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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADO

23.ª SESSÃO

EM 18 DE ABRIL DE 1910

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente, tendo segundas leituras dois projectos de lei, autorizando um empréstimo á Camara de Coimbra, da iniciativa de varios Srs. Deputados, e extinguindo de um logar de lente substituto na Escola Polytechnica, da iniciativa do Sr. Claro da Ricca. Foram admittidos. - Prosegue a discussão do incidente relativo á approvação da acta de sexta feira, 16. Usam da palavra os Srs. Presidente do Conselho (Francisco Beirão) e Magalhães Ramalho. A requerimento do Sr. Conde de Azevedo é a materia julgada discutida, lendo-se em seguida a reclamação mandada para a mesa pelo Sr. Pinto dos Santos, que é rejeitada. - O Sr. Presidente declara, em vista da resolução da Camara que a acta será conservada tal como está. É rejeitada a nota de rectificação da acta mandada para a mesa pelo Sr. Affonso Costa. É rejeitado o negocio urgente apresentado pelo Sr. Egas Moniz. - O Sr. Estevam de Vasconcellos manda para a mesa um projecto de lei, autorizando a Camara de Aldeia Gallega a levantar determinada quantia. - O Sr. Brito Camacho pede providencias para que comece a funccionar a escola de Benavente e manda para a mesa uma representação da camara respectiva. Responde o Sr. Presidente do Conselho. - Por proposta do Sr. Conde de Azevedo são aggregados dois Srs. Deputados á commissão de pescarias. - Pedem documentos os Srs. Affonso Costa, Pereira Cardoso e Egas Moniz. - O Sr. José Rebello annuncia um aviso previo ao Sr. Ministro da Fazenda. - O Sr. D. Luiz de Castro apresenta um projecto de lei melhorando as condições dos fiscaes de caminhos de ferro. - O Sr. Oliveira Simões declara que lançou na caixa respectiva representações da Camara de Leiria e dos escrivães de execuções fiscaes de Oeiras. - São mandadas para a mesa representações da Camara de Benavente, dos empregados do Governo Civil de Bragança e dos funccionarios do Instituto de Villa Real.

Na ordem do dia prosegue a discussão do projecto de lei n.° 8, sobre o regime saccharino na Madeira. É admittido, ficando em discussão uma proposta do Sr. Brito Camacho, mas rejeitado o requerimento para que essa discussão fosse immediata. - Sobre a ordem usam da palavra os Srs. Antonio Osorio Sarmento, Pereira dos Santos, Conde de Paçô-Vieira e Egas Moniz.- São admittidas a moção e questão previa respectivamente dos Srs. Antonio Osorio e Pereira dos Santos.- Durante o discurso pronunciado pelo Sr. Egas Moniz é interrompida por duas vezes a sessão, encerrando-se em seguida.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Conde de Penha Garcia

Secretarios - os Exmos. Srs.:

João José Sinel de Cordes
Antonio Augusto Pereira Cardoso

Primeira chamada: - Ás 2 horas da tarde.

Presentes: - 10 Srs. Deputados.

Segunda chamada: - Ás 2 horas e meia da tarde.

Presentes: - 92 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel de Mattos Abreu, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alfredo Pereira, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José de Almeida, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues fogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro. Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Pereira do Valle, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branço, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Sentia Barcellos, Conde da Arrochella, Conde de Azevedo, Conde de Mangualde, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Reboredo Sampaio e Mello, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Emygdio Lino da Silva Junior, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando de Sousa Botelho é Mello (D.), Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Xavier Correia Mendes, Henrique de Mello Archer e Silva, João Augusto Pereira, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Soares Branco, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Mattoso da Camara, Jorge Vieira, José Antonio da Rocha Lousa, José de Ascensão Guimarães, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Caetano Rebello, José Estevam de Vasconcellos, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim da Silva Amado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Vieira Ramos, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, João dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis da Gama, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Nunes da Silva, Manuel de Sousa Avides, Manuel Telles de Vasconcellos, Mariano José da Silva Prezado, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodrigo Affonso Pequito, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thom'as de Almeida Manuel de Villhena (D.), Vjsconde de Coruche, Visconde de Ollivã, Visconde da Torre é Visconde de Villa Moura.

Entraram durante a sessão os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Abilio Augusto de Madureira Beça, Affonso Augusto da Costam Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Braga, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Carlos de Mello Barreto, João Correia Botelho Castello Branco, João Duarte de Menezes, João Henrique Ulrich, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Tavares, Joaquim Pedro Martins, José Augusto Moreira de Almeida, José Caeiro da Matta, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Malheiro Reymão, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Simões, José Maria de Queiroz Velloso, Luis Filippe de Castro (D.), Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Francisco de Vargas, Miguel Augusto Bombarda, Thomás de Aquino de Almeida Garrett e Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça.

Não compareceram a sessão os Srs.: Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Conde de Castro e Solla, Diogo Domingues Peres, Eduardo Burnay, Ernesto Jardim de Vilhena, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Joaquim Fernandes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João José da Silva Ferreira Neto, João Pereira de Magalhães, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Mattos, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Roberto da Cunha Baptista e Visconde de Reguengo (Jorge).

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SESSÃO N.° 23 DE 18 DE ABRIL DE 1910 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Fazenda, enviando 180 exemplares do Orçamento Geral do Estado para o anno económico de 1910-1911, a fim de serem distribuidos pelos Srs. Deputados.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, enviando 15I exemplares, em volume, dos documentos respeitantes ao litigio entre o Estado e o empreiteiro da construcção da 9.º secção da linha ferrea do Douro, a fim de serem distribuidos pelos Srs. Deputados.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, participando não poder satisfazer ao requerimento apresentado peio Sr. Deputado Joaquim Pedro Martins, em sessão de 15 do corrente, sobre o parecer emittido da Procuradoria Geral da Coroa, sobre os contratos realizados pela União dos Viticultores de Portugal.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, enviando nota das quantias despendidas até 31 de março findo corri a alluição dos edificios do Theatro e Club-Academico da cidade de Coimbra e com a reconstrucção dos mesmos edificios, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Sergio da Silva e Castro.

Para a secretaria.

De Maria Emilia Leite de Moraes Carvalho, agradecendo o voto de sentimento approvado pela Camara, em sessão de 2 do corrente mês, por occasião do fallecimento de seu marido Alfredo de Moraes Carvalho.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Srs. Deputados. - A actual Camara Municipal de Coimbra, seguindo o exemplo dos países mais cultos, municipalizou a tracção eléctrica, encerrando assim o cyclo do movimento municipalizador que n'aquella cidade se fez sentir brilhantemente com a municipalização dos serviço do abastecimento de agua e da illuminação a gaz. Para levar por deante este melhoramento foi autorizado, por lei de 30 de julho de 1908, um emprestimo de 15D contos de réis. Mas, por um lado, as despesas da installação actual devem exceder esta verba, e, por outro, o melhor meio de tornar productivo este serviço é sem duvida o de ampliar a rede até onde o permittam as forças da Central, tal como está projectada, com o fim de satisfazer todas as necessidades da cidade.

Para isso é preciso a approvação de um projecto de lei, autorizando a Camara Municipal de Coimbra a contrahir um empréstimo de 60 contos de réis, visto os encargos d'este emprestimo excederem os limites estabelecidos no artigo 425.° do Codigo Administrativo.

O Parlamento não teve duvida em votar este emprestimo, desde o momento em que elle é simplesmente o com pleraento necessario do que foi autorizado por lei de 30 de julho de 1908.

N'estas condições, temos a honra de submetter á approvação da Camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E 6 Governo autorizado a conceder á Camara Municipal de Coimbra permissão para contrahir um empréstimo de 60:000$000 réis, ainda que os seus encargos juntos aos dos empréstimos anteriores excedam a quinta parte da sua receita, com destino que não poderá ser alterado, aos serviços munipalizados da tracção eléctrica na cidade e seus suburbios.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. =. José Gonçalves Pereira dos Santos = Sabino Maria Teixeira Coelho = Amadeu Infante de Lacerda = Francisco Miranda da Costa Lobo = Antonio Alves de Oliveira Guimarães.

Foi admittido e enviado á commissào de administração publica.

Projecto de lei

Senhores. - O decreto com força de lei de 14 de dezembro de 1869, n.° 2.° do seu artigo 2.°, supprimiu tres logares de lentes substitutos dos quatro então vagos na Escola Polytechnica de Lisboa. Esses quatro logares eram um de substituto das quatro cadeiras de mathematica, um de substituto da cadeira de geometria descritiva, um de substituto das duas cadeiras de chimica e um de substituto de desenho.

O decreto citado, supprimindo tres, não determinou quaes d'estes fossem, nem attendeu ás necessidades impreteriveis do serviço escolar.

Como não podia, sem inconveniente gravei supprimir-se as substituições de geometria descritiva e desenho, o Ministerio do Reino nomeou em 28 de março de 1870 um official encarregado de auxiliar o lente proprietario da cadeira de geometria descritiva conforme proposta do conselho da Escola Polytechnica, e especialmente de coadjuvar o ensino pratico. Esse official foi nomeado, por concurso, professor substituto de desenho em 16 de julho de 1873.

O decreto de 13 de setembro de I897 exigiu a geometria descritiva como preparatorio indispensavel, para os ainmnos destinados aos, cursos de infantaria e cavallaria, quintuplicando, em media, a frequencia d'esta cadeira, que até então só era exigida como preparatorio aos alumnos dos cursos de artilharia, engenharia militar e engenharia civil. Como consequencia, o official citado, já então professor proprietario de desenho, foi encarregado da regencia das turmas supplementares theoricas e praticas de geometria descritiva, pela impossibilidade de um só professor reger as turmas theoricas d'esta cadeira.

Quer dizer, de facto desde 1870 a cadeira de geometria foi sempre regida por dois professores, apesar do disposto no decreto de 14 de dezembro de 1869, unica maneira de não prejudicar b ensino, e a necessidade dos dois professores mais indispensavel , se tornou depois da publicação do decreto citado de 15 de setembro de 1897.

Pelo fallecimento do lente proprietario de geometria descritiva foi o seu auxiliar referido nomeado, por concurso, lente dessa cadeira, por decreto de 5 de novembro ultimo.

São obvios os inconvenientes que resultam do estado anormal criado pelo decreto de 1869, impondo-se a obrigação imprescindivel de voltar á existir legalmente a substituição de geometria descritiva, como de facto sempre existiu desde a criação d'esta cadeira, o que de resto se torna facil sem o menor dispendio para o Thesouro.

Com effeito, a carta de lei de 22 de junho de 1898 desdobrando a 7.ª cadeira (mineralogia e geologia) da Escola;

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Polytechnica, criou um logar de lente substituto auxiliar para a mesma cadeira, logar que nunca foi preenchido por ser desnecessario, pois que este cadeira, cuja frequencia é só precisa para os alumnos de artilharia e de angenharia, tem dois professores: o proprietario e o substituto. No entretanto, o Orçamento Geral do Estado prevê, como de lei, o respectivo vencimento, no capitulo X, secção II e artigo 66.° do orçamento do Ministerio do Reino. Sem que o ensino soffra, pode ser supprimido o logar de substituto auxiliar e transferida a respectiva verba para a criação do substituto de geometria descritiva.

Por estas razões, tenho a honra de propor á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Fica extincto o logar vago de lente substituto auxiliar da, 7.ª cadeira (mineralogia e geologia) da Escola Polytechnica, criado por carta de lei de 22 de junho de 1898.

Art. 2.° É restabelecido o logar de lente substituto da cadeira de geometria descritiva da mesma Escola Polytechnica.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario. = Claro da Ricca.

Foi admittido e enviado á commissao de instrucção su-perior e especial.

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara. Vae proseguir-se no incidente levantado no sabbado sobre a approvação da acta da sessão de sexta feira.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Veiga Beirão): - Sr. Presidente: na ultima sessão o illustre Deputado o Sr. Dr. Pereira de Lima pareceu ter manifestado o desejo de que eu tomasse parte n'esta discussão.

Não costumo recusar-me a estes convites, é por isso desde que S. Exa. me fez o favor de me convidar a tomar parte nesta discussão, eu aqui estou pronto, mesmo porque a propósito do assunto que se discute eu julgo conveniente allegar alguma cousa por parte do Governo perante a Camara dos Senhores Deputados da Nação, a fim de que, no veridictum final e definitivo que tem a proferir sobre esta questão, ao menos possa ser ouvido o que eu julgo de interesse publico dizer á Camara.

Sr. Presidente: o Governo actual não tem no assunto que deu origem ao incidente que neste momento se discute, quanto ás causas que o originaram, a minima responsabilidade. (Apoiados), nem directa nem indirecta, nem mediata, nem immediata; sente-se, portanto, perfeitamente á vontade. (Apoiados). Encontrou pendente esta questão a que se não pode negar importancia; era dever indeclinavel do Governo procurar resolve-la; para isso empenhou não só o melhor da sua intelligencia, mas o mais do seu trabalho. Devo dizer á Camara, com toda a franqueza, que esta questão não estava no dia 2 de janeiro resolvida de modo que pudesse ser apresentada á Camara; os trabalhos, os estudos seguiram, e a Camara, que já a conhece em todos os seus meandros sabe quanto ella é complexa e difficil, quantos interesses, quantos direitos ella abrange, e, portanto, não pode estranhar que o Governo entrado a 23 de dezembro, surprehendido por um terrivel flagello (Apoiados) em quasi todos os pontos do reino, que absorveu, por assim dizer, todo o seu cuidado e attenção, não pode estranhar, repito, que o Governo até 2 de janeiro não tivesse podido tomar uma resolução sobre essa questão por tal modo complexa. (Apoiados).

Digo isto para que ? Para accentuar, perante a Camara dos Senhores Deputados, como na outra Camara já o fiz, que as razSes do adiamento, as razões por que o Governo entendeu dever solicitar da Coroa o adiamento das Côrtes, não se ligam absolutamente nada com a chamada questão da Madeira (Apoiados). Entendeu o; Governo que, sendo este o ultimo anno da legislatura e tendo necessariamente de se proceder a uma eleição geral, devia apresentar ás Cortes duas propostas da reforma eleitoral e da revisão constitucional. (Apoiados). Opinou mais o Governo, e esse é o meu propósito de ha muito tempo, que este assunto não era nem para o Governo, nem exclusivamente para o partido progressista (Apoiados), era de todos e para todos, e, portanto, precisava dirigir-se aos differentes agrupamentos parlamentares a ver se era possivel, no meio das nossas tristes discordias politicas, e conforme, os interesses patrioticos, resolver-se de acordo entre todos nós aquillo que para todos era interesse. (Apoiados).

Esta é que foi a razão unica e exclusiva por que o Governo entendeu dever solicitar da Coroa o adiamento das Côrtes e formulou immediatamente as suas propostas, boas ou más - não discuto neste momento - para poderem ser apreciadas.

Devo dizer que me vi aqui accusado na ultima sessão, e, por assim dizer, reprovado em direito por um illustre professor da faculdade de direito, declarando que eu não conhecia nada do que era o direito moderno. Foi uma triste reprovação - a primeira que recebi na minha vida. (Risos). Resta-me a consolação, porem, de que um outro illustre professor da mesma faculdade me approvou e com distincção! (Risos).

Portanto a distincção compensa-me a reprovação. (Risos). - (Apoiados).

Boas ou más, porem, que essas ideias sejam, apresentei-as com toda a simplicidade e franqueza. As reformas estão pendentes do estudo das commissões respectivas, onde estão representados todos os agrupamentos parlamentares.

Foi, pois, como disse, a razão por que requeremos o adiamento, e a questão chamada da Madeira - empreguemos este eufemismo - não teve nada com o adiamento.
Essa questão não podia ser apresentada senão quando o Sr. Ministro da Fazenda e o Sr. Ministro das Obras Publicas apresentassem os resultados do seu estudo.

Sr. Presidente: apresentámos este projecto ministerial ás Cortes e coube-me declarar - como não podia deixar de ser - que as Cortes estavam absolutamente livres para discutir, para apreciar, e para se pronunciarem sobre esse projecto. (Apoiados).

Trouxemos esse projecto aqui livre de toda e qualquer coacção (Apoiados), livre de toda e qualquer pressão. (Apoiados).

A commissão deu o seu parecer; esse parecer entrou em discussão; esta - devo dizer - correu serena; levantou-se um incidente no intuito de se promover á nomeação de uma commissão de inquerito. Era necessario ver o que havia de verdade a respeito de um acto relativo ou ligado com este assunto.

Que fez o Governo?

Declarou logo que estava pronto a acceitar toda e qualquer commissão de inquerito. (Muitos apoiados).

Acceitou, pois, essa commissão. Como ficou composta essa commissão?

Ficou composta por deliberação da Camara, de um representante dos diversos agrupamentos parlamentares que teem representação politica, definida, n'esta casa.

Creio que esta commissão dá á Camara e faz todo o país a maior garantia, pela sua absoluta imparcialidade (Apoiados), e o seu estudo será evidentemente severo e rigoroso oara se apurarem todas as responsabilidades.

Pela minha parte, louvo-me no juizo da Camara, e espero que a minha consciencia ficará socegada com o juizo mal d'esta causa.

Aqui está, portanto, o que fez o Governo. N'essa occasião, como tinha havido duas votações, embora sem caracter politico, mas a que me pareceu que a minoria lhe queria dar esse caracter, eu, que ha muitos annos penso que um Governo não pode continuar no poder sem que

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uma manifestação da Camara franca e clara se pronuncie pela sua conservação, levantei-me e pus, pura e simplesmente, a questão de confiança, e acrescentei que sendo urgente a resolução da questão da Madeira eu pedia á Camara que nesse mesmo dia me d'esse uma manifestação.

E porventura este um incidente novo na vida parlamentar? Isto está succedendo todos os dias em todos os Parlamentos do mundo. Não ha Governo que se preze que possa acceitar uma situação duvidosa. Este Governo não a acceita. A Camara pronunciou-se.

(Aparte do Sr. Affonso Costa, que não foi ouvido).

Nesse ponto não estou de acordo com S. Exa., e S. Juiz a ha de permittir que o Presidente do Conselho tenha uma opinião sua.

Na discussão da acta, um illustre Deputado, num gesto de espirito, foi desenterrar um velho discurso meu, e de que eu muito me glorio, e deu-me o prazer immenso de o ouvir recitar as minhas palavras numa voz muito mais autorizada, e de uma maneira muito mais apreciavel. (Apoiados).

O Sr. Affonso Costa: - E mais applaudida.

O Orador: - Veja V. Exa. como eu sou persistente nas minhas ideias. Tenho hoje mais maioria do que ha dezaseis annos. Como eu tenho progredido!

Eu não vou agora discutir o que se passou em 1894, mas só peço áquelles que queiram estudar a historia que inquiram das cousas que se deram em 1894 e em 1910, e que vejam se ha, não direi analogia, mas paridade entre os dois factos.

Eu deixo á consciencia do illustre Deputado, que muito espirituosamente me fez a honra de repetir as minhas palavras, comparar esses factos e depois dizer...

Quero accentuar alguns factos a respeito desta questão. Não irei recordar algumas paginas tristes da nossa historia politica. Não quero recordar o que foi que se antecipou a essa celebre sessão de 1894, mas quero só dizer o que n'ella se passou.

Porque foi que nessa sessão falei com tanto enthusiasmo? Foi porque a Camara recusava a palavra a um Deputado republicano.

(Interrupção do Sr. Affonso Costa).

O Orador: - O illustre Deputado ha de ser justo. Vá ouvindo. A primeira condição da justiça é ouvir o réu sem o interromper.

O Sr. Affonso Costa: - Mas para isoo é preciso que S. Exa. não inverta os termos, não se converta de réu em accusador.

O Orador: - Não estou invertendo cousa alguma, estou narrando os factos. A questão fora levantada na vespera, porque se recusava a palavra a um Deputado republicano. Portanto, foi na defesa de um Deputado republicano, e note V. Exa. que eu tinha razão para suppor que esse Deputado se queria dirigir contra mim. (Muitos apoiados).

Mas, Sr. Presidente, o que se decidiu nessa celebre sessão? Decidiu-se autorizar a mesa a publicar no Diario do Governo uma modificação restrictiva das liberdades parlamentares, e no dia seguinte, ainda antes de approvada a acta, appareceu no Diario do Governo essa modificação. Não me lembro, quem assinou esse documento, mas como o illustre Deputado se dirigiu aos membros d'esta Camara que nessa época eram meus collegas, dirijo-me tambem áquelles que faziam parte dessa Camara, que eram contra mim, e que hoje acompanhara o illustre Deputado.

Não ha paridade entre o que se passou em 1894 e o que se passou na sexta-feira.
Ora, a proposito do incidente, quero tambem ver soce-jados os meus amigos.

O illustre Deputado Sr. Affonso Costa declarou já, muito espirituosamente, que isto era um enterro de primeira classe. Devo dizer á Camara que é já a segunda vez que S. Exa. me dá as honras desse enterro; entretanto, eu ainda gozo de muito boa saude; e o que peço a S. Exa. é que não se apresse muito em fazer os convites para o funeral. (Risos). - (Muitos apoiados).

Aqui está, pois, o estado da questão.

Estamos discutindo, o que já discutimos durante uma são inteira, e parece que vamos continuar a discutir hoje a acta da sessão de sexta-feira.

Ora pergunto, sem a minima ideia de censura, se, neste momento, ao pais, e sobretudo á Madeira, o que importa é a discussão da acta de sexta-feira (Muitos apoia-los); e se, neste país, não ha hoje interesse que sobre deve a este: discutir a acta e que, a este proposito se distinta tudo quanto ha neste mundo, e até fora d'elle! (Muitos apoiados).

Ora, como a Camara é muito illustrada, sabe que a Historia é a mestra da vida, e que em circunstancias bem deploraveis, alguém soltará estas palavras: "Vós discutis"

A Madeira responde: "E eu morro!".

Ora esta é que é a questão que nos deve interessar a todos: Governo, maioria e minorias.

Olhemos um pouco para aquella parcela do Oceano, onde estão homens que são tão portugueses como nós, e que neste momento pedem a todos, ás Cortes e aos poderes publicos, que attendam á situação desgraçada em que elles se encontram.

O Sr. Affonso Costa: - Attenda-se á Madeira e não a Hinton. Por nossa parte estamos prontos a isso.

O Orador: - A questão não é essa; a questão é a Ilha da Madeira. Nós aqui estamos para todas as responsabilidades; nós e os que nos antecederam; mas, neste momento, ponhamos de parte qualquer outra questão. (Muitos apoiados).

(Ápartes da esquerda).

O Sr. Pereira dos Santos: - O que o Governo devia ter já feito era trazer á Camara qualquer medida urgente, porque a população da Madeira não pode soffrer nas suas colheitas. (Apoiados da esquerda). (Sussurro).

O Orador: - Quer o illustre Deputado, a propósito, saber uma differença que ha entre a sessão de 1894, que já foi tão citada, e a de 1910? É que a maioria, em 1894, deixou-me falar; e em 1910 a minoria não quer deixar-me falar. (Muitos apoiados).

(Protestos da esquerda}.

O Sr. João Pinto dos Santos (interrompendo): - V. Exa., que é Par do Reino, não pode estar discutindo a acta (Apoiados da esquerda); esta só pode ser discutida pelos Deputados. (Apoiados da esquerda).

O Orador: - O Sr. Deputado João Pinto dos Santos tem até certo ponto razão. (Apoiados da esquerda). Mas se o fiz, foi porque o illustre Deputado Sr. Pereira de Lima se me dirigiu...

O Sr. João Pinto dos Santos: - O pedido do Sr. Pereira de Lima era illegal, não tinha que ser satisfeito.

Vozes da direita: - Ora, ora...

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTAJDOS

O Orador: - A questão é esta: emquanto nós estamos discutindo a acta, a Madeira soffre.

Que é que tem feito o Governo? Apresentou á Camara este projecto e, por seu lado, a Camara deve apresentar os seus alvitres que nós discutiremos. (Apoiados).

Que é que tem sido apresentado pela Camara?

Unicamente a proposta para a nomeação de uma commissão de inquerito, a qual foi acceita pelo Governo, commissão, porem, que não diminue os males presentes nem os resolve.

Continuemos, pois, com a, discussão serena, como a todos convém, das providencias apresentadas pelo Governo, que, juntamente com a maioria, tem cumprido o seu dever (Muito bem), que saberá cumprir até ao fim. (Muitos e repetidos apoiados).

Neste momento, pedia a todos, sem distincção de partidos, que deixássemos a questão da discussão da acta,, e mie entrássemos de novo, immediatamente, na discussão do projecto.

Este é p pedido que tenho a fazer ás Cortes Geraes da Nação. Attender-me-hão? Não sei. Cada um ficará com as suas responsabilidades. (Muitos e repetidos apoiados).

(Vozes: - Muito bem. Muito bem).

(O orador; que foi muito cumprimentado por toda a maioria da Camara, não reviu o seu discurso).

O Sr. Magalhães Ramalho: - Sr, Presidente: terminou o Sr. Presidente do Conselho por dizer que entrássemos na discussão do caso da Madeira e não cuidássemos da acta.

Mas levou S. Exa. trinta e cinco minutos a discutir um assunto, em que, pelo regimento, não devia, absolutamente intervir. (Apoiados).

Que sinceridade é a do Governo pretendendo vir aqui dar-nos uma lição abusando do regimento e accusando a opposição de fazer obstruccionismo?!

Pois muito bem! Nós, apenas procuramos defender os interessas do pais, sómente não queremos que se discuta uma medida que é ruinosa para o Thesouro e para a Madeira, e que briga com os interesses da dignidade nacional.

Limito-me por isso, Sr. Presidente a discutir o que realmente está em discussão, que é a parte da acta contra a qual reclamamos. E se assim procedo não é pelo simples prazer de fazer um discurso, nem pelo propósito de fazer obstruccionismo.

Não; é porque se trata realmente de um acto deveras extraordinario, que a, maioria pretende praticar, approvando uma parte da acta na qual se relata um facto absolutamente tumultuado.

Dá-se até uma coisa curiosa, muito curiosa: é que muitos membros d'esta Camara, tratando-se de uma moção de confiança ao Governo, não a votaram; como, porem, estavam de pé, foi-lhes contado o voto.

Alem d'isso, não comprehendo o que diz o Summario d'essa sessão, publicado no dia seguinte. Diz-se ali que V. Exa., Sr. Presidente, interrompeu a sessão, pela primeira vez, ás 6 horas e 50 minutos reabrindo-a e fechando-a ás 6 e 5 minutos. Que dizer em 5 minutos fez-se nada mais do que o seguinte:

Em primeiro logar, V. Exa. pediu os nomes dos Srs. Deputados que deviam constituir a commissão que acabava de ser votada. O Sr. Antonio Cabral redigiu uma proposta de urgencia, apresentou uma moção de confiança ao Governo e a Camara, segundo pretendem, votou-a.

Ora, o artigo 137.° do regimento diz o seguinte:

(Leu).

Pergunto eu: em cinco minutos, ha materialmente tempo possivel para se fazer tudo isto? Não, o qune prova evidentemente que essa parte da acta é uma verdadeira burla.

E querem então impedir que nós, no legitimo direito de representantes d'esta Casa do Parlamento, que temos absolutamente os mesmos direitos que possuem os membros do outro lado da Camara, e não reclamemos contra uma affronta d'esta natureza?! É extraordinario!

Dando, porem, de barato, que se tivesse feito realmente tudo quanto a acta diz, pergunto eu: tratando-se de uma moção de confiança ao Governo, apresentada pela maioria que diz que os homens que estão no poder. são verdadeiros benemeritos, que a sua obra de regeneração é extraordinaria, quem era o Presidente que impediria que essa acta fosse discutida á luz do dia? Então pode-se considerar como verdadeira uma moção de confiança ao Governo, votada tumultuariamente?

Triste situação do Governo e triste confiança que a maioria n'elle tem, para impor aqui uma moção votada nessas condições!

Tratando-se de uma moção de confiança votada n'aquellas condições, eu declaro terminantemente que, se porventura fosse Governo e me assentasse nas cadeiras do poder, sairia daqui envergonhado!

A moção já não era uma moção de confiança, mas um De profundis, que se ha de rezar á beira da cova, que para bem deste país ha de sepultar o actual Governo.
Tratar unicamente da questão da Madeira e approvar a acta?!

E é um Par do Reino, um Presidente do Conselho, que ousa discutir aqui um assunto em que não tem direito de intervir!

O illustre Deputado Sr. Pereira de Lima convidou, diz-se, o Governo, para responder ás suas observações.

Mas não tinha ò Governo qualquer outra occasião para lhe responder?

Não, o desejo do Governo era unicamente provocar-nos e converter em realidade a ameaça que já paira no ar - a dissolução da Camara.

Se é uma ameaça, contra ella protesto desde já. (Apoiados da esquerda).

(O orador não reviu).

O Sr. Conde de Azevedo: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que V. Exa. consulte a Camara sobre se julga a materia sufficienternente discutida. - Conde de Azevedo. Lido na mesa é approvado por 65 votos contra 42.

O Sr. Presidente: - Em vista da resolução da Camara vou mandar ler a reclamação enviada para a mesa pelo Sr. Deputado João Pinto dos Santos, afim de ser submettida á votação.

É a seguinte:

Os Deputados abaixo assinados reclamam contra a redacção da acta da sessão de hontem 15, da qual consta: ter sido admittida a urgencia da nota mandada para a mesa pelo Sr. Deputado Antonio Cabral; ter sido admittida á discussão uma moção que a acta diz ter sido apresentada por aquelle Sr. Deputado e ter sido approvada, sem ninguem ter pedido a palavra, tal moção de confiança politica: e sustentam que, em face do regimento, nem tal urgencia podia votar-se, nem essa moção ser admittida e votada, sem discussão, no estado tumultuoso em que se encontrava a Camara e que forçou a interromper-se e depois a encerrar se a sessão nos termos do artigo 179.° do regimento.

E por taes razões requerem que da acta seja eliminado, em homenagem á verdade dos factos, tudo o que se refere aos incidentes determinados pela nota que o Sr. Deputado Antonio Cabral quis mandar para a mesa, e depois da qual não puderam proseguir os trabalhos da Camara. = João Pinto dos Santos = Antonio Centeno = J.

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SESSÃO N.° 23 DE 18 DE ABRIL DE 1910 7

A. Moreira de Almeida = Egas Moniz = Joaquim Pedro Martins.

Consultada a Camara foi regeitada.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se á reclamação mandada para a mesa pelo Sr. Deputado Affonso Costa, a fim de ser submettida á votação.

Leu-se a seguinte

Nota de rectificação da acta da sessão especial de 15 de abril

De harmonia com as considerações feitas verbalmente, requeiro se elimine a parte da acta da sessão de hontem que vae desde as palavras "O Sr. Antonio Cabral apresentou..." até as palavras "... approvada por maioria". São as linhas 5.ª a 16.ª da ultima pagina. = Afonso Costa. - Concordamos. = Alexandre Braga = Antonio José de Almeida = Estevam de Vasconcellos = Brito Camacho = Feio Terenas = João de Menezes.

O Sr. Affonso Costa: - Peço que seja lida a parte da acta a que se refere a emenda.

Leu-se.

O Sr. Presidente: - Submette á votação da Camara a nota de rectificação apresentada pelo Sr. Affonso Costa.

Consultada a Camara, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Em vista das resoluções da Camara, será conservada a acta como está redigida.

Como falta ainda um quarto de hora para se passar á ordem do dia, vou conceder a palavra aos Srs. Deputados que queiram usar d'ella.

O Sr. Egas Moniz: - Peço a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Egas Moniz a vir á mesa expor o seu negocio urgente.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - O negocio urgente do Sr. Egas Moniz é o seguinte:

Negocio urgente

Desejo, em negocio urgente, propor que a commissão de inquerito nomeada para investigar sobre a denuncia do parecer da Procuradoria Geral dá Coroa fique igualmente incumbida de averiguar todas as responsabilidades havidas no caso Hinton, de acordo com as declarações do Governo na sessão de 15 do corrente, de que acceita toda e qualquer commissão de inquerito sobre o assunto da Madeira, porque deseja tudo absolutamente claro; e que essa commissão continue com estas attribuições até ser nomeada outra commissão pela Camara dos Deputados. = Egas Moniz.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Camara se considera urgente o assunto.

Foi rejeitado.

O Sr. Egas Moniz: - Querem todos os inqueritos desde que se não façam.

O Sr. Affonso Costa: - Aqui está a prova de como o Sr. Beirão acceita todos os inqueritos.

Ápartes.

Sussurros.

A sessão torna-se agitada.

O Sr. Esteyam de Vasconcellos: - Mando para a mesa um projecto de lei autorizado a Camara Municipal de Aldeia Gallega do Ribatejo a levantar do fundo de viação a quantia de 427$220 réis, a fim de proceder ás reparações necessarias na fonte publica que abastece a freguesia de Ganha.

Não peço a urgencia para o projecto de lei, porque esse assunto devia ser resolvido pela própria camara municipal, e por julgar que as commissoes não darão sobre o projecto o seu parecer, devido ao seu facciosismo.

O projecto ficou para segunda leitura.

O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: sinto que não me tenha chegado a palavra estando presente o Sr. Ministro das Obras Publicas, porque era directamente a S. Exa. que me queria dirigir, mas está o Governo representado, e assim farei as minhas considerações.

Trata-se mais uma vez de Benavente.

A escola de Benavente não funcciona porque não pode funccionar.

Em Benavente nada se tem feito para reconstruir casas e não só isso é prejudicial áquella villa mas ainda ao Catado, e n'este ponto dirijo-me ao Sr. Ministro da Fazenda para que elle se interesse por áquella região, ainda que não seja senão para arranjar dinheiro para enviar áquella localidade.

Contribuo a camara municipal daquelle concelho com uma larga quantia para a instrucção, e tem continuado a contribuir, apesar de não ter escola, e nem ao menos haver sido acceite o offerecimento para o respectivo professor continuar a dar escola num edificio particular.

Nestas condições, a Camara Municipal de Benavente resoiveu recorrer ao Parlamento e fez-me portador de uma representação nesse sentido, a qual posso dizer, está escrita nos termos mais correctos, pode mesmo dizer-se nos termos mais parlamentares, e por isso me atrevo a pedir a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do Governo. Esta representação pede em conclusão o seguinte:

(Leu).

Podia fundamentar as razões deste pedido, mas simplesmente lembrarei que não soffreram as reparações de que careciam segundo pedido:

(Leu).

Esta providencia só é util sendo immediata e V. Exa. comprehende muito bem que esta expropriação devia estar feita ha muito tempo.

Terceiro pedido:

(Leu).

Pedem simplesmente que os deixem fazer uma cousa que o Governo se devia antecipar a ter feito.

Quarto pedido:

(Leu).

Este, Sr. Presidente, é da mais elementar justiça e não o fazer é uma cousa verdadeiramente mais que injusta, é irrisoria. Da ultima vez que falei sobre Benavente, contei o que se havia feito em Franca por occasião das ultimas innundações, perante o Ministerio anterior pugnei para que se fizesse um emprestimo a fim de que em Benavente os pequenos proprietarios, que foram quem mais soffreu, porque os indigentes como nada tinham nada perderam, pudessem reconstruir as suas propriedades. Em França fez se um emprestimo nas condições mais favoraveis para esses pequenos proprietarios poderem reparar os seus prédios, e cá podia-se muito bem fazer a mesma cousa. O Estado nada perdia, antes ganhava, porque recebia as contribuições, que presentemente não recebe, e um juro razoavel pelo empréstimo que fizesse.

Lembrei ao Ministerio anterior a vantagem de se fazer

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a mesma cousa, mas não insisti nesse pedido, porque podia parecer mal que eu viesse pedir um emprestimo para individuos que não eram perfeitamente indigentes.

O Sr. Presidente: - Previno o Sr. Deputado de que faltam apenas V cinco minutos para se passar á ordem do dia.

O Orador:-Eu acabo já.

Era tudo isto que tinha a dizer sobre Benavente. Estou convencido de que o Governo tomará na devida consideração o pedido. Mas mais uma vez desejo frisar o seguinte facto: é que não ha escola em Benavente, e o seu professor não foi autorizado a dar aula numa casa particular, que, para tal fim, lhe foi posta á sua disposição. Quer dizer: ha um anno que se não dão aulas em Benavente. Este facto, como o Governo deve calcular não pode de forma alguma continuar a dar-se.

Parece me isto de elementar justiça e espero que o Governo attenda ás reclamações que acabo de fazer. Como a representação está escrita nos termos mais correctos, peço a V. Exa. consulte a Camara sobre sepermitte que ella seja publicada no Diario do Governo.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Veiga Beirão): - A representação que o illustre Deputado apresentou é dirigida ás Côrtes. Elias deliberarão como julgarem conveniente. Eu é que nada tenho a dizer com respeito a essa representação.

Quanto ás reclamações que S. Exa. dirigiu ao Governo, transmittirei ao meu collega do reino as observações feitas por S. Exa., e certamente serão attendidas sendo de justiça.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Consulto a Camara sobre se permitte a publicação no Diario do Governo da representação apresentada pelo Sr. Brito Camacho.

Foi autorizada.

O Sr. Conde de Azevedo: - Mando a mesa a seguinte

Proposta de aggregação

Proponho, em nome da commissão de pescarias, que a ella sejam aggregados os Sr. Deputados Alexandre de Albuquerque e Vicente de Almeida d'Eça. = Conde de Azevedo.

Foi approvada.

O Sr. Affonso Costa: - Peço ao Sr. Presidente do Conselho que recommende ao Sr. Ministro da Marinha um pedido de documentos, que faço, dos quaes tenho muita urgencia.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Francisco Beirão): - Transmittirei ao meu collega da marinha o pedido do Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia. Convido os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandá-los para a mesa.

O Sr. Affonso Costa: - Mando para mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que me sejam enviadas, com urgencia, copias dos seguintes documentos, que devem existir no Ministerio da Marinha e Ultramar:

1.° Despacho do Ministro da Marinha sobre a reclamação da Companhia Nacional de Navegação relativamente á navegação costeira das Africas;

1 2.° Officio do Governador Geral, Freire de Andrade, sobre o assunto;

3.° Pareceres das diversas repartições sobre o assunto;

4.° Parecer da Procuradoria Geralda Coroa, caso tenha sido consultada. = Affonso Costa.

Mandou-se expedir.

O Sr. Pereira Cardoso: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada a esta Camara copia das sentenças judiciaes e de tudo que se tem seguido no processo relativo aos arrendamentos das antigas fabricas da Covilhã, Fundão e Portalegre, e que tem corrido pela segunda repartição da direcção da contabilidade publica. = Antonio Augusto Pereira Cardoso.

Mandou-se expedir.

O Sr. Egas Moniz: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada, com urgencia, a copia da acta do Conselho Superior de Instrucção Publica em que foi resolvida e ordenada a syndicancia ao Lyceu de Aveiro. = Egas Moniz.

Mandou-se expedir.

O Sr. José Rebello: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Declaro que desejo interrogar o illustre Ministro da Fazenda acêrca da venda do logar de recebedor do concelho de Gavião, effectuada em maio de 1908, e legalizada por despacho de 30 de maio de 1908. Segundo as publicas declarações dos interessados, nem todo o preço dado pelo comprador chegou ás . mãos do vendedor. = José C. Rebello.

Mandou-se expedir.

O Sr. Luis de Castro (D.): - Mando para a mesa um projecto de lei estabelecendo que os fiscaes do movimento e trafego, que estiverem ao serviço da direcção fiscal da exploração de caminhos de ferro, terão o vencimento de categoria de 480$000 réis, emquanto se conservarem ao serviço da referida direcção.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Oliveira Simões: - Mando para a mesa as seguintes

Declarações

Declaro que lancei na caixa das petições a representação que para este fim me foi enviada, pela Camara Municipal de Leiria, pedindo para lhe ser votada no orçamento uma verba para conclusão da escola industrial de Leiria e das respectivas officinas. = O Deputado pelo circulo de Leiria, José de Oliveira Simões.

Para a secretaria.

Declaro que lancei na caixa de petições a representação dos escrivães das execuções fiscaes do concelho de Obidos, contra a proposta de fazenda n.° 10. = O Deputado por Leiria, José de Oliveira Simões.

Para a secretaria.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 8, sobre o regime saccharino na Madeira

O Sr. Brito Camacho: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Resultando da approvação da proposta de inquerito feita pelo Sr. Deputado Egas Moniz que a Camara delegou

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SESSÃO N.° 23 DE 18 DE ABRIL DE 1910 9

uma parte da sua competencia para continuar discutindo o projecto n.° 8 e sobre elle deliberar, propomos que fique adiada a materia da ordem do dia para quando o resultado do inquerito proposto vier á Camara. = Brito Camacho = Affonso Costa = Estevam de Vasconcellos = Feio Terenas = Antonio José de Almeida = Alexandre Braga,

É lida na mesa a proposta, sendo admittida, ficando em discussão com o projecto.

O Sr. Brito Camacho: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que entre immediatamente em discussão a proposta que está sobre a mesa, adiando a discussão do projecto n.° 8 para quando vier á Camara o relatorio da commissão de inquerito, conforme deliberação, tomada pela Camara na sessão de sexta feira ultima. = Brito Camacho.

É lido na mesa e submettido á votação.

O Sr. Presidente: - O requerimento do Sr. Brito Camacho foi rejeitado por 57 Srs. Deputados e approvado por 33.

Tem a palavra o Sr. Deputado Antonio Osorio.

O Sr. Antonio Osorio: -Quando entrou em discussão o projecto conhecido pela designação "questão da Macieira", fiz, desde logo, tenção de tomar a palavra sobre elle, por me ser syrnpathico o assunto, e mais me accentuei nesta resolução quando o illustre Deputado o Sr. Brito Camacho se referiu ao parecer da Procuradoria Geral da Coroa, do qual tive a honra de ser relator.

Eu não podia ficar silencioso neste debate, deixando de justificar esse parecer que tem sido aqui tão injustamente atacado.

O illustre Deputado, a quem acabo de referir-me, entendeu que esse parecer tinha duas partes distinctas. Na primeira negava ao reclamante Hinton todos os direitos por elle allegados e na segunda parte desdizia-se, sendo inteiramente contraditoria com a primeira.

(Interrupção do Sr. Brito Camacho): - S. Exa. achava, em todo o caso, que a segunda não era bem harmonica coma primeira.

V. Exa. sabe perfeitamente que esta Camara tem pessimas condições acusticas, sendo por isso facil não ter percebido bem o illustre Deputado.

No entanto S. Exa. entende que a segunda parte não está inteiramente de acordo com a primeira; e tanto basta para ter necessidade de dar explicações.

Nestas palavras encerra-se uma critica desfavoravel e menos justa, como mostrarei.

Julgo facil a minha tarefa e creio que conseguirei justificar o parecer, que é meu como relator e de todos os membros da Procuradoria Geral da Coroa que o approvaram. (Apoiados).

Hinton tinha apresentado uma reclamação contra o regulamento de 11 de março de 1909, que fazia algumas modificações ao regime dos vinhos dá Ilha da Madeira e allegava, fundado na lei de 24 de novembro de 1904, que tinha um direito garantido por quinze annos, para poder gozar das vantagens criadas pela legislação de 24 de setembro e 24 de dezembro de 1903; que o Estado não podia, em todo esse periodo, alterar por qualquer maneira a situação existente, pois havia um verdadeiro regime contratual; e ponderava que seria faltar, á lei dos contratos alterar por qualquer providencia, uma ou mais das suas clausulas.

Em conclusão, reclamava do Estado que suspendesse tres ou quatro artigos do regulamento de 11 de março de 1909, em cuja execução via imminentes importantes prejuizos.

O Governo d'esse tempo, que não era o actual, presidido pelo illustre estadista Sr. Conselheiro Wenceslau de Lima, resolveu consultar a Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda, acêrca d'esta reclamação.

Foram enviados para esta estação consultiva varios documentos relativos a tão importante assunto e entre elles. o parecer do Conselho de Fomento Commercial dos Productos Agricolas e um officio do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, de 14 de junho ultimo, em que se diz que a legação britannica em Lisboa recommendava ao nosso Governo aquella pretensão de Hinton.

A Procuradoria Geral da Coroa estudou detidamente a reclamação pendente e todos estes documentos.

Eu, como relator, levei para a conferencia um projecto de parecer, que serviu de base á discussão em face do processo e dos textos de lei applicaveis. A conferencia votou por unanimidade o meu parecer, apenas com uns leves retoques na redacção das suas conclusões.

Assentamos nesse parecer que o Sr. Hinton não tinha um regime contratual garantido, á sombra do qual pudesse vir dizer que, durante quinze annos, o Estado não podia de forma alguma modificá-lo.

Esta é a chamada primeira parte do parecer, inteiramente contraria ás pretenções de Hinton.

Esta consulta diz logo a seguir sem interrupção alguma o seguinte, que eu peço licença á Camara para ler:

(Leu).

Como se vê, esta parte diz (o regulamento foi de março) que na actualidade existe a matricula aberta para Hinton, para durar durante todo o anno de 1909.

A matricula importa para elle a sujeição a todas as clausulas do regime saccharino de 1903 e o gozo de todos os direitos correlativos.

O Estado, em face da lei, offereeeu-lhe a matricula e Hinton acceita-a.
O acordo annual ficou fechado.

Ora, tendo Hinton que sujeitar-se a todas as disposições do regulamento durante o periodo da matricula, tambem podia legitimamente pretender que o regime se mantivesse integro até o fim d'essa matricula, existente na data da publicação do regulamento de 11 de março de 1909.

O grande fabricante não podia exigir a manutenção do regime existente durante quinze annos; mas o Estado devia manter o statuo que até o termo da matricula actual, para não dar ensejo a reclamações.

Nesta ordem de ideias a Procuradoria Geral da Coroa era de parecer que os artigos do regulamento que tinham occasionado as reclamações de Hinton deviam ser suspensos até o termo da matricula existente, que, segundo supponho findaria em 31 de dezembro de 1909; o que quer dizer que desde 1 de janeiro de 1910 em deante o Governo podia pôr integralmente em execução o regulamento.

Se Hinton se matriculasse de novo em 1910 já sabia o regime em que ia viver, sem poder queixar-se. Sendo estes os factos, haveria contradição no parecer da Coroa? Não. Houve inteira coherencia.

O Governo nunca fez contrato algum com o Sr. Hinton por 15 annos, mas anno a anno, por virtude da acceitação da matricula o regime tomava a forma de um acordo, que o Estado durante o anno tinha obrigação de manter.

Este foi o parecer tão discutido da Procuradoria Geral da Coroa.

Seria mau? Seria bom? Eu ainda acredito que foi conforme o direito, e isto me basta.

Permitta-me V. Exa. que eu leia mais umas palavras do parecer.

(Leu).

Eram estas as palavras finaes.

Seguindo o Governo o parecer da Coroa, punha em

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10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

execução os artigos reclamados do regulamento, finda a matricula, então existente, desde 1 de janeiro de 1910 em deante.

Hititon matriculava-se ou não; era um problema a resolver.

Se se matriculasse, depois não podia queixar-se, mas se não se matriculasse, a situação era grave para a Madeira (era a situação actual).

Nós, os consultores da Coroa, previamos essa eventualidade, pois?! se elle tinha reclamado energicamente contra o regulamento do Sr. D. Luis de Castro, era natural que não se sujeitasse depois a elle. Qual seria então a situação da Madeira se Hinton se não matriculasse?

Era grave, como disse, e por isso o parecer aconselhava o Governo a aproveitar esse periodo de suspensão para estudar o assunto e ver se podia chegar a uma solução satisfatoria em que se harmonizassem os interesses attendiveis do fabricante com os interesses legitimos da Madeira.

O parecer, como se vê, aconselhou o Governo a trabalhar no sentido de uma bem ponderada conciliação.

Este conselho, exarado, na parte final, foi, segundo penso, seguido pelo Sr. Conselheiro Barjona de Freitas, entrando logo em negociações, no sentido de um acordo que não chegou a concluir porque deixou o poder, e foi seguido tambem pelo actual Sr. Ministro das Obras Publicas, o qual, logo que tomou conta da sua pasta, encontrando deante de si, á espera de decisão, o grave problema da Madeira, tratou do assunto com o maior interesse por forma a ver se conseguia que os fabricantes se matriculassem e a situação afflictiva da ilha desapparecesse, normalizando-se todos os factos economicos.

Por conseguinte a Procuradoria Geral da Coroa, se errou, já tem a seu lado a responsabilidade do Ministerio transacto e do actual, que seguiram o mesmo caminho.

(Apartes do Sr. Brito Camacho).

Os consultores da Coroa teem comsigo, partilhando essas responsabilidades, dois Ministerios que entenderam que o caminho do acordo era o unico sensato em face das circunstancias.

Posso acrescentar: não creio que possa haver Ministro da Coroa que se colloque systematicamente no terreno da intransigencia e fuja a procurar uma conciliação.

Ora, como S. Exa. muito bem sabe, a Procuradoria Geral da Coroa é uma corporação meramente consultiva; não tem senão responsabilidades moraes nos seus pareceres, mas essas não as declina. (Muitos apoiados).

Acerca deste parecer da Procuradoria Geral da Coroa levantou-se aqui uma questão muito grave, que chamou desde logo a attenção de toda a Camara.

Disse-se que alguem tinha levado uma parte do parecer ao conhecimento do illustre Ministro de Inglaterra na nossa Côrte. Esta affirmação é de grande alcance (Apoiados) e impressionou-me seriamente. Quem praticaria semelhante attentado?

Já aqui declarou o meu illustre collega e particular amigo Sr. Conde de Paçô-Vieira que a Procuradoria Geral da Coroa não o praticou. (Apoiados). Eu affirmo-o tambem categoricamente.

Á frente da Procuradoria Geral, da Coroa está um homem da maior respeitabilidade. É uma gloria nacional. (Apoiados). Está Antonio Candido. Não é preciso dizer mais nada, para toda a gente acreditar que uma corporação a que elle tão dignamente preside não poderia praticar um delicto d'essa ordem. (Apoiados).

Os ajudantes da Procuradoria, os meus collegas, são da maior probidade. (Apoiados). Fico por elles, como fico por mim. Não saiu tal revelação de nenhum d'aquelles magistrados, como não saiu do relator, que fui eu.

Sobre a secretaria, tambem não posso ter a menor suspeita desfavoravel. A frente d'ella está um velho servidor do Estado, um verdadeiro hcmem de bem. O secretario da Procuradoria Geral da Coroa é absolutamente incapaz de deixar sair da sua mão a copia de qualquer parecer. (Apoiados).

Quanto aos empregados subalternos, eu posso dizer tambem que servem ali alguns ha muitos annos, todos ha alguns annos, e nunca houve até hoje a menor razão de queixa contra elles, e todos sabem que em cada anno passam pelas mãos destes funccionarios muitos pareceres, envolvendo altos negocios do Estado, que muita gente desejaria conhecer, todavia não consta que nenhum, esquecendo o seu dever, se prestasse a qualquer inconfidencia.

Por esta exposição sincera, em que ponho toda a verdade e toda a minha probidade pessoal, eu estou convencido de que esta Camara e o país não culparão a Procuradoria Geral da Coroa de fazer revelações indiscretas e inconvenientes, communicando um parecer ao Sr. Ministro da Inglaterra ou a outra qualquer pessoa.

Infiro, portanto, com a mais absoluta segurança, que essa denuncia, que podia até chamar-se criminosa, se denuncia foi, não partiu da Procuradoria Geral da Coroa.

O Sr. Archer e Silva (interrompendo): - V Exa. dá-me licença?

Depois das palavras de S. Exa., eu quero fazer uma declaração.

Eu não accusei ninguem. Não fui eu que trouxe a questão ao debate, porque ella foi apresentada pela illustre minoria do partido republicano.

Eu era conhecedor do facto da denuncia da segunda parte do parecer feito ao Ministro inglês, e pelas minhas declarações respondo categoricamente, assumindo a sua inteira e completa responsabilidade.

Sendo conhecedor desse facto, intendi do meu dever, como Deputado da Nação, para com a Camara e pelas relações que me ligavam ao Sr. Barjona de Freitas, declarar a. verdade completa, custasse a quem custasse.

Creia S. Exa. que não accusei ninguem. Não sabia, nem sei quem é que fez essa denuncia e declaro que não tinha duvida de se eu soubesse quem era, o dizer, porque entendi que era o meu dever.

O Orador: - As minhas palavras não envolviam censura a S. Exa.

O Sr. Archer e Silva: - De forma alguma. Mas tambem S. Exa. não pode dizer que da minha parte houve accusaçoes.

A declaração que eu fiz fica de pé, e respondo por ella. Não accusei ninguem da Procuradoria Geral da Coroa.

O Orador: - Creio bem que S. Exa. não visou ninguém da Procuradoria Geral da Coroa.

Sempre assim pensei.

O que é certo, porem, é que não se sabe, com absoluta segurança, se se praticou semelhante attentado. Se se praticou conforme se diz, eu a esse respeito nada posso affirmar.

O Sr. Aifonso Costa (interrompendo): - V. Exa. não pode dizer se se praticou ou não esse crime. Não pode affirmar, nem põe em duvida. Não compete a S. Exa. discutir esse facto. A Camara resolveu que se averiguasse o autor dessa infamia, que foi aqui attestada não só pelo Sr. Archer e Silva, que disse ter falado com o Sr. Ministro dal Obras Publicas anterior, mas pelo Sr. Moreira Junior, que affirmou ter conversado com esse Ministro.

O Orador: - Se a Camara resolveu nomear essa com-missão de inquerito, fez bem.

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SESSÃO N.° 23 DE 18 DE ABRIL DE 1910 11

O Sr. Affonso Costa: - Creio que V. Exa. tambem votou....

O Orador: - Eu não conheço nada...

O Sr. Affonso Costa: - O que eu pergunto é se V. Exa. tambem votou essa commissão...

O Orador: - Sim senhor. Votei-a e applaudo esse facto, e estimo muito que o Sr. Ministro das Obras Publicas tivesse acceitado a proposta de que saiu essa commissão. O meu desejo é que se faça toda a luz sobre esse acontecimento para que não recaiam suspeitas injustificados sobre quem as não merece. (Apoiados).

Por mim quero accentuar que do facto nada sei e d'elle só tenho o conhecimento que bebi nos discursos pronunciados nesta casa do Parlamento.

Feita esta declaração permitta-me V. Exa. e a Camara que eu pronuncie algumas palavras em defesa deste importante projecto.

Ouvi aos illustres Deputados da opposição levantar uma accusação contra o Governo porque se demorou em trazer ao Parlamento a questão da Madeira, apresentando o projecto na altura adeantada da sessão, em que não pode discutir-se com a precisa acuidade e amplitude que o caso demanda.

Esta accusação não é justa.

O Governo quando assumiu o poder encontrou esta grave, questão em aberto. Já ella tinha, segundo julgo, tomado bastante tempo no Governo transacto ao iilustre Ministro das Obras Publicas e meu amigo o Sr. Conselheiro Barjona de Freitas, mas, a despeito da sua boa vontade, não conseguiu resolvê-la.

O ministerio progressista encontrou pela frente quando tomou conta do poder este grande problema a resolver - que se achava então num periodo agudissimo. Não esqueçamos uma circunstancia essencial que muito havia de preoccupar o Governo.

Hinton, que meses antes se contentava com a suspensão de alguns artigos do regulamento de 1909, em dezembro d'esse anno mudou a sua tactica; já não queria a suspensão dos artigos da regulamento, queria que o Estado lhe pagasse uma indemnização, por haver publicado aquelle regulamento, de 650:000 libras esterlinas. Esta reclamação, verdadeiramente fantastica, faz irritar os nervos de toda a gente que a ler. (Apoiados).

O Governo nunca, nem por momentos, reconheceu a Hinton o menor direito para fazer tal reclamação; repelliu-a in limine. Honra lhe seja. Bem se mostra que procedeu correcta e patrioticamente trazendo aqui um projecto que prejudica totalmente essa estranha reclamação e não custa cinco réis ao Thesouro.

Seria mais commodo seguramente negociar no terreno das indemnizações do que estudar cuidadosamente o regime que produziu o projecto actual. O Governo fugiu resolutamente d'esse terreno, repudiou sensatamente todas as indemnizações; mas o Estado precisava de estudar sem perda de tempo o regime a estabelecer, não para servir os interesses particulares de Hinton, mas para servir os interesses publicos da Ilha da Madeira. (Apoiados}.

Foi o que fez, sem hesitações e com animo firme.

O projecto ha de ver-se á luz deste criterio: liquida e inata definitivamente a monstruosa reclamação do grande fabricante que não pode sequer discutir-se, porque não tem razão de ser, mas que pesava sobre o Governo português já dias antes de o partido progressista entrar nos Conselhos da Coroa. E a Camara sabe como pesam sobre nos as reclamações de estrangeiros e como costumam sair-nos caras!

Este projecto ha de tambem estudar-se em face da afflictiva situação da Madeira, que é melindrosissima e obriga a um remédio pronto e efficaz.

Accusa-se o Governo de demora na apresentação do projecto. Mas o que havia de fazer uma situação politica que ha pouco tempo tomou conta do poder? O Governo procedeu a serios estudos e a negociações laboriosas até conseguir o projecto que se discute, que quando convertido em lei resolve a questão a contento de todos.

Podia o Governo não ter adiado as Camaras logo que se constituiu, disse um iilustre Deputado. Mas que importava que as Camaras estivessem abertas e não tivesse havido o interregno parlamentar, se o Governo não tinha, nem podia ter, elaborado o projecto que estamos apreciando?

V. Exa. comprehende que o Governo não podia, de um momento para outro, arranjar um projecto tão complexo como este. O adiamento das Camaras obedeceu a outros intuitos, inteiramente differentes. O Governo no dia 2 de janeiro, por melhor que fosse a sua vontade, não podia trazer aqui esta questão, se tivesse prescindido do adiamento, porque tinha tomado posse do poder apenas dias antes.

Frisado bem este ponto e pulverizada assim aquella accusação, passemos adeante.

Este projecto para ser bem comprehendido precisa de ser apreciado debaixo de dois aspectos capitaes: debaixo do ponto de vista dos interesses do Thesouro e debaixo do ponto de vista dos interesses geraes da Ilha da Madeira. Vou encará-lo em relação a estes dois aspectos. Em relação ao Thesouro este projecto impõe-se porque não custa um real ao Estado.

A grande, a importantissima reclamação de Hinton foi posta de parte, em absoluto, repudiada como um documento que nem merece honras de discussão.
Nada damos a Hinton.

Encargos de outra ordem tambem não ha no projecto; ficaram subsistindo para o Thesouro os mesmos onus que já existiam havia alguns annos; a situação que pretende estabelecer-se é substancialmente a mesma de 1903 a 1904, com algumas modificações sensatas, ditadas pela circunstancias, sem gravames financeiros.

Nada inclue o Governo no seu projecto que mereça ser censurado.

Estudei com toda a attenção todos os seus artigos; cotejei-os demoradamente, e em especial com os diplomas de 1903, e por esta analyse comparativa cheguei á conclusão firme de que os encargos do Thesouro não aumentam um real em relação ao que está actualmente legislado.

Por isso, encarada esta questão debaixo do ponto de vista dos interesses do Thesouro, não ha motivo algum para que a Camara não acceite o projecto pendente.

Propôs-se aqui por parte de alguns illustres Deputados que se adie a discussão do projecto e se nomeie uma commissão parlamentar para estudar as condições da ilha da Madeira, o seu regime saccharino, e trazer aqui um projecto novo.

Nos, maioria desta Camara, não podemos nem por um instante acceitar uma proposta desta natureza, filha de intuitos meramente politicos. Adiar esta discussão, nomear uma commissão para estudar o assunto, que está largamente estudado, e sobre o qual o Governo e maioria teem dado os necessarios esclarecimentos, não são ideias que mereçam acceitação por parte de quem quer trabalhar e resolver difficuldades.

A situação afflictiva da Madeira não se compadece com as delongas a que querem votá-la os illustres Deputados da opposição. A questão ou se resolve de pronto, ou os prejuizos são segurissimos e importantes: a verdade d'esse asserto resalta dos eloquentes discursos proferidos pelo no-

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHOKES DEPUTADOS

bre Ministros das Obras Publicas, meu particular amigo, e pelos illustres Deputados da maioria que me precederam. A questão repelle todo o pensamento politico e exige pronta solução para bem de todos.

O illustre Deputado Sr. Antonio Centeno, a proposito d'esta proposta, num discurso bem elaborado, como são todos os discursos que S. Exa. profere nesta casa, voltando-se para o illustre Ministro da Fazenda lembrou o encargo, a mais que pode trazer para p Thesouro o aumento de producção do açucar que este projecto vae originar.

Todos sabem que o açucar da Madeira entra no continente sem pagar direitos, portanto se a producção do açucar da Madeira aumentar maior será a porção deste producto que ha de entrar no reino e menor correlativamente a porção do açucar estrangeiro reclamado pelo consumo. O resultado será, disse S. Exa., uma forte diminuição nos direitos pautaes.

O illustre Ministro da Fazenda já respondeu a este argumento, mais apparente do que real.

Não desejo passar adeante sem dizer tambem algumas palavras sobre este aspecto da questão.

O raciocinio do illustre Deputado presuppõe que a cana saccharina na Madeira aumentará por effeito d'este projecto.

Pura illusão.

Bem apreciadas as cousas, a producção da cana saccharina ha de diminuir .e consideravelmente. A razão é simples, e esta previsão é fácil de fazer.

O preço pelo qual os fabricantes vão comprar a cana aos productores é variavel segundo as qualidades; e aquella, que estiver abaixo de uma determinada graduação saccharina é vendida, não por preço certo, mas pelo preço que for combinado entre os productores e fabricantes. Esta, circunstancia é sufficiente para levar ao seguinte resultado, que a todos nos. é licito prever:

Muitos dos terrenos que estão na actualidade applicados impropriamente ao cultivo da cana, e que dão um producto de qualidade inferior, hão de naturalmente desviar-se d'esta cultura e applicar-se a outra mais util e mais rendosa.

A conclusão, por conseguinte, será que a area cultural da cana na Ilha da Madeira, longe de aumentar, deve diminuir, e pprtanto a previsão pessimista do illustre Deputado o Sr. Centeno não terá razão de ser.

Podemos, pois, estar descansados, porque o projecto não pesa financeiramente no Thesouro Português, ao qual não traz nenhum encargo novo.

O projecto actual aggravará as condições da Ilha da Madeira, em beneficio dos fabricantes matriculados?

Eu devo dizer a S. Exa., Sr. Presidente, que não sinto a menor sympathia por Hinton, e se este projecto viesse a favorecê-lo, e a desfavorecer a Madeira, "eu não estaria aqui a defendê-lo. (Apoiados).

Este projecto procura resolver a questão por uma maneira honrosa e digna, dando satisfação a todos os interesses legitimos.

A melhor prova de que assim é está em que todos os productores da ilha estão plenamente satisfeitos. De lá teem vindo representações pedindo instantemente a approvação da obra do Governo.

A ninguem é licito suppor que elles querem o seu mal para servir interesses estranhos. Entre os representantes contam-se os homens mais graduados da ilha, de todos os partidos politicos, e os membros das mais altas e consideradas corporações locaes.

Esta consideração nos basta: podemos dar o nosso voto a este projecto com toda a segurança de que bem servimos os nossos compatriotas d'alem-mar, que o desejam e pedem como um beneficio salvador.

Queixam-se os illustres Deputados da opposição de que, pelo regime actualmente vigente (decretos de 24 de dezembro de 1903) Hinton tinha obrigação de comprar toda a cana por um preço variavel entre 450 e 500 réis, ao passo que pelo actual projecto ha quatro zonas em que o preço varia entre aquellas cifras, finando a cana inferior á 4.ª zona para ser vendida pelo preço que for livremente ajustado.

E dizem S. Exas. que a disposição relativa á cana de qualidade inferior envolve um risco enorme para os productores, ameaçados de serem sacrificados pela ambição gananciosa dos fabricantes.

Ora eu digo, ao contrario dos illustres opposicionistas, que estar disposiçãodo decreto é altamente vantajosa para todos. É vantajosa para os fabricantes, porque teem a certeza que, comprando a cana comprehendida nas quatro classes, adquirem um producto industrialmente aproveitavel, a que pagarem entre 450 e 500 réis já elles sabem, pela sua força saocharina, que é de muita utilidade para o açucar e para a aguardente, e a de qualidade inferior a 8°,5, por isso que vale menos, tambem a pagam por menor preço.

Por conseguinte, os fabricantes lucram, mas sem prejuizo dos interesses legitimos dos habitantes da Ilha da Madeira. No primeiro momento hão de alguns proprietarios abandonar a cultura dacana, que hoje existe em terrenos improprios e, por consequencia, soffrer prejuizo, mas passado esse pequenissimo abalo dos primeiros tempos os proprios proprietarios da ilha hão de reconhecer que os terrenos incapazes de produzir cana devem, no seu proprio interesse, ser dados a outras culturas e irão plantá-los de vinha, hortaliças e de tantos outros productos que ali estão faltando com grave prejuizo da economia geral.

Sr. Presidente: este projecto, alem de muitas outras vantagens que encerra, tem até esta: obriga por um processo indirecto os proprietarios da Ilha da Madeira a não cultivarem a cana nos termos inadequados para essa cultura, e assim a ilha, que tem hoje uma producção relativamente pequena de vinho e de frutas, pode amanhã voltar aos seus tempos de abundancia.

A proposito das compras dos saldos da aguardente de cana produzida pelas fabricas não matriculadas e que estas não conseguem vender até 31 de dezembro de cada anno muito se falou por parte dos illustres Deputados da opposição.

No decreto de 24 de setembro de 1903 estava exarada expressamente a obrigação das fabricas matriculadas comprarem estes saldos. É obvio: nesta disposição do decreto reside um onus importante para estas e uma enorme vantagem para aquellas. Succedeu praticamente que algumas das fabricas não matriculadas quiseram por vezes alargar o seu beneficio accumulando saldos de annos para annos e querendo que lhes fossem comprados juntos, quando as suas conveniencias as aconselhavam á venda. Da parte das fabricas matriculadas reagia-se contra este manifesto abuso, mas mesmo sem abuso os grandes industriaes procuravam esquivar-se tanto quanto podiam áquella sua obrigação legal.

Para resolver as difficuldades que daqui se originavam, vieram os despachos dos Srs. Conselheiros Calvet de Magalhães e D. Luis de Castro, com toda a opportunidade.

O projecto que se discute nada innova substancialmente sobre este assunto. As fabricas matriculadas continuam a ter obrigação de comprar os saldos por preço altamente remunerador, ficando as fabricas não matriculadas sujeitas apenas a manifestar os seus saldos no fim de cada anno.

Este manifesto é absolutamente indispensavel para evitar accumulação de saldos e para que as fabricas compradoras saibam o encargo com que teem de contar.
Por mais que leia o projecto não vejo francamente que de ao Sr. Hinton qualquer beneficio que não deva dar e

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que venha alterar substancialmente o estado anterior, pelo que respeita aos saldos de aguardente.

A critica que se tem feito ao projecto sobre a quantidade do alcool que como adubo deve ser empregado nos vinhos não é justa.

O Governo achara no regulamento de vinhos do Sr. D. Luis de Castro uma disposição fixando em 50 litros a percentagem do alcool a empregar em cada pipa de vinho. Contra esta medida houve reclamações da parte das fabricas matriculadas e dos commerciantes.

Não attendeu inteiramente nem uns nem outros, mas sensatamente resolveu apresentar uma modificação de caracter transitorio elevando essa percentagem até 55 litros, mas só até 31 de dezembro de 1913.

Os excellentes vinhos da Madeira não perdem as suas propriedades com este pequeno aumento e os abusos do passado, que consistiam na excessiva aguardentação, não mais tornam a repetir-se.

O Governo, estudando o problema saccharino da Madeira, procurou attender, tanto quanto possivel, ás varias reclamações que na secretaria foram recebidas, concluindo por acceitar esta solução conciliadora, que resolve, segundo julgo, todos os interesses.

Disse-se aqui que o Governo procedera illaqueado por influencias superiores e que, por este projecto, durante o espaço de nove annos, não pode alterar o regime saccharino, o que, no entender dos illustres Deputados da opposição, representa um grande mal.

Ora o Governo, encontrando em aberto e em periodo agudo a grave questão da Madeira, tinha que apresentar um projecto que representasse uma justa transacção ao agrado dos diversos factores economicos da ilha e matasse de vez o pedido de indemnizações, que fora desde logo repudiado; por isso, não podia de maneira nenhuma alterar substancialmente o regime que estava em vigor á data do regulamento do Sr. D. Luiz de Castro. Pela lei de 24 de novembro de 1904 a matricula ficou restricta ás fabricas a esse tempo matriculadas, devendo o regime existente durar por espaço de quinze annos. Mas, como a matricula era annual, era licito ás fabricas deixar de inscrever-se anno a anno, se assim o entendessem, furtando-se a essa matricula e por conseguinte ás suas consequentes responsabilidades. O projecto actual na base 49.ª consigna que se consideram matriculadas definitivamente essas mesmas fabricas até 31 de dezembro de 1918, sem necessidade de renovação annual de matricula. Por que motivo o Governo inseriu esta innovação?

Para ser agradavel a Hinton?

Não, positivamente.

Este fabricante argumentava contra o Estado com a lei de 1904, dizendo: eu tenho direito á effectividade do regime até 1918, integro, sem modificação alguma; mas para elle não havia parallelamente obrigatoriedade de matricula. Usando do seu direito, deixou de matricular-se no anno corrente, por não concordar com o regulamento do Sr. D. Luiz de Castro. D'aqui resultou uma grande perturbação para a Ilha da Madeira, porque fechar as fabricas é deixar de comprar a canna saccharina.

O Estado precisava de o obrigar á matricula até 1918, para que não aconteça amanhã o que está acontecendo agora; é preciso que se não repita a crise actual, tornando a dar-se a situação afflictiva de estar á porta a colheita da cana, sem haver fabricas em Laboração que possam approveitá-la.

Se o regime saccharino da ilha devia pela lei de 1904 durar até 1918, a matricula devia até então ser obrigatoria.

E uma prisão, dizem-nos, ainda por 8 annos, que melhor fora evitar: eu respondo perguntando aos illustres impugnadores se esta seriaa occasião adequada para se revogar a lei de 1904, cuja doutrina o Governo trasladou para o projecto actual.

A situação verdadeiramente critica e afflictiva da Ilha da Madeira obriga a uma solução de conciliação e não aconselha uma reforma radical, que neste momento podia trazer graves perigos.

Não se pode transformar de um momento para o outro a situação economica da ilha, que tem de viver ainda por muitos annos do producto da cana, o melhor dos rendimentos d'aquella região. Ao Governo cumpria, proporcionar-lhe um regime pelo qual este producto tivesse pronta extracção, porque a cana precisa de ser distillada pouco depois de colhida, sob pena de se estragar completamente.

Não pode estar a ilha sujeita aos caprichos de Hinton, que num anno se matricula e por conseguinte compra toda a cana e no seguinte deixa de matricular-se e fecha as fabricas, não havendo assim quem aproveite aquelle producto.

Se V. Exas. me perguntassem se este regime é bom, todo dependente da vontade e dos caprichos de Hinton, eu responderia que é mau. O regime fica melhorado pelo projecto actual, por causa da obrigatoriedade da cante fique responsavel por perdas e damnos.

É preciso que os madeirenses pensem na transformação da sua situação economica.

Emquanto na Ilha da Madeira houver a enorme producção de cana que tem na actualidade, emquanto não se estabelecerem outras fabricas com que possa de antemão contar para o aproveitamento das grandes massas de cana produzida, a ilha precisa absolutamente de Hinton, e pelas circunstancias sou forçado a dizer com pesar que não pode prescindir delle nos annos mais proximos.

A ilha, no seu legitimo interesse, precisa emancipar-se da dependencia d'este homem, mas só pode fazê-lo substituindo pouco a pouco a sua producção. Essa substituição, porem, não se faz de um momento para o outro; leva muitos annos a fazer; as fabricas novas não se vão montar facilmente, porque fabricas productoras de açucar, custam, muitas centenas de contos de réis. Mas se a producção da cana diminuir, o problema fica sensivelmente modificado, se não resolvido.

(O Sr. Brito Camacho diz um aparte).

O Orador: - Podem montar se novas fabricas, embora fiquem fora do regime actual, que dura só por alguns annos.

Mas emquanto lá não houver outras fabricas, e as que ha presentemente não bastam, temos absolutamente de contar com as fabricas de Hinton para dar vazão aquella grande massa de cana saccharina, annualmente produzida.

Portanto o Governo procurou assegurar a situação da ilha, para que amanhã Hinton por qualquer capricho não deixe de matricular-se e feche as suas fabricas.

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. que tem quinze minutos para concluir o seu discurso.

O Orador: - Muito obrigado.

Não quero tomar mais tempo á Camara.

Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Obras Publicas, apresentando este projecto ao Parlamento, deu mais uma prova do muito que vale o seu formoso talento (Apoiados), o seu patriotismo e o modo como sabe gerir as pastas que lhe são confiadas (Apoiados). A sua passagem pelo Ministerio da Marinha e Ultramar ficou assinalada em medidas que lhe dão sem favor o nome de um dos nosaos primeiros estadistas (Apoiados).

Agora apparece no Parlamento este projecto, escudado com o seu nome prestigioso.
D'elle em resumo penso que, apesar de tudo o que se diz em contrario, representa uma

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solução muito util e muito feliz para o grave problema da Ilha da Madeira.

Applaudo por isso sinceramente o nobre Ministro das Obras Publicas e o Governo e aos meus dignos collegas da maioria peço que votem o projecto porque representa um altissimo serviço prestado ao país. (Muitos apoiados. Vozes: Muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Pereira dos Santos: - Sr. Presidente: pedi a palavra sobre a ordem, quando o illustre Presidente do Conselho, acêrca da discussão da acta fazia largas e variadas considerações, começando pelo adiamento, falando nas suas reformas politicas e queixando-se de que a opposição fazia obstruccionismo.

Sr. Presidente: os intuitos d'esta opposição haviam já sido manifestados pelo facto de apenas dois oradores estarem inscritos acêrca da acta e, Sr. Presidente, para mais tornar saliente os intuitos da opposição, é necessario referir que o primeiro Deputado que se seguiu fez ligeirissimas considerações que pouco demoraram.

Foram as palavras do illustre Presidente do Conselho que vieram determinar por parte das opposições o pedido da palavra.

S. Exa. vinha provocar o obstruccionismo. É necesssario, visto que o Sr. Presidente do Conselho fez as suas declarações, com que parece procura arranjar meio para os seus planos politicos (Apoiados), que nos digamos tudo que nos cumpre dizer para defesa da correcção do nosso proceder. (Muitos apoiados da esquerda).

Disse o Sr. Presidente do Conselho que o Governo não tinha responsabilidade neste projecto, e assim é até o dia em que entrou no Governo, mas desde então começou a accumulá-las e hoje tem-nas enormes. (Apoiados). Para se defender de não ter desde logo, como lhe competia, trazido o assunto ao conhecimento do Parlamento, que singular defesa, que capa tão extraordinaria S. Exa. arranjou para encobrir a pessima mercadoria da insufficiencia do Governo, allegou que nos primeiros dias de governo, houve innundações no país.

Oh! Sr. Presidente, pode merecer o nome de Governo quem relativamente á marcha dos negocios mais importantes, os tem de suspender por uma circunstancia desta ordem!

Quando do alto do seu throno, nesta Casa, El-Rei apresentava o seu Governo, porque o Governo apresenta-se pelas suas medidas, quando acabava de dizer: "Dignos Pares e Srs. Deputados, são gravissimas as questões que temos a tratar; são urgentes todos esses assuntos; para elles peço a vossa cooperação", ainda o eco destas palavras se ouvia e já o Governo nos fechava a porta na cara, sem ao menos podermos dizer que tivemos muito gosto em conhecer o Governo de Sua Majestade.

Pois não é precisamente nesse diploma que .se devem referir todos os factos de importancia sobre que é necessario ser chamada a attenção do Parlamento? Mas nesse diploma é que o Governo tinha de dar parte ao Parlamento da questão mais grave, que era esta, a da Madeira. O Governo porem occultou-a, sonegou-a. (Apoiados). Esta é que é a verdade. Querem fugir ás suas responsabilidades? Não o conseguem.

Se, para os seus planos, o Sr. Presidente do Conselho quer dizer que as opposições apresentavam relutancia na discussão de medidas, posso dizer absolutamente: não é verdade, nunca o partido regenerador se podia apresentar mais rigoroso, relativamente ao seu plano.

Não quer isto dizer que elle pudesse apresentar o plano de reformas do Sr. Presidente do Conselho; não quer dizer que nos pudéssemos ir até o ponto de transigirmos nas nossas opiniões para, juntamente com todos, estabelecer uma base solida, um regime saguro para a administração do país.

Não; porque neste ponto devo dizer e afirmar: o partido progressista é o que tem menos autoridade, é o que não tem mesmo autoridade alguma para poder apresentar uma reforma politica.

Por mais estranho que isto pareça a V. Exa., Sr. Presidente, não hesito em affirma-lo para se fazer reformas politicas, é, realmente, necessario o concurso de todos os partidos, mas, para isso, é necessario ter-se suficiente autoridade.

Não pode inspirar confiança, na sinceridade de fazer uma reforma util, quem, desde 1894, como muito bem citou illustre Deputado Sr. Camacho, até hoje, tem andado em altos e baixos, umas vezes querendo reformas politicas, outras vezes não as querendo.

Ora, quando um partido alguma vez declare que quer reformas politicas, é necessario que as faça logo, porque não ha regime que possa regularmente funccionar, desde que se faça essa affirmação, e ella seja sincera, se não for cumprida, porque está ahi a fonte do seu trabalho industrial, agricola, commercial e intellectual do pais. Se se reconhece que o systema fundamental está viciado, é immediatamente reformá-lo.

De contrario, as afirmações successivas do partido progressista demonstram que elle não é capaz de as cumprir.

Pois apesar de tudo isto, não diremos ao Sr. Presidente do Conselho que deixaremos de collaborar nessa reforma. Podiamos fazer como em 1884, quando o partido progressista fez questão de collaborar na reforma politica.

Mas, Sr. Presidente, se esta tem sido a correcção do nosso proceder, feitas estas considerações apenas para definir e accentuar a minha ideia, vou entrar rapidamente no assunto em discussão, e não serei longo.

Fui eu quem tive a honra de abrir este debate, e logo por essa occasião disse que o problema era complexo e grave, que devia ser considerado sob muitos e variados aspectos e que, seguramente, os illustres membros da Camara haviam de entrar no debate.

Tem havido a completa confirmação das minhas ideias, e alguns illustres Deputados até, pelos incidentes que se teem apresentado na discussão, carecem de tornar a entrar no debate.

Não quero prolongar demasiadamente as minhas considerações, porque não desejo que- a Camara esteja privada de ouvir vozes mais autorizadas. Mas quero ainda referir-me ao assunto para responder a algumas considerações do Sr. Presidente do Conselho, e tambem justificar uma questão previa que vou apresentar.

Tem-se discutido já o bastante para se ver qual o caracter que a esta discussão e a este projecto quer dar o Governo, inas vejamos novamente o assunto e o que diz o Sr. Presidente do Conselho.

Diz S. Exa. que é uma questão livre para discutir. Mas como? Este projecto como está não representa uma transacção já feita? Não sou eu que o digo.

Di-lo o Sr. Ministro das Obras Publicas, quando declarou que as circunstancias o illaqueavam. (Apoiados).

Disse-o ainda ha pouco o Sr. Presidente do Conselho, declarando que o Governo quereria fazer melhor, mas não pôde. (Apoiados).

O que representa, pois, este projecto? Porque o apresentou assim o Governo? Diz o Governo: foi apresentada uma reclamação, achamos essa representação insubsistente, e então fazemos um projecto para tratar de melhorar os factores economicos da Ilha da Madeira.

Isto não é bem assim. Este projecto prejudica todos esses factores em beneficio do industrial Hinton. (Apoiados).

Este projecto não é um projecto feito livremente pelo Governo. (Apoiados). Todos dizem e até mesmo o Sr.

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Ministro das Obras Publicas, que é um projecto feito de transacção com as circunstancias anteriores. (Apoiados).

Desde que é um projecto nestas circumstancias a Camara não pode pronunciar-se sem conhecer aberta e completamente todos os elementos d'essa transacção. (Apoiados).

Durante a discussão deu-se um episodio de excepcional gravidade.

Um Deputado desta Camara veio dizer que o parecer da Procuradoria Geral da Coroa sobre a reclamação de Hinton, que é um documento de natureza confidenciai (Apoiados) havia sido entregue ao Ministro de uma nação estrangeira, o que era contrario aos interesses da na cão portuguesa. (Apoiados).

Eu quero definir, succinta e completamente, a correcção do meu procedimento nesta questão em que me não moveu, nem move absolutamente a paixão partidaria.

Qual foi á face de Hiiiton o meu procedimento dentro d'esta Camara?

Produzir e tornar saliente este facto, que não foi desmentido, antes foi confirmado pelo Sr. Ministro das Obras Publicas.

O meu procedimento parece-me, que não poderia ser mais correcto do que foi. Desde que havia feito essa declaração, indiscutivelmente ficava patente a intervenção, ou fosse o que fosse, do representante de uma nação europeia.

Havendo questões internacionaes que, ás vezes, ferem o brio nacional, fui a V. Exas. e disse-o.

É indispensavel fornecer todos os elementos para que nos possamos com perfeito conhecimento approvar este projecto.

Vemos que ha uma intervenção, mas é possivel que haja reservas e, portanto, venho solicitar de V. Exa., Sr. Presidente, que faça uma sessão secreta para que no caso de haver reservas nos as apreciarmos.

Essa communicação ao publico pode muitas vezes não ser apreciada como ao Parlamento compete.

Portanto, Sr. Presidente, o meu procedimento tem sido perfeitamente correcto, perfeitamente justo e perfeitamente legal, e tanto V. Exa. concordava com esta minha maneira de ver, que disse poder ter esta questão melindres; mas esperava do patriotismo da Camara que houvesse todo o cuidado em não revelar um facto que pudesse ser prejudicial ao país.

Eu respeito muito a opinião de V. Exas. mas se, como V. Exa. muito bem disse, a questão pode ter melindres, era melhor ser conhecida por todos nos em sessão secreta, porque, então, melhor poderiamos aquilatar dos melindres que ella pudesse conter.

Fosse porem, como fosse, isto é somente para affirmar a correcção do nosso procedimento.

V. Exa. não acceitou o meu pedido de sessão secreta.

Houve depois um illustre Deputado que se levantou a pedir uma commissão de inquerito.

Sr. Presidente: eu não tenho o direito de exigir que outro qualquer Sr. Deputado tenha a precedencia, mas se o Sr. Egas Moniz não tivesse apresentado essa proposta de inquerito, immediatamente eu a teria apresentado. (Apoiados).

É indispensavel, já disse, que sejam conhecidas todas as circunstancias que se deram para se fazer este projecto.

Tudo nos leva a crer que essas circunstancias podem ser as determinantes de successivos factos, que foram até á apresentação do projecto.

Portanto, Sr. Presidente, é absolutamente necessario que se faça o inquerito, e sem elle não pode esta Camara, em questão tão grave, proseguir na sua discussão. Na ultima sessão o partido republicano apresentou uma questão previa, mas a minha de hoje prefere a essa, e isto não quer dizer que houvesse da nossa parte o intuito de nós, não juntarmos com os illustres Deputados republicanos. Desde o seu inicio que eu a considero como uma questão de dignidade nacional, e portanto numa questão d'esta natureza abatem-se todas as bandeiras. Nesta questão, affirmo-o terminantemente, não houve com os illustres membros do partido republicano o mini-mo entendimento. Da parte do partido regenerador a unica causa que houve foi o seguinte: O illustre Deputado Sr. Dr. Affonso Costa foi quem primeiro levantou a questão nesta casa do Parlamento. Eu como sendo o leader da opposição mais numerosa lembrei-me de solicitar de S. Exa. que me desse a preferencia da discussão.

O Sr. Affonso Costa accedeu, foi este o unico entendimento que houve.

O Sr. Afibnso Costa: - Apoiado.

O Orador: - Estas são as tradições do partido regenerador, que nunca entrou em colligações liberaes nem nunca armou ao effeito com as rutilantes gravatinhas encarnadas. Mas vamos agora ao argumento capital produzido pelo Sr. Beirão.

"Não deixem morrer a Madeira".

Quem é que quer que morra a Madeira?

Pois não fomos nos que primeiro dissemos que se assegurassem os direitos da Madeira e que depois se tratasse de resolver a questão com Hinton?

Permitta-me V. Exa. e a Camara que eu diga o que tem havido constantemente.

Todos os annos successivos as culturas da Ilha da Madeira são enormes, e chegando-se á occasião das colheitas o industrial Hinton faz sempre as suas reclamações. Antigamente dizia: "Eu não me matriculo", agora, depois, de matriculado, exclama: "Eu não compro a cana"!

E o certo é que nos conservaremos sempre neste estado, produzindo a angustia, a afflicção e o sobresalto aos nossos illustres e nobres compatriotas. (Apoiados).

Constantemente se teem obrigado os Governos do nosso país a deprimirem se, cedendo sempre a essas injustificadas reclamações, e deixamos assim o prestigio do poder no mais completo rebaixamento. (Apoiados).

Pode o Governo ter a certeza de que, se o Parlamento representado pela Camara dos Deputados e pela Camara dos Pares não rejeitam in limine este projecto, essa afflictiva e angustiosa situação continuará, apparecendo as reclamações constante e successivamente.

Pois bem. A primeira questão é tratar de salvaguardar os interesses do povo madeirense, acabando-se de vez com esse furor de reclamações que tanto já tem feito abater o prestigio do poder.

O projecto não pode ser approvado porque é inconveniente para os interesses do pais. (Apoiados).

Diga o Governo á Madeira: está garantida a colheita; fiquem os madeirenses descansados que eu vou arranjar os meios de não mais se passar por esta terrivel afflicçao.

Feito isto, venha o Governo ao Parlamento e diga: agora já não tenho transacções com o industrial Hinton. A Madeira está, emfim, unicamente sujeita á exclusiva protecção do Estado.

Ora aqui está o meu modo de ver; e, nestes termos, tenho a honra de mandar para a mesa a minha moção ou antes a minha questão previa.

Custa-me a ler a minha propria letra, e sabendo ter alguem dito que eu, numa das ultimas sessões, havia mandado para a mesa uma moção escrita por um Deputado republicano, tenho a declarar que isso é falso, porque as minhas moções são sempre escritas pelo meu proprio punho.

Vozes na esquerda: - E que o fosse?! E que o fosse?!

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O Orador: - A minha questão previa é a seguinte:

Questão previa

Considerando que a Camara deliberou por unanimidade que uma commissão especial inquirisse das circunstancias em que foi dado conhecimento ao representante da nação inglega nesta Côrte do parecer da Procuradoria Geral da Coroa sobre as reclamações dos Srs. Hinton & Sons;

Considerando que o conhecimento do resultado do inquerito é absolutamente indispensavel para a Camara resolver definitivamente sobre o projecto que se discute, de harmonia com os interesses do país:

A Camara resolve adiar a discussão do projecto até que lhe seja apresentado o relatorio da commissão de inquerito. = Pereira dos Santos = Pereira de Lima = Sergio de Castro = Mello Barreto = Manuel Fratel.

Vozes na esquerda: - Muito bem, Muito bem! Apoiados! Apoiados!

(O orador não reviu o seu discurso).

O Sr. Claro da Ricca: - Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a questão previa, mandada para a mesa pelo Sr. Deputado Pereira dos Santos.

Lida na mesa foi admittda ficando em discussão juntamente com o projecto.

O Sr. Caro da Ricca: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro, nos termos do artigo 13I.°, § 1.°, do regimento, que a discussão da questão previa que acaba de ser posta preceda a discussão da questão principal. = Claro da Ricca.

Vozes na esquerda:-Muito bem, Muito bem. Apoiado, Apoiado!

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento mandado para a mesa pelo Sr. Deputado Claro da Ricca.

Lê-se na mesa.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que approvam o requerimento tenham a bondade de se levantar, e de se conservarem de pé até se proceder á contagem.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara. Por 71 votos, contra 46, foi rejeitado o requerimento do Sr. Claro da Ricca.

Vozes na esquerda: - Não pode ser! É um escandalo! Então hão se deixa discutir iima questão d'estas?! É uma violencica!

Levanta-se sussurro. Os Deputados batem nas carteiras. O Sr. Presidente agita repetidas vezes a campainha.

O Sr. Presidente: - Não sei Sealguem requereu a contraprova...

Vozes na esquerda: - Parece impossivel que não se deixe discutir uma questão posta pelo Governo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente do Conselho (Francisco Beirão) - Eu não pedi a palavra.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa a V. Exa., foi uma informação errada. Tem a palavra o Sr. Conde de Paçô-Vieira.

O Sr. Conde de Paçô-Vieira: - Sente ter de entrar no debate, porque vem assim tomar tempo á Camara e protelar a votação do projecto, e não é com discursos que no estado agudo em que se encontra, pode ser resolvida a crise da Madeira.

Por isso será breve. E se fala é porque entende que, dada a atmosphera de suspeições que se faz em volta desta questão, todos os, homens publicos que nella intervieram teem obrigação de explicar o seu procedimento e a sua attitude, sem habilidades nem sofismas, com toda a lisura, com verdade unicamente. Ha uma cousa muito má para os politicos: é falarem devendo estar calados. Mas ha outra ainda peor: é guardarem silencio quando devem falar.
É por isso que elle fala.

Disse o Sr. Deputado Affonso .Costa, e foi essa affirmação que o obrigou a pedir a palavra, que foi um dos interessados quem entregou já feito ao fallecido Rei D. Carlos o decreto de 1903, que elle por sua vez o deu a Hintze Ribeiro, e este a elle, orador, e que tal qual vinha, assim foi publicado no Diario do Governo, salvo duas pequenas alterações, a substituição de uma palavra num artigo e a eliminação do prazo de garantia por quinze annos. Faz ao illustre Deputado a justiça de acreditar que S. Exa. fez essa affirmação persuadido de que era exacta. Nenhum motivo tem para poder suppor o contrario.

E tanto que espera que o Sr. Deputado Affonso Costa, ouvidas as leaes explicações que vae dar á Camara, será o primeiro a fazer justiça aos Ministros de 1903, os quaes, como agora o Sr. Moreira Junior e os seus collegas, nunca viram na questão da Madeira, senão o problema economico em si, considerado sob todos os seus aspectos, mas nunca pessoas determinadas e ainda menos interesses de uma ou de outra classe, deste ou daquelle individuo.

Para se ver quanto o Deputado Sr. Affonso Costa foi injusto, basta dar conhecimento á Camara do memorial ou pedido, ou como melhor se lhe deva chamar, que com effeito Hintze Ribeiro em agosto de 1903 lhe entregou acompanhado de um dossier completo sobre a questão, formado de todas as representações, memoriaes, cartas e telegrammas que lhe tinham sido dirigidas, sobre o caso, desde 1901.

Ignora, porque nunca lho disse, nem elle lho perguntou, quem é que. lho deu, mas se foi o fallecido Rei D. Carlos nada ha de estrahhavel, porque nenhuma lei prohibe ao Chefe do Estado que entregue aos seus Ministros os pedidos que directamente lhe fazem quando especialmente se referem a assuntos de interesse geral.

Depois de o examinar, levou-o para o Ministerio e entregou o ao illustre Director Geral da Agricultura o Sr. Conselheiro Le Cocq, que está presente, e a quem pede que, se alterar, embora involuntariamente, a verdade no menor incidente, o interrompa para rectificar as suas affir-mações, pois quer ser absolutamente verdadeiro, e incumbiu aquelle funccionario de estudar o assunto, ver o que no pedido havia de aproveitavel e pô-lo ao facto da questão.

O Sr. Le Cocq, como distincto fnnccionario que é, e com os profundos conhecimentos que tinha do assunto, estudou-o rapidamente, mostrou-lhe os exaggeros de alguns pedidos formulados, pô-lo ao facto do perigo que para a agricultura do continente havia se esses fossem satisfeitos, numa palavra, deu-lhe todos os esclarecimentos de que precisava para ficar conhecendo a questão, sob todos os seus aspectos.

Assim orientado, e em harmonia com o esclarecido conselho d'aquelle fnnccionario, mandou fazer na direcção de agricultura um projecto de decreto para sobre elle serem ouvidos os conselhos superiores de agricultura e commercio, projecto que era não tal e qual o que Hintze lhe entregara, como imaginou o Sr. Affonso Costa, mas delle radicalmente diverso, porque era precisamente o que foi

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SESSÃO N.º 23 DE 18 DE ABRIL DE 1910 17

depois publicado em 24 de setembro de 1903, com as duas unicas differenças resultantes da eliminação do prazo de quinze annos e da substituição de uma palavra no artigo 9.°

Reuniram-se os dois conselhos e depois de os seus membros terem particular e individualmente estudado o projecto, e depois de todos elles terem tomado a palavra, approvaram-no por unanimidade, com a unica emenda proposta pelo Sr. Dr. Feijão relativamente ao artigo 9.° - substituir a palavra produzidos por provenientes.

O Governo, apesar disso, entendeu por unanimidade que não devia deixar no projecto o prazo de quinze annos e eliminou esse artigo. É esta a verdade. Mas quer a Camara saber porque é que no projecto de decreto apresentado aos conselhos tinha o prazo de quinze annos?

Nada mais simples.

É porque o que a Madeira pediu e o que á Madeira tinha sido promettido quando as diversas classes interessadas reclamaram, foi o mesmo que os Açores tinham. E os Açores tinham pela lei de 1903 o prazo de quinze annos.

Mas seja-se o que se pediu e o que se Concedeu, o que é facil, confrontando com o decreto de 24 de setembro o memorial que Hintze lhe entregou e que não se por ser longo, mas manda para a mesa para poder ser examinado.

Pediu-se que todo o melaço sem distincção pagasse apenas um real e bem assim os productos assimillaveis. Concedeu-se apenas para o melaço de cana, não um real mas 6 réis.

Pediu-se a isenção do direito para todo o açucar procedente da Madeira. Deu-se a isenção somente para o açucar de cana como já existia pelo decreto de 1895, com a deducção do açucar de melaço vendido na Madeira.

Pediu se que o alcool e a aguardente da Madeira pudessem entrar no continente, Açores e colonias pagando apenas o imposto de fabrico de 80 réis por litro.

Equiparou-se todo o alcool e aguardente da Madeira ao estrangeiro em toda a parte onde entrar, pagando 2$000 réis por decalitro, o que é um imposto prohibitivo.

Pediu-se para não ser admittida nenhuma fabrica á matricula. Deixou-se livre a matricula de todas as fabricas de alcool e de açucar.

Pediu se o periodo de quinze annos que lhe não foi concedido.

Vê se, pois, deste rápido confronto que o decreto publicado não é o mesmo, antes é absolutamente diverso do que lhe foi entregue.

E caem assim pela base as injustas accusações do Sr. Deputado Affonso Costa aos Ministros de 1903.

Foi bom, foi mau esse decreto?

Não é elle, orador, que o tem hoje de dizer. Foi a Madeira inteira que o disse pela sua imprensa e por meio de todas as suas associações, agradecendo ao Governo a sua publicação e fazendo-lhe nos jornaes de todos os partidos os maiores e os mais rasgados elogios.

Tem presentes nuraeros de todos os jornaes d'essa epoca, da Madeira, onde o decreto de 1903 é considerado como lei redemptora d'aquelle archipelago.

E assim foi, com effeito, porque transformou a sua economia, elevando de 240 a 1:200 contos de réis o valor de cana e valorizando em 10:000 contos de réis os terrenos empregados em canaviaes.

Dá por findas as suas considerações, declarando ao Governo, em seu nome e no dos seus amigos politicos, que pode contar com os seus votos para a approvação do projecto.

(O discurso será publicado na integra guando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Egas Moniz: - Pediu ha pouco a palavra para mandar para a mesa uma nota de negocio urgente que não era senão uma concretização das affirmações feitas nesta Camara pelo Sr. Ministro das Obras Publicas.

Quando apresentou a sua, proposta de inquerito a respeito dos actos irregulares que se deram com respeito ao parecer da Procuradoria Geral da Coroa, elle, orador, pedindo á Camara e ao Governo a acceitação d'essa proposta de inquerito, teve como resposta honrada do Sr. Ministro das Obras Publicas, a affirmação clara e peremptoria de que desejava que se fizessem todos os inqueritos aos antecedentes d'esta terrivel questão. São estas as palavras do Sr. Ministro das Obras Publicas, como vêem no respectivo Summario.

Nesta questão ha mais suspeições, ha outros factos graves que se dizem por boca pequena em toda a parte, alem do facto occorrido em relação ao parecer da Procuradoria Geral da Coroa. Já aqui foi affirmado que saiu dinheiro das mãos de Hioton para altos funccionarios e politicos e que houve propostas de suborno; e ninguem das bancadas ministeriaes, nem por parte da maioria, se levantou para contrariar estas affirmações categoricas. Diz-se que Hinton sabe comprar homens.

Esse aspecto da questão é de tal maneira grave, affecta tanto a dignidade do Governo e de toda a Camara, que de forma alguma se podiam esperar outras palavras da boca honrada do Sr. Ministro das Obras Publicas.

O Sr. Affonso Costa: - Vem publicado num jornal do Porto um artigo, assinado por um homem honrado, no qual se diz que Hinton affirmara que o negocio não lhe tinha custado muito caro, porque só um certo director geral, é que lhe tinha pedido muito dinheiro.

Sussurro.

O Orador: - Em qualquer parlamento que não fosse o português, a questão de inquerito lançada por este lado da Camara e apoiada pelo Sr. Ministro das Obras Publicas, poderia, em hypothese alguma, ser posta de parte.

Já se fala em nomes e em um certo director geral.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

Levantando-se certo sussurro e agitação de ambos os lados da Camara, o Sr. Presidente cobriu-se, encerrando-se por ente facto a sessão.

Eram 6 horas e 35 minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Representações

Da Camara Municipal de Benavente, representando sobre a maneira precaria e angustiosa em que se encontram as finanças e os serviços publicos d'aquelle municipio, depois do terremoto de 23 de abril de 1909.

Apresentada pelo Sr. Deputado Brito Camacho, mandada publicar no "Diario do Governo" e enviada á com missão de administração publica.

Dos empregados do Governo Civil do districto de Bragança, pedindo melhoria de situação.

Foi mandada enviar á commissão do orçamento.

Dos funccionarios administrativos do Instituto de Villa Real, pedindo melhoria de situação.

Apresentada pelo Sr. Deputado Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo e enviada á commissao do orçamento.

O REDACTOR = Albano da Cunha.

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