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302-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sr. presidente, durante largos annos que as nossas relações com a nação vizinha não eram cordiaes, como são hoje, nós, que não podiamos esquecer a data funebre de 1580, viamos a cada passo nas complicações politicas do outro lado da fronteira perigo imminente para a independencia de Portugal.

Hoje cessaram de todo, e com justificada rasão, estas preoccupações; e de nenhum povo do mundo nos poderão advir difficuldades politicas, se nos governarmos com tino e com prudencia.

Surge-nos, porém, a toda a hora á questão dos credores externos com todo o seu cortejo de perigos pelas tentativas do administração estrangeira.

Não vale a pena dissimular que o paiz vive debaixo da pressão violenta de que directa ou indirectamente póde ser offendida a integridade governativa da nação; e é preciso afastar este motivo de sobresalto para a nossa dignidade e para os interesses do thesouro.

N'esta ordem de idéas eu faria todos os sacrificios, que não implicassem com a dignidade nacional, para levar a cabo um systema de conversão, em que a divida externa fosse toda reduzida a divida amortisavel, ou em que o governo ficasse auctorisado a comprar os titulos perpetuos o preço ajustado, quando as circunstancias lh'o permittissem.

Prevejo a possibilidade da realisação d'este plano, se por um movimento patriotico, que muitas vezes inflamma o enthusiasmo das nações, os portuguezes, quer residentes em Portugal, quer no estrangeiro, quizessem tomar a seu cargo o resgate da divida externa, como no anno passado o povo hespanhol abriu a sua bolsa para occorrer ás despezas com a guerra de Cuba.

Então o governo, amortisando ou remindo a divida externa, podia nacionalisal-a.

Não é rigorosa a phrase «nacionalisar a divida», no sentido de serem só portuguezes os credores.

As dividas dos estados não se nacionalizam n'este sentido, porque os capitães são cosmopolitas. Mas acabava a divida externa, e ficava a divida puramente portugueza, que não carecia de cotação nas bolsas estrangeiras, nem sujeitava a cada passo o paiz á pressão dos governos estrangeiros, o que aliás não excluia o pagamento dos encargos na moeda de oiro.

As despezas não diminuiriam; mas, revestindo toda a divida o caracter nacional, estariamos livres da inquietação permanente como que nos opprime a intervenção official e officiosa do estrangeiro.

A nacionalisação da divida é pois recommendada, não só por motivos financeiros, mas principalmente por motivos, politicos, quer de ordem externa, quer de ordem interna.

Se chegassemos á hora feliz de transferir para o paiz toda a divida externa, interessar-se-hia assim activamente no governo da nação a parte mais abastada da população portugueza, que seria de certo aquella que havia de comprar a divida, e não só se removiam por esta fórma os perigos da pressão estrangeira, mas constituia-se o povo ficaria na necessidade de fazer sentinella contra os abusos dos governos. (Apoiados.)

Por mais patrioticos e por mais bem inspirados que sejam os governos, quando se encontram em presença da indiferença nacional, vivendo á sombra de maiorias parlamentares, dispostas a mantel-os, seja como for, nas cadeiras do poder, a ruina do paiz, mais dia menos dia, é facto consummado!

O apoio popular é absolutamente indispensavel, sobretudo para as grandes questões, quer internas, quer externas.

Para os problemas de alta importancia não basta aos governos o concurso das camaras, desacompanhado do concurso da nação.

Temos necessidade de chamar á vida o paiz, e de o interessar devidamente nas questões de alto interesse nacional, e sobretudo nas que mais prendem com o credito publico.

Será uma phantasia a minha idéa de nacionalisar a divida pela amortisação dos titulos externos.

Mas ha já exemplo, creio que na Servia, de se terem estimulados clausulas auctorisando os governos a comprar os titulos na quantidade que lhes aprouver ao preço fixado.

Emfim, qualquer que seja a formule, o meu pensamento é habilitar o paiz a respirar livremente e a emancipar-se de quaesquer imposições estrangeiras. (Apoiados.)

Existem ainda no paiz os capitães precisos para n'um momento de elevado patriotismo absorverem toda a divida externa.

A este ponto fundamental é subordinado todo o meu plano sobre a conversão.

A conversão não se faz quando se quer.

Basta attender a que depende de duas partes contratantes a operação financeira.

Podemos, só por nós, reduzir o juro mais ou menos violentamente, com mais ou menos perigo. Mas a conversão não podemos fazel-a sem accordo com o estrangeiro.

Devemos recordar-nos do que succedeu em 1852 com o ministerio Saldanha, em que era ministro da fazenda o sr. Fontes Pereira de Mello.

O decreto de 18 de dezembro de 1852 converteu todos os titulos n'um typo unico, é reduziu o juro de 6, de 5 e de 4 por cento, a 3 por cento, unico que abonava a todo papel, viesse ou não viesse a conversão.

A reducção do juro tornou-se effectiva. Mas a conversão não.

A conversão não se fez sem o accordo, que se realisou tres annos depois no meio das mais graves dificuldades. E não se fez sem accordo, porque dependia a conversão da cotação dos nossos fundeis, e o Stock-Exschangne fechou nos immediatamente as suas portas.

A attitude do governo inglez tornou-se tambem extremamente aggressiva em 1852 contra Portugal, o que não succedeu em 1892.

Nem uma palavra disse nunca o governo inglez ao governo portuguez sobre a reducção dos juros da divida publica em 1892!

É verdade que em 1892 era das nações interessadas a Inglaterra quem menos titulos tinha da divida publica portugueza, quando em 1852 os titulos da nossa, divida externa estavam quasi todos na Gran-Bretanha.

Mas tambem em 1852 a reducção dos juros, segundo o relatorio que precede o respectivo decreto, não produzia diminuição de despeza superior a 350 contos de réis.

O certo é que, mesmo depois de confirmado por lei o decreto de 18 de dezembro de 1852, que reduziu os juros a 3 por cento, os credores e o governo inglez estiveram em reclamações constantes durante tre annos até se fazer em Londres o accordo com os representantes dos interessados.

Ainda a historia e os precedentes condemnam o systema do sr. ministro da fazenda, que prefere auctorisação previa para contratar, isto é que prefere apresentar-se a descoberto para se ver depois obrigado conceder tudo quanto estiver dentro dos limites da auctorisação!

O meio de garantir devidamente os interesses do paiz é deixar ás camaras portuguezas a ultima palavra sobre o assumpto.

No accordo de Londres acceitou o sr. Fontes a condição, onerosissima para o paiz, da preferencia nos futuros emprestimos aos representantes dos concordatarios. E com esta condição foi apresentado o projecto do accordo ao parlamento.

Pois as côrtes eliminaram a clausula que reconhecia ao credor inglez a preferencia nos futuros emprestimos.

A camara dos deputados ainda procurou conservar aquella clausula no contrato, cercando-a das cautelas precisas para ella se não transformar em monopolio.