económico mas também nos planos social e

político, o imperativo do crescimento da produtividade e da justa repartição dos seus frutos estarão no comando das mais importantes políticas públicas.

É aí que entra também como questão vital a constituição o uso de complexos indicadores compósitos relativos à produtividade com origens e finalidades muito diversificadas.

O crescimento da produtividade está relacionado com um vasto número de fatores e relações económicas, sendo uma peça central dos mecanismos determinantes de decisivas políticas públicas quer a nível macro, quer a nível micro. Foi isso mesmo que levou o Conselho Europeu a recomendar a Constituição de Conselhos Nacionais de Produtividade47. Como se escreveu então, «fazer crescer a produtividade é um desafio multifacetado que exige um conjunto de políticas bem equilibradas visando, em particular, um apoio à inovação, ao aumento de competências, à redução da rigidez do mercado de trabalho e de produtos, bem como a uma melhor afetação de recursos».

É verdade que a multifacetada natureza das políticas envolvidas é a característica dominante do desafio do crescimento da produtividade. Mas importa distinguir os processos de transformação em causa para se poder refletir sobre as baterias de indicadores a construir. No caso português, o objeto e os processos de intervenção das políticas situam-se essencialmente no plano micro económico.

Nesse contexto, a questão central é a relação entre competitividade e produtividade, a nível de cada empresa e a nível de agregados estruturados segundo vários critérios, sendo os mais importantes os de territorialidade e de atividades. Essa é a chave determinante da bateria de indicadores de que necessitamos prioritariamente no plano regional.

Como assegurar a rápida construção de uma boa base inicial? O melhor caminho a seguir é, sem dúvida, estabelecer com a Competitiveness Research Network

(CompNet) um programa de trabalhos com essa precisa finalidade. «A CompNet é um hub de investigação e de análise de políticas sobre competitividade e produtividade. Fundada em 2012, as suas atividades também incluem as atualizações de uma base de dados ao nível de empresas para países membros da UE, base essa que não tem, em termos de cobertura, comparação com outros países». O que nos interessa na CompNet é a metodologia desenvolvida, a base de dados conseguida e a experiência acumulada na sua exploração.

A CompNet é uma criação do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia, de importantes Bancos Centrais Europeus e Institutos de Estatística. O Banco de Portugal tem tido um papel ativo de relevo na orientação de certas atividades da CompNet. Pode não ser fácil estabelecer com a CompNet um programa de 47 Council (2016), Coucil Recommendation of 20 September 2016 on the establishment of National Productivity Boards (2016/ e 349/01).

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colaboração bem dotado de recursos, visando objetivos ambiciosos centrado na relação entre competitividade e produtividade em Portugal. Mas vale a pena tentá-lo com todo o empenho, com a melhor participação do Governo, do Banco de Portugal e do INE.

A Comissão recomenda o contacto a alto nível com a Competitiveness Research Network (CompNet) envolvendo nesse contacto o Governo, o Banco de Portugal e o INE, com a finalidade de explorar a relação estatística entre produtividade e competitividade a partir de uma base de dados a nível de empresas, de modo a dispor de baterias atualizadas de indicadores necessários à preparação e avaliação de políticas públicas destinado a apoiar o crescimento da produtividade ao nível microeconómico.

A Comissão não quer deixar de referir sucintamente um tema básico para o futuro. Trata-se de assegurar para cada região a estruturação da informação orçamental aberta aos cidadãos em relação direta com os seus objetivos de coesão, de equidade e de bem-estar das populações.

Sem dúvida que a Lei de Enquadramento Orçamental tem de ser rigorosamente cumprida. Mas a Comissão também não tem dúvidas de que se impõe em paralelo a organização de toda a informação orçamental segundo nova Lei de Enquadramento da coesão, de equidade e do bem-estar das populações no âmbito orçamental.

Não se trata de uma utopia, nem sequer de inovação sem procedentes. Pelo contrário, a Nova Zelândia já se obrigou a preparar, a aprovar, a publicitar e a executar orçamentos em conformidade com esse novo enquadramento orçamental. Há outros países que se estão movendo no mesmo sentido. É provável que este seja um dos pontos mais fortes dos debates orçamentais em anos não muito distantes.

CAPÍTULO 6 – SISTEMA DE INOVAÇÃO

6.1 – Enquadramento Portugal é um país coeso em termos de valores, herança histórica, identidade e cultura mas, apesar da sua

relativamente reduzida dimensão territorial, tem graves assimetrias regionais, em termos demográficos e socioeconómicos, documentadas em diversos trabalhos (por exemplo, Relatório do «Movimento pelo Interior»48).

Razões de natureza histórica, geográfica e orográfica, do comércio, da educação e do uso do solo conduziram a que, ao longo do tempo, uma estreita faixa litoral do país fosse concentrando a maioria da população, do emprego, da atividade económica e da riqueza. Essa faixa de 50 km é o locus de cerca de 70% da população com uma densidade média de 350 hab./km2. A densidade populacional média do «interior» é de 0,28 hab/km2 e de 104,2 hab/km2 no litoral1.

As proporções desta situação, para além de consubstanciar um quadro de desigualdade de oportunidades, originam um círculo vicioso de drenagem do remanescente de pessoas, talento e riqueza. O inevitável definhamento dessas regiões do «interior» está a acarretar constrangimentos estruturais ao desenvolvimento global do País, resultantes da autolimitação no aproveitamento e utilização do seu potencial.

Narrativas e práticas do passado, cujos resultados são conhecidos, têm levado a exercícios redutores de identificação do potencial de desenvolvimento das zonas do «interior», limitando-o às áreas do agroalimentar e florestal, indústrias tradicionais e turismo. Sem retirar a importância destes domínios, novas estratégias de desenvolvimento devem ser implementadas nos contextos das atuais transformações tecnológicas, casos do digital e da biologia, sob pena de o interior continuar a perder atratividade e ficar desprovida de capital humano.

Neste contexto e tendo por base ativos endógenos, é vital identificar, construir e consolidar clusters centrados em bens e serviços transacionáveis que possam ser desenvolvidos nessas regiões, retendo população e criando valor acrescentado.

No essencial, o desenvolvimento sustentado do território exige estratégias adequadas aos paradigmas económicos e societais do século XXI, marcados por questões ambientais, desmaterialização, conectividade, automação e a crescente importância de novos serviços associados a experiências de utilização e de fruição, onde o conhecimento e a inovação são elementos fulcrais e diferenciadores de novas lógicas de

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competitividade. Por isso, as instituições de ensino superior (IES), consideradas nas suas três dimensões de atividade –

ensino, investigação e interação com a sociedade – são a mola central deste processo, especialmente nas regiões menos desenvolvidas.

No entanto, o desenvolvimento baseado na valorização do conhecimento implica capacidade para a sua produção, apropriação e aplicação, para além da imprescindível formação de recursos humanos até aos níveis mais avançados. Estes desafios exigem a concertação dos atores locais relevantes, segundo modelos da tripla hélice49 contextualizados para realidades socioeconómicas específicas, em torno de estratégias regionais abertas ao global, perspetivadas face aos desafios tecnológicos e a novos modelos de negócio dos setores alvo, consubstanciando, Ecossistemas Regionais de Inovação (ERI).

Uma estratégia de desenvolvimento regional integrado e coesivo deve ter como um dos seus objetivos principais a retenção e a atração de população através da criação de condições competitivas de investimento baseadas na produção, aplicação e valorização de conhecimento.

A criação de ERI afigura-se como essencial para consumar este meta-objetivo, o que exige, numa fase inicial, identificar os objetivos específicos, nomeadamente:

– os domínios de atividade com potencial de desenvolvimento em cada região ou sub-região, bem como os

seus atores, existentes ou potenciais, procurando garantir a homogeneidade da espacialidade considerada; – o âmbito geográfico mais adequado a uma intervenção sistémica através da produção de conhecimento e

oferta de formação que garanta, por um lado, coerência territorial e, por outro, massa crítica para a intervenção;

– as áreas de I&D+i relevantes; – as necessidades de formação, nos seus vários níveis académicos e profissionais, para viabilizar o

desenvolvimento desejado; – os parceiros potenciais que, com expectável centralidade nas IES, possam contribuir para a criação de

um ERI dinâmico e sustentável; – as formas organizativas mais adequadas para atingir o objetivo pretendido; – as fontes e procedimentos de financiamento, público e privado, capazes de viabilizar os objetivos; – o modelo de articulação de uma rede de ERI, essencial para garantir uma continuidade territorial natural

nesta desejada envolvente regional de inovação.

6.2 – A proposta O racional subjacente a uma estratégia para o desenvolvimento integrado e coesivo nacional baseado em

ERI deverá assegurar e ter em conta os aspetos seguintes: – a atração de investimento nacional ou estrangeiro, a promoção do potencial do tecido económico-

produtivo local e, complementarmente, novos modelos de empreendedorismo, incluindo o de base académica; – a existência de medidas orientadas para a fixação e atração de pessoas, resultantes da criação de

atividade económica criadora de valor que, em regiões desfavorecidas, pode ser complementado com medidas de natureza fiscal e outros apoios específicos;

– a articulação de atores do ecossistema através de dinâmicas de conexão efetivas e da densificação desse metabolismo;

– o alinhamento estratégico e o reforço da capacidade das IES, enquanto centros de produção de saber, de educação e de capacitação de recursos humanos qualificados, centralidade amplificada pelo impacto económico direto e indireto que essas instituições têm sobre a economia das respetivas regiões50.

– a implementação desta aposta a partir do atual contexto nacional de enquadramento do desenvolvimento e financiamento regionais: as regiões-plano Norte, Centro, Alentejo, Lisboa e Vale do Tejo, e Algarve;

48 Relatório Final do Movimento pelo Interior, maio de 2018. 49 Innovation in Innovation: The triple helix of university-industry-government relations. Etzkowitz (2003). 50 Na segunda metade do século XX, países como a Holanda, responderam ao fecho de indústrias tradicionais (mineiro, aço) instalando novas universidades, criando emprego qualificado direto e a atração investimento.

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– nas regiões plano coexistem zonas de «interior» e do litoral, cujas condicionantes de desenvolvimento são distintas, pelo que os futuros programas de desenvolvimento, nacionais ou europeus, devem discernir esta marcada realidade, evitando situações de concorrência iníqua entre apostas do «interior» e do «litoral»;

– a articulação das estratégias regionais de inovação com políticas nacionais de investigação científica, muito especialmente ao nível das infraestruturas;

– evitar mecanismos spill-over utilizados no passado, pois vários indicadores económicos e sociais revelam que os anunciados efeitos desses investimentos nas principais centralidades do país, não se têm feito sentir no resto do País.

A valorização do conhecimento será tanto maior, quanto melhor a estratégia se adaptar ao local, isto é,

quanto mais harmoniosamente considerar as especificidades regionais, nomeadamente: a realidade demográfica e socioeconómica; os ativos endógenos; a rede de IES e de centros de investigação e de inovação; e a articulação com as estratégias e as políticas de investigação nacionais e europeias. Por isso, é muito importante que se verifique também uma descentralização proactiva de centros de investigação de referência, em domínios científico e tecnológico específicos de grande potencial regional.

Em síntese, a visão para um País regionalmente mais equilibrado deve ter como pilar a incorporação do conhecimento em atividades especializadas geradoras de valor.

6.3 – Os Alicerces: o papel das instituições de ensino superior Nos diferentes contextos das realidades regionais, a construção e consolidação de ERI sustentáveis exige

considerar as pessoas – os residentes e as que se desejam atrair, nomeadamente as qualificadas – como principal ativo de uma região. É sobretudo no talento e na qualificação que se consubstancia, cada vez mais, a competição entre empresas, instituições, cidades, regiões e países.

O alvo da atividade dos ERI são as empresas, onde se gera a riqueza capaz de alimentar o ciclo virtuoso da criação de emprego de qualidade, essencial à atração e fixação de pessoas.

Os elementos estruturantes dos ERI são os seus membros não-empresariais, as entidades gestoras do território, nas suas dimensões físicas e imateriais, bem como as IES e outras estruturas científicas, de inovação, de certificação, ensaio e de formação. Os ERI devem ser abertos a outras instituições, nomeadamente associações de diferente natureza, cujo contexto regional e a estratégia de desenvolvimento justifique.

São elementos diferenciadores os recursos naturais e/ou patrimoniais endógenos, realidade onde se deve atender a eventuais e desejáveis especificidades da sua articulação com os sistemas económico-produtivo e científico-educacional locais.

No entanto, importa assumir que os alicerces dos ERI são as IES, universidades e/ou institutos politécnicos que, por questões de massa crítica e das dimensões educacional e científica, têm um papel incontornável. Reafirmando que o sucesso dos ERI residirá no desempenho das suas empresas e da qualidade de emprego que venham a proporcionar, não se vislumbra a possibilidade de criar um ERI sem a existência de, pelo menos, uma IES.

De facto, a importância que a criação e difusão de conhecimento tem na economia do século XXI confere às universidades e às estruturas de inovação um papel fundamental. Esta centralidade reforça o seu papel na promoção da inovação, envolvendo diferentes atores a nível regional, nacional e global. Contudo, no contexto dos desafios do desenvolvimento regional, este papel só será efetivo se as IES fizerem transformações internas e de posicionamento, assumindo este desígnio institucionalmente.

Esta transformação exige um alinhamento, contextualizado com a realidade alvo, com o conceito de universidade de quarta geração51 que: i) para além das dimensões educativa e de investigação da universidade moderna, tem estratégias e práticas de valorização do conhecimento e proatividade no desenvolvimento económico; ii) para além dos papéis fundacionais da instituição universitária de procurar a verdade e o conhecimento, assume o papel de motor da economia local; e iii) para além de académicos e cientistas, envolve especialistas locais na sua gestão.

51 Bence Zuti and Miklos Lukovics, 2015; https://mpra.ub.uni-muenchen.de/77460/; posted 16 March 2017.

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O recente estudo da Associação das Universidades Europeias (EUA)52 mostra como universidades e parceiros podem criar sinergias na construção de ERI, procurando novos formatos e espaços colaborativos para enfrentar desafios partilhados, nomeadamente o de evoluir de um paradigma de competitividade para uma efetiva estratégia de inovação, incluindo as dimensões social e de sustentabilidade. O estudo da EUA mostra que cidades e regiões estão a implementar medidas que proporcionam crescimento, bem-estar social e sustentabilidade ambiental, confiando nas universidades a análise de problemas societais e o desenvolvimento de novas soluções.

Assim, das IES, espera-se que combinem a capacidade de resposta aos problemas atuais com o envolvimento em programas prospetivos de longo prazo, através das suas estruturas internas e da participação em redes de natureza diversa, nacionais e internacionais. Das IES espera-se que combinem perspetivas académicas e científicas com as necessidades de inovação de empresas e as estratégias dos poderes públicos, consumando a já referida abordagem de desenvolvimento baseada no conhecimento, denominada de «tripla hélice»2.

Se nas regiões e cidades muito povoadas, as IES são centros de investigação e inovação sistémica, ligando o local ao global e o social ao económico, combinando inovação com a sustentabilidade ambiental; em zonas de menor densidade, as IES são um ator ainda mais determinante, face ao seu maior peso relativo nos tecidos económico, social e cultural.

6.4 – As alavancas: o talento, a concertação estratégica e o financiamento Para além da concertação estratégica, consumada nos ERI propostos neste documento, a implementação

de políticas de desenvolvimento regional carece de financiamento adequado, a partir de fundos nacionais e/ou europeus, alinhado com essas políticas e com a dinâmica da articulação de atores, decidido e libertado em tempo oportuno.

No entanto, a capacitação humana e o talento diferenciador são essenciais para o sucesso dessas estratégias, pelo que a educação terá de assumir grande centralidade neste processo.

De facto, a educação é essencial para o progresso da sociedade e desempenha um papel crítico na erradicação da pobreza53 e na orientação para a prosperidade, vitais para alcançar o desenvolvimento sustentável54.

É consensual que a contribuição mais importante da universidade para a inovação regional centra-se na formação de quadros, preparando-os para o desenvolvimento profissional e a liderança. Nos países da OCDE, a taxa de desemprego é quase duas vezes maior para aqueles que não concluíram o ensino médio (15% dos adultos de 25 a 34 anos sem ensino médio estão desempregados, em comparação com os 7% com um nível de ensino superior55).

O mencionado relatório mostra que as disparidades regionais de educação tendem a aumentar quando o nível de escolaridade aumenta, o que sublinha a necessidade de Portugal apostar no Ensino Superior, com projetos de excelência também fora dos grandes centros urbanos.

Assim, perspetivar o futuro das regiões passa pela aposta em modelos educativos e de capacitação disruptivos, com uma abordagem sistémica e com forte articulação entre interações humanas e digitais. Esta aposta implica uma forte articulação entre o regional, o nacional e o internacional, partindo do local para global.

Tome-se como exemplo, o caso da vinha e do vinho do Douro, cujas condições de excelência são o laboratório ideal para uma abordagem sistémica que vai do clima e do solo ao mercado, passando pela viticultura e enologia de precisão, produzindo conhecimento e valor para a região, quer por incorporação direta, quer por incorporação em produtos tecnológicos de carater global.

52 O papel das universidades nos Ecossistemas Regionais de Inovação, EUA, 2019. 53 Relatório sobre Desenvolvimento Mundial (Banco Mundial, 2018). 54 Relatório de Monitoramento Educação Global (UNESCO, 2016). 55 Education at a Glance 2018, OECD Indicators.

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6.5 – Os desafios Em síntese, propõe-se que as apostas nacionais de descentralização e consequente reforço de políticas de

desenvolvimento regional incluam, obrigatoriamente, a dimensão de inovação que deverá ser promovida e dinamizada pelos ERI.

Essas apostas terão de ser acompanhadas por iniciativas destinadas a atrair e fixar pessoas, e sobretudo talento, em regiões demograficamente deprimidas. As IES são elementos centrais da preconizada estratégia de desenvolvimento regional com base no conhecimento.

Neste contexto, consideram-se como principais desafios desta estratégia: – A criação e alimentação de círculos virtuosos de: desenvolvimento e atração de talento; utilização desse

capital humano para a produção de conhecimento novo, criatividade e inovação; geração de valor com base em estratégia, competência e inovação; melhoria das condições de vida (incluindo melhores empregos); e, consequente melhoria da atratividade regional.

– A existência de apostas nacionais em espaços regionais ao nível de ofertas educativas e estruturas de investigação. Por exemplo, os centros de excelência em ensino e investigação em agricultura, pecuária e floresta deverão ser colocados no interior e assumidos como projetos nacionais, com diferenciação positiva.

CAPITULO 7 – UM BANCO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL DE NOVO TIPO PARA ALAVANCAR

O NÍVEL TECNOLÓGICO, A QUALIDADE DE GESTÃO E A COMPETITIVIDADE DAS EMPRESAS

7.1 – Enquadramento O que a generalidade dos portugueses, por ventura, mais esperarão da regionalização será a criação de

condições favoráveis ao desenvolvimento económico. Isto é, a disseminação no território nacional de empresas bem geridas, dominando tecnologias que acrescentam valor, defendem postos de trabalho qualificadas, longe de precaridade, permitindo o pagamento de salários decentes na base de produtividades elevadas e exibindo assinaláveis níveis de competitividade tanto na exportação como no mercado interno. Empresas com futuro a bem dos empresários, dos trabalhadores e das comunidades que as acolhem.

Para obter estes resultados não chega criar por lei as regiões, entregando aos seus órgãos e administrações processos político-administrativos tradicionais.

São imprescindíveis novos instrumentos e novas políticas públicas para que a regionalização seja potencializadora tanto da melhor mobilização dos recursos endógenos como da significativa atração de recursos com origem externa à região.

É preciso recorrer a novos métodos de promoção do investimento se se quiser ter êxito na requalificação e expansão das empresas existentes e na consolidação de novas empresas criadoras de novos postos de trabalho completamente fora do mundo da precariedade. É neste contexto que a Comissão estudou e recomenda a criação de um Banco de Desenvolvimento Regional de novo tipo para alavancar o nível tecnológico, a qualidade de gestão e a competitividade de uma nova vaga de empresas reforçadoras do desenvolvimento económico regional e do país, bem como para apoiar infraestruturas e equipamentos complementares desses objetivos.

Por que se entende necessário um Banco de novo tipo? Admitindo que é positivo alavancar o nível tecnológico, a qualidade de gestão e a competitividade de

empresas, não estará essa necessidade já cabalmente preenchida pelas instituições atualmente operando seja no setor público, seja no campo financeiro privado? A Comissão entende que a resposta é negativa: não está sequer à vista qualquer preenchimento de tal função quer no setor público, quer no privado.

Não se trata apenas de financiar investimentos. Trata-se de garantir que no coração do negócio de financiamento está a responsabilização pelo bom nível tecnológico, pela qualidade de gestão e pela competitividade do investimento na totalidade da sua expressão operacional. O que é bem diferente de assegurar que o negócio será rentável para o financiador e que o seu risco se encontra suficientemente acautelado pelo valor dos terrenos da empresa ou por outras garantias reais.

Do ponto de vista do interesse nacional, o problema vai bem mais fundo. Nessa ótica, diga-se muito

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sinteticamente que a chave da questão é uma política de apoio ao investimento promotor do crescimento sustentado e considerado a médio e longo prazo de produtividade. Pese embora a repetição, recorde-se que já se escreveu sobre o papel central do crescimento da produtividade no futuro do país e do bem-estar de toda a sua população.

a) A grande determinante do bem-estar a médio/longo prazo dos portugueses é o nível de produtividade

que vier a ser alcançado nesse horizonte; b) Com a previsível perda de postos de trabalho, o crescimento da economia portuguesa dependerá

exclusivamente do crescimento da produtividade; c) Investigações recentes demonstram que o melhor indicador de competitividade das empresas é de

longe, a sua produtividade; d) Com a regulação do capitalismo baseado na propriedade intelectual e no digital, questão de complexa

resolução no tempo, o crescimento dos salários, em média, tenderá a realinhar-se de novo com a tendência de crescimento da produtividade.

O ponto essencial a realçar neste capítulo é que as políticas de apoio ao investimento devem privilegiar

processos que garantam simultaneamente os interesses do Estado, das empresas e do Banco de novo tipo. Em razão do seu estatuto e mandato, o Banco estará obrigado a responsabilizar-se pelo bom nível de

produtividade da empresa que apoia, um indicador seguro da sua competitividade, que é o reflexo direto da sua boa gestão e do seu bom domínio de tecnologia suficientemente avançada. Por sua vez, a empresa será motivada pelo benefício a retirar da sua competitividade/produtividade, condição de sobrevivência futura com boas margens de lucro. Para esse efeito apoiar-se-á na colaboração em profundidade com o Banco que, sendo de novo tipo, lhe poderá prestar financiamento, serviços altamente qualificados de consultoria e de gestão de projeto, bem como, em determinadas condições pré-negociadas, o capital de risco com saída pré-definida.

As observações anteriores mostram que se está a falar da criação de um Banco bem diferente dos bancos comerciais existentes.

Antes de delinear brevemente o esquema que deverá materializar o seu funcionamento, há ainda que assinalar uma diferença acentuada entre os dois tipos de instituição, face às consequências da promoção ou ignorância da produtividade como referência decisória. Por mandato específico, o banco de novo tipo deverá considerar a obtenção de bons níveis de produtividade, um objetivo desejável determinante do êxito da sua criação. Por outro lado, há significativos impactos negativos da política de crédito da banca tradicional sobre a produtividade, por má afetação de recursos. Existe robusta literatura especializada com especial relevo para os países do Sul da Europa, que comprova esse estado de coisas. Trata-se de matéria reconhecidamente consensual entre especialistas.

Portugal é dos países europeus onde a afetação de crédito bancário a empresas zombi ou de muito baixa produtividade assume maior expressão. Tal facto dá poderoso contributo à “normalização” de uma cultura de afetação de crédito em oposição a princípios básicos de boa gestão de recursos essenciais ao crescimento, recursos esses necessariamente limitados em termos da sua disponibilidade total agregada.

Um excelente estudo recentemente publicado pelo Banco de Portugal, da autoria de Nuno Azevedo, Mário Mateus e Álvaro Pina56, comprova essa afirmação sem margem para dúvidas a partir de uma grande base de dados representando 95% dos créditos pendentes inscritos no registo de créditos referentes a empresas não financeiras57.

56 Azevedo. N, M. Mateus e A. Pina (2018) “Bank credit allocation and productivity: stylised facts for Portugal”, working paper n.º 25, Bank of Portugal. 57 A base de dados usada permite distinguir com segurança os créditos pendentes inscritos no registo nacional de créditos referentes, respetivamente, a empresas de baixa produtividade manifestamente enviadas, ditas empresas zombi na literatura especializada, e outras empresas de baixa produtividade e empresas reconhecidamente mais produtivas.

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Finalmente, registam-se duas tendências recentes da banca nacional que não são favoráveis ao desenvolvimento de atividades promocionais viradas para o médio/longo prazo:

i) A significativa baixa da atividade típica da banca de investimento, designadamente a chamada atividade

de advisory e de aconselhamento; ii) A muito menor apetência pelo financiamento a longo prazo (superior a 5-7 anos).

7.2 – Princípios característicos dos bancos promocionais O Banco de Desenvolvimento Regional cuja criação a Comissão recomenda é um banco público

promocional. Os bancos públicos promocionais existem há muitos anos em vários países da União Europeia. O mais

conhecido é o KFW, criado na Alemanha federal em 1948 e que continua em atividade. Hoje é estruturalmente importante, designadamente, para a definição e execução das políticas de inovação e de combate às alterações climáticas. Os seus ativos abrangem 600 mil milhões de euros. Recentemente criaram-se bancos promocionais em França (2012), Reino Unido (2013), Portugal (2014), Irlanda (2014), Letónia (2015), Malta (2017) e Escócia (2018).

O último, o Scottish National Investment Bank, obedeceu a um processo de criação verdadeiramente exemplar que a Comissão recomenda como um dos modelos a seguir em Portugal para a criação do Banco de Desenvolvimento Regional. Há um outro modelo que em certos aspetos pôs em prática soluções operacionais de potencial aplicação interessante no caso português. Refere-se aqui o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), com sede em Londres. Os bancos promocionais não são instituições maximizadoras do lucro, mas éindispensável que demonstrem sustentabilidade e, no caso português, capacidade de autofinanciamento a médio e longo prazo (acima de 10 anos).

Em regra: i) São concebidos como instrumentos de «capital paciente» para a prossecução de objetivos de política

económica; ii) São detidos diretamente pelos Estados, beneficiando, implícita ou explicitamente, da respetiva

garantia financeira. O seu rating internacional está assim totalmente dependente do rating do Estado-Membro;

Impacto da má afetação de crédito sobre a produtividade em Portugal

Do estudo realizado no âmbito do Banco de Portugal retiram-se as seguintes conclusões:

Em primeiro lugar, em 2008/2016 a proporção de crédito pendente concedido a empresas de muito baixa produtividade foi sempre muito pesada, atingindo um pico de 43% em 2013. Em certos setores, a proporção de crédito afeta a empresas improdutivas é assustadora. Por exemplo, no setor de construção e imobiliário 65% do crédito pendente foi atribuído a empresas improdutivas.

Em segundo lugar, as empresas zombi, manifestamente inviáveis a prazo, representam um pouco menos de metade dos créditos em empresas em dificuldades. Segundo o Banco de Portugal, os rácios de «non performing loans» têm vindo a declinar em Portugal, mas ainda são elevados. As consequências da facilitação de crédito a empresa zombi e de baixa produtividade não augura nada de bom para o futuro.

Em terceiro lugar, uma alta proporção de crédito afeto a empresas pouco produtivas tem o efeito perverso de dificultar no tempo o aumento de crédito total alocada às empresas mais produtivas. De facto, o ritmo de reafectação de recursos de crédito a empresas é claramente mais lento quer em bancos com proporções mais elevadas de crédito a empresas improdutivas, quer em setores que se encontram em idênticas condições.

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iii) Os seus recursos financeiros não advêm da captação de depósitos, mas antes, para além do seu capital social, de emissões de obrigações nos mercados nacional e internacional de capitais (nos Estados-Membros de melhor rating), de dotações orçamentais dos Estados (normalmente sob a forma de mandatos para a gestão de fundos com objetivos precisos) e financiamentos bancários (e garantias) invariavelmente com origem no Grupo Banco Europeu de Investimento (GBEI, que inclui o BEI e o Fundo de Investimento-FEI);

iv) Centram a sua atividade na disponibilização de empréstimos a longo prazo e, em regra, através de subsidiárias ou veículos próprios, apoiam, mediante mandatos específicos os setores de capital de risco («venture capital» e «Private equity») nas diferentes fases de desenvolvimento das PME e, em casos limitados, também no domínio das infraestruturas;

v) São invariavelmente objeto de autorização prévia e especial da Comissão Europeia (DG Concorrência), no âmbito da verificação das ajudas de Estado, com o objetivo principal de certificar que o plano de negócios proposto não viola o princípio de «competitive neutrality» que tais instituições têm de observar e de obter a classificação do Eurostat (em coordenação com a autoridade estatística nacional) relativamente à sua natureza de instituição dentro ou fora, como instituição financeira, do perímetro de consolidação do Estado.

Esta última característica assume papel de extrema importância nos graus de liberdade e de autonomia que assistem à gestão das instituições.

7.3 – Perspetivas de atuação: o InvestEU Com base no sucesso relativo do Plano Juncker, lançado em 2015 pela Comissão Europeia com gestão

integral pelo GBEI para relançar o investimento na União Europeia, está em fase bastante avançada de preparação o Programa InvestEU (post-2020).

Irá suceder ao Plano Juncker e, pela primeira vez e por influência dos maiores bancos promocionais, dedicará uma parcela de 25% da garantia comunitária (EUR 38 000 milhões) aos bancos promocionais nacionais (os restantes 75% serão geridos pelo grupo BEI).

O novo Fundo InvestEU irá agregar a multitude de instrumentos financeiros (ou seja, empréstimos, garantias, instrumentos de capital e quase-capital e outros instrumentos de partilha e de risco) num único instrumento financeiro destinado a apoiar quatro grandes áreas de investimento, a saber:

i) R&D, inovação e digitalização; ii) Infraestruturas sustentáveis; iii) PME; iv) Investimento social e qualificações. Para o efeito, a Comissão está já a preparar um programa de capacitação dos bancos promocionais

nacionais. Quatro observações finais importantes em relação ao Banco de Desenvolvimento Regional: i) Não deve estar integrado no perímetro das administrações públicas, o que imporia restrições

específicas a uma gestão autónoma que permita, entre outras valências, o efetivo desenvolvimento, indispensável, de «research», «advisory» e aconselhamento que requerem sempre um processo longo de formação;

ii) Deve contribuir para o desenvolvimento do setor social, setor que deveria merecer atenção especial de políticas públicas de apoio ao investimento;

iii) Deve ser um banco de capital paciente, podendo chegar a prazos de 10 a 15 anos, bem como, se necessário e plenamente justificado de acordo com o seu mandato assumir participações minoritárias o capital social de empresas apoiadas por tempo limitado e em condições pré-definidas;

iv) Deve atuar de modo a atrair a participação de outras instituições financeiras, públicas e privadas, no apoio aos investimentos a viabilizar.

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Em conclusão, a Comissão recomenda a criação do Banco de Desenvolvimento Regional nas condições seguintes:

1. Será direta e integralmente detido pelo Estado. 2. Será excluído do perímetro das administrações públicas, obedecendo às exigências para tal

definidas pelo Eurostat, ou seja, com relativa autonomia de decisão bem expressa no modelo de governança independente, de elevados padrões éticos, sem atuar como agência no pedido do Governo.

3. Deverá atuar como banco de missão nas áreas apoiadas pelo Fundo InvestEU, a saber: i) R&D, inovação e digitalização; ii) PME; iii) Infraestruturas sustentáveis com especialmente relevo para o combate às alterações climáticas

e para a produção da descentralização da economia; iv) Investimento social e qualificação. 4. Na prossecução do seu mandato, obedecendo a uma síntese feliz que preside ao recém-criado

The Scottish National Investiment Bank, deverá agir “no sentido de se centralizar num investimento privado para promover o crescimento da economia potenciando a inovação e acelerando os mecanismos para uma economia de baixo carbono globalmente competitiva e inclusiva”.

5. Deverá recorrer aos melhores recursos humanos quer na sua governança quer na constituição de unidades de advisory nos principais setores de advisory do banco.

6. Deverá ser dotado de capital social necessário para apoiar o desenvolvimento do banco nos primeiros 5 anos de atividade, no valor de 3000 milhões de euros (1,5% do PIB) aplicando a métrica similar à que prevalece uma instituição de missão comparável, como o Scottish National Investiment Bank. O capital deverá ser realizado ao longo do período.

A Comissão recomenda vivamente o estudo da criação e funcionamento do Scottish National

Investiment Bank, constituído em 2018, como exemplo do que se pode fazer em Portugal, com as necessárias adaptações.

Do mesmo modo, recomenda o estudo de certas atividades específicas do Banco Europeu Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), em cujo Conselho de Administração Portugal está representado, como exemplos de potenciais atividades do Banco de Desenvolvimento Regional.

A Comissão recomenda ainda que a atividade do Banco de Desenvolvimento Regional seja revisto ao fim de 5 anos, nomeadamente, com vista a avaliar a eficácia do seu modelo e perspetivar as suas necessidades de capital para os períodos seguintes.

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ANEXO

Declarações de Voto

Declaração de voto de Helena Pinto

Não acompanho a posição maioritária da Comissão sobre o Sistema Eleitoral regional (Capítulo 3 da Parte

III do Relatório, «Sistema de Governo das regiões administrativas». Na minha opinião dever-se-ia optar pelo sistema proporcional com círculo único e listas plurinominais, a

que se juntariam os eleitos pelo colégio eleitoral formado pelas assembleias municipais da região, pelo menos numa primeira fase. Embora a eleição indireta destes representantes possa traduzir-se num enviesamento da proporcionalidade, entendo que numa primeira fase, se deve manter o que está previsto na Constituição, garantindo assim uma representação territorial desde o início.

O sistema proporcional está bem enraizado na Constituição e é aquele que é mais fiel na representação da votação dos eleitores e eleitoras. Permite a representação de todos os sectores da sociedade – entre partidos e grupos de cidadãos – o que enriquece a democracia. Os Deputados regionais devem representar a região, como os Deputados à Assembleia da República representam a Nação. A igualdade entre candidatos é prejudicada com a introdução dos círculos uninominais, criando condições para privilegiar candidatos que mais meios têm e mais apoios conseguem recolher, inviabilizando o argumento de que os círculos uninominais potenciam a candidatura de pessoas que não são escolhidas pelos aparelhos partidários.

A ideia de que as candidaturas uninominais «fogem» aos aparelhos partidários, em minha opinião não tem fundamento, pois nada garante que não sejam os partidos a decidir quem se candidata nesses círculos, promovendo como candidato quem tiver mais força na organização local.

A ligação aos eleitores e eleitoras, o respeito pelos compromissos assumidos em campanha eleitoral, a ausência da prestação de contas são problemas reais e autênticos défices democráticos. São problemas dos partidos políticos que não serão resolvidos através da Lei Eleitoral.

Por último considero que a introdução de círculos uninominais vai afastar as mulheres da representação política, o que significará um retrocesso.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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