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Terça-feira, 20 de Novembro de 2001 II Série-C - GOP-OE - Número 5

VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

COMISSÃO DE ECONOMIA, FINANÇAS E PLANO

Reunião de 19 de Novembro de 2001

S U M Á R I O


A Sr.ª Presidente (Manuela Ferreira Leite) abriu a reunião às 11 horas e 55 minutos.
Em continuação do debate, na especialidade, das propostas de lei n.os 104/VIII - Grandes Opções do Plano para 2002 e 105/VIII - Orçamento do Estado para 2002, usaram da palavra, sobre o orçamento do Ministério da Justiça, além do Sr. Ministro (António Costa) e dos Srs. Secretários Adjunto do Ministro da Justiça (Eduardo Cabrita) e da Justiça (Diogo Campos Machado), os Srs. Deputados Jorge Neto (PSD), Maria Celeste Cardona (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Osvaldo Castro (PS) e Manuel
Moreira (PSD).
Sobre o orçamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, usaram da palavra, além do Sr. Ministro (Paulo Pedroso) e dos Srs. Secretários do Trabalho e Formação (António d'Ornelas Cysneiros) e da Solidariedade e Segurança Social (Simões de Almeida), os Srs. Deputados Adão e Silva (PSD), Luís Nobre Guedes (CDS-PP), Artur Penedos (PS), Vicente Merendas (PCP), António Nazaré Pereira (PSD) e Agostinho Lopes (PCP).
A Sr.ª Presidente encerrou a reunião eram 17 horas e 55 minutos.

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A Sr.ª Presidente (Manuela Ferreira Leite): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 11 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados, hoje vamos começar os nossos trabalhos com a audição do Ministério da Justiça.
Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, agradeço desde já a vossa presença na Comissão.
Como de costume, vamos seguir nesta reunião o mesmo critério que temos seguido nas reuniões anteriores, que é o de dispensar o Sr. Ministro de qualquer apresentação do Orçamento dado que já o fez na generalidade. Uma vez que estamos na análise do Orçamento na especialidade, fico à espera das perguntas dos Srs. Deputados, a que a equipa do Ministério da Justiça depois responderá.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, gostaria de colocar duas questões muito concretas ao Sr. Ministro, sendo a primeira, de âmbito mais global e prende-se com o estado da justiça em Portugal.
É uma realidade incontornável, ora patente e recorrentemente citada a una voce no debate em curso das eleições para a Ordem dos Advogados, que a justiça atravessa uma crise profunda.
Há investimentos imperiosos que urge fazer na área da justiça. São conhecidas as condições deficientes de funcionamento de muitos tribunais por esse país for a; são conhecidas as insuficiências em matéria de magistrados por esse país for a; são conhecidas as insuficiências em matéria de quadro de pessoal e de funcionários especializados na área da justiça por esse país fora.
Há uma constatação óbvia, por muito que se procure mitigá-la com algumas medidas pontuais de efeito mediático e rebatível, de que a justiça enferma de falta de operacionalidade, eficácia e credibilidade.
A situação é grave, porque manda a verdade dizer que o esforço de modernização em Portugal tem de passar sobretudo pela área da justiça, dado que ela é um pilar fundamental no estado de direito de confiança dos agentes económicos e de confiança dos investidores.
É impensável termos uma economia num surto de progresso e desenvolvimento, em Portugal, se, efectivamente, não tivermos uma justiça operacional, eficaz, actuante e rápida. Ora, a realidade portuguesa é uma triste realidade neste domínio. Concretamente, sabe-se mesmo que uma das maleitas, um dos entraves, um dos óbices ao investimento directo estrangeiro em Portugal decorre exactamente da paralisia, do bloqueio, do nosso sistema judiciário.
Por tudo isto, justifica-se adrede que da parte do Ministério da Justiça haja um esforço primacial na área do investimento, designadamente através de novos equipamentos, novas infra-estruturas, novos tribunais e - porque não dizê-lo, dada a sua actualidade - novas prisões.
Mas não é isso que perpassa dos elementos disponíveis do orçamento afecto ao Ministério da Justiça. Pelo contrário, e cotejando as rubricas de investimento e de despesa do orçamento do Ministério da Justiça de 2001 com 2002, verifica-se até um decréscimo naquilo que concerne ao investimento. Inclusive, posso referir que as despesas de investimento tiveram um aumento de 43,6% no orçamento anterior e, de acordo com os dados disponíveis e plasmados no relatório, as despesas de investimento para 2002 cifram-se, agora, apenas, em 38%.
Isto indicia, per si, que, de facto, não há uma política de justiça com um rumo, com uma estratégia, com um objectivo definido, no sentido de, uma vez por todas, retirar a justiça portuguesa do atoleiro em que se encontra no espectro europeu da justiça europeia. Aliás, o funcionamento do aparelho judiciário português deve ser, seguramente, aquele que se encontra em pior situação no panorama da União Europeia.
Perante isto, Sr. Ministro, pergunto-lhe o que é que decorre deste orçamento no que respeita a verbas afectas ao Ministério da Justiça que nos possa incutir algum ânimo, algum alento e alguma esperança quanto à modificação do statu quo em que se encontra a justiça portuguesa. Esta é a portanto, primeira questão.
A segunda questão, mais concreta, reporta-se a um tema, também ele premente e actual, que contende com as modificações introduzidas na tabela de emolumentos notariais e de registo.
Trata-se de uma daquelas matérias em que a actuação "cirúrgica" do Sr. Ministro recebeu encómios laudatórios e entusiásticos sem fim, no sentido de que pela primeira vez um Ministro da Justiça em Portugal tinha tido a coragem de atalhar a eito uma questão crucial e nevrálgica resultante do mau funcionamento da justiça em Portugal, e que se reportava à utilização e ao pagamento abusivo e excessivo de emolumentos por parte dos contribuintes, no que concerne a actos notariais e de registo em Portugal.
V. Ex.ª colheu de chofre os louros dessa sua iniciativa, que é louvável no seu espírito e na sua fundamentação, porque há muito tempo que se discute, em Portugal, a questão do manifesto excesso dos emolumentos cobrados por contrapartida com o serviço pago. Não é, portanto, uma questão recente; trata-se de um problema que já vem de muito longe.
Mas o que é certo é que por força do sucesso judicial da iniciativa de uma empresa, que a dado passo, numa atitude louvável e corajosa, resolveu desafiar o Estado, concretamente em relação aos emolumentos cobrados, é que, efectivamente, tivemos oportunidade de constatar e de consagrar o desajustamento manifesto entre aquilo que o Estado cobrava e o serviço que prestava.
Portanto, sejamos claros: a razão de ser desta alteração não decorre de uma iniciativa casuística da parte do Sr. Ministro da Justiça, mas da luta travada nos tribunais portugueses por uma empresa que, fazendo jus àquilo que era a voz comum, resolveu, a dado passo, contestar os emolumentos pagos, concretamente em relação a um acto notarial de reunião de capital, por entender que havia uma manifesta desproporção entre os emolumentos cobrados e o serviço prestado, fazendo fé em juízo uma directiva comunitária que é absolutamente clara e percuciente relativamente a esta matéria no sentido de determinar que tem de haver exactamente essa proporção, esse equilíbrio e essa ponderação entre aquilo que se cobra e o serviço que se presta.
Esta é a trave-mestra, a pedra angular das decisões judiciais recentemente proferidas por tribunais portugueses, que se ancoraram e se estribaram nesta filosofia - aliás, absolutamente incontestável - não merecedora da menor objecção ou reparo, pela justeza que deve existir, conforme aquilo que sempre me ensinaram desde os bancos da faculdade, e que constitui a filosofia que subjaz à taxa, que é exactamente

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o equilíbrio entre o serviço prestado e o que por ele se paga.
Bom, passada esta primeira fase de glória de que V. Ex.ª desfrutou com justiça, designadamente a partir do momento em que avançou para a necessidade de revisão da tabela de emolumentos, o certo é que, surprise des surprises, V. Ex.ª tem sido fortemente contestado nos últimos tempos pelo facto de não ter traduzido com clareza e com abertura toda a matéria de alteração dos regulamentos. Porquê? Porque a pari e com a revolução dos emolumentos vem à trouxe-mouxe uma nova alcavala, qual seja a do imposto de selo, que vai trazer para os cofres do Estado aquela receita que eventualmente se esvairia com a aplicação pura e simples da tabela de emolumentos.
Dirá V. Ex.ª que isto é matéria que não lhe respeita, que há aqui uma questão de natureza fiscal, que há que encontrar uma solução neutra e que a única forma de encontrar a solução neutra é, por um lado, colher os louros da redução de emolumentos e, por outro, procurar dar cobertura a essa redução por via da criação de um imposto de selo. Lá vem ele, uma vez mais, o célebre imposto de selo, tipo carro-vassoura em matéria fiscal, para dar cobertura à perda de receita que decorria do decréscimo emolumentar.
E aí temos que, no domínio societário, no domínio das reuniões de capital e no domínio das constituições de sociedades, aquilo que era elogiado unanimemente como sendo uma medida louvável e acertada da parte do Ministério da Justiça - no sentido até de fomentar o investimento, a criação de empresas e o desenvolvimento do país -, à trouxe-mouxe, é novamente postergado por via de um espúrio imposto de selo, que, com uma taxa de 0,4% prevista, vai compensar o Estado da perda de receita decorrente da diminuição de emolumento.
Quer isto dizer que, no fim, apurando o saldo deve e haver destas medidas anunciadas por V. Ex.ª, o resultado concreto da revisão da tabela emolumentar redunda em pouco mais do que uma mão cheia de nada!
No domínio das escrituras de compra e venda para habitação, poderá, eventualmente, num ou noutro caso, em relação a determinados valores, surgir algum benefício. Poderá! Nalgumas situações, até há um acréscimo, ou seja, de uma forma consensual, aceita-se que a determinado nível do valor das habitações possa surgir algum benefício concreto para o contribuinte. Mas já no que concerne às sociedades, com esta compensação adicional da criação do imposto de selo com uma taxa de 0,4%, muito provavelmente o benefício que redundaria para os contribuintes, para os empresários e para todos aquele que querem avançar para a criação de uma empresa, redundará em nada, face à criação paralela deste imposto de selo!
Perante o exposto, gostaria de dizer-lhe o seguinte, Sr. Ministro: fico com a sensação de que há aqui uma dialéctica insuperável de protagonismo entre o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro da Justiça gostaria - e bem - de manter essa descida da tabela de emolumentos por forma a que tal constituísse um "passo de gigante" no sentido de impor algum equilíbrio, alguma harmonia, alguma justiça no mercado e, designadamente no que concerne à actividade económica, constituir um estímulo à constituição de empresas e ao seu desenvolvimento.
Mas, por outro lado, percebo que do lado do Ministério das Finanças há um travão sério a esse ímpeto reformador do Sr. Ministro da Justiça e que essa iniciativa louvável e unanimemente aceite por todos os operadores económicos sofre um revés absolutamente insuperável, porque o Sr. Ministro das Finanças entende que essa descida na tabela de emolumentos traduz uma perda de receitas brutal, da ordem dos 25 milhões de contos, e que há que criar um mecanismo compensatório para isso, como já referi, aqui encontrado de supetão, por via do já recorrente imposto de selo, com uma taxa de 0,4%, permitindo uma compensação, tanto quanto se sabe, da ordem de 18 milhões de contos nessa perda de receitas.
Pergunto ao Sr. Ministro se este meu pressentimento tem algum fundo de realidade ou é apenas especulação da minha parte de que há, efectivamente, esta dialéctica insuperável entre a política prosseguida por V. Ex.ª e a política que o Sr. Ministro das Finanças pretende prosseguir nesta matéria, exactamente no sentido de fazer jus e fazer prevalecer o sistema de vasos comunicantes, ou seja, aquilo que deixou sair pela porta o Sr. Ministro quer que volte novamente a entrar pela janela.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Neto, agradeço-lhe particularmente as duas perguntas que me fez, sobretudo a última, porque nos permite esclarecer, de uma vez por todas, aquilo que tem sido uma campanha de desinformação, que tem sido lançada por fontes não credíveis - e que os senhores sabem quais são - junto de diversos órgãos de comunicação social e, pelos vistos, também junto do Sr. Deputado Jorge Neto.
Todos os pressupostos, de facto, enunciados são totalmente falsos, como, aliás, já tive oportunidade de esclarecer em declarações à Rádio Renascença, há mais de uma semana, quando o candidato do PSD à Câmara Municipal de Valência fez publicamente esse discurso.
Ora, o que é que é falso? É falso que a diminuição de receita emolumentar seja compensada com um novo imposto de selo. É falso! Em nenhum dos actos notariais ou registrais não abrangidos pela directiva sobre reunião de capitais é criado qualquer novo instrumento fiscal, nem por iniciativa do Ministério da Justiça e, muito menos, por iniciativa do Ministério das Finanças.
Portanto, as tabelas que apresentámos traduzem a redução efectiva que os cidadãos e as empresas vão ter. Nem na compra de casa, nem na hipoteca de casa, nem em nenhum dos actos notariais e registrais não abrangidos pela directiva é criado qualquer novo instrumento fiscal de compensação da diminuição de receita.
Nos actos abrangidos pela directiva sobre reunião de capitais, como a própria prevê, pode ser criada uma nova rubrica de imposto de selo, com uma taxa entre 0% e 1%, e nós criámos essa nova rubrica de imposto de selo com uma taxa de 0,4%, que é, aliás, a taxa mais baixa de todos os países da Europa. E lembro que os países da Europa que tinham a taxa mais baixa eram: a Holanda com 0,55% e a Bélgica com 0,5%, e nós, repito, fixámos essa taxa nos 0,4%.
Ora, as tabelas que apresentámos e que distribuímos aos jornalistas, como, aliás, também aos Srs. Deputados, já incorporavam o custo do imposto de selo. Assim, a constituição de uma sociedade de 10 000 contos, que hoje custa 150 750$, passará a custar 86 087$, já aí estando incluídos

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os 0,4% do imposto de selo; uma sociedade de 5 milhões de contos, cuja constituição hoje custaria 40 000 contos, passará a custar 20 000 contos, incluindo já os 0,4% do imposto de selo.
Portanto, primeiro, não é verdade que se queira "tirar com uma mão o que se deu com a outra"; segundo, aquilo que apresentámos foi, desde logo e sempre, a existência de uma nova rubrica de 0,4% de imposto de selo nos actos abrangidos pela directiva sobre a reunião de capitais; e, terceiro, não existe qualquer guerra entre o Ministério da Justiça e o Ministério das Finanças, porque, naturalmente, toda esta reforma foi trabalhada em conjunto pelos dois ministérios.
Posso aceitar que os órgãos de comunicação social, que não acompanharam, a par e passo, este processo, possam ser induzidos em erro pelas fontes que lhes mentem, que os querem enganar - e que todos nós sabemos localizadas na área da Associação Portuguesa de Notários - e que não estão preocupados com o que as pessoas vão pagar, mas, sobretudo, porque sabem que este novo sistema emolumentar pode afectar os seus rendimentos, não obstante a garantia que já demos de que, durante o ano de 2002, não terão um tostão afectado relativamente ao seu rendimento obtido durante o ano de 2001.
Todavia, o que não posso aceitar é que pessoas que têm como profissão darem fé pública a factos que constatam andem a fazer uma campanha de mentira junto dos órgãos de comunicação social e, pelos vistos, também junto da oposição.
Também acho extraordinário que o Sr. Deputado venha aqui colocar a questão, porque era Deputado quando se votou o Orçamento rectificativo, quando foi concedida a autorização legislativa ao Governo que previa precisamente a possibilidade da criação desta nova rubrica de imposto de selo, nos termos restritos da directiva.
Por outro lado, o Sr. Deputado sabe que tivemos o cuidado de, informalmente, transmitir à 1.ª Comissão e à Comissão de Economia, Finanças e Plano, antes da aprovação em Conselho de Ministros dos dois decretos-leis, qual era o modelo estabelecido e onde já estavam previstos os 0,4% do imposto de selo e também sabe, com certeza, que já enviámos para a 1.ª Comissão e para a Comissão de Economia, Finanças e Plano o texto final dos diplomas aprovados em Conselho de Ministros.
Portanto, o Sr. Deputado tem todas as razões para saber que não se criou qualquer imposto de selo para compensar a quebra de receitas emolumentares, salvo nos estritos limites da directiva e sem que isso se deixe de traduzir numa redução brutal dos custos de constituição das sociedades. Por exemplo, a constituição de uma sociedade com 5 milhões de contos de capital custava 40 000 contos e, agora, ficará a custar 20 000 contos, incluindo já o imposto de selo; a constituição de uma sociedade com 10 000 contos de capital custava 150 contos e, agora, passará a custar 86 contos, incluindo já o imposto de selo.
Portanto, Sr. Deputado, primeiro, lamento dizer-lhe que não mentimos; sempre dissemos e apresentámos tudo aos Srs. Jornalistas e aos Srs. Deputados, e, segundo, lamento desiludi-lo, mas não existe qualquer desentendimento entre o Ministério da Justiça e o Ministério das Finanças, já que trabalhámos em conjunto neste novo modelo de financiamento e o Ministério das Finanças não tem qualquer novo instrumento fiscal previsto, para além destes que anunciámos. Aliás, deixo-lhe aqui uma cópia do que foi apresentado na conferência de imprensa aos Srs. Jornalistas, para ver como em todos os exemplos relativos a actos da directiva sobre reunião de capitais já estão incluídos os 0,4% de imposto de selo.
Mas, relativamente a isto, existe ainda uma segunda coisa que não posso deixar passar em claro. É que o Sr. Deputado só diz meia verdade quando refere que isto foi uma luta de uma empresa gloriosa que obteve vencimento em tribunal. Isto é só parcialmente verdade, como sabe, porque a luta dessa empresa e as decisões judiciais limitavam-se aos actos abrangidos pela directiva sobre reunião de capitais.
Portanto, se quiser, a única parte desta reforma que estávamos obrigados a cumprir - e estávamos nós como estavam todos os governos que governaram Portugal desde o dia em que Portugal aderiu à União Europeia, ou seja, desde o dia 1 de Janeiro de 1986, visto que a Directiva é de 1969 e, por isso, fazia parte do acquis comunitário, e nós estávamos vinculados à sua transposição desde a nossa adesão - era adoptar o critério do custo efectivo para os actos abrangidos pela directiva sobre reunião de capitais. Só relativamente a esses actos é que estávamos obrigados a este desagravamento.
Portanto, foi por opção política do Governo que se adoptou o mesmo critério relativamente a todos os outros actos, e é graças a esta opção política do Governo que a compra de casa, que não é abrangida pela directiva sobre reunião de capitais, pode beneficiar da redução brutal dos custos administrativos da aquisição de casa, como foi opção política do Governo o não ter adoptado cegamente o critério do custo efectivo, de forma a não penalizar brutalmente os actos de cidadania, como sejam os actos do registo civil ou do Bilhete de Identidade.
O Sr. Deputado sabe - e foram apresentados estes números - que, pelo critério do custo efectivo, pela emissão de um bilhete de identidade devíamos passar a cobrar 1313$, e foi por opção política do Governo que esse aumento se fixou simplesmente nos 500$; foi por opção política do Governo que um assento de nascimento ou um assento de óbito continuam gratuitos; foi por opção política do Governo que adoptámos o critério de que todos os actos de registo civil, que não sejam actos voluntários, ficam abaixo do custo efectivo ou são mesmo todos gratuitos. Nos actos de registo civil só adoptámos o critério do custo efectivo - é verdade - relativamente àqueles actos que são voluntários. É por isso que, de facto, o casamento teve uma penalização grande, tal como o divórcio, embora, em relação ao divórcio, se compararmos os custos emolumentares com as custas judiciais verificaremos que o agravamento não é assim tão grande.
Tudo isto para lhe dizer, para que fique esclarecido de uma vez por todas, que essa campanha, em relação à qual todos sabemos qual é a fonte - e o Sr. Deputado sabe melhor do que eu, porque sabe, certamente, quem é que lhe contou essa história -, é totalmente falsa. Totalmente falsa! É mentira que estejamos a "tirar com uma mão o que foi concedido pela outra". Tudo se passa rigorosamente como apresentámos e como consta dos diplomas aprovados em Conselho de Ministros, que o Sr. Deputado muito bem conhece.
Sr. Deputado, quanto à sua primeira questão, que tem a ver com o investimento, creio que devo ter sido mesmo o primeiro Ministro da Justiça que assumiu que a justiça vive num estado crítico, e assumi-o logo quando iniciei funções. Por isso, ao longo destes dois anos, temos procurado trabalhar para reduzir esse estado crítico.

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Como sempre disse - e continuo a não estar provido desse instrumento fundamental -, não tenho uma varinha mágica. Agora, o que temos é uma estratégia, que apresentámos à Assembleia da República, que tem merecido o consenso, tanto quanto tenho percebido, do conjunto das bancadas parlamentares e que passa por mais meios, melhores meios, melhor administração dos meios, mas também pela criação de meios alternativos e reengenharia de procedimentos para obter ganhos de produtividade dentro do sistema.
Nós não podemos ter só uma estratégia de mais, sempre mais, mais e mais, porque as causas são estruturais, e, portanto, ou se procede a uma reengenharia de procedimentos para ter ganhos de produtividade e se diversifica a oferta, por via da criação de meios alternativos, ou, então, nunca conseguiremos acompanhar, como não se conseguiu acompanhar ao longo da década de 90, o crescimento exponencial da procura.
O Sr. Deputado diz que há muitos tribunais em mau estado. É verdade! Devo dizer que agora os conhecemos muito bem, porque eu e o Sr. Secretário de Estado decidimos ir pessoalmente a todos os tribunais deste país para acompanhar, in loco, como é que está a decorrer o seu processo de informatização. Já visitámos mais de um terço de todos os tribunais do País e, nos próximos meses, concluiremos a visita a todos.
E há hoje realidades muito diversas, felizmente. Agora a diversidade das realidades não inibe a necessidade de fazermos um fortíssimo investimento. E porque falou em tribunais, nós, neste momento, temos cerca de 102 projectos de obras a realizar em tribunais, número nunca existente em Portugal; neste momento com obras efectivas temos 40 tribunais, seja em construção de raiz, seja em grandes remodelações e não estou a falar-lhe de pequenas obras de manutenção.
Creio que o Sr. Deputado é eleito pelo círculo eleitoral do Porto. Só no Porto, como sabe, estão lançados dois concursos para a construção de dois novos grandes equipamentos judiciários - um na nova Avenida 25 de Abril e outro na zona da Trindade - e estamos em vias de assinar o protocolo com a Câmara Municipal do Porto e com a REFER para a construção do terceiro grande tribunal da cidade, que vai ficar na Rotunda da Boavista. E, com estes equipamentos, vamos ter, finalmente, todos os juízos criminais instalados num edifício novo, acabando-se com aquela coisa deplorável que são os juízos criminais instalados na Rua do Bolhão e a péssima qualidade das varas instaladas em São João Novo.
Vamos ter todo o cível reinstalado, assim como os tribunais de família e menores e os tribunais de trabalho, que estão deploravelmente instalados em quatro sítios dispersos ao longo da Avenida da Boavista. Dois dos concursos já estão lançados e, quanto ao outro, aguardamos simplesmente que o protocolo entre a REFER e a Câmara Municipal do Porto e, depois, entre a Câmara Municipal do Porto e o Ministério da Justiça possa ser assinado para podermos lançar o concurso.
Em Lisboa, estamos a fazer o mesmo movimento, bem como em todas as grandes capitais de distrito. Assim, temos já terreno disponível, em Aveiro, para lançar o projecto "Aveiro II" e "Viseu II" já está em obra (ainda estive lá na semana passada e o próprio presidente da Câmara Municipal de Viseu, que, como sabe, é particularmente crítico de alguma ineficiência que tende a apontar à administração central, testemunhou como está em grande ritmo a realização da obra). Portanto, há um esforço de investimento em tribunais como nunca houve.
Os seus números, creio, não estão certos,…

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Estão no relatório!

O Orador: - … porque, de acordo com os nossos, há um aumento de 9,7% da despesa de investimento, em 2002 relativamente a 2001. E esta diferença de 2002 para 2001, se quiser ter o cuidado de ver, comparando com anos anteriores, terá a dimensão do que é. Digo-lhe só o seguinte: o PIDDAC do Ministério da Justiça, em 1995, era de 11 milhões de contos e, no próximo ano, será de 35 milhões de contos. O Sr. Deputado, claro, dirá: é pouco mais que um terço. É verdade, Sr. Deputado, é pouco mais que um terço.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Que três vezes mais!…

O Orador: - Desculpe, não é um pouco mais que um terço mas, sim, um pouco mais que três vezes mais. O triplo, Sr. Deputado!
Se me dissesse que era bom que pudesse ser mais… Ah, era tão bom que pudesse ser mais! Mas, como sabe, como todos temos de saber, a Justiça não é o único sector com problemas em Portugal, pelo que não podemos concentrar todo o dinheiro de que o País dispõe em investimentos na área da justiça. E termos triplicado o investimento na área da justiça, desde que chegámos ao Governo até agora, há-de convir que, apesar de tudo, é uma evolução significativa…

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Isso é muito curto!

O Orador: - … e que desejamos poder continuar.
Falou-me o Sr. Deputado na necessidade de novas prisões. Como sabe, dissemos que tínhamos de sustentar o nível de investimento no sistema prisional e assim temos vindo a fazer, desde 1996. Se o triplo lhe parecia pouco, talvez o quíntuplo, que é, hoje, o investimento em prisões, relativamente àquele que era em 1995, já lhe pareça mais conforme.
Agora, como dissemos, desde o primeiro dia em que aqui vim, para termos as infra-estruturas do sistema prisional que desejamos, teremos de realizar duas obras em parceria pública e privada. É que não haverá dinheiro no PIDDAC para realizar essas obras - disse-o logo na discussão do Orçamento do Estado para 2000.
Como sabe, está a chegar ao fim o concurso para a contratação da consultoria jurídico-financeira, que nos vai permitir lançar o concurso da parceria público-privada para a construção dos dois grandes novos estabelecimentos prisionais: um, no Algarve, outro, na freguesia do Botão, no concelho de Coimbra. Com esses dois estabelecimentos, chegaremos àquele objectivo dos 15 000 lugares, essencial não só por causa da sobrelotação mas sobretudo porque, então, poderemos ter uma gestão inteligente da população prisional, diferenciando aquilo que é necessário diferenciar.
O Sr. Deputado referiu-se também à insuficiência de magistrados e de funcionários. Bom, insuficiência de funcionários, neste momento, não há, porque entraram ao serviço, nos últimos dois anos, cerca de 1600 novos oficiais de justiça e, neste momento, temos os quadros preenchidos. Temos consciência de que, em alguns tribunais, os quadros são insuficientes, mas, neste momento, os quadros estão

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preenchidos. Não podíamos era pôr-nos a actualizar os quadros, enquanto não tínhamos sequer os quadros existentes devidamente preenchidos.
E temos sido prudentes na revisão dos quadros, pelo seguinte: no dia 31 de Dezembro deste ano, vamos concluir, conforme nos tínhamos comprometido, o processo de informatização dos tribunais. As redes estão todas instaladas em cada um dos tribunais, todos os tribunais estão já ligados à rede global geral de comunicações do Ministério da Justiça, podendo todos comunicar entre si e tendo todos acesso à Internet e às bases de dados; está já instalada em todos os tribunais a aplicação da gestão do processo civil e vamos ter, até ao final do ano, a aplicação da gestão do processo penal, estando igualmente a começar e a decorrer acções de formação.
O que temos constatado pessoalmente nas visitas que temos feito a todas as secretarias, falando com todos os funcionários que já dispõem destes instrumentos de trabalho, é que, como todos nos dizem, decorrido um mês e meio a dois meses de adaptação à nova aplicação, começarão a haver frutos muito significativos das vantagens que a nova aplicação tem para a produtividade das secretarias.
Portanto, ao longo do próximo ano, vamos poder ter em conta não só as necessidades actuais mas, sobretudo, as necessidades futuras, em resultado dos ganhos de produtividade obtidos com o processo de informatização.
A contenção da despesa pública, designadamente, da despesa corrente, também tem de existir no sector da justiça. Não podemos ter uma estratégia que assente, única e exclusivamente, no reforço de meios,…

O Sr. Jorge Neto (PSD): - De despesa, sim!

O Orador: - … porque há áreas, no sector da justiça, onde é necessário reforçar os meios, mas onde os meios não são supríveis por ganhos de produtividade em função da informatização. Por exemplo: temos de preencher e reforçar o preenchimento dos quadros da Polícia Judiciária, o que não é suprível por ganhos de produtividade dessa natureza; temos de suprir a falta que ainda temos de guardas prisionais, que também não são supríveis por essa via.
Portanto, devemos ter uma grande disciplina no alargamento dos quadros, no sistema de registos e notariado e no sistema judicial, onde contamos poder obter ganhos de produtividade significativos com o processo de informatização, para podermos concentrar o crescimento da despesa corrente naquelas áreas críticas, onde não podemos obter ganhos de produtividade significativos por via da informatização.
Quanto à insuficiência de magistrados, como sabe, Sr. Deputado, foi com a nossa chegada ao ministério que se abandonou o discurso de que Portugal tinha magistrados a mais, que era o discurso que toda a gente fazia, como se lembra, desde o poder político aos próprios magistrados.
Quando a conta relevante a fazer é saber quantos processos por magistrado é que nós temos. E foi quando se fez essa conta e verificámos que, apesar de termos menos população que a Holanda, temos mais do dobro de processos a entrar anualmente nos tribunais do que a Holanda, é que percebemos que, afinal, tínhamos um número de magistrados insuficiente para a procura judicial efectiva que temos.
Por isso, propusemos à Assembleia, como se lembra, logo no início do nosso mandato, um conjunto de instrumentos extraordinários para atacar este problema, instrumentos esses que têm tido o sucesso que têm tido e que todos nós sabíamos relativamente duvidoso.
A possibilidade da redução dos estágios de formação permitiu, apesar de tudo, que, em dois anos, entrassem ao serviço 250 novos magistrados judiciais e do Ministério Público. Quando, hoje, o Conselho Superior da Magistratura nos diz que temos um défice de 180 magistrados judiciais, qual seria o défice se não tivesse sido possível proceder à redução dos estágios? Pergunta-me se é uma boa solução. É claro que não é! É claro que não devemos sacrificar a formação dos magistrados à necessidade de preenchimento dos quadros. Agora, infelizmente, estaremos, nos próximos dois a três anos, sempre confrontados com um dilema de optar entre a melhor de duas más soluções: a redução na formação ou tribunais com vagas?
Temos exemplos terríveis, como o do tribunal de Loulé, onde devia haver cinco magistrados judiciais, mas, como duas das magistradas estão de licença de maternidade e um terceiro magistrado está de baixa, por ter sido operado a uma hérnia discal, estão só lá dois magistrados. Porém, destes dois, um deles, a magistrada, vai entrar muito brevemente, em licença de maternidade.
Estes são os problemas efectivos com que o Conselho Superior da Magistratura e, indirectamente, o ministério têm de confrontar-se no dia-a-dia.
A segunda medida, que resultava, aliás, do programa eleitoral do PSD, a mobilização dos magistrados jubilados, também a adoptámos - e ainda bem! Neste momento, há cerca de 12 magistrados jubilados ao serviço que têm dado um contributo muito importante para a redução das pendências. Era bom que fossem mais? Claro que era! Mas, como sabemos, não podemos obrigar alguém que já se jubilou a vir trabalhar à força; isso tem de assentar numa base de voluntariado.
Mas, por exemplo, o trabalho feito aqui na comarca de Lisboa pelo Conselheiro Eliseu Figueira, dirigindo um conjunto de magistrados que com ele trabalham, permitiu sanear dezenas de milhares de processos paralisados no Palácio da Justiça, para elaboração de saneadores ou de sentenças finais. Ainda no outro dia, no círculo de Viana do Castelo, houve um Sr. Conselheiro jubilado que se disponibilizou para voltar ao serviço e que exerce, neste momento, funções de juiz de círculo em Viana do Castelo, evitando a paralisação dos colectivos do círculo de Viana do Castelo e permitindo, no fundo, duplicar a realização de julgamentos em regime de círculo. E temos outros notáveis exemplos destes pelo País fora.
Também criámos a possibilidade, como se recorda, da contratação temporária de licenciados em Direito para o exercício de funções como juiz de direito. Autorizámos mesmo o Conselho a abrir um concurso para o preenchimento de 100 vagas, tendo o Conselho preenchido um pouco mais de 30, que, depois, com as desistências, ficaram em 27. São 27 pessoas que, hoje, exercem as funções de juiz de direito, colocados preferencialmente em funções de juiz auxiliar e nos cíveis (portanto, fora dos tribunais criminais), e que, neste momento, também estão a dar um contributo muito importante.
Agora, diz-me que, mesmo assim, não se resolveu o problema. É verdade! Mas o que lhe digo é que continuo com a mesma disponibilidade que tinha no primeiro dia para acolher qualquer boa solução que nos seja proposta nessa matéria. O Conselho Superior da Magistratura propôs-nos que pudéssemos realizar cursos especiais, como se realizaram em meados da década de 70, para acelerar a formação de magistrados. Nós aceitámos essa solução e proporemos

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à Assembleia da República que viabilize a realização de cursos especiais.
Por outro lado, está, neste momento, para promulgação junto do Sr. Presidente da República - se não está mesmo já promulgado - um diploma que permite aos juizes contratarem assistentes para os apoiarem no seu trabalho e que, de acordo com um critério que definimos, se dirige a todos os juizes que tenham mais de 1000 processos/ano distribuídos ou a juizes que tenham mais de 1500 processos pendentes, sendo que, neste segundo caso, o que ficou estabelecido com o Conselho Superior da Magistratura foi que a renovação do contrato do assistente fica dependente do cumprimento de um programa de redução de pendências, de forma a que não se crie o efeito perverso de aumentar as pendências para poder haver assistente.
Portanto, o Conselho Superior da Magistratura fixará, anualmente, qual é o programa e o objectivo de redução de pendências e a renovação do contrato dos assistentes dependerá do cumprimento desse programa.
Assim sendo, temos procurado, com toda a abertura, mobilizar todos os meios que possam ser úteis e eficazes para acudir à situação. E insisto em dizer à Assembleia da República que todas as boas ideias que surjam, nessa matéria, nós, pela nossa parte, estamos disponíveis para agarrá-las. E se há coisa que lhe garanto é que todos os dias pensamos em saber se há novas soluções.
Agora, lamento concluir que talvez tenhamos chegado ao limite. Jubilações, contratos temporários, redução de estágios, cursos especiais - receio que estejamos a atingir o limite do que é possível.
Mas, Sr. Deputado, se tiver alguma boa solução, seremos os primeiros a acolhê-la e a apadrinhá-la, como também já temos procurado resolver o problema por outra via, por via da desjudicialização, que não é trabalhar para a estatística mas, sim, libertar efectivamente o tribunal e o tempo necessário do magistrado para julgar de coisas em que ele não tem de intervir.
Não sei se sabe que com a passagem dos pedidos de apoio judiciário para os serviços da segurança social houve cerca de 80 000 processos a menos que entraram nos tribunais, os quais implicavam três ou quatro vistas ao juiz e mais três ou quatro promoções pelo juiz. São menos 80 000 processos que entraram dentro do sistema.
Agora, como sabe, temos um pacote que entrará em vigor no dia 1 de Janeiro, o primeiro pacote sobre a desjudicialização.
Temos pendente, na Assembleia da República - amanhã irei à 1.ª Comissão, à discussão, na especialidade, da lei de autorização legislativa -, o debate sobre a reforma da acção executiva, que, como sabemos, é o cancro central do sistema judiciário português. Estamos a falar de mais de metade dos processos existentes nos tribunais portugueses, estamos a falar de 2/3 dos processos existentes nas varas cíveis de Lisboa e do Porto, e é esse o cancro que temos de combater.
Espero que a Assembleia aprove a lei de autorização legislativa - no debate, na generalidade, pareceu-me que assim acontecerá -, e temos condições para pôr os decretos-lei cá fora, muito rapidamente. É um decreto-lei que requer uma vacatio legis grande, sendo nosso objectivo que a reforma da acção executiva possa entrar em vigor dentro de um ano, no dia 1 de Janeiro de 2003.
Creio que seria imprudente pôr imediatamente em vigor a reforma da acção executiva, porque com a ruptura que ela implica nos métodos de trabalho da comunidade judiciária e dos particulares é decisivo que haja alguma calma. Considero que a data de 1 de Janeiro de 2003 é realista e, nessa altura, estaremos em condições de assegurar a plena vigência dessa norma. Portanto, nós temos de investir mais, mas temos de diversificar os meios e a criação de mecanismos alternativos.
O Sr. Secretário de Estado da Justiça está a concluir uma proposta de lei que traremos à Assembleia da República, uma lei de bases dos mecanismos alternativos de resolução de litígios.
A Assembleia aprovou um projecto de lei do PCP sobre a criação dos julgados de paz, que começarão a funcionar em quatro tribunais piloto, em Janeiro próximo.
Por conseguinte, também temos de ir diversificando os meios, não podemos ter a ideia de que é sempre com mais, mais e mais meios que se resolve o problema, porque assim não o resolveremos.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, no essencial tenho duas questões a colocar, cuja enumeração vai ser breve, e para as quais queria respostas o mais claras e objectivas possível.
Antes de mais, não resisto a fazer uma pequena observação: ainda não assisti, aqui, a nenhuma discussão na especialidade em que os Srs. Ministros não tivessem dito que os orçamentos dos respectivos ministérios aumentam duas ou três vezes… Portanto, fica-me uma dúvida insanável, Sr. Ministro: é que não consigo perceber onde é que vão ser feitos os cortes nas despesas, porque justamente não são distinguidas as despesas de investimento das despesas correntes, portanto isto deve ser a multiplicação das verbas.
Mas eu, de facto, ainda não ouvi nenhum Sr. Ministro, aqui, na discussão na especialidade, assumir que vai limitar aquela despesa, cortar ali, fazer poupança acolá, reduzir aquele desperdício acolá… O Sr. Ministro, hoje, também não resistiu a isso e também disse que o orçamento do seu Ministério aumenta três vezes.
Portanto, fica-me esta grande dúvida e se me pudesse esclarecê-la em duas ou três "pinceladas" ficava-lhe muito grata, porque senão não consigo ler este Orçamento, uma vez que não consigo encontrar onde é feita a redução da despesa tão propagandeada nos últimos tempos.
Sr. Ministro, quero colocar-lhe apenas duas questões relativamente aos emolumentos notariais versus imposto de selo.
O Sr. Ministro disse, há pouco - aliás, eu já tinha percebido, na ocasião em que foi à Comissão de Economia, Finanças e Plano e à 1.ª Comissão, dado que participei nessa reunião como membro da Comissão de Economia, Finanças e Plano -, que a sua reforma não se limitava à transposição, tal qual, da própria directiva comunitária, portanto tinha-a aproveitado, digamos assim, se me é permitida a terminologia, para alterar algumas outras áreas no domínio dos emolumentos.
Ora, eu penso que isso tem que ver com a questão que vou colocar-lhe, porque julgo que essa questão está, neste momento, a ser devidamente salientada e sustentada pelo conjunto de cidadãos que se tem dirigido quer à DECO quer ao Provedor de Justiça no sentido de saber qual é a solução que vai ser dada aos seus casos, dado que não obtiveram,

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naturalmente, qualquer decisão jurisdicional nesta matéria, porque não recorreram aos tribunais para impugnar as liquidações que lhes haviam sido feitas.
Mas, em todo o caso, Sr. Ministro da Justiça, deixe-me dizer-lhe que a sua abertura nesta matéria, quando regulamenta esta área para além daquilo a que estaria, digamos assim, obrigado, do ponto de vista comunitário, talvez tenha aberto uma "janela" de oportunidade para este conjunto, que julgo que é significativo, de cidadãos, que, neste momento, têm esta dúvida, que eu também considero muito pertinente, que é a de saber qual é o destino que vai ser dado às suas exposições, às suas petições, às suas pretensões, que têm vindo a ser dirigidas às várias entidades que procuram patrocinar, digamos assim, os direitos destes cidadãos.
Portanto, gostaria que o Sr. Ministro nos desse uma indicação sobre essa matéria, muito mais para os cidadãos do que para nós, mas, em todo o caso, para nós é importante saber qual é a posição do Ministério da Justiça neste domínio.
Depois, Sr. Ministro da Justiça, também sobre esta matéria, queria que me explicasse, porque fiquei com algumas dúvidas, o seguinte: dado que já foi regulamentada a parte da reunião de capitais do imposto de selo - e devo dizer que se já foi remetida para a Assembleia da República ela ainda não me foi entregue na Comissão de Economia, Finanças e Plano, mas foi-o na 1.ª Comissão -, qual é o sentido da autorização legislativa constante do n.º 3 do artigo 35.º do Orçamento.
É que eu, para além do mais, considero que a amplitude das taxas ali consagrada contende directamente com o artigo 103.º da Constituição e com o princípio de que as taxas devem constar de normas legais e não de autorização legislativa. Logo, gostaria de saber, Sr. Ministro da Justiça, qual é o sentido desta autorização legislativa, porque não o consigo alcançar.
Sr. Ministro da Justiça, também gostava de colocar-lhe uma ou duas questões em matéria de justiça fiscal. Eu já tentei obter algum esclarecimento sobre esta matéria da justiça fiscal, porque ela também é da sua competência, mas não o consegui e julgo que V. Ex.ª terá condições para dar-me uma explicação, que, julgo, deve ser consentânea com algumas expectativas geradas junto dos cidadãos.
Como V. Ex.ª sabe, em matéria de justiça fiscal, o nosso país anda mal: as impugnações judiciais acumulam-se nos tribunais, não são decididas - e estou apenas a falar de justiça do ponto de vista do funcionamento dos tribunais e não de outras áreas que não são da competência de V. Ex.ª.
Têm sido dados alguns passos, e nenhuma dúvida tenho em reconhecer isso, designadamente em matéria de igualdade entre contribuintes e a administração fiscal, no que toca ao pagamento de preparos e de custas - aliás, esse era um dos projectos do CDS-PP nessa matéria - mas V. Ex.ª sabe, tão bem ou, porventura, melhor, porque tem acesso a estatísticas provavelmente mais actualizadas, que as impugnações não param de crescer, não são resolvidas e que a média de pendências nesta matéria, nos tribunais tributários, anda entre os seis e os sete anos.
Portanto, também é preciso fazer alguma coisa nesse domínio, porque se há área onde os direitos de cidadania devem ser respeitados e onde o equilíbrio de poderes e deveres deve ser, naturalmente, um objectivo a prosseguir e a alcançar é no que diz respeito às relações entre administração fiscal e contribuintes.
Como V. Ex.ª sabe, por proposta do CDS-PP, no âmbito da 1.ª Comissão e no âmbito da legislação para a qual V. Ex.ª tem competência, foram aprovadas normas que estabeleciam prazos máximos de manutenção de garantias bancárias no âmbito de impugnações judiciais.
V. Ex.ª sabe tão bem quanto eu que neste país vigora o princípio "primeiro paga e depois reclama" e sabe tão bem quanto eu que, no que diz respeito à exigibilidade de garantias bancárias, os contribuintes têm não só que oferecer o valor da liquidação como as custas processuais, com mais 25% de uma coisa que se chama acrescido, e eu, que há 20 anos ando a trabalhar nessas áreas, nunca consegui perceber o que era isso dos 25% do acrescido.
Seja lá como for, a lei determina que o cidadão contribuinte que queira questionar junto dos tribunais - e é disso que agora estamos a falar exclusivamente - tem de dar penhora dos seus bens ou oferecer garantia bancária (seja lá o que for), o que significa que é um volume significativo pelo qual o cidadão contribuinte ainda por cima tem de pagar, por força de lhe ter sido oferecida uma garantia bancária, no caso da garantia bancária.
Portanto, uma das formas que foi entendida - pelo menos o CDS-PP apresentou essa proposta e está convencido de que ela é razoável - era a de que, no final de dois anos, no caso de impugnações judiciais, se porventura o processo não estivesse decidido, o contribuinte tinha o direito a fazer caducar o oferecimento dessa garantia, e até, porventura, a ser ressarcido dos prejuízos que lhe foram causados por essa circunstância, e são muitos, Sr. Ministro da Justiça, como deve imaginar.
Neste momento, verifico que no Orçamento vem uma autorização legislativa, cuja constitucionalidade V. Ex.ª também me dará o direito de contestar, mas que, em todo o caso, diz que fica o Governo autorizado a rever as condições de caducidade das garantias, conjugando a tutela dos interesses do Estado com a necessária celeridade processual.
Sr. Ministro da Justiça, a justiça tributária é da sua competência e eu gostaria que me explicasse o que é que isto quer dizer quando bem recentemente foi alterada esta matéria para pretender prosseguir esse justo equilíbrio de direito e interesses entre o contribuinte e o Estado.
Coloco-lhe questões simples, objectivas, mas que julgo serem relevantes para os cidadãos que pagam emolumentos e para os cidadãos que pagam impostos.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, vou procurar ser breve, como solicitou.
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que o investimento não triplicou do ano 2001 para o de 2002; infelizmente, triplicou do ano de 1995 até ao de 2002.
Além disso, falámos das despesas de investimento, porque se for ver às despesas correntes do orçamento do Ministério da Justiça temos uma redução muito significativa de 21%.
Quanto à segunda questão, a das devoluções, o que o Ministério da Justiça pensa é o que resulta da norma aprovada pela Assembleia da República no orçamento rectificativo, que prevê a devolução resultante das anulações judiciais, deduzidos os montantes da nova tabela e as quantias auferidas a título de participação emolumentar pelos funcionários do registo e notariado.

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Devo dizer-lhe que essa questão tem-me deixado bastante surpreendido, porque a verdade é esta: os únicos casos em que havia declarada ilicitude era nos actos abrangidos pela directiva, em todos os outros não éramos obrigados a fazer nada. Podíamos ter deixado tudo, para o futuro, na mesma, como sempre esteve desde 1940, porque a estrutura das tabelas é a mesma desde essa data.
Podíamos ter deixado tudo na mesma e o que considero extraordinário é que é no momento em que o Governo decide alterar - e bem! - para futuro esta situação, para uma forma que até agora todas as pessoas têm reconhecido ser melhor (a não ser aqueles que depois tiveram de inventar um inexistente imposto de selo, para demonstrar que afinal não era bom), que venham dizer: "Então, e o que aconteceu atrás?". Eu respondo: o que aconteceu atrás, ficou para trás!
Sr.ª Deputada, não vejo nenhum fundamento, nem jurídico nem ético, para se voltar a discutir essa matéria. Quer dizer: se a Sr.ª Deputada hoje compra uma coisa numa loja e amanhã passa lá e vê que está em saldos, vai lá pedir que lhe devolvam a diferença?!… A Sr.ª Deputada comprou quando comprou! Então, agora nós vamos devolver?! Eu posso alterar as coisas para o futuro; não posso alterar para o passado! Não devo fazê-lo!
Além do mais, todos sabemos qual é o volume de receitas envolvido e temos a noção, com certeza, da irresponsabilidade que constituiria qualquer aventura nessa matéria. É evidente que me seria muito simpático dizer-lhe: "Com certeza, venham todos, nós devolvemos"! Eu próprio comprei casa, portanto sei quanto paguei a mais e quanto tinha a recuperar e também gostaria muito que isso acontecesse, mas, Sr.ª Deputada, não é assim!
Mesmo relativamente aos outros casos tivemos de condicionar a devolução aos casos em que houve anulação judicial.
A Sr.ª Deputada perguntou também a razão de ser da autorização legislativa. Sr.ª Deputada, estou de acordo consigo quanto às taxas e, como sabe, fixámos uma taxa de 0,4%.
Já agora, aproveito para lhe dizer que a razão de ser fundamental da autorização legislativa é a seguinte: na fase final dos trabalhos surgiu uma dúvida quanto a saber se a autorização legislativa concedida no orçamento rectificativo cobria integralmente, ou não, a regulamentação da taxa de 0,4% de imposto de selo. A ideia que temos é que cobre, mas, à cautela, colocou-se essa autorização legislativa para, no caso de dúvida, ficar este aspecto esclarecido.
Como a Sr.ª Deputada sabe, as questões da justiça tributária são relativamente prematuras. Se tudo correr bem, de facto, no próximo ano já terá havido a transferência para o Ministério da Justiça da responsabilidade sobre a justiça tributária, mas, neste momento, a mesma mantém-se ainda no Ministério das Finanças.
Todavia, estamos a trabalhar com o Ministério das Finanças e com uma empresa de consultoria para regular esse processo de transferência, que resultará da regulamentação da lei geral tributária, neste momento, porém, a competência ainda não é nossa.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Então, para o ano é que é bom?

O Orador: - Se tudo correr bem para o ano posso responder-lhe!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Justiça, gostava de colocar-lhe rapidamente algumas questões.
Uma dessas questões tem que ver com os centros tutelares educativos e com a aplicação da nova legislação, que, e bem, separa os menores consoante sejam menores em risco ou menores praticando factos delituosos.
Acontece, no entanto, que visitei muito recentemente, há uma semana, o Centro Tutelar Educativo de Aveiro, que, aliás, dispõe de umas belíssimas e muito grandes instalações, tendo verificado que estão lá sete menores com um batalhão de pessoal (cerca de meia dúzia de funcionários por menor, ou algo deste género). Penso que esta situação tem de ter alguma solução, porque é bom que os menores estejam num sítio onde possam efectivamente desenvolver a sua personalidade sem estarem em sítios estreitinhos, mas assim vamos ter um subaproveitamento de instalações. Portanto, esta situação tem de ter uma solução.
Pergunto se está feita a avaliação da aplicação da nova legislação, uma vez que, embora não tenha podido visitar todos os centros tutelares educativos, como é óbvio, segundo a directora daquele centro, a nova legislação determina a aplicação de menos medidas em regime aberto - e ainda não estudei o problema -, portanto, este subaproveitamento não acontecerá só naquele centro mas também noutros centros tutelares educativos.
Como os senhores disseram que fariam a avaliação da nova legislação - não sei o prazo, mas creio terem dito que isto iria ser feito -, pergunto se essa avaliação está realizada e quais as conclusões a que chegaram.
Ainda relacionado com esta visita, mas trata-se já de uma questão de pessoal, gostaria de focar outro aspecto. Também pude constatar que no mesmo estabelecimento, no centro tutelar educativo, estavam lado a lado, na cozinha, funcionários que, por terem vindo do Ministério da Saúde, já tinham beneficiado da reestruturação de carreiras decorrentes do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro (aliás, não se trata só do pessoal de cozinha, creio que acontece também com os monitores), e, a fazer o mesmo serviço, funcionários a quem ainda não tinha sido aplicado o referido diploma por serem dependentes do Ministério da Justiça.
Pergunto: quando vai o Ministério da Justiça reparar aquilo que me parece ser uma injustiça? Está alguma verba prevista para isso? E pergunto isto porque, parece, estes funcionários não podem estar à espera de outro Orçamento para verem aplicado o novo regime.
A outra pergunta que quero colocar relaciona-se com os julgados de paz e com as respectivas verbas, mas não para os juizes nem para os mediadores, pois isso cabe ao Ministério da Justiça. O que pergunto é se pensam transferir verbas para as autarquias pagarem os seus funcionários que vão assegurar o expediente, a recepção e o contacto com as pessoas, bem como as despesas de manutenção dos edifícios, etc.
Portanto, quero saber se, de facto, vão transferir verbas para o fim que referi ou se depois de se alargar este sistema a todo o País - e oxalá os julgados de paz funcionem muito bem - vai pegar-se na questão de serem as autarquias a pagar tudo isso. Então, teremos as autarquias a suportar mais uma despesa do Ministério da Justiça!

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Sobre este aspecto poderia ainda pegar-se na legislação sobre menores para se provar que, de uma maneira magistral, o Governo deitou para cima das autarquias mais uma questão que, em minha opinião, tinha a responsabilidade de assegurar.
Volto outra vez à tabela dos emolumentos, mas não porque vá pronunciar-me sobre a questão da restituição das taxas pagas antes de 1 de Janeiro. Penso que este é, de facto, um processo exemplar dos objectivos da União Europeia, que na directiva só se preocupa com os custos resultantes da elaboração de escrituras para os pobres dos capitalistas. Muito bem, isto está dentro do espírito da União Europeia, da circulação de capitais… Mas é preciso cuidado, porque os Estados não podem levar mais dinheiro do que o custo do serviço para o Estado! Os particulares, nisto, não contam para a União Europeia!…
Não sei se já foi publicado em Diário da República, mas na página do Ministério da Justiça na Internet, que, aliás, é um recurso excepcional para nos manter-mos informados - isto tem de ser reconhecido -, vi um novo Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado. O Sr. Ministro da Justiça, e neste aspecto bem, colocou aqui um princípio equivalente aquele que a União Europeia estabeleceu na directiva.
Analisando a tabela, pergunto se o valor corresponde ao custo do serviço para o Estado de uma certidão de nascimento passar a custar €15, ou seja, 3000$.

O Sr. Ministro da Justiça: - É mais caro!

A Oradora: - Custa agora 1000$!… Então, o custo de uma certidão é superior a este valor?! Há sempre uma justificação, mas tirar uma fotocópia!?… Abrir o livro, colocar na máquina fotocopiadora uma página desse livro, tirar uma fotocópia, carimbar e registar a conta… Por amor de Deus, isto custa 3000$?! Isto é repartido por muitos cidadãos! Isto não custa 3000$…! Além disso há um aumento brutal! Não venham dizer-me que esta tabela é uma maravilha, porque também vi as simulações que o Ministério da Justiça colocou na Internet quanto a aquisições de casas, em que há um decréscimo dos custos, mas há outras situações que sofrem brutais agravamentos, como é o caso das certidões.
Hoje qualquer cidadão precisa de uma certidão, a menos que seja completamente um excluído, como agora sói dizer-se - há os incluídos pobres e há os excluídos -, por isso considero uma brutalidade passar o seu custo de 1000$ para 3000$.
Há uma outra situação que ninguém compreende, que é a seguinte: por um divórcio litigioso, num tribunal, pagar-se 15 000$ de taxas e por um divórcio por mútuo consentimento, numa conservatória, passa a pagar-se cerca de 50 000$ - apesar de a tabela agora estar em euros; é só fazer as contas, mas eu ainda não arranjei uma calculadora para andar pendurada ao pescoço…!
Portanto, num tribunal, por um divórcio litigioso, que envolve bastantes gastos, paga-se 15 000$, numa conservatória do registo civil, por um divórcio por mútuo consentimento paga-se 50 000$! E podia falar noutras questões, como, por exemplo, nas escrituras de habilitação. Uma pessoa por fazer uma habilitação não quer dizer que seja rica! Pode receber uma casa a cair de podre na Beira Alta, ter de fazer uma habilitação e pagar 30 000$ de escritura!
Sr. Ministro, penso que esta tabela deve ser revista tendo em atenção o princípio da proporcionalidade,…

O Sr. Ministro da Justiça: - Exacto!

A Oradora: - …porque os exemplos que referi indicam que há várias soluções manifestamente desproporcionais em relação ao custo do serviço para o Estado.
Sr. Ministro, são estas as perguntas que tinha a colocar-lhe.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, relativamente à questão dos menores estamos num ano de transição. Como sabe, a nova Lei Tutelar Educativa entrou em vigor no dia 1 de Janeiro e ninguém podia saber antecipadamente qual era o universo de menores que os tribunais iriam enviar para a Segurança Social, os que teríamos de manter e em que regime.
Comparando, em 31 de Dezembro tínhamos 700 menores a nosso cargo, neste momento temos só 300. Em regime fechado, que tanta polémica suscitou primeiro e depois tanta ansiedade por nunca mais entrar em vigor, só temos 36 menores.
Não estamos a desarmar o sistema, porque não sabemos como vai evoluir - ainda não temos sequer um ano de aplicação do novo regime, por isso vamos ver -, o que temos estado a fazer, sempre que possível, é a reafectar o pessoal subaproveitado nos centros educativos às equipas de apoio aos tribunais.
Relativamente às instalações, como sabe, transferimos para a Segurança Social parte importante das instalações que nos estavam afectas, para esta poder acolher os menores que ficaram a seu cargo.
Quanto à questão dos menores, creio que esse retrato não está correcto, pois a transferência foi feita com base num protocolo assinado entre o Ministério da Justiça e a Associação Nacional de Municípios Portugueses, que foi, aliás, negociado por um dos vice-presidentes da Associação, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Benavente, que certamente conhecerá esta matéria.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas deixaram-se enganar, como já reconheceram.

O Orador: - Portanto, houve um acordo.
Relativamente aos julgados de paz, as relações financeiras entre o Ministério da Justiça e as câmaras estão reguladas nos respectivos protocolos com os quatro municípios que foram designados para acolherem este projecto piloto. Aliás, entre esta semana e a próxima serão formalizados os quatro acordos.
Regressando à questão da tabela, Sr.ª Deputada, relativamente à questão da reunião de capitais, a primeira coisa a ter em conta é que nós não temos de importar para os emolumentos uma lógica de justiça fiscal, porque o emolumento é uma taxa, devendo esta taxa ser proporcional ao custo efectivo do serviço e é, se quiser, um preço do serviço público prestado.
Portanto, não se deve diferenciar o preço em função da capacidade contributiva de cada um. É a mesma discussão que já houve aquando das propinas!… Sr.ª Deputada, o preço do bilhete de cinema é exactamente o mesmo para si, para mim, para alguém que seja pobre ou para alguém que seja muito rico!… É o preço do cinema!

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu pago mais para ir à ópera do que ao cinema!

O Orador: - Onde se deve fazer justiça em função da capacidade contributiva é através de instrumentos de natureza fiscal. Agora o montante da taxa não deve ser um instrumento que varie em função da capacidade contributiva. O que podemos é criar mecanismos de apoio, mas isso é outra coisa. Como sabe, o apoio judiciário aplica-se ao regime civil.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, sim, eu sei.

O Orador: - Portanto, quando fala dos montantes que foram fixados para o Registo Civil é necessário ter em conta que quem estiver em condição de carência económica tem direito a isenção.
Agora, no exercício que se fez - e ele não foi feito por nós mas, sim, por uma empresa credenciada internacional - de análise do custo efectivo dos serviços, que foi apresentado numa reunião da 1.ª Comissão, onde não sei se a Sr.ª Deputada estava,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Estava.

O Orador: - … houve um conjunto de critérios adoptado, que tiveram a ver, primeiro, com o tempo de cada acto, com o número de pessoas que tem de intervir em cada acto e com a qualificação das pessoas que têm de intervir em cada acto e depois foi tido em conta - exclusivamente - o custo global de estrutura do sistema de Registos e Notariado e não, obviamente, os outros custos do sistema de justiça.
Assim, com base nestes elementos foi possível calcular o custo efectivo de cada um dos actos. E isso tem a grande vantagem de nos permitir saber, sempre que quisermos praticar a liberalidade de conceder uma isenção, quanto nos custa essa isenção.
Relativamente ao Registo Civil o que acontece é que enquanto todos os outros serviços tinham taxas emolumentares muito superiores ao seu custo efectivo ele tinha-as muito inferiores ao seu custo efectivo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O que é lógico.

O Orador: - Não sei se é lógico; estou só a dizer o que acontecia.
Assim, decidiu-se fixar um critério, porque havia casos em que o aumento não só era relativamente muito significativo, como era, em valores absolutos, muito significativo. Então, o que se estabeleceu foi a distinção entre os actos voluntários e os actos involuntários, pelo que nos actos involuntários, ou seja, naqueles que a lei obriga o cidadão a praticar, serão gratuitos ou muito abaixo do seu custo efectivo, e nos actos que não são obrigatórios introduzimos distinções, ou seja uns ficaram abaixo do custo efectivo e outros ficaram pelo custo efectivo. Por exemplo: o custo efectivo de um assento de casamento é de 13.571$ e nós fixámo-lo em 7000$; as certidões deveriam custar acima dos 3000$ e nós fixámo-las em 3000$; a emissão do bilhete de identidade, que devia custar 1213$, nós fixámo-la em 500$.
Portanto, Sr.ª Deputada, o que nós não podemos ter é "o sol na eira e a chuva no Nabal"!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas podemos ter aumentos de 200%…!

O Orador: - Sr.ª Deputada, esses aumentos de 200%, que são muitos em termos relativos, em termos absolutos são ridículos. E até lhe digo mais: o bilhete de identidade quintuplica o preço, passa de 100$ para 500$!… Dir-me-á que é um aumento enorme. É verdade, mas em termos absolutos o bilhete de identidade fica ao preço de um maço de cigarros. E um bilhete de identidade tira-se uma vez cada 10 anos até aos 40 anos e depois nem isso!…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas uma certidão de nascimento tira-se várias vezes!

O Orador: - Quanto às certidões de nascimento, Sr.ª Deputada, são relativamente episódicas as vezes que, ao longo da vida, as tiramos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah é?!…

O Orador: - É.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É que eu já tive de provar várias vezes que nasci!…

O Orador: - Está bem, mas posso também dizer-lhe que estamos a trabalhar no sentido de as certidões de nascimento deixarem de ser necessárias. E o grande desafio da informatização integral dos Registos e Notariado ao longo do próximo ano é, precisamente, que deixe de haver necessidade de grande parte das certidões serem pedidas.
Como já acabámos com as fotocópias autenticadas, iremos também acabar com as certidões, porque a informação de que o Estado dispõe nos seus arquivos públicos deve ser de acesso directo por parte de quem precisa dela, sem estar a obrigar o cidadão a ir fazer prova perante o notário da certidão de inscrição no Registo Predial do direito que se vai transmitir a favor do transmitente. É absurdo!… É evidente que o notário deve ter acesso directo à base de dados do Registro Predial!… E, felizmente, daqui a uns anos há-de ser assim!…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É um bocado optimista! Daqui a quantos anos?!…

O Orador: - Ninguém há-de precisar de andar a pedir certidões! Quanto muito pagará uma taxa residual pela consulta da base de dados e ponto final, com um custo claramente inferior ao que temos aqui.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu não acredito nisso! Quando eu já estiver morta!...

A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada, ainda vou vê-la refilar com o pagamento da sua certidão de óbito.

Risos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, até para morrer é preciso pagar!…

Risos.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Osvaldo Castro.

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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, não vou discutir esta questão dos emolumentos, mas é verdade - o Sr. Ministro já o situou quando de uma reunião na 1.ª Comissão - que o problema do financiamento da Justiça vai ter de ser discutido, com esta quebra de receitas dos cofres, mercê do abaixamento das receitas emolumentares. Portanto, esse é um problema que existirá.
Sr. Ministro - e vou tentar ser o mais breve possível -, fiquei inicialmente preocupado com a visão tremendista que o Sr. Deputado Jorge Neto, do PSD, aqui nos trouxe. Senti-me quase regressado aos tempos do Ministro Fernando Nogueira - e não digo do Ministro Laborinho Lúcio, porque o PSD dele não gostava muito…

Protestos do PSD.

Srs. Deputados, eu vou dizer coisas que são consensuais. Aliás, é muito interessante que VV. Ex.as, quando, às vezes, pretendem atacar outros Ministros, designadamente os da Administração Interna ou da Reforma do Estado e da Administração Pública, procuram servir-se do exemplo do Ministro da Justiça, para dizer "este é que faz e os outros não fazem".
Portanto, acho um bocado espantoso que depois ponham aqui uma das pessoas que não diz isso para atacar o Ministro da Justiça! Eu reconheço que é difícil atacar o Ministro da Justiça até porque ele é o que mais trabalho tem dado à 1.ª Comissão. Eu diria mesmo que 80% das suas mais de 100 reuniões realizaram-se na sequência de iniciativas que vêm do Ministro da Justiça - aliás, nós até nos queixamos da "pedalada" que V. Ex.ª tem. E não é só o PS, é toda a Comissão.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Ainda bem que eu não sou da 1.ª Comissão, porque eu não me queixo!

O Orador: - Exactamente, se a Sr.ª Deputada estivesse na 1.ª Comissão - aliás, já lá foi uma vez ou outra - veria o que lá se trabalha à conta da Justiça, porque há, de facto, melhorias sensíveis e eu vou só sublinhar, por defeito, duas ou três.
Srs. Deputados, é verdade que o patrocínio oficioso é consensual e melhorou. Actualmente é feito exclusivamente por advogados!… Há melhorias no apoio judiciário, isto é, retiraram-se processos de um lado e há, ao que me consta, uma efectiva resposta da segurança social. Há recuperação de pendências acumuladas e, mais, o Ministro sujeitou-se ao escrutínio do Observatório Permanente da Justiça, entidade independente, para definir algo em relação à recuperação de pendências acumuladas, que, até pelas razões que invocou e com os meios que têm vindo a ser utilizados, desde os magistrados jubilados a outros, se tem vindo a verificar.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Onde é que vive? Não é neste mundo!

O Orador: - Vivo, vivo, Sr. Deputado, mas não vivo no eixo Lisboa-Cascais; vivo na província!
Quanto a reforço de meios e infra-estruturas, Srs. Deputados, está lá escrito e é verdade: foram instalados 51 novos tribunais, foram inaugurados 21 novos edifícios dos tribunais, foram admitidos 1500 novos oficiais de justiça, a informatização e a colocação da rede em tribunal, já aqui foi dito pelo Sr. Ministro, estará pronta até 2001.
Há passos claríssimos, muito sérios, que, aliás, estão já a dar muito trabalho, na resolução alternativa dos litígios!… Amanhã vamos discutir a acção executiva, o Sr. Ministro já o disse!… Aliás, a acção executiva, conforme disse na 1.ª Comissão, é uma verdadeira revolução!… Nunca nenhum ministro da Justiça teve coragem para deitar mãos ao processo do executivo! Não quero dizer que esteja tudo certo, mas a verdade é que houve alguém que teve coragem para isso. E com o contencioso administrativo acontece a mesma coisa!… Isto é algo que vem a ser reclamado há décadas!

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Isso é laudatório.

O Orador: - É laudatório porque é o que vocês também dizem quando falam uns com os outros, ou seja, dizem bem do Ministro da Justiça.
Se o Professor Teixeira Ribeiro me ensinou a ler bem os orçamentos - e acredito que sim, porque era um insigne professor de finanças públicas -, não há dúvidas que o Sr. Deputado tem de ver bem os números. Já no outro dia tive de dizer o mesmo ao Dr. Guilherme Silva, que também não lia bem, que tinha desfocado os números do Ministério da Administração Interna…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Não lhe forneceram os números!

O Orador: - Forneceram sim, porque a mim também os forneceram.
A verdade é que no PIDDAC o crescimento em relação à estimativa de execução é de 16% e é de 7,5% em relação à previsão para 2001. Isso está cá!… Aliás, em alguma das matérias que mais referiu isso é fácil, ainda que em euros. A instalação dos Serviços de Registos e Notariado, em relação à execução prevista, passa de 4,454 milhões de euros, números redondos, para 6,474 milhões de euros, a de Tribunais, passa de 26,605 milhões de euros, números redondos, para 35 milhões de euros.
Poderá dizer-me que na instalação dos estabelecimentos prisionais há uma baixa, de 14 milhões para 6 milhões de euros, mas o Sr. Ministro já disse haver coisas que, neste domínio, não poderão ser feitas só com base em financiamento do Estado, há que encontrar parcerias. Daí que eu perceba esta redução!…
Srs. Deputados, evidentemente que é necessário fazer oposição - é útil -, mas em relação a matérias de facto, especialmente quando se discute a justiça, a matéria de facto é mesmo matéria de facto. Nesse sentido, penso que não pode haver duas dúvidas.
Sr. Ministro, quero, apenas, deixar-lhe três questões muito breves. A primeira diz respeito à situação da monitorização electrónica dos arguidos, as chamadas pulseiras. A segunda, tem a ver com os julgados de paz, assunto relativamente ao qual creio que há acções concretas e recentes. A terceira e última não tem nada a ver com a especialidade, mas é uma curiosidade minha: tem-se apreendido muita droga e gostava de saber se é por que há mais droga, entra mais droga, ou há mais eficácia.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Justiça.

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O Sr. Ministro da Justiça: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Osvaldo Castro, quero, para já, agradecer o apoio da sua bancada à actuação do Ministério da Justiça.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Haja alguém…!

O Orador: - Antes de responder às suas questões, aproveito para deixar respondida uma questão, que me faltou há bocado responder, colocada pela Sr.ª Deputada Odete Santos, relativamente à restruturação das carreiras atípicas. Fechámos a negociação do diploma na semana passada com os sindicatos, pelo que irá a Conselho de Ministros esta semana ou na próxima. Assim, a restruturação das carreiras atípicas do Ministério da Justiça vai ficar também encerrada.
Relativamente àquilo que o Sr. Deputado Osvaldo Castro disse, quero fazer apenas uma pequena precisão que é a seguinte: não são só as parcerias públicas e privadas; é preciso ir ver o orçamento do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, porque grande parte dos novos investimentos, designadamente no sistema prisional, já não estão orçamentados na direcção-geral, mas nesse Instituto, que passou a centralizar todo esse investimento. E, já agora, recordo-lhe que só para o estabelecimento feminino do norte, por exemplo, estão orçamentados 4 milhões de contos, portanto não pode ser feita uma comparação directa.
Quanto à monitorização electrónica, o concurso decorreu, foi já assinado o contrato e entrará em funcionamento no dia 1 de Janeiro. Temos um período de avaliação de um ano, para ver se tudo corre bem e se isso nos permite, aliás, alargar os condicionamentos legais para a utilização da monitorização electrónica noutras condições, que não só a substituição da prisão preventiva.
Assim, é nossa convicção que, se tudo correr bem, devemos adoptar a monitorização electrónica, como outros Estados têm feito, seja para antecipação das liberdades condicionais seja para outros mecanismos que nos parecem importantes para aliviar o peso da prisão em Portugal.
No que diz respeito aos julgados de paz, os quatro municípios que tinham sido designados para acolher os projectos-piloto desenvolveram todas as acções que lhes competia realizar. Começaremos, na quarta-feira, a assinar os protocolos com todos os municípios, pelo que entre esta semana e a próxima serão todos assinados, tendo a Assembleia da República, através da respectiva comissão de acompanhamento, já sido informada das datas e dos locais das assinaturas de todos os protocolos, sendo que - e isto posso já adiantar - em todos os quatro municípios já há instalações e pessoal disponíveis.
Relativamente aos mediadores e aos julgados de paz, o primeiro curso de mediador já está concluído e iniciou-se hoje, precisamente, o curso de formação para os juizes de paz, que está a ser ministrado em colaboração com o Instituto Nacional de Administração.
Portanto, julgamos que estaremos em condições, no dia 1 de Janeiro, para que os quatro projectos-piloto dos julgados de paz possam entrar em funcionamento, sem qualquer tipo de problemas.
Quanto à questão da droga, as Nações Unidas têm critérios definidos para permitir medir se o aumento da quantidade da droga apreendida resulta do aumento da eficiência da actuação policial ou se resulta de um maior volume de droga em circulação, que são, fundamentalmente, dois: o critério do preço da grama na rua, no pressuposto de que, se houver uma diminuição significativa do volume de droga em circulação, há um aumento do preço da grama na rua; e o critério da qualidade da droga na rua, ou seja havendo menos droga disponível para os traficantes, as doses começam a ser cortadas e, portanto, a qualidade da pureza da droga diminui.
Os testes têm demonstrado que, durante o ano de 2000, houve um aumento significativo do preço da droga na rua de todas as espécies de droga menos do ecstasy. E isto é consistente, visto que o ecstasy foi a única substância em relação à qual, durante o ano de 2000, não houve um aumento efectivo das apreensões.
Agora, há outra razão fundamental para ter vindo a haver um aumento significativo da quantidade de droga: são as apreensões por parte da Polícia Judiciária.
Durante todo o ano de 2000, houve uma diminuição da droga apreendida pela GNR e pela PSP, com excepção do haxixe. Isso não se deve a uma maior eficiência de uma polícia do que de outra. Não! Deve-se, sobretudo, aos segmentos do tráfico a que cada uma dessas forças actua. E a diminuição de apreensão por parte da PSP e da GNR é, também, reveladora de que há menos droga em circulação no mercado, o que é consistente com a qualidade da pureza que diminuiu e com o preço da grama que aumentou.
Isto deve-se, em grande parte também, ao esforço de cooperação internacional e ao facto de Portugal ser, como é sabido, juntamente com os países que asseguram as fronteiras externas da União Europeia, um País de trânsito. Isso, aliás, é revelado, porque a quantidade de droga apreendida no ano passado daria para abastecer durante seis anos o mercado nacional. Portanto, estamos, obviamente, a apreender droga muito para além daquilo que é o nosso consumo interno, exercendo as funções, que nos compete exercer, de fronteira externa da União Europeia.
Há, aliás, um início de conversas entre os diferentes Estados-membros que asseguram as fronteiras externas da União Europeia, no sentido de haver uma ponderação sobre a participação que a União devia ter no seu conjunto neste esforço acrescido de protecção e de combate à droga.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Ministro, peço desculpa, antes de passar a palavra a um dos meus colegas, quero só clarificar uma afirmação que fez mesmo agora, sobre as carreiras atípicas.
Deu-me a ideia, na sua resposta à Sr.ª Deputada Odete Santos, que ia fazer alguma restruturação na carreira, não sei exactamente ainda em que termos, e que seria para vigorar no próximo ano.

O Sr. Ministro da Justiça: - Não é restruturação na carreira, mas do diploma.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É o Decreto-Lei n.º 404-A/98.

A Sr.ª Presidente: - O número do diploma não sei; o que gostava de saber é se isso tem consequências orçamentais ou não tem consequências nenhumas.
Vou clarificar a razão de ser da minha questão. Como sabe, temos tido, aqui, várias dúvidas profundas sobre o montante da despesa com pessoal, no sentido de saber se a verba inscrita chega ou não para cobrir as despesas. E o Sr. Secretário de Estado do Orçamento afirmou categoricamente, mais do que uma vez, tanto na discussão na generalidade

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como agora na especialidade, que havia um ponto em relação ao qual ele não se deixaria ultrapassar, em circunstância nenhuma: o de haver qualquer espécie de restruturação de carreiras.
Nesta circunstância, não sei se a resposta que deu é para calar a Sr.ª Deputada Odete Santos - que, de resto, não é fácil de calar! - ou se vou ter de questionar o Sr. Secretário de Estado do Orçamento sobre uma excepção que há aqui neste Ministério.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Eduardo Cabrita): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, o que está em causa não é nenhuma restruturação de carreiras; trata-se da aplicação ao Ministério da Justiça, a carreiras e categorias com designação específica, que corresponde a um número muito limitado de pessoas, de um diploma, o Decreto-Lei n.º 404-A/98, que foi negociado com as associações sindicais.
Julgo que a Sr.ª Deputada referiu pessoas oriundas do Mistério da Saúde, no caso, relativamente às quais foi já feita essa adaptação. Porque é que o Ministério da Justiça ainda não procedeu à pura aplicação mecânica, por decreto regulamentar, desse diploma a estas carreiras específicas? Porque, ao longo do ano transacto, procedemos à aprovação, primeiro, da lei orgânica do Ministério e, seguidamente, à aprovação de 15 leis orgânicas de diversos organismos e serviços do Ministério.
Assumimos com as associações sindicais um compromisso no sentido de que, primeiro, procedíamos à revisão de todas as leis orgânicas do Ministério e, no final, procederíamos a esta transposição do regime das carreiras atípicas. Isto corresponde a um número muito limitado de trabalhadores, tem um impacto, mesmo com os retroactivos, no Orçamento para 2002 inferior a 200 000 contos e, portanto, não corresponde a uma restruturação de carreiras, corresponde, sim, ao cumprimento de uma obrigação legal e tem uma dimensão facilmente acomodável no Orçamento global para despesas com pessoal dos serviços e organismos do Ministério da Justiça.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, quero, apenas, abordar uma questão que tem a ver com o adiamento sistemático da construção do novo palácio da justiça, de Valongo.
Como o Sr. Ministro sabe, em 1995, foi criada a comarca no município de Valongo. E, em 25 de Julho desse ano, a Câmara Municipal de Valongo celebrou um protocolo com o Ministério da Justiça, válido por cinco anos, nos termos do qual a Câmara Municipal cedia ao Ministério da Justiça um edifício para a instalação do tribunal, ficando a renda a cargo da autarquia. Este protocolo previa, ainda, a doação, por parte da Câmara Municipal, de um terreno destinado à construção do futuro palácio da justiça.
Entretanto, há cerca de quatro anos, a Câmara Municipal disponibilizou ao Ministério da Justiça terrenos para a construção do referido palácio da justiça de raiz. Não tendo ocorrido, no entanto, qualquer avanço no que concerne à elaboração do projecto desse tribunal, bem como em relação, naturalmente, ao início da obra.
Como sabe, o actual tribunal está instalado num edifício que era de habitação, com instalações já muito exíguas. É preciso ter em atenção que Valongo foi dos municípios da área metropolitana do Porto que mais cresceu, em termos populacionais, tendo já, neste momento, 86 000 habitantes. As instalações exíguas onde está instalado o tribunal são, neste momento, um constrangimento muito forte não só junto dos profissionais de justiça, mas também dos utentes que a ele têm necessidade de acorrer. O tribunal depara-se, até, com situações menos dignas de atendimento desses mesmos utentes, bem como da própria prática da justiça, por isso julgo que não faz sentido continuarmos a adiar a construção do novo palácio da justiça de Valongo.
A verdade é que a Câmara já fez imensas exposições ao Ministério, procurando saber em que fase se encontra o projecto do novo Palácio da Justiça e qual o cronograma da obra, tendo já mostrado por várias vezes disponibilidade para celebrar a escritura de cedência dos terrenos para a construção do referido tribunal.
Embora veja que o Sr. Ministro não está atento, pelo que talvez o Sr. Secretário de Estado possa responder-me, a verdade é que sabe que já no ano passado suscitei esta questão, porque, no PIDDAC para 2001, foi inscrita uma verba simbólica de 5000 contos e verbas mais significativas para os anos subsequentes.
Ora, verifico com surpresa que, mais uma vez, a obra é para adiar, deslizou… Ou seja, verifico que, no PIDDAC para 2002, a verba inscrita para a construção do tribunal judicial de Valongo é 49 880 euros, o que equivale a 10 000 contos. Portanto, não é com a inscrição de 10 000 contos que podemos acreditar seriamente que a obra é para avançar em 2002, pelo que é mais um ano de adiamento. Provavelmente, daqui a um ano, estarei a dizer exactamente o mesmo que digo hoje e já disse no ano passado. Se calhar, volta a ser inscrita uma verba simbólica e lá teremos mais um deslize…!
Ora, Sr. Ministro, julgo que é isto que faz com que os cidadãos descreiam da política e dos políticos. E nós, que acreditamos que a política é uma actividade nobre quando exercida com seriedade, consideramos que não se deve continuar a iludir os cidadãos, por um lado, e as autarquias, por outro, pois estas também têm responsabilidade democrática perante as populações.
Como disse, e repito - e com isto termino -, em 1995, foi celebrado um protocolo para vigorar durante cinco anos e a câmara municipal, dentro de um espírito de parceria estratégica com o Governo, disponibilizou desde logo o pagamento da renda do edifício, mas continua a fazê-lo já para além do prazo previsto no protocolo.
A este propósito, devo dizer que, tanto quanto vi em notícias recentes, a câmara está realmente empenhada em que a construção do tribunal avance e, por isso, afirma que não quer continuar a pagar a renda, se calhar, no sentido de pressionar politicamente o Governo para avançar com a construção e não adiá-la mais uma vez pois, naturalmente, perante estas verbas inscritas para 2002, já perceberam que o tribunal é para adiar mais uma vez. Não esqueçamos que a câmara disponibilizou os terrenos para o efeito.
Sr. Ministro, conforme já disse em resposta ao meu colega Jorge Neto, vão ser construídos mais dois tribunais na cidade do Porto,…

O Sr. Ministro da Justiça: - Mais três!

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O Orador: - … mas também era preciso não esquecer Valongo que de entre os municípios da Área Metropolitana do Porto , é um dos que tem crescido mais em termos populacionais e, ainda, que mais se tem desenvolvido em termos até de desenvolvimento a nível local.
Gostaria, pois, de obter resposta a estas perguntas. Quando é vai haver o projecto? Quando é que vai ser lançada a obra? Qual é, ao fim e ao cabo, o cronograma da construção deste tribunal?

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Ao ouvir os hosanas tecidos pelo Deputado Osvaldo Castro ao Sr. Ministro, lembrei-me subitamente de um magistral artigo hoje publicado no Diário de Notícias, da autoria de João César das Neves, sobre o estado das paixões. Aliás, também aí é referenciada a justiça e a burocracia de que enferma a justiça.
O Sr. Deputado Osvaldo Castro, porventura ainda não terá lido o artigo, mas, certamente, vai rever-se nele como súbdito do rei nesse estado contemplativo, estático mas absorto da realidade do País em que vive.
De facto, uma coisa é o que se vê intramuros do castelo, outra coisa é a realidade confrangedora, pungente, que o País vive. Isto é, também, aplicável, mutatis mutandis, ao estado da justiça em Portugal, Sr. Deputado Osvaldo Castro e Sr. Ministro.
Por muito que nos custe admitir, bastaria passar os olhos por um livro recentemente publicado pela Associação de Jovens Advogados, contendo as ideias principais dos três candidatos a Bastonário da Ordem dos Advogados, um dos quais promana do Partido Socialista, para percebermos quão acertas e quão verdadeiras são as críticas que acabei de tecer na minha intervenção inicial relativas ao estado doloroso em que se encontra a justiça em Portugal.
A este propósito, lembro o candidato a Bastonário e ilustre membro do Partido Socialista, Carlos Candal, que não perde oportunidade de criticar, de forma acerba, algumas medidas concretas tomadas pelo Sr. Ministro António Costa, seu correligionário no Partido Socialista.

O Sr. Ministro da Justiça: - Isso é bom sinal!

O Orador: - Sr. Ministro, isto foi apenas em jeito de intróito.
Incisivamente e indo directo à questão, Sr. Ministro, vamos ser claros e vamos ser sérios: a questão da tabela emolumentar era, de facto, algo de desejável e de louvável se não fosse acompanhada a par e passo por uma outra medida fiscal que, aliás, vem ao arrepio do que sempre foi defendido pelo Partido Socialista e pelo Governo a que V. Ex.ª pertence.
Recordo-me que, há dois ou três anos, num debate com o então Ministro das Finanças, Prof. Sousa Franco, nesta Câmara, foi defendida, preto no branco, a tese de que o imposto de selo caminhava para a extinção, que era como a sisa, o tal imposto mais estúpido do mundo que também era para extinguir mas que continua, marcando passo.
Ora, o que se verifica, ao arrepio dessa profissão de fé do Governo socialista, do Ministro das Finanças de então, é que o imposto de selo tem um peso cada vez mais significativo e uma incidência cada vez maior no espectro jurídico-fiscal português.
Esta é, pois, a primeira nota muito clara que queria deixar ficar. Trata-se de um retrocesso inequívoco relativamente ao que o Partido Socialista propagandeava então.
Mas há um segundo ponto que não posso deixar de referenciar; este imposto de selo não corresponde ao imposto de selo anterior. Isto é, o âmbito e a incidência material deste imposto de selo são mais vastos do que o anterior, designadamente em matéria de cobrança efectiva do imposto.
Sr. Ministro, tornemos as coisas claras: quando, há pouco, disse que uma escritura de constituição de uma sociedade com capital social de 5 milhões de contos custaria agora algo como 40 000 contos,…

O Sr. Ministro da Justiça: - Não, não! Agora custa 40 000 contos, vai é custar 20 000!

O Orador: - …por contraposição ao preço anterior substancialmente mais elevado, seria bom que o Sr. Ministro explicasse o que é alocado ao imposto de selo e o que é alocado a emolumentos, pois é isso que importa referir.
Mas deveria dizer ainda mais, de uma forma clara, Sr. Ministro: deveria dizer se, em matéria de incidência material do imposto de selo, em matéria de âmbito de aplicação do imposto de selo, em matéria de receita cobrada do imposto de selo, nos mantivemos exactamente no mesmo patamar ou se houve um acréscimo desse imposto. É que se houve, há aí um segundo retrocesso do Partido Socialista, esse bem mais grave.
É que não me esqueço que, na campanha eleitoral e mesmo posteriormente, em intervenções sucessivas que o Sr. Primeiro-Ministro tem proferido nesta Câmara, o Partido Socialista afirmou que não haveria nunca aumento da carga fiscal.
Ora, se se verificar que, por esta via, há efectivamente um aumento de carga fiscal, que o imposto de selo passa a ter uma receita superior à que era obtida no passado, então, indiscutivelmente, estamos perante algo que é contraditório do que o Partido Socialista defendeu, e isso é grave.
A segunda e última questão tem a ver com investimento. Não defendo aquela política tremendista que o Deputado Osvaldo Castro há pouco elencou - longe de mim tal ideia! - defendo, sim, tal como Arquimedes em tempos defendeu dizendo que a justiça é o ponto de apoio para levantar o mundo, que a justiça em Portugal pode e deve ser o ponto de apoio para levantar o País.
O País está, de facto, num estado lastimoso, num estado confrangedor, pungente, nomeadamente em matéria de actividade e de desenvolvimento económico e nós sabemos, o Sr. Ministro sabe, sabem os Srs. Secretários de Estado, até por experiência profissional anterior a estas andanças políticas, que um funcionamento actuante, um funcionamento eficaz, rápido e célere da justiça é fundamental para gerar confiança na actividade económica. Ora, sabemos que tal não ocorre em Portugal.
Sabemos que os empresários fogem dos tribunais "como o diabo da cruz", porque a justiça está num caos, numa anarquia, Sr. Ministro da Justiça. Por isso, lanço-lhe novamente o repto: Sr. Ministro, perante este estado de coisas - e repito que é um entendimento unânime salvo para aqueles que são "a voz do dono" -, não acha que seria justificado um investimento sério, responsável, um investimento reforçado na justiça para que o País possa sair do atoleiro em que se encontra?

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A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Se o Sr. Deputado Manuel Moreira não se importar, pedirei ao Sr. Secretário de Estado que seja ele a precisar tudo o que há a precisar acerca do tribunal de Valongo, enquanto eu próprio responderei ao Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Deputado Jorge Neto fez uma daquelas coisas que os advogados têm de fazer na barra quando vêem que as coisas como não são como sustentavam, ou seja repetiu a argumentação ligeiramente ao lado, mas num tom de voz dois pontos acima para reforçar em convicção o que lhe falta em matéria de facto.
Vejamos, Sr. Deputado: o senhor começou por dizer que isto era tudo uma aldrabice - não disse desta forma, fê-lo com delicadeza, mas, na edição do Expresso desta semana, li que era "tudo uma aldrabice" - porque diminuíamos as verbas a pagar por uma escritura mas, depois, através dos impostos escondidos que iríamos criar, recuperá-las-íamos todas as que assim se tinham perdido.
Ora, todo este romance inexiste. Em primeiro lugar, não há nenhum imposto cuja criação não tenha sido anunciada. Em segundo lugar, nenhum dos actos para além dos abrangidos pela Directiva é tocado por qualquer nova medida fiscal. Acresce que, não obstante a nova rubrica do imposto de selo, há uma redução muito significativa dos custos.
Se o Sr. Deputado Jorge Neto for ler a Directiva, verificará que a mesma é muito clara, estabelecendo o que cada Estado pode fazer: por um lado, pode manter impostos que tivesse anteriormente, pelo que o que não tínhamos anteriormente, não poderíamos lançar agora…

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Mas não é o imposto de selo!

O Orador: - É um imposto! A Comissão não sabe se é o imposto de selo ou se é outro! É um imposto e a Directiva, para compensar a diminuição das receitas provenientes da redução emolumentar, permite claramente a criação de um novo imposto sobre reunião de capitais - e chame-se-lhe como se chamar - cuja taxa pode variar entre 0% e 1%.
Como o Sr. Deputado sabe, quase todos os países da Europa têm imposto à taxa de 1%. Em Espanha, aqui ao lado, a taxa é 1%.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - E os notários privados?

O Orador: - Já lá vou, ao "romance" da privatização dos notários.
Como dizia, quisemos criar uma taxa que fosse a mais baixa de todos os países da União Europeia, precisamente…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Para ajudar os capitalistas nós até somos os melhores! Depois, aumenta-se os particulares!

O Orador: - Para ajudar os capitalistas, como diz a Sr.ª Deputada Odete Santos…!
Quisemos, pois, criar uma taxa que fosse a mais baixa, fundamentalmente porque queríamos que este novo regime favorecesse a competitividade da nossa economia. Por isso, fixámos a taxa mais de entre todos os países da União Europeia.
O Sr. Deputado fará as contas que quiser, mas o que lhe digo é que com a nova tabela, com a nova rubrica do imposto de selo, fica muito mais barata a constituição de empresas do que actualmente. Se for ver os exemplos que demos, verificará que assim é!
O Sr. Deputado diz-me: "diga lá quanto é que corresponde ao imposto de selo?", mas não preciso de dizer! O Sr. Deputado sabe muito bem, pois tanto na nossa página na Internet como nos documentos que vos entregámos, está discriminado o valor.
É que, como o Sr. Deputado sabe, o critério é o de que o custo efectivo é igual para todas as escrituras do mesmo tipo. Na constituição de uma sociedade seja com o capital social de 1000 contos seja de 10 milhões de contos o custo emolumentar é rigorosamente idêntico. Onde é que há diferença? É, precisamente, através do imposto de selo. Portanto, a diferença é estabelecida através do valor do imposto fiscal que tem em conta a diferente capacidade contributiva de cada uma das sociedades.
Aliás, logo na apresentação do Orçamento e, também, na Comissão, eu disse que todos os custos das empresas são desagravados com excepção daquelas cujo capital é superior a 10 milhões de contos - e, como sabe, duas mãos não chegam, mas quatro mãos…não temos mais! -, sendo que grande parte destas últimas podem criar SGPS as quais, aliás, nos termos da Directiva, pagam zero de imposto de selo!
O Sr. Deputado dir-me-á: "Uma sociedade de 5 milhões de contos". Mas por mais contas que faça há uma coisa que nunca retira: uma sociedade de 5 milhões de contos, hoje, pagaria de emolumentos, sem imposto de selo, ou melhor, sem os 0,4%, que, como sabe, não existe, 40 000 contos. Sabe quanto é que vai pagar no próximo dia 1 de Janeiro? Vai pagar 20 000 contos, com os 0,4% de imposto de selo incluído, ou seja, vai pagar metade do que paga hoje.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É uma medida social!

O Orador: - Para o investidor isso não é bom? É bom! Sabe para quem é mau? É mau para quem lhe vendeu essa história…

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - É, é! Para esses é que é mau, porque deixam de ter comparticipações emolumentares sobre 40 000 contos e passam a ter sobre 20 000 contos.
Por isso, Sr. Deputado, a grande divergência que tenho tido consigo é acerca da privatização do notariado. Se fosse feita a privatização do notariado sabe o que acontecia? Não tínhamos sido obrigados a baixar os emolumentos e os senhores notários poderiam cobrar aquilo que cobram actualmente aos particulares. Isto porque, como deixava de ser receita do Estado e passava a ser um receita privada, deixava de ser imposição, não estava abrangido pela Directiva, e isso significava que as pessoas pagariam o mesmo, sendo que nós continuaríamos a ter a despesa que temos, porque, como o Sr. Deputado sabe, cartórios auto-sustentáveis são 77, num universo de trezentos e tal. Todos os outros, com a actual tabela, que, como sabemos, era, obviamente, uma coisa arbitrária e escandalosa o que se cobrava, mesmo assim, não são auto-sustentáveis e nós ficaríamos a sustentar como sendo públicos todos aqueles cartórios que não dão lucro e perderíamos os 77 cartórios que dão lucro.
Sr. Deputado, esse teria sido o resultado prático.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas esse é o objectivo das privatizações!

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Srs. Deputados, na verdade, percebo o grande entusiasmo que esta profunda reforma provoca na Câmara e a dificuldade deste confronto com a realidade que estaremos cá todos a testar no início do próximo ano, quando os efeitos da mesma começarem a ser sentidos.
Permitam-me que responda à questão, inteiramente pertinente, colocada pelo Sr. Deputado Manuel Moreira. De facto, o quadro de intervenção em tribunais pelo País, como foi dito pelo Sr. Ministro, faz com que nunca tanta obra de reforma do parque judicial tivesse ao mesmo tempo estado a ser desenvolvida.
Neste momento, estão em obra efectiva cerca de 40 tribunais pelo País. Considerando aqueles que estão em fase de definição do local de implantação à fase de projecto, estão em intervenção mais do que uma centena de tribunais. E é nossa prioridade, é nosso desejo, que, relativamente a Valongo, se verifiquem, no próximo ano, desenvolvimentos efectivos, tal como este ano foi possível fazê-lo não só no Porto mas também em Viseu e em Águeda, e concluir em São João da Madeira um processo que tinha 23 anos de história e que foi há pouco tempo inaugurado.
Sr. Deputado, o que é que se passou em Valongo? Foi possível, em 15 de Junho de 2000, chegarmos a acordo com a respectiva Câmara Municipal sobre o local de implantação do novo Palácio da Justiça de Valongo, do verdadeiro Palácio da Justiça de Valongo, porque, de facto, a localização actual é particularmente precária. E foi nesse contexto que, no PIDDAC de 2001, ficou prevista a realização do projecto para esse Palácio da Justiça.
Qual não foi a nossa surpresa quando, por razões que desconhecemos, a determinada altura, fomos informados da modificação do local em que se pretendia vir a construir o dito tribunal para uma área diferente, levantando, aliás, algumas dificuldades, dado que, pela indicação que nos foi dada pelo Ministério do Ambiente, era uma área qualificada de reserva florestal, com a necessária e com o complexo processo que daí decorreria.
Porém, a questão está ultrapassada.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Secretário de Estado, essa questão já no ano passado o Sr. Secretário de Estado a colocou.

O Orador: - Sr. Deputado, foi essa a questão que foi suscitada já ao longo deste ano de 2001.
Felizmente, tanto quanto sei, a questão está ultrapassada, e espero que definitivamente ultrapassada, porque recebi, na semana passada, uma comunicação da Câmara Municipal de Valongo, dizendo que, em sessão de Câmara, havia sido aprovado o regresso à solução inicial, ou seja, àquela que tínhamos em mão há um ano atrás.
Portanto, voltando à solução inicial, basta a Câmara Municipal, como, aliás, já lhe foi solicitado, e certamente irá fazer num prazo curto, enviar-nos os elementos necessários…

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Já o fez, Sr. Secretário de Estado!

O Orador: - … e o concurso para projecto será aberto de imediato. Eu diria que, neste caso, temos um ano em que poderíamos, e esperávamos, ter desenvolvido mais trabalho do que aquele que foi desenvolvido.
O tribunal de Valongo é, para nós, uma prioridade. Espero que, neste ano 2002, possa ser elaborado o projecto e possa ser lançado concurso para o tão necessário Palácio da Justiça de Valongo.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.

O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr.ª Presidente, gostava de dizer ao Sr. Ministro que não tenho nada que ver com as posições expressas pela Associação Portuguesa de Notários. Aliás, deixe-me dizer-lhe que, a este propósito, por várias vezes, tive oportunidade de manifestar discordância em relação a posições assumidas pela Associação Portuguesa de Notários e, portanto, o que me move - e a posição que aqui exprimi - é a minha posição pessoal, é aquilo que a minha consciência me dita, designadamente pela experiência profissional e pelo conhecimento concreto que tenho destas matérias.
Deixe-me, ainda, dar-lhe duas notas, em jeito de remate, Sr. Ministro: não é possível fazer qualquer comparação entre aquilo que se verifica entre nós em matéria de custo efectivo da escritura e do registo e aquilo que se verifica nos outros países, como o Sr. Ministro há pouco referenciou. Isto porque somos um país peregrino, na União Europeia, em matéria de organização notarial e de registos. Repito, somos um peregrino. Temos, porventura, um ou outro, mas são situações meramente isoladas. O panorama do notariado europeu é o panorama dos notários privados.

O Sr. Ministro da Justiça: - Não é!

O Orador: - É, Sr. Ministro! É esse o panorama europeu, ao arrepio do que se passa entre nós! Aliás, não é por acaso que já esteve em debate um anteprojecto para a chamada "privatização dos notários", levada a cabo pelo Ministro antecessor António Costa. Mas, enfim, não chegou a seu termo. Aí é que seria interessante fazer a comparação, o cotejo, entre o custo de uma escritura e de um registo com um sistema notarial privativo e o sistema notarial actualmente instituído entre nós.
Em conclusão, Sr. Ministro, constato que este imposto de selo é algo que representa um aumento da carga fiscal relativamente à situação anterior, antes da alteração da tabela emolumentar, e constato também, a fortiori, que, ao arrepio daquilo que o Sr. Ministro das Finanças, Sousa Franco, defendia em 1998, o imposto de selo não é para extinguir, o imposto de selo é para continuar e, mais do que isso, para alargar o seu âmbito de incidência material.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está vivo e recomenda-se!

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Neto, quanto ao regime do notariado, recomendo que leia o relatório do Parlamento Europeu sobre o sistema de notariado na União Europeia e vai ver o

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que é que o Parlamento Europeu concluiu. E, Sr. Deputado, o que verificará é que não há dois países com regime idêntico, a começar por três países onde nem sequer há a figura do notário. Há três países, que vivem, aliás, perfeitamente - e quando vir quais são, vai ver que não são propriamente países periféricos -, que, pura e simplesmente, não prevêem a figura do notário e têm um sistema assente num único controlo preventivo da legalidade pelo sistema de registo sem o duplo controlo que nós temos.
Quanto à segunda questão, Sr. Deputado Jorge Neto, vamos ver se nos entendemos. Nós, juristas, somos capazes de fazer as maiores efabulações - aliás, tenho visto aqui, nos debates orçamentais, que os economistas conseguem bater-nos aos pontos sobre o que sobe e sobre o que desce. Agora, por mais voltas que dê, há uma coisa que nunca me convencerá: a de que 20 000 contos não é metade de 40 000 contos.

Risos do PS.

Assim como não me convencerá quando diz que há um agravamento quando as pessoas passarem a pagar metade daquilo que hoje pagam. Sr. Deputado, não há um agravamento, há, isso sim, um desagravamento, mesmo do ponto de vista técnico no que respeita à carga fiscal. Isto porque, como o Sr. Deputado sabe, o que o Tribunal de Justiça das Comunidades concluiu - e bem - e o que os nossos tribunais tributários concluíram - e bem - foi que não estávamos perante uma verdadeira taxa mas, sim, perante um imposto disfarçado de taxa.
Assim - e vamos ao exemplo das sociedades de 5 milhões de contos -, em vez de as pessoas pagarem, mascarado de taxa, 40 000 contos, hoje, passam a pagar 20 000 contos. E mais: vão pagar distinguido claramente o que é taxa, que dá trinta e tal contos, do que é imposto, claramente baptizado e registado como tal, com a aprovação da Assembleia da República para que esteja em perfeita legalidade.
Portanto, neste aspecto, a carga fiscal - dê o Sr. Deputado a volta que der - diminuiu claramente. Para o satisfazer, podíamos dizer que não se chama imposto de selo mas imposto comunitário sobre a reunião de capitais. Preferia, Sr. Deputado? Gostava mais? Mas olhe que o que as pessoas pagariam era rigorosamente o mesmo!
Sr. Deputado Jorge Neto, garanto-lhe que não faltam temas para fazer oposição à política de justiça deste Governo, tem muito por onde fazer oposição. Agora, poupemo-nos ao esforço de fazer oposição onde ela não deve existir. É evidente que houve um desagravamento. Nós, juntamente com o Ministério das Finanças, sem guerras entre nós, fizemos isto em conjunto e vai ver que vai ficar melhor. Portanto, sobre esta matéria, não vale a pena insistir. Há outras matérias. Agora, não me peça para dizer quais são, porque isso já seria pedir demais!

A Sr.ª Presidente: - Agradecendo a presença do Sr. Ministro da Justiça e dos Srs. Secretários de Estado, dou por terminada a discussão do orçamento do Ministério da Justiça. Devo dizer que se esta reunião durasse mais tempo, estava à beira de cobrar emolumentos!
Srs. Deputados, estão interrompidos os trabalhos, que recomeçarão às 15 horas.

Eram 14 horas.

Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, com a equipa do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, vamos dar início à discussão, na especialidade, do orçamento do Ministério.
Mais uma vez, apelo aos Srs. Deputados para que limitem a vossa discussão efectivamente à análise, na especialidade, do Orçamento.
Começo por dar a palavra ao Sr. Deputado Adão e Silva.

O Sr. Adão e Silva (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, começo por vos saudar-vos e, tentando fazer alguma análise, na especialidade, do Orçamento do Estado para 2002, gostaria de começar pela parte do PIDDAC, designadamente pela questão dos Equipamentos e Serviços para Idosos. Verifica-se uma descida acentuada no que diz respeito aos montantes destinados a Equipamentos e Serviços para Idosos. Ora, se de 2000 para 2001, já o PIDDAC tinha "caído" 8,5%, agora, entre 2001 e 2002 "despenha-se", caindo cerca de 38%. Este é o valor financeiro com o qual o Ministério do Trabalho e da Solidariedade estabelece os acordos de cooperação com as IPSS - tecnicamente não são bem acordos de cooperação, isto é, são acordos de construção de equipamentos aos quais, mais tarde, se há-de seguir o tal acordo de cooperação para funcionamento. Mas também isto resulta de um acordo.
Preocupa-me um pouco esta descida tão brutal no dinheiro que se prevê pôr à disposição das IPSS para a construção de equipamentos para idosos no próximo ano. Penso que até é muito perigoso fazê-lo, porque o número de idosos está a crescer em Portugal, as soluções alternativas à institucionalização são claramente pouco dinâmicas e, apesar do esforço (que deve ser reconhecido) do apoio domiciliário, a verdade é que a dinâmica é escassa e as alternativas também não são muitas. Por exemplo, não sei qual é a posição do Ministério em relação ao restabelecimento do salário familiar, que é uma reivindicação que a União das IPSS, e muito acertadamente, vem propondo.
Por outro lado, verifica-se que esta questão relativa aos idosos tornou-se rapidamente, nos últimos anos, num mercado apetecível. E, naturalmente, temos verificado que alguns idosos e algumas famílias são claramente esbulhados e, por vezes, a situação é mal acompanhada, redundando nas tragédias que todos nós lamentamos.
Assim sendo, parece-me perigosa esta redução, porque se não há crescimento ao nível dos equipamentos tutelados pelas IPSS, já se vê que pode vir a recrudescer o número de equipamentos financiados pelos particulares, às vezes sem os licenciamentos. Esta constatação leva-me a colocar uma outra questão: não existe na segurança social um corpo de inspecção capaz de acompanhar a questão dos licenciamentos e do funcionamento dos lares privados, com fins lucrativos, de idosos. E também não está, a nível deste Orçamento do Estado, a criação ou a disponibilização de qualquer corpo de inspecção ou de fiscalização para o efeito. Sempre me poderão dizer que já existem estruturas de fiscalização e de inspecção, mas a verdade é que a eficácia é claramente diminuta, como, aliás, tragicamente tem vindo a ser evidenciado.
A segunda questão relativa ao PIDDAC prende-se com o Programa de Informática da Segurança Social. Até 31 de

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Dezembro de 2000 gastaram-se 17 milhões de contos; em 2000, 4,5 milhões de contos; em 2001, 4,3 milhões de contos e, em 2002, prevê-se gastar 5,5 milhões de contos. Isto é, esta verba cresce 30%. Notamos ainda, a propósito desta verba do PIDDAC para o Programa de Informática da Segurança Social, que o Instituto de Informática e Estatística da Solidariedade tem recebido uma grande fatia, cerca de 50%, e sempre gasta todo o dinheiro que está indexado em PIDDAC. A pergunta que sempre havemos de fazer é esta: afinal, onde é que se gasta todo este dinheiro atribuído ao Instituto de Informática e Estatística da Solidariedade, Sr. Ministro?
Digo, e vou repeti-lo as vezes que for preciso, que o sistema de informação da segurança social não existe no nível que devia existir, isto é, uniformizador, centralizado, com as aplicações que são os pilares fundamentais do funcionamento do sistema de informação da segurança social. A informação que nos chega (pelo menos, vamos conseguindo pesquisar…) é que muito deste valor se dilui nas consultorias que o Instituto de Informática e Estatística da Solidariedade vai estabelecendo. Gostava que o Sr. Ministro me desse alguma informação acerca disso e, de algum modo, me dissesse qual é o destino da despesa, onde vai ser gasto aquele dinheiro que se perspectiva para o próximo ano.
Sobre a questão do subsídio de desemprego, Sr. Ministro, o valor previsto para o próximo ano é igual ao do corrente ano. A pergunta que formulo é esta: o Sr. Ministro não está já arrependido de ter inscrito esse valor para o subsídio de desemprego depois de conhecer os indicadores do quadro macroeconómico recentemente publicitados pelo Banco de Portugal? É que tenho claramente a sensação de que não vai chegar! E gostava que o Sr. Ministro nos esclarecesse, face aos novos números do quadro macroeconómico, como é que ele é contemporizável.
Uma outra questão prende-se com o subsídio de doença, e abordo-a apenas por uma razão. Não tenho acesso a todas as informações que o Ministério publica mas li, por acaso, uma entrevista que o Sr. Ministro deu à revista Visão, na qual lhe é perguntado qual o nível de fraude do rendimento mínimo garantido. E o Sr. Ministro responde que a fraude detectada atinge cerca de 7% - o que significaria cerca de 15 milhões de contos, ou um pouco mais, no cômputo global do já gasto -, mas logo acrescenta que a fraude detectada é de cerca de 7%, ou seja, um terço da fraude do subsídio de doença. Eu leio, releio, "treleio" e não encontro… Sr. Ministro, se a fraude no subsídio de doença é três vezes superior, tal significaria 21 milhões de contos em relação ao ano passado. Deve haver aqui alguma coisa errada, porque nem sequer acredito que o nível de fraude seja desta natureza. Mas o Sr. Ministro vai explicitar-nos esta matéria, com certeza.
Volto à questão da recuperação da dívida para agora a enfocar de uma outra maneira. O propósito do combate à dívida é uma questão que todos os anos se renova. No Orçamento do Estado para 2001 previa-se a recuperação de 70 milhões de contos; entretanto, foram criadas as célebres secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social (Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de Fevereiro) e, em nota divulgada pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade, em Outubro passado, dizia-se que o propósito era o de recuperar 100 milhões de contos. Está certo! Com o novo instrumento jurídico e funcional, a ambição era legítima! Porém, ouvindo e lendo mais tarde, porque sempre leio com atenção os discursos de V. Ex.ª, o discurso que aqui produziu aquando do debate, na generalidade, do Orçamento do Estado para 2002, a recuperação da dívida é apenas de 50 milhões de contos. É o que está lá! Não lhe vou ler a passagem porque seria, de algum modo, deselegante com o Sr. Ministro.
Sr. Ministro, afinal, qual é a recuperação prevista?
Em segundo lugar, olhando para a conta de gerência da segurança social de 1999, que é a que temos disponível, pode ler-se algo de muito grave: "A dívida não tratada…" - isto é, contribuintes sem acordos - "… cresceu, entre 1998 e 1999, 16%". Isto não considerando a dívida da Administração Pública, porque se a tivermos em consideração… É incrível, mas é verdade! Também há organismos da Administração Pública que têm dívidas com a segurança social. Sei que tão "pecaminosa" é a dívida do privado como a da Administração Pública, mas se é o próprio Estado que boicota o sistema da segurança social… De facto, é inadmissível.
Mas, dizia, se considerarmos a dívida da Administração Pública, ela cresceu 20% em 1998 e 1999, situação muito preocupante. Pergunto, então: que mecanismos é que este Orçamento do Estado para 2002 prevê, Sr. Ministro, para combater a questão da dívida não tratada, que é realmente uma questão flagelante?
Sr. Ministro, queria abordar uma outra matéria que se prende com o PNAI - Plano Nacional de Acção para a Inclusão -, até por uma questão de diálogo edificador sobre um aspecto que o Governo reputa como essencial no Orçamento do Estado para 2002. Refere mesmo que o PNAI é o grande instrumento de referência para a actuação do Ministério durante o ano 2002.
Dentro do PNAI, prevê-se o lançamento, por exemplo, de 50 "Contratos de Desenvolvimento Social Urbano"; de Programas "Espaço Rural e Desenvolvimento Social" e, ainda, de "Contratos de Inserção Social". E eu digo: excelente! A minha questão é esta: não consigo descortinar (e o Sr. Ministro há-de ajudar-me) dinheiro disponibilizado para a concretização do PNAI. Seguramente, esse dinheiro há-de aparecer indirectamente; se calhar - leio eu, mas é arrojo da minha parte! -, através da componente acção social, mas nesse caso não me parece que seja suficiente. E não me parece que seja suficiente porque as verbas da acção social, de 2000 para 2001, cresceram 18% e, de 2001 para 2002, cresceram 14%, isto é, 28 milhões de contos. Ora, só os acordos das IPSS, os novos e os que já vêm detrás actualizados, significam mais 10 milhões de contos e, portanto, o dinheiro que sobraria para o PNAI seria, realmente, pouquíssimo.
E já que falo de acordos de cooperação, deixe-me colocar-lhe uma questão que me chocou bastante. Falo de uma matéria que não teve muita relevância pública, mas que é muito grave. Importa, de facto, apoiar as IPSS, através de acordos de cooperação; é essencial, está na nossa matriz cultural de solidariedade dentro do País. Contudo, é preciso fazê-lo com rigor e cuidado; é preciso que a máquina administrativa do sistema da segurança social funcione exemplarmente, porque estamos a falar de muitos milhões de contos! E, lendo o relatório do Tribunal de Contas de uma auditoria que foi feita no ano 2000, e publicada recentemente, constata-se que há um claro descontrole da parte do sistema. Por exemplo - e vou citar -, no distrito de Santarém, as contas de gerência das IPSS quase não são visadas.
Gostaria de saber se este Orçamento prevê alguma correcção da disfunção que, neste momento, se verifica no sistema.

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Por outro lado, queria saber, porque não fui capaz de encontrar resposta nas Grandes Opções do Plano, se o Ministério vai dar ou não acolhimento àquelas que são as recomendações do Tribunal de Contas, nomeadamente uma recomendação que lhe é feita (e coloco esta questão também em nome das terras do interior do País, de onde sou originário) em matéria de modulação dos acordos de cooperação. Cito até a página 10 do relatório do Tribunal de Contas, que propõe a diferenciação em função de vários factores, designadamente localização geográfica, sem que isto constitua um novo esquema de financiamento a acrescer ao já existente. No fundo, a ideia é esta: se agora o que releva é o número de utentes e a valência, passe a relevar também a modulação do contexto geográfico, social e económico de cada IPSS. Porque não há dúvida alguma que há IPSS que vivem em abastância e outras que vivem, e sobrevivem, numa lógica quase de míngua.
Para lá destas questões gerais, Sr. Ministro, porque também sou Deputado de um distrito do interior, do distrito de Bragança concretamente, queria colocar-lhe três questões de âmbito distrital ou regional, como queira - embora não goste da palavra "regional" pelas razões que são evidentes.
Sr. Ministro, olhando para o PIDDAC, designadamente para a matéria dos Equipamentos e Serviços para Idosos (volto um pouco atrás, para tentar fechar como comecei), verifica-se que há uma quebra enorme das disponibilidades do PIDDAC da segurança social para construção de equipamentos de idosos no distrito de Bragança. Por exemplo, em 2000, o dinheiro que estava disponibilizado em PIDDAC atingia os 316 000 contos - uma boa verba! -; para o ano de 2002, Sr. Ministro, apenas se disponibilizam 74 000 contos. Quase diria que o Sr. Ministro tem qualquer coisa contra o distrito de Bragança… Se não soubesse que o Sr. Ministro tem sido lá tão bem tratado, até havia de dizer que tem qualquer coisa contra o distrito de Bragança. Veja bem: 74 000 contos!
Realmente, é uma quebra inaceitável, sobretudo porque os idosos de Bragança também são necessitados, também são carentes.
Por isso, Sr. Ministro, não posso deixar de lançar o desafio de lhe propor a consideração de quatro equipamentos de idosos que estão prontos do ponto de vista administrativo, isto é, com pareceres dados positivamente, projectos aprovados e que, por falta de verba, não entram. Vou citá-los: Lar Centro de Dia do Centro Social e Paroquial Lagoaça, concelho de Freixo de Espada-à-Cinta, Centro Social e Paroquial de Santa Comba de Rossas, em Bragança (ampliação), Centro Social e Paroquial de S. Nicolau, Cortiços, Macedo de Cavaleiros (que é um centro de dia, lar de idosos), e o Centro de Dia Lar de Idosos do Centro Social e Paroquial de Carção, Vimioso. Serão verbas mínimas, pequenas, mas significativas para construir quatro equipamentos da maior relevância para as gentes e os idosos do distrito de Bragança.
Sr. Ministro, a segunda questão ligada ao distrito de Bragança prende-se com a saga do Centro de Emprego de Torre de Moncorvo. Este Centro de Emprego tem verba desde 1997. Ou seja, teve verba em 1997, em 1998, em 1999, em 2000, em 2001 e também tem para 2002 e nunca é começado. Sr. Ministro, o que é que se passa com o Centro de Emprego de Torre de Moncorvo? Já que as gentes de Torre de Moncorvo e dos concelhos sul do distrito de Bragança esperaram tanto tempo, pergunto: não valeria a pena reequacionar a construção do centro de emprego, anexando-lhe a componente de centro de formação profissional? Parecer-me-ia interessante, dado que, em Bragança, existe apenas um centro de formação profissional público localizado em Bragança, a oitenta a tal quilómetros de distância de Torre de Moncorvo.
A terceira questão ligada com a região diz respeito ao Plano Regional de Emprego para Trás-os-Montes e Alto Douro. V. Ex.ª sabe o quanto aplaudi a instituição deste Plano Regional. Sr. Ministro, não encontro no Orçamento a verba para o próximo ano. O Sr. Ministro, com certeza, vai dizer-me que também não tinha que encontrar porque ela está dissolvida no Instituto de Emprego e Formação Profissional.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Já está respondida!

O Orador: - Pois, mas talvez não fosse esta a questão principal, Sr. Deputado.
Sr. Ministro, lembro-me muito bem, pois foi até uma data auspiciosa, o dia 8 de Maio de 2001, em volta de uma febra de vitela mirandesa, mas, até ao momento, nada foi feito no terreno sobre o Plano Regional de Emprego para Trás-os-Montes e Alto Douro.
Se me permite ser um pouco mais ligeiro nestas matérias - mais ligeiro, mas ao mesmo tempo sério -, gostaria de lhe dizer que corre lá o boato, que, aliás, é verdadeiro, portanto não é um boato, que a única obra feita no âmbito do Plano Regional de Emprego para Trás-os-Montes e Alto Douro foi a nomeação do responsável regional do Plano Regional de Emprego, que é um aposentado da função pública e que está com um contrato de prestação de serviços. Parece que foi a única coisa feita.
Sr. Ministro, lastimo muito ter que lhe dizer isto, mas foi tanta a expectativa que pus no Plano Regional de Emprego para Trás-os-Montes e Alto Douro que é proporcional o meu incómodo em ver que há uma certa ineficiência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre Guedes.

O Sr. Luís Nobre Guedes (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, tentando ser tão sucinto quanto possível, gostaria de lhe colocar cinco questões.
A primeira diz respeito ao programa Cresce 2000, da responsabilidade do Ministério de V. Ex.ª, onde estava prevista - pelo menos, era aquilo que estava escrito e assumido - a criação de cerca de 50 000 novas vagas, visando a duplicação da rede nacional até aos três anos, o que envolvia uma despesa global da ordem dos 70 milhões de contos. Pergunto: relativamente a este Programa e porque é um programa muito importante, qual foi o seu resultado e qual é a sua consagração em termos deste Orçamento que estamos a discutir?
Também gostaria que, neste âmbito, o Sr. Ministro nos ajudasse a raciocinar e a pensar sobre o que tem sido feito relativamente ao conjunto de orientações para a primeira infância na articulação entre o seu Ministério e o Ministério da Educação, que verbas, em concreto, estão previstas, onde e que acções estão previstas neste âmbito.
A segunda questão, também esta nuclear e muito importante para a sociedade portuguesa, diz respeito ao tratamento das mulheres trabalhadoras e das mulheres casadas. Como

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sabe, temos índices muito preocupantes relativamente a outros países da Europa. Por exemplo, cerca de 72% de mulheres casadas e com filhos até cinco anos trabalham fora de casa. Existe mesmo uma iniciativa comunitária que se chama Equal 2006 para tentar reintegrar todas as mulheres que deixaram de ter os seus postos de trabalho, tendo de ser reintegradas na vida profissional e o Fundo Social Europeu previu mesmo, em 2000, uma verba de cerca de 73 milhões de contos. Pergunto: neste Orçamento, o Governo mantém esta preocupação? Onde é que ela está expressa, em que verbas e com que medidas concretas tentou ir ao encontro desta iniciativa comunitária?
Em terceiro lugar, soubemos que ia ser criada a agência nacional para a imigração e minorias étnicas. V. Ex.ª mostrou uma grande surpresa, mas é isso que aqui está: "A intenção de se proceder à criação da agência nacional para a imigração e minorias étnicas". Independentemente da bondade desta medida, existe uma série de organismos também hoje ligados à mesma matéria. Pergunto: neste Ministério, esses organismos vão ser extintos? O que vai acontecer? Vão funcionar? Como é que vão trabalhar tendo em conta o relatório que o seu Ministério produziu relativamente às necessidades de mão-de-obra?
A quarta pergunta diz respeito a uma questão que não tivemos oportunidade de discutir em sede de comissão, mas que é muito importante. E não ficou tudo esclarecido por culpa dos Deputados, e de mim próprio, uma vez que não o questionámos. A questão diz respeito à famosa convergência entre as pensões da função pública e do regime geral.
Certamente V. Ex.ª saberá que tem havido críticas, designadamente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, que têm revelado preocupações. Existe, mesmo, um dirigente que diz que os cálculos que o seu Ministério fez sobre esta matéria implicarão, nalguns casos, a perda de 25% das pensões dos funcionários públicos. Não sou eu que o digo. Gostaria de ter de V. Ex.ª uma visão correcta sobre esta matéria. Que implicações terá este programa de convergência? São justas, ou não, estas críticas, designadamente uma que diz que "o sindicato está ainda apreensivo com a prevista convergência da Caixa Geral de Aposentações e a segurança social" e acusa o Governo de "ter escondido aos parceiros sociais os estudos do grupo de trabalho sobre a convergência".
Queria saber se esta acusação que o sindicato faz é uma grande injustiça, porque a fez e não teve hesitação em fazê-lo. Gostava de ouvir também a sua opinião sobre este assunto.
Por último, gostava de saber o seguinte: soubemos que foi decidido retirar da Confederação Nacional do Trabalho Infantil dois professores que estavam alocados a essa Confederação. Bem sei que poderá dizer que não é da sua responsabilidade, mas certamente que o trabalho infantil e toda a problemática do trabalho infantil é, obviamente, da responsabilidade do seu Ministério. A propósito desta situação, queria saber e confirmar o que é que no Orçamento está consagrado em termos de colmatar aquilo que poderia ser uma brecha, porque houve da parte da Confederação queixas relativamente à falta que estes dois profissionais fariam. Portanto, gostava de saber, numa questão nuclear para o Ministério - estão cerca de 40 000 crianças nessas condições -, o que é que o Ministério…

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade (Paulo Pedroso): - Disse 40 000 ou 140 000?

O Orador: - Disse 40 000. E já não é pouco. Já chega!
Uma vez que o Ministério decidiu retirar da Confederação estes dois profissionais que estavam alocados a tempo inteiro, gostaria, pois, de saber em concreto que medidas é que o Ministério tem previsto, concretamente no Orçamento, para fazer face a esta problemática do trabalho infantil.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, a nossa opinião relativamente a este Orçamento tem sido expressa variadíssimas vezes aos mais diversos níveis e vai no sentido de que consideramos que os objectivos delineados pelo Governo se encontram consubstanciados sob o ponto de vista da orçamentação neste Orçamento. O que significa que há, da nossa parte, absoluta concordância relativamente ao referido Orçamento.
Em todo o caso, pensamos que não nos podemos quedar por esta afirmação. É absolutamente fundamental que sejamos capazes de ir mais longe e de estabelecer as diferenças que este Orçamento tem relativamente a outros Orçamentos de outras épocas e que, ao nível dos objectivos que se pretendem concretizar, cada um de nós pretende ver espelhado neste Orçamento.
Refiro-me, concretamente e em primeiro lugar, à questão da segurança social. Este é o primeiro Orçamento em que se vê aplicada a nova Lei de Bases da Segurança Social. Aproveito para felicitar o Governo e os parceiros sociais pelo facto de terem dado um passo tão importante como aquele que deram na semana passada ao terem concretizado um acordo que conduz à regulamentação da lei em diversas vertentes e que conduzirá, certamente, a que a sociedade civil protagonizada pelo conjunto de organizações subscritoras do acordo se revejam naquilo que é um instrumento importantíssimo para a vida das pessoas e que vai assegurar a vida e o futuro dos cidadãos que têm vindo a contribuir para a sustentabilidade financeira da segurança social.
Com isto, não posso deixar de dizer que me apraz registar que, tendo-se verificado neste Orçamento um aumento da ordem dos 45,5% das transferências do Orçamento do Estado para o orçamento da segurança social com vista a responder às questões da solidariedade, às questões da acção social, às questões do emprego, às questões relacionadas com a sinistralidade laboral, enfim, a todo um manancial de questões que fazem parte da nossa política, das nossas preocupações diárias, me parece importante que o Governo seja capaz, agora que está aqui a debater, na especialidade, toda esta matéria, de dar o devido relevo a estas questões, tornando claro para a opinião pública que nos ouve, que nos escuta, quais são os objectivos e o que pretende fazer em matéria de resolução dos seus próprios problemas.
Quando há pouco falava na transferência global de 45,5%, vale a pena dizer que, em matéria de sinistralidade laboral, as transferências crescem em 10%, absolutamente fundamental para dar um combate acérrimo àquilo que fomos observando nos últimos tempos, no nosso país.
Gostaria também de deixar claro que é importante, extremamente importante, que se criem condições para que nenhum governo, nem este, nem os que lhe venham a suceder, possa fazer aquilo que outros fizeram no passado. Isto é, o cumprimento da Lei de Bases da Segurança Social é absolutamente fundamental para a sua sustentabilidade financeira, sob pena de o trabalho que se iniciou há seis anos

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poder ser posto em causa, bem como tudo o que são objectivos tendentes a criar condições para que, no futuro, nenhum cidadão tenha receio do que lhe possa acontecer, no sentido de poder ver reverter para si próprio o sacrifício que foi desenvolvendo ao longo da sua vida activa, ou seja, poder ver posto em causa todo o seu esforço contributivo.
Faço a seguinte recomendação ao Governo: o que é importante é, se for possível, que se criem condições, na regulamentação, para que nenhum governo, seja ele de que cariz for, possa, no futuro, fazer aquilo que outros fizeram no passado, sendo que, como é sabido, algumas forças políticas pretenderam que assumíssemos, nesta Lei de Bases da Segurança Social, que havia uma dívida à segurança social de 1900 milhões de contos não transferidos entre 1985 e 1995.
Assim, as questões que nos parecem absolutamente fundamentais são estas. Temos uma concordância absoluta em relação a este Orçamento e gostaríamos de ver, por parte do Governo, o comentário a todas estas questões, por forma a que, repito, os cidadãos que nos escutam possam ficar esclarecidos e sem qualquer receio relativamente ao seu futuro.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Merendas.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, começo por realçar que o PIDDAC tradicional para 2002 tem, para o total dos sectores, uma verba de menos de cerca de 17 milhões de euros do que o PIDDAC para 2001.
Claro que isso afecta vários programas, dos quais vou referenciar apenas alguns, começando pelo equipamento e serviço para idosos. Em relação a este sector, há uma redução de verbas: dos 16,7 milhões euros que estavam consignados para 2001 passa-se para cerca de 12 milhões de euros. Como o Sr. Ministro sabe, há uma degradação da situação social desta camada da sociedade. No nosso entender, o Governo tem vindo a praticar uma política dita de solidariedade social, mas reduzida à resolução de situações muito pontuais. A questão fulcral está em criar ou desenvolver novas respostas solidárias face aos problemas que esta camada social actualmente enfrenta. A minha primeira questão é, pois, a de saber que respostas é que se pretende encontrar para esta camada social, tendo em consideração a redução das verbas previstas.
Outro programa afectado refere-se à educação e integração social de menores deficientes, e aqui poderá falar-se dos menores deficientes e dos deficientes em geral. Também este programa apresenta uma redução: dos 5 milhões consignados em 2001 passa-se para 3 milhões previstos para 2002.
Sr. Ministro, neste país, as pessoas com deficiência continuam a ser cidadãos discriminados, questão que, aliás, já tivemos oportunidade de abordar na respectiva comissão. Queria chamar a atenção para o facto de que o Plano Nacional de Emprego previa um aumento de 25% nos cinco anos de execução em relação ao grau de emprego para pessoas com deficiência. Ora, que iniciativas foram adoptadas para pôr isto em prática? Que acções foram efectuadas ou tenciona efectuar junto das entidades empregadoras para as sensibilizar para esta situação? Quais os incentivos às empresas para empregarem pessoas com deficiência? Em relação aos deficientes, são estas as questões que considero muito importantes.
Quanto aos equipamentos e serviços para a primeira infância (creches), há uma redução de 11 milhões de euros para menos de 8 milhões de euros. Como explica esta redução de verbas, Sr. Ministro?
Relativamente à formação profissional e emprego, há também uma redução de cerca de 1 milhão de euros. Como o Sr. Ministro sabe, o País tem falta de mão-de-obra qualificada - neste aspecto, todos estamos de acordo. Também - e neste ponto talvez não estejamos de acordo - não temos, neste país, formação digna desse nome. Ou seja, um número significativo de empresas recebe fundos sem garantir o emprego dos seus formando, e este é um facto que se tem vindo a verificar e a acentuar.
Assim, ponho ao Sr. Ministro uma questão que consideramos de muita importância: que medidas prevê para uma estratégia de formação profissional? Que articulação existe com uma política de educação, formação e emprego, o que também consideramos de grande importância?
Outra questão que não desisto de lhe colocar é relativa à higiene e segurança no trabalho, e não desisto porque está em causa a saúde e a vida dos trabalhadores, porque a situação é grave e reconhecida por todos, porque, no primeiro semestre de 2001, a situação agravou-se e porque, neste país, a legislação não é cumprida. A questão que lhe coloco é a seguinte: verifica-se, de facto, como já aqui foi referido, um aumento de verbas, mas há a dúvida de saber se os investimentos previstos são apenas para manter a situação ou para alterar radicalmente a actuação da Inspecção-Geral do Trabalho em relação a esta problemática, de forma a que a legislação seja cumprida.
Por outro lado, relativamente às despesas com a segurança social, temos, no que se refere ao subsídio de desemprego, um crescimento zero, em termos de Orçamento. Ora, Sr. Ministro, pergunto-lhe como é que vai dar resposta ao mais que previsível aumento do desemprego no nosso país, sendo que, aliás, o mês de Setembro já foi claro, a este nível. Se o Sr. Ministro estiver atento (e certamente está, pelo menos aos requerimentos que lhe vou fazendo chegar em relação aos despedimentos, alguns dos quais até são considerados ilícitos pelo próprio Ministério) ao número de falências de empresas que se tem verificado e ao número de falências de empresas que, neste momento, tudo leva a crer que haverá, verá que o desemprego vai aumentar neste país. Então, como é que explica um crescimento zero em relação aos valores orçamentados neste sector?
Por outro lado, o subsídio de doença diminui 4,1%. Não sei como é que vai fazer isto - não sei! Como é que explica esta diminuição? Certamente não acredita que os trabalhadores vão adoecer menos no ano 2002!

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Vai haver menos fraude!

O Orador: - Por último, há a questão da dívida à segurança social. Estamos perante um montante superior a 400 milhões de contos e termino perguntando que medidas é que o Ministério tenciona tomar para recuperar esta dívida à segurança social.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Artur Penedos.

O Sr. Presidente: - Para responder ao conjunto de questões formuladas pelas diferentes bancadas, tem a palavra

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o Sr. Ministro, ou, se assim entender, os Srs. Secretários de Estado.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, se estiverem de acordo, procurarei dar resposta às questões que foram colocadas com a ajuda dos Srs. Secretários de Estado, uma vez que estamos em matéria de especialidade e há questões que se prendem com assuntos directa e pessoalmente acompanhados pelos Srs. Secretários de Estado, donde há vantagem em que possamos ouvi-los.
Permitam que, dado o facto de haver algumas transversalidades nas questões colocadas pelos Srs. Deputados, isto é, há questões que foram colocadas por mais do que um Sr. Deputado, as procure integrar, tentando respeitar a ordem das perguntas que nos foram feitas.
Foi colocado pelos Srs. Deputados um conjunto global de questões sobre o PIDDAC que parte de um eventual equívoco, na medida em que, como os Srs. Deputados sabem, as despesas com estes capítulos não são apenas as despesas de investimento e equipamento - aliás, o Sr. Deputado Adão e Silva chamou a atenção, em certa altura da sua intervenção, para esse ponto.
Não podemos confundir a construção de equipamentos com todo o apoio; pelo contrário, há, como sabem, no que respeita à acção social, que é onde se apoia o funcionamento concreto das instituições que objectivamente prestam os serviços às pessoas, um crescimento de 15% no Orçamento deste ano face ao do ano passado. Creio que esse equívoco não existia no espírito dos Srs. Deputados, mas é importante que todos o tenhamos presente.
Mas há uma segunda questão, que os Srs. Deputados também conhecem, que é a de que o PIDDAC interage com os apoios comunitários, sendo que o que consta do PIDDAC é apenas a comparticipação nacional desses apoios comunitários. Como sabem, espera-se que haja, no ano 2002, nos apoios comunitários para equipamentos sociais, um conjunto de verbas de valor superior às que efectivamente foram mobilizadas em 2001. Mas, globalmente, as questões que colocaram conduzem-nos, em primeiro lugar, àquilo a que poderíamos chamar a política de idosos.
Queria associar-me à preocupação demonstrada por toda a Câmara e dizer aos Srs. Deputados que também estou preocupado com a evolução da condição das pessoas idosas em Portugal. E digo-vos isto porque julgo que o nível de vida dos nossos idosos é, hoje, ainda, um dos problemas sociais mais importantes.
Se olharem para a política de pensões que tem sido posta em prática ao longo dos anos, a qual é concretizada neste Orçamento e que, desde a discussão do Orçamento na generalidade, pudemos já ver concretizada, mais uma vez, no anúncio dos aumentos para 2002, verificarão que, ao longo dos anos, tem havido a seguinte lógica: melhoria, sustentada e realista, do nível de vida da generalidade dos pensionistas; aumentos diferenciados das pensões, com as pensões mais baixas a subirem proporcionalmente mais do que as pensões mais altas. Este ano, como sabem, a pensão social, a pensão relativa às pessoas que prestaram actividades agrícolas e a pensão mínima do regime não contributivo sobe 5,6% e as pensões mínimas a seguir a esta sobem 4,1%.
Ao mesmo tempo, estamos conscientes de que o problema não é apenas um problema de rendimentos, ainda que o seja também. É ainda um problema que tem que ver com a qualidade do serviço que conseguimos prestar às famílias e, creio que sou acompanhado neste raciocínio pelos Srs. Deputados, importa prestar, com qualidade crescente, este serviço aos idosos que necessitam de uma situação de internamento, mas importa também não afunilar as respostas nesse sentido. O esforço de crescimento domiciliário, que era residual até há poucos anos, em Portugal, é extremamente significativo. E não é apenas um esforço do Governo, é, aliás, como sabem, um esforço conseguido pela mobilização voluntária das mais de 3000 instituições que trabalham na área social de norte a sul do País, muitas delas com intervenção no âmbito do apoio domiciliário a idosos.
Creio que o meu colega do Ministério da Saúde já referiu, na discussão desse orçamento na especialidade, que estamos a ultimar - aliás, no pacto de cooperação para a solidariedade será reiniciada uma discussão nesse sentido -, um plano de cuidados continuados, porque verificamos que, a par da política tradicional no que diz respeito ao acolhimento de idosos, o prolongamento da vida traz também novos problemas e a necessidade de voltar a ponderar a relação entre os cuidados de saúde e os cuidados de apoio social.
Com isto, quero dizer que a nossa política de idosos assenta, em primeiro lugar, em níveis sustentados de melhoria do nível de vida para muitos idosos pensionistas, que, sabemos, vivem em condições difíceis; na diversificação das respostas, pelo que, para tal, centramo-nos não apenas nas respostas tradicionais e muito menos estamos convencidos de que o problema se resolve com a "política do betão", com a construção dos equipamentos, ao contrário, sabemos que o problema resolve-se com as condições reais de funcionamento das instituições.
Em terceiro lugar, a nossa política de idosos assenta na informação aos idosos e às suas famílias. Se há um dado novo que algumas das tragédias recentes trouxeram foi o de demonstrar que, por vezes, a qualidade da informação de que as famílias dispõem ou de que os próprios dispõem (às vezes, são os próprios que tomam a decisão) pode induzir numa decisão errada. Ou seja, para que uma estrutura de acolhimento a idosos seja boa não basta que seja num edifício bem localizado, bonito e confortável. Há um conjunto de indicadores que têm que ser cumpridos, e o Governo está a trabalhar num manual de informação às famílias sobre o que deve ter um lar de idosos, precisamente para que a procura, no futuro, possa ser mais informada.
Dizia - e muito bem - o Sr. Deputado Adão e Silva, secundado, depois, por outros Srs. Deputados, que esta política precisa de ser acompanhada de instrumentos de fiscalização.
Srs. Deputados, em primeiro lugar, no âmbito do prosseguimento da reorganização administrativa da segurança social - que não nos temos cansado de repetir e que, aliás, tem motivado, noutras ocasiões, algumas trocas de palavras entre nós -, foram dados vários passos. Um deles, que não é o menos importante, é o da valorização da função de inspecção da segurança social. Como sabem, até há pouco tempo, os inspectores da segurança social não tinham sequer um estatuto adequado à sua função. Penso que este aspecto é importante para a própria dignificação da função face à sensibilidade social do que está em causa e este Orçamento reflecte, aliás, o surgimento da carreira de inspecção no âmbito da segurança social.
Em segundo lugar, ao mesmo tempo que dotámos o sistema de orientação estratégica e o aproximámos dos distritos,

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também verificámos que há riscos que advém do facto de a fiscalização ser exercida com excessiva proximidade. Daí que há algum tempo atrás tenhamos colocado a inspecção na dependência das regiões, precisamente para evitar aquilo a que eu chamaria (e os Srs. Deputados compreenderão inteiramente ao que me refiro) o risco de proximidade excessiva entre a inspecção e as instituições, sejam elas quais forem, lucrativas ou não, que gerem equipamentos sociais.
Em terceiro lugar (e não é demais repetir), tem havido, ano após ano, uma política de fecho de todos os lares onde se detecta não existirem quaisquer condições. Depois de 1996, mais de 210 lares de idosos foram encerrados por actuação da segurança social. E terem sido encerrados significa encerrar estruturas que não têm condições, que, na maior parte das vezes, são clandestinas ou que são mesmo ilegais, e encontrar alternativas concomitantes para o acolhimento desses idosos. Trata-se de um esforço que, julgo, os Srs. Deputados conhecem e que, creio, importa sublinhar.
Ainda assim, pelos dados de que dispomos, confinada a Lisboa e Porto, mas nem por isso menos preocupante, entendemos que a situação da existência de um segmento de acolhimento de idosos que funciona na total clandestinidade, o que não quer dizer que, à primeira vista, para as famílias, não apareça como uma oferta de qualidade… Julgo que um dos dados de uma nova realidade que hoje temos é o de, à primeira vista, haver equipamentos que aparecem como tendo qualidade, mas que depois não reúnem todos os outros requisitos e estas instituições funcionam totalmente à margem da lei, porque nem sequer tentaram obter a legalização. Diz a associação do sector que os requisitos da lei - que, aliás, foi acompanhada por essa mesma associação na fase da sua elaboração - são excessivamente exigentes. Contudo, muitas destas instituições nunca tentaram ser legais.
Mas, como eu estava a dizer, com a consciência de que esta realidade existe e precisa de ser combatida, decidimos criar equipas de inspecção suplementar, que funcionam sem aviso prévio e em todo o território nacional e têm um mandado para se dirigirem específica e prioritariamente às instituições que anunciam os seus serviços, com a lógica de que ou não têm condições e devem encerrar ou têm condições e devem ser legalizadas. Creio que este é o caminho que devemos seguir nesta matéria.
Da mesma maneira, estamos abertos - aliás, estamos a trabalhar numa proposta da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social - a sair das respostas tradicionais e a encontrar respostas do tipo "centro comunitário", que não aparecerão na rubrica Lares de Idosos, que é conhecida tradicionalmente (o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social poderá depois desenvolver este tópico). O Governo aceitou uma proposta da União das IPSS para trabalharmos no sentido de ser em centros comunitários que se preste determinado tipo de apoios que não nos lares tradicionais de maior dimensão para idosos que se encontrem nos diversos contextos sociais.
Em síntese, Srs. Deputados, devo dizer que partilhamos da preocupação de que Portugal precisa de continuar a desenvolver os serviços prestados aos idosos, sendo essa para nós também uma preocupação.
Ao mesmo tempo, estamos convencidos de que entrámos numa fase que deve estar centrada na diversificação e na qualidade e que não deve estar centrada apenas, ou sobretudo, no crescimento das respostas tradicionais. Não vou aqui enumerar os passos que estão a ser dados nesse sentido, o menor dos quais não é o de termos, no próximo ano, pela primeira vez, lares de idosos certificados pelas normas internacionais de qualidade, o que julgo ser também um passo em frente neste domínio.
Os Srs. Deputados colocaram um conjunto de questões que se prendem com a eficácia das prestações. Já dissemos, e gostávamos de reafirmar, que entendemos que há margem no subsídio de doença e no subsídio de desemprego para continuarmos a melhorar a eficiência na atribuição destas prestações. O Governo não cortou, e não cortará, quaisquer direitos aos cidadãos desempregados ou aos cidadãos realmente doentes.
Mais: como sabem, a verba do subsídio de desemprego até este ano reflectiu o efeito acumulado de uma melhoria da protecção, que fez com que os trabalhadores mais idosos e com carreiras contributivas mais longas tivessem subsídio de desemprego durante mais tempo, o que fazia com que a verba fosse necessária sem que o desemprego estivesse a aumentar. Esse efeito extinguiu-se e agora estamos a viver uma nova situação, a de que o subsídio de desemprego se acomodará ao efeito combinado de dois movimentos: o da procura da parte dos cidadãos desempregados e o da eficiência da Administração na prestação.
O Governo sempre disse, quer em relação ao subsídio de doença quer em relação ao subsídio de desemprego, que esta é uma matéria em que a fraude nunca está combatida de uma vez por todas. É uma matéria em que, ano após ano, se renova este combate. Aliás, como os Srs. Deputados sabem, na segunda metade deste ano, foram lançados novos mecanismos, quer no combate ao subsídio de desemprego quer nas metodologias de convocatória no que diz respeito à fraude no subsídio de doença, cujo impacto ao longo de todo um ano se reflectirá no ano de 2002.
Daí que a nossa perspectiva seja a de que, globalmente, no subsídio de doença, porque é expectável que o nível de doença dos cidadãos se mantenha e que o nível de fraude desça, possa haver uma redução nominal dos gastos com o subsídio de doença.
Srs. Deputados, invoco aqui, a crédito, que o Governo, em matéria de previsão destas prestações, tem sido um bom cumpridor. Se verificarem as contas, como o terão feito, concluirão que temos por hábito, quanto a estas prestações, atingir os objectivos. Trata-se de objectivos realistas e de uma prática que queremos continuar a ter.
Em relação ao subsídio de desemprego, ele não reduz nominalmente, porque estamos convencidos de que há o risco de existir uma tensão ligeira sobre o desemprego, que se manterá dentro do objectivo que o Governo sempre definiu… Foi referido aqui o Plano Nacional de Emprego, que sempre estabeleceu que o nosso objectivo era o de ter um desemprego médio em torno dos 5% e ele está, neste momento, como sabem, nos 4%.
Mas, dizia eu, pensamos que é possível acomodar uma tendência, que é previsível que possa existir, mas, Srs. Deputados, deixem-me que vos diga, o Sr. Deputado Vicente Merendas referiu um número que, até ao momento, ainda não se confirmou. Aquilo a que temos estado a assistir, no todo nacional, é à interrupção da tendência de descida do desemprego, mas, até ao momento, não ainda - o que não quer dizer que não venha a acontecer, não gostaria de ser mal interpretado pelos Srs. Deputados - uma inversão da tendência. Pelo contrário, o que estamos a ter é uma oscilação em torno de uma variação nula, ou seja, um mês com ligeiro crescimento e outro mês com ligeira descida.

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Mas também vos digo, Srs. Deputados, que é verdade, e todos o sabemos, que, se houver uma desaceleração económica prolongada, o seu efeito sobre o desemprego não é imediato, é diferido no tempo.
Portanto, nós não podemos saber se a "bicicleta" ainda move, apesar de a economia ter deixado de "pedalar", ou se a economia continua a "pedalar", ainda que mais devagar!
No nosso entendimento e no cenário macroeconómico que está previsto, bem como naqueles que aqui foram invocados, há espaço para uma evolução da variável "emprego" compatível com o objectivo de desemprego que traçámos e, com o objectivo de desemprego que traçámos, posso assegurar-vos, Srs. Deputados, que esta verba é realista e realizável, sendo certo que importa continuar uma política determinada de promoção da responsabilidade social perante as prestações.
Tenho dito muitas vezes que não há fraude boa e fraude má, há só fraude. Diria aqui, perante os Srs. Deputados, que este Orçamento para 2002, com o acordo, a que já referirei, que foi celebrado na concertação social, na passada sexta-feira, acrescenta uma nova vertente. Diria que temos, hoje, três grandes prioridades para a promoção da responsabilidade perante a segurança social. A saber: contra a fraude em todas as prestações, contra a fuga às contribuições (e já retomarei este ponto) e contra a manipulação nas pensões, que era uma tendência que existia no passado, que existe neste sistema e que se verificou que existe distribuída desigualmente pela sociedade, provocando uma perversão e esta perversão reside no facto de os grupos de maiores rendimentos terem tido, nos últimos anos, progressões salariais muito acima da média nacional, com isso conseguindo taxas de substituição das pensões em relação aos salários que não são aquelas que a fórmula de cálculo previa e que agora, por determinação desta Assembleia na Lei de Bases e por regulamentação feita neste acordo, se interrompe. Mas voltarei a este ponto.
É no quadro desta política de rigor que se coloca a questão das dívidas, que também foi suscitada, salvo erro, pelos Srs. Deputados Adão e Silva e pelo Sr. Deputado Vicente Merendas. Julgo que são claros os nossos objectivos em relação às dívidas, mas, se não forem, tenho todo o prazer em reafirmá-los aqui. Este ano pretendemos recuperar 70 milhões de contos de dívida. Para o próximo ano, pretendemos recuperar 100 milhões de contos de dívida, sendo 50 milhões de contos nas secções de execução fiscal.
Ora, o Sr. Deputado Adão e Silva sabe tão bem como eu que há muita dívida para ser cobrada antes de chegar às secções de execução fiscal. Portanto, Sr. Deputado, é esta a questão.
O que isto significa é que o simples efeito da criação das secções de execução fiscal aumenta em, praticamente, 50% a eficácia na cobrança da dívida. Esta tendência, que permanece ao longo dos anos, fez com que tivéssemos entrado em 1996 com um stock da dívida que representava 35% da receita de cada ano e com que estejamos hoje com um stock da dívida que é de 25% da receita. Dir-me-ão: "É uma dívida alta". Estou inteiramente de acordo. Ou seja, não podemos estar contentes com o resultado já atingido e daí que tenhamos continuado a actuar neste sentido.
Os Srs. Deputados perguntaram-me o que vamos fazer.
Em primeiro lugar, as secções de execução fiscal, que este ano apenas se reflectiram sobre os últimos três meses, reflectir-se-ão, no próximo ano, sobre o ano inteiro.
Quanto à prevenção da formação da dívida, teremos um sistema informático de gestão dos contribuintes, permitindo detectar, no próprio mês em que se verifica, a existência do não pagamento, situação que não ocorria até agora. Os Srs. Deputados que alguma vez tenham estado mais perto da administração da segurança social sabem que, no passado, se demorava, inclusive, vários meses até se poder detectar o não pagamento, usando procedimentos que eram arcaicos, muitas vezes manuais. Como os Srs. Deputados têm uma experiência empresarial mais forte, também sabem que quanto mais cedo actuarmos maior é a probabilidade de cobrar aquilo que efectivamente está em dívida. Isto porque, quando se actua tarde, cobra-se, mas já se vai cobrar, digamos assim, sobre uma situação muito mais difícil e que não permite a cobrança plena.
Seguidamente, refiro de novo um efeito de reorganização administrativa da segurança social. Hoje, temos secções distritais do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que estão atentas à gestão de todo este processo e que desenvolverão mais rapidamente as rescisões de acordos. Como sabem, há acordos de pagamentos prestacionais e uma das condições também importante para a eficiência na cobrança é a de que, em caso de incumprimento, a rescisão do acordo ocorra o mais depressa possível. No entanto, não é só este ponto que é importante. Também o é o acompanhamento, pois, como sabem, quando há processos de falência, a segurança social tem uma responsabilidade e esta, agora, pode ser acompanhada mais de perto.
Nas decisões em relação ao acompanhamento das empresas pretende-se, ao mesmo tempo, salvar a empresa no que for possível e cobrar a dívida ou, pelo menos, garantir que nem os trabalhadores nem a segurança social sejam prejudicados nesse processo. Trata-se de todo um mecanismo em que a intensificação de 70 para 100 milhões de contos não é uma estimativa aventureira, mas prudente. Julgo que é uma estimativa a conseguirmos melhorar nos anos subsequentes, porque tudo isto está no seu início, sendo, pois, o primeiro ano inteiro em que estaremos a funcionar com todos estes mecanismos.
Os Srs. Deputados colocaram-me, também, questões sobre as disponibilidades para o Plano Nacional de Acção para a Inclusão. Queria dizer aos Srs. Deputados que o Plano Nacional de Acção para a Inclusão é um plano multifundos, isto é, tem verbas da acção social, tem verbas das políticas activas de emprego, tem verbas das diferentes saídas dos fundos comunitários.
Se bem percebi, a questão que o Sr. Deputado Adão e Silva colocou prende-se directamente com os contratos de desenvolvimento social urbano e com o Programa de Desenvolvimento Social em Meio Rural. Queria dizer-lhes, Srs. Deputados, que, até ao fim do primeiro trimestre do próximo ano, estas duas medidas estarão em fase de candidatura e que absorverão verbas vindas do Programa Nacional da Acção contra a Pobreza, verbas vindas das políticas activas de emprego e, em particular, o Programa de Desenvolvimento Social em Meio Rural será o resultado da avaliação que está neste momento a ser feita do que foi o programa integrado de promoção do potencial local de emprego no Alentejo, que os Srs. Deputados da Comissão do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social tiveram a oportunidade de visitar já este ano em pleno funcionamento, e que demonstrou ser, em meio rural, um programa eficaz para combater os contextos sociais que geram o desemprego e a pobreza, e é nessa lógica que funcionará.

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De qualquer das formas, Srs. Deputados, o PNAI será alvo de um relatório que inclui o relatório financeiro, que, aliás, é apresentado à Comissão Europeia, salvo erro, em Junho, e, seguindo a tradição que temos mantido, daremos conhecimento aos Srs. Deputados da apresentação, no que diz respeito aos relatórios e ao Plano Nacional de Emprego.
O Sr. Deputado Adão e Silva, em particular, colocou ainda uma outra questão que eu reputo de muito importante e sobre a qual temos de trabalhar todos. Trata-se da questão do relacionamento entre o Estado e as instituições particulares de solidariedade social. É uma questão fulcral, não só porque a função que estas instituições desempenham é nobre mas também porque os recursos que a elas estão alocados são também significativos.
Fomos os primeiros, lendo o relatório do Tribunal de Contas, no que respeita aos procedimentos em relação ao apoio às instituições particulares de solidariedade social, a promover uma análise desse relatório na Comissão de Acompanhamento do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social. Para os Srs. Deputados que estejam menos familiarizados com esta questão, trata-se de uma comissão em que estão representantes das Instituições Particulares de Solidariedade Social, das Misericórdias, das Mutualidades, da Associação Nacional de Municípios Portugueses, da Associação Nacional de Freguesias e do Governo.
Por mim, estou convencido de que, nos últimos anos, melhorámos substancialmente o apoio às actividades das instituições particulares de solidariedade social. Mas estou igualmente convencido de que o Tribunal de Contas tem razão nas sugestões que faz quanto à necessidade de continuar a melhorar. E com a mesma frontalidade com que, quando considero que o Tribunal de Contas não tem razão, o digo, aqui digo aos Srs. Deputados que entendo que este é um aspecto em que temos que continuar a melhorar e que a sugestão a que o Sr. Deputado Adão e Silva se referiu é secundada pelo Governo. Tanto assim é que nós próprios já propusemos uma sugestão no Pacto de Cooperação, no sentido de ter de se repensar a modelação dos acordos.
Como sabem, está a decorrer, há cerca de um ano, uma experiência-piloto no Algarve de apoio às famílias da qual queremos tirar ensinamentos para os procedimentos de cooperação. Eu próprio tive ocasião de dizer aos representantes das Uniões que entendo que o método mais adequado para apoiar a intervenção destas instituições não é o de definir um apoio-padrão igual em todos os contextos geográficos e em todos os contextos sociais. Ou seja, tem de haver a modelação de que falava o Sr. Deputado e, nomeadamente, tem de haver uma modulação que seja sensível à dificuldade do contexto, portanto, aos bairros e às freguesias em que estas instituições trabalham, e às características das famílias. De facto, seria uma perversidade se as instituições particulares de solidariedade social que apoiam as famílias que têm maiores carências acabassem por ser aquelas que tinham maiores dificuldades.
Esta é a lógica do passado; eu diria, se quiséssemos ser conservadores, que esta é a lógica do "sempre foi assim". Mas é esta lógica que nós estamos a trabalhar para inverter e é com satisfação que vejo que teremos, nomeadamente da parte do PSD, que a esta questão se referiu, o apoio para prosseguir nesta direcção, uma direcção extremamente delicada que mexe com equilíbrios extremamente difíceis, que os Srs. Deputados conhecem.
Foram também colocadas outras questões, designadamente pelo Sr. Deputado Adão e Silva, que é Deputado pelo PSD e Deputado pelo distrito de Bragança. Tomámos boa nota dos equipamentos que o Sr. Deputado gostaria de ver no PIDDAC.
Queria dizer ao Sr. Deputado Adão e Silva o seguinte: o que está em PIDDAC reflecte uma nova metodologia de trabalho. Existe agora, em Portugal, uma Carta Social Europeia - que pode ser consultada por todos os Srs. Deputados - que foi desenvolvida em articulação com as instituições, que não foi, que eu saiba, contestada nas suas conclusões e que é pública (está na Internet à disposição de todos). Ora, as prioridades - foi essa a orientação dada - são-no em função das carências definidas no âmbito da Carta Social Europeia.
Srs. Deputados, tomo boa nota das sugestões que são colocadas. Há sempre equipamentos que são necessários, porque vivemos num país onde as necessidades serão, por muito tempo, superiores às disponibilidades. Temos de ter consciência disso! Mas houve um exercício de racionalização das prioridades, que se reflecte neste Orçamento, e há um instrumento de orientação que pode ser conhecido por todos, um instrumento de apoio à "navegação nas prioridades", que é uma carta social de que o País não dispunha mas de que dispõe agora e que também ela se reflecte, julgo que pela primeira vez ou, talvez, pela segunda, neste Orçamento e neste PIDDAC.
O Sr. Deputado Adão Silva, de Bragança, colocou-nos também a questão do centro de emprego de Torre de Moncorvo e quero dizer-lhe que, se não sabe o que se passa, tenho todo o prazer em informá-lo. O projecto tem vindo a ser reformulado várias vezes, precisamente porque é importante que se produzam equipamentos adequados. E digo-lhe, com toda a sinceridade, que desejo o centro de emprego de Torre de Moncorvo, mas não desejo um centro de emprego de Torre de Moncorvo que funcione perversamente apenas pelo desejo de ver este Governo, este ano ou no ano passado, associado à criação de um equipamento.
Sr. Deputado, uma vez finalmente reequacionado o centro de emprego e encontrada a solução adequada para que haja formação profissional e centro de emprego em Torre de Moncorvo, ele avançará, não são as dificuldades administrativas que o impedirão de avançar.
Porém, é preciso ter consciência do seguinte: estas coisas têm de ser feitas, mas têm de ser feitas quando atingem um ponto de maturidade e de equilíbrio que faz com que possam ser bem desenvolvidas. E o Sr. Deputado, que, provavelmente, acompanha esta questão, tem plena consciência disso.
A informação que tenho é a de que o Plano Regional de Emprego para Trás-os-Montes e Alto Douro já fez mais do que o Sr. Deputado diz, mas, enfim, o Sr. Secretário de Estado do Trabalho poderá aprofundar essa matéria.
O Sr. Deputado Nobre Guedes colocou um conjunto de questões e deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado, que, em relação ao Programa Creches 2000, é verdade o que disse, porque nós queremos duplicar a rede nacional de vagas em creches. E o candidato Paulo Portas à Câmara Municipal de Lisboa é bem-vindo a este objectivo nacional, dado que anunciou este objectivo do Programa do Governo desde o início desta Legislatura como um objectivo da sua campanha eleitoral e entendo que se juntou bem a um objectivo que deve ser um objectivo nacional.
Portanto, é esse o objectivo, é para isso que estamos a trabalhar com as instituições e isso reflecte-se neste Orçamento, como o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social lhe dirá mais desenvolvidamente.

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No entanto, há um problema e entendo que, quando falamos destas questões em sede de especialidade, também importa que tenhamos presentes os problemas. Formularia esse problema do seguinte modo: a apetência de princípio do conjunto da rede solidária do País pelos equipamentos para idosos é diferencial em relação à apetência pelo conjunto de equipamentos para a primeira infância. Por isso, creio que, no próximo ano, teremos de reequacionar o ritmo de andamento deste programa, avançando, se necessário, embora não seja o eixo privilegiado, para equipamentos de rede pública mais do que pensávamos, caso não haja uma resposta da rede solidária, das instituições de solidariedade social, a um ritmo que nos permita cumprir o objectivo que traçámos e que o Sr. Deputado citou.
O nosso problema com este programa não é de falta de verbas, o nosso problema com este programa é o de que, dentro dos padrões que foram definidos para as verbas, e que entendemos que são os padrões razoáveis, se torna necessário acelerar o ritmo, em cooperação com autarquias, por iniciativa da administração central, se necessário, em cooperação com instituições de solidariedade social, como uma das grandes prioridades.
O Sr. Deputado Nobre Guedes definiu o índice de mulheres trabalhadoras como um problema. Não o acompanharia na definição, pois entendo que é uma característica. O facto de termos uma elevada taxa de emprego de mulheres em Portugal não é, em si, um problema, o problema que podemos ter é o de não termos serviços às famílias à altura desta taxa de emprego. Era assim que eu formularia a questão e esta questão, assim formulada, prende-se com a anterior.
Como o Sr. Deputado sabe, o IQUO existe, tem verbas que estão programadas para seis anos, as candidaturas, pelo menos, as primeiras, já decorreram e continuarão a decorrer, ano após ano, mas, mais do que o IQUO ou, digamos, a par do IQUO, existe uma preocupação de igualdade de oportunidades no acesso à formação profissional.
Mais: em Portugal, neste momento, a formação profissional é mais frequentada por mulheres do que por homens, o que, por um lado, é um indicador positivo em relação à formação mas, por outro, é um indicador de que, apesar da nossa elevada taxa de emprego feminino, temos ainda mais mulheres que procuram a sua empregabilidade, que estão fora do emprego desejando estar nele e que aproveitam a situação de desemprego, e muito bem, para melhorar a sua capacidade de empregabilidade.
Portanto, Sr. Deputado, o crescimento de 15% na acção social é um crescimento de respostas concretas que se traduzem em serviços às famílias. É que, independentemente da opinião que eu tenha sobre se deveria ou não ser uma carga a incidir essencialmente sobre as mulheres o acompanhamento dos idosos ou das crianças, a verdade é que, socialmente, é assim que sucede. E, por conseguinte, quando conseguimos fazer crescer os serviços efectivamente prestados às famílias, nós, objectivamente, tornamos não diria mais fácil mas um pouco menos difícil a vida das mulheres trabalhadoras.
No âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade não está a ser criado qualquer organismo relativo à imigração e às minorias étnicas. Temos a responsabilidade de produzir um relatório anual sobre imigração, o qual é realizado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional. O Sr. Deputado perguntou o que fizemos ao deste ano e devo dizer-lhe que foi publicado e deu origem a uma resolução do Conselho de Ministros que está já, neste momento, plenamente em vigor. O Sr. Secretário de Estado poderá dar-lhe conta do que sucederá a seguir.
Colocou também o Sr. Deputado Nobre Guedes uma questão sobre pensões, a que gostava de responder de um modo muito claro.
A notícia que referia a perda de 25% do poder de compra das pensões é uma notícia que enferma, tal qual a pude ler, embora não conheça o estudo que, eventualmente, o sindicato que está na origem da notícia tem, uma vez que não me foi enviado, mas, repito, pelo que pude ler na notícia, ela enferma de um duplo problema.
Em primeiro lugar, usava a fórmula de cálculo - que era a única que era conhecida e, portanto, não poderia usar outra - que o Governo havia proposto há mais de um mês na concertação social.
Ora, fruto de uma intensa negociação em que a generalidade dos parceiros e, em particular, os parceiros sindicais tiveram um comportamento extremamente construtivo e responsável, a fórmula de cálculo das pensões que resulta, efectivamente, do acordo celebrado na sexta-feira é diferente e proporciona melhores pensões, nomeadamente para os quadros.
Não quero entrar aqui em questões técnicas - não sei se já receberam o acordo, uma vez que foi celebrado na sexta-feira às 19 horas, mas irá ser enviado pela Comissão Permanente de Concertação Social e nós poderemos facultá-lo -, mas os Srs. Deputados verão (e, repito, sem querer entrar muito em detalhes técnicos) que, no dispositivo de diferenciação positiva da fórmula de cálculo das pensões, as pensões do futuro serão por escalões de rendimentos, um pouco como no IRS mas ao contrário, isto é, para todos os trabalhadores, a primeira parcela dos rendimentos, que agora é até 1,1 salário mínimo, como salário de referência no ano em que se reformem, é valorizada a 2,3% ao ano.
Por outro lado, estava previsto - o Governo nunca tinha feito outra proposta - que a diferenciação positiva terminasse a um escalão de quatro salários mínimos, mas agora há diferenciação positiva até aos oito salários mínimos. Ora, apenas este efeito aumenta a pensão média dos quadros e dos trabalhadores de maiores rendimentos.
Em segundo lugar, pretendeu-se que a fórmula produzisse efeitos neutros ou positivos sobre os trabalhadores com carreiras contributivas verdadeiras. Se há perdas de pensão por parte de trabalhadores que manipulavam as suas carreiras, parece-me que isso é saudável para o sistema, perante uma fórmula de cálculo que garante os direitos adquiridos e a informação, que melhora as pensões daqueles para quem a segurança social foi concebida, ou seja, das pessoas que trabalham e descontam toda a vida sobre a verdade das suas carreiras e que permite, em particular, face ao problema que Portugal hoje tem de salários baixos em relação aos níveis de vida que consideramos desejáveis, aumentar a redistribuição e criar pensões mais favoráveis para os trabalhadores de mais baixos salários.
Por outro lado, este acordo é um acordo sobre os beneficiários do subsistema previdencial da segurança social, isto é, dito de outra forma, trabalhadores por conta de outrem, trabalhadores independentes e sócios-gerentes do sector privado.
Há uma disposição, que surgiu em 1991 ou em 1993, e o Sr. Deputado Vieira de Castro pode ajudar na data, mas foi, seguramente, antes de 1995...,

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Em 1993.

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O Orador: - Portanto, há uma disposição que surgiu, concretamente, em 1993, onde se estabelece que os funcionários públicos que entrarem depois de 1993 se reformarão em condições análogas às que vigorarem para o sector privado, o que significa que aquela fórmula deve agora ou, melhor, deve, a seguir, ser desenvolvida por analogia, para ser aplicada aos trabalhadores do sector público. Mas, ao contrário do que poderia parecer, os beneficiários da Caixa Geral de Aposentações são beneficiários dessa Caixa, não são beneficiários do regime geral da segurança social. Não há, neste momento, qualquer decisão a ser tomada ou perto de ser tomada sobre a transferência, chamemos-lhe assim, da Caixa Geral de Aposentações para o regime previdencial. Portanto, há aqui um pressuposto que não se verifica verdadeiramente, pelo contrário, as regras das carreiras na função pública podem determinar a necessidade de ajustamentos para a aplicação deste regime aos trabalhadores da função pública.
Porém, não escondemos nenhum relatório sobre a convergência, não escondemos nenhuma intenção, como os Srs. Deputados disseram, pela simples razão de que não chegámos a esse ponto de reflexão, e não imagino que esta questão possa algum dia ser fechada sem ser com o concurso de uma negociação com os sindicatos do sector.
Portanto, gostava de deixar aqui muito claro que o âmbito deste acordo são os beneficiários do subsistema previdencial do regime de segurança social e não quaisquer outros. Estas regras aplicar-se-lhes-ão nos termos que a lei define, mas a mim não me perturbaria que isso implicasse ajustamentos e especificidades a serem, no futuro, negociados com os sindicatos do sector.
Peço desculpa por estar a ser longo, mas foram muitas as questões que foram suscitadas.
O Sr. Deputado Artur Penedos colocou um conjunto de questões sobre este acordo que entroncam directamente na questão a que acabei de responder.
Srs. Deputados, penso que este acordo é um passo importante e decisivo numa reforma da segurança social que vem sendo preparada ao longo dos anos e que deu, nestes meses, e dará, com a adopção deste Orçamento, a par da adopção deste acordo, um passo fulcral para chegar à vida das pessoas. Ela existe já, do ponto de vista da Administração, ela existe já, do ponto de vista da melhoria da protecção social, em diferentes sectores, ela existe, a partir de agora, em alguns novos instrumentos.
Em primeiro lugar, temos a nova fórmula de cálculo das pensões, o que, sem entrar detalhes - se os Srs. Deputados quiserem, depois, poderemos detalhar -, nos permite dizer o seguinte: o sistema, com esta nova fórmula de cálculo e com a salvaguarda dos direitos adquiridos e a informação, por parte dos trabalhadores que já hoje têm descontos, é, simultaneamente, sustentável no longo prazo, produz pensões que evoluirão em linha com os salários e pensões mais altas para os trabalhadores com carreiras completas, verdadeiras e de mais baixos salários.
Em segundo lugar, este acordo permitirá que haja, pela primeira vez, em Portugal, um estatuto dos regimes complementares, que é essencial para o desenvolvimento do chamado segundo pilar da segurança social. Um estatuto dos regimes complementares, que, diria, tem aqui dois elementos importantes, isto é, garante que o regime ou o benefício acompanhará o trabalhador na sua carreira profissional - e esta é sempre uma das questões difíceis na formulação dos regimes complementares - e terá incentivos especiais em regimes complementares encontrados em sede de negociação colectiva. O Governo acredita na dinamização da negociação colectiva e acredita, em particular, que pode haver benefícios mútuos para as empresas e para os trabalhadores com o desenvolvimento do segundo pilar sustentado na negociação colectiva.
Em terceiro lugar, este é um acordo de luta contra a fraude com benefício para o sistema. Aliás, nos termos que vinham sendo negociados ao longo dos tempos, foi definido um acordo que diz que a melhoria de eficiência que derive do alargamento da base contributiva ou da afectação de fontes alternativas - o que corresponde ao mandato que tínhamos da lei de bases - reverterá para a redução da carga sobre os custos não salariais do trabalho. O que o Governo, no entanto, sempre deixou muito claro foi que ou há um compromisso genérico dos dois lados ou há um compromisso concreto dos dois lados, porque seria irresponsável da nossa parte aceitar um compromisso genérico quanto ao alargamento da base contributiva e um compromisso concreto quanto aos encargos com o factor trabalho.
A proposta que nos foi colocada a poucas horas do encerramento da negociação, no sentido de reduzirmos as receitas da segurança social em 70 milhões de contos sem nenhuma garantia dos parceiros quanto ao outro "prato da balança", não era, de todo, aceitável por um Governo responsável e, portanto, pura e simplesmente, não foi aceite.
Sr. Deputado Vicente Merendas, muitas das questões que colocou acabaram por ser respondidas no contexto das respostas que tenho vindo a dar. No entanto, julgo que colocou ainda algumas questões importantes a que não respondi.
Em primeiro lugar, no que respeita à integração de cidadãos com deficiência, volto a dizer aos Srs. Deputados aquilo que já disse quando do debate na generalidade, isto é, que estamos a refazer os apoios. Já houve medidas concretas, como a criação das empresas de inserção, o que os Srs. Deputados poderão verificar. Há, todavia, a necessidade de refazer a rede nacional de formação para a empregabilidade, a reabilitação e a inserção dos cidadãos com deficiência.
Foi definido um método no Conselho Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, que passa por um grupo de trabalho participado pela Associação Portuguesa de Deficientes e pela federação dos centros de formação profissional de deficientes. Estas são as instituições a quem o Conselho deu um mandato para, até ao fim do ano, nos apresentar um relatório que servirá de base a uma reestruturação de toda a oferta de formação e reabilitação, que é, do meu ponto de vista, uma mola impulsionadora para um uso eficiente dos recursos que estão à nossa disposição.
De todo o modo, eu acompanho o Sr. Deputado quando afirma que há aqui uma questão de outra natureza, porque, à medida que melhoramos a nossa rede de respostas, também nos deparamos mais fortemente com o preconceito. Há, de facto, batalhas contra o preconceito que têm de ser travadas, mas creio que esta questão pode ser aprofundada mais tarde. Afirmo-lhe, contudo, Sr. Deputado, que há neste Orçamento uma grande preocupação relativamente à integração de deficientes, e refiro-me tanto ao orçamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional, como à medida do Programa Operacional do Emprego, Formação e Desenvolvimento Social que lhe diz respeito, como ainda à nossa preocupação em reformular os mecanismos.

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Por último, Sr. Deputado, admitindo que o erro possa ser meu, pareceu-me que V. Ex.ª teria afirmado que há uma redução de verbas para a formação profissional e emprego. Não há, Sr. Deputado, pelo que ou eu registei mal o que V. Ex.ª disse ou o Sr. Deputado lavrou num equívoco.
A formação profissional e, em particular, a formação contínua, a que o Sr. Deputado se referiu, têm verbas que estão programadas de 2000 a 2006, no âmbito do Programa Operacional do Emprego, Formação e Desenvolvimento Social. Este ano foi preciso haver duas candidaturas para encontrarmos uma que tivesse qualidade, pelo que me parece que, neste ponto, estamos de acordo, até porque o que não queremos é fazer um uso das verbas que não seja eficiente. Por isso, no que respeita à formação contínua, é este nível de exigência que faz com que eu prefira correr o risco de chegar diante dos Srs. Deputados e ter o Programa Operacional do Emprego, nesta medida, com uma execução abaixo do que devia, do que aprovar todas as candidaturas que me aparecem apenas para chegar aqui com uma taxa de execução de 100%.
Em segundo lugar, o acordo de emprego e formação profissional tem mecanismos - e não vou falar daqueles de que tenho falado aqui, mas, sim, de um outro adicional - que são muito importantes. Um deles é a emissão do certificado normalizado de formação profissional, que é uma peça fundamental para garantir a transparência da formação profissional que se teve e de como ela pode ser usada.
Deixe-me dizer-lhe ainda, Sr. Deputado, que, no que diz respeito à formação de jovens, uma das novidades deste Quadro Comunitário de Apoio foi o corte drástico com a formação de jovens avulsa. Se o Sr. Deputado verificar, a medida de formação profissional de jovens deste Quadro é prioritária e largamente dirigida a sistemas com dupla certificação, ou seja, o dinheiro da formação profissional de jovens está a ser dirigido para os sistemas que, ao mesmo tempo, permitem qualificação profissional e progressão escolar. Creio que esta não é uma das menores mudanças, não só porque é uma das garantias de transparência na certificação, como porque era aqui que muitas vezes havia os problemas, ou seja, havia uma formação profissional mais ou menos avulsa que tinha, depois, poucos efeitos sobre a certificação e sobre as carreiras. Esta é uma das grandes batalhas que temos.
Com a permissão da Sr.ª Presidente, pediria aos Srs. Secretários de Estado que complementassem as respostas.

Entretanto, reassumiu a presidência a Sr.ª Presidente Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Presidente: - Com certeza, Sr. Ministro.
Tem, então, a palavra o Sr. Secretário de Estado do Trabalho e da Formação.

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho e da Formação (António Dornelas): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, tentarei ser o mais rápido possível e, como tal, peço que me perdoem a linguagem quase telegráfica que vou utilizar.
Quanto à questão do Plano Regional de Emprego de Trás-os-Montes e Alto Douro (PRETMAD), devo confessar que, no início, houve um atraso de dois ou três meses, designadamente na nomeação do seu director. De facto, era preferível que esse atraso não tivesse acontecido, mas não me parece "mortal". De todo o modo, quero dizer-lhe que já foram feitas mais coisas do que a simples nomeação de um director e dou-lhe três exemplos, adiantando que a medida de emprego jovem abrange 400 pessoas, e as colocações e os estágios estão em funcionamento. Quanto à medida de qualificação escolar e de integração profissional, haverá seis turmas a funcionar em Dezembro, sendo que o cibercentro arranca dentro de 10 dias. Não tenho uma informação factual sobre todas as dimensões do plano regional, mas isto serve pelo menos para demonstrar que não é apenas da nomeação do director que se trata.
Quanto à questão suscitada pelo Sr. Deputado Nobre Guedes, a propósito do relatório sobre as necessidades de mão de obra imigrante, dar-lhe-ei algumas informações. Em primeiro lugar, como sabe, o relatório deste ano foi aprovado tardiamente, até porque a lei também foi aprovada já depois de iniciado o ano, mas o próximo está neste momento em fase de ultimação, muita próximo do final. Todavia, para não fazer um compromisso que não possa respeitar, prefiro ser prudente e dizer-lhe que o relatório verá a luz do dia com assinaladas melhorias técnicas antes do final do ano civil, o que, reconhecerá, não é um progresso sem significado em relação ao atraso deste ano.
Depois, Sr. Deputado, só lhe posso agradecer a questão relativa ao trabalho infantil que suscitou. Há uma parte da resposta que não posso e não devo dar-lhe, porque está relacionada com competências de outros departamentos governamentais. Quanto à questão de fundo, ou seja, quanto à questão de saber o que é que o Governo está a fazer para combater o trabalho infantil, Sr. Deputado, parece-me difícil levar mais longe a preocupação de rigor e de consenso, o que, na matéria em questão, nos parece vital manter.
Em primeiro lugar, está em curso um novo inquérito para avaliar, com o apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como é costume, a extensão do fenómeno e as suas características principais, o que nos permitirá ter dados novos nos primeiros meses do ano que vem. Pelo menos os primeiros dados e avaliações quantitativas surgirão nessa altura.
Em segundo lugar, o orçamento do Plano para a Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PEETI) foi fortemente reforçado do ano passado para este ano e o número de programas de formação e emprego e de crianças saídas do trabalho infantil que vão ser socializadas através dos programas de férias acompanhadas aumentou fortemente por causa do reforço de meios.
Em terceiro lugar, manteve-se em funcionamento o Conselho Nacional do já referido Plano, presidido pelo Prof. Mário Pinto, e tenho o grato prazer de lhe dizer que, em consequência de uma resolução adoptada nesse âmbito, está em preparação um projecto de diploma sobre um aspecto que traduz uma das evoluções perversas do trabalho infantil, que é o trabalho das crianças em espectáculos e na publicidade. Está em preparação, portanto, um projecto de legislação que verá a luz do dia nos primeiros meses do ano que vem. Dir-lhe-ei, assim, que as coisas continuam, até agora, pelo menos, no ritmo habitual, com o grau de consenso habitual e com os meios que parecem adequados à situação.
O Sr. Deputado Vicente Merendas colocou uma questão relativa ao acréscimo da sinistralidade no primeiro semestre deste ano. É verdade, Sr. Deputado! É factualmente verdadeiro que o número de acidentes mortais na construção civil e obras públicas subiu no primeiro semestre deste ano, interrompendo uma tendência que vinha a verificar-se há uns

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anos. Todavia, sem usar argumentos muito especializados, devo dizer-lhe que estamos a falar de números, em termos estatísticos, muito pequenos.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - E, por isso, não são importantes?!

O Orador: - Como imagina, quanto a isso, a minha opinião é igual à sua, pelo que considero que todo o acidente mortal é um drama que deve ser deplorado e que deve ser averiguado com rigor. Foi o que fizemos! Analisei caso a caso cada uma daquelas mortes e, por isso, dar-lhe-ei exemplos que são perturbantes e que me levam a ser prudente ao interpretar o número. Acontece que uma empresa, que peço desculpa por não nomear, teve mais de metade dos acidentes e vim a apurar, depois, que essa empresa tinha duas grandes obras públicas a seu cargo e tinha a mesma equipa de prevenção a funcionar em ambas as obras públicas. Numa dessas obras teve zero acidentes mortais e na outra teve cinco.
Quando o Sr. Deputado olha para o número e o compara com os dos anos anteriores, a sua afirmação é indiscutivelmente verdadeira, mas, porque fui ver com cautela cada uma daquelas mortes, como era meu dever perante um número tão perturbador como esse, não fui capaz de afirmar que estamos perante desgoverno, redução da pressão ou insensibilidade crescente dos empregadores. Não sou capaz de fazer essa afirmação! Espero que os números dos próximos semestres me dêem razão. Se não derem, teremos de tirar daí as consequências, mas até agora não sou capaz de levantar o meu dedo porque tive a cautela de ir ver cada um dos relatórios.
Há responsabilidades do lado das cadeias de contratação e de subcontratação que foram averiguadas e, quando necessário, sancionadas. Contudo, desse número desgraçado, não sou capaz de concluir que há uma inversão de tendência ou uma menor atenção ao problema. Pelo contrário, na sequência do acordo de concertação que o então Secretário de Estado negociou em nome do Governo com todos os parceiros sociais sobre higiene e segurança no trabalho, tem vindo a ser tomado um conjunto de medidas, que vão desde a criação de instituições - o Conselho Nacional de Higiene e Segurança no Trabalho está criado, como sabe, e tomará posse na primeira semana de Dezembro -, até ao plano de adaptação dos serviços de prevenção das empresas, depois de um longo processo de consulta pública e de concertação social, o qual está em finalização e irá para o que nós chamamos o pipeline legislativo, isto é, irá ser submetido ao Conselho de Ministros entre esta semana e a próxima, havendo depois um processo legislativo que daí decorre. Por fim, temos o Plano Nacional de Acção para a Prevenção, que vai ser submetido a segunda consulta dos parceiros sociais numa reunião da próxima semana, e a regulamentação dos serviços externos das empresas, que está finalmente pronta para ser publicada no Diário da República.

A Sr. Presidente: - Tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social.

O Sr. Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social (Simões de Almeida): - Sr.ª Presidente, gostaria de concretizar determinados detalhes relativamente a algumas questões que foram colocadas, uma vez que o Sr. Ministro já respondeu à totalidade das perguntas.
Quanto à questão da inspecção, concretamente a inspecção da segurança social, o Governo transformou os serviços de fiscalização que antes existiam em inspecção, dotando-os não apenas de uma valorização e de uma dignificação profissional mas, sobretudo, de uma questão essencial, que é garantir que os actuais serviços de inspecção da segurança social tenham a autonomia e a responsabilidade que lhes permitam actuar com rigor. Isto porque, no passado, eram alocados ao serviço de fiscalização os meios considerados excedentários ou menos produtivos noutros sectores da segurança social, sendo que nalguns casos eram depois retirados, quando se tornavam inconvenientes ou incómodos. Hoje, através da criação do serviço de inspecção, são dadas garantias às pessoas que vão integrar esse serviço de que podem actuar com rigor, com independência e com autonomia, em escrupuloso cumprimento da lei. Portanto, a criação deste estatuto é mais do que uma valorização ou dignificação profissional.
No que concerne à política para os idosos, e como o Sr. Ministro já referiu, gostaria de dizer que iremos diversificar e assegurar a qualidade. Foi lançado um processo de certificação da qualidade dos lares de idosos, que irá correr indistintamente, isto é, independentemente de os lares fazerem parte da rede pública, da rede solidária ou da rede privada foram atribuídos os primeiros certificados de participação numa acção de formação.
Para além disso, o Instituto Português da Qualidade e o Instituto para o Desenvolvimento Social celebraram, há cerca de uma semana, um protocolo que visa a qualificação de todos os lares de idosos existentes em Portugal ao abrigo da norma ISO 9001.
Penso que o Sr. Deputado Adão Silva saberá, tal como os Srs. Deputados aqui presentes, que terminou recentemente uma acção de avaliação e auditoria a nível nacional (a primeira feita em Portugal) de todos os lares de idosos legais existentes em Portugal, acção essa que nos permitirá, depois de analisado o respectivo resultado, ficar a conhecer a realidade da institucionalização em Portugal, quer do ponto de vista das condições infra-estruturais dos estabelecimentos, quer do ponto de vista das razões que levam à institucionalização dos idosos em Portugal.
Não falarei em pormenor do investimento enorme que estamos a fazer na Rede de Serviço de Apoio Domiciliário, porque o Sr. Ministro já o fez, mas gostaria de referir a Rede de Centros Comunitários, que se traduz em respostas mais diversificadas, que permitem a integração no verdadeiro sentido da palavra, ou seja, da integração entre gerações.
Muito em breve, vai haver uma reunião com a União das IPSS, com a Associação Nacional de Municípios e com a Associação Nacional de Freguesias, tendo em vista aproveitar algumas das potencialidades do QCA III, designadamente ao abrigo de programas que até aqui nunca foram executados para estes fins sociais, uma vez que até agora a actuação tem sido limitada ao PIDDAC do orçamento da segurança social e aos programas operacionais da responsabilidade do Ministério do Trabalho e da Solidariedade.
Por outro lado, em matéria de informática, gostaria de referir que está a ser concluído, por parte do sistema da solidariedade e da segurança social, um processo de adaptação ao euro, que é extremamente exigente e em relação ao qual houve grandes investimentos que tiveram de ser feitos.

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Isto porque houve que adequar todo o sistema, quer o sistema de recepção das declarações, quer o sistema de pagamento das prestações em euros.
Além disso, resulta da reorganização orgânica que a segurança social sofreu que hoje existem três patamares complementares - o patamar distrital, o patamar regional e o patamar nacional -, ou seja, onde antes existia uma duplicação de funções entre a região e o distrito, há hoje uma unidade estratégica nacional.
Houve, aliás, um forte investimento nesta matéria e vai ser possível, por exemplo, centralizar a leitura das declarações de remunerações, tendo sido criado um centro de leitura óptica de âmbito nacional.
Além disso, aproveito para referir que o pagamento da guia e a sua transmissão vão passar a ser feitos através de ficheiro electrónico. Concretamente, os bancos enviarão directamente ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a guia em suporte electrónico, o que permitirá uma imediação temporal e uma acrescida capacidade de controlo das remunerações declaradas por parte das entidades empregadoras à segurança social. Portanto, trata-se de uma inovação do ponto de vista informático, que, acoplada ao sistema de informação financeira da segurança social, permitirá seguramente um acrescido controlo.
Depois, em matéria de combate à fraude, quero acrescentar que houve um reforço claro dos serviços quanto à verificação de incapacidade, através da contratação de médicos ao abrigo de uma norma que consta do decreto-lei de execução orçamental e que permite ao sistema de solidariedade e de segurança social efectuar essa contratação. Devo dizer que esta medida obteve resultados notórios, designadamente, no que diz respeito à diminuição do subsídio de doença, que transforma o objectivo fixado para 2002 num objectivo exequível e realizável.
Aliás, em relação à previsão do próprio orçamento rectificativo, estamos neste momento, em sede de execução, com valores significativamente abaixo dessa previsão, o que prova que o investimento feito nos mecanismos de controlo foi eficaz, quer no que respeita ao serviço de verificação de incapacidade, quer no que respeita aos outros mecanismos de controlo.
Já agora - julgo que os Srs. Deputados terão conhecimento, mas se não tiverem é uma novidade que aqui deixo - gostaria de referir a existência do projecto SINUS, que é um projecto de cooperação entre o Ministério da Saúde e o Ministério do Trabalho e da Solidariedade, que está em experimentação na região Norte, concretamente no Porto, e que será generalizado a todo o território nacional.
Concretamente, este projecto trata da troca directa de informação entre a saúde e a segurança social, através do envio em tempo real, isto é, diariamente, das declarações de doença (mais conhecidas por "baixas") dos centros de saúde para a segurança social, o que permitirá fazer actuar a fiscalização em tempo quase real, mas permitirá, além disso, efectuar o pagamento das prestações num tempo muito mais curto, o que para nós é extremamente importante. Este é um projecto que está a decorrer experimentalmente e que será generalizado ao nível do território nacional.
Já agora, gostaria de referir o projecto relativo ao sistema de convocatória "inteligente", segundo o qual aplicamos alguns indicadores de risco às convocatórias que fazemos, transformando esse sistema de convocatórias em algo muito mais eficiente, uma vez que visa as pessoas que oferecem maior risco de estar em fraude. Por conseguinte, estamos convencidos de que, associando a inteligência ao sistema de convocatórias, teremos convocatórias mais eficazes, o que resultará numa redução significativa da fraude.
Termino esta intervenção dizendo, relativamente ao programa Creche 2000 e à educação pré-escolar, que tivemos a necessidade de autonomizar no PIDDAC uma verba para este programa, acentuando a sua necessidade exactamente pela razão que o Sr. Ministro acabou de referir, isto é, pela menor apetência que verificámos existir por parte da rede solidária para este tipo de equipamentos. Tentámos identificar alguns problemas que existem e que levam as redes de solidariedade a não fazerem os investimentos necessários, como sejam os problemas que existem entre os estatutos das educadoras. Estamos a resolver estes problemas com vista a transformar esta medida numa medida apetecida por parte das instituições particulares de solidariedade social.
Devo dizer que contamos igualmente com o esforço das autarquias locais e, se necessário, com a rede pública - como sucedeu, de resto, em relação à educação pré-escolar -, mas também com a rede particular de creches, como acontece hoje no Algarve no quadro do programa experimental em que há um número significativo de creches particulares que estão a aderir ao programa Creche 2000 e que, portanto, estão a alargar a oferta que hoje existe.
Posso dizer, em relação a esta matéria, que mantemos o compromisso e o objectivo e que iremos cumpri-lo - de resto, como já fizemos ao nível do apoio domiciliário, em que temos vindo a cumprir o crescimento das vagas.
Finalmente, gostaria de salientar uma área através da qual se vê o empenhamento do Governo no que diz respeito aos serviços de apoio às famílias, porque é disso que estamos a falar. Concretamente, houve um crescimento do orçamento na área da cooperação, bem como no orçamento corrente da acção social, que vai crescer 19% nos pagamentos de acordos de cooperação às IPSS. Ou seja, em matéria de educação pré-escolar, em matéria de creches, em matéria de serviço de apoio a idosos e em matéria de serviço domiciliário, entre outras, vai haver um crescimento do orçamento de cooperação, que significa que as transferências que são feitas para as IPSS irão aumentar cerca de 19%. Aqui é que encontramos o empenhamento do Governo na rede de serviços e equipamentos de apoio às famílias, porque é esta rede que permite diminuir a carga que ainda hoje existe sobre as mulheres e garantir o princípio da igualdade de oportunidades.
Admito poder ter-me esquecido de concretizar algum detalhe, mas julgo que o Sr. Ministro, seguramente, já terá respondido.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início a uma segunda ronda de questões. Tem a palavra o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, ouvi com muita atenção as respostas que foram sendo dadas às questões colocadas e devo dizer que me preocupam igualmente algumas das situações referidas agora mesmo pelo Sr. Secretário de Estado relativamente às acções do Ministério de apoio às IPSS.
Nomeadamente, foi aqui referido pelo meu colega Adão Silva aquilo que se passa nas regiões do interior, designadamente no que diz respeito à redução significativa de apoio em relação à construção de centros comunitários e centros de dia.

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Sobre este problema, em particular, Sr. Secretário de Estado, quase que me apeteceria chamar também a atenção do Sr. Ministro para algumas situações do distrito de Vila Real, já que, também elas, foram atendidas no distrito de Bragança. Farei chegar propostas no sentido de que determinados compromissos assumidos pelo Ministério, em 2001, perante algumas instituições sejam de facto cumpridos, uma vez que não constam do PIDDAC deste ano. São casos em que o Ministério se comprometeu por escrito ou casos em que foi entusiasmando as diferentes instituições para que incluíssem essas iniciativas nos seus planos de actividade.
Relativamente a esta matéria, Sr. Ministro, há ainda um assunto que me traz preocupado. V. Ex.ª referiu-se à necessidade de adequar os investimentos do Governo, de acordo com a carta social. Ora, chamo a atenção de V. Ex.ª para o facto de que no PIDDAC, nomeadamente no PIDDAC regionalizado, está incluída uma verba para o apoio à Associação de Solidariedade Social de Sapiãos, em Boticas, com vista à criação de um equipamento de serviço para idosos que, na realidade, já está construído e já tem financiamento, pelo que não precisará de financiamento em 2002, 2003 e 2004.
De facto, foi na sequência de uma reunião, no dia 9 de Outubro de 2000 (já passou mais de um ano), no Gabinete do Sr. Secretário de Estado da Administração do Trabalho e da Solidariedade, que foi aprovada a candidatura deste Centro Comunitário de Sapiãos, tendo sido despachado e homologado pela Sr.ª Ministra do Planeamento no dia 29 de Dezembro de 2000. Sei que este centro se situa numa povoação onde vive o candidato do Partido Socialista à Assembleia Municipal de Boticas, mas, Sr. Ministro, eu não faria a injustiça de pensar que havia da parte do seu ministério qualquer forma de apoio a essa candidatura. Certamente, Sr. Ministro, não caberia no meu pensamento tal injustiça.
Uma vez que este centro já está contemplado, no âmbito do quadro comunitário de apoio, com uma verba garantida da ordem dos 76 794 euros, num investimento de 2001, solicito ao Sr. Ministro e, através do Governo, à bancada do Partido Socialista, que esta verba contemplada no PIDDAC para 2002, que é de 85 000 euros, seja, sim, utilizada na construção de um centro comunitário mas numa outra povoação bastante mais necessitada do concelho de Boticas, isto é, na povoação de Pinho. A nossa proposta nesse sentido irá dar entrada, por isso peço ao Sr. Ministro uma particular atenção para este caso.
Permita-me ainda, Sr. Ministro, que refira aqui uma situação muito especial, relativamente à qual foi aqui colocada uma questão pelo Sr. Deputado Adão Silva, que não obteve qualquer resposta.
A Sr.ª Ministra do Planeamento e o próprio Sr. Primeiro-Ministro, várias vezes, tiveram aqui o cuidado de expressar a particular atenção deste Governo na regionalização de verbas do PIDDAC. É uma boa intenção, uma intenção que aplaudimos, mas, Sr. Ministro, foi-lhe perguntado qual eram as verbas para funcionamento, em 2002, do Plano Regional de Emprego de Trás-os-Montes e Alto Douro. Sabemos que isso se integra numa verba do Instituto do Emprego e Formação Profissional, mas, como o Sr. Ministro, provavelmente, não tinha à mão a informação para nos dar, não ficámos a saber qual é o valor desagregado da verba global que diz directamente respeito ao Plano Regional de Emprego de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Assim sendo, retomo agora a questão e solicito que, se o Sr. Ministro não tiver agora essa informação, o favor de no-la enviar depois, em particular porque ela poderá aumentar a comparticipação regionalizada, nomeadamente nos distritos de Vila Real e de Bragança, do Governo e do PIDDAC, e isso é de certo necessário, tão pequena ela foi este ano.

A Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, queria colocar-lhe uma questão ligada aos apoios à Confederação Nacional de Acção sobre o Trabalho Infantil (CNASTI), mas recebi hoje mesmo a resposta a um requerimento que dirigi ao seu ministério sobre este assunto, a qual, porém, não é totalmente clara e, por isso, gostaria de perguntar-lhe se estão, de facto, previstos apoios para esta confederação, concretamente ao nível de destacamento de pessoal da função pública para o seu trabalho, uma vez que penso que é consensual a importância do trabalho que ela tem desenvolvido no combate ao trabalho infantil.
Mas existem também outras questões que gostaria de lhe colocar.
O Governo e, em particular, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade têm dado um grande relevo público ao combate às fraudes na segurança social. Naturalmente que estamos de acordo com o combate e a intensificação desse mesmo combate a todas as fraudes na segurança social e, portanto, se for possível, caso haja alguma avaliação estatística disso, gostaria de ter uma ideia relativamente às baixas por doença fraudulentas e, designadamente, de saber quais são as categorias socioeconómicas que estão a ser "apanhadas" nas malhas da fiscalização.
Pergunto isto porque há referências a que determinados grupos - e falaria, por exemplo, nos sócios gerentes, aqueles cuja baixa fraudulenta causa grande prejuízo aos sistema da segurança social - fogem com grande facilidade a essa fiscalização.
Uma segunda questão, Sr. Ministro, diz respeito aos problemas da reestruturação orgânica ao nível de todo o sistema da segurança social e do aumento de despesas decorrentes das novas estruturas de direcção distrital. Os números que tenho de um distrito dizem-me que só ao nível da estrutura de direcção do Instituto de Solidariedade e Segurança Social passámos de uma situação de cerca de 8900 contos mensais para cerca de 28 000 contos, isto só ao nível salarial. Falta aqui a direcção do outro instituto ligado à gestão dos fundos da segurança social e faltam, naturalmente, os carros. Não vou falar aqui do problema da nomeação de pessoal partidário para estas funções, mas gostaria que, se fosse possível, me pudesse dar a informação do que é que significou, em termos de custos ou de despesas da segurança social, do ponto de vista global, todas estas novas estruturas de direcção distritais.
A terceira questão diz respeito ao problema do encerramento de empresas e, em particular, à forma como algumas empresas vêm sendo encerradas. Mais uma vez, durante este Verão, fecharam um conjunto de empresas. Naturalmente, posso referir-lhe um conjunto de empresas da zona do Minho, do Vale do Ave, principalmente ligadas ao sector têxtil, mas não só, em Esposende, a Safil, a Caravela, em Visela, esta bem recentemente, a Francor, empresas em que, ao fim de mais de três dezenas de anos, da noite para o dia, os trabalhadores chegam de férias e "batem com o nariz na porta", onde se encontra um letreiro a dizer que a empresa está

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encerrada e que eles estão desempregados a partir daquele momento.
Gostaria de saber, Sr. Ministro, porque considero pouco aquilo que entretanto vai sendo feito - o IDICT toma conhecimento da situação, comunica ao tribunal e os trabalhadores ficam naquela situação de esperar as resoluções judiciais, e sabemos o tempo que demoram -, que medidas é que o Governo pensa desenvolver no sentido de dissuadir situações manifestamente inaceitáveis até do ponto de vista da dignidade dos trabalhadores.
A minha quarta questão diz respeito ao problema da situação laboral e da sua fiscalização nas grandes superfícies. Não se trata apenas do problema, que já de si seria extremamente grave, dos efeitos que causam ao nível da distorção da concorrência que se estabelece entre estas unidades do comércio e todas as pequenas e médias unidades, trata-se também de um problema do respeito pelas normas legais do trabalho no nosso país.
É conhecida a dimensão das ilegalidades e a precaridade do pessoal ao serviço das grandes superfícies. Penso que as organizações sindicais, bem como as próprias organizações dos pequenos e médios comerciantes, têm denunciado vezes sem conta esta situação.
Pergunto, portanto, quando é que há uma intervenção do Governo, em particular, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade e dos seus serviços de inspecção, no sentido de pôr cobro a esta situação absolutamente inaceitável.
Finalmente, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, quero colocar-lhe uma questão muito concreta, sobre a qual não desistirei de obter resposta, que se liga com um conjunto de ministérios mas em que o Ministério do Trabalho e da Solidariedade tem também uma intervenção importante, através dos seus serviços de inspecção.
A situação é esta: trata-se de uma empresa do concelho de Vila Nova de Famalicão que faz recuperação do chumbo de resíduos industriais. Esta empresa, em 1994, foi encerrada, depois de um processo em que quatro trabalhadores foram parar ao Hospital de Vila Nova de Famalicão por intoxicação com chumbo e apanharam um susto tão grande, até em função dos conselhos dos médicos, que, pura e simplesmente, se demitiram sem sequer receber qualquer indemnização. Durante este processo, houve uma presidência aberta na região, criou-se uma grande mediatização do problema e a empresa foi encerrada, estabelecendo-se um conjunto de condições para que ele pudesse abrir novamente.
Estranhamente, em Novembro de 1999, a empresa é reaberta e os processos recomeçam, com queixas ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e ao Governo, sem que haja qualquer resposta a esta questão. Em Abril deste ano, o Ministério da Economia aplica-lhe uma coima; em Junho, faço um requerimento aos Ministérios da Economia, do Trabalho e da Solidariedade, da Saúde e do Ambiente e do Ordenamento do Território; em Junho, há uma vistoria do IDICT, do Ministério da Economia, e da delegação de saúde, e novamente dão um prazo à empresa para se adequar às normas legais e às condições que permitam trabalhar e que protejam o ambiente; em Novembro, recebi uma resposta a dizer que, em 4 de Setembro, a delegação de saúde e a inspecção do IDICT local visitaram novamente esta unidade e concluíram que os dois trabalhadores lá existentes apresentavam, nos exames que foram feitos, taxas de chumbo que ultrapassavam o valor limite biológico definido na lei.
O que lhe quero perguntar, Sr. Ministro, é o que é que será necessário fazer, se será necessário morrer algum trabalhador ou haver algum acidente ambiental mais grave, para que esta empresa seja encerrada.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António Nazaré Pereira, penso que a sua questão fica prejudicada, porque o senhor diz que houve uma reunião com um secretário de Estado que posso garantir-lhe que nunca existiu. Fui secretário de Estado do Ministério do Trabalho e da Solidariedade desde Novembro de 1997 e garanto-lhe que nunca houve Secretário de Estado do Trabalho e da Solidariedade.
Portanto, sem prejuízo de dar particular atenção a este caso…

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Referi-me ao Secretário de Estado Adjunto do Ministro!

O Orador: - Ah, Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Trabalho e da Solidariedade! Então, a correcção está feita.
Mas deixe-me que lhe diga que há aqui uma questão importante, é que o País não pára quando o PIDDAC é finalizado, e, portanto, se o Sr. Deputado me diz que esse equipamento está construído, com certeza que a verba será reafectada dentro das prioridades da rede social na primeira reprogramação do PIDDAC, o que está previsto no PIDDAC, como o Sr. Deputado sabe.
Há uma regra a que damos grande importância, e que, aliás, se prende com a questão que também já tinha sido colocada antes, que é a seguinte: se um determinado equipamento é necessário, se, pelos critérios que a rede social definiu, esse equipamento se torna necessário, ele deve ser reprogramado e inscrito; se esse equipamento obtiver financiamento por outra fonte, por exemplo, por um programa operacional, é evidente que ele, uma vez construído, é retirado e, em sede de reformulação, é substituído por outro. É aquilo que considero que não só é normal como defende os interesses dos portugueses e uma boa gestão do orçamento da segurança social.
A segunda questão que o Sr. Deputado nos coloca tem a ver de novo com o plano regional de emprego. Sr. Deputado, não existe aqui qualquer segredo! Não se trata é de Orçamento do Estado, mas não existe qualquer segredo! O plano de actividades e o orçamento do IEFP, onde essas verbas estão inscritas, e que tenho a certeza de que o Sr. Secretário de Estado do Trabalho terá todo o prazer em lhe enviar, são aprovados anualmente em conselho de administração, onde estão representantes dos parceiros sociais. Não há aqui nada que seja escondido da participação!
Portanto, Sr. Deputado, em relação a esse plano, como em relação a todos os outros, com todo o prazer lhe enviaremos uma cópia de todo orçamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional, que, como lhe digo, deixa essa matéria absolutamente clara.
E digo-lhe mais: temos, inclusive, o cuidado de, havendo nas regiões onde há plano regional de emprego verbas que seriam aplicadas mesmo sem plano, levarmos o nosso escrúpulo ao ponto de não as contabilizar no plano. O Sr. Deputado encontrará uma referência específica a "Acções Específicas

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do Plano Regional", mas há muito mais acção em Trás-os-Montes do que esta, que é aquela que deriva daquilo que já seria feito sem plano. Mais transparência é difícil, Sr. Deputado, mas, se quiser colocar alguma outra questão, não hesite em continuar a fazê-lo, porque nós teremos todo o prazer em responder-lhe.
O Sr. Deputado Agostinho Lopes colocou um conjunto de questões, algumas das quais de grande pertinência, de facto, mas não nesta sede, nomeadamente a última. O Sr. Deputado, aliás, referiu, várias vezes, a actuação de vários organismos, o que demonstra que a questão está a ser acompanhada. Mas permitir-me-á que, aqui, me concentre nas questões orçamentais que colocou, sendo que uma é particularmente importante.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que não se deixe levar pelo discurso dos inimigos da segurança social pública. Não é verdade - sublinho, não é verdade - que os custos com pessoal da segurança social estejam a crescer, fora do normal. E vou dar-lhe um número.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Não é com o pessoal, é com as chefias!

O Orador: - Sr. Deputado, ouvi-o atentamente; agora, deixe-me acabar.
O Sr. Deputado sabe que, no Orçamento do Estado para 2002, o peso das despesas com pessoal e das despesas de administração, no total das despesas da segurança social, vai diminuir. O Sr. Deputado sabe que as despesas de funcionamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade vão diminuir em 2%. Mas deixe-me dizer-lhe - e refiro-o, para que não se faça confusão e se diga que "tudo bem, para o ano diminuem, mas este ano subiram" - que até Setembro deste ano, comparando com o mês homólogo do ano anterior, as despesas com pessoal subiram 6,4%, na segurança social e cerca de 10% - não tenho aqui o número exacto -, no conjunto da Administração Pública.
As despesas com pessoal da segurança social estão a crescer mais devagar do que o conjunto das despesas com pessoal da Administração Pública. Quem está a pretender usar esse argumento - e sei que não é essa a posição do Sr. Deputado…

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Mas não é essa a pergunta!

O Orador: - A pergunta que me fez, Sr. Deputado, foi como é que estavam a crescer as despesas com pessoal.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Custos das chefias e não do geral!

O Orador: - O Sr. Deputado fez-me uma pergunta, que foi a dos custos com pessoal. Sr. Deputado, as despesas com pessoal, entre Janeiro e Setembro, subiram, no continente, 6,4%, quando no conjunto da Administração Pública subiram cerca de 10%.
Trata-se de um equívoco em que, julgo, quem defende a segurança social pública não se deve deixar cair. É que, de facto, é necessário que aumentem as despesas de funcionamento e as despesas de administração, porque há despesas que são virtuosas. E dou-lhe um exemplo, Sr. Deputado: as despesas, nesta rubrica, que é a dos "serviços de verificação de incapacidades", os que controlam as fraudes que o Sr. Deputado referiu, cresceram muito, cresceram 35%. É uma despesa de administração, mas é uma despesa de administração extremamente virtuosa, porque os 35% que crescemos nos serviços de verificação de incapacidades correspondem a fraude que existiria e deixou de existir.
O Sr. Deputado colocou outra questão que tem a ver com as fraudes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - O Sr. Ministro não respondeu à questão que coloquei!

O Orador: - Sr. Deputado, não acredito na luta de classes nas fraudes, isto é, para mim, não há fraudes boas e fraudes más. Mas também lhe digo que o grupo dos sócios gerentes é um daqueles em que se verificou maior propensão ao uso fraudulento das baixas. E digo-lhe isto com esta posição de partida: nós estamos a procurar combater as fraudes onde quer que elas existam, sem escolher prestações, nem grupos, mas com uma lógica inteligente - e quando aqui digo "inteligente", refiro-me à inteligência do próprio sistema de detecção -, que é a de procurarmos perceber que clusters, que segmentos, são mais propensos. E reafirmo - e o Sr. Deputado tem razão - que o segmento dos sócios gerentes é um segmento em que se tem detectado, nas sucessivas acções de combate à fraude, que há uma propensão elevada à fraude, nomeadamente em matéria de subsídio de doença.
O Sr. Deputado colocou um outro conjunto de questões e relativamente a uma delas, sendo orçamental, o Sr. Deputado já conhece a resposta. Quanto ao problema do destacamento de professores para a CNASTI, como para todos os outros organismos, não somos a entidade própria a quem dirigir a questão. Devo, no entanto, dizer-lhe, Sr. Deputado, que julgo tratar-se de uma questão que é até partilhada pelos sindicatos dos professores, ou seja, a preocupação de que é fundamental os professores estarem ao serviço nas escolas. Devo ainda dizer-lhe que esta política de restrição dos destacamentos pode produzir efeitos perversos, que devem ser combatidos e que nos empenharemos em combater, mas é uma medida que me parece ser positiva na gestão global do assunto, que é o que tem a ver com os professores.
Agora - e o Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação já tinha referido esse ponto e voltará a mencioná-lo -, nós estamos totalmente empenhados no combate ao trabalho infantil. E estamos totalmente empenhados em que as acções continuem e em que, no próximo ano, possamos saber que resultados produziram aquelas que já implementámos, ou seja, como é que, de 1997 para cá, as questões evoluíram.
Por último - e, depois, com a permissão da Sr.ª Presidente, pedia ao Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação para complementar este ponto -, quero referir-me à sua questão sobre o encerramento de empresas.
Deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, que estamos do lado dos preocupados, e não apenas dos preocupados passivamente, mas dos preocupados que procuram agir com vectores claros de actuação. A saber: em primeiro lugar, nunca permitir a ilegalidade e agir com todos os recursos ao nosso alcance para que não haja actuação ilegal, em particular no assunto do encerramento das empresas mas também em geral; em segundo lugar, nunca deixar que se gerem situações de desprotecção, sem resposta social.
Estamos a procurar, caso após caso, empresa após empresa, onde o problema se detecta, que haja uma resposta o

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mais depressa possível. Temos, no entanto, consciência de um facto: a economia tem regras e o apoio aos trabalhadores deve ser total; o apoio à viabilização das empresas, que for viável, deve ser sério, mas, quando não for possível, também seria irreal pensar que é possível, a partir da política, tornar viável o que economicamente não o seja.
Se a Sr.ª Presidente permitir, peço, agora, ao Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação para complementar.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação.

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Formação: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes, nada acrescentarei relativamente ao que o Sr. Ministro disse quanto à CNASTI, porque o que tinha para dizer-lhe já foi dito em resposta a uma pergunta anterior de um outro Sr. Deputado.
Quanto ao encerramento de empresas, Sr. Deputado, o Sr. Ministro já referiu - e é essa a nossa posição - que estamos do lado dos que se preocupam em actuar a tempo. E quanto aos serviços que estão sob a minha tutela directa, quero dizer-lhe que actuar a tempo é uma decisão que deve ser judiciosamente tomada, Sr. Deputado. É que uma intervenção extemporânea, por prévia, dos serviços de emprego ou dos serviços de segurança social pode conduzir à irreversibilidade do que, num dado momento, ainda não é irreversível. Ora, isto não é uma desculpa para intervenções tardias. Em todos os casos concretos mencionados pelo Sr. Deputado tive a ocasião de verificar que o senhor reconhece que a Inspecção-Geral do Trabalho, o IDICT e os serviços de emprego estiveram lá, actuaram…

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Não respondem é ao problema!

O Orador: - Sr. Deputado, respondo por aquilo de que tenho a responsabilidade, mesmo entendendo as perguntas num quadro de interpretação da ligação ao Orçamento do Estado tão flexível como o Sr. Ministro e nós dois temos usado. Mas o Sr. Deputado, certamente, não me pedirá respostas sobre matérias que correspondem à tutela de outros membros do Governo - desculpar-me-á mas, a meu ver, a latitude do debate não vai até esse ponto.
Quanto àquilo que depende de mim, Sr. Deputado, o que tem sido feito - e os números falam por si (e, se quiser, os números são empresa a empresa)… O Sr. Deputado, aliás, sabe de muitos casos, porque o número de requerimentos que o senhor dirige ao ministério é elevado, conheço-os, e temos sempre imenso gosto em estudar as suas questões e em preparar respostas tão circunstanciadas quanto possível.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Nem sempre atempadas, mas está bem!

O Orador: - Sr. Deputado, reconhecerá que os prazos das respostas têm vindo a reduzir-se a um ritmo que, diria, é acelerado. Enfim, o Sr. Deputado pode não partilhar do adjectivo, mas não creio é que tenha o direito de não partilhar do substantivo.
Mais: em alguns casos, não há atrasos, é raro o caso de atraso que seja do meu conhecimento, e como eu disse uma vez em relação ao Sr. Deputado Vicente Merendas, que fez aqui uma acusação de fraudes num determinado sector económico, ainda estou à espera das notícias concretas que o Sr. Deputado Vicente Merendas prometeu que faria o favor…

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Vou fazer-lhas chegar!

O Orador: - Sr. Deputado, continuo à espera! Cada vez que nos encontrarmos e isso vier a propósito, lembrar-lhe-ei, até que o Sr. Deputado faça o favor de mas fazer chegar, para eu cumprir o que lhe prometi, ou seja, mandar investigá-las uma a uma para se tirarem as conclusões que houver a tirar, naturalmente, respeitando a lei.
Quanto a si, Sr. Deputado Agostinho Lopes, deixe-me dizer-lhe a mesma coisa: aquilo que conheço do que se passou nas grandes superfícies foi uma intervenção concertada, persistente e prolongada da Inspecção-Geral do Trabalho (IGT), que transformou em trabalhadores por conta de outrem um número muito significativo de repositores, como são designados nessas empresas, o que se traduziu num acréscimo de descontos para a segurança social de milhões de contos. Não conheço dados sobre a inacção da IGT nas grandes superfícies, pelo contrário, como o Sr. Deputado não pode deixar de reconhecer, mudou a técnica de intervenção da IGT - é verdade que sim! - mas o mínimo que tem de reconhecer-se é que os resultados da acção subiram em termos que são bem medíveis pela forma como alguns empresários protestam contra o que entendem ser os excessos da IGT. E deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, que, há cinco anos, o senhor não via essas notícias nos jornais.
Quanto à "plumbémia", Sr. Deputado, a resposta está dada pelo Sr. Deputado! O que me disse foi que os serviços foram lá, constataram os factos e actuaram de acordo com a lei. Qual é o esclarecimento adicional que o Sr. Deputado deseja, que dependa das competências que me estão delegadas e que o Sr. Deputado não conhece? Não consegui entender.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - É a aceitação pelo Governo de uma situação absolutamente degradante! O ministério empurra para outro ministério e o problema continua!

O Orador: - Sr. Deputado, a única coisa que tenho para dizer-lhe diz respeito àquilo que é da minha competência. E, quanto à minha competência, a fundamentação da pergunta que o Sr. Deputado fez revelava, ela própria, uma actuação reiterada do IDICT e dos serviços competentes do ministério. Portanto, quanto a isso, nada mais tenho a acrescentar.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - E vão continuar!

A Sr.ª Presidente: - Agradeço a presença do Sr. Ministro e dos Srs. Secretários de Estado pelos esclarecimentos que prestaram à Comissão.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Sr.ª Presidente, posso só dizer uma coisa? O Sr. Ministro acabou por não me responder sobre qual foi a subida dos custos com as chefias! Não é com o pessoal! Já sei que o pessoal ganha mal, a pergunta é sobre a direcção!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

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O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade: - Sr. Deputado Agostinho Lopes, é muito interessante quando se fica sobre fogo cruzado, porque ainda há poucos dias, aqui, o líder partidário do PSD dizia que as pessoas da segurança social ganhavam demais, mas o Sr. Deputado pensa que ganham mal...
Mas deixe-me dizer-lhe uma coisa, para que nenhuma dúvida subsista: o Sr. Deputado tem uma presunção, que não é verdadeira e que os sindicatos da função pública lhe podem esclarecer.
E deixe-me dar-lhe uma novidade: no Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ISSS) vai haver contratação colectiva. Essa orientação já foi à dada à administração, porque entendemos que é importante, por respeito para com os direitos dos trabalhadores e para que esta questão se conclua de uma vez por todas, uma vez que a contratação colectiva não deixará nenhuma margem para dúvidas sobre regulamentos de carreiras e respeito por princípios e fundamentos. Isto para que a questão não esteja sempre a reaparecer nem a servir objectivamente o interesse que o Sr. Deputado não quer servir.
Portanto, Sr. Deputado, fique com esta última notícia de que haverá contratação colectiva no ISSS, e essa contratação colectiva "enterrará", como julgo que o Sr. Deputado reconhecerá, esta questão de uma vez por todas.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Ministro, efectivamente, não vamos discutir esse tema agora, porque senão eu diria que o que acabou de dizer não enterra nada mas, sim, desenterra muitas coisas; contudo, não é este o momento para o debatermos.
Agradeço a presença do Sr. Ministro e dos Srs. Secretários de Estado.
A próxima reunião realiza-se amanhã, às 10 horas.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 17 horas e 55 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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