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N.º 26

SESSÃO DE 1 DE MARÇO DE 1900

Presidencia do exmo. sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão

Secretarios - os exmos. srs.:

Joaquim Paes Abranches
Antonio Vellado da Fonseca

SUMARIO

Approvada a acta, o sr. presidente propõe que se lance na acta da sessão um voto de sentimento pela morte do antigo deputado Victoriano Estrella Braga, que é approvado, depois de a elle se terem associado, por parte da maioria o sr. Alexandre Cabral, por parte do governo o sr. ministro da justiça e em nome da minoria o sr. Dantas Baracho. - Lê-se em seguida o expediente e tem segurada leitura uma renovação de iniciativa. - O sr. Alexandre Cabral manda para a mesa as ultimas redacções dos projectos de lei n.ºs 9 e 13, que são approvadas. - O sr. Mascarenhas Gaivão desenvolve o seu aviso previo, annunciado na sessão de 9 de fevereiro, ao sr. ministro da justiça, sobre a reforma do notariado, nomeação de novos delegados e a promoção a juizes, respondendo-lhe o sr. ministro da justiça. - Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. deputado João Catanho de Menezes. - O sr. Fuschini manda para a mesa uma proposta para se reformar o regimento; o sr. Sampaio e Mello um projecto de lei, estabelecendo o divorcio; o sr. João Augusto Pereira uma representação da camara municipal de Ponta do Sol; e o sr. Sande e Castro uma representação dos empregados da camara municipal e administração do concelho de S. João da Pesqueira.

Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.° 10, sobre a admissão dos sargentos a empregos publicos. - O sr. Francisco Machado, relator, manda para a mesa uma proposta, que fica em discussão com o projecto, e em seguida usam da palavra os srs. Arroyo e ministro da guerra, levantando-se depois a sessão por, a requerimento do sr. Baião, se verificar não haver já numero suficiente de srs. deputados presentes.

Primeira chamada - As duas horas da tarde.

Presentes - 4 srs. deputados.

Segunda chamada - As tres horas.

Abertura da sessão - Ás tres horas e um quarto.

Presentes - 55 srs. deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Abilio Augusto de Madureira Beça, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Baptista Coelho, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alvaro de Castellões, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Vel-lado da Fonseca, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar da Silveira Proença, Carlos de Almeida Pessanha, Conde de Idanha a Nova (Joaquim), Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Xavier Correia Mendes, Ignacio José Franco, João Augusto Pereira, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José Sinel de Cordes, João Lobo de Santiago Gouveia, João Marcellino Arroyo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João de Sousa Bandeira, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José Alves Pimenta de Avel-lar Machado, José Ghristovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Gonçalves da Costa Ventura, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, Julio Ernesto de Lima Duque, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayoila, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Paes de Sande e Castro, Manuel Telles de Vasconcellos, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Matlieus Teixeira de Azevedo, Miguel Pereira Coutinho (D.), Ovidio Alpoim Cerqueira Borges Cabral, Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Visconde de S. Sebastião.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alberto Affonso da Silva Monteiro, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Eduardo Villaça, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur de Sousa Tavares Perdigão, Augusto Fuschini, Conde de Caria (Bernardo), Francisco Limpo áe Lacerda Ravasco, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique da Cunha Mattos de Mendia, João Catanho de Menezes, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Rojão, José Antonio de Almada, José de Azevedo Castello Branco, José Braamcamp de Mattos, José Eduardo Simões Baião, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Manuel Antonio Moreira Junior, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Salvador Augusto Gamito de Oliveira e Visconde da Ribeira Brava.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adolpho Ferreira Loureiro, Adriano Ánthero de Sousa Pinto, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio Lopes Guimarães Pedroza, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Augusto José da Cunha, Conde de Paço Vieira, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Jacinto Candido da Silva, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim José Fernandes Arez, Joaquim da Ponte, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Augusto Lemos Peixoto, José Bento Ferreira de Almeida, José Dias Ferreira, José Estevão de Moraes Sarmento, José Joaquim da Silva Amado, José Julio Vieira Ramos, José Maria Barbosa de Magalhães, José Mendes Veiga de Albuquerque Calheiros, José Pimentel Homem de Noronha, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Luiz Pereira da Costa, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Homem de Mello da Camara, Marianno Cyrillo de Carvalho, Visconde de Guilhomil, Visconde de Mangualde e Visconde da Torre.

Acta - Approvada.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Presidente: - Communico á camara que falleceu o sr. Victoriano Estrella Braga, que em varias legislaturas foi membro d'esta camara. Era um cavalheiro respeitabilissimo em todos os sentidos e um caracter de primeira ordem.

Tenho a honra do propor á camara que na acta da sessão de hojo se lance um voto de profundo sentimento por tão deploravel perda. (Muitos apoiados.)

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Alexandre Cabral: - Em nome da maioria, cujos sentimentos n'este momento interpreto, (Apoiados.) associo-me ao voto de sentimento, proposto por v. exa., pela morte do sr. Victoriano Estrella Braga, que foi um dos mais distinctos e dignos negociantes da praça do Lisboa, e que por varias vezes foi membro d'esta camara.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas)

O sr. Ministro da Justiça (José Maria de Alpoim): - Em nome do governo associo-me ás palavras de condolencia, proferidas por v. exa. e pelo sr. Alexandre Cabral, pela morte do sr. Victoriano Estrella Braga, que por differentes vezes foi nosso collega n'esta camara.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Dantas Baracho: - Por parte da minoria regeneradora associo-me ao voto de sentimento, por v. exa. proposto, pelo fallecimento do antigo deputado sr. Victoriano Estrella Braga. (Apoiados.)

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, considero approvado por acclamação o voto de sentimento que tive a honra de propor.

Á familia do fallecido será feita a devida communicação.

Cumpre-me agora communicar á camara que recebi duas representações, uma da camara municipal do concelho do Ponta do Sol, reclamando contra um projecto, que a mesma camara diz existir, para ser supprimida aquella comarca; e outra dos escrivães do direito da comarca de Ponta Delgada, acêrca da reforma do notariado.

Deferindo o pedido que me foi feito, consulto a camara sobre se permitte que estas representações sejam publicadas no Diario do governo.

Foi auctorisada a publicação.

As representações tão por extracto no fim da sessão.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio do reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Luciano Monteiro, o processo relativo á syndicancia ultimamente feita á camara municipal de Moncorvo.

Á secretaria.

Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Teixeira de Sousa, nota do imposto do pruducção arrecadado no anno civil de 1899, até ao fim do mez da setembro.

Á secretaria.

Do mesmo ministerio, satisfazendo ao requerimento feito na sessão de 12 de janeiro ultimo pelo sr. deputado Teixeira de Sousa, com relação aos contratos de supprimentos feitos ao thesouro durante o anno de 1899.

Á secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo 120 exemplares do orçamento geral do estado para o exercicio de 1900-1901.

Á secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Mello e Sousa, notas das sommas provenientes da remissão do serviço militar arrecadadas nos ultimos tres annos civis e das importancias pagas aos ministerios da guerra e marinha por conta d'aquelle fundo.

Á secretaria.

Do mesmo ministerio, satisfazendo ao requerimento feito em sessão de 12 de janeiro ultimo pelo sr. deputado Mello e Sousa, com relação aos titulos internos vendidos por conta do estado durante o anno do 1899.

Á secretaria.

Do ministerio da marinha, remettondo os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado Ferreira de Almeida na sessão de 21 de janeiro ultimo.

Á secretaria.

Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo mais 50 exemplares do Boletim commercial desde o n.° 5.

Á secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo 200 exemplares do Boletim commercial n.° 11, referido a novembro do anno findo.

Á secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo 200 exemplares do Boletim commercial n.° 12, referido ao mez de dezembro do anno findo.

Á secretaria.

Do juizo de direito do 4.° districto criminal de Lisboa, solicitando auctorisação para proceder ao exame no processo eleitoral do circulo n.° 12, a fim de satisfazer a uma carta precatoria vinda da comarca do Villa Nova de Famalicão.

Á secretaria.

Segunda leitura

Renovação de iniciativa

Renovâmos a iniciativa do projecto de lei n.° 49-F, da sessão de 27 de abril de 1898, e emendas apresentadas na sessão de 12 de maio do mesmo anno. = Adolpho Loureiro = José Antonio de Almada = Salvador Gamito = Visconde da Ribeira Brava = João Augusto Pereira.

Foi admittida e enviada ás commissões de obras publicas e de fazenda.

Refere se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É o governo auctorisado a vender as aguas e levadas, que o estado possuo actualmente em exploração na ilha da Madeira, por somma não inferior á correspondente a vinte prestações da renda annual que tem percebido pelas respectivas aguas.

Art. 2.° A venda, de que trata o artigo antecedente, poderá ser feita, independentemente da hasta publica, aos actuaes arrendatarios e consumidores das aguas, tendo cada um o direito de comprar um volume igual á medida da agua que tiver gasto nos ultimos cinco annos.

§ unico. Para este fim os rendeiros e proprietarios interessados serão avisados por edites, ou pessoalmente, sempre que isso seja possivel, para declararem dentro do praso de trinta dias, a contar dos editos, se querem ou não comprar as aguas a que tenham direito.

Art. 3.° Quando os actuaes rendeiros das levadas não declarem, no praso marcado no § unico do artigo antecedente, que querem, comprar as aguas de que precisam, nos termos do artigo 1.°, serão estas vendidas em hasta

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publica, sendo a base para a licitação a calculada no mesmo artigo.

Art. 4.° As declarações, de que trata o artigo 2.°, serão tomadas por termo na administração do concelho em que forem situadas as terras irrigadas, com a presença do respectivo administrador, sendo pelos declarantes apresentada a certidão passada pelo escrivão de fazenda da inscripção da propriedade na matriz predial, e bem assim a certidão passada pelo director das obras publicas do Funchal da renda da agua paga nos ultimos cinco annos.

Art. 5.° A venda effectuar-se-ha por termo lavrado na administração do concelho, com assistencia de um agente do ministerio das obras publicas, e com previo pagamento da contribuição de registo.

Art. 6.° O pagamento da renda será feito em prestações como nas vendas pelos proprios nacionaes, sendo a sua importancia depositada na delegação da caixa geral de depositos do Funchal, ficando essa importancia á ordem do ministro das obras publicas, e em conta especial, para ser exclusivamente empregada no serviço das levadas da Madeira, ou na construcção de novas.

Art. 7.° Os novos adquirentes das aguas e levadas serão obrigados a constituir-se em gremios, nos termos e sob as penas comminadas nas leis e regulamentos do serviço hydraulico (decreto n.° 8, de l de dezembro de 1892, e regulamento de 19 do mesmo mez e anno), correndo por sua conta todas as despezas de administração, guarda, policia e conservação das levadas, suas reparações e distribuição das aguas.

§ unico. A estes gremios serão applicadas as disposições do regulamento do serviço hydraulico, sob a fiscalisação da direcção das obras publicas do districto do Funchal que, para os fins do referido regulamento, reunirá as attribuiçôes da direcção da circumscripção hydraulica do archipelago da Madeira.

Art. 8.° O producto da venda das aguas e das levadas, á medida que se for realisando, será applicado restrictamente á conclusão das levadas que estão em construcção na ilha da Madeira, em conformidade dos competentes projectos superiormente approvados, e bem assim á construcção de outras, cujos projectos sejam elaborados e tambem devidamente approvados, não podendo d'aquelle producto ser desviada quantia alguma para outros serviços e sob qualquer pretexto, salvo no caso previsto no artigo 10.°

Art. 9.° As novas levadas que se forem construindo será dado o mesmo destino de que trata o artigo 1.°

§ 1.° A venda das aguas d'estas novas levadas será feita tomando-se, para preço da hora de agua, a media do preço da agua das levadas que existirem na região, para a qual foi feita nova levada.

§ 2.° N'estas novas levadas, e em todas aquellas para as quaes as aguas não tenham anteriormente sido distrituidas por arrendamentos legaes, proceder-se-ha ao cadastro ou relação das propriedades que possam ser beneficiadas pela irrigação, para se fazer a distribuição proporcional e equitativa das aguas que as levadas possam fornecer, e cada proprietario poder adquirir por compra aquella a que tenha direito, e que lhe é permittido comprar independente da hasta publica.

§ 3.° Esta distribuição será feita pela direcção das obras publicas, em vista do cadastro levantado e do que constar na respectiva matriz, abrindo-se sobre ella um inquerito administrativo por trinta dias, e sendo as reclamações presentes julgadas pelo director das obras publicas, escrivão de fazenda e administrador do concelho, constituidos em commissão, de cuja decisão haverá recurso para o governo.

§ 4.° Havendo-se procedido com os proprietarios, de que trata este artigo, como se procedeu com os de que trata o § 1.° do artigo 2.°, as novas aguas e levadas serão vendidas em hasta publica, seguindo-se para com os compradores o que está prescripto no artigo 7.°

Art. 10.° As sobras que houver no final da liquidação da venda das Ievadas5 quando não haja novas a construir, poderão ser applicadas pelo governo em obras hydraulicas ou em subsidiar melhoramentos agricolas e florestaes do districto do Funchal, ouvido o conselho superior de obras publicas e minas.

Art. 11.° O governo decretará o regulamento ou instruções que julgar necessarias para a melhor execução d'esta lei.

Art. 12.° Fica revogada a legislação em contrario.

Proposta

Ao artigo 2.°:

A venda de que trata o artigo antecedente poderá ser feita, independentemente de hasta publica, aos proprietarios das terras comprehendidas na area de irrigação das mesmas levadas, ou aos colonos d'essas terras e a beneficio d'ellas, quando os proprietarios não appareçam a acceitar a venda assim proposta.

§ 1.° Em relação ás aguas das levadas que andam distribuidas por arrendamento, guardar-se-ha para a venda a distribuição d'esses arrendamentos em ordem a que cada arrendatario possa comprar a porção de agua que traz de renda.

§ 2.° No caso de ser arrendatario o colono das terras, este somente será admittido á compra se o senhorio respectivo lhe não quizer preferir.

§ 3.° O colono, que comprar a agua que assim andava arrendada para as terras colonisadas, não poderá desvial-a d'essas terras, mas tem o direito de continuar a colonisar até ser indemnisado do valor das mesmas aguas pelo dono da propriedade.

§ 4.ª O governo poderá mandar rever a relação dos arrendamentos pelo que respeita á qualidade dos arrendatarios serem ou não senhores ou colonos de terras beneficiadas pelas aguas que arrendam, como pelo que toca á equitativa distribuição das mesmas aguas em ordem a que se façam as correcções convenientes, e que na realisação das vendas se observe a mesma equidade.

§ 5.° (Como o § 2.° do artigo 9.°)

Art. 3.° O governo fixará opportunamente o preço das vendas de agua que tenha de fazer-se fora da hasta publica, depois de recolher as informações convenientes sob a estimativa d'essas aguas nos diversos logares, sem offensa do limite marcado no artigo 1.°

Art. 4.° (Como o 6.° do projecto).

Art. 5.° As pesssoas a quem ficam pertencendo as levadas e aguas referidas poderão constituir-se em associação e organisarem a sua administração como entenderem mais conveniente, e a cargo d'ellas ficarão todas as despezas da mesma administração e conservação das levadas, distribuição e vigia de aguas.

§ unico. A estas levadas é applicavel a lei de 26 de julho de 1888.

Art. 6.° (Como o 8.° do projecto.)

Art. 7.° (Como o artigo 10.° do projecto.)

Art. 8.° (Como o 11.°, 1.°)

Art. 9.° (Como o 12.°)

O sr. Alexandre Cabral: - Mando para a mesa a ultima redacção do projecto de lei n.° 9, que auctorisa o governo a tornar definitivo o contrato para o lançamento de um cabo submarino para a África do Sul.

Mando tambem para a mesa a ultima redacção do projecto de lei n.° 13, que concede uma pensão á mãe e filha de Camara Pestana.

A commissão de redacção não fez alteração alguma a estes projectos.

Foram approvadas.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Mascarenhas Graivão, para dirigir ao sr. ministro da justiça as per-

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guntas a que se refere o seu aviso previo mandado para a mesa no dia 9 do mez passado.

O sr. Mascarenhas Gaivão: - Sr. presidente, quando ha dias um illustre deputado d'este lado da camara, o meu velho amigo sr. Cabral Moncada, desenvolvendo o seu aviso previo sobre a famigerada reforma do notariado, se referiu incidentemente á forma irregular e tumultuaria como têem sido feitos os despachos de juizes de direito e delegados do procurador regio, o sr. ministro da justiça, com aquella vehemencia da palavra tão caracteristica da sua oratoria, intimou a opposição a que, por meio de avisos previos, formulasse nitidamente as suas accusações, dando-lhe assim ensejo a poder demonstrar a toda a evidencia a correcção do seu procedimento.

Em obediencia a essa intimação mandei para a mesa o aviso previo que v. exa. acaba de me convidar a desenvolver.

Quer assim o acaso que a primeira vez que eu tenho a honra de fallar n'esta camara suja exactamente para combater os autos do unico dos actuaes membros do gabinete a que me prendem antigas e cordiaes relações. Essa circumstancia, porem, em nada influo no fundo nem ha forma das considerações que tenho a fazer; porque esse fundo o formado pela verdade, que se deve igualmente a amigos e adversarios, que se deve ao paiz e sobretudo á nossa propria consciencia, (Apoiados.) e a forma, a despeito das insufficiencias e incorrecções da minha palavra inexperiente, hei de moldal-a nas normas da mais absoluta cortezia, em homenagem a v. exa., que sempre para todos nós tem sido tão delicado e amavel, em consideração do logar que occupo e para salvaguarda do meu proprio decoro.

Dentro, porém, d'estes limites do verdade e de cortezia, mantenho integralmente a minha liberdade do apreciação de todos os factos do governo, com a severidade que, no meu entender, elles merecem.

E seria realmente ridiculo e injusto só eu, um principiante, que n'este momento me sinto sob a vaga impressão do receio do quem caminha por um terreno desconhecido, procurasse attenuar o vigor da minha palavra, já de si tão pallida e frouxa, por considerações do ordem particular por muito nttendivois que sejam n'outro campo, sobretudo tendo por adversario o sr. ministro da justiça, cujo alto prestigio de strenuo luctador se tem tão brilhantemente affirmado em numerosas campanhas parlamentares e jornalisticas.

Sr. presidente, tambem não peço a benevolencia de ninguem. Não venho aqui para fazer um nome, não entrei na politica para fazer d'ella uma escada para a minha propria ascensão; venho unicamente impellido pelo sincero e honrado desejo de bem servir o meu paiz. (Muitos apoiados.)

Para uma obra do vaidade toda a benevolencia seria pouca; para um fim do sinceridade basta-me a attenção da camara.

Se fallar mal não me importa; diga ou a verdade, saiba manter-me pela nobreza das intenções á verdadeira altura da dignidade pai lamentar, que com a dignidade oratoria pouco mo preoccupo. E para manter essa dignidade profissional, visto que para a manutenção da dignidade particular nunca precisei, felizmente, de recorrer ao auxilio do ninguem, eu conto acima do tudo com a direcção e o apoio de v. exa., chamando-me á ordem se em qualquer occasião me afastar d'ella e não consentindo v. exa., que occupa a mais alta magistratura do soberania popular d'este paiz, que, em caso algum e por ninguem, essa soberania seja desrespeitada n'esta camara, em qualquer dos seus membros, por mais humilde e obscuro que seja.

Feitas estas considerações, cuja prolixidade v. exa. desculpará a quem, fallando aqui pela primeira vez, desejou traçar bem o seu campo de acção e tambem entrincheirar só firmemente atraz dos seus direitos, vou entrar desde já no assumpto do meu aviso previo.

Sr. presidente, o decreto de 21 de abril de 1892, que extinguiu os tribunaes administrativos, mandando collocar como addidos ás respectivas magistraturas para serem collocados nas vagas supervenientes os juizos e os agentes do ministerio publico que os compunham, determinou por longos annos uma verdadeira paralysação na promoção de delegados do procurador regio a juizes do direito.

Esse decreto, da iniciativa do br. Dias Ferreira, pelo principio do interesso publico que o determinou, faz parte d'aquella serie de medidas de verdadeira o sincera economia que, no campo exclusivamente administrativo, absolve, no meu entender, aquelle ministerio dos inconvenientes e dos erros da sua orientação politica. (Apoiados.)

Dado, porém, o feitio da nossa politica partidaria, parecia que só um governo independente como esse, sem ter atraz de si a clientella de um partido, poderia ter o arrojo de tomar uma medida que, alem de lesar os interesses particulares de uma numerosa e importante classe de funccionarios, ia tambem ferir os interesses do muitas terras onde esses tribunaes estavam situados.

Não succedeu, porem, assim para honra e gloria do ministerio regenerador que succedeu a essa situação extra-partidaria.

Não só essa medida economica foi mantida, mas, sacrificando nobremente, no interesse geral do paiz, a sympathia de amigos lesados e a popularidade em numerosas localidades que se envaideciam de ser sódes de um tribunal judicial, esse ministerio proseguiu na mesma obra do economia, extinguindo muitas comarcas que não tinham os indispensaveis meios de existencia e cujo movimento não correspondia aos respectivos encargos do thesouro. (Apoiados).

Se me não engano, foram doze as comarcas supprimidas, ficando tambem os seus magistrados addidos aos respectivos quadros para serem collocados nas vagas futuras. Este facto ainda veiu aggravar ou antes prolongar por mais tempo a paralysação das promoções da magistratura do ministerio publico para a judicial.

Sr. presidente, o estado da magistratura de 3.ª classe, quando o actual ministro da justiça subiu ao poder, era o constante de uma nota que vou ler á camara.

Estes dados foram extrahidos dos ementarios judiciaes que, comquanto não sejam uma publicado official, são comtudo organizados por um empregado da secretaria da justiça, segundo a publicação dos decretos no Diario do governo e outras informações officiaes, o que por isso merecera inteiro credito.

(Leu.)

Sr. presidente, do quadro que acabo de ler só concluo que todos os juizes de 3.ª classe existentes em agosto de 1898, data em que subiu ao poder o sr. conselheiro Alpoim, tinham posse na respectiva classe anterior ao citado decreto de 21 de abril de 1892, á excepção de sete que venceram o tempo pela magistratura do ultramar e que, ou haviam de ser collocados no serviço activo, ou ficavam como addidos, onerando pela mesma forma o thesouro, sem prestarem serviço algum. Quer isto dizer que durante seis annos, do 1892 a 1898, não foi promovido um unico delegado a juiz, cumprindo-se rigorosamente a lei. E n'essa epocha, sr. presidente, quando o actual ministro foi chamado aos conselhos da corôa existiam ainda, de esse grande stock do juizes que a extincção dos tribunaes administrativos o das comarcas linha deixado em disponibilidade: 11 servindo como auditores, 6 addidos sem collocação e 2 ultramarinos á disposição do governo, o que faz 19, a quem a lei garantia collocação nas primeiras vagas.

Volvidos apenas dezesete mezes depois da ascensão ao poder do actual ministro, o que vemos? Delegados do procurador regio promovidos de novo a juizes de 3.ª

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classe - 48! Delegados do procurador regio nomeados pelo actual ministro -70! E ainda não está esgotado esse velho deposito de juizes e delegados que a extincção de tribunaes e de comarcas tinha posto á disposição do governo!

Vozes da esquerda: - Ouçam!

O Orador: - Diante d'estes factos, naturalmente pergunta-se: o que deu origem a isto? Como é que, durante seis annos, os ministros obedeceram ás presmpções da lei que lhes prohibia novas nomeações emquanto não estivessem collocados todos os juizes addidos e, repentinamente, vemos um tão extraordinario movimento que nem nos tempos mais prósperos de promoções se tinha dado cousa similhante?

Quarenta e oito juizes e setenta delegados novos!

D'onde é que saiu isto? Houve por acaso alguma epidemia de caracter restrictamente profissional que dizimasse as fileiras da magistratura portugueza? Atravessámos porventura um d'estes periodos gloriosos na historia das nações, em que largas conquistas territoriaes obrigassem o governo a alargar ás regiões conquistadas a rede das instituições judiciaes do paiz?

Não houve nada d'isso.

Foram dois os meios de que o governo só serviu para realisar este verdadeiro milagre; esses meios foram a creação de comarcas e a collocação de juizes no quadro.

Vou examinar as aguas d'estas duas fontes... medicinaes para os interessados, venenosas para a nação.

Sr. presidente, a creação de comarcas basea-se na auctorisação parlamentar dada por lei de 21 de setembro de 1897.

Em primeiro logar eu julgava ingenuamente, que uma auctorisação dada pelo parlamento ao governo para, sobre qualquer assumpto, usar do faculdades legislativas, só podia legalmente ser usada pelo governo durante o interregno parlamentar, porque, de contrario, com a sobrevivencia indefinida de todas as auctorisações latissimas que, em diferentes epochas, têem sido dadas a differentes governos, a acção parlamentar torna-se uma verdadeira inutilidade. (Apoiados.)

Vejo, porem que, pelo menos na pratica, era falsa a minha supposição. Alcançada uma vez da confiança ou da complacencia das camaras uma auctorisação d'esta natureza, os governos ficam armados para usar d'ella indefinida e imprevistamente.

Se já vimos o actual ministro da justiça basear uma reforma do um importante serviço publico n'uma auctorisação, por signal que já revogada, dada em 1890! (Apoiados.)

Por mais um pouco podia ufanamente gabar-se de ter usado de uma auctorisação do seculo passado!

Sr. presidente, não comprehendo esta eternidade das auctorisações parlamentares e menos ainda a forma como o governo se serviu d'esta

Bem sei que a lei de 21 de setembro de 1897 está redigida em termos latissimos, auctorisando o governo a remodelar a circumscripção judicial do reino mas, alem da letra expressa da lei, temos elementos de interpretação a que todos os governos, e especialmente um governo presidido pelo sr. Luciano de Castro, tinha obrigação de se restringir.

Quando foi discutida na camara dos deputados a proposta que se converteu na lei citada, a minoria regeneradora, pela voz do seu leader, o sr. conselheiro João Franco, impugnou-a exactamente pelos termos latitudinarios em que era concebida. Pois n'essa occasião, o sr. José Luciano de Castro, na sessão d'esta camara de 17 de agosto de 1897, explicando a rasão por que pedia essa auctorisação e o intuito que presidiria á sua applicação pratica, disse as seguintes palavras que vou ler á camara:

"Com toda a franqueza digo que supponho que algumas comarcas que s. exa. (sr. João Franco) supprimiu, foram bem supprimidas, que outras, não o foram e talvez o devessem ser e que ainda outras foram injustamente supprimidas sem rasão e sem fundamento nenhum. Essas devem ser restauradas."

Em vista d'estas declarações positivas e definidas, ficou o partido regenerador e o parlamento em geral suppondo que o governo pedia essa auctorisação para supprimir algumas comarcas desnecessarias que ainda subsistiam e para restaurar outros que não deviam ter sido supprimidas. (Apoiados.) Mas o que vemos nós? É que o governo, longe de cumprir essa promessa solemne, em cuja confiança arrancara uma auctorisação ao parlamento, não supprimiu uma unica comarca, restaurou seis das que tinham sido supprimidas e creou de novo dez (Apoiados.) quando nós tinhamos a declaração do sr. presidente do conselho de que essa auctorisação era unicamente para restaurar algumas comarcas que, em seu entender, tinham injustamente acabado. (Apoiados.) Creou dez comarcas que nunca tinham existido o creou mais uma vara civel no Porto e uma vara commercial em Lisboa!

E continuar-se ha porque ninguem sabe quando e onde acaba esta auctorisação, de onde indefinidamente estão a escorrer comarcas e tribunecas. (Muitos apoiados.)

Durante o primeiro ministerio presidido pelo sr. José Luciano, em que a pasta da justiça estava entregue ao sr. conselheiro Beirão, não se fez o menor uso d'essa auctorisação parlamentar, mas apenas subiu ao poder o sr. Alpoim, a pobre auctorisação esquecida desentranha-se em comarcas novas, em contradicção manifesta com as declarações e, quero crer, que com as intenções do chefe do gabinete.

Bem sei que os termos da lei são geraes, mas creio tambem que dentro de um governo ha, ou devo haver, uma segunda lei que são as palavras do seu chefe e ossas palavras não auctorisavam o ministro a crear comarcas novas a seu bello talante. (Apoiados.)

O sr. Luciano de Castro é ainda hoje o chefe d'este segundo gabinete como o era do que geria os negocios publicos em 1807, e o sr. Alpoim, desrespeitando as palavras do seu chefe, fez com que este enganasse o parlamento!

E a final, sr. presidente, para que se restauraram tantas comarcas e se crearam tantas de novo? Com que fundamento, com que pretexto?

A não ser para augmentar as promoções, (Apoiados.) francamente não sei. (Apoiados.)

As commodidades dos povos?...

Oh! sr. presidente, v. exa. que é juiz, v. exa. por cujas mãos passam diariamente os processos chagados de sellos ovaes, quadrados, triangulares, pretos, vermelhos o azues, com todas as formas da geometria e todas as cores do arco iris; v exa. que sabe perfeitamente que em Portugal não póde haver justiça para as questões de pequeno valor, a não ser que as alimente o capricho; v. exa. deve concordar que não é multiplicando as circumscripções judiciaes, que não é apertando cada vez mais essa rede de malhas estreitas formadas por sellos, pelas custas, pelos salarios de advogados e procuradores, que se attende á commodidade dos povos! (Apoiados.)

Esse desideratum de ter o juiz, o delegado e o escrivão ao pé da porta não é positivamente o ideal do povo portuguez! E não seria esse o caminho de um governo que quizesse sinceramente attender ás commodidades dos povos. A forma de o conseguir bem mais efficazmente seria a simplificação das leis do processo, em harmonia com a importancia das questões; seria a diminuição ou isenção de sellos nos processos de pouca importancia; seria sobretudo arrancando ao fisco e ás custas os inventarios de pequeno valor, em que o estado, a titulo de protecção, se senta com

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os orphãos á mesa da herança, devorando ás vezes mais da terça parte do seu valor! (Muitos apoiados.)

Assim, sr. presidente, é que se protegem os povos, assim é que se attendiam ás suas commodidades, e não creando comarcas desnecessarias, em que os juizes e delegados não têem nada que fazer, o que dá em resultado a administração da justiça estar entregue a substitutos leigos porque os magistrados se acham quasi sempre ausentes, com licença, ou sem ella...

Por esta fórma, triste é dizel-o, está-se creando na magistratura um exercito de inuteis, o nos empregados inferiores um exercito de famintos! (Apoiados.)

Esta diminuição de funcções dos empregados de juizo, pela restricção das areas, com a creação de novas comarcas, e pela restricção de attribuições, com a nova organisação do notariado, ha do trazer graves inconvenientes.

V. exa. sr. presidente, sabe bem que pela mão dos escrivães correm negocios muito importantes, e muitas vezes tentadores, e v. exa. sabe tambem que não é prudente lançar na miseria uma classe a que estão confiados grandes interesses.

E não é attender á commodidade dos povos, desprezar as condições indispensaveis para a moralidade dos empregados.

Esta, a creação de comarcas, foi uma das taes fontes, a que me referi, para as promoções.

(Pausa.)

A outra foi a collocação de juizes no quadro.

Comprehende-se a collocação de um magistrado no quadro como situação transitoria, a um caso de doença grave, ou de qualquer inconveniente na vida do um funccionario que o impossibilite de ir tomar posse de determinada comarca, mas não se comprehende como uma aposentação disfarçada.

Não me parece que isso seja rasoavel, nem me parece que o paiz esteja em condições do se poder proceder do tal modo.

Eu vou mostrar a v. exa., sr. presidente, qual foi a actividade do ar. ministro da justiça n'este campo.

Para a pôr bem em relevo, com imparcialidade e com verdade, soccorro-me outra vez a dados officiaes constantes dos ementarios.

Existem nos quadros da magistratura inactiva juizes de 2.ª o juizes de 1.ª instancia. Comecemos pela 2.ª instancia. Comecemos pela 2.ª instancia e tomemos como ponto de partida para a comparação a data de 1890. N'esse anno foi collocado no quadro 1 juiz, em 1891 foi collocado outro, em 1392 e 1893 não foi collocado nenhum, em 1894 foram 3, em 1895, 2, em 1896 foi só 1, e em 1898, antes do actual ministro, foi collocado 1. Concluindo: em oito annos foram passados ao quadro 9 juizes de 2.ª instancia.

Pois, em dezesete mezes da sua gerencia o sr. Alpoim já sobrecarregou aquelle quadro com 6 juizes d'esta categoria! Se excluirmos d'aquelle periodo o anno de 1894, em que passaram ao quadro 3 juizes, vemos que, em dezeseto mezes, o actual ministro fez tanta obra como se tinha feito em sete annos anteriores!

Passemos á 1.ª instancia.

Na 1.ª classe, desde 1890 até que subiu ao poder o actual ministro da justiça, foram collocados no quadro 7 juizes, e desde então até hoje, em dezesete mezes, já foram passados mais 6 juizes, quasi o mesmo.

Na 2.ª classe existiam no quadro 2 juizes collocados desde 1890 até agosto de 1898, em oito annos, pois n'estes dezesete mezes foi dobrado esse numero, existindo hoje 4.

Finalmente, na 3.ª classe, em que a idade dos magistrados repelle a hypothese de um grande numero do invalidou e doentes, existiam, collocados do 1890-1898, 10 juizes e, desde então até hoje, foi esse numero augmentado com mais 12 juizes!

O total, portanto, dos juizes passados ao quadro pelo sr. conselheiro Alpoim é do 20.

Vejamos agora, sr. presidente, quanto custa ao thesouro esse luxo de juizes inactivos:

[Ver valores da tabela na imagem]

6 juizes de 2.ª instancia
7 juizes de 1.ª classe
2 juizes de 2.ª classe
8 juizes de 3.ª classe

E note v. exa. que n'este quadro não entram, nem deviam entrar, 4 juizes de 3 a classe que foram passados ao quadro som vencimento.

Ahi está quanto, n'este secundario ramo dos serviços publicos, vae custando annualmente ao paiz a administração d'este governo, que augmenta mais de 24 contos de réis por anno com uma classe inactiva e inactiva por favor, visto que um quadro n'estas condições não é uma instituição legal mas uma aposentação disfarçada sem os exames medicos, as garantias e o tempo de serviço exigido pelos leis reguladoras das aposentações! (Apoiados.)

Sr. presidente, já vimos que os tribunaes creados de novo foram 18, e os juizes collocados no quadro pelo actual sr. ministro da justiça foram 26, e, ajuntando-se o natural movimento derivado de aposentações e de mortes, está explicada a extraordinaria promoção que tem havido na magistratura desde que subiu ao poder o sr. conselheiro Alpoim.

Examinada a forma como se abriram as vagas, vejamos a maneira como foram preenchidas.

Sr. presidente, como mada agora tive occasião de dizer, existiam no quadro auditores administrativos, e outros juizes addidos para serem collocados nas primeiras vagas de juizes de 3.ª classe, quando subiu ao poder o actual sr. ministro da justiça.

Este direito já lhos era positivamente garantido pelo citado decreto de 21 do abril de 1892, que extinguiu os tribunaes administrativos e foi novamente preceituado no codigo administrativo, approvado por lei do 4 de maio do 1896.

Assim o decreto de 21 de abril de 1892, diz no seu artigo 2.°:

"Os vogaes dos tribunaes administrativos districtaes e os agentes do ministerio publico junto dos mesmos tribunaes que estiverem nas condições exigidas no artigo 280.° do codigo administrativo ficam addidos, com os seus actuaes ordenados fixos, á magistratura judicial ou á do ministerio publico, conforme a sua actual posição

"§ 1.° Emquanto houver addidos mais ninguem poderá ser provido nas vacaturas que se derem nos respectivos quadros.

"§ 2.º Os addidos, emquanto não forem providos nas vacaturas dos referidos quadros, são obrigados a desempenhar o serviço publico de que foram encarregados pelo governo."

No uso da auctorisação dada ao governo no § 2.° d'este artigo, o codigo administrativo de 1896, estatue, no seu artigo 452.° o seguinte:

"Os logares de auditores, emquanto houver juizes de direito addidos á magistratura judicial, serão providos n'estes magistrados, com os seus actuaes ordenados, mas sómente pelo tempo que decorrer até lhes caber collocação n'aquella magistratura, não podendo em nenhum outro caso ser conservados nos logares do auditores."

Sr. presidente, não comprehendo como é que se póde passar por cima do duas disposições legaes tão claras e terminantes. Não creio que haja outra lei posterior que revogue esses principios porque estudei com cuidado o assumpto o não a encontrei, mas o meu espanto ante uma tão flagrante preterição da lei, é tão grande e sincero que

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quasi me inclino a que o engano é meu. O facto, sr. presidente é que o sr. ministro, a despeito das disposições citadas, tem promovido immensos delegados a juizes de 3.ª classe, existindo ainda hoje sem collocação nas suas funcções judiciaes - 8 auditores, 3 addidos e 2 juizes ultramarinos á disposição do governo! (Apoiados.)

Sr. presidente, esta questão já aqui foi levantada na ultima sessão parlamentar pelo sr. João Franco e então, segundo vi no Diario das sessões d'esta camara, o actual ministro da justiça respondeu que interpretava o artigo 452.° do codigo administrativo como garantindo a collocação dos auditores no respectivo quadro da magistratura judicial quando lhes coubesse promoção á classe immediata.

Assim, sendo esses auditores todos juizes de 3.ª classe só quando lhes coubesse promoção á 2.ª entrariam no quadro judicial.

Não vejo na lei cousa alguma que auctorise similhante opinião.

Ainda se poderia dizer, por um esforço de má comprehensão, que o citado artigo do codigo administrativo é obscuro e duvidoso mas, se attendermos a que, aproveitando os juizes addidos para o desempenho das funcções de auditores, o governo se serviu da faculdade que lhe concedia o § 2.° do artigo 2.° do decreto do 1892, encontramos no § 1.° d'esse artigo a disposição de que ninguem póde ser provido nas vagas judiciaes emquanto houver addidos.

Essa disposição é que não admitte duas interpretações. Essa garantia é que ninguem podia nem devia calcar! (Apoiados.)

Se estou em erro, em erro estão tambem commigo todos os ministros da justiça de 1892 a 1898, que assim comprehenderam e executaram essas leis. Se estou em erro, em erro estava tambem o sr. conselheiro Beirão, que durante a sua gerencia não promoveu delegados a juizes e preencheu as vagas com os addidos. E até mesmo, sr. presidente, o actual ministro da justiça nem sempre tem estado de accordo com essa sua interpretação, visto que s. exa. tem tambem collocado alguns auditores em vagas judiciaes de 3.ª classe, sem esperar a promoção a classe superior.

Sr. presidente, este caso é serio Exactamente porque a classe da magistratura ha longos annos tem estado sujeita a altos prejuizos e paralysada nas promoções, mais rigor, mais igualdade deve haver na distribuição das vagas que se vão dando.

Á verdade é que esses juizes addidos têem sido prejudicados moral e materialmente.

Afastados durante muitos annos do serviço propriamente judicial, quando voltam a exercer legares na magistratura estão esquecidos, encontram-se embaraçados, têem de refazer de novo a sua educação profissional, têem de alcançar outra vez esse fio da legislação que, uma vez perdido, tanto custa a reatar n'um paiz em que essa legislação é tão variada e inconstante como em Portugal.

Que trabalho não hão de ter esses homens, passados oito annos, para tomarem outra vez posse 'do estado da legislação do seu paiz. (Apoiados.)

Alem de que não é só o prejuizo profissional, é tambem o prejuizo economico, porque v. exa. sabe que esses auditores vencem apenas 500$000 réis, que era o vencimento dos juizes dos tribunaes administrativos, e os juizes de 3.ª classe vencem 800$000 réis.

Não é justo, não é rasoavel que sejam promovidos delgados novos a juizes que, entrados no quadro, vencem 800$000 réis, ao mesmo tempo que outros que prestam a mesma ordem de serviços o que são mais antigos, estão ganhando apenas 500$000 réis. Não é rasoavel, nem justo. (Apoiados.)

Sr. presidente, investiguei a maneira irregular como foram abertas ai vagas, demonstrei a forma como deviam ser preenchidas em harmonia com a lei, vou agora evidenciar á camara como, depois de ter calcado a lei, o sr. ministro despregou a equidade pelos processos que tem seguido na promoção de delegados a juizes.

A forma d'esses despachos é, a meu ver, uma das maiores faltas de justiça que o sr. ministro tem tido para com as classes que estão debaixo da sua administração. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu não sou cegamente partidario do systema exclusivo de promoções por antiguidade de serviço; eu comprehendo como, no interesse do estado e para estimulo dos funccionarios, haja conveniencia em harmonisar esse principio geral com o da promoção por merito, mas o que eu não comprehendo é este atropello de direitos dos empregados mais antigos por outros que são exaltados, não pelo seu proprio merecimento, mas por um declarado favoritismo. (Apoiados.)

Um caso isolado magoa, mas passa; agora quando uma classe está, durante annos, a marcar passo na mesma situação e, repentinamente, quando as promoções recomeçam, vê estabelecer-se a anarchia nos despachos, saltando uns por cima dos outros, sem precedencias de antiguidade nem de merecimentos, v. exa., que é juiz, deve confessar que tal espectaculo é triste e desconsolador! Antes se mantivesse a paralysação das promoções, antes fosse mais demorada a carreira dentro da classe do ministerio publico, comtanto que os delegados subissem naturalmente, na altura que lhes pertencia pela actividade do seu serviço.

Seria vagaroso e lento o começo da sua carreira, mas o tempo se encarregaria de lh'a accelerar no futuro; e em todo o caso os inconvenientes e as vantagens seriam iguaes, seriam equitativos. Mas o que se tem feito não se faz! (Apoiados.)

Se em todas as classes é triste e lamentavel essa anarchia, esse favoritismo, na distribuição das promoções, muito mais triste o lamentavel é dentro da classe da magistratura, que, pela natureza das suas funcções, pela imparcialidade e pela isenção exigida aos seus membros, não póde nem deve entrar n'essas luctas que levam á conquista dos favores do poder.

Sr. presidente, eu queria fugir a trazer para esta discussão exemplos pessoaes, porque sei que isso é desagradavel para os beneficiados, como é desagradavel para mim que sou amigo de alguns e collegas de todos. A culpa, porem, não é d'elles, é de quem os despachou (Apoiados.) G a quem os despachou é que eu tenho de pedir a responsabilidade d'esses actos, como tenho o direito de verberar, com todo o rigor, esse insolito procedimento.

Não queria apresentar nomes, mas os factos, na sua simplicidade, têem um tal poder de evidencia que não póde ser igualado nem substituido pelas mais profundas considerações, nem pelos mais bem architectados raciocinios. Restrinjo-me o mais possivel o n'esse montão de irregularidades, que tem sido a obra do governo n'este ramo de administração, tomo apenas quatro nomes, unicamente para mostrar a verdade das minhas affirmações:

"João Magrassó. - Foi despachado delegado em março de 1891. Foi promovido a juiz em outubro de 1899, preterindo 135 delegados mais antigos.

"Affonso M. Diniz Sampaio. Serviu como delegado de junho a novembro de 1880, cinco mezes. Foi reintegrado n'essa classe em 1891. Foi promovido a juiz em outubro de 1899, preterindo 137 delegados.

"Augusto Barbosa de Quadros. - Foi despachado delegado em outubro de 1890. Foi despachado juiz em 1899, preterindo 108 delegados.

"Luiz de Sousa Horta e Costa. - Foi despachado delegado em outubro do 1890. Foi promovido a juiz em janeiro de 1900, preterindo 153 delegados"

Só apresento estes quatro nomes, mas ha mais, e ha despachos ainda mais irregulares.

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Tomando o ultimo ementario publicado, antes de subir ao poder o sr. ministro da justiça actual, vemos que entre o mais antigo delegado actual, e o mais favorecido no despacho a juiz, existe uma differença de cento e cincoenta numeros!

Ora as promoções em tempo normal sai, quando muito, de quinze por anno, e n'este caso teriamos que o favor do ministro adiantou esse funccionario na sua carreira dez annos, com prejuizo dós seus collegas mais antigos.

E note-se que um d'elles, o mais antigo, o que ainda hoje é delegado, formou-se em direito em 1884, em quanto que o mais moderno o mais favorecido, o juiz, formou-se em 1880; quer dizer, quando o mais velho foi despachado delegado do procurador régio era o mais novo segundanista em direito! Ora isto é triste! (Apoiados.) Foi o merecimento pessoal que determinou estas promoções? Vejamos: Tomemos estas promoções que citei e que são das mais escandalosas. Escandalosas...? Sr. presidente, não sei se a palavra é correcta, se o não e retiro-a porque não quero que as minhas palavras firam, o que quero1 é ferir com as minhas idéas e com os factos que apresento-se elles tiverem gume para isso.

Assim, sr. presidente, esses delegados que apontei foram tão favoravelmente promovidos pelo seu valor, pelos seus grandes serviços?

Eu não duvido, eu sei mesmo pelo conhecimento pessoal de alguns, que são magistrados respeitaveis pelo saber e pelo caracter, mas, felizmente, essas qualidades não são tão raras na nossa magistratura que auctorisem e justifiquem a preterição de tantos outros que tambem, positivamente, as possuem. Comprehendo favores d'essa ordem quando recaem em individuos que pela prestação de serviços excepcionaes é pela publicação de obras notaveis sobre direito tenham jus a um extraordinario galardão. Ora esses, factos, essas obras é possivel que existam no activo dos individuos que citei, mas eu não as conheço, eu nunca as li, nem ouvi fallar n'ellas.

E quer v. exa. a prova evidente de que não foi o merito que determinou esses despachos? Se v. exa. ler a lista d'esses despachos verá que exactamente aquelles que representam um mais extraordinario favor, exactamente aquelles que preteriram um maior numero de collegas, poucos dias depois de despachados juizes eram collocados no quadro sem exercicio! Bom systema de aproveitar o merito: quando um funccionario revela altas qualidades de valor, tão altas e tio raras que o tornam objecto de uma promoção excepcional, ferra-se com elle na inactividade para que não possa prestar serviço algum, nem como delegado, nem como juiz! (Apoiados.)

Eu sei, sr. presidente, que o sr. ministro da justiça me vae responder com o velho argumento dos precedentes. Embora novo n'esta casa já comprehendi que esse systema das retaliações é a barreira atrás da qual os ministros se escondem quando não têem resposta cabal a apresentar. Succede, porem, que para mim essa resposta nem me satisfaz, nem tem valor algum. Nunca despachei e certamente nunca despacharei na minha vida delegado? antigos nem modernos. Precedentes pessoaes não os tenho; restam os precedentes politicos.

Ora eu devo dizer a v. exa. que, antes de tudo e acima de tudo, eu estou aqui como deputado da nação e é n'essa qualidade que estou fallando.

Entrei para o partido regenerador no anno passado por um sentimento de concordancia com os seus ideaes. presentes, e por me conformar com as normas tomadas ultimamente por este partido; só tenho portanto responsabilidade n'aquillo que elle fizer para o futuro.

Deus me livre que as minhas palavras e acções estivessem dependentes de todas as palavras e de todos os actos proferidas e praticados pelo meu partido desde 1852 para cá! Então ninguem podia fazer nada, nem dizer cousa nenhuma! A entrada para um partido seria uma, renuncia absoluta da nossa liberdade de pensar, da nossa actividade pessoal; renuncia não só no presente, que póde ser ás vezes um acto louvavel de disciplina partidaria, mas renuncia em favor do passado, que seria a negação de todo o progresso em politica.

Com certeza que atrás das nossas palavras, atrás de tudo quanto dissermos, estão palavras contradictorias, estão factos oppostos praticados pelos nossos partidos. Isto tanto se dá com o partido regenerador como com o progressista, que ambos têem nos seus precedentes muitas glorias e tambem muitos erros. (Apoiados.)

Se realmente o partido regenerador em algum periodo da sua vida politica praticou factos da ordem d'estes que estou condemnando, fel-o em pequeno numero e em epochas normaes, quando não atravessavamos uma tão grave crise material e moral. Vae muita differença entre um caso isolado e uma norma constante de proceder.

O sr. Presidente: - Previno o illustre deputado de que faltam apenas cinco minutos para se passar á ordem do dia.

O Orador: - Mas a verdade é que eu censurei esses actos e censuro os ainda agora. O partido regenerador tem faltas no seu passado; de algumas já se tem remido, de outras ha de remir-se no futuro.

N'este mesmo assumpto que estou tratando tenho uma prova d'isso.

O partido regenerador creou numerosas comarcas em 1890, mas reconheceu o seu erro e tão lealmente o fez que no seu ultimo governo supprimiu grande parte das que tinha creado.

Foi n'esta altura de orientação economica e altamente moral que eu entrei. Emquanto elle seguir n'este caminho e tenho plena confiança que n'elle preservará, póde contar com o meu apoio, insignificante mas leal; quando sair fora d'elle, vou-me embora, volto para a vida particular. (Apoiados.)

Eu sei que o sr. ministro da justiça, alem dos precedentes, pode-me responder com a lei.

Realmente desde que o delegado tenha tres annos de serviço póde ser despachado juiz.

Não contesto esse direito ao ministro.

Mas, sr. presidente, assim como na vida privada não são simplesmente as leis penaes que marcam os limites de liberdade de acção de um homem de bem, assim tambem na vida publica existe uma moral politica que deve limitar a acção dos governos.

E eu, francamente, sr. presidente, acho muitas vezes mais desculpavel uma illegalidade do que uma immoralidade politica.

Ora, embora seja legal, não é moral o acto de favoritismo que faz com que um empregado passe por cima de outros mais antigos na sua classe quando não tem meritos superiores. (Apoiados.)

Quando o sr. ministro da justiça, ha dias, disse n'esta camara que dentro da sua pasta só queria governar com o seu partido, eu suppuz isto uma simples phraze rhetorica, porque, apesar de tudo, quero fazer a s. exa. justiça e não posso acreditar que nenhum ministro da justiça faça similhante idéa da natureza das melindrosas funcções que lhe estão confiadas. Mas a verdade, sr. presidente, é que por este processo se está transformando a pasta da justiça n'um ministerio verdadeiramente politico. Se todos os delegados começam a ver que é só o favor do ministro, o favor da politica que determina a ordem das promoções, o resultado será dentro em pouco vermos o ministerio da justiça ainda mais politico do que o do reino. E com justificada rasão; porque os governadores civis e os administradores do concelho sabem que com a queda das situações a que pertencem muda a sua situação social, ao passo que dentro da magistratura os favores ministeriaes são mais duradouros, abrangem toda a vida do beneficiado. Que bello meio de seleccionar juizes!

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O sr. Presidente: - V. exa dá-me licença? Deu a hora de passar á ordem do dia.

O Orador: - Eu acabo já.

O sr. Presidente: - Eu não posso permittir que v. exa. continue no uso da palavra, sem consultar a camara.

O Orador: - Então peço a v. exa. que consulte a camara, sobre se permitte que continue com a palavra apenas por um minuto.

O sr Presidente: - N'esse caso não vale a pena consultar a camara. Póde v. exa. continuar no uso da palavra

O Orador: - Sr. presidente. Ha classes que pela natureza dos serviços que lhe são confiados devem estar inteiramente fora e inteiramente acima d'estas questões da politica. (Apoiados.)

Entre esses serviços de interesse largamente nacional, figuram em primeiro logar os que estão entregues ás pastas da justiça e da guerra.

Uma trata da defeza material do paiz, á outra está entregue a administração da justiça o portanto a defeza moral da nação.

Nem n'uma, nem n'outra deve entrar a politica o as promoções respectivas devem ser rigorosamente justas o equitativas. Sempre assim se tem entendido, mas o actual sr. ministro da justiça adoptou um systema diverso que não parece proprio nem defensavel. (Apoiados.)

Tenho a certeza do que, quando s. exa. se levantar para me responder, a sua maioria o ha de applaudir calorosamente, mas tenho a certeza tambem que atraz de mim, reconhecendo a justiça da causa que tão insignificante mas tão sinceramente advogo, está toda a magistratura do meu para, de alto a baixo, incluindo v. exa. cujo alto talento e cujo nobre caracter constituem uma gloria d'essa honradissima classe.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por todos os srs. deputados da esquerda.)

O sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim): - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a v. exa. sem consultar a camara.

O sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim): - Então peço a v. exa. que consulte a camara.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - Constando-me que está nos corredores da camara, para prestar juramento, o sr. deputado Catanho de Menezes, convido os srs. visconde da Ribeira Brava e conde de Caria a introduzirem s. exa. na sala.

Foi introduzido, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Ministro da Justiça (José do Alpoim): - Antes de responder ao sr. deputado, cumpre o dever do felicitar cordealmente s. exa. pela sua estreia parlamentar. Causa-lhe sempre grande contentamento uma manifestação de talento; mas muito mais ainda quando ella é dada por quem, apesar de adversario politico, tem no seu coração e no seu espirito um logar primordial.

Entrando no assumpto, observa ao sr. deputado que s. exa. deveria ter dito no seu aviso previo que pertendia fallar sobre cousas varias, em vez de dizer que queria referir-se á forma como tem sido feitos os despachos judiciaes e os do ministerio publico; e isto porque s. exa. versou, alem da questão dos despachos, a do notariado e a da creação das comarcas.

Com relação á do notariado trouxe ainda o argumento da auctorisação, dizendo que elle, orador, se soccorrou a uma auctorisação concedida em 1890 que, por pouco, podia dizer-se que era do seculo passado.

Quando se versar esta questão, que espera ver brevemente trazida ainda á discussão pelo sr. João Franco, fará a comparação da auctorisação a que elle, orador, se soccorreu com outra de que lançou mito o partido regenerador, quando estava no poder o illustre leader da actual minoria, ver-se ha então qual d'ellas é secular.

Por agora não deseja antecipar questões.

A questão das comarcas é absolutamente estranha ao aviso previo.

Se s. exa. entendo que elle, orador, não honrou a palavra do sr. presidente do conselho, usando da auctorisação relativa ás comarcas, porque não faz a este respeito una aviso previo? Quando s. exa. o fizer, mostrará elle, orador, que não excedeu a auctonsação, que honrou a palavra do chefe do partido, e, mais ainda, que redimiu verdadeiros erros e culpas que não eram do seu partido. Mostrará que as comarcas que creou e foram legitimamente, o que ao que restaurou foram bem restauradas, tendo sempre procedido com a seriedade que põe em todos os actos da sua vida.

Com respeito ás nomeações que fez, tem a observar que não basta dizer-se que foram muitas; é preciso provar que foram contra lei, e isto é que não se demonstrou.

Affirma que as nomeações foram feitas dentro da lei, e norteadas pelos principios da economia e da justiça.

Era necessario tambem attender-se ao estado em que se encontrava a magistratura, quando elle, orador, entrou para o governo. Havia nove annos que luto se fazia uma unica promoção, d'onde resultava que alguns delegados de merecimento estavam n'aquella situação havia quinze annos, e isto fazia com que, desalentados, procurassem collocação em outros serviços, o que era preciso evitar.

Disse s. exa. que foi grande o numero de delegados que elle, ministro, promoveu a juizes. Não o nega, roas essas promoções resultaram da creação e restauração de comarcas, da creação de novas varas em Lisboa e no Porto, e da interpretação que, a seu ver, deve ser dada ao artigo 452.° do codigo administrativo.

Referiu-se tambem s. exa., ainda que muito ao de leve, á passagem do juizes ao quadro, dizendo ser censuravel a forma como elle, orador, tem procedido n'este ponto. A isso respondo que não fez mais do que cumprir a lei, e que essa não é da sua iniciativa nem da do seu partido, mas d'aquelle em que s. exa. milita.

A respeito das promoções, deve ainda dizer que a prova de que não só deixou dominar por quaesquer intuitos politicos, está na propria leitura que s. exa. fez do nome de alguns promovidos, entre os quaes figuravam conhecidos regeneradores.

Dos delegados que promoveu, nenhum, que só recorde, tinha menos de dez annos de serviço, emquanto que o partido regenerador promoveu alguns que apenas tinham tres annos de exercicio como delegados.

No que fez o partido regenerador não houve, porem, abuso algum, como o não houve tambem por parte d'elle, ministro. Satisfez-se á lei; mas se querem encarar a questão pelo lado da moralidade, então é licito a elle, orador, perguntar de que lado é que ella está.

Parece-lhe ter respondido a todos os pontos em que o sr. Mascarenhas Gaivão tocou, e como s. exa. deixou entrever que este assumpto será novamente versado na camara, terá então ensejo de o discutir com maior largueza.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os srs. deputados, que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazel-o.

O sr. Augusto Fuschini: - Mando para a mesa uma proposta para a reforma do regimento.

É a seguinte

Proposta

Proponho que seja eliminada do actual regimento a doutrina que se refere ao aviso previo, adoptando-se as dispo-

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sições do anterior regimento para o pedido da concessão da palavra antes da ordem do dia.

Lisboa, 1 de março de 1900. = Augusto Fuschini.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Duarte de Sampaio e Mello: - Mando para a mesa um projecto de lei, estabelecendo o divorcio em Portugal.

Ficou para segunda leitura.

O sr. João Augusto Pereira: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Ponta do Sol.

Vae publicada por extracto no fim da sessão.

O sr. Sande e Castro: - Mando para a mesa uma representação dos empregados da camara municipal e administração do concelho de S. João da Pesqueira.

Vae publicada por extracto no fim da sessão.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.° 10, regulando a admissão dos sargentos e empregos publicos

Leu-se. É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 10

Senhores. - Á vossa commissão de guerra foi presente a proposta n.° 6-D, da iniciativa do sr. ministro da guerra, que tem por fim regular de um modo mais pratico e proveitoso a admissão dos sargentos do nosso exercito aos empregos civis dependentes dos differentes ministerios.

Esto assumpto, senhores, liga-se com uma das mais complexas e mais importantes questões de recrutamento, como é seguramente a da conservação nas fileiras do exercito do officiaes inferiores destinados a instruir o educar os novos soldados.

Em todos os exercitos tem-se curado com particular desvelo resolver tão momentoso problema, oferecendo aos sargentos vantagens de diversas ordens, que os animem a continuar no serviço por mais alguns annos. Entro estas vantagens avulta a de lhas reservar determinados empregos publicos que lhes garantam, ao deixarem aã fileiras, uma posição honesta e regularmente remunerada.

Entre nós, senhores, tanto se reconheceu a necessidade e a justiça de uma tal medida, que já um 1880 o illustre estadista e saudoso extincto, o general João Chrysostomo de Abreu e Sousa, que então geria com superior criterio a pasta da guerra, a introduziu na nossa legislação.

Mais tarde, em 1883, o assumpto foi melhor definido, sem que comtudo a execução correspondesse na pratica ao pensamento dos legisladores.

É esta deficiencia que muito acortadamento se propõe remediar a presente proposta, que a vossa commissão, depois de devidamente a ter apreciado, aconselha ao voto da camara e pede, de accordo com o governo, que seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a regular a admissão da sargentos a empregos publicos, dentro dos limites fixados nas bases seguintes, dando conta ás cortes do uso que fizer d'esta auutorisação:

1.ª Terão direito a ser providos em empregos publicos, que lhes serão exclusivamente reservados, os sargentos do exercito do reino, das guardas municipaes, do corpo de marinheiros da armada, os sargentos reformados só incapazes de serviço activo e os que tiverem deixado o serviço activo ha menos de quatro annos, quando tenham bom comportamento e nove annos do serviço activo, sendo pelo menos tres como sargento.

2.ª O governo designará, pelos differentes ministerios, quaes os empregos reservados aos sargentos.

3.ª Uma commissão presidida por um general, tendo por vogaes um funccionario de cada ministerio, e por secretario um capitão, tratará do serviço necessario para o provimento dos empregos reservados aos sargentos.

4.ª Os sargentos em serviço activo, nas reservas ou com baixa, logo que forem providos em empregos publicos, ficam obrigados ao serviço das reservas até completarem cincoenta e dois annos de idade, não podendo reformar-se qualquer que seja o seu tempo de serviço, a não ser que deixem o emprego, caso em que se lhes contará o tempo do serviço activo que tiverem e 50 por cento do tempo em que exerceram o emprego.

5.ª Os sargentos reformados, providos em empregos publicos, não recebem o vencimento de reformados, mas, deixando o emprego, têem direito ao vencimento de reforma nas condições indicadas na base anterior.

6.ª Quando o emprego der direito a aposentação, o sargento que o exerce póde optar por esta, ou pela reforma que lhe pertencer, segundo a base 4.ª

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 8 de fevereiro de 1900. = F. R. Dias Costa = Mathias Nunes = Francisco Ravasco = Francisco Xavier Correia Mendes = Alberto Monteiro = Lourenço Cayolla = Julio Ernesto de Lima Duque = F. J. Malhado, relator.

A vossa commissão de marinha concorda com o parecer da commissão de guerra. = Frederico Ressano Garcia = F. J. Machado = F. F. Dias Costa = Alfredo Baptista Coelho = Martins Nunes = Lourenço Cayolla = Antonio Rodrigues Nogueira.

A vossa commissão de administração publica concorda com os pareceres das illustres commissões de guerra o marinha. = Martinho Tenreiro = J. Simões Ferreira = Alexandre Cabral = Antonio L. Guimarães Pedrosa = Antonio Simões dos Reis = J. Osorio da Gama Castro.

As commissões de guerra e marinha enviara á illustre commissão de administração publica os seus pareceres sobre o projecto n.° 6-D da iniciativa do sr. ministro da guerra. = F. J Machado, relator da commissão de guerra.

N.º 6-D

Senhores. - Um da meios desde longa data empregados para melhorar o racrutamento dos sargentos no exercito prussiano, consistia em conceder a admissão a empregos publicos aquelles que tivessem determinado tempo do serviço.

Esta medida foi de largo alcance para o serviço do exercito; convidava os sargentos a permanecer na effectividade até ao limito estabelecido, realisando assim as vantagens que se pretendem obter em todos os systemas de readmissão, e attingido aquelle limite, facilitava a sua saida do exercito activo, evitando os inconvenientes da readmissão, porque deixava os quadros abertos para admittir novos sargentos, e augmentava successivamente os necessarios para as unidades do reserva.

Conjunctamente com estas vantagens de interesso puramente militar, havia outras de interesse geral do estado, porque fornecia para um grande numero de empregos publicos, funccionarios habilitados e educados na disciplina e cumprimento do dever.

Logo que estas vantagens poderam ser avaliadas por um conhecimento mais completo do exercito prussiano, o mesmo systema se generalisou nos differentes exercitos europeus.

Entre nós foi elle adoptado, em principio, na carta de lei de 23 de julho de 1880, que regulou a readmissão e reforma dos sargentos; mas, dizemos em principio, porque não entrou desde logo em execução. Em 1883 uma carta de lei especial definiu melhor o assumpto, e o regulamento do anno seguinte poz em execução o systema. Elle ficou rasoavelmente estabelecido e não haveria necessidade de

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SESSÃO N.º 26 DE 1 DE MARÇO DE 1900 11

o modificar, se tivesse sido bem executado. Mas não succedeu assim; a pouco e pouco as reformas successivas dos serviços dos differentes ministerios, modificaram a lista dos empregos destinados aos sargentos, sem os substituir por outros que satisfizessem ao mesmo fim, e a verdade é que hoje difficilmente podem ser concedidos empregos aos sargentos.

E para evitar estes inconvenientes, remodelando a legislação que a tal respeito existe, que o governo vos pede auctorisação.

A remodelação parece indispensavel para se fazer uma nova classificação dos empregos destinados aos sargentos em relação com os serviços actuaes dos differentes ministerios, e para estabelecer disposições que garantam a execução regular e permanente do seu preenchimento.

O pensamento da legislação vigente conservasse por completo, e tambem as suas principaes disposições; trata-se apenas de regular melhor a sua execução e de aproveitar para o serviço das reservas os sargentos empregados, dando-lhes em compensação algumas vantagens da reforma militar, como é indicado nas bases.

Vós, senhores, examinareis esta proposta de lei, e lhe introduzireis as convenientes modificações para assegurar melhor o pensamento de justiça que a diptou.

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a regular a admissão dos sargentos a empregos publicos, dentro, dos limites fixados nas bases seguintes, dando conta ás cortes do uso que fizer d'esta auctorisação:

1.ª Terão direito a ser providos em empregos publicos, que lhes serão exclusivamente reservados, os sargentos do exercito do reino, das guardas municipaes, do corpo de marinheiros da armada, os sargentos reformados só incapazes de serviço activo e os que tiverem deixado o serviço activo ha menos de quatro annos, quando tenham bom comportamento e nove annos de serviço activo, sendo pelo menos tres como sargento.

2.* O governo designará, pelos differentes ministerios, quaes os empregos reservados aos sargentos.

3.ª Uma commissão presidida por um general, tendo por vogaes um funccionario de cada ministerio e por secretario um capitão, tratará do serviço necessario para o provimento dos empregos reservados aos sargentos.

4.ª Os sargentos em serviço activo, nas reservas ou com baixa, logo que forem providos em empregos publicos, ficam obrigados ao serviço das reservas até completarem cincoenta e dois annos de idade, não podendo reformar-se qualquer que seja o seu tempo de serviço, a não ser que deixem o emprego, caso em que se lhes contará o tempo de serviço activo que tiverem e 50 por cento do tempo em que exerceram o emprego.

5.ª Os sargentos reformados, providos em empregos publicos, não recebem o vencimento de reformados, mas, deixando o emprego, têem direito ao vencimento de reforma nas condições indicadas na base anterior.

6.ª Quando o emprego der direito a aposentação, o sargento que o exerce póde optar por esta, ou pela reforma que lhe pertencer, segundo a base 4.ª

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 31 de janeiro de 1900. = José Luciano de Castro = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral = Manuel Affonso de Espregueira = Sebastião Custodio de Sousa Telles = Antonio Eduardo Villaça = Francisco Antonio da Veiga Meirão = Elvino José de Sousa e Brito.

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.°

O sr. Francisco Machado (relator): - Mando para a mesa a seguinte;

Proposta

Proponho que na base 3.ª se accrescente a seguira "um capitão" - ou major. = F. J. Machado.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Fica em discussão conjuntamente com o artigo 1.°

Tem a palavra o sr. João Arroyo.

O sr. João Arroyo: - Começarei por perguntar a v. exa. se ha na sala numero suficiente de srs. deputados para a sessão poder continuar.

Pausa.

O sr. Presidente: - Acabo de verificar que estão na sala 56 srs. deputados e, por consequencia ha numero sufficiente para a sessão proseguir.

O Orador: - Continuo a dedicar-me ao estudo d'estes projectos militares, graças aos quaes, quando outro serviço e outra utilidade partidaria se não alcançasse, o governo tem conseguido arranjar ordem do dia.

O primeiro projecto militar que este anno se discutiu dizia respeito á readmissão das praças de pret, o segundo, que é este, refere-se á collocação dos sargentos nos empregos publicos, e o terceiro, que se discutirá depois d'este, pede um credito para a compra de material de guerra.

É, com estes projectos, graças á Providencia, que temos ordem do dia parlamentar. Deus os abençoe! Riso.

Da mesma maneira que, por occasião da discussão do primeiro projecto, eu tive occasião de dizer ao sr. ministro da guerra que me parecia que elle continha uma falsa orientação em assumptos que interessam á pasta gerida por s. exa., tambem agora, sr. presidente, ao usar da palavra sobre o projecto n.° 10, tenho a lamentar que o sr. ministro da guerra tivesse assignado uma proposta, que posteriormente foi transformada pela respectiva commissão no projecto n.° 10, proposta, sr. presidente, que revela uma absoluta e completa inutilidade.

De longa data, appareceu, sr. presidente, em Portugal, a idéa de destinar aos officiaes inferiores do exercito certos logares publicos. Contemos o succedido, para que, depois, v. exa. e a camara possam formar um juizo seguro sobre o que ha de succeder.

O succedido, foi o seguinte, singela e summariamente narrado.

Apresentada essa idéa, ahi, pouco mais ou menos, pelo anno da graça de 1880, foi ella desenvolvida largamente na carta de lei de 1883, que tem a data de 26 de junho, data já um pouco affastada de nós.

Passava o projecto de lei, depois convertido na carta de lei de 26 de junho de 1883, por ser a ultima palavra da sciencia na especialidade. Gregos e troyanos, progressistas e regeneradores, eram todos accordes, unanimes, em affirmar que nenhuma legislação europêa offerecia um capitulo acêrca d'este assumpto, que tão cabal e completamente realisasse o fim a que se propunha. Era assim? Não era assim?...

Os textos que constituem este diploma, parece que demonstravam a affirmativa; os factos ulteriormente occorridos á sua promulgação parece, porem, que demonstravam, em porte, a negativa.

Qual era o contexto d'essa lei? Era o seguinte: reconhecia-se a absoluta necessidade de reservar para os officiaes inferiores do exercito uns determinados empregos publicos; creava-se uma commissão de caracter militar encarregada de receber requerimentos dos differentes officiaes inferiores do exercito que estavam nos termos da lei e essa commissão entregava-se á funcção de classificar esses requerimentos, para servir de base para ulterior collocação.

Era a isto que se reduzia o texto da lei de 1883? Não, senhor?

O legislador de 1883, sabendo que o regulamento nacional, o regulamento ministerial, tem sobretudo a effica-

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cia a que se referira um illustre orçamentologo d'este reino, de que serve para dizer o contrario do que diz a lei que elle regulamenta, premunindo-se contra a largueza da acção do regulamento nacional, foz mais do que pôr na lei um determinado principio geral e auctorisar a creação de uma commissão, cujas funcções acabo de descrever; por meio de uma tabella annexa á lei, especificou os differentes empregos civis, para os quaes podiam posteriormente ser nomeados os officiaes inferiores do exercito, e, mais do que isso, determinou as devidas percentagens, que iam desde um quarto das vagas futuras até attingir a totalidade d'ellas, a proporção, em que os officiaes inferiores deveriam entrar no preenchimento futuro d'essas vagas. (Apoiados.)

Assim é que na tabella dos empregos, a que se refere alei de 1883, se lê:

Designação dos empregados

[Ver valores da tabela na imagem]

Amanuenses, porteiros e continuos dos differentes ministerios, e das secretarias das côrtes; amanuenses, continuos o bedeis da universidade do Coimbra; continuos e amanuenses dos governos civis; amanuenses e guardas menores da tribunaes de segunda instancia; amanuenses e continuos do supremo tribunal de justiça, das escolas superiores e secundarias; amanuenses ou escripturarios de qualquer natureza, dependentes dos differentes ministerios, para provimento dos quaes a lei não exija habilitação ou cursos especiaes

Amanuenses, porteiros e continuos dos ministerios da guerra e da marinha

Amuuuenaes da direcção geral do engenheria e artilheria; archivistas das divisões militares territoriaes; aspirantes da administração militar; aspirantes a officiaes de fazenda da armada; secretarios dos conselhos de guerra permanentes; escripturarios do commando geral da armada e da superintendencia do arsenal; e, em geral, os empregados menores de todas as repartições militares dependentes dos ministerios da guerra e da marinha, comprehendendo os tribunaes militares, os arsenaes, os quarteis generaes e as praças de guerra

Aspirantes e amanuenses das repartições da direcção do exploração dos caminhos de ferro do estado; fieis o factores no serviço das estações; agentes fiscaes de 2.ª classe do movimento e trafego; chefes e fieis de estações, satisfazendo aos requisitos exigidos

Correios a pé ou a cavallo, em todas as repartições publicas e tribunaes

Idem, nos ministerios da guerra e da marinha

Fiel de armazens da direcção geral dos correios, telegraphos e pharoes; aspirantes auxiliares telegrapho-postaes e encarregados de estações de 5.ª classe, satisfazendo ás habilitações exibidas

Chefes da columna, do posto e de secção na fiscalisação externa das alfandegas, e escripturarios das companhias braçaes

Chefes de secção e de esquadra, amanuenses e escrivães dos commissariados de policia

Eu referi-mo mais especialmente á lei de 1883 para que a camara percebesse bem o cuidado muito especial tido pelo parlamento de então e pelo legislador d'aquella epocha, por desconfiar da regulamentação ulterior, em não querer deixar nada para diplomas de caracter secundario ou adjectivo. Assim deixou assegurado, em texto do lei, cujo desenvolvimento especificado vem n'esta tabella, quaes os direitos que ficavam pertencendo á corporação dos officiaes inferiores.

Insisto n'este ponto para que v. exa. veja que, apesar de terem decorrido dezesete annos entre 1883 e 1900, já n'aquella epocha os regulamentos do administração estavam algo desacreditados.

Mas vejamos o que succedeu. O que succedeu foi que cada ministerio foz o que quiz. (Apoiados.)

Eu conheço muitos factos que contêem em si a applicação da lei de 1883; eu mesmo tive occasião de os pôr em pratica; mas o que é certo é que essa lei, apesar da defeza que se encontra em toda ella pelo que respeita á regulamentação, como ainda tinha um artigo, o 9.°, em que se dizia que o governo fana os regulamentos necessarios para a sua execução, fixando a categoria dos empregos, as habilitações o que deviam satisfazer os concorrentes, limites de idade, processo dos exames e o modo de organisar as listas de entre os quaes deviam ser feitas as nomeações, isso foi sufficiente para que essa lei apesar, repito, de todo o cuidado do legislador, não tivesse tido, por parlo do poder executivo, senão uma applicação parcial e incompleta.

Esta é a situação que decorre dos factos, que não póde ser negada, porque as palavras que profiro não são senão a summula dos acontecimentos.

É n'esta altura que o sr. ministro da guerra se lembrou de apresentar á camara uma proposta, que mereceu a approvação das commissões, tendente a regular, por uma forma definitiva, o provimento dos officiaes inferiores nos empregos civis. E, n'estas condições, era-nos licito esperar que na proposito exhibida pelo sr. ministro da guerra, e approvada pelas commissões parlamentares, alguma cousa houvesse que, melhormente, assegurasse do que a lei de 1883, o fim a que este diploma se destina.

Se se tinha verificado que o systema introduzido pela lei de 1883, para realisar o fim a que se propunha, só tinha tido applicação incompleta, era nos licito esperar, repito, que alguma cousa apparecesse de mais solido, seguro o efficaz. Ora vejamos o que n'este projecto se lê.

O que n'elle se encontra é, pura o exclusivamente, uma auctorisação parlamentar. O artigo 1.° diz:

"É o governo auctorisado a regular a admissão dos sargentos a empregos publicos, dentro dos limites fixados nas bases seguintes, dando conta ás cortes do uso que fizer d'esta auctorisação."

Vejamos o que são essas bases; quaes as garantias contidas dentro d'estes textos de lei, que fazem parto do artigo 1.°, para ver se em algumas d'ellas se encontra garantias de que o projecto possa ter plena realisação.

Diz a base 1.ª:

"Terão direito a ser providos era empregos publicos, que lhes serão exclusivamente reservados, os sargentos do exercito do reino, das guardas municipaes, do corpo de marinheiros da armada, os sargentos reformados só incapazes do serviço activo e os que tiverem deixado o serviço activo ha menos do quatro annos, quando tenham bom comportamento o novo annos do servido activo, sendo pelo menos tres como sargento."

Esta base 1.ª é uma disposição similar da que só encontrava na carta de lei de 26 de junho de 1883.

Póde variar nos detalhes, ter differente redacção, mas não contém nenhuma garantia para o fim a que o projecto só propõe, nem constituo outra cousa senão o estabelecimento da base indispensavel para que um oficial inferior do exercito possa esperar collocação n'um emprego civil.

Logo, por aqui, não fica a questão melhorada.

Vejamos a base 2.ª

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"O governo designará, pelos differentes ministerios, quaes os empregos reservados aos sargentos."

Se na vigencia da lei de 1883, que tinha annexa uma tabella em que se indicavam, taxativamente, todos os empregos publicos em que podiam ser providos os sargentos, e as percentagens na proporção das quaes elles podiam concorrer ás vagas que se dessem, não era possivel qualquer duvida, e só pelo facto de n'ella se encontrar um artigo em que se dizia que o governo faria os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei, ella se transformou n'uma inanidade, para que, sr. presidente, tirar das attribuições do poder legislativo aquillo que, em 1883, tinha sido fixado por lei, para o entregar ao livre arbitrio do poder executivo?

Para que, sr. presidente, riscar da redacção propriamente da lei a fixação de principies que em 1888 só entregou ao poder legislativo, para os dar á expontaneidade, á boa vontade, ao arbitrio e á disposição de uma situação ministerial qualquer?

Isto, longe de dar uma garantia aos officiaes inferiores, é a completa negação do principio que se pretende estabelecer.

Vejamos agora a base 3.ª

Esta base diz:

"Uma commissão presidida por um general, tendo por vogaes um funccionario de cada ministerio, e por secretario um capitão, tratará do serviço necessario para o provimento dos empregos reservados aos sargentos."

Isto é, com uma leve modificação, o principio estabelecido na lei de 1883, que no artigo 4.° dizia o seguinte:

"Uma commissão presidida por um general, tendo por vogaes um primeiro official de cada ministerio, e por secretario um capitão de qualquer das armas do exercito, receberá os requerimentos e formulará listas, por ordem de merito e de categorias dos pretendentes, propondo ao ministerio da guerra os melhores classificados, para o provimento dos logares, quando occorrerem vacaturas."

Nada se diz, portanto, ainda na base 3.ª que contenha uma disposição melhorada da legislação já existente.

Vamos á base 4.ª, e esta, sr. presidente, é que me parece ter sido a rasão fundamental d'esta apparencia de lei.

A base 4.ª diz o seguinte:

"Os sargentos em serviço activo, nas reservas ou com baixa, logo que forem providos em empregos publicos, ficam obrigados ao serviço das reservas até completarem cincoenta e dois annos de idade, não podendo reformar-se, qualquer que seja o seu tempo de serviço, a não ser que deixem o emprego, caso em que se lhes contará o tempo de serviço activo que tiverem e 50 por cento do tempo em que exercerem o emprego."

Este numero póde ser discutido technicamente, mas eu não me meto n'isso. O fim que por elle se propõe obter é justo, é injusto?

Convem, sr. presidente, que se alcance, por meios directos ou por meios indirectos, a situação a que se refere o n.° 4.° do artigo 1.°? Representa este principio uma vantagem ou uma utilidade? Não entro n'essa questão; o que digo é que este n.° 4.° não contem a mais insignificante garantia de que aos officiaes inferiores fica assegurada a collocacão nos empregos publicos que lhe forem destinados.

Póde representar uma conveniencia de organisação militar; póde ser que dentro do systema e da orientação do sr. ministro da guerra esta disposição contribua para se realisar o seu fim; mas o que eu affirmo desde já é que, dentro d'elle, nada se vê que, directa ou indirectamente, mediata ou immediatamente, contenha a mais pequena garantia para os officiaes inferiores do exercito, no sentido de lhes ficar assegurado o direito á sua collocacão nos empregos publicos. (Apoiados.)

Vamos á base 5.ª, que diz:

"Os sargentos reformados, providos em empregos publicos, não recebem o vencimento de reformados, mas, deixando o emprego, lêem direito ao vencimento de reforma nas condições indicadas na base anterior."

É uma disposição de caracter adjectivo, sem ligação nenhuma com o fim capital a que a lei se propõe:

A ultima base, a 6.ª, diz o seguinte:

"Quando o emprego der direito a aposentação, o sargento que o exerce póde optar por esta ou pela reforma que lhe pertencer, segundo a base 4.ª"

Esta tambem cousa alguma contem no sentido e para o fim a que a lei se propõe.

Resta o texto do artigo 2.° Será porventura n'esta phrase (creio que não é esta a primeira lei em que vem) "Fica revogada a legislação em contrario" (Riso.) É possivel. Nos termos da lógica mais elementar, e ainda do mais trivial genuense (peco a v. exa. que me acompanhe n'este esforço de intelligencia e de raciocinio intellectual), desde o momento em que se diz "fica revogada a legislação em contrario" diz-se que fica revogado o pensamento de se assegurar aos officiaes inferiores do exercito a collocacão que lhe desejámos dar.

Se já a lei de 1883 dizia, ás direitas e ás claras, sem desenvolvimentos de lógica, nem applicação exorbitante de raciocinio, tantos amanuenses, tantos bedeis, tantos correios equestres e pedrestes e tantos fiscaes, e se nem mesmo essa fórma directa lograra ser uma solida garantia para os sargentos, pergunto eu o que fica sendo esta fórma indirecta "fica revogada a legislação em contrario". (Apoiados.) Evidentemente este "fica revogada a legislação em contrario" ainda pode servir no futuro, ou para nomear um addido que não devesse ser nomeado, ou para deixar de nomear um addido quando esse addido devesse ser nomeado.

Posto isto, volvemos, pela natural tendencia do nosso espirito, que é o regresso ao inicio, ao artigo 1.°, e voltámos assim outra vez á primeira forma, a auctorisação parlamentar, para se chegar á descoberta de que, para se procurar a realisação d'este fim, fazendo desapparecer dos preceitos da legislação a parte que era clara, precisa e perceptivel, não ha nada melhor que confrontar os dois projectos de lei, um que melhora o rancho dos cabos e praças de pret e o outro que augmenta o material de guerra, graças a lucros existentes na caixa geral de depositos, que em 1900 se chamam producto das remissões; e entre esses dois projectos do lei não ha nada mais edificante do que o sr. ministro sobraçando uma proposta que contem uma simples apparencia de lei. Ora eu entendo que a capacidade de s. exa. devia estar reservada para cousas mais serias, inais solidas, mais dignas do sou nome e da sua seriedade. Lamento, portanto, o tempo que fiz perder a s. exa. e á camara com estas considerações, lamento o tempo que o sr. ministro da guerra nos fez perder a todos nós e lamento o tempo que havemos do fazer perder aos sargentos, quando elles, imaginando que isto serve de alguma cousa, contarem com os empregos publicos que lhe são offerecidos por este diploma. (Riso.)

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Observa que tudo quanto o sr. João Arrojo disse, com muito espirito, já elle, orador, tinha dito, em duas palavras, no relatorio que precede a sua proposta de lei.

O projecto não representa, como s. exa. disse, uma novidade ou uma medida de largo alcance; tende simples

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mente a tornar pratico o principio consignado na lei de 1883.

Por essa lei concedia-se aos officiaes inferiores a collocacão em determinados empregos publicos, mas como pelas successivas reformas do serviços dos differentes ministerios alguns d'esses logares desappareceram ou mudaram do nome, não era possivel dar-lhe execução; e como só trata do uma lei, e as leis só por outras podem ser modificadas, bem justificada é a apresentação do projecto que se discute.

A sujeição á reserva a que s. exa. tambem se referiu, significa simplesmente que no entender d'elle, orador, desde que se dão vantagens aos empregados publicos, deve-se, ao mesmo tempo, sempre que isso seja possivel, obter compensações.

É da uma auctorisação que se trata n'este projecto, mas é ella tão insignificante, que não lhe parece que ninguem, por mais zeloso que seja das regalias parlamentares, devo ter melindres era votal-a.

(O discurso acra publicado na integra quando o orador o restituir.)

O sr. Simões Baião: - Peço a v. exa. o obsequio de mandar verificar se ha numero na sala.

Pausa.

O sr. Presidente: - Estão presentes apenas 36 srs. deputados; por consequencia não póde continuar a discussão.

A ordem do dia para sabbado é a mesma que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram cinco horas e vinte minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Representações

Da camara municipal do concelho da Ponta do Sol, da ilha da Madeira, pedindo não só a conservado d'esta comarca, mas a sua elevação á 2.ª classe.

Apresentada pelo sr. presidente da camara, Poças Falcão, enviada á commissão de legislação civil e mandada publicar no Diario do governo.

Dos escrivães do juizo de direito da comarca do Ponta Delgada, pedindo que, ou seja revogado o decreto de 23 de dezembro do 1899, ou que esta comarca seja incluida no numero d'aquellas ora que é permittido aos escrivães accumular o serviço do tabellionato, sem creação de novos logares de notarios.

Apresentada pelo sr. presidente da camara Poças Falcão enviada á commissão de legislação civil e mandada publicar no Diario do governo.

Dos empregados da camara municipal e administração do concelho de S. João da Pesqueira, solicitando que os actuaos empregados administrativos não sejam comprehendidos nas disposições dos §§ 3.º e 5.° da base 29.ª, das que fazem parte da lei de 26 de julho ultimo.

Apresentada pelo sr. deputado Sande e Castro, enviada á commissão de administração publica e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho da Ponta do Sol, da ilha da Madeira, pedindo, não só a conservação d'aquella comarca, mas tambem a sua elevação a 2.ª classe.

Apresentada pelo sr. deputado João Augusto Pereira e enviada á commissão de legislação civil.

Justificação de faltas

Participo a v. exa. e á camara que por incommodo de saude não me tem sido possivel assistir ás sessões desde o dia 5 do mez findo. = Sousa e Silva, deputado pelo circulo n.° 128.

Para a secretaria.

O redactor = Sá Nogueira.

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