SESSÃO N.° 20 DE 13 DE JULHO DE 1911 19
O Sr. José Barbosa: - Se era indifferente, não era republicano.
O Orador: - Mas tambem não era monarchico. Os republicanos teem de ha muito uma maioria - a dos conscientes e dos patriotas.
Apesar de toda a pressão da influencia do jesuitismo, não ha affectos pela monarchia, nem podia havê-los, porque quem trabalha não gosta de ser roubado.
E certo que o povo é na maioria analfabeto e ignorante (e eu não sei se a ignorancia não é peor que o analfabetismo) e não pode consequentemente apreciar determinados assuntos, porque não tem conhecimentos que o habilitem a resolvê-los.
Mas esse homem que não tem, repito, os conhecimentos geraes para ponderar as graves questões politicas que se levantam, sabe bem todavia o que importa fazer na sua aldeia; sabe fiscalizar bem como o seu dinheiro é e deve ser gasto, e tem a competencia precisa para escolher as pessoas que, pela sua honestidade, deve collocar á frente dos negocios.
Sabe tambem dizer que não a um cacique (durante certo tempo ainda alguns existirão), quando esse cacique pretenda alguma cousa que possa aggravar os interesses dos seus filhos.
Estou zelando bem as condições de vida da sociedade portuguesa quando peço o referendum administrativo nas aldeias.
Dê-se ao nosso povo essa escola magnifica. O nosso lavrador de trinta a quarenta annos não está em idade de ir aprender agora o que em novo se lhe deveria ensinar; mas está a tempo de frequentar a escola do referendum, que é uma excellente escola de educação politica.
Por ella ha de ver que a Republica é um facto que até elle vae a perguntar-lhe o que pensa dos negocios da sua aldeia e habilitá-lo a intervir directamente nos negocios do Estado.
Apresento concretizadamente a respectiva proposta e deixo ao cuidado da commissão o redigi-la definitivamente como entender.
A minha proposta é a seguinte:
(Leu).
Nesta proposta ha uma obra de justiça para o povo de Lisboa e Porto.
Tem-se falado (não quero melindrar ninguem) em dedicações pela Republica, mas precisamos não esquecer essa grande dedicação do povo das duas cidades que acabo de indicar, que tanto soffreu e tanto lutou pela implantação do novo regime que estamos gozando, e que deu toda a força aos seus representantes para aqui no Parlamento poderem guerrear a monarchia até ser expulsa das consciencias.
A monarchia foi derrubada e expulsa pelo povo nos comicios, pela sua abenegação, pela sua fé e pela força de dignidade e de energia que dava aos seus parlamentares.
Faça-se essa obra de justiça!
Não é enganar o povo, isto não é lançar poeira nem captar sympathias: é reconhecer-lhe um direito.
Já que falei em direitos, vou referir-me ao capitulo da Constituição que é especial a este ponto.
A garantia dos direitos está em geral bem firmada.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, deixem-me falar-lhes com toda a franqueza.
Não foi por falta de direitos que a monarchia caiu e que a Republica pode um dia atravessar perigos e horas de inquietação. Perigos e inquietação nasceram e podem vir da falta de cumprimento dos deveres.
Nos raros momentos em que na opposição pude fazer alguma propaganda, á custa de sacrificios pesados, eu falei sempre ao povo em deveres e não em direitos.
E fiz assim porque estou intimamente convencido de que é pela dedicação, pelo sacrificio, e pelo cumprimento exacto dos deveres que os homens podem caminhar um pouco na senda do progresso.
Lembro-me do que disse um grande philosopho: "E preciso dar sem restricções, e a todos, o direito de cumprirem fielmente o seu dever".
A liberdade de pensamento não permitte nenhuma pressão; liberdade de consciencia é condição da vida humana, mas que os cidadãos livres tenham sempre a noção positiva de que é pelos seus deveres que cooperam na obra nacional e em favor dá humanidade.
O illustre Deputado que me precedeu, referiu-se a outro ponto, em que tencionava igualmente falar e que, não obstante, por se me tornar agradavel, quero ainda chamar a mim para terminar o meu discurso.
Refiro-me aos direitos das mulheres.
Tenho visto perseguidas com as calurnnias mais injustas pobres mulheres do campo, que teem dado á Patria o mais sublimado exemplo da sua dedicação. Ainda ha pouco ellas deram uma prova de santa resignação no soffrimento, vendo partir, sem queixumes, os filhos para a fronteira. Não se diga que é atrasada uma mulher que tem tão bellas tradições, não se diga que é reaccionaria, porque é falso; é mãe exemplar, é esposa carinhosa, é irmã modelo. A mulher portuguesa tornou viva a linda palavra - saudade.
Não peço se lhe dê já inteira capacidade politica (e a capacidade politica pode tornar-se illusoria para a mulher), mas quero-a com capacidade civil que a liberte da escravidão infamante em que a teem mantido os seus exploradores.
Eu lembro-me perfeitamente de que Gounard, num livro sobre a mulher na industria, diz que a mulher portuguesa está no nosso país numa situação superior á de muitas nações mais democraticas, porque o nosso Codigo Civil lhe confere certas garantias na administração dos bens que evitam e a livram, em parte, do perigo de serem exploradas pelos maridos, pelos pães ou pelos irmãos, mas entende que essas disposições não são bastantes a arredar-lhes na verdade e por completo esse enorme e vergonhoso mal.
Confiramos-lhes, pois, as garantias civis a que tem direito e assim teremos radicado na alma popular a ideia de que a Republica Portuguesa é uma effectiva democracia, que não está disposta a lançar-se apenas nas lutas estereis dos interesses particulares.
Disse ha pouco, Sr. Presidente, que tencionava apresentar uma proposta sobre os funccionarios publicos. Essa proposta é a seguinte.
(Leu).
Trata-se de uma lei que, democraticamente, assegura a competencia e a liberdade dos funccionarios publicos e os torna responsaveis pelas faltas que commetterem.
Essa lei é absolutamente indispensavel, se quisermos sanear a administração. A não se legislar qualquer cousa neste sentido, continuaremos a viver na anarchia.
O funccionario tem o direito de expor as suas opiniões, mas o que não pode é perturbar a vida do Estado com lutas ou manifestações de sentimentos que sejam antipatrioticos.
Definam-se, pois, bem os seus direitos e os seus deveres.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: a hora vae muito adeantada, e eu não posso, tomando agora a palavra, concluir as minhas considerações até o final da sessão, e attendendo ainda a que varios Srs. Deputados pediram a palavra para antes d'ella se encerrar, julgo melhor que essa palavra me seja concedida amanhã, por que não desejo de forma alguma levar para casa a palavra reservada.