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N.°10

SESSÃO DE 17 DE JANEIRO DE 1893

Presidencia do exmo sr. Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os exmo srs.

Antonio Teixeira de Sousa
José Joaquim de Sousa Cavalheiro

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. João Arroyo manda para a mesa dois requerimentos. - O sr. José de Alpoim, depois de notar a demora na abertura da sessão, pede a comparencia dos srs. presidente do conselho e ministro da guerra, aos quaes deseja interpellar sobre a questão do sr. capitão Machado. - Responde lhe o sr. ministro das obras publicas, que apresenta tambem duas propostas para diversos srs. deputados poderem accumular as suas funcções com as de membros do parlamento. - O sr. Francisco Mattoso pede a comparencia do sr. presidente do conselho. - O sr. Carlos Lobo d'Avila pede a comparencia do sr. ministro dos negocios estrangeiros. - O sr. Eduardo Coelho manda para a mesa diversos requerimentos. - O sr. Santos Viegas propõe um voto do sentimento pela morte do sr. barão de S. Clemente. - O sr. ministro das obras publicas e o sr. Francisco Mattoso associam-se a esta proposta, que foi approvada por unanimidade. - O sr. Abreu Castello Branco apresenta differentes requerimentos, e faz algumas considerações sobre a eleição do vigário capitular de Angra. - O sr. Teixeira de Queiroz manda para a mesa uma representação da camara municipal de S. Thiago do Cacem. - O sr. Almeida e Brito manda para a mesa um requerimento, que foi mandado expedir. - O sr. Dias Costa pede a comparencia dos srs. presidente do conselho e ministro da guerra, e apresenta varios requerimentos. - O sr. Rodrigues de Freitas pediu que fosse enviado á camara o relatorio da syndicancia á companhia dos caminhos de ferro, fez algumas perguntas e apresentou diversos requerimentos. - Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas, que apresenta tambem uma proposta para alguns srs. deputados poderem accumular, querendo, as suas funcções com as de membro do parlamento. - O sr. presidente põe a proposta á discussão. - O sr. Rodrigues de Freitas declara votar contra a proposta, que é votada sem discussão. - O sr. Baptista de Sousa renova a iniciativa do seu projecto, de um capitulo a introduzir no regimento. - O sr. Fialho Gomes manda para a mesa um projecto de lei, que fica para segunda leitura. - O sr. Lobo Lamare manda para a mesa o diploma do sr. deputado eleito por Moçambique.

Na ordem do dia procede-se á eleição da commissão de resposta ao discurso da coroa. - O sr. presidente declara que tendo alguns srs. deputados reclamado antes da ordem do dia a presença do sr. presidente do conselho, lhes ia conceder a palavra. - O sr. Dias Costa chama a attenção do sr. presidente do conselho para os factos decorridos na eleição da commissão districtal de Aveiro. - Responde-lhe o sr. presidente do conselho. - Fallam sobre o mesmo assumpto os srs. Mattoso Côrte Real, Paulo Cancella e Antonio Emilio da Azevedo. - O sr. presidente do conselho replica novamente. - O sr. Beirão manda para a mesa o diploma do sr. deputado eleito por Villa Nova de Gaia. - Os srs. Dias Costa, presidente do conselho e Eduardo Coelho fazem ainda diversas observações sobre a eleição da commissão districtal de Aveiro.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 47 srs. deputados. São os seguintes: - Adriano Emílio de Sousa Cavalheiro, Alberto Affonso da Silva Monteiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Angelo Sarrea de Sousa Prado, António de Azevedo Castello Branco, Antonio Francisco da Costa, Antonio Maximo de Almeida Costa e Silva, António Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Guilherme de Sousa, Augusto José Pereira Leite, Carlos Lobo d'Avila, Conde de Calheiros, Conde de Proença a Velha, Eduardo de Jesus Teixeira, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Teixeira de Queiroz, João Filippe de Menezes Pitta e Castro, João Marcellino Arroyo, João de Paiva, João de Sousa Machado, Joaquim Paes da Cunha, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Augusto Correia de Sarros, José de Azevedo Castello Branco, José Bento Ferreira de Almeida, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Freire Lobo do Amaral, José da Gama Lobo Lamare, José Jacinto Nunes, José Joaquim Rodrigues de Freitas, José Malheiro Reymão, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Greenfield de Mello, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Augusto de Oliveira Pires, Libanio Antonio Fialho Gomes, Manuel José de Oliveira Guimarães, Marianno Augusto Machado de Faria e Maia, Pedro Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Antonio Alfredo Barjona de Freitas, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Baptista de Sousa, António Eduardo Villaça, Antonio Emilio de Almeida Azevedo, Antonio Tavares Festas, António Teixeira Judice, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Dias Ferreira, Conde do Alto Mearim, Eduardo Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Fernando Affonso Geraldes Caldeira, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Jacinto Cândido da Silva, João Joaquim Izidro dos Reis, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Mattoso da Camara, Joaquim Xavier de Figueiredo e Mello Oriol Pena, José Alexandrino Craveiro Feio, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Paulo Monteiro Cancella, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Silveira da Mota de Oliveira Pires, Vicente Maria de Moura Coutinho de Almeida d'Eça, Virgílio Francisco Ramos Inglez.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alfredo César Brandão, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio José Ferreira Monteiro, Antonio José Gomes Netto, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Eduardo Augusto Rodrigues Galhardo, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Fernando Mattozo Santos, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Frederico Ressano Garcia, Henrique Matheus dos Santos, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Ignacio José Franco, Jeronymo Pereira da Silva Baima de Bastos, João Alves Bebiano, João Eduardo Sotto Maior de Lencastre e Menezes, João Lobo de Santiago Gouveia, Joaquim Simões Ferreira, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Domingos Ruivo Godinho, José Frederico Laranjo, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Luiz Ferreira Freire, José Maria dos Santos, José Monteiro Soares de Albergaria, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso Espreguei-

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ra, Manuel d'Assumpção, Manuel Francisco de Vargas Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Victorino Vaz Junior, Visconde do Mangualde.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Da camara dos dignos pares do reino, remettendo a proposição que permitte aos pagadores de obras publicas fazerem-se substituir, em certas condições, e á qual esta camara não tem podido dar o seu consentimento.

Para a secretaria.

Da mesma camara, remettendo as proposições de lei da camara dos senhores deputados, que caducaram na finda legislatura.

Para a secretaria.

Do ministerio do reino, respondendo ao officio d'esta camara de 13 do corrente, com relação ao circulo n.° 4; e remettendo os duplicados das actas que se requisitaram do governo civil do districto de Vianna do Castello.

Para a secretaria.

Do ministerio da justiça, satisfazendo a parto do requerimento feito era 5 d'este mez pelo sr. deputado J. M. Barbosa de Magalhães.

Para a secretaria.

Do ministerio da guerra, acompanhando 150 exemplares das contas d'este ministerio, relativas á gerencia de 1890-1891 e ao exercicio de 1889-1890.

Para a secretaria.

Do ministerio da marinha, remettendo 175 exemplares do 6.° volume da obra relativa a expedição portugueza ao Muatianvua (meteorologia, climatologia e
colonisação).

Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo 175 exemplares do 5.° volume da obra relativa á expedição portugueza ao Muatianvua (o segundo da descripção da viagem).

Para a secretaria.

Do tribunal de contas, remettendo o relatorio d'este tribunal sobre os creditos abertos no interregno parlamentar.
Para a secretaria.

Da presidencia da camara dos deputados da republica franceza, remettendo documentos parlamentares.
Para o archivo.

Da associação dos portadores francezes de valores estrangeiros, acompanhando copia da carta collectiva dirigida ao parlamento portuguez pelos representantes dos comités allemão, inglez, belga, francez e neerlandez dos portadores de fundos portuguezes, reunidos em Paris a 20 de dezembro ultimo.
Para a secretaria.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camara, com urgencia, os seguintes documentos:

1.° O relatório ou syndicancia feita por ordem do governo sobre os acontecimentos occorridos em Mirandella, na noite de 15 de setembro do anno proximo findo, e do qual foi encarregado o official do governo civil de Bragança, Soeiro, e bem assim copia do officio ou relatorio do sr. governador civil respectivo, que devia acompanhar a syndicancia e relatório, remettidos ao sr. ministro do reino;

2.° Copia de todos os telegrammas trocados entre o governador civil de Bragança o sr. Pina Callado, e o sr. ministro do reino de então, sobre os crimes de sedição, roubo, fogo posto e outros, commettidos na sede da comarca de Macedo de Cavalleiros, em 29 de maio de 1891, enviados por aquelle magistrado ao governo, por occasião da syndicancia que directa e pessoalmente foi fazer n'aquelle concelho, segundo ordens do governo, designadamente copia tio telegramma, onde se diz que o delegado d'aquella comarca, que então era Sebastião Maria Sampaio, prestara relevantes serviços, e a esse se deve não ser reduzido a ruinas o edificio judicial;

3.° Copia do relatorio ultimo, d'aquelle magistrado superior do districto, relativo aos mesmos acontecimentos de 29 de maio;

4.° Copia de toda a correspondencia, incluindo os telegrammas relativos á fuga de trinta e quatro presos da cadeia de Macedo de Cavalleiros, que teve logar em principio de agosto de 1892, trocada entre o sr. governador civil Costa Ventura e o sr. ministro do reino; data em que foi levantado o destacamento militar d'aquelle concelho, quando foi substituído, e que providencias adoptou o sr. governador civil durante a ausência do destacamento militar; copia de toda a correspondência trocada entre o delegado interino Alexandre. Cordeiro, administrador do concelho, e governador civil, relativa á segurança dos presos, e fuga d'elles;

5.° Data da saída da cadeia do actual administrador do concelho de Macedo de Cavalleiros depois que foi despronunciodo na relação do districto como auctor e mandante do alguns dos crimes pelos quaes estão pronunciados os trinta e quatro presos que se evadiram; data da sua nomeação, como administrador interino d'aquelle concelho, e copia da proposta para ser nomeado administrador effectivo, feita pelo sr. governador civil Costa Ventura. = Eduardo José Coelho.

Requeiro que, pelo ministerio da justiça, sejam enviados com urgencia a esta camara, os seguintes documentos:

1.° Copia do despacho de pronuncia de todos os individuos que foram envolvidos nos crimes de sedição, roubo e fogo posto ás repartições publicas em Macedo de Cavalleiros, crimes commettidos no dia 29 de maio de 1892;

2.° Relação individual dos trinta e quatro presos que fugiram da cadeia de Macedo de Cavalleiros em principios de agosto de 1892, e ali presos como auctores dos alludidos crimes de 29 de maio;

3.° Copia de toda a correspondencia trocada entre o ministerio da justiça e procurador regio do Porto, sobre a fuga dos presos, incluindo a correspondencia trocada entre o procurador regio e delegado interino da comarca de Macedo de Cavalleiros, sobre a fuga referida;

4.° Copia de toda a correspondencia trocada entre o delegado da comarca de Macedo de Cavalleiros, Sebastião Maria Sampaio, o procurador regio e o governo, sobre o perigo de se conservarem na cadeia de Macedo os trinta e quatro presos que fugiram em 29 de maio; copia de toda a correspondencia relativa, e conservação de todos, ou parte dos presos, em uma casa particular, arvorada em cadeia, com audiencia e consentimento do ministerio da justiça, allegando-se perigo para a saude publica; declaração de quem era a casa assim constituida em cadeia, e quaes os presos que para ella foram removidos, e quanto tempo lá estiveram;

5.° Copia do relatorio da syndicancia mandada fazer a comarca de Macedo de Cavalleiros por occasião da fuga de trinta e quatro presos e da amnistia ultimamente decretada, abrangendo copia da portaria ou quaesquer instrucções dadas ao syndicante, resposta do magistrado syndicado, se a houve;

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6.° Copia dos telegrammas, ou de quaesquer ordens dadas pelo ministerio da justiça para que o delegado da comarca de Macedo de Cavalleiros requeresse a applicação da ultima amnistia aos réus presos, e que recorresse de qualquer despacho em sentido contrario proferido pelo juiz de direito d'aquella comarca, nome dos réus que estavam presos, e se no processo havia parte particular, alem do ministerio publico;

7.° Copia de toda a correspondencia trocada entre o sr. procurador regio, delegado em commissão, de Mirandella, e o ministerio da justiça, sobre os acontecimentos criminosos de Mirandella, occorridos em 15 do setembro ultimo;

8.° Copia da participação do delegado, em commissão em Mirandella, e do respectivo procurador régio relativa a ura processo instaurado n'aquella comarca contra o delegado Henrique da Costa e Cunha, actualmente delegado da comarca de Murça. = Eduardo J. Coelho.

Requeiro que, pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, seja enviada a esta camara uma nota da qual conste quantos canonicatos da sé de Evora foram postos a concurso nos ultimos dois annos; quantos foram providos, e as causas por que haviam sido considerados vagos. = J. F. Abreu Castello Branco.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camará os documentos respectivos á suspensão do empregado menor do lyceu de Angra, Francisco de Salles Sodré Junior, o qual foi suspenso sem ser ouvido, e suspenso tem estado ha mais de um anno. = J.F. Abreu Castello Branco.

Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja enviada a esta camara, a fim de ser remettida ao tribunal especial de verificação de poderes a copia dos officios ou communicação do governador geral da India dando conta da maneira como correram nas assembléas do circulo de Margão os trabalhos eleitoraes na ultima eleição de um deputado pelo mesmo circulo. = F. de Almeida e Brito.

Requeiro que, pela secretaria da guerra, seja remettida a esta camara uma copia da consulta da procuraria geral da corôa ácerca do ultimo concurso documental para o provimento de logares de lentes da escola do exercito. = Francisco Felisberto Dias Costa, deputado da nação.

Requeiro, que da secretaria da camara, seja remettida para a mesa a copia do inventario da casa real.
Sala das sessões, 17 de janeiro de 1893. = Rodrigues de Freitas.

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda seja, com urgencia, remettida a esta casa a copia:

1.° Dos documentos que legalisassem o pagamento aos liquidatarios das contas do contrato do tabaco e do sabão no quadriennio de 1830 a 1833, e toda a correspondencia que a este respeito houvesse com o tribunal de contas;

2.° Dos documentos relativos á liquidação de contas da casa de Bragança e da casa real com o thesouro.

Sala das sessões, 17 de janeiro de 1893. = Rodrigues de Freitas.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja com urgencia enviada a esta camara uma nota do numero de eleitores recenseados em cada uma das freguezias do circulo do Porto em 1889 e em 1890.

Requeiro que, pelo mesmo ministerio (ou pelo da fazenda, caso no do reino não existam os respectivos esclarecimentos), seja com urgencia remettida a esta camara a nota das dividas ao thesouro por diplomas nobiliarios e de ordens militares, especialisando-se os debitos em relação a cada uma das taxas mencionadas nas correspondentes classes das tabellas do imposto do sêllo.

Sala das sessões, 17 de janeiro de 1893. = Rodrigues de Freitas.

Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Dos alferes Rodolpho Ferreira Dias Guimarães e Manuel Soares de Oliveira Junior, pedindo que se lhes façam extensivas as disposições do decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1863, em virtude das quaes os supplicantes têem direito á promoção a tenente.

Apresentados pelo sr. deputado João Arroyo e enviados á commissão de petições.

Dos alferes Sebastião Augusto Nunes da Mata e Luiz Gonzaga Vaz da Victoria, fazendo igual pedido.

Apresentados pelo sr. deputado F. F. Dias Costa e enviados á commissão de petições.

REPRESENTAÇÂO

Da camara municipal do concelho de S. Thiago do Cacem contra o decreto de 5 de dezembro de 1892, que transfere para as direcções das obras publicas dos districtos as obras publicas municipaes que estavam a cargo das camaras municipaes desde 1864.

Apresentada pelo sr. deputado Teixeira de Queiroz e mandada publicar no Diario do governo.

O sr. Presidente: - Acha-se nos corredores da camara o sr. Adolpho Pimentel; convido os srs. Pereira Leite o Santos Viegas a introduzil-o na sala.

Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Adolpho Pimentel.

O sr. João Arroyo: - Mando para a mesa um requerimento do sr. Rodolpho Ferreira Dias, alferes do regimento de engenheria, pedindo que se lhe tornem extensivas as disposições do decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1863, era virtude das quaes o requerente tem direito á promoção a tenente.

Mando tambem outro requerimento do alferes de infanteria Manuel Soares de Oliveira Junior, em que pede que se lhe mande contar a antiguidade para o posto de tenente, em conformidade com o determinado na lei de 24 de dezembro de 1863.

Peço a v. exa. que mande dar o devido destino a estes requerimentos.

O sr. Presidente: - Será dado o destino conveniente nos requerimentos do sr. deputado.

O sr. José de Alpoim: - Disse que não fôra por traça politica que ha pouco observara ao sr. presidente que não devia haver sessão. Fora por que não estava presente o governo e porque não havia numero sufficiente.

Entendia que realmente não era bom principio da vida nova annunciada pelo sr. Dias Ferreira, começar a sessão só ás tres horas e sem estar presente o governo depois de ter praticado actos pelos quaes o parlamento tem de lho pedir estreitas contas. Parecia-lhe isto um facto de tal ordem que constituia um verdadeiro desacato.

Durante vinte annos o sr. Dias Ferreira censurára de tal maneira todos os governos e todas as camaras, que parecia que, quando s. exa. chegasse ao poder, se inauguraria o reinado da moralidade. Agora, porém, em logar de vir dar contas dos seus actos, furtava-se ás suas responsabilidades.

Lavrava contra este facto um protesto franco, como sempre os costumava fazer.
Tinha a tratar com o sr. presidente do conselho um caso gravissimo; e, para que se não dissesse que havia surpreza, declarava desde já que se referia ao sr. capitão Machado, contra quem se instaurára um processo que revol-

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tára todos, e que fôra determinado por quem não tinha auctoridade moral para o fazer, porque o sr. presidente do conselho, que se apresentara sempre como muito liberal, calcára aos pés os seus principios, e, depois de muitos annos de accusações a tudo e a todos, parecia ter andado a procurar todas as suas affirmações para as destruir uma por uma.

Precisava tratar este assumpto tambem com o sr. ministro da guerra.
Era preciso que acabasse o caso ridiculo da anterior sessão legislativa, e que s. exa. viesse á camara.

Pela sua parte havia de empregar todos os meios de que podasse dispor para coagir s. exa. a vir á camara, porque tinha muitos actos de que devia dar contas ao parlamento.

Estava presente o sr. ministro das obras publicas, mas nem a pasta de s. exa. prendia com o assumpto, nem s. exa. era verdadeiramente governo, porque com os processos do sr. Dias Ferreira o governo era elle só.

Pedia, portanto, que fossem prevenidos os srs. presidente do conselho e ministro da guerra de que desejava dirigir a s. exa. uma interpellação acerca do processo do sr. capitão Machado.

Desejava mostrar que o sr. ministro da guerra fôra apenas o braço do sr. Dias Ferreira, e devia acrescentar que era triste ver um homem tão cheio de serviços á pátria prestar-se a um papel de tal ordem.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Pedro Victor): - Mando para a mesa duas propostas; uma para que os srs. deputados que exercem funcções dependentes do ministerio a meu cargo, possam querendo, accumulal-as com as funcções legislativas; e outra, idêntica, por parte do meu collega da guerra.

Em resposta ás observações que o illustre deputado o sr. José de Alpoim acaba de fazer, direi que o sr. presidente do conselho talvez ainda hoje venha a esta camará, mas, se elle não vier, eu terei muito prazer em lhe dizer que o illustre deputado deseja interpellal-o sobre o facto a que se referiu, e outros que não indicou.

O sr. Alpoim: - V. exa. dá-me licença?

As interpellações costumam sempre ser precedidas de um ceremonial de tal ordem que nunca se realisam.

O Orador: - Pois eu direi ao sr. presidente do conselho que o illustre deputado deseja conversar com elle sobre o assumpto a que se referiu e a mais outros.

Sr. presidente, n'esta camara havia a praxe, que me parece que póde subsistir este anno, e que acho perfeitamente racional e admissivel, de que, quando um deputado desejava conversar ou dirigir-se a qualquer ministro, a mesa dirigir n'esse mesmo dia um officio ao ministro, indicando-lhe o que se tinha passado na camara, ou mandando, pelo menos, um extracto da sessão para indicação que havia um deputado que requererá para interpelai-o ou mostrara desejos de conversar sobre um assumpto qualquer.

Parece-me, pois, que não póde haver inconveniente em que esta praxe continue a ser seguida este anno, porque póde acontecer que ainda que o governo esteja representado, o ministro ou ministros presentes não tenham occasião de se encontrarem com o collega, a tempo de lhe indicar os desejos do deputado que com elle queira conversar.

Eu, peço, portanto a v. exa., sr. presidente, que se digne continuar a praxe de fazer regularmente estas communicações aos membros do poder executivo.

Pouco mais tenho a dizer, ou quasi nada. O que extranhei um pouco, no discurso do sr. Alpoim, foi o s. exa. querer fazer desapparecer a minha personalidade do seio do ministerio.

Ora eu existo, e desde que existo e estou no ministerio, é porque sou ministro.

O sr. José de Alpoim: - V. exa. sabe que não foi, minha intenção, nem sequer minha idéa, melindral-o; mas s. exa. sabe o que se passa... S. exa. sabe a muita consideração que tenho pelo seu caracter e pela sua competencia; e essa consideração é tanto mais justificada, quanto é certo que é s. exa. um dos pouquissimos homens que tem prestado mais relevantes serviços ao paiz.
(Apoiados.)

E note s. exa. que quem lhe diz isto não só não aspira a ser um amigo politico, mas ha de ser sempre um adversario tenaz e intransigente.

O Orador: - Eu não attribui á má parte as palavras do illustre deputado; simplesmente reclamava pelo facto de eu existir, e desde que existo e estou no ministerio é porque sou realmente ministro. Sei, porém, que o illustre deputado era incapaz de ter para mim qualquer palavra menos agradavel.

O sr. Alpoim: - Nem palavra, nem pensamento.

Leram-se na mesa as seguintes:

Propostas

Senhores. - Em conformidade com o artigo 3.° do acto addicional, tenho a honra de pedir á camará dos senhores deputados da nação que permitia possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as do serviço publico que exercem no ministerio das obras publicas, commercio e industria, os srs. deputados:

Angelo Sarrea de Sousa Prado.
Antonio Eduardo Villaça.
Elvino José de Sousa e Brito.
Estevão Antonio de Oliveira Junior.
Francisco de Almeida e Brito.
Francisco Felisberto Dias Costa.
Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Frederico Ressano Garcia.
Fernando Mattozo Santos.
Joaquim Simões Ferreira.
José Gonçalves Pereira dos Santos.
José Maria Greenfield de Mello.

Secretaria dos negocios das obras publicas, commercio e industria, em 17 de janeiro de 1893. = Pedro Victor da Costa Sequeira.
Foi approvada.

Senhores. - Em conformidade do disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos senhores deputados auctorisação para que os seus membros abaixo mencionados, accumulem, querendo, o exercício das funcções legislativas com o das suas commissões:

Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, cirurgião mór do regimento n.° 5 de caçadores de El-Rei;

Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, tenente coronel do mesmo regimento e ajudante de campo de Sua Magestade El-Rei;

Antonio Alfredo Barjona de Freitas, capitão do corpo do estado maior;

Antonio Eduardo Villaça, capitão de engenheria, lente da escola do exercito;

Antonio Francisco da Costa, capitão de cavallaria, ajudante de campo de Sua Alteza o Senhor Infante D. Affonso;

Eduardo Augusto Rodrigues Galhardo, tenente coronel de infanteria, chefe da repartição do gabinete do ministerio da guerra;

Francisco Felisberto Dias Costa, capitão de engenheria, lente da escola do exercito;

José Alves Pimenta de Avellar Machado, tenente coronel de engenheria, inspector de engenheria na primeira divisão militar;

José Estevão de Moraes Sarmento, tenente coronel de

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infanteria, defensor officioso no tribunal superior de guerra e marinha;

José da Gama Lobo Lamare, capitão de cavallaria, promotor do justiça no primeiro conselho de guerra permanente da primeira divisão militar;

José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, tenente coronel do artilheria director da fabrica da polvora;

José Maria Greenfield de Mello, capitão de artilheria, professor no collegio militar;

José Maria de Sousa Horta e Costa, capitão de engenheria em serviço na inspecção de engenheria da primeira divisão militar;

Julio Augusto de Oliveira Pires, coronel commandante do regimento de infanteria n.° 16 ;

Luiz Augusto Pimentel Pinto, coronel de cavallaria, director da administração militar;

Luiz de Mello Bandeira Coelho, tenente coronel de artilheria no estado maior da mesma arma;

Marianno José da Silva Prezado, capitão de cavallaria, professor do real collegio militar.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, 16 de janeiro de 1893. = Jorge Candido Cordeiro Pinheiro Furtado.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Comquanto a mesa não tenha no regimento senão a obrigação de communicar aos ministros as interpellações que lhes são annunciadas, eu, comtudo, na ultima sessão legislativa, adoptei a pratica de communicar aos membros do governo os desejos manifestados pelos srs. deputados, quando se referiam a interrogações sobre assumptos de serviço publico. A mesa está na resolução de continuar este anno n'essa pratica, que, apesar de não ser do regimento, me parece salutar.

O sr. Francisco Mattoso: - Eu já tive a honra de communicar pessoalmente a v. exa., e faço agora a declaração publica, de que preciso da presença do sr. presidente do conselho para que dê explicações sobre um assumpto de administração publica urgentissimo.

Peço, portanto, a v. exa. que me reserve a palavra para quando comparecer o sr. presidente do conselho, e quer-me parecer que s. exa., quando souber que ha um deputado que precisa urgentemente conversar com elle, não se recusará a vir aqui dar explicações.

Espero effectivamente que v. exa. me reserve a palavra para quando s. exa. estiver presente.

O sr. Presidente: - Em conformidade com a declaração que fiz, vou communicar ao sr. presidente do conselho que v. exa. deseja que elle venha hoje á camara para conversarem sobre um assumpto importante.

O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Tenho apenas a pedir a v. exa. e ao sr. ministro das obras publicas que me façam a fineza de dizer ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que eu desejo dirigir uma pergunta a s. exa. sobre assumpto que se me afigura importante.

Não reclamo a presença de s. exa. na sessão de hoje, mas muito me obsequiaria o illustre ministro, se é obsequio vir um ministro responder a perguntas de um deputado, no caso de comparecer na camará o mais brevemente possivel para eu conversar com s. exa. sobre um negocio dependente da sua pasta, e que, em meu entender, carece de ser explicado no parlamento ao paiz.

O sr. Eduardo Coelho: - Sr. presidente, mando para a mesa o diploma do sr. deputado eleito conde de Villa Real.

Peço que se lhe dê o destino conveniente.

Mando tambem para a mesa alguns requerimentos um pouco extensos, e que por isso não leio, para não cansar a camara, pedindo documentos pelo ministerio do reino.
Peço a v. ex.ª que lhes dê prompto expediente, porque eu tenho urgencia de realisar uma interpellação aos srs. ministros da justiça c do reino, e para ella careço d'estes documentos.

Declaro que, se estes documentes me não forem mandados a tempo, realisarei mesmo sem elles a interpellação.

O sr. Santos Viegas: - Sr. presidente, no intervallo da sessão parlamentar falleceu um cidadão prestantissimo, um nosso amigo dedicado, um trabalhador infatigavel, a quem o paiz e a maior parte de todos nós que aqui nos encontrâmos devem importantíssimos serviços.

Refiro-me ao barão de S. Clemente. (Muitos apoiados.)

Desde o momento em que elle deixou de esclarecer muitos deputados e outros homens publicos com as luzes do seu lucido espirito, eu, que fui um dos seus amigos mais dilectos e que me confesso grato á sua memoria, não podia deixar, n'este momento e n'este logar, de testemunhar o respeito e consideração que tenho pelo seu nome, pedindo aos meus collegas que me acompanhem n'um voto de sentimento (Muitos apoiados.} que proponho que se lance na acta pela morte d'este distinctissimo funccionario. (Muitos apoiados.)

Mando para a mesa a proposta n'este sentido.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que na acta da sessão da camara se lance um voto de sentimento pela morte do barão de S. Clemente, e que d'ella se envie copia á sua familia. = O deputado, Santos Viegas.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Pedro Victor): - Por parte do governo, associo-me á proposta que acaba de fazer o sr. Santos Viegas.

Tive occasião de conhecer as nobres qualidades e altos merecimentos d'esse digno funccionario, e por isso espero que toda a camara nos acompanhará n'esta manifestação de profundo respeito e consideração por esse homem tão digno, tão prestimoso e que tantos serviços prestou ao paiz. (Muitos apoiados.)

O sr. Francisco Mattoso: - Como amigo, que sempre fui do sr. barão de S. Clemente, o homem honrado e digno (Apoiados), o funccionario illustrado (Apoiados) que tantos serviços prestou ao seu paiz. (Apoiados), associo-me á manifestação que a camara acaba de fazer, suppondo interpretar tambem o sentimento unanime dos meus amigos politicos. (Muitos apoiados.)

O sr. Abreu Castello Branco: - Mando para a mesa uns requerimentos nos seguintes termos:

«Requeiro que, pelo ministerio dos negócios ecclesiasticos e de justiça, seja enviada a esta camara uma nota da qual conste quantos canonicatos da sé de Evora foram postos a concurso nos ultimos dois annos; quantos foram providos, e as causas por que haviam sido considerados vagos. = J. F. Abreu Castello Branco.»

Fazia este requerimento porque lhe constava que estava actualmente a concurso um canonicato da, sé de Evora que, segundo as suas informações, não devia considerar-se vago, porque para isso era necessario que houvesse renuncia d'aquelle que o occupava, ou que este tenha sido apresentado em outro beneficio e tomado posse.

Enviava tambem para a mesa a seguinte nota de interpellação:

«Desejo interpellar o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça sobre o procedimento do governa para com o cabido da sé de Angra, relativamente á eleição do vigario capitular, effectuada no dia 11 de janeiro de 1892.

«Sala das sessões, 17 de janeiro de 1893. = J. F. Abreu Castello Branco.»
Não está presente O sr. ministro da justiça, mas emfim enviarei para a mesa os requerimentos.

Constou-me que estava actualmente a Concurso um canonicato da sé de Evora, com onus de ensino, mas cons-

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ta-me tambem que este canonicato não se podia considerar vago, porquanto para um beneficio ecclesiastico se considerar vago, é preciso, como v. exa. sabe, que haja renuncia d'aquelle que occupa, ou que este seja apresentado n'outro beneficio o tome posse d'elle.

Não se deram estas circumstancias, segundo me informam. É possivel, porém, que na secretaria existam alguns documentos, que de alguma sorte contrariem esta informação que me foi dada.

Envio para a mesa esto requerimento:

«Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camará os documentos respectivos á suspensão do empregado menor do lyceu de Angra, Francisco de Salles Sodré Junior, o qual foi suspenso sem ser ouvido, e suspenso tem estado ha mais de um anno. = J. F. Abreu Castello Branco.»

Tambem vou enviar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça, com relação ao procedimento havido pelo governo para com o cabido cia só de Angra, relativamente á eleição do vigario capitular, que se effectuou em 11 de janeiro de 1892.

É verdade que, n'essa occasião, não fazia parto do gabinete o actual ministro da justiça, o sr. Telles de Vasconcellos, mas esto assumpto de que me occupo, foi tratado em conselho de ministros, e a resolução tomada pelo sr. ministro da justiça d'esse tempo, foi tomada em virtude de deliberação do mesmo conselho.

Supponho que s. exa., fazendo agora parte d'este gabinete, assumiu as responsabilidades respectivas.

Se, porém, s. exa. declarar que declina de si a responsabilidade a tal respeito, eu nem por isso desistirei de enviar então para a mesa uma outra nota de interpellação ao sr. presidente do conselho, e aos demais cavalheiros que continuaram no poder, depois que o assumpto foi tratado em conselho de ministros.

É preciso que se realise a interpellação, para que os srs. ministros possam dar de si boa rasão, como é seu dever, e porque ella tem por objecto um assumpto muito importante, pois que se trata, nada menos, que de um conflicto entre a igreja e o estado, e mais ainda, entre dois poderes do estado, o executivo e o judicial.

Como é possivel que alguns srs. deputados queiram tomar parte n'esta interpellação, se v. exa. e a camara m'o permitte, farei agora uma singela narração dos factos, taes como elles só passaram, para que desde já fiquem possuindo alguma noção d'elles.

No dia 11 de janeiro de 1892 chegou á ilha Terceira a noticia do fallecimento do venerando bispo d'aquella diocese, n'uma villa do continente.

Eu, como deão da sé, presidente do cabido, fiz convocar os meus collegas para o dia seguinte, porquanto era nosso dever, segundo as leis canonicas, declarar a sé vaga e proceder á eleição do vigario capitular, que devia effectuar-se em qualquer dos oito dias immediatos á recepção d´aquella triste noticia.

Recebi então uma carta fechada dirigida ao deão, dignidades e conegos da sé, e pediam-me recibo d'essa carta, dizendo que ao sr. governador civil tinha sido determinado superiormente que não m'a entregassem sem que eu passasse o recibo. Sei á talvez o costume, mas acho-o pouco attencioso. (Apoiados.) Ha uma carta regia, assignada por Sua Magestade e referendada pelo sr. ministro da justiça, Ayres de Gouvêa, insinuando para vigario capitular um collega meu, que muito prezo e de quem sou particular amigo. Dizia-se n'essa carta que seria muito do agracio de Sua Magestade que elle fosse eleito. Em vista d'isto, entendi, como não podia deixar de entender, que o governo apresentava uma candidatura official, porquanto insinuar a eleição de um individuo, não é mais do que apresentar uma candidatura official.

Nós íamos tratar de uma, eleição por escrutinio secreto, uma eleição segundo determina o concilio de Trento, que e lei n'este reino, portanto, repito, insinuar o governo a eleição de um individuo qualquer, não era mais do que apresentar uma candidatura official, e candidato official ou não official, pôde vencer ou perder a eleição, segundo for da vontade dos eleitores. (Apoiados.)
Em todo o caso guardei a carta, que no dia seguinte foi lida em plena sessão capitular.

Ora, é de notar que o meu collega e amigo insinuado, estava physicamente impossibilitado de exercer aã futicções de tal cargo, e nao sei, sr. presidente, se foi apenas esta circumstancia que influiu no animo dos meus collegas para não votarem n'elle, ou se pensaram, como eu pensei, que deviam repellir a injustificavel insinuação.

Antes de recebel-a, tinha eu declarado que, se ella fosse feita, votaria contra o insinuado, fosse elle quem fosse, porque era preciso mostrar ao governo, que não oram admissiveis as suas insinuações quando se tratava de uma eleição que deve ser livre; sim, sr. presidente, antes mesmo de ter recebido a carta regia, eu havia dito ao mesmo meu collega, que foi insinuado, que a meu ver, a insinuação só poderia ser considerada como um conselho, que a ninguem póde obrigar, ou uma declaração no sentido de que ao governo de Sua Magestade seria agradavel que fosse eleito aquelle individuo, mas só o não fosse, o governo havia de resignar-se; e se acaso a insinuação era uma ordem, a eleição passava a ser uma comedia.

Pois nós havemos de fazer uma eleição por escrutinio secreto e o governo ha de dizer que só permitte que seja eleito um certo e determinado individuo? Então para que é o escrutinio secreto? (Apoiados.)

Procedeu-se á eleição, recaindo a maioria dos votos na minha humilde pessoa. Immediatamente tomei posse e comecei a governar a diocese. Participamos ao governo o que se tinha passado, fazendo notar que o meu collega insinuado estava physicamente impossibilitado de exercer o logar.

Alem d'isso, segundo as disposições canonicas, nós tinhamos de fazer a eleição dentro do praso do oito dias decorridos depois do fallecimento do prelado, ou depois da chegada da noticia d'esse fallecimento, e n'esse lapso de tempo não era possivel participar ao governo que aquelle sacerdote não estava habilitado para exercer o cargo, e esperar nova insinuação do governo.

Já em 1870 nós fizemos quasi o mesmo, isto é, tendo fallecido o reverendo bispo D. Frei Estevão, procedemos immediatamente á eleição, elegendo o reverendo chantre Ferreira e Sousa. Geria então a pasta da justiça o duque d'Avila.

Participámos que tinha sido eleito vigario capitular aquelle sacerdote e que não tínhamos esporado a insinuação por não haver tempo para isso em oito dias.

Quer v. exa. e a camará saber o que fez o duque d'Avila? Respondeu que lamentava não ter havido tempo para esperar a insinuação, mas emfim, visto ter-se dado essa circumstancia muito attendivel, e outra não menos attendivel, de se reunirem no eleito os predicados precisos para governar a diocese, o governo estava satisfeito.

Ora, com respeito á minha eleição, deu-se a circumstancia de não se poder esperar nova insinuação. Não se daria, e effectivamente não só dava, a circumstancia de se reunirem na minha pessoa todos os predicados precisos para governar com proficiência a diocese, mas dizer-me o governo isso a mim, seria dizer uma verdade, mas não era delicado.

Participado ao governo o que se tinha passado, recebeu-se pelo vapor seguinte uma portaria, da qual me foi tambem pedido recibo, e em que só dizia que o governo de Sua Magestade tinha recebido a conta do cabido (creio que chamam conta áquellas participações officiaes), e que reconhecia que effectivamente o reverendo chantre insinuado não estava nas condições de ser eleito vigario capitular, porque estava impossibilitado, segundo elle mesmo

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SESSÃO N.° 10 DE 17 DE JANEIRO DE 1893 7

declarava; todavia Sua Magestade não podia reconhecer o eleito e considerava o acto praticado polo cabido como attentatorio das prerogativas regias, e por isso determinava que a portaria fosse archivada para todos os effeitos.

Eu fiz ler a portaria cm reunião de cabido, o qual disse simplesmente: archive-se, e archivou-se.

Em seguida fiz responder ao sr. ministro da justiça que mo maravilhava que Sua Magestade não me reconhecesse como vigario capitular, mas que isso nada me importava, porque havia de continuar a governar e a exercer o cargo. E ainda, sr. presidente, que o governo me mettesse na cadeia, eu mesmo de lá havia de continuar a governar, e creia v. exa. e a camara que ninguem deixaria de me obedecer; nenhum bom catholico deixaria de considerar-me legitimo prelado.
A isto o governo não respondeu cousa alguma. É certo que o governo não mo reconheceu como prelado da diocese, mas, sr. presidente, emquanto a governei estive sempre em correspondencia com os governadores civis e outras auctoridades, fiz varias nomeações de parochos, nomeando só de uma assentada quatorze, e quer v. exa. e a camara saber o que aconteceu?

Como v. exa. sabe nos Açores os parochos recebem as suas congruas dos cofres do estado; pois todos aquelles sacerdotes receberam as suas congruas em tempo competente, e não foi contestada nomeação alguma que ou fizesse. E o governo de Sua Magestade tinha declarado que não me podia reconhecer como vigario capitular.

Depois d'isso ninguem me perturbou no exercicio das minhas funcções, como vigario capitular, por parte do governo, até que tomou posse o actual venerando bispo de Angra.

Estes são os factos.

Houve insinuação e não foi eleito o insinuado; houve eleição, e não foi reconhecido o eleito, e o eleito continuou a governar com essa falta de reconhecimento, e o governo, que nos disse que tinhamos praticado um acto attentatorio das prerogativas regias, não prohibiu ás suas auctoridades que continuassem a corresponder-se commigo.

E o governo, que não me quiz reconhecer como vigario capitular, reconheço os parochos por mim nomeados, e manda-lhes pagar as suas congruas; o governo não me reconhece como vigario capitular e reconhece-mo como presidente de um concurso, e não annulla esse concurso.

Eu desejo interpellar o sr. ministro da justiça a este respeito, ou o sr. presidente do conselho, porquanto houve um conflicto, e o governo devia saber que um conflicto de ordem igual tinha já terminado por um accordão do supremo tribunal de justiça.

Deu-se uma questão igual com o cabido da Sé de Bragança; o governo procedeu contra o vigario capitular eleito, e privou-o dos seus vencimentos.

A mim tambem não me pagaram, mas isso não me incommodou nada. Os conegos da só de Bragança recorreram para o supremo tribunal de justiça, que julgou a questão a favor d'elles, considerando que a insinuação do governo não podia ser considerada como uma ordem terminante a que se não podésse resistir.

Temos, pois, conflicto entre o poder executivo e o poder judicial, e é necessario que o poder executivo não esteja procedendo de um modo e o poder judicial do outro.

Portanto, desejava que o governo viesse declarar se tencionava entabolar algumas negociações com a Santa Sé para que isto acabe por uma vez, para quo se não repitam taes factos, que são sempre desagradaveis e podem ser muito prejudiciaes. (Apoiados.)

Queria tambem perguntar ao sr. ministro da justiça ou ao governo, como é que se praticou um acto attentatorio das prerogativas regias; como se commette, por consequencia, um crime gravissimo, e o governo não manda que quem assim procedo seja mettido em processo e consente que impunemente se ataquem as prerogativas regias, o que ha de mais alto n'este paiz?!

Então que governo é este?!

Se não zela as prerogativas regias, o que será elle capaz de zelar?! Talvez os seus interesses ou os da sua parcialidade politica.

Ora, para que tudo isto acabe, para que finalmente se chegue a uma conclusão qualquer; para que se assento firmemente, no que é a insinuação, o que significa, que effeitos pôde ter e se deve prevalecer a decisão do supremo tribunal de justiça ou a decisão do poder executivo, é que envio para a mesa está nota de interpellação.

Tenho dito.

Os requerimentos mandados para a mesa pelo sr. deputado são publicados na secção respectiva a pag. 3. A nota de interpellação mandou-se expedir.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Pedro Victor da Costa Sequeira: - Mando para a mesa uma proposta que diz respeito ao ministerio da justiça, para que alguns srs. deputados ali empregados, possam accumular as funcções de deputados com as dos seus empregos.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Senhores. - Era conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos senhores deputados da nação portugueza a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus logares na capital, dependentes do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, os srs. deputados:

Antonio de Azevedo Castello Branco.
Antonio Baptista, de Sousa.
Arthur Urbano Monteiro de Castro.
Augusto José Pereira Leite.
Carlos Lobo d'Avila.
Eduardo José Coelho.
Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Francisco do Castro Mattoso da Silva Côrte Real.
Francisco de Gusmão Corrêa Arouca.
Jeronymo Pereira da Silva Baima de Bastos.
Manuel d'Assumpção.
Thomás Victor da Costa Sequeira.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 17 de janeiro de 1893. = Antonia Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.
Foi approvada.

O sr. Teixeira de Queiroz: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação que me enviou a camara municipal de S. Thiago do Cacem. Esta representação diz respeito aos decretos publicados pelo ministerio das obras publicas, juntando ao mesmo ministerio o serviço do obras das camaras municipaes.

É para mim duplamente agradavel apresentar esta representação, não só porque concordo com a substancia d'ella; mas tambem com o modo como esta camara municipal pugna contra um attentado das liberdades e garantias populares, e ainda me é agradavel, porque d'este facto eu tiro a conclusão, a posteriori, de que a camara municipal do S. Thiago do Cacem julgou que o actual deputado por aquelle circulo, era o legitimo representante d'elle n'esta casa.

V. exa. sabe ao que posso alludir n'este momento.

Disse-se nos jornaes e n'esta casa, que a minha eleição podia ser annullada! Ora, uma eleição que estava absolutamente pura, contra que não houve um unico protesto nem nas assembléas primarias, nem de apuramento, nunca percebi porque motivos podésse ser annullada! Felizmente

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

esta camara não deu rasão a esses boatos, e louvo-a por isso.

Isto fundava-se n'um celebre inquerito administrativo que o sr. presidente do conselho houve por bem mandar fazer ao circulo n.º 81, a proposito da eleição do seu deputado.

O sr. presidente do conselho é um habil jurisconsulto, é o commentador dos nossos codigos todos; não sei, porém, elle deve-o saber por força, onde s. exa. foi buscar uma disposição que auctorisasse um tal procedimento! Foi de certo uma inspiração do seu travesseiro, mas que é, segundo me parece, perfeitamente attentatoria das leis que n'este paiz regem o acto eleitoral. Emfim, não quero dizer que o sr. presidente do conselho quizesse divertir-se com um acto d'esta natureza; nem a sua posição, nem o seu saber, nem a sua alta posição permittem que elle de divirta com inqueritos mais ou menos graciosos ácerca de casos perfeitamente julgados.

Em relação á substancia d'esta representação, como é de presumir que o assumpto que ella trata seja discutido n'esta camara, não o trata n'este momento, porque poderia trazer para aqui rasões ociosas que em outra occasião serão melhor cabidas.

Por ultimo requeiro a v. exa. que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Consultada a camara foi auctorisada a publicação.

O sr. Almeida e Brito: - Sr. presidente mando para a mesa os seguintes requerimentos.

(Leu.)

Vão publicados na secção respectiva a pag. 3.

O sr. Dias Costa: - Sr. presidente, o primeiro assumpto que desejo tratar exige a presença do sr. presidente do conselho, porque se refere a graves questões de administração publica, em que os delegados do governo na séde do districto de Aveiro mais uma vez affrontaram os principios liberaes; peço, portanto, a v. exa. que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. presidente do conselho.

Sr. presidente, sentirei tambem que o nobre ministro da guerra, a cujas qualidades eu sou o primeiro a prestar homenagem (Apoiados.), continue na norma seguida na legislatura passada, e espero que tendo mais alguma consideração pelos preceitos legaes, e não esquecendo o respeito que deve aos representantes da nação (Muitos apoiados.) s. exa. se digne interromper essa linha de conducta e venha á camara, porque desejo referir-me a assumptos dependentes da sua pasta.

Sem me referir a outro assumpto, limitar-me-hei a lembrar o que se passou com o sr. deputado eleito Francisco José Machado.

Este senhor sendo ainda deputado da nação, pois que tinha o seu mandato e occupava n'esta casa o seu logar na legislatura anterior (Apoiados), foi ao paço apresentar a Sua Magestade El-Rei uma representação contra as violencias de que foram victimas muitos eleitores do circulo das Caldas da Rainha.

Essa representação foi lida a Sua Magestade, que acolheu o sr. Francisco José Machado com a amabilidade que o caracterisa, e em especial tratando-se de um cavalheiro, que me parece merecer do Sua Magestade toda a benevolente consideração de que effectivamente é muito digno.

Este facto constituiu para o governo um crime, e, o que é peior, um crime militar, porque se lembraram que o sr. deputado Francisco Machado tinha tambem a honra de ser official do exercito, como se esta qualidade o inhibisse de cumprir o seu dever de representante da nação, e não se antepozesse a qualquer outra.

Eu não receio que o supposto delicto praticado pelo sr. capitão Machado, apresentando-se perante Sua Magestade El-Rei a reclamar contra as violências praticadas nas pessoas dos eleitores do circulo n.° 69 seja considerado como um crime de lesa-magestade. Deus nos livro que fosse considerado como um crime o facto de ura deputado, civil ou militar, ir, dentro da lei, representar a Sua Magestade contra as violencias e propotencias praticadas pelos delegados do ministro, e cujos actos não corresponderam ás formulas liberaes por s. exa. apregoadas durante tantos annos n'esta casa do parlamento. (Apoiados.)

Este assumpto é grave, gravissimo, porque se prendo com as immunidades que devem gosar os membros do parlamento, como representantes legitimos da nação; e desde que o sr. ministro da guerra mandou proceder contra o deputado eleito Francisco José Machado por instigações do sr. ministro do reino...

Uma voz: - Por instigações ou por ordem?

O Orador: - Tomando em consideração a qualidade militar d'elle, e não a de deputado, é bom que este assumpto se dirima no parlamento, para se ficar sabendo quaes são as normas que devem prevalecer, isto é, se devo ser a completa independencia e isenção dos representantes da nação, ou a subserviencia para com o poder executivo, se esses representantes da nação tiverem tambem a honra de serem militares.

Portanto, espero que o sr. ministro da guerra se dignará comparecer n'esta casa do parlamento. Julgo escusado affirmar a v. exa. e á camara que acolherei s. exa. com o respeito e consideração que sempre costumo prestar a todos os ministros da corôa, o que não me inhibe de discutir e apreciar, no uso do meu direito, os actos que s. exa. tiver praticado contrarios á carta constitucional e ás normas liberaes.

Desejaria tambem que o ar. ministro da fazenda me desse explicações ácerca do procedimento havido para com os parochos, a quem o parlamento concedeu a aposentação, que deve ser paga por conta de um fundo especial, e que não obstante ser lei do estado não se tem cumprido.

Desejaria igualmente que o mesmo sr. ministro me explicasse a rasão por que se não deu cumprimento a outro preceito da lei de 26 de fevereiro de 1892, lei chamada de salvação publica, a qual mandou inscrever no orçamento do estado a verba de 200 contos de réis para occorrer aos defites dos estabelecimentos pios e para os parochos cujos passaes, sommados com as congruas, dessem um rendimento inferior a 400$000 réis. Apesar da lei ser clara a tal respeito, não se tem mandado abonar aos parochos essa differença.

Como este assumpto se prende com a pasta da fazenda, quando o sr. presidente do conselho estiver presente, s. exa. poderá dar explicações a este respeito.

Mando para a mesa dois requerimentos de dois alferes de engenheria, pedindo lhe sejam extensivas as disposições do decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1863, em virtude das quaes teriam direito a ser promovidos a tenentes quando completassem dois annos de tirocinio depois de concluido o curso.

A estes officiaes faltavam apenas dois mezes para terminar o tirocinio, quando foi publicado o ultimo decreto com força de lei que reorganisou a escola do exercito, estabelecendo novas disposições para aquelles que concluirem os cursos das armas de engenheria e de artilheria, e attendendo apenas nas disposições transitorias - phenomeno singular que a seu tempo apreciarei - á situação dos alumnos que terminaram os cursos das referidas armas, pondo completamente de parte os alferes de engenheria o os segundos tenentes de artilheria nas condições dos requerentes.

Esta causa é justa e sympathica. Eu não quero por fórma alguma fazer d'ella questão politica, e esperoque a camara acolherá estes requerimentos com benevolencia.

Mando tambem para a mesa um requerimento pedindo copia de um documento relativo ao concurso que houve na escola do exercito, porque desejo ter conhecimento da consulta do procurador geral da corôa e fazenda, relativa a este assumpto.

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O sr. Rodrigues de Freitas: - Como é sabido, na camara dos dignos pares decidiu-se que fosse impresso e distribuido o relatorio da syndicancia á companhia dos caminhos de ferro do norte e leste.

Não tenho de inquirir se foi ou não prudente esta deliberação tomada na camara dos dignos pares; não tenho que tratar do assumpto a que ella se refere; tenho só a dirigir um pedido a v. exa., e é que, pelos meios que entender acertados, faça com que a esta camara sejam tambem distribuidos exemplares d'aquelle relatorio.

Referindo-me a esta questão, devo acrescentar que é realmente para grande lastima que, tendo tido os governos anteriores um representante seu junto d'aquella companhia, fosse necessario proceder a uma syndicancia, quando pela portaria, creio que do sr. Antonio Augusto de Aguiar, elle estava armado de poderes sufficientes para saber de tudo quanto ali se passava.

Tiveram os ministros as devidas informações do seu representante, ou não?
Tenho ouvido dizer que não. Mas então levanta-se a seguinte pergunta: para que servia ao governo ter um delegado junto da companhia?

Eu não continuo nas observações que a este respeito podia fazer, porque desejo primeiro conhecer os documentos que o representante do governo acaso tivesse mandado para as repartições competentes.

Pretendo saber do governo se tenciona apresentar á camara o projecto do bill de indemnidade, pois que ultrapoz notavelmente os poderes, concedidos incondicionalmente, é certo, mas que, segundo os costumes do paiz, o parlamento lhe deu para legislar sobre varios assumptos.

Espero que o sr. ministro das obras publicas me dê uma resposta sobro este assumpto,

Ainda mais. Tendo se espalhado que o governo não pensava em discutir o orçamento, desejava ter informações a este respeito.

Mando para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro, que da secretaria da camara, seja remettida para a mesa a copia do inventario da casa real.

«Sala das sessões, 17 de janeiro do 1893. = Rodrigues de Freitas.»
Mando mais os seguintes requerimentos, para me elucidar sobre varios assumptos que desejo tratar:

«Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja com urgencia remettida a esta casa a copia:

«1.° Dos documentos que legalisassem o pagamento aos liquidatarios das contas do contrato do tabaco e do sabão no quadriennio de 1830 a 1833 e toda a correspondencia que a este respeito houvesse com o tribunal de contas;

«2.° Dos documentos relativos á liquidação de contas da casa de Bragança e da casa real com o thesouro.

«Sala das sessões, 17 de janeiro de 1893. = Rodrigues de Freitas.»

«Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja com urgencia enviada a esta camará uma nota do numero do eleitores recenseados em cada uma das freguezias do circulo do Porto em 1889 e em 1890.

«Requeiro que, pelo mesmo ministerio (ou pelo da fazenda, caso no do reino não existam os respectivos esclarecimentos), seja com urgencia remettida a esta camara a nota das dividas ao thesouro por diplomas nobiliarios e de ordens militares, especialisando-se os debitos em relação a cada uma das taxas mencionadas nas correspondentes classes das tabellas do imposto do sêllo.
«Sala das sessões, 17 de janeiro de 1898. = Rodrigues de Freitas.

Está me parecendo que se vae passar uma scena analoga áquella que se passou ha muitos annos quando fiz parte d'esta camara. Presidia então o sr. Costa e Silva. S. exa. mandou baldadamente procurar na secretaria d'esta camara o inventario da casa real, a que, no dizer de mais de uma lei, ahi deve existir.

conveniente saber a qualidade o importancia dos bens da casa real, que são bens nacionaes; seria realmente grave que esse inventario não se tivesse effectuado, e que a respeito da casa real não se procedesse como se procede a respeito de qualquer particular.

E quasi repito o que disse hontem: sinto que seja um deputado republicano que tenha de pedir aos partidos monarchicos que respeitem leis que os partidos monarchicos fizeram.

V. exa. comprehende a gravidade da questão que está debaixo d'este requerimento; qual seria a consequencia que só havia de tirar se v. exa. infelizmente tivesse de responder que o inventario não existe nem se fez, embora em mais de uma lei se diga que este documento está na secretaria da camara?

Eu ficaria muito contente que v. exa. me respondesse: «o inventario existe; eil- o aqui», porque estimarei muito que, seja quem for o supremo representante do paiz, presidente da republica, ou rei, a respeito da gerencia da sua casa não se possa dizer senão bem e sempre bem.

Mando tambem o seguinte requerimento:

(Leu.)

Refere-se este á celebre questão da outra metade, que foi uma d'aquellas que mais indignaram a nação.

V. exa. recorda-se de que, por exemplo, o sr. Lopo Vaz proferiu n'esta casa um discurso em que disse que aquelle acto não era simplesmente um erro de intelligencia, mas era tambem um erro de vontade.

Não digo a minha opinião a este respeito; unicamente recordo a opinião de um homem que todos os regeneradores consideravam como um dos seus mais notaveis chefes.

Faço tambem o seguinte requerimento:

(Leu.)

Devem existir de certo documentos importantes sobre estes dois assumptos.
Houve um tempo em que unicamente por eu ter proferido n'esta casa as palavras «que não eram muito regulares as relações entre a casa real e o thesouro», se levantou grande indignação por parte da maioria; mas v. exa. e a camara sabem que nos documentos publicos fornecidos ao paiz por varios ministerios estão as provas completas de que se tem abonado á casa real quantias que não era permittido abonar.

Eu sói que n'este paiz não ha lei de responsabilidade ministerial; e de passagem direi que é de estranhar que tendo a camara dos deputados approvado em 1892 um relatorio em que se dizia que era realmente grave que continuasse o estado actual, isto é, a não existencia de uma lei especial de responsabilidade dos ministros; é realmente estranhavel que, tendo-se dito n'esse relatorio que a continuar-se assim - se não são estas as palavras é pelo menos a idéa - podia acontecer o mesmo que tem acontecido em outros paizes, isto é, que as resoluções viessem damnificar a serena acção da justiça por irem muito longe nos seus processos de exigencia de responsabilidade; é realmente estranhavel que, tendo a camará dos - dignos pares votado a urgencia de uma lei de responsabilidade ministerial, pouco tempo depois se fechasse o parlamento sem ao menos o governo ter apresentado uma proposta a esse respeito, e agora no discurso da corôa, nem promette apresental-a.

O outro requerimento refere-se ao circulo do Porto.

As eleições n'essa cidade foram, infelizmente, um documento tão claro de que o sr. Dias Ferreira esqueceu completamente as affirmações solemnes que fizera no parlamento; essas eleições correram de tal modo que, se eu poder demorar-me ainda algum tempo n'esta camara, mostrarei que s. exa. deixou ou quiz que os seus agentes, certamente de combinação com individuos que outr'ora o guerreavam, interviessem no acto eleitoral, por um modo muito offensivo do direito de votar.
Mando para a mesa estos requerimentos, pedindo a

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v. exa. que ámanhã, ou hoje se podér, mo informe se o inventario da casa real existe ou não na secretaria, ou se a tal respeito estamos como desde muitos annos.

O sr. Presidente: - Os requerimentos do sr. deputado vão ter o devido destino. Com referencia á pergunta que s. exa. acaba de fazer, ámanhã darei a resposta.

O sr. Rodrigues de Freitas: - Agradeço a v. exa.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Pedro Victor): - Mando para a mesa uma proposta de accumulação, por parte do sr. ministro da marinha.

Em resposta ao sr. deputado que acaba de fallar, cumpre-me dizer-lhe que o governo tem tenção de apresentar á camara o bill de indemnidade a fim do obter a sancção legislativa para todas as medidas que precisem d'essa sancção.

Em relação ao orçamento devo tambem dizer a s. exa. que o sr. presidente do conselho apresentou hontem aqui a summula d'esse orçamento.

S. exa. pediu que, por differentes ministerios, fossem enviados varios esclarecimentos. Estou certo que logo que a esses ministerios chegue a competente requisição, esses esclarecimentos serão immediatamente enviados á camara.

Com relação ao inventarie da casa real, não posso dizer o que ha; mas tenho uma vaga idéa de que elle existe, ou, pelo menos, ha trabalhos adiantados a este respeito no ministerio da justiça. Como não sou ministro d'esta pasta, não posso responder com precisão.

Com relação ás observações que s. exa. fez a respeito do se não annunciar, por parte do governo, no discurso da corôa, o pensamento de se discutir este anno uma lei de responsabilidade ministerial, direi que essa falta, se existe, póde ser remediada pelo illustre deputado.

S. exa., que é deputado, póde usar da sua iniciativa, e apresentar um projecto de lei sobre o assumpto, o a camara dirá o que julgar mais conveniente sobre esse projecto.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Senhores. - Em conformidade do disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões dependentes d'este ministerio os srs. deputados da nação:

Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto.
Angelo Sarrea de Sousa Prado.
Elvino José de Sousa e Brito.
José Bento Ferreira de Almeida.
José Joaquim de Sousa Cavalheiro.
Pedro Silveira da Mota de Oliveira Pires.
Vicente Maria de Moura Coutinho de Almeida d'Eça.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 17 de janeiro de 1893. = Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.

Foi approvada.

O sr. Rodrigues de Freitas: - V. exa. sabe que eu voto contra essas propostas, mas não as discuto, porém; satisfiz-me hontem com o ter dito á camara a minha opinião sobre tal assumpto; o meu desejo não é cansar a camara, é sim fazer as observações que tenho por necessarias e justas; escuso de repetir as de hontem, e prescindo de lhes acrescentar argumentos comprovativos da inconveniencia de violar o artigo 3.° do acto addicional.

E se v. exa. me permitte, agradeço desde já ao sr. ministro das obras publicas a resposta que não deu; e quanto á minha iniciativa de deputado... s. exa. houve-se perfeitamente, fallou como quem está convencido de que a iniciativa do deputado vale muito. Unicamente lhe dou os meus parabens pela sua inexcedivel ingenuidade!... (Riso.)

O sr. Baptista de Sousa: - Mando para a mesa uma renovação de iniciativa de um projecto que apresentei na sessão de 2 de maio de 1887, e que contém um capitulo novo a introduzir no regimento para regular o processo a seguir quando se trata de processos eleitoraes em que haja protestos e requerimentos firmados por quinze deputados.

Eu fiquei constituido no dever de renovar a iniciativa d'este projecto, desde que se discutiu ha dias a questão previa sobre o parecer acerca da eleição de Pinhel.

Em 1887, na sessão em que se votara o parecer relativo á eleição de Felgueiras, apresentei, quasi como protestos contra o meu voto, que era apenas fundado em precedentes parlamentares, este projecto para se inserir no regimento.

De então até hoje o projecto não teve seguimento, porque em 1886, alem da commissão ordinaria do regimento, havia uma commissão especial do regimento encarregada de apresentar um projecto de reforma do regimento. Essa commissão não póde apresentar os seus trabalhos, e finda a legislatura por motivos que não vem agora para o caso, essa commissão não apresentou o seu trabalho, que aliás, chegou a ser feito.

A necessidade de a camara se occupar d'este assumpto foi mais que reconhecida agora a proposito da eleição de Pinhel; e eu espero que a commissão do regimento, a quem v. exa. se dignará enviar esta renovação de iniciativa, tomará o assumpto na devida consideração.

Governo e camará tinha de occupar-se de uma questão tão impropria da sua dignidade, como aquella a proposito da eleição de Felgueiras, e agora a proposito da eleição de Pinhel.

O sr. Fialho Gomes: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei, creando um logar de tabellião no concelho de Barrancos.

N'um resumido relatorio justifico a necessidade d'este logar. Por isso julgo dispensavel occupar-me de quaesquer considerações, e passo a ler o projecto.

(Leu.)

Peço a v. exa. que haja por bem dar a este projecto o destino conveniente.
O projecto ficou para segunda leitura.

O sr. Lobo Lamare: - Mando para a mesa o diploma do sr. deputado eleito por Moçambique, Thomás Victor da Costa Sequeira.

Mandou-se, á commissão de verificação de poderes.

ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição da commissão de resposta ao discurso da corôa. Convido os srs. deputados a formarem as suas listas.

Feita a chamada e corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 62 listas, saindo eleitos os srs.:

Augusto José Pereira Leite .... 62 votos
Carlos Lobo d'Avila .... 62 votos
Frederico de Gusmão Corrêa Arouca .... 62 votos
José de Abreu do Coute de Amorim Novaes .... 62 votos
José da Gama Lobo Lamare .... 62 votos
Julio Augusto de Oliveira Pires 62 votos

O sr. Presidente: - Tendo alguns srs. deputados, antes da ordem do dia, reclamado a presença do sr. presidente do conselho para se referirem a assumptos de serviço publico, de caracter urgente, vou conceder a palavra aos senhores que a pediram, visto o sr. presidente do conselho estar presente.

Tem a palavra o sr. Dias Costa.

O sr. Dias Costa: - Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do sr. presidente do conselho para

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SESSÃO N.° 10 DE 17 DE JANEIRO DE 1893 11

os factos que se passaram ultimamente na eleição da commissão districtal de Aveiro.

No domingo passado reuniram-se os delegados das camaras municipaes, como determinava a reforma ultima monte decretada pelo sr. presidente do conselho, a fim procederem á eleição da commissão districtal.

A reunido d'estes delegados devia ser presidida, como dizia o decreto, pelo presidente da camara municipal Aveiro.

O presidente da camara municipal de Aveiro fez saber á assembléa que, no seu entender, como determinava a ultima reforma administrativa, a votação era publica e os delegados tinham, portanto, do votar com lista aberta.

Primeira irregularidade, primeira infracção da lei, porque de certo no espirito liberal do sr. presidente do conselho parece-me que não devia existir a idéa de que a votação fosse a descoberto, porque d'esta maneira a liberdade do voto ficava seriamente compromettida.

O artigo 318.° do codigo administrativo, que manda fazer as eleições por escrutinio secreto, não foi revogado pela nova reforma administrativa que diz o seguinte:

(Leu.)

Ora, «votação publicai, parece querer dizer apenas que estes actos sejam públicos, não deixando o escrutinio de ser secreto, e parece ser assim, porque de igual modo se procede em todas as eleições, salvo disposição especial e claramente expressa, o que não acontece no caso sujeito.

Como e de ver, os delegados das camaras municipaes não se conformaram com a interpretação que o presidente deu á lei, chamando os eleitores a votarem em lista aberta, e mandando que cada lista tivesse quinze nomes, quanda a lei não prohibe que tenha mais, porque é claro que se eliminam depois os que excederem o numero fixado.

Isto deu logar a varios incidentes, e o presidente resolveu, por fim, deixar correr a eleição á revelia, abandonando a sala.

Ora, determina a nova reforma administrativa, que na ausência do presidente da camara, os delegados das camaras municipaes escolham entre si um presidente.

N'este caso effectivamente o presidente ordinario appareceu, mas depois foi-se embora, abandonando a eleição, e os delegados elegeram entre si presidente, e procederam á eleição.

D'essa eleição se lavrou uma acta, que o presidente, o sr. Antonio Pereira da Cunha e Costa, se encarregou de apresentar a v. exa., chamando a sua attenção para todas essas irregularidades e para o facto estranhavel de depois de ter havido a eleição, o administrador do concelho entrar na sala onde estavam os delegados, expulsando-os á força!

Este facto constitue mais uma violência digna de censura, porque esses cidadãos reuniram-se no exercicio dos seus direitos legitimos, e não alteraram a ordem publica.

Sr. presidente, estes assumptos são de sua natureza importantissimos, porque affectam directamente os direitos dos cidadãos; e no caso presente vão offender pessoas que são representantes das camaras municipaes, por quem o governo deve ter toda a consideração, por isso que os municipios são verdadeiras instituições nacionaes de um alto valor tradicional; e desde que essas pessoas são delegados dos municipios, é claro que representam um grande numero de outros cidadãos e, pelo menos, têem tanto direito como quaesquer outros ao respeito da auctoridade. (Apoiados.)

Sr. presidente, depois de se darem todos estes factos, que seriam perfeitamente proprios nos tempos ominosos, que já lá vão, e que nem desejo sequer indicar agora, em Aveiro consta, com ou sem fundamento, que ao ministerio do reino não foram communicados os factos taes como se passaram, mas que houve tumultos e que não se procedeu á eleição; de maneira que na conformidade do uma das disposições da nova reforma administrativa, desde que não se procedeu á leição, é ao governo que pertence a nomeação da commissão districtal.

Ora, a eleição fez se. Não se fez perante o presidente da camara, porque o presidente interpretou erradamente a lei e abandonou a eleição. Por conseguinte, ou espero que o sr. presidente do conselho se informará sobre este assumpto, de fórma que a eleição seja mantida e os principios liberaes não sejam postergados pelo administrador do concelho e pelo presidente da camara municipal de Aveiro. (Apoiados.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Dias Ferreira): - Sr. presidente, devo dizer primeiramente a v. exa., e á camara, que não compareci logo que recebi o aviso de v. exa., porque, como a camará toda calculará, o serviço que tive nos ultimos dias, accumulou tantos despachos nas secretarias d'estado, que não me foi possivel interromper o serviço urgente e de alto interesse publico. Assim que pude, porém, desembaraçar-me d'esse serviço, acudi a saber o que desejavam os representantes da nação.

Respondendo agora sobre os factos que se passaram no districto de Aveiro, eu devo dizer que ainda não pude ver as participações que tenho no ministerio do reino, mas li nos jornaes o que acaba de dizer o illustre deputado.

Com a clareza e firmeza com que costumo fallar, direi que a respeito d'essas occorrencias, se são como se contam, apenas me reputo com attribuições sobre os actos do administrador do concelho, porque quero ser completamente estranho aos da assembléa eleitoral. O decreto estabelece o principio, que reputo eminentemente liberal, de que a eleição é unica e exclusivamente dos delegados das camaras municipaes. Ainda que ao dizer outra cousa a s. exa. para o tranquillisar, porque me parece que era isso que principalmente o preoccupava, e é, que eu - em caso nenhum, nomearia os membros da commissão districtal desde que comparecessem em maioria os delegados municipaes. Ora, os delegados das camarás municipaes, segundo as informações que tenho, compareceram em maioria; portanto não se dá o caso do governo escolher a commissão districtal.

Houve irregularidades na eleição? No meu entender, se as houve, não ha de ser o poder executivo o julgador, mas sim a justiça ordinaria. O me a pensamento, ao fazer aquelle decreto, foi de que a votação o fosse publica, e se estivesse na minha mão, não só era publica essa eleição, como todas as outras. Quem coragem de dar o seu voto em publico, não tem para intervir em assumptos tão graves como são os dizem respeito ao viver da nação. Não tenho proposto isto porque não quero propor senão o que está de accordo com o pensar do paiz. Não se póde pôr em pratica tudo quanto se encontra nos livros da sciencia, se estes não estão de accordo com os costumes e pensar da nação, sei porque motivo o jury, que decide os assumptos mas graves da vida social, põe o seu nome sob o veredictum que dava logar á pena de morto, que supprimimos do nosso codigo penal, e porque rasão o eleitor não ha de dizer, abertamente, qual é o seu voto. Temos essa conquista liberal, desde 1852, nas commissões de recenseamento e, por minha parte, eu desejaria que se ampliasse o principio ás commissões districtaes e ao resto.
Mas isto é uma questão theorica. Só reproduzo o meu pensamento. Declaro, porém, em conclusão, visto que isso é o que creio ser de mais interesse para o illustre deputado: eu não nomeio, em caso algum, as commissões districtaes, desde que se reuniram em maioria os delegados das camaras municipaes a quem exclusivamente compete fazer essa eleição. De resto, ainda que eu soubesse, que ao sei, quaes tinham sido as irregularidades, se algumas louve n'essa eleição, eu não poria, n'este ponto, a minha opinião nos debates parlamentares, nem nos debates politicos, porque entendo que o conhecimento da validade ou legalidade das eleições, sem exceptuar esta, é da exclusiva Competencia do poder judicial.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O meu desejo, e é essa tambem a minha opinião em face da lei, é que todas as questões que se levantarem, quer sobre as constituições das assembléas eleitoraes, quer sobre as formalidades das eleições, são reservados única e exclusivamente para o poder judicial.

Creio ter explicado a s. ex.ª, como pude e como soube, qual é a minha opinião sobre o assumpto, e se o illustre deputado, ou mais algum dos seus collegas, quizer outras explicações, estou prompto a dar-lhe, com todo o prazer, todas aquellas que estiverem ao meu alcance.

(S. exa. não reviu estas notas.)

O sr. Mattoso Côrte Real: - Disse que o sr. Dias Ferreira o tinha antecedido em algumas considerações que tinha a fazer.

Descreveu como tinha sido organisada a lista dos delegados municipaes, por modo que, combinada com a fórma de eleição por meio de voto publico, o resultado fosse aquelle que se desejava.

Disse que o codigo administrativo determinava que a eleição da commissão districtal se fizesse por escrutinio secreto, e pela interpretação que o sr. presidente do conselho dava á lei, succedia que a eleição não era secreta, e fôra isto o que, pelo menos succedêra no districto de Aveiro.

Constituída a assembléa districtal de Aveiro, ella fez o que tinha a fazer, que foi eleger o presidente e o secretario. E quando procedia aos seus trabalhos com toda a regularidade, entrava o administrador do concelho dizendo que ia ali para dissolver a assembléa, por isso que cila estava em desordem.

O presidente fizera ver á auctoridade que a assembléa estava perfeitamente na ordem, e que se a dissolvesse assumiria a responsabilidade de um tal acto.
E vendo o administrador que não podia praticar uma tal arbitrariedade, retirára-se.

Quando os trabalhos estavam já concluidos, entrara novamente na assembléa o administrador acompanhado de policias, civis e dissolveu a assembléa.

As ordens da auctoridade foram cumpridas, mas felizmente n'essa occasião estava já feita a acta em duplicado para que caso desapparecesse a que devia ficar no governo civil, houvesse d'ella uma copia, que era a que ía ser presente ao sr. ministro do reino.

Estava presente o sr. deputado Antonio Emilio de Almeida Azevedo, cavalheiro muito distincto e muito respeitavel, o qual não podia desmentir o que elle, orador, acabava de dizer.

Portanto, á vista do que acabava de dizer, pedia ao sr. presidente do conselho e ministro do reino que mandasse syndicar por pessoa de sua confiança, do modo como as cousas se passaram, e em virtude do resultado da syndicancia procedesse como fosse de justiça.

Era preciso que o sr. ministro do reino pozesse cobro á anarchia que reinava no districto de Aveiro desde que s. exa. entrara para os conselhos da corôa.

N´aquelle districto havia pessoas muito dignas que estavam assombradas com o modo por que o sr. ministro tem procedido, e declarava que não largaria do mão esta questão; desde que via os seus compatriotas perseguidos pelo sr. ministro e pelos seus amigos politicos n'aquella localidade, era seu dever vir levantar a luva.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Paulo Cancella: - Quando aqui entrei hoje, vinha indignadissimo, pelo procedimento que tinham tido as auctoridades delegadas do sr. presidente do conselho no districto de Aveiro.

Não sabia que teria a acompanhar-me, n'esta discussão, tantos amigos dedicados, verdadeiramente irritados contra um procedimento que me abstenho de classificar.
Como deputado do districto do Aveiro, que o sr. presidente do conselho escolheu para theatro das suas façanhas e arbitrariedades, não podia deixar de levantar aqui, hoje, um. protesto contra o procedimento dos delegados do governo n'aquelle districto.

O sr. presidente do conselho pretendeu por todos os meios, lançando mão de todas as violencias, vencer as eleições no districto de Aveiro, não só de deputados, mas tambem das camarás municipaes, por causa da escolha de delegados para eleição da commissão districtal, que s. exa. queria que fosse composta por amigos seus.

O meu circulo, que se compõe de quatro concelhos, foi em dois d'elles, onde o governo não tinha elementos alguns para vencer, uma das victimas das mais inqualificaveis violencias do sr. presidente do conselho.

Em Vagos succedeu o seguinte: tendo o presidente da commissão do recenseamento, que tinha de presidir á mesa da assembléa eleitoral, para a eleição da camará municipal, entrado na igreja, pouco depois das oito horas da manhã, para ás nove se constituir a mesa eleitoral, como manda a lei, quando lá chegou já encontrou uma mesa, que tinha sido organisada ás oito horas, e, quando elle protestou contra a illegalidade da constituição da mesa que estava funccionando, foi preso e mettido na enxovia pelo administrador do concelho, que fez invadir a igreja pela força armada e expulsar de lá todos os eleitores progressistas.

Em Oliveira do Bairro uma horda de caceteiros, previamente combinados com o administrador do concelho substituto, que estava em da camara, e foi o proprio regedor que, lançando mão da uma, a atirou por uma janella para a rua, onde foi despedaçada por outros amigos da auctoridade, o as listas espalhadas pelo chão.

Tudo isto, sr. presidente, se passou no districto do Aveiro, em nome da ordem publica e da liberdade da urna, tão apregoda pelo sr. presidente do conselho, que veiu aqui na camara, pela bôca do chefe do estado, dizer no discurso da corôa que tinham sido respeitadas as garantias, e que em todo o paiz fôra mantida a liberdade eleitoral.

Sr. presidente, eu protesto contra esta affirmativa. V. exa., sr. presidente do conselho, enganou a corôa, fazendo com que ella dissesse, n'esta casa, cousas que não são verdadeiras.

O sr. Presidente: - Eu lembro ao sr. deputado que o assumpto para que pediu urgencia não é aquelle de que está tratando; convido-o portanto a cingir-se unicamente ao assumpto para. que lhe foi concedida a palavra. (Muitos apoiados.)

O Orador: - Eu vou limitar-me ao assumpto em discussão.

Não relatarei, sr. presidente, a edificante historia da eleição da commissão districtal de Aveiro, que é mais uma gloria para o sr. presidente do conselho! Essa historia já foi contada pelos illustres collegas que me precederam n'esta discussão, e como me satisfez o que disse o sr. presidente do conselho, de que aos tribunaes compete resolver sobre a legalidade ou illegalidade d'essa eleição, eu limito me apenas a pedir a s. exa. que proceda energicamente desfie que se prove que houve illegalidade.

Eu repeti as palavras de s. exa. para que fiquem bem consignadas, porque receio que ácerca d'isto aconteça o que succedeu com umas explicações dadas aqui pelo governo na sessão anterior. Então, disse aqui o governo que procederia de certa fórma, e não cumpriu o que aqui disse.

Esta questão tratal-a-hei em occasião opportuna, porque desejo mostrar á camará o que valem as affirmações feitas pelo governo, que diz aqui uma cousa e fez depois outra.

O fim principal que tive em vista, quando pedi a palavra foi, sr. presidente, como já disse, o de ficarem bem consignadas as palavras do sr. presidente do conselho,

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para depois poder tomar contas estrictas, se porventura os seus actos não corresponderem ao que aqui disse.

O sr. presidente do conselho disse que só tomava n'esta casa a responsabilidade dos actos praticados pelos seus delegados, e por isso eu peço a s. exa. mande syndicar dos actos praticados pelo administrador do concelho de Aveiro, que arbitrariamente pretendeu dissolver a assembléa dos delegados municipaes que estavam elegendo a commissão districtal, depois de se verificar, como estou certo que verificará, que é verdade tudo aquillo que foi dito n'esta casa pelo sr. Francisco Mattoso, s. exa. proceda energicamente contra esse funccionario, por ter commettido a illegalidade de se intrometter em actos nos quaes não podia intervir.

Espero que o sr. presidente do conselho procederá energicamente, e espero-o, porque tendo-me dirigido a um dos seus administradores do concelho, pedindo-lhe para requisitar força militar para manter a ordem em uma eleição onde havia justo receio de ser alterada, e tendo-me esta auctoridade respondido que sabia que haveria desordem, mas que não pedia força por não convir isso á sua politica, e que só queriam administradores que cumprissem com o seu dever, nílo deviam exigir que fossem politicos, eu appellei então para o sr. presidente do conselho, que leal e correctissimamente mandou ordens expressas para que fosse mandada força militar para manter a ordem.

Portanto, depois da declaração do sr. presidente do conselho, e confiando plenamente na sua palavra, que, estou certo, cumprirá religiosamente, espero que procederá energicamente contra um delegado seu, que certamente não executou ordena dadas por s. exa.

Tenho dito.

O sr. Antonio Emilio: - Sr. presidente, parece-me que o governo está collocado n'uma situação excepcional a respeito dos acontecimentos de Aveiro, de que têem fallado alguns srs. deputados.

Por um lado, os que elles chamam amigos do governo, deixam correr á revelia as eleições das commissões recenseadoras e clamam que o governo os abandona e faz politica progressista, havendo com effeito concelhos em que desde os cabos de policia até aos administradores, todas as auctoridades pertencem áquelle partido; por outro lado os progressistas fazem ao governo uma guerra sem treguas, de que são apenas um pallido reflexo os discursos que a camará acaba de ouvir.

Eu não tenho noticia particular dos factos passados em Aveiro. Em todo o caso, desde o momento em que se fizeram referencias pessoaes a amigos meus que intrevieram n'aquella eleição, vejo-me obrigado a fazer algumas observações a este respeito.

Em primeiro Jogar, e sem com isto querer offender os illustres deputados que acabaram de fallar, devo dizer que em Aveiro ha um grupo de progressistas que, permitta-se-me a expressão, estão habituados a fazer o mal e a caramunha.

Em segundo logar devo affirmar a esta camara que o cidadão que presidiu á eleição da commissão districtal no domingo ultimo era Aveiro nos dá a todos, pelo seu caracter e intelligencia, a mais completa garantia de que os seus actos haviam de ser dictados pelos principios do direito e da justiça.

O governador civil de Aveiro é tambem um magistrado dignisimo.

Eu peço, portanto, á camara que confie, como eu confio, nas promessas feitas pelo sr. presidente do conselho, e no entretanto não façâmos juizos temerarios.

Nada mais tenho que dizer; tive a maior satisfação em ouvir ao sr. presidente do conselho as palavras com que se referiu a estes acontecimentos, porque pela minha parte, como filho de Aveiro e deputado d'aquelle districto, o que desejo é que se faça justiça.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Dias Ferreira): - Pouco tenho que dizer á camara, mas não podia deixar de lhe tomar alguns momentos para fazer curtas observações a algumas palavras do sr. Mattoso Côrte Real. E digo desde já, com relação a s. exa. e ao sr. Cancella (de quem sou amigo ha longos annos, desde que elle era creança), que eu convido os illustres deputados, - não hoje, porque pela posição que occupo, não me compete enxertar a ordem dos trabalhos da camara, mas por occasião de qualquer debate politico, em que este assumpto tenha de ser considerado, - a trazerem a lista das victimas das minhas perseguições nos districtos de Aveiro ou em qualquer outro districto de reino.

O illustre deputado o sr. Cancella, que no principio pareceu referir-se a mim com uma certa acrimonia, e que usou mesmo de uma linguagem, que não está nos seus hahitos, - porque não se diz a um ministro, sem apresentar provas, que elle enganou a corôa (Apoiados.) - disse, no calor do debate, que eu tinha escolhido o districto de Aveiro para theatro das minhas arbitrariedades. Ora s. exa. foi o primeiro a declarar á camara, com a lealdade que eu lhe reconheço, que
encontrando hesitações para a manutenção da ordem publica n'aquelle districto, se dirigia a mim reclamando providencias para ser respeitada a ordem e mantida a liberdade.

Espero que nenhum outro illustre deputado terá occasião de mostrar, porque o não póde fazer, que eu ordenasse, auctorisasse ou consentisse qualquer violencia contra os direitos dos cidadãos ou contra a liberdade.

Ao sr. Mattoso devo dizer mais uma vez que eu não influo, nem posso influir em cousa alguma, na maneira como correu a eleição; que respeito muito o presidente da camara, mas, como ministro, não posso discutir os seus actos, porque nem o poder executivo, nem a camara podem conhecer legalmente da fórma como a eleição correu. O que não significa que os deputados não ponderem á camara, ao governo e ao paiz as circumstancias era que a eleição se fez.

Mais, devo dizer a s. exa., fazendo justiça ás suas intenções - porque o julgo incapaz de fazer as referencias que fez ao funccionario que está em Aveiro, se não fosse levado pela paixão no calor dos debates politicos, o que não fica mal a ninguem - mais devo dizer, repito, que o funccionario que está servindo no districto de Aveiro é um cidadão que todos conhecem, o sr. José Ferreira da Cunha e Sousa. Como secretario geral do governo civil, serviu com quantos ministerios houve, sempre respeitado de todos (Apoiados.) e ninguem o julga capaz de menos respeitador das leis no exercicio das suas funcções. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Mattoso Côrte Real que não se ouviu.)

O Orador: - O governador substituto de Aveiro poderá estar cansado pelos annos, mas era incapaz de receber um duplicado da acta para a enviar ao governo e não a remetter. (Apoiados.)

(Interrupção do sr. Mattoso Corte Real.)

O Orador: - Peço perdão ao illustre deputado. Eu não o quero contrariar, nora quero irritar o debate; pelo contrario, quero responder fria e serenamente ás observações do illustre deputado.

Façamos justiça inteira áquelle funccionario. Elle poderá estar cansado pelos annos, como todos os que chegam áquella idade, mas era incapaz de um acto de menos lealdade para com o seu superior, e de um acto menos correcto para com os cidadãos do districto, que administra. (Apoiados.)

Dei aos illustres deputados todas as explicações com relação a este assumpto. Parece-me que não podem tel-as mais satisfactorias. Estou prompto, em qualquer occasião, a acceitar o debate politico, nos termos da liberdade eleitoral, e creiam s. exas. que lhes hei de responder com a mesma serenidade e imparcialidade com que acabo de dar estas ligeiras explicações.

(S. exa. não reviu as notas.)

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O sr. Presidente: - Vae dar-se conta á camara de um officio que veiu do ministerio do reino.

(Leu-se na mesa).

O sr. Francisco Beirão: - Mando para a mesa o diploma do deputado eleito pelo circulo de Villa Nova de Gaia.

Como o processo sobre esta eleição está affecto ao tribunal especial de verificação de poderes, pedia a v. exa. que remettesse o diploma a esse tribunal.

O sr. Dias Costa: - Agradeço ao sr. presidente do conselho a resposta que se dignou dar-me, e que, se foi serena o correcta, como s: exa. declarou, não ha duvida que foi tambem muito habil.

Eu não desejo collocar esta questão no campo irritante; e s. exa. bem viu que o meu fim não era outro senão obter justiça para os delegados das camaras municipaes dos districto de Aveiro, que foram fazer a eleição da commissão districtal.

O sr. presidente do conselho começou por dizer que não faria a eleição da commissão districtal. Portanto é uma concessão muito em harmonia com os seus principios liberaes; mas s. exa. disse que o poder executivo não tinha que resolver a questão, mas sim os tribunaes.

Eu ficava satisfeito com isto, se logo depois s. exa. não dissesse que era sua opinião que as votações deviam ser publicas.

Pelos termos em que s. exa. emittiu essa opinião parece-me que se poderá concluir que a votação publicas de que falia a reforma administrativa deve ser tomada na accepção de que os cidadãos devem votar com lista aberta.

Ora, se isto é assim, a eleição estaria nulla, porque não se fez a eleição conforme a lei, e estariam nullas quasi todas as eleições das commissões districtaes.

Singular doutrina esta, de onde resulta que um acto, á primeira vista tão simples, ficaria nullo em quasi todos os districtos do reino.

O sr. presidente do conselho foi cauteloso na sua resposta, porque disse com aquella hombridade natural em s. exa. que era de opinião de que todas as votações fossem por lista aberta. E a este respeito fez ponderosas considerações, sobresaindo a de que uma tal theoria, que reputava excellente no campo meramente doutrinario, não lhe parecia de opportuna execução em um paiz nas condições do nosso.

Ora, esta seria a melhor das doutrinas, se todos os eleitores fossem sempre cidadãos independentes; mas como infelizmente nem todos são ricos, nem têem a independencia que lhes garanta o livre exercicio dos seus direitos, os cidadãos não podem deixar de votar com lista fechada.

Se se tratasse de uma sociedade em que todos os cidadãos podessem estar livres de qualquer coacção, bem estava a lista aberta, porque todos no exercicio das suas funcções desejariam tomar a responsabilidade dos seus actos; mas não é isto que acontece entre nós e em toda a parte; e tanto assim que s. exa. entende que não lhe convém manter os preceitos da politica abstracta, mas deve modifical-os na politica concreta ou applicada ao nosso paiz. E por consequencia, como é que s. exa. julga bom um systema de votação quando se trata das eleições districtaes, e não póde querer o mesmo quando se trata de outras eleições?

S. exa. diz que aos tribunaes é que compete decidir. Mas se s. exa. estabelece que a interpretação que deve dar á lei é que «votação publica» deve ser por lista aberta, é claro que o tribunal competente considerará nulla a eleição ultimamente realisada em Aveiro.

Aqui está a rasão por que eu disse ha pouco que, se s. exa. na sua resposta foi muito correcto e sereno, foi ao mesmo tempto muito hábil; annullada a eleição logo s. exa. poderá nomear a seu bei prazer a commissão districtal!

É possivel que eu não comprehendesse bem a resposta do sr. presidente do conselho, e por consequencia rogo a s. exa. se sirva declarar precisamente se considera que as palavras «votação publica» da sua reforma administrativa significam que a votação ha do ser por lista aberta, ou, o que parece mais natural, ha de ser em sessão publica.

Se assim não for, é claro que toda a imparcialidade que s. exa. diz querer seguir na eleição a que me tenho referido, ficará em palavras e não era obras.
Eu repito que o meu fim é obter justiça e não desejo irritar o debate, e por isso não terminarei sem declarar que pela minha parte, como deputado pelo circulo de Arouca, não tenho que accusar o sr. presidente do conselho por violencias praticadas contra mim ou contra os meus honrados eleitores; mas isto não é rasão para que eu deixe de solicitar de s. exa. que justiça seja feita a todos, porque não são só os concelhos de um circulo que devem merecer a consideração de s. exa., e sim os de todos os circulos do paiz.

Em resumo, eu pedia a s. exa. que dissesse qual é a interpretação juridica que se deve dar ás palavras «votação publica», a fim de que a sua declaração, por menos explicita, não vá servir de arestos para a hermeneutica dos tribunaes, e fazer com que a eleição da commissão districtal de Aveiro fique nulla, ficando s, exa. com o direito de nomear essa commissão, o que s. exa. diz não quer fazer, nem seria justo que fizesse.

O sr. Ministro do Reino (Dias Ferreira): - Eu disse apenas o suficiente para responder ás perguntas tão cortezes de s. exa. Expuz simplesmente a minha opinião acerca da significação das palavras «votação publicai porque, tendo-se s. exa. referido a este ponto, não me ficava bem guardar, silencio sobre elle. O que posso dizer a s. exa. é que essa é a verdadeira jurisprudencia.

Publicada uma lei, ou decreto, a sua execução fica pertencendo aos tribunaes.

Expuz a minha opinião e, ainda que a camara toda dissesse que essa opinião era a verdadeira, isso não obrigava os juizes. A interpretação faz parte integrante, real e verdadeira da execução da lei, e quem está encarregado d'essa execução tem como elemento indispensavel, e preciso, a interpretação da mesma lei.

Portanto os juizes que tiverem de intervir n'esta questão estão completamente desembaraçados para proferirem a sua sentença como entenderem de justiça, sem se prenderem com quaesquer discussões parlamentares, nem mesmo com quaesquer resoluções, porque em questões de direito não póde haver effeito retroactivo.

As minhas palavras significam um dever de cortezia para com a assembléa, mas a questão não póde ir prejudicar nenhum direito publico nem particular, nem prevenir nenhuma jurisdicção, sobretudo de um poder que é absolutamente independente do poder executivo e do poder legislativo.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Não posso dar a palavra pela terceira vez ao sr. Dias Costa sobre o mesmo assumpto.

O sr. Dias Costa: - É apenas para fazer uma observação em resposta ás considerações apresentadas pelo sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente: - Em todo o caso eu vou consultar a camara.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara tem s. exa. a palavra.

O sr. Dias Costa: - Agradeço mais uma vez a resposta dada pelo sr. presidente do conselho, resposta que todavia não me satisfez.

S. exa. não respondeu claramente á pergunta que eu tive a honra de dirigir-lhe.

Eu desejava que s. exa. me explicasse, e póde ser que não tivesse ouvido da primeira vez, qual a interpretação que se devia dar ás palavras «votação publica». S. exa. começa por declarar que em these «votação publica» quer

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SESSÃO N.° 10 DE 17 DE JANEIRO DE 1893 15

dizer a lista aberta, e, depois de varias divagações, acrescenta uma cousa que todos nós sabemos: é que o poder judicial é independente do poder executivo.

Eu não quero de fórma alguma lisonjear o sr. presidente do conselho, mesmo porque não estou costumado a lisonjear ninguém; mas, pondo de parte qualquer prevenção politica contra s. exa., direi que ninguém poderá esquecer que s. exa., alem de ministro, é o eminente jurisconsulto que se chama José Dias Ferreira, cuja opinião tem sempre um altissimo valor para todos aquelles que têem de interpretar as leis. S. exa. é uma verdadeira auctoridade jurídica. Quando, embora nas cadeiras do poder, pronuncia uma opinião acerca da hermeneutica juridica, não vae exercer pressão immediata sobre os juizes que hão de julgar a causa; mas lá fica a auctoridade moral do jurisconsulto, indicando qual deve ser a interpretação da lei que elle proprio fez, e que por isso é a pessoa mais competente para poder interpretal-a.

Se realmente o sr. presidente do conselho deseja que esta causa se dirima com justiça, peco-lhe que diga novamente e sem subtilezas de linguagem, qual a accepção em que se devem tomar as palavras «votação publica» se querem dizer votação era sessão publica, ou votação com lista aberta; alias terei de acceitar o repto que s. exa. ha pouco nos lançou, em termos, de resto, muito amaveis e cortezes, e tratar este assumpto n'um debate político. Terei então occasião de repetir á camara alguns dos factos a que se referiu o meu illustre collega o sr. Francisco Mattoso e de com elles demonstrar que muito longe das normas da boa justiça e do respeito pela vontade popular, pretenderam os amigos do governo evitar mais uma derrota no districto de Aveiro.

Seria bom, que de uma resposta, talvez só pouco clara para mira, não resulte uma conclusão que possa induzir em erro qualquer cidadão, que, tendo de interpretar a lei, baseasse a sua opinião na do jurisconsulto, agora tambem ministro. Seria bom, que se expozesse uma opinião franca e clara sobre o assumpto e que estivesse em harmonia com os principios liberaes e com as regras de uma boa política positiva, e não com as suppostas excellencias dá politica mtaphysica a que o sr. presidente do conselho ha pouco se referiu.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Dias Ferreira): - Sinto não me ter explicado com clareza, porque aliás não se teria incommodado mais uma vez o illustre deputado.

A minha jurisdicção com respeito áquella materia, acabou com a publicação do decreto e com a abertura das côrtes, porque a lei que auctorisava a reforma terminou os seus effeitos em 31 de dezembro de 1892.

Eu não quero pesar, nem pesarei, nas decisões de qualquer outro poder, mas a minha obrigação era ser leal e dizer á camara, pelo menos, o meu pensamento.
As palavras «votação publica» significam, na minha opinião, no sentido em que as tomei, a synthese, ou o contrario de votação por escrutínio secreto. Mas esta é uma questão em que me não envolvo; é estranha absolutamente á minha competencia e não quero exercer funcções, que não me pertencem. O que disse foi claro, positivo e indubitavel.

Fallei como muitos, porém com a mesma auctoridade com que fallaria o illustre deputado, ou qualquer pessoa, que tivesse assento n'esta camara. Tal foi o pensamento com que escrevi as palavras' a votação publicas. Na minha ordem de idéas, como expliquei á camara: publicidade em tudo, significa precisamente o contrario de votação secreta. Este é o pensamento que me determinou. Poderá não ser o melhor em alta philosophia, mas é o meu.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Eduardo Coelho: - Se comprehendeu bem as palavras do sr. presidente do conselho, parece que s. exa. julga que o procedimento do presidente da camara de Aveiro foi correcto, mas a verdade é que a maior parte das auctoridades dos outros districtos procederam de um modo differente.

Desde o momento em que o sr. presidente do conselho vem declarar que o seu pensamento é o contrario d'aquillo que se fez em grande parte dos districtos do paiz, ao governo cumpria dar ordens aos agentes do ministerio publico para proporem recursos perante os tribunaes, a fim de que o pensamento do governo seja posto em execução na applicação das leis.

(O discurso será publicado na integra e em appendice à esta sessão quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.).

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Dias Ferreira): - Creiam os illustres deputados que só hoje pela primeira vez ouvi que, n'uma grande parte dos districtos do paiz, se tinham feito as eleições das commissões districtaes por escrutinio secreto.

Ha quinze dias que não tenho tido tempo para examinar outros assumptos que não sejam os de fazenda, e devo confessar á camara que me não tenho preoccupado com a eleição d'estas commissões.

É, porém, evidente que, desde que se fazem declarações tão positivas e terminantes por parte de pessoas tão respeitaveis como os illustres deputados, eu, independentemente das considerações do meu amigo o sr. Eduardo Coelho, não podia deixar de pedir informações aos governadores civis sobre este assumpto, e determinar, em vista d'ellas, as providencias que forem de justiça.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quasi seis horas da tarde.

O redactor = Barbosa Colen.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 10 DE 17 DE JANEIRO DE 1893 17

O sr. Eduardo José Coelho: - A questão de que se trata, ou antes o que se quer apurar, é a verdadeira interpretação do § 1.° do artigo 2.° do decreto de 6 de agosto de 1892 nas palavras «procederão em votação á escolha de quinze cidadãos».

Mas se comprehendi bem a opinião do sr. presidente do conselho, é claro que s. exa. julga que o procedimento do presidente da camara de Aveiro foi correcto!

É, pois, fóra de contestação, segundo a opinião do governo, que as palavras «em sessão publica», excluem sempre a hypothese de «escrutinio secreto» (Apoiados.)

Eu sei que o sr. presidente do conselho, auctor do decreto de 6 agosto, não tem o poder de interpretar a propria lei, de que é auctor, porque isso é missão do poder legislativo (Apoiados.) Tambem isto é claro. Não duvido, por outra lado, que o poder judicial saberá dar ao ponto em questão a interpretação que melhor se ajustar á letra e espirito do decreto de 6 de agosto, com inteira
independencia. (Apoiados.)

Mas é tambem preciso reconhecer que a interpretação doutrinal do sr. presidente do conselho, não só porque s. exa. é um jurisconsulto eminente, mas porque é auctor do decreto de 6 de agosto, tem uma maxima importancia, mesmo em questão doutrinal. (Apoiados.)

Não póde, é certo, o sr. presidente do conselho dar ordens ao poder judicial, porque é um poder independente, e elle seria o primeiro a repellil-as,
(Apoiados} mas póde e deve dar ordens aos agentes do ministerio publico, para que interponha os competentes recursos, de modo que o governo procure que a lei seja interpretada e executada conforme o pensamento do governo, e que elle julga claramente consignado no decreto em questão. (Apoiados.)

Os tribunaes, nas differentes instancias, darão ao decreto a interpretação que parecer mais consentanea á sua lettra o espirito, e teremos jurisprudencia fixada em assumpto tão melindroso. (Apoiados)

É para lamentar que a redacção do decreto em questão se preste a equivocas interpretações, mas eu não quero agora ver a questão por este lado.

O que resulta de toda a discussão, é que, na totalidade, ou quasi totalidade dos districtos, o decreto de 6 de agosto foi interpretado de modo contrario ao sentir do sr. presidente do conselho e ministro do reino, e este facto é grave. (Apoiados.)

Desejo pois saber, se o presidente do conselho fica silencioso e inactivo, ou se procede de modo que os agentes do governo interponham os devidos recursos.

O que se vê, segundo a opinião do governo, é que todas, ou quasi todas as commissões districtaes, estão nullamente eleitas. (Muitos apoiados.) Escuso de encarecer a importância d'este facto.

O que parece é que só o presidente e a camara de Aveiro é que foi o unico inspirado. (Apoiados.)

Eu não entro agora na questão, seria já inutil.

Declaro, porém, que tomarei ao governo serias coutas, se por ventura não empregar os meios que d'elle dependem, para que o decreto de 6 de agosto possa ser devidamente applicado. É preciso que se apure, se temos commissões districtaes em quasi todo o paiz illegalmente eleitas, isto é, se temos a anarchia administrativa, a julgar das mais importantes questões de administração publica.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

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