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N.º 10

SESSÃO DE 21 DE JANEIRO DE 1892

Presidencia do exmo. Sr. Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Matheus Teixeira de Azevedo

SUMMARIO

Não houve expediente. - Representações apresentadas pelos srs. Antonio de Azevedo Castello Branco (presidente), Sousa Machado, Laranjo, Mattozo Corte Real e Pinheiro Chagas. - Justificação de faltas do sr. Silveira Figueiredo. - Considerações do sr. Mattozo Corte Real sobre a publicação de dois decretos, que considera dictatoriaes. O mesmo sr. deputado reclama a presença do sr. ministro das obras publicas, a quem deseja dirigir algumas perguntas. - O sr. Laranjo acompanha com algumas considerações a representação, que manda para a mesa, dos operarios romeiros de Portalegre. - O sr. Eduardo José Coelho insta pela remessa de uns documentos, e refere-se de novo á necessidade de ouvir o sr. ministro dó reino sobre os acontecimentos de Vimioso.- O sr. Fuschini pede ao governo que não deixe sophismar nos regulamentos dos manipuladores de tabaco as vantagens e regalias que a lei lhes concedeu. Nega que o theatro de S. Carlos tenha recebido favores e protecção especial do estado emquanto exerceu o cargo de fiscal do governo, contestando assim a afirmação de um jornal. - O sr. Avellar Machado sustenta que a classe militar não se oppõe a tomar parte nos sacrifícios que forem necessários para honra do paíz. Em seguida expõe algumas considerações, tendentes a mostrar que o sr. Fuschini fora menos justo quando censurara o sr. Franco Castello Branco, ex-ministro das obras publicas, por ter mandado suspender as empreitadas para a construcção de algumas estradas. - O sr. Christovão Ayres associa-se às palavras do orador precedente com respeito á classe militar, e dirige ao governo algumas perguntas com respeito ao tratado da índia. - Resposta do sr. ministro da fazenda. - Approva-se uma proposta para aggregaçSo, apresentada pelo sr. Pinheiro Chagas. - Usa largamente da palavra o sr. Ferreira de Almeida, fazendo diversas considerações sobre as dificuldades que assoberbam o paiz, e sustentando de novo a conveniência da alienação de algumas das nossas colonias. - Declaração do sr. ministro da fazenda.-A requerimento do sr. Carrilho, dispensa-se o regimento para entrar em discussão o projecto n.° 2. É approvado sem discussão.

Na ordem do dia continua a discussão sobre o projecto n.° 33 (pautas), e conclue o seu discurso, começado na sessão anterior, o sr. Fuschini. - Dá-se conta da ultima redacção do projecto de lei n.° 2. - Responde ao sr. Fuschini o sr. relator, Pereira Carrilho, que fica ainda com a palavra reservada.-Usam da palavra sobre o tratado da Índia os srs. ministros da marinha e dos negócios estrangeiros, em resposta ao sr. Christovão Ayres, que sobre o mesmo assumpto ainda expõe algumas considerações.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 45 srs. deputados. São os seguintes:- Adriano Augusto da Silva Monteiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, António Augusto Correia da Silva Cardoso, António de Azevedo Castello Branco, António Manuel da Costa Lereno, António Maria Cardoso, António Maria Pereira Carrilho, Antonio Sergio da Silva e Castro, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto José Pereira Leite, Augusto Maria Fuschini, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo José Coelho, Eugênio Augusto Ribeiro de Castro, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Castro Mattozo da Silva Corte Real, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Jacinto Candido da Silva, João Marcellino Arroyo, João de Paiva, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João de Sousa Machado, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Simões Ferreira, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José António de Almeida, José de Azevedo Castello Branco, José Bento Ferreira de Almeida, José Frederico Laranjo, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Júlio Rodrigues, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Greenfield de Mello, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Monteiro Soares de Albergaria, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Luciano Cordeiro, Manuel d'Assumpção, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Ignacio de Gouveia e Thomás Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abílio Eduardo da Costa Lobo, Adolpho da Cunha Pimentel, Agostinho Lúcio e Silva, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Baptista de Sousa, António Maria Jalles, António Máximo de Almeida Costa e Silva, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto César Elmano da Cunha e Costa, Bernardino Pereira Pinheiro, Carlos Roma du Bocage, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduardo de Jesus Teixeira, Elvino José de Sousa e Brito, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Pereira Palha Osório Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Francisco de Almeida e Brito, Francisco António da Veiga Beirão, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico de Gusmão Correia Arouca, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, João Alves Bebiano, João de Barros Mimoso, João Eduardo Sotto Maior Lencastre e Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Pinto Moreira, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Simões Pedroso de Lima, Joaquim Alves Matheus, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Christovão Patrocínio de S. Francisco Xavier Pinto, José Domingos Ruivo Godinho, José Estevão de Moraes Sarmento, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria dos Santos, José Paulo Monteiro Cancella, José de Sampaio Torres Fevereiro, José Simões Dias, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel de Arriaga, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Pinheiro Chagas, Marcellino António da Silva Mesquita, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Pedro Victor da Costa Sequeira, Tito Augusto de Carvalho e Visconde de Tondella.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Emílio de Sousa Cavalheiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, António Eduardo Villaça, António Jardim de Oliveira, António José Arroyo, António José. Ennes, António José Lopes Navarro, Antonio José Pereira Borges, António Mendes Pedroso, António Pessoa de Barros e Sá, António Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Au-

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

gusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Auguato Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Bernardino Pacheco Alves Passos, Caetano Pereira Sanches de Castro, Carlos Lobo d'Avila, Conde do Covo, Conde de Villa Real, Eduardo Abreu, Emygdio Julio Navarro, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Fernando Mattozo Santos, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Severino de Avellar, Frederico Ressano Garcia, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Lobo de Santiago Gouveia, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Teixeira Sampaio, José Dias Ferreira, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Peixoto, Julio Antonio Luna de Moura, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel Affonso Espregueira, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro de Lencastre (D.), Roberto Alves de Sousa Ferreira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

REPRESENTAÇÕES

Da sociedade das sciencias medicas de Lisboa, pedindo que na futura pauta das alfândegas seja formal e expressamente prohibida a importação de remédios de. composição secreta.

Apresentada pelo sr. presidente da camara, e enviada á commissão especial de pautas.

De 415 habitantes da cidade de Mindello, da ilha de S. Vicente de Cabo Verde, contra a concessão feita dos terrenos da praça de D. Luiz, da mesma ilha, a uma empreza nacional, que se propõe fundar um novo deposito para abastecimento de carvão a vapores.

Apresentada pelo sr. deputado Sousa Machado e enviada á commissão do ultramar.

Dos operários da fabrica de rolhas de cortiça, estabelecida em Portalegre, contra o direito de importação a 10 réis.

Apresentada pelo sr. deputado Laranjo e enviada á commissão especial de pautas.

Da camara municipal de Albergaria, contra a legislação do recrutamento militar.

Apresentada pelo sr. deputado Mattozo Corte Real, enviada á commissão do recrutamento e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Aveiro, pedindo que sejam feitas varias alterações na legislação do recrutamento militar.

Apresentada pelo sr. deputado Mattozo Corte Real, enviada, á commissão de recrutamento e mandada publicar no Diario do governo.

Da associação comraercial do Porto, pedindo que seja illiminado do projecto das pautas o processo da contagem de fios e pesagem por metros quadrados.

Apresentada pelo sr. deputado Pinheiro Chagas e enviada á commissão especial de pautas.

Da associação de classe de tanoeiros de Gaia e Porto, contra o direito de 45 por cento para o vasilhame (madeira em obra).

Apresentada pelo sr. deputado Pinheiro Chagas e enviada, á commissão especial de pautas.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

O sr. deputado por Chaves, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, encarrega-me de informar a v. exa. de que não tem comparecido a algumas sessões, e continuará a faltar a outras, por motivo justificado. = Pestana de Vasconcellos.

Para a secretaria.

O sr. Sousa Machado: - Mando para a mesa uma representação de 415 habitantes da cidade de S. Vicente de Cabo Verde, contra a concessão dos terrenos da praça de D. Luiz da mesma ilha, concessão feita a uma empreza nacional, que se propõe fundar um novo deposito para abastecimento de carvão a vapores.

Peço a v. exa. que se digne mandar esta representação á commissão respectiva, para a tomar na consideração que merecer.

Para a commissão do ultramar.

O sr. Francisco de Castro Mattozo: - Manda para a mesa e requer que sejam publicadas no Diario do governo duas representações; uma da camara municipal do concelho de Aveiro, e outra da camara municipal do concelho de Albergaria a Velha, pedindo que sejam feitas, algumas modificações na. legislação relativa ao recrutamento militar.

Não faz considerações a respeito do assumpto destas representações por não estar presente nenhum dos srs. ministros.

Deseja que seja prevenido o sr. ministro das obras publicas para que, na primeira opportunidade, venha á camara, a fim de responder a algumas perguntas que precisa dirigir a s. exa. sobre assumptos importantes para o circulo que representa.

Também deseja ouvir o governo com referencia aos decretos publicados hontem no Diario, decretos pelos quaes se vê que o governo entende estar a lei de 30 de junho do anno passado ainda em vigor, apesar de estar aberto o parlamento.

Sempre entendeu que as auctorisações concedidas ao governo só vigoram no intervallo parlamentar, porque não é possível, com o parlamento aberto, estarem dois poderes a legislar; e sendo neste sentido que se pronunciou ainda ultimamente, quando combateu a legalidade da ultima reforma judiciaria, não póde deixar de tomar a palavra a respeito dos decretos a que se refere. Pede por isso ao sr. presidente que o inscreva para quando estiver presente algum dos srs. ministros, a fim de lhe perguntar qual é a opinião do governo a respeito deste assumpto.

Termina declarando que, quando falla na camara, o faz sempre sinceramente, em seu nome. A responsabilidade do que diz é só sua, assim como não assume nunca a responsabilidade do que os outros dizem.

As representações foram enviadas á commissão de recrutamento e mandadas publicar no Diario do governo.

(O discurso será publicado na integra, guando s. exa. o restituir.)

O sr.. Frederico Laranjo: - Pedi: a palavra para mandar para a mesa uma representação dos operários da fabrica de rolhas de cortiça de Portalegre, pedindo que seja eliminado da pauta o direito de 10 réis por kilogramma de cortiça em bruto que seja importada.

Pela pauta anterior a importação da cortiça em bruto não pagava direito algum, estava simplesmente sujeita ao direito de 2 por cento ad valorem para portos e barras.

Póde parecer á primeira vista que este direito, que se

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acrescenta é um direito protector da agricultura portugueza, e que não prejudica em cousa alguma os operários da fabrica, mas não é assim.

Se consultarmos as estatísticas portuguezas a respeito da importação da cortiça não se encontra n'ellas importação alguma de cortiça em bruto que tenha importância que possa affectar e prejudicar a venda da cortiça portugueza, ha apenas uma importação feita de algumas povoações da raia hespanhola para povoações portuguezas próximas da raia, onde ha fabricas de cortiça, quer dizer os donos de fabricas de cortiça em Portugal, fazem arrendamentos de cortiça, tanto em Portugal, como nas povoações vizinhas de Hespanha. Se agora se vae lançar um imposto sobre a cortiça importada da Hespanha, o que acontecerá? E que os donos dessas fabricas, em geral estrangeiros, inglezes,, passam as fabricas de Portugal para Hespanha, e a cortiça, e portanto a agricultura, pouco ou nada lucra com o imposto que lhe é lançado.

Esta industria, com o imposto que na pauta se lhe lança ficará portanto nas seguintes condições: de Portugal para Hespanha poderá passar a cortiça comprada por arrendamento ou por outra qualquer forma, da Hespanha para Portugal não poderá passar nem a cortiça das propriedades dos donos das fabricas, nem das propriedades por elles arrendadas! O resultado immediato é que as fabricas collocadas na raia de Portugal, fabricas de cortiça em obra de qualquer espécie, passam todas de Portugal para Hespanha.

Parece-me, portanto, que a representação dos operários da fabrica de cortiça de Portalegre; é digna de toda a at-terição dos poderes públicos, envio-a para a mesa e peço a v. exa. que a remetta á commissão de pautas, sendo tambem publicada pelo mesmo modo por que têem sido publicadas as outras representações, relativas á pauta que se discute. Espero ter occasião de fallar na discussão da pauta, voltarei nessa occasião ao assumpto, que é importante e grave.

Tenho dito.

A representação foi enviada á commissão especial das pautas.

O sr. Eduardo José Coalho: - Pedi a palavra para perguntar a v. exa. se estão já na mesa alguns documentos que pedi, especialmente pelo ministerio da justiça; e se não estiverem, pedia a v. exa. a fineza de renovar as instancias necessarias, para que quanto antes me sejam enviados.

O sr. Presidente: - Ainda não vieram os documentos pedidos pelo illustre deputado, mas vae fazer-se novo pedido.

O Orador. - Agradeço a v. exa.; mas como houve mudança do gabinete, talvez na secretaria d'estado se entenda que posso prescindir desses documentos, quaudo não prescindo.

Visto que estou com a palavra, tenho a fazer declarações á camara sobre assumptos que interessam ao meu circulo.

Tinha particularmente prevenido o sr. ex-ministro do reino, para que comparecesse nesta casa, a fiai de pedir-lhe as providencias que julgasse conveniente tomar, relativamente aos gravíssimos acontecimentos que tiveram logar no concelho de Vimioso nos dias 7 e 8 deste mez, quando se procedia á eleição da commissão recenseadora.

S. exa. teve a amabilidade de responder-me, que só na terça ou quarta feira poderia comparecer nesta camará; os acontecimentos políticos que todos conhecemos, não permittiram que esse comparecimento se realisasse, e por isso não tive ensejo de interpellar s. exa. sobre este assumpto.
Faço esta declaração, para que conste qual o motivo do meu silencio, pois que não podiam aquelles graves attentados deixar de merecer a minha atteação, da camara e do governo.

E como a questão não é deste, ou daquelle governo, peço a v. exa. me conserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro do reino ou da justiça.

Tenho dito.

O sr. Fuschini: - (O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Avellar Machado: - O meu illustre amigo e distincto collega o sr. Abilio Lobo, nas perguntas que hontem fez ao sr. ministro da fazenda referiu-se com um certo calor às reducções que se diz vão fazer-se nos vencimentos dos empregados publicos, exigindo que essas reducções attingissem tambem os vencimentos dos officiaes do exercito.

O nobre ministro respondeu, como não podia deixar de fazer, e com um certo calor, de que estivesse s. exa. certo de que o sacrificio a impor aos funccionarios publicos havia de abranger tambem a classe militar.

Como alguém, que não eu, podia inferir da pergunta do illustre deputado e da resposta do nobre ministro, que pela mente de qualquer official da armada ou. do exercito passara a idéa de que, por um acto de egoísmo feroz, e valendo-se das excepcionaes circumstancias da classe, se pretendia esquivar aos dolorosos sacrificios que a patria tem direito de exigir de todos os seus filhos, eu, pela minha parte, e creio que todos os officiaes do exercito e da armada serão da mesma opinião, associo-me do coração a todas as medidas que se prove serem indispensáveis para manter os nossos compromissos e honrar o nome portuguez. (Muitos apoiados.)

Escuso de dizer á camara o que ella aliás sabe perfeitamente, isto é, que o exercito e a armada portugueza, em todos os tempos e em todas as occasiões, tanto nos mais remotos, como nos mais recentes, deu sempre as mais dedicadas provas do seu patriotismo, e inexcedivel civismo. (Apoiados.)

Por consequencia, não era necessario perguntar, e muito menos insistir na pergunta, se os vencimentos dos officiaes do exercito e da armada eram ou não comprehendidos era qualquer sacrifício que o para exigisse dos seus servidores. (Apoiados.)

Se houvesse um parlamento tão injusto que os exceptuasse da lei geral, eu seria o primeiro a reclamar, como deputado, que o sacrificio se estendesse ao exercito e armada, pois estou convencido que desde o generalíssimo até ao ultimo official todos quererão briosamente contribuir para que Portugal continue a manter a posição respeitavel que alcançou entre as demais nações. (Apoiados.)

Demais, em todos os tempos e ainda á custa dos maiores sacrificios, os officiaes do exercito e da armada, contribuiram sempre com as migalhas dos seus minguadissimos soldos para occorrer às necessidades do thesouro, em epochas calamitosas, como a actual.

E não só isso; talvez neste momento me estejam ouvindo officiaes que alom dos descontos nos seus parcos soldos, tenham de atrazo no pagamento d'elles dezoito a vinte mezes, e não deixaram nunca de cumprir com o seu dever, mantendo a ordem, e batendo-se nos campos de batalha. (Apoiados.)

V. exa., sr. presidente, e a camará, sabem perfeitamente que o exercito e a armada ainda nas recentes expedições á Zambezia, á Índia e a Moçambique, no ultramar, como no continente, deu sempre inequivocas provas do seu valor, disciplina, abnegação e desinteresse. (Apoiados.)
Em toda a parte onde tem sido necessario enviar o exercito de terra ou de mar; em todos os pontos onde ha sido indispensável a sua presença, elle tem sabido sempre honrar o nome portuguez. (Apoiados.)

Portanto, creia a camara que os sacrifícios pecuniários que lhe exija, não obstante affectarem consideravelmente o seu, já difficil, modo de viver, esses sacrifícios ainda são dos menores que o exercito tem feito e que está sempre prompto a fazer pela pátria. (Apoiados.)

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

As forças de terra e mar já em outros tempos calamitosos soffreram grandes descontos e grandes atrazos nos pagamento, que lhes eram devidos, sem por isso deixarem de cumprir briosamente todos os seus deveres. Se o exercito tivesse voz no parlamento, que não tem, o que elle pediria ao governo e á camara era, que antes de cortarem em vencimentos que mal chegam para a decente sustentação dos que os percebem, cortes que representam para muitos o pão de suas familias, e a educação de seus filhos, cortassem primeiro pelas despezas inuteis, pelas despezas de representação, pelas embaixadas em duplicado, e pelos governadores geraes tambem em duplicado. (Apoiados.) Parece-me que se podiam reduzir muitos serviços às suas naturaes proporções, de preferencia a ferir os funccionarios que modesta e honradamente e a troco do indispensável salario, cumprem lealmente com as obrigações que contrahiram para com o estado.

Parece-me que, em logar de termos lá fora embaixadores e ministros plenipotenciários a esmo, nos poderíamos contentar, pelo menos em algumas cortes, com simples encarregados de negócios. Creio que o paiz ficaria igualmente bem representado, sem ser necessario gastar tantos contos de réis!

Estes assumptos hei de discutil-os quando o governo trouxer o orçamento de previsão a esta camará. A discussão do orçamento é, sem duvida, a occasião mais asada de passar em revista os serviços publicos e de mostrar ao governo quaes os serviços onde as despezas podem sem inconveniente ser reduzidas. (Apoiados.)

Não sei se este anno o governo tenciona trazer á discussão parlamentar o orçamento para o anno economico futuro; mas se não tenciona, e se prefere alcançar a votação da lei de meios, para mais tranquillamente os srs. ministros trabalharem a sós nos seus gabinetes, a responsabilidade será exclusivamente sua, porque ninguém quer dar lhes o menor pretexto ou desculpa se não cumprirem as suas promessas. Eu muito desejava que o governo trouxesse á discussão parlamentar o orçamento do proximo anno económico, afim de que todos os meus collegas podessem manifestar a sua opinião ácerca da reducção das despezas publicas, e de quaes os artigos em que essa reducção era compatível com a regularidade dos mesmos serviços, de modo que não houvesse economias contraproducentes, como algumas que, por vezes, se têem feito.

E por esta occasião permitta-me o illustre deputado o sr. Fuschini que lhe diga que foi injusto com o illustre deputado, e meu honrado amigo o sr. Franco Castello Branco, que quando ministro, mandou suspender algumas empreitadas de construcção de estradas.

O sr. ex-ministro das obras publicas Franco Castello Branco, ao tomar uma tal medida, não pensou sequer nos proveitos dos empreiteiros ou nas suas perdas, e tão sómente nas vantagens que das suas medidas resultavam para o paiz. (Apoiados.) O meu distincto amigo e arrojado estadista procedeu sempre nas melhores intenções, e com a mira de reduzir as despezas do seu ministerio às proporções que as circumstancias precárias do paiz lhe impunham.

V. exa. comprehende que as palavras de justiça que pronuncio não miram simplesmente a defender o partidário; estou ao lado do sr. Franco Castello Branco, porque elle foi sempre um funccionario zeloso, honrado, recto e justo; (Apoiados.) e como ministro deixou de si, em mil documentos, as provas mais incontestáveis da sua actividade, da sua energia, do seu talento, e do desinteresse partidário com que geriu os negócios públicos. (Apoiados.) Todos sabem que eu digo simplesmente a verdade. (Apoiados.)

O sr. ex-ministro das obras publicas não foi ver se nos lanços de estradas, cujos contratos mandou denunciar, esses contratos eram ou não favoráveis aos empreiteiros: resolveu denuncial-os tendo apenas em vista o interesse publico, (Apoiados.) e a eliminação de encargos superiores às forças actuaes do paiz.

Não obstante, sOmente foram suspensos os trabalhos nos lanços que podiam soffrer, sem prejuízo, maior demora na construcção. É necessario ponderar que o nobre ex-ministro das obras publicas encontrou, não só esgotada a verba para a construcção, reparação e conservação de estradas e edifícios públicos, mas ainda uma divida de perto de 3:000 contos de réis, que teria de ser paga pelas forças, dos orçamentos futuros.

Era-lhe, portanto, indispensável tomar uma medida energica, justificada pelas circumstancias, e tomou-a. Honra lhe seja.

Para isso chamou os empreiteiros e disse-lhes: os senhores são credores ao estado por avultadas quantias, que eu não posso saldar por falta de recursos.

Querem, porventura, continuar com os trabalhos, não obstante eu não lhos poder pagar, augmentando dia a dia a importância dos seus créditos sobre o estado?

É claro que a resposta foi unanimemente negativa. Pois então requeiram a rescisão dos seus contratos com o estado, podendo este reservar-lhes o direito para executarem esses trabalhos em epocha opportuna, se assim lhes convier.

Os empreiteiros, desde que fizeram o sacrifício de ir á praça arrematar os trabalhos de construcção das estradas, é porque suppunham tirar fructo dos seus capitães e da sua actividade; tinham, pois, toda a vantagem em os concluir; mas desde que,o ministro lhes expunha as rasões pelas quaes não podia, pela sua parte, pagar-lhes em dia os trabalhos executados, concordaram immediatamente na rescisão dos contratos, e o governo realisou uma das mais importantes, justificadas e das mais rascáveis economias da sua curta administração, e que mais,bem recebida foi pela opinião publica.

Até nós, representantes do paiz a acceitámos resignadamente, não obstante muitos desses lanços de estradas atravessarem os circulos que nos elegeram, pois todos comprehendemos que era chegada a occasião dos sacrifícios. (Apoiados.)

Não tenho portanto, senão a louvar por este acto o sr. Franco Castello Branco como ministro das obras publicas, e pena foi que alguns dos seus illustres collegas se não guiassem pelo mesmo criterio.

Tenho dito.

O sr. Christovão Ayres: - O fim especial para que pedi a palavra foi para dirigir ao governo umas perguntas ácerca de um assumpto da máxima importância, e sobre o qual entendo que o paiz deve ter alguma noticia.

Se não a teve ainda, foi de certo por causa das ultimas complicações políticas que inhibiram o governo de informar o parlamento como era para desejar.

Antes, porém, de dirigir essas perguntas, permitta-me a camara que, apesar do meu fim ser restricto, eu me associe às palavras que o sr. Avellar Machado acaba de proferir.

A classe militar não se exime aos sacrificios que se tem de pedir ao paiz, com a differença apenas de que, tanto para essa classe como para as outras, haja a máxima equidade e justiça, provando-se primeiramente, e antes de aggravar a situação, já precária, do pequeno funccionario, se cortem primeiro todas as excrescências e desigualdades.

Dito isto, sr. presidente, passo ao meu assumpto:

Consta-me que se romperam as negociações do tratado da India, e eu desejava saber, quaes foram, em consequência deste facto, as medidas adoptadas pelo governo. Sinto não estar presente o sr. ministro dos negócios estrangeiros, ou o da marinha; está, porém, o sr. ministro da fazenda, e eu desejaria saber se s. exa. tem conhecimento de se haverem rompido as negociações, e se póde informar a camara sobre as providencias adoptadas desde já.

Quaes as medidas que pensa adoptar para evitar as con-

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sequencias, - que a imprevidência e a falta immediata de acção tornaria perniciosas -, da rápida passagem do regimen do tratado, que era o regimen do livre cambio, para o regimen da protecção.
O tratado convertera a colónia portugueza num mercado de consumo das províncias inglezas; o pouco que havia da iniciativa nacional desapparecêra. Hoje, depois da propriedade estragada, o locatário abandona-a, por lhe não serem acceitas as condições vergonhosas que desejava impor. Todo um novo systema de vida interna se estabelece, e é, necessário, portanto, habilitar o povo da Índia portugueza a entrar sem perigo na sua nova posição.
Não poderá o governo ter deixado de determinar desde já a adopção de uma pauta provisória, e de restabelecer sobretudo pelo lado terrestre, e nos termos convenientes, a linha das alfândegas, tendo em attenção principalmente Colem, junto ao caminho de ferro, e hoje ponto principal da entrada das mercadorias mais importantes.
Consta-me que o governo vae enviar para a índia, a fim de organisar os serviços requeridos pela extincção do tratado, e do auxiliar o governo local com os, conhecimentos profundos que tem da especialidade, o sr. Joaquim Arez.
Applaudo a nomeação e estimarei que o governo saiba dar a essa auctoridade, e aos poderes locaes, todos os elementos para, de harmonia com o governo da metrópole, resolver o actual problema a contento dos interesses do estado e dos interesses dos particulares.
Eu, sr. presidente, fui sempre contrario ao tratado da índia; não porque deixasse de reconhecer algumas vantagens que eu tinha para nós, mas porque, não só essas vantagens eram absorvidas pelas desvantagens correspondentes e pelos encargos do caminho de ferro, mas porque os gravames á soberania nacional implicavam solemnemente com a minha consciência de portuguez; ê, principalmente, sr. presidente, porque eu previa este resultado, que era aliás, bem fácil de prever. No tratado tinham sido estabelecidas as compensações, áquillo que deixávamos de receber; mas era um simples engodo temporário, para mais facilmente deixarmos acommodar a colónia ás. necessidades da Inglaterra.
Comas novas exigências do inglez, que parece incrível que um paiz culto e digno as fizesse -, as compensações desappareciam e ficavam de pé, mais aggravados ainda, os encargos e os vexames. O governo portuguez não acceitou essas clausulas, e fez muito bem! Felicito-o por isso. Acceitarmos imposições contra os nossos interesses, e novos gravames á soberania da nação; ficarmos incomparavelmente em peiores condições, a todos os respeitos, era impossível! Eu declarei desde logo a minha confiança no patriotismo dos negociadores, e estimo ter acertado.
Vae a Índia soffrer um abalo grande, é claro; não se passa de um regimen para o totalmente opposto, sem produzir perturbação; mas sofframos-lhe as consequências, e haja resignação e coragem para luctar e esperar. Vigiemos as pautas inglezas, para a confecção das nossas, e tenhamos o cuidado de seguir as suas manobras, que hão de ser férteis; tenhamos sobretudo cuidado com o caminho de ferro, esse cancro, e esse perigo.
Apresse-se o governo a dar publicidade aos documentos que mostrem bem claro ao paiz quaes as rasões por que o tratado desappareceu.
Depois, - estudada seriamente a questão das pautas na índia -, com a receita das alfândegas, sobretudo mais tarde, e com o rendimento do abkari, a situação da Índia não será desesperada, se soubermos realisar ali o que se está tornando urgente: a organisação mais económica e mais seria dos serviços públicos.
Façam-se sacrifícios, mas salvemos uma colónia que é uma gloria passada, e salvemos a nossa dignidade de nação.
Tudo menos novos sacrifícios e vexames inacceitaveis.
A Inglaterra tem com a França, em Pondichery, um tratado sobre o sal; mas não lhe impoz, nem se atreveria sequer a propor, condições onerosas e sobretudo contrarias ao brio francez. É que a França é um paiz forte! A nós queria-nos tirar as indemnisações que nos dava, de 4 laques de rupias, (artigo 15.° do tratado), as indemnisações aduaneiras, a da convenção monetária e outras, para; nos collocar na situação de escravos, mais uma vez acorrentados e espesinhados por esse funesto paiz, cuja historia escuso de fazer n'este momento.
Está felizmente á testa dos negócios do ultramar um homem que conhece a índia, e estudou perfeitamente o assumpto de que me occupo. A elle peço que volte especialmente a sua attenção para aquella colonia.
Este momento não póde ser mais grave; e, no emtanto, sr presidente, nem em Goa nem em Damão ha hoje governador! Não seria tempo de acabar com este systema de constantes passeios de governadores do ultramar até á metrópole?
Termino aqui as minhas considerações, esperando que o sr. ministro da fazenda se dignará dizer-me se póde responder às perguntas que dirigi ao governo; e no caso de não estar informado, se me fará a fineza de communicar aos srs. mitros dos negócios estrangeiros e ao da marinha o que acabo de expor.
O sr. Ministro da Fazenda (Oliveira Martins): - Desejaria, poder responder desde já às perguntas que acaba de dirigir ao governo o meu amigo o sr. Christovão Ayres; mas, effectivamente, não conheço quaes as providencias que hajam sido tomadas pela respectiva secretaria, ácerca do novo regimen aduaneiro, em que entra neste momento a India portugueza.
Entendo, todavia, que, expirado o tratado, as cousas voltam ao estado anterior.
Quanto às indicações, que s. exa. coordenou, eu as communicarei aos meus collegas dos estrangeiros e da marinha.
Aproveito o ensejo para responder ao illustre deputado o sr. Avellar Machado, declarando que o governo não tem tempo de formular o orçamento do estado para ser presente á camara e vigorar no anno de 1892-1893; mas apresentará o orçamento que foi organisado pelo governo, nosso antecessor.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Pinheiro Chagas (por parte da commissão especial de pautas): - Mando para a mesa duas representações que recebi, na minha qualidade de presidente da commissão especial de pautas. Uma dellas é da associação commercial do Porto, pedindo que seja eliminado do projecto da pauta o processo da contagem de fios e pesagem por metros quadrados, e a outra da associação da classe de tanoaria de Gaia e Porto contra o direito de 45 por cento para o vasilhame (madeira em obra).
Quando o projecto estava sendo discutido na commissão, mandavam-se imprimir Q distribuir pelos seus membros as representações que se recebiam; agora, que o projecto está em discussão na camara, parecia-me conveniente, que as representações que vierem sejam igualmente impressas em annexo e distribuídas pelos srs. deputados. E o que peço em relação a estas.»
Aproveito a occasião de estar com a palavra para tambem mandar para a mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que seja aggregado às commissões das pautas e de fazenda o nosso collega o sr. Franco Castello Branco. = Manuel Pinheiro Chagas.
Foi approvada.
As representações foram a imprimir para serem presentes á commissão de pautas.
O sr. Ferreira de Almeida: - Sr. presidente, v. exa. póde testemunhar á camara que eu me tinha feito insere

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ver hontem e que não usei da palavra por não me ter cabido, na ordem da inscripção, no tempo destinado para as discussões antes da ordem do dia. O meu principal intuito nessa occasião era chamar a attenção do governo para o seu primeiro acto de administração, consoante as idéas que expoz; acto que revela menos energia do que elle precisa manter no logar que occupa, e um testemunho de menos correcto conceito para com as classes militares.
Quando um governo é recebido como o actual, sob a anciosa esperança da salvação publica; quando todas as parcialidades e individualidades mais ou menos proeminentes da política lhe promettem a sua benevolencia; quando com variadas flores de rhetorica esse acolhimento se consubstancia no cumprimento - governo redemptor, eu te saúdo - aqui tens a teus pés de cócoras tudo, - esse governo não podia, sem desmentir as esperanças que nelle se depositam, publicar um decreto de excepção, que por um lado significa fraqueza, e por outro desconsideração pelas classes militares, no respeito a que que ellas têem direito como collectividade: - fraqueza, por não se comprehenderem na suppressão decretada as gratificações extraordinárias dos funccionarios militares, não consignadas em lei, nem no orçamento; desconsideração por suppor que os despeites de uma dúzia de protegidos poderiam arrastar, como seus subservientes, o resto de um quadro que na armada é de 300 officiaes.
Sr. presidente, para que possam exigir-se sacrifícios com justiça, é preciso acabar com abusos de toda a ordem, sejam elles de que espécie forem. (Apoiados.)
Para se poder apreciar com justiça a indispensabilidade das medidas de reducção, que o sr. presidente do conselho declarou seriam presentes á camará, peço ao governo que as faça acompanhar da relação das gratificações que existem actualmente, não consignadas na lei, e que saem das verbas dos diversos capítulos do orçamento, para assim se poder justificar a acceitação dessas reducções, nota da importância que taes reducções produzem em cada ministério, nota das dividas á fazenda, por adiantamentos, muitas vezes não justificados, por principio algum, e que representam uma divida de muitos contos de réis, em que o reembolso á fazenda por via de desconto nos vencimentos não chega a representar o juro normal da mesma divida! (Apoiados.)
Desde que o governo entra nos conselhos da corôa ajudado com o favor de todos os partidos, ou porque elles se julguem fracos, ou porque queiram dar-lhe toda a força, de que realmente carece na presente conjunctura, é necessario que o governo seja enérgico, e, infelizmente, o seu primeiro acto colloca-o mal a si próprio, e às classes dos differentes servidores do estado, entre si.
Sr. presidente, devo confessar, destoando da harmonia geral, sem duvida sincera, com que o governo foi recebido, que não juro acceitar como boa norma financeira o programma apresentado pelo sr. presidente do conselho, e que tem por base a deducção nos vencimentos dos funccionarios públicos e a reducção forçada do juro da nossa divida. A primeira é uma violência, a segunda é uma falta de contrato, é uma fallencia que póde ser classificada de fraudulenta não só pelos muitos abusos que para ella concorreram, mas porque muitos credores do estado o são contra vontade por disposição taxativa da lei.
Ambas as medidas hão de reflectir-se profundamente no abaixamento das receitas publicas, e um paiz que baseia â sua organisação financeira em similhantes processos, é um paiz annullado pela inefficacia de taes medidas, e perdido pelo desconceito geral.
As declarações feitas, porém, pelo sr. ministro da fazenda, na sessão de hontem, attenuaram uma parte da impressão desagradável que me tinham feito as declarações do sr. presidente do conselho, porquanto s. exa. disse-nos que não serão só onerados os empregados públicos, pois que a nova tributação irá tambem incidir sobre o commercio, a propriedade e a industria.
Se o paiz está, como se diz, e eu creio, á beira do abysmo, se a nova tributação é o único meio de salvação publica, não póde haver excepção no sacrifício. (Apoiados.)
Disse-nos tambem o sr. ministro da fazenda, singularmente, que tanto a situação do thesouro, como a economia do paiz, eram realmente difficeis, e tendo o governo promettido a maior clareza na exposição das circumstancias difficilimas do thesouro, precisa definil-as para apagar de vez, no espirito dos ingénuos, as esperanças nebulosas em que muitos vivem embalados.
A questão, nos seus termos geraes, e consoante informações que tenho por fidedignas, reduz-se ao dilemma fatal,- ou pagar mais 10:000 contos de réis de impostos novos, ou a bancarota! Mas com esta vae a autonomia do paiz, porque á declaração da reducção forçada dos juros, responderão os credores das nações poderosas, com a intervenção, e a imposição da commissão administrativa da divida publica, com rendimentos certos e definidos, adstrictos aos encargos dessa divida: então o resto dos recursos do paiz, não chegando nem para a subvenção ordinária dos serviços públicos, nem para o legitimo custeamento de obras necessárias ao proletariado, determinará fatalmente a explosão da guerra civil, da fome e da miséria. (Apoiados.)
Não pôde, pois, a reducção forçada dos juros sustentar-se.
Mas será a reducção dos vencimentos do funccionalismo que ha de valer?
Analysemos.
Consta-me que o funccionalismo publico representa, em todos os seus encargos, desde o mínimo vencimento até ao maior, 9:000 contos de réis; se d'elles se abaterem 4:000 ..contos de réis, representando os vencimentos de toda a espécie, inferiores a 300$000 réis, que seria uma iniquidade imperdoável tributar, ficam 5:000 contos de reis.
Amittindo que sobre estes 5:000 contos de réis seja possível fazer uma tributação em media de 20 por cento, teremos 1:000 contos de réis para o immenso sorvedouro de 10:000 contos de réis, que representam a crise financeira do paiz!
Nesta exagerada hypothese de tributação passam a descoberto 9:000 contos de réis, e mantendo-se a idéa inicial apresentada pelo governo, esses 9:000 contos de réis ti-rar-se-íam da reducção do juro da divida publica; mas se ella é hoje representada por 25:000 contos de réis, como disse o sr. ministro da fazenda, a reducção dos 9:000 contos de réis deixal-a-ía em 16:000 contos de réis; e se os 20:000 contos de réis representam em media um juro de 5 por cento, os 16:000 contos de réis significam um juro de 3,2 por cento apenas, o que equivale a diminuir 1,8 por cento no padrão do juro, ou á tributação de 36 por cento, que é realmente uma reducção violentíssima! (Apoiados.)
Se nós fossemos uma nação poderosa nas condições da Hespanha, poderia talvez a operação effectuar-se sem maiores inconvenientes, porque é claro que ella deveria estender-se tanto aos juristas nacionaes como estrangeiros; mas somos uma nação fraca e pobre, que não dá garantia de restabelecer, num futuro mais ou menos próximo, a taxa anterior, e então teremos logo a vergonhosa imposição da administração estrangeira, exigindo, á discrição, todos os rendimentos para a solvência dos seus créditos, e eminente e successivamente a guerra civil, por isso que, o que resta depois para a administração interna, não chegará para cousa alguma.
Virá a crise extrema do trabalho, a reacção violenta de todos os que fizeram um contrato com o estado por meio de uma carreira que, principalmente como a militar, não tem outros recursos de vida, e difficilmente póde appellar para a emigração, como meio em que empregue a sua actividade.

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Portanto, a questão que o governo tem de apresentar ao paiz rapidamente é: ou 10:000 contos de réis, pelo menos, ide nova receita, fatalmente derivada dos impostos, comprehendendo as reducções dos vencimentos dos empregados civis e militares, ou a bancarota, com a perda do nosso domínio colonial e da independência nacional!
Parecerá a alguns que pinto com cores demasiado negras o caso; mas, fatigado estou eu, e muita gente, de estar a viver de illusões; e porque a grande, maioria se tem deixado embalar nessas extremas illusões, é que chegámos a este estado de ruina, a este estado afflictivo, de appellar para a reducção dos vencimentos dos funccionarios públicos, que é uma violência, e para a reducção forçada do juro da divida publica, que é o calote, transformado em systema de -administração financeira do paiz. (Apoiados.)
Acceitemos, porém, os factos.
Tem o governo algum meio, que eu não posso imaginar, de obter os 9:000 contos de réis? Se o tem, supportarei, e creio que todos supportarão, o sacrifício dos 1:000 contos de réis de deducção nos vencimentos dos funccionarios do estado, porque se salvará assim a dignidade e a integridade da patria.
Mas diga-o com a brevidade possível, para não continuarmos a trazer o paiz embalado em suppostas esperanças, cujas desillusões hão de ser terríveis.
Pela minha parte tenho uma ordem de idéas já definida e conhecida; volto a apresental-a á camara. A minha idéa é nítida e clara; vou expol-a, com a rapidez e brevidade possível.
O governo póde fazer um manifesto ao paiz e dizer-lhe: ou 10:000 contos de réis de receita publica proveniente do imposto, porque outro meio não ha, ou a bancarota. Esses 10:000 contos de róis, ou vem da receita publica directamente pelo imposto, ou vem por uma operação financeira, tendo por base a reducção do domínio colonial, onde se vá buscar a massa de valores precisos, para base de uma conversão da divida publica, em que o prestamista seja respeitado nos seus legítimos interesses, dando-se a reducção de juro da divida por acceitação voluntária dos juristas.
Deixemo-nos por uma vez dessas tresloucadas vaidades avoengas, com detrimento absoluto da nossa dignidade e individualidade presente; não queiramos como o fidalgo do mesmo estofo morrer miserável e vilipendiado amarrado às tradições, com os bens penhorados, e expulso por fim do próprio solar, ou n'elle vivendo por servidão ou por esmola !
Seria por demais imperdoável e até affrontoso desse glorioso passado, com que tanto nos desvanecemos, sacrificar todas as tradições de gloria, não procurando manter as condições de vida e dignidade que devemos manter no convívio das nações.
Diga, pois, o governo num manifesto ao paiz, que ou paga 10:000 contos de réis de contribuição nova, ou acceita a reducção do domínio colonial, comprehendendo a alienação de Moçambique, Macau, Timor, Cabinda, Ajuda e Guiné, e ficando-nos ainda Angola, as ilhas do Atlântico e a índia; e esta simplesmente por transigência com as tradições do passado, porque está fatalmente condemnada a ser absorvida pela dominação ingleza, mormente sendo como é, e ainda agora o disse o sr. Christovão Ayres, filho da Índia - um mercado commercial exclusivamente dos domínios inglezes limitrophes.
Temos 25:000 contos de réis de juro da divida, que representam 500:000 contos de réis de divida publica. Para podermos obter a reducção que precisamos de 10:000 contos de réis, podem-se ir buscar 5:000 contos de réis na reducção a 4 por cento da taxa de juros por meio de uma conversão.
As colónias que servem para a operação de conversão representavam 2:000 contos, de réis, o mínimo de encargo que a sua alienação eliminava Ficam-nos pois
3:000 contos de réis a descoberto, suppondo a peior hypothese; isto é, que a massa da divida não sendo alterada no seu nominal tinha comtudo absorvido pela conversão todo o producto da alienação colonial.
Se, porém, como é possível, sem querer fazer cálculos optimistas, o producto de alienação desse saldo, em relação á conversão da actual divida publica, a amortisação correspondente a esse saldo fará baixar a cifra a descoberto em ordem inversa; e se esse saldo for representado por 60:000 contos de réis, o que é perfeitamente admissível, não serão necessários novos tributos.
Mas consideremos a peior das hypotheses, que é ficarem a descoberto 3:000 contos de réis.
O paiz tem 5.000:000 de habitantes, o quê representa em números redondos 1.000:000 de fogos. Tiremos 400:000 como não podendo supportar novas tributações, ficam-nos 600:000 para tributar. Essa tributação, far-se-ha directamente pelo ultimo censo da população, arbitrando-se a cada concelho a taxa total pêlo numero de fogos que tivesse, e as camaras com as juntas de parochia, fariam a derrama da taxa total proporcionalmente á riqueza de cada um avaliada pelos seus rendimentos no concelho, abrangendo então o empregado publico civil e militar que contribuíra com o contingente que lhe coubesse, mas nunca com o exclusivo que se lhe quer impor. Contribuiria tambem o jurista, mas nunca com um corte por excepção que representa a quebra e a fraude.
Aquelles a quem parece indecoroso a alienação de um domínio colonial, que em grande parte não tem tradições de espécie alguma, que não está em relação com as nossas condições e com a nossa falta de meios, pergunto eu: se é indecoroso alienar um domínio colonial, que nome tem o deixar de pagar a quem confiadamente tomou os títulos da nossa divida, e mais ainda, a quem foi obrigado a tomal-os, como succedeu pela desamortisação dos bens de mão morta?
Se ha indignidade no primeiro caso, no segundo ha um verdadeiro roubo, e entre vender ou roubar, eu não hesito um momento só pelo primeiro termo do dilemma. (Apoiados.}
Antes a venda de um domínio colonial que para nada nos serve, do que deixar de se pagar a quem se deve.
Eu não voltaria a esta questão, se continuasse n'aquellas cadeiras o governo transacto, e se não se tivesse declarado, como se acaba de declarar, que a crise é temerosa; porque, apesar de eu não acreditar na efficacia das medidas, do ultimo ministro da marinha, com a organisação das emprezas coloniaes, não queria que me chamassem intransigente e impertinente, insistindo pela minha ordem de idéas, não se tendo manifestado a seu favor o voto da maioria da opinião publica auctorisada; e tencionava esperar que meia dúzia de annos mostrassem, como aliás a historia mostra, que as emprezas coloniaes são completamente nocivas.
Para me escudar em boas opiniões, e para mostrar que a minha maneira de pensar e de ver não deriva de uma excepção em que eu me queira collocar perante a política do meu paiz, vou valer-me da opinião de um economista quer as colonistas consideram como seu patriarcha.
É Paulo Le-Roy Beaulieu, e que sobre a sua obra, A colonisação dos povos modernos, com uma epigraphe, tirada de uma obra de Stuart Mill, diz: «Perante o estado actual da civilisação, póde affirmar se que a fundação do colónias, é o melhor negocio em que podem empenhar-se os capitães de um paiz antigo e rico».
Ora, antigos somos nós, sem duvida, mas ricos ninguém o affirmará, achando-nos á beira do bancarota. Falta-nos, pois, um dos primeiros elementos para sermos um paiz colonisador, e aqui está como Paulo Le-Roy Beaulieu se acha a meu lado reprovando a exploração colonial da nossa parte.
Na mesma obra lê-se: «Só o vigoroso temperamento po-

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litico e industrial da mãe pátria póde assegurar a prosperidade das colónias».
Do. nosso vigoroso temperamento político são prova evidente tudo o que vemos e a que assistimos; do vigoroso temperamento industrial temos a prova numa proposta da pauta extraordinariamente proteccionista, para que a industria nacional possa levantar-se da vida mesquinha e ingrata que tem.
Portanto, ainda nos faltam por este lado as considerações que o patriarcha da colonisação preconisa.
Diz elle ainda:
«As nações europêas, talhando domínios coloniaes na Ásia, na África e na Oceania, impozeram-se um enorme e penoso encargo para todo o século XXD, e que «o grande agente da colonisação está mais no capital do que nos emigrantes».
Ora, se são as nações ricas que podem ter colónias, as differentes nações da Europa, arranjaram na partilha colonial um pesado encargo para todo o século XX, como é que nós, á beira da bancarota, poderemos sustentar todo o nosso domínio ultramarino, estando ainda distantes do fim do século XIX?
Podem responder-me que se appellou para os empregos coloniaes, com o fim de desviar os encargos da administração publica para ellas, e assim alliviar o thesouro!
Eu responderei ainda como Paulo Leroy Beaulieu, visto ser o patriarcha a que mais se soccorrem os economistas coloniaes. Diz elle: «Admitte-se uma companhia privilegiada, quando essa companhia é o -único meio de estabelecer o commercio entre os povos longínquos e bárbaros». Mas nós que dêmos uma organisação administrativa e política aos nossos domínios, que assimilhando-os quasi às nossas províncias do continente, não os consideramos como povos bárbaros. Portanto, uma companhia colonial não tinha cabimento neste caso.
Mas diz mais: «Não ha trafico mais offensivo que o das companhias privilegiadas, nos paizes em que ellas possuem soberania».
E assim deve ser. As novas companhias, dominadas, conforme o espirito da epocha, pela avidez do ganho em pouco tempo, depois do desenfreado jogo da bolsa que possam realisar sobre os seus títulos, entregar-se-hão á exploração, com tanta mais oppressão, quanto mais alta tiver sido a cotação por que adquirirem as acções os últimos possuidores; e, ou conseguem tirar resultado, que não entrará no paiz, porque os capitães de3sas emprezas são estrangeiros, ou inutilisado o seu esforço, tomarão o primeiro pretexto para a rescisão das concessões, porque se as colónias tem riquezas a explorar, tem muito mais falta de recursos de toda a espécie para que essa exploração seja lucrativa.
Não temos nós no nosso paiz ricos jazigos inexplorados por estas mesmas dificuldades!? (Apoiados.)
Quando, pois, as companhias coloniaes se encontrarem em dificuldades, surgirão os novos Mac Murdos a pedirem indemnisações com que não podemos, e que fatalmente nos levarão á ruina, perdendo-se então o domínio colonial vergonhosamente e sem compensações.
Consideram indecorosa, alguns, a alienação colonial, chamando-lhe venda, pretendendo com a dureza desta palavra combater a idéa e os seus effeitos benéficos em todos casos e tempos para a nossa administração, e agora mais do que nunca, para a nossa salvação!
Mas, porque se hade dar á transacção colonial o titulo odioso de venda ? E se é odioso vender, não é mais odioso deixar de pagar a quem se deve e tributar a miséria? As transacções coloniaes não são vendas, são transferências de dominio ou de tutela, com o consequente reembolso das despezas effectuadas.
Exemplifiquemos:
Um homem honesto e remediado tem sob a sua tutela um menor do Brazil que ali tem bastantes riquezas a liquidar, e precisa ser educado consoante a posição social a que lhe dá direito a sua fortuna. As relações económicas com aquelle paiz não permittem haver dali os meios, e o tutor acha-se em riscos de fallir, deixando o tutelado ao desamparo e a morrer de fome. Pergunto: não seria correcto que o tutor procurasse transferir a tutela para quem podesse, ainda por algum tempo, desembolsar a pensão, até á educação completa do menor, e melhoria das condições económicas, recebendo o primitivo tutor do segundo o reembolso das despezas feitas?
É o caso; Moçambique diz-se que é muito rico; será assim; é essa pelo menos a tradicção de seculos embora sem resultados effectivos : mas visto que nós não temos podido dispor de meios para explorar essas riquezas, e nos vamos definhando, conservando-se a colónia desprotegida, melhor é transferirmos, no interesse della e nosso, a tutela, embolsando-nos, tanto quanto possível, das despezas feitas.
Vou concluir, pedindo desculpa á camara pelo calor que tomei nesta exposição que não deriva de interesse proximo, nem remoto, (Apoiados.) e digo isto tanto mais positivamente, arrastado para este terreno, porque quando eu apresentei o anno passado nesta casa a minha proposta de eliminação de Moçambique, disse-me alguém, cujo nome reservo em absoluto, que por pouco mais de uma participação de 300 contos de réis se podia fazei a passar; e eu respondi; que não era procurador de transacção de espécie alguma, mas que julgava tão útil para o meu paiz a medida que propunha, que se eu fosse ministro e tivesse de dar de presente 300, 400 ou 500 contos de réis para me tirar das dificuldades da operação, os dava, ainda que tivesse de vir depois em um relatório confessal-o á camara, e dizer-lhe:
«Fico com as culpas e responsabilidade desse dinheiro desviado, e se a camara quizer mandar-me com uma grilheta para a torre do Bugio, consolar-me-ha o applauso da minha con sciencia por ter realisado felizmente uma operação útil para o paiz. O futuro ha de absolver-me e applaudir-me.»
Não me move, pois, interesse algum próximo ou remoto, mas sim a convicção profundissima de que a minha ordem de idéas representa uma alta medida de interesse geral, e de dignidade nacional.
A cessão de direitos sobre territórios, que nós não podemos manter, nem explorar, nem defender e que é necessario effectuar, é mais útil, mais justificada e mais digna do que cortar nos vencimentos dos empregados públicos; cessar todas as obras, Meando o proletariado sem o pão de cada dia para si e para os seus filhos, e deixar de pagar os juros da divida publica, de que vivem os hospitaes, as instituições de caridade, de toda a espécie, tendo muitas d'ellas esse capital imposto pela lei!
E entre estas medidas, ou ceder uma parte do nosso dominio, prefiro descer na escala das phantasias e phantasmagorias coloniaes, que a muitos deslumbram, a descer na do brio e da dignidade nacional.
Se o passado é de glorias, é preciso que o presente não seja de vergonha, porque a dignidade da nação reflecte a dignidade dos indivíduos! (Apoiados.)
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.}
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Fazenda (Oliveira Martins): - Tomo a palavra unicamente para pedir desculpa ao illustre deputado e meu amigo o sr. Ferreira de Almeida, de não responder desde já às considerações varias que s. exa. acabou de formular.
Entendo que não é prudente, a todos os respeitos, antecipar a discussão de propostas, que dentro em breves dias serão apresentadas á camara. (Apoiados.)
Não posso, pois, entrar hoje na discussão do assumpto, tratado pelo illustre deputado, e reservo-me para oppor-

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tunamente o fazer, procurando responder, do modo que poder e souber, às considerações de s. exa.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Carrilho: - Peço a v. exa. que consulte a camara se permitte que, dispensando-se o regimento, entre em discussão o projecto n.° 2, que foi hoje .distribuído pelos srs. deputados.
Consultada a camara, assim se resolveu.
Leu-se na mesa o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 2

Senhores. - A vossa commissão especial do exame das pautas aduaneiras foi presente a proposta de lei n.° 1 E, datada de hoje, determinando que os géneros e mercadorias,, que forem pedidos a despacho nas alfândegas do continente do reino e das ilhas adjacentes, a datar de 1 de fevereiro próximo futuro inclusive, e cujos direitos são elevados pela pauta annexa á proposta de lei n.° 32 C, apresentada a esta camara em 14 do mez de dezembro ultimo, paguem, por deposito, a differença entre os direitos actualmente em vigor e demais imposições e os correspondentes da mencionada proposta de 14 de dezembro próximo passado.
O fim da actual proposta é prestar toda a protecção ao trabalho nacional, desde que termine o regimen convencional aduaneiro em que nos encontrámos, e isto sem prejuízo do mais amplo debate do projecto de lei n.° 33, em discussão nesta camara, de forma que possam ser devidamente apreciadas todas as reclamações que, sobre o mesmo, têem sido ou continuem a ser apresentadas.
A vossa commissão concorda com a proposta do governo, entendendo que se for conveniente, para o mais rápido andamento, dos, despachos, não destrinçar desde logo a parte da receita que pôde, mais tarde, ser restituída, em virtude da liquidação que se fizer depois da resolução definitiva do poder legislativo sobre o assumpto, fique o governo auctorisado a abrir os créditos especiaes necessários para a restituição do excedente de cobrança de direitos, que for devidamente liquidado.
Nestes termos, e do accordo com o governo, entende que deveis approvar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Todos os géneros e mercadorias cujos direitos são elevados pela proposta de pauta aduaneira, apresentada á camara dos senhores deputados na sessão de 14 de dezembro de 1891, e que forem pedidos a despacho nas alfândegas do continente do reino e das ilhas adjacentes, pagarão, por deposito, a datar de 1 de fevereiro próximo futuro, inclusive, a differença entre os direitos actualmente em vigor e demais imposições, e os correspondentes da mencionada proposta do governo de 14 de dezembro ultimo, liquidando-se opportunamente o que for devido, quando houver resolução definitiva do poder legislativo sobre o assumpto.
§ único. Se por conveniência do serviço e maior rapidez dos despachos, a parte dos direitos que for cobrada provisoriamente, e que fica sujeita a liquidação posterior, for englobada na receita effectiva, fica o governo auctorisado a abrir os créditos especiaes necessários para as restituições de direitos que porventura houverem de ser feitas, em virtude da liquidação de que trata o final deste artigo.
Art. 2.º Fica revogada a legislação contraria a esta.
Sala da commissão especial das pautas, aos 20 de janeiro de 1892. - Manuel Pinheiro Chagas, presidente = Eduardo José Coelho - Pedro Victor da Costa Sequeira = Francisco Beirão = Luciano Monteiro = Adolpho Pimentel = José de Azevedo Castello Branco = Luciano Cordeiro = Jacinto Candido = Teixeira de Vasconcellos = João Arroyo - Alfredo Mendes da Silva - José Maria dos Santos = José Júlio Rodrigues = Ruivo Godinho = Elvino de Brito - António Eduardo Villaça = A Carrilho, relator.

N.° 1-E

Senhores. - Acha-se pendente do vosso exame a proposta de lei n.° 33, modificando as pautas das alfândegas.
Terminando em fins do corrente mez o regimen comvencional aduaneiro em que nos encontrámos, seria forçoso dar aos debates, sobre esse projecto de lei, uma limitação que mal se compadece com a gravidade e importância do assumpto, e que não é propósito do governo.
Pretende elle que sobre esse projecto ainda sejam ouvidas e meditadas todas as reclamações," de forma que se possa fazer justiça recta e inteira às aspirações do trabalho nacional, e que, sem prejuízo de nenhuma industria, por mais modesta que ella seja, se dê a protecção devida às demais, para que a restauração económica do paiz seja um facto de que nos possamos em breve felicitar.
Para que essa discussão seja assim amplíssima, como o governo pretende, e sem prejuízo dos interesses económicos do paiz, proponho-vos que, a datar do 1.° de fevereiro próximo futuro, todos os géneros e mercadorias cujos direitos são elevados pela proposta de lei de novas pautas aduaneiras, apresentada na sessão de 14 de dezembro próximo passado, e que forem pedidos a despacho, paguem, por deposito, a differença entre os direitos actualmente em vigor e demais imposições, e os correspondentes da proposta governamental, liquidando-se opportunamente o que for devido, quando sobre o mencionado projecto de lei n.° 33 houver resolução definitiva das cortes.
D'esta forma ficam acautelados todos os interesses, e os debates sobre a pauta poderão seguir com a amplitude que as circumstancias reclamam.
Por este motivo, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° Todos os géneros e mercadorias cujos direitos são elevados pela proposta de pauta aduaneira, apresentada á camara dos senhores deputados na sessão de 14 de dezembro de 1891, e que forem pedidos a despacho nas alfândegas do continente do reino e das ilhas adjacentes, a datar do 1.° de fevereiro próximo futuro inclusive, pagarão por deposito a differença entre os direitos actualmente em vigor e demais imposições e os correspondentes da mencionada proposta do governo de 14 de dezembro ultimo, liquidando-se opportunamente o que for devido, quando houver resolução definitiva do poder legislativo sobre o assumpto.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministério dos negócios da fazenda, em 20 de janeiro de 1892. = Joaquim Pedro de Oliveira Martins.
O sr. Presidente:-Está em discussão na generalidade e na especialidade.
Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto a votação e approvado.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão, na generalidade, do projecto de lei n.° 33 que reforma a pauta das alfândegas

O sr. Presidente: - Contínua o sr. Fuschini com a palavra que lhe ficou reservada da sessão anterior.
O sr. Fuschini:- (O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.
O sr. Presidente: - A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto a.° 2.
Vae ser enviado á outra casa do parlamento.
Tem a palavra o sr. Pereira Carrilho,
O sr. Pereira Carrilho (relator) - Diz que, por obe-

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diencia á commissão, viu-se forçado a acceitar o espinhoso encargo de relator do projecto que se discute, reconhecendo, comtudo, que lhe faltam, para o seu bom desempenho, as precisas condições (Não apoiados), e agora, ao tomar a palavra, mais do que nunca se vê embaraçado, tendo de responder ao excellente discurso do sr. Fuschini; porquanto, alem do mais, s. exa., encarando a questão da pauta pelo lado socialista, tratou-a sob este aspecto, muito diverso daquelle a que attenderam a commissão e o governo, para o fim que tinham em vista.
É, portanto, difficilima a sua missão e muito receia não poder corresponder á confiança com que os seus collegas o honraram. Responderá, no emtanto, como poder, às observações do illustre deputado, em referencia a algumas disposições do projecto, sem se embrenhar no caminho mais ou menos vasto, nuas ou menos escabroso, que s. exa. seguiu, sob o ponto de vista socialista, porque, repete, alem de não ter sido essa a orientação da commissão, como decerto não será a da camara, elle, orador, precisaria, para isso, de uns estudos preliminares, que a escassez do tempo não lhe permitte realisar.
Estranha a injustiça com que o sr. Fuschini affirmou que o projecto vem absolutamente desacompanhado de esclarecimentos, mal estudado, sem indicação do pensamento da commissão e por vezes sem a explicação dos motivos por que alterou ou modificou a proposta do governo.
Á verdade é que não ha memória de ter sido tão estudado e discutido um projecto de pautas, como foi o actual, tendo-se dado toda a publicidade às diversas tarifas projectadas, para facilitar todas e quaesquer reclamações e observações dos interessados, imprimindo-se depois e distribuindo-se todos os respectivos documentos.
Em seguida o orador refere o que se tem feito com respeito ao assumpto.
Em dezembro de 1890 o conselho geral das alfândegas, em virtude de ordens terminantes do governo, convidou todos os industriaes a prestarem os esclarecimentos que julgassem convenientes para a modificação da pauta no sentido da defeza do trabalho nacional.
Appareceram muitas e variadissiraas reclamações, algumas d'ellas contradictorias; mas, a final, o conselho geral das alfândegas, que é composto de pessoas competentissimas, entre as quaes se encontra o illustre deputado, sr. Mattozo dos Santos, conhecedor do assumpto, como poucos, procurou resolvel-as por forma que, sem deixar de defender o trabalho nacional, ficassem acautelados os interesses do thesouro.
Não se pôde, portanto, dizer com verdade que o projecto da pauta não foi devidamente estudado e menos póde dizer-se que foram descurados os interesses dos industriaes e do fisco.
Poderá num ou outro ponto da projectada pauta haver alguma exageração ou erro que deva ser corregido; mas isso não justifica a affirmação de que não foi devidamente estudado tão importante trabalho, em grande parte preparado pelo cavalheiro a quem já alludiu, o sr. Mattozo dos Santos, cuja subida competência é incontestável e que já em 1887 apresentou ao parlamento um parecer sobre a pauta, cujo relatório é uma honra para o paiz.
Seria difficil, e levaria muito tempo o referir miudamente as luctas, as contestações e dificuldades que affrontaram a commissão preliminar da pauta; nem elle, orador, tem para isso os precisos conhecimentos; mas se por este lado não póde prestar á camara esclarecimentos cabaes, pôde, todavia, narrar o que se passou nas sessões da commissão de que fez parte, porque de tudo tornou nota.
Antes do mais, porém, vae referir-se a uma observação feita na sessão anterior e repetida hoje pelo sr. Fuschini, com respeito á conveniência de n'esta pauta máxima e de outra mínima, entre as quaes possam girar as diversas taxas, que forem accordadas entre o governo e os paizes com que tivermos de negociar quaesquer tratados á similhança; no entender do mesmo illustre deputado, da pauta franceza, ha pouco decretada, e da pauta hespanhola que, como a nossa, ha de começar a vigorar no 1.° de fevereiro.
Ora, á primeira vista, parece que as designações de pauta máxima e pauta mínima querem dizer que nessas pautas estão marcados os limites, máximo e mínimo, das taxas nellas comprehendidas; mas da leitura desses dois documentos, que tem presentes, não se deduz similhante cousa, e o que se vê é que tanto as pautas, máxima e minima, da França, como as da Hespanha, só são applicaveis às nações que lhes concederem reciprocidade, se os respectivos governos assim o entenderem de conveniência, podendo, comtudo, ser alteradas, consoante os interesses das nações. Assim foi declarado bem alto na tribuna franceza; e assim o diz o decreto da pauta hespanhola.
O orador lê os documentos a que allude, para melhor esclarecimento da camara, acrescentando, depois de diversas considerações, que, a idéa de uma pauta mínima não passa, a seu ver, de uma aspiração e que toda a questão está em realisar bons tratados, em que fiquem garantidos os interesses nacionaes, de modo que as vantagens não sejam puramente artificiaes.
Está de accordo com muitas das considerações expostas pelo sr. Fuschini, quando de relance se referiu às propostas que estão annunciadas pelo governo. Assim, é tambem sua opinião que se todos pagassem ao estado o que lhe devem, a situação do paiz não seria aquella em que elle se encontra.
Opportunamente, quando vierem á discussão essas propostas, dirá o mais que se lhe offerece sobre o assumpto.
Por agora limita-se aos pontos de que se occupou o illustre deputado, sendo um delles, e o que mais preoccupou s. exa., a questão do papel de impressão.
Quando, na discussão da especialidade, se apresentarem, como é provável que se apresentem, algumas propostas sobre este assumpto, dirá então quaes os dados que levaram a commisão a propor a taxa de 40 réis por cada kilogramma de papel, parecendo-lhe, em vista dos esclarecimentos, tanto quanto possível authenticos, que lhe foram presentes, que esta taxa deixaria ficar um bónus de 15 réis para aquella industria que não podia deixar de ser considerada pela mesma commissão, desde que se alargava a protecção e concedia benefícios a outras industrias muito mais importantes e se tinham augmentado vários direitos propostos pelo governo.
Precisa desde já declarar, na qualidade de relator da ultima hora, que não concordou, como ainda hoje não concorda, com algumas das propostas apresentadas e approvadas na commissão. Está neste caso a que se refere á industria da navegação, que, em vez de ser protegida, ficou aggravada; e por isso, elle, orador, faz votos para que a commissão possa reconsiderar. Em todo o caso deu-lhe o seu voto absoluto, como deu a outras taxas, por entender que não valia a pena de assignar vencido em pontos de importância secundaria, quando de mais a mais a commissão lhe impunha a honra de ser relator.
Voltando á questão do papel, repete que a commissão votou a taxa a que já se referiu, porque entendeu que, tratando-se de fazer justiça, era indispensável que esta fosse igual para todos. Mas, mais tarde, o sr. Marianno de Carvalho que, não tendo feito questão política da pauta, discutia com a commissão, fez ver que seria conveniente arranjar-se um termo médio entre as duas taxas propostas, 25 e 40 réis, de maneira a evitar-se qualquer debate que podesse tornar-se político. Accordou-se, por isso, em reduzir a taxa a 30 réis.
Foi isto o que se passou.
Pelo que respeita ao artigo a «algodões», observa que o sr. Fuschini, tendo confrontado vários documentos que, encontrou nos relatórios do conselho geral das alfândegas, achou que entre elles se dava uma tal ou qual contradicção, mas não viu que o ultimo é o resultado do accordo a

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que chegaram todas as convicções, e que acommissão, tendo mantido a proposta do governo tal, como estava só depois a modificou para attender às reclamações da industria domestica do norte do paiz que interessa a não menos de setenta mil famílias.
Pela sua parte sente não ter sido o auctor da proposta, com a qual muito se honraria. Foi, portanto, menos justo o sr. Fuschini quando disse que não se havia cuidado dos interesses dos pequenos e infelizes trabalhadores, attendendo-se. sómente aos grandes.
A resolução da commissão foi tomada no ultimo dia em que se reuniu antes da apresentação do projecto, modificando-se alguns direitos dos fios tecidos em harmonia com os pedidos dos interessados, e em virtude do inquérito directo mandado fazer pelo sr. ministro da fazenda, por intermédio do governador civil do Porto e do administrador do circulo aduaneiro do norte. O resultado desse inquérito está publicado em annexo ao projecto.
O orador, depois de ler alguns períodos desse documento, que considera importante, accentua de novo que a proposta do governo, no artigo «algodões», foi modificada em alguns pontos depois de ouvidos sobre o assumpto os interessados, que representam cerca, de setenta mil famílias, e que a commissão, procedendo assim, demonstrou que não tinha em menos consideração os interesses dos pequenos industriaes.
Também o sr. Fuschini quizera demonstrar, com a leitura de alguns documentos, que as grandes fabricas de algodões estão prosperas e que não carecem de grande protecção.
É isto um modo de dizer; mas a verdade é que dessa prosperidade tem resultado uma concorrência tal, que já se dá um excesso de producção que não póde ser collocado, nem no estrangeiro, nem nas colónias; e nestas circumstancias, as fabricas acham-se em situação de quasi terem de fechar as suas portas. A este mal é que tem de se obviar de qualquer forma.
É nos algodões crus que se dá o excesso de producção.
As fabricas carecem, por isso, de entrar em vida nova. É necessario que ellas produzam algodões branqueados, que ainda não produzem. E este exactamente o intuito da pauta e foi isto o que tiveram em vista tanto o conselho geral das alfândegas, como a commissão. Quiz-se por este meio conseguir que a industria nacional dos algodões não seja afrontada pela concorrência estrangeira e que por consequência diminua a exportação das libras.
Não acompanha o sr. Fuschini na leitura dos relatórios das companhias de que também, elle, orador, podia servir-se. Levaria isso muito tempo. Unicamente observa que não é só pelo total dos lucros que se devem apreciar os dividendos. Ha mais alguma cousa a considerar. A companhia da fabrica de Thomar augmentou enormemente o seu fundo de reserva, depois da collocação das novas acções.
Como houve um excesso de preço, a companhia levou-o ao fundo de reserva e fez nisso muito bem.
Foi um acto de boa administração, que muito louva, por que aprecia muito os actos de boa administração, tanto na vida publica, como na particular.
É claro que daqui a alguns annos o material da fabrica estará estragado e sem valor.
Se para o substituir não houvesse um sufficiente fundo de reserva, dir-se-ía que a companhia fora mal administrada.
Repete; o augmento do fundo de reserva não foi devido aos lucros da exploração, mas única e exclusivamente aos lucros da collocação das novas acções.
Quanto á maior protecção concedida aos fios finos de numeração alta, por moio de um direito superior ao que se estabelece para os fios de numeração baixa, a explica cão deste facto encontra-se no próprio documento do conselho geral das alfândegas. E que o fio mais fino custa mais dinheiro, mais trabalho e maior salário, e portanto carece de maior protecção.
Depois de mais algumas considerações, o orador, sendo quasi a hora de ser encerrada a sessão, e tendo ainda do fallar alguns dos srs. ministros, pede para ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.
(S. exa. foi cumprimentado.)
(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa o seguinte:
Uni officio do ministerio da justiça, solicitando licença para que os srs. deputados Marianno de Carvalho e José Frederico Laranjo possam depor como testemunhas em um processo crime que corre no juízo de direito auxiliar do segundo districto criminal da comarca de Lisboa.
Foi concedida a licença.
O sr. Ministro da Marinha (Ferreira do Amaral): - Pedi a v. exa. a palavra, porque me, constou pelo meu collega dos negócios estrangeiros, que o sr. Christovão Ayres se tinha referido ao tratado da índia, e. que desejava saber qual a forma por que na ausência desse tratado se estavam, pelo ministerio a meu cargo, considerando as questões pendentes.
(Entrou o sr. ministro dos negócios estrangeiros.}
Eu estava referindo quaes eram as providencias que pelo ministerio da marinha se tinham dado com relação ao tratado da índia.
Não sei se s. exa. alludiu a qualquer outra circumstancia a que o meu collega dos estrangeiros tenha de responder.
Eu antecipei-me a s. exa. e nesta antecipação não houve senão a idéa de aproveitar o tempo.
Quando entrei para o ministerio da marinha já encontrei resolvida a questão da pauta pela única forma possível por que se podia resolver.
O meu antecessor enviou em telegramma ao governador geral uma. nota da pauta que devia adoptar-se provisoriamente, e emquanto não poder ter logar a sancção legal dessa mesma pauta, as tarifas são as anteriores ao tratado com algumas modificações que não tenho precisamente de memória.
Mandou-se tambem collocar um posto fiscal em Colem, no limite do caminho de ferro, e estão em elaboração as pautas, que têem de ficar definitivas, no regimen que ha de fazer-se posteriormente.
Ha ainda uma pergunta feita pelo governador com relação á forma da entrega de salinas, que foi respondida nos termos do artigo 12.° do tratado.
fia ainda a attender umas referencias a uma clausula do artigo 12.° do tratado, sobre a maneira de se fazer a entrega das salinas, que tenham sido exploradas por conta de particulares e proprietários, debaixo do regimen do imposto de consumo, que na Índia ingleza se chama excise; e ainda aquellas que foram mandadas fechar e outras que foram arrendadas por conta do governo britannico.
Todas essas questões estavam previstas, não só no tratado, como v. exa. sabe, mas ainda particularmente no relatório da commissão mixta, parece-me, se a memória me não falha, na resolução 40, em que se dizia qual a fórma que se deveria seguir na fixação das indemnisações, relativamente a todas as questões referentes às salinas, e portanto em todas as operações essenciaes para se fazer recair a administração da Índia portugueza no estado que tinha antes da renovação do tratado.
Ora emquanto a esta ultima parte devo dizer a v. exa. que a entrega e mais condições que competem á indemnisação de salinas, principalmente das que não estavam em exploração e foram inutilizadas, têem de ser feitas por árbitros e um delles tem de ser nomeado pelo governo inglez, e portanto tem de haver accordo entre o governador

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da India portugueza e a auctoridade britannica para que se possa concluir.
Alem disso já affirmei, que estão em elaboração as propostas de lei que hão de determinar a forma de administração da India portugueza sob o ponto de vista aduaneiro, e logo que estejam concluídas, hão de vir á camara para terem a sancção parlamentar, pedindo a v. exa. desde já e antecipadamente, toda a brevidade que for possível, na resolução desses trabalhos.
Todos comprehendem a urgência de terminar quanto antes uma questão, que sob o ponto de vista financeiro e colonial tem um interesse essencial.
Parece-me ter dado as explicações que posso dar num negocio para que não estava prevenido, rasão por que não trouxe commigo os documentos que comprovam o que deixo dito, esperando que os meus esclarecimentos satisfarão a justa anciedade dó illustre deputado.
Já que estou com a palavra, devo dizer a v. exa. e á camara, em resposta a umas observações feitas pelo sr. Ferreira de Almeida, que nas duas pastas que respeitam a força publica, de mar e terra, isto é, tanto na pasta da guerra como na da marinha, todas as gratificações illegaes foram completa e inteiramente abolidas, devendo dizer em abono da verdade, que quando lhes chamo illegaes, não quero dizer que fossem injustas, quero dizer simplesmente que não estão especificadamente consignadas no orçamento e não havia por isso, e só por isso, rasão para serem abonadas. É precisamente esta a forma por que foi comprehendida, e é essa a forma e a expressão do meu modo de sentir.
E no ministerio da guerra nem uma só gratificação illegal foi preciso abolir, porque uma providencia do antecessor do meu collega havia previsto quanto havia à fazer na hypothese sujeita.
O sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Costa Lobo): - Peço desculpa a v. exa. e á camara de não estar presente quando me concedeu a palavra, que eu tinha pedido para antes de se encerrar a sessão.
A minha vida parlamentar tem sido bastante longa, pois que conto já um quarto de século; mas tem sido passada toda na outra casa do parlamento, e por isso não conheço bem os usos desta camara. Julgava eu que a sessão acabava às seis horas e que só então me caberia a palavra; por isso tinha saído da sala.
Dada esta satisfação a v. exa. e á camara, tenho de dar outra ao illustre deputado, o sr. Christovão Ayres. S. exa. tinha tido a bondade de prevenir-me de que me ia fazer algumas perguntas, seguindo assim uma praxe que eu acho muito útil e que, como membro da outra camara, sempre adoptei. E quando tinha de dirigir perguntas aos ministros dos estrangeiros, sempre os avisei previamente, porque as respostas dos ministros desta pasta, como se referem a relações internacionaes, têem de ser cautelosas, e não podem por isso ser dadas impensadamente.
Se eu não vim a esta camara dar resposta immediata ao illustre deputado, foi por motivo urgente de serviço publico.
A minha vida de ministro tem três dias, mas desde já prevejo que é muito mais agradável estar no parlamento, onde tenho assento, ha vinte e cinco annos, do que estar em serviço na secretaria. Em todo o caso, qualquer que geja a minha repugnância por esse serviço, e por mais agradável que me seja o estar aqui, tenho de me desempenhar dos deveres do meu cargo, e por isso nem sempre, contra o meu desejo, posso comparecer nesta casa.
O illustre deputado pretendia saber em que estado se acham as negociações com a Inglaterra relativamente ao tratado da índia. Pela resposta do sr. ministro da marinha, s. exa. ficou sabendo que esse tratado já não vigora, e este facto é alheio á minha responsabilidade, por isso que, quando entrei no ministério, já o tratado tinha caducado.
Não posso, por consequência, dar conta a v. exa. das phases por que passou a questão; mas os documentos estão sendo colligidos e impressos, e logo que tudo esteja concluído, serão elles distribuídos nesta e na outra camara para que o parlamento possa apreciar a maneira por que foi dirigida a questão.
Conheço o assumpto por informações, aliás minuciosas, que me foram expostas com talento e lucidez, mas que ainda assim não podem servir de base para uma exposição completa das phases da questão.
O que posso dizer, em resumo, é que os negociadores do tratado não se entenderam a respeito da base do accordo. Apesar disso, o meu antecessor, que não queria romper as negociações, propoz á Inglaterra que o tratado fosse prorogado, não sei se até terminarem as negociações ou se até mais tarde.
A Inglaterra não concordou; e, por conseguinte, o tratado não existe hoje, sendo completa a nossa liberdade em relação às alfândegas. Por isso o sr. ministro da marinha está tomando todas as providencias necessárias para se passar a um regimen differente do regimen do tratado; e como s. exa. foi durante muitos annos governador geral da India, parece-me que não deixará de desempenhar essa missão com toda a proficiência. Creio que a camara, neste ponto, concordará commigo. (Apoiados.}
Acresce que, alem da sua especial competência e do seu talento, tem ainda o sr. ministro da marinha, para o coadjuvar, um illustre funccionario da Índia com quem, antes de vir para esta camara, tive occaaião de fallar e cujos conhecimentos especiaes no assumpto muito apreciei. Refiro-me ao sr. Arez. (Apoiados.}
Tudo isto contribuirá sem duvida para que a transição do regimen do tratado para o novo regimen se faça em todas as condições de conveniência para o paiz.
É o que tinha a dizer.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Christovão Ayres: - É apenas para agradecer aos illustres ministros que me deram honra de responder às perguntas que fiz, e tambem para acrescentar uma pequena explicação relativamente a uma espécie de reparo, que aliás podia parecer justificado, feita pelo sr. ministro da marinha.
Poderia parecer que eu tivera o propósito voluntária de não prevenir s. exa. de que pretendia tratar nesta casa de assumptos que correm pela sua pasta.
O sr. Ministro da Marinha (Ferreira de Amaral): - Peço licença a s. exa. para lhe dizer que não notei similhante facto. Reconheço a todos os srs. deputados o direito de me interpellarem quando entenderem conveniente.
O Orador: - Mas é a praxe e praxe bem entendida essa prevenção feita aos srs. ministros.
O que eu desejava saber do governo, embora as minhas informações particulares mo houvessem já dito, era se o tratado da Índia estava ou não roto. Esse facto tinha de ser confirmado pelo sr. ministro doa negócios estrangeiros, e a esse tive o cuidado de prevenir. Esperei a resposta. De modo nenhum apertei s. exa., nem estranhei que não apparecesse aqui a dar informações que eu desejava, porque sei como é difícil às vezes aos ministros dispor de si.
Depois de saber se o tratado estava ou não roto desejava fazer as perguntas relativas às providencias adoptadas. Como se tivessem passado alguns dias, hoje aproveitei o ensejo para dirigir essas perguntas, e agradeço a maneira porque os nobres ministros esclareceram o paiz; sobre um assumpto de tamanha importância.
Tenho plena confiança em que s. exas. hão de resolver esta questão de um modo satisfactorio. Deu-se já o facto honroso para o paiz de não se ter acceitado, de modo nenhum, condições que eram inadmissíveis. Tenho a certeza de que s. exas. hão de acabar essa obra proveitosa,

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honrando o paiz, porque são homens com o necessario talento e saber para occuparem esses logares, e para corresponderem á esperança que a nação n'elles deposita. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para sabbado é a continuação da discussão da pauta.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

O redactor = S. Rego.

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