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N.º 26

SESSÃO DE l DE MARÇO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga

José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Lida e approvada a acta, deu-se conta do expediente, lendo-se cinco officios e tendo segunda leitura dois projectos de lei que foram admittidos. É lido tambem o accordão do Tribunal do Verificação do Poderes, sobre a eleição de Macau e Timor, sendo proclamado Deputado o cidadão Rodolpho Augusto Soares. - Tem a palavra para um negocio urgente (inundações do Mondego) o Sr. Oliveira Mattos. Respondo o Sr. Ministro das Obras Publicas (Vargas). - O Sr. Queiroz Ribeiro realiza um aviso previo sobre exportação de vinhos. - O Sr. Homem de Mello refere-se á urgencia de attender aos prejuizos com as cheias dos rios no districto de Aveiro. Respondo o Sr. Ministro das Obras Publicas. - Varios Srs. Deputados apresentam requerimentos, avisos previos e outros, papeis.

Na ordem do dia. (discussão do projecto n.° 18, criando uma casa de correcção no districto do Porto) falam, successivamente, os Srs. Francisco José de Medeiros, Ministro da Justiça (Campos Henriques), Queiroz Ribeiro, Castro e Solla e Antonio Cabral. Prorogada a sessão a requerimento do Sr. Sarsfield, é depois votado o projecto.

Abertura da sessão - Ás 3 horas da tarde.

Presentes - 56 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto Botelho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alipio Albano Camello, Alvaro de Sousa Rego, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Malheiros Dias, Conde de Castro e Solla, Conde de Paço-Vieira, Domingos Eusebio da Fonseca, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco José de Medeiros, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Santa Rita, João Alfredo de Faria, João Augusto Pereira, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Marcellino Arroyo, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim Faustino de Poças Leitão, Joaquim Pereira Jardim, José António Ferro de Madureira Beça, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Simões, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Manuel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo e Paulo de Barros Pinto Osorio.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Agostinho Lucio Silva, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alexandre José Sarsfield, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Boavida, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Cesar da Rocha Louza, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Custodio Miguel de Borja, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Eduardo Burnay, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Ressano Garcia, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Maria de Andrade e Sousa, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Marianno Cyrillo de Carvalho, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alvaro Augusto Froes Possollo do Sousa, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Roque da Silveira, Antonio de Sousa Finto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Carlos Augusto Ferreira, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Penha Garcia, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Patricio, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico dos Santos Martins, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, José Adolpho de Mello e Sousa, José da Cunha Lima, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim Dias Gallas, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, Libanio Antonio Fialho Gomes, Manuel de Sousa Avides, Marianno José da Silva Prezado, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral e Visconde de Mangualde.

Acta - Approvada.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Cabral Paes do Amaral, a relação dos recrutas inspeccionados pela junta regimental de infantaria n.° 25, nos meses de agosto a novembro de 1901.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, satisfazendo ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Cabral Paes do Amaral, enviando uma relação dos engenheiros e conductores que fazem parte dos quadros technicos.

Para a secretaria.

Da Associação Commercial do Porto, remettendo 12 exemplares do relatorio annual da mesma Associação.

Para a secretaria.

De David Rocha, agradecendo o voto de sentimento d'esta Camara, pelo fallecimento do seu primo, o antigo Deputado da Nação, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro.

Para a secretaria.

Do Tribunal de Verificação de Poderes, remettendo o processo eleitoral do circulo n.° 33, Macau, definitivamente julgado por aquelle Tribunal.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o acordão do Tribunal de Verificação do Poderes, a que se refere o officio que acaba de ser lido.

Leu-se. É o seguinte

Acordão

Mostra-se d'este processo, que no dia 5 de janeiro próximo passado, se procedeu á eleição do um Deputado ás Cortes pelo circulo n.º 33 (Macau e Timor);

Mostra-se da acta do apuramento, que o numero dos votantes em todo o circulo foi de 2:970, obtendo igual numero de votos o cidadão Rodolpho Augusto de Sequeira, por unanimidade dos eleitores em ambas as assembléas primarias, que constituem o circulo, sendo proclamado Deputado eleito e conferindo-se lhe os poderes de que fala o artigo 77.° da lei eleitoral;

Attendendo a que não houve protesto ou reclamação contra qualquer dos netos eleitoraes, que se mostram legalmente cumpridos:

Julgam valida a eleição.

Lisboa, 28 do fevereiro de t1902. - Serra e Moura = Soares = Mattoso - Visconde do Errvedal da Beira -- Marques Barreiros - Azevedo - Pinto e Abreu.

O Sr. Presidente: - Proclamo deputado da unção o Sr. Rodolpho Augusto Sequeira.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Não deve resultar da estricta e rigorosa applicação da lei a negação da justiça, nem mesmo a injustiça relativa, mormente ao esta redunda em offensa dos legitimos brios de officiaes que, numa já longa carreira publica, arruinaram a sua saude e se incapacitaram para continuar no serviço activo, collocando os repentinamente uma situação de immerecida inferioridade para com outros offíciaes, camaradas seus da mesma corporação, que estiveram constantemente á sua esquerda, e no acto de passarem á situação da reserva adquirem posto mais elevado, subindo mesmo, os ultimos á alta categoria do generalato, emquanto os primeiros, que obtiveram superior classificação nas escolas, ou mais cedo concluíram o respectivo curso, perdem por involuntaria causa a esperança do attingirem á classe Diais elevada o igualar aquelles que sempre lhes foram inferiores, e que agora os preteriram.

Tal injustiça, porem, resulta do decreto com força de lei, de 19 de outubro de 1901, que, nas suas disposições transitorias deixou de prever o caso a que nos referimos; cumpre portanto ao poder legislativo corrigir uma falta que embora seja apparentemente pequena e por tal motivo tenha passado despercebida, nem por isso deve permanecer na lei para que esta não vá ferir com infundada preterição quem, durante a sua carreira militar, e desde os bancos das escolas, somente mereceu premio e louvor.

Em presença do estabelecido pela legislação em vigor (artigo 3.° do decreto do 19 de outubro de 1901), um official a quem se tenham contado 35 annos de serviço, pode passar ao quadro de reserva no posto immediatamente superior áquelle que tiver attingido o official da arma de infantaria que estiver immediatamente á sua esquerda na escala geral a que se refere o artigo 6.° do referido decreto.

Assim, por exemplo, um major de engenharia com 36 annos de serviço, que tenha collocação na escala geral, superior á de um coronel da arma de infantaria, passará ao quadro de reserva com o posto de general de brigada e respectivo vencimento.

Ao mesmo tempo, porem, um coronel da mesma arma, a quem se não contam ainda 35 annos de serviço, por se ter matriculado unicamente no fim do curso preparatorio, passará ao quadro de reserva com o seu proprio posto de coronel e o soldo da sua patente.

E não se diga que o primeiro ganhou a vantagem que lhe foi concedida pelo seu util e proficuo serviço; pelo contrario, ao passo que o segundo frequentou uma grande parte do seu curso (quatro e cinco annos de estudos, superiores algumas vezes), á sua propria custa sem o menor dispendio para o Estado; o primeiro teve praça assente e o vencimento respectivo não só durante os annos normaes e legitimos do seu curso, mas, muitas vezes, se não sempre, tambem durante os annos em que frequentou as escolas sem aproveitamento algum, e sem ter tido um dia de serviço effectivo no exercito, pelo simples facto de andar matriculado na escola que, sem aproveitamento frequentava.

Eis no que consiste a maior violencia da preterição: consiste em o estado premiar com mais elevada recompensa, ao findar a sua carreira activa, quem menos o mereceu.

Para fazer obra de boa e inteira justiça, dever-se-hia permittir aos officiaes de qualquer arma ou serviço, que alcançassem no acto da passagem ao quadro da reserva o posto que inferiores seus houvessem obtido invocando a circumstancia de terem, esses os 35 annos de serviço que os primeiros não tiveram. Não o propomos, porque não queremos que só levanto contra o projecto de lei que subscrevemos o obice de um augmento do despesa eventual, embora justificadissimo; não pedimos um ceitil ao erario publico em beneficio de um grupo de officiaes, entre os quaes se coutam alguns dos mais illustres ornamentos do nosso exercito; apenas reclamamos ao poder legislativo que os salve de serem preteridos, na hypothese, a que todos andam arriscados, mormente na carreira das armas, de se verem repentinamente forçados a deixar o serviço activo por incapacidade physica.

Fiados na sua irrecusavel justiça, apresentamos á vossa consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Aos officiaes que, por incapacidade physica tiverem de passar ao quadro da reserva, antes de con,

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cluirem trinta e cinco annos de serviço, e que por esse motivo não tenham direito ao posto immediato, noa termos do artigo 3.° do decreto de 19 de outubro de 1901, será comtudo concedida a graduação nesse posto immediato quando tenham anteriormente attingido tal posto, outros officiaes que, ao deixar o serviço activo occupassem na escala da respectiva arma ou serviço logar inferior ao dos primeiros mencionados.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 28 de fevereiro de 1902. = Os Deputados, Alfredo Mandes de Magalhães Samalho = João de Sousa Tavares.

Foi admittido e enviado á commissão de guerra.

Projecto de lei

Senhores. - Na lei de 1864 estabeleceu-se um fundo especial e exclusivamente destinado para a construcção e reparação das estradas municipaes; mas sendo essas construcções dispendiosissimas no districto de Bragança, e especialmente no concelho de Moncorvo, e encontrando-se a sede do concelho com grande falta de agua potavel para o consumo publico, especialmente devido á pessima exploração e canalização, já ha tempos se deu começo á melhor exploração e á mais conveniente substituição da canalização, que era de alvenaria, por tubagem de ferro, já comprada e não paga, na importancia de 1:050$000 réis.

E porque faltam os necessarios recursos para occorrer ás despesas feitas e ás precisas para a conclusão de tão imprescindivel obra, pretende a Camara Municipal alludida seja devida e competentemente auctorízada a distratar do fundo de viação municipal até á quantia de 1:008$000 réis, sendo 1:050$000 réis para pagamento da tubagem de ferro comprada, e os restantes 558$000 réis para conclusão do assentamento da canalização e mais obras.

Para esse fim ouso offerecer á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorizada a Camara Municipal do concelho da Torre de Moncorvo a distrahir do fundo de viação municipal, sem prejuizo e alem de qualquer applicação anterior e especialmente auctorizada, até á quantia de l:608$000 réis para ser empregada no pagamento da tubagem de ferro e mais obras precisas para conclusão da canalização de agua potavel na villa referida.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 28 de fevereiro de 1902. - Ferreira Margarido = Lopes Navarro.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica,

O Sr. Oliveira Mattos: - Pedi a palavra para chamar a attenção do nobre Ministro das Obras Publicas, que vejo presente, para os estragos produzidos pelas grandes inundações do Mondego nos campos de Coimbra e mesmo dentro da cidade.

Os meus amigos d'ali escrevem-me, dando-mo noticia circumstanciada dos grandes prejuizos que aquella cidade tem soffrido.

O Mondego, trasbordando, tomou uma corrente e volume de agua de tal ordem, como ha muitos annos se não via. Na entrada da cidade, proximo da estação do caminho de ferro, derrubou varios muros, havendo inundações dentro da cidade e pontos em que a agua attinge uma altura de 6 a 7 metros. O diqno foi tambem derrubado, o que deu em resultado inundar-se a estrada da Beira.

Nos campos, os estragos são ainda incalculaveis; os rombos abertos nas quebradas do uma e outra margem fizeram com que os campos ficassem completamente cobertos de agua. A agua, indo de lado a lado, interrompeu completamente o transito pela parte da Ribeira para Montemor, e converteu os campos num verdadeiro mar, o que faz com que não se possa ainda avaliar os prejuizos.

A epoca das sementeiras, como o Sr. Ministro sabe, está proxima; torna-se, portanto, urgente acudir com providencias promptas e immediatas, a fim de que essas sementeiras só possam fazer no principio do más que vem, e se não se acudir já aos rombos feitos nas quebradas, com certeza que, com as primeiras aguas que appareçam, esses rombos se alargarão e então os prejuizos serão ainda muito maiores, quer para os proprietarios, quer para o Estado, que tambem tem ali obras a conservar.

O nobre Ministro das Obras Publicas decerto deve estar já informado d'estes estragos, e eu espero que S. Exa., com aquelle cuidado que lhe costumam merecer os negocios publicos, attenda, de preferencia a outros, ao que se passa em Coimbra e campos do Mondego, visto serem mais urgentes.

(S. Exa. não reviu).

Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de Vargas): - Agradeço ao illustre Deputado, o Sr. Oliveira Mattos, a amabilidade com que me tratou, porque, muito embora a minha vaidade me diga que S. Exa. não fez senão justiça, é, todavia, para mim sempre agradavel ouvir palavras tão penhorantes, sobretudo vindo de um adversario politico que, aliás, sabe alliar á sua paixão politica um espirito altamente justiceiro.

Com relação ao assumpto que S. Exa. tratou, tenho noticias que confirmam absolutamente tudo quanto S. Exa. disse.

A cheia do Mondego foi extraordinaria. Sabe-se já de alguns prejuizos causados na cidade, mas nos campos abaixo de Coimbra não é possivel ainda calcular quaes sejam os prejuizos para a agricultura, nem mesmo para as obras a cargo do Estado.

O director dos serviços fluviaes o maritimos, o Sr. Santos Freire, que é um empregado muito zeloso e competente, deixando um pouco de parte as praxes officiosas, não se limitou a telegraphar, nem a officiar; veiu directamente á Lisboa, visto que a sua presença lá não era indispensavel, receber as ordena e instrucções acêrca do que devia fazer. As ordena que deviam ter sido communicadas a esse funccionario, pelo Sr. Director de Obras Publicas e Minas, um engenheiro cuja competencia todos reconhecem e a quem todos fazem justiça, foram as que eu lhe transmitti a elle: dei-lhe os mais amplos poderes para acudir immediatamente a todos os estragos que desde já possam ser reparados e para logo que as aguas baixem, proceder aos estudos das obras necessarias para proteger os campos do Mondego de futuras inundações.

É isto o que eu tenho a dizer a S. Exa., e creia que não appella em vão para mim em questões d'esta ordem, porque nellas ponho todo o meu esforço e faço com que todos os meus empregados me acompanhem nesse empenho.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Queiroz Ribeiro para realizar o seu aviso previo ao Sr. Ministro das Obras Publicas.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Antes de entrar no assumpto do seu aviso previo, permitte-se, em duas palavras apenas, chamar a attenção do Governo para a epidemia do variola que está grassando com intensidade no concelho de Caminha, tendo já produzido numerosos obitos, e para a necessidade de ser attendida uma representação dos ourives de Vianna do Castello, que se queixam da concorrencia desleal que fazem os vendedores ambulantes.

Feito este pedido, que o Sr. Ministro da Justiça, sem duvida, se dignará transmittir ao Sr. Presidente do Conselho, vão entrar no assumpto do seu aviso previo.

Folga de ver presente o Sr. Ministro das Obras Publicas, porque a sua presença lhe demonstra que, se o seu estado de saude não é ainda completamente bom, está ainda assim, muito melhor.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Nestas palavras presta elle, orador, o preito da sua muita consideração pelo caracter e pelas excellentes qualidades de trabalho de S. Exa.

Folga tambem por ver presente o Sr. Ministro da Fazenda e dos Estrangeiros, porque o assumpto de que vão occupar-se tambem dependo de uma das pastas que S. Exa. dirige.

Não pode elle, orador, no limitado tempo que lhe é concedido, versar o assumpto em toda a sim amplidão; limitar-se-ha, por isso, a chamar para elle a attenção do Governo e a apresentar algumas idéas que, se forem adoptadas, poderão concorrer pura melhorar a situação dos lavradores e dos negociantes de vinhos.

Como é sabido, ha muitos annos, em todos ou quasi todos os países, os nossos preciosissimos vinhos generosos são victimas de falsificações, que têem augmentado consideravelmente nos ultimos tempos, o que causa, tanto aos negociantes, como aos productores, prejuizos extraordinarios.

Elle, orador, tem conhecimento de alguns factos verdadeiramente impressionantes, que vae indicar.

Na França, especialmente em Cette e Marselha, são constantes as falsificações do vinho do Porto, e em tal quantidade as lançam no mercado, que está calculado que vendem annualmente 600 mil hectolitros de vinho falsificado.

Em 1885, na exposição de Bordéus, foram premiados vinhos da California, com o rotulo de Madeira e Porto.

No concurso geral de vinhos effectuado em França, no mesmo anno, foram apresentados vinhos brancos, como sendo portugueses, quando não era essa a sua procedencia; e nos catalogos dos negociantes franceses, os vinhos da Madeira são quasi sempre indicados como hespanhoes.

Em França, é difficil encontrar vinhos do Porto e da Madeira genuinos; a prova da falsificação e da sua pessima qualidade está em que ali se vendem esses vinhos a 1 franco a garrafa.

Em Hespanha, sobretudo em Tarragona, cujos vinhos vão melhorando, contrafaz-se constantemento o vinho do Porto, e o mesmo succede com o vinho da Madeira em

Em França, está calculado que se vendem annualmente 10:000 pipas de vinho da Madeira, quando esta ilha apenas exporta 800 a 1:000 pipas.

Estas falsificações, que se fazem por toda a parte, e a preços muito baixos, porque vendem esses vinhos por menos dois terços do que se pode vender o vinho genuíno, sem contar com o encargo dos direitos, que é elevado, porque estão sujeitos á pauta maxima, fazem com que os nossos vinhos tenham pequena saida e o viticultor não encontre remuneração sufficiente para os seus productos.

Um simples exemplo o demonstra: a Companhia do Alto Douro comprou ultimamente na Regua perto de 4:000 pipas de vinho ao preço de 20$000 réis, que quasi não cobre as despesas da cultura.

A maneira de evitar, senão no todo, pelo menos em grande parte, essas falsificações, seria fazer com que se respeitasse o artigo 4.° da convenção de Madrid, que garante a genuidade dos vinhos.

Baseada nesse artigo, ainda a Inglaterra ultimamente prohibiu a entrada ali do champagne Saumour.

Baseados nesse mesmo artigo poderiamos nós talvez conseguir que tambem ali se impedisse a entrada dos vinhos do Porto de contrabando.

Quando se celebrou a convenção de Madrid, a instancias dos delegados portugueses o franceses, foi nella introduzido o artigo 4.°, que expressamente declara que os tribunaes que pelos artigos 2.° e 3.° podem e devem discutir as reclamações o duvidas que se levantem sobre a genuidade de quaesquer productos, não o podem fazer, quando se trate de productos vinicolas, tendo sido brilhamemente demonstrado por Oliveira Martins que os productos industriaes, comparados com os agricolas, teem uma differença essencial, pois que os agricolas dependem das condições do solo e do clima, que não podem transportar-se nem modificar-se segundo a vontade dos homens.

Ficou, pois, assente, e isso é devido a Oliveira Martins, que os tribunaes só teem a verificar se a procedencia indicada é ou não authentica.

Sendo isto, accrescenta o orador, o que está estabelecido e acceite pelos differentes paises, parece que o caminho está naturalmente indicado, e que, por mais providencias que se adoptem em relação a vinhos, nenhuma ha de dar resultados tão seguros como esta.

Não desconhece as difficuldades que uma casa exportadora de vinhos da Madeira teve do vencer para que em França se julgasse no sentido expresso no artigo 4.° da convenção a que já se referiu; mas conseguiu um verdadeiro triumpho, porque não só foi reconhecido que os vinhos da Madeira eram os produzidos naquella nossa ilha, mas tambem que vinhos do Porto eram os exclusivamente produzidos na região duriense.

Bem sabe que não cabe ao Governo fazer as reclamações sobre a legitimidade dos vinhos importados nos differentes paises, com rotulos que lhe falseiam a proveniencia, mas entende que o Governo pode prestar grande serviço aos negociantes e productores, auxiliando as reclamações que se façam.

Depois de outras considerações, tendentes a demonstrar a necessidade de nos defendermos contra as falsificações, seguindo assim o exemplo de outros países, termina o orador fazendo um appello para que todos, progressistas, regeneradores e Governo, se congreguem num esforço commum, a fim de resolver com vantagem o problema vinicola.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Publicas, mas devo prevenir V. Exa. que faltam apenas cinco minutos para se passar á ordem do dia.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de Vargas): - É quanto me basta.

Em primeiro logar, peço desculpa ao Sr. Queiroz Ribeiro do responder primeiramente ao Sr. Homem de Mello que tratou de um negocio urgente, e, portanto, é minha obrigação responder-lhe. Nisto não ha a menor desconsideração para com o Sr. Queiroz Ribeiro.

Quando hontem fui prevenido por S. Exa. das grandes cheias que tinha havido no districto de Aveiro, fui ao Ministerio para que me informassem minuciosamente quaes tinham sido os effeitos das cheias no districto de Aveiro, e mesmo sem esperar resposta mandei pôr á disposição d'esse funccionario a quantia de 600$000 réis para as primeiras despesas.

Já vê, pois, o illustre Deputado e a Camara a attenção que me merecem as communicações de S. Exa. e quanto me apresso em acudir aos trabalhos quando são necessarios.

Quanto ao Sr. Deputado dizer «que o districto de Aveiro deve ser tratado como filho legitimo o não como filho bastardo», felizmente posso declarar que, para mim, não ha districtos que sejam filhos legítimos ou bastardos: dedico a todos as mesmas attenções, como o illustre Deputado sabe.

Referindo-me agora ao aviso previo do Sr. Queiroz Ribeiro, começarei por agradecer a S. Exa. a grata gentileza com que me tratou, e as palavras com que traduzo este agradecimento não são uma lisonja.

Tratou S. Exa. de um assumpto grave e serio, e que pode interessar a nós e até a toda a Europa, qual é a falsificação das marcas dos nossos vinhos.

Referiu-se S. Exa., a que, na convenção de Madrid, devido aos esforços de Oliveira Martins, fôra inserido o

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artigo 4.°, que em grande parte nos foi muito favoravel, garantindo a procedencia dos productos.

Permitta-me o illustre Deputado que eu faça, não uma rectificação ao que S. Exa. disse, mais junte um esclarecimento.

Referiu-se S. Exa. a Oliveira Martins, mas esqueceu-se de se referir ao vulto eminente de Casal Ribeiro, que nesse momento era nosso Ministro em Madrid.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Eu referi-me n Oliveira Martins porque foi elle que fez a argumentação.

O Orador: - Devemos tambem fazer justiça aos mortos.

Ao lado de Oliveira Martins estava ainda o actual Director do Commercio e Industria, o Sr. Madeira Pinto.

Como S. Exa. disse, e muito bem, a França estava sempre do nosso lado para nos defender da concorrencia com falsa declaração de origem, o como S. Exa. disse, pelo contrario, fez-se uma guerra aberta da parte da Hespanha e essa hostilidade ainda se manifestou mais da porto da Inglaterra (Apoiado»), e sem falar em hostilidades porque não quero levar a palavra para casa - o illustre Deputado sabe perfeitamente que os factos ahi estão a provar isto. (Apoiados).

Direi - sem ir mais longe - que ha uma lei publicada na Italia sobre falsificações de vinhos em que a Italia considera licito o addicionamento de alcool em vinhos do typo Marsalla, typo Porto. Considero, isto um acto legal, está na lei, e no entanto a Italia diz que os vinhos estrangeiros que quiserem entrar na Italia e tenham qualquer rotulo de onde possam resultar confusões, não podem entrar.

Aqui tem V. Exa. como outros paises encaram este assumpto. (Apoiados).

A propria França, que estava sempre ao nosso lado e nos apoiou naquella sentença notavel a que se referiu o illustre Deputado, consente que em Cette e Marselha se façam vinhos do Porto. (Apoiados).

Respondo muito resumidamente, porque não tenho senão um minuto para falar.

Não estou a atacar a opposição, o illustre Deputado faz-me a justiça de o acreditar.

Devemo-nos todos congregar nesta cruzada, e estou perfeitamente de acordo com o illustre Deputado. É assim que devemos encarar todos os assumptos que interessam a questões nacionaes. (Apoiados}.

Nestas questões não ha progressistas nem regeneradores; devemos ser um por todos e todos por um. (Apoiados geraes).

O Governo pouco podo interferir na questão.

O illustre Deputado, como conhece a convenção de Madrid, sabe que o artigo 2.º diz claramente que a apprehensão é determinada pelo Ministerio Publico, a requerimento da parte dos interessados, individuo ou sociedade.

Já V. Exa. e a Camara vêem que o Governo não pode recorrer; o que o Governo pode é auxiliar. E nisto está o Governo perfeitamente do acordo. Tem sido sempre o pensamento de nós todos.

O meu prezado amigo e collega, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, quando criou os addidos commerciaes, não teve outra cousa em vista. (Apoiados).

Já S. Exa. vê que estamos completamente de acordo sobre o assumpto e é para desejar que em assumptos que interessam á totalidade, por assim dizer, da nação, nos todos nos congreguemos e trabalhemos para que as nossas forças juntas produzam resultados. (Apoiados).

Creio que em menos tempo ninguem podia responder mais completamente do que eu. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - É a hora do se passar á ordem do dia.

Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Francisco Machado: - Desejo saber seja estão sobre a mesa os documentos que pedi pelo Ministerio do Reino, e de que careço para annunciar uma interpellação ao Sr. Ministro do Reino, sobre os motivos por que não se tem ainda realizado a eleição da Camara Municipal de Lisboa.

O Sr. Presidente: - Ainda não vieram.

O Sr. Francisco Beirão: - Mando para a mesa uma representação do official de diligencias da administração, continuo e zelador da Camara Municipal do concelho da Lourinhã.

Peço a sua publicação no Diario do Governo.

Foi auctorizada a publicação.

(Vae por extracto no fim da, sessão).

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a V. Exa. que me diga se já vieram os documentos que pedi pelos Ministerios da Fazenda e das Obras Publicas.

O Sr. Presidente: - Nem uns nem outros documentos vieram.

O Sr. Manuel Fratel: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, mo seja enviada copia do processo relativo á aposentação do chefe da Repartição Tachygraphica da Camara dos Dignos Pares do Reino, o Sr. Visconde de S. João Nepomuceno. = O Debutado, Manuel Fratel.

Mandou-se expedir.

O Sr. Sousa Tavares: - Apresento a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que deitei na caixa das petições um requerimento, em que o capitão reformado João Baptista de Arede Soveral, pede melhoria do reforma. = Sousa Tavares.

Para a acta.

O Sr. Malheiro Dias: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Tenho a honra de participar a V. Exa. que desejo interrogar o Sr. Ministro d«s Obras Publicas sobre o serviço florestal das matas nacionaes do país, que num perimetro de 70 kilometros dispõe apenas de seis guardas disponiveis para o serviço do policia, dando em resultado, ao contrario d'essa economia, prejuizos avultadissimos para o Estado em consequencia dos repetidos incendios que annualmente devastam importantes extensões de floresta. - Carlos Malheira Dias.

Mandou-se expedir.

O Sr. Alexandre Sarafield: - Apresento o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja presente á commissão do guerra o requerimento em que o tenente coronel reformado da administração militar, Francisco Antonio das Mercês, pede lhe seja contado, para offeitos de melhoria de reforma, o tempo que, tem servido na secretaria da guerra, desde 7 de maio de 1834. Esta requerimento foi entregue á Camara dos Senhores Deputados na sessão de 1901, e foi pela commissão de guerra mandado informar á l.ª Repartição de Direcção Geral da Secretaria da Guerra. - O Deputado, Alexandre José Sarsfield.

Mandou-se satisfazer.

O Sr. Clemente dos Santos: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

se permitte que se reunam durante a sessão as commissões de ensino superior e saude publica. = 0 Deputado, Clemente aos Santos.

Foi approvado.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Apresento o seguinte

Aviso previo

Tenho a honra de participar a V. Exa. que desejo interrogar o Sr. Ministro da Fazenda e dos Estrangeiros sobre tratados de commercio. - O Deputado, Queiroz Ribeiro.

Mandou-se expedir.

O Sr. Manuel Fratel: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Mandei lançar na respectiva caixa requerimentos dos official de diligencias, continuo e zelador da Camara Municipal da Lourinhã, pedindo que lhes sejam applicaveis os artigos 373.° e 374.°, n.ºs 2.° e 3.° do Codigo Administrativo. = Manuel Fratel.

Para a acta.

O Sr. Mendes Leal: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. que lancei na caixa um requerimento do capitão-medico de infantaria n.° 23, João Rodrigues Donato, em que pede para lhe ser contado para a sua reforma o tempo que serviu como facultativo municipal no concelho de Cantanhede. - J. J. Mendes Leal.

Para a acta.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei que cria uma casa de detenção e correcção no districto do Porto

Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 13

Senhores. - A vossa commissão de legislação crimina vem apresentar-vos o seu parecer sobre a proposta de lei do Governo, que tem por fim criar uma Casa de Detenção e Correcção no districto administrativo do Porto, para educar e regenerar individuos do sexo masculino, maiores de dez e menores de dezoito annos, de todas as comarcas do districto judicial d'aquella Relação, e os que, por transferencia, para ali forem enviados dos outros estabelecimentos correccionaes do país.

A Casa de Detenção e Correcção de Lisboa e a Escola Agricola de Villa Fernando apenas comportam 410 reclusos; 110 a primeira e 300 a segunda.

No districto judicial da Relação do Lisboa, afora as comarcas da Ilha da Madeira, houve, nos annos de 1896 a 1900, 672 menores condemnados em penas correccionaes.

D'aqui se infere que esses institutos mal poderão albergar os menores delinquentes de Lisboa, ao mesmo tempo que os do Porto teem de ser internados na sua cadeia civil, contra todos os principios de humanidade, da moderna educação correccional, de hygiene e em opposição ao que se pratica nos paises mais cultos.

E não se julgue que os menores recolhidos na Cadeia Civil do Porto são poucos; 334 do sexo masculino deram ahi entrada, de 1897 a 1900, por haverem praticado crimes leves pela primeira vez.

Urge, pois, prover de remedio a esta grave falta, que já em 1888 preoccupava o illustre estadista Sr. Conselheiro Veiga Beirão, e a esse fim visa a actual proposta.

A cifra da população nestes estabelecimentos é um ponto e importancia capital.

A fixação do numero maximo, para o futuro, de 200 reclusos (artigo 1.°, § 2.°) está em harmonia com as indicações dos peritos no assumpto, com as exigencias modernas e com o exemplo das instituições modelares estrangeiras.

A influencia da disciplina e a facilidade de emenda estão na razão inversa da agglomeração.

Pode, é certo, custar menos ao Estado uma instituição, que receba um grande numero de reclusos, mas não offerece as mesmas vantagens, debaixo do ponto de vista essencial: a transformação moral.

Por isso se decidiu no Congresso de Stockholmo que o numero de menores, reunidos no mesmo estabelecimento, devia ser limitado, de forma que o Director pudesse occupar-se pessoalmente de cada um.

Estão de acordo com esta idéa os melhores escriptores modernos.

Na Inglaterra, por exemplo, os effectivos d'estes estabelecimentos variam, em regra, entre 30 e 200 menores, e os poucos que fazem excepção a este principio dividem-se, em secções, absolutamente separadas.

Desejaria a vossa commissão que se criassem casas de preservação e regeneração, distinctas das correccionaes, devidas á iniciativa e caridade particular e ao subsidio do Estado, sufficientes para o grande numero de menores que ahi deviam ter logar.

Em attenção a esse principio, determina a proposta que fiquem completamente separados, embora no mesmo estabelecimento, os menores conscientemente delinquentes, ou desobedientes e incorrigiveis, dos que o não são, ou apenas commettem o delicio de vadiagem ou de mendicidade, providencia esta que se ha de traduzir em immediatos e proficuos resultados.

Comquanto essas duas classes de menores exijam benevolência, o emprego de processos suaves, um cuidadoso regimen educativo, não lhes pode ser applicada indistinctamente a mesma disciplina nem devem estar sujeitas ás mesmas regras.

Alem d'isto, a promiscuidade seria altamente prejudicial para a segunda classe, sem vantagens para a primeira.

Permitte a proposta de lei que os menores, nos termos do artigo 3.°, continuem detidos até perfazerem vinte e um annos.

Indigentes, sem as habilitações profissionaes com que possam adquirir os meios de subsistencia, esses infelizes, lançados assim no mesmo meio de onde sairam, forçosamente se tornariam delinquentes habituaes, mais ou menos perigosos.

Não é o prolongamento de uma pena que se preceitua, mas uma maior extensão do beneficio de educação e instrucção.

Não é uma violencia que se impõe, mas ainda a caridade que se manifesta, tentando dar ao menor os elementos para poder de futuro ganhar honradamente a sua vida.

Será um bem e uma economia para a sociedade conservar o menor durante alguns annos na casa de correcção e evitar, por esta forma, os prejuizos que causaria um criminoso no decurso do seu viver.

Assim comprehendida, ó uma medida humanitaria, justa e economica.

Pela lei de 15 de junho de 1871, só eram internados na casa de correcção os menores condemnados em penas maiores, que ainda não tivessem quatorze annos.

Era realmente cruel que o regime de isolamento e de separação individual das prisões cellulares, tão contrario ao desenvolvimento physico e moral da mocidade, fosse

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SESSÃO N.° 26 DE l DE MARÇO DE 1902 1

applicado a todos os que, condemuados á dita pena, excedessem aquella idade.

Nenhuma razão de valor desculpava essa disposição.

Por isso, conforme o exemplo da Belgica, bem determina a proposta que sejam internados na casa do correcção os menores de dezoito annos, que forem condemnados a prisão maior cellular.

Esta elevação do limite do idade, proposta em 1897 pelo actual director da Penitenciaria do Lisboa, quando Ministro, era justificada nos seguintes termos, que a commissão faz seus:

«A condemnação em penas maiores denuncia relativa gravidado do delicto, mas nem sempre é a manifestação de maior perversidade do seu auctor, nem motivo para se crer que a emenda do delinquente só possa obter-se pela applicação de pena, que deixe ao condemnado duradoura lembrança do seu soffrimento.

Se a pena imposta ao delinquente não é um acto do vindicta publica, ou uma mera expiação de culpa, a disposição não degenera da indole da reforma penal, e pelo contrario está com ella em perfeita conformidade do intuitos».

Chegados aos dezoito annos, se não tiverem cumprido integralmente a duração da pena, serão removidos para alguma das cadeias penitenciarias, mas, ainda neste caso, observando-se, como é de justiça, se teem as condições do resistencia precisas para supportarem esse regimen.

A transferencia dos menores das casas de correcção para a colonia agricola, e vice-versa, é medida, sem duvida, proveitosa.

Com effeito, tal menor, cuja saude reclama o trabalho ao ar livre, iria prejudical-a nas casas de correcção; outros, posto que pertencendo á população rural, não teem muitas vezes aptidão para esse genero de vida, e pode succeder tambem que outros, embora de comarcas ruraes, não pertençam a familias de agricultores, sendo-lhes mais apropriadas as casas de correcção, por lhes convir talvez aprender o officio dos seus.

A incompetencia dos guardas, como elemento auxiliar educador, evidenciou-se por largos annos, impondo-se a necessidade de se criarem os logares de prefeitos, innovação introduzida pelo regulamento da casa de detenção e correcção de Lisboa, approvado pelo decreto de 10 de setembro de 1901, e aqui, com razão, mantida.

Grande é a influencia que essas entendidades teem sobre os internados, e por isso se lhos devem exigir outras condições que aos antigos guardas.

São mestres dos reclusos, os seus guias moraes, os seus companheiros constantes, e, por estes motivos, o auxilio que devem prestar, para a regeneração final dos menores, é poderoso.

Pela proposta, cada trinta menores tem o seu prefeito. Numa organização, que não tivesse de se cingir tanto a regras de economia, deveria elevar-se o numero do prefeitos. Assim, no typo Mettray ha um prefeito por cada quinze menores. O mesmo succede na Suissa.

Não bastariam as vantagens, que a vossa commissão acaba de enunciar, não seria completa a protecção dada aos menores pela reforma, se mais alguma cousa ella não contivesse, pelo que respeita á sua saida, isto é, ao extremo da escala correccional: - a criação de uma commissão de patronato (artigo 13.°).

O perigo que correm os menores de perderem as condições de rehabilitação moral, com tanto trabalho conseguidas, vendo-se sós, entregues a si, em liberdade completa, ninguem o desconhece.

Por isso se ha de criar, como complemento da reforma, uma commissão do patronato, que lhes servirá, por assim dizer, de tutela, dando-lhes auxilio, conselho o futuro.

Oxalá que estas commissões se desenvolvam no nosso país, e que, entro outros beneficios, possam promover a criação de institutos semelhantes aos que em Inglaterra teem o nome caracteristico de nome for homeless children.

Os differentes congressos de 1890, 1894, 1898 e 1900 teem reconhecido, nas suas decisões, a importancia incontestavel, para o combate do vicio e do crime, d'estas sociedades do patronato, que são chamadas a cooperar na grande obra da regeneração dos menores.

Este difficil assumpto, que no estrangeiro tem provocado os recentes trabalhos do M. Fuchs, M. Serge Goguel, Qramaccini, M. Goorges Vidal, etc., tem de ser regulado ainda no nosso país em documento especial.

Ligeiras foram as alterações introduzidas na proposta, que do per si se justificam.

Concluindo, parece á vossa commissão, do accordo com
Governo, que deveis approvar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É criada no districto administrativo do Porto uma Casa do Detenção o Correcção destinada a recolher, para educar e regenerar, até ao numero de com individuos do sexo masculino maiores de dez o menores do dezoito annos, de todas as comarcas do districto judicial da Relação do Porto, ou que, por transferencia, lhe forem enviados das outras casas do detenção e correcção e colonias correccionaes agricolas do país.

§ 1.° A Casa de Detenção o Correcção do districto do Porto ficará sob a dependencia do Ministerio dos Negocios eclesiasticos e do Justiça, e será installada em qualquer dos edificios do Estado, existentes no mesmo districto, que se possa utilizar para esse fim, e, no caso de não o haver, fica o Governo auctorizado a construi-lo.

§ 2.º O numero dos reclusos poderá ser elevado a duzentos, logo que as circumstancias o permittam.

Art. 2.° Serão admittidos na Casa de Correcção o Detenção:

1.° Processados e não afiançados;

2.° Presos á ordem do auctoridade judicial ou administrativa;

3.° Detidos, nos termos dos artigos 48.° e 49.° do Codigo Penal e 143.° e 224.° n.º 12.º do Codigo Civil;

4.° Condemnados a prisão correccional, ou a prisão maior cellular;

5.° Expostos, abandonados ou desvalidos a cargo dos corpos administrativos o que forem desobedientes e incorrigiveis;

6.° Postos á disposição do Governo, nos termos da lei penal;

7.° Isentos, nos termos da mesma lei do responsabilidade criminal, em razão da idade, ou de falta do discernimento, e que não sejam entregues a seus pães ou tutores.

Art. 3.° Os menores postos á disposição do Governo, por virtude do preceito do artigo 3.º da lei de 22 do junho de 1880, que forem indigentes e não tenham habilitações profissionaes com que possam adquirir meios do subsistencia, o os condemnados pelo crime de vadiagem ou mendicidade, que estiverem nas mesmas condições, embora decorrido já o tempo da pena applicada, continuarão detidos até perfazerem a idade de vinte e um annos. Se, porem, antes d'essa idade, forem julgados babeis para viverem pelo seu trabalho profissional, ou se tiverem paes, tutores ou outras pessoas que os reclamem o que estejam em circumstancias de lhes dar a educação conveniente, serão postos em liberdade.

Art. 4.° Haverá na Casa de Detenção e Correcção do districto do Porto um conselho disciplinar e um conselho escolar e profissional, cuja constituição e attribuições serão determinadas no respectivo regulamento.

Art. 5.º O conselho disciplinar poderá conceder a liberdade condicional aos menores detidos na casa de detenção e correcção não condemnados por sentença do poder judicial, embora ali mandados internar pelo crime de

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

vadiagem ou de mendicidade, quando os julgue em condições moraes sufficientes paru poderem gozar d'este beneficio e ganhar a sua subsistencia pelo seu trabalho, ou quando tenham pessoa idonea que os reclame e por elles se responsabilize.

Art. 6.° São considerados como desobedientes e incorrigiveis, para os effeitos d'esta lei:

1.° Os menores de dezoito annos que, tendo estado internados em casas de detenção e correcção, nos termos dos artigos 143.° e 224.° n.° 12.° do Codigo Civil, forem pelos respectivos conselhos disciplinares da casa declarados como taes;

2.° Os menores provenientes de casas de reforma, asylos profissionaes e outros estabelecimentos analogos de correcção de menores, cujos directores pedirem o seu internato nas casas de detenção e correcção;

3.° Os orphãos, expostos, abandonados ou desvalidos, que, tendo dado entrada nos asylos a cargo dos corpos administrativos ou de associações de beneficencia, forem pelas administrações d'estes estabelecimentos declarados como taes.

Art. 7.° Os paes ou tutores, que obtiverem o internato de seus filhos ou tutelados nas casas de detenção e correcção, poderão a todo o tempo retira-los d'ali, se forem julgados aptos e idoneos, e estiverem em circumstancias de lhes durem educação conveniente.

§ 1.° Os pães, que tiverem meios de subsistencia, e, na falta d'estes, os tutores, quando os tutelados os possuam, obrigar-se-hão a, satisfazer por cada menor, adeantadamente e aos trimestres, a mensalidade de 9$000 réis, perante a auctoridade judicial que houver auctorizado a admissão.

§ 2.° Os corpos administrativos que requererem a admissão de expostos, abandonados e desvalidos a seu cargo, que forem desobedientes ou incorrigiveis, obrigar-se-hão a subsidiar a sustentação com a mensalidade de 4$000 réis.

Art. 8.° Os reclusos condemnados em pena de prisão maior cellular, se esta não for integralmente cumprida antes de completarem dezoito annos de idade, serão removidos para alguma das cadeias penitenciarias, logo que attinjam aquella idade, para ahi terminarem a execução da pena, devendo previamente verificar-se se estão nas condições necessarias para supportarem o regime da clausura e isolamento cellular.

Art. 9.° Ao condemnado que tiver cumprido duas terças partes da pena poderá ser concedida a liberdade condicional, se não for reincidente, se tiver nota de irreprehensivel comportamento e se tiver meios de subsistencia, ou quem lh'os ministre, ou se estiver habilitado para os adquirir.

Art. 10.° Quando o internado, a quem tiver sido concedida a liberdade condicional, abuse d'ella, tenha mau ou vicioso comportamento, ou não cumpra alguma das clausulas da concessão, ser-lhe-ha esta retirada e voltará á casa do detenção e correcção e, se tiver sido condemnado em alguma pena, não se lhe levará em conta, para o seu cumprimento integral, o tempo que tiver gozado de liberdade.

Art. 11.° Ao Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça compete a concessão da liberdade condicional e a sua revogação, quando os reclusos estejam em cumprimento de pena imposta por qualquer crime, sob proposta do respectivo procurador regio e consulta do conselho disciplinar, observando-se neste processo as disposições applicaveis da lei de 6 de julho de 1893 e respectivo regulamento.

Art. 12.° A casa de detenção e correcção do districto do Porto será dividida em tres secções completamente separadas e independentes, a saber:

l.ª Detenção preventiva, destinada a recolher os menores indicados nos n.ºs 1.° e 2.° do artigo 2.° d'esta lei;

2.ª Detenção prisional, destinada aos reclusos indicados nos n.ºs 3.°, 4.°, 5.°, 6.° e 7.° do artigo 2.°, e áquelles a quem o conselho disciplinar entender dever applicar este regime;

3.ª Correcção destinada aos menores que para ella sejam transferidos da detenção prisional.

Art. 13.° Os menores internados nas casas de detenção e correcção, e nas colonias correccionaes agricolas, poderão ser reciprocamente transferidos de umas para outras, sob proposta dos respectivos conselhos e auctorização do Ministro dos Negocios eclesiasticos e de Justiça.

Art. 14.° Haverá no districto judicial do Porto uma commissão de patronato para collocação e vigilancia dos menores saidos da Casa de Detenção e Correcção, cuja organização e attribuições se determinarão no respectivo regulamento.

Art. 15.° Os menores que terminarem o tempo de internato nas casas de detenção o correcção e não forem pelo conselho disciplinar considerados como corrigidos, serão collocados á disposição do Governo para este lhes dar o destino conveniente.

Art. 16.° Os reclusos que terminarem a pena em que tiverem sido condemnados na Casa de Detenção e Correcção, se forem julgados corrigidos, os que tiverem obtido a emancipação e áquelles que tiverem completado vinte e um annos, ou que, ainda antes d'essa idade, forem julgados aptos para bem se reger e ganhar honradamente meios de subsistencia pelo seu trabalho, serão entregues a seus paes ou tutores, se estes forem pessoas idoneas e capazes, ou á commissão de patronato respectiva, que diligenciará colloca-los.

Art. 17.° Nenhum menor pode, em geral, conservar-se na casa de correcção depois de attingir a maioridade ou de obter a emancipação.

§ unico. Os reclusos emancipados e os que aos vinte o um annos completos não estejam nas condições do artigo antecedente, mas em circumstancias de as alcançar em periodo inferior a um anno, poderão conservar-se, por proposta da direcção, de acordo com o conselho disciplinar, ato as obter; e bem assim poderá demorar-se mais algum tempo o menor emancipado e o que logo aos vinte e um annos não tenha conseguido collocação certa.

Art. 18.° A Casa de Detenção e Correcção do districto do Porto será considerada como qualquer estabelecimento pio e de beneficencia ou educação gratuita, a fim de ter parte nas doações, legados ou heranças que forem deixadas a institutos d'esta natureza.

§ unico. Esta casa herdará os bens do exposto ou abandonado que nella houver dado entrada, se fallecer intestado e seco descendentes.

Art. 19.° A instrucção dada aos reclusos na Casa de Detenção e Correcção do districto do Porte será:

Quanto á parte moral, doutrina christã e praticas religiosas;

Quanto á parte litteraria, ler, escrever, contar e systema legal de pesos e medidas;

Quanto á parte profissional; a aprendizagem de um officio dos ensinados na Casa de Detenção e Correcção, desenho linear e musica para áquelles que para ella mostrarem aptidão;

Quanto á parte physica, exercicios militares, gymnastica e jogos de destreza proprios para o desenvolvimento das forças e agilidade dos menores.

§ unico. Se algum menor revelar merecimentos litterarios ou profissionaes distinctos poderá, só o merecer pelo seu comportamento moral, ser transferido para outros institutos litterarios ou de ensino industrial em que aperfeiçoe e desenvolva as suas aptidões, sobre proposta dos respectivos conselhos e Auctorização do Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e da Justiça.

Art. 20.° O trabalho será obrigatorio para todos os reclusos, segundo as suas aptidões e vigor physico.

Art. 21.° O producto liquido da venda dos artefactos

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será dividido em tres partes iguaes: uma será applicada á compra de materias primas para as officinas, sua renovação e despesas da casa; outra a premios o gratificações aos menores que se distinguirem pelo seu comportamento o regeneração moral, pela sua assiduidade e pericia no trabalho e pela sua applicação na escola; a terceira constituirá o fundo de reserva dos menores, que lhes será entregue á saida do estabelecimento.

Art. 22.° Para estimulo dos alumnos haverá recompensas, assim como haverá castigos para os que transgredirem a disciplina.

Art. 23.° O pessoal fixo da Casa de Detenção e Correcção do districto do Porto será o seguinte:

l Director.

l Sub-Director.

l Capellão-professor.

l Escripturario.

l Prefeito professor, por cada trinta alumnos.

l Guarda, por cada vinte reclusos.

§ 1.° Emquanto o numero dos reclusos não exceder a 100, o numero dos prefeitos é limitado a 3 e o dos guardas tambem a 3.

§ 2.° Serão preferidos para prefeitos os individuos que, alem das qualidades moraes indispensaveis a um bom educador, conheçam e saibam exercer qualquer das profissões ministradas na Casa de Detenção o Correcção.

§ 3.° Os empregados residirão dentro do estabelecimento o receberão os vencimentos declarados na tabella que faz parte d'esta lei.

§ 4.° Alem do pessoal fixo, haverá o pessoal contratado necessario para o ensino profissional o de desenho, bem como medico e enfermeiro.

Art. 24.° Todos os empregados do quadro serão nomeados pelo Governo, mediante concurso documental.

Art. 25.° Os empregados teem direito á aposentação, nos termos do disposto no § unico do artigo 1.° e mais disposições applicaveis do decreto n.º l, de 17 de julho de 1886, ou do decreto n.º 2, da mesma data, quanto aos empregados menores.

§ unico. Para o effeito d'este artigo são os guardas os empregados menores.

Art. 26.° Se algum empregado for exonerado por impossibilidade physica do exercer o seu emprego, não tendo o tempo de serviço necessario para a aposentação, poderá ser reintegrado, havendo vacatura, o independentemente de concurso, se por exame modico só verificar que essa impossibilidade cessou;

§ unico. Se o empregado for exonerado por impossibilidade moral, não poderá ser reintegrado.

Art. 27.° Os empregados, segundo o seu mau procedimento, ficam sujeitos ás seguintes penas, que serão registadas no livro respectivo;

Reprehensão particular;

Reprehensão em reunião do empregados;

Suspensão;

Demissão.

§ unico. Todas as penas podem sor impostas pelo director, excepto as de demissão e de suspensão por mais de 15 dias, que são da exclusiva competencia do Ministro da Justiça.

Art. 28.º É o Governo auctorizado a despender annualmente com o pessoal, alimentação, vestuario e despesas geraes da Casa de Detenção e Correcção do districto do Porto até á quantia de 11:000$000 réis, que será descripta no orçamento do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça.

Art. 29.° E o Governo auctorizado a despender com a adaptação do edificio cedido pelo Estado para Casa do Detenção o Correcção do districto do Porto, durante o anno economico de 1902-1903, até á quantia de 5:000$000 réis.

Art. 30.º Dos registos da Casa de Correcção não se passarão certidões relativas aos internados, excepto as das habilitações litterarias, profissionaes e de obito.

Art. 31.° A disposição do § unico do artigo 18.° é applicavel á Escola Agricola Correccional de Villa Fernando o á Casa de Detenção e Correcção do Districto de Lisboa.

Art. 32.º Fica revogada a legislação em contrario.

Tabella dos vencimentos dos empregados da Casa de Detenção e Correcção do districto do Porto

Director 600$000

Sub-director 450$000

Capellão, professor 360$000

Escripturario 240$000

Tres prefeitos, a 240$000 réis cada um 720$000

Tres guardas, a 180$000 réis cada um 540$000

Importancia total 2:910$000

Sala da commissão, 20 do fevereiro de 1902. = Conde de Paçô -Vieira = J. M. Pereira de Lima = Sergio de Castro = Reis Torgal = Manuel Fratel = Antonio de Mendonça David = Alberto Navarro = Alberto Charula = Conde de Castro e Solla, relator.

Senhores. - A vossa commissão de fazenda concorda com o parecer da illustre commissão do legislação criminal sobre a proposta de lei, criando uma Casa de Detenção o Correcção no districto administrativo do Porto.

Sala das sessões da commissão do fazenda, 21 de fevereiro de 1902.= José M. Arroyo = Rodrigo Affonso Pequito = Alberto Navarro = Reis Torgal = Anselmo Vieira = Abel Andrade = J. M. Pereira de Lima = Augusto Lousa = H. Matheus dos Santos = D. Luiz de Castro = Manuel Fratel = Lopes Navarro = Conde de Paçô - Vieira, relator.

N.º 8-K

Senhores. - Desnecessario é encarecer-vos as vantagens das casas de correcção e regeneração de menores, que annualmente arrancam ao vicio e ao crime milhares de creanças, em todos os países da Europa o dos Estados Unidos norte-americanos, e os devolvem á sociedade, convertidos em cidadãos uteis e prestantes.

De todos vós é conhecida a historia d'estas instituições, desde a primeira que, sob o pontificado de Clemente XI, se estabeleceu em Roma, pelo anno de 1703, até aos estabelecimentos modelos, como o de Saint Huber na Belgica, Mettray na França, os Reformatory dos Estados Unidos, as escolas industriaes e os internatos familiares do Dr. Bernardo na Inglaterra o os Rettungsanstalt suissos.

No nosso país é muito antiga já a idéa de recolher, para educar convenientemente, os menores desvalidos e abandonados, vagueando pelas ruas o praças publicas.

Não teve outra origem a Real Casa Pia de Lisboa.

Mas o pensamento de crear entro nós uma casa de correcção para os menores delinquentes, só se realizou na lei de 15 do junho de 1871, que estabeleceu a primeira casa de correcção do Pais, no extincto convento de Santa Monica, em Lisboa.

Á fecunda iniciativa do meu illustre antecessor, José Marcellino de Sá Vargas, seguiu-se a lei de 22 do junho do 1880, devida ao notavel estadista o Sr. Conselheiro José Luciano do Castro, estabelecendo a primeira colonia agricola correcional para menores delinquentes, a qual veiu a fundar-se em Villa Fernando, onde ainda se conserva.

Vem depois a bem elaborada proposta de lei sobre colonias agricolas e casas de correcção que, em 4 de fevereiro de 1888, foi presente ao Parlamento pelo meu distincto antecessor, o Sr. Conselheiro Francisco Antonio da Veiga Beirão, e o projecto de reorganização da Casa de Correcção de Lisboa, devido a outro meu não menos illus-

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tre antecessor, o Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco, que foi presente a esta Camara em sessão de 27 de janeiro de 1897.

Coube-me a mim remodelar profundamente a Escola Agricola Correccional de Villa Fernando, a que dei novo regimento por decreto de 17 de agosto de 1901, e a Casa de Detenção e Correcção de Lisboa, que mandei transferir para o antigo convento da Cartuxa, em Caxias, onde ficará convenientemente installada, e á qual dei tambem novo regulamento por decreto de 10 de setembro do mesmo anno.

Cumpre não afrouxar no caminho encetado. A necessidade de estabelecer uma casa de detenção e correcção no Porto foi já reconhecida e apontada pelo Sr. Conselheiro Veiga Beirão na sua proposta de lei de 4 de fevereiro de 1888.

Effectivamente a experiencia tem mostrado que nem a Colonia Agricola Carreccional de Villa Fernando, nem a Casa de Detenção e Correcção de Lisboa podem albergar e recolher toda a população de menores delinquentes do País.

O numero de menores, que actualmente se podem internar nos dois unicos estabelecimentos correccionaes que possuimos, é apenas de 410; 300 em Villa Fernando e 110 na Casa de Correcção de Lisboa.

Para o futuro, é certo que aquelle numero se poderá elevar a 700.

Mas, pelas estatisticas que mandei organizar, só na cidade do Porto entraram na sua cadeia civil, durante os annos de 1897 a 1900, 334 menores do sexo masculino, que pela primeira vez ali deram ingresso por crimes leves, sendo que este numero se eleva a 367 para todo o districto judicial do Porto.

Demonstram estes numeros quanto elevada é a criminalidade dos menores na cidade do Porto, e quão diminuta é no resto do districto judicial, onde, em cinco annos, apenas foram condemnados em penas correcionaes 56 menores, mostrando bem que, ao passo que estes poderão facilmente dar entrada em Villa Fernando, dispensando, pelo menos para já, a creação de uma escola agricola correccional no norte do Pais, a população de menores delinquentes do Porto necessita de casa propria onde se recolha e regenere.

Por outro lado, no districto judicial da Relação de Lisboa, excluidas as comarcas da Ilha da Madeira, houve 672 menores condemnados em penas correccionaes durante os annos de 1896 a 1900.

É, pois, manifesto que os dois institutos correccionaes existentes, ainda quando concluidos, apenas poderão recolher os menores delinquentes do districto judicial de Lisboa, ou poucos mais.

Inadiavel se torna, portanto, a necessidade de estabelecer no Porto uma casa de detenção e correcção de menores.

A proposta de lei para o estabelecimento de uma casa de detenção e correcção de menores no districto do Porto, que tenho a honra de apresentar-vos, é essencialmente moldada no regulamento de 12 de setembro ultimo, pelo qual reorganizei identico estabelecimento em Lisboa.

Desnecessario será, pois, fazer-vos uma larga exposição dos motivos em que fundamento a referida proposta, visto que estes se acham compendiados no relatorio que precede aquelle decreto.

A completa separação dos menores delinquentes conscientemente ou desobedientes e incorrigives dos que o não são, ou apenas commettiam o delicto de vadiagens ou de mendicidade, e estão apenas no começo da ladeira do crime, é hoje um verdadeiro axioma em materia de correcção de menores.

As casas de regeneração d'estes devem ser absolutamente diversas e sujeitas a regras differentes das casas de correcção, cujo regimen penitenciario é mais apropriado ao castigo e correcção dos menores delinquentes.

Na maioria dos países taes casas teem a sua origem na generosa iniciativa particular.

Taes estabelecimentos cujos bons resultados são manifestos, estão, porem, sujeitos a uma inspecção especial do Estado, e são por este subsidiados.

Só a Inglaterra dispende annualmente, em subsidies ás suas escolas de regeneração e industriaes de vadios, 345:000 libras, ou sejam cêrca de 2:070 contos da nossa moeda, para ministrar educação a um numero de menores superior a 32:000.

Entre nós tambem já alguns d'estes estabelecimentos existem, quer nas officinas de S. José, organizadas para menores do sexo masculino, quer no collegio do Bom Pastor, para mulheres, mas estes estabelecimentos de regeneração apenas podem albergar um pequeno numero de reclusos.

Necessario se torna, portanto, admittir tambem no caso de detenção e correcção os menores que apenas deram os primeiros passos na carreira do vicio e da devassidão.

Como não ignoro, porem, que a mistura de menores conscientemente criminosos com os que o não são vae, muita vez, destruir em um só dia o trabalho de meses dedicado a menores em via de regeneração, preceituo a separação completa entre uns e outros, embora o edificio seja commum.

São por demais sabidas as condições em que as casas de detenção e correcção de menores dão os melhores resultados.

Quanto mais cedo se tomar conta do menor em risco de perder-se moralmente, maior é a possibilidade da sua regeneração.

Por outro lado é indispensavel que o director da casa de detenção possa conhecer individualmente cada recluso para poder bem dirigir a sua educação moral.

Assim, o numero dos reclusos nas casas de correcção modernas, nunca é superior a 200. Este numero desce muitas vezes a 30, e, nas casas onde é mais elevado, como succede com o Reformatory Concord, em Massachusetts, Estados Unidos Norte-Americanos, a divisão em classes, independentes e separadas, faz baixar sensivelmente por classe este numero.

Julgo ser de indiscutivel vantagem a providencia em virtude da qual os menores postos á disposição do Governo, nos termos do artigo 3.° da lei de 22 de junho de 1880, que forem indigentes e não tenham habilitações profissionaes com que possam adquirir meios de subsistencia, e os condemnados pelo crime de vadiagem ou de mendicidade, que estiverem nas mesmas condições, embora tenha decorrido já o tempo da pena applicada, continuam detidos até perfazerem a idade de vinte e um annos, se antes d'essa idade não forem julgados babeis para viverem pelo seu trabalho profissional, ou se não tiverem paes, tutores ou outras pessoas que os reclamem e estejam em circumstancias de lhes dar a educação conveniente.

Para justificação d'este preceito transcreverei alguns periodos do relatorio que precedeu o decreto do 10 de setembro de 1901, relativo á Casa de Detenção e Correcção de Lisboa.

«Disposição que já os Srs. Conselheiros Veiga Beirão e Antonio de Azevedo Castello Branco adoptaram nas propostas apresentadas á Camara dos Senhores Deputados, respectivamente em 4 de fevereiro de 1888 e 27 de janeiro de 1897, tem ella em seu favor a opinião de insignes publicistas que teem versado o importante problema da correcção dos menores delinquentes.

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A breve permanencia dos detidos na Casa da Correcção tem sido e é um dos maiores impedimentos a regenerarão dos criminosos.

Nem a educação e instrucção necessarias para sustentar a aspera lucta pela vida que se lhes offerece ao sair da correcção, nem a aprendizagem de uma arte ou officio só podem obter em periodo relativamente curto, tanto mais tratando-se do individuos, em grande parte, de inferioridade moral o intellectual.

Por outro lado, a ameaça do que o estado de prisão se pode dilatar, deve ser benefico incentivo, superior a todos os outros, para emenda e regneração.

Se o bem comportamento obtem como recompensa o allivio na duração da pena, logico é que a detenção augmente quando o delinquente não dê garantias do poder utilizar-se em proveito seu e social da liberdade que vae usufruir.

Á primeira vista pode parecer duro e injusto privar alguem da sua liberdade, alem do periodo por que uma sentença o condemnou a esse grave prejuizo. Mas se attentarmos que a penalidade já não tem hoje, felizmente, o caracter medieval de soffrimento expiatorio, o que antes é e devo ser um meio para corrigir maus instinctos, uma tentativa do regeneração moral e um processo de defeza social, temos do reconhecer que o prolongamento da duração da pena não se pode considerar uma severidade injustificavel, nem mesmo um aggravamento da condemnação.

A detenção é um beneficio para os reclusos, por que adquirem educação, ensino e regeneração, e, sem estes elementos, saidos para a liberdade, commetteriam novos crimes e seriam mais miseraveis. Como muito bem diz, no caso sujeito, a commissão nomeada por decreto do 9 de julho do 1894: «a liberdade é um attributo tão importante da natureza humana, que os menores viciosos o ignorantes não a sabem comprehender nem praticar, e, por isso, com justos motivos, ninguem poderá sustentar que taes menores são privados de um direito.

Muitos estabelecimentos penaes e correccionaes estrangeiros vão mais longe que o projecto do presente decreto; a duração da clausula é indeterminada; neste, só em casos excepcionaes o é.

O mesmo Codigo Penal já no artigo 256.° permitte que depois de cumprida a pena os vadios e mendigos sejam entregues ao Governo para lhes dar trabalho pelo tempo que lhe pareça conveniente.

Verdadeira regulamentação d'esta parte do artigo é a faculdade ora conferida á Casa da Correcção, que lhes fornecerá educação, sustento o trabalho, emquanto não estejam aptos a honestamente adquirirem meios do subsistencia».

«É a admissão dos menores do dezoito annos nas prisões cellulares considerada como funesta para a vida moral e physica dos encarcerados e por isso se estabelece, em conformidade com a proposta de lei apresentado ás côrtes pelo Sr. Conselheiro Antonio do Azevedo Castello Branco, que só aos dezoito annos completos podem os reclusos, condemnados em pena de prisão maior cellular, ser removidos para a ondeia geral penitenciaria, para ahi terminarem a execução da pena, devendo previamente verificar-se se estão em condições de supportarem o regimen de clausura o isolamento cellular.»

A transferencia reciproca dos menores reclusos nas casas do detenção o correcção, e nas escolas correccionaes agricolas, parece-me principio muito salutar.

A elle attendi tambem.

Não só os menores provenientes de comarcas ruraes não devem muitas vezos ter ingresso nas escolas agricolas, mas sim nas casas de correcção, que tem uma caracteristica mais industrial do que agricola, mas tembem, em muitos casos, convirá mandar para as colonias agricolas os reclusos nas casas de correcção, como preceito hygienico.

Comquanto qualquer despesa realisada com prudencia para dar execução á proposto do lei que tenho a honra do apresentar ao Parlamento tenha cabal justificação, devo advertir que pequeno será o encargo para o Thezouro Publico.

A casa de Correcção do Porto terá apenas, segundo os calculos feitos com a possivel exactidão, o encargo de réis 5:000$000 para a sua conveniente installação e a despesa annual com a sustentação dos menores, pagamento do ordenados e qualquer outra não excederá a 11:000$000 réis.

A alimentação do 100 reclusos e do pessoal vigilante não poderá computar-se em menos do 5:200$000 réis, suppondo que no Porto, como em Lisboa, cada recluso fica ao Estado por 130 réis diarios.

O pessoal contratado e o fixo devem custar 4:000$000 approximadamente e as despesas de installação das officinas e outras devem orçar por 1:800$000 réis.

Devo, porem dizer, que fixando em 11:00$000 réis a despesa annual da casa de detenção e correcção do Porto não calculo a receita que esta trará ao Estado, a qual será nulla no primeiro anno, mas do alguma importancia nos immediatos, nem o rendimento da casa de detenção o correcção de Lisboa, onde pode ser executado parte do mobiliario e fabricados muitos dos artigos de vestuario, para os reclusos da casa de detenção e correcção do Porto.

Mas o que mais vale e compensará qualquer sacrificio que o Thezouro faça, com o estabelecimento proposto é a regeneração moral do tantos menores, é a diminuição de criminalidade, é o producto util do trabalho futuro do tantos elementos hoje do desordem e ámanhã de progresso o riquesa, obtido pela educação no trabalho e na doutrina cristã.

Por isso confiadamente espero que approveis a seguinte proposta de lei, que mereceu a plena approvação do Conselho Superior Judiciario.

Proposta do lei

Artigo 1.° É creada no districto administrativo do Porto uma casa de detenção e Correcção destinada a recolher, para educar o regenerar até ao numero de 100 individuos do sexo masculino maiores de de dez e menores de dezoito annos, de todas as comarcas do districto judicial da Relação do Porto, ou que, por transferencia, lhe forem enviados das outras casas de detenção e correcção e colonias correccionaes agricolas do país.

§ 1.° A casa do detenção o correcção do districto do Porto ficará sob a dependencia do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, e será installada em qualquer dos edificios do Estado, existentes no mesmo districto, que se possa utilizar para esse fim, e, no caso de não o haver, fica o Governo auctorisado a construí-lo.

§ 2.° O numero dos reclusos poderá ser elevado a 200, logo que as circumstancias o permittam.

Art. 2.º Serão admittidos na casa do correcção o detenção;

1.º Processados o não affiançados;

2.° Presos á ordem de auctoridade judicial ou administrativa;

3.° Detidos, nos termos dos artigos 48.º e 49.° do Codigo Penal o 143.° e 224.° n.° 12.° do Codigo Civil;

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4.° Condemnados a prisão correccional, ou a prisão maior cellular;

5.° Expostos, abandonados ou desvalidos a cargo dos corpos administrativos o que forem desobedientes e incorrigiveis;

6.º Postos á disposição do Governo, nos termos da lei penal;

7.° Isentos, nos termos da mesma lei de responsabilidade criminal, em razão da idade, ou de falta de discernimento, e que não sejam entregues a seus paes ou tutores.

Art. 3.° Os menores postos á disposição do Governo, por virtude do preceito do artigo 3.° da lei de 22 de junho de 1880, que foram indigentes e não tenham habilitações profissionaes com que possam adquirir meios de subsistencia, e os condemnados pelo crime de vadiagem ou mendicidade, que estiverem nas mesmas condições, embora decorrido já o tempo da pena applicada, continuarão detidos até perfazerem a idade de vinte e um annos. Se, porem, antes d'essa idade, furem julgados habeis para viverem pelo seu trabalho profissional, ou se tiverem paes tutores, ou outras pessoas que os reclamem e que estejam em circumstancias de lhes dar a educação conveniente, serão postos em liberdade.

Art. 4.° Haverá na casa de detenção e correcção do districto do Porto um conselho disciplinar e um conselho escolar e profissional cuja constituição e attribuições serão determinadas no respectivo regulamento.

Art. 5.° O conselho disciplinar poderá conceder a liberdade condicional aos menores detidos na casa de detenção e correcção condemnados pelo crime de vadiagem ou mendicidade, e aos não condemnados por sentença do poder judicial, embora ali mandados internar, quando os julgue em condições moraes sufficientes para poderem gozar d'este beneficio e ganhar a sua subsistencia pelo seu trabalho, ou quando tenham pessoa idonea que os reclame e por elles se responsabilise.

Art. 6.° São considerados como desobedientes o incorrigiveis, para os effeitos d'esta lei:

1.° Os menores de dezoito annos que, tendo estado internados em casas de detenção e correcção, nos termos dos artigos 143.° e 224.° n.° 12.° do Codigo Civil, forem pelos respectivos conselhos disciplinares da casa declarados como taes;

2.° Os menores provenientes de casas de reforma, asylos profissionaes e outros estabelecimentos analogos de correcção de menores, cujos directores pedirem o seu internato nas casas de detenção e correcção;

3.° Os orphãos, expostos, abandonados ou desvalidos, que tendo dado entrada nos asylos a cargo dos corpos administrativos ou de associações de beneficencia, forem pelas administrações d'estes estabelecimentos declarados como taes.

§ 1.° Os paes ou tutores, que obtiverem o internato de seus filhos ou tutelados nas casas de detenção e correcção, poderão a todo o tempo retirá-los d'ali, se forem julgados aptos e idoneos e estiverem em circumstancias de lhes darem educação conveniente.

§ 2.° Os paes, que tiverem meios de subsistencia, e, na falta d'estes, os tutores, quando os tutelados os possuam, obrigar-se-hão a satisfazer, por cada menor, adeantadamente e aos trimestres, a mensalidade de 9$000 róis, perante a auctoridade judicial que houver auctorizado a admissão.

§ 3.° Os corpos administrativos que requererem a admissão de expostos, abandonados e desvalidos a seu cargo, que forem desobedientes ou incorrigives, obrigar-se-hão a subsidiar a sustentação com a mensalidade de 4$000 réis.

Art. 7.° Os reclusos condemnados em pena de prisão maior cellular, se esta não for integralmente cumprida antes de completarem dezoito annos de idade, serão removidos para alguma das cadeias penitenciarias, logo que attinjam aquella idade, para ahi terminarem a execução da pena, devendo previamente verificar-se se estão nas condições necessarias para supportarem o regime de clausura e isolamento cellular.

Art. 8.° Ao condemnado que tiver cumprido duas terças partes da pena poderá ser concedida a liberdade condicional, se não for reincidente, se tiver nota de irreprehensivel comportamento e se tiver meios de subsistencia, ou quem lh'os ministre, ou se estiver habilitado para os adquirir.

Art. 9.° Quando o internado, a quem tiver sido concedida a liberdade condicional, abuse d'ella, tenha mau ou vicioso comportamento, ou não cumpra alguma das clausulas da concessão, ser-lhe-ha esta retirada e voltará á casa de detenção e correcção e, se tiver sido condemnado em alguma pena, não se lhe levará em conta, para o seu cumprimento integral, o tempo que tiver gozado de liberdade.

Art. 10.° Ao Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça compete a concessão da liberdade condicional, o a sua revogação, quando os reclusos estejam em cumprimento do pena imposta por qualquer crime que não seja o de vadiagem ou mendicidade, sob proposta do respectivo Procurador Regio e consulta do conselho disciplinar, observando-se neste processo as disposições applicaveis da lei de 6 de julho de 1893 e respectivo regulamento.

Art. 11.° A casa de detenção e correcção do districto do Porto será dividida em tres secções completamente separadas e independentes, a saber:

1.ª Detenção preventiva, destinada a recolher os menores indicados nos n.ºs 1.°, 2.° e 7.° do artigo 2.° d'esta lei;

2.ª Detenção prisional, destinada aos reclusos indicada nos n.ºs 3.°, 4.°, 5.° e 6.º do artigo 2.°, e áquelles a quem o conselho disciplinar entender dever applicar este regime;

3.ª Correcção destinada aos menores que para ella sejam transferidos da detenção prisional.

Art. 12.° Os menores internados nas casas de detenção e correcção e nas colonias correccionaes agricolas, poderão ser reciprocamente transferidos de umas para outras, sobre proposta dos respectivos conselhos e auctorização do Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça.

Art. 13.° Haverá no districto judicial do Porto uma commissão de patronato para collocação e vigilancia dos menores saidos da casa de detenção e correcção, cuja organização e attribuições se determinarão no respectivo regulamento.

Art. 14.° Os menores que terminarem o tempo do internato nas casas de detenção e correcção e não forem pelo conselho disciplinar considerados como corrigidos, serão colocados á disposição do Governo para este lhes dar o destino conveniente.

Art. 15.° Os reclusos que terminarem a pena em que tiverem sido condemnados na casa do detenção e correcção, se forem julgados corrigidos, os que tiverem obtido a emancipação e áquelles que tiverem completado vinte e um annos, ou que, ainda antes d'essa idade, forem julgados aptos para bem só reger e ganhar honradamente meios de subsistencia pelo seu trabalho, serão entregues a seus paes ou tutores, se estes forem pessoas idoneas e capazes, ou á commissão de patronato respectiva, que diligenciará colocá-los.

Art. 16.° Nenhum menor póde, em geral, conservar-se na casa de correcção depois de attingir a maioridade ou de obter a emancipação.

§ unico. Os reclusos emancipados e os que aos vinte e um annos completos não estejam nas condições do artigo antecedente, mas em circumstancias de as alcançar em periodo inferior a um anno, poderão conservar-se, por proposta da direcção, até as obter; e bem assim poderá demorar-se mais algum tempo o menor emancipado e o que logo aos vinte e um annos não tenha conseguido collocação certa.

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Art. 17.° A casa de detenção e correcção do districto do Porto será considerada como qualquer asylo de mendicidade o estabelecimento pio o de beneficencia ou educação gratuita, a fim do ter parto nas doações, legados ou heranças que forem deixadas a institutos d'esta natureza.

§ unico. Esta casa herdará os bens do exposto ou abandonado que nella houver dado entrada, só fallecer intestado e sem descendentes.

Art. 18.° A instrucção dada aos reclusos na casa de detenção e correcção do districto do Porto, será:

Quanto á parte moral, doutrina enrista e praticas religiosas;

Quanto á parte litteraria, ler, escrever, contar e systema legal de pesos o medidas;

Quanto á parte profissional, a aprendizagem do um officio dos ensinados na casa de detenção o correcção, desenho linear o musica para aquelles que para ella mostrarem aptidão;

Quanto á parte physica, gymnastica, exercicios militares e jogos do destreza proprios para o desenvolvimento das forças e agilidade dos menores.

§ unico. Se algum menor revelar merecimentos litterarios ou profissionaes distinctos, poderá este, se o merecer pelo seu comportamento moral, ser transferido para outros institutos litterarios ou do ensino industrial em que aperfeiçoe e desenvolva as suas aptidões sobre proposta dos respectivos conselhos e auctorização do Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e da Justiça.

Art. 19.° O trabalho será obrigatorio para todos os reclusos, segundo as suas aptidões e vigor physico.

Art. 20.° O producto liquido da venda dos artefactos será dividido em tres partes iguaes: uma será applicada á compra de materias primas para as officinas, sua renovação e desposas da casa; outra a premios e gratificações aos menores que só distinguirem pelo seu comportamento e regeneração moral, pela sua assiduidade e pericia no trabalho e pela sua applicação na escola; a terceira constituirá o fundo de reserva dos menores, que lhes será entregue á saida do estabelecimento.

Art. 21.° Para estimulo dos alumnos haverá recompensas, assim como haverá castigos para os que transgredirem a disciplina.

Art. 22.° O pessoal fixo da casa de detenção o correcção do districto do Porto será o seguinte:

l Director;

l Sub-Director;

l Capellão-professor;

l Escripturario;

l Prefeito professor, por cada trinta alumnos;

l Guarda por cada vinte reclusos.

§ 1.° Em quanto o numero dos reclusos não exceder a cem, o numero dos prefeitos é limitado a tres e o dos guardas a cinco.

§ 2.° Serão proferidos para prefeitos os individuos que, alem das qualidades moraes indispensaveis a um bom educador, conheçam e saibam exercer qualquer das profissões ministradas na casa do detenção e correcção.

§ 3.° Os empregados residirão dentro do estabelecimento e receberão os vencimentos declarados na tabella que faz parte d'esta lei.

§ 4.° Alem do pessoal fixo, haverá o pessoal contratado necessario para. o ensino profissional e do desenho, bem como medico e enfermeiro.

Art. 23.° A nomeação do director e sub director será do livre escolha do Governo, devendo recair em pessoas que pela sua illustração e qualidades moraes tenham a capacidade e competencia indispensaveis para o bom desempenho dos seus cargos.

§ unico. Os demais empregados serão nomeados pelo Governo, mediante concurso documental.

Art. 24.° Os empregados teem direito á aposentação, nos termos do disposto no § unico do artigo l ,° o mais disposições applicaveis do decreto n.° l, do 17 do julho de 1886, ou do decreto n ° 2, da mesma data, quanto aos empregados menores.

§ unico. Para o effeito d'este artigo são os guardas os empregados menores.

Art. 25.° Se algum empregado for exonerado por ter impossibilidade physica ou moral do exercer o seu emprego, não tendo o tempo do serviço necessario para a aposentação, poderá ser reintegrado, havendo vacatura, o independentemente de concurso, se por exame medico se verificar que essa impossibilidade cessou.

Art. 26.° Os empregados, segundo o seu mau procedimento, ficam sujeitos ás seguintes penas, que serão registadas no livro respectivo:

Reprehensão particular;

Reprehensão em reunião do empregados;

Demissão.

§ unico. Todas as penas podem ser impostas pelo director, excepto as do demissão e de suspensão por mais de quinze dias, que são da exclusiva competencia do Ministro da Justiça.

Art. 27.° É o Governo auctorizado a dispender annualmente com o pessoal, alimentação, vestuario e desposas geraes da casa de detenção e correcção do districto do Porto até á quantia do 11:000$000 réis, que será descripta no orçamento do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça.

Art. 28.° É o Governo auctorizado a dispender com a installação de officinas o adaptação do edificio cedido pelo Estado para casa de detenção o correcção do districto do Porto, durante o anno economico de 1902-1903, até a quantia de 5:000$000 réis.

Art. 29.° Dos registos da casa do correcção não se passarão certidões relativas aos menores, que nella residam ou tenham residido, excepto as das habilitações litterarias profissionaes e de obito.

Art. 30.º A disposição do § unico do artigo 17.° é applicavel á Escola Agricola Correccional de Villa Fernando e á Casa de Detenção o Correcção do Districto do Lisboa.

Art. 31.° Fica revogada a legislação em contrario.

Tabella dos vencimentos dos empregados da casa do detenção e correcção do districto do Porto

Director 600$000

Sub-Director 450$000

Capellão professor 360$000

Escripturario 240$000

Tres prefeitos a 240$000 réis cada um 720$000

Tres guardas a 180$000 réis cada um 540$000

Importancia total 2:910$000

Secretaria do Estado dos Negocios Ecclesiasticos e da Justiça, era 14 de fevereiro do l902. = Arthur Alberto de Campos Henriques.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.º

O Sr. Francisco de Medeiros: - Sr. Presidente: começo por mandar para a mesa a minha moção. É a seguinte:

«Attendendo a que, segundo o relatorio de fazenda, lido hontem nesta Camara pelo Sr. Ministro da Fazenda, a nossa situação financeira, se não é para desanimar, tambem não é para despreoccupações;

Attendendo a que o presente projecto, embora sympatico e justo no pensamento que o inspirou, o util nos seus effeitos sociaes, importa augmento de despesa:

A Camara resolve odiar a discussão do mesmo projecto para occasião em que a nossa situação financeira não

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inspiro desanimos e nem ao menos preoccupações. = F. de Medeiros».

Sr. Presidente: em harmonia com o § 2.° do artigo 131.º do Regimento, vou discutir a minha moção de adiamento, conjuntamente com o projecto, e vou fazê-lo serenamente e placidamente, como sempre foi meu costumo falar nesta casa, e muito principalmente agora pela natureza do assumpto.

Como a minha moção bem o diz, o projecto é sympathico, é justo e é útil. É sympathico e justo pelo pensamento que o inspirou e domina, e util pelos seus resultados, que hão de ser iguaes aos que em Portugal e em toda a parte teem emanado de institutos identicos ou similares.

Parece-me que, dizendo isto, dou ao nobre Ministro da Justiça, e meu amigo pessoal, a maior prova de imparcialidade que pode dar um adversario politico. (Apoiados).

Mas, apesar de tudo isto, o projecto não deveria ser apresentado na conjuntura presente, e ainda mesmo que pudesse ser apresentado agora, necessitava, em todo o caso, de ser modificado. (Apoiados).

Sr. Presidente: o mesmo pensamento, que inspirou uma antiga auctoridade superior do districto administrativo de Lisboa, para estabelecer uma colonia agricola, mais ou menos rudimentar, nas proximidades de Alemquor, para os vadios de Lisboa, da qual colonia não existem já vestigios, e do que eu só tive conhecimento pelas referencias feitas pelo illustre criminalista Levy Maria Jordão, no seu relatorio do Projecto do Codigo Penal, publicado no anno do 1864; - o mesmo pensamento que inspirou a este notavel jurisconsulto e a outro criminalista tambem illustre, J. A. Ferreira Lima, o artigo 140.° do alludido Projecto do Codigo Penal, por elles elaborado, no sentido de se estabelecer para todos os delinquentes menores de dezoito annos o regime prisional por meio de colonias agricolas, com o respectivo complemento de sociedades de patrocinio; - o mesmo pensamento que inspirou a lei de 15 de junho do 1871 ao Ministro da Justiça, Sá Vargas, criando a primeira casa de correcção em Lisboa; - o mesmo pensamento, que inspirou a Barjona de Freitas o decreto de 11 de março do 1875, tendente a desenvolver o regime prisional dos menores delinquentes por meio de casas do correcção e de colonias agricolas; - o mesmo pensamento que inspirou ao maior estadista português dos ultimos tempos, o Sr. José Luciano de Castro (Apoiados), a lei do 22 do junho de 1880, que criou uma colonia agricola, hoje estabelecida em Villa Fernando, para correcção de menores delinquentes; - o mesmo pensamento que inspirou ao Sr. Conselheiro Veiga Beirão a sua proposta apresentada nesta Camara, em 4 de fevereiro do 1888, o que é o trabalho de mais largo folego que, acêrca, de casas de correcção e de colonias agricolas, tem vindo ao Parlamento (Apoiados); - o mesmo pensamento que inspirou ao Sr. Antonio de Azevedo a sua proposta de 27 do janeiro do 1897, para a reorganização da casa de correcção de Lisboa; - é generoso pensamento que inspirou tambem ao illustre Ministro da Justiça, Sr. Campos Henriques, o projecto que actualmente está em discussão nesta Camara.

A idéa é sympathica, vem de ha muito tempo, e o nobre Ministro da Justiça fez bom em aproveitá-la, continuando assim as boas tradições governativas. No que, todavia, não fazem bem nem o Governo, nem a Camara, é em insistir um na approvação d'este projecto e outra em apprová-lo nesta occasião. (Apoiados).

Vou accentuar as minhas divergencias com relação ao projecto, e fá-lo-hei com franqueza igual áquella com que acabei de elogiar o pensamento sympathico o justo do Sr. Ministro da Justiça.

Primeiramente, diz o projecto, que se vae criar uma uma casa de detenção e correcção no districto administrativo do Porto.

Uma casa do detenção no districto administrativo do Porto, não faz sentido, porque as casas de detenção o correcção estabelecem-se nas cidades ou em logares proximos d'ellas, e nunca no campo. Dizer-se que se vae criar uma casa de detenção no districto do Porto, quando esto districto vae desde a Granja ate á Povoa de Varzim, e por outro lado, desde o Porto até Felgueiras e Baião, não faz sentido, repito. Collocar uma casa do correcção longe do uma cidade, é um absurdo. (Apoiados).

Barjona de Freitas, quando pensou em desenvolver o regime prisional dos menores, entre nós, por meio das casas de correcção e de colonias agricolas, estatuiu no decreto de 11 do março de 1875 que deviam ser tidas sempre em vista para as casas de correcção as povoações urbanas e para as colonias agricolas as povoações ruraes.

O Sr. Beirão, quando apresentou em 1888 a sua notabilissima proposta sobre colonias agricolas e casas de correcção, consignava tambem numa das disposições d'ella que a casa de correcção do Porto fosse criada nessa cidade, ou muito proximo d'ella, e da mesma forma que a casa de correcção de Ponta Delgada fosse tambem estabelecida nessa cidade ou muito proximo d'ella.

Eu tenho conhecimento de muitas casas de correcção do estrangeiro, e não me consta que qualquer d'ellas esteja collocada em sitio afastado de uma povoação urbana mais ou menos importante. Que as colonias agricolas se estabeleçam fora das cidades, nos campos, assim deve ser, porque, em regra, para ellas teem de entrar individuos da classe agricola. Agora estabelecer casas de correcção em qualquer ponto do districto do Porto, indeterminadamente, podendo, portanto, ser estabelecidas em Villa do Conde, ou Amarante, ou Baião, não faz sentido de forma alguma. Portanto, o projecto nesta parte precisava e devia ser modificado. (Apoiados).

Diz o projecto que será aproveitado para a installação da casa da correcção qualquer edificio do Estado, que exista naquelle districto, e se o não houver, fica o Governo auctorizado a construi-lo.

Governo relapso e impenitente! (Apoiados).

Sr. Presidente: eu rejeito isto in limine.

Quem ha poucos dias discutiu, como eu discuti, o uso que o Governo fez da auctorização parlamentar para a reorganização de serviços, e provou que o Governo tinha abusado extraordinariamente d'essa auctorização, sendo os abusos taes o tantos, que determinaram um illustre Deputado a propor a accusação criminal do Governo, não pode, nem deve, conceder-lhe as novas auctorizações, que elle pede neste projecto. E o Governo, só pelo seu inexcedivel desrespeito pelo Parlamento, pelo país e até por si mesmo, podia permittir-se o pedido de novas auctorizações parlamentares.

E note-se bem, que o Governo pode uma auctorização sem limitação de quantia; e concedida ella, poderá gastar 10, 20, 30 ou 40 contos de réis na construcção do edificio para a Casa na Correcção, nas condições que muito bem entender e quiser.

Por isso, este artigo é rejeitado por mim in limine. (Apoiados).

E não admira que eu o rejeite, ainda por outra razão. A confiança politica não se impõe, nem se decreta (Apoiados); eu respeito as pessoas dos Srs. Ministros, mas não tenho confiança politica em nenhum d'elles; e, quando não se tem confiança politica num Ministerio, nega-se-lhe tudo, inclusivamente os meios de governar.
São estes os principios. (Apoiados).

No artigo 1.° d'este projecto ha ainda uma disposição importante, que deve ser examinada: é a do § 2.°, onde se diz que o numero dos reclusos, que é de 100, poderá ser elevado a 200, logo que as circumstancias o permittam.

Sr. Presidente: a este respeito dá e uma cousa curiosa: é que ninguem pode saber ao certo qual é o criterio do

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illustre Ministro da Justiça, quando trata d'este assumpto, attendendo-se á diversidade de disposições nos seguintes diplomas emanados da sua iniciativa reformadora: 1.°, o projecto que se discute; 2.°, o regulamento vigente das casas do correcção de Lisboa; 3.º, o actual regulamento da Escola Agricola Correccional de Villa Fernando.

E querem os illustres Deputados saber como isto é exacto?

No regulamento da Escola do Villa Fernando estabelece-se no artigo 8.° que o numero de colonos d'esse estabelecimento de correcção pode ser elevado de 300 a 500, conforme forem augmentando as receitas da colonia.

Note bem a Camara: «á medida que augmentarem as receitas da colonia».

O regulamento da Casa de Correcção de Lisboa estabelece no artigo 20.°, § unico, que o numero de detidos, que é do 110, pode ser elevado até 200, conforme for augmentando a capacidade do edificio.

Note-se bem: «á medida que for augmentando a capacidade do edificio».

E no projecto actual estabelece-se que o numero de reclusos na Casa de Correcção do districto do Porto poderá ser elevado de 100 a 200, logo que as circunstancias o permittam.

«Logo que as circumstancias o permitiam», note ainda a Camara.

Tres criterios differentes para regular o mesmo assumpto, a proposito de institutos iguaes ou pelo menos similares.

Para o caso da colonia agricola correccional de Villa Fernando, lançou-se mão do augmento das receitas da colonia; para o caso da Casa do Correcção de Lisboa, lançou-se mão do augmento de capacidade do edificio; e a proposito da casa de detenção do districto administrativo do Porto, quem governa são as circumstancias, isto é, será elevado o numero dos reclusos de 100 a 200 como convier, segundo a phrase do Sr. Arroyo.

Quer dizer: o nobre Ministro da Justiça não tem um criterio certo e seguro a tal respeito, e d'ahi provém esta diversidade de disposições a que me tinha referido e que deveria desapparecer.

Isto precisa, pois, ser explicado devidamente, para se saber qual é o criterio em que S. Exa. se inspira nestes assumptos. (Apoiados).

Vou referir-me a outro ponto do projecto em que não estou de acordo.

Polo artigo 2.°, n.° 3.°, são admittidos na Casa da Correcção do Porto os menores que forem havidos por seus paes, como desobedientes ou incorrigiveis. E internados lá estes menores, quando é que elles podem depois sair d'esse estabelecimento correccional?

Segundo o disposto nos artigos 143.° § unico e 224.° n.º l2.º do Codigo Civil, os paes ou tutores podem reclamar da auctoridade judicial o internato dos seus filhos ou tutelados, desobedientes ou incorrigiveis, numa casa de correcção ou colonia agricola; mas essa detenção não pode ir alem de 30 dias, e os paes ou tutores podem fazer cessá-la quando lhos aprouver.

O illustre Ministro da Justiça mantem esta disposição do Codigo Civil?

Com respeito á colonia de Villa Fernando, estatue a lei de 22 de junho de 1880 que aquelles menores possam estar internados nella alem d'aquelle prazo de 30 dias, pelo tempo que a mais for fixado nos regulamentos.

O Sr. Ministro da Justiça regulamentou ultimamente a colonia agricola de Villa Fernando; e como nesse regulamento, de 17 de agosto ultimo, não estabeleceu disposição alguma especial relativamente a estes menores, devemos suppor que elles estão comprehendidos nos artigos 181.° o 183.° do mesmo regulamento.

E, segundo estas disposições regulamentares, nenhum colono, antes da maioridade ou emancipação, sairá sem ter collocação era que possa ganhar honradamente a sua vida; o antes dos 18 annos o colono só poderá ser reclamado pela familia, só esta for idonea e provar que tem collocação para elle, depois de ter residido na colonia pelo menos dois annos.

Isto é: a respeito dos menores desobedientes o incorrigiveis, de que falam aquellas disposições do Codigo Civil, estão estas profundamente modificadas no sentido acima exposto para os mesmos menores que forem internados na colonia de Villa Fernando.

Temos depois o regulamento da Casa de Correcção de Lisboa, do 10 do setembro ultimo, obra tambem do illustre Ministro da Justiça, que, no artigo 226.°, se limita a estabelecer que os menores desobedientes ou incorrigiveis ali internados a requerimento do seus paes ou tutores, serão entregues a estes quando forem reclamados, sem fixação de tempo para a duração do internato, nem de condições para a effectividade da saida.

E agora no artigo 70.º d'este projecto estatue-se que os referidos menores poderão, a todo o tempo, ser retirados da Casa de Correcção do districto do Porto por seus paes ou tutores, se estes forem julgados aptos e idoneos, e estiverem em condições de lhes darem educação conveniente.

Aqui temos tambem disposições diversas para o mesmo assumpto naquelles tres diplomas.

Qual foi o criterio que presidiu aos trabalhos do nobre Ministro da Justiça com relação a estes menores incorrigiveis o desobedientes?

No caso de serem internados na colonia agricola de Villa Fernando precisam de residir ali, pelo menos, dois annos, e só podem sair quando tenham cá fora qualquer collocação conveniente e determinada. Se forem para a Casa de Correcção de Lisboa, podem ser reclamados pelos paes, sem, como disse, limitação do tempo para o internato, nem de modo para a effectividade da saida. E por este projecto podem ser reclamados pelos paes ou tutores sendo estes pessoas idoneas e estando em condições do lhes poderem dar educação.

O mesmo assumpto a ser regulado do formas diversas para tres instituições iguaes ou similares. Não deve ser.

É preciso modificar este projecto o aquelles regulamentos, de maneira a regular uniformemente a duração do internato e as condições de saida dos internados nos tres estabelecimentos correccionaes de Villa Fernando, Lisboa e Porto. (Apoiados).

Devo ainda consignar que, se os paes ou tutores se reconheceram, confessaram e declararam incompetentes ou impotentes para corrigirem os seus filhos ou tutelados, entregando-os por isso á tutela social, nada devem elles poder sobre aquelles menores em quanto esta tutela não der por cumprida e terminada a sua missão protectora.

Continuemos ainda.

Isto é um pouco arido, mas é discutir a serio o projecto, o não para inglês ver (Apoiados).

Sr. Presidente: o artigo 3.° do projecto refere-se inquestionavelmente a vadios e mendigos somente, e não aos menores condemnados por outro qualquer crime; refere-se somente a menores que commettam o crime de vadiagem ou mendicidade.

Creio que isto não será contestado pelo illustre Ministro da Justiça.

Concordo em geral com a materia d'este artigo 3.°, onde avulta o principio da detenção supplementar para os menores que, ao acabarem de cumprir a pena em que foram condemnados, ainda não tiverem as babilitações profissionaes necessarias para adquirirem meios de subsistencia.

É este um pensamento adoptado em todas as casas de correcção, e que o Sr. Beirão consignava tambem na sua citada proposta ministerial de 4 de fevereiro de 1888.

Ha quem combata este principio, mas, no meu enten-

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der, elle é, como elemento do correcção de menores delinquentes, absolutamente indispensavel.

Com o regime prisional dos menores delinquentes por meio do casas de correcção e de colonias agricolas não se trata só de castigar esses ditos menores, mas de os corrigir e educar tambem; o para essa correcção e essa educação assim feitas pode não ser sofficiente o tempo da prisão.

Insurjo-me, porem, contra uma parte do artigo 3.° do projecto, e insurjo-me num sentido mais rigorista que o do mesmo artigo.

Na parte final d'este declara-se que serão postos em liberdade os menores vadios e mendigos, que ao acabarem do cumprir a pena antes dos 21 annos do idade forem reclamados por seus paes ou outras pessoas que estejam em condições de lhes dar a educação conveniente.

Sr. Presidente: isto é demasiado favor concedido ao poder paternal.

Voto contra tal disposição, e acceito de preferencia o preceito que era consignado na proposta do Sr. Beirão.

Segundo o artigo 1.°, § 4.°, da proposta do Sr. Beirão, os menores que entravam no estabelecimento correccional por vadiagem, só saiam de lá quando eram havidos como habilitados para, fora do estabelecimento, ganharem honradamente a sua vida, não tendo os paes ou tutores absolutamente nada com elles antes de concluida a sua educação correccional.

É justissima esta disposição da proposta do Sr. Beirão. E na verdade, se o menor não teve familia para lhe dar educação, ou só a teve para dar-lh'a má, e é na familia onde melhor se aprende a crer e a pensar, a querer e sentir, onde se communicam á alma as crenças e os principios que depois influem sempre nos actos da vida, e onde os paes apresentam com seus exemplos aos olhos dos filhos a imagem da sua alma, forma immorredoura, que a arte não reproduz, mus que os costumes dos filhos teem o poder de traduzir; se o filho não teve pae que o dirigisse pelo caminho da virtude e do dever e lhe fosse amparo contra as perfidas e seductoras tentações do vicio; só o pae ou o tutor não quiseram ou não puderam obstar a que o filho ou tutelado se tornasse um vadio, perderam por isso as prerogativas do poder paternal e da tutela, no sentido de não poderem reclamar o menor vadio á sociedade, que tem o direito de o castigar e regenerar, já que elles o não educaram e corrigiram.

Nesta parte adopto, portanto, inteiramente a proposta do Sr. Beirão contra a do illustre Ministro da Justiça, e entendo por isso que o artigo 3.° deve ser modificado neste ponto. (Apoiados).

Sr. Presidente: o projecto estabelece a detenção supplementar para os menores que forem condemnados por vadiagem o mendicidade, mas não a estabelece, pelo menos claramente, para os menores que forem condemnados por outro qualquer crime. E todavia, admittido o principio e o fim da educação correccional dos menores delinquentes, a disposição deve ser a mesma para todos elles.

Não admittia equivocos a tal respeito a proposta do Sr. Beirão, pois no artigo 2.° d'ella se legislava precisamente acêrca do caso.

Talvez que o illustre Ministro da Justiça, no artigo 15.° da sua proposta, adoptado pela illustre commissão no artigo 16.° do projecto, pensasse em providenciar sobre o caso, pois estatuo ali que os reclusos que terminarem a pena em que tiverem sido condemnados na casa de correcção, se forem julgados corrigidos, serão entregues a seus paes ou tutores, se estos forem pessoas idoneas e capazes, ou á respectiva commissão de patronato.

Não me parece, todavia, que isto seja estabelecer a detenção supplementar para os menores condemnados por crimes, que não sejam vadiagem ou mendicidade.

E depois aquella phrase - «se forem julgados corrigidos» - é tão vaga que precisa ser terminantemente esclarecida por parte do nobre Ministro ou da illustre commissão.

Se forem julgados corrigidos!

O que quer dizer isto?

Qual é o criterio d'esta correcção?

Na proposta do, Sr. Beirão havia um criterio clarissimo, certo e seguro. É que nas cousas do Sr. Francisco Beirão, mesmo nas que não sejam optimas, ha pelo menos clareza era todas ellas. (Apoiados).

E S. Exa. tem feito tantas cousas tão excellentes que, quando se trata da reforma judiciaria, vae-se logo á proposta do Sr. Beirão buscar ensinamento e lição. (Apoiados).

Quando se trata de casas de correcção, vae-se tambem á proposta do Sr. Beirão procurar auxilio o modelo. (Apoiados).

E sob outros pontos de vista e em variadissimos assumptos de administração publica, são os trabalhos do Sr. Beirão que servem de norma, de luz e guia a quem deseja e intenta proceder com acerto (Apoiados).

Eu já lhe chamei nesta Camara um estadista de altos meritos; e este justissimo titulo não se conquista sem se haver trabalhado tão persistentemente, tão intelligentemente e com tanto proveito publico como o Sr. Beirão tem feito. (Apoiados).

Na proposta do Sr. Beirão esse criterio era seguro e claro. Os menores estavam corrigidos quando tivessem as habilitações litterarias e profissionaes necessarias para honradamente ganharem a sua vida.

Quaes eram essas habilitações litterarias?

Saber ler, escrever e contar regularmente. É o menos que se pode exigir; mas é tanto quanto era preciso.

E quaes eram essas habilitações profissionaes?

A aprendizagem de um officio que lhes pudesse proporcionar trabalho remunerado em algum estabelecimento publico ou particular.

Era um criterio certo e claro. (Apoiados).

Qual é, porem, o criterio do Sr. Ministro da Justiça sobre estas cousas? Não é nenhum.

Fica isso para os regulamentos, dirão talvez. Mas eu não posso applaudir que se deixem para os regulamentos disposições que respeitam aos direitos individuaes. (Apoiados).

Repugna-me que se deixe para um regulamento administrativo a determinação do tempo, que a mais ou a menos hão de ou podem estar os menores delinquentes em uma casa de correcção, pois que isso sempre é a final uma questão de liberdade. (Apoiados).

Devem-se estabelecer claramente nas leis os principios que são as bases d'ellas. (Apoiados).

Ainda um outro assumpto. Como é que hão de ser classificados os menores que hão de entrar nos eatabelecimentos correccionaes?

Não ha a este respeito qualquer disposição ou a mais leve indicação no projecto. E devia havê-la; e tanto mais que, se attentarmos no § unico do artigo 1.° do regulamento da Escola Agricola Correccional de Villa Fernando, vemos, que os menores condemnados por crimes que não sejam os de vadiagem e mendicidade, mal ou só excepcionalmente podem ser ali internados.

O que os principios e a experiencia mostram a tal respeito é que a educação agricola, excellente para os mancebos que nasceram e se criaram no campo, torna-se em regra uma verdadeira inutilidade para os menores que viviam nos grandes centros de população ao tempo do seu internato nos estabelecimentos correccionaes.

Ao sairem de uma colonia agricola ou de uma casa de correcção, os individuos que as povoaram, procurará cada um d'elles o local onde nasceu e foi criado, que é para onde o impellem a força do instincto e todas as memorias, se não as saudades, da sua infancia. O aldeão voltará para a sua aldeia, que o attrae com as perspectivas dos seus

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valles viridentes ou sejam das suas montanhas alcantiladas. O que vivia nas cidades seguirá das portas do estabelecimento penal a confundir-se no bulicio o no ruido d'ellas.

É preciso, portanto, dar-lhes uma educação apropriada ao meio em que provavelmente se vão agitar, para que a educação correccional seja proficua ou não fique em grande parte inutilizada. (Apoiados).

Internem, por exemplo, o vadio do Lisboa ou do Porto em uma colonia agricola, e ficarão perdidos o tempo, o trabalho e a despesa empregados em o educar. Quando restituido á liberdade, não irá para os plainos do Alemtejo ou para as collinas do Douro repovoar do videiras os pedregaes e os recostos dos montes, fertilizar charnecas e amanhar pousios; não irá applicar-se aos rudes labores do campo, para os quaes adquiriu aliás aptidões; voltará para Lisboa ou para o Porto, mas voltará desamparado de uma instrucção profissional que possa dar-lhe aqui meios de subsistencia honesta, isto é, sem a verdadeira educação correccional.

De bem pouco lhe ha de valer o habito do trabalho adquirido na colonia agricola, se na cidade não pode exercê-lo. E já isso não aconteceria, só, em logar do o internarem naquelle estabelecimento, o sujeitassem dentro de uma casa de correcção á aprendizagem de um officio, que pudesse exercer nos grandes centros de população.

Não ha, pois, neste projecto disposição alguma que diga como é que os menores delinquentes hão de ser classificados para o seu internato nos estabelecimentos correccionaes.

Poder-me-hão observar que isso fica para o regulamento. Mas tal não deve ser, porque a primeira cousa que ha a fazer é modificar o regulamento da Escola Agricola Correccional de Villa Fernando, segundo o qual os menores condemnados por outros crimes, que não sejam o do vadiagem ou mendicidade, só rarissimas vezes o em casos muito restrictos e excepcionaes podem ser ali internados. Ora o regulamento da colonia do Villa Fernando, que tem força de lei, só por outra lei pode ser modificado.

É preciso, portanto, que se estabeleça na lei quaes as bases em que o Sr. Ministro da Justiça tenciona fazer o regulamento, quanto á maneira de serem classificados os menores para o seu internato nos estabelecimentos correccionaes. (Apoiados).

O Sr. Beirão estatuia para tal caso, nos artigos 9.° e 29.° da sua referida proposta, que fossem destinados ás casas do correcção os menores que pela sua occupação, ou na falta d'esta pela de seus paes, tutores ou protectores, não pertençam á classe agricola, sendo destinados ás colonias agricolas os menores que, por titulos iguaes, pertençam á mesma classe.

Por mim já ficaria satisfeito se visse consignado na lei, como principio dominante para todos os estabelecimentos correccionaes de menores delinquentes, que estos, durante a sua detenção, serão submettidos ao regime de uma aprendizagem agricola ou industrial, segundo a sua origem, seus antecedentes, suas aptidões o seu futuro provavel. (Apoiados).

Sr. Presidente: para não cansar demasiadamente a attenção da Camara, deixo de referir-me a outras disposições do projecto, reduzindo agora as minhas considerações á parte financeira d'elle.

Segundo o artigo 28.° do projecto, o Governo pede auctorização para gastar annualmente com o pessoal, alimentação, vestuario e despesas geraes da Casa de Correcção do districto do Porto, a quantia do 11:000$000 réis. Ha de gastar mais, porque tambem mais se despendo com a Casa de Correcção do Lisboa.

Conforme o artigo 29.° do projecto, o Governo pede auctorização para despender até á quantia de 6:000$000 réis para a adaptação do qualquer edificio do Estado para a Casa de Correcção. Não ficaremos certamente só nisso: ia jurá-lo.

Para o caso do não haver no districto do Porto edificio pertencente ao Estado que possa adaptar-se para casa de correcção, pode o Governo, no artigo 1.º § 1.º do projecto, auctorização illimitada para construi-lo.

E que quantia calcula o Governo despender com a construcção d'esse edificio? Necessita de 10, 20 ou 30:000$000 réis, ou mais?

Uma voz: - É pedir por boca.

O Orador: - A Camara necessita saber o que vota e o país o que tem que pagar. (Apoiados).

Sr. Presidente: não estamos em condições do augmentar as despesas, e, sobretudo, não devemos dar auctorizações para se despenderem quantias illimitadas. Nas actuaes circumstancias financeiras do país é um attentado enorme pedir essas auctorizações para desposas; mas seria culpa ainda mais grave concedê-las. (Apoiados).

Eu no anno de 1888 dei ao Ministro da Justiça, que então era o Sr. Beirão, auctorizações iguaes ás que aqui nos são pedidas neste projecto pelo Sr. Campos Henriques.

Não me arrependo de o ter feito, e até defendi calorosamente essa despesa.

Agora, porem, no anno de 1902, falo e voto em sentido contrario; o faço-o fundadamente, porque, embora o que votei em 1888 fosse o mesmo para que me é pedido agora o meu voto, as condições do tempo é que não são exactamente iguaes. (Apoiados).

Quatorze annos de differença. E nesses quatorze annos como as condições financeiras de Portugal teem peorado; que pesados sacrificios novos foram impostos aos contribuintes; e que loucos aggravamentos das despesas publicas teem sido feitos!

Em 1888, Sr. Presidente, ainda nós pagavamos por inteiro aos nossos credores nacionaes e estrangeiros; em 1888 ainda não tinhamos feito a bancarrota; em 1888 ainda não se tinha lançado sobro o país aquella carga enorme do impostos, que proveiu da chamada lei de salvação publica do 26 do fevereiro do 1892 (Apoiados); em 1888 nem se sonhava, ao menos, que no anno de desgraça do 1901 havia de haver um Governo tão pouco patriota e tão dissipador dos dinheiros publicos, que, abusando á larga e á farta da respectiva auctorização legal para reorganização de serviços, fizesse aquelles assombrosos desperdicios, com que augmentou as despesas publicas extraordinariamente. (Vozes: - Muito bem).

Em 1888, Sr. Presidente, ainda nós podiamos gastar com o util, ainda podiamos gastar com o util, note a Camara; e por isso era então bemvinda a proposta do Sr. Beirão.

Agora, em 1902 o no momento presente, devemos limitar-nos a despender somente o justamente necessario, para mostrarmos que temos juizo, principalmente na occasião em que estamos discutindo com os credores estrangeiros acêrca da nossa solvabilidade. (Apoiados).

Sr. Presidente: vou terminar como comecei.

O projecto é sympathico, o projecto é justo, o projecto é util, mas tambem é inopportuno, porque importa augmento de despesa. E no momento actual qualquer augmento de despesa que possa dispensar-se, temporariamente ao menos, não será bem um crime, mas é certamente um acto de demencia!!

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por muitos Srs. Deputados).

O Sr. Alexandre Sarsfield: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se prorogue a sessão até que se voto o projecto que se discute. = Alexandre José Sarsfield.

Foi approvado.

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O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Sr. Presidente: o illustre Deputado e meu amigo o Sr. Dr. Medeiros, começou por declarar: «que o projecto era sympathico, era justo e era util».

Agradeço a S. Exa. a justiça que fez ás minhas idéas nestas palavras que proferiu e a justiça tambem, que fez ao projecto. Mas não posso deixar de estranhar, que ao mesmo tempo que o meu projecto era sympathico, util e justo, soffresse uma tal impugnação em quasi todos os seus artigos e que fosse o auctor d'essa impugnação o illustre Deputado, o Sr. Francisco de Medeiros, que tem a sua responsabilidade ligada a um projecto de identica natureza, que prendeu a sua responsabilidade e o seu nome a um relatorio verdadeiramente lucido e que defendeu com calor, com enthusiasmo e até com paixão, a criação de uma colonia penal no Porto e a criação de uma colonia agricola nas immediações do Lisboa!..

Mas S. Exa. disse que o projecto é util, é sympathico, é justo; não pode, porem, ser approvado, não deve ser approvado porque não é opportuno. A situação da Fazenda não permitte que se faça uma tal despesa. (Apoiados da esquerda).

Vejamos o que isto é; o que vale esta accusação.

Evidentemente, acho optimo, excellente, ninguem o desejaria mais ardentemente do que eu, poder fundar casas do correcção, com todas as condições de salubridade, do educação e do segurança sem augmento de despesa publica; mas isso é uma aspiração inexequivel, e portanto é absolutamente indispensavel pela de parte e é preciso discutir a questão como ella, realmente, se apresenta.

Ora a questão é esta.

E util, é necessario, é de urgencia inadiavel uma casa do correcção no norte do país? É, evidentemente.

Os sacrificios que a sua criação importa para o Thesouro são compensados pelos beneficios que ella ha de produzir? Evidentemente que sim.

Tudo mais são declamações mais ou menos elegantes, mais ou menos engenhosas, mas que não movem nem commovem, que não convencera ninguem, nas quaes ninguem acredita, a começar pelo Sr. Medeiros, a quem faço justiça de acreditar, que se estivesse nestas cadeiras traria ao Parlamento uma proposta similhante e poria todo o seu empenho em fazer vingar a sua idéa, prestando assim um relevante serviço ao país o cumprindo um dever sacratissimo, sob o ponto de vista social.

O principio da protecção ás crianças e menores é de todos os paises, existo desde remotas eras, ou seja pela roda, pelo hospicio, pela creche, pelo internato ou pela casa de correcção e pela colonia agricola e ainda pelas casas de perseverança e regeneração. Seja qual for a forma por que se manifeste tem a sua consagração em todos os paises do mundo.

Entre nós existem estabelecimentos d'esta natureza devidos á iniciativa particular e dependentes da acção do Governo temos dois: a Casa do Correcção de Lisboa e o do Villa Fernando.

São estabelecimentos do utilissima vantagem, cujos resultados são já hoje notabilissimos e tenho empregado todos os meus esforços para que estes prosperem o correspondam ao fim que teem em vista. Mas esses dois estabelecimentos não bastam.

Dados estatisticos, quanto possiveis certos, demonstram que esses estabelecimentos podem chegar, quando muito, para albergar os menores do districto da Relação de Lisboa, mas são insufficientes para os do norte do país.

Por consequencia, uma de duas: ou esses menores hão de ser lançados para as cadeias civis, para as envoxias da Relação do Porto, arruinando-se physicamente e prevertendo-se na promiscuidade com o crime, ou havemos de estabelecer uma casa de correcção e fazer a despesa necessaria com ella.

Que enorme e extraordinaria despesa poço eu? A despesa annual calculada para a Casa de Correcção de Lisboa é do 12:000$000 réis para 100 menores; mas se attendermos a que, entrem ou não, na Casa de Correcção os menores delinquentes, que nessas casas ou nas cadeias civis teem de sor sustentados pelo Estado, abatendo a importancia d'essa alimentação, temos que a despesa é apenas de 6:000$000 réis, o fazemos com que esses menores em vez de voltarem para a sociedade mais prevertidos, se regenerem e habituem a um trabalho honrado que lhes permitta ganhar honestamente a vida.

Valo a pena o sacrificio, e francamente não é preciso ir á rhetorica buscar as suas melhores phrases para criticar um projecto que traz uma insignificante despesa, largamente compensada pelos beneficios que d'elle resultam.

Mas não é só isto, e a tuim custa-me estar a referir estas cousas a quem as sabe melhor, ou pelo menos, primeiro do que eu, porque tudo isto vem no relatorio do illustre Deputado, como vem na proposta do Sr. Beirão, a que esse relatorio se refere.

Mas não é só esta a economia.

Como V. Exa. sabe, Sr. Presidente, uma parte do producto do trabalho dos presos pertence ao Estado, e é destinado á compra de instrumentos.

Pode, no primeiro anno, não haver receita; mas, nos annos subsequentes, deve haver, podendo-se calcular que aquella despesa fica reduzida a 4 contos e tanto.

Isto ainda na hypothese, que os exemplos e a pratica aliás desmentem, de que não se dê no resto do país o que se dá, por exemplo, no Porto, onde ha tantos institutos de caridade, sem exigir um só real.

Se eu quisesse demonstrar, pela forma a mais eloquente, quanto o argumento, de natureza financeira, nesta gravissima questão, é absolutamente improcedente, nada mais tinha a fazer senão abrir o relatorio, que tenho presente, nos pontos já por mim marcados, e ler periodos de uma eloquencia verdadeiramente notavel.

Não os leio, porem; não é preciso lê-los, porque conhece-os o illustre Deputado, conhecem-os, naturalmente, todos os Srs. Deputados d'aquelle lado da Camara.

O Sr. Francisco Medeiros: - Ha só uma differença; é que 1888 não é 1902.

O Orador: - V. Exa. acabou?

Quando o illustre Deputado Sr. Medeiros fez a sua interrupção, e o Sr. Francisco Machado, para ouvi-lo, levantou os olhos do papel em que estava escrevendo, e me fitou, lembrou-me a seguinte resposta: é que o Sr. Medeiros alludiu a 1888, e em 1888 havia aquelle notavel deficit, a que o Sr. Francisco Machado aqui se referiu, para mostrar qual era a situação financeira do país.

Nessa occasião, pois, não era tão prospera a situação da Fazenda que permittisse tal desbarato.

Mas qual é a situação que não comporta uma tão insignificante despesa, para um tão alevantado fim, e que o proprio illustre Deputado vem aqui julgar util e justo?

Depois, o illustre Deputado perguntava onde é estabecida a Casa de Correcção. Eu quero installar a Casa do Correcção no edificio do Estado que encontrar em melhores condições para esse fim; seja velho, arruinado ou absolutamente desprezado, desejo aproveitá-lo para o converter numa obra util.

Mas S. Exas. podem dizer me que um edificio nessas condições não só poderá aproveitar sem grandissimo dispendio. Para responder a essa objecção ainda tenho argumento.

A Casa do Correcção do Lisboa foi installada no convento das Monicas, e V. Exa. e a Camara decerto não ignoram o que era esse convento. Era um pardieiro velho, arruinado, inutil, considerado pelas estações officiaes como não servindo para nada.

A minha palavra, porem, poderá ser considerada suspeita, e por isso vou invocar o testemunho de um magistrado austero, dignissimo, a quem aquelle estabelecimento

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muito devo, o Sr. Visconde de Santa Monica. Esto illustre magistrado, num trabalho notavel, que serviu do relatorio á proposta de lei apresentada em 1888 a esta casa do Parlamento pelo Sr. Conselheiro Beirão, dizia o seguinte.

(Leu).

Ora o que eu desejo fazer é esta obra meritoria; é o aproveitamento do um convento arruinado, que pertença ao Estado e que este tenha desaproveitado para o converter de uma inutilidade numa cousa prestimosa o util a sociedade. (Apoiados).

Mas se o não tiver, perguntarão ainda S. Exas., o que é que o Ministro faz? Fica auctorizado a construi-lo.

S. Exa. ficam assombrados de que o Governo poça tal auctorização?

O que é estar em mau campo, não ter a justiça por seu lado! Pois a auctorização para construir um edificio, no caso de o não haver, não está no projecto do Sr. Beirão? (Apoiados).

Então no artigo 11.º d'esse projecto não se diz:

(Leu).

Esta auctorização, portanto, que tantos reparos despertam a S. Exa., é a mesma que o Sr. Conselheiro Beirão pedia, que o Sr. Medeiros lhe dava e que eu agora peço ao Parlamento.

Desejou tambem S. Exa. que lhe desfizesse algumas duvidas que apresentou. Essas duvidas teem todas uma facil e prompta resposta, desde que consideremos o fim que o projecto se propõe realizar.

Qual é esse fim? Primeiro, arrancar á perniciosa promiscuidade das cadeias todos aquelles menores que seja possivel, para procurar conseguir a sua regeneração. Mas, como consequencia derivada crosta principio, resulta, evidentemente, que eu não posso respeitar o artigo 143.° do Codigo Civil, que permitte apenas a introducção, nas casas de correcção, dos individuos renitentes. E porque? Porque não se comprehende que se metta, numa casa de correcção, para se corrigirem, menores incorrigiveis!

Neste caso, a introducção de menores na casa do correcção só traria um gravissimo inconveniente: seria contaminar, com maus exemplos, aquelles que lá estavam, o lança-los para fora nas mesmas circumstancias em que se encontravam quando para lá entraram, se não, porventura, mais pervertidos ainda.

Aqui está a razão por que ou não podia respeitar a disposição do Codigo Civil, o que, aliás, não era novidade. S. Exa. sabe mesmo que esta revogação do Codigo Civil está expressa na lei de 22 de junho de 1880.

E sabe V. Exa. Sr. Presidente, quem foi o illustre estadista que referendou esta lei? Foi o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, que estabeleceu, o muito bom, nesta lei a criação da Villa Fernando, cujos resultados são hoje do grande vantagem.

Já existia, portanto, na lei do 1880.

Pergunta, porem o illustre Deputado: quando são esses individuos entregues a seus paes ou tutores?

São entregues quando estão devidamente corrigidos; quando os paes, tutores ou pessoas de familia estão em circumstancias de lhes darem meios de trabalho, para remi-los das suas faltas.

Quem julga d'essa idoneidade? Evidentemente quem julga tambem da incorrigibilidade para os introduzir na Casa de Correcção.

Portanto, todas as garantias, tantas quantas é licito poder estabelecer, se acham aqui consignadas.

Perguntou tambem o illustre Deputado como serão classificados os menores, para a sua entrada na Correcção ou na colonia Villa Fernando.

Ora o artigo 21.° do regulamento da Casa do Correcção, d'esta cidade, diz textualmente o seguinte;

(Leu).

O Sr. Francisco João de Medeiros: - V. Exa. dá-me licença?

O artigo 21. ° refere-se somente aos menores vadios.

O Orador: - Mas qual é o meu pensamento? Qual é o criterio e o fim da lei? É a regeneração dos menores.

Por consequencia, só se trata de um menor que tem passado a sua vida no campo, colloco-o na Escola Agricola de Villa Fernando; só ao trata de um menor que tem passado a sua vida na cidade, colloco-o na Casa do Correcção.

Mas ha mais.

Permitto a transferencia das Casas do Correcção para a Escola Agricola Villa Fernando e da Escola Agricola Villa Fernando para as Casas do Correcção, quando se demonstro que essa transferencia é conveniente para o menor, sob o ponto do vista da sua educação, das suas aptidões, ou do seu estado do saude.

Já vê o illustre Deputado que está estabelecido o que S. Exa. quer, o principio da transferencia.

Sr. Presidente: creio ter respondido a todas as observações do illustre Deputado, o termino por aqui as minhas considerações.

Vozes: - Muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Affonso Pequito: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que a commissão de fazenda possa reunir durante a sessão. = Rodrigo Pequito.

Foi aprovado.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Começa mandando para a mesa a seguinte moção:

«A Camara reconheço que o projecto era discussão não pode ser approvado, e passa á ordem do dia. = Queiroz Ribeiro».

Continuando, nota que o Sr. Ministro da Justiça ache estranho que um projecto sympathico, e que o Sr. Medeiros, na sua extrema amabilidade, considerou tambem util, possa ser combatido, precisamente por aquelle que, num luminoso relatorio, ao qual S. Exa. não pôde deixar de fazer justiça, approvou plenamente em 1888 um projecto de natureza identica á do que hoje se discuto.

Mas o illustre Deputado, Sr. Medeiros, accentuou, do uma maneira bem clara, a differença das circumstancias economicas o financeiras do país em 1888 e em 1902.

É um seculo do differença, só não no numero do annos, pelo menos nas circumstancias que actualmente pesam sobre o para e que em 1888 não existiam.

Bastará lembrar que hoje estamos, infelizmente, discutindo um convenio com os credores externos, em que, por mais de uma vez, já teem sido pedidos cauções para emprestimos nacionaes.

Disse o Sr. Ministro da Justiça não merecer a questão tanta rhetorica, visto que se trata da insignificante despesa de 4:000$000 réis; mas, por sua parte, o Sr. Medeiros já frisou que essa despesa pode ser enorme se, em vez de ser adaptado para a correcção qualquer edificio velho, se construir um edificio com todas as condições necessarias.

Disse o Sr. Ministro que procurará um edificio do Estado nas melhores condições. Pensa, porem, já S. Exa. num determinado edificio para o adaptar?

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Não, senhor; hei de procurar o que melhor convier.

O Orador: - Desde que S. Exa., no seu relatorio, calcula em 5:000$000 réis a despesa com a adaptação, é porque já pensou num determinado edificio; mas se ainda não pensou, então, esses 5:000$000 réis representam uma hypothese verdadeiramente phantastica.

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Eis o motivo por que a elle, orador, parecem pouco sinceras as respostas do Sr. Ministro da Justiça.

Não acompanhará o discurso do Sr. Medeiros, tanto mais que elle não teve resposta; não deseja, tambem, frisar as differenças importantes, extraordinarias, que separam o actual projecto do do Sr. Beirão; mas, examinando o actual, fica-lhe a convicção profunda de que elle deve ser condemnado, justamente pela differença radical que o separa da proposta anterior.

Para provar esta differença, basta ler o artigo 1.°, no qual se determina que só possam entrar para a casa de correcção os menores que tenham mais de dês annos e menos de dezoito. Pois, o Sr. Ministro da Justiça, magistrado distincto, que tantas vezes tem compulsado o artigo 48.° do Codigo Penal, citado no proprio relatorio d'este projecto de lei, não sabe que os menores que, tendo praticado qualquer acto, forem isentos de responsabilidade criminal, por não terem dez annos de idade, estão, precisamente, sujeitos a serem internados numa casa de correcção?

Analysando o artigo 2.° do projecto, applaude o orador o pensamento que o ditou; mas, a seu ver, na applicação pratica, o Sr. Ministro da Justiça atraiçoou-se por uma forma deploravel, porquanto, pela disposição que estabeleceu, vae collocar o condemnado a prisão maior cellular, ao lado do filho desobediente, cujo pae pediu que elle fosse, por algum tempo, internado na casa de detenção. Que promiscuidade tão lamentavel!

Outra disposição que a elle, orador, não agrada, é a do § 1.° do artigo 29.°, que obriga os paes dos menores reclusos a uma mensalidade de 9$000 réis. Que quer isto dizer?

Não seria mais razoavel a disposição da lei do Sr. Beirão, que obrigava os reclusos a pagar as despesas que fizessem?

Estabelecer uma mensalidade certa, é deprimente para o Estado, debaixo de qualquer ponto de vista que isso se encare.

O artigo 8.° é tambem, a seu ver, verdadeiramente monstruoso, por isso que estabelece que os reclusos, condemnados na pena de prisão maior cellular, se esta não for totalmente cumprida, elles serão removidos para alguma das cadeias penitenciarias. D'aqui resulta que o menor pode emendar-se, pode corrigir-se, pode ter um procedimento perfeitamente irreprehensivel, mas, no fim, tem que ir para uma penitenciaria!

Comprehende-se isto?

Entra, em seguida, o orador, na analyse dos artigos 14.° a 17.°, e pergunta ao Sr. Ministro da Justiça quaes as suas idéas sobre patronato.

Pede tambem a S. Exa. que não reserve para um regulamento, que ainda está por fazer, aquillo que é necessario e indispensavel que seja desde já discutido e conhecido pelo país e seus representantes.

Lendo depois o que determina o artigo 19.°, § unico, pergunta o orador: quem dá de comer aos menores reclusos, onde viverão elles se, porventura, o edificio onde está a casa de correcção não é precisamente onde estão os institutos de que fala o projecto?

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Esses menores são primeiramente sustentados pelo Estado na Casa da Correcção; em segundo logar são auxiliados pelas commissões de patronato. Se estas puderem mettê-los nos institutos commerciaes, prestam um grande serviço ao Estado e á sociedade.

O Orador: - Isso é responder? Então o artigo 19.° diz que podem os menores ser transferidos para outros estabelecimentos, e o Sr. Ministro da Justiça appella para as commissões de patronato, que nem sequer se sabe ainda como serão organizadas? Quer então S. Exa. que o Estado esteja subvencionando collegiaes?

Depois de referir-se ainda aos artigos 20.° o 21.°, applaudindo as disposições d'este ultimo, o orador termina, frisando novamente que, como bem disse o Sr. Deputado Medeiros, as circumstancias do hoje não são as mesmas de 1888. Mas, ainda que o fossem, applaudiria com melhor vontade o projecto do Sr. Beirão do que o do actual Sr. Ministro da Justiça, a não ser que este fosse devida e convenientemente emendado. D'ahi, a moção que manda para a mesa, e que representa apenas o bom desejo do bem cumprir o seu dever.

É lida e admittida a moção, ficando conjuntamente em discussão.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. o restituir).

O Sr. Conde de Castro e Solla (relator): - Sr. Presidente, primeiro que tudo, consinta V. Exa. que eu manifeste a minha consideração para com o illustre parlamentar, a quem me cabe a honra de responder.

Confesso a V. Exa. e á Camara que, talvez pela minha inexperiencia de principiante politico, sempre imaginei que este projecto seria votado pela maioria e minoria, sem discussão, como significando absoluto acordo com os principios ahi expostos, que são os consagrados nos paises mais cultos, e applicados ao nosso, tanto quanto o permittem as circumstancias do Thesouro.

Confesso a V. Exa. e á Camara que, talvez não digo bem, mas com certeza pela minha inexperiencia, e só por ella, sempre julguei que este projecto assim seria votado, pelas razões que enunciei e ainda como homenagem ao pensamento nobre e elevado que o inspirou, que se traduz immediata e praticamente no maior desenvolvimento do regime educativo, numa justa protecção concedida aos menores delinquentes. (Apoiados).

Sabe a Camara, muito melhor do que eu, que em quasi todos os paises o problema social se acha cheio de difficuldades.

Pois nos paises mais cultos, naquelles onde melhor se comprehendem os deveres, prepara-se a solução do problema, atacando-o na sua base, isto é, educando e illustrando convenientemente a mocidade, procurando por todos os meios e com todos os esforços regenerar os menores delinquentes.

As crianças de hoje são os homens de amanhã; isto é banal, á força de verdadeiro, mas por isso mesmo que é um axioma é que tem de se attender.

Sabe V. Exa., Sr. Presidente, quantas leis a Inglaterra publicou no seculo findo, pelo que respeita a protecção de menores?

Foram 150!

Se essa protecção, em geral, é necessaria, torna-se absolutamente indispensavel quando se trata de menores delinquentes, de menores nos primeiros degraus do vicio e do crime, que ainda é possivel converter de grandes criminosos futuros em cidadãos prestantes. (Apoiados).

É absolutamente indispensavel, embora de difficil realização por se cuidar de um assumpto vasto e complexo, onde o legislador tem de aproveitar os esforços e os serviços do pedagogo, do medico, do industrial, do agricultor e do philantropo.

É absolutamente indispensavel, repito mais uma vez, quando se tenta resolver essa questão de humanidade, que tanto preocupa os legisladores dos differentes paises como os seus penalistas mais distinctos, que tanto chama a attenção dos congressos penitenciarios como das instituições de beneficencia e que, deixe-me V. Exa. assim dizer, se desenrola como a maior entre as grandes de todo o regimen penal. (Apoiados).

Será esta a primeira tentativa que em Portugal se faz, neste sentido?

Não, evidentemente não.

Ministros de ambos os partidos, antecessores do Sr. Campos Henriques, teem, ligado as suas responsabilidades

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a este assumpto, teem-lhe dedicado as suas intelligencias e cuidados.

E ainda bem, porque assumptos d'este melindro não se atacam de repellão, seguem evolutivamente, caminham passo a passo, o vagaroso para ser seguro.

Disse eu, que Ministros do um e do outro partido tinham prestado a sua attenção a este assumpto. Vejamos.

A Escola Correccional Agricola para menores foi criada em 22 de junho do 1880 pelo illustre Chefe do Partido Progressita o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro.

Em 4 de fevereiro do 1888 o Sr. Conselheiro Veiga Beirão apresentou ás Camaras uma proposta de lei, num dos capitulos da qual se occupava largamente do colonias agricolas.

Essa proposta foi convertida no projecto de 5 de março d'esse anno.

Apesar da lei do primeiro e da proposta do segundo, a Escola Agricola de Villa Fernando apenas abriu as suas portas em 6 do outubro de 1895.

Foi ao actual Ministro da Justiça que coube remodelar profundamente essa instituição, attendendo ás exigencias dos peritos, ás indicados correccionaes modernas o aos exemplos dos estabelecimentos modelares estrangeiros.

O regulamento de 17 do agosto de 1901 representa um grande serviço. (Apoiados).

Mas a obra do Sr. Ministro da Justiça, só ficasse por aqui, seria insufficiente. Urgia fazer mais.

A Casa de Detenção e Correcção do Lisboa foi criada por decreto do 15 do junho de 1871 por José Marcellino do Sá Vargas, estabelecendo-a no extincto convento do Santa Monica.

A citada proposta de lei do Sr. Conselheiro Veiga Beirão, de 4 de fevereiro de 1888, tambem tratava do casas de correcção.

É um trabalho notavel, justo é confessá-lo, como todos aquelles que saem da penna de tão abalizado jurisconsulto, que tambem como parlamentar correctissimo é estimado e respeitado pela minoria o por toda a maioria d'esta Camara. (Apoiados).

Pois nesse trabalho já o Sr. Veiga Beirão reconhecia as vantagens de se criar uma casa de correcção no Porto.

Porque combatera então este projecto?

Porque o discutem tão acaloradamente?

Sejam coherentes. (Apoiados).

Na sessão do 27 do janeiro do 1897 o actual Director da Penitenciaria de Lisboa, quando Ministro, apresentou ao Parlamento uma bom elaborada proposta de lei para a reorganização da Casa de Correcção de Lisboa.

Foi comtudo ainda ao Sr. Campos Henriques que coube remodelar este instituto, transferindo-o para o convento da Cartuxa, em Caxias.

O regulamento, que lhe deu o Sr. Ministro da Justiça, de 10 do setembro do 1901 é bom ou mau? Representa um serviço, ou não?

Não o hei de dizer eu, Sr. Presidente. Disse-o um dos mais intransigentes adversarios politicos do Sr. Campos Henriques, o Sr. Dr. Antonio Cabral.

Discutiam-se as auctorizações o sobre ellas caia a opposição, fera o irada, especie de Empusa, prompta a atemorizar-nos.

O Sr. Dr. Antonio Cabral preferia as da pasta da justiça e analysava detidamente as reformas tiritas pelo Sr. Campos Henriques no interregno parlamentar.

Demorava-se na apreciação do regulamento da Casa de Correcção de Lisboa e tambem do relativo á colonia do Villa Fernando.

S. Exa. é um parlamentar distincto, o alem d'isso fallava com as responsabilidades de sub-director do primeiro estabelecimento penitenciario do país, accrescidas ainda pelos ensinamentos que com certeza lhe havia dado o ultimo congresso, em que S. Exa. nos representou, e onde se trataram largamente os mais graves problemas correccionaes.

A opinião de S. Exa. tinha uma incontestavel auctoridade.

Pois a sua critica apenas se desfechou contra estes horriveis inconvenientes:

a) Concessão de modestos premios de l$000 a l$500 réis aos alumnos, assim como aos guardas, prefeitos e mestres de officinas;

b) Determinação de que nenhum prefeito, guarda, mestre de officina, enfermeiro, etc., podem apparecer embriagados em serviço;

c) Que os presos devem lavar os pés duas vezes por semana.

Ora se o illustre Deputado, o Sr. Antonio Cabral, depois de um cuidadoso o paciente estudo, só encontrou estes defeitos na obra correccional do Sr. Ministro da Justiça, ha-de a Camara concordar em que foi S. Exa. que implicitamente a classsificou de muito boa. (Apoiados).

O testemunho é valioso e insuspeito. (Apoiados).

É ainda o Sr. Campos Henriques, no seguimento do seu plano, cumprido com serenidade o firmeza, que vem apresentar á esclarecida discussão d'esta Camara o assumpto de que estamos tratando - criação de uma casa de correcção no Porto.

O Sr. Queiroz Ribeiro - Era melhor copiar todas as idéas e medidas do Sr. Conselheiro Beirão.

O Orador: - Sim, sem intuitos partidarios, só no interesso de bem gerir a sua pasta e de servir honradamente o seu país, o Sr. Campos Henriques acceita as boas idéas e os bons principios, venham d'onde vierem, ou dos seus amigos politicos, ou dos seus adversarios mais intransigentes.

Em 1888 o Sr. Conselheiro Veiga Beirão manifestou a idéa de se criar uma casa de correcção no Porto. Não ha duvida. Mas as boas idéas põem-se em execução, porque, sem isso, de pouco valem. (Apoiados).

O Sr. Conselheiro Beirão achava optima a sua idéa - e era -, mas nem então conseguiu pô-la em execução, nem renovou a iniciativa d'esse projecto, apesar de voltar aos Conselhos da Coroa. (Apoiados}.

O illustre parlamentar, a quem estou respondendo, classificou de inopportuno esto projecto pelas difficeis circumstancias do Thesouro, e sobre este assumpto fez varina considerações, censurando asperamente o Governo por o apresentar ao Parlamento.

Para mim, estou certo que para a maioria d'esta Camara e para o país, o projecto representa uma necessidade inadiavel. (Apoiados).

Os estabelecimentos correccionaes, que temos, apenas podem comportar actualmente 410 reclusos: 110 a Casa do Correcção de Lisboa o 800 a Escola Agricola de Villa Fernando.

No districto judicial da Relação de Lisboa, afora as comarcas da Ilha da Macieira, houve, nos annos do 1890 a 1900, 672 menores condemnados em penas correccionaes.

Quer dizer, os estabelecimentos correccionaes mal poderão albergar os menores delinquentes de Lisboa.

E os menores do Porto?

Esses, Sr. Presidente, são internados na cadeia civil d'aquella cidade, contra os principios do humanidade, da moderna educação correccional, de hygiene e em opposição ao que se pratica nos paises mais cultos.

Podo isto continuar?

Diga-o a Camara na inteireza da sua consciencia.

E não julguem V. Exas. que os menores recolhidos na cadeia civil do Porto são poucos.

Sabem quantos ahi deram entrada, de 1897 a 1900, por terem praticado crimes leves, pela primeira vez?

Foram 334 do sexo masculino!

Ainda haverá quem diga que isto pode assim continuar?

Não o posso crer. (Apoiados).

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Mas, se numericamente eu provei á Camara que é indispensavel a criação de uma casa do correcção no Porto, qualquer ordem de considerações, que façamos, ha de levar nos sempre ao mesmo resultado.

É um facto incontestavel que quasi todos os menores, que entram nos estabelecimentos correccionaes ou nas cadeias civis, tanto do estrangeiro como de Portugal, teem a tara hereditaria; quasi na totalidade provêem de familias immoraes e viciosas.

De 100 crianças, que em 1897 foram internadas na Escola do Massachussets, 94 provinham de familias nessas condições.

Não será ousado applicar ao Porto essa proporção.

É uma cidade grande, para Portugal, com a desmoralização correspondente aos centros populosos; pois bem, atirem-se com os menores d'ahi para a cadeia civil, em promiscuidade com os criminosos, que conhecem o vicio e o crime nos seus detalhes, e o Estado terá consentido numa escola de corrupção, terá contribuido, pela sua indolencia, para o augmento consideravel da criminalidade em Portugal.

E ainda haverá quem contrarie a necessidade d'este projecto?

Não pode ser. (Apoiados).

As observações dos competentes silo unanimes em affirmar que a maior parte dos menores delinquentes teem uma enorme depressão physiologica.

Todos os cuidados da hygiene são poucos; a educação a ministrar e o regime a seguir devem estar subordinados ao estado physico do menor.

E é na cadeia civil do Porto, um antro para crianças nessas condições, que se hão-de cumprir as regras de um bom systema correccional?

Como sairão d'ahi esses menores?

Hão de sair, segundo o grau maior ou menor de degenerescencia e o tempo de internato, amarellentos, infezados, e não raras vezes ermos de pulmões, verdadeiros tuberculosos.

E nesta, occasião em que todos os esforços se congregam, em que todas as boas vontades se juntam, em que todos os sacrificios se fazem, para debellar esta terrivel molestia, bem anda o Governo do nosso país ajudando - o ajuda poderosamente assim - essa santa cruzada, á frente da qual está um anjo de caridade, a Excelsa Rainha dos Portugueses. (Muitos apoiados).

Trata-se de crianças.

Nessas idades é que ha uma grande impressionabilidade, e por isso mesmo é que a acção do quem dirige, de quem educa e de quem auxilia a educação, pode ser mais efficaz.

Essas entidades devem ter uma grande delicadeza de sentimentos, uma accentuada benevolencia, muita caridade e um tacto especialissimo para lidarem com esses typos essencialmente variaveis.

É preciso que surprehendam os movimentos das crianças, que lhes espreitem as inclinações, que dêem coragem aos seus desfallecimentos, que lhes alimentem as boas aspirações.

Doçura e firmeza, numa acção constante, um apropriado regime educativo, o maximo cuidado no desenvolvimento physico dos menores, eis a unica forma de regenerar a mocidade delinquente.

Só assim se combatem más inclinações, só assim se vencem repugnancias, só assim se formam homens, em todo o sentido da palavra. (Apoiados).

E encontrarão esses meios de conversão os menores internados na cadeia civil do Porto?

Não, mil vezes não. (Apoiados).

São estas algumas das muitas razões que tenho para considerar este projecto como uma necessidade inadiavel, e como tal o devemos votar. (Apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro esforçou-se por demonstrar quanto era anti-economico este projecto.

Pois eu digo a S. Exa.: estes estabelecimentos não se traduzem só na regeneração dos menores delinquentes e no descrescimento da criminalidade; traduzem-se em leis de economia para os paises. Quasi não é preciso demonstrá-lo.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Prove, prove. Acho economias caras!

O Orador: - Satisfarei o desejo de V. Exa., visto que a isso me empraza.

Não vou fazer a historia dos estabelecimentos correccionaes, comquanto esse trabalho, apesar de longo, seja muito interessante, pelas lições que d'elle se tiram. (Apoiados).

Não me alongarei em considerações sobre a obra de Clemente XI, a quem se deveu a primeira casa do correcção, em 1703.

Não apreciarei as celebres leis de 25 de setembro e 6 de outubro de 1791; o movimento operado annos depois; a sua applicação aos delinquentes de New-York, com a fundação do estabelecimento Randall's Island (29 de março de 1824), a Boston (1826), Philadelphia (1H28J, Baltimore o Washington; a importação d'esses institutos na maioria dos paises, destacando-se a Inglaterra, em 1838, com o seu Parkhurst, a França com Mettray em 1839, a Belgica, em 1844, com Saint Hubert; a sua evolução, nas differentes nações, até aos nossos dias.

Cingir me-hei ao assumpto.

Em 1888 visitava um notavel estrangeiro a Belgica, inquirindo minuciosamente do seu systema de protecção e correcção de menores.

Viu as instituições de caridade; as escolas agricolas de Ruysselède para menores indigentes, mendigos e vadios; as casas do reforma de Saint Hubert, Gand e Namur, para menores detidos como tendo procedido sem discernimento e postos á disposição do Governo nos termos do artigo 72.° do respectivo Codigo Penal; Tournay para menores condemnados a penas de mais de seis meses; a Penitenciaria de Louvain, para onde iam logo que completavam 18 annos

Admirou tal organização e perguntou ao director de uma d'essas casas, que o acompanhava, se as avultadas quantias despendidas tinham resultados compensadores.

O interrogado encaminhou-o para o seu gabinete, mostrou lhe as estatisticas com um sensivel decrescimento de criminalidade, fez-lhe ver como era grande o numero de regenerados que estavam ganhando honradamente a vida, calculou approximadamente, segundo os principios de economia, em quanto se podia avaliar o trabalho de cada um, multiplicou esta quantia por o numero de menores empregados, e convidou-o a fazer os seus calculos sobre essa resultante, obtendo juro do capital, em que falavam.

Eu procederei de uma maneira semelhante. Tomo para estes calculos um dos paises onde, nesse sentido, mais se gasta - a Inglaterra.

Ninguem poderá dizer que é um exemplo adrede escolhido. (Apoiados).

Em 1838 fundou-se, como já disse, o Parkhurst (Ilha de Wight).

O regimen era severo, os confortos exiguos, os processos intimidativos.

A Sociedade Philantropica havia criado a Escola do Redhill, nas cercanias de Londres, para menores abandonados e viciosos.

Em 1848 esta Escola soffreu uma reorganização completa.

O Estado subsidiou-a e estabeleceu que, mediante licenças ou certificados, pudesse receber menores de 14 a 16 annos condemnados pelos tribunaes a 14 dias do prisão, pelo menos, que lhe seriam entregues por 2 a 5 annos.

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As mesmas disposições se applicaram a outras escolas semelhantes.

Regularizaram-se as relações entre o Estado e essas instituições, para onde iam passando os detidos do Parkhurst, que a breve trecho (1863) fechava as suas portas.

O systema de menos severidade o de maior instrucção davam grandes vantagens a estas escolas sobre a prisão de Parkhurst, sua antecessora.

Foi na Escossia que appareceram asylos para vadios e mendigos -menores mais novos que os das escolas de reforma - onde se lhes ensinava uma profissão; deu-se-lhes o nome de Escolas Industriaes.

Na Inglaterra a primeira foi a de Feltham.

Obtiveram certificados, como as escolas de reforma, unificando-se a legislação, que rege estes estabelecimentos, na Escossia e Inglaterra, e resolveu-se que tivessem ahi logar os menores moralmente abandonados, os vadios, as crianças cujos paes estão na prisão, etc.

Para menores insubmissos criaram-se escolas especiaes (truant school) com uma disciplina rigorosa.

Para crianças pertencentes ás classes mais pobres, tendo por fim livrá-las da tentação da vadiagem e mendicidade, e deixar trabalhar os paes, estabeleceram-se as escolas industriaes externas.

E como remato a esta bella organização lá está o instituto, que eu tanto desejava no nosso país, com o nome suggestivo de: Home for homeless children.

O menor que sae do estabelecimento, onde recebeu educação o instrucção, passa para ahi, e encontrará dormida, alimentarão e protecção para obter emprego.

Só principia a pagar uma pequena quantia, a que chamarei contribuição, no dia em que vence o primeiro salario.

A permanencia ahi pode ir até dois annos.

Bella organização esta! (Apoiados).

Sr. Presidente: deprehendo dos apoiados da Camara, neste momento, que ella admira, como eu, o systema correccional inglês.

Mas, Sr. Presidente, as nações, como os individuos, nunca estão satisfeitas com o que teem; aspiram sempre, soffregamente, a mais.

Os escriptores ingleses teem actualmente uma accentuada predilecção pelo systema do Dr. Bernardo. A corrente do systema familiar está-se firmando era alguns paises.

Com a franqueza que me caracteriza, ou digo á Camara que não creio na sua generalização, e não desejo de forma alguma vê-lo applicado em Portugal.

É um modo de ver individual, sem valor, mas reflectido.

O argumento principal em favor d'este systema é, sem duvida, a approximação do uma vida natural.

Familias modelares, como é preciso para o cumprimento de uma missão tão difficil, que se promptifiquem, sem intuitos gananciosos, a acceitar esses menores, intrusos, desconhecidos, suspeitos, sem receio de que contagiem os proprios filhos, ha poucas.

Familias, a que chamarei praticas, que os acceitem com os olhos fitos no lucro, que os sobrecarreguem com trabalho, fazendo-os seus criados, quando não seus escravos, ha muitas, muitissimas, mas não servem.

Para os menores indisciplinados então o systema é verdadeiramente inefficaz.

O mau caracter precisa do pedagogo que o reforme; a disciplina familiar é impotente, torna-se necessaria a intervenção profissional.

Para reformar naturezas rebeldes, para disciplinar os insubmissos, para moralizar os accentuadamente viciosos, acho detestavel o systema.

Recolham-se os maus elementos, sujeitem-se a uma pedagogia especial, tal qual como no hospital se internam os doentes para os submetter a uma therapeutica apropriada.

Sigo esta opinião, que se me afigura a melhor. (Apoiados).

Desculpe-me o Sr. Queiroz Ribeiro esta breve interrupção.

Depois de ou descrever a organização inglesa, segue-se apreciar o seu valor moral o economico.

A Inglaterra tem, salvo engano, 207 escolas d'aquellas que descrevi.

Despendo annualmente 2:070 contos da nossa moeda.

Para não cançar a attenção da Camara encaro o assumpto pelo lado mais caracteristico, isto é, pelo numero de condemnações e pela criminalidade, propriamente dita, na Inglaterra e Galles.

Encontre o seguinte:
Annos Menores

1856 13:981

1861 8:801

1860 9:360

1871 8:977

1876 7:138

1882 5:700

1886 4:924

1891 3:855

1895 2:522

Pareço que a differença entre o primeiro termo do quadro e o ultimo não deixará duvidas ao Sr. Queiroz Ribeiro sobre o resultado moral obtido.

Agora calcule o illustre parlamentar os prejuizos causados no Estado por 18:981 menores criminosos e os feitos por 2:022, veja a differença, e diga-me S. Exa. se a solução do problema, assim estudado, é economica ou não. (Apoiados).

Os resultados ainda avolumam, se considerarmos que a população, que em 1801 era de 20.060:224, estava em 1891 em 29.002:525.

Falando agora dos internados, em geral, na Inglaterra, encontro que, por exemplo, nos annos de 1892, 1893 e 1894, sairam d'essas casas 16:824 menores.

Quasi todos obtiveram collocações. Calcule o Sr. Queiroz Ribeiro um minimo do valor do trabalho de tantas pessoas, não se esqueça de attender tambem á grande diminuição dos prejuizos, pelo decrescimento da criminalidade, e diga-mo se estas organizações teem, ou não, o seu lado economico? (Apoiados).

Sr. Presidente: reduzir ao minimo, por estes processos, o numero dos elementos imiteis e prejudiciaes e elevar ao maximo o dos activos, honrados, trabalhadores o prestantes, é um dever incontestavel dos Estados. (Apoiados).

Assim o impõem os principias de humanidade, do segurança publica o de economia politica. (Apoiados).

Eu sei que nós não podemos gastar 2.070:000$000 réis, como a Inglaterra, nem 2.201:000 francos, como a França. Eu sei.

Mas o projecto pode apenas 5:000$000 réis para adaptação do edificio o 11:000$000 réis para despesas annuaes, com o pessoal, alimentação, vestuario, etc.

Havemos de obter algum juro das quantias empregadas. (Apoiados).

E já que estou falando em principios economicos, permitta a Camara que abra um parentheses nas respostas ao discurso do illustrado parlamentar, o Sr. Queiroz Ribeiro.

Explico o motivo.

Quando hoje entrava nesta casa, foi-me entregue um jornal do norte do país.

Abri-o, e logo os meus olhos deram com um artigo, encimado pela epigrapho, em letras gordas: Casa de Correcção do Porta

Com receio que o não lesse, o seu auctor, que ignoro quem seja, riscou-o com grossos riscos de tinta vermelha.

Esteja descansado.

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24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Se quem o escreveu é esfervilhador de cousas politicas, escolheu mal o assumpto, que para isso se não presta.

Se os alvitres que apresenta, muito envolvidos em estravagantes commentarios, teem preterições, a Camara verá que são filhos de uma sciencia avariada e de pouco conhecimento do que se tem passado no nosso país.

Os alvitres, de natureza economica, reduzem se a dois:

1.° Que se podia fazer a separação completa de menores e adultos na propria cadeia do Porto, ou pela construcção de um appenso, mas em todo o caso sujeito todo o estabelecimento ao mesmo pessoal, ou levemente augmentado.

Alem de irrealizavel, era uma idéa prejudicialissima.

Temos um exemplo bem frisante.

Durante largos annos a França fez tentativas persistentes, mas sempre infructuosas, no sentido agora indicado.

Em vão se estabeleceram divisões; eram palliativos.

Não bastava que se pusessem letreiros, indicando que de um lado estava uma prisão para adultos, do outro uma casa de educação para menores.

Era louco imaginar-se que os empregados se despiam dos habitos de severidade e rudeza, quando passavam a lidar com menores.

Não menos louco era julgar-se sufficiente ordenar que o pessoal adquirisse conhecimentos especiaes e variadissimos, para a educação e regeneração de menores.

A hygiene era tambem, por esta forma, uma palavra sem significação. A pedagogia não era tida em conta.

E o que aconteceu em França?

Os actos de indisciplina, as punições, as reincidências, augmentavam de tal forma, que se comprehendeu o erro, e os pedidos para se criarem casas de correcção foram tão instantes, que o Governo não pôde resistir-lhes.

Sr. Presidente, retrogradarmos, não.

Pretender atrasar os resultados da sciencia, não, mil vezes não. (Apoiados).

2.º Que, caso se levasse por deante a idéa da casa de correcção do Porto, fosse entregue o assumpto á caridade e phylantropia, sem encargos para o Estado.

Lembra-se V. Exa. Sr. Presidente, do congresso de beneficencia, instituição nobilissima, presidido pelo bondoso Rei D. Luiz?

O Monarcha concedeu-lhe toda a protecção, toda; ao seu lado estavam os homens do nosso commercio, das finanças, industrias, burocracia, sciencias e letras.

Prestou serviços, por intermedio das commissões parochiaes?

Prestou, sem duvida, mas em breve desappareceu.

Conta-se que o saudoso Monarcha disse, com o maior dos pesares: «Congressos de beneficencia em Portugal não são verdades».

Não queiramos, pois, fazer uma experiencia, muito mais ousada ainda, com a certeza de maus resultados. (Apoiados).

Sr. Presidente: a razão que me levou a rebater estes alvitres é mostrar que nem um só dos argumentos apresentados nesta Camara, ou lá fora, contra o projecto, teem valor ou justiça. (Apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro insurge-se contra o artigo 1.° do projecto, querendo que as palavras «no districto administrativos sejam substituidas pelas seguintes: «na cidade do Porto ou suas proximidades».

Estabelecimentos d'esta natureza devem ficar em logar o mais apropriado e saudavel, e devem ser installados com todas as condições que a sciencia moderna, a hygiene e a saude dos menores reclamam.

Por isso mesmo não devo restringir-se a acção do Ministro, para conseguir esse fim, que é a base de um bom systema correccional, a mais do que fica restricta pelo citado artigo 1.°

Demais, o Sr. Queiroz Ribeiro foi incoherente comsigo proprio, porque, preconizando a necessidade de uma severa economia, devia concordar com este artigo, visto que assim o Sr. Ministro da Justiça tem mais facilidade de encontrar um estabelecimento já com alguma ou muitas das condições precisas, e por isso menos difficil se torna a adaptação, e menos dispendiosa por consequencia. (Apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro quer que se supprimam as palavras finaes do § 1.° do artigo 1.° «e no caso de não haver estabelecimento; fica o Governo auctorizado a construi-lo».

Não se prevenindo o caso de não haver estabelecimento que se possa adequar a esse fim, é facil darem-se duas hypotheses, cujas soluções são absurdas: 1.ª Não ha casa que possa adaptar-se convenientemente, o Governo não está auctorizado a construi-la, logo fica sem realização o projecto, embora votado pelo Parlamento; 2.ª Ha casa que se adapta, mal, e que fica em condições insuficientes, o Governo aproveita-a comtudo, por não estar auctorizado á construcção de uma, e assim fica com vicio de origem, logo de entrada sem satisfazer aos requisitos de um bom systema correccional. (Apoiados).

Mas, se o Sr. Queiroz Ribeiro ha pouco foi incoherente comsigo proprio, agora é incoherente com as idéas do seu partido.

Na proposta do Sr. Beirão, no artigo 11, dizia-se: «e, no caso de não haver edificios que se possam adaptar para casas de correcção dos districtos das relações do Porto e Ponta Delgada, fica o Governo auctorizado a construi-los».

Peço a attenção da Camara. É o artigo 11.º da proposta do Sr. Beirão.

E note-se que este artigo foi mantido pela commissão, que converteu a proposta no projecto de 5 de março de 1888, assignado por nomes insuspeitos para a minoria - e para nós todos - como os dos Srs. Conselheiro Antonio Candido, Eduardo José Coelho, Francisco Medeiros, Correia Leal, Albano de Mello, etc.

É ou não incoherente o Sr. Queiroz Ribeiro?

Parece-me que sim. (Apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro admirou se muito, muitissimo, por o Sr. Campos Henriques ter calculado em 5:000$000 réis a despesa para a adaptação do edificio, cedido pelo Estado, para a Casa de Correcção do Porto.

Disse S. Exa. que ou o Sr. Ministro já sabe qual é o edifício que ha-de servir, e nesse caso deve cominunicá-lo á Camara, ou então que base arbitraria tomou para o calculo!

Sabe qual foi, Sr. Queiroz Ribeiro?

Foi aquella que o illustre leader da minoria tomou em 1888. Tal e qual. (Apoiados).

Leia V. Exa. esse relatorio do Sr. Conselheiro Veiga Beirão e verá como o seu leader pedia 5:000$000 réis tambem para a installação de uma casa de correcção no Porto.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - O que eu digo é que o Sr. Ministro da Justiça, pedindo quantia certa, 5:000$000 reis, para esse fim, já deve saber qual é o edificio.

Qual é, pergunto eu?

O Orador: - É aquelle que se encontrar em melhores condições hygienicas, que for de mais facil adaptação e que melhor sirva para os fins correccionaes.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Mas como é que o Sr. Ministro da Justiça sabe de antemão que gasta 5:000$000 réis? Pode gastar mais ou menos, conforme o edificio.

O Orador: - E como é que o Sr. Conselheiro Beirão sabia em 1888 que, para o mesmo fim, podia calcular a mesma quantia de 5:000$000 réis?

Pergunte-lh'o S. Exa. (Apoiados).

Criticando o Sr. Campos Henriques censura implicitamente o Sr. Conselheiro Beirão.

Ora eu é que estou de acordo com ambos (Apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro queria que os menores de 10 annos tambem fossem internados na Casa de Correcção, e pergunta: onde é então o seu logar?

Respondo a S. Exa. É o asylo, que deve recolher es-

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sas crianças, e não o estabelecimento correccional. (Apoiados).

Uma voz: - Parece que temos um regime de protecção a menores completo! Então reformem-se, como no estrangeiro, os asylos e escolas...

O Orador: - Tenho pena de não ouvir o áparte todo, porque desejo sempre responder ao que me perguntam.

Respondo ao que ouvi.

Não temos um systema completo de protecção a menores, não, infelizmente.

Direi mais, nem as conhecidas recommendações que D. Pedro V fazia ao estadista Rodrigo da Fonseca Magalhães, sobre este assumpto, teem ainda realização!

Mas decerto a opposição não attribue essa falta ao actual Ministro da Justiça (Apoiados); julgo eu.

Quanto a asylos e escolas, eu concordo que precisam reforma e desenvolvimento.

A protecção a essas crianças deve ir desde a creche aos asylos e escolas, passando muitas vezes pelo asylo diurno e pela escola nocturna, cujo typo se pode ir buscar á America nas escolas livres de Miss Sophia Wright. (Apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro não concorda com o artigo 7.º do projecto, porque é um censuravel attentado ao poder paternal. Ora vamos a ver isto.

Quer a Camara saber o que diz o artigo tão incriminado?

Diz:

«Os paes ou tutores, que obtiverem o internato de seus filhos ou tutelados nas casas de detenção e correcção, poderão a todo o tempo retirá-los d'ali, se forem julgados aptos e idoneos, e estiverem em circumstancias de lhes darem educação conveniente».

Claro está que, se não são aptos nem idoneos, seria altamente condemnavel entregar-lhes os filhos. (Apoiados).

A sua protecção seria negativa o contraproducente. (Apoiados).

Quer a Camara saber quantos paes de menores teem sido privados do patrio poder pelos tribunaes do departamento da assistencia publica de oeste em França?

Oitocentos.

Quer saber alguns dos motivos?

Foram:

Embriaguez habitual;

Mau procedimento moral, notorio e escandaloso;

Attentados ao pudor, commettidos pelos paes sobre suas filhas legitimas;

Attentados contra o pudor de menores;

Ultrages publicos contra o pudor;

Instigação dos menores á devassidão;

Entrega das filhas à prostituição;

Incitação ao roubo;

Emprego dos menores na mendicidade habitual;

Maus tratos, sevícias graves, ameaças de morte feitas aos filhos;

Violação de menor pelo concubina da morte e com approvação d'esta;

Prostituição da mãe;

Entrega ao relaxe da mãe em presença dos filhos;

Abandono do domicilio conjugal pela mãe para viver com o amante, filho de seu marido;

Vadiagem e mendicidade;

Condemnações numerosas por furtos.

Que diria então o Sr. Queiroz Ribeiro, se o Sr. Ministro da Justiça apresentasse uma lei ao Parlamento, como a de 24 de julho de 1889, em França, a respeito de menores maltratados e moralmente abandonados, e como a de 19 de abril de 1898, do mesmo país, sobre a repressão dos actos de crueldade commettidos sobre os menores?

As leis de Inglaterra de 1866 (Industrial Schools Act) e de 1880 (Amendment Act) tambem são importantes sobre o assumpto.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Nos casos que V. Exa. citou os paes não eram idoneos, não é verdade? Pois bem, eu pergunto: e cá quem julga a idoneidade?

O Orador: - Respondo já, e até lhe agradeço os ápartes, creia V. Exa.

Quem julga da idoneidade? - pergunta S. Exa.

É o juiz.

O Sr. Campos Henriques, magistrado quando entrou pela primeira vez para os Conselhos da Coroa, e ainda hoje magistrado, e só magistrado, não consentiria num só artigo que cerceasse as attribuições, que a essa classe pertencem e devem pertencer.

Esteja S. Exa. d'isso bem certo. (Apoiados}.

O Sr. Queiroz Ribeiro não concorda tambem com a doutrina do artigo 8.°, que diz:

«Os reclusos condemnados em pena de prisão maior cellular, se esta não for integralmente cumprida antes de completarem dezoito annos de idade, serão removidos para alguma das cadeias penitenciarias, logo que attinjam aquella idade, para ahi terminarem a execução da pena, devendo previamente verificar-se se estão nas condições necessarias para supportarem o regime de clausura e isolamento cellular».

E não concorda, porque, estando um criminoso d'esses regenerado, não devia ir para a Penitenciaria. Foi o argumento de S. Exa.

Em primeiro logar, a gravidade da pena denuncia importancia do crime e difficuldade de emenda.

Em segundo logar, pode-lhe ser concedida a liberdade condicional, logo que tiver cumprido duas terças partes da pena, se não for reincidente, se tiver nota de irreprehensivel comportamento e se estiver habilitado para adquirir os meios de subsistencia. (Apoiados).

Em terceiro logar, se S. Exa. me figurar ainda uma outra hypothese, que raras vezes se pode dar, ou recorro tambem á solução correspondente, excepcional: perdão regio. (Apoiados),

O Sr. Queiroz Ribeiro pareceu-me não ter gostado da doutrina do artigo 18.°, § unico, que classificou de nova.

Afigura se-me de inteira justiça que a casa de correcção herde os bens do exposto ou abandonado, que nella houver dado entrada, só fallecer intestado e sem descendentes.

S. Exa. fez a declaração de que lhe desagradava o artigo, mas não basta dizê-lo; é preciso mais. (Apoiados}.

No que S. Exa. se alongou foi na affirmação do que era materia nova.

Não é, não. Está enganado o illustre parlamentar.

É a materia do artigo 292.° do Codigo Civil. É um esclarecimento d'esse artigo, para se cortarem as duvidas, a que elle dava logar nos tribunaes.

Digo mais a S. Exa.: esse artigo não estava na proposta primitiva; foi ahi introduzido por opinião do Conselho Superior Judiciario, composto de notabilidades juridicas do nosso pais, (Apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro não gostou da palavra intestado, não a achou juridica; chamou-lhe inovação.

Leia o artigo 292.° do Codigo Civil, e lá a encontra. (Apoiados).

Eu devo dizer á Camara que nunca imaginei que um projecto tão sympathico, pela idéa, e tão cuidadoso nas disposições e na forma, fosse assim mal recebido e criticado pelo Sr. Queiroz Ribeiro.

Incontestavelmente S. Exa. tem sido injusto, injustissimo, comquanto mais tenha evidenciado os recursos da sua intelligencia. (Apoiados).

S. Exa. entende que o artigo 16.° não está sufficientemente claro, o que precisam de explicação as palavras «se

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forem julgados corrigidos» e estas «se estes forem pessoas idoneas».

Vejamos.

O artigo 16.° está assim redigido:

«Os reclusos que terminarem a pena em que tiverem sido condemnados na Casa de Detenção e Correcção, se forem julgados corrigidos, os que tiverem completado vinte e um annos, ou que, ainda antes d'essa idade, forem julgados aptos para bem se reger e ganhar honradamente meios de subsistencia pelo seu trabalho, serão entregues a seus paes ou tutores, se estes forem pessoas idoneas e capazes, ou á commissão de patronato respectiva, que diligenciará collocá-los».

Então hesita S. Exa. sobre quem aprecia da correcção dos menores?

Di-lo claramente o artigo 15.°, nas palavras seguintes:

«Os menores que terminarem o tempo de internato nas casas de detenção e correcção e não forem pelo conselho disciplinar considerados como corrigidos.»

É o conselho disciplinar. Está clarissimo o projecto, como a Camara vê. (Apoiados).

Explicar as palavras do artigo 16.° «se forem pessoas idoneas»?

Não percebo, francamente.

Pois esta palavra «idoneas» não está na boa terminologia juridica?

Não a emprega, por exemplo, o Codigo Penal no artigo 49.°, etc., e não está em tantas outras disposições legaes?

Se fossemos assim a explicar palavras, fariamos a cada artigo um longo commentario.

Lembra-me dos meus tempos de estudante de latim, em que nós, os rapazes, para entrarmos com a Eneida de Virgilio ou com as Odes de Horacio, precisavamos do respectivo pae velho, como se chamava em linguagem escolastica.

O artigo está clarissimo. (Apoiados)

O Sr. Queiroz Ribeiro indignou-se contra o facto do Sr. Ministro da Justiça não determinar a separação dos diferentes menores, por secções, e concluiu a sua censura com esta phrase, textual: «Os depravados ficam juntos com os pequenos criminosos, mais pequenos na idade, ou mais pequenos quanto á gravidade do delicto».

O facto é inexacto, e bem o sabe S. Exa., melhor que eu.

As secções, a que se refere o artigo 12.° do projecto, hão de forçosamente ser divididas em classes especiaes, no respectivo regulamento, que é o logar proprio para se tratar do assumpto.

O regulamento da Casa de Correcção do Porto não pode ser differente do da Casa de Correcção de Lisboa, e aqui as secções dividem se em varias classes: segundo a depravação dos menores, segundo a gravidade do delicto, segando as suas idades. São os artigos 143.°, 147.°, 159.°, 179.°, etc. (Apoiados).

Não concordou o Sr. Queiroz Ribeiro com o principio, estabelecido no projecto, de que os corpos administrativos que requererem a admissão de expostos, abandonados e desvalidos, a seu cargo, que forem desobedientes ou incorrigiveis, obrigar-se-hão a subsidiar a sustentação dos ditos menores.

Eu só perderei tempo na defesa d'este principio, de todo o ponto justo, se S. Exa. me declarar que não acha boa alguma das disposições da lei de 22 de junho de 1880.

Declara-o V. Exa.?

(Pausa).

Não.

Ora nessa lei de 22 dde junho de 1880 lá consigna o mesmo principio, tal qual, o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro. (Apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro queria que o medico da cadeia do Porto fosse obrigado a visitar a Casa de Correcção, poupando-se assim uma despesa escusada. A cadeia do Porto não tem medico proprio.

S. Exa. esqueceu-se que por um contrato da Misericordia, que está em vigor, o seu medico é que vae visitar a cadeia; nada mais. (Apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro encontrou muitos defeitos no projecto, mas vantagens nem uma só citou á Camara. Nem uma!

Pois vou eu mostrar algumas.

A cifra da população nestes estabelecimentos é um ponto de importancia capital, e no entanto os trabalhos anteriores a este não marcam o numero maximo de internados.

Por o actual projecto o limite é fixado em 200.

Este numero está em harmonia com os conselhos dos competentes e com o exemplo das instituições modelares estrangeiras.

A influencia da disciplina e a facilidade de emenda estão na razão inversa da agglomeração.

O director d'estes estabelecimentos, disse Illing no Congresso de Stockholmo, «é um systema inteiro», e esse Congresso decidiu que o numero de menores, reunidos na mesma casa, devia ser limitado, de forma que quem dirige possa oocupar-se pessoalmente de cada um.

Na Inglaterra os effectivos d'estes estabelecimentos variam, em regra, entre 30 e 200.

Que eu saiba esta regra só tem ahi duas excepções: Feltham, que contém 700 reclusos, e Redhill 300, mas um e outro são divididos em secções completamente separadas, 4 em Feltham e 5 em Redhill, que formam outros tantos estabelecimentos distinctos e isolados.

Outra vantagem, importantissima, é a que permitte que os menores, postos á disposição do Governo, por virtude do preceito do artigo 3.° da lei de 22 de julho de 1880, que forem indigentes e não tenham habilitações profissionaes com que possam adquirir meios de subsistencia, e os condemnados pelo crime de vadiagem ou mendicidade, que estiverem nas mesmas condições, embora decorrido o tempo da pena applicada, continuem detidos até perfazerem a idade de 21 annos.

É justa, justissima, esta disposição.

Já o Sr. Conselheiro Manuel Pedro de Faria Azevedo, ornamento da magistratura portuguesa, dizia no relatorio, que em 31 de dezembro de 1876 dirigia ao Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça:

«A experiencia de quatro annos, que ha tanto tempo funcciona a Casa de Correcção, tem-me feito conhecer quaes podem ser os resultados beneficos d'este estabelecimento, logo que os menores se demorem o tempo bastante para aprenderem instrucção primaria elementar e adquirirem conhecimento de um officio, pelo qual possam obter meios de subsistencia».

Pensava S. Exa. com a maior sensatez.

Nem se diga, com uma sensibilidade piegas, que ninguém tem direito de augmentar uma pena por tempo maior do que os tribunaes marcaram.

Os menores, de que estou falando, indigentes, sem as habilitações profissionaes com que possam ganhar os meios de subsistencia, atirados assim para o mesmo meio social, inevitavelmente se tornariam delinquentes habituaes, mais ou menos perigosos. (Apoiados).

É uma violencia que se impõe? Não, mil vezes não. É a caridade, que tenta dar ao menor os elementos para poder tornar-se um cidadão prestante. (Apoiados).

É o prolongamento de uma pena, a que se obriga o menor?

Não. É a extensão do beneficio da educação e instrucção. (Apoiados).

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Outra vantagem do projecto.

Pela lei de 16 de junho de 1871 só eram internados na casa da correcção os menores condemnados em penas maiores, que ainda não tivessem 14 annos.

Era barbaro este systema, contrario a todos os bons principios. (Apoiados).

Admittir-se o principio de que, commettendo um crime sujeito a essa pena, desde que tivessem mais de 14 annos, soffreriam o regime de isolamento e de separação individual das prisões cellulares, ora atrophiar o desenvolvimento physico d'esses menores e impedir a propria transformação moral. Bem andou o Sr. Ministro da Justiça, a meu ver, seguindo o exemplo dado pela Belgica, e preceituando que sejam internados na casa de correcção os menores de 18 annos, que forem condemnados a prisão maior cellular. (Apoiados).

Bem andou tambem o Sr. Ministro da Justiça determinando que, na hypothese do artigo 8.°, chegando aos 18 annos, antes de passarem para alguma das penitenciarias se deve previamente verificar se estão nas condições necessrias para supportarem o regime de clausura e isolamento cellular. (Apoiados}.

Outra disposição proveitosa é a que permitte a transferencia dos menores das casas de correcção para a colonia agricola e vice-versa.

Assim, um menor internado numa casa de correcção, reclamando a sua saude trabalho ao ar livre, deve ser transferido para a colonia agricola; outro, filho de lavradores, pode ter a maxima relutancia para essa vida, e passa então para a casa de correcção, como experiencia das suas aptidões; outro, embora de uma comarca rural, não pertence a familia de agricultores, devendo ir para a casa de correcção, por lhe ser talvez de utilidade aprender o officio dos seus; e, como estes, muitos outros casos se podem dar. (Apoiados).

Outro preceito de utilidade é o que determina a completa separação dos menores delinquentes conscientemente ou desobedientes e incorrigiveis, dos que o não são, ou apenas commettem o delicto de vadiagem ou de mendicidade.

Esta separação faz-se no mesmo estabelecimento, obtemperando á necessidade de uma severa economia.

Devo com tudo confessar á Camara que o meu desejo seria que se criassem casas de preservação e regeneração, distinctas das correccionaes. (Apoiados).

E já que me refiro a este ponto, aproveito a occasião para prestar a homenagem do meu respeito a algumas instituições nobilissimos do nosso país, como á officina de S. José do Porto, dirigida pelo benemerito Sebastião de Vasconcellos, a quem um aos mais notaveis escriptores modernos, num seu trabalho interessante, chama o D. Bosco de Portugal; á officina de S. José de Braga, que tão importantes serviços presta, o tem prestado desde a sua fundação, como o fez ver o meu saudoso amigo Jeronymo da Cunha Pimentel numa sessão da Camara dos Pares de 1893; ainda ao Collegio de Regeneração do Bom Pastor. Infelizmente podem apenas albergar um pequeno numero de reclusos, para o que era preciso.

Uma innovação introduzida pelo regulamento da Casa do correcção de Lisboa, approvado pelo decreto de 10 de setembro de 1901, diz respeito aos prefeitos.

Os guardas, como elemento auxiliar educador, eram incompetentes e até prejudiciaes.

Longos annos o mostraram. A necessidade de se criarem os logares de prefeitos impunha-se. Foi um serviço prestado.

O actual projecto mantem o mesmo principio e determina que cada trinta menores tenha o seu prefeito.

Aqui só tenho a notar que se attendeu talvez de mais as exigencias de economia. Era mais conveniente que, como no typo Mettray, houvesse um prefeito por cada 15 menores, O mesmo succede na Suissa.

Mas agora me lembro que, se assim ao fizesse, incorria-mos na censura do Sr. Queiroz Ribeiro. (Apeados).

Essas entidades são mestres dos reclusos, os seus guias, os seus companheiros, os seus confidentes até, não raras vezes, e por isso importantissima é a acção que podem e devem prestar para a conversão dos menores.

Por isso, e muito bem, se lhes exigem outros requisitos quo aos antigos guardas.

Os mais notaveis escriptores sustentam que devem ser preferidos para os logares de prefeitos individuos, que saibam exercer os profissões ministradas nas casas de correcção, «para que façam amar o trabalho aos menores, seus companheiros constantes, mais pelo exemplo que pelos discursos».

A este principio attende o artigo 23.°, § 2.°, do projecto.

Por estes motivos dizia ou, no principio do meu discurso, que este trabalho está elaborado, em todos os seus detalhes, segundo os ensinamentos da sciencia moderna e conforme as indicações dos competentes. É a verdade. (Apoiados).

O Sr. Dr. Francisco de Medeiros, ao abrir este debate, disse, muito a medo, que a obra era util, mas... e a este mas seguiram-se as restricções á concessão feita.

Ora sabe a Camara quaes eram as palavras, que eu julgava que o Sr. Medeiros proferiria?

Eram aquellas que em 1888 S. Exa. dirigiu ao Sr. Conselheira Veiga Beirão, por este illustre estadista pensar na criação de uma casa de correcção no Porto.

Eu imaginava que S. Exa. se voltaria para o Sr. Ministro da Justiça e lhe dedicaria as mesmas palavras, com as mesmas virgulas, com os mesmos pontos, que em 1888 consagrara ao Sr. Beirão.

Eram estas:

«Nobilitam-se os homens publicos e adquirem inquestionavel direito á benemerencia ao país os Ministros, que d'esta forma -era criando uma casa de correccçao no Porto, note a Camara - e devotadamente se esforçam em dar satisfação ás mais imperiosas necessidades de ordem publica. Abendiçoados os trabalhos de todos os que lidam nesta santa cruzada da educação correccional da juventude, desviada do caminho recto, que todos cooperam numa obra de civilização, de humanidade e dg justiça, que aproveitará principalmente ás classes populares, ás mais desvalidas da fortuna. Bem hajam».

Bem hajam, digo eu tambem. (Muitos apoiados).

Sr. Ministro da Justiça1, estas palavras, que para outro foram escriptas pelo Sr. Medeiros em 1888, reclamo-lh'as, pertencem a V. Exa. (Muitos apoiados).

Eu esperava que o Sr. Medeiros, um magistrado recto, num impulso de justiça, viesse manifestar no Parlamento o seu grande sentimento por o seu partido não ter procurado dar realização a esta idéa, que S. Exa. tão boa achava em 1888.

Esperava ainda que S. Exa. censurasse o seu partido energicamente, como em 1888 condemnava os Governos atrasados, por julgar que o projecto passava com certeza, no que se enganou.

Dizia o Sr. Medeiros:

«Chega a causar desalentos que continue a durar mais tempo ainda o actual estado de cousas de nas cadeias d'este país viverem em commum, na mesma ociosidade enervadora, os criminosos de toda a especie, ainda os da mais ruim, com umas pobres crianças que um destino negro e mau arremessou tambem para lá, respirando todos a mesma atmosphera envenenada, dormindo em promiscuidade na mesma enxerga e debaixo dos mesmos farrapos, e aprendendo estes a mesma desoladora perversão que tornou emeritos aquelles.

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Miseravel situação esta! Lamentemo-la pelos menores delinquentes, que, se teem a obrigação ao expiar as suas culpas, tambem tinham direito á protecção das leis, que nas actuaes cadeias lhes preparam uma escola de desmoralização. Lamentemo-la pelo país, que a tolera e sustenta desvairadamente, deixando perverter, em detrimento proprio, com o dinheiro do povo os filhos do povo.

Por sua parte fez o Governo o que lhe cumpria para acabar com esse deploravel estudo de cousas».

Entrou esse projecto em discussão?

Renovou o partido progressista a sua iniciativa, visto que voltou ao podar?

Vão, pois, essas palavras do Sr. Medeiros aos Governos a quem forem applicaveis.

A este decerto não. (Muitos apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro perguntou se fica revogado o artigo 143.° do Codigo Civil.

Revogado não. O prazo de um mês é que fica ampliado.

Comprehendia o Sr. Queiroz Ribeiro que o filho desobediente e incorrigivel, a que se refere o artigo 143.° do Codigo Civil, pudesse ter regenerado no prazo de trinta dias?

Não, decerto. (Apoiados). E não estamos nós no Parlamento?

Tambem o Sr. Queiroz Ribeiro aconselhou que se devia inserir um artigo neste projecto, para que os reclusos mais distinctos ajudassem os professores, no desempenho dos seus cargos.

Não vou contra a opinião de S. Exa., mas essa disposição não pode ter logar no projecto que discutimos. É assumpto para o regulamento respectivo. (Apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro censurou o augmento do pessoal, que julgou escusado.

Ora comparemos o projecto do Sr. Beirão com este.

[Ver tabela na imagem ]

Projecto do Sr. Conselheiro Beirão Projecto actual

Vemos, pois, a mais apenas os logares do prefeitos e de um escripturario. Não são absolutamente indispensaveis?

São. (Apoiados).

Eu já manifestei a minha opinião sobre os prefeitos.

Por isso, só duas palavras mais.

A necessidade da criação d'estes logares impõe se:

1.°, pela demonstração de longos annos da incompetencia dos guardas, para os fins de auxiliares educadores; 2.º, pela illustração que é necessaria para estudar os differentes typos de menores, contribuindo para a sua moralização por meios adequados e variadissimos; 3.°, porque estas entidades, que constantemente estão com os reclusos, devem ser educadores com todas as qualidades e responsabilidades que essa difficil missão exige.

Note-se que o numero de guardas, que tambem são precisos, para fim differente, diminuiu pelo actual projecto.

Quanto ao escripturario.

Já na proposta do Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo existia este logar com o nome de amanuense.

Pois quem ha de fazer a escripturação das officinas e de todos os mais serviços da casa?

Quem ha de tratar do archivo da escripturação feita durante o anno?

Quem ha de fazer toda a correspondencia official, que deve ser assignada pelo director, que não pode multiplicar-se?

Quem ha de tratar do archivo de todos os livros findos, correspondencia recebida, etc.?

Francamente, nem um amanuense ou escripturario!

Mais modesto não pode ser o pessoal. (Apoiados).

Finalmente, o Sr. Queiroz Ribeiro instou com o Sr. Ministro da Justiça para que dedique a sua attenção a um trabalho sobre patronato

Lembro ao illustre parlamentar que a tenção do Sr. Campos Henriques de tratar do assumpto está manifestada no artigo 14.º do projecto.

Se todavia o Sr. Queiroz Ribeiro tem muita pressa, eu comprometto-me a apresentar immediatamente um trabalho meu, que tenho feito, sobre o assumpto, com uma unica condição: - de S. Exa. me garantir que o defende quanto a subsidiarem-se devidamente essas instituições.

Concorda?

(Pausa).

S. Exa. sorri-se, cala-se, não concorda com a menor despesa, embora indispensavel.

Esbanjamentos, desperdicios, etc., seriam palavras com que S. Exa. havia de receber o trabalho. (Apoiados).

Lembre-se do que, muito sensatamente, dizia Campi no Parlamento Italiano:

«É necessario que no principio o Governo soccorra materialmente as instituições de patronato».

Defendia um subsidio, que foi votado, e o Ministro de então respondia que o seu desejo era poder elevá-lo a 100:000 liras. Nos orçamentos de differentes países lá se encontram quantias avultadas para este fim; por exemplo em alguns da França 120:000 francos.

E necessario regular se este assumpto em Portugal, o adherirmos depois á organizarão internacional saida do congresso de Anvers, que reunirá todos os povos civilizados numa solidariedade do bem contra a miseria, a immoralidade e o crime. (Apoiados).

Sr. Presidente: e agora, manifesto o meu vivo desejo para que se não fava, esperar uma providencia tendente a prevenir e a reprimir a criminalidade das raparigas menores, por meio de um estabelecimento correccional apropriado.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Mais despesas ainda!

O Orador: - Mais um aparte, a que...

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Mais um áparte, porque V. Exa. disse que até agradecia os ápartes. Tenho-os feito com auctorização de V. Exa.

O Orador: - É exacto. Tem-me V. Exa. dado a honra dos seus ápartes, e eu tenho-os na mais alta conta.

Ia eu dizendo: mais um áparte, a que posso responder facilmente.

Qualquer despesa que se fizer, no sentido indicado, será largamente compensada.

De mais, este meu desejo é o do partido progressista, expresso pela penna auctorisada do Sr. Francisco Medeiros. É uma medida indispensavel.

Não só a prostituição augmenta prodigiosamente, por falta de um regime educativo, mas a energia criminosa feminil, que dantes quasi só apparecia aos trinta annos, tende a manifestar-se em baixas idades.

A hora está a terminar; de muito pouco tempo mais posso dispor.

Parece-me ter respondido, um a um, a todos os argumentos do illustre Deputado, o Sr. Queiroz Ribeiro. (Apoiados).

Julgo ter cumprido o meu dever. (Apoiados geraes).

Sr. Presidente: vou concluir as minhas modestas considerações.

Guilherme II dizia a Lurieu: «Ide ver as nossas colonias de beneficencia, admirae esses monumentos de trabalho, de sacrificios e de dedicações, mas não vos deixeis

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SESSÃO N.º 26 DE l DE MARÇO DE 1902 29

seduzir, perguntas tambem por que preço estão, e informae depois o Governo Francês».

Que nós possamos dizer aos estrangeiros, depois da obra correccional do Sr. Ministro da Justiça - aos estrangeiros que, a tal respeito, ainda em 1898, tanto nos censuravam: - vedo os nossos estabelecimentos correccionaes, analysae-os bem, o informae os vossos Governos do que com tão pouco dinheiro, país algum faz mais.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado pelos Ministros presentes e por todos os Deputados da maioria e da minoria).

O Sr. Clemente Pinto: - Mando para a mesa um parecer das commissões reunidas de instrucção superior e especial, saude publica e de fazenda, sobre a proposta de lei n.° 19- A, que tem por fim a organização do ensino de pharmacia.

Foi a imprimir.

O Sr. Antonio Cabral: - Sr. Presidente: consinta-me V. Exa. que eu, seguindo muito gostosamente a velha praxe d'esta casa, antes de iniciar as minhas modestas e breves considerações, felicito o illustre orador, que acaba de falar, pela sua estreia, que foi realmente auspiciosa (Apoiados). S. Exa. falou não só com uma correcção verdadeiramente notavel, mas, por vezes, chegou a ser eloquente, e manifestou dotes parlamentares que não estou habituado a ver em oradores que falam pela primeira vez no Parlamento. Prezo-me de ter relações com o Sr. Conde de Castro e Solla, e S. Exa. tem sido de uma tão grande amabilidade para commigo, no desempenho das suas funcções publicas, que eu aproveito esta occasião para lhe dizer que foi com verdadeiro prazer que assisti á sua estreia que ninguem, com verdade, poderá deixar de classificar de brilhante.

É pois. dever meu, felicitar S. Exa. e não é com intuitos lisonjeiros que o faço, porque nunca fui nem preciso de ser lisonjeiro, mas porque toda a Camara viu que, na verdade, foi uma estreia notavel.

E agora permitta me a Camara que eu responda, muito rapidamente, ao discurso de S. Exa., porque a hora está adeantada, e, a este proposito, não posso deixar de notar, de estranhar muito fundamente, que haja semelhante pressa em discutir e votar este projecto. Que pressa é esta? Para que foi necessario prorogar a sessão, até se votar o projecto, mal se iniciava a sua discussão? Não comprehendo!

Começarei, Sr. Presidente, por dizer que, nas actuaea circumstancias do Thesouro, projectos de lei que envolvam augmento de despesa não devem ser apresentados a esta Camara (Apoiados), e o augmento da despesa d'este projecto já foi demonstrado pelo Sr. Francisco de Medeiros e pelo Sr. Queiroz Ribeiro, nos seus substanciosos discursos.

Faz-se isto, Sr. Presidente, quando os credores externos nos batem á porta!

Quer a despesa seja pequena, quer seja grande, não se deve votar este projecto, que, nas circumstancias actuaes do país, é verdadeiramente inadmissivel.

Disse o Sr. Conde do Castro e Solla que em Inglaterra se haviam votado não sei que projectos de lei que traziam um enorme augmento de despesa. S. Exa. não se lembra, porem, que a Inglaterra é um país riquissimo, ao passo que Portugal tem sido levado pelo Governo á miseria e á ruina.

Tambem o Sr. Conde de Castro e Solla disse que o projecto do Sr. Beirão, que criava as casas de correcção, igualmente trazia augmento de desposa.

Mas noto S. Exa. que a pequena despesa que trazia o projecto do Sr. Beirão, era para a respectiva installação, e uma cousa é uma despesa para installação de um estabelecimento penal, outra é a que se estabelece no artigo 28.° do projecto actual. Alem d'isso, as circumstancias do país eram, em 1888, muito diversas das actuaes. (Apoiados}.

Não concordo que a Casa de Correcção que estabelece o projecto, seja instituida em qualquer ponto do districto do Porto. Acho que deve ser estabelecida na propria cidade do Porto ou nos arrabaldes. E, sobre este ponto, mando para a mesa uma emenda.

O Governo não devo ficar tambem auctorizado a construir o edificio necessario para a Casa de Correcção, pois
que já se viu como elle abusou das auctorizações que lhe foram concedidos pelo Parlamento, sendo, pois, capaz agora do, com essa construcção, gastar quantias fabulosas.

De forma alguma podia eu, portanto, dar o meu voto approvativo a uma clausula d'esta natureza.

E depois, ficará o edificio da Casa de Detenção fora da cidade do Porto ou sem suburbios desde que no projecto se diz «que será installada em qualquer dos edificios do Estudo, existentes no mesmo districto ...» Imagine V. Exa., Sr. Presidente, que o Sr. Ministro da Justiça arranja um edificio nos ultimos confins do districto do Porto.

Como quer, V. Exa. que os menores se transportem de tão longe para o Porto, quando for necessario fazer-lhes perguntas ou proceder a todas aquellas diligencias em que intervem o reu e que teem de se fazer num processo crime?! Isto é perfeitamente um contrasenso! (Apoiados).

Não quero, Sr. Presidente, com respeito aos menores que tenham de ser internados na Casa de Correcção, tocar alguns pontos a que se referiram outros oradores, como por exemplo aquelle que diz respeito a continuarem os menores detidos até perfazerem a idade de 21 annos. Sobre isto limito-me, pois, a mandar para a mesa uma emenda.

Ainda ha uma outra disposição do projecto com que não posso concordar: é a que diz respeito ao modo de se fazer a concessão de liberdade condicional aos detidos, O artigo 5.° estabelece que o conselho disciplinar poderá conceder a liberdade condicional aos menores; e o artigo 11.º determina que ao Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça compete a concessão da liberdade condicional e sua revogação, quando os reclusos estejam em cumprimento de pena imposta por qualquer crime!...

O Sr. Ministro da Justiça, que é juiz, de forma nenhuma podia attentar contra as prerogativas da sua classe (Apoiados). S. Exa. com esta disposição attenta contra as attribuições do poder judicial, que é o unico a quem compete conceder a liberdade condicional. Não se pode admittir isto! (Apoiados).

Vamos a outro ponto. Diz o projecto, no artigo 16.°:

1.° «Os reclusos quo terminarem a pena em que tiverem sido condemnados na Casa de Detenção e Correcção, se forem julgados corrigidos...»

Não sei quando são julgados corrigidos esses reclusos. Não se explicam claramente estas palavras e é necessario fazê-lo.

2.° «Os quo tiverem obtido a emancipação e aquelles que tiverem completado 21 annos, serão entregues a seus paes ou tutores, se estes forem pessoas idoneas...»

Oh! Sr. Presidente, então um juiz de direito, um jurisconsulto, como é o Sr. Ministro da Justiça, não se envergonha de incluir no seu projecto esta determinação- de que um individuo, depois de completar 21 annos ou de ser emancipado, ha de ser entregue a seus paes!?... Então um individuo que tem completado 21 annos ou que está emancipado, tem porventura de ser entregue ao pae ou tutor, como determina o artigo 16.°?!... Isto é extraordinario, isto não cabe na cabeça de um alumno de R, do primeiro anno de direito! E comtudo o Sr. Ministro da Justiça commette um erro d'esta natureza!!...

O artigo 16.° do projecto muito claramente diz:

(Leu).

Então um individuo que attinge a idade de 21 annos

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30 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tem de ser entregue á commissão de patronato ou ao pae ou tutor? Se elle tem legalmente os seus direitos, se attingiu a maioridade, a Casa de Correcção não tem de o entregar a ninguem, tem simplesmente de o pôr em liberdade e depois elle que se governe. Pois o Sr. Ministro da Justiça, jurisconsulto, juiz de direito, commette um tal erro juridico?

E depois estes pães ou tutores por quem é que são julgados pessoas idoneas? Disse-nos o Sr. Conde de Castro e Solla que pelo juiz. Mas onde está isso determinado no projecto? Eu quero que na lei se determinem as condições em que os paes ou tutores podem receber os reclusos menores, mas os que forem menores, porque os emancipados ou os de 21 annos é disparate maior de marca. (Apoiados}.

Eu não quero, Sr. Presidente, que se entreguem os menores a paes ou tutores que tenham sido condemnados como co-autores nos crimes de que esses menores foram accusados, pois é inadmissivel que tendo o pae commettido um crime, untamente com o menor, e o menor tendo sido, por esse crime, internado na Casa de Correcção, quando saia seja entregue a um pae nestas condições. Mais ainda: pode-se entregar um menor a um pae que tenha sido auctor ou cumplice de um crime commettido contra o menor? Supponha V. Exa. que contra um menor se commette o crime de incitação ao deboche, como infelizmente muitas vezes succede e nós presenceamos ahi por essas ruas de Lisboa. Pois ha de se entregar o menor a esse pae, que foi o causador da sua entrada na Casa de Correcção? Eu quero que isto fique bem explicado na lei, não quero este dizer vago: pessoa idonea e capaz; é preciso que se diga quem ha de julgar esta idoneidade. (Apoiados). Quero mais; quero que a esses paes ou tutores que abandonam os seus filhos ou tutelados, elles lhes não sejam entregues á saida da Casa de Correcção. Então um pae abandona um filho e depois ha de se ir entregar-lh'o? Aos que nunca exerceram sobre o menor a vigilancia devida, que não lhe ministraram educação nem os meios de ganhar a vida, ha de tambem entregar-se o menor á saida da Casa de Correcção?

É um contrasenso, com que não posso concordar. Aos tutores ou paes que forem tidos como mal comportados ha de se lhes tambem entregar o menor? Não pode ser!

Disse o Sr. Ministro da Justiça que esses não são idoneos nem capazes. Mas por quem são julgados? É necessario fazer um processo, inquirir testemunhas para saber se estão nas condições de lhes serem entregues os filhos?

Mas vamos a mais.

O artigo 22.° diz o seguinte:

(Leu).

Em que consistem estas recompensas e premios? São pecuniarios?

Sem limitação de quantia, não posso concordar com esta disposição do projecto, porque V. Exa. viu, Sr. Presidente, que um dos pontos que toquei, quando se discutiram os abusos das auctorizações parlamentares, commettidos pelo Governo, foi o de haver, no regulamento da colonia de Villa Fernando, e da Casa de Correcção de Lisboa, disposições pelas quaes se podem dar aos reclusos e empregados gratificações pecuniarias e premios sem limitação de quantia. Contra essa faculdades me insurgi então.

Portanto, desejo que neste projecto se estipule a quantia d'esses premios e gratificações pecuniarias.

O § 4.° do artigo 25.°, diz o seguinte:

(Leu).

Cá estamos outra vez no mesmo erro, que já notei quando me referi, ha dias, ao regulamento da Casa de Detenção de Lisboa e colonia de Villa Fernando: «haverá o pessoal necessario». De forma, que o Sr. Ministro da Justiça fica auctorizado a metter na Casa da Correcção o pessoa que quiser!

V. Exa. sabe perfeitamente como o Sr. Ministro da Justiça faz politica, e portanto já pode calcular que para essa Casa de Correcção do Porto haverá necessidade de um exercito de empregados e lá os metterá S. Exa.

Portanto, não posso tambem concordar com esta disposição.

Com as disposições dos artigos 28.° e 29.°, já disse as razões porque não posso concordar. São augmentos de despesa intoleraveis nas actuaes circumstancias do país. (Apoiados).

Agora quero responder a dois ou tres pontos do discurso do Sr. Conde de Castro e Solla.

S. Exa. disse que o maior elogio que se tinha feito ao regulamento da Casa de Correcção de Lisboa tinha sido feito por mim, sub-director da Penitenciaria e representante do Governo Português no Congresso Penitenciario de Bruxellas, ha dois annos, porque tinha apontado apenas leis ou tres erros insignificantes.

Em primeiro logar, agradeço as palavras amaveis que Exa. me dirigiu, mas devo dizer, que esses dois erros que apontei poderiam multiplicar-se, se eu porventura analysasse esse regulamento debaixo de outro ponto de vista; mas eu declarei então á Camara, com toda a sinceridade, que só examinaria o decreto que approvara o regulamento da Casa de Detenção de Lisboa, debaixo do tonto de vista do abuso das auctorizações parlamentares.

Se me referisse a outros pontos d'esse regulamento, quantos erros podia notar; mas só o examinei, repito, debaixo do ponto de vista do abuso das auctorizações parlamentares e nada mais.

Se eu quisesse notar outros erros, tinha muito onde cavar: são innumeros.

Só apontei dois disparates, porque me pareceram de tal forma risiveis, que não podia deixar de os indicar, sorrindo. São elles os que dizem respeito á lavagem dos pés dos reclusos e á embriaguez dos empregados menores.

Realmente estão abaixo de toda a critica!...

Referiu-se ainda o Sr. Conde de Castro e Solla a uma questão que não quero deixar de tratar, embora muito ligeiramente. Foi quando S. Exa. disse - em resposta ao meu illustre amigo, o Sr. Queiroz Ribeiro, que tinha affirmado que o artigo 18.° do projecto attentava contra o Codigo Civil - ser esse artigo a reproducção exacta do Codigo Civil.

Então estamos a fazer uma segunda edição do Codigo Civil? (Apoiados). Se esta disposição está no Codigo Civil, para que vamos repeti-la aqui? (Apoiados).

Disse S. Exa. que era para tirar duvidas, porque esse artigo do Codigo Civil tem dado logar a questões, e sobre elle tem visto muitos acordãos do Supremo Tribunal de Justiça. Se esta disposição do Codigo Civil tem dado logar a duvidas, tambem o artigo do projecto levantará duvidas iguaes, por isso que é a reproducção exacta do Codigo Civil. Portanto, os resultados hão de ser os mesmos. (Apoiados).

O Sr. Conde de Castro de Solla: - Agora fica decidida a assistencia, relativamente a estes estabelecimentos.

O Orador: - Mas se no artigo do projecto veem reproduzidas as mesmas palavras do artigo do Codigo Civil, o Sr. Ministro da Justiça faz uma segunda edição d'esse Codigo, de modo que S. Exa. como illustre sub-director da Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, ha de ter o mesmo trabalho com os innumeros acordãos d'esse tribunal a que se referiu, por isso que hão de frequentemente levantar-se duvidas suscitadas pelo artigo 18.° do projecto. (Apoiados).

Eis, muito em resumo, os motivos e as razões pelas quaes não concordo com o projecto. Iria mais longe se não fosse a estreiteza da hora, e eu não quero abusar da paciencia da Camara, cuja amavel attenção desde já agradeço.

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A razão principal por que não concordo com o projecto é pelos augmentos de despesa que trás. (Apoiados).

O Sr. Ministro da Justiça algumas vezes é de uma economia verdadeiramente espantosa, outras vezes não tem duvida de gastar bastos contos do réis. A este respeito vou referir um facto que mo recordou o Sr. Condo de Castro e Solla, quando disse que eu tinha representado o Governo Português no Congresso Penitenciario de Bruxellas.

Effectivamente tive essa honra, pois fui, á minha custa, representar o Governo nesse congresso.

Depois do meu regresso recebi um officio do illustre Presidente do Congresso, um cavalheiro respeitavel em toda a extensão da palavra, em que me perguntava quantos exemplares das actas do Congresso desejava adquirir o Governo Português, visto que se tinha feito representar nesse Congresso. Quer dizer: não duvidava de que o Governo quisesse receber alguns exemplares das netas, o que perguntava era quantos exemplares queria o Governo.

Fui entender-me com o illustre Director Geral da Secretaria dos Negocios da Justiça, o sr. Conselheiro Abreu Gouveia, que alem de ser um funccionario distinctissimo, zeloso e cumpridor dos seus deveres, é ,um cavalheiro a quem nos honramos de apertar a mão. (Apoiados).

Expus-lhe o assumpto e S. Exa. ficou de me dar a resposta. No dia seguinte, disse me S. Exa. que o Sr. Ministro da Justiça tinha duvidas em ficar com os exemplares das actas do Congresso de Bruxellas, por que isso trazia despesa; e que lhe respondera que não queria exemplar algum!

Disse-lhe eu que me parecia que os exemplares custariam apenas 20 francos, o que era uma verdadeira insignificancia. Tornou-me a responder que o Sr. Ministro da Justiça tinha duvidas em ficar com os exemplares das actas.

Pasmei e pedi ao Sr. Director Geral dos Negocios da Justiça, que fizesse ver ao Sr. Ministro em que triste situação deixava o seu país e o Governo, que só fizera representar oficialmente no Congresso Penitenciario.

O Presidente do Congresso perguntou com quantos exemplares ficava o Governo Português, porque não punha em duvida que este quisesse ficar com alguns, e por isso desejava saber quantos queria. Depois d'isto o Sr. Ministro da Justiça devia dizer que não queria nenhum? Isto era uma vergonha, era o mesmo que repudiar o Governo a sua representação official naquelle Congresso. Ficou o Sr. Abreu Gouveia de falar novamente com o Sr. Ministro da Justiça sobre o assumpto. Voltei no dia seguinte ao gabinete de S. Exa. e vi que, pelas instancias do Sr. Director Gorai, o Sr. Ministro se resolvera a adquirir alguns exemplares das actas do Congresso. Quer V. Exa. saber Sr. Presidente, quantos requisitou o Sr. Ministro? Quatro!!

Que ridicularia! Que modo de proceder! Que comprehensão dos seus deveres de Ministro!

Eu entendo que das actas do Congresso deviam vir exemplares para os estabelecimentos penaes, para as procuradorias regias, para a Direcção Geral de Justiça, para as Relações, para a Penitenciaria, etc., pois S. Exa. mandou vir apenas quatro, que custaram, creio eu, a insignificancia de 20 francos cada um!
Ora quando S. Exa., num caso internacional, procedo com esta economia, estranho agora que venha trazer no Parlamento um projecto em que augmenta a despesa publica em tantos contos de réis.

Terminando aqui as minhas considerações, Sr. Presidente, declaro que a razão principal por que não concordo com esto projecto, é a de elle trazer augmento de despesa.

Mando para a mesa as minhas emendas, e a commissão as apreciará e fará d'ellas o que entender.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. donde de Castro e Solla: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeira que se vote o assumpto, sem prejuizo das emendas, que irão á commissão. = Conde de Castro e Solla.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Não ha mais nenhum Sr. Deputado inscripto.

Vae votar-se.

Primeiro vae ler-se a moção do Sr. Medeiros.

(Leu-se).

O Sr. Veiga Beirão: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro votação nominal sobre a proposta de adiamento apresentada pelo Sr. Deputado Medeiros. = F. Beirão.

Não foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae votar-se a moção do Sr. Medeiros.

Foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vae votar-se a moção do Sr. Queiroz Ribeiro.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que eu retire a minha moção.

Foi permittido.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 1.° do projecto para se votar.

Leu-se e foi approvado.

Sem discussão, foram successivamente approvados os restantes artigos.

O Sr. Presidente: - A proxima sessão é na segunda feira á hora regimental.

A ordem do dia é a mesma que vinha dado para hoje e mais os projectos n.ºs 18 e 19.

Está levantada a sessão.

Eram 7 horas e 30 minutos.

Representações enviadas para a mesa nesta sessão

Do official da diligencias da administração, continuo e zelador da Camara Municipal do concelho da Lourinhã, pedindo que lhes sejam applicaveis as disposições dos artigos 373.° e 374.°, n.ºs 2.° e 3.º do Codigo Administrativo.

Apresentada pelo Sr. Deputado Manuel Fratel e enviada á commissão de administração publica.

Dos amanuenses paleographos, escripturarios, porteiro, continuos e serventes do Real Archivo da Torre do Tombo, pedindo que sejam equiparados aos seus collegas da Bibliotheca Publica, obtendo assim melhoria de vencimentos.

Apresentada pelo Sr. Deputado Francisco Beirão, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do Governo.

O redactor = Barbosa Colen.

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