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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

27.ª SESSÃO

EM 10 DE NOVEMBRO DE 1906

SUMMARIO. - Lida a acta, o Sr. Dr. João de Menezes faz uma declaração de voto, o é em seguida approvada. - Tem segunda leitura um projecto de lei que é enviado á commissão de fazenda. - O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schrõter) communica que foi assinado o contrato dos tabacos. - O Sr. Alfredo Pereira requer, e a Camara approva, a reunião da commissão de artes e industrias durante a sessão. - O Sr. Conde de Paçô-Vieira requer a copia de uns documentos do Ministerio da Marinha.- O Sr. Dr. João de Menezes justifica as faltas.- O Sr. Manoel Fratel faz diversas considerações sobre a Conferencia de Bruxellas, respondendo-lhe o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luis de Magalhães).- O Sr. Moreira de Almeida chama a attenção do Governo para diversos casos de ordem internacional e interna, respondendo-lhe os Srs. Ministros dos Negocios Estrangeiros (Luis de Magalhães) e Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schroter).- O Sr. Henrique Couceiro propõe, e á Camara approva, que sejam aggregados á eommissão de guerra os Srs. Deputados João Augusto Pereira, Macedo Ortigão e Figueiredo Mascarenhas.- O Sr. Mario Monteiro faz diversas considerações sobre a questão das carnes. - Os Srs. Rolla Pereira e Marques Leitão enviam para a mesa duas participações e os Srs. João Pinto dos Santos, Antonio Cabral e Abel Andrade apresentam requerimentos, que se mandam expedir.

Ordem do dia - Projecto de lei n.° 13. O Sr. relator Augusto Prazeres apresenta duas emendas, que são admittidas, e o Sr. Conde de Paçô-Vieira faz um requerimento, que é rejeitado. Em seguida usa da palavra, combatendo o projecto, o Sr. Alberto Navarro, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schroter).- Depois do Sr. Ministro Fazenda fala o Sr. Conde de Castro e Solla, e fica com a palavra reservada o Sr. Augusto Prazeres, relator.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Thomaz Pizarro de Mello Sampaio

Secretarios os Exmos. Srs.:

Julio Cesar Cau da Costa
Francisco Alberto Mendonça de Sommer

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 10 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 horas e 45 minutos da tarde.

Presentes - 53 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Adolpho da Fonseca Magalhães da Costa e Silva, Adriano Accacio de Madureira Beça, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Alfredo Candido Garcia de Moraes, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alfredo Pereira, Antonio Carlos Coelho de Vasconcellos Porto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Gomes Netto, Antonio José da Silva Cabral, Antonio José Teixeira de Abreu, Antonio Maria de Avellar, Antonio Maria de Oliveira Bello, Antonio Mendes de Almeida, Antonio Rodrigues Nogueira, Augusto Patricio dos Prazeres, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Barão de S. Miguel, Carlos Augusto Pinto Garcia, Conde de Agueda, Conde de Paçô-Vieira, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Driesel Schrõter, Fernando Augusto de Carvalho, Fernando de Carvalho Moraes de Almeida, Francisco Alberto Mendonça de Sommer, Francisco Cabral Metello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Gaspar de Abreu Lima, Guilherme de Sousa Machado, Henrique Mitchell de Paiva Couceiro, João Augusto Pereira, João Augusto Vieira de Araujo, João Baptista Pinto Saraiva, João Franco Pereira de Mattos, João Pereira de Magalhães, João Pinto Rodrigues dos Santos, João da Silva Carvalho Osorio, Joaquim Heliodoro da Veiga, José Cabral Correia do Amaral, José Joaquim de Castro, José Lages Perestrello de Vasconcellos, José Mathias Nunes, José Sebastião Cardoso de Menezes Pinheiro de Azevedo Bourbon, Julio Cesar Cau da Costa, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis O'Neill, Luis Pizarro da Cunha Portocarrero (D.), Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão, Ruy de Andrade, Salvador Manoel Brum do Canto e Thomaz Pizarro de Mello Sampaio.

Entraram, durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Braga, Alfredo Ferreira de Mattos, Alfredo Silva, Alvaro da Silva Pinheiro Chagas, Annibal de Andrade Soares, Antonio Homem de Gouveia, Antonio Luis Teixeira Machado, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Masziotti, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Soares Franco Junior, Antonio Tavares Festas, Aristides Moreira da Motta, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Carlos Adolpho Marques Leitão, Carlos Alberto Lopes de Almeida, Carlos Augusto Pereira, Carlos Fuzeta, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde da Arrochella, Conde de Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Diogo Domingues Peres, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Guilherme Ivens Ferraz, Henrique Maria Cisneiros Ferreira, Jayme Julio de Sonsa, João Baptista Ferreira, João Carlos de Mello Barreto, João Correia Botelho Castello Branco, João Duarte de Menezes, João Ignacio de Araujo Lima, João Lucio Pousão Pereira, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos, Joaquim Hilario Pereira Alves, João de Abreu do Couto de Amorim Novaes, José de Abreu Macedo Ortigão, José Augusto Moreira de Almeida, José Bento da Rocha e Mello, José da Cunha Rolla Pereira, José de Figueiredo Zuzarte Mascarenhas, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Malheiro Reymão, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José de Oliveira Soares, José Simões de Oliveira Martins, José Teixeira Gomes, Julio de Carvalho Vasques, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis Cypriano Coelho de Magalhães, Luis José Dias, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manoel Antonio Moreira Junior, Manoel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Mario Pinheiro Chagas, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Pereira Coutinho (D.), Paulo de Barros Pinto Osorio, Thomaz de Almeida Manoel de Vilhena (D.) e Vicente Rodrigues Monteiro.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Affonso Augusto da Costa, Agostinho Celso de Azevedo Campos, Alvaro da Silva Simões, Anselmo de Assis Andrade, Antonino Vaz de Macedo, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Centeno, Antonio José de Almeida, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio de Mello Vaz de Sampaio, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Carlos Augusto Ferreira, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Carlos Botelho Moniz, Francisco Augusto de Oliveira Feijão, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João, Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Isidro dos Reis, Joaquim Ornellas de Mattos, José Domingues de Oliveira, José Julio Vieira Ramos, José Maria de Andrade, José Paulo Monteiro Cancella, Luis da Gama, Manoel Duarte, Thomaz de Mello Breyner (D.) e Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 27 DE 10 DE NOVEMBRO DE 1906 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Leu-se a acta.

O Sr. João de Menezes (sobre a acta): - Se estivesse presente teria votado contra o projecto que cria o Supremo Conselho de Defesa Nacional.

Posta a acta á votação foi approvada.

Segunda leitura

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 63-C, por mim apresentado na sessão n.° 84, de 8 de junho de 1900, ao qual foram juntos seis documentos.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, aos 9 de novembro de 1906. = O Deputado, J. A. Ferreira da Fonseca.

Foi enviado á commissão de fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É concedida a D. Anna Rosa Ferreira Brandão, filha do faljecido capitão Ezequiel Antonio Ferreira Brandão, gravemente ferido em combate, uma pensão mensal de 12$000 réis.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 4 de junho de 1900. = Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Vou inscrever os Srs. Deputados que quiserem usar da palavra antes da ordem do dia.

(Pausa).

É lida a inscrição.

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schroter): - Communico á Camara que, nos precisos termos da autorização que foi dada ao Governo, foi ante-hontem assinado o contrato dos tabacos, e que vem publicado hoje no Diario do Governo.

Q Sr. Alfredo Pereira: - Peço a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se permitte que durante a sessão, reuna a commissão de artes e industrias.

Aproveito estar com a palavra para declarar a V. Exa. que lancei na caixa uma petição do alferes reformado do ultramar Antonio Vicente Duarte Scharnichia, sobre melhoria de situação.

Foi autorizada a reunião da commissão de artes e industrias.

O Sr. Conde de Paçô-Vieira: - Sr. Presidente: mando para a mesa um requerimento pedindo que pelo Ministerio da Marinha me seja enviada com urgencia copia dos relatorios feitos pelo Sr. engenheiro director technico do Arsenal da Marinha, sobre as reparações dos navios de guerra D. Carlos e Adamastor.

Sei que o primeiro está em New-Castle, nos estaleiros da casa Armstrong, a soffrer reparações que importam em 280:000$000 réis, e o segundo em Genova, nos estaleiros da casa Criando, para o mesmo effeito, tendo sido já autorizada a despesa de 80:000$000 réis. São verbas muito importantes para poderem ter sido autorizadas sem rigorosa inspecção dos navios e estudo previo das obras a fazer, e por isso estou convencido de que no relatorio do Sr. Mancellos Ferraz virão justificadas, pelo que desejo a copia, para as discutir.

Não comprehendo como é que tendo nos um Arsenal dirigido por um profissional, que dizem ser distincto, seja preciso enviar para o estrangeiro os navios que precisam as mais pequenas reparações.

Quando se discutir o orçamento terei occasião de criticar com largueza a má orientação que o Governo tem tido e que este facto accentua. Parece-me espantoso que não tenha havido verba para concluir o cruzador D. Amelia, que ha tanto tempo occupa o dique do Arsenal, obrigando assim o Governo a despender com os navios que tiverem de entrar na doca Hersent, e na doca de Cacilhas, desde 30 de agosto do anno passado até agora, perto de réis 10:000$000 e haja verba de 280:000$000 réis e mais 80:000$000 réis para as casas inglesas e italianas. Se o Arsenal não serve, se os seus engenheiros não teem competencia profissional, feche-se. Mas desde que isso senão faz, então utilize se. Ter um Arsenal, despender com elle sommas consideraveis e reconhecer que elle é inutil, isso é que. não é admissivel.

Termino aqui as minhas considerações, mandando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que pelo Ministerio da Marinha me seja enviada copia dos relatorios do Sr. engenheiro director technico do Arsenal, sobre as reparações que estão sendo feitas nos navios de guerra D. Carlos e Adamastor. = Conde de Paçô-Vieira.

Mandou-se expedir.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Schroter):- Pedi a palavra para dizer ao illustre Deputado o Sr. Conde de Paçô-Vieira que transmittirei ao meu collega da marinha ás considerações que S. Exa. acabou de fazer.

O Sr. João de Menezes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar a V. Exa. que faltei a algumas sessões d'esta camara por motivo justificado, e para pedir a V. Exa. que insista pela remessa dos documentos que requeri relativos ás obras dos palacios reaes.

Lamento, Sr. Presidente, que não esteja presente o Sr Ministro das Obras Publicas, porque se S. Exa. aqui estivesse, convidá-lo-hia a acompanhar-me num passeio de trem desde a estação de Odemira até á villa, para S. Exa. poder apreciar o estado em que se encontram esses 22 kilometros de estrada.

O Sr. Manoel Fratel: - Sr. Presidente: no principio d'esta semana eu dirigi, nos termos do regimento, ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, algumas perguntas acêrca dos resultados da Conferencia de Bruxellas, mas até agora nenhuma resposta recebi.

No entretanto eu não teria duvida em declarar que dispensava agora a resposta, se S. Exa. se compromettesse a remetter á Camara o mais breve possivel, por exemplo, até o fim do corrente mês, o Livro Branco sobre esse assunto.

Não se trata, Sr. Presidente, de fazer um ataque ao Governo nesta questão, porque o partido regenerador, no cumprimento do seu programma, não hostiliza este ou outro qualquer Governo, em questões como esta.

Mas não posso comtudo deixar de fazer um reparo aos louvores que o Governo a si proprio decreta e ás hosanas que entoa pelos resultados da Conferencia, de Bruxellas.

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4 DIARIO DA CAMAEA DOS SENHORES DEPUTADOS

Isto recorda um facto que ha annos succedeu. O Sr. Patriarcha viajava; e nessa viagem teve a infelicidade de partir uma perna. Pois numa terra do norte cantou-se um Te-Deum em acção de graças por Sua Eminencia ter partido uma só perna e não as duas.

É exactamente o que se dá agora com o resultado da Conferencia de Bruxellas:

Nos soffremos ali uma fractura pelo que respeita á provincia de Moçambique, em que a elevação dos direitos sobre o álcool passa de 70 a 100 francos por hectolitro.

Entra o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Estava-me referindo ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros na sua ausencia, porque o Governo estava representado; mas, como S. Exa. acaba de entrar na sala, vou repetir o que tinha dito.

Na segunda feira passada enviei para a mesa umas perguntas por escrito ao Sr. Ministro acêrca da Conferencia de Bruxellas. Não tendo até agora obtido resposta, estava dizendo que a podia dispensar se o Sr. Ministro se compromettesse a remetter á Camara, dentro de um curto prazo, que podia ser até o fim do mês, o Livro Branco sobre o assunto, tanto mais que vi no Diario que já tinha sido enviado o convenio assinado em 3 de fevereiro.

Se o Sr. Ministro dos. Negocios Estrangeiros se compromette a mandar-me esse Livro Branco até o fim do mês eu dispensava a sua resposta ás minhas perguntas.

Disse que estranhava que o Governo se louvasse a si proprio e entoasse hymnos pelos resultados colhidos na Conferencia de Bruxellas, quando nos soffremos gravemente em relação á provincia de Moçambique, pois que se eleva de 70 a 100 francos o direito por hectolitro de alcool; e devo ainda dizer que, se Angola não soffreu agora cousa alguma é porque já tinha soffrido o mais possivel em 1899. (Apoiados).

Portanto os nossos interesses não soffreriam mais se os direitos sobre o alcool não fossem aumentados em Moçambique, ou se diminuissem em Angola. (Apoiados).

Não venha o Governo argumentar com as outras nações, porque os interesses d'ellas são diversos dos nossos. As outras nações o que pedem é a elevação dos direitos, visto que pretendem introduzir os seus productos nas nossas colonias e tentam consegui-lo por esta forma.

Toda a gente sabe que o alcool representa para Angola o mesmo que o cacau representa para S. Thomé, e o mesmo que a borracha e o marfim para o Estado Livre do Congo. Elias conseguem tudo quanto desejam, nos não.

O interesse das outras potencias era que fosse elevado esse direito; mas o nosso interesse era exactamente o contrario.

Eu faço justiça, e tenho a certeza de que, tanto o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros como o nosso Ministro em Bruxellas, como ainda o nosso delegado technico se empenharam em conseguir o maior numero de vantagens possiveis para o seu país; mas, por isso mesmo, a minha estranheza é muito grande de que o Governo cante hymnos em seu proprio louvor, porquanto é sabido que as nações estrangeiras estão bem informadas acêrca do que se passa entre nos, e podem mais tarde, quando lhes convier, invocar as opiniões do Governo Português.

Mais uma vez repito, eu dispensarei a resposta immediata do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, se S. Exa. mandar o Livro Branco até ao fim do mês, tanto mais que, segundo a imprensa periodica o convenio já chegou.

Vozes: - Muito bem. ...

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luis de Magalhães): - Sr. Presidente: já depois do Sr. Fratel ter feito as suas perguntas vim á Camara para lhe responder, mas S. Exa. não estava presente, e eu não sabia se S. Exa. queria a minha resposta por escrito ou verbalmente.

A minha resposta é a seguinte: á primeira pergunta do illustre Deputado, se os productores de alcool na provincia de Angola a quem é feita a restituição de 30 francos por hectolitro, são obrigados a transformar as suas fabricas em fabrica de producção de açucar, e se o são, em que condições teem de o fazer; se por outro lado esta disposição é só applicavel aos concelhos do litoral ou tambem aos do interior.

Eu devo dizer que isto é apenas uma faculdade com que, o Governo fica para estabelecer um regime especial em Angola, a fim de se transformarem as fabricas, e por ora ainda não está determinado como este regime se ha de estabelecer.

O Sr. Manoel Fratel: - Mas V. Exa. diz-me claramente se o Governo é obrigado a isto?

O Orador: - É apenas uma faculdade de que o Governo pode usar.

O Sr. Manoel Fratel: - O que eu queria que S. Exa. me dissesse é a razão por que em vez de se dizer desde logo que o alcool em Angola ficava pagando 70 francos, se diz que paga 100 francos havendo a compensação.

O Orador: - Quando vier o Livro Branco hão dê ser conhecidos os motivos d'esta disposição.

O Sr. Manoel Fratel: -E o Livro Branco quando vem?

O Orador: - É uma pergunta a que eu não posso responder desde já. Não posso tomar para com o illustre Deputado o compromisso de o mandar até o fim do mês, porque não sei se haverá tempo de se publicar. Em todo o caso empregarei todos os esforços para que elle venha o mais rapidamente possivel.

(Interrupção do Sr. Manoel Fratel).

O Orador: - V. Exa. percebe que ha uma parte a que o Governo não pode responder, podendo no entanto assegurar que se salvaguardarão todos os interesses criados pela agricultura, porque para isso o Governo envida todos os esforços.

O Sr. Manoel Fratel: - O que eu queria era que se obrasse de modo que em vez de 100 francos se pagassem 70.

Era por isso que eu desejaria que se conhecessem as conclusões da conferencia.
S. Exa. sabe que, quando se tratou da outra Conferencia, a França e a Allemanha logo trataram de reduzir as taxas para o Dahomey.

Porque se não trata agora de obter o mesmo para Angola?

O Orador: - Indirectamente assim o obtivemos, como S. Exa. terá occasião de apreciar quando forem trazidas á Camara as conclusões da Conferencia.

Quanto á ultima pergunta que S. Exa. me fez, a respeito da disposição que estava incluida nos artigos 1.° e 2.° da convenção de 1899, essa proposta está
inscrita, ipsis verbis, no artigo 1.° do actual protocollo.

Dizem os jornaes que elles já tinham chegado a Lisboa, mas eu ainda não tenho conhecimento official. Hontem, ainda não tinha chegado; hoje, ainda não sei.

O que eu affirmo a S. Exa. é que a reposta foi mandada hontem á sessão terminal e que se assinou.

Quanto ao Livro Branco, já respondi a S. Exa.

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SESSÃO N.º 27 DE 10 DE NOVEMBRO DE 1906 5

Devo agora dizer que o Governo alguma razão tem para se lisonjear, por isso que se desejaria muito mais do que obteve, muito obteve entretanto. Não foi o Governo que encetou as negociações sobre esta grave questão; estavamos presos por compromissos tomados em 1890 e em 1899 e haviamos de ir a esta Conferencia no mesmo espirito das anteriores e o que succedeu foi sermos o unico país que saiu d'ella com um regime de excepção, emquanto outros que a tinham ficaram obrigados aos 100 francos.

Esta victoria parece-me que alguma cousa representa, e se S. Exa. me permitte appello para o testemunho insuspeito de alguns jornaes, mesmo do seu partido, o Diario Popular, por exemplo, que ha dias dizia que seria de justiça pedir estrictas contas dos actos do Governo, mas que seria preciso tambem reconhecer que alguma cousa tinha feito a favor da provincia de Angola.

O Sr. Moreira de Almeida: - Podia fazer agora algumas considerações em resposta ao que disse o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, mas, como em breve virá o Livro Branco, então tratará do assunto e muito folgará se aquelle livro desfizer a impressão vaga que o resultado da conferencia de Bruxellas lhe deixou no espirito.

Por agora apenas pergunta se o Governo mantém o regime das avenças em Angola e Moçambique.

Trata-se de um negocio interno, que nada tem com os assuntos internacionaes, e as avenças podem attenuar os inconvenientes do regime estabelecido.

Chama, pois, para este ponto a attenção dos Srs. Ministros dos Negocios Estrangeiros e da Marinha.

Aproveita o uso da palavra para se referira um assunto de bastante importancia.

O Diario, de Noticias publica hoje um telegramma de Buenos Aires dizendo que um periodico d'aquella capital informa que se deu um conflicto entre o Ministro dos Negocios Estrangeiros da Republica Argentina e o nosso representante o Sr. Constancio Roque da Costa, que foi severamente increpado por aquelle Ministro.

Sem entrar no assunto, que é melindroso, unicamente pergunta ao Sr. Ministro dos Negocies Estrangeiros o que ha a este respeito.

Parece-lhe o assunto muito grave, porque o Sr. Constancio Roque da Costa é nosso representante, e as censuras que recaiam sobre elle, recaem tambem sobre o país que representa.

Manda para a mesa uma representação dos funccionarios do municipio de Bragança, pedindo que seja substituido o Codigo Administrativo actualmente em vigor, no sentido de se melhorar a situação d'aquelles funccionarios.

Pede em seguida aos Srs. Ministros presentes que previnam o Sr. Ministro do Reino de que deseja tratar de um assunto de que já se occupou o Sr. Abel Andrade. Refere-se ao professor Eduardo Monteverde, que tendo feito um concurso brilhante para os Instutos Industriaes e tendo sido nomeado para estes institutos, foi afastado do Lyceu de Braga, a despeito da proposta do respectivo conselho escolar.

Tambem deseja que o Sr. Ministro da Marinha seja prevenido de que pretende chamar a sua attenção para a necessidade de se resolverem ás duvidas que se levantaram a respeito de dois agricultores diplomados que pretenderam ir a um concurso na Escola Colonial.

Antes de terminar deseja fazer, uma pergunta ao Sr. Ministro da Fazenda. Corre no publico o boato de que um agente de uma casa bancaria partiu para o estrangeiro a tratar de um emprestimo mais ou menos relacionado com o negocio dos tabacos.

Entende que quaesquer tentativas para uma operação financeira de qualquer ordem é neste momento inconveniente; mas, se alguma operação tem de se fazer, deve ser separada do negocio dos tabacos.

Espera, portanto, que o Sr. Ministro da Fazenda diga o que ha a este respeito.

Por ultimo, pede ao Sr. Presidente que inste com o Sr. Ministro do Reino para que lhe envie os documentos que requereu pela Direcção Geral da Instrucção Publica.

(O discurso será publicado na integra e em appendice quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luis de Magalhães): - O illustre Deputado Sr. Moreira de Almeida perguntou ao Governo qual a sua orientação com relação ao regime do alcool em Angola. Quanto ás avenças em Angola e Moçambique, nada posso dizer por emquanto, porque é um assunto que depende do regulamento a estabelecer.

O que todavia posso affirmar a S. Exa. é que estou disposto a conceder todas as facilidades possiveis.

Relativamente ao telegramma a que o illustre Deputado se referiu, publicado no Diario de Noticias, não tenho conhecimento official d'elle; só o conheço por o ter lido tambem no mesmo jornal.

Telegraphei para Buenos Aires a pedir informações e pode o illustre Deputado ter a certesa de que havemos de manter, em toda a parte o respeito que devem merecer os representantes do Governo e do país.

Devo ainda dizer que transmitti as considerações de S. Exa. aos Srs. Ministros da Marinha e do Reino.

Foi autorizada a publicação no "Diario do Governo" da representação mandada para a mesa pelo Sr, Deputado Moreira de Almeida.

O Sr. Paiva Couceiro (por parte da commissão de guerra): - Tenho a honra de mandar para a mesa a seguinte

Proposta de aggregação

Proponho para serem aggregados á commissão de guerra os seguintes Srs. Deputados: João Augusto Pereira, José de Abreu Macedo Ortigão e José de Figueiredo Zmzarte Mascarenhas. = O Deputado, Henrique Couceiro.

Lida na mesa e posta á votação foi approvada.

O Sr. Ministroda Fazenda (Driesel Schrõter): - Perguntou o illustre Deputado Sr. Moreira de Almeida se se estava tratando qualquer operação financeira pois que lhe constava estar alguem por parte do Governo tratando d'esse assunto no estrangeiro.

Devo declarar a V. Exa. e á Camara que ninguem está incumbido de tratar quaesquer assuntos financeiros no estrangeiro com referencia ao Governo Português.

Devo ainda acrescentar, por me parecer que S. Exa. ligava as suas considerações ao facto da entidade financeira a que alludio me ter procurado no Ministerio da Fazenda, que essa entidade falou commigo sobre variados assuntos, mas nenhum d'elles por qualquer forma tinha ligação com assuntos financeiros.

O Sr. Mario Monteiro: - Pedi a palavra porque desejava fazer ligeiras considerações na presença dos Srs. Ministros do Reino e das Obras Publicas.

Como não está presente nem o Sr. Ministro do Reino nem o Sr. Ministro das Obras Publicas, a quem eu desejava dirigir-me, vejo-me forçado a fazer as minhas considerações mesmo na ausencia de S. Exa., pedindo aos Srs. Ministros presentes a fineza de transmittirem a S. Exas., especialmente ao Sr. Ministro do Reino, as considerações que vou ter a honra de apresentar á Camara.

O assunto que desejo tratar refere-se á maneira como

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tem sido cumprido e interpretado o contrato para o fornecimento das carnes verdes á cidade de Lisboa.

Ha tres annos que o actual regime se acha em vigor, e teem sido tantas as illegalidades e os abusos praticados por parte do arrematante das carnes verdes, tolerados e consentidos por parte da Camara Municipal, que só pela circunstancia de não termos tido de facto systema representativo, se explica que não se trnlia levantado no Parlamento uma voz para tratar esta questão.

Sr. Presidente: o regime actual foi estabelecido para garantir aos consumidores boas carnes e á lavoura portuguesa a venda das suas rezes por um preço remunerador. Note V. Exa. que eu estou fazendo umas ligeiras considerações para mostrar a importancia do assunto.

O consumo annual de rezes em Lisboa é aproximadamente de 30:000.

Ainda ha poucos dias vi publicada num jornal uma estatistica do gado consumido em Lisboa.

(Leu).

O consumo de Lisboa representa a terça parte do consumo do gado em todo o país. Portanto o consumo de Lisboa é o mais importante de tudo quanto o país consome. Comprehende, pois, a Camara quanto é importante para a lavoura o mercado de Lisboa, (Apoiados).

Pretendeu-se no contrato feito com o arrematante garantir á lavoura os seus interesses, dando-lhe o consumo da capital, mas o resultado foi contraprudecente. O regime de liberdade existente anteriormente ao contrato estabelecia a concorrencia dos compradores de gado que compareciam nas feiras, para fazerem os seus fornecimentos á capital, o que originava a elevação dos preços, e d'ahi uma vantagem para a lavoura nacional.

Com o monopolio o arrematante ficou só em campo e compra nas feiras como muito bem quer, porque está livre de qualquer concorrencia, de maneira que hoje o preço das rezes bovinas na maior parte dos concelhos do Alemtejo, Beira Baixa, Algarve, etc., tem baixado extraordinariamente.

O arrematante das carnes na capital faz o que muito bem quer, zombando do contrato, da camara municipal, do Estado e da lavoura nacional.

A tolerancia para com esse homem é tal, que na minha qualidade de português me envergonho de que um simples particular, um simples cidadão offenda por esta maneira os interesses do Estado, tripudiando, zombando á vontade do municipio, do Estado, das autoridades administrativas e emfim de todos os poderes do Estado. (Apoiados).

São os particulares ricos que devem primeiro que tudo cumprir as leis.

Pelo contrario, os criadores de rezes torinas teria o direito de abastecer, por intermedio da Camara Municipal, o mercado de Lisboa, e aqui é que começa toda a chicana, e para illudir e pôr de parte os criadores, começa-se por considerar que não ha era Portugal criadores de rezes torinas.

O caso tomou taes proporções escandalosas que a imprensa se referiu a elle com palavras de inteira justiça, censurando profundamente o procedimento do arrematante.

A imprensa já está cansada de tanto tratar d'este assunto, e hoje leva o caso a rir.

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que faltam apenas 5 minutos para se passar á ordem do dia.

O Orador: - Como V. Exa. sabe, o arrematante, é obrigado a importar rezes estrangeiras, unicamente quando em Portugal não haja sufficientes para o consumo.

Pois apesar d'isto, o arrematante a todo o instante, passando por cima do contrato, importa rezes estrangeiras, havendo grande numero de portuguesas.

Este e os outros Governos anteriores teem descurado este assunto, que é de grande interesse nacional.

Devo sobre este ponto fazer uma resalva.

Constou ha pouco que o Sr. Presidente do Conselho ia tornar providencias energicas para que o contrato fosse cumprido.

S. Exa. fez constar os seus desejos ao arrematante.

Durante algum tempo os jornaes disseram que essas disposições de S. Exa. eram cumpridas pelo arrematante, mas em breve os mesmos jornaes diziam que o arrematante agora ainda fazia peor do que antigamente, que até se considerava elle o unico com direito de ver quem eram os criadores portugueses.

Foi depois da intervenção do Sr. Presidente do Conselho, que mais audaciosamente se affirmou o criterio do arrematante.

Não pretendo, nem é minha intenção, nem está no meu temperamento e nem é o meu sentimento, fazer questão politica; sou mesmo avesso a estas questões mesquinhas de politica pela politica, mas entendo que temos nesta casa o direito, a obrigação, e mais do que isso, o dever indeclinavel de tratar as questões de interesse nacional.

Affianço, portanto, que não pretendo nesta questão pôr a nota politica, nem pôr em menos preço o cuidado, os trabalhos, a boa vontade do Sr. Presidente do Conselho; pretendo simplesmente, denunciando factos abusivos, chamar a attenção do Ministerio para elles.

É necessario que por parte do Governo haja fiscalização junto da camara municipal, para que se acautelem todos os interesses por melhor maneira do que foram acautelados até agora.

Mas ha ainda uma outra razão. E que o Sr. Presidente do Conselho está amuado com uma disposição do Codigo Civil que pode perfeitamente lembrar á Camara.

Mas, Sr. Presidente, o que é preciso é que de uma vez para sempre se ponha cobro a tantas illegalidades e abusos praticados, e que a camara municipal, no uso das attribuições que lhe confere o Codigo Civil, ponha fora o arrematante.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Rolla Pereira: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Sr. Presidente: Tenho a honra de participar a V. Exa. e á Camara que lancei na caixa de petições um requerimento de José Manoel Brás de Sá, facultativo de 1.ª classe do quadro de saude de Moçambique, reformado, pedindo a melhoria da sua reforma em coronel. Para o pedido, que acho justo, chamo a attenção dos meus collegas da referida commissão. = José da Cunha Rolla Pereira.

Para a secretaria.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que com a maxima urgencia me sejam enviados os mappas remettidos pelas diversas direcções externas, dependentes do Ministerio das Obras Publicas, á Direcção Geral do mesmo Ministerio, em virtude da ordem de serviço n.° 524, ou de outras quaesquer ordens, respeitantes ao pessoal jornaleiro attingido pelo artigo 3.° do decreto de 15 de junho proximo passado. = João Pinto dos Santos.

Mandou-se expedir.

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SESSÃO N.° 27 DE 10 DE NOVEMBRO DE 1906 7

O Sr. Marques Leitão: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. que se acha constituida a commissão de artes e industrias, que escolheu para presidente o Sr. Alfredo Pereira e a ruim para secretario. = O Deputado, Carlos Adolpho Marques Leitão.

Para a secretaria.

O Sr. Antonio Cabral: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada com toda a urgencia nota de todos os adeantamentos de ordenados, ou de qualquer natureza, feitos a funccionarios publicos, com especialização de nomes e empregos, desde 20 de março de 1906 até 20 de maio do mesmo anno. = Antonio Cabral.

Mandou-se expedir.

O Sr. Abel de Andrade: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requisito:

Copia de quaesquer informações, que justificaram a exoneração de regentes dos professores Agostinho Cesar de Moura e Frederico Antonio de Andrade do quadro das escolas do Porto. = Abel de Andrade.

Requisito 3 exemplares do relatorio apresentado pelo inspector da 2.ª Circunscrição Escolar do Reino. É documento impresso. = Abel de Andrade.

Requeiro que, pela respectiva Direcção, se declarem os motivos por que não tem sido enviados a esta Camara, nos termos do artigo 119.° do regulamento de 31 de agosto de 1881, o Relatorio e declarações de conformidade dos ultimos annos, apesar de estarem impressas e revistas as respectivas provas typographicas. = Abel de Andrade.

Mandaram-se expedir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 13

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.°

O Sr. Augusto Prazeres (relator): - Apresento as seguintes emendas:

Proposta de additamento ao n.° 1.° do artigo 47.°:

§ unico. No regulamento a commissão procurará harmonizar os preceitos da lei com as organizações dos serviços dos correios e telegraphos, dos caminhos de ferro do Estado, obras do porto de Lisboa, tanto no que respeita ás suas contabilidades especiaes como ao ordenamento provisorio de fundos por antecipação, e ainda á admissão e retribuição do pessoal que seja urgente admittir antes da reunião das Côrtes, por virtude da abertura ao publico de novas estações de caminhos de ferro ou telegrapho-postaes. = Augusto Prazeres.

Proponho que na parte final do artigo 1.° se substituam as palavras -"que fazem parte d'este projecto" pelas "annexas a esta lei". = Augusto Prazeres.

Foram admittidas.

O Sr. Conde de Paçô-Vieira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que as emendas apresentadas pelo Sr. Relator sejam impressas e distribuidas, para ficarem opportunamente em discussão com o projecto. = Conde de Paçô-Vieira.

Rejeitado.

O Sr. Alberto Navarro: - Diz que o projecto é a primeira pedra angular do edificio que o Sr. João Franco sepropõe erguer; é uma das bases fundamentaes do plano em que assenta a nossa reorganização financeira, politica e até moral, a que vem restabelecer de uma vez para sempre o inviolavel respeito pela lei, a severa economia na administração publica, a estricta fiscalização dos dinheiros publicos e o justo e devido predominio parlamentar!

O justo e devido predominio parlamentar precisamente no momento em que o Governo arranca aos membros do poder legislativo a liberdade que a Constituição lhes outorga!

O inviolavel respeito pela lei, exactamente no momento em que o Governo rasga de novo a Constituição!

A severa economia na administração precisamente quando se talham largos benesses e se criam logares inuteis e escusados, e se aumentam as despesas!

A estricta fiscalização da dinheiros publicos no mesmo momento em que se arranca a fiscalização a um tribunal autonomo e independente, para a entregar a um funccionario da nomeação do Governo e da sua confiança, e a quem são commettidas funcções tão discricionarias que fica sendo uma instituição!

Fiscal de si mesmo, de todos os directores geraes, do Ministro de que é subordinado, de todos os Ministros, emfim, este funccionario parece a segunda encarnação do Sr. João Franco, pois que, como elle, tudo faz e tudo evita, tudo sabe e tudo fiscaliza, tudo pode e tudo endireita!

Efficaz ou não, tinhamos nós um systema de contabilidade, logicamente deduzido, scientificamente modelado e razoavelmente executado.

Ha muito, porem, que se dizia que era absolutamente necessario cerrar mais as malhas da fiscalização, apertar era limites mais estreitos as faculdades dos Ministros, e o Sr. João Franco e os seus marchaes, nas conferencias, nos discursos nesta casa, e nos artigos da imprensa preconizavam a indispensabilidade de mudar o systema e começar a governar á inglesa.

Será com este projecto que se quer iniciar esta governação á inglesa? Será por meio d'elle que o Sr. João Franco vem introduzir no país as instituições fiscaes britannicas?

Não, porque o. projecto não é uma adaptação do systema inglês, não é mesmo uma imitação, d'elle; é, quando muito, um arremedo, uma grosseira parodia d'aquellas instituições, das quaes procurou apenas a forma externa, transformando-lhe e abastardando-lhe a estructura e as linhas geraes.

O projecto, tal como vem, rasga a Carta, abate o prestigio parlamentar, illude a fiscalização e reproduz disposições que já existem nas nossas leis ha muito tempo.

Rasga a Carta, porque sendo absoluta e illimituda, no artigo 15.° a faculdade que os membros do poder legislativo teem para fazer leis, quer aumentem quer diminuam as despesas, a prohibição de apresentarem durantea discussão do orçamento propostas que o aggravem, representa um attentado contra aquella disposição. Attentado tanto mais grave quanto é certo que, tratando-se de faculdades dos poderes do Estado, trata-se de materia constitucional, que só pode ser modificada por Côrtes Constituintes.

Chamada para este ponto a attenção da Camara, quando discutiu a resposta ao discurso da Coroa, a commissão manteve-o quand mame, mas julgou preciso justificá-lo.

Essa justificação é curiosa e demonstra a inconstitucionalidade da doutrina.

Em argumentos tirados da nossa legislação e em motivos extrahidos da legislação externa se apoia a commissão. Em argumentos e motivos, não em sophismas tão transparentes que caem por si, sem necessidade de analyse,

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sendo apenas para assombrar a coragem com que a illustre commissão, sem ideia de offensa o diz, se não peja de os apresentar a uma assembleia illustrada.

É o primeiro, que tal já existe no artigo 63.° do regulamento de contabilidade publica de 1881.

É falso. O que existe é a prohibição para o Governo, na confecção do orçamento de alterar quadros, vencimentos e serviços publicos ou leis que tal autorizem.

É evidente que, sendo o orçamento o rol das receitas e despesas autorizadas, não pode o Governo, que não tem faculdades legislativas, alterar essas leis, ampliá-las ou restringi-las. Ha de regular se pelas leis votadas.

Mas o que nada prohibe nem pode prohibir é que o Governo por occasião da discussão do orçamento, ou em outra qualquer, possa exercer a sua iniciativa, propondo quaesquer alterações as leis existentes.

Allega-se ainda, com uma audacia que não trepida na inversão de todos os principios que a disposição do projecto é apenas a regulamentação do artigo 15.° da Carta.

Como pode affirmar-se tal enormidade?!

Pois se a Carta concede aos membros das Camaras ampla liberdade para apresentarem quando quiserem projectos de lei, e o projecto em discussão prohibe essa apresentação emquanto se discute o orçamento, regulamenta-se porventura essa liberdade, ou restringe-se, altera-se, supprime-se num dado momento?!

Regulamentar é tornar effectiva uma certa disposição, é a forma de a levar á pratica. Ora, só se corta essa liberdade, como é que se define a forma de a levar á pratica?!

Mas, dizem, em Inglaterra e na França ha as mesmas disposições. Para responder a isto não precisa produzir argumentos seus, basta dar a resposta que á opposição deu a maioria quando só citava a lei austriaca a proposito da nacionalidade do Sr. Schrõter - é em Portugal que estamos, é com as leis portuguesas é com a Constituição Portuguesa que queremos e temos de viver.

Cada país tem a sua constituição differente, e nos temos que cumprir a nossa e manter por completo o artigo 15.° da Carta Constitucional.

E depois, que desejo de exotismo é esse que traz para Portugal, sem respeito, pela sua Constituição, as disposições estranhas, quando entre nos não existem nem as razões, nem os motivos que levaram aquellas nações a adoptá-las?

Ignora alguem que a iniciativa dos Deputados, quer em Inglaterra, quer era França sé exerce multiplas e efficazes vezes, e que em Portugal, pelo contrario, é apenas letra morta, pois que só passa e só se vota o que os Ministros querem?

Para que estar a fingir que desconhecemos tanto os nossos costumes que pomos peias á iniciativa parlamentar e deixamos desembaraçada e livre a ministerial, que é a unica perigosa e que longa e tradicionalmente o tem sido?

Isto não é legislar á inglesa, mas para inglês ver, porque outra cousa não é votar uma disposição que nenhum effeito legal pode ter, por isso, que representando uma alteração da materia constitucional só pode ser elaborada e levada á pratica por Camarás Constituintes.

É para inglês ver, como para inglês ver é todo o projecto. E a prova vae elle, orador, fazê-la em breves palavras expondo succintamente as bases em que assenta o systema fiscal inglês, de que o que propõe não é nem sequer um arremedo, mas apenas uma mystificação dos respectivos, institutos que vigoram em Inglaterra.

O que caracteriza o systema inglês é a alliança intima do Parlamento e do poder executivo, sendo em materia de finanças tão intima essa alliança que Leon Say não hesitou em affirmar que o poder ministerial fica muito abalado.

A Camara dos communs affirma a sua omnipotencia financeira intervindo de uma maneira directa e permanente, pelos seus delegados, na execução do orçamento.
Esses delegados são de uma parte, um alto funccionario, o fiscal auditor geral e de outra, uma commissão de contas publicas.

Embora nomeado pelo Rei, o fiscal auditor geral é uma emanação directa do Parlamento: não pode ser demittido senão sobre uma mensagem das duas Camaras.

A sua missão é dupla: constatar que o dinheiro não saiu senão conforme as intenções do legislador, e depois da despesa feita, que o dinheiro foi pago tambem segundo o voto da lei.

Sob o ponto de vista da fiscalização preventiva, o fiscal auditor geral é especialmente encarregado de vigiar a entrega á thesouraria dos fundos votados pelo Parlamento. Nenhuma saída de fundos do Banco de Inglaterra em conta corrente com o Thesouro pode ter logar sem o exame previo e autorização expressa do fiscal.

Quanto, á fiscalização, expressiva, o fiscal auditor geral e a commissão de contas associam-se para o seu exercicio.

As contas annuaes para a comparação das despesas effectuadas com os credites abertos pelo orçamento, são enviadas ao fiscal pelas administrações e departamentos ministeriaes nos dois ultimos meses do anno em que a gestão financeira termina.

Depois de um exame, o auditor constata a correcção das contas ou formula as suas criticas em relatorio, que é presente á commissão parlamentar, e na primeira quinzena de fevereiro, essas contas, acompanhadas das annotações e do relatorio do fiscal, são transmittidas á Camara dos Communs, que as envia á commissão parlamentar.

Só em casos muito graves é que o parecer da commissão dá logar a discussões e moções parlamentares, podendo conduzir, ou á queda do Gabinete, ou á demissão dos altos funccionarios, responsaveis perante o Parlamento.

A grande vantagem d'este systema e a celeridade.

A contabilidade inglesa, referida a annos civis, pode ser verificada e apurada, como diz Storm, vinte e oito dias depois do primeiro shilling gasto.

Pelo projecto, o agente a quem se incumbe esta pesada missão, apesar de só poder ser demittido nos casos taxativamente marcados, fica, na sua qualidade de chefe da administração, á mercê das influencias administrativas.

Não se pode admittir que se colloque como censor do Ministro, do qual depende por tantas formas, aquelle que lhe é hierarchicamente inferior, o chefe de serviço do seu Ministerio.

Já disse Emanuel Bessono, que o unico meio de remediar esta situação seria recrutar o corpo da fiscalização fora do pessoal das secretarias, entre individuos que pela sua origem profissional, pela tradição das suas funcções e pela sua hierarchia não dependam do Ministro da Fazenda.

É o que faz a França junto das companhias de caminhos de ferro que teem garantia de juro.

Funcção de fiscalização, inteiramente independente da funcção de administração.

Para levar os administradores ao respeito pela lei só pode ser competente quem responsabilidade alguma tome sob os actos sujeitos ao seu exame e vigilância. De outra forma é tudo confundir e anarchizar, com o fim unico da illusão ou da mistificação.

Em um bom regime de contabilidade publica, devem os processos de contabilidade judiciaria e preventiva, e a modelação dos institutos incumbidos de lhe imprimir feição pratica ter grande destaque para o tornar efficaz.

A ordenação da despesa e a sua classificação são os dois principios fundamentaes da administração financeira. Encarregar os agentes de um e de outro conjuntamente, é fazer desapparecer a divisão racional e logica que as successivas étapes da contabilidade publica naturalmente

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apresentam para, confundindo todo, tirar á fiscalização o caracter de seriedade, de efficacia e de respeitabilidade.

O director geral da Contabilidade é o guarda-livros do Estado, ordena a despesa em nome do Ministro, classifica-a, balanceia-a, mas ahi termina as suas funcções, porque se nunca se disse, nem é sequer comprehensivel, que o guarda-livros possa ser o fiscal do chefe da casa commercial onde exerce as suas funcções sob as ordens, vigilancia e direcção do qual escritura as receitas e despesas, igualmente não se pode comprehender que aquelle alto funccionario, que era nome do Ministro exerce aquellas funcções, que é o seu primeiro collaborador no ordenamento das despesas publicas, na percepção das receitas do Thesouro, seja o seu fiscal, seja, numa invasão completa de hierarchia burocratica, superior ao seu superior legitimo, e, de uma forma efficaz, possa negar-lhe os meios que elle julga necessarios para governar.

Condição para a boa systematização das despesas publicas é somente, a seu ver, a organização de uma fiscalização previa, orientada no sentido de impedir que o Governo faça despesas que não estão conformes com o orçamento.

E, se todos comprehendessem que tal fiscalização não pode tornar-se proficua senão com a condição de preceder a despesa, porque de outra forma encontra-se o Parlamento perante a irremediabilidade de factos consummados, que não podem já esconder-se, porque, suppondo mesmo que a responsabilidade ministerial deixe de ser uma palavra vã, nem o castigo do Ministro compensa o prejuizo que o Thesouro soffreu, nem, senão rara e difficilmente, acontecerá que a fortuna do responsavel seja sufficiente para comportar as retribuições dos dinheiros publicos indevidamente despendidos, tratando se de sommas que estão fora de toda a proporção com patrimonios, mesmo de uma certa importancia.

Se a fiscalização previa é hoje absolutamente indispensavel, é necessario, como disse, que se exerça de uma maneira efficaz, de molde a dar garantias e infundir respeito, o que não succede quando ella se exerce por funccionarios que, embora declarados inamoviveis, são funccionarios subordinados ao Ministro, sentindo todos os dias a sua acção de superior hierarchico e a quem a todos os momentos associam, como seus colaboradores, a sua responsabilidade á d'elles.

Em parte alguma do mundo a fiscalização é exercida por individuos que dependem da administração, e cuja iniciativa é, tantas vezes, a iniciativa dos proprios Ministros.

Ninguem ignora que, na maior parte dos casos, os regulamentos que os Ministros publicam, as instrucções, as portarias e até os projectos que apresentam ao Parlamento são elaborados pelos respectivos directores geraes.

As funcções imprimem caracter.

A independencia do fiscal não se coaduna com a dependencia do auxiliar, nem com a subordinação do executor.

O primeiro executor das ordens do Ministro é o director geral.

Fazê-lo fiscal do executivo, é confundir a administração com a justiça, é dissipar todas as garantias que esta dá.

Em toda a parte, como disse, a fiscalização previa é entregue a entidades independentes do executivo.

Em Italia o Tribunal de Contas exerce a sua fiscalização preventiva não só sobre as despesas publicas, mas ainda sobre todos os actos e decretos do Governo.

Nos termos da lei de 14 de agosto de 1862 todo o decreto real seja qual for o Ministerio de onde emane, é sujeito ao visto do Tribunal de Contas, mesmo que se não ligue com movimento algum de fundos e não interesse ao orçamento.

As altas funcções de que esse tribunal se encontra investido conferem-lhe um caracter verdadeiramente constitucional.

Examinando o acto ou decreto, o tribunal visa-o, rejeita-o se o encontra nos termos da lei, e senão recusa-lhe o visto. Essa deliberação é transmittida pelo Presidente ao Ministro signatario. Se o Ministro persiste, submette-se a deliberação ao Conselho de Ministros, se este é de parecer que se deva insistir, o tribunal é chamado a deliberar segunda vez, e se não se conforma com as razões dadas pelo conselho ordena o registo, mas com a seguinte declaração - visto com reserva. Communica directamente o facto, dentro de quinze dias, á Camara dos Deputados e ao Senado, e estes é que resolvem era ultima instancia.

Isto quando se trata de actos, decretos, regulamentos ou portarias que não se ligam com o orçamento e não trazem aumento de despesa, porque quando se trata de qualquer pagamento ou despesa, a recusa do visto por insufficiencia de verba orçamental ou de imputação irregular de capitulo a recusa do visto annulla o acto, e sem appellação.

D'esta forma, e só d'esta forma, é que se garante a inviolabilidade do orçamento.

O Brasil inscreveu na sua constituição republicana o artigo 90.°, criando o Tribunal de Coutas como uma instituição constitucional, independente de qualquer ramo da administração, com absoluta autonomia.

Pretendendo investi-lo das elevadas funcções que lhe competem e garantir-lhe a plenitude das suas attribuições, foi que o legislador constitucional o contemplou no acto fundamental da republica com a hierarchia igual ao Supremo Tribunal Federal, estabelecendo para o provimento d'esses logares o mesmo regime de investidura que o dos membros d'esse tribunal.

De resto, em todos os regimes classicos de fiscalização e autonomia do Tribunal de Contas é considerada elemento fundamental da instituição.

Em França, onde a Cour de Contas se resente da feição que lhe imprimiu o poder absoluto e centralizador do grande Napoleão ao organizá-lo no acto de 1807, é ainda assim, uma magistratura superior, separada da administrativa e tendo a independencia que dá a immobilidade e o .habito de julgar e lidar com leis.

Na Belgica, em 1806, pretendeu-se estabelecer limites á funcção de fiscalização previa do Tribunal de Contas, defendendo o grande ministro Mallon, com grande vehemencia, a disposição que limitava o exame da Côrte á approvação da validade de creditos e da regularidade da imputação, isto é, da classificação. Pois apesar disso a alteração não se fez, porque se entendeu que o tribunal, e só o tribunal, é que devia ter o arbitrio de recusar o visto pura e simplesmente.

Pois volvidos 60 annos, após tantos progressos nas sciencias economicas e financeiras, sob o Governo eminentemente liberal do Sr. João Franco, vem-se proporão Parlamento o que uma Camara conservadora, um partido conservador, não pode conseguir em 1856.

Nem na Rússia, pois no imperio autocrata dos czares a fiscalização dos dinheiros publicos constituo um Ministerio especial, com um pessoal proprio, independente do Ministerio das Finanças, pertencendo-lhe apenas as funcções proprias de exame e do julgamento das despesas e das contas publicas.

As republicas de S. Salvador, da America, e do Peru, do Mexico, apropriaram ás suas instituições a organização italiana do Tribunal de Contas, confiando-lhe a fiscalização previa das despesas com o voto absoluto.

O Sr. Ministro da Fazenda se não teve em vista mystificar a opinião publica, teve a habilidade de o apparentar. Mas mystificação tão patente, que, para a verificar, basta notar os argumentos com que se preconiza a subs-

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tituição do Tribunal de Contas pelo director geral da Contabilidade para as funcções do visto.

É o primeiro argumento o da substituição da responsabilidade collectiva para a de um funccionario, por ser mais facilmente effectuavel. Em primeiro logar, é uma obra da concentração, o que representa um retrocesso, alem de tornar mais difficil o apuramento de responsabilidade, pela falta de cumplices.

Que immensa fortuna precisaria ter o director geral da Contabilidade para que pudesse restituir o que fosse mal gasto em virtude de despesas illegaes ou illegalmente feitas.

Se o Sr. Schrõter fizesse a mais pequena ideia do mecanismo do Tribunal de Contas, não consentiria que lhe escrevessem o que se encontra no relatorio, porque o serviço do visto não é da responsabilidade collectiva dos conselheiros do Tribunal de Contas; cada um faz por turno semanal esse serviço, e relativamente aos documentos que visa cada juiz liga a sua responsabilidade individual, e como é funccionario responsavel segundo os preceitos da Carta, responde individual, civil e criminalmente por erro de officio ou por crime praticado no exercicio d'essas funcções.

A responsabilidade civil e criminal estabelecida no projecto é vazia de todo o sentido, porque o director geral para ser punido ha de ser convencido de que praticou um acto criminoso com a intenção de o praticar e não por erro ou desleixo.

Mas será o projecto baseado no systema inglês, ou representará ao menos uma adaptação dos institutos d'esse país pelo que diz respeito á commissão parlamentar?

Não é uma, nem outra cousa. Apenas para lhe dar um verniz á inglesa foram buscar ali a commissão de contas publicas.

Onde está o funccionario independente de toda a administração que na Inglaterra tem por attribuição visar todos os despachos, ordens de pagamento, examinar todos os processos de contabilidade, verificar a forma como se executa o orçamento?

Não é com certeza o director da contabilidade, porque esse é um funccionario de administração, collaborador do Governo e portanto seu dependente e seu co-responsavel.

Onde está a commissão parlamentar de contas, que é o constante fiscal da forma como se executa o orçamento em todos as Ministerios, com attribuições latissimas que quasi absorvem as do poder executivo e exercendo todas aquellas que pertencem ao Tribunal de Contas?

O arremedo d'essa commissão que no projecto se estabelece não tem outras funcções que não sejam as de examinar e verificar se é exacta a declaração geral de conformidade das contas da administração, lançada pelo Tribunal de Contas. É apenas uma instituição para épater os ignorantes nestes assuntos.

E depois, o que no projecto se apresenta como sendo de um grande alcance é simplesmente a edição do que existe na nossa legislação ha mais de um quarto de seculo.

Se é certo que não se teem levado á pratica taes disposições, não é essa uma razão para se propor como novo aquillo que já é lei do país. Basta, que o Governo a faça cumprir.

Este projecto, ao que parece, só teve em vista promover um largo jubileu.

O ordenado do director da Contabilidade é elevado a mais do dobro e o dos membros do Tribunal de Contas conserva-se como está. Será isto justo?

Mas, diz-se, as funcções do director da Contabilidade são muito aumentadas.

Não é assim; ha 26 annos que esse funccionario tem dê visar todas as ordens de pagamento, porque outra cousa não é a obrigação de reconhecer a legalidade da despesa, e o seu cabimento na autorização competente.

Este projecto veio, diz-se, para apertar a rede da fiscalização, para fechar a porta aos desperdicios da administração financeira, e para moralizar a gerencia dos negocios publicos.

Ora a verdade é que, quanto á moral, faz do fiscalizado o fiscal; quanto á severidade, isenta de responsabilidade todos os interventores no abuso; passa a centralizar num só, o que diminue as garantias, não só de effectivação d'essa responsabilidade, mas torna mais difficil a descoberta de qualquer abuso. E quanto ao apertado das malhas dessa rede, reduz a fiscalização, que era do director geral e do tribunal simplesmente áquelle.

O que parece é que se quis pôr fora o tribunal.

Elle, orador, comprehendia que o tribunal tivesse, sobre assuntos de despesa, o veto absoluto; que fosse recrutar o seu pessoal á magistratura judicial; comprehendia que, como na Belgica, na Hollanda e na Dinamarca, se introduzisse nesse tribunal uma certa representação parlamentar; mas o que não comprehende e que se arranquem (essas funcções a um tribunal para as entregar a um empregado, que, seja o que for, é sempre um empregado de confiança da administração.

Depois, o numero de ordens de pagamento, de despachos, de contratos, de nomeações e de transferencias, que são sujeitos durante o anno, ao visto do Tribunal de Contas, que regula por milhares. E como é que isso pode caber nas forças de um só homem, por muita que seja a sua capacidade de trabalho? Impossivel; e tanto, que no projecto já se diz que elle pode requisitar, para o auxiliar, até dez empregados. Mas quem lhes paga?

No Tribunal de Contas havia, para processar o serviço do visto, sete empregados, um por cada Ministerio, mas esses, é claro, ficam lá e vão-se buscar, mais dez para auxiliar o director geral.

O projecto, portanto; sob todos os pontos de vista, representa um erro, um retrocesso, e constitue uma verdadeira burla.

O que se encontra estabelecido para creditos extraordinarios e especiaes é uma verdadeira mistificação.

As seguranças que dá são inferiores ás que tinhamos ha mais de 26 annos.

É curioso, ainda, ver o que succederá ao director geral da Contabilidade se não visar qualquer ordem de pagamento.

Reune-se o Conselho de Ministros e, por decreto publicado no Diario do Governo, manda-se fazer a despesa. Actualmente com o Tribunal de Contas o que succede é o seguinte:

O juiz, não visando uma ordem, remette-a á contabilidade e esta leva-a ao Ministro que, se insiste nella, a devolve para ser presente ao tribunal pleno. Este delibera e se mantém a recusa do visto, o Governo pode, depois de ouvido o Conselho de Ministros, publicar um decreto ordenando a despesa. Pergunta: em qual dos casos encontra o Ministro maior facilidade?

Muitas mais considerações tinha a fazer, que sente não poder expor por ter terminado a hora em que- lhe era permittido usar da palavra. E terminando, quer lembrar a justiça com que o leader da opposição regeneradora já disse nesta Camara que se se transformasse em lei alguns dos projectos apresentados, o Sr. Presidente do Conselho poderia recordar ao Soberano a frase que o ultimo Ministro do Rei da França disse, ao apresentar-lhe uma lei: - "Eu sinto-me envergonhado ao apresentar ao meu Soberano uma lei como esta".

O Sr. Ministro da Fazenda deve tambem estar envergonhado de apresentar ao Parlamento uma lei como esta.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

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O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schrõter): - Sr. Presidente: vou procurar responder ás differentes observações que o illustre Deputado Sr. Alberto Navarro fez em relação ao projecto que está em discussão.

Antes porem de entrar no assunto permitta-me a Camara que comece por dizer a S. Exa. que as suas ultimas palavras silo absolutamente injustas. Não me sinto envergonhado como S. Exa. disse, com a apresentação d'este projecto, muito pelo contrario, penso que coma sua apresentação presto um grande serviço ao meu país. (Apoiados).

A reforma da contabilidade publica juntamente com a reforma de responsabilidade ministerial constituem, por assim dizer, o que o Governo julga de mais útil para o bem d'este país.

O illustre Deputado Sr. Alberto Navarro no seu excellente discurso, que se pode dizer de um homem verdadeiramente estudioso, fez algumas considerações que posso considerar politicas e ás quaes não responderei.

O illustre Deputado que me antecedeu no uso da palavra não se referiu essencialmente ao projecto em discussão, referiu se sim, a dois ou tres pontos...

O Sr. Alberto Navarro: - Eu falei sobre a generalidade.

O Orador: - V. Exa. fez convergir a sua attenção para dois ou tres pontos do projecto na ordem do dia, e um d'esses pontos que lhe mereceu maior cuidado foi aquele que diz respeito ao visto, que por esta nova organização deve ter o director geral da contabilidade publica. S. Exa. entende que nenhuma inovação teve, por isso que pela lei actual, já esse director geral exercia essa funcção e que não se melhorou nada pelo facto de tirar o visto ao Tribunal de Contas.

É certo que o visto do director geral da contabilidade não era hoje o que positivamente se pode chamar um visto; era como que uma conferencia. Agora é que passa a ser realmente um visto, com todas as responsabilidades correspondentes, e sujeito á conferencia do Tribunal de Contas, e ainda da commissão parlamentar.

Isto como S. Exa. vê é mais alguma cousa do que existia, porque assim dá logar a que a fiscalização seja mais apertada.

Vejamos:

Artigo 31.° O visto do director geral da contabilidade publica substituirá para todos os effeitos o visto que pela legislação vigente pertence ao Tribunal de Contas. Todas as ordens de pagamento, depois d'este realizado, continuarão a ser enviadas com os documentos respectivos ao mesmo tribunal, que as registará para o effeito do exame e comprovação de despesas, a que tem de proceder.

Quer dizer: estes documentos não deixam de ter o visto do Tribunal de Contas para que, finalmente na sua funcção de exame possa verificar que a comprovação de despesas a que tem de proceder são auctorizadas por leis geraes do país, como é indispensavel que succeda.

Uma das grandes, vantagens do projecto é, sem duvida alguma, a de fazer com que nenhum dinheiro possa sair dos cofres publicos sem conhecimento da contabilidade, o que actualmente, como a Camara sabe, não succedia.

Todos sabem, por exemplo, o que são essas operações de thesouraria em que a contabilidade pouco ou nada intervem. Isto é que é necessario que acabe.

Com as condições apertadas da lei de contabilidade publica, o director geral da contabilidade, quando porventura quizesse abusar da sua situação para se impor por uma forma que não fosse aquella que está fixada no projecto, o director geral da contabilidade, pela enorme responsabilidade que lhe advém por esta lei, terá de fatalmente recusar o visto. E o artigo 33.° do projecto que lhe ordena essa recusa.

Disse S. Exa. que o director geral da contabilidade é um empregado dependente do Ministro. Esse empregado fica, pela lei, em condições de independencia que lhe garantem o poder exercer dignamente o seu lugar.

Disse S. Exa. que o Ministro da Fazenda pode demittir o director geral da contabilidade publica.

Ora, parece que S. Exa. nãoleu o projecto, porque, se o lesse, veria que nelle está perfeitamente definido que o director geral da contabilidade publica não pode ser demittido senão por erro de officio, ou por abuso de funcções, e esse erro de officio, esse abuso de funcções tem de ser verificado por auctoridades competentes para isso. (Apoiados).

O Sr. Alberto Navarro:-O Ministro da Fazenda pode demitti-lo.

O Orador: - Esse funccionario não fica, pois, ao arbitrio do Ministro que occupar a pasta da Fazenda; tem que provar-se que aquelle funccionario errou.

O Sr. Alberto Navarro:- O director da Contabilidade não pode ser director do Visto.

O Orador: - Pela minha parte preferia que houvesse duas entidades distinctas para esses serviços, mas isso trazia aumento não só do pessoal como de despesa, e não se podia deixar o serviço do visto ao Tribunal de Contas, porque a pratica tem mostrado não dar isso o resultado que se quer obter. (Apoiados).

O Sr. Alberto Navarro: - Podia ficar tudo no Tribunal de Contas.

O Orador: - Não pode o visto ficar entregue ao Tribunal porque isso daria os resultados que a camara conhece. (Apoiados).

O Sr. Alberto Navarro: - O director geral da contabilidade já hoje põe o visto.

O Orador: - Peço perdão, mas o visto de hoje não é positivamente o que se pode chamar um visto, era como que uma conferencia.

O Sr. Alberto Navarro: - É o mesmo.

O Orador: - Não, senhor. Agora é que passa a ser realmente um visto com todas as responsabilidades correspondentes e sujeito á conferencia do Tribunal de Contas e da commissão parlamentar.

É portanto mais alguma cousa do que existia.

O Sr. Alberto Navarro: - É a mesma cousa. A differença está nos proventos.

Agora o director da Contabilidade Publica passa a ter mais 1.500$000 réis.

O Orador: - É justo por isso que as responsabilidades são differentes. Vão muito alem das que actualmente lhe são exigidas. Precisa ter nas suas funcções toda a cautela e cuidado, pois que as suas responsabilidades são maiores e tudo isso se paga. (Apoiados). Não admira, portanto, que os seus vencimentos sejam aumentados. (Apoiados).

Referira-se tambem o Sr. Alberto Navarro ao artigo 6.° Esse artigo diz:

"Artigo 6.° A publicação das contas das gerencias far-se-ha dentro de quatro meses a contar do termo do anno economico.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

§ unico. Á primeira infracção do disposto d'este artigo é applicavel a pena de seis meses de suspensão, e á segunda a de demissão".

Eu digo ao Sr. Navarro que não havia responsabilidade em saltar sobre a lei.

Pareceu-me a argumentação de S. Exa. um pouco forçada.

Se essa responsabilidade é do Ministro, a seu tempo virá a lei de responsabilidade ministerial.

O Sr. João Pinto dos Santos (interrompendo): - Neste país não ha responsabilidade para ninguem. As que ha são phantasmagoricas. As companhias fazem o que querem. Todos fazem o que querem.

O Orador: - Mas, quando as cousas são más, devem começar a ser boas. (Apoiados).

O que eu desejo, e certamente V. Exa. tambem, é que tudo se modifique para melhor.

Talvez que pelas leis tenha muito que soffrer quem não quiser cumprir as leis.

(Áparte do Sr. Alberto Navarro, que não se ouviu).

O Orador: - V. Exa. está discutindo simplesmente a lei; o regulamento tem do apparecer, e ali pode S. Exa. encontrar a forma de satisfazer as suas duvidas.

O Sr. Alberto Navarro: - V. Exa. acceita quaesquer emendas que sejam apresentadas?

O Orador: - Hoje estou-me sentindo bem com os apartes do illustre Deputado. Não tenho duvida em acceitar quaesquer emendas, que tendam a melhorar ou aperfeiçoar o projecto, não o alterando comtudo na sua essencia.

O Sr. Conde de Castro e Solla: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Admitto as interrupções do illustre Deputado Sr. Alberto Navarro, porque S. Exa. tem estado a discutir o projecto. Dos outros Srs. Deputados não admitto.

Quando se entrar na discussão da especialidade, é quando algum Sr. Deputado me pedir a minha opinião, terei muito prazer em entrar na apreciação do projecto em todas as suas minucias, porquanto, a meu ver, este projecto honra o actual Governo, como honraria qualquer outro que o apresentasse.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu).

O Sr. Conde de Castro e Solla: - A obrigação do Sr. Ministro da Fazenda é responder ás perguntas que lhe dirigem e assim tambem responder aos ápartes que os Deputados muito attenciosamente lhe fazem.

E dito isto, seja-lhe permittido notar que S. Exa. ainda não enviou para a mesa os documentos que numa das sessões o orador requereu, a fim de poder tratar de um escândalo que S. Exa. deseja fazer pelo seu Ministerio.

E entretanto não pediu o orador á mesa que intercedesse junto do Sr. Ministro da Fazenda para que enviasse esses documentos? Não pediu tambem duas vezes ao Sr. Ministro da Fazenda com insistencia, que os mandasse? Cumpriu S. Exa. o seu dever?

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schrõter): - Pergunta que documentos são.

O Orador: - Não sabe S. Exa. que documentos são? Já estão entregues nas mãos do Sr. director geral do Ministerio da Fazenda, mas segundo consta esses documentos que já estão tirados ha muito tempo, não foram ainda, enviados ao Parlamento, porque o Sr. Ministro da Fazenda ordenou que elles não fossem entregues.

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schrõter): - Quaes são?

O Orador: - São os que se referem á Caixa Geral de Depositos.

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schrõter): - Se ainda não vieram fará com que elles sejam enviados a esta Camara.

O Orador: - Mas já lá vão mais de dois meses.

Feitas estas considerações, passa á analyse do projecto em discussão, começando por dizer que sempre imaginou que a commissão de fazenda, ao ser-lhe presente uma proposta que offendia uma das principaes disposições da Carta Constitucional, que coarctava e amesquinhava a iniciativa e attribuições do poder legislativo, saberia inffingir uma lição severa, dura, mas justa, ao espirito sempre absorvente do Sr. Presidente do Conselho de Ministros.

Sempre imaginou que este seria o proceder da commissão, pondo bem em evidencia e destaque o proposito dos homens do Governo, defensores de uma carnavalesca democracia, que diariamente defendem com palavras vãs, que apresentam poeira e que quotidianamente, tambem, desdizem e contradizem; com factos positivos e concretos.

Se para se alcançar o poder em Portugal, algumas vezes é condição unica, o ser-se bom polemico nas tempestades politicas, o ser-se muito esfervilhador, em circunstancias de occasião e de momento, para se ser um liberal convicto, um respeitador da lei, não basta que uma hybrida alliança politica tente fazer respirar a este Governo, a este Governo, no dizer de ha dias, de um membro da colligação liberal, a este ramo, a este raminho da colligação, no dizer não menos amantetico de um não menos illustre membro da mesma colligação, embora a balões de oxygenio, um liberalismo que lhe não é proprio, sem respeito pela lei, que lhe é inadequado, e com o qual, por ser postiço, hade succumbir breve, entre os frouxos do riso, o sorriso escarninho do proprio partido com que anda acasalado.

Hontem, era o Sr. Presidente do Conselho, que esfarrapava a Carta Constitucional, para que o subdito austriaco Driesel Schrõter se possa sentar nas cadeiras do poder.

Hoje é o proprio subdito austriaco, no primeiro projecto que apresenta, que se permitte espesinhar a Constituição Portuguesa, como cousa sem valor, por não ser a Constituição do país a que S. Exa. pertence.

Basta comparar, os 144.° e 15.° da Carta Constitucional, que estabelecem um principio amplo e generico perante a apresentação de quaesquer propostas por parte do poder legislativo, com a restricção imposta no artigo 13.° do projecto, para se ver como se revoga uma das mais importantes e fundamentaes disposições da Carta, o que, num regime de legalidade, so Cortes Constituintes poderiam, fazer, e não Côrtes ordinarias, como as actuaes. Mas alem de inconstitucional, tal disposição é fingida, ridicula, retrogada e contraditoria.

Fingida, porque todos sabem que o poder legislativo não apresenta propostas que aumentam a despesa sem autorização dos Governos, e todos sabem que, para que se apresentem, discutam e approvem, é indispensavel que o poder executivo as perfilhe, e a estes ficam amplos os direitos, ao passo que se restringem áquelle.

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SESSÃO N.º 27 DE 10 DE NOVEMBRO DE 1906 13

Demais, se esta disposição se foi buscar á Inglaterra, dirá:

1.° Que differente da nossa é a Constituição Inglesa;

2.° Que na Inglaterra, no dizer de homens notaveis, como Sir Hicks Beack, tal preceito é absolutamente inutil e inefficaz.

Ridiculo e retrogado, porque se significa o intuito de se entrar num regime de paralysação de despesas, como systema de administração de um Estado, então segue-se um criterio estreito e acanhado.

Em todos os países, ou sejam olygarchias aristocraticas ou monarchias, ou republicas, em todos se dá o crescimento das despesas publicas, como uma necessidade indeclinavel.

Quanto á proposta do Sr. Ministro da Fazenda, acha-a uma manta de retalhos, querendo apresentar como doutrina, nova aquillo que de ha muito estava no nossa legislação; quer-se apresentar como novo aquillo que, como frutos de madureiro, se acha sorvado.

Para corroborar esta sua affirmação lê o orador onze artigos da proposta, e combate que se tirem as funcções do Tribunal de Contas para se darem a um só funccionario, o Sr. director geral da Contabilidade Publica.

Em logar de um tribunal independente, autonomo, ter-se-ha a exercer a fiscalização sobre o Ministro um funccionario seu, dependente, em constante contacto com elle, seu collaborador, costumado a fazer incriveis acrobatismos de gymnastica mental para satisfazer os necessarios expedientes orçamentologos.

Quando o projecto permitte que é director geral do Tribunal de Contas chame 10 amanuenses para se constituirem em tribuneca, para constituirem o Tribunal de Contas, então tal disposição fica verdadeiramente caricata.

Até aqui, os fiscalizadores deviam sair da magistratura judicial superior, da magistratura superior do Ministerio Publico, da magistratura superior administrativa, sendo condição principal que entre os fiscalizadores, houvesse jurisconsultos distinctos.

Agora, porem, para um serviço tão grande, basta que se tenha um curso commercial, e ainda secundario! A responsabilidade que se exige a esses funccionarios é uma palavra vã, porque nem sequer se lhe pede qualquer caução, como para muitos outros cargos dê muito menos responsabilidade.

Analysando o systema inglês, que é muito differente do que actualmente se propõe no projecto que se discute, o orador nota que, no que diz respeito a creditos especiaes, se introduziram no projecto as palavras "ou ainda em casos imprevistos" que não estavam na nossa legislação, ficando assim comprehendido nellas todo o arbitrio ministerial. Assim, de hoje em deante, serão julgados casos imprevistos, todos os que o Governo julgar convenientes.

No que diz respeito a contratos censura o orador que se tire a fiscalização das quantias inferiores a 10:000$000 réis; pela inserção de um tal principio desapparece de hoje em deante a fiscalização até nos contratos de valor superior a 10:000$000 réis, porque facil é ao arbitrio ministerial parcelar avultados contratos, em varios casos, em contratos menores, inferiores cada um, em separado, áquella quantia.

Quanto aos arrendamentos, tambem não concorda o orador com a doutrina do projecto, e, por mais que se fixe, a doutrina de que sem autorização legislativa, em determinados casos, tambem o Estado não pode arrendar os seus edificios, e que sempre o ha de fazer em hasta publica, para que se não dê o que está succedendo, que é arrendarem-se edificios publicos, por ...verdadeiras bagatellas, com prejuizo importante para o Thesouro.

Igualmente sustenta que o director geral da Contabilidade não poderá, conscienciosamente, examinar os diplomas que querem que elle fiscalize. Não me chega o tempo, materialmente, nem sequer para os passar pelos olhos.

O que se quer, portanto, com este projecto, é só fingir, lançar poeira.

Depois de, com elle, se haver destruido os preceitos salutares do regulamento de
contabilidade de 1881; depois de se ter feito desapparecer tudo quanto criava embaraços e peias ao arbitrio ministerial, ainda se vae gastar o dobro do que até aqui se gastava com um regular systema de contabilidade.

Disse o Sr. Ministro da Fazenda, em resposta ao Sr. Alberto Navarro, que a commissão de, contas publicas, a que o projecto se refere, é uma innovação.

Dizendo isso, mostra S. Exa. ignorar as disposições do actual regulamento de contabilidade, nos seus artigos 312.° e 313.°, que o orador lê á Camara, em virtude dos quaes bastava a S. Exa. nomear a commissão da forma que mais lhe agradasse.

Tudo isso, pois, estava já na nossa legislação; e, portanto, não venha S. Exa. apresentar á Camara, como materia nova aquillo que é uma velharia, que já está hás nossas leis.

Quanto á nomeação d'essa commissão, disse o Sr. Ministro da Fazenda que essa commissão, sendo eleita pela Camara, deve dar todas as garantias. Vê-se que S. Exa. não conhece o seu proprio projecto, porquanto a commissão não é eleita, mas sim nomeada pela Camara, o que é differente.

E nesse sentido apresentará o orador uma emenda, a fim de que nessa parte se cumpra o artigo 16.º do regimento.

Até nesta insignificancia se mostra que o fim do Governo é absolutamente centralizar tudo; até mesmo na nomeação d'essa commissão.

Prometteu o Br. Presidente do Conselho a convocação de Côrtes Constituintes. Com certeza que S. Exa. não as convocará; mas, admittindo por hypothese que S. Exa. o faria, desejava então o orador que nellas fosse resolvido que ao Tribunal de Contas se manteriam todas as regalias que actualmente tem; determinando as Constituintes que as funcções d'esse tribunal eram verdadeiramente constitucionaes, para que qualquer Ministro não lhas pudesse tirar.

2.° Desejava que, resalvados os direitos adquiridos dos actuaes juizes do Tribunal de Contas, de futuro elles fossem tirados da magistratura judicial superior dos juizes da Relação, constituindo assim uma magistratura autonoma e independente.

3.° Desejava que essas nomeações pertencessem ao Ministro da Justiça para que ella ficasse sendo realmente uma magistratura, como já disse, bem, autonoma e independente, longe do arbitrio e facciosismo do Ministro da Fazenda.

4.° Desejava que o Tribunal de Contas mantivesse a fiscalização privativa sobre contratos de qualquer especie.

5.° Que quando se tratasse de uma lei, que não fosse a lei orçamental, e de qualquer assunto, que não fosse criação de despesas, a sua funcção fosse apenas a de visar, com reserva de participação ás Camaras Legislativas. E que quando se tratasse de despesas novas, a negação do Tribunal de Contas tivesse a força de veto, para que depois o Parlamento se pronunciasse.

6.° Desejava ainda o orador que o Sr. Ministro da Fazenda supprimisse o artigo 13.° da proposta e do projecto, porquanto é materia absolutamente constitucional, e, assim, é usurpar funcções que só Côrtes Constituintes podem dar.

7.° Visto que os artigos 94.° e 95.° do regulamento de contabilidade determinam por uma forma expressa, quaes as responsabilidades dos respectivos directores geraes e dos chefes de repartição, é necessario que elles dêem as competentes garantias, exigindo-se a todos cauções proporcionaes.

8.° Desejaria que não seja, por forma alguma, supprimida a fiscalização dos contratos, de valor inferior a 10:000$000 réis, porque, por essa forma, o Ministro fica

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com o arbitrio livre e completo, sem restricções de natureza alguma, quer se trate de contratos de valor superior a 10:000$000 réis, quer se trate de contrato de valor inferior a essa quantia.

O que o orador quer é um systema de fiscalização honesta, completa, e não unicamente para armar á popularidade, não se apresentando como bom elixir Houbigant aquillo que não é senão água chilra.

Em face das circunstancias actuaes, com um deficit de 3.000:000$000 réis, o qual, com as providencias apresentadas pelo Governo, subirá, por certo, a 5.000:000$000 réis; com uma crise no commercio africano; com os cambios com tendencia notavel para peorar; com uma crise vinicola grave; com falta de consumo para as nossas cortiças; com a falta, que já se sente, do mercado francês, para o que diz respeito ás nossas conservas; copa tudo isto, pergunta o orador, na sua qualidade de Deputado da Nação: Qual é o problema do Governo? Como faz face a esse deficit? Como contrabalança as despesas que vae criar? Qual é a razão de existencia do Governo, e qual é, na actualidade, o seu programma financeiro?

É isto o que o orador deseja que qualquer membro da Camara, seja quem for lhe diga.

(O discurso será publicado na integra e em appendice quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Na ordem da inscrição seguia-se o Sr. Deputado Patricio Prazeres, mas como faltam apenas 7 minutos para dar a hora, não dou a palavra a S. Exa., reservo-lha para a sessão seguinte.

A proxima sessão é na segunda feira, 12, á hora regimental, entrando em discussão na primeira parte da ordem do dia o projecto n.° 19, acêrca das linhas ferreas do Minho e Pouro, e na segunda parte continua a discussão do projecto sobre a contabilidade publica.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 55 minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Representações

Dos funccionarios do municipip de Bragança, pedindo para que seja substituido o Codigo Administrativo, actualmente em vigor.

Apresentada pelo Sr. Deputado Moreira de Almeida, enviada á commissão de administração publica e mandada publicar no "Diario do Governo".

Dos continuos e correios do Governo Civil do districto de Lisboa, pedindo para que os seus vencimentos sejam equiparados aos dos seus collegas das Secretarias do Estado.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara, Thomaz Pizarro de Mello Sampaio, e enviada á commissão de fazenda.

Dos proprietarios das fabricas matriculadas de alcool e de açucar, do districto do Funchal, apresentando diversas considerações acêrca da proposta de lei do Governo, sobre vinhos generosos, na parte respeitante á Ilha da Madeira.

Apresentada pelo Sr. Deputado Antonio Cabral e enviada á commissão de agricultura.

Da classe pharmaceutica do Porto, representada pelo Centro Pharmaceutico Português, apresentando, diversas considerações sobre o descanso semanal.

Apresentada pelo Sr. Deputado João Pinto Rodrigues dos Santos e enviada á commissão de administração publica.

Da direcção do Circulo Catholico Operario de Villa do Conde, adherindo ás reclamações do Circulo Catholico de Braga, acêrca do descanso dominical.

Apresentada pelo Sr. Conde de Castro e Solla e enviada á commissão de administração publica.

Dos amanuenses da Inspecção da Primeira Circunscrição Escolar do Reino, com sede em Lisboa, pedindo aumento de vencimento.

Apresentada pelo Sr. Deputado Antonio Cabral e enviada á commissão de fazenda.

Dos professores do Lyceu de Braga, pedindo que o lyceu d'esta cidade seja equiparado aos lyceus de Coimbra, Lisboa e Porto.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara Thomaz Pizarro de Mello Sampaio e enviada á commissão de fazenda.

Da União Geral dos Trabalhadores Federação Obreira do Porto, pedindo e considerando urgente a approvação do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Alberto Lopes de Almeida, acêrca do descanso semanal, com as modificações apresentadas na sua representação.

Apresentada pelo. Sr. Presidente da Camara Thomaz Pizarro de Mello Sampaio, e enviada á commissão de administração publica.

Justificação de faltas

Declaro que faltei ás sessões d'esta Camara desde segunda feira por motivo justificado. = João de Menezes. Para a secretaria.

O REDACTOR = Luiz de Moraes Carvalho.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 27 DE 10 DE NOVEMBRO DE 1906 15

Discurso proferido pelo Sr. Deputado Moreira de Almeida, que devia ler-se a pag. 5, col. 2.ª, da sessão n.° 27 de 10 de novembro de 1906

O Sr. Moreira de Almeida: - Poderia, fazer algumas observações eru resposta ao que disse o illustre Ministro dos Negocios Estrangeiros, com relação á Conferencia de Bruxellas; mas como S. Exa. acrescentou que brevemente viria á Camara o respectivo Livro Branco, aguardarei esse momento e terei então ensejo de acompanhar as considerações do illustre Deputado Sr. Dr. Fratel e de outros que porventura entrem no debate, na certeza de que muito folgarei que se dissipe a má impressão que sinto a respeito dessa conferencia e que me leva a não concorrer para os canticos triunfaes que teem sido entoados em honra do Governo a propósito das conclusões dessa conferencia internacional.

Quanto á situação da provincia de Moçambique, não me resta duvida que o seu desfavor é completo.

Por agora desejaria que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros me dissesse se o Governo se julga no direito de manter nas duas provincias o regime das avenças que ali está autorizado.

Trata-se de um facto de administração interna, que nada tem com os compromissos internacionaes, pois regula a sua execução e as avenças podem attenuar os inconvenientes do regime estabelecido.

Peço para este ponto a attenção dos Srs. Ministros dos Negocios Estrangeiros e da Marinha.

E já que estou com a palavra e ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros me dirijo, desejarei ouvir explicações de S. Exa. sobre um outro assunto deveras importante, e que me determinou a pedir a palavra.

O Diario de Noticias publicou hoje um telegramma de Buenos Aires, dizendo que um jornal d'aquella capital informa que se deu um conflicto entre o Ministro dos Negocios Estrangeiros da Republica Argentina e o nosso representante, o Sr. Constancio Roque da Costa, que foi severamente increpado por aquelle Ministro.

Sem entrar na apreciação do assunto, que é de sua natureza melindroso, peço unicamente ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que me diga o que lhe consta a este respeito.

Sr. Presidente: nada me autoriza a julgar que o representante de Portugal tenha exorbitado ou se tenha excedido na defesa dos interesses que representa, mas, suppondo mesmo que elle tivesse exorbitado, poderia o Governo Argentino por meios diplomaticos e confidenciaes ter manifestado o seu reparo, e nunca por censuras severas ou não severas e de dominio publico, discutidas em jornaes, sobre quem representa a nação portuguesa, que não pode consentir em tal aggravo, por ser isso desprimoroso para o nosso pundonor e para o nosso brio nacional.

Parece-me o assunto muito grave, porque, sendo o Sr. Consiancio Roque da Costa nosso representante diplomatico e consular na Republica Argentina, as censuras que recaiam sobre elle no exercicio das suas funcções officiaes recaem tambem sobre o país que elle representa junto do Presidente da Republica e do Governo Argentino.

Portanto, rogo ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que diga o que sabe a este respeito, ou se o telegramma inserido no Diario de Noticias se refere a factos que porventura tenham sido exagerados, e não revistam a gravidade que lhes é attribuida.

Mando para a mesa uma representação dos funccionarios do districto de Bragança, em que pedem, em termos correctos, que se faça a revisão do Codigo Administrativo, attendendo-se quanto possivel aos interesses dos empregados das municipalidades e assegurando-se-lhes as suas próprias receitas. Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte a sua publicação no Diario do Governo.

Rogo tambem aos Srs. Ministros presentes que transmitiam ao Sr. Ministro do Reino as considerações que vou fazer sobre um assunto relativo á Direcção Geral de Instrucção e de que já se occupou n'esta Camara o illustre Deputado Sr. Dr. Abel Andrade. Refiro-me ao professor Eduardo Monteverde, da Escola Industrial Bartholomeu dos Maryres, e que era professor provisorio do Lyceu de Braga, donde foi injustamente excluido.

Este professor, tendo feito um concurso brilhante para as escolas industriaes e havendo sido mandado para uma dessas escolas, a de Braga, foi depois nomeado professor provisorio do lyceu d'aquella cidade, por proposta do conselho escolar, sendo agora afastado dessa commissão que exercia no lyceu, apesar do voto contrario do reitor e do conselho. Fez-se isto para dar logar a um protegido do Governo, a um amigo da situação, com manifesto desprezo das disposições legaes e prejuizo do ensino, o que me parece absolutamente inconveniente e injusto. Allega-se para desculpar a exclusão do Sr. Eduardo Monteverde o facto d'elle não ter obtido boa classificação num concurso feito ha annos para professor dos lyceus. Mas depois disso adquiriu elle, tambem por concurso, deveras notavel, a categoria de professor das escolas industriaes, que por lei é sufficiente para poder concorrer aos lyceus, e portanto, para exercer ali as funcções do magisterio. O Sr. Eduardo Monteverde foi victima portanto de uma perseguição odiosa ou de um favoritismo cego, para ser substituido por um amigo do Governo. Queria ler á Camara os documentos que pedi pelo Ministerio do Reino e creio poder affirmar que são honrosissimos para este professor. Mas visto que não me forneceram até agora taes documentos, aqui fica o meu protesto contra esse acto arbitrario e a minha reclamação para que o Sr. Eduardo Monteverde seja reintegrado no Lyceu de Braga, como é de equidade e convirá ao ensino.

Espero que o Sr. Ministro do Reino de sobre este assunto as providencias que o caso requer.

Tambem peço a um dos Srs. Ministros presentes a fineza de transmittir ao Sr. Ministro da Marinha o pedido que lhe faço para que reveja o processo de concurso para dois logares de preparador na Escola de Agricultura Colonial a que concorreram dois agricultores diplomados e um regente agricola. Parece que ha duvidas de que estes dois agricultores diplomados pudessem concorrer aquelle logar, e portanto peço ao Sr. Ministro da Marinha para que consulte esse processo, o estude e de as providencias precisas para que a lei se interprete por forma a não se tirarem áquelles agricultores direitos que a legislação respectiva do Ministerio das Obras Publicas lhes garante, dando-lhes ali preferencias.

Pergunto tambem ao Sr. Ministro da Fazenda se é verdadeiro o boato que corre no publico de que um agente ou socio de uma casa bancaria de Lisboa partiu para o estrangeiro a tratar de um emprestimo, mais ou menos relacionado com o negocio dos tabacos, ou qualquer outra operação financeira, para o Thesouro Português.

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Entendo que quaesquer tentativas para uma operação financeira de qualquer ordem são n'este momento inconvenientes.

Saímos ainda ha pouco da campanha dos tabacos. Conseguiu-se separar a operação financeira da adjudicação do exclusivo. Evitaram-se os emprestimos supplementares e para applicações indefinidas. Se a finança julga que lhe permittimos que agora tome conta do Thesouro, está illudida! Diz-se que a uma projectada operação financeira do Thesouro não é estranha tambem a visita que o Sr. Ministro da Fazenda recebeu no seu gabinete, de um dos socios e representante de uma importante casa bancaria de Londres relacionada com o Governo Português.

Todos estes factos justificam a minha pergunta, que, não se refere só a operação sobre os tabacos, para a conversão, ou com outros fins. Refiro-me a quaesquer operações, ainda mesmo sobre a divida fluctuante, e espero ouvir do illustre Ministro da Fazenda, resposta categorica e precisa.

Agradeço desde já as explicações que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros e o Sr. Ministro da Fazenda se dignarem dar-me.

Por ultimo solicito de S. Exa., Sr. Presidente, que inste com o Sr. Ministro do Reino para que me envie os documentos que ha muito tempo requeri pela Direcção Geral da Instrucção Publica.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 27 DE 10 DE NOVEMBRO DE 1906 15

Discurso proferido pelo Sr. Deputado Alberto Navarro, que devia ler-se a pag. 7, da sessão n.° 27 de 10 de novembro de 1906

O Sr. Alberto Navarro: - Sr. Presidente: Eis a primeira pedra angular do edificio que o Sr. João Franco se propõe erguer!

Eis uma das bases fundamentaes do plano da reorganização financeira, politica e até moral com que o Sr. Presidente do Conselho conta felicitar o país e que vera, ao que nos dizem, estabelecer, de uma vez para sempre, o inviolavel respeito pela lei, a severa economia na administração, a estricta fiscalização dos dinheiros publicos e o justo e devido predominio parlamentar.

O justo e devido predominio parlamentar, precisamente no momento em que o Governo arranca aos membros do poder legislativo a liberdade que a Constituição lhes outorga!

O inviolavel respeito pela lei, precisamente quando o Governo rasga de novo a Carta e desta vez num dos preceitos em que ella firmou o regime que nos governa!

A severa economia na administração, exactamente quando se talham largas benesses, se criam logares inuteis e escusados e se aumentam em alguns contos de réis as despesas!

A estricta fiscalização dos dinheiros publicos, quando se arranca essa fiscalização a um tribunal independente e autónomo, para se entregar, numa concentração ao transe, a um funccionario da nomeação do Governo, da sua confiança e dependencia, e a quem são conferidas attribuições tão discricionarias e tão latas que fica, de per si só, uma instituição!

Fiscal de si mesmo, fiscal de todos os directores geraes, fiscal do Ministro de que é subordinado, fiscal de todos os Ministros, o monopolista da honestidade, da competencia e do saber, este funccionario é mais do que um super-homem, parece a segunda encarnação politica do Sr. João Franco, pois que, como elle, tudo faz e tudo evita, tudo sabe e tudo fiscaliza, tudo pode e tudo endireita!

Efficaz inteiramente ou não, tinhamos nós um systema de contabilidade, logicamente deduzido, scientificamente modelado e razoavelmente apertado nas suas disposições e preceitos.

Ha muito, porem, que se vinha dizendo, no lamentavel erro de que com leis se modificam costumes, que era absolutamente indispensavel cerrar mais as malhas da fiscalização, apertar em limites mais estreitos as faculdades e liberdades dos Ministros, e o Sr. João Franco e os seus marechaes, nas suas conferencias, nos discursos nesta casa e nos seus artigos na imprensa, preconizavam a indispensabilidade de "mudar de systema e começar neste país a governar á inglesa.

Será pois com esto projecto que se vem iniciar a governação á inglesa?

Será por elle e com elle que o Sr. João Franco vem introduzir no país as instituições fiscaes britannicas?

Não, porque o projecto não é uma adaptação do systema inglês, não é mesmo uma imitação d'elle; é, quando muito, um arremedo, uma grosseira parodia dos institutos britannicos, dos quaes se apropriou apenas a forma externa, transformando-lhe e abastardando-lhe a estructura, o modo de ser e até ás linhas geraes que caracterizam esse systema.

O projecto, tal como vem, rasga a Carta injustificadamente abate o prestigio parlamentar, illude a fiscalização e reproduz, algumas em terceira e cansada edição, as disposições que já existem nas nossas leis ha muito tempo.

Rasga a Carta, porque, sendo absoluta e illimitada no 1 artigo 15.º a faculdade que os membros do poder legislativo teem para fazer leis, na opportunidade, no ensejo e com os resultados de aumento ou diminuição de despesa que entendam, a prohibição de apresentar, durante a discussão do orçamento, projectos que aggravem a despesa, significa e representa um attentado contra aquella disposição.

Attentado tanto mais grave, quando, tratando-se de faculdades dos poderes do Estado, é essa uma matéria constitucional que só pode ser modificada, alterada ou revogada por Cortes constituintes, nos precisos termos do artigo 144.° da Carta Constitucional.

Chamada desde logo para este ponto a attenção do Parlamento, quando da discussão da resposta ao Discurso da Coroa, a commissão manteve-o quand meme mas entendeu preciso justificá-lo.

E essa justificação é curiosa e só por si demonstra a insustentabilidade da doutrina.

Em argumentos tirados da nossa legislação uns, e outros extrahidos da legislação externa se apoia a commissão.

Em argumentos e motivos, não; em sofismas tão transparentes e em embustes tão grossos que caem por si, sem necessidade de analyse, sendo apenas para assombrar a coragem com que a illustre commissão, e sem sombra de offensa o digo-se não pejou de os apresentar a uma assembleia illustrada.

E o primeiro que tal já existe no artigo 63.° do regulamento da contabilidade publica de 1871. É falso! O que existe é a prohibição para o Governo na confecção do orçamento, que elabora no remanso do seu gabinete, como poder executivo, de alterar quadros, vencimentos ou serviços publicos sem lei que tal autorize. É evidente que, sendo o orçamento o rol das receitas e despesas autorizadas, não pode o Governo, que não tem faculdades legislativas, alterar essas leis, restringi-las ou ampliá-las. Ha de regular-se pelas leis votadas. Mas o que nada prohibe, nem podia prohibir, é o que o Governo no Parlamento, com o orçamento já presente, por occasião da discussão d'elle ou doutra qualquer, não possa exercer a sua iniciativa, propondo ou acceitando qualquer alteração ás leis vigentes. E o que se deduz da letra da lei, do espirito d'ella, e da pratica de longos annos.

Allega-se ainda, com uma audácia que não trepida na inversão de todos os principios, que a disposição do projecto é apenas a regulamentação do artigo 16.° da Carta.

Como pode afiirmar-se tal enormidade?!

Pois se a Carta concede ampla liberdade aos membros das Camaras de apresentar quando quiserem projectos de lei e o projecto em discussão prohibe essa apresentação emquanto se discute o orçamento, regulamenta-se por ventura essa liberdade, ou restringe-se, altera-se, supprime-se num dado momento?!
Regulamentar é tornar effectiva uma certa disposição, é a forma de a levar á pratica, ora se é cortada essa liberdade, como é que se define a forma de a levar á pratica?

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16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

São d'esta força as razões tiradas da legislação interna; são mais extraordinarias ainda as outras.

E que na Inglaterra e na França ha as mesmas disposições.

Oh! Sr. Presidente, para responder a isto não preciso cansar-me a produzir argumentos meus, respondo á illustre commissão com o argumento que desse lado da Camara nos davam - mas d'esta vez com razão e com justeza - quando para regular a nacionalidade de um austriaco de sangue citávamos a legislação da Austria: - e é em Portugal que estamos, e com as leis portuguesas, e é com a constituição portuguesa que queremos e temos de viver.

O Sr. Ministro da Fazenda esqueceu-se já da sua nova nacionalidade e como para S. Exa. foi indifferente tanto tempo - 34 annos - ser austriaco ou português, entende que tambem a nós tanto nos faz ser governados pelas leis inglesas, austriacas, francesas ou romanicas!

Cada país tem a sua constituição differente, e nós temos de cumprir a nossa e manter por completo o artigo 15.° da Carta Constitucional.

E, depois, que desejo immoderado do exotismo é esse que traz para Portugal, sem respeito pelo código fundamental da nação, as disposições estranhas, quando cá não existem nem razões nem os motivos que levaram aquellas nações a adoptá-las!

Pois ignora alguem que a iniciativa dos Deputados, que em Inglaterra e em França, se exerce multiplas e efficazes vezes, é em Portugal apenas letra morta, pois que só passa e só se vota o que os Ministros querem!

Pois então estamos aqui a fingir que desconhecemos tanto os nossos costumes que pomos peias á iniciativa parlamentar e deixamos desembaraçada e livre a ministerial, que é a unica perigosa e que longa e tradicionalmente o tem sido!

Estamos a legislar, não á inglesa, mas... para inglês ver. Sim, porque votem muito embora V. Ex.as essa disposição, que nenhum effeito legal ella pode ter, pois que, sendo alteração de materia constitucional, só podia ser elaborada e levada á pratica por Cortes Constituintes, e por conseguinte não pode esta Camara votá-la validamente, não obrigando essa votação nem para os Deputados actuaes nem para nenhum cidadão português. E para inglês ver e mais nada.

Como para inglês é todo este systema. E a prova vou eu fornece-la a V. Exa. em duas palavras, expondo sucintamente as bases em que assenta o systema fiscal inglês e V. Exa. verá que este nem sequer é um arremedo, é apenas uma mystificação dos respectivos institutos que vigoram na Gran-Bretanha.

O que caracteriza, com effeito, o systema inglês é a alliança intima do Parlamento e do poder executivo. Em materia de finanças essa união é tão intima que Leão Say não hesita em afirmar que o poder ministerial fica muito abalado. A Camara dos Communs aflfirma a sua omnipotencia financeira intervindo de uma maneira directa e permanente, pelos seus delegados, na execução do orçamento. Esses delegados são de uma parte um alto funccionario, o fiscal auditor geral; por outra parte, uma commissão especial denominada de contas publicas.

Embora nomeado pelo Rei, o fiscal auditor geral é uma emanação directa do Parlamento: não pode ser demittido senão sobre uma mensagem das duas Camaras. Tem uma dupla missão, constatar que o dinheiro não saiu senão conforme intenções do legislador, e, depois da despesa feita, que o dinheiro foi pago tambem segundo o voto da lei. No ponto de vista da fiscalização preventiva, o fiscal auditor geral é especialmente encarregado de vigiar a entrega á thesouraria dos fundos votados pelo Parlamento. Nenhuma saida de fundos do Banco de Inglaterra, em conta corrente com o Thesouro, pode ter logar sem o exame previo e a autorização expressa do fiscal.

Quanto á fiscalisação repressiva, o fiscal auditor geral e a commissão de contas associam-se para o seu exercicio. As contas annuaes da administração, que teem por objecto comparar as despesas effectuadas com os creditos abertos pelo orçamento, são enviadas ao fiscal pelas administrações e departamentos ministeriaes nos dois ultimos meses do anno em que a gestão financeira terminou. Depois do seu exame, o auditor constata a correcção das contas ou formula as suas criticas em relatório que é presente á commissão parlamentar. Na primeira quinzena de fevereiro as contas de apropriação, acompanhadas das anotações e do relatório do fiscal, são transmittidas a Camara, dos Communs, que as envia á commissão parlamentar.

É sómente em casos muitos graves que o parecer da commissão da occasião a discussões, a moções parlamentares, podendo conduzir ou á queda do Gabinete ou á demissão dos altos funccionarios responsaveis perante o Parlamento.

A grande vantagem deste systema é a celeridade.

A contabilidade inglesa, referida a annos civis pode ser verificada e apurada, como diz Stourm "28 dias depois do primeiro schilling gasto".

A Inglaterra, para libertar os empregados pagadores não pensou preciso organizar um processo e proferir sentenças; uma simples decisão administrativa, emanada de uma autoridade que se procurou tornar independente, basta.

Eis o que se faz em Inglaterra, onde é preciso accentuar desde já que a Constituição é outra, os costumes são outros as tradições arreigadissimas, de forma que leis seculares a regem numa oligarchia aristocratica que ha muito, confunde tanto os seus interesses com os da nação, que a todos infunde veneração e, respeito.

A França tambem, por vezes, tem querido adoptar, o regime inglês. Mas lá entende-se que não basta que uma lei seja boa na sua patria para se poder transplantar. É necessario que se allie, que se conjugue com os usos, com os costumes, com as tradições e com a indole especial do povo. Em França, onde as linhas divisórias dos partidos são accentuadamente nitidas, onde as paixões politicas, como cá, fortemente actuam, de maneira a obscurecerem por vezes o criterio mais justo e o espirito mais lucido,, hesitou-se sempre em criar um tão alto funccionario, de funções tão absorventes, tão largas e de tantas e tão importantes consequencias, porque poderia num dado momento transformar-se num estrangulador de ministerios, trepidou se em implantar uma commissão de politicos que, a breve trecho, podiam impedir toda a iniciativa governamental, substituindo a sua responsabilidade á ministerial.

Em França, apesar de politicos illustres e de estadistas conceituados preconizarem o systema britannico, nunca lá se pôde estabelecer.

Mas vamos nós traze-lo para Portugal, onde os costumes politicos são ainda mais impuros?

Não. O que se traz é o abastardamento do regime fiscal inglês, é a deformação de todo aquelle systema.

Ha tambem um alto funccionario, centralizando toda a fiscalização preventiva; vem também, como ideia genial, a criação - a pseudo criação - como eu logo mostrarei, de uma commissão parlamentar de contas publicas. Examinemos, pois, esses dois institutos:

Director da contabilidade

O agente a quem incumba a pesada missão fiscal, apesar de só poder ser demittido nos casos taxativamente marcados, fica, na sua qualidade de chefe da administração, á mercê das influencias administrativas.

Não se pode admittir que se colloque como censor do. Ministro, do qual depende por tantas formas e que o prime hierarchicamente, um chefe de serviço do seu Ministerio.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 27 DE 10 DE NOVEMBRO DE 1906 17

Sob este ponto de vista, arriscar-se-hia a recomeçar á sua custa a luta da panela de barro com a panela de ferro.

Já disse o grande economista Emanuel Besson que o unico meio de proceder criteriosamente seria recrutar o corpo de fiscalização fora do pessoal das secretarias, entre individuos que, pela sua origem profissional, pela tradição das suas funcções, e pela hierarchia dellas, não dependessem do Ministro da Fazenda.

E o exemplo que nos dá a França, junto das companhias dos caminhos de ferro dotadas de garantia de juro: um inspector de finanças, nomeado pelo Ministerio da Fazenda, e não das Obras Publicas, é encarregado apenas d'esse serviço, é delegado juuto d'essas companhias para exercer as funcções de chefe de fiscalização.

Todos os actos administrativos, tendendo a um compromisso de despesas, contratos, cadernos de encargos, adjudicações, são passiveis do seu prévio exame e submettidos ao seu visto.

Funcção de fiscalização, inteiramente independente da funcção de administração.

Para levar, os administradores ao respeito pela lei, só pode ser competente quem responsabilidade alguma tenha sobre os actos sujeitos ao seu exame e vigilancia.

De outra forma, é tudo confundir e anarchizar, com o fim unico da illusão ou da mystificação.

Em um bom regime de contabilidade publica, devem os processsos da contabilidade judiciaria e preventiva, e a modelação dos institutos incumbidos de imprimir-lhe feição pratica, ter grande destaque, para torná-la efficaz.

A ordenação da despesa, a classificação d'ella, são os primeiros estagios da administração financeira; a fiscalização preventiva e repressiva representam a approvação e o contraste dessa administração com as leis que a dominam.

Encarregar os agentes de uma da outra é fazer desapparecer a divisão racional e lógica, que as successivas étapes da contabilidade publica naturalmente apresentara, para, confundindo tudo, tirar á fiscalização o seu caracter de seriedade, de efficacia e de respeitabilidade.

O director geral da contabilidade é o guarda-livros do Estado, ordena a despesa em nome do Ministro, classifica-a, balanceia-a, mas ahi terminam as suas funcções, porque, se nunca se viu, nem é sequer comprehensivel, que o guarda-livros possa ser o fiscal do chefe da casa commercial onde exerce as suas funcções, sob as ordens, vigilancia e direcção do qual escritura as receitas e despesas, igualmente não pode comprehender-se que aquelle alto funccionario, que era nome do Ministro exerce aquellas funcções, que é o seu primeiro collaborador no ordenamento das despesas publicas, na percepção das receitas do Thesouro, seja o seu fiscal, seja o seu vigilante, seja, numa inversão completa da hierarchia burocratica, superior ao seu legitimo superior, e possa, de uma forma efficaz, negar-lhe os meios que elle julga necessarios para governar.

Mais parece que se trata de um derivativo da responsabilidade ministerial, do Ministro para o seu primeiro funccionario - porque sempre é bom ir prevenindo todas as eventualidades, e é possivel que um dia haja a lei de responsabilidade ministerial - do que de uma reforma de contabilidade honestamente planeada, e logicamente meditada.

O exame previo é, na actualidade, o modo de fiscalização acceite e consagrado; a acção impeditiva, sobrepojou de todo o ponto e em toda a parte, a correctiva, nos institutos que tem por fim contrastar a arrecadação da receita com a applicação d'esta á despesa.

Condição para a boa systematização das despesas publicas é sómente a organização de uma fiscalização previa, orientada no sentido de impedir que o Governo faça despesas que não estão conformes com o orçamento. Ora, se todos comprehendem que tal fiscalização não pode tornar-se proficua senão com a condição de preceder a despesa, porque de outra forma encontra-se o Parlamento perante a irremediabilidade de factos consummados, que não podem já emendar-se, porque, suppondo mesmo que a responsabilidade ministerial deixa de ser uma palavra vã, nem o castigo do Ministro compensa o prejuizo que o Thesouro soffreu, nem, senão rara e dificilmente, acontecerá que a fortuna do responsavel seja sufficiente para comportar as restituições dos dinheiros publicos indevidamente dispendidos, tratando-se de sommas que estão fora de toda a proporção com patrimonios particulares, mesmo que noa continue governando a plutocracia que hoje domina.

Se esta fiscalização previa é hoje absolutamente indispensavel, repito, é necessario que se exerça efficazmente, de molde a dar garantias e a infundir respeito, o que não pode ser, quando ella se exerce por funccionarios que, embora declarados inamoviveis, são funccionarios subordinados do Ministro, sentindo todos os dias a sua acção de superior hitrarchico, que a todos os momentos associam, como seus collaboradores, a sua responsabilidade á d'elles, e que por tantas formas e tantas vezes estão na sua immediata dependencia, sujeitos até ás más disposições, quando não aos seus maus humores.

Em parto alguma do mundo a fiscalização é exercida por individuos que da administração dependem, e cuja iniciativa é, tantas vezes, a iniciativa dos proprios Ministros.

Quem é que ignora que, na maior parte dos rasos, os regulamentos que os Ministros publicam, as instrucções que baixam das suas secretarias, as portarias que assinam, e até os projectos que submettem á nossa apreciação, são elaborados pelos respectivos directores geraes?

Na vasta cadeia que une os funccionarios da administração, o primeiro elo é constituido por esses empregados superiores, que a todo o momento communicam com os Ministros, a elles submettem seus pareceres, d'elles recebem instrucções e ordens.

As funcções imprimem caracter. A independencia do fiscal não se coaduna com a dependeiicia do auxiliar, nem com a subordinação do executor.

O primeiro executor das ordens do Ministro é o director-geral.

Faze-lo fiscal do executivo, é confundir a administração com a justiça, é dissipar todas as garantias que esta dá; é illudir inteiramente, a ideia que se preconiza e que se alardeia ter presidido á confecção d'este miseravel projecto.

Em toda a parte, disse eu, é a entidades independentes do executivo que se entrega a fiscalização previa.

Já me referi á Belgica, cuja doutrina é preconizada pelos mais notaveis financeiros, e seguida pelos países adeantados do novo mundo.

O Tribunal de Contas de Italia exerce a fiscalização preventiva, não só sobre as despesas publicas, mas ainda sobre todos os actos e decretos do Governo. Nos termos da lei de 14 de agosto de 1862, todo o decreto real, seja qual for o Ministerio donde emane, é sujeito ao visto do Tribunal de Contas, mesmo que se não ligue a movimento algum de fundos e não interesse ao orçamento. As altas attribuições de que o tribunal italiano está investido conferem-lhe um caracter verdadeiramente constitucional.

Examinando o acto ou decreto o tribunal visa-o e regista-o, se o encontra nos termos da lei, senão recusa-lhe o visto. Essa deliberação é transmittida pelo presidente ao Ministro signatario. Se o Ministro persiste, submette a deliberação ao Conselho de Ministros; se este é de parecer que se deve insistir, o tribunal é chamado a deliberar segunda vez e se neto se conforma com as razões dadas pelo Conselho, ordena o registo mas com a seguinte declaração visto com reserva.

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Communica directamente o facto dentro de 15 dias á Camara dos Deputados e ao Senado, que resolvem em ultima instancia.

Isto quando se trata de actos, de decretos, de regulamentos ou portarias que não se ligam com o orçamento, nem trazem aumentos de despesa, aquelles que se ligara á administração do Governo nas suas relações com as leis e os regulamentos.

Quando se trata, porem, de qualquer pagamento ou despesa, a recusa de visto por insufficiencia de verba orçamental ou do imputação irregular de capitulo, a recusa do visto annula o acto sem appellação. A lei de contabilidade de 17 de fevereiro de 1884 assim o decide nos termos mais formaes.

"Art. 50.° Non si fara luogo à registrazioni di uno mandato di pagamento da parte della Corti di Conti, edil di lei rifirerá ed annuellarà il mandato, quando si tratti dispesa che ecceda la somma stanziata nelle relativo capitulo del bilancio e non vi possa fare fronte al fundo di riserva".

D'esta forma, e só desta forma, se garante a inviolabilidade do orçamento. Obtem-se assim não somente, como dizia o Senador Lampertico, a garantia constitucional, ficando em pleno vigor a responsabilidade do executivo, mas ainda uma garantia inconstitucional.

No relatorio annual do Tribunal de Contas italiano reflecte-se toda a administração do Estado; no exercicio das suas elevadas attribuições cumpre, por assim dizer, delegação constitucional, e o Parlamento Italiano, reconhecendo os serviços prestados, por mais de uma vez tem approvado moções no sentido de fazer votos por que o Governo não recorra, aos registos com reserva, embora d'isso não venha aumento de despesa, mas sempre inconveniente para a regularidade da administração, cujo procedimento se deve harmonizar constantemente com a lei.

Se o Tribunal de Contas italiano, no exercicio de sua prerogativa constitucional, é mais de uma vez obrigado a inclinar-se perante a vontade real e de contar com o Governo; por seu lado, a ultima palavra pertence-lhe em todas as questões que tocam a execução do orçamento.

Alem de tudo, o tribunal verifica, mês a mês, as contas dos Ministros.

O Brasil instituia na sua constituição republicana o artigo 90.°, criando o Tribunal de Contas, como uma instituição constitucional. Independente de qualquer ramo da administração, com absoluta autonomia, como instituto revestido de delegação legislativa, para a fiscalização das leis fazendarias.

Pretendendo investi-lo das elevadas funcções que lhe competem, e garantir-lhe a plenitude das suas altas attribuições, foi que o legislador constitucional o contemplou no acto fundamental da republica, com hierarchia igual ao Supremo Tribunal Federal, estabelecendo para o provimento d'esses logares o mesmo regime da investidura que para o dos membros d'este tribunal.

De resto, em todos os regimes clássicos de fiscalização a autonomia do Tribunal de Contas é considerada elemento fundamental da instituição.

Em França, onde a, Corte de Contas se resente da feição que lhe imprimiu o poder absoluto e centralizador do grande Napoleão, ao organizá-lo no acto de 1807, é ella, ainda assim, uma magistratura superior, separada da administrativa, e tendo a independencia que dá a inamovibilidade e o habito de julgar e lidar com leis.

O caracter essencial da sua organização é, no sentir de Victor Marcet, constituir um corpo separado e distincto da administração!

Regressamos de um seculo! Por occasião da discussão da lei belga de 1846, pretenden-se estabelecer limites á funcção da fiscalização previa do Tribunal de Contas - veja V. Exa. não foi tirar-lhe a funcção, foi limitá-la somente - e o Ministro das Finanças, que era esse grande reorganizador da administração financeira da Belgica, Mallou; defendeu com vehemencia, na sessão de 11 de março de 1846, o § 2.° do artigo 13.° do projecto, que limitava o exame da Côrte á approvação da validade do credito e da regularidade da imputação, isto é, da classificação.

Após o notavel discurso de Mandattenrode, a disposição foi eliminada, apesar da defesa, do Ministro, que não era o Sr. Schrõter, mas Mallou, porque se entendeu que o tribunal, e só o tribunal, devia ter o arbitrio de recusar o visto pura e simplesmente.

Pois volvidos mais de sessenta annos, após tantos progressos, obtidos nas sciencias económicas e financeiras, sob o consulado eminentemente liberal do Sr. João Franco, é que se vem propor ao Parlamento Português, sob a color de um adeantamento e vantagem,, o que uma camara conservadora e um partido conservador, não póde obter em 1846!

Nem na Russia! No imperio autocrata dos czares a fiscalização dos dinheiros publicos constituo um Ministerio especial, com um pessoal próprio, independente do Ministerio das Finanças, e o seu principal fiscal nada tem com a administração do imperio, pertencendo-lhe apenas as funcções proprias do exame e do julgamento das despesas e das contas publicas.

A republica de S. Salvador da America, as republicas do Peru e do Mexico, apropriaram ás suas instituições a organização italiana do Tribunal de Contas, confiando-lhe a fiscalização previa das despesas, com o veto absoluto.

É aos expedientes da contabilidade, que tanto se teem aperfeiçoado, multiplicado e subtilizado, até o ponto de criar uma especie de sciencia nova, conhecida entre nós como orçamentologia, que se deve attribuir o defeito capital de que enfermam, quer os nossos orçamentos, quer a propria administração financeira.
Pois é ao próprio, ao primeiro cultor d'essa sciencia, ao inventor de todas as habilidades orçamentalogas para todos os Ministros gastarem o que quiserem, e como quiserem, que se vae entregar a fiscalização previa das despesas!

Se se teve em vista mystificar a opinião publica, nem sequer houve a habilidade para apparentar.

A mystificação é tão clara, tão fácil de descobrir, que basta notar, embora superficialmente, por uma leitura rapida, os argumentos com que se preconiza a substituição do Tribunal de Contas pelo director geral da contabilidade nas funcções do visto.

É o primeiro argumento que nos dá o Ministro: a substituição de responsabilidades collectivas por as de um só funccionario, visto Ser esta mais facilmente effectivel.

Em primeiro logar, concentrar as responsabilidades num só, é a marcha regressiva para o poder absoluto.

Obra de concentração foi sempre a do Sr. João Franco, quer engradecendo o poder real, quer publicando essas leis, que umas após outras, pretende revogar, desde o Codigo Administrativo, que tudo concentrou nas mãos do Ministro do Reino, até a reforma policial, que tudo collocou no poder omnipotente do Juizo de Instrucção Criminal.

No entanto, hoje, o Sr. João Franco enjeita essas leis, faz contricção das suas responsabilidades, e proclama-se liberal e descentralizados.

Comtudo neste projecto o que faz é centralizar, quando ao mesmo tempo assenta em todos os seus discursos, e em muitos dos seus relatorios, que descentralizar é o fim de todas as organizações democraticas.

Concentrar as responsabilidades num só é tornar mais difficil o apuramento de responsabilidades, pela falta de cumplices; é tornar menos efficaz a effectividade dessa responsabilidade, pela falta de garantias.

Que immensa fortuna não era necessaria para que o

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director geral de contabilidade pudesse, restituir, o que fosse mal gasto, em virtude de despesas illegaes ou illegalmente feitas?!

O erro ou o crime, são tanto mais difficeis de praticar, quanto maior for o numero de agentes de que depende a sua pratica.

O apuramento e o pagamento das responsabilidades são tanto mais fáceis e praticaveis quanto mais se dividirem, cada um dos agentes concorrendo com a sua parte.

Isto, pelo lado theorico.

Mas, vejamos pelo lado pratico.

Centraliza o Sr. João Franco relativamente ao que já existe?

Se o Sr. Schrõter, que já lê livros de direito e até sentenças, fizesse a mais pequena ideia do mecanismo do Tribunal de Contas, não permittia que alguem lhe escrevesse tal coisa no seu relatorio.

O serviço do visto não é da responsabilidade collectiva dos conselheiros do Tribunal de Contas. Cada um faz, por turno semanal, esse serviço e relativamente aos documentos que visa, cada juiz liga a sua responsabilidade individual, e como é um funccionario responsavel, segundo os preceitos da Carta, responde, individual, civil e criminalmente, por erro de officio, ou por crime praticado no exercicio d'essas funcções.

Este preceito, em. que sé faz firmar toda a excellencia do projecto da responsabilidade civil e criminal do visante, é mais uma mystificação do projecto, pois que, como o Sr. Schrõter não pode alterar na lei da contabili dade, o nosso codigo penal, e mais, as bases primordiaes do nosso direito de punir, legisle-se o que se legislar, só haverá responsabilidade criminal quando se provar a intenção, sem o que não ha crime.

Por outro lado, a responsabilidade civil já hoje se podia effectivar contra o juiz que mal, ou irregularmente, visasse, nos mesmos termos, e com as mesmas formas, com as mesmas dificuldades, podendo dar origem á mesma chicana que hoje pode, visto que se não estabelece processo especial.

A responsabilidade civil é criminal, que aqui se impõe, é uma comminação vasia de todo o sentido.

Para ser punido, ha de o director geral da contabilidade ser convencido que praticou um acto criminoso, com a intenção de o praticar, e não por erro ou desleixo.

Para responder civilmente, ha de ter dinheiro para isso e mesmo quando o tenha, carece de o ter livre, e não preso a quaesquer compromissos, ou até a um regime matrimonial, que não permitta executá-lo.

Eu comprehendo a responsabilidade civil, quando, como para os exactores de fazenda, quando como para administradores de dinheiro alheio, quando como até para os notarios, se exige uma caução previa, mas quando essa caução não existe, quando não ha nada que previamente garanta a responsabilidade, quem quiser prevaricar, prevarica sempre sem haver maneira effectiva de tornar efficaz e pratica a compensação da responsabilidade.

Mas allegam ainda que o director geral fica independente, pois só pode ser suspenso ou demittido por erro de officio ou abuso de confiança, devida e previamente verificados pela commissão parlamentar.

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schrõter): - Apoiado.

O Orador: - Ah! V. Exa. apoia-me; pois eu lhe mostro já que, quer pelos termos do projecto, quer pelos precedentes que este Governo, este, o da virtude triumphante, já nos forneceu, tal garantia é absolutamente vã e illusoria.

O projecto dispõe - no artigo 6.° que a publicação das contas da gerencia se faça dentro de quatro meses a contar do termo do anno economico, impondo, no § unico, á primeira falta, a. pena de suspensão e á segunda a de demissão.

Ora muito bem. As contas são elaboradas pelo director geral da contabilidade, mas como o Ministro é o chefe supremo do departamento das finanças e o primeiro responsavel pela administração financeira, requisita-lhe essas contas para seu exame, demora-as, ellas não são publicadas no prazo, e esse Ministro, ou outro que lhe succeda, pode tomando mão d'esse pretexto, applicar-lhe a suspensão ou a demissão, qual no caso couber, e vê-se logo livre do1 incommodo fiscal.

E V. Exa. sabe bem que para o actual Governo é inteiramente inutil que os Ministros cubram os directores geraes de qualquer irregularidade. O Sr. João Franco não quer saber d'isso - demitte-os e segue ovante no seu caminho.

Isto sem recordar a V. Exa. aquella estranha theoria, aquella peregrina distincção que o Sr. Presidente do Conselho aqui estabeleceu outro dia ácerca do Sr. Abel Andrade, entre suspensão administrativa e suspensão pena.

Para aquella, segundo o Sr. João Franco, summo pontifice da legalidade e da virtude, não é preciso guardar formalidades algumas, nem ouvir o funccionario, nem inquirir as testemunhas que elle apresenta, nem verificar a exactidão dos pontos em que se firma a sua defesa.

Desde que é a administrativa, não é preciso nada - applica-se e communica se, ali, de cara, sem appellação nem aggravo. É summario e efficaz.

Revela valentia de animo e não dá grande trabalho. Um simples inquerito chega!

Ora, está V. Exa. a ver. O fiscal incommodao Sr. Schrõter, este quer-se ver livre d'elle, applica-lhe uma dose de suspensão administrativa, a seguir demitte o administrativamente tambem, e... acabou-se o fiscal. É rapido e fácil.

Aqui está a independencia dos directores geraes. Mas será o projecto baseado no> systema inglês, pelo que diz respeito á commissão? Não.

Apenas para lhe dar um verniz, á inglesa, o nobre Ministro foi buscar o nome á commissão de contas publicas, para que parecesse que transplantava esta instituição para cá, quando apenas o nome se copiava.

Entre o systema inglês e o proposto a differença é tanta que este nem sequer é um arremedo, mas apenas uma mystificação para aquelles que só conhecem as cousas pelos nomes terem a illusão de que o Sr. João Franco governa á inglesa.

Onde está o funccionamento independente de toda a administração, apenas fiscal, que na Inglaterra tem por encargo visar todos os despachos, ordens de pagamento, examinar todos os processos de contabilidade, verificar a forma como se executa o orçamento? Está no director geral da contabilidade? Não, que esse é um funccionario da administração, collaborador do Governo, e portanto seu dependente, e seu co-responsavel.

Não, que é elle que, por si ou por os seus empregados, processa todas as folhas de pagamento.

Onde está a commissão parlamentar de contas, que é a constante fiscal da. forma, como se executa o orçamento em todos os Ministerios, com attribuições latissimas, que quasi absorvem as do poder executivo, exercendo todas aquellas que, entre nós, pertencem ao Tribunal de Contas?

Este arremedo da commissão parlamentar, engendrado no próprio diploma, em que ao Parlamento se coarctava a liberdade, não tem, nos termos do projecto, outras funcções senão as de examinar e verificar se é exacta a declaração geral de conformidade das contas da administração, lançada pelo Tribunal de Contas.

Nem exerce a contabilidade judiciaria, que ao tribunal

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continua pertencendo; nem tem ingerencia, dia a dia, na administração dos dinheiros publicos, como na Inglaterra; nem constituo outra cousa senão uma espécie de confirmação ao julgamento do tribunal.

E apenas uma instituição para épater os ignorantes neste assunto, que talvez imaginem, que isto não sendo nem uma adaptação do systema inglês, nem belga, nem italiano, nem o proposto na Austria-Hungria, seja uma concepção genial do Ministro da Fazenda, que com ella vem, ao mesmo tempo, introduzir a ordem, onde dantes só desordem havia, e collocar o nosso systema de fiscalização financeira em bases rigorosas e moraes, dando ao Parlamento a ultima palavra que, com effeito, como representante da nação lhe pertence, no julgamento da applicação dos dinheiros publicos.

Não. Isto é apenas e simplesmente a edição, nem sequer correcta e aumentada, do que existe nas nossas leis ha mais de um quarto do seculo.

Parece que o systema do Governo está sendo o de reeditar as leis vigentes, e, fazendo-as passar por novas, armar á popularidade, enfeitando-se, como a gralha, com as pennas alheias.

Já o Sr. João Franco nos deu attenuadas, no decreto dos cortes, as disposições da lei de maio de 1891; hoje fornece-nos, baptizadas apenas com nome pomposo, e encadernadas á inglesa, as disposições dos artigo 312.° e 313.° do regulamento da contabilidade publica de 1881. Vem-se propor que se faça precisamente aquillo que a lei, ha vinte e cinco annos, mandava que se fizesse.

E, se é certo que se não tem levado á pratica taes disposições, não é essa Uma razão para, de novo, se propor aquillo que é já lei do país não revogada, porque não caem as leis pelo desuso, e muito menos é decoroso para o prestigio parlamentar que nós estejamos aqui a discutir como novo em folha, como criação genial, aquillo que já era obrigação fazer-se, e que já era imposto por um diploma obrigatorio.

Basta que o Governo faça cumprir a lei; basta que a maioria convide o Governo a fazer enviar para esta camara o ultimo relatório1 do Tribunal de Contas, como é seu dever, e que, esta, nas attribuições que lhe dá o regimento, nomeie a commissão encarregada de verificar as contas publicas.

E se se deseja que a maioria d'essa commissão seja composta de Deputados da opposição, nada mais é preciso do que elege-los, e para que a disposição fique permanente é mandar para a mesa uma proposta para que do regimento se insira um projecto que declare que a maioria referida deve ser constituida por Deputados da opposição.

E estou certo que nenhum dos meus collegas precisa, para analysar as contas, que veem já todas documentadas do tribunal, acompanhadas de todos os esclarecimentos julgados necessarios, e onde poucos elementos porventura faltarão - não carecerá de remuneração, como não carece para desempenhar as árduas funcções que pertencem á commissão do orçamento, e as não menos pesadas e melindrosas que cabem á commissão de fazenda.

Parece que com este projecto se não teve em vista outra cousa senão promover, como no ominoso tempo dos rotativos, um largo jubileu.

Com effeito eleva-se a mais do dobro o ordenado do director geral de contabilidade.

Não serei eu que julgue injusto esse aumento, visto que a remuneração actual é inquestionavelmente exigua, senão mesquinha.

Mas não será tambem mesquinha a do Sr. director geral da thesouraria, cujas funcções são tambem de superior importancia?

Mas não serão tambem mesquinhas as remunerações de todos os directores geraes, e funccipnarios superiores de administração e justiça?

O Tribunal de Contas é uma magistratura superior, para elle pode ascender o director geral de contabilidade, no emtanto a remuneração dos membros d'aquelle tribunal é de 1:600$000 réis e a d'este fica de 4:500$000 réis.

Eu vejo já o Sr. Ministro da Fazenda e o illustre relator do projecto a objectarem-me que ficam muito aumentadas, gravemente oneradas as attribuições do Sr. director de contabilidade.

Enganam-se S. Exas., porque as attribuições não são aumentadas nem as responsabilidades acrescidas com a mais pequena sobrecarga.

De na 26 annos tambem, de ha mais de um quarto de seculo, que pela legislação vigente o Sr. director geral da contabilidade tem de visar todas as ordens de pagamento, porque outra cousa não é a obrigação de reconhecer a legalidade da despesa e o seu cabimento na autorização competente, pelo artigo 94.° do regulamento de 1881.

Ha mais de um quarto de século tambem que aos chefes das repartições de contabilidade (e o director geral é chefe superior) a lei impõe a responsabilidade por todos os pagamentos effectuados illegal ou irregularmente, e não só aos chefes, mas a todos os empregados.

E quando se fala em responsabilidade, não ha necessidade de dizer a civil ou criminal, porque na latitude da palavra ambas são abrangidas.

Poder-me-hão talvez retorquir com o grande argumento da vantagem e proficuidade da responsabilidade singular sobre a responsabilidade collectiva.

Eu não faria a injuria de suppor que V. Ex.as assim me responderiam, se não viesse essa pindarica razão estampada no relatorio, como d'aquellas que mais recommendam esta miseria, a que se chama reforma da contabilidade publica.

Não, a responsabilidade tambem aqui não é collectiva, é solidaria, quer dizer, todos os interventores na irregularidade ficam com a responsabilidade individual presa, que só não dilue entre elles que, ao contrario,, se pode effectivar para cada um.

Isto é elementar, mesmo para os que não sabem direito. Basta apenas ler as disposições applicaveis do diploma que regula a questão. É muito curioso!

Este projecto veio para apertar as redes da fiscalização, para fechar a porta, por uma severissima vigilancia, dos desperdicios da administração financeira, e, o que é mais, para moralizar a gerencia dos negocios publicos.

Pois muito bem; quanto a moral, faz do fiscalizado o fiscal; quanto á severidade, isenta de responsabilidade todos os interventores no abuso, para a centralizar num só, o que diminue as garantias não só da effectivação d'essa responsabilidade, mas torna difficil a descoberta de qualquer abuso. Mais.

E quanto ao cerrar das malhas dessa rede reduz a fiscalização, que era do director geral e do tribunal, apenas áquelle.

Ficamos muito peor que antes.

O tribunal alguns abusos tem cohibido, mas, se muitos outros tem deixado escapar, e se é essa a razão dessa transferencia de funcções, eu então direi que, mais uma vez, se tentou fazer poeirada, porque se é facto que esses abusos se deram, não é menos certo que já então a fiscalização era exercida pela contabilidade e se o tribunal não merece confiança, pelo seu passado (o que não ousa dizer, porque não seria exacto) igual desconfiança merece, a contabilidade publica pelo seu passado tambem. Parece que o que se quis foi por fora o tribunal. E, quando a todos os momentos, a propósito de tudo e a despropósito de muitas cousas, eu ouço dizer ao Sr. João Franco que respeita o poder judicial, e que a elle quer entregar as mais amplas attribuições, até aquellas que, como as da presidencia aos actos eleitoraes podem, se não macular-lhes a beca, inquinar-lha de suspeição, permitto-

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 27 DE 10 DE NOVEMBRO DE 1906 21

me sorrir e duvidar da sinceridade das suas palavras, porque o que eu vejo é, ora o Sr. João Franco tomar para si a competencia de julgar sobre a capacidade juridica, ora arrancar attribuições que legitimamente pertencem aos tribunaes, como a do visto e que pelo conhecimento legalista que exige, pela respeitabilidade que impõe sempre o julgamento de magistrados togados, e até pela consagração que a pratica dos outros países lhe tem dado, fica bem sob a sua alçada.

Eu comprehendia que se transplantasse para o nosso país o systema italiano.

Eu comprehendia que o tribunal tivesse sobre assuntos de despesa o veto absoluto. Eu comprehendia que, como no Brasil, o Sr. João Franco - que tanto diz amar e respeitar o poder judicial - fosse recrutar o seu pessoal á magistratura judicial, para que a independencia das funcções, a respeitabilidade de magistrados antigos e o habito da constante applicação da lei revestissem os julgamentos de toda a consideração.

Eu comprehendia que o Sr. João Franco, que quer, ao que diz, levantar a toda a altura o prestigio parlamentar, introduzisse, como na Belgica, como na Hollanda, como na Dinamarca, uma certa representação parlamentar no Tribunal de Contas; mas o que eu não entendo é que se arranque a funcção de maior efficacia para a boa gerencia das finanças publicas, a funcção preventiva á um corpo judiciario, independente, respeitado e consagrado, para a entregar nas mãos de um empregado que faça o que fizer, é sempre um empregado de confiança da administração. Ainda por outro lado! Regula por milhares o numero de ordens de pagamento, de despachos, de contratos, de nomeações e transferencias, que são sujeitas, durante o anno, ao visto do Tribunal de Contas.

O mappa junto o confirma. Como é que cabe nas forças de um homem só, por immensa que seja a sua capacidade de trabalho, por intensa que seja a sua actividade visar milhares de documentos? Impossivel, e. o projecto isso mesmo previu no artigo 60.° § 2.º, dizendo que o director geral da contabilidade possa requisitar até 10 empregados. Quem paga a esses empregados? Veem de outras repartições?

Hão de fazer falta no serviço, hão de lá ser substituidos.

Suppondo que sejam só amanuenses, e que ganham 400$000 réis; temos o total de 4:000$000 réis.

E vamos ficar sujeitos, no regime da virtude triumfante, a que a fiscalização dos dinheiros publicos seja dado a individuos sem a illustração correspondente ás suas funcções.

Substituiram-se juizes togados por amanuenses irresponsaveis.

No Tribunal de Contas havia para processar o serviço do visto sete empregados, um para cada Ministerio, a fim de se criarem especialidades, que são tanto mais necessarios quanto nós estamos num país em que se legisla e regulamenta constantemente, e uma das maiores difficuldades é saber a lei que está em vigor.

Mas esses 7 lá ficam e vão-se buscar mais 10. O projecto fez differença d'aquelles que eram apresentados no tempo dos rotativos, mas é em o jubileu ser maior, em maiores prebendas e benesses, em as garantias serem mais desprezadas e os serviços peor desempenhados.

O projecto, debaixo de todos os pontos de vista, representa um erro e um retrocesso, e constitue uma verdadeira burla.

O Sr. João Franco quer-se despojar de todo o arbitrio e cercar b executivo de tantas seguranças, que elle não possa transgredir as leis, como até hoje S. Exa. o diz, as tem transgredido.

E no entanto as seguranças que nos dá, as garantias que nos traz, são inferiores, são mais resumidas que aquellas que nós tinhamos ha mais de 26 annos.

O que succede por este projecto, que impede todas as arbitrariedades, se porventura o director geral não visa qualquer ordem de pagamento?

Reune o conselho de Ministros, e por decreto publicado no Diario do Governo pode mandar fazer a despesa.

O que succedia até esse regime de fiscalização, de entraves ao transe?

Era que, se o juiz do Tribunal de Contas não visava e remettia a ordem á contabilidade, esta, se o Ministro insistia, devolvia-lha para ser presente ao tribunal pleno.

Este deliberava e, se mantinha a recusa do visto, o Governo podia, depois de ouvido o conselho de Ministros, por decreto publicado no Diario mandar effectuar o pagamento.

Era de maiores embaraços para o Governo.

Que fez a virtude triumphante? Deslaçou o laço, abriu mais as malhas da rede.

Agora não se perde tempo a mandar ouvir o tribunal, não é preciso coragem para saltar sobre a deliberação de um alto corpo judiciario, basta apenas passar por cima de um funccionario dependente do Ministerio da Fazenda.

Eu chego a acreditar que quem fez este projecto ignorava que em Portugal existia uma lei e regulamento de contabilidade; que eu não posso suppor que o Governo e maioria se estejam a divertir comnosco, dando-nos gato por lebre.

Pois se é o arbitrio que V. Exa. quer corrigir, é exactamente o arbitrio que deixa mais á larga, mais á vontade.

Muito mais considerações tinha a fazer, que sinto não poder expor á Camara, por ter terminado a hora em que me é permittido usar da palavra.

Os meus collegas d'este lado se encarregarão porém de mostrar que, se o projecto é, por um lado, a reproducção, alguns em cansada terceira edição, dos preceitos que ha muito existem nas. nossas leis, na parte nova, representa mais que um mallogro, um retrocesso e um erro; mais do que isso, uma mystificação e uma burla!

Sr. Presidente: o nobre leader da opposição regeneradora, no seu notavel discurso sobre a Fala do Throno, apropriou com razão e com justeza, para algumas medidas do actual Governo, a celebre frase do Ministro de Luis Filippe, quando submetteu ao Rei, para a sanccionar, uma lei perniciosa e cujos resultados de antemão previa ruins, embora não tivesse coragem para a por de parte:

"- Senhor, sinto-me envergonhado de propor á real sancção uma lei como esta!"

Eu parafraseando a frase, direi:

- O Sr. Schrõter deve sentir-se envergonhado de trazer á discussão parlamentar um projecto como este. É uma vergonha!

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