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SESSÃO DE 3 DE FEVEREIRO DE 1874

Presidencia do ex.ª sr. José Marcellino de Sá Vargas

Secretarios, os srs.

Francisco Joaquim da Costa

Silva Ricardo de Mello Gouveia

SUMMARIO

O governo apresenta uma proposta de lei para ser convertido em definitivo o contrato provisorio celebrado entre a camara municipal da cidade do Porto e a companhia portuense de illuminação a gaz, para a illuminação da mesma cidade — Apresentação de umas representações da camara municipal do concelho de Valle Passos e habitantes de freguezias a elle pertencentes, tendendo a mostrar que o administrador d'aquelle concelho não teve cumplicidade no attentado referido pelo sr. deputado Luciano de Castro, na sessão de 8 de janeiro, provoca allusões da parte do sr. deputado Cunha Monteiro contra o juiz de direito da comarca, e defeza d'este magistrado por parte dos srs. deputados Falcão da Fonseca, Luciano de Castro e Barros e Sá — Ordem do dia: approvação do parecer n.º 7 (pertence ao n.º 24, de 1873); continua a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 72, de 1872, que extingue a engenheria districtal.

Chamada — 40 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Cerqueira Velloso, Boavida, A. J. Teixeira, Pinto de Magalhães, Falcão da Fonseca, Carlos Ribeiro, Pinheiro Borges, E. Tavares, Vieira das Neves, Gonçalves Cardoso, Francisco Costa, Candido de Moraes, Assis Pereira de Mello, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Matos Correia, Maia, Bandeira Coelho, Klerck, Dias de Oliveira, Guilherme Pacheco, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Moraes Rego, Sá Vargas, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Luiz de Campos, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, Pedro Jacome, Ricardo de Mello, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Entraram durante a sessão — os srs.: Adriano Machado, Adriano Sampaio, Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Albino Geraldes, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Barros e Sá, Arrobas, Sampaio, Telles de Vasconcellos, Carlos Bento, Claudio Nunes, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Lampreia, F. M. da Cunha, Guilherme de Abreu, Quintino de Macedo, Palma, Franco Frazão, Melicio, Mamede, Dias Ferreira, Lobo d'Avila (José), J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Menezes Tosto, Lourenço de Carvalho, Camara Leme, Pires de Lima, Alves Passos, Pinheiro Chagas, Paes Villas Boas, D. Miguel Coutinho, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Visconde da Arriaga, Visconde de Moreira de Rey.

Não compareceram á sessão —: os srs.: Agostinho da Rocha, Soares e Lencastre, Correia Caldeira, Barjona de Freitas, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Saraiva de Carvalho, Zeferino Rodrigues, Barão do Rio Zezere, Conde de Villa Real, Correia de Mendonça, Pinto Bessa, Silveira Vianna, Van-Zeller, Silveira da Mota, Perdigão, Jayme Moniz, Santos e Silva, J. J. Alcantara, Lobo d'Avila (Joaquim), Baptista de Andrade, Costa e Silva, Nogueira, Affonseca, Rocha Peixoto (Manuel), Thomás de Carvalho, Visconde de Valmór.

Abertura — Á uma hora da tarde

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Representações

1.ª Da camara municipal do concelho de Mondim de Basto, contra o decreto de 23 de dezembro de 1873.

2.ª Da camara municipal do concelho de Goes, no mesmo sentido.

3.ª Da camara municipal do concelho de Coruche, pedindo a approvação do projecto de lei apresentado pelo sr. deputado José Luciano, ácerca dos julgados.

4.ª Dos escripturarios da repartição de fazenda da comarca de Lamego, pedindo augmento de ordenados.

5.ª Dos escripturarios das repartições de fazenda de Estarreja e Ovar, no mesmo sentido.

6.ª Dos escripturarios da repartição de fazenda dos concelhos de Povoa de Lanhoso, Cabeceiras de Basto, Vieira e Terras do Bouro, do districto de Braga, no mesmo sentido.

7.ª Do official, aspirantes de 1.ª e 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Portalegre, no mesmo sentido.

8.ª Dos pilotos do numero da barra do Porto, contra os artigos 92.° a 97.° do projecto do regulamento de pilotagem apresentado pelo governo na sessão passada.

9.ª Dos pilotos supranumerarios, pedindo a approvação do projecto do regulamento de pilotagem apresentado na sessão passada.

Foram enviadas ás commissões respectivas.

Notas de interpellação

1.ª Desejo interpellar a sr. ministro das obras publicas ácerca do estado em que se acha a companhia de credito predial.

Sala das sessões, 30 de janeiro de 1874. = Rodrigues de Freitas.

2.ª Peço ser inscripto para tomar parte na interpellação annunciada pelo illustre deputado o sr. Rodrigues de Freitas com relação ao estado em que se acha o banco hypothecario. = Arrobas.

Mandaram-se communicar ao governo.

Declarações

1.ª Declaro que por incommodo de saude deixei de comparecer na ultima sessão da camara. = Joaquim Gonçalves Mamede.

2.ª Declaro que por motivos justificados tenho faltado a algumas sessões da camara. — Visconde de Valmór. Inteirada.

SEGUNDAS LEITURAS Renovo a iniciativa do projecto de lei que apresentei na sessão legislativa de 1872, sobre a reforma da carta constitucional. = José Luciano de Castro.

O sr. Presidente: — Vae ter logar a primeira leitura do projecto de reforma da carta, apresentado no anno passado pelo sr. José Luciano de Castro e cuja iniciativa foi renovada por esta proposta. Leu-se na mesa o projecto.

O sr. Presidente: — A segunda leitura ha de ter logar na segunda feira proxima.

O sr. Ricardo de Mello: — Mando para a mesa uma representação dos escripturarios dos escrivães de fazenda de Castro Daire e Sinfães, que formam o circulo n.º 43, que tenho a honra de representar n'esta casa, pedindo ser equiparados em vencimentos aos aspirantes de 1.ª classe das repartições de fazenda.

O pedido d'estes empregados é de toda a justiça, por isso peço a V. ex.ª que dê a esta representação o competente destino, reservando-me para fazer mais algumas considerações quando se tratar d'este objecto.

O sr. Presidente: — Na qualidade de presidente d'esta camara foi-me enviada uma representação do concelho de Penedono, pedindo a revogação do decreto de 23 de dezembro ultimo. Como já passou n'esta casa o projecto n.º 4, vou man-

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dar esta representação para a secretaria e quando esse projecto for lei, será talvez conveniente remette-la ao governo para a tomar na consideração que merecer.

Tambem me foi enviada outra representação da camara municipal e quarenta maiores contribuintes de Valle Passos, acompanhada de identicas representações das freguezias de Jou, Curros, S. Bartholomeu de Agua Revés e Valverde de Esteveira, a elle pertencentes, tendendo a mostrar que o administrador d'aquelle concelho não teve parte alguma no attentado contra o juiz de direito d'aquella comarca.

Estas representações ficam sobre a mesa a fim de poderem ser examinadas pelos senhores que assim o quizerem.

O sr. Cunha Monteiro: — Resolvi proferir duas palavras com referencia ás representações que V. ex.ª acaba de annunciar á camara, que lhe foram dirigidas pela camara municipal de Valle Passos, pelos quarenta maiores contribuintes do mesmo concelho e por algumas das suas freguezias, quaes são Jou, Curros, S. Bartholomeu de Agua Revés e Valverde de Esteveira.

A camara está lembrada de que na sessão de 8 do mez passado o illustre deputado e meu amigo o sr. José Luciano de Castro, dirigindo-se ao sr. ministro do reino, lhe deu conta do uma carta que tinha recebido de Valle Passos ou do juiz de direito de Valle Passos, na qual lhe communicava que mal intencionados dispararam um tiro por uma janella do juiz de direito d'aquella comarca em direcção a um logar da casa aonde elle mais frequentemente costuma estar; que lhe incendiaram com petróleo a porta da entrada da casa, que affixaram pasquins incendiários e hostis ao juiz de direito e que (e aqui é o ponto do meu reparo) o administrador d'aquelle concelho tinha tal ou qual cumplicidade em taes attentados.

O nobre, recto e justiceiro ministro do reino ouviu e tomou na maior consideração estas palavras ditas por uma voz auctorisada, qual é a do sr. José Luciano, e deu as suas ordens promptas e determinantes, como costuma, e em satisfação d'ellas, mandou o governador civil do districto syndicar os actos do administrador, saíndo este para fera do concelho emquanto durar a syndicancia, que já começou no dia 28 do mez passado.

Eu não estava presente quando o sr. deputado José Luciano chamou a attenção do sr. ministro do reino para o conteudo da, carta que lhe serviu de incentivo, porque se estivesse, alguma cousa diria para esclarecimento do facto. Eu sou proximo de Valle Passos, tenho bens em freguezias limitrophes d'aquelle concelho e tenho lá muitos amigos e parentes; sei a historia do juiz desde o dia em que elle entrou para áquella comarca, as arguições que lhe têem feito e porque, o que motivou a desconfiança, que elle tem e que não deve ter, no administrador, as causas da impopularidade do juiz, as rasões porque os povos lhe não são affectos; sei o mau effeito que lá produziram contra o juiz as palavras ditas aqui pelo sr. José Luciano, e sei as rasões porque o juiz é lá olhado como um antigo corregedor.

Já vê a camara que estou ao facto d'esta questão e de ha muito conheço os seus prodromos. Quando hoje ao entrar n'esta casa perguntei a v. ex.ª, sr. presidente, se tinha para apresentar á camara algumas representações de Valle Passos, ao que v. ex.ª respondeu afirmativamente, é porque já sabia que algumas freguezias d'aquelle concelho, a camara municipal, representação d'aquelles povos, e os quarenta maiores contribuintes, corpo respeitavel, porque são indubitavelmente quarenta cavalheiros e quarenta independências, tinham dirigido a V. ex.ª os seus formaes e expontaneos protestos contra o que aqui se assacou ao seu digno administrador do concelho.

Reconhecendo os representantes, a V. ex.ª como o mais digno e o mais competente, pelo seu caracter, pela rectidão e illustração da sua consciencia, pelos logares que dignissimamente occupa, aqui presidindo a esta assembléa, alem, no supremo tribunal de justiça, o mais competente e o mais digno, disse eu e entenderam elles, para esmagar com o pé a serpe da falsidade e para exalçar a verdade com todo o seu explendor. Sei mais, sei que iguaes representações receberá V. ex.ª em breve de quasi todo Valle Passos. Sirva v. ex.ª esta causa, que é digna de si, é a causa da verdade e da justiça.

E attestam-no-lo estes nomes respeitaveis e respeitados que subscrevem esta representação. Haverá aqui quem ponha em duvida uma asserção formada por Filippe José Vieira, que não ha muito, e por vezes teve logar n'esta casa e muito estimado e querido pelos seus collegas (apoiados). Affirma-no-lo o sr. Manuel Taveira de Figueiredo Sarmento, o sr. José Marcello Ferreira de Castro, o sr. Francisco Antonio de Sousa de Moraes Sarmento, pessoas que eu conheço e respeito desde que sei conhecer e respeitar, o outros cujas assignaturas subscrevem a representação em pró do administrador e que muito bem conhecem a distancia que ha entre o proceder d'este cavalheiro como cidadão e como auctoridade, e as apprehensões que d'elle injustamente tem o juiz de direito. E elle juiz bem sabe porque as tem e eu tambem o sei, mas eu não venho aqui accusar, venho defender e para isso trago a verdade commigo e Deus é por ella.

Tenho visto artigos nos jornaes, em que o juiz é aggredido por actos da sua vida publica, e tambem tenho lido aquelles em que o juiz se pretende justificar, e comquanto revelem a intelligencia do seu auctor, que é intelligente, todavia o leitor conhece n'elles primeiro a filaucia que a justificação. Este meu modo do ver é confirmado por uns officios que elle dirigiu ao digno prelado de Braga, a proposito de uma pendencia que trazia com um padre, nos quaes elle juiz incluia umas insinuaçõesinhas, lembrando ao digno prelado o que lhe convinha fazer.

Concluindo, poço á camara que acredite, que o que aqui se disse na sessão de 8 do mez passado, relativo ao administrador do concelho de Valle Passos ter cumplicidade nos actos praticados contra o juiz de direito, é inteiramente falso, que o administrador do concelho é um cavalheiro incapaz absolutamente do praticar ou consentir que se praticassem similhantes actos, e que os cavalheiros que aqui, por meio de representações, nos vem dizer isto pela bôca do sr. presidente, são dignos de todo o credito.

Do juiz de direito nada direi, defendo o não accuso, já o disse, mas visto que em nome de uma carta particular se pediu a transferencia de uma auctoridade e se procedeu a uma syndicancia pelo ministerio do reino, não acharão demasia, que eu, em nome de representações tão authenticas e tão valiosas, peça para outra auctoridade o que for de justiça e uma syndicancia pelo ministerio da justiça.

Termino dando conhecimento á camara do um facto que já ha tempos tem logar em Valle Passos e tirem d'elle as illações que julgarem logicas. Esteve ali muito tempo, o não sei se ainda hoje ali se conserva, mas é provavel que sim, um destacamento de infanteria 13 (realmente pesado aquelle municipio) só para guardar a pessoa do juiz de direito. É força moral, que está moribunda, e pede vida á força physica. E um respeito que está nas bayonetas e não nas consciencias dos cidadãos, é finalmente o direito sem força que se apoia no direito da força. Ali ha symptomas de uma molestia moral. Onde existe ella? a syndicancia o dirá.

O sr. Eduardo Tavares: — Tendo eu pedido aqui umas poucas de vezes, que me fossem enviadas pelo ministerio da justiça as informações dadas pelos juizes de direito de Almada e de Aldeia Gallega do Ribatejo, a respeito da extincção dos julgados de Cezimbra o do Barreiro, devo declarar a V. ex.ª e á camara, que o sr. ministro da justiça fez favor de mandar essas informações, das quaes usarei opportunamente.

O sr. Falcão da Fonseca: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento de Antonio José

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Gonçalves, primeiro sargento do regimento de cavallaria n.º 4, que diz respeito a uma pretensão sobre a qual a respectiva commissão de guerra já deu parecer, mas que ainda não foi discutido. Não faço considerações nenhumas a este respeito, só peco a V. ex.ª que tenha a bondade de dar o destino conveniente a este requerimento e em occasião opportuna chamarei a attenção da camara para o assumpto a que elle se refere. Pois que estou com a palavra não posso deixar de dizer que ouvi com sentimento o que acabou de dizer o meu collega e amigo o sr. Cunha Monteiro, com relação ao juiz de direito de Valle Passos.

Ignoro, e não quero mesmo apreciar as rasões que s. ex.ª tenha para aggredir de um modo tão violento aquelle digno magistrado; parece-me, porém, ser sempre um pouco grave vir ao parlamento fazer accusações de tal natureza a um cavalheiro que não póde defender-se n'este logar (apoiados).

O sr. Cunha Monteiro: — Elle é que deu motivo a ellas.

O Orador: — Não sei mesmo que a relação do Porto tivesse direito para conceder a força que aquelle juiz reclamou...

O sr. Cunha Monteiro: — Isso é não querer comprehender o que eu disse; a relação não concedeu a força, mas reclamou-a.

O Orador: — Parece-me que s. ex.ª disse que a relação do Porto tinha concedido a força. Aquelle tribunal não era a auctoridade competente para isso; a concessão de qualquer força creio que tem logar entendendo-se a auctoridade administrativa com a militar para esse fim. Mas em todo o caso, o que eu devo dizer ao illustre deputado e a V. ex.ª, é que tendo a honra de conhecer aquelle cavalheiro, e honrando-me cem a sua amisade, não podia deixar do ouvir com sentimento o que disse o sr. Cunha Monteiro com relação áquelle magistrado, e devo assegurar a s. ex.ª e á camara que é um homem dignissimo a todos os respeitos, um juiz integerrimo e respeitado em todas as comarcas onde tem servido (apoiados).

O sr. Cunha Monteiro: — Como explica V. ex.ª a integridade d'elle?

O sr. Presidente: — Peço ordem.

O Orador: — Eu apresentando á camara e a V. ex.ª estas considerações não fiz mais do que cumprir com um dever de consciencia. O illustre deputado fica com a sua consciencia e eu fico com a minha, e o parlamento e o paiz avaliarão e apreciarão as nossas opiniões.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Francisco Mendes: — Na ultima sessão, por occasião da votação do projecto n.º 4, fiz a v. ex.ª um requerimento em duas partes: uma para que houvesse votação nominal sobre a generalidade do projecto, e outra para que fossem publicados no Diario do governo os nomes dos oradores que se achavam inscriptos quando se julgou a materia discutida. A primeira parte do meu requerimento foi satisfeita, mas não o foi a segunda. E por isso peço a V. ex.ª que consulte a camara sobre ella; que sejam publicados no Diario do governo os nomes dos srs. deputados que estavam inscriptos para fallar sobre o projecto.

Posto a votos este requerimento foi approvado.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Fornos de Algodres contra o decreto de 23 de dezembro de 1873.

O sr. Barros e Cunha: — A camara municipal de Albufeira encarrega-me de apresentar a esta parte do corpo legislativo uma representação contra a extincção dos julgados.

Peço a V. ex.ª que, apesar da representação ter chegado depois da lei estar votada, seja mandada imprimir no Diario do governo, conforme foi estabelecido para as representações que chegaram emquanto a lei se discutia, porque estando ainda o projecto dependente da approvação da camara dos dignos pares, creio que se deve continuar a observar a mesma regra de fazer conhecer as queixas que os corpos municipaes ou os povos têem para que seja definitivamente approvada e promulgada esta proposta de lei.

Eu disse por occasião de apresentar aqui a queixa do concelho de Aljezur, o que me pareceu digno de ser submettido á consideração de V. ex.ª e dos meus illustres collegas que têem assento n'esta camara.

Não venho agora nem posso vir fazer um discurso posthumo quando a lei está votada; entretanto direi a V. ex.ª que me parecem sobejamente fundados os motivos em que a camara municipal de Albufeira baseia a sua representação, e que a camara dos deputados não póde deixar de lhe dar a publicidade que ella merece, e a que tem direito, não só porque um dos argumentos apresentados pelo governo, para obter a approvação d'esta lei, foi de que ella já tinha sido votada uma vez no corpo legislativo, sem que houvesse representação alguma sobre ella, e portanto esta rasão que influíra e entrára no animo do governo para julgar que a medida era boa, tinha já perdido muito de sua importancia, porque as representações, apesar do projecto ter sido approvado, não deixam de ser dirigidas, ainda assim, ao corpo legislativo.

A camara de Albufeira dá como fundamento principal do seu aggravo o ver n'este acto legislativo um passo para a extincção dos concelhos, e creio que ella tem rasão. Não só a creação de novas comarcas, mas a mudança das sedes das comarcas existentes, que o governo foi auctorisado a fazer, hão de produzir necessariamente a extincção de muitos concelhos pequenos. De certo não se póde estabelecer uma circumscripção propria com dois centros divergentes para as relações diarias dos povos que têem necessidade de recorrer de um lado á cabeça da comarca, e de outro lado á cabeça do concelho. Alem d'isso, o governo, ficando auctorisado pelo artigo 25.º, apesar de ficarem extinctos pelo artigo 1.º os juizes eleitos e os sub-delegados junto dos juizes ordinarios, a levar á execução esta lei quando o gravame para os povos e o bom andamento da justiça o permittirem, fica indefinidamente preso a estes limites, e portanto deve ter em attenção as representações que fundadamente provem que tanto a commodidade dos povos, como a boa applicação da justiça, são directamente offendidas pelas disposições que aquella lei contém.

A camara bem vê que eu não podia ter a pretensão nem de censurar a sua votação, nem de influir em qualquer modificação que por acaso ella tenha de realisar se porventura aquelle projecto aqui voltar com emendas da camara dos dignos pares; sou porém obrigado pela minha posição de representante de um concelho, que é aggravado por aquelle projecto, a expor não só os fundamentos com que estes cidadãos reclamam, mas alem d'isso a justificar de alguma maneira a rasão por que não pude associar-me com a maioria da camara, para dar a minha approvação áquelle projecto de lei.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Mando para a mesa a seguinte proposta de lei: É a seguinte:

Senhores. — Terminando no dia 1 de setembro d'este anno o praso, pelo qual a camara municipal do Porto contratou a illuminação da cidade por meio de gaz, para o que foi auctorisada pela carta de lei de 23 de agosto de 1853, ajustou a camara com a mesma companhia, que actualmente está gerindo a empreza da illuminação, a continuação do contrato por igual praso de quinze annos, e com as condições, que se acham exaradas no accordo provisorio celebrado, entre a camara e a companhia, em data de 22 de janeiro ultimo, e que vae junto por copia.

Este contrato que, para produzir effeito, carece de ser approvado pelo poder legislativo, está, segundo parece ao governo, no caso de merecer essa approvação, pois que na maior parte contém disposições similhantes ás do contrato anterior, e, na parte em que d'elle se desvia, estão as alte-

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rações justificadas pelas circumstancias do tempo e pelas conveniencias do serviço municipal.

Uma só alteração parece conveniente introduzir nas condições do contrato, cuja approvação se solicita, e que e lembrada pelo conselho de districto na sua consulta ácerca do mesmo contrato.

Essa alteração, que é aceita pela camara e pela companhia, consiste em se declarar, em additamento á condição 23.ª, que prohibe a qualquer companhia ou individuo fornecer gaz para a illuminação, quer publica, quer particular, que esta prohibição não inhibe qualquer cidadão de estabelecer gazometros para seu uso proprio e exclusivo.

N'este sentido pois tenho a honra de submetter á vossa illustrada approvação a seguinte

Proposta de lei

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal da cidade do Porto a converter em definitivo o contrato provisorio para a illuminação da mesma cidade por meio de gaz, celebrado entre a camara e a companhia portuense de illuminação a gaz, em data de 22 de janeiro de 1874.

§ unico. Á condição 23.ª do contrato se acrescentará a declaração de que fica resalvado o direito de qualquer particular para estabelecer gazometro para seu uso proprio e exclusivo.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 3 de fevereiro de 1874. = Antonio Rodrigues Sampaio.

O sr. Luciano de Castro: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Oliveira do Bairro, districto de Aveiro, pedindo a approvação do projecto que apresentei n'esta camara, ácerca da prorogação do praso estabelecido no decreto de 28 de dezembro de 1869.

O objecto d'esta representação já está prejudicado; comtudo peço a V. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo, como o têem sido as que têem vindo á camara sobre o mesmo assumpto.

Se V. ex.ª me permitte direi duas palavras muito summariamente, em relação ao que acabou de dizer o sr. Cunha Monteiro, sobre os acontecimentos que tiveram logar em Valle Passos; e que ha poucos dias referi n'esta camara, chamando para elles a attenção do sr. ministro do reino. O illustre deputado leu uma representação, ou um nós abaixo assignados, desmentindo os factos de que dei conhecimento á camara.

Não quero desauctorisar a respeitabilidade das pessoas que assignaram esse documento; quero apenas dizer a V. ex.ª, que os factos que lhe referi e á camara, devem constar de um auto, porque se devia proceder a corpo de delicto; esse auto deve ter sido remettido ao poder judicial, por consequencia é esse o unico meio de podermos averiguar se as palavras que eu disse á camara são exactas ou se o são antes aquellas que o illustre deputado proferiu ha pouco. Sobre este ponto não direi mais nada.

Não quero lançar o menor labéu sobre as firmas que assignam o documento que s. ex.ª leu; mas quero asseverar a s. ex.ª, que as pessoas que me informaram são para mim, pelo menos, de tanta respeitabilidade e de tanto credito como as que informaram o illustre deputado.

Entre as informações que foram dadas ao illustre deputado e as que me foram dadas a mim, s. ex.ª ha de permittir-me que por ora eu preste mais fé áquellas que recebi, porque vieram de pessoas dignas de todo o credito.

O que não posso consentir sem reparo é que o illustre deputado viesse n'esta camara atacar um magistrado judicial dignissimo, como é o juiz de direito de Valle Passos. E visto que não está presente o sr. ministro da justiça, para repellir as palavras offensivas que proferiu em relação áquelle cavalheiro, cabe-me a mim, que sou seu amigo, que o conheço de largos annos e que sei que e um dos magistrados que mais honram a carreira judicial (apoiados), o dever de protestar contra essas palavras e dizer ao illustre deputado, que não é proprio de s. ex.ª vir aggredir um magistrado tão digno como aquelle, e que não se póde defender n'esta casa porque não tem aqui assento (apoiados).

Termino por dizer que o sr. José Guilherme da Costa Lyra é um funccionario exemplar, zeloso, solicito no cumprimento dos seus deveres, muito intelligente, e que honra a magistratura portugueza (muitos apoiados).

Dizendo estas palavras, lavro um protesto publico contra as asserções do sr. deputado.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Devo dar uma explicação á camara.

Fui eu quem apresentei as representações da camara municipal e quarenta maiores contribuintes e dos habitantes de quatro freguezias do concelho de Valle Passos, que tendem a mostrar que o administrador d'esse concelho não teve parte no attentado para com o juiz de direito.

Não o teria feito porém se n'ellas se dissesse alguma cousa contra o juiz do direito.

Já digo, o fim das representações é mostrar que o administrador não teve parte no attentado.

O sr. Luciano de Castro: — Eu referi me ás palavras que o sr. deputado proferiu e não ás representações.

O sr. Cunha Monteiro: — Eu pedia que essas representações fossem transcriptas no Diario da camara.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Eu desejava que V. ex.ª me dissesse se estão já sobre a mesa os documentos que pedi ácerca das informações dadas pelas auctoridades do districto de Vizeu sobre a extincção dos julgados.

O sr. Secretario (Francisco Costa): — Da secretaria da justiça ainda não foram remettidas para a mesa as informações a que o sr. deputado se refere.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Eu tinha pedido a palavra quando se discutia o projecto n.º 4, porque me corria o dever, como representante de um circulo no qual foi extincto um julgado, e como representante em geral do paiz, de protestar contra aquella infeliz medida, que acabou de ser votada n'esta casa. Senti que a palavra me não chegasse, porque queria ao menos derramar uma lagrima de saudade sobre a campa d'aquelle extincto julgado. Permitta-me pois a camara que em poucas palavras eu varra a minha testada.

Sinto incommodar a camara com a discussão do um assumpto já tão debatido, mas realmente a camara deve reconhecer que eu estou em condições excepcionaes, e que não cumpriria o meu dever se não tomasse a palavra sobre este assumpto.

Lamento que na ultima sessão em que se discutiu este assumpto se resolvesse que houvesse duas votações e que não houvesse senão uma discussão, quando nós tinhamos a tratar duas cousas inteiramente distinctas: uma que respeitava ás emendas e ao projecto já votado da extincção dos julgados, outra aos projectos para o restabelecimento de alguns julgados apresentados a esta camara pelos illustres deputados os srs. Eduardo Tavares, Lampreia ¦ e Arrobas.

Eu tive a honra de apresentar tambem um projecto de lei sobre este assumpto, mas tive a infelicidade de nem sequer o ver mencionado no parecer da commissão. Provavelmente foi porque não chegou a tempo, mas é certo que o esperava o mesma sorte.

Diz a commissão que não podia emittir parecer favoravel sobre estes projectos, porque atacavam a generalidade da medida já approvada com relação ás comarcas. Mas em que prejudicava a approvação dos projectos a execução ou discussão das emendas? Pois a approvação dos projectos significaria porventura que existissem indefinidamente os julgados? De certo que não.

Que justiça é esta de extinguir vinte julgados e conservar mais de cem, quando todos estavam ou deviam considerar-se nas mesmas condições? Que igualdade é esta de

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deixar a uns julgados as commodidades de que estão e ficam gosando até á execução da lei? (Apoiados.)

E claro que estes projectos entendiam-se não prejudicando a lei, quer dizer, o que se pretendia era que a lei fosse igual para todos (apoiados), era que todos esperassem a execução d'aquella medida em identicas condições (apoiados).

Que justiça é esta? Pois por que os julgados de Sattam, Cezimbra e outros têem a infelicidade de se ver aqui representados por quem tem pouco valimento perante o governo, hão de os seus povos esperar a execução d'aquella medida privados das commodidades de que estão gosando outros, que têem a justiça ao pé da porta?

Eu desejava que estivesse presente o sr. ministro da justiça, na ausencia de quem estou dizendo estas palavras, porque não ha n'ellas uma unica cousa que possa melindrar s. ex.ª, para lhe perguntar qual foi a rasão porque extinguiu vinte julgados.

O sr. Eduardo Tavares: — Foram dezenove.

O Orador: — Ou dezenove; eu desejava que s. ex.ª me dissesse que numero fatídico é este: desejava que me dissesse porque extinguiu vinte julgados, e porque não extinguiu dez, doze, vinte e cinco ou cem. Era esta uma resposta que eu desejava muito ouvir ao sr. ministro da justiça.

Creio que s. ex.ª não era capaz de dar uma resposta cabal a esta pergunta (apoiados).

S. ex.ª extinguiu vinte julgados, como diz no relatorio ao decreto, porque tinham informações desfavoraveis das auctoridades, isto é, porque não tinham cadeias, nem casas para tribunaes, emfim, porque estavam nas condições do decreto de 28 de dezembro de 1869.

N'essas condições, porém, estão todos, e porque não se extinguiram então todos? A isto chama-se fazer justiça? A isto chama-se tratar com igualdade? (Apoiados.)

Realmente revolta-se a dignidade, ainda do que menos vislumbres sentir d'ella, ao ver uma injustiça tão flagrante; ao ver que um mero capricho, não lhe posso dar outro nome, do sr. ministro da justiça foi a unica base para se extinguirem vinte julgados.

Eu não diria uma palavra se s. ex.ª extinguisse todos os julgados, porque todos perante a lei eram iguaes. Seria má a medida, mas não havia excepções, que perante a lei e a justiça são e serão sempre odiosas.

Mas extinguir vinte julgados, conservando outros em muito peiores condições, mas punir em uns a obediencia á lei e premiar n'outros a revolta contra as leis e poderes constituidos, com a circumstancia aggravante de ser feita com mão armada! A camara dê-lhe o nome que o facto merece, eu abstenho-me de o dar.

Quer v. ex.ª ver as condições em que está o julgado do Saltam? Eu lh'as vou dizer. Lerei á camara as informações das auctoridades ácerca d'este assumpto.

O juiz de direito da comarca diz o seguinte.

«Em cumprimento da circular n.°210, de 24 de setembro ultimo, eu tenho a informar a V. ex.ª, que nem as casas dos tribunaes d'este julgado e do de Sattam, nem as casas das cadeias de ambos os julgados lêem as condições necessarias para o serviço a que são destinadas.»

Esta informação é muito laconica, mas alguma cousa diz, diz o mesmo que deve dizer-se da maior parte das casas de tribunal e cadeias das comarcas do reino.

Que base esta para a extincção dos julgados!!

Mas a informação do delegado do procurador regio é um pouco mais explicita porque diz ella:

«Tribunal — Quanto a este quesito respondo que o tribunal do julgado de Sattam, não tendo todas as condições de um bom tribunal, está comtudo nas circumstancias de se poder n'elle administrar a justiça com alguma decencia e hygiene, mas com pouca commodidade, não ha as indispensaveis acommodações para o juiz, agente do ministerio publico, testemunhas e archivo do juizo.

«Cadeia — Quanto a este quesito respondo que a cadeia do julgado do Sattam se compõe de dois aljubes ou enxovias com segurança sufficiente, nenhum aceio, nem limpeza e sem commodidade para os presos, nem hygiene.»

Se se devesse só attender ás condições da boa cadeia e do bom tribunal, ainda assim seria injusta a extincção d'este julgado, mas que informações tem o governo com relação aos outros julgados? De muitos são peiores, em quasi todos se apresentam os mesmes inconvenientes, e comtudo esses julgados são conservados! E qual é a rasão d'esta distincção?!

Quer v. ex.ª saber mesmo o que aconteceu no districto de Vizeu? Este julgado de Sattam ha de comprehender seguramente quatro leguas quadradas de extensão de territorio, tem 12:000 habitantes e 1:800 fogos; proximo d'este julgado ha um outro, que confina com elle, que é o de Fragoas, que tem só 5:900 habitantes e 1:500 fogos, não tem cadeia nem tribunaes em termos de se administrar justiça, pois este julgado é conservado e o de Saltam é extincto! Eu não quero mal ao julgado de Fragoas, felicito-o até pela sua feliz sorte, quero porém mostrar praticamente as revoltantes injustiças nascidas do decreto de 23 de dezembro. Ora realmente não sei que justiça é esta! De mais a mais um julgado como o de Sattam que está em condições especialissimas; não tem uma unica estrada, os povos estão muitos d'elles, a distancia da cabeça da comarca, de 35 a 40 kilometros. Têem de atravessar ribeiras innaccessiveis no tempo de inverno não têem viação de qualidade alguma, por ali não ha uma estrada municipal, nem districtal, nem geral, nem mesmo se conhecem grandes concertos na viação ordinaria, quem indemnisa os povos dos incommodos e despezas que vão sobrecarrega-los? E tudo isto, pelo unico capricho do sr. ministro da justiça de querer extinguir uns julgados, conservando outros em peiores condições (apoiados).

Se alguma rasão houve para se restabelecer o julgado de S. Thiago do Cacem, creia V. ex.ª que não menos rasões existem para que se restabeleça o de Sattam. Ha só a differença de que Sattam e outros julgados extinctos não são representados por o meu amigo o sr. Arrobas, que, graças ao sr. marquez d'Avila, pôde ter a magia de resuscitar um lazaro!

Sr. presidente, a verdadeira justiça está em tratar desigualmente seres desiguaes, eu tambem peço uma excepção para este julgado, porque é um ser desigual e está em circumstancias especialissimas (apoiados). E se o meu amigo o sr. Eduardo Tavares tem muita rasão para pugnar pelo restabelecimento dos julgados de Cezimbra e Barreiro, eu tenho muito maior rasão para pedir o restabelecimento do julgado de Sattam, porque n'aquelles julgados não se dão as circumstancias de terem 12:000 habitantes, de terem 2:800 fogos, de não terem um unico palmo de estrada e de estarem a grande distancia da cabeça da comarca! Mas para que se hão de privar os povos de terem os seus juizes ordinarios, de terem a sua justiça final e commoda ao pé da porta?! Para que se quer á fina força dar tanta felicidade a povos que a rejeitam?! Não comprehendo tal teimozia.

Preciso dizer a V. ex.ª, que não considero nem quero considerar esta questão pelo lado politico, entendo que estava no direito de o fazer, mas tencionando apresentar uma proposta com relação a este assumpto, não desejo que a maioria entenda que ella tem alguma significação politica, porque pela sua leitura e pelo que digo se vê que não tem a significação politica que porventura se lhe quizesse dar. N'esta proposta trata-se unicamente de reparar a flagrantissima injustiça que se fez aos povos do extincto julgado de Sattam e não tenho nem quero ter nada com a questão politica (apoiados).

Unicamente o que peço ao governo é que obtenha novas informações das auctoridades e que se digne ver se ha prejuizo para a justiça em continuar a administrar-se a jus-

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tiça ordinaria no concelho de Sattam até que se execute esta lei que revoga o decreto. A proposta é a seguinte (leu).

Não peço á s. ex.ª com relação a este assumpto, que se revogue já aquillo que se fez, peço unicamente a s. ex.ª que, attendendo á flagrante injustiça que se dá n'aquelle concelho, obtenha novas informações das auctoridades ácerca das conveniencias do restabelecimento do extincto julgado de Sattam, resolvendo-se depois em harmonia com essas informações (apoiados).

Peço a V. ex.ª a urgencia d'esta proposta para que seja votada ainda hoje pela camara.

O sr. Cunha Monteiro: — Apoiado.

O Orador: — Estimo muito que o sr. Cunha Monteiro, deputado da maioria, de o seu apoio a esta proposta, pois que fico certo que s. ex.ª me ha de dar o seu apoio n'esta questão.

Tenho dito.

O sr. Presidente: — O assumpto a que se refere a proposta do illustre deputado já está votado e não póde ser discutido novamente. Entretanto, vae ler-se a proposta que o sr. deputado mandou para a mesa, e eu consultarei a camara relativamente á sua urgencia.

Consultada a camara, rejeitou a urgencia da proposta.

O sr. Lourenço de Carvalho: — Tenho a honra de representar n'esta casa o circulo de Valle Passos, e esta posição obriga-me a dizer algumas palavras que me justifiquem com relação a um negocio que foi tratado hoje n'esta casa.

Entrava na sala e ouvi o meu illustre amigo e collega o sr. Cunha Monteiro, não direi com surpreza, mas inesperadamente referir-se a alguns factos acontecidos na commarca de Valle Passos.

Não considero as questões de ordem publica e de respeito á lei como uma questão de campanario; considero-a como questão de interesse geral para todo o paiz e para toda a nação. Por consequencia, longe de mim estranhar que qualquer deputado intervenha com a sua voz auctorisada n'uma questão, que parece local, mas que interessa o publico e interessa a todos.

Não se julgue que eu venho revindicar o privilegio de representar o circulo em qualquer questão e de qualquer natureza que seja; cumpre-me porém dizer, que não fui incumbido, por parte dos meus constituintes, de apresentar a esta casa representação alguma, nem de modo nenhum de tomar parte n'esta questão, quer por um quer por outro lado.

Não conheço nem o juiz de direito de Valle Passos, nem o administrador, e quando os conhecêra considera-los-ía sempre n'este caso como dois funccionarios publicos, e nada mais do que isso; um é um juiz, outro é um administrador; ambos elles encarregados de administrarem justiça, e ambos elles incumbidos de representar a lei e de a fazer manter em toda a sua plenitude. Por consequencia, longe de mim dizer qualquer cousa sobre o caracter d'estes dois individuos, ainda mesmo que os conhecesse pediria sómente ao governo, pela pessoa do sr. ministro da justiça ou do sr. ministro do reino, que tomasse conta do negocio e mandasse proceder ás devidas informações, por meio de um exame ou de uma syndicancia, em resultado da qual se possa devidamente habilitar com todos os meios precisos para fazer manter as leis, e para proceder com toda a justiça que incumbe, como dever, a todos os funccionarios publicos, muito mais aos srs. ministros como representantes e supremos executores e fiscaes da lei (apoiados), (Interrupção.)

Não se póde exigir do governo senão o exacto cumprimento das íeis. A camara não é outra cousa senão o corpo fiscal da manutenção e exacto cumprimento das nossas leis.

Eu não peço senão ao governo que n'este negocio, como em todos aquelles em que haja esquecimento das disposições legaes, proceda com toda a justiça e com todo o rigor que lhe incumbe pela posição que occupa.

Não peço mais nada, e nada mais digo sobre este assumpto (apoiados).

O sr. Ministro do Reino: — Quero dizer ao illustre deputado e á camara, que o governo não tem descurado este negocio.

O administrador do concelho de Valle Passos está suspenso, e foi mandado residir fóra do concelho (apoiados).

O governador civil mandou o administrador de Villa Real proceder a uma syndicancia. Não posso dizer mais nada, porque desde que se inquire para se proceder, dizer qualquer cousa a este respeito seria de mais, e, portanto, inconveniente (apoiados).

O sr. Cunha Monteiro: — Sei que no dia 27 do mez passado começou a syndicancia em Valle Passos a respeito do administrador do concelho.

Lá têem-se por falsas as arguições que o juiz de direito fez a esta auctoridade.

O governo andou bem em mandar que a primeira auctoridade administrativa do districto procedesse a uma syndicancia.

Aguardo para quando vier o resultado d'essa syndicancia, para então pedir ao sr. ministro do reino que obre convenientemente.

Não tenho mais nada que dizer (apoiados).

O sr. Francisco de Albuquerque: — Quando apresentei a proposta sobre a qual ha pouco pedi a urgencia, que a camara rejeitou, declarei que não entrava nos meus intuitos consideração alguma politica na apresentação d’essa proposta. Que os meus desejos eram só e unicamente ver se por este meio podia conseguir o restabelecimento do julgado de Sattam, quando o sr. ministro da justiça se convencesse que era justo esse restabelecimento. E tanto no meu espirito não está apresentar ou considerar a minha proposta moção politica, que se o governo ámanhã ou hoje mesmo a considerar politica, eu pedirei immediatamente licença para retirar a minha proposta, e pedirei esta licença porque não desejo roubar tempo á camara com votações inuteis, perfeitamente inuteis, porque tenho a certeza de que essa proposta seria rejeitada desde o momento em que pelo governo fosse considerada politica.

Esta minha declaração mostra bem claramente que o meu desejo é outro; é que a camara se compenetre bem da justiça que assiste aos povos do extincto julgado de Sattam, e que attenda ás reclamações d'aquelles povos ou ás que fazem os seus legitimos representantes.

O que peço é que se proceda a novas informações, e que se se conhecer, em vista d'ellas, que o incommodo dos povos é grande, que são verdadeiras as allegações que apresentei e que não ha perigo ou inconveniente para a administração da justiça continuar a subsistir aquelle julgado até se executar a lei que se votou n'esta camara, que subsista.

O que peço á camara é que attenda aos principios de inteira justiça, que assiste aquelles povos (apoiados).

O sr. Barros e Sá: — Quando entrei n'esta casa tratava-se da questão respectiva ao juiz de direito de Valle Passos.

Queria abster-me de renovar a questão, e abster-me-ía d'isso se não fossem as considerações apresentadas á camara por um illustre deputado.

Eu não sei o que ha ou p que se passa em Valle Passos; o que sei é que o juiz de direito da comarca de Valle Passos é um juiz integro, recto e imparcial (apoiados), é emfim, um homem dignissimo (apoiados), que tem exercido as funcções de juiz em muitas localidade se sempre com applauso dos povos (apoiados).

Não é conveniente vir no seio da representação nacional fazer insinuações, ainda que incidentalmente, contra um magistrado que pronuncia com despacho fundamentado,

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que ou é confirmado na instancia superior, ou é aceito pelas partes, se d'elle não recorrem (apoiados).

E necessario que a camara saiba que esta questão principiou por um despacho de pronuncia contra um ecclesiastico d'aquella localidade, despacho de pronuncia confirmado pela respectiva relação. As hostilidades n'aquella localidade contra o juiz de direito começaram desde então.

Em todo o caso, se esse negocio está pendente nos tribunaes, administrativo ou judicial, se o governo está a syndicar, para que havemos de tratar esta questão?...

O sr. Cunha Monteiro: — O illustre deputado é que mandou para aqui o juiz de direito.

O Orador: — Não mandei para aqui o juiz de direito, quem veiu á camara dar noticia do facto succedido em Valle Passos foi o sr. José Luciano. Evidentemente s. ex.ª estava no direito de o fazer. Eu fallei depois do sr. José Luciano. O governo tomou conta d'este negocio, e mandou informar. Para que havemos de tratar mais d'elle? (Apoiados).

O que se deve fazer agora é esperar que as informações se collijam, e depois providenciar (apoiados). Vir aqui lançar insinuações contra um magistrado que pronunciou um despacho fundamentado, é realmente inconveniente.

O sr. Cunha Monteiro: — Veja as representações.

O Orador: — Não me pronuncio contra ninguem; nem contra um, nem contra outro. (Vozes: — Muito bem.)

O caso não pertence & camara dos deputados (apoiados); e, não pertencendo, não podemos tomar conhecimento d'elle (apoiados).

Emquanto não houver provas, a presumpção está a favor do juiz de direito de Valle Passos, e de todos os juizes de direito do reino. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Presidente: — Passa-se á

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vae ler-se para entrar em discussão o parecer n.º 7.

É o seguinte:

N.º 7.

(Pertence ao n.º 24 de 1873)

Senhores. — A vossa commissão de fazenda examinou tres propostas, que, alem das já approvadas por esta camara, haviam sido offerecidas durante a discussão do projecto n.º 24; sendo a primeira do sr. Francisco de Albuquerque, para que no artigo 3.° se eliminassem as palavras «ou escrivães de fazenda supplentes»; a segunda do mesmo illustre deputado, para se acrescentar um paragrapho ao artigo 4.°, estatuindo que as quotas dos escrivães de fazenda de 1.ª ordem não excedam a 800$000 réis, as dos de 2.ª a 500$000 réis e as dos de 3.ª a 350$000 réis; a terceira do sr. Saraiva de Carvalho, para se additar o § 1.° do artigo 5.°, determinando-se que os escrivães de fazenda que ficarem addidos sejam providos nos cargos que vagarem com exclusão absoluta de outros quaesquer concorrentes.

A vossa commissão não tem duvida em aceitar a segunda e terceira propostas, que estão em harmonia com o pensamento do projecto. E fixa ainda em numero menos elevado o limite das quotas dos escrivães de fazenda, propondo que seja de 600$000 réis para os de 1.ª ordem, com excepção de Lisboa e Porto, de 400$000 réis para os de 2.ª, e de 300$000 réis para os de 3.ª

Pelo que respeita, porém, á primeira proposta, a vossa commissão é de parecer que não deve aceitar-se, porque, pretendendo-se com ella determinar que só os escripturarios possam ser escrivães de fazenda supplentes, ficaria prejudicado o serviço quando se carecesse de escolher individuos que nas differentes localidades dos concelhos têem de exercer attribuições delegadas pelos escrivães de fazenda.

Entende, portanto, a vossa commissão, que deve ser approvada a terceira proposta; modificada a segunda conforme indica; e rejeitada a primeira: o que submette á vossa esclarecida resolução.

Sala das sessões da commissão de fazenda, em 24 de janeiro de 1874. = Carlos Bento da Silva = Joaquim José Gonçalves de Matos Correia = Antonio José de Barros e Sá = José Dias Ferreira = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Antonio José Teixeira.

O sr. Presidente: — Está em discussão.

(Pausa.)

O sr. Presidente: — Como não ha quem peça a palavra, vou po-lo á votação. Foi approvado.

O sr. Presidente: — Continua a discussão do projecto n.º 72 de 1872, que extingue a engenheria districtal.

Tem a palavra o sr. Pinheiro Borges.

O sr. Pinheiro Borges (para uma questão previa): — A minha questão previa é a seguinte:

«Proponho que volte á commissão o projecto em discussão, para ser considerada a substituição que offereço ao mesmo projecto.»

Devo declarar a V. ex.ª, que não apresentei esta questão previa sem primeiro ter combinado com os meus collegas que estavam inscriptos antes de mim, porque não costumo usar, nem gosto de que commigo pratiquem o costume de se metterem de permeio por nova inscripção, tomando assim o passo aos que estão inscriptos.

Esta circumstancia muitas vezes se dá, deu-se ainda commigo por occasião da discussão do projecto n.º 4, em que pedi primeiro a palavra sobre a materia e depois sobre a ordem, e apesar de ser dos primeiros inscriptos para fallar sobre a materia da alteração da inscripção, por causa dos que tomam a palavra sobre a ordem, resultou que nem mesmo sobre a ordem me coube a palavra, e que nenhum sr. deputado fallou sobre a materia.

Esta circumstancia deu causa a que não podesse realisar o compromisso que tinha tomado de não deixar deserta a causa dos julgados do districto de Evora, que na maior parte estão ameaçados de serem extinctos.

Deixando, porém, essa questão vou tratar pois de ler o projecto de substituição. Lerei o relatorio que o esclarece, e para mostrar as circumstancias que me obrigaram a apresentar a questão previa e a apresentar a substituição ao projecto (leu).

Sr. presidente, interrompeu-se esta discussão para entrar na arena o projecto n.º 4; por mais uma vez tive de interromper e distrahir as mesmas idéas d'este para outro assumpto, e por isso na discussão sigo novamente a norma que segui a primeira vez que este projecto foi discutido e do qual encetei o debate.

O sr. Carlos Ribeiro, dignissimo relator d'este projecto, respondendo ás observações que fiz, tratou de dois pontos que me persuado não serem tão alheios, como s. ex.ª julga, com relação ao assumpto, porque mostram a conveniencia de ser admittida a minha proposta primitiva de adiamento até que o governo apresente uma organisação completa no serviço de engenheria tanto districtal como official, não tendo a questão previa em vista senão prevenir que se approve um projecto que deixa completamente á revelia a viação municipal.

Permitta-me, porém, o illustre relator que eu faça algumas observações ás reflexões do sr. Lourenço de Carvalho, para mais detidamente poder fallar sobre os argumentos do meu illustre collega, porque me parece que não se encontra nas considerações que fez a demonstração de que o projecto que se discute póde ser approvado tal qual está.

O sr. Lourenço de Carvalho affirmou que, em consequencia da deficiencia de pessoal, tinha o ministerio das obras publicas recorrido por vezes á engenheria districtal; por outro lado disse que o pessoal da engenheria districtal não satisfaz ao seu fim por não ser sufficiente o numero de engenheiros empregados n'este serviço. Não me persuado que sirva isto de argumento para não conservar o que está, até

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que se faça a conveniente organisação, porque não posso comprehender como duas deficiencias juntas possam supprir a deficiencia geral. Se o meu estimável collega quer dizer com isto que se trata da questão de mais ou de menos pessoal, e o de se aproveitar no districto o que sobra no ministerio, ou vice versa, essa questão está resolvida na legislação existente, porque por um lado, e na presença do exemplo citado por s. ex.ª, o governo póde ir á engenheria districtal buscar pessoal que lhe convenha, e possa ser dispensado do serviço districtal, para supprir a falta da engenheria official, por outro lado as camaras municipaes não estão inhibidas de construir as suas obras contratando com a engenheria tanto pertencente ao ministerio das obras publicas como ao ministerio da guerra a sua execução, por isso que as leis em vigor concedem que estes individuos vão para serviços de. utilidade publica sem serem prejudicados na sua antiguidade ou carreira.

Parece-me, portanto, que por este lado estão as cousas dispostas para o equilibrio, sem que seja necessario approvar um projecto de lei que não póde deixar de ser provisorio, e que está por tal fórma redigido, que deixa indefinidas e incompletas as attribuições que deve ter a engenheria do governo na construcção de obras municipaes.

O sr. Lourenço de Carvalho, asseverando que n'este paiz não póde existir senão a engenheria official, tocou effectivamente o ponto principal para que foi, na minha opinião, trazido este projecto á camara.

O sr. Lourenço de Carvalho concluiu as suas observações demonstrando a justiça que têem os empregados da engenheria districtal a que se lhes defina bem o futuro, e que se affirme direito á aposentação, ao monte pio, ou outras quaesquer vantagens, indicou com toda a lucidez o que a engenheria districtal pretende; mas é esta a questão apresentada com toda a franqueza (apoiados); eu votarei o que for justo. Agora deixar a viação municipal ao arbitrio das conveniencias de viação; voltar ao estado do periodo que decorreu entre 1864 a 1868; dizer que se attende ás representações das camaras deixando-lhes encargos mais aggravados, e o desenvolvimento da viação é prejudicado, como logo hei de mostrar, quando provar que o artigo 4.° prejudica a viação; com esse voto não contem.

Pelo que disse o illustre deputado relator da commissão, creio que s. ex.ª não percebeu bem como a minha proposta de adiamento trouxe a lume a questão da organisação de uma engenheria unica, nem como a doutrina do artigo 3.°, que dá a possibilidade de uma classificação, trouxe a lume tambem a questão das classificações feitas em 1864 e 1869. Eu não tive em vista arguir nenhum dos cavalheiros que tomaram parte n'aquelle trabalho, mas pareceu-me que me servia bem de argumento para mostrar quanto é difficil fazer uma classificação justa e conveniente.

Emquanto á primeira questão, isto é, se convem haver engenheria militar e civil, que uma só engenheria (a militar), não póde ser agora tratada, senão por accidente, ella não impede a approvação do projecto e nada adiantaria, porque estou certo de ficar com a minha opinião, como de que o illustre deputado ficará com a sua.

Em todo o caso ha de permittir-me que observe que os argumentos que apresentou para a existencia das duas corporações podem facilmente ser contestados.

Em primeiro logar [recorreu s. ex.ª ao principio economico da divisão do trabalho.

Este principio, que ninguem contesta, que não tem applicação absoluta, e na presente questão não póde ser evocado sem prejuizo da defeza, porque a divisão do trabalho é separar a viação a cargo do governo da viação a cargo dos municipios, e por consequencia a conservação e distincção da engenheria districtal.

Mas não quero aproveitar-me do argumento do illustrado adversario, porque, acreditando na efficacia do principio, não o julgo illimitado. É preciso ter presente os fins da applicação dos principios, e é por isso que eu creio na divisão do trabalho que aperfeiçôa, e não na que inhabilita, porque acredito na divisão do trabalho que aproveita, e não na que inutilisa, e porque não creio na divisão do trabalho que condemna á ociosidade, sou de opinião que se deve aproveitar no ministerio das obras publicas a engenheria militar, para que aproveite e utilise as habilitações de um pessoal tão superiormente instruido em uma esphera de actividade maior do que aquella que póde ter no serviço militar.

E isto o que se faz lá fóra, porque embora o illustre relator diga que desde as fronteiras de Portugal até ás nações banhadas pelo Báltico, está' a engenheria dividida em militar e civil, não é certo que a divisão seja absoluta, porque em todos elles, e especialmente na França, vemos que a engenheria militar toma uma grande parte no serviço da engenheria civil.

Com relação ao argumento das especialidades que o illustre deputado apresentou, direi que essas especialidades não se criam por meio das distincções entre o pessoal; estabelecem-se pelas necessidades do serviço e pela vocação individual; e tanto isto é assim, que o illustre deputado, que é um distincto official de artilheria, é actualmente, pela applicação da sua elevada intelligencia e vocação, um notavel engenheiro de minas, e um distincto geólogo; e muito me congratulo quando affirmo que o nome de s. ex.ª é conhecido entre os geólogos, não só nacionaes como estrangeiros, pelos seus trabalhos e estudos (apoiados), e estou certo de que, quando s. ex.ª frequentou o curso de artilheria, nem pensava na especialidade da sciencia que tanto illustra (apoiados).

Para apoiar a conveniencia de haver dois corpos de engenheria, ainda fallou da differença que se nota no custo das obras executadas nos primeiros, segundos e ultimos periodos de construcção, concluindo que seriam mais baratas depois da organisação da engenheria civil.

Para que a asserção do illustre deputado a este respeito possa constituir argumento a favor de qualquer das duas engenherias, é preciso que se mettam em linha de conta muitas outras circumstancias, que s. ex.ª não desconhece de certo, mas que na occasião lhe não occorreram.

Para isso era necessario que se podessem encontrar em todos os districtos cadernetas regularmente escripturadas pelos conductores de trabalho, porque é por ellas que se póde conhecer quanto importou o custeio das obras. E ainda assim n'essas cadernetas seria necessario separar os vencimentos de um pessoal auxiliar numeroso, que em certas epochas se lançava do ministerio das obras publicas sobre as direcções dos districtos, do mesmo modo que se punham dobradiças nas repartições do estado (apoiados), de modo que havia obras aonde se encontravam mais apontadores e olheiros para as obras do que trabalhadores. N'essas epochas em que as obras saíram mais caras, lançava-se na despeza, não só o vencimento do pessoal das obras, mas o vencimento dos inspectores, e resultava d'aqui não condizerem as cadernetas dos constructores com o livro de rasão dos directores de secção, nem estes com os das contas da direcção dos districtos, nem estas com os mappas do custo das obras que se publicavam no Diario do governo.

De maneira que o preço effectivo gasto unicamente com o material é muito differente do que se apresenta.

E se s. ex.ª for procurar todos os esclarecimentos necessarios, e separar o que propriamente se gastou nas construcções, ha de concluir que as obras sáiam mais baratas onde os directores reagiam contra a adopção d'esse grande pessoal.

O facto de serem os engenheiros militares ou civis que dirijam esses trabalhos não influe no resultado, e por consequencia este argumento tambem não póde colher para concluir a conveniencia de haver uma só engenheria. S. ex.ª ha de encontrar obras muito caras dirigidas por engenheiros militares, e outras muito economicas, dirigidas tambem por engenheiros militares (apoiados).

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Ouvi tambem dizer que era preciso evitar a aprendizagem. Ora eu pergunto se a engenheria civil não tem tambem aprendizagem? (Apoiados.) E aonde se ha de ir buscar escola pratica para a engenheria militar, se a privarem d'ella? (Apoiados.)

(Interrupção do sr. Carlos Ribeiro.)

Ha ainda outro ponto em que o illustre deputado que acaba de me interromper tambem tocou quando tratou de defender a organisação da engenheria civil; refiro-me á diversidade dos serviços proprios das duas engenherias.

A diversidade do serviço existe só na questão dos traçados (apoiados), porque nos trabalhos preparatorios de campo e nos materiaes empregados não ha differença, e tambem a não ha n'essa pratica que é preciso adquirir para bem dispor os operarios e trabalhadores de modo que se não constranjam.

E esta pratica que hoje só as Construcções effectuadas pelo ministerio das obras publicas podem offerecer, e é por isso que eu quero só uma engenheria, e que ainda ha pouco condemnei essa divisão de trabalhos que ora conduz á inhabilidade, ora conduz á ociosidade (apoiados).

Termino portanto este ponto, asseverando de novo que as rasões apresentadas pelo meu illustre collega para mostrar a conveniencia de existir uma engenheria especial e unica para dirigir as Construcções civis póde ser facilmente contestada, quando se trate da questão que foi aqui trazida por incidente, mas que não deixa de ter immediata relação com este projecto.

Tratando agora do assumpto, não me parece que s. ex.ª quando tentou responder ás objecções que eu e o meu illustre collega e amigo o sr. Candido de Moraes lhe apresentámos, contrariasse a conveniencia de adiar, ou pelo menos substituir este projecto por outro (apoiados).

Disse o illustre relator da commissão, que a engenheria districtal não corresponde ao fim para que foi creada. Esta proposição não é verdadeira. Os factos mostram exactamente o contrario (apoiados).

O nobre ministro das obras publicas não poderá talvez dizer de prompto qual o estado de desenvolvimento da viação districtal e municipal, mas ámanhã poderá informar-nos de quantos kilometros de estradas municipaes havia antes da lei de 1868, e dos que posteriormente se construiram. Não chegavam a uma centena; eram apenas algumas dezenas. E quantos ha agora construidos depois da lei? Quantos kilometros de estudos hão sido executados?

Os kilometros construidos passam talvez de 600, e se a viação não está mais augmentada não é por culpa dos municipios, é por causa do governo, e quando digo que é por causa do governo, não culpo o sr. ministro, quero dizer que o governo não tem os meios necessarios para dotar convenientemente esta viação. Os fundos de que o governo dispõe nem chegam para subvencionar as estradas que se podem construir com os fundos que o sr. Falcão da Fonseca no relatorio que precede o seu projecto affirma existiam no cofre da viação na epocha em que s. ex.ª apresentou o projecto, que, segundo elle, montavam a réis 450:000$000, o que corresponde a 225:000$000 réis de subsidio do governo.

O sr. Falcão da Fonseca: — Effectivamente no fim de dois annos havia 450:000$000 réis destinados para a viação municipal, e diz o illustre deputado que o governo devia concorrer com 225:000$000 réis; parece-me porém que o illustre deputado está enganado porque segundo a lei o governo deve subsidiar com a terça parte e não com a metade, e tem de se fazer a conta em relação a dois annos. Portanto, não me parece bem exacto o calculo de s. ex.ª

O Orador: — O que se vê é que nós estudámos arithmetica differente. O governo dá de subsidio a terça parte do custo do preço total, e por consequencia metade de dois terços; são estes o que n'este caso prefazem 450:000$000 réis; logo a verba que eu disse de 225:000$000 réis é exacta, se não falha a arithmetica que eu estudei na escola polytechnica, d'onde tenho a carta de curso geral.

Para mim é fóra de duvida que o governo não tem podido dar mais adiantamento á viação municipal por falta de meios, e pela minha parte desejo tambem o desenvolvimento d'esta viação, e se o sr. ministro trouxer uma proposta para a dotar mais largamente, póde s. ex.ª desde já contar com o meu voto, porque estou sempre prompto a concorrer para o desenvolvimento material do paiz, independentemente de qualquer consideração politica (apoiados). Por dar grande importancia ás estradas concelhias e municipaes é que insisto na substituição que offereço, e pergunto ao illustre relator se o pessoal fornecido em virtude do disposto no artigo 5.° póde satisfazer ás necessidades d'este serviço? O projecto diz «que o governo proverá ás necessidades do serviço technico, etc», o que parece estabelecer a independencia da direcção e vigilancia do governo, o qual depois de satisfazer ás requisições da auctoridade administrativa os deixa entregues a si, permittindo que se arrangem como entenderem. E n'este caso com quem discute a commissão de viação? (Apoiados.)

E o argumento da dependencia das auctoridades locaes tambem não colhe, porque não faltam na engenheria official exemplos de exigencias feitas pelas influencias locaes para transferir empregados superiores, etc. (apoiados).

Ainda o illustre deputado quiz soccorrer-se á falta de independencia dos engenheiros districtaes para d'ahi concluir a conveniencia de destruir esta instituição.

A descripção que o illustre relator fez de engenheiros que se deixam corromper pelos governadores civis, de governadores civis que têem reserva para obrigar os engenheiros districtaes a faltar aos seus deveres, de engenheiros que fazem orçamentos com ensanchas, tudo isso denuncia um tal estado de degradação, uma corrupção tão profunda, que se o paiz estivesse n'essas circumstancias, nada se podia esperar, e então seria mais conveniente que não legislássemos, escusávamos mesmo de ter commissões de viação, e forçoso seria confessar que não se podiam encontrar, nem nos individuos nem nas corporações, os elementos necessarios aos districtos para os seus melhoramentos materiaes (apoiados).

Felizmente os factos não dão rasão ao argumento.

Ainda o illustre relator da commissão, para demonstrar a inconveniencia da engenheria districtal, apresentou os desvios das estradas municipaes consentidos pela engenheria districtal por passarem ao pé da porta dos vereadores e dos membros da commissão de viação. E certo que ordinariamente os vereadores e os membros da commissão de viação são homens abastados, têem casa em alguma parte e por ella deve passar alguma estrada sem que seja por favor; esta circumstancia póde portanto algumas vezes offerecer pretexto para que os interesses oppostos condemnem a direcção da estrada; outras vezes podem ser as censuras bem cabidas, mas pergunto eu, a engenheria official está isenta d'estas influencias? Não conhece s. ex.ª, não tem transitado por muitas estradas principaes e por caminhos de ferro que se desviam da sua direcção natural? (Apoiados.) Não sabe que ha estações postas em certos locaes unicamente pára satisfazer a serviços particulares? (Apoiados.) Como póde pois servir de argumento este facto que se tem dado em muito pequena escala, se é que se tem dado, na presença do que a engenheria official tem consentido?

Ainda o illustre relator da commissão disse que se gasta muito tempo com a construcção das estradas, e notou para exemplo a de Villa Pouca a Arzilla, cuja extensão não chega a 2:500 metros, que levou mais de tres annos a construir e excedendo-se o orçamento em 500$000 réis.

Que feliz engenheria districtal esta, da qual se indica tão pequeno peccado, quando a comparámos com estradas construidas por conta do governo, nas quaes 3 kilometros custaram 68:000$000 réis, excedendo tres e quatro vezes

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os orçamentos, e gastando tres annos para avançar 1 kilometro.

Os orçamentos supplementares da engenheria districtal serviram tambem de argumento para a condemnar, o que eu contesto, affirmando que estes orçamentos supplementares são necessarios. E eu pergunto ao illustre ministro qual foi a rasão por que na sua repartição foram elles prohibidos, e apesar d'isso não cessaram de se produzir.

(Interrupção.)

Talvez não haja nenhuma obra que não tenha sido levada a effeito sem orçamentos supplementares.

Isto não póde portanto de maneira alguma ser trazido como argumento contra a engenheria districtal; e ainda que servisse era prova da sua inhabilidade, e n'esse caso o projecto de maneira nenhuma podia ser votado, porque não se havia de ir buscar aos districtos, para dirigir construcções de ordem superior, um pessoal que não fosse habil para executar taes serviços.

Finalmente, s. ex.ª, depois de recorrer a estes argumentos, que todos têem, como vê, facil resposta, vem ao ponto dos vencimentos, e cá está outra vez o quadro de que a engenheria districtal não tem futuro, a questão do pequeno ordenado, e ainda a resposta dada a um áparte que fiz a s. ex.ª, e ao qual s. ex.ª replicou que eu tinha uma carreira diante de mim, e affirmou ter encontrado um official de engenheiros que, com quatro annos de serviço, era capitão. Informaram s. ex.ª mal, não se dá similhante circumstancia.

Em todo o caso vejo pelas proprias declarações do illustre deputado, que as condições não são más por toda a parte, e que ha exemplos de se encontrar a engenheria districtal mais bem remunerada do que a engenheria do governo. Isto não é culpa da lei.

Uma voz: — E culpa da lei.

O Orador: — Não me parece tambem que a engenheria districtal deixe de ter correspondido ao seu fim pelo facto que affirmou aqui o illustre relator; n'este caso não é culpa da lei, é culpa das auctoridades administrativas; e eu peço ao sr. ministro do reino que mande syndicar qual é o districto onde se passa. Diz o illustre relator (leu).

Isto é um empregado, que é empreiteiro, e que ao mesmo tempo recebe o ordenado. Isto é um abuso, é uma irregularidade, e peço ao sr. ministro do reino que diligencie saber onde estes escandalos se commettem, e que tome as providencias que julgar convenientes para que cessem e não se repitam.

Não vejo portanto que haja nas rasões apresentadas pelo illustre deputado o motivo para que se lhe conceda aquillo com que s. ex.ª terminou o seu brilhante discurso, de preferencia a uma reforma geral.

Eu entendo que a engenheria districtal póde desaparecer, mas não me parece que se deva eliminar ficando as cousas em peiores condições do que aquellas em que existe, e como é facil de concluir pela leitura do projecto de lei que se discute.

Diz o artigo 1.° que são extinctas as repartições technicas districtaes, isto é, extingue-se a repartição que superintende a regularidade e applicação dos fundos da nação; e lendo os artigos que se seguem, em nenhum outro artigo se diz a que repartição fica entregue este serviço (apoiados). Concluo que fica abandonada, ou que volta ao estado precario em que jazeu antes da lei de outubro de 1870.

No artigo 4.° diz-se (leu).

Ora sabe V. ex.ª qual é o resultado d'isto? O governo vae pagar á engenheria districtal e melhor, do que lhe pagavam os districtos, porque, segundo parece, os vencimentos actuaes da engenheria districtal são considerados diminutos. O governo vae annullar uma boa parte da verba destinada para o desenvolvimento da viação municipal. Supponhamos que os vencimentos de todo o pessoal importam em 60:000$000 réis, os 180:000$000 réis da verba do orçamento ficam reduzidos a 120:000$000 réis, o que corresponde á verba do 260:000$000 réis por parte dos municipios, que pela lei antiga aos 180:000$000 réis do orçamento correspondem a 360:000$000 réis da prestação das camaras, por outro lado ficam estas sobrecarregadas com o mesmo encargo que tinham, sem terem pessoal proprio (apoiados).

O meu collega, amigo e correligionario politico o sr. Francisco de Albuquerque, affirma-me que vae fallar a favor do projecto. Não me admira. Julgo mesmo este procedimento em harmonia com a posição que o sr. deputado tem tomado todas as vezes que tem vindo á discussão a lei de 24 de julho de 1864; e pena tenho não ser possivel obter do governo, com a brevidade necessaria, a relação dos districtos e dos municipios que ainda até hoje não construiram um metro de estrada municipal, para poder explicar a causa da opposição que se faz a tudo o que tem relação com a referida lei.

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que volte á commissão o projecto em discussão para ser considerada a substituição que offereço ao mesmo projecto. = Pinheiro Borges.

Foi admittida.

Leu-se tambem na mesa a seguinte Substituição

Senhores. — A viação districtal e municipal não póde deixar de merecer grande attenção e muito especial consideração da parte dos poderes publicos, por isso que as estradas concelhias e districtaes são as artérias e as veias das grandes vias de communicação, os canaes que conduzem aos grandes centros de população e consumo os productos das industrias nacionaes, o que reciprocamente transmittem a seiva vivificante d'esses grandes centros aos logares mais ermos e ás povoações mais remotas do paiz.

O desenvolvimento d'esta viação depende essencialmente da boa administração dos fundos destinados para o realisar, e provindo elles em parte dos rendimentos municipaes e districtaes, e era parte dos rendimentos geraes do estado, evidente se torna a conveniencia de ligar todos estes recursos no ponto aonde devem ser applicados.

E certo que a viação municipal e districtal não tem tido todo o desenvolvimento que os recursos do paiz comportam; é incontestavel que sómente agora se começam a sentir as consequencias beneficas das leis de 15 de julho de 1862 e 6 de junho de 1864, mas infelizmente lhe não é duvidoso que muitas tentativas se têem feito para destruir esta lei, principalmente da parte dos municipios, que têem absolutamente descurado a sua viação, e que se mostram aferrados ao systema de applicar irregularmente, e muitas vezes em obras de interesse individual, as verbas que actualmente constituem fundo da viação municipal. "

O decreto de 30 de outubro de 1868, creando pessoal proprio para especialmente projectar e dirigir as construcções das estradas concelhias e districtaes, teve por fim acabar com o pretexto de que os municipios recalcitrantes ao progresso material se sorriam para não dar cumprimento ás leis, e em vez de annullar as sabias disposições das leis de 15 de julho de 1862 e 6 de junho de 1864, como o affirma no seu relatorio o sr. deputado Falcão da Fonseca, foi a origem da regularidade dos trabalhos na viação districtal e municipal, e a ella se deve que existam hoje construidos alguns centenares de kilometros de estradas concelhias.

Nenhum municipio póde affirmar (sem que denuncie a intenção de não querer cumprir a lei de 6 de junho de 1864), que póde absolutamente dispensar o serviço da engenheria, e todas as rasões apresentadas, tanto no relatorio do sr. deputado Falcão da Fonseca, como no que precede o da com-

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missão de obras publicas e respectivos ao projecto de lei que extingue a engenheria districtal, levam á conclusão de que o pessoal existente não basta para acudir ás necessidades do serviço commettidos tanto ás direcções dos districtos, como ás repartições districtaes de obras publicas.

Resta portanto indagar se convirá augmentar o pessoal ou se é possivel aproveitar melhor o existente; porque é indubitavelmente inadmissivel deixar unicamente entregue ao cuidado das auctoridades administrativas as requisições e determinações do pessoal necessario para prover ás necessidades da viação concelhia e districtal; isto seria o restabelecimento das eras em que se desconhecia esta viação, seria aniquilar-lhe o progresso, equivaleria a deixar de novo nas mãos da incompetencia os fundos destinados aos melhoramentos locaes, seria o triumpho completo dos districtos e municipios, que conseguiram sob pretextos diversos sophismar durante annos a lei sem construir se quer um metro de estrada; mas por isso mesmo que insistimos que não convem voltar á administração irregular e incompetente, tambem affirmâmos que deve haver toda a imparcialidade na repartição dos melhoramentos como na dos encargos, e que os concelhos aonde não chegam os beneficios por falta de pessoal, devem ser alliviados de subsidiar repartições que lhes não prestam serviço algum, prejudicando-lhes a formação dos capitães necessarios para levar a effeito as suas construcções de mais consideração e despeza.

Se attendermos a que nos districtos que têem as suas sedes bem localisadas, distam estas quando muito 40 kilometros da capital dos concelhos estranhos, e convictos da economia que deve resultar centralisando n'uma direcção districtal os diversos serviços que a engenheria é chamada a prestar, parece-nos que se póde entregar desde já á direcção das obras publicas dos districtos a viação districtal e municipal, e attender por este modo ás camaras representantes na parte em que lhe encontrarmos rasão, sem prejuizo de uma futura organisação de serviço mais economica e definida, e sem atacar as disposições da lei de 6 de junho de 1864, admittindo o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O serviço technico da viação districtal e municipal passa a ser desempenhado pelas direcções de obras publicas dos districtos do reino.

§ unico. Os conductores de obras publicas são considerados membros natos das commissões de viação dos respectivos districtos.

Art. 2.° As camaras municipaes enviarão annualmente ás respectivas commissões de viação, e até ao dia 31 de maio, um relatorio das construcções que é necessario effectuar para o melhoramento da sua viação, e nota dos fundos em cofre e dos que se devera receber, tendo em vista o orçamento da receita do futuro anno economico.

Art. 3.º As commissões de viação terão durante o mez de junho de cada anno as sessões ordinarias que forem precisas para analysar os relatorios e notas das camaras municipaes, resolver quaes os estudos e obras que" se devera executar no futuro anno economico, e determinar de accordo com o director das obras publicas qual o pessoal necessario para levar a effeito os trabalhos designados e o melhor modo de os obter.

Art. 4.° E permittido ás camaras municipaes arrematar a execução de projectos e construcções, segundo as condições que lhes forem fornecidas pela direcção de obras publicas dos respectivos districtos, que fiscalisará technicamente n'estes trabalhos o cumprimento da execução dos contratos.

Art. 5.° Não havendo nas direcções de obras publicas nos districtos o pessoal technico necessario para levar a effeito os estudos e obras indicados no artigo 3.°, e quando o governo o não possa completar, as camaras municipaes poderão contratar temporariamente para este serviço pessoas sufficientemente habilitadas para os desempenhar, as quaes ficam sujeitas á fiscalisação dos directores de obras publicas e seus delegados, e a todas as disposições regulamentares e disciplinares, proprias das funcções que exercem.

§ unico. Esta auctorisação só póde effectuar-se depois da declaração official de que o governo não póde satisfazer á requisição feita pelos directores de obras publicas em seguida ás sessões das commissões de viação, indicadas no artigo 3.°; declaração que para os fins convenientes será pelos mesmos directores communicada ás camaras municipaes, a quem possam interessar.

Art. 6.° Toda a despeza feita com o pessoal empregado em trabalhos da viação districtal e municipal será paga pelo cofre de viação dos municipios que o emprega.

Art. 7.° Todos os recursos respectivos a projectos e execução de obras são dirigidos ao governo, para serem resolvidos por meio de uma commissão de arbitros technicos, nomeando cada parte interessada um arbitro e o governo um membro da junta consultiva de obras publicas para presidir e desempatar.

Art. 8.° O pessoal technico e auxiliar das repartições technicas districtaes de obras publicas passa como addido e conservando os vencimentos legaes que actualmente percebe para o serviço do ministerio das obras publicas, até que pela organisação definitiva dos serviços technicos seja convenientemente regulada a sua collocação.

§ unico. Este pessoal será com preferencia distribuido pelas direcções dos districtos, para ser empregado nos serviços proprios da viação concelhia e districtal, e esta situação provisoria não constituo direito para qualquer collocação definida, senão para os individuos que tiverem os necessarios diplomas de habilitação legal.

Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 3 de fevereiro do 1874. = Domingos Pinheiro Borges.

Foi admittido e ficou conjunctamente em discussão.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Barros e Cunha.

O sr. Barros e Cunha: — Se v. ex.ª não quer dar a palavra a algum sr. deputado que seja a favor do projecto, eu, pela minha parte, desisto.

O sr. Presidente: — Eu vou perguntar aos srs. deputados inscriptos, quaes são a favor do projecto e quaes são contra.

O sr. Barros e Cunha: — A cautela, desisto.

O sr. Francisco de Albuquerque: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar).

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Vou apenas dizer duas palavras sobre o assumpto, e desde já declaro á camara e a v. ex.ª, que de certo não incommodaria o auditorio prendendo a sua attenção, nem me incommodaria a mim proprio se porventura eu não visse, que a este projecto está ligada a idéa da restauração completa e absoluta da engenheria civil, cuja extincção applaudi quando se effectuou e applaudo agora, extincção que hei de fazer manter quanto nas minhas limitadas forças couber (apoiados).

Bem sei que este projecto não teve por origem a iniciativa do sr. ministro das obras publicas, bem sei que algumas camaras municipaes têem reclamado e protestado contra a engenheria districtal, por isso mesmo que n'este paiz ha sempre uma inclinação fatal para alijar quaesquer encargos, ainda mesmo que seja a troco de vantagens importantes, como são aquellas trazidas pela engenheria districtal (apoiados).

Nós precisámos ver na engenheria districtal mais alguma cousa do que um simples encargo sobre os municipios. A engenheria districtal é o exordio de uma descentralisação, que deve ser perfilhada pelas escolas liberaes e contra a qual não se devem levantar clamores e muito especialmente da parte d’aquelles que se dizem soldados d'esses partidos avançados (apoiados).

Não me admirava que o sr. Falcão da Fonseca, fazendo-se symbolo e representante d'esses clamores, apresentasse

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o projecto a fim de destruir a engenheria districtal, destruição que irá muito mais longe do que s. ex.ª imagina, porque d'ella redundaria a creação da engenheria civil.

Não me admiraria tambem que o sr. Falcão da Fonseca se fizesse interprete d'esses clamores porque todos sabem que s. ex.ª está filiado no partido ultra-conservador, no partido reaccionario, partido que contempla mais o passado do que o futuro (apoiados).

Não tenho duvida em dizer isto, até porque o illustre deputado relator da commissão, muito costumado pelo pendor natural do seu espirito a estudar as epochas geologicas da terra, não poz difficuldade de se encarregar de relatar este projecto, que não é senão o estudo de uma fauna que devia ter desapparecido (apoiados).

Temos portanto, que o sr. Falcão da Fonseca, não pela intelligencia, que muito respeito, mas pelo instincto partidario, como que pretende que uma d'essas eras já desapparecida da face do globo, e que só se póde conhecer por caracteristicos mais ou menos patheonlogicos, volte de novo á luz do dia.

Por outro lado o relator da commissão, o sr. Carlos Ribeiro, propenso a estes estudos, o querendo dar vida a um organismo já extincto, a uma sombra do passado, brande a machadinha certa contra a engenheria districtal.

Entre as camadas que desappareceram e as camadas que hão de vir, está pois dando a mão direita... ao mastodonte (diz aqui um amigo meu) ao plesiosauro, ao pterodactylo ou a qualquer organismo, e a mão esquerda a organismos futuros cujas formas estão embrionárias, mas que não têem comparação com as que desappareceram.

Sr. presidente, eu opponho-me portanto, por motivos realmente elevados, a esta resurreição que se pretende fazer da engenheria civil, sob color de alliviar os municipios de certos encargos com que não podem.

Se compararmos as estradas municipaes que tinham sido construidas até á epocha da creação da engenheria districtal, e as que se construiram de então para cá, ver-se-ha que a differença é espantosa. Veremos como os povos se vão empenhando na necessidade que ha de empregar todos os esforços para abrir novas vias de communicação, as quaes ligam os centros de producção com os do consumo. Como é, pois, que se pretende lançar o garrote e a destruição á engenheria districtal, se tudo tende a mostrar á conveniencia d'ella? Se o paiz se não tivesse mostrado maduro para a realisação d'esta idéa, se houvesse factos que mostrassem que o systema até agora adoptado não era conveniente, se se evidenciasse ao mesmo tempo que as camaras eram incapazes de corresponder ás necessidades municipaes, se todos estes esforços fossem em vão, eu diria que a epocha ainda não ía para este labor; mas se os factos afirmam o contrario, com que logica se pretende destruir a engenheria districtal.

Eu bem sei que o sr. ministro das obras publicas luta com grandes difficuldades ácerca de pessoal, e querer negar isto é querer negar a evidencia.

Os motivos da falta de pessoal são patentes, e residem principalmente na impossibilidade de centralisar os trabalhos.

Esta impossibilidade provém da anciã justissima que os povos têem de ver ao pé da porta os melhoramentos da viação (apoiados).

E para satisfazer quanto possivel estes justissimos desejos, não ha outro meio senão dispertar os trabalhos (apoiados).

Mas chamo a attenção do illustre ministro para isto: qual a rasão porque s. ex.ª, de accordo com o seu collega da guerra, não apresenta aqui uma reforma da engenheria de modo tal que o pessoal que possa estar a mais no ministerio da guerra venha fazer serviço nas obras publicas? Se antes da organisação da engenheria civil (uma das lembranças mais ruinosas que têem acudido ao cerebro do ministro que a creou) nós vemos que os officiaes do exercito satisfaziam plenamente ao serviço com uma dupla vantagem para a nação; sendo a primeira de não augmentar excessivamente as despezas, e a segunda de exercitar n'estes delicadíssimos trabalhos da paz, e que são tambem uteis trabalhos da guerra, os officiaes, porque não havemos de voltar ao principio; e qual a rasão porque, para levantar, não digo perante o orçamento, mas perante a consideração publica, os engenheiros civis, se pretende dar-lhes uma vida falsa e vantagens que nunca podem ter realmente n'este paiz, que não comporta pelos seus recursos duas engenherias?! (Apoiados.) Se a necessidade do exercito é patente, se não ha exercito sem engenheria militar, e se a engenheria civil fórma uma excrescencia, uma sobejidão, não sei a rasão porque se pretende dar-lhe nova vida, a ella que tem tendencias para morrer, com grande applauso de todos os homens verdadeiramente liberaes e economicos d'este paiz!

Portanto vou mandar para a mesa uma proposta de adiamento, e esta proposta tem por especial fundamento não só as reflexões que acabo de expor, mas tambem a substituição que foi mandada pelo meu amigo o sr. Pinheiro Borges, substituição sobre a qual importa que cáia um parecer da respectiva commissão, e bem assim sobre as outras emendas (apoiados).

É preciso que todos estes diversos trabalhos vão á commissão para serem assimilados e estudados, a fim do que sobre elles venha um parecer completo (apoiados).

Mas ainda mais. O illustre ministro das obras publicas cujo zêlo pelo desenvolvimento da viação sou o primeiro a confessar e a applaudir, julga necessario augmentar o pessoal technico; não serei eu que lh'o recuse. E se apesar de tudo quanto fica dito, julgasse que a construcção podia lutar com difficuldades ácerca do pessoal, limitar-me-ia a votar contra, mas não faltaria.

Mas, sr. presidente, se os individuos da engenheria civil e districtal fossem para o ministerio das obras publicas, vinham conjunctamente com elles todos os serviços municipaes, e o governo ver-se-ía em muito maiores difficuldades em relação á falta de pessoal do que se vê n'este momento (apoiados).

Portanto, debaixo de todos os pontos de vista, a proposta e o parecer em discussão são essencialmente contraproducentes, e ainda mais, sr. presidente, sem eu querer de modo nenhum agora lutar pelo lustre da arma a que, tenho a honra de pertencer, acho grandemente singular que havendo n'esta casa tantos engenheiros, quer militares quer civis, havendo um ministro que tem representado com luzimento o seu papel, havendo todas estas condições, fosse necessariamente um illustre deputado, cuja intelligencia e boa vontade sou o primeiro a respeitar, mas que nada tem com a profissão, que viesse apresentar um projecto de lei, quando isso parece que devia pertencer principalmente ao governo.

Diz-me o meu illustre amigo o sr. Francisco de Albuquerque, que é em virtude das representações das camaras municipaes. As representações das camaras municipaes não vieram ao sr. Falcão da Fonseca.

O sr. Falcão da Fonseca: — Apoiado.

O Orador: — Não quero por fórma alguma pôr embaraço á iniciativa do illustre deputado e meu amigo, nem o censuro antes o applaudo. O que eu noto é que o sr. ministro, que tem olhos para ler essas representações e ouvidos para as ouvir ler, não se fizesse cargo d'ellas, e não diga francamente qual é a sua opinião, e se está de accordo com o parecer que ahi está exarado (apoiados).

Bem sei que este projecto saíu da iniciativa do illustre deputado, mas pergunto eu, o governo está de accordo com as idéas expendidas n'elle? (Apoiados.)

Eu desprendo-me absolutamente de todas as considerações partidarias n'este assumpto. Houve um homem de alta energia, cujas raras qualidades hei do confessar e louvar em toda a parte, o sr. Sebastião Lopes de Calheiros e Me-

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nezes (apoiados), que entendeu dever prestar um grandissimo serviço a este paiz, qual era o de fazer guerra crua e implacavel á engenheria civil, por despeitos pessoaes, que não lh'os consentiu o sou caracter elevado, mas por isso mesmo que este paiz não comportava a existencia parallela e conjuncta de duas engenherias.

Desde esse momento até agora, despeito (ódios não digo, e tambem não digo rancores, mas alguma cousa que se assimilha com isso), tem influido constantemente no animo dos antigos engenheiros civis, quer fossem militares quer não, para dar vida nova á engenheria que morreu em 1868, com grande applauso (apoiados).

Esta engenheria morreu, devia ter morrido e não pede já resuscitar. A engenheria civil soffreu condemnação absoluta e irremissível da opinião publica; contra ella levantaram-se clamores invensiveis, justíssimos e cheios de rasão (apoiados).

Os homens que exercitavam aquella profissão continuaram, como então, a merecer respeito e consideração de todos os que a conheciam; mas é certo que o paiz com o seu natural bom senso e com o seu instincto de conservação, conhecia que a engenheria civil era um flagello sobre o qual devia caír aquelle celebre cutello das economias, que tão prestimoso foi (apoiados).

Sr. presidente, vou terminar.

Parece-me que ha já diversas propostas de adiamento. Talvez seja desnecessario escrever a minha; comtudo vou formula-la e manda-la para a mesa (apoiados).

Leu-se na mesa a seguinte proposta de adiamento

Proposta

Proponho que este projecto seja adiado até que o sr. ministro das obras publicas, de accordo com o seu collega da guerra, apresente n'esta sessão uma reforma de engenheria, e de modo que as necessidades technicas sejam satisfeitas pelo pessoal do ministerio da guerra. = A. Osorio de Vasconcellos.

Foi apoiado o adiamento e entrou em discussão com o projecto.

O sr. Falcão da Fonseca: —... (O sr. Deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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