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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

12.ª SESSÃO

EM 19 DE MAIO DE 1908

SUMMARIO. - Approvada a acta, e tendo-se dado conta do expediente, teve segunda leitura uma proposta do Sr. Oliveira Matos supprimindo o logar de director geral de saude e beneficencia publica. - Proclamados Deputados os Srs. Abilio Bessa, Chaves Pessanha, Egas Moniz, Correia Mendes, José Lousa e Almeida Garrett. - O Sr. Alfredo Pereira justifica a renovação de iniciativa do projecto de lei sobre casas baratas. - O Sr. Roboredo Sampaio justifica a renovação de iniciativa do projecto de lei sobre divorcio. - O Sr. Arthur Pinto Basto elogia varios mortos illustres, aprecia a ultima ditadura e pede se cumpra o testamento de Antonio Soares Dias. Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça.- Prestam juramento os Srs. Deputados Egas Moniz e Almeida Garrett.- Approva-se uma proposta de accumulação pelo Ministerio do Reino.- Os Srs. Sérgio de Castro, Feio Tereiias e Luis da Gama requerem varios esclarecimentos. - O Sr. Zeferino Candido annuncia uma interpellação ao Sr. Ministro da Fazenda.-O Sr. Luís da Gama renova a iniciativa do projecto de lei n.° 21. de 1902.

Na primeira parte da ordem do dia approva-se um requerimento do Sr. Araujo Lima para que seja eleita a commissão especial que tem de dar parecer sobre a reforma da 1.ª alinea do artigo 128.° do regulamento, e elege-se essa commissão e as do ultramar e saúde publica. - É tambem approvada uma proposta de accumulação pelo Ministério das Obras Publicas e participa-se a constituição da commissão de inquérito parlamentar.

Na segunda parte da ordem do dia (continuarão da discussão da resposta ao Discurso da Coroa), usa da palavra o Sr. Affonso Costa. - Antes de encerrada a sessão trocam explicações os Srs. Archer da Silva e Affonso Costa.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHOEES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Libanio Antonio Fialho Gomes

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
Antonio Augusto Pereira Cardoso

Primeira chamada: - Ás 2 horas da tarde.

Presentes: - 8 Srs. Deputados.

Segunda chamada: - Ás 2 horas e 45 minutos da tarde.

Presentes: - 61 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Affonso Augusto da Costa, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alfredo Pereira, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio Alves de Oliveira Guimarães, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Diogo Doiningues Peres, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Jardim de Vilhena, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Henrique de Mello Archer da Silva, João Correia Botelho Castello Branco, João Duarte de Menezes, João Ignacio de Araujo Lima, João José da Silva Ferreira Netto, João de Sousa Tavares, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Mattoso da Camara, José de Ascensão Guimarães, José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Mata, José Coelho da Mota Prego, José Joaquim Mendes Leal, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Matos, José Maria Pereira de Lima, José Ribeiro da Cunha, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis Filippe de Castro (D.), Luis da Gama, Manuel de Brito Camacho, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomaz de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Visconde de Coruche, Visconde de Villa Moura.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Braga, Alfredo Candido Garcia de Moraes, Alvaro Rodrigues Valdez Penalva, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Centeno, Antonio José de Almeida, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Pereira do Valle, Conde de Azevedo, Conde de Castro e Solla, Conde de Mangualde, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Cabral Metello, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Carlos de Mello Barreto, João Henriques Ulrich, João José Sinel de Cordes, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Pedro Martins, Jorge Vieira, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Augusto Moreira de Almeida, José Bento da Rocha e Mello, José Estevam de Vasconcellos, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim da Silva Amado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Simões, José Maria de Queiroz Velloso, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, José dos Santos Pereira Jardim, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Nunes da Silva, Roberto da Cunha Baptista, Vicente de Moura Coutinho de Almeida de Eça, Visconde de Olivã.

Não compareceram a sessão os Srs.: - Abel de Matos Abreu, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Tavares Festas, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde da Arrochella, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Eduardo Burnay, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Joaquim Isidro dos Reis, João Pereira de Magalhães, Joaquim Anselmo da Mata Oliveira, José Caetano Rebello, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Julio Vieira Ramos, José Matias Nunes, Manuel Francisco de Vargas, Manuel de Sousa Avides, Manuel Telles de Vasconcellos, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde de Reguengo (Jorge), Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 12 DE 19 DE MAIO DE 1908 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

O Sr. Belard da Fonseca: - Manda para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que se estivesse presente á sessão do dia 11 do corrente teria approvado a proposta que concedeu a pensão annual de 1:200$000 réis á Exma. viuva do Conselheiro de Estado Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro. = O Deputado, Belard da Fonseca.

Para a acta.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Justiça, participando que o processo de syndicancia cuja copia completa foi requerida pelo Sr. Deputado Affonso Costa pertence ao conselho disciplinar da magistratura judicial, onde está correndo os seus tramites; e como esse processo é muito volumoso, ficou á disposição d'aquelle Sr. Deputado, para o examinar quando lhe convier.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, enviando, copia do officio com data de hontem, do administrador geral da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia, indicando o numero de individuos inscritos na caixa de aposentações para as classes operarias e trabalhadoras, criada por decreto de 29 de agosto de 1907.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Guerra, participando não poderem ser fornecidos nenhum dos documentos enumerados no requerimento do Sr. Deputado José Maria Queiroz Velloso, por se não referirem a assuntos da competencia d'aquelle Ministerio.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, enviando copia da acta do concurso de agronomos de 3.ª classe, a que se procedeu na Direcção Geral de Agricultura, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Henrique de Mello Archer da Silva.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, enviando copia do parecer do Conselho de Fomento Commercial dos Productos Agricolas, referente á qualidade e quantidade de aguardente que as fabricas matriculadas são obrigadas a comprar ás fabricas não matriculadas, na conformidade do respectivo regulamento, satisfazendo, assim, ao requerimento do Sr. Deputado José Malheiro Reymão.

Para a secretaria.

Do Tribunal de Verificação de Poderes, enviando os processos eleitoraes dos circulos n.° 4, Bragança; e n.° 32, Mapuça, definitivamente julgados por aquelle Tribunal.

Para a secretaria.

Segunda leitura

Proposta

Proponho que a vaga, que se deu ha mais dê um anno, do logar de Director Geral de Saude e de Beneficencia Publica, no Ministerio do Reino, seja preenchida pelo actual inspector geral dos serviços sanitarios do reino, sendo aquelle logar supprimido, no que não ha inconveniente algum e antes mais utilidade para os serviços publicos, como tem demonstrado a experiencia, devendo fazer-se assim uma apreciavel economia de um conto e quinhentos mil réis, annuaes, o que nas actuaes circunstancias do Thesouro é importante. = O Deputado, J. M. de Oliveira Mattos.

Foi admittida e enviada á commissão de administração publica.

O Sr. Presidente: - Proclamo Deputados os Srs.:

Abilio Augusto de Madureira Beça.
Antonio Alberto Charula Pessanha.
Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz.
Francisco Xavier Correia Mendes.
José Antonio da Rocha Lousa.
Thomás de Aquino de Almeida Garrett.

O Sr. Alfredo Pereira: - Sr. Presidente: na sessão de 28 de janeiro de 1907 tive occasião de me referir a uma proposta de lei que havia sido apresentada nesta Camara pelo illustre Ministro das Obras Publicas de então.

O Sr. D. João de Alarcão, respeitante á construcção das casas baratas para operarios, proposta de lei essa que chegou a ter parecer da commissão respectiva, mas que não chegou a ser discutida na sessão d'aquelle anno.

Venho por isso hoje renovar a iniciativa de tão humanitario projecto, que tem em vista beneficiar ou melhorar a situação das classes desprotegidas que, principalmente nas duas grandes cidades, Lisboa e Porto, vivem uma vida miseravel no que respeita a hygiene, sem ar, sem luz, sem conforto de espécie alguma. (Apoiados).

Parece-me justo, Sr. Presidente, que se attenda um pouco à situação dessa classe social, a mais laboriosa, a mais infatigavel, que moirejando noite e dia não tem em compensação de tudo isso, de tanto trabalho realizado e tanto esforço despendido, mais que uma exigua remuneração, tão exigua que mal lhe permitte prover a um deficiente sustento. (Apoiados).

É justo, Sr. Presidente, que por todas as formas se promova quanto possivel o bem estar desses incansaveis trabalhadores, preparando-lhes habitações onde, ao menos, ás horas restrictas do descanso, a sua saude não esteja continuamente ameaçada de morte, como, para mal de todos, e está nessas pobres mansardas em que vivem, nesses antros infectos e horriveis, que mais parecem covis destinados para habitarem feras que domicilios construidos para habitações humanas.
Sr. Presidente: o projecto de lei a que me refiro, devo dizê-lo com toda a lealdade, não está completo.

Pode, em minha opinião, ser melhorado, e espero que a commiesão de Obras Publicas não deixará de lhe introduzir melhoramentos apreciaveis.

Mas assimcomo está, elle faz honra ao Ministro que o apresentou, o Sr. D. João de Alarcão, a cujas altissimas qualidades de talento e caracter e a cujas intenções sempre justas, nobres e patrioticas, folgo em prestar aqui calorosa e sincera homenagem. (Muitos apoiados).

Na sessão de 28 de janeiro do anno passado, em que tive occasião de falar sobre este momentoso assunto, expus á Camara a forma por que lá fora, em differentes nações estrangeiras, tem sido tratado este importantissimo problema social por parte dos Parlamentos e dos Governos. Disse então que as nações da Europa central trataram primitivamente o assunto em relação apenas ao operariado.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mas a camara sabe bem que nem só o operariado constitue a immensa legião dos desherdados da fortuna.

Outras classes ha que vivem a braços com a miseria numa luta ingente e desesperada. A todos é de justiça acudir; em beneficio de todos é justo se providencie legisle.

Assim se entendeu na Allemanha, onde se trata de construir não só casas baratas para operarios, mas para outras classes de bem pouco desafogada situação financeira, taes como a do commercio e a dos empregado civis.

Nesse país votou-se nada menos que a importante som ma de 4.000:000 marcos para auxilio da construcção d'essa especie de habitações, e na Prussia foi votada, com igual fim, a quantia de 1.000:000 marcos.

Em Inglaterra o Governo, se não dá auxilio directo autoriza as caixas economicas a emprestar a juro medio capitaes necessarios para construir essas casas.

Veja a camara como nas nações adeantadas se encara e se trata de resolver este grave problema; como os Parlamentos e Governos dessas nações que citei, fora muita1 outras que não refiro para não fatigar a attenção dos que me escutam, legislam e se interessam pela sorte das suai classes trabalhadoras.

Em face de tão eloquentes e nobres exemplos, não de

vemos nos, que tambem temos um proletariado miserave e outras classes vivendo- no meio da maior ausencia de hygiene e de confortos, não devemos nós, Sr. Presidente deixar de lhe prestar toda a attenção e o Governo todo auxilio que for compativel com a nossa situação financeira. (Apoiados).

É necessario que por meio de uma lei se permitta que a Caixa Economica faça empréstimos a juros reduzidos como acontece nos países estrangeiros.

Sr. Presidente: Bem pouco se tem feito no nosso país sobre este assunto. Algumas sociedades existem, mas de tão poucos recursos dispõem que a sua acção tem de resultar necessariamente morosissima.

Uma cooperativa existe, fundada ha pouco tempo, dirigida por dois distinctissimos engenheiros, os Srs. Justino Teixeira e Mello e Mattos, que organizaram um projecto no sentido de ser o Governo autorizado, por intermedio da Caixa Geral de Depositos, a contrahir um emprestimo sobre hypotheea das construcções edificadas.

Não quero cansar mais a attenção da Camara sobre este assunto. Peço a todos os meus illustres collegas que não abandonem esta materia, que é do maior alcance para as classes operarias e para a hygiene das duas cidades mais importantes do país.

Quando tive occasião de falar na sessão de janeiro, o Sr. Ministro das Obras Publicas de então, o Sr. Malheiro Reymão, prometteu da parte do Governo prestar toda a attenção e dedicar todo o cuidado ao assunto.

Certamente por motivos alheios á sua vontade, decerto sobrecarregado com outras occupações, não pode o Governo de que S. Exa. fazia parte trazer ao Parlamento uma proposta de lei nesse sentido.

E foi por isso, ou antes foi por contar que o illustre Ministro a quem me refiro trouxesse uma proposta de lei, que eu não renovei então a iniciativa deste projecto, o que faço agora com o fim de que a commissão de obras publicas o estude e pondere devidamente. Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

O orador não reviu.

O Sr. Roboredo Sampaio e Mello: - Sr. Presidente: em 1900 e na sessão de 1 de março d'aquelle anno, eu apresentei nesta camara um projecto de lei estabelecendo o divorcio em Portugal.

Foi elle admittido á discussão e enviado á commissão de legislação civil para sobre o mesmo dar o seu parecer.

Mas, Sr. Presidente, até hoje tal parecer não foi dado.

Todavia, este importantissimo problema social do divorcio não tem deixado, desde então até agora, de occu-par a attenção de todo o mundo intellectual no nosso país e lá fora.

Quer na Europa, quer na America tem elle continuado a ser discuttido com todo o interesse que merece, porque diz respeito á constituição intima da familia, que todos reconhecem que é preciso reformar no sentido de tornar mais livre e igual em direitos a personalidade individual de ambos os conjugues e sobretudo dignificá-la e moraliza Ia para que ella preencha o fim social que as leis da humanidade lhe prescrevem: (Apoiados).

Sr. Presidente: não são apenas os jornalistas, os romancistas, os dramaturgos que na imprensa diaria ou na obra mais ou menos ligeira de literatura ou de arte teem tratado desta these social do divorcio nos diversos países quer da America quer da Europa.

Tambem os sociologos e os publicistas a teem estudado e discutido com toda a proficiencia que hoje comporta a sciencia social.

E os estadistas a quem compete traduzir em leis as aspirações da sociedade e satisfazer as imperiosas necessidades dos povos no sentido da liberdade e da justiça igualmente se tem occupado d'elle.

Isto se nota e observa muito especialmente, Sr. Presidente, nos países da America, de origem latina.

Todos os outros já teem o divorcio.

E nestes, Sr. Presidente, vão-se manifestamente attenuando e apagando as preoccupações, que no seu espirito lhes tinha gravado a educação catholica romana das nações de onde provieram, sobre familia.

No Brasil foi em 1900 discutido no Parlamento com todo o interesse um projecto de lei de divorcio.

No Parlamento Argentino em 1892 tambem um outro projecto de divorcio foi larga e vivamente debatido e apenas rejeitado por dois votos!

Em 1907 o Parlamento Urugayano vota uma lei de divorcio.

Na Europa tem elle tambem occupado profundamente a attenção de todos os espiritos cultos, publicistas e politicos.

Em França especialmente tem sido o assunto de vivos e até apaixonados debates no mundo das letras e no Parlamento.

E ali voz geral, Sr. Presidente, que a lei de 1884, que estabeleceu naquelle país o divorcio, é demasiadamente restricta e que não satisfaz ás exigencias sociaes. Os proprios tribunaes na suas decisões são os primeiros a reconhecer isto, vendo-se compellidos a dar á lei uma interpretação latitudinaria que ella não comporta em casos em que seria a suprema injustiça e a maior immoralidade não concedero divorcio, que rigorosamente, mas indeviclar mente, a lei actual recusa.

Tambem succede que no Parlamento Francês varios projectos e petições de Deputados, publicistas e magistrados se teem apresentado no sentido de alargar a permissão do divorcio.

Portugal, Sr. Presidente, não tem ficado estranho a este movimento.

Desde que em 1900 eu tive a honrade aqui apresentar o meu projecto, a these do divorcio não tem deixado de preoccupar á opinião publica que o tem tratado. Elle tem sido objecto de livros mais ou menos apaixonados, de conferencias e até peças theatraes.

A verdade é, Sr. Presidente, que eu posso ter o orgulho, e desculpe-se-me a immodestia, de poder affirmar que o meu projecto de lei emocionou profundamente a opinião publica do meu país. (Apoiados).

É certo, Sr. Presideote, que uma pequena corrente se manifestou, muito apaixonadamente até, contra o divorcie.

Esta corrente é constituida pelos espiritos dominados ainda pela força do costume e da tradição, ou obcecados

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pelos preceitos das suas Crenças religiosas, não querendo lembrar-se de que essas crenças não são as de todos os cidadãos portugueses, e que a todos elles a lei deve attender, porque todos elles constituem a sociedade portuguesa. Ha ainda, Sr. Presidente, os espiritos suggestionados pelo absolutismo de um ideal de união conjugal monogamica, baseada no amor eterno e na intangivel indissolubilidade.

Estes são os mais bem intencionados. Para estes o divorcio transforma a familia num arrendamento temporario e é a suprema desgraça da mulher, que são sempre aviltada do lar conjugal dissolvido.

Mas, Sr. Presidente, infelizmente a maior parte das uniões matrimoniaes das nossas sociedades não são, como deviam ser, actos de amor ou de um mais ou menos intenso affecto pessoal, mas associações de mercancia em que ha sempre uma victima explorada, geralmente a mulher, que importa num dado momento libertar do seu inferno de amargura em nome da justiça e da dignidade humana.

Esse ideal de familia, aliás muito seductor e para que a humanidade tem ido marchando no seu constante evolucionar, precisamente por muito absoluto que é, não está de harmonia com as condições sociaes e moraes em que ainda se encontram o homem e a mulher e uma lei bem entendida e sabia não pode deixar de attender a essas condições.

Demais não ha ideal de união conjugal perpetua, por mais moral e seductor que o concebamos, que se não vá quebrar perante a infamia da mulher, que com o seu continuado e escandaloso adulterio enxovalhou b lar conjugal, ou perante a torpeza de um biltre, alcoolico chronico e dissipador, que tortura sua mulher e que dá á sociedade apenas filhos tarados e degenerados que nella vão introduzir o crime e a desordem. (Apoiados).

E certo, porem, Sr. Presidente, que a grande corrente de opinião publica em Portugal se manifestou e se tem accentuado no sentido do divorcio, como tenho visto da minha correspondencia epistolar, da imprensa jornalistica e de varios trabalhos literarios e scientifieos que teem profusamente e levantadamente tratado d'esta grave e importante problema social.

Nestas condições comprehende V. Exa., Sr. Presidente, e comprehende a Camara, que é um dever do meu mandato de Deputado, alem de ser uma necessidade do meu espirito, o renovar a iniciativa do meu projecto de lei.

E o que faço, mandando para a mesa a respectiva proposta. Vae esta acompanhada de um relatorio justificativo.

Eu não lerei esse relatorio para não maçar a Camara.

Nelle faço a historia da evolução por que tem passado o principio do divorcio em Portugal e nas demais nações cultas desde que apresentei o meu projecto ao Parlamento em 1900 até agora. Era seguida faço uma synthese dos principaes argumentos deduzidos pelos adversarios contra o divorcio e relato cada um d'elles.

Sr. Presidente: oxalá que desta vez o meu modesto projecto de lei do divorcio seja mais bem succedido e que esta Camara se digne attendê-lo e discuti-lo.

Se assim for, nessa discussão eu provarei que não sou inimigo da familia e que o divorcio, longe de promover a sua dissolução e ruina, a torna mais digna e moral e que elle lhe é indispensavel para que ella seja o que deve ser - a primeira escola de educação civica e de disciplina social de que tanto carecemos.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem).

(S. Exa. não reviu.).

O Sr. Arthur Pinto Basto: - Conhecedor das altas qualidades de espirito e de caracter que distinguem o Sr. Presidente da Camara, e que são garantia segura de que S. Exa. ha de sempre dirigir os trabalhos com imparcialidade e á verdadeira altura, um appello faz a S. Exa.: é que nunca, sejam quaes forem as circunstancias, autorize a entrada da força militar na Camara para expulsar um Deputado.

Tal procedimento considera-o o orador o mais violento que pode existir, e tanto que declara que, a dar-se esse facto, de envergonhado, nunca mais voltará á Camara.

Feito este appello deseja referir se a mortos illustres que a patria tem perdido e a quem se devem reconhecimento pelos serviços prestados.

São elles: o negociador do convenio; Alves Matheus, p caracter impolluto e o parlamentar brilhantissimo; Frederico Bivar, antigo presidente desta Camara e legitimo representante da alma portuguesa; Visconde de Chancelleiros, um tribuno de raça; Mariano de Carvalho e Emygdio Navarro, dois athletas da imprensa e dois Ministros de larga iniciativa; Hintze Ribeiro, a quem já ha dias se referiu e a quem, em outra tribuna que não esta, ha de pôr em relevo a homenagem que se lhe deve; Dias Ferreira, o primeiro jurisconsulto português e um estadista Honrado; Barbosa du Bocage, um sabio, um caracter e um português que hunva Portugal; Abilio Lobo, um amigo querido; Alves Mendes e Bordallo Pinheiro, o primeiro um luminar da tribuna sagrada e o segundo um artista consagrado; Frederico Gouveia, um caracter integro, e Heliodoro Salgado, um trabalhador incansavel, que morreu pobre.

E, feita esta romaria, não pede esquecer tambem os bravos militares .mortos nas campanhas de Africa, e á memoria dos quaes desejaria que se erigisse um monumento por subscrição publica.

Agora referir-se-ha á serie de abusos que se deram desde 10 de maio de 1907 até 1 de fevereiro d'este anno.

Uma vez, nesta Camara, em resposta ao Sr. Egas Moniz, disse que o Sr. João Franco era no partido regenerador a primeira figura depois do Sr. Hintze Ribeiro.

Quem assim o apreciava, parece-lhe, não pode ser accusado de suspeito em qualquer referencia que lhe faça.

Em 10 de maio, contra tudo que era licito esperar, foi dissolvido o Parlamento sem se marcar época para a sua nova reunião.

Infligiu-se assim a Constituição, negou-se a palavra dada, houve perjurio.

Em 1 de junho publicava o Par do Reino o Sr. Francisco Machado uma carta aberta a El-Rei, em que só dizia verdades.

Em 15 de junho fazia o mesmo Digno Par, em uma outra carta, uma invocação ao Porto, invocação que parece foi ouvida por todos os portuenses, que responderam com os acontecimentos de 1,7 de junho.

Em 18 de junho fazia o chefe do Governo a sua entrada em Lisboa e deram-se acontecimentos gravissimos de que resultou a morte de dois individuos, ficando os assassinos impunes.

A 20 apparecia o decreto da imprensa como resposta aos queixumes que se levantavam contra os acontecimentos de 18.

Em 26 de junho publicava o Digno Par do Reino o Sr. Francisco Machado uma nova carta que concluia por dizer umas poucas de vezes ao chefe do Governo: Vá-se embora.

E aqui cabe dizer que o Sr. Francisco Machado é um muito primacial do partido progressista, uma individualidade que honra o país, intelligente, honrado e digno.

A 30 de agosto commette-se um novo attentado de tal importancia que o orador nem quer referir-se a elle.

Outros attentados se seguiram que foram mais e mais exaltando o espirito publico.

Houve a celebre entrevista com um estrangeiro, facto que sé recusa apreciar, dizendo apenas que o primeiro magistrado, de um país não deve ter entrevistas sobre a vida interna da sua nação com entidade alguma, ainda que seja das mais altamente collocadas.

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Chega-se assim ao fim de janeiro em que a effervescencia tinha attingido o seu auge.

O decreto de 31 foi o remate de toda esta obra de estrangulação das liberdades publicas.

Seguiu-se depois o nefando e cruel attentado de que foi victima El-Rei e o Principe Real, que o acompanhava.

E, o que é doloroso confessar, é que só depois d'isso é que voltou a liberdade em Portugal.

Depois disto é que o actual Monarcha, comprehendendo a sua missão, perdoou e prometteu que a lei havia de ser observada.

Destes factos, que elle, orador, não quer dizer quem fosse o responsavel, deve tirar-se lição para o futuro.

O que não deseja é que se repitam, porque elles poderiam representar não só a queda da dynastia, mas seguramente a queda do país.

E, antes de terminar, deseja de novo pedir providencias ao Governo para que seja dada execução á sentença proferida em 17 de março de 1903, que manda executar a disposição testamentaria de Antonio Soares Dias, que contemplou os pobres da freguesia de S. Paulo, de Lisboa, e de Oliveira de Azeméis.

Tem em seu poder uma longa carta assinada por Joaquim Nunes Coelho, em que se lhe fazem revelações sobre o caso, e que são da mais alta gravidade.

No inventario liquidaram 6:300$000 réis .para os pobres da freguesia de S. Paulo, der Lisboa e igual quantia para os de Oliveira de Azemeis. É preciso, portanto, que a essas verbas se de a devida applicação, e quanto antes, porque a sentença já foi proferida ha cinco annos.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Pedi a palavra simplesmente para declarar ao illustre Deputado que acaba de falar que quando estiver com o Sr. Presidente do Conselho lhe transmittirei as observações de S. Exa.; e estou certo de que o illustre chefe do Governo não deixará de providenciar, pelas vias legaes, de forma que a sentença, do poder judicial seja cumprida em ordem a serem respeitadas inteiramente as disposições testamentarias a que V. Exa. acaba de se referir.

Pode V. Exa. crer que por parte do Governo, especialmente por parte do Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, a quem o assunto diz respeito, serão dadas as mais instantes Ordens para que seja feita inteira justiça.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Faltam apenas cinco minutos para se passar á ordem do .dia. Não sei se o Sr. Deputado Joaquim Tello deseja usar da palavra nestes cinco minutos.

O Sr. Joaquim Tello: - É melhor ficar com a palavra reservada para outra sessão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Adriano Anthero.

O Sr. Adriano Anthero: - Eu peço a V. Exa. que me reserve a palavra, porque o que tenho a dizer não o posso dizer em cinco dias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Magalhães Ramalho.

O Sr. Magalhães Ramalho: - O assunto que desejo tratar corre pela pasta das Obras Publicas, e como o Sr. Ministro não está presente, peço a V. Exa. que me reserve a palavra.

O Sr. Presidente: - Não sei se o Sr. Deputado Pereira Lima quer usar da palavra durante os tres minutos que faltam para se passar á primeira parte da ordem do dia.

O Sr. Pereira Lima: - Em tres minutos não tenho tempo para dizer o que desejava.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João de Menezes.

O Sr.- João de Menezes: - Era tão pouco tempo não posso fazer as considerações que desejava.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Claro da Ricca.

O Sr. Claro da Ricca: - Em dois minutos não tenho tempo para expor as minhas considerações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Brito Camacho.

O Sr. Brito Camacho: - Ainda me chega o tempo, e, portanto, vou aproveitá-lo.

Desejava pedir a V. Exa. a fineza de communicar ao Sr. Presidente do Conselho que estou pronto a realizar o aviso previo que annunciei ha oito dias e que reputo urgente. Talvez V. Exa. imaginasse que eu ia dar a esse. aviso previo uma grande dimensão e por isso não tenha marcado qualquer dia para elle se realizar.
Mas prometto a V. Exa. e á Camara que serei o mais breve e conciso possivel e que poucos minutos me bastarão para formular as perguntas que desejo fazer ao Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente: - Antes do aviso previo de S. Exa. ainda ha tres, e não posso alterar a ordem por que, foram recebidos na mesa.

Encontrando-se nos corredores da Camara, para prestar juramento, o Sr. Deputado Thomaz de Aquino de Almeida Garrett, convido os Srs. Ernesto de Vasconcellos e Vicente Coutinho de Almeida de Eça a introduzirem-no na sala.

Sendo introduzido, prtstou juramento e tomou assento.

O Sr. Presidente: - Constando-me que se encontra nos corredores da Camara para prestar juramento o Sr. Deputado Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, convido os Srs. Deputados Moreira de Almeida e Joaquim Fernandes para o introduzirem na sala.

Sendo introduzido, prestou juramento e tomou assento.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á primeira parte da ordem do dia; os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Por parte do Sr. Presidente do Conselho mando para a mesa a seguinte

Proposta

O Governo pede á Camara dos Senhores Deputados da Nação autorização para o illustre Deputado Francisco Miranda da Costa Lobo, lente da faculdade de mathematica da Universidade de Coimbra, poder, querendo, interromper as funcções legislativas conforme a urgencia e necessidade do ensino da mesma Universidade.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados da Nação, em 13 de maio de 1908.= Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.

Foi approvada.

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SESSÃO N.º 12 DE 19 DE MAIO DE 1908 7

O Sr. Sergio de Castro: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro, com a urgencia possivel, que pelo Ministerio da Fazenda me seja enviada uma nota parcelada das diversas contribuições directas recebidas pelo Estado nos concelhos de Caseaes e Cintra nos ultimos tres annos economicos findos. = O Deputado, Sergio de Castro.

Mandou-se expedir,

O Sr. Zeferino Candido: - Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro das Obras Publicas sobre o arrendamento a uma empresa particular das docas e officinas de reparação do porto de Lisboa, e assuntos que com esse caso e ás obras e explorações se referem. = O Deputado, Antonio Zeferino Candido.

Mandou-se expedir.

O Sr. Feio Terenas: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro nota das importancias que o Estado tem pago á Casa Real por arrendamentos de propriedades, ou parte de propriedades, que, pertencendo á nação, estão na posse da mesma Casa Real. = O Deputado, Feio Terenas.

Mandou-se expedir.

O Sr. Luis da Gama: - Mando para a mesa uma renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 21, de 1902, que tem por fim melhorar a reforma ao capitão do exercito Mathias da Trindade.

Manda tambem para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro, pelo Ministerio das Obras Publicas, copia da portaria que autorizou a verba para reparação de rombos nos rios de Tornada e Alfeizerão.

Requeiro igualmente a nota das despesas feitas com esses trabalhos e copia das informações do engenheiro chefe da 8.ª Secção da 3.ª Direcção dos Serviços Fuviaes e Maritimos acêrca dos mesmos trabalhos. = O Deputado, Luis da Gama.

Mandou-se expedir.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

1 O Sr. Araujo Lima: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que seja eleita, na 1.ª parte da ordem do dia de hoje, a commissão especial exigida pelo artigo 220.° do regimento para dar parecer sobre a minha proposta de alteração da primeira alinea do artigo 128.° = Araujo Lima.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição da coinmissão especial para os effeitos do artigo 225.° do regimento.

Convido os Srs. Deputados a formularem as suas listas.

Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Manuel Affonso da Silva Espregueira e Álvaro Rodrigues Valdez Penalva.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 68 listas, saindo eleitos os Srs:

Abel Pereira de Andrade com .... 68 votos
Anselmo Antonio Vieira .... 68 votos
Augusto de Castro Sampaio Côrte Real .... 68 votos
Augusto Cesar Claro da Ricca .... 68 votos
Aurelio Pinto Osorio Tavares Castello Branco .... 68 votos
Ernesto Julio de Carvalho Vasconcellos .... 68 votos
João Ignacio de Araujo Lima .... 68 votos
João de Sousa Tavares .... 68 votos
Visconde de Coruche .... 68 "

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Calvet de Magalhães): - Mando para a mesa a seguinte

Proposta de accumulação

Senhores.- Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo de Sua Majestade pede á Camara dos Senhores Deputados da Nação permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões dependentes do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, os Srs. Deputados:

Conde da Arrochella
Joaquim José Pimenta Tello.
Adriano Anthero de Sousa Pinto.
Antonio Centeno.
Eduardo Burnay.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 19 de maio de 1908.= João de Sousa Calvet de Magalhães.

Aproveito o ensejo de estar com a palavra para declarar, em resposta ao Sr. Visconde de Coruche, que, com effeito, foi entregue no Ministerio das Obras Publicas um requerimento da Companhia das Moagens desistindo da sua pretensão.
Lida ha mesa, é approvada a proposta de accumulação.

O Sr. Diogo Peres: - Declaro que se constituiu a commissão de inquerito parlamentar, elegendo para presidente o Sr. Conselheiro José Joaquim da Silva Amado e a mim para secretario.

O Sr. Presidente: - Vae proceder se á eleição da commissão do ultramar.
Convido os Srs. Deputados á formularem as suas listas.

Fez-se á chamada.

O Sr.. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Eduardo Schwalbach Lucci e Ferreira Netto.

Corrido o escrutinio, verifica-se terem entrado na urna 69 listas, sendo eleitos os Srs:

Adriano Anthero de Sousa Pinto com .... 69 votos
Antonio Rodrigues Nogueira .... 69 votos
Ernesto Jardim de Vilhena .... 69 "
Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos .... 69 votos
João Carlos de Mello Barreto .... 69 votos
José Paulo Monteiro Cancella .... 69 "
Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla .... 69 "
Luis Vaz de Carvalho Crespo .... 69 votos
Manuel de Brito Camacho .... 69 votos
Manuel Joaquim Fratel .... 69 "
Vicente de Moura Coutinho de Almeida de Eça .... 69 "

O Sr. Presidente: - Vae procedesse á eleição da commissão de saude publica.
Convido os Srs. Deputados a formularem as suas listas.

Fez-se á chamada.

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Garcia Guerreiro e Alexandre da Silva.

Corrido o escrutinio, verifica-se terem entrado na urna 56 listas, sendo eleitos os Srs.:

Antonio Augusto Pereira Cardoso com .... 56 votos
Antonio Rodrigues Costa da Silveira .... 56 "
Eduardo Burnay .... 56 votos
Henrique de Mello Archer da Silva .... 56 votos
Jorge Vieira .... 56 votos
José Joaquim da Silva Amado .... 56 votos
Manuel de Brito Camacho .... 56 votos
Miguel Augusto Bombarda .... 56 "
Sabino Maria Teixeira Coelho .... 56 "

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á segunda parte da ordem do dia.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da resposta ao Discurso da Coroa

O Sr. Presidente: - Na ordem da inscrição segue-se no uso .da palavra o Sr. Deputado Affonso Costa, mas não sei se Exa. quer usar da palavra estando somente presentes os Srs. Ministro das Obras Publicas, o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Affonso Costa: - Se V. Exa. me garante que o Sr. Presidente do Conselho chega em breve espaço de tempo, não terei duvida em principiar a usar da palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Conselho está na outra Camara.

Vozes: - Já fechou.

O Sr. Presidente: - Vou mandar saber e interrompo a sessão por tres minutos até que venha o Sr. Presidente do Conselho.

As galerias podem ficar abertas.

Eram 5 horas e 15 minutos da tarde, quando foi suspensa a sessão.

O Sr. presidente: - Como já se encontra presente o Sr. Presidente do Conselho, vou reabrir a sessão, dando a palavra ao Sr. Deputado Affonso Costa.

Reabriu a sessão eram 5 horas e 20 minutos da tarde.

O Sr. Affonso Costa: - Sr. Presidente: Discuta-se hoje a resposta ao Discussão da Coroa. Sempre se aproveitou este debate, quer em Portugal, quer no estrangeiro, para se apreciar a marcha politica e administrativa do Governo, que na occasião preside aos destinos do país.

Neste momento, porem, é muito mais amplo o objectivo da presente discussão. Ella não pode confinar-se na critica do procedimento politico e administrativo do Governo. Tem de ir mais longe. Havendo terminado um reinado em taes condições, que o novo reinado quer dar-se os foros de regime novo e até de nova dynastia, a discussão do Discurso da Coroa deve ser tão latitudinaria e profunda que possa servir para se apreciar a politica e a administração do novo reinado na mais ampla liberdade de espirito, e dê modo que todos contribuam, como é seu de- ver, para o bem da Pátria.

O proprio Discurso da Coroa e a sua resposta dão esse vastissimo caracter a esta discussão, visto que falam nas bases politicas do novo remado.

Não é, pois, para dirigir cumprimentos a ninguem, e muito menos para os apresentar á Coroa, que tomo a palavra na discussão da resposta ao discurso, que o Chefe do Estado veio ler a esta sala. Não tenho cumprimentos a dirigir-lhe. Eu falo neste momento, tão grave para a historia da nação, a fim de expor á Camara e ao país a verdade inteira a respeito da nova situação politica, criada pela abertura de um reinado novo sobre os escombros do reinado anterior, isto o, para apreciar as condições de viabilidade, se as houver, do novo reinado.

Ha quem diga, Sr. Presidente, que é inutil e inopportuna esta discussão. Mas, pelo contrario, no regime parlamentar, não ha outra mais util e necessaria; não ha outra que seja, como esta, base indispensavel a todas as demais.

O diploma, que tenho presente, constitue, ou pretende constituir, um programma do Governo e da sessão legislativa. Discuti-lo é, pois, formular as regras geraes que hão de inspirar d'ora avante a acção politica e administrativa dos poderes do Estado; e cada um de nos, seja qual for o seu credo politico, poderá assim contribuir, pela sua intervenção neste debate fundamental, para que se governe melhor ou se governe pessimamente. (Apoiados).

Do encontro de todas as opiniões representadas na Camara, quando todas sejam- expostas, como o é a nossa, com plena sinceridade, algum beneficio deverá resultar para a nação, para a liberdade, para a economia publica. Fixar-se-ha, pelo menos, a orientação gerai do Parlamento e, simultaneamente, a do Estado.

O partido republicano, que tenho a honra de representar nesta Camara, não esquece que estamos ainda em monarchia, e por isso não commette a ingenuidade de pedir aos monarchicos que façam a republica.

O partido republicano chegou já á sua plena maioridade, está na idade madura, encontra-se na era positiva da razão; não faz, pois, senão o que é util a si e ao país. E seria uma puerilidade entreter-se, hoje, na occasião em que elle constitue já verdadeiramente um partido de governo, com a reclamação, feita aos seus adversarios, de factos e circunstancias, que só elle pode directa e immediatamente produzir. (Apoiados da esquerda).

Por isso, repito, nos não reclamamos aqui o estabelecimento da republica, comquanto mantenhamos, para todos os effeitos, o direito de demonstrar as vantagens d'ella.

Á monarchia, ao. novo reinado e ao Governo que o representa, nos só exigimos e reclamamos, como é nosso impreterivel direito e dever, que governem patriotica, economica e liberalmente.

E se o fizerem, não abateremos bandeiras, visto ser a republica preferivel, theorica e praticamente: theoricamente, porque se harmoniza com a razão e com a sciencia; praticamente, porque, em todo o caso, só sob ella se realizará o verdadeiro regime patriotico, economico e liberal, que convem á nação portuguesa.

Mas, em todo o caso, se a monarchia e o Governo fizerem a experiencia, o partido republicano terá de felicitar-se por ter promovido uma era de verdadeira paz para o seu país; por ter ditado as normas e condições, sem as quaes nenhuma verdadeira acalmação será possivel; por collocar as questões de patriotismo acima das de apparente interesse partidario; por preferir as discussões de ideias ás paixões ruins entre as pessoas e os grupos; por conseguir, numa palavra, que se alcançasse para este pobre país, tão atormentado por mil males, aquella situação de calma, de harmonia, de solidariedade, em que cada partido procura alargar os seus suffragios em plena liberdade e com absoluto respeito por todos os demais, reconhecendo e consentindo, sem perturbações, que em cada momento da historia se realize o que for verdadeiramente a vontade da maioria da nação. (Apoiados geraes).

Se, porem, a monarchia não fizer o Governo patriotico,

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economico e liberal, que lhe exigimos, então não diremos tanto melhor porque é a patria que soffre (Apoiados geraes); não, não nos regozijaremos com o facto; mas a republica terá de ser em tal caso estabelecida pelo partido republicano com a mesma urgencia com que é preciso acudir a um incendio devastador, que está prestes a devorar pessoas queridas. Então a revolução será justificada e urgente! (Apoiados da esquerda).

O nosso incitamento a que se governe bem é, apesar de tudo, sincerissimo: primeiramente porque somos, acima de tudo, portugueses, patriotas, homens positivos, do nosso tempo (Apoiados da esquerda); e depois porque, tendo hoje o partido republicano a funcção sagrada, que os ultimos acontecimentos lhe radicaram, de defensor da patria e da liberdade, cumpre-lhe relegar para um plano apparentemente secundario as suas legitimas aspirações de Governo, acceitando como solução provisoria aquella que mais cedo possa produzir a diminuição das desgraças do país, de tal sorte que, podendo nós assim perder tempo material até a constituição da republica, o ganhemos depois na rápida expansão das forças vitaes nacionaes. A Patria, chegando-nos ás mãos quasi no estado de anarchia, com os laços sociaes dissolvidos pelas depredações do poder, já despedaçada pelos ultimos ultrajes da monarchia, levará muito mais tempo, e exigirá muito mais sacrificios do povo para se recompor, do que se nos cair já nos braços evolucionando no sentido do progresso, com as suas condições essenciaes de vida perfeitamente asseguradas e com instituições já quasi republicanas, em que o povo compartilhe directamente do puder politico e administrativo. (Apoiados).

E essa, de resto, a funcção sociologica das monarchias chamadas representativas: preparar a transição dos velhos governos absolutos para os novos governos democraticos, republicanos. É o caminho que se abre a todos os povos sem excepção, e mais particularmente, aos povos da raça latina. Em todos estes se realiza já uma transformação profunda que as theorias dos commodistas não podem embaraçar, e que se manifesta por factos e leis sociaes da maior significação e importancia.

A Hespanha, a Italia, a Inglaterra e a propria Allemanha já nos estão tambem dando, é dar-nos-hão cada vez melhor - quem sabe se ainda em nossa vida! - exemplos convincentes dessa verdade scientifica.

A monarchia, ou governo de um chefe hereditario, repugna á razão. só pode ser um meio, não pode ser um fim. Pode ter tido uma funcção necessaria era certos tempos e logares, mas já a não tem na nossa terra nos tempos de hoje.

Fizesse, pois, a monarchia, conscientemente, honestamente, a lenta transição para o novo governo, inevitavel porque é legitimo, do povo pelo povo, e cumpriria o seu dever! (Apoiados da esquerda).

Mas se são sinceras as nossas reclamações de uma politica patriotica, economica e liberal, não se julgue que somos ingenuos quanto ao modo da sua realização e aos resultados que della esperamos. Nos conhecemos os rnonarchicos. Vemos que o abalo do dia 1 de fevereiro não lhes serviu de aviso, antes o teem aproveitado como incitamento á continuação dos mesmos processos péssimos do passado, ainda aggravados! As condições minimas de uma boa existencia em sociedade politica não teem sido realizadas, mesmo depois da ascensão do novo rei ao throno, e nem sequer depois de aberta a presente sessão legislativa, que aliás seannunciava, e realmente deveria ser, a transição perfeita de um para o outro reinado.

Os homens são os mesmos, e cada dia estão peores. Os partidos desappareceram, e são hoje meras associações de interesses. A monarchia não possue, pois, os elementos necessarios para bem governar.

A um reinado novo, aum regime novo, seriam precisos homens novos, e não o que ahi está, desorganizado e disperso, sem fé, sem enthusiasmo, sem competencia, sem espirito de sacrificio.

Numa palavra, Sr. Presidente: faltam á.monarchia todos os elementos necessarios para cumprir o que nos d'ella exigimos. Assim, o futuro é facil de prever. Depois de algumas semanas ou meses de illusões, em que cada qual procurará convencer os outros do que ninguem sente, tudo isto liquidará, estrondosamente, pela incapacidade, pela insistencia em velhos erros e em velhissimos crimes. O mal, cada dia aggravado, acabará por matar o organismo monarchico. E o nosso dever será então separar d'elle, mais uma vez, a nação, como agora o é, para prova da nossa boa fé, avisar e prevenir.

Que devia ser o novo reinado? Numa só palavra: a antithese do anterior, quanto aos partidos, ás praticas de governar e até ás exhibições monarchistas.

Que foi então o reinado anterior para que mereça assim, uma tão absoluta reprovação? Na essencia, a luta contra o povo. Tendo comprehendido os homens mais clarividentes da monarchia - que infelizmente foram quasi sempre os menos honestos e os mais reaccionarios - que se avizinhava a crise moral e politica da separação entre o Rei e o povo, isto é, o termo da evolução do regime constitucional, os representantes da monarchia procuraram - não prolongar á sua vida por meios legitimos, e em especial por este espirito de sacrificio pelo povo, que faz milagres, não aproximar a raonarchia do povo, para lhe reconhecer direitos e dar-lhe uma participação cada vez mais larga e decisiva no governo da nação - mas suffocar a vida e as aspirações do povo, desaggregar os mais fortes laços collectivos, prender o movimento das ideias, enclausurar o progresso, reincidir em erros, crimes, infracções da lei e ataques systematicos ás liberdades, exhaurir impiedosamente o povo dos seus ultimos recursos! (Apoiados na esquerda).

Durante 19 anhos roubaram-se ao povo todas as garantias, todas as prerogativas; em vez de o educar, de o instruir, os monarchicos deixaram-no no mais completo atraso, no maior obscurantismo. Percorram-se as paginas tenebrosas desse reinado maldito, e só se encontrarão erros, abusos, crimes hediondos, propositadamente praticados, sobretudo depois de -1894, para atropelar as leis e esmagar o povo (Apoiados). Sob o ponto de vista da administração é vergonhoso o que nessas paginas se lê, o descalabro financeiro que ellas accusam não tem similar em qualquer outro povo do mundo. (Apoiados).

Á formula do engrandecimento successivo do poder popular - base essencial da vida dos povos livres, e que na Inglaterra nova tem uma applicação tão rigorosa, que uma liberdade conquistada nunca mais é perdida, nem diminuida, nem sofismada - a essa formula sociologica do progresso politico, oppôs a monarchia impenitente e desnorteada a formula absurda e provocadora do engrandecimento do poder real, de que foi cantor um transfuga dos arraiaes democráticos, o vencido da vida, Oliveira Martins, num seu artigo muito falado da Semana de Lisboa, supplemento ao Jornal do Commercio, no qual incitou o Rei a que reinasse e governasse, a que interviesse directamente na politica para sua propria defesa -- formula desacreditada hoje, mas de que foram executores conscientes é sinistros os chefes dos partidos monarehicos, todos os chefes é marechaes sem excepção, distinguindo-se, porem, de entre todos elles, pelo grotesco, pelo indigno, pelo infame e pelo estupido, essa personagem inqualificavel, que anda fugida ao justo castigo dos seus crimes por esse mundo alem, e cujo nome vergonhoso é odiado é, por si só, uma affronta á terra portuguesa em que elle viveu, e em que, por infinita desgraça nossa, chegou a occupar e a manchar um dos mais elevados cargos publicos!

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10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Malheiro Reymão: - Peço a palavra.

O Orador: - Assim, o que caracterizou o reinado de D. Carlos é que nelle já nem sequer se fingia trabalhar a favor do país. Trabalhava-se ostensivamente, cynicamente, sem rebuço, a favor da monarchia contra a nação, a favor das clientelas partidarias contra os productores de todo o país. Os agrupamentos politicos tinham deixado de ser partidos para se transformarem em companhias de interesses mutuos. (Apoiados na esquerda).

Este descalabro politico, moral, administrativo, tinha raizes profundas na evolução politica anterior ao reinado de D. Carlos, e já se definira com cores trágicas, e sob um dos seus mais graves aspectos, em 1886, no reinado de D. Luis, por occasião da vergonhosa ditadura progressista, do subsidio repugnante para o casamento d'aquelle que ia depois ser o Rei D. Carlos, e de varios escandalos ruidosos que certamente ainda vivem-na, memoria de todos, tamanha foi a sua gravidade.

Foi, porem, no tempo de D. Carlos que esse descalabro se exhibiu completamente. Foi então que a monarchia accentuou os seus crimes, fez uso illegal de dinheiros arrancados á miseria do povo, e, percebendo que a sua continuação como forma de Governo deixara de ser plenamente legitima, passou a empregar todas as armas da reacção para esmagar as aspirações liberaes do país.

Mais ainda: invadindo aquella esfera de acção que deve ser sempre intangivel - a que respeita á bandeira nacional - quis provocar, ao menos inconscientemente, a acção estrangeira, para que a força das suas armas fizesse calai-os legitimos protestos do povo democrático. Isto é triste e doloroso porque, se maculou para sempre os Ministros da Monarchia e os conselheiros do Rei D. Carlos, tambem affrontou os brios da nação, lhe abateu o senso moral, e a desprestigiou perante as nações livres da Europa e dá America.

Durante o ultimo reinado, durante esses longos dez a nove annos, só houve duas abertas de luz: a de 1892, devida ao braço herculeo, á intelligencia clara e ao patriotismo incontestavel de Dias Ferreira; e a de 1893, devida á dedicação pelas classes laboriosas e pelo professorado português, d'esses dois homens, o socialista Augusto Fuschini e o pedagogo Bcrnarclino Machado, que foram ao poder, não como politicos partidarios, mas como representantes de uma corrente de ideias e de reclamações da opinião, que se tinham imposto invencivelmente.

Dias Ferreira, com a sua redacção dos encargos e despesas publicas, alliviou a nação por instantes; porem, sem o querer, preparou aos partidos um novo
regabofe; e quando, já perdida a primitiva serenidade e o desejo justiceiro de só impor os horrores da salvação publica ás classes mais ou meãos abonadas, se lembrou de tributar os generos que constituem a alimentação do pobre, como o peixe, e de lançar gravames sobre os professores de instrucção primaria, que em nada tinham contribuido para a bancarrota, Dias Ferreira teve de ceder a representação das tendencias democraticas áquelles dois illustres homens publicos, que se haviam sempre distinguido na defesa do povo e do professorado, e que se demoraram pouco tempo no poder exactamente porque contrariavam o espirito de todo 0reinàdo de D. Carlos.

Com effeito, fora desses dois periodos - que horroroso pesadelo se nos afigura todo o reinado anterior!

Elle nem quis fazer-se respeitar por algumas medidas uteis, de tantas que poderia promulgar, nem evitou os odios e as malquerenças, que recolhem. sempre os que procedem conscientemente contra a vontade, os interesses e a honra de um povo.

A monarchia não se fez respeitar, porque nada produziu em beneficio, da nação. Nada fez pelas colonias, onde apenas accumulou um funccionalismo ostentoso e devorista, que contribue numa boa parte para o nosso descredito como nação colonial, e onde tem feito multiplicar, sem tino, e sabe Deus com que reaes propositos, guerras sem utilidade directa, e com duvidosa importancia, local ou nacional. Nada fez pela economia publica, antes aggravou as condições das classes productoras, nada fazendo para a boa solução de crises hoje quasi incomportaveis, como avinicola a cerealifera, a industrial, a das substancias alimenticias. Nada fez pela defesa do país, militar e naval, como demonstra eloquentemente o Srs. Presidente do Conselho no seu livro consciencioso sobre a Defesa nacional, que é ao mesmo tempo um depoimento insuspeito contra a obra da Monarchia. (Apoiados). Nada fez pela instruccão, nem pelo complemento das novas vias de communicação, nem pelas condições de vida dos emigrantes, etc., etc.

E, não contente com isto, a monarchia fez-se odiar profundamente: já pelo seu anti-patriotismo destinado a quebrar as energias do povo, já pelo devorismo sistematico destinado a alimentar illegalmente a monarchia; já pela reacção politica e religiosa, destinada a defendê-la indignamente.

Estes odios não caíram sobre as pessoas como taes, mas sobre os representantes da monarchia, nessa qualidade. E, assim, duas lições se devem retirar d'estes factos, desde já, e applicar ao momento actual.

A primeira lição consiste em que pode a pessoa de um representante da monarchia ser sympathica sem que isso impeça o divorcio entre a monarchia e o povo.

O fallecido Rei tambem era, como pessoa, agradavel aos seus Intimos e conhecidos, embora apparecesse ao povo com um aspecto extremamente desagradavel; e o que fez a sua impopularidade foi o haver-se consubstanciado intimamente com áquelles tres caracteres do anti-patriotismo, do devorismo e da reacção, que para sempre marcaram, como ferros em brasa, todo o seu reinado. (Apoiados).

Nada vale, pois, á monarchia, que o novo Rei seja jove,, sympathico e mesmo bello, no conceito de algumas senhoras, jovens como elle. Nada lhe vale que o Rei seja objecto de manifestações á sobreposse, tanto mais que, para as recebercomo Rei, ainda não praticou nenhum acto meritorio; antes o seu curto reinado está já manchado com erros e crimes como o da amnistia tardia, incompleta e desigual, e o da chacina, hedionda e vilissima, de 5 de abril.

Nem o país pode confiar nos que actualmente sesubstituem á vontade ainda debil e mal definida do novo Monarcha. Não tenho nada pessoalmente com a vida do Rei, apesar de como representante do meu país, poder occupar-me do meio em que elle vive, e até das pessoas que conversam com elle sobre negocios publicos; mas, por delicadeza, Sr. Presidente, não me quero referir ao que por ventura se passe dentro do Palacio Real, devendo, no entretanto, V. Exa. comprehender, sem que seja preciso que eu lho explique, o alcance do que poderiam ser as minhas observações acêrca da entourage do pequeno Monarcha e da terrivel influencia que ella exerce no seu espirito em formação. É a triste verdade é que não vejo por ora, quer nas pessoas que rodeiam o Chefe do Estado, quer nas palavras que se teem posto na sua boca, a menor garantia sblida de que se abandone o caminho passado e se tome por outro novo, absolutamente opposto. Muito ao contrario!

Não basta, pois, Sr. Presidente, ter mocidade e gentileza. Essas qualidades são exactamente as mais dispensaveis num bom Monarcha. Tambem. D. Maria II era joven e bella quando subiu ao poder e, todavia, tornou-se depois fanatica, reaccionaria, perseguidora de liberaes, até o ponto de chamar a intervenção estrangeira para suffocar as aspirações patrioticas e liberaes da nação.

Por essa occasião, tendo sido abertas as portas do pi-

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moeiro, e tendo-se consentido em que uma horda de facinoras praticasse nas das os maiores excessos, a Rainha, para vencer a repugnancia de Palmerston, que não queria intervir nos negocios internos de Portugal, mandou-lhe dizer que "rebentara uma grande revolução em Lisboa, em que já tinham morrido oitenta pessoas", quando, afinal, os mortos eram apenas dez.

Eu não quero, dizer, Sr. Presidente, que agora, no começo do reinado de D. Manuel II, se tenha procurado um pretexto para poder pedir de novo a intervenção estrangeira; considero por ora injusta uma semelhante supposição; mas não posso deixar de registar que em 6 de abril tambem andaram pelas das publicas, á sua vontade, vindos das alfurjas da Honraria, de Alfama e do Bairro Alto, bandos de garotos, que a policia e as autoridades protegiam, quasi auxiliavam nos seus enxovalhos, nos seus actos de destruição, nos seus tumultos. Dir-se-hia que se procurava desencadear graves desordens, que ao menos autorizassem a intervenção severa da forca publica, ou tornassem viavel a sonhada ditadura militar, contra a qual o povo se levantaria, em insurreição legitima, immediatamente!

Não haverá talvez ligação logica entre os dois factos: mas ai da Monarchia se deixar impunes os autores das arruaças de 6 de abril e dos assassinatos do dia 5! Então dará razão ao povo para que a julgue directamente culpada, e para que a sentenceie, como é de justiça. (Apoiados).

A segunda lição, que deriva dos factos succedidos no reinado anterior, é ainda mais grave para a Monarchia que a primeira; e é que, morto um Rei, nada está mudado, emquanto subsistirem os outros representantes da Monarchia e estiver de pé a parte mais odiada, mais perversa, da sua obra.

Assim, o que mais profundamente feriu o povo português durante o ultimo reinado, foram as diversas chacinas com que a monarchia quis fazer consumar as suas peores obras; e todavia, no novo reinado, sem nenhum respeito por essa legitima susceptibilidade do povo, já se fez muito peor: mataram-se e feriram-se eleitores e transeuntes pacificos, como se fossem feras, ou peças de caça appetecida; o Rocio e o Largo de S. Domingos foram tingidos com o sangue innocente do povo; 14 desgraçados perderam a vida, ficando os seus lares em luto, em torturas indiziveis, e porventura a braços com a fome; e d'esses 14 lares, que merecem tanta piedade como o lar do Rei de Portugal, verguem-se indignados clamores pedindo justiça e vingança.

Dir-se-hia que ficou era Portugal um fermento d'esse espectro hediondo da infame ditadura, que mancha o nome de todas as criaturas que lhe deram o seu apoio, e que deixou nas regiões do poder como que um rasto de indignidade e de maldição! (Apoiados).

Não quero por ora pedir ao Governo estrictas contas do que succedeu em 5 e 6 de abril. Os inqueritos ainda não estão concluidos, e o meu amigo e correligionario Sr. Brito Camacho já prometteu occupar-se do assunto, num aviso prévio que mandou ao (chefe do Governo.

Em todo o caso, seja-me licito dizer que a declaração do Governo acêrca da chacina de 5 de abril, publicada nos jorhaes no dia 6, e na qual não só pretendia lançar a responsabilidade dos acontecimentos para os eleitores republicanos, que denominava discolos, mas ia até o cumulo de dizer, com ar de satisfação, que a ordem publica fora prontamente restabelecida, essa declaração provocadora fez-me uma tão dolorosa impressão como se sentisse passar por mim um sopro de morte!

Sim, essa declaração será a morte para o Governo, se elle não puder provar que foi enganado para assim a escrever,, se elle não puder lançar sobre outros hombros, certos e determinados, a responsabilidade do cynismo e da crueldade que ella brutalmente revela.

Quero acreditar que o Governo não hesitará em dar aos culpados da chacina os severos e implacaveis castigos que elles merecem.

Já a alma do povo se mostra inquieta por não haver sido preso até hoje, nem suspenso, nem sequer incommodado, qualquer dos membros da guarda municipal que tomaram parte na lugubre façanha. E certamente a irritação crescerá até o paroxismo se não forem devidamente punidos, sobretudo aquelles dois soldados que foram, postados na varanda da Igreja de S. Domingos e o official quê até ali os acompanhou, a fim de ficarem fazendo fogo durante mais de duas horas, com pontarias certeiras, sobre os transeuntes descuidosos e até sobre, outros soldados! (Apoiados).

O Governo tem deante de si esse espectro sangrento. São sete Ministros, mas como haja quatorze mortos, alem de uma centena de feridos, dois cadaveres gritam aos ouvidos de cada Ministro, dois lares em luto e em dor bradam junto da casa e da familia de cada membro do poder executivo - Justiça! Justiça! Justiça! (Apoiados).

Havendo, como ha, os elementos necessarios de investigação e apuramento dos nomes e numeros desses verdadeiros assassinos, mal da monarchia se pretendesse garantir-lhes a impunidade.

Com elles se perderia, e o partido republicano nem assim consentiria em que o 5 de abril ficasse sem reparação, pois pela sua parte o orador toma o compromisso de intervir em pessoa, para por suas mãos conseguir que se faça justiça, se outra justiça se não fizer!

(Neste momento o orador julgou ter ouvido talguns risos do lado do maioria. Voltando-se para ella, exclamou):

- Se ha. ahi alguem que tenha solidariedade com os autores da chacina de 5 de abril, e que por esse motivo se tenha fido, queira dizê-lo!

(Pausa).

(Silencio em toda a sala. Oorador repete a sua observação; e, como ninguem responda, continua):

- Eu não me no do 5 de abril, nem estou disposto a, rir-me para quem se na desse desgraçado acontecimento; e o compromisso, que tomei, estou pronto a realizá-lo desde já, ou quando for preciso.

Continuando na ordem de ideias que estava expondo, pergunto agora aos representantes do Governo e do novo reinado: - Que devia fazer-se para evitar as accusações justissimas que podem dirigir se ao reinado anterior?

Dos três caracteres, que para. sempre condeinnaram a monarchia do tempo de D. Carlos, o mais grave, áquelle que não posso recordar sem uma infinita magua, é o que diz respeito ao anti-patriotismo.

Como V. Exa. vê, Sr. Presidente, não lhe chamo traição á patria. A accusação é, pois, muito menos áspera do que poderia ser.

Quero acreditar- que esses homens, que tiveram o poder no reinado anterior, e se esqueceram dos seus deveres para com a bandeira nacional, jamais foram até a ignorancia de se transformar em inimigos conscientes da honra portuguesa, em socios dos nossos proprios inimigos externos.

Ainda assim, quanto mal nos fizeram! A maior força de um povo é a consciencia dá sua honra collectiva immaculada, e elles tanta vez attentaram contra ella!
Custa-me dizê-lo, repito, Sr. Presidente, mas a dolorosa verdade, de que estou profundamente convencido, e de que darei quantos testemunhos e provas me forem exigidas, é que Portugal não teve, durante esse periodo sinistro e maldito de desgovernação e de ruina, outros inimigos, que mais o destruissem como nação autonoma e briosa, do que aquel-

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les que tinham precisamente por primeiro dever enaltece-lo, animar e fortalecer o seu sentimento patriotico, dar vida a todas as suas aspirações para uma plena independencia, uma plena autonomia, um pleno respeito por parte de todas as nações do mundo. (Apoiados).

Os actos de falta de amor da Pátria - que não são propriamente o mesmo que actos de traição - foram determinados no reinado de D. Carlos, já pelas difficuldades financeiras que a Monarchia criou e a apertavam como que num circulo de ferro, de que pretendia libertar se fosse como fosse, já pelo desejo de conservar o povo português anniquilado e succumbido sob a deprimente e vergonhosa ameaça de uma intervenção estrangeira, particularmente por parte da Inglaterra.

São, pois, dois os aspectos a considerar no desdem dos Governos do anterior reinado pelo bom nome de Portugal e pela respeitabilidade da bandeira nacional.

Um refere-se á intervenção - que tanto se annunciava, que dir-se-hia solicitar-se - de povos estranhos na nossa vida interna, nos nossos conflictos e lutas, no direito pleno, que temos, de escolher a nossa forma de governo, como muito bem quisermos.

O outro diz especialmente respeito ás nossas finanças, e constitue a nossa vergonhosa subordinação aos povos em que vivem, os nossos credores externos.

Sob este ultimo aspecto, a situação criada a Portugal durante esse reinado deploravel é, infelizmente, bem conhecida e bem sensivel. Os estrangeiros, perante os quaes nos tivemos de collocar na situação tristissima de bancar-roteiros, alcançaram dos nossos politicos esbanjadores e anti-patriotas o direito de verificar protegidos pelos seus Governos, as nossas mais importantes despesas e receitas.

Será preciso provar esta horrivel accusação? Terei de demonstrar a V. Exa. e á camara que é verdade, vergonhosa verdade, ter se facultado aos credores externos os meios de intervirem na nossa administração?

Pois não está ahi o famoso convenio - ao qual se rende tanto encomio, não sei porque nem para que, se por inépcia, se por maldade, se para enganar os outros, se para nos enganarmos a nós - não está elle ahi mostrando que se deu ao estrangeiro a consignação dos nossos rendimentos alfandegarios, isto é, d'aquelles que se prendem mais directamente com a nossa soberania?! (Apoiados).

Pois não se chegou a admittir a hypothese - que para os Governos do reinado findo era corrente e legitima - de dar representação aos estrangeiros na Junta do Credito Publico? Não considerava a Monarchia esse facto como absolutamente natural, tal era o seu desdem pela nossa autonomia de nação livre?

Eu, naturalmente, não tenho prazer algum em me occupar detidamente deste assunto. Refiro os factos mais conhecidos, deixando no escuro tantos outros, em que talvez pudesse depor como ninguem o Sr. Espregueira, então, como hoje - oh horror! - nosso Ministro da Fazenda. E ainda levo as minhas cautelas, mais longe, porque meço, uma a uma, as palavras que profiro, e que, embora justifiquem as minhas criticas de republicano, me queimam os labios como português. (Apoiados).

A verdade, Sr. Presidente, é que me magôa, me vexa, me irrita, a attitude inepta ou cynica, com que os Governos de D. Carlos e os seus aulicos acceitaram de boa mente, e até registaram como victorias1 administrativas e diplomaticas, a intervenção contratual dos estrangeiros na nossa administração por meio da divida publica externa e das receitas, nacionaes destinadas a satisfazer os respectivos encargos! E então a lembrança da facilidade com que se queria ir muito mais longe causa-me verdadeiros calafrios de horror! (Apoiados).

Sob o outro aspecto; Sr. Presidente, do anti-patriotismo, o que é gravissimo, é que se tem feito em Portugal o que eu chamaria uma indecorosa burla, se não fosse muito peor, se não fosse uma ignominia inqualificavel: - ameaçar as tendencias liberaes do povo com a hypothese da intervenção politica estrangeira, e especialmente com a intervenção de um povo que occupa na nossa vida externa uma situação preponderante. Refiro-me ao fantasma da intervenção da Inglaterra.

O meu libello contra a monarchia de D. Carlos é, a este respeito, implacavel e indiscutivel. Não o farei hoje porque não tenho tempo para versar assunto tão vasto e complexo, que melhor cabe num discurso especial. Só recordarei aos que se vão mostrando esquecidos a attitude deploravel que a Monarchia teve na repressão das manifestações patrioticas subsequentes ao ultimatum. Já então fez obra de anti-patriotismo matando ao nascer a flor viva e rubra de um amor da Patria capaz de todos os heroismos e sacrificios, e graças ao qual quem então quisesse governar honesta, liberal e patrioticamente teria encontrado a melhor base para o fazer com successo - a confiança absbluta, ardente e apaixonada do povo.

Lembrarei tambem essa quebra dos nossos deveres de nação neutral, realizada em 1900, a favor da Inglaterra, e contra os heroicos boers da Africa do Sul. Era eu então Deputado, e recordo com desvanecimento que levantei aqui a questão, protestando como patriota contra um acto que nos envergonhava e desprestigiava.

A honra das nações pequenas reside principalmente na observancia escrupulosa do direito internacional. E que direito tinhamos nos de deixar passar pelo nosso territorio as tropas do general ingles Carrington, que iam ferir pelas costas os desventurados boers, nossos vizinhos, com quem estavamos em boas relações?

Eu perguntei aqui ao Ministro dos Negocios Estrangeiros de então, Sr. Veiga Beirão, se havia nos nossos tratados com a Inglaterra alguma clausula secreta ou nota reversal, que nos obrigasse a consentir que a divisão inglesa passasse pelo nosso territorio a fim de ir combater esses heroes, que defendiam a sua autonomia e liberdade; e sabe V. Exa. qual foi a resposta do Sr. Beirão?

Foi de molde a deixar uma grande confusão em todos os espirites e a dar uma impressão - deploravel da nossa diplomacia e da nossa autonomia - politica perante a Inglaterra - que se tinha autorizado a passagem das tropas do general Carrington pela nossa Beira, na Africa Oriental, em harmonia com os nossos deveres.

E nada mais! Insisti na pergunta formulei as diversas hypotheses, e não pude obter senão a mesma resposta, nos mesmissimos termos!

Será talvez; isto razoavel como reserva diplomatica, depois de praticado o erro, visto que era já irremediavel. Em todo p caso, o desastre tinha-se dado, e com elle soffreu muito o nosso bom nome de nação briosa, respeitadora do direito, e independente.

Tanto mais, Sr. Presidente, que estou convencido de que nos não tinhamos, nem temos, por tratado, p menor dever de commetter semelhante acto, que, alem de tudo, desmentiu brutalmente a declaração expressa de neutralidade, que tinhamos feito meses antes, publica e solemnemente, e na qual os boers tinham o direito de confiar plenamente.

Eu sei, Sr: Presidente, que ainda hoje apparece quem defenda essa triste pagina da nossa historia internacional. O Sr. Ferreira do Amaral é um d'elles. No seu livro sobre a Defesa Nacional sustenta S. Exa. que o acto foi necessario, porque, se o não praticássemos, sabe Deus o que succederia; e acrescenta que d'elle tirámos algumas vantagens relativamente á nossa alliança com a Inglaterra. Todavia é facil de ver que, se Portugal naquelle momento se houvesse recusado a obedecer a uma imposição, que porventura lhe foi feita, o risco não seria grande, dividida: como a propria Inglaterra estava, internamente, acêrca da guerra na Africa do Sul, e mal vista, como se encontrava,

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perante as potencias, por causa de varios incidentes deploraveis d'essa mesma guerra. E quanto a vantagens, a resultados práticos, foram evidentemente nullos. Portugal continou sendo, e ainda é Hoje, um protectorado da Inglaterra, quando já devia ser um alliado da liberal nação inglesa, como é aspiração do partido republicano e, actualmente, graças a elle, de todo o povo português. (Apoiados).

Sr. Presidente: Ainda com relação á Inglaterra e á sua intervenção na nossa vida interna, V. Exa. viu que, durante o ultimo reinado, entre muitos outros factos, se deu esse gravissimo de se ter atirado, durante dois annos, para a imprensa europeia, com as maiores calumnias e com os maiores ultrages sobre o povo português e sobre a sua administração, para que pudesse germinar e alastrar se lá fora, e repetir-se e accentuar-se cá dentro, a ideia vilissima de que os povos estranhos poderiam intervir para sustentar á forca um Governo despotico contra á vontade da maioria da nação.

Não se pode passar por maior vergonha, por mais collossal ignominia, do que ter despedido das cadeiras do poder uma infamia d'essa ordem!

Sim! Essa campanha de descrédito do povo português fui realizada pelo proprio Governo e pelos seus agentes, incluindo, sobretudo, os jesuitas, alguns diplomatas e certos homens de negocios, para se poder sustentar a ditadura. Então o anterior Presidente do Conselho não teve duvida em chamar estupido, ignorante, incapaz de governar, insusceptivel de liberdade, ao mesmo povo, que depois quis reduzir ao silencio pelo terror, pelo exilio, pela deportação, pela morte. (Apoiados geraes).

E não se despedaçou essa mão ao escrever semelhantes indignidades; e não se gelaram para sempre os lábios hediondos e repellentes de que se escoou aquella monstruosidade, á mistura com baba peçonhenta, com putrida bilis, com o veneno da mais profunda corrupção moral; e não se fez em pedaços, não estoirou, aquelle cerebro de imbecil e de mau ao germinar nelle esse plano de traição, de enxovalho, de cobardia e de descrédito infinito da nação portuguesa!! (Apoiados repetidos em toda a sala).

É preciso, Sr. Presidente, que essa burla indecorosa, essa revoltante mystificação, acabe por uma vez. Mostremo-nos dignos de viver como povo civilizado. (Apoiados). Não mais invoquemos a Inglaterra como um papão! Qualquer que seja a causa determinante, essa invocação é sempre um acto de cynismo, de cobardia e de traição á Patria. Governemo-nos como entendermos, discutamos uns com os outros, só entre portugueses, as nossas graves questões de ordem geral, administrativas, religiosas, ou politicas. Nunca mais, nunca mais, ouse um só português atirar ás faces dos seus concidadãos esse espectro estranho. Ninguem mais dê a impressão de ser caixeiro ou criado de um outro povo, que esteja á espera da primeira occasião para pôr pé em Portugal, servindo-se para isso dos incitamentos dos seus proprios filhos!

Nem tenha alguem illusões. Não se engane a si propria a Monarchia, dementada pelo desejo de prolongar a sua existencia a todo o custo. Se volta a chamar em seu auxilio ou a facilitar, por qualquer modo, a administração estrangeira, nem esta chega a instituir-se, nem aquella dura mais uma hora!

Nem mesmo desterrando ou assassinando centenas de milhares de portugueses, se conseguiria itiipor hoje uma administração estrangeira. De 1846 até hoje vão decorridos 62 annos, em que se fez a educação civica do povo, sobretudo deste admiravel povo de Lisboa, que tanto tem aprendido na escolado soffrimento; e assim, na hora em que desembarcasse o primeiro administrador estrangeiro, ou em que a nação tivesse de acceitar como facto consumado essa infinita deshonra - ai dos culpados! ai dos portugueses traidores! - nem um só escaparia á colera vingadora da multidão justiceira. E debalde os jornaes reaccionarios insultariam então esses representantes da justiça popular, porque os seus nomes seriam inscritos em letras de ouro na historia da libertação de Portugal, e a sua memoria ficaria viva e carinhosa em todas os corações dos portugueses verdadeiramente dignos desse nome. (Apoiados repetidos na esquerda).

Eu não queria, Sr. Presidente, cansar por muito tempo a attenção da Camara, mas impus-me a tarefa de recordar o que foi o anterior reinado, para poder indicar o que o novo reinado deveria fazer, se quisesse sinceramente dedicar-se ao bem da Patria: e como dos tres caracteres do reinado de D. Carlos - antri-patriotismo, devorismo e reacção politica e religiosa - só me occupei, e muito rapidamente, do primeiro, resta-me naturalmente tratar do segundo e terceiro, o que vou procurar fazer com a maior concisão possivel.

O devorismo, que se traduziu por um descalabro financeiro e economico para o qual não ha semelhança em qualquer outro povo do mundo, teve por proposito a alimentação illegitima da Monarchia. E o descalabro é tão tremendo e esmagador, que eu, Sr. Presidente, com receio de que os meus calculos fossem classificados de pessimistas com receio de que fossem aqui reputados como calculos de um jacobino, que inventava cifras para atirar com ellas á face dá Monarchia durante o reinado anterior, vou servir-me dos calculos do Sr. Presidente do Conselho, o Sr. Ferreira do Amaral, e com elles vou demonstrar qual é a situação angustiosa do país, e depois perguntar aos monarchicos, aos homens de Governo do tempo de D. Carlos, que subsistem e que até estão representados neste Governo - e um dos quaes foi e é Ministro da Fazenda-perguntar-lhes, em nome do povo:

- Que fizeram os Senhores ao nosso dinheiro?!...

Sr. Presidente: É o Sr. Ferreira do Amaral, actual Presidente do Conselho, que me ajuda a fazer os seguintes calculos fulminantes, que são absolutamente exactos, porque se baseiam nos relatorios de Fazenda, nos orçamentos e contas de gerencia, e nos trabalhos officiaes da Junta do Credito Publico:

Em 1891-1892, segundo anno do reinado de D. Carlos, as receitas publicas totaes orçavam por 38.479:000$000 réis; em 1905-1906, as receitas publicas, deduzidas as chamadas "compensações de despesa", que as avolumam apenas no ponto de vista dos algarismos, orçavam por 59.726:000$000 réis. A differenca entre estas duas verbas é de 21.247:000$000 réis; mas como estes 21.247:000$000 réis não foram, como justamente observa o Sr. Presidente do Conselho, aumentados de um anno para outro subitamente, mas sim o foram gradualmente, de anno para anno, numa progressão, que elle calcula rectamente em réis 1.517:000:000 annuaes, a consequencia forçosa, determinada por uma simples operação arithmetica, é que as receitas publicas produziram para o Thesouro, em quatorze dos dezoito annos do reinado de D. Carlos, a mais do que produziriam se não tivessem sido aumentados, nada menos de 152.285:000$000 réis!

E aqui não ha reducções a fazer. Toda esta fabulosa somma de 152.285:000$000 réis foi arrancada ao povo em dinheiro effectivo, sem descontos e antes, por vezes, com alcavalas, imposições, relaxes, execuções fiscaes, custas, multas e sellos.

Mas não foi só este o proveito para a Monarchia. Os Governos de D. Carlos, não contentes de receberem, de 1892 até 1906, a mais do que receberiam se se conservasse a mesma receita de 1892, a somma collossal de 152.285:000$000 réis, aumentaram ainda a nossa divida interna fundada, segundo o calculo do Sr. Presidente do Conselho, que é baseado - note-se bem - no relatorio official da Junta do Credito Publico, da seguinte inconce-

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bivel maneira: no 3 por cento aumentaram em nominal 166:994:000$000 réis; no 4 por cento 1:778:000$000 réis; no 4 % por cento 7:714:000$000 réis; e alem d'isso criaram mais, para o caminho de ferro de Lonrenço Marques e da Swazilandia" titulos de 3 por cento no valor nominal de 2.686:000$000 réis, e, para os dos caminhos de ferro do Estado, titulos de 4 % por cento no nominal de 3.360:000$000 réis: - o que tudo representa um aumento no nominal da divida interna fundada de réis 181.937:000$000 réis, ou seja um salto brutal de réis 361.128:000$000 de divida interna fundada em 1892 para 543:065:000$000 réis em 1906.

Este aumento de divida interna, na importanpia de réis 181:937:000$000, ainda que não tenha sido collocado no mercado senão a 30 por cento do seu nominal, representava em dinheiro effectivo, recebido a mais pela Monarchia, a elevada somma de 54:081:000$000 réis, que é calculada modestamente, vistas as condições especiaes ern que se negociou o empréstimo da Swazilandia, etc.

E a somma das duas verbas dá a cifra estupenda de réis 205.866:000$000 em numerario, recebidos a mais pela Monarchia de D. Carlos durante quatorze annos. É, pois, em presença desses algarismos eloquentes, d'esses réis 205.866:000$000, que embolsaram a mais os Governos somente desde 1892 a 1906, que eu repito, em nome do povo, de que sou legitimo representante, as gravissimas pergunta:

- Onde se gastou tanto dinheiro? Que fez a monarchin, que fizeram os senhores, de 205.866:000$000 réis f! Que. fizeram os Governos do engrandecimento do poder real, do anti-patriotismo e da reacção, de 205.866:000$000 réis?

O Sr. Ferreira do Amaral, chegando a estas mesmas conclusões esmagadoras, ainda concede que com a marinha e o exercito se hajam gasto, a mais do que se gastaria se continuasse o orçamento de 1892, uns 18.000:000$000 réis. Essa quantia, comparada com o que se desperdiçou por outras e variadissimas formas, parece-lhe pequena. Estaria bem, se tivéssemos alguma cousa, quer na marinha, quer no exercito. Assim, não tendo nada, sendo a ruina. cada vez maior, é sempre de mais. (Apoiados).

Em todo o caso, ainda deduzindo os 18.000:000$000 réis, como- se nelles não houvesse devorismo - o que é mera hypothese mais que inadmissivel, visto que é absurda- que é feito do resto, dos 187.866:000$000 réis? Onde estão? Que activo social a mais revela, directa ou indirectamente, a sua existencia? Estarão na instrucção? Estarão nas estradas e obras publicas? Estarão na assistencia ao povo? Terão servido para acudir utilmente á crise economica em qualquer das suas diversas manifestações?

Eu pergunto com sinceridade, com lealdade, á Monarchia de D. Carlos, aos que hoje ainda a representam, se podem dar uma justificação, embora só aproximada, da applicação dos 187.866:000$000 réis, que receberam a mais, não contando já os 18.000:000$000 réis para o exercito e marinha. E quando se queira suppor que uma quarta parte da somma possa ter tido alguma applicação util, digam-nos pelo menos, o que fizeram das três quartas partes restantes, ou sejam 140.900:000$000 réis!

Por mais que reunam cifras, não poderão nunca explicar legitimamente o desapparecimento de centena e meia de milhares de contos de réis, que receberam a mais e que não tiveram nenhuma especie de compensação, visto que as despesas uteis foram sempre as mesmas desde 1892 até 1906, se é que não deviam ter diminuido, porquanto a situação economica, a da defesa nacional, a da instruccão em todos os seus graus, a das vias de communicação, a das colonias, permanece a mesma, se é que não se encontra muito peor do que estava, á mingua de auxilios materiaes do Estado. (Apoiados).

Não é preciso insistir, depois da citação destas cifras, na demonstração de que o reinado de D. Carlos se caracterizou pelo mais revoltante e cynico devorismo. Deixe-me só V. Exa. recordar, e com immensa magua e quasi com terror, que estamos numa situação tão angustiosa, que, alem da divida interna fundada, ,à que já me referi, e da externa consolidada, que é tambem elevadissima, temos deante dos olhos o espectro ameaçador de uma divida iluctuante, que em 31 de março ultimo já ascendia a réis 76.217:000$000. D'esta cifra enorme, devemos no país réis 61.993:000$000, sendo uns 26.689:000$000 réis por escritos do Thesouro, outros 26 350:000$000 réis ao Banco de Portugal, cerca de 6.289:000$000 réis á Caixa Geral de Depositos e o resto a diversas por parcelas menores; mas devemos, o que é mil vezes peor, 14.283:000$000 réis no estrangeiro, exigiveis em curtissimos prazos, ou de um momento para o outro!

Horrorosa situação, a que nos levou o devorismo insaciavel da Monarchia carlista e das suas clientelas! Terrivel perigo, sempre crescente, pois a Monarchia não toma emenda, e já em 30 do mês findo tinha elevado a divida fluctuante a 77.297:000$000 réis, ou sejam mais réis 1.080:000$000 do que no fim do mês anterior!

Eu lembro-me, Sr. Presidente, de que em 1891 nos foi apontado ao peito o dilemma cruel: ou a "golilha infamante" como se chamava, com razão, ao contrato dos tabacos), ou a "bancarrota immediata" ; e esse dilemma, que afinal obrigou a Camara a votar o terrivel contrato e respectivo emprestimo, apesar de ser uma verdadeira extorsão á fortuna publica, era acompanhado, como base essencial, da declaração de que precisavamos de pagar aos estrangeiros toda a nossa divida fluctuante externa, a qual, embora fosse avultada, orçando por 13.000:000$000 réis aproximadamente, ainda assim era inferior áquella que hoje nos opprime e aterroriza!

Ora, Sr. Presidente, se em 1891, com 13.000:000$000 réis de divida fluctuante externa, nos estavamos á beira da bancarota, e eramos forçados a soffrer a "golilha" dos tabacos, como se entenderá que nos encontramos hoje, com uma divida d'essa mesma natureza de 14.283:000$000 réis? Que explicação vae dar a Monarchia de D. Carlos d'esta situação? Que remédios tinha ella para acudir ao perigo immenso? Que esforços fizera para o conjurar? Onde ficaram os propositos de emenda e de economia nos serviços publicos, tantas vezes annunciados?

Para onde foi, pergunto ainda uma vez, tanto dinheiro da nação?

Que se fez do suor, do sangue, da miseria do povo?

Não ha instruccão, não ha assistencia publica, não ha economia nacional, não ha colonização, não ha defesa nacional - nunca é de mais accentuá-lo.

Mas se nada disto existe, ha paços reaes, casas, salas de jantar, cavallaricas e guarda vestidos sumptuosissimos; ha aumento de quadros, um exercito de addidos, outro de supranumerarios; ha um batalhão do sello; ha mil e uma formas de alimentação illegitima da Monarchia parasitaria; e ha, sobretudo, a conta immensa, e ainda muito longe de liquidar-se pelo total, dos adearitamentos illegaes feitos ao Rei e a pessoas da sua familia. (Apoiados).

Poderá este descalabro ter um remédio? Quererá o novo reinado sujeitar-se a processos economicos de escrupulosa administração?

O Sr. Presidente do Conselho, a paginas 205 do seu livro, indica os seguintes remédios para se pôr um dique ao devorismo monarchico:

1.º Reduzir as despesas aos computos governamentaes, honestamente calculados;

2.° Terminar por uma vez com a emissão surda de titulos da divida interna;

3.° Não autorizar uma só despesa para que não haja receita que lhe haja de fazer face.

Evidentemente, isto não basta. Mas para começar, como

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plataforma minima, como condição sim que non de uma verdadeira acalmação, nos desejariamos ver esses preceitos applicados com o maximo rigor.

Sê-lo-hão? Os factos até hoje occorridos não podem tranquillizar-nos. A pensão á viuva de Hintze Ribeiro é um verdadeiro escandalo, que se integra perfeitamente no systema devorista do reinado anterior. Os homens são tambem os mesmos; e como poderia esperar-se que mudassem de um dia para o outro, se a morte, que attingiu o Rei, não lhes roçou sequer levemente pela pelle, antes os deixou mais livres e desembaraçados?!

Temos reinado e regime novo! - gritam os senhores; mas então, se a simples mudança de um Rei mais idoso, que tinha as suas predilecções e a sua força de vontade, por uma pobre criança, que ha de fazer tudo o que os senhores quiserem, lhes parece panaceia sufficiente para todos os nossos males; se a cada passo, a mera substituição de um Ministerio por outro lhes dá ensejo para gritarem, com ou sem convicção, que vae acabar o regime dos desperdicios, que vae terminar o systema dos orçamentos falsificados, e que vae haver luz, moralidade e economia; se factos tão mesquinhos, que em nada attingem a essencia das cousas, se lhes afiguram capazes de transformar de um dia para o outro os costumes politicos e administrativos, porque não levam mais longe o argumento, e porque não concordam comnosco em que uma mudança radical de instituições, de homens e de processos faria realmente a felicidade do país, por permittir, ella só, que se abandonassem os velhos erros; e se chamasse o povo pelo seu espirito de sacrificio, a collaborar nessa como que resurreição da Patria? (Apoiados).

Não que a republica possa fazer o milagre de pôr tudo a direito no mesmo instante da sua proclamação. Pensar isso seria uma loucura. Dizê-lo seria uma inépcia. Espalhá-lo pelo povo seria um crime monstruoso, uma burla, uma infamia.

Todavia, segundo me consta, Sr. Presidente, ha alguns monarchicos, menos bem intencionados, que teem espalhado pelo país que os republicanos promettem nos seus discursos, ás classes menos instruidas, não só a abolição dos impostos, mas a perfeita felicidade, para o dia seguinte ao da proclamação da republica. Repto do alto d'esta tribuna, que se ouve em todo o país, quem quer que tivesse proferido semelhante imbecilidade, a que venha declarar o dia, a hora, o local, em que taes affirmações se hajam feito, e p nome do individuo pertencente ao partido republicano a quem possam attribuir-se. Se ninguem apparecer para levantar este repto, ficar-se-ha comprehendendo que, hoje, em Portugal, o combate aos republicanos só pode fazer-se pela mentira e pela calumnia. (Apoiados da esquerda).

Sr. Presidente: Tendo ainda de referir-me, para esgotar o quadro que tracei dos caracteres do reinado findo, a um assunto tão importante, como é o da reacção politica e religiosa durante o reinado de D. Carlos, peço licença para chamar para elle a attencão do Governo e dos partidos que o apoiam, a fim de que todos digam de sua justiça, e a nação possa ver quaes são os homens publicos dispostos a trabalhar efficazmente em favor d'ella, e quaes são aquelles que apenas pretendem illudi-la neste momento de transição, para depois mais facilmente a prejudicarem.

Eu vou mostrar, Sr. Presidente, que todas as liberdades essenciaes á vida collectiva num regime constitucional foram abolidas, se não sempre de direito, ao menos de facto, durante o reinado de D. Carlos.

Reclamo para a minha demonstração o exame e a contraprova do Governo é dos seus amigos. Se se verificar a minha these, isto é, que a evolução liberal do nosso país foi cortada, foi despedaçada, no reinado de D. Carlos, estará a nova Monarchia disposta a reatar aquella evolução, começando por fazer o restabelecimento, das liberdades supprimidas, taes quaes existiam quando começou o periodo reaccionario?

Quer dizer: estará o Governo disposto a dar ao Rei D. Manuel um verdadeiro reinado de acalmação e de liberdade, e não uma continuação do reinado de D. Carlos, com todos os encargos e horrores dessa herança?

Se está, tanto melhor para a nação, que assim evolutirá normal e pacificamente. Se não está, diga-o franca e rudemente, para que cada um volte para o campo da batalha, até o triumfo definitivo da liberdade, da boa administração e do progresso. (Apoiados).

Logo na constituição do poder legislativo e tanto pelo que respeita a esta Camara como em relação á dos Pares, o reinado de D. Carlos, se o examinarmos bem, foi orientado no sentido de arrancar ao povo a possibilidade de exprimir genuinamente, pelo livre suffragio, a sua força e a sua vontade. (Apoiados).

Para isso, houve necessidade de revogar as leis que vigoravam nos ultimos annos do reinado de D. Luis, a saber: a de 8 de maio de 1878, que estabelecia o eleitorado bastante amplo, pois concedia, o direito de voto, não só a quem soubesse ler e escrever, mas a todos os cidadãos que fossem chefes de familia; e a lei de 21 de maio de 1864, que estabelecia geralmente pelo país circulos pequenos uninominaes; que dava representação ás minorias nos circulos plurinominaes das capitaes de districto; e que admittia até seis deputados eleitos por accumulação de votos de entre os candidatos que obtivessem mais de 5:000 suffragios.

Evidentemente estas leis, que na pratica se prestavam a bastantes abusos, especialmente pelo que respeitava aos Deputados por accumulação, já hoje não satisfariam os espiritos progressivos.

Depois da reforma que se fez na Belgica sobre este assunto, introduzindo o principio da representação proporcional, para cuja consecução se bateram os socialistas nas barricadas; depois dos estudos tão completos que se teem feito no mundo culto, dentro e fora tios Parlamentos, para regular o importante problema eleitoral; depois dos trabalhos que se levaram a cabo na propria Espanha, nossa vizinha, é claro e intuitivo que fazer resurgir as leis de 1878 e 1884, pura e simplesmente, não seria um acto de manifesta correcção por parte de quem estivesse á frente do poder executivo num reinado novo. O que elle poderia, e deveria fazer, como minimum que attestasse a boa fé da nova ordem de cousas, seria o restabelecimento das garantias inscritas naquellas leis, acrescidas ou completadas com as novas garantias, que a pratica e a doutrina tenham demonstrado que são necessarias e convenientes, por se fundamentarem nos progressos realizados em todo o mundo nesta importante materia.

Pelo que lhe diz respeito, o partido republicano já hoje não se contentaria senão com o suffragio universal, com a autonomia politica das cidades, e com a representação proporcional, unico processo verdadeiramente justo, scientifico e legitimo de fazer representar a nação por quem realmente ella deseja, de alcançar, portanto, para o Parlamento a expressão genuina da vontade nacional. (Apoiados).

Porem, em nenhum caso a Monarchia poderá ficar com as leis carlistas sobre esta materia, pois ellas bastariam para a comprometter irremediavelmente e em muito pouco tempo.

Essas leis foram as seguintes

Em primeiro logar, appareceu o decreto ditatorial de 28 de março de 1890, devido á iniciativa, ao espirito reaccionario, á ferocidade liberticida, da personagem sinistra, que deixou um traço negro, horrendo, funereo, em todo o decurso do reinado de D. Carlos. (Apoiados).

Esse decreto fazia coincidir os circulos eleitoraes com

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os districtos administrativos; não dava representação de minorias, nem sequer ao outro partido rotativo, que, por esse motivo, teve de se abster; e reduzia immcnsainente a capacidade eleitoral. Era um meio brutal de acabar de todo com as eleições, continuando a fingir que as havia. Esse decreto visava especialmente o partido republicano, que nos ultimos annos tivera sempre representação no Parlamento. Já tambem contra elle, principalmente, é que se havia votado de afogadilho, em novembro de 1904, a reforma draconiana do regimento d'esta Camara, a qual passou depois para o regimento de 1896.

De um modo geral, esse diploma, como os demais, procurava embaraçar o engrandecimento successivo do poder popular e contrapor-lhe o engrandecimento do poder real.

Seguiu-se a lei de 21 de maio de 1896, devida ao mesmo Ministro, e pela qual se voltou aos pequenos circulos, mas sem representação de minorias e sem garantias algumas.

A lei de 26 de julho de 1899, da iniciativa do Sr. José Luciano de Castro, conservou os pequenos circulos, mas fugiu igualmente da representação de minorias, mesmo em Lisboa e Porto, e introduziu algumas modificações no regime eleitoral.

Finalmente, o decreto de 8 de agosto de 1901, devido á crise de reacção feroz de Hintze Ribeiro, regressou ao regime do decreto de 1890, com a aggravante de ser ainda mais hypocrita, mas propondo se realizar o mesmo fim: como o partido republicano tinha conseguido romper as malhas da lei de 1899, trazendo á Camara de 1900 tres Deputados pelo Porto, juntou-se a esta cidade, como á de Lisboa, e ás outras, a população rural então ainda, totalmente escravizada pelos caciques, a fim de que o eleitorado mais intelligente não pudesse escolher quem elle muito bem quisesse. (Apoiados).

Por. este decreto de 1901, ainda em vigor, e com razão denominado ignobil porcaria, embora por um homem que tinha feito outro da mesma força, dispõem-se e alcançam se as minorias, salvas rarissimas excepções, que representam um esforço sobre-humano, como em Lisboa, Beja, Setubal, etc., somente de acordo com os Governos. Estes é que indicam quaes os logares a dar, e até são elles que escolhiam as pessoas dos candidatos da ... opposição. É o que tem succedido com todas as Camaras, nomeadas pelo decreto de 1901, e é até o que succedeu, d'esta vez, sob a propria gerencia do Sr. Ferreira do Amaral, que não duvidou conspurcar-se fazendo eleições pela ignobil porcaria de 1901, consultando todos os chefes dos partidos monarchicos para combinar com elles os seus candidatos e as localidades por onde deviam ser eleitos, e preparando-se ainda por cima para vir gabar-se de que fizera eleições livres, liberrimas, se não tem succedido a horrorosa tragedia de 5 de abril, combinada e preparada pelos seus delegados, ou por alguns d'elles, e dos mais importantes, como continuação á serie de malfeitorias e crimes, que a execução do decreto de 1901, in odium ao partido republicano, já tem produzido, taes como a Azambuja, o Peral, o 4 de maio. etc.

Escusado é dizer que, emquanto o novo Governo não trouxer á Camara uma proposta de lei eleitoral, que não seja um sofisma, como a que foi apresentada pelo Governo anterior sob pretexto de reformar e melhorar o Juizo de Instrucção Criminal, mas evidentemente com o proposito de o tornar ainda peor (Apoiados), nem um sofisma e um enxovalho, como a famosa proposta de lei reguladora da imprensa, com que o Governo anterior, sob o pretexto de a livrar de apprehensões, a jugulou sob a tutela feroz do gabinete negro e a esmagou nas talas deum processo precipitado e sem possibilidade do menor adiamento (Apoiados), emquanto o novo Governo não trouxer uma proposta de lei eleitoral, que mereça este nome, não pode pensar .em governar com novas normas, com acalmação, com a espectativa benévola do país, com equidade e com justiça. (Apoiados).

Sr. Presidente: Em relação á constituição da Camara dos Pares, a situação é sensivelmente semelhante. No reinado de D. Carlos, extinguiu-se por um decreto de 1895, que representa o cumulo da insolencia ditatorial, a sua parte electiva, criada pelo Acto Addicional de 1885, em numero de 50 Pares, sendo 45 eleitos pelos districtos administrativos e 5 pelos collegios scientificos.

Para essa parte electiva, comquanto ainda pouco autonoma pelo systema da eleição e embora insuficiente relativamente ao numero, já traduzia, em todo o caso, uma tendencia liberal comparativamente com o regime da Carta e do decreto de 30 de abril de 1826.

A obra do decreto de 1895 foi depois sanccionada pela lei de 3 de abril de 1896, que inexactamente tem sido considerada como um terceiro Acto Addicional á Carta.
Para que tivesse este caracter, seria preciso que se cumprissem as formalidades essenciaes dos artigos 140.° e seguintes da Carta; e, como não se cumpriram, é minha opinião profundamente arraigada que nem a lei de 1896 nem o decreto de 1895 teem qualquer valor em materia constitucional; e assim alvitro sinceramente que, para se accommodar o novo reinado com as estrictas exigencias legaes, deve o Governo trazer sem receios a esta Camara uma proposta de lei ordinaria, destinada, a revogar-se a lei, tambem ordinaria, de 1896, subrepticiamente chamada -. Acto Addicional - mas que não o é nem pode ser, visto não ter sido votada por uma, Camara, que tivesse poderes constituintes, e que houvesse sido precedida de outra, que reconhecesse a necessidade da alteração de alguns artigos da. Carta Constitucional e que á nova Camara desse aquelles poderes constituintes. (Apoiados).

A obra a fazer neste particular é ao mesmo tempo simples e de um largo alcance, e, se realmente o Governo a realizasse, daria, só por isso, uma impressão insofismavel da sinceridade com que o novo reinado tentava, pelo menos, regressar á severa observancia da lei.

Assim como o novo Governo já revogou, por simples decreto sen, a nova reforma da Carta, que a ditadura tinha ousado fazer pelo decreto de 23 de dezembro de 1907, allegando para base dessa revogação que esse decreto não devia cumprir-se, assim tambem agora não deve hesitar em pedir a estas Camaras que revoguem a lei de 3 de abril de 1896, pois que só como lei ordinaria poderia valer, e como acto addicional, sendo irrito e nullo, tambem não deve cumprir-se.

E, assim, já na proxima sessão de 1909 da Camara dos Pares poderiam funccionar Pares electivos nos termos dos diplomas de 1885, que tornariam a vigorar, e, constituida desse modo, a Camara Alta auxiliaria melhor o trabalho de profunda reforma constitucional, que urgentemente deve emprehender-se.

Se nem isso fizerem, se nem para isso servirem as lições de direita publico que o novo Monarcha está recebendo de um illustre membro desta Camara, então é melhor, dar-lhe ordem para caçar, para fazer explorações oceanographicas empara jogar o tennis, visto que, tendo de continuar a politica do pae, bom é que o faça com os mesmos habitos de vida.

Mas, se a constituição dos corpos legislativos se tornou reaccionaria no tempo
de D. Carlos, que diretuos, Sr. Presidente, do funccioiiamento do Parlamento?

V. Exa. sabe que o poder legislativo tem sido votado a um desprezo inqualificavel. São, por uma parte, as dissoluções constantes, som que muitas vezes, senão sempre, o exija a salvação do Estado, sem que se convoquem logo novas Camaras, e até ultimamente contra o voto do Conselho de Estado e mesmo sem o ouvir. (Apoiados).

E depois, a sua não convocação durante longos periodos.

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O anno mais caracteristico sob esse aspecto foi o de 1890, o da primeira ditadura do engrandecimento do poder real, durante o qual não houve qualquer reunião das Côrtes!

Veem depois as repetidas usurpações das faculdades essenciaes do Parlamento. A votação annual dos impostos ou garantia politica, foi pela primeira vez dispensada no reinado de D. Carlos em 1895. Então ainda houve quem appellasse para o poder judicial, mas, salvas duas ou tres honrosissimas excepções, os juizes submetteram-se á dita dura, mandando pagar impostos e pagando os seus proprios, apesar de não terem sido votados pelas Cortes!

Tomado o habito e o gosto, repetiu-se frequentemente o primeiro abuso, não se cumprindo sequer a disposição do artigo 7.º da lei de 3 de abril de 1896 sobre votação do orçamento. Tres annos estivemos sem orçamento votado Para que houvesse uma apparencia de autorização legislativa para o anno de 1906-1907, fez o Ministerio anterior votar de afogadilho, com a cumplicidade dos dois partido
rotativos, a burla orçamental, conhecida ilegitimamente por lei dos duodecimos, contra a qual aqui me insurgi com vehemencia. (Apoiados).

Um outro ataque, que se fez ao Parlamento, e portanto ao regime liberal, foi a multiplicação das chamadas autorizações, quasi todas tão latitudinarias e vagas, que.mais constituiam uma abdicação do poder legislativo do que uma simples delegação, que aliás não é autorizada pela nossa lei. Sob o pretexto de reformar o pessoal e o mate rial, encheram se as nossas collecções de legislação com centenas de diplomas, alguns extensissimos, que alteraram muitas regras e diplomas legaes, e que, no rigor dos principios, não deveriam ter validade para ser applicaclos pelos tribunaes de justiça. (Apoiados).

Mas a invasão mais grave da funcção legislativa foi feita pelas ditaduras, que se tornaram materia tão corrente no nosso meio politico e social, que eu prevejo para cedo a hora em que a nova Monarchia se sentirá tentada a voltar a ellas. Que tome, porem, cuidado. A ditadura é como a porta do Inferno de D ante. Quem uma vez ali entrou, tem de perder toda a esperança de voltar para trás. E já se presenceou tragicamente que nem a frouxidão dos vê lhos partidos, nem á subserviencia dos juizescaducos, pode realizar o milagre de fazer util ou proficua a ditadura mesmo para os seus autores. Sobretudo para elles!

Emfim, o poder legislativo foi systematicamente ludibriado no reinado anterior por orçamentos e contas falsificadas, por verbas excedidas, por transferencias não autorizadas, tanto mais quanto é certo que nunca se que votar uma lei expressa, accessivel a todos os queixosos, e a qualquer pessoa do povo, para accusação, julgamento o condemnação dos Ministros de Estado prevaricadores.
(Apoiados). Tantas tentativas, e todas falharam: a de 1827, a de 1828, a de 1834, a de 1838, a de 1848; a de 1880, de Adriano Machado; a de 1893, de Antonio de Azevedo; a de 1905, de José de Alpoim, e a do ultimo Governo, de 6 de outubro de 1906; todas morreram ao abandono, e a ultima com o sacramento de ser uma indigna burla, que mais garantia a impunidade dos Ministros do que a mesma ausencia de qualquer espécie de lei regulamentar. (Apoiados).

A todos estes defeitos, Sr. Presidente, deve attender-se na nova reforma constitucional.

Prohibição de dissolver as Cortes; reunião por direito proprio e com garantias materiaes efficazes; prohibição a todos os funccionarios de recolher quaesquer impostos que não hajam sido votados pelo Parlamento; prohibição aos juizes de applicar quaesquer decretos do poder executivo, que vão alem da loa execução das leis; responsabilidade dos Ministros simplificada, e como que automatica, etc., etc.: eis o minimum que é preciso realizar na reforma constitucional, para que se apaguem os abusos do reinado anterior e se não deixem continuar ou recomeçar os maus costumes então introduzidos.

Essa reforma não pode ser apenas a alteração da Carta, cujo espirito e systema é incompativel com a verdadeira liberdade, mas deve consistir na elaboração e votação de uma nova Constituição, feita por representantes legitimos do país, e na qual se consigne que qualquer pessoa do povo pode prender ou mandar prender o Ministro, que haja attentado contra as regalias parlamentares ou contra certas liberdades individuaes especialmente garantidas na mesma Constituição. (Apoiados).

É da discussão da nova Constituição não deve recear-se a Monarchia, porque certamente os monarchicos contam trazer ás Camaras Constituintes, qualquer que seja a lei eleitoral, um numero de representantes superior ao dos republicanos.

Nessa Constituição devem inscrever-se garantias efficazes para que o poder judiciario seja verdadeiramente autonomo e independente. Deve reconduzir-se o jury á sua funcção normal de decidir em materia de facto todos os crimes e delictos, pelo menos os de certa importancia, modificando-se a legislação reaccionaria de 1890, de Lopo Vaz, e supprimmdo se as leis de excepção, taes como a de 1901 sobre.notas e inscrições. Deve regular-se agrave questão da substituição dos juizes, que foi no reinado anterior um meio de fazer politica com a vara da justiça. Deve impedir se definitivamente que os juizes possam ser deslocados pelo poder executivo mediante a alteração de classe da respectiva comarca. Deve regular se em normas fixas tudo o que respeita a nomeações (com separação das carreiras judicial e do Ministerio Publico), promoções, transferencias, suspensões, demissões, passagem ao quadro, aposentações, limite de idade, etc., de todos os funccionarios que cooperam na importantissima funcção de julgar. Deve pôr-se termos recepção de quaesquer custas directamente pelos magistrados em processos crimes. Deve acabar-se com a deportação por tempo indeterminado, seja qual for o delicto a que respeite, modificando-se para isso a lei de 21 de abril de 1892 e o decreto de 23 de março de 1899. Especialmente deve revogar-se o artigo 41.° do Codigo de Justiça Militar de 1896, pelo qual se restabeleceu, no reinado maldito de D. Carlos, a pena de morte para os reus civis, quando accusados de crimes militares, embora sejam julgados em tribunaes communs!

Esta disposição é uma monstruosidade, que offende o senso moral. Bem sei que até agora se costumava dizer que leis como essas não se cumprem; mas desde que se passou pelos horrores da ultima ditadura, correndo risco de morte contra lei expressa, como não recear pelas consequencias da conservação de semelhante artigo no nosso direito positivo?

Eu vi, Sr. Presidente, sem a temer, a morte deante dos olhos, com a circunstancia aggravante e ignominiosa de me ser decretada por um Conselho de Ministros, e de ter de ser lenta e crudelissima porque ma infligiam com as febres de Africa, com a immundicie dos presidios, com a fome, com a falta de ar das casas matas de Loanda.

Vi a morte deante dos olhos, a minha familia abandonada, os meus filhos sem os carinhos e a educação que de mim precisam; e ao lembrar-me de que foram homens, que e diziam nossos concidadãos, que lavraram e assinaram o decreto de 31 de janeiro de 1908, que tudo isso e muito mais consentia, a minha indignação, a minha revolta, o meu odio infinito e implacavel, só são compensados pela certeza absoluta de que essas sete personagens sinistras deixaram de ser portuguesas para todos os homens de bem e para todos os bons patriotas, e de que, ao assinarem aquelle decreto hediondo, que era um decreto de morte para todos nós, assinaram tambem a sentença de morte da sua propria honra politica e pessoal!

(Pausa).

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Sr. Presidente: resta-me falar das liberdades individuaes, de consciencia, de imprensa, de reunião, de associação, da palavra e administrativas. Faltam-me poucos minutos, e por isso terei de me resumir a pequenas indicações.

Quanto a liberdade de pensar, tinhamos em vigor as leis de Pombal, de 3 de setembro de 1759 e de 28 de agosto de 1767 contra os jesuitas; a lei de Aguiar, de 28 de maio de 1834, contra as congregações religiosas; e a lei de Loulé, de 22 de junho de 1861, contra as irmãs da caridade.

Estavamos admiravelmente defendidos contra a reacção religiosa, e tinhamos assegurada uma vida facil ao clero nacional.

Que succedeu, porem, no reinado de D. Carlos? Em 1896 tentou-se o restabelecimento das congregações religiosas femininas, havendo para isso preces no Paço; em 1901, illudindo-se e burlando-se um grandioso movimento anti-congreganista do povo português, publicou Hintze Ribeiro o seu decreto de 18 de abril, pelo qual regularizou e protegeu uma parte das congregações religiosas; e depois disso, não só essas, mas todas as demais, e diversos outros systemas de perversão da vontade e da intelligencia, como o famoso Apostolado da Oração, teem sido espalhados pelo país inteiro!

Depois publicou-se o decreto de 24 de dezembro de 1901, sobre reforma da Universidade, e no artigo 93.° autorizou-se a matricula na faculdade de theologia aos alumnos que apenas tivessem o curso do seminario, não obstante serem feitos os respectivos preparatorios sem a fiscalização do Estado, anti-scientitica e rudimentarissimamente.

Já antes se tinha publicado a lei de 21 de julho de 1899, pela qual foram admittidos ao provimento dos beneficios ecclesiasticos os clerigos com curso no seminario jesuitico de Roma!

Para uma vida nova, combase em acalmação, é indispensavel que esses tres diplomas sejam revogados, assim, como tambem o devem ser os artigos 130.° a 135.° do Codigo Penal, onde se inscrevem, inconstitucionalmente, penalidades perigosas, que já muitas vezes teem sido applicadas, contra os que não respeitarem os dogmas catholicos e praticarem outros actos liberaes semelhantes, impostos pela sua consciencia, pela sua razão. (Apoiados).

Quanto á liberdade de pensar em materia politica e social, é indispensavel revogar pura e simplesmente a lei de 13 de fevereiro de 1896, que constitue um documento ignominioso, que nos vexa e opprime perante todas as nações modernas. E não é preciso substituir essa lei por qualquer outra, visto que as nossas leis communs e geraes preveem todos os casos em que a punição dos anarchistas e partidarios da propaganda pelo facto, ou comparticipante, da propria acção, haja de ser necessaria, ou por motivo de paz interna, ou por qualquer razão, que aliás me parece pouco legitima, de natureza internacional. Com effeito, nos temos no artigo 483.° do Codigo Penal a incriminação e a pena até 3 annos de prisão correccional, para quem provocar publicamente ao crime, em termos muito latitudinarios e rigorosos; temos na lei de 21 de abril de 1892 incriminação e a pena mais alta da escala penal para quem empregar, a dynamite ou outros explosivos com fins criminosos de destruição ou morte; temos no artigo 253.° do Codigo Penal a prevenção contra fabricantes e detentores de explosivos. Numa palavra: temos na nossa legislação commum todos os meios de defesa legitima; não precisamos d'essa monstruosa vileza, que é a lei de 13 d fevereiro, em que o arbitrio governamental se substitue á acção cuidadosa da justiça. (Apoiados).

Com a queda da. lei de 13 de fevereiro, deve tambem cair o juizo de instrucção criminal, na forma que ha dia expus no meu aviso previo ao Sr. Presidente do Conselho, e devem dissolver-se as guardas municipaes, como ulteriormente demonstrarei noutro discurso.

Relativamente á liberdade de imprensa, torna-se indispensavel restabelecer a lei de Barjona, de 17 de maio de i.866, mas acabando com as formalidades da habilitação. Essa lei vigorava quando começou o reinado de D. Carlos. Como era uma lei liberal, logo Lopo Vaz a revogou pelo decreto ditatorial de 29 de março de 1890, que mereceu o cognome de lei das rolhas, e que mais tarde o substituido pela lei de 7 de julho de 1898, de Veiga Beirão, ainda bastante reaccionaria, como esta o foi pela ei vergonhosa de 11 de abril de 1907, logo completada elo decreto ditatorial, suppressor da liberdade de imprensa, de 20 de junho de 1907, prorogado em seus effeitos pelo decreto de 21 de novembro de 1907.

D'esta lei em vigor disse, com razão, o chefe do parido regenerador, que é um ignobil ferrolho para manietar vilmente a Uberdade do pensamento.

Falta-me infelizmente o tempo, Sr. Presidente, para referir qual foi, de facto, a sorte da imprensa, sobretudo da iberal e republicana, durante todo o reinado de D. Caros. É pavoroso! Sem exaggero pode dizer-se que a Monarchia e esta suprema liberdade, sem a qual não ha nenhum progresso, se tornaram tambem inimigas durante este deploravel reinado. E afinal a liberdade de imprensa vol-ou, e ha de triunfar um dia definitivamente, ao passo que a Monarchia, essa, não parece cheia de vida nem com argo futuro...

Com respeito ao direito de reunião, garantido como direito individual no artigo 10.° do Acto Addicional de 1885, o regulado no tempo de D: Carlos por duas vezes pelo decreto draconiano de Lopo Vaz, de 29 de março de 1890, e pela lei, só apparetemente menos reaccionaria, de 26 de julho de 1893, que, deixando em vigor as chamadas faculdades ordinarias da policia, de facto continuava supprimindo o direito de reunião. É indispensavel revogar tambem esses aleijões liberticidas, restabelecendo o decreto liberrimo de 15 de junho de 1870, do Sr. Dias Ferreira.

Igualmente lembro que deve ser revogada toda a legislação carlista sobre direito de associação, isto é, o decreto de Lopo Vaz, de 1890; a portaria de Lobo de Avila de 9 de fevereiro de 1894, sanccionando a dissolução das Associações Commercial, Industrial e dos Lojistas, realizada dia 31 de janeiro anterior - (que amor a esta data!) - pelo repellente ditador e implacavel inimigo de todas as liberdades, e a lei de 14 de fevereiro de 1907, que, sob a apparencia de liberal, deixa tambem de pé as faculdades ordinarias de inspecção e policia das competentes autoridades. É para substituir essa legislação ominosa, restabeleça-se o outro decreto de Dias Ferreira, de 15 de junho de 1870, sobre direito de associação. (Apoiados).

Finalmente, Sr. Presidente, acabe-se com todos os ataques á liberdade da palavra, quer seja no foro, voltando-se á essencia da Novissima Reforma Judiciaria e do proprio Codigo Penal, que não consentem que o advogado seja processado em condições de até poder perder a sua liberdade pessoal, como me teria acontecido infallivelmente, se não fosse Deputado, em consequencia de um processo reaccionario que contra mim fez mover um juiz da Boa Hora, quer seja aqui dentro, na nossa Camara, supprimindo-se todas as disposições draconianas do regimento reaccionario de 1896, o que significa, o mesmo que restabelecer a essencia do regimento de 1876, pois tambem de novo regimento se reflectiu o espirito maldito do reinado de D. Carlos.

Sr. Presidente: Ainda queria justificar o regresso ás liberdades administrativas de Sampaio (codigo de 1878), ao

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seu regime, de instrucçSo primaria (1878), mas a hora vae dar, e por isso termino o meu discurso com a seguinte resenha das principaes reclamações da nação portuguesa ao novo reinado, para que possa dar-se uma verdadeira acalmação:

Querendo a Moriarchia ser util á nação e a si propria, deveria mostrá-lo agora: a) fixando normas escrupulosas de administração e cumprindo-as; b) abolindo tudas as leis, decretos e até praticas, de caracter reaccionario do periodo sinistro de 1889-1908; c) restabelecendo urgentemente os diplomas que anteriormente vigoravam (salvas modificações accidentaes), e especialmente:

1.° Leis de 1878 e 1884 sobre constituição da Camara dos Deputados, com as alterações resultantes dos grandes progressos effectuados nas nações mais cultas sobre este assunto.

2.° Lei de 1880 e parte respectiva do Segundo Acto Addicional, sobre constituição da Camara dos Pares.

3.° Prohibição de autorizações, ditaduras e dissoluções, reunião das Camaras por direito proprio, prohibição ao poder judicial de applicar decretos do executivo que não sejam meramente regulamentares, etc.

4.° Reorganização do poder judicial e do jury, nos termos da legislação anterior, e com plenas garantias de autonomia.

õ.° Revogação do decreto de 18 de abril de 1901, de Hintze Ribeiro, sobre congregações religiosas; da lei de 21 de julho de 1899, do Sr. Alpoim, sobre clero romano; do decreto de 24 de dezembro de 1901, artigo 93.°, sobre matriculas pá faculdade de theologia; dos artigos 130.° a 135.° do Codigo Penal, sobre suppostos delictos contra a religião, e execução rigorosa das leis de Pombal, Aguiar, Loulé e outras.

6.° Revogação da lei de 13 de fevereiro de 1896, suscitando a applicação pura e simples do Codigo Penal para os que provocarem ao crime e fabricarem ou detiverem explosivos e da lei de 1892 para os que usarem a dynamite ou outros meios de destruição com proposito de propaganda anarchista pelo facto.

7.° Restabelecimento da lei de 17 de maio de 1866, sobre liberdade de imprensa, com excepção do que respeita á habilitação, que a pratica mostra dever dispensar-se.

8.° Applicação do decreto n.° 2 de 15 de junho de 1870, sobre o direito de reunião.

9.° Decreto de 15 de junho de 1870, sobre o direito de associação.

10.° Revogação de todos os diplomas sobre policia civil de Lisboa, de 1893 a 1907, e dissolução ou transformação das guardas municipaes.

11.° Lei administrativa e lei de inatrucção primaria de Sampaio (1878).

12.° É restabelecimento, dentro desta Camara, do regimento anterior, na parte em que o novo foi draconianamente redigido para embaraçar a liberdade da tribuna parlamentar.

Numa palavra:

O novo Rei deveria representar a nova ordem de cousas, deveria inspirar-se na mesma alma da nação, que produziu, por culpa dos Governos, as tragedias passadas. Mas se o novo reinado não quiser representar, com toda aquella coragem que dão os momentos decisivos da historia, exactamente a opposição do povo ao reinado anterior, perder-se-ha com este. A sombra de destruição e de morte, que d'este reinado ficou, envolverá o novo reinado, e - cumprir-se hão os fados!

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

O Sr. Presidente: - Á hora está adeantada, o Sr. Deputado Archer da Silva pediu a palavra para explicações para antes de se encerrar a sessão. Vou consultar a Camara se permitte que S. Exa. use da palavra. Se a Camara concordar, darei a palavra a S. Ex., no caso contrario reservo-lhe a palavra para a sessão de amanha.

Consultada a Cantara, foi resolvido que usasse da palavra.

O Sr. Archer da Silva: - Sr. Presidente: é muito desagradavel usar da palavra neste momento e em taes condições, mas é do meu dever fazê-lo. Como sou dos mais novos, é hoje uma das primeiras vezes que uso da palavra neste momento, visto que fui eu o primeiro a pedi-la, talvez mesmo pelo facto de estar ainda pouco habituado aos debates parlamentares.

Sr. Presidente: o Sr. Affonso Costa, orador eloquentissimo, por quem eu tenho a mais subida consideração, no decorrer do seu discurso, houve uma occasião em que me pareceu que a sua eloquencia, o calor da palavra, o arrebatamento o levou mais longe e disse uma frase que nos collocou numa situação menos clara, frase que eu tenho o maior desejo que fique bem nitidamente esclarecida. Referia-se S. Exa. aos acontecimentos de 5 e de 6 de abril.

Não venho discutir aqui essa questão, em primeiro logar por incidir sobre ella um inquerito e em segundo logar, porque tenciono usar da palavra na resposta ao Discurso da Coroa e então poderei melhor referir-me a ella. Mas vamos ao caso.

O Sr. Affonso Costa, num dos reptos de eloquencia tão frequentes em S. Exa.a, disse que se não encontrasse outro meio de obterem a reparação devida, não teria duvida elle e os seus companheiros de pessoalmente fazerem justiça, por suas mãos. Louvo muito o Sr. Affonso Costa, e não houve na maioria ninguem, estou convencido, que pusesse em duvida a sua coragem. Mas nos, que respeitamos muito a coragem e as qualidades dos nossos adversarios, parece-me que temos tambem - o direito de sermos respeitados. (Apoiados).

Na occasião em que S. Exa. proferia aquella frase, houve um sussurro, não um sorriso; eu fui um dos que contribui para esse sussurro e então o illustre Deputado, voltando-se para a maioria, lançou-lhe a luva, talvez irreflectidamente, perguntando se quem se tinha rido queria assim significar solidariedade com os acontecimentos de 5 de abril.

Duas vezes fez o Sr. Affonso Costa identica pergunta, a que seguiu como era natural um instante de silencio, e como esse silencio podia ser mal comprehendido ou interpretado, eu pedi a palavra para declararão Sr. Affonso Costa que ninguem se sorrira, que houve apenas um murmurio, por S. Exa. se ter deixado levar mais longe pela sua palavra e por de nossa parte haver em certos pontos absoluta discordancia de modo ver com V. Exa.

A situação, como ella era, era necessario aclará-la.

Uma interpretação errada podia nesta occasião ser mal criticada, pelo que julguei do meu dever, Sr. Presidente, pedir a palavra para expor com a maior franqueza o motivo do incidente. Fui um dos que concorri para que tal murmurio se tivesse produzido; devia á Camara esta declaração.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Affonso Costa: - Peço a palavra para explicações.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Camara. Consultada a Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Affonso Costa (para explicações): - Dirá apenas duas palavras. Vê que o Sr. Archer da Silva, tendo usado da palavra com cortesia e com correcção, foi completamente para fora da posição em que o problema estava.

Disse S. Exa. que não sabe o que se passou em 5 de

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abril. Pois elle, orador, sabe pelo menos parte do que se passou e pode, portanto, dizer apenas que o Sr. Archer da Silva não está, por ora, em occasião de criticar nem mesmo de murmurar.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão. A ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 6 horas e 40 minutos da tarde.

O REDACTOR = Gaspar de Abreu de Lima.

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