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V REVISÃO CONSTITUCIONAL

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Acta n.º 4

Reunião do dia 1 de Junho de 2001

SUMÁRIO

A reunião teve início às 10 horas e 25 minutos.
Foram apresentadas propostas do PSD relativas aos artigos 56.º (Direitos das associações sindicais e contratação colectiva) e 118.º (Princípio da renovação) da Constituição, tendo o Sr. Presidente dada por encerrada a 1.ª leitura da revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (José Vera Jardim), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Jorge Lacão (PS), António Filipe (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), Barbosa de Oliveira (PS), José Barros Moura (PS), Carlos Encarnação (PSD), Miguel Macedo (PSD) e Gil França (PS).
O Presidente encerrou a reunião eram 13 horas.

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O Sr. Presidente (José Vera Jardim): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, esta é a última sessão daquilo a que chamamos primeira leitura. Vamos ter a apresentação das propostas de alteração ao artigo 56.º, cuja epígrafe é "Direitos das associações sindicais e contratação colectiva", uma do PSD e outra do CDS-PP, e ao artigo 118.º, cuja epígrafe é "Princípio da renovação", também apresentadas pelo PSD e pelo CDS-PP.
Para fazer a apresentação da proposta de alteração referente ao artigo 56.º, apresentada pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este ponto foi inserido, pelo PSD, na revisão extraordinária da Constituição, por entendermos que esta era uma questão de ordem interna (a par da questão do Tribunal Penal Internacional) de alguma premência e que, portanto, deveríamos aproveitar esta revisão extraordinária para a resolver.
Efectivamente, a questão do sindicato da polícia vem arrastando-se há muito tempo e o PSD pôs sempre a questão de que nada teria a opor ao reconhecimento do sindicato da polícia, desde que ficasse clarificado e salvaguardado que esse reconhecimento não envolvia, por razões de imperativo constitucional, o reconhecimento também do direito à greve. Era uma questão que não poderíamos deixar de colocar nestes termos.
E, felizmente, no quadro das conversações preparatórias que ocorreram no quadro desta revisão, designadamente entre o Presidente do PSD e o Sr. Primeiro-Ministro e líder do Partido Socialista, foi possível estabelecer a compreensão e a receptividade para inserir esta matéria. Não fazia, pois, sentido que fizéssemos uma revisão extraordinária e não a aproveitássemos para resolver esta questão.
Sabemos que há quem defenda que o quadro constitucional actual já resolveria esta matéria, por força da alteração que se introduziu no artigo 270.º da Constituição, não é essa, no entanto, a nossa leitura. E não é essa a nossa leitura, por razões que me parecem óbvias.
Em primeiro lugar, o artigo 18.º da Constituição só permite a restrição de direitos na medida em que haja uma previsão constitucional expressa nesse sentido. Ora, esta previsão do artigo 270.º, na nossa leitura, é uma previsão genérica, que não inclui, de uma forma explícita, a restrição do direito à greve. E não me parece - e isso também é uma questão assente do ponto de vista dos princípio - que, em matéria de restrição de direitos, pudéssemos fazer uma interpretação do artigo 270.º, mesmo na redacção decorrente já da última revisão constitucional, que pudesse incluir a restrição ao direito à greve às forças de segurança, neste caso concreto à PSP. Por se tratar de uma restrição específica do direito à greve, entendemos que ela devia ser inserida exactamente onde está, no artigo 56.º, como n.º 5.
Quero deixar aqui esclarecida uma questão. Levantou-se ou poderá levantar-se alguma dúvida sobre se esta fórmula envolve implicitamente a ideia de que poderá ser reconhecido o direito de constituição de sindicatos, designadamente nas forças com o estatuto militar, como é a GNR. E óbvio que não! Essa é uma restrição que decorre do artigo 270.º, que se refere ao direito de associação. Não me parece que possa ser contemplado, e a História, no que diz respeito ao direito de associação em relação a estas instituições, é clara. Sabe-se que, no caso da PSP, a lei começou por não permitir sequer associações socioprofissionais. Foi no tempo dos governos do PSD que se estabeleceu legislação, embora aprovada aqui por maioria de dois terços, que permitiu a constituição de associações socioprofissionais.
Estamos hoje no domínio do reconhecimento de uma associação de natureza sindical para a PSP, mas que fique clara a nossa visão sobre esta matéria: não é por uma interpretação enviesada deste n.º 5 do artigo 56.º que propomos que se pode extrapolar para reconhecer o direito de constituição de sindicatos no âmbito de forças com estatuto militar.
Portanto, esta nossa proposta de alteração vai exclusivamente no sentido - e parece-nos que cumpre todo o percurso constitucionalmente exigido, designadamente pelo artigo 18.º, a que já me referi - de deixarmos claro que não haverá, através do reconhecimento do direito de associação sindical à PSP, por imperativo e arrastamento constitucional, o direito à greve.
Poder-se-ão aqui levantar algumas questões, designadamente pelo facto de se usar a expressão "designadamente do direito à greve". Não é, como é óbvio, inocente esta fórmula, porque também entendemos, nomeadamente no que diz respeito à PSP, que, eventualmente, outro tipo de direitos poderão estar em causa inerentemente ao exercício do direito à greve e a outros desta natureza no que diz respeito aos corpos especiais da própria PSP, que, como sabem, têm também, dentro da orgânica da PSP, pelas suas missões, algumas características particulares que podem justificar que tenham, do ponto de vista sindical, algum estatuto diferenciado relativamente ao comum dos agentes da PSP.
Portanto, está aqui explicada a razão de ser desta nossa proposta, que, registamos, teve a anuência do Sr. Primeiro-Ministro, felizmente, enquanto proposta a inserir neste quadro da revisão constitucional, e vamos todos poder, finalmente… E ainda bem que houve esta anuência por parte do Partido Socialista, porque leva-nos a concluir que agora há uma vontade política efectiva de reconhecer o sindicato à PSP, questão que tem sido arrastada excessivamente.
Portanto, com este verso de se reconhecer o sindicato à PSP, mas com o reverso de assegurar que isso não implica o direito à greve. Se não fosse esta previsão constitucional expressa, não tenho dúvidas de que o reconhecimento do sindicato implicava, por imperativo constitucional, o reconhecimento do direito à greve, na medida em que o artigo 18.º só autoriza estas restrições quando expressamente previstas pela própria Constituição.
É este o quadro em que estamos, depois, naturalmente, com a aprovação dos dois terços previstos para este tipo de diplomas, a lei implementará o sindicato, com esta segurança, que era indispensável.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço-lhe a forma sucinta como fez a apresentação da sua proposta de

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alteração, que nos deve servir de guia, digamos assim, para os nossos trabalhos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, não podemos beneficiar da presença do PP para apresentar a sua proposta de alteração a este mesmo artigo 56.º, mas creio que podemos ir direito ao assunto.
Em primeiro lugar, e porque não estamos ainda na fase do debate, reservarei outras considerações mais detalhadas para momento posterior, mas não posso deixar de dizer, à cabeça, o seguinte: a circunstância de o associativismo socioprofissional das forças de segurança não ter hoje um conteúdo mais desenvolvido, designadamente quanto ao âmbito do associativismo sindical, do ponto de vista do PS, não ocorre por qualquer razão de restrição constitucional, ocorre por um bloqueio político que, há muitos anos, o PSD tem assumido nesta matéria.
Este bloqueio político, todos o sabemos, vem desde a célebre querela dos secos e dos molhados, que, aliás, custou, na altura, a cabeça ao Ministro da Administração Interna do PSD, o Dr. Silveira Godinho, e custou-lhe esse cargo nessa circunstância, porque, já nessa altura, o PSD se opôs, até ao limite - eu diria - da sua obstinação, à simples possibilidade de se constituir um diploma que regulasse o associativismo socioprofissional da PSP. E só por uma determinação muito forte do Partido Socialista, na altura na oposição e, todavia, com uma determinação que acabou por arrastar nela o próprio PSD, à contrecoeur, foi possível estabelecer a lei do Associativismo Socioprofissional.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - E se não evoluímos mais até hoje foi porque o PSD a isso politicamente se opôs. O que o PSD agora nos vem dizer é que carece de uma credencial constitucional para ele próprio mudar de posição, e é preciso que nos entendamos sobre isto. O que o PSD anda à procura é de um pretexto da Constituição para justificar a sua mudança de posição. E, neste sentido, aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro, não nessa condição, mas na condição de Secretário-Geral do Partido Socialista, assumiu junto do líder do PSD foi uma disponibilidade pela parte do PS no sentido de superar o pseudo-alibi constitucional invocado pelo PSD, para que o PSD deixe de ter mais argumentos de bloqueio. É nesta posição que estamos, portanto, disponíveis para encontrar uma solução que supere definitivamente os alibis do PSD.
Mas há uma coisa que não faz sentido ficar para a História, é o PSD imaginar, por ironia das coisas, que agora a possibilidade de constituir um sindicato de polícia resultaria desta sua iniciativa constitucional.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Exactamente!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Nada de menos verdadeiro! Só o não temos até hoje por pura e simples obstinação política!
Dito isto, e porque estamos, efectivamente, disponíveis para superar esta razão de ser do alibi invocado pelo PSD, vamos ver, todavia, se o faremos, não fazendo um erro técnico na Constituição, que não teria qualquer sentido.
Ora a proposta de alteração do PSD - desculpar-me-ão que vos diga - é um erro técnico do princípio ao fim. E é sobre isso que precisamos justamente de meditar.
Primeiro aspecto: o Sr. Deputado Guilherme Silva diz-nos que o artigo 270.º da Constituição não seria de âmbito suficiente para permitir as restrições que cuidariam de ser garantidas, em vista da criação possível do associativismo sindical relativo às forças de segurança. É ou não verdade, Sr. Deputado Guilherme Silva, que o associativismo sindical é uma modalidade específica do direito de associação? É óbvio que é verdade. É uma densificação, no domínio da liberdade de associativa dos trabalhadores, do princípio dos direitos, liberdades e garantias do direito geral de associação.
Assim sendo, quando no artigo 270.º se prevê a possibilidade de haver restrições aos direitos de associação, evidentemente que tanto cabem direitos de associação em sentido genérico dos direitos, liberdades e garantias como o sentido específico das associações sindicais. Só uma interpretação restritiva, sem qualquer adequação à norma prevista na Constituição, só uma interpretação absurdamente restritiva, é que levaria a concluir o contrário, como o PSD pretende.
Devo, aliás, dizer ao PSD que, se tiver curiosidade nisso, tenho muito gosto em lhe facultar um conjunto de pareceres muito relevantes,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Já os li!

O Sr. Jorge Lacão (PSD): - … que justamente demonstram o sem fundamento dessa posição do PSD.
Mas, querendo o PSD resolver o problema, vai procurar fazê-lo em sede de artigo 56.º. Sr. Deputado Guilherme Silva, se propõe no artigo 56.º que a lei possa estabelecer restrições ao exercício dos direitos associativos sindicais integrados pelos agentes das forças de segurança, assume que precisa de uma credencial constitucional específica que admita os direitos das associações sindicais integradas pelos agentes de forças de segurança na restrição do direito à greve.
Como não tem uma credencial constitucional específica para restringir a possibilidade do exercício do direito à greve por parte de outras entidades no âmbito do artigo 270.º, pergunto-lhe qual é o fundamento constitucional que invocará para explicar às Forças Armadas que elas não têm credencial constitucional para reivindicar um direito associativo para o exercício do direito à greve.
Peço-lhe que me responda sem sofismas, Sr. Deputado Guilherme Silva, porque, como sabe, uma regra de ouro de interpretação dos textos jurídicos, e particularmente das normas constitucionais, é a interpretação sistemática e harmoniosa do conjunto das disposições.
Se o Sr. Deputado precisa de uma credencial específica para restringir o direito à greve às forças de segurança e não precisa de uma credencial constitucional específica para as forças militares, há aqui uma dualidade do critério constitucional absolutamente visível.
Portanto, das duas uma: ou a credencial para restringir o direito à greve tanto abrange as forças de segurança

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como as forças militares e paramilitares e então trata-se, digamos, de uma clarificação da Constituição, e já fará sentido, porque já terá uma solução harmoniosa, mas tem de ser trabalhada em sede do artigo 270.º e não fora dele; ou o Sr. Deputado quer regular isto especificamente no artigo 56.º; então está a dizer que aquilo que proíbe a uns faculta a outros.
O Sr. Deputado Guilherme Silva dirá de sua justiça, mas creia que há um desequilíbrio na sua proposta nesta consideração que acabei de fazer.
Segundo aspecto: o Sr. Deputado invoca o direito à greve como sendo um direito das associações sindicais. Peço-lhe que medite no seguinte: não é a Constituição que é interpretada conformemente à lei ordinária, é a lei ordinária que deve ser interpretada conformemente à Constituição. Ora, o que a Constituição estabelece em matéria de direitos fundamentais dos trabalhadores não é que o direito à greve é um direito das associações sindicais, o direito à greve é um direito dos trabalhadores, tout court.
Quando o Sr. Deputado faz um entorse no artigo 56.º, afirmando que o direito à greve é uma matéria da associação sindical, está a dizer alguma coisa que a Constituição não consente. A associação sindical é, nos termos da lei ordinária, o instrumento associativo pelo qual os trabalhadores realizam esse direito, mas a Constituição não estabelece essa restrição necessária. De onde, Sr. Deputado, os direitos dos trabalhadores, designadamente o direito à greve, não resultam de ele ser um direito institucional das associações sindicais, resultam de ele ser um direito originário dos trabalhadores, como tal.
Se o Sr. Deputado fizesse vingar esta fórmula criaria aqui um verdadeiro entorse à compreensão do que é o direito dos trabalhadores no exercício do direito à greve. Consequentemente, também não podemos, até por essa razão, aceitar esta sua formulação.
Mais uma vez se põe aqui o problema: se o Sr. Deputado, para além deste entorse, e ao contrário do que disse na sua justificação inicial, admite que as associações sindicais sejam integradas por agentes das forças de segurança, como é que depois, em justificação de motivos, vem dizer, de forma discricionária, isto aplica-se à PSP, mas não se aplica à GNR? É que, no quadro da Constituição, as forças de segurança são as que são, isto é, são todas as que exercerem a função de segurança.
Portanto, a partir do momento em que o Sr. Deputado, sem distinções, aprovasse este seu artigo 56.º quereria dizer - ao contrário, aliás, da nuance que faz o CDS-PP (embora eu também não concorde com ela por outras razões) - que estabelecia uma credencial constitucional para a criação, sem discriminação negativa, ao conjunto das forças de segurança.
Daí a distinção que depois faz entre aquelas que, no seu critério, têm um estatuto a ou b, por razões de direito ordinário, que não por razões da harmonia constitucional, o que, mais uma vez, tornaria as coisas verdadeiramente insustentáveis.
Para concluir, Sr. Deputado, e para não ficar com a impressão de que nós não estaremos disponíveis para superar o tal alibi de que falei no início, quero dizer-lhe que admitiremos uma solução para resolver o vosso problema de consciência, mas que essa solução, para uma boa técnica constitucional, para não permitir uma desregulação sistemática e harmoniosa da matéria relativa à restrição de exercícios de direitos por parte de militares, militarizados e forças de segurança, tem de ser resolvida, e deve sê-lo, em sede de artigo 270.º e não no âmbito do artigo 56.º.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pediu a palavra, mas vou dá-la primeiro ao Sr. Deputado António Filipe, por razões óbvias: quem deve colocar as questões não é quem apresenta os projectos é quem está a ouvir a exposição sobre os fundamentos dos diferentes projectos.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, nós compreendemos que esta proposta visa resolver um problema do PSD, porque este, com a sua obstinação de não aceitar a existência de sindicatos na PSP é disso que estamos a falar , colocou-se numa situação impar no plano europeu e, qualquer dia, já seria um objecto de interesse turístico. Isto é, é este o partido que, na Europa, não admite que uma força policial de natureza civil tenha um sindicato.
Inclusivamente, numa altura em que próprio CDS-PP ameaça ultrapassar o PSD pela esquerda, compreendo que se torne muito embaraçoso para o PSD manter esta posição. Portanto, era necessário arranjar uma porta de saída e a porta que o PSD procurou abrir foi dizer que havia aqui um problema constitucional e procurou convencer as pessoas disso. Mas, existindo esse problema constitucional, ninguém percebe como é que, por exemplo, existe, há muitos anos, um sindicato da Polícia Judiciária, o dos funcionários de investigação criminal. Será que não é uma força policial, ou será que o PSD considera que há uma inconstitucionalidade pelo facto de esse sindicato existir há uma série de anos?
Há aqui uma série de aspectos a que o PSD nunca respondeu e que, de facto, põem em evidência o absurdo da posição que tem vindo a manter.
O que acontece, Sr. Deputado Guilherme Silva, é que com esta proposta somos confrontados com alguns absurdos que o Sr. Deputado Jorge Lacão, a meu ver muito bem, já assinalou, mas que também têm que ver com isto.
De facto, no artigo 56.º passa a prever-se a existência de associações sindicais integradas por agentes das forças de segurança, sendo que no artigo 270.º se deixa implícito que a legislação relativa ao reconhecimento dessas associações sindicais terá de passar pela aprovação da Assembleia da República, por 2/3. Portanto, digamos que o PSD já está no artigo 56.º a remeter para uma realidade que não existe ainda e cuja existência permanece inserta na medida em que carece de aprovação por maioria qualificada.
Mas creio que o que vale a pena perguntar ao Sr. Deputado Guilherme Silva é se esta proposta do PSD para o artigo 56.º representa um compromisso da parte do PSD de aprovar uma lei que reconheça efectivamente a existência de uma associação sindical no âmbito da PSP. Isto porque o que PSD propõe até agora é uma restrição e ainda não nos disse se está determinado em eliminar o obstáculo que, a seu ver, tem existido, para que haja, de facto, um sindicato plenamente reconhecido da PSP. Por conseguinte, a pergunta que lhe faço é se o PSD assume

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aqui o compromisso de viabilizar, através da lei ordinária, a existência desse sindicato.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira, para colocar questões ao PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sr. Presidente, inscrevi-me para pedir esclarecimentos. Um Deputado do mesmo partido não pode pedir esclarecimentos?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, a Mesa entende estes trabalhos da seguinte forma (é evidente que é discutível): há uma exposição inicial do partido apresentante, seguem-se as questões postas pelos outros partidos e depois as respostas dadas pelo partido apresentante. Penso que esta é a melhor maneira de organizarmos os nossos trabalhos, senão entramos num diálogo contínuo. Mas poderemos discutir isso no fim.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira. Em seguida dá-la-ei ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, vou colocar uma questão muito directa e muito breve ao Sr. Deputado Guilherme Silva, independentemente das questões técnicas nas quais, pelo menos para já, não me meto.
Fundamentado a posição do PSD, o Sr. Deputado justificou a expressão "designadamente o direito à greve" dizendo que pode haver outros. Ora, gostava que, de uma forma muito clara e muito directa, o Sr. Deputado nos dissesse aqui que outros direitos está a pensar que devem ser restringidos. É que o direito à greve é inteligível, mas a que outros direitos se referia quando aqui disse que pode haver outros? O "designadamente" significa isso?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, vejo que, da parte dos Deputados do PS, onde, segundo algumas vozes internas, reina ainda o centralismo democrático, não há hipótese de haver qualquer colocação de pedidos de esclarecimento aos colegas. Dentro do PSD não é assim, e espero que nesta Comissão não seja assim, pelo que conto que haja, relativamente às intervenções de todos, a possibilidade de todos pedirem alguns esclarecimentos, ou a especificação de alguns aspectos que, do nosso ponto de vista, não terão sido suficientemente clarificados na intervenção inicial. É isso que se passa…

O Sr. Presidente: - Dá-me licença, Sr. Deputado?
É evidente que nos outros trabalhos de discussão que se seguirão, a regra da inscrição e a da alternância serão seguidas. Nesta parte de apresentação de projectos pareceu-me melhor que fosse assim, mas penso que o incidente está ultrapassado.
Faça o favor de continuar, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a falha foi minha, com certeza. Da próxima vez terei o cuidado de assinalar à Mesa, penso que isso é correcto, que inscrição é para um pedido de esclarecimento e não para uma intervenção. De facto, o Sr. Presidente aí tem toda a razão, porque pode suscitar-se essa dúvida.
Em primeiro lugar, queria começar por dizer que, obviamente, penso que houve aqui um lapso da bancada do PSD. Devíamos ter trazido Alka-Seltzer para oferecer ao Dr. Jorge Lacão e aos Srs. Deputados do PS, porque sabemos que é com muita dificuldade que "engolem" esta alteração constitucional.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Pediu a palavra para colocar dúvidas ou para fazer provocações?!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Para colocar dúvidas provocatórias!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Agora, o que não vale a pena é tentar-se mistificar a situação, tentar-se fingir que até se está de acordo com a proposta e depois inventar problemas estritamente técnicos relativos à sua aplicação.
E, quanto ao Dr. António Filipe, que está ali a sorrir, devo dizer-lhe o seguinte: no seu caso não é preciso um Alka-Seltzer porque, provavelmente, os senhores votarão isto de olhos fechados. Já não seria a primeira vez que o faziam, mas enfim, poderão fazê-lo.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - E a dúvida?

O Luís Marques Guedes (PSD): - Embora faça a justiça de pensar que, neste caso do Partido Comunista, houve, mais recentemente, uma evolução (pelo menos da sua bancada), no sentido de que, agora, o Partido Comunista Português defende não só a criação de sindicatos de polícia com toda a clareza mas, também, com a expressa possibilidade do exercício do direito à greve. O que, aliás, é coerente com aquilo que sempre dissemos, ou seja: por trás desta tentativa leviana, em que o Partido Socialista, durante muitos anos, também embarcou, de se autorizar os sindicatos de polícia sem uma habilitação constitucional expressa para a lei ordinária restringir com clareza a possibilidade do exercício do direito à greve, o Partido Comunista, durante muito tempo, andou calado a ver se levava incautos atrás da sua proposta, mas quando percebeu que o Partido Social Democrata iria conseguir clarificar a situação, embora com o Alka Seltzer aos Deputados socialistas, então, rapidamente apresentou um projecto de lei na Assembleia da República, dizendo que não deve haver proibição do direito à greve.
Era essa a questão que queria colocar ao Sr. Deputado Guilherme Silva. Como bem entendi, é evidente - e isso resulta da proposta do PSD - que aqui trata-se de uma habilitação legal, pelo que será a lei ordinária, que necessariamente é uma lei de dois terços… E não há problema algum em constar do artigo 56.º, porque também o artigo 154.º e, depois, o artigo 270.º, que ainda é cento e tal artigos depois, volta a falar nas restrições. Portanto, não há problema algum, a Constituição tem os seus sítios próprios sobre estas matérias.
É uma habilitação legal, mas uma habilitação legal que dá aqui um sinal claro. E o esclarecimento ou, digamos, a especificação adicional que pedia ao Sr. Deputado Guilherme Silva era se o facto de o Partido Social Democrata

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entender que se inscreve esta previsão no artigo 56.º e não no artigo 270.º tem a ver com o conteúdo normativo próprio de cada uma das normas, a saber, no caso, do artigo 270.º.
De facto, o artigo 270.º tem um conteúdo normativo que vai muito para além das polícias, muito para além das forças de segurança, abarcando as Forças Armadas, as forças militarizadas e os serviços de segurança (que são, como sabemos, os chamados serviços secretos). Portanto, gostaria de saber se o que está aqui em causa é um sinal político claro - independentemente da legislação ordinária, pois, como é necessária uma maioria de dois terços para a aprovar, o PSD tem sempre uma palavra decisiva a dizer relativamente a estas matérias - de que, se há uma abertura política para viabilizar, de hoje para amanhã, o levantamento da restrição ao estabelecimento de associações de natureza sindical, é só para as forças de segurança (e, de resto, esta era uma das dúvidas que também já foi colocada, embora de outra maneira, pelo Sr. Deputado Jorge Lacão) e de que não é intenção mínima do PSD permitir o levantamento dessa restrição a outras entidades abrangidas pelo artigo 270.º, nomeadamente as Forças Armadas, os serviços de segurança e outros.
Era, pois, sobre este esclarecimento que pedia que o Sr. Deputado se alongasse um pouco mais, deixando bastante claro o que está aqui em causa no posicionamento do PSD quanto a esta alteração, para que não possa permitir-se, como durante muito tempo foi sendo feito, do meu ponto de vista levianamente, por algumas forças políticas, uma leitura enviesada daqueles que são, por um lado, os constrangimentos constitucionais e, por outro, o posicionamento político dos vários partidos que têm a responsabilidade de concorrer com a maioria qualificada necessária para que a lei ordinária, depois, possa estatuir sobre essas matérias.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da consideração da bancada.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, ouvindo a intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, parece que há aqui um problema de difícil digestão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Toda a gente reconhece!

O Sr. José Barros Moura (PS): - É o tal problema de "engolir ou não o sapo". Trata-se de saber qual é o "sapo" para o PSD: o sindicato da polícia ou estas restrições ao direito à greve?
Entrando, agora, no cerne das questões que quero colocar ao Sr. Deputado Guilherme Silva, estou convencido de que a forma como a proposta…

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Deputado Guilherme Silva não está a ouvir!

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Deputado Guilherme Silva, sei que o senhor está sempre muito atento, mas agradecia que me ouvisse, porque queria colocar-lhe algumas questões.
As questões que quero colocar-lhe relacionam-se com a vossa redacção do artigo 56.º, que, em certos aspectos, me parece que nem com Alka Seltzer será facilmente digerível pelo sistema constitucional em vigor. E explico, desde já, porquê.
O artigo 270.º fornece e define o quadro para as restrições ao exercício de direitos e eu sinceramente não compreendo - esta é a minha primeira questão - por que razão não remetem para o artigo 270.º este tipo de restrições que incluem no artigo 56.º…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O senhor não me ouviu há pouco!

O Sr. José Barros Moura (PS): - Não ouvi, peço-lhe desculpa, mas tive de estar presente noutra reunião da Comissão de Assuntos Europeus, de que sou membro.
Gostaria de obter um esclarecimento quanto a esse ponto, porque parecia-me sistematicamente mais apropriado que as restrições ao direito à greve, a admitir que elas sejam necessárias, fossem aqui incluídas.
Depois, a inclusão deste tipo de restrições no artigo 56.º, a meu ver, coloca dois tipos de problemas.
O primeiro diz respeito às Forças Armadas, possibilitando-se uma interpretação a contrario, segundo a qual as Forças Armadas, as associações representativas de militares das Forças Armadas, pudessem, em alguma circunstância, exercer o direito à greve. Julgo, de resto, que é a essa dificuldade que a versão do PP para o artigo 56.º pretende obstar, ao referir-se a "agentes de forças de segurança de natureza civil".
O segundo tem a ver com a própria titularidade do direito à greve e parece-me constituir uma dificuldade maior. É que a Constituição não define que o direito à greve seja um direito exclusivo das associações sindicais, é a lei que o faz. De resto, até entendo que, nesse ponto, é muito contestável a lei que temos em vigor, pois não compreendo por que é que uma comissão eleita de trabalhadores numa empresa ou uma assembleia de trabalhadores numa empresa não pode decretar a greve.
Sendo assim, a proposta de artigo 56.º feita pelo PSD poderia abrir o caminho a greves informais, a greves decretadas por agentes policiais e agentes de forças de segurança fora do quadro das suas associações sindicais. Como sabem, esse não é um fenómeno estranho no movimento sindical em geral,…

Vozes inaudíveis na gravação.

… o fenómeno das "greves selvagens", nomeadamente em sectores civis, o fenómeno de greves que são decretadas à margem da estrutura sindical.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Barros Moura, dê-me licença que o interrompa, para pedir aos Srs. Deputados que queiram trocar impressões com o Sr. Deputado do lado que o façam num tom um pouco mais ligeiro, porque prejudicam a gravação, e que evitem, na medida do

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possível, os apartes. Se os apartes forem tão importantes quanto isso, não se esqueçam de ligar o microfone, porque, se não, o aparte perde todo o sentido.
Faça o favor de prosseguir, Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Para terminar, e em resumo, a questão que estou a colocar é esta: a inclusão sistemática nos direitos das associações sindicais e contratação colectiva desta restrição do direito à greve à polícia não só não se compagina com o objectivo em si próprio de definir uma verdadeira restrição que seja eficaz como, por outro lado, abre a possibilidade de, por interpretações a contrario, alguém poder sustentar que nas Forças Armadas a restrição não se verifica e que a greve de polícias decretada à margem de uma estrutura sindical poderia ser admissível, o que, de todo em todo, não queremos permitir.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Perguntas ao Deputado Guilherme Silva?!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A matéria justifica-o!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, com a sua autorização e com a estupefacção do Sr. Deputado Jorge Lacão, se todos me permitirem, farei algumas perguntas ao Sr. Deputado Guilherme Silva para tentar esclarecer alguns pontos aqui abordados e que, penso, é conveniente precisar.
A primeira questão tem a ver com o seguinte: o Sr. Deputado Guilherme Silva, com certeza, assistiu ao percurso seguido pelo Partido Socialista no domínio dos direitos sindicais e dos direitos associativos, em geral, das forças de segurança e certamente reparou nas posições sucessivas que o Sr. Deputado Jorge Lacão, na defesa dos interesses do Partido Socialista, tomou, o que lhe permitiu ter posições curiosíssimas, posições de evolução, de degrau em degrau, digamos, tendo, em determinada altura, aceite que a boa solução era uma, tendo-a justificado inclusivamente e tendo feito com que a posição do Partido Socialista parecesse ter cristalizado naquilo que era entendido como uma solução de acordo e compromisso.
Depois, por pressões alheias, a que não são estranhos, como é evidente, os argumentos do PCP, brilhantemente defendidos, aliás, pelo Sr. Deputado do PCP aqui presente, o Sr. Deputado Jorge Lacão foi arrastado na "onda" e deixou inclusivamente de ter o domínio do "barco". E, quando o Sr. Deputado Jorge Coelho foi Ministro da Administração Interna, então, assistiu-se ao "naufrágio" completo, isto é, os argumentos do PCP entraram no "barco", como se fossem uma "onda majestosa", submergiram completamente as concepções que o Partido Socialista há algum tempo vinha defendendo e tornou-se difícil de entender, do ponto de vista dos princípios, a diferença que havia entre o Partido Socialista e o PCP.
Não fosse o PCP, Sr. Deputado Guilherme Silva, lembro-lho, apresentar o tal projecto que permitia que, de facto, as associações sindicais, como era natural… E eu próprio, uma vez, interroguei o Sr. Ministro Jorge Coelho, no Plenário, acerca desta matéria. Recordo-me perfeitamente de, no meio de uma grande discussão, me ter virado para o Ministro Jorge Coelho e lhe ter perguntado por que é que ele, na sua lógica, não queria sindicatos inteiros, verdadeiros e próprios, com todos os direitos que lhes são inerentes, inclusivamente com o direito à greve. E o Sr. Ministro Jorge Coelho, aí, ficou sem resposta. Ficou sem resposta, porque, do ponto de vista da concepção do Partido Socialista, havia aqui um "buraco negro". Aí, começaram a fazer-se sentir algumas dificuldades. Foi então que, bravamente, o Partido Comunista avançou com a clarificação da situação: de facto, para haver um sindicato, tem de haver um direito à greve. Aí, é evidente que a questão ficou num impasse.
O impasse não é apenas, Sr. Deputado Guilherme Silva, lembro-lhe e com certeza V. Ex.ª terá isso presente, por uma falta de consideração do PSD em relação a qualquer direito de qualquer pessoa ou de qualquer organização. Não! É por um excesso de atenção que temos aos direitos dos portugueses em geral. E como nós temos de defender os portugueses em geral e preocupar-nos um pouco menos com os direitos dos lobbies - aqui, no bom sentido, como é evidente -, as forças de pressão, os interesses das associações profissionais, por mais importantes que eles sejam, temos de estabelecer o equilíbrio. E, estabelecendo o equilíbrio, entendemos que a nossa posição não pode ser outra que não esta.
Dizem vários Srs. Deputados que o artigo 56.º…

O Sr. Jorge Lacão (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Como, Sr. Deputado Jorge Lacão?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Obrigado pela interrupção, Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Era só para deixar registado em acta o seu sorriso perante as suas próprias palavras.

Risos.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, eu sorri perante a sua aflição, Sr. Deputado Jorge Lacão.

Risos.

E sorri perante a sua aflição, porque V. Ex.ª teve de se levantar e de andar de um lado para o outro para conseguir admitir que o mundo evoluiu desta maneira e não daquela ideal que V. Ex.ª pensava!
Como dizia, é claro que alguns Deputados levantaram o problema do exercício do direito à greve e, mais, fizeram aqui uma alusão ao problema importante de saber se - e lembro o Sr. Deputado Guilherme Silva de que se trata de um problema importantíssimo -, com este artigo, o PSD é capaz de complicar a questão em relação aos militares. Esta

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é uma pergunta importante! Será que o PSD teve esta intenção perversa de restringir os direitos em relação às associações das forças de segurança…

O Sr. José Barros Moura (PS): - É preterintencional, Sr. Deputado!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - … e permitir uma ampliação de direitos em relação às Forças Armadas? O Sr. Deputado Guilherme Silva dir-me-á certamente que não!

Risos do PS.

Espero que me diga que não! Melhor: estou certo de que me dirá que não! E isto por uma razão simples: porque em todos os projectos, inclusivamente nos do Partido Socialista, de alteração ao artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, diz-se que os militares não são considerados trabalhadores para efeitos do gozo dos direitos previstos na Constituição.
Ora, por isso mesmo, há aqui uma consideração especial que VV. Ex.as nem sequer tiveram em conta, porque, se a tivessem em conta, das duas uma: ou caminhavam para uma posição também já anunciada pelo PCP, que já concorda com sindicatos das forças de segurança, com o direito à greve, considerando que também se devem encarar nas Forças Armadas…

Vozes do PSD: - A GNR é o passo seguinte!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - … e, no ínterim, na GNR, com certeza, que é, digamos assim, um tertium genus, na ideia do PCP, e quer clarificar também, fazendo aqui uma força civilística…
Como dizia, se a questão é tratada desta forma no artigo 270.º, isto é, se este artigo permite aquilo que depois é substancialmente esclarecido na Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, razão pela qual o tratamento tem, de facto, de ser distinto em relação às forças de segurança, o Sr. Deputado Guilherme Silva dir-me-á que estão a fazer aqui uma confusão propositada para tentar diminuir a força do artigo 56.º que propomos. O Sr. Deputado Guilherme Silva, triunfante, dirá que, na verdade, o nosso artigo 56.º tem uma redacção muito mais inteligente, muito mais perfeita, muito mais abrangente e que resolve todas as contradições que, entretanto, o PS, entre si mesmo, conseguiu inventar e esclarecer!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições para intervir no debate, mas há uma inscrição do Sr. Deputado Jorge Lacão para defesa da honra, a quem vou dar a palavra. No fim, darei a palavra ao PSD, designadamente ao Sr. Deputado Guilherme Silva, para responder às questões colocadas.
Entretanto, quero chamar a atenção para o facto de que, com essa intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva, teremos terminado esta fase, porque, caso contrário, entramos na discussão, que não é o que se pretende. Neste momento, estamos numa primeira leitura, que consiste na apresentação dos projectos e formulação de perguntas; naturalmente, tendemos a afastarmo-nos disso, mas compete à Mesa fazer uma orientação dos trabalhos que seja razoavelmente sensata.
Começo, então, por dar a palavra ao Deputado Jorge Lacão, para defesa da honra, a que se seguirá o Deputado Guilherme Silva, para responder a todas as questões, e a bancada do PSD, para responder ao Deputado Jorge Lacão, na medida em que o julgar necessário.
Tem a palavra, Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, tive ocasião, tal como, depois, um outro colega meu de bancada, de dirigir questões ao Sr. Deputado Guilherme Silva. Essas questões foram acompanhadas por um conjunto de observações, algumas das quais considero terem alguma contundência política, porque, do nosso ponto de vista, exprimem uma clara divergência histórica de posição assumida no percurso para a defesa dos direitos, designadamente das forças de segurança, no que tem sido o comportamento do PS nesta matéria e no que tem sido o comportamento do PSD: pela nossa parte, visando o aprofundamento desses direitos participativos, pela parte do PSD, sistematicamente visando obstaculizar o exercício desses direitos participativos.
Em todo o caso, tudo o que disse, e independentemente da contundência política, foi feito, como, aliás, é meu timbre, nos limites da cordialidade e da contenção.
Por isso, quero protestar vivamente, o que não acontece pela primeira vez, pois, infelizmente, já tive de o fazer na última sessão, pela circunstância de o Sr. Deputado Marques Guedes não saber distinguir o que é o sentido do confronto e até da conflitualidade de ideias para rapidamente os transpor para a lógica da ofensa pessoal, não apenas a mim, como a todos os Deputados desta bancada. É que mandar-nos tomar Alka-Seltzer, acusar de atitude leviana quem sustenta pontos de vista que, aliás, fundamenta plenamente e que são expressos em pareceres de causídicos que vão ter ocasião de se pronunciar nas audições previstas, nesta própria Comissão, e que vão inteiramente na linha do nosso próprio pensamento, dizer este tipo de aleivosias releva evidentemente de uma atitude de arrogância que transvasa para a agressividade pessoal.
Quero solicitar, cordialmente, ao Sr. Deputado Marques Guedes e aos restantes Srs. Deputados do PSD que procurem evitar esse tipo de métodos, porque, obviamente, não são eles que nos ajudarão a ponderar com serenidade as melhores soluções para o que está em causa. O PSD avançou com uma proposta, a qual, pelo que já dissemos, no conjunto das questões que colocámos, do ponto de vista da sua razoabilidade técnica, não nos merece acolhimento.
Fomos já indiciando soluções para superar aquilo que consideramos ser um bloqueio da parte do PSD, mas, em todo o caso, revelando uma atitude construtiva da nossa parte no sentido de demonstrar abertura para encontrar uma solução técnico-constitucional mais adequada, que varra de vez este contencioso do nosso horizonte de discussão.
O PSD deveria ter isto em consideração e procurar conhecer, então, também os argumentos e os fundamentos da posição do PSD para procurarmos uma solução de entendimento. Foi, aliás, com este espírito que coloquei as questões ao Sr. Deputado Guilherme Silva e é com este espírito que quero acreditar que o Sr. Deputado Guilherme

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Silva me responderá, procurando que este incidente não mais tenha lugar nos trabalhos desta nossa apreciação desta revisão.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, de facto, o senhor fez bem em lembrar o que se passou na última reunião. É que não vale a pena o senhor tentar insinuar que há aqui tomadas de posição de natureza pessoal com o estrito intuito de tentar inibir as intervenções do PSD! Não vale a pena, pois não vai resultar e isso só fará com que o senhor caia no cansaço de, reunião após reunião, ter de se fazer de ofendido, ter de se fingir de vítima, à semelhança daquilo que é hábito em alguns dirigentes do Partido Socialista. Mas, sinceramente, não "cola", não "pega"!
Toda a gente, nesta sala, percebeu que não houve aqui qualquer tipo de ofensa pessoal. Houve um considerando, que, ainda por cima, até podia ser meramente jocoso mas, por acaso, não é, porque, do meu ponto de vista, corresponde integralmente à verdade e, se alguma conclusão se pode retirar desta meia hora que levamos sobre esta matéria, é a de que, de facto, alguns Deputados do Partido Socialista são masoquistas, sabem já que vão ter de votar favoravelmente esta alteração, mas continuam a ter dificuldade em "engoli-la", em demonstrar que precisam de Alka-Seltzer para a "engolir"!
O que é que o senhor quer que lhe diga? Se considera que isto é uma ofensa pessoal é porque o senhor se está a autocolocar numa posição de resistência que não faz qualquer sentido em termos políticos, porque é de matéria política que estamos aqui a tratar!
Na sua defesa da consideração, o Sr. Deputado falou também de uma divergência histórica. Sobre isso, quero só dizer-lhe o seguinte: pelos vistos, a História já não é o que era, para os lados do PS, porque, de facto, como o Sr. Deputado Carlos Encarnação há pouco recordou, o PS defendeu tudo e mais "um par de botas" sobre esta matéria, ao longo do tempo!
Para que não haja aqui mais vitimizações, recordo-me que, há cerca de dois anos, o Partido Socialista chegou a defender, em escritos, que, para se criar um sindicato da polícia, nem sequer era preciso o voto favorável do PSD, porque, como se tratava do levantamento e não da imposição de uma restrição de direitos, não era necessária uma maioria de dois terços para nada!… Chegámos ao cúmulo de ouvir - e a palavra é sua - "aleivosias" destas!
Não venha, pois, fazer-se de vítima, tentar autoflagelar-se para parecer que o mau da fita, nesta matéria, é o PSD! O PSD está a defender aquilo que sempre defendeu, está a recordar aquela que é uma inevitabilidade política, depois das posições que assumimos relativamente a este processo de revisão constitucional extraordinária. Se o PS insiste em vitimizar-se, não sei qual é o seu intuito, mas seguramente que não conseguirá, com isso, passar aos Deputados do PSD e a mim, particularmente, o libelo de estarmos a querer ofender a honra, a dignidade, a consideração ou o que quer que seja, dos Deputados do PS! Nunca o fiz!
Termino dizendo apenas, como o Sr. Deputado Jorge Lacão bem sabe, pois já me conhece há alguns anos, que estou convencido de que não é essa a razão do seu pedido de defesa da consideração, mas também lhe quero dizer, com toda a clareza, que, se porventura se sentiu, de facto, pessoalmente ofendido, espero que aceite as minhas desculpas, pois não era essa a minha intenção.
Agora, quero crer, e já na última reunião o vi, que essa sua posição nada tem a ver com um sentimento íntimo, pessoal, de que o senhor tenha qualquer tipo de dúvida sobre uma ofensa da nossa bancada à sua e, muito menos, à sua pessoa. Tem, sim, a ver com uma postura de autoflagelação que os senhores têm vindo a adoptar, esta semana, aqui, na CERC, que não compreendo e que, sinceramente, considero que, com o andar dos trabalhos da Comissão, só se virarão contra os senhores, pois, de facto, vão ter de engolir o Alka-Seltzer, o Rennie e tudo o resto, pelo que não percebo muito bem por que é que tomam este tipo de posições!

O Sr. Presidente: - Para encerrar este ponto da ordem de trabalhos, dou a palavra ao Sr. Deputado Guilherme Silva, para responder às questões que lhe foram colocadas, na medida em que o julgar útil e necessário.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, antes de entrar propriamente nessa tarefa, quero registar aqui dois aspectos. Em primeiro lugar, esta referência a Alka-Seltzer que acabou por ser retirada do que disse o Sr. Deputado Marques Guedes vai parecer-me insuficiente noutra fase dos nossos trabalhos, porque esta discussão foi um pequeno "sapo", mas, aquando da votação, que VV. Ex.as estão obrigados a fazer, há-de ser um "elefante" e, nessa altura, o Alka-Seltzer não vai chegar!
Em segundo lugar, quanto às questões colocadas, é preciso lembrar alguns aspectos para registo da posição de cada um nesta matéria do sindicato da polícia. Tenho para mim que ao Partido Socialista, e perdoar-me-ão esta interpretação, mas são os dados de que disponho e tenho o direito de fazer a minha interpretação, fez muito jeito que o PSD, conscientemente, tivesse levantado esta questão de a aprovação de um sindicato da polícia trazer, como "cavalo de Tróia", o reconhecimento, no Estado constitucional vigente, do direito à greve.
O Partido Comunista estava muito bem consciente do que estava a patrocinar e acabou até por o assumir com toda a clareza. O Partido Socialista foi atirando o ónus da não viabilização do sindicato da polícia para o PSD - aqueles "maus" que exigem uma revisão constitucional! -, e nunca lhes passou pela cabeça que, nesta oportunidade, iríamos clarificar as coisas.
O PS vai deixar de ter esse alibi e já não pode mais apontar o dedo ao PSD por entravar o sindicato da polícia! Mas fica para a história que nós, conscientemente, aceitamos e assumimos a aprovação do sindicato da polícia que não seja um "cavalo de Tróia", porque, como dizia o Sr. Deputado Carlos Encarnação, temos a maior das considerações pelos direitos dos agentes da PSP, mas temos, antes disso, a obrigação de defesa dos portugueses.
Ora, se esta é uma questão preocupante em todos os momentos e em todos os lados, no momento que o País atravessa, em matéria de segurança, essa questão ainda

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exige de todos nós uma responsabilidade acrescida. Adoptamos, portanto, muito confortavelmente esta posição e vamos pôr termo a esta questão, e o Partido Socialista não terá mais alibis, não terá mais justificações, não "apontará mais o dedo" ao PSD como entrave ao reconhecimento do sindicato da polícia, mas só ao reconhecimento do sindicato da polícia sem "trazer às cavalitas" o direito à greve. Que isto fique claro de uma vez por todas.
Em relação aos problemas de carácter técnico-jurídico, constitucional e de rigor, que admito que se possam colocar à redacção que propomos - todas as questões levantadas quer pelo Sr. Deputado Jorge Lacão quer pelo Sr. Deputado Barros Moura foram no sentido de que estamos perante um direito individual dos trabalhadores (o direito greve) e de que esta fórmula envolve aqui a questão numa perspectiva de associações sindicais, porque a nossa lei ordinária também faz regular o exercício do direito à greve em função das intervenções das associações sindicais - não nos repugna, se VV. Ex.as tiverem nisso uma preocupação maior, designadamente em sede do artigo 57.º, que se faça um aditamento a esta questão, esclarecendo que esta perspectiva restritiva, no que diz respeitos às forças de segurança, se coloca quer no âmbito das associações sindicais integradas por essas forças de segurança quer no âmbito individual dos trabalhadores que têm esta qualidade de agentes de segurança.
Não temos, portanto, qualquer obstáculo a que essa clarificação seja feita e que o universo fique claramente abrangido por esta restrição.
Quanto à sede em que colocamos esta restrição, a questão sistemática dos artigos 56.º e 270.º, em primeiro lugar, não queríamos o "cavalo do Tróia" na legislação ordinária e não queremos o "cavalo do Tróia" na Constituição. Ou seja, não queremos que, ao colocar esta restrição do direito à greve no universo do artigo 270.º, designadamente em relação militares, que, implicitamente, se dissesse: "Cá está, finalmente aceita-se o sindicato nas Forças Armadas". Aí, meus senhores, o PSD não aceita sindicato nas Forças Armadas, o PSD não aceita sindicato na GNR. Fiquemos esclarecidos quanto a essa matéria.
E O PSD não vai permitir, ao abrigo de uma alteração constitucional menos cautelosa quanto a essa matéria, essa extrapolação, sendo certo que se trata, em qualquer caso, de legislação num domínio em que é necessária uma maioria de dois terços para a sua aprovação. Também aí, estejam tranquilos, não vão ter o voto do PSD em qualquer desvio relativamente a esta questão.
No que diz respeito às questões colocadas pelo Sr. Deputado António Filipe, tenho de prestar aqui uma homenagem, porque o PCP é perfeitamente coerente nas suas posições desde sempre, embora elas tenham ficado melhor clarificadas mais recentemente quando, em letra de lei, propôs o reconhecimento expresso do direito à greve ao sindicato da PSP.
Relativamente a esse seu argumento de que, tarde e mal, o PSD aceita o reconhecimento do sindicato porque a Europa toda já tem sindicatos, há uma questão que gostaria de referir. Respeito a habilidade do Partido Comunista no uso deste argumento, mas o problema é que esses países da Europa onde são reconhecidos os sindicatos não têm a nossa Constituição!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Nem têm o nosso PCP!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Ora, não tendo a nossa Constituição não têm, por arrastamento no reconhecimento do sindicato, o reconhecimento do direito à greve. Esta é a questão.
A propósito destas referências, destas incursões pela Europa que o PCP faz quando lhe dá jeito, lembro-lhe esta situação engraçada, Sr. Deputado: quando houve aquela manifestação da PSP, no Porto, a que se seguiu a deposição das armas pela PSP a nível nacional, a Associação Socioprofissional da PSP fez deslocar a Portugal alguns dirigentes sindicais de congéneres da Europa. E lembro-me de um dirigente de um sindicato alemão, que, supostamente, vinha dar apoio àquela situação, ter proferido declarações exactamente em sentido contrário, ao dizer: "Uma manifestação destas? A deposição das armas na Alemanha? Nem pensar! Alguma vez podíamos fazer uma coisa destas…" E têm lá um sindicato, Sr. Deputado António Filipe!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas não têm o Governo PS!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O problema é que têm outro governo e, por vezes, nestas coisas, sai o "tiro pela culatra"… Às vezes estas coisas saem ao contrário e até quem está solidário espanta-se com as coisas com as quais acaba por não poder ser solidário!
Em relação à questão que o Sr. Deputado levantou acerca da Polícia Judiciária, é óbvio que a Polícia Judiciária tem outro estatuto que não tem a PSP, e nós não pretendemos alargar essa restrição à Polícia Judiciária.

O Sr. António Filipe (PCP): - E também não ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, presumo!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Lembro-lhe que esta é uma questão da lei, porque também aqui é exigida uma maioria de dois terços para aprovar esse tipo de legislação. E o PSD adoptará sempre a posição que considerar adequada nessas circunstâncias.
Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Barbosa de Oliveira, penso que V. Ex.ª, como sindicalista, devia ter a noção daquilo que eu quis dizer em relação a eventuais restrições que se podem colocar em corpos especiais da PSP.
O Sr. Deputado considera que os agentes do GOE (Grupo de Operações Especiais), por exemplo, ou os agentes que têm a seu cargo a segurança pessoal de órgãos de soberania podem beneficiar do estatuto comum dos trabalhadores em determinado tipo de situações, podem ser titulares de determinadas funções a nível sindical que envolvem determinadas dispensas e determinadas facilidades que são incompatíveis com as missões que a esses grupos especiais são confiadas?
Essa é uma questão que tem de ser ponderada. É evidente que, tratando-se de restrições de direitos, a questão tem de ser ponderada "com pinças". Mas é uma realidade que se distingue esses corpos e essas missões do comum das funções da PSP, o que tem reflexos a este nível.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O Sr. Deputado Barbosa de Oliveira não tinha pensado nisso!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A mesma linha de preocupações com o respeito pelos direitos dos agentes da PSP, mas, previamente, com as garantias de segurança no quadro constitucional dos portugueses, também aí está presente, e o PSD não abdica destas preocupações. Espanta-me muito que o Sr. Deputado, como sindicalista e como Deputado, não tenha presente a necessidade destas preocupações.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - São excepções na excepção!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - São excepções, Sr. Deputado, por isso é que eu disse que há alguns casos especiais.
O Sr. Deputado Barros Moura levantou aqui um outro problema, o de a redacção por nós proposta, apesar de sediada no artigo 56.º, poder inculcar a contrario uma ideia de que, se só estabelecemos aqui a previsão da restrição do direito à greve por parte das forças de segurança, queremos dizer que em relação aos militares essa questão não se coloca, ou que a redacção do PP…

O Sr. José Barros Moura (PS): - Há no caminho interpretações erradas.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - … acautelava essa realidade e nós não.

O Sr. José Barros Moura (PS): - A redacção do PP só a compreendo assim!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barros Moura, para efeitos de gravação, seria melhor que o Sr. Deputado solicitasse ao Sr. Deputado Guilherme Silva autorização para o interromper. O Sr. Deputado Guilherme Silva certamente lha dará, ou não, consoante entender, porque nada ganhamos com apartes feitos dessa maneira.
O Sr. Deputado Guilherme Silva dá autorização ao Sr. Deputado Barros Moura para o interromper?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Dou, com certeza, Sr. Presidente!

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, simplesmente gostaria de dizer que não concordo com essa interpretação, mas penso que quando se faz uma revisão constitucional se deve "blindá-la" contra más interpretações.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado, o PP propõe e esclarece que a lei poderá prever restrições de associações integradas por agentes de força de segurança de natureza civil, designadamente do direito à greve.
Ora, quando o PP procede desta maneira, eventualmente com o intuito de dizer que em relação à GNR e aos militares essa questão não se coloca, permite exactamente a interpretação contrária. Estamos perante uma norma negativa, uma norma de restrição. Se digo que restringe só as forças de natureza civil, então, dá a impressão que às outras forças fica autorizado o direito à greve. Não nos devemos esquecer que estamos perante uma norma de restrições; estamos a restringir e, portanto, aí sim, poderia ocasionar-se essa interpretação perversa que a redacção do PP, que não a nossa, podia proporcionar.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Deputado, exactamente porque se trata de uma excepção (uma vez que o artigo 56.º da vossa proposta é uma excepção), é que a possibilidade de interpretações a contrario se suscita, conjugando a redacção do n.º 5 do artigo 56.º com o artigo 270.º, o qual se refere genericamente a militares, a forças militares, militarizadas e forças e serviços de segurança.
Exactamente pelo fundamento com que está a criticar a proposta do CDS-PP, é que entendo que se pode criticar a proposta do PSD, inserida no artigo 56.º. Eu contestaria interpretações desse género, mas julgo que devemos "blindar" a revisão constitucional contra tal possibilidade. É, pois, esse o sentido da minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Neste caso particular, o Sr. Deputado Barros Moura converge nas preocupações do PSD. Que fique clara a razão por que não inserimos esta alteração no artigo 270.º. É que a título algum queremos admitir que fique na Constituição a ideia de um sinal de abertura à constituição de sindicatos em forças militarizadas e nas Forças Armadas.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, sei que há pouco o Sr. Presidente disse que daria a palavra ao Sr. Deputado Guilherme Silva com vista a encerrar este debate, mas também quero apelar ao Sr. Presidente para a circunstância de estarmos em sede de pedidos de esclarecimento. Com efeito, a resposta do Sr. Deputado Guilherme Silva suscitou-me dúvidas que gostaria de esclarecer, e penso que a oportunidade é mesmo esta.
Assim sendo, peço a palavra para fazer um pedido de esclarecimento complementar ao Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, disse há pouco, e sublinhei, que não havia mais inscrições e que iríamos encerrar este debate com a intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva para dar explicações, respostas e esclarecimentos.
No entanto, se houver consenso de todos… Mas se entramos aqui em intervenções finais e, depois, em novos pedidos de esclarecimento e novas respostas, então, ficamos aqui o dia todo!
Em todo o caso, se houver consenso das bancadas, a Mesa não porá restrições. Só que, dando a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão, tenho de a dar a outros Srs. Deputados que a peçam para o mesmo efeito.

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Uma vez que verifico que há consenso, mais alguém deseja pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Guilherme Silva? Que fique bem claro que vamos terminar.
Dado que mais ninguém quer pedir a palavra, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão, peço-lhe que seja tão conciso quanto possível para não eternizarmos este debate.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não eternizamos, mas são só 11 horas e 30 minutos, Sr. Presidente!
Sr. Deputado Guilherme Silva, a primeira observação que faço neste contexto é para chamar-lhe a atenção para o seguinte: não faz sentido que o Sr. Deputado e a bancada do PSD venham dizer que não estão abertos a qualquer outra hipótese de resolver o problema, se ainda nem se sabe se, no decurso destes debates, ocorrerá ou não outra proposta, designadamente em sede do artigo 270.º.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas eu não disse isso!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Acabou de dizer.
Srs. Deputados, se não fizesse sentido a nossa reflexão em conjunto nem as audições que vamos realizar para encontrar uma solução consensual, todo este trabalho seria uma farsa. Ora, eu quero acreditar que não o será, assim apelo ao Sr. Deputado Guilherme Silva que mantenha o espírito aberto com vista a encontrar uma solução consensual que permita acolher algumas das preocupações que o Sr. Deputado Guilherme Silva aqui traduziu e que, eventualmente, as possa acolher de forma até mais concisa, precisa e constitucionalmente mais correcta. Peço-lhe é que não diga, à cabeça e perante um abstracto de proposta, que não está de todo disponível para ponderar o que quer seja!
Como já percebeu, pela parte do PS há disponibilidade para encontrar uma solução, embora não nos tenhamos "amarrado", em concreto, a qualquer articulado, particularmente à formulação de articulado que o PSD aqui propôs. Portanto, nem vale a pena discutir se estamos a falar de "sapos" ou de "elefantes", porque o que aqui estamos a discutir é o mérito da questão e é à volta desse mérito que peço ao Sr. Deputado Guilherme Silva o favor de considerar as minhas dúvidas.
Primeira dúvida: o Sr. Deputado Guilherme Silva já admitiu, na sua resposta, que o exercício do direito à greve bem compreendido na sua genética constitucional não é um direito institucional, é um direito originário dos trabalhadores e, tendo admitido isto, até já revelou disponibilidade para rever a sua própria formulação inicial.

O Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD): - Então, não é verdade que não tenha tido abertura!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Guilherme Silva, ainda não fiz a pergunta.
Sendo assim, gostava que o Sr. Deputado Guilherme Silva me ajudasse a explicar como é que com esta compreensão - que me parece correcta -, a partir do momento em que, eventualmente, se consagrasse um artigo 56.º do tipo que o PSD está a propor, onde é que encontraríamos, na interpretação sistemática e harmoniosa da Constituição, a credencial constitucional que justificasse uma preocupação que explicitou, a de não aceitar em caso algum sindicato nas Forças Armadas e, portanto, o exercício do direito de greve nas Forças Armadas. Quanto a esse propósito, estaremos de acordo.
A questão é de tecnicidade constitucional: saber, Sr. Deputado Guilherme Silva, onde é que, face às soluções que nos está a propor, encontraria depois credencial constitucional expressa e inequívoca para dizer que está na Constituição a manifesta proibição do exercício do direito sindical ou do exercício do direito de greve, fora do sindicato, por parte das forças militares.
Sr. Deputado Guilherme Silva, esta questão - e, seguramente, estaremos de acordo neste ponto - é inteiramente sensível. E, sendo inteiramente sensível, não pode dar lugar, como o Sr. Deputado do PS há pouco estava a referir, a ambiguidades interpretativas.
Por outro lado, o Sr. Deputado Guilherme Silva afirmou o seguinte: "Também não queremos que resulte qualquer ambiguidade quanto ao facto de o PSD não aceitar, a título algum, sindicatos na GNR". Sr. Deputado, independentemente do que o PSD e os outros partidos pensarem sobre esta questão, estamos só a reflectir em sede constitucional. E o que o Sr. Deputado referiu como fundamento da sua posição parece-me ser contraditório com o articulado que nos propõe. É, pois, esta dúvida que eu gostaria de ver esclarecida.
No articulado proposto - n.º 5 do artigo 56.º - refere-se que "A lei pode estabelecer restrições ao exercício dos direitos (…)". Portanto, há uma faculdade estabelecida, há uma credencial para o legislador a fim de estabelecer restrições ao exercício de direitos. Do quê? "de associações sindicais integradas por agentes de forças de segurança, (…)". Ou seja, o texto proposto, na medida em que permite ao legislador restringir exercícios de direitos de associações sindicais, ao mesmo tempo, como é apresentado, consagra a existência de associações sindicais integradas por agentes de forças de segurança, sem distinguir.
Repare no seguinte: quando o Sr. Deputado afirma, peremptoriamente, que não aceita sindicatos na GNR, o que está a dizer tem o valor político que tem, mas não corresponde ao texto que nos propõe, porque o que resulta dele é o reconhecimento constitucional que mesmo que a lei restrinja o exercício de direitos, em todo o caso, as associações sindicais são integradas por agentes de forças de segurança de uma forma universal. É o que resulta do seu texto.
No fundo, quero que o Sr. Deputado Guilherme Silva me ajude a compreender se não repara que na fórmula do PSD há uma contradição entre o fundamento e a consequência. Ou seja, se os Srs. Deputados não querem sindicato na GNR, não podem encontrar uma fórmula constitucional segundo a qual acabaria por ser reconhecida associação sindical integrada por agentes das forças de segurança, sem distinção da natureza dessas forças de segurança. Portanto, a meu ver, há aqui uma contradição na vossa própria posição.
A minha dúvida vai no sentido de saber, por um lado, onde é que encontra a credencial constitucional para explicar claramente que está proibido o exercício de certo tipo

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de direitos, designadamente a greve às Forças Armadas, face à leitura que tem estado a fazer deste tipo de desenquadramento, e, por outro lado, onde é que encontraria a credencial constitucional para, em sede constitucional, impedir a existência de uma associação sindical para a Guarda Nacional Republicana.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão "agarrou-se" ao artigo 56.º e esqueceu o resto da Constituição, que tem obrigação de conhecer e, aliás, até citou algumas disposições. E essa interpretação de que ao proibir-se o direito à greve de associações sindicais integradas por agentes da forças de segurança extrapolar no sentido de que tal envolve o reconhecimento universal de que todas as forças de segurança podem ter associações sindicais, é uma interpretação completamente abusiva porque isolada em relação ao resto da Constituição!
O Sr. Deputado tem o artigo 270.º da Constituição que permite a restrição a esse tipo de direitos, designadamente às forças de segurança, restrição essa que foi exercida! Portanto, é evidente que isto só pode funcionar na medida em que a lei ordinária levante a restrição e no caso pontual em que não houver restrição. Não pode ser de outra forma! As coisa não se passam no "ar", a ordem jurídica não é algo que tenha esses hiatos, até porque não os há, porque eles têm de ser sempre preenchidos.
De facto, V.ª Ex.ª esquece o artigo 270.º e esquece a habilitação que decorre da alínea o) do artigo 164.º da Constituição, na qual se refere que é reserva de lei estabelecer estas restrições. Portanto, V. Ex.ª tem habilitação constitucional bastante para o fazer.
É evidente que não pode esquecer estas disposições articuladamente por um lado, e a lei ordinária por outro! E não pode fazer esse salto, até porque se estamos no domínio das restrições não é possível nem admissível que V.ª Ex.ª entre em interpretações de ziguezague, ampliativas num momento e menos ampliativas noutro. É evidente que isto tem sentido para aquelas associações ou sindicatos que forem, em função do quadro constitucional e em função da lei ordinária decorrente desse quadro constitucional, reconhecidos e aceites.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Guilherme Silva, se me permite a interrupção, certamente estará de acordo comigo quanto a dois pontos: primeiro, quando se tratar de norma restritiva, não há lugar a interpretação restritiva. Esta é uma boa técnica interpretativa.
Segundo, no quadro interpretativo geral da Constituição, a solução proposta pelos senhores para o artigo 56.º seria, obviamente, uma norma especial, porque dirigida às forças de segurança, face à norma geral do artigo 270.º.
Ora, como o Sr. Deputado bem sabe, na lógica e na boa regra interpretativa, norma especial prevalece sobre norma geral. Assim, se se estabelecesse em norma especial que há associações sindicais integradas por agentes de forças de segurança sem discriminar entre elas, tal asserção, enquanto inserida numa norma especial, vale sobre a norma geral, daí resultando que o Sr. Deputado deixaria de ter credencial constitucional para dar ao legislador ordinário condições de impedir a existência de associações sindicais num conjunto de forças de segurança face a outras forças de segurança. É este o problema que levanto face a esta lógica interpretativa que acabei de lhe formular.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, peço desculpa, mas discordo frontalmente da forma como está a fazer essa interpretação, porque V.ª Ex.ª esquece-se sempre que isto é se e quando houver associação sindical permitida pela lei, e neste momento está proibida.
Portanto, V.ª Ex.ª, não pode extrapolar para esta situação…

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Onde é que está proibida?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado, os artigos 270.º e 164.º, n.º 9, permitem ao legislador ordinário introduzir esse tipo de restrição.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Deputado disse bem: "permitem" e não proíbem. Só "permitem"!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado, nós somos muito claros quanto a isso! Há aqui uma articulação entre a Constituição e uma legislação que exige uma maioria de dois terços, e esses dois terços implicam o voto do PSD. Ora, com o voto favorável do PSD, V.ª Ex.ª nunca irá ter sindicatos nas Forças Armadas, nem em forças de segurança militarizadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a apresentação das propostas sobre o artigo 56.º.
Passamos agora à apresentação das alterações propostas para o artigo 118.º (Princípio da renovação).
Por enquanto, ainda não temos a presença de qualquer representante do CDS-PP, pelo que (enquanto essa presença não se verificar) iremos resumir os trabalhos ao que é possível: a apresentação, pelo PSD, do seu texto de alteração ao artigo 118.º
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 118.º (Princípio da renovação), o Partido Social Democrata propõe um aditamento ao n.º 2 que permitirá, uma vez aprovado, que a lei possa "estabelecer limites à renovação sucessiva do mandato dos titulares de cargos políticos e do exercício de altos cargos públicos, com natureza executiva e duração certa".
De uma forma breve, vou tentar explicitar as razões que motivaram esta proposta do Partido Social Democrata.
Em primeiro lugar, estamos aqui perante uma das expressões do princípio republicano, que tem, aliás, consagração no actual artigo 118.º, que não permite o exercício vitalício dos mandatos de cargos políticos.
Em nosso entender, a evolução do regime democrático, na pendência da Constituição de 1976 e sucessivas

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alterações aí introduzidas, aconselha a que, neste momento, avancemos com a proposta que agora formulamos. Assim, o que está em causa é um aperfeiçoamento em relação ao regime e ao sistema político que temos, na medida em que temos verificado - e não podemos fechar os olhos a esse facto - que, em determinadas circunstâncias, a não limitação do número de mandatos sucessivos a que determinados cidadãos podem candidatar-se tem levado, como consequência, a uma perversão do sistema.
Estamos ou podemos estar perante situações que têm sido, aliás, denunciadas na opinião pública e que, não sendo exclusivas em Portugal, são situações cuja expressão pretendemos limitar em Portugal.
A necessidade de consagrar esta norma no texto constitucional é evidente se tivermos em conta o que está previsto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, ou seja, para haver uma limitação deste tipo temos de consagrar expressamente na Constituição esta mesma limitação.
Em segundo lugar, entendemos que o que está aqui em causa é uma situação muito concreta. Estamos a falar de limitação de mandatos para o exercício de cargos executivos e altos cargos públicos, com duração certa. E queremos com isto dizer que há situações - e o caso mais flagrante é, por exemplo, o do Primeiro-Ministro - em relação às quais entendemos que essa limitação não deve vigorar na Constituição.
Em rigor, o caso do Primeiro-Ministro não cabe dentro da previsão do n.º 2 que propomos para o artigo 118.º, na medida em que, como é sabido, a subsistência no cargo de Primeiro-Ministro não tem uma mas, sim, duas condicionantes do ponto de vista político, uma vez que depende do Presidente da República e de uma maioria parlamentar.
Portanto, o que se pretende é tão-somente permitir que a lei, no futuro, possa prever uma limitação para cargos políticos executivos e, desse modo, uma renovação que é desejável no sistema democrático. Ou seja, há que prevenir situações de perpetuação no poder, embora legitimadas democraticamente, com recurso a mecanismos que não são salutares para o regime democrático, designadamente através de afloramentos de caciquismo e de exercício de poder que, crescentemente, têm - para não dizer chocado - incomodado largos sectores da população e da opinião pública em Portugal.
Não desconhecemos que uma solução deste género tem vantagens e desvantagens, e não emprestamos a esta solução um cúmulo de vantagens total. No entanto, na ponderação que fazemos das vantagens e das desvantagens entre a situação actual ou a possibilidade de a lei fazer a limitação dos mandatos, inclinamo-nos, de forma clara, para fazer prevalecer uma renovação que opere de forma legal, porque entendemos que ela é positiva para o regime, para o exercício destes cargos e para a forma como os cidadãos olham o exercício destes cargos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gil França.

O Sr. Gil França (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, depois de ouvir a sua explicação fiquei com alguma dúvida porque, inicialmente, me pareceu que esta limitação de mandatos abrangeria todos os titulares de cargos públicos em funções executivas. Naturalmente, pensei que também o cargo de Primeiro-Ministro fosse uma função executiva, mas fiquei agora a saber que, dependendo o Primeiro-Ministro da Assembleia da República e do Presidente da República, não é abrangido nestas limitações.
Todavia, a explicação que aqui deu no sentido de o Primeiro-Ministro não ser abrangido nesta limitação de mandatos pareceu-me absurda. Queria, pois, que me esclarecesse se, além do Primeiro-Ministro, também os presidentes dos governos regionais dos Açores e da Madeira não são abrangidos nesta limitação.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente!

O Sr. Gil França (PS): - Portanto, só vamos abranger os autarcas! Já os presidentes dos governos das regiões autónomas e o Primeiro-Ministro podem ficar eternamente, na medida em que, alegadamente, dependem da Assembleia da República ou das respectivas assembleias regionais e do Presidente da República.
A dúvida que gostava de ver clarificada é esta: o que é que levou o PSD a ter esta nuance, à última da hora? É que, inicialmente, quando o PSD apresentou, com grande aparato na opinião pública, esta preocupação de limitação dos mandatos, fê-lo no sentido de abranger todos os titulares de cargos públicos com funções executivas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nunca!

O Sr. Gil França (PS) - Só que agora arranjou um expediente para eliminar dessa restrição algumas situações. Estou em crer que, se calhar, houve aqui pressões regionais que determinaram este volte de face do PSD…

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Miguel Macedo, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, inicialmente não tinha intenção de colocar-lhe qualquer questão, mas agora assalta-me a dúvida no sentido de haver uma espécie de delimitação por declaração, da parte dos autores da proposta, quanto ao que entendem por cargos de natureza executiva.
Vale a pena perceber bem não o que é que o PSD pensa, mas como é que o PSD reflecte o seu pensamento na interpretação dos conceitos na Constituição. Como é que é explicável que, na estrutura da separação e interdependência de poderes, um órgão com responsabilidades de governo - que, no caso dos órgãos de soberania, é justamente o Governo e, no caso das regiões autónomas, os governos regionais - não tenha natureza executiva?
É claro que eles não têm só funções executivas! No quadro da separação e da interdependência de poderes, exercem outro tipo de funções e, designadamente no caso do governo nacional, função legislativa. Tal significa que têm uma natureza para além da natureza executiva, mas isso não lhes retira a circunstância de também terem natureza executiva. E, consequentemente, por mais que haja declarações em sentido inverso da parte dos autores, é extremamente difícil não encontrar nesta fórmula com referência à natureza executiva a possibilidade de cair no âmbito dela tanto governos regionais como o governo da República.

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Portanto, gostava que o Sr. Deputado Miguel Macedo elaborasse um pouco mais sobre a natureza dos órgãos executivos para tentarmos compreender o rigor dos conceitos constitucionais que o PSD nos propõe, independentemente da questão de fundo sobre a qual, a seu tempo, falaremos.

O Sr. Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, quero começar por salientar e expressar de forma muito clara que o PSD não mudou de posição entre o momento em que apresentou esta proposta e o momento em que está aqui a explicitar o seu sentido útil. Nunca defendemos que o Primeiro-Ministro ou os presidentes dos governos regionais estivessem incluídos na previsão da norma que apresentamos para o n.º 2. E não o fazemos, como dizia o Sr. Deputado Jorge Lacão, por entendermos que não tem natureza executiva o exercício do cargo de Primeiro-Ministro ou de presidente de governo regional. Tem, evidentemente, natureza executiva, também.
A questão é que entendemos que, na arquitectura constitucional que hoje temos, esta dupla dependência para a sobrevivência no lugar de Primeiro-Ministro, por parte do Presidente da República e da Assembleia da República, empresta ao cargo de Primeiro-Ministro um recorte constitucional e legal político, do ponto de vista do controlo político, diferente daquele que têm, por exemplo (para falar de tudo), os presidentes de câmara. É completamente diferente.
É evidente que se trata de um cargo executivo, uma função de natureza executiva, mas esta circunstância de ter a dupla dependência do Parlamento e do Presidente da República é única no nosso sistema e empresta um recorte completamente diferente ao cargo de Primeiro-Ministro, quando comparado com outro tipo de cargos.
A expressão que aqui usamos para explicitar essa diferença - e podemos discutir se é ou não a mais correcta - é "e duração certa", justamente porque um primeiro-ministro tem um mandato para cumprir que pode ser interrompido, sustido, por uma dupla via: ou porque perde a maioria no Parlamento ou porque o Presidente da República, como órgão unipessoal, entende, nos termos constitucionais, que a sobrevivência daquele governo está comprometida e, portanto, usa o mecanismo constitucional que tem.
Esta circunstância faz com que encaremos de uma forma diferenciada aquilo que é diferente. Portanto, não queiramos fazer aqui a assimilação do cargo de Primeiro-Ministro àquilo que acontece nas câmaras municipais, que é, como os Srs. Deputados bem sabem, substancialmente diferente do que aqui queremos tratar e do que aqui queremos prevenir na lógica, na sequência do princípio republicano que está expresso no artigo 118.º. Este princípio tem, evidentemente, também como função prevenir atitudes ou práticas de caciquismo que, de alguma forma, limitem a renovação necessária no exercício de cargos políticos.
Do nosso ponto de vista, o percurso que fizemos, desde o início do regime democrático e desde a pendência da Constituição de 1976, neste momento, aconselha a que se avance para este sistema de limitação legal de determinado tipo de mandatos de natureza executiva. É esse o sentido da nossa proposta, que nunca teve, aliás, o objectivo que aqui nos quiseram atribuir.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, vou dar-lhe a palavra, mas o nosso entendimento é que há apresentações seguidas de questões. Esta fase dos trabalhos é para se proceder à apresentação dos projectos e para formulação de questões.
O que quero dizer é que, se calhar, talvez tivesse sido melhor ter pedido a palavra logo a seguir à intervenção do Sr. Deputado Miguel Macedo porque, certamente, também vai apresentar algum ponto do projecto do PSD.
Em todo o caso, tem a palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, posso clarificar, visto que há como que uma apresentação dupla.
De facto, não pretendo formular um verdadeiro pedido de esclarecimento, ao contrário do que aconteceu há pouco, em que considerei que na intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva - e, de resto, percebeu-se logo por alguns dos primeiros pedidos de esclarecimento formulados - não tinha havido uma explicitação exacta do objectivo político da proposta.
Neste caso, penso que o Sr. Deputado Miguel Macedo fez essa clarificação exacta. Quero apenas acrescentar, aduzir mais alguns considerandos a esta nossa proposta, para que fique, nesta fase inicial, registado.
Começo por recuar um pouco. Por que é que existe este princípio da renovação na generalidade das constituições políticas, hoje em dia? Deriva de um princípio republicano antigo que tem a ver com as formas políticas de combate ao exercício unipessoal do poder, legitimado através de formas caciquistas ou plebiscitárias junto do povo. É verdade, é isso que acontece! Para quem não conhece esta situação, basta ler os autores do século passado e do princípio deste século, onde esse ponto está muito claro.
Até acrescento mais, e não é preciso ir mais longe: leiam a proposta do Prof. Vital Moreira, apresentada há dois meses a propósito daquele grupo de trabalho sobre os institutos públicos, em que ele propõe, exactamente, que este princípio seja aplicado aos altos cargos públicos, naquele caso, aos presidentes dos institutos públicos, e faz uma anotação de rodapé em que diz que é a consagração do princípio republicano, histórico, que toda a gente conhece. Vale a pena recordá-lo aqui.
A nossa proposta surge por causa deste princípio, desta necessidade de, politicamente, as organizações políticas se defenderem contra o exercício unipessoal do poder, legitimado directamente através de formas de caciquismo ou plebiscitárias junto do povo, de que temos exemplos vastos na História, alguns em situações pouco recentes.
Já percebi que o Sr. Deputado do PS está muito preocupado com uma situação concreta, mas eu estou mais preocupado com a situação geral! Historicamente, é isto que aqui está em causa.

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É preciso, então, olharmos para este princípio republicano geral e vermos onde é que ele falha no nosso sistema político, porque trata-se do sistema político português e não de um tratado de ciência política em abstracto!
Na arquitectura constitucional portuguesa, obviamente, este problema do exercício unipessoal do poder, esta hipótese de caciquismo no poder não se coloca quanto aos cargos que não sejam de natureza executiva, como todos compreenderão. Penso que não vale a pena perder muito tempo a dar explicações, porque é evidente que se não há natureza executiva não há o tal perigo de haver uma assunção unipessoal e continuada do poder que inviabilize o princípio republicano da renovação.
Portanto, quanto ao primeiro requisito, o da natureza executiva, penso que não vale a pena perdermos muito tempo.
Quanto à segunda questão, a da duração certa, penso que isso tem que ver exactamente com a existência, na arquitectura constitucional portuguesa, de mecanismos para determinados cargos, embora preenchendo o primeiro requisito - são de natureza executiva , relativamente aos quais não existe verdadeiramente este risco do exercício unipessoal abusivo do poder, porque são cargos que, pela estrutura constitucional própria, já estão imbuídos de uma precariedade no seu exercício - e medi bem a palavra "precariedade".
O cargo de Primeiro-Ministro está constitucionalmente dependente da dupla tutela política, como referiu já o Sr. Deputado Miguel Macedo, quer do Presidente da República, que a todo o tempo o pode demitir, quer da Assembleia da República, outro órgão de soberania que a todo o tempo pode fazê-lo "cair" através de moção de censura. Existe, portanto, uma precariedade objectiva relativamente ao exercício deste cargo.
Para continuar nos exemplos, posso dizer que o mesmo já não acontece no nosso modelo constitucional relativamente aos eleitos locais do executivo. Aliás, quanto a estes, no nosso arquétipo constitucional até se vai mais longe: não só não têm tutela política alguma como não podem ser demitidos por ninguém! Ou seja, a única forma de um presidente de câmara ou de um vereador eleito perderem o seu mandato é através da prática de ilegalidades, como é evidente, porque vivemos num Estado de Direito (isso está fora de causa). Porém, politicamente, que é o que está em causa, isto é, em termos de organização política do Estado, não há meio nenhum, na Constituição da República Portuguesa, de os eleitos locais do executivo responderem.
Portanto, o tal princípio republicano do exercício abusivo, o tal risco histórico do caciquismo existe relativamente a alguns órgãos que têm uma determinada construção na nossa Constituição da República e não existe relativamente a outros, sejamos claros. É para prover a essa lacuna que o PSD avança com esta proposta.
Se há dúvidas de interpretação na redacção da nossa proposta, quero clarificar que a razão de ser da mesma é politicamente esta e não outra - assumo-o com toda a clareza. Ninguém pretende com isto criar mecanismos para obviar àquilo que já está obviado.
Quanto aos cargos dos presidentes dos executivos, quer regionais quer nacional (leia-se, no caso português, Primeiro-Ministro), os riscos que o princípio republicano da renovação pretende colmatar já estão, do nosso ponto de vista, suficiente e claramente acautelados na Constituição. O nosso modelo constitucional não está aí desarmado, mas estará, porventura, noutras áreas. Ora, é para colmatar essa lacuna que esta proposta é feita, embora de uma forma genérica, isto é, pretende claramente colmatar a lacuna relativa a este princípio nos casos onde ele não existe.
Termino, Sr. Presidente, acrescentando apenas que, se é verdade que estamos acompanhados nesta leitura por entidades e personalidades políticas que se colocam claramente fora do nosso espaço político (refira-se nomeadamente o Professor Vital Moreira, que já citei aqui), pelo que consegui perceber, embora ainda só tenha feito uma leitura cruzada, um membro do Governo dá hoje uma entrevista em que, de forma clara, parece caminhar no sentido de dar a sua abertura a este princípio, exactamente no estrito sentido que aqui especifiquei como sendo aquele que os Deputados do PSD defendem. A esse e a mais nenhum! Não queremos deixar ninguém de fora, o que não pretendemos é ser mais papistas que o Papa.
O nosso modelo político é o que é, há mecanismos próprios na Constituição que já acautelam a precariedade do exercício de poder político em determinadas situações. Porém, do nosso ponto de vista, noutras situações há uma lacuna. Não queremos deixar ninguém de fora, mas não queremos também fingir que há coisas que têm que ser cobertas quando já o estão.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se três Srs. Deputados para pedir esclarecimentos. Penso que poderemos seguir o método que temos vindo a adoptar, isto é, no fim dos três pedidos de esclarecimento, darei a palavra aos Sr. Deputados do PSD que fizeram a apresentação da proposta para responderem.
Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, depois da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes creio que fiquei esclarecido, pois a redacção do n.º 2 não era muito clara para mim. Pretendia perguntar ao Sr. Deputado se o n.º 2 abrangia os Deputados, mas já compreendi que não, embora o texto da proposta do CDS-PP abranja tudo.
De qualquer forma, se se aprovasse uma norma deste género seria necessário clarificá-lo, porque a natureza executiva poderia referir-se só a… Penso que deveria haver uma fórmula genérica deste tipo: "titular de cargos políticos em geral"… Bem, pelo menos, suscitou-se-me a dúvida, mas fiquei quanto a ela esclarecido.
Sr. Presidente, como só agora reparei numa questão que se refere ao artigo que analisámos precedentemente, se mo permitisse, gostaria de colocar uma questão que me parece pertinente e que julgo ter uma resposta muito rápida.
No artigo 56.º, o PSD apresenta uma proposta com um n.º 5…

Vozes do PS: - Está errado!

O Sr. José Barros Moura (PS): - Nesse caso, termino a minha intervenção.

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O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, penso que a intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes não arredou as preocupações interpretativas, há pouco expressas, relativamente à delimitação conceptual dos ditos cargos com natureza executiva e, portanto, desse ponto de vista, creio que o problema subsiste.
Por outro lado, há um aspecto novo relativamente ao qual gostaria de saber o ponto de vista do Sr. Deputado Luís Marques Guedes. A fórmula constante da proposta do PSD é no sentido de dar uma credencial ao legislador para, por via de lei ordinária, estabelecer restrições à renovação sucessiva de mandatos. Ora, isto coloca um problema muitíssimo delicado.
Estamos a falar de restrição ao exercício de direitos de participação política, de estabelecer a Constituição uma credencial ao legislador ordinário para que, por uma lei sem qualquer valor reforçado, designadamente sem as exigências conferidas às leis orgânicas - e nem isso bastaria, porventura -, possa vir a decretar restrição fundamental de direitos.
Pergunto se o PSD ponderou este aspecto na fórmula que nos apresenta, porque amanhã uma qualquer maioria conjuntural, em função de um qualquer circunstancionalismo político, encontrará a mais simples forma de limitar os seus próprios adversários, talvez com uma inserção no tecido social, designadamente na representação autárquica, estabelecendo por uma lei ordinária simples uma regra restritiva de consequências eventualmente avassaladoras.
Como os Srs. Deputados do PSD falavam dos riscos populistas, creio que a Constituição não pode cair na tentação de criar soluções utilizáveis justamente numa qualquer esquina, por um qualquer risco populista. Penso que estamos confrontados com um problema sério.
Depois, há a questão de fundo. Eu disse que não queria ainda abordar a questão de fundo, no entanto, gostaria de suscitar a circunstância de estas propostas relevarem de um pessimismo: o de que a sociedade aberta e pluralista e a alternância democrática não funcionam suficientemente bem para garantir o princípio republicano da renovação dos mandatos. É essa reflexão, que releva de um atitude pessimista, que tem de ser melhor clarificada entre nós, para saber se estamos a procurar resolver certos problemas pela porta certa ou se, eventualmente, não entraremos pela porta errada para solucionar alguns problemas que não estamos a resolver em sede própria.
Por exemplo, será que a questão da renovação dos mandatos dos altos cargos públicos se resolve melhor através de uma regra cega de proibição da renovação de mandatos ou através das regras de isenção e independência dos altos cargos públicos da Administração face aos poderes políticos circunstanciais? Ou seja, não estaremos a procurar resolver um problema pela "porta das traseiras", não enfrentando a questão real, que é a da excessiva dependência da influência partidária da nossa Administração Pública, com todas as sequelas e consequências negativas que isso tem para o princípio da independência da função administrativa? Este é um problema que tenho e que, certamente, alguns dos Srs. Deputados do PSD também são capazes de compartilhar comigo.
Por outro lado, ao nível das autarquias locais, infelizmente falhámos a tentativa de reforma do sistema eleitoral. Porventura, nenhum dos sistemas inicialmente apresentados era bom quanto ao conjunto das fórmulas propostas e todos careceriam de profundas exigências de revisão, mas interrogo-me sobre se não é por via da alteração do sistema eleitoral para as autarquias que criaremos regras muito mais autênticas de forma a garantir mecanismos de controlo, de responsabilidade que facilitem o princípio da alternância democrática.
Penso que tudo isto deve ser ponderado antes de nos precipitarmos numa decisão, mas estou a enunciar dúvidas que gostaria de ver comentadas por vós.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Deputado, posso interrompê-lo?

O Sr. Jorge Lacão (PS)r: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Compreendo as palavras bem intencionadas do Sr. Deputado Jorge Lacão, mas quero recordar que o PS, ainda muito recentemente, apresentou no Parlamento uma iniciativa que, no que diz respeito às autarquias locais, tinha como arquitectura de solução proposta o seguinte: a câmara municipal podia "cair" por força do voto da assembleia municipal, quem nunca "caía" era o presidente da câmara.
Isso, associado ao percurso que fizemos, ao longo destes 25 anos, de acentuar os poderes presidencialistas do presidente da câmara - e aí o PSD tem também responsabilidades, que não quero de forma alguma escamotear -, faz com que nessa circunstância concreta estejamos perante uma situação que nada tem que ver, por exemplo, com o caso do Primeiro-Ministro ou de um presidente de um governo regional. Quanto a este, nos termos do artigo 133.º, há sempre a possibilidade de o Presidente da República demitir o Governo e exonerar o Primeiro-Ministro ou dissolver os órgãos próprios da assembleia regional.
Portanto, no caso concreto da presidente da câmara, até por tentativa do PS, essa situação é única.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Miguel Macedo, muito obrigado pela questão que me colocou no quadro das minhas perguntas ao PSD, que ajuda a que faça sentido um diálogo entre nós para procurar clarificar pontos de vista.
Ainda bem que colocou essa questão, porque ela ajuda a compreender duas coisas. Não foi por acaso que nas minhas palavras de há pouco disse que nenhum dos projectos estava perfeito na sua versão original e que mereciam ser profundamente repensados.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mas o vosso era o mais imperfeito!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O do PSD parecia-me muito insustentável, mas no caso do projecto do PS, obviamente, a exigência dos 2/3 para a operacionalização da moção de censura matava a lógica da alternância e da responsabilidade.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É verdade!

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Portanto, posso dizer aqui que, se tivéssemos tido condições para continuar o aprofundamento dessa reforma, o PS estava disponível para rever essa sua disposição no sentido de a adequar a uma lógica mais normal, que era a da exigência da maioria absoluta, tal como funcionam as moções de censura no Parlamento.
Por outro lado, decorria do mecanismo apresentado pelo PS, e nesse aspecto bem, que na segunda tentativa de formação de executivo, se ele viesse a receber a censura da parte da assembleia municipal, a consequência seria a dissolução do órgão e a necessidade da convocação de eleições antecipadas, o que responde à pergunta do Sr. Deputado Miguel Macedo quanto à entronização, ou não, do presidente da câmara. Ou seja, em caso de bloqueio para a formação do executivo, evidentemente, a última palavra era a dos eleitores, que resolveriam esse eventual impasse político.
Sr. Deputado Miguel Macedo, penso que com isto respondi ao problema que me colocou.

O Sr. Miguel Macedo (PS): - Só pergunto se chegava à segunda situação!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Chegava, Sr. Deputado! Acabei de dizer que a maioria de 2/3 era matéria para rever. Portanto, entendamo-nos sobre isso!
Sem embargo de tudo o resto, penso que a proposta do PSD reflecte um problema que está colocado na nossa consciência democrática. Pessoalmente, tenho dúvidas que esse seja o melhor caminho, mas também não tenho uma atitude dogmática. E, sobretudo, pela parte que me diz respeito, não tenho uma atitude dogmática à possibilidade de a Constituição prever nesta matéria alguma coisa se as regras constitucionais forem suficientemente cautelosas para nunca admitir o exercício populista de um instrumento legislativo que venha a coarctar drasticamente exercícios de participação política. Portanto, sem tomar ainda posição definitiva quanto ao fundo, penso que temos de considerar este conjunto de questões.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Gil França.

O Sr. Gil França (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, compreendo perfeitamente a vossa posição. Ou melhor, o que me custa a compreender é que, tendo os senhores como preocupação o combate ao exercício unipessoal do poder e à forma de caciquismo ou plebiscitária junto do povo, no âmbito das vossas preocupações não estejam consagradas disposições que evitem que, por ironia, fique fora deste articulado uma situação que é hoje a mais evidente, a mais flagrante demonstração e exemplo do que é o caciquismo político, do que é o poder unipessoal.
Refiro-me concretamente, já todos o sabem, à Região Autónoma da Madeira, onde há um presidente do governo que se permite insultar, já por diversas vezes, os órgãos de soberania! Só um caciquismo muito forte, só, digamos, quase uma estrutura sólida, construída no suporte daquela figura é que lhe permite insultar o Presidente da República, o Primeiro-Ministro e a Assembleia da República, sem que ocorra a menor consequência política. E continua a festa, continua o baile! Neste momento ele está um pouco mais calmo, mas a qualquer momento "descamba" e voltam os insultos e os impropérios.
Portanto, é uma ironia terrível que apenas se queira considerar como caciques os autarcas.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Quem os considerou desse modo foi o senhor, e não eu!

O Sr. Gil França (PS): - Então, os autarcas são caciques porque detêm um poder unipessoal… Eu lembro que há uma forma de eles poderem ser destituídos, desde logo pela falta de quórum na própria vereação: havendo falta de quórum, havendo demissões (obviamente, pertencem à mesma equipa), porque não estamos a falar de um órgão unipessoal mas, sim, colegial. O presidente da câmara depende da confiança dos respectivos vereadores e, consequente, a partir do momento em que a maioria que o suporta na câmara se demite, se afasta, há perda de quórum. De resto, foi o que aconteceu há dias e creio mesmo que já houve eleições antecipadas justamente por falta de quórum. Nessa óptica, então, também não se podia dizer, em estrito rigor, que estamos a falar de um poder unipessoal.
Creio, pois, que é uma ironia deixarmos de fora poderes que são muito mais importantes, pois enquanto um autarca não tem poder legislativo, um presidente de governo regional, através da influência que exerce sobre a sua assembleia regional, tem um poder legislativo e um enorme poder de endividamento, que lhe advém de um expediente agora muito em voga e que tem sido tão asperamente criticado pelo PSD: a criação das SCUT.
Por exemplo, na Região Autónoma da Madeira, tal permitiu criar novos sistemas de endividamento em SCUT que nem sequer se destinaram à concretização de infra-estruturas. Apesar de os senhores criticarem as famosas SCUT, o que lá se passou foi o seguinte: só depois de construída a via rápida Ribeira Brava/Aeroporto é que se deu a concessão para a manutenção, durante 25 anos, no sistema SCUT, sendo que o governo ficará a pagar um montante, que não se sabe ainda quanto é - está por aferir o valor que pagará cada automóvel que circular por essa via - mas que se estima que poderá ser, durante esses 25 anos, da ordem dos 180 milhões a 200 milhões de contos.
Portanto, há aqui um expediente muito hábil para criar um endividamento, que nem sequer é para concretizar uma infra-estrutura! Ela já está feita, é apenas para a sua manutenção. Porquê? Para receber à cabeça, como contrapartida, 50 milhões de contos do consórcio que ficou com a concessão da manutenção. Pagaram 50 milhões de contos e vão receber 180 milhões a 200 milhões de contos no prazo de 20 anos.
Este endividamento quase ilimitado é uma forma de poder legislativo e, por ironia, uma pessoa que tem todos estes poderes pode perpetuar-se no cargo, indefinidamente, enquanto um autarca que não tem poder legislativo, cujo poder de endividamento está condicionado e que, para o exercício do cargo, depende da confiança dos seus vereadores, porque se não a tiver o órgão cai…
Se a intenção é limitar os titulares de cargos públicos, parece-me bem que isso se faça. Aliás, se o cargo de presidente da República que, no fundo, é unipessoal, se bem que ele tenha menos poder do que um governo, está limitado a dois mandatos, então faria muito sentido - e esta é a minha opinião pessoal, que não tive a oportunidade de manifestar internamente - estender essa medida a tudo o que fosse executivo. Não andemos aqui com expedientes, dizendo que depende da Assembleia ou do Presidente da República, pois é uma forma de permitir certas excepções

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à limitação que nós queremos pôr. Devemos tratar todos por igual, tudo o que é executivo neste país, pois não podemos estar a dar privilégios a uns e não a outros. Parece-me que essa seria a medida mais correcta.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gil França, ouvi-o com atenção e, em primeiro lugar, queria dizer-lhe que o senhor só não entende aquilo que não quer entender. Ou seja, o simples exemplo que o senhor deu do Presidente da República é manifesto, pois a própria Constituição, pressentindo com clareza o carácter unipessoal do exercício dessa função política, ela própria estabeleceu, logo à partida, um limite à renovação sucessiva desse mandato.
Relativamente ao caso que o senhor quis aqui trazer - e está no seu direito -, repito, o senhor só não entende o que não quer. Repare, Sr. Deputado: o que é que acontece nos governos regionais? Basta ler a Constituição para saber que existe um poder de dissolução e de demissão da parte do Presidente da República, que, ainda por cima, é completamente ilimitado, ou seja, o Presidente da República pode, por sua iniciativa ou sob proposta do Governo, demitir o governo regional.

O Sr. Gil França (PS): - Por proposta do Governo, não!…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se o senhor não conhece, eu leio-lhe a Constituição. No seu artigo 133.º pode ler-se o seguinte: "Compete ao Presidente da República, relativamente a outros órgãos: (…) j) Dissolver os órgãos de governo próprio das regiões autónomas, por sua iniciativa ou sob proposta do Governo, ouvidos a Assembleia da República e o Conselho de Estado."
Devo dizer o seguinte: em Portugal, o Presidente da República foi sempre socialista. No nosso País nunca houve Presidentes da República apoiados exclusivamente pelo PSD, todos eles foram do Partido Socialista e apoiados pelo Partido Socialista. Portanto, aquilo que tenho de retirar da sua intervenção é que o senhor está a dar "um puxão de orelhas" aos Presidentes que o próprio Partido Socialista elege! Então, nos últimos 16 anos, eles não foram só eleitos pelo seu partido como dele são militantes e dirigentes importantes.
No caso actual, também está a fazer o mesmo ao seu Governo, porque o seu Governo pode, nos termos da Constituição - aí não depende só dele, mas a Constituição é expressa nesse sentido -, propor ao Presidente da República a demissão do Governo Regional da Madeira!…
Portanto, há um segundo "puxão de orelhas" ao Governo apoiado pela sua bancada na intervenção que fez,…

O Sr. Gil França (PS): - Não ponha na minha boca palavras que eu não disse, nem interpretações…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não são interpretações, é a consequência daquilo que o senhor disse!

O Sr. Gil França (PS): - É a sua interpretação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O senhor disse o que quis e tem toda a legitimidade para dizer o que quer, mas as coisas que dizemos têm depois uma consequência própria! Neste caso,…

O Sr. Gil França (PS): - Está a distorcer a minha interpretação!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não estou a distorcer, estou a dizer que o segundo "puxão de orelhas" claro, do seu ponto de vista, é ao seu Governo. Eu faço a honra - e penso que o senhor também faz - de não estar a completamente a dormir e, tomando como verdade tudo o que disse, o seu Governo também se apercebeu disso. Ora, apercebendo-se disso, tendo este direito constitucional e não o exercendo, é porque ou discorda do senhor ou, então, tem medo! Não sei de quê! Mas essa é a única conclusão possível.

O Sr. Gil França (PS): - Desculpar-me-á, mas isso colocar-se-ia também a todos os autarcas!…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já lá vou aos autarcas, não vale a pena distorcer!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, evitem entrar em diálogo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já agora, peço-lhe que me deixe continuar, porque também não o interrompi. Depois, se me quiser interromper para esclarecer qualquer ponto, com certeza que sim, estarei à sua disposição, mas quando estou a meio do raciocínio agradecia-lhe que não o fizesse.
Esta é a primeira nota: a consequência do que o senhor diz, e que todos aceitamos como verdadeiro, é que o Governo ou tem medo ou, então, pensa diferente do senhor. O Governo e o Presidente da República!…
Acrescento ainda o seguinte (e isso talvez o senhor não tenha obrigação de conhecer, mas estão aqui outras pessoas que conhecem, tais como o Sr. Presidente da Comissão, os Srs. Deputados Jorge Lacão e Maria Celeste Coreia, pelo menos, pois os outros não sei se participaram na revisão constitucional de 1997): aquando da revisão constitucional de 1997, apesar de já haver este poder de dissolução, o PSD propôs expressamente que fosse alterada a Constituição no sentido de os órgão de governo próprio das regiões autónomas poderem ser demitidos por moções de censura e por outras razões objectivas. Isso foi proposto formalmente. E sabe o que aconteceu, Sr. Deputado? A sua bancada disse que não, o PS disse que não!
Portanto, o Partido Social Democrata apresentou as propostas, dizendo: "Sim senhor, já há o poder de dissolução/sanção na Constituição, que garante o controlo político sobre o exercício destas funções políticas nos órgãos de governo próprio das regiões, mas entendemos que, para evitar impasses e situações potenciais de bloqueio político de funcionamento dos órgãos, a Constituição deve ser revista no sentido de clarificar situações objectivas de demissão dos governos regionais". E o Partido Socialista disse "não"!… Não concordou!

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Marques Guedes, permite-me uma interrupção?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, agora não, peço-lhe que fale no fim. O que estou a dizer é rigorosamente verdade, o senhor sabe-o perfeitamente e, portanto, o assunto não carece de interrupção. Aliás, nem sequer estou a pôr em causa a actuação do Partido Socialista.
Foi o que se passou e, portanto, esta é a segunda clarificação que dou ao Sr. Deputado Gil França, que, lembro-me bem, não participou nos trabalhos de revisão constitucional de 1997, mas dela participaram outros Deputados do Partido Socialista eleitos pela Região Autónoma da Madeira. Porventura, o senhor não tem isto na memória, já que não participou nos factos, embora pudesse conhecê-los… Mas foi isto o que se passou.
Não venha, pois, dizer que o Partido Social Democrata não tem esse tipo de preocupações relativamente, em abstracto, a outros órgãos, como, por exemplo, os da regiões autónomas, porque tem! O que acontece é que nos órgãos das regiões autónomas já existe esse poder político de controlo e de dissolução a todo o tempo. Mesmo assim, o PSD já propôs, numa revisão ordinária, que isso fosse alterado. E só não foi porque o Partido Socialista não quis.
Portanto, não podem "fazer o mal e a caramunha"! Não pode agora vir dizer que o PSD finge que não existem esses órgãos. Não é verdade, Sr. Deputado. Permita-me que lhe deixe aqui o meu testemunho de que não é verdade - e penso que o Dr. Jorge Lacão, que já pediu a palavra, corroborará que assim foi, que houve propostas nesse sentido, as quais acabaram por não ser aceites, em virtude de não terem reunido a maioria de 2/3, uma vez que o Partido Socialista não quis dar-nos o seu voto.
Agora, há uma última rectificação que eu queria fazer relativamente à sua…

O Sr. Barbosa Oliveira (PS): - Ainda falta alguma "coisinha"?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A "coisinha" que falta é que os senhores utilizaram o argumento, se é que quer que eu diga qual é o argumento que utilizaram, de que essa alteração significaria mexer nos poderes do Presidente da República, porque retirar o poder de dissolução/sanção seria mexer nos poderes do Presidente da República e isso não deveria fazer-se relativamente a um Presidente que estava a meio do seu mandato. Está bem, mas podia fazer-se para o futuro.
Porém, não é isso que agora está em causa no pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Gil França, porque ele não fez a pergunta no sentido de querer resolver o problema actual no plano dos princípios políticos, dos princípios gerais em termos políticos. E, portanto, também quanto a estes princípios, o Presidente Jorge Sampaio é socialista, mas amanhã poderá ser outro, portanto, não deveria ser esse o argumento.
Gostaria de deixar uma última nota de rectificação. Nem o Sr. Deputado Miguel Macedo nem eu dissemos - aliás, o PSD tem tido sempre o cuidado de dizer que não concorda com a estigmatização dos eleitos locais relativamente a esta matéria - que o problema do caciquismo era exclusivo de um cargo político em particular, e muito menos dos autarcas. O Sr. Deputado referiu que nós tínhamos dito que os autarcas eram caciques, mas ninguém do PSD o disse. Aliás, temos dito rigorosamente o contrário, temos defendido que este é um problema político geral e que estigmatizar um determinado tipo de eleitos, neste caso os eleitos autárquicos, é profundamente injusto e errado. Por isso é que propomos a fórmula que propomos, com a latitude que propomos.
Por fim, vou tecer uma consideração relativamente às questões colocadas pelo Dr. Jorge Lacão.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que a nossa proposta não é, seguramente, para resolver um problema "fulanizado" porque, como sabe, e bem, há um artigo na Constituição que impede expressamente que as normas restritivas de direitos, liberdades e garantias, como seria uma norma como esta, possam ter efeitos retroactivos. E, portanto, a resolução deste problema coloca-se para o futuro e nunca para resolver problemas "fulanizados" e actualmente existentes, porque há um "travão" constitucional.
Reconheço que o Sr. Deputado Jorge Lacão tem toda a razão relativamente às cautelas a ter - penso que foi esse o termo que utilizou -em relação a um outro qualquer exercício populista igualmente contrário aos princípios republicanos do poder se a norma, porventura, não puder conter algumas cautelas e travões a esse exercício. Percebo que esta norma, sem qualquer tipo de limitação, ou, porventura - penso que foi uma das questões que levantou -, sem uma eventual exigência de um valor reforçado que dê garantias acrescidas pode, em abstracto e no limite, permitir que haja uma maioria conjuntural que venha a aprovar uma lei a estabelecer que os cargos não podem ser exercidos por mais do que dois anos e, com isso, subverter o princípio.
Portanto, como é evidente, reconheço a bondade do seu raciocínio, o qual todos temos de fazer relativamente a esta matéria. O que o senhor não pode ignorar é que haja um antecedente histórico sobre a matéria. Trata-se de uma discussão que já vem de trás, o PSD já a colocou noutras revisões constitucionais. Até agora, tem havido um percurso de uma progressiva adesão de várias forças políticas que, no passado, tinham posições muito fechadas relativamente a esta matéria e que têm vindo a evoluir.
Por exemplo, no último debate sobre a lei autárquica houve já três grupos parlamentares - a saber, para além do PSD, o CDS-PP e o BE - que formalmente apresentaram propostas que, em abstracto, vão no sentido de reconhecer a necessidade de se aprofundar o princípio republicano da renovação para determinado tipo de situações. Há uma evolução no PS, partido que o senhor representa, que tem vindo a ser expressa por alguns dos seus militantes, responsáveis e dirigentes. Portanto, repito, há um percurso histórico neste sentido.
A proposta do PSD é no sentido de criar o princípio na Constituição. Se conseguirmos formatá-lo em definitivo, reconheço que também teremos de fazer as reflexões que o senhor fez, mas devemos fazê-lo com as necessárias cautelas. E devo dizer que me identifico totalmente com os outros riscos que o senhor aqui deixou, que são os "contras". Nós falámos dos "prós" na apresentação inicial, há alguns "contras" e, sobre eles, o Sr. Deputado já reflectiu. É evidente que termos de ponderar os "prós" e os "contras" para formatar em definitivo a solução.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apesar dos esforços da Mesa para pôr ordem nos debates, já admitimos excepções e vamos ter de admitir novamente, porque há pedidos de esclarecimento.
Aproveito, no entanto, para fazer duas ou três considerações. A primeira é uma emenda à intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes quanto à minha pessoa. devo dizer que não discuti a revisão constitucional de 1997.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas acompanhou-a enquanto membro do Governo!

O Sr. Presidente: - Acompanhei nalgumas matérias que interessavam mais à minha área.
A segunda consideração que tenho a fazer é a seguinte: aproveito a presença de um número considerável de Srs. Deputados para informar que, na terça-feira, teremos as audições do Sr. Procurador-Geral e do Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados. Por impedimento do Sr. Presidente do Conselho Superior da Magistratura, conseguimos, passar a respectiva audição para o dia 19. Também por impedimento do Prof.. Vieira de Andrade, que, por ser um impedimento total praticamente até ao fim do mês, foi-nos solicitado se poderia não vir à comissão e, em vez disso, enviar-nos um depoimento escrito, o que a Mesa resolveu aceitar, visto que temos muito trabalho ainda pela frente. A Mesa, neste caso, fui eu…, mas consultei também o Sr. Deputado Guilherme Silva.
Finalmente, quero ainda fazer a seguinte consideração: na minha perspectiva, avançámos muito na discussão, para além das apresentações e esclarecimentos. E ainda bem que o fizemos porque, de certo modo, aproveitámos algum tempo, pelo que espero que não tenhamos de repetir as mesmas discussões. Trata-se de uma consideração de ordem pessoal, porque penso que tendo todos as bancadas aceite, por consenso, que temos de colocar alguma ordem, sobretudo nos tempos, na discussão e nas audições, iremos fazer uma proposta concreta para que os nossos trabalhos se desenrolem da forma mais eficiente possível, não obstante os Srs. Deputados poderem expressar livremente os seus pontos de vista.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, qual é o horário dessas audições?

O Sr. Presidente: - O Sr. Procurador-Geral da República será ouvido na próxima terça-feira, às 10 horas. E ao meio-dia será ouvido o Sr. Bastonário, visto que não podia vir antes, o que não será de todo mau, uma vez que o depoimento do Sr. Procurador-Geral - e não estou a distinguir os depoimentos consoante a sua importância - tem uma importância grande. Portanto, até é positivo que tenhamos apenas duas audições na próxima terça-feira.
Como já disse, o Sr. Presidente do Conselho Superior da Magistratura passará para o dia 19, aproveitando a falta do Prof. Vieira de Andrade.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gil França.

O Sr. Gil França (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, queria apenas para fazer uma clarificação resultante da distorção que V. Ex.ª deu às minhas palavras. Não foi minha intenção, nem fiz qualquer crítica específica, nem dei um "puxão de orelhas" a órgão nenhum da República, nem ao Primeiro-Ministro. V. Ex.ª é livre de interpretar como quiser o que os outros dizem, o que não pode é, com a sua interpretação, distorcer o que se disse de forma a colocar na boca das outras pessoas afirmações que não foram produzidas, nem sequer em sentido dúbio, de forma explícita ou ambígua.
Portanto, ninguém deu "puxões de orelhas". Limitei-me a constatar um facto: o Presidente do Governo Regional da Madeira tem dirigido, ao longo dos anos, alguns insultos a pessoas que ocupam cargos de soberania e a órgãos de soberania, e fê-lo não apenas durante os períodos em que o PS esteve no Governo. No tempo em que os senhores estiveram no Governo e o Primeiro-Ministro era o Dr. Cavaco Silva, também foram "lisonjeados" ou "mimoseados" com esse tipo de afirmações!
De qualquer forma, V. Ex.ª referiu - e eu bem sei - que o Presidente da República pode, por proposta do Primeiro-Ministro, dissolver os órgãos de governo próprio, mas V. Ex.ª omitiu (não sei se o fez porque não era necessário, se o fez intencionalmente) o facto de só o poder fazer em virtude da prática de actos contrários à Constituição. Ora, o endividamento…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Afinal, não foi grave!

O Sr. Gil França (PS): - Não, não! Penso que o entendimento deve ser o seguinte: quando se fazem algumas afirmações relativamente à Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro - e recordo que também foram proferidas no tempo em que os senhores eram governo -, elas são passivas de serem consideradas como "actos graves contrários à Constituição". Quando sublinhei que há um poder legislativo próprio e que há um poder de endividamento quase ilimitado, recorrendo a esse expediente da criação dos SCUT de uma forma que daria para outra discussão, não sei se tal pode ser considerado uma prática grave contrária à Constituição. O endividamento, ainda que ilimitado, não é propriamente uma ofensa grave à Constituição. Apenas quero clarificar esta questão.
Não houve qualquer "puxão de orelhas" a ninguém e, por isso, não posso aceitar que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes pretenda distorcer as minhas afirmações de acordo com a sua conveniência. É esta a nota que quero deixar para clarificar esta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, dado que o que dizemos é registado, e que o é registado é sempre suposto ser lido um dia por alguém, em nome do rigor histórico, quero sublinhar o seguinte em estilo de clarificação: efectivamente, na revisão constitucional de 1997, esteve em apreciação a possibilidade de serem introduzidos, em sede constitucional, mecanismos de controlo da acção dos executivos regionais através da moção de censura. É verdade que não foi possível aprovar essa disposição em sede constitucional pela circunstância de o PSD ter associado essa intenção a uma intenção simultânea de eliminar da Constituição o poder de sanção do Presidente da República, de dissolução dos órgãos regionais.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O que o PS não aceitou não foi a não introdução na Constituição dos mecanismos da moção de censura; o que o PS não aceitou foi o facto de se associar à introdução dos mecanismos da moção de censura a eliminação do artigo relativo à dissolução dos órgãos regionais por parte do Presidente da República como faculdade sua. Foi por isso que o PS apresentou, em Plenário, nos trabalhos da revisão, uma proposta que integraria na Constituição os mecanismos da moção de censura nas assembleias regionais. E isto porque o PS não aceitou eliminar o artigo 234.º da Constituição. O próprio PSD, que era favorável à introdução dos mecanismos da moção de censura, rejeitou a proposta do PS, ou seja não houve uma maioria de 2/3, porque esta proposta não lograva eliminar o artigo 234.º.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - "Amor com amor se paga"!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Contudo, como às vezes o bom senso acaba por prevalecer, e sempre mais vale tarde do que nunca, posteriormente à revisão de 1997, na fase da revisão dos estatutos jurídico-políticos regionais, foi possível introduzir a figura da moção de censura nos estatutos políticos das regiões autónomas.
Consequentemente, hoje, a Constituição não eliminou o poder de sanção que é atribuído ao Presidente da República e os estatutos das regiões autónomas incorporaram o mecanismo da moção da censura na relação entre parlamentos regionais e governos regionais. É caso para dizer que "Deus escreve direito por linhas tortas".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gil França, gostaria de dizer em termos muito sucintos, até porque as questões colocadas foram muito breves, que constato que, afinal, o senhor agora já considera que aquelas situações que referiu não são graves.
De qualquer maneira, deixe-me dizer-lhe o seguinte: apesar de o senhor agora ter retirado a "gravidade", devo dizer-lhe que essa questão da gravidade é muito recente. Foi apenas em 1997 que a palavra "grave" passou a constar da Constituição, e por proposta do PSD, porque ela não estava lá!
O senhor retirou a palavra "grave" na segunda intervenção que proferiu, mas devo dizer-lhe que, até 1997 - e olhe que o Presidente e o Primeiro-Ministro já eram socialistas -, não era necessária a prática de "actos graves", bastava que fossem actos contrários à Constituição, e ponto final. Portanto, mesmo assim, o senhor já recuou um bocadinho… Mas a clarificação fica feita.

O Sr. Gil França (PS): - Não recuei nada!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A segunda observação que lhe faço é a seguinte: o senhor diz que não fez a crítica ao Governo. Sinceramente, devo dizer-lhe que para mim é que a crítica não foi feita, porque não tenho qualquer tipo de poder de demissão dos governos regionais! Portanto, se se referiu a essas situações, indignando-se contra a sua ocorrência, só pode ter criticado quem pode actuar.
Ora, se a crítica não foi dirigida a mim e se o senhor diz que também não era dirigida ao Primeiro-Ministro nem ao Presidente da República; então, não visou ninguém, porque eles são os únicos que podem fazer qualquer coisa. Para mim, repito, não foi, com certeza, porque não tenho poderes alguns sobre essa matéria! Aliás, nem depois de 1997 houve competência alguma da minha parte sobre essa matéria.
Quanto ao que o Sr. Deputado Jorge Lacão agora referiu, devo dizer que tudo o que disse é verdade. Mas esqueceu-se de um pequenino pormenor: quando os senhores tentaram encontrar uma solução, quando se viram um bocado atrapalhados, até porque havia a situação dos Açores onde existia um governo minoritário, o PSD propôs que a dissolução/sanção ficasse prevista relativamente às assembleias legislativas regionais e que, quanto aos executivos, houvesse apenas a dissolução objectiva, através não apenas da moção de censura mas daquelas outras formas que já existem também para o Governo da República - as que lhe eram aplicáveis, como se recorda. Portanto, se quiser, pode pormenorizar, só que não altera nada.
O que o PSD quis foi retirar a dissolução/sanção dos executivos regionais, porque não faz qualquer tipo de sentido, é um estigma, como quem diz: "Se os meninos se portarem mal, levam uma palmada do Presidente da República". Ora, isto até é ofensivo da dignidade das regiões autónomas, como é reconhecido generalizadamente por qualquer das regiões autónomas, seja com maiorias socialistas, seja como maiorias sociais democratas. Todas elas recusam essa menorização de tratamento, como é evidente, bem como os Presidentes da República, por isso é que nunca actuaram!
Esse mecanismo está previsto na Constituição, mas tem um conteúdo vazio, e continua a tê-lo, porque o Partido Socialista não teve abertura política, na última revisão constitucional, quer relativamente à proposta inicial do PSD, que visava, pura e simplesmente, substituir a dissolução/sanção por mecanismos objectivos, como acontece para o Governo da República, quer relativamente à segunda proposta, já apresentada em Plenário pelo PSD, de que o senhor também se recordará, em que a faculdade de dissolução/sanção do Presidente da República ficava exclusivamente para o órgão colegial deliberativo, que é a assembleia legislativa regional. Para o órgão executivo, à semelhança do que acontece para o Governo da República, ficava a objectivação de situações, por alíneas - mas também aí os senhores votaram contra. Portanto, rigorosamente, foi o que se passou.
Todavia, quanto ao essencial, tanto o senhor como eu corroboramos exactamente que já existe um poder político de dissolução para estas situações, que o Dr. Gil França questionava como estando a descoberto. Isso não é verdade, esse poder existe e até já se tentou em revisões constitucionais, se quiser, modernizar ou actualizar um pouco esses próprios mecanismos. Mas um ponto essencial é que esses mecanismos existem para os órgãos regionais,

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não existirão para outro tipo de órgãos - bem ou mal, com falhas, com situações menos ajustadas ao presente, mas existem!
É, pois, importante que esta situação conste da acta.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Miguel, se a pretender usar, também para responder às várias questões que foram colocadas.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, julgo que o decurso dos trabalhos foi elucidativo em relação às questões que foram levantadas. Além disso, o Deputado Luís Marques Guedes já deu resposta a grande parte delas, aliás, a todas elas. Portanto, considero que não vale a pena estar a prolongar os trabalhos.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, e desejando a todas V.V. Ex.as um fim-de-semana retemperante, dou por terminados os trabalhos da primeira leitura. Srs. Deputados, as audições começarão na próxima terça-feira.
Está encerrada a reunião.

Eram 13 horas.

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A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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