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SESSÃO N.º 31 DE 16 DE MAIO DE 1893 3

fessores de instrucção primaria; regatearam-se enxergas para os hospitaes, e o fisco calcou sem piedade as industrias pobres e os pequenos lavradores. Em compensação deixava-se viver: á larga a riquissima industria do alcool de cereaes, de batata e de beterraba, como quem lucra e compraz em tripudear sobre o paiz immerso n'uma embriaguez profunda ! Não censuro os grandes nem os pequenos industriaes ou commerciantes do alcool. Trabalhavam, tratavam da sua vida, dos seus negocios. Queixo-me dos governos, que não trabalhavam, que não tratavam da vida e dos negocios do thesouro!

Tambem quero e devo consignar que, como consequencia da incuria e fraqueza dos governantes perante a actividade e intelligencia dos grandes industriaes e commerciantes de alcool, quasi todos importantes politicos locaes, e n'esta qualidade, irreconciliaveis inimigos uns dos outros, infelizmente, porém, só extra-muros das fabricas, é que, excepcionalmente em Portugal, ainda surgem pleitos fiscaes, deveras singulares.

Ha pouco mais de dois mezes, agentes fiscaes da segunda cidade do reino, apprehendem em nome da lei, em fabricas a dependencias de fabricas, cascos e tanques repletos de alcool industrial, declarando que, em face da lei, todo aquelle producto tinha sido subtrahido ao respectivo imposto. Vem depois outro agente fiscal, tambem graduado, o escrivão de fazenda do bairro, declarando tambem em nome da lei, que aquella apprehensão fôra iniqua, pois que todo o alcool confiscado já tinha pago os respectivos direitos.

E é n'estes termos, isto é, na duvida do thesouro ter ou não ter arrecadado uma tributação importante, na duvida de ter ou não ter existido um formidavel contrabando de alcool, que a questão segue para os tribunaes superiores!

Que legislação pois é esta, tão obscura ou tão complicada, tão imprevidente ou tão errada, que ainda dá origem a tão extraordinario pleito, permittindo duas interpretações tão contrarias, implicando, ou um criminoso vexame infringido aos cidadãos industriaes do alcool, ou uma descarada subtracção de direitos, cerceando os legitimos interesses do thesouro?

Depois d'este pleito um outro surgiu, provando que a confusão ou obscuridade da lei tambem alcança os proprios industriaes do alcool.

Passo a narrar singelamente esse novo ouriosissimo pleito.

No extincto gremio dos alcools, os seus principaes interessados residiam, uns em Lisboa e outros nos Açores. Pela falta de communicações telegraphicas, ou por outro qualquer motivo de força maior, não poderam entender-se a tempo, sobre a maneira de representarem harmonicamente contra o decreto que, abolindo o dito gremio, estabelecia ao mesmo tempo como taxa legal do imposto de producção do alcool - a de 100 réis por litro. Por isso succedeu o seguinte: emquanto os interessados na existencia do gremio, residentes nos Açores, representavam contra o decreto de 2 de março ultimo, declarando em officio dirigido ao sr. ministro da fazenda que, em face da lei, a taxa legal do imposto era de 50 réis por litro, os interessados do mesmo gremio, residentes em Lisboa, representando contra o mesmo decreto, declamavam no recurso n.° 9:061, porante o supremo tribunal administrativo que, em face da lei, a taxa legal do imposto era de 20 réis! E assim está a questão.

O sr. ministro da fazenda, dizendo que, em nome da lei, a taxa do imposto de producção do alcool é de 100 réis por litro; - uns, do extincto gremio que, em nome da lei, essa taxa é 50 réis por litro; - outros, do mesmo extincto gremio, e sempre em nome da lei, que essa taxa e de 20 réis por litro!

De maneira que no actual momento ainda se discute qual seja a lei que tribute a industria de alcool, e qual seja essa tributação, se de 100, de 50 ou 20 réis por litro Dizei-me em que nação da Europa se nota tanto tanto, tanta indisciplina, tanta chicana como a que se observa em Portugal na tributação da antiquissima, universal e rica industria do alcool! Uma garrafa de vinho apprehendida nas barreiras por um soldado da guarda fiscal é logo tributada, com custas e multa, alem dos incommodos e vexame do portador, quantos vezes um probo respeitador e martyr das exigencias do thesouro. Para estes casos a lei fiscal é clara e terminante; mas para 10.000:000 de litros do alcool, em grandes cascos, saídos de grandes fabricas, ainda não ha lei clara e terminante. Ainda, hoje em Portugal os tribunaes têem gravemente de estudar o assumpto, para decidirem que lei obriga os productores d'esse alcool a pagarem imposto, e qual seja a taxa legal do referido imposto!

Esta verdadeira anarchia fiscal que tem trazido os governos subordinados, umas vezes por caricias varias, e outras vezes por variadas ameaças, - não é nova em Portugal. Chega a irritar quando, com as provas na mão, se póde dizer que, como arma de guerra politica e de corrupção eleitoral, já se desceu em Portugal a zombar cruelmente do sagrado respeito que deve merecer a hygiene e saude publica, legislando-se com o maior impudor pela fraude e sua prosperidade. Havia muitos seculos que em frança o vinho de uva, já era considerado, para todos os effeitos, incluindo os de imposição fiscal, como digno do ser muito menos difficultado na sua producção, transito, venda e consumo, do que o vinho artificial extrahido de outros quaesquer fructos.

Na assembléa dos estados geraes de 1360, em França, á se encontra esboçada a protecção ao vinho de uva. A grande revolução de 1789, pelas leis de 25 de março e 5 de novembro de 1790, decretou, póde dizer-se, que para todo mundo civilisado, a maior protecção pelo vinho de uva. E assim se começou a praticar, inserindo-se invariavelmente na legislação de todas as nações cultas, a mais leal protecção por aquelle vinho, uma das industrias mais sympathicas, uteis e salubres, a que os povos se podem entregar.

E por outro lado nunca se esqueciam os legisladores de difficultar directamente ou indirectamente, pelo imposto prohibitivo, a producção, transito e consumo do chamado vinho artificial, isto é, do liquido extrahido de quaesquer fructas, que não fossem a uva. Em Portugal, porém, já se chegou a legislar de uma maneira absolutamente differente, porque assim o exigiram calculos, transigencias ou conveniencias eleitoraes, cuja narração não e para aqui. Bastará dizer que em portaria datada do paço da Ajuda em 21 do maio de 1862, ordenou-se, pelo ministerio da fazenda, que ao imposto do real de agua só ficaria sujeito o vinho extrahido da uva, e que outro qualquer vinho artificial, proveniente de fructas ou plantas era completamente livre de imposto para o thesouro publico!

É preciso dizer a verdade inteira. A culpa não está só nos governos e nos ministros da fazenda. A culpa está tambem nas commissões de fazenda, e principalmente na propria camara em toda a camara, sem distincção de partidos.

Em 1891, descobria-se officialmente que o paiz estava realmente caminhando por essa via dolorosa chamada crise, cujo fim ainda ha artes para disfarçar ou encobrir. O thesouro publico precisava dinheiro e por isso é apresentada a proposta de lei de 18 de dezembro de 1891, começando logo por estabelecer no artigo 1.° que as fabricas de alcool pagariam annualmente ao estado a quantia minima de 400:000$000 réis.

A designação da quantia minima de 400:000$000 réis matou o projecto. E nem o governo, nem o ministro da fazenda, nem as commissões de fazenda, nem a camara, tiveram forças para assegurar ao thesouro aquella receita, minima.