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conheço as difficuldades que ha; e nas circumstancias financeiras em que o paiz se acha não julgo conveniente a creação de muitas escolas especiaes, mas e possivel e mesmo indispensavel modificar e ampliar as escolas polytechnica e do exercito, de maneira que ellas habilitem convenientemente aos engenheiros civis cuja carreira seja garantida por lei, e por uma boa organisação do pessoal technico do ministerio das obras publicas, mas sem exclusão immediata dos engenheiros militares; os engenheiros civis á medida que se forem habilitando irão exercer as funcções que lhes são proprias, os militares retirar-se-hão pouco a pouco á sua especialidade, e teremos a final duas corporações scientificas que darão honra ao paiz.

Sr. presidente, é unicamente por estes meios que poderemos satisfazer a uma necessidade já bastante sensivel, a de termos engenheiros especiaes de estradas, de caminhos de ferro, engenheiros hydraulicos, (Apoiados.)e estes ramos especiaes de engenheria constituem hoje, cada um de per si, uma sciencia. Esta necessidade revela-se pela vinda de engenheiros estrangeiros ao nosso paiz, e talvez pela per ia de sommas consideraveis; citarei para exemplo a barra da Figueira; adoptou-se um projecto de construcções, effectuaram-se as obras; no primeiro anno observam-se bons effeitos, no segundo começam a notar-se maus, e assim successivamente até ao estado deploravel em que hoje se acha aquelle porto. E qual é a rasão d'isto? É que os engenheiros que foram estudar aquella barra, embora habillissimos, embora soubessem muito, não eram engenheiros hydraulicos; ou fallaram-lhes estudos previos que servissem de base ao projecto, isto é, memorias descriptivas annuaes relativas ao regimen da barra e do Mondego nos ultimos annos que precederam a confecção do projecto. Se hoje quizessemos organisar uma commissão de engenheiros convenientemente habilitados para fiscalisar os estabelecimentos industriaes da capital, para dar plena execução aos regulamentos de policia já adoptados entre nós em relação a este objecto, talvez os não achassemos em numero sufficiente. Lisboa progride em população e em industria, e commissões á esta natureza existem em todas as grandes cidades, que a uma grande população reunem um grande desenvolvimento industrial fabril, sendo exigidas já por condições de hygiene publica, já para segurança dos operarios, porque emprezarios ha tão sequiosos de lucro, que poupando-se a despezas de reparações nas suas machinas e officinas expõem a vida, de centenares de operarios a sinistros terriveis.

Sr. presidente, difficilmente um engenheiro militar se constituirá uma especialidade n'um ramo qualquer de engenheria civil, porque empregado no ministerio das obras publicas elle está sempre sujeito a uma ordem do ministerio da guerra que o chame ao exercito, e tambem porque se hoje trabalha em estradas ámanhã é mandado para um porto de mar e, no dia immediato talvez para um caminho de ferro. Por outra parte o engenheiro militar não é unicamente um constructor, deve ler conhecimentos lácticos e estratégicos, que se não adquirem sem muita leitura dos livros militares e sem a frequencia de campos de instrucção, relativa já a manobras, já a fortificação; por conseguinte se um official permanecer durante alguns annos ás ordens do ministerio das obras publicas, será um engenheiro civil, mas então recorda-se de que é militar, quando muito, uma vez por mez assignando o recibo do soldo; e se n'esta epocha o obrigarem a regressar ao exercito servirá pessimamente como engenheiro militar: citarei em abono do que digo um facto recente. Alguns officiaes habilitados com o curso do estado maior serviam ha annos no ministerio das obras publicas, repentinamente elevou-se não sei que difficuldade relativa ao accesso d'esses officiaes, da qual resulta que elles se acham na alternativa de regressarem aos corpos do exercito onde devem servir como officiaes ajudantes, ou conservarem-se empregados em construcções civis, perdendo vantagens que lhes confere a legislação militar. Este estado de cousas não deve permanecer, é necessaria uma reforma completa na instrucção superior relativa a construcções, é urgente a organisação do pessoal technico do ministerio das obras publicas.

Já se vê pois que eu abraço muitas das idéas apresentadas pelo illustre deputado o sr. José Estevão, mas a proposta de s. ex.ª alterando a legislação actual sobre os concursos não a melhora, o que me conduz a votar contra ella, approvando a proposta do sr. Thomás de Carvalho.

Discurso que devia ler-se na sessão n.° 21 d’este vol. Pag. 240, col 2ª, lin. 70

O sr. Latino Coelho: — Sr. presidente, eu pedi a palavra quando vi que o illustre deputado que fallou antes do sr. Pegado, inventou de proposito uma citação... (O sr. Fernandes Thomás: — De proposito não.) Então inventou uma citação ou lembrou-se ouvir palavras que naturalmente não hão de vir reproduzidas na nota dos srs. tachygraphos, porque eu de certo as não pronunciei. Se eu não estivesse convencido da modestia do illustre deputado a quem me refiro, se eu não soubesse que s. ex.ª é um dos professores mais distinctos da universidade, um dos seus talentos mais abalisados, e que allia muitos dotes intellectuaes a uma exemplar modestia, quasi me persuadiria de que o illustre deputado se levantou e inverteu uma parte do meu discurso só para achar o pretexto e o thema de um panegyrico proprio.

Senti que s. ex.ª para fazer a apologia do conselho superior de instrucção publica e mesmo para vir reptar-me n'um desafio novo e singular fosse inverter o sentido das palavras que pronunciei, e que a camara saberá de certo quaes foram, pelo menos sabem-no aquelles dos seus membros que me prestavam attenção n'esses momentos. Eu não fiz a menor allusão aos membros da universidade, (Apoiados.) nem aos do conselho superior (Apoiados.) Eu não fiz mais nada senão dizer que, se eu soubesse que haveria cedo um caminho de ferro para Coimbra, ainda me absteria de propor a remoção do conselho superior de Coimbra para Lisboa, e acrescentei que como linha quasi a certeza de que mais depressa chegariam a macrobios os membros do mesmo conselho (Riso.) do que o caminho de ferro chegasse a Coimbra por isso me não podia abster de pedir a sua remoção para Lisboa, Ora onde está aqui o insulto e a injuria aos membros do conselho? Eis-aqui as phrases pelas quaes sou declarado impenitente em perseguir atrozmente, com injurias, com ….., com epigrammas, o conselho superior de instrucção publica. Eu peço á camara, que sabe quaes são as largas do debate o as liberdades da discussão, que me diga se eu exorbitei da gravidade parlamentar, se desautorei a tribuna, se injuriei alguem ou se fallei ao respeito que deve haver para com uma corporação tão respeitavel?....

Se o illustre deputado se injuria ou se julga injuriado por uma prophecia lisonjeira que eu lhe prognostico, qual a de chegar a macobrio, eu repito a prophecia. Eu o que desejava, removendo para Lisboa o conselho superior, era que os membros do conselho viessem disfructar no ultimo quartel da vida, em sua ancienidade as delicias de Lisboa, terra mais commoda, mais aprazivel, mais deleitavel, para que vissem aqui discorrer-lhe mais remansado e mais rodeado de confortos, o ultimo periodo da existencia humana. Ora quem exprime estes votos tão favoraveis são proximo, não merecia que se traduzisse este seu desejo em favor do homens, como uma offensa e desacato a uma auctoridade. Pois foi isto o que eu disse.

Eu já disse cousas muito severas ao conselho superior, já disse que respeitava o caracter e a sciencia de todos e cada um dos seus membros; mas como instituição e do modo por que se acha actualmente, considero-a como um anachronismo, como uma excepção á regra de toda a administração publica, e hei de continuar a combater com todas as minhas forças um similhante tribunal, em quanto não tomar as dimensões proprias de uma corporação puramente consultiva, em quanto não tiver a sua séde junto ao ministerio do reino.

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Quanto á confusão que o illustre deputado faz sempre entre o conselho superior e a universidade ha de permittir-me lhe declare que eu não posso de modo algum admitti-la: não posso permittir que confunda uma aggregação de professores com uma corporação administrativa que nada tem de ensinante, nada tem de instructiva, nada tem de commum com o professorado: faço esta nota preliminar a este discurso o a todos os discursos que possa pronunciar na minha vida no parlamento, na imprensa e em Ioda a parte, contra o conselho superior. Todas as vezes que eu fallar no conselho superior de instrucção publica, quero entender por esta palavra, uma corporação investida de formalidades, umas rasoaveis, outras abusivas e outras absurdas, que lêem a sua séde em Coimbra e que eu desejo por bem da instrucção publica, e por consideração d'este paiz, que passe a residir na. capital. Com esta nota preliminar parece-me ler explicado bem as minhas idéas.

Agora só me resta responder a este repto formal e tremendo com que o illustre deputado me ameaçou, não na minha qualidade de deputado, qualidade em que eu aqui unicamente figuro e na qual desejo que me reconheçam aqui os meus collegas; mas na minha qualidade de professor, com que a camara e os seus deputados nada têem que ver n'esta occasião.

Quando o illustre deputado me quizer accusar da minha ignorancia no professorado, mesmo pela auctoridade dos seus annos, eu hei de receber as advertencias e censuras com a docilidade com que toda a gente que me conhece sabe que eu recebo as advertencias e mesmo as excommunhões que possa merecer pelos erros da minha vida publicas particular; mas não acho proprio dos desforços parlamentares que devem referir-se unicamente aos assumptos, que se debatem n'esta casa, o recorrer a represalias intempestivas que porventura podem ser trazidos com signaes de despeito, e que similham estas vindictas infantis em que duas creanças ao saír de uma escola primaria, vem reptar-se para o dia seguinte diante das auctoridades mais respeitaveis, intelligentes e conspicuas, para mostrarem uma á outra a superioridade da sua perspicacia. e a melhoria da será condição nos difficeis arcanos da cartilha.

Disse o illustre deputado que eu não era capaz de lhe dar muitas novidades sobre a sciencia, que eu o elle professávamos, eu sou em verdade, humillimo cultor das letras o das sciencias; não dou certamente novidade alguma ao illustre deputado, mas estou resolvido » receber todas quantas me quizer dar, porque eu sou em extremo curioso, curiosissimo de novidades, e de novidades scientificas muito mais. Os meus amigos sabem perfeitamente que ama grande parte da minha vida passa-se entregue a um lai ou qual cultivo intellectual, e segundo a sofreguidão com que sempre estudo, mesmo ás vezes á costa da minha saude, está claro que desejo sempre receber doutrina e instrucção, sobretudo da bôca auctorisada do illustre deputado, e para mim é mais facil e commodo receber a boa doutrinação ouvindo-a, de que havendo de ir colhe-la nos livros. Por consequencia submettendo-me á profunda auctoridade do illustre deputado e á sua censura, permitta-me s. ex.ª que eu lhe annuncie desde já, que hei de ser implacavel contra o conselho superior, não como corporação, não como conjuncto de homens, mas como instituição; e quando eu aqui levantar a minha voz para fulminar os abusos (festa viciosa e caduca instituição lenha o illustre deputado entendido, que fico desfie já dispensado, á vista d'estas explicações categoricas, de lhe dar quaesquer outras, salvo se eu por infortunio soltar alguma expressão quo directa ou indirectamente possa offender o illustre deputado. A camara sabe que faço muita diligencia por ser urbano e cortez com os meus collegas, mas o que elles não me podem prohibir é que pense como quero, que me explique de certo modo, que falle por imagem quando o posso fazer, porque emfim estou habilitado a fallar d'este modo, isto não e merito nenhum; fallo mal. reconheço que não sou orador, mas ninguem lera direito de me apresentar uma palheta oratoria e dizer-me: «Não use da metaphora porque me irrita os nervos; não use da hyperbole porque me faz hemicranca.» Eis-ahi o que eu não admitto; hei de fallar como entender, hei de ser um cidadão obediente ás leis, com a condição de que hei de fazer rhetorica por minha conta e risco sem censura de nenhuma auctoridade superior, nem administrativa, nem legislativa, nem consultiva.

Discurso que devia ler-se ii a sessão nº 21 d’este vol. pag. 257, col. 1.ª, lin. 25,

O sr. Latino Coelho: — Sr. presidente, eu linha hontem | pedido a palavra a v. ex.ª para mandar para a mesa um additamento, ou não sei como em boa jurisprudencia-parlamentar se possa chamar, o qual linha por. fim conciliar as duas opiniões que haviam vogado na camara ácerca das habilitações que se deviam exigir aos candidatos á cadeira creada por este projecto.

O nobre deputado meu amigo o sr. José Estevão, fez bem sensatas ponderações para demonstrar a necessidade que ha de que os candidatos á cadeira quo nós vamos crear, estejam habilitados com conhecimentos praticos e especiaes das doutrinas que são encarregados dê ensinar, e corroborou esta opinião com a circumstancia muito attendivel de que nem sempre os conhecimentos theoricos são bastantes para desempenhar o professorado em sciencias que são de rigorosa e immediata applicação.

Havia tambem vogado uma outra opinião diversa d'esta, e era que, para evitar os abusos que podiam dar-se no provimento d'esta cadeira, para tirar ao poder ministerial o arbitrio de que costuma cercar-se quando a lei não lhe fecha todas as portas fiara a arbitrariedade e favoritismo, convinha tambem que se não inserisse na lei circumstancia alguma que podesse de algum modo prestar-se a interpretações latitudinarias, e dar largas ao arbitrio dos jurys de exame, e ás predilecções ou repugnancias do governo.

Parece-me que nenhuma d'estas opiniões, como estavam formuladas no debate de hontem, póde ser aceitavel. Nós vamos legitimar a existencia de uma cadeira que já existe na escola do exercito ha nove annos, que era reclamada desde muito tempo pelas necessidades do nosso serviço, que devia até certo ponto substituir, ainda que imperfeitamente, um curso regular de pontes e calçadas, uma escola de engenheria civil, cuja falla nós todos hoje deplorámos, sem nos atrevermos, nem aquelles que podemos muito, nem aquelles que podemos pouco a tomar a iniciativa n'um assumpto de tanta ponderação E tratando nós de legalisar a cadeira que já existe, é claro que devemos tomar todas as precauções, recorrer a todos os expedientes, para que as pessoas que forem providas n'este logar possam desempenha-lo utilmente. Toda a camara sahe que é muito facil subir á cathedra professoral, explicar magistralmente as doutrinas mais complexas, as praticas mais difficeis, os processos mais complicados, sem que comtudo d'esse ensinamento resultem as vantagens que se devem esperar de uma cadeira destinada a uma profissão essencialmente pratica, como é a engenheria civil.

Eu, sr. presidente, declaro sem grande immodestia á camara, sem grande jactância, que apesar deque outros estudos, outras vocações me tenham desviado de exercer praticamente a minha profissão de engenheiro, se fosse provido na cadeira que actualmente traiamos de legislar, havia de subir decorosamente á cadeira magistrar, havia de explicar quanto coubesse nas minhas forças, mas talvez por uma maneira que não deslustrasse o magisterio tudo quanto se exigisse na apparencia para formar um engenheiro civil, e comtudo, sr. presidente, a minha modestia não se offende, pelo contrario a minha, consciencia tranquillisa-se com a confissão de que apesar de ser engenheiro, pelo pouco ou nenhum exercicio que tenho dos officios praticos da minha profissão, visto que tenho passado a minha vida publica, a minha vida

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official na cadeira professoral, se fosse encarregado de uma obra, havia de lutar com immensas difficuldades, de que a theoria simplesmente, desajudada da observação, desacompanhada da pratica, desauxiliada dos processos mechanicos com que se executam as obras, não me poderia de certo afastar nem remover. Por consequencia desde o momento em que vamos estabelecer uma cadeira de construcção, é necessario que tenhamos a certeza de que o professor ha de não só explicar o que vê nos livros, mas ha de auctorisar essa explicação com exemplo do seu paiz, com exemplos propriamente seus, com a auctoridade da sua experiencia, ha de fazer entrar pelos ouvidos dos alumnos, aquillo que lhe lenha entrado a elle pelos olhos.

Sr. presidente, eu vejo no projecto que se discute mais algumas cousa do que a simples legalisação de uma cadeira na escola do exercito. A cadeira não está decretada, mas a sua existencia, por assim dizer furtiva, por assim dizer subtrahida durante muitos annos á sancção parlamentar, foi o resultado de uma necessidade imperiosa, de uma necessidade urgentissima que desde muito tempo se sentia no ensino da nossa engenheria. Nós, sr. presidente, nunca tivemos nem temos hoje, o que é lastima, o que é deploravel confessar-se no anno de 1858, nunca tivemos uma escola onde se habilitassem os engenheiros civis destinados ás construcções e aos trabalhos publicos. Nós temos constantemente encarregado os engenheiros militares de desempenhar, a par dos trabalhos privativos-da sua profissão, todos aquelles que nos paizes ainda os menos adiantados, competem a uma corporação especial, habilitada-em escolas especiaes, com tendencias, com índoles, com fins, com planos de estudos inteiramente differentes daquelles que seguem as escolas que habilitam para engenheria militar.

Eu, sr. presidente, tenho ouvido encarecer felizmente desde muitos annos no paiz, a necessidade que temos de obras publicas em grande escala. Nós lemos ouvido fallar da necessidade de melhorar os nossos portos de mar; da necessidade de construir boas estradas, da necessidade de seremos nossos engenheiros encarregados da construcção de caminhos de ferro para[cuja predilecção, e quasi que idolatria, a opinião publica se tem movido favoravelmente estes ultimos annos, de que dou graças a Deus e dou graças ao espirito civilisador e illustrado que tem n'estes ultimos tempos presidido, com raras excepções, aos homens que têem estado á frente dos negocios publicos; e admira que n'um paiz onde as obras publicas, depois de um profundo lethargo, depois de uma syncope prolongada de toda a iniciativa parlamentar e executiva, começaram a excitar como que um movimento febril, não lenha havido ninguem que se lembrasse de que junto ao novo trabalho industrial que se ía exercitar no paiz, eram precisos os trabalhos da sciencia, que são os engenheiros, assim como eram precisos os trabalhadores do alvião e da enxada, que são os operarios. Nós temos obras publicas em escala sufficientemente elevada ha já uns poucos de annos, e comtudo não me consta ainda que ninguem tomasse a iniciativa de reconhecer a necessidade de um corpo de engenheiros de pontes e calçadas, e isto admira principalmente quando considerarmos que estamos no meio de um grande movimento industrial, que estâmos vivendo n'uma atmosphera impregnada de todas as exaltações pelos melhoramentos materiaes do nosso paiz, e quando considerarmos, que ainda nos paizes menos adiantados existem corpos profissionaes de pontes e calçadas educados em escolas privativas. Ora no projecto quo actualmente se discute vejo mais, como dizia ha pouco, do que a legalisação de uma despeza que até aqui se tinha feito, sem que tivesse havido grande ceremonia em a submetter á sancção parlamentar. Eu vejo n'isto o germem de que ha de saír em tempos mais ou menos remotos, uma escola de construcções civis, uma organisação hierárquica do corpo encarregado das mesmas construcções e a sua emancipação e independencia de um corpo technico que pela natureza especial das suas funcções não póde ser investido pela cegueira dos homens publicos, pela auctoridade da rotina, pela obstinação das tradicções, em uma especie de sacerdócio encyclopedia com obrigação de saber tudo, com obrigação de fortificar praças, com obrigação de entender de obras hydraulicas que se empregam na defeza dos pontos fortificados, com obrigação de entender de malas e florestas, com obrigação de entender de caminhos de ferro, com obrigação de melhorar as estradas, com obrigação em fim de ser elle só como que o braço direito e os olhos da administração em tudo quanto se refere aos melhoramentos materiaes vastíssimos de que um paiz tem necessidade.

E, sr. presidente, porque eu vejo aqui a aurora, ainda que frouxa, apenas denunciada por debeis luzeiros, da organisação especial d'este serviço, pretendia cercar esta lei de prescripções taes que podessem de algum modo assegurarmos, que quando os poderes publicos acordarem do seu lethargo, quando quizerem por uma vez saír da preguiceira de que fallou o sr. José Estevão, e lembrarem se que vivem no seculo XIX, n'essa occasião nós tivessemos já estabelecida a tradicção da escola, ainda que elementar, de pontes e calçadas, para que depois quando quizessemos fazer essa independencia e separação, tivessemos alguma cousa que separar e tornar independente. Eis-aqui porque eu desejo que os candidatos chamados a este magisterio provem, alem de todas as outras condições que pelo regulamento da escola lhes são exigidas, que exercitaram trabalhos de construcção dentro do paiz ou fóra d'elle, pelo menos durante dois annos. Esta habilitação não favorece de modo nenhum as predilecções nem de uma corporação decente á qual se faz o exame, nem do ministro que tem que despachar em ultima instancia. Pela proposta do sr. José Estevão, havia a receiar que a modificação a introduzir na lei podia trazer um grande mal, que era encarecer por uma disposição legislativa esta tendencia, que lemos no nosso paiz para nos esquecermos da lei, para nos lembrarmos com mais facilidade da nossas complacencias, das nossas amisades, dos nossos sentimentos, dos nossos compadrios, e de todas estas paixões, affectos, impressões e movimentos que ordinariamente costumam occupar a vista, para que nós não vejamos a letra expressa da lei, quando ella é clara e terminante. (Apoiados,) Supponhamos que ámanhã se abria o concurso da escola do exercito; appareciam dois ou tres candidatos, estes dois ou tres candidatos, por uma disposição anterior á sua concorrencia a este acto publico demonstraram que tiveram pelo menos dois annos de exercicio em serviço de construcção publica; nenhum d'estes tres candidatos ficaria por esta habilitação, a todos commum, preferido a outro. O conselho da escola diz a cada um d'elles: «Podeis subir á cathedra professoral e vir aqui fazer o vosso primeiro exercicio». Mas é claro que a preferencia não póde ser estabelecida senão pelas condições exaradas no programma do concurso, e não pelo tempo de serviço de obras publicas, especie de noviciado pratico, que deve habilitar o professor. Sabemos, por exemplo, que nenhum bacharel póde ser chamado a concorrer ao logar de delegado, sem ler pelo menos dois annos de advogado, de frequencia nos auditorios, dois annos de tirocinio pratico, e ainda para este logar o concurso é determinado por lei. (O sr. Nogueira Soares: — É por um decreto.) Permitta-me a camara que eu aproveite este áparte para dizer, que em Portugal quasi nunca se legislou senão em dictadura, e por decretos, esta é que é a verdade; sobre instrucção publica, sobre os negocios mais momentosos e mais graves do estado, não me lembra, sr. presidente, desde o tempo em que eu tomo logar n'esta camara, e mesmo daquelle em que concorria ás galerias para assistir aos debates parlamentares, não me lembra de ler visto que o parlamento tomasse nenhuma medida grande e rasgada, a não ser em assumptos que prendam unicamente com a politica; o unico exemplo, e esse exemplo reflecte tambem em meu favor, e quero tambem participar dos louros d'essa gloria; o exemplo mais notavel de um assumpto de alta administração, em que se não achavam envolvidos os interesses politicos, e discutido amplamente n'esta casa, é a lei do recrutamento, (Apoiados.) que apesar de ter sido feita com

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a mais discreta minuciosidade, depois de duas ou tres vezes refundida, e de ler andado em jornadas repetidas, em audiencias das differentes commissões da camara, ainda ouço que por ahi levanta queixumes contra si; que é a meu ver a primeira lei democratica, talvez, que tenham feito as assembléas legislativas em Portugal; (Apoiados.) mas é exactamente por isso que os velhos capitaes morés, resurgindo em espirito e em carne, cingidos com a facha bicolor de alguns administradores de concelho, e de outras auctoridades propostas ao recrutamento, tem vindo levantar resistencias o attritos em nome das complacencias, dos favores, das amisades, de relações particulares, vindo a annullar em grande parte aquillo que nós tinhamos feito, com a mais alta discrição, e sem a influencia de opiniões politicas. (Apoiados.)

Perdoe-me a camara a digressão: eu fallo poucas vezes; costumo como que capitalisar as minhas idéas, e quando chega o momento em que v. ex.ª me concede a palavra, sempre se apresenta alguma difficuldade; parece tambem que o regimento se inventou para me contrariar; (Riso.) já o meu amigo o sr. José Estevão fez aqui a autopsia curiosa do regimento; mas parece-me que elle se inventou para me contrariar. Peço ás vezes a palavra, e não me chega porque o regimento se oppõe, outras vezes porque assim o determina o acaso, e outras finalmente porque me vem tirar a palavra uma outra força que tambem me persegue a qual e a materia discutida; (Riso.) e por isso eu peço desculpa á camara, se quando chego a tomar conta da palavra, abuso alguma cousa da paciencia dos meus collegas. Mas eu vou terminar já, e voltarei ao assumpto principal d'esta minha observação. Creio que ninguem póde impugnar judiciosamente; (Uma voz: — Póde.) poderá impugnar judiciosamente, então direi impugnar com apparencia de rasão; póde-se impugnar com sophismas, com ardis logicos, emfim com todos os recursos e artificios que a dialéctica nos fornece; mas creio que com boa apparencia de rasão ninguem póde impugnar que n'esta lei se deva estabelecer uma provisão que lenha por fim assegurar um ensino mais proficuo das construcções civis, exigindo dos candidatos ao magisterio um tirocinio pratico em obras publicas. D'este modo remediaríamos, ainda que imperfeitamente, a uma grande necessidade, a de crear um instituto destinado ao ensino da engenheria civil; necessidade que todos reconhecem, e que eu seria o primeiro a prover de remedio apresentando um projecto de lei, se eu acreditasse na iniciativa parlamentar. Esta ella consignada na carta constitucional; mas eu já ouvi dizer ao meu amigo, que' está aqui proximo nos bancos do ministerio, quando leve a complacencia de discutir comigo o anno passado em um pequeno incidente parlamentar, que na carta estavam muitas provisões que era impossivel cumprir.

Eu creio que a iniciativa parlamentar é um presente offerecido áquelles que são encarregados de representar os interesses populares; é um presente revestido das apparencias mais magestosas, em virtude do qual parece que um membro do parlamento póde á sua vontade mudar n'um dia o modo de existencia da sociedade; mas se se for examinar bem (permitta-se-me que use de uma comparação plebea) a iniciativa parlamentar parece um pastel de folhado que não vale nada; porque não ha dentro d'elle cousa nenhuma substancial. Eu já apresentei tambem projectos de lei. Já este anno apresentei um projecto de lei destinado a preencher uma deploravel lacuna da nossa administração ministerial para organisar um serviço importantissimo, deixado até hoje na mais lastimosa anarchia e no mais reprehensivel desamparo. Fallo de um projecto de lei sobre a creação de uma direcção geral de instrucção publica, e de um conselho que-funccione junto d'ella. E o que succedeu? Nem impresso foi no Diario do Governo. E antes de voltar ao assumpto e de abandonar tambem esta digressão, que nos levaria muito longe este debate, permitta-me a camara que eu lhe dirija n'este momento uma parenese em favor da instrucção publica. Porque não celebraremos nós as justas da civilisação intellectual no campo neutro, onde não cabem as dissidências dos partidos? Porque não trabalharemos em commum para que se funde um systema racional de instrucção publica? Eu desejaria que nós todos, esquecendo uma vez ao menos todas as procedencias politicas, Iodas as lulas de partido, todas as recriminações mais ou menos facciosas, nos entregássemos a uma especie de banquete familiar em que todos nós manifestássemos as nossas opiniões, e que o objecto d'este festim fosse a instrucção publica. Não ha voto mais innocente, menos revolucionario, nem mais discreto do que este.

Pois apesar d'isto, nunca vi n'este paiz que se tomasse a serio uma questão que é das mais importantes e mais graves em Ioda a parte onde a civilisação se não vê por uma só das suas faces, mas se encara, reconhece e estuda pelo lado material, e pelo lado intellectual se não abandona á cegueira da tradição, á incuria da rotina.

Como eu espero, pois, que d'este pequeno rudimento de escola de construcções civis, que estâmos agora estabelecendo, d'esta pequena barraca haja de surgir mais alteroso edificio, desejava que nós tomassemos as precauções convenientes para que os professores chamados por esta lei á nova cadeira que vamos crear, sejam habilitados de modo que possam desempenhar a sua missão, como um professor deve explicar doutrinas que se traduzem em praticas' uteis e em processos de applicação.

Quem tem aberto os livros que dizem respeito á especialidade de construcções, sabe que ha cousas muito difficeis de entender nos livros: que n'uma pedra mesmo é muito difficil mostrar os detalhes da construcção de um caminho de ferro. Expliquem-se todas estas cousas sem que o professor tenha a consciencia intima de que as viu, sem que as represente na sua intelligencia; vae elle apenas para ali decorar e papaguear uma lição que aprendeu nos livros, como muito bem disse o sr. Thomás de Carvalho: que amplifique e enfeite as suas lições com todas as bellezas da rhetorica. Depois de todos os esforços oratorios quo elle empregue quando o alumno for mandado fazer um projecto de caminho de ferro, um nivelamento, a construcção de uma ponte, hão de ainda soar-lhe aos ouvidos os pensamentos conceituosos que na cadeira lhe ensinava o professor, mas a pratica ha de lhe mostrar grandissimos inconvenientes, ha de lhe mostrar que tem immensos obstaculos com que lutar e a que se oppor, e todos elles devidos á deficiencia do ensino que recebeu na escola.

E aproveito a occasião de estar presente o meu amigo o sr. visconde de Sá, que dirije a escola do exercito, para lho lembrar que só n'esta cadeira que vamos crear é necessario que a instrucção seja essencialmente pratica, principalmente tendo nós junto de Lisboa grandes trabalhos de construcção, de construcções civis, assim como para lhe lembrar que será tambem conveniente attender a que o ensino das sciencias propriamente militares na escola do exercito tome novo desenvolvimento pratico, o que não é possivel conseguir com o mais do que modesto simulacro e campo de instrucção militar, a que eu ainda tive a honra de assistir como alumno daquella escola; campo em que eu, certamente, me distrahia das locubrações escolasticas do anno lectivo, mas que nem me habilitava a mim para desempenhar em consciencia as funcções do meu officio, e muito menos, note o illustre ministro da marinha, tornava habeis aquelles officiaes, que, destinando-se aos quarteis generaes, têem por missão o applicar, nas grandes operações de guerra, aquella parte das sciencias militares que dependendo de uma instrucção variadíssima, póde considerar-se como a synthese mais elevada dos conhecimentos militares, e sem a qual não póde existir um bom official do estado maior.

Sr. presidente, eu não posso deixar de fazer estas observações ao illustre ministro da marinha, porque sei qual o empenho e consciencia com que elle busca adiantar e promover as cousas que se referem á instrucção; e particularmente á instrucção militar. S. ex.ª mereceu-me sempre o maior affecto, a maior consideração, não só pelas suas virtudes, pelo seu valor attestado perenemente na honrosa mutilação do seu proprio corpo, mas principalmente porque a

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s. ex.ª se deve a nova direcção que tomaram os estudos scientificos em Portugal. Eu devo dizer ainda uma cousa, eu estou em opposição com s. ex.*, em opposição propriamente politica e administrativa em muitos pontos; mas quaesquer que sejam as dissidências que me separem do nobre visconde de Sá da Bandeira, quaesquer que sejam as divergencias de opinião que em assumptos politicos e em assumptos de administração possa haver entre mim e s. ex.', para mim elle esta completamente absolvido, illibado de Ioda a mancha e de lodoso peccado mortal na religião da politica, excepto daquelles que bradarem ao céu; mas esses dos que tenderem á reacção politica, espero eu que nem elle lenha occasião, nem pensamento, nem interesse de jámais os commetter. S. ex.ª para mim esta illibado de Iodas as excommunhões que lhe poderia comminar, por um grande monumento que deixou da sua primeira administrarão, creando em Portugal uma grande instituição destinada a ser o fundamento e a origem de todos os nossos melhoramentos na instrucção das sciencias exactas e applicadas. Eu não posso deixar de lembrar a s. ex.ª a grande conveniencia que ha em se attender ao estado em que se acha o ensino das sciencias militares, e desejaria que s. ex.ª voltasse para este ponto as suas idéas, a fim de ver se este ensino melhor se harmonisava com o que se pratíca nos paizes mais cultos, e em todas as potencias que têem a sua instrucção bem organisada. Eu lembraria, por exemplo, a s. ex.ª que a escola do exercito no centro da capital é um contrasenso militar difficil de justificar. Não comprehendo como a instrucção pratica de um official possa ser truncada, escolastica e incompleta, e como elle possa ao saír da escola, lendo apenas por peculio scientifico a farragem muitas vezes superflua das escolas, para as altíssimas commissões que lhe incumbem no desempenho das suas funcções militares. Eu desejava que o sr. ministro da marinha e o sr. ministro da guerra me dissessem como é que entendem que um official póde saír perfeitamente habilitado nos differentes trabalhos praticos da sua profissão; como é que um engenheiro ou um artilheiro póde saber lançar uma ponte sobre um rio, como póde saber construir uma bateria, como podem fazer um cestão, que é, porque assim digamos, o A, B, C da fortificação á passageira, lendo apenas por theatro de todos os guerreiros simulacros um campo de cevada no campo de Ourique, que é aonde se estabelece o quartel general das operações propriamente militares da escola do exercito.

Ha entre nós certas praticas, certos erros administrativos de facil emenda, certas costumeiras velhas que denunciam que nós somos um povo essencialmente pertinaz, afferrados quanto póde ser ás antigas tradições, que nos entusiasmámos muito, que somos muito apaixonados, e que amámos muito o enthusiasmo, mas o enthusiasmo completamente esteril. Eu perguntaria senão seria mais conveniente sobre o ponto de vista do bem doestado, sem attender a considerações particulares, que a escola do exercito estivesse n'uma praça de guerra, junto a um rio, aonde se podessem fazer todas as experiencias e todos os trabalhos em que um official deve ser industriado em relação a passagem das aguas; junto, por exemplo, de uma pequena mata; n'um terreno que se prestasse aos trabalhos de reconhecimento tão indispensaveis para o serviço d'estado maior. E a proposito d'este corpo especial que em todos os exercitos civilisados occupa uma tão alta e brilhante posição, e desempenha tão importantes serviços, sendo como que os olhos intelligentes dos generaes que commandam, eu desejaria perguntar para que serve o corpo d'estado maior sem regulamento, sem funcções legaes, sem instrucção completa e pratica, quando nós vemos que os officiaes d'este corpo, sem que tenham a menor responsabilidade da ociosidade em que muitos d'elles os deixa o governo, passeiam pelas ruas, fazendo reconhecimentos, mas por sua conta e risco. (Riso.) E em quanto isto se passa vemos que se deixam abandonados completamente os trabalhos da defeza do paiz, que se não fazem reconhecimentos militares, que se não levantam cartas topographicas, que sendo a geodesia um dos serviços especiaes do estado maior, apenas existe um official do corpo do estado maior na commissão geodesica. (Apoiados.)

Eu faço estas considerações na ausencia do sr. ministro da guerra, mas na presença do sr. visconde de Sá, um dos generaes mais distinctos, e que reune uma bravura exemplar e heroica, (Apoiados.) um indefezo amor ao estudo e uma elevada intelligencia. Eu estou intimamente convencido que s. ex.ª poderá tomar na justa consideração estas palavras que lhe dirijo, ainda que não espero que d'aqui resulte a apresentação de proposta alguma que tenda a nenhum melhoramento n'este ramo de serviço publico. É porém conveniente que quando subimos á tribuna aproveitemos a occasião, para dizer ao paiz, que não tomâmos a responsabilidade de certos erros de administração, a que se dá por desculpa a pequenez de nossos recursos, porque eu não sei que mais despeza faça, para tomar um pequeno exemplo militar, que a escola esteja n'outra parte, ou na capital, no mesmo local do instituto agricola, de sorte que parece quo aquelle ar é apto para todas as especies de instrucção: ali se instruem agrónomos, abegões, trabalhadores agricolas, e na mesma casa, no mesmo torrão, na mesma atmosphera, e nas mesmas circumstancias se instruem artilheiros, engenheiros, cavalleiros, infantes e officiaes de estado maior. Succedem se os ministros da guerra naquellas cadeiras; (as do governo) os ministros da guerra são sempre levantados sobre os broqueis parlamentares e não sobre os do exercito, que os não possue; e apenas são annunciados para tomarem conta da pasta da guerra, apregoa-se logo que vem armados alô aos dentes de propostas e projectos a fim de reformar o nosso exercito, com o qual se gastam, direi de passagem, mais de 100:000$000 réis em despezas de administração superior e central, não sendo nunca o seu effectivo de mais de quinze mil homens. (Apoiados.) Chegados ao poder os ministros adormecem profundamente na cadeira ministerial, que é a ottomana mais bem estofada que se conhece em todo o divan do poder. O ministro que preside á acção mais energica da vida social, como é a acção militar, é aquelle que adormece mais profundamente, de modo que não ha esperanças nenhumas de que saiamos d'este estado. Se eu tivesse voz e auctoridade para denunciar á camara e ao paiz em cada dia um abuso, uma incorrecção, um erro administrativo, um mal publico, eu havia de provar ao mesmo tempo, que não é necessario fazer muitas reformas, augmentar o orçamento, porque dentro do orçamento ha meios para remediar e melhorar a administração em certos pontos; não direi para fazer grandes construcções publicas, caminhos de ferro, nem estradas, porque isso é impossivel sem augmentarmos os nossos recursos pecuniarios; mas para effectuar certas reformas, não é mister augmentar sequer um maravedi ao orçamento. E seja-me licito que aponte uma grande reforma que se podia fazer sem se gastar nada. Vou fallar da solução de um projecto de lei que ha dias apresentei á camara, e que ella não sei com que malevolencia calculada contra a minha humilde pessoa, não deixou que se imprimisse no Diario do Governo, a fim de que os meus constituintes soubessem que não estou ocioso e inactivo no parlamento. (Vozes: — Foi uma deliberação que se tomou a respeito de todos, mas imprimem-se no Diario da Camara.) Pois, sr. presidente, eu declaro que nunca leiu o Diario da Camara, este respeito sou o mais analphabeto e o menos assiduo dos seus leitores.

O meu projecto tem por fim reformar o conselho superior de instrucção, e transporta-lo para Lisboa. Entendi, que como o conselho ultramarino, de que é presidente o nobre ministro da marinha, não está nem na Trafaria, nem em Val de Zebro, ou na Azinheira, aonde ha repartições navaes, mas sim no edificio do arsenal da marinha, que é a séde da administração central e superior de marinha; que como o conselho das obras publicas não celebra as suas sessões no aqueducto das aguas livres, que é o monumento mais grandioso das nossas construcções civis, mas sim no Terreiro do Paço, junto ao ministerio das obras publicas,

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digo, entendi por um espirito de analogia, que o conselho superior de instrucção publica devia estar junto ao sr. ministro do reino, que A pela lei actual o seu presidente; e não fiz mais do que unir de facto estas duas entidades que se acham separadas, apesar da ligação intima que entre ellas estabelece a lei.

Sr. presidente, eu insisto no meu projecto, e trouxe-o como exemplo á camara para fazer constar que o apresentei, visto que a camara lhe negou a entrada solemne nas columnas do Diario do Governo. Aproveito esta occasião especialmente para pedir ao sr. ministro da marinha, já que não esta presente o sr. ministro do reino, que como homem zelador, e amigo de todas as boas praticas que tendem a promover o melhoramento da instrucção publica, lembre ao sr. ministro do reino a necessidade de vir de vez em quando á camara não só responder a algumas perguntas que sobre assumptos da sua administração lhe desejam fazer alguns deputados, mas muito principalmente para emittir á sua opinião e dar o seu voto sobre os assumptos que estão commettidos á commissão de instrucção publica, que por muito empenho que tenha, na solução dos negocios que lhe incumbem, como a instrucção toca em muitos pontos de alta administração, não póde decidir os assumptos confiados ao seu exame sem a audiencia do sr. ministro do reino.

Discurso que devia ler-se na sessão nº 24 do vol. 5º de 1857, pag. 414, col 2.ª, lin 57.

O sr. Latino Coelho: — Tenho sempre grandissimo receio de fallar n'cesta casa em assumptos estranhos á minha profissão, principalmente quando tenho de succederão uso da palavra a homens eminentes nas finanças. Nenhuma conjunctura mais desfavoravel me poderia talhar a Providencia para eu entrar n'este debate, do que ler de seguir-me ao sr. ministro da fazenda, que a camara e o paiz lodo reconhecem como uma das mais luminosas illustrações na fazenda nacional, nas sciencias e nas praticas que se referem a este ramo do serviço publico. Eslava já profundamente lamentando a sorte que me tinha imposto a ordem da inscripção, quando cobrei novo animo e brios sufficientes para entrar na discussão, ao ver que o sr. ministro da fazenda dava um testemunho de que nem sempre é infallivel n'estes assumptos, em que é Ião perito e conhecedor, e nos offerecia testemunhos para que podessemos reconhecer e avaliar que a sua intelligencia financeira não tinha aquelle esplendor sobrenatural que eu até ha muito pouco tempo me comprazia em lhe attribuir.

Eu vi que o illustre ministro, durante o discurso do meu nobre amigo, o sr. Casal Ribeiro, ácerca de um assumpto um pouco importante do orçamento, tinha tido uma daquellas hesitações que são vulgares em s. ex.ª Reconheci que succedia na tribuna, não a uma entidade sobrenatural n'este assumpto de finanças, senão a um homem sujeito as fragilidades communs aos financeiros, e tão vulnerável nos seus erros que n'esta occasião deplorei que s. ex.ª não tivesse estudado mais profundamente este assumpto, e dão tivesse podido evitar, com aquella perspicacia que lhe é familiar, uma objecção que lhe dirigiu o meu illustre amigo, o sr. Casal Ribeiro, e a qual toda a sciencia do nobre ministro não foi bastante para destruir ou attenuar.

Na minha pouca proficiencia nos assumptos financeiros, limitar-me-hei, nas palavras que vou proferir, a fazer uma analyse de alguns pontos que eu julgo mais essenciaes, do relatorio que precedo o orçamento do estado, tal como elle é apresentado ao debate, pela commissão de fazenda d'esta camara.

É mau fado da commissão de fazenda que ella venha sempre collocar-se n'esta casa em uma situação desagradavel para tila, e que não depõe muito favoravelmente da discreta meditação, da coragem civica e da patriotica dedicação com que esta illustre commissão se propõe a remediar os males do estado. Na ultima discussão que houve n'esta casa tivemos occasião de observar que a commissão de fazenda, apresentando um projecto á discussão da camara, o tinha redigido de tal sorte que não havia entre ella e o governo aquelle accôrdo que era para desejar em assumpto tão grave e momentoso. Vemos agora, começámos a vê lo desde já n'esta discussão com mais evidentes provas, que não ha uma verdadeira connexão e harmonia entre o pensamento da illustre commissão de fazenda e os pensamentos actuaes e principalmente os pensamentos antigo dos cavalheiros que constituem aquella commissão.

Quando eu lancei os olhos para este relatorio que me proponho examinar, imaginei que a commissão de fazenda, depois de ler divagado por todas as regiões e provincias do serviço publico, e ladeado com o zelo e intelligencia que lhe são habituaes, todas as ulceras do orçamento e diagnosticado os males a que é preciso prever de prompto e efficaz remedio, duvidou das suas forças para applicar os específicos a estes males que ella mesmo reputa aggravados pelas delongas e palliativos da medicina financeira.

Vemos que a commissão vem em tom flébil e lacrimoso dizer que a administração publica está lastimada de irregularidades e que é preciso acudir com energicos remedios a tão dolorosa e afflictiva situação. Vemos que ella tem em grande parte uma theoria de opiniões antigas dos srs. ministros da fazenda e obras publicas; vemos que a commissão vem pezarosa e angustiada, vestida de saco, cingida de cilicio, com a cabeça coberta de cinza, encarecer em phrase sentida e em tora elegíaco, a gravidade dos achaques administrativos, mas vemos ao mesmo tempo que estes reformadores decididos e energicos, estes demolidores que na opposição tanto clamavam pelas reformas, se não atreveram agora a arremetter com os abusos que deploram, fallaram-lhes as forças para formular e defender essas reformas suspiradas; vemos a commissão como que aterrada e exânime, procurando afastar quanto possivel a vista de espectaculo tão pungente e enternecedor, tão feito para lagrimas amargas como é aquelle que descreve no seu relatorio sentimental. N'este papel estâmos admirando muitas mostras de compunsão, muitas demonstrações de sentimento e de pezar, em presença do estado deploravel em que se acham, não só a fazenda publica, mas muito principalmente os differentes serviços do estado, que urge instantemente reformar. Observámos depois com magoa que o relatorio não é mais nada do que a indicação fugitiva dos differentes melhoramentos que a commissão se limita a recordar ao governo, nem comtudo lhe exigiu penhor algum do seu cumprimento; porque é sabido que as ameaças n'estes casos nada valem; e apesar da pouca pratíca das cousas parlamentares, eu sei que os relatorios mais carrancudos e intratáveis são sempre aquelles que mais se dobram ás complacencias, mais se pagam das desculpas do governo, e mais se acurvam ás flexibilidades da opinião. Vejamos de quem é composta esta commissão de fazenda, e quem são os membros do governo a quem se referem especialmente as lastimosas indicações que ella, previdente mas submissa, vem depor como offerenda patriotica aos pés do gabinete. A commissão é composta na sua maxima parte dos homens que pugnaram por longos annos pelas mais severas economias; é composta daquelles cavalheiros que durante uma prolongada campanha de opposição estiveram accusando o governo, que oppugnaram, e a camara a que vieram succeder, pelas suas prodigalidades, porque não realisavam as economias que, segundo elles, eram faceis de conceber e praticar. E quem são os homens que estão hoje á frente do governo e dm que essa commissão deposita a sua confiança prestando lhe o seu apoio? São os que mais opposição fizeram ao governo, que substituiram, porque não se arrojava enthusiasta e aventureiro em demanda de sonhadas economias.

É o sr. ministro da fazenda que nós vimos constantemente afadigar-se em negar a opportunidade das medidas de fo-

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