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Quarta-feira, 14 de Setembro de 1988 II Série - Número 36-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 34

Reunião do dia 24 de Junho de 1988

SUMÁRIO

Deu-se continuação à discussão do 13. ° relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 111.° a 122.° e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados António Vitorino (PS), José Magalhães (PCP), Maria da Assunção Esteves (PSD), Raul de Castro (ID), Almeida Santos (PS) e Carlos Encarnação (PSD).

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O Sr. Presidente: (Almeida Santos) - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 11 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, vamos começar a discussão dos artigos 115.°-A e 115.°-B, propostos pelo PCP. Não sei se quererão discuti-los em conjunto, uma vez que as duas propostas têm uma certa atinência, ou se pretendem debatê-los separadamente.

A verdade é que os n.ºs 2 e 3 do artigo 115.°-A já estão de algum modo discutidos e os n.ºs 2 e 3 do artigo 115.°-B igualmente. O que não está discutido, a meu ver, são os respectivos n.ºs 1.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Gostaria de fazer uma pequena observação àquilo que o Sr. Deputado Rui Machete ontem disse, na última intervenção que fez, em matéria de regulamentos autónomos, de regulamentos independentes e de regulamentos das autarquias locais.

Mas como o Sr. Deputado Rui Machete não se encontra presente reservaria a minha intervenção acerca desta matéria para quando ele aqui estivesse.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, pretende usar da palavra, uma vez que as propostas são da autoria do seu partido?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que deixámos ontem o debate num ponto que não nos permite que afirmemos que ele está concluído.

Dada a ausência do Sr. Deputado Rui Machete, devemos interromper a reflexão que havíamos empreendido. Pela minha parte, teria algumas interrogações a fazer e aguardo sobretudo algumas respostas a perguntas colocadas e a problemas suscitados.

Podemos, evidentemente, passar ao debate do tema seguinte. Todavia, ele já foi objecto de apresentação sumária. Tal como a proposta apresentada pelo PS de criação de uma nova categoria de leis chamadas "para-constitucionais" (com todas as suas implicações), e como acontece com a proposta do CDS quanto à criação das chamadas "leis orgânicas", a nossa proposta suscita alguns problemas que podem ser elucidados agora ou mais tarde.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, na medida em que ontem nos pusemos de acordo sobre o diferimento da discussão das nossas leis paraconstitucionais para a sede própria, justificar-se-ia que essa discussão fosse também feita no quadro da discussão da vossa proposta de leis de valor reforçado e da proposta do CDS relativamente às leis orgânicas.

Parece-me que em todas elas há elementos comuns, todas elas são leis de valor reforçado, e poderíamos talvez fazer uma discussão conjunta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que momento seria esse, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Seria quando discutíssemos a proposta das leis paraconstitucionais, que no fundo é aquela que leva mais longe a ideia do artigo 166.°-A.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não dizemos que não, mas como V. Exa. tinha suscitado a questão de discutirmos o artigo 115.°-A do PCP, cuja inovação se traduz, no seu n.° l, precisamente e só, na introdução dessa nova categoria de leis, pressupus que V. Exa. tinha entendido que o momento azado para essa discussão era agora.

O Sr. Presidente: - Isso significa esta a dar-lhe a si o direito de tomar uma posição diferente. Ontem fiz essa sugestão apenas no que se refere às nossas leis paraconstitucionais, mas parece-me que isso se justifica igualmente para as vossas propostas paralelas, bem como para as do CDS.

De qualquer modo, o Sr. Deputado tem o direito de pretender discuti-las já.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, ontem produzi uma apresentação sumária da matéria. Assim, introduzida que está a questão, e de resto conhecidas que são a respectiva problemática e implicações, as quais são volumosas e significativas, não fazemos empenho em abrir um debate em que estaríamos sozinhos, uma vez que os restantes partidos não se dispõem a encetar uma discussão alargada. Quanto a esta matéria, somente a discussão alargada é que faz pleno sentido.

Sendo a posição do PS nesta matéria a que o Sr. Presidente acaba de enunciar, será quando chegarmos ao artigo 166.° que o debate se fará.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, creio que é avisada a proposta de discutir esta matéria a propósito das leis paraconstitucionais, porquanto na realidade há dois caminhos: um é considerar como leis reforçadas aquelas que o PCP considera como tal, tentando encontrar uma definição material dessas leis; outra alternativa é a de as leis com valor reforçado serem aquelas que a Constituição discrimina taxativamente.

Pessoalmente, penso que o segundo caminho é mais fácil do que o primeiro, e mais seguro, sem prejuízo de desde já adiantar que a proposta de leis paraconstitucionais do PS pressupõe naturalmente a simpatia para com este n.° l do artigo 115.°-A, apresentado pelo PCP, e pressupõe que se complete o elenco ou se proceda a uma equiparação a algumas leis como aquelas que o Sr. Deputado referiu, ou seja, as leis quadro, as leis de base, as de autorização legislativa, as quais devem ter também uma especial protecção no sistema normativo em função da sua inequívoca parametricidade.

Mas talvez se pudesse ter esta discussão acerca da metodologia a adoptar a propósito das leis paraconstitucionais. Para já fica aqui a nota de simpatia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, estou inteiramente de acordo. Isso quer dizer que poderíamos, nesse caso, debater a questão que foi objecto de discussão sumária ontem, a qual constitui tema do artigo 115.°-B apresentado pelo PCP.

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Limitámo-nos, como pude referir, a fazer uma cisão do preceito, propondo um tratamento conglobado da matéria relativa ao poder regulamentar.

Conteúdo inovador tem apenas o n.° 1. Esse número resulta do facto de a Constituição não definir quais são os órgãos dotados de competência regulamentar, embora se verifique que a Constituição prevê, explícita e directamente, que gozem de competência regulamentar, por um lado, o Governo e, por outro lado, os órgãos das regiões autónomas e das autarquias locais.

Naturalmente, haverá que ponderar em que termos é que esses poderes regulamentares podem ser concedidos a outras entidades além destas que referi, e que estão indicadas na Constituição, quais sejam os limites para a concessão desses poderes regulamentares, e como é que se articula a definição desse acervo de poderes com o resto da ordem jurídica nessa esfera ou nesse segmento.

Toda essa matéria deveria, em nosso entender, passar por uma definição da Assembleia da República, sob pena de se poder dar origem, dadas as competências do Governo neste domínio, a fenómenos de atribuição indébita de poderes regulamentares a entidades de dependência governamental, mas não sujeitas ao conjunto de elementos de fiscalização, de sindicação, que caracterizam o sistema na sua lógica e que têm grandes implicações, também, para a própria repartição de competências entre órgãos de poder. O perigo é o esvaziamento progressivo dos poderes dos órgãos de soberania com competência legislativa. Em suma: por um lado, do ponto de vista subjectivo, a proliferação de entidades com poderes regulamentares e, por outro lado, a indelimitação decorrente de fenómenos de deslegalização podem originar situações perversas. Elas devem ser somadas, porém, a outras, isto é, a uma desvalorização da função legislativa, ao actual conspecto da repartição de competências entre a Assembleia da República e o Governo, às dificuldades de acesso ao direito e aos tribunais e à ausência de mecanismos eficazes de controle jurisdicional da produção de regulamentos. Tudo isto pode conduzir a uma situação extremamente negativa em termos de equilíbrio de poderes e de defesa dos direitos dos cidadãos.

A Constituição apresenta neste ponto uma lacuna e suscita dificuldades de interpretação. O PCP propõe que se colmate essa lacuna e dilucidem tanto quanto possível essas dificuldades de interpretação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - O problema que o n.° 1 do artigo 115.°-B, apresentado pelo PCP, coloca é um problema interessante mas que se defronta com algumas dificuldades práticas - em meu entender relevantes.

A moderna evolução das áreas de normação demonstra que esta separação rígida entre o que é vocacionalmente matéria objecto de acto legislativo e matéria objecto de acto regulamentar é uma fronteira em constante mutação. A preocupação que o PCP tem - também é nossa - de evitar que, por via regulamentar, progressivamente sejam esvaziados os poderes dos órgãos de soberania com competência legislativa é uma preocupação que, contudo, não deve dar lugar a excessivas rigidificações das fórmulas de articulação entre os diferentes actos normativos.

Descendo ao concreto para exemplificar este estado de espírito, diria que já hoje a interpretação que se faz da Constituição é a de que o fenómeno da deslegalização não abrange, desde logo e à partida, sob pena de inconstitucionalidade orgânica, matérias que devam ser objecto da reserva de competência da Assembleia da República. Creio que não subsistem dúvidas maiores de interpretação quanto a esta conclusão, que já é, apesar de tudo, um patamar suficientemente consolidado de protecção das competências legislativas do Parlamento.

O problema que se coloca é sobretudo referente à deslegalização por via de decreto-lei governamental, isto é, o aumento da esfera de competência regulamentar do Governo através de acto legislativo do Governo.

Obviamente que esta é uma tendência crescente e preocupante, mas a proposta que o PCP nos faz encerra uma dúvida de base que é a seguinte: será que, de facto, ante a complexidade da vida contemporânea, o legislador parlamentar, quando elabora a lei, pode estar, logo à partida, ele próprio, a prefigurar todos os casos possíveis e imaginários de desenvolvimento do quadro legislativo que ele fixa, a ponto de inviabilizar a possibilidade de fazer apelo ao poder regulamentar para desenvolvimento de uma determinada lei, mediante a habilitação constante de decreto-lei do Governo?

Por outras palavras, não será uma regidificação excessiva do sistema imputar à Assembleia da República, no momento da definição de um quadro legislativo, a necessidade e a obrigação de definir se aquele quadro pode ou não ser desenvolvido através de actos regulamentares do Governo?

Não será isto um convite a que, através da jurisprudência das cautelas, os executivos venham à Assembleia pedir constantemente que em actos legislativos, e por sistema, se consagre sempre a possibilidade de desenvolvimento por via regulamentar dos actos legislativos consagrados em cada lei? Não haverá aqui uma certa tendência perversa da proposta do PCP, ou seja, propiciar exactamente o contrário daquilo que o PCP pretende obter, que é a sistemática consagração, em sede legislativa, da possibilidade de desenvolvimento das leis por actos regulamentares, ainda que apenas a título cautelar?

Porque, a não ser assim, sempre se teria de concluir que ou o Governo só poderia desenvolver todas as leis por actos legislativos, por decretos-leis, ampliando a forma destes a matérias materialmente regulamentares, ou então sempre que se verificasse na prática a necessidade de proceder ao desenvolvimento de uma lei, através de actos meramente regulamentares, isso custaria ao Governo uma iniciativa legislativa própria, inclusive autónoma, solicitando para um caso concreto à Assembleia da República que lhe concedesse a competência para proceder ao desenvolvimento dessa lei mediante actos regulamentares.

Portanto, a minha dúvida é a de saber se, sendo louvável a referida preocupação, não se fechará assim em excesso aquilo que, apesar de tudo, uma certa "lei de mercado" entre actos legislativos e actos regulamentares deve prefigurar, nomeadamente o conteúdo dos actos normativos em concreto. Até porque mesmo que o Governo tenha uma espantosa apetência regulamentar e vá progressivamente sapando a matéria que deveria cair na esfera de decretos-leis em benefício de actos regulamentares, subtraindo assim ao Parlamento o con-

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trole desses actos pela via da sua ratificação, sempre se deverá entender que, quando se trate de matéria substantivamente legislativa, a Assembleia da República pode, e eu diria deve - não é um konnen nem um durfen, mas um zollen -, substituir esses actos regulamentares por actos legislativos que revoguem os actos regulamentares do Governo.

É que o problema que o Sr. Deputado coloca com o vielleicht, com o talvez, resume-se nisto: é óbvio que a conivência entre uma maioria parlamentar e um Governo por ela apoiado pode gerar esse efeito perverso, que é o do esvaziamento até à míngua da esfera de competência legislativa. Mas esse é o problema do convívio entre a ficção que é hoje o poder legislativo parlamentar no âmbito dos textos constitucionais clássicos e a realidade, por vezes abracadabrante - para citar um clássico desta Comissão -, de um parlamentarismo maioritário, e da conivência com que as maiorias parlamentares se autoesvaziam em benefício do apetite insaciável das competências normativas do Governo.

Receio que este problema não tenha solução por via de uma norma constitucional. Sejamos claros e objectivos: há limitações constantes da Constituição e do Regimento da Assembleia da República que têm a ver com a garantia dos direitos das minorias e com a garantia de essas minorias poderem suscitar a apreciação dos actos do Executivo, em sede parlamentar e no quadro de fiscalização de constitucionalidade mas aí se esgota a capacidade de intervenção do Parlamento.

Assim sendo, se uma maioria parlamentar for conivente na desvitalização do papel do Parlamento enquanto órgão legislativo, e simultaneamente no reforço das competências regulamentares do Governo, não há verdadeiramente instrumentos institucionais que o possam evitar, nem mesmo a proposta do PCP relativa ao n.° l do artigo 115.°-B.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de deixar aqui expressa a posição do PSD acerca da matéria agora exposta, tendo em conta que subscrevemos todas as afirmações do Sr. Deputado António Vitorino relativas a esta questão.

No entanto, adiantaria ainda...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Todas?

O Sr. António Vitorino (PS): - Não seja invejoso, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, apenas estou preocupado.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado, vou já expor a nossa posição para o Sr. Deputado José Magalhães ver a razão por que subscrevemos a posição do Sr. Deputado António Vitorino. Subscrevemo-la no que diz respeito aos inconvenientes da fórmula em causa apresentada pelo PCP.

Assim, o n.° l do artigo 115.°-B da proposta apresentada pelo PCP tem desvantagens evidentes. Em primeiro lugar, paralisa o poder regulamentar do

Governo, criando, no âmbito do próprio poder executivo, uma espécie de bloqueio. Cria, no nosso entender, uma certa subversão da "natureza das coisas", do ponto de vista das funções dos órgãos de soberania. Cria um atestado de dúvida em relação ao poder regulamentar do Governo e estabelece entre o poder executivo e o poder legislativo não só uma relação de subalternidade - que essa existe por natureza, e é, nos lugares devidos, constitucionalmente consagrada -, mas também uma espécie de relação de mendicidade, em que o poder executivo, para poder funcionar, tem sempre de se vergar perante a "boa vontade" (passo o termo) do poder legislativo.

Estas preocupações do PCP, que, como foi dito, parecem ter a finalidade de evitar o processo de deslegalização sistemática e perigosa de certo tipo de matérias, podem, de facto, ser satisfeitas por outras vias e tendo em conta outros factores. Em primeiro lugar, porque resulta do quadro da reserva de competências da Assembleia da República um conjunto de matérias que é cometida à lei e só à lei e, portanto, não é passível de deslegalização e resulta, também, de o poder regulamentar do Governo estar sempre sujeito à sobranceria da lei, do ponto de vista da hierarquia das normas. Aquilo que, efectivamente, o PCP teve em conta no projecto do artigo 115.° esqueceu no projecto do artigo 115.°-B, porque além há, de certo modo, um fetiche da relação hierárquico-normativa inferior àquele que se consagra no projecto do PCP, aqui no artigo 115.°

Uma questão que aqui também queria realçar é a da própria sindicabilidade dos regulamentos. Sabido que é que os regulamentos são passíveis de uma sindicabilidade contenciosa directa, perguntaria ao Sr. Deputado se, uma vez salvaguardada a fiscalização da legalidade em sentido amplo, não será de ver claros inconvenientes nesta paralisação ou neste impasse criado na roda do poder regulamentar do Governo.

Não há que temer o problema da deslegalização - a Constituição, no âmbito da definição de competências da Assembleia, estabelece já um quadro filtrante que nos deixa acautelados contra determinados riscos. Tendo em conta ainda esse princípio, em que o PCP tanto acreditou, no preceituado do artigo 115.°, da relação hierárquico-normativa, da subordinação clara, a todos os níveis, do poder executivo ao legislativo, é bom que se deixe, no entanto, ao poder executivo a capacidade de funcionar, de ter uma gestão ainda que subordinada, de modo nenhum paralisada ou dificultada.

Portanto, seria essa a nossa posição.

O Sr. Presidente: - Quem pediu primeiro a palavra, Srs. Deputados? Levantaram ambos a mão ao mesmo tempo...

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Raul Castro ainda não usou da palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Relativamente à proposta do n.° 1 do artigo 115.°-A da Constituição, pensamos que, com ela, se contempla um vazio legislativo existente. Efectivamente, o tipo de leis que aqui se consi-

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deram com valor jurídico reforçado, e que são definidas como, por um lado, aquelas que sejam pressuposto normal necessário de outras leis e, por outro lado, aquelas que devam ser respeitadas por outras leis posteriores, já existem alguns exemplos no nosso ordenamento legislativo. Quanto ao primeiro, existe a lei do enquadramento orçamental e, quanto ao segundo, existe a lei do Orçamento. Portanto, penso que a proposta do PCP...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raul Castro, tínhamos acertado antes de entrar, feito aqui um convénio: é que este n.° 1 seria discutido quando discutíssemos, na sede própria, que é o artigo 166.°-A, a nossa proposta relativa a leis paraconstitucionais e no conjunto das leis orgânicas propostas pelo CDS. Não iríamos fazer uma discussão casuística, cada vez que se fala nesse tipo de leis, mas faríamos, na altura própria, uma discussão global, sem prejuízo de, se quiser, continuar a sua exposição. Mas como não assistiu a este convénio, informava-o de que ele existe.

O Sr. Raul Castro (ID): - Não, não continuo. Portanto, neste momento, que é que se discutia?

O Sr. Presidente: - O n.° 1 do artigo 115.°-B. O problema dos regulamentos.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Vitorino introduziu algumas questões que são extremamente relevantes, designadamente as que dizem respeito às perversões possíveis, quer por sobreutilização quer por subutilização do poder regularmentar, e extraiu algumas ilações sobre as implicações desses fenómenos em relação à normal repartição de competências entre os diversos órgãos de poder envolvidos.

A Sra. Deputada Assunção Esteves, na mesma pista, passou para a imputação genérica ao PCP de intuitos de "bloqueio", de "subversão da natureza das coisas", de atestados de "dúvida em relação ao poder regulamentar do Governo", de algum "vezo de colocar o Governo numa postura de mendicidade face à discricionariedade do poder legislativo", etc.. São considerações apaixonantes, seguramente relevantes para a reflexão à luz da estátua de Montesquieu. Em todo o caso, não creio que a questão deva ser vista em termos fúnebres para o Governo. Não foi essa a preocupação que nos moveu, neste caso concreto.

O nosso projecto procura, noutros preceitos que não aqui, garantir alguma clarificação dos poderes do Governo. Além de uma ampliação e revigoramento da lei, coisa de que nos ocupámos ontem, procuramos distinguir bastante bem entre aquilo que seja a regulamentação qua tale e o desenvolvimento, a actuação de leis de bases, cuja definição tentamos. Por outro lado, procura-se também contrariar que se faça por regulamento o que deve ser feito por decreto-lei. Assim se evitarão, também, desvios que conduzem (como, de resto, a prática evidencia) à impossibilitação do exercício, por parte da Assembleia da República, dos seus normais poderes de fiscalização através do instituto da ratificação.

Tudo isto é relevante, tudo isto é propiciador de reflexões que, pessoalmente, de resto, me fascinam e que fascinam visivelmente o Sr. Deputado António

Vitorino. Só que nada disto tem a ver, em absoluto, com o que o PCP propõe neste artigo: é outro debate, é outro problema, é outro perigo, é outra questão!

O Sr. António Vitorino (PS): - O que é que eu interpretei mal?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, interpretou mal, em absoluto e totalmente, de um lado a outro, o sentido da proposta apresentada pelo PCP neste artigo 115.°-B, no seu n.° 1.

O Sr. António Vitorino (PS): - Ah, sim? Porquê?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Porque a questão que aqui se suscita é garantir o princípio da legalidade da distribuição do poder regulamentar - não mais do que isso. Sabemos que o poder regulamentar não se exerce só a um nível e também sabemos que não é homogéneo hierarquicamente nem é uniforme. Há regulamentos de diversos tipos, com mais força uns, com menos força outros, emanados de umas entidades uns, emanados de outras entidades outros. Uns emanam do topo da Administração Pública, que é a administração central - e aí estão, naturalmente, os regulamentos do Governo, que estão num plano apenas imediatamente inferior ao das normas legais provenientes da Assembleia da República. Sabe-se que, em matéria de regulamentos governamentais, há uma pluralidade, uma enorme diversidade quanto à natureza e quanto à forma (o que é inteiramente irrelevante porque a força é igual e não se colocam aí questões especiais). No entanto, tem sido entendido que estas disposições constitucionais que conferem ao Governo a competência regulamentar não atribuem essa competência ao Governo a título exclusivo e que, portanto, é possível utilizar as habilitações legais adequadas para conceder a entidades não governamentais, mas dependentes do Governo, subalternas, certos poderes para a elaboração de normas regulamentares. Exemplo imediato e óbvio: os governadores civis exercem poderes regulamentares em áreas e domínios que não são despiciendos de resto (lembro, por exemplo, os regulamentos policiais, cuja elaboração é prevista pelo Código Administrativo, regulamentos policiais estes que têm uma correlação com os regulamentos gerais, estão-lhes subordinados, o que tem implicações em relação a tudo o que diz respeito ao controle da sua legalidade).

Como é que se processa esta distribuição de competências? Haverá, ou não haverá, que clarificar, através de habilitação legal prévia, adequada, essa distribuição de competências, essa definição? Isto por um lado.

Por outro lado, a questão tem implicação em relação às regiões autónomas também. Há regulamentos gerais de execução das leis gerais, caso em que é ao Governo da República que está reservada a competência para a regulamentação; há regulamentos para a boa execução das leis gerais no território regional, coisa que cabe à assembleia regional respectiva, quando as leis não reservem ao Governo da República a competência para regulamentação unitária para todo o território nacional, e há regulamentos da competência do governo regional para assegurar a boa execução dos decretos legislativos regionais, ou então para assegurar o bom funcionamento da administração regional. Digamos

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apenas isto e não abordemos, agora, a forma como o sistema, na prática, tem vindo a ser efectivado, porque é um dédalo: tem havido uma invasão sistemática daquilo que deveria ser a esfera própria de regulamentação pelas assembleias regionais - os governos regionais sistematicamente ultrapassam as barreiras ou parâmetros constitucionais e acaba por ser feito por decreto regulamentar regional muito do que deveria se feito por decreto legislativo regional.

Terceira hipótese ilustrativa, para situar o que estou neste momento a colocar: há regulamentos das autarquias locais. A distribuição de competências, aqui, resulta da lei de organização e competência dos órgãos do poder local, e, portanto, o problema não está tanto - creio - neste ponto.

E quanto às associações públicas, Sr. Deputado António Vitorino? Quanto àquilo a que certos autores chamam as "corporações de direito público", que também são, de certa forma, realidades autárquicas, que alguns chamam "autarquias corporativas" (valha o que valer a designação, que, de resto, é, para este efeito, indiferente)? A questão que queria situar é que essas realidades (vamos chamar-lhes agora associações públicas, que são uma das modalidades) dispõem de poder regulamentar. Por que é que não se há-de exigir, ou prever uma definição legal prévia deste quadro?

Por que é que não há-de haver uma lei geral que enquadre a distribuição do poder regulamentar? Por que é que não há-de haver uma lei quadro do poder regulamentar que preveja os termos da sua distribuição pelos diversos níveis, pelas diversas instâncias - lei quadro essa que possa ser a matriz e o elemento de unificação e subjectivação global desta matéria?

É evidente que o direito estatutário autónomo cede sempre perante o direito estadual (regulamentar ou legal). Mas dizer isto é já uma especificação quase indiferente, diria, superfetária, para sustentar a linha de raciocínio que estou a desenvolver, a qual assenta apenas na tentativa de demonstração de que é preciso clarificar como é que se distribui o poder regulamentar no plano subjectivo e objectivo. É só isto que pretendemos.

Sucede, aliás, que, além destes casos de entidades que agora citei, não deve esquecer-se que há ainda outras entidades públicas, incluindo empresas públicas, ou entidades que, detendo bens públicos em regime de concessão (tema que deve ser particularmente apaixonante para o PSD, face à sua proposta de delimitação de sectores e a outras que estão no coração das suas preocupações), são dotadas de poderes regulamentares, podem ter poderes de autoridade traduzidos em certa margem do poder regulamentar. Que enquadramento é que tem tudo isso? E, sobretudo, que visão geral é que haveríamos de desenhar legalmente para que essa distribuição se faça adequadamente, impedindo algumas das perversões a que o Sr. Deputado António Vitorino fez alusão em geral, não tendo em conta isto?

É que, se for tido em conta este policentrismo regulamentar (ou, mais de que isso, a verdadeira pulverização regulamentar desenquadrada, ou insuficientemente enquadrada), torna-se fácil ver os enormes riscos de deslegalização que o nosso sistema corre. Os problemas de controle das consequências do exercício desse poder pulverizado são gravíssimos - designadamente, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais não prevê a sujeição das normas regulamentares dos órgãos das autarquias, legal ou estatutariamente competentes, a recurso contencioso nem prevê a possibilidade de ser pedida a declaração da sua ilegalidade com força obrigatória geral. O que me parece que vem apenas chamar a atenção para um dos aspectos relevantes, qual seja o de que, se não há um controle rigoroso na distribuição do poder regulamentar, podem gerar-se situações de poderes regulamentares subalternos incontrolados, ou de difícil controle. É para esta problemática, e não tanto para aquela que preocupou o Sr. Deputado António Vitorino, que a nossa proposta está prima fade virada e dirigida.

Creio, portanto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que se somos "réus" de várias coisas, neste caso, seremos, quanto muito, responsáveis por um alerta em relação a uma questão que está longe de deixar de colocar problemas. Nenhum deles é, de resto, de fácil solução, insusceptíveis que são de serem dirimidos todos eles no plano político e "em três penadas", como sugerido pela Sra. Deputada Assunção Esteves - que, neste caso, terá sido abertamente "levada ao engano" pelo Sr. Deputado António Vitorino.

Ele usou, é certo, de alguma perfídia, aludindo a "atestados de dúvida" que o PCP quereria emitir ao Governo e "situações de mendicidade" em que desejaríamos colocá-lo. Só que não se trata de "mendicidade" nenhuma nem de emitir "atestados de dúvida". Trata-se, sim, de sanar uma dúvida que constitucionalmente se pode suscitar, ainda que a nossa proposta seja limitada - devo dizê-lo agora - por uma questão não de mendicidade mas de modéstia. A proposta é modesta porque limita-se a estabelecer uma reserva de lei - lei de enquadramento, de definição, e não mais do que isso. Se isto, Srs. Deputados, é passar um "atestado de dúvida" ao que quer que seja, ou fazer uma "tentativa de bloqueio", diria que é um suave bloqueio.

O Sr. Presidente: - Dou a palavra ao Sr. Deputado António Vitorino, mas pedia-lhes que considerassem que talvez esta matéria esteja suficientemente esclarecida, nesta sede e neste momento, pelo menos. Vamos ver se podemos avançar um pouco mais. Não levem a mal esta observação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não. Vai-nos exigir, aliás, alguns estudos de casa adicionais.

O Sr. Presidente: - Espero que sim.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Apesar de tudo, sempre diria que ninguém está imune aos erros de interpretação, sobretudo quando as propostas não são explícitas, ou são propositadamente ambíguas. E o Sr. Deputado José Magalhães terá de reconhecer que esta proposta é, no mínimo, ambígua. E que não é claro, da redacção que aqui está, que o PCP pretende, como desiderato útil do artigo 115.°-B, n.° 1, a mera existência de uma lei quadro.

Vozes.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não, desculpe, Sr. Deputado, mas por muito pérfido que eu seja não creio que seja perfídia fazer a leitura e a interpretação que fiz, e isto por uma razão muito simples: é que, atendendo à interpretação correctiva que o Sr. Deputado José Magalhães fez da própria proposta do PCP...

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é correctiva, é autêntica.

O Sr. António Vitorino (PS): - Em meu entender é no mínimo correctiva da minha intervenção...

O Sr. José Magalhães (PCP): mas por razões jurídicas.

Isso certamente,

O Sr. António Vitorino (PS): - Sempre se poderá dizer que, nesse caso, o efeito útil da proposta do PCP é vincular o legislador ordinário à tradução, sob forma de lei quadro, do princípio da legalidade que já enforma toda a Constituição, pois, em termos de efeitos práticos, não há mais nenhum. Rigorosamente nenhum! E relativamente aos problemas que, habilmente, o Sr. Deputado José Magalhães colocou quanto aos regulamentos de polícia dos governadores civis, quanto à capacidade regulamentar dos institutos públicos - no que não falou, mas que estava implícito -, e das associações públicas e quanto ao poder regulamentar das autarquias locais, sempre se deve entender que tal poder regulamentar é ilegítimo sem existir lei que o fundamente.

No caso dos regulamentos de polícia dos governadores civis temos o § 1.° do artigo 408.° do Código Administrativo, que constitui instrumento legal habilitador do poder regulamentar dos governadores civis e da emanação de regulamentos de polícia por parte desses mesmos governadores civis, regulamentos independentes. No caso dos institutos públicos, a lei instituidora desses institutos tem de prever, forçosamente, a concessão de poder regulamentar a esses mesmos institutos, sob pena da impossibilidade de exercerem tal poder regulamentar. Quanto às associações públicas, o próprio regime jurídico dessas associações é matéria da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea r) do artigo 168.° da Constituição, e, por consequência, sempre se terá de entender que as associações públicas só podem exercer poder regulamentar na precisa medida em que tal lhes for conferido pelo acto legislativo que as institui (lei ou decreto-lei autorizado). E no que diz respeito às autarquias locais, conjugando o artigo 242.° da Constituição com o Decreto-Lei n.° 100/84, o poder regulamentar das autarquias locais só pode resultar nestes precisos termos, sempre conforme à lei e nunca contrário à mesma.

Ora, a interpretação que fiz e que o Sr. Deputado José Magalhães ilegitimou é a de que o n.° 1 do artigo 115.°-B do PCP não deve ser interpretado como se cada lei da Assembleia da República definisse, para essa mesma lei ou para efeitos de desenvolvimento dessa mesma lei, a quem compete o poder regulamentar. Esta interpretação é ilegítima e não cabe na proposta do PCP. O que lá cabe, pelo contrário, é a obrigação ou a vinculação de o legislador ordinário definir, em lei quadro, o exercício do poder regulamentar em geral. Só que essa proposta é uma proposta que, com a devida vénia, salvo melhor opinião, e com o necessário e merecido respeito, não cabe num artigo deste género.

Caberia, sim, num artigo atributivo de competências da Assembleia da República, isto é, que conferisse à Assembleia da República a competência para aprovar uma lei quadro do exercício do poder regulamentar, o que é, aliás, em si próprio, também um objectivo discutível, no sentido de saber ser deverá haver uma lei quadro definidora do exercício do poder regulamentar ou se as normas enformadoras da Constituição, em matéria de princípio de legalidade, não são elas próprias instrumento necessário e suficiente para definir os grandes parâmetros do exercício desse poder, porquanto as consequências perversas das formas de autoaumento do poder regulamentar por parte do Governo e de órgãos adjacentes ou conexos é uma matéria que deve ser prosseguida através do exercício do múnus legislativo da Assembleia da República mais do que propriamente por uma lei quadro rigidificadora das formas de exercício desse poder.

Concluindo, o segmento útil da proposta do PCP é consumido pelo princípio da legalidade e pelos afloramentos desse princípio na Constituição e aquilo que de novo a proposta do PCP acrescenta - uma lei quadro do exercício do poder regulamentar - merece, da minha parte, as maiores dúvidas sobre a sua eficácia prática e sobre a sua relevância constitucional, merecendo-me uma apreciação negativa quanto á sua consagração em termos ambíguos num artigo sobre o poder regulamentar. Quando muito, veria melhor a sua eventual consagração na norma de definição das competências da Assembleia da República, mas, mesmo assim, com a ressalva de que tenho dúvidas sobre a eficácia de um tal normativo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado não poderia especificar? É que trata-se de falar de dúvidas e é sempre duvidoso falar de dúvidas. Em todo o caso, é sempre possível, pelo menos, especificar em que é que consistem as dúvidas principais, ou seja, qual a parte em que V. Exa. rejeita, determinante e perfunctoriamente, a nossa ideia como hipótese de trabalho.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, nunca nesta comissão rejeitei qualquer ideia como hipótese de trabalho, mas o que contesto é a inserção da proposta neste artigo e desta forma ambígua. Isso rejeito liminarmente. Pelo que vimos, esta proposta consente mais do que uma interpretação possível, embora aquela que eu fiz seja ilegítima no entender do autor da proposta, só que me parece que a pretendida lei quadro não alcançaria os efeitos úteis que o Sr. Deputado José Magalhães lhe pretende imputar. Isto é, o problema da apetência expansionista das competências regulamentares do Governo não é sustido através da existência de uma lei quadro do exercício do poder regulamentar porque ou essa lei quadro era altamente rigidificadora e aprofundadamente clarificadora da fronteira entre competências legislativas e regulamentares, e daí resultaria um factor de extrema rigidificação do sistema normativo ou então, se essa lei não pretendesse introduzir essa revolução delimitadora das competências legislativas e das competências regulamentares, acabaria por ser tão vaga que teria escasso interesse útil.

Esta é a minha opinião, que assenta apenas numa única dúvida: a de saber se há vantagens em introduzir factores de rigidificação no sistema normativo através de uma lei quadro quando, em meu entender, o princípio da legalidade e o exercício das competências próprias da Assembleia da República, hoje em dia, já

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podem cercear muitos dos efeitos perversos que a prática constitucional tem vido a demonstrar existirem, traduzidos no aumento da esfera de competência regulamentar em detrimento da esfera de competência legislativa. Mister é que a Assembleia da República exerça, de facto, essa competência correctora das apetências expansionistas da competência regulamentar do Governo. É óbvio! Mas esse é um ónus do parlamentarismo maioritário e não é susceptível de ser resolvido através de fetiches constitucionais tipo lei quadro regulamentadora do exercício do poder regulamentar, que me parece ser acima de tudo um fetiche com escassos resultados práticos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Machete, penso que posso devolver-lhe a direcção dos trabalhos com o artigo 115.° discutido. Poderá entrar no artigo 116.° com absoluta segurança de que ninguém mais pede a palavra e, embora eu tenha feito esforços terríveis no sentido de antecipar este resultado, só agora o consegui.

Neste momento, assumiu a presidência, o Sr. Presidente, Rui Machete.

O Sr. Presidente (Rui Machete): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a acta, desgraçadamente, regista que, no início, todos acordámos que o conjunto de perguntas, reflexões, interrogações e o mais que ontem o Sr. Deputado Rui Machete tinha levado para casa mereceriam agora uma consideração no âmbito do artigo 115.°

Por outro lado, o Sr. Deputado António Vitorino acaba de lançar para a Mesa quatro ou cinco coisas que não são propriamente estalinhos de Carnaval e que, portanto, merecem alguma consideração.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fico triste, mas é um sentimento masoquista, pois tenho algum prazer no que acabou de dizer porque, já agora, isso me permite dizer duas ou três coisas a propósito do artigo 115.°-B. Aliás, não será tanto dizer, como fazer perguntas. Não beneficiei da vossa discussão por que estive retido no Plenário - e espero que estas retenções diárias cessem -, mas desta vez, por motivos inteiramente válidos, fui obrigado a fazer intervenções nestes últimos dias.

Assim, devo dizer que me dá a sensação, para transmitir a primeira impressão que tive ao ler este artigo 115.°-B da proposta do PCP, que o PCP, em matéria desse artigo, quer introduzir cataclismos sucessivos. Ou seja, o cataclismo da lei ficar superior ao decreto-lei e, agora, esta ideia de haver uma lei quadro do poder regulamentar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora vê que o Sr. Presidente, caído de súbito neste debate, não teve dúvida nenhuma sobre o alcance da proposta, Sr. Deputado António Vitorino!

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, se a interpretação jurídica neste país se limitasse a V. Exa. e ao Sr. Deputado Rui Machete, seria decerto imaginativa, rica e frutuosa, mas estaria amputada da legitimidade de outros fazerem interpretações diferentes.

O Sr. Presidente: - Exactamente. É o chamado pluralismo hermenêutico.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É um pluralismo evidente, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Mas - continuando - diria que fiquei com a primeira dúvida que é a seguinte: VV. Exas., ao introduzirem esta ideia de que há uma espécie de lei definidora dos órgãos ou entidades dotadas do poder regulamentar, abrangem também os chamados regulamentos organizatórios e os demais regulamentos internos? É que, como V. Exa. sabe, há uma velha distinção entre regulamentos administrativos e regulamentos jurídicos que foi posta em causa - e bem - mas que visava, essencialmente, explicar (e isso até tem uns palavrões germânicos) que havia regulamentos que se inseriam nas relações entre os cidadãos e a Administração Pública e regulamentos que diziam respeito ao funcionamento interno das pessoas colectivas que os emanavam ou que se inseriam nas chamadas relações especiais de poder os chamados Werwaltungsvevordnungen.

Ora, a minha dúvida é uma e a única - porque, de resto, suponho que o Sr. Deputado António Vitorino já esclareceu devidamente que o princípio da legalidade é suficiente e é a medida adequada para disciplinar estas matérias delicadas: abrangem VV. Exas. os regulamentos organizatórios nesta vossa definição de quem tem competência regulamentar? É que, assim sendo, teremos uma lei quadro assaz curiosa, visto que, em princípio, é co-natural à capacidade das pessoas colectivas o disciplinar a organização de todas as entidades que integram a Administração Pública, incluindo, obviamente, a chamada administração indirecta do Estado.

Quanto aos n.ºs 2 e 3 da proposta, penso serem, no fundo, questões que já foram discutidas no artigo 115.° e que não valerá a pena atardarmo-nos nessa questão; vai-se ao ponto de dar à Assembleia da República competência para regular aspectos que extravazam do que lhe é atribuído em termos de separação de poderes, porque repelar-se-iam matérias estritamente da competência do Governo. E é por isso que digo que isto é um cataclismo ou um terramoto. Na verdade, por esta via sub-reptícia e provavelmente involuntária, VV. Exas. vêm subverter o princípio básico da separação de poderes, tal como está definido na Constituição, e do respectivo equilíbrio, dando, inclusivamente, à Assembleia da República uma capacidade de intervenção na esfera do Executivo num ponto essencial da Administração Pública. Ora, devo dizer que não conheço nenhum país com um sistema similar ao nosso, isto é, na Europa Ocidental, que o tenha.

Estou a dizer isto a sério.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Poderia ser de outro modo?

O Sr. Presidente: - Não. É porque, neste momento, poder-se-iam induzir outras coisas. Mas estou a falar em termos estritamente comparatistas.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, tudo começou quando V. Exa. pugnava ardentemente no Plenário e nós aqui dissemos, mais singelamente, que o artigo 115.°, tal qual está confeccionado, deixava de

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lado um problema, qual fosse o de saber quais são afinal os órgãos que têm competência regulamentar. A Constituição, explícita e expressamente, atribui poder regulamentar ao Governo, às regiões autónomas e às autarquias locais.

Ora, que outras entidades é que podem ter poder regulamentar? Quaisquer entidades que, por exemplo, o Governo - que tem as competências que tem nessa matéria - entenda deverem ter poder regulamentar? Sendo o Governo uma entidade com abundante competência regulamentar, deve ser susceptível de procriar competências regulamentares indefinidamente, sem limites? A proliferação de centros de poder regulamentar e até de poderes regulamentares periféricos pode realizar-se sem qualquer limite de lei aprovada pelo Parlamento? A realizar-se tal proliferação dentro das "baias" traçadas pelo Governo, que consequências é que isso teria, do ponto de vista normativo e do ponto de vista da distribuição do poder regulamentar, nas diversas entidades existentes no universo público?

Trouxe, também, à reflexão as consequências do facto de certas entidades, incluindo privadas, poderem, designadamente nas situações de concessão, ter poderes de autoridade e exercê-los, enquadrando-os através da definição de regulamentos.

O Sr. Presidente: - Diz muito bem.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Regulamentos que podem produzir efeitos, os mais diversos, e colocam melindrosos problemas, designadamente de fiscalização de constitucionalidade e de legalidade.

O Sr. Presidente: - Por isso é que são recorríveis, como sabe.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Por isso é que são recorríveis, embora, em certos casos, possam verificar-se situações de bloqueio de fiscalização. Aludi aqui a algumas delas, nos termos do actual Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. É evidente que é uma situação superável nessa sede. Os actuais bloqueamentos poderão ser superados alterando o Estatuto. Em todo o caso, o problema pode colocar-se e a verdade é que se coloca neste momento. A opção é, pois: ou manter o silêncio constitucional nesta matéria ou buscar uma solução. Mas buscar uma solução suscita problemas e o Sr. Deputado António Vitorino exprimiu aqui preocupações em relação a alguns dos problemas decorrentes da solução do PCP.

O Sr. Deputado Rui Machete dá dois passos em frente (ou para cima, o que é indiferente) e agora exige-nos que especifiquemos quais são os tipos e formas de regulamentos abrangidos pelo n.° 1 do artigo 115.°-B proposto pelo PCP. Ora, como a Constituição não define nem os tipos e formas de regulamentos do Governo nem os tipos e formas dos regulamentos das outras entidades que têm poder regulamentar não o fizemos nós também, cometendo o mesmo pecado. E dir-se-á: "Mas a Constituição, ao fazê-lo, pressupõe uma determinada ordem de competências e uma determinada repartição das mesmas. O PCP, ao propor o que propõe e ao incluir, na área de competências da Assembleia da República, no fundo, o poder de elaboração de uma lei quadro do poder regulamentar, acaba, caso não delimite exactamente quais os tipos de regulamentos que estão previstos ou que são abrangidos por tal coisa, por criar uma cláusula que permite uma ultrapassagem de competências do Governo, uma espécie de enquadramento geral pela Assembleia da República do poder regulamentar do próprio Governo. Ora, isso é inquietante e não pode ser. Definam lá limites!"

O Sr. Presidente: - Bem visto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O que me parece difícil é sustentar que é positiva a proliferação indiscriminada e desenquadrada de regulamentos, sobretudo se se tiver em atenção a dimensão do fenómeno deslegalizador. Se poderemos ser acusados - como de resto já ocorreu - de, através da definição de uma necessidade de enquadramento, pretendermos um alargamento indébito da margem de competência da Assembleia, que alternativa, senão a chamada alternativa zero, é que apresentam aqueles que sustentam a tese contrária? Estão disponíveis a fazer alguma coisa para suprimir a actual situação?

É que suponho que se poderá reconhecer objectivamente que a actual situação é bastante desconfortante e bastante anárquica. Soluções intermédias são pensáveis, mas é evidente que obrigar a que a habilitação prévia se faça pelo próprio órgão não basta, porque isso é o que acontece agora.

O Sr. Deputado António Vitorino teve, há pouco, ocasião de situar isso quando nos leu, uma a uma, as disposições que a diversas entidades concedem poder regulamentar. Citou-nos o Código Administrativo para aludir aos regulamentos policiais dos governadores civis e disse: "Olha, cá está a credencial legislativa específica." Citou normas sobre os institutos públicos e disse: "os institutos públicos, ao serem criados, aí terão a matriz e a sede habilitante própria". E por aí adiante...

Parece-vos que um sistema pulverizado e difuso basta para introduzir a clarificação na atribuição de poderes regulamentares? Isso é, verdadeiramente, a consagração, já não do policentrismo, mas da proliferação desenquadrada. Se o diploma quadro deve partir da Assembleia da República, unicamente, ou a obrigação de enquadramento pode ser a cumprida, por exemplo, pelo Governo na sua esfera própria - é outra questão. A ideia de enquadramento prévio feita pelo órgão que tenha competência para gerar poderes regulamentares parece o mínimo. Reparem que não é essa a nossa proposta originária, mas, em todo o caso, é uma reflexão adicional que aqui faço por conta e risco próprios - como é óbvio - sobre uma questão suscitada pelos Srs. Deputados em termos que me parecem extremos, aparentemente para replicarem, com alguma veemência, àquilo que vos pareceu também extremo.

Ó que creio, em todo o caso, é que a questão se coloca e que não é fácil iludi-la através de uma ferrenha alusão à necessidade de não perturbar o equilíbrio de poderes entre dois órgãos de soberania.

Deixei de lado a questão das regiões autónomas, que é também complexa, mas devo dizer-vos que aí também a reflexão sobre as consequências da possibilidade de proliferação indiscriminada por parte ou promovida por órgãos de governo próprio das regiões suscita problemas bastante melindrosos, dada a articulação entre a ordem jurídica regional e a ordem jurídica nacional.

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Não me parece que a questão possa ser afastada com tanta veemência e, apesar de tudo, com tanta atenuação de dificuldades que todos, objectivamente, deveriam reconhecer que existem. Foi isto que quis enfatizar através destas considerações.

O Sr. Presidente: - Suponho que V. Exa. fez a defesa da vocação do nosso tempo para a codificação da regulamentação, matéria sobre a qual estou em total desacordo. Mas - enfim - já estão explicitados os posicionamentos respectivos e, do nosso lado, feita a afirmação de que o princípio da legalidade resolve os principais problemas que V. Exa. põe. É, portanto, um falso problema. V. Exa. acha que não.

De qualquer forma, as coisas estão devidamente esclarecidas em termos de posições de cada um, embora, infelizmente, a complexidade do problema não permita uma clarificação total. É óbvio.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, queria apenas fazer uma pergunta simples, que era esta: V. Exa. defendeu que não era pacífico interpretar a Constituição, designadamente o artigo 115.°, em conjugação com o artigo 202.°, alínea g), como inconst-tucionalizando os regulamentos autónomos. Portanto, sempre se deveria entender que a competência para emitir regulamentos autónomos resultava directamente da alínea g) do artigo 202.° da Constituição e não carecia de lei habilitadora que definisse a competência objectiva e que, portanto, a interpretação do Prof. Sérvulo Correia, por essa via, permitiria salvar os regulamentos autónomos. Não vou entrar em discussão sobre qual é a concepção do Prof. Sérvulo Correia, em que medida é que ela é admissível e em que é que a alínea g) não se subordina à alínea c) ou é autónoma. O que lhe digo é que, se é essa a sua interpretação, porquê lançar a confusão sobre todos os demais casos ao omitir no artigo 115.° a referência à competência objectiva ou à necessidade de invocação da competência objectiva, porque o Sr. Deputado Rui Machete, pelos vistos por via interpretativa, considera que não há margem para dúvidas sobre a admissibilidade dos regulamentos autónomos. Para quê lançar então a confusão através da alteração do artigo 115.°?

O Sr. Presidente: - Eu percebo. Acho que é uma pergunta extremamente inteligente e vou responder-lhe com toda a franqueza: não subscrevo, inteiramente, a interpretação do Dr. Sérvulo Correia nalguns pontos e, aliás, ontem, de passagem, explicitei que, na minha perspectiva, não é admissível - por razões que não interessa estar aqui a desenvolver, mas que terei muito prazer em o fazer, se for caso disso - o desenvolvimento directo dos princípios constitucionais. Exige-se que esses princípios estejam de algum modo consignados e que haja uma interpositio do legislador, embora não seja para desenvolver directamente este ou aquele princípio concreto. Mas isso é uma outra questão.

Agora, ao problema que me põe, respondo-lhe com simplicidade: a ideia que tenho é que a norma do artigo 115.° é - na interpretação que faço, para salvar os regulamentos independentes e autónomos, que, aliás, estão também expressamente mencionados no artigo 115.° - uma forma de compatibilizar as normas, inclusive as próprias normas do artigo 115.°, por que, se interpretarmos à letra a referência à competência objectiva, não há regulamentos independentes. E parece-me que é um pouco absurdo que o legislador, no mesmo preceito, fale em regulamentos independentes e depois os negue.

Por outro lado, existem preceitos noutros pontos, como é, designadamente, a competência regulamentar do Governo, que claramente permitem uma interpretação desse tipo, em que faço uma interpretação que ultrapassa essas dificuldades. Ou, se quiser, pura e simplesmente, considerando um conflito, resolvo o conflito de uma determinada maneira.

Simplesmente parece-me que é mau que isto assim aconteça. E não entendo que os regulamentos independentes, pelas razões que explanei ontem, possam ser, em si, restritivos de direitos, porque só devem ser devidamente habilitados em matéria de administração restritiva de liberdades - Eingritsverwaltung - e quanto à matéria da Leislungsverwaltung, isso sim, aí é que podem ter utilização. Não vejo que isso se traduza - dados os esquemas de controle do sistema político e dados os outros esquemas de controle legal - em qualquer situação intolerável ou malsã num Estado de direito. Pelo contrário, julgo que é útil, justamente porque não defendo, em matéria regulamentar, um tipo de espartilho que me pareceu estar subjacente à proposta do PCP e que é contra a própria essência da Administração Pública e daquilo que justifica o seu poder regulamentar. Agora, tem V. Exa. razão: há aqui um problema. Se interpretarmos, em toda a sua força consequente, aquilo que é dito a propósito dá competência objectiva, liquidamos não apenas o regulamento autónomo mas os regulamentos independentes. Esta é a razão do meu posicionamento.

Sr. Deputado José Magalhães, tem ainda alguma questão a pôr?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente. Está dirimida, como é possível, a questão.

O Sr. Presidente: - Pelo menos, em termos extremamente claros.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O contrário implicaria trazer para cima da mesa as teses do Sr. Prof. Sérvulo Correia e procurar saber o que é que daí se pode extrair, sendo certo que o PSD adianta apenas a proposta que o Sr. Presidente fundamentou, isto é, a supressão da alusão à componente da competência objectiva, o que tem consequências que agora estão inteiramente perceptíveis, o que nos leva, naturalmente, a reforçar a nossa posição contra.

O Sr. Presidente: - Com certeza. Já sabíamos isso! Vamos passar - mas provavelmente não hoje - ao artigo 116.° Terminámos o artigo 115.° e pergunto agora se VV. Exas. querem entrar ainda hoje na discussão do artigo 116.° da Constituição.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Hoje, sim.

O Sr. Presidente: - Hoje? Muito bem, então, vamos ao artigo 116.°

Na terça-feira vamos ter reunião às 15 horas. Depois, na quarta-feira teremos também reunião às 15 horas e ainda à noite. Na quinta-feira será de manhã e de tarde e sexta-feira será da parte da manhã.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é-nos inconveniente entrar agora nessa matéria. Já ziguezagueámos demais! Penso que deveríamos continuar os trabalhos na terça-feira.

O Sr. Presidente: - Já agora aproveitava para vos comunicar que, em princípio, de acordo com aquilo que me foi indicado pelo PRD, iremos ter, a partir da próxima terça-feira, a presença do Sr. Deputado Miguel Galvão Telles. Também me foi solicitado que o referido deputado tivesse oportunidade de fazer uma explanação sobre a parte económica da proposta do PRD.

A minha posição é esta: nós poderemos aceitar que o Sr. Deputado faça essa exposição desde que assumamos, naturalmente por consenso, o compromisso de não reabrir o debate sobre a Constituição económica. Isto é, se houver uma questão realmente ininteligível - o que é duvidoso, dada a qualidade do expositor -, compreendo que se possa fazer uma pergunta, mas isso é apenas para perguntar se houve um lapso ao dizer A em vez de dizer B. Mas reabrir o debate - na minha perspectiva - é inteiramente inaceitável porque isso atrasaria enormemente os trabalhos. De resto, há outros Srs. Deputados de outros partidos que não estiveram presentes, teríamos de lhes reconhecer o mesmo direito e isso, efectivamente, significaria atrasar, de uma maneira inaceitável, os trabalhos da Comissão. Portanto, gostaria que VV. Exas. ponderassem este ponto.

A minha proposta é no sentido de que, ou obtemos um consenso claro, formal, e que terá de ser respeitado, de não reabrir o debate nem fazer perguntas que sejam intervenções - e não vamos fazer perguntas, em princípio, pois vamos ouvir uma exposição que naturalmente fica registada, tanto mais que isto é uma primeira leitura -, ou, se VV. Exas. consideram que isso não é viável, proponho que se recuse essa faculdade solicitada pelo PRD.

O Sr. Almeida Santos (PS): - A nossa posição é esta: tem vigorado a regra de que quem, por razões da sua vida profissional ou mesmo por outros trabalhos parlamentares, não tem a possibilidade de estar, no momento em que se discutem algumas disposições propostas pelo seu partido, nomeadamente em relação a partidos que têm poucos deputados, podem, quando voltam a estar presentes, fazer a apologia da sua proposta, sem debate. Nestas condições, deve dar-se igualdade de tratamento. Para lá disto começa o privilégio e eu serei contra isso.

Assim, se o Sr. Deputado quiser beneficiar da regra geral, chega e expõe o que quiser sobre as propostas que não foram apresentadas. É um direito do PRD em igualdade com todos os outros partidos. Mas fá-lo-á sem debate porque todos temos aceitado essa condição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é apenas para afirmar que compreendo que o PRD manifeste o seu interesse em fazer a exposição que acaba de referir. É evidente que - isso aplica-se a todos! - nenhuma exposição que possamos fazer substitui o princípio da imediação. É evidente que a distância em relação às outras componentes do debate engendra, verdadeiramente, perdas irreparáveis. Pela minha parte, bem gostaria de ter podido cruzar opiniões e fazer debate com o Sr. Deputado Miguel Galvão Telles sobre várias das matérias, designadamente sobre a questão do artigo 83.°, sobre a questão dos princípios fundamentais da organização económica e sobre a questão da delimitação de sectores, matérias em relação às quais as suas opiniões e o estudo que tem vindo a realizar têm o mérito e o conteúdo geralmente conhecidos. O que não é concretamente conhecido é qual o tipo de efeito dialógico que teria resultado da presença do PRD nesses debates.

Parece-me também, Sr. Presidente, que exigirá grande contenção e grande sensibilidade - e, pela nossa parte, estamos, naturalmente, disponíveis para isso - a gestão, em concreto, da malha muito apertada que acaba de ser anunciada pelo Sr. Presidente, porque a produção de exposições em tempo distinto daquele que corresponderia à sua emissão mais favorável suscita - como o caso do CDS evidenciou há tempos - alguns problemas melindrosos. Também aí pensamos que não deve haver dualidade de tratamentos e que aquele critério que foi seguido para o CDS deve, naturalmente, ser seguido para o PRD.

O Sr. Presidente: - Foi um mau exemplo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É a preocupação de sensibilidade e trato equilibrado da questão que me parece deve presidir a todo o trabalho a empreender. Suponho, também, que isso terá lugar na próxima terça-feira e que será a questão inicial.

O Sr. Presidente: - Presumo que sim.

Digo que foi um mau exemplo não é porque não tenhamos todos nós beneficiado de ouvir o CDS. Foi um mau exemplo porque permite, de algum modo, ser invocado como precedente no sentido de voltar a retomar os debates e penso que isso é, neste momento e nesta fase em que já estamos do tempo, inteiramente inaceitável. Percebo que haja um prejuízo dialógico, mas esse prejuízo é inevitável. De contrário, teríamos sempre a possibilidade de vir a recomeçar e este debate torna-se em acto infindável.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Nesse caso, também quero o privilégio de aparecer quando me convier e de discutir aquilo que quero discutir na altura em que estiver.

O Sr. Presidente: - Isso não pode realmente ser.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Deste critério não foi só o CDS a beneficiar. Têm beneficiado dele todos os pequenos partidos e até os grandes. Não há nenhuma excepção. Aquilo que se fez para os outros faça-se para o PRD. Mas não mais. Por que é que há-de ter privilégios? Senão, também quero! Vou fazer férias e depois venho e digo: "Desculpem. Não tenho cá podido vir, vamos regressar ao artigo..."

O Sr. Presidente: - Espero que o Sr. Deputado Almeida Santos nem faça férias nem venha discutir os artigos lá de trás.

Risos.

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O Sr. Almeida Santos (PS): - Em Agosto e Setembro farei.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas exprimir a posição do PSD, embora suponha que já tenha sido expressa por V. Exa. não como parte mas como presidente.

Penso que o PSD está absolutamente de acordo com a interpretação que foi dada pelo Sr. Deputado Almeida Santos em relação à forma como os nossos debates deverão continuar. Mas, mais do que isso, gostaria de salientar o seguinte: gostaria de chamar a atenção do Sr. Presidente para uma outra questão que se prende também com a celeridade dos trabalhos, que é a tentativa de conseguirmos balizar o âmbito devido das intervenções desta Comissão. Porque temos assistido nesta Comissão a intervenções que extravasam, em muito, o âmbito de uma discussão sobre a revisão constitucional. E, isso, como é evidente, preocupa-me, não propriamente porque alguém me diga que a revisão tenha de ser feita depressa ou devagar, mas porque, realmente, não estamos a cumprir aquilo para que estamos mandatados, que é, de facto, rever a Constituição e discutir a revisão da Constituição. Estamos a exceder, em grande parte, o nosso tempo com considerações que não vêm, de maneira nenhuma, a propósito das tarefas de revisão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado José Magalhães. Não vamos agora discutir este último ponto que foi introduzido pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação porque o objectivo desta troca final de impressões é apenas o de tratar desta questão motivada pelo pedido do PRD.

A outra problemática poderemos discuti-la primeiro a mesa e depois, se isso for necessário, em Comissão.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, devo dizer que, face às considerações que acaba de produzir, a intervenção do Sr. Deputado Carlos Encarnação é inexplicável. O Sr. Deputado Carlos Encarnação é membro da mesa, o Sr. Deputado Carlos Encarnação é, concretamente, secretário da mesa, o Sr. Deputado Carlos Encarnação sabe que o Sr. Presidente anunciou anteontem que era sua intenção colocar a questão no âmbito da mesa. Porquê então verter para a acta considerações como estas?!

É evidente que prefiro que o Sr. Deputado Carlos Encarnação verta para a acta na Comissão essas considerações do que faça uma "queixinha" ao Sr. Dias Loureiro para ir dizer à televisão aquilo que acaba de ser dito aqui. É óbvio! Não está, infelizmente, excluído que os dois sistemas se acumulem. Parece-me é lamentável que isso seja feito, a qualquer título! O que nós não poderíamos dizer sobre essa matéria! O que é que não teremos que dizer sobre essa matéria e as demais!

O Sr. Presidente: - Vamos estabelecer uma condição suspensiva erga omnes para ver se conseguimos acabar os debates hoje.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Em todo o caso, queria clarificar outra coisa. O Sr. Deputado Miguel Galvão Telles terá a nossa maior atenção e o nosso maior interesse na audição das suas opiniões e defesa das propostas do seu partido. Não vem discutir as nossas propostas, porque, se ele as discute, é evidente que é impensável que nós não tenhamos resposta às suas críticas, de dar-lhe o direito de replicar às nossas respostas. Ele fará a apologia das suas propostas - foi o que sempre foi feito aqui. É uma espécie de apresentação a posteriori em que ele exalta a excelência das suas propostas. Nós ouvi-lo-emos, registaremos e ficaremos encantados, mas será tudo. Sempre que contrapuser relativamente a outras propostas, teremos de lhe dizer que isso não será possível.

O Sr. Presidente: - O condicionalismo em que será, parece-me ter-se feito consenso nesse sentido, admitida a intervenção do PRD será exposto antes de fazer a respectiva exposição e de lhe ser concedida a palavra e incluirá obviamente essa menção.

Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 12 horas e 40 minutos.

Comissão eventual para a revisão constitucional

Reunião do dia 24 de Junho de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados

Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).

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