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SESSÃO DE 27 DE JANEIRO DE 1877

Presidencia do ex.ª sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs. Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos/Barão de Ferreira dos Santos

SUMMARIO

Teve segunda leitura, e foi approvada, a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos, apresentada na sessão antecedente. — Apresentam-se algumas representações. — Como consequencia de um debate suscitado, approva-se uma proposta do sr. Pereira de Miranda, em que pedia que a camara fosse consultada sobre se os deputados que entraram pela primeira vez na sala, n'esta sessão, estavam legal e legitimamente exercendo o seu direito. — Na ordem do dia foi discutido, posto á votação por titulos e approvado na especialidade o projecto n.º 81 (reforma administrativa).

Presentes á chamada 53 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Braamcamp, Avila, A. J." Boavida, Arrobas, Pereira Carrilho, Rodrigues Sampaio, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde da Graciosa, Custodio José Vieira, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Cardoso de Albuquerque, Fonseca Osorio, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Illidio do Valle, Jeronymo Pimentel, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Namorado, José Luciano, Pereira Rodrigues, Nogueira, Mexia Salema, Julio de Vilhena, Sampaio e Mello, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Mello Simas, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, • Cunha Monteiro, Miguel Coutinho (D.), Pedro Franco, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Ricardo de Mello, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Pereira de Miranda, A. J. de Seixas, Cunha Belem, Telles de Vasconcellos, Mello Gouveia, Zeferino Rodrigues, Forjaz de Sampaio, Filippe de Carvalho, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Van-Zeller, Jacinto Perdigão, Ferreira Braga, Matos Correia, Dias Ferreira, Moraes Rego, Freitas Branco, Julio Ferraz, Thomás Ribeiro, Visconde, de Moreira de Rey, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Rocha Peixoto (Alfredo), Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Antunes Guerreiro, Falcão da Fonseca, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Conde de Bertiandos, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Palma, Jayme Moniz, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Klerck, Guilherme Pacheco, Figueiredo de Faria, J. M. dos Santos, Bivar, Alves Passos, Mariano de Carvalho, Visconde de Carregoso, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Sieuve de Menezes.

Abertura—ás duas horas da tarde.

Acta—approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da guerra, remettendo 120 exemplares, das contas d'aquelle ministerio relativas á gerencia de 1875-1876 e ao exercicio de 1874-1875.

Mandaram-se distribuir.

Representações 1.ª Dos tabelliães da cidade do Porto, pedindo a interpretação do artigo 2495.° do codigo civil.

(Apresentada pelo sr. deputada Mexia Salema.) A commissão de legislação civil.

2.3 Dos quatro serventes do quadro da secretaria distado dos negocios da marinha e ultramar pedindo que seja elevado o seu ordenado de 400 réis diarios a 500 réis. (Apresentada pelo sr. deputado Thomás Ribeiro.) A commissão de fazenda.

Participações

1.ª Participo á camara que se acha constituida a commissão ecclesiastica, a qual escolheu para seu presidente o sr. Freitas Branco, a mim para secretario, havendo relatores especiaes. =Augusto Carneiro.

2.ª Cumpre-me o dever de participar a V. ex.ª que se acha constituida a commissão dos negocios externos e internacionaes, tendo escolhido o sr. Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos para presidente e a mim para secretario. =Barão de Ferreira dos Santos.

Requerimentos

1.° Requeremos que, pelo ministerio das obras publicas, sejam enviados, com toda a urgencia, a esta camara todos e quaesquer documentos de onde conste:

1.° Qual o orçamento da despeza a fazer com a construcção da linha ferrea do Algarve, desde Casevel até á Portella das Silveiras;

2.° Qual a quantia despendida pelo governo com as reparações da mesma linha, desde Faro até Boliqueime;

3.° Quantos os kilometros construidos de novo pelo governo e qual a importancia da despeza feita com essa construcção;

4.° Qual o numero de kilometros construidos ou em via de construcção, desde Faro a Casevel. = Luiz Bivar— Marçal Pacheco.

2.° Requeiro que se peça ao ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça uma relação dos conventos em que existem religiosas professas, tanto no reino, como nas ilhas adjacentes, contendo o nome e a situação de cada convento e qual o numero de religiosas professas que havia em cada convento em 31 de dezembro de 1876. = Filippe de Carvalho.

3.º Por parte da commissão de fazenda, peço a V. ex.ª se digne convidar as commissões competentes d'esta camara a escolherem os seus delegados, para conjunctamente com os membros da mesma commissão de fazenda discutirem o orçamento e projecto de lei da despeza do estado para o exercicio de 1877-1878. — A. Carrilho, deputado por Tavira.

Teve segunda leitura e foi approvada a proposta apresentada na sessão de hontem pelo sr. Osorio de Vasconcellos.

É a seguinte:

Proposta

Proponho que seja eleita uma commissão especial incumbida de dar parecer sobre o projecto de lei apresentado em sessão de 21 de agosto de 1871 pelo sr. deputado Barros e Cunha, propondo a alteração da lei eleitoral, e cuja iniciativa foi pelo mesmo sr. deputado renovada em sessão de 5 d'este mez e anno. = Osorio de Vasconcellos.

O sr. Presidente: — O regimento diz que as commissões serão compostas de nove membros, excepto quando houver alguma resolução da camara em contrario; por consequencia esta commisão, apesar de ser especial, será composta tambem de nove membros, e proximamente será eleita.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa uma representação á? camara municipal de Alcacer, em que pede, para

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poder applicar á construcção de uma ponte, a quantia de 3:000$000 réis do cofre da viação.

O sr. Faria e Mello: — Mando para a mesa uma representação assignada pelos escrivães das administrações dos concelhos de todo o districto de Evora, que pedem para serem preferidos nas vagas dos escrivães das camaras municipaes, e para serem equiparados nas apresentações aos empregados dos governos civis,

Peço a V. ex-que mande esta representação á commissão de legislação civil para a considerar, e dar sobre ella o seu parecer, e ver se insere um artigo na reforma que está em discussão, que melhore a sorte d'estes empregados.

O sr. Jeronymo Pimentel: — Participo a V. ex.ª e á camara que motivos alheios á minha vontade me inhibiram de vir mais sedo tomar parte nos trabalhos d’esta camara. Não só o meu estado de saude mas o estado intransitavel das vias de communicação foram o motivo da minha demora.

Declaro tambem que, se estivesse presente na sessão em que se votou a generalidade da reforma administrativa, teria votado a favor.

O nosso collega o sr. Alves. Passos encarregou-me de participar a V.. ex.ª e á camara que o seu estado de saude continua a impedil-o de vir assistir ás nossas sessões.

O sr. Braamcamp:. — Apresentando-nos novamente n'esta casa, temos o dever de manifestar á camara e ao paiz as rasões. que nos levaram a dar este passo. Expol-as-hei em muito breves palavras, pois que nas discussões que posteriormente hão, de ter logar não nos faltará ensejo "para desenvolvermos mais extensamente quaesquer considerações a este respeito.

Sr. presidente, n’um dos ultimos dias da ultima sessão legislativa, um dos membros mais illustres da opposição apresentou á camara, em nome da maioria dos seus collegas, uma. proposta tendente a promover a eleição de uma commissão de inquerito aos actos dos srs. ministros.

A maioria da camara, afastando-se n'aquella occasião das praticas liberaes geralmente seguidas n'esta casa, entendeu desde logo negar-nos a palavra e nem admittir tal proposta á discussão.

Não me julgo com. direito, nem pretendo, discutir a resolução da camara; todavia diante de uma resolução tão inesperada para nós, de uma resolução que nos inhibia de apresentar á camara, os fundamentos d'aquella proposta, e que nos ía tolher de alguma fórma o exercicio amplo e legal do nosso mandato, resolvemos deixar de comparecer ás sessões da camara. Assim o fizemos. A consequencia natural d'este facto talvez, fosse a resignação do nosso mandato.

Esse era sem duvida o nosso desejo, e um dos, mais illustres membros da opposição,; um dos caracteres mais sympathicos, a quem todas as parcialidades em que se divide esta camara sempre concederam a maior consideração e estima, o sr. Francisco Mendes, assim o praticou, depondo nas mãos da camara o. mandato que elle exercera tão honradamente. (Apoiados.)

Não podemos acompanhal-o, e se o não fizemos foi porque entendemos que alguns factos importantes, diversos acontecimentos de gravidade occorridos no intervallo das sessões, e ainda depois de reunidas as camaras, exigiam que fizessemos este sacrificio e nos mostravam que ainda n'este recinto podiamos prestar alguns serviços ao paiz.

Refiro-me, sr. presidente, ás crises bancarias que se succederam em intervallo tão breve, mediando apenas de uma a outra o tempo necessario, para o vencimento das letras com que se tinha procurado abafar a primeira crise, crise que trouxe comsigo, ainda que momentaneamente, a suspensão de pagamentos, que não poupou o nosso principal estabelecimento bancario, que produziu em todo o paiz um grande abalo, abalo que infelizmente ainda não

acabou, abalo que ha de pesar ainda por não pouco tempo sobre o nosso commercio e sobre as nossas transacções.

Naquella occasião o governo decretou medidas dictatoriaes que me parece que não foram ás mais bem pensadas.

N aquella occasião tomaram-se providencias que é necessario examinar e discutir, porquanto precisámos e devemos empregar solicitamente todos os nossos esforços para evitar a repetição de um facto tão lamentavel.

Sr. presidente. Tambem não devo deixar de me referir aos desastres acontecidos com as ultimas inundações, desastres, que assolaram muitos pontos do paiz, desastres a que o paiz inteiro tem obrigação impreterivel de acudir, que lhe cumpre mitigar quanto ser possa, e pelos meios que só o poder legislativo póde decretar, associando-se por esta fórma á obra piedosa de caridade encetada e generosamente dirigida com tanto afan,. com tanto, desvêlo, com tanto carinho e amor pela nossa augusta soberana. (Muitos apoiados.)

Deu-se um outro facto importante para os que hoje nos apresentamos n'esta casa, e posso dizer tambem importantissimo para o paiz.

Duas fracções politicas que ambas tinham a mesma origem, que ambas saíram de um só partido, que estavam divididas por divergencias talvez pouco fundadas, que partilhavam os mesmos principios e professavam as mesmas doutrinas, essas duas fracções entenderam, no estado em que se encontram os espiritos, n'esta transformação latente por que está passando toda a Europa, que era do seu dever, que era da sua rigorosa obrigação pôr de parte quaesquer divergencias que existissem entre uns e outros, para se unirem a fim de formarem um unico partido com uma, só bandeira, clara definida, com principio» assentes, bandeira não exclusiva d'este ou d'aquelle grupo politico, mas em tomo da qual encontrem entrada livre, franca e acolhimento leal, todos os que acceitem aquelles principios e queiram associar os. seus aos nossos esforços na realisação á aquellas reformas.

Entenderam os nossos adversarios politicos que a discussão do programma seria para nós vantajosa, e por isso abstiveram-se de entrar n'esse campo; mas nem assim nos moveram menos crua guerra, ainda que encoberta, até que finalmente essa guerra claramente se manifestou, quando hontem o sr. presidente do conselho entendeu dever pronunciar-se abertamente contra o programma e contra o partido progressista, e lançar-nos, em rosto accusacões que nós repellimos com todas as forças do nosso brio e do nosso patriotismo, tão injustamente offendidos. (Apoiados.)

Sr. presidente, depois d'aquelle repto, depois d’aquella inesperada provocação, não nos era possivel espaçar por um só momento o nosso regresso a esta camara. Aqui estamos preparados para responder as. ex.ª, se s. ex.ª quizer baixar do campo das declamações violentas para o da discussão séria e reflectida.

Mas sobre estas questões já de per si tão graves ainda se alevanta outra para nós mais importante, porque não é uma questão de partido, é uma questão nacional gravissima, que envolve e ameaça os interesses mais vitaes do paiz.

Refiro-me á questão de fazenda.

Depois da apresentação das propostas do sr. ministro, da fazenda, depois do seu relatorio, vimos infelizmente confirmadas mais uma vez as nossas apprehensões ácerca do estado da fazenda publica; conhecemos quanto elle é melindroso, e cheio de perigos que, não obstante o governo continuava no proposito firme, inabalavel, de proseguir no caminho que elle tem seguido, caminho que nós entendemos ser prejudicial ao paiz.

Gastar cegamente, gastar sem conta nem peso, sacrificar os dinheiros publicos a despezas, umas de ostentação, outras menos vantajosas para o paiz, pedir ao credito todos os recursos necessarios para prover a taes des-

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pezas, que a vontade ou o capricho dos ministros regula e não a lei, accumular emprestimos sobre emprestimos, amontoar encargos sobre encargos, onerar assim a fazenda publica, por fórma tal, que nos tolhem os meios de prover devidamente a todos os mais serviços do estado, eis resumidamente o programma do governo na gerencia dos dinheiros publicos, e, como unico remedio a tal situação, apresenta e propõe o sr. ministro da fazenda a consolidação da divida fluctuante, para poder mais facilmente levantar outra" nova divida fluctuante igual, senão superior á que existe; apresenta e propõe a creação de um banco com o exclusivo da emissão, para desde logo lhe pedir uma parte importante do seu capital, para em breve desapparecer na voragem da despeza publica, e apresenta finalmente a medida dos creditos complementares que não serão mais do que um instrumento para os srs. ministros poderem dispor mais desafogadamente dos dinheiros publicos, dando a estes a applicação que lhes approuver.

Em taes circumstancias, que se nos afiguram tão perigosas, entendemos que o nosso mandato impunha-nos o dever de nos apresentarmos novamente n'esta casa. Entendemos que ainda podiamos com a nossa presença prestar algum serviço ao paiz. Entendemos que ainda podiamos ao menos coadjuvar a propria maioria d'esta camara, á qual incumbem deveres tão sagrados como os nossos, e prestar-lho todo o auxilio para que ella possa, como lhe cumpre, pôr uma pela a tal desordem financeira, e cohibir quanto possivel taes gastos successivos, que. tanto prejudicam a fazenda publica e o paiz. (Apoiados.)

Apresentamos-nos hoje, mantendo-nos na mesma posição em que nos encontravamos, resolvidos a empenharmos todas as nossas forças n'esta questão gravissima da organização da fazenda nacional. (Apoiados.)

Vimos com o proposito firmo de advogar, quanto caiba em nós, os interesses sagrados que nos foram confiados, os interesses do paiz (Apoiados.), que estão sendo mais compromettidos dia a dia com os augmentos successivos de novos e pesados encargos (Apoiados.), e para os quaes com toda a imparcialidade, com a mais firme convicção de que é do meu dever, chamo a attenção de todos os membros d'esta casa.

Sr. presidente, termino aqui as minhas reflexões, e concluo dizendo francamente á camara, que não estamos aqui movidos pela ambição de alcançarmos o poder, do qual talvez nos afastámos mais ainda com o ultimo passo que demos, unindo-nos em um só partido, mas sim com a ambição sincera, com o empenho verdadeiro de zelarmos os interesses do paiz, de podermos obter as reformas que entendemos urgentes e necessarias. (Apoiados.)

E porque não está presente o sr. presidente do conselho, ainda que o esteja o governo, a este. dizemos, que estamos aqui promptos para responder a quaesquer accusações que o sr. presidente do conselho queira formular contra nós, e a sustentar com toda a. força das nossas convicções os principios exarados no programma do partido progressista. (Apoiados.)

Acceitamos de bom grado a discussão, e não nos será difficil demonstrar que não é com o systema de coacção e de terror, resistencia a todas as tendencias, a todas as aspirações dos tempos modernos, mas sim com reformas largas, liberaes, ainda que maduramente pensadas, e que assentam na experiencia dos paizes mais civilisados e melhor governados da Europa, que nós poderemos manter e consolidar as instituições que nos regem. (Apoiados.) Vozes: — Muito bem.

O sr. Custodio Vieira: — Usando n'esta legislatura pela primeira vez da palavra (o galicismo creio que tem já fóros de nacionalidade) seja-me licito dizer, que nunca tive os cuidados litterarios do orador. A camara decerto reconhece que eu não podia vir preparado para o incidente que acaba de levantar-se; mas não o digo como precaução oratoria, que não tenho creditos de orador que salvar.

A minha unica pretensão é a de fallar franca, livre o sinceramente ao paiz. (Apoiados.) Isto não quer dizer, que não reconheça, que n'uma casa tão respeitavel como esta: respeitavel por ser o templo da justiça; respeitavel porque se reune aqui a representação, nacional; respeitavel em cada una dos seus membros; se não deva ter o maior respeito para com tudo, e uma das manifestações d'esse respeito é o cuidado na linguagem. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, a esta franca declaração devo acrescentar outra. Fallo só em meu nome, porque não tenho mandato senão do paiz, e, tanto em virtude d'esse mandato como em virtude das minhas convicções e dos meus sentimentos, declaro a V. ex.ª que estou disposto a romper com todas as tradições parlamentares d'esta casa, que não me pareçam conformes com a nossa dignidade.

Não faço censura ao passado, não a faço a ninguem, mas não posso deixar de dizer a V. ex.ª que estão aqui em uso uns certos cuphemismos, contra os quaes me hei de sempre insurgir.

Outro qualquer, depois do ouvir s. ex.ª o sr. Anselmo Braamcamp, diria talvez que se congratulava com o paiz e com a maioria, vendo entrar o foragido filho prodigo os humbraes d’aquella porta para voltar á casa paterna.

Não o digo eu, porém, porque, apesar de todos os pretextos com que s. ex.ª quiz cobrir este facto, não posso deixar do declarar a s. ex.ª que não vejo n'este acontecimento senão a mais completa e insuspeita reprovação do seu anterior procedimento. (Apoiados.)

S. ex.ª engenhou quantos pretextos lhe poderam occorrer para colorear este facto; não creia s. ex.ª que eu não tenha por si um respeito profundo, respeito de longa data; mas a verdade acima de tudo; s. ex.ª engenhou quantos pretextos lhe poderam occorrer para colorear este facto; mas infelizmente a consciencia estava-lhe dizendo que o que devia era vir aqui com toda a sua lealdade, lealdade que não posso deixar de lhe reconhecer, dizer-nos: errámos, mas aqui estamos para expiarmos a culpa. (Apoiados.)

Este é que era um procedimento nobre e leal, o então eu seria o primeiro que correria a, abraçal-o; mas, depois de ter commettido culpa tão grave, querer justifical-a, permitta-me s. ex.ª que lhe diga que é falta sobre falta, o não sei qual mais grave. (Apoiados.)

Quer V. ex.ª saber qual foi a impressão que me causou o discurso do sr. Anselmo Braamcamp? A de um homem a quem a consciencia, torturava, e que, para illudir os outros, procurava illudir-se primeiro a si.

São quasi que intrusos os de]tufados que, abandonando sem motivo as suas cadeiras, as cadeiras que tinham no parlamento, voltaram agora, a esta casa; são quasi que intrusos, e, quando o digo, tenho a lei pelo meu lado. (Apoiados.)

Permitta-me. V. ex.ª que eu leia á camara algumas disposições da lei eleitoral.

O artigo 108.° da lei eleitoral em vigor diz o seguinte: «O deputado depois de tomar assento na camara não póde renunciar o seu logar de deputado sem approvação da mesma camara.»

«Artigo 109.° O deputado que depois de eleito, não renunciar formalmente o seu logar, nos termos do artigo 107.° d'este decreto, não póde escusar-se de desempenhar as funcções do mesmo logar, senão por causa, legitima e justificada perante a camara. ¦

«§ 1.° Se contra o disposto n'este artigo deixar de comparecer ás sessões por quinze, dias consecutivos, será primeira e segunda vez convidado por officio do presidente da camara...

Vozes: — Ah! ah! (Muitos apoiados. — Riso.)

O Orador: — V. ex.ª ri-se?!

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O sr. Pinheiro Chagas; — Riu-me da maioria, que não teve coragem para cumprir a lei. (Muitos apoiados.) Vozes: — Ordem, ordem.

O Orador: — Eu lhe vou dizer como isso se explica...

(Interrupção do sr. Pinheiro Chagas — Apoiados.)

V. ex.ª, por mais que force os seus pulmões, não falla mais alto do que eu. (Muitos apoiados.)

Eu vou explicar o procedimento da maioria, que é nobre, e por isso lamento que V. ex.ª o não comprehenda. (Muitos apoiados.)

(Susurro.)

Vozes: — Ordem, ordem. (Pausa.)

O sr. Presidente: — Eu mantenho a mais ampla liberdade de discussão; mas não posso consentir que se interrompa o orador que está fallando. (Apoiados.)

O Orador: — Agradeço a V. ex.ª as observações que acaba de fazer, mas de uma vez para sempre declaro, que não ha absolutamente ninguem que me aterre, ou que possa fazer com que eu deixe de dizer a verdade, como eu a entendo, n'esta casa, seja a quem for, e seja contra quem for. (Apoiados.)

O sr. Placido de Abreu: —Perfeita liberdade de tribuna; para isso é que estamos aqui. (Apoiados.)

O Orador: — E esse é o brasão do nosso partido. (Muitos apoiados.)

Continuo a ler: (Leu.)

Os deputados da opposição que saíram no fim da sessão passada d'esta casa e que foram lá fóra fazer a declaração de que não voltavam deviam ter resignado completamente o seu mandato (Apoiados.); e não sei com que fundamento legitimo, entenda-se bem que não digo legal (note-se a differença), elles voltam aqui. (Apoiados.)

Voltem muito embora, que ninguem os teme (Apoiados.), pelo contrario, queremos adversarios, queremos a luta, estamos costumados a isso; eu pela minha parte estou costumado a lutar ha muitos annos; saibam V. ex.ªs, alguns dos quaes ainda não eram nados, que nas ultimas lutas da liberdade já eu fui companheiro do sr. Anselmo Braamcamp, e prezo-me muito d'isso.

Mas notem que não venho fazer aqui alarde do meu passado revolucionario, como muita gente faz; eu lamento que o paiz estivesse por algumas vezes em circumstancias de necessitar de revoluções (Apoiados.); era uma desgraça, não era uma gloria, Hoje felizmente já não ha revolucionarios. Revolucionários para que?

Qual a tyrannia que pésa sobre nós?! Que oppressão esmagava os que se retiraram d'esta casa? Por que motivo, pois, saíram? Não lhes approvaram uma proposta!

Oh! senhores, pois então quando qualquer membro d'esta casa faz uma proposta, que por qualquer motivo não é approvada, ha do elle retirar-se, abandonar o seu mandato, fugir de seu posto de honra?! (Muitos apoiados.) Pois não sabem que quem assim procede trahe o seu dever e o seu paiz, e que falta á confiança que o mesmo paiz n'elle depositou quando lhe entregou o mandato?!!

Estou cansado, e comquanto o cansaço seja natural, porque estou velho, todavia declaro francamente á camara que vem elle mais da indignação do que dos esforços que faço para a manifestar.

Indignação, sim senhores. Se a opposição, como já disse, fosse leal o sincera, e viesse confessar a sua culpa, eu applaudiria, e o paiz a applaudiria tambem. Mas voltar aqui com a pretensão de nos querer illudir (Apoiados.), e de que consintamos que illuda o paiz, isso não; emquanto eu tiver voz n'esta casa, e quanto de mim dependa, não o conseguirá.

Quando em outros tempos o mundo politico andava lá por fóra revolto, e quasi que o paiz não tinha voz n'esta casa, comprehendia-se que algumas vezes a opposição, a quasi Imperceptível opposição parlamentar, saísse d'aqui

para se entregar a trabalhos mais proficuos e de maior interesse la fóra.

Foram s. ex.ªs fazer o mesmo, apesar de não se darem as mesmas circumstancias? Talvez.

Saíram s. ex.ªs d'esta casa para revolucionarem o paiz, não o conseguiram, e eil-os! (Apoiados.)

Ahi está a sua condemnação! (Muitos apoiados.)

S. ex.ªs foram mais infelizes do que a opposição de outro tempo. S. ex.ªs andaram perigrinando por toda a parte (Apoiados.) para captarem adhesões, e não encontraram senão quem os repellisse com indignação. (Apoiados.)

E sabem porquê? Porque a parte sensata do paiz está contente com a situação actual. (Apoiados.)

E V. ex.ª, sr. Anselmo José Braamcamp, vem aqui fallar-nos na crise financeira, como uma das rasões que teve para voltar a esta casa! Pois que culpa teve o governo n'essa crise? (Apoiados.) Que culpa, sr. Braamcamp?

Veio s. ex.ª fallar tambem das inundações. Oh! sr. presidente, quereria o sr. Braamcamp que o ministerio fosse superior a Deus?!

Não posso mais. Tinha muito que dizer; tinha sobretudo que dizer á opposição o que é o seu programma, e creio que a minha voz (não vejam n'isto vaidade) é das mais insuspeitas, porque póde haver quem seja tão liberal como eu, mais não. (Apoiados.)

O programma de s. ex.ªs, permittam-me a phrase vulgar, não é senão pó lançado aos olhos do publico. (Apoiados.)

V. ex.ª, sr. Braamcamp, não tem sido tantas vezes ministro?

Não tem V. ex.ª tido tantas vezes assento no parlamento, e só agora se lembra de responsabilidade ministerial? (Apoiados.)

Meu Deus! 0 que é a responsabilidade ministerial, sr. Braamcamp?

O que é a responsabilidade ministerial, opposição foragida? (Riso.)

Pois V. ex.ª não sabe que temos responsabilidade ministerial? (Apoiados.)

V. ex.ª não tem

Não sabe V. ex.ª qualquer pessoa do povo os póde accusar? (Apoiados.)

Pois o que se póde dizer a respeito d'este ponto do programma, póde-se, com pequenas differenças, dizer a respeito de quasi todos. (Apoiados.)

Ao terminar, declaro que a minha intenção não é nunca offender ninguem, e por isso retiro toda e qualquer expressão de que alguem podesse escandalisar-se. Note-se, porém, que o não digo porque receie recriminações; é só e simplesmente porque comprehendo que se casam perfeitamente os respeitos individuaes com a critica dos factos.

Cada um dos individuos que pertencem á opposição que andou desgarrada e perdida lá por fóra, e volta hoje ao aprisco, me merece muito respeito e muita consideração; mas isto não impede que eu diga o que sinto.

Peço a V. ex.ª que tome nota d'esta declaração que acabo de fazer, e que não estou resolvido a repetir.

Na luta não vejo senão adversarios; antes e depois d'ella não vejo senão amigos.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado.)

O sr. Pereira de Miranda: — A camara comprehende bem que não me levanto para responder ao illustre orador que me precedeu, nem os meus recursos se podem medir com os de um homem que está affeito aos triumphos da tribuna parlamentar e da tribuna do foro. Não quero agora discutir as questões de que o illustre deputado tratou, por que não é o tempo proprio. Apesar das minhas diminutas forças, não tenho medo de discutir todas essas questões e de provar mesmo de onde veiu a crise, quem a creou, e que houve n'esta casa quem muitos mezes antes a ano direito de accusar os ministros? que até a respeito de certos crimes

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nunciasse tão clara e precisamente, que só a não viu quem não tinha olhos para a ver (Apoiados); mas não trato d’essa questão, nem das outras.

Entrei n'esta casa no uso de um direito, que supponho ter; porém desde que um homem respeitavel pelo seu talento e respeitavel pela sua posição, se apresenta quasi como chefe da maioria o nos diz que somos intrusos, desde que este homem contesta a legalidade ou legitimidade com que aqui estamos, eu, que não quero entrar e conservar-me em parte nenhuma onde não possa entrar nem deva conservar-me, peço a V. ex.ª que provoque da camara uma manifestação qualquer de que nós estamos aqui legitima e legalmente, ou se, como intrusos, devemos saír d'esta casa. (Apoiados da opposição. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Andrade Corvo): — Sr. presidente, não sendo membro d'esta casa e tendo-se apresentado n'este momento uma questão cuja resolução pertence á camara dos senhores deputados, não póde ser intenção minha, de maneira alguma, intervir em tal resolução. O meu fim é outro.

O meu fim é contrapor a minha opinião ás do meu amigo o sr. Custodio José Vieira. Não trato de discutira legalidade com que os deputados da opposição tornam a tomar assento n'esta casa; trato de discutir a conveniencia politica d'esse acto. Reputo a volta da opposição a esta camara como uma cousa altamente vantajosa para o governo, e para as doutrinas que elle representa, assim como deve ser uma satisfação para os seus amigos politicos. (Apoiados.)

A opposição saíu d'esta casa e ao saír deu n'um manifesto rasões para explicar o seu acto, umas politicas e outras que podiam mais ou menos ser consideradas como pouco convenientes e respeitosas para a maioria da camara dos senhores deputados. Essas rasões desappareceram todas com a volta da opposição, porque senão, ella não voltava; está pois absolvida pela opposição, dos peccados que injustamente esta lhe attribuiu, a maioria da camara dos deputados. (Apoiados.) A maioria deve tambem absolver agora a opposição! Teremos duas absolvições politicas. Tratemos de questões graves, de questões que interessam o governo do estado, e deixemos em paz n'esta casa a opposição, que promette guiar-nos no caminho politico com a prudencia de que tem dado provas e salvar-nos dos grandes abysmos, para onde, sem o sabermos, íamos caminhando depressa; deixemos a opposição occupar-se em nos dirigir e demos-lhe occasião de provar ao paiz as excellencias do seu programma.

Esse programma discutido póde corrigir-se dos seus erros. Pela discussão póde saber-se o que convem e o que não convem ao paiz; póde conhecer-se qual a direcção que a opposição entende dever dar aos seus actos. Terá assim a opposição occasião de dar as necessarias explicações relativamente a alguns pontos nebulosos do seu programma, e de esclarecer outros que reputo perigosos, para a nação e para as instituições. Os debates podem levar talvez a opposição a modificar e corrigir o seu programma, com o que o paiz ganhará.

Pedi, sr. presidente a palavra, como V. ex.ª vê, não para intervir n'uma questão que é toda pertencente a esta casa, que é puramente parlamentar, mas para declarar, como membro do governo, que tenho grande satisfação em que todas as opiniões sejam discutidas n'esta casa do parlamento; porque as discussões podem acabar muitas vezes com espectros que presumem de temerosos e que o não são.

Eu peço á camara dos senhores deputados que n'esta questão concorde com a minha opinião, absolvição por absolvição.

O sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa a minha proposta e peço a urgencia. É a seguinte:

Propostas

Proponho que a camara seja consultada sobre se os deputados que entraram hoje, pela primeira vez n'esta sessão, n'esta casa estão legal e legitimamente exercendo o seu direito. = Pereira de Miranda.

O sr. Luciano de Castro: — Parecia-me que V. ex.ª devia dar andamento á proposta do sr. Pereira de Miranda, sugeitando á deliberação da camara. Ha uma questão pendente e não podemos consentir que fique adiada: é a da legalidade com que estamos n'esta casa.

Vozes: — A legalidade ninguem a contesta.

O Orador: — Parece-me que o illustre deputado (Apontando para o sr. Custodio José Vieira) nos chamou intrusos!...

O sr. Custodio José Vieira: — Disse: quasi intrusos e fiz distinção entre legalidade e legitimidade (Apoiados).

0 Orador: — Entendo que V. ex.ª não póde deixar de submetter á votação da camara a proposta apresentada pelo sr. Pereira de Miranda. (Apoiados.)

O sr. Presidente: — O sr. Pereira de Miranda, quando acabou o seu discurso, não mandou proposta para a mesa e por isso dei em seguida a palavra ao sr. ministro dos negocios estrangeiros e depois ao sr. Luciano de Castro; mas como s. ex.ª acaba de mandar para a mesa a proposta, vou consultar a camara sobre a sua urgencia.

Consultada a camara approvou a urgencia a fim da proposta entrar já em discussão.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Luciano de Castro.

O sr. Luciano de Castro: — Não desejo fallar sobre a proposta.

O sr. Thomás Ribeiro: — Peço a V. ex.ª a palavra, para ao menos emittir a minha opinião individual a respeito da proposta.

O sr. Presidente: — Tem V. ex.ª a palavra.

O sr. Thomás Ribeiro: — Quando entrei n'esta casa, agitava-se uma questão provocada, supponho eu, pelas explicações dadas, a respeito da ultima resolução do novo partido, pelo sr. Anselmo Braamcamp. Não tive a fortuna de assistir a essas explicações, e não sei por consequencia as palavras que tinham dado motivo ás observações que acabo de ouvir.

Assisti a parte do discurso do meu illustre amigo e correligionario politico o sr. Custodio José Vieira, e reparei que s. ex.ª tinha stygmatisado o procedimento da opposição, que felizmente volta de novo a esta casa.

Peço ao meu illustre e respeitado amigo que me antecedeu no debate, que não veja n'este comprimento que dirijo á opposição, por voltar ao parlamento, uma felicitação banal, ou uma simples cortesia parlamentar; estimo muito este facto, e dirigindo á opposição os meus emboras, não posso deixar de me congratular com a camara e com o paiz por esta reconsideração (Apoiados) que nos satisfaz e nos justifica. (Apoiados.)

E agora, a respeito do escrupulo denunciado na proposta de um cavalheiro que faz parte da opposição, devo ler a V. ex.ª, até mesmo para de alguma fórma desvanecer a má impressão que podessem fazer ao grupo opposicionista as palavras foragidos e quasi intrusos do meu illustre amigo, o que diz o artigo 109.° da lei eleitoral, e com elle justificar o procedimento da presidencia, e o da camara, socegando alem d'isto a melindrada susceptibilidade do illustre deputado o sr. Pereira de Miranda:

«O deputado que depois de eleito não renunciar formalmente o seu logar, nos termos do artigo 107.° d'este decreto, não póde escusar-se de desempenhar as funcções do mesmo logar senão por causa legitima e justificada perante a camara.»

Agora vou ler o § 1.°, e aqui especialmente peço a attenção do meu illustre amigo o sr. Pinheiro Chagas, que se riu mal de quem se não ria de s. ex.ª

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«§ 1.° Se contra o disposto n'este artigo, deixar de. comparecer á sessão por quinze dias consecutivos, será primeira e segunda vez convidado por officio do presidente da camara, precedendo para esse fim deliberação da mesma camara.»

Este final do § absolve completamente o illustre presidente da camara, por não ter recorrido a este meio, a que não podia recorrer sem que a camara deliberasse sobre este ponto, visto que só lhe competia executar as deliberações da camara. E por consequencia a nós e não á presidencia que se póde dirigir esta censura, traduzida no riso do meu illustre amigo, o sr. Pinheiro Chagas. (Apoiados.)

Agora deixe-me V. ex.ª dizer a rasão porque a maioria • entendeu não dever usar d'este direito, que lhe era n'esta -lei concedido.

A maioria entendeu que o protesto redigido e assignado n'um momento porventura de menos calma e reflexão do que é preciso aos corpos deliberantes e politicos, protesto infelizmente assignado por quasi todos os deputados da opposição, não podia ser causa de que elles não voltassem á camara quando, acalmados os seus despeitos, consultassem a sua socegada consciencia. Sobretudo, quando os seus resentimentos estavam frescos, seria occasião pouco opportuna para a camara se prevalecer das auctorisações que a lei lhe concedia. (Apoiados.)

A primeira e segunda advertencias ou convites, se quizerem, trariam como consequencia necessaria dar como vagos os logares de todos aquelles deputados, impossibilitando a sua reconsideração. Ora eu e os meus collegas da maioria, nunca perdemos a esperança de que um dia viesse este benefico arrependimento, trazendo a opposição parlamentar da camara dos deputados novamente a occupar os seus logares, e os factos acabam de coroar as nossas esperanças.

Se nós tivessemos fechado às portas d'esta casa á opposição, o que não diria ella da nossa resolução?!.. (Apoiados.), quantas vezes nos teria chamado intolerantes e despóticos?! (Apoiados.)

Portanto, se nós não apresentámos a requisição para se fazerem os convites que a lei auctorisa, se não a fizemos votar, se não compellimos a presidencia a expedir os officios de que resa este paragrapho, creio que não é isso cousa para se poder rir o illustre deputado. (Apoiados.)

Creio que não é caso para accusações violentas ou desdenhosas, mesmo que fosse um dever, o não o termos nós cumprido com um rigor que por uma vez fechava as portas do parlamento aos srs. deputados da opposição. (Apoiados.)

Ainda lia poucos dias, quando um illustre deputado que fazia parte d’ella, o sr. Francisco Mendes, veiu declarar que resignava o seu mandato, eu, apesar de não estar em relações com s. ex.ª, conscio do que elle vale pelo seu caracter (Apoiados.), levantei-me para dizer que lamentava o facto, e que sentia a sua resolução.

O que disse então harmonisa com o que hoje digo em relação aquella parte da opposição que veiu occupar de novo o seu logar no parlamento. Áparte a conveniencia do seu procedimento, em vista da disposição legal que li á camara, entendo que ella está aqui legalmente e que deve estar. (Apoiados.) O quasi do meu illustre amigo o sr. Custodio José Vieira auctorisa esta interpretação.

Voto, pois, essa proposta, voto quantas forem apresentadas n'esse sentido, e congratulo-me ainda uma vez com os senhores deputados da maioria por termos de novo os nossos collegas entre nós. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Como não está mais ninguem inscripto, vae votar-se.

Esta proposta não está redigida de fórma que possa recaír sobre ella uma votação da camara; no entretanto proponho á camara um quesito, que talvez satisfaça as intenções dos senhores deputados. Este quesito é: a camara vota que os srs. deputados estão legal e legitimamente no exercicio das suas funcções? (Apoiados.)

O sr. Pedro Franco (para um requerimento): — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que haja votação nominal.

Consultada a camara resolveu negativamente.

Posta á votação a. proposta do sr. Pereira de Miranda foi approvada por unanimidade.

O sr. Luciano de Castro: — Não quero entrar no debate levantado pelo meu illustre amigo o sr. Custodio José Vieira, porque sobejamente lhe responderam já o sr. ministro dos negocios estrangeiros e o illustre deputado o sr. Thomás Ribeiro. (Apoiados.)

Esta questão para nós está suficientemente debatida. Desde que do seio do governo e da maioria se levantaram vozes tão auctorisadas a combater as proposições, idéas e doutrinas do sr. Custodio José Vieira, nós não temos senão a agradecer a defeza feita pelos nossos adversarios (Apoiados.), muito mais depois da votação pela qual a camara acaba de manifestar a sua opinião, certificando-nos que não póde ter a menor duvida ou hesitação a respeito do direito com que estamos aqui. (Apoiados.)

Agradecendo, pois, á camara a sua benevolencia, declaro que o fim principal para que pedi a palavra foi outro.

A rasão, que me obrigou a levantar, foi o desejo de pedir ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que se digne, na sua alta sabedoria, explicar á camara quaes são os mysteriosos e desconhecidos perigos, que s. ex.ª descobriu no programma do partido progressista, aos quaes tambem hontem alludiu o sr. presidente do conselho na camara dos dignos pares, segundo estou informado, declarando que detestava o partido progressista e o seu programma.

A esse odio correspondemos nós com a mais benevola sympathia para com as pessoas dos srs. ministros. A essas declarações de guerra responderemos com a maior suavidade de palavra se com exemplar doçura, da maneira de que possamos dispor para retribuir tão entranhada aversão.

O que é preciso porém, e este é o principal fim para que aqui vieram os deputados do partido progressista, é que o sr. ministro dos negocios estrangeiros nos declare quaes os perigos, que viu no programma d'aquelle partido, pois que acaba de nos dizer que esse programma contém graves perigos para a sociedade, de accordo com o sr. presidente do conselho, o qual disse na camara dos dignos pares que detestava tal programma, porque ahi se comprehendiam idéas subversivas da ordem, da liberdade e das instituições vigentes.

E preciso que s. ex.ª diga francamente, não só á camara, mas ao paiz inteiro, que é quem nos julga a todos, quaes são os perigos occultos, as proposições temerarias, os principios offensivos da ordem, e attentatorios da liberdade, que os novos inimigos da sociedade se propõem defender e praticar.

Taes affirmações, depois de proferidas não podem deixar de ser provadas.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros não podia vir affirmar, perante o parlamento, que um documento d'aquella importancia continha idéas subversivas da ordem publica, e perigos para a sociedade, sem immediatamente provar o que tão ousadamente affirmava.

Eu, o mais humilde membro do partido progressista, mas seguramente um dos mais convictos, tenho a ousadia de provocar o sr. ministro dos negocios estrangeiros, visto que não está presente o sr. presidente do conselho, ao qual declaro que me dirigirei n'esta camara em occasão asada, que se digne explicar franca e claramente n'aquella phrase elevada e correcta que exorna as suas orações, quaes são as reformas incluídas n'aquelle programma) que podem pôr

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era perigo a sociedade, ou ameaçar de imminentes riscos as liberdades publicas.

Eu peço a s. ex.ª que não tenha comigo contemplação de nenhuma especie. O repto está lançado. O governo provocou o partido progressista. E este composto de homens leaes e convictos acceita a obrigação que lhe corre, de vir aqui, era discussão desassombrada e franca, perguntar quaes são os artigos d’esse programma, que possam ameaçar a ordem, ou fazer estremecer a liberdade.

O partido progressista, do qual eu sou o membro menos digno n'esta casa, empraza pois o governo, para que, sem contemplações nem respeitos de qualquer ordem, nos diga, como. é de sua indeclinavel obrigação, quaes esses suppostos perigos, que estão encobertos no seu programma politico. Cumpre dizel-o ao paiz, para que elle se afaste de nós como de homens de quem se deva afastar com justificado horror, porque longe de pugnarem pelo seu progresso, e de advogarem os seus adiantamentos, procuram, pelo contrario, promover a desordem e apostolar a subversão de todos os principios, em que se firma a sociedade.

O sr. ministro, fazendo isto, cumpre o seu dever. E de rasão e de justiça que, aggredindo-nos ausentes, nos não recusem o sagrado direito, que nos assiste, de nos defendermos, e de expormos perante o paiz a definição clara dos principios em que se substancia o nosso programma partidario.

E de mais venham as accusações claras. E tempo de acabar a guerra que se nos tem movido na sombra. (Apoiados.) Venha a luz, e a discussão franca, diante do paiz, que nos houve e nos ha de sentencear a todos. Digam sem equivocos quaes são os caminhos tortuosos, e as perigosissimas veredas pelas quaes intentamos encaminhar a sociedade á sua inevitavel perdição.

Ha de ser curiosa a demonstração que vae fazer-nos o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que talvez não esperasse ver-se surprehendido n'esta occasião com tão categorica interpellação. Ha de ser curiosa. Espero-a com anciedade. E n'esta occasião, repito, ufano-me de representar o partido progressista; e desde já declaro que acceito em qualquer ponto do programma, toda a discussão que o sr. ministro dos negocios estrangeiros queira encetar com o meu partido.

E não obstante eu ser o membro mais humilde d'este partido, desde já affirmo a V. ex.ª que não declinarei a sua defeza, e que faço minhas aqui, n'esta casa, como já o fiz pela imprensa, todas as doutrinas exaradas n'aquelle documento.

Está ameaçado o paiz, a sociedade, a ordem publica, as leis e a monarchia! Está tudo isto em perigo!

Ha ahi um grupo de homens presidido por um temivel revolucionario chamado Anselmo José Braamcamp. Estes homens trabalham nas trevas, conspiram contra a ordem, ameaçam as instituições, procuram demolir tudo quanto de mais santo e respeitavel existe na sociedade.

E preciso descobrir esses homens, e apontal-os ao paiz taes quaes são, em toda a nudez das suas hediondas feições.

O sr. ministro vae fazer á sociedade esse relevantíssimo serviço. Vae descobrir os conspiradores, os revolucionarios, os impacientes demolidores, que têem a ousadia de affirmar as suas aspirações n'um programma em que se contêem idéas subversivas e perigosas!

Espero a demonstração que o sr. ministro de certo vae fazer.

E preciso, depois de se levar a questão para este terreno, que uns e outros digam franca e lealmente a verdade. O paiz nos julgará a todos.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Aqui, em face uma da outra, encontram-se duas escolas, as quaes, estando perfeitamente conformes no seu amor á liberdade, desejando ambas o desenvolvimento progressivo da nação, seguem comtudo caminhos divergentes. Uma quer caminhar mais rapidamente sem prudencia, sem ter em conta os perigos do caminho, a outra, aquella a que pertencem o governo e os seus amigos politicos, quer caminhar na senda do progresso, mantendo sempre segura a liberdade, mas sem os riscos de levar a nação á anarchia; quer esclarecer a opinião em vez de a arrastar a arriscadas utopias, quer o que é pratico, o que é justo, o que é racional.

Provocou-me o illustre deputado para uma larga dissertação sobre o seu programma. Quizera que sobre esse programma se fizesse agora aqui uma dissertação. Faremos a dissertação pouco a pouco. Como os illustres deputados da opposição, felizmente, estão dentro do parlamento, a cada medida do governo oppponham elles as suas idéas de accordo com o seu programma, por essa occasião defendam os seus principios, que nós defenderemos os nossos. Ver-se-ha assim qual é a differença, e o paiz julgará.

Dissertações não se fazem no parlamento. (Apoiados.) O sr. Luiz de Campos: — Mas não se fazem insinuações, ou provam-se.

O Orador: — A que chama V. ex.ª insinuação? O sr. Luiz de Campos: — Peço a palavra. O Orador: — Chama o sr. deputado insinuação á defeza que o governo faz das suas opiniões em contraposição com as da opposição; chama insinuação a que em vista do novo programma eu diga que não concordo com as idéas n'elle expostas em muitos dos seus pontos fundamentaes? Onde está a insinuação? Será em eu ter dito que no programma ha pontos nebulosos e doutrinas perigosas?

Felizmente, repito, os illustres deputados estão na camara. Eu não me levantei aqui para defender theses, ou fazer dissertações. Os parlamentos não são para isso: o momento não é este. Levantei-me, sr. presidente, para protestar contra uma asserção do illustre deputado, que é inteiramente inexacta.

Affirmou o illustre deputado que o sr. presidente do conselho dissera na outra casa do parlamento que detestava o programma e detestava o partido progressista. A segunda parte d'esta asserção é completamente inexacta. (Interrupção do sr. Luciano de Castro.) Não disse cousa nenhuma d'essas; disse que detestava as idéas do programma. O sr. presidente do conselho, eu, todos podem detestar as doutrinas e estimar os homens que as professam. E exactamente o que me acontece agora com relação aos membros da opposição, de alguns dos quaes sou particular amigo. Respeito os homens, mas detesto as suas idéas politicas, porque as julgo subversivas, e estão em opposição com as minhas. Não condemno os homens, mas não posso deixar de condemnar as suas doutrinas. Vozes: —Muito bem.

O sr. Luciano de Castro: — A camara ouviu a resposta que o sr. ministro dos negocios estrangeiros acaba de dar á provocação categorica que lhe fiz.

Creio que a camara e V. ex.ª hão de fazer justiça a um e a outro; e de certo não poderão deixar de censurar a precipitação com que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, sem ter a sua opinião formada a respeito das reformas contidas no programma do partido progressista, ou pelo menos sem estar habilitado para a sustentar, veio logo insinuar, que aquelle programma continha principios que podem envolver graves perigos para a sociedade.

Esta é a insinuação, a que ha pouco se referiu o illustre deputado o sr. Luiz de Campos. (Apoiados.)

O sr. ministro perguntou aquelle meu illustre amigo onde estava a insinuação, de que s. ex.ª se queixava. Estava n'estas palavras. Estava n'estas accusações pouco explicitas dirigidas ao programma do partido progressista.

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Mas o sr. ministro disse que o programma era perigoso.

Pergunto de novo quaes são os perigos?

Pois s. ex.ª não leu esse programma com a devida reflexão para poder ao menos indicar um d'esses perigos, um ao menos? (Apoiados.)

Não posso deixar de levantar o repto que nos foi dirigido. Mas acceitando-o, peço ao governo que nos diga claramente em que numero, ou em que artigo do programma do partido progressista estão consignadas disposições de cuja adopção possa resultar perigo para a liberdade e para a ordem publica. (Apoiados.)

É o que pedi a s. ex.ª; mas o sr. ministro responde-me que não póde agora discutir o programma, e que o examinará em occasião opportuna, quando vier a proposito contrapor os principios consignados n'esse programma aos exarados nas propostas do governo.

Porque não reservou então as suas insinuações para essa occasião? (Apoiados.)

Se não estava habilitado, com as provas na mão, para mostrar os perigos do programma, melhor era que reservasse as apreciações, que não podia provar, para a occasião em que o podesse fazer. (Apoiados.)

O sr. presidente do conselho ha de vir a esta camara, e logo que esteja presente, e se aproposite ensejo, hei de levantar perante a camara a provocação que nos dirigiu na outra casa do parlamento.

Estas palavras não se proferem aqui impensadamente, sem que os adversarios se levantem logo a exigir as provas das arguições que lhes são dirigidas.

(Interrupção.)

A demonstração deve ser curiosa. (Interrupção.)

Peço ao illustre deputado, que não é menos sabio do que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que tome a palavra e que demonstre a verdade das suas asserções.

O sr. Julio de Vilhena: — Peço a palavra.

O Orador: — Mas fique-se já sabendo, que é mais facil affirmar na nossa ausencia que ha perigos no programma do partido progressista, do que proval-os diante de nós. (Apoiados.)

(Interrupção do sr. ministro dos estrangeiros, que. não se ouviu.)

Mas s. ex.ª veiu fazer uma insinuação.; e insinuações em assumpto tão grave não se podem fazer, sem que ás palavras se sigam as provas. (Apoiados.)

A discussão está aberta. Declaro que não tenho receio algum de que se descubram perigos para a sociedade no programma do partido progressista. O governo, a maioria e todos os amigos da ordem têem obrigação de dizer perante o paiz quaes são os intuitos sinistros e os tenebrosos propositos, que se escondem no nosso programma. (Apoiados.) Acceitaremos sem temor essa discussão.

Não quero alongar mais este debate. Está satisfeito o meu proposito. Quando o sr. presidente do conselho vier a esta casa, aproveitarei a primeira occasião para lhe pedir que prove as asserções que proferiu na outra casa de parlamento. (Apoiados.)

É preciso que o paiz se desengane de uma vez para sempre, e que veja de que lado está a verdade. (Apoiados.) É preciso que o paiz reconheça que o partido progressista teve a coragem e a franqueza, não vulgar entre nós, de firmar com a sua responsabilidade as doutrinas e as reformas que se propõe a sustentar na opposição e que intenta levar á execução no governo (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

O sr. Luiz de Campos: — Uma simples interrupção minha levou o sr. ministro dos negocios estrangeiros a fazer uma pergunta, a que realmente não devo responder.

A resposta podia s. ex.ª obte-la facilmente; consultava a sua consciencia, e nada mais.

O sr. Julio de Vilhena: -— Elles entraram e trouxeram um programma na mão e pediram um adversario. Quizeram que o adversario se levantasse nos bancos do ministerio. Ergueu-se o adversario, disse-lhes que se havia de discutir o seu programma quando viessem á tela do debate parlamentar as questões a que dizia respeito, e elles querem que o seu programma seja discutido hoje!

Mas nós não estavamos preparados para a discussão do seu programma, porque não está na ordem do dia; logo querem tomar de assalto esta assembléa na discussão d'esse programma; não querem, como convem, que se estude e discuta detidamente cada uma das suas bases!

Mas eu, sr. presidente, declaro desde já que o programma dos illustres deputados, o programma do partido progressista proclama principios que, a realisarem-se, fariam uma revolução completa na organisação da sociedade portugueza; reconhecendo ao mesmo tempo que proclama outros que são exactamente os nossos.

O programma do partido progressista proclama a tolerancia, a liberdade e o progresso; e esses principios têem sido inalteravelmente os do partido regenerador. (Apoiados.)

Pois s. ex.ªs podem julgar porventura que são exclusivos do seu partido a tolerancia, a liberdade e o progresso?

Pois não foi pela tolerancia e pela liberdade que s. ex.ªs saíram d'esta casa, convocaram os comicios populares, e envidaram todos os seus esforços para concitar contra o ministerio a opinião publica? (Muitos apoiados.)

Querem tolerancia e liberdade. Pois não é em "virtude d'essa tolerancia e d'essa liberdade que s. ex.ª abandonaram os seus logares n'esta camara, e fizeram a sua ultima manobra politica? (Apoiados.)

Querem ordem? Pois não tem sido mantida ininterruptamente a ordem publica?

Os illustres deputados não podem affirmar que esses principios sejam uma especialidade, um exclusivo do seu partido. (Apoiados.)

Querem a reforma na administração? Tambem nós a queremos, e tanto a queremos que se está discutindo essa reforma n'esta casa. Querem a reforma da instrucção primaria? Tambem nós a queremos, e ahi está o projecto do governo approvado n'esta camara para o comprovar. Querem a reforma das cadeias? Tambem nós a queremos, e essa reforma já se acha iniciada pelo actual governo.

Os illustres deputados não podem duvidar de que esses principios não são só do seu programma, porque são aquelles que eu tambem professo, e que commigo professa toda a maioria. (Apoiados.)

Mas os illustres deputados dizem mais no seu programma: <É necessario investir directamente com o Rei». (Sensação.)

Não é necessario investir com o Rei, porque o Rei nunca [abusou do seu poder. (Muitos apoiados.)

E necessario investir com o Rei quando elle estabelece o governo pessoal; mas quando o Rei governa com os poderes constituidos; quando governa com as assembléas legislativas; quando acceita as indicações que lhe fazem os parlamentos, não é necessario investir com o Rei, porque elle conserva-se na sua esphera constitucional. (Muitos apoiados.)

E necessario investir com o Rei! E invocam-se os exemplos de 1830 e 1848 em França, sem se lembrarem de que lá foi necessario investir com o Rei porque havia um conflicto entre o poder real e o poder legislativo, porque se tratava de saber qual d'esses poderes politicos devia ter a preeminencia e a soberania do povo justificava a revolução. (Apoiados.)

Mas entre nós não ha conflictos entre o poder legislativo e o poder real, porque, se o houvesse, e o se poder real quizesse passar por cima das regalias do corpo legislativo seria eu o primeiro a acceitar o programma do illustre deputado, e então diria como elle diz — é necessario

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investir directamente com o Rei porque não respeita as liberdades populares,

O sr. Luciano de Castro: — Peço perdão ao illustre deputado, mas o meu programma não diz que é preciso investir com o Rei.

O Orador: — Affirmo que diz.

Não temos, pois, necessidade de citar para exemplo os precedentes da historia franceza, porque a invocação desses factos é uma ameaça lançada ás faces da realeza, que a não merece, porque comprehende a sua missão n'um regimen essencialmente liberal. (Muitos apoiados.)

Acceito, repito, muitos pontos do programma, do illustre deputado, porque ha ali principios que são do partido regenerador.

Mas, sr. presidente, legislar não é inventar theorias; o legislador deve olhar para o passado e para o futuro, deve collocar-se precisamente no momento historico em que vive, porque a reforma que quizer fazer caminhar a sociedade pricipitadamente fal-a-ha pelo contrario retrogradar (Apoiados.), e é o que ha de accontecer com a realisação de outros principios consignados no programma do illustre deputado.

E eu disse que acceitava o repto; aqui tem o illustre deputado o principio para a discussão, e creia que se desejar, eu hei de discutir uma por uma as bases do seu programma, em qualquer occasião.

O illustre deputado provocou-me; não deve resentir-se da resposta que lhe dou.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Luciano de Castro: — Têem-se condemnado as doutrinas exaradas no programma do partido progressista, alcunhando-as de subversivas e de attentatorias da ordem e da liberdade, e todavia, pelo que acaba dê dizer o illustre deputado que me precedeu, vejo que esse programma não é tão mau e tão perigoso que uma parte d'elle não seja tambem acceito pelo partido regenerador!

Disse o sr. Julio de Vilhena, que o programma contém muitos pontos com os quaes está de accordo, porque são essas as idéas do partido regenerador; mas depois de tanta concordancia, parece-me que o sr. ministro dos negocios estrangeiros mal póde sustentar a sua affirmativa de que o programma. do partido progressista é subversivo e perigoso. (Apoiados.)

O que me maravilhou foi que o sr. Julio de Vilhena attribuisse ao manifesto e ao programma idéas que nunca ali estiveram. (Apoiados.)

Em que parte do programma se diz que é necessario investir com o Rei?

Tem graça partir esta insinuação do seio do partido regenerador, que em tempos que já lá vão, discutia n'esta casa o governo pessoal e o Rei de Sião, e outros assumptos do mesmo genero, dando-nos assim o direito a nós, que viemos depois, de seguir as suas idéas e de imitar os seus exemplos, que todavia nunca imitámos, pois sempre dêmos provas sinceras da nossa adhesão á monarchia (Apoiados.), e nunca para aqui trouxemos a pessoa do Rei. (Apoiados.)

Peço ao sr. Julio de Vilhena que me diga em que parte do programma se diz que é necessario investir com o Rei.

O sr. Julio de Vilhena: — Aqui está n'este periodo do programma «é necessario investir com o Rei».

Vozes: — Está escripto... ¦

O Orador: — Pois eu vou ler o que está escripto.

N'este manifesto ou exposição, descrevem-se em these os perigos que podem resultar da decadencia e da falsificação do systema representativo.

Diz-se aqui:

(Leu.)

(Interrupção.)

Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — Leio outra vez «e se este ultimo recurso fallece, só resta o supremo remedio da revolução...

Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — E exactamente a estes perigos que nós queremos obviar. (Apoiados da opposição.) Continua este periodo: (Leu.)

Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — Mas esta não é a verdade? Mas diz-se mais: (Leu.)

(Interrupção.)

Isto não se refere á maioria actual, nem a nenhuma maioria em especial.

Vozes: — isso ainda é peior para a maioria.

O Orador: — Continuo a ler:

(Leu.)

Isto não será exacto? (Interrupção.)

E sabe V. ex.ª o que depois d'isto se acrescenta? É o seguinte:

«Vem então o cabos, a confusão, a anarchia politica. Está deslocada a responsabilidade. Não basta o governo para o debellar».

(Interrupção.)

«E preciso investir directamente com o Rei. E o prologo da revolução.»

Vozes: — Ah! ah! (Riso).

O Orador: — A camara não póde dar melhor interpretação aos periodos que acabo de ler, do que aquelle que os escreveu.

Mas agora chamo eu a attenção de s. ex.ªs para O periodo seguinte:

«Um regimen que conduz a taes extremos e quê traz pendente sobre o paiz a ameaça de tão desastroso futuro, requer prompta alteração».

Em seguida propõem-se os meios de evitar os perigos apontados nos periodos que acabo de ler.

(Interrupção.)

Os illustres deputados têem obrigação de saberem entender o que está aqui escripto. Aqui diz-se:

(Leu.)

Nós o que queremos é atalhar as Calamidades que podem resultar da decadencia é abatimento do systema representativo entre nós. São essas calamidades que prevemos e apontamos.

(Interrupção.)

Pois de se dizer aqui que da decadencia e falsificação do systema parlamentar póde provir o governo pessoal, é a imputação de todas as responsabilidades politicas ao Rei, póde acaso concluir-se que nós proclamamos a doutrina de que é necessario investir directamente com o Rei?

Pois o partido progressista quer insistir directa ou indirectamente com o Rei, ou acabar com a monarchia?

Pois, ao contrario, não está no artigo 2.° do programma a prova mais cabal de que nós queremos a monarchia constitucional?

O programma dil-o claramente.

O que nós pretendemos é robustecer a monarchia com as reformas indispensaveis para atalhar as calamidades e remover os perigos que se nos afiguram mais ou menos inconvenientes sobre o paiz. (Apoiados.)

Quem não sabe que as maiorias parlamentares são filhas da pressão das auctoridades e da influencia dos agentes do governo?

Quem ignora que as maiorias parlamentares não traduzem a vontade espontanea do paiz?

Quem não sabe que as auctoridades administrativas, desde o governador civil até ao regedor, exercem sempre. invencivel coacção sobre os eleitores?

(Interrupção.)

Todos nós somos réus do mesmo Crime. E é por isso"

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

que é necessario que todos nos empenhemos em emendar os passados erros. (Apoiados.)

O sr. Marçal Pacheco: — E a eleição de V. ex.ª não foi o resultado d'essa pressão?

O Orador: — A minha eleição foi devida á vontade espontanea dos meus eleitores. Ninguém póde attribuir a minha eleição á pressão da auctoridade, porque eu estou aqui contra a vontade dos cabos de policia e dos regedores, e tenho o prazer de declarar que hei de vir a esta casa tantas vezes quantas os meus eleitores quizerem, sem para isso carecer de pedir o beneplacito do governo.

O sr. Marçal Pacheco: — A sua eleição foi espontanea, segundo acaba de declarar, e a dos seus collegas?

O Orador: — Torno a repetir que as maiorias parlamentares são, como todos sabem e ninguem póde negar, o resultado da pressão e da influencia da auctoridade, e que não ha governo que perca umas eleições. Se no mesmo anno se fizerem quatro eleições, haverá quatro maiorias differentes, e até oppostas. Cada governo trará a sua.

A historia está aberta para mostrar a verdade do que digo.

Não responderei mais ás observações do sr. Julio de Vilhena, ao qual nunca provoco senão para ter o prazer de admirar a sua palavra fluente, lucida e sympathica.

Quando em nome de um partido se pede que se apontem os perigos attribuidos ao seu programma, e se responde com evasivas, como aquellas em que se refugiou o sr. Vilhena e o sr. ministro dos negocios estrangeiros, devemos estar certos de que esse programma não tem adversarios serios (Apoiados.), e digo adversarios serios pela pouca importancia dos argumentos em que pretenderam firmar as suas asserções, não pela respeitabilidade das pessoas a que me refiro.

Terminarei affirmando que se não póde ter medo de um partido que começa por declarar no seu programma que é francamente monarchico, cujos membros acceitam a responsabilidade das idéas exaradas n'esse programma, e têem a coragem de as explicar claramente perante o paiz, como mais tarde, em occasião opportuna, terão a de as realisar, quando sejam chamados ao governo. (Apoiados.)

O sr. Julio de Vilhena: —Folgo immenso com o debate que se levantou n'esta casa, e folgo porque obriguei o sr. Luciano de Castro a explicar o pensamento do programma do partido progressista, associando-se ás idéas monarchicas que estão no animo da camara e do paiz.

Talvez eu interpretasse mal as palavras do programma, e estimo que s. ex.ª tivesse occasião de affirmar a sua adhesão á monarchia.

Congratulo-me, posso affoutamente dize-lo, com o paiz e com o proprio partido progressista, por ver que, quaesquer que sejam as nossas dissenções de partido, o systema monarchico é respeitado por todos. O poder real deve estar sempre acima de todas as nossas divisões politicas. (Apoiados.)

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.º 81

O sr. Presidente: — Na ultima sessão entrou em discussão o titulo 1.°, que não foi votado por já não haver numero na sala.

Peço aos srs. deputados que occupem os seus logares para se poder votar.

Posto á votarão o titulo 1.°, foi approvado.

Seguidamente foram approvados sim discussão os titulos 2°, 3°, 4° e o"

Entrou em discussão o — Titulo 6.°

O sr. J. J. Alves: — Pedi a palavra para fazer uma pergunta ao illustre relator da commissão de administração.

No projecto do codigo que estamos discutindo não vejo designada a entidade fiscal das camaras municipaes; no

codigo em vigor, alem do presidente e vice-presidente, todas as camaras municipaes têem um vereador fiscal.

Desejava pois saber as rasões porque desapparece similhante entidade, que nas vereações exerce um papel importante. Mando portanto o meu additamento, e espero que a commissão ha de tomal-o na devida consideração.

O sr. Julio de Vilhena: — O pensamento da commissão foi deixar á indicação da camara municipal a eleição do seu fiscal; mas, se o illustre deputado entende que o projecto assim está imperfeito, convido s. ex.ª a mandar para a mesa uma emenda, na qual se estabeleça a nomeação de um fiscal, porque a commissão não terá duvida em a acceitar.

O sr. J. J. Alves: — Então vou mandar para a mesa uma proposta n'este sentido. E a seguinte:

Proposta.

A camara municipal no dia em que tomar posse e fizer as eleições dos differentes cargos, nomeará um fiscal ou commissão fiscal de tres membros. J. J. Alves.

Foi admittida e enviada á commissão.

Foi approvado o titulo 6°, e bem assim os titulos 7°, 8°, 9° e 10°, salvas as propostas que ácerca dos mesmos foram apresentadas.

Entrou em discussão o

Titulo 11.°:

O sr. Alves: — Mando para a mesa uma emenda ao artigo 350.°

É a seguinte:

Artigo 350.°:

Podem ser aposentados com o ordenado por inteiro os magistrados e empregados administrativos que, etc.. — J. J. Alves.

Foi, admittida e enviada á commissão. Foi approvado o titulo 11° e seguidamente os titulos 12.° e 13°

Entrou em discussão o Titulo 14.°

O sr. Pedro Franco: — Mando para a mesa varias emendas e substituições aos differentes artigos da lei que se está discutindo.

São as seguintes:

Substituição ao artigo 2-.°: É mantida a actual circumscripção dos concelhos existentes.

Substituição ao artigo 9.°: Os corpos administrativos servem por quatro annos civis.

§ ao artigo 14°: Podem accumular, querendo, as funcções de deputado ou par do reino os vogaes dos corpos administrativos, cuja sede estiver a menos de 5 kilometros da capital do reino.

Additamento ao artigo 16.°: Podem ser dissolvidos pelo governo, mas só em casos de infringirem as leis geraes do reino, ou por culpa criminal em' que se achem pronunciados.

Additamento ao § 2.° do artigo 39.°: e tomada por base a população.

Additamento ao artigo 49.°: e por intermedio do seu presidente.

Eliminado o § unico do artigo 49.°: por não fazer o governador civil parte da junta.

Eliminado o n.º 4° do artigo 52.°: ficando estes serviços a cargo das camaras municipaes.

Additamento ao n.º 16.° do artigo 52.°: e sendo plenamente ouvidas as corporações e auctoridades administrativas de todos os concelhos do districto.

Eliminado o n.º 6.° do artigo 59.°: ficando estas despezas a cargo das camaras municipaes.

Emenda ao artigo 75.°: e terá o vencimento certo que lhe for arbitrado pela junta no orçamento annual.

Additamento ao artigo 79.°: Será igualmente obrigado a dar contas do estado do cofre em qualquer occasião que a commissão districtal lh'o exigir. = Pedro Augusto Franco.

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Foram admittidas e enviarias á commissão.

O sr. J. J. Alves: — Desejava fazer ainda outra pergunta ao illustre relator da commissão, pergunta que por esquecimento não fiz quando se discutiu o titulo 3.°

No titulo 3.°, capitulo 1.°, artigo 14.° está a palavra «inelegivel». Parece-me haver aqui um equivoco

O sr. Julio de "Vilhena: — Está a palavra «elegível», mas deve ser a palavra «inelegível».

O sr. J. J. Alves: — Estou satisfeito.

O sr. Presidente: — A epigraphe d'este titulo ha de ser convenientemente emendada na redacção definitiva, porque está errada.

Foi approvado o titulo 14.º e ultimo do projecto.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada, e alem d'isto os pareceres da commissão de fazenda n.ºs 8, 9, 10 e 11. Tambem se ha de eleger a commissão especial que foi votada na sessão de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Rectificações

Por ter sido publicada com algumas inexactidões, publica-se novamente a nota da votação nominal que houve a proposito da proposta do sr. Barros e Cunha, na sessão de 26 do corrente mez, com respeito ao projecto da reforma da administração publica.

Disseram approvo os srs.: Osorio de Vasconcellos, Avila, Boavida, Sousa Lobo, Augusto de Mello Gouveia, conde da Graciosa, Barros e Cunha, Nogueira, Mexia, Pinheiro Chagas, Ricardo de Mello.

Disseram rejeito os srs.: Cunha Belem, Carrilho, Rodrigues Sampaio, Teixeira de Vasconcellos, Telles de Vasconcellos, Vieira da Mota, Custodio José Vieira, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Pinheiro Osorio, Francisco Costa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Illidio do Valle, Ferreira Braga, Alves, Correia de Oliveira, Frederico Costa, Namorado, Moraes Rego, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lencastre, Bivar, Freitas Branco, Faria e Mello, Manuel Rocha Peixoto, Mello Simas, Cunha Monteiro, Pedro Roberto, Ricardo Ferraz, Thomás Ribeiro, visconde de Arriaga, visconde da Azarujinha, visconde de Moreira de Rey, Mamede e Mouta e Vasconcellos.

Na sessão de 24 do corrente mez o sr. Pinheiro Chagas apresentou uma declaração de que o sr. deputado Adriano Carneiro de Sampaio não tinha comparecido ás sessões por motivo de doença, como provava pelo documento que enviou para a mesa.

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