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Sexta-feira, 22 de Julho de 1988 II Série - Número 29-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 27

Reunião do dia 9 de Junho de 1988

SUMÁRIO

Deu-se continuação à discussão do 9. ° relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 80.° a 90.º e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Costa Andrade (PSD), Maria da Assunção Esteves (PSD), Almeida Santos (PS), Jorge Lacão (PS), Octávio Teixeira (PCP), Raul Castro (ID), Miguel Macedo e Silva (PSD), Alberto Martins (PS) e Nogueira de Brito (CDS).

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O Sr. Presidente (Rui Machete) - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 11 horas.

Srs. Deputados, recordo-vos que havia uma pergunta que o Sr. Deputado José Magalhães queria fazer ao Sr. Deputado António Vitorino. Tinha sido feita uma pergunta pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, a qual ainda não tinha sido respondida porque se aguardava que fosse também colocada essa outra questão pelo Sr. Deputado José Magalhães. É, portanto, nesse momento que retomamos os trabalhos.

Tem á palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, suscitam-me algumas interrogações as considerações que teceu sobre as posições do PS em relação àquilo que devem ser as bases para uma reformulação do sistema económico português. O Sr. Deputado entende que devem ser tidos em conta certos factores, o primeiro dos quais - e creio que o mais determinante, no seu modo de ver as coisas- é a própria integração económica europeia e a adesão de Portugal às Comunidades. Por outro lado, faz uma determinada análise do sector empresarial do Estado Português, não tanto das suas origens e da sua evolução, mas do seu papel futuro e da sua lógica de reestruturação. Toma posição sobre aquilo que devem ser idealmente os limites desse sector empresarial do Estado, faz observações, e opõe limites também, à "fúria privatizadora" (que da parte do PS não será fúria, embora seja privatizadora), distingue entre isso e' a recomposição dos monopólios, rejeita a possibilidade de paz por via canibal (credo!), opondo-lhe a necessidade de um "arquétipo consensual negociado entre o PS e o PSD para a integração europeia" (estabelecendo-se entre os dois partidos uma solidariedade, não na "cruzada privatizadora", mas na concretização de soluções que "preparem Portugal para o mercado único").

Gostaria de sublinhar que não há confusão - da nossa parte não a estabelecemos - entre a posição do PS e a do PSD quanto a determinados temas. O PSD apresenta as reprivatizações com uma terapêutica infalível para aquilo a que chama os "prejuízos acumulados pelo sector empresarial do Estado", para a "falta de vocação do Estado para a gestão com sucesso de unidades económicas", etc. O PS não.

O Governo mistifica, de uma forma radicar e completa, que o sector empresarial do Estado não é uma coisa homogénea, da qual se possa falar como se cada uma das peças ou unidades fosse exactamente igual à outra, quanto à estrutura económico-financeira das empresas e quanto às suas finalidades próprias (quando sucede que algumas delas têm finalidades eminentemente sociais e, portanto, não podem nem devem ser administrativas). O PS não faz essa confusão, ao menos no fundamental.

O PSD escamoteia completamente a gestão, com sucesso empresarial, de algumas das maiores empresas públicas, como se constata, aliás, pela lista de "empresas atractivas" que o Governo, a dada altura, ventilou que deveriam ser reprivatizadas. O PS não.

O PSD omite as suas próprias responsabilidades - gravíssimas - na gestão do sistema e é até capaz de falar arrasadoramente (como o Sr. Deputado Rui Machete no debate de ontem) dos gestores, como se fossem eles os mais eminentemente responsáveis por uma situação de asfixia da capacidade de gestão autónoma das empresas, quando sabemos que aquilo que tem primado é a tutela asfixiante ou, mais do que asfixiante, até ingerente e substitutiva e que não tem havido, precisamente, um estatuto que permita uma gestão com uma margem de autoperspectivação que evite o uso do sector empresarial do Estado (SEE), para finalidades de cobertura de políticas governamentais, as mais conjunturais e as mais eleitoralistas que é possível imaginar. O PS não faz isso.

O PSD insiste na partidarização, no favoritismo e no nepotismo. O PS, pelos vistos, defende alguns gestores, cujos nomes constam ou foram omitidos de listas que o PSD pretendeu negociar em determinada altura, com resultados que ignoramos. Em todo o caso, o PS tem justas queixas em relação a uma política de perseguição de gestores ou de elementos responsáveis no sector empresarial do Estado por razões de cor política, pura e simplesmente.

Tudo isto nós sabemos! Só que a questão não está aqui, Sr. Deputado An tónio Vitorino. A questão está em que o PS se propõe abrir o dique e, quando nós obtemperamos que, abrir o dique, pode originar a enxurrada, o PS refugia-se num discurso abstractizante sobre o seu modelo e diz: "Não, não é nada disso. Abertura, sim, mas a nossa lógica aponta para a reestruturação e para a reformulação em bases saudáveis. A própria lei quadro deveria assegurar a não reconstituição de grupos económicos, o que até seria contrário às normas comunitárias. Há o Tribunal de Justiça e há novos meios. Não é o caminho da reconstituição dessas dinâmicas que o PS pretende."

Chega-se, então, a esta encruzilhada, perante a qual gostaria que o Sr. Deputado se posicionasse frontalmente: a lógica boa não é para aplicar e a lógica para aplicar não é boa. A lógica do PS, admitindo que é boa, não é para aplicar porque quem está no Governo é o PSD, que domina posições fulcrais do sistema político numa determinada conjuntura - e pretende usá-lo, de resto, para destruir o SEE e, em geral, escavacar a Constituição. Por sua vez, a lógica do PSD, que é a lógica para aplicar, não é boa. Assim, o PS, ao dispor-se para a "abertura", responsabiliza-se, não pelo seu modelo abstracto, mas pelas consequências concretas e fácticas dessa "concreta" abertura, cuja prognose nós podemos fazer já aqui.

É por isso, Sr. Deputado, que lhe pergunto: abertura nessas condições, para que solução? O Sr. Deputado António Vitorino diz-me: "Não dramatizemos. A situação em que o PCP está é que é a da mais difícil saída." Mas pergunto: como é possível dizer que é para o PCP que existe um conjunto de condições de difícil saída?! Que visão, tão particularizada, no sentido mais estritamente competitivo, é que está subjacente a uma tal afirmação?!

Qual será o rumo do sistema económico português se se aceitar "trocar" o artigo 83.°, tal qual se encontra configurado, por um artigo com o desenho que o Sr. Deputado Rui Machete ontem nos trouxe? Isto é: Constituição esvaziada e eventualmente inchada de coisa nenhuma; lei quadro por maioria ordinária e a eventual fiscalização preventiva desse diploma alargada a um grupo de deputados eventualmente nutrido. Não sei quem quererá ser juiz do Tribunal Constitucional

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nestas condições e fazer este juízo sobre a lei quadro das privatizações, mas talvez o Sr. Deputado António Vitorino possa responder-me.

Finalmente, gostava de perguntar ao Sr. Deputado António Vitorino como é que equaciona toda a problemática do artigo 83.° face à mais recente jurisprudência constitucional.

O Sr. Presidente: - Finalmente tivemos a pergunta!

O Sr. António Vitorino (PS): - Qual a mais recente?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Face ao Acórdão n.° 108/88.

O Sr. António Vitorino (PS): - Qual o assunto desse acórdão? A minha memória é péssima...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, é o acórdão sobre a, assim chamada, "lei dos 49%".

O Sr. António Vitorino (PS): - Quanto às perguntas que foram ontem formuladas pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, o preâmbulo do nosso projecto afirma - e eu reafirmei-o claramente na minha intervenção - que quer a adesão de Portugal às Comunidades Europeias quer as responsabilidades assumidas pelo Estado Português no Acto Único Europeu, tendo em vista a construção do grande mercado interno europeu em 1992, não comportam por si próprias, directamente, quaisquer imposições que obriguem ipso jure a introduzir alterações na Constituição Portuguesa e, portanto, todo o debate que aqui estamos a travar é um debate que não se situa preferencialmente no terreno técnico-jurídico, mas que se situa, essencialmente, no terreno político, onde releva mais a vontade política dos protagonistas e as respectivas estratégias de política económica do que propriamente qualquer imposição de natureza jurídica decorrente das responsabilidades inerentes à participação de Portugal numa organização supranacional.

Os desafios da integração europeia que se colocam hoje em dia são desafios típicos de uma fase de transição entre o primeiro e o segundo períodos da adesão. O primeiro período caracteriza-se por ser um período onde Portugal tem beneficiado de um conjunto de condições favoráveis em virtude dos termos do Tratado de Adesão e em virtude de algumas concessões que foram obtidas posteriormente à adesão nas instâncias comunitárias em que participamos. O segundo período, do qual nos estamos progressivamente a aproximar, é, naturalmente, o período mais difícil e mais complexo e aquele onde algumas dessas condições favoráveis do primeiro período tenderão a desaparecer, sendo progressivamente derrogados os regimes de excepção negociados e tendo, por isso, a economia portuguesa de se confrontar não só com o quadro actual da economia comunitária, mas sobretudo com o desafio da dinâmica evolutiva dessa própria economia comunitária.

Esse desafio consiste essencialmente na construção de um grande mercado interno em 1992, a partir do qual se produzirá uma alteração significativa das próprias regras comunitárias em matéria de política económica e em matéria, designadamente, de política de concorrência. A plena utilização dos instrumentos de política económica constitucionalmente consentidos deve permitir o apetrechamento da economia portuguesa para enfrentar, em condições de maior e de melhor competitividade, esses desafios do mercado interno de 1992 e não creio, sinceramente, que bastasse para obter esse desiderato utilizar o instrumento da abertura dos sectores vedados à iniciativa privada, como referiu ontem o Sr. Deputado Octávio Teixeira. Isto é: a alteração da Lei de Delimitação de Sectores, em condições que teremos ocasião, dentro em breve, de discutir e que, na óptica do PS, não são decididamente todas aquelas que o Governo acabou de propor à Assembleia da República, através de uma proposta que, neste momento, está pendente de apreciação, é um instrumento importante, mas é apenas uma das componentes dessa estratégia de reformulação da economia nacional, sendo outra, sem dúvida, a das privatizações. Ora, o PS apresentou-se ao eleitorado com uma opção política clara e inequívoca, em que se preconizava que se deveriam privatizar algumas das empresas públicas e nacionalizadas após 25 de Abril de 1974 - e, naturalmente, estamos a referir apenas as directamente nacionalizadas, pois que é delas apenas que cura o artigo 83.° da Constituição. Pelo que, para nós, a conjugação desses dois instrumentos permitirá adaptar melhor a economia portuguesa às regras de concorrência mais exigentes que vão resultar da instauração do mercado único europeu em 1992.

É óbvio e evidente que o PS, quando defendeu as privatizações, fê-lo dentro de uma lógica global de reestruturação do sector empresarial do Estado, não havendo, portanto, a menor confusão entre aquilo que são as privatizações que nós preconizamos e aquilo que são as estratégias privatizadoras de outros partidos políticos, designadamente do PSD. E, como referiu o Sr. Deputado Octávio Teixeira, que é um cultor atento dessas matérias, o PS defendeu simultaneamente a reestruturação do sector empresarial do Estado, assente em três grandes holdings estaduais que permitiriam, através de agrupamentos de empresas, não apenas numa perspectiva vertical, mas também numa perspectiva horizontal, criar, dentro do sector público empresarial do Estado, três grupos económicos fortes, competitivos e capazes de enfrentar o impacte da penetração do capital estrangeiro em Portugal e também o desafio da expansão das estruturas económicas empresariais portuguesas no quadro comunitário.

Esse é o projecto do PS e é, naturalmente, o projecto por que nos bateremos, pelo qual nos continuaremos a bater e insistiremos na contraposição desse projecto, que para nós é um projecto claro, àquilo que nos parece ser a grande confusão das posições do governo do PSD em matéria de privatizações - se não confusão, pelo menos a omissão de critérios claros de estratégia de política de privatizações -, pois as críticas que fazemos ao governo do PSD são não apenas críticas que decorrem do facto de este governo não ser claro, em nosso entender, na definição de critérios de privatizações, mas também de não ser claro na própria estratégia política com que encara o próprio processo de privatizações.

Os episódios verificados em torno da lei daí privatizações a 49% demonstram que o Governo tem uma política "ziguezagueante" em matéria de privatizações

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e uma política que, neste momento, não é sequer tributária de uma lógica coerente de privatizações, fosse essa lógica qual fosse.

Por outro lado, o Sr. Deputado José Magalhães defendeu os seus pontos de vista sobre esta temática usando uma argumentação, aliás interessantíssima, que assenta numa lógica que não partilho e que nunca partilharei, mas que decerto ficará nos anais desta Comissão, porque sublinha um dilema que o Sr. Deputado José Magalhães quis colocar ao PS e que resulta da seguinte ordem de considerações: "A vontade popular e o sufrágio universal só são bons até um certo ponto; a partir desse ponto, o sufrágio já não tem validade, porque se põe em causa a bondade dos seus fins últimos."

Colocando o dilema mais claramente, o Sr. Deputado José Magalhães, no fundo, diz: "Os senhores do PS vão abrir a comporta das privatizações e fazem-no como meninos do coro bem-educados, em nome de deixar fluir a água para um rio com um caudal controlado, com margem esquerda e margem direita bem delimitadas, que escorra docemente até à foz. Ora, não é nada disso o que se vai passar. O que Se vai passar é que os senhores do PS vão colaborar num processo de dinamitagem do dique do artigo 83.°, o que vai dar origem a uma enxurrada avassaladora de privatizações, após o que não ficará campo de seara nenhum para recordar o que eram esses bons tempos do antigamente em que o sector empresarial do Estado era forte, pujante e extenso." O Sr. Deputado José Magalhães coloca o PS perante uma alternativa de chantagem - e o termo é forte, mas é este- ao dizer que a legitimidade democrática para rever o artigo 83.° é muito importante e, como são necessários dois terços, o PS aparece como imprescindível e detentor da decisão última sobre essa matéria, mas como, uma vez eliminado o artigo 83.°, para fazer as privatizações em concreto já não é necessário obter esses dois terços, ou, pelo menos, não será necessária a obtenção dos dois terços para todos os aspectos do processo das privatizações, então o PS, das duas uma: ou só poderia colaborar na alteração do artigo 83.° se dissesse ao PSD "nós votamos o artigo 83.°, mas somos nós, PS, que fazemos as privatizações, em concreto", o que seria defraudar a lógica do sufrágio e a legitimidade da vontade popular, porque, como é evidente, quem tem as responsabilidades de governação é o PSD, que para tal foi legitimado por sufrágio popular; ou então, em alternativa, o PS diria "como nós não temos a responsabilidade de fazer as privatizações, hão alteramos o artigo 83.° da Constituição, esse artigo fica assim até sermos poder e, quando isso acontecer, aceitaremos alterar o artigo 83.° da Constituição, porque só então teremos a garantia de que somos nós a controlar o processo das privatizações".

Ora, isto é um dilema kafkiano e um dilema que assenta na negação dos pressupostos e dos fundamentos do próprio Estado de direito democrático! O que o PS diz, por contraponto a esta lógica da chantagem, é que entendemos que há regras estruturantes do sistema económico sobre as quais deve haver um amplo consenso, as quais compreendem os fundamentos do processo de privatizações, ou seja, as grandes linhas de força desse processo, e por isso defendemos que essas grandes linhas de força devem ser objecto de uma lei quadro, a aprovar por dois terços dos deputados na Assembleia da República. Mas, naturalmente, na nossa óptica essa lei quadro não é uma lei que defraude a legitimidade decorrente do sufrágio ou que impeça a actuação de quem foi legitimado pelo povo para governar e para aplicar um programa de privatizações pelo qual terá de ser responsabilizado perante a opinião pública, pelo que de bem ou de mal fizer, pelo rio bem comportado ou pela enxurrada avassaladora, pelos ribeiros e riachos que venha ou não a consentir, e até propiciar. Ou seja: uma vez alterado o artigo 83.°, com condições e segundo princípios, a questão das privatizações em concreto passa a depender do livre jogo do exercício da vontade popular e da alternância no exercício do poder político.

O PS aspira legitimamente a ser poder em Portugal. Portanto, entende que, uma vez alterado o artigo 83.° segundo condições de base definidas quanto a alguns dos critérios dessas privatizações, o PS poderá aplicar o seu programa de reestruturação do sector empresarial do Estado quando o povo português lhe der o voto para poder voltar a ser governo. E nem se diga que se trata de uma intenção pia, na medida em que, como é evidente, quem privatiza hoje nacionaliza amanhã, e este trauma que existe sobre como foram feitas as nacionalizações em 1975 em nosso entender não ilegítima, de maneira nenhuma, o instrumento da política económica que são as nacionalizações. Amanhã poderão ser feitas outras nacionalizações de forma correcta, adequada, coerente e coordenada, com uma estratégia económica global legitimada pelo povo.

Um último apontamento: eu não disse que a situação de difícil saída para o PCP resultava do problema das privatizações; o que disse ontem foi que o Sr. Deputado José Magalhães tinha deste debate tirado conclusões que não resultavam directamente dele, mas que eram conclusões trazidas de casa, preparadas, eram um retrato prévio que estava feito acerca do que estava suposto ser ou esperava tivesse sido este debate, mas que acabou por não ser. Como o debate não correu nos precisos termos em que V. Exa. supunha que ia correr, naturalmente que não pude deixar de anotar um contraste entre as conclusões que tirou e o tem do próprio debate. Esse contraste é que constitui em meu entender uma saída difícil para o PCP. Sobre as privatizações nós já sabemos que o PCP é contra. Pelo que o Sr. Deputado José Magalhães se empenhou com especial cuidado em sintetizar a intervenção do Sr. Deputado Rui Machete dizendo três coisas: que o Sr. Deputado Rui Machete fizera uma intervenção onde admitia que na Constituição ficassem algumas normas referentes ao processo das privatizações...

O Sr. José Magalhães (PCP): - ...de baixa densidade.

O Sr. António Vitorino (PS): - ... de baixa densidade,... balofas até!...

Mas aí teve a preocupação de qualificá-las a priori, sem saber quais são, porque em nada se avançou no sentido de definir o seu conteúdo. O que V. Exa. fez foi um processo de intenções, e cada um pode fazer os processos de intenções que quiser, mas também tem é de assumir a responsabilidade de estar a fazer um processo desse tipo. Neste caso, o Sr. Deputado teve a preocupação de qualificar a solução avançada como

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balofa, como coisa de somenos importância, sem valor de troca, muito menos valor de uso. A seguir, disse que quanto à questão da aprovação seria por maioria simples, leia-se "derrota em toda a linha do PS e aniquilação do sector empresarial do Estado". Esta conclusão do Sr. Deputado José Magalhães não é inocente, como não é inocente nada do que o Sr. Deputado José Magalhães faz nesta Comissão. Esta conclusão é um preconceito em relação a esta temática e um investimento táctico na obtenção de dividendos de natureza partidária, que o PCP pretende retirar da questão da alteração do artigo 83.°, em sede de revisão constitucional. Nós achamos que o PCP faz o seu papel, faz o seu jogo partidário, e pela nossa parte apenas nos limitamos a chamar a atenção para esse facto:

O Sr. Presidente: - Há dois deputados inscritos antes. V. Exa. pede a palavra para fazer exactamente o quê?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, eu gostaria de fazer um protesto, porque há uma frase do Sr. Deputado António Vitorino que o merece. Só raramente tenho exercido o direito de protesto nesta Comissão,...

O Sr. Presidente: - Em termos formais assim é.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - ... por razões que todos os Srs. Deputados conhecem e certamente aceitarão.

Vou protestar em relação a um aspecto da intervenção do Sr. Deputado António Vitorino, porque ele me parece extremamente preocupante, bem revelador do posicionamento e do relacionamento entre as formações partidárias com assento na Comissão.

Lembro-me que, quando o responsável máximo pelo PSD anunciou publicamente o convite ao PS para a realização de uma reunião de trabalho, que começou por ser qualificada de cimeira e depois passou a ser qualificada de outra maneira, o secretário-geral do PS não usou em relação a esse convite nenhum qualificativo mais grave do que este: "o convite é calunioso" ou "vem rodeado de observações caluniosas". Nunca em nenhum momento o PS utilizou a palavra "chantagem" em relação a esse convite, e em relação à postura do PSD em tudo o que diz respeito ao relacionamento com outros partidos na revisão constitucional. Curiosamente, a palavra "chantagem" surge na boca do Sr. Deputado António Vitorino para qualificar as apreensões críticas e observações que aqui formulei em nome do grupo parlamentar do PCP. E isso é que eu acho realmente invulgar!

Que diferença extraordinária de tem, que diferença extraordinária de posicionamento numa questão em que era suposto a precisa e inversa atitude e postura! É perfeitamente possível que o PSD dirija publicamente ao PS a acusação de estar empenhado na "obstrução" à revisão constitucional; de "não querer" uma Constituição para todos os portugueses e mais alguns; de não aceitar tudo o que seria necessário para salvar a Pátria durante os próximos séculos no mínimo; e o PS responder a isso com uma simples adjectivação de "isso é um tanto calunioso, vejam lá se reformulam os termos para nos podermos sentar à mesa das negociações". Quando nós, pela nossa parte, alertamos em relação a uma das questões mais relevantes do processo de revisão constitucional e em relação às consequências da política de demolição do Governo (que não é uma política utópica, lírica ou palavrosa, é uma política prática com múltiplos afloramentos destrutivos todos os dias - alguns dos quais o PS critica), a resposta do PS é a que o Sr. Deputado António Vitorino aqui deu: o PCP "quer chantagem", "dilemas kafkianos", etc.

Lamento profundamente, mais até do que protesto, que essa postura seja adoptada. Primeiro, por tudo o que enunciei, na minha pergunta e, em segundo lugar, e ao que agora mais importa, porque o dilema não é kafkiano, ou, se é kafkiano, é para Portugal, inclusive face aos tais desafios do mercado único, uma vez que este será uma coisa com o sector empresarial do Estado reestruturado e numa determinada lógica, e será outra completamente diferente, com transnacionais dominando a economia portuguesa e com o sector público português reduzido a uma ínfima dimensão ou colocado na situação ou com o papel que o Primeiro-Ministro imagina para ele. A questão está em saber qual é a posição do PS: se de capitulação e de cedência em relação a isso ou se de resistência, dentro do seu programa, dentro da sua lógica, que não é a nossa, que é a sua, como é óbvio. É impossível apelar a uma homogenia ou homologia de lógicas, mas a questão é que há uma fronteira. Em que lado da fronteira é que nos colocamos? Como é que é possível dizer-se que nós, PCP, fazemos o raciocínio do género "o PS tem a chave do artigo 83.°, logo deve exigir ao PSD que lhe permita que seja ele, PS, a substituir-se à vontade popular e determinar o rumo concreto das nacionalizações". E diz o Sr. Deputado: "Não podemos fazer isso!" Mas isso é autenticamente repetir a argumentação do Ministro Fernando Nogueira em "vitorinês". É precisamente esse o argumento do PSD, não é outro. O argumento do PSD é: "a vontade popular consagrou o nossos programa...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Aí tem razão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - ... e portanto esse programa deve sobrepor-se à Constituição e deve sobrepor-se até ao Tribunal Constitucional", como revelou a tal comunicação a quem os "cavacolatras" prestam homenagem. É esse o perigo, é essa a dimensão do perigo! Porquê construir isso em termos de dilema kafkiano? Que é um dilema não tenho dúvida nenhuma. Então defrauda a lógica do sufrágio recusar o desmantelamento do artigo 83.°? Defrauda a lógica do sufrágio recusar a enxurrada? Em que fica o PS? Quanto ao que seja a enxurrada, entendamo-nos: temos consciência de que na cena política portuguesa não há propriamente aquilo que há à frente da grande barragem em que "roto o dique aí vem a água"; há forças sociais, há movimentos sociais, há movimentos políticos, há forças políticas, há um contracaudal, como aliás se tem visto, pese embora o cepticismo de alguns. Não vemos todo o processo como uma enxurrada, automática, absolutamente irresistível, a "grande torrente cavaquista", que aí vem, inundou tudo ("até logo, está tudo perdido"). Nada disso! Não é essa a nossa visão; pôr isso na nossa boca obviamente é completamente incorrespondente à verdade.

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O meu protesto, Sr. Deputado António Vitorino e Srs. Deputados do PS, é que nos parece impressionante que encarem tudo o que o Sr. Deputado ontem nos revelou - não era novidade para VV. Exas., mas é-o para nós - como uma grande vitória, isto é, como um saldo razoável.

Trazia eu, porventura, de casa o retrato acabado, "em família", dos resultados da cimeira? Eu estava aqui de ouvidos absolutamente abertos procurando apurar com todo o rigor aquilo a que os Srs. Deputados pudessem ter chegado. Sucede que a novidade foi importante e nós assinalámo-la! Realmente também não somos inocentes, isso é verdade. A novidade é que esse quadro de normas que não conhecemos (o Sr. Deputado Almeida Santos diria "os Srs. Deputados não o conhecem, portanto calem-se, não falem nisso antes de conhecerem") deixa-nos, pelos indícios que dele há, uma inquietação justa. Tomando também o PSD por não ingénuo, nem tolo, e não fazendo de ninguém, inocente, o conteúdo dessas normas preocupa-nos, porque não as vemos nutridas e de alta densidade, por aquilo que o Sr. Deputado Rui Machete disse.

Se o Sr. Deputado António Vitorino me disser o contrário, eu acredito (nem queria acreditar noutra coisa!), mas não as vemos nutridas e de alta densidade, nem vemos que essa solução do género lei quadro por maioria simples e o eleitorado que veja) seja satisfatória, porque, como os Srs. Deputados sabem, o PSD pretende condicionar o próprio eleitorado e não é por meios meigos, lá conversaremos na altura própria sobre a lei eleitoral.

Por todas estas considerações, devo dizer, Sr. Presidente, que não foi a mim mesquinha de dividendos políticos, tal qual foi aqui afirmado, que nos moveu. Foi, naturalmente, a preocupação face ao que está em causa e face à posição do PS nesta encruzilhada. Exercemos um direito de crítica que nenhum de nós pode, democraticamente, deixar de exercer se entender correcto. Eis as considerações que não posso deixar de formular!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães, para protesto, ultrapassou o tempo regimental largamente. Fez uma intervenção, portanto com preterição dos oradores inscritos, mas...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço desculpa. Não era essa a intenção.

O Sr. Presidente: - Não vamos ser formalistas. Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, sem querer finalizar este debate, e sem o querer crispar, diria apenas três coisas.

Percebo que V. Exa. tenha sentido a necessidade de fazer um protesto e essa necessidade justifica-se por razões várias, não decerto pela comparação completamente descabida de mudança de tem ou diferença de tem entre a reacção do PS às declarações do Sr. Ministro Capucho quando fez o convite que fez ao PS e a diferença de tem da minha resposta ao Sr. Deputado José Magalhães sobre esta matéria.

O Sr. José Magalhães (PCP): - ... disse chantagem.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não disse que o PCP estava a fazer chantagem sobre o PS. O que afirmei foi que o PCP preconizava que o PS utilizasse em relação ao artigo 83.° uma lógica de chantagem, do tipo: "Ou aceitam que sejamos nós a fazer as privatizações nos nossos termos, e então aceitaremos alterar o artigo 83.°, ou, caso contrário, não haverá alteração ao artigo 83.°" Esta seria sem dúvida uma lógica de chantagem e é a que aparentemente o PCP entendia que nós, PS, devíamos adoptar em relação ao artigo 83.° Logo reafirmo que compreendo a necessidade de V. Exa. de fazer esse protesto, e de o fazer nos termos em que o fez.

Por outro lado, ontem eu não identifiquei naquilo que o Sr. Presidente afirmou uma solução alternativa para o artigo 83.° que representasse uma grande vitória do PS. Não o disse e não o encontro em nenhuma das minhas intervenções sobre o artigo 83.° O que ontem fiz foi sublinhar que tínhamos tomado nota de qual era a margem de flexibilidade do PSD nesta matéria, mas daí não decorre que haja qualquer acordo PS-PSD sobre a alteração do artigo 83,° na base do que o Sr. Deputado Rui Machete disse. Não vale a pena o Sr. Deputado José Magalhães querer retirar ilações sem fundamento. O Sr. Deputado Almeida Santos teve mesmo ocasião de explicitar qual era também a margem de flexibilidade do PS em relação ao artigo 83.° Continuamos a considerar que se justifica a existência de uma lei quadro, aprovada por uma maioria de dois terços, e que essa lei quadro aprovada por dois terços não pretendia subtrair ao Governo e à maioria parlamentar as responsabilidades no processo concreto das privatizações, e entendemos que esta margem de flexibilidade é uma base de aproximação para uma solução que vise a alteração do artigo 83.°, mas não é ela própria, nem de um lado nem do outro, neste momento, uma solução acabada ou uma alternativa para todas as vertentes das propostas que estão em cima da mesa.

A prova mais cabal da nossa abertura ao diálogo com todas as forças partidárias é o facto de nós sempre termos discutido todas as questões aqui, empenhadamente, sem trazer soluções ready made, sem trazer para aqui soluções tipo "pronto-a-vestir", sem vir para aqui dizer que o acordo sobre o artigo 83.° não se forja na Comissão mas sim fora da Comissão. Aliás, todo o debate que foi aqui travado acerca do artigo 83.° é a prova mais evidente e mais cabal de que é na Comissão Eventural para a Revisão Constitucional que a questão é aquacionada, que é na Comissão que a questão é escalpelizada e que terá de ser aqui na Comissão que se terão de forjar os acordos em matéria de revisão constitucional. Compreendo que isso custe um pouco a V. Exa., porque em face do debate não lhe será possível invocar o fantasma das cimeiras interpartidárias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Queria apenas fazer algumas considerações para esclarecer melhor, na medida do necessário, a posição do PSD nesta matéria. É um esclarecimento que se me afigura necessário, tanto mais quanto o Sr. Deputado José Magalhães, na sua intervenção (não na última, mas na primeira que

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fez esta manhã e que iniciou os debates), retratou a posição do PSD em termos que considero inadequados e distanciados da verdade. Disse o Sr. Deputado que a posição do PSD era extremamente simples, pois via as privatizações como uma terapêutica universal para os problemas que afligem a economia portuguesa; que o PSD escamoteia a gestão com sucesso nalgumas empresas públicas; que o PSD trará uma enxurrada de privatizações.

Penso que o que estamos aqui a fazer não é discutir uma política de privatizações ou de nacionalizações; estamos aqui a rever a Constituição, e as nossas referências em concreto a eventos relativos à condução da política por um dado governo - este ou qualquer outro- devem interpretar-se sempre como meros tópicos argumentativos, que não contendem com o essencial. O essencial que aqui nos move é rever a Constituição, nomeadamente a parte económica, e revê-la da nossa parte com o arquétipo que sempre temos definido e ao qual não fugimos. Gostaríamos - é esse o nosso arquétipo e por isso nos bateremos na medida das nossas forças e possibilidades - de dotar o País de uma Constituição que, na parte económica, permita que qualquer Governo legitimado pelo sufrágio popular ponha em prática o seu programa. Batemo-nos por uma revisão que, na parte económica, permita ao PCP tanto manter as nacionalizações como fazer outras; ao PS solidarizar-se nalgumas privatizações; para depois eventualmente fazer novas nacionalizações; ao PSD executar o programa para que foi legitimado por sufrágio directo; ao CDS e a outros partidos executar os respectivos programas.

Parece-me que as referências insistentemente feitas à condução concreta da política podem desviar-nos do verdadeiro problema que aqui está em causa. O verdadeiro problema é precisamente esse. E penso que o PCP comete um erro, do ponto de vista até do próprio processo democrático, ao encarar as coisas como uma redução da complexidade já feita. Está a fazer-se a revisão da Constituição, que vai ser feita na base deste pressuposto: O Governo é o PSD, o PSD é o Governo, e continuará a sê-lo.

Penso que o legislador constituinte não pode colocar-se nesta posição, sob pena de vir a tornar-se protagonista de uma profecia que se cumpre a si mesma, e nós não gostaríamos que o texto e os debates constitucionais fossem a premissa de uma profecia política que se cumpre a si mesma. Entendemos que à legitimidade democrática é essencial um elemento de álea. Sem a álea, sem o risco, sem a possibilidade de ganhar ou perder eleições, não há democracia. Admitimos que o PCP possa ganhar eleições e deixa-nos profundamente chocados a possibilidade de o PCP só falar em contracaudal, em resistência. O PCP já desesperou de ganhar eleições em Portugal? O PCP já desistiu dos "amanhãs que cantam"? O PCP não vai ser poder em Portugal? O PCP não acredita nisso? O PCP acredita que o PSD será sempre governo? Não pensa que isso é extremamente empobrecedor do ponto de vista do legislador constituinte de um Estado de direito democrático, em Portugal, em 1988?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pretendia fazer uma pergunta extremamente rápida ao Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Oxalá cumpra!

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio, Sr. Deputado Costa Andrade, que é extremamente difícil fazer o debate do artigo 83.° omitindo o impacte do recente acórdão do Tribunal Constitucional. O Sr. Deputado António Vitorino conseguiu-o, curiosamente (até agora; admito que ele ainda regresse aos trabalhos!), e fez o debate prescindindo da resposta à última questão que eu tinha equacionado, qual seja a do Acórdão n.° 108/88. Agora o Sr. Deputado Costa Andrade dá um passo em frente e procura que o debate se faça prescindindo da política concreta de privatizações, o que é realmente um mergulho na mais completa abstracção.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não é verdade, Sr. Deputado. O Sr. Deputado deve habituar-se a raciocinar e a responder aos demais deputados na base de uma interpretação mais chegada à realidade das posições que pretende comentar e a partir das quais quer formular perguntas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, esforço-me por aplicar às suas intervenções o próprio artigo 9.° do Código Civil! Presumo que V. Exa. se exprimiu da melhor forma e que encontrou as soluções mais acertadas dentro do género PSD... Só que não consigo deixar de chegar a algumas conclusões como estas - V. Exa. desmentir-me-á se realmente elas forem tão grosseiramente inverdadeiras ou descorrespondentes que o choquem na sua sensibilidade e na sua deontologia pessoal.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não falei em "grosseiro", Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu resumo e concluo. Qual é o verdadeiro problema? - interrogava-se o Sr. Deputado Costa Andrade. O problema - dizia - é encontrar um determinado arquétipo constitucional. Arquétipo que V. Exa. desenhava -imagino eu- fundado numa certa comunidade de pontos de vista, partilhada até certo ponto e não mais, e da qual entendia até que o PCP não deveria dessolidarizar-se, não deveria afastar-se...

É evidente que V. Exa. tem razão num ponto: ninguém conhece a política de privatizações do Governo, ninguém conhece o seu programa privatizador. Todos conhecemos o Programa do Governo, temos todos a obrigação de o ter lido e sabemos o que o Governo lá propõe: ou seja, x coisas até à revisão da Constituição e y coisas depois da revisão constitucional, dependente este y do resultado da revisão constitucional, resultado esse que por sua vez depende do coeficiente n, no qual o PS tem obviamente uma responsabilidade específica no quadro da responsabilidade de outras forças e partidos democráticos. Mas ninguém conhece - e o Sr. Deputado Costa Andrade já revelou também o seu desconhecimento em debates no Plenário - aquilo que na alma íntima do Primeiro-Ministro vai relativa-

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mente ao programa privatizador. Quanto a isso, as críticas públicas vêm de todos os quadrantes. O Sr. Deputado terá estado ou não presente, mas conhece seguramente o saldo do encontro que teve lugar recentemente, no mês de Março, promovido pelo Banco Português de Investimento, sobre as privatizações e, se tiver acesso aos trabalhos aí desenvolvidos, verá as interrogações, dúvidas e perplexidades que a política do Governo suscita até nesses quadrantes. Se ler todas as semanas os semanários económicos, aí encontrará não só os pontos de interrogação sobre esta matéria (e não me refiro apenas aos do CDS - que aí fala, embora não o faça nesta Comissão), mas também aos de outros quadrantes e de outras entidades, criticando a incógnita que é a política privatizadora do Primeiro-Ministro e do PSD.

Consequentemente, o Sr. Deputado não nos pode pedir que não façamos um prognóstico e uma crítica e que nos disponhamos a discutir o artigo 83.° a latere ou com abstracção dos rumos concretos da política privatizadora, da "fúria privatizadora", que o Sr. Deputado Rui Machete qualificava de "moda". Sabemos lá! Sabe lá S. Exa.! Tem alguma ideia disso? Não tem, não pode ter! Quem é que conduz o processo privatizador? È o presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional ou o Ministro Cadilhe, ou outro ministro qualquer, ou o Primeiro-Ministro? Essa é que é a questão. Portanto, Sr. Deputado Costa Andrade, eu pergunto-lhe: como é que nos faz esse convite à ingenuidade, para já não dizer à estultícia política? Quer que nós fechemos os olhos à realidade e aos instrumentos de poder que o PSD quer obter?

A segunda e última questão relaciona-se com o pressuposto fatal que brandiu contra o PCP. O pressuposto fatal é este: "Então os senhores admitem que o PSD vai ser governo até ao terceiro milénio? Então os senhores têm esse pessimismo vencidista, os senhores indisponibilizam-se para ser poder, os senhores autocastram-se? Mas isso é uma política verdadeiramente suicidaria! Então o PCP não pode ganhar eleições?"

Sucede que VV. Exas. dizem-nos no Plenário, todos os dias, o contrário. Mas é obviamente para desmotivar e nós não ligamos... Mas o Sr. Deputado Costa Andrade faz agora o raciocínio invertido, o raciocínio contrário. Que lhe seja permitido como estão pessoal, mas francamente conduz ao mesmo resultado. Na realidade, a questão é que o PSD quer tanto manter-se no poder até ao terceiro milénio, no mínimo - ainda há o quarto -, que pretende distorcer regras de jogo em relação a aspectos basilares. Vimos isso recentemente na Lei da Rádio, em que a ideia de controlar por um novo sistema o espaço radioeléctrico era evidente, em que a apetência e a gula eram patentes; vimos isso em relação ao recenseamento - aí mordeu dentes na pedra -; vimos isso em relação à legislação eleitoral, etc.... Portanto, o Sr. Deputado Costa Andrade não nos deve tomar por ingénuos! O PSD tem de responder por tudo o que propõe e pretende, ou então V. Exa. fará aqui como fez relativamente à comunicação do Primeiro-Ministro: "deixa cair", isto é, diz: "A gente diz isso, mas eu não penso bem assim, é outra coisa qualquer, o PSD vai noutro rumo. Os senhores não se preocupem, estejam descansados, porque não temos essas intenções." Sr. Deputado Costa Andrade, não estamos nada descansados e receio que nada do que V. Exa. diga nos pudesse descansar.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Eu gostava muito, Sr. Deputado, mas a sua intervenção deixa-me em dificuldades muito grandes, porque não me parece ser possível encarar estas coisas com mais contradições do que aquelas em que o Sr. Deputado acaba de cair. Por um lado, admite que esta política económica do Governo - e de política económica estamos a falar ou, melhor, de política se fala no contexto da revisão da constituição económica - é uma catástrofe, que é criticada por tudo e todos, ouvindo-se em cada esquina um grito contra essa política. Ao mesmo tempo, porém, o Sr. Deputado reconhece que com esta política económica - só falo da política económica, mas a seu tempo falaremos de outras coisas - o Governo estará no poder até ao terceiro milénio.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu não disse isso, Sr. Deputado. Quer manter-se, apesar de tudo e contra tudo, ou, como o Sr. Primeiro-Ministro disse na sua intervenção televisiva famosa, "o povo não percebe mas tem de aguentar!". É esta a ideia. Quebra de popularidade? "É um aborrecimento", "não nos percebem", e tal...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Pela boca do Sr. Deputado, o PCP vê em cada esquina um grito de protesto e de revolta contra a política económica do Governo. Ao mesmo tempo, o PCP receia que, a avançarem as propostas de revisão constitucional em matéria de organização económica apresentadas pelo Governo, e a plasmarem-se na prática os programas do Governo legitimados pelo voto democrático em matéria económica, o PSD se mantenha no Governo até ao terceiro milénio.

Sr. Deputado, eu não acreditava nisso...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu também não, aliás.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas, se acreditasse nisso, reconfortava-me na minha convicção de que as propostas que apresentamos em matéria de organização económica da Constituição são boas.

A outra questão reside no facto de o Sr. Deputado referir que no Plenário dizemos que o PCP nunca será maioria e aqui, num gesto de alguma ingenuidade, admiti a possibilidade contrária. Sr. Deputado, como legislador constituinte tenho de admitir essa possibilidade. Sou aqui um legislador constituinte, ou uma parcela do legislador constituinte. Nesse sentido, tenho de raciocinar com base na ideia de que qualquer força política pode vir a ser maioria, embora como agente político concreto faça tudo para que, horribile dictu, o PCP nunca seja poder. Como legislador constituinte, porém, tenho de admitir tal possibilidade e raciocinar nessa base. O PCP, o CDS, o PS e o PSD, qualquer deles pode ser governo. Na Constituição, tenho de preparar o horizonte constitucional que permita que essas forças políticas possam ser governo. Tenho de partir dessa abertura. Se o Sr. Deputado não parte, o problema não é meu, mas de V. Exa....

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, isso é a teoria do sistema aberto. Nós sabemos que há sistemas abertos, mas são mais abertos para uns e um tanto abertos para outros. A questão

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é que no projecto do PSD não vejo configurada essa abertura enorme em que esteja abrangido o cenário do PCP no Governo. Por uma razão simples: se o admitissem minimanente, proporiam ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Então, o Sr. Deputado não reparou que deixámos à lei a possibilidade de se fazerem nacionalizações, propositadamente, para quando o PCP for governo? Pelo menos, propusemos no artigo 82.° que a lei determinasse os meios e as formas de intervenção e de nacionalização. O PCP, quando for governo, pode utilizá-lo...

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado está a assustar o CDS...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Oxalá que um dia o PCP seja governo!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade admite sempre democraticamente as alternativas. E o problema assume particular relevância quando há exercício do poder por partidos que têm uma visão escatológica.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faria incidir a minha intervenção sobre uma parte da proposta do PS que diz respeito às privatizações e, em particular, sobre a necessidade apontada pelo PS de uma lei quadro de reprivatizações ter de vir a ser aprovada por maioria qualificada de dois terços. Esta questão foi abordada pelo Sr. Deputado Almeida Santos, referida de novo pelo Sr. Deputado António Vitorino e, de certo modo numa lógica "do mal o menos", apontada pelo Sr. Deputado José Magalhães.

Quanto a esta questão, e sob pena de vir de certo modo referi-la lateralmente, em virtude do facto de essas intervenções já não incidirem necessária e directamente sobre ela, pretendia apenas fazer uma pequena abordagem da nossa posição relativamente não já ao artigo 83.° mas ao artigo 82.° e que é a de que as privatizações devem ser objecto de uma lei aprovada por maioria simples. A razão é esta: sem pretender desprezar o sentido das maiorias como matriz da tomada de decisão, penso que é importante contrapor aqui a maioria qualificada apontada pela Constituição à maioria simples apontada na nossa proposta e fazer alguma reflexão sobre a função que o próprio princípio maioritário desenvolve na tomada de decisão legislativa. De facto, o princípio maioritário constitui uma regra de procedimento que envolve obviamente uma dosagem de legitimidade por virtude do consenso, mas também uma tónica acentuadamente processual, porquanto é exactamente através desse princípio que a decisão vem à luz e é tomada. Não é, contudo, sem razão que a democracia, aspirando ao consenso, consagra o princípio maioritário e não, por exemplo, o princípio da unanimidade. É que estão aqui em confronto, por um lado, a legitimidade pelo consenso e, por outro, a necessidade da tomada de decisão, isto é, a necessidade de funcionamento do sistema. Daí que o princípio maioritário tenha uma função - passe o pleonasmo - funcional, do ponto de vista do princípio democrático. Ou seja, a maioria coenvolve, em primeiro lugar, uma dosagem de consenso e, em segundo, tem uma função desempatante da criação da decisão.

Não é sem razão que muitos teóricos têm incidido na necessidade - nesse sentido alinho e todos nós, como democratas, o faremos - de apontar à democracia pontos de legitimidade substancial, isto é, entender que o princípio maioritário não resolve por si só o quociente de legitimidade das tomadas de decisão e apontar para que as decisões devem, além disso, carrear um sentido material de legitimidade que se cifra no respeito pela Constituição e pelos princípios materiais do Estado de direito. Nesse sentido, pergunto: apontando a Constituição o quadro dos direitos fundamentais, o quadro da organização económica, o quadro da organização política, isto é, sendo ela já o baluarte ou o ponto de referência pelo qual se há-de aferir não só a legitimidade processual mas também a legitimidade substancial das decisões, por que é que vamos aqui criar um sistema de procedimento que nos obriga a uma hierarquização de matérias, que é em si controversa? Por que é que a organização económica é, por exemplo, na óptica do PS, mais importante do que a limitação, as restrições dos direitos fundamentais, para as quais, segundo me recordo, o CDS propôs aquilo a que o próprio chama leis orgânicas? Será esta obsessão pela preeminência do aspecto económico de certo modo ainda a marca de origem do PS? Isto interessa para tirar a conclusão de que, ao revermos a Constituição no quadro de um conjunto de princípios de obediência à democracia e ao Estado de direito, devemos ter em conta, em primeiro lugar, a própria suficiência da Constituição como, essa sim, lei quadro de todas as decisões e, em segundo lugar, a funcionalidade do órgão legislativo ordinário, a Assembleia da República, no âmbito da tomada de decisões.

A não ser assim, o que é que vai acontecer? Vai acontecer que a lei fundamental deixa de o ser pelo facto de existirem várias e, em consequência, descaracteriza-se. Como tal, vai acontecer que a Constituição passa a si própria um atestado de dúvida à legitimação das decisões pelo órgão legislativo ordinário, pela Assembleia da República, que não passem pela maioria não qualificada, vai acontecer que a Constituição hierarquiza matérias e prejudica as que figurarão abaixo das eleitas, cifrando-se a mesma Constituição apenas num quadro ou apontamento das percentagens necessárias para a criação da legislação ordinária. Isto é, a Constituição passará a ser uma espécie de quadro de pesos e medidas, de percentagens, o que me parece negativo.

Não é a fúria liberalizante do PSD que leva a que se aponte a maioria simples para as reprivatizações. Nós sabemos que a decisão legislativa tem os quadros de referência e de limitação próprios da Constituição, próprios do princípio do Estado de direito, próprios do controle do próprio poder legislativo, através, por exemplo, do Tribunal Constitucional. A maioria simples não é um cheque em branco, mas sim, quando muito, e na lógica do que já referi, a necessidade de desbloqueio. Não é uma fúria liberalizante, não é um devaneio de fazer as liberalizações de qualquer modo, mas apenas uma atestado de confiança à Constituição

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como lei fundamental e parametragem suficiente das regras as quais o órgão legislativo ordinário há-de obedecer por deliberações percentualmente equivalentes. Portanto, é um atestado de confiança à própria Constituição e é, de certo modo, um sistema de prevenção contra o que pode ser um tanto ou quanto ousado, isto é, a hierarquização de matérias que, por exclusão, pode deixar na sombra outras que, dada a percentagem que lhes pode ser atribuída, para efeitos de decisão legislativa, acabem por ser, do ponto de vista da interpretação sistemática da Constituição, consideradas matérias de segunda classe. Só para resumir: é uma razão funcional, é uma razão de desbloqueio, não é uma razão de alucinação que nos leva a optar pela maioria simples - aquilo que tiver de ser feito, que o seja já na Constituição; os parâmetros que a própria Assembleia da República, de modo normal, tenha de seguir, que sejam já apontados na Constituição, seja ela a lei quadro e não crie ela, de certo modo, a multiplicação de leis quadro, que criam confusão, mesmo em matéria de interpretação da própria Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sra. Deputada Assunção Esteves, ouvi com atenção argumentos que já teriam sido, de algum modo, invocados anteriormente pelo Sr. Deputado Rui Machete. Temos consciência de que a regra é a maioria simples, mas não afaste a normalidade das maiorias qualificadas - elas existem, não fomos nós que as inventámos, e existem, desde logo, para a Constituição. Como V. Exa. sabe, há constituições que são alteráveis por maioria simples. Entendeu-se que deveríamos conferir à nossa Constituição alguma rigidez, alguma fixidez, alguma durabilidade. Entendemos nós que este valor pode, nalguns casos, justificar-se não só em relação à Constituição, mas em relação a leis que têm mais importância do que as simples leis ordinárias e menos importância do que a própria Constituição. Este é o primeiro aspecto. A própria Constituição mostra-se muito pouco chocada com a regra dos dois terços: é alterável por dois terços, apesar de ter sido aprovada por maioria simples; as leis que forem declaradas inconstitucionais só podem ser confirmadas por dois terços. Determinadas leis, particularmente importantes, só podem ser confirmadas por dois terços, mesmo sem terem sido julgadas inconstitucionais. Há um caso isolado -é verdade que é apenas um caso- é em que se exige a maioria qualificada de dois terços para a votação de uma lei ordinária. É o caso da restrição dos direitos dos militares.

Como V. Exa. vê, não é assim tão chocante para o nosso sistema jurídico-constitucional a exigência de maioria de dois terços.

Temos, pois, alguma legitimidade para dizer: se vamos concordar com essa alteração, gostaríamos de saber o que é que vai acontecer! É tão normal isto, tão razoável!

Não se trata de marca de origem do PS, nem se trata de conferir proeminência ao aspecto económico. Se vamos a isso, quem confere mais proeminência ao aspecto económico é, com certeza, o vosso partido, em relação ao nosso - nós sobrepomos outros valores ao aspecto económico, embora também lhe reconheçamos

valor eminente. Mas não somos "fetichistas" do economicismo. A nossa visão do mundo não é economicista, mais o é a vossa, apesar de tudo, e mais é ainda a do nosso amigo deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O reino do Sr. Deputado Nogueira de Brito não é deste mundo.

Risos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não merecemos esta crítica. Penso que o que propusemos é razoável e, sobretudo, pacificador. E é, de algum modo, justificado pela conduta deste governo e do anterior, recusando sistematicamente dar-nos uma panorâmica do que pretende fazer em matéria de desnacionalizações - como vai e o que vai desnacionalizar, porquê, com que critérios, segundo que disciplina, segundo que cronologia. Se nos desse esse panorama, ao invés de nos dizer que quer fazê-lo e pôr tudo num "saco azul", sem que tenhamos nenhuma garantia sobre o destino do produto da alienação, talvez tivéssemos adquirido uma confiança que, neste momento, não temos.

Portanto, peço desculpa, mas de algum modo justificaram estas nossas exigências e preocupações.

O Sr. Presidente: - Suponho que ainda há mais dois pedidos de esclarecimento, ou perguntas, espero que não demasiado alargadas no tempo - uma, obviamente sucinta, do Sr. Deputado José Magalhães, a menos que prescinda.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não devo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não quero, de modo nenhum, aconselhá-lo a coisas que não deva fazer.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sobretudo porque creio ser bastante clarificador e relevante o debate que se está a travar sobre esta matéria e creio que o conteúdo adicional, que acaba de ser registado pelo Sr. Deputado Almeida Santos, contribui, de resto, para essa clarificação, embora não contribua para diminuir a nossa preocupação - bem pelo contrário.

Isto porque as declarações da Sra. Deputada Assunção Esteves são o retomar, o reafirmar e, porventura, até o agravar das linhas de campanha pública que o PSD vem desfechando nesta matéria. A Sra. Deputada Assunção Esteves fez um longo conjunto de reflexões sobre o conteúdo, dimensões e implicações, mesmo as mais ínfimas, do princípio maioritário; teve o cuidado de sublinhar que teria uma dimensão funcional, tão relevante e tão determinante, que implicaria um acentuar da sua componente "desempatante", assim lhe chamou. Como é que se descodifica esta afirmação? Creio que, quando o Primeiro-Ministro fala na televisão, descodifica estas coisas com muito mais rudeza do que a Sra. Deputada Assunção Esteves - o que não decorre apenas de uma questão de finura, decorre também de uma questão de transparência. Quando fala disto, o Primeiro-Ministro diz coisas como isto: "Como é que é possível que um governo que obteve apoio inequívoco do povo em eleições livres seja impedido de concretizar aquilo que prometeu aos Portugueses e é indispensável para que o País progrida? Nada disto

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podia acontecer noutro país da CEE! Algo está errado no nosso sistema político-constitucional!" É a teoria do "erro do nosso sistema político-constitucional".

E a nossa interrogação é: onde é que está o erro? No sistema político-constitucional ou na aposta do PSD em governar sem regras, sem princípios e sem limites (eventualmente, até, sem fiscalização constitucional)? Este é o problema básico: o PSD não interpreta o princípio maioritário como conferindo um determinado conjunto de prerrogativas; assume-o como uma outorga de um estatuto plenipotenciário. Isso não é aceitável em termos democráticos. A maioria absoluta não dá ao PSD o direito de escavacar a Constituição e o regime democrático.

Essa é a questão fundamental: o PSD não se adapta aos limites e às regras constitucionais, e aquilo que a Sra. Deputada Assunção Esteves aqui fez foi alegar em "bis" a favor dessa ideia. É a mesma ideia que leva outro arauto da maioria a declarar publicamente, em termos grosseiros: "parece-me pouco concebível", diz esse arauto, "que em 1988 um governo legítimo de um país democrático ocidental" (falta dizer "da NATO") "de economia de mercado não possa legislar sobre a matéria de emprego, seja qual for o sentido dessa legislação, nem que fosse para liberalizar todos os despedimentos ou para os congelar, sendo que a sanção da bondade ou da maldade da sua política lhe dariam as forças sociais, através dos seus instrumentos próprios, fazendo greve" (se o Governo não a proibisse ou não tentasse sabotá-la!) "e os eleitores, no final do mandato, afastando-o do poder" (acrescento eu: se o Governo não se munisse de um preservativo contra a vontade popular, manipulando e "batotando" o quadro eleitoral!). Esta é que é a questão: o PSD não aceita nem o quadro constitucional nem o quadro legal; luta e forceja para o viciar. Isso a Sra. Deputada Assunção Esteves, piedosamente, omitiu.

O que me conduz ao segundo aspecto das suas considerações: "Fúria liberalizante? Não! Não imputem isso ao PSD." Nem nos impute a nós "angelismo", porque o que vem sendo praticado, no terreno, numa política de terra queimada, é precisamente uma fúria liberalizadora ou privatizadora - isto é, uma fúria desnacionalizadora. Isso é, para nós, de uma extrema gravidade política.

Responde ao PS a Sra. Deputada Assunção Esteves: "não nos encham a Constituição de regras; a Constituição não pode ser um quadro de pesos e medidas" - suponho que foi assim que V. Exa. disse - "nem de percentagens". O que nos conduz à conclusão que o Sr. Deputado António Vitorino repudiou esta manhã, no início desta reunião. VV. Exas. não querem que o conteúdo constitucional seja senão totalmente esvaziado. Perante a questão do artigo 83.°, posicionam-se assim: é eliminar o artigo 83.°, é suprimi-lo! De resto, é isso que consta do projecto do PSD - eliminação pura! Grau zero de artigo 83.°! Nada!

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Mas temos o artigo 82.°

O Sr. José Magalhães (PCP): - O artigo 82.° é uma coisa diáfana, como o debate de ontem demonstrou. Certo é que o PSD diz não à regra dos dois terços. No entanto, como ontem referi, foi a AD (Aliança Democrática), em 1982, que propôs não desnacionalizações por lei quadro, mas caso a caso e por dois terços, in illo tempore. Portanto, a relação do PSD com os dois terços é uma relação mórbida, esquisita e assente numa completa falta de memória - hoje apresenta os dois terços como uma aberração, como um "fenómeno do Entroncamento", no passado já preconizou não os dois terços para uma lei quadro, mas, mais do que isso, os dois terços para cada acto concreto de desnacionalização. A Sra. Deputada Assunção Esteves, não tendo partilhado esse passado histórico, não pode abdicar dessa memória histórica, porque é a vossa e nós permitimo-nos relembrá-la.

O PS argumenta, em relação à questão dos dois terços, que é normal que a Constituição seja esvaziada, mas não deve ser tão esvaziada como isso, deve ter um mínimo de conteúdo. Diz: "Atentem em que é mais fácil fazer uma lei quadro por dois terços do que fazer uma Constituição que condense uma série de normativos para ter um mínimo, de espessura." E o PSD responde: "Isso não!" E em relação aos conteúdos constitucionais, os "nãos" do PSD são sistemáticos. A Sra. Deputada Assunção Esteves conclui, dizendo: "façamos um atestado de confiança à Constituição; a Constituição deve ser uma parametragem genérica" - o que é insistir na ideia de que deve ser uma parametragem tão genérica que deixa o Governo de mãos inteiramente livres em relação às privatizações. Por isso é que concluí ontem e reconcluo hoje - era sobre isto que gostaria de ouvir V. Exa. - que há uma inexplicável contradição entre aquilo que o PSD quer e o que vem sendo preconizado pelo PS, ainda que tenhamos sobre essa posição do PS as criticas conhecidas que saem reforçadas deste debate. Qual é, então, a saída? Face àquilo que acabamos de ouvir, aliás, também da boca do Sr. Deputado Almeida Santos, em que é que o PSD fica?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Também tenho ideia de que esta intervenção da Sra. Deputada Assunção Esteves teve a virtualidade de reconduzir, um pouco, o debate aos seus termos iniciais. Daí a necessidade, como se vê, de procurar situar algumas questões e, naturalmente e neste momento, sob forma interrogativa.

A primeira delas é para lembrar à Sra. Deputada Assunção Esteves que o PS não prescindiu de considerar a necessidade de consagrar, em sede constitucional, um conjunto de incumbências do Estado; não exclusivamente no âmbito económico, como pretende o PSD, mas no âmbito económico e social. Donde resulta, para o PS, que o problema das desnacionalizações a haver, sendo uma questão económica, é também uma questão social - e é por isso que avulta, do nosso ponto de vista, um conjunto de preocupações acerca daquilo que subsiste, e que é a natureza compromissória da Constituição em muitos aspectos.

Quando o PS propõe uma lei quadro por dois terços para a desnacionalização é ainda em nome da natureza compromissória da Constituição - isto todos nós poderemos compreender. Quando a Sra. Deputada Assunção Esteves faz alegações acerca do mérito das maiorias simples, simultaneamente dá a ideia de que desconhece ou, pelo menos, relativiza ao ponto de

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subalternizar bastante essa natureza compromissória. O que lhe pergunto é se, do ponto de vista do PSD, toda a lógica da desnacionalização a haver deve resultar apenas de preocupações situadas no âmbito exclusivamente económico? Ou, simultaneamente às preocupações de natureza económica, deve haver preocupações de ordem social? Porque então, talvez, a Sra. Deputada Assunção Esteves comece - se responder positivamente a esta segunda questão - a compreender por que é que o PS continua a desejar uma solução compromissória para o caso do artigo 83.°

Quando o PS, sobre as desnacionalizações, deseja conhecer os meios e as formas pelas quais elas vão poder processar-se, e garantir que esses meios e formas sejam objecto prévio de um consenso, não está, afinal de contas, senão a desejar que as desnacionalizações sejam feitas na base de mecanismos previamente consensuais, em nome desse compromisso que referi.

Mas o que avulta como a questão central da minha pergunta é o seguinte: Ouvi dizer à Sra. Deputada Assunção Esteves qualquer coisa como isto: o que tiver de ser feito seja feito na Constituição, evitando a multiplicação de leis quadro. De certa maneira, isto é já uma decorrência de um ponto de vista sustentado ontem pelo Sr. Presidente, Rui Machete. A minha pergunta, todavia, é esta: inserir na Constituição um conjunto de regras ou de princípios relativos a esta matéria tem como consequência inevitável aumentar a extensão da Constituição, em sentido formal, mas, pior do que isso, vai consignar um conjunto de normas, não só como leis de processo reforçado, mas igualmente como leis de valor reforçado; vai introduzir na Constituição, como leis de processo e valor reforçado, um conjunto de normas que, por esse facto, ficarão subordinadas a um princípio acrescido de rigidez constitucional, portanto com muito mais dificuldade acrescida para eventuais revisões futuras. Daí que a conclusão, ao fim e ao cabo, extraída pela Sra. Deputada Assunção Esteves pareça estar em contradição com as suas próprias preocupações - acaba por apontar para uma solução que é, ela própria, mais rígida do que a solução defendida pelo PS.

Daí que pergunte a V. Exa. se, em nome de uma maior flexibilidade, em nome de uma maior adequação do processo reforçado e do valor reforçado de uma lei quadro por dois terços, não estaríamos a criar condições, por um lado, a manter a natureza compromissória, mas, por outro, a garantir condições de flexibilidade legislativa, mais adequada do que a aparência de rigidez para a qual aponta a contraproposta avançada pelo PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Dr.a Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Queria responder às várias questões que me foram postas e, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Almeida Santos, relativamente aos exemplos que deu da necessidade de dois terços para alteração de determinadas matérias na actual Constituição. V. Exa. referiu a Constituição; isso não contradiz o que eu disse sobre o problema das maiorias qualificadas - não pus em causa a necessidade de uma maioria qualificada para a revisão da própria Constituição; está aqui em causa uma intenção legislativa que tem de ser doseada de uma legitimidade especial, pelas razões que são inerentes à própria natureza da Constituição e à função que desenvolve.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Queria só fazer uma pergunta: a maioria foca tantas vezes a legitimação dos 51% que até parece que com igual legitimidade poderia dizer: "Ganhei, tenho a maioria do povo comigo, por que é que não hei-de poder alterar a Constituição por maioria simples?"

O Sr. José Magalhães (PCP): - É a isso que conduz o raciocínio. À dissolução da Constituição!

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não, não conduz a isso.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Por que não?

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - O caso da Constituição é diferente, pela função que a própria Constituição desenvolve. É diferente porque a Constituição tem de ter a marca de uma vontade histórica, doseada de uma intenção mais forte, que há-de condicionar, essa sim, as eventuais maiorias conjunturais - aí, a Constituição tem de ter uma legitimidade especial. Ninguém lha negou, não foi essa a referência que fiz quando pus em causa as maiorias qualificadas para determinadas leis - determinadas, que não a Constituição.

Posteriormente, o Sr. Deputado referiu ainda outros exemplos, como seja o problema da necessidade dos dois terços para a aprovação das leis declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional. Neste ponto, está afastado um dos efeitos perversos que pretendi acautelar com a minha intervenção e que era o do critério selectivo operado relativamente a determinadas matérias em detrimento eventual de outras. De facto, quando a Constituição exige os dois terços para a aprovação de leis que foram declaradas inconstitucionais, não distingue sobre o conteúdo. Repito: qualquer lei declarada inconstitucional exigirá da Assembleia da República uma aprovação de dois terços e, portanto, não há uma espécie de tópico apontado ao intérprete no sentido de seleccionar ou hierarquizar as matérias e os conteúdos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas, Sra. Deputada, o certo é que se afastou o critério da legitimidade, porque o Tribunal Constitucional é muito menos legitimado pelo voto do que a Assembleia da República.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Mas sem os efeitos perversos que apontei a esse critério de legitimidade por maioria qualificada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, o exercício da maioria qualificada de dois terços não ocorre apenas nos casos das declarações de inconstitucionalidade em sede de fiscalização preventiva. Há casos em que, ne sequência de veto político por parte do Presidente da República, ocorre a necessidade da confirmação por dois terços e portanto,...

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A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Mas com a selecção das matérias?!...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas nem sequer entra aí em causa a necessidade do conflito com um acórdão do Tribunal Constitucional.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PS): - Mas não há uma hierarquização inicial ou original de matérias a nível de Constituição.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas vai produzir o mesmo efeito.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Há uma indicação de um conjunto de circunstâncias que não implica essa selectividade nem os efeitos perversos da mesma.

Relativamente à pergunta colocada pelo Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer que ela foi antecedida de um conjunto de considerações que deveriam ser feitas mais em interpelação ao Governo do que a mim própria, em sede de revisão constitucional. De qualquer modo, o Sr. Deputado terminou com uma questão muito concreta, que é a seguinte: se há contradição entre os projectos de lei de revisão constitucional do PSD e do PS? Responder-lhe-ei que, se houvesse uma total identidade, ou era coincidência ou perder-se-ia a razão de ser de dois partidos distintos. É óbvio que os nossos projectos são diferentes, mas essa diversidade não impedirá uma eventual convergência de pontos de vista sobre questões fundamentais que levem à criação de um dispositivo constitucional que satisfaça minimamente a intenção do projecto de cada um dos partidos. Pelo menos, faço votos que sim.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Desculpe interrompê-la. Deixe pedir-lhe alguma especificação. De facto, quanto à natureza dos projectos do PSD e do PS estávamos informados. Porém, a minha pergunta era um pouco mais inquisitiva do que isso. Estivemos a manhã inteira a discutir o resultado dos diálogos realizados em todos os planos entre os dois partidos. O Sr. Deputado António Vitorino sumarizou-os de uma determinada maneira, dizendo que não trazia uma lição de casa correspondente à leitura feita pelo PCP. O resultado do debate não teria sido nada daquilo que eu disse. O resultado teria sido: "O PS tomou boa nota das posições do PSD, considerando insuficiente a solução." Por sua vez, o PS insiste na necessidade de uma lei quadro aprovada por dois terços. Era nestes parâmetros que o debate se situava. V. Exa. entrou nele aí para nos dizer o quê em relação à proposta de eliminação do artigo 83.° apresentada pelo PSD? Creio que o fez para dizer que o PSD recusa a aprovação da lei quadro por dois terços, que recusa a Constituição "nutrida e definida", porque entende que não deve ser um "quadro de pesos e medidas e percentagens". Tem uma concepção dissolutiva de constituição! E digo isto porque para si uma boa constituição é aquela em que tudo se aprova por maioria simples; uma boa constituição é aquela em que o poder de fiscalização do Tribunal Constitucional é nulo; uma boa constituição é, afinal, aquela que não existe.

O Sr. Presidente: - Como a britânica!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi nisso que desembocou!... Mas a verdade é que a transposição da rainha Isabel para o Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva é um exercício difícil mesmo para o Sr. Presidente!... Admito que não o conseguirá!

O Sr. Presidente: - Era a primeira-ministra e não a rainha!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isabel ou Thatcher, em todo o caso, Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, devo dizer-lhe que a minha preocupação quanto ao facto de saber qual seria a posição do PSD resulta da necessidade de medir o grau de convergência possível. Se a posição do PSD é aquela que V. Exa. acabou de resumir, salvo se percebi mal, creio então que os caminhos são totalmente diferentes. Como o Sr. Deputado Jorge Lacão sublinhava, a posição do PSD acarreta até uma maior rigidez a ser tomada pelo valor facial, porque incluiria na Constituição regras de enquadramento e princípios só susceptíveis de serem revistos de tantos em tantos anos. É assim, Sra. Deputada?

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PS): - Sr. Deputado, a minha posição foi clara, pois defendi a maioria simples para o artigo 83.° no respeitante às privatizações. Estamos, de facto, numa fase de levantamento de questões e de argumentação relativamente a cada projecto. Não avanço já para a fase das votações e das negociações, que, como V. Exa. sabe, estão ainda no início.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que ficção gentil, Sra. Deputada!

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PS): - Não quer dizer que o Sr. Deputado não deva também devolver essa pergunta ao PS. E digo isto porque, se me está a perguntar por que razão defendo a regra da maioria simples com esta força - e pode estar certo de que preconizo esta regra neste campo como noutros -, então aconselho-o a devolver esta mesma questão ao PS e, se quiser, entre em conversações com ele e com o PSD, a fim de procurar resolver este problema, que é de disparidade idêntica àqueles que encontrou até agora sempre que houve diferenças nos projectos sobre quaisquer artigos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Com o PSD? Isso é um convite?!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Quanto à pergunta colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, devo dizer que não me espanta nem me preocupa que haja um alargamento eventual das disposições da Constituição em sentido formal.

O Sr. Deputado Jorge Lacão sabe - aliás, tem estado presente na revisão constitucional e participado com grande frequência - que tem havido consenso, obviamente preliminar, como é toda esta fase de revisão, sobre assuntos que tornam de tal modo extensas

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algumas disposições constitucionais que elas passam quase a ser matéria regulamentar. Algumas delas têm quase uma natureza de apontamento ao juiz, ou seja, são matérias que cabem já no poder de interpretação e aplicação da lei, mais do que uma previsão ampla a nível constitucional, e que, no entanto, criaram algum consenso, sem, porém, assustarem em termos de alargamento da Constituição em sentido formal.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Pode dar-nos algum exemplo disso?

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Quanto ao problema da dificultação de revisões futuras, V. Exa. há-de convir em que rever a Constituição, que inclui um conjunto de matérias diversas, sendo essa revisão feita -passe a expressão- de um acto, só é diferente de, face à proliferação do conjunto de leis quadro, ter de encontrar a todo o momento os consensos a que o PS se refere para chegar aos tais dois terços que legitimirão a tomada de decisão. É muito mais complicado do que a complicação a que V. Exa. se refere de revisões futuras da lei fundamental.

O Sr. Presidente: - Estão agora inscritos para intervirem eu próprio e o Sr. Deputado Jorge Lacão.

Vou, então, produzir um curtíssimo comentário sobre dois ou três pontos que foram mencionados nas longuíssimas intervenções dos Srs. Deputados José Magalhães e António Vitorino.

Quanto ao Sr. Deputado José Magalhães, acontece que repetiu ad nauseam, o que, aliás, compreendo,...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Salvo seja!

O Sr. Presidente: - ... a argumentação em matéria de sector público.

Acerca dessa explanação vou proferir as seguintes considerações: a primeira respeita a uma tese que já vi expendida por vários membros do PCP, e que é interessante, sobretudo porque há-de ficar historicamente como uma curiosidade. Ela considera que é na base da inovação do sector público económico português que vai ser possível garantir a flexibilidade, o progresso, a capacidade de encontrar as soluções adequadas para reagir aos desafios que o mercado único nos vai impor-se à internacionalização inevitável da economia portuguesa.

Penso, infelizmente, que esta tese extremamente simplista já tem contra si algumas provas inequívocas de que assim não é, ou seja, de que a capacidade de inovação, a possibilidade de responder em termos vitoriosos aos novos desafios não tem estado com o sector público, nem pode facilmente estar com ele. E não é um problema de deficiência das pessoas, mas sim de debilidade institucional e de autonomia do sector. Pelo contrário, o que se tem registado, e que é com muita mágoa que o verificamos, é uma burocratização progressiva do sector público. As empresas públicas, em vez de se tornarem mais dinâmicas, reactivas ao mercado, abertas à inovação, com maior capacidade produtiva, têm estendido a mancha da burocratização a esse sector público. E isso explica muitas das situações aflitivas em que o sector público se encontra entre nós. E um bom exemplo disso verifica-se em matéria de instituições financeiras, nas quais se tem registado algum progresso graças à competição que o sector privado vem introduzindo no mercado, mas que, apesar disso, não tem sido suficiente para desvanecer as nuvens que se acumulam sobre o sector financeiro. Portanto, a ideia de encontrar um sector público forte de molde a ser o dinamizador da economia portuguesa e o dique a opor às multinacionais é uma ideia frustre, que, aliás, se limita a extrapolar concepções do passado. Porém não deixa de ser interessante sublinhar que o PCP continua a insistir nessa tese.

A segunda consideração é a de que o Sr. Deputado José Magalhães citou várias vezes uma observação que tinha feito acerca das modas e das fúrias privatizadoras. Contudo, fê-lo fora do contexto. Penso, na verdade, que houve em Portugal uma fúria nacionalizadora. Essa fúria conduziu aos resultados tristes a que chegámos, pelo que é necessário neste momento corrigir. No entanto, toda a gente que lê as revistas da especialidade e de divulgação, tipo Newsweek ou Times, sabe é que existe, em particular nos Estados Unidos da América, uma certa moda de privatizar. independentemente da valia das privatizações em cada caso. Julgo que isso é uma moda passageira, como foi, em determinado momento na Europa, a nacionalização dos sectores produtivos tendo em vista a resolução dos problemas.

Há, pois, que atender às situações concretas. Em Portugal, temos um excesso, para a nossa situação histórica concreta, de sector público. Ele tem provado mal, tem debilidades fundamentais, há a necessidade de encontrar soluções, entre as quais a privatização é uma delas. Isso não tem nada a ver com o outro aspecto da moda de pensamento ligada à ideia da própria choice também muito em voga num determinado momento dos Estados Unidos e que, aqui ou além, alguns autores importaram acriticamente para Portugal.

Desejo também que fique registado em acta que o Sr. Deputado José Magalhães tem curiosamente uma grande confiança na tecnoestrutura, em termos de Kenneth Galbraith, quando pensa que ela é do sector público. E isto porque, se for do sector privado, já provavelmente não entenderá assim. Por isso, V. Exa. interpretou mal o que referi. De facto, não ataquei os gestores públicos na sua capacidade, pois há-os bons e maus. O que eu disse foi que, do ponto de vista institucional, a falta de autonomia, a dependência que eles têm nas suas carreiras de decisões políticas prejudica as próprias empresas públicas. E digo isto qualquer que seja o governo, para além de que o PCP esteve nele e foi responsável por algumas decisões importantes nessa matéria. Não pode, pois, considerar-se sem mácula nesse capítulo. Aliás, ele pecou - e de que maneira - em termos de uso do poder político nessas matérias.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Incluindo nas empresas públicas?

O Sr. Presidente: - Incluindo empresas nacionalizadas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Disse-o em relação à "nossa" gestão, se bem percebi... É incrível!

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O Sr. Presidente: - Lembro-me, por exemplo, de ter feito parte de um governo provisório e de assistir muito interessado à maneira como o PCP usou nos sectores que lhe estavam confiados, e em alguns que influenciava directamente, essa competência, o que, aliás, é um pecado que se tem registado em relação a todos os partidos. Acontece somente que seria estranho que o PCP se alcandorasse a hão ter esse pecado original e, portanto, nessa matéria estar isento desse erro.

No respeitante ao que foi referido pelo Sr. Deputado António Vitorino, muita coisa foi dita. Alguma dela pareceu-me que foi sublinhada mais por preocupação interna corporis do que por outras rações. Porém, há dois aspectos que gostaria de referenciar.

O primeiro respeita à circunstância de, naturalmente com uma visão mais aberta e menos dogmática por natureza do que a apresentada pelo PCP, se confiar excessivamente na estrutura de holding no sector público. A ideia de que ele é capaz de ter a flexibilidade suficiente para resistir ao impacte da internacionalização. Admito que se possam encontrar fórmulas de flexibilizar o sector público e que isso seja vantajoso e positivo. Tive inclusivamente a honra de presidir a uma comissão que estudou os problemas do sector público num determinado momento, e propusemos várias alternativas que apontavam no sentido da flexibilização, para além de não estarem longe, em alguns casos, da ideia do holding do sector público. Não é uma ideia que me repugne, daí que pense que deve também ser utilizada. Entretanto, o que julgo que é um manifesto exagero é fazer assentar toda a estratégia ou, pelo menos, colocar o acento tónico na ideia de que com três holdings do sector público se resolvem as gravíssimas deficiências estruturais que o afligem.

Aliás, isto permite-me passar para uma segunda observação, que penso que é uma pecha, ou, para usar uma expressão mais bonita, uma propensão marginal do PS: uma certa inclinação para complexificar as coisas do ponto de vista jurídico. No fundo, trata-se de uma facilitação da burocracia.

O PS, por exemplo, em matéria de lei das privatizações, que é, já de si, complicada mesmo na proposta de lei do Governo, para além de revestir algumas dificuldades de exequibilidade, apresentou sucessivas propostas que se traduziriam em maiores complexidades, como se a actividade económica fosse compatível com uma compartimentação excessiva e uma regulamentação justamente ao invés de todas as tendências apresentadas nas economias modernas para beneficiar a capacidade da iniciativa privada.

Isso tem sido patente no PS, e a propósito desta questão das leis paraconstitucionais se manifesta uma vez mais.

Os problemas - aliás a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves explicitou-os com clareza - que justificam a nossa posição de não nos inclinarmos para a ideia de se aprovarem leis por dois terços resulta de se introduzir no sistema das fontes de direito uma nova fonte e um novo posicionamento na hierarquia de normas. De facto, isso complexifica ainda mais o sistema político normativo e parece-nos uma dificuldade que é redutível a uma mesma matriz: a exagerada confiança que o PS tem, a nosso ver, na regulamentação e, mais do que na formulação de leis, na elaboração de regulamentos, acreditando que por essa via se podem.

encontrar soluções que só através de comportamentos correctos e bem orientados de acordo com os padrões morais e os valores fundamentais é possível conseguir, ou, então, pela via da concorrência entre grupos e pelo sancionamento do eleitorado. Ora, isso é algo que me parece ser ainda uma canga de que o PS se não libertou e que acaba por vir a aflorar em múltiplos aspectos em matéria de revisão constitucional e de leis ordinárias. Penso que esta é uma questão muito importante que deve ser analisada com o cuidado que merece.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Já não é para nós surpresa que o PSD contraponha a defesa de uma ordem económica natural, em que as soluções surgiriam por geração expontânea, de modo que o que é preciso é que o Estado não intervenha, que deixemos funcionar a economia livremente, e as coisas confluirão para um resultado surpreendentemente bom, contrapondo isso a um PS complicativo, legisferante, regulamentador. Em primeiro lugar, quero dizer que sempre que o PSD chega ao Governo a primeira coisa que faz são leis, muitas leis, sobretudo no plano económico. E normalmente leis más, haja em vista as próprias leis sobre as privatizações, tão más que o Tribunal Constitucional acabou por chumbá-las.

O Sr. Presidente: - Há algum progresso em matéria do PS, já não é mau.

O Sr. Almeida Santos (PS): - O que queria perguntar ao Sr. Presidente era o seguinte: diga-me, sinceramente, se acha que com a privatização da Petroquímica, da Siderurgia, da construção naval, do caminho de ferro ou, em prognose póstuma, da CTM e CNN, que já foram extintas, passariam a ser um êxito. E acha mesmo que os tabacos, os seguros, alguma banca, os cimentos e até as cervejas são necessariamente um fiasco apesar de estarem no sector público? Não acha que o sucesso ou insucesso estão mais ligados à natureza das actividades e não à qualidade de públicas ou privadas? Falou, por exemplo, em que a banca pública tem tido algum sucesso por causa da concorrência da banca privada. Acha mesmo que o sucesso da banca portuguesa está ligado a essa concorrência? Ou estará ligado à circunstância de, finalmente, ter sido possível isentá-la da necessidade de dar crédito mal garantido, sem o qual teria falido uma grande percentagem das empresas privadas? Não deveremos reconhecer que há virtudes na gestão pública, que há virtudes na gestão privada, que há empresas que melhor estarão no sector público, que há empresas que melhor estarão na gestão privada, e que temos de entender é quais são umas e quais são outras e sobretudo não considerar como estruturais causas que foram o resultado de uma crise em que a iniciativa privada não mostrou os apetites que está a mostrar agora? Cito-lhe o caso de uma bem conhecida empresa de construção naval que é privada e cujos donos nunca quiseram, durante estes últimos anos, recuperar a sua plena disponibilidade e a sua gestão.

Não vale a pena considerarmos que o que é público é mau por ser público e o que é privado é excelente por ser privado, que as leis de regulamentação económicas são péssimas, a ordem natural na economia deve ser a regra. Queria perguntar a V. Exa. se não considera necessário um pouco de bom senso neste mani-

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queimo "público mau, privado bom?" Não estaremos também a querer passar de um erro a outro erro extremo, negando tudo de um lado e afirmando tudo do outro?

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado Almeida Santos, respondia-lhe muito rapidamente e correspondendo ao seu apelo.

Em primeiro lugar, entendo que estas, matérias são matérias complexas em que as simplificações normalmente falseiam as análises, e nunca me ouviu dizer nem nunca sustentei que o sector público é sempre, por natureza, necessariamente mau. Não é verdade, não penso assim. Também nunca sustentei a ideia da invisible hand que me pareceu apontar. Posso dizer que na prática dos governos socialistas foi, nalguns casos, evidente a preocupação de produzir leis e a ideia de que se media a qualidade dos governos pelo número de leis que se produziam. Penso que é um instrumento de mensuração relativamente infeliz.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Tem uma estatística para saber quem fez mais leis, se a AD se os primeiros governos socialistas? A seguir fizemo-las em conjunto, não vale a pena acusarmo-nos uns aos outros, pois fomos corresponsáveis. Tem a estatística de quem fez mais leis?

O Sr. Presidente: - Eu não sou isento do pecado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - O plus legisferante dos primeiros governos não terá sido justificado pelo facto de estarmos então a instituir um novo regime e precisarmos de novas leis, algumas das quais até estavam previstas na Constituição? Tem-se legislado de mais em todos os governos, se querem que lhes diga. Sou até uma das vítimas disso, pois tenho sido o autor material de muitas delas. Nenhum pode atirar a primeira pedra. Somos legisladores ferozes.

À medida que nos afastamos da fase de estruturação do regime, a necessidade de novas leis vai diminuindo. Não atiremos pedras uns aos outros neste domínio.

O Sr. Presidente: - Mas essa questão é relativamente secundária neste momento. A questão importante é que o Sr. Deputado Almeida Santos pergunta-me: não há gestão boa, não há gestão má e, por exemplo, em matéria de crédito não foi o problema do crédito mal parado que causou problemas aos bancos? Eu digo-lhe que foi. O crédito mal parado foi uma das razões, mas o motivo por que o crédito mal parado foi possível fazer engolir aos bancos públicos é que denuncia uma das dificuldades do sector público, que é a sua falta de autonomia face ao poder político. Quer dizer, a circunstância de com grande facilidade, pela via telefónica, um ministro poder fazer engolir a um banco um crédito mal parado, por motivações de ordem social ou política, porventura extremamente legítimas (não estou a discutir isso), levou a um desvio, a uma espécie de desvio de poder em sentido administrativo, a uma utilização da instituição em termos incorrectos que ocasionaram os maiores prejuízos às empresas públicas financeiras...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Foi uma vantagem para as empresas privadas, pois receberam crédito que de outro modo não receberiam.

O Sr. Presidente: - Mas distorcemos tudo. Nós não podemos jogar o jogo da economia com as regras da política, é essa confusão que conduziu a enormíssimas perdas de produtividade e é isso que no fundo é o grande argumento a favor das privatizações.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não há economia sem política nem política sem economia!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, é uma pergunta muito rápida e apenas técnica.

V. Exa. disse, contestando uma opinião da Sra. Deputada Assunção Esteves, que não tive o prazer de ouvir, que os socialistas são tão complicados e tão burocratizadores que agora até querem criar uma nova fonte de direito, que seriam as leis paraconstitucionais, que criariam confusão no sistema normativo.

O Sr. Presidente: - Uma propensão marginal.

O Sr. António Vitorino (PS): - Mesmo a título de propensão marginal. Então não lhe parece que essa é uma medida que deve contribuir, juntamente com outras, para a clarificação da hierarquia legislativa em Portugal? Não bastará pensar na problemática da prevalência das leis de bases sobre os decretos-leis de desenvolvimento dessas mesmas leis, sobre a prevalência das leis de autorização legislativa sobre os decretos-leis de utilização das autorizações legislativas e sobre a necessidade de criar claramente um mecanismo de fiscalização da relação de conformidade dos decretos-leis de desenvolvimento das leis de bases e dos decretos-leis das autorizações legislativas face às respectivas leis habilitadoras? Acha que é coerente o sistema normativo em que existe uma ficção chamada Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado? Que não é uma lei reforçada e que por isso mesmo não prevalece sobre cada lei do Orçamento em concreto, e que é uma pura hipocrisia legislativa, na medida em que cada lei do Orçamento, porque tem o mesmo valor legislativo, pode derrogar para passar a Lei do Enquadramento do Orçamento de Estado? Ou a Lei Quadro dos Municípios que existe como uma mistificação política, porque na realidade cada município em concreto pode ser criado através do mesmo tipo de instrumento legislativo que derroga completamente os requisitos exigidos pela Lei Quadro dos Municípios ou pela lei quadro de criação das freguesias? Isto é burocratizar? Não, isto é clarificar um sistema legislativo cuja clarificação foi substancialmente reforçada na primeira revisão constitucional e que nós entendemos que a segunda revisão constitucional devia contribuir para clarificar em definitivo nos aspectos que referi e também nos aspectos decorrentes da criação das leis paraconstitucionais. Isto não é burocratizar! Tenho muita pena, mas não posso concordar com V. Exa.!

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O Sr. Presidente: - Agradeço muito a sua contribuição, a que aliás poderia ter acrescentado as normas regionais que são uma fonte de grande complicação em termos de hierarquia.

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas essas já o têm. Têm um quadro constitucional...

O Sr. Presidente: - Poderíamos apresentar algumas e não pequenas dificuldades em matéria de hierarquia das normas, mas o que queria dizer é simples. O PS no seu projecto não contribuiu nada para clarificar esses pontos, mas juntou-lhes mais um elemento de confusão.

Vozes.

O Sr. Presidente; - Não estou a falar do CDS, Sr. Deputado Nogueira de Brito. V. Exa. terá a sua vez.

O PS reconhece que estamos numa situação complicada do ponto de vista da hierarquia das normas e do funcionamento do sistema normativo e não me custa nada concordar que assim é, mas a vossa contribuição, além de ter outros inconvenientes do ponto de vista político, não cria nenhuma simplificação neste esquema, complexifica-o um pouco mais, logo aumenta ainda mais a dificuldade. Por isso, e apesar de estar de acordo com V. Exa., não vejo que isso traga nenhuma vantagem à sua tese.

O Sr. António Vitorino (PS): - Desculpe, mas não complexifica; levanta a questão através das leis paraconstitucionais no sentido de se encontrar uma solução que abranja as leis paraconstitucionais e as demais leis reforçadas a que acabei de fazer referência.

O Sr. Presidente: - Penso que talvez se possa encontrar uma solução que simplifique a situação, sem as leis paraconstitucionais a que V. Exa. faz referência.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não é esse o meu argumento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Gostaria de começar por pegar nas suas afirmações relativas à defesa, por parte do PCP, da capacidade de inovação do sector público relacionada com a questão da criação do mercado único. Nós não temos dúvidas de que as empresas públicas têm uma enorme capacidade de inovação, ou podem tê-la, e à frente referirei porquê. Mas o que têm fundamentalmente - e foi o que ontem foi afirmado - é uma enorme capacidade tecnológica, é o núcleo fundamental em termos de capacidade tecnológica que o País tem neste momento a nível empresarial.

O Sr. Presidente: - Que não pode ser desaproveitado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sem dúvida nenhuma. E tem uma dimensão que lhe dá, na situação actual do País, a característica simples, mas importante, de ser uma peça fundamental para poder aguentar o embate da criação do mercado único sem que a economia portuguesa seja, em termos substanciais, dominada pelo capital estrangeiro. Não há grupos económicos privados em Portugal que possam aguentar esse embate, e, como já ontem tive oportunidade de referir, temos a opinião de que a destruição, o desmembramento do sector empresarial do Estado para criar vários grupos económicos privados não vai criar essa capacidade de obstáculo à dominação da economia portuguesa pelo capital estrangeiro. Mas dizia o Sr. Deputado Rui Machete que, inversamente a esta teoria, chamemos-lhe assim, do PCP, o que se tem vindo a verificar é que as empresas públicas cada vez menos dão a ideia da sua capacidade de inovação e cada vez é maior, como referiu, a mancha da burocratização.

O Sr. Presidente: - Infelizmente.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E aqui deixar-lhe-ia a primeira questão: V. Exa. já teve o cuidado de analisar o índice de alastramento da mancha de burocratização em simultâneo com o índice do peso político do PSD no Governo? Compare estas duas linhas e vai verificar a forte convergência que existe entre os dois factos, porque há de facto relações estreitas entre um e outro.

Em relação à questão do exemplo - pareceu-me um exemplo infeliz por parte do Sr. Presidente - da banca privada e banca pública, e não repetindo alguns exemplos que já foram apresentados pelo Sr. Deputado Almeida Santos, colocar-lhe-ia a seguinte questão: V. Exa. já reparou que os excepcionais resultados, porque o são a nível internacional, em termos de taxa de rentabilidade que os bancos privados têm tido em Portugal estão directamente relacionados: primo, com as condições de vantagem, de benefício relativo que foram dadas à actuação dos bancos privados relativamente às condições dadas aos bancos públicos - e V. Exa. conhece isso perfeitamente, nomeadamente o problema dos limites de crédito; secundo, que esses resultados advêm, também em grande parte, do facto de poderem recolher recursos financeiros a baixo custo - e este "baixo" é em termos relativos - e que são obtidos a um custo mais elevado pela banca nacionalizada. É que, se a banca nacionalizada não recolhesse esses recursos, com as consequências sociais e políticas que isso teria, a banca privada não teria esses recursos a baixo custo - "a baixo", repito, em termos relativos. Por outro lado, ainda que fosse como o Sr. Deputado Rui Machete referiu a capacidade de inovação da banca privada...

O Sr. Presidente: - Foi isso que eu referi.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ainda que fosse devido ao aparecimento da banca privada - e aqui é que me parece que é infeliz o exemplo que escolheu -, isso não levaria V. Exa. a concluir que o problema não está na privatização? Que, quando muito, poderá estar na abertura do sector à criação de novas empresas, e nesse caso de empresas privadas, o que não teve nada a ver com a privatização? Já reparou certamente que não houve nenhuma privatização na banca até ao momento presente.

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Sobre a questão da defesa do liberalismo económico que o Sr. Deputado fez, diria que me recordou umas afirmações do seu colega Gomes da Silva quando pretendeu regressar ao século XIX dizendo que é obrigatória a existência de desemprego. Julgo que não pode levar tão longe a sua confiança - e a (prática demonstra-o não só em Portugal como em todos o mundo - no liberalismo económico, que de facto vingou no século XIX.

Quanto à questão da responsabilidade do PCP na gestão das empresas nacionalizadas, julgo que nestes casos convém concretizar, para que não fiquem subentendidos ou mal entendidos. Onde é que existirão essas responsabilidades na perspectiva que V. Exa. referiu? Mas sempre lhe diria que, a terem existido algumas responsabilidades desse género, com certeza que elas não têm hipótese nenhuma de comparação com as responsabilidades dessa natureza que o PSD tem tido ao longo dos anos na gestão das empresas públicas. E aqui entronca a última questão, que é essencial. Quando o Sr. Deputado Rui Machete defende a necessidade das privatizações com base nesses abusos de gestão, nesses abusos de poder, ao fim e ao cabo vem apresentar esta questão ou esta proposta: nós temos de subverter o quadro actual da Constituição da República para evitar os abusos do PSD quando o PSD está no governo. Não pode ser...

O Sr. Presidente: - Era uma espécie de perestroika.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Tem de aplicar a sua pseudo-perestroika ao PSD, não à Constituição da República. É que está a enganar-se no alvo. É o problema do espelho e do reflexo da imagem. É preciso eliminar os abusos burocratizantes e actuações abusivas do PSD quando está no governo em relação ao sector público.

O Sr. António Vitoríno (PS): - Isso já o Gorbatchev fez...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O que isso não pode implicar é a privatização das empresas públicas. Há que dar autonomia às empresas públicas; há que evitar que o PSD, ou qualquer outro partido, quando no Governo, possa ter esses abusos, possa ter essa atitude burocratizante ou, melhor, de monopolização das empresas públicas em benefício político-partidário. Mas isso não passa pela privatização, mas sim pela criação de condições, de quadros legais que permitam a autonomia necessária das empresas públicas e que possibilitem a necessária autonomia e competência dos gestores públicos.

O Sr. Presidente: - Vou ser muito rápido porque, no fundo, isto é uma repetição do debate que já tivemos.

Eu compreendo que o Sr. Deputado Octávio Teixeira tenha uma posição fideísta em matéria de sector público, e ninguém o pode levar a mal nesse aspecto. Mas, quando o Sr. Deputado procura imputar ao PSD as responsabilidades pelas perversões da gestão do sector público, V. Exa. esquece-se que o problema que está aqui a ser posto ao nível constituinte é justamente o de que o modo de estruturação do sector público permite, seja qual for o partido que estiver no poder - e até, muitas vezes, nem é sequer um problema do pessoal político, mas si do pessoal da alta Administração -, o seu uso para finalidades de ordem política e social, que podem até ser boas quando consideradas em si ou perfeitamente compreensíveis sob o ponto de vista político e social, conforme o Sr. Deputado Almeida Santos teve há pouco oportunidade de referir. Com efeito, VV. Exas. podem mesmo fazer uma argumentação ad hominem ou ad partidum, mas isso não obvia a questão básica essencial. Pelo contrário, dão-me razão quando refiro que esse problema é o problema crucial. É a possibilidade de instrumentalizar, mesmo para fins positivos, mesmo com a melhor das intenções, mesmo com bons resultados noutras esferas - as empresas públicas, e isso é errado do ponto de vista económico. Também não podemos confundir - como me pareceu há pouco ter feito o Sr. Deputado Almeida Santos - a necessidade de directrizes políticas para o sistema económico com a instrumentalização das empresas para essas finalidades políticas. Isto é apenas o que diz respeito ao primeiro aspecto daquilo que eu queria dizer.

Como segundo ponto, direi o seguinte: julgo que é muito interessante o reconhecimento por parte do PCP da necessidade de grupos económicos. Neste momento considera-se que são grupos económicos os públicos, mas, como as razões pelas quais reconhece a necessidade dos grupos económicos são introduzir racionalidade na economia e capacidade de defesa face à eventual invasão de multinacionais, quer dizer que isso se aplica tanto aos grupos privados como aos grupos públicos. Eu diria "Aleluia!". Pela primeira vez, o PCP está a actualizar-se em matéria económica e reconhece a necessidade dos grupos económicos. Trata-se de um progresso muito significativo que me apraz registar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço desculpa, mas, se o Sr. Presidente me dá licença, e para que não fiquem os tais mal-entendidos registados, cumpre-me dizer que não falei aqui da necessidade dos grupos económicos para a racionalização da economia.

O Sr. Presidente: - Faltou-lhe ainda isso, mas lá há-de chegar! Eu, aliás, tenho nesse aspecto confiança nos dotes racionais do PCP e dos seus membros.

Terceira observação que gostava de fazer: problema banca pública/banca privada. Neste domínio, recordo a batalha que foi necessário travar para que o PCP fosse vencido na abertura do sector financeiro à iniciativa privada. Registo agora que o PCP dá a mão à palmatória e reconhece que foi positivo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço desculpa, Sr. Presidente, mas isso não está registado, porque não foi dito.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, mas julguei que considerava positivo quando atribuía a inovação à circunstância de se ter aberto o sector à iniciativa privada.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não, o que eu disse está na acta. Todavia, se me permite, recordo-lhe apenas, em 30 segundos, aquilo que efectivamente disse e que foi o seguinte: "mesmo que essa hipótese fosse verídica...".

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O Sr. Presidente: - Então, ter-me-ei equivocado! Ao que parece, afinal, tratava-se de conclusões meramente hipotéticas.

Já agora, gostava de lhe dizer o seguinte: V. Exa., que é um atento seguidor da evolução das instituições financeiras, saberá que o mercado financeiro e o mercado de capitais registaram várias inovações significativas propostas pela banca privada. Isso é público e poderia citar-lhe vários exemplos que V. Exa. conhece. Quer dizer, historicamente, e trata-se de um passado recente, as inovações do mercado financeiro e do mercado de capitais foram introduzidas muitas delas - embora não fossem todas - por sugestões da banca privada, que aliás, pura e simplesmente, se inspirou em experiências estrangeiras. Isso foi extremamente importante e foi um alto benefício para o funcionamento mais eficaz desses mercados. Isto leva-me a pensar que, pelo contrário, o exemplo que V. Exa. escolheu não beneficie a sua tese mas a infirma. E a verdade é esta: é que o clima - conforme diria o Sr. Deputado José Magalhães aqui há umas sessões atrás - contra as privatizações neste país é um clima reinante e avassalador. Ora, isso não é verdade, pois é exactamente o contrário. E devo mesmo dizer-lhe mais: eu temo que, por vezes, haja excessos ao pensar que as privatizações por um passe de mágica resolvam todos os problemas. E, quando há pouco o Sr. Deputado Almeida Santos falou que havia um certo número de empresa públicas e me perguntou se todas elas deviam ser reprivatizadas, devo dizer que não, pois isso depende das circunstâncias. Com efeito, há coisas em que é possível privatizar, há coisas em que é possível abrir a concorrência, mas o problema é suficientemente complexo para admitir uma solução compósita, isto é, para justificar a ponderação caso a caso. Agora o problema importante é este: é que, se a Constituição mantiver um artigo 83.°, impede essa consideração. Ora isso é que é o profundo erro, impedindo aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino teve oportunidade de referir, em reunião anterior, como algo que devia ser norteador da interpretação da proposta socialista, e que era devolver ao âmbito dos programas do governo de cada partido político aquilo que lhes pertence e retirá-lo da Constituição. Eu diria mesmo mais: se houver um propósito nítido de prosseguir esse desiderato e de o cumprir, julgo que, provavelmente, a revisão constitucional estará feita.

Srs. Deputados, se estivessem de acordo, suspenderíamos agora a reunião e recomeçaríamos às 15 horas e 30 minutos.

Pausa.

Srs. Deputados, está suspensa a reunião.

Eram 13 horas e 10 minutos.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente (Almeida Santos) - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados, preenchidos que estão os requisitos legais, nomeadamente no que respeita ao quorum, e se VV. Exas. concordassem, passaríamos à discussão dos projectos de alteração relativos ao artigo 84.° da Constituição. Entretanto, parece-me que as propostas neste domínio se apresentam tão simples que não terão, provavelmente, grande discussão. Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, trata-se de uma questão prévia ao início do debate. Coloco-a ao Sr. Presidente em exercício e pedir-lhe-ia o favor de fazer boa diligência na mesa para que esta questão fosse levada a quem de direito, porventura à Mesa da Assembleia da República.

Ontem, após sucessivas convocatórias dos deputados ao Plenário - que, aliás, e como sabemos, se traduziram nos nossos trabalhos em interrupções sucessivas - para sustentar o quorum em Plenário, acabou, finalmente, por se gerar uma situação de ausência de quorum e registo de falta aos deputados ausentes. Ora, parece pouco adequado que deputados que estiveram a trabalhar um dia inteiro em comissão possam vir a ficar para a história como tendo faltado aos trabalhos parlamentares. Trata-se de um facto que parece verdadeiramente insustentável. Talvez fosse adequado em nome do princípio que isso representa - especialmente pela falta em si...

O Sr. Presidente: - Redija, por favor, uma carta ao Presidente da Mesa em meu nome, expondo isso mesmo e pedindo que essa situação seja tomada em consideração.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Já que estou na fase das questões prévias, recebo essa incumbência da parte de V. Exa. e aproveito para levantar outra questão. Na terça-feira da semana que vem há uma alteração à ordem normal dos nossos trabalhos. Com efeito, as comissões parlamentares continuam a reunir ordinariamente à quarta-feira e a alteração introduzida em particular para a próxima semana vai no sentido de que seja à terça-feira. Ora, daí que a minha sugestão fosse também a de que articulássemos o trabalho da CERC com essa alteração da reunião ordinária das comissões e, assim, não reuníssemos a Comissão na terça-feira à tarde, uma vez que nessa data haverá lugar à reunião normal das comissões; nesse sentido, poderíamos então reunir a CERC durante todo o dia de quarta-feira. É a sugestão que faria.

O Sr. Presidente: - Estou de acordo desde que compensemos com quarta-feira à noite. Há alguma objecção?

Pausa.

Não havendo objecções, procederíamos pela forma descrita.

O CDS não está presente para justificar a proposta de eliminação dos artigos 83.° e 84.°, mas está o PSD para justificar a alteração ao n.° 2 e a eliminação do n.° 3 do artigo 84.°

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa proposta de alteração tem duas partes.

A primeira é relativa ao n.° 2, do qual retiramos o inciso "bem como condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico". Com efeito, pensa-

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mos que esta expressão final é absolutamente inútil, uma vez que a expressão "bem como condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico" respeita às condições fiscais e financeiras das cooperativas. A não ser que adoptássemos a expressão "os benefícios fiscais, financeiros e técnicos das cooperativas". Parece-nos que a expressão "bem como condições mais favoráveis à obtenção de crédito" está incluída na expressão "benefícios fiscais e financeiros".

Quanto ao n.° 3, propomos a sua eliminação porque entendemos que as experiências de autogestão que existem - nem sabemos se nesta altura são muitas ou poucas - não têm grande relevo constitucional. Mas também não faremos grande questão relativamente a esta alteração. Parece-nos, aliás, que qualquer das alterações só melhoraria o contexto.

O Sr. Presidente: - Continuam a não estar representados na presente reunião nem o CDS nem o PRD. Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Nos termos em que foi feita a justificação do projecto do PSD nesta matéria, fica a ideia de que, efectivamente, o PSD não faz grande força nestas duas alterações. Se não faz grande força, não seremos nós quem irá contrariar essa posição. Isto é: parece-nos que, realmente, também não seria uma razão aceitável eliminar o n.° 3 do artigo 84.°, porque o PSD desconhece se são muitas ou poucas as experiências de autogestão, mas parece-me também que foi acrescentado pelo Sr. Deputado que não fariam disso uma questão fechada. Sendo assim, naturalmente que nos parece que no n.° 2 do artigo 84.° a expressão que lá está, e digamos aquela que agora é excluída na proposta do PSD, é algo mais do que aquilo que está na primeira parte e, portanto, pela nossa parte, víamos vantagem em que se mantivesse a segunda parte do n.° 2. Isso parece-nos ser indiscutível no que diz respeito ao auxílio técnico - nem mesmo o Sr. Deputado Costa Andrade pôs isso em causa. Quanto à expressão "obtenção de crédito", naturalmente que poderá ser alvo de diversificados benefícios fiscais e financeiros. Deste modo, penso que só passando um atestado de incompetência à comissão de revisão anterior é que podíamos pôr em dúvida a utilidade desta expressão.

Sendo assim, e havendo, por conseguinte, uma abertura do PSD, no sentido de não fazer disto uma questão fechada, pela nossa parte insistiríamos no sentido de que nos parecia vantajoso continuar, e parece que contra isso não há uma posição determinada do PSD. Seria possível, portanto, manter a redacção actual com as vantagens que daí resultariam.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, as observações feitas pelo Sr. Deputado Costa Andrade hão ajudam excessivamente a compreender a lógica de que o PSD é possuído. Aparentemente, o Sr. Deputado Costa Andrade quer fazer a demonstração de que a supressão que propõe para o n.° 2 não introduziria realmente qualquer diminuição de conteúdo. Que intervenção minimizadora! Já em relação ao n.° 3 do artigo 84.° o Sr. Deputado Costa Andrade não pode negar a evidência. Suprime-se o dever de apoio pelo Estado de experiências viáveis de autogestão. Repare-se que a nossa Constituição já aponta ela própria para uma qualificação ou para um critério: não se trata de um apoio indiscriminado a todas e quaisquer formas de experiências autogestionárias, mas apenas a certas experiências autogestionárias, ficando para o legislador ordinário uma certa margem de conformação, de avaliação em concreto da viabilidade desta ou daquela experiência autogestionária. Por outro lado, há a margem de opção a cargo do executivo, poder substancial que, de resto, se rege por parâmetros conhecidos. Curiosamente, Sr. Deputado Costa Andrade, se cotejarmos o projecto de revisão constitucional do PSD, verificaremos que no artigo 61.° o PSD não suprimiu o n.° 4.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Comecei por dizer claramente que não faríamos disso um grande cavalo-de-batalha nem uma questão muito fechada. No artigo 61.° reconhece-se o direito à autogestão, e entendemos que das tarefas gerais do Estado em matéria de organização económica já decorre, necessariamente, o dever de estimular e apoiar todas as formas de produção de riqueza, sejam elas quais forem, sejam iniciativa privada, iniciativa pública ou iniciativa social, isto é, iniciativa de qualquer dos sectores de propriedade. Ademais, com o qualificativo "viáveis" obviamente que se relativiza o dever que impende sobre o Estado.

É na base destas considerações que entendemos que, apesar de tudo, não se perderia muito. Mas também entendemos que, se continuar cá esta norma, os ganhos, do ponto de vista de obrigações do Estado, deixam ainda uma grande margem de manobra tanto ao poder legislativo como, e sobretudo, ao executivo. Comecei por dizer que, se a sensibilidade desta Comissão for muito fechada neste sentido, também não seremos nós a alimentar nesta matéria uma grande discussão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Agradeço a V. Exa. a explicitação e o raciocínio que desenvolveu.

A alteração apresentada pelo PSD não é despida de consequências. Eu trouxe à colação o disposto no artigo 61.°, n.° 4, na redacção que consta do projecto de revisão constitucional do PSD, mas não podemos esquecer igualmente a proposta do PSD em relação ao próprio artigo 89.°, onde aquele partido trata de suprimir o subsector público autogerido, de acordo com uma lógica que aliás não explicitou (penso que o fará, como é evidente, atempadamente). Todavia, trata-se de uma lógica de diminuição da importância possível de qualquer sector desse tipo e da realidade económico-social portuguesa, suprimindo no fundo o favor constitutionais que pende sobre toda essa área de iniciativa. A questão está precisamente aí, porque eu creio que o PS intervém de maneira indirecta, enquanto a proposta do PSD é directa e eliminatória, é de diminuição imediata. Por outro lado, a intervenção do PS decorre do facto de suprimir a ideia de desenvolvimento da propriedade social. Embora não apresente nenhuma proposta para este artigo como tal, a proposta que o PS tinha a apresentar já estava apresentada, por um lado, no artigo 80.° e, por outro, no artigo 90.°

Em relação a este último preceito, o PS propõe uma supressão de conteúdo com a eliminação dos n.ºs 1 e 2. Não podemos ler o artigo 84.° dos projectos de revi-

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são constitucional sem deixar de ter em conta estas realidades, ou estas propostas, anteriores ou posteriores. Por isso mesmo, parece-me que o quadro existente é negativo no que diz respeito às propostas apresentadas, às posições pré-assumidas. E se alguma coisa podia ser positiva neste debate, era um alargamento da reflexão sobre as razões que conduzem a tal o PSD, por um lado, e o PS, por outro, embora aí se possa responder com pertinência que o PS não deseja travar esse debate nesta sede; pretende travá-lo adiante.

Que razões levam a que se altere tão significativamente a conformação constitucional das iniciativas não privadas, isto é, a cooperativa e a autogestionária?

Alerto, no entanto, Srs. Deputados, para que essa reconformação não é despicienda. E tanto não é despicienda no caso do PSD como no caso do PS, insisto em sublinhá-lo, ainda que isso possa não ser aparente para quem olhar desprevenidamente ou menos atentamente o quadro e o espectro das propostas em relação a este artigo que estamos a debater.

Por último, Sr. Presidente, em relação ao artigo 84.°, haverá a notar ainda, quanto ao n.° 2, que o PSD, confessamente, embora não demasiado transparentemente apesar de tudo, diminui a margem de protecção constitucional do cooperativismo. E evidente que a obrigação aqui apontada ao Estado de estimular e apoiar a vida e o desenvolvimento das cooperativas não pode traduzir-se em ingerência. É evidente que existem princípios a respeitar, decorrentes do disposto nos artigos 13.° e 266.°, n.° 2, da Constituição. Mas é evidente, também, que a garantia do estímulo ao cooperativismo é perdida ou diminuída se se suprimir a parte final do preceito. O Sr. Deputado Costa Andrade terá grande dificuldade em demonstrar que uma norma amputada do seu segmento final, ou seja, "bem como das condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico", é a mesma coisa do que a norma com os seus dois segmentos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ressalvando o "auxílio técnico" - e comecei logo por ressalvá-lo -, gostaria que me dissesse o que é que a expressão "bem como condições mais favoráveis à obtenção de crédito" acrescenta aos "benefícios fiscais e financeiros"?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Trata-se de uma definição de um razoável favor, de uma razoável discriminação positiva de que deviam ser beneficiárias as cooperativas e que, além do mais, pode apontar para a erecção de um dispositivo ou de um aparelho creditício específico, próprio, votado ao fomento, em condições especiais, das actividades de carácter cooperativo.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não são benefícios financeiros?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Numa muito lata acepção, serão. Mas nesse caso, Sr. Deputado Costa Andrade, pergunto-lhe se V. Exa. entende que a noção de benefícios financeiros recobre a de apoio creditício especial e se a Constituição garante apoio creditício especial com esta ênfase ou com esta explicitação. Porquê suprimir esta cláusula se entendemos que o conteúdo é exactissimamente o mesmo? Vamos encurtar a Constituição em cinco palavras: eis a grande vitória, eis a grande conquista que aqui adquiriríamos!

Sr. Deputado Costa Andrade, receio, aliás, que esta boa interpretação, que me parece bastante virtuosa, pode ser contestada ou menos aceite. E uma coisa é certa: a Constituição, nesta precisa formulação, não oferece qualquer dúvida quanto a essa obrigação, que já está todavia dependente de definição legal e dos próprios termos em que está conformada. De facto, é óbvio que a expressão "condições mais favoráveis" supõe um parâmetro que é do clausulado geral, mas, quanto às obrigações específicas em que isso se detalha, o legislador ordinário e o executivo têm uma larguíssima margem de conformação. E essa margem de conformação é tão grande, tão grande que, como V. Exa. sabe, a situação das cooperativas é preocupante e angustiante precisamente nesta área. E, todavia, a Constituição tem a redacção que tem. Não gostaria de futurar um quadro em que essa garantia, ou essa barreira, ou esse esteio constitucional, fosse menos forte ou mais débil do que é actualmente. E, creio eu, devemos fazer sempre este raciocínio: qual o grau de ganho e qual o grau de perda, interpretativa designadamente, que de uma alteração deste tipo pode resultar?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, tirar-se-ia não uma gordura balofa mas uma coisinha que não chega a ser uma gordura, porque é apenas uma pequena adiposidade.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Uma pequena celulite...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ou uma pequena celulite, que, do nosso ponto de vista, não tem grande utilidade. Mas, repito, não será por isso que deixaremos de dar o nosso acordo à revisão desta norma.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, creio que a preocupação de cortar apenas o supérfluo é importante. Mas, quanto a mim, a demonstração de que isto seja "celulítico" não está feita.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na qualidade de parte, gostaria de exprimir a posição do PS. É evidente que a expressão "bem como condições mais favoráveis à obtenção do crédito e auxílio técnico" está referida genericamente em "benefícios financeiros". No entanto, trata-se de uma discriminação positiva, podendo haver outros benefícios financeiros que não incluam este, e o legislador constituinte pretendeu que pelo menos este benefício ficasse desde já garantido. Mas reconheço que o preceito não está muito bem redigido. Não deveria dizer-se "bem como" e sim "nomeadamente". De facto, uma redacção como "A lei definirá os benefícios fiscais e financeiros das cooperativas, nomeadamente as condições mais favoráveis à obtenção de crédito" tem mais lógica gramatical, e penso que VV. Exas. não se oporão a isso.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Nesses termos, o preceito ganha alguma lógica. A redacção actual dá a ideia de uma justaposição de coisas diferentes ...

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O Sr. Presidente: - Não são diferentes mas adita-se o específico ao genérico. O genérico contém o específico mas não ficamos vinculados a este.

Relativamente ao n.° 3 do artigo 84.°, a experiência em matéria de autogestão não tem sido muito entusiasmante. Depositaram-se excessivas esperanças nas experiências autogestionárias ... Na primeira revisão constitucional introduziu-se o qualificativo "viáveis", o que constituiu uma primeira restrição. Porém, de então para cá, essa experiência não passou a ser mais entusiasmante. No entanto, apesar disso, também não me parece que a Constituição não comporte mais esta flexibilidade. De facto, amanhã pode justificar-se, a fim de evitar uma falência, o desemprego numa empresa, que o Estado ajude os trabalhadores para tomarem conta dela, depois de a entidade patronal inclusive a ter abandonado. Este apoio não é, para nós, muito entusiasmante, sobretudo se ficar reconhecido o direito, como lá atrás ficou, mas a verdade é que também não nos entusiasma o corte deste n.° 3.

O Sr. Deputado José Magalhães antecipou uma crítica que teria sido mais adequada a propósito do artigo 90.° Mas devo dizer desde já que não somos senão coerentes com as nossas posições quando suprimimos a ideia de "desenvolvimento da propriedade social", substituindo-a por algo que, em nosso entender, faz mais sentido, e que é a criação de um sector social da propriedade. E é para este sector que transferimos a propriedade comunitária, visto que, em nosso entender, é neste sector que deve estar inserida e não no sector público. Aliás, já lá se encontram previstos o sector cooperativo e outras formas de exploração colectiva por trabalhadores. Ao fazermos isto, ilibámo-nos, creio, de qualquer crítica com base na eliminação da ideia de "desenvolvimento da propriedade social". E porquê? Se alguém tiver a bondade de me explicar o que é a propriedade social, ficarei muito grato na medida em que compreendo o que seja um sector social da propriedade, compreendo o que sejam as preocupações de salvaguardar o sentido social do exercício do direito de propriedade em geral. Mas o que seja a propriedade social nunca ninguém disse e, sinceramente, tenho alguma dificuldade em me mover dentro desse conceito. A própria Constituição não o define, mas, apesar de o não definir, determina o que é que nele se integra e afirma a ideia do seu desenvolvimento. E desenvolvimento porquê? Teremos de reconhecer lucidamente que hoje, na economia que somos, integrados na CEE, aqueles três elementos devem ter um "favor" relativamente aos outros? Porquê? Não vemos razão para isso. Pensamos que um sector social da propriedade deve ser afirmado, deve até ser robustecido na medida em que o justifique. Mas a ideia de que deve ter um desenvolvimento que lhe permita superar todos os outros ou invadir a esfera de todos os outros não me parece adequada à realidade e sobretudo à experiência que temos tido não só no domínio das experiências autogestionárias mas também no domínio do desenvolvimento da propriedade social.

Em todo o caso, pensamos que as cooperativas continuam a justificar o "favor" que neste momento têm na Constituição, pelo que seríamos favoráveis à sua manutenção. Não compreendemos a eliminação, pelo PRD, do actual n.° 2, indo este partido mais longe do que o próprio PSD, embora não tão longe como o CDS, que, nesta capítulo, propõe uma razia completa.

Como já referi, 20 artigos num total de 25 é um buraco de enorme dimensão! Mas não vamos discutir essa questão, visto que o representante do CDS não está presente.

Srs. Deputados, vamos agora iniciar a análise do artigo 85.° Relativamente a este preceito, o CDS propõe a sua eliminação. Por seu lado, o PS dá alguma ênfase à iniciativa privada pelo facto de nos ter parecido que entrámos numa fase em que se justifica que tal aconteça. Nessa medida, substituímos o n.° 1 do actual artigo por um preceito que consagra que "o Estado estimula a iniciativa privada e protege especialmente as pequenas e médias empresas económica e socialmente viáveis". De notar que, no que respeita ao actual n.° 1, ou seja, "O Estado fiscaliza o respeito da Constituição e da lei pelas empresas privadas", o PS recupera-o para outra disposição.

Por outro lado, como já tivemos oportunidade de discutir, restringimos a possibilidade de o Estado intervir na gestão das empresas privadas, pois entendemos não ser esse o papel desejável e normal do Estado, embora admitamos naturalmente que tal possa e deva acontecer nos casos expressamente previstos na lei e dando sempre ao titular da empresa privada a possibilidade de contraditar a justificação dessa intervenção.

O PSD, no que respeita ao n.° 1 deste preceito, apenas retira o inciso "socialmente", aliás em coerência com aquilo que faz atrás, visto considerar que, estando nós no domínio económico, devem ser eliminadas todas as referências ao que é social. Sobre este aspecto já me pronunciei no sentido de que não concebo uma economia divorciada de preocupações sociais. Este partido substituiu também no n.° 3 "a lei definirá os sectores básicos" por "a lei pode determinar os sectores básicos", alteração com grande significado que, a meu ver, assim formulada, seria inútil, na medida em que passaria a ser uma faculdade. É óbvio que a lei poderá sempre fazê-lo mesmo que a Constituição o não diga. Uma norma constitucional que estabeleça que a lei pode fazer aquilo que a Constituição não proíbe é, evidentemente, uma disposição vazia de sentido.

Quanto à eliminação do n.° 2 proposta pelo PSD, ou seja, "O Estado pode intervir transitoriamente na gestão das empresas privadas para assegurar o interesse geral e os direitos dos trabalhadores, em termos a definir pela lei", já discutimos esta matéria com bastante profundidade.

Por seu lado, o PRD transfere esta matéria para o artigo 84.°, com a seguinte redacção para o n.° 1: "O Estado respeita e incentiva a actividade económica privada e protege as pequenas e médias empresas." Esta proposta vai numa linha parecida com a da proposta do PS, embora sem o qualificativo "económica e socialmente viáveis".

Para o n.° 2 propõe o PRD que, "A título excepcional e para salvaguarda de interesses públicos relevantes, pode o Estado intervir transitoriamente na gestão de empresas privadas, nos termos definidos pela lei". Acentua-se, portanto, a excepcionalidade da intervenção do Estado na gestão das empresas privadas, embora se retire a transitoriedade dessa intervenção.

São estas as propostas apresentadas para o artigo 85.°

Dando por justificada a proposta do PS, tem a palavra, a fim de justificar a proposta do PSD, o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

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O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Presidente, pretendia apenas fazer uma breve justificação da nossa proposta de alteração do artigo 85.° da Constituição.

Esta proposta de alteração do PSD inscreve-se, naturalmente, num quadro mais geral de propostas que apresentamos nesta revisão constitucional e que pretendem retirar do texto constitucional a desconfiança - já por nós assinalada - da Constituição relativamente à iniciativa privada. Recordo aqui as propostas que fizemos, nomeadamente, em relação aos preceitos que dizem respeito à propriedade privada, como, por exemplo, a relativa ao artigo 61.°, n.° 1, e a respeitante ao artigo 47.°-A. São propostas que inserimos neste quadro mais geral mas que têm, por exemplo, uma limitação que consideramos importante, que também já discutimos. Trata-se da limitação que propusemos que fosse introduzida no artigo 81.°, alínea a), que determina a subordinação do poder económico ao poder político. Ou seja, a supressão de alguma desconfiança que assinalamos à Constituição em relação à iniciativa privada não é uma abertura que se faça sem condições e fique totalmente desguarnecida do papel social que à iniciativa privada deve corresponder. Por outro lado, esta proposta de alteração do PSD tem obviamente de ser ligada com uma outra, qual seja a nossa proposta relativa ao artigo 89.°, n.° 3, preceito no qual definimos o sector privado da economia.

Atentas estas considerações gerais, passaria a justificar, número a número, as nossas propostas de alteração relativas ao artigo 85.°

Em relação ao n.° 1, propomos a eliminação do inciso "socialmente", partindo do princípio de que as empresas economicamente viáveis são também socialmente justificadas, o que não quer dizer que o inverso seja absolutamente verdadeiro. De qualquer forma, julgamos que a existência deste inciso traduz, uma vez mais, a desconfiança da Constituição relativamente à iniciativa privada, pelo que, em nosso entender, deve ser retirado.

Em relação ao n.° 2, e tal como o Sr. Presidente afirmou na apresentação das propostas de alteração, pensamos que não constitui vocação do Estado a intervenção na gestão das empresas privadas. Nesse sentido, entendemos justificada de per si a eliminação da disposição do n.° 2 do artigo 85.°

Quanto ao n.° 3, não vemos que, no quadro geral de flexibilidade do texto constitucional em relação a esta matéria que propomos, a Constituição deva impor ao legislador ordinário a fixação de um sector básico da economia, qualquer que ele seja e qualquer que seja a sua extensão, vedado à iniciativa privada. E isto, ao contrário - permita-me a discordância - do que o Sr. Presidente acabou de afirmar, tem um sentido positivo que é o seguinte: pela forma como está formulado o actual texto constitucional, parece-me - e julgo que tem sido esta a interpretação dominante nesta matéria - que o legislador ordinário terá sempre de vedar à iniciativa privada alguns sectores básicos da economia. A Constituição não diz quais sejam esses sectores básicos nem qual a extensão do impedimento que nesta matéria impende sobre o sector privado. Em nosso entender, o legislador ordinário deve ter, a cada momento e no cumprimento de programas próprios e democraticamente sufragados pelo eleitorado, a capacidade de definir quais os sectores básicos vedados à iniciativa privada - se os houver - e qual a sua extensão. Julgamos, portanto, que com esta medida damos também cumprimento à consideração geral presente no nosso projecto de revisão constitucional que é a flexibilização do texto constitucional relativamente à matéria económica.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, pretendia colocar algumas perguntas ao Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

Em primeiro lugar, quanto à questão das empresas económica e socialmente viáveis, diz o Sr. Deputado que se as empresas são economicamente viáveis, são também necessariamente viáveis do ponto de vista social. E eu gostaria que me dissesse se não admitiria certas circunstâncias em que uma empresa pode ser viável do ponto de vista da rentabilidade económica mas em que, do ponto de vista dos efeitos prejudiciais da sua laboração, revela uma tal inviabilidade social, designadamente pelo impacte negativo que a sua existência ou a sua laboração pode ter. Nesse sentido, essa empresa não desmerecerá, porventura, do apoio especial do Estado, justamente dada essa natureza de inviabilidade social que não é, todavia, sinónimo de inviabilidade económica? Portanto, se se trata de definir um princípio de especial dever do Estado de apoiar empresas viáveis, então que o seja, não apenas do ponto de vista da sua rentabilidade económica mas também do ponto de vista da sua rentabilidade social. Estes dois conceitos não deveriam, assim, estar ligados, não dando lugar a uma visão estritamente economicista acerca da empresa.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Não se importa de exemplificar, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Imagine uma determinada empresa que produza um impacte extremamente prejudicial ao nível do meio ambiente. Pode ser uma empresa totalmente viável do ponto de vista económico, mas pode eventualmente, ser qualificada como inviável do ponto de vista social, dada a natureza prejudicial da sua laboração relativamente ao ambiente em que se situe. Aqui tem um exemplo possível. E é nesse sentido justamente que gostaria de clarificar se não seria mais prudente, uma vez que se trata de definir um especial dever de apoio por parte do Estado, que esse apoio seja dado quando estes dois requisitos estejam salvaguardados. Era a primeira questão.

A segunda questão é a seguinte: verifico, mais uma vez, com perplexidade, que o PSD mantém intocável, no essencial, a disposição do n.° 1 deste artigo 85.°, ou seja, comete ao Estado o dever de fiscalizar o respeito da Constituição e da lei pelas empresas privadas. Aparentemente, há aqui nesta norma alguma suspeição de que as empresas privadas estão prioritariamente na linha do desrespeito pelos dispositivos legais e constitucionais. Porventura assim será se verificarmos que não há disposições similares na Constituição relativamente a outros possíveis deveres do Estado de fiscalizar o cumprimento das leis e da Constituição por parte de outras entidades, para além das empresas privadas. Nesse sentido, pareceu aconselhável ao Partido Socia-

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lista mudar a filosofia subjacente a este número e, no fundo, suprimir este princípio de suspeição relativamente à actividade das empresas privadas, vertendo-o em incumbência do Estado relativamente a todo o sector empresarial no âmbito do artigo 81.°

Verificamos que o PSD não o fez, porventura por nenhuma razão em especial. Estará a tempo agora de reconhecer que era altura de modificar esta norma. Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Miguel Macedo se convergiria com o PS para uma redacção mais perto daquela que o PS propõe.

Finalmente, e ainda, a questão do n.° 2 do artigo 85.° O Sr. Deputado Miguel Macedo, na sequência dos debates já aqui travados em comissão, disse-nos agora, preto no branco, que o Estado não deve intervir na gestão das empresas privadas. Foi um dos pontos mais aflorados, apesar de tudo, em termos razoavelmente dubitativos, no debate ontem travado acerca deste ponto e a propósito do artigo 82.° Se o Sr. Deputado Miguel Macedo sustenta este ponto de vista, sem lhe acrescentar qualquer nuance, terá certamente consciência de que se esse ponto de vista viesse a ser consagrado tal como agora o referiu, um conjunto de disposições legais actualmente em vigor e, mais do que isso, aprovadas pelo seu governo, seria imediatamente inconstitucionalizado. Refiro-me, por exemplo, a um decreto-lei que permite às instituições de crédito, no caso da declaração de certas empresas em situação económica difícil, virem a nomear gestores para essas empresas durante todo o período em que persistir essa declaração de situação económica difícil. A declaração do Sr. Deputado Miguel Macedo, sem mais, inviabilizaria e tornaria inconstitucional esse tipo de recurso. Como viu, na solução do PS, o PS é mais exigente e exige a mediação de decisão judicial, mesmo para estes casos. Mas o Sr. Deputado Miguel Macedo insiste nisto. Aparentemente é mais radical na interdição ao Estado da possibilidade de qualquer forma de intervenção na gestão das empresas. Gostaria também de clarificar esse ponto, e depois se verá se vale ou não a pena voltar ao debate sobre isto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Julgo que o caso que o Sr. Deputado Jorge Lacão configurou como justificativo da manutenção do inciso "socialmente", no n.° 1 do artigo 85.°, é um exemplo de casos especiais que já estão previstos e que são levados em linha de conta, logo no início, por exemplo, na instalação desse tipo de empresas privadas. Mas devo dizer-lhe que, em relação a esta matéria, não me repugna nada dizer-lhe que me parece que a proposta do PS merece uma reflexão atenta, nomeadamente porque - também o reconheço - na parte respeitante à assinalada diferença entre a nossa proposta e a do PS quanto à questão da fiscalização do Estado em relação à iniciativa privada, esta vai mais longe do que a nossa própria proposta. Não me custa nada dizer isso. Mas queria dizer que, obviamente, também não me repugna a proposta do PSD. E há uma razão lógica para isso: é que, naturalmente, as empresas privadas não estão fora nem do quadro constitucional nem do quadro legal, sendo evidente que ao Estado, dentro dos limites da lei, compete fiscalizar a actividade privada.

Não é nada de mais afirmar tal aspecto. Não queremos obviamente tomar, em relação a esta matéria, qualquer posição de força nem muito menos estabelecer uma posição de intransigência.

Em relação à questão da gestão das empresas privadas, não estive presente (porque não pude) na reunião de ontem desta Comissão e, portanto, não acompanhei os debates que se travaram em relação àquela matéria. Expressei aqui a minha opinião em relação a esta alteração que o PSD apresenta, e devo-lhe dizer que não configuro a Constituição como um texto que deva conter em si todas as possíveis nuances que relativamente a cada situação se podem verificar no campo social, económico, etc.. São áreas que devem ser ponderadas pelo legislador ordinário e não deve ser a Constituição - porque é impossível fazê-lo - a consideradas de forma taxativa. E sempre lhe diria que em relação à questão da intervenção ou não do Estado nas empresas privadas não é pelo facto de o PSD retirar o actual n.º 2 do artigo 85.° que, pura e simplesmente, ela ficaria inconstitucionalizada, porque, por exemplo, e aliás no seguimento da proposta do PS, sempre se admitiria que, por decisão judicial, qualquer intervenção, determinada nos termos dessa decisão judiciai, se poderia fazer, nos casos que a lei o determine, nas empresas privadas. E, obviamente, não seria uma intervenção inconstitucional.

Julgo, pois, que o sentido útil deste n.° 2 é absolutamente nulo, até para o efeito da declaração de iriconstitucionalidade da intervenção na gestão, em casos determinados e de acordo com a lei, das empresas privadas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado

José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que valeria a pena discutir o vasto conjunto de temas suscitados por este artigo separadamente. Abordaria, pois, nesta sede e neste momento, apenas um dos possíveis temas que o preceito suscita.

O Sr. Presidente: - Pedia-lhe para o fazer globalmente, porque todos temos estado a fazê-lo. Já que começámos assim, e como a metodologia não foi de outro modo definida, pedia-lhe esse favor. Faça um esforço e, se for preciso, voltamos a discutir o já discutido.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que tudo merece reflexão atenta, embora não "veneradora e obrigada". O facto de o PSD reconhecer determinadas propostas como meritórias, ou mais meritórias até que a sua proposta originária, apenas alerta para a necessidade de um aprofundamento da sua análise para podermos joeirar, nós também, do seu mérito e das suas implicações.

É que este artigo desempenha um papel básico na arquitectura constitucional. Diz respeito ao quadro aplicável à liberdade e iniciativa privada. Foi objecto de obras na primeira revisão constitucional - a Constituição, na sua redacção originária, estabelecia no n.° 1 que "nos quadros definidos pela Constituição, pela lei e pelo Plano pode exercer-se livremente a iniciativa económica privada enquanto instrumento do progresso colectivo"; o n.° 2 tinha um texto similar ao do actual

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n.° 3 e depois no n.° 3 especificava: "o Estado fiscalizará o respeito da Constituição, da lei e do Plano pelas empresas privadas, podendo intervir na sua gestão para assegurar o interesse geral e os direitos dos trabalhadores, em termos a definir pela lei". A primeira revisão constitucional pretendeu reordenar o preceito de acordo com um critério que permitisse atenuar alguns dos traços da redacção originária. Esse propósito foi deliberado, resulta claramente expresso nos trabalhos da Comissão, encontra-se pois amplamante documentado e não merece considerações adicionais nesta sede. Ao eliminar-se a referência ao Plano, ao reordenar-se o conteúdo da primeira das normas, isto é, do relacionamento Estado/empresas privadas, visou-se (por proposta do PS) combater o que se apelidou "fobia de intervenção estadual", "excessiva restrição na vida e no desenvolvimento autónomo da actividade das empresas". Visou-se fazer uma atenuação, mas não uma alteração de conteúdo. E realmente das supressões e dos arranjos de carácter técnico jurídico que foram introduzidos neste preceito não resultou que a iniciativa privada, antes "asfixiada", fosse agora libertada. Ela, antes, não estava asfixiada. Resultou apenas, quanto aos aspectos semânticos, aligeirada de certas coisas que impressionavam certas cabeças e certas forças políticas. Não houve depreciação de conteúdo! O facto de não se aludir ao Plano como tal não alterou coisa nenhuma quanto à existência, à dimensão e à afectividade do Plano (que, como sabe, não tem carácter imperativo, a título nenhum, em relação às empresas privadas). No respeitante à relação fiscalização/liberdade, o binónio manteve-se nos termos em que se colocava anteriormente: a questão foi puramente semântica. A que chegamos agora em 1988? Creio que, aqui, as propostas apresentadas pelo Partido Socialista suscitam realmente mais problemas do que as propostas apresentadas pelo PSD quanto ao artigo 85.°, n.° 1. Porque o artigo 85.°, n.° 1, tem, entre outras virtuosas funções, a de estabelecer certos parâmetros que permitem ao Estado uma certa actividade, normativa e com outros cunhos, com projecção na vida interna e nas actividades das empresas, com vista a salvaguardar certos interesses de carácter público. É evidente que o Estado não pode abdicar de salvaguardar valores, alguns dos quais, de resto, foram de preocupação especial do Sr. Deputado Jorge Lacão, e até do Sr. Deputado Miguel Macedo, valores relacionados com as regras de higiene e de segurança, valores relacionados com o cumprimento de regras de respeito pelos direitos dos trabalhadores, Ide certos direitos dos trabalhadores, designadamente mais vulneráveis, normas de qualidade, normas relacionadas com a segurança, etc..

O Sr. Presidente: - Posso pôr-lhe um problema? Não está a esquecer a alínea f) do artigo 81.°? É que há uma transposição da fiscalização para essa alínea. Não há uma eliminação. Com a diferença de que surge aí como uma incumbência prioritária do Estado. Estou a ouvi-lo argumentar, muito bem como sempre, mas parece-me que está a esquecer esse pequeno pormenor. Nós reforçámos o papel da intervenção do Estado em matéria de fiscalização. Ponha aí essa nota para o futuro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, durante o nosso debate de ontem tive ocasião de pôr essa "notinha", no artigo 85.°, para

fazermos a correlação. O que me impressionou foi que, tendo sido levado, exactamente como agora, a colocar essa "notinha", acabava ainda de a escrever e logo me pus a mediatizar melhor os resultados de um debate que, sobre esta matéria, nós, PCP, travámos noutra sede. Porque não é a mesma coisa! Só muito perfunctoriamente o poderia ser. Não posso desenvolver excessivamente argumentos nesta matéria, tendo em conta alguns factores que não posso subestimar, mas não é realmente a mesma coisa fazer-se uma norma de fiscalização geral de todas as empresas, independentemente da sua natureza pública, privada ou outra - ou inserir-se em sede geral uma incumbência que a todas se aplica. Isto é, há uma mudança de código, há uma mudança de registo, há um desligamento da relação de controle que deixa de ser atinente às empresas privadas especificamente, para se aplicar a toda a espécie de empresas. Ora, esse controle é redundante em relação a certas empresas. Em relação às empresas públicas, que públicas são, é evidente que o nexo existente entre elas e todo o universo de que dependem é óbvio, tem de existir sempre, todos o compreendemos. O sentido básico da norma haverá pois de ser dirigido sobretudo para certos destinatários ...

O Sr. Presidente: - Nisso é que nós não estamos de acordo. Acho que o dever de fiscalizar do Estado deve ser para todas as empresas - cooperativas, públicas, privadas - independemente do sector em que se integram. Se há uma lei e uma Constituição que prescrevem alguma coisa - e não se esqueça que é fiscalização da Constituição e da lei - é para toda a gente. Não esqueça - repito - que passou a ser uma incumbência prioritária. Aqui era apenas um dever constitucional. Passou a ser uma incumbência prioritária; portanto, agora a fiscalização vai ser mais feroz, feita pelo Sr. Miguel Cadilhe, vai ser terrível! Sobretudo para as privadas ...

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, fez V. Exa. aquilo que lhe cabia, isto é, pôs cartas na mesa.

Coube-me a mim o papel um pouco ingrato, mas inevitável, de o levar a fazer tal coisa que não tinha começado por fazer. Em todo o caso, pareceu-me que a alegria do Sr. Deputado Miguel Macedo era tão juvenil e, de certa forma, tão de peito aberto que ...

O Sr. Presidente: - Eu sou franciscano, gosto de promover a alegria.

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A questão está em que o Sr. Deputado Miguel Macedo não teve em atenção o saldo do debate do artigo 81.° E creio que é útil ter em conta esse saldo, porque a alegria que exibiu deve ser uma alegria temperada com a verdade das propostas. Não vá o PSD incorrer na tentação de aceitar a proposta do PS em relação ao artigo 85.° e chumbar a proposta em relação ao artigo 81.° (não fazendo eu a injúria ao PS de admitir que esse negócio seja aceitável!). Não estou a pressupô-lo! Apenas estou a assegurar que ele não existirá a título nenhum. Compreenderão que não deixemos nós de fazer esforços possíveis para todas as atenções e todas as reflexões.

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Esta era a primeira preocupação que não quereria deixar de exprimir aqui, porque a norma jurídico-constitucional, tal qual se encontra redigida e com esta sede, tem uma função jurídico-constitucional muito específica e a sua alteração, a sua eliminação ou a sua transposição sem aclaramentos adequados poderia, porventura, suscitar algumas das tais tão temidas hermenêuticas perversas, conduzindo a dificuldades acrescidas à admissibilidade de medidas que visem tutelar certos interesses, designadamente de carácter público eminente, mas que contendam com a garantia constitucional da liberdade da iniciativa privada.

E isto me conduz ao segundo aspecto, qual seja o da "imunidade de gestão". Constitucionalmente as empresas privadas não têm imunidade de gestão, isto é, a sua gestão não é imune a certa margem de intervenção pública. O Partido Socialista pôs ontem, nesta matéria, cartas na mesa, de forma claríssima. Em termos práticos, sabemos que há muitos anos, muitos, muitos anos, desde o Decreto-Lei n.° 90/81, de 28 de Abril, que está suprimida, em Portugal, a legislação que regulou, em determinado momento, a intervenção estadual em empresas privadas. No entanto, a questão que se pode colocar é talvez outra. É que, quando pensamos na intervenção na gestão de empresas privadas, a reflexão arrisca-se a ficar empobrecida se for feita demasiado sobre o quadro histórico que presidiu, em 1974, à elaboração de normas excepcionais - de resto, para darem resposta a uma situação, ela própria, excepcional. A fórmula constitucional, tal qual se encontra redigida, e tal qual é susceptível de ser interpretada e aplicada, pode abranger não apenas um tipo de intervenção, não apenas uma fórmula interventiva, mas diversos tipos de fórmulas e, mais ainda, diversos graus de intervenção. A intervenção substitutiva é, como se sabe, apenas a intervenção máxima; pode haver outras formas de intervenção, de condicionamento da gestão de empresas privadas. É óbvio que o Estado pode sempre fazê-lo através do mecanismo "cifrónico", isto é, o Estado pode comprar uma participação e, se o fizer, tem direito a intervir na gestão, se isso for previsto estatutariamente ...

O Sr. Presidente: - Nessa qualidade, não enquanto Estado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Movendo-se na esfera própria do direito comercial com todas as garantias, com todas as prerrogativas e com todas as limitações, uma vez que não está nas vestes de auctoritas.

O Sr. Presidente: - Não é disso que estamos a tratar. Isso será uma entidade privada como outra qualquer.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, estamos a tratar manifestamente de outra coisa: é dos meios, das situações em que o Estado, como tal, pode intervir num grau, que devemos ver em arco-íris, do mais para o menos, numa escala que pode ir de zero a n.

A alteração proposta pelo PSD é radical, exceptuada a interpretação do Sr. Deputado Jorge Lacão, feita onde cautelarmente, por pura utilidade retórica e para precipitar a reacção, que parece que foi precipitada, do PSD. Essa interpretação não é possível. Se se fosse pelo caminho que o PSD pretende, se se suprimisse pura e simplesmente o artigo 85.°, n.° 2, não haveria qualquer possibilidade, nem mediante decisão judicial, nem mediante qualquer outra fórmula, de intervenção transitória na gestão das empresas privadas. É isso que o PSD quer, é esse o objectivo pelo qual se bate.

A proposta do PS é, obviamente, um menos em relação ao mais constitucional. Apesar de tudo, fico com esta dúvida: O PS não pretende diminuir essa gama de situações possíveis, esse poder de o legislador estabelecer fórmulas variáveis para a intervenção na gestão; pretende, tanto quanto percebi, é condicionar tudo isso a prévia decisão judicial. Em segundo lugar, pretende desfuncionalizar a intervenção. Isso é que já não percebo, porque a norma, na sua redacção actual, garante melhor a margem de "imunidade" da gestão privada, porque estabelece que a intervenção do Estado, além de ser transitória, só pode ter lugar para assegurar o interesse geral e os direitos dos trabalhadores. O PS suprime essa cláusula e limita-a a uma garantia de legalidade, isto é, de prévia tipificação legal (não especificando de resto que tipo de lei é que é, mas aí a situação não é diferente daquela que actualmente caracteriza a redacção do preceito), mediante prévia decisão judicial. Porquê a supressão deste elemento de definição teleológica? Dir-se-ia que isto joga completamente ao arrepio da linha de argumentação do Sr. Deputado Jorge Lacão e do Sr. Deputado Almeida Santos hoje.

O Sr. Presidente: - Não, porque noutro artigo nós fazemos uma proposta no sentido de submetermos o exercício da iniciativa privada a regras de interesse colectivo, de interesse geral, que ficou inserida noutro local. Nós, pela primeira vez, dizemos claramente que o exercício da propriedade e da iniciativa privada deve ser submetido a princípios de interesse geral. Claro que se a lei vai definir os casos de intervenção, não vai defini-los de acordo com outro interesse que não seja o geral. Isso é a característica da lei.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado está a referir-se à proposta do PS relativa ao artigo 61.°, que diz "a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral".

O Sr. Presidente: - Exacto, tendo em conta o interesse geral.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Só que não é essa a questão que estou a colocar. Do que se trata aqui não é do quadro em que a iniciativa privada se move: é dos elementos pelos quais o Estado tem de definir-se quando se decide a intervir na gestão transitória das empresas privadas.

O Sr. Presidente: - Não vejo por que é que faz cá falta a recondução à defesa de interesses privados, porque isto está lá atrás. É um dever, é um dos deveres da iniciativa privada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado, o que está no artigo 85.°, n.° 2, a referência ao interesse geral e aos direitos dos trabalhadores não diz respeito às empresas privadas como tais. É um elemento de condicionamento da intervenção do Estado na vida

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das empresas privadas. O Estado só pode intervir em certas condições: primeiro, transitoriamente; segundo, só pode intervir por duas causas: para assegurar o interesse geral ou para defender os interesses dos trabalhadores. Isto é um limite ao Estado, não é um limite às empresas privadas (garante-as, até, contra certas intervenções). Aquilo que V. Exa. coloca no artigo 61.° é um limite às empresas privadas.

O Sr. Presidente: - Entendemos que devem existir outros limites. Mas não se justifica que fiquemos amarrados só a esses dois casos, embora o interesse geral seja o vago.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, é ampliativo dos fundamentos que podem conduzir à intervenção...

O Sr. Presidente: - Não é ampliativo, pode sê-lo. O interesse geral ficou lá atrás. A intervenção para proteger os direitos dos trabalhadores parece-nos poder gerar uma colisão dos direitos: o direito do proprietário da empresa privada e os direitos dos seus trabalhadores. A intervenção do Estado não deve justificar-se por esse motivo embora o interesse geral possa e deva em regra coincidir com a defesa dos direitos dos trabalhadores, nos termos da Constituição e da lei. A lei dirá quais são os casos em que pode intervir e, de acordo com essa definição legal, o Estado intervém ou não intervém. Devo dizer com toda a sinceridade que já depois desta discussão me pus o problema de saber se não é excessivo exigir para todos os casos de intervenção uma decisão judicial, sobretudo se necessariamente prévia. Quando V. Exa. tem razão, não deixo de lha dar. Não contesto por contestar. Estou a pensar por exemplo na gestão controlada. Não me parece que hoje a gestão controlada seja sempre precedida de uma decisão judicial.

Como vê, Sr. Deputado, também lhe dou razão quando a tem; quando a não tem é que não posso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Agradeço a explicação que deu e que me poupa as perguntas que tinha de formular a seguir. Em todo o caso, usou um conceito que me suscita alguma dúvida, porque pode introduzir uma confusão menos desejável. A sua segunda observação pré-respondeu à minha linha de interrogação sobre as consequências do mecanismo rígido "prévia decisão judicial". Prescindo, portanto, de aprofundar esse aspecto. A terceira série de considerações que o Sr. Deputado fez é que me parece carecer de alguma dilucidação.

O Sr. Presidente: - E porquê?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Qual é o conceito específico de gestão controlada que o Sr. Deputado estava a usar? Em que sentido é que estavam a utilizar a expressão "gestão controlada"?

O Sr. Presidente: - É no sentido de a empresa privada não poder exercer livremente a gestão. É uma gestão que tem algum ingrediente de intervenção do Estado, embora mínimo. Cabe no conceito de intervenção na gestão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu creio que sim que cabe.

O Sr. Presidente: - Cabe sim, e aí não se justifica decisão judicial prévia. Há porventura outros casos como esse. Nós temos de consagrar aqui um limite qualquer. Sempre que não puder evitar-se, por exemplo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Há uma fórmula, Sr. Deputado Almeida Santos, que resulta, de resto, de algo que não é infrequente na Constituição, que é a fórmula devolutiva para a lei...

O Sr. Presidente: - Devo dizer que, remetendo para a lei, já me dá satisfação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - ... "definindo a lei os casos em que tal tenha lugar mediante decisão judicial prévia".

O Sr. Presidente: - Sim, ou algo no género, quer dizer, uma norma segundo a qual a exigência de decisão judicial prévia não seja uma regra absoluta, mas tendencial. Sendo desejável, sempre que possível ou outra fórmula semelhante.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu creio, Sr. Deputado Almeida Santos, que ir-se por esse caminho seria correcto, porque a fórmula que consta do projecto do PS poderia originar - e nesse sentido me pareceu que se congratulava o Sr. Deputado Miguel Macedo - um bloqueamento...

O Sr. Presidente: - Em regra mediante. Vemos depois. De qualquer modo estamos conscientes do excesso que há nesta nossa proposta, porque pode entorpecer alguns casos de intervenção justificada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Bloqueava-a.

O Sr. Presidente: - A nossa proposta vai no sentido da restrição da intervenção do Estado na gestão de empresas privadas. Com este esclarecimento parece-me que não devemos ser tão rígidos que exijamos sempre uma decisão judicial prévia, a menos que a própria lei previsse um tipo de intervenção judicial tão expeditivo que não embaraçasse durante meses ou mesmo anos a decisão de intervir ou não.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A proposta apresentada pelo PRD visa salvaguardar aquilo que já está salvaguardado: a intervenção tem carácter excepcional. Substitui-se o elemento de limitação teleológica hoje constante do texto constitucional por um outro similar ("e para salvaguarda de interesses públicos relevantes" em sucedâneo de "interesse geral e os direitos dos trabalhadores"). Define-se que caberá à lei intervir nessa área: não me parece que o ganho seja significativo e não me parece que tenha justificação bastante.

Gostaria apenas que não se estabelecesse uma confusão que poderá resultar das alusões reiteradas à expressão "gestão, controle" e "controle de gestão", uma vez que aqui as posições do PSD e a do PS são distintas. Na verdade, o PSD apresenta um conjunto

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de propostas tendentes a conferir à liberdade de iniciativa privada um estatuto que se situaria nos antípodas daquele que actualmente tem no nosso sistema constitucional. O PSD propõe simultaneamente as normas que aqui estamos a examinar e outras, designadamente algumas das que foram lembradas pelo Sr. Deputado Miguel Macedo respeitantes à própria propriedade privada, e, por outro lado, propõe a supressão do controle de gestão dos trabalhadores, o que não tem nada a ver com o artigo 85.°, n.° 2, embora possa ser, e é, um elemento de limitação da liberdade da iniciativa privada num dos seus vectores, porque acarreta uma determinada margem de limitação da liberdade de gestão dos empresários (isso é uma componente do próprio modelo de empresa constitucionalmente consagrado). Só que tal não tem absolutamente nada a ver com a questão que estamos a discutir, embora tenha a ver com as ambições do PSD e tenha a ver também com a sua gama de propostas.

Tudo isto nos conduz à terceira questão, que é a da delimitação de sectores, e aí o Sr. Deputado Miguel Machedo apenas ofereceu o mérito da leitura da proposta. Creio que é muito pouco. Na presente situação é mesmo razoavelmente intransparente, na medida exacta em que nenhum de nós ignora qual seja o quadro que se desenha nesta matéria, dadas as posições que o Governo tem vindo a anunciar publicamente e, mais do que isso, já assumiu nesta Assembleia com a entrada em 9 de Abril da proposta de Lei n.° 47/V, que visa autorizar o Governo a alterar a Lei n.° 46/77, de 8 de Julho. O Governo alega aí, entre outras coisas, que "a adesão de Portugal à CEE postula(ria) a obrigatoriedade de revisão da Lei de Delimitação de Sectores" para operar aquilo a que o Governo chama a "libertação do nosso tecido económico de entraves legais não justificáveis à livre iniciativa empresarial". O Governo entende que é "urgente promover reformas que dotem a economia nacional das mesmas condições e dos mesmos meios de que dispõem os restantes Estados membros para enfrentarem o desafio do mercado único europeu" e extrai deste objectivo político a necessidade de suprimir o que resta da Lei n.° 46/77, uma vez que esta foi, ao abrigo da autorização legislativa constante da Lei n.° 11/83, de 16 de Agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.° 46/83, de 19 de Novembro, que permitiu o acesso de entidades privadas às indústrias adubeira e cimenteira. Por outro lado, legislação aprovada na mesma altura permitiu o acesso de empresas privadas à banca, às actividades bancárias e seguradoras.

O que é que o Governo pretende? O PSD não pode escondê-lo aqui na Comissão, porque isso é publicamente assumido, e será de resto objecto de debate na Assembleia da República. Pretende que sejam abertas a entidades privadas, e a outras entidades da mesma natureza, as seguintes actividades: a produção, transporte e distribuição de energia eléctrica para consumo público; a produção e distribuição do gás para consumo público; os serviços complementares de telecomunicações, bem assim os serviços de telecomunicações de valor acrescentado, o que quer que isto seja; os transportes aéreos regulares interiores; os transportes ferroviários que não sejam explorados em regime de serviço público; os transportes colectivos urbanos de passageiros nos principais centros populacionais; as indústrias petroquímicas de base, siderúrgica e de refinação de petróleos. O Governo pretende ainda alterar as normas que impedem empresas mistas em algumas destas áreas e, por outro lado, visa conseguir autorização para que seja permitida a exploração ou gestão das actividades que acabei de referir em regime de concessão por entidades privadas. Devo dizer que, pela nossa parte, consideramos esta proposta inconstitucional, porque, como é evidente, confere um carácter puramente, mas puramente residual, à extensão da delimitação de sectores básicos da economia. E confere-o desde logo expurgando-o de todos os que são básicos em termos económicos na indústria (remanesceria tão-só um só sector de carácter estratégico, segundo critérios aliás não económicos, que é o sector da indústria de armamento). Por outro lado, o Governo quereria esvaziar drasticamente o elenco dos demais sectores vedados, o que, por efeito cumulado com o já produzido pela Lei n.° 11/83 e pelo Decreto-Lei n.° 406/83 e legislação complementar, feriria o conteúdo essencial do artigo 85, n.° 3, da Constituição que agora estamos a discutir. Por outro lado, ao prever, no n.° 3 do artigo 1.° dessa proposta de lei, a exploração ou a gestão por entidades privadas de actividades económicas e dos sectores industriais de base constantes dos artigos 4.° e 5.° da Lei n.° 46/77 em regime de concessão, o Governo quer violar o disposto no artigo 89.° da Constituição da República, que proíbe as formas de exploração pretendidas. O Governo pretende inverter a lógica e os princípios fundamentais consignados na constituição económica, não só neste artigo que estamos a apreciar mas noutros, designadamente nos artigos 81.° e 90.°, n.ºs 1 e 2, bem como no artigo 9.°, alínea d)t representando tudo isto a subversão, na prática, desses normativos e constituindo claramente uma revisão antecipada e ilegítima da Constituição da República.

É nesta situação que estamos. Pior ainda: na versão final da lei de privatizações aprovada na Assembleia da República, que foi objecto de fiscalização preventiva junto do Tribunal Constitucional, dando origem ao Acórdão n.° 108/88, a Assembleia da República, ao que parece, revogou ou alterou uma das componentes da versão originária da proposta governamental sobre a mesma matéria, proposta essa que previa que o normativo de "quarenta-e-nove-porcentização" só se aplicasse a empresas que "não" se situassem em sectores básicos vedados. A situação criada é surrealista. Na proposta originária, o Governo previa que fosse legitimada a "quarenta-e-nove-porcentização" de empresas públicas, mas apenas empresas públicas não situadas em sectores vedados; num segundo momento, através da proposta de lei n.° 47/V, vinha-se esvaziar o conteúdo de sectores básicos vedados (portanto poderiam ser "quarenta-e-nove-porcentizadas" empresas situadas em sectores vedados face à actual Lei n.° 46/77, mesmo com o conteúdo diminuído decorrente da sua revisão pelo bloco central). Actualmente, o Governo e o PSD pretendem tudo o que pretendiam e mais alguma coisa. Pretendem "quarenta-e-nove-porcentizar" toda a espécie de empresas, mesmo situadas em sectores básicos, e pretendem acabar com os sectores básicos. A dimensão da operação ensejada inicialmente no fim de 1987 alargou-se estrepitosamente durante o ano de 1988, e designadamente por força do impulso da redacção na especialidade da "lei dos 49%". É esta a situação em que estamos.

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O que é que quer o PSD agora em sede de revisão constitucional? Quer transformar numa pura faculdade a existência de sectores básicos vedados. Quer, pura e simplesmente, imunizar a qualquer declaração de inconstitucionalidade qualquer lei que entenda emanar, designadamente alguma norma que estatua que não há áreas vedadas. Tudo isto aqui fica, a todos os títulos, documentado - e é da maior gravidade política. É exactamente a isso que nos opomos, tanto no terreno da impugnação da proposta de lei n.° 47/V, coisa que atempadamente fizemos, como aqui. A questão está, naturalmente, em saber qual a posição dos demais partidos e forças políticas com assento nesta Comissão, uma vez que o PS não propõe a alteração do n.° 3.

O PRD não inclui esta norma no artigo 84.°

O Sr. Presidente: - Propõe outras normas sobre este tema. Encontram-se noutro local.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O PRD tem, sim, um artigo 88.°, no qual define sectores estratégicos da economia, através de um preceito que reza que "A lei define, em conformidade com os critérios constitucionais e, designadamente, com o da subordinação do poder económico ao poder político democrático, os sectores estatégicos da economia, nos quais é vedado ou limitado o exercício de actividade por empresas privadas ou entidades da mesma natureza", o que quer dizer que não haveria alteração básica e fundamental da proibição ou da obrigação de proibição de penetração do capital privado em determinados sectores básicos.

A verdade é que a norma constitucional tem um significado que obriga claramente a que haja uma vedação e que essa vedação tenha um mínimo de relevância, pois não se pode vedar as indústrias de caixas de alfinetes e de produção de óculos escuros e deixar aberta a banca, os seguros, as adubeiras, as cimenteiras, a petroquímica, a distribuição de água, de luz, de electricidade, de transportes, etc.. Não é esse o significado da norma constitucional e uma norma constitucional assim lida ficaria completamente esvaziada, seria um símbolo quase caricato de uma arquitectura constitucional derrubada.

Percebe-se que isso agrade particularmente ao PSD e que o queira fazer pelo terreno da lei ordinária. Pela nossa parte, não poderemos, evidentemente, senão contrariar, o mais fortemente que possível seja, tal intenção e insistir na necessidade de existência de um número significativo de sectores e de selecção desses sectores de acordo com o seu carácter realmente básico e com um critério ou com uma hierarquia em função da importância objectiva aferida pelos critérios normais, incluindo os de carácter económico, desses mesmos sectores.

Por outro lado, não podemos deixar de manifestar a preocupação pelo facto de a proposta do PS, implicitamente, em relação ao que decorre do artigo 80.° e, designadamente, quanto à apropriação colectiva dos principais meios de produção, poder ter implicações que, também aqui, acarretem alguma diminuição de conteúdo. A proposta do PS é, nesse sentido, indirecta, mas não deixa de dever ser aferida.

O Sr. Presidente: - Disse e muito bem, nós não propusemos a alteração do n.° 3. Defendemos uma economia mista e, mantendo-se um sector público, este sector terá de ter alguma expressão nos sectores básicos da economia. E se esses sectores básicos existem, compreendemos nós que seria normal que se mantivesse a necessidade da definição legal desses sectores. Gostaria apenas de o ver pronunciar-se sobre se tem ou não algum receio de que esta norma venha a colidir com alguma norma comunitária.

Esta é a única preocupação que tenho, porque, se alguém me der a garantia de que não há colisão, manteremos a necessidade de uma norma deste género. No entanto, se houver colisão, não gostaríamos de ver a Constituição sujeita a ser desfeiteada por uma norma comunitária.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, creio que coloca uma questão relevante. Que nós tenhamos podido apurar aquilo que, à boa luz das normas aplicáveis, flui - ainda que sejam pouco iluminadas ou pouco luminosas - é uma obrigação de não discriminação ou de não desigualdade de tratamento. O que decorre deste artigo não é, desse ponto de vista, ofensivo das normas comunitárias.

O Sr. Presidente: - Mesmo que uma dessas normas garanta a liberdade de estabelecimento sem limite e sem discriminação de sectores?

O Sr. José Magalhães (PCP): - O que é obrigatório é não dar tratamento desigual a iniciativas...

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Rui Machete.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Se a norma comunitária diz que é livre o direito de primeiro estabelecimento, é evidente que é para todos os países da Comunidade. O facto de estar na Constituição o contrário é igual a nada e a Constituição exautora-se de antemão se consagra regras que já sabe não terem prevalência sobre normas contrárias a que o País deve obediência. Essa é a minha dúvida. Se for resolvida num sentido coincidente com o que parece ser a sua conclusão, entendemos que uma norma destas deve continuar a ser defendida por quem defende uma economia mista.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, teremos ainda ocasião de aprofundar esta matéria. Gostaria apenas de lhe sublinhar que se o PS não propôs a alteração do normativo, não teve essa iniciativa porque entendeu, bem, que não havia colisão.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Nós, na altura, tivemos esta mesma dúvida e ainda a não vimos resolvida. Se ela for resolvida no sentido que, na altura, tivemos prevalecente - que foi o de não haver colisão -, muito bem. Só que não tenho a certeza disso e gostaria de ver o assunto liquidado num sentido ou noutro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, é nosso entendimento que não há colisão. A desigualdade de tratamento poderia colidir, mas o tratamento igual da iniciativa estrangeira e da nacional satisfaz as obrigações comunitárias. Creio que este entendimento não é infirmado, sendo aceite, e consti-

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tui prática, de resto, dos países comunitários, havendo sobre isto uma conhecidíssima, volumosa e compreensível polémica que não pode ser igualmente ignorada. Permitia-me, apenas, não trazer dessa polémica para esta Comissão aquilo que, porventura, outros terão interesse em trazer.

O Sr. Presidente (Rui Machete): - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, começando pelo projecto do PS, temos, desta vez, e através das explicações que o Sr. Deputado Almeida Santos forneceu, de chegar à conclusão de que, efectivamente, está aqui em causa uma mudança importante da orientação do PS no que diz respeito à iniciativa privada, porquanto o Sr. Deputado Almeida Santos referiu a dificuldade de entender um sector social de propriedade da economia, mas a verdade é que essa dificuldade foi ultrapassada pelo PS na alínea e) do artigo 80.° quando usaram a expressão "o sector social de propriedade dos meios de produção". No entanto, o problema não é tanto o da dificuldade de expressão, mas o de que, na alínea e) do artigo 80.°, o PS substitui a palavra "desenvolvimento" por "protecção", pondo de lado o desenvolvimento deste sector.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Isso foi assumido.

O Sr. Raul Castro (ID): - Mas aqui substituíram o que estava no n.° 1, que era apenas a fiscalização do respeito da Constituição, pela palavra "estimula". Aqui foi ao contrário.

O Sr. Almeida Santos (PS): - A fiscalização foi mantida atrás, aliás como incumbência prioritária do Estado. Mas não há dúvida de que subimos um degrau quando dizemos "estimula a iniciativa privada", pois, anteriormente, a Constituição não o dizia.

Entendemos que, tendo o Estado o dever de estimular o desenvolvimento económico em todos os sectores da economia, a experiência destes últimos anos e/o facto de termos entrado num espaço de economia de mercado justificam que se passe ao dever de estímulo e não de protecção.

O Sr. Raul Castro (ID): - É mais do que protecção.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não é mais. Estimular não é proteger, mas criar condições, que podem ser de vária ordem. Nós entendemos que algum sector terá de ser preferencialmente estimulado, não o podendo ser todos em pé de igualdade. Na medida em que estamos numa economia de mercado, parece-nos coerente, tendo nós entrado na CEE, a consagração de um dever de estímulo à iniciativa privada. Este é o nosso ponto de vista.

O Sr. Raul Castro (ID): - Claro. A dúvida é saber se subiram ou se desceram um degrau.

O Sr. Almeida Santos (PS): - No vosso ponto de vista, descemos, é claro!

O Sr. Raul Castro (ID): - Pois. No nosso ponto de vista, efectivamente, não se subiu, mas desceu-se, porque isto afigura-se-me ser contrário ao próprio travejamento da Constituição. Quer dizer, há uma alteração qualitativa nesta parte, no que diz respeito à iniciativa privada, a empresas privadas e à propriedade social.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, já mudámos noutras épocas outras traves mestras que também já cá estiveram e já não estão. Não recuamos perante mexer nas traves, o mesmo não acontecendo, evidentemente, quanto aos valores, às reservas e aos limites materiais. Mister é que isso se justifique, segundo a nossa perspectiva do interesse nacional.

Mas o que chama "travejamento" o que é? A diferença entre respeitar a iniciativa privada e estimulá-la? Se é isso, é um caibro delgado e não propriamente uma trave.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado, como viu, não é apenas isso.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Do seu ponto de vista.

O Sr. Raul Castro (ID): - Não, não é do meu ponto de vista; é do seu ponto de vista, pois é também a posição da alínea é) do artigo 80.° quanto à propriedade social, onde retiram a palavra "desenvolvimento".

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não creio que nenhum de nós deva ter particular orgulho na maneira como se comportou a propriedade social no plano do progresso económico do nosso país nestes últimos doze anos. Teve o seu papel, mas não é da propriedade social que poderemos tirar o desenvolvimento que todos desejamos.

Não sei se isto é uma observação injusta, mas, do meu ponto de vista, a propriedade social, que a Constituição não define - repito - não é exaltante. Não foram as cooperativas, as comunidades ou as unidades de exploração colectiva que estiveram na base de algum progresso nestes últimos anos.

O Sr. Raul Castro (ID): - Afigura-se-me serem dois aspectos diferentes, neste diálogo tão interessante. Verificar o que nos últimos anos se passou no sector levar-nos-ia a verificar também que medidas ou que obstáculos esse sector encontrou, e penso que daí não se poderá tirar argumentos. Outra coisa é manter ou não na Constituição - e aqui quanto ao problema ...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Qual o real sentido da mudança será um assunto a discutir mais adiante.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado, em relação ao travejamento, o meu justo receio é de que, tirando uma trave mestra aqui e outra ali, se acabe por desmoronar o edifício constitucional. Quando se fala em traves mestras, a questão é esta.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

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O Sr. Raul Castro (ID): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, queria apenas chamar a atenção de que, ao nível da propriedade social, como se vê na definição do que é o conteúdo dessa propriedade, no qual se compreende a propriedade cooperativa como, seguramente, o elemento mais preponderante na estrutura desse sector, se poderá verificar que, no artigo 84.° - e não creio que ninguém tenha proposto aí qualquer alteração -, se mantém o princípio de que o Estado estimula e apoia a criação e a actividade cooperativas. Donde, portanto, que o acrescentar-se agora um estímulo à iniciativa privada apenas coloca um outro sector de propriedade, do ponto de vista da Constituição, em igualdade de circunstâncias quanto ao estímulo do Estado. No entanto, não se pode daqui inferir que, se se vier a consagrar na Constituição o dever do Estado a estimular a iniciativa privada, se tenha feito substituir esse dever de estímulo relativamente ao estímulo que a Constituição também já consagra quanto à propriedade cooperativa. Esse mantém-se e o que passará a haver é uma não discriminação entre estes dois sectores ao nível do estímulo à iniciativa económica, ou seja, quer no sector privado, quer no da propriedade cooperativa.

O Sr. Raul Castro (ID): - Mas naturalmente que o Sr. Deputado Jorge Lacão esquece aquilo que o PS propõe para a alínea e) do artigo 80.° É que não é só o sector cooperativo que está em causa, mas todos os que integram o sector de propriedade social, e não se pode responder a uma crítica à alteração que apresentam para a alínea é) do artigo 80.°, argumentando com o que fazem em relação ao sector cooperativo, pois esse é apenas um dos elementos da propriedade social.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Talvez tenhamos de olhar para a realidade e admitir, sem grande esforço, que os outros elementos do sector de propriedade social, para além do cooperativo, são de certa maneira residuais na nossa estrutura da propriedade.

O Sr. Raul Castro (ID): - Teremos de olhar para a realidade que é um todo e não para a realidade que é uma parte.

Mas, continuando, também me parece não haver vantagem em substituir a expressão "transitoriamente" pela palavra "só". Não compreendemos a razão desta mudança e pensamos que era até mais explicita a palavra que cá estava, pois esta substituição parece deixar a ideia de apertar ainda mais a malha do que esta já o estava.

O Sr. Almeida Santos (PS): - E foi-o, sem dúvida, assumindo nós essa responsabilidade. É que não se percebia a expressão "transitoriamente", pois, para intervir a título definitivo, havia a expropriação.

O Sr. Raul Castro (ID): - Não. É em relação ao que estava no artigo, Sr. Deputado.

Quanto à decisão judicial, esta já foi discutida, tendo havido outra tomada de posição.

No que diz respeito às propostas do PSD, naturalmente que a justificação que o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva apresentou vai além da própria proposta, uma vez que o Sr. Deputado argumentou, nomeadamente, que a redacção actual significa desconfiança em relação à iniciativa privada.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Deputado, eu não disse isso concretamente em relação a este artigo. O que disse foi que, no nosso entendimento, o texto constitucional manifestava, em diversas disposições, aquilo a que chamamos alguma desconfiança relativamente à iniciativa privada e que, no sentido geral que queríamos traduzir nesta revisão constitucional de essa desconfiança desaparecer do texto constitucional, também pretendíamos a flexibilização da parte económica da Constituição. Foi isso o que eu disse.

O Sr. Raul Castro (ID): - Bom, não há assim grande distância entre o seu esclarecimento e aquilo que eu tinha dito e que, de resto, até escrevi. O Sr. Deputado pode dizer que se referiu a uma forma geral, sendo este um campo de incidência particular do princípio, mas em relação a esta incidência particular do seu princípio, quanto ao artigo 85.°, eu diria que o PSD ficou até - o que não é costume - atrás da proposta do PS no que diz respeito ao n.° 1; isso é evidente, pois aí mantiveram o texto constitucional, apenas eliminando a palavra "socialmente". Penso que a discussão do inciso "socialmente" está feita e pensamos que, efectivamente, não há palavra que não esteja na Constituição que não tenha uma justificação, tendo-a também aqui, e não será até aquela justificação negativa que referiu o Sr. Deputado Jorge Lacão, mas a justificação positiva da viabilidade social positiva e não o impacte negativo da existência de determinada empresa.

Por outro lado, o Sr. Deputado disse também - e, já agora, com alguma reserva, pois, embora tenha escrito o que V. Exa. disse, sujeito-o sempre a confirmação - que "não é vocação do Estado intervir nas empresas privadas". Penso que essa é uma crítica que aqui não colhe, uma vez que aqui também se diz que só pode "intervir transitoriamente". Logo, não é vocação do Estado intervir. Isso está ressalvado.

Os problemas que o PSD levanta são, verdadeiramente, outros. Isto é, o PSD elimina o n.° 2 e, se é esta a justificação, penso que não colhe, pois já estava ressalvado não se tratar de uma intervenção generalizada, mas relativa apenas a casos especiais limitados na própria letra do n.° 2 do artigo 85.°

Além disso, está aqui expressa a palavra "transitoriamente", e ela parece afastar a hipótese de uma intervenção com carácter sistemático.

Em relação ao n.° 2 que o PSD propõe para o artigo 85.°, penso que, se a respectiva justificação é esta que escrevi, ou seja, que a cada momento é que a lei deve fixar os sectores, também me parece que ela não pode colher. Porque a Constituição fixa um quadro e depois a lei cumpre, põe em prática com referência àquilo que está definido no texto constitucional.

No fundo, o argumento apresentado pelo PSD visaria subtrair a qualquer controle constitucional o que está agora consagrado na lei fundamental.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, segundo compreendi, um dos argumentos que V. Exa. utiliza refere-se ao problema de subtrair ao controle da Constituição o que está nela consagrado. Mas ela não tem uma função controladora, essa não é a sua principal missão.

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O Sr. Raul Castro (ID): - Isso é que o Sr. Presidente não pode dizer que escreveu, porque eu não o disse.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não tinha compreendido bem, estou apenas a perguntar.

O Sr. Raul Castro (ID): - Não falei sequer em controle. O que mencionei é que a Constituição estabelece aqui um quadro que a lei depois tem de respeitar. O próprio texto diz que "a lei definirá os sectores básicos" e, portanto, é a lei que deve definir os sectores nos quais é vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza. Este é um genérico, e eu pretendia apenas significar isso.

Assim, julgo que isso não colide com a ideia de que possa haver agora uma lei e amanhã outra, desde que obedeça a estes requisitos que estão no texto constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - A primeira questão que pretendia levantar diz respeito à proposta apresentada pelo PSD relativa à supressão do n.° 2 do artigo 85.°, que permite a intervenção do Estado nas condições que já foram referidas, ou seja, transitoriamente e para salvaguarda do interesse geral e do direito dos trabalhadores na gestão das empresas. Esta norma pode considerar-se desde logo facultativa e, portanto, de aplicação muito espaçada. Poder-se-á dizer que só é aplicada em casos de estado de necessidade, se me é lícito neste caso trazer para o direito público este conceito. Creio que, ao abolir-se esta norma, há um relativo desarmamento do Estado em situações nas quais este pode ter necessidade de responder, como, por exemplo, a casos como os da requisição civil. Neste sentido, ao abolir-se esta norma, como será possível ao Estado, situando-se no enquadramento constitucional, proceder à requisição civil?

Penso que a solução para esta matéria, tal como a que já foi apresentada pelo PS, pelo Sr. Deputado Almeida Santos, não pode estar na dependência da decisão judicial. Naturalmente que não é possível proceder-se à requisição civil na dependência da decisão judicial; só que a supressão da regra em causa geraria desde logo esta dificuldade.

E mais: creio que o caso da requisição civil pode levantar algumas questões, e a proposta do PS nesse aspecto talvez a enquadre, nomeadamente, quando não se trate estritamente do interesse geral. Por exemplo, a protecção do equipamento, no caso da requisição civil, pode ser enquadrada no interesse geral, onde estão incluídos os casos de defesa do direito à vida na salvaguarda da laboração de certas empresas que produzem bens de necessidade essencial.

De facto, julgo que a supressão desta norma não tem, em si, virtualidades e desarma uma intervenção do Estado em áreas de grande significado.

Quanto à proposta de alteração do n.° 3 do artigo 85.°, passa-se de uma norma imperativa a uma norma permissiva; isto é, a possibilidade de a lei poder determinar os sectores básicos. Ora, creio que para algumas interpretações a grande mutação na constituição económica que se verificou na última revisão terá

respeitado sobretudo ao desaparecimento de um sector de propriedade predominante. Por outras palavras, através da última revisão constitucional - e para alguns analistas é este o aspecto mais importante da alteração da constituição económica - a propriedade social deixou de ser predominante.

Isto significa que foi consagrada uma ideia de coexistência de sectores. Esta coexistência mantém-se de acordo com a ideia de economia mista no projecto que estamos agora a apreciar. Ora, com a proposta do PSD, podendo haver uma remissão ao sector público pela definição dos sectores básicos, e embora eu saiba que eles não são coincidentes, o sector público passará a ser notoriamente um sector residual. Porque, ao prescrever-se aqui que "a lei pode determinar os sectores básicos" - sendo esta uma norma facultativa -, naturalmente que ela poderá ou não fazê-lo. E, ao poder admitir-se uma "prática de não fazer nada", isto significa que esta norma permite um cumprimento que a torna absolutamente nula; é como se ela não existisse. Assim, o sector público, em termos de sector público, em termos de sector coexistente, passa a ser um sector residual.

Neste âmbito, a problemática que o Sr. Deputado Almeida Santos colocou, que, confesso, não sei resolver de imediato, suscita-me desde logo uma questão: não é possível haver a subordinação do poder económico ao poder político sem que este determine, garantindo até a confiança aos investidores e a quem quiser concorrer a diversos níveis, qual é a parte do sector público que é estratégico, ou monopolista, etc.. O Estado pode ter de intervir para garantir ou para combater uma situação de monopólio. Esta questão naturalmente que também se levanta relativamente ao Estado nacional face à Comunidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, não resisto à tentação de perguntar a V. Exa. se considera que a interpretação mais consentânea com o Estado Americano ou com o Estado Britânico é a de uma sociedade de gestores capitalistas. É que nem num caso nem noutro existem normas - que existem efectivamente nos ordenamentos continentais por outro tipo de razões - impeditivas, em termos genéricos, da actividade privada em certos sectores.

O que existe são, sim, por razões de outro tipo, não leis gerais, mas certas normas, como por exemplo em matéria de indústrias de defesa, para as quais existem condicionamentos muito particulares.

A minha objecção é apenas no sentido da sua generalização. Compreendo que o Sr. Deputado se oponha à proposta do PSD e, inclusivamente, compreendo os argumentos que utilizou. Mas dizer que se não houver uma norma estabelecida desse género isso significa que são capitalistas de charuto, e provavelmente de chapéu alto, que se sentam nas cadeiras do poder parece-me um exagero que, em termos de direito comparado, não está comprovado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, se me permite, daria uma ligeira resposta. Quanto à interpretação que estou a fazer da proposta do PS, devo dizer, recorrendo desde logo, e de imediato, ao direito comparado, que a Constituição Espanhola tem uma norma muito semelhante, que eu passaria a ler ...

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Constituição Espanhola tenho-a presente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas leia-a ...

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. O Sr. Deputado José Magalhães tem uma preocupação pedagógica que é a de que os Portugueses aprendam a Constituição Espanhola. Deve ser fruto do internacionalismo do PCP. Já agora, convém ler.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Então, passo a ler o artigo 128.° da Constituição Espanhola, que diz o seguinte:

Reconhece-se a iniciativa pública na actividade económica; mediante lei, pode reservar-se ao sector público recursos ou serviços essenciais, especialmente no caso de monopólio, e do mesmo modo acordar na intervenção de empresas quando assim o exija o interesse geral.

O Sr. Almeida Santos (PS): - A Constituição Espanhola não é anterior à entrada da Espanha para a CEE? O problema é esse. Também a nossa actual Constituição faz referência.

Se me permitem, gostaria de dizer uma coisa: apesar da minha preocupação em que não consignemos normas que entrem em colisão com normas supranacionais a que devemos obediência, creio que temos de encontrar uma maneira, seja na Constituição ou fora dela - como disse o Sr. Deputado Rui Machete -, de impedir, em Portugal, a liberdade de concorrência no fabrico de armas, na instalação de centrais nucleares, etc.. Tem de haver um modo de proibir isso. Qual seja não sei, mas temos de o fazer. Para mim é inconcebível que se venha de fora instalar uma central nuclear no nosso território para levar energia para o exterior ou que venha cá alguém do exterior para fabricar armas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Gostaria de precisar, quanto à matéria em debate, duas ou três questões que me parecem importantes e que foram suscitadas por sucessivas intervenções, nomeadamente dos Srs. Deputados José Magalhães e Raul Castro.

Diria que, em relação a esta matéria, o PSD assume descomplexadamente que a sua proposta de alteração do n.° 3 do artigo 85.° é a proposta que pretende ver estabelecida. Não se trata, ao contrário do que afirmou o Sr. Deputado José Magalhães, de uma opção política, que, aliás, não é de agora. V. Exa. referiu, e bem, uma proposta de lei do Governo, que neste momento não cabe discutir mas que traduz, nas suas linhas gerais, muito do que o PSD pensa, desde há anos, relativamente a esta matéria.

O PSD é claro ...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, eu que sou contra o lápis vermelho do CDS, neste caso compreendo melhor a posição deste partido.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Isso é uma norma envergonhada!

Risos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não é só uma norma envergonhada, porque não há porventura nenhuma constituição no mundo que diga que a lei "pode" fazer isto ou aquilo. Se a Constituição não fizer referência a uma determinada matéria, é evidente que a lei pode autorizar isto ou aquilo, desde que o texto constitucional não o proíba.

Assim, ou se proíbe expressamente ou então, para se fazer uma referência no texto constitucional àquilo que ele não proíbe, melhor é não o fazer. Dizer-se que "a lei pode determinar sectores" não faz sentido. Se a Constituição não disser nada em contrário, claro que ela pode fazer isso. Portanto, neste caso concordo com o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, naturalmente que isso corrobora a primeira intervenção que fiz acerca desta matéria, quando disse que, de facto, residia aí a diferença entre a nossa proposta e a defesa que o PS faz deste ponto. No entendimento consensual desta matéria, que está expressa no texto constitucional, o que realmente subsiste é que haverá sempre um sector público. No entanto, a Constituição não diz qual é a extensão desse sector público ...

O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Apesar de tudo, é uma posição mais avisada do que aquela que o PCP defende.

O entendimento básico do PSD em relação a esta matéria é o de que o actual texto constitucional não imobilize a prossecução de objectivos inscritos em programas de governo sufragados maioritariamente pela Assembleia da República. Pretendemos que, nos termos da lei que vier a ser aprovada, se determine qual a extensão do sector público. Esta é uma posição do PSD de há muitos anos.

É este o sentido da nossa proposta de alteração ao n.° 3 do artigo 85.°

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há na mesa um pedido de intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade e outro de mim próprio.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se pretende formular uma pergunta, então faça favor, desde que não se trate de uma intervenção disfarçada com um desvio processual.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, gostaria de lhe colocar uma questão em relação à proposta do PSD referente ao artigo 85.°

Devo dizer-lhe que prefiro, em termos absolutos, uma formulação que admita a possibilidade de reservar, porventura, ou de não reservar - mas sem fazer disso um princípio constitucional fechado -, actividades básicas à iniciativa pública, ou de a vedar à iniciativa privada, à formulação que se traduz num princí-

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pio constitucional fechado que obriga a vedar determinados sectores. Admito que eles possam ser vedados e que haja vantagem em fazê-lo, mas essa será uma questão a decidir num outro plano, diferente do plano constitucional.

Simplesmente, julgo que esta formulação também é censurável, pois ela parece-me ser de penalização do sector privado, ou seja, traduz-se numa lógica de penalização.

Em primeiro lugar, o PSD diz que o Estado fiscaliza o respeito pela Constituição e pela lei relativamente às empresas privadas. Isto significa que VV. Exas. consideram as empresas privadas como violadoras privilegiadas da Constituição e da lei, ou seja, elas é que têm de ser fiscalizadas, o que me leva a colocar-lhes a seguinte questão: então, os pequenos e médios empresários protegidos? De facto, esta é toda uma filosofia que me parece pouco consentânea com certas propostas de eliminação que VV. Exas. fazem.

Além disso, diria ainda que decorre desta fiscalização, deste cuidado especial, a consagração de um castigo, consubstanciado na lei que pode vedar certas actividades à iniciativa privada. É um castigo decorrente da fiscalização. Este é, sem dúvida, um mau sentido legislativo, é um sentido perverso.

O Sr. Raul Castro (ID): - O mau sentido da sua interpretação.

O Sr. Presidente: - V. Exa. tem de articular isso com o artigo 85.°

Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Não pretendo reivindicar para o PSD a resolução deste problema nem a autoria das soluções que propõe. De qualquer forma, não é esse o sentido que pretendemos imprimir à nossa proposta de alteração do artigo 85.°

O Sr. Deputado Nogueira de Brito não se encontrava aqui presente neste momento, mas tive oportunidade de referir, em relação à nossa proposta de alteração do n.° 1 do artigo 85.°, que estamos abertos a uma reformulação do texto que propomos. Manifestámos, logo de início, a nossa abertura em relação a essa matéria.

Adiantei, porém, nessa altura, que não se tratava de uma questão de desconfiança, embora essa seja - e, pelos vistos, essa também é a opinião do Sr. Deputado - uma interpretação possível em relação às empresas privadas. Sempre disse que, naturalmente, as empresas privadas estão também sujeitas à Constituição e à lei, o que é evidente, esteja ou não expresso na Constituição. É esse o sentido, possivelmente desprezível, da nossa proposta relativa ao n.° 1 do artigo 85.°, e não o sentido negativo que o Sr. Deputado lhe quis atribuir.

Finalmente, em relação ao n.° 2 do artigo 85.°, devo dizer que é também essa a interpretação que fazemos, isto é, a de que o sector público existirá com a extensão que tiver, nos termos em que a lei o determinar.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, posso fazer uma observação?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado, para formular uma observação inquisitorial.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - VV. Exas. deveriam ponderar esta possibilidade: é que a redacção actual é de facto a redacção, digamos, adoptada em relação a um sector que, tolerado, é fiscalizado. Ponho, portanto, esta possibilidade à vossa consideração. E essa abertura relativamente à redacção consistiria, no fundo, em conseguir um cúmulo de redacções, as redacções do PS para o n.° 1 e para o n.° 2, a vossa para o n.° 3. Porventura as coisas ficariam, assim, mais bem arranjadas. A ficar alguma redacção... porque, para nós, o artigo 85.° é completamente inútil.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na qualidade de parte, gostaria de fazer algumas considerações a fim de deixar bem claro qual o nosso intuito ao propor as redacções que apresentámos para o artigo 85.°, relembrando inclusivamente uma discussão já tida a propósito do artigo 82.° A nossa ideia base quanto ao n.° 2 consistiu em partir de uma concepção geral acerca da economia em geral dos agentes económicos, tendo-nos parecido que deixar no texto constitucional a nota de que o Estado pode intervir transitoriamente na gestão das empresas privadas é sublinhar como um aspecto positivo e normal essa intervenção, quando, a verificar-se essa intervenção, deve ser absolutamente excepcional. Portanto, digamos que o esquema económico deve ser no sentido do carácter desfavorável e na excepcionalidade de qualquer intervenção do Estado. A circunstância de o Estado intervir transitoriamente e o facto de o consignar no n.° 2 deste artigo da Constituição desfaz essa ideia de excepcionalidade. Mas o Sr. Deputado Jorge Lacão, partindo de pressupostos hermenêuticos e de uma concepção pressuposta e posta diferente do ponto de vista da economia, sublinhou - e, dentro da sua perspectiva, correctamente - que existe uma outra interpretação possível, desde que não se comungue da nossa concepção, que é a de dizer: "Afinal de contas, deixa-se sem balizas essa possibilidade de intervenção aberta pelo artigo 82.°". E uma vez que na Constituição provavelmente não ficará consignada em toda a sua extensão aquilo que pensamos em matéria económica, talvez seja cautelar seguir a observação que, avisadamente, o Sr. Deputado Jorge Lacão, um pouco como crítica sistemática à nossa proposta, apresentou.

Todavia, gostaria de sublinhar que o nosso propósito foi o de não desconhecer que a inscrição de uma faculdade do Estado num artigo da Constituição tem já um certo significado, do ponto de vista axiológico, dos valores consignados na Constituição, razão pela qual o suprimimos. É essa lógica também que, provavelmente, leva o Sr. Deputado Nogueira de Brito a dizer que o melhor é suprimir tudo. Aí a nossa preocupação foi outra, e eu relembro uma discussão que porventura não ficou toda ela transcrita na acta, mas que já tivemos esta manhã - e à tarde poderemos eventualmente repor alguns aspectos -, a propósito das nacionalizações. A nossa ideia base é a de que não nos repugnam nem as nacionalizações nem as privatizações; essencial, para nós, é a existência de uma economia que funcione de forma efectiva, clara e autónoma em relação ao Estado. Isto significa que a iniciativa privada deve ter um papel primacial e que o problema da reprivatização de uma determinada

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empresa depende das condições concretas. Não tenho nenhuma questão de princípio e citei, em resposta ao Sr. Deputado Almeida Santos, o caso dos CTT, não no que se refere às telecomunicações mas sim à distribuição do correio. Se me demonstrarem que é privatizável, óptimo!... Não tenho questão de princípio e esse estudo não está demonstrado nem feito. Mas talvez venha a sê-lo ... E em matéria de electricidade, idem, idem, aspas, aspas. Não se trata de uma questão de princípio, mas sim de um problema de praticabilidade e de utilidade para o interesse nacional, embora a minha presunção seja, na maior parte dos casos, a de que a iniciativa privada pode realizar melhor essas actividades. É por essa razão que no n.° 3 da nossa proposta não pretendemos cometer ao legislador a obrigação de encontrar, custe o que custar, sectores básicos vedados às empresas privadas. No entanto, admitimos que uma análise concreta da situação económica venha a justificar a existência de uma lei que proíba este ou aquele sector, esta ou aquela actividade. Trata-se, pois, de uma faculdade e, justamente porque partimos do princípio de que a liberdade cabe à iniciativa privada, consideramos ser útil consignar a eventualidade de o legislador poder vir a ter de restringir determinado sector ou actividade em função de circunstâncias concretas. Foi essa a razão de ser que, como V. Exa. vê, Sr. Deputado Nogueira de Brito, não é contra a iniciativa privada; pressupõe sim um modelo em que, na nossa perspectiva, lhe é dada a devida relevância.

Por outro lado, o Sr. Deputado Almeida Santos pôs uma questão, em meu entender, pertinente, à qual neste momento não posso dar uma resposta cabal, nem sequer na minha modesta opinião, em virtude de não ter feito nenhum estudo demorado sobre a matéria. Existem porém duas ou três coisas que tenho desde já por assentes. Uma primeira é de que não é suficiente para resolver este problema o princípio exposto pelo Sr. Deputado José Magalhães de que é suficiente tratar bem os estrangeiros e os nacionais. É verdade que esse princípio existe e é verdade que é exigível, mas não é suficiente. O segundo ponto é o de que seria absurdo um país pertencer à CEE e, por exemplo, ter nacionalizado 95%, 90% ou 80% de um sector. De facto, isto não tem sentido na medida em que todo o modelo económico do Tratado de Roma tem um sentido diferente desse. Tenho também por seguro que razões diferentes daquelas que justificaram as nacionalizações, isto é, a luta contra os monopólios, o problema do exercício do poder pelas classes trabalhadoras, a realização do socialismo, podem, face ao Tratado de Roma, justificar a existência de algum tipo de restrição e até eventualmente de proibição. A este propósito, citei, aliás, há pouco o caso das armas. Na realidade, pode haver justificações de natureza não estritamente económica, ou seja, razões de segurança, defesa, saúde pública, que, em determinadas circunstâncias, levem a essa restrição. Também não tenho dúvidas de que esta situação é admissível face ao Tratado de Roma.

No entanto, é altamente duvidoso, mas não o posso afirmar em termos peremptórios, porque, repito, não fiz essa investigação, admitir que por razões estritamente económico-ideológicas se vedem sectores da economia à iniciativa privada. Penso que esta situação é contrária ao espírito do Tratado de Roma e que, quando o problema se colocar, será provavelmente declarada contra as normas comunitárias pelo respectivo órgão jurisdicional. Em suma, a nossa redacção alicerça-se nestas bases e tem esta preocupação. Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, pretendia apenas tentar clarificar um ponto do seu pensamento. Penso que o Tratado de Roma não interditará que qualquer dos Estados membros possa ter um sector amplamente nacionalizado ou, dito de outro modo, possa ter um sector público razoavelmente vasto...

O Sr. Presidente: - Monopólios públicos pode ter sem dúvida nenhuma.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Penso que a questão não está aí, até porque o Tratado de Roma admite o princípio da economia mista em qualquer dos Estados membros.

O Sr. Presidente: - Mas é diferente ...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Onde porventura poderá estar o problema - e foi aí que o Sr. Deputado Almeida Santos o procurou situar há pouco - é na circunstância de, expressamente e em termos de legislação constitucional, se vedar o acesso da iniciativa em qualquer dos sectores, do público relativamente ao privado ou, neste caso, do privado relativamente ao público. Aí sim, poderia estar o problema, não pela extensão do sector em si mesmo, mas pela interdição apertis verbis de o capital, neste caso capital privado, poder vir a fazer os seus investimentos num domínio reservado, o que, consequentemente, poderia constituir um princípio de limitação à livre circulação dos capitais no domínio da constituição económica.

O Sr. Presidente: - Não discuto que possa haver monopólios públicos. O problema coloca-se quando, através do vedar de sectores, se proíbe a concorrência. É essa a questão...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É esse o problema.

O Sr. Presidente: - Mas o problema da concorrência é colocado directamente através da proibição da abertura de sectores à iniciativa privada. Inclusivamente, não se põe apenas a questão da livre circulação de capitais, basta a da concorrência. Ou seja, não se trata apenas de liberdade de estabelecimento, na medida em que certos aspectos da concorrência em relação aos mercados podem colocar esse problema.

Em todo o caso, a questão é pertinente. Embora conheça uma parte da discussão travada, não tenho elementos que me permitam pronunciar em termos suficientemente amadurecidos. Poderemos oportunamente voltar à questão ou, se for caso disso, utilizar os resultados da nossa reflexão para algumas modificações de redacção.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Presidente há pouco não me concedeu a palavra para lhe fazer algumas perguntas.

O Sr. Presidente: - Não reparei, Sr. Deputado, desculpe.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - O que, de resto, não teve nenhum inconveniente porque o Sr. Deputado Jorge Lacão adiantou algumas considerações. No entanto, creio ser sensato remeter os aprofundamentos para uma ocasião ulterior, porque me parece que existe da parte do PSD e, concretamente, da parte do Sr. Deputado Rui Machete, uma certa hipersimplificação da questão que, como esta manhã dizia a propósito de outra matéria, compadece-se pouco com as simplificações. Por uma razão simples: parece-me que é, pelo menos, uma facilidade de argumentação menos razoável afirmar-se que o sistema português "será aceitável" ou "poderá até ser reconvertido", que "poderá até perceber-se que no nosso direito interno se consagrem certas regras permitindo monopólios públicos", "desde que não sejam estes monopólios públicos" ou estas vedações ou estas reservas "fundadas em motivos ideológicos". Estas não, outras sim. Seria estabelecer uma distinção muito especiosa.

O direito comunitário é um gigante tentacular e muito vasto, que penetra em muitos sectores e em muitas dimensões, que tem instrumentos de efectivação, que tem as virtualidades e o vigor que se conhece - e a falta dele também em muitos campos. Em todo o caso, não vale a pena estar a pôr nas obrigações comunitárias aquilo que lá não está para escamotear o que é produto da vontade interna, ou gula interna, ou óculos ideológicos internos do PSD... Não concebo que um qualquer comissário comunitário desembarque em Lisboa com uma maleta, uma ampulheta, um farol, e já agora com uma lupa também, para passar a Constituição a pente fino, dizendo: "Não, não! Este artigo 85.°, n.° 3, tresanda a ideologia. Se isto fosse um monopoliozinho público, baseado em razões sanitárias, de defesa, ou outras, talvez passasse. Mas isto cheira claramente a revolução, isto cheira claramente a 11 de Março. Isto não!" Posto isto, o comissário aplicava-nos um diktat ideológico e chumbava-nos a Constituição. É inconcebível, Sr. Deputado Rui Machete! Não pode passar-se a título nenhum.

O Sr. Presidente: - A sua caricatura é evidentemente engraçada, aliás como alguma parte dos seus comentários e, a este propósito, todos eles. Mas o problema não é esse. Em primeiro lugar, não seria o comissário, mas sim o órgão jurisdicional, que é quem justamente aprecia a compatibilidade das normas com o Tratado de Roma. É esse o problema importante.

Em segundo lugar, é óbvio, Sr. Deputado José Magalhães, que, se forem promulgadas nos Estados membros normas que, sem outra justificação, tenham em vista acabar com a concorrência, com o livre estabelecimento, com o mercado, elas serão contrárias ao Tratado de Roma. Ou V. Exa. tem dúvidas a esse respeito? Foi isso que eu disse.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é evidente que, se entrasse um elefante nesta sala, nós teríamos de sair das cadeiras. Mas é uma hipótese que podemos configurar por divertimento comum e não uma hipótese razoável...

O Sr. Presidente: - Foi a hipótese de 11 de Março, e 11 de Março foi um elefante a entrar...

O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. configurou mais do que um elefante, configurou um novo bicho mitológico: o inexistente elefante unicórnico!

O Sr. Presidente: - Que o 11 de Março seja unicórnico, isso não sei. Isso é uma opinião sua...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu não concebo a hipótese que o Sr. Presidente acabou de figurar, na medida em que, se essa hipótese porventura existira, já houvera sido accionada junto das entidades comunitárias. E não. o foi, nem por sombras!

Por outro lado, e acima de tudo, é impossível jogar com vestes diferentes no mesmo tabuleiro. Pelo menos mudem de veste! Isto é, Srs. Deputados do PSD, não podem simultaneamente jogar nas vestes de uma interpretação da Constituição em relação ao artigo 85.°, n.° 3, que conduziu, por exemplo, à viabilização das alterações introduzidas no distante ano de 1983 (que assentam numa desvalorização da perceptividade do preceito, até numa determinada interpretação do princípio democrático do sentido de organização económica e do alcance da primeira revisão constitucional, no fundo, querendo até cumular com a revisão constitucional de 1982 uma revisão por via jurisprudencial), e pretenderem que aquilo que a Constituição estabelece aqui é um monstro inaceitável face à ordem jurídico-comunitária. Na verdade, não se vê que haja ofensa às obrigações comunitárias se for assegurada uma não discriminação de iniciativas, sem prejuízo da existência fundamentada de reservas a favor de entidades públicas. Esta é que é a questão. É isto que é preciso investigar e não um qualquer pesadelo monstruoso sobre a magma comunitário.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a nossa proposta não se baseou em preocupações comunitárias. De resto, isso foi dito muito claramente...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah, bom! Eu gostava de acentuar esse aspecto...

O Sr. Presidente: - Foi muito claramente dito pelo Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva, o que eu corroboro e reitero. No entanto, perante a eventualidade suscitada pelo Sr. Deputado Almeida Santos, e, tentando corresponder, expressei a minha opinião.

Existe, porém, outro ponto que gostaria de referir. É que depois de 1983 deu-se a adesão, e a adesão mudou algumas coisas...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas quais, Sr. Presidente? A questão é essa. Tem V. Exa. conhecimento de alguém se ter colocado a necessidade de ir, a "toque de caixa", às instâncias comunitárias gritar: "Aqui d'el-rei, que em Portugal, Estado membro, são ofendidas as obrigações do Tratado de Roma! Que é isto? Há restrições ao acesso às seguintes indústrias" - segue-se a descrição de todas as que constam da proposta do Governo. Isto não aconteceu, nem pode acontecer, porque seria ridículo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, V. Exa. sabe tão bem como eu que esses problemas não surgem nem no Conselho das Comunidades nem na Comissão, mas sim quando, a propósito de casos

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concretos, alguma entidade se sentir lesada por esse facto. Veremos se acontece ou não... Mas trata-se de um juízo prospectivo, tendo eu apenas referido uma questão colocada, a meu ver pertinentemente, pelo Sr. Deputado Almeida Santos. Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, começaria por dizer que esta questão não é de incompatibilidade normativa com as normas comunitárias. Não há proibições comunitárias e porventura a panaceia da igualdade de tratamento resolveria todos esses problemas. Acontece é que a norma de "vedação" perdeu sentido... Por exemplo, a actividade bancária estava vedada à iniciativa privada e poderia porventura continuar a sê-lo face às normas comunitárias. No entanto, está neste momento em preparação nas Comunidades uma directiva que permitirá o exercício da actividade bancária pelos estabelecimentos ou instituições bancárias de todos os países membros, em qualquer outro país membro, independentemente de aí ter estabelecimento instalado. Isto significa que faria muito pouco sentido o facto de, por exemplo, estar vedada à iniciativa privada portuguesa a actividade bancária em Portugal, quando está para acontecer que, simultaneamente com essa proibição, qualquer instituição bancária de qualquer país da CEE, privada ou pública, poderá actuar em Portugal. Qual será, a partir daí, o sentido de uma norma que proíba essa actividade? Efectivamente, não será nenhum. Consequentemente, a questão que se coloca é outra: é que o modelo que consiste em vedar actividades à iniciativa privada, em manter empresas nacionalizadas, um modelo baseado naquilo que estatui presentemente o artigo 80.°, é completamente incompatível com o modelo comunitário e, designadamente, com o modelo concorrencial levado às suas consequências delineadas já para o horizonte de 1992. É esta a questão que me parece ser importante.

É, aliás, por essa razão que nós propomos eliminar o artigo 85.°, o artigo 84.° e outros preceitos posteriores. De facto, consideramos que estas normas são todas elas incompatíveis com o modelo que definimos na nossa proposta para o artigo 80.°, motivo por que propomos a sua eliminação. Assim sendo, a eliminação que propomos a partir do artigo 83.° - e eu peço autorização para rapidamente voltar a este preceito - é coerente com esse modelo que definimos no n.° 1 do artigo 80.° e que, enquanto modelo de adesão à realidade económica fundamental portuguesa, é, em si, também um modelo de neutralidade nesta matéria. A questão que se coloca é a de saber se todas estas eliminações se compatibilizam, e em que grau, com o disposto na alínea J) do artigo 290.° da Constituição, para quem adopte a tese de que há que respeitar os limites materiais de revisão - facto que não preocupa por igual todos os membros desta Comissão. No entanto, ele preocupou o CDS, o que o levou a aditar um novo n.° 2 ao artigo 80.°

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso preocupa toda a gente. Acontece, porém, que são os limites materiais efectivamente existentes.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - V. Exa. já defendeu nesta sede a tese da caducidade da quase totalidade das normas do artigo 290.°

O Sr. Presidente: - Essas já não nos preocupam!...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, não me pronuncio sobre isso.

Entretanto, devo dizer que não adoptámos essa tese, mas aderimos àquela outra que foi já defendida por vários membros da Comissão, designadamente pelo Sr. Deputado António Vitorino, de acordo com a qual o respeito pelo disposto nas várias alíneas que integram o artigo 290.° exige apenas o respeito pelos princípios enformadores ou inspiradores desses mesmos normativos. Além disso, na proposta global de alteração apresentada pelo PS tal tese encontrou tradução corrente nas propostas formuladas designadamente para as alíneas c) e é) do artigo 80.°

Congratulamo-nos, pois, com esta interpretação, que aliás é nossa, e aproveitamos para sublinhar que o respeito pelo artigo 290.° não exige o respeito literal e rigoroso de todas a normas desse preceito.

O Sr. Presidente: - Mas é só dos princípios em vigor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E, por exemplo, o respeito pela alínea f) do artigo 290.° não exige que se mantenha na actual Constituição a norma sobre a ir reversibilidade das nacionalizações, mas que se faça apenas uma referência ao princípio da apropriação colectiva como meio ou instrumento ao serviço de organização da economia. No nosso entendimento, ele deve, de resto, subordinar-se a um modelo que está explicitado no n.° 1 do artigo 80.° na redacção da nossa proposta de alteração.

Ora, dirigindo-me agora o Sr. Deputado Costa Andrade, devo dizer-lhe que só a subordinação a esse modelo evitará grande parte dos males que V. Exa., ainda há algumas reuniões atrás, anteviu como possíveis para a formulação do CDS para o n.° 2 do artigo 80.°

Portanto, entendemos que na perspectiva apontada do respeito pelos princípios não é necessário nenhum artigo 83.°, como o não é o artigo 85.°, sendo a sua eliminação perfeitamente compatível com a tese da dupla revisão. Consideramos, aliás, que mantê-los pode revelar uma atitude de alguma dúvida, que não nos parece inteiramente compatível - volto a repeti-lo - com as redacções propostas pelo PS em matéria de alteração do artigo 80.° e, designadamente, das alíneas c) e e).

De qualquer modo, não queremos deixar de nos congratular desde já com o que foi possível antever em relação à posição do PS, mesmo no respeitante ao artigo 83.° Significa isto que o PS terá afastado, com o que disse nesta sede, a interpretação mais perniciosa da sua formulação para o artigo 83.°, que seria a de que a necessidade de uma lei quadro era uma necessidade referida ou reportada a cada desnacionalização, apreciada caso a caso. Interpretação essa, aliás, que fez opinião. Podemos, portanto, concluir hoje que o PS entende que é suficiente nessa matéria uma lei geral das desnacionalizações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado, mas V. Exa. não teve o prazer de ouvir tudo isso porque tal não foi dito. Nem sequer estava presente! Em todo o caso, o que aconteceu aqui de manhã é que alguém invocou que "desnacionaliza-

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ções caso a caso e por dois terços" foi uma proposta apresentada em 1982 pelo CDS e pelo PSD, nos tempos da defunta AD - proposta essa que defluiu (sic transit gloria propostarum!). Contudo, isso não chegou a ser apresentado em 1987. Na situação concreta portuguesa, o PS nunca propôs tal coisa. De resto, fui eu próprio a assinalar isso. V. Exa. congratula-se com um foguete que não rebentou e que foi apenas imaginado nos fumos do cérebro de V. Exa.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Eram outros tempos! ...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, a minha intervenção é congratulatória e, agora, faço-o novamente pelo facto de ter ouvido essas palavras de V. Exa. esta manhã. Estava, de facto, presente e, além disso, ouvi isso quando V. Exa. recordou que a proposta de criação de uma lei quadro para as nacionalizações...

O Sr. José Magalhães (FCF): - Só era espírito, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Acontece que o Sr. Deputado José Magalhães recordou isso duas vezes...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, a conjuntura política de 1982 justificava um tipo de proposta e um género de declarações de voto que a de 1988 não justifica. Portanto, não voltaríamos a fazer tal proposta, sendo certo que receamos que o PS o estivesse a sugerir com a redacção do artigo 83.°

O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. autocritica-se, então, postumamente, se bem percebo!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não se trata disso, Sr. Deputado. Aliás, suponho que V. Exa. apresenta este ano propostas que não apresentou em 1982. E apresentou propostas nesse ano que não estavam na sua mente em 1976.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E em 1921 seguramente que também não!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Quando V. Exa. se congratulou com a Constituição de 1976, fê-lo de uma forma que não era compatível com as manifestações que teve, por exemplo, durante a Constituinte. De facto, tudo isto evolui. E V. Exa. sabe-o bem, segundo suponho.

Ora, entendemos que esta nossa proposta de alteração do artigo 80.° representa um passo positivo, que foi, aliás, possível demonstrar pela via deste esclarecimento. E para o CDS é um passo positivo tanto mais que se, por um lado, considera pouco compatível a necessidade de uma lei quadro ou mesmo de uma lei para constitucional, por outro, estas figuras legislativas a que se refere o PS não são, para nós, figuras estranhas no contexto da proposta de revisão da Constituição, uma vez que propomos também a lei orgânica, embora numa modalidade diferente.

Aliás, pensamos até que, na sequência deste passo, que representa o esclarecimento do PS, com a conjugação daquilo que o CDS entende por lei orgânica, possa porventura o PSD ponderar a possibilidade de encontrar uma conciliação que resolveria um dos pontos chave desta revisão constitucional. E é esta ponderação que proponho a todos os participantes na reunião antes de partirem para o fim-de-semana, a fim de meditarem na possibilidade de se desencadear na prática o processo de revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, devo confessar que se me extraviou o texto integral das declarações do Prof. Freitas do Amaral sobre esta matéria. Era esse texto que eu procurava, porque o Sr. Deputado Nogueira de Brito transpôs para os nossos trabalhos aquilo que foi um voto expresso nessa altura, em que o Sr. Prof. Freitas do Amaral proferiu a famosa frase, que passo a citar: "Se isto fosse comigo, aviava-se em três horas!" Esta foi a conclusão máxima da reunião de trabalho com o PS. Isto é um pouco a ideia de que, se o PS e o CDS formassem maioria de dois terços, a revisão constitucional estaria feita ("Deus sabe como"). E, assim, queda-nos bastante! ...

Em todo o caso, o Sr. Deputado Nogueira de Brito não pôde presenciar o verdadeiro non liquet com que esta discussão culminou esta manhã. O Sr. Deputado António Vitorino fez um esforço na sua escala tónica, e de acordo com as suas regras, para estabelecer uma determinada "não conclusão" que contrariava uma tentativa de conclusão que eu próprio tinha emitido e feito.

Por uma vez, o Sr. Deputado Nogueira de Brito procura estabelecer a sua conclusão, tal como o filme de Manuel Oliveira. Esse é, pois, "o seu caso", e apenas isso, porque a conclusão, tal e qual resulta das intervenções do Sr. Presidente, da Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves e do Sr. Deputado Jorge Lacão, não é essa, mas sim outra. Falta o desfecho, a possibilidade de estabelecer uma miscigenação entre duas coisas que são apontadas uma para norte e outra para sul. Infelizmente, uma menos para sul do que desejaríamos: a do PS. Quanto à outra, não nos sobra nenhuma dúvida de que tem uma pulsão destrutiva extremamente perigosa.

Com isso ocupámos a manhã, tal como a tarde de ontem, o que creio que foi positivo. Contudo, V. Exa. não poderá arrancar com fórceps uma conclusão que não é extraivei!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há mais vocações tabeliónicas em perspectiva?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Porventura, aquilo que incomoda neste momento o Sr. Deputado José Magalhães mais do que tudo o resto é que uma

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das disposições legais não é tanto para sul como ele pretendia que fosse. Não sendo porventura tanto para sul, e podendo ser mais para oeste, está mais próxima da posição de norte de que ele falou.

Além disso, falta-lhe um outro elemento, ou seja, o regime jurídico daquilo que propomos como leis orgânicas, e que pode representar a possibilidade de conciliação entre estas duas posições: por um lado, leis para constitucionais; por outro, lei quadro das nacionalizações.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos com uma sentença tabeliónica e uma rosa-dos-ventos, pelo que não foi mau.

Iremos reiniciar os nossos trabalhos pelas 10 horas da próxima quarta-feira e prosseguiremos depois à tarde, pelas 15 horas, com prolongamento pelo período da noite.

Haverá também reuniões na quinta-feira de manhã e de tarde, bem como na sexta-feira de manhã.

Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 9 de Junho de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados

Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
Carlos Manuel Oliveira da Silva (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Manuel António de Sá Fernandes (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
Octávio Teixeira (PCP).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).

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